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São Paulo, 25 de maio de 2023.
OFÍCIO NCDH Nº 351/2018
Ref.: Propostas de Recomendação
Honorável Comissionada Esmeralda Arosemena de Troitiño,
O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo (NECDH), criado pela Lei Complementar Estadual
n.º 988 de 09 de janeiro de 2006, conforme sua atribuição legal de “promoção de
direitos humanos” (art. 134 da Constituição Federal de 1988) e função de
“representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos,
postulando perante seus órgãos” Art. 4º da LC 80/94, vem, respeitosamente,
apresentar as seguintes propostas de recomendação para a superação do quadro
sistemático de mortes causadas por agentes de segurança pública:
1. Desmilitarização da Polícia Militar:
Sugestão de redação: Desmilitarização da Polícia, garantido o “ciclo único
de polícia”, fomentando a educação em Direitos Humanos em toda formação
dos(as) policiais, do ingresso à formação continuada, com a aprovação de Planos
Estaduais de Educação em Direitos Humanos, conforme previsão do Programa de
Ação de Viena de 1993 e Plano Nacional de Educação em Direito Humanos.
Justificativa: Diferentemente de outros países da América Latina, o Brasil é
um dos únicos países que ainda não realizou uma verdadeira justiça de transição –
investigação e punição dos crimes praticados durante o período militar – de modo
que não foi permitido que a população tivesse acesso à verdade daquele período.
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Dessa forma, mesmo após a retomada da democracia, a polícia
brasileira manteve resquícios de métodos repressivos. Exemplo claro é atuação da
polícia ostensiva, que tem caráter militar, ou seja, formada na lógica do combate ao
inimigo e conflito de guerra, visando proteger em primeiro lugar o Estado, em
detrimento do respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.
Em 2016, a ONU denunciou o Brasil no Conselho de Direitos Humanos
por não punir policiais que matam.
Também no âmbito da ONU, na Revisão Periódica de 2012, a Dinamarca
recomendou ao Brasil: “Trabalhar no sentido de abolir o sistema separado da
polícia militar ao implementar medidas mais eficazes para vincular o
financiamento estatal ao cumprimento das medidas destinadas a reduzir a
incidência de execuções extrajudiciais pela polícia”.
Na RPU de 2017, o Reino Unido sugeriu: “introduzir o treinamento
obrigatório de direitos humanos para as instituições policiais e implementar um
programa de policiamento baseado em evidências, para reduzir as mortes por ação
policial em 10% em relação ao ciclo da Revisão Periódica Universal”
2.Efetivação do Controle Externo da Atividade policial por meio de
promotorias públicas especializadas
Sugestão de Redação: Recomenda-se que o Brasil institua Promotorias
Especializadas em Segurança Pública, com âmbito regional, de modo a cumprir o
determinado no art. 129, inc. VII da Constituição Federal de 1988, com atribuição
para controle externo da atividade policial, especialmente da polícia militar, de
maneira difusa e coletiva. Para casos complexos, especialmente os envolvendo
chacinas ou homicídios múltiplos com mesmo modus operandi, tal controle deverá
ser, desde o início, exercido pelo Ministério Público Federal em total cooperação
com as autoridades estaduais.
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Justificativa: Cabe ao Brasil, por meio dos órgãos do sistema justiça,
adotar medidas para prevenir, investigar e punir os responsáveis por violações de
direitos humanos resultantes de atos de violência por agentes do Estado.
Considera-se essencial a construção de mecanismos que projetem uma
política de segurança pública consubstanciada numa política pública de Estado.
Isso significa pautar a segurança pública como campo multidisciplinar, estabelecer
claramente as ações no seu âmbito, com começo, meio e fim, e com objetivos claros
que devidamente monitorados para fins de avaliação constante de sua efetividade.
Assentada essa premissa, sugere-se a criação de órgão no Ministério Público -
Promotoria de Segurança Pública -, com competência e prerrogativas para
articular com outros agentes, dentro ou fora da esfera pública, o monitoramento
das ações e objetivos da política de segurança pública traçados pelo Executivo,
assim como do respeito pelos agentes públicos executores direitos e indiretos da
referida política da legislação atinente aos direitos humanos e à lisura
administrativa, superando os estreitos limites da política de segurança pública
como mera persecução penal para combate da criminalidade.
O controle externo da polícia não envolve apenas a apuração criminal de
casos de violência policial ou abuso de autoridade. Esse tipo de controle deve
ocorrer exclusivamente no âmbito da ação penal – motivo pelo qual caberia
essencialmente a outras Promotorias (Criminal ou do Júri), e não à Promotoria de
Segurança Pública ora sugerida. Deve passar também por buscar a) transparências
dos Procedimentos Operacionais Padrão de atuação policial, que devem ser
públicos; b) atuação nas falhas e deficiências nos laudos periciais, tanto do local do
fato, quanto perícias necroscópicas, sendo necessária a participação da Polícia
Científica, IML e demais autoridades competentes, no debate e aperfeiçoamento do
sistema de perícias no Estado de São Paulo; c) combate
à criminalização das Comunidades e expressões culturais como funk, hip hop,
break, etc. Há muitos relatos de que em algumas comunidades é imposto toque de
recolher e que há repressão de jovens quando estes utilizam do espaço público
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para recreação. É necessário mapear estas violações e dar uma resposta efetiva a
este tipo de prática, além de tratar da questão além da ideia de segurança pública
em seu viés repressivo, mas instar promotores(as) a cobrarem políticas públicas
para a juventude periférica, voltada à educação, lazer, esporte, trabalho, saúde e
demais direitos sociais.
Sugere-se, ainda, que em sede de atuação penal excepcional por parte do
Ministério Público Federal, priorize-se a atuação em casos de grande complexidade
e gravidade, como nos casos de chacinas. A devida apuração das circunstâncias e
responsabilização dos agentes envolvidos, em muitos desses casos complexos,
podem ser mostrar inefetivas, em parte por conta das dificuldades inerentes a esse
tipo de situação, mas também por insuficiência de suporte estatal. Por isso, nesses
casos, considera-se que a atuação penal por parte da Promotoria de Segurança
Pública do Ministério Público Federal e Estadual se faria estratégica.
3. Restauração da dignidade das vítimas
Sugestão de Redação: Recomenda-se que o Brasil garanta, facilite,
promova e respeite o direito das vítimas de participação efetiva em todos as fases
do processo, sem receios de represálias, aprimorando-se e investindo-se nos
programas de proteção de vítimas e testemunhas para casos extremos (PROVITA e
PEPECAM), mas adotando medidas legislativas ou de outra natureza para que
programas de proteção com medidas menos gravosas às vítimas sejam também
disponibilizados.
Justificativa: O enfoque no combate à criminalidade puramente pela via
penal acaba, frequentemente, fazendo com que os esforços estatais se canalizem no
sucesso da persecução penal, relegando a segundo plano a restauração da
dignidade da vítima. Aqui, ressalte-se que a pretensão punitiva não
necessariamente corresponde à restauração do direito das vítimas – que são,
justamente, o sujeito tutelado. Por isso, mesmo em caso de ações penais de Rua Boa Vista, 103 – 2º andar – São Paulo/SP – CEP: 01014-001 – Tel: (11) 3107-5080
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iniciativa pública, é preciso que as vítimas tenham seus interesses priorizados na
atuação do Ministério Público, dentro dos limites legalmente impostos.
Apesar da existência de recomendação pela Corregedoria do MP-SP para
que as promotorias criminais atendam familiares das vítimas e também ouçam na
própria promotoria as testemunhas que tenham medo de depor na delegacia, nem
sempre tal recomendação é seguida.
O acesso facilitado às peças produzidas no inquérito por parte dos
familiares também não é garantido, sendo tal obrigação, de passar infomações de
seu conteúdo, dos(as) delegados(as) e dos(as) promotores(as) de justiça, sendo
que há relatos de que tem sido negado tal direito quando há participação de
policiais na ocorrência;
Em razão do temor de represálias e corriqueiras ameaças sofrida por
pessoas em casos envolvendo violência institucional, há urgência na elaboração de
uma política institucional do Ministério Público para oitiva protegida de pessoas
em tais condições, bem como aperfeiçoamento dos Programas PROVITA e PPCAM,
uma vez que estes impõem medidas muito gravosas e que podem significar uma
nova vitimização.
4. Fortalecimento e Ampliação do trabalho das Defensorias Públicas
Sugestão de Redação: Fortalecer e ampliar o trabalho das Defensorias
Públicas em todos o país, de modo a garantir a expansão no atendimento de
vítimas de violências, inclusive praticada por agentes de Estado, viabilizando o
cumprimento da Emenda Constitucional 80/2014, que fixa o prazo de oito anos
para que a União, os estados e o Distrito Federal dotem todas as comarcas de
defensores públicos, também em observância às Resoluções da OEA nº
2.656/2011, 2.714/2012, 2.801/2013, 2.821/2014 e 2.887/2016.
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Justificativa: A Defensoria Pública tem como missão institucional a
promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e
extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita1.
É preciso consolidar caminhos institucionais para encaminhar denúncias de
violência desproporcional sofrida por estas pessoas.
Por outro lado, parentes de pessoas vítimas de violência letal
frequentemente relatam temer retaliações contra si ou contra outros familiares
caso acionem qualquer instância oficial para buscar reparação pelos danos
sofridos. Nestes casos, a Defensoria deve tomar todas as providências ao alcance
para assegurar esta reparação às vítimas ou a seus familiares.
A Resolução 60/147 da Assembleia Geral da ONU, que estabelece Princípios
e diretrizes básicos sobre o direito das vítimas de violações manifestas das normas
internacionais de direitos humanos e violações graves do direito internacional
humanitário, define diversas formas de reparação, as quais são atribuição da
Defensoria buscar tais medidas de maneira extrajudicial e judicialmente.
Neste sentido, toda vítima de violência policial tem interesse jurídico no
acompanhamento do inquérito policial, do processo penal e do procedimento
correcional, bem como tem direito a pleitear reparação no cível perante a fazenda
pública, ou mesmo pela via administrativa, com pedido indenizatório aduzido na
Procuradoria do Estado. A assistência jurídica integral deve atentar para todos
estes aspectos.
Igualmente, os parentes de vítimas de violência letal têm interesse no
acompanhamento do processo penal e do procedimento correcional, bem como o
direito a reparação, que poderá estar fundada no próprio fato morte; nas falhas
estatais nas investigações e na consecução do direito à verdade e à justiça; e na
1 Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
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inércia estatal na identificação da pessoa falecida e na comunicação do falecimento
à família.
Infelizmente, de acordo com a
Associação Nacional de Defensoras e
Defensores Públicos, o Brasil tem hoje
5.900 defensores para oferecer apoio
jurídico à população vulnerável. No
entanto, seriam necessários mais 6 mil
profissionais, mais que o dobro dos que
existem hoje.
Segundo o Ministério da Justiça, o
ideal é que um defensor público atenda
um grupo de 15 mil pessoas. Embora
São Paulo tenha 750 defensores
públicos, o estado é o que mais carece
desses profissionais. Ele é o primeiro no
ranking de estados com maior
defasagem: um profissional atende 22
mil pessoas.
5. Controle disciplinar efetivo exercido pelas Corregedorias das Polícias
Sugestão de Recomendação: Recomenda-se o fortalecimento e maior
autonomia da Ouvidoria e das Corregedorias de Polícia, com corpo técnico provido
por profissionais de carreira própria e específica para tal atividade de controle de
desvio, proibindo-se qualquer forma de delegação da atividade de apuração para
setores de disciplina do próprio Batalhão da pessoa investigada, garantindo-se: a)
o afastamento imediato dos serviços de policiamento ostensivo ou de missões
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externas, ordinárias ou especiais, de todos os policiais envolvidos em ações que
resultarem em morte, até que se esclareçam as circunstâncias do fato e as
responsabilidades; b) que todos os policiais envolvidos em tal ação que resultou
em morte, não participem de processo de promoção por merecimento ou por
bravura, até que se esclareçam as circunstâncias do fato e as responsabilidades; c)
o acompanhamento psicológico constante aos policiais envolvidos em mortes
decorrentes de intervenção policial;
Justificativa: As medidas hora sugeridas já estão todas previstas da
Resolução n. 8 de 21 de dezembro de 2012, do Conselho de Defesa dos Direitos
Humanos, todavia, não vem sendo respeitadas na prática.
Além disso, há receios que a Ouvidoria da Polícia sofra ataques em relação
à sua autonomia, consubstanciado em projetos de lei que tem tentado alterar a
foram de escolha do Ouvidor da Polícia, que hoje é realizado pela sociedade civil.
Aproveitamos a oportunidade para externar nossos protestos de
consideração e apreço.
Rafael Lessa Vieira de Sá MenezesDefensor Público do Estado de São Paulo
Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
Davi Quintanilha Failde de AzevedoDefensor Público do Estado de São Paulo
Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
Daniela Batalha TrettelDefensora Pública do Estado de São Paulo
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