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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
SHEYLA PRISCILA SOUZA DE OLIVEIRA
“EXERCÍCIO PROFISSIONAL: Pautas para análise das competências e atribuições profissionais dos/as assistentes sociais da atenção básica de saúde
do município do Natal/RN”
Natal/RN 2016
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Oliveira, Sheyla Priscila Souza de.
“Exercício profissional: pautas para análise das competências e atribuições profissionais dos/as
assistentes sociais da atenção básica de saúde do município do Natal/RN” / Sheyla Priscila Souza de
Oliveira. - Natal, 2016.
165f: il.
Orientadora: Profa. Dra. Edla Hoffmann.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de
Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço Social.
1. Serviço Social - Trabalho – Dissertação. 2. Exercício profissional - Dissertação. 3. Projeto ético-
político - Dissertação. 4. Atenção básica de saúde - Dissertação. I. Hoffmann, Edla. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
IV. Título.
RN/BS/CCSA CDU 364-45:61
AGRADECIMENTOS
A caminhada em busca dos sonhos nunca é fácil, talvez um pouco mais
dolorosa para uns e menos para outros. Chegar até aqui implica na superação
de muitos obstáculos encontrados ao longo do percurso que, em alguns casos,
não estavam previstos. Por outro lado, implica também no amadurecimento
intelectual e profissional do/a discente recém-formado/a que entra em um curso
de pós-graduação, agregando novos conhecimentos, aprofundando-os e
inúmeros desafios.
Diante disso, primeiramente quero agradecer a Deus por toda proteção e
força de me fazer continuar, mesmo querendo desistir em alguns momentos
diante das várias dificuldades que se apresentaram nesse processo.
À minha família que é minha base, meu apoio nos bons e maus
momentos. Minha mãe que é minha guerreira, inspiração de força e meu pai,
meu orgulho e aos meus irmãos companheiros de sempre.
Ao meu namorado, que é um grande companheiro e que vem me
apoiando nesse processo, que me tranquiliza com sua calma, me entende com
sua sabedoria e me adoça com seu amor e carinho, além de suportar meus
momentos de estresses e compreender a minha restrição de saídas para lazer.
À minha filha, minha vida, Anna Lívia, que me impulsiona todos os dias a
buscar dar o meu melhor, além de me revigorar com seu sorriso singelo e
delicado, fazendo valer a pena todo esforço e dedicação.
À professora Moema Serpa, que apesar de não estar presente na mesa
de defesa, esteve presente na qualificação e ajudou a construir esse estudo com
suas ricas contribuições.
À Regina Ávila por ter aceitado o convite com pouquíssimo tempo e
mesmo assim se dispor a estar trazendo seus apontamentos afim de contribuir
na qualificação desse estudo.
À professora Célia por estar novamente se dispondo a ler e discutir o
referido estudo com vistas a agregar contribuições valiosas para a reflexão das
questões levantadas ao longo da dissertação.
Ao programa de mestrado em Serviço Social por todo apoio e atenção as
minhas necessidades enquanto discente e por toda disponibilidade em
solucionar os empecilhos que apareceram no percurso da formação.
À CAPES pela oportunidade de ofertar as bolsas de auxílio para formação
em mestrado.
Aos sujeitos de pesquisa que se disponibilizaram a participar do estudo e
assim contribuir para a construção da dissertação e fomentar a produção do
conhecimento no âmbito do Serviço Social com vistas a discutirmos as lacunas
existentes no exercício profissional e que merecem destaque para buscarmos
fortalecer a direção político-social do projeto profissional crítico de bases
marxistas.
Por último e não menos importante, quero agradecer a pessoa que esteve
de perto no meu processo de formação no mestrado e que sabe melhor do que
ninguém, as dificuldades e anseios, assim agradeço imensamente à professora
Edla Hoffmann que tive a grande sorte de tê-la como orientadora nesse processo
árduo e de grandes desafios. Agradeço a oportunidade de ter tido de perto um
espelho e referência de profissional competente, responsável, dedicada,
organizada e exigente, que trata com amor e carinho suas orientandas, sempre
elogiando na hora que merece e chamando atenção quando necessário. Mais
que uma orientadora para a construção da dissertação, é uma mulher forte que
proporciona uma aprendizagem para a vida.
Posso dizer com toda certeza que o mestrado (com todos os sujeitos
envolvidos) representou um divisor de águas na minha formação tanto
profissional quanto pessoal pelo próprio processo de amadurecimento intelectual
que a pós-graduação exige.
Meu muito obrigada a todos/as!!!
RESUMO
Compreender a dinâmica societária e os caminhos por quais estão percorrendo
as políticas sociais e a efetivação dos direitos sociais na conjuntura hostil e
contraditória da sociedade capitalista, amparadas no ideário neoliberal, é
imprescindível para analisar o exercício profissional dos/as assistentes sociais
nos seus diversos espaços de inserção. Nessa perspectiva, o presente estudo é
fruto de uma pesquisa de campo e bibliográfica com o objetivo geral de analisar
como tem se desenvolvido o exercício profissional do (a) assistente social na
Atenção Básica da Política de Saúde no município do Natal/RN, com vistas a
contribuir para a discussão do fazer profissional e a importância do projeto ético-
político como elemento norteador e indispensável para o Serviço Social. Os
dados empíricos foram coletados a partir de entrevistas semiestruturadas com
assistentes sociais lotados/as na atenção básica de Natal. Assim, foram
entrevistados/as assistentes sociais de USF, UBS, diretor/a de Distrito Sanitário,
diretor/a de unidade de saúde, NASF e Consultórios na Rua. Os dados da coleta
foram analisados a partir da técnica de análise de conteúdo e os resultados
expostos no capítulo três da dissertação. Os resultados demonstram a
fragilidade das condições de trabalho nas quais se encontram os/as assistentes
sociais, fruto de dificuldades vivenciadas pela política de saúde de modo geral,
e que afetam os profissionais por se inserirem em processos de trabalho já
definidos pelos empregadores e por terem as políticas sociais como principal
campo de atuação. Outro ponto interessante revelado no estudo é a
confusão/imprecisão que os sujeitos de pesquisa fazem ao se referir as
competências e atribuições privativas do Serviço Social, principalmente sobre
essa última por estarem inseridos em equipes multiprofissionais e
interdisciplinares. Nessa perspectiva é de extrema importância
problematizarmos o tema que ora se apresenta, pois é a produção do
conhecimento acerca do exercício profissional, em tempos de regressão de
direitos e fortalecimento do neoconservadorismo, que nos permite olharmos para
os rumos que a profissão tem tomado e reiterar a necessidade da defesa do
fazer profissional norteado pelo projeto profissional crítico.
Palavras-chave: Serviço Social. Trabalho. Exercício profissional. Projeto ético-
político. Atenção básica de saúde.
ABSTRACT
To understand the dynamics societária and the roads for which are traveling the
social politics and the efetivação of the social rights in the hostile and
contradictory conjuncture of the capitalist society, aided in the neoliberal ideário,
it is indispensable to analyze the social workers' professional exercise in their
several insert spaces. In that perspective, the present study is fruit of a field
research and bibliographical with the general objective of analyzing how he/she
has if developed the (the) social worker's professional exercise in the Basic
Attention of the Politics of Health in the municipal district of Christmas / RN, with
views to contribute for the discussion of doing professional and the importance of
the ethical-political project as element norteador and indispensable for the Social
Service. The empiric data were collected starting from interviews
semiestruturadas with full social workers / the in the basic attention of Christmas.
Like this, they were interviewed / the social workers of USF, UBS, director / the
one of Sanitary District, director / the one of unit of health, NASF and Clinics in
the Street. The data of the collection were analyzed starting from the technique
of content analysis and the exposed results in the chapter three of the
dissertation. The results demonstrate the fragility of the work conditions in which
are the social workers, fruit of difficulties lived by the politics of health in general,
and that affect the professionals for if they insert in work processes already
defined for the employers and for they have the social politics as main field of
performance. Another interesting point revealed in the study is the confusion /
imprecision that the subject of research do when referring the competences and
private attributions of the Social Service, mainly on that last one for they be
inserted in teams multiprofissionais and interdisciplinary. In that perspective it is
of extreme importance problematize the theme that prays if it presents, therefore
it is the production of the knowledge concerning the professional exercise, in
times of regression of rights and invigoration of the neoconservadorismo, that it
allows we look each other at the directions that the profession has been taking
and to reiterate the need of the defense of doing professional orientated by the
critical professional project.
Keywords: Social Service. Job. professional practice. ethical-political project. Basic health care.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AB – Atenção Básica
ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
AIS - Ações Integradas de Saúde
ACS - Agentes Comunitários de Saúde
ANFIP – Associação Nacional de Auditores-Fiscais da Receita Federal do
Brasil
APS – Atenção Primária em Saúde
CBAS - Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CAPS – Caixas de Aposentadorias e Pensões
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos em Saúde
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CIT - Comissão Intergestores Tripartite
CNS – Conferência Nacional de Saúde
DAB – Departamento de Atenção Básica
DSS - Determinantes Sociais de Saúde
DRU - Desvinculação de Receitas da União
EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
ECR - Equipes de Consultório na Rua
ESF - Estratégia de Saúde da Família
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FUNRURAL - Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural
IAPS – Institutos de Aposentadorias e Pensões
IAPAS - Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência
Social
INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
LOS - Lei Orgânica da Saúde
NASF - Núcleos de Apoio à Saúde da Família
NOB – Norma Operacional Básica
NOAS – Norma Operacional da Assistência à Saúde
MARE - Ministério da Administração e da Reforma do Estado
MPAS - Ministério da Previdência e Assistência Social
MS – Ministério da Saúde
RAS - Redes de Atenção à Saúde
PAB - Piso de Atenção Básica
PACS - Programa de Agentes Comunitários de Saúde PIASS
PIASS - Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
PREV-SAÚDE - Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
PSF – Programa Saúde da Família
PDRE - Plano Diretor da Reforma do Estado
PNAB - Política Nacional de Atenção Básica
SAS - Secretaria de Atenção à Saúde
SESP - Serviço Especial de Saúde Pública
SINPAS - Sistema Nacional de Previdência Social e Assistência Social
SMS - Secretária Municipal de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
SUDS – Sistema Único e Descentralizado de Saúde
USF – Unidade de Saúde da Família
UBS – Unidade Básica de Saúde
TCLE - Termos de Consentimento Livre e Esclarecido
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 – Orçamento da União 66 Gráfico 02 – Faixa etária dos/as entrevistados/as 107 Gráfico 03 – Escolaridade dos sujeitos de pesquisa 108 Gráfico 04 – Tempo de trabalho na saúde 110 Gráfico 05 - Tempo de trabalho na AB 111
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – Universo da pesquisa 22
Tabela 02 – Amostra da pesquisa 23
Tabela 03 – Unidades de Saúde em Natal/RN 104
LISTA DE QUADROS
Quadro – 01 Projeto ético-político e Reforma Sanitária 122
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 14
2 O TRABALHO NA ERA DA MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL: implicações
para as políticas sociais e o Serviço Social................................................. 28
2.1 A era da mundialização do capital e a reestruturação produtiva ................ 30
2.2 Estado e políticas sociais sob o predomínio do neoliberalismo: uma análise
dos desmontes da seguridade social e da política de saúde ........................... 46
2.3 Atenção Básica de saúde frente às ofensivas do capital ao SUS .............. 70
3 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA ATENÇÃO
BÁSICA DE SAÚDE: Desafios e proposições ao projeto ético-político do
Serviço Social ................................................................................................ 82
3.1 O exercício profissional do/a assistente social: desafios cotidianos e a
interlocução com o PEPSS .............................................................................. 83
3.2 Caracterização da Atenção Básica no município do Natal/RN ................. 100
3.3 As particularidades do exercício profissional do/a assistente social na
atenção básica de Natal/RN ........................................................................... 106
3.4 Competências e atribuições profissionais na Atenção Básica de Saúde do
município do Natal/RN ................................................................................... 117
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 138
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 146
APÊNDICES .................................................................................................. 157
ANEXOS ........................................................................................................ 160
“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.
(Eduardo Galeano)
14
1 INTRODUÇÃO
O exercício profissional do/a assistente social é permeado por questões
internas, no sentido da formação e dos valores e princípios éticos que são
incorporados pela categoria, e externas a profissão quando relacionadas à
conjuntura societária na qual se encontra e que o desafia no cotidiano das
instituições e serviços. Historicamente, o Serviço Social crítico, constituído após
a erosão do pensamento tradicional da profissão, tem se desenvolvido na
contramão da maré capitalista sob as bases neoliberais e encontrado duras
barreiras para a viabilização do acesso aos direitos sociais pela classe
trabalhadora.
Diante desse fato, não é coerente afirmar que as dificuldades e desafios
vivenciados pelos/as profissionais de Serviço Social são recentes, entretanto, se
presencia na atualidade o acirramento de velhas e novas questões: privatização
progressiva dos direitos sociais; desregulamentação/flexibilização dos direitos
trabalhistas; reformas previdenciárias que afastam a concepção de proteção
social universal, integrada e gratuita, além da retomada de ideários
conservadores no trato da Questão Social.
A exemplo disso se evidencia a privatização da saúde através da
ampliação do capital estrangeiro no Sistema Único de Saúde (SUS) e da
ampliação da participação da iniciativa privada; na educação com propostas de
pós-graduação paga, expansão da educação a distância e das faculdades
particulares com incentivos do Estado, são os principais indícios desse processo
que individualiza, novamente, a pobreza e as situações ligadas a ela.
Na conjuntura neoliberal, a meritocracia tem ganhado força nas propostas
elitistas e conservadoras dos projetos de direita, que afirmam indevidamente a
existência de condições igualitárias para toda sociedade brasileira, mesmo
diante dos índices de desigualdade sociais extremamente claros e com enormes
disparidades entre ricos e pobres. Apontam como falhas do Estado e motivos
para aumento dos gastos públicos, os programas criados e/ou expandidos nos
governos petistas: Bolsa Família, Programa Universidade para todos - PROUNI,
Ciências sem Fronteiras, entre outros.
15
No âmbito do trabalho as perdas são imensas. Após a crise de 1970, que
culminou com a reestruturação produtiva do capital e incorporação do modelo
toyotista ou flexível de produção. A classe trabalhadora passou a sofrer ataques
intensivos aos seus direitos com a desregulamentação de direitos trabalhistas,
aumento da rotatividade, rebaixamento dos valores dos salários, diminuição de
trabalhadores formais e aumento do trabalho desprotegido pela previdência
social (ANTUNES; ALVES, 2004).
Na contramão do aumento exponencial da exploração da força de
trabalho e apropriação da mais-valia, tem-se a expansão do capital a partir do
processo de mundialização e do financiamento do Estado através do uso do
fundo público para investimentos em áreas de rentabilidade econômicas.
Resta para as políticas sociais, então, a implementação de ações
focalizadas nas populações mais carentes e com pouco alcance e impacto nas
suas reais necessidades, bem como, a oferta de programas e projetos limitados
e restritos na questão do acesso, além de uma clara precarização no
funcionamento destas. É preciso ressaltar que estas considerações não
desmerecem a importância das políticas sociais no contexto de regressão de
direitos que ora vivenciamos, mas sim, denunciam o descaso do Estado no
aparelhamento dessas políticas e a necessidade de ampliação da cobertura para
população.
Na relação capital trabalho, verifica-se ações que visam apenas minimizar
as mazelas causadas pelo modo de produção capitalista, não objetivando
superar as desigualdades sociais desse sistema por via da inclusão das pessoas
ao acesso a bens de produção e consumo.
Todos esses fatores influenciam diretamente o exercício profissional do/a
assistente social, enquanto trabalhador assalariado, ou seja, aquele que vende
sua força de trabalho a um empregador em troca de um valor que, teoricamente,
corresponde ao valor do produto gerado pela sua força de trabalho.
Vale salientar que nessa condição de assalariado, os/as trabalhadores/as
tem na força de trabalho sua única fonte de subsistência o que implica na
configuração da força de trabalho como mercadoria e todas as característica e
contradições que a compreendem (venda e troca). Consequentemente o/a
assistente social, assalariado porque vende sua força de trabalho, sofre os
16
rebatimentos das alterações no campo do trabalho, como profissional atuante
nas políticas sociais e que se inserem em processos de trabalho pré-
estabelecidos pelos empregadores e assim, dependem das condições objetivas
que lhe são ofertados para o trabalho.
Significa dizer que o fazer profissional tem boa parte condicionada as
condições objetivas e subjetivas que lhe são dadas. Atuar em políticas
focalizadas, tem direcionado profissionais a trabalhar numa lógica de
seletividade entre os mais pobres, o que nos desafia a buscar alternativas para
a ampliação do acesso aos direitos sociais.
No campo da saúde, por exemplo, observa-se uma distorção dos
princípios de integralidade e universalidade defendidos pela Reforma Sanitária
e materializados na Constituição Federal de 1988, uma vez que, a política de
saúde desenvolvida em consonância com o ideário neoliberal, a coloca de forma
fragmentada, precária e focalizada, direcionando-as para as parcelas mais
pobres da população. E, é nesse quadro que se desdobra o fazer profissional e
se coloca o desafio de tornar acessível a todos os cidadãos o direito à saúde em
um contexto adverso.
Em tempos difíceis causados pela ofensiva do capital sob a égide do
ideário neoliberal, a necessidade de resistência e defesa do projeto ético-político
se fazem mais fortes para direcionar o exercício profissional contra os interesses
capitalistas e recusa do conservadorismo emergente com as teorias pós-
modernas.
Nessa perspectiva, a presente pesquisa foi desenvolvida no intuito de
analisar o exercício profissional do/a assistente social na Atenção Básica da
política de saúde em Natal/RN a partir das difíceis situações de desmontes de
direitos sociais por quais passam todas as políticas sociais no Brasil, além dos
desafios vivenciados pelos/as profissionais de Serviço Social no seu trabalho na
condição de trabalhadores/as assalariados/as.
O interesse em se debruçar sobre determinado tema é originário da
graduação, mais especificamente do período de estágio curricular obrigatório,
realizado em um hospital filantrópico, conveniado com o SUS, no período de
julho de 2012 a junho de 2013, na área da oncologia e de alta complexidade,
onde foi possível identificar diversos entraves para o exercício profissional do/a
17
assistente social conforme orientado pelo projeto ético-político. As disparidades
mais gritantes foram a respeito das competências e atribuições relativas aos/as
profissionais que as distanciavam do “dever ser” do Serviço Social.
Embora, as profissionais tivessem clareza acerca das competências e
atribuições profissionais, as assistentes sociais declaravam estar sem saída para
modificação da realidade verificada devido ao vínculo empregatício (CLT) que as
impossibilitava de se opor as atividades demandadas pela instituição ao Serviço
Social e, com isso, se curvavam as solicitações como: marcação de exames e
consultas, que predominavam no exercício profissional.
A realidade evidenciada acima pode vislumbrar, em um primeiro
momento, a impossibilidade da defesa de um projeto profissional crítico e que
faz frente ao modo de produção capitalista, diante dos desafios que lhe são
impostos. Todavia, essa realidade não representa a falência de tais projetos,
nem tampouco que esteja a parte do movimento societário no qual se conforma.
O projeto ético-político nos direciona e esclarece o posicionamento que
os/as profissionais necessitam ter para defesa intransigente dos direitos sociais,
renegando posturas conservadoras, preconceituosas e excludentes amplamente
difundidas na sociedade capitalista. Todos esses aspectos devem estar
presentes na atuação profissional de modo que estejam balizados dentro da
relativa autonomia que o/a assistente social possui.
Assim, apesar das indagações e inquietações iniciais terem surgido no
período de estágio na alta complexidade, a Atenção Básica foi escolhida como
lócus da análise da pesquisa por ser uma das portas de entrada dos usuários as
ações e serviços do SUS e pelas suas características de continuidade do
cuidado e criação de vínculos com as comunidades, o que a torna um riquíssimo
campo de atuação do/a assistente social para atividades menos pontuais e
emergências como se apresenta em algumas vezes nas unidades de média e
alta complexidade.
No Brasil, a Atenção Básica tem na Estratégia de Saúde da Família (ESF),
a principal alternativa para reordenação do SUS englobando seus princípios e
diretrizes. Todavia, esta tem se desenvolvido através da oferta de ações e
serviços em Unidades de Saúde da Família (USF) e as Unidades Básicas de
Saúde (UBS) sem saúde da família. Em uma perspectiva ampliada, a AB busca
18
proporcionar mais qualidade de vida a população ao trabalhar na promoção e
prevenção, sem prejuízo para as ações assistenciais, como forma de reverter o
modelo médico-curativo hegemônico nos processos de trabalho em saúde.
A AB ocupa esse lugar de destaque por ser o nível de maior capilaridade
do sistema e uma de suas portas de entrada, além de ser capaz de resolver a
maior parte (em torno de 85%) dos problemas da saúde mais comuns na
sociedade brasileira, o primeiro nível de atenção se orienta pelos princípios da
universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado da
integralidade da atenção, da humanização, da equidade e da participação social
(BRASIL, 2012).
Nesse sentido o/a assistente social possui na AB um campo bastante rico
de atuação pelos princípios expressos acima que permitem uma maior
aproximação dos/as profissionais com a realidade/vivências dos/as usuários/as
de modo a compreender suas necessidades para os devidos encaminhamentos
e/ou a assistência nesse nível de atenção.
O/a assistente social tem muito a contribuir para a efetivação do direito à
saúde, uma vez que seu projeto profissional busca a universalização dos direitos,
e pode dar potencialidade à democratização do acesso perante a realização de
orientações, socialização de informações que visem a garantia dos direitos
sociais. Do mesmo modo, agregar valor ao trabalho em equipe, no
reconhecimento do território para identificação das necessidades sociais de
saúde e como se processa a determinação social do processo saúde e doença.
Nessa perspectiva o/a assistente social agrega valor no atendimento aos
sujeitos, famílias e comunidade pela sua leitura diferenciada de realidade e seu
aporte teórico que dispõe e que deve estar fundamentado no tripé norteador do
projeto ético político (Lei de Regulamentação da Profissão, 8.662/90, Código de
Ética, CFESS Nº 273/93, Diretrizes Curriculares da ABEPSS), aliado aos
Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Saúde, que permite
direcionar sua atuação para além do atendimento assistencial, centrado na figura
do médico, mas de uma equipe multiprofissional contemplando a dimensão
ampliada de saúde.
Diante da imensidão de aspectos que podem ser trabalhados acerca do
exercício profissional e o projeto ético-político, resolvemos focar nas
19
competências e atribuições por identificá-las como gargalo do fazer profissional
nas instituições de saúde tanto por imposições institucionais, como por
imprecisão dos próprios profissionais acerca do que lhe compete. Visto que
ocasiona desvios de funções e/ou acumulação de atividades indevidas,
implicando em uma atuação discernente da ação defendida no projeto
profissional.
As competências profissionais e atribuições privativas do/a assistente
social estão descritas nos artigos 4º e 5º respectivamente na Lei 8.662/93 e se
referem a dimensão técnico-operativa do Serviço Social, aquilo que condiz ao
profissional fazer no âmbito do seu exercício ao se inserirem em processos de
trabalho diversos. Particularmente na saúde, as competências e atribuições
também estão desdobradas nos Parâmetros para Atuação de Assistentes
Sociais na Saúde que servem de instrumento norteador nessa área.
É preciso ressaltar que a dimensão técnico-operativa está articulada as
demais dimensões profissionais, ético-política e a teórico-metodológica,
conformando uma unidade na atuação do/a assistente social cada uma com sua
particularidade e complementariedade, não havendo uma hierarquia de
importância entre estas.
Nesse sentido, as competências dizem respeito a capacidade de apreciar,
tomar decisões e poder fazer algo, enquanto que as atribuições privativas é uma
prerrogativa, privilegio, direito de realizar alguma coisa (IAMAMOTO, 2012).
Mesmo com tal explanação, no cotidiano do exercício profissional, é
comum a confusão acerca das definições de ambas, principalmente nos espaços
em que o/a assistente social compõe equipes multidisciplinares e
interdisciplinares que torna difícil para os/as profissionais expor com clareza o
que representa, a partir de seu trabalho, as competências e atribuições. E são
questões que precisam estar claras para a categoria para que possam explicitar
para as equipes que se inserem e seus empregadores, de modo a evitar
equívocos sobre o papel do/a assistente social na composição destas.
A multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade, embora possuam
conceitos diferentes, são recorrentemente passíveis de confusão por se
referirem a organização das áreas do conhecimento nos mesmos espaços. De
modo geral, a primeira corresponde ao envolvimento de mais de uma área do
20
saber sem que estabeleçam uma relação entre si no campo técnico e científico
“é um sistema que funciona através da justaposição de disciplinas em um único
nível, estando ausente uma cooperação sistemática entre os diversos campos
disciplinares” (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 16).
Já a segunda, configura a junção de várias áreas do saber de modo
dialogado de forma a solucionar “problemas” de maneira articulada, superando
a fragmentação da disciplinaridade, mas, sem diluir as especificidades de cada
área. A interdisciplinaridade encontra desafios para sua efetivação na medida
em que prevalece a manutenção de velhas práticas de atendimentos individuais
nas unidades de saúde ou por outro lado obscurecem as atribuições de cada
saber (ALMEIDA FILHO, 2000).
A partir dos argumentos expostos, o problema de pesquisa definido para
esse estudo: como as ações profissionais dos/as assistentes sociais inseridos/as
na Atenção Básica expressam e fortalecem a direção social estratégica
projetada no Projeto Ético-Político? Essa questão busca refletir como a atuação
profissional no cotidiano das instituições empregadoras, tem se desenvolvido no
sentido de fortalecer, ou não, o projeto ético-político do Serviço Social.
Para procurar responder ao problema de pesquisa, formulamos as
seguintes questões norteadoras:
1. Quais são as condições de trabalho dos (as) assistentes sociais inseridos (as)
na Atenção Básica no município do Natal/RN?
2. Quais as competências e atribuições dos (as) assistentes sociais na
intervenção na Atenção Básica da política de saúde no município de Natal/RN?
3. Qual a concepção das assistentes sociais acerca do projeto ético-político
profissional?
4. Quais as dificuldades e estratégias encontradas pelos (as) assistentes sociais
para efetivação das competências e atribuições profissionais na Atenção Básica
no município de Natal/RN?
Sob essa perspectiva, destacamos como objetivo geral: Analisar como
tem se desenvolvido o exercício profissional do (a) assistente social na Atenção
Básica da Política de Saúde no município do Natal/RN, com vistas a contribuir
21
para a discussão do fazer profissional e a importância do projeto ético-político
como elemento norteador e indispensável para o Serviço Social.
E, como Objetivos específicos:
• Identificar as condições de trabalho que circunscrevem o fazer
profissional dos (as) assistentes sociais na Atenção Básica de saúde no
município de Natal/RN com vistas a revelar as implicações para o
exercício profissional;
• Analisar as competências e atribuições dos (as) assistentes sociais na
atenção básica com vistas a reconhecer possibilidades e dificuldades
encontradas para sua efetivação na direção do Projeto Ético-Político do
Serviço Social;
• Caracterizar a rede de serviços de Atenção Básica do Município do
Natal/RN a fim de compreender o modelo de atenção básica proposto e
executado pelo SUS.
Em relação aos procedimentos teórico-metodológicos, a pesquisa é de
cunho qualitativa, desenvolvida a partir da perspectiva do método crítico
dialético1, uma vez que este, permite analisar o objeto em sua totalidade, sem
desconsiderar as especificidades, captando os aspectos que incidem de forma
direta e indireta no seu movimento. Consideramos mais adequado para o
alcance de nossos objetivos, pois nos permite aprofundar a discussão acerca do
exercício profissional e fortalecimento do projeto ético-político do Serviço Social
na Atenção Básica de saúde do município do Natal/RN.
Para isso, são abordadas categorias de análises que entendemos serem
necessárias para o aprofundamento da problemática, são elas: trabalho
profissional; formação; competências e atribuições; política de saúde e atenção
básica, procurando desenvolvê-las articuladas com as categorias do método
dialético- crítico que norteia esse estudo.
1 O método dialético foi desenvolvido por Karl Marx para o estudo da realidade em superação ao positivismo. Para Marx a sociedade é dinâmica, complexa e contraditória e por isso as teorias e técnicas referentes a natureza não são coerentes com os estudos sociais, uma vez que a sociedade não funciona como as leis naturais, assim como afirmavam os positivistas. A dialética possui três características básicas: a totalidade, a contradição e a historicidade. Assim na dialética o objeto deve ser analisado na sua especificidade (singularidade) possuindo relação com a totalidade (contexto em que se insere), e historicidade (RICHARDSON, 2008, p. 44).
22
Para tanto foi realizada uma pesquisa bibliográfica baseada na literatura
especializada acerca das categorias de análises do problema. Dialogando com
autores do Serviço Social que possuem perspectivas diferentes a respeito do
projeto ético-político, exercício profissional e da categoria trabalho. Os principais
autores estudados foram: Alves (2007); Antunes (2005); Harvey (2012); Netto
(2007); Iamamoto (2010); Guerra (2007); Braz (2007); Ramos (2007);
Vasconcelos (2015) e vários documentos institucionais do Ministério da Saúde e
do município.
Já a pesquisa de campo foi realizada com assistentes sociais que atuam
na Atenção Básica da política de saúde do município do Natal/RN. Através de
um levantamento feito junto a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) foi possível
identificar o número de assistentes sociais na AB que compõe universo dessa
pesquisa. No quadro abaixo é possível visualizar a quantidade de profissionais
atuantes na AB de Natal/RN distribuídas entre as UBSs; USFs; NASFs; Distritos
Sanitários; Consultórios na Rua e Unidades Básicas Ampliadas (Mistas).
Tabela 01 - Universo da pesquisa
Unidades Número de
profissionais
Unidades Número de
profissionais
Distrito Sul 02 USF Jiqui 01
Mista/UBA Quintas 06 USF Nova Descoberta 01
Mista/UBA Cidade Satélite 06 USF Candelária 01
Mista/UBA Mãe Luiza 02 USF Santarém/NASF 01
USF Pirangi 01 USF Nazaré/NASF 01
USF Mirassol 01 USF África/NASF 01
CNR São João 01
CNR Mãe Luiza 01
CNR Ponta Negra 01
TOTAL 27 Fonte: elaborada pela autora
A amostra da pesquisa foi probabilística nas unidades com mais de uma
assistente social, definida por sorteio simples e não probabilística intencional
naquelas unidades que contam com a presença de uma única profissional de
Serviço Social. Dessa forma, ficou definido primeiramente: um (a) assistente
social da Mista Quintas; um (a) da mista Cidade Satélite; um (a) da mista Mãe
Luiza; um (a) da USF Pirangi; um (a) da USF Mirassol; um (a) da USF Nova
23
Descoberta; um (a) da USF Candelária; um (a) da USF Jiqui; um (a) do
Consultório na Rua São João; um (a) do Consultório na Rua em Ponta Negra;
um (a) Consultório na Rua em Mãe Luiza; um (a) profissional do NASF Santarém;
um (a) do NASF Nazaré; um (a) do NASF África e um (a) assistente social do
Distrito Sanitário Sul. Totalizando 15 assistentes sociais a serem entrevistadas.
Entretanto, ao entrar em contato com as unidades de saúde para iniciar o
processo de coleta de dados, descobrimos que a unidade de Pirangi, Candelária
e a unidade Mista Cidade Satélite não contam com assistentes sociais em seu
quadro de funcionários/as, pelo fato de algumas terem se aposentado e /ou
transferidas de unidades, bem como o Consultório na Rua em Mãe Luiza, pois
havia acabado o tempo do contrato da profissional; o NASF Santarém, pois a
mesma foi transferida para a gestão central da AB na SMS e o Distrito Sanitário
Sul que substituímos pelo distrito Oeste por ser a única assistente social,
atualmente ao nosso conhecimento, na gestão de distritos sanitários em Natal.
Com isso a amostra ficou da seguinte maneira:
Tabela 02 - Amostra da pesquisa
Unidades Números de
profissionais
Profissionais entrevistados
Distrito Oeste 01 01
UBS Quintas 01 01
USF Cidade Satélite 02 01
Mista/UBA Mãe Luiza 02 01
USF Nazaré/NASF 01 01
USF Mirassol 02 01
CNR São João 01 01
CNR Mãe Luiza 01 01
USF Jiqui 01 01
USF África/NASF 01 01
USF Pajuçara 01 01
USF Cidade Nova 01 01
TOTAL 14 profissionais 12 entrevistados Fonte: elaborada pela autora
A escolha da referida amostra foi intencional no sentido de analisar a
atuação profissional de assistentes sociais em diferentes espaços de inserção
na atenção básica de saúde em Natal/RN, por esse motivo selecionamos apenas
um/a profissional de cada unidade e serviço.
24
Como técnica de coleta de dados foram realizadas entrevistas do tipo
semiestruturadas por serem mais flexíveis ao permitir ao pesquisador incluir
novas questões durante a coleta de dados, além de possibilitar ao entrevistado/a
uma maior liberdade para responder as questões sem sair do tema (PRATES,
2003). Para tal, foi utilizado como instrumento de pesquisa, o roteiro de
entrevista, com questões abertas e fechadas. As entrevistas também foram
gravadas com autorização dos sujeitos da pesquisa. Após a coleta dos dados
utilizamos a técnica de Análise de Conteúdo para realização da análise e
interpretação dos dados, tanto quantitativamente como qualitativamente, por
meio de análise frequencial e temática.
A partir dessa técnica, é possível fazer uma leitura das falas, dos
depoimentos, documentos e todo o conteúdo que venha a ser levantado na
pesquisa a fim de extrapolar a superficialidade das aparências (MINAYO, 2013).
Já a representação desses dados se deu por meio de gráficos, quadros e tabelas
e as categorias extraídas das falas dos sujeitos de pesquisa para melhor
exposição dos resultados da pesquisa.
O processo de marcação das entrevistas foi bastante difícil devido ao fato
de existirem poucos/as profissionais na rede e em unidades diferentes das
informadas primeiramente pela SMS, a medida em que, a planilha
disponibilizada pela SMS se encontrava desatualizada acerca da atual lotação
dos/as profissionais. Algumas assistentes sociais haviam se aposentado ou
mudaram de lotações e a secretaria não tinha esse dado atualizado, diante disso,
localizamos as profissionais através das próprias unidades de saúde e distritos
sanitários.
Isso ocasionou uma grande dificuldade de conseguir horários compatíveis
na medida em que muitos/as deles/as são sobrecarregados/as pelas demandas
da instituição, pela grande procura e falta de profissionais suficientes para
atender e/ou pela dificuldade de localizar os/as assistentes sociais.
Todos os cuidados éticos foram tomados, primeiramente com a
submissão do projeto de pesquisa ao comitê de ética do Hospital Onofre Lopes,
responsável pelos estudos realizados na área da saúde na UFRN e elaboração
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) devidamente assinados
pelos sujeitos de pesquisa com a garantia do sigilo total da identidade dos
25
mesmos, para isso utilizamos a denominação de “assistente social 1, 2...” para
referenciar as falas.
Nessa perspectiva o projeto foi devidamente aprovado e liberado sob o
parecer de nº 1.350. 004, para início da coleta de dados junto às instituições,
bem como a liberação da SMS via emissão de memorando sobre a pesquisa às
unidades presentes na amostra do estudo.
Vale destacar que optamos por trazer os resultados da pesquisa no
capítulo três da dissertação após toda discussão teórica que demonstra o terreno
no qual se desenvolve o exercício profissional dos/as assistentes sociais.
Enquanto que a devolução será feita a partir da defesa aberta da dissertação,
bem como uma cópia em CD disponibilizada para os/as trabalhadores/as dos
serviços participantes dessa pesquisa.
O estudo se mostra de extrema importância para fomentar a discussão no
âmbito do Serviço Social na formação e no exercício profissional,
problematizando a atuação do/a assistente social na atenção básica da política
de saúde no município do Natal/RN para pensarmos como tem se efetivado o
projeto ético-político, identificando os pontos em que avançamos, as fragilidades
e desafios que precisam ser superados, contribuindo assim para sua defesa. Do
mesmo modo, a pesquisa possui grande relevância para a academia, pois é uma
forma de produzir conhecimento, que é um dos objetivos das universidades
públicas, e devolver para a sociedade informações acerca de uma política que
está bastante próxima da realidade dos sujeitos usuários do SUS.
Vale ressaltar que há uma escassez de estudos sobre a atuação do/a
assistente social na atenção básica, visto que o maior número expressivo de
assistentes sociais na saúde se encontra na média e alta complexidade o que
dificulta a elaboração de estudos nesse âmbito.
Além de que a saúde, particularmente a atenção básica, carece de
profissionais qualificados, de uma equipe multiprofissional que saiba trabalhar
numa perspectiva interdisciplinar. Que seja capaz de acolher, produzir saúde de
forma integrada aos usuários, por meio de processos democráticos e
participativos, constituindo novas formas e práticas de atenção à saúde, novos
saberes construídos coletivamente em prol da classe trabalhadora.
26
A realização deste estudo é, também, relevante para os/as demais
trabalhadores/as de saúde e para os usuários das ações e serviços de saúde,
na medida em que, procura problematizar a saúde como um direito de cidadania,
voltado para os interesses e necessidades dos usuários, por meio da
identificação/atendimento de suas demandas, do acesso aos diferentes níveis
de atenção em saúde e tecnologias capazes de prolongar a vida. Procura
contribuir para a qualificação dos processos de trabalho que o/a assistente social
se insere, destacando as contribuições desse no trabalho em equipe na
construção de um saber interdisciplinar.
Nessa perspectiva o Serviço Social, articulado a outras categorias
profissionais progressistas e movimentos sociais que defendem a consolidação
do direito a saúde através do SUS, deve ter o projeto ético-político como guia
para sua atuação e este deve estar atrelado ao projeto da Reforma Sanitária.
Expressando a relevância de pensar a importância do exercício profissional,
pautado nos valores profissionais, na saúde em especial na AB diante do seu
nível de capilaridade junto às famílias contribuindo para a construção (CFESS,
2010).
Por fim, no que concerne a organização dessa dissertação, está dividida
em três capítulos, a contar com essa introdução, distribuída em itens que se
interligam e foi pensada de modo a contextualizar a realidade encontrada a partir
da pesquisa de campo.
Com isso, julgamos necessário trazer inicialmente no segundo capítulo,
as principais características da categoria trabalho a partir da crise capitalista de
1970, e consequentemente a reestruturação produtiva do capital e a
incorporação do padrão flexível na condução da produção e relações de
trabalho, bem como a intensificação da exploração da força de trabalho através
do processo de mundialização do capital.
Todos esses fatores de forma conjunta, adensaram o acirramento da
Questão Social e consubstanciaram as formas de enfrentamento. Nessa
conjuntura, também problematizamos a formatação do Estado e das políticas
sociais, especialmente no âmbito da seguridade social com ênfase para a saúde,
bem como para Atenção Básica dentro da maré neoliberal.
27
Compreendemos que a formatação do Estado frente à prestação direta
das políticas sociais, as dificuldades que evidenciamos na atual política de saúde
com ênfase para a Atenção Básica são produtos de todas as alterações do
capital na sua esfera produtiva, que precisa de uma ideologia (nesse caso o
neoliberalismo) que o sustente e a justifique.
No terceiro capítulo abordamos o exercício profissional do/a assistente
social na atenção básica, sob a ótica neoliberal, expondo as suas
particularidades nesse espaço de inserção, com vistas a analisar as proposições
e desafios para o projeto ético-político do Serviço Social. Para isso explicitamos,
a priori, a construção histórica do projeto profissional e os caminhos trilhados até
a conformação do projeto atual e sua hegemonia para dar visibilidade ao que é
o projeto ético-político, sua importância para a categoria e defesa dos interesses
da classe trabalhadora e os entraves que envolvem a concretização desse
projeto nos limites da sociabilidade capitalista.
Ainda no referido capítulo, problematizamos a condição de trabalhador/a
assalariado/a do/a assistente social considerando as ofensivas do capital aos
direitos trabalhistas que assolam toda a classe trabalhadora, na qual também se
inserem os/as profissionais do Serviço Social, objetivando não cair em uma
análise unívoca da atuação profissional. Por fim, fazemos uma discussão acerca
das competências e atribuições profissionais com base nos dados coletados afim
de trazer para reflexões os avanços percebidos, as dificuldades, desafios e
alternativas a serem traçadas.
Nas considerações finais buscamos sintetizar as discussões abordadas
ao longo da dissertação com vistas a retomar os principais apontamentos que o
estudo apresenta, de modo a incitar a reflexão dos mesmos e sua
problematização.
28
2 O TRABALHO NA ERA DA MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL: reconfiguração
do Estado, implicações para a política de saúde e Atenção Básica.
O mundo do trabalho sofreu uma série de alterações desde a sua
conformação nas sociedades pré-capitalistas até a sociedade capitalista
contemporânea, prova disso são as três revoluções industriais2 ocorridas ao
longo do seu processo de maturação e desenvolvimento. Como os próprios
nomes remetem, as revoluções industriais trouxeram profundas mudanças nas
estruturas econômicas, sociais e políticas da sociabilidade capitalista, mudando
assim a forma de organização e relação dos atores sociais.
Nesse sentido é preciso ressaltar que cada uma das três revoluções
agregou aspectos importantes ao funcionamento do modo de produção
capitalista, contudo, é a partir da Terceira Revolução, chamada também de
revolução tecnológica, que o capital adquire características particulares com a
mundialização do capital e as suas novas formas de centralização impulsionadas
a partir da reestruturação produtiva e sedimentadas no ideário neoliberal. Por
esse motivo, nosso estudo irá se deter a esta última para conduzir o
desencadeamento das ideias e melhor compreensão da discussão.
A era da mundialização do capital, sob o predomínio do capital financeiro,
representa um novo regime de acumulação capitalista e uma nova escala do
processo de internacionalização do capital, que redimensionou o modo de
produção na sua objetividade e subjetividade em toda esfera global. Esse
processo implicou na elevação de níveis diferenciados de exploração da classe
trabalhadora e extração de mais-valia3, acentuando as diferentes expressões da
Questão Social4. As relações capitalistas passam a ser dominadas por grandes
2 O capital possui três revoluções industriais ao longo da sua história. Essas dizem respeito à profundas mudanças de implicações econômicas, políticas e sociais. A primeira Revolução Industrial aconteceu no século XVIII, na Inglaterra, trouxe o advento da máquina a vapor na produção e a doutrina do mercado era o liberalismo. A segunda, ocorrida no século XIX, tem como marco a utilização da eletricidade, do aço, e da eletromecânica. A produção se organizava no modo fordismo-taylorismo. A terceira, também chamada de revolução técnico-científica, iniciou-se em meados do século XX e correspondeu ao processo de inovações no campo da informática e suas aplicações nos campos da produção e do consumo. 3 Mais-valia refere-se ao valor excedente produzido pelo trabalhador e apropriado pelo capitalista, sem nenhum custo ou despesa, no processo de produção de mercadorias (NETTO; BRAZ, 2008). 4 A Questão Social é apreendida como um conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais
29
grupos transnacionais, formadas por empresas industriais associadas a
instituições financeiras, que subordinam os Estados Nacionais através das
organizações multilaterais (Fundo Monetário Internacional; Banco Mundial;
Organização Mundial do Comércio).
Diante disso, esse capítulo discute as configurações ocorridas na esfera
do trabalho ao longo da trajetória do modo de produção capitalista e, em
especial, após a reestruturação produtiva, oriunda da crise estrutural do capital
ocorrida em 1970, que irá propugnar novas formas de gestão e relações de
trabalho implicando na forma objetiva e subjetiva da produção e reprodução
social da classe trabalhadora. Sob aspectos arrasadores do processo de
mundialização do capital, as políticas sociais foram reconfiguradas a partir do
tratamento dado pelo Estado as diversas expressões da questão social, bem
como os rebatimentos para o Serviço Social nesse contexto contraditório.
Além disso, serão abordados, também, os reflexos dessas alterações do
capital na sua esfera produtiva e financeira, principalmente, nas políticas sociais
de Seguridade Social, especialmente a de saúde, a partir da reconfiguração do
Estado com perdas e negação de direitos da classe trabalhadora e precarização
das condições de vida dos/as trabalhadores/as. Aparece como expressão
dessas ações, a privatização da saúde com a ampliação da iniciativa privada no
SUS; capital estrangeiro e a mercantilização gradativa do direito à saúde.
No último item deste capítulo, é discutida a conformação da atenção
básica de saúde de modo geral, com foco para as particularidades desse nível
de atenção do SUS que historicamente carrega um estigma e preconceito de
serem ações e serviços básicos voltados apenas para populações carentes.
Quando na verdade traz para o modelo de saúde, possibilidades de
reorganização e novas práticas voltadas para a promoção, prevenção
trabalhadas em uma perspectiva interdisciplinar que ultrapasse o foco na cura
da doença e no individuo de modo isolado.
coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2010, p. 29).
30
2.1 A Era da Mundialização do Capital e a Reestruturação Produtiva
Vivenciamos um contexto de mundialização do capital (também
designado como fenômeno da “globalização”) sob o predomínio do capital
financeiro. Vale salientar que apesar desses dois termos serem utilizados para
se referir ao processo de expansão do capital para além das fronteiras nacionais,
a sua internacionalização, eles não possuem o mesmo significado. O termo
globalização é carregado de ideologias burguesas, pois remete a um progresso
benéfico e inevitável das forças do mercado.
Trata-se de uma palavra-chave que constitui hoje em dia verdadeiro slogan das organizações econômicas internacionais. Dever-se-ia, portanto, banir toda e qualquer tentativa de orientar ou de domar o processo. No alvorecer do século XXI, a globalização constituiria a própria expressão da “modernidade”, notadamente por ser o resultado das “forças do mercado”, finalmente liberadas, pelo menos parcialmente, das correntes nocivas com que o Estado lhes manietou durante meio século (CHESNAIS, 1996, p. 6).
Já o termo mundialização do capital é utilizado por autores franceses, da
década de 1970, de tradição marxiana sobre o estudo da internacionalização do
capital. O conceito de mundialização associado ao capital, consiste no fato de
que parte dos segmentos mais decisivos dos mercados financeiros é hoje em
dia mundializado com modalidades e instrumentos variados (CHESNAIS, 1996).
Nessa perspectiva, o termo mundialização denuncia uma crítica a esse
movimento de internacionalização do capital que a globalização não mostra.
Enquanto a globalização é empregada no sentindo de progresso e evolução
natural do capital, a mundialização demonstra aspectos importantes a esse
processo e suas reais causas e implicações. Esse processo está ancorado
“[...] nos grandes grupos industriais transnacionais, resultantes de processos de
fusões e aquisições de empresas em um contexto de desregulamentação e
liberalização da economia” (IAMAMOTO, 2010. p. 108).
Essas empresas industriais associam-se as instituições financeiras que
passam a intervir no nível e ritmo de investimentos das empresas. Desta forma,
a mundialização do capital e especificamente a dominação do capital financeiro
representa um novo regime de acumulação capitalista e expressa níveis
31
diferenciados dos estágios anteriores5. É preciso salientar que o processo de
mundialização do capital não está dissociado da reestruturação produtiva e do
desenvolvimento das ideias neoliberais e, consequentemente de seus produtos.
A redução do Estado para as políticas sociais através da privatização dos órgãos
públicos, terceirização dos serviços, cortes de gastos sociais fazem parte de um
mesmo movimento, a medida que:
A mundialização financeira sob suas distintas vias de efetivação unifica, dentro de um mesmo movimento, processos que vêm sendo tratados pelos intelectuais como se fossem isolados ou autônomos: a “reforma” do Estado, tida como específica da arena política; a reestruturação produtiva, referente às atividades econômicas empresarias e à esfera do trabalho; a questão social, reduzida aos chamados processos de exclusão e integração social, geralmente circunscritos a dilemas da eficácia da gestão social; à ideologia neoliberal e concepções pós-modernas, atinentes à esfera da cultura (IAMAMOTO, 2010, p. 114).
O processo que hoje denominamos de mundialização do capital é fruto
de uma série de mudanças operadas no mundo da produção capitalista
principalmente após as inovações trazidas pela Terceira Revolução Industrial ou
Revolução técnico-científica, ocorrida no século XX, quando passou a ser
incorporado ao processo de produção e consumo o uso da tecnologia avançada
como a robótica, biotecnologia, nanotecnologia, microeletrônica e da informática.
Esse processo se deu nas bases do toyotismo, principal marco da reestruturação
produtiva.
Cabe ressaltar que a evolução/transformação do capitalismo está ligada
não só a incorporação dessas novas tecnologias ocasionada pela Terceira
Revolução Industrial, mas também pela interação dos processos estritamente
econômicos, organizacionais, sociopolíticos e culturais que juntos implicam em
5 O capital possui em sua trajetória três estágios de evolução: capital comercial ou mercantilista, considerada a fase inicial do capital após a erosão do sistema feudal, em que os comerciantes terão um importante papel no processo de acumulação capitalista e as relações sociais seguirão em torno do comercial. Em segundo a fase concorrencial do capitalismo, também denominada de clássica ou liberal, “sobre a base da grande indústria (a indústria moderna), que provocará um processo de urbanização sem precedentes, o capitalismo concorrencial criará o mercado mundial: os países mais avançados (e, nesse período, a liderança estará com a Inglaterra) buscarão matérias brutas e primas nos rincões mais afastados do globo e inundarão todas as suas latitudes com suas mercadorias produzidas em larga escala [...]” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 172). Posteriormente, entre o fim do século XIX e início do XX, temos o capital monopolista que dará início a fase imperialista do capital.
32
profundas alterações no seu desenvolvimento. Contudo, a essência exploradora
e centralizadora do capital permanece como norte para as mudanças.
Essa incorporação da tecnologia aos processos de produção e consumo
permitiu aos capitalistas otimizar o tempo e aumentar a escala de produção,
reduzir a força de trabalho humano/vivo através da substituição pela máquina
(trabalho morto), além de possibilitar a “integração” mundial no âmbito da
economia. O uso das tecnologias propiciou a expansão do capital para além das
fronteiras dos estados nacionais.
No final dos anos do século XIX adentramos em outro estágio do
capitalismo: o capital monopolista, que atrelado ao desenvolvimento dos
monopólios, há a ascensão dos bancos que passarão a ser peça chave nas
transações capitalistas.
Inaugurava-se uma nova função dos bancos, a de centralizar num único organismo os recursos de miríades de capitalistas dispersos, convertendo-os em “capitalistas coletivos”, cujo controle e manipulação do crédito permitia expandir ou estrangular determinados setores da produção (FONTES, 2010, p 106)
É preciso ressaltar que o capital possui em sua essência características
imperialistas, pois buscam dominar todos os espaços de produção e reprodução
humana em detrimento do lucro para o capital. Mas, é a partir da conformação
dos monopólios e capital financeiro que essa característica ganha ênfase e
precedentes jamais vistos na sua trajetória. Sendo considerada a fase superior
do capitalismo.
O estágio imperialista é divido em três fases: a clássica (1890-1940); os
Anos Dourados (final do segundo pós-guerra até 1970) e o contemporâneo
(meados dos anos de 1970 até os dias atuais), cada uma dessas fases possuem
características distintas dentro do processo de evolução e crises do capitalismo
(NETTO; BRAZ, 2008).
A fase clássica do imperialismo é marcada pelo surgimento dos
monopólios a partir do intenso crescimento concorrencial entre os capitalistas na
busca pelo lucro. Com isso, as empresas que não conseguiam desempenhar os
mesmos resultados das demais, acabavam sendo destruídas ou se fundiam com
outras no intuito de se tornarem mais fortes no mercado.
33
É importante ressaltar que nesse período o Estado não intervia nas
relações de mercado, pois sua figura era rechaçada pelos defensores do
liberalismo6 que acreditavam que as relações econômicas seguiam um fluxo
natural de evolução e assim proporcionavam o bem-estar geral da sociedade.
Entretanto, o surgimento dos monopólios e as guerras pela tomada do
controle de territórios de outros países demonstraram a inconsistência dessa
concepção liberal da economia.
A partir do fim da segunda guerra mundial o capitalismo entra na sua
segunda fase do imperialismo: os Anos Dourados também chamado de 30 anos
gloriosos pelo expressivo desenvolvimento das taxas de crescimento do capital
alcançados nessa etapa. Essa fase terá como base as ideias keynesianas7 e o
desenvolvimento do Welfare State8.
Diante disso, após o final do segundo pós-guerra verifica-se alterações na
relação entre o capital, Estado e classe trabalhadora. Constatada a necessidade
de intervenção do Estado nas leis de mercado, este passa a operar como
regulador no intuito de retomar as taxas de lucro através da produção e consumo
afetados pela crise de 1929. Nesse momento começa a surgir uma série de
medidas de proteção social aos trabalhadores ligados aos vínculos formais e
incentivo ao consumo através da concessão de benefícios denominados de
salários indiretos.
Nessa perspectiva, a crise do capital que ocorreu em 1929-19329, teve
como consequências “[...] o desemprego em massa, a forte queda de renda, a
queda na taxa de lucro e, com isso, a perda de credibilidade dos pressupostos
liberalismo econômico [...]” (SALVADOR, 2008, p.41). Exigiu do capitalismo
6 O liberalismo defendia o desenvolvimento “natural” da economia, sem intervenção estatal sob alegação de que o mercado se autorregulava. Adam Smith, da economia clássica, alegava que o mercado era a via pela qual proporcionaria a abolição das classes e das desigualdades sociais e que a intervenção estatal implicaria na criação de monopólios e ineficiências, prejudicando o desenvolvimento natural do mercado e da expansão do bem comum (SPING-ANDERSEN, 1991). 7 As teorizações keynesianas correspondem a um conjunto de ideias desenvolvidas por John Maynard Keynes, no século XX, orientando uma política intervencionista do Estado na economia, com medidas que englobavam também as políticas sociais, com vistas a resgatar o crescimento capitalista após a degradação ocasionada pela crise de 1929 (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). 8 Estado de bem-estar social ou Welfare State correspondem ao período em que houve uma forte regulação/intervenção do Estado nos campos sociais, através da políticas sociais, e econômicos para o incremento do mercado (BEHRING, 2009). 9 A crise de 1929, de um modo geral, foi uma crise de superprodução e subconsumo.
34
ações que respondessem e superassem a crise.
Nessa direção, Alves (2011) aponta três elementos constitutivos do modo
de produção capitalista que sofre alterações nesse processo, sendo eles: a
cooperação (trabalhador coletivo), manufatura (divisão do trabalho) e a grande
indústria (maquinaria), que não aparecem apenas como formas históricas da
organização da produção capitalista substituídas a cada reestruturação por
formas mais avançadas, mas se recompõe em cada fase de desenvolvimento do
capitalismo, demonstrando a organicidade desse sistema.
Esse processo será acompanhado do modelo fordismo/taylorismo que
será o orientador da gestão do trabalho no capitalismo até a crise de 1970, em
que expressará o esgotamento desse modo de produção em massa. O
taylorismo10 remete ao método cientifico de organização do trabalho aplicado a
produção que passa a ser fragmentada, cada trabalhador opera em apenas uma
parte do processo, hierarquizada e cronometrada visando o aumento da
produção e otimização do tempo gasto pelos trabalhadores para produzir as
mercadorias. Já o fordismo11 consistia no método de produção em massa ou
linha de produção. Juntos, o taylorismo/fordismo formaram “[...] a ideologia
orgânica da organização do trabalho e da produção capitalista no século XX que
surge na etapa da grande indústria [...] (ALVES, 2011, p. 34).
Nessa conjuntura o Estado desempenhou um papel importante para a
recuperação da acumulação capitalista, adotando as ideias formuladas por John
Maynard Keynes, publicadas em seu livro, Teoria geral do emprego do juro e da
moeda, em 1936, tinha como pressuposto a intervenção do Estado na regulação
da economia com objetivo de impulsionar o pleno emprego e o consumo
(SALVADOR, 2008).
As teorizações keynesianas serviram de base para a construção do
Estado de Bem-estar Social, que se consolidou no segundo pós-guerra, em
vários países da Europa. Assim, o keynesianismo associado ao fordismo
conseguiu reverter as baixas taxas de crescimento econômico registrados no
10 Desenvolvido pelo engenheiro americano Frederick W. Taylor. Em 1911, Taylor publicou “Os
princípios da administração”, obra na qual expôs seu método (BATISTA, 2008). 11 O fordismo foi um termo atribuído ao modo de produção automobilística em massa (linha de produção), criado por Henry Ford em sua fábrica e incorporado por outros setores (BASTISTA, 2008).
35
período de crise e vivenciou durante trinta anos, elevados números de
crescimento econômico.
Para tanto, o Estado passou a investir na reprodução da força de trabalho
e na reprodução do capital para obtenção de tais resultados. No que concerne à
reprodução da força de trabalho foi investido em políticas sociais de saúde,
educação e Previdência Social, além de subsídios para o lazer. Oliveira (1998)
considera essa série de serviços e benefícios como salários indiretos. Dessa
forma, os trabalhadores podiam direcionar seus “salários diretos” (aquele
dinheiro pago diretamente ao trabalhador pela sua força de trabalho), para o
consumo e impulsionar a dinâmica da economia.
Todavia, em meados dos anos de 1960 o modelo keynesiano começa a
demonstrar sinais de esgotamento do seu ciclo de crescimento que se consolida
com a eclosão da crise mundial do capital a partir de 1970. A década de 1970
marca um momento importante do capitalismo mundial. Foi nesse período que o
atual sistema vivenciou sua maior crise econômica da história12.
Vale salientar que pela sua essência contraditória de geração de riqueza
e concomitantemente também da pobreza e desigualdade social pelo seu caráter
concentrador, o capital possui crises cíclicas, consideradas inerentes ao seu
próprio movimento. Crise essa considerada estrutural pela sua proporção e
características13, na medida em que envolveu todas as partes do processo de
acumulação (produção, distribuição e consumo). Além disso, também trata de
uma crise global, pois suas implicações não se restringem e não podem ser
relegadas aos países periféricos, visto que, afeta todas as sociedades, mesmo
que de modo diferenciado em cada uma delas (TONET, 2005).
Designada como crise de superprodução, capaz de colocar o mundo
capitalista, mais uma vez, diante dos seus próprios limites exigindo deste a busca
pela retomada do crescimento das taxas de lucro. Posto que, o modelo
12 As crises são consideradas inerentes ao modo de produção capitalista, pois a sua forma de exploração/acumulação encontra barreiras postas pela sua própria lógica destrutiva, nessa perspectiva é inimaginável uma sociedade capitalista sem crises a medida que estas são participes do seu processo (NETTO; BRAZ, 2008). 13 Em termos simples e gerais, uma crise estrutural afeta a totalidade de um complexo social em todas as relações com as suas partes constituintes ou subcomplexos, como também a outros complexos aos quais é articulada”. Nesse sentido a crise dos anos de 1970 se apresenta como estrutural pela sua proporção que afetou todo o sistema capitalista (MÉSZÁROS, 2010, p. 66).
36
fordista/keynesiano não respondia mais aos anseios do capital, pois não
conseguia mais obter o crescimento econômico vivenciado nos trinta anos
gloriosos do Welfare State.
Isso se deu pela redução do crescimento econômico e o aumento da
inflação denominada de estagflação14. Ainda nesse período temos a guerra
árabe-israelense e o aumento expressivo do preço do petróleo pelos países
árabes membros da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP),
como resultado houve a falência de diversas indústrias na Europa, como a
siderurgia, metalurgia e têxteis.
Os choques do petróleo (1973 e 1979) contribuíram no sentido de agravar os problemas que já estavam em curso na economia americana, quais sejam: aumento da concorrência internacional, declínio da produtividade e rentabilidade, inflação galopante e o
desemprego. (LEITE, et al, 2011, p. 11).
As estratégias utilizadas para superação da crise dizem respeito à
retomada do crescimento das taxas de lucro, a reestruturação produtiva do
capital e o redimensionamento do papel do Estado na condução da recuperação
do sistema capitalista apontando para uma “[...] reorganização do papel das
forças produtivas na recomposição do ciclo de reprodução do capital, tanto na
esfera da produção como na das relações sociais” (MOTA, 2008, p. 65).
No âmbito da produção capitalista, há a adoção de uma série de medidas
que a reconfiguraram com vistas à superação da crise e retomada do
crescimento das taxas de lucro. Esse movimento designado como
reestruturação produtiva, de acordo com Alves (2007), possui três dimensões
interiores à produção capitalista: as que correspondem às inovações
organizacionais; inovações tecnológicas e as inovações sócio-metabólicas15.
A reestruturação produtiva do capital não se dará mais nas bases do
fordismo/taylorismo, mas sim, inspiradas no Sistema Toyota de Produção ou
Toyotismo16 também chamado de modelo flexível que vai se caracterizar como
14 Combinação de recessão econômica com aumento da inflação. 15 Inovações ligadas ao que ele vai chamar de “captura da subjetividade” a medida em que o capital, no toyotismo, prepara também o terreno ideológico para a obtenção do consentimento dos trabalhadores as mudanças impostas pelo modelo flexível (ALVES, 2011). 16 A filosofia do toyotismo tem sua gênese histórica no Japão, elaborada pelos engenheiros da Toyta. Seu criador Taiichi Ohno, trouxe em seu livro O Sistema Toyota de Produção: para além
37
“ideologia orgânica” desse processo que incorpora princípios para a gestão da
produção e do trabalho vivo17 (ALVES, 2011).
Os valores e dispositivos organizacionais do Sistema Toyota de Produção ou toyotismo tornaram-se “senso comum” da gestão do capital. Por exemplo, mesmo não participando da criação de valor, organizações de serviços e de administração pública (inclusive da instância socioreprodutiva) tendem a incorporar valores do neoprodutivismo toyotista (ALVES, 2011, p. 43).
Esse processo irá causar implicações objetivas e subjetivas no âmbito do
trabalho, além de extrapolar a esfera da produção capitalista se espraiando para
as demais esferas da vida social.
Na esfera da produção, observa-se o aumento das taxas de lucro via crescimento da produtividade do trabalho, intermediada pelo uso de novas tecnologias e de novas formas de consumo da força de trabalho. Na esfera da circulação, essa organização incide em mudanças no mercado consumidor, determinando também novas formas de concorrência entre firmas, com base na seletividade dos mercados e no marketing da qualidade dos produtos. Na esfera sócio-política e institucional ocorreram novas modalidades de controle do capital sobre o trabalho, que exigem um conjunto de reformas institucionais e a implementação de mecanismos capazes de promover a adesão e o consentimento dos trabalhadores às mudanças requeridas (MOTA; AMARAL, 1998, p. 28).
A introdução de novas tecnologias, em substituição do trabalho vivo pelo
trabalho morto18 e a adoção de um modelo flexível de acumulação atinge não
somente a produção, mas também as relações e condições de trabalho
causando rebatimentos de forma direta e indireta a toda classe trabalhadora. De
maneira direta podemos citar alguns aspectos mais visíveis acerca da
flexibilização e sua efetividade do aparato produtivo, pois:
da produção em larga escala, 1978, um complexo ideológico-moral que determinou a gestão da produção e da gestão do trabalho no capitalismo mundial (ALVES, 2011). 17 O trabalho vivo se refere a um dos elementos constitutivos do processo de trabalho que é a própria força de trabalho utilizada para a transformação da natureza para satisfazer as necessidades humanas (NETTO; BRAZ, 2008). 18 Trabalho realizado pelas máquinas e tecnologias no processo de produção. É chamado assim por se referirem ao trabalho não realizado pelo homem.
38
[...] é também imprescindível a flexibilização dos trabalhadores. Direitos flexíveis, de modo a dispor desta força de trabalho em função direta das necessidades do mercado consumidor. O toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os, através de horas extras, trabalhadores
temporários ou subcontratação, dependendo das condições de mercado. O ponto de partida básico é um número reduzido de trabalhadores e a realização de horas extras (ANTUNES, 1995, p. 32).
Como consequência desse processo há a precarização das condições
de trabalho para a classe trabalhadora “Surge o que podemos considerar um
salariato19 precário, decorrente da precarização intensa das condições de
contratação salarial do proletariado” (ALVES, 2007, p. 91).
Nessa perspectiva há na esfera do trabalho uma múltipla
processualidade, de um lado a diminuição do operariado industrial tradicional,
além da heterogeneização do trabalho através da absorção da mão-de-obra
feminina e de outro o aumento do trabalho assalariado empregados no setor de
serviços20. Concomitantemente, a expansão de um modo de trabalho parcial,
precário, subcontratado e terceirizado que o autor ira designar como
subprolaterização (ANTUNES; ALVES; 2004).
Esta redução do operariado fabril está relacionada ao fato de que há
uma constante redução do número de trabalhadores que são substituídos por
máquinas e/ou porque passam a desempenhar diversas tarefas ao mesmo
tempo (trabalhador polivalente), repercutindo também numa redução de postos
de trabalho.
Nesse novo estágio, ocasionado pela reestruturação produtiva, o campo
do trabalho experimentará níveis diferenciados de desemprego, sendo este
produto da inserção de novas tecnologias no setor de produção e de formas
diversificadas de exploração da classe trabalhadora através da
desregulamentação do trabalho.
Nas décadas recentes o desemprego, nos países capitalistas altamente desenvolvidos, limitava-se em grande parte “aos bolsões de subdesenvolvimento”; e milhões de pessoas
19 “[...] Expressão que temos utilizado para traduzir as formas político-institucionais de implicação social do trabalho assalariado nas sociedades burguesas [...]” (ALVES, 2007, p. 89). 20 Também chamado de setor terciário, corresponde ao comércio de bens e a prestação de serviços.
39
afetadas por ele costumavam ser otimisticamente ignoradas, no grande estilo de autocomplacência neocapitalista, como representando os “custos inevitáveis da modernização” (MÉSZÁROS, 2011, p. 67).
Agora, o desemprego alastra-se de modo a afetar, também, a força de
trabalho altamente qualificada, acirrando a disputa entre os trabalhadores, pelos
escassos postos de trabalho. Assim, esse novo padrão de desemprego
demonstra o aprofundamento da crise estrutural do capital (MÉSZÁROS, 2011).
Nessa perspectiva, o desemprego e a miséria são a marca desse novo
modelo de gestão da produção capitalista calcada no neoliberalismo, pois
excluem contingentes cada vez maiores de trabalhadores e preconiza a
concentração de renda, como afirma Maranhão (2008), acerca do capitalismo
nessa fase atual, “[...] esse mesmo sistema que ampliou sem precedentes a
técnica, a ciência e a riqueza, tem se deparado, em escala ascendente, com um
crescimento exponencial da desigualdade social, da pobreza e da miséria”
(p.93).
Os trabalhadores desempregados têm sofrido aumento no tempo médio
de procura por trabalho, ou seja, ficando mais tempo desempregados. E assim,
devido ao elevado número de população sobrante muitos autores afirmam
estarmos vivenciando o “fim da sociedade do trabalho”, uma vez que a
organização da vida social não estaria mais centrada no trabalho (MARANHÃO,
2008).
O que alguns autores denominam de perda da centralidade do trabalho (Claus Offe) ou extinção do valor-trabalho (Dominique Medá) é tão-somente a metamorfose complexa do vínculo de “emprego” em novas formas de subalternidade salarial para além do vínculo empregatício (ALVES, 2007, p. 108).
Nesse sentido, autores como o próprio Alves (2007), Antunes (1995);
Netto e Braz (2007) e Maranhão (2008), defendem que o trabalho não perdeu
centralidade na organização da vida social e explicam a superpopulação
excedente como elemento inerente ao modo de produção capitalista, que é
incapaz de absorver toda a massa de trabalhadores, além de ser funcional ao
capital, pois:
40
1) Dinamiza os ciclos de rotação do capital (D – M – P – M’ – D’), deixando à disponibilidade dos diversos investimentos e créditos capitalistas uma quantidade sempre renovável de força de trabalho; 2) Barateia o custo da força de trabalho, ao despejar continuamente no mercado uma grande quantidade de oferta dessa mercadoria; 3) aumenta a produtividade através da intensificação da extração de mais-valia absoluta e relativa, fazendo com que os trabalhadores se autopoliciem e trabalhem com mais constâncias (MARANHÃO, 2008, p. 106).
As mutações no âmbito do trabalho são claras e inegáveis. O capital
busca a todo momento, colocar o trabalhador como um apêndice da máquina
para fazer com que o capital dependa cada vez menos da força de trabalho.
Todavia, a força de trabalho é o que cria valor, mesmo com a incorporação das
diversas tecnologias capazes de agilizar e duplicar a produção de mercadorias.
Embora, a classe trabalhadora tenha se modificado ao longo da conformação da
sociedade capitalista, suas essências principais se mantem que são os
trabalhadores que dependem unicamente da venda da sua força de trabalho.
Diante disso, mediante todas as modificações apontadas, o trabalho continua
sendo central na vida social, pois é o lugar no processo de produção que
determina o lugar do sujeito na sociedade.
A manutenção de taxas de desemprego é uma das estratégias do capital
na tentativa de desvalorizar a mercadoria força de trabalho e assim extrair o
máximo de mais-valia.
[...] o principal modo de desvalorização do trabalho vivo é “produzi-lo” em excesso como força de trabalho, ou seja, como mercadoria disponível para o consumo capitalista. Cria-se uma superpopulação relativa ou exército industrial de reserva. É uma população excedente e sobrante às necessidades de acumulação do capital, mas que possui uma funcionalidade sistêmica [...] (ALVES, 2007, p. 98).
O desemprego é a faceta mais cruel do capitalismo que exclui enormes
parcelas da população do processo produtivo e as impedem de garantir, mesmo
que minimamente, a sua subsistência através da venda da sua força de trabalho
além de garantir um determinado status social aos trabalhadores, pois é o papel
ocupado na cadeia produtiva que determina o seu lugar na sociedade. “O
desemprego é vivido como uma experiência humilhante por aqueles que já
41
exerceram uma profissão estável e que veem suas chances de reintegração
profissional se restringir dia após dia” (PAUGAM, 2003, p. 34).
Segundo dados do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
número de pessoas sem ocupação, no Brasil, no segundo trimestre de 2016, foi
estimada em 11,3%. Isso representa o aumento de 0,4 ponto percentual na
comparação com o primeiro trimestre de 2016 (10,9%) e alta de 3,0 pontos
percentuais frente ao 2º trimestre de 2015 (8,3%) (IBGE, 2016). Em relação as
regiões do país podemos ver: “Norte (de 8,5% para 11,2%), Nordeste (de 10,3%
para 13,2%), Sudeste (de 8,3% para 11,7%), Sul (de 5,5% para 8,0%) e Centro-
Oeste (de 7,4% para 9,7%)”. A Região Nordeste aparece registrando a maior
taxa de desocupação dentre todas as regiões (IBGE, 2016, p. 11).
Essas expressões da precarização do trabalho na era da neoliberalização
fundamentadas no aumento da taxa de desemprego e intensificação da
exploração da força de trabalho dão origem ao que Alves (2009) designa por
“experiência vivida” e “experiência percebida” da precarização do trabalho. A
“experiência da precarização” implica “experiência percebida” e “experiência
vivida”, processos dialeticamente articulados, que se impõem aos
sujeitos/agentes assalariados em processo de reestruturação (ALVES, 2009, p.
2).
A primeira diz respeito a realidade que independe da vontade do sujeito,
aquela que se apresenta como é e sem seu consentimento. A segunda é a forma
como esta realidade é percebida pelos trabalhadores, a partir dos seus relatos.
O neoliberalismo se utilizou dos elementos ideológicos para justificar as
mudanças engendradas com a reestruturação produtiva. Dessa forma:
[...] o elemento ideológico é, em si, uma mediação fundamental (e fundante) da “experiência percebida” da classe do trabalho, na medida em que contribui para instaurar o conteúdo ideacional dos novos métodos de gestão de cariz toyotista (ALVES, 2009, p. 3).
Diante disso, podemos dizer que a realidade vivida é coberta de um
elemento ideológico que obscurece a forma como os sujeitos a percebe,
objetivando a “manutenção” da ordem capitalista. A naturalização das
42
perversidades geradas pelo sistema como algo inalterável e, assim, deve-se
buscar superar as dificuldades “normais” dentro da órbita do capital.
Nessa lógica, a introdução das mudanças necessitou do consentimento
da classe trabalhadora para a sua incorporação. Isso se fez a partir da difusão
de uma ideologia que defende tais alterações importantes para todos inclusive
para os próprios trabalhadores.
Para a burguesia, este movimento se materializa na defesa de um ‘pensamento único’ que invoca a modernidade das mudanças e a irreversibilidade dos processos de ajustes, amparados no neoliberalismo [...] (MOTTA; AMARAL, 1998, p.30).
Assim, as mudanças foram implantadas no processo produtivo sem o
uso da coerção, mas através da internalização dos novos processos pelos
trabalhadores21 de modo que os mesmos passassem a se sentir partícipes
igualitários para o sucesso ou fracasso das instituições.
O mundo capitalista mergulhou na neoliberalização como a resposta por meio de uma série de idas e vindas e de experimentos caóticos que na verdade só convergiram como uma nova ortodoxia com a articulação, nos anos 1990, do que veio a ser conhecido como o “Consenso de Washington” (HARVEY, 2012, p. 23).
A reestruturação produtiva se fez também no âmbito do Estado, pois a
sua reconfiguração foi importante para alavancar as alterações propostas no
campo do trabalho. Diante disso, nesse momento da crise de 1970 as ideias
neoliberais ganham ênfase na medida em que o Estado de Bem-Estar Social foi
acusado de ser o responsável pelo quadro de crise instaurado. Os gastos sociais
do Estado eram apontados como pedra de toque para esta crise.
Assim, segundo os defensores do ideário neoliberal22 era necessário reduzir os
21 A exemplo da internalização das mudanças, temos a substituição da figura do emprego pelo colaborador nas empresas, transmitindo para o funcionário a ideia de que ele também faz parte, de uma forma essencial, para o sucesso da instituição destruindo (ou encobrindo), a hierarquia presente na organização da mesma. Dessa forma, o funcionário passa a vestir a camisa da empresa no sentido de que se esta ganha, todos saem ganhando. 22 De acordo com Anderson (1995), o neoliberalismo nasceu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial materializado no texto de Friedrich Hayek, escrito em 1944, onde ele resgata aspectos importantes do liberalismo clássico entre eles a defesa intransigente de um mercado livre com pouquíssima regulação do Estado. “Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação
43
gastos do Estado para que este se tornasse mais eficiente e eficaz nas suas
ações.
O neoliberalismo passou a ser difundido a partir do encontro
internacional entre as principais economias mundiais e seus organismos como
FMI e Banco Mundial, realizada em 1989, em Washington, onde foram propostas
uma série de medidas a serem adotadas, no âmbito macroeconômico, pelos
países periféricos como única alternativa para a superação da crise mundial,
Objetivado em propostas de políticas macroeconômicas e de reformas estruturais, o Consenso de Washington deve ser pensado como um dos meios pelos quais a burguesia internacional imprime uma direção política de classe às estratégias de enfretamento da crise dos anos de 1980, especialmente no que diz respeito às reformas a serem implementadas pelos países periféricos, devedores do capital financeiro internacional (MOTA, 2008, p. 80).
A subordinação dos países em desenvolvimento aos ditames neoliberais
acordados no Consenso de Washington trouxe implicações no reordenamento
no mundo da produção e nas relações sociais que impactaram negativamente
na vida dos trabalhadores. Dessa forma, o neoliberalismo atribuiu ao modo de
produção capitalista novas bases ideopolíticas para acumulação do capital no
seu período imperialista/financeiro desenvolvendo uma série de orientações
macroeconômicas para os países. Os resultados das medidas neoliberais serão
sentidos, principalmente no campo dos gastos sociais do Estado que sofrera um
significativo enxugamento de acordo com o chamado ajuste fiscal23.
A retração do Estado na ótica neoliberal estava situada nos gastos
públicos com a reprodução da força de trabalho, mais especificamente com as
políticas sociais. Apesar de a direita afirmar que a redução seria em todas as
esferas do Estado inclusive na reprodução do capital que segundo Oliveira
(1998) é o principal responsável pela crise fiscal do Estado. Há nesse sentido
uma disputa do fundo público24 para a financeirização do capital defendido pelos
dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciada como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política” (ANDERSON, 1995, p. 10). 23 O sentido do ajuste fiscal, no qual está empregado no contexto neoliberal, remete a “revisão” das despesas do Estado com vistas a reduzir seus gastos públicos com enfoque para “políticas liberalizantes, privatizantes e de mercado” (SOARES, 2000, p. 16). 24 O orçamento público é que garante concretude à ação planejada do Estado e espelha as prioridades das políticas públicas que serão priorizadas pelo governo. O fundo público deve
44
neoliberais.
O Estado será reformulado essencialmente no que concernem as políticas
sociais consideradas a principal responsável pela evasão de seus recursos,
passando a ser alvo de medidas neoliberais sob a afirmação de que é preciso
enxugar as contas estatais para torná-lo mais forte e eficiente. Esse contexto
mundial influenciou também as alterações sociais, políticas e econômicas no
Brasil.
O Brasil entrou no processo de reestruturação produtiva de modo tardio e
subordinado as deliberações do Consenso de Washington, sem considerar as
particularidades e necessidades sociais da classe trabalhadora. As mudanças
foram implantadas com base no receituário neoliberal que se expandiu para
América-Latina a partir da experiência no Chile com o golpe de Pinochet25 que
instaurou o neoliberalismo no país (SOARES, 2001).
As mudanças no âmbito do Estado e da economia, no Brasil, apareceram
como única alternativa para retomar o crescimento diante da crise que assolou
o capitalismo em sua totalidade. Vela ressaltar que o período no qual se instaura
o neoliberalismo no Brasil (1990) é posterior a década perdida26 (1980) quando
o país, ainda sob a ditadura militar, apresentava elevados índices de
endividamento, inflação e estagnação nas taxas de crescimento econômico.
Nesse mesmo período, as economias mundiais já estavam implementando as
mudanças nas diretrizes neoliberalistas, o que reafirmou a necessidade de se
adequar a tais mudanças.
Como país retardatário, no entanto, o Brasil já entrou na fase das chamadas “medidas corretivas” do ajuste preconizado pelo Consenso de Washington, combinando, assim, as já conhecidas políticas ortodoxas no campo econômico com propostas ditas de “reforma do Estado”, aliadas a programas de “alívio” para a
assegurar recursos suficientes para o financiamento das políticas sociais (SALVADOR, 2012, p. 5). 25 O Golpe de Estado de 11 de Setembro, ocorrido no Chile em 1973, consistiu na derrubada do regime democrático constitucional do Chile e de seu presidente, Salvador Allende, encerrando a democracia representativa e instaurando o regime burocrático-autoritário no país. O golpe contou com apoio e financiamento dos EUA e da CIA, colocando no poder oficiais da marinha e do exército chileno tendo a frente o general Augusto Pinochet Ugarte. (ÁVILA, 2014). 26 A década de 1980 é lembrada pela estagnação econômica, tanto no Brasil quanto em outros países da América do Sul, ao se verificar uma forte retração da produção industrial, além do aumento da inflação, desemprego e baixo crescimento econômico (BANDEIRA, 2002).
45
pobreza, tratando de enquadrar-se (ao menos na retórica) no chamado “Ajuste com Rosto Humano” proposto por alguns organismos internacionais como o PNUD, ou na “humanização da globalização” (SOARES, 2001, p. 172).
Tudo isso implicou em “custos sociais” para a classe trabalhadora que foi
penalizada com o afastamento do Estado na responsabilização da prestação das
políticas sociais, o que ocasionou oferta precárias de serviços básicos atingindo
a seguridade social, educação, moradia entre outras. O agravamento da questão
social desmentiu os discursos de priorização de combate à pobreza e melhoria
na qualidade de vida das populações carentes, discurso esse amplamente
difundido pelos defensores do neoliberalismo para legitimação desse projeto
junto a classe trabalhadora. Contudo:
A combinação perversa entre a reestruturação recessiva da economia e do setor público; a geração de novas situações de exclusão social; e o agravamento das já precárias condições sociais daquela parcela da população já considerada “em situação de pobreza”, resulta naquilo que estamos chamando de custo social do ajuste no Brasil (SOARES, 2001, p. 172).
Essa corrente só começa a se desenvolver a partir dos anos de 1990 com
o governo de Fernando Collor de Melo (1990-1992), e mais fortemente no
governo de Fernando Henrique Cardoso – FHC (primeiro mandato 1994-1995 e
o segundo 1998-2002), quando a tendência neoliberal aparece de forma mais
marcante.
No próximo item será abordado o novo caráter admitido pelo Estado no
projeto neoliberal e a forma dirigida as políticas sociais, de modo geral, e as
políticas de proteção social geridas no âmbito da chamada Seguridade Social
brasileira e, em especial, a política de saúde.
2.2 ESTADO E POLÍTICAS SOCIAIS SOB O PREDOMÍNIO DO
NEOLIBERALISMO: uma análise dos desmontes da seguridade social e da
política de saúde
As mutações no mundo do trabalho e a configuração da atuação do
Estado sob os preceitos neoliberais têm repercussões diretas nas políticas
sociais e, em especial as de Seguridade Social, uma vez que estas estão
46
historicamente ligadas à proteção social, que tem como fundamento principal o
trabalho formal. Com o desemprego inúmeros trabalhadores perdem diversos
direitos de proteção social, principalmente os previdenciários que são
concedidos em forma de contrato social ou seguro.
O Estado, na sua concepção clássica, é definido como uma entidade
representativa dos interesses gerais da sociedade, expressando assim uma
neutralidade na mediação das relações sociais e dos diferentes interesses
comuns e individuais. Todavia, na formulação marxiana sobre o Estado, ele
aparece com um caráter burguês evidenciado nas suas ações. “O Estado é um
produto da sociedade civil, expressa suas contradições e as perpetua [...]”
(MONTAÑO; DURIGUETO, 2011, p. 35).
É na sociedade civil que se evidencia as lutas de classe, a produção e
reprodução da vida material, ou seja, é na sociedade civil que se produz a
riqueza econômica. E a burguesia, por ter o controle dos meios de produção
passa a se constituir como uma classe dominante que estende seu poder ao
Estado, diante disso este aparece como um dominador de classe, a medida em
que preserva e dissemina os interesses da classe dominante burguesa.
Ao analisar o Estado, após as transformações da sociedade capitalista
no século XX com a conquista do sufrágio universal, abertura política e
constituição de centrais sindicais, o Estado, na concepção de Gramsci (1978),
não perdeu sua essência de classe, mas se modificou ao perceber que o uso
exclusivo da coerção não era mais suficiente para manter a ordem e os
interesses da burguesia.
Nesse Estado ampliado, as imposições não se davam apenas através
do uso da coerção, mas adquiria novas formas de articulação política que
mesclam coerção e consenso, dominação e hegemonia. Essa análise
gramsciana enriqueceu a compreensão marxiana de Estado, agregando novos
elementos e desdobramentos a partir das mudanças elencadas. Assim, o Estado
liberal respondia as reivindicações dos trabalhadores, que estavam revoltados
com sua situação de pauperismo, de forma repressiva pois julgava a pobreza
como algo natural e inerente a ação humana em estar ou não nessa situação,
correspondendo a uma análise moral da miséria.
Com isso, as políticas sociais eram vistas de modo muito negativa pelos
47
liberais que as consideravam responsáveis pela manutenção do ócio e da
miséria pois desestimulava a procura ao trabalho gerando assim uma
acomodação.
Contudo, a pressão dos trabalhadores em prol de melhorias de trabalho
e de proteção social obrigou os capitalistas a reconhecer os direitos sociais e
implementarem políticas sociais que, ao menos, minimizassem as situações de
extrema pobreza vivenciada por aqueles sujeitos. A mobilização e organização
da classe trabalhadora foram primordial para a transformação do Estado liberal.
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 63).
A crise de 1929, amplamente abordada nos itens anteriores, pediu
estratégias que tirassem o capital da crise e retomassem as taxas de
crescimento. As medidas adotadas foram via intervenção estatal através do
keynesianismo e investimentos em políticas sociais com objetivo de acender o
consumo em massa e o pleno emprego. As medidas proporcionaram ao capital
vivenciar períodos de grande crescimento econômico, os 30 anos gloriosos, que
perdurou até os anos de 1970 quando o capital entra em mais uma crise.
Após a crise de 1970 a relação do Estado com a sociedade civil é
novamente modificada. O Estado que antes desempenhava uma serie de v
medidas no âmbito das políticas de proteção social do Welfare State, que não
foi vivenciado no Brasil, agora passa a se retrair na oferta destas. Essa é a
principal característica do projeto neoliberal.
O tema do Estado - suas dimensões, seu formato, sua redefinição para inserir-se na nova ordem econômico-mundial - foi perseguido como questão estratégica. A modernização econômica exigiu, assim, uma profunda reforma, de caráter privatizante e desregulamentador. (SIMIONATTO, 2004, p. 5)
O Estado nos moldes neoliberais passa a ser mínimo, direcionando suas
ações para as parcelas mais pauperizadas da sociedade, entregando a outra
parcela ao usufruto do mercado, ocasionando uma polarização entre aqueles
que não podem pagar e dessa forma utilizam o sistema público, de modo
compensatório, e aqueles que detêm melhores condições financeiras para
acessar os direitos sociais através do mercado. Esse fato acirra as expressões
da questão social e a desigualdade social historicamente presente nas lutas de
classe na sociedade burguesa.
48
O modo de produção capitalista possui em sua essência um caráter
explorador da força de trabalho e concentrador da riqueza socialmente
produzida. O resultado desse processo é o acirramento das desigualdades
sociais e das diversas expressões da questão social que se traduzem na falta de
condições dignas de vida das classes trabalhadoras. Assim, a gênese da
questão social “[...] está na maneira com que os homens se organizam para
produzir num determinado momento histórico, como vimos o de constituição das
relações sociais capitalistas” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 52).
As mazelas produzidas pelo capitalismo repercutem de forma cruel e
perversa na vida da classe trabalhadora que as vivenciam e enfrentam de
inúmeras formas. Por ser a força de trabalho a única mercadoria que detém,
estes se submetem aos ditames do capitalista que os contratam. Entretanto, as
adversidades do dia a dia também despertam rebeldia.
A violência dos primeiros protestos operários era a reação inevitável à brutalidade da exploração capitalista, então basicamente centrada no incremento do excedente mediante a extensão da jornada de trabalho (mais-valia absoluta) – inexistiam quaisquer garantias para os trabalhadores, indefesos diante da rapacidade da burguesia (NETTO; BRAZ, 2008, p. 173).
As lutas de classes, oriundas dos interesses distintos na relação entre a
classe trabalhadora e os capitalistas, são marcas históricas no processo de
conformação da sociedade burguesa. As respostas do Estado e as
reinvindicações dos trabalhadores são diversas ao longo das fases do sistema
capitalista e do papel do Estado e se modifica de acordo com a relação
estabelecida entre este e a sociedade civil.
A política social não tem data definida sobre seu surgimento, mas se
sabe que ela é conformada no seio da sociedade capitalista no período de
confluência da Revolução Industrial, das lutas de classe e da intervenção do
Estado. Todavia, é a partir do segundo pós-guerra que se tem o seu
espraiamento é “ao lado da caridade privada e de ações filantrópicas, algumas
iniciativas pontuais com características assistenciais são identificadas como
protoformas de políticas sociais” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010 p. 47).
Ao longo do desenvolvimento capitalista, as políticas sociais foram se
49
gestando na contradição capital x trabalho em que se predomina os interesses
do capital sobre o trabalho, mas há a necessidade do trabalho para a
acumulação capitalista, o que evidencia uma verdadeira disputa. Elas aparecem
como forma de enfretamento da questão social gerada pelo movimento do
próprio sistema capitalista que destrói, explora e minimiza a força de trabalho,
mas que precisa dela apta para servir aos interesses do capital.
As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento – em geral setorializadas e fragmentadas – às expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2010 p. 51).
As políticas sociais não possuem a capacidade de eliminar todas as
expressões da questão social porque para isso seria necessário a transformação
e superação do modo de produção capitalista, que é o gerador da questão social,
e com isso as políticas sociais não tem esse caráter revolucionário, mas são
formas de frear a lógica exploradora e perversa do capitalismo.
Nessa perspectiva, foram criados sistemas de proteção social, através
da luta e organização da classe trabalhadora, em defesa de ações do Estado
que os protegessem de situações permanentes ou temporárias de perda
laborativa, as políticas sociais em forma de proteção social se diferenciam das
demais políticas, pois foram pensados como provisão de bem-estar social
coletivo, entretanto, na sociedade capitalista a sua logística sempre esteve
atrelado ao trabalho e a contribuição.
[...] quanto mais a proteção social capitalista se desvincula do trabalho assalariado ou autorremunerado e do controle de situações identificadas como vagabundagem, mais essa proteção é malvista, esvaziada de dignidade e alvo de desqualificações. Em compensação, quanto mais essa proteção se vincula ao trabalho assalariado e se mercantiliza, mais é bem‑vista e merecedora de credibilidade e prestígio social (PEREIRA, 2013, p. 643).
O acesso às políticas de proteção social por via da contribuição do
trabalho assalariado era então identificado como um direito previsto pelo seu
pagamento antecipado, considerado justo na sociabilidade capitalista, como
fruto do merecimento, enquanto as políticas direcionadas para os trabalhadores
50
fora do mercado de trabalho são vistas como caridade, benesse e/ou motivo de
envergonha para o sujeito. Prevalece ainda o pensamento do ideário liberal que
coloca o trabalho como dignificador do homem e a ociosidade como algo a ser
combatido. As conquistas devem se dar por mérito próprio e individual:
Para além do valor do salário, a submissão da proteção social a um formato meritocrático que seleciona a ocupação que vai ser, ou não, incluída no direito trabalhista a transforma em território de regulação econômica e não social. Essa transmutação é uma das possíveis estratégias, de caráter sutil, pelas quais o caráter antagônico da proteção social aos interesses do capital se manifesta. (SPOSATI, 2013, p. 660-661).
Temos dois marcos mundiais para a conformação das políticas sociais de
proteção. O primeiro nasceu na Alemanha, século XX, sob o governo de Otto
Von Bismarck que estabeleceu políticas previdenciárias em forma de seguro
social. Assim o acesso aos benefícios se dava por meio de um pagamento
prévio, descontado dos trabalhadores formais, dando direitos aos contribuintes
e seus familiares dependentes. Tinha como pressuposto a substituição da renda
do trabalho em caso de perda da capacidade laborativa consequente de doença,
acidente de trabalho, invalidez ou idade avançada (BOSCHETTI; SALVADOR,
2009, p. 3).
Posteriormente, em um contexto diferente, durante a segunda guerra
mundial e de crise vivenciada pelo capital em 1929, é formulado, na Inglaterra,
o Plano Beveridge que apresentava críticas ao modelo bismarckiano. O novo
modelo proposto, estabelecia o acesso aos direitos sociais sem a antecipação
de um pagamento, considerado universal a população, porem era garantido o
básico as necessidades sociais dos sujeitos.
Esses dois modelos passaram a inspirar a constituição da seguridade
social em diversos países predominando as características de um ou outro
dependendo da conjuntura social. “A composição dos sistemas de proteção
social varia de um país para outro, mas a seguridade social (previdência, saúde,
assistência social) constitui o núcleo duro em praticamente todas as nações”
(BOSCHETTI, 2012, p. 756).
Com a onda neoliberal a lógica social de implementação da seguridade
social foi sendo cada vez mais reduzida em detrimento da lógica contratual do
51
seguro. As contrarreformas operadas no âmbito das políticas de proteção social
com a diminuição e negação dos direitos sociais da classe trabalhadora em
nome da modernização do aparelho do Estado aumenta a distância da
consolidação de uma seguridade integral e universal.
No Brasil, esse contexto não será diferente. A Constituição Federal de
1988 traz a importante conquista da garantia da seguridade social formada sob
o tripé da previdência, saúde e assistência social, colocando essas ultimas como
direitos sociais universal, no caso da saúde, e não contributivo para ambas,
embora a assistência seja direcionada para uma população específica, aquela
excluída dos direitos previdenciários destinadas apenas aos chamados
segurados.
No caso brasileiro a Seguridade Social se estrutura nos modelos alemão
bismarckiano e, no inglês beveridgeano. Impressa na Constituição Federal de
1988 e reconhecida como um direito e política de proteção social. O período que
antecede essa data, o contrato social estruturava a previdência e a assistência
à saúde no país. Com a Constituição Federal de 1988 a saúde passou a ser
universal e foi incorporada também a assistência social ficando mantido no
caráter contributivo direito apenas a previdência social.
A mistura desses dois modelos pode ser evidenciado na constituição da
Previdência Social que é trazido na CF de 1988 como sendo contributiva, a
saúde que é o direito de todos sem distinção qualquer e as assistência que é
para aqueles que dela precisarem, os sujeito em maior grau de vulnerabilidade
e risco social. De acordo com a Constituição Federal de 1988, no seu art. 194
A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (BRASIL, 1988).
Os sistemas de proteção social devem funcionar de forma integrada, no
que concerne as políticas de saúde, previdência e assistência social,
possibilitando o atendimento integral das necessidades dos sujeitos dentro
dessas áreas, com isso o orçamento também deve ser único e direcionados para
esse fim.
52
Um sistema de proteção social deve garantir a cobertura das
necessidades sociais de modo universal para o conjunto da população, sem
eleição de critérios de seletividade que incluam ou não determinados
seguimentos populacionais. Em outras palavras, a contribuição direta dos
trabalhadores não deve ser um pré-requisito para as medidas do Estado.
As políticas que conformam a seguridade social brasileira não são
tratadas de forma articuladas, prova disso é a separação que há a partir da
década de 1990 com a elaboração de leis próprias para cada uma. Nesse
processo, as políticas passaram a serem tratadas de formas desiguais, com
hierarquização de prioridades onde a previdência é a mais atrativa pelo seu
caráter contributivo, a saúde divide espaço com a previdência e a assistência
sempre foi colocada a margem dos demais.
Apesar do conceito constitucional, não ocorreu a efetivação de um
Ministério da Seguridade Social, conforme esperado, e as políticas de saúde,
previdência e assistência social seguem geridas por ministérios e orçamentos
específicos, sem a necessária e devida articulação. Além de ministérios
específicos, cada uma das políticas possui fundos orçamentários próprios e
conselhos e conferências também específicos (BEHRING; BOSCHETTI, 2010,
p. 163).
No caso brasileiro, em um contexto de agudas desigualdades sociais,
pobreza estrutural e fortes relações informais de trabalho, esse modelo, que fica
entre o seguro e a assistência, deixa sem acesso aos direitos da seguridade
social uma parcela enorme da população. A seguridade brasileira não se
constituiu enquanto um sistema verdadeiramente de proteção social onde o
sujeito possa transitar de acordo com sua necessidade, “o modelo brasileiro de
proteção social não partiu do reconhecimento universal enquanto direito de todos
os trabalhadores; sua lógica seletiva foi incluindo paulatinamente segmentos da
força de trabalho ativa” (SPOSATI, 2013, p. 661).
Como mais nítido disso temos a dualidade entre previdência e
assistência social, onde o acesso a um é a negação do acesso ao outro, dessa
maneira, elas não se complementam e garantem de fato uma proteção social
aos indivíduos. A lógica do seguro impõe limites estruturais para sua
universalização.
53
A seguridade social pode garantir mais, ou menos, acesso a direitos, quanto mais se desvencilhar da lógica do seguro e quanto mais assumir a lógica social. De todo modo, ambas são profundamente dependentes da organização social do trabalho. Nos países em que as duas lógicas convivem no âmbito da seguridade social, elas estabelecem entre si uma relação que venho designando como sendo de atração e rejeição. É a ausência de uma dessas lógicas que leva à necessidade e à instauração da outra lógica (BOSCHETTI, 2009, p. 5).
Trabalho e assistência social não são incompatíveis. Dessa forma não
devem ser tratados nessa ação de atração e rejeição trazida por Boschetti (2009)
devem servir para sanar as necessidades dos trabalhadores independentes da
condição de uma contribuição prévia para ter acesso. No período do segundo
pós-guerra as políticas keynesianas nos países europeus demonstram essa
complementariedade da seguridade social numa perspectiva mais ampla e
efetiva de garantia de direitos aos trabalhadores.
Dessa forma, colocam interesses diferentes e dividem a população em
segmentações. Segmenta as lutas que deixam de se articular na reivindicação
de um sistema de seguridade público e universal e passa a focar em políticas
especificas como saúde e assistência, muitas vezes por não ser beneficiário da
previdência. Se perde assim uma visão macro das políticas de proteção social.
Contraditoriamente, a promulgação da CF 1988 acontece praticamente no
mesmo período, 1990, de implementação do projeto neoliberal no Brasil que
passa a ter como objetivo o alcance da rentabilidade econômica, colocando em
segundo plano os gastos sociais apontados como principal barreira para o
desenvolvimento econômico e necessário do capital.
No governo de FHC (primeiro mandato, 1995-1998 e o segundo
mandato, 1999-2003), há a consolidação do projeto neoliberal que instaurou uma
ampla contrarreforma27 direcionada a desestruturação dos direitos sociais. Em
1995 foi elaborado o principal documento orientador da reforma, elaborado por
Bresser Pereira, ministro do Ministério da Administração e da Reforma do Estado
(MARE). Trata-se do Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE) contendo as
27 As medidas adotadas pelos governos neoliberais são classificadas por Behring e Boschetti (2010) como contrarreforma, uma vez que as autoras entendem as reformas como fruto da luta dos trabalhadores no reconhecimento de direitos socialmente conquistados por eles, enquanto que as medidas neoliberais buscam desarmar as conquistas já consolidadas.
54
ações que o Estado deveria tomar nas diversas áreas, para a modernização e
superação da “ineficiência” de sua gestão, havendo assim um enxugamento nos
gastos públicos.
O projeto reformista, direcionado pelos organismos internacionais, tinha
como base o ajuste fiscal do Estado, que prescreveu a adoção de medidas
direcionadas às políticas sociais e a Previdência Social. Resultaram numa
regressão e negação dos direitos conquistados, deixando apenas o mínimo
necessário para a manutenção da ordem social, fato que provoca uma
desresponsabilização do Estado e culpabilização dos indivíduos por sua
situação.
De acordo com o PDRE, o Estado deixa de ser responsável direto pelas
políticas sociais e passa a ser um regulador, transferindo a responsabilidade
para o âmbito privado, sob a justificativa de as tornarem mais eficazes diante da
ineficiência da gestão estatal, com isso que o Estado direciona ações apenas as
camadas mais pauperizadas da população brasileira. A privatização,
precarização/flexibilização do trabalho com a terceirização são as marcas que
identificam o reformismo neoliberal (MONTAÑO, 2010). No governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (primeiro mandato 2003-2007 e segundo
mandato 2008-2012), a tendência neoliberal é reafirmada:
[...] ao manter a continuidade da política econômica, consagra a ortodoxia econômica monetarista recomendada pelos organismos internacionais como a única possível: só há “gestão responsável” com a política neoliberal, que mantenha o ajuste fiscal duro, o juro real elevado, a política monetária concentracionista, o câmbio flutuante e a livre movimentação de capitais (IAMAMOTO, 2010, p. 36).
Autores como Mattoso (2013) defendem a ideia de que o governo petista
avançou tanto no âmbito econômico como no social, superando diversos
problemas que pareciam irreversíveis no governo FHC. Segundo o autor:
O conjunto de programas e ações do Estado, tais como os de garantia de renda (seguridade social e Bolsa Família, por exemplo), de garantia de bens e serviços (saúde, água, luz, entre outros) e de regulação (como o salário-mínimo), mesmo que ainda demandando melhor articulação, conformou uma maior mobilização de recursos fiscais e uma nova política social, capazes de enfrentar a pobreza e a desigualdade endêmicas e
55
favorecer a ampla recuperação do mercado interno (MATTOSO, 2013, p. 115).
De fato, apesar de o governo Lula ter dado continuidade a muitas políticas
emanadas no período FHC, é possível identificar alterações significativas de
uma gestão para outra e visualizar avanços em diversas áreas sociais com a
unificação e ampliação do acesso aos programas de transferência direta de
renda representado no Bolsa Família28, na educação com a expansão das bolsas
de pós-graduação e outras iniciativas. Contudo, o projeto do capital continuou
sendo privilegiado em detrimento do projeto democrático. Isso porque as
políticas sociais mantiveram suas características focalizadas e seletivas. Além
de observar um grande investimento de dinheiro público em organismos privados
que podem ser vistos de forma ainda mais nítida na saúde, através dos
convênios e na educação através dos programas de bolsas gratuitas e de
facilidade de financiamentos.
Na área da saúde a disputa entre os interesses de classe é perceptível a
partir de uma luta histórica da concretização da saúde como direito de todos e
dever do Estado, e até mesmo após da sua garantia de acesso a todos, esta
política continua enfrentando sérios desafios no seu cotidiano.
Fruto da luta dos trabalhadores, movimentos sociais, profissionais de
saúde, movimentos populares entre outros atores, a saúde como direito
assegurado na Constituição Federal de 1988 representou um enorme avanço e
conquista no campo da defesa dos direitos sociais e cidadania. A construção da
materialização desse direito se iniciou nos anos de 1970 quando surge o
movimento da Reforma Sanitária.
A Reforma Sanitária inicialmente emerge a partir de uma ideia de um
grupo de intelectuais, que tem o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde
(CEBES)29 como difusor dessa ideia, e passa a congregar profissionais da
saúde, estudantes, movimentos populares, partidos políticos de esquerda, e
sindicatos. Transformando-se em uma proposta para reformulação do setor
28 É um programa de transferência direta de renda, direcionado às famílias em situação de
pobreza e de extrema pobreza, de forma que consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza (BRASIL, 2004). 29 O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde é uma entidade nacional criada em 1976, cuja missão histórica é a luta pela democratização da sociedade e a defesa dos direitos sociais, em particular o direito universal à saúde.
56
saúde, dando início a uma série de articulações frente a difícil correlação de força
existente nos interesses antagônicos para a democratização da saúde (PAIM,
2007).
Portanto a ideia desencadeou um movimento que agregou diversos
sujeitos da sociedade, aproximando-se dos seguimentos populares, que eram
os mais afetados pela segregação da política de saúde na época em que a saúde
era direito apenas dos segurados da previdência social, os trabalhadores formais
e sua família. O movimento foi capaz de elaborar uma proposta e ampliar as
bases de sustentação política para as mudanças da área da saúde. (PAIM,
2007).
Nesse sentido, em 1986, foi realizado a 8ª Conferência Nacional de Saúde
que contou com a participação de cerca de 4.500 pessoas e mil delegados onde
foram discutidos os pontos colocados pelos integrantes da Reforma Sanitária.
Esta conferência foi estruturada sobre três eixos básicos: saúde como direito inerente à cidadania, reformulação do sistema nacional de saúde e financiamento do setor saúde. Para cada eixo eram previamente encomendados textos para acadêmicos, intelectuais e especialista a título de subsídio para os debates. Muitos desses autores vinculados ao movimento sanitário foram, também, convidados para participarem das três grandes mesas-redondas (PAIM, 2007, p. 92).
A conferência deu origem a um relatório que condessou as propostas
defendidas pela Reforma Sanitária que seriam levadas a Assembleia
Constituinte do ano seguinte para disputar com as propostas do projeto privatista
defendido pelo empresariado da área médica e farmacêutica (BRAVO, 2009).
A Reforma Sanitária traz um novo conceito de saúde atribuindo a esta
uma concepção ampliada que leva em consideração a Determinação Social de
Saúde (DSS)30 e os condicionantes, contrapondo-se da concepção tradicional
médico-curativa. Foram debatidas as seguintes propostas:
[...] a universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e dever do Estado; a reestruturação do setor
30 Para a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), os DSS são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007, p. 78).
57
através da estratégia do Sistema Unificado de Saúde visando um profundo reordenamento setorial com um novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de gestão – os Conselhos de Saúde (BRAVO, 2009, p. 94).
Vale salientar que a Reforma Sanitária deve ser entendida enquanto um
processo político que não se esgota com a implantação do SUS. Esta é um
processo continuo e dialético que se encontra em permanente disputa com
projetos de interesses divergentes para a saúde voltados para o mercado. Se
expressa enquanto um processo que aglutina um conjunto de atos em diferentes
momentos e espaços de luta que evidenciam práticas políticas, econômicas,
sociais, ideológicas e simbólicas após a 8ª conferência de saúde (PAIM, 2007).
Dessa forma, pode-se concluir que o movimento da Reforma Sanitária foi
um marco para a história do sistema de saúde pública brasileira, na medida em
que extrapolou o campo da saúde e atingiu o debate da efetivação da cidadania
com a luta pela defesa dos direitos sociais que vieram a ser impressos na
Constituição Cidadã de 1988. Representando uma verdadeira reforma social que
democratizou o Estado, a saúde e a sociedade a partir da luta por direito ao
acesso a saúde. Ultrapassando a setorização de uma única política,
disseminando a defesa do exercício da cidadania e do reconhecimento dos
direitos sociais de trazer para a realidade brasileira, direitos democráticos jamais
vistos em sua história.
Após a 8ª CNS o governo se viu obrigado a introduzir mudanças através
das propostas do movimento devido a uma enorme pressão exercida por este.
Em 1987, houve a criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
(SUDS) através de decreto aprovado pelo presidente da república. A aprovação
do SUDS foi “[...] um passo decisivo para o processo de descentralização e
redefinição de papeis e atribuições entre níveis federal, estadual e municipal”
(BRAVO, 2007, p. 89).
Assim, em 1988, foi aprovada a nova Constituição Federal (CF) brasileira
que trouxe em seu texto as principais propostas contidas no relatório elaborado
na 8ª CNS, dentre as principais a que coloca a saúde como um dever do Estado
e direito social de todos os cidadãos, conforme o art. 196 da Constituição:
58
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
A saúde deve ser prestada a partir de um sistema único, para tal é criado
e instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), regulamentado pela Lei Orgânica
da Saúde (LOS), representada pelas Leis 8.080/90 que dispõe sobre as
condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e
o funcionamento dos serviços do SUS e a Lei 8.142/90 que dispõe sobre a
participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.
A Lei 8080/90 que vem normatizar o SUS, coloca como princípios desse
sistema:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; (BRASIL, 1990).
Apesar de a legislação assegurar um sistema público de saúde, gratuito
e de qualidade, a sua efetivação na realidade não foi sentida. Os problemas
antigos de saúde como a dificuldade de acesso, má qualidade no atendimento,
permaneceram perante o descaso do Estado com a prestação das políticas
sociais e negação dos direitos impressos na constituição.
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A incorporação da saúde como direito de todos e dever do Estado não
extinguiu a correlação de forças e antagonismos entre os projetos distintos na
área da saúde, de fato o seu reconhecimento foi uma grande conquista para a
população, todavia manteve-se em constante disputa com o projeto de mercado.
[...] apesar de explicitar como desafio a incorporação da agenda ético-política da reforma sanitária, pelas suas ações tem mantido a polarização entre os dois projetos. Em algumas proposições procura fortalecer o primeiro projeto e, na maioria de suas ações, mantém o segundo projeto, quando as ações enfatizam a focalização e a precarização dos recursos humanos em decorrência do desfinanciamento (BRAVO, 2009, p. 102).
Na década de 1990, na área da saúde temos claramente a polarização
dos dois projetos de saúde defendidos no Brasil: privatista, ligado a lógica do
mercado, e o democrático da Reforma Sanitária. O primeiro busca o desmonte
da saúde enquanto direito e a sua satisfação através da relação de venda e
compra assim como as mercadorias no modo de produção capitalista enquanto
que o segundo Reforma Sanitária, procura reafirmar a saúde como direito e o
dever do Estado na sua oferta. Este último vem perdendo espaço no projeto
neoliberalista a medida em que possuem interesses divergentes, e a saúde vem
se conformando na lógica focalizada, enfraquecendo os princípios de
universalidade, integralidade e equidade.
Nesse cenário de rupturas e continuidades, na década de 2000, há uma
retomada aos princípios da Reforma Sanitária e do SUS, com a
institucionalização do Pacto pela Saúde, em 2006. Vem para substituir os
processos de gestão e habilitação do SUS, firmados pelas Normas Operacionais
Básicas e Normas de Assistência à Saúde, instituídas através de Portarias
Ministeriais.
O Pacto pela Saúde tem por objetivo redefinir os compromissos coletivos
e responsabilidades dos entes federados, com foco nos resultados sanitários,
visto as diferentes necessidades de saúde da população. Para tal, respeita as
diferenças loco regionais, fortalecendo a organização do SUS a partir de
definições das regiões de saúde, como também os espaços e mecanismos de
controle social (CONASS, 2011). Se institui a partir de seus três componentes:
Pacto pela Vida; Pacto em defesa do SUS e o pacto de Gestão.
60
O Pacto pela Vida (2011) vai dar materialidade ao foco por resultados,
que devem ser garantidas pelo fortalecimento da Atenção Básica, via formulação
da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e da Política Nacional de
Promoção da Saúde (PNPS), ambas com objetivo de redirecionar o modelo de
atenção à saúde hegemônico assistencial, focado na doença, nas práticas
curativas e individuais, propondo um modelo focado nas necessidades de saúde,
nas práticas de prevenção e promoção a saúde, ofertada por uma equipe. Para
tal estabeleceu inicialmente, seis prioridades sanitárias:
1. saúde do idoso: implantar a política nacional de saúde da pessoa idosa, buscando a atenção integral. 2. câncer de colo de útero e de mama: contribuir para a redução da mortalidade por câncer de colo do útero e de mama. 3. mortalidade infantil e materna: reduzir a mortalidade materna, infantil neonatal, infantil por doença diarréica e por pneumonias. 4. doenças emergentes e endemias, com ênfase na dengue, hanseníase, tuberculose, malária e influenza; fortalecer a capacidade de resposta do sistema de saúde às doenças emergentes e endemias. 5. promoção da saúde: elaborar e implantar a política nacional de promoção da saúde, com ênfase na adoção de hábitos saudáveis por parte da população brasileira, de forma a internalizar a responsabilidade individual da prática de atividade física regular alimentação saudável e combate ao tabagismo. 6. atenção básica à saúde - consolidar e qualificar a estratégia da saúde da família (PSF) como modelo de atenção básica à saúde e como centro ordenador das redes de atenção à saúde do sus. (BRASIL, 2011).
Posteriormente, em 2011, foram acrescentadas mais cinco prioridades
ao Pacto pela Vida: saúde do trabalhador; saúde mental; saúde do homem;
saúde da pessoa com deficiência e saúde da pessoa submetida a situações de
violência.
Já o Pacto em Defesa do SUS destaca a necessidade de fortalecer o
controle social e a solidariedade entre os entes federativos, trazendo como
prioridades:
1. Implementar um projeto permanente de mobilização social com a finalidade de: - Mostrar a saúde como direito de cidadania e o SUS como sistema público universal garantidor desses direitos; - Alcançar, no curto prazo, a regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, pelo Congresso Nacional;
61
- Garantir, no longo prazo, o incremento dos recursos orçamentários e financeiros para a saúde. - Aprovar o orçamento do SUS, composto pelos orçamentos das três esferas de gestão, explicitando o compromisso de cada uma delas. 2. Elaborar e divulgar a declaração dos direitos e deveres do exercício da cidadania na saúde (brasil, 2011).
Por último o Pacto de Gestão do SUS que estabelece as
responsabilidades sanitárias, de forma a diminuir a duplicidade de competências
e definir claramente as atribuições de cada ente federado. Contribuindo para o
fortalecimento da gestão compartilhada e solidária do SUS e enfatiza a
descentralização para os municípios (BRASIL, 2006) elenca como prioridades:
1) Definir de forma inequívoca a responsabilidade sanitária de cada instância gestora do sus: federal, estadual e municipal, superando o atual processo de habilitação. 2) Estabelecer as diretrizes para a gestão do sus, com ênfase na Descentralização; Regionalização; Financiamento; Programação Pactuada e Integrada; Regulação; Participação e Controle Social; Planejamento; Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (BRASIL, 2011).
Esse fato reacendeu a defesa do projeto sanitarista ao ressaltar
questões importantes para a consolidação do SUS enquanto um sistema
universal, gratuito equânime e integral na atenção ao cuidado, entretanto, no ano
seguinte, há a criação das Fundações públicas de Direito privado31. As
fundações foram criadas a partir do Projeto de Lei Complementar nº 92/2007, é
uma das modalidades da parceria público-privada32, e trazem como proposta a
atuação no âmbito da gestão do trabalho e do sistema de saúde sob a alegação
de atribuir mais agilidade a máquina pública, eficiência e eficácia na utilização
dos recursos e serviços prestados à população. Nesse sentido, a ideia aparece
31 “[...] é um organismo da Administração Pública com flexibilidade e autonomia mais amplas do que as atuais autarquias e fundações públicas de direito público possuem. Poderá dispor de instrumentos administrativos de natureza privada e, nesse sentido, é comparável a uma empresa pública estatal”. (BRASIL, 2007 p. 7). 32 As OSCIPS são empresas de direito privado e não lucrativas, criadas no governo de Fernando Henrique Cardoso, foram uma nova forma de regulação do Terceiro Setor, concebidas como instrumento de viabilização e implementação de Políticas Públicas. Estas organizações atuam desde a promoção da assistência social, passando pelos âmbitos da cultura, ética, voluntariado, cidadania, paz, direitos humanos, estudos e pesquisas.
62
como uma modernização do Estado, justificativa amplamente utilizada pelos
defensores do neoliberalismo.
O fetiche da iniciativa privada aplicado ao Estado tem o ‘mérito’ de ocultar a essência dos processos que o Estado do capital deseja legitimar: ao tentar prender-nos à forma desviamo-nos do fundamental, do essencial. A forma é a fundação estatal, o conteúdo é a privatização dos serviços sociais, das políticas sociais, dos direitos dos trabalhadores (GRANEMANN, 2007, p. 45).
As fundações são extremamente preocupantes para todo o sistema, pois
amplia o espaço de atuação da iniciativa privada no SUS, o que implica em
desregulamentações de direitos trabalhistas, diminuição na participação popular
nas tomadas de decisões e fiscalização das ações dessas instituições, além do
beneficiamento do capital em detrimento do social na lógica que as ações e
serviços de saúde podem assumir na concepção dessas organizações.
Entretanto é apenas no governo Dilma (2011-2015)33 que as fundações,
de fato, são criadas através da aprovação do projeto de lei complementar
92/2007 elaboradas na gestão do Lula. O caráter privatista ganha maior
destaque a partir da ênfase dada as parcerias público-privadas. Em seu primeiro
mandato, no ano de 2011, a aprovação da Lei n. 12.550 que cria a Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), trata-se de uma fundação estatal
de direito privado, que passou a ser responsável pelo gerenciamento dos
hospitais universitários, retirando a autonomia das universidades públicas sob
seus hospitais escolas (BRAVO; MENEZES, 2013).
Outro aspecto importante e contraditório do governo Dilma é acerca do
financiamento da saúde, que sempre foi ponto crítico no debate entre os projetos
em disputa, representantes do projeto democrático de saúde, defendiam, através
do movimento saúde mais 1034, a destinação de 10% da corrente bruta do
Produto Interno Bruto (PIB), essa proposta foi impressa na emenda
constitucional nº 29, que iria superar o subfinanciamento do setor, garantindo o
33 Esse período corresponde ao primeiro mandato da presidente. Nas eleições presidenciais de 2014 ela foi reeleita, este mandato deveria permanecer até 2018, contudo esta foi afastada através do processo de impeachment acontecido no dia 12 de maio de 2016. 34 O Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública foi iniciado a partir de uma reunião histórica que aglutinou atores de várias entidades representativas da sociedade brasileira, em 13 de março de 2012, e defendia o investimento de 10% do PIB para saúde.
63
montante suficiente para uma saúde universal e de qualidade.
Aprovação da emenda n º 29, em 2000, após 11 anos em tramitação no
Congresso Nacional, representou uma enorme conquista para o SUS, pois
garante a definição do montante a ser destinado a saúde nas três esferas de
governo. Contudo, foi aprovada, mas não em seu texto original. Os 10% da renda
do PIB e a Contribuição Social a Saúde (CSS) foram retirados dando lugar a uma
nova proposta após a regulamentação da emenda.
Com a regulamentação da EC-29 ficou definido que a União aplicaria o
valor nominal gasto no ano anterior, acrescido da variação nominal do PIB do
mesmo ano. Para os estados, Distrito Federal e municípios ficou definido o
montante de 12% e 15% respectivamente. Nessa lógica, os vetos ocorridos na
emenda foram em torno do orçamento referente aos montantes destinados pela
União. Ficando um valor bem abaixo do reivindicado pelos movimentos sociais
que seria os 10% fixo do PIB. Como forma de minimizar essa inequidade no
financiamento foi definida através da Emenda Constitucional nº 86/2015 o
percentual gradativo de 15% do orçamento líquido até 2020.
Com isso podemos perceber que o subfinanciamento da saúde
permanece na tensa relação entre os projetos distintos, a medida em que o
montante destinado a saúde continua inferior ao estabelecido na EC-29 original.
Outra questão emblemática, diz respeito a iniciativa privada que é em
caráter complementar, segundo a Lei Orgânica da Saúde, contudo a
complementariedade tem se alastrado por todos os serviços e por todas as
formas. Recentemente houve a ampliação da participação do capital estrangeiro
por meio da modificação do Artigo nº 23 da Lei 8.080/90 através da Lei nº
13.097/15. O artigo 23 da Lei orgânica da saúde passou a definir que:
Art. 23. É permitida a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde nos seguintes casos: I - doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos; II - pessoas jurídicas destinadas a instalar, operacionalizar ou explorar: a) hospital geral, inclusive filantrópico, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica especializada; e b) ações e pesquisas de planejamento familiar;
64
III - serviços de saúde mantidos, sem finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social; e IV - demais casos previstos em legislação específica (BRASIL, 1990).
A ampliação do capital estrangeiro representa a paulatina
mercadorização da saúde, compreendida enquanto um direito social universal e
gratuito, constituído em fortes ondas contrárias à sua efetivação e um evidente
descaso do Estado, desde sua criação até os dias atuais, e que tem sofrido
ataques cada vez maiores a partir de mudanças aparentemente pequenas.
Além, disso, atualmente, com o governo de Michel Temer (2016) mais
ameaças a política de saúde estão foram propostas, uma delas é da criação de
planos populares em que a população teria acesso a planos de saúde em valores
mais baixos, todavia os serviços ofertados também seriam mínimos de acordo
com as faixas de preço dos planos ofertados. Tal proposta, diminuiria os gastos
do Estado com a saúde, que no seu formato universal é considerada
insustentável via SUS.
Essa proposta fere o princípio da universalidade e integralidade do SUS
e demonstra a clara tentativa de destruição do sistema público de saúde
amplamente defendido e construído a partir das lutas dos trabalhadores e
movimentos sociais e um governo nitidamente elitista que prega a prevalência
de interesses econômicos.
Dessa forma, os atuais governos continuam seguindo uma linha neoliberal
que se evidencia de um lado, formas mais claras e intensas em algumas
medidas, focalização das políticas sociais, investimentos públicos no âmbito
privado. De outro lado, se percebe um avanço nas áreas sociais a partir do
atendimento as reivindicações das agendas democráticas no período da gestão
petista. As disputas entre os projetos societários democráticos e ligados ao
capital continuam presentes na conjuntura.
Há na lógica neoliberal uma clara restrição de direitos sob o argumento
de crise fiscal do Estado e assim as políticas sociais passam a ser pensadas sob
o trinômio do ideário neoliberal para as mesmas: a privatização, a
focalização/seletividade e a descentralização conforme Behring e Boschetti
(2010). Esse trinômio terá como implicações a separação entre os cidadãos que
65
podem e os que não podem pagar pelos serviços e o direcionamento do Estado
para efetivação de políticas sociais para aqueles que são comprovadamente
mais pobres entre os pobres através da focalização e seletividade (BEHRING;
BOSCHETTI, 2010).
Nessa perspectiva o fundo público35 tem se afirmado como palco de
disputas de interesses entre o capital e o trabalho, mas de fato, tem prevalecido
a ênfase em políticas econômicas que privilegiam o capital. Subordinam os
Estados nacionais às políticas econômicas internacionais, através da dívida
pública externa que é contraída a juros altíssimos e endivida os Estados e os
obriga a destinar boa parte do superávit primário para o pagamento da dívida
como poderemos observar no gráfico do Tribunal de Contas da União (TCU)
mais adiante.
A dívida pública tem funcionado como um mecanismo de crescente desvio de recursos públicos que garantem uma ampla fonte de rendas para determinadas elites estabelecidas principalmente no setor financeiro, mas presentes também em outras estruturas de poder (FATORELLI, 2012, p. 61).
Gráfico 01 – Orçamento da União
Fonte: http://www8d.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=684712
35 O fundo público se refere a uma reserva de dinheiro destinado a investimentos em diversas áreas. De acordo com Salvador (2004, p. 2) “O fundo público deve assegurar recursos suficientes para o financiamento das políticas sociais”, todavia este se constitui enquanto espaço de luta política dentro da lógica neoliberal que tende a direcioná-lo para a iniciativa privada.
66
Percebe-se a disparidade entre as áreas de aplicação de recursos e a
eleição de prioridades do governo voltadas para campos que possam favorecer
ao capital, como a previdência social que é contributiva e pertence a seguridade
cujo recursos podem ser desvinculados via DRU para investimentos em outras
áreas. Para a saúde foram direcionados 4,14% dos recursos, bem abaixo dos
10% do PIB reivindicados.
Esse sistema conta com aparato legal, político, financeiro e econômico
para operar e que esse conjunto articulado de mecanismos é denominado de
“Sistemas da Dívida”. Outro privilegio impressionante está impresso na Lei de
Responsabilidade Fiscal. “Essa lei limita gastos e investimentos sociais, mas dá
liberdade total, sem restrições, para o custeio da política monetária [...] ainda que
essa política gere fantásticos prejuízos ao patrimônio nacional” (FATTORELLI,
2012, p. 67).
Diante disso, as políticas sociais aparecem em segundo plano na pauta
do Estado em detrimento da priorização do pagamento da dívida pública e do
financiamento do capital. O superávit primário36 como fonte de recursos do
Estado é alimentado segundo Behring (2003) por um mecanismo criado no
âmbito do plano Real e que hoje se chama Desvinculação de Receitas da União
(DRU). A DRU desvincula 20% das receitas de impostos e de contribuições
sociais da união para o investimento em outras áreas.
A DRU tem permitido a desvinculação de recursos da seguridade social
para o mercado financeiro e para o pagamento da dívida pública atingindo
diretamente a alocação de recursos para as políticas sociais e no cumprimento
dos deveres do Estado para com os direitos sociais (BOSCHETTI, 2012).
Diante disso as consequências dessas medidas rebatem em grande parte
a uma parcela significativa de trabalhadores/as, que não podem adquirir bens no
mercado. Visto que, são desassistidos/as e/ou com acesso precário aos serviços
públicos essenciais, oferecidos pelo Estado de forma irregular a fim de
compensar às misérias geradas pela concentração de renda do sistema
capitalista. Entretanto, tais medidas são incapazes de atender as necessidades
básicas da classe trabalhadora em sua plenitude.
36 O superávit primário refere-se às receitas positivas da união.
67
Nessa perspectiva os trabalhadores sempre buscaram mecanismos de
resistência à exploração através das greves, paralisações, entre outras. A
organização sindical é uma delas e que hoje apresenta novas formatações
engendradas pela crise do capital ocorrida em 1970. Um dos aspectos
apontados nesse sentido é de que os sindicatos:
Distanciam-se crescentemente do sindicalismo e dos movimentos sociais classistas dos anos 60/70, que propugnavam pelo controle social da produção, aderindo ao acrílico sindicalismo de participação e negociação, que em geral aceita a ordem do capital e do mercado, só questionando aspectos fenomênicos desta mesma ordem. Abandonaram as perspectivas que se inseriam em ações mais globais [...] (ANTUNES, 1995, p. 43).
Assim, as lutas passaram a ser mais pontuais e defensivas diante dos
desmontes de direitos elencados pelo neoliberalismo, o que fragiliza o
movimento de organização dos trabalhadores no sentido de obter conquistas
mais amplas que proporcionem reais condições de qualidade de vida e a
superação do modo de produção capitalista. Os sindicatos aparecem agora
como mediadores de conflitos de interesses entre trabalhadores e capitalistas.
Além disso, as transformações acarretadas na composição da classe
trabalhadora, onde esta se mostra heterogenia e fragmentada, dificulta ainda
mais a sindicalização dos trabalhadores e a luta por objetivos comuns.
Uma outra consequência dessas transformações no âmbito sindical foi a intensificação da tendência neocorporativa, que procura preservar os interesses do operariado estável, vinculado aos sindicatos, contra os segmentos que compreendem o trabalho precário, terceirizado, parcial etc., o que denominam os subproletariado (ANTUNES, 1995, p. 72).
É interessante ressaltar que esses obstáculos à sindicalização
repercutiram na eficácia das ações e práticas de greve devido as diversas
repressões implícitas e explicitas que os trabalhadores são submetidos.
Ao longo da década de 1980 pôde-se constatar uma diminuição dos movimentos grevistas nos países capitalistas avançados, que por certo advém das dificuldades de aglutinar, numa mesma empresa, os operários "estáveis" e aqueles "terceirizados", que trabalham por empreitada, ou os trabalhadores imigrantes,
68
segmentos que não contam, em grande parte, nem mesmo com a presença de representação sindical (ANTUNES, 1995, p.72).
Dessa forma, a organização dos trabalhadores implica no enfrentamento
de uma série de desafios que circunscrevem o atual quadro do trabalho no
capitalismo necessitando criar novas estratégias que viabilizem a resistências às
barbáries advindas do avanço do capital.
De fato, o modo de produção capitalista em nenhum momento da história
foi favorável aos interesses da classe trabalhadora, na medida em que sua lógica
lucrativa, exploradora e excludente não converge com as necessidades dessa
classe social. O que emerge como algo novo nessa sociabilidade é a
intensificação da perversidade desse sistema que ao se tornar cada vez mais
desenvolvido e complexo e atingir níveis cada vez mais altos de acumulação,
desapropriam de condições dignas de vida milhares de trabalhadores, que
dependem apenas da venda da força de trabalho para sua subsistência
(MARANHÃO, 2008).
Dessa forma, o trabalho tem se mostrado cada vez mais complexo e
excludente, aumentando a competitividade entre os trabalhadores e a
fragmentação entre os mesmos e fragilizando e/ou obscurecendo a consciência
de classe37 necessária para articulação/mobilização dos trabalhadores em
defesa de seus direitos. Assim, esses fatores servem para fragilizar a
organização e a resistência às ofensivas do capital, pois além da difícil tarefa de
se organizar em prol da reivindicação de direitos os trabalhadores têm se detido
a lutas mais pontuais e defensivas.
A reestruturação produtiva, baseada no modelo de flexibilização ou
toyotista, associada ao ideário neoliberal ocasionou implicações para a classe
trabalhadora, pois representou um retrocesso nas conquistas dos direitos do
trabalho firmemente conquistados e na refração do Estado frente a
responsabilidade na prestação das políticas sociais.
No próximo item serão discutidas as particularidades da atenção básica
de saúde no contexto da política de saúde já abordado, objetivando chamar
37 Consciência de classe é o sentimento de pertença de um agente social a um grupo económico determinado, mas sobretudo para denominar essa consciência particular que é a consciência de classe do proletariado, consciência que é ao mesmo tempo particular e interessada e universal (BOUDON, 1993).
69
atenção para esse nível do cuidado, sua conformação, importância e desafios
dentro dessa conjuntura.
2.3 Atenção Básica de Saúde Frente às Ofensivas do Capital ao SUS
A Atenção Básica de Saúde (AB) desempenha um importante papel na
estruturação das Redes de Atenção à Saúde (RAS)38, estas buscam superar a
fragmentação existente na prestação do cuidado no SUS. As RAS introduzem
um modo de operacionalização horizontal, sem prevalência e/ou valorização de
um nível de atenção específico, considerando as particularidades de cada um a
partir das necessidades de saúde apresentadas pela população usuária. Nesse
processo, a AB aparece como o centro de comunicação da rede, como veremos
melhor mais adiante.
A AB é considerada o primeiro nível de atenção ao cuidado dentro do
SUS, que por sua vez é estruturado de forma hierarquizada e crescente segundo
a Lei 8080/90. Assim, de acordo com o art. 8º da referida Lei:
As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde - SUS, seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente (BRASIL, 1990, p. 25).
Nesse sentido, os serviços e ações de saúde estão divididos entre a
atenção primária (definida nos documentos oficiais brasileiro como atenção
básica), atenção secundária (média complexidade) e atenção terciária (alta
complexidade). É a partir da consolidação do SUS que a atenção primária
começará, de fato, a se expressar, no Brasil, como um nível de atenção
assistencial e como forma de organização desse setor.
Entretanto, no contexto mundial a Atenção Primária em saúde foi utilizada
38 As Redes de Atenção à Saúde (RAS) constituem-se em arranjos organizativos formados por
ações e serviços de saúde com diferentes configurações tecnológicas e missões assistenciais, articulados de forma complementar e com base territorial. Têm diversos atributos, entre eles: a atenção básica estruturada como primeiro ponto de atenção e principal porta de entrada do sistema, constituída de equipe multidisciplinar que cobre toda a população, integrando, coordenando o cuidado e atendendo às suas necessidades de saúde (MENDES, 2012).
70
como forma de organização dos modelos assistenciais pela primeira vez, na
Inglaterra, no chamado Relatório Dawson, em 1920.
Esse documento do governo inglês procurou, de um lado, contrapor-se ao modelo flexineriano39 americano de cunho curativo, fundado no reducionismo biológico e na atenção individual, e, de outro, constituir-se em uma referência para a organização do modelo de atenção inglês, que começava a preocupar as autoridades daquele país, devido ao elevado custo, à crescente complexidade da atenção médica e à baixa resolutividade (FAUSTO; MATTA, 2007, p. 44).
O campo difusor da Atenção Primária foi a Conferência Internacional
Sobre Cuidados Primários, realizada em Alma-Ata, Cazaquistão, 1978 que veio
reafirmar a APS enquanto cuidados essenciais de saúde que:
[...] baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde (ALMA-ATA, 1978, p. 1).
É a partir dessa definição de Atenção Primária aliada as contribuições
do relatório de Dawson, que emergem outros conceitos para além da visão
biomédica do cuidado a saúde, como:
A educação em saúde; o saneamento básico; o programa materno-infantil, incluindo imunização e planejamento familiar; a prevenção de endemias; o tratamento apropriado das doenças e danos mais comuns; a provisão de medicamentos essenciais;
39 O modelo de medicina voltado para a assistência à doença em seus aspectos individuais e biológicos, centrado no hospital, nas especialidades médicas e no uso intensivo de tecnologia é chamado de medicina científica ou biomedicina ou modelo flexineriano, em homenagem a Flexner, cujo relatório, em 1911, fundamentou a reforma das faculdades de medicina nos EUA e Canadá. Esta concepção estruturou a assistência médica previdenciária na década de 1940, expandindo-se na década de 1950, orientando também a organização dos hospitais estaduais e universitários (SILVA JÚNIOR; ALVES, 2007, p. 28-29).
71
a promoção de alimentação saudável e de micronutrientes; e a valorização das práticas complementares. Principalmente, aponta para a saúde como expressão de direito humano (MENDES, 2015, p. 30).
Vale salientar, que a conferência condensou posicionamentos e ideias
plurais e divergentes, pois entre os organizadores da conferência havia os que
defendessem a atenção primária em um sentido integrado e os que defendiam
em um sentido restrito/seletivo. Mas a atenção primária foi hegemonicamente
compreendida em uma lógica abrangente e integrativa pela declaração de Alma-
Ata.
Dessa forma, esta concepção influenciou a organização dos sistemas de
saúde em todo o mundo colocando duas características básicas: a primeira
relacionada a regionalização onde os serviços devem atender as necessidades
especificas de cada região; a segunda é a integralidade em que as ações
curativas devem ser indissociáveis das ações preventivas (FAUSTO; MATTA,
2007).
As ideias acerca da medicina preventiva serviram de base para fortalecer
a organização da atenção primária em saúde internacionalmente sob a
perspectiva de uma abordagem integral, uma vez que, a medicina preventiva
defendia “[...] que a atenção médica, em sua fase inicial, deveria se fazer mais
próxima do ambiente sociocultural dos indivíduos e famílias [...]” (FAUSTO;
MATTA, 2007, p. 45). E dessa forma, respaldar a intervenção médica em
prevenção e controle da doença.
Contudo, no ano seguinte a realização da Conferência em Alma-Ata,
houve a Conferência de Bellagio, na Itália, onde foi difundida a ideia de atenção
primária seletiva e focalizada em questões especificas de saúde e voltadas para
as populações carentes (FAUSTO; MATA, 2007).
A proposta seletiva de APS tem como pressuposto a oferta de condições
mínimas para a cobertura das necessidades de saúde, sendo direcionadas para
populações mais precarizadas que se encontram em situação de extrema
pobreza e assim não podem acessar o mercado para responder as suas
necessidades por conta própria.
72
Subentende programas com objetivos restritos, visando cobrir determinadas necessidades previamente definidas de grupos populacionais em extrema pobreza, com recursos de baixa densidade tecnológica e sem possibilidade de acesso aos níveis secundário e terciário, correspondendo a uma tradução restrita dos objetivos preconizados na Conferência de Alma-Ata, em 1978, para a Estratégia de Saúde para Todos no ano 2000 (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2009, p. 576).
A outra concepção de APS se refere ao primeiro nível de atenção,
resolutiva, mas voltada apenas para os problemas mais comuns de saúde, o que
também diverge da interpretação ampliada formulada em Alma-Ata, visto que
evidencia um recorte, também, restritivo (MENDES, 2015).
A crítica à noção de atenção primária desenvolvida na declaração de
Alma-Ata centrava-se no argumento de que não era possível garantir uma
atenção primária integral e que a forma como ela estava impressa na declaração
de Alma-Ata era uma visão idealizada e ampla, e por isso com poucas chances
de aplicabilidade (CAMARGO, 2014). Assim, essa polarização entre as duas
propostas de atenção primária, a seletiva e a integral, continuou por toda a
década de 1980 tendo repercussão na década de 1990. “O resultado dessa
polêmica foi favorável às concepções da atenção primária seletiva” (FAUSTO;
MATTA, 2007, p. 50).
O contexto de neoliberalização, já discutido nesse estudo, contribuiu para
a disseminação da atenção primária sob a perspectiva seletiva que ganhou apoio
das agências internacionais como o Banco Mundial, que:
Defendia as cestas básicas de serviços de saúde, sugerindo que o setor público deveria prover um conjunto mínimo de ações essenciais aos que não pudessem arcar individualmente com os gastos em saúde (FAUSTO; MATTA, 2007, p. 51).
Nos anos de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS), abandonou
a ideia de atenção primaria integral e passou a comungar da proposta seletiva
da atenção primária, mas com outra proposta. A proposta da OMS é a de um
“novo universalismo” onde os Estados, ao invés de assumir todas as ações para
população de modo geral ou só assumir um conjunto mínimo de ações para os
pobres, deveriam se responsabilizar por um conjunto de ações essenciais
ofertadas com alta qualidade para toda a população (FAUSTO; MATTA, 2007).
73
No que tange a organização do modelo assistencial que enfatiza a
atenção primária, após o SUS as primeiras inciativas foram: Programa de
Agentes Comunitários de Saúde (PACS), em 1991e a proposta de criação do
Programa Saúde da Família (PSF), em 1994, sendo implantado, de fato, em
1998, após a edição da Norma Operacional Básica em 1996 (NOB-SUS/96)40.
O PACS e posteriormente o PSF surgem com o intuito de estimular os municípios a assumirem alternativas de organização da atenção em âmbito local, especialmente aqueles municípios pequenos, sem nenhuma ou com exígua rede de serviços de saúde conformada (FAUSTO; MATTA, 2007, p. 58).
O PACS caracteriza-se “como o elo entre a comunidade e a equipe que
se responsabiliza pela atenção básica em saúde de uma área adscrita”
(CAMARGO, 2014, p. 32). Inicialmente se desenvolveu no norte e nordeste do
país contribuindo para a redução da mortalidade infantil e materna, através da
expansão dos serviços de saúde para as regiões mais pobres.
Já o PSF, as unidades de saúde devem contar com uma equipe
multiprofissional mínima formada por um médico generalista, um enfermeiro, um
auxiliar ou técnico de enfermagem e um número suficiente de Agentes
Comunitários de Saúde (ACS) para cobrir toda a população da área
especificada, não ultrapassando o limite máximo de 12 agentes por equipe.
Assim, cada equipe é responsável pelo atendimento à população de uma área
geográfica definida (CORBO; MOROSINI; PONTES, 2007, p. 85).
Como podemos observar, os/as profissionais indicados para a
constituição das equipes de saúde são ligados a área médica, não havendo
exigência da incorporação de assistentes sociais nas equipes. Isso se deve a
primazia do modelo tradicional de saúde hegemônico no SUS em que persiste a
prática curativista, que também vai em direção dos preceitos neoliberais no
sentido de oferecer os mínimos sociais.
Dessa forma, a abordagem da atenção primária expressa através dos
programas PACS e PSF é de caráter seletivo, uma vez que, no momento de sua
40 Tem como objetivo "promover e consolidar o pleno exercício, por parte do poder público municipal e do Distrito Federal, da função de gestor da atenção à saúde dos seus munícipes, com consequente redefinição das responsabilidades dos Estados, do DF e da união" (BRASIL, 1996).
74
implantação são desarticulados das demais ações e serviços de saúde. Além de
serem focalizados para estratos mais pauperizados da sociedade destoando dos
princípios de integralidade e universalidade defendidos pelo Movimento da
Reforma Sanitária.
A posição marginal que ocupava o PACS e o PSF dentro do Ministério da Saúde contribuiu para que tais programas assumissem no primeiro momento um perfil segmentado. Sua vinculação se fez junto à Coordenação da Saúde da Comunidade (Cosac) dentro do Departamento de Operações da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), sob responsabilidade da Gerência Nacional do Agente Comunitário e da Gerência da Saúde da Família (MATTA; FAUSTO, 2007, p. 59).
Nos termos normativos, como aponta Matta e Fausto (2007), a APS ganha
visibilidade na política de saúde brasileira a partir da edição da Norma
Operacional Básica41 do SUS (NOB-SUS), de 1996, que vem estabelecer o Piso
de Atenção Básica (PAB). Assim, o Ministério da saúde passou a incentivar
financeiramente a implantação do PACS e PSF corroborando para sua expansão
para diversas regiões do país.
Vale destacar que é a partir da NOB/96 que o termo utilizado nos
documentos oficiais da política de saúde no Brasil passa a ser o de Atenção
Básica em substituição ao termo Atenção Primária como referência ao primeiro
nível de atenção na organização do sistema de saúde brasileiro (CAMARGO,
2014).
Na perspectiva do MS, o documento representava as bases para o redirecionamento/reordenação do modelo de atenção à saúde, visando incorporar o modelo Epidemiológico ao modelo clínico dominante e trabalhar na perspectiva da Vigilância em Saúde (BRASIL, 1997). Em suma, preconizava mudanças essenciais no modelo de atenção à saúde, com redefinição das responsabilidades dos Estados, Distrito Federal e União, no auge do governo FHC, profundo defensor dos ideais neoliberais. Contraditoriamente, foi considerada um instrumento de regulação do SUS (MELO, 2011, p. 133-134).
41 Define e estabelece as responsabilidades entre estados e municípios, as modalidades de gestão municipal da saúde: Plena da Atenção Básica e Plena do Sistema Municipal, o Piso de Atenção Básica (PAB) e a Programação Pactuada Integrada (PPI), dentre outros (BRASIL, 1996).
75
Ainda na década de 1990 houve outras iniciativas do MS nesse sentido
publicando, em 1997 o manual Saúde da Família: uma estratégia para a
reorientação do modelo assistencial que tinha por objetivo:
Contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em conformidade com os princípios do Sistema Único de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas unidades básicas de saúde, com definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população (BRASIL, 1997, p. 10).
Contudo, a mudança semântica do PSF, ao ser adotado pelo MS como
estratégia para reorganização da APS, “[...] não foi acompanhada por uma
transformação paradigmática que imprimisse o conteúdo de estratégia ao PSF”
(MENDES, 2012, p. 74). Em 2001 foi lançada a NOAS-SUS 01/01, reeditada
em 2002, com vistas a superar as dificuldades de organização do sistema. Nesse
sentido, a norma apresenta como objetivo apontar as “diretrizes para o avanço
do processo de descentralização em saúde, baseadas na macroestratégia de
regionalização [...]”. Dessa forma, buscando, promover maior equidade no
acesso as ações e serviços de saúde para o conjunto da população em todos os
níveis de atenção (BRASIL, 2001, p. 5).
Nessa perspectiva, a atenção básica aparece com uma concepção
ampliada, tendo suas responsabilidades expandidas ao reconhecer a
persistência de problemas na sua efetivação diante da obtenção dos resultados.
Assim, a ABS é definida como o “conjunto de ações do primeiro nível de atenção
em saúde que deve ser ofertado por todos os municípios do País em seu próprio
território, com qualidade e suficiência para sua população” (BRASIL, 2001, p.
17). Entretanto:
Novamente aparece a questão “do conjunto de ações do primeiro nível de atenção”, o que restringe a APS ao “pacote básico”, presa aos umbrais desse nível de atenção. Novamente a ESF aparece como um eixo importante para a ampliação e qualificação da AB. (MELO, 2011, p. 155).
Apesar de todas essas iniciativas do MS apontando a ESF como
estratégia para a organização da atenção básica e desta como estratégia para
76
reorganização do modelo assistencial, isso não se verifica na sua aplicação
prática42.
Até o momento, a APS permanece encerrada ao primeiro nível de atenção e à porta de entrada, sem considerar sua centralidade no sistema de saúde, presa à política setorial da saúde, consubstanciando a tese do “pacote básico de serviços”. Por mais que se divulgue que se trata de uma atenção ampliada, aparentemente persiste uma interpretação reducionista do conceito de APS, através da oferta de uma APS seletiva à população (MELO, 2011, p. 56).
Com isso, a lógica mercantil, que impera na formulação da política de
saúde, orienta para a priorização da atenção básica aos grupos mais vulneráveis
e pauperizados (SOUZA, 2010).
Assim, em 2003, já no período do governo Lula, marcado por medidas
que ora privilegiam e retomam o projeto da Reforma Sanitária e medidas que ora
privilegiam o projeto privatista, continuando assim com a polarização entre os
dois projetos antagônicos, são identificados aspectos que apontam para o
resgate do projeto democrático e aspectos que remetem a conservação das
medidas adotadas na era FHC43.
O Pacto pela Saúde, lançado em 2006, destaca a Atenção Básica como
principal estratégia de reordenação do sistema de saúde, adotando a Estratégia
de Saúda da Família (ESF), em substituição ao PSF. Dessa forma, a Estratégia
de Saúde da Família (ESF) aparece como principal forma de organizar a atenção
básica, embora não seja única, com ênfase para o seu fortalecimento através
das medidas elencadas pelos objetivos expostos.
A Estratégia Saúde da Família visa à reorganização da atenção básica no País, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde, e é tida pelo Ministério da Saúde e gestores estaduais e municipais, representados respectivamente pelo CONASS e CONASEMS, como estratégia de expansão, qualificação e consolidação da atenção básica por favorecer uma reorientação do processo de trabalho com maior potencial de aprofundar os princípios, diretrizes e fundamentos da atenção básica, de
42 Vale destacar que é apenas em 2006 que a ESF se efetiva como estratégia após a aprovação da PNAB. 43 Permanecendo intocáveis: o superávit primário; a Desvinculação de Receitas da União (DRU); taxas de juros parametradas pelo Selic; apostas na política de exportação, com base no agronegócio; o inesgotável pagamento de juros, encargos e amortização da dívida pública; e o aumento da arrecadação da união (BRAVO; MENEZES, 2013, p.20).
77
ampliar a resolutividade e impacto na situação de saúde das pessoas e coletividades, além de propiciar uma importante relação custo-efetividade (BRASIL, 2012, p. 54).
Entretanto, esta não é a única forma de organização da AB, uma vez que
há a existência de Unidades Básicas de Saúde (UBS), sem equipes de saúde da
família, conforme poderemos ver mais adiante ao apresentarmos a rede de
atenção no município do Natal/RN.
Ainda em 2006 é lançada a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB),
através da portaria nº 648/GM de 28 de março de 2006, que:
Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS) (BRASIL, 2006).
Em 2011 foi publicada a portaria nº 2.488 que aprovou revisão da Política
de Atenção Básica que passou a ter uma nova regulamentação: a PNAB/12.
Esta trouxe as alterações promovidas pelo Decreto 7.508/2011, que regulamenta
a Lei 8.080/90 abordando as mudanças elencadas pelo Pacto pela Vida e pela
PNAB/2006.
O decreto traz conceitos importantes para o processo de regionalização,
como regiões de saúde, que se referem a distribuição dos serviços de saúde
entre os municípios limítrofes e que possuem características em comum
(econômica, cultural, social), compreendendo a atenção básica, urgência e
emergência, hospitais gerais, atenção psicossocial e ambulatório especializado;
além disso merece destaque a instituição das redes de atenção que definem o
conjunto de ações e serviços prestados pelo SUS em todos os níveis de atenção.
Além de ampliar as portas de entrada do sistema de saúde para quatro
serviços possíveis contando com a AB (porta de entrada preferencial); Atenção
Psicossocial; Atenção de urgência e emergência e especiais de acesso aberto.
(BRASIL, 2011).
Todavia, embora evidenciadas mudanças com o Decreto a AB continua
desempenhando um papel importante no reordenamento do modelo de saúde,
pois tem como funções para contribuir com o funcionamento das RAS:
78
I - Ser base: ser a modalidade de atenção e de serviço de saúde com o mais elevado grau de descentralização e capilaridade, cuja participação no cuidado se faz sempre necessária; II - Ser resolutiva: identificar riscos, necessidades e demandas de saúde, utilizando e articulando diferentes tecnologias de cuidado individual e coletivo, por meio de uma clínica ampliada capaz de construir vínculos positivos e intervenções clínica e sanitariamente efetivas, na perspectiva de ampliação dos graus de autonomia dos indivíduos e grupos sociais; III - Coordenar o cuidado: elaborar, acompanhar e gerir projetos terapêuticos singulares, bem como acompanhar e organizar o fluxo dos usuários entre os pontos de atenção das RAS. Atuando como o centro de comunicação entre os diversos pontos de atenção, responsabilizando-se pelo cuidado dos usuários por meio de uma relação horizontal, contínua e integrada, com o objetivo de produzir a gestão compartilhada da atenção integral. Articulando também as outras estruturas das redes de saúde e intersetoriais, públicas, comunitárias e sociais [...]. IV - Ordenar as redes: reconhecer as necessidades de saúde da população sob sua responsabilidade, organizando-as em relação aos outros pontos de atenção, contribuindo para que a programação dos serviços de saúde parta das necessidades de saúde dos usuários (BRASIL, 2011, p. 26).
As RAS aparecem como uma nova proposta de articulação das ações e
servidos de saúde no SUS que além de buscar superar o modelo hierarquizado
no qual está organizado o sistema tende a oferecer maior qualidade na prestação
dos serviços.
O modelo de gestão que se pratica no SUS – o modelo da gestão da oferta –, é incompatível com a geração de valor para as pessoas usuárias porque tem seu foco na oferta de serviços e não nas necessidades da população usuária. Esse modelo é estruturado por parâmetros de oferta, construídos, em geral, por séries históricas que refletem mais os mecanismos políticos de conformação dos padrões de capacidade instalada ao longo do tempo, não tendo ligação com as reais necessidades das pessoas usuárias (MENDES, 2015, p. 16).
Figura 01 - A mudança dos sistemas piramidais e hierárquicos para as redes de atenção à
saúde.
Fonte: Mendes (2011).
79
Com a redefinição da Atenção Básica de Saúde, a partir do Pacto pela
Vida e da PNAB (2012), o primeiro nível de atenção no sistema passou a se
nortear pelos princípios da universalidade, acessibilidade e coordenação do
cuidado, equidade, vínculo e continuidade, responsabilização, integralidade,
humanização e participação social, de acordo com a sistematização (BRASIL,
2012).
Esses princípios são importantes para a garantia de uma atenção básica
resolutiva, capaz de ser ordenadora dos serviços dentro das redes de atenção,
a medida em que aparece como centro de comunicação com todos as ações e
serviços de saúde, dos mais simples aos complexos, respeitando a
hierarquização do sistema.
Porém, as conquistas no âmbito da atenção básica se fazem entre
continuidades e rupturas, avanços e retrocessos ao passo em que a legislação
progride no sentido de reafirmação do direito à saúde, da AB enquanto estratégia
de reordenamento do modelo de atenção e da garantia de uma saúde de
qualidade a toda população. Ademais, por outro lado, reitera também a
participação da iniciativa privada de forma “complementar” na prestação da
política de saúde via SUS. Essas contradições dificultam a efetivação do projeto
democrático e beneficia o privado.
Bravo e Menezes (2013) chamam atenção para os pontos do decreto que
dizem respeito à iniciativa privada.
Nessa regulamentação merece reflexão a ênfase dada a parceria público-privada. No Artigo 3º é ressaltada a participação complementar da iniciativa privada e no artigo 16 é destacado que no planejamento devem ser considerados os serviços prestados pela iniciativa privada. Outro aspecto preocupante da regulamentação é a falta de referência aos Conselhos de Saúde (BRAVO; MENEZES, 2013, p. 38).
Nessa perspectiva é possível visualizar a continuação da dualidade do
sistema de saúde brasileiro (da relação público-privado), que prevalece na
constituição de um sistema “único” e transparece, mais uma vez, a disputa dos
projetos antagônicos que permeiam as discussões da saúde.
Essa disputa atrelada a ideia de um Estado mínimo para as necessidades
sociais com ênfase para a esfera econômica, imprime a saúde e, em especial, a
80
APS grandes desafios que precisam ser superados para sua efetivação.
A atenção básica nesse contexto de retomada dos preceitos da Reforma
Sanitária aparece como forma de superação do modelo fragmentado que vem
sendo implementado no SUS com ênfase para o atendimento médico-curativo e
individual, padrão que vem se mostrando ineficiente para promover o cuidado a
saúde, uma vez que o processo saúde-doença não envolve apenas um fator,
mas um conjunto de determinações sociais conforme estamos ressaltando no
decorrer do estudo.
No próximo capítulo abordaremos o exercício profissional do/a assistente
social na atenção básica de saúde do município do Natal/RN por considerarmos
a importância do Serviço Social nesse campo da saúde com o intuito de
problematizar as questões que permeiam o fazer profissional nesse espaço.
3 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA ATENÇÃO
BÁSICA DE SAÚDE: Desafios e proposições ao projeto ético-político do Serviço
Social
A ordem socioeconômica imposta aos países em desenvolvimento
colocou uma série de desafios e dificuldades a classe trabalhadora que vem
tendo seus direitos sociais, amplamente conquistados em luta contra a barbárie
capitalista, reduzidos e modificados em detrimento do capital. Os desmontes têm
repercutido em verdadeiros retrocessos para os trabalhadores, implicando na
precarização das condições de vida das classes populares.
As políticas sociais e a reconfiguração do papel do Estado frente a estas,
foram o cerne das medidas neoliberais. Assim, o Serviço Social enquanto
profissão interventiva sofre enormes rebatimentos no seu exercício que
depende, em grande parte, da forma como são geridas as políticas sociais e os
serviços.
Diante disso, esse capítulo visa discutir o exercício profissional do/a
assistente social no contexto das políticas sociais sob os ditames do projeto
neoliberal e as implicações para essa profissão interventiva e com propostas
incompatíveis com o projeto do capital.
81
Em um primeiro momento problematizamos o exercício profissional do/a
assistente social enquanto trabalhador assalariado, trazendo ao mesmo tempo,
as bases legais, princípios e valores que circunscrevem a profissão no qual estão
consolidados no projeto ético-político do Serviço Social. Esse esforço é
necessário para compreendermos os desafios e dificuldades vivenciados
pelos/as profissionais, além de evidenciar ponderações necessárias as análises
do exercício profissional.
No segundo item, trazemos a caracterização dos serviços e ações da
atenção básica em Natal afim de apresentar o terreno em que se desenvolve o
exercício profissional dos/as assistentes sociais no referido município.
Posteriormente, no item seguinte, abordamos as particularidades do
exercício profissional do/a assistente social na atenção básica de Natal, a partir
da conjuntura já apresentada, discutindo as formas de contratação desses
profissionais, condições de trabalho, formação.
No último item, discutimos as competências e atribuições privativas
desses profissionais na atenção básica em Natal por considerarmos essa
temática extremamente provocativa ao Serviço Social e rodeada de aspectos
complexos que se interligam para análise das mesmas.
3.1 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL: desafios
cotidianos e a interlocução com o PEPSS
O Serviço Social é regulamentado como uma profissão liberal inserida
na divisão social e técnica do trabalho possui marcos legais e éticos que
amparam o/a assistente social no seu exercício profissional. A profissão é
norteada pelo projeto ético-político que data dos anos de 1990, período de sua
consolidação, começando a ser construído já em 1960 quando as bases do
Serviço Social tradicional começam a ser corroídas por divergências e
questionamentos levantados pelas vanguardas da categoria acerca do
conservadorismo, até então imperante na profissão desde o seu surgimento.
Esse movimento foi iniciado por vanguardas da categoria oriundas de
diversos países da América Latina e foi denominado de “Movimento de
82
Reconceituação44”. Assim, é esse movimento que demarca o processo de
renovação da profissão através de avanços e rupturas no sentido de construção
de uma consciência crítica dos sujeitos.
É após o Movimento de Ruptura que a profissão passara a estar
comprometida com a defesa dos direitos sociais da classe trabalhadora através
da efetivação dos direitos e políticas sociais, assumindo assim outro caráter
político e questionador do modo de sociabilidade capitalista.
Nessa perspectiva é interessante ressaltar o que vem a ser o projeto ético-
político do Serviço Social para melhor entendimento da problemática.
Primeiramente este é um projeto profissional com direção ideopolítica em defesa
dos interesses da classe trabalhadora com aspiração a construção de uma
sociedade justa e igualitária. Nele estão contidos princípios éticos, direitos e
deveres norteadores para a atuação profissional. Nesse sentido o projeto ético-
político possui componentes imperativos e indicativos.
Imperativos são aqueles componentes compulsórios, obrigatórios para todos que exercem a profissão (estes componentes, em geral, são objeto de regulamentação estatal); indicativos são aqueles em torno dos quais há um consenso mínimo que garanta o seu cumprimento rigoroso e idêntico por todos os membros da categoria profissional (NETTO, 1999, p. 9).
Vale ressaltar que o projeto não está fundamentado em um único
documento, ele é formado pela Lei de Regulamentação da profissão (8.662/93),
pelas diretrizes curriculares da ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social), e o Código de Ética profissional instituído pela
resolução CFESS nº 273 de março de 1993. Esses três dispositivos formam o
projeto ético-político do Serviço Social agregando os componentes imperativos
e indicativos apontados acima por Netto (1999).
O projeto ético-político do Serviço Social é um projeto profissional
construído coletivamente pelo corpo da categoria através do respeito ao
44 O Movimento de Reconceituação refere-se ao processo de renovação do Serviço Social em que a profissão voltou-se para discutir, de forma endógena, as suas dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas. O movimento está divido em três direções: Perspectiva Modernizadora; Reatualização do Conservadorismo e a Intenção de Ruptura (NETTO, 2010).
83
pluralismo de ideias e posicionamentos divergentes, chegando assim a um
relativo consenso, onde tal projeto adquire certa hegemonia. O autor destaca o
que vem a configurar como projeto profissional:
Inscrevem-se no marco dos projetos coletivos aqueles relacionados às profissões especificamente as profissões que, reguladas juridicamente, supõem uma formação teórica e/ou técnico-interventiva, em geral de nível acadêmico superior. [...] Os projetos profissionais apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas (inclusive o Estado, a que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais) (NETTO, 1999, p. 4).
Dessa forma, o projeto profissional é fundamentado por um conjunto de
elementos que conformam as dimensões teóricas, político-organizativas e
jurídico-políticas que se articulam e embasam o exercício profissional.
a) A produção de conhecimentos no interior do Serviço Social, através da qual conhecemos a maneira como são sistematizadas as diversas modalidades práticas da profissão, onde se apresentam os processos reflexivos do fazer profissional e especulativos e prospectivos em relação a ele. b). As instâncias político-organizativas da profissão, que envolvem tanto os fóruns de deliberação quanto as entidades da profissão: as associações profissionais, as organizações sindicais e, fundamentalmente, o conjunto CFESS/CRESS (Conselho Federal e Conselhos Regionais de Serviço Social), a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social), além do movimento estudantil [...]. c) A dimensão jurídico-política da profissão, na qual se constitui o arcabouço legal e institucional da profissão, que envolve um conjunto de leis e resoluções, documentos e textos políticos consagrados no seio da profissão (TEIXEIRA; BRAZ, 2009, p.8-9).
Houve uma longa trajetória para a construção do projeto profissional como
está consolidado hoje, passando por diversos momentos de convergências e
divergências em torno das dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e
técnico-operativas.
O redirecionamento do pensamento conservador do Serviço Social
84
denominado de Movimento de Reconceituação está dividido em três direções ou
vertentes, a primeira é a direção da perspectiva da Modernização
Conservadora45; a segunda é a perspectiva da Reatualização do
Conservadorismo46 e por última a perspectiva de Intenção de Ruptura. Estas
direções expressam momentos de nuances diferentes da renovação da
profissão com avanços e retrocessos em relação a superação no pensamento
conservador (NETTO, 2010).
Para a compreensão do atual projeto ético-político vale chamarmos
atenção para a terceira direção de renovação do Serviço Social, a Intenção de
Ruptura, que se gestou no período de crise do modelo ditatorial com forte
participação popular pressionando pela redemocratização do país, que
influenciou a redefinição do pensamento conservador e a participação dos
profissionais na defesa da abertura política.
O período ditatorial perdurou dos anos de 1964 a 1985, representando um
marco de fortes tensões sociais, coerção e repressão armada.
Contraditoriamente, o autoritarismo militar encontrou resistência dos
movimentos sociais em defesa dos direitos sociais e civis que junto a insatisfação
popular pelo modo de gestão do regime ditatorial que deteriorava o modo de vida
dos/as trabalhadores/as, ascendeu a rebeldia e efervescência dos movimentos
sociais e populares (FERNANDES, 1975).
Surge então uma nova forma de conceber a atuação do Estado na
representação dos interesses coletivos da sociedade e sua responsabilidade na
prestação das políticas sociais. A participação de estudantes e intelectuais nas
formulações as críticas ao modelo ditatorial e a omissão do Estado diante das
45 De acordo com Netto (2010), expressa um esforço da categoria em se adequar as exigências postas pela conjuntura sociopolítica emanada pelo golpe militar de 1964. O autor aponta ainda que “[...] o núcleo central desta perspectiva é a tematização do Serviço Social como interveniente, dinamizador e integrador no processo de desenvolvimento”. (p. 154). Esta direção é marcada pelo primeiro Seminário de Teorização do Serviço Social, organizado pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS) em Araxá (MG), entre 19 a 26 de março de 1967, e pelo segundo encontro realizado na cidade de Teresópolis (RJ), entre 10 a 17 de janeiro de 1970, ambos resultaram na elaboração de dois documentos no qual é apontada a direção da atuação do Serviço Social em consonância com as novas exigências do período ditatorial, abordando elementos teórico-metodológicos, ideológicos e operativos em um seguimento de cunho estrutural-funcionalista. 46 A Reatualização do Conservadorismo é marcada pela realização de dois seminários nas cidades de Sumaré, entre 20 a 24 de novembro de 1978, e Alto da Boa Vista, em novembro de 1984, ambas localizadas no estado do Rio de Janeiro, de onde resultou na elaboração de dois documentos respectivamente (NETTO, 2010).
85
mazelas sociais foi importante para a construção de propostas e reivindicações
que calcassem a atuação dos movimentos sociais e populares (FERNANDES,
1975).
Com isso, o Serviço Social, no âmbito das academias, passou a incorporar
novos pensamentos divergentes das correntes conservadoras e questionar a
conduta da profissão. A Intenção de Ruptura emerge, ainda na década de 1970,
sendo levantada por profissionais que representavam a vanguarda do Serviço
Social por suas ideias estarem a frente de seu tempo. Esta surge isolada aos
muros da universidade, inicialmente na Escola de Serviço Social da
Universidade Católica de Minas Gerais, onde foi elaborado o Método de BH por
docentes da mesma universidade, sendo resultado de experiências a partir de
pesquisas e extensões universitárias e estágios onde criticavam e apontavam
alternativas as práticas conservadoras (NETTO, 2010).
O fato que marca a perspectiva de Intenção de Ruptura é o III Congresso
Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), ocorrido em 1979, na cidade de São
Paulo, quando há a substituição da mesa de abertura que seria formada por
nomes oficiais da ditadura militar passando a ser composta por nomes do
movimento dos trabalhadores ficando assim conhecido como “Congresso da
Virada” (TEIXEIRA; BRAZ, 2009).
É a partir desse período histórico, mais precisamente, na segunda metade
da década de 1980 que essa direção irá extrapolar o âmbito acadêmico e passar
a vigorar nos debates profissionais. A Intenção de Ruptura passou por “três
momentos diferenciáveis: o da sua emersão, o da sua consolidação acadêmica
e o do seu espraiamento sobre a categoria profissional” (NETTO, 2010, p. 261),
porém esse processo não aconteceu de forma linear. No período de emergência
e consolidação acadêmica houve algumas interrupções e só foram retomados
mais tarde no momento de espraiamento para a categoria profissional.
Assim, o processo que se inicia em meados da década de 1960 alcança
seu auge na década de 1980 a qual é considerada a maturidade intelectual da
profissão principalmente com a expansão dos cursos de pós-graduação em
Serviço Social e aproximação direta com a tradição marxista.
A obra de Iamamoto (1982) é considerada o marco dessa maturidade
intelectual. Entretanto, esta terceira vertente não alcançou os resultados
86
previstos no âmbito do exercício profissional que “[...] no seu perfil, um flagrante
hiato entre a intenção de romper com o passado conservador do Serviço Social
e os indicativos prático-profissionais para consumá-la” (NETTO, 2010, p. 161).
Mas representou um enorme avanço para a renovação e consolidação da
profissão e do projeto ético-político como está expresso hoje.
É a partir desse momento que começa a se desenvolver pela primeira vez,
no âmbito do Serviço Social, um projeto profissional comprometido com a defesa
dos direitos da classe trabalhadora, incorporando princípios éticos diferentes dos
princípios tradicionais burguês e distante do conservadorismo católico existentes
na sua base.
A origem do Projeto Ético-Político Profissional, concebido nos anos 90, e sua direção sociopolítica deitam raízes nas lutas da classe trabalhadora pelos seus interesses imediatos (trabalho, salário, reforma agrária, reforma urbana, direitos sociais, previdenciários, trabalhistas e etc.), acoplados a luta contra a ditadura e à construção da democracia em articulação aos seus interesses históricos expressos nas lutas anticapitalistas, anti-imperialistas e socialistas (ABRAMIDES, 2006, p. 28).
O novo projeto profissional de 1993, que é uma reedição do código de
ética de 198647, condensa em seu Código de Ética, princípios humanistas que
defendem uma sociedade livre de qualquer tipo de exploração e discriminação,
apreendendo uma ética emancipatória que expressa os valores do projeto
profissional48, a saber:
I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusado arbítrio e do autoritarismo; III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras;
47 A profissão teve ao longo da sua história cinco códigos de ética todos consoantes com as situações internas e externas à dinâmica e à organização da profissão, contudo os dois últimos, 1986 e 1993, são os mais expressivos “[...] sinalizam claramente a adoção a um projeto profissional que contemple as dimensões teóricas, técnica e política, dimensões estas inexistentes na formação, logo, na prática profissional daqueles profissionais formados nos contextos anteriores a 1986” (SILVA, 2012, p. 42). 48 A ação ética se realiza a partir de escolhas críticas e conscientes diante da moral estabelecida, direcionada pela busca da realização humana (CARDOSO, 2013. p. 53).
87
IV. Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; V. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; (CFESS nº 273,1993).
O princípio da liberdade, considerado como central e fundamental para a
conformação dos demais, parte do pressuposto da efetivação de uma sociedade
livre de exploração/dominação (do homem pelo homem) da classe trabalhadora,
direcionando a uma perspectiva emancipatória que possibilite uma plena
liberdade do indivíduo diferenciando-se do sentido atribuído na sociabilidade
capitalista, a qual defende nos limites de seus interesses (CARDOSO, 2013).
Diante disso, o segundo princípio do Código de Ética: Defesa
intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo, traz
as bases para a efetivação da liberdade da forma como é concebida no projeto
profissional. A violação de direitos contraria a concepção de liberdade,
emancipação humana e autonomia defendidas no Código de Ética, a medida em
que pauperiza as condições de produção e reprodução da força de trabalho ao
passo em que aumenta as desigualdades sociais e exclusão social da classe
trabalhadora.
O Estado é um dos maiores violadores de direitos e também o maior
empregador de assistentes sociais, o que implica em uma relação conflituosa e
contraditória na defesa dos direitos apreendida pelo Serviço Social, por esse
motivo, a concepção ética apreendida pelo/a profissional é importante para
definir os rumos das suas ações, no sentido de combater tais violações ou de
conservar e reproduzir, pois:
a violação de direito não ocorre apenas por ação. Ela também ocorre por omissão [...] negar a população acesso a necessidades legitimas por não estarem previstas legalmente; não agir contra relações de trabalho autoritárias, injustas, precarizadas; não se organizar sindicalmente nem fazer lutas sociais; submeter-se a ditames institucionais que violam direitos; todos esses comportamentos que podem eternizar violações de direitos, não combatê-las (RUIZ, 2013, p. 37).
O/a profissional em seu exercício pode contribuir para a manutenção da
violação dos direitos, como pode se posicionar de forma crítica embasada no
88
projeto ético-político. A ampliação e consolidação da cidadania, defesa do
aprofundamento da democracia, posicionamento em favor da equidade e justiça
social, estão entrelaçados e respondem ao primeiro princípio fundamental do
código de ética (liberdade), são ações necessárias para o alcance desse
princípio e a concretização de todos (cidadania, emancipação humana e
democracia) pressupõe a superação do modo de produção capitalista, assim:
A oposição ao conservadorismo vai decorrer não só da defesa manifesta dos onze princípios e valores expressos no Código de Ética do Assistente Social, mas da definição de objetivos, metas, estratégias, ações necessárias e do seu desenvolvimento articulado ao compromisso com a classe trabalhadora (VASCONCELOS, 2015, p. 480).
Tais princípios do Código de Ética expressam um conjunto de valores que
apontam o norte do “dever ser” profissional, direcionam a atuação do/a
assistente social para um sentido totalmente oposto ao que se empregava no
Serviço Social tradicional, repudiando a ação centrada no sujeito como se ele
fosse o responsável pela sua situação de pobreza, miséria, na intenção de
ajusta-lo a sociedade.
A ética de ruptura/emancipatória presente no projeto profissional crítico
repudia todas as ações preconceituosas e conservadoras presentes na
sociabilidade capitalista e que podem ser reproduzias pelos/as assistentes
sociais no seu exercício, de forma consciente ou inconsciente, retirando a
essência complexa, histórica, social e político-econômica da questão social fruto
desse modo de produção (CARDOSO, 2013).
Nessa perspectiva, a profissão está embasada na Lei de Regulamentação
Nº 8.662 de 07 de julho de 1993 que traz vários elementos acerca do exercício
do Serviço Social no país. Mas é preciso destacar que a primeira lei de
regulamentação da profissão foi criada ainda na década de 1960 no governo de
João Goulart (1961-1964), pela lei 3.252/1957 e o decreto 994/1962, que já
definiam a obrigatoriedade da obtenção do registro de diploma e a inscrição no
Conselho Regional regulando as escolas de formação, os espaços a serem
ocupados pelos/as assistentes sociais e a distribuição dos Conselhos
profissionais.
Aparece também nesse momento a discussão sobre os currículos e a
89
condição do/a assistente social enquanto trabalhador assalariado. O exercício
profissional ficou orientado por esse decreto de 1957 a 1993 quando é revogado
pela Lei º 8.662 (SILVA, 2012).
A atualização se deu pelas novas dinâmicas societárias impressas a
profissão. Assim a Lei 8.662/90 trouxe, além do que já havia antes
(obrigatoriedade de diploma e inscrição no conselho), as competências e
atribuições do/a assistente social49 A Lei de Regulamentação também dispõe
sobre a carga horária de trabalho do (a) assistente social, que pela Lei nº 12.317,
de 26 de Agosto de 2010, acrescenta o dispositivo sobre a carga horária de
trabalho onde passa a vigorar o “Art. 5º- A. A duração do trabalho do Assistente
Social é de 30 (trinta) horas semanais”. Sem redução salarial para os (as)
profissionais empregados (as) (BRASIL, 1993).
No âmbito da formação profissional e produção de conhecimentos, as
Diretrizes Curriculares que baliza a formação de profissionais, apresentando o
perfil do bacharel em Serviço Social, competências e habilidades, disciplinas
básicas a serem contempladas nos cursos superiores, estágio supervisionado,
atividades complementares, além do tempo de duração dos cursos (CFESS,
1999).
A formação profissional deve viabilizar uma capacitação teórico-metodológica e ético-política, como requisito fundamental para o exercício de atividades técnico-operativas, com vistas à apreensão crítica dos processos sociais numa perspectiva de totalidade; Análise do movimento histórico da sociedade brasileira, apreendendo as particularidades do desenvolvimento do capitalismo no país; Compreensão do significado social da profissão e de seu desenvolvimento sócio-histórico, nos cenários internacional e nacional, desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade; Identificação das demandas presentes na sociedade, visando formular respostas profissionais para o enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações entre o público e o privado (CFESS, 1999 p. 1-2).
Todos esses aspectos regulamentam e direcionam o exercício
profissional destacando as competências, atribuições e a jornada de trabalho
49 As competências e atribuições balizam a atuação profissional do/a assistente social elencando as atividades que são de responsabilidade dos profissionais, mas também de outros e aquelas atividades que são restritamente do Serviço Social (IAMAMOTO, 2012).
90
dos (as) assistentes sociais para balizar a sua intervenção em instituições
públicas e/ou privadas, nesse sentindo se pode dizer que o projeto ético-político
é basilar para o fazer profissional do/a assistente social.
É importante estarmos atentos/as ao fato do projeto ético-político ser um
norteador do exercício profissional, significa dizer que o projeto não o define, não
o determina, apesar de ser parte constitutiva do exercício e extremamente
importante. A conformação da atuação do/a assistente social emprega questões
multifatoriais que devem ser consideradas afim de evitar análises unilaterais de
cunho fatalista ou messiânicas. Com isso, devemos chamar atenção para os
limites do projeto profissional na sociabilidade capitalista que se inicia com o fato
do/a assistente social ser um trabalhador assalariado, assim como o conjunto da
classe trabalhadora.
A condição de trabalhador assalariado implica dizer que o profissional
está imerso nas relações de compra e venda de força de trabalho, entre
empregado e empregador, uma vez que este, não possui meios objetivos para o
exercício do fazer profissional, sem que esteja vinculado a uma instituição
(pública, privada, filantrópica entre outras) (IAMAMOTO 2010).
Nesse sentido, os processos de trabalho nos quais se inserem os
assistentes sociais, dispõem de uma relativa autonomia em seu exercício, que é
tensionado por essa relação onde o empregador impõe ao profissional as
demandas que este deve atender.
Os empregadores determinam as necessidades sociais que o trabalho do assistente social deve responder, delimitando a matéria sobre qual incide esse trabalho; interferem nas condições em que se operam os atendimentos assim como os seus efeitos na reprodução das relações sociais. Eles impõem, ainda, exigências trabalhistas e ocupacionais aos seus empregados especializados e mediam as relações com o trabalho coletivo por eles articulados (IAMAMOTO, 2010, p. 215).
Nessa linha, a condição de trabalhador assalariado imprime ao exercício
profissional, “dilemas da alienação e de determinações sociais que afetam a
coletividade dos trabalhadores [...]” (IAMAMOTO, 2010, p.215). E estas se fazem
91
de forma particular na profissão pelo seu direcionamento político-ideológico que
vai à contramão do projeto societário hegemônico do capitalismo.
O/a assistente social vivencia verdadeiros dilemas no seu exercício
profissional a medida em que precisa atender as demandas do empregador que
o contrata e as demandas dos usuários dos serviços, e esses nem sempre estão
em sintonia. Todavia, a defesa dos direitos sociais da classe trabalhadora deve
ser sempre o foco da atuação mediado no conflito capital trabalho.
É a relativa autonomia que garante ao/a profissional a possibilidade de
fazer escolhas éticas, políticas e técnicas no seu exercício profissional
direcionado pelo projeto ético-político. É considerada relativa porque encontra
barreiras objetivas na condução do exercício no cotidiano das instituições
públicas e privadas.
Assim, as análises, pareceres e laudos, por exemplo, são resultantes de
escolhas objetivas e subjetivas dos/as profissionais a medida em que partem da
leitura da realidade e ideologias incorporadas por esses profissionais.
Dentre os direitos do/a assistente social presentes no Código de Ética está
o que se refere a autonomia profissional que diz: “ampla autonomia no exercício
da Profissão, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis
com as suas atribuições, cargos ou funções” (CFESS, 1993, p. 26). Aqui está
previsto a garantia das competências e atribuições expressamente ligadas ao
Serviço Social, podendo o/a profissional se recusar.
Ademais, em razão da precarização das políticas sociais via
financiamento do Estado, rebate na atuação profissional dos/as assistentes
sociais. Tais mudanças afetam os/as assistentes sociais tanto pela condição de
trabalhadores assalariados/as como pelo fato de terem as políticas sociais como
sua principal área de atuação.
Vale salientar que a ligação entre as políticas sociais e o Serviço Social
pode ser observada a partir da intervenção sistêmica do Estado no
enfrentamento das diversas expressões da Questão Social no decorrer da
década de 1930, quando esses profissionais passam a ser requisitados pelo
Estado para atuar nessas políticas.
Apesar de essa ligação estar presente na profissão desde a década de
1930, é apenas em 1970 que o Serviço Social se volta para a discussão das
92
políticas sociais no currículo. Contudo, essa discussão, nesse momento, não
conseguiu superar o distanciamento analítico entre ambas devido ao próprio
caráter conservador e tecnicista da profissão dominante até o período do
Movimento de Reconceituação, supracitado mais acima (BEHRING;
BOSCHETTI, 2010). .
A partir desse período as políticas sociais passam a ser tema central dos
debates dentro da categoria seja pela importância do tema, seja pela intrínseca
relação entre ambas ou pelas mudanças conjunturais que as afetam. Conforme
Mioto e Nogueira (2013) a relação visceral entre ambas floresce e aprofundam-
se ao longo duas últimas décadas do século XX, mas é no início do século XXI
que ela se consolida.
Ainda segundo as autoras a inclusão das políticas sociais no debate do
Serviço Social permitiu a profissão situar mais concretamente seus objetivos na
sociedade capitalista. Permitiu pensar a profissão sob a perspectiva do “por que
fazer” ao invés do “como fazer” e mais precisamente avançar no sentido de
pensar o “para que fazer”. “As proposições daí advindas constituíram as bases
de um projeto profissional para os (as) assistentes sociais brasileiros, [...]
conhecido como Projeto Ético-Político Profissional” (MIOTO, 2009, p. 214).
O exercício profissional do/a assistente social está atravessado por
diversos condicionantes que o determina. Tais condicionantes dizem respeito ao
contexto social e histórico, no qual se insere a profissão, que imprimem ao
exercício condições objetivas (condições de trabalho, relações de trabalho,
capacidade do profissional na leitura crítica da realidade, escolhas éticas e
políticas assumidas por este profissional) que envolvem o trabalho do (a)
assistente social.
A partir do entendimento de que para haver trabalho50 é preciso se ter os
meios51 e o objeto52 sobre o qual incidirá a ação do sujeito. Compreendemos que
50 O que Marx (1971) veio a chamar de trabalho é a ação do homem, em interação com a natureza, quando este a transforma com o objetivo de satisfazer a suas necessidades “[...] a sociedade, através dos seus membros (homens e mulheres), transforma matérias naturais em produtos que atendam às suas necessidades” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 30). 51 Os meios de trabalho é “Tudo aquilo de que se vale o homem para trabalhar (instrumentos, ferramentas, instalações etc.), bem como a terra, que é um meio universal de trabalho” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 58). 52 Já o objeto é “tudo aquilo (matérias naturais brutas ou matérias naturais já modificadas pela ação do trabalho) sobre que incide o trabalho humano” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 58).
93
a análise do exercício profissional do (a) assistente social, deve considerar o
Serviço Social enquanto uma profissão liberal inscrita na divisão sócio técnica
do trabalho, que implica dizer que está imersa na dinâmica no âmbito do trabalho
e assim sofre com as alterações deste.
Transitar do foco da prática ao trabalho não é uma mudança de nomenclatura, mas de concepção: o que geralmente é chamado de prática corresponde a um dos elementos constitutivos do processo de trabalho que é o próprio trabalho. Mas para existir trabalho são necessários os meios de trabalho e a matéria-prima ou objeto sobre o que incide a ação transformadora do trabalho (IAMAMOTO, 2010, p. 94).
Assim, o exercício profissional do/a assistente social está intimamente
ligado ao contexto macrossocial das esferas econômicas, sociais, políticas e
culturais na sociedade capitalista. O profissional necessita vender sua força de
trabalho a um empregador, público ou privado, para ter acesso aos meios
necessários para desempenhar suas competências e atribuições no trato da
Questão Social.
Apesar de o Serviço Social ser regulamentado como uma profissão
liberal53, o/a assistente social não possui os meios necessários para o
desenvolvimento do seu exercício profissional. Dessa forma, há a necessidade
da mediação do mercado para que o profissional possa desempenhar suas
atividades e que impõe ao assistente social a questão da relativa autonomia.
É a relação de compra e venda da força de trabalho que imprime ao
exercício profissional as contradições típicas de uma mercadoria. Apresenta
assim as suas dimensões de um trabalho concreto, porque cria valor de uso e
trabalho abstrato que evidencia valor de troca. (NETTO; BRAZ, 2007 p. 80).
Assim, o trabalho concreto corresponde ao valor de uso da mercadoria, a
necessidade que ela responde e pela qual foi criada. Pode-se dizer, então, que
estamos falando do trabalho em si ou trabalho útil.
Enquanto o trabalho abstrato está impresso no valor de troca, passamos
a analisar o trabalho abstrato existente na conformação das mercadorias como
forma de chegar a um denominador comum justo pago pela mercadoria.
53 Implica dizer que possui total liberdade para o exercício da sua profissão, podendo constituir empresa ou ser empregado, desde que esteja registrado em uma ordem ou conselho.
94
A mercadoria é um valor de uso que se produz para a troca, para a venda; os valores de uso produzidos para o autoconsumo do produtor (o móvel que o marceneiro fabrica para uso em sua própria casa) não são mercadorias – somente valores de uso que satisfaçam necessidades sociais (humanas) de outrem e, portanto, sejam requisitados por outrem [...] (NETTO; BRAZ, 2007, p. 79-80).
Nesse sentido se deve levar em consideração o valor de uso da força de
trabalho do/a assistente social (a necessidade social a qual ela responde) e
consequentemente o trabalho concreto. E, considera-se também o valor de troca
que é expresso no denominador comum: o dinheiro ou no caso, no salário. Esse
valor de troca considera as determinações gerais do trabalho como o dispêndio
de energia física e psíquica, o trabalho abstrato ou trabalho socialmente
necessário. Sobre a mercadoria:
[...] Para ser trocada, precisa ser comparada: quando o sapateiro leva ao mercado os seus sapatos para trocá-los por tecidos, há que comparar-se o trabalho do sapateiro com o do tecelão. Essa comparação, necessária para a troca, realiza-se com a eliminação das particularidades das diversas formas de trabalho e com a sua redução a um denominador comum, àquilo que todas as formas de trabalho têm entre si: o fato de serem trabalho em geral; quando o trabalho concreto é reduzido à condição de trabalho em geral, tem-se o trabalho abstrato [...]. (NETTO; BRAZ, 2007, p. 105).
Diante disso, é preciso pensar a profissão sob esses dois ângulos,
considerando o seu valor de uso na sociedade capitalista e seu valor de troca,
para dessa forma, ampliar a análise sobre o exercício profissional. Uma vez que
as particularidades dessa atividade profissional não se esgotam no seu valor de
uso, a profissão:
É também portadora de trabalho humano indiferenciado, trabalho humano abstrato, analisado na óptica de sua quantidade, parte do trabalho social médio, que participa na produção e/ou distribuição da mais-valia socialmente produzida e na luta pela hegemonia entre forças sociais (IAMAMOTO, 2010, p. 214).
O exercício profissional é constituído por três dimensões que se
interligam, são elas: teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa.
95
Estas estão articuladas e possuem características diferentes que se
complementam e assim, conformam a base para o exercício qualificado do(a)
assistente social (GUERRA, 2013).
A dimensão teórico-metodológica do Serviço Social diz respeito ao aporte
teórico no qual se embasa a profissão para conhecimento e leitura da realidade.
A partir da renovação54 da profissão, esta passou a se valer das fontes
marxianas (escritos do próprio Marx) e marxistas (autores inspirados nos estudos
de Marx) para análise crítica da realidade.
A visão marxista, abraçada pelo Serviço Social, corresponde ao projeto e
ideologia de classe assumida por essa profissão, a medida em que denuncia a
barbárie do sistema capitalista e pressupõe a configuração de uma outra
sociabilidade mais justa e igualitária. Essa dimensão juntamente com a ético-
política, subsidia o fazer profissional, dando ao assistente social a capacidade
de desvendar as aparências cotidianas e fazer escolhas guiadas por valores
éticos. Estas dimensionam o pensamento social da profissão.
Estas dimensões se entrelaçam e sustentam o exercício profissional do
(a) assistente social:
Pensar o projeto profissional supõe articular essa dupla dimensão: a) de um lado, as condições macrossocietárias que tecem o terreno sócio-histórico em que se exerce a profissão, seus limites e possibilidades que vão além da vontade do sujeito individual; b) e, de outro lado, as respostas de caráter ético-político e técnico-operativo- apoiadas em fundamentos teóricos e metodológicos – de parte dos agentes profissionais a esse contexto (IAMAMOTO, 2004, p. 5)
Articular essa dupla dimensão, significa fazer leituras da realidade afim de
vislumbrar as alternativas e limites impostos a profissão, dentro da conformação
das políticas sociais implementadas pelo Estado, como forma de afastar
idealizações superestimadas da atuação profissional ou posturas conformistas
diante das aparentes situações imutáveis. É a partir dessa leitura que os/as
54 O movimento de renovação do Serviço Social se iniciou ainda na década de 1960, em que a categoria passou a se voltar para discussões endógenas da profissão, tendo a frente profissionais de vanguardas ligados ao campo acadêmico que vieram a questionar a racionalidade da profissão na sociedade capitalista ocasionando a crise do Serviço Social tradicional. (NETTO, 2010).
96
profissionais devem buscar respostas de caráter ético-político e técnico-
operativo amparadas no projeto profissional.
Já a dimensão técnico-operativa remete diretamente ao modo de
proceder da atuação profissional. Nas palavras de Guerra (2013):
A dimensão técnico-operativa é a forma de aparecer da profissão, pela qual é conhecida e reconhecida. Dela emana a imagem social da profissão e sua autoimagem. Ela encontra-se carregada de representações sociais e da cultura profissional. É a dimensão que dá visibilidade social à profissão já que dela depende a resolutividade da situação, que, às vezes, é mera reprodução do instituído, e outras, constitui a dimensão do novo (GUERRA, 2013 p. 4).
Diante disso, é a partir da dimensão técnico-operativa que visualizamos a
conjugação das demais dimensões. Essa dimensão sofre enormes tensões na
medida em que se compreende em espaços de expressão da questão social em
que as políticas sociais são as principais respostas a estas.
A reestruturação produtiva e o neoliberalismo mudaram a forma de gerir
os processos de trabalho e a produção e reprodução da força de trabalho
também nos campos de atuação do/a assistente social que tem como lócus as
políticas sociais. Como discutimos no item anterior, as políticas sociais passaram
a se desenvolver sob o trinômio da privatização, a focalização/seletividade e a
descentralização, esse novo quadro acarretará sérias dificuldades para o
exercício profissional por dois fatores preponderantes.
O primeiro está ligado ao fato do assistente social, enquanto trabalhador
assalariado, sofrer com as questões que afetam o conjunto dos trabalhadores
como o desemprego, a desregulamentação e flexibilização do trabalho (perda de
direitos, contratos temporários) a precarização das condições de trabalho, o que
indica a fragilização dos/as assistentes sociais frente a essas dinâmicas.
A precarização representa péssimas condições de trabalho além de
relações contratuais frágeis e que penalizam os trabalhadores. “[...] A
precarização também é o medo da perda do seu posto de trabalho, ou da perda
de direitos e garantias até então assegurados” (FREITAS; MACHADO, 1999, p.
73).
97
E o segundo diz respeito ao fato dos/as assistentes sociais se inserirem
em processos de trabalho pré-definidos pelos empregadores e, com isso, são
sujeitos as condições gerais que lhe são impostas. No caso do exercício no SUS,
por exemplo, os profissionais operam em meio as dificuldades vivenciadas pela
política de saúde de modo geral.
A conservação do modelo tradicional de saúde que enfatiza a prática
curativa e individual foi comprovada como incapaz de resolver os problemas de
saúde da população usuária, é a partir do movimento da Reforma Sanitária que
a saúde deixa de ser pensada como ausência de doença e passa a relacioná-la
com o conjunto das necessidades de saúde, trabalhando também as suas
causas, incentivando boas práticas de saúde que visem o autocuidado,
promoção e prevenção em saúde, proporcionando maior qualidade de vida e a
diminuição de procuras por tratamentos apenas medicamentosos.
Porém, o modelo tradicional tem sido reafirmado no Estado neoliberal e
se mostrado bastante rentável e por isso um excelente campo de atuação da
iniciativa privada através da expansão dos planos privados de saúde e a da
relação público-privada que tem sido cada vez mais frequente na área da saúde.
Entretanto, vale ressaltar que o/a assistente social não está totalmente
preso as questões institucionais e macrossociais. Apesar de serem muito
importante na configuração do exercício profissional, os fatores externos não
podem ser considerados as únicas causas para a não garantia do acesso ao
direito pelo/a assistente social.
É importante estar sempre traçando estratégias de superação das
adversidades e empenho na efetivação dos direitos sociais através do
investimento em formação continuada, participação das decisões sobre as
diversas políticas e incentivo a participação da população.
No próximo item abordaremos a caracterização da atenção básica de
saúde em Natal para compreendermos o terreno no qual se opera o exercício
profissional do/a assistente social, de modo a possibilitar visualizar as
interligações necessárias às análises das competências e atribuições.
98
3.2 Caracterização da Atenção Básica no município do Natal/RN
Conforme as legislações concernentes ao SUS, os três entes federativos
possuem responsabilidades na prestação da política de saúde no que diz ao
financiamento, elaboração, planejamento, monitoramento e execução, com isso
a atenção básica ficou a cargo dos munícipios (execução e co-financiamento)
que devem proporcioná-la com parâmetros nas orientações do Ministério da
Saúde, mas com autonomia de incrementá-la de acordo com as necessidades e
particularidades da realidade vivenciada pela população local.
A atenção básica no município do Natal está ancorada na Política
Nacional de Atenção Básica - PNAB (2012), de acordo com a “Carteira de
Serviços da Atenção Básica de Natal” editada em 2014 que tem como objetivo:
Ordenar as ações da AB no âmbito municipal, revisando e definindo normas e diretrizes para o funcionamento das equipes e serviços. Seu conteúdo abrange a organização dos serviços, com diretrizes para organização local e para gestão das equipes de saúde, e o conjunto das atividades assistenciais realizadas na atenção básica. O seu intuito é de contribuir para diminuição de iniquidades na oferta de ações e serviços, ampliação da abrangência e melhoria da qualidade da atenção primária (NATAL, 2014, p. 6).
O documento destaca que a AB deve ser orientada pelos seguintes
diretrizes:
▪ Unificação da Política de Atenção Básica em toda a rede do SUS municipal ▪ Implementação de ações imediatas visando a regularização do apoio logístico ▪ Expansão da cobertura da ESF e extensão do horário de atendimento nas unidades ▪ Acolhimento à demanda espontânea com avaliação de risco e vulnerabilidade em todas as Unidades, e rompimento com as restrições de barreira e de bloqueio à atenção. ▪ Gestão participativa e democrática ▪ Descentralização administrativa e profissionalização das gerências locais e distritais com fortalecimento dos Distritos Sanitários ▪ Avaliação da Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica ▪ Promoção de ações de ambiência saudável nas unidades básicas (NATAL, 2014, p.14).
99
Dessa forma, a Carteira vem trazer como está estruturada a atenção
básica no município do Natal/RN, se organiza pela oferta de ações e serviços
distribuídos em distritos sanitários que abarcam as quatro regiões
administrativas do município, Norte, Sul, Leste e Oeste. Como a região Norte é
a mais extensa, foi subdivida, totalizando cinco distritos, são eles: Leste, Oeste,
Sul e Norte I e Norte II55 com comando central da SMS. É válido ressaltar que
para fins de planejamento e gestão e em virtude das disparidades entre as
regiões administrativas:
Natal desencadeou o processo de distritalização em 1987, em referência ao processo de regionalização intramunicipal, fruto da assinatura de convênio de cooperação técnica com a Organização Panamericana de Saúde – OPAS, sob a coordenação da Secretaria de Estado da Saúde Pública, objetivando reorientar a política institucional da SMS através de uma série de consultorias com foco em áreas específicas, a saber: organização e estruturação do Sistema Municipal de Saúde, modelo assistencial com ênfase na Vigilância à Saúde, Sistema de Informações em Saúde e Territorialização (NATAL, 2007, p. 11).
Nessa perspectiva, assim como no âmbito nacional, no município os
serviços podem ser oferecidos pelas Unidades Básicas de Saúde – UBS;
Unidades de Saúde da Família – USF; Núcleos de Apoio à Saúde da Família –
NASF; Unidades Básicas Ampliadas – UBA; as Equipes de Consultórios na Rua;
e o Serviço de Atenção Domiciliar (NATAL, 2014).
As UBS são unidades tradicionais, sem saúde da família onde o
atendimento é prestado por diversos profissionais (médicos, assistentes sociais,
enfermeiros e dentistas), por demanda espontânea (quando o usuário procura a
unidade sem nenhum encaminhamento prévio) ou programada. São
responsáveis pela cobertura, em grandes centros urbanos, de no máximo até 18
mil habitantes (PNAB, 2012).
Já as USF são formadas por equipes de saúde da família que devem
contar com no mínimo (I) médico generalista, ou especialista em Saúde da
55 Em 2005, foi feita uma nova delimitação da região administrativa norte da cidade subdividindo em dois distritos, o Norte I e Norte II levando em consideração as “peculiaridades sócio-demográficas e sanitário-epidemiológicas locais e da necessária intervenção do Poder Público sob uma ótica de gestão participativa com racionalização estratégica de condutas” (NATAL, 2007, p.13).
100
Família, ou médico de Família e Comunidade; (II) enfermeiro generalista ou
especialista em Saúde da Família; (III) auxiliar ou técnico de enfermagem; e (IV)
agentes comunitários de saúde. Podem ser acrescentados a essa composição
os profissionais de Saúde Bucal: cirurgião-dentista generalista ou especialista
em Saúde da Família, auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal. Devem atender no
máximo 12 mil habitantes dentro do território (PNAB, 2012).
Com vistas a dar suporte às equipes de saúde da família e qualificar a sua
atuação junto aos usuários das áreas de abrangência das USF foram criados os
Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). A portaria nº 154/2008 que trata
da criação do NASF estabelece no Art. 2º que estes devem ser constituídos por
equipes compostas por profissionais de diferentes áreas de conhecimento,
fazendo o matriciamento56 às equipes e na unidade na qual o NASF está
cadastrado.
Além disso, os NASFs não se constituem como porta de entrada do
sistema, e devem atuar de forma integrada à rede de serviços de saúde, a partir
das demandas identificadas no trabalho conjunto com as equipes Saúde da
Família (BRASIL, 2008).
O NASF pode ser duas modalidades 01 (um) ou 02 (dois). O NASF 01
(um) deve ser vinculado a, no mínimo, 08 (oito) equipes de saúde da família e,
no máximo, 20 (vinte) equipes, enquanto que o NASF 02 (dois) deve estar
vinculado a no mínimo 3 (três) equipes. Ambos devem funcionar de acordo com
o horário das equipes de saúde da família, e as atividades podem ser realizadas
nas unidades de saúde ou em outros lugares do território. Além disso, as equipes
não precisam ser da mesma unidade, um NASF, por exemplo, pode estar
vinculado a equipes de unidades de saúde diferentes desde que sejam de um
território em comum (BRASIL, 2008).
Possibilidades de composição do NASF: Assistente social; profissional de Educação Física; farmacêutico; fisioterapeuta; fonoaudiólogo; profissional com formação em arte e educação (arte educador); nutricionista; psicólogo; terapeuta ocupacional; médico ginecologista/obstetra; médico homeopata; médico pediatra; médico veterinário; médico psiquiatra; médico geriatra;
56 O apoio matricial se configura como um suporte técnico e especializado a uma equipe de saúde realizada por profissionais de diferentes campos do conhecimento em saúde com vistas a qualificar o trabalho das equipes de saúde das USF (CAMPOS; DOMITTI; 2007).
101
médico internista (clínica médica); médico do trabalho; médico acupunturista; e profissional de saúde sanitarista, ou seja, profissional graduado na área de saúde com pós-graduação em saúde pública ou coletiva ou graduado diretamente em uma dessas áreas (BRASIL, 2014).
No município de Natal, a modalidade adotada é a 01 (um), formada por
07 (sete) profissionais na equipe: 01 (um/a) psicólogo/a, 01 (um/a) assistente
social, 01 (um/a) farmacêutico/a, 01 (um/a) educador/a físico/a, 01 (um/a)
nutricionista e 02 (dois/duas) fisioterapeutas.
O município também dispõe das UBAS ou Unidades Mistas que são
unidades destinadas ao “atendimento em atenção básica e integral à saúde, de
forma programada ou não, nas especialidades básicas, podendo oferecer
assistência odontológica e de outros profissionais” (NATAL, 2014, p. 11). Além
disso, a assistência médica deve ser permanente, podendo ser de urgência e
emergência.
Merece destaque, também, os serviços prestados pelas Equipes de
Consultório na Rua (ECR), atendem as demandas das populações em situação
de rua no que concerne a APS, vinculadas as Unidades Saúde da Família. Tem
como objetivo ampliar o acesso da população em situação de rua à rede de
atenção e ofertar atenção à saúde de forma integral e oportuna a esta população.
O acesso se dá por busca ativa, por demanda espontânea da população ou por
encaminhamento de outros pontos da rede de atenção à saúde.
As equipes devem cumprir a carga horária mínima semanal de 30 horas,
“porém seu horário de funcionamento deverá ser adequado às demandas das
pessoas em situação de rua, podendo ocorrer em período diurno e/ou noturno
em todos os dias da semana” (PNAB, 2012 p.62-63).
As equipes deverão realizar suas atividades de forma itinerante, desenvolvendo ações na rua, em instalações específicas, na unidade móvel e também nas instalações das Unidades Básicas de Saúde do território onde está atuando, sempre articuladas e desenvolvendo ações em parceria com as demais equipes de atenção básica do território (UBS e NASF), e dos Centros de Atenção Psicossocial, da Rede de Urgência e dos serviços e instituições componentes do Sistema Único de Assistência Social, entre outras instituições públicas e da sociedade civil (PNAB, 2012 p. 63).
102
Por último, temos o Serviço de Atenção Domiciliar que pode ser
substitutivo ou complementar a internação hospitalar ou ao atendimento
ambulatorial. O serviço objetiva diminuir a demanda por internação hospitalar e
a redução do período de permanência dos internados, bem como possibilitar ao
usuário uma maior autonomia sobre sua saúde.
Ademais, as unidades de saúde estão assim distribuídas no município de
acordo com levantamento de dados junto a SMS.
Tabela 03 - Unidades de Saúde em Natal/RN
DISTRITO SANITÁRIO
UNIDADES DE SAÚDE
USF UBA UBS TOTAL
Norte I 11 0 0 11
Norte II 11 0 0 11
Oeste 11 01 01 14
Leste 03 02 05 10
Sul 02 01 06 09
TOTAL 38 04 12 54 Fonte: elaborada pela autora.
Das 54 Unidades de Saúde, 38 são USF; 12, UBS e 04 são UBA, além
dessas, existem 03 NASF (Nazaré, Santarém e África) e 03 Consultórios na Rua
(São João, Ponta Negra e Mãe Luiza), que não constam nessa tabela.
Apesar do quantitativo de unidades, a cobertura da atenção básica em
Natal não é suficiente para responder as demandas e necessidades dos
territórios, esse fato repercute em um número expressivo de população
descoberta e demandas reprimidas. A exemplo, podemos citar os dados dos
distritos Norte I e Norte II nos quais:
verifica-se que a cobertura dos serviços de saúde nos distritos em estudo é de 77% da população no distrito Norte I, enquanto 23% desse total encontra-se descoberto; já no distrito Norte II, tem-se 63% da população em área de cobertura, enquanto uma proporção de 37% encontra-se descoberta (HOFFMANN et al., 2015 p. 9).
As regiões citadas acima, estão entre as áreas consideradas de maiores
vulnerabilidades sociais no município e por esse motivo são as que mais
103
demandam investimentos públicos para a população que é extremamente
carente de inúmeros serviços, inclusive de saúde.
Assim, como a atenção básica em um contexto mais amplo, em Natal/RN
se vivencia vários desafios para efetivação do papel resolutivo da AB enquanto
ordenadora e centro de comunicação das RAS. Primeiramente é importante
garantir vínculos de trabalho efetivos a medida que atualmente se evidencia
diversos tipos de vínculos dentro desses espaços.
No distrito Norte I, as equipes são ampliadas e os profissionais são contratados a partir de concursos, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PRO-VAB) ou Mais Médicos, além de alguns profissionais vinculados às cooperativas, ocasionando uma intensa rotatividade de funcionários (HOFFMANN etal, 2015, p. 12).
Outra questão é a garantia de condições de trabalho adequadas para
os/as profissionais com a oferta dos recursos humanos e matérias necessários
para o funcionamento do serviço e desenvolvimento das ações, garantindo
também a continuidade do cuidado e criação de vínculos afetivos com a
comunidade.
A faceta neoliberal do Estado se apresenta também na micropolítica do
município que não investe o necessário na saúde e a transforma em uma política
focalizada para seguimentos pauperizados da população bem como a sua
precarização.
A criação dos conselhos locais de saúde dentro das próprias unidades é
uma importante ferramenta de controle social, que deve ser usada como forma
de potencializar a defesa do direito à saúde a partir da inserção da comunidade
nas discussões com ponto de partida as suas próprias dificuldades
compartilhadas nas singularidades dos territórios.
No próximo item problematizamos o exercício profissional do/a assistente
social na atenção básica de Natal a partir da pesquisa de campo realizada no
referido município com ênfase para a discussão desse profissional como
assalariado inserido nesse contexto de precarização dos serviços e condições
de trabalho.
104
3.3. As particularidades do exercício profissional do/a assistente social na
Atenção Básica de Natal/RN.
O/a assistente social é considerado/a um/a profissional da saúde
expresso na resolução nº 218, de 06 de março de 1997 do Conselho Nacional
de Saúde e na resolução nº 383/99 de 29 de março de 1999 do CFESS. Na
atenção básica desempenha um papel fundamental na concepção de saúde
enquanto conceito ampliado por esta ser o lócus do desenvolvimento de ações
que ultrapassam a prática curativa individual, apesar da enorme presença, ainda,
de uma saúde tradicional.
O/a profissional em Serviço Social pode agregar valor a equipe através da
crítica a saúde focada na doença e do fortalecimento da saúde como direito de
cidadania e seu conceito ampliado. Isso remete a questões mais gerais que
interferem no processo saúde-doença, significa dizer que o/a assistente social
tem seu reconhecimento enquanto trabalhador da saúde na atuação junto aos
Determinantes Sociais de Saúde, que imbricam no processo de cuidado a saúde
e em melhores condições de vida da população, na perspectiva da
intersetorialidade e da interdisciplinaridade.
Nessa perspectiva a partir da pesquisa de campo realizada nas unidades
de saúde em Natal/RN no período de março de 2016 a maio do referido ano,
podemos observar como se desenvolve o exercício profissional dos/as
assistentes sociais na AB do município.
Primeiramente, cabe destacar a caracterização dos sujeitos de pesquisa
entrevistados, sendo a maioria é do sexo feminino, constando apenas um
homem na amostra de 12 assistentes sociais. O que reafirma a predominância
de profissionais mulheres no Serviço Social.
A idade dos/as profissionais varia entre 32 anos a 60 anos, sendo 10 dos
sujeitos pesquisados com idade de 45 a 60 anos.
105
Gráfico 02 – Faixa etária de idade dos/as entrevistados
Fonte: elaborado pela autora
De acordo com o gráfico podemos perceber que a maioria dos/as
profissionais estão na faixa dos 50 anos de idade, não aparecendo a faixa dos
20 anos de idade. Também são esses profissionais a maioria dos ocupantes de
cargos efetivos via concursos públicos realizados na saúde de Natal e com vasta
experiência nessa área. Os mais jovens sofrem com a precarização dos vínculos
temporários e exclusão do mercado de trabalho, esta é uma forte tendência da
ampliação das formas “flexíveis” de contratação de trabalhadores que vem se
operando desde a década de 1990 (ANTUNES, 2008).
No que diz respeito a formação profissional 10 (onze) se formaram em
universidades públicas, destas, 09 (dez) na Universidade Federal do Rio Grande
do Norte - UFRN e 01 (um/uma) na Universidade de Brasília - UNB e 02
(dois/duas) em faculdade privada. Desses/as 07 (sete) possuem pós-graduação;
04 (quatro) nunca fizeram e 01 (um/uma) está em andamento, como podemos
ver na figura abaixo.
Gráfico 03 – Escolaridade dos sujeitos de pesquisa
8%
8%
17%
25%
25%
17%
Idade dos sujeitos de pesquisa
32 anos
34 anos
45 anos
50 anos
58 anos
60 anos
106
Fonte: elaborado pela autora
A partir do gráfico é possível compreender que a maioria dos/as
profissionais pesquisados possuem preocupação com a educação permanente
e investem em sua qualificação através dos cursos de pós-graduação (todos de
especialização), o que contribui para a melhoria dos serviços ofertados.
Em relação aos vínculos empregatícios 75% (09) dos/as entrevistados/as
são do quadro efetivo do município, enquanto 25% (03) estão empregados/as
via contratos temporários, desse percentual, 02 (dois/duas) são dos Consultórios
na Rua e 01 (um/uma) de USF e não possuem mais de um vínculo de trabalho.
Além da precariedade dos vínculos trabalhistas, porque no nosso caso é contrato temporário, aí já há uma grande fragilidade na questão trabalhista, e os gestores municipais não respeitam também a nossa lei das trinta horas semanais. E que no caso, eu enquanto profissional de Serviço Social, trabalho quarenta horas, tanto eu como outras profissionais na área da saúde desse município [...] (ASSISTENTE SOCIAL 1).
Os contratos temporários fragilizam os trabalhadores em diversos
aspectos, um deles remete a defesa dos próprios direitos enquanto
trabalhadores assalariados, como a garantia da jornada de trabalho conquistada
pela categoria através da promulgação da Lei nº 12.317/2010 que trata da carga
horaria de trabalho dos/as assistentes sociais, determinando o total de trinta
horas semanais. Além do mais, demostra a contradição da proposta de criação
de vínculos e continuidade do cuidado previstos na PNAB (2012), que
regulamenta a atenção básica no país, pela necessidade de criação de vínculos
59%
8%
33%
Nível de formação dos/as assistentes sociais
Com pós-graduação
Pós-graduação emandamento
Não possui pós-graduação
107
e continuidade dos serviços para a população, dado o trabalho com as famílias,
indivíduos e comunidades, o que pressupõe vínculos afetivos e efetivos.
Através do princípio da universalidade sabemos que o SUS é de acesso
a todos os cidadãos independente de classe social, gênero, raça e etnia, todavia
as pessoas em situação de rua têm sofrido esse distanciamento das políticas
sociais públicas. As equipes de consultórios na rua, vinculadas as USF,
aparecem como forma de estender os serviços de atenção básica as pessoas
em situação de rua que não procuram as unidades de saúde por diversos
motivos, principalmente, pelo preconceito dos profissionais em atender esse
seguimento “[...] A gente tenta sensibilizar os profissionais da atenção básica
para o atendimento a essa morador de rua que sofre um preconceito e a gente
carrega também um preconceito por cuidar, por estar com eles” (ASSISTENTE
SOCIAL 5).
Ainda que haja a PNPSR e outras políticas setoriais e intersetoriais, elas nem sempre garantem um cuidado integral pois o imaginário social sobre a população em situação de rua influencia significativamente a prática dos profissionais que atuam nos serviços de saúde. [...] Características estigmatizantes como a sujeira, o mau cheiro e o efeito de drogas lícitas e ilícitas são, muitas vezes, determinantes para a precariedade no acolhimento ao morador de rua nos serviços de saúde. O processo de exclusão dessa população é reforçado institucionalmente por meio da burocracia para o agendamento das consultas e da inflexibilização dos horários de atendimento, assim como da exigência de documento de identidade, comprovante de endereço e do Cartão SUS (HALLAIS; BARROS, 2015, p. 1499).
A realidade das Equipes de Consultórios na Rua é carregada de estigmas
e preconceitos por se tratar de um público historicamente privado de direitos na
sociedade e invisível aos olhos do Estado. O trabalho das ECR é importante para
inserir essa população que, apesar de ter a saúde de acesso universal, não são
contemplados com as ações e serviços, muitas vezes, por não se sentirem
possuidores desse direito, pelo medo do preconceito dos profissionais que
atendem e pelas próprias dificuldades de se deslocar até as unidades.
A atuação da ECR permite a identificação das necessidades sociais de
saúde desses sujeitos e sua integração aos serviços ofertados no âmbito do SUS
e demais políticas a partir da articulação da rede intersetorial.
108
A criação de vínculo que deve ser estabelecida pelas equipes de
consultórios na rua é de extrema importância para a constituição de laços de
confiança entre a equipe e os usuários para a continuidade do cuidado de uma
população que vivencia diversas formas de exclusão por todos os setores da
sociedade, perdas e desqualificação social57 por não estarem inseridos no
mercado de trabalho formal e terem uma vida considerada normal. Porém, a
contratação temporária dos profissionais inviabiliza essa constituição de vínculos
e interrompe a continuidade do cuidado dificultando a inserção desses sujeitos
nos serviços de saúde de forma acompanhada ou no sentido longitudinal.
Gráfico 04 - Tempo de trabalho na saúde
Fonte: elaborado pela autora
Já sobre o tempo de trabalho na saúde a maioria dos/as profissionais
possui mais de 05 anos de atuação, variando entre 10 a 15 anos no total, assim
como nos serviços de atenção básica pesquisados. Todavia, os/as profissionais
com contratos temporários têm menor tempo de trabalho na saúde e
principalmente no serviço.
57 A desqualificação social está ligada à questões relativas à situação de pobreza e a processos de exclusão do mercado de trabalho. Nas sociedades modernas, a pobreza não é somente o estado de despossuir, mas sim de um status social específico, inferior e desvalorizado, que imprime uma identidade àqueles que vivenciam essa situação (PAUGAM, 2003).
75%
8%
17%
TEMPO DE TRABALHO NA SAÚDE
Mais de 05 anos
3 a 5 anos
1 a 3 anos
109
Gráfico 05 - Tempo de trabalho na Atenção Básica
Fonte: elaborado pela autora
Sobre o tempo de trabalho na AB, a maioria dos pesquisados que
possuem mais de 05 (cinco) anos na saúde (10 a 15 anos) é também o mesmo
tempo de experiência na AB, variando apenas os serviços.
No que concerne as demais condições de trabalho, percebemos que
apesar de se diferenciarem de um serviço para outro, de um modo geral, são
bastante precárias em relação as necessidades para o melhor desenvolvimento
das ações e serviços.
Diante disso, as condições de trabalho fazem parte do principal fato,
apontado por profissionais que trabalham na atenção básica de saúde do
município do Natal, como dificuldade que os impedem de prestar um serviço de
melhor qualidade e de proporcionar o acesso aos direitos sociais. Além disso,
dependendo do serviço em que o/a assistente social se insere, as condições
podem ser um pouco melhores ou piores, mesmo dentro da mesma política, no
caso a de saúde, mas a precarização é apontada em todas as falas. No espaço
do NASF, como pode ser visto na fala a seguir:
As condições de trabalho são precarizadas porque, por exemplo, o NASF dá apoio a sete equipes de unidades diferentes, então a gente deveria ter um carro pra ter uma equipe volante [...] nesse trabalho de articulação não é só entre as unidades, eu tenho que ir no Conselho Tutelar, CRAS, CREAS e etc. então a gente precisa ter um carro pra poder circular, estar se deslocando de um lugar para outro e são em torno de 5 km, então nós temos que usar o nosso carro com o dinheiro do nosso
83%
9%8%
TEMPO DE TRABALHO NA AB
Mais de 05 anos
03 a 05 anos
01 a 03 anos
110
misero salário. [...] Não tinha um computador, agora que chegou um computador, mas não tem internet aí então ainda não foi instalado os programas que são importantes como o Excel, o Word para que possamos trabalhar. Ficava tendo que trabalhar em casa porque na unidade não oferecia as condições (ASSISTENTE SOCIAL 2).
Podemos perceber que os/as profissionais precisam buscar estratégias
para a viabilização do seu exercício profissional se utilizando de recursos
próprios, frente à negligência do município em ofertar os meios básicos de
trabalho, e até mesmo estendendo a sua jornada de trabalho para além do seu
horário e do espaço institucional implicando em um desgaste da força de trabalho
pela sobrecarga, com vistas a contemplar as inúmeras demandas que chegam
diariamente aos serviços. Como resultado podemos citar principalmente o
adoecimento dos/as trabalhadores/as e a mecanização das respostas
profissionais resultantes da imediaticidade.
Na materialização das políticas, temos profissionais em condições cada vez mais precárias de trabalho, adoecidos, capturados pelo procedimentalismo exigido pelas próprias políticas e seu conjunto de cartilhas e manuais, reiterando a produção do já produzido, ou seja, uma reprodução sem reflexão, sem mediações, sem crítica, despolitizada, com ênfase conformadora (PRATES, 2013, p. 5).
Em outra fala, também relacionada ao NASF é denunciado inclusive a
falta de salas para os profissionais da equipe, a medida em que o NASF não
possui estrutura física própria, pois utiliza as dependências das unidades que
matricia.
A gente tinha uma sala para planejar, mas essa sala a gente utiliza para tudo [...] quando a gente precisa fazer algum atendimento individual você tem que ficar procurando uma sala livre na unidade, nesta unidade porque na outra nem isso porque não tem espaço [...] (ASSISTENTE SOCIAL 3).
O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) normatiza através da
resolução nº 493/2006 de 21 de agosto de 2006 as condições de trabalho
necessárias para o exercício profissional dos/as assistentes sociais
independente da área de atuação.
111
Art. 1º - É condição essencial, portanto obrigatória, para a realização e execução de qualquer atendimento ao usuário do Serviço Social a existência de espaço físico, nas condições que esta Resolução estabelecer. Art. 2º - O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos serviços prestados [...] Art. 3º - O atendimento efetuado pelo assistente social deve ser feito com portas fechadas, de forma a garantir o sigilo. Art. 4º - O material técnico utilizado e produzido no atendimento é de caráter reservado, sendo seu uso e acesso restrito aos assistentes sociais. Art. 5º - O arquivo do material técnico, utilizado pelo assistente social, poderá estar em outro espaço físico, desde que respeitadas as condições estabelecidas pelo artigo 4º da presente Resolução (CFESS, 2006, p. 2-3)
As condições de trabalho, embora não determinem a atuação profissional
do/a assistente social, repercute na qualidade dos serviços prestados, pois os/as
profissionais necessitam de condições objetivas para viabilizar o acesso aos
direitos sociais e nesse processo precisam planejar suas ações com vistas a
definir as finalidades do seu exercício problematizando o “por que fazer” e “para
quem fazer” e não apenas no âmbito tecnicista do “como fazer” sem elencar
prioridades e análise críticas acerca das suas ações.
Deve-se compreender a precarização em um sentido mais amplo, tanto com relação às condições de acesso e inserção no mercado de trabalho protegido, quanto às condições de trabalho no espaço institucional propriamente dito. Assim, no caso do Serviço Social, uma mediação para que a precarização do trabalho seja entendida é a política social, na sua relação com o fundo público, pois o trabalho do assistente social está atravessado pelas determinações desta (SANTOS; MANFROI, 2015, p. 186).
Assim, significa dizer que a precarização das condições de trabalho que
afetam os/as assistentes sociais é fruto do modo como vem sendo tratada as
políticas sociais no contexto neoliberal, sob a lógica da focalização; tornar os
serviços mais enxutos tanto na oferta, quanto na quantidade de trabalhadores/as
empregados/as.
Nessa perspectiva, a quantidade de profissionais do Serviço Social
112
presentes nas unidades de saúde que segundo a maioria dos sujeitos de
pesquisa é insuficiente principalmente naquelas que contam com apenas um/a
assistente social em seu quadro, deixando horários descobertos.
As regiões Norte I, Norte II e Oeste, são as mais vulneráveis do município
e as que possuem as maiores lacunas de profissionais de Serviço Social, com
uma pequena vantagem do distrito Oeste em relação aos demais. Encontramos
02 (dois/duas) em toda região Norte; 04 (três) Oeste; 02 (dois/duas) Leste e 04
(quatro) Sul. Com isso, podemos observar que a região Norte, que é dividida em
dois distritos sanitários, conta apenas com duas profissionais na atenção básica,
entretanto apenas 01 (um/uma) faz atendimento direto a população por se tratar
de uma USF e o/a outra não por ser um NASF e ofertar suporte a equipe.
Como consequência temos a sobrecarga dos profissionais inseridos, e
dificuldades na abrangência da população atendida. A fala da profissional a
seguir, reflete a totalidade das dificuldades de trabalho denunciadas pelos/as
entrevistados/as, independente do serviço que se encontram.
A primeira é que as equipes, a maioria delas, estão estouradas, elas estão passando dos seus limites de cobertura e aí você tem muito mais gente e pouca oferta. O modelo também, que é curativista, acaba não fazendo promoção, prevenção e aí não se dá conta, né? Você não tem exames suficientes, os médicos, as consultas não são suficientes, se trabalha muito na questão individual e não coletiva, há muita resistência nisso. O modelo que está posto, que faz com que não de conta se você ficar nessa oferta individual, sem ampliar os serviços (ASSISTENTE SOCIAL 3).
Percebemos dois fatores presentes na fala do sujeito de pesquisa que se
entrelaçam nesse contexto neoliberal, o primeiro remete ao insuficiente
investimento em recursos humanos para atendimento à população e o segundo
é a supremacia do modelo médico curativo em relação a prevenção e promoção
em saúde, quando na verdade a ênfase deve ser para as atividades preventivas
sem prejuízo para as assistenciais.
A política de saúde, embora tenha evoluído nas concepções e
proposições acerca da promoção e prevenção, em consonância com as
determinações sociais de saúde, ainda são pequenos os avanços nessa
113
perspectiva e se mantem o cuidado focado no atendimento individual e na
doença, além de funcionarem de forma desarticulada dentro do próprio sistema.
A crise contemporânea dos sistemas de atenção à saúde reflete o desencontro entre uma situação epidemiológica dominada por condições crônicas e um sistema de atenção à saúde voltado para responder às condições agudas e às agudizações de condições crônicas, de forma fragmentada, episódica e reativa. Isso não deu certo nos países desenvolvidos, isso não está dando certo no SUS (BRASIL, 2015, p. 38).
Dessa maneira, apesar desses fatores serem gerais na execução das
políticas de saúde, afeta diretamente o fazer profissional do/a assistentes sociais
que precisa dar respostas as demandas sociais que são trazidas pelos/as
usuários/as nos inúmeros serviços de saúde em Natal/RN.
O trabalho em equipe é apontado nos dados, 04 (quatro) entrevistados/as,
como um desafio no cotidiano das unidades de saúde, pois alguns profissionais
esboçam resistência em participar de atividades coletivas e/ou compartilhar
dificuldades, ficando o trabalho em equipe, muitas vezes, fechado ao mero
encaminhamento. Principalmente na realidade das equipes de Consultórios na
Rua devido ao estigma que as pessoas em situação de rua carregam na
sociedade. “O trabalho em equipe funciona em parte. Há alguns profissionais
que não são muito abertos para trabalhar em equipe [...] não compartilha as
informações, não discute os casos” (ASSISTENTE SOCIAL 5).
A atuação em equipe é necessária para propiciar, dentro do espaço em
que se trabalha, a integralidade da atenção e cuidado em saúde ou “integralidade
focalizada” (CECÍLIO, 2001), como objetivo de cada profissional e serviço de
saúde.
A superação da visão fragmentada dos saberes é uma importante
ferramenta para melhoria na qualidade dos serviços ofertados que exigem a
compreensão das necessidades de saúde numa perspectiva de totalidade, mas:
Observa-se que no contexto dos serviços de saúde persiste a distância entre o discurso e a prática interdisciplinar na atuação dos profissionais, caracterizada pela insuficiência de fundamentação teórico-conceitual e prática sobre interdisciplinaridade. Tal situação, aliada às fragilidades socioinstitucionais, tende a reforçar lógicas e ações hierarquizadas entre as categorias profissionais que seguem
114
centradas meramente nas especificidades teórico-práticas, fragmentando o trabalho e produzindo objetivos incomuns (SILVA; LIMA, 2012, p. 114).
Assim, podemos entender que a interdisciplinaridade não se efetiva de
forma “natural” no processo que agrega diferentes profissões, mas sim,
construída socialmente desde a formação profissional até a prática cotidiana.
Sobre o incentivo a formação/qualificação continuada todos/as
entrevistados/as afirmaram existir por parte da SMS, em muitos casos em
parceria com a UFRN e/ou faculdades privadas. Contudo, nem todos/as os
sujeitos pesquisados participam dos cursos e atividades ofertadas pelas
instituições. Da amostra, 09 (nove) disseram participar com bastante frequência;
01 (um/uma) participa de tempos em tempos e 02 (dois/duas) demonstraram não
ter interesse por considerarem sem necessidade. Quando perguntado sobre as
atividades e a periodicidade que tem participado, um/a deles/as respondeu:
[...] Não diretamente na área (Serviço Social), são mais gerais da saúde, mas não tenho participado de nenhuma, na verdade faz bastante tempo que não participo de nada (ASSISTENTE SOCIAL 6).
É preciso destacar que o compromisso com a qualificação profissional,
além de ser um princípio ético, contido no Código de Ética, é um dos requisitos
ao assistente social para a qualidade na prestação dos serviços aos usuários. A
atualização é importante para não ficar destoado das discussões profissionais o
que foi bastante visível nas entrevistas com esses determinados profissionais.
A educação permanente, embora encontre diversas barreiras objetivas a
sua efetivação - sobrecarga de trabalho, recursos financeiros, entre outros – ela
deve ser compreendida enquanto “[...] um importante instrumento para a
construção e qualificação de ações cotidianas no exercício da profissão e na sua
capacidade de organização política” (CFESS, 2012, p. 21).
O desconhecimento das atribuições privativas por parte dos/as
profissionais é um dos dados também evidenciados pelo conjunto
CFESS/CRESS, na brochura lançada em 2012 ao trazerem as preocupações
em torno das atribuições e que destacam como um dos motivos e preocupações
a falta do aprimoramento intelectual:
115
• Distanciamento da categoria em relação às mudanças que ocorrem na profissão nos últimos 20 anos (lei, código, novo currículo, produção teórica) e das conquistas democráticas (CF, ECA, LOAS, SUS), resultando em práticas conservadoras, pragmáticas, sem investimento na capacitação profissional;
• Necessidade de capacitação e qualificação profissional (CFESS, 2012, p. 28).
É latente a necessidade da qualificação profissional devido dinamicidade
das relações societárias que alteram constantemente a matéria prima do Serviço
Social: Questão Social, seus modos de expressões, suas demandas e
respostas. Alteram a própria profissão que precisa estar afinada as mudanças
sociais de modo a se posicionar criticamente frente a estas.
Mas, são também muitos desafios, o compromisso do/a profissional em
estar sempre buscando se qualificar para defender os direitos da classe
trabalhadora e melhores condições de trabalho que permitam esse
aprimoramento sem sobrecarregar os/as profissionais.
Essas questões até aqui apresentadas são importantes para se pensar o
terreno e a forma que vem se desenvolvendo o exercício profissional do/a
assistente social na AB em Natal/RN, acreditamos ser imprescindível desmiuçar
as condições nas quais se faz o exercício profissional e as correlações de força
que o inflexiona.
É a partir dessa explanação introdutória que podemos problematizar as
competências e atribuições privativas dos/as assistentes sociais desempenhada
no cotidiano das instituições de saúde. Assim, no próximo item abordamos a
referida discussão a partir dos dados coletados na pesquisa de campo.
3.4 Competências e atribuições profissionais na Atenção Básica de Saúde
do município do Natal/RN
As competências e atribuições profissionais estão presentes no projeto
ético-político do Serviço Social, mais especificamente na Lei de regulamentação
8.662/93. Ambas balizam o fazer profissional nos espaços de inserção, em que
116
as competências dizem respeito as atividades que podem ser desenvolvidas
pelos/as assistentes sociais, mas que não são exclusivas desse/a profissional.
Assim, no art. 4 da lei, são competências dos assistentes sociais:
III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais; VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais; XI - realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades (CFESS, 1993).
Já as atribuições estão relacionadas às atividades que só podem ser
realizadas por um (a) assistente social, são consideradas restritas a profissão. O
artigo 5º da Lei 8.662/93 designa quais são as atribuições privativas dos
assistentes sociais, a saber:
I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; II - planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social; IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social; VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social; XII - dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou privadas (CFESS, 1993).
A interpretação em torno do que é competência e do que é atribuição
privativa do/a assistente social é um dos gargalos evidenciados no processo de
investigação a partir das falas dos sujeitos. Contudo, consideramos importante
iniciarmos pela concepção de saúde assumida por esses profissionais para
darmos continuidade a discussão das atividades realizadas pelo Serviço Social
nas unidades pesquisadas.
117
Alguns conceitos são fundamentais para a ação dos assistentes sociais na saúde como a concepção de saúde, a integralidade, a intersetorialidade, a participação social e a interdisciplinaridade [...] O conceito de saúde contido na Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 8.080/1990 ressalta as expressões da questão social, ao apontar que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (CF, 1988, artigo 196) e indicar como fatores determinantes e condicionantes da saúde, “entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País” (Lei nº 8.080/1990, artigo 3º) (CFESS, 2010, p. 39).
A concepção de saúde apreendida pelo/a assistente social contribui para
determinar a posição que ele irá assumir na sua atuação profissional, a medida
em que se compreende o sentido para o qual são direcionadas suas ações, seja
na manutenção de uma prática na perspectiva da saúde enquanto ausência de
doença ou no seu sentido ampliado.
Nessa perspectiva, o conceito de saúde impresso na constituição de
1988, é compreendida por 91,7% dos/as profissionais entrevistados/as, mesmo
que de forma um pouco imprecisa em alguns casos, mas compreendem que vai
além da condição de bem-estar físico de maneira isolada. Reconhecem,
inclusive, a própria incorporação da força de trabalho do/a assistente social na
saúde pela necessidade de atuar nos determinantes sociais de saúde.
Então, a minha compreensão é o conceito que nós temos a partir da reforma sanitária, da oitava conferência sanitária de saúde, que coloca que saúde não é só ausência de doença que diz que saúde tem determinantes, condicionantes que depende de renda, educação, ne depende de meio ambiente saudável, então é uma junção de diversos fatores para que a gente possa ter a promoção e prevenção na saúde e também a assistência porque é tudo junto (ASSISTENTE SOCIAL 4).
Aliado a concepção de saúde está a compreensão que estas profissionais
têm sobre o projeto ético-político. 09 (nove) sujeitos de pesquisa apontaram o
118
PEPSS como norteador da prática profissional, contudo apenas 01 desse
quantitativo conseguiu aprofundar a análise do projeto para além da sua
identificação como norteador e sua importância.
Olhe o projeto ético-político é a base de sustentação, o alicerce do fazer profissional de um Serviço Social aliado aos direitos sociais, mais é comprometido com a efetivação e ampliação desses direitos, com a negação do conformismo e conservadorismo das situações de pobreza, exclusão e injustiça social. É importante para a gente não ter uma prática acrítica e filantrópica (ASSISTENTE SOCIAL 8).
Os/as demais profissionais (03) não conseguiram tecer comentários a
respeito do projeto ético-político sob a justificativa de estarem afastados das
discussões da profissão ou por terem se formado antes do novo projeto
profissional e/ou não participarem de atividades de formação continuada. O que
pode levar a um exercício profissional esvaziado de criticidade e revestido de
conservadorismo.
Não obstante os avanços da profissão na ausência de um projeto profissional crítico que vise romper com o tradicionalismo das práticas profissionais, ficam muito limitadas às possibilidades de diferenciação entre o exercício profissional e a prática filantrópica, assistencialista, voluntarista (GUERRA, 2007, p. 11).
Os/as profissionais não conseguiram transpor do campo da prática
profissional para o exercício. As respostas foram sempre centradas na prática
em si, como se o significado epistemológico de uma fosse o mesmo da outra.
Como citado anteriormente, a pratica é apenas uma dimensão do exercício
profissional que, por sua vez, engloba análises mais amplas a partir do projeto
ético-político.
No campo teórico, como podemos observar a partir das produções de
Iamamoto acerca da temática, há a superação da mistura de interpretação entre
ambas. Todavia, os/as profissionais entrevistados demonstram não ter
acompanhado essa discussão que é de extrema importância para analisar e
refletir sobre o exercício profissional do/a assistente social e os determinantes
que o circunscrevem, bem como os limites e possibilidades na sociabilidade
capitalista.
119
Outro ponto que merece atenção é a redução do projeto ético-político a
um dos seus dispositivos, o Código de Ética. As respostas acerca do projeto
eram sempre com foco exclusivamente para os valores éticos 66%, o que
reafirma a fragilidade do conhecimento dos/as profissionais sobre o projeto ético-
político uma vez que os três (03) elementos constitutivos (código de ética, lei de
regulamentação e diretrizes curriculares) devem ser vistos de forma
indissociada, pois cada um desempenha seu papel importante e peculiar no
exercício profissional dos/as assistentes sociais.
O código de ética é muito importante para o Serviço Social, pois um assistente social sem ética não faz um bom trabalho porque a gente interage com pessoas e isso pede um tratamento ético. Então o projeto ético-político nos orienta nesse sentido (ASSISTENTE SOCIAL 9).
A ética profissional conforma um dos elementos constitutivos do projeto
ético-político e dessa forma não deve ser confundido como sinônimo deste,
embora o expresse através de um conjunto de valores que indicam o ethos
profissional, o modo de ser (CARDOSO, 2013, p. 84).
Além dos valores éticos, o projeto profissional expressa dimensões
políticas e ideológicas que conformam a atuação do/a assistente social
inserido/a nas relações de classes, com um posicionamento claro acerca da
defesa dos direitos da classe trabalhadora e dão concretude para as ações
profissionais (CARDOSO, 2013).
A redução do projeto ético-político ao Código de Ética, obscurece as
demais conquistas da profissão, concretizadas na década de 1990 após a
construção do pensamento crítico do Serviço Social. Além de esconder as
dimensões do exercício profissional do/a assistente social que são calcados
nesse projeto tanto no âmbito da formação, elencando as competências que
os/as futuros profissionais devem ser capazes de ter, finalidades da profissão,
até o código de ética e lei de regulamentação que orientam o próprio fazer.
É também, pelos princípios éticos, políticos e ideológicos que o projeto
profissional se associa a projetos democráticos de sociedade. Diante disso,
buscamos compreender como os sujeitos de pesquisa, a partir da compreensão
que possuem sobre o projeto ético-político, tem sobre a relação deste com o da
120
Reforma Sanitária, importante para a defesa da saúde enquanto direito e de
qualidade.
Nessa perspectiva, é importante frisar que 09 (nove) sujeitos de pesquisa
relacionaram a proposta da Reforma Sanitária as concepções defendidas pelo
projeto ético-político no tocante a democratização do acesso a saúde pública de
qualidade como é possível observar na próxima fala:
Essa relação está bem próxima porque a Reforma Sanitária [...] está também em sintonia com o nosso Projeto Ético-político quando quer ampliar os direitos, quando quer fazer uma assistência de qualidade, quando quer que todos tenham acesso sem clientelismo, sem tanta burocracia (ASSISTENTE SOCIAL 11).
O nosso projeto ético-político está afinado aos princípios da Reforma
sanitária, pois ambos defendem a democratização dos direitos sociais para o
conjunto da classe trabalhadora e vão à contramão da concepção dos direitos
enquanto mercadoria. No quadro que veremos a seguir, podemos perceber a
consoante relação entre os princípios do PEPSS e da Reforma Sanitária.
Quadro 01 - Projeto ético-político e Reforma Sanitária
Projeto ético-político do Serviço Social
(Princípios)
Projeto democrático de Saúde (Princípios Reforma Sanitária)
Justiça Social Equidade
Acesso universal Universalidade
Participação social Controle social
Defesa de direitos Integralidade Fonte: elaborada pela autora
No que se relaciona as atividades desempenhadas nas unidades, a partir
das falas, perceberemos que os atendimentos diretos aos usuários com foco
para ações socioassistenciais são predominantes na atuação dos/as assistentes
sociais na saúde. Quase não aparecem atividades de caráter coletivo com
objetivo de mobilização social.
A gente de primeira instância faz a questão da acolhida porque o Serviço Social é assim a porta de entrada da unidade faz a articulação de consultas, a gente faz também de idosos na
121
maioria das vezes, visita domiciliar. Como eu já mencionei tem as ESF e só tem eu como assistente social pra dar suporte a toda essa demanda, a estratégia e apropria UBS que tem a demanda aberta que a gente chama demanda adstrita é realizado também visita domiciliar aí atendimento psicossocial a gente trabalha muito com o psicólogo em conjunto e o próprio atendimento social e os encaminhamentos que a gente faz com a rede intersetorial (ASSISTENTE SOCIAL 1).
O atendimento direto aos usuários conforme Os Parâmetros para Atuação
de Assistentes Sociais na Saúde, tem como característica a predominância de
ações socioassistenciais, ações de articulação interdisciplinar e ações
socioeducativas. Estas devem integrar um movimento indissociável e
complementar entre si.
As ações socioassistenciais tem se constituído como principais demandas
nesse eixo de atuação. Todavia, no contexto de contrarreforma do Estado que
ocasiona a precarização dos serviços de saúde, essas demandas se revestem
de caráter burocrático, imediatista, problemas da qualidade e quantidade dos
serviços chegando para os assistentes sociais, que podemos relacionar com a
fala, aparece principalmente as demandas para “solução quanto ao atendimento
(facilitar marcação de consultas e exames, solicitação de internação, alta e
transferência) ” (CFESS, 2010 p.43).
Essas questões direcionam o/a assistente social para uma prática
burocratizada e repetitiva em que o sujeito se abstém de questionamentos e
reflexões sobre as finalidades das suas ações, e assim, atende as requisições
institucionais e não aos interesses e necessidades dos/as usuários/as. Vale
ressaltar que “a característica dessa prática, é o cumprimento fiel das
responsabilidades, requisições, atividades, tarefas designadas ao assistente
social na execução de programas no âmbito das políticas sociais” (COELHO,
2013, p. 47).
O cumprimento acrítico as normas, procedimentos e rotinas institucionais
faz com que o/a assistente social seja tomado/a pela imediaticidade com a qual
as demandas se apresentam e exigem respostas profissionais, desconsiderando
as determinações sociais e históricas das relações de produção e reprodução
social, constituída na sociabilidade capitalista (COELHO, 2013).
122
Por fim, a prática burocratizada resgata, mesmo que de forma
inconsciente em alguns casos, o conservadorismo disfarçado e silencioso
presente nessas ações e que só podem ser revelados ao serem colocados em
reflexões constantes realizadas pelos sujeitos que as praticam ao suspenderem
o cotidiano e alienação operada por ele.
Nos programas em que são definidos critérios de elegibilidade para ter
acesso, os/as profissionais que seguem de forma rigorosa e acrítica as
determinações institucionais, se tornam agentes fiscalizadores da pobreza,
colocando em primeiro lugar as recomendações institucionais e não as
necessidades dos sujeitos, desviando-se do projeto ético-político do Serviço
Social que reafirma o compromisso da profissão com a defesa dos direitos da
classe trabalhadora.
Quanto ao eixo sobre a articulação interdisciplinar, contida nos
Parâmetros de atuação, é preciso destacar que esta se refere a relação dos/as
assistentes sociais ao se inserirem nas equipes multiprofissionais, a qual
estaremos desenvolvendo melhor ao problematizar, mais a frente, as
competências e atribuições a partir dos dados da pesquisa. Isso pede o
esclarecimento para os demais profissionais acerca das competências e
atribuições da profissão com vistas a evitar distorções sobre o fazer profissional
do/a assistente social.
Já as ações socioeducativas estão ligadas as orientações reflexivas e
socialização de informações por meio das abordagens individuais, grupais,
coletivas aos usuários, famílias e comunidade “devem-se constituir em eixo
central da atuação do profissional de Serviço Social e recebem também a
denominação de educação em saúde” (CFESS, 2010, p. 55).
As ações socioeducativas não devem se constituir enquanto um mero
repasse de informações e esclarecimentos visando a simples adesão dos
usuários e sim a uma perspectiva de propiciar a participação popular nas
decisões, análises e monitoramento da política de saúde e direitos sociais
(CFESS, 2010).
Estas demandas relacionadas à “solução quanto ao atendimento”
aparecem nitidamente na fala do sujeito de pesquisa que trouxemos um pouco
mais acima, e vai de encontro ao que deve ser evitado pelo/a assistente social
123
segundo os Paramentos para atuação de assistentes sociais na saúde. Já as
visitas domiciliares são importantes para a ação profissional, pois favorece uma
melhor compreensão das condições de vida dos usuários que, muitas vezes, não
são passiveis de serem visualizadas nas entrevistas sociais e/ou atividades,
contudo, frequentemente, falta veículos para o deslocamento dos/as
profissionais, como em uma das falas, e prejudica a realização dessa atividade.
Em nenhuma fala apareceu a participação em debates coletivos da
categoria via CRESS, CFESS ou envolvimento em outros tipos de ações
coletivas em defesa dos direitos da categoria e/ou dos/as trabalhadores/as. Esse
fato expressa uma preocupação para a manutenção do posicionamento crítico e
organizativo construído após o projeto ético-político de 1993.
O que de fato deve ser objeto de atuação do assistente social esta
relacionado a:
• democratizar as informações por meio de orientações (individuais e coletivas) e /ou encaminhamentos quanto aos direitos sociais da população usuária; • construir o perfil socioeconômico dos usuários, evidenciando as condições determinantes e condicionantes de saúde, com vistas a possibilitar a formulação de estratégias de intervenção; • enfatizar os determinantes sociais da saúde dos usuários, familiares e acompanhantes por meio das abordagens individual e/ou grupal; • facilitar e possibilitar o acesso dos usuários aos serviços, bem como a garantia de direitos na esfera da seguridade social por meio da criação de mecanismos e rotinas de ação; • conhecer a realidade do usuário por meio da realização de visitas domiciliares; • conhecer e mobilizar a rede de serviços, tendo por objetivo viabilizar os direitos sociais por meio de visitas institucionais, quando avaliada a necessidade pelo Serviço Social; • fortalecer os vínculos familiares, na perspectiva de incentivar o usuário e sua família a se tornarem sujeitos do processo de promoção, proteção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde (CFESS, 2010 p. 44-45)
Contudo, o fazer profissional não se esgota nessas atividades, sabemos
que o atendimento direto é importante para a viabilização do direito à saúde,
contudo ele é apenas um dois eixos da atuação profissional e ao fazer deste o
predominante ou único meio de interação com os usuários dos serviços, esvazia-
se a oportunidade de se trabalhar aspectos coletivos e reflexivos e assim,
124
explorar o lado educativo da ação profissional contribuindo para a mobilização
social em prol da efetivação dos direitos sociais. Outra consequência é o
aprisionamento profissional as demandas institucionais e burocráticas que em
muitos casos, foram visualizadas pelos/as sujeitos da pesquisa como um meio
de promover o acesso aos direitos do usuário.
Um papel educativo que, exercido em todas as instâncias e momentos da atuação profissional, guarda a possibilidade de fomento da participação substantiva dos usuários no controle social e ampliação dos direitos – para além do simples acesso/usufruto de um bem/serviço - , o que pode resultar na contribuição que o assistente social pode dar na qualificação da participação política e na conexão e envolvimento das massas populares, como sujeitos da ação histórica, nas transformações sociais, políticas e econômicas (VASCONCELOS, 2015, p. 388).
Acerca das demandas que chegam ao Serviço Social nas unidades
pesquisadas, prevalecem segundo a maioria dos/as entrevistados/as (75%) a
questão dos maus tratos a idosos e problemas ligados a saúde mental e ainda
emissão de declarações para o Programa de Acessibilidade Especial (PRAE)58,
Secretaria de Transportes Urbanos (SETURN) para carteirinha de gratuidade.
Algumas demandas como a própria saúde mental não são identificadas, em uma
das entrevistas, como demanda direta do Serviço Social, todavia sabemos que
essa questão é alvo de atuação da profissão a medida em que a saúde é vista
sob sua ótica ampliada. Novamente aparece a questão de compreender as
competências e atribuições dos/as assistentes sociais afim de perceber o que é
demanda para a profissão e o destoa destas.
A questão de violência principalmente a idoso de todos os tipos, de negligencia, abandono, apropriação de proventos e agressão e a questão da violência contra mulher também e contra criança, mas essa em menor escala e também de saúde mental essas são as demandas que mais chegam para gente. Que assim não
58 É um serviço gratuito de transporte PORTA A PORTA com veículos acessíveis e adaptados (inicialmente com 10 microônibus, 03 vans e 03 ambulâncias) para o transporte de pessoas comprovadamente com mobilidade reduzida, devido a uma deficiência, à idade ou a qualquer outro fator, mas que não corra risco de vida, não estando em uma situação de urgência ou emergência. O serviço é gerenciado pela Prefeitura do Natal através da STTU e SMS, em parceria com o SETURN.
125
e especifica do Serviço Social, mas que eu gosto e eu me aproprio (ASSISTENTE SOCIAL 3).
A questão da violência e a saúde mental, obviamente não são exclusivas
do/a assistente social, uma vez que são demandas impossíveis de serem
resolvidas por um único profissional ou categoria, exige a ação articulada de
diversas áreas do conhecimento e órgãos competentes para os quais possam
ser feitos os encaminhamentos na perspectiva de referência e contra referência.
Mas, os profissionais precisam estar atentos a respeito do que lhe cabe trabalhar
dentro dessas temáticas, especialmente da saúde mental para não invadir o
campo da psicologia.
Analisar as configurações e reconfigurações das demandas dirigidas ao
Serviço Social a luz do contexto neoliberal, é importante para delinear as ações
profissionais bem como os objetivos que estas pretendem e devem alcançar,
tendo sempre como base, o projeto ético-político da profissão. As demandas
acompanham o movimento dinâmico e mutável da sociedade se apresentando
de forma implícita e explicita no cotidiano das instituições (BEZERRA; ARAUJO,
2007).
As necessidades dos usuários, que, condicionadas pelas lutas sociais e pelas relações de poder, se transformam em demandas profissionais, reelaboradas na ótica dos empregadores no embate com os interesses dos usuários dos serviços profissio-nais (IAMAMOTO, 2002, p. 47).
Dessa forma, são as mudanças engendradas no âmbito do trabalho
aliadas as alterações no papel do Estado frente as políticas sociais que
transformam continuamente as demandas dirigidas ao Serviço Social, pois as
demandas “são requisições técnico-operativas que, através do mercado de
trabalho, incorporam as exigências dos sujeitos demandantes”, ou seja, “elas
comportam uma verdadeira ‘teologia’ dos requisitantes a respeito das
modalidades de atendimento de suas necessidades” (MOTA; AMARAL, 1998,
p. 25).
Diante disso, se faz necessário ao fazer profissional o desvendamento
das demandas na relação capital trabalho com vistas a pensar as mediações
necessárias a efetivação do acesso aos direitos sociais. Pois:
126
É a partir do conhecimento dessas necessidades, e das determinações que as originam, que os assistentes sociais constroem o lastro que possibilita dar conta das requisições postas no seu cotidiano profissional pelo mercado de trabalho (BEZERRA; ARAUJO, 2007, p. 204).
As demandas da atenção básica são complexas e diversificadas “na APS,
é preferível trabalhar-se com problemas de saúde ou com condições de saúde
do que com diagnósticos de doenças” a medida em que, nem todas as
demandas de saúde podem ser catalogáveis na Classificação internacional de
doenças e problemas relacionados à saúde (CID) (MENDES, 2015, p. 48).
Na atenção básica, assim como em outros espaços de inserção, se
apresentam ao assistente social novas e velhas expressões da questão social,
entre elas:
Violência de gênero, violência urbana, drogadição, AIDS, discriminação por questões de etnia, gênero e geração, moradia de rua, moradia insalubres e em risco, fome, crianças e adolescentes em situação de risco ou abandono, doença mental, discriminação por deficiências físicas, envelhecimento sem recursos, violência contra o idoso, doenças do trabalho, não acesso a direitos e benefícios sociais, miséria, trabalho infantil, entre tantas outras situações que remetem à pobreza, exclusão social e discriminação (CARDOSO, 2013, p. 201).
Problematizar as velhas e novas demandas que chegam para o Serviço
Social, nos faz, também, refletir quais as particularidades do trabalho do/a
assistente social na AB, uma vez que este profissional é chamado/a para
responder a alguma necessidade social e é isso que justifica a permanência da
profissão, a sua utilidade social mediada pela relação de compra e venda dessa
força de trabalho especializada (IAMAMOTO, 2012).
Nessa perspectiva o que diferencia o trabalho do/a assistente social na
atenção básica dos outros profissionais? Quais as contribuições desse
profissional ao se inserirem em equipes multiprofissionais nesse âmbito?
Nas 12 (doze) falas, as particularidades parecem ser claras para os/as
profissionais, mas em 04 (quatro) destas elas são apresentadas no campo do
127
“dever ser” que não se efetiva integralmente devido a estruturação da AB em
Natal e falta de assistentes sociais no primeiro nível de atenção.
Como observado em uma das falas sobre as particularidades do/a
assistente social na AB:
Sinceramente, pra mim e difícil de responder porque o que eu estou falando é o que deveria ser porque a gente não tem realmente o assistente social na atenção básica, mas seria de promoção, prevenção, de articular de estimular o controle social porque hoje a gente tem os conselhos locais de saúde que tem participação da gerencia local da unidade como dos profissionais e da população muito importante a atuação do assistentes social nesse conselho porque é ali que se discute os programas de saúde da comunidades (ASSISTENTE SOCIAL 4).
Como citamos anteriormente, a atenção básica em Natal tem adquirido a
ESF como modelo de reorientação dos cuidados primários, com isso muitas
unidades de saúde tradicionais (UBS) têm se transformado em USF a exemplo
podemos citar o distrito norte I que não conta com nenhuma UBS, sendo todas
consideradas estratégias. Contudo, a formação das equipes são mínimas e
oficialmente não é obrigatória a inserção de assistentes sociais no quadro.
As profissões expressas na PNAB (2012) são estritamente da área
médica/biológica o que indica uma abstração do cuidado a saúde centrada na
cura, quando na verdade “a montagem da equipe de SF deve passar por um
processo inverso, isto é, pela concepção de totalidade e não do mínimo possível,
para conseguir ir além da atenção focal” (VASCONCELOS et al., 2009, p. 315).
O processo saúde-doença como vimos, não se esgota no atendimento a
situação de doença, ele é multifatorial e envolve determinações sociais que se
agregam aos aspectos biológicos e assim, no cotidiano das unidades de saúde
esses aspectos se evidenciam, pois, o “social” se apresentam em diversas
demandas e necessidades vivenciadas pelos/as usuários (VASCONCELOS et
al., 2009).
Identificamos através do depoimento espaços de inserção do/a assistente
social que não são devidamente explorados por não haver a integração desses
profissionais. Embora a dimensão social do processo saúde-doença possa e
deva ser trabalhada por outros profissionais, ou seja, não é exclusivo do/a
128
assistente social, a apropriação desse profissional sobre as questões
concernentes as expressões da questão social, se faz de forma diferenciada pela
sua qualificação desempenhada pela formação que lhe permite analisar, fazer
as conexões macro e microssociais.
É, a partir da perspectiva ampliada de saúde que o/a assistente social
deve intervir pode contribuir assim no eixo da promoção em saúde que vai além
de organizar as ações e serviços a atuar sobre os efeitos dos problemas de
saúde, mas também sobre as causas que se interligam (condições de vida,
trabalho).
Salvo as particularidades da diversidade de unidades pesquisadas, 25%
das profissionais inseridas em serviços de UBS e USF participam de atividades
de promoção, prevenção e educação em saúde, as demais não participam
porque não tem na unidade por ainda estarem estruturando (como é o caso da
unidade Quintas e Pajuçara). Na fala abaixo, as poucas assistentes sociais que
participam, afirma que:
A gente tem ações de promoção e prevenção, embora ainda sejam muito pequenas. O Serviço Social participa dos grupos de idosos, gestantes, hipertensos, fazendo atividades, incentivando o autocuidado, claro que não é exclusivo nosso, mas, damos uma contribuição boa nisso aí (ASSISTENTE SOCIAL 12).
Mesmo diante de um número pequeno de assistentes sociais na atenção
básica e em especial nas USF, a inserção desses profissionais em ações de
promoção e prevenção trazem contribuições consideradas importantes pelos
sujeitos de pesquisa e que também apontam a necessidade de ampliar esse
campo de atuação. Já os/as profissionais dos NASFs participam mais junto as
equipes matriciadas, enquanto que os Consultórios na Rua afirmam não fazer
atividades de forma coletiva nesse sentido principalmente pela vivencia de
escassez de recursos desses sujeitos.
Quanto as dificuldades para viabilizar o acesso ao direito a saúde 100%
dos/as entrevistados/as apontaram as condições e trabalho e os entraves da
rede de atenção à saúde no que condiz a comunicação entre os serviços.
Hoje a gente tem problemas na assistência que vai de falta de RH, nós temos muita falta principalmente de profissional médico, até falta de insumos também, as vezes falta material para fazer
129
curativo...e há um desestímulo de alguns profissionais em se envolver com o trabalho, por questões salariais, mas basicamente assim o que falta mais é recursos humanos e materiais (ASSISTENTE SOCIAL 4). São os entraves para esse usuário andar nessa rede, né? Que de fato, teoricamente existe uma rede construída que vai desde a rede cegonha, rede saúde rede de urgência e emergência, a rede das doenças crônicas, a rede das pessoas com deficiências, a rede da saúde mental, mas quando esse usuário vai andar nessa rede é complicado (ASSISTENTE SOCIAL 6).
São aspectos do sistema e que rebatem de forma direta no exercício
profissional do/a assistente social. Na primeira fala, aparecem questões que
afetam o Serviço Social pela sua condição de trabalhador assalariado,
amplamente discutido nessa dissertação, pois os profissionais não estão imunes
as alterações no âmbito do trabalho e do Estado. Já na segunda é parte da
própria constituição dos processos de trabalho instituídos no SUS e a
manutenção de velhas questões, como a sua desarticulação dos demais níveis
de atenção e inviabiliza a possibilidade de ser resolutiva, que impedem a
concretização do sistema conforme está expresso nas legislações.
Quando passamos a analisar o exercício profissional de assistentes
sociais no âmbito de gestão de distritos sanitários ou unidades de saúde,
verificamos um distanciamento dessas profissionais com as questões ligadas ao
Serviço Social. Assim, quando perguntadas sobre as competências e atribuições
dos/as assistentes sociais, 02 (dois/duas) se recusaram a responder por não se
considerarem em condições de discorrer sobre a temática, afirmando a posição
de diretora ser um dos motivos que as impedem de tecer reflexões em torno
disso a medida em que as requisições nesse cargo são mais burocráticas para
o funcionamento dos serviços.
Cabe destacar que a gestão de unidades, serviços e políticas públicas
vem sendo uma nova requisição para atuação de assistentes sociais a partir da
descentralização das políticas sociais. O fazer profissional nesse campo devem
ser realizadas através de estudos e pesquisas para conhecimento da realidade
da classe trabalhadora.
A formação em Serviço Social não pode ser distanciada pela posição de
gestor, assim as bases devem servir para orientação a coordenação dos
130
serviços, programas e projetos no direcionamento de proporcionar ações de
inclusão que atendam às necessidades dos usuários e a garantia do acesso aos
direitos sociais.
Diante disso, competências e atribuições, assim como todo o projeto
profissional, é uma das lacunas nas análises dos/as assistentes sociais. Primeiro
percebe-se a mistura indistinta entre ambas. E segundo, uma clara dificuldade
em elencar as atribuições privativas do/a assistente social.
As privativas eu acho que tá relacionado as questões do atendimento individual dentro da minha área especifica de escuta desse usuário e ver qual a demanda que ele traz se é de inserção em programas sociais e aí cabe a mim estar orientando, estar encaminhando e aí dentro das atividades em grupo dentro da minha área especifica é uma atribuição minha que só eu vou fazer, mas ao mesmo tempo é também uma competência dependo do tema porque eu posso estar numa atividade sobre doenças sexualmente transmissíveis e eu como profissional da saúde tenho que saber não como a enfermeira porque é bem da área dela e da área do médico mas eu tenho conhecimento e posso falar [...] (ASSISTENTE SOCIAL 3).
Nessa fala podemos perceber uma imprecisão por parte do/a assistente
social em delimitar o que seria as competências e as atribuições privativas a
partir da sua rotina na instituição que trabalha. “O que delimita o caráter da
atividade enquanto privativa do assistente social é a sua qualificação enquanto
matéria, área e unidade de Serviço Social” (IAMAMOTO, 2012, p. 39).
A matéria seria o objeto ou assunto que particularmente se exerce a ação
profissional, a área o campo delimitado de atuação do/a assistente social,
enquanto a unidade pode ser vista como o conjunto de profissionais de uma
unidade de trabalho (IAMAMOTO, 2012, p. 39).
Nessa perspectiva, tudo que envolver área, matéria e unidade de Serviço
Social, é privativo da profissão e consequentemente não pode ser exercido por
outro profissional.
A imprecisão em torno das atribuições privativas se evidencia nas
relações entre as equipes de trabalho a medida que operam em uma lógica
interdisciplinar, mas é preciso se ter claro que a interdisciplinaridade tem como
pressuposto atender o indivíduo em sua totalidade de forma integrada o que não
significa a diluição dos saberes em uma unidade.
131
Olha, como a gente tem uma equipe multidisciplinar então as
competências são muito parecidas. A mesma competência que
eu tenho, a minha psicóloga tem, e meu terapeuta ocupacional
também. Mas as atribuições privativas como assistente social
tem principalmente os relatórios sociais, óbvio que sou eu que
dou, encaminhamento qualquer um dos profissionais pode dar.
Além do relatório social, a gente tem a questão da atribuição
privativa com relação as orientações da intersetorialidade que
normalmente é a assistente social que faz isso (ASSISTENTE
SOCIAL 9).
A inserção em equipes multiprofissionais mesmo que com uma lógica
interdisciplinar, visando o atendimento integral das necessidades de saúde, não
devem ser usadas como prerrogativa para a diluição das competências e
atribuições profissionais. O trabalho deve-se pautar na complementariedade dos
saberes, em que o/a assistente social deve requerer a observância dos seus
princípios éticos presentes no projeto profissional.
O assistente social, ao participar de trabalho em equipe na saúde, dispõe de ângulos particulares de observação na interpretação das condições de saúde do usuário e uma competência também distinta para o encaminhamento das ações, que o diferencia do médico, do enfermeiro, do nutricionista e dos demais trabalhadores que atuam na saúde (CFESS, 2010, p. 46).
Entretanto, a defesa do espaço de atuação do/a assistente social se faz a
partir da ação dos órgãos de fiscalização da profissão, mas também, no cotidiano
da atuação profissional, pois é na prática que se efetiva e legitima seu campo de
intervenção, por isso a necessidade de uma ação crítica e reflexiva dos/as
profissionais (MATTOS, 2015).
Outro ponto interessante acerca das competências e atribuições,
compradas às atividades desenvolvidas no exercício profissional, refere-se ao
fato de nenhum/a assistente social ter tecido críticas acerca das atividades
realizadas. Embora algumas, visivelmente, sejam de cunho meramente
burocráticas, as profissionais as consideram dentro de suas competências.
Em alguns momentos, 06 (seis) visualizam desvios em suas funções, mas
elencam isso como algo normal e esperado dentro da nossa realidade adversa
132
outros/as apontam como algo necessário para a efetivação do acesso ao direito
dos usuários, também relegam para elas, no caso de recusa dessas ações, o
fato do usuário ser prejudicado.
Não é totalmente, é lógico que a gente sofre alguns desvios, porque a gente tem as regras eu e minha colega, mas tem casos que chegam aqui que a gente tem que analisar com outro olhar e quebrar regras. Algumas coisas podem parecer burocráticas mas é o que dá acesso aos direitos aos usuários e nós fazemos porque se não a gente prejudica eles (ASSISTENTE SOCIAL 10)
A lógica dos desmontes e o descaso do Estado culpabiliza os sujeitos que
atuam na ponta das políticas sociais pelo não acesso dos usuários aos serviços
e consequentemente o não acesso aos direitos, colocando os/as profissionais
em um dilema: aceitar competências que não são delas ou se recusar e implicar
no não acesso dos sujeitos.
Isso exige dos/as profissionais o esclarecimento do que lhe compete e
estratégias que visem o respeito aos direitos dos/as assistentes sociais enquanto
trabalhadores regulamentados.
Existem muitos desafios no exercício profissional do/a assistente social,
entretanto, a formação e o aprimoramento continuo da qualificação profissional
é importante para o enfretamento desses desafios, diante disso é basilar para o
Serviço Social, o domínio por parte dos profissionais sobre o projeto ético-político
para que os mesmos possam operar no direcionamento dos objetivos da
profissão comprometida com os interesses da classe trabalhadora.
Sobre as dificuldades para efetivar as competências e atribuições
todos/as profissionais afirmaram não encontrar dificuldades. Em uma das falas
temos:
Não, não encontro nenhuma dificuldade porque todos aqui me respeitam, respeitam meu trabalho. Não colocam nada que não seja da minha área e quando me pedem algo eu vejo se é meu ou não. Ou então eu faço, mas faço porque quero. Não me obrigam a nada (ASSISTENTE SOCIAL 9).
As estratégias são entendidas como alternativas utilizadas pelos/as
assistentes sociais, na análise dos limites da sociabilidade capitalista, para
133
viabilizar o acesso aos direitos sociais. No momento em que questionamos as
estratégias utilizadas para efetivação das competências e atribuições, estamos
partindo do pressuposto de que existem limitações e empecilhos para estas,
criados pelos empregadores e/ou contexto neoliberal no qual operamos.
Quando nos referimos a limites e empecilhos, estamos nos referindo a
entreves como: direcionamento de demandas que não são do Serviço Social,
desvio de função,
Que muitas vezes são colocadas por esses atores pela falta de
conhecimento das atribuições e competências do Serviço Social.
A equipe de saúde e/ou os empregadores, frente às condições de trabalho e/ou falta de conhecimento das competências dos assistentes sociais, têm historicamente requisitado a eles diversas ações que não são atribuições dos mesmos, a saber: • marcação de consultas e exames, bem como solicitação de autorização para tais procedimentos aos setores competentes; • solicitação e regulação de ambulância para remoção e alta; • identificação de vagas em outras unidades nas situações de necessidade de transferência hospitalar; • pesagem e medição de crianças e gestantes; • convocação do responsável para informar sobre alta e óbito; • comunicação de óbitos; • emissão de declaração de comparecimento na unidade quando o atendimento for realizado por quaisquer outros profissionais que não o Assistente Social; • montagem de processo e preenchimento de formulários para viabilização de Tratamento Fora de Domicílio (TFD)32, medicação de alto custo e fornecimento de equipamentos (órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção), bem como a dispensação destes (CFESS, 2010).
Na realidade pesquisada, a marcação de consultas e exames é o sinal
mais evidente da distorção das competências e atribuições profissionais, todavia
as profissionais não as enxergam dessa forma. Há uma naturalização dessas
atividades burocráticas, como explorado em linhas anteriores.
Pode-se afirmar que as atividades burocráticas aparecem em 100% das
falas, sempre justificadas pelo intuito de garantir o acesso ao direito por parte
dos usuários dos serviços de saúde. Contudo, “A burocratização ocorre quando
determinados procedimentos práticos são solidificados, formalizados e repetidos
mecanicamente”. (COELHO, 2008, p. 173).
134
Nessa perspectiva, ao serem questionadas sobre as estratégias utilizadas
para a defesa das competências e atribuições consoantes com o PEPSS,
apenas 25% (03) dos/as entrevistados/as se dispuseram a responder. Em uma
das falas, observamos a particularidade do NASF
As estratégias que a gente utiliza é buscando mostrar para as equipes das unidades que matriciamos, o papel do assistente social, trabalhando os processos de trabalho, mas não é fácil não. A gente encontra muita resistência por parte das equipes. Cada um quer fazer do seu jeito ou não acreditam nas possibilidades de transformação (ASSISTENTE SOCIAL 10).
Na fala acima, percebemos a tentativa dos/as profissionais, mesmo diante
das resistências por parte das equipes, de reafirmar o papel do/a Serviço Social
nas equipes, bem como sua contribuição a defesa do direito à saúde não se
restringindo ao fatalismo típico do conservadorismo presente na sociedade e na
profissão. Em outra fala, temos:
Eu faço o meu melhor, busco de todas as formas garantir o acesso do usuário aos direitos. Faço do jeito que dá porque esse sistema não ajuda só atrapalha. As dificuldades são imensas, mas tenho a convicção do meu projeto e do meu código de ética (ASSISTENTE SOCIAL 11).
É o compromisso com o projeto ético-político que deve nortear as ações
profissionais, até mesmo o “todas as formas” devem estar calçadas nos
princípios éticos e a luz do que das competências e atribuições de modo a não
desviar dos objetivos da profissão.
Os dados abordados denotam diversos impasses preocupantes para a
manutenção e defesa de um Serviço Social crítico, pois é o exercício profissional
no cotidiano das unidades e serviços de saúde que o legitimam, é a dimensão
técnico-operativa que condensa as demais dimensões e fazem transparecer o
“papel” do/a assistente social.
Na pesquisa não apareceu outras atividades que são inerentes a
profissão e que devem ser vistas de forma indissociável no exercício profissional
como a pesquisa, planejamento, mobilização social, participação e controle
social, consideradas importantes para a qualidade das respostas profissionais
as demandas da classe trabalhadora e a garantia dos direitos (CFESS, 2010).
135
Todas as questões aqui apontadas (particularidades da atenção básica,
demandas, concepção de saúde, projeto profissional, reforma sanitária) se
entrelaçam na busca de analisar as competências e atribuições profissionais na
atenção básica de saúde do município do Natal/RN a medida que
compreendemos ser basilar para as reflexões pensar o contexto no qual se
desenvolve e as questões concernentes.
136
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As configurações no âmbito do trabalho repercutem nas demais esferas
da vida social, apesar de alguns autores defenderem o fim do mundo do trabalho,
podemos perceber no decorrer do estudo e das análises, que o trabalho continua
ocupando o centro da organização da vida do homem, pois é a partir do lugar
que cada indivíduo ocupa na esfera produtiva que define o seu lugar na
sociedade e influencia no processo saúde-doença.
Assim, no primeiro capítulo que se refere a introdução, em que trouxemos
a estruturação da pesquisa, motivação do tema, relevância social e profissional,
bem como os sujeitos de pesquisa e o percurso da investigação, permitiu
esclarecer as causas de problematizar esse tema e não outro, os resultados
alcançados e as interligações dos assuntos aqui abordados.
Nessa perspectiva, no capítulo dois, no qual fizemos um apanhado acerca
do trabalho, Estado e as políticas sociais, podemos identificar aspectos sociais,
econômicos e políticos que estabelecem uma relação de complementariedade
entre si ao passo em que estão intimamente imbricados e que se expressam no
cotidiano das classes populares.
O início da sociedade capitalista marca as profundas mudanças sentidas
no âmbito do trabalho que atravessam as formas de organização baseadas nas
teorizações liberais, em que o Estado não deveria intervir no mercado, que em
tese se autorregulava e seguia fluxos naturais de evolução, caminhando para a
construção do bem-estar de todos/as.
Todavia, o modo de produção capitalista vai de encontro com suas
próprias limitações expressas pelas crises cíclicas inerentes aos processos por
ele engendrados. Representada na crise de 1929 o capitalismo procurou se
reinventar através do keynesianismo/fordismo que representou uma forte ação
estatal
Em 1970, novamente o capital entra em uma crise estrutural, sendo
obrigado a buscar formas de superar para se manter, alcançando, dessa vez,
níveis diferenciados de acumulação a partir do chamado modelo flexível e da
formatação do papel do Estado frente a prestação direta das políticas sociais e
137
a sua caracterização como um dos financiadores do capital através do
direcionamento do fundo público para o pagamento da dívida externa e
investimentos na iniciativa privada.
Nessa conjuntura de forte apoio neoliberal, as políticas sociais foram as
mais afetadas, pois é nítido a negação do seu caráter de direito e sua tendência
à mercantilização. A Seguridade Social se concentrou no campo de ataques das
medidas neoliberais e se distanciou ainda mais da concepção abrangente de
proteção social com uma previdência social direcionada a contribuintes diretos;
saúde pública precária e assistência social com ofertas mínimas de
sobrevivência.
A política de saúde é um exemplo desse aprimoramento da privatização
dos direitos sociais no qual vem sendo um grande nicho de exploração do
mercado a partir da ampliação da iniciativa privada de caráter “complementar”
no SUS e abertura do capital estrangeiro em inúmeros campos de atuação
dentro do sistema.
Nessa perspectiva, os ataques ao sistema público de saúde têm se dado
das mais diversas formas, seja através da privatização no âmbito da gestão do
SUS com as OSCIPs; OS; Fundações privadas ou por meio de propostas de
pacotes básicos de saúde as populações mais vulneráveis como forma de
minimizar os impactos da extinção de um sistema universal de saúde.
A atenção básica de saúde é o retrato mais nítido da negação do direito
universal à saúde e da integralidade da atenção, uma vez que tem sido destinada
as populações mais empobrecidas a partir da oferta de serviços “básicos”, de
baixo custo, como forma compensatória as famílias e indivíduos pauperizados
que não podem acessar a saúde através dos planos privados.
Em suma, essas questões abordadas no referido capitulo, nos permite
compreender as dinâmicas societárias a partir das relações econômicas, sociais
e políticas que repercutem no nível mais geral ao particular e que explicam as
situações cotidianas vivenciadas pelos/as profissionais nos serviços de saúde, o
que nos ajuda a analisar as raízes da Questão Social sem esvazia-las das
conexões históricas que possui.
É possível, a partir de então, compreender as causas da precarização do
SUS que sofre com a falta de medicamentos, longas filas de espera para
138
atendimento, sucateamento das unidades de saúde, manutenção de velhos
problemas que não atraem interesses em serem sanados por não estarem no rol
das atividades lucrativas, mas sim das políticas sociais e dos direitos.
É nesse terreno de contradições e embates de interesses de classe que
se insere o exercício profissional, pois o Serviço Social tem na política social o
seu principal campo de atuação. As mudanças ocorridas nessa área afetam
diretamente o fazer profissional do/a assistente social na medida em que se
insere em processos de trabalho pré-definidos pelos empregadores, que
historicamente tem o Estado como comprador majoritário dessa força de
trabalho especializada. Então, as condições em que se desdobram as políticas
sociais, são as mesmas em que se desenvolve o exercício profissional na
cotidianidade das condições ofertadas.
Nessa perspectiva, no capítulo três, problematizamos as reflexões
teóricas aliadas a realidade identificada através da pesquisa de campo. A
pesquisa de campo feita junto aos/as assistentes sociais de Natal/RN,
comprovou a fragilidade na qual se encontra o exercício profissional que sofre
com as dinâmicas macrossociais e microssociais da política de saúde no âmbito
do SUS. Demonstrando uma insuficiência de recursos materiais e humanos,
além de dificuldades na garantia do direito a saúde nos seus diversos níveis de
atenção, começando pela própria atenção básica em cumprir com seu papel de
ordenadora da rede com foco para prevenção e promoção em saúde.
Os/as profissionais denunciaram estar totalmente dependentes das
condições objetivas que lhe são ofertadas nas unidades de saúde para poderem
efetivar o direito a saúde dentro desses espaços, as dificuldades
correspondentes a negligencia do Estado com a política de saúde é apontada
por todos/as entrevistados/as como principal desafio para o fazer profissional.
De fato, as condições objetivas são muito importantes para o exercício
profissional crítico e conscientemente direcionado a defesa dos direitos da
classe trabalhadora, mas as condições por si não fazem esse papel sem que o/a
profissional esteja afinado com as proposições do projeto ético-político.
Diante disso, percebemos o distanciamento dos/as profissionais com o
projeto profissional e pouco ou nenhum domínio sobre suas próprias
139
competências e atribuições, desenvolvimento de atividades burocráticas,
justificadas pelos/as profissionais como meio de garantir o acesso ao direito.
Com isso, poucos/as profissionais relataram possuir estratégias para a
viabilização das competências e atribuições a medida que não se sentiam
realizando atividades que não fazem parte das competências e atribuições. Isso
é preocupante em um contexto que se espraia análises de teor conservador, que
se reimprimem discursos moralistas sobre a pobreza e seus desdobramentos.
Não obstante, os relatos da cotidianidade das profissionais não se
diferenciam, a grosso modo, das análises feitas por outros autores da política de
saúde no âmbito geral.
Destacado a importância da compreensão das mudanças na esfera do
trabalho e suas repercussões na vida dos trabalhadores e a condição do/a
assistente social como assalariado, avançamos na discussão do projeto ético-
político que é o eixo norteador do fazer profissional.
O Serviço Social possui um projeto profissional crítico, construído
coletivamente no seio da categoria a partir do final da década de 1960 com
diversas discussões e perspectivas e propostas de diferentes nuances e
adentrando os anos de 1980 com uma maturação voltada para a perspectiva
crítica da sociabilidade capitalista e a defesa dos direitos sociais da classe
trabalhadora.
Embora o projeto profissional seja hegemônico, ele não é único, ou seja,
não significa dizer que não existam outros dentro da categoria que se
contraponham a este, e na conjuntura da base neoliberal tem ressurgido projetos
neoconservadores de ajustamentos aos interesses do capital que ganham força
com discursos que apontam a inviabilidade do projeto ético-político crítico e
contrario ao capital.
Mesmo passados mais de 20 anos de sua conformação, o PEPSS
continua enfrentando resistências de alguns profissionais por não acreditarem
no seu conjunto de valores para o exercício do/a assistentes social e limitações
nas percepções dos profissionais acerca desse projeto. Nas entrevistas foi
possível identificar tanto a resistência por uma minoria dos entrevistados 02
(dois/duas) que acreditam ser essas proposições distantes de serem
140
concretizadas, e pouca clareza sobre o mesmo por parte da maioria dos sujeitos
de pesquisa.
Dois pontos foram observados: o primeiro remete a visualização do
projeto ético-político reduzido ao Código de Ética, como se as direções do PEP
fossem apenas nos valores e princípios éticos para o exercício da profissão e o
segundo ponto diz respeito as confusões sobre as competências e atribuições
vistas como se fossem sinônimas e principalmente dificuldade em discorrer
sobre as atribuições privativas no campo do fazer profissional interdisciplinar.
Para um fazer profissional comprometido com a qualidade dos serviços
prestados e a defesa dos direitos sociais, é importante o/a assistente social estar
ciente de todo projeto ético-político. Este não deve ser apenas uma abstração
da qual se sabe algo ou se viu durante a graduação, mas sim como o norteador
de todo o exercício desde a formação até a própria prática profissional no
cotidiano das instituições, vislumbrando o projeto no seu tripé: diretrizes
curriculares; lei de regulamentação da profissão e código de ética, sempre
atentando para os principais aspectos de cada um deles.
Quando pensamos a atenção básica em Natal, consideramos as
dificuldades gerais do SUS em todo o país, amplamente abordadas por diversos
autores críticos e de espaços de defesa de uma saúde pública e de qualidade.
Analisando a sua conformação em Natal, percebemos lacunas na prestação das
ações e serviços que deixam grandes contingentes de pessoas desassistidas
devido a um número insuficientes de unidades de saúde e equipes reduzidas
para atender as áreas de abrangência.
Em relação a atuação do Serviço Social na atenção básica do município,
há uma quantidade ínfima de assistentes sociais nesse nível de atenção o que
denota um privilegiamento do modelo de equipes mínimas na AB e a impede,
também, de operar em uma lógica integrada e interdisciplinar.
Os bairros mais periféricos em que se encontram as unidades de saúde,
são apontados por possuírem as maiores demandas para o Serviço Social e no
entanto não tem respostas em proporção paritária a suas necessidades. A
exemplo disso, podemos citar a região administrativa norte I que, atualmente,
conta apenas com uma assistente social em unidade básica de saúde e que
apresenta inúmeras demandas que acabam sendo suprimidas.
141
As demandas se diferenciam entre saúde mental, violência contra idosos,
crianças e mulheres, que de alguma forma chegam as unidades de saúde com
consequências passiveis de serem tratadas e/ou minimizadas a partir do
atendimento médico, mas que não podem ter suas causas resolvidas ao serem
limitadas a isso.
De fato, o Serviço Social tem compromisso com a defesa dos direitos
sociais da classe trabalhadora e atua no sentido de permitir o acesso desses
usuários as diversas políticas sociais. Entretanto, o projeto ético-político deixa
claro as direções para esse processo ao apontar as competências gerais que os
profissionais devem obter no percurso da formação e a partir das competências
e atribuições privativas aponta aquilo que é próprio do fazer profissional do/a
assistente social.
A viabilização do acesso dos usuários aos direitos sociais não deve ser
utilizada como justificativa para o Serviço Social absorver atividades que não lhe
competem, pois isso obscurece os objetivos reais da profissão e a faz se perder
dos seus propósitos para além do atendimento de demandas institucionais visto
que a profissão defende a mobilização para participação desses sujeitos na
formulação e monitoramento dessas políticas sociais.
As dificuldades e desafios são imensos. Partem de aspectos
macrossociais, institucionais e, também, do compromisso dos próprios
profissionais com a sua qualificação continuada e apropriação do projeto ético-
político para enfrentar as barreiras colocadas no exercício no cotidiano das
unidades de saúde. A alienação operada pelas rotinas nos espaços de atuação
não pode se sobressair a necessidade de aprimoramento teórico sobre os temas
importantes que abarcam o fazer profissional nesse nível de atenção e a busca
de estratégias para a superação das dificuldades, caso contrário estaremos
fadados a uma ação tarefeira e que apenas contribui para a manutenção do
status quo.
Sumariamente, de acordo com os objetivos propostos pela pesquisa em
seu trajeto inicial, os resultados nos mostram que a rede de atenção básica em
Natal tem suas lacunas e apesar de avanços com a implantação de serviços
como o NASF e os Consultórios na Rua, ainda tem muitos desafios a serem
142
enfrentados para a garantia do direito à saúde preconizado na CF de 1988 e na
lei 8.080/90.
Diante disso, o exercício profissional do/a assistente social, nesse âmbito,
tem vivenciado inúmeras barreiras que se expressam em seu cotidiano, as
condições de trabalho estão longe do ideal, tanto na questão dos insumos,
quantidade suficiente de profissionais, como na própria forma de contratação
que estão sendo submetidos os/as assistentes sociais que são extremamente
frágeis e de claras regressões de direitos para os trabalhadores.
Nesse contexto, as competências e atribuições profissionais tem se
distanciado das prerrogativas existentes no projeto ético-político do Serviço
Social a medida que se alastra as contratações precárias de assistentes sociais
(e fragiliza a luta e organização dos/as trabalhadores), além do conservadorismo
no trato da questão social e individualização das situações coletivas. De um
modo geral, nas USF e UBS, as profissionais têm feito atividades burocráticas,
em nome da viabilização do acesso dos usuários aos direitos, e se detido as
requisições das demandas institucionais, maior conformismo e pouca
participação em eventos e cursos de educação permanente.
Já nos Consultórios na Rua e NASF, essa atuação vem sendo um pouco
mais diferenciada, ainda se evidencia desvios de funções, mas percebemos
pequenos avanços que merecem ser destacados, pois realizam atividades mais
relacionadas com o projeto profissional, posicionamento crítico na análise da
realidade por parte dos/as profissionais entrevistados e compromisso com a
educação permanente.
Outra questão que merece ser salientada é o fato de que os/as
profissionais pesquisados/as não refletem sobre suas práticas, consoantes ou
não com o projeto ético-político, sentimos a dificuldades que possuem para falar
sobre as competências e atribuições desenvolvidas em seu cotidiano e que
assim, não conseguem identificar os desvios.
A pesquisa mostrou aspectos extremamente relevantes para estarmos
pensando enquanto categoria e chamou atenção para a fragilidade na formação
profissional dos/as assistentes sociais que concluem seus cursos de graduação
e entram no mercado de trabalho sem o necessário domínio acerca do projeto
143
ético-político e/ou que se distanciam das discussões da profissão por não se
engajarem em atividades de formação continuada.
Compreendemos as dificuldades e os inúmeros percalços para formação
continuada, mas esse é uma necessidade e compromisso ético do/a assistente
social para qualificar sua intervenção profissional. Também é importante
refletirmos sobre a finalidade das nossas ações com vistas a questionar a quem
interessa e a quem está beneficiando, se de fato, responde as demandas dos
trabalhadores, o qual nos colocamos na defesa de seus direitos.
Atualmente, vivenciamos tempos difíceis para a cidadania e garantia de
direitos, mas compreendemos que as transformações que almejamos só podem
ser possíveis através da luta coletiva da classe trabalhadora a qual pertencemos.
Assim, fortalecer os espaços de reivindicação junto as demais categorias
profissionais é uma das estratégias que devemos usar para a garantia dos
direitos sociais e melhores condições de trabalho.
144
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155
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
Apêndice A - Roteiro de entrevista para os (as) assistentes sociais Pesquisadora: Sheyla Priscila Souza de Oliveira
Mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
• Dados de caracterização dos sujeitos entrevistados
1. Idade
2. Sexo
3. Ano e instituição em que se formou
4. Possui alguma pós-graduação? Se sim, qual?
• Sobre as condições de trabalho:
5. Quanto tempo de trabalho você possui na área da saúde?
A) de 1 a 3 anos B) 3 a 5 anos C) Mais de 5 anos
6. Há quanto tempo você trabalha nesse serviço de saúde?
A) Menos de 1 ano B) 1 a 3 anos C) Mais de 5 anos
7. Qual seu tipo de vínculo empregatício? Se você possui mais de um
vínculo empregatício, onde? Carga horária?
8. Como são as condições de trabalho no serviço de saúde (salário, carga
horária, condições técnicas e éticas para o exercício profissional)?
156
9. Quantas assistentes sociais trabalham nesse serviço? Quantas seriam
necessário para dar conta da demanda para o Serviço Social?
10. Como se efetiva o trabalho em equipe?
11. Há incentivo para formação continuada? Que atividades de formação
continuada tem participado? Periodicidade?
12. Como você avalia a articulação da rede intersetorial para o atendimento
integral das necessidades dos usuários que procuram os serviços de
saúde de AB?
• Sobre o fazer profissional:
13. O que você compreende por saúde?
14. Como você relaciona a Reforma Sanitária com o Projeto Ético- Político
profissional?
15. Que atividades são desenvolvidas pelo SS na instituição?
16. Quais as principais demandas que chegam ao Serviço Social na
unidade/serviço?
17. Quais as principais dificuldades que você visualiza para a garantia do
direito à saúde nesse serviço?
18. Quais os principais desafios para o Serviço Social em viabilizar o acesso
aos direitos?
19. De que forma tem-se efetivado o trabalho de promoção, prevenção e
educação em saúde junto a comunidade?
20. Quais as particularidades do trabalho do assistente social na Atenção
Básica?
21. Em sua opinião, o que representa o projeto ético-político do Serviço
Social e qual sua importância para o exercício profissional?
22. Quais as competências desempenhadas pelos/as assistentes sociais
nessa unidade/serviço? E quais as atribuições privativas?
23. Como você visualiza (ou analisa) as competências e atribuições aqui
desenvolvidas?
157
24. Quais as dificuldades enfrentadas para a efetivação das competências e
atribuições profissionais dos/as assistentes sociais, conforme estão
definidas no projeto ético-político?
25. Quais as estratégias utilizadas para efetivação das competências e
atribuições?
158
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
Apêndice B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE
Esclarecimentos
Este é um convite para você participar da pesquisa: As Competências e
Atribuições Profissionais do/a Assistente Social na Atenção Básica de
Saúde no Município de Natal/RN e o Projeto Ético-Político Profissional que
tem como pesquisador (a) responsável a discente mestranda Sheyla Priscila
Souza de Oliveira sob orientação da profª Drª Edla Hoffmann.
Esta pesquisa pretende analisar como tem se desenvolvido o exercício
profissional do (a) assistente social na Atenção Básica da Política de Saúde no
município do Natal/RN, com vistas a contribuir para a discussão do fazer
profissional e a importância do projeto ético-político como elemento norteador e
indispensável para o Serviço Social.
O motivo que nos leva a fazer este estudo está relacionado ao
reconhecimento da importância do trabalho do assistente social na Atenção
Básica de Saúde pela contribuição que este profissional pode dar para a garantia
do direito a saúde nesse nível de atenção. Nesse sentido, o estudo visa
problematizar o exercício profissional norteado pelo projeto ético-político. Caso
você decida participar, você deverá responder a entrevista semiestruturada,
previamente agendada, com um roteiro de questões ligadas ao fazer profissional
na unidade/serviço no qual está lotada, havendo a gravação de toda entrevista,
caso você autorize.
A previsão de riscos é mínima, não há previsão de prejuízos a integridade
física, moral e social dos sujeitos ou ao patrimônio físico e/ou financeiro da
159
instituição. Pode acontecer um desconforto ao responder algumas questões,
entretanto todos os cuidados necessários serão tomados para minimizar isto. Na
abordagem para realização da coleta de dados buscaremos estabelecer
vínculos, interação, um ambiente de confiança e respeito, onde a pesquisadora
irá esclarecer os objetivos do estudo, a importância da pesquisa e da sua
participação na entrevista para a construção da dissertação, bem como os
cuidados éticos e a preservação da sua identidade em sigilo.
Você também terá a liberdade de se recusar a responder questões, caso
assim desejar, além de ter sua identidade preservada em sigilo.
O estudo tem como benefício a problematização da realidade vivenciada
pelos/as assistentes sociais na Atenção Básica de Saúde de Natal/RN
chamando a atenção para a necessidade de uma atuação baseada no projeto
ético-político.
Em caso de algum problema que você possa ter relacionado com a
pesquisa, você terá direito a assistência gratuita que será prestada pela
pesquisadora responsável Sheyla Priscila Souza de Oliveira, de modo a ser
indenizado caso solicite.
Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas
ligando para Sheyla Priscila Souza de Oliveira, e-mail:
sheyla_priscila@outlook.com, cel: (84) 98745-7527 e/ou orientadora Edla
Hoffmann, e-mail: edlahoff@gmail.com, cel: (84) 99672-7424.
Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento,
em qualquer fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você.
Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e poderão serem
divulgados no apenas em congressos ou publicações científicas, na dissertação
final de mestrado, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe
identificar.
Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa
pesquisa em local seguro e por um período de 5 anos.
Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será
assumido pelo pesquisador e reembolsado para você. Se você sofrer algum
dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você será indenizado.
Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê
160
de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes, telefone: 3342-
5003, E-mail: cep_huol@yahoo.com.br, Endereço: Av. Nilo Peçanha, 620 –
Petrópolis – CEP 59.012-300 Nata/RN.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra
com o pesquisador responsável Sheyla Priscila Souza de Oliveira.
Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como
os dados serão coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos,
desconfortos e benefícios que ela trará para mim e ter ficado ciente de todos os
meus direitos, concordo em participar da pesquisa As Competências e
Atribuições Profissionais do/a Assistente Social na Atenção Básica de
Saúde no Município de Natal/RN e o Projeto Ético-Político Profissional, e
autorizo a divulgação das informações por mim fornecidas em congressos e/ou
publicações científicas desde que nenhum dado possa me identificar.
Natal__________
_______________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Declaração do pesquisador responsável
Como pesquisador responsável pelo estudo As Competências e
Atribuições Profissionais do/a Assistente Social na Atenção Básica de
Saúde no Município de Natal/RN e o Projeto Ético-Político Profissional,
declaro que assumo a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os
procedimentos metodologicamente e direitos que foram esclarecidos e
assegurados ao participante desse estudo, assim como manter sigilo e
confidencialidade sobre a identidade do mesmo.
Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora
assumido estarei infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução
161
466/12 do Conselho Nacional de Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas
envolvendo o ser humano.
Natal_______
__________________________
Assinatura do pesquisador responsável
Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes,
telefone: 3342-5003, E-mail: cep_huol@yahoo.com.br, Endereço: Av. Nilo
Peçanha, 620 – Petrópolis – CEP 59.012-300 Nata/RN.
162
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
Apêndice C – Modelo de Quadro de análise
UNIDADE DE
REGISTRO
DISTRITO OESTE
CATEGORIAS
TEÓRICAS
FALAS
0%
163
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CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
Anexo A – Parecer CEP/HUOL
DADOS DO PROJETO DE PESQUISA
Título da Pesquisa: AS COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES PROFISSIONAIS DO ASSISTENTE SOCIAL NA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN E O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL
Pesquisador: Sheyla Priscila Souza de Oliveira
CAAE: 50623915.4.0000.5292
Instituição Proponente: Pós-Graduação em Serviço Social
Patrocinador Principal: Financiamento Próprio
DADOS DO PARECER
Número do Parecer: 1.350.004
Apresentação do Projeto:
O presente projeto tem como objeto de investigação o exercício profissional do
(a) assistente social na Atenção Básica de saúde do município do Natal/RN, por
compreender a importância da inserção desse profissional na Atenção Básica
com vistas à democratização do acesso e a efetivação do direito fundamental à
saúde. As mudanças engendradas pelo projeto neoliberal a partir dos anos de
1990, no Brasil, causaram sérias consequências para a classe trabalhadora no
que concerne a materialização dos direitos sociais, uma vez que o ideário
neoliberal preconiza a redefinição do papel do Estado no sentido de transformá-
lo em mínimo para o social e máximo para o econômico. Nesse sentido, o estudo
tem como. Tem por objetivo analisar como tem se desenvolvido o exercício
profissional do (a) assistente social na Atenção Básica da política de saúde no
164
município do Natal/RN, com vistas a contribuir para a discussão do fazer
profissional e a importância do projeto ético-político como elemento norteador e
indispensável para o Serviço Social.
Objetivo da Pesquisa:
GERAL: Analisar como tem se desenvolvido o exercício profissional do (a)
assistente social na atenção Básica da Política de Saúde no município do
Natal/RN, com vistas a contribuir para a discussão do fazer profissional e a
importância do projeto ético-político como elemento norteador e indispensável
para o Serviço Social.
ESPECÍFICOS:
-Identificar as condições de trabalho que circunscrevem o fazer profissional dos
(as) assistentes sociais na Atenção Básica de saúde no município de Natal/RN
com vistas a revelar as implicações para o exercício profissional;
-Analisar as competências e atribuições dos (as) assistentes sociais na atenção
básica com vistas a reconhecer possibilidades e dificuldades encontradas para
sua efetivação na direção do Projeto Ético-Político do Serviço Social;
-Caracterizar a rede de serviços de Atenção Básica do Município do Natal/RN a
fim de compreender o modelo de atenção básica proposto e executado pelo
SUS.
Avaliação dos Riscos e Benefícios:
A descrição dos riscos e benefícios está de acordo com a resolução n°466/2012.
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:
A pesquisa é relevante uma vez que visa analisar como tem se desenvolvido o
exercício profissional do (a) assistente social na Básica da Política de Saúde no
município do Natal/RN, com vistas a contribuir para a discussão do fazer
profissional e a importância do projeto ético-político como elemento norteador e
indispensável para o Serviço Social.
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:
O projeto de pesquisa está bem embasado e os termos de apresentação
obrigatória foram apresentados. O TCLE com riscos e benefícios expostos de
165
forma clara e linguagem coerente; Folha de rosto devidamente assinada pela
instituição proponente; carta de anuência da instituição assinada e carimbada.
Considerações Finais a critério do CEP:
1. Apresentar relatório parcial da pesquisa, semestralmente, a contar do início da mesma.
2. Apresentar relatório final da pesquisa até 30 dias após o término da mesma.
3. O CEP HUOL deverá ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos
relevantes que alterem o curso normal do estudo.
4. Quaisquer documentações encaminhadas ao CEP HUOL deverão conter
junto uma Carta de Encaminhamento, em que conste o objetivo e justificativa
do que esteja sendo apresentado.
5. Caso a pesquisa seja suspensa ou encerrada antes do previsto, o CEP
HUOL deverá ser comunicado, estando os motivos expressos no relatório final
a ser apresentado.
6. O TCLE deverá ser obtido em duas vias, uma ficará com o pesquisador e a
outra com o sujeito de pesquisa.
7. Em conformidade com a Carta Circular nº. 003/2011CONEP/CNS, faz-se
obrigatório a rubrica em todas as páginas do TCLE pelo sujeito de pesquisa
ou seu responsável e pelo pesquisador.
Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:
Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação
Informações Básicas
PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_P 21/10/2015 Aceito
do Projeto ROJETO_595332.pdf 23:29:45
Outros Carta_de_anuencia.pdf 21/10/2015 Sheyla Priscila Souza Aceito
23:11:35 de Oliveira
166
Outros Carta_pendencia.pdf 21/10/2015 Sheyla Priscila Souza Aceito
23:07:39 de Oliveira
Projeto Detalhado / Projeto.pdf 08/10/2015 Sheyla Priscila Souza Aceito
Brochura 23:46:47 de Oliveira
Investigador
Outros Carta_de_apresentacao.pdf 08/10/2015 Sheyla Priscila Souza Aceito
23:45:03 de Oliveira
Folha de Rosto Folha_de_rosto.pdf 08/10/2015 Sheyla Priscila Souza Aceito
23:37:50 de Oliveira
TCLE / Termos de TCLE.pdf 05/10/2015 Sheyla Priscila Souza Aceito
Assentimento / 17:21:01 de Oliveira
Justificativa de
Ausência
Outros Folha_de_identificacao.pdf 05/10/2015 Sheyla Priscila Souza Aceito
17:20:13 de Oliveira
Situação do Parecer:
Aprovado
Endereço: Avenida Nilo Peçanha, 620 - 3º subsolo
Bairro: Petrópolis CEP: 59.012-300
UF: RN Município: NATAL
Telefone: (84)3342-5003 Fax: (84)3202-3941 E-mail: cep_huol@yahoo.com.br
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