View
215
Download
1
Category
Preview:
Citation preview
10
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
LUIS GUILHERME DE MELO BRITO ROCHA
POLITICA CULTURAL OU MARKETING PESSOAL: O Mecenato de Estado no
Maranhão (1995-2002)
São Luís,
2009
11
LUIS GUILHERME DE MELO BRITO ROCHA
POLÍTICA CULTURAL OU MARKETING PESSOAL: O Mecenato de Estado no
Maranhão (1995-2002)
Monografia apresentada à Coordenação
do Curso de História da Universidade
Estadual do Maranhão – UEMA, como
requisito parcial para obtenção do grau
de Licenciatura em História.
Orientadora: Profª.Dra. Adriana Maria
Zierer de Sousa
São Luís
2009
12
JANNY MARCELLINE CARNEIRO CUNHA
Rocha,, Luis Guilherme de Melo Brito Política cultural ou marketing pessoal: o mecenato de estado no maranhão (1995-2002) / Luis Guilherme de Melo Brito Rocha São Luís - MA / . – São Luís, 2009.
..66f. Monografia (Graduação) – Curso de Historia, Universidade Estadual do Maranhão, 2008. Orientadora: Profa. Dra. Adriana Maria Zierer de Sousa
1.Política cultural 2. Mecenato 3.estratégias
CDU: 304.42 (812.1)
13
LUIS GUILHERME DE MELO BRITO ROCHA
POLÍTICA CULTURAL OU MARKETING PESSOAL: O Mecenato de Estado no
Maranhão (1995-2002)
Aprovada em: ___/___ /___
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Profª.Dra. Adriana Maria Zierer de Sousa (orientadora) Doutora em Historia Medieval
Universidade Federal Fluminese
_____________________________________________
1º Examinador
_____________________________________________
2º Examinador
14
Dedico este trabalho aqueles que sempre me deram ânimo, que sempre se importaram comigo, e que sempre estiveram ao meu lado nos momentos mais difíceis, em especial à minha mãe, à minha tia, Creusanir.
15
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pois sem ele nada seria possível.
Agradeço também a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a
execução deste trabalho, em especial:
À minha família por acreditar que tudo isso fosse possível.
Ao professor Fábio Monteiro, por sua orientação e atenção dedicada e que muito
contribuiu para elaboração e execução deste trabalho.
À Universidade Estadual do Maranhão pelas oportunidades concedidas.
A todos os mestres que compõem direta e indiretamente o curso de História, por
terem nos guiado ao longo desses quatro anos e pelo esforço em tornar o curso sempre melhor
À professora Milena Gaudez pelas significativas contribuições, durante a
elaboração deste trabalho.
A Elaine Aires, Doruézia, Luciana pela pronta atenção quando solicitadas a me
forncer materiais, contatos e sua companhia.
Aos colegas de turma, pela inesquecível experiência. Especialmente a Cleidmar
Avelar cuja amizade é sincera e certa.
Aos amigos próximos: em especial Charles e Janaina pelo incentivo e palavras de
apoio nas conversas
16
“Bem aventurado é aquele que suporta com perseverança a provação, porque depois de aprovado receberá a coroa da vida”.
Thiago 1:12
17
RESUMO
O Governo que se iniciou em 1995, no Maranhão, pôs em prática um plano de incentivo à
cultura do Estado, conquistando grande reconhecimento. Um olhar mais atento, no entanto,
revela a política cultural da gestão Roseana Sarney privilegiou setores determinados no
campo de ação do órgão responsável pela cultura e, para se aproximar destes setores, que não
por acaso foram os que renderam mais capitais simbólicos (BOURDIEU, 2005), utilizou
estratégias ou mecanismos que construíram simbolicamente a imagem de mecenas da cultura
maranhense. Em meio a euforia não houve espaço para questionamentos sobre qual é a cultura
maranhense a que tanto se referia a governadora e quais os critérios considerados para
delimitar esta mesma cultura.
Palavras-chave: política cultural, cultura maranhense, estratégias, capital simbólico
18
ABSTRACT
The government started in 1995, in Maranhão state, developed a plan to stimulate the local
culture, receiving large recognition. A more careful look, however, reveals that the cultural
policy of Roseana Sarney’s management privileged some of the áreas the Cultural Agency is
responsible for and, to approach those áreas, that not by chance were the ones that relieved
herself and her policy, she used strategies or mechanisms that built symbolically her image as
a patron of Maranhão’s culture. In the middle of the euphoria, there was no space to question
about what the so-called Maranhão’s culture is and which criteria were considered to define
that same culture.
Key-words: cultural policy, Maranhão’s culture, strategies, symbolic capital
19
LISTA DE SIGLAS
BID – BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO
BNB – BANCO DO NORDESTE DO BRASIL
CF – CONSTITUIÇÃO FEDERAL
FUNCMA – FUNDAÇÃO CULTURAL DO MARANHÃO
MINC – MINISTERIO DA CULTURA
PFL – PARTIDO DA FRENTE LIBERAL
ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
SECMA – SECRETARIA DE CULTURA DO MARANHÃO
PRODETUR – PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO
PRONAC – PROGRAMA NACIONAL DE APOIO À CULTURA
UNESCO – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA
E CULTURA
20
SUMARIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 10
2 CONSTRUÇÃO DE UMA MECENAS........................................................................... 14
2.1 Do patrimônio à riqueza cultural................................................................................... 14
2.2 Eleição para o governo do maranhão............................................................................. 16
2.3 Estratégias políticas para a cultura maranhense............................................................. 18
2.4 O poder midiático........................................................................................................... 31
3 POLÍTICA CULTURAL DO GOVERNO ROSEANA SARNEY.................................. 35
3.1 Política cultural x interesse ocasional............................................................................ 37
4 DINAMICA CULTURAL................................................................................................ 50
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 61
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 63
APENDICE.......................................................................................................................... 67
10
1 INTRODUÇÃO
O grande reconhecimento dado aos dois governos de Roseana Sarney e,
especificamente, a ela mesma em relação aos projetos executados no campo da cultura
maranhense mesmo depois de deixar tal cargo foi o que despertou o interesse no tema.
As razões para tamanho reconhecimento poderiam ser facilmente atribuídas à
valorização daquela cultura através do apoio do Estado, então sob o comando de Roseana, no
entanto, considerando que as diversas dimensões da realidade social constituem campos de
lutas em que o objeto de disputa são as propriedades atuantes – ou capital - nestes campos. A
prática do mecenato durante os dois mandatos em que comandou o Maranhão, foi
fundamental para que conquistasse reconhecimento e admiração que, no plano simbólico se
manifesta sob a forma de capital.
Não se entende aqui o mecenato apenas como é normalmente retratado: suporte
material a artistas ou intelectuais de modo que fiquem livres deste tipo de preocupação.
Entendemos o mecenato como um “investimento simbólico” (HAACKE; BOURDIEU, 1995,
p. 26) e quem o faz, o mecenas, visa um retorno dos recursos em forma de capital simbólico.
No entanto, a simples prática do mecenato, a nosso ver, não bastaria para fixar
suas ações no imaginário social a ponto de mesmo sem estar mais no governo, ser
considerada a grande responsável pelo “renascimento cultural” do Maranhão. Entendemos
que para tanto, Roseana Sarney recorreu a estratégias que visavam dar maior força aos seus
atos e acentuar sua imagem de mecenas.
Por estratégias, compreende-se a definição de BOURDIEU (1996), para quem são
atos pensados por indivíduos para garantir a reprodução social.
São a elas que creditamos a força do reconhecimento de Roseana Sarney;
estratégias externas, para produzir na sociedade a crença no renascimento e internas, ações
desenvolvidas no âmbito do órgão encarregado da pasta cultural, a SECMA (mais tarde,
FUNCMA), particularmente o remanejamento de recursos para eventos de maior atração de
público.
Neste contexto, mencionamos a outorga do título de Patrimônio Cultural da
Humanidade à cidade de São Luis, capital do Maranhão, processo que teve seu ponto
11
culminante com este ato de outorga em dezembro de 1997, portanto no final do primeiro
mandado de Roseana. Tal conquista foi objeto de intenso marketing pessoal, uma vez que:
Outro governador poderia se quisesse, ter candidatado São Luís para integrar-se a esse clube seleto da Unesco. E por que não o fez? Se o Projeto Reviver, excelente projeto que contou com o apoio e o entusiasmo do Presidente Sarney era suficiente para justificar o título por que nunca procuraram a Unesco com esse objetivo? Ora, foi preciso que eu chegasse ao governo e acreditasse nessa possibilidade e por ela brigasse durante quase dois anos para que se transformasse em realidade. (FREITAS, 2006 apud.O Estado do Maranhão, 19, dez 1997, p. 3).
É esta política cultural com fortes traços de marketing pessoal que pretendemos
analisar. As relações entre estado e cultura são longas, optando-se então como recorte espaço-
cronológico o Maranhão do final do século XX, precisamente os dois mandatos que Roseana
Sarney exerceu no Estado.
Este questionamento corrobora com o de Bourdieu (1996) sobre a existência de
um fato desinteressado. Para ele, questionar sobre a noção de interesse funciona como um
instrumento de ruptura com a visão encantada e mistificadora das condutas humanas. Tal
visão, no caso maranhense levanta dúvidas a respeitos dos atos em prol da cultura local
apenas pelo apreço nutrido pela governadora em relação às nossas manifestações culturais.
Pela proposta do trabalho, ressalta-se que este se embasa principalmente pela
História Política e a História Cultural; o termo principalmente se explica pela imbricação
entre os sub-campos em que se classifica a história, sendo portanto complicada a tarefa de
estudar apenas uma das áreas isoladas das demais.
A História Política aqui é compreendida no sentido dado por Francisco Falcon
O estudo do político vai compreender a partir daí não mais a política em seu sentido tradicional, mas em nível de representações sociais ou coletivas, os imaginários sociais, a memória ou memórias coletivas, as mentalidades, bem como as diversas práticas discursivas associadas ao poder. (FREITAS 2006 apud FALCON, 1997, p. 76).
A concepção tradicional negada por Falcon é a que advém da tradição positivista,
na qual predominava uma história de cunho político cujo foco eram grandes atos, estadistas
ou nações, deixando de lado as representações no jogo político.
12
Por outro lado, ao nos debruçarmos sobre a questão da cultura, não a entendemos
apenas como reflexo da infra-estrutura, como a corrente marxista (PESAVENTO, 2004)
Estas duas vertentes que chegaram ao auge no século XIX perderam força no
início do século seguinte, sendo criticadas duramente pela Escola do Annales, surgida na
França na década de 30. O impulso de renovação dos paradigmas que abriu caminho para a
História Cultural partiu dos Annales e da corrente neomarxista inglesa (PESAVENTO,
2004)).
Quanto às produções historiográficas relacionadas ao tema proposto, dado o
caráter recente, ainda são poucos os trabalhos que discutem a política cultural daquele
período.
Especificamente abordando o tema, encontramos uma tese de mestrado localizada
na Biblioteca de Pós Graduação da Universidade Federal do Maranhão, intitulada O Teatro do
Poder: política e cultura no Maranhão de autoria de Letícia Conceição Martins Cardoso.
A autora desenvolve seu estudo a partir da impressão, também mencionada aqui,
do predomínio dos assuntos relacionados ao Patrimônio Cultural no primeiro mandato,
deslocando-se para as manifestações da cultura popular, arrolando algumas das estratégias
presentes neste trabalho.
Se as produções são escassas, as fontes são vastas e espalhadas por diversos locais
de consulta. Destacamos os planos de governo alocados no arquivo público, os boletins das
Secretarias de Cultura e de Turismo e principalmente os jornais, em especial o Jornal O
Estado do Maranhão, disponível na Biblioteca Benedito Leite, jornal pertencente ao grupo de
comunicação Sistema Mirante que por sua vez é de propriedade da família da ex-governadora
do Maranhão.
O uso de dados da Secretaria de Turismo é motivado pela intenção de desenvolver
um pólo desta atividade no Estado com o intuito de trazer visitantes para conhecer as riquezas
culturais maranhenses, além de suas belezas naturais.
O Jornal o Estado do Maranhão, por seu turno, oferece um grande número de
inserções divulgando as realizações de sua proprietária, não apenas no campo cultural, como
nos demais. Atuando neste sentido foi peça fundamental para a eficácia das estratégias, pois
permitiu o alcance de um público maior do que a simples execução das mesmas poderia
conseguir.
13
Por fim, apresentamos um breve roteiro do trabalho, divido em três capítulos: o
capítulo 1, denominado “a construção de uma mecenas,” trata das estratégias externas, isto é,
aquelas voltadas para a fabricação da figura de apoiadora da cultura. O segundo apresenta
algumas medidas tomadas no âmbito da Secretaria/Fundação de Cultura para sustentar aquela
imagem, ou seja, estratégias internas. O último capítulo aborda a questão da dinâmica
cultural, considerando como inerente a ela os processos de reelaboração que tornam os
consumidores da cultura não somente receptores, mas parte ativa nesse processo.
14
2 CONSTRUÇÃO DE UMA MECENAS
2.1 Do patrimônio à riqueza cultural
Conservar um projeto de poder requer de seus fundadores a fabricação constante
de símbolos capazes de render o capital necessário para a legitimação e sustentação desse
projeto.
Empreende-se aqui uma análise de estratégias utilizadas pelo Governo do Estado
do Maranhão visando aproximar-se dos produtores culturais maranhenses, como forma de
acrescentar capital simbólico1 à ocupante do cargo e fortalecer aquilo que Maria de Fátima
Gonçalves (2005, p. 44) chama de projeto privado de exercício de poder político2.
É importante destacar que o termo cultura, bastante amplo, adquire neste capítulo
um significado restrito, englobando basicamente as manifestações folclóricas, os festejos
juninos, carnaval, festas religiosas (defino desta forma porque são estes os que aparecem com
maior freqüência nos relatórios de atividades) e o patrimônio cultural.
Estes elementos receberam atenção especial do governo Roseana, tendo o tema
patrimônio histórico predominado entre 1995-97, quando se levou adiante o projeto de
transformar a capital maranhense, São Luis, em Patrimônio da Humanidade, título concedido
pela UNESCO3.
1 Segundo Pierre Bourdieu “o campo social pode ser descrito como um espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição pode ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variáveis pertinentes: os agentes distribuem-se nele, na primeira dimensão, segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimensão, segundo a composição do seu capital (...)”. Dentre os diversos tipos de capital tratados por Bourdieu o “Capital simbólico, geralmente chamado de prestígio, reputação, fama, etc. é a forma percebida e reconhecida como legítima das diferentes espécies de capital” (Bourdieu, p. 135). 2 Projeto de Poder Privado exercido no Maranhão Dinástico. Ver GONÇALVES, 2005. 3 United Nations Educational Scientific and Cultural Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
15
Recebida a condecoração o governo aliou a nova realidade à riqueza cultural do
estado, priorizando então as manifestações da cultura popular (festejos juninos, religiosos,
carnaval e grupos folclóricos), mas sem deixar de lado o patrimônio, pois agora se tratava de
preservar o título.
O marco inicial do processo que culminou com o reconhecimento de São Luis é
26 de Março de 1996, quando Roseana envia um ofício solicitando ao órgão da ONU a
inclusão da mesma na lista de Patrimônios da Humanidade (FREITAS, 2006),
desconsiderando desde então, as obras de recuperação e preservação realizadas em gestões
anteriores.
O relatório do governador Nunes Freire (1975-1979) à Assembléia Legislativa
mostra uma preocupação semelhante com a preservação daquilo que já era Patrimônio
Nacional desde 1974 (FREITAS, 2006):
A área tombada da “Praia Grande,” em São Luis, representa um dos últimos tesouros coloniais intactos do Brasil, por isso mesmo de valor inestimável. Aliar a tendência histórica do maranhense à cultura artística e literária [...] à linha de ação e utilização do acervo cultural e histórico de que dispõe a cidade, constitui uma das diretrizes de governo da maior importância no setor cultural [...] (Mensagem à Assembléia Legislativa, 1976).
Buscava-se desta forma, diferenciar o atual governo dos que ocuparam o cargo
anteriormente, uma estratégia recorrente, não apenas no campo da cultura, mas de maneira
geral. O trabalho foi facilitado pelo fato de que um título concedido por uma instância
internacional (a maior neste campo em particular) ter um impacto simbólico bem maior sobre
o imaginário social do que quaisquer obras de preservação ou reconhecimento de um governo
local em relação ao valor daqueles bens culturais tombados como Patrimônio Cultural da
Humanidade em 1997 (no governo Roseana Sarney) e definido pela Secma como “a grande
conquista na área da cultura no ano de 1997” (Secma, 1997, p. 3). No ano de 1997 e em todos
os seguintes, esta conquista é sempre reatualizada, de acordo com os interesses, assim como
aqueles que estiveram à frente.
O título de Patrimônio Cultural da Humanidade e a euforia que o acompanhou
ocultam até mesmo o processo hegemônico de preservar e consagrar monumentos, obras e
construções que refletem o passado apenas da elite maranhense (FREITAS, 2006)
16
Acrescento que a aproximação entre as duas partes (o governo do Estado e a
cultura maranhense) foi feita de maneira prática, por meio das ações governamentais, e
também simbolicamente, com discursos e imagens à maneira de rituais.
Se por um lado a representante do Estado procurou se aproximar dos produtores
de cultura locais, do outro também havia interesses na relação que se criava. Para eles havia
uma oportunidade de alcançar cargos na máquina estatal e, principalmente, maior visibilidade
para suas produções, alargando seu mercado consumidor. Isto configura, portanto, uma
relação de troca entre os dois lados.
Esta relação, no entanto, não é iniciada com a chegada ao poder da candidata da
Frente Popular: na verdade, ao construir sua imagem de patrocinadora das artes, uma
mecenas, Roseana se esforçou para dar raízes profundas à sua ligação com a cultura; para isso
tinha a seu favor, por exemplo, o fato de seu pai, na presidência da República, ter criado uma
lei que levava o seu nome e cujo objetivo era canalizar recursos para projetos culturais no
país. Esta lei foi extinta com a chegada de Fernando Collor ao poder, mas sua sucessora, a Lei
Rouanet, guardou muito dos seus pressupostos (RUBIM, 2007). Seu pai ainda é dedicado a
atividades literárias e membro das Academias Brasileira e Maranhense de Letras4 e Roseana
tem como uma de suas grandes amigas a cantora nacionalmente reconhecida, Alcione Nazaré.
Em 1994, ainda candidata a governadora, Roseana Sarney desfila pela escola de
samba Flor do Samba, cujo enredo era uma homenagem ao pai, José Sarney.
Além destes “pontos a seu favor,” antes mesmo de se tornar governadora,
Roseana já aparecia em meio a festas e eventos populares, criando um “histórico” que
garantiria coerência nos discursos proferidos sobre o apreço dado às manifestações culturais
típicas do Maranhão, como o reggae:
Roseana Sarney saiu entusiasmada do Maiobão na noite de 5ª feira. Este ali para acompanhar o show da Tribo de Jah. Foi simplesmente ovacionada por mais de 10 mil pessoas. (O Estado do Maranhão, 20 ago. 1994. Caderno Política, p. 3).
É com este passado de boas relações com a cultura local que Roseana, após eleita
governadora do Estado, inicia sua política cultural.
4 Ocupa, respectivamente, as cadeiras 38 e 22 da Academia Brasileira e da Academia Maranhense de Letras.
17
2.2 Eleição para o governo do maranhão
Roseana Sarney é eleita em outubro de 1994, pela coligação Frente Popular -
comandada por seu partido o antigo PFL – ao governo do Maranhão após derrotar no segundo
turno das eleições do mesmo ano o candidato Epitácio Cafeteira Afonso Pereira5. Em 1998 ela
foi reeleita derrotando o mesmo adversário, desta vez ainda no 1º turno.
A inserção de Roseana no campo político, no entanto, acontece antes mesmo
destas duas eleições, quando ocupou diversos cargos em Brasília entre 1974 e 1989
(GONÇALVES, p. 79), convivendo proximamente com o poder central. Em 1990 desloca-se
para o Maranhão e se candidata a deputada federal pelo PFL, e em 1994 disputa e vence as
eleições para o governo do estado, que deixaria em 2002, antes do término do mandato, para
ser pré-candidata do seu partido às eleições presidenciais daquele ano e posteriormente, após
desistir ao cargo de presidente da república, ao de senadora.
Foi ao chegar ao cargo de governadora que Roseana Sarney pôs em marcha um
plano para a cultura maranhense. O resultado deste plano, entre os diversos termos utilizados
por ela, por admiradores e aliados políticos, foi a “valorização” ou o “renascimento” cultural
do estado, tendo a segunda expressão muita força simbólica, uma vez que sugere que algo ou
estava morto ou deixou de existir para que voltasse a nascer.
Apropriando-se de uma ideologia da decadência (ALMEIDA, 1983), os autores
do discurso do “renascimento,” constroem a idéia de um passado próximo como sendo de
miséria cultural e um passado mais longínquo de prosperidade nos campos cultural e
econômico.
No entanto, diferente do que aquela ideologia faz ao descrever o presente como
sinônimo de retrocesso, a intenção dos que utilizam o discurso no período atual é promover
uma ruptura do presente com o passado mais próximo e uma retomada do passado remoto,
para dar a noção de que de fato a cultura maranhense está voltando a ser como foi nos seus
melhores tempos e identificar a responsável na pessoa de Roseana Sarney, a governadora do
Maranhão, que comandava o processo que ela mesma definiu como “renascimento”
5 De acordo com dados do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão Roseana Sarney obteve 50, 61% dos votos válidos, contra 49, 39% de Epitácio Cafeteira nas eleições para governador do Estado de 1994. Quatro anos depois os dois candidatos novamente disputaram o posto de governador e desta vez Roseana venceu com 66% dos votos válidos.
18
[...] Se hoje é assim, antes não era. Foi em 1996, com o Lançamento do Projeto Viva que iniciamos esse renascimento. [...] A cultura popular se fortaleceu, rompeu fronteiras e está mais forte do que nunca. (O Estado do Maranhão, 13 jun 2004).
O referido plano fez parte de um projeto de desenvolvimento do turismo, que
incluía, além da cultura do estado, as suas paisagens naturais e o patrimônio histórico de São
Luis, materializado nos casarões coloniais portugueses na capital maranhense.
A ação governamental sobre a cultura foi feita de forma paralela às intervenções
em outras áreas e no campo cultural se estendeu ao patrimônio e aos artistas locais (músicos e
cantores, por exemplo). Na verdade, ela aparece em meio a uma diversidade de temas que, à
primeira vista, tinham como meta a modernização e o desenvolvimento econômico e social
maranhense. É neste sentido que notícias como a seguinte são publicadas quase diariamente:
[...] Com a enorme responsabilidade de preparar as bases do Estado para o próximo milênio, filha do ex-presidente da República e do Congresso Nacional, senador José Sarney – um dos mais importantes nomes do cenário político brasileiro -, Roseana Sarney, no governo itinerante trata tanto de questões triviais – falta d’água, energia, merenda escolar -, como de assuntos polêmicos [...] (O Estado do Maranhão, 25 maio 1997, Política, p. 3).
Desta forma, a governadora do Maranhão projetava uma imagem de uma
governante atenta às necessidades da população buscando provê-las por meio do seu
incansável trabalho. Michel Foucault se refere às formas de exercer o poder como a arte de
governar. A população será o objetivo maior do governo, que agirá sobre ela por meio de
campanhas. Nesse sentido, segundo ele “a população aparece como sujeito de necessidades,
de aspirações, mas também como objeto nas mãos do governo” (FOUCAULT, p. 289).
2.3 Estratégias políticas para a cultura maranhense
Utiliza-se aqui estratégia (BOURDIEU, 1996) para apontar os meios pelos quais o
governo exerceu o mecenato de Estado (HAACKE; BOURDIEU, 1995). Diferentemente do
mecenato privado, a fonte financiadora dos projetos culturais não são empresas ou
particulares, mas o Estado.
O boletim da Secretaria de Cultura do Maranhão de 1995 afirma que as ações do
governo neste setor foram realizadas “considerando ser de responsabilidade do Sistema
19
Estadual de Cultura o desenvolvimento de ações governamentais na área da cultura [...] Quer,
assim, a SECMA assumir em plenitude o seu papel de agente canalizador da distribuição mais
eqüitativa dessa renda cultural” (SECMA, 1995, p. 3)
A valorização da cultura popular maranhense está articulada à implantação de um
pólo turístico na região, projeto que já se encontrava no plano de governo, o Plano Plurianual,
da então candidata Roseana Sarney. Segundo este plano, a intenção era “transformar o
Maranhão num grande centro de atração turística através de recursos do Banco Mundial,
Banco Interamericano e da iniciativa privada” (O Estado do Maranhão, 22 ago. 1994.
Caderno Política, p. 3).
Vale mencionar que antes mesmo da chegada de Roseana ao poder já era possível
vislumbrar a vinda de recursos para este fim, por exemplo, com o programa do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento) para o Nordeste brasileiro. No entanto, a liberação de
recursos foi iniciada no mandato Roseana Sarney.
O grande projeto da Secma para 95 está na área de Patrimônio Histórico, com a expansão do Projeto Reviver até o Portinho e o início do projeto em Alcântara, via recursos do BID. O programa do BID para o Nordeste destinou recursos da ordem de 58 milhões para o Programa de Apoio ao Turismo (O Estado do Maranhão, 10 de janeiro de 1995. Caderno A, p. 15).
Também o Governo Federal, através de programas como o PRODETUR6 e a Lei
de Incentivo à Cultura7, visava fomentar o desenvolvimento de atividades ligadas ao turismo e
à cultura em regiões do país que julgava ter potencial nessas áreas. No Maranhão, os recursos
obtidos com tais programas foram intensamente divulgados:
Turismo terá R$ 28,8 milhões: Roseana e o presidente do BNB assinam contrato do PRODETUR para investir em São Luis e Alcântara. (O Estado do Maranhão, São Luis, p.1, 8 de jan. 1998).
6 Programa de Desenvolvimento do Turismo do Nordeste, programa de financiamento da expansão da atividade turística e melhoria da qualidade de vida dos habitantes da região, sendo o seu órgão executor o Banco do Nordeste, que atua com recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). 7 Lei de Incentivo à Cultura, também chamada de Lei Rouanet instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura, que garante recursos para o setor cultural. Para tanto a referida lei usa como mecanismos o Fundo Nacional de Cultura, Incentivos Fiscais (Projeto Mecenato) e Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart).
20
É interessante notar o caráter pessoal dado ao acordo: é Roseana quem assina o
documento. Enquanto o “presidente do BNB” aparece apenas como um cargo, sem rosto, o
governo maranhense é a pessoa de Roseana, para o jornal, conferindo personalidade ao ato,
como se quisesse destacar alguém em particular e não apenas o ato.
Na verdade, a participação de recursos provenientes de fora do Maranhão foi
importante para a construção da imagem de mecenas. O início daquele governo foi de
dificuldades financeiras no Maranhão, resultando em cortes no orçamento da Secma: segundo
o relatório de atividades da Secretaria o valor originariamente de R$ 12.377.368,00(doze
milhões, trezentos e setenta e sete mil, trezentos e sessenta e oito reais) foi reduzido a R$
3.669.017,89 (três milhões, seiscentos e sessenta e nova mil, dezessete reais e oitenta e nove
centavos) em 95, caiu para 16% de R$ 2.812.704 (dois milhões, oitocentos e doze mil,
setecentos e quatro reais) no ano seguinte, o que significa apenas R$ 451.114,95
(quatrocentos e cinqüenta e um mil, cento e quatorze reais e noventa e cinco centavos). (VER
APÊNDICE).
No entanto, já em 1996, destaca que foi possível realizar algumas atividades na
área, ressaltando “como grande mérito da Secretaria a alternativa criada com a assinatura de
cinco convênios com o Ministério da Cultura.” Ainda naquele ano, com o Projeto Mecenato,8
o governo pôde realizar eventos como o Festival da Canção Popular do Maranhão.
Esta se configura como uma das estratégias adotadas para a sua consagração como
mecenas: ela procurava impedir a concorrência que outros agentes pudessem representar,
atuando como intermediária na captação de recursos e aparecendo dessa forma como a única
provedora e incentivadora da cultura popular. Isto fica demonstrado nos acordos feitos com o
Governo Federal e com empresas privadas em que estes dois últimos destinavam recursos
para fomentar o Turismo e a Cultura no Maranhão
Afastar não implica exatamente esconder a participação ou colaboração de outras
entidades, pois os meios de comunicação também mencionavam a ajuda desses órgãos, mas
realçar o papel de desempenhado por Roseana na captação de recursos junto a eles.
Ao mesmo tempo em que diminuía a importância de patrocinadores perante a
opinião pública, era importante contar com o apoio de pessoas proeminentes no cenário
regional e nacional. Era importante contar com o reforço das palavras pronunciadas por
8 Projeto que incentiva a participação de empresas privadas ou públicas a projetos culturais por meio de abatimentos fiscais.
21
aquelas pessoas, que possuem peso e eficácia simbólica (GONÇALVES, 2005 apud MAUSS)
pela posição que ocupam.
Este tipo de estratégia é bastante semelhante a outra, que será analisada adiante.
No entanto, esta é baseada no discurso, naquilo que pessoas de grande reconhecimento
público dizem a respeito de Roseana e na sua atitude de promover a cultura popular
maranhense, enquanto que a outra se baseia na sua constante presença nos espaços de
apresentações culturais.
Este discurso só pode ser feito por pessoas autorizadas, pois estas detêm a
propriedade da “nomeação oficial, ato de imposição simbólica que tem a seu favor toda a
força do coletivo, do consenso, do senso comum, porque ela é operada por um mandatário do
Estado, detentor do monopólio da violência simbólica legítima” (BOURDIEU, 1992. p. 146).
As palavras do ministro da cultura na época, Francisco Weffort, ilustram bem esse aspecto:
O ministro da cultura, Francisco Weffort afirmou ontem que a performance da governadora Roseana Sarney tem sido “exemplar” [...]. “Eu acho que o Governo do Maranhão, na gestão de Roseana Sarney tem se dedicado com muita intensidade e com muita competência à atividade cultural” elogiou o ministro [...]. (O Estado do Maranhão, 28 jun 1997. p. 3, Caderno Política).
Para que o “renascimento” promovido pelo governo do Maranhão entre 1995 e
2002 fosse percebido e reconhecido pelos maranhenses era necessário que estes sentissem a
necessidade de preservação e valorização da cultura, caso contrário, as ações tomadas com
este objetivo não teriam o efeito esperado. É desta forma que os porta-vozes oficiais do
governo chamam a atenção para que a cultura local não seja posta de lado:
É preciso reacender na alma das cidades as chamas das tradições que, pouco a pouco, vão desaparecendo em face de novas aspirações.
Quando a humanidade tem novas oportunidades, criadas pelos avanços da técnica e da ciência, as tradições de cultura que representam os bens espirituais tendem a passar a um segundo plano [...] A cultura preservada e enriquecida torna mais forte a nação que criou [...] (O Estado do Maranhão. 14 mar 1995, p. 3).
O discurso acima objetiva ainda “preparar o caminho” e quebrar resistências
daqueles que se opõem a intervenção estatal no campo da cultura, aqueles geralmente
chamados de “puristas,” que desejam que a cultura se mantenha original, sem a interferência
22
de elementos estranhos a ela, como o mercado ou o Estado, considerando isto uma ameaça à
autonomia do campo.
A admiração e reconhecimento despertam o orgulho daquele que possui a coisa
admirada. Portanto, para que os maranhenses sentissem orgulho de sua própria cultura e com
isso enxergassem a necessidade de valorizá-la, ou ainda, de “fazê-la renascer,” mexer com o
sentimento e o orgulho da população local em relação à sua terra foi um dispositivo operado
exaustivamente. Uma das maneiras para produzir esse sentimento era mostrando o
deslumbramento dos que conheciam a cultura maranhense e o interesse daqueles que ainda
não tiveram a oportunidade:
O suíço Stephane Brasey esteve no Maranhão em 95, não conheceu o bumba-meu-boi, mas ficou fascinado ao ouvir as descrições sobre a brincadeira. Voltou um ano depois, conferiu a beleza dos festejos juninos e decidiu registrar tudo em vídeo. (O Estado do Maranhão, 7 jun 1997. Caderno A, p. 1).
Ou ainda:
O ministro da Cultura , Francisco Weffort – membro fundador do PT – combinou com a governadora Roseana Sarney sua primeira visita oficial ao estado (...).Durante audiência à Governadora, na tarde de segunda-feira, o ministro manifestou profunda admiração pela “tradição de cultura do Maranhão” e espera conhecer o Bumba-meu-boi maranhense (Jornal O estado do Maranhão, 21 de Junho de 1995, p. 17).
Para que o projeto de “renascimento” cultural maranhense produzisse os
resultados esperados, seus executores contaram com um aliado respeitável: a presença da
mídia. A televisão, as rádios e o jornal, como fazem ainda hoje, com freqüência apareciam
entrevistando turistas em visitação ao Estado, com destaque para a época de alta temporada,
quando o número deles aumenta significativamente.
O impacto que a imagem e a fala dos visitantes de outras regiões e até de fora do
país causava na população produzia a crença de que algo estava sendo feito, recaindo o mérito
sobre a então governadora, posto que nos governos anteriores aos seus estas imagens não
eram comuns, ou pelo menos a forte publicidade feita a partir delas.
Roseana Sarney procurou se diferenciar dos governos anteriores com a idéia de
que estes não dedicaram à cultura do estado a atenção que ela merecia:
23
A despeito das altas tradições culturais que distinguem o Maranhão desde o século passado, conferindo-lhe uma posição de singularidade da qual tanto nos orgulhamos, a história demonstra, com fatos concretos, que nem sempre houve sintonia dos governos maranhenses com os expoentes de sua inteligência. Tal constatação quase nos possibilita concluir que o florescimento da cultura maranhense e a continuidade do seu desenvolvimento, entre nós, tem sido resultado de vocação irrenunciável e também um exercício de tenaz resistência. Na história recente, poucos governadores manifestaram, na proporção em que seria justo, o apreço devido à cultura. E alguns deles houve que até foram indiferentes, quando não hostis. Auspiciosamente, a primeira mulher a governar um estado, no Brasil, está disposta a deixar assinalada sua passagem pelo Governo do Maranhão com atos e fatos que representem verdadeiro divisor de águas. E tudo leva a crer que o Governo Roseana Sarney tratará a cultura com o apreço que lhe é devido (...). Nascida numa família em que a vocação literária e o gosto pelas manifestações culturais são (sic) uma característica, a governadora Roseana Sarney dará, durante sua gestão, especial apoio à cultura maranhense, inclusive criando condições para que ela alcance, fora do nosso estado, a repercussão a que faz jus” (O Estado do Maranhão, 29 jan 1995. p.1, Caderno PH).
O texto acima, transcrito do Caderno PH, cujas iniciais de Pergentino Holanda
dão nome à coluna, congrega elementos que exaltam a cultura do Maranhão e prevê uma
descontinuidade entre o governo Roseana e seus antecessores com relação a este campo,
sendo o primeiro desses elementos a declaração de que o Estado possui uma “vocação
irrenunciável” para a cultura, discurso que parece baseado numa ideologia da singularidade
(LACROIX, 2000).
Desta forma, o estado, se não pode se orgulhar do seu desenvolvimento material
ou social, se destacaria em algo “nobre,” como as artes e a cultura, quase uma vocação. Esta
concepção data do século XIX e serve de fundamento para que os intelectuais maranhenses da
época construam os mitos que conferem a São Luis uma fundação francesa, portanto diferente
de outras capitais brasileiras, fundadas por portugueses e o apelido de Atenas Brasileira, por
ser ela uma terra de forte inclinação literária.
Segundo, o autor “engrandece” a terra por meio da valorização de sua rica cultura,
e faz uma espécie de retrospectiva a acerca do tratamento que a mesma cultura recebeu dos
governos anteriores ao que recém iniciava.
Para ele, os antecessores de Roseana Sarney não manifestaram o “apreço devido à
cultura,” o que dali em diante não mais ocorreria, já que de acordo com o colunista Roseana é
“nascida numa família em que a vocação literária e o gosto pelas manifestações culturais são
uma característica” e, portanto, seu governo representaria um “divisor de águas” para a
cultura maranhense.
24
Um terceiro elemento destacado é o gosto pelas manifestações da cultura, não
apenas pela mandatária, mas também por sua família, aspecto bastante explorado para
reforçar a imagem de trabalho desinteressado em favor da causa cultural do estado, ou, de
acordo com o relatório de atividades da Secretaria de Cultura do Maranhão (Secma) de 1997
“uma bandeira desfraldada em prol de um novo tempo.”
Ao colocar a questão como uma “bandeira desfraldada” o governo não deixa de
incluir a cultura na lista de temas que sofrerão a interferência estatal, dando a ela uma
dimensão política. Este argumento é sustentado ainda pela seguinte afirmação de José Sarney,
pai da então governadora:
Eu, hoje, sou o mais antigo parlamentar brasileiro. O único remanescente da Legislatura de 1955. Minha causa parlamentar tem sido a cultura. Há trinta anos apresentei o primeiro projeto de lei de incentivo à cultura. (O Estado do Maranhão. 19 dez 1997, p. 1).
Examinado o mecenato praticado pelo Estado brasileiro no final do século XX
sobre o carnaval, Silva afirma que “na tessitura da festa carnavalesca, encontramos a
intervenção do Estado que, com sua política cultural, consegue perceber que os espaços
festivos do carnaval não estão divorciados do contexto político9.”
Esta visão pode ser alargada para abranger outras manifestações, como as festas
juninas ou os festejos do Divino Espírito Santo, entre outros. Também elas não estão
divorciadas daquele contexto, servindo de espaço para sociabilidade política.
O slogan Um Novo Tempo, utilizado no período de campanha para as eleições de
1994 e durante o primeiro mandato Roseana Sarney, acompanhou as campanhas publicitárias
de divulgação das ações governamentais em diversos campos, objetivando, pela força
simbólica do adjetivo “novo” construir de fato um novo tempo aos olhos daqueles aos quais
as campanhas eram destinadas.
A associação com um “novo tempo” fortalece a idéia de que o Maranhão vive
realmente um período de progresso e desenvolvimento social e econômico, desenvolvimento
que perpassaria todas as dimensões da realidade maranhense, inclusive a cultura estadual, que
passaria por um momento “nunca visto antes,” um tempo realmente novo, que funcionaria
como vitrine das ações realizadas pela gestão roseanista.
9 SILVA, 2002, p. 147
25
O mesmo colunista, em outras ocasiões insiste com a idéia do gosto pela arte
como um dos atributos de Roseana:
Não só porque era o Dia Internacional da Mulher, mas também porque sempre prestigiou os eventos culturais da cidade, a governadora Roseana Sarney fez questão de marcar presença na abertura das exposições na última quarta-feira, no Palácio do Leões (O Estado do Maranhão, 11 mar. 1995. Caderno PH, p. 1).
Ele atua como um profissional da representação (BOURDIEU, 1998, p.151),
alguém que está a serviço das camadas dominantes construindo representações da visão de
mundo destes grupos para garantir a manutenção daquelas visões.
Entende-se por representação o “processo de construção mental da realidade,
produtor de coesão social e legitimidade a uma ordem instituída, por meio de idéias, imagens
e práticas dotadas de significados que os homens elaboram para si” (PESAVENTO, 2005, p.
24).
Os profissionais da representação de Bourdieu são, pois, os responsáveis por
construir essa realidade, de modo a legitimar a ordem estabelecida, garantindo a manutenção
da mesma em favor daqueles para quem trabalham.
Como próxima estratégia, destaca-se a presença constante da mandatária
maranhense em festas típicas da cultura local: “está sempre ao lado de um artista, de um
carnavalesco, de um cantador de toadas de bumba-meu-boi” (GONÇALVES, 2005, p. 258). A
relação de proximidade de Roseana Sarney, principalmente com o Bumba-meu-boi, rende até
mesmo o título de “boeira,” uma denominação dada àqueles que são seguidores deste tipo de
brincadeira, e que funciona como uma espécie de identidade entre eles. No caso da
governadora, esta identificação produz uma outra mais ampla com a cultura popular, já que a
referida manifestação é conhecida como a de maior apelo popular do estado.
Em São José de Ribamar, a governadora foi homenageada com toadas que levam o seu nome [...]
‘A governadora é uma boeira e tem ajudado muito a cultura popular do Maranhão’, justificou Garrafinha, um dos diretores do boi de Ribamar. (O Estado do Maranhão, 25 jun 1999. Caderno Cidade, p. 1)
26
Mas sua presença não é feita apenas pela presença física, mas também por que a
governadora de turno era constantemente lembrada pelos grupos que se apresentavam durante
as festas, entre uma e outra dança, recebendo elogios e homenagens por ter sido dela o
empenho para que a festa acontecesse, de modo que ela estava presente mesmo quando não
estava de fato.
O próximo dispositivo operado é a cooptação de indivíduos ligados de alguma
forma ao meio cultural. Luis Henrique de Nazaré Bulcão e José Pereira Godão - o primeiro é
poeta e escritor e o segundo, produtor cultural – ocuparam os cargos de presidente e assessor
da Funcma respectivamente, e o escritor Nauro Machado foi um dos assessores da Secma,
durante o primeiro quatriênio.
Esta estratégia deixa transparecer dois objetivos: criar a idéia de que os
intelectuais, artistas e produtores, por entenderem do assunto, seriam os melhores para
administrar as questões relacionadas a ele. Portanto, a cultura maranhense estaria em boas
mãos.
A segunda seria fortalecer a pretendida imagem de mecenas perante as
comunidades onde se originam os grupos folclóricos. Ocupando cargos no aparelho do
Estado, os líderes destas comunidades identificariam os privilégios recebidos por eles
próprios com benefícios em favor de todo o grupo ou comunidade.
De modo geral, como era de se esperar, esta aproximação foi bem recebida na
outra ponta da relação, pois:
[...] Mais raros são aqueles que estariam prontos a renunciar às gratificações narcísicas ou aos lucros simbólicos propostos (mesmo porque as recusas, que se manifestam apenas como ausências, são condenadas a passar despercebidas [...]. (HAACKE, BOURDIEU, 1995, p 44).
As gratificações narcísicas e simbólicas, às quais se pode acrescentar o retorno
financeiro, aparecem de forma sedutora, mesmo que signifiquem uma ameaça à autonomia
dos produtores (artistas, intelectuais e folclóricos).
Ameaça de censura do conteúdo das produções e dependência dos produtores de
recursos do mecenas são as duas formas de ameaça representadas pelo mecenato. No primeiro
caso ocorre que o patrocinador determina que temas devem ser tratados pelos produtores,
restringindo sua liberdade criativa e bloqueando qualquer possibilidade de crítica ao mecenas.
27
Já a dependência de fundos de fora para a consecução dos seus trabalhos fica
bastante clara no seguinte aspecto das políticas do governo Roseana:
O Estado Maranhense institucionaliza a cultura local, criando espaços chamados
Viva10 para que grupos e manifestações culturais pudessem apresentar seus trabalhos. O
primeiro dele foi o Viva Madre Deus, em 1997, que serviu de exemplo para a implantação de
outros Vivas em diversos bairros de São Luis, solicitados, em alguns casos, pela própria
população, que via neles uma forma de dar mais estrutura aos seus distritos.
O Programa Viva Madre Deus faz escola. Lançado pela governadora Roseana Sarney, o programa está sendo solicitado pelos moradores da Maioba e do distrito do Maracanã. (O Estado do Maranhão, 13 out 1997. Caderno Política, p. 3).
A implantação de uma estrutura física foi seguida pela própria instalação de
arraiais (no período junino) em alguns locais ou criação de outros eventos pelo governo,
criando um circuito de festas promovidas pelo Estado, que garantia as apresentações através
do cadastramento de grupos e do pagamento de cachê aos mesmos, estabelecendo aí uma
relação de dependência. O cadastramento exigia dos grupos que se tornassem organizações,
isto é, pessoas jurídicas, e era feito através de um questionário, que entre outros elementos
perguntava se o grupo possuía alguma ligação com o poder público ou privado. A exigência
de CNPJ é algo que permanece ainda hoje, como pôde ser constatado por este autor ao visitar
a sede da Secretaria de Cultura do Estado.
Ao cadastrar e pagar cachês o governo garantia para si o poder de definir os locais
onde se apresentariam as diversas brincadeiras, sendo natural que os eventos escolhidos
fossem aqueles que o próprio Estado promoveu, como uma forma de “abrilhantar” estes
eventos.
A situação descrita acima dificultava as negociações dos produtores culturais para
se apresentarem em eventos fora do circuito oficial e por melhor retribuição financeira, pois a
ajuda governamental estabelecia o valor por apresentação e o número de apresentações
realizadas. Desta forma, restava às companhias culturais aceitar a tutela estatal e a retribuição
pecuniária que ela significava ou resistir a ela e perder grande parte das “gratificações
narcísicas e lucros simbólicos” (HAACKE; BOURDIEU, 1995) que ela pudesse
proporcionar.
10 Praças padronizadas construídas pelo governo estadual para apresentações culturais
28
A gravação de vídeos sobre a vida de amos de boi, a edição e impressão de livros
pelo plano editorial, produção e gravação de CDs e vinis, exposição e divulgação de artistas
são algumas das “gratificações” que estimularam a adesão em massa de pessoas ligadas à
produção artístico-cultural, uma oportunidade de inserir suas produções e seus nomes no
mercado do setor.
Este mecanismo coloca as manifestações culturais dependentes do poder público,
mas revelam um interesse mútuo entre as partes. Tanto a governadora busca o capital
simbólico que os grupos produtores culturais podem render à sua figura quanto estes estão
interessados também na oportunidade de reconhecimento público, nos cargos no aparelho
estatal e no retorno financeiro que a aproximação com a chefe do executivo estadual
possibilita.
Ressalta-se que o apoio à cultura é algo já previsto pelo Estado brasileiro. A
constituição do país no seu artigo 215 diz que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício
dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais” (CF, art. 215).
Para a mesma direção aponta a lei que institui Pronac (Programa Nacional de
Apoio à Cultura) quando já no primeiro artigo deixa clara a sua finalidade: captar e canalizar
recursos para o setor visando, entre outros objetivos, “apoiar, valorizar e difundir o conjunto
das manifestações culturais e seus respectivos criadores,” presente no inciso III do referido
artigo. Esta lei foi inclusive bastante utilizada pelo governo maranhense como fonte de
recursos para execução de atividades.
O Estado brasileiro, portanto, já prevê o apoio, o incentivo e a valorização da
cultura do país, colocando em dúvida o caráter pioneiro de que se revestia o alardeado
renascimento cultural maranhense.
Ainda sobre a Constituição Federal, esta menciona a publicidade como um dos
princípios da administração pública no artigo 37 e no parágrafo primeiro do inciso XXII do
mesmo artigo diz que:
A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos (Constituição Federal, art. 37, inciso XXII).
29
A publicidade, portanto, e o apoio governamental a manifestações da cultura não
foram invenção daqueles oito anos de mandato, como fica claro pelas palavras acima, embora
uma das estratégias utilizadas para construir a imagem de mecenas de Roseana Sarney fosse
exatamente dar uma aparência de novo àquilo que ela realizava. Era como se fosse a primeira
a fazer isto ou aquilo, portanto, era diferente dos governantes anteriores, incapazes de fazer o
que ela fazia naquele presente.
Uma comparação com seus antecessores revela a pouca consistência de tais
discursos. Observando-se o relatório do governador Oswaldo da Costa Nunes Freire (1974-
1979) no último ano de poder, verifica-se trabalhos de aquisição de acervo e melhoria das
instalações da Biblioteca Benedito Leite, reformas no Teatro Arthur Azevedo, tratamento
adequado e acondicionamento à coleção de gravuras do mesmo Arthur Azevedo, realocação
do Arquivo Público, restauração de prédios históricos em São Luis, Caxias e Alcântara,
atividades editoriais e musicais e expansão da rádio oficial do governo – Rádio Timbira. No
ano de 1976 divulga ainda apoio a apresentações, danças e festas populares.
É clara a semelhança entre estas atividades e o Plano Plurianual de Roseana
Sarney ou mesmo com tudo aquilo que foi apresentado como resultado de suas ações. Isto não
significa uma mera repetição do que foi feito em outra gestão, mas que durante o seu mandato
ela não introduziu muitas novidades no setor cultural, nem mesmo o fato de desqualificar os
antecessores próximos.
Irracionalmente desativada [sessão infantil da Biblioteca Benedito Leite], coube à atual administração restaura-la condignamente num anexo [...] Neste governo foi possível assim, às crianças de São Luis dispor novamente de um instrumento útil de recreação (Mensagem à Assembléia Legislativa, 1979. p. 79)
O foco então se desloca para a pessoalidade das políticas adotadas pela então
governadora para a esfera cultural: tendo seu nome sempre associado a tudo que se referisse à
cultura, ela se tornava onipresente, presente fisicamente ou não, quando aquele era o tema
tratado, atuando dessa forma como uma mediadora da cultura maranhense (CORREA, 2001
apud VIANA).
Como mediadora da cultura, era através dela que os recursos fluíam para este
campo. Uma das formas de manter o controle estatal sobre foi o já referido cadastramento de
grupos, que oficialmente seria para mapear as brincadeiras e investir de forma mais produtiva
30
nas mesmas, mas que acabava sendo meio de aprisionamento: o Estado definia o valor do
cachê e os locais onde os grupos se apresentariam, que, não por acaso, incluía os eventos
promovidos pelo próprio Estado.
Atuando como mediadora entre os produtores culturais e os demais setores da
sociedade, recebia todo o mérito pelo “renascimento” da cultura maranhense por ser ela quem
aparecia como a responsável pelo financiamento que tornou possível a realização do
espetáculo.
Todas as estratégias aqui explicitadas convergem para o nome de Roseana.
Sarney, como uma maneira de render capital simbólico, mas elas se resumem apenas àquelas
que foram utilizadas para criar a impressão de que o Maranhão vivia um momento de grande
desenvolvimento cultural resultado da intervenção feita apenas pelo governo atual. A
aproximação de Roseana com aquilo que ela definiu como cultura maranhense pode ser vista
numa perspectiva mais ampla: estratégias também foram utilizadas nas dimensões sociais
(econômica, social, etc.), pois, como foi dito no início deste trabalho, ao construir a figura
política de Roseana Sarney houve a preocupação em dar-lhe uma imagem completa, sem
lacunas, estabelecendo uma clivagem entre a governadora e os demais políticos. Alguns
destes dispositivos são bastante semelhantes aos apresentados aqui. O governo itinerante, já
utilizado na gestão anterior e mantido durante o mandato de Roseana, por exemplo, que
consiste em transferir provisoriamente a sede do governo do estado para os municípios do
interior, guarda similaridade com a presença comum de Roseana nas festas e eventos
culturais. Ambos os casos trazem simbolicamente a de o conhecimento que o governo teria
dos problemas e necessidades dos grupos (sociais e culturais, no caso) pelo fato de estar
sempre próximo à população.
Ter sido deputada federal e governadora do Maranhão duas vezes rende a Roseana
Sarney capital político de peso considerável que pode ser posto em jogo em possíveis disputas
neste campo. Da mesma forma, a formação de socióloga rende capital cultural. No entanto,
“na luta pela imposição da visão legítima do mundo social [...] os agentes detêm um poder à
proporção do seu capital, quer dizer, em proporção ao reconhecimento que recebem de um
grupo” (BOURDIEU, 2005, p. 145). Esse reconhecimento se traduz no poder de um indivíduo
de falar em nome de um grupo, como seu porta-voz, de modo que tudo o que este porta-voz
pronuncia carrega consigo a força da coletividade por quem está falando o indivíduo.
É provável que a visão de mundo ou a percepção do mundo social que Roseana
deseja impor seja a de que ela deve estar à frente do estado, mantendo um domínio político
31
sobre ele. Para realizar este projeto ela demanda capital simbólico que dê densidade faça dela
alguém autorizada para construir a percepção de mundo do coletivo, neste caso, a população
maranhense. Para tanto, não bastava se tornar porta-voz apenas dos produtores culturais, mas
do maior número possível de grupos presentes nas diversas dimensões da realidade social.
As representações e símbolos utilizados no processo de construção da realidade
social naturalizam as distinções e diferenciações que existem nessa realidade, impedindo
então que elas possam ser contestadas e ameaçadas, e por extensão, aqueles a quem servem.
As estratégias aqui arroladas ganham uma nova perspectiva quando inseridas num
quadro que inclui outras estratégias em outras áreas, cujo objetivo maior é o de construir uma
representação acerca de uma governante e de seu projeto político apresentando-os como
sinônimo do novo, da modernidade e do progresso.
2.4 O poder midiático
Como já se disse, não se tratou de introduzir novidades em benefício da área
cultural, como atestam as coincidências entre as ações do o governo Roseana e as de um
governador que esteve à frente do executivo maranhense quase vinte anos antes. Uma
comparação mais recente também pode ser feita: o cortejo (GONÇALVES, 2005 apud
GEETZ, 1997), isto é, o deslocamento do poder para a praça, para o meio do povo, que ela
utilizou nos governos itinerantes ou com sua presença constante em festas e eventos -
culturais ou não - é algo comum na sociabilidade política. Funciona como uma espécie de
“relações públicas” do político diante da opinião pública.
Por ocasião da inauguração do Projeto Viva Madre Deus em Junho de 1997, por
exemplo, o então prefeito de São Luis, Jackson Lago tomou parte da solenidade presidida pela
governadora, não apenas elogiando o trabalho como também prometendo o apoio da
prefeitura à iniciativa.
Bastante natural também é o patrocínio, ao que quer que seja, e o recebimento, em
troca, de elogios públicos da parte do “patrocinado.”
Considera-se aqui, então, que Roseana Sarney deve o reconhecimento de que ela
“fez” pela cultural do Maranhão não apenas às estratégias apresentadas, mas também à forma
de espetáculo com que revestiu tais estratégias e ao papel amplificador constituído pelo
32
Sistema Mirante de Comunicação, que, como de mídia composto por televisão, rádios e
jornais, e que são controlados pela família de Roseana.
Os espaços de apresentações culturais eram convertidos em uma espécie de palco,
em que a governadora maranhense representava um papel, o de mecenas da cultura local.
Goffman (1985) fala que todo ser humano diante de outros está sempre representando um
personagem e que ele pede para que seus observadores acreditem naquilo que vêem. Para
tanto, aquele que encena uma personagem lança sinais que acentuam a sua atividade e
mobilize os expectadores para o que ele precisa transmitir.
Esta transformação dos eventos culturais em grandes teatros em que o poder se
apresenta e é reconhecido pela opinião pública teria seu alcance circunscrito à comunidade
onde se desenvolvessem tais eventos não fosse o fato desse poder em particular contar com o
suporte do Sistema Mirante de Comunicação, que cobre todo o Maranhão, através de
emissoras de televisão, rádios e jornais impressos.
Alain-Dominique Perrin, presidente da loja de artigos de luxo Maison Cartier, que
faz uso da prática do mecenato, deixa clara sua visão a respeito do papel exercido pela mídia
para a divulgação de tais ações em um relatório sobre o assunto enviado ao ministro da
Cultura francês no início dos anos 1990:
“a eficácia desta estratégia de comunicação não se limita a criar o acontecimento,
é preciso estar consciente: a mídia deve ser um parceiro. O mecenato é mediático... É uma
mídia que utiliza as outras mídias como suporte.” (HAACKE; BOURDIEU apud PERRIN,
1995. p. 37).
Perrin não é nenhum estudioso da comunicação, mas descreve muito bem o que a
mídia significa para os esforços daqueles que desejam promover uma imagem de “altruísmo”
(BOURDIEU, 1995).
Como ilustração do poder de alcance dos meios de comunicação tem-se uma
campanha de mídia e marketing em 1998 acerca dos festejos juninos. Esta campanha foi
realizada em São Luis e em outros 40 municípios do Maranhão, e envolveu, nas palavras da
Secma, “aproximadamente 1.000.000 de pessoas11,” o que significa um quinto da população
do estado.
11 Conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a estimativa da população maranhense em 1996 é 5.222.183 habitantes.
33
O quadro geral mostra um conjunto de estratégias pensadas e executadas pela
governadora e por seus porta-vozes. Estas estratégias não excluíam outros agentes, mas
apontavam para apenas um protagonista. Por isso, na companhia de um amo de boi12, este se
encarregava de atribuir a elas os méritos de apoiar a cultura. Era elogiada tanto por produtores
culturais quanto de autoridades, como o Ministro da Cultura.
Talvez o maior testemunho a favor da política cultural roseanista fosse o aumento
do números de pessoas que visitaram o Estado, interessadas em conhecer “o Segredo do
Brasil,” como foi chamado o Maranhão em uma das campanhas de divulgação feitas naquela
gestão.
Os números da Setur13 atestam esse crescimento entre os anos de 2000 e 2002:
foram mais de 520 mil pessoas em 2000, passando para 610 mil no ano seguinte e 715 mil no
último ano (SETUR, 2000-2006). Se seguirmos um pouco mais, ao final do mandato de seu
ex-aliado político, José Reinaldo Tavares, o número passou para 1.600.000 pessoas. .
Tudo isso não passou despercebido à população. Havia sempre o Sistema Mirante,
por meio de seu jornal, rádios e principalmente, televisão, prontos para fazer com que todos
vissem aquelas imagens, participando desta forma da fabricação (GEERTZ, 1989) da imagem
de mecenas da governadora.
No entanto, vale dizer que a quantidade de visitantes apresentada pela Setur
incluía também o turismo interno, isto é, os próprios maranhenses visitando outras regiões do
Estado.
Contando com diversos palcos para representar o papel de mecenas e ainda com a
intensa difusão dessas representações através da mídia, Roseana Sarney conseguiu o que
outros governadores não quiseram ou não puderam fazer: construir simbolicamente o
renascimento cultural maranhense e atribuir a ela mesma o papel principal nesse processo.
Diferentemente, os chefes de estado maranhenses que precederam o “Novo
Tempo,” pelo que fizeram em favor daquilo que é definido como a cultura do Estado, se não
representa o mesmo que foi feito por Roseana, demonstra, pelo menos, que não houve
indiferença ou hostilidade, como afirma o colunista Pergentino Holanda - do Jornal O Estado
do Maranhão -, à cultura maranhense.
12 Forma como é chamado o dono da brincadeira 13 Secretaria de Estado de Turismo
34
Pode-se considerar bem sucedido o trabalho de fabricação da imagem de mecenas.
Todo o esforço esse sentido transformou Roseana Sarney num referencial em políticas
culturais, diferente dos que a precederam e nada teriam feito e modelo para os que viriam a
ocupar seu cargo posteriormente.
35
3 POLÍTICA CULTURAL DO GOVERNO ROSEANA SARNEY
As estratégias descritas acima se destacam pelo seu caráter público, isto é, são
formas de projetar a imagem da governadora Roseana Sarney, de fazer crer de fato na sua
posição de mecenas. Para executar estas ações que sustentaram a suas performances públicas,
foram necessárias estratégias também no âmbito da Secma/Funcma, estratégias que
distorceram as políticas culturais, uma vez que seu horizonte não era o que se propõe uma
política do seu tipo: a democratização cultural. Um breve histórico da Secma a seguir.
No Brasil, as relações entre Estado e cultura são bem longas, mas a elaboração de
políticas voltadas para esta área começa apenas no século XX, nos anos 30 e, com maior
intensidade, no período pós-guerra. Além do caráter tardio, as políticas culturais no Brasil, na
esfera federal apresentam ainda uma face autoritária em grande parte de sua trajetória,
resultado, por exemplo, das intenções dos governos militares em instrumentalizar a cultura
para os seus planos de segurança nacional.
Os governos militares estimulam a criação de secretaria de cultura nos estados
(RUBIM, 2007). A intenção é que estas secretarias colaborem nas políticas governamentais
para a cultura.
A Secma (Secretaria de Cultura do Maranhão) é o órgão que atualmente se ocupa
dos assuntos ligados a este setor. Ela foi criada pela Lei 8.153 de 8 de Julho de 2004, portanto
posterior ao governo de Roseana Sarney. No entanto, a criação de um organismo encarregado
desta pasta não aconteceu apenas em 2004. Ela se dá no contexto das preocupações com a
cultura no plano nacional.
A primeira iniciativa nesse sentido ocorre no governo de Eugênio Barros, em
1953, que criou a Secretaria de Estado dos Negócios de Educação e Cultura que, segundo os
relatórios da Secma, era composta por três órgãos: a Biblioteca Pública, uma estação
transmissora e o Museu Histórico. Detalhe para a o nome da Secretaria indicando que a
educação e cultura estavam sob a mesma alçada. Atualmente as duas áreas se encontram
separadas, cada uma delas representada por uma pasta.
Desde este momento inicial, o órgão responsável pela cultura no estado do
Maranhão tem passado por diversas alterações e incluído outros entes, que se tornaram
36
subordinados a ele, resultado de leis, ao longo dos sucessivos governos, que reorganizaram
sua estrutura. Durante o governo Roseana, a então Secma, passa por uma mudança, sendo
transformada em Fundação Cultural do Maranhão (Funcma).
Entre 1994 e 1998, a Secma se encontrava a frente dos assuntos culturais. Possuía
cinco coordenadorias vinculadas a ela: Coordenadoria de Patrimônio Cultural, Coordenadoria
de Ação e Difusão Cultural, Coordenadoria de Memória e Documentação, Coordenadoria de
Museus e Coordenadoria de Municipalização da Cultura, todas, exceto a última controlando
casas encarregadas de executar as tarefas afetas à respectiva coordenadoria.
A Coordenadoria de Ação e Difusão Cultural, por exemplo, abrange o
Departamento de Projetos Especiais e o Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico do
Maranhão.
Embora subordinadas, cada uma das casas possui uma relativa autonomia,
segundo relatório da Funcma, que diz ainda que “são capazes de desenvolver atividades
independentes da situação organogramática proposta a nível (sic) de governo estadual.”
(1999, p. 3).
Através da Secma e suas coordenadorias e a partir de 1999, da Funcma, Roseana
Sarney colocou em prática sua política cultural nos oito anos em que ocupou o cargo de
governadora do estado. Referimos-nos aos projetos daquele governo como política cultural
por ter sido esta a forma pela qual tanto o órgão da cultura quanto a chefe do executivo
maranhense designaram os programas governamentais para a área.
[...] [o Censo Cultural do Maranhão] Trata-se de um trabalho de suma importância para se estabelecerem metas para uma política cultural mais efetiva e consentânea à realidade a ser atingida. A ação estatal só se torna efetiva quando se conhece o objeto a ser atingido. (SECMA).
Ou ainda, nas palavras de Roseana Sarney:
Antes de fazer um detalhado balanço de todas as obras e projetos que está executando na área cultural, a maioria em parceria com o Minc [Ministério da Cultura], a governadora lembrou que ‘foi em respeito à nossa história que, nos últimos dois anos, a política cultural do Maranhão tem privilegiado as áreas de patrimônio arquitetônico, as casas detentoras de acervos históricos e as manifestações de cunho popular’. (O Estado do Maranhão. 28 jun 1997, p. 3).
37
Um detalhe importante é a pessoalidade dada pelo autor do texto ao falar dos
“projetos que está executando na área cultural” referindo-se à governadora, traço bastante
comum nas matérias de divulgação das obras do governo, não apenas no campo da cultura.,
aspecto, como vimos, já trabalhado anteriormente e que se traduz em uma das estratégias de
que o governo lançou mão para fabricar sua imagem.
3.1 Política cultural x interesse ocasional
O motivo deste tópico deriva da prioridade recebida por alguns setores em
particular, caso do patrimônio arquitetônico, museus, arquivos e manifestações populares,
segundo as palavras da própria governadora na passagem anterior. Isto significa que se havia
um planejamento e projetos a serem seguidos não deveriam alguns setores ser sacrificados em
benefício de outros, a menos que a falta de recursos atingisse, como de fato ocorreu no
primeiro mandato, de forma global o Estado. E ainda, por ser aquele conjunto (patrimônio,
museus, arquivos e manifestações populares) o que foi chamado de cultura maranhense pelos
agentes envolvidos, cremos que o conceito de cultura aqui deve ser conformado por ele, uma
vez que permitirá a análise apenas do que o Estado se propôs a fazer. Deixa-se de lado,
portanto, a educação, assim como o faz o governo, que separa ambas em secretarias
diferentes.
Roseana Sarney apresentou um Plano Plurianual para os anos de 1996 a 1996,
contendo 374 páginas descrevendo os projetos executados durante o seu governo e as metas a
serem alcançadas em áreas como agricultura, indústria, segurança pública, saúde, entre
diversas outras, com estimativas de valores e o número de obras em cada área. À cultura,
coube um espaço de cinco páginas, envolvendo basicamente seis projetos mais amplos, nos
mesmos moldes dos demais (metas, valores, quantidade de objetos), que se desdobrariam em
outros, conformando a política cultural do estado para aqueles anos.
A então governadora já anunciava ter um plano antes de ser eleita, durante as
campanhas eleitorais de 1994, numa tentativa também de se diferenciar dos adversários,
explorando as faltas, as lacunas deixadas por estes ao afirmar que possuía um projeto de
intervenção estatal para cada campo da realidade maranhense (GONÇALVES, 2005).
O plano divulgado parece ter orientado as ações de Roseana em relação à cultura,
uma vez que as coordenadorias, que com a reforma administrativa e criação da Funcma em
38
1999 deram lugar a programas, foram nomeadas em acordo com cada um dos projetos
centrais do plano, exceto pelo primeiro deles, que se refere a um item em particular: a coleção
de gravuras de Arthur Azevedo.
Estas políticas ficaram seriamente comprometidas pelas restrições financeiras
vividas pelo estado nos anos iniciais daquele governo, tendo o orçamento para o setor
cultural, que já se mostrava insuficiente para as necessidades da Secretaria/Fundação e suas
casas vinculadas, sofreu cortes que impossibilitaram avanços nas programas da pasta da
cultura.
Foi o caso do Centro de Criatividade Odylo Costa Filho, que passou dois anos de
portas fechadas para o público, sofrendo reformas e quando em 1999 houve sua reabertura,
ela ocorreu de forma parcial, sem que toda a capacidade da casa pudesse ser utilizada, pois a
conclusão das obras demandava verbas maiores.
A escassez de recursos aparece com freqüência como sendo o motivo pela não
realização desta ou daquela atividade, tendo a Secma sempre a preocupação de apresentar tal
obstáculo como justificativa para o não cumprimento de determinado plano.
O dinheiro aplicado na área cultural variou bastante nos anos finais do século XX,
sofrendo cortes ou nem mesmo sendo liberado, por um lado, e por outro contando com
aportes de convênios. No entanto, a parte do governo Roseana Sarney na década de 2000
apresentou um aumento significativo no volume, chegando inclusive a superar o previsto para
o setor, em clara oposição ao que ocorria na esfera federal, que destacou no último ano de
governo Fernando Henrique Cardoso apenas 0,14% do orçamento para este fim (RUBIM,
2007). A variação e mesmo o crescimento das verbas para a área cultural não significou a
cobertura uniforme de todos os planos estabelecidos.
Para superar tais problemas, o governo procurou parcerias visando desenvolver
seus sua programação. Isto ocorreu em ambos os mandatos e entre as organizações que
colaboraram de alguma forma para a consecução da política cultural do Maranhão destaca-se
o Ministério da Cultura (MinC), SEBRAE, Comissão Maranhense de Folclore, Ministério da
Cultural Espanhol e outras entidades estrangeiras, empresas públicas e privadas. Como
parceiros, atuaram de diversas formas: injeção de verbas, realização de eventos, co-produções,
entre outras.
39
Por esta razão, o orçamento anual descrito pela Secma/Funcma em seus relatórios
está sujeito a alterações, devido aos recursos recebidos por meio das parcerias com empresas
privadas no Projeto Mecenato.
Utilizando alguns dados, podemos ilustrar bem estas informações: em 1995 o
orçamento final ficou em pouco mais de 3,5 milhões ou 31% do que foi inicialmente previsto.
No ano seguinte, esse montante foi de apenas 451 mil reais, equivalente a 16% da verba
inicial. Em 1999, apenas com os festejos juninos, foram gastos R$ 415.000 da parte do
Tesouro Estadual e mais de R$ 152.000 aportados pela companhia Telemar, através do
mecanismo de apoio à cultura do Governo Federal, a Lei de Incentivo à Cultura ou Lei
Rouanet.14.
A Lei de Incentivo à Cultura prevê a injeção de recursos em projetos culturais e
artísticos através da iniciativa privada, que, em troca receberia isenções fiscais. Este
mecanismo, de acordo com CALABRE, “se tornou um importante instrumento de marketing
cultural das empresas patrocinadoras.”
.BOURDIEU também observa este instrumento de promoção das empresas com
dinheiro público. Diz ele que:
O resultado extraordinário é que são sempre os cidadãos que, através das isenções de impostos, financiam a arte e a ciência e, além disso sofrem o efeito simbólico exercido sobre eles na medida em que este financiamento aparece como efeito da generosidade desinteressada das empresas. (HAACKE; BOURDIEU. 1995. P. 27).
A “generosidade desinteressada” aqui não é apenas da empresa Telemar, mas
também da governadora Roseana Sarney, considerada a condutora do processo e idealizadora
da política cultural em curso e, portanto, também portadora do marketing cultural a que se
refere CALABRE.
A questão financeira é um aspecto importante a ser lembrado, pois o crescimento
anual das verbas destinadas à política cultural do estado indica que mais áreas puderam ser
cobertas, já que a razão para terem sido deixadas de fora seria a falta de recursos.
Nota-se esta preocupação por parte da Secretaria, expressa em seus relatórios, em
que atribui a não realização de várias atividades programadas, principalmente nos dois 14 Criada em 1991, durante a presidência de Fernando Collor de Melo. O nome pelo qual também é conhecida se deve ao Ministro da Cultura que a criou: Rouanet. Não e direcionada a toda uma política cultural, mas apenas a projetos localizados.
40
primeiros anos de governo. A justificativa era acompanhada de lamentos pelo que não pôde
ser feito, esperança de que o ano seguinte fosse diferente e exaltação à boa vontade e
empenho dos funcionários da casa por fazerem o melhor possível diante das condições que se
apresentavam. Estas “faltas,” no entanto, só apareciam nos relatórios anuais. Publicamente, o
que aparecia eram os feitos de Roseana Sarney pela cultura do Maranhão. Os discursos que
exaltavam a governadora perante a opinião pública silenciavam a respeito das lacunas
deixadas.
O crescimento dos recursos para a área da cultura é graças, principalmente, à
transformação da Secma em Fundação Cultural em 7 de Maio de 1999, ato que deu
prerrogativas administrativa, orçamentária e financeira (FUNCMA, 1999) à instituição e
possibilitou ao governo investir maiores somas ou, nas palavras da Funcma, “os gastos
públicos na área da cultura voltaram a ser aplicados de modo mais incisivo.”
A Fundação afirma que seu orçamento é aprovado por duas instâncias: a
GEPLAN15 e a Assembléia Legislativa. No entanto, segundo o Jornal O Estado do Maranhão,
“a antiga estrutura cultural – antes vinculada à Gerência de Desenvolvimento Humano – virou
Fundação Cultural do Maranhão e ficará ligada diretamente ao Governo do Estado” (Jornal o
Estado do Maranhão, 6 jun 1999. Alternativo, p. 6).
Mesmo que esta “ligação direta” não garanta ao Governo do Estado ser o agente
definidor do orçamento anual da Fundação e este seja realmente aprovado pela GEPLAN e
Assembléia Legislativa, vale dizer que o marido de Roseana Sarney, Jorge Murad16 comanda
a referida gerência e, no poder legislativo, seus aliados políticos estavam em maioria
Naquele ano os recursos destinados à Fundação de Cultura ficaram aquém do
planejado, ficando em pouco menos de 50% do previsto, ou R$ 4.160.645,01 (FUNCMA,
1999), somando recursos do tesouro estadual e outras fontes, segundo a mesma instituição.
Não se prioriza aqui a descrição minuciosa de cada um dos planos, projetos e
atividades integrantes da política cultural do governo do Maranhão entre os anos de 1995 e
2002, mas discutir alguns dos elementos que julgamos importantes na execução daquela
política e na sua designação enquanto tal.
15 Gerência de Planejamento e Desenvolvimento Econômico. A reforma administrativa impulsionada por Roseana Sarney descentralizou as ações da sua gestão através de gerências e sub-gerências, segundo seu plano, para dinamizar aquelas ações e tornar mais próximo o contato entre o governo e a população. 16 “Sempre acompanhada dos gerentes de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Jorge Murad [...], Roseana foi recebida por centenas de brincantes de bois e moradores das comunidades visitadas”. (O Estado do Maranhão, 25 jun 1999. Cidades, p. 1)
41
Os cinco pilares da política cultural o governo são: Preservação do Patrimônio
Cultural do Maranhão, Implementação das Atividades da Coordenadoria do Patrimônio,
Interiorização da Ação Cultural, Dinamização da Coordenadoria de Museus e Dinamização da
Coordenadoria de Ação e Difusão Cultural. Além destes, temos ainda a já mencionada
Coleção de Gravuras de Arthur Azevedo, colocada num item à parte tendo ao lado as ações
voltadas para elas.
Tendo em vista as metas programadas, é necessário dizer que para exercerem suas
funções cada uma das casas precisava estar estruturada. Estrutura abrange tanto as instalações
físicas e os meios que propiciam o seu funcionamento quanto os recursos humanos.
É nesse sentido que a “Biblioteca Pública Benedito Leite, na abertura do ano
letivo de 1998, após longo trabalho de reforma, climatização, informatização e processamento
técnico do seu acervo, ficará à disposição do usuário melhores serviços e conforto” (SECMA,
1997).
Quanto ao material humano, este precisa estar bem preparado para dar o suporte
necessário às políticas culturais de determinado governo. Rubim alerta para isso, afirmando
que os oito anos de estabilidade vividos pelo Ministério da Cultura durante a presidência de
Fernando Henrique Cardoso “pouco colaborou para a consolidação institucional do
Ministério” (RUBIM, 2005). Isso aconteceu, segundo ele, pela ausência de concursos para
aumentar ou substituir o quadro de funcionários e de programas de qualificação para os
mesmos.
No Maranhão, a Secretaria/Fundação demonstra dar importância nesse sentido, e
por este motivo justifica os gastos com treinamento de pessoal:
Intensificamos a ação de reciclagem de pessoal e contabilizamos 70 funcionários que participaram dos cursos promovidos [...]
Urge cada vez mais que sejamos mais agressivos quanto à política de treinamento, haja vista que vivemos momento de implementação de novas tecnologias e novos métodos de trabalho que requerem mão-de-obra à altura para recepcioná-los [...]
[...] Corroboramos com a tese de que recursos apostados em treinamento e aperfeiçoamento não é gasto em si, mas investimento com rentabilidade certa.
Desta forma, as atividades-meio (SECMA/FUNCMA), aquelas que permitem as
atividades finais ou finalísticas (SECMA/FUNCMA), isto é, a programação em si, não
passaram ignoradas no projeto cultural do governo.
42
Com as bases recebendo investimento em estrutura e pessoal, é inegável que as
Coordenadorias e os seus sucessores, os Programas, por meio de suas casas executaram um
número muito grande e variado de atividades e eventos no campo artístico-cultural.
Foram palestras, workshops, cursos, apresentações (teatro, música, grupos
folclóricos, etc), gravação de CDs, edição de livros, aquisição de acervo, registro de bens
culturais, entre outras muitas ações promovidas. É preciso considerar, no entanto, a limitação
representada pela escassez de recursos, que impediu, em determinados momentos o
cumprimento desta ou aquela programação.
Dada a vastidão de áreas que sofreram intervenção estatal, pode-se pensar que a
política cultural do governo Roseana está de acordo com aquela caracterizada por Canclini:
Los estúdios recientes tienden a incluir bajo este concepto al conjuntos de intervenciones realizadas por el estado, las instituiciones civiles y los grupos comunitários organizados a fin de orientar el desarrollo simbólico, satisfacer las necessidades culturales de la poblacion y obtener consenso para um tipo de ordem o transformación social. Pero esta maneira de caracterizar el âmbito de las políticas culturales necesita ser ampliada teniendo em cuenta el carácter transnacional de los procesos simbólicos y materiales em la actualidad. (CANCLINI apud RUBIM. 2007. P. 13).
Rubim acrescenta ainda que aquelas intervenções conjuntas do Estado,
instituições civis e grupos comunitários pressupõem sistematização e metas.
De fato, as intervenções estatais do governo Roseana Sarney envolveram também
instituições civis, como a CMF – Comissão Maranhense de Folclore – e estabeleceu alguns
contatos com grupos de algumas comunidades, mas a palavra final sobre quais setores e de
que maneira eles sofreriam ações governamentais parece ter pertencido sempre ao Estado.
Até mesmo o caráter transnacional dos processos simbólicos pode ser visto na
política cultural daquela gestão, nas iniciativas para transformar São Luis Patrimônio Cultural
da Humanidade, as campanhas publicitárias visando incluir a cidade do circuito do turismo
cultural internacional, o apoio financeiro a grupos locais para apresentações no exterior e
realização de eventos que contaram com a participação de estrangeiros.
Retomando algo ressaltado anteriormente, maior atenção foi dada ao Patrimônio
Cultural e às festas populares, prioridade reconhecida nos discursos de Roseana e nos
relatórios do órgão encarregado da cultura no Estado.
43
[...] foi em respeito à nossa história que, nos últimos dois anos, a política cultural do Maranhão tem privilegiado as áreas de patrimônio arquitetônico, as casas detentoras de acervos históricos e as manifestações de cunho popular’. (O Estado do Maranhão. 28 jun 1997, p. 3).
Os números também comprovam o privilégio dedicado especialmente ao primeiro
e ao terceiro itens. O Programa de Difusão e Apoio à Produção Artística e Cultural teve como
orçamento programado em 2000 o valor de R$ 2.176.364,00 e como executado R$
7.428.442,89, ou seja, 341,32% mais. O Programa de Conservação da Memória Documental e
Bibliográfica, por sua vez, recebeu apenas 34% do valor inicialmente esperado.
O relatório da Funcma reforça ainda essa afirmação, que diz ser inegável a
prioridade ao Patrimônio Cultural e às manifestações da cultura popular. No entanto, isso não
quer dizer que as demais áreas foram de todo ignoradas. De um modo geral, todas as
Coordenadorias e posteriormente os Programas executaram algum tipo de atividade.
Por outro lado, o Programa de Municipalização da Cultura, antiga Coordenadoria
de Municipalização da Cultura, cujo objetivo era “promover ações de descentralização da
administração cultural do Estado” (FUNCMA, 1999), sofreu, durante os dois mandatos, com
a falta de investimentos para a consolidação dos núcleos regionais de cultura.
A carência foi inicialmente justificada pela situação financeira de todo o Estado,
que não permitiu a liberação de muitos recursos para o campo cultural. Na segunda metade
daquela gestão o grande responsável pelo realocação de verbas antes destinadas a este setor.
Nos oito anos de governo Roseana Sarney no Maranhão, apenas em 2001 houve o envio de
fundos para este programa, no valor de R$ 185,01 ou 0,10% do esperado para aquele ano. No
mesmo período, o Programa de Difusão e Apoio á Produção Artística e Cultural recebeu mais
de dez milhões de reais do que era inicialmente para ser R$ 2,5 milhões. Não se trata apenas
de que o dinheiro para uma área seja maior do que o destinado à outra, mas também:
[...] tivemos a necessidade de anular toda a dotação orçamentária desta atividade-fim com o objetivo de reforçar o Programa de Apoio à Produção Artística e Cultural como forma de garantir a execução dos festejos juninos no Maranhão. (FUNCMA, 2000)
Por que priorizar algumas áreas em detrimentos de outras?
44
Já dissemos aqui que a Secretaria/Fundação e a governadora do Estado
reconheceram esta diferença, e procuraram a seu modo explicar a maior aplicação de recursos
em determinados setores. No entanto, acreditamos que a razão para a situação descrita seja
outra:
Descentralizar as ações culturais por meio das Coordenadorias ou Programas
voltados especificamente para este fim significa dar maior destaque aos municípios no
desenvolvimento de uma política cultural que atinja todo o estado, e nesse sentido retirar parte
do protagonismo representado por Roseana.
Ao final daqueles oito anos de governo, as pretensões do Programa se limitavam a
produção de um censo cultural no Estado, bem modestas em relação às suas tarefas iniciais.
Não estar entre as prioridades governamentais diminuiu bastante a capacidade de atuação da
Coordenadoria, mas não a deixou em total ociosidade. Em seus relatórios ela menciona apoio
a apresentações culturais em municípios do interior, reuniões com membros dos núcleos
municipais da coordenadoria e início do censo cultural na capital e em municípios do litoral
do estado17.
Descentralizar, dar maior poder aos municípios para que executassem políticas
culturais mais próximas à sua realidade dispersaria o capital simbólico (BOURDIEU, 2005), e
este não teria apenas um pólo de acumulação, mas vários, pois é provável que os governos
municipais também utilizassem tais políticas como estratégia de marketing. Ocorreu então o
inverso, a centralização das atividades da Secretaria/Fundação de Cultura pelo governo do
estado, precisamente na pessoa que ocupava o cargo entre os anos de 1995 e 2002.
Este aspecto remete a um outro tema, o da autonomia (CANCLINI), (CHAUÍ,
1985), (MACHADO, 1984), (BOTELHO, 2007) das políticas culturais e dos produtores de
cultura, dependentes que ficam de ações paternalistas do Estado.
No caso destes, ela se manifestou de forma bem clara no cadastramento dos
grupos que quisessem receber cachês (criado durante aquele governo) da Secretaria/Fundação.
Para tanto, a contrapartida exigida era a de que se transformassem em pessoas jurídicas.
Evidente que o controle sobre os produtores culturais, seja por parte de empresas privadas seja
da parte do Estado, é uma ameaça à liberdade de conteúdo das próprias criações. A Lei de
Segurança Nacional, implantada pela ditadura, por exemplo, enxergava a cultura como um
17 Em 1995: “ajuda financeira a 150 grupos entidades e artistas populares, mapeamento cultural realizado pelo núcleo de Balsas e reuniões com produtores culturais, classe artística e autoridades municipais de Rosário, Imperatriz e Caxias” (SECMA, 1995).
45
instrumento para atingir seus objetivos de estimular o nacionalismo e o apoio ao regime,
censurando toda produção que representasse o contrário.
A falta de autonomia carrega consigo a ausência de políticas mais condizentes
com a realidade local dos diversos rincões maranhenses. Sua falta exclui ainda a participação
popular (que neste caso não se refere aos extratos sociais mais baixos, mas à população em
geral), uma vez que as diretrizes e orientações a serem seguidas emanam todas de um único
centro.
Aires faz uma interessante análise nesse sentido. Segundo ela “[...] o valor
simbólico de todo bem cultural é resultado de uma atribuição, mais que isso, de uma
apropriação do significado criado em torno dele por cada segmento social [...]” (FREITAS,
2006. p. 49), reforçando a necessidade de ouvir os diferentes grupos sociais na elaboração de
políticas que, ao final, deveriam atender a eles mesmos.
Botelho destaca ainda que a construção de uma política cultural não consiste
apenas em oferecer os mesmos produtos a toda a população, mas oferecer a oportunidade de
escolher quais os produtos se deseja consumir. Para tanto, é necessário se ofertar uma
produção variada para então se fazer a escolha de qual melhor atende às necessidades
culturais dos indivíduos. Esta seria uma forma de democratização cultural (BOTELHO,
2007), (CANCLINI, 2006).
É verdade que a então governadora, Roseana Sarney, não utilizou esta expressão.
O que se ouviu dela foram termos como valorização e “renascimento” da cultura ou cultura
popular maranhense, o que pareceu satisfazer a opinião pública. No entanto, considerando as
necessidades culturais humanas, Canclini, Botelho e Chauí destacam a importância deste
componente nas políticas voltadas para o setor.
Os problemas acima descritos não são os únicos acarretados pela forma
centralizada de condução das políticas da SECMA/FUNCMA. Ela acaba também
concentrando as ações em poucos locais.
Tomando como exemplo a cidade de São Luis, capital do Estado e onde fica a
sede das diversas secretarias e órgãos responsáveis pelas pastas de governo. No caso da
Secretaria/Fundação de Cultura, além da sede, ela abriga casas vinculadas, como museus,
biblioteca, arquivo público e outros. São Luis concentrava a maior parte dos eventos e dos
investimentos enquanto as demais regiões do Maranhão ficavam com uma parcela bem maior
de recursos e de visibilidade, embora o discurso oficial e seus porta-vozes buscassem uma
46
pretensa identidade, como se o que fosse bom aqui valesse também para o restante. É
interessante observar a transformação do particular em universal (CHAUÍ, 1985) em matéria
do Jornal o Estado do Maranhão ao destacar a importância da inclusão de São Luis na lista
das cidades Patrimônio da Humanidade:
Portanto o reconhecimento de São Luís como Patrimônio da Humanidade é uma vitória do passado e do presente de nosso povo, com uma responsabilidade imensa que cabe agora a todos nós. [...] Todo o Maranhão está de parabéns, engrandecido que também se acha com a proteção de sua capital [...] (O Estado do Maranhão, 4 dez 1997, p.1).
De maneira breve, pode-se dizer a participação de instituições civis e dos núcleos
regionais na política cultural do Estado foi muito reduzida e, ao contrário do que sugerem os
autores que trabalham com o tema, ela tendeu à centralização em torno de apenas uma pessoa:
a governadora Roseana Sarney. Por fim, a maior parte dos projetos ficou concentrada na
capital maranhense, embora, como já se disse, o Plano Plurianual apresentado pela ex-
pefelista incluísse o projeto de municipalização.
Por outro lado a Coordenadoria de Ação e Difusão Cultural esteve sempre às
voltas com os intensos trabalhos no sentido de promover a cultura maranhense. Os pesados
investimentos para este Programa demonstram esta assertiva, mas a ações nesse sentido dão
ainda mais força aos números. No ano de 1997 foi realizada uma campanha nacional de
divulgação dos festejos juninos do Estado. A campanha inclui a colocação de 95 outdoors nas
duas maiores cidades do Maranhão e em capitais de Estado vizinhos (Fortaleza, Belém,
Teresina, Palmas), anúncio de uma semana nas duas revistas de maior circulação no país
(Veja e Istoé), filme de 30 minutos levado ao ar pela maior emissora brasileira e “em horários
de reconhecida audiência” em Belém, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo e ainda a
confecção de cartazes em policromia total.
Os gastos governamentais neste Programa não se resumiam à publicidade. Eles
eram destinados também ao pagamento dos cachês e deslocamento de grupos, instalação de
banheiros públicos nos espaços festivos, aparelhagem de som e iluminação e montagem de
palco, além das atividades relativas as demais casas que compunham o Apoio e Difusão
Cultural.
O Programa de Apoio e Difusão Cultural, embora pareça, não se dedicava apenas
às festas Juninas ou ao Carnaval. O Teatro João do Vale, por exemplo, é parte do Programa, e
47
se mostrou bastante ativo em seus objetivos. No ano de 2002 realizou mais de 150
apresentações, palestras, festivais e shows, com públicos que alcançavam no máximo 400
pessoas (as dimensões do teatro impedem públicos grandiosos). Já a Festa de São Marçal 18
do mesmo ano, apoiada pelo Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, reuniu
100.000 pessoas, entre público e grupos, segundo a FUNCMA (2002).
É compreensível então que as festas populares, aquelas que atraem grande número
de pessoas, inclusive de fora do Estado e do país recebam a maior parte das atenções (e dos
recursos) das políticas culturais. Roseana parece querer acentuar a importância daquelas festas
para o Maranhão, quando num dos diversos batismos de boi19 em que foi madrinha20 afirma
que: “Essas brincadeiras estão levando o nome do nosso estado para todo o Brasil. O
Maranhão voltou a mostrar sua tradição e sua história, através da cultura popular” (O
Estado do Maranhão, 25 jun 1999, Cidades).
A corrente patrimonial (MACHADO, 1984) que se traduz na iniciativa de
preservar o patrimônio histórico-cultural e, no Maranhão, tem a Coordenadoria/Programa de
Patrimônio Arquitetônico, Paisagístico e Arqueológico como responsável, também, pela
visibilidade que proporciona, foi privilegiada pelas ações estatais. O Programa não chegou a
receber o volume de verbas aplicado na Ação e Difusão Cultural, mas são consideráveis os
recursos oriundos de convênios voltados para reforma e recuperação de prédios coloniais. Em
1998 conta com 8 convênios assinados entre Projeto Mecenato e Prodetur21. Em 2001, a verba
para este setor superou em mais de 270% o previsto. Detalhe para a fonte: o tesouro estadual.
Restauro de prédios históricos não era a única função deste programa. Citamos
também a confecção de maquetes de partes do centro histórico e os procedimentos necessários
para pleitear o título de Patrimônio Cultural da Humanidade.
O que mais saltava aos olhos era o restauro de prédios, igrejas e outros imóveis
históricos e, especialmente, a conquista do referido título. À questão acerca do resultado que
tal honra traria à cidade Roseana respondeu: “o primeiro efeito é a ampla exposição da cidade
18 Realizada no dia 30 de Junho, dia de São Marçal. Um dos três santos celebrados nas festas juninas, junto com São Pedro e São João. 19 Parte do ritual do bumba-meu-boi, em que o boi é levado para o batismo. 20 Como ilustração: “A governadora disse que a emoção de ser madrinha da velha guarda dos bois de São Luis [...] é muito grande. [...] ressalta ela que já foi madrinha dos bois Barrica e de Nina Rodrigues” (O Estado do Maranhão, 25 jun 1999, Cidades). 21 Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste financiado pelo Banco do Nordeste que utiliza para isso recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e do Governo Federal.
48
no mundo inteiro [...] Em seguida e de maneira inevitável virá o turismo cultural [...]” (Jornal
O Estado do Maranhão, 19 dez 1997, p. 3).
A esta exposição no mundo inteiro é que as festas populares e o patrimônio
arquitetônico de São Luis devem a grande atenção recebida pelas políticas culturais do
governo de Roseana Sarney, pois: “existe, na realidade, uma troca de bens, de bens
financeiros da parte do patrocinador e de bens simbólicos da parte do patrocinado”
(HAACKE; BOURDIEU. 1995, p. 28).
Troca de bens bem menor, ainda que não deixe de existir, do que a as obras de
reforma de um museu, um arquivo, aquisição ou catalogação de acervo, tarefas executadas
pelas Coordenadorias/Programas de Conservação da Memória Documental e Bibliográfica e
Dinamização das Atividades Museológicas.
Apesar da intensa atividade e da declaração de que os dois setores receberam
prioridade assim como os festejos e o patrimônio, os resultados, tidos como satisfatórios pelo
órgão da cultura, parecem acanhados quando comparados a uma noite de São Marçal.
Envolvem menos pessoal e recursos e menor público e ainda possuem espaço mais curto nos
meios de comunicação.
No jornal pertencente à sua família, por exemplo, ao mesmo tempo em que usa
quase metade de uma folha para falar da visita do ministro Francisco Werffort, traz de forma
secundária projetos das Diretorias de Memória e de Atividades Museológicas. Sua
repercussão não é a mesma da Ação e Difusão e do Patrimônio.
Além disto, os projetos executados aqui são normais, fazem parte da rotina das
instituições em que são desenvolvidos e, portanto, nesse sentido, não deveria ser anunciado
como mais uma clivagem entre o governo Roseana Sarney e os que o antecederam, ainda que
esta tenha sido uma estratégia importante para fabricar (GEERTZ, 1989) a imagem de
mecenas, não importando muito se houve tal diferença na realidade.
Embora buscasse uma diferenciação, pelo menos nestas áreas o plano plurianual
não parece tão distinto do que Nunes Freire em 1976 apresentava à Assembléia Legislativa do
Estado:
49
No setor de biblioteca, a FUNC22 foi de um desempenho assaz proveitoso. A Biblioteca Pública Benedito Leite teve seu acervo aumentado substancialmente em mais de 2000 volumes.
Nas dependências do MHAN23 foram efetuadas 12 exposições, com destaque para a de folclore, a de arte gaúcha, a de Arte infantil e de gravuras francesas.
Quanto ao Arquivo Público, o projeto de reformas do prédio adquirido para sua sede administrativa foi encaminhado ao IPHAN. A enorme massa de documentos acumulados no Arquivo Público determinou medidas emergenciais para o levantamento da documentação. (Mensagem à Assembléia Legislativa, 1976).
Pelas razões explicitadas acima, afirmamos que, se houve uma política cultural, ela
apresentou problemas como o apoio maior a alguns de seus pressupostos em detrimento de outros.
As áreas que receberam maior atenção, não por acaso, são as que rendem maior
exposição e reconhecimento, de modo que o pouco espaço dado ao que era inicialmente um dos
pilares daquela política passasse despercebido aos olhos da população em geral, deslumbrada que se
encontrava com “a riqueza e diversidade da nossa cultura,” acabando por identificar uma parte desta
cultura com ela toda.
Isto coloca em dúvida a existência de uma política cultural, com uma intervenção
planejada do Estado, que conta para isso com o apoio de organizações civis e da sociedade em geral,
visando alcançar determinadas metas.
O próprio planejamento e a racionalidade com que sempre procurou definir o seu
governo24 ficam em xeque, uma vez que, se havia planos, estes, sem serem completamente
abandonados, foram modificados em favor de projetos pessoais de acumulação de capital simbólico.
22 Na época o órgão responsável pela cultura no Maranhão era a FUNC, que não é mesma criada no governo Roseana. 23 Museu Histórico e Artístico Nacional. 24 “Planejamento. Esta será a palavra chave que norteará as ações do governo Roseana Sarney Murad”. (O Estado do Maranhão, 23 ago 1994. Política, p. 3)
50
4 DINAMICA CULTURAL
Da cultural brasileira já houve quem a julgasse ou a quisesse unitária, coesa, cabalmente definida por esta ou aquela qualidade mestra. E há também quem pretenda extrair dessa hipotética unidade a expressão de uma identidade nacional (BOSI, 1999, p. 7).
A política cultural das gestões de Roseana Sarney no Maranhão teve outras
implicações que não foram apenas o grande reconhecimento dado à governadora por suas
ações em benefício da cultura maranhense.
Analisamos tal política sob a perspectiva de estratégias cujo objetivo era
acumulação de capital simbólico por Roseana, com vistas a torná-la capaz de impor uma visão
de mundo que, cremos, perpetue a sua dominação política sobre o Estado.
Uma outra faceta da intervenção estatal é a alteração da dinâmica cultural
maranhense feita, ao que parece, de maneira consciente: ao estender o braço governamental
alegando a valorização das manifestações da cultura local Roseana o fez articulando essa
valorização à criação de um pólo turístico no Maranhão, o que significou introduzir uma
lógica de mercado no campo cultural, pois a partir de então pessoas ligadas a este tipo de
atividade o fariam de forma a atrair consumidores para seus produtos. Consumidores não
apenas de áreas próximas, mas de regiões diversas do Brasil e exterior.
Na verdade, está lógica de mercado, isto é, produzir para alcançar o maior número
possível de consumidores não foi introduzida pelo governo Roseana Sarney, como é possível
depreender da afirmação de Passos (2002, p. 32): “[...] a partir de 1985, com o surgimento do
Boizinho Barrica que, como se viu, vai dar início ao processo de espetacularização do boi ante
as massas que o vêem.”
Isso é resultado da própria lógica do capitalismo, que mercantiliza tudo aquilo que
considera ser capaz de gerar lucro, incluindo aqueles bens inseridos nos domínios da cultura.
Portanto, a penetração capitalista não foi iniciada no governo de Roseana Sarney,
mas, pelo menos, dez anos antes que ela assumisse o poder executivo maranhense.
Foi durante o governo Roseana, contudo que o processo foi acelerado. Ao levar
adiante um projeto de transformar o Estado um pólo turístico, fica mais evidente o
desenvolvimento dessa lógica, uma vez que passa-se então a divulgar as produções culturais
51
do Maranhão fora de suas fronteiras e a fabricar maior número de bens culturais, tendo como
contrapartida atrair um público e consequentemente consumidores cada vez mais numerosos,
Neste sentido, visando atingir mais pessoas, as todas do bumba-meu-boi, antes
cantadas durante as apresentações desta brincadeira passam agora a ser gravadas em CD’s
para que possam ser vendidas como cultura maranhense. A Secma/Funcma realizou variadas
atividades deste tipo, mas para efeito de ilustração, citamos apenas dois:
Gravação dos principais ritmos musicais maranhenses, [...] dessa gravação deverá originar-se um CD com a participação de músicos e compositores de outros países, que será lançado internacionalmente (SECMA, 1998, p 9)
Lançamento do Vídeo do Auto do Bumba-meu-boi da Fé em Deus, de Therezinha Jansen e relançamento do vídeo O divino de Alcântara, produzido por Murilo Santos (SECMA, 1998, p. 11).
É possível perceber, neste caso, a apropriação capitalista dos bens culturais, que se
faz por meio da indústria cultural. Segundo Chauí, a indústria cultural “se realiza pelos meios
de comunicação de massa – imprensa, rádio, televisão, propaganda, serviços editoriais, discos
e artes audiovisuais” (CHAUI, 1985, p. 9).
Santos (1996, p. 68) acrescenta que “a industria cultural, é ela mesma uma esfera
da atividade econômica, com inversões de capital, recrutamento de mão-de-obra
especializada, desenvolvimento de novas técnicas, produção de bens e serviços.” Portanto, ela
é uma atividade econômica que tem a cultura como seu produto.
A associação entre os dois lados, altera a dinâmica cultural, uma vez que ela
precisa se adaptar às exigências do mercado, sob pena de perder espaço para suas produções.
Tais mudanças atingem a forma de conceber os bens culturais e estes deixam de ser um
universo simbólico utilizado por seus criadores para exprimir sua relação com o mundo.
Como qualquer relação, esta desperta opiniões diferentes entre aqueles que
trabalham o tema. Existem aqueles que condenam a apropriação da cultura pela indústria
cultural, caso de Marilena Chauí. A filósofa, envolvida por uma ideologia de esquerda
entende que a finalidade daquela industria é “a conservação da ideologia dominante”
(CHAUÍ, 1985, p. 9)
Do outro lado estão os defensores da referida associação, argumentando que os
meios de comunicação de massa são “instrumento democrático por excelência, destruindo as
52
antigas barreiras de classe, tradição, gosto e dissolvendo todas as distinções culturais,
proporcionando, enfim, pelo menos alguma cultura a um contingente infinitamente superior às
culturas delimitadas” (PASSOS, 2002, p. 111).Os dois pontos de vista conduzem a questão
cultural para uma perspectiva de classe. Observemos ambos um pouco melhor.
Na opinião de Marilena Chauí, os meios de comunicação pertencem às mesmas
pessoas que controlam os meios de produção econômica, isto é, a burguesia. Neste sentido, os
meios de comunicação que conformam a indústria cultural teriam a função de manter o
controle dos proprietários sobre os não-proprietários, mascarando as diferenças sociais
existente, estimulando então a passividade.
Para os que apóiam a indústria cultural, a capacidade deste canal de alcançar
públicos vastos, oferecendo a todos os mesmos produtos, independente da classe a que
pertençam, é uma forma de democratização cultural.
Vale lembrar que democratização cultural é algo que deve ser mantido no
horizonte das políticas culturais de acordo com diversos autores apresentados aqui. Contudo,
a democratização que pleiteiam os mesmos é aquela que permita o acesso à participação e à
escolha dos bens que satisfazem as necessidades culturais dos indivíduos, o que não parece
ser o caso, pois, como dissemos, a indústria cultural trata públicos diversos da mesma forma,
acabando por homogeneizar as preferências.
De fato, este tipo de atividade pode servir como forma de transmitir uma ideologia
de classes dominantes, como diz Chauí, e também pode democratizar o acesso à cultura, por
permitir um contato que anteriormente seria quase impossível entre bens e consumidores.
No entanto, a visão da indústria cultural por uma perspectiva classista tende a
reforçar uma noção cristalizada de uma cultura para as classes dominantes e outra para as
classes dominadas. À primeira corresponde a cultura erudita e à segunda a cultura popular.
No caso maranhense, é constante a referência a essa dicotomia. Como exemplo,
tomemos a Escola de Música do Maranhão. O relatório da Secma do ano de 1998 declara que:
A Escola de Música tem como objetivo capacitar profissionais para o exercício do magistério musical e da carreira artística e ainda divulgar a música em seus aspectos erudito e popular (SECMA, 1998, p. 14).
53
Temos ainda a governadora Maranhense participando do ritual de batismo de
bois:
Essas brincadeiras estão levando o nome do nosso estado para todo o Brasil. O Maranhão voltou a mostrar sua tradição e sua história, através da cultura popular (O Estado do Maranhão, 25 jun 1999, p. 1).
Ao por em prática sua política cultural, Roseana Sarney, conduzindo este processo
de maneira centralizada, sem a participação popular (aqui significando toda a sociedade)
acabou por decidir ela mesma o que seria a cultura e o patrimônio histórico maranhenses,
silenciando sobre suas contradições e reforçando idéias como a oposição cultura erudita x
cultura popular.
Como resultado desta reafirmação, é natural chegar-se à conclusão de que os dois
tipos estão separados, como se pudessem viver isoladamente em compartimentos estanques,
uma indiferente à outra.
Esta visão, contudo não é compartilhada pela História Cultural que, beneficiando-
se de avanços no campo das ciências sociais, tem procurado relativizar os contornos que
estabelecem as fronteiras entre os dois tipos de cultura. Em “Clio e a grande virada da
História,” Pesavento confirma essa mudança de postura. De acordo com ela:
A Nova História Cultural, por sua vez, deixou para trás concepções de viés marxista, onde a cultura era entendida como mero reflexo da infra-estrutura, além de concepções que opunham a cultura erudita à popular, sendo esta última identificada com ideal de autenticidade (PESAVENTO, 2004, p. 15).
A autenticidade remete a algo verdadeiro, original. Considerando que a política
cultural tinha como objetivo o apoio à cultura maranhense, não significaria que as
manifestações não atendidas com tal política não fazem parte da desta lista?
Chegamos então a um contexto em que as palavras de Alfredo Bosi no início
deste texto ganham mais clareza. Como a cultura brasileira, a maranhense também parece
sofrer tentativas de delimitação, de definir um caráter único.
É bem verdade, que os discursos sempre destacaram a riqueza cultural do
Maranhão, mas não parece possível contemplar toda esta riqueza quando os comandos partem
de apenas um centro, desconsiderando os benefícios de uma participação mais ampla.
54
Tomemos a Festa do Divino Espírito Santo: em 1998 sessenta festejos deste tipo
receberam apoio do governo por meio de co-patrocínio, na capital e no interior do Estado.
Portanto, pelo incentivo estatal àquela manifestação, conclui-se que ela seja parte da cultura
maranhense.
Sobre esta mesma festa Amaral (1998) diz que:
A Festa do Divino Espírito Santo é uma das festas mais recorrentes em todos os
calendários turísticos e sobre festas que pude encontrar. Sua realização, contudo, parece
adquirir maior relevância em regiões de colonização mais recente, como é o caso do Centro-
Oeste brasileiro onde entre outras ela é a mais constante nos calendários das cidades.
(AMARAL, 1998).
Amaral destaca que pouca coisa se sabe a respeito da origem da festa no Brasil,
mas que chegou ao país com os primeiro colonos portugueses e com os missionários jesuítas.
Cita ainda que vários autores que afirmam a difusão da festa em todo o país antes de chegar
ao Centro-oeste brasileiro.
Como explicar que o Festejo do Divino Espírito Santo, uma festa maranhense
esteja difundido em diversas regiões do país? Já que assim, ela deixa de ser maranhense?
A história de Mennochio, em o Queijo e os Vermes oferece um modelo
explicativo que a nosso ver pode ser aplicado neste caso. Menocchio, um moleiro (ele exerceu
várias atividades, mas o autor, Carlos Ginzburg e refere a ele desta forma) que viveu numa
pequena vila na Itália do século XVI.
O moleiro, portador de um universo cultural que carregava elementos de uma
cultura oral camponesa, muitos desses elementos pré-cristãos foi capaz de assimilar
conhecimentos de uma cultura escrita, tida como erudita, e a partir do amálgama entre os dois
foi capaz de reelaborar uma concepção própria em questões de fé.
Concepção que rendeu a Menocchio problemas com o Santo Ofício da Inquisição,
tendo ele sido submetido a processo por heresia duas vezes. Na segunda, quando foi
condenado a morte, a explicação dos juízes para a sentença revela a dificuldade de enquadrar
os pensamentos de Menocchio em um a única “heresia.”
Carlos Ginzburg declara que:
55
Muitas vezes vimos aflorar [...] analogias surpreendentes que norteiam a cultura camponesa que tentamos reconstruir e a de setores mais avançados da cultura quinhentista. (GINZBURG, 1987, p. 61).
A esta afirmação segue outra, a de que não se trata apenas de uma difusão de
conhecimento de cima para baixo, pois isto significa assumir que as idéias são produzidas
apenas pelas classes dominantes. Contudo, não aceitar essa tese é reconhecer, de acordo com
Ginzburg, “as fecundas trocas subterrâneas, em ambas as direções, entre a alta cultura e a
cultura popular” (GINZBURG, 1987, p. 61).
Seria possível um processo semelhante aos Festejos do Divino Espírito Santo em
particular e de um modo geral á cultura maranhense? É nesta perspectiva que se propõe a
analisar a História Cultural.
À luz da circularidade cultural expressa por Ginzburg, pode-se buscar uma
compreensão melhor da Festa do Divino. Se as manifestações culturais são resultado de trocas
e da reelaboração dos novos elementos acrescidos ao universo simbólico dos indivíduos e da
coletividade, a referida festa não escapa a este processo.
Quer isto dizer embora presente em regiões longínquas e dispersas no Brasil e
apresentando certa “espinha dorsal” comum no desenvolvimento da festa, a apropriação que
se fez dela nos diferentes locais é que determina suas particularidades.
O mesmo esquema pode ser aplicado ao restante da cultura maranhense. Os
elementos assimilados durante o processo histórico do Estado foram diferentes, variando de
uma região para outra, o que permitiu, através de reelaborações constantes, a diversidade
cultural, por sua vez abrindo a oportunidade de que, por exemplo, os habitantes do sul do
Maranhão não se identifiquem com o bumba-meu-boi, tida como a maior das expressões
culturais maranhenses25.
Em A Colonização do Sul do Maranhão, Socorro Cabral, distingue duas correntes
principais de povoamento do território maranhense. A primeira, iniciada no século XVII,
litorânea, “oficial,” isto é, sob os auspícios da Coroa portuguesa e a outra, resultante da
expansão da atividade pecuária no Nordeste açucareiro, o que colocou as duas atividades em
lados opostos, dado que ambas necessitavam de grande quantidade de terras para se
25 Bumba-meu-boi “o folguedo de maior evidência que vem se perpetuando no tempo” (CORREA, 2001, p. 87 apud O Imparcial, 13 set 1953).
56
desenvolverem. As diferenças dos processos de colonização se refletiram em diferenças de
comportamentos entre os habitantes das duas regiões. Conforme Cabral:
Alguns hábitos e padrões de comportamento, presentes desde os primórdios da colonização, mantiveram-se até quase os dias atuais, imprimindo à vida social sertaneja traços bastante particulares (CABRAL, p. 174)
A noção de circularidade cultural e a de que o conhecimento é produzido em
todos os segmentos da sociedade vale inclusive para a visão de CHAUÍ de que a indústria
cultural funciona como um veículo de transmissão de ideologia das classes dominantes.
De fato, além de gerar lucros para os seus proprietários, esta parece ser a função
da indústria cultural, mas os canais de recepção são muitos, o mesmo acontecendo com os
universos simbólicos, o que significa que apesar destas intenções não se pode garantir que
elas tenham o efeito esperado.
É o caso de Menocchio que, embora mergulhado num ambiente em que a
ideologia religiosa dominante reforçava as desigualdades, deixava com freqüência aflorar sua
posição crítica em relação à exploração exercida inclusive pela própria igreja, que pregava
uma religião de amor e de igualdade entre as pessoas.
E me parece que na nossa lei, o papa, os cardeais, os padres são tão grandes e ricos, que tudo pertence à Igreja e aos padres. Eles arruínam os pobres. Se tem dois campos arrendados, esses são da Igreja, de tal bispo ou de tal cardeal. (GINZBURG, 1987, p. 51).
A as marcas impressas na dinâmica cultural maranhense através da intervenção do
Estado e da iniciativa privada podem ser pensadas desta forma.
Ao contrario do que pretendem alguns saudosistas, não é possível conservar as
características originais das expressões da cultura local porque esta se encontra em processo
ininterrupto de reelaboração. Um bom exemplo pode ser visto nesta manchete do Caderno A
do Jornal o Estado do Maranhão:
Tradição: a verdadeira raiz do bumba-meu-boi maranhense resiste em meio ao turbilhão de novos estilos que aparecem (O Estado do Maranhão, 29 jun 1997, p. 1).
57
Aspecto reforçado nas palavras de ARANTES (1995)
A produção empresarial da arte “popular” retira-lhe suas dimensões sociais
fundamentais. Alterando data, local de apresentação e a própria organização
do grupo artístico, ela transforma em produto, evento isolado, aquilo que tem
em seu contexto de ocorrência é o ponto culminante de um processo que
parte de um grupo social e a ele retorna. (ARANTES, 1995, p. 26).
Diante da nova realidade, como dissemos, produzida pela inserção do maranhense
no circuito internacional do turismo e as marcas deixadas, como dissemos, pela associação da
cultura com a lógica de mercado, torna imperativo para os agentes que trabalham com a
atividade se adaptarem às exigências e aos gostos dos consumidores de seus produtos.
É natural, portanto, que as manifestações culturais tenham passado por mudanças
significativas, a começar pela própria organização dos grupos que, como dissemos,
necessitavam se transformar em pessoas jurídicas para receberem o cachê pago pelo governo
estadual.
Por seu lado, o governo do Estado, por meio de sua Secretaria/Fundação de
Cultura fornecia estrutura de som e de luz além de palco à maneira de espetáculos, estranho
àquelas expressões há até algum tempo. Outra adaptação por que passaram manifestações da
cultura maranhense foi a alteração do calendário festivo, como o prolongamento dos festejos
juninos para o mês de julho, que reflete mesmo no sentido da realização daquelas festas e do
qual o Maranhão Vale Festejar é grande testemunho.
De forma breve, a associação daquilo que foi definido como cultural maranhense
com o capital, com a lógica de mercado alterou a própria maneira de fazer cultura, porque esta
precisa se adaptar às exigências deste mercado. No entanto, este ajustamento não se faz de
maneira passiva e embora esta relação altere sobremaneira o simbolismo das expressões
culturais, aqueles que recebem os efeitos de tais produtos assimilam e trabalham estes
elementos sem desconsiderar seu universo simbólico, mas de forma a criar novas concepções
que por sua vez são mais condizentes com a nova realidade surgida da penetração do capital
num determinado grupo social.
Esta circularidade cultural, que permite o contato entre culturas diversas e a troca
simbólica de elementos entre elas da origem ao que CANCLINI chama de culturas híbridas. O
58
conceito de culturas híbridas se aplica aos diálogos e trocas inter-culturais, que se tornaram
bem mais freqüentes na modernidade e que fazem cada vez mais difícil a tarefa de encontrar
uma cultura que se apresente de maneira pura, sem interferência de elementos alheios a ela.
Se a circulação de idéias de idéias é algo inevitável, e se esse movimento não é
feito em um único sentido, há que se considerar como algo natural a dinâmica cultural
maranhense neste século XXI, aspecto que não é exclusivo da realidade do estado.
Com estas observações, relativizamos o maniqueísmo existente ainda hoje entre
cultura erudita e cultura popular e também a difusão de ideologias das camadas dominantes da
população sobre os que estão dominados, mas isto não significa que na prática a divisão não
exista e tampouco que as ideologias transmitidas vindas de cima não sejam eficazes.
É visível, em referência à primeira situação, na estrutura da Secma/Funcma, casas
voltadas especificamente para a cultura popular como Centro de Cultura Popular Domingos
Vieira Filho.
No segundo caso, a propagação de ideologias, CHAUÍ (1985, p. 14) fala de duas
maneiras utilizadas pelo Estado para controlar a cultura: uma é a censura (que não é o caso) e
a outra apoderar-se dela e transforma-la “em grandes espetáculos públicos oferecidos ‘por
favor’ ao restante da sociedade.”
A sua fala indica apenas o poder público, mas a tentativa de controle da cultura
parte também da iniciativa privada, por meio do mecenato ou da indústria cultural. Em ambas
as correntes o controle consiste em diluir o conteúdo porventura contestatório que as
expressões culturais possam carregar, de forma que ele perca aquele caráter e não represente
ameaça aos interesses em jogo.
A cultura, que conforme PESAVENTO (2004, p. 15), entre outras maneiras, pode
ser pensada como “um conjunto de significados partilhados pelos homens para explicar o
mundo” é, pois, objeto do interesse dos grupos que compões as sociedades, sendo inclusive
possível orientá-la politicamente, como afirma WEBER (1983), no sentido de luta por
determinada causa.
Se existe uma disputa pelo controle da cultura por parte dos grupos e indivíduos é
porque tal controle representa de algum tipo de poder para os seus detentores, e que é
apropriadamente explicado por BOURDIEU (2005, p. 10):
59
Os sistemas simbólicos são instrumentos por excelência da ‘integração social’: enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação [...] eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social [...].
É este o poder em disputa nas batalhas travadas para exercer o controle sobre o
universo simbólico que constitui o campo cultural. Para alcançar este objetivo, os agentes em
luta neste campo necessitam de capital simbólico em quantidade superior à de seus
concorrentes, o que parece ser o resultado da fabricação da imagem de Roseana Sarney,
fundada no grande suporte dado por ela à cultura maranhense.
Não se pode negar os benefícios que a intenção de trazer para o Estado uma
industria do turismo baseada na efervescência cultural e nas paisagens naturais maranhenses
proporcionaria. Esta era a justificava lançada pelo governo: com o desenvolvimento daquela
indústria gerar empregos e renda para esta unidade da federação.
Sem dúvida que a inserção da cultura maranhense na lógica do capital e a ampla
publicidade visando atrair consumidores para os novos produtos que se encontravam expostos
no mercado de bens culturais possibilitaram, senão um boom, pelo menos que frações do
dinheiro que circula neste setor tivessem como destino o Maranhão.
No entanto, ao mesmo tempo em que se percebe a dinâmica cultural sendo
alterada pela penetração do capital e pela interferência estatal, que ocorreu de forma mais
acelerada naquela gestão, nota-se também estratégias baseadas em discursos e imagens com o
objetivo de atribuir os benefícios trazidos pelo crescimento do fluxo de visitantes interessados
em conhecer e consumir a riqueza cultural maranhense à governadora Roseana Sarney.
Uma pretensão que parece ter sido bem sucedida, dado o reconhecimento que a
atual senadora da república pelo Maranhão recebe quando o assunto tratado é cultura local.
Após deixar o governo do Maranhão em 2002, os investimentos no jogo político
feitos por Roseana carregam marcas daquele reconhecimento; não é nada incomum a
invocação dos seus feitos pela cultura estadual como forma de catalisar o apoio popular
(novamente no sentido de sociedade em geral) para os seus empreendimentos políticos, casos
da candidatura ao senado federal em 2002, depois da desistência à presidência da república e
em 2006 novamente ao governo do Maranhão.
60
Contra este tipo de apropriação é que se levantam as idéias de autonomia e
participação popular nas políticas culturais destacadas por aqueles que se dedicam a trabalhar
a questão.
NETO (1999, p. 79) propõe ainda às políticas culturais o fortalecimento (ou o
aparecimento quando não houver) de uma cultura política, que para ele está longe de
apresentar uma conotação partidária ou ideológica, porquanto seu sentido está mais atrelado à
idéia de convívio social e de instrumento de governabilidade, imprescindível no século XXI.
A circularidade cultural, conceito apresentado por Carlos Ginzburg em O Queijo e
os Vermes, é valido para explicar as mudanças na maneira como a cultura maranhense se
expressa e compreender essas transformações como um processo natural, dado que a cultura
não é estática, mas, pelo contrário, ela é dinâmica. Remete-a também para pluralidade cultural
e a natureza relacional do campo, isto é, o diálogo freqüente entre culturas diferentes e a troca
de símbolos.
Contudo, compreender que é parte da dinâmica cultural sofrer interferências de
outras culturas ou de grupos empresariais e políticos não significa aceitar que estes últimos
instrumentalizem a cultura de modo a atenderem seus próprios interesses
As propostas apresentadas acima estão longe de ser as únicas, porém são um
ponto de partida para o que deve ser bastante discutido, levando sempre em conta as
contribuições que a sociedade pode aportar.
61
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo maior que este trabalho se propôs foi o de revelar estratégias utilizadas
pelo Governo do Estado para manter uma relação próxima com aquilo que definiu como
cultura.
Estas estratégias de boas relações, no entanto, não se trataram apenas do
entendimento de que o Estado deve apoiar a cultura, mas, principalmente apontar para o nome
da governadora, Roseana Sarney, de modo que para isso, as ações denominadas por ela em
diversas oportunidades de política cultural contaram com uma marca muito forte de
pessoalidade.
Por esse motivo, tais estratégias foram operadas visando produzir discursos e
imagens que simbolicamente fizessem crer que havia uma “renascimento” cultural
maranhense, renascimento este que seria conduzido por alguém que possuía profundas
ligações com o campo artístico e, portanto, o faria de forma desinteressada, tal qual um
mecenas.
No plano interno, isto é, no âmbito do órgão responsável pelo setor, a estratégia
consistiu basicamente em retirar recursos de áreas que pretendessem uma descentralização das
ações e investir cada vez mais naquelas que oferecessem maior retorno da opinião pública.
Exemplo disso foram as manifestações da cultura popular, forma como tradicionalmente são
chamadas as produções surgidas nas camadas mais simples da população.
Estes aspectos, além de renderem o reconhecimento ou, para usar um conceito de
BOURDIEU, o capital simbólico pretendido, tiveram como algumas conseqüências a
introdução desta cultura popular numa lógica de mercado e certa dependência dos agentes
culturais em relação ao governo, que remunerava as apresentações através de cachês.
Certamente houve resistências - posto que não é possível uma hegemonia absoluta
– entre os setores que sofreram interferência da política cultural da gestão Roseana Sarney, a
que nos referimos desta forma por ter sido assim que a definiram a governadora e a
Secretaria/Fundação de Cultura, mas se confrontada com as propostas para este tipo de
política perderia o sentido de tal denominação.
Por outro lado, as resistências mencionadas não foram apresentadas neste
trabalho, dado que para perceber esta situação seria necessário um contato com produtores
62
culturais e pessoas que perceberam os efeitos da ação governamental, o que de início não
pareceu necessário.
No entanto, neste aspecto era bastante improvável que os meios de comunicação
que compõem o Sistema Mirante, pertencente à família de Roseana Sarney, fizessem alguma
menção, preferindo silenciar a respeito. Isto sim era natural esperar, levando em consideração
o comprometimento daquele grupo de comunicação na fabricação da imagem de mecenas de
sua proprietária.
Esta ausência de um outro lado pode ser compensada, contudo, numa eventual
expansão deste trabalho, que pode atingir inclusive os demais assuntos abordados. A
continuação desta pesquisa normalmente conduziria a isto.
Por ora, pelo exposto aqui, fica claro que as iniciativas estatais em qualquer esfera
para fomentar a cultura devem sempre levar em consideração a participação popular, caso
contrario, esta justificativa pode ser utilizada como instrumento de dominação política.
63
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Alfredo Wagner B. A Ideologia da Decadência: leitura antropológica a uma história da agricultura no Maranhão. São Luis: FIPES, 1983.
Amaral, Rita. Festa à Brasileira: Sentidos do festejar no país que "não é sério." Disponível em: <http://www.aguaforte.com> acessado em 05 dez 2008.
BRASIL. BNB. Prodetur/NE: relatório de atividades. Disponível em: <http://www.bnb.gov.br>. Acessado em 05 out 2008.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 42/2003 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2004.
BARBALHO, Alexandre (orgs.) Salvador: Edufba, 2007.
BOURDIEU: Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus Editora, 1996
_______. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
BOTELHO, Isaura. Políticas Culturais: discutindo pressupostos. In: Teorias e Políticas da Vultura: visões multidisciplinares. MARCHIORI, Gisele. (org). Salvador: Edufba, 2007.
CALABRE, Lia. Políticas Culturais no Brasil: balanço e perspectivas. In: Políticas Culturais no Brasil. RUBIM, Antonio Albino Canelas e BARBALHO, Alexandre (orgs.) Salvador: Edufba, 2007.
CHAUI, Marilena. Política Cultural. Porto Alegre: Mercado Aberto. 1985. 2ª edição.
CORREA, Helidacy Maria Muniz. Bumba-meu-boi do Maranhão: a construção de uma identidade. Universidade Federal de Pernambuco, 2001.
64
FOUCAULT, Michel. Governamentabilidade. In: Microfísica do Poder.19ª Edição. São Paulo: Graal, 2004.
FREITAS, Elaine Aires. Interesses Políticos nas Cenas do Patrimônio Cultural: O Caso de São Luis “Patrimônio da Humanidade”. Universidade Federal do Maranhão, 2006.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC.1989.
GOFFMAN, Erving. Representação social do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985.
GONÇALVES, Maria de Fátima da Costa. A invenção de uma rainha de espada: Reatualizações e embaraços na dinâmica política do Maranhão Dinástico. 2005.
HAACKE, Hans; BOURDIEU, Pierre. Livre Troca: diálogos entre Ciência e Arte. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil 1995.
IBGE, Estimativa populacional do Maranhão. Disponível em:<http://www.ibge.gov.br>. Acesso: em: 18 dez 2008.
LACROIX, Maria de Lourdes Lauande. A fundação francesa de São Luis e seus mitos. São Luis: EDUFMA. 2000.
LEI ROUANET: Lei 8.313, de 23 de dezembro de1991. Disponível em <http://www.cultura.gov.br>. Acesso em: 25 dez de 2008.
MARANHÃO. Secretaria de Cultura. Assessoria de Planejamento e Ações Estratégicas. Relatório de Atividades, 1995.
_______. Secretaria de Cultura. Assessoria de Planejamento e Ações Estratégicas. Relatório de Atividades, 1996.
_______. Secretaria de Cultura. Assessoria de Planejamento e Ações Estratégicas. Relatório de Atividades, 1997.
_______. Secretaria de Cultura. Assessoria de Planejamento e Ações Estratégicas. Relatório de Atividades, 1998.
65
_______. Fundação Cultural. Assessoria de Planejamento e Ações Estratégicas. Relatório de Atividades, 1999.
_______. Fundação Cultural. Assessoria de Planejamento e Ações Estratégicas. Relatório de Atividades, 2000.
_______. Fundação Cultural. Assessoria de Planejamento e Ações Estratégicas. Relatório de Atividades, 2001.
_______. Fundação Cultural. Assessoria de Planejamento e Ações Estratégicas. Relatório de Atividades, 2002.
MARANHÃO. Mensagem do Governador à Assembléia Legislativa, 1976.
_______, Mensagem do Governador à Assembléia Legislativa, 1979.
MARANHÃO. Plano Plurianual do Governo do Estado (1996-1999). O Estado do Maranhão, São Luís 20 agosto de 1994 p 3
______. São Luís 22 agosto 1994 p. 3
______. São Luís 10 janeiro 1995 p. 15
______. São Luís 15 junho 2004 p. 3
______. São Luís 8 janeiro 1998 p. 1
______. São Luís 28 junho 1998 p. 3
______. São Luís 14 março 1995, p. 3
______. São Luís 7 junho 1997 p. 1
______. São Luís 21 junho 1995 p. 17
66
______. São Luís 29 janeiro 1995 p. 1
______. São Luís 19 dezembro 1997 p. 1
______. São Luís 11 março 1995 p 1
______. São Luís 25 junho 1999 p. 1
______. São Luís 13 outubro 1997 p. 3
PACHECO, Gustavo; GOUVEIA,Cláudia e ABREU, Maria Clara. Caixeiras do Espírito Santo de São Luís do Maranhão. Associação Cultural Caburé. Rio de Janeiro, 2005.
PESAVENTO, Sandra. “Clio e a grande virada da história.” In: ______.História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas Culturais no Brasil: tristes tradições enormes desafios. In: Políticas Culturais no Brasil. RUBIM, Antonio Albino Canelas e
SANTOS, Jose Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: 14ª ed. Brasiliese 1996.
SOUSA, Fabio Henrique Monteiro. Carnaval: Um dos Elementos Constituintes do Mecenato Brasileiro no Final do Século XX. volume 02, p. 145-155. 2005. Disponível em: <http://www.outrostempos.uema.br>, Acesso em: 10 dez 2008.
67
APÊNDICE I
ORÇAMENTO ANUAL DA SECMA*
ANO PREVISTO EXECUTADO
1995 R$ 12. 377.368, 00 R$ 3.669.017, 89
1996 R$ 2.812.704,00 R$ 451.114, 95
1997 Não Especificado Não Especificado
1998 Não Especificado Não Especificado
Fonte: SECMA, 1995-1998 * Recursos do Tesouro Estadual
ORÇAMENTO ANUAL DA FUNCMA
ANO PREVISTO EXECUTADO
1999 R$ 8.407.831, 50 R$ 4.160.645, 01
2000 R$ 8.322.939, 86 R$ 12.491.899, 41
2001 R$ 8.869.095, 00 R$ 17.238.969, 79
2002 R$ 8.869.095, 00 R$ 23.316.514, 00
Fonte: Funcma 1999-2002
Recommended