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Departamento de Direito
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VIÉSES IMPLÍCITOS DOS JURADOS E A CARACTERIZACÃO DE
HOMICÍDIO PRIVILEGIADO NO BRASIL
Aluno: Diego Borghetti de Queiroz Campos Orientador: Noel Struchiner Co-Orientador: Ivar Hannikainen
Sumário: 1. Introdução – 1.1 Do Homicídio Privilegiado – 1.2 Da Competência do Tribunal do Júri – 1.3 Da Seleção dos Jurados – 1.4 Dos Viéses Implícitos – 1.5 Da Relação Entre Viéses e a Caracterização de Homicídio Privilegiado e da Necessidade de se Conduzir Um Experimento – 2. Objetivo – 3. Metodologia Do Experimento – 3.1 A Vinheta – 4. Dos Resultados e Discussões – 4.1 Da Análise Do Experimento – 5. Da Conclusão – 6. Referências 1. Introdução
O presente trabalho examina a tese de que a ausência de definição e esclarecimento em
lei do conceito de “relevante valor moral” presente no dispositivo legal que prevê o homicídio
privilegiado contribui para que o processo de tomada de decisão do jurado esteja mais
suscetível a problemas de parcialidade e viéses, e gera, consequentemente, sérios riscos aos
princípios de igualdade, isonomia de julgamento e imparcialidade. Para que a tese supracitada
fosse devidamente avaliada foi conduzido um experimento sobre os viéses dos jurados na
decisão de caracterização de homicídio privilegiado.
Esse trabalho encontra-se dividido em seis partes. A introdução por sua vez possui
cinco subtítulos, pois ela fornece a explicação de uma série de conceitos que são de suma
importância para a compreensão da metodologia do experimento, dos seus resultados e
conclusões.
1.1 Do Homicídio Privilegiado
O caput do artigo 121 do Código Penal Brasileiro prevê a figura do homicídio simples.
De acordo com esse dispositivo legal, o ato de matar alguém resulta em uma pena de reclusão
de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. O parágrafo primeiro desse mesmo artigo introduz, por sua vez,
um caso de diminuição de pena denominado pela doutrina de homicídio privilegiado.
De acordo com o texto legal, existem algumas hipóteses em que o juiz pode
caracterizar o crime como sendo homicídio privilegiado, e consequentemente aplicar uma
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redução de pena. Por motivo de maior clareza, os dispositivos de lei citados estão transcritos a
seguir:
Homicídio simples Art.121. Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de diminuição de pena
§ Se o agente comete o crime impelido por relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.1
Diante de exposto, observa-se que o parágrafo primeiro prevê três hipóteses que
admitem a caracterização do homicídio privilegiado. A primeira delas ocorre quando um
sujeito comete um crime por algum motivo de relevante valor moral, devendo-se esclarecer
que o relevante valor moral é aquele que se refere à pessoa do agente. Um exemplo clássico
citado por Rogério Greco em seu “Código Penal Comentado” a respeito dessa hipótese é a de
quando um pai mata o estuprador de sua filha. De acordo com esse doutrinador, o sujeito que
cometeu o homicídio nesse exemplo, claramente se sentiu motivado a cometer o crime por um
relevante valor moral. Em suma, pode-se considerar o relevante valor moral como sendo
“aquele que, embora importante, é considerado levando-se em conta os interesses do
agente”2.
A segunda hipótese descrita no parágrafo único é a de relevante valor social. Essa, por
sua vez, está caracterizada quando o sujeito comete um crime por algum motivo que interessa
à comunidade. Nas palavras de Rogério Greco, “relevante valor social é aquele motivo que
atende aos interesses da coletividade. Não interessa tão somente ao agente, mas, sim, ao
corpo social.3” O exemplo citado por esse autor que melhor representa esse caso é o da morte
de um traidor da pátria.
A última hipótese é a de quando um sujeito comete um homicídio sob o domínio de
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. A lei não define o que é
1 Código Penal Brasileiro. 2 Greco, Rogério. Código Penal Comentado. Editora: Impetus. 6a ed. 2012. P. 276. 3 Greco, Rogério. Código Penal Comentado. Editora: Impetus. 6a ed. 2012. P. 276
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logo em seguida, contudo, a doutrina determina que deve haver contemporaneidade entre a
injusta agressão e a violenta emoção. Ademais, de acordo com Greco, “sob o domínio
significa que o agente deve estar completamente dominado pela situação.4” Um exemplo
recorrente dessa hipótese é a de quando um sujeito mata o seu cônjuge logo após flagra-lo em
um momento de traição.
Embora tenhamos observado todas as hipóteses que podem levar à caracterização de
homicídio privilegiado, para o escopo desse trabalho, apenas a primeira será analisada. Ou
seja, o experimento testará apenas se a ausência de definição e exemplificação em lei do
conceito de “relevante valor moral” presente no dispositivo legal que prevê o homicídio
privilegiado torna o processo de tomada de decisão do jurado mais suscetível a problemas de
parcialidade e viéses.
1.2 Da Competência do Tribunal do Júri
De acordo com o parágrafo primeiro do artigo 74 do Código Processual Penal
Brasileiro, “compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos art. 121
parágrafos 1o e 2o, 122 parágrafo único, 123, 124, 125, 126, 127 do Código Penal,
consumados ou tentados.5” Disso se extrai que o Tribunal do Júri tem competência para julgar
crimes conexos e crimes dolosos contra a vida, como por exemplo, o homicídio doloso,
infanticídio, participação em suicídio e o aborto. Ademais, é imprescindível observar que os
jurados decidem somente a matéria de fato.
Diante do exposto, observa-se que o Tribunal do Júri é quem possui a competência
para analisar a caracterização do homicídio privilegiado. Cabendo assim, aos jurados,
decidirem se o determinado caso em análise deve ou não se enquadrar nessa hipótese.
1. 3 Da Seleção dos Jurados
Uma vez observado que são os jurados os responsáveis por caracterizar ou não o
homicídio como sendo privilegiado, torna-se imperioso compreender quem são as pessoas
selecionadas para formar o tribunal do júri e qual é o mecanismo de seleção de jurados
previsto na legislação nacional. 4 Greco, Rogério. Código Penal Comentado. Editora: Impetus. 6a ed. 2012. P. 277 5 Código Processual Penal Brasileiro.
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O doutrinador, Guilherme de Souza Nucci, afirma que “Os jurados são selecionados
dentre cidadãos de notória idoneidade, com mais de dezoito anos, isento os maiores de
setenta anos, que requeiram sua dispensa.6” O parágrafo 2o do artigo 425 do Código de
Processo Penal prevê, por sua vez, que “o juiz presidente buscará requisitará as autoridades
locais, associações de classe e de bairros, instituições de ensino em geral, entidades
associativas e culturais universidades, sindicatos, repartições públicas, e outros núcleos
comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de
jurado.7”
Contudo, de acordo com Nucci, “a colheita dos nomes de jurados para compor as
listas do Tribunal do Júri se faz, na maioria das Comarcas brasileiras, de modo aleatório,
sem conhecimento direito e pessoal do magistrado em relação a cada um dos indicados.
Utiliza-se a há anos, como regra, a listagem dos cartórios eleitorais, que coletam vários
nomes, enviando ao juiz presidente. Dificilmente cumpre-se o disposto no parágrafo 2o deste
artigo, perscrutando interessados em associações de classe... O máximo que se faz, após o
recebimento das listas formadas aleatoriamente nos cartórios eleitorais, é uma pesquisa de
antecedentes criminais.8“.
Diante do exposto, podemos concluir que os jurados são selecionados a partir de
listagem de cartórios eleitorais, e raramente são utilizados mecanismos mais seletivos de
seleção de jurados, tais quais aqueles presentes no parágrafo 2o. Entre esse primeiro
mecanismo de seleção e a escolha final dos jurados que irão compor o Tribunal existem uma
série de outras fases nesse processo, contudo, elas não serão relevantes para o escopo do
presente trabalho.
1.4 Dos Viéses Implícitos
Nas últimas décadas foram publicados uma multiplicidade de obras, artigos e
experimentos sobre os fatores que afetam a tomada de decisões de agentes. Muitos deles,
inclusive, buscaram analisar a forma na qual viéses implícitos influenciam as decisões de
6 Nucci, Guilherme S. Código de Processo Penal Comentado. 5th ed. Rio De Janeiro: Forense, 2014. P. 905 – 906. 7 Código de Processo Penal Brasileiro. 8 Nucci, Guilherme S. Código de Processo Penal Comentado. 5th ed. Rio De Janeiro: Forense, 2014. P. 893.
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jurados e juízes. Existe hoje toda uma literatura, que afirma que as decisões de jurados são
frequentemente influenciadas por certos vieses implícitos.
Diferentemente dos vieses explícitos, os implícitos são aqueles em que os sujeitos não
tem ciência de que os possui. Muitos indivíduos acreditam ser imparciais e não portar certos
preconceitos, contudo, experimentos tem demonstrado que essa crença costuma ser
injustificada.
Um dos testes que tem melhor evidenciado esses preconceitos implícitos são os
Implicit Association Tests. De acordo com o pesquisador Brian Nosek, as estatísticas dos
IATs evidenciam que a maioria das pessoas que dizem não fazerem julgamentos enviesados e
preconceituosos acabam demonstrando através do teste, terem fortes julgamentos enviesados
implícitos.
Um dos estudos recentes mais marcantes a respeito da influência dos viéses no
processo decisório dos jurados foi um conduzido pelos professores Patrick Bayer, Shamena
Anwar e Randi Hjalmarsson. Os pesquisadores supracitados examinaram mais de 700
julgamentos de casos criminais de competência do tribunal do júri que ocorreram entre os
anos 2000 e 2010 nos condados de Sarasota e Lake na Florida. Entre as conclusões desse
experimento está a de que “Defendants of each race do relatively better when the jury pool
contains more members of their own race”9. Ou seja, observa-se aqui um claro víeis. Esse
estudo indica que fatores que não deveriam interferir no processo de decisão como, por
exemplo, as cores de pele do jurado e do réu, acabam na verdade o afetando.
Outra modalidade de estudo que tem demonstrado esses viéses são as analises de MRI.
Através dela, o neurocientista Jason Mitchell da universidade de Harvard concluiu, por
exemplo, que o cérebro humano utiliza conjuntos de neurônios diferentes ao pensar em
pessoas diferentes, e que o nível de identificação que a pessoa tem com a outra é o que
determina qual conjunto de neurônios é ativado.10
Em seu livro denominado de Psicologia Social, David G Myers, analisa uma série de
estudos que revelam vieses implícitos de jurados. Dentre eles, está o estudo conduzido por
Michael Efran em 1974. Nesse estudo perguntou-se aos participantes se a atratividade deveria
9 Bayer, Patrick, Randi Hjalmarsson, and Shamena Anwar. "The Impact of Jury Race in Criminal Trials." The Quarterly Journal of Economics (2012) 10 Levinson, Justin D., and Robert J. Smith. Implicit Racial Bias across the Law. Cambridge: Cambridge UP, 2012.
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afetar o julgamento de presunção de culpa. Os participantes responderam que não. Contudo,
ao testar essa hipótese através do experimento, ficou comprovado que sim, pois “Quando
Efran deu a outros estudantes uma descrição do caso com uma fotografia de um réu atraente
ou não atraente, eles julgaram o mais atraente menos culpado e condenaram aquela pessoa a
uma pena menor.11“.
Um experimento conduzido pro Paul Amato em 1979, por sua vez, “fez estudantes
Australianos lerem evidências relativas a uma pessoa de direita ou de esquerda acusada de
um assalto motivado por questões políticas. Os estudantes julgaram menos culpado quando
as visões políticas do réu eram semelhantes as suas.12” Isso demonstra, novamente, uma outra
forma de viés implícito no processo decisório.
Cabe observar, ainda, os estudos de Jones & Kaplan e Mazella & Feignold, que
demonstraram que “quando a raça de um réu se encaixa em um estereótipo de crime –
digamos, um réu branco acusado de desfalque ou um negro acusado de furto de imóvel-,
jurados simulados oferecem veredictos negativos e punições.13”
Sonja Starr, professora de direito da Universidade de Michigan, concluiu também
recentemente que homens recebem sentenças 63% maiores do que mulheres em crimes
comparáveis. Outro estudo extremamente relevante a respeito desses vieses implícitos foi um
conduzido por Zebrowitz-McArthur em 1998. Essa pesquisa concluiu que “adultos com rosto
de bebê pareciam mais inocentes e foram considerados culpados com mais frequência por
crimes de mera negligência, mas com menor frequência por atos criminais intencionais.14”
Em outro experimento, Esses e Webster concluíram que quando pessoas pouco
atraentes eram condenadas, elas também acabavam sendo consideradas mais perigosas.15 Por
último cabe fazer uma breve referência aos estudos realizados por Mark Alicke e Teresa Davis
e por Michael Enzle e Wendy Hawkins, que demonstraram que “os julgamentos dos jurados
de culpa e punição podem ser afetados pelas características da vitima.16”.
Vemos que todos esses estudos revelam uma série de vieses implícitos que afetam o
processo de tomada de decisão. As pessoas raramente possuem conhecimento a priori de que 11 Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 438. 12 Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 439. 13 Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 439 14 Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 438 15 Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 438 16 Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 438
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seu julgamento é parcial e sujeito a preconceitos. Pode-se observar que os diversos vieses
implícitos apresentam riscos ao processo de tomada de decisão, pois eles levam os jurados à
decisões parciais, e consequentemente violam os princípios de igualdade, isonomia do
julgamento e imparcialidade.
1.5 Da Relação Entre Viéses e a Caracterização de Homicídio Privilegiado e da Necessidade
de se Conduzir Um Experimento
Conforme foi exposto anteriormente, o Código Processual Penal Brasileiro prevê que o
Tribunal do Júri é o competente para caracterizar um homicídio cometido como sendo
privilegiado. O Código Penal elenca no parágrafo primeiro do artigo 121, as três hipóteses que
permitem essa caracterização, dentre elas a hipótese denominada de relevante valor moral.
O problema com esse dispositivo é que ele se encontra em uma zona de penumbra,
pois não define ou exemplifica quais são os valores moralmente relevantes para o direito
brasileiro. Não há nenhuma taxatividade, exemplificação ou orientação na legislação penal
sobre quais situações devem ser interpretadas como sendo moralmente relevante ou não. A
decisão dos jurados torna-se, portanto, totalmente subjetiva ao juízo crítico dos jurados. A
falta de orientação da norma e o espaço para o jurado fazer uma decisão completamente
subjetiva geram decisões mais suscetíveis aos diversos vieses descritos na seção anterior.
Diante desse quadro, um experimento foi conduzido com o intuito de investigar se as
decisões dos jurados no caso específico de caracterização de homicídio privilegiado são de
fato afetadas por viéses. Sustenta-se aqui que as características físicas dos sujeitos envolvidos
vão afetar as decisões a respeito do que é ou não moralmente relevante.
2. Objetivo
O objetivo do presente trabalho é de demonstrar através de um experimento que a
ausência de definição e exemplificação em lei do conceito de “relevante valor moral” presente
no dispositivo legal que prevê o homicídio privilegiado colabora para que o processo de
tomada de decisão do jurado seja mais suscetível a problemas de parcialidade e vieses, e gera,
consequentemente, sérios riscos aos princípios de igualdade, isonomia de julgamento e
imparcialidade.
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3. Metodologia Do Experimento
Esse experimento baseia-se em uma pesquisa quantitativa baseado em vinhetas.
Busca-se simular o processo decisório que jurados têm que fazer na hora de caracterizar uma
determinada situação como sendo um homicídio privilegiado.
Um questionário que narra um caso hipotético onde um pai enfurecido mata o sujeito
que estuprou sua filha foi elaborado. Conforme vimos anteriormente, esse caso hipotético é
justamente o exemplo citado na doutrina penal de um caso típico de hipótese de relevante
valor moral. Junto ao caso descrito foram anexados as fichas criminais do autor do crime de
estupro, do autor do crime de homicídio e da vítima do estupro. Cada ficha criminal continha
algumas informações irrelevantes para o caso e as fotos dos sujeitos supracitados.
Nas páginas subsequentes do questionário tinha-se uma pergunta que pedia para que o
participante agisse como um jurado e qualificasse, com base na redação do parágrafo primeiro
do artigo 121 do Código Penal, o homicídio como sendo privilegiado ou não. Em seguida, o
questionário demandava que o jurado determinasse se a redução de pena a ser aplicada deveria
ser de 1/6 ou 1/3. Por último, os participantes eram indagados a atribuir qualquer redução de
pena dentre as opções elencadas na questão.
Oitenta questionários narrando o mesmo caso e fazendo as mesmas perguntas foram
distribuídos, contudo, havia uma diferença crucial entre os questionários: as fotos da vítima do
estupro, do autor do estupro e do autor do homicídio mudavam. Havia ao total, quatro
combinações de fotos, portanto, tinham-se quatro grupos de questionários.
Na primeira combinação de fotos, a vítima do estupro era negra, o estuprador branco e
o sujeito que cometeu o homicídio era negro (Grupo 1). Na segunda, a vítima do estupro era
negra, o estuprador negro e o sujeito que cometeu o homicídio era negro (Grupo 2). Na
terceira, por sua vez, a vítima era branca, o estuprador era branco e o sujeito que cometeu o
homicídio era branco (Grupo 3). Por último, na quarta combinação de fotos, a vítima do
estupro era branca, o estuprador negro, e o sujeito que cometeu o homicídio era branco (Grupo
4).
Vinte cópias de cada um dos quatro grupos foram distribuídas, totalizando um número
total de oitenta questionários. A única mudança de uma foto para a outra era o sujeito da foto
em si, pois as condições e expressões faciais dos sujeitos das fotos eram basicamente
idênticas. Todas as fotos utilizadas foram impressas em preto e branco. As fotos utilizadas
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foram retiradas dos seguintes bancos de dados: Glasgow Unifamiliar Face Data-base17,
Utrecht ECVP18 e The ORL Data-base of Faces19.
Segue quatro exemplos das fotos utilizadas:
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Os questionários foram todos distribuídos aleatoriamente em diversos ambientes, tais
como universidades e lugares públicos, afinal, o objetivo era o de reproduzir o caráter
aleatório de seleção de jurados previsto na legislação brasileira. Cada participante respondeu
apenas uma das quatro vinhetas. Os únicos requisitos para poder respondê-la era o de obter
um título de eleitor e ser maior de idade, afinal, como vimos anteriormente, esse é o único
requisito necessário para ser um jurado.
O fato dos sujeitos serem de diferentes raças pode ter causado algum víeis racial em
alguns participantes, contudo, como vimos, existe uma pluralidade de outros viéses suscetíveis
a afetar também os indivíduos julgando; tais como viéses de identificação e viéses de
atratividade. Portanto, o objetivo estabelecido para essa pesquisa era apenas o de averiguar se
a simples alteração das fotos iria afetar a decisão dos participantes. Não houve nenhuma
tentativa de buscar controlar variáveis de seleção de jurados com o intuito de analisar um viés
específico. Buscava-se tão somente observar a influencia dos vieses como um todo. Uma
possível alteração da decisão de um grupo para o outro seria o suficiente para demonstrar que
os jurados foram de fato influenciados por vieses. Afinal, as situações eram análogas, e
somente as fotos eram diferentes.
17 Burton. A.M. , White. D, & McNeill. A. (2010) The Glasgow Face Matching Test. Behaviout Research Methods, 42 (1), 286 – 291. doi: 10.3758/BRM. 42.1.286 18 Psycologial Image Collection at Sterling. 2D face sets. Utrecht ECVP. Web: http://pics.stir.ac.uk/. 19 DataBase of Faces. AT&T Laboratories. Cambridge University Computer Laboratory. 2002. 20 Glasgow Unifamiliar Face Data-base
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3.1 A Vinheta
Pesquisa 100% Anônima Instruções: Preencha as informações básicas iniciais. Em seguida, leia atentamente o caso
hipotético descrito e responda as questões. A ordem das questões deve ser respeitada, e você
só deve virar a página após ter marcado sua resposta.
Informações Básicas:
____Idade
____Sexo (F/M)
____Possui Título de Eleitor (S/N)
____Concluiu o Ensino Médio? (S/N)
Atualmente, você é estudante universitário? Se sim, qual curso?
Você concluiu o ensino superior? Se sim, qual curso?
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Caso:
No dia 09/10/2011, Ana Vitória foi estuprada por Pedro Paulo na saída da faculdade
onde estudava localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro. Uma hora depois, ao chegar
em casa, Ana relatou o incidente para seu pai Antônio, e em seguida foi à delegacia fazer um
exame de corpo e delito. Através do referido exame ficou comprovado o estupro cometido por
Pedro Paulo.
Enfurecido e abalado com toda essa situação, Antônio decidiu que iria fazer de tudo
para encontrar o estuprador de sua filha e matá-lo. Na semana seguinte, Antônio conseguiu
fazer aquilo que havia prometido a si mesmo ao disparar um tiro no tórax de Pedro Paulo.
Após a realização do crime, a polícia encaminhou Ana Vitória e Antônio para a 13a Delegacia
de Polícia do Rio de Janeiro para apurar os fatos do crime e averiguar os antecedentes dos
envolvidos. Depois de analisadas todas as provas do crime e observado o devido processo
legal, não restaram dúvidas de que Antônio havia de fato cometido o crime de homicídio. A
pena base nesse caso concreto é de 12 anos.
Você no papel de juiz deve determinar se você acredita que o crime deve ser
caracterizado como homicídio privilegiado ou como homicídio simples. De acordo com o
código penal, o homicídio privilegiado é aquele em que o sujeito que cometeu o crime o
cometeu por causa de algum motivo moralmente relevante, e que, portanto a pena base pode
ser reduzida de 1/6 a 1/3. É uma forma de não se punir de forma excessiva aquele que
cometeu um crime por causa de algum motivo de valor moral substancial.
Não há nenhum dispositivo legal que determine ou exemplifique o que é moralmente
relevante e o que não é, logo é uma decisão completamente subjetiva sua e dependente de uma
análise do caso concreto. Através desse questionário, queremos saber se você considera o
estupro que motivou Antônio a matar Pedro Paulo um motivo moralmente relevante.
Dispositivo Legal: Art. 121. Matar Alguém: Pena – reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de diminuição de pena (homicídio privilegiado) §1o Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor moral, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).
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Ficha Criminal No 1777829-81
Ana Vitória Vieira Galvão
(Foto Aqui) Registro da 13o DP do RJ.
Antecedentes Criminais: Nada Consta. Informações Adicionais: Estudante de Psicologia, 23 anos. Ficha Criminal No 1454825-77
Antônio Vieira Galvão
(Foto Aqui) Registro da 13o DP do RJ. Antecedentes Criminais: Nada Consta. Processo Atual: Acusado de cometer homicídio. Informações Adicionais: Engenheiro Civil, 45 anos. Ficha Criminal No 1456822-61
Pedro Paulo Souza
(Foto Aqui) Registro da 13o DP do RJ. Antecedentes Criminais: Preso anteriormente por quatro anos por crime de roubo. Processo Atual: Acusado de cometer estupro. Informações Adicionais: Desempregado, 29 anos.
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Responda: 1)Você consideraria o estupro cometido como sendo um motivo moralmente relevante, e consequentemente caracterizaria o crime cometido por Antônio como homicídio privilegiado, fazendo assim com que a pena dele fosse reduzida de 1/6 a 1/3. ____ Sim ____ Não 2) Marque na escala abaixo o quão certo você está de sua decisão. (1 sendo o mínimo e 7 o máximo) 1-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐2-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐3-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐4-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐5-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐6-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐7
Somente vire a página e responda as próximas questões se você caracterizou o
crime descrito como homicídio privilegiado.
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3) Você diminuiria a pena base que é, nesse caso, de 12 anos, em: ____ 1/6 (pena final seria de 10 anos) ____ 1/3 (pena final seria de 8 anos) 4) Marque na escala abaixo o quão certo você está da sua decisão (1 sendo o mínimo e 7 o máximo). 1-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐2-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐3-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐4-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐5-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐6-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐7 5) Caso não houvesse dispositivo legal determinando que a pena base só pudesse ser diminuída em 1/6 e 1/3, e fosse possível diminuir a pena base de 10 anos em qualquer uma das opções abaixo. Qual você escolheria? ____ 1/6 (pena final seria de 10 anos) ____ 2/3 (pena final seria de 8 anos) ____ 3/6 (pena final seria de 6 anos) ____ 4/6 (pena final seria de 4 anos) ____ 5/6 (pena final seria de 2 anos) 6) Marque na escala abaixo o quão certo você está de sua decisão (1 sendo o mínimo e 7 o máximo). 1-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐2-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐3-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐4-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐5-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐6-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐-‐7
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4. Resultados e Discussões Após analisar todas as 80 vinhetas distribuídas e comparar os quatro grupos chegou-se
a diversos resultados e conclusões relevantes ao escopo desse trabalho. Todos os participantes
do grupo 1 (100%) caracterizam o homicídio como sendo privilegiado. Os membros desse
grupo reduziram, em média, a pena base em 6.5 anos.
Apenas 65% dos participantes do grupo 2 classificaram o homicídio como sendo
privilegiado. Dentre os que reduziram, a média de redução foi de 5.5 anos. No grupo 3, por
sua vez, 55% dos participantes caracterizam o crime como sendo privilegiado, e a média de
redução de pena dentre eles, foi de somente 4 anos. Por último, 75% dos participantes do
grupo 4 caracterizaram o crime como privilegiado. Esses participantes reduziram a pena, por
sua vez, em 4.5 anos. Observa-se os seguintes gráficos:
0.00%
20.00%
40.00%
60.00%
80.00%
100.00%
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupos 4
Homicídio Privilegiado
% Homicídio Privilegiado
0 1 2 3 4 5 6 7
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4
Redução de Pena
Redução de Pena Em Anos
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4.1 Da Análise Do Experimento
Conforme foi dito anteriormente, o objetivo estabelecido para o experimento era
apenas o de averiguar se a simples alteração das fotos iria afetar a decisão dos participantes.
Não houve nenhuma tentativa de buscar controlar variáveis com o intuito de analisar um viés
específico. Buscava-se tão somente observar a influencia dos vieses como um todo. Uma
possível alteração da decisão seria o suficiente para demonstrar que os jurados foram de fato
influenciados por vieses, afinal, as situações eram análogas.
Diante dos resultados expostos, vemos o impacto dos viéses na tomada de decisão dos
participantes. A mera alteração da foto gerou significantes diferenças nas decisões. No grupo
1, por exemplo, 100% dos participantes caracterizaram o homicídio como sendo privilegiado
enquanto que no grupo 3 apenas 55%, ou seja, quase a metade. Esse número expressa uma
diferença notável. Ademais, observa-se que o Grupo 1 reduziu a pena em 2.5 anos a mais do
que o grupo 3.
Todos esses dados indicam que a falta de definição e exemplificação em lei do
conceito de “relevante valor moral” gera sérios problemas. Observa-se claramente que a
decisão dos jurados, mostrou-se suscetível a viéses.
É importante notar que o caso descrito de situação moralmente relevante é um
exemplo clássico da doutrina, logo era de se esperar que os jurados fossem caracterizá-lo
como tal. Contudo vemos que em todos os grupos exceto o grupo 1, uma quantidade
substancial de participantes não enquadrou o caso descrito na figura do homicídio
privilegiado. Isso reforça a minha hipótese de que essas normas na zona de penumbra trazem
consequências negativas para o direito, tais como decisões norteadas por viéses implícitos, e
que isso, por sua vez, viola os princípios de imparcialidade de julgamento e igualdade.
5. Conclusão
Através do experimento, ficou comprovado que a ausência de definição em lei do
conceito de “relevante valor moral”, torna a decisão do jurado mais suscetível a problemas de
imparcialidade e vieses. Embora o caso do questionário fosse o mesmo, as decisões dos
jurados variaram significantemente de um grupo para o outro devido tão somente às
características físicas das pessoas retratadas pelas fotos.
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A falta de explicação ou orientação do que são situações moralmente relevantes é,
como vimos, perigosa, pois ela abre caminho para a parcialidade. Diversos viéses implícitos
encontram nela a oportunidade de se manifestar.
Conforme o experimento evidenciou, as características dos sujeitos retratados nas fotos
afetaram a caracterização do homicídio privilegiado. Não foram as ações descritas no caso que
definiram a pena a ser aplicada, mas sim aquilo que podia se extrair das fotos presentes nas
fichas dos personagens da vinheta.
Diante do exposto, torna-se imprescindível buscar algumas soluções para esse
problema que vem trazendo preocupações alarmantes ao nosso sistema de direito e aos
princípios de igualdade e da segurança jurídica. A primeira possível solução seria a de mostrar
para os jurados literatura e informação sobre viéses. As práticas de “debiasing” já são muito
utilizadas em países como os Estados Unidos. Quando um jurado faz uma decisão sabendo de
vários dos seus possíveis viéses implícitos sua decisão corre um risco menor de ser parcial.
Outra solução interessante para o caso dos viéses na caracterização de homicídio
privilegiado é a do legislador fornecer um rol exemplificativo. Uma série de exemplos poderia
ajudar a nortear o julgamento do jurado e também acabaria por evitar que alguns casos mais
recorrentes e clássicos ficassem suscetíveis a esse problema.
Diante de todos os fatos expostos, conclui-se que a hipótese estava correta, e que as
soluções supracitadas deveriam ser implementadas para que possamos nos aproximar cada vez
mais de um processo de tomada de decisão mais imparcial.
6. Referências
1 - Nucci, Guilherme S. Tribunal Do Júri. 5th ed. Rio De Janeiro: Forense, 2014. 2 - Levinson, Justin D., and Robert J. Smith. Implicit Racial Bias across the Law. Cambridge: Cambridge UP, 2012. 3 – Greco, Rogerio. Curso de Direito - Penal Parte Especial. Volume II. 10a ed. Niteroi, Rio de Janeiro: Impetus, 2013. 4 – Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. 5 – Bayer, Patrick, Randi Hjalmarsson, and Shamena Anwar. "The Impact of Jury Race in Criminal Trials." The Quarterly Journal of Economics (2012) 6 – Greco, Rogério. Código Penal Comentado. Editora: Impetus. 6a ed. 2012
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7 – Burton. A.M. , White. D, & McNeill. A. (2010) The Glasgow Face Matching Test. Behaviout Research Methods, 42 (1), 286 – 291. doi: 10.3758/BRM. 42.1.286 8 – Psycologial Image Collection at Sterling. 2D face sets. Utrecht ECVP. Web: http://pics.stir.ac.uk/. 9 – DataBase of Faces. AT&T Laboratories. Cambridge University Computer Laboratory. 2002. 10 – Nucci, Guilherme S. Código de Processo Penal Comentado. 5th ed. Rio De Janeiro: Forense, 2014.
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