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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS – MESTRADO E DOUTORADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS LINGUÍSTICOS
VIRGINIA MARIA NUSS
As relações retóricas e o campo da causalidade das orações hipotáticas adverbiais
na construção da argumentatividade e da coerência textual
MARINGÁ - PR
2017
iii
VIRGINIA MARIA NUSS
As relações retóricas e o campo da causalidade das orações hipotáticas adverbiais
na construção da argumentatividade e da coerência textual
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Letras – Mestrado e Doutorado, da Universidade Estadual de Maringá - PR, como requisito para obtenção do título de Mestre.
Área de concentração:
Estudos Linguísticos
Orientador: Prof. Dr.
Juliano Desiderato Antonio
MARINGÁ - PR
2017
iv
Nome: NUSS, Virgínia Maria.
Título: “As relações retóricas e o campo da causalidade das orações hipotáticas
adverbiais na construção da argumentatividade e da coerência textual”.
Dissertação apresentada ao departamento de
pós-graduação em Letras da Universidade
Estadual de Maringá (UEM - PLE) – Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes – do Estado
do Paraná para obtenção do título de Mestre
em Linguística.
Aprovado em ___/___/___.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Juliano Desiderato Antonio . Instituição: UEM .
Julgamento:___________________________. Assinatura:____________________.
Profa. Dra. Jacqueline Ortelan Maia Botassini. Instituição: UEM .
Julgamento:________________________ . Assinatura:_____ _____ ________.
Prof. Dr. Marcelo Módolo .Instituição: USP .
Julgamento:________________________ _. Assinatura:_____________________.
v
Dedico este trabalho, com amor e
admiração, ao meu esposo Eliseu, com
carinho, aos meus filhos, Ana e Lucas, e,
com muito respeito, aos meus pais, Ivo (in
memoriam) e Lindramil, pelo apoio e
compreensão nos momentos de ausência,
de dificuldades, de lutas e vitórias que
passamos juntos.
vi
Agradecimentos:
Ao meu orientador e amigo, Prof. Dr. Juliano Desiderato Antonio, pela qualidade da
orientação, pela confiança depositada e pelo constante apoio. Obrigada por me
mostrar o vasto campo dos estudos linguísticos em todos os anos de orientação,
não apenas no processo de mestrado, mas também nas orientações dos projetos de
pesquisas (2012-2014), seus ensinamentos no decorrer desses cinco anos fizeram
toda a diferença em minha formação acadêmica e pessoal.
Ao meu querido e amado esposo, Eliseu Alves Fortes, por toda a compreensão e
apoio contínuos no decorrer desse árduo processo. Obrigada por estar sempre ao
meu lado.
Aos professores da banca de qualificação e da banca examinadora, Profa. Dra.
Jacqueline Ortelan Maia Botassini e Prof. Dr. Marcelo Módolo, pelas valiosas
sugestões, correções, observações e apontamentos.
Aos meus familiares que, independentemente de estarem perto ou longe, sempre
acreditaram em mim.
Aos informantes do corpus que tão prontamente aceitaram colaborar com a
formação do material para análise.
A CAPES, pelo auxílio financeiro.
E, finalmente, a todos os professores e amigos que, no decorrer da minha vida
acadêmica, imprimiram em mim um pouco de suas crenças, convicções,
conhecimentos e expectativas.
Obrigada por fazerem parte da minha história.
vii
“A busca pelo conhecimento é algo
constante. Buscamos conhecer àqueles que
nos rodeiam, buscamos um saber que nos
possibilite fazer felizes a quem amamos,
buscamos aprender quem somos.
Mas não é só isso que buscamos.
Buscamos, sim, o conhecimento da vida, do
amor, mas buscamos também o
conhecimento acerca do mundo que nos
rodeia.
Ah! Esse conhecimento... Buscamo-lo desde
que nascemos, pois precisamos aprender a
nos expressar e a viver! E é incrível como a
linguagem faz parte de tudo isso, faz parte
nós! - das mais diferentes formas, e desde
que chegamos ao mundo! A linguagem
humana é fascinante! A linguagem humana
é esplêndida!
A busca pelo conhecimento das formas,
processos e funcionamento da linguagem
humana é, para mim, algo sublime”.
(Virgínia Maria Nuss)
“Tenho a impressão de ter sido uma criança
brincando à beira-mar, divertindo-me em
descobrir uma pedrinha mais lisa ou uma
concha mais bonita que as outras, enquanto
o imenso oceano da verdade continua
misterioso diante de meus olhos”.
(Isaac Newton)
viii
RESUMO
NUSS, Virgínia Maria. As relações retóricas e o campo de causalidades das
orações hipotáticas adverbiais na construção da argumentatividade e da
coerência textual. 2017. 246 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de
Maringá, Maringá, Paraná, 2017.
O objetivo deste trabalho é investigar o funcionamento das orações hipotáticas
adverbiais causais, condicionais e concessivas da língua portuguesa falada no que
tange a suas estruturas subjacentes e a forma como atuam na organização textual,
favorecendo e corroborando a coerência e a argumentação linguístico-textual. A
abordagem teórica utilizada é de cunho funcionalista e consiste nos conceitos da
Gramática Funcional de Dik e da Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday,
valendo-se também dos pressupostos teóricos da Linguística Textual e da Rhetorical
Structure Theory (RST). Acerca do procedimento metodológico realizado, criou-se
um corpus composto por doze entrevistas orais com líderes e representantes de
diferentes instituições e crenças religiosas, com a aprovação do Comitê Permanente
de Ética Em Pesquisa Com Seres Humanos - COPEP. Todos os informantes são da
região noroeste do Paraná, possuem formação acadêmica superior e são adeptos
de suas crenças há, no mínimo, cinco anos. A transcrição foi efetuada sem recursos
tecnológicos, observando as normas do projeto da Norma Urbana Oral Culta
(NURC) de São Paulo, e a tabulação dos dados foi realizada com o auxílio de
softwares específicos. As análises demonstraram que as orações adverbiais de
causa, condição e concessão apresentam um funcionamento textual-discursivo que
auxilia não apenas na elaboração textual, mas também na estrutura, coerência,
argumentação e argumentatividade do texto. A forma como as orações são
organizadas resulta em funções variadas que envolvem desde a estruturação tópica,
progressão textual, relações de coerência, argumentatividade, até o argumento em
si. Todo esse funcionamento se ancora na base causal que tais orações
apresentam. Conclui-se, portanto, que as orações adverbiais de causa, condição e
concessão atuam na construção textual conforme sua organização sintático-
semântica, pragmática e discursiva, possuindo um funcionamento que se destaca
desde o nível da expressão linguística até o nível textual-discursivo. Tal
funcionamento faz dessas orações recursos significativos para uma elaboração
ix
textual que se faça mais argumentativo e eficaz, conforme as intenções
comunicativas do falante.
Palavras-chave: orações hipotáticas adverbiais, nexos de causalidade, linguística
funcional, articulação de orações, argumentação.
x
ABSTRACT
NUSS, Virginia Maria. The rhetorical relations and the causality zone of the
hypotactic adverbial sentences in the construction of argumentation in the
textual coherence. 2017. 246 f. Dissertação de mestrado – Universidade Estadual
de Maringá, Maringá, Paraná, 2017.
The objective of this study is to investigate the functioning of adverbials hypotactics
sentences causal, conditional and concessive in the portuguese language spoken in
relation to their underlying structures and how they act in the textual organization,
promoting and supporting the coherence and the linguistic argumentation in the text.
The theoretical approach is functionalist nature and consists, above all, the concepts
of Dik and your Functional Grammar and the Systemic Functional Grammar of
Halliday, making use also of the theoretical principles of Linguistics Textual and
Rhetorical Structure Theory (RST). About methodological procedure, it was created a
corpus composed of twelve oral interviews with leaders and representatives of
different institutions and religious faiths and was accomplished with the approval of
the Standing Committee of Ethics in Research with Human Beings (Comitê
Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos - COPEP). All informants
are the northwest of Paraná, have higher academic and profess their belief for at
least five years. The transcript was made without technological resources and in
compliance with the rules of the standards of the Standard Urban Oral Cultured
project (Norma Urbana Oral Culta - NURC) of São Paulo, and the tabulation of the
data was performed with the help of specific software. The analyzes showed that the
adverb clauses of cause, condition and concession have a textual-discursive
operation that assists not only in textual construction, but also in the structure,
coherence, argumentation and argumentativity text. The way sentences are
organized, results in varied functions that involve topic structure, textual progression
of coherence relations, argumentativity until the argument itself. This whole operation
is anchored in the causal basis that such clauses have. Concludes, therefore, that
the adverbials clauses of cause, condition and concession they are organized in
order to strengthen the information content at the time of preparation of linguistic
constructions. These sentences works in textual syntactic construction according
your semantics organization, pragmatics and discoursive, having a function that
xi
stands out from in the level of linguistic expression to the text and discourse level.
This action makes these significant resources sentences for a textual elaboration that
is made more argumentative and efficacious, according to the speaker's
communicative intents.
KEYWORDS: hypotactic adverbial sentences, causal connections, functional
linguistics, complex clauses, argumentation.
xii
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS .............................................................................................. XV
LISTA DE TABELAS ............................................................................................. XVII
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................. XVIII
LISTA DE ESQUEMAS .......................................................................................... XIX
LISTA DE DIAGRAMAS .......................................................................................... XX
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ................................................................ XXII
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 23
CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................ 28
1.1. Origens do Funcionalismo .............................................................................. 28
1.2. Linguística Funcional: alguns princípios e pressupostos ........................... 32
1.3. A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday...............................................35
1.4. A Gramática Funcional de Dik ......................................................................... 41
1.5. A Rethorical Structure Theory e as relações de coerência .......................... 51
1.6. A Linguística Textual ....................................................................................... 55
1.6.1. A LÍNGUA FALADA ......................................................................................... 57
1.6.2. OS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO TEXTUAL .......................................... 60
1.7. A Perspectiva Textual Interativa ..................................................................... 65
CAPÍTULO 2 – A COMBINAÇÃO DAS ORAÇÕES ................................................. 69
2.1. A hipotaxe e a parataxe: uma perspectiva funcionalista .............................. 69
CAPÍTULO 3 - CAUSA: DOMÍNIOS SEMÂNTICOS E CONSTRUÇÕES ................ 78
3.1. Conceitos de causa .......................................................................................... 78
3.2. O campo semântico da causalidade................................................................86
3.3. A coerência e os vínculos causais ............................................................... 100
CAPÍTULO 4 - A ARGUMENTAÇÃO COMO FATO DE LÍNGUA E DE DISCURSO ..
.............................................................................................................................104
4.1. A argumentação na linguística: planeamentos ........................................... 104
xiii
4.1.1. A ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA ................................................................ 108
4.1.2. A ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO .......................................................... 112
4.1.3. A ARGUMENTAÇÃO NA INTERAÇÃO ......................................................... 119
CAPÍTULO 5 - METODOLOGIA ............................................................................. 122
5.1. Objetivo Geral ................................................................................................. 122
5.1.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ......................................................................... 122
5.2. Constituição do corpus ................................................................................. 122
5.2.1. DELINEAMENTO DO CORPUS ................................................................... 124
5.2.2. CARACTERÍTICAS DAS DIFERENTES RELIGIÕES REPRESENTADAS NO
CORPUS......................................................................................................... 124
5.3. Ferramentas e métodos de análise ............................................................... 125
5.3.1. NORMAS DE TRANSCRIÇÃO DO PROJETO DE NORMAS URBANAS
CULTAS (NURC).............................................................................................125
5.3.2. SYSTEMIC CODER ...................................................................................... 126
5.3.3. RSTTOOL ..................................................................................................... 127
5.3.4 RECORTE METODOLÓGICO DE ANÁLISE DAS ORAÇÕES HIPOTÁTICAS
ADVERBIAIS 128
5.4. Aspectos éticos .............................................................................................. 132
CAPÍTULO 6 - ANÁLISES DOS DADOS ............................................................... 132
6.1. Orações adverbiais causais .......................................................................... 132
6.1.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS ................................... 132
6.1.2. TEMPO VERBAL .......................................................................................... 133
6.1.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA E CONECTIVOS ................. 143
6.1.4. TOPICALIDADE, INFORMATIVIDADE E POSICIONAMENTO DAS
ORAÇÕES.......................................................................................................152
6.1.5. AS RELAÇÕES RETÓRICAS ....................................................................... 162
6.2. Orações adverbiais condicionais ................................................................. 173
6.2.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS ................................... 174
xiv
6.2.2. TEMPO VERBAL, FACTUALIDADE, POTENCIALIDADE E
CONTRAFACTUALIDADE ............................................................................. 175
6.2.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA, SUBTIPOS DAS ORAÇÕES E
CONECTIVOS ................................ ............................................................. 186
6.2.4. TOPICALIDADE, INFORMATIVIDADE E POSICIONAMENTO DAS
ORAÇÕES... ................................................................................................... 199
6.2.5. AS RELAÇÕES RETÓRICAS ....................................................................... 204
6.3. Orações adverbiais concessivas .................................................................. 211
6.3.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS ................................... 211
6.3.2. TEMPO VERBAL, FACTUALIDADE, POTENCIALIDADE E
CONTRAFACTUALIDADE ............................................................................. 212
6.3.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA, SUBTIPOS DAS ORAÇÕES,
CONECTIVOS, POSICIONAMENTO DAS ORAÇÕES, INFOMATIVIDADE E
TOPICALIDADE............. ................................................................................. 213
6.3.4. AS RELAÇÕES RETÓRICAS ....................................................................... 218
6.4. O funcionamento argumentativo .................................................................. 221
6.4.1. A ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA ................................................................ 221
6.4.2. A ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO .......................................................... 226
6.4.3. A ARGUMENTAÇÃO NA INTERAÇÃO ......................................................... 231
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 238
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 241
xv
LISTA DE QUADROS
Quadro 01- Resumo dos subsistemas de organização do texto 40
Quadro 02- Os níveis estruturais das unidades linguísticas conforme modelo
de Dik (1989) 50
Quadro 03- A divisão das relações 53
Quadro 04- Os níveis estruturais das unidades linguísticas conforme modelo
de Dik (1989) 81
Quadro 05- Quadro comparativo das terminações utilizadas por Dik (1989) e
por Sweetser (1990).....................................................................81
Quadro 06- Correlação entre as metafunções de Halliday, teoria dos níveis de
Sweetser (1990) e a teoria das camadas de Dik (1989)..............82
Quadro 07- Formas de apresentação da causa 89
Quadro 08- Núcleo de valores adverbiais no cruzamento das relações táticas
com relações lógico-semânticas e pragmáticas (NEVES, 2012, p.
162)...............................................................................................98
Quadro 09- Formas de apresentação da causa (2).........................................99
Quadro 10- Segmentos normativos e transgressivos – adaptado de Cabral
(2011, p. 118).............................................................................109
Quadro 11- Síntese dos tipos de argumentos de Perelman & Olbrechts-Tyteca
e suas características [MEANEY (2009) apud LIBERALLI, 2013,
p.71)]...........................................................................................116
Quadro 12- Normas de transcrição da Língua Falada (Castilho, 2002)..........126
Quadro 13- Definição das relações retóricas do diagrama 01.......................163
Quadro 14- Definição das relações retóricas do diagrama 02.......................164
Quadro 15- Definição das relações retóricas do diagrama 03.......................165
xvi
Quadro 16- Definição das relações retóricas do diagrama 04.....................166
Quadro 17- Definição das relações retóricas do diagrama 05.....................167
Quadro 18- Definição das relações de causa, resultado, razão, explicação e
justificativa.................................................................................167
Quadro 19- Definição das relações retóricas do diagrama 06......................169
Quadro 20- Definição das relações retóricas do diagrama 07......................171
Quadro 21- Definição das relações retóricas do diagrama 08......................172
Quadro 22- Definição das relações retóricas dos diagramas 09 e 10...........205
Quadro 23- Definição das relações retóricas do diagrama 11.......................206
Quadro 24- Definição das relações retóricas do diagrama 12.......................207
Quadro 25- Definição das relações retóricas do diagrama 13.......................208
Quadro 26- Definição das relações retóricas do diagrama 14.......................219
Quadro 27- Definição das relações retóricas do diagrama 15.......................220
xvii
LISTA DE TABELAS
Tabela 01- As combinações verbais das orações causais no corpus - por
número de ocorrências (as três maiores) 135
Tabela 02- Síntese das conjunções e do posicionamento das orações
adverbiais causais 143
Tabela 03- Posicionamento das orações adverbiais causais...................145
Tabela 04- Funcionamento das orações causais conjuncionais no domínio
dos atos de fala......................................................................154
Tabela 05- As relações retóricas estabelecidas pelas orações adverbiais
causais...................................................................................168
Tabela 06- As combinações verbais das orações condicionais no corpus -
por número de ocorrências (as quatro maiores)....................175
Tabela 07- A correlação tempo-modo e os subtipos de
condicionais...........................................................................181
Tabela 08- Ocorrências das orações adverbiais condicionais de acordo
com seus subtipos e domínio semântico...............................186
Tabela 09- Síntese das conjunções e da posição das orações..............196
Tabela 10- Os tipos de condicionais, as relações retóricas e as formas de
explicitação do nexo causal...................................................210
Tabela 11- Ocorrência das orações adverbiais concessivas conforme
subtipo e domínio semântico..................................................213
Tabela 12- Síntese das conjunções e da posição das orações adverbiais
concessivas 215
Tabela 13- Informatividade da posição das orações adverbiais concessivas
................................................................................................217
xviii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Relação núcleo-satélite. ............................................................................. 52
Figura 2. Relação multinuclear .................................................................................. 52
Figura 3. Aplicação dos recursos de análise em uma porção de texto do corpus 127
xix
LISTA DE ESQUEMAS
Esquema 01- Modelo de interação de Dik (1997, p. 40) 45
Esquema 02- O sistema de cláusula complexa – adaptado de Halliday (2004, p. 373)
72
Esquema 03 - Esquema dos recursos argumentativos em Perelman & Olbrechts-Tyteca (1975) apud Grácio (2016, p.88) 118
Esquema 04 - Esquematização dos fenômenos que envolvem os estudos
argumentativos - Grácio (2016, p.88) 120
Esquema 05 - Dimensões do sistema temporal na situação comunicativa......141
xx
LISTA DE DIAGRAMAS
Diagrama 01- Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de
justificativa 163
Diagrama 02 - Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de
explicação 164
Diagrama 03- Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de
razão 165
Diagrama 04 – Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de
causa 166
Diagrama 05 – Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de
justificativa 166
Diagrama 06 – Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de
resultado 169
Diagrama 07 – Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de
justificativa 170
Diagrama 08 – Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de
justificativa 172
Diagrama 09 – Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de
resultado 205
Diagrama 10 – Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de
razão 205
Diagrama 11 – Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de
condição 206
Diagrama 12 – Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de
condição 207
xxi
Diagrama 13 – Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de
condição 208
Diagrama 14 – Análise retórica das orações adverbiais concessivas – relação de
concessão 219
Diagrama 15 – Análise retórica das orações adverbiais concessivas – relação de
concessão 220
xxii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
COPEP Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
EsCo Estado de Coisas
Et al Et ali / et aliae [e outros, e outras (pessoas)]
Etc Et cetera (e outras coisas)
LF Língua falada
LT Linguística Textual
LS Linguística Sistêmica
GF Gramática Funcional
GSF Gramática Sistêmico-Funcional
ME Momento de Referência
MF Momento da Fala
MR Momento do Evento
NURC Norma Urbana Culta
O-1 Primeira oração
O-2 Segunda oração
PTI Perspectiva Textual Interativa
RST Rethorical Structure Theory (Teoria da Estrutura Retórica do Texto)
ULN Usuário da Língua Natural
23
INTRODUÇÃO
As orações hipotáticas adverbiais são um rico material de análise no
funcionamento linguístico devido à amplitude de relações possíveis entre os
segmentos que as compõem (adverbial e nuclear) e também pelas relações que
estabelecem com porções maiores do texto.
Neves (2012) argumenta a favor da existência de uma diluição lógico-
semântica que ocorre entre as orações adverbiais de causa, condição e concessão,
incorrendo no que ela denomina zona da causalidade, sendo essas construções as
que interessam a esta pesquisa. A zona da causalidade diz respeito às orações
adverbiais que, de acordo com a relação lógico-semântica que se estabelece por
meio da conjunção, possibilitam outra leitura que não apenas aquela que denote
condição ou concessão, por exemplo. Para a autora, as orações adverbiais de
causa, condição e concessão mantêm sempre uma relação causal – seja uma causa
afirmada (adverbial causal), seja uma causa negada (adverbial concessiva) ou uma
causa hipotetizada (adverbial condicional). Em outros termos, uma oração adverbial
condicional pode se relacionar com a oração nuclear de forma mais sólida como em
“...se eu não fosse pastor...eu poderia trabalhar como professor...até do ensino
médio”1 ou apresentar uma relação mais diluída, como em “...e se ele nos fez...ele
nos fez para ele...”2. Em ambos os casos, há uma causalidade interna em relação às
condições entre os eventos, a qual que se vincula ao preenchimento que a oração
nuclear realiza acerca da condição existente na adverbial. Dessa forma, essa
diluição se mostra no vínculo causal que permeia essas orações.
Nesse sentido, as orações adverbiais, inclusive, mesclam-se com
construções e aspectos semânticos característicos de outras adverbiais, como em
“não sei se é porque eu participei de muitas eu acabei não acreditando em
nenhuma...”, nas quais causa e condição se imbricam no aspecto lógico-semântico e
também na própria estrutura sintática.
Averiguando o modo como essas construções podem ser realizadas pelo
falante, a fim de exercer seus objetivos comunicativos com sucesso, acredita-se que
1 Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – Informante da igreja Adventista.
2 Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – Informante da igreja Presbiteriana
Renovada.
24
essas relações são assim construídas por ele tendo em vista tais objetivos. Há de se
considerar, ainda, variados fatores de ordem subjetiva e interacional do falante e do
ouvinte que podem influenciar as construções linguísticas realizadas pelo usuário da
língua, o qual articula diferentes conhecimentos linguísticos e enciclopédicos em sua
fala. Ao realizar essa articulação, consequentemente, um usuário de uma língua
natural coloca em funcionamento uma série de capacidades linguísticas, cognitivas e
sociais que lhe são próprias, de modo a construir um texto coerente e capaz de
exercer a função comunicativa proposta para determinado momento.
Dessa forma, compreende-se que todo texto possui uma função interacional
e exerce algum efeito sobre o ouvinte. Ressalta-se, então, que os textos possuem
uma argumentação intrínseca que pode se mostrar de diferentes maneiras, tantas
quantas podem ser diferentes as possibilidades de construções linguísticas para que
um falante possa se expressar. Com isso, a compreensão de um texto como sendo
argumentativo não se limita a questões de tipologia ou gênero textual. Têm-se como
argumentativas todas as produções textuais, uma vez que toda produção linguística
realizada por um falante tem como objetivo atuar de alguma maneira em relação a
seu ouvinte. Essa atuação, por mais sutil que seja, sempre possui um aspecto
argumentativo (ABREU, 2009; FIORIN, 2015).
Nos estudos funcionalistas da linguagem (HALLIDAY, 1999, 2004, 2014; DIK
1989; CASTILHO 2010; NEVES 1999, 2000 et al.), estudos nos quais se sustém o
presente trabalho, é possível constatar que as orações adverbiais, enquanto recurso
linguístico à disposição do falante, parecem apresentar um aspecto argumentativo
que se diferencia dos demais tipos de construções oracionais, realçando
informações pragmáticas e fortalecendo a argumentação textual por meio das
relações lógico-semânticas que elas estabelecem. Mais especificamente, no caso da
argumentação, a suposição que se tem é que as orações adverbiais de causa,
condição e concessão demonstram possuir função de argumento ou de respaldo em
relação à argumentação, uma vez que apresentam uma causa para os eventos
relacionados pelo falante. A partir desse funcionamento das orações adverbiais, é
possível justificar pragmaticamente construções como a seguinte.
25
1) ...eu acho que uma pessoa que não acredita em nenhum Deus... ...ela tem/tem muito mais responsabilidade em...em/no nosso conví:vio...né? ...e se você cometer um erro não tem problema...é só você:...pedir perdão e...que você vai pro céu... ...se você acredita nisso...ah/ah...dá a impressão que a sua moral fica um pouco frouxa... ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum...você tem que ser o responsável...pelo que você faz...
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
Esse texto foi produzido por um informante que falava sobre seu
posicionamento acerca da religião. Note que, a fim de sustentar sua posição, o
falante inicia colocando em evidência a questão da responsabilidade social de uma
pessoa, e, por meio das orações adverbiais condicionais, passa a apresentar os
motivos pelos quais “crer em Deus” podem interferir nessa responsabilidade, fato
que atrapalharia o convívio social. O falante sustenta sua decisão de não crer em
Deus por meio das construções condicionais que veiculam causalidade, valendo-se
de informações cognitivas, culturais e sociais que lhe são subjetivas, e ordenando
essas informações por intermédio de segmentos que se inter-relacionam
condicionalmente e causalmente.
O foco da análise que se propõe não está na argumentação propriamente
dita, mas em como as orações adverbiais da zona da causalidade funcionam dentro
da argumentação. Em outras palavras, acredita-se que as orações adverbiais (nesse
caso, as condicionais, as causais e concessivas), além de estabelecerem relações
sintáticas, lógico-semânticas e pragmáticas, também estabelecem relações de
argumentação.
Em vista disso, entende-se que as diferentes relações lógico-semânticas das
orações adverbiais citadas, e as diferentes formas possíveis de construções
sintáticas, influenciam não só o aspecto informacional e pragmático do texto, mas
também a argumentação.
Nesse sentido, a hipótese da qual se parte é a de que a noção de
causalidade expressa pelas orações adverbiais causais, condicionais e concessivas
seria capaz de estabelecer uma relação que fortalece o conteúdo informacional no
momento da elaboração das construções linguísticas. Com isso, a argumentação
realizada pelo falante tenderia a ser mais eficaz quando utilizadas as construções
adverbiais, ao invés de orações simples, por exemplo. Isso porque o falante obteria
26
respaldo não apenas no recurso da argumentação propriamente, mas também nas
possíveis relações subjetivas que o nexo causal é capaz de proporcionar na
elaboração textual da língua falada, apontando para possíveis resultados
interacionais e pragmáticos decorrentes do uso linguístico.
Para tanto, constituiu-se um corpus de análise composto por doze (12)
entrevistas orais com líderes religiosos e representantes de diferentes perspectivas
religiosas, residentes no norte do Paraná. Todos os entrevistados estão envolvidos
com a liderança da igreja ou com a representação de sua crença há mais de cinco
anos e possuem formação escolar em nível superior. Para análise, as entrevistas
foram transcritas conforme os critérios de transcrição do projeto da Norma Urbana
Oral Culta (NURC) de São Paulo, tabuladas em sistemas de softwares específicos e
investigadas de acordo com os preceitos teóricos apresentados ao longo do
trabalho. A escolha de um corpus com produções discursivas religiosas se deve ao
fato de sua apresentação mostrar-se aparentemente simples e ao mesmo tempo
bastante argumentativa, o que possibilita a verificação da argumentação em uma
produção linguística diferenciada, se comparada com discursos políticos ou
jurídicos, por exemplo, em termos de planejamento e elaboração.
Essa investigação se torna relevante e se justifica por investigar como as
estruturas textuais podem ser mais bem trabalhadas por meio de determinados tipos
de construções adverbiais, produzindo o efeito pretendido em relação ao ouvinte e
resultando em textos coerentes e argumentativos.
Análises pragmáticas, argumentativas, cognitivas, semânticas e
morfossintáticas permeiam este trabalho, o qual coloca em análise não só questões
de língua falada, mas também os aspectos gramaticais da língua, em contraste com
os seus aspectos funcionais. Ressalta-se, ainda, o fato de que, no uso linguístico,
todos esses conteúdos se entrecruzam e são postos em funcionamento com uma
finalidade. Dessa forma, intenta-se uma análise que permita vislumbrar segmentos
que compõem as orações adverbiais causais, condicionais e concessivas para que
seja possível identificá-los no uso e verificar a argumentação que produzem no texto
de diferentes falantes.
27
Este trabalho se divide em seis capítulos, afora a introdução e a conclusão,
os quais se distribuem da seguinte forma: apresentação da fundamentação teórica
utilizada (cap. 01), da articulação das orações adverbiais (cap. 02), dos conceitos
sobre causalidade e domínios semânticos (cap. 03) e das teorias sobre
argumentação (cap. 04). Na sequência, são apresentadas as questões
metodológicas utilizadas (cap. 05), as análises e os resultados das orações em
questão neste trabalho, bem como algumas discussões sobre eles, que são
apresentadas de acordo com subseções divididas por tipo de oração adverbial –
causal, condicional e concessiva, respectivamente – considerando para este
ordenamento as orações que apresentaram mais frequência de ocorrências até a
que apresentou menos (cap. 06). Finaliza-se com a conclusão, seção destinada a
uma síntese dos resultados obtidos, seguida das referências bibliográficas e
bibliografia sugerida.
28
CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este capítulo apresenta uma síntese das teorias utilizadas neste trabalho,
restringindo-se aos aspectos teóricos pertinentes a esta pesquisa. Após breve
explanação acerca da origem do funcionalismo, apresentam-se os pressupostos
básicos das seguintes perspectivas teóricas: a Gramática Sistêmico-Funcional
[Halliday (1994)], a Gramática Funcional [Dik (1989)], a Rethorical Structure Theory
[Mann, Thompson e Matthiessen (1988,1989)], a Linguística Textual [Koch (2003,
2010); Marcuschi (2008)], a Perspectiva Textual Interativa [Jubran (2006); Koch
(2013)] e a Abordagem Multissistêmica de Castilho (2010; 2014).
A utilização da Gramática Sistêmico-Funcional permite investigar as orações
adverbiais em termos de suas funções e organização. A Gramática Funcional e a
Gramática Sistêmica, quando associadas, possibilitam uma investigação mais
ampla, uma vez que viabilizam uma análise da estrutura linguística em diferentes
níveis lógicos semânticos. Os conceitos teóricos da Linguística Textual e da
Perspectiva Textual Interativa tornam possível uma melhor descrição e análise dos
processos de construção, progressão e organização textual da língua falada. Já a
Rethorical Structure Theory permite a análise das relações de sentido que estão
presentes nos textos, por meio da observação dos tipos de relações estabelecidas
entre as porções textuais, assim como permite sistematizar o conteúdo informacional
do texto.
1.1. Origens do Funcionalismo
Após a Linguística se estabelecer como ciência autônoma no início do
século XX, observou-se o surgimento de diversas correntes nos estudos linguísticos
(MARCUSCHI, 2008). Para Van Valin Jr. (2007), a Linguística enquanto ciência
deve-se, sobretudo, aos estudos de Franz Boas nos Estados Unidos e de Saussure
na Europa. Salienta-se que Edward Sapir e Leonard Bloomfield foram os dois
linguistas americanos de maior influência após Franz Boas. Bloomfield foi quem
ficou conhecido como o precursor da fase posterior do estruturalismo americano,
atribuindo à Linguística norte-americana certa independência em relação aos
estudos europeus de Saussure, sendo Bloomfield uma das principais referências do
estruturalismo norte-americano até os dias atuais. Assim, Bloomfield se destacou
29
não apenas pelos estudos que desenvolveu, mas por atribuir aos estudos
linguísticos norte-americanos um “desenvolvimento próprio”3, deixando clara esta
“independência” teórica com a publicação de sua obra “Language” (1933), na qual
não incluiu a famosa obra “Cours de Linguistique Générale”, de Saussure – obra
bastante divulgada e consultada na época.
Por meio, portanto, dos estudos de Ferdinand Saussure com suas
dicotomias e seu sistema de signos, e dos estudos estruturalistas da América do
norte, a Linguística se tornou reconhecidamente um campo de estudos científicos,
com um objeto de análise esquematizado e definido. Assim, no decorrer do século
XX, percebem-se, diacrônica e sincronicamente, alguns momentos singulares
acerca dos estudos realizados na Linguística.
Em um primeiro momento, a Linguística era predominantemente formalista,
até que diferentes movimentos teóricos que ocorreram de forma bastante intensa na
Europa, o que resultou, no campo da Linguística, no que ficou conhecido como
“Virada Linguística” – iniciando-se, então, um segundo momento nos estudos sobre
a linguagem. Acerca da “Virada Linguística”, cabe destacar que ela ocorreu em um
período histórico e cultural em que diferentes áreas do conhecimento (Psicologia,
Sociologia, Filosofia, entre outros) se voltavam para os estudos sobre a linguagem.
Após a “Virada Linguística”, a compreensão platônica e aristotélica da linguagem
muda e deixa de ser vista apenas como um objeto do mundo e/ou uma forma de
representação, e começa a ser vista como parte do mundo. A linguagem passa a ser
constitutiva do mundo e do sujeito, não sendo vista mais apenas como subjetiva.
Com a “Virada Linguística” os estudos semânticos ganham espaço, fortalecendo os
estudos linguísticos que não se detinham apenas à estrutura da língua (ARAÚJO,
2004).
Após a “Virada Linguística”, houve também a “Virada Pragmática”. Em suma,
pode-se dizer que a “Virada Linguística” marcou a ruptura com os estudos lógicos
clássicos, em que há uma separação entre realidade e sua representação pela
língua, ou ainda, uma extensão ou representação do pensamento, e a “Virada
Pragmática” marca a inclusão e o reconhecimento que a interação e o dialogismo
possuem nos estudos sobre a linguagem. A “Virada Pragmática” fez com que
3 Isaac Nicolau Salum, no Prefácio à edição brasileira do Curso de Linguística Geral (2006).
30
algumas correntes teóricas da Linguística minimizassem suas preocupações com a
estrutura abstrata da língua e se dedicassem mais enfaticamente aos fenômenos
ligados ao uso que os falantes fazem da língua. Assim, resumidamente, tem-se que,
após a “Virada Linguística” e a “Virada Pragmática”, criaram-se os conceitos de que
a linguagem não é um objeto no mundo, mas parte dele. Pela linguagem é possível
expressar os pensamentos, relacionar-se entre os membros de uma comunidade, e,
ainda, agir sobre o outro, alterando e produzindo conhecimentos a partir da
comunicação e da interação (ARAÚJO, 2004a, 2004b; AROUX, 2009).
Salienta-se que, antes da “Virada Linguística”, já havia estudos
funcionalistas, todavia, somente após esse movimento, tais estudos se tornaram
mais amplos e intensivos. A partir daí, a Linguística realiza um salto quantitativo no
qual transpõe os estudos formalistas que se situavam no nível da frase para estudos
que passam a abranger porções maiores de texto, assim como o texto em sua
completude - os estudos transfásticos e textuais. Os estudos tranfásticos ainda não
consistiam em estudos do texto como “um todo”, mas também não se resumiam a
análises frasais. Nesse segundo momento, os estudos linguísticos iniciaram uma
observação mais aprofundada das questões relativas à contextualização da
produção textual, o uso e o funcionamento linguístico etc. Com esses estudos, os
níveis de estruturação linguística (quais sejam: os níveis fonológico, morfológico e
sintático) incorporam um nível a mais, que é o textual (MARCUSCHI, 2008; KOCH,
2015).
Assim, enquanto os estudos linguísticos formalistas defendiam a autonomia
da estrutura linguística, cada um à sua maneira, os estudos funcionalistas defendiam
a não-autonomia da língua e o foco de análise no uso linguístico, entendendo que a
língua não possuía um sistema totalmente autônomo e arbitrário, dando primazia
para a função do uso linguístico sobre a forma linguística. Os funcionalistas
reconheciam que a linguagem era um sistema parcialmente autônomo, pois possuía
certa maleabilidade estrutural ocasionada pela pressão que a força do uso
linguístico e o contexto comunicacional exerciam sobre a linguagem (ILARI, 2011;
PEZATTI, 2011; MARCUSCHI, 2008; VAN VALIN JR., 2007). Assim,
diacronicamente, observa-se o surgimento da linguística formal e da linguística
funcional no início do século XX, respectivamente (VAN VALIN JR., 2007).
31
Marcuschi (2008) realiza um escólio acerca dos estudos linguísticos no
século XX, explanando que, a partir da metade desse século (1950-1960,
aproximadamente), surgiram várias tendências teóricas de caráter eminentemente
interdisciplinar, como a Linguística Textual, a Análise do Discurso, Análise da
Conversação, Sociolinguística, Psicolinguística, Etnometodologia, Etnografia da
Comunicação, entre outras. Acrescendo que o final desse século “observou uma
série de novas orientações e perspectivas ligadas aos avanços tecnológicos” e que
“deve-se admitir que a linguística do século XX foi multifacetada e plural. Teve uma
grande quantidade de desdobramentos” (MARCUSCHI, 2008, p. 38). O autor
acrescenta ainda o fato de que várias questões levantadas nesse período merecem
aprofundamento.
A partir dessas observações, percebe-se uma ramificação de diferentes
linhas teóricas, das quais se destaca, neste trabalho, a Linguística Funcional -
perspectiva teórica da qual advêm os estudos funcionalistas. O objeto de análise da
linguística funcional em suas diferentes correntes é o texto, partindo das articulações
entre as orações (TRASK, 2011). Os estudos funcionalistas intentam explicar o que
constrói as regularidades internas ao sistema linguístico, demonstrando porque
determinadas formas de uso são como são. Tais estudos partem do conceito de que
a estrutura da língua é como é porque reflete restrições que o próprio sistema
linguístico impõe por meio dos usos e funções da linguagem - uma vez que a
linguagem não é autônoma, mas regida por fatores internos e externos ao sujeito e
não constitui em um fim em si mesmo, mas um meio de expressão (TRASK, 2011;
NEVES, 2012).
Os estudos funcionalistas surgiram por meio dos estudos da Escola
Linguística de Praga – com Nikolai Trubetzkoy (1890-1938), Roman Jakobson
(1896-1982), dos estudos da Escola Copenhague e também com os estudos da
Escola de Londres, com John Firth (1890-1965). A esta última se deve a noção de
contexto da situação criada por Malinowski (MARCUSCHI, 2008). Esses estudos se
ampliaram e foram capazes, conforme Nichols (1984), de criar um campo de estudos
e de análises bastante amplos e que abordassem a língua, a linguagem, o sistema
linguístico e a contextualização do ato comunicativo de forma eficaz. Para tanto, ao
longo de anos de estudos, foram desenvolvidos alguns pressupostos teóricos e
32
alguns princípios linguísticos que regulam de uma ou de outra forma, os estudos e
as pesquisas de cunho funcionalista.
1.2. Linguística Funcional: alguns princípios e pressupostos
As teorias funcionalistas, embora bastante diversas, apresentam alguns
conceitos em comum, sendo o principal deles o de que a língua é um instrumento de
comunicação entre os indivíduos (NICHOLS, 1984; VAN VALIN JR., 2002, 2007;
BUTLER, 2003; CUNHA, COSTA & CEZARIO, 2015 et al.) Essa concepção se
difere, por exemplo, da visão de língua como apenas expressão do pensamento,
como algo contemplativo. Portanto, as análises funcionalistas primam pelo fato de
que a língua deve ser explicada a partir da comunicação efetiva, ou seja, da língua
em uso, considerando as funções informativas, intencionais, pragmáticas, sociais e
contextuais.
Desse modo, os estudos funcionalistas da linguagem percebem a língua
como suscetível às interferências realizadas em sua forma estrutural pelo usuário da
língua, não podendo a língua, portanto, ser totalmente autônoma (MARTELOTTA &
KENEDY, 2015). Reforça-se, então, que a linguagem não é autônoma, mas recebe
influências externas (os usos linguísticos dos sujeitos em diferentes contextos) no
sistema interno da língua (a gramática da língua). Essas influências podem ser
consideradas recíprocas, surgindo a partir da força que uma exerce sobre a outra, e
observam os diferentes usos linguísticos (BUTLER, 2003).
Os estudos de Dik (1986) e Butler (2003) expõem fatores essenciais
externos a língua e que exercem pressões sobre a estrutura de uma língua natural:
(i) a interação linguística motivada por necessidades geradas a partir da finalidade e
do objetivo do usuário da língua; (ii) o meio (fisiológico) pelo qual a linguagem é
transmitida; (iii) o contexto sociocultural; (iv) a soma dos fatores anteriores ao longo
do tempo. Esse último diz respeito ao processo diacrônico no qual as diferentes
utilizações linguísticas exercem motivações sobre os critérios de forma e função
(sintática e lexical), incorrendo na gramaticalização. Gramaticalização entendida
como “o processo pelo qual alguns itens lexicais originalmente perdem seu status
33
lexical ao longo do tempo e se tornam marcadores gramaticais, sob a pressão das
restrições funcionais” (BUTLER, 2003, p.14 – tradução nossa4).
Grande parte dos estudos funcionalistas recentes possui em comum
também a consideração da predominância dos aspectos pragmáticos exercidos
sobre os aspectos semânticos e sintáticos5. Ou ainda, conforme Dik (1997), a
pragmática possui prioridade sobre a semântica, que, por sua vez, possui prioridade
sobre a sintaxe. Essa concepção faz com que a descrição sintática das estruturas
linguísticas não seja um fim em si mesmo. Ela deve servir para poder explicitar como
o objetivo e a finalidade do usuário da língua influenciam essas estruturas de acordo
com seus diferentes contextos (CUNHA, COSTA & CEZARIO, 2015).
Segundo a hipótese funcionalista, a estrutura gramatical depende do uso que se faz da língua, ou seja, a estrutura é motivada pela situação comunicativa. Nesse sentido, a estrutura é uma variável dependente, pois os usos da língua, ao longo do tempo, é que dão forma ao sistema (CUNHA, COSTA & CEZARIO, 2015, p. 21).
Butler (2003) e Cunha, Costa & Cezario (2015) expõem ainda que, para os
estudos funcionalistas, há alguns princípios que favorecem o processamento
linguístico pelos usuários da língua. Butler (2003) explicita que o princípio da não-
arbitrariedade, comum a estes estudos, se distingue do princípio de padronização. A
padronização, por sua vez, pode ser de dois tipos: arbitrária ou icônica. A
padronização arbitrária diz respeito aos elementos sintáticos ou a regras que não
podem ser derivadas de propriedades semânticas e/ou discursivas, pressupondo um
uso sintático adequado à língua natural do falante (desse modo, embora ela seja em
parte arbitrária, está sujeita às pressões exercidas pelo uso linguístico) (BUTLER,
2003). Já a padronização icônica se refere ao grau de semelhança que se pode
encontrar entre a forma e o conteúdo de alguns termos ou expressões linguísticas (o
“pé da mesa”, o “braço da cadeira” etc.) (BUTLER, 2003). Ainda, a iconicidade pode
ser definida como “a correlação natural entre forma e função, entre o código
linguístico (expressão) e seu designatum (conteúdo)” (CUNHA, COSTA & CEZARIO,
4 “the process whereby some originally lexical items lose their lexical status over time, and become
grammatical markers, under the pressure of functional constraints” (BUTLER, p. 14, 2015). 5 Essa observação não engloba a abordagem multissistêmica de Castilho (2010; 2014), uma vez que, nessa
abordagem, a pragmática, a semântica, o léxico e sintaxe são vistos como sistemas nos quais não há a predominância hierárquica de um sistema sobre outro.
34
2015, p. 29,30). Esses princípios estão intimamente relacionados com as alterações
entre forma e função de elementos linguísticos.
Os funcionalistas, a partir da hipótese de que a língua expressa
propriedades conceituais contidas na mente humana acerca do mundo, acreditam
que, de certa forma, a estrutura da experiência do homem se reflete por meio da
estrutura linguística. Desse modo, a iconicidade perpassa as discussões acerca da
motivação existente entre as questões de expressão e conteúdo (CUNHA, COSTA &
CEZARIO, 2015).
Outro princípio funcionalista a ser destacado é o de marcação, o qual
estabelece critérios para distinguir as categorias marcadas (estrutura negativa, por
exemplo) das não marcadas (estruturas afirmativas). Essa distinção é possível por
meio da observação da complexidade estrutural, da distribuição da frequência e da
complexidade cognitiva. Faz-se necessário observar, portanto, que as categorias
marcadas apresentam maior complexidade estrutural e cognitiva e são menos
frequentes que a estrutura não marcada, a qual é menos complexa estrutural e
cognitivamente e mais frequente que a categoria marcada (CUNHA, COSTA &
CEZARIO, 2015).
A informatividade também faz parte dos pressupostos funcionalistas dos
estudos atuais, conforme apontamentos de CUNHA, Costa & Cezario (2015). A
informatividade diz respeito ao conteúdo compartilhado durante a interação e pode
ser evidenciada por meio dos conceitos de tema e rema. A informatividade atribuída
pelo falante ao seu texto se apresenta, sob um ponto de vista cognitivo, como sendo
um recurso comunicativo com a finalidade de informar o ouvinte sobre algo (do
mundo ou do interior do próprio falante) ou para exercer algum tipo de manipulação
no ouvinte.
Cabe, ainda, apresentar os pressupostos da gramaticalização e da
discursivização, sendo este último entendido como relacionado às estratégias
discursivas que o falante realiza para organizar seu texto de acordo com seu ouvinte
e com a situação comunicativa. Já a gramaticalização pode ser entendida em stricto
senso (quando analisa a mudança que atinge as formas lexicais que passam a fazer
35
parte da gramática) e também em lato senso (quando busca explicar as mudanças
que ocorrem internamente à gramática) (CUNHA, COSTA & CEZARIO, 2015).
Esses conceitos, princípios e pressupostos funcionalistas são convergentes
em todas as teorias funcionalistas da atualidade (CUNHA, COSTA & CEZARIO,
2015; BUTLER, 2003). No entanto, a forma como cada perspectiva teórica do
funcionalismo se apropria desses conhecimentos, os utiliza e também acrescem
novos conceitos que lhes são próprios, pode variar. Ainda, nos estudos
funcionalistas, as perspectivas teóricas podem ser classificadas em diferentes
funcionalismos – umas mais revolucionárias (no sentido da renovação e criação de
padrões), algumas mais reacionárias (do ponto de vista de uma perspectiva que se
mantém ainda bastante próxima dos estudos linguísticos formalistas tradicionais) e
outras que se situam entre esses dois extremos (BUTLER, 2003). Isso posto,
destaca-se que o conceito funcionalista adotado neste trabalho consiste nos
modelos moderados.
Este trabalho se filia a algumas linhas funcionalistas de modo a investigar a
forma como a estrutura gramatical pode ser motivada por critérios semânticos (e vice
e versa) e pragmáticos, e analisar a relação entre estrutura, forma e função na
linguagem.
Essas linhas teóricas serão apresentadas sucintamente. Tratam-se da
Gramática Sistêmico-Funcional de Michael A. K. Halliday, da Gramática Funcional
de Simon C. Dik, e da Rethorical Structure Theory do grupo norte-americano, com
grande representação nos estudos de Bill Mann, Sandra Thompson e Christian
Matthiessen.
1.3. A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday
Neves (2004) explica que o funcionalismo proposto por Halliday é baseado
na teoria de John Firth (da escola de Londres), tendo como base o contextualismo
desenvolvido por Malinowski. Para além dessa orientação, a autora destaca que
Halliday também se filia ao funcionalismo da Escola de Praga.
36
Conforme Trask (2011), Halliday foi aluno do linguista britânico John R. Firth
em Londres. Firth iniciou o que seriam as bases de um estudo linguístico que se
dizia social, sendo, portanto, bastante inovadora. Mas foi Michael Halliday quem
desenvolveu de modo amplo os conceitos propostos por Firth, iniciando, na década
de sessenta (1960), uma abordagem teórica intitulada pelo próprio Halliday como
Scale-and-Categories Grammar (Gramática de Escalas e Categorias). A evolução
desses estudos proporcionou ao Halliday a instauração de uma teoria linguística de
base Funcionalista que passou a ser denominada, posteriormente, de Sistemics
Linguists (Linguística Sistêmica – LS) (TRASK, 2011).
[...] a LS procura explicitamente combinar, numa única descrição integrada, as informações mais estritamente estruturais com fatores abertamente sociais. Como outras concepções funcionalistas, a LS se interessa a fundo pelos propósitos do uso linguístico (TRASK, 2011, p. 184 – negrito no original).
Interessante destacar que o pensamento sistêmico foi um método herdado
da área da filosofia, bastante forte nos estudos científicos do século XX
(VASCONCELOS, 2002). Acredita-se que possa vir daí a influência do termo
“sistêmico” nos estudos Linguísticos de Halliday, considerando sua
contemporaneidade ao movimento. Outro fator a se considerar para essa possível
influência terminológica e científica reside na consideração de ser esse pensamento
sistêmico-filosófico uma forma de estudos científicos que integraliza partes do objeto
analisado, contextualizando-os e integrando suas partes de forma a não observar
um elemento de modo isolado, mas em sua interação com os outros elementos que
compõem o objeto de estudo (VASCONCELOS, 2002). Ao analisar a língua de
forma sistêmica, é isso que Halliday faz. Ele observa a estrutura linguística e a
interação que ela realiza com os outros elementos dessa estrutura linguística, assim
como com os elementos contextuais dessa estrutura. Outra fundamentação cabível
para essa consideração acerca do pensamento epistêmico consta em Neves (1997).
Sistema é utilizado no termo firthiano de paradigma funcional, mas é desenvolvido no construto formal de uma rede sistêmica, o que configura uma teoria da língua enquanto escolha. À interpretação funcionalista da linguística se acopla uma descrição sistêmica, na qual a gramática toma a forma de uma série de estruturas sistêmicas, cada estrutura representando as escolhas associadas com um tipo de constituinte (HALLIDAY, 1967 apud NEVES, 1997, p. 59 – grifo nosso).
37
Esses constituintes se distribuem em diferentes processos gramaticais
(transitividade, modo e tema) e em diferentes eixos – sintagmáticos e
paradigmáticos. Em seus estudos sistêmicos, Halliday (2014) explana que a
linguagem é sintagmática em sua estrutura e paradigmática em seu sistema. Ele
afirma que “qualquer conjunto de alternativas, juntamente com a sua condição de
entrada, constitui um sistema no sentido técnico” (HALLIDAY, 2014, p. 22 –
tradução nossa6 - negrito no original). Uma vez que o sistema da linguagem atua no
eixo paradigmático, ou seja, no eixo da escolha, de forma a se mostrar no eixo
sintagmático que constitui a estrutura da língua, observa-se que a estrutura
linguística reflete o sistema interno da linguagem. O sistema da língua, portanto, é
como se fosse o responsável pelas ocorrências estruturais, de acordo com a
formulação linguística utilizada pelo falante.
Desse modo, ressalta-se que “a consideração do sistêmico implica a
consideração de escolhas entre os termos do paradigma, sob a ideia de que escolha
produz significado” (NEVES, 1997, p. 60). Tal escolha pode ser consciente ou
inconsciente, sendo o sistema da língua o mecanismo que relaciona as seleções
que se realizam nesse eixo. Com isso, a escolha feita pelo falante pode variar “de
uma escolha completamente subconsciente até a plena e explícita escolha
consciente” (NEVES, 1997, p. 60). Essas escolhas vão aparecer estruturalmente
organizadas e unificadas no texto produzido pelo falante.
Halliday (2014) salienta que os elementos linguísticos se relacionam de
modo a constituir uma gramática da língua. Desse modo, quando a linguagem é
colocada em uso por um indivíduo, ela irá apresentar as experiências e os
conhecimentos desse indivíduo por meio das cláusulas (simples ou complexas) que
resultam em textos. Esses elementos, portanto podem ser configurados
linguisticamente por meio de padrões complexos e de sequências que se
relacionarão de diferentes maneiras (tempo, causalidade, possibilidades etc.).
Essa configuração linguística apresenta sempre uma diversidade de
significados que resulta em diferentes funções. Nesse sentido, há também de se
considerar o fato de que “as diferentes redes sistêmicas codificam diferentes
6 Any set of alternatives, together with its condition of entry, constitutes a system in this technical
sense (HALLIDAY, 2014, p. 22).
38
espécies de significado, ligando-se, pois, às diferentes funções da linguagem”
(NEVES, 1997, p. 60).
Tendo em vista, então, os diferentes sistemas gramaticais e as possíveis
funções que podem exercer, Halliday (2014) atribui aos processos linguísticos o que
ele denomina de metafunções. O termo metafunções visa, ao mesmo tempo, propor
uma definição para um termo utilizado em seus estudos e distinguir entre o conceito
comum acerca do termo função (qual seja, significar simplesmente uma finalidade
ou uma forma de usar a língua) e o sentido que o linguista pretende atribuir-lhe.
Destaca-se ainda que o termo “metafunção” foi adotado para sugerir que a função é
um componente integrado dentro da teoria geral (HALLIDAY, 2014).
De acordo com Neves (1997), as metafunções da teoria de Halliday surgem
a partir dos usos funcionais dos sistemas da língua e possibilitam à realização dos
dois principais propósitos do uso da linguagem, quais sejam: (i) entender e
representar o mundo; e (ii) influir sobre os outros usuários da língua. São três
metafunções: a ideacional, a interpessoal e a textual.
A metafunção ideacional se volta para os recursos gramaticais que são
acionados para interpretar nossa experiência acerca do mundo (exterior e interior do
sujeito). A metafunção interpessoal se ocupa da interação entre falante e ouvinte e
em como os recursos gramaticais podem atuar na interação (HALLIDAY, 1997). Já a
metafunção textual, por sua vez, está relacionada com a criação do texto e com a
apresentação dos significados ideacionais e interpessoais. Essa metafunção
possibilita vislumbrar como as informações podem ser compartilhadas entre falante e
ouvinte, de acordo com o contexto (HALLIDAY, 1997).
Dessa forma, os dois objetivos do uso linguístico (entender e representar o
mundo e influir sobre os outros usuários da língua) criam significados por meio da
gramática da língua e se relacionam com as metafunções ideacional e interpessoal,
respectivamente (HALLIDAY, 1997; NEVES, 1997), sendo a metafunção textual que
torna efetiva as duas metafunções anteriores (NEVES, 1997). Em outros termos, é o
texto que viabiliza a interação, a compreensão e a representação das coisas.
39
Ao definir o conceito das metafunções, Halliday (2004, 2014) esclarece que
elas ocorrem em simultaneidade entre si e com os processos gramaticais, efetivando
o sistema e a estrutura da língua.
A gramática é representada sistemicamente, e mostra-se por duas redes distintas de sistemas [...]. Isso significa que: (1) cada mensagem é tanto sobre algo quanto a se dirigir a alguém, e (2) estes dois significados podem ser combinados livremente - de um modo geral, eles não limitam uns aos outros. Mas a gramática também se mostra por um terceiro componente, outro modo de significado que diz respeito à construção de texto. Em certo sentido, isso pode ser considerado como uma função que permite e/ou facilita a ocorrência das outras funções - interpretando experiências e articulando relações interpessoais, as quais dependem do tipo de influência que recebem do contexto, da linguagem e de outros sistemas semióticos para construir sequências de discurso, organizando o fluxo discursivo, criando a coesão e dando continuidade por meio da forma como ele se desenvolve. Isso, também é apresentado como um motivo claramente delineado dentro da gramática. Nós o chamamos de metafunção textual (HALLIDAY, 2014, p. 30-31 - tradução nossa7 - negrito no original).
Relevante ainda ressaltar a importância do texto na teoria Sistêmico-
Funcional de Halliday. Para o linguista, é no texto que se encontra o objeto de
análise da linguagem, pois é ali que a linguagem se mostra.
Quando as pessoas escrevem ou falam, elas estão produzindo textos, e é no texto que falantes e ouvintes se relacionam e se interpretam. O termo "texto" refere-se a qualquer instância da língua, em qualquer meio, que faz sentido para alguém que conhece a língua. Podemos caracterizar o texto como o funcionamento da linguagem em contexto (HALLIDAY, 2017, p. 03 – tradução nossa8).
Nas observações e análises realizadas no próprio texto é que se torna
possível a depreensão dos diferentes processos, sistemas e estruturas da
linguagem (HALLIDAY, 2004, 2014). Neves (1997) destaca dois pontos básicos para
7 the grammar is represented systemically, it shows up as two distinct networks of systems [...]. What
it signifies is that (1) every message is both about something and addressing someone, and (2) these two motifs can be freely combined – by and large, they do not constrain each other. But the gramar also shows up a third component, another mode of meaning that relates to the construction of text. In a sense this can be regarded as an enabling or facilitating function, since both the others – construing experience and enacting interpersonal relations – depend on being able Context, language and other semiotic systems to build up sequences of discourse, organizing the discursive flow, and creating cohesion and continuity as it moves along. This, too, appears as a clearly delineated motif within the grammar. We call it the textual metafunction (HALLIDAY, 2014, p. 30,31 – negrito no original). 8 When people speak or write, they produce text; and text is what listeners and readers engage with
and interpret. The term ‘text’ refers to any instance of language, in any medium, that makes sense to someone who knows the language; we can characterize text as language functioning in contexto (HALLIDAY, 2014, p. 03).
40
uma análise funcionalista que considere cada elemento como funcional em relação
ao todo: (i) a unidade de funcionamento é o texto; (ii) seus elementos são
multifuncionais.
Assim, na perspectiva da Gramática Sistêmico-Funcional é possível a
observação das estruturas menores, como as orações, até uma produção discursiva
maior. Isso de modo a investigar a funcionalidade dos elementos da língua em seu
sistema interno de funcionamento (a própria gramática da língua) e em seu
funcionamento externo (interação verbal). Neves (1997) sintetiza a organização do
texto, de acordo com a teoria sistêmica, da seguinte maneira:
Quadro 01: resumo dos subsistemas de organização do texto.
FUNÇÃO ORGANIZAÇÃO SISTEMA
Ideacional Dos significados Coesão
Interpessoal Da interação Relações humanas
Textual Da informação Estruturação da informação
(dado/novo, foco).
[Fonte: Neves (1997, p. 72)]
Percebe-se que o texto estrutura a informação de acordo com os
significados pretendidos, levando em consideração a interação entre os sujeitos.
Tendo em vista esses conceitos, salienta-se que o contexto se torna essencial para
todo esse processo.
Halliday (2014) diz que “não pudemos explicar por que um texto significa o
que ele significa, mesmo com todas as várias leituras e os valores que podem ser
atribuídos a ele, a não ser relacionando-o ao sistema linguístico como um todo”
(HALLIDAY, 2014, p. 03 – tradução nossa9). É justamente isso que as metafunções
fazem: relacionam o texto e o sistema linguístico. Do mesmo modo, Halliday &
Matthiessen (1999) explicam que a estrutura do texto é projetada em conformidade
com o contexto. Como exemplo, eles citam uma receita – é o contexto que diz
respeito à produção textual de uma receita e que determina como o texto será
estruturado. Seria possível de se pensar, por exemplo, em um contexto que exija o
9 we cannot explain why a text means what it does, with all the various readings and values that may
be given to it, except by relating it to the linguistic system as a whole (HALLIDAY, 2014, p. 03).
41
repasse de uma informação sobre as instruções a serem executadas acerca de algo,
ou se, contextualmente, houvesse a necessidade da narrativa de um acontecimento.
Em suma, o texto será organizado e estruturado consoante seu contexto de
comunicação, tendo em vista os objetivos da comunicação (já citados) quais sejam:
(i) entender e representar o mundo; e (ii) influir sobre os outros usuários da língua
(HALLIDAY, 2014; HALLIDAY & MATHIESSEM, 1999).
Assim, destaca-se, acerca da teoria sistêmica de Halliday, que “verifica-se,
afinal, que Halliday apresenta um modelo altamente elaborado, no qual diversas
noções se sustentam mutuamente” (NEVES, 1997, p. 75). Acrescenta-se ainda a
observação de que não houve a pretensão de exaurir tal teoria, dada sua
complexidade e extensão. Esclarece-se, portanto, que ainda há outros conceitos que
aqui não foram abordados.
1.4. A Gramática Funcional de Dik
Simon C. Dik, linguista holandês, formou-se e desenvolveu seus estudos
linguísticos na Universidade de Amsterdã durante a segunda metade do século XX e
é considerado um dos grandes nomes da Linguística Funcional, ao lado de Michael
Halliday. Seus estudos de base funcionalista surgiram motivados pelos estudos
formalistas. Em 1978, após anos desenvolvendo análises linguísticas, juntamente
com outros estudiosos, no centro de ciências linguísticas de Amsterdã, Dik lançou
sua teoria da Functional Grammar, ou, Gramática Funcional (doravante, GF). Nessa
teoria o linguista apresenta uma combinação dos estudos descritivos formais e
funcionalistas da estrutura da frase, na qual concebe a linguagem como ferramenta
de comunicação (KOIIJ, 2001).
Em meados da década de 1970, Dik e seus seguidores criaram um modelo
de sintaxe funcional que possibilita a análise da oração em três funções distintas:
sintática, semântica e pragmática (CUNHA, 2012). Essas funções, assim
distribuídas, dizem também respeito ao papel semântico dos elementos. Papel
semântico pode ser entendido como a interpretação semântica dada a um
constituinte da oração. Um exemplo bastante útil acerca disso é exposto por Cunha
(2012) por meio da oração “João chegou cedo”.
42
“João” desempenha a função sintática de sujeito, a função semântica de agente e a função pragmática de tema. Primeiro as funções semânticas são associadas com os predicados no léxico (por exemplo, agente + “chegar”), e o núcleo de uma sentença (no nosso exemplo, “João chegou”) pode ser ampliado por satélites (“cedo”, nesse caso). As funções sintáticas estão relacionadas aos seus elementos e, por último, às funções pragmáticas (CUNHA, 2012, p.
162).
Percebe-se que a linguística deve ser capaz de abordar as regras
semânticas e sintáticas de um lado, e as regras pragmáticas de outro. Ainda, para
Dik (1989), a linguagem possui telos10, ou seja, ele concebe a linguagem como
teleológica11, sendo que o telos de uma linguística funcionalista deve residir na
verificação dos processos relacionados ao sucesso comunicativo entre os falantes
(CUNHA, 2012).
Sobre a GF desenvolvida por Dik nas últimas décadas do século XX, pode-
se dizer, de modo amplo, que é uma teoria geral da organização gramatical das
línguas naturais (MACKENZIE, 1993). Nesse sentido, também Neves (1994) declara
que a “Gramática funcional é uma teoria geral da organização gramatical de línguas
naturais que procura integrar-se em uma teoria global de interação social” (NEVES,
1994, p. 112).
A gramática funcional considera, afinal, a competência comunicativa, isto é, a capacidade que os indivíduos têm não apenas de codificar e decodificar expressões, mas também de usar e interpretar essas expressões de uma maneira internacionalmente satisfatória. Como a Escola de Praga, a gramática funcional tem sempre em consideração o uso das expressões linguísticas na interação verbal, o que pressupõe uma certa pragmatização do componente sintático-semântico do modelo linguístico (NEVES, 1994, p. 113).
Para dar conta das análises no âmbito da codificação e da decodificação de
expressões e de aspectos pragmáticos da língua, a GF coloca em análise, além do
sistema linguístico propriamente dito, a competência comunicativa do usuário da
língua natural (MACKENZIE, 1993). A partir das produções linguísticas desse
usuário (que pode levar em consideração percepções do mundo natural no momento
da elaboração da sua fala ou levar em consideração suas crenças e convicções),
surgiu então a possibilidade de verificar essas produções em diferentes camadas.
10
Palavra de origem grega que significa finalidade. 11
Concepção pertencente ao campo teleologia (estudos filosóficos que se pautam nos conceitos de causa e finalidade). Conceber a linguagem como teleológica é concebê-la como tendo uma causa e uma finalidade.
43
Neves (1997) ainda ressalta que “o que se propõe, afinal, é que a teoria da
gramática constitui um subcomponente integrado da teoria do ‘usuário da língua’”
(NEVES, 1997, p. 78).
Assim, presume-se que muito do nosso conhecimento, especificamente a parte que não é perceptual na natureza, é codificado na forma de representações das proposições na GF, ou seja, em três níveis de entidades. Uma vantagem imediata desta concepção, que é reconhecida por ser polêmica, é que as ligações entre expressões linguísticas e as estruturas de conhecimento com o qual eles são correlacionados em seguida podem ser estabelecidas de forma particularmente direta. Da mesma forma, argumenta-se que operações lógicas podem ser facilmente realizadas em representações proposicionais. Isto ofereceria uma conexão imediata entre processos de raciocínio e suas repercussões linguísticas (MACKENZIE, 1993, p. 11 – tradução nossa12).
Um dos aspectos mais relevantes da GF é a teoria dos níveis estruturais das
unidades linguísticas que permite analisar a relação entre as camadas linguísticas e
as estruturas do conhecimento do falante, ou ainda, do usuário da língua natural
(PEZATTI & DALL’AGLIO-HATTNHER et al, 2003).
Acerca da capacidade linguística dos usuários da língua, cabe destacar
algumas competências essenciais que envolvem a comunicação linguística. Vistas
as faculdades do falante que se encontram subjacentes à formulação linguística que
resulta em textos/discursos, Dik (1989) destaca cinco capacidades que o usuário de
uma língua natural utiliza para estabelecer o processo comunicativo. Quais sejam: (i)
a capacidade linguística; (ii) a capacidade epistêmica; (iii) a capacidade lógica; (iv) a
capacidade perceptual; (v) a capacidade social.
A capacidade linguística diz respeito à competência do Usuário da Língua
Natural (doravante ULN) em produzir e interpretar expressões variadas e complexas
em diferentes situações comunicativas. A capacidade epistêmica está relacionada
com o conhecimento partilhado do falante, o qual o habilita a adquirir esse
conhecimento por meio da linguagem, e, do mesmo modo, compartilhá-lo por meio
12
Thus it is assumed that much of our knowledge, specifically that part which is not perceptual in nature, is coded in the form of FG representations of propositions, i.e. level-3 entities. One immediate advantage of this assumption, which is recognized to be controversial, is that the links between linguistic expressions and the knowledge structures with which they are correlated may then be established in a particularly direct fashion. Similarly, it is argued that logical operations can be readily carried out on propositional representations; this would offer an immediate connection between reasoning processes and their linguistic repercussions (MACKENZIE, 1993, p. 11).
44
de novas formulações linguísticas. A capacidade lógica envolve a aptidão que o ULN
possui de atribuir novos esclarecimentos as informações que recebe por meio dos
princípios lógicos – dedutivos ou probabilísticos. A capacidade perceptual
assemelha-se à capacidade lógica, no sentido de o ULN ser capaz de construir
novos conhecimentos a partir dos conhecimentos aos quais têm acesso. Na
capacidade lógica, esse acesso é possibilitado por meio dos construtos linguísticos,
ao passo que na capacidade perceptual, esse acesso é possível por meio dos novos
conceitos obtidos por intermédio não apenas do conteúdo linguístico, mas também
do espaço físico no qual se encontra o falante e o ouvinte. E, por fim, a capacidade
social, que permite ao ULN realizar um uso linguístico adequado ao contexto
comunicativo que o auxilia na obtenção do objetivo que lhe motivou a iniciar a
comunicação.
A capacidade social remonta a um dos princípios básicos da interação
verbal de acordo com a Linguística Funcional, que é, conforme Dik (1989): tornar
possível que o falante altere as informações pragmáticas em seu ouvinte. Desse
modo, ao falar algo, o ULN sempre estará alterando algum tipo de informação em
seu ouvinte, uma vez que as capacidades epistêmica, lógica e perceptual visam
esse tipo de alteração por meio da associação das informações transmitidas pelo
conteúdo verbal pronunciado pelo falante sobre informações compartilhadas entre
falante e ouvinte. Essas capacidades são materializadas nas orações, sendo as
orações, portanto, a unidade básica de análise da GF.
Em Dik, a descrição de uma expressão linguística começa com a construção de uma predicação subjacente, que é, então, projetada na forma de uma expressão por meio de regras que determinam a forma e a ordem em que os constituintes da predicação subjacente são realizados. A predicação subjacente é basicamente formada por meio da inserção de “termos” (isto é, expressões que podem ser usadas para referir-se a unidades em um dado mundo) em “estruturas de predicado” (esquemas que especificam juntamente com um esqueleto das estruturas nas quais ele pode aparecer) (NEVES, 1997, p. 83).
É importante neste momento relembrar o exemplo citado anteriormente de
“João chegou cedo”, no qual o termo “João” exerce as funções sintática, semântica e
pragmática (sujeito, agente e tema, respectivamente). Para além das funções
sintáticas do termo ou da expansão da oração por meio dos satélites (“cedo”) que se
agregam ao núcleo oracional (João chegou), há alguns constituintes subjacentes a
45
essa construção linguística que a projetaram. Ainda, o ULN utiliza informações que
lhe são subjetivas para materializar sua percepção sobre algo do/no mundo,
adequando sua fala tanto pragmática quanto psicologicamente (NEVES, 1997).
Dik (1989, 1997) explica que as questões pragmáticas de análise da língua
devem observar o fato de a língua ser utilizada tanto para propósitos comunicativos
quanto para a interação verbal. As questões psicológicas-cognitivas de análise
linguística de um ULN, mencionadas no final do parágrafo anterior, dizem respeito
aos processos mentais envolvidos na interpretação e na produção de expressões
linguísticas. Dessa forma, no intento de uma análise que objetive descrever e
explicar uma língua natural de forma satisfatória, Dik cria o que denomina de modelo
de interação verbal (DIK, 1997, p. 410). O modelo de interação verbal considera não
apenas o conteúdo linguístico, mas o conhecimento, a intenção e a interpretação
dos fatos da língua que ocorrem no momento da interação (DIK, 1997). Nesse
modelo, a finalidade principal da interação é a alteração do conteúdo pragmático do
ouvinte, quais sejam suas crenças, opiniões etc. (essa finalidade está atrelada à
capacidade social do ULN, como supracitado). O conteúdo pragmático, nesse caso,
refere-se especificamente a três tipos de informações que falante e ouvinte
possuem: a informação geral (diz respeito ao conhecimento do mundo e suas
características naturais e culturais – assim como de mundo possíveis também), a
informação situacional (informações adquiridas por meio da situação experienciada)
e a informação contextual (as informações advindas das expressões linguísticas)
(DIK, 1997).
Esquema 01: Modelo de interação de Dik (1997, p. 410).
46
Tendo em vista a esquematização desse modelo, destaca-se que em um
evento comunicativo, quando o falante inicia uma fala, ele o faz tendo como base
suas informações pragmáticas e suas intenções, de modo a tentar antecipar – com
base no conhecimento pragmático que ele acredita que seu ouvinte já possui – as
prováveis reações e interpretações possíveis de seu ouvinte. Do mesmo modo, o
ouvinte, ao receber a mensagem, a reconstrói de acordo com seu conhecimento
pragmático. Esse processo de antecipação e reconstrução é mediado pelo
conhecimento de ambos os envolvidos na comunicação e verbalizado por intermédio
de expressões linguísticas no momento da interação.
Dik (1997) distingue dois tipos de conhecimento em seu modelo de interação
verbal: (i) o conhecimento que o falante e o ouvinte possuem antes de iniciarem um
evento comunicativo; (ii) o conhecimento que deriva do contexto imediato do evento
comunicativo. O primeiro diz respeito a um conhecimento mais amplo e se diferencia
entre conhecimento linguístico e conhecimento enciclopédico, o segundo trata de um
conhecimento mais restrito que envolve os conhecimentos situacional e textual (DIK,
1997).
Acerca do conhecimento linguístico, o autor esclarece que este se refere aos
conhecimentos que o ULN possui acerca do léxico e do sistema gramatical da
língua, assim como das regras e convenções sociais para uso da língua. Já acerca
do conhecimento enciclopédico, ou “não-linguístico”, Dik (1997) explica que se trata
de conhecimentos referenciais (sobre entidades do mundo real – coisas, pessoas
etc.), episódicos (ações, estados processos etc. que envolvem as entidades) e
gerais (leis e regras acerca de acontecimentos possíveis em um mundo real ou
imaginável, que envolvem os acontecimentos retratados acerca das entidades e dos
episódios).
Sobre o conhecimento situacional, Dik (1997) explana que este é decorrente
do que pode ser percebido e/ou inferido a partir do evento comunicativo, incluindo
questões dêiticas, espaciais etc. O conhecimento textual é aquele que surge do
conteúdo verbal resultante do conhecimento mais amplo do falante (linguístico e não
linguístico) que é trazido para a situação comunicativa. Em outras palavras, seria
possível apreender o conhecimento textual e o conhecimento que a interação pode
47
proporcionar, por meio da interpretação realizada pelos participantes do evento
comunicativo acerca do conteúdo verbalizado.
Pensando, então, nos tipos informações e conhecimentos apresentados,
destaca-se que eles se relacionam de diferentes formas, atribuindo, aos elementos
que compõem as expressões linguísticas e diferentes funções, como visto no caso
de “João chegou cedo”. As funções dos elementos das expressões linguísticas,
portanto, relacionam-se mais intimamente com o conhecimento linguístico do falante
e são apresentadas por Dik (1989) como função semântica (exercida, representada
pelas entidades), função sintática (exercida, representada pelos episódios) e função
pragmática (o conteúdo informacional de um elemento considerado em um contexto
mais amplo que o do evento comunicativo). Isso posto, ressalta-se que “as
expressões linguísticas devem ser pensadas não como objetos isolados, mas como
instrumentos que são utilizados pelo falante para evocar no ouvinte a interpretação
que deseja” (NEVES, 1997, p. 81).
Isso incorre também nas diferentes composições de Estados de Coisas,
(doravante, EsCo). Por exemplo, em “João chegou cedo à escola” há um EsCo de
processo. Caso o evento fosse descrito por uma expressão do tipo “João está
gripado”, seria um EsCo do tipo que representa um estado, entre outras possíveis
composições de EsCo. Acrescenta-se que há também diferentes parâmetros
semânticos que se mostram nos EsCo, como ser mais ou menos dinâmico, mais ou
menos momentâneo etc. (DIK, 1989).
Lyons (1997), com base nos estudos da filosofia analítica e da semântica
formal, apresenta uma proposta de estudo acerca dos tipos de entidades dos EsCo.
Para o autor, os eventos podem ser descritos por proposições ou expressões
linguísticas que contenham predicados. O predicado é composto por entidades
materiais – que são representados pelo léxico de uma língua natural. Assim, para
Lyons (1977), as expressões linguísticas e as proposições, assim como o léxico,
possuem forma e significado que são determinados gramaticalmente. Daí o fato de o
significado de uma proposição ou expressão linguística não ser determinado apenas
pelo significado das palavras que as compõem, mas também por sua estrutura
gramatical. Isso explica, por exemplo, como uma mesma sequência de palavras
pode significar diferente quando ao invés de declarar, faz-se uma pergunta (“João
48
chegou cedo”, “João chegou cedo?”). Com isso, Lyons (1977, 1997) realiza uma
distinção ontológica dos seres e coisas do mundo real e na forma como o sujeito as
percebe e classifica-as em primeira, segunda e terceira ordem. As entidades de
primeira ordem são representadas lexicalmente com correspondência referencial
(pessoas, animais, coisas). Elas não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo
no mundo real e podem ser qualificadas, adjetivadas (é composta por uma
“predicação central” que engloba entidade e predicado). As entidades de segunda
ordem apresentam eventos, processos etc. e podem ocorrer simultaneamente (como
chover e fazer sol ao mesmo tempo) apresentando um fato possível de acontecer
enquanto evento no mundo real (Estado de Coisas), sem passar pelas crenças e
avaliações do falante. Em suma, as entidades de primeira ordem existem, as de
segunda “ocorrem – acontecem” e é possível observá-las em termos de serem, ou
não, reais. Já as entidades de terceira ordem referem-se às proposições (fatos
possíveis). As proposições, no entanto, não são questionadas em termos de sua
realidade, mas em serem verdadeiras ou falsas, possíveis ou não. Elas possuem
razões e não causas físicas - podem ser afirmadas ou negadas e apresentam
atitudes proposicionais do falante, como crenças, expectativas etc.
Mackenzie (1993) destaca a importância que reside no conceito de Estados
de Coisas (EsCo) para a GF. Um EsCo trata-se de “algo que pode ocorrer em algum
mundo (real ou mental)” (NEVES, 1997, p. 84). Assim, na predicação exemplificada,
assume-se a existência de um mundo em que um ser humano chamado “João”
localiza-se em um tempo passado e realiza uma ação nesse mundo (chegou) em um
determinado momento (cedo). É possível, ainda, acrescentar entidades a predicação
“João chegou cedo”, acrescendo ao EsCo anterior uma localização “João chegou
cedo na escola”. Neves (1997) ressalta que uma predicação pode ser uma
especificação de um EsCo anterior, como em “A professora viu que João chegou
cedo na escola” – marcado pelo tempo verbal. Nesse caso, trata-se também de uma
predicação encaixada, ressaltando que a predicação encaixada difere-se de uma
proposição encaixada. Na predicação encaixada o que é dito refere-se a um
acontecimento em um mundo possível (uma ocorrência em um EsCo), já na
proposição encaixada há um estatuto semântico diferenciado em que o que está
sendo dito não apresenta uma ocorrência no mundo, mas uma interpretação do
falante sobre determinada ocorrência. Nesse sentido, uma proposição é uma
49
predicação construída em uma camada superior, a proposição seria construída por
meio de uma predicação que foi apresentada pelo falante como sendo seu conteúdo
verdadeiro ou falso, lembrado, negado, aceito, duvidoso, refletido etc. (NEVES,
1997). Assim, em “João chegou cedo à escola” e em “A professora viu que João
chegou cedo à escola” há uma predicação simples e uma predicação encaixada,
respectivamente. Ao passo que, em “João chegou cedo à escola porque gosta de
chegar primeiro” há uma proposição realizada pelo falante.
Salienta-se, então, o fato de que um EsCo se trata de um evento que ocorre
em um mundo possível, e a proposição é um construto do falante que expressa seu
entendimento subjetivo acerca de algo. Assim, são nas proposições que tendem a
ocorrer as modalizações – como é possível observar, respectivamente, em “Eu acho
que está chovendo” e “Está chovendo”. Neves (1997) apresenta ainda o conceito de
que, quando a proposição é revestida de força ilocucionária, ela constitui-se como
uma cláusula, que corresponde a um ato de fala (declarativo, assertivo, diretivo etc.).
O conceito de força ilocucionária advém da Teoria dos Atos de Fala – teoria
que surgiu nos estudos filosóficos do meio do século XX sobre a linguagem e teve
como precursor o filósofo britânico John L. Austin Foi também desenvolvida pelo
filósofo norte-americano John Searle. De acordo com essa teoria, a ação de dizer
envolve três atos simultâneos: (i) ato locutório (situado no nível fonético, sintático e
de referência – usado para dizer algo); (ii) ato ilocutório (este é o ato central, que
possui a força performativa – corresponde ao modo como se diz algo e como esse
algo dito é recebido pelo outro de acordo com a força que foi proferida); (iii) ato
perlocutório (equivale aos possíveis resultados obtidos sobre o outro por meio da
linguagem, objetivando ações e atitudes em relação ao ouvinte, como influenciar
pessoas, persuadir, constranger etc.). O que diferencia um ato do outro é a força
ilocutória (ou locucional) – é essa força que faz uma ordem ser uma ordem e não um
pedido, por exemplo (WILSON, 2012). No quadro dois (02) é possível ter uma
perspectiva resumida dos níveis apresentados pela GF.
50
Quadro 02: Os níveis estruturais das unidades linguísticas, conforme modelo de Dik (1989) UNIDADE
ESTRUTURAL TIPO DE ENTIDADE ORDEM EXEMPLOS
Cláusula Ato de fala 4 João chega cedo à escola
Ato de fala declarativo
Proposição Fato possível 3 A professora viu que João chegou cedo à escola
Fato possível de se acreditar
Predicação Estado de coisas 2 João chegou cedo à escola
Fato possível de acontecer
Termo Entidade 1 João, cedo, escola.
Predicado Propriedade/relação
Chegar
[Fonte: adaptação do quadro organizado por Neves (2004, p. 88)].
Para a GF, esses níveis subjacentes às expressões linguísticas são
considerados não ordenados. Desse modo, surgem aparentes regras que tornam
possíveis certos ordenamentos sintáticos dos elementos das expressões (entidades
e predicados), constituindo, assim, as expressões linguísticas (PEZATTI &
DALL’AGLIO-HATTNHER et al, 2003). Tais ordenamentos sintáticos possibilitam a
inserção de conteúdos que podem ser tópicos ou focos.
De forma bastante resumida, o tópico, para a GF, diz respeito a uma função
pragmática que especifica o estatuto informacional dos elementos da oração. Assim,
verifica-se nessa teoria o conceito de Tópico e Foco como modos funcionais de
colocar em evidência as “coisas sobre as quais se fala” e o conteúdo que o falante
deseja salientar sobre constituintes que não são tópicos, respectivamente. Todavia,
por serem funções subjacentes e fora da materialidade oracional (antes que a
oração seja materializada), essas funções podem apresentar certa sobreposição,
fazendo com que haja ocorrências em que o Tópico possa ser simultaneamente
Foco. Também, por serem essas funções constituídas por uma estrutura subjacente
que se materializa na linearidade da oração, acrescenta-se a elas uma dimensão
discursiva (NEVES, 1997).
Destaca-se ainda, ponderando que a GF é uma teoria que leva em
consideração a interação verbal, que a distribuição dos constituintes nas frases,
observando suas posições e sua função (Tópico - Foco), possui papel bastante
relevante. Tais critérios visam, de modo geral, o monitoramento da interação, a
possibilidade de se realizar comentários sobre o conteúdo da própria oração e a
organização do conteúdo verbal que o falante pretende expressar dentro de
determinado contexto (NEVES, 1997).
51
Finaliza-se, salientando que a GF é uma teoria que proporciona um modelo
de análise no qual é possível de se reconhecer os usos linguísticos e a atuação do
usuário de uma língua natural nesse processo. Reconhece-se também que a
abordagem em níveis e camadas permite uma verificação mais aprofundada da
organização linguística realizada pelo falante. Tais conceitos, portanto, nas palavras
de Pezatti & Dall’Aglio-Hattnher et al (2003, on line) “estão fortemente
comprometidos com razões de ordem pragmática que respeitam o exercício da
função interpessoal”.
1.5. A Rhetorical Structure Theory e as relações de coerência
A Rhetorical Structure Theory (RST) teve início com um grupo de
investigadores da Universidade da Califórnia, mais precisamente no Instituto de
Ciências da Informação (Information Sciences Institute) dessa universidade. Os
estudos foram iniciados na década de 1980 e investigavam possíveis formas de criar
programas de geração automática de textos. Alguns membros da equipe notaram a
inexistência de uma teoria de base estrutural ou funcional que apresentasse uma
descrição eficaz e suficientemente detalhada capaz de fornecer um respaldo
satisfatório para a realização de programações em softwares de geração automática
de textos (MANN & TABOADA, 2005-2016). Assim, a RST desenvolveu-se a partir
dos estudos realizados em diferentes textos, estudos esses que observavam e
descreviam detalhadamente o modo como os elementos linguísticos se relacionam
no interior do texto, desde porções menores a maiores.
Para a RST, as porções textuais estabelecem entre si relações de sentido,
organizam a coerência do texto e a combinação dos sentidos entre as orações.
Essas relações de sentido surgem a partir do conteúdo explícito nas porções
textuais. A partir das proposições explícitas surgem as chamadas “proposições
relacionais”, as quais emergem das relações de sentido produzidas pelo conteúdo
explícito (MANN & THOMPSON, 1983).
Essas relações perpassam todo o texto, desde porções textuais maiores
como parágrafos, a porções menores como os períodos oracionais ou as orações.
São as relações que se estabelecem entre essas partes do texto que o tornam
52
coerente e permitem que a comunicação se estabeleça e atinja seus propósitos
(MANN & THOMPSON, 1983, 1988, 2005-2016). Salienta-se que essas relações
podem ser descritas com base na intenção comunicativa e na avaliação que o
falante faz do ouvinte, as quais refletem as escolhas do falante para organizar e
apresentar seus conceitos. A identificação dessas relações pelo analista, por sua
vez, baseia-se em julgamentos funcionais e semânticos, que buscam identificar a
função de cada porção de texto e verificar como o texto produz o efeito desejado no
ouvinte (MANN & THOMPSON, 1983, 1988, 2005-2016).
Conforme Mann & Thompson (1988), esses julgamentos são de
plausibilidade, pois o analista tem acesso ao texto, tem conhecimento do contexto
em que o texto foi produzido e das convenções culturais do produtor do texto e de
seus possíveis receptores, mas não tem acesso à verdadeira intenção comunicativa
do falante, de forma que não é possível de se afirmar com certeza que esta ou
aquela análise é a correta, mas pode-se sugerir uma análise aceitável (MANN &
THOMPSON, 1988).
Sobre a RST, é relevante destacar que Mann & Thompson (1988)
apesentam uma lista com mais de vinte relações, a qual não representa uma lista
fechada - considerando o fato de ser essa teoria recentemente nova, admite-se não
terem sido esgotadas todas as relações possíveis - sendo que estas relações podem
ser apresentadas de acordo com sua organização e de acordo com suas funções.
Como exemplo disso tem-se a lista proposta por Carlson & Marcu (2001).
Em termos de organização, Mann & Thompson (1988) destacam que as
relações podem ser assim divididas: a) relações núcleo-satélite, em que a
informação do satélite é ancilar em relação à informação do núcleo; b) relações
multinucleares, em que as informações presentes nos núcleos são do mesmo
estatuto, conforme figuras um e dois.
Figura 01: Relação núcleo-satélite Figura 02: Relação multinuclear
[Figuras 01 e 02 - fonte: inspiradas em Mann & Thompson (1988)].
53
Com isso, pode-se perceber que as relações hipotáticas são núcleo-satélite,
ao passo que as paratáticas são multinucleares. As relações também são divididas
em dois grupos, de acordo com suas funções globais (MANN & THOMPSON, 1988,
MANN & TABOADA, 2005-2016).
a) Funções que dizem respeito ao assunto, que têm como efeito levar o
enunciatário a reconhecer a relação em questão.
b) Funções que dizem respeito à apresentação da relação, que têm como
efeito aumentar a inclinação do enunciatário a agir de acordo com o conteúdo
do núcleo, concordar com o conteúdo do núcleo, acreditar no conteúdo do
núcleo ou aceitar o conteúdo do núcleo.
Para que se compreendam melhor as relações, a partir das informações
apresentadas, é possível a elaboração do seguinte quadro:
Quadro 03: a divisão das relações.
AS RELAÇÕES PODEM SER DIVIDIDAS POR SUA
ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO
Núcleo-satélite a) Que dizem respeito ao assunto.
b) Que dizem respeito à apresentação da
relação.
Multinuclear
(Fonte: autoria própria)
Assim, de acordo com Taboada (1988, 2009), a partir das relações entre
cláusulas ou entre porções de textos emergem as relações de coerência. Taboada
acrescenta ainda que essas relações podem ser denominadas de relações de
discurso, relações conjuntivas ou relações retóricas13 (Taboada, 2006). O fato de
essas relações estarem explícitas por conectivos ou implícitas pelo não-uso de
conectivos, não impede que o ouvinte do discurso as reconheça. Isso porque, uma
vez que os conteúdos pressupostos no texto, associados à capacidade linguística e
cognitiva do ouvinte, assim como o contexto situacional, possibilitam o
estabelecimento dessas relações.
13
Relação retórica compreendida como sinônimo de relações de coerência. Neste trabalho, para evitar ambiguidades teóricas sobre o termo, optou-se por utilizar a terminologia “relações de coerência”.
54
Em seus estudos, Taboada (2009, p. 127) ressalta que uma das questões
fundamentais no estudo das relações de coerência é como reconhecê-las, tanto do
ponto de vista do analista, quanto do ponto de vista do ouvinte ou leitor. Isso porque
tais relações podem estar explícitas - apresentando o que a autora chama de
“pistas” (que seriam as conjunções e conectivos), ou implícitas, as quais não
possuem uma marcação clara. Assim, há diversos mecanismos de sinalização das
relações entre partes do texto e/ou enunciados que não apenas as conjunções e/ou
também marcadores discursivos sequenciais, no caso dos textos orais. Há
marcadores morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos. Esses marcadores
estabelecem relações que se encontram aparentemente implícitas no texto, mas que
possibilitam que os falantes de uma língua natural possam construí-las mentalmente
(TABOADA, 2009).
Com base na explanação de Taboada (2009, p. 127-128) pode-se citar como
exemplo de marcador morfológico da língua portuguesa as desinências de tempo
verbal, que situam o ouvinte temporalmente no discurso, auxiliando a compreensão.
A marcação sintática é realizada por meio do modo da oração (imperativa,
declarativa ou interrogativa), pela ordem da oração (direta ou indireta) ou pela voz
verbal (ativa ou passiva). A marcação semântica pode ocorrer pelo significado do
verbo que pode apontar relações específicas, entre outras formas, como valoração
lexical etc. A marcação pragmática, por sua vez, ocorre quando se tem, por
exemplo, questões que envolvem a Implicatura Conversacional14.
Observando todos esses aspectos apresentados, surge a possibilidade de
se verificar os processos de construção de sentido e manutenção da coerência
textual, constatando qual seria a organização retórica dos textos argumentativos.
Por conseguinte, é possível ainda de se averiguar as relações semânticas acerca
dos excertos que apresentam maior valor argumentativo no texto por meio das
orações adverbiais pertencentes ao “campo das causalidades” apresentado por
Neves (1999, 2012). Assim como o ouvinte pode vir a interagir com o texto e agir ou
não de acordo com a provável intenção do falante. Ao agir de acordo com as
14
Remete-se, aqui, aos conceitos teóricos desenvolvido por Paul Grice (1956 -1975) que apresenta Implicatura Convencional e Implicatura Conversacional, sendo esta última determinada por questões intrínsecas ao ato comunicativo.
55
prováveis intenções do falante, o ouvinte demonstra que as informações veiculadas
pelo falante foram suficientes para convencê-lo e/ou persuadi-lo.
1.6. A Linguística Textual
Sobre a origem dos estudos teóricos da Linguística Textual, salienta-se que,
“na história da constituição do campo da Linguística de texto, [...] não houve um
desenvolvimento homogêneo" (BENTES, 2012, p. 262). A mesma autora afirma,
ainda, com respaldo nos estudos de Marcuschi (1998) que tal surgimento ocorreu,
simultaneamente, de forma independente em diferentes regiões geográficas e com
propostas teóricas diversas.
Enquanto as teorias funcionalistas fornecem subsídios teóricos para as
análises dos usos linguísticos do falante, a Linguística Textual possibilitará recursos
de análises e compreensão acerca do texto e seus processos de construção (texto
entendido, sinteticamente, como o produto verbal resultante da interação do falante
com seu ouvinte). Destaca-se ainda o fato de ser o texto, em seu processo de
formulação e também como produto acabado, o objeto de estudo do funcionalismo.
As teorias funcionais supracitadas e a Linguística Textual, teorias que
subsidiam algumas noções centrais deste trabalho, possuem uma visão similar
acerca do uso linguístico, e, por consequência, pode-se dizer também, da
argumentação, embora possuam origens e abordagens diferenciadas. É importante
ressaltar, então, algumas questões convergentes que incitaram à análise da
argumentação e seus processos por meio dessas teorias de análise linguística
associadas às teorias argumentativas.
A Linguística Textual possui como princípio a análise de textos. Dessa forma,
ela observa os diferentes propósitos existentes em diferentes textos, visando uma
análise linguística transfrástica. A concepção de texto, nesse caso, consiste no
conceito textual-discursivo, o qual observa não apenas questões enunciativas, mas
também questões de organização interna e seu funcionamento textual, com base em
uma perspectiva sócio interativa da linguagem (MARCUSCHI, 2008, KOCH, 2011,
2014). Ou ainda, o texto incide em um “produto físico”, que pode ser resumido como
“aquilo que resulta de um discurso, que é, por sua vez, analisado como um
56
processo, que leva à construção de um texto” (TRASK, 2011, p. 291), sendo
possível a realização desse processamento “texto-discurso” por diferentes vieses.
A concepção de texto adotada neste trabalho engloba as concepções
funcionalistas e da Linguística Textual de que o texto é um construto comunicativo
que possibilita a interação. Logo, o texto não se constitui apenas como uma
sequência de palavras, frases ou períodos, mas se constitui como um todo, podendo
ser considerado como um bloco semântico detentor de sentido(s), em que até uma
frase como “Olhe!”, devidamente contextualizada, caracteriza-se como um texto
(MARCUSCHI, 2008, 2014; KOCH, 2011). Ainda, “o texto é um evento comunicativo
em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas” (MARCUSCHI, 2008, p.
72). O autor destaca que esses três níveis [linguístico (o construto verbal), social
(contexto sócio-histórico-cultural) e cognitivo (o conhecimento do locutor)] são os
níveis de articulação do texto.
Dessa forma, Marcuschi (2008) salienta que, da textualidade (que surge da
interação mediada pelo material linguístico entre falante e ouvinte) se obtém o texto,
o qual se desencadeia como processo e produto. O texto pode ser observado em
dois eixos: a configuração linguística e a situação comunicativa. No primeiro, tem-se
a cotextualidade, que corresponde aos recursos linguísticos que o falante possui, no
segundo, há a contextualidade, que diz respeito ao conhecimento de mundo do
falante. Os critérios da cotextualidade são apresentados como a coesão e a
coerência, ao passo que os critérios da contextualidade envolvem a
informacionalidade, a situacionalidade, a intertextualidade, a aceitabilidade e a
intencionalidade.
Todos esses elementos apresentados, desde o falante e o ouvinte, aos eixos
e seus critérios, funcionam conjuntamente, para que se obtenha o texto, que pode
ser considerado como o material discursivo.
Destarte, a concepção de texto utilizada como uma unidade de sentidos posta
em uso na interação compreende a interação “face a face”, no caso da língua falada,
e a interação com um ouvinte “invisível”, no caso da escrita (CASTILHO, 2002).
Cabe ainda destacar, portanto, que um texto vai para além da organização
textual, ele envolve também uma estrutura retórica, e mais, ele apresenta elementos
57
pressupostos que podem estar no interior do próprio texto (elementos endofóricos)
ou no exterior dele (elementos exofóricos). O conteúdo verbal de um texto em
relação com seu contexto exterior (social, cultural) específico também pode ser
classificado como coerência. Em geral, a coerência textual é construída por meio
dos fatores endofóricos e exofóricos (TABOADA, 2004). Compreende-se, desta
forma, que os critérios de cotextualidade e contextualidade supracitados não devem
ser vistos como estanques, mas indissociáveis.
Isso faz incorrer novamente na influência que os elementos externos e
internos ao próprio falante exercem sobre o texto (como o mundo do qual ele tem
contato e conhecimento) e na influência de seus conhecimentos cognitivos e
linguísticos, sendo a produção de textos uma questão cognitiva que se representa
verbalmente. Salienta-se ainda que texto e discurso são vistos neste trabalho, como
sinônimos.
1.6.1 A LÍNGUA FALADA
Para situar a concepção de língua em conformidade com os propósitos aqui
pretendidos e com os pressupostos teóricos abordados, ressalta-se a teoria
funcional de Halliday, na qual a língua pode ser entendida como (i) texto e sistema;
(ii) como som, como escrita e como redação; (iii) como estrutura - configurações de
elementos linguísticos; (iv) como recurso - escolhas realizadas entre alternativas
(HALLIDAY, 2004). Destaca-se, portanto, como referência para este estudo, as
concepções de língua da Linguística Funcional e da Linguística Textual – que podem
ser aqui entendidas e resumidas como um conjunto de situações comunicativas
realizadas por meio dos diferentes usos da língua que fazem parte do processo
linguístico. Destacam-se também as diferentes formas da concretização da
linguagem por meio da língua.
As linguagens organizam-se em sistemas, aceitos e conhecidos pela comunidade que se utiliza deles. Por sua vez, ao utilizá-los, os sujeitos adaptam-nos a seus interesses e necessidades e acabam por alterá-los, num processo comunicativo dinâmico (AGUIAR, 2004, p. 40).
58
Dentre esses processos, ressalta-se o processo de linguagem oral, uma vez
que neste se centram os fundamentos das análises propostas sobre causalidade e
argumentação.
Por conter um volume considerável de elementos pragmáticos [...] a língua falada foi considerada durante muito tempo, até meados da década de 1960, como o lugar do “caos”. Entretanto, com o surgimento dos estudos do texto, o enfoque vai deixando de fixar-se apenas no produto e se desloca para o processo. A linguagem deixa de ser vista como mera verbalização e passa a ser incorporada, nas análises textuais, a observação das condições de produção de atividade interacional (FÁVERO, ANDRADE & AQUINO, 2012, p. 17).
Koch (2006) ressalta que a língua falada (doravante LF) favorece a questão
da dinâmica proporcionada pela interação face a face. No entanto, o fato mais
saliente ainda recai sobre a espontaneidade (CHAFE, 1985), considerando que a LF
nem sempre pressupõe turnos de conversação.
A LF pode se situar em diversas situações tantas quantas as diferentes
atividades de interação social permitam, podendo ser simétrica ou assimétrica,
constituir um diálogo ou monólogo, possuir um planejamento maior ou menor, e ser
mais ou menos espontânea, sendo definidor dessas situações o contexto da fala. No
entanto, a observação de questões específicas da fala não quer dizer que a fala e a
escrita devam ser vistas como formas dicotômicas de produção linguística (KOCH,
2006). Marcuschi & Dionísio (2007), em seu ensaio sobre fala e escrita, apresenta
algumas questões centrais:
a) As relações entre oralidade e escrita se dão num contínuo ou gradação
perpassada pelos gêneros textuais.
b) As diferenças entre oralidade e escrita podem ser mais bem observadas
nas atividades de formulação textual manifestadas em cada uma das
duas modalidades e não em parâmetros fixados como regras rígidas.
c) As estratégias interativas com todas as atividades de contextualização,
negociação e informatividade não aparecem com as mesmas marcas na
fala e na escrita.
d) É impossível detectar certos fenômenos formais diferenciais entre a
oralidade e a escrita que sejam exclusivos ou da escrita ou da fala,
59
e) Tanto a fala como a escrita variam de maneira relativamente
considerável.
f) As diferenças mais notáveis entre fala e escrita estão no ponto de vista da
formulação textual.
g) A atividade meta enunciativa e os comentários que se referem à situação
de enunciação são mais frequentes na fala que na escrita.
h) Tanto a fala como a escrita seguem o mesmo sistema linguístico.
i) Fala e escrita distinguem-se quanto ao meio utilizado.
j) Fala e escrita fazem um uso diferenciado das condições contextuais na
produção textual.
k) O tempo de produção e recepção, na fala, é concomitante e, na escrita, é
defasado.
É certo que a fala se destaca com algumas características próprias. A fala
espontânea não é planejada com antecedência, pois acontece no momento da
interação, contrariamente ao texto escrito, não é possível a realização de
“rascunhos” durante a fala: “no texto falado, planejamento e verbalização ocorrem
simultaneamente, porque ele emerge no próprio momento da interação: ela é seu
rascunho” (KOCH, 2006, p. 45).
Os estudos científicos da LF apresentam fatores como o contexto da fala, a
situação, o local, entre outros detalhes que são explícitos no momento da fala, ao
passo que na linguagem escrita tais detalhes como tempo e espaço precisam ser
descritos. No momento da elaboração da fala e pelo grau dialógico em ocorrência, é
possível de se observar a incidência gerada entre a organização das ideias e sua
exteriorização pela fala. Durante esse momento de organização e planejamento no
momento da fala, ocorrem pausas e interrupções no fluxo discursivo, para uma
reorganização e reinício do processo de fala. Essas pausas e interrupções abrem
espaço muitas vezes para a introdução, ou não, de novos tópicos, por meio dos
marcadores discursivos, pares adjacentes, entre outros. Entretanto, fica claro que o
processo de construção do texto recebe constantes atualizações no momento da
enunciação. Na LF, coexistem o planejamento e a execução em tempo real,
decorrendo, daí, fatores como correções de tópico, de interação, pausas,
hesitações, entre outros (MARCUSCHI, 2005, 2007).
60
Em se tratando de língua falada, sempre surgem questões sobre os
diferentes tipos de abordagens realizadas sobre suas formas e seus processos de
construção textual (oral ou escrita). Incluindo, reflexões sobre o fato de a oralidade
se constituir por meio de um processo constante, com suas retomadas, manutenção
tópica, coerência, entre outros. Da mesma forma, aspectos gramaticais e funcionais
da língua também fornecem questionamentos a diferentes campos de estudos,
tendo em vista suas formas fixas (gramatical) e suas formas mais livre (o
funcionamento linguístico espontâneo da LF).
Acerca da LF, Jubran (2006) explicita algumas estratégias de construção do
texto (inserção parentética, correção, paráfrase, repetição, tematização, rematização
e referenciação), as quais podem ser observadas tanto na fala quanto na escrita. A
autora também explana acerca da hesitação e da interrupção como estratégias
passíveis de serem observadas apenas na oralidade, uma vez que não são “visíveis”
durante o processo de construção textual e que correspondem mais ao
processamento para emissão do texto do que propriamente uma estratégia de
construção textual. Desse modo, a hesitação e a interrupção são tidas como
aspectos intrínsecos à oralidade, ao passo que a inserção parentética, a correção, a
paráfrase, a repetição, a tematização, a rematização e a referenciação são
processos que podem ser observados em ambas as formas linguagem verbal – fala
e escrita.
Destaca-se ainda que o corpus utilizado neste estudo é considerado um
corpus de língua falada, assimétrico e espontâneo. Embora se trate de entrevistas,
elas foram realizadas em forma de conversação espontânea, sem planejamento
prévio por parte do entrevistado.
1.6.2 PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO TEXTUAL
De acordo com Castilho (2002), a construção textual acontece a partir de
três módulos: discursivo, semântico e gramatical - todos mediados pelo léxico. Para
o autor, o léxico é o ponto fundamental que possibilita a mobilização do conteúdo
semântico, gramatical e discursivo, sendo o léxico compreendido como “um conjunto
de itens dotados de propriedades semânticas e gramaticais” (Castilho, 2002, p. 56).
61
No instante em que ativamos o léxico, são ativados três processos simultâneos de
construção textual-discursiva: a ativação, a desativação e a reativação.
A construção por ativação é considerada o cerne da organização linguística
tanto na fala quanto na escrita. Por meio dela, selecionam-se palavras e com ela se
organiza: (i) o texto e suas unidades; (ii) as orações e suas estruturas sintagmáticas,
semântica e funcional; (iii) dando-lhes uma representação fonológica (CASTILHO,
2002). Essa representação fonológica não engloba apenas aspectos fonéticos, mas
a representação gráfica dos sons, ou seja, a forma escrita. A construção por
reativação funciona como uma forma anafórica, sendo considerada pelo autor como
identificável em dois tipos de manifestações: a paráfrase e a repetição (CASTILHO,
2002). Já a construção por desativação “é um processo de ruptura na elaboração do
texto e da oração, de que resulta o abandono de segmentos textuais” (CASTILHO,
2002, p. 57). Esse processo é perceptível em anacolutos, elipses etc.
Em todos esses processos, há de se reconhecer certa hierarquia vocabular,
a qual Castilho (2002) distingue em palavras principais: a) nome; b) pronome e
verbo; c) palavras acessórias (como o adjetivo e o adverbio); d) palavras gramaticais
(como a preposição e a conjunção), e também distingue-as como categorias maiores
(A e B), intermediárias (C) e menores (D).
Essa explanação de Castilho é bastante corrente nos meios acadêmicos,
mas cabe frisar que o professor Castilho, em continuidade com seus estudos,
reformulou essa proposta, explicitando que a construção textual ocorre por meio de
uma base sociocultural e não mais uma base lexical (CASTILHO, 2010, 2014).15
Desse modo, Castilho (2010, 2014) postula o que ele denomina de
dispositivo sócio cognitivo16 – dispositivo esse que articula os processos e produtos
15
Conforme primeira apresentação de que a construção textual ocorre a partir de três módulos: discursivo, semântico e gramatical – todos mediados pelo léxico. Castilho (2010, 2014) explica, nesse postulado do dispositivo sócio cognitivo, que o léxico também é um módulo de construção textual, e cada um desses módulos é independente. Desse modo, tem-se que a construção textual ocorre a partir de quatro módulos: discursivo, semântico, gramatical e lexical. 16
O ‘dispositivo sócio cognitivo’ integra as pesquisas realizadas por Castilho com a finalidade de
proporcionar a compreensão da língua como um sistema complexo. Tais pesquisas consistem em uma abordagem multissistêmica, de orientação funcionalista-cognitiva, sendo tal abordagem definida por meio da observação de três postulados expostos pelo autor, dos quais um trata-se do dispositivo sócio cognitivo. Em suma, essa explanação de Castilho advém de sua atual proposta teórica da Abordagem Multissistêmica, que vem sendo formulada desde 1998, e objetiva explicar o funcionamento da língua (CASSTILHO, 2014).
62
linguísticos que ocorrem por meio dos sistemas do léxico, do discurso, da semântica
e da gramática, sendo essa articulação explicitada pelos processos de ativação,
desativação e reativação. Ou seja, os processos de ativação, desativação e
reativação não ocorrem no instante em que o sistema léxico é ativado, mas no
instante em que os sistemas do léxico, do discurso, da semântica e da gramática
são ativados. Ainda, os três processos de construção (ativação, desativação e
reativação) são propostos pelo autor como princípios ou dispositivos: o princípio ou
dispositivo da ativação, o princípio ou dispositivo da desativação e o princípio ou
dispositivo da reativação.
Desse modo, Castilho (2010, p. 79-81) propõe que o princípio da ativação
(ou projeção pragmática) se ancora no princípio da projeção conversacional17, o qual
ocorre no momento da interação, e ativa os módulos, ou propriedades, lexicais,
discursivos, semânticos e gramaticais. O princípio da desativação (ou da elipse)
pode ser pragmático, morfossintático, ou ambos. Pragmático quando o falante
transgride o princípio da projeção pragmática, criando um “vazio conversacional”
(são os casos de verbalizações não esperadas, de respostas que não condizem às
perguntas etc.). Morfossintático quando ocorrem morfema zero, elipses de verbo ou
de sujeitos. E ambos quando em um caso de desativação pragmática ocorrer
desativações morfossintáticas. Em suma, acerca desse princípio, o autor explica que
“a desativação é, portanto, o movimento que ocasiona o abandono de propriedades
que estavam sendo ativadas. Gera-se um silêncio no planejamento verbal, a qual se
seguem simultaneamente as ativações e reativações” (CASTILHO, 2010, p. 80). Já
o princípio da reativação (ou da correção) se fundamenta na estratégia da “correção
pragmática” e pode ser auto corretivo (quando o falante corrige sua própria fala) ou
heterocorretiva (quando o falante corrige a fala de outro que não ele mesmo). Dessa
forma, para o autor, o princípio da reativação visa corrigir erros de planejamento que
surgem no momento da produção textual. Esse princípio explica a ocorrência das
repetições e paráfrases na reformulação do quadro tópico, a repetição e a
organização do sintagma, entre outros fenômenos comuns na construção textual.
Castilho (2010) salienta que todos esses princípios operam simultaneamente, e não
17
O princípio da projeção conversacional, ou projeção pragmática, é o princípio pela qual o falante organiza a estrutura argumental das orações simples e complexas e a inserção de tópicos (CASTILHO, 2010, p. 80).
63
sequencialmente. Nessa proposta, também não se consideram mais questões de
hierarquia de sistemas, como esclarece o próprio autor:
A língua, enquanto produto, é um conjunto de categorias agrupadas em quatro sistemas: (1) Léxico, (2) Discurso, (3) Semântica (4) Gramática. Esses sistemas serão considerados autônomos em relação aos outros, ou seja, não se admitirá que um sistema determina/deriva de outro, nem se proporá uma hierarquia entre eles. Com isso, não se postulará a existência de sistemas centrais e de sistemas periféricos. Em consequência dessa premissa, qualquer expressão linguística exibe ao mesmo tempo características lexicais, discursivas, semânticas e gramaticais (CASTILHO, 2014, p. 91).
Além dos princípios que permitem a construção textual, que atuam
conjuntamente, há também os processos que possibilitam a progressão textual e
que apenas por questões explanatórias encontram-se em apresentações distintas
neste trabalho. Koch (2014) aponta três procedimentos diferenciados sobre como a
progressão textual pode ocorrer, os quais seriam: progressão tópica, progressão
referencial e progressão temática.
A progressão tópica pode ocorrer de modo ininterrupto ou interrupto, sendo
que, no primeiro, há uma manutenção tópica, mesmo que o tópico esteja em
mudança. No segundo modo, há uma interrupção e se passa de um tópico a outro,
sem a devida manutenção.
Um texto compõe-se de segmentos tópicos, direta ou indiretamente relacionados ao tema geral [...]. Um segmento tópico, quando introduzido, mantém-se por um determinado tempo, após o qual, com ou sem um intervalo de transição [...] vai ocorrer a introdução de um novo tópico (KOCH, 2014, p. 136).
Nota-se que o tópico, portanto, não é sinônimo de tema, mas é a ele
relacionado. O tópico pode ser definido como uma porção textual que se caracteriza
por centração e organicidade. A centração se relaciona mais estreitamente com
fatores linguísticos, ao passo que a organicidade é tida como uma unidade mais
relacional e abstrata (KOCH, 2014).
A progressão referencial é realizada por intermédio da introdução de novos
referentes no texto e por meio dos elementos do contexto – que envolvem os
elementos de coesão – ou ainda, anáforas e catáforas. A realização da
referenciação utilizando elementos do próprio texto cria cadeias referenciais que
64
uma vez presentes no enunciado “garantem não só a progressão e a continuidade
referencial, como exercem papel de relevância na orientação argumentativa do
texto, e, por decorrência, na construção textual do sentido” (KOCH, 2014, p. 127).
A progressão temática proposta pela autora pode ocorrer de duas formas: (i)
a forma como se dá a distribuição de Temas e Remas na sucessividade enunciativa;
(ii) como avanço do texto “por meio de novas predicações sobre os elementos
temáticos” (KOCH, 2014, p. 130), sendo elas estreitamente inter-relacionadas de
acordo com a autora.
Cabe ressaltar, nesse ínterim, que a estrutura da oração possui um caráter
informacional. Castilho (2002) utiliza a Teoria da Articulação - Tema e Rema – para
explanar melhor sobre o estatuto informacional da oração. Ele afirma que
Toda oração serve para realizar duas ações básicas e irredutíveis, que descrevemos na linguagem de todos os dias os dias mediante os predicados “falar de” e “dizer que”: o primeiro desses predicados capta o papel de tópico (=Tema), e o segundo, o papel de foco (=Rema). Toda sentença envolveria dois “atos de fala”, cada um dos quais obedece a condições específicas (CASTILHO, 2002, p. 58).
Desse modo, em toda produção textual sempre há o “algo” do qual se fala
(Tema) e o que se diz sobre esse “algo” (Rema), ou seja, ao falar, estamos
constantemente dizendo algo sobre alguma coisa. A informação que atribuímos ao
“algo” sobre o que está sendo dito, considera-se o Rema, e o “algo”, o Tema.
Castilho (2002) amplia a concepção de Tema - Rema criada, a princípio,
apenas para o nível da oração, para o nível do texto. Desse modo, em nível de texto,
também há o Tema, que seria o ponto de partida – o qual, no caso da língua escrita,
constitui-se no parágrafo de abertura, e o Rema, que seria “a exploração desse
ponto de partida, por meio de orações “tematicamente centradas”, isto é, que
contribuem para o andamento do assunto” (CASTILHO, 2002, p. 59). Essa noção de
informatividade da oração, observando a questão de tópico e foco, além de ser
passível de aplicação em nível de texto ou de oração, ainda pode ser observada em
parágrafos.
Os conceitos Tema e Rema vêm-se mostrando como forma valiosa de
observar a coerência e a intencionalidade do falante no momento da produção
textual, destacando que, na perspectiva deste trabalho, as construções do falante
65
envolvem de uma ou outra forma, o estabelecimento de nexos causais, seja nas
relações inerentes à língua ou nos acontecimentos possíveis em mundo real, dos
quais o falante tem conhecimento. Ainda, essa causa pode ser interna ou externa ao
falante (ou seja, pode ser apresentada por ele como causalmente relacionada ou ser
causal em sua natureza, independente de o falante atribuir, ou não, causalidade ao
evento). A importância de se discorrer sobre os processos de formulação textual
reside no fato de que a coerência permeia todos eles, do mesmo modo que as
relações causais.
Koch (2011) destaca que a coerência envolve todos os fatores textuais e,
ainda, “a coerência é vista como um princípio de interpretabilidade do texto, num
processo cooperativo entre produtor e receptor” (KOCH, 2011, p. 103). Com isso
retorna-se a questão do falante de uma língua natural realizar mudanças no
conhecimento de seu ouvinte, sendo essa mudança instaurada por meio de um
processo verbal interativo que necessita haver no conteúdo verbal para que ocorra a
constituição da coerência, sendo as relações de causalidade, em sentido amplo,
reconhecidas pelos envolvidos na comunicação e possibilitando a compreensão
mútua. Para Koch (2011) a compreensão depende estritamente da coerência
existente no texto, e, como já observado, essa coerência se encontra no texto de
diferentes maneiras, por meio das relações entre o próprio conteúdo textual e
também com o que está fora do texto, por assim dizer, o conteúdo contextual. Ou
ainda, como já visto, a coerência emerge das relações que se estabelecem entre
frases, enunciados, cláusulas, porções textuais (maiores ou menores), de modo a
perpassar todo o conteúdo verbal do texto produzido.
1.7. A Perspectiva Textual Interativa
A Perspectiva Textual Interativa (PTI) também fornece um panorama de
estudos que complementam este trabalho, como teoria e/ou como método de
análise. Conforme Jubran (2006), a PTI surgiu a partir da junção de alguns conceitos
da Linguística Textual e da Análise da Conversação, com uma proposta de análise
66
para as ocorrências e usos da língua falada (LF) nos estudos realizados acerca da
LF pelo projeto Normas Urbanas Cultas (NURC18).
Essa perspectiva também observa a língua como interativa em sua essência
e prima pelo aspecto pragmático como meio de orientação da comunicação
estabelecida em um evento comunicativo, possibilitando melhor orientação acerca
da descrição dos dados a partir de situações concretas de uso da língua.
Pragmático, nesse contexto teórico, não diz respeito a molduras dentro das quais se
processam a troca linguística e nem a camadas de enunciações que envolvem a
comunicação. Esse termo deve ser compreendido como sendo as “condições
comunicativas que sustentam a ação verbal e inscrevem-se na superfície textual, de
modo que se observam marcas do processamento formulativo-interacional na
materialidade linguística do texto” (JUBRAN, 2006, p. 29).
Alguns dos principais conceitos dessa perspectiva dizem respeito ao tópico
discursivo e a estratégias de construção textual. Sobre o tópico discursivo é
relevante destacar que ele não se confunde com o conceito de tema - rema,
informação nova - dada, embora possam coincidir com algumas construções
(JUBRAN, 2006).
O tópico decorre, portanto, de um processo que envolve colaborativamente os participantes do ato interacional na construção da conversação, assentada em um complexo de fatores contextuais, entre os quais as circunstâncias em que ocorre o intercâmbio verbal, o grau de conhecimento recíproco dos interlocutores, os conhecimentos partilhados entre eles, sua visão de mundo [...]. A noção de tópico define, pois, não só o processo de interação centrada no estabelecimento do intercâmbio verbal, como também o movimento dinâmico da estrutura conversacional. Assim, o tópico discursivo torna-se um elemento decisivo na constituição de um texto falado, e a estruturação tópica serve como um fio condutor da organização textual interativa (JUBRAN, 2006, p. 90).
18
O NURC foi um projeto desenvolvido por um grupo de renomados linguistas brasileiros a partir de década de 1960, em cinco capitais brasileiras (Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre) com uma abordagem voltada para a língua falada e que possuía os seguintes objetivos: i) coletar material para análises da língua culta falada (aspectos fonológicos, fonéticos, morfossintáticos, sintáticos, lexicais e estilísticos); ii) averiguar a realidade linguístico-cultural do país, sem a preocupação de apontar de regras para o uso linguístico; iii) superar o empirismo na aprendizagem da língua-padrão apresentando a norma culta “real” (e não a ideal/correta); iv) respaldar o ensino em metodologias e em dados linguísticos bem definidos cientificamente; v) identificar as normas tradicionais que ainda eram utilizadas e quais já estavam em desuso (evitando, assim, a sobrecarga no ensino com fatos linguísticos inoperantes; vi) corrigir distorções do sistema de ensino tradicional enlevado por uma orientação “academicista”. (SILVA, 1996, p. 85-86).
67
Percebe-se que o conceito de tópico não é algo por si mesmo, mas decorre
de processos que ocorrem na formulação textual, no momento da interação, os
quais são identificáveis por meio de alguns critérios, como a centração e a
organicidade. Dessa forma, o tópico discursivo se apresenta como uma categoria
analítica que possui propriedades e processos que lhe são intrínsecos.
A centração abrange os traços de concernência (interdependência
semântica entre os segmentos oracionais), relevância (relevo desses segmentos
dado o foco por meio de sua posição) e pontualização (a apresentação de um ou
mais segmentos como foco em determinados momentos do texto) (JUBRAN, 2006).
Já a organicidade apresenta relações que ocorrem no plano hierárquico e no
plano linear. No plano hierárquico analisa-se a interdependência entre tópicos,
considerando a disposição vertical desses tópicos, qual é o tópico central e qual, ou
quais são os tópicos mais particularizadores. Assim, constrói-se uma ordenação
vertical que venha a conter um supertópico, que, por sua vez, contém subtópicos, os
quais podem conter também outros subtópicos em si. Essa divisão em tópicos não
implica diretamente nos níveis hierárquicos – pode haver tópico e subtópico em um
mesmo nível. A hierarquização dos tópicos depende do nível de consideração e
relevância que essas subdivisões tópicas adquirem no texto. No plano linear são
observados critérios de (i) continuidade (apresentação e encerramento do tópico em
andamento), (ii) descontinuidade (ruptura tópica, cisão tópica, expansão tópica) e (iii)
transição superposição e movimento de tópicos (mudanças graduais de tópicos)
(JUBRAN, 2006).
Outro aspecto da PTI que importa para este trabalho são as estratégias de
construção textual, sobretudo a repetição (produção de segmentos textuais idênticos
ou semelhantes, duas ou mais vezes em um mesmo texto de um evento
comunicativo), o parafraseamento (uma estratégia cognitivo-discursiva do sujeito
que realiza construções sintáticas diferenciadas para uma mesma relação
semântica), e a parentetização (que proporciona a inserção de informações
relevantes que não fazem parte do tópico em andamento e que podem, portanto, ser
mais ou menos desviantes do tópico) (JUBRAN, 2006). De acordo com Jubran
(2006), a repetição constitui-se em um mecanismo de formulação, o
parafraseamento em um mecanismo de reformulação e a parentetização em um
68
mecanismo de inserção de informações. Deve-se também levar em consideração
que essas estratégias podem ocorrer separada ou concomitantemente.
As estratégias de construções textuais são recursos de produção linguística
que possibilitam a progressão textual, a organicidade e a centração tópica etc. Em
alguns sentidos, seria possível ainda, dizer que se mesclam com os processos de
progressão textual da Linguística Textual - a estratégia de repetição se associa com
o processo de progressão por referenciação, por exemplo. Tais estratégias podem
ser vistas como resultantes dos processos de construção textual (ativação,
desativação e reativação) citados no item 1.5.2 deste trabalho.
Não foram apresentadas aqui todas as estratégias de construções textuais,
nem todo o arcabouço teórico da PTI, pois assim como nas demais explanações,
não se pretende exaurir essa teoria, nem mesmo seria possível tal feito em uma
pesquisa desta proporção. O que se pretende é apresentar alguns dos conceitos
utilizados para uma melhor análise do corpus, visando a obtenção das pretensões
dos objetivos desta pesquisa.
69
CAPÍTULO 2 - A COMBINAÇÃO DAS ORAÇÕES
Neste capítulo, apresentam-se questões relativas à combinação das orações
adverbiais, situando-as na perspectiva funcionalista, uma vez que nessa perspectiva
a concepção sobre a combinação oracional difere da proposta da “gramática
tradicional”.
2.1. A hipotaxe e a parataxe – uma perspectiva funcionalista
As orações adverbiais têm sido alvo de diferentes estudiosos, sobretudo os
de filiação funcionalista. De acordo com Neves/Braga/Hattnher (2008), entre outros,
a denominação a elas atribuída pela gramática tradicional não se demonstra eficaz
para classificá-las. Critérios semânticos e sintáticos se confundem com critérios
pragmáticos, e, simplesmente enquadrá-las como orações subordinadas não tem
parecido fato aceitável a muitos linguistas, os quais têm realizado diversos estudos e
pesquisas sobre o assunto. A inquietação dos estudiosos da linguagem em
descrever as relações entre cláusulas, não apenas no nível sentencial, mas também
no discursivo, os tem conduzido a substituir o termo “subordinação” por
nomenclaturas e aplicações de parâmetros que melhor descrevam e expliquem
essas relações (DECAT, 2001). Assim, parece relevante apresentar as combinações
oracionais de acordo com os diferentes critérios (sintáticos, semânticos e
pragmáticos) e conforme sua organização e funcionamento discursivo.
Acerca dos critérios sintáticos, destaca-se a explanação de Castilho (2010)
de que as orações adverbiais são caracterizadas, comumente, como orações
complexas (junto com as subordinadas substantivas e adjetivas). Todavia, as
adverbiais apresentam características distintas das demais. “As adverbiais não ficam
confortáveis ao lado das subordinadas substantivas, por exemplo, pois apresentam
uma ligação mais fraca com a sentença matriz” (CASTILHO, 2010, p. 373). Assim,
conforme Neves (1999) e Castilho (2010), as orações adverbiais possuem
características que as diferenciam em relação às outras subordinadas. Questões
como grau de encaixamento e possibilidade de focalização entre as diferentes
orações subordinadas tradicionais e suas orações nucleares fazem emergir
diferentes classificações entre as orações complexas, inclusive entre as adverbiais.
70
Para Castilho (2010), as orações adverbiais, por se diferenciarem das demais
orações complexas, devem pautar suas classificações não apenas sobre as
relações de sentidos que estabelecem, mas também em suas “características
sintáticas heterogêneas distintas” (CASTILHO, 2010, p. 372). Considerando, ainda,
na classificação das orações adverbiais, fatores como junção, contra junção e
disjunção. Para esse autor, outro fator inerente às adverbiais, e não possível de ser
aplicado às orações subordinadas substantivas e adjetivas restritivas, consiste no
fato de as orações adverbiais e as orações adjetivas explicativas serem capazes de
se combinarem com mais de uma oração, uma vez que essa combinação não se
realiza por meio do encaixamento sintático, como ocorre no caso das orações
subordinadas substantivas. Por encaixamento, entende-se a relação argumental de
dependência sintática entre a oração subordinada e a nuclear. Ou seja, o
encaixamento oracional ocorre quando o verbo da oração nuclear necessita como
complemento (argumento) outra oração que se subordine a ela por meio de uma
conjunção integrante, como em “...mas eu creio que é um chamado natural...”19, que
pode ser parafraseado por “eu creio nisso”, ou “a gente seguiu este caminho do
pastorado.../...achando que seria a melhor maneira de servir...dentro da igreja...”20.
Nas orações em que ocorre esse encaixamento, a anteposição da oração
subordinada não é possível e a relação da subordinada se dá exclusivamente com a
oração nuclear, com a qual se liga por meio do conectivo.
Expandindo as questões referentes ao aspecto sintático das adverbiais, e
agregando à discussão as questões lógico-semânticas e pragmáticas, salienta-se
que Halliday (2004) demonstra que as estruturas oracionais podem ser univariadas
(que apresentam a mesma relação funcional) e multivariadas (relações funcionais
variadas). A partir dessas estruturas, tem-se a expansão da interdependência entre
os elementos, implicando no que Halliday (2004) denomina de relações
interdependentes de parataxe e hipotaxe. O sistema tático, ou a taxe, diz respeito ao
grau de interdependência das cláusulas complexas (hipotaxe ou parataxe). Em uma
construção complexa de cláusulas, elas podem se mostrar relacionadas
estruturalmente com outra cláusula de forma interdependente ou independente
19
Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil. 20
Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil.
71
sobre outra cláusula (HALLIDAY, 2004). Para o linguista, “parataxe e hipotaxe são
relações gerais que são as mesmas em toda a gramática: elas definem complexos
em qualquer formação complexa (cláusula, grupo ou frase complexa)” (HALLIDAY,
2004, p. 384 – tradução nossa21).
Esse sistema de interdependência entre as cláusulas se situa no nível
interpessoal da Gramática Sistêmico-Funcional e considera as relações lógico-
semânticas estabelecidas entre elas. Dessa forma, na parataxe, os elementos de um
complexo de cláusulas podem se relacionar sem que dependam sintaticamente da
outra cláusula ou a modifique semanticamente, como nas cláusulas em destaque.
2) ...no início da juventude com uns quinze...dezesseis anos... ...com dezesseis anos especificamente... ...eu fui pra Curitiba...fui embora pra lá...trabalhar e estudar... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
O que se observa é uma ordenação linear, embora as cláusulas completem
o sentido do texto, a primeira e a segunda oração não exercem nenhum tipo de
relação sintática direta com o conteúdo da última oração “trabalhar e estudar”, trata-
se de uma relação semântica e não sintática. Entre a primeira e a segunda oração
“eu fui para Curitiba”, “fui embora pra lá”, há uma relação criada por meio de
anáfora, mas, mesmo assim, é possível, inclusive, a retirada de qualquer uma das
três cláusulas e mater um texto coerente, embora se altere o sentido do texto.
Já na hipotaxe, um elemento do complexo de cláusulas age sobre o outro,
modificando a cláusula com a qual se relaciona, e, nesse sentido, a cláusula
modificadora se torna dependente da cláusula modificada (HALLIDAY, 2004).
3) ...tem uma cidade chamado ah...eh...chamada São João da Cristina...né? ...uma...uma com/uma comunidade rural...né? ...e lá...quando o evangelho foi proclamado...lá...toda família da comunidade...né? ...eh...eh... se converteu a Cristo...e essa família...é a família da minha avó...não é? ...então...desde então...nós/gerações posteriores eh/eh/eh permaneceram na igreja...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
21
Parataxis and hypotaxis are general relationships that are the same throughout the grammar: they define complexes at any rank (clause complex, group or phrase complex).
72
Para Halliday (2004), a parataxe e a hipotaxe são as duas formas básicas
para a apresentação das relações lógicas em um idioma natural. Essas construções
complexas podem ser entre segmentos paratáticos, hipotáticos, ou mesclar ambos.
Nesse sistema de relações lógico-semânticas, Halliday (2004) explica que as
cláusulas complexas possuem propriedades de expansão e projeção, que envolvem
questões simétricas e de sequência linear (expansão) e questões assimétricas e não
lineares (projeção).
Conforme Halliday (2004), na expansão, a cláusula secundária expande a
primeira por meio da (i) elaboração (apresenta fenômenos da mesma ordem de
experiência); (ii) extensão (apresenta fenômenos de ordem superior de experiência –
coisas que as pessoas pensam ou dizem) e (iii) realce (apresenta qualificações). Na
projeção, a cláusula secundária expande a primeira por meio da locução e do
pensamento – ou seja, a projeção transcende essa sequência de eventos ligados
pela expansão, relacionando os eventos ao conteúdo do pensamento (HALLIDAY,
2004). Para exemplificar o funcionamento da cláusula, Halliday (2004) cria o
seguinte esquema.
Esquema 02: O sistema da cláusula complexa – adaptado de Halliday (2004, p.373).
73
A cláusula complexa se realiza por meio da organização desses sistemas
que envolvem a taxe, as relações lógico-semânticas e a recursividade,
simultaneamente, criando o complexo de cláusulas – ou, as cláusulas complexas.
Ressalta-se que a projeção e a expansão podem ocorrer tanto na parataxe quanto
na hipotaxe (HALLIDAY, 2004). Torna-se necessário, ainda, a compreensão de que,
no caso das relações lógico-semânticas de expansão, forma-se o seguinte esquema
em relação ao teor das informações da primeira oração (O-1 - oração modificada) e
da segunda oração (O-2 - oração modificante) - no caso das orações adverbiais,
esse esquema corresponde à oração nuclear (O-1) e à oração modificante, ou
adverbial (O-2). Essa apresentação de O-1 e O-2 possibilita a seguinte observação
em relação aos processos lógico-semânticos: (i) elaboração: relação de equivalência
(O-1= O-2); (ii) extensão: relação de adição (O-1+ O-2); (iii) realce: (relação de
intensificação/desenvolvimento) O-1 x O-2 (HALLIDAY, 2004). Ainda, as cláusulas
paratáticas com relação lógico-semântica de expansão sempre observarão a ordem
de primeiramente haver a ocorrência de O-1 e depois O-2. Esse fato não é o mesmo
para as relações de expansão na hipotaxe, na qual é possível que as orações
ocorram em posições diferenciadas, e não sequencialmente (O-2, e depois O-1).
Para melhor compreensão de tal esquema e de como os sistemas se
cruzam resultando em um complexo de cláusulas ou em cláusulas complexas,
observe-se, por exemplo, que uma cláusula que se encontra no sistema tático da
parataxe com um sistema lógico-semântico de expansão por elaboração apresenta
as chamadas orações apositivas (04). No caso da parataxe de extensão, têm-se as
chamadas coordenadas (05).
4) ...mas o próprio Deus ele disse:...olha...eu vou enviar um... ...se referindo a Jesus...ao Filho de Deus...uma das pessoas da trindade... ...eu vou enviar um... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
5) ...o que que nós achamos que é pecado? ...eh...matou...roubou...fez algumas coisas que são contra... ...eh...problemas que são socialmente e moralmente errado... ...mas...independente de ter feito essas atrocidades...ou não...todos nós somos pecadores... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
74
6) ...então...daí vem a/veio a Igreja Presbiteriana...que tem o sistema presbiteriano de se governar...de se organizar...né? ...e junto com a doutrina..eh/eh/eh presbiteriana do/do potes/protestantismo..né? ...John Calvino/John Knox..sobre alguns pontos doutrinários..não é? ...em relação à graça..a fé..a salvação..né? ...alguns pontos doutrina:rios... ...daí surgiu a igreja presbiteriana... ...e com todo o movimento...as revoluções...e a/as novas conquistas de terra...um grupo foi para a Inglaterra e Estados Unidos...e lá nos Estados Unidos a Igreja Presbiteriana foi se difundindo...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
Em seis (06), há uma hipotaxe de elaboração que resulta em uma oração
complexa tradicionalmente conhecida como adjetiva explicativa. Além dos casos já
citados de expansão, há a projeção na parataxe, que corresponde às construções
de discurso direto, como em sete (07), e a projeção na hipotaxe, correspondendo ao
discurso indireto, como em oito (08).
7) ...naquele momento...quem intercede por mim...é Cristo Jesus...certo? ...segundo a Timóteo...capítulo 2 versículo 5...né? ...Paulo diz assim: “há um só Deus...um só mediador entre Deus e os homens”...né? ...e o nome dele Jesus Cristo...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
8) ...e aqui ele era cem por cento homem...e cem por cento Deus... ...a bíblia nos diz que ele sempre viveu rodeado por todas as hostes celestiais... ...mas ele...então...recebe uma ordem de seu Pai...e vem aqui na Terra... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
Seguindo por esse mesmo cruzamento de sistemas (tático e lógico-
semântico), constata-se nas orações hipotáticas de expansão por realce, as
cláusulas conhecidas como orações adverbiais.
9) ...santo Agostinho teólogo...ou filósofo Agostinho...ele disse assim... ...para ti tudo fizestes e a nossa alma só terá descanso quando estiver contigo... ...em outras palavras...o homem não é só o corpo...e a alma...ele tem um espírito... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)
10) ...e diria assim...a vida sem Deus...ela é muito insípida...é muito sem sabor... ...é uma vida sem graça... ...porque sem:pre vai existir uma lacuna...um espaço no nosso coração...um vazio...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)
75
Pode-se notar a forma como a hipotaxe de realce atua diretamente sobre o
evento da oração com a qual se relaciona, interferindo diretamente no conteúdo
semântico. Diferente da parataxe de extensão (coordenadas), que acrescentam
eventos, mas não alteram o teor do evento na oração que lhe é subsequente.
Ressalta-se, ainda, que existem orações que funcionam como um mecanismo de
incorporação de constituintes entre as estruturas, não incorrendo, nesse caso, nas
relações de hipotaxe ou parataxe (HALLIDAY, 2004). Essas orações são as
conhecidas como orações subordinadas substantivas, e também a adjetiva restritiva
– como já visto, a adjetiva explicativa se relaciona por meio da hipotaxe,
apresentando uma relação de elaboração em que descreve ou explica um conteúdo
que é equivalente ao conteúdo da oração com a qual se relaciona. As orações
hipotáticas de realce (cláusulas adverbiais) são as orações que estão no foco da
análise do presente trabalho.
Decat (2001) aborda a diferença que existe entre cláusulas que se integram
estruturalmente em outras (subordinadas substantivas e adjetivas restritivas) e as
cláusulas que representam opções organizacionais para o usuário da língua (as
adverbiais, participiais e adjetivas explicativas). Essa diferença se baseia
basicamente em questões de “dependência estrutural” e “não dependência
estrutural”, por assim dizer. Ou seja, no caso das orações substantivas e adjetivas
restritivas, as orações são ligadas não apenas semanticamente, mas
estruturalmente, ao passo que nas orações adjetivas explicativas, participiais e
adverbiais, não se nota uma dependência estrutural do mesmo estatuto das outras
orações supracitadas. O que fica evidente é a “estruturação/informação” semântica,
por assim dizer, que essas orações “sem dependência estrutural” realizam nas
construções linguísticas formuladas por meio da hipotaxe, no caso, como citado
anteriormente, por meio das construções linguísticas formuladas por meio da
hipotaxe de realce.
Por hipotaxe de realce entenda-se o fenômeno de articulação de cláusulas que se combinam para modificar, ou expandir, de alguma forma a informação contida em outra cláusula (ou porção de discurso), o que é manifestado pelas relações circunstanciais. Nesse caso, uma cláusula realça, salienta o significado de outra, qualificando-a com referência a tempo, modo, lugar, causa ou condição. Segunda Halliday, a combinação “realce+hipotaxe” dá origem ao que tradicionalmente se chama de cláusula adverbial e que constitui – nos termos de Thompson e outros autores [...] – uma opção de organização discursiva (DECAT, 2001, p. 111).
76
A autora destaca que, em se tratando de orações adverbiais, a utilização de
nomenclaturas que visam classificar e categorizar essas orações não é capaz de se
sustentar, uma vez que para classificar tais orações é preciso encontrar a função
que elas exercem no contexto do texto que estão presentes. Isso porque, mais do
que se articularem hipotaticamente, as orações adverbiais exercem funções
discursivas que apenas podem ser analisadas contextualmente.
Salienta-se, ainda, que esta pesquisa considera que a cláusula possui
funções discursivas variadas, constituindo-se como satélites nos termos da
perspectiva da Rethorical Structure Theory (RST). Do mesmo modo, a oração que é
modificada pela adverbial, conhecida como matriz ou nuclear, é compreendida como
núcleo. Com isso, esclarece que os termos oração adverbial, cláusulas adverbiais,
hipotáticas de realce e satélites (ou orações satélites) são tratadas como sinônimas,
assim como oração matriz e oração núcleo (ou nuclear) também são consideradas
termos equivalentes neste trabalho.
Decat (2001) chama a atenção para o fato da observância do escopo da
cláusula adverbial. A oração adverbial pode tanto se constituir em uma oração
satélite (adverbial), que possui escopo sobre mais de uma oração núcleo (matriz), ou
mais de uma oração satélite (adverbial), que apresentam escopo sobre uma única
oração núcleo (matriz). Como nos exemplos onze (11) – em que a oração adverbial
de causa apresenta escopo sobre as duas orações anteriores a ela, e em doze (12) -
em que há duas orações adverbiais condicionais modificando uma única oração
nuclear.
11) ...eu achava isso muito difícil de acreditar...nunca...nunca entendi... ...e quanto mais eu pesquisava...mais eu me tornava ateu mesmo... ...porque são várias religiões e vários deuses... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
12) ...eh...na religião católica...se você chegar lá e disser que Maria não é virgem...você::...educadamente será apedrejada pelos seus irmãos... ...eh...no::...espiritismo...se você quiser acreditar que Maria é virgem... ...ou se você quiser provar que Maria não é virgem... ...que me parece que é o mais lógico... ...ninguém vai te apedrejar... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
77
Contrariamente ao que se percebe na nomenclatura tradicional, as orações
adverbiais nem sempre estabelecem relações com a oração nuclear que sejam
realmente as relações expressas pelos conectivos. De acordo com Decat (2001, p.
128), “importa o tipo de proposição relacional que emerge da articulação de
cláusulas, e não a marca lexical dessa relação”. Com isso, fica explícita a questão
de que as relações entre as cláusulas podem ocorrer explicitamente (por meio de
conjunções) ou implicitamente (orações justapostas), mas também podem
demonstrar uma relação diferente da que está explícita na conjunção. Como em
treze (13), que apresenta uma relação de condição devido ao conectivo SE, e em
(14), que apresenta mais uma causa/motivo do que uma condição.
13) ...agora...se você me desse oportunidade...eu ia te mostrar...porque eu creio assim...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
14) ...mas esse é um processo que seria plantado através amizade... ...há alguém que nos fez...impossível não acreditar numa divindade... ...e se ele nos fez...ele nos fez para ele... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
Dessa forma, salienta-se que as orações hipotáticas, além de suas
atribuições sintáticas, semânticas e pragmáticas, possuem também uma
representativa atuação na organização discursiva. Ou ainda, de acordo com Decat
(2001), entende-se “a hipotaxe como um tipo de articulação de cláusulas, refletindo
a organização do discurso, e a cláusula hipotática como uma opção organizacional”
(DECAT, 2001, p. 150).
Observada a funcionalidade das orações hipotáticas de realce, seu modo de
funcionamento, as relações que estabelecem e os escopos que exercem, ressalta-
se que essas orações estarão sempre salientando ou realçando uma informação.
Importa investigar como essas informações evidenciadas são capazes de produzir
um ou outro efeito no ouvinte. Importa investigar como a organização dessas
orações pode alterar a informação pragmática do ouvinte.
78
CAPÍTULO 3 - CAUSA: DOMÍNIOS SEMÂNTICOS E CONSTRUÇÕES
Esta seção apresenta o posicionamento teórico adotado e expõe os
conceitos acerca da causalidade, da zona da causalidade e da coerência,
abordando as relações entre esses conceitos.
3.1. Conceitos de causa
O conceito de causa tem sido amplamente estudado em diversas áreas do
conhecimento humano. Na antiguidade clássica - com seus estudos filosóficos, na
Psicologia, na Linguística.
O filósofo grego Aristóteles, em sua obra “Metafísica”22, no capítulo III,
apresenta a teoria que ficou conhecida comumente como “A teoria Aristotélica das
quatro causas”, na qual ele discorre sobre o fato de apenas conhecermos
determinada coisa quando conhecemos sua causa, e indica quatro sentidos que ele
atribui à palavra causa, sendo: (i) causa material; (ii) causa eficiente; (iii) causa
formal; (iv) causa final. O primeiro diz respeito à substância que se constitui como
causa/origem, o segundo refere-se à matéria como causa e o que é ou pode ser
feito com ela, o terceiro aborda o “de onde vem” (em termos de movimento, e não
mais de matéria inerte) e o quarto sentido ao conceito de causa é “o fim para que” –
a finalidade que se origina de determinada causa. Essa sucinta apresentação, além
de evidenciar os estudos do conceito de causa na filosofia, tem a intenção de
apresentar a temporalidade das reflexões acerca das relações de causa, sendo que,
embora esteja fora do âmbito estritamente linguístico, por ele se expresse.
Na Psicologia Social, vale destacar os conceitos de causa presentes na
“Teoria da Atribuição” de Bernard Weiner, na qual ele apresenta o “Lócus de
causalidade” – que seria a localização da causa como sendo interna ou externa ao
indivíduo. Sob esta perspectiva, há também os estudos de Harold Kelley e sua
“Teoria da Covariação”, que observa se a causa é decorrente de um fator interno ou
externo, dividindo a forma como as pessoas atribuem a causa dos acontecimentos
em situacional (externa) – na qual a causa é atribuída a fatores externos e fora do
22
No capítulo III da Metafísica, Aristóteles cita a existência de estudos anteriores aos dele sobre o conceito de causa na filosofia, todavia, foi esse filósofo quem compendiou uma “teoria sobre argumentação” que se difundiu no ocidente.
79
domínio de controle do indivíduo, como por exemplo, um estrago ocasionado pela
chuva, ou disposicional (interna) – em que a causa está atrelada às ações e
decisões do próprio sujeito, sendo ele o responsável por apresentar uma causa para
determinado fato.
Em suma, os estudos filosóficos, linguísticos e psicológicos têm, durante
muito tempo, se mantido paralelos, e em outros casos, até mesmo atrelados. O que
se quer destacar é o fato de que essas áreas do conhecimento, embora de certa
forma distintas, se comunicam, e não apenas essas, mas muitas outras áreas do
saber observam, reconhecem, estudam e analisam questões de causalidade.
A Linguística Cognitiva tem-se ocupado com estudos que avaliam a forma
como as pessoas atribuem a causa ao fato/consequência por meio da linguagem.
Meyer (2000) afirma que toda atividade humana, em seus diferentes níveis (noções
de responsabilidade, transações econômicas etc.) envolve uma causalidade.
A razão pela qual a "lei da causalidade", ou ao menos, a noção de causalidade, ainda continua forte, é independente de seu status na natureza ou ciência. Causalidade é simplesmente um princípio indispensável na organização da vida quotidiana das pessoas, tanto sobre o indivíduo e seu grupo social e, por consequência, também no nível das sociedades, Estados e relações internacionais (MEYER, 2000, p. 10 – tradução nossa23).
Percebe-se que a noção de causalidade transcende o simples vínculo
estabelecido entre orações, seja por relações sintáticas ou por relações semânticas
– mais semânticas do que sintáticas, no caso das adverbiais. A causalidade abrange
diferentes e variadas áreas de atividades humanas, assim como fenômenos físicos,
o que faz desse tipo de relação um instrumento valioso na utilização linguística. Ela
é capaz de construir um texto argumentativo não apenas por meio de construções
sintáticas, mas também por meio de toda relação de causa que transparece nas
relações semânticas e pragmáticas, implícita ou explicitamente, ao conteúdo que é
enunciado. Envolve também fatores extratextuais (conhecimento de mundo),
ocorrência que também colabora para a coerência textual.
23
The reason why the "law of causality", or at least the notion of causality, is still going strong, is independent of its status in nature or science. Causality is simply an indispensable principle in the organisation of people's everyday lives, both on the individual and the micro-group level, and, a fortiori, also on the level of societies, states, and international relations
80
Sob uma perspectiva funcionalista, como exposto no capítulo um, é fato
comum que a linguagem não consiste em um sistema autônomo, uma vez que a
língua é regida por fatores externos. Também a concepção de língua considera a
linguagem como instrumento de comunicação entre os seres humanos, sendo o
principal objetivo da língua, estabelecer a comunicação inter-humana. Atualmente,
diferentes estudos e perspectivas teóricas voltaram-se para diferentes pesquisas e
análises, a fim de evidenciar que as relações causais não se estabelecem
linguisticamente apenas por meio de determinadas conjunções. Acredita-se, neste
trabalho, que a causalidade é algo intrínseca às estruturas subjacentes das
expressões linguísticas.
Conforme Maat & Sanders (2000), diferentes relações causais podem ser
percebidas em diferentes orações e contextos, embora utilizem a mesma conjunção.
Ou seja, uma mesma conjunção pode proporcionar leituras que demonstram
diferentes relações causais, ou conjunções diferentes podem incorrer em uma
compreensão similar da relação que se estabelece entre as orações. Além do
modelo em níveis, de Dik (1989), o modelo em camadas, de Sweetser (1990), tem
sido bastante eficaz para explicar essas ocorrências, devido ao fato de que essas
diferentes leituras ocorrem em níveis diferentes e não se restringem as relações
estabelecidas por conectivos. Tais propostas envolvem o contexto situacional e
também as relações estabelecidas entre as experiências de mundo dos envolvidos
na situação comunicacional. Esses fatores irão influenciar a leitura e a compreensão
das relações que se estabelecem entre as orações, assim como dos nexos causais.
Dessa forma, diferentes conectivos podem expressar diferentes relações e
diferentes níveis de leitura semântica. Ainda, um mesmo conectivo também
possibilita leituras em diferentes níveis, quais sejam: de conteúdo, epistêmico e de
ato de fala. Fato que explicaria essas diferentes leituras (MAAT & SANDERS, 2000).
Ressalta-se que o modelo de Sweetser (1990) pode ser compreendido
dentro do modelo de estudos em camadas ou níveis de expressão linguística de
uma língua, conforme modelo de Dik (1989), Hengeveld (1989) e Hengeveld et al
(1990). No modelo de Dik (1989), o primeiro nível é o do predicado, que, designando
propriedade ou relações, se aplica a certo número de termos, referentes a
entidades, para produzir o segundo nível, mais elevado, a predicação (NEVES,
1999). A predicação designa um Estado de Coisas concebido como algo que pode
81
ocorrer em algum mundo – real ou mental. A predicação pode então ser construída
em um terceiro nível, a proposição. A proposição, por sua vez, designa um conteúdo
proposicional, um fato possível. O ato de fala seria o quarto nível, que corresponde a
uma proposição revestida de força ilocucionária (NEVES, 1999). Lembrando que,
para Dik, a cláusula é construída por meio das estruturas subjacentes, que vão se
“interpondo” até atingir o estatuto de cláusula – frase.
Quadro 04: Os níveis estruturais das unidades linguísticas conforme, modelo de Dik (1989)
UNIDADE ESTRUTURAL
TIPO DE ENTIDADE ORDEM
Cláusula Ato de fala 4 Ato de fala declarativo
Proposição Fato possível 3 Fato possível de se acreditar Predicação Estado de coisas 2 Fato possível de acontecer
Termo Entidade 1
Predicado Propriedade/relação
[Fonte: adaptação do quadro organizado por Neves (2004, p. 88)]
Dessa forma, Neves (1999) esclarece que seria possível estabelecer o
seguinte paralelo em relação aos três diferentes domínios de interpretação
semântica:
Quadro 05: Quadro comparativo das terminações utilizadas por Dik (1989) e por Sweetser (1990)
Modelo de Dik (1989) Domínios de Sweetser (1990)
Predicação (EsCo) Nível do conteúdo
Proposição (fato possível) Nível Epistêmico
Frase (Ato de Fala) Nível conversacional/Ato de fala
[Fonte: inspirado em Neves (1999)]
Neves (1999) propõe ainda acrescentar às relações propostas entre
Sweetser e Dik a discussão das metafunções de Halliday (ideacional, interpessoal e
textual), o que nos proporciona um novo quadro, observando que o nível textual
perpassa todos os níveis.
82
Quadro 06: Correlação entre as metafunções de Halliday, teoria dos níveis de Sweetser (1990) e a teoria das camadas de Dik (1989).
Metafunções de Halliday
Sweetser Dik Exemplo
Ideacional (relações entre eventos) Externo à situação comunicativa
Domínio de conteúdo Predicação A rua está molhada
porque choveu.
Interpessoal (relações entre argumentos) Interno à situação comunicativa
Domínio epistêmico Proposição Ele podia inclusive bater na criança, porque ele estava ali no papel de pai.
Domínio de atos de fala
Frase Nenhuma vez ela mandou sair de perto e ir pro parquinho porque ela tava atendendo alguém.
[Fonte: inspirado em Neves (1999)].
Pensando nas construções causais, chama-se a atenção para a utilização
das conjunções como forma de junção, uma vez que esta pesquisa se refere às
orações conjuncionais. Para Halliday & Hasan (1976) há quatro categorias de
conjunções – aditiva, adversativa, causal e temporal, as quais podem expressar dois
tipos de relações: relações entre eventos e relações entre argumentos. Tal
compreensão apresenta-se de modo a fortalecer a proposta de uma possibilidade de
uma leitura com correspondência lógico-semântica entre orações adverbiais
(hipotaxe) e coordenadas (parataxe), tal como apresenta Neves (2012).
As relações entre eventos apresentam fenômenos externos à situação de
comunicação. Essas relações podem ser chamadas de experienciais ou ideacionais
e são interpretadas como uma relação entre os significados, no sentido de
representações de conteúdo de uma realidade ou experiência externa. Corresponde
ao domínio de conteúdo do Sweetser (1990) ou ao nível da predicação de Dik
(1989).
Já as relações entre argumentos são aquelas que se estabelecem entre
fenômenos internos à situação de comunicação. Aqui, os segmentos são
relacionados com etapas em um argumento24, significando primeiro uma proposição
no jogo do discurso, e depois outra. Pode ainda ser chamada de interpessoal, ocorre
24
Argumento aqui compreendido como cada um dos sintagmas nominais exigidos pelo verbo.
83
no âmbito da construção de significados e da representação das impressões
particulares do falante acerca da situação. Corresponderia aos domínios epistêmicos
e dos atos de fala de Sweetser (1990) e aos níveis da proposição e da frase de Dik
(1989).
A discussão acerca das camadas e níveis de expressão linguística é
relevante sob o escopo de que, a partir das relações estabelecidas entre elas, torna-
se possível observar o conceito de causalidade que permeia os estudos linguísticos
de cunho funcionalista. De modo mais pontual, pode-se dizer que o domínio no qual
se situa a oração incorre diretamente na argumentação enquanto estratégia
discursiva.25
É possível perceber, então, a partir dessas considerações, que o conceito de
causalidade parece possuir um domínio maior que simplesmente o da construção
oracional, e, ainda, que tais construções são criadas e representadas de acordo com
as experiências e os propósitos do falante. Isso, mesmo apesar da noção de causa
ser comumente atribuída a relações estabelecidas entre orações adverbiais causais.
Para Neves (1999), entre as relações estabelecidas no domínio epistêmico e
no domínio dos atos de fala, não há uma legitimidade causal efetiva como “efeito” ou
resultado de outra ação, mas a causalidade é estabelecida porque o falante enuncia
determinados estados de coisas como causalmente relacionados, não importando a
materialidade, a efetividade, a realidade ou não dessa causalidade. Assim, a
estrutura em camadas proporciona a análise de construções linguísticas em uma
espécie de continuum causal, em que há desde uma construção causal definida
sobre base material – causa eficiente (domínio do conteúdo) até a camada mais alta
em que a causa é definida por uma base cognitiva (atos de fala).
Sweetser (2000) aponta que uma interpretação correta das construções
causais não depende da forma, mas de uma escolha pragmaticamente motivada
para a consideração das construções como representações de unidades de
conteúdo, entidades lógicas ou de atos de fala. Daí a atribuição do relevo à intenção
25
A partir dos apontamentos de NEVES (1999, 2000, 2012) é possível vislumbrar a argumentação discursiva como um recurso que se situa em diferentes domínios, de acordo com a argumentação pretendida pelo falante. Poderia se pensar, por exemplo, em argumentos discursivos de causa e efeito que se situam, normalmente, no domínio conteúdo, ou ainda, um argumento de autoridade que pode se situar tanto no domínio epistêmico quanto no de atos de fala, etc.
84
comunicativa do falante. Linguisticamente, o que se compreende como uma relação
de causa poderia ser vista como um construto linguístico que representa fatos e
coisas possíveis em um mundo real ou imaginário, por meio da proposição. Ainda,
nas palavras de Jakobson (2007, p. 44), “Toda experiência cognitiva pode ser
traduzida e classificada em qualquer língua existente”, e, com isso, explicitar de
modo mais ou menos marcado, suas possíveis relações de causa.
Maat & Sanders (2000) frisam que o a teoria dos três domínios de Sweetser
(1990), contudo, deve ser observada como hipótese para pesquisas empíricas da
linguagem em uso, considerando que a alegação de fatores apenas semânticos e/ou
pragmáticos não é específica o bastante para explicar os diferentes significados e
usos destas conjunções.
Da mesma forma, na literatura linguística sobre conectivos e subordinação adverbial, a primeira distinção relevante está entre o domínio de conteúdo e o epistêmico. Parece que vamos ter que permitir a ideia de que, quanto à tipologia de causalidade, uma distinção do tipo [“volitivos”.] pode ser tão fundamental como àquela entre domínios de conteúdo e domínios epistêmicos (MAAT & SANDERS, 2000, p. 63 – tradução nossa26).
Após a realização de testes empíricos utilizando conectivos causais
holandeses, os autores destacam que:
A suposta distinção entre a causalidade no domínio de conteúdo e no domínio epistêmico permanece não marcada no campo dos conectivos holandeses mais comuns, enquanto a distinção entre as relações não-volitivos e volitivos é marcada linguisticamente por conectivos causais comumente usados (MAAT & SANDERS, 2000, p. 63 – tradução nossa27).
Com isso, os linguistas chamam a atenção para a importância de se
considerar a volição ou não volição existentes entre as relações nos diferentes
domínios e acrescentam às relações causais, além da “causalidade epistêmica”, “de
conteúdo” e “de atos de fala”, uma “causalidade volitiva”. Por conseguinte, tanto a
causalidade que se demonstra no nível epistêmico e a volitiva “envolvem um sujeito
26
Similarly, in the linguistic literature on connectives and adverbial subordination, the first relevant distinction is between content and epistemic. It seems we might have to allow for the idea that, as far as the typology of causality is concerned, a distinction of the type ["volitional] may be as fundamental as the one between content and epistemic domains (MAAT & SANDERS, 2000, p. 63. 27
the purported distinction between content and epistemic causality remains unmarked in the field of most common Dutch connectives, while the distinction between volitional and non-volitional relations is marked linguistically by commonly used causal connectives (MAAT & SANDERS, 2000, p. 64).
85
animado, uma pessoa, cuja intencionalidade é conceituada como a fonte última do
evento causal, seja um ato de raciocínio ou atividade algum ‘mundo real’” (MAAT &
SANDERS, 2000, p. 64 – tradução nossa).
Uma vez que a possibilidade de haver diferentes compreensões de relações
causais não ocorre no nível do conteúdo, a problematização passa a ser, em maior
parte, no nível epistêmico e no nível dos atos de fala de Sweetser (1990), surgindo
então a atribuição de Maat & Sanders (2000) à questão da volição.
Parece que, para nós seres humanos, uma distinção fundamental é a distinção entre eventos, finalmente, proveniente de alguma mente, e eventos que se originam de causas não-intencionais, entre as causas que localizam-se fundamentalmente em um assunto de consciência e as que estão localizadas no mundo inanimado. Essa distinção é tão fundamental que aparece de forma semelhante em diferentes níveis linguísticos, e é muitas vezes a única distinção marcada explicitamente por meio de alguma forma linguística (MAAT & SANDERS, 2000, p. 64 – tradução nossa28).
Parece, portanto, que a causalidade pode encontrar diferentes formas de se
manifestar linguisticamente, de acordo com a concepção que o falante tem acerca
da causa que relaciona os eventos por ele apresentados. Também o fato de que, no
mundo (real ou possível) as ocorrências são regidas, de certa forma, por critérios
lógicos que envolvem critérios de causalidades. Com isso, entende-se que os
constituintes das orações não são escolhidos aleatoriamente, mas obedecem a
critérios lógicos para a realização dos eventos. Desse modo, um evento pode ser um
evento-causa, um evento-efeito ou um evento-consequência
(NEVES/BRAGA/HATTNHER, 2008). Para uma ressalva do que seja efeito ou
consequência, destaca-se que “só os fatos ou fenômenos físicos têm causa, os atos
ou atitudes praticados ou assumidos pelo homem têm razões, motivos [...]. Da
mesma forma, os primeiros têm efeitos, e os segundos, consequências” (GARCIA,
1973, p. 221).
Neves (2009) destaca o fato de que, na linguística funcional, observa-se
como os falantes e os ouvintes têm capacidade de transmitir informações por meio
28
it seems that to us humans a very fundamental distinction is the one between events ultimately originating from some mind, and events that originate from non-intentional causes; between causes that are crucially located in a subject of consciousness, and those that are located in the inanimate world. This distinction is so fundamental that it shows up in similar ways at different linguistic levels and is often the only one marked explicitly by means of some linguistic form (MAAT & SANDERS, 2000, p. 64).
86
das expressões linguísticas, considerando para isso as capacidades do usuário da
língua natural29.
Tem-se, dessa forma, que, no modelo funcional, consideram-se fatores
internos e externos não apenas à língua, mas também aos produtores e receptores
do discurso, que precisam se utilizar da linguagem de modo satisfatório, tanto na
produção quanto na recepção do conteúdo linguístico. Para isso, os usuários da
língua se ancoram em situações extralinguísticas e também cognitivas que lhes são
particulares e outras socialmente compartilhadas. Ocorre daí a correlação intrínseca
ao ato comunicativo como produção linguística, vinculada à intenção comunicativa
do falante e seu conhecimento de mundo, assim como o modo pelo qual esse
indivíduo observa a realidade existente, interpretando-a por meio de nexos causais.
Dessa maneira, os domínios causais existentes são variados e complexos e
não podem ser classificados linguisticamente somente por determinados conectivos,
o que seria extremamente limitador para qualquer forma de expressão verbal. Os
domínios causais, ou de relações causais, são passíveis, portanto, de se fazerem
representar, linguisticamente, de diferentes formas, incluídas construções adverbiais
tradicionalmente classificadas com outras denominações que não a causal, como as
consecutivas, concessivas etc.
Nas próximas seções, alguns critérios pertinentes à hipotaxe adverbial e às
construções causais serão ainda detalhados. A pretensão da apresentação dos
níveis e domínios causais é apenas uma forma de demonstrar como se compreende
o conceito da causalidade nos estudos linguísticos funcionalistas, firmando-se, para
isso, em conteúdos pertinentes às relações causais também de outras áreas de
estudos científicos.
3.2 O campo semântico da causalidade
Uma vez observada a abrangência dos domínios causais em relação às
atividades humanas e em suas possibilidades de representação verbal, pretende-se
demonstrar, a partir das possibilidades de construções linguísticas, que as orações
29
Conforme o conceito de Dik (1989), já exposto no capítulo um deste trabalho, subseção 1.4.
87
adverbiais são capazes de expressar diferentes relações causais, embora algumas
sejam classificadas como estabelecedoras de outros tipos de relações. As orações
hipotáticas, apesar de apresentarem conectivos que expressem, tradicionalmente,
relações fixas entre as orações que as compõem, têm apresentado um campo
semântico de causalidade, ou seja, mesmo sendo iniciadas por conjunções que
estabelecem outras relações que não causais apresentam variáveis que
pressupõem uma causa para o conteúdo da oração nuclear, conforme estudos
realizados por Neves (1999, 2000, 2012).
Neves (2012) aponta que há uma correlação semântica entre as orações
subordinadas adverbiais causais, condicionais e concessivas. De acordo com a
autora, há um extremo em que a relação de causa é afirmada (construções causais),
um extremo em que o vínculo causal entre as orações é negado (construções
concessivas), e um espaço intermediário em que a relação de causa entre as
orações é hipotetizada (condicionais).
Comumente se classificam como orações causais aquelas iniciadas pela
conjunção porque e seus equivalentes: como, pois, que, já que, visto como, por
causa que etc., e que apresentam uma relação de causa-consequência ou causa-
efeito entre os eventos (ou, como veicula entre os livros didáticos, entre a oração
nuclear e a “subordinada”) – seria a oração causal em sentido estrito.
Desse modo, a oração causal stricto sensu aborda a relação entre estado de
coisas, indicando apenas “causa real/efetiva/eficiente”, implicando uma
subsequência temporal do efeito em relação à causa. Todavia, existem diferentes
domínios semânticos de causa, e por isso há a necessidade de se pensar as
construções causais para além das relações de causa-efeito e/ou causa-
consequência (NEVES, 2012).
Sob uma perspectiva discursiva, as orações causais são consideradas por
Neves/Braga/Hattnher (2008, p. 946) como construções que apresentam formações
articuladas, por assim dizer, entre fundo (oração causal) e figura (oração nuclear).
88
Por figura, entende-se aquela porção do texto narrativo que apresenta a sequência temporal de eventos concluídos, pontuais, afirmativos, factuais, sob a responsabilidade de um agente, que constitui a comunicação central. Já fundo corresponde à descrição de ações e eventos simultâneos à cadeia da figura, além da descrição de estados, da localização dos participantes da narrativa e dos comentários avaliativos (CUNHA, COSTA E CEZARIO, 2015, p. 31 – grifo no original).
Há casos de orações causais em que a posição de tópico se altera, como
nas orações introduzidas por como. Destaca-se que Neves (1999, 2000) aponta que
as construções encabeçadas com porque se constituem sempre como uma
“resposta”, trazendo não apenas a informação nova, mas também o foco
informacional. De acordo com a autora, esse aspecto dessas orações é o que
favorece a posposição das construções causais com porque/ que.
Nesse momento cabe retornar ao conceito de que “a relação causal, na
verdade, raramente se refere a simples acontecimentos ou situações de um mundo”
(NEVES, 2000, p. 804), ou à subsequência temporal.
Para a autora, as orações causais devem ser explicadas observando três
diferentes domínios de interpretação semântica: (i) O domínio do conteúdo; (ii) o
domínio epistêmico; (iii) o domínio dos atos de fala, conforme modelo de Sweetser
(1990).
O domínio do conteúdo marca a causalidade de um evento no mundo real,
entre EsCos. O domínio epistêmico considera que a causalidade não se dá apenas
entre EsCos, mas entre fatos possíveis, e marca a causa por meio de uma crença
ou conclusão. O domínio dos atos de fala apresenta a relação de causalidade que
reside na expressão de causa que motivou o ato linguístico e indica uma explicação
causal do ato de fala que está sendo desempenhado.
Conforme os conceitos de Sweetser (2000) e Dik (1989) das construções
vistas em diferentes níveis e camadas, destaca-se que as orações que
tradicionalmente são vistas como orações causais, passam a ser denominadas por
Neves (1999) construções causais. Isso porque a causalidade pode ser descrita
verbalmente por meio das construções causais entre proposições ou entre frases,
não apenas na subordinação, mas também na coordenação.
89
Nas construções causais entre proposições é que surge a questão da
verificação da existência da relação causal. Essas construções são encabeçadas
pela conjunção porque e seus equivalentes, incluindo locuções conjuntivas, e
apresentam uma interdependência entre a oração nuclear e a causal.
Acerca das construções causais conjuncionais, a questão não é dois
estados de coisas se relacionarem causalmente, mas é o falante apresentá-los
dessa forma (NEVES, 1999). No nível epistêmico, tem-se uma causalidade
anunciada, e não cientificamente comprovada como ocorre na predicação ou no
domínio do conteúdo. Dizer que se tem uma “causalidade anunciada”, equivale a
dizer que se tem uma causalidade como sendo apresentada pelo falante, passando
por julgamentos de razão, motivo, explicação etc., e não uma causalidade material.
Com isso, pode-se dizer que as relações de causa em diferentes níveis,
assim como a anteposição ou a posposição são diferentes estratégias que regem a
escolha, com diferentes efeitos informativo-pragmáticos. Ainda, as construções
causais podem ser distinguidas como causais de enunciado (tradicionalmente
classificadas como subordinação causal) e causais de enunciação (tradicionalmente
classificadas como coordenação causal). A diferença entre esses tipos de
construção não consiste unicamente no fato que as causais sejam todas inter-
ordenadas ou coordenadas, ou em parte coordenadas e/ou em parte inter-
ordenadas, mas também na forma como as causais de enunciado e enunciação se
relacionam linguisticamente (NEVES, 1999).
Para além das construções causais prototípicas, por assim dizer, existem
outras adverbiais que são capazes de estabelecer relações de causa. Pensando
nessas construções e na zona da causalidade, é possível obter o seguinte quadro:
Quadro 07: Formas de apresentação da causa.
Tipos de oração Como a causa é
apresentada
Ênfase
Causal Causa afirmada Na causa
Concessiva Causa negada Na negação
Condicional Causa hipotetizada Na possibilidade
Temporal
(com valor causal)
Causa hipotetizada Na possibilidade
[Fonte: inspirado em Neves (2012)].
90
À vista disso, assim como as construções causais podem ser inter-ordenadas
ou coordenadas, as concessivas e as condicionais também apresentam uma
construção em camadas. Ainda, refletindo sobre esse campo de causalidade que
envolve critérios semânticos, cognitivos e pragmáticos, cabe reafirmar que tais
construções permitem que a relação de causa seja percebida devido aos seus
diferentes domínios. Para Dancygier & Sweetser (2000), os nexos de causalidade
nas construções oracionais são passíveis de ocorrer de diversas formas e em
diferentes níveis de interpretação. Os aspectos cognitivos e os domínios em que
essas construções são interpretadas podem ser tão importantes quanto às demais
escolhas realizadas pelo falante, para que a causalidade seja interpretada e
reconhecida nessas orações (DANCYGIER & SWEETSER, 2000). Assim, uma
oração hipotática causal que não seja de conteúdo, cognitivamente reflete um
estado de coisas (EsCo) que corresponde diretamente ao mundo real. Em outras
palavras, no caso de uma oração adverbial causal epistêmica, ela é baseada em
uma relação de conteúdo subjacente, em que a causalidade é expressa de forma
derivada, refletindo uma linha de raciocínio que evoca eventos ou situações do
mundo (NOORDMAN & BLIJZER, 2000). O que se pretende demonstrar é que os
domínios de realização dessas construções são, em parte, o que possibilita trazer
para sua superfície linguística essa causalidade que lhe é intrínseca, independente
de suas caracterizações tradicionais, e isso é operacionalizado, por assim dizer,
pelos participantes do discurso.
Quanto aos dos domínios de interpretações semânticas das orações,
considera-se uma oração adverbial causal no nível do conteúdo, “quando a relação
de causalidade fica estabelecida entre estados de coisas, que estão relacionados
por uma causalidade que fica estabelecida em um mundo qualquer” (NEVES &
BRAGA, 2016, p. 133).
15) ...a bíblia diz assim que na viração do dia eles estavam lá...e Deus estava lá para conversar com eles...face a face...né? ...quando o pecado entra... ...daí é Gênesis...capítulo três... ...aí vem a descrição de Moisés dizendo que eles tiveram vergonha de Deus e se esconderam de Deus... ...fizeram roupas de figueira...porque descobriram que estavam nus...né? ...e se esconderam de Deus... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
91
16) ...e quanto mais eu pesquisava...mais eu me tornava ateu mesmo... ...porque são várias religiões e vários deuses... ...e aí não...não me conven::ce...nenhum deles... ...e...ainda mais por ser muitos...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
Esses tipos de construções apresentam (EsCo), demonstrando como a
causalidade ocorre no nível do conteúdo [ou da predicação, conforme modelo de Dik
(1985)]. Isso implica dizer que elas retratam a ideia, o conceito de algo no mundo,
não envolvendo prioritariamente conceitos de crenças, motivos, explicações etc.,
mas uma relação entre eventos que implica um nexo causal firmado no resultado de
ações que se realizam no mundo, das quais apresentam a causa na oração
subordinada e a consequência ou efeito, na oração nuclear.
Ainda, conforme Neves (1999), nesse tipo de construção, a causalidade
obtida no enunciado é mais forte, sendo definida de acordo com uma base material.
Neves (1999, 2000), Halliday & Hasan (1976), entre outros, distinguem as
relações expressas entre as orações subordinadas e nucleares a partir das
categorias de conjunção, que resultam em relações entre eventos e relações entre
argumentos. A primeira relação diz respeito à
Relação entre fenômenos externos à situação de comunicação e é, por isso, chamada externa. Tal relação pode ainda ser chamada de referencial (ou ideacional), e é interpretada como uma relação entre os significados no sentido de representações de conteúdos (ou experiências) da realidade externa (NEVES, 2000, p. 473).
Assim, observa-se que as ações responsáveis pelo estabelecimento das
relações são contextualizadas por acontecimentos externos, ou ainda,
acontecimentos no mundo real que são apenas apresentados, constatados pelo
falante, note que o falante não demonstra questões de crenças etc. O pastor
apresenta uma causa real: “estavam nus” (exemplo 15) – um acontecimento que
resultou na confecção de roupas para eles. Tanto o fato de estar nu, quanto o fato
de confeccionarem roupas para si, apresentam realidades externas que
influenciaram diretamente na relação entre os eventos. Do mesmo modo, no
exemplo dezesseis (16), a existência de várias religiões, que é uma causa externa à
situação, resulta no efeito produzido sobre o falante, qual seja, realizar várias
pesquisas.
92
No caso dos níveis epistêmicos e de atos de fala, as relações não se dão
entre eventos, mas entre argumentos. Acerca da relação entre argumentos, Neves &
Braga (2016) ressaltam que:
A relação entre argumentos é aquela que se estabelece entre segmentos do discurso, segmentos que estão relacionados entre si como etapas de uma argumentação, uma relação inerente à situação comunicativa, isto é, de fonte interpessoal. Trata-se, portanto, de uma relação entre significados como representação das interpretações particulares do falante acerca da situação NEVES & BRAGA, 2016, p. 13 – destaque no texto original).
Esse tipo de relação, portanto, pode ser considerada como mais volitiva e/ou
mais intencional em sua elaboração por parte do falante, tendo em vista que ele não
apenas irá falar sobre algo no mundo de modo a relacionar eventos apenas. A
relação entre essas orações visam mais que apresentar fatos do mundo real e suas
consequências/efeitos, visa apresentá-los de forma subjetiva, relacionando-os de
acordo com suas intenções, independentes das “leis de ação-reação”, por assim
dizer. Assim, cada oração relacionada constitui segmentos, partes que compõem
uma argumentação que possui como principal fonte as intenções do falante e/ou
suas crenças, apresentando motivos e razões para determinadas coisas.
As orações conjuntivas causais pertencentes ao domínio epistêmico e dos
atos de fala foram observadas de acordo com a relação entre argumentos, com as
categorias de conjunção, de Halliday & Hasan (1976), e em suas relações lógico-
semânticas e pragmáticas, assim como as causais do domínio de conteúdo.
17) ...quando era pequeno...participava...assim...da igreja católica...evangélica...de várias igrejas assim... ...e:...não sei se é porque eu participei de muitas eu acabei não acreditando em nenhuma... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
Uma oração causal no domínio epistêmico – ao contrário da que se
estabelece no domínio do conteúdo, como já apresentado, relaciona argumentos e
não eventos, e, assim, parece denotar maior argumentatividade do que a de
conteúdo. Embora seja possível pensar que a contestação de ideias entre orações
de conteúdo seja dificultada pelo fato de relacionar eventos de estados de coisas, as
93
do domínio epistêmico parecem orientar semântica e pragmaticamente mais do que
as do domínio de conteúdo.30
Neves (2000) explica que o fato de essas relações ocorrerem entre
proposições – relacionando argumentos e não entre eventos – aponta para o fato de
que a causa material dessas orações não é significativa ao ponto de firmar as
relações semânticas de causalidade em um âmbito não tão subjetivo quanto o de
questões semânticas. O que acontece com as orações epistêmicas é que essa
“materialidade” dos EsCo se torna menos relevante em termos de construção
causal, assim, o que ocorre é que “o falante a enuncia como causalmente
relacionada, não importando a materialidade / a efetividade / a realidade, ou não,
dessa causalidade” (NEVES, 2000, p. 474).
As orações hipotáticas condicionais, por sua vez, apresentam três tipos de
ocorrências semânticas entre as orações, sendo as orações que formam as
construções condicionais denominadas de prótase – a primeira oração,
condicionante da segunda, e apódose – a segunda oração, condicionada pela
primeira. Para fazer referência às orações condicionais, também serão utilizados os
termos oração 1 (para a prótase - a oração condicional) e oração 2 (para a apódose
- a oração nuclear). As ocorrências semânticas entre as orações condicionais podem
ser de três tipos: factual, potencial ou contrafactual (CASTILHO, 2010).
Factual – o enunciado da prótase é tido como real e o enunciado da apódose
é visto como consequência da prótase e igualmente real. Essas construções
apontam para “o mundo do já sabido” e são formadas normalmente por [se +
indicativo/indicativo] (CASTILHO, 2010, p. 375-376). Potencial – o conteúdo da
prótase é um evento possível, mas necessita que a apódose o confirme, ou seja,
essas orações representam o mundo “epistemicamente possível” (CASTILHO, 2010,
p. 376). Contrafactuais – a informação da prótase é contrária à realidade e as
orações apresentam uma construção com se + verbo no subjuntivo na prótase e a
30
Pensando na refutação de argumentos lógicos, as orações causais de conteúdo parecem melhor se adequar a elas, o que aparenta uma dificuldade maior na contestação das ideias. É possível recorrer aqui à frase de domínio comum “contra fatos não há argumentos” a fim de exemplificar o conceito que se pretende aqui transmitir (não adentrando, obviamente, no conceito filosófico do que vem a ser um fato). Já as orações do domínio epistêmico, assim como de atos de fala, parecem se enquadrar melhor nos argumentos retóricos. Essa distinção se baseia apenas nos conceitos dos tipos de raciocínios (lógicos e preferíveis) de Aristóteles – conforme apresentado no capítulo quatro, subseção 4.1.2, deste trabalho.
94
forma em – ria na apódose (CASTILHO, 2010, p. 376). Nas porções textuais
seguintes, é possível observar a ocorrência de condicionais factuais, potenciais e
contrafactuais, respectivamente.
18) ...e nós estamos aí...aptos a prosseguir:...eh...na busca de moradas cada vez melhores... ...de tal forma que nós não precisamos do céu... ...o céu...se você obserVAR... ...todos os religiosos falam do céu...mas ninguém quer ir... ...então...eu te convido a conhecer a doutrina espírita...para saber que há muito mais entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
19) ...o que faz parte da doutrina espirita é o avanço...
...tanto que Allan Kardec diz o seguinte:...se um dia...a ciência comprovar que a doutrina espírita está errada...nós ficaremos com a ciência e deixaremos a doutrina espírita... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
20) ...agora...se você me desse oportunidade...eu ia te mostrar...porque eu creio assim...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
Nos três exemplos, as orações se situam no nível do conteúdo. Uma
condicional no domínio epistêmico, por exemplo, envolveria tanto o critério de o
evento na prótase ser confirmado pela apódose, quanto à questão de crenças do
falante. Como em
21) ...é só você:...pedir perdão e...que você vai pro céu... ...se você acredita nisso...ah/ah...dá a impressão que a sua moral fica um pouco frouxa... ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum...você tem que ser o responsável...pelo que você faz... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
Ainda, destaca-se que as orações condicionais vão para além dos tipos –
factuais, contrafactuais e potenciais, que parecem se referir basicamente à relação
do valor de verdade estabelecido entre as cláusulas ou da sua atuação em
diferentes níveis. Elas denotam também uma causa hipotetizada entre os eventos
das orações. Neves (2012) demonstra que a condicionalidade pode se tratar da
correspondência de uma alternância entre os eventos das orações, em nível
paratático, ou que apresentam uma condicionalidade explícita em nível hipotático.
Considerando, portanto, esses aspectos, e o fato de poder haver uma diluição na
correspondência condicional, essa diluição possibilita uma nova perspectiva de
95
análise, na qual se nota que há uma relação causal mesmo em orações tipicamente
condicionais ou concessivas. Assim, para Neves (2012, 2016), a relação causal em
uma oração hipotática de causa é de uma causa afirmada, ao passo que na oração
condicional, a causa é hipotetizada. Dessa forma, crê-se que essas construções que
apresentam correspondência básica nas paratáticas alternativas podem funcionar
como argumento, assim como atribuir maior força argumentativa ao texto produzido.
Acerca das orações condicionais, é importante destacar ainda sua função
discursiva de tópico. O conceito de tópico discursivo já foi apresentado no capítulo
um, nas subseções 1.6 e 1.6.2 deste trabalho, por esse motivo, apenas se destaca
que tópico é aqui compreendido como uma manifestação linguística decorrente da
interação pela linguagem oral, e, por conseguinte, espontâneo, o qual se manifesta
“mediante enunciados formulados pelos interlocutores a respeito de um conjunto de
referentes, concernentes entre si e em relevância num determinado ponto da
mensagem” (JUBRAN, 2006, p. 91).
Dizer que a oração hipotática condicional possui – quando anteposta a
oração nuclear – função de tópico discursivo, implica compreender que esse
conteúdo verbal adquire um estatuto de maior relevância para o responsável pela
fala. Ou seja, não se observa apenas os critérios de Haiman31 (1978) sobre
questões morfológicas ou sobre o fato de a informação da condicional e do tópico
ser dada e constituir-se em moldura de referência, mas são consideradas também
questões pragmáticas, observadas pela linguística textual, de que esses conteúdos
são assim apresentados por questões como as supracitadas, e que implicam relevo
e focalização de informação no texto, contribuindo também para a coerência textual.
Desse modo, ao observar a seguinte porção textual, percebe-se como a
oração condicional apresenta, nesse caso, mais do que questões de condição ou de
causa, há relevo informacional. Na última ocorrência, percebe-se, além do destaque
informacional, uma condição, ou seja, a condição expressa pela oração se torna
mais evidente do que nas duas primeiras.
31
Haiman (1978) foi um dos precursores dos estudos linguísticos no que tange sobre as orações condicionais como tópicos, unindo os estudos que havia na época (nas áreas de filosofia e linguística) para fundamentar sua proposta. Embora criticado por alguns linguistas – como Sweetser - seus conceitos de “condicionais-tópico” ainda são amplamente utilizados.
96
22) ...POR exemplo...a questão dogmática da igreja...de quase todas as igrejas...de que::...Deus e Jesus Cristo são uma pessoa só:...isso no espiritismo não tem fundamento algum... ...o próprio Cristo chama Deus de pai...e me parece que o pai e o filho tem uma certa diferença... ...eh...na religião católica...se você chegar lá e disser que Maria não é virgem...você::...educadamente será apedrejada pelos seus irmãos... ...eh...no::...espiritismo...se você quiser acreditar que Maria é virgem...ou se você quiser provar que Maria não é virgem...que me parece que é o mais lógico...ninguém vai te apedrejar... ...então...essas questões dogmáticas não fazem parte da doutrina espírita... ...o que faz parte da doutrina espirita é o avanço... ...tanto que Allan Kardec diz o seguinte...se um dia...a ciência comprovar que a doutrina espírita está errada...nós ficaremos com a ciência e deixaremos a doutrina espírita... ...então...você me perguntou por que estou na doutrina espírita? ...porque me parece que é a mais LÓgica e a mais RAcional... ...a lógica e a razão sempre há de preceder uma discussão espírita... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
Observe que a anteposição propicia ao falante focalizar um tema - o qual
seria a atitude e a crença possível de seu ouvinte em relação a uma questão
dogmática - em detrimento de outro - que seria a atitude daqueles que já tem
definida sua posição em relação à questão dogmática apresentada.
Ressalta-se que tal concepção se estende às construções causais, conforme
denominadas já no início deste trabalho, e a todas as construções que apresentem
relações de causa e efeito, seja por meio de diluições de correspondências
semânticas básicas em diferentes camadas de predicação ou por correspondências
diretas, quer sejam conjuncionais ou não.
Essa correspondência situa-se nos limites das correspondências da
interdependência semântica e pragmática das orações paratáticas e hipotáticas,
limites que geram um “lugar semântico”, o qual Neves (2012) denomina de “zona de
diluição das correspondências básicas”. Assim, nessa “zona de diluição”, as
correspondências básicas de algumas adverbiais (causal, condicional e concessiva)
apresentam uma diluição da correspondência semântica de causa, condição e
concessão.
Acerca da oração concessiva, sob uma perspectiva lógico-semântica e
respaldada por estudos funcionalistas, destaca-se que esse tipo de oração adverbial
deve ser analisada considerando o fato de que ela realiza mais do que uma relação
de expectativa contrária à oração com a qual se relaciona. As orações concessivas
97
apresentam relações de verdade em sua interdependência, nas quais a verdade ou
o fato do conteúdo expresso na oração adverbial concessiva não são suficientes
para negar, impedir ou invalidar a verdade ou o fato expresso na oração nuclear.
Essas orações apresentam uma tênue diferença entre as orações adverbiais
condicionais e as orações coordenadas adversativas, assim como expressam
também nexos de causa (NEVES, 2015).
Os tipos de orações concessivas são subclassificadas, como no caso das
condicionais, em factuais, potenciais e contrafactuais, e também se situam em
diferentes domínios. Outra característica das orações concessivas, conforme
(NEVES, 2015), é o encaminhamento argumentativo dessas orações. No exemplo
vinte e três, há uma oração adverbial concessiva factual no domínio do conteúdo.
23) ...podemos nos equivocar... ...mas ele vai fazer você sentir pa:z...certe:za...confian:ça e desejo de prosseguir... ...mesmo quando você não vê exatamente o fim do túnel... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)
Pensando na proposta de representação dessas orações de Neves (2015),
em que p corresponde à oração concessiva e q corresponde a nuclear, destaca-se o
seguinte:
p r
q= não r
q= argumento mais forte para não r do que p é para r.
Assim, obtém-se a seguinte representação
p mesmo quando você não vê exatamente o fim do túnel
q= ele vai fazer você sentir pa:z...certe:za...confia:nça e desejo de prosseguir
q= argumento da nuclear se torna mais válido/forte do que o argumento da
adverbial.
Dessa forma, essa construção apresenta dois fatos dos quais um será
considerado mais válido que o outro, nesse caso, o conteúdo da nuclear se mostra
sempre mais válido do que o da adverbial. Neves (1999) explica que a anteposição
98
da adverbial concessiva funciona discursivamente como contra-argumento e a
posposição como um adendo.
No exemplo apresentado, a adverbial concessiva possui função de adendo
em relação ao fato expresso na oração nuclear, orientando argumentativamente o
ouvinte. Já no exemplo vinte e quatro, a anteposição funciona como um contra-
argumento – o falante antecipa uma informação na adverbial que não invalida a
informação que ele (falante) apresenta (na oração nuclear).
24) ...apesar de o outro que não/não tem a mesma fé...e pensa que a gente faz proselitismo no sentido de convencer o outro a vir... ...a Bíblia é muito clara que quem convence é o Espírito Santo de Deus...né?
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
Cabe ainda apresentar o exposto em Neves (2012), de que as tradicionais
correspondências causais podem ser representadas não apenas pela hipotaxe
causal, mas também pela parataxe explicativa. O mesmo ocorre com a hipotaxe
condicional, que possui correspondência na parataxe alternativa, e a hipotaxe
concessiva, com correspondência na parataxe adversativa. Sintetizando, recorre-se
ao quadro de Neves (2012, p. 162) que propõe o cruzamento dos núcleos centrais
de valores.
Quadro 08: Núcleo de valores adverbiais no cruzamento das relações táticas32 com relações lógico-semânticas e pragmáticas (NEVES, 2012, p. 162).
PARATAXE HIPOTAXE
CAUSALIDADE CONDICIONALIDADE CONCESSIVIDADE
ADIÇÃO JUNÇÃO
Factualidade Afirmação
ALTERNÂNCIA DISJUNÇÃO Eventualidade
Dúvida
CONTRASTE CONTRA JUNÇÃO Contrafactualidade
Negação
[Fonte: Inspirado em Neves (2012)]
Assim, tem-se a diluição da correspondência básica possibilitando que
algumas orações apresentem uma construção em nível paratático ou hipotático,
explicitando junção, disjunção ou contra junção entre os segmentos oracionais. Esse
32
Denominação de Halliday (1994), termo ligado ao grego táxis, “posição”, “disposição”.
99
fenômeno possibilita que as correspondências semânticas de causa, condição e
concessão (e em alguns casos, as temporais) apresentem diluição em suas
correspondências de causalidade, concessividade e condicionalidade, criando o que
Neves chama de “campo de causalidades”.
Em suma, observando a amplitude de construções que se inter-relacionam de
forma tática, possibilitando leituras de causalidade, percebe-se que as relações de
causa parecem permear mais do que apenas as orações reconhecidas como
adverbiais causais.
Antes de encerrar esta seção, e pensando nesta abrangência semântico
pragmática e cognitiva que envolve as relações de causa presentes nas orações
hipotáticas, é possível ainda pensar nas orações finais como causa “antecipada”, em
que a causa motivadora da realização do evento funciona como um “meio” que
possibilita, viabiliza a finalidade. A oração hipotática final, dessa forma, apresenta a
causa como fonte de possibilidade para executar determinada ação ou fato, sendo
que a relação de causa-consequência ou causa-efeito é mantida, antecipando a
causa, que estaria na oração nuclear e apontando para o efeito, que estaria na
subordinada final, mantendo a ordem temporal de causa-efeito/ consequência e
enfatizando o efeito ou resultado, e não a causa, como se demonstra a seguir:
a) Estudei muito para passar de ano
b) Estudei muito porque queria passar de ano
c) Se estudasse muito, passaria de ano.
d) Embora tenha estudado muito, não passei de ano.
Sob essa possibilidade de perspectiva, considerando o que já foi exposto, e
observando os exemplos, é possível o seguinte quadro.
Quadro 09: Formas de apresentação da causa (2).
Tipo de oração Como a causa é apresentada Ênfase
Causal Causa afirmada Na causa
Concessiva Causa negada Na negação
Condicional Causa hipotetizada Na possibilidade
Temporal
(com valor causal)
Causa hipotetizada Na possibilidade
Final Causa como Meio No efeito/resultado
[Fonte: Inspirado em Neves (2012)]
100
Haja vista, portanto, que as orações finais podem apresentar uma causa
construída pela própria finalidade apresentada, por assim dizer, sendo que a ênfase
comunicacional e o foco de intenção do falante residem na finalidade como resultado
de algum evento-causa que se encontra na oração nuclear. E a causa se apresenta
como o meio que possibilitou atingir determinada finalidade.
Neves (2012) demonstra com bastante clareza a importância do modelo
funcionalista de interação verbal ao assumir o valor do componente cognitivo
perceptual na origem da realização da fala, demonstrado que os enunciados nascem
condicionados por esse componente. Esse componente é responsável também pela
produção de sentidos na interação linguística (NEVES, 2012). A autora cita os
estudos de Garcia (1994) nos quais são verificados como as quatro leis de base
Peirciana (redundância, subtendido, preferência e pressuposição) podem incorrer
em diferentes esquemas perceptivos que influenciam na forma de articulação das
orações – paratáticas ou hipotáticas - criando uma zona de fluidez que acarretaria
nos casos já vistos de conjunções tipicamente concessivas ou causais, que
assumem relações diferentes das tradicionais, por exemplo.
3.3. A coerência e os vínculos causais
A coerência costuma ser vista tradicionalmente como subjacente ao texto,
independentemente, ou não, dos elementos de coesão (uma vez que “pode haver
textos coesos e sem coerência, e textos coerentes sem elementos de coesão”), mas
normalmente a eles associados (CASTILHO, 2008). A coerência abordada neste
trabalho diz respeito não apenas àquela que se estabelece por meio das conjunções
ou dos organizadores textuais, mas sobretudo, a que se constrói entre as porções
textuais. A coerência não diz respeito apenas de um conteúdo subjacente ao texto,
mas deve ser observada como um fator linguístico que sobressai das relações que
são estabelecidas entre as porções dos textos, e por isso é a ele subjacente (MANN
& THOMPSON, 1988; MANN & TABOADA, 2005-2016).
Taboada & Gómez–González (2012) evidenciam que as relações de
coerência podem ser estabelecidas tanto nas cláusulas paratáticas quanto nas
hipotáticas, e emergem do vínculo que se estabelece entre essas orações, sendo
101
que as relações causais também podem ser enquadradas nessa mesma
perspectiva, como apresentado no início deste capítulo, nas subseções anteriores.
Quando se constrói um texto, ou qualquer instância do discurso, assim como na construção de uma oração, o falante escolhe entre um conjunto de alternativas que relaciona duas porções textuais. As duas porções que foram vinculadas, portanto, podem se inserir, como uma unidade, em outra relação com outra porção, criando um processo recursivo em todo o texto. Relações de coerência têm sido propostas como explicação para a construção da coerência no discurso. Não está claro o quanto os falantes e os ouvintes estão cientes de sua presença, mas é incontroverso que ouvintes e leitores processam o texto com desenvolvimento, adicionando novas informações para uma representação do discurso em curso (TABOADA & GÓMEZ–GONZÁLEZ, 2012, p. 19 – tradução nossa33).
Desse modo, a coerência pode ser vista como recorrente em todo o texto, e
para que a completude textual tenha coerência, é necessário que as relações que se
estabelecem entre as porções textuais menores e entre as cláusulas, já tenham se
reefetivado. Com isso, tem-se que a coerência textual é algo que vai “do menor para
o maior”, estabelecendo-se, a priori, entre as cláusulas, entre as porções textuais
menores, as maiores, até perpassar por todo o texto. Ou ainda, conforme Taboada
(2009, p. 126 - tradução nossa34): “desta forma, textos podem ser construídos
recursivamente, com unidades menores, tornando-se parte de unidades maiores”.
Meyer (2000) destaca a causalidade e a relevância como critérios
importantes na organização textual, salientando a importância do primeiro. Quando
os nexos de causalidade são estabelecidos, com eles surgem também relações de
coerência. Meyer (2000) destaca que a própria noção de causalidade no texto se
imbrica com questões de relevância
A causalidade é descrita como um grande dispositivo para criar relevância no discurso. A relevância da causalidade no discurso não pode ser facilmente exagerada. No entanto, a causalidade é apenas
33
When building a text or any instance of discourse, just as when building a sentence, speakers choose among a set of alternatives that relate two portions of the text. The two parts of the text that have been thus linked can then enter, as a unit, into another relation, making the process recursive throughout the text. Coherence relations have been proposed as an explanation for the construction of coherence in discourse. It is not clear how much speakers and hearers are aware of their presence, but it is uncontroversial that hearers and readers process text incrementally, adding new information to a representation of the ongoing discourse (TABOADA & GÓMEZ – GONZÁLEZ, 2012, p. 19). 34
this fashion, texts can be built recursively, with smaller units becoming part of larger units (TABOADA, 2009, p. 126)
102
um entre vários princípios de organização do texto, embora obviamente mais relevante (MEYER, 2000, p. 9 – tradução nossa35).
Desse modo, compreende-se que a causalidade e a coerência podem ser
tidas como fatores essenciais para a construção textual. E, ainda, observando a
amplitude das relações causais, é possível conceber que as relações de coerência
trazem intrínsecas certos aspectos causais, que vinculam os acontecimentos e/ou
fatos expressos verbalmente em uma sucessão lógica, já prevista pelas leis da
física: as leis de causa e consequência.
Ressalta-se ainda que um texto coerente é aquele em que cada parte textual
possui uma função e uma razão plausível para estar ali, e isso é percebido pelos
ouvintes ou leitores. Isso indica que a coerência se constrói por meio das relações
que são identificadas pelo leitor ou ouvinte do texto, com base em seus
conhecimentos de mundo (TABOADA, 2009).
Assim, destaca-se um dos papéis, por assim dizer, que o destinatário do
discurso exerce em relação ao texto que lhe é proferido, qual seja, a compreensão.
Compreensão implica que o leitor não só constrói uma representação coerente, mas também que o leitor, implicitamente, avalia se as informações no discurso correspondem ao mundo, por exemplo, se é verdadeiro ou falso, plausível ou possível. Nesse sentido, as frases causais requerem compreensão, combinando as informações nas cláusulas com uma representação cognitiva do mundo, nesse caso, com uma representação cognitiva da causalidade do mundo (NOORDMAN & BLIJZER, 2000, p. 63 – tradução nossa36).
Daí também a formulação do emissor do discurso englobar nexos causais,
considerando ainda a dialogicidade presente no processo discursivo. Se algum
discurso proferido não observa as leis de causalidades que envolvem os fatos no
mundo, tal discurso pode não ser compreendido pelo recebedor do discurso, ou
pode ser automaticamente transferido pelo falante para o campo da ficção, no qual,
ainda assim, precisará ter uma lógica causal em si mesmo, no interior do discurso.
35
the causality is described as a major device for creating relevance in discourse. The relevance of causality in discourse cannot easily be overstated. Nevertheless, causality is only one among several principles of text organisation, though obviously the most relevant one (MEYER, 2000, p. 9). 36
understanding implies that the reader not only constructs a coherent representation but also that the reader implicitly evaluates whether the information in the discourse corresponds to the world, for example, whether it is true or false, plausible or possible. Accordingly, understanding causal sentences requires matching the information in the clauses with a cognitive representation of the world, in this case with a cognitive representation of the causality in the world (NOORDMAN AND BLIJZER, 2000, p. 63).
103
Considerando o exposto em Neves (1999) de que a relação causal existente em um
conteúdo verbal se encontra explícita, quando o emissor do discurso assim o
pretende anunciar.
Percebe-se que a causalidade ou “nexo de causalidade”, ou ainda, as
relações de causa, operam de forma significativa na manutenção da coerência
textual, uma vez que influencia diretamente a formulação linguística do falante, o
qual recorre ao seu conhecimento de mundo e seu conhecimento linguístico para
formular e produzir seus textos, de modo a se fazer entender pelo seu ouvinte.
Assim, coerência pode ser resumida como algo subjacente a todo o
conteúdo textual, perpassando-o desde as escalas menores (as relações entre as
orações) até as escalas maiores (as relações entre porções de texto), sendo a
causalidade um fenômeno que influencia esse processo, permeando a coerência, e,
por conseguinte, o texto. A coerência se constitui no texto de forma explícita, sendo
percebida, compreendida pelo ouvinte, de modo implícito, necessitando
primeiramente ser inferida pelo ouvinte ou leitor, para depois ser compreendida.
104
CAPÍTULO 4 - A ARGUMENTAÇÃO COMO FATO DE LÍNGUA E DE DISCURSO
Este capítulo contém uma apresentação acerca das perspectivas teóricas da
argumentação, explicando como essas teorias se inter-relacionam de modo a
contribuir para as análises propostas neste trabalho.
4.1. A argumentação na linguística: planeamentos
Nos estudos clássicos que envolvem o ato de argumentar, a argumentação
é atrelada a pensamentos distintos que remetem a diferentes perspectivas no
interior desse conteúdo. A argumentação pode ser lógica, retórica ou dialética. No
primeiro caso, diz respeito à “arte de pensar corretamente”, no segundo, à “arte de
bem falar”, e no terceiro, à “arte de bem dialogar” (PLATIN, 2008). Observando os
elementos “pensamento, fala e diálogo” e expandindo semanticamente o último
termo, tem-se “pensamento, fala e interação”, o que torna possível observar que a
argumentação, mesmo em seu sentido mais clássico, engloba elementos que, como
já visto, incorporam e compõem a linguagem e a interação.
A argumentação possui algumas características singulares e uma
diversidade de abordagens – não apenas da linguística, mas da filosofia, da retórica
e dos estudos lógicos. Todavia, nessas abordagens (com ressalvas sobre a
linguística) “a linguagem é objeto de estudo, em nenhuma delas nota-se a
preocupação de compreender como a linguagem funciona, qual é sua lógica interna,
de que recursos ela dispõe para argumentar” (BARBISAN, 2007, p. 114).
Refletindo sobre os recursos para argumentar, é necessário ter clara a
distinção entre argumentação, argumentos, argumentatividade, força argumentativa,
processos argumentativos e práticas argumentativas.
Argumentos são os recursos, as técnicas e as estratégias presentes na
argumentação que levam em consideração o éthos do orador – a imagem que ele
constrói de si no discurso (o éthos do orador corresponde ao falante), do páthos do
auditório [o páthos corresponde aos conhecimentos e sentimentos partilhados
socialmente (informação pragmática)], do auditório (que corresponde ao ouvinte) e a
construção do discurso (texto) proferido (FIORIN, 2015). Pode-se pensar nos
argumentos como os recursos de origem “mais subjetiva, cognitiva” do falante,
105
considerando ainda que os argumentos os quais o responsável pela argumentação
utilizará, estarão ancorados em seu conhecimento linguístico, enciclopédico e no
reconhecimento que o falante faz da situação comunicativa em que está inserido.
Argumentatividade compreende três aspectos: (i) uma força projetiva
inerente ao uso da língua, a qual observa as relações entre as palavras, seus
sentidos disseminados e os encadeamentos argumentativos por meio dos
conectivos que realizam uma orientação argumentativa; (ii) uma força
configurativa inerente ao discurso que está presente nos argumentos e se baseia
nos conhecimentos compartilhados a fim de facilitar (e ao mesmo tempo influenciar)
a interpretação do ouvinte acerca do que está sendo dito; (iii) uma força conclusiva e
inferencial que correspondem a processos ilativos que são acionados pelo discurso
(GRÁCIO, 2016). Em suma, é possível dizer que a argumentatividade apresenta o
lado “mais pragmático” do processo que compõe a argumentação.
A força argumentativa é inerente à argumentatividade, tanto quanto ambas e
o argumento o são em relação à argumentação. A força argumentativa é resultado
da ação dos conectivos que funcionam como operadores argumentativos,
direcionando os sentidos do que é dito por meio das diferentes “forças” semânticas
que tais operadores atribuem ao enunciado. Poderia ser entendida como o aspecto
“mais linguístico” que compõe a argumentação.
Processos argumentativos, por sua vez, incluem a realização contínua e
organizada dos argumentos, da argumentatividade e da força argumentativa que
compõem a argumentação. Desse modo, os processos argumentativos podem ser
percebidos de duas formas: (i) a elaboração textual com argumentos de raciocínio
lógico ou preferível; (ii) a construção textual por meio dos elementos linguísticos que
estruturam a elaboração textual. Por elaboração, portanto, apresenta-se o conceito
dicionarizado de elaborar, preparar, e, por construção, o conjunto de atividades que
se realizam para a elaboração.
Práticas argumentativas incluem fatores situacionais, relacionais, contextuais
e pessoais que são acionados no momento da interação. Isso incorre na forma de
tratamento com o outro, ou ainda, no como, no quando e no porque da interação
(GRÁCIO, 2016).
106
A argumentação consiste, portanto, no conjunto de todos esses elementos
que atuam simultaneamente estabelecendo o processo argumentativo. Pode ser
compreendida como o próprio ato de argumentar (com a intenção de convencer e/ou
persuadir), e pode envolver, ou não, a realização da troca de turnos entre os
participantes da interação durante a formulação textual para a finalidade pretendida
(ABREU, 2009; FIORIN, 2015). Com isso, destaca-se também o fato de que a
argumentação é intrínseca ao próprio sistema linguístico, o que permite uma análise
semântica e linguística dos textos argumentativos. A argumentação engloba, então,
os argumentos, que, por sua vez, possuem argumentatividade e força
argumentativa, criando um processo argumentativo que se instaura em práticas
argumentativas. Destaca-se, ainda, o fato de que a argumentação possui uma
realização interna (que é intralexical – encadeamentos internos à palavra utilizada) 37
ou externa (inter-oracional – encadeamentos frasais de orientação argumentativa)
(CABRAL, 2011). Isso posto, salienta-se que a argumentação, nessa perspectiva,
não distingue dicotomicamente a argumentação lógica/retórica da argumentação
como fato da língua, mas entende que ambos os processos trabalham
conjuntamente para a constituição da argumentação.
Sob uma perspectiva funcionalista da linguagem, tendo em vista não só a
relação entre linguagem e sociedade, mas também a língua em sua estrutura e
funcionamento, e reconhecendo que os estudos linguísticos extrapolam a estrutura
gramatical, buscando, na situação comunicativa, a motivação para os fatos da língua
(CUNHA, 2012), chama-se a atenção para o fato de que a língua realiza ações
sobre o real.38
Assim, existe ainda a necessidade de se recorrer para além do contexto
linguístico, observando o contexto extralinguístico, no qual se consideram os
elementos circunstanciais (quem, quando, para quem e como se diz) que fazem
parte de todo o contexto em que o enunciado está inscrito e que visam agir sobre o
outro de alguma forma (WILSON, 2012), atribuindo ao discurso um caráter
argumentativo.
37
Tais encadeamentos serão mais aprofundados na seção 4.1.1 – “A argumentação na língua”. 38
Teoria dos Atos de Fala (Austin, 1969; Searle, 1969).
107
Pensando na expressão já bastante disseminada “argumentar é a arte de
convencer e persuadir” (FIORIN, 2015; ABREU, 2009), destaca-se que “todo
discurso tem uma dimensão argumentativa. Alguns se apresentam como
explicitamente argumentativos [...], enquanto outros não se apresentam como tal.”
(FIORIN, 2015, p. 9). Uma vez que “todos os textos são argumentativos: de um lado,
porque o funcionamento real da língua é o dialogismo, de outro, porque sempre o
enunciador pretende que suas posições sejam acolhidas” (FIORIN, 2015; p. 9). E,
ainda, considerando a interação social e as práticas de linguagem, é possível
observar que a comunicação tem sempre uma finalidade e busca sempre agir sobre
o outro, de uma ou de outra forma, em maior ou menor grau (AUSTIN, 1990;
SEARLE, 1995; HALLIDAY, 2004; DIK, 1989; FIORIN, 2011, 2015; BAKHTIN, 2004,
2011 et al.).
Cabe ressaltar que convencer e persuadir são termos distintos “convencer é
construir algo no campo das ideias”, e persuadir “é sensibilizar o outro para agir”
(ABREU, 2009, p. 25). Convencer é levar o ouvinte a acreditar no discurso que lhe é
dirigido, aceitar um ponto de vista. A persuasão, por sua vez, muitas vezes
antecedida do convencimento, faz que o ouvinte, após ter aceitado o ponto de vista
do falante, haja conforme a intenção do falante. Todavia, há discursos que apenas
convencem e outros que persuadem, assim como há também aqueles que
convencem para persuadir, mas, em todos os casos, há argumentação (FIORIN,
2015).
Os estudos argumentativos se constituem em diferentes frentes e
perspectivas. Há, atualmente, ao menos duas grandes correntes, uma ancorada na
orientação argumentativa que provém dos enunciados, grosso modo, e outra
baseada na qualidade dos raciocínios que se exteriorizam discursivamente com o
intuito de convencer e persuadir, por assim dizer. Em suma, é possível dizer que
uma trata da argumentação inscrita na língua e a outra realiza uma abordagem
discursiva acerca da argumentação (FIORIN, 2015). Considerando o conceito de
argumentação já apresentado nesta seção, especifica-se que ambas as
perspectivas são adotadas neste trabalho como complementares uma da outra.
Objetiva-se a abordagem da construção da argumentatividade, e, embora
não seja possível desvinculá-la da argumentação, é necessário que se compreenda
108
que argumentatividade e argumentação são conceitos distintos entre si e entre as
teorias de estudos argumentativos. A compreensão que aqui se tem, no entanto, é
que ambas as formas de argumentação (“da língua” ou “do discurso”) operam
conjuntamente na realização da argumentação no ato interacional.
4.1.1. A ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA
A perspectiva de uma argumentação inscrita na própria língua diz respeito à
teoria argumentativa de Ascombre & Ducrot (1988), na qual argumentar é uma
condição inscrita no próprio enunciado, e “o encadeamento dos enunciados que
conduz a certa conclusão” (FIORIN, 2015, p. 17). Nessa perspectiva, a
argumentação ocorre quando o locutor profere um enunciado com determinado
conceito, mas visa orientar o ouvinte para outra conclusão, a qual pode estar
explicitada na sequência enunciada ou pode ser inferida pelo ouvinte.39 Assim, tem-
se que “o sentido de um enunciado comporta como parte integrante, constitutiva,
essa forma de influência, que é denominada força argumentativa. Significar, para um
enunciado, é orientar” (ASCOMBRE & DUCROT, 1988, p. 5).
É importante destacar que o argumentar, nessa perspectiva, não significa
persuadir ou convencer ninguém, implica sustentar um posicionamento por meio das
construções linguísticas intrínsecas ao enunciado. Nesta perspectiva teórica,
portanto, a argumentação é vista como a sustentação de um posicionamento, e a
argumentatividade consiste no direcionamento para o qual o enunciado aponta, o
lugar para o qual esse posicionamento orienta (GUIMARÃES, 2013).
Ressalta-se também que o processo envolto na argumentação, para
Ascombre & Ducrot (1988), resulta do encadeamento das orientações discursivas
realizadas por meio dos operadores argumentativos – que seriam, em grande parte,
os conectivos e os organizadores textuais apresentados pela Linguística Textual.
39
Como exemplo, quando uma mão diz ao filho que está saindo de casa: “O sol está muito forte”; este enunciado orienta para conclusões como: “não saia agora, vá mais tarde”, “passe um protetor”. Mas não orienta para conclusões como: “Não se proteja do sol”, “O clima está ótimo para andar pelas ruas” (FIORIN, 2015, p. 17). Ou ainda, “esse restaurante é ótimo, mas é muito caro”, em que a orientação que o falante fornece é que o vestido, apesar de lindo, é caro - informação “positiva” versus “negativa”, onde a informação negativa adquire maior relevância.
109
Cabral (2011, p. 117) explana que a argumentação, enquanto fato
linguístico, é “encadeamento de dois segmentos do discurso, eventualmente ligados
por um conector”, podendo ser normativa ou transgressiva, interna ou externa,
estrutural ou contextual. A argumentação normativa e a transgressiva dizem respeito
à interdependência semântica que as orações mantêm entre si por meio do
conectivo logo e no entanto. A autora apresenta dois quadros com exemplos dos
segmentos normativos e dos transgressivos.
Quadro 10: segmentos normativos e transgressivos – (CABRAL, 2011, p. 118).
Segmentos do tipo normativo:
X logo Y João é competente, logo conseguirá o emprego.
X então Y João é competente, então conseguirá o emprego.
X pois Y João conseguirá o emprego, pois é competente.
Segmentos do tipo transgressivo:
X no entanto Y João é competente, no entanto não conseguirá o emprego.
X entretanto Y João é competente, entretanto não conseguirá o emprego.
Embora X, Y Embora João seja competente, não conseguirá o emprego.
Mesmo que X, Y Mesmo que João seja competente, não conseguirá o emprego.
Esses segmentos apontam para orientações semânticas diferenciadas.
Considerando que esses segmentos (normativo e transgressivo) se referem à
interdependência semântica, pode-se associar o segmento normativo “X logo Y”
uma oração conclusiva. Dessa forma, entendendo que a oração conclusiva
estabelece uma relação de junção com a oração anterior, apresentando um ponto de
vista do falante, é possível considerar essa construção como uma conclusão
afirmativa acerca de um fato que é expresso por atos de fala. Cabe destacar ainda
que os segmentos oracionais de todos os exemplos estão no mesmo lugar
semântico, por assim dizer, quais sejam: a competência de João, e João conseguir
um emprego.
Assim, no segmento com “X então Y” existe uma possibilidade quanto a Y
posta como consequência de X, e, em “X pois Y” ocorre uma relação de causa entre
o fato expresso em Y e o conteúdo de X. Pensando nas orações hipotáticas
110
adverbiais e nas relações causais a partir das conjunções, de acordo com a
proposta de Neves (2012), poder-se-ia obter as seguintes construções,
considerando que:
Em “X logo Y” – João é competente, logo conseguirá o emprego – o logo,
apesar de ser comumente utilizado como advérbio, aqui é utilizado em sua função
de conjunção, demonstrando uma causalidade resolvida, afirmada. Para o falante,
são Estados de Coisas tidas como certas, e são apresentados, portanto, de modo
assertivo. No entanto, o falante poderia apresentar o segmento não conjuncional
(João é competente) com uma relação causal hipotetizada, fortalecendo a
interdependência entre as orações e criando uma construção condicional, em que a
oração nuclear apenas ocorrerá se a condição expressa na oração adverbial se
confirmar – “Se João é competente, logo conseguirá o emprego”. Ressalta-se,
todavia, que a utilização de logo nesse caso, pode ser considerada ainda como um
advérbio, consideração que pode ser reforçada pelo próprio verbo no futuro do
presente do indicativo.40
Assim, é possível agregar aos exemplos com os conectivos logo e então a
condicionalidade, como em “(se) X logo Y” e “(se) X então Y”. Todavia, na terceira
construção, a realizada com o conectivo pois, esta possibilidade se torna não
plausível - “(se) X pois Y”, ou: “Se João é competente, pois conseguirá o emprego”.
Essa impossibilidade de uma causa hipotetizada, nesse caso, se deve ao conectivo
pois que é utilizado para apresentar uma causa afirmada e uma condicionalidade já
resolvida pelo falante. Essas possibilidades e impossibilidades podem ser atribuídas
às escolhas lexicais que o falante realiza, a fim de expressar sua impressão sobre
determinados Estados de Coisa como fatos resolvidos que independem de outras
circunstâncias, como em “X pois Y”, ou como fatos resolvidos que podem apresentar
uma causa hipotetizada e uma condicionalidade afirmada, como nos dois primeiros
casos apresentados.
40
Embora este exemplo utilizado por Cabral (2011) possua apenas uma finalidade exemplificativa, seria relevante investigar se a questão da ambiguidade gerada por este tipo de oração coordenada conclusiva pode ser um dos motivos para se observar poucas ocorrências deste tipo na língua falada – considerando que no corpus analisado houve apenas três utilizações do termo logo, sendo duas utilizações como advérbio e uma ocorrência do logo como conectivo, mas o verbo estava no presente do indicativo.
111
Nos segmentos transgressivos, percebe-se o escopo da negação no
segmento oracional conjuncional sobre a causa apresentada no segmento oracional
que o acompanha, equiparando-se às construções concessivas. Neves (1999)
esclarece que “as construções concessivas têm sido enquadradas, juntamente com
adversativas, entre as conexões contrastivas, cujo significado básico é ‘contrário à
expectativa’” (NEVES, 1999, p. 864 – negrito no original). A autora também salienta
que, além da observação da relação entre essas construções, é importante verificar
a relação delas com as causais e as condicionais. Daí a possibilidade de
considerarmos tanto os segmentos normativos e transgressivos [que são
apresentados, por Cabral (2011), como a interdependência semântica que as
orações com os conectivos logo e no entanto - e suas outras possíveis, conforme
quadro dez (10) - estabelecem entre si] como um critério para auxiliar na verificação
da argumentação que pode haver nas construções adverbiais analisadas neste
trabalho. Isso, considerando que as orações adverbiais causais, condicionais e
concessivas partilham de traços lógico-semânticos equipolentes em alguns casos,
criando uma zona da causalidade conforme Neves (1999, 2000, 2012, 2016). Essas
orações, portanto, se inserem também nos estudos argumentativos que observam
como os encadeamentos semânticos se realizam por meio das construções e dos
conectivos utilizados. Dessa forma, esclarece-se que os segmentos normativos
(afirmativos) e transgressivos (negativos) explicitam os encadeamentos semânticos
inter-oracionais que orientam argumentativamente o ouvinte.
Resta ainda a explicitação do conceito da argumentação estrutural e
contextual. Cabral (2011) explica que a argumentação contextual apresenta um
estatuto sociocultural e pragmático, no qual se considera o contexto em questão.
Tendo em vista tais conceitos, recorre-se a Abreu (2007) para corroborar a
ideia de que é possível inserir o conceito de argumentação linguística paralelamente
ao conceito de argumentação discursiva, obtendo respaldo nos estudos de
Perelman & Olbrechts -Tyteca (1970) e Fiorin (2015).
112
A questão da argumentação é objeto de estudo, como todos sabemos, desde a antiguidade grega, sendo tratada pela retórica. A história mais recente da retórica reestabelece a importância da argumentação, resgatando-a da posição de mera taxonomia de figuras de estilo [...]. Neste plano geral, a argumentação é vista como a busca da persuasão de um auditório (alocutário) pelo locutor [...]. É importante ressaltar aqui que, para Perelman, argumentação não é vista como um acessório a serviço da transmissão da verdade. Na perspectiva filosófica de Perelman, a argumentação é constitutiva do conhecimento [...] não se dá em virtude da evidência dos objetos, e a linguagem não é o instrumento de representação (no sentido de ser o quadro) do mundo. Dentro desta perspectiva geral, vamos considerar a argumentação como uma questão linguística. Vai nos interessar a hipótese de que, na linguagem, vista como um modo de ação social [...]. Orientar argumentativamente com um enunciado X é apresentar seu conteúdo A como devendo conduzir o interlocutor a concluir C (ABREU, 2007, p 24-25).
De forma similar, a proposta deste trabalho consiste em observar as
regularidades linguísticas de orientação argumentativa, partindo do nível micro
textual, os quais já apresentam argumentatividade, atingindo o nível macro textual
na análise da argumentação e seus processos constitutivos.
4.1.2. A ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO
A Retórica Aristotélica se apresenta de três formas: (i) política – de caráter
deliberativo e com o intuito de exortar, dissuadir, tratar de conveniências e
inconveniências (ancora-se no futuro); (ii) jurídica – de caráter judicial e com o intuito
de acusar ou defender (apoia-se no passado); (iii) Epidíctica – que se constitui uma
oratória mais exibicionista, por assim dizer, que serve como uma forma de ostentar
conceitos e “construir no campo das ideias” (situa-se no presente) (ARISTÓTELES,
2007, p. 8). Assim, o orador utiliza a retórica para organizar seu discurso por meio
dos argumentos, os quais são dispostos e organizados por intermédio de cinco
operações: (i) a inventio (encontrar o que se dirá - os argumentos); (ii) a dispositivo
[dispor o que for encontrado – construção composicional do texto (que resulta no
tipo/gênero)]; (iii) a elocutio (ornar com palavras – utilizar uma linguagem com
“realce”); (iv) a actio (atuar e enunciar – o ato em si de produzir o texto); (v) a
memória (confiar à memória – buscar conceitos que já são comuns ao auditório)
(FIORIN, 2015).
113
Salienta-se que a dispositio é o “lugar de organização” dos argumentos,
sendo esse recurso o ponto de convergência, por assim dizer, das operações que
compõem o texto argumentativo, ou ainda, é na dispositio que a organização do
discurso é perceptível (FIORIN, 2015). Ao dizer que o falante utiliza a oratória,
pretende-se esclarecer que ele se utiliza da capacidade e da técnica de organização
do texto, quais sejam a dispositivo e as demais operações que por ela se organizam
(elocutio, actio etc.).
Desse modo, tem-se que os argumentos são operações que se realizam a
partir do juízo de valor do locutor, a fim de tornar determinado pensamento aceito, e
que são expressos por meio da linguagem, seja verbal ou não (FIORIN, 2015).
Na teoria da nova retórica, instituída a partir do lançamento do Tratado de
Argumentação, na década de 1970, por Perelman & Olbrechts-Tyteca, a
argumentação é uma questão de raciocínio, mais especificamente os raciocínios
preferíveis, conceito herdado da Retórica Clássica (Aristotélica). Aristóteles dividiu
os raciocínios em preferíveis e necessários,41 sendo que no raciocínio lógico não há
uma argumentação efetiva, no sentido de produzir determinado discurso para
comprovar seu ponto de vista, uma vez que a conclusão da premissa já é posta pela
própria verdade (ou valor de verdade) nela inscrita. Assim, a argumentação com o
intuito de persuasão estaria no âmbito dos raciocínios preferíveis, pois a conclusão
da premissa depende da avaliação que o falante realiza acerca dela, podendo haver,
desse modo, mais de uma interpretação possível, o que acarretaria então na
argumentação a favor do ponto de vista defendido – a tese (FIORIN, 2015).
Cabe destacar que tanto as inferências quanto a argumentação baseiam-se
em diferentes tipos de raciocínios. A partir dos raciocínios lógicos e preferíveis,
orienta-se toda a argumentação na forma do que se pode chamar da argumentação
lógica e/ou dialética e a argumentação retórica. Os raciocínios necessários são
formados a partir de silogismos com premissas lógicas, em que a conclusão é obtida
41
Um exemplo de raciocínio necessário seria um silogismo lógico, como em “Todo homem é mortal. João é homem. Logo, João é mortal” – a premissa de que todo homem é mortal é tida como incontestável por possuir um valor de verdade cientificamente inquestionável, por assim dizer, então, se João for homem, não há como negar tal premissa. Já o raciocínio preferível se vale do silogismo retórico, como em “Todo professor é honesto. Maria é professora. Logo, Maria é honesta” – a premissa de que todo professor é honesto não se constitui como verdade universal, e sua aceitação depende dos juízos de valores e crenças do ouvinte (FIORIN, 2015).
114
a partir da possibilidade quanto aos resultados que tais premissas permitem. Já os
preferíveis são criados a partir de silogismos e premissas nas quais a conclusão
depende dos valores e crenças do auditório (FIORIN, 2015, p. 17-18).
Esses raciocínios podem se desenvolver de três diferentes formas: (i)
dedução – em que se vai do geral para o particular; (ii) indução – parte do particular
para o geral; (iii) analogia – apoia-se nos valores de semelhança entre as coisas
(FIORIN, 2015).
Ainda em termos de argumentos que presidem a argumentação, Fiorin
(2015) destaca os argumentos quase lógicos, os fundamentados na estrutura da
realidade, os que fundamentam a estrutura do real, a dissociação de noções, as
técnicas argumentativas e as figuras retóricas, sendo todos esses conceitos
baseados na utilização de recursos retóricos, linguísticos e conceituais, e serão
retomados conforme necessários, em suas subcategorias, no momento da análise,
dada a extensão teórica dos tipos de argumentos.
Portanto, é na subjetividade do falante, e, ao mesmo tempo, naquilo que
possui força social, que se torna possível a construção argumentativa. Do mesmo
modo, esses critérios possibilitam a apresentação de juízos estabelecidos pelo
falante acerca de determinado assunto ou Estados de Coisas. Juízos os quais
resultarão em teses a serem defendidas.
Os elementos mínimos que deve haver para que se possa argumentar sobre
algo são denominados de fatores da argumentação e consistem, entre outros, nos
seguintes: (i) no éthos do enunciador – a imagem que o anunciador constrói de si no
discurso; (ii) o auditório – aquele para quem o orador produz seu discurso de acordo
com o conhecimento e o tipo do auditório; (iii) o discurso argumentativo (FIORIN,
2015). Ao falar sobre argumentação, deve-se ter conhecimento de que esse termo
implica um conjunto de processos que vão desde a observação da construção de
enunciados até o contexto de interação social, visando à aceitação do destinatário
do discurso ao conteúdo exposto por quem enuncia, não se restringido aos tipos de
argumentos e técnicas argumentativas inscritas na materialidade linguística do
enunciado, mas observando os fatores de argumentação e interação envolvidos.
115
Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005) apresentam elementos que possibilitam
a argumentação e destacam que, para que haja argumentação, é necessário que o
orador (falante) construa suas proposições (expressões linguísticas que resultam em
textos) visando à adesão do auditório (ouvinte), sejam essas proposições verdades
impessoais ou resultados de experiências etc. A construção das expressões
linguísticas que compõem o texto argumentativo se dá por meio do discurso
proferido (texto produzido) pelo falante. Para explanar acerca da produção do
discurso, destaca-se Bakhtin (2004, 2011), que ressalta o fato de o processo
enunciativo se estabelecer a partir da interação. Bakhtin afirma que o locutor se
projeta em relação ao outro, para então organizar sua enunciação, de acordo com
sua finalidade e o contexto social imediato que os circunda.
Para Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005), na argumentação "[...] os
sentimentos e impressões pessoais são geralmente expressos como juízos de valor
largamente compartilhados” (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 203),
sendo que o objetivo maior não seria apenas defender um juízo de valor, mas torná-
lo compartilhado e aceito pelo outro – em termos da Linguística Funcional, significa
alterar a informação pragmática
A argumentação possui uma natureza dialógica, isso porque argumentar
consiste em um processo que envolve elementos linguísticos, sociais e individuais.
Para haver argumentação, é necessário que haja um discurso, e não há discurso
sem a produção de enunciados, os quais se constituem por um processo totalmente
dialógico e axiológico (BAKHTIN, 2004).
Na perspectiva da nova retórica, portanto, a argumentação se constitui por
meio dos processos de construção de argumentos, ou, ainda, técnicas
argumentativas que se concretizam no discurso, o qual se constrói por meio de
enunciados.
Destaca-se que a perspectiva retórica e argumentativa aqui utilizada é
discursiva e não apenas composta por questões de língua. Desse modo, para toda
produção textual argumentativa, faz-se necessário haver o falante, o ouvinte e o
texto, ou discurso, que correspondem respectivamente ao orador, ao auditório e à
argumentação (FIORIN, 2015). A partir desses fatores argumentativos, é possível a
116
realização efetiva da argumentação, apresentando-a como constituída a partir do
processo discursivo – discurso aqui compreendido como o próprio texto.
Fiorin (2015) destaca que o que possibilita a progressão do processo
argumentativo é a inferência, que pode ser lógica (opera com valores de verdades
“incontestáveis”), semântica (opera com o posto e pressuposto do enunciado) ou
pragmática (resulta da linguagem pautada nos princípios conversacionais –
devidamente abordados por Grice em suas máximas conversacionais). Assim,
“Inferência é a operação pela qual se admite como correta uma proposição em
virtude de sua ligação (por implicação, por generalização ou [...] por analogia) com
outras proposições consideradas verdadeiras” (FIORIN, 2015, p. 31). Essas
inferências não necessitam extar explícitas no enunciado, mas podem estar
presumidas. O processo de leitura de um texto ocorre por meio das inferências
(FIORIN, 2015; MENEGASSI, 2010), pois o texto sempre traz em si marcas que
“acionam” o conhecimento de mundo do indivíduo, possibilitando, então, que se
construa um significado a partir do sentido do texto.
Todavia, traz-se à tona, novamente, a ideia de que a argumentação nesse
nível, por assim dizer, surge primeiramente da materialidade e das regularidades
linguísticas. Meaney (2009, apud LIBERALLI, 2013) apresenta um quadro dos tipos
de argumentos propostos por Perelman & Olbrechts-Tyteca (1958-2005).
Quadro 11: síntese dos tipos de argumentos de Perelman & Olbrechts-Tyteca e suas características [MEANEY (2009) apud LIBERALLI, 2013, p. 71)]
Modo Características Exemplos
Compatibilidade Mostra que uma ideia ou argumento é compatível ou não com a tese.
Se a avaliação é processual, não dá pra dar nota só com base na prova.
Quase-matemáticos
Transitividade Se A está para B e B para C, então A está C.
Vamos dar esse jogo. Eles adoram jogos. (Eles vão adorar este jogo).
Divisão
Se uma ideia está presente nas partes do todo, então também está no todo e se está no todo também está nas partes.
Todo mundo tem que entregar as notas até sexta-feira – você também!
Exclusão
Se não é nenhum dos outros termos, deverá ser o que resta.
Se temos que entregar as notas depois do feriado e os alunos sempre faltam no dia anterior a ele, temos que dar a prova na quarta-feira.
117
Dilema Duas alternativas levam à mesma conclusão.
Dando ou não a prova, temos que apesentar alguma atividade avaliativa.
Definição Define-se algo a partir de suas características observáveis
O relatório de um texto que traz observações do professor quanto ao comportamento e à aprendizagem do aluno no trimestre.
Definição expressa
Define-se algo a partir de uma visão subjetiva
O relatório é um jeito bonito de dizer aos pais que precisa melhorar.
Definição normativa Baseada em uma convenção
Aqui na escola, o relatório é um instrumento de comunicação aos pais dos avanços de seu filho num determinado período, assim como os desafios a serem superados a seguir.
Identidade e regra de justiça
Casos ou fatos semelhantes devem ter o mesmo tratamento.
Nós demos um roteiro de estudos antes da prova de math. Agora não vamos fazer um para science?
Pragmático: sucessão temporal
Estabelece relação de causalidade ou finalidade entre duas ideias. Pode justificar um fato por outro anterior ou refutar uma ação em função de uma possível consequência. É possível englobar aqui os argumentos por desperdício, que justificam uma ação em função do muito que foi feito em sua direção.
Os alunos foram mal na prova porque não trabalhamos suficientemente este assunto. Fizemos tantos exercícios de lógica. Não faz sentido não avaliarmos isso agora.
Polifônico / de autoridade: faz
referência
Hierarquia
A voz do outro é colocada como algo a ser seguido, ou não, em função de sua posição hierárquica.
A assessora de área gostou da atividade.
A coordenadora prefere que façamos assim.
Teorias Endossadas pelo grupo, reforçam a tese.
Precisamos lembrar que este texto faz parte de um gênero que tem características distintas. Esses exercícios de “fill in the blanks” são super behavioristas.
Fontes Precisam ser consideradas fidedignas
O texto foi tirado do site da BBC.
Parceiros
A valoração da sua voz depende da aceitação do grupo.
A professora de português disse que os alunos têm condições de fazer esta atividade.
Alunos
Tem importância, ou não, dependendo do contexto.
Os alunos gostam de jogos competitivos.
Exemplos Fato ou caso anterior confirma ou nega a tese.
No ano passado eu fiz assim e deu certo.
Comparações Justifica um termo a partir de outro do mesmo gênero.
É melhor ler o livro do que a cópia. Eu levei o final de semana inteirinho fazendo esta atividade.
118
Analogias Traça relações de semelhança entre termos de gêneros diferentes.
Se um nadador precisa melhorar seu tempo, ele treina mais.
Se o aluno precisa melhorar a leitura, precisa ler mais.
Ilustrações Exemplo fictício. E se o aluno respondesse que os micro-organismos não participam da decomposição.
Observando este quadro, evidencia-se o modo como os argumentos que se
concretizam no nível discursivo (entendido aqui como uso pragmático da língua) vão
se construindo verbalmente por meio das estruturas linguísticas (orações e
períodos). Perelman & Olbrechts-Tyteca (1975) compreendem que há diferentes
formas de obter uma argumentação satisfatória, considerando alguns critérios da
argumentação lógica/retórica, como o éthos do orador, o páthos do auditório e
discurso em si. Grácio (2016) fez uma esquematização desses argumentos,
considerando sua “tipologia” – as bases de funcionamento de cada argumento – e
os diferentes tipos de argumentos em questão, em conformidade com suas bases. É
possível visualizar essa esquematização a seguir.
Esses argumentos ocorrem variadas vezes nos diferentes usos e
manifestações linguísticas e não necessitam propriamente de planejamento prévio.
Muitas vezes, argumentamos com os argumentos que fundamentam a estrutura do
real, por exemplo, cotidianamente, em situações corriqueiras.
Esquema 03: Esquema dos recursos argumentativos em Perelman-Tyteca (apud GRÁCIO, 2016, p.88).
119
Assim, tem-se que tais argumentos “discursivos” se concretizam por meio da
realização de uma argumentação “da língua”. Ainda, ambas as formas de
desenvolver argumentos (linguística ou discursivamente) se imbricam no momento
da produção de textos (orais ou escritos).
4.1.3. A ARGUMENTAÇÃO NA INTERAÇÃO
Até o momento realizaram-se alguns deslocamentos teóricos, com a
intenção de demonstrar que as teorias argumentativas, longe de serem estanques,
podem se completar no nível textual, quando observada a língua em uso e na
interação. Considera-se possível, dessa forma, agregar o conceito de campo de
causalidades como uma forma intralinguística de respaldar a argumentação
(argumentação, aqui, no sentido amplo, como apresentado no início da seção) com
a utilização de nexos causais.
Grácio (2015) explana acerca do conceito de campo argumentativo, o qual
remete para a visão especializada de saberes que se situam entre diferentes teorias
e nas especificidades da linguagem e dos estudos linguísticos, ligando a
argumentação retórica a outras teorias argumentativas e linguísticas.
Assim, a argumentação na oralidade e na interação adquire aspectos um
pouco mais específicos, pensando na argumentação como algo intrínseco ao ato
comunicativo (tal como a força ilocucionária, por exemplo). A espontaneidade da
argumentação que surge em uma situação específica chama a atenção para o fato
de que ela não exige um constante planejamento. Argumentar faz parte do processo
de construção textual tanto quanto a intenção do falante de produzir um efeito em
seu ouvinte o faz.
Ao analisar a argumentação sob um prisma interacional, abordando tanto
estruturas linguísticas inerentes a certos elementos da língua quanto discursivas,
Grácio (2016) trata a argumentação não só como um processo, mas também como
um fenômeno.
120
No esquema seguinte, é possível observar as relações estabelecidas
durante a argumentação, vista enquanto um fenômeno, ou ainda, acrescente-se, um
epifenômeno.
Observar tais perspectivas e apontamentos teóricos dos estudos
argumentativos parece evidenciar que esses estudos são convergentes.
Isoladamente, presume-se que não possuem um tratamento completo ao modo
sobre como os usuários do sistema linguístico organizam suas falas. Uma
verificação que permita vislumbrar, por critérios de plausibilidade, a maneira como o
falante consegue levar seu ouvinte a compreender e aceitar seus posicionamentos,
parece mais precisa ao realizar-se uma associação destas teorias.
Destaca-se que a argumentação, no âmbito da oralidade, apresenta
formulações prévias e também espontâneas, critério que enriquece ainda mais tais
propostas de análise. Ainda, na oralidade, é possível que o locutor altere e
redirecione seu texto e suas estratégias argumentativas de acordo com situações
distintas que vão surgindo no momento da interação verbal. Desse modo, falante e
ouvinte não estão apenas envolvidos em um contexto, mas constroem o contexto
do qual estão participando durante o evento comunicativo (AQUINO, 2000).
Esquema 04: esquematização dos fenômenos que envolvem os estudos argumentativos – Grácio (2016, p. 35).
121
Não se pretende dizer que na escrita haja diferenças que minimizem a
argumentação. O ponto é que, na oralidade, nota-se que a argumentação realizada
pelo falante tende a adquirir um aspecto mais dinâmico e pragmático, adequando-
se ao contexto, levando em consideração seu ouvinte e o conhecimento que o
falante acredita ser compartilhado por ambos. Seria cabível considerar também
que, na língua falada, a argumentação seria mais maleável, por assim dizer,
construindo-se no processo de interação.
Pensando dessa forma, o arcabouço teórico da Linguística Textual se
mostra bastante fértil, uma vez que os recursos de construção textual possibilitam
uma observação da utilização de tópicos, temas e remas, referenciação, e tantos
outros recursos que podem ser observados para verificar como se dá a
argumentação não apenas em textos escritos, mas também em textos orais. Eficaz
também tem sido o respaldo da Linguística Funcional para essas análises, uma vez
que permite associar esses aspectos ao uso da língua, analisando também
questões de gradiência, opacidade, iconicidade, estruturas multivariadas etc., sendo
essas teorias perfeitamente possíveis de serem associadas ainda com a Rhetorical
Structure Theory (RST), no intuito de melhor viabilizar as possibilidades das
análises, ampliando-as e aprofundando-as – haja vista que essas três teorias
citadas tem sido amplamente utilizadas em conjunto para diversas análises. Assim,
acredita-se poder obter uma análise satisfatória das estruturas linguísticas que
resultam na argumentação. Não apenas com foco nos conectivos, mas analisando
tal processo de forma mais abrangente.
122
CAPÍTULO 5 – METODOLOGIA
Este capítulo aborda os procedimentos utilizados para a realização desta
pesquisa, explicitando os objetivos gerais e específicos, os procedimentos para a
constituição do corpus, assim como os recursos e os métodos utilizados para a
análise.
5.1. Objetivo Geral
Investigar as funções das orações do campo da causalidade nos processos
de construção da coerência textual, na estruturação textual e na argumentação.
5.1.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Verificar a força argumentativa que emerge implicitamente das orações
hipotáticas causais, condicionais e concessivas.
Observar como a coerência é construída e mantida (ou não) textualmente
pelo enunciador do discurso.
Reconhecer alguns tipos de argumentos que surgem por meio das
construções causais.
5.2. Constituição do corpus
O corpus deste trabalho é formado a partir de entrevistas com autoridades
religiosas ou pessoas que possuam alguma forma de exercício de autoridade em
relação a outras pessoas por meio da sua crença – pastores, padres, dirigentes de
grupos, doutrinadores, entre outros, por entender que esses sujeitos possuem um
posicionamento bastante definido e delineado de sua crença. O grupo de
informantes reside na cidade de Maringá - PR, possuem faixa etária entre 25 e 40
anos, formação acadêmica em nível superior e são adeptos de suas crenças há
mais de cinco anos. Foi entrevistado um padre da igreja Católica Apostólica
Romana, um pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, um pastor da igreja Luterana,
um pastor da igreja Presbiteriana Renovada, um pastor da igreja Presbiteriana
Independente, um pastor da igreja Assembleia de Deus, um dirigente de grupos da
Associação Espírita de Maringá, um membro da comunidade Ateus de Maringá, um
123
representante da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos dias (Mormons), um
pastor da igreja Batista, um ancião da Congregação Cristã do Brasil e um ministro
da igreja Adventista do Sétimo dia.
As entrevistas foram gravadas e transcritas42, resultando em um total de
cento e setenta minutos e trinta segundos – totalizando aproximadamente duas
horas e cinquenta minutos (02 h 50 min.) de gravação, que correspondem a 135.799
bytes.
As entrevistas foram realizadas em datas diferenciadas e apresentavam os
seguintes questionamentos: (i) há quanto tempo o informante está na denominação
que escolheu; (ii) se o informante exerce algum tipo de liderança nessa
denominação; (iii) se o informante realizou alguma formação específica para exercer
a função em sua denominação; (iv) se o informante tem alguma formação
acadêmica superior não relacionada com religião; (v) o que fez o informante assumir
uma liderança em sua denominação; (vi) o que fez com que o informante, entre
tantas denominações, escolhesse a que ele está; e (vii) foi solicitado que o
informante realizasse uma tentativa de convencer a entrevistadora a partilhar de
suas crenças e frequentar sua denominação.
Os entrevistados responderam oralmente às perguntas, as quais foram
gravadas em áudio. Assim, trata-se de um corpus de Língua Falada, em situação
assimétrica de fala (considerando a situação de conversação), e o contexto
conversacional constitui-se como uma situação formal de fala, ou ainda, com uma
fala “monitorada” pelo falante, pois sabia que estava sendo gravado e o proposito da
gravação (constituir um corpus de pesquisa acadêmica).
Antes de ser iniciada a entrevista, foi desenvolvido um breve diálogo entre o
entrevistador e o entrevistado a fim de diminuir a tensão que a situação de
“entrevistado” pudesse gerar.
42
A transcrição foi realizada de acordo com os parâmetros do projeto NURC, os quais estão descritos na subseção 5.4.1, a seguir.
124
5.2.1. DELINEAMENTO DO CORPUS
A diversidade de crenças na escolha dos informantes visa possibilitar um
material bastante diferenciado em termos de conteúdo e que apresente um texto
coerentemente argumentativo para apresentar e explicar o posicionamento que o
informante assume referente às suas crenças.
As gravações das entrevistas foram transcritas, com adaptações, conforme
as regras de transcrição do projeto NURC (Norma Urbana Culta). As transcrições
não foram retextualizadas a fim de evitar, pelo processo de retextualização, a
desconstrução oral realizada pelo entrevistado. Assim, foi realizada a tabulação dos
dados referente às ocorrências das orações adverbiais. Obtidos os resultados do
levantamento das orações presentes no corpus, realizaram-se as análises e os
apontamentos conforme propostos nos objetivos.
5.2.2. CARACTERÍSTICAS DAS DIFERENTES RELIGIÕES REPRESENTADAS NO
CORPUS
A escolha destas instituições e associações levou em conta a divisão
histórica existente entre oriente e ocidente. Embora o Brasil, atualmente, seja um
país bastante diversificado em seus aspectos religiosos, contemplando religiões e
seitas orientais e ocidentais, o fato é que somos culturalmente formados pelo
ocidente. Conforme Schlesinger (1995) há cinco religiões universais: o Judaísmo, o
Islamismo, o Cristianismo, o Hinduísmo e o Budismo - sendo as três primeiras
Ocidentais, e as duas últimas Orientais, das quais todas as outras religiões são
provenientes, de uma ou de outra forma. Entre as de origem Ocidental, o
Cristianismo é a religião que há mais tempo existe no Brasil, e também a mais
representativa. Dentro das religiões cristãs no Brasil, fez-se a escolha por aquelas
que foram mais representativas historicamente, das quais, posteriormente advieram
outras.
Assim, as três principais igrejas históricas – considerando o contexto da
idade média, da reforma e contrarreforma - seriam a igreja Católica Apostólica
Romana, a Luterana e a Presbiteriana. Paralelamente ao surgimento e
desenvolvimento destas religiões, há a igreja Batista. A igreja Presbiteriana
apresentou diversas divisões e, posteriormente, foram surgindo outras religiões e
125
filosofias doutrinárias com seus alicerces no Cristianismo. Das divisões
apresentadas pela Presbiteriana, escolheram-se as mais representativas das igrejas
presbiterianas tradicionais e das pentecostais – visto a diversidade de religiões, não
contemplando nenhuma denominação neopentecostal. Há também a representação
de uma filosofia não religiosa, o Ateísmo, considerando que sua própria concepção
de não aceitar a existência de Deus denota paradoxalmente que primeiro deve-se
pensar na existência, para depois na não-existência, o que fez com que se
considerasse tal posicionamento religioso nas entrevistas. Entre as igrejas Católicas,
Batista, Presbiterianas e Pentecostais, a principal diferença doutrinária está no modo
como os ritos são celebrados e na crença aos santos e a Virgem Maria, lembrando
ainda alguns dogmas da igreja Católica, que apenas ela observa. No entanto, com
exceção do Ateísmo, todas têm em comum a crença em Jesus Cristo, em Deus, no
Espírito Santo e na eternidade da alma.
Não é intuito deste trabalho explanar detalhadamente as origens das
religiões, nem realizar um percurso histórico. O que se pretende é apenas esclarecer
os critérios de escolha das religiões aqui representadas, o qual não foi aleatório,
mas ancorou-se em aspectos históricos e de representatividade, considerando o
contexto religioso brasileiro.
5.3. Ferramentas e métodos de análise
Nesta subseção, esclarece-se acerca dos recursos e da metodologia utilizada
nesta pesquisa.
5.3.1. NORMAS DE TRANSCRIÇÃO DO PROJETO DE NORMAS URBANAS
CULTAS (NURC)
A transcrição das entrevistas não utiliza o sistema de escrita da ortografia
padrão – salvo algumas exceções em que podem ter sido mantidos aspectos orais
como pra, tava etc. De acordo com as normas de transcrição do NURC –
apresentadas em Castilho (2002, 2010), também não foram utilizados sinais gráficos
como vírgula, exclamação, dois pontos etc. – a transcrição foi feita de modo objetivo,
utilizando apenas o sinal gráfico de interrogação para frases interrogativas e aspas
126
para os casos de discurso direto. Os símbolos utilizados em conjunto com a
ortografia padrão servem para representar algumas ocorrências da fala e de seu
contexto e são assim utilizados:
Quadro 12: Normas de transcrição da língua falada (Castilho, 2002).
Situação Convenção
Qualquer pausa ...
Hipótese do que se ouviu (hipótese)
Incompreensão de palavras ou segmentos
( )
Comentários do transcritor ((ruído))
Truncamento, interrupção discursiva
/ (ex.: a meni/ a menina vai fazer... o menino/ a menina vai fazer...
Alongamento de vogal e consoante (como r, s)
: ou :: (se for muito longo)
Interrogação ?
Entonação enfática Maiúsculas (Ex.: ela quer UMA solução, não qualquer
solução)
Silabação - - (Ex.: Eu estou pro-fun-da-men-te chateada)
Aspas Discurso direto
Superposição, simultaneidade de vozes
[ [
(ligando as linhas) Obs.: Se o primeiro locutor continuar falando sem parar, apesar da superposição de vozes, colocar um sinal de = ao fim da linha e recomeçar, após a fala superposta, com
um sinal de =, para indicar a continuação. Exemplo:
L: eu gosto muito de histórias infantis... [sempre que eu =
D: [sei L: = posso...leio pros meus netos
Ressalva-se ainda que, para manter o anonimato dos participantes, nos
momentos em que ocorreu a pronúncia de nomes dos envolvidos, eles foram
substituídos pelo símbolo #.
5.3.2. SYSTEMIC CODER
Para a tabulação das informações dos dados em relação à quantidade de
ocorrências, conectivos, tempos verbais, posição das adverbiais, níveis semânticos
(conteúdo, epistêmico e atos de fala) e dos subtipos de orações (factual, potencial
ou contrafactual) foi utilizado o software de codificação Systemic Coder.
127
Esse software desenvolvido por Mick O’Donnell está disponível no site
<http://www.wagsoft.com/Coder/section2.html> gratuitamente. Esse sistema permite
ao usuário inserir seus próprios critérios de verificação, criando suas classificações
da forma que melhor lhe parecer. Após inserir no sistema os critérios de análise, o
analista inclui no sistema o corpus a ser analisado e aplica para cada texto os
critérios estabelecidos. Após realizar as análises, o próprio software apresenta os
dados estatisticamente. O analista pode optar por quais critérios informacionais os
dados serão contabilizados pelo sistema – por exemplo, por domínio semântico, por
conectivos etc. Outra vantagem do sistema é a opção de busca por termos e
exemplos no corpus que foi inserido no programa. Salienta-se que o programa
apenas organiza e registra as informações que são inseridas pelo analista. Toda a
análise e a tabulação são inseridas manualmente pelo pesquisador, que tem, nesse
software, uma forma de organizar e registrar seus dados, podendo observá-los de
forma quantitativa ou ainda contrastar as informações que inseriu no sistema.
5.3.3. RSTTOOL
O RSTtool também é um software desenvolvido por Mick O’Donnell e está
disponível em <http://www.wagsoft.com/RSTTool/> gratuitamente. Esse sistema
Figura 03: Aplicação dos recursos de análise em uma porção de texto do corpus.
128
permite ao analista a diagramação da estrutura retórica do texto, ou de segmentos
do texto, em níveis hierárquicos ou sequenciais.
É uma ferramenta bastante útil para a segmentação das porções textuais,
indicando o número de porções analisadas, as relações que se estabelecem entre
elas e o nível hierárquico em que cada segmento se encontra. Mais informações e
detalhes sobre a utilização e funcionamento dessa ferramenta estão disponíveis em
O’Donnell (2000).
Para a classificação das relações entre as porções textuais ou entre as
orações, utilizou-se a lista de relações William C. Mann & Maite Taboada (2005-
2016), disponível em <http://www.sfu.ca/rst/07portuguese/definitions.html>, a lista de
Lynn Carlson & Daniel Marcu (2001), disponível em
<https://www.isi.edu/~marcu/discourse/tagging-ref-manual.pdf>.
5.3.4 RECORTE METODOLÓGICO DE ANÁLISE DAS ORAÇÕES HIPOTÁTICAS
ADVERBIAIS
Tendo em vista a necessidade do estabelecimento de parâmetros de
análise, esta subseção apresenta os casos que foram retirados do escopo de
análise, uma vez que as orações selecionadas para análise são as orações
hipotáticas adverbiais de causa, condição e concessão que apresentam sua forma
prototípica de construção (oração nuclear e adverbial) e apresentam as conjunções
de forma explícita.
Dessa forma, não foram considerados para análise os casos de construções
oracionais causais por sintagmas nem orações adverbiais interrompidas ou
reformuladas. No caso das construções sintagmáticas que foram desconsideradas,
embora se reconheça seu valor argumentativo, essas orações ficaram fora do
escopo de análise, o qual consiste nas orações adverbiais conjuntivas de causa,
condição e concessão. Dessa forma, não foram contabilizadas ocorrências
sintagmáticas que indicam causa, como nos exemplos a seguir.
129
25) ...no sentido físico...no sentido espiritual... ...e nós...eh...por causa da nossa limitação... ...então nós precisamos buscar algo mais...além de nós...algo para dar sentido à nossa vida... ...esse buscar algo além de nós chama-se a fé... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Católica)
26) ...eu ficava muito confuso... e::: não conseguia entender e... ...e/e me incomodava muito isso...essa guerra...essa briga...por causa de deuses... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
Ocorrências não conjuncionais ou que apresentam elipse da conjunção
também não foram consideradas por não estarem no escopo das orações
analisadas neste trabalho, quais sejam, as orações adverbiais conjuncionais. São os
casos de orações adverbiais que não se relacionam explicitamente com outra
oração por meio de um conectivo de causa, como no exemplo a seguir, em que a
conjunção não está explícita.
27) ...mas é uma igreja que sempre privilegia a parte da pregação...da palavra de Deus...a bíblia... ...porquê? ...eh... ø é da bíblia que tiramos todo o nosso ensino...toda a nossa doutrina ...então...o valor que se dá pra essa parte do culto é muito importante... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana
do Brasil) Orações adverbiais que foram interrompidas ou reformuladas por meio de
outras orações que não adverbiais causais também foram descartadas. Essas
orações, embora apresentem uma conjunção causal, foram consideradas como não
relevantes para a análise, considerando que o falante opta por reformular sua fala
por meio de outra expressão que não a causal e sua oração nuclear, e as análises
deste trabalho se restringem a orações hipotáticas adverbiais e suas orações
nucleares.
28) ...ah::...é porque eu nunca acreditei mesmo nessas...eh... ...eu achava isso muito difícil de acreditar...nunca...nunca entendi... ...e quanto mais eu pesquisava...mais eu me tornava ateu mesmo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
29) ...a gente sente o chamado de Deus e isso é bem claro...eh/a gente tem uma convicção dessa experiência...de sentir o chamado para um ministério específico...né? ...porque eu não/não tinha a intenção de...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
130
Assim, mantiveram-se para análise apenas as orações causais conjuncionais
e que foram realizadas por completo pelo falante, de modo a possibilitar uma
verificação mais objetiva das relações estabelecidas entre a oração adverbial causal,
sua oração nuclear e as porções textuais antecedentes e consequentes.
Nas ocorrências condicionais e concessivas, como nas causais,
consideraram-se apenas orações realizadas de forma completa pelo falante,
descartando-se casos em que a adverbial condicional foi interrompida, não finalizada
ou não apresentava uma relação de interdependência com uma oração nuclear.
Nesses casos, como nas causais supracitadas, o falante reativa e desativa a
elaboração textual, reorganizando sua fala por meio de outras escolhas sintáticas.
30) ...ah...eu tô fazendo isso a toa... ...porque não tem ninguém me ouvindo...e...apesar de ser muito difícil...ateu...né? ...hoje em dia não...mas na época...quando eu tinha dezessete anos...era...meio
complicado você ser ateu...
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
31) ...que você tem...a arquidiocese...depois você tem a paróquia...vamos dizer assim... ...não é assim mais ou menos? ...na arquidiocese se você tem várias paróquias que estão presas a ela... ...a-qui nós temos várias...a gente chama de área ou ramo...que são essas unidades onde tem um prédio... ...você já viu prédio da igreja...né?
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja de
Jesus Cristo dos últimos dias)
32) ...então eu...eu consegui entender que na igreja adventista eu conseguia
ter...eh... autoridade da palavra de Deus como um to::do...né? ...então...se eu professo viver numa igreja que deseja fazer tudo de acordo com a palavra de Deus...né? ...então eu vejo que a adventista...ela me proporcionou isso...
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja
Adventista)
Casos em que a partícula se apresentou funcionamento de conjunção
integrante também não foram considerados. Embora se reconheça que, em alguns
casos, o conectivo se com função de conjunção integrante apresente
condicionalidade, essa condicionalidade é intra-oracional, como é possível observar
no exemplo seguinte, e não se enquadra no escopo de análise deste trabalho.
131
33) ...e...eu acho muito mais responsável você assumir a sua vida...do que você deixar na mão de um...de um...Deus imaginário aí... ...que:...que você não sabe se existe...que não tem comprovação... ...acho que é mais ou menos isso... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
Os casos de condição que apareceram expressos dentro de uma comparação
também não foram considerados, visto que não estabeleceram, no caso dos
exemplos encontrados no corpus, a típica construção condicional “se p, q”. Em
outros termos, a oração adverbial condicional dentro de uma comparação não
apresentou uma oração nuclear que apresentasse uma consequência, um resultado
ou o preenchimento da condição anunciada na oração adverbial por uma nuclear.
34) ...que eu sirvo essa comunidade como se fosse um bispo...né? ...eu sirvo...não sou bispo...eu sirvo a igreja nessa função... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
35) ...então...é esse processo...né?
...que a gente tem...não é?
...eh...e...então ali você está aprovado...né?
...eh/eh/eh pra poder...eh/eh como se fosse quase uma OAB né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
5.5. Aspectos Éticos
Este estudo envolveu diretamente pesquisa com seres humanos, uma vez
que foram utilizados dados coletados por meio de entrevistas com pessoas da
cidade de Maringá. Para tanto, foi instaurado um processo no Comitê Permanente
de Ética em Pesquisa com seres humanos (COPEP) da UEM. O COPEP da
Universidade Estadual de Maringá apresentou parecer favorável à aprovação do
protocolo de pesquisa apresentado. Com isso, esta pesquisa atende às normas da
resolução 466/2012-CNS-MS, sob o parecer nº 1.374.966 do banco de dados da
COPEP - UEM.
132
CAPÍTULO 6 - ANÁLISE DOS DADOS
Neste capítulo, serão analisadas as orações adverbiais encontradas no
corpus e que pertencem ao campo semântico da causalidade. As análises são
divididas de acordo com o tipo da oração adverbial, na seguinte ordem: orações
adverbiais causais, orações adverbiais condicionais e orações adverbiais
concessivas, dividindo-se em subseções de análise conforme os critérios de análise.
Os critérios de análise foram baseados em aspectos sintáticos, semânticos,
pragmáticos e discursivos, em observância com o aparato teórico deste trabalho.
Após as análises dessas orações, há a demonstração de como elas funcionam na
argumentação.
6.1. Orações adverbiais causais – critérios de análise
Nesta subseção investigaram-se os seguintes fatores acerca das orações
adverbiais causais: a classificação das orações adverbiais nos diferentes níveis de
atuação lógico-semânticas (conteúdo, epistêmico e ato de fala), os tipos de
conjunções, o tempo verbal, a topicalidade, a informatividade, a posição (posposta
ou anteposta43) das orações adverbiais e as relações retóricas.
6.1.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS
As orações analisadas foram tabuladas considerando apenas as adverbiais
causais conjuncionais, que, conforme visto na subseção 3.2, podem se relacionar
biunivocamente – nuclear e adverbial (36), ou possuir uma relação de escopo com
mais de uma oração: mais de uma adverbial para uma nuclear (37), ou ainda, uma
adverbial que se relaciona com mais de uma oração na porção textual (38).
36) ...então...é uma igreja que recebe bem... ...então...as famílias que vieram... ...a maior parte delas voltou...porque foram bem recebidas... ...então esse é o primeiro motivo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)
43
Considera-se os termos posposição e anteposição oracional em relação verbo da oração matriz, não considerando, portanto, a ocorrência de orações intercaladas, conforme estudos de Decat.
*porque foram bem recebidas... ...a maior parte delas voltou...
133
37) ...ela [igreja] tem a bíblia como única fonte de revelação divina... ...e é por isso que ela é a nossa única fonte de prática do evangelho... ...é por isso que eu...como batista... ...inclusi:ve...desde criança...
...prezo por essa denominação porque ela é his-TÓ-rica... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
38) ...(as) pessoas chegam ao ponto de pensar em aborto...de pensar em suicídio...homicídio... ...porque não entendem que o espírito é imortal... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
6.1.2. TEMPO VERBAL
O verbo é um elemento linguístico fundamental em toda predicação. Acerca
dos verbos, vale ressaltar que uma coisa é seu valor temporal, outra é seu valor
modal, outra é seu valor semântico e outra, ainda, é seu valor ou função discursiva –
lembrando que esses valores e funções não atuam de forma discreta.
Uma característica relevante do verbo é sua capacidade conceitual de
representação do tempo, compreendendo “tempo” não estritamente como tempo
*porque não entendem que o espírito é imortal
1- as pessoas chegam ao
ponto de pensar em
aborto...
2- [chegam ao ponto] de
pensar em suicídio...
3-[ chegam ao ponto de
pensar em] homicídio
...ela [igreja] tem a bíblia como única fonte de
revelação divina...
*...e é por isso que ela é a nossa única fonte de prática do evangelho...
*...é por isso que eu... [...].prezo por essa denominação [...]
134
cronológico no mundo físico, mas como referência temporal dos eventos expressos
linguisticamente.44 Embora o verbo permita certa localização temporal em relação
aos diferentes momentos que há entre o momento da fala e os momentos dos
eventos expressos por meio da linguagem, importa ultrapassar esses critérios de
modo a investigar quais funções o verbo pode apresentar discursivamente. Interessa
observar como os tempos verbais se inserem no uso linguístico discursivo em
situações de fala não planejada. Assim, mais do que observar o quando de um
evento apresentado pelo falante em uma expressão linguística, convém também
observar em quê determinadas utilizações verbais podem resultar e como as
funções sintáticas, semânticas e pragmáticas dos verbos são postas em uso.
Acerca das ocorrências verbais encontradas nas orações adverbiais causais,
destaca-se a mais recorrente, que foi o tempo presente do modo indicativo tanto na
oração nuclear quanto na oração satélite, aparecendo em cinquenta e três (53)
combinações oracionais de um total de noventa e um (91). Há de se considerar
ainda a ocorrência desse tempo verbal combinado com outros tempos verbais,
alternando entre oração nuclear e oração satélite (o presente do indicativo apenas
na oração nuclear ou apenas na oração adverbial), que totaliza mais quinze
ocorrências. A segunda maior utilização verbal foi o pretérito perfeito do modo
indicativo com dez ocorrências em que esse tempo verbal foi utilizado tanto na
oração adverbial quanto na nuclear. Combinado com outros tempos verbais, o
pretérito perfeito ainda aparece mais dezoito vezes. Observa-se que a diferença
entre a utilização das orações adverbiais e das orações nucleares, ambas no tempo
presente, demonstra uma diferença relevante em relação a outras utilizações de
tempos verbais. Destaca-se no quadro a seguir que os tempos verbais de acordo
com a combinação das orações adverbiais com as nucleares, considerando as três
maiores ocorrências, as quais totalizam 80,6% de todas as combinações de orações
adverbiais causais.
44
Para essas observações, utiliza-se o conceito dos “três momentos de Reinchebach” (1997), em que a temporalidade expressa por meio da língua se resume a apresentação de momentos distintos que se apresentam anteriores, posteriores ou simultâneos ao momento da fala.
135
Tabela 01: As combinações verbais das orações adverbiais causais no corpus - por número de ocorrências (as três maiores)
Combinações verbais entre orações nuclear e adverbial
Oração adverbial Oração nuclear
Presente do Indicativo Presente do Indicativo 56 (60,2%)
Pretérito Perfeito do indicativo Pretérito Perfeito do indicativo 10 (10,7%)
Presente do Indicativo Pretérito Perfeito do indicativo 09 (9,6%)
Total 75 (80,6%)
Corôa (2005) apresenta uma síntese de diferentes estudos acerca da do
tempo presente no português. Em suma, autores como Pontes (1975), Admoni
(1966), Prior (1967), Vater (1974), Lyons (1977), entre outros, defendem que o
tempo presente pode ser associado tanto ao futuro quanto ao passado. Também
Camara Jr. (2002) fala do uso metafórico dos tempos verbais, em que o presente
“sem a ‘assinalização’ própria expressa presente, futuro ou um tempo indefinido, ex:
parto agora; ou daqui a três dias, parto sempre de casa às 10 horas [...]” (CAMARA
JR., 2002, p. 100). Com base nisso, acredita-se que a alta recorrência do presente
no corpus das orações adverbiais causais resida nessa característica, que
apresenta, por consequência, o presente como uma forma verbal mais acessível
cognitivamente, tanto para o falante quanto para o ouvinte. O verbo, portanto, não
deve ser visto apenas em valor de representação temporal. Combinado com outros
elementos linguísticos ou, ainda, observando seu próprio valor semântico45, o tempo
“presente” utilizado pelo falante ultrapassa critérios morfológicos, sintáticos e até
mesmo semânticos, inserindo-se nas expressões linguísticas de modo a produzir
diferentes possibilidades de referenciação temporal em relação ao evento
apresentado pelo falante ou até mesmo de suas intenções. A própria gramática
tradicional admite “diferentes presentes”. Percebe-se, então, uma motivação que
pode ser decorrente de questões paradigmáticas motivadas cognitivamente e que
influenciam na utilização do presente na língua falada. Isso no sentido de que, a
preferência pelo presente na formulação linguística, em ocasiões nas quais não há
um planejamento linguístico, como no caso da fala espontânea, pode ser devido a
toda essa amplitude de referenciação temporal que esse tempo apresenta, o que
parece torná-lo mais “versátil” que os demais.
45
Por critérios semânticos considera-se estado, processo [HALLIDAY (2004). Como o verbo “caiu”, por exemplo, que indica um processo interno ao valor semântico do verbo, ou no caso de “sair” e “continuar”, vistos no exemplo acima].
136
Há também de se considerar que o corpus de análise utilizado neste
trabalho é resultado de uma entrevista oral de caráter simétrico. Algumas perguntas
favoreciam respostas situadas no momento do evento comunicativo, como a
solicitação final de convencer o entrevistador a participar da igreja ou da crença do
informante, e outras que favoreciam respostas no passado, como a pergunta acerca
do tempo em que o informante está em determinada igreja. Mas de modo geral, a
maioria das perguntas favorecia uma resposta com o tempo presente. Nesse caso,
várias orações, não apenas as subordinadas adverbiais em análise apresentam o
Momento da Fala (MF) coincidente com algum outro momento [Momento do Evento
(ME) ou o Momento de Referência (MR)] ou com ambos, formando o presente
(ocorrência de maior quantidade encontrada no corpus). Dessa forma, uma análise
satisfatória do uso verbal como dos exemplos acima exige, minimamente, que se
considere a coincidência entre os eventos observando também aspectos
semânticos.
Conforme descrito no capítulo um deste trabalho, uma análise funcionalista
deve permitir uma verificação da oração e seus componentes em três funções
distintas: sintática, semântica e pragmática, tendo a pragmática predominância
sobre as demais funções (Dik, 1989). Dessa forma, as análises visam apontar tais
funções dos verbos das orações adverbiais causais encontradas no corpus, para
viabilizar uma análise do funcionamento discursivo-argumentativo do verbo.
Fiorin (2016) e Corôa (2005) explicam que o presente expresso pelo verbo
pode ser pontual (coincidem com o ME e o MR); durativo (MR e ME são
coincidentes, mas MR apresenta uma duração maior que ME) ou gnômico (MR e ME
são coincidentes, mas o MR é atemporal e inclusive considerando em si o ME). Ou
ainda, MR é o sistema temporal com respeito ao qual se definem simultaneidade e
anterioridade, é a perspectiva de tempo que o falante transmite ao ouvinte para a
contemplação do ME. ME é o instante em que se dá o evento descrito, é o momento
da predicação, e o MF é o tempo da realização da fala (COROA, 2005, P. 11). Esses
momentos são exemplificados a seguir, respectivamente.
39) ...então...por isso que eu digo pra você...eu não prego uma religião...eu
prego a mensagem de Jesus...o evangelho... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
137
40) ...em nenhum momento eu vou lhe convencê-la pra vir pra minha igreja...né? ...porque eu acredito que a minha igreja...ela é só um pontinho nesse processo todo né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
41) ...e nesses vinte e oito anos posso dizer que escolhi o caminho certo...porque me sinto realizado...nesse...nesse...nesse ministério... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Católica)
No entanto, não parece satisfatória uma análise que se limite a apresentar
tais questões apenas. Cabe investigar possíveis motivações sintáticas, semânticas
e/ou pragmáticas que influenciem tais classificações. A classificação do verbo
conforme sua situacionalidade em relação aos MR, ME e MF implica, indiretamente,
em uma observação aspectual – uma vez que, para classificar se o presente é
pontual, durativo ou gnômico é necessário observar a duração do MR – que pode
ser considerado, então, como critério morfossintático e semântico. Os momentos dos
eventos podem ser considerados como função pragmática dos verbos, que visa
orientar o ouvinte em relação aos eventos apresentados pelo falante. Neste trabalho,
portanto, considera-se as questões aspectuais do verbo como funções sintáticas
semânticas, isso por estarem mais voltados para questões de combinação de
elementos com função sintática (como advérbios, numerais etc.), morfológicas
(flexão verbal) e também com questões semânticas. Já as implicações que resultam
da apresentação dos momentos de referência, de fala e do evento são tidas como
funções pragmáticas – uma vez que a marcação dos momentos da fala é pensada
de modo a situar o ouvinte em relação ao “tempo” que o falante deseja marcar
acerca dos eventos presentes nas expressões linguísticas.
Nos exemplos em questão, o ME, o MR e o MF são coincidentes, ou seja, o
tempo da predicação, a fala e o tempo do evento ocorreram simultaneamente.
Todavia, o momento de referência (MR) desses exemplos se diferencia, o que os
distinguem em pontual, durativo ou gnômico, respectivamente. Apenas para
exemplo, destaca-se a construção em quarenta (40) em que o falante diz “em
nenhum momento eu vou...[isso]”. Como definir se se trata de um aspecto perfectivo
e imperfectivo, ou ainda, como definir se se trata de um aspecto inceptivo, cursivo ou
terminativo (da perspectiva aspectual de desenvolvimento do processo), se o falante
marca apenas “em momento nenhum”. Nesse caso, o contexto sintático-semântico
138
em que o verbo está situado, assim como o contexto do evento comunicativo, não
auxiliam de forma significativa na classificação aspectual. Apesar de ser possível a
classificação aspectual desse verbo em pontual (pois não apresenta duração) e
cursivo (o processo está em andamento), tais considerações são realizadas com
base na eliminação de outras hipóteses. Por exemplo, sabe-se que esse verbo
provavelmente não seria durativo ou iterativo, pois não há um respaldo contextual
que permita tal identificação, assim, se não apresenta uma duração e nem uma
repetição, resta apenas a menção a um momento, algo pontual. O mesmo ocorre
acerca do aspecto quanto ao desenvolvimento do processo exposto pelo verbo,
como não há pistas no texto que aponte para o fato de a ação apresentada estar em
seu início (inceptivo), em seu final (terminativo) ou em seu desenvolvimento
(cursivo). Todavia, nesse caso, semanticamente, o verbo permite inferir um processo
que está em desenvolvimento, mesmo que não tão claramente, como em outros
tempos verbais, por exemplo.46 As pistas textuais para tais caracterizações são
frágeis muitas vezes. Há casos em que tal classificação se torna facilitada, como no
exemplo quarenta e um (41) -“...e nesses vinte e oito anos posso dizer que escolhi o
caminho certo...porque me sinto realizado...nesse...nesse...nesse ministério...”47.
Em posso fica evidente o aspecto durativo (de 28 anos), pois há pistas que facilitam
a identificação, o que já não é o caso do segundo segmento no exemplo.
Não se pretende o aprofundamento nem o exaurimento das questões
aspectuais, mas apenas um esclarecimento e uma breve discussão acerca da
hipótese firmada no início dessas análises, qual seja, que o presente possui por
natureza, uma representação mais ampla em relação à referência temporal que
pode ser expressa verbalmente, é um tempo que pode ser visto como mais “versátil”.
Mais relevante, porém, para os estudos argumentativos propostos neste trabalho
46
Sobretudo nos tempos pretéritos, que apresentam, via de regra, uma aspectualidade e uma (im)perfectividade marcada pela própria flexão verbal. A exemplo do verbo em questão, ir, destaca-se eu ia – imperfectivo, cursivo – sob o ponto de vista da conclusão do processo expresso pelo verbo, da duração e do desenvolvimento respectivamente. Ou ainda, eu fui – perfectivo pontual, cessativo – ação já realizada e acabada. Essas observações são possíveis sem outros elementos linguísticos, com o uso de elementos linguísticos determinantes é possível que esses tempos verbais apresentem outras classificações aspectuais. Essa demonstração se deve apenas para apontar que nesses tempos verbais é possível uma classificação mais objetiva mesmo sem outros elementos, o que não é o caso do presente, em que tal classificação realizada sem a observação de outros elementos linguísticos se torna mais difícil. 47
Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Católica.
139
que questões aspectuais são as questões que dizem respeito ao funcionamento do
verbo no nível textual-discursivo.
Discursivamente, todos os tempos verbais podem ser qualificados em dois
grupos distintos, de acordo com os estudos do alemão H. Weinrich (1973)48, os
quais foram desenvolvidos no Brasil, sobretudo por Koch (2011, 2013) – tendo, a
autora, realizado algumas adequações que levassem em conta questões específicas
da língua portuguesa (Koch, 2011). Nesses estudos, os tempos verbais são
diferenciados discursivamente entre mundo narrado e mundo comentado. Sobre o
mundo narrado a autora realiza a seguinte afirmação.
É graças aos tempos verbais que emprega que o falante apresenta o mundo – “mundo” entendido como possível conteúdo de uma comunicação linguística – e o ouvinte o entende, ou como mundo comentado, ou como mundo narrado. Ao mundo narrado pertencem todos os tipos de relato, literários ou não, tratando-se de eventos distantes, que, ao passarem pelo filtro do relato, perdem muito de sua força, permite-se aos interlocutores uma atitude mais ‘relaxada’” (KOCH, 2011, p. 35-36).
As expressões linguísticas que fazem parte do mundo narrado apresentam
verbos nos tempos pretéritos do indicativo (perfeito, imperfeito e futuro do pretérito),
assim como locuções verbais com o verbo auxiliar nesses tempos (KOCH, 2005).
Para melhor observação de um conteúdo discursivo do mundo narrado, são
apresentados dois exemplos, um estritamente com as orações que se relacionam
por meio da conjunção causal, e uma porção maior, que viabiliza uma
contextualização mais ampla e inclui outros tempos verbais desse mundo.
42) ...e quanto mais eu pesquisava...mais eu me tornava ateu mesmo... ...porque são várias religiões e vários deuses... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
43) ...eu tentava omitir no começo...mas é que eu não...não... ...me incomodava muito ter que ir na igreja... ...e ficar ouvindo aquelas coisas e...sabe...aqueles ritos... ...eu achava muito estranho...eh...hóstia...e...aquela coisa toda... ...primeira comunhão...
48
Tais estudos defendem que os tempos verbais no discurso não tem vinculação com o tempo cronológico das ações apenas, e dividem-se em dois grupos, considerando apenas o modo indicativo. Grupo 01: Presente, Pret. Perf. Composto, Fut. do Presente, Fut. Do Presente Composto e locuções verbais formadas pelo Presente e pelo Futuro. Grupo 02: Pret. Perfeito, Pret. Imperfeito, Pret. Mais que Perfeito, Fut. Do Pretérito e locuções verbais formadas por esses tempos. As situações comunicativas se dividem entre esses tempos, sendo denominadas de mundo comentado (verbos do grupo 01) e mundo narrado (verbos do grupo 02). Quanto aos denominados Modos (indicativo e Imperativo) são considerados pelo auto como tempos não-plenos, que se ligam aos “tempos-plenos” (grupos 01 e 02) para exercer suas funções comunicativas.
140
...isso me incomodava muito...
...porque é uma coisa que eu não acredita:va...não fazia sentido na minha vida aquilo... ...então...eu não queria participar daquilo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
O discurso, quando é construído de acordo com o mundo narrado, não exige
do ouvinte, e nem do falante, um posicionamento, uma ação efetiva. O falante
assume uma atitude de interlocução na qual não necessita, efetivamente, se
posicionar em relação ao conteúdo proferido. Argumentativamente, os discursos
nesse mundo se tornam, portanto, mais fracos (KOCH, 2005). Diferentemente,
quando o discurso é construído no mundo comentado, há uma participação mais
efetiva ente ouvinte e falante por meio das expressões linguísticas, considerando
que “comentar é falar criticamente” (KOCH, 2005, p. 36 – grifo nosso).
A assertividade que há no mundo comentado faz que o discurso do falante se
torne mais asseverativo, atribuindo maior engajamento por parte do falante em
relação ao que diz. Koch (2005) destaca que “a forma verbal presente nada tem a
ver com o Tempo: ela constitui, justamente, o tempo principal do mundo comentado,
designando uma atitude comunicativa de engajamento, compromisso” (KOCH, 2005,
p. 37 – negrito no original).
Assim, a predominância do tempo verbal no presente do indicativo se mostra
bastante relevante para as análises propostas neste trabalho, pois confere ao
conteúdo linguístico uma criticidade e uma argumentação intrínsecas às expressões
linguísticas. A manutenção do tempo verbal, nesse sentido, torna-se, por si só, uma
forma de argumentação linguística.
Acerca do discurso narrado, destaca-se que a diferença do discurso acerca
de um mundo narrado e um mundo comentado fica saliente ao se comparar os
exemplos anteriores (do mundo narrado) com porções textuais que se classificam
como do mundo comentado:
44) ...e...a partir daí...se estabelece...um princípio da fé judaico-cristã:... ...sem derramamento de sangue não há remissão de pecados... ...por isso que Jesus de Nazaré...o Filho de Deus...teve uma encarnação...por Maria...uma encarnação do Espírito Santo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
141
45) ...mas...o SALvador nosso é Jesus Cristo... ...e por isso é que nós pregamos que...é em Jesus Cristo que o ser humano pode ter a salvação... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
Percebe-se, nesses exemplos, o comprometimento do falante acerca do que
diz, comprometimento entendido como modalização. Ainda, o sistema temporal do
verbo, de acordo com Koch (2011, 2013) e Weinrich (1973) é composto por três
elementos dos quais o primeiro diz respeito à atitude comunicativa.
A atitude comunicativa é mais engajada, apresentando maior
comprometimento do falante acerca do que ele diz (mundo comentado) ou menos
empenhada, apresentando menos envolvimento do falante em relação ao que diz
(mundo narrado) (KOCH, 2013). Mesmo o uso do verbo modal “pode” não diminui o
grau de envolvimento do falante em relação ao que diz, inclusive porque se refere a
algo que o falante apresenta ao ouvinte como uma possibilidade que dada ao ser
humano por Jesus Cristo, e não de uma possibilidade quanto a relação para com a
ação que é apresentada ao evento do EsCo expressado na oração. Ou seja, o verbo
modal “pode” não se refere à ação realizada pelo falante (a pregação).
Retomando o sistema temporal ligado a situações comunicativas (Koch, 2011,
2013), destacam-se as seguintes dimensões:
Esquema 05: Dimensões do sistema temporal na situação comunicativa
1ª) Atitude Comunicativa
Narrativa Comentadora
2ª) Perspectiva comunicativa
Tempos de grau ø (sem perspectiva)
Tempos com perspectiva - Prospecção - Retrospecção
3ª) Relevo 1º Plano
2º Plano Aparecem apenas em alguns setores do sistema temporal
Os conceitos sobre o relevo e a perspectiva não serão aprofundados, tendo
em vista o objetivo deste trabalho. Apenas a primeira dimensão do sistema temporal
é abordada, uma vez que a perspectiva e o relevo apresentam características mais
142
cronológicas e/ou sequenciais, critérios não menos importantes que a atitude
comunicativa, mas não relevantes para a análise em questão. Posto que já foram
realizadas considerações acerca da atitude comunicativa, salienta-se apenas que a
perspectiva diz respeito ao tempo base, ou, tempo zero dos mundos. No mundo
comentado, o tempo base é presente e no mundo narrado é o pretérito perfeito
simples. Todavia, Koch (2011, 2013) explica que a classificação dos tempos verbais
de Weinrich tomou por base o francês, o que resultou em algumas questões a serem
reformuladas para a língua portuguesa. Destaca-se, nesse sentido, o caso do
pretérito perfeito, que, conforme a autora é extremamente frequente nos textos dos
dois mundos, em se tratando de Língua Portuguesa.
Assim, “é preciso, pois, admitir sua presença nos dois ‘mundos’, embora com
valores diferentes: no mundo narrado, ele é o tempo-zero [...], no mundo comentado,
o tempo-zero é presente, e o pretérito perfeito tem valor retrospectivo” (KOCH, 2011,
p. 56). Daí também a possibilidade quanto ao pretérito perfeito ser a segunda maior
ocorrência de tempo verbal – por combinar-se com o tempo-base do verbo no
mundo comentado, apresentando uma retrospectiva em relação ao evento com a
oração no presente.
46)...e nesses vinte e oito anos posso dizer que escolhi o caminho certo... ...porque me sinto realizado nesse...nesse...nesse ministério... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Católica)
Nesse caso, a oração nuclear apresenta um evento anterior ao evento
descrito na adverbial, mas, discursivamente, essa porção textual mantém-se no
mundo comentado.
Assim, ressalta-se a relevância da predominância do tempo verbal no
“presente”, discursivamente, reforça a argumentação realizada pelo falante. Inclusive
pela modalização que ocorre por meio das expressões linguísticas de polaridade
positiva – as afirmações. Tempo verbal nessa perspectiva discursiva, portanto, é
vista “como comportamento do falante articulado nos dois grupos temporais do
mundo comentado e do mundo narrado” (KOCH, 2011, p. 39).
143
6.1.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA E CONECTIVOS
Ao todo, no corpus, foram encontradas noventa e uma ocorrências de
orações adverbiais com conectivos causais. Desse total, a maior recorrência foi nas
construções no nível dos atos de fala, totalizando quarenta e seis das noventa e
uma ocorrências.
Tabela 02: Síntese das conjunções e do posicionamento das orações adverbiais causais.
Domínio de conteúdo
Domínio Epistêmico
Domínio dos atos de fala
TOTAL
Conectivos
Porque 19 (26,7%) 18 (25,3%) 35 (49,3%) 71 (76,3%)
Por isso que
01 (11,1%) 01(11,1%) 05 (77,7%) 07 (9,7%)
Por isso (é) que
01 (25%) 01 (25%) 02 (50%)
04 (4,3%)
Que 01 (33,3%) - 02 (66,6%) 03 (3,2%)
Como 01(33,3%) 01(33,3%) 0(33,3%) 03 (3,2%)
Por conta de
- - 01(100%) 01 (1,07%)
Por isso - 01(100%) - 01 (1,07%)
Pois 01(100%) - - 01 (1,07%)
TOTAL 23 (24,7%) 22 (23,6%) 46 (51,6%) 91
A predominância das orações no domínio dos atos de fala sugere que no
contexto de produção textual no âmbito religioso, dadas as considerações das
entrevistas realizadas, os falantes optaram mais por explicações e justificativas de
suas crenças e suas escolhas do que por causas efetivas, como nos domínios de
conteúdo, por exemplo. Desse modo, o domínio em que determinada oração
adverbial se encontra, parece ser capaz de influenciar o modo como a
argumentação irá se estabelecer no texto. Como é possível observar em quarenta e
sete (47), quarenta e oito (48) e quarenta e nove (49): domínio dos atos de fala,
domínio epistêmico e domínio de conteúdo, respectivamente.
47) ...a vida com Cristo não é a ausência de problemas... ...é saber encarar problemas com ele...e é ver ele se manifestando... ...porque os problemas é a O-portuniDA-de pra Deus e manifestar...e ele ser glorificado... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
48) ...eu tentava omitir no começo...mas é que eu não...não/me incomodava muito ter que ir na igreja...
...e ficar ouvindo aquelas coisas e...sabe...aqueles ritos...
...eu achava muito estranho...eh...hóstia...e...aquela coisa toda...
...primeira comunhão...
144
...isso me incomodava muito...
...porque é uma coisa que eu não acredita:va...não fazia sentido na minha vida aquilo... ...então...eu não queria participar daquilo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu) 49) ...caso sendo aprovado...aí você vai pra licenciatura...
...é licenciado...trabalha na igreja como pastor...
...fazer tudo que um pastor faz...menos...ah...ministrar o sacramento...que é:...seria o batismo...né? ...eh...porque ainda não é ordenado...não é investido como pastor... ...então...você tá no ano de experiência... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
No caso das orações que se situam no domínio epistêmico (das crenças dos
falantes), como no exemplo quarenta e oito (48), tem-se que a causalidade não se
dá entre Estados de Coisas (EsCo), como em quarenta e nove (49), mas entre
conteúdos proposicionais, sendo a causalidade marcada, nesse domínio, por meio
das crenças ou conclusões do falante. Para as análises pragmáticas e
argumentativas, esses critérios se tornam relevantes, pois conduzem para os
argumentos com base nos raciocínios preferíveis, ou seja, aqueles nos quais se
situa, de forma mais cômoda, a argumentação persuasiva. Considerando ainda a
relação entre eventos e a relação entre argumentos, sendo esta última a que se
estabelece entre fenômenos internos à situação de comunicação, tem-se que os
segmentos são relacionados como etapas em um argumento, significando primeiro
uma proposição no jogo do discurso, e depois outra. Pode ainda ser considerada
uma relação ideacional, conforme conceito de Halliday (2004), a qual ocorre no
âmbito da construção de significados e da representação das impressões
particulares do falante acerca da situação. As orações do domínio de conteúdo, por
sua vez, apresentam uma causa material mais marcada que nos demais níveis. Fato
que, argumentativamente, também se mostra relevante, pois direciona para uma
argumentação com base na causalidade lógica.
Acerca das conjunções utilizadas, do total de noventa e uma (91) orações
analisadas, setenta e uma (71) foram construídas pelos falantes com o conectivo
porque. Esse resultado é compatível com os estudos realizados por Neves (1999,
2000, 2015) e Castilho (2010), entre outros, nos quais essa conjunção representa o
maior número de ocorrências do corpus, ou seja, é a mais prototípica.
145
Tabela 03: posicionamento das orações adverbiais causais.
Posição da oração
adverbial
Adverbial Posposta
Adverbial Anteposta
Total
Conectivos
Porque 66 (92,9%) 05 (5,5%) 71(76,3%)
Que 03 (100%) 00 03 (3,2%)
Por isso que 07 (100%) 00 07 (9,7%)
Por isso (é) que
04 (100%) 00 04 (4,3%)
Como 00 03 (100%) 03 (3,2%)
Por isso 00 01 (100%) 01 (1,07%)
Por conta de 01(100%) 00 01 (1,07%)
Pois 01 (100%) 00 01 (1,07%)
TOTAL 83 (91,4%) 8 (8,6%) 91
Neves (1999, 2015) explica que a escolha do conectivo pelo falante está
correlacionada à distribuição da informação entre as orações e ao relevo
informacional. De acordo com a autora, quando uma informação é tida como
compartilhada pelos participantes do ato comunicativo, ela vem anteposta à oração
nuclear. Quando a oração acrescenta informação tida como não compartilhada, vem
posposta, como nos exemplos a seguir.
50) ...em João capítulo 3...versículo 16...que diz:...“porque Deus amou o mundo de tal maneira...que deu o seu filho unigênito para que...todo aquele que nele crê...não pereça...mas tenha a vida eterna”... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
51) ...então...quando você diz não a essa natureza...isso vai gerar dor em você... ...porque a sua natureza de Adão é egoísta...é arrogante...é incrédula...é possessiva... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
Acredita-se, ainda, que a preferência pelo conectivo porque possa ocorrer
por uma questão de praticidade e economia linguística. Mais do que isso, pode ser
considerada uma construção que está mais gramaticalizada. Considerando,
também, que, além de deixar clara a relação de causalidade para o ouvinte, o
conectivo porque pode vir em qualquer posição sintática (anteposta ou posposta) – o
que pode ser considerado como “facilitador” da elaboração linguística.
52) ...e...assim...como eu/eu...eu...fui/fico assim...buscando respostas... ...e:: como eu não A:cho...eu optei em não acreditar... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
146
53) ... um dia desses...não quero fugir pra política...mas eu tava pensando se eu não podia ter feito algo diferente com a minha vida… ...se eu poderia ter me dedicado à política...que eu vejo tanta coisa que me deixa enraivecido...chateado mesmo… (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da Igreja de Jesus Cristo dos últimos dias)
Os exemplos 52 e 53 apresentam ocorrências de orações causais com outras
conjunções que não o “porque”. Como é possível perceber, a causalidade não é
reconhecida tão facilmente como nos exemplos com as conjunções “porque”, isso
considerando a situação comunicativa e a espontaneidade da língua falada, no
contexto de formação do córpus desta pesquisa.
No tocante ao relevo informacional, crê-se que ele pode ocorrer também por
meio da escolha do conectivo, sem que, necessariamente, incorra na posição da
oração adverbial, embora a posição das orações seja altamente relevante nesse
aspecto. Por meio da utilização do conectivo associado a um elemento focalizador,
como visto na utilização da locução conjuntiva por isso (em 54), é possível focalizar
uma informação mesmo em posição menos evidente, como é o caso da posição não
tópica da oração posposta. Mesmo pospostas, essas construções atribuem relevo
significativo ao conteúdo da oração adverbial, de formas variadas.
54) ...inclusive..a nossa doutrina..ela tem a primeira regra da doutrina... ...ela tem a bíblia como única fonte de revelação divina... ...e é por isso que ela é a nossa única fonte de prática do evangelho... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)
55) ...mas eu não tenho forças...e não tenho condições para mudar isso... ...por isso que Deus...na sua infinita bondade...GRAça e amor...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
56) ...ela [Maria) foi...canal das bênçãos de Deus para a humanidade... ...mas...o SALvador nosso é Jesus Cristo... ...e por isso é que nós pregamos que...é em Jesus Cristo que o ser humano pode ter a salvação... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
Note que, em cada exemplo de adverbial posposta vai ocorrendo uma
focalização no conteúdo que é inserido pelo falante desde (-focalizado) a
(+focalizado), como se vê, respectivamente, nos exemplos. No primeiro exemplo
com por isso, não há um relevo informacional por meio da focalização como nos
147
outros casos. Nos dois exemplos seguintes, a informação da adverbial introduzida
posposta à oração nuclear é salientada por meio do verbo é, aliada ao conectivo
57) ...inclusive...a nossa doutrina...ela tem a primeira regra da doutrina... ...ela tem a bíblia como única fonte de revelação divina... ...e é por isso que ela é a nossa única fonte de prática do evangelho... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
O que se nota é que, por meio da locução conjuntiva por isso que, associada
ao verbo “ser” - na terceira pessoa do singular do modo indicativo do tempo
presente: “é” - o falante é capaz de salientar uma informação que está
sintaticamente desfavorecida de relevo informacional por meio da clivagem, que é
um recurso linguístico de focalização. Essa utilização de “por isso que + é” ocorreu
com mais de um dos entrevistados, mais especificamente com os pastores das
igrejas Luterana e Batista, o que demonstra que não se trata de uma questão de
idiossincrasia.
Há de se considerar também, nesses casos, os níveis em que se encontram
tais orações, e o fato de ser a preposição por uma preposição capaz de designar
diferentes relações, conforme o elemento linguístico que acompanha. A preposição
por inserindo um sintagma como um segmento causal foi bastante recorrente no
corpus – apareceram mais sintagmas nominais de causa, como “por uma questão
de lei”, “por causa da nossa limitação”, “por razões pessoais”, “por influência da
família” etc., do que orações concessivas, por exemplo.
58) [Porque a Presbiteriana do Brasil?] ...um pouco por causa do histórico...né? ...o meu avô já era presbiteriano...meus pais presbiterianos... ...então...eu segui por este caminho... ...um pouco...por causa da influência da família...com certeza... ...e também...por uma convicção pessoal...né? ...claro que... envolve a formação da gente...desde criança e adolescente... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)
Embora esses sintagmas não apresentem uma predicação, eles se
relacionam com as porções textuais que os precedem ou sucedem, estabelecendo
relações claramente causais – eles apresentam causas. Assim, embora Neves
(2013) reconheça que há o uso sintagmático na língua portuguesa, ela os
correlaciona a usos canônicos ou literários, afirmando que em contexto de língua
148
falada raramente se observa realizações linguísticas não predicativas. Todavia, no
corpus de análise, a ocorrência de orações sintagmáticas – não apenas causais – foi
bastante recorrente.
Outros casos com a preposição por (agora com segmentos predicativos)
relacionando porções textuais foram encontrados, mas não contabilizados, por não
serem classificados na literatura gramatical da língua portuguesa como conjunções
causais. Todavia, percebe-se que, nem por isso, deixam de estabelecer relações de
causa em predicação e não em sintagma apenas. Foram encontradas quatro
construções nesse sentido, todas compostas pela preposição por + verbo.
59) ...esse despertamento pra realizar alguma coisa em favor da igreja...e...mas eu creio que é um chamado natural...uma vocação que a gente tem... ...assim como outras crianças tem outros desejos... ...mas eu...por ser criado em família evangélica e com um histórico já:...de avô...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)
60) ...então...nós temos um curso básico em teologia...que é aquelas pessoas que
tem um chamado de Deus mas elas...elas não estudam para trabalhar... ...mas elas...por estarem trabalhando...sentindo a necessidade de fundamentar a sua fé...sua (ação) de liderança pastoral...de pregação... ...aí elas vão estudar com base... ...algumas delas...nem todas... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
61) ...vai ter dificuldade de trabalhar...
...vai ter dificuldade em algum momento...de estudar...né?
...por ter aulas aos sábados... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
62) ...você é ensinado a isso...e aí você acaba se envolve:ndo um pouco
mais...também... ...então são essas duas razões que eu vejo... ...a influência da família...por já estar ligado...e a questão da missão...e do advento... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
Destaca-se que todas essas predicações estão no nível de conteúdo e as
relações expressas são de causa/explicação. Causa no sentido tradicional das
adverbiais causais, mas de explicação, se observada a definição de Carlson &
Marcu (2001) em que a relação de explicação ocorre quando a oração dependente
(no caso, as predicações em destaque) explica o conteúdo da nuclear, o qual,
149
normalmente, independe da vontade do agente e envolve explicações para
acontecimentos.
Em suma, acerca dos conectivos causais mais recorrentes no corpus,
observaram-se as seguintes funções discursivas em relação a todas as ocorrências
do corpus:
1. Articulador de estruturação tópica-discursiva.
a) Introdutor de tópicos
[Por que a batista?] ...porque::...é a denominação que mais:: se aproxima...das orientações da bíblia... ...não que as outras não tenham a bíblia como referência máxima...mas é que:... ...inclusive...a nossa doutrina...ela tem a primeira regra da doutrina... ...ela tem a bíblia como única fonte de revelação divina... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
b) Introdutor de subtópicos
...você está fazendo mesTRAdo...e é cientista...
...o espiritismo é o lugar dos cientistas...é o lugar da busca...
...como eu te disse...não é o lugar de quem tem fé...
...porque uns tem fé em uma coisa...outros em outra...
...uns tem fé de mais...outros tem fé de menos...(risos)...
...de tal forma...que...quem tem coRA:gem de bus-car a informação...
...de pesquiSAR...de colocar suas ideias à prova...de aceitar a ideia alhe::ia...
...então...essas são as/as noções que levam as pessoas que gostam da ciência a ingressar no espiritismo... ...porque toda igreja tem um DO:gma...e o espiritismo não tem (um) do-gma... ...nós não gostamos de dogma...
...nós achamos que do:gmas:...são para serem discutidos... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
c) Articulador tópico
...tudo é vibração...tudo depende...do modo como nós encaramos as coisas...do modo como nós encaramos a vida...e a imortalidA-de da alma... ...a imortalidade da alma é um centro...eh/eh...um ponto central da doutrina dos espíritos... ...porque:...na medida que nós entendermos que somos imortais acaba em nós o desespero... ...porque:...o desespero das pessoas...é no sentido de que está terminan:do a vida... ...e elas não conseguiram...ain:da...chegar naquele ponto que elas entendiam como um ponto...a ser buscado durante a existência...
150
...e a doutrina dos espíritos nos en/nos ensina que...o que nós não conseguimos agora...nós conseguiremos na próxima encarnação... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
d) Sequenciador intratópico
...até a gente ouve muita chacota por aí...brincadeiras e tal...
...que o adventista ele é mais folgado...porque chega no sábado ele não trabalha...e tal...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
e) Mudança de orientação tópica
...não é simplesmente muDAR de igreja...ou muDAR de religião...tem a ver com a eternidade...entendeu? ...e essa eternidade ela é garantida na pessoa de Cristo...né? ...então...é/é/é...é nessa...é/é a gente entende isso... ...então...aqui na igreja você vai encontra pessoas...eh/eh/eh...que você vai amar... ...que você vai gostar...que você vai se relacionar... ...como pessoas com problemas... ...eh...eh...você pode amar...você pode encontrar coisas que você pode não gostar...né? ...e...e...quando a gente vem com essa perspectiva...a gente tá num olhar humano...né? ...porque.ah::...ahn...que que adianta eu falar...eu fazer uma excelente propaganda aqui da igreja...não é? ...eu to querendo trazer você pra igreja...isso é proselitismo...né? ...se eu ficar fazendo propaganda da igreja é fazer proselitismo... ...mas o foco não é esse...a questão...é muito mais que isso... ...tem a ver com a pessoa...tem a ver com a vida eterna dela...não é? ...então...se...se quando você tá se importando com a eternidade...com o futuro dela...é muito mais do que proselitismo...não é? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
f) Introdutor de parênteses
...então...EU que:ro fazer um convite pra você...
...pra que você possa...sinceramente...
...porque você tem o desejo de saber se isso é verdade...
...fazer sua própria oração e perguntar a Deus...e prestar atenção no que ele vai dizer no SEU coração...através de um sentimento... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da Igreja de Jesus Cristo dos últimos dias)
151
g) Marcador discursivo sequenciador
...na verdade...o primeiro método que a gente usa é o método da amiza:de...do relacionamento com as pessoas...né? ...por que...né? ...tem uma base teológica pra isso... ...Gênesis...capítulo 3...por exemplo...tem a descrição da entrada do pecado...do primeiro casal...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
h) Marcador discursivo interacional
...mas é uma igreja que sempre privilegia a parte da pregação...da palavra de Deus...a bíblia... ...porquê? ...eh...é da bíblia que tiramos todo o nosso ensino...toda a nossa doutrina... ...então...o valor que se dá pra essa parte do culto é muito importante... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)
2. Outras funções.
i) Estabelecedor de relações hipotáticas de causa
...e eu fiz um mestrado em missão urbana...
...e o mestrado eu fiz porque eu já tinha uma formação secular...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
j) Estabelecedor de relações hipotáticas de causa
...eu achava isso muito difícil de acreditar...nunca...nunca entendi...
...e quanto mais eu pesquisava...mais eu me tornava ateu mesmo...
...porque são várias religiões e vários deuses...
...e aí não...não me conve::nce...nenhum deles...
...e...ainda mais por ser muitos...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
k) Focalizador
...e aí...só tem uma possibilidade de o homem se achegar a Deus de novo...
...é por Jesus Cristo...
...por isso é que nós nos preocupamos em anunciar que Jesus Cristo é o único Senhor...é o único salvador...ele desceu dos céus... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
152
As funções discursivas dos conectivos causais porque podem ser variadas,
de modo a favorecer a estruturação da coerência textual, auxiliando na centração
tópica, focalizando elementos por meio da ênfase, repetição, posposição
anteposição etc. Todavia, o que mais se destaca é a função de estruturação tópica
que tais conectivos podem exercer, auxiliando na manutenção da coerência textual e
apresentando ocorrências causalmente relacionadas.
6.1.4. TOPICALIDADE, INFORMATIVIDADE, POSICIONAMENTO DA ORAÇÕES
Destaca-se também que as orações do domínio dos atos de fala incluem as
“construções constituídas por um ato de fala ao qual se associa uma oração que dá
a ‘causa’ daquele ato de fala – e, por isso, traz uma explicação” (NEVES & BRAGA,
2016, p. 133). Dessa forma, observando o exemplo seguinte tem-se uma conjunção
que denota uma causalidade, mas que se refere à ligação entre dois atos de fala
como sendo causais.
63) ...o espiritismo é o lugar dos cientistas...é o lugar da busca... ...como eu te disse...não é o lugar de quem tem fé... ...porque uns tem fé em uma coisa...outros em outra... ...uns tem fé de mais...outros tem fé de menos...(risos) ...de tal forma...que...quem tem coRA:gem de bus-car a informação... ...de pesquiSAR...de colocar suas ideias à prova...de aceitar a ideia alhe::ia... ...então...essas são as/as noções que levam as pessoas que gostam da ciência a ingressar no espiritismo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
Em casos como esse, a conjunção causal porque inicia uma explicação em
relação acerca da porção textual anterior, evidenciando que o falante sente a
necessidade de complementar sua fala por meio de um subtópico (considerando que
o espiritismo seria o tópico desta porção, e a fé, um subtópico). Note-se que, ao
afirmar que o espiritismo é o lugar de “cientistas” e não de pessoas que possuem fé,
o falante acrescenta uma explicação que apresenta como escopo a questão da fé e
não a questão do espiritismo - o tópico “espiritismo” é retomado a partir do marcador
discursivo sequenciador então. O informante explica porque as pessoas que têm fé
não são pessoas que procuram o espiritismo. Não se trata, portanto, apenas de uma
questão de relacionar argumentos atribuindo causalidade, mas de apresentar
também uma justificativa, uma explicação.
153
No exemplo sessenta e quatro (64) ocorre a mesma relação entre as
orações, qual seja uma explicação sobre o conteúdo verbal produzido. O pastor
falava sobre a volta de Jesus e inclui uma construção com valor causal de modo a
justificar sua crença. Se em 63 a relevância da materialidade causal é zero, pois
está ancorada em crenças e não em eventos, em 64 já há uma marca de
materialidade, no entanto, não ao ponto de criar uma relação entre eventos. O
falante utiliza uma causa real – a existência de milhares de versículos bíblicos – para
explicar sua escolha em acreditar que na volta de Jesus.
64) ...então...por exemplo...a volta de Jesus...eh...entra siNAis de que Jesus está voltando... ...porque são mais de três mil e quinhentos versículos da bíblia falando sobre isso...né? ...eh...eu trabalharia com você sobre...eh...a lei de Deus...eh...como que muita gente tem se esquecido...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
Interessante ainda o fato de que, ao inserir essa explicação, o falante
argumenta com o objetivo de reforçar sua escolha, apresentando ao ouvinte um
motivo para que ele também acredite no mesmo que o falante (seria cabível dizer
que se trata de um argumento por estatística, por exemplo).
É possível dizer também, por meio das análises realizadas no corpus, que
nos casos em que as orações causais ocorreram no domínio dos atos de fala, elas
se mostraram recorrentes na inserção de tópicos49, subtópicos e/ou inserções
parentéticas, apresentando ou constituindo algum tipo de argumento discursivo.
Nesse aspecto, essas construções apontam para uma recursividade discursiva que
coopera amplamente para elaboração textual, para a manutenção tópica e também
para a construção da coerência.
Das quarenta e oito (48) orações adverbiais causais no domínio dos Atos de
Fala, quarenta e três (43 – 89,6%) articulam informações tópicas. Apenas cinco
49
Nesse item, considerou-se Tópico o conteúdo verbal que apresentou centração e organicidade em relação à resposta da pergunta na qual o texto em que se encontraram estas ocorrências estavam inseridas, e considerou-se subtópico de forma ampla, englobando não apenas questões linearidade, centração e organicidade, mas também de transição, interpolamento e movimento tópicos. Não se analisou, portanto, se o subtópico constituía-se um novo tópico (sendo um subtópico em relação ao supertópico do texto e constituindo como tópico da formulação procedente dele, ou seja, a hierarquia tópica não foi posta em análise). A teoria de base para estas considerações é a Teoria da Perspectiva Textual conforme estudos de Jubran (2006) já explanados de modo mais detalhado no capítulo um, subseção sete, deste trabalho.
154
ocorrências no domínio dos atos de fala (11%) não apresentaram esse tipo de
funcionamento textual. Das quarenta e três orações com essa funcionalidade, vinte e
oito (28 – 60,5%) foram com o conectivo porque, e 34% com outros conectivos. O
maior índice de ocorrência apresenta os conectivos em início de fluxo de fala,
predominando as orações adverbiais antepostas quando a inserção há uma inserção
de tópico ou subtópico, e posposta quando a oração adverbial funciona como
articulador tópico, auxiliando na transição de um tópico para outro.
Tabela 04: Funcionamento das orações causais conjuncionais no domínio dos atos de fala.
Introduz tópico
Introduz subtópico
Articulador tópico
Introduz parênteses
Total
Porque 06
(21%) 10
(35,7%) 10
(35,7%) 02
(7,1%) 28
(65%)
Pois - 01 (100%) - 01
(2,3%)
Por isso ((é) que)
- 02
(20%) 08
(80%) -
10 (23,5%)
Por conta de 01
(100%) - - -
01 (2,3%)
Como - 01 (100%) - - 01
(2,3%)
Que - 01 (100%) 01 (100%) - 02
(4,6%)
Total de ocorrências 07
(16,2%) 14
(32,5%) 20
(46,5%) 02
(4,6%) 43
(89,6%)
Conj. Porque/Anteposta Em início de fluxo da fala
- 07
(87,5%) - 01 (12,5%)
08 (28,5%)
Conj. Porque/Posposta Em início de fluxo da fala
06 (31,6%)
01 (5,6%)
10 (52,6%) 01
(5,6%) 18
(64,2%)
Conj. Porque /Posposta Em meio de fluxo da fala
- 01(100%) - - 01
(3,5%)
Conj. Porque/ Posposta Em meio de fluxo da fala
- 01 (100%) - - 01
(3,5%)
Total-conj. Porque 06
(21,4%) 10
(35,7%) 10 (35,7%) 02 (7,1%) 28
Conj. Por isso ((é)que)/Anteposta Em início de fluxo da fala
- 01 (100%) - - 01
(6,66%)
Conj. Por isso ((é)que)/Posposta Em início de fluxo da fala
- 01
(11,1%) 08
(88,8%) -
09 (60%)
Conj. Como/Anteposta Em início de fluxo da fala
- 01 (100%) - - 01
(6,66%)
Conj. Pois/Posposta Em meio de fluxo da fala
- - 01 (100%) - 01
(6,66%)
Conj. Que / posposta Em meio de fluxo da fala
- 01
(50%) 01
(50%) -
02 (13,3%)
Conj. Por conta de / Anteposta Em início de fluxo de fala
01 (100%)
- - - 01
(6,66%)
Total 01
(6,66%) 04
(26,6%) 10
(66,6%) 00
15 (34,8%)
155
Essa alternância de tópicos e inserção de conteúdos realizada pelas orações
adverbiais causais apresenta uma função pragmática que visa, entre outras coisas
(como orientar o ouvinte, realizar explicações etc.), apresentar informações que
alterem, de algum modo, a informação pragmática do ouvinte. O falante ordena as
informações da forma como considera mais relevante e vai acrescentando
informações novas, tópicos e subtópicos novos, atribuindo uma informatividade alta
para seu texto. Assim, essa alternância tópica deve ser considerada como a
exteriorização da capacidade do falante em reordenar o conteúdo informacional de
modo a influir no conteúdo pragmático de seu ouvinte, uma vez que o falante possui,
sempre, uma motivação e um objetivo comunicativo. Dessa forma, essa
movimentação de informações ao longo do texto atribui a ele uma alta
informatividade e explicita a capacidade do falante de organizar e reorganizar o
conteúdo informacional de sua fala.
Nos exemplos seguintes, é possível observar melhor como esse
funcionamento da oração adverbial causal ocorre no texto, de modo a inserir maior
conteúdo informacional.
65) ...ele deu várias demonstrações de que ele poderia se sair da cruz...mas ele nun:ca:...se eximiu da sua missão...por que? ...porque QUAN-do Adão e Eva pecaram...Deus disse pra ele: oh...contra o pecado de vocês...que produz a morte... ...então eu preciso de um antídoto...e esse antídoto é a vida... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia)
66) [Por que a batista?] I- ...porque::... é a denominação que mais:: se aproxima...das orientações da bíblia... ...não que as outras não tenham a bíblia como referência máxima... ...mas é que:...inclusive...a nossa doutrina...ela tem a primeira regra da doutrina... ...ela tem a bíblia como única fonte de revelação divina...
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
Neves (2000) exemplifica esse tipo de construção causal discorrendo que
ela apresenta uma relação causal que expressa relações entre um ato de fala e a
expressão da causa que motivou a expressão linguística. Nesses casos, o ato de
fala da oração principal pode ser declarativo, injuntivo ou interrogativo, este último,
como nos casos exemplificados, em que ocorre um ato de fala interrogativo que
funciona como oração principal da subordinada causal, introduzindo um tópico ao
156
texto. Esses tipos de ocorrência são considerados por Neves (2000) “causal de
informação nova” - oração que evidencia a relação entre a posição sintática e a
organização tópica dos segmentos ou das porções textuais. Assim, de acordo com a
extensão da porção textual delimita-se, então, se é tópico ou subtópico. Quando
muito extensa, constitui-se em um subtópico – subtópico dentro do conceito amplo
que se aborda neste trabalho, uma vez que o parêntese, quando muito longo, pode
se tornar um novo tópico no quadro tópico do texto, tendo em seu desenvolvimento
outros subtópicos. Todavia, não é intuito deste trabalho o aprofundamento dessas
questões. Para o que se pretende neste trabalho, é suficiente esclarecer que como
critério, considerou-se também a quantidade de material verbal que não observou a
linearidade temática do texto, assim como sua centracidade e organicidade.
Jubran (2006) elenca algumas distinções sobre a descontinuidade tópica, a
qual pode ocorrer por ruptura tópica, cisão tópica, expansão tópica, transição,
superposição e movimento de tópicos. Como já descrito em capítulo anterior, na
especificação dos subtópicos, para fins deste trabalho optou-se por uma concepção
ampla, o que direciona como sendo um subtópico qualquer descontinuidade tópica,
sem se ater às distinções apresentadas pela autora para a classificação dos
subtópicos. Considerando ainda que a observação reside em porções menores de
textos, os quais não se desenvolvem como tópicos propriamente. Assim, apenas há
de se esclarecer as ocorrências demonstradas, lembrando que, para a composição
do quadro anterior não se considerou estas divisões critérios, mas apenas a não-
linearidade tópica.
No exemplo sessenta e quatro (64) e sessenta e sete (67), o informante
estava em uma explanação que tinha por tópico a questão do reencarnacionismo
(que na verdade também já era um tópico do super tópico desse texto), e, ao
apresentar a explicação da causa pela qual ele crê que o reencarnacionismo é um
ponto muito consolador da doutrina que o falante segue, insere um novo tópico, qual
seja, a “anterioridade da vida”.
67) ...então...(o) reencarnacionismo é...u:ma/é um outro ponto da doutrina espírita...que é muito consolador... ...porque: nós vemos...cria:nças acossadas pelas mais diversas enfermidades...doenças...paralisias...
157
...e...se não for pela ANterioridade da vida...isso não se explica...
...(as) pessoas chegam ao ponto de pensar em aborto...de pensar em suicídio...homicídio... ...porque não entendem que o espírito é imortal... ...e como que se progride? ...Kardec diz que: “a progressão se dá...nascendo...morrendo...renascendo...e progredindo ainda”... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
Assim, a oração causal, posposta à oração principal, inicia um fluxo de fala
que contém uma porção textual que se constitui como uma transição para o
subtópico “anterioridade da vida”. Nesse caso, trata-se de uma transição de tópicos,
uma vez que promove uma transição, uma passagem gradual de um tópico a
outro.50
68) ...a partir do momento que o homem se afasto:u de Deus... ...ele...então...foi condena:do... ...houve uma/um rompimento do ser humano com Deus... ...e a partir dali...então...o homem...ele anda a mercê: da sorte... ...e por isso é que...espiritualmente...a pessoa pode estar bem fisicamente... ...a pessoa pode estar bem emocionalmente... ...a pessoa pode estar bem financeiramente... ...mas se ela ainda não tem a Jesus Cristo como seu senhor... ...se ela não coloca Deus acima de todas as coisas...e como referência a pessoa de Jesus Cristo... ...consequentemente...ela::...não tem a garantia de que vai viver...eternamente nos céus... ...porque...o que infelizmente nós temos visto nos dias de hoje... ...é que...alguns grupos evangélicos...eles tem falado sobre as bênçãos materiais... ...eles só tem falado sobre coisas na terra... ...que vai ser beneficiado...que se contribuir...que se você fizer isso...ou se você fizer aquilo... ...mas nós não alcançamos a salvação em fazendo alguma coisa para alcançá-la... ...Jesus já fez por nós... ...(e aí)...a única forma de nós reconhecer isso...é que somos pecadores e precisamos de Cristo... ...mais nada... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
No exemplo sessenta e oito (68), a descontinuidade tópica ocorre com uma
inserção por cisão tópica. Jubran (2006) denomina cisão tópica quando ocorre o fato
50
Conforme Jubran (2006) a transição de tópicos “é realizada por segmentos de uma conversação cuja função, na progressão tópica, é a de estabelecer uma mediação entre dois tópicos, pelo esvaziamento paulatino do precedente e o surgimento gradativo do subsequente. Por esta particularidade, mas algo que liga um, esse segmento tópico não se integra a nenhum dos circunvizinhos, pois não é mais o anterior nem o seguinte, mas algo que liga um a outro” (JUBRAN, 2006, p. 106).
158
de um tópico ser dividido em segmentos descontínuos. A cisão pode se caracterizar
de duas formas: (i) como uma alternância tópica, em que há a interpolação de
segmentos tópicos sendo que “esse segmento se torna descontínuo na linha do
discurso. Sua particularidade reside no revezamento entre dois tópicos A B A B,
provocando a descontinuidade de ambos” (JUBRAN, 2006, p. 103). Ou (ii) pode se
caracterizar também como uma inserção tópica na qual “o segmento encaixado
adquire estatuto de tópico, porque instaura outra centração dentro de um tópico que
estava em curso, provocando divisão em partes não-contíguas na linearidade
discursiva” (JUBRAN, 2006, p. 101). No caso, o tópico em curso era sobre o
afastamento do homem para com Deus, em que o falante, por meio da conjunção
porque insere outro tópico (a postura dos membros de algumas igrejas) e em
seguida fala da salvação. Também no exemplo sessenta e nove (69), o falante tinha
como tópico o “porquê pessoas vão para espiritismo”, e interrompe esse tópico
inserindo uma porção textual com outra centração tópica, falando sobre “dogmas”.
69) ...então...essas são as/as noções que levam as pessoas que gostam da ciência a ingressar no espiritismo...
...porque toda igreja tem um DO:gma...e o espiritismo não tem (um) do-gma...
...nós não gostamos de dogma... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
As inserções que ocorrem na construção do texto falado podem ser tópicas
ou parentéticas. O critério utilizado para distinguir estas inserções baseou-se na
teoria da perspectiva textual interativa, assim como os conceitos de tópico e
subtópicos até o momento apresentados. Destaca-se, para tanto, que há questões
de estatuto tópico, como aqueles aqui observados, e há questões que não
apresentam esses estatutos, mas inserem conteúdos no texto, os quais podem ser
mais ou menos desviantes do tópico. Dessa forma, a inserção de conteúdo
parentético distingue-se da inserção de tópicos ou subtópicos. Considerando que a
inserção parentética se realiza
por meio de curtos segmentos desviantes do tópico no qual se encaixam, que não preenchem a propriedade de centração, pois não chegam a projetar e desenvolver um tópico dentro de outro. O parêntese promove descontinuidades intratópicas, que não cindem o tópico em curso em porções textuais descontínuas na linearidade do texto (JUBRAN, 2006, p. 101).
Da mesma forma que não foi realizada a categorização dos subtópicos, ou,
ainda, das descontinuidades tópicas, também não serão observadas todas as
159
funções dos parênteses nos casos em que foram inseridos por meio da subordinada
causal conjuncional no domínio dos atos de fala. Exceto os casos que servirão como
amostra das ocorrências, como em setenta (70) e setenta e um (71).
70) ...se você não aguenta mais...ouvir um padre...um pastor...um pregador dizer que Deus vai te dar isso...vai dar aquilo...ou vai dar aquilo outro... ...ou que você vai queimar no inferno...ou que vai pro céu...ou que o diabo é mais forte do que Deus... ...porque...na medida que Deus não consegue converter o diabo... ...Ele está dando uma declaração de que ele não tem condição de enfrentar o diabo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
71) ...então...por exemplo...a volta de Jesus...eh...entra siNAis de que Jesus está
voltando... ...porque são mais de três mil e quinhentos versículos da bíblia falando sobre isso...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
Os exemplos acima se enquadram no que Jubran (2006) classifica como
parênteses com foco na elaboração tópica com função exemplificadora.
Os parênteses exemplificadores introduzem, no texto, dados fatuais comprovadores do que está sendo dito. A função de exemplificação aponta o envolvimento do locutor com o assunto, revelando sua atitude em relação ao conhecimento do que comunica: a de que este se baseia na evidencialidade dos exemplos (JUBRAN, 2006, p. 328).
Exemplos como esses apresentam conteúdos que o falante acredita como
sendo provas de que ele tem conhecimento sobre o que fala, o que facilitaria,
portanto, a adesão do ouvinte à sua declaração. Nesse sentido, estas formulações
se tornam argumentativas, e produzem uma argumentação linguística do falante por
meio destas orações causais no domínio do ato de fala. Interessante ressaltar,
acerca dos argumentos, que no exemplo sessenta e cinco (65) ocorre um argumento
que provém do raciocínio preferível, ao passo que o argumento em sessenta e três
advém de um raciocínio lógico, uma vez que se baseia em informações pontuais do
mundo real. Daí a possibilidade, também, do argumento em sessenta e três não
incorrer tão facilmente em questionamentos por parte do ouvinte como pode ocorrer
em sessenta e um.
Houve casos também em que a inserção parentética ocorreu por meio da
subordinada causal em situação entropica, como na segunda ocorrência do exemplo
setenta e dois (72) e no exemplo setenta e três (73).
160
72) ...então...quando você diz não a essa natureza...isso vai gerar dor em você... ...porque a sua natureza de Adão é egoísta...é arrogante...é incrédula...é possessiva... ...então...toda vez que eu digo NÃO à minha própria arrogância...eu vou sofre:r...porque é muito dolorido... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
73) ...Jesus...em Mateus...Marcos e Lucas...tem um relato...né?
...Jesus foi batizado...não porque ele tivesse pecado...nós temos...né?
...mas para nos dar o exemplo...
...então...o batismo...ele faz parte desse processo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
Outro aspecto interessante a se observar em setenta e três (73) é a
complexidade da formulação causal, considerando que a inserção parentética nesse
trecho consistiria na possibilidade da seguinte frase, retextualizada: “Jesus foi
batizado, não porque ele tivesse pecado (nós temos), mas para nos dar o exemplo”.
Desse modo, temos uma oração causal negada, que, considerando o quadro já
exposto da causa afirmada (hipotática causal), causa hipotetizada (hipotática
condicional) e causa negada (hipotática concessiva) 51, pode-se considerar como
uma construção causal constituída sobre a base da negação, que incorre, portanto,
em uma construção hipotática com valor semântico concessivo, seguida da
correspondente paralática adversativa (atentando, inclusive, para o verbo no modo
subjuntivo, que é característico das concessivas e não das causais tradicionais).
Considerando ainda o seguinte apontamento:
Quanto às construções com oração adverbial concessiva, como já se indicou, o protótipo se marca pela contrafactualidade [...] Nas construções concessivas (em princípio com subjuntivo na oração hipotática), cada um dos elementos postos em relação (cada uma das proposições) abriga um fato que será desconsiderado (no fundo, um não fato), e a construção global também assevera um não-fato (nega um fato) [...]: do ponto de vista semântico, exprime-se a contrariedade de uma expectativa criada, e, do ponto de vista pragmático, exprime-se a desconsideração de uma objeção sugerida (NEVES, 2012, p. 171).
Torna-se viável a compreensão de que uma formulação desse tipo, embora
se realize por meio de uma conjunção de causa e apresente um nexo causal, trata-
se de uma construção concessiva, que pretende negar um fato em prol de
corroborar sua argumentação e tentativa de adesão do ouvinte ao conteúdo
51
Vide quadro sete (07), página noventa (90).
161
proferido. O falante não pretende dizer que a causa de Jesus se batizar é porque ele
não tinha pecado, e sim que a causa do batismo está no exemplo dado por Jesus.
Assim, o falante realiza uma construção conjuncional com porque, a fim de
negar uma causa, e não apresentá-la apenas (característica da concessiva), e por
meio de uma construção paratática adversativa, ou ainda, de uma causa negada em
um domínio diferente de fala, o falante utiliza uma conjunção que também funciona
como marcador discursivo que orienta o falante para a conclusão contida no
segmento posterior ao mas, qual seja, o exemplo de Jesus (o batismo). Com isso, o
responsável pela produção textual é capaz de criar uma ressalva ao fato de que
Jesus não tinha pecado e nem necessidade de se batizar, e destacar que Jesus se
batizou para servir como exemplo aos pecadores, os quais têm a necessidade de se
batizarem. Esse exemplo também serve para demonstrar e corroborar o fato de que
estas orações (causais e concessivas) possuem nexos de causalidade que se
apresentam e se encontram nas zonas de diluição das construções tradicionais e
prototípicas.
Nota-se que a argumentação se constrói, portanto, também pela alternância
tópica, construções causais e operadores argumentativos que se mostram entre e
nas porções textuais por meio de diferentes construções hipotáticas causais, em
seus diferentes níveis de elaboração (ato de fala, deôntico, conteúdo). Com isso, fica
evidente que uma análise linguística satisfatória sobre a linguagem em uso deve
considerar, além do conteúdo semântico e lexical (no caso, as conjunções), o
conteúdo pragmático, conforme os pressupostos funcionalistas já apontam.
Interessante ainda observar que, no domínio dos atos de fala, as causais
que introduzem tópico ou subtópico apresentaram-se com foco na formulação
linguística e com a função de exemplificação e esclarecimento em sua maioria. Isto
reforça a proposta de Neves (1999, 2000, 2016) de que não há diferenças
significativas entre uma causal hipotática (domínio epistêmico ou de conteúdo) e de
uma causal paratática, por assim dizer (no caso, as coordenadas explicativas, que
apresentam a causalidade no domínio dos atos de fala). Lembrando que “‘causa’
abrange, portanto, causa real, razão, motivo, justificação ou explicação, e ‘efeito’
abrange consequência real, resultado, conclusão” (NEVES, 2016, p. 136). Com isso,
tem-se que as construções nos domínios epistêmicos e de atos de fala seriam as
162
que evidenciam mais uma “causa” propriamente dita, ao passo que as construções
no domínio do conteúdo apresentam “efeitos”. Daí também a grande confusão
muitas vezes realizada por alunos e professores em distinguir quando uma oração é
hipotática ou paratática causal – ou adverbial causal e coordenada explicativa,
respectivamente.
No exemplo setenta e quatro (74) há um trecho textual que contém uma
oração no domínio epistêmico e outra no domínio dos atos de fala.
74) ...mas nós não a idolatramos...porque não foi ela que nos salvou... ...ela foi...canal das bênçãos de Deus para a humanidade... ...mas...o SALvador nosso é Jesus Cristo... ...e por isso é que nós pregamos que...é em Jesus Cristo que o ser humano pode ter a salvação... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
Na primeira ocorrência, há uma construção hipotática causal no domínio
epistêmico que ocorre com a nuclear anteposta, já na segunda, há uma inversão, a
causa/explicação vem anteposta. Note ainda como o mas e o é que funcionam como
intensificadores da fala. Considerando a questão de tema - rema (HALLIDAY, 2004)
ou dado - novo (Dik, 1989), percebe-se que a informação que é tida como
compartilhada (protestantes não idolatram Maria e creem em Jesus como salvador)
aparece em posição inicial, e a informação considerada pelo falante como não aceita
ou não compartilhada pelo ouvinte vem posposta (a adoração de Maria e o motivo
pelo qual eles pregam que quem salva é Jesus).
6.1.5. AS RELAÇÕES RETÓRICAS
Considerando o aspecto organizacional entre as relações estabelecidas com
as cláusulas ao se articularem com outras porções textuais ou entre orações apenas
(Decat, 2001), destacam-se as ocorrências de estruturação constatadas no corpus.
Uma oração causal com sua conjunção mais tradicional (porque), analisada
individualmente, apresenta uma causa expressa, um vínculo causal direto com a
oração nuclear. Na organização e no funcionamento discursivo, as relações
estabelecidas podem incorrer em relações que, embora veiculem causa por meio de
sua construção sintático-semântica, não deixem essa causalidade tão evidente
como quando uma adverbial causal vista isoladamente, como em “...fizeram roupas
163
de figueira...porque descobriram que estavam nus...”52. Contextualizada, essa
oração produz a inferência de outra relação – sendo que esta relação inferida não
descarta a causalidade expressa. Situação semelhante ocorre na seguinte oração
causal “...a vida com cristo não é a ausência de problemas... [...] ...porque os
problemas é a O-portuniDA-de para Deus se manifestar...” – a relação estabelecida
entre as porções textuais em que estão a oração nuclear e sua respectiva oração
adverbial causal, é uma relação de justificativa diante de uma situação apresentada.
Como se vê no diagrama 01.
Diagrama 01: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de justificativa.
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 13: Definição das relações retóricas do diagrama 01.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Justificativa
Condições em N+S: A compreensão do conteúdo do satélite pelo Ouvinte aumenta a sua tendência para aceitar que Falante apresente N.
A tendência do Ouvinte para aceitar o direito do Falante a apresentar N aumenta.
Motivação
Condições em N+S: S apresenta informação que faz com que aumente a vontade do ouvinte em realizar, acreditar, aceitar o conteúdo nuclear.
Aumentar a vontade do ouvinte em realizar, acreditar, aceitar o conteúdo de N.
Comentário
Condições N+S: S constitui uma observação subjetiva do Falante em relação ao N.
Apresentar um ponto de vista sobre elementos fora do foco dos elementos do N.
Sequência Condições N+N: Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.
O ouvinte reconhece a sucessão dos fatos entre os núcleos.
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]
52
Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista.
..a vida
com Cristo
não é a
ausência
de
problemas..
Motivação
Sequência
..é saber
encarar
problemas
com ele..
Sequência
4-5
Justi?cativa
e ele ser
glori?cado..
.
Comentário
2-3 ..porque os
problemas
é a
O-portuniD
A-de pra
Deus e
manifestar..
e é ver ele
se
manifestan
do..
1-3
1-5
164
Nessa porção textual, é possível observar ainda que a oração causal
apresenta escopo sobre mais de uma oração. A porção textual iniciada pela
conjunção porque ganha realce apenas pela conjunção, caso contrário, poderia ser
interpretada como parte da sequência de ações resultantes da vergonha que Adão e
Eva tiveram de Deus, ações que aparecem como elaboração da porção número um.
Diagrama 02: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de explicação.
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 14: Definição das relações retóricas do diagrama 02.
Relação Definição das relações Intenção do Falante
Avaliação
Condições em N+S: S relaciona N com um grau de atitude que pode se apresentar por meio de uma escala avaliativa (entre muito bom - muito ruim) do falante face ao conteúdo de N.
Falante reconhece que S confirma N e reconhece o valor que lhe foi atribuído.
Contraste
Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas diferenças.
Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a (s) diferença (s) suscitadas pela comparação realizada.
Explicação Condições em N+S: S fornece uma explicação factual para a situação apresentada no núcleo.
Ouvinte compreende melhor a ocorrência do núcleo.
Sequência Condições N+N: Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.
O ouvinte reconhece a sucessão dos fatos entre os núcleos.
Comentário
Condições N+S: S constitui uma observação subjetiva do Falante em relação ao N.
Apresentar um ponto de vista sobre elementos fora do foco dos elementos do N.
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)].
1-4
Contraste
1-3
Contraste
1-3
2-3
Sequência
..e eles
chegam a
um grau de
perfeição...
querendo
ou não..
Comentário
..na
doutrina
espírita nós
temos:: a
convicção
de que
Deus criou
todos os
espíritos
simples e
ignorantes..
.
Sequência
5-7
Avaliação
6-7
Explicação
..e nós
temos a
certeza que
não..
Comentário
..porque
acham que
uma
encarnação
só:...é o
bastante
para o
espírito
chegar à
perfeição..
..o que:..as
religiões
evidenteme
nte..não
aceitam ou
não
concordam
...
...mas...pra
isso...demo
ra algumas
encarnaçõ
es...
1-7
165
No diagrama dois, há uma relação de explicação que emerge
discursivamente por meio da relação estabelecida entre a oração causal e sua
nuclear. Já no diagrama 03, existe o exemplo de uma relação de razão entre as
porções.
Diagrama 03: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de razão.
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 15: Definição das relações retóricas do diagrama 03.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Razão Condições em N+S: Satélite apresenta a razão, motivo para o evento nuclear realizado por um agente animado.
Apresentar uma razão em S para o N.
Conjunção
Os elementos unem-se para formar uma unidade onde cada um dos elementos desempenha um papel semelhante.
Ouvinte reconhece que os elementos inter-relacionados se encontram em conjunto.
Conclusão
Condições em N+S: S apresenta uma declaração final (juízo, inferência, decisão final) do falante em relação ao N.
Ouvinte reconhecer a inferência, decisão, juízo realizado pelo falante sobre o conteúdo de N.
Reformulação
Condições em N+S: S reformula N, onde S e N possuem um peso semelhante. O N é mais central para alcançar os objetivos de Falante do que S.
Ouvinte reconhece S como reformulação do N.
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)].
Há também casos em que a relação de causa ocorre entre duas cláusulas
apenas, e não entre porções de textos. Não está se dizendo que, nesse caso, as
1-2
e nem
rejeiÇÃo
por
qualquer
religião...
Conjunção
..mas nós
não
temos..eh...
predileÇÃo.
..
Conjunção
3-5
Razão
4-5
Conclusão
Reformulação
todas elas
tem como
fundamento
..eh..a
moral do
Cristo..
..todas as
religiões
são
necessárias
...
..porque
entendemo
s que todas
as religiões
tem o
público que
merece..
1-5
166
cláusulas não possuam função no restante do texto, mas apenas está sendo
apresentado que é possível identificar, mesmo em meio a um contexto textual maior,
orações adverbiais que não possuam um escopo de incidência direta sobre outras
cláusulas.
Diagrama 04: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de causa.
O quadro a seguir apresenta a definição da relação em questão.
Quadro 16: Definição das relações retóricas do diagrama 04.
Causa
Condições em N+S: a situação apresentada no núcleo é a causa da situação apresentada no satélite. A causa, que é o núcleo, é a parte mais importante. O satélite representa o resultado da ação.
A intenção do Falante é enfatizar a causa expressa no núcleo e o resultado no satélite para o ouvinte.
[Fonte: Carlson & Marcu (2001)]
Nesse exemplo fica bastante evidente a relação de causa pela qual a ação
expressa no satélite (eu acabei não acreditando em nenhuma) representa o
resultado da ação presente no núcleo, sendo o núcleo a informação tida como mais
importante, sem a qual não poderia haver o resultado no satélite. No entanto,
mesmo em casos de escopo relacional da causalidade apenas entre duas orações,
pode haver outra relação que não a de causa necessariamente, como em 05.
Diagrama 05: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de justificativa.
...não sei
se é
porque
participei
de muitas
Causa
eu acabei
não
acreditando
em
nenhuma...
1-2
167
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 17: Definição das relações retóricas do diagrama 05.
Justificativa
Condições em N+S: A compreensão do conteúdo do satélite pelo Ouvinte aumenta a sua tendência para aceitar que Falante apresente N.
A tendência do Ouvinte para aceitar o direito do Falante a apresentar N aumenta.
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016)].
Em se tratando das relações retóricas de causa, resultado, razão, e
explicação, Carlson & Marcu (2001) explicam que a diferença está se essas relações
ocorrem do núcleo para o satélite ou vice-versa, se a ação é volitiva ou não, e se a
realização é por seres animados ou inanimados. A relação de causa ocorre quando
esta vem expressa no núcleo, tendo o resultado no satélite. Quando a relação é
inversa – a causa aparece no satélite, constitui-se uma relação de resultado. No
caso da relação de explicação o satélite fornece uma explicação factual (real,,
verdadeira) para a situação apresentada no núcleo que, normalmente, independe da
vontade de um agente. Na relação de razão, por outro lado, o satélite fornece uma
razão para o conteúdo nuclear, o qual apresenta uma ação realizada por um agente
animado – uma vez que somente seres animados podem ter razões para efetuar
ações (CARLSON & MARCU, 2001). Já a justificativa é uma relação proposta por
Mann & Thompson (1983, 2005-2016), na qual o satélite apresenta uma informação
que visa estabelecer a aceitabilidade ou a adequação do conteúdo nuclear,
proporcionando que o ouvinte compreenda e aceite o conteúdo nuclear. A
justificativa estabelece um acordo tácito entre o falante e o ouvinte por meio do
conteúdo expresso no satélite, visando a aceitação do conteúdo da oração nuclear
(MANN & THOMPSON, 1983).
Quadro 18: Definição das relações de causa, resultado, razão, explicação e justificativa.
Causa Causa no núcleo e o resultado no satélite (a causa é mais importante).
Resultado Causa no satélite e o resultado no núcleo (o resultado é mais importante).
Razão O satélite fornece a razão, motivo para núcleo, sendo o fato expresso na oração nuclear realizado por um agente animado (envolve a apresentação de motivos para ações intencionais do agente).
Explicação O satélite explica o conteúdo do núcleo, o qual, normalmente, independe da vontade do agente. (envolve explicações para acontecimentos).
Justificativa O satélite apresenta um “argumento” para que o ouvinte aceite, entenda o conteúdo nuclear (envolve razões plausíveis que fundamentam núcleo).
[Fonte: Mann & Thompson (1983, 2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]
168
As relações encontradas entre as orações adverbiais causais iniciadas por
conectivos causais e as porções textuais são apresentadas na tabela a seguir.
Tabela 05: As relações retóricas estabelecidas pelas orações adverbiais causais.
Relações retóricas
Causa Razão Explicação Justificativa Parentética Resultado
Conteúdo
16 (69,5%)
- - - - 07
(30,4%) 23
(24,7%)
Epistêmica -
19 (82,6%)
04 (17,4%)
- - - 23
(24,7%)
Atos de fala
- 03
(6,4%) 21
(46,8%) 19
(42,55) 02
(4,25%) -
45 (50,6%)
Total
16 (17,2%)
20 (21,5%)
26 (27,9%)
22 (23,6%)
02 (2,15%)
06 (6,45%)
91
As relações predominantes no corpus, conforme consta na tabela cinco,
foram explicação, razão e justificativa, fato que coincide com as maiorias das
ocorrências causais estarem situadas no domínio dos atos de fala, domínio em que
os eventos são, conforme Neves (1999), relacionados como causais por escolha do
falante. Percebe-se a predominância de determinadas relações acerca dos domínios
lógico-semânticos, como o domínio epistêmico, em que predomina a relação de
razão, o domínio dos atos de fala, em que predomina as relações de explicação e
justificativa, e o nível de conteúdo, que se divide entre relações de causa e
resultado. Salienta-se que as orações do nível de conteúdo foram classificadas
observando sua relação com a materialidade mais efetiva que apresentam em
relação ao EsCo que veiculam, assim como as epistêmicas, que apresentam uma
relação com a materialidade que é diminuída, por ser perpassada pela crença do
falante, assim como no domínio dos atos de fala, em que a relação entre base
material para o acontecimento de EsCo é mais fraca do que no domínio do
conteúdo.
Um fato interessante ainda a ser destacado é o da relação de resultado
apresentar a causa no satélite. Podem-se inferir, nesses casos, que o falante
reconhece a causalidade entre os eventos e a apresenta como informação
compartilhada, mas ao mesmo tempo como tópico, colocando a oração adverbial e a
causa do evento em total evidência.
169
Diagrama 06: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de resultado.
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 19: definição das relações retóricas do diagrama 06.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Fundo
Condições em N: Ouvinte não compreende integralmente N antes de ler o texto de S. Condições em S: aumenta a capacidade de o ouvinte compreender um elemento em N.
Aumentar a capacidade do ouvinte para compreender N.
Resultado Condições em N+S: Causa no satélite e o resultado no núcleo (o resultado é mais importante).
Apresentar o núcleo como mais importante que o satélite.
Finalidade Condições em N+S: N apresenta uma ação realizada, a qual justifica a ação em S
Ouvinte reconhecer que N resultou na ação em N.
Elaboração
Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.
A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.
Contraste
Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas diferenças.
Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a diferença(s) suscitada(s) pela comparação realizada.
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]
Resta saber se haveria questões de restrição de uso linguístico que
interferem para esse tipo de construção, considerando a anteposição dessas
ocorrências e a posposição das demais. Haja vista que, nem todos os casos de
..“porque
Deus amou
o mundo
de tal
maneira..
Resultado
..que deu o
seu ?lho
unigênito
Finalidade
para
que..todo
aquele que
nele crê.
5-6
Elaboração
Contraste
.não
pereça..
Contraste
..em João
capítulo
3..versículo
16..que diz:
Fundo
mas tenha
a vida
eterna”..
4-6
3-6
2-6
1-6
170
oração anteposta foram com relação de resultado. Dessa forma, parece ocorrer,
aqui, o mesmo que no caso anterior, uma impossibilidade de correspondência direta
entre relação de coerência e o posicionamento da oração, como regra.
Como já visto, uma análise da estrutura retórica das orações adverbiais não
se resume apenas a questões causais ou não, ou ainda, de informações novas ou
não. Há uma observância acerca das relações que emergem entre as porções
textuais. Assim, no nível sintático-semântico-pragmático, uma oração causal
conjuncional que possui uma interdependência de causalidade com a oração
nuclear, no nível textual, pode apresentar diferentes formas de inserção tópica ou
outras funções textuais-discursivas, como visto na seção anterior. Além disso, a RST
possibilita esquematizar essas ocorrências e observar como os segmentos textuais
se estruturam de forma coerente e produzem relações de sentido que são
consideradas a partir da intenção provável do falante em relação à orientação
pragmática do ouvinte. No âmbito das relações estabelecidas entre as partes do
texto, tendo em conta sua estrutura retórica, obtém-se a seguinte informação em
relação à ação do falante acerca da estruturação textual.
1-9
...ele deu
várias
demonstraç
ões de que
ele poderia
se sair da
cruz.
Contraste
2-9
Contraste
.mas ele
nun:ca:..se
eximiu da
sua
missão..
3-9
Pergunta retórica
por que? 4-9
Justi?cativa
5-9
Sequência
Deus disse
pra ele:
6-9
Elaboração
6-7
oh..contra o
pecado de
vocês..
que produz
a morte..
Comentário
8-9
Avaliação
...então eu
preciso de
um
antídoto..
e esse
antídoto é a
vida..
Solução
..porque
QUAN-do
Adão e Eva
pecaram..
Sequência
1-9
Diagrama 07: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de justificativa.
171
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 20: Definição das relações retóricas do diagrama 07.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Contraste
Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas diferenças.
Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a (s) diferença (s) suscitadas pela comparação realizada.
Pergunta retórica
Condições N=S: o satélite faz uma pergunta que visa um segmento de texto, em que a resposta é dada pelo próprio falante no segmento posterior.
Geralmente, é não responder, mas sim, para levantar um problema para o leitor a considerar, ou levantar uma questão para a qual a resposta deveria ser óbvia.
Justificativa
Condições em N+S: A compreensão do conteúdo do satélite pelo Ouvinte aumenta a sua tendência para aceitar que Falante apresente N.
A tendência do Ouvinte para aceitar o direito do Falante a apresentar N aumenta.
Sequência Condições N+N: Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.
O ouvinte reconhece a sucessão dos fatos entre os núcleos.
Elaboração
Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.
A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.
Avaliação
Condições em N+S: S apresenta uma declaração final (juízo, inferência, decisão final) do falante em relação ao N.
Ouvinte reconhecer a inferência, decisão, juízo realizado pelo falante sobre o conteúdo de N.
Comentário
Condições N+S: S constitui uma observação subjetiva do Falante em relação ao N,
Apresentar um ponto de vista sobre elementos fora do foco dos elementos do N.
Solução
Condições em S: S apresenta um problema Condições em N: constitui uma solução para o problema apresentado em S.
Ouvinte reconhece N como uma solução para o problema apresentado em S
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)].
Observa-se que a causa não se restringe à interdependência entre uma
oração nuclear e sua adverbial, mas entre duas porções textuais. Analisando a
estrutura textual, percebe-se o quanto a relação entre argumentos auxilia na
elaboração e na construção de significados, apresentando os segmentos textuais de
modo não apenas a expressar as impressões particulares do falante, mas também
de explicitar ao ouvinte alguns motivos plausíveis para que ele venha a aceitar a
proposição do falante. Assim, entre a oração nuclear e a adverbial causal, mais do
172
que uma relação de causa, percebe-se uma elaboração discursiva que se concretiza
por meio de uma interpretação do falante acerca do que está sendo dito. No
exemplo seguinte, a oração causal faz parte de uma elaboração, realizando uma
sequência juntamente com outros segmentos até que se chegue a uma conclusão
seguida de uma solução.
Diagrama 08: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de justificativa.
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 21: Definição das relações retóricas do diagrama 08.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Justificativa
Condições em N+S: A compreensão do conteúdo do satélite pelo Ouvinte aumenta a sua tendência para aceitar que Falante apresente N.
A tendência do Ouvinte para aceitar o direito do Falante a apresentar N aumenta.
Elaboração
Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.
A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.
Contraste
Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas
Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a (s) diferença (s) suscitadas pela comparação
2-6
Justi?cativa
3-6
Elaboração
4-6
Contraste
Retomada
4-5
Retomada
mas é
que:..
..inclusive..
a nossa
doutrina..el
a tem a
primeira
regra da
doutrina..
Parentética
Contraste
...ela tem a
bíblia como
única fonte
de
revelação
divina..
..não que
as outras
não tenham
a bíblia
como
referência
máxima..
I-
..porque::..
é a
denominaç
ão que
mais:: se
aproxima..d
as
orientações
da bíblia..
E-..entre
tantas
denominaç
ões [...] Por
que a
batista?
1-6
173
diferenças. realizada.
Retomada (same-unit)
Condições em N: utilizado como um dispositivo para a ligação de dois fragmentos de texto que são divididos por uma unidade incorporada (apostos, parênteses etc.).
Parentética Condições em N+S: S apresenta informação que complementa o conteúdo do N, mas não pertence ao fluxo principal do texto.
Ouvinte reconhece que S apresenta informação extra ao conteúdo do N.
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)].
A observação das estruturas textuais permite vislumbrar a construção textual
sob um viés privilegiado, considerando que as relações retóricas podem ser
classificadas de acordo com seus tipos (núcleo-satélite e multinucleares) ou
conforme sua natureza (de apresentação ou conteúdo). Levando em conta esses
aspectos, destaca-se que as relações de apresentação visam aumentar a posição
tendencial do ouvinte, e as relações de conteúdo objetivam que o ouvinte reconheça
a relação que se estabelece entre as porções textuais (MANN & THOMPSON, 2005-
2016). Desse modo, é possível perceber o conteúdo pragmático que alicerça a
produção textual.
Acerca das orações causais conjuncionais que inserem um subtópico e/ou
um parêntese cabe ressaltar que a diferença entre uma e outra é bastante tênue, e é
possível, inclusive, que uma oração que insere um subtópico se constitua em um
parêntese. Do mesmo modo, as relações de causa, resultado, razão, justificativa e
explicação também são bastante próximas. Daí o critério de plausibilidade, e ainda,
a possibilidade de uma relação ser interpretada de forma diferente quando analisada
por diferentes pesquisadores. Por isso também os casos em que são possíveis mais
de uma leitura.
6.2. Orações adverbiais condicionais
Nesta subseção, são analisadas as orações adverbiais condicionais
conjuncionais encontradas no corpus. Para a análise, observaram-se, além dos
critérios citados no início deste capítulo [classificação das orações adverbiais nos
diferentes níveis de atuação lógico-semântica (conteúdo, epistêmico e ato de fala),
tipos de conjunções, tempo verbal, topicalidade, informatividade, posição das
orações adverbiais (posposta ou anteposta) e relações retóricas], os critérios de
factualidade, contrafactualidade e potencialidade.
174
6.2.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS
Nesta subseção, abordam-se os dados relativos às orações adverbiais
condicionais conjuncionais que se relacionam biunivocamente entre nuclear e
adverbial (75), entre uma nuclear e mais de uma adverbial (76) ou uma adverbial
que se relaciona com mais de uma cláusula (77).
75) ...agora...se você me desse oportunidade...eu ia te mostrar...porquê eu creio assim...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
*eu ia te mostrar porquê eu creio assim se você me desse oportunidade
76) ...amar os pais...o quinto mandamento...né?
...para que te prolongues os dias na terra que o Senhor teu Deus te dá...
...um mandamento desse...se fosse vivido...se fosse praticado...né?
...quantas dificuldades...nós seríamos livrados... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
77) ...que Jesus disse: se alguém quer vir após mim...negue-se a si mesmo...tome a sua cruz e siga-me... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
Ao todo, foram analisadas quarenta e uma ocorrências de orações adverbiais
condicionais conjuncionais presentes no corpus.
*[de] quantas dificuldades nós seríamos livrados
*Se esse mandamento fosse
vivido.
*Se esse mandamento fosse
praticado.
*se alguém quer vir após mim
1-negue-se a si
mesmo
2- tome a sua cruz
[e]
3- siga-me
175
6.2.2. TEMPO VERBAL, FACTUALIDADE, POTENCIALIDADE E
CONTRAFACTUALIDADE
As observações acerca do tempo verbal das orações condicionais,
considerando seus subtipos, foram feitas considerando os subtipos das condicionais,
visto que o tempo e o modo verbal apresentam uma correlação com os subtipos.
A combinação de tempo verbal nas orações adverbiais condicionais
encontradas no corpus com maior recorrência foi o futuro do subjuntivo (na
adverbial) e o presente do indicativo (na nuclear), com onze (11) ocorrências. A
segunda maior frequência de ocorrência foi entre o presente do indicativo (na
adverbial e na nuclear), com dez (10) ocorrências. A terceira maior recorrência foi
com o futuro do modo subjuntivo (na adverbial) e o futuro do presente do indicativo
(na nuclear), com seis (06) ocorrências (esta última quantidade de recorrências
também apareceu para a combinação verbal entre presente do indicativo na oração
adverbial e futuro do pretérito do indicativo na nuclear).
Tabela 06: As combinações verbais das orações condicionais no corpus - por número de ocorrências (as quatro maiores).
Combinações verbais ente nuclear e adverbial
Oração adverbial Oração nuclear
Futuro do Subjuntivo Presente do Indicativo 11 (27,5%)
Presente do Indicativo Presente do Indicativo 10 (25,0%)
Futuro do Subjuntivo Futuro do Presente do indicativo 06 (15%)
Presente do Indicativo Futuro do Pretérito do Indicativo 06 (15%)
Total 33 (82,5%)
Esse resultado é similar com o obtido por Neves (1999) em seus estudos, em
termos de tempo e modo verbal predominante – sendo a combinação futuro do
subjuntivo na oração adverbial e o presente do indicativo na oração nuclear a mais
recorrente, e, posteriormente, o tempo presente do indicativo em ambas as orações.
Ressalta-se ainda que, se observados fora da combinação entre oração nuclear e
adverbial condicional, o tempo presente do indicativo aparece em quarenta (40)
orações de oitenta e duas (82) – o que representa 48,7% do total de orações vistas
fora da combinação entre nuclear e adverbial. O futuro do subjuntivo ocorre em 18
orações (22,5%). Acerca da combinação entre os modos verbais, tem-se que o
modo indicativo representa 67%, o modo subjuntivo 26,25%, a forma nominal do
particípio passado 2,5% e o modo imperativo 1,25% das ocorrências.
176
No caso das adverbias condicionais, diferentemente das causais, não se
acredita que as perguntas realizadas possam ter interferido de alguma forma na
utilização do tempo presente. Isso considerando estudos já apresentados (como no
caso de Neves (1999, 2000, 2016) e Castilho (2010), entre outros, que já
apresentam esse tempo verbal como bastante recorrente. Esses autores acreditam
que o tempo verbal e o subtipo das adverbiais estão diretamente relacionados.
Assim, a utilização de um ou outro tempo parece influir mais na categorização das
condicionais em subtipos do que efetivamente na questão do tempo – nisso, as
adverbiais condicionais se assemelham às causais: o tempo verbal não possui
apenas a função de situar o leitor em relação ao tempo cronológico dos fatos, mas
de criar um extrato linguístico em que o tempo verbal pode apresentar funções
sintático-morfológicas, semânticas e discursivo-pragmáticas. O tempo, nessas
orações, sobretudo nas adverbiais condicionais, parece estar em função de auxiliar
na construção de um “quadro de eventos” a serem expressos linguisticamente, e
não uma função dêitica de situar o ouvinte em relação ao momento do
acontecimento. Obviamente, a cronologia passado, presente, futuro se mostra nos
tempos verbais, mas sua função, no uso, é muito mais ampla que esse tipo de
marcação.
Acerca do modo verbal no qual se encontram as adverbiais condicionais,
Garcia (1973) explica que o uso do tempo verbal presente do indicativo em uma
oração condicional se dá por motivos de ordem enfática. Embora se considere as
orações com verbos no tempo presente e no modo indicativo como mais assertivas
(como visto, inclusive, no caso das causais), essa explicação não parece se
sustentar na maioria dos casos, a menos que seja acompanhada de outros
elementos sintático-semânticos que favoreçam a ênfase – como voz, polaridade, tipo
semântico do verbo, clivagem etc. E, nesse caso, a ênfase não pode ser atribuída
apenas ao tempo verbal.
78) ...se você acredita nisso...ah/ah...dá a impressão que a sua moral fica um pouco frouxa... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
79) ...e se você cometer um erro não tem problema...é só você:...pedir perdão
e...que você vai pro céu... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
177
Em 78 e 79 há orações condicionais introduzidas pelo conectivo se no
presente do indicativo e no futuro do subjuntivo, respectivamente. Ambos os
exemplos apresentam o pronome “você” entre o verbo e a partícula se, os verbos
estão na voz ativa e possuem sentido pleno, e a polaridade das orações é positiva.
No entanto, a questão enfática não parece estar relacionada diretamente ao tempo
verbal, embora isso contribua. A ênfase em “acreditar nisso” e “cometer um erro” é
favorecida pelo posicionamento anteposto da oração adverbial, incluindo a própria
partícula “se”, o pronome “você” e, inclusive, a polaridade positiva da oração influi na
ênfase obtida.
Os exemplos 80 e 81 se distinguem dos 78 e 79 pela polaridade negativa e
pelos verbos não serem plenos. Mesmo nesses casos, a ênfase não poderia ser
atribuída ao tempo e modo verbal apenas. A ênfase em “não ter responsabilidade” e
na “anterioridade da vida” é possível pelos mesmos motivos dos exemplos 78 e 79:
a voz verbal, a polaridade, a posição da oração, e a partícula se, acrescendo, no
caso do 80, o marcador discursivo sequenciador “aí”, e a entonação alçada em 81.
80) ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum ...você tem que ser o responsável...pelo que você faz... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
81) ...se não for pela ANterioridade da vida...isso não se explica...
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
Em suma, nos exemplos 78, 79, 80 e 81, a ênfase é dada pelo conjunto de
elementos linguísticos que compõem a oração, inclusive o verbo com seu valor
semântico e suas apresentações de modo e tempo. Outro detalhe interessante, em
80, por exemplo, é que o verbo é visto como modal deôntico (eixo da conduta).
Assim, apenas a questão enfática parece não justificar a alta ocorrência do tempo
presente e do modo indicativo nas orações adverbiais condicionais.
Pode-se dizer, de modo geral, que Neves (1999, 2000, 2016) e Castilho
(2010) relacionam as ocorrências verbais com os subtipos, e os subtipos realizados
linguisticamente se adequam ao contexto de uso e prováveis questões cognitivas –
incluindo questões icônicas de uso da linguagem. Fiorin (2016), Corôa (2005), Koch
(2011, 2013) associam os tempos e os modos verbais à forma como o falante realiza
a “construção do mundo” discursivamente por meio da linguagem – mundo narrado
e mundo comentado, e os momentos do evento (MR, MF, ME). Ainda, Neves (1999)
178
e Hattnher (2008) associam questões de modalização que se realizam nas orações
adverbiais condicionais, em parte, pelo tempo verbal. Todos esses critérios puderam
ser verificados nas orações condicionais, considerando desde os aspectos
morfológicos, sintático-semânticos e pragmáticos discursivos dos verbos.
Dessa forma, pensando em fatores que possam ter influenciado nas
ocorrências encontradas no corpus, as quais estão predominantemente no presente
do indicativo e no futuro do subjuntivo, ressalta-se que, tradicionalmente, o modo
subjuntivo é apresentado pela gramática como o Modo da “incerteza”, da “dúvida”,
da “possibilidade”. Bechara (2010), entre outros, já distingue os modos do verbo em
indicativo, subjuntivo (conjuntivo), condicional (futuro do pretérito do indicativo) e
imperativo. Para esse autor, assim como para Câmara Jr. (2002), Corôa (2005),
Castilho (2010) et al., o futuro do pretérito do indicativo apresenta uma forte
característica de condicionalidade. Não se pretende aqui uma discussão da divisão
dos modos verbais, mas apenas ressaltar que o uso metafórico do futuro do pretérito
do indicativo se mostra como uma forma de marcar uma possibilidade remota de
acontecimento.
82) ...então...hoje...se eu não fosse pastor... ...eu poderia trabalhar como professor até do ensino médio...por exemplo...de sociologia...de filosofia... ...então é uma área que abre um leque pra essa direção, né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
Dessa forma, por não ser o modo subjuntivo o único capaz de expressar
condição, possibilidade, uma associação direta entre o modo subjuntivo e as
orações condicionais não se justifica, tanto que o modo indicativo foi o mais
recorrente. Novamente, salienta-se que o tempo verbal presente do modo indicativo
pode resultar em diversas formas de utilização pelo falante, podendo ter sido o mais
recorrente também pelo fato de a possibilidade da marcação da condicionalidade
ocorrer por diferentes elementos linguísticos, que não apenas os tempos verbais do
modo subjuntivo. Assim, a condicionalidade nas orações analisadas neste trabalho
marca-se não apenas pelo tempo verbal, nem apenas pela conjunção subordinativa,
mas por diferentes elementos linguísticos que denotam probabilidade, possibilidade,
condição etc., como advérbios, por exemplo.
179
83) ...então...os pastores da nossa igreja tem que passar pelos nossos seminários...né? ...se porventura ele faz um outro seminário...uma outra confissão... ...ele precisa fazer um/um complemento...né? ...que seria a revalidação que a gente chama... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
84) ...eh...eh...uma coisa importante que a gente...eh...devesse talvez
esclarecer...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
85) ...teria tempo...talvez...pra trabalhar...
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
86) ...há caminhos que para nós...parecem ser retos...
...no final...pode ser caminho de morte... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)
Casos como os apresentados em 84, 85 e 86 não fazem parte do escopo da
análise deste trabalho. Servem apenas para exemplificar outras formas de
construção que apresentam condição, hipótese ou probabilidade sem conjunções
condicionais e até mesmo sem verbos no subjuntivo – como em 85 e 86. Nesses
dois últimos, a possibilidade é totalmente marcada pela predicação e pelo valor
semântico dos verbos.
Chama-se a atenção também para o fato de não haver sido encontrada
nenhuma ocorrência com ambos os verbos no subjuntivo, o que reforça o fato de
haver pouco uso de construções desse tipo na atualidade.53 As orações combinam
ou modo indicativo/indicativo, ou a oração adverbial no subjuntivo e a nuclear no
indicativo. Nesse sentido, tem-se corroborada a crença de que a utilização do modo
e do tempo verbal nas orações condicionais está relacionada com os subtipos
dessas orações, de modo a apresentar a possibilidade factual dos eventos que se
relacionam entre a nuclear a e a adverbial. Ao observar o modo e o tempo verbal
nas orações condicionais dos exemplos 87 (potencial), 88 (factual) e 89
(contrafactual), percebe-se que a combinação realizada entre os modos e os tempos
53
Essa observação refere-se ao fato de que construções como “Se fizesse sol hoje, talvez pudéssemos brincar na rua”; “Se chovesse amanhã, talvez pudéssemos ficar em casa”. Tais expressões, que podem ser vistas como mais formais e complexas, por assim dizer, parecem estar dando lugar a construções menos complexas, formais e “prototípicas”, por assim dizer, como “se fizer sol, podemos brincar”, “se chover, poderemos ficar em casa”.
180
verbais situa os eventos em termos de potencialidade, factualidade e
contrafactualidade. O foco interacional parece residir em apresentar ao ouvinte as
possíveis consequências dos fatos, ou em apresentar os fatos como verdadeiros ou
não dentro de um escopo de condicionalidade, e não situar o ouvinte em termos de
tempo (MF, MR, ME).
87) ...então...se você encontrar um pastor...ou qualquer outra pessoa falando que a igreja dela vai fazer isso...é mentira... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
88) ...se você não aguenta mais...ouvir um padre...um pastor...um pregador dizer
que Deus vai te dar isso...vai dar aquilo...ou vai dar aquilo outro... ...ou que você vai queimar no inferno...ou que vai pro céu... [...] ...então...eu te convido a conhecer a doutrina espírita... ...para saber que há:...muito mais entre o céu e a terra do que imagi:na nossa vã filosofia... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
89) ...ho:mem nenhum pode fazer o convencimento de alguém vir a frequentar uma
comunidade de fé... ...se eu fizesse isso com você...eu estaria fazendo pro-selitismo... ...e eu não fui chamado pra fazer...pro-selitismo... ...o que eu faço é e-vangelização... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja assembleia de Deus)
Em 87, há uma oração condicional potencial, pois o conteúdo da oração
nuclear é algo possível, mas necessita que o evento expresso na oração adverbial
seja confirmado. Em 88, há uma condicional factual porque o conteúdo expresso na
adverbial é tido como verdadeiro pelo falante e a oração nuclear é vista como uma
“consequência” da oração adverbial. Em 89, há uma condicional contrafactual, uma
vez que o conteúdo da adverbial não é tido como real, assim como o conteúdo da
nuclear é uma consequência igualmente não real. A mesma utilização modo-
temporal ocorre em 90 (potencial), 91 (factual) e 92 (contrafactual). Se observado
esse fato, juntamente com o resultado supra apresentado das ocorrências verbais
nota-se certo padrão entre tempo e modo verbal e subtipo de condicional.
90) ...o céu...se você obserVAR... ...todos os religiosos falam do céu...mas ninguém quer ir...
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita) 91) ...mas se ela ainda não tem a Jesus Cristo como seu senhor... [...]
...consequentemente...ela::...não tem a garantia de que vai viver...eternamente nos céus...
181
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
92) ...amar os pais...o quinto mandamento...né? ...para que te prolongues os dias na terra que o Senhor teu Deus te dá... ...um mandamento desse...[...] se fosse praticado...né? ...quantas dificuldades...nós seríamos livrados... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
De modo geral, a correlação modo-tempo nos diferentes tipos de condicionais apresentou o seguinte resultado [sendo N (nuclear) e A (adverbial)].
Tabela 07: correlação modo-tempo e os subtipos de condicionais.
Modo Subjuntivo Modo indicativo
Futuro
Presente
Futuro
do presente
Futuro
do pretérito
Presente
Pretérito Imperfeito
N A N A N A N A N A N A
Factual X X
Potencial X X X
Contrafactual X X X X X
Total
A tabela 07 considera apenas os tempos e os modos verbais mais recorrentes
no corpus. Percebe-se que as condicionais contrafactuais apresentam sua
predicação ancorada na condicionalidade, possibilidade de ambos os eventos – da
nuclear e da adverbial. As orações potenciais, por sua vez, possuem uma
predicação que oscila entre condição e afirmação, ao passo que as factuais
apresentam uma predicação que se situa no campo da afirmação.
Tal resultado confirma o exposto por Neves (1999) e Castilho (2010), de que
as condicionais factuais possuem o enunciado da adverbial como real, e a nuclear
como consequência da adverbial e igualmente real - são construções que apontam
para “o mundo do já sabido”. A adverbial potencial apresenta o conteúdo da
adverbial como um evento possível, mas necessita que a apódose a confirme, ou
seja, essas orações representam o mundo “epistemicamente possível”. As
contrafactuais expressam uma informação contrária à realidade do falante, assim
como a nuclear.
182
93) ...se a gente entende que o pecado é a quebra do relacionamento da pessoa/que o ser humano tem com Deus...né? ...o método pra isso é a amizade... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
94) ...se a minha denominação...que é a Assembleia de Deus...
...a minha liderança nacional...estadual...chegar pra mim e falar pra mim...oh:...a partir de hoje você vai pregar a Assembleia de Deus...religião.. ...eu SAio... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
95) ...então...hoje...se eu não fosse pastor...eu poderia trabalhar como professor
até do ensino médio...por exemplo...de sociologia...de filosofia...então é uma área que abre um leque pra essa direção...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
Essa alternância (ou não alternância) modo-temporal também pode explicar
parcialmente uma das funções discursivas das orações adverbiais condicionais
proposta por Neves (1999), qual seja a orientação discursiva que os subtipos das
condicionais propiciam. A autora explica que o uso das adverbiais potenciais pelo
falante, na construção textual-discursiva, aponta para fatores que podem ser
correlacionados à intenção do falante como uma forma de orientar seu interlocutor
das possíveis consequências dos seus atos, isso, ao deixar uma condição a ser
efetuada para que o conteúdo da prótase seja preenchido. Já a utilização das
factuais parece incorrer na asserção do locutor, que apresenta determinado fato
como uma verdade.
Isso pode conduzir a uma breve reflexão sobre a modalização nas orações
condicionais, reflexão que se torna relevante do ponto de vista do uso
argumentativo. A modalização nas orações adverbiais condicionais se mostra
bastante ampla, podendo ocorrer de forma intra e inter-oracional, ou ainda,
modalizar uma porção textual. Tendo em mente os conceitos e as observações
realizadas na seção anterior sobre o tempo presente, e as associando a questões de
modalização nas adverbiais condicionais é possível a seguinte constatação:
96) ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum... ...você tem que ser o responsável...pelo que você faz... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
183
97) ...se ela...nesse período...ela não conseguir passar pela licenciatura... ...daí ela tem que cursar de novo e...então...não é ordenada pra ser pastor...entendeu? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
No exemplo 96, há uma oração adverbial factual com presente que coincide
com o Momento da Fala (MF), o Momento do Evento (ME) e o Momento de
Referência (MR) – resultando em um presente gnômico54. Ainda, os verbos são
modais em ambas as orações (adverbial e nuclear) dos exemplos.
Já em 97, há uma oração adverbial potencial, a qual apresenta um possível
“resultado” – conforme a realização ou não do conteúdo expresso na adverbial, tem-
se o conteúdo da nuclear como verdadeiro ou falso, ou seja, esse tipo de construção
condicional ”alerta” o ouvinte sobre possíveis consequências de determinadas ações
(se não conseguir passar pela licenciatura, terá que cursar de novo). A asserção em
relação ao que o falante propõe para o ouvinte apresenta uma modalização
epistêmica (pois expressa uma probalidade). Nesse exemplo, pensando em termos
de Momentos, a oração nuclear apresenta um MF e um ME coincidentes, mas com a
duração do MR estendida pelo tempo de duração do curso. Assim, em “ela tem que
cursar de novo”, esse “tem” denota um presente durativo, qual seja, o tempo de
realização do curso. Acerca do tempo verbal do futuro do subjuntivo, salienta-se que
Corôa (2005) explica os dois usos possíveis do futuro: o temporal e o modal. Em 95
e 966, parece ficar claro que se trata de um uso modal, pois tanto o ME quanto o MR
é anterior ao MF, descaracterizando o tempo futuro, que apresenta um evento que
ocorre, via de regra, após o MF. Para Corôa (2005)
ao mesmo tempo em que o futuro parte de um conjunto de probabilidades (futuro modal) em direção a um mundo que é ou será (futuro temporal), o condicional parte de uma base temporal, mais possível de ser, para um mundo altamente hipotético, passando pelo modal (CORÔA, 2005, p. 57).
Com essas observações, pretende-se apenas exemplificar que o futuro (do
indicativo (modal e temporal) ou do Subjuntivo (futuro condicional) propicia uma
modalização inter-oracional por meio do tempo e do modo verbal utilizado, em que,
nessa relação entre as orações, o falante consegue modalizar sua fala e orientar seu
ouvinte. Com isso, destaca-se também que apenas uma observação em relação aos
54
O presente gnômico é quando o MR é ilimitado, englobando o ME (FIORIN, 2016).
184
momentos (MF, MR e ME) não são capazes de explicar as ocorrências de tempo e
modo nas orações adverbiais, pois o tempo e o modo se inter-relacionam com
função de produzir orientações de sentidos específicos, de acordo com a orientação
de sentidos específicos de cada subtipo condicional – independentemente se os
verbos são modais ou não.
Destaca-se, nesse sentido, um fator relevante para a observação do tempo e
do modo nas orações condicionais, que diz respeito às combinações modo-
temporais. Tendo em vista, conforme já exposto, que as orações analisadas - com
exceção das orações factuais - mesclam o modo indicativo com o subjuntivo.
Ressaltando que não há ocorrências no corpus de combinação de cláusulas que
apresentam uma relação entre predicados que estejam apenas com verbo no
subjuntivo, como já citado.
Uma explicação plausível para o fato de não haver combinações apenas entre
modo subjuntivo pode ser encontrada na proposta de Weinrich (1973) sobre o
mundo narrado e o mundo comentado – estudos desenvolvidos no Brasil por Koch
(2011, 2013) e Fiorin (2016). Acerca do tempo presente, sua predominância nas
adverbiais condicionais denota que prevalece uma utilização linguística do mundo
comentado, o que incorre em um comprometimento do falante com àquilo que diz,
assim como uma maior criatividade. Essa utilização, conforme visto na subseção
6.1.2 (nas análises das orações adverbiais causais), apresenta maior engajamento
do ouvinte em relação ao que diz. Todavia, no caso das adverbiais condicionais, a
representação de “mundo” não apresenta, sob uma perspectiva quantitativa de
ocorrências, construções que se refiram ao mundo narrado. Isso considerando que o
tempo presente do indicativo é o tempo base do mundo comentado, e que o tempo
pretérito utilizado nas condicionais possui mais uma função modal do que temporal.
Ocorre ainda que o modo subjuntivo é considerado um semitempo, ou seja, um
tempo que não é específico de nenhum “mundo”.
Os semitempos não oferecem informações completas sobre a pessoa e o tempo, não tendo, portanto, categoria oracional [...]. Ora, os semitempos não se apresentam isolados, mas ligados à formas completas, de modo que continua válida a informação do verbo oracional que as precede, ou, então, é fornecida pela forma verbal oracional seguinte. Portanto, os semitempos acham-se em dependência de outras fontes ligadas ao contexto linguístico para completar sua informação (KOCH, 2011, p. 40-41).
185
Nesse sentido, destaca-se que as orações adverbiais condicionais
apresentam um funcionamento verbal mais complexo que nas orações causais, por
exemplo. Ainda, sendo o subjuntivo um semitempo, isso explica o fato de as
adverbiais condicionais que apresentam esse modo verbal (as potenciais e as
contrafactuais) apresentarem um conteúdo que depende diretamente do conteúdo
da oração nuclear para que a hipótese seja confirmada ou não.
Percebe-se que a correlação modo-temporal das orações adverbiais
condicionais é bastante complexa. Para além da temporalização em relação ao MF,
a correlação entre os modos e os tempos nas orações com subjuntivo, servem como
modalizadores das expressões e apresentam factualidade, potencialidade ou
contrafactualidade. Em relação ao modo subjuntivo no tempo presente ou futuro, por
ser o tempo no subjuntivo um semitempo, o que se marca não é o tempo da ação ou
do acontecimento do evento, mas o grau de possibilidade do evento em relação a
um “vir a ser” é o que fica mais fortemente marcado.
Destaca-se, então, que o modo subjuntivo e seus tempos, além de serem
considerados como semitempos, podem ser vistos com funções modais, assim como
o pretérito imperfeito - quando visto sob uma perspectiva de metáfora temporal
(pretérito imperfeito como modal e/ou apresentando possibilidade) - e não com
funções temporais. Isso porque o subjuntivo se trata de um semitempo e atua
internamente ao uso linguístico no sentido temporal, em outros termos, serve para
comentar hipóteses e condições por meio do uso de expressões temporais. Para
Weinrich (1973) a concepção que aborda os tempos no subjuntivo como um uso
metafórico do tempo verbal pode “não prestar contas de todos os valores do
subjuntivo, mas fornece um quadro para as suas diversas nuances semânticas, que
são tão numerosas quanto o uso de metáforas temporais” (WEINRICH, 1973, p. 250
– tradução nossa55). E, ainda, “o subjuntivo e a metáfora temporal possuem a
mesma função e são intercambiáveis” (WEINRICH, 1973, p. 251 – tradução
nossa56). Dessa forma, como semitempo, o subjuntivo atua em conjunto com um
tempo pleno (o presente e o futuro do indicativo) para uma construção temporal que
55
“ne rend pas comptes de toutes les valeurs du subjonctif, mais elle fournit un cadre à ses diverses nuances sémantiques, qui son aussi nombreuses que pour les métaphores temporelles” (WEINRICH, 1973, p. 250). 56
“Subjonctif et métaphore temporelle ont même fonction et son interchangeables” (WEINRICH, 1973, p. 250).
186
relaciona as orações, e como uso metafórico as formas verbais podem funcionar
como meio de produzir o efeito de condição. Daí a possibilidade de se construir
orações condicionais com tempos do indicativo que podem apresentar usos
metafóricos. Os quais, conforme vimos nas análises das causais, são bastante
realizados com o tempo presente do indicativo, por exemplo.
Acerca do uso do presente do indicativo, salienta-se que a grande quantidade
do tempo presente assevera uma construção de um mundo comentado, em que há
um engajamento maior por parte do falante, ao passo que a utilização do modo
subjuntivo e dos tempos futuros garante a condicionalidade dos eventos, atribuindo
mais ou menos status de condição, de acordo com a combinação modo-temporal
realizada. Entende-se, dessa forma, que pode se considerar a existência de um
continuum de condicionalidade nas adverbiais condicionais, em que a
condicionalidade máxima diz respeito às contrafactuais e a mínima às factuais.
Dessa forma, as potenciais ficam em uma situação intermediária, e os demais
tempos, de acordo com as combinações realizadas, podem se aproximar mais de
um ou outro polo desse continuum.
6.2.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA, SUBTIPOS DAS ORAÇÕES E
CONECTIVOS
No corpus de análise obtido para esta pesquisa foram encontradas quarenta e
uma ocorrências hipotáticas condicionais conjuncionais, assim classificadas de
acordo com domínio semântico e subtipo da condicional.
Tabela 08: ocorrências das orações adverbiais condicionais de acordo com seus subtipos e domínio semântico. Domínio de
conteúdo Domínio Epistêmico
Domínio dos atos de fala
TOTAL
Subtipos
Factual 04 (33,3%) 02(16,6%) 06 (50%) 12 (29,26%)
Potencial 04 (23,5%) 09 (52,9%) 04 (23,5%) 17 (41,4%)
Contrafactual 03 (25%) 03 (25%) 06 (50%) 12 (29,26%)
TOTAL 11 (26,8%) 14 (34,1%) 16 (39%) 41
Analisar os subtipos das orações adverbiais condicionais observando esses
três níveis demonstra que as orações condicionais exprimem relações que são
estabelecidas entre EsCo, mas também relações em níveis superiores de atos de
fala que envolvem a percepção do falante acerca dos EsCos (NEVES, 2016). Nota-
187
se que nas condicionais factuais e contrafactuais a relação entre os eventos se dá
preferencialmente no domínio dos atos de fala, ao passo que as orações potenciais
ocorrem preferencialmente no domínio epistêmico. Ressalta-se, no entanto, que
todos os subtipos apresentam expressões nos três domínios semânticos.
A predominância dos atos de fala indica a preferência do falante em
relacionar EsCo por meio das asserções que realiza e não necessariamente por
implicações de causas efetivas entre os eventos (que ocorrem no nível do
conteúdo). O falante apresenta a condicionalidade por meio de um nível semântico
que a torna mais relevante para a interação e para a transmissão do conteúdo
pragmático, relacionando asserções. Do mesmo modo, no caso do domínio
epistêmico, o falante parece considerar importante condicionar um evento ou EsCo
às crenças do ouvinte, e não a condições físicas estabelecidas.
De acordo com Neves (2016), seria possível pensar no fato de que as
condicionais de conteúdo apresentam uma condição baseada em fatos do mundo
real ou imaginário que independem da vontade ou da ação do falante. As
condicionais epistêmicas, por sua vez, apresentam uma condição ancorada nas
possibilidades que decorrem das crenças do falante e do ouvinte, ao passo que as
condicionais dos atos de fala apresentam os eventos como condicionados por
escolha do falante, devido a motivações interacionais e comunicativas de exercer
algum efeito pragmático em seu ouvinte que se baseie não apenas em fatos
expressos em um EsCo ou nas crenças compartilhadas.
Assim, associando a característica de cada subtipo condicional aos
diferentes níveis semântico de expressões linguísticas, ocorrem variadas formas de
interpretações e expressões formuladas pelo falante.
a) Factuais do nível do conteúdo (98), do nível epistêmico (99) e do nível de
atos de fala (100).
98) ...então...os pastores da nossa igreja tem que passar pelos nossos seminários...né? ...se porventura ele faz um outro seminário...uma outra confissão...ele precisa fazer um/um complemento...né? ...que seria a revalidação que a gente chama... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
188
No exemplo 98, o nível de conteúdo é observável por meio da predicação que
apresenta um EsCo (com entidades de segunda e primeira ordem57) relacionando
eventos, e não argumentos. Lembrando que a relação entre eventos apresenta
fenômenos externos à situação de comunicação e pode ser chamada de
experiencial – ou ideacional, é interpretada como uma relação entre os significados,
com vistas a representações de conteúdo de uma realidade ou experiência externa
ao ato comunicativo. Essa representação é posta pelo falante como uma condição
factual, em que dada a verdade da oração adverbial (fazer um seminário de outra
igreja) segue-se a realização da nuclear (fazer um complemento no seminário da
igreja dele - falante). O falante se refere a eventos externos expressos por EsCo, por
isso nível de conteúdo - e apresenta esses EsCos como condicionados um ao outro
para consequência expressa na oração nuclear. O tempo verbal no presente reforça
a ideia de uma condicional factual, conforme Neves (1999). De acordo com a autora,
esse subtipo de condicional é o que mais expressa uma relação de causalidade
entre os eventos da nuclear e da adverbial. Nesse exemplo em questão, percebe-se
uma relação causal no sentido de que o EsCo da oração adverbial motiva o EsCo da
oração nuclear – o motivo pelo qual é necessário que se realize o complemento é a
verdade do conteúdo da condicional. Poderia ser assim expresso:
*Se porventura fez outro seminário (em outra igreja) [logo, então] ele precisa fazer um complemento (na igreja em questão)
*Ele precisa fazer um complemento Porque [porventura] fez outro seminário.
As condicionais epistêmicas diferenciam-se das de conteúdo porque
envolvem crenças do falante, como em 99. Continua sendo factual, pois apresenta
os dois EsCo como reais.
99) ...tem a ver com a pessoa...tem a ver com a vida eterna dela...não é? ...então...se...se quando você tá se importando com a eternidade...com o futuro dela... ...é muito mais do que proselitismo...não é? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
Nesse exemplo, o falante apresenta a forma como ele acredita que algo não é
proselitismo. As orações do domínio epistêmico costumam receber marcas que
57
Sobre as entidades de primeira, segunda e terceira ordem, ver subseção 2.3 desse trabalho.
189
sinalizam a crença ou a opinião do falante acerca do que ele está dizendo. A pista,
nesse exemplo é o verbo – considerando ainda que ao dizer “você” o falante se
refere também a ele mesmo. Essa oração é do domínio epistêmico, pois expressa
algo que perpassa a crença, a convicção do falante, e essa crença fica explícita na
construção linguística. Tem a ver com a forma como ele acredita que algo não é
proselitismo. Trata-se de uma condicional potencial, pois o conteúdo expresso pela
adverbial apresenta uma eventualidade, não é algo dado como factual, real. A
possibilidade expressa na adverbial depende que o conteúdo que é apresentado
pela nuclear a confirma. Então, quando o falante diz “se quando você está se
importando com a eternidade e o futuro dela”, isso só poderá ser tido como não
eventual se o conteúdo da nuclear o confirmar. Seria possível a seguinte
observação:
*Se quando você tá se importando com a eternidade e com o futuro dela é muito mais do que proselitismo...não é? **É muito mais que proselitismo quando você está se importando com a eternidade e com o futuro dela. ** É muito mais que proselitismo você se importar com a eternidade e com o futuro dela.
Na adverbial condicional factual que se situa no domínio epistêmico, relação
entre os conteúdos oracionais é sobre argumentos e não eventos. Neves (1999)
explica que as relações entre argumentos são aquelas que se estabelecem entre
fenômenos internos à situação de comunicação, por isso não pode ser de conteúdo.
Já em 100 há uma oração condicional do tipo factual no domínio dos atos de
fala. As orações desse nível são revestidas de força ilocucionária, e também
relacionam argumentos, e não eventos.
100) ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum ...você tem que ser o responsável...pelo que você faz... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
As orações do nível dos atos de fala parecem se distinguir dos demais níveis
ao que diz respeito sobre a subjetividade do falante e sua perspectiva acerca do
conhecimento pragmático do ouvinte. No nível do conteúdo o falante relaciona
eventos externos à situação linguística, no nível epistêmico ele relaciona
argumentos (eventos internos à situação linguística) e apresenta sua crença, sua
opinião. Já no nível dos atos de fala parece haver um pragmatismo maior. Isso
190
porque, ao relacionar eventos (nível conteúdo), a escolha em relação à forma como
o falante irá relacionar esses eventos parece ser condicionada às ocorrências de um
mundo material real, possível ou imaginário, uma vez que relaciona EsCo – como
exemplo, percebe-se que as orações condicionais do nível de conteúdo também
apresentam certa causalidade.
Outras orações adverbiais nesse mesmo domínio também apresentam
causalidade, e há orações, inclusive, que não podem ser construídas no nível de
atos de fala, como, por exemplo, as temporais (NEVES, 1999, 200). O fato de as
orações temporais não serem passíveis de serem expressas no nível dos atos de
fala aponta para seu baixo teor pragmático e interpessoal ao mesmo tempo em que
aponta para um valor mais informacional e ideacional. No caso das orações do nível
dos atos de fala, percebe-se a possibilidade de um afastamento e uma liberdade
subjetiva e cognitiva maior por parte do falante em relação à forma como ele vai
expressar linguisticamente os argumentos ao se referir aos acontecimentos que
pretende expressar linguisticamente. Isso no sentido de que o falante possui a
capacidade de relacioná-los como consequência do outro ou não, sem precisar
marcar sua crença ou opinião sobre o assunto, de forma a construir uma expressão
mais ancorada em conceitos, que podem ou não ser compartilhados (entre falante e
ouvinte) de modo a exercer uma influência “moral”, por assim dizer.
Considerando os estudos de Austin (1990) e Searle (1995) sobre os atos de
fala, os quais são revestidos de força ilocucionária destaca-se que todo ato de fala
pode, ou não, exercer uma força perlocutória (diz respeito à ação ou efeito
pretendido pelo falante que o ouvinte realize). No caso do exemplo 100 há uma
expressão com força ilocucionária que possibilita uma argumentação do falante em
relação ao ouvinte sobre a questão da responsabilidade, mas não é perlocutória. No
caso de uma expressão condicional factual no domínio dos atos de fala que
apresente uma expressão linguística perlocutória tem-se o exemplo em:
101) ...o espiritismo é o úl::timo bastião a quem já não suporta mais as religiões tradicionais... ...se você não aguenta mais...ouvir um padre...um pastor...um pregador dizer que Deus vai te dar isso...vai dar aquilo...ou vai dar aquilo outro... [...] ...então...eu te convido a conhecer a doutrina espírita...para saber que há muito mais entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
191
O falante, nesse nível semântico de enunciação nas orações adverbiais
condicionais, pode se dirigir ao ouvinte de modo a solicitar uma (re)ação efetiva
dele, e não apenas a alterar o conhecimento pragmático de seu ouvinte. Nesse
sentido, as orações no domínio dos atos de fala nas orações condicionais também
se distinguem das causais, as quais, em princípio, quando estão nesse domínio
semântico, parecem se relacionar mais com o fato de o falante querer ou não
apresentar um fato como causalmente relacionado. No caso das causais, é
constativo, às vezes performativo, mas não perlocutório explícito. Nesse sentido as
orações condicionais são mais pragmáticas, uma vez que o conteúdo das
expressões linguísticas podem se direcionar ao ouvinte de modo perlocutório.
Assim, observa-se que as orações adverbiais condicionais factuais podem
ser realizadas em diferentes níveis semânticos linguísticos, e em cada nível
apresentar uma peculiaridade inerente ao nível em que se encontra. Todavia, a
relação de factualidade entre a oração subordinada e a oração nuclear não é
alterada, mantendo, em qualquer dos níveis que se apresente, uma relação de
condição preenchida ou a preencher (na adverbial) – e uma consequência,
conclusão (na nuclear) – conforme explicação sobre a instanciação das orações
condicionais fatuais apresentada por Neves (2016). Assim, destaca-se que:
O valor quase documental das orações condicionais factuais explica seu uso em processos argumentativos nos quais seja necessário ou conveniente exprimir um fato como assegurado. Nessas circunstâncias, o que está em jogo não é a oração de condição [...] (NEVES, 2016, p. 145 – itálico no original)
Em outras palavras, a factualidade apresentada pelas orações condicionais
se preocupa em apresentar os eventos ou os argumentos como assertivos – daí
também a alta ocorrência do tempo verbal no presente do indicativo – e não como
uma condição a ser preenchida. Questões desse tipo influem diretamente no valor
argumentativo dessas orações. Tais orações, explica Neves (2016), podem
funcionar como um bloco de sentido, colocando o conteúdo que apresentam como
foco a serviço da argumentação. Pode parecer um tanto quanto obscuro o conceito
de uma factual epistêmica, todavia, crê-se que o fator da assertividade das
expressões seja relevantes para esclarecer tal critério.
192
b) Potenciais do nível do conteúdo (102), do nível epistêmico (103) e do
nível de atos de fala (104).
Ao contrário das orações adverbiais condicionais factuais que apresentam
na adverbial uma condição já preenchida, as orações adverbiais condicionais
potenciais apresentam uma condição a ser preenchida.
102) ...é que...alguns grupos evangélicos...eles tem falado sobre as bênçãos materiais... ...eles só tem falado sobre coisas na terra... ...que vai ser beneficiado...que se contribuir...que se você fizer isso...ou se você fizer aquilo... ...mas nós não alcançamos a salvação em fazendo alguma coisa para alcançá-la... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
Desse modo, observando o exemplo 102, percebe-se que é necessário que
seja preenchida - que se realize - a condição expressa na adverbial para que se
confirme o conteúdo da nuclear. Ou seja, é necessário que “contribua”, que “se faça
isso” e que “se faça aquilo” para “ser beneficiado”. Assim, novamente, as
condicionais de domínio de conteúdo apresentam certa causalidade, mesmo sendo
potenciais. A causalidade reside na relação entre os eventos, em que a contribuição
e outras ações resultarão no benefício de quem as realizou. Essa construção
poderia ser reformulada, sem alterar seu sentido, da seguinte forma:
*Você vai ser beneficiado porque contribuiu [...]
Ou seja, uma vez preenchida a condição da adverbial condicional, obtém-se
uma causa, explicação para o conteúdo nuclear. Destaca-se, mais uma vez, a
importância da correlação modo-temporal dessas orações para que se estabeleça
uma condicionalidade e não uma causalidade.
Essa causalidade das adverbiais potenciais de conteúdo se dilui um pouco
quando comparada com as potenciais epistêmicas.
103) ...e qual é o método de evangelismo? ...se a gente entende que o pecado é a quebra do relacionamento da pessoa/que o ser humano tem com Deus...né? ...o método pra isso é a amizade... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
193
O que predomina em construções como a do exemplo 103 é a compreensão
que o falante tem acerca do conteúdo que ele expressa. Não se trata de uma
relação “causa-consequência”, mas constitui uma crença do falante a respeito do
que diz. O exemplo de número 103 é uma oração adverbial potencial, pois necessita
que o conteúdo da adverbial seja preenchido – todavia, é um conteúdo subjetivo,
que diz respeito à crença do falante. Assim, diferentemente da alteração em 102,
que resulta em uma causalidade efetiva, quando se preenche o conteúdo da
adverbial, em 103, o que se expressa na reformulação é uma explicação.
*O método pra isso é a amizade, porque a gente entende que o pecado é a quebra do relacionamento da pessoa, do ser humano, com Deus.
Esses critérios facilitam estabelecer a diferença entre causa efetiva (nível de
conteúdo) e causa provável (nível epistêmico), de acordo com apontamentos
realizados por Neves (1999, 2000, 2016) em seus estudos sobre as adverbiais
condicionais. Ainda, conforme a autora, os segmentos oracionais são relacionados
como etapas em um argumento, significando primeiro uma proposição no jogo do
discurso, e depois outra. Essa relação que ocorre nas orações do domínio
epistêmico pode ser chamada de ideacional, pois ocorre no âmbito da construção de
significados e da representação das impressões particulares do falante acerca da
situação. No caso das potenciais no domínio dos atos de fala a instanciação entre
condição a ser preenchida também se mostra de forma bastante clara.
104) ...o que eles perguntarem...tudo que eles perguntarem sobre o que você fez...né? ...sendo aprovado ou não...não é? ...caso sendo aprovado...aí você vai pra licenciatura... ...é licenciado...trabalha na igreja como pastor... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
Como é característico de orações de domínio epistêmico e de atos de fala,
em 104, o falante relaciona argumentos. Essa é uma das características que
definem uma oração adverbial potencial entre ser de conteúdo ou de atos de fala,
pois ambas apresentam uma relação de causalidade. No exemplo 104 essa
causalidade já vem expressa na própria oração, devido ao marcador discursivo
sequenciador conclusivo “aí”. Mas mesmo excetuando-se esse elemento, a
causalidade continua expressa em ambos os casos:
194
*Caso sendo aprovado você vai pra licenciatura.
Sendo aprovado você vai para licenciatura. Aprovado, você vai para licenciatura.
**Caso sendo aprovado você vai para licenciatura.
Você vai para licenciatura porque foi aprovado.
Desse modo, as orações adverbiais potenciais do domínio dos atos de fala
também podem expressar uma relação de causa-consequência quando a condição
é preenchida. Assim, entre as potenciais de atos de fala e conteúdo, a diferença
maior que apresentam é entre os níveis semânticos e como esses níveis se efetivam
nas orações – relacionando eventos externos a situação de comunicação ou fatos
internos à situação de comunicação.
Neves (2016) esclarece que, assim como as factuais, as orações condicionais
potenciais também podem ser utilizadas a serviço da argumentação. Funcionando
como blocos informacionais que orientam o ouvinte por meio das condições
prováveis que incorrem em questões de causa, consequência – ou orientando em
termos de explicação, como ocorre nas condicionais potenciais epistêmicas.
c) Contrafactuais do nível do conteúdo (105), do nível epistêmico (106) e do
nível de atos de fala (107).
De acordo com Neves (2016, p. 147) as orações condicionais contrafactuais
“apresentam os estados de coisas por elas denotados como não existentes”, tanto
na adverbial quanto na nuclear. A característica dessas condicionais é seu tempo
verbal sempre no futuro do pretérito na nuclear (Castilho, 2010; Neves, 2016). As
distinções entre os níveis semânticos são os mesmos apresentados nas
condicionais anteriores. Quando é uma oração adverbial contrafactual de conteúdo,
a relação será entre eventos, os quais não aconteceram, mas, caso acontecessem,
resultariam em determinadas consequências.
105) ...e eles sugeriram que...se eles comessem aquele fruto...eles seriam iguais a Deus... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
195
Os eventos se relacionam com base nas probabilidades e em hipóteses
possíveis. Em 105, o falante expressa possibilidades de eventos, e não eventos.
Toda a construção ocorre no “futuro”.
* se eles comessem aquele fruto (não comeram)
=> eles seriam iguais a Deus.
Embora contextualmente seja possível depreender o resultado dessa
expressão, linguisticamente o falante está lidando com hipóteses. Diferente da
condicional factual, que tem a condição da oração adverbial preenchida, e da
condicional potencial, que necessita que a condição da oração adverbial seja
preenchida pela nuclear, nas contrafactuais há uma condição na adverbial que,
embora precise ser preenchida, não será, uma vez que é o evento que apresenta
uma condição não ocorreu.
Todavia, assim como nas outras condicionais, as condicionais contrafactuais
também são capazes de expressar relações de causalidade por meio dos
resultados, consequências decorrentes das possibilidades. Por exemplo, o resultado
de comer o fruto é ficar igual a Deus. Em 106, a consequência por não ter entendido
nem vivido o mandamento é estar lá (na prisão).
106) ...hoje nós temos em todos o sistema prisional... ...nós temos uma igreja lá dentro...né? ...que é atendida SE-ma-nalmente... ...e quanta gente não estaria lá? ...se... se entendesse somente esse versículo...esse mandamento...né? ...então vou estudar com você sobre a lei de Deus...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
Em 105 a relação é entre eventos de EsCos, já em 106, a relação é entre
conhecimento e crenças, por isso nível epistêmico. Em 107, a relação é entre
argumentos, ou seja, eventos internos à situação de comunicação.
107) ...amar os pais...o quinto mandamento...né? ...para que te prolongues os dias na terra que o Senhor teu Deus te dá... ...um mandamento desse...se fosse vivido...se fosse praticado...né? ...quantas dificuldades...nós seríamos livrados... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
Neves (1999) expõe a relação entre argumentos, a qual ocorre no âmbito da
construção de significados e da representação das impressões particulares do
196
falante acerca da situação. Assim, embora os exemplos 106 e 107 pareçam
bastante similares, o exemplo 106 expressa questões de crença do falante “se
entendessem”, ao passo que em 107 não há marcas expressas de crenças, opiniões
etc. O falante apresenta como os eventos se relacionam sob a forma como ele
acredita – até porque a subjetividade de um usuário natural da língua se mostra de
diferentes maneiras – mas não atribui a isso questões de crença, entendimento,
como em 106.
De modo geral, tem-se que as contrafactuais em relação a sua construção
em diferentes camadas não se distanciam do já exposto em relação as outras
condicionais (factuais e potenciais). O que caracteriza uma condicional contrafactual
é a sua sinalização pela morfologia verbal (NEVES, 2016).
De modo geral, percebe-se que as condicionais podem ser construídas em
diferentes tipos semânticos, independente do subtipo em que se classificam.
Ressaltando que, conforme Neves (2016), “a realidade é um atributo de
estados de coisas enquanto a factualidade é um atributo de fatos possíveis”
(NEVES, 2016, p. 144 – destaque no original). Assim, as orações que relacionam
eventos (nível de conteúdo) se voltam para questões de realidade do evento
apresentado, e as que relacionam argumentos (epistêmicas e atos de fala)
expressam atributos de fatos possíveis. Sendo, portanto, as condicionais de
conteúdo mais verdadeiras – menos verdadeiras, e as epistêmicas e de atos de fala
mais possíveis – menos possíveis.
Acerca das conjunções, a conjunção se foi a conjunção condicional mais
encontrada, havendo apenas uma ocorrência com o conectivo caso e uma com
quando. Em relação ao posicionamento das orações adverbiais condicionais apenas
seis foram pospostas à oração nuclear.
Tabela 09: Síntese das conjunções e da posição das orações.
Posição da oração
adverbial
Adverbial Anteposta
Adverbial Posposta
Total
Conectivos
Se 34 (87,2%) 05 (12,8%) 39 (95,1%)
Caso 01(100%) - 01 (2,4%)
Quando - 01 (100%) 01 (2,4%)
TOTAL 35 (85,3%) 06 (14,6%) 41
(Fonte: autoria própria)
197
Como pode se observar na tabela nove (09), 95,1% das orações adverbiais
condicionais do corpus foram realizadas com a utilização da conjunção se. Em
relação à posição, 87,2% foram antepostas à oração nuclear. A partícula se, de
modo geral, pode ser apresentar funções sintáticas, semânticas e pragmáticas
diversas – partícula apassivadora, conjunção integrante, parte integrante do verbo,
partícula reflexiva etc., mas no uso das orações condicionais seu funcionamento se
torna mais restrito. Enquanto conjunção subordinativa condicional, a partícula se,
diferentemente do porque (que pode funcionar como marcador discursivo etc.),
apresenta um funcionamento mais limitado quantitativamente, embora
qualitativamente seja mais ampla em termos de funções. Suas funções, nesse
sentido, não se mostraram tão amplas como o conectivo causal porque, mas ainda
assim apresentam algumas características que cabem ser destacadas. Algumas
funções discursivas que podem ser atribuídas à conjunção se – e que, em alguns
momentos, se mescla com a função discursiva da própria oração condicional.
Em síntese, observaram-se as seguintes funções discursivas em relação às
ocorrências adverbiais condicionais do corpus:
1. Funções do conectivo se
a) Estabelecedor de relações hipotáticas factuais
...pra muitos...se você pega lá dicionário do Aurélio...por exemplo...
...a definição é de ser mal...é um discurso muito longo e chato...não é?
...até uma definição que tem é chamado de um ralho né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)
b) Estabelecedor de relações hipotáticas potenciais
.alguns pregam religião...equivocadamente...mas nós pregamos o evangelho...
...então...se você vir aqui...você será bem-vinda...
...aceitando O evan:gelho...aceitando a Jesus Cristo...
...e aceitando a cruz de Cristo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
c) Estabelecedor de relações hipotáticas contrafactuais
...agora...se você me desse oportunidade...eu ia te mostrar...porque eu creio assim...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
198
d) Introdutor de parênteses
...porque...ah::...ahn...que que adianta eu falar...eu fazer uma excelente propaganda aqui da igreja...não é? ...eu to querendo trazer você pra igreja...isso é proselitismo...né? ...se eu ficar fazendo propaganda da igreja é fazer proselitismo... ...mas o foco não é esse...a questão...é muito mais que isso... ...tem a ver com a pessoa...tem a ver com a vida eterna dela...não é? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
e) Conclusivo
...mas...eh...é uma igreja que vale a pena...pelo menos ser conhecida...
...se não frequentada...pelo menos conhecida...
...fica a sugestão pra você... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)
f) Articulador tópico
...ho:mem nenhum pode fazer o convencimento de alguém vir a frequentar uma comunidade de fé... ...se eu fizesse isso com você...eu estaria fazendo pro-selitismo... ...e eu não fui chamado pra fazer...pro-selitismo... ...o que eu faço é e-vangelização... ...o que é evangelização? ...é falar pra você que Jesus Cristo veio a esse mundo e não estabeleceu uma religião... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
g) Sequenciador intratópico
...nós cremos na verdade do santuário...
...em outras palavras...se a gente fosse resumir...
...o velho testamento inteiro fala sobre o santuário terrestre...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
h) Mudança de orientação tópica
...quando houve a entrada do pecado...houve a quebra da amizade...do relacionamento entre eles e Deus... ...então...faltou um pouco de confiança...né? ...e qual é o método de evangelismo? ...se a gente entende que o pecado é a quebra do relacionamento da pessoa/que o ser humano tem com Deus...né?
199
...o método pra isso é a amizade...
...quer dizer...pra inimizade entre Deus e o ser humano...o pecado...a amizade é essa conexão novamente...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)
6.2.4. TOPICALIDADE, INFORMATIVIDADE, POSICIONAMENTO DA ORAÇÕES
Além das funções já apresentadas acerca das orações adverbiais
condicionais e da conjunção subordinativa se, as orações condicionais apresentam
ainda funções discursivas de tópico, subtópico e focalização.
Diferentemente da análise de tópicos e subtópicos observadas nas orações
adverbiais causais, a análise do tópico nas condicionais observa mais do que a
introdução temática e informação nova - dada. A análise da topicalidade,
informatividade e posicionamento das orações se constitui um pouco mais ampla
que a análise realizada nas orações adverbiais causais, inclusive pela complexidade
estrutural, semântica e pragmática que envolve as orações condicionais. A análise
que se pretende em relação a esses quesitos volta-se mais para o conceito da
propriedade tópica de centração (JUBRAN, 2006) e inclui questões sobre o relevo
informacional atribuído ao texto por meio da posição dos segmentos textuais, assim
como questões sobre a pontualização e a concernência (associativa, exemplificativa
etc.). Pode-se resumir esclarecendo que a análise tópica realizada na subseção das
análises das causais atentou para questões de organicidade tópica, ao passo que,
nesta seção, a análise de tópico discursivo recai sobre a característica de centração
e relevo informacional. Essa pequena ressalva sobre a questão da análise tópica
entre as adverbiais causais e as condicionais se relaciona com o posicionamento
mais prototípico de cada uma dessas construções. Nas adverbiais causais, como
visto, também podem ocorrer questões tópicas com características de centração e
relevo que se sobrepõem a características de inserir tópicos e articular a estrutura
tópica do texto, mas o que predominou nas análises do corpus foi a função de
inserção tópica como meio de organização estrutural e informacional do texto. Já no
caso das adverbiais condicionais, o que se destaca é o relevo dado à informação por
meio da anteposição das adverbiais, fato que é mais comum nas orações
condicionais do que nas orações adverbiais causais.
200
De um ponto de vista da organização da informação no texto, verifica-se que as orações condicionais antepostas, que são as mais frequentes, constituem, em geral, um ponto de apoio para referência, um tópico discursivo. Sendo assim, as orações condicionais formam uma espécie de moldura de referência em relação à qual a oração principal é factual, ou apropriada. Além disso, frequentemente nessas orações está uma informação que não é dita como nova (NEVES, 1999, p. 833 – grifo no original).
Visto isso, salienta-se que as condicionais antepostas a nuclear, funcionam
como um tópico discursivo que apresenta um determinado conteúdo linguístico em
um ponto específico do texto a respeito de um conjunto de referentes que são
concernentes entre si por meio de diferentes formas de integração e que
apresentam maior relevância para o falante.
108) ...eh...na religião católica... ...se você chegar lá e disser que Maria não é virgem...você::...educadamente será apedrejada pelos seus irmãos... ...eh...no::...espiritismo...se você quiser acreditar que Maria é virgem... ...ou se você quiser provar que Maria não é virgem...que me parece que é o mais lógico...ninguém vai te apedrejar... ...então...essas questões dogmáticas não fazem parte da doutrina espírita... ...o que faz parte da doutrina espirita é o avanço... ...tanto que Allan Kardec diz o seguinte... ...se um dia...a ciência comprovar que a doutrina espírita está errada... ...nós ficaremos com a ciência e deixaremos a doutrina espírita... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
Note que a concernência no seguinte trecho do exemplo 108 resulta em uma
exemplificação, embora não incorra em uma inserção parentética (como em alguns
casos das causais) – “...eh...na religião católica...se você chegar lá e disser que
Maria não é virgem...você::...educadamente será apedrejada pelos seus irmãos...”.
Nesse caso, é possível acreditar que nem toda exemplificação resulta em uma
inserção parentética, pois essa oração, embora possa ser considerada uma
explicação, ela está vinculada com o restante da porção textual, o que a
descaracteriza como inserção parentética.
Já no seguinte trecho do mesmo exemplo: “...eh...no::...espiritismo...se você
quiser acreditar que Maria é virgem...ou se você quiser provar que Maria não é
virgem...que me parece que é o mais lógico...ninguém vai te apedrejar...”, a
concernência da primeira e a segunda ocorrências são associativas entre si e
implicativas com sua relação de interdependência com a nuclear.
201
Em vista disso, observando o exemplo em sua completude, pode-se pensar
ainda que a concernência aqui opera para a centração tópica da “crença na
virgindade de Maria” por meio da estratégia discursiva de paráfrase paralela
(considerando a equivalência sintática e semântica entre o enunciado fonte e as
paráfrases). Fica evidente, nesse caso, como as estratégias de construção textual
cooperam para a elaboração do conteúdo proferido, agindo conjuntamente com
outros recursos linguísticos estruturais, sintáticos, auxiliando na construção da
coerência do texto, assim como auxilia o falante na questão de se fazer entender por
seu ouvinte.
Esse conteúdo tópico, ao ganhar relevo no texto, passa a adquirir a atenção
do ouvinte, o qual pode ou não aceitar o conteúdo apresentado. Observa-se nessa
questão mais um respaldo para a consideração de que a adverbial condicional,
funcionando como tópico discursivo, não se trata apenas de uma questão de tópico -
comentário ou tema - rema, note que a informação nas condicionais apresentam um
conteúdo pragmático semântico (o posicionamento do ouvinte em relação ao dogma
da igreja católica acerca da virgindade de Maria) e um mesmo conteúdo na oração
nuclear (embora um seja afirmado e o outro negado). Em outras palavras, ao falar
do dogma no espiritismo, a informação tanto da adverbial condicional quanto da
nuclear já é dada. Isso aponta para o fato de que a intenção do falante recai mais
sobre a ênfase do tópico do que sobre o acréscimo de informações.
No exemplo seguinte, no trecho sublinhado, a adverbial condicional está
posposta a nuclear. Note que o relevo informacional que o falante pretende se
concentra no conteúdo da apódase.
109) ...mas você reconhece que ele é o CRISto de Deus...segundo a tradição
judaico-cristã...que veio consertar a queda de Adão e Eva no Éden... ...e você entrega a sua vida a esse Jesus...recebe o evangelho de Jesus... ...vai lutar pelos ideais do reino de Deus e SE você quiser (risos) congregar aqui comigo...aqui na nossa comunidade de fé... ...e eu sou responsável por trinta e oito igrejas dentro de Maringá...essa é a central...né? ...então a gente é responsável por trinta e oito igrejas aqui... ...e cento e oito igrejas na região metropolitana de Curitiba... ...que eu sirvo essa comunidade como se fosse um bispo...né? ...eu sirvo...não sou bispo...eu sirvo a igreja nessa função... ...então...se você desejar...vir para nossa comunidade de fé...aí já é um segundo momento...
202
...mas...eu não prego a Assembleia de Deus...nem religião...eu prego Jesus Cristo e o evangelho que liberta... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
O exemplo 109, apesar de longo, é capaz de exemplificar de forma
transparente o relevo informacional e o tópico discursivo que é inserido pela oração
condicional quando esta é anteposta. Observando, as duas ocorrências
condicionais, é possível perceber a relevância, a ênfase, que é dada pelo informante
ao conteúdo da oração adverbial anteposta, a começar pela própria entoação, uma
vez que há um alçamento, uma intensificação sonora no conectivo se. Assim, o
falante insere o conteúdo textual ao qual deseja dar relevância – a possibilidade do
ouvinte congregar em sua comunidade, e, após uma inserção parentética, ele
retoma o tópico sob uma base condicional – ressalva-se que, nesse caso, a oração
condicional funciona também como meio de retomada tópica. A relevância da
prótese para o falante é tal, que é possível observar, por meio do contexto, que ele
fala de um “primeiro momento” em que o ouvinte realizaria algumas ações
(descrevendo-as), insere a hipótese de esse ouvinte ir congregar em sua
comunidade e encerra o tópico apenas apresentando como resultado da
eventualidade da adverbial condicional, o fato de o ouvinte ir para “um segundo
momento”, o qual não é por ele especificado, passando o falante então a retomar o
tópico anterior de seu texto, que era a pregação do evangelho e não de igrejas.
Ainda pensando na questão de tópico discursivo e de centração tópica,
houve uma ocorrência em que a prótase veio posposta e o relevo ocorreu fora da
posição de tópico discursivo, o que viabiliza uma interpretação de que tópico e
relevo informacional nem sempre estão atrelados – conceito apresentado por Neves
(1999, 2000) - e, ainda, as orações condicionais constituem-se um recurso para criar
o relevo informacional.
110) ...é que...alguns grupos evangélicos...eles tem falado sobre as bênçãos materiais... ...eles só tem falado sobre coisas na terra... ...que vai ser beneficiado...que se contribuir...que se você fizer isso...ou se você fizer aquilo... ...mas nós não alcançamos a salvação em fazendo alguma coisa para alcançá-la... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
203
Nesse caso, a construção condicional foi utilizada como uma inserção
parentética com foco no locutor e no interlocutor, considerando ainda o fato de que
“no limite entre essas duas classes, há parênteses que as interseccionam, porque
deixam transparecer simultaneamente a perspectiva do locutor e a que se
pressupõe ser a do interlocutor” (JUBRAN, 2006, p. 351). Assim, o falante
interrompe a continuidade tópica e insere um segmento que apresenta um conceito
que para ele é compartilhado entre os envolvidos no contexto da fala, sobre o que
seria o conteúdo “das coisas da terra” que alguns grupos evangélicos têm falado.
Essas observações realizadas nas hipotáticas condicionais, assim como nas
causais, servem para demonstrar não só o processo utilizado pelo falante, mas
como esse processo, associado ao conhecimento enciclopédico compartilhado entre
falante e ouvinte, auxilia na manutenção da coerência textual.
Assim, percebe-se que a informatividade e a topicalidade se correlacionam
diretamente com o posicionamento da oração condicional, possuindo a oração
condicional, portanto, a função discursiva de tópico – incluindo questões de relevo e
de centração tópica – intervindo na informatividade transmitida. Assim como, em
alguns casos, pode funcionar como meio retomada tópica58. Esse funcionamento
das adverbiais condicionais vai ao encontro de estudos linguísticos diversos, dos
quais se destaca Neves (1999, 2000 e 2016).
Ainda, no caso das orações adverbiais condicionais, a questão da
iconicidade entre os eventos e a posição das orações parece ficar mais marcada do
que no caso das adverbiais causais. Isso tendo em vista que nas orações causais os
eventos parecem ser verbalizados pelo falante com o fim de informar, explicar,
justificar etc. Diferente das condicionais, em que se percebe que existe uma
sequência linear dos acontecimentos e uma inversão da posição das orações
implicaria em uma inversão que passível de prejudicar a compreensão do ouvinte.
Em relação às orações adverbiais condicionais percebe-se uma
característica de apresentar os eventos como acontecimentos mais demonstrativos
que explicativos, por assim dizer, e, por vezes, apresentam questões de
58
Ressalta-se que, nesse contexto de retomada, diferentes formas de construção possuem esse funcionamento, o qual normalmente são iniciados por um marcador discursivo. O que ocorreu nesse caso, foi a retomada direta do conteúdo tópico, por meio da adverbial condicional, sem a utilização de um marcador discursivo.
204
performatividade. Por esse motivo, acredita-se que a iconicidade entre os eventos
das orações condicionais é mais recorrente. Iconicidade no sentido de apresentação
e sequenciação dos eventos, como em “...se você vir aqui...você será bem-vinda...”,
ou “se eles comessem aquele fruto...eles seriam iguais a Deus...”, e tantos outros
exemplos de condicionais que observam a sequência de eventos de modo icônico
em relação aos acontecimentos do mundo real. Isso também poderia ser uma
justificativa plausível sobre o porquê sequências condicionais em relação a uma
nuclear.
6.2.5. AS RELAÇÕES RETÓRICAS
O funcionamento das orações adverbiais condicionais pode ser verificado
por meio das relações que essas orações apresentam não apenas entre adverbial e
nuclear, mas também com as partes do texto com as quais se relacionam
diretamente.
As possibilidades de inferências entre uma condicional adverbial e sua
nuclear são bastante complexas. Considerando os critérios de factualidade,
potencialidade e contrafactualidade, assim como tempo e modo verbal, e os próprios
eventos, nem sempre é possível uma única e asseverativa determinação de uma
relação exclusivamente condicional. Sobretudo nos casos das factuais, que
conforme Neves (1999, 2000 e 2016), apresentam os eventos de forma mais
assertiva como consequências umas das outras. A autora afirma que uma oração
condicional factual “repousa sobre a realidade: o enunciado da prótase é
apresentado como real e, a partir daí, o enunciado da apódose é tido como uma
consequência necessária” (NEVES, 2016, p. 144). Acerca das condicionais
potenciais, tem-se que uma adverbial condicional é classificada como potencial
quando a adverbial “repousa sobre uma eventualidade” e a nuclear é tida como certo
– desde que a condição enunciada na adverbial seja satisfeita (NEVES, 2016, p.
148). Dessa forma, inferir relações acerca das adverbias em situações como as
expressas nos exemplos a seguir, se torna, de certa forma, relevantes e possíveis.
205
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 22: Definição das relações retóricas dos diagramas 09 e 10.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Resultado Em N+S: Causa no satélite e o resultado no núcleo (o resultado é mais importante).
Apresentar o núcleo como mais importante que o satélite.
Razão Em N+S: Satélite apresenta a razão, motivo para o evento nuclear realizado por um agente animado.
Apresentar uma razão em S para o N.
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]
No entanto, considerar essas relações faz com que a condicionalidade
expressa pela conjunção subordinativa se – conjunção que expressa condição,
hipótese (BECHARA, 2010) – e a própria condição a ser preenchida no evento seja
desconsiderada. Assim, reconhece-se que as relações propostas em 09 e 10
perpassam pelos segmentos condicionais inseridos no texto. Isso torna a utilização
das construções condicionais ainda mais complexa e eficaz, uma vez que possibilita
ao ouvinte a realização de diferentes associações de relações e não apenas o
reconhecimento da relação de condição que está marcada pelo falante.
No entanto, tendo em vista o aspecto categórico da conjunção condicional
se, que relaciona duas orações de forma interdependentes, uma leitura correta e
mais plausível para essa porção textual seria como no diagrama 11.
Diagrama 09: Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de resultado.
Diagrama 10: Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de razão.
Razão
...você tem
que ser o
responsáve
l...pelo que
você faz....
...e aí...se
você não
tem
responsabil
idade com
Deus
nenhum
1-2
...e aí...se
você não
tem
responsabil
idade com
Deus
nenhum
Resultado
...você tem
que ser o
responsáve
l...pelo que
você faz....
1-2
206
Diagrama 11: Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de condição.
O quadro a seguir apresenta a definição da relação em questão.
Quadro 23: Definição das relações retóricas do diagrama 11.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Condição
Em S: S apresenta uma situação hipotética, futura, ou não realizada. (relativamente ao contexto situacional de S). Em N+S: Realização de N depende da realização de S.
Ouvinte reconhece de que forma a realização de N depende da realização de S.
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016)]
As relações entre os segmentos textuais, ou entre as orações, podem ser
observadas, de acordo com a RST, conforme a natureza dessas relações, que
podem ser de apresentação ou de conteúdo. De acordo com Mann & Thompson,
(2005-2006, on line) “as relações de conteúdo apresentam partes do tema do texto,
as relações de apresentação facilitam o processo de apresentação”. Com isso,
observa-se que as relações de apresentação parecem tender a atuar de uma forma
mais macro textual (são as relações de fundo, preparação, resumo, reformulação
etc.) relacionando porções maiores do texto, ao passo que as relações de conteúdo
parecem apontar para um funcionamento mais micro textual relacionando orações
(são as relações de causa, condição, comentário, interpretação etc.). Não se trata de
uma definição fechada, pois uma relação de apresentação como a reformulação, por
exemplo, pode ocorrer por meio de uma única oração, assim como uma relação de
conteúdo, como a avaliação, pode relacionar porções maiores. No caso das orações
condicionais, todas são relações de conteúdo que relacionam orações, assim como
no caso das orações causais, conforme o diagrama 12.
...e aí...se
você não
tem
responsabil
idade com
Deus
nenhum
Condição
...você tem
que ser o
responsáve
l...pelo que
você faz....
1-2
207
Diagrama 12: Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de condição.
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 24: Definição das relações retóricas do diagrama 12.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Avaliação
Condições em N+S: S relaciona N com um grau de atitude que pode se apresentar por meio de uma escala avaliativa (entre muito bom - muito ruim) do falante face ao conteúdo de N.
Falante reconhece que S confirma N e reconhece o valor que lhe foi atribuído.
Sequência Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.
Ouvinte reconhece as relações de sucessão entre os núcleos
Condição
Em S: S apresenta uma situação hipotética, futura, ou não realizada. (relativamente ao contexto situacional de S). Em N+S: Realização de N depende da realização de S.
Ouvinte reconhece de que forma a realização de N depende da realização de S.
Elaboração
Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.
A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.
Causa
Condições em N+S: a situação apresentada no núcleo é a causa da situação apresentada no satélite. A causa, que é o núcleo, é a parte mais importante. O satélite representa o resultado da ação.
A intenção do Falante é enfatizar a causa expressa no núcleo e o resultado no satélite para o ouvinte.
Resultado Condições em N+S: Causa no satélite e o resultado no núcleo (o resultado é mais importante).
Apresentar o núcleo como mais importante que o satélite.
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]
1-6
Sequência
...e se você
cometer
um erro
não tem
problema
5-6
Condição
Resultado
Sequência
..porque...a
s
vezes...voc
ê acreditar
2-3
Elaboração
que tudo
acontece
porque
Deus quer
que
aconteça
Causa
7-8
Avaliação
...se você
acredita
nisso..
.ah/ah...dá
a
impressão
que a sua
moral ?ca
um pouco
frouxa...
Condição
1-3
.que você
vai pro
céu..
...é só
você:...pedi
r perdão e..
4-6
1-8
208
No diagrama doze (12), entre a porção 2-3, há uma relação de conteúdo que
expressa causa entre núcleo a adverbial (satélite). Na porção de 4 a 6 a uma relação
de condição à qual o falante apresenta um resultado, mas a relação de condição
permanece apenas entre as orações, assim como nas porções 7-8. Assim como as
relações de conteúdo se mostram entre as orações nesse exemplo, há relações de
conteúdo estabelecidas entre as condicionais e nucleares em que o escopo textual é
maior.
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 25: Definição das relações retóricas do diagrama 13.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Contraste
Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas diferenças.
Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a diferença(s) suscitada(s) pela comparação realizada.
Fundo
Condições em N: Ouvinte não compreende integralmente N antes de ler o texto de S. Condições em S: aumenta a capacidade do ouvinte compreender um elemento em N.
Aumentar a capacidade do ouvinte para compreender N.
Elaboração
Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.
A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.
Condição Em S: S apresenta uma situação hipotética, futura, ou não realizada. (relativamente ao contexto situacional de S).
Ouvinte reconhece de que forma a realização de N depende da realização de S.
1-6
2-6
..eles só
tem falado
sobre
coisas na
terra...
3-6
Elaboração
..que vai
ser
bene?ciad
4-6
Condição
5-6
Sequência
..ou se
você ?zer
aquilo..
Disjunção
..que se
você ?zer
isso
Disjunção
o..que se
contribuir
Sequência
..é
que..alguns
grupos
evangélico
s...eles tem
falado
sobre as
bênçãos
materiais..
Fundo
Contraste
..mas nós
não
alcançamo
s a
salvação
em fazendo
alguma
coisa para
alcançá-la...
Contraste
1-7
Diagrama 13: Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de condição
209
Em N+S: Realização de N depende da realização de S.
Sequência Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.
Ouvinte reconhece as relações de sucessão entre os núcleos
Disjunção Um dos segmentos apresenta uma alternativa (não necessariamente exclusiva) à(s) outra(s).
Ouvinte reconhece que os elementos inter-relacionados constituem alternativas.
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]
Interessante na relação de condição apresentada no diagrama treze (13) é a
disjunção explícita, sendo a disjunção uma característica que já é interna, implícita à
oração condicional, conforme visto capítulo dois deste trabalho.
Como supracitado, a RST permite analisar a coerência textual por meio da
observação da nuclearidade das porções e das relações (de apresentação e de
conteúdo) entre os segmentos textuais. Dessa forma, é possível vislumbrar
diferentes estruturas textuais possíveis e constatar o papel desempenhado pelas
porções textuais.
Salienta-se ainda o fato de que nem todas as porções condicionais
ocorreram no mesmo nível hierárquico, o que indica para a possibilidade de que o
falante, ao verbalizar seu texto, apresenta algumas porções textuais como uma mais
relevante que a outra. Como na figura 23, em que se tem “você vai ser beneficiado
se contribuir” e o falante acrescenta mais dois segmentos condicionais disjuntos
“você vai ser beneficiado se contribuir – [ou] se fizer isso ou aquilo”. Os dois últimos
segmentos servem para reforçar o primeiro “se contribuir”. Diferente, por exemplo,
do exemplo no diagrama 12 “se você cometer algum erro não tem problema, é só
pedir perdão [...]”.
O funcionamento das orações subordinadas condicionais no corpus
analisado, embora com menos tipos de funções textuais que as causais, apresentou
construções com uma estruturação mais complexa em termos pragmáticos. Ainda
assim, apresentam um padrão que pode ser assim apresentado, em termos de
condicionalidade, relação retórica e causalidade.
210
Tabela 10: Os tipos de condicionais, as relações retóricas e as formas de explicitação do nexo causal.
Subtipos de orações
condicionais Relação retórica Quantidade Nexo causal
Factual Condição 11 O autor escolhe explicitá-lo.
Potencial Condição 14 Inerente ao enunciado.
Contrafactual Hipótese 16
O autor não apresenta interesse em explicitá-lo. O foco está em
salientar uma possibilidade causalmente relacionada.
(Fonte: autoria própria)
A condição apresentada como uma relação de causa entre eventos nas
orações factuais é entendida como opcional pelo falante, uma vez que ele opta por
amenizar a condicionalidade entre os eventos e ressaltar a causalidade que existe
entre eles, salientando, inclusive, as consequências e resultados de um evento. A
relação de condição nas orações condicionais potenciais, por sua vez, apresenta
tanto a condição quanto a causalidade como algo intrínseco ao que é falado, isso
porque os eventos se relacionam causalmente pela própria condição que a adverbial
necessita que a oração nuclear preencha. No caso das contrafactuais, o falante
parece demonstrar maior interesse nas hipóteses estabelecidas e não na
causalidade existente, por isso se situa em um campo mais abstrato em termos de
factualidade do que as condicionais factuais e potenciais.
Esse resultado aponta para o fato de que nas orações condicionais existe
um amplo espaço argumentativo a ser utilizado pelo falante, que pode relacionar a
causalidade dos eventos ou ações que envolvem o ouvinte (ou que ao menos são
comuns ao ouvinte) de diferentes maneiras, criando diferentes formas de orientação
em relação à informação que o falante está apresentando. Em outros termos,
poderia pensar ainda que, por meio das condicionais, o falante se expressa de modo
a orientar seu ouvinte, dando a ele a percepção de que a conclusão, efeito ou
resultado que pode advir de determinado fato, pode ser controlado pelo ouvinte,
dependendo da aceitação que ele realiza em acerca do conteúdo apresentado ao
ouvinte – dá ao ouvinte uma falsa impressão de controle sobre as conclusões
possíveis por meio das relações de condição e seus nexos de causalidade
apresentadas pelo falante, quando, na verdade, são orientações que são inerentes
ao enunciado. Mesmo assim, permite ao ouvinte a sensação de que ele “está no
controle e tem poder de escolher” – todavia, a escolha será feita mediante o
211
conteúdo factual, potencial ou contrafactual exposto pelo falante, que já traz implícita
um desfecho dos eventos em negativo ou positivo para o ouvinte.
Percebe-se ainda que a conjunção se, utilizada para estabelecer uma
hipótese acerca de determinado EsCo, interfere diretamente no que diz respeito à
interdependência semântica, pois essa interdependência é relacionada como uma
condição que se sobressai acerca de outras relações, de modo a assegurar uma
leitura condicional ou hipotética. Ainda, as relações de causa hipotetizada ou
também os nexos causais – que seriam essa relação de causa existente de modo
mais diluído na oração adverbial condicional - são possíveis de serem reconhecidos
ao se observar o contexto e o conhecimento de mundo que envolve os eventos
descritos nas expressões linguísticas e aparecem em todas as orações analisadas.
6.3. Orações adverbiais concessivas
Para análise das orações adverbiais concessivas utilizaram-se os mesmos
critérios das orações adverbiais condicionais: classificação das orações adverbiais
nos diferentes níveis de atuação lógico-semântica (níveis de conteúdo, epistêmico e
ato de fala), tipos de conjunções, tempo verbal, topicalidade, informatividade,
posição das orações adverbiais (posposta ou anteposta), relações retóricas e
subtipos das orações condicionais (factual, contrafactual e potencial).
6.3.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS
O total de ocorrências de orações adverbiais concessivas encontradas no
corpus foram 10 (10).
Das orações analisadas, as relações entre as adverbiais concessivas com a
nuclear foram biunívocas – uma adverbial e uma nuclear.
111) ...eh:...bom só esclarecendo que nós não convencemos ninguém... ...apesar de o outro que não/não tem a mesma fé...e pensa que a gente faz proselitismo no sentido de convencer o outro a vir... ...a Bíblia é muito clara que quem convence é o Espírito Santo de Deus...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
212
*apesar de o outro que não tem a mesma fé e pensa que a gente faz proselitismo
=> nós não convencemos ninguém.
Não houve casos de mais de uma oração adverbial concessiva para uma
oração nuclear embora tenha havido uma ocorrência como em 112, o primeiro
segmento concessivo é sintagmático, e não predicativo.
112) ...as religiões ocidentais...aINda que...de forma muito atávica...ainda que buscando muitas vezes...os bens passage:iros...
...elas tem como fundamento...se/se aproximar da moral cristã... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
*as religiões ocidentais tem como fundamento se aproximar da moral cristã
=>*Ainda que de forma muito atávica... => *Ainda que buscando bens passageiros...
Não houve também casos em que uma oração adverbial se relacionasse com
mais de uma nuclear. Assim, foram analisadas sete (07) orações adverbiais
concessivas com relação biunívoca entre nuclear e adverbial.
6.3.2. TEMPO VERBAL, FACTUALIDADE, POTENCIALIDADE E
CONTRAFACTUALIDADE
Acerca do tempo verbal, quatro (57,1%) das sete orações adverbiais
concessivas apresentaram a combinação temporal entre oração adverbial e oração
nuclear com o presente do indicativo em ambas as orações.
113) ...eh:...bom só esclarecendo que nós não convencemos ninguém... ...apesar de o outro que não/não tem a mesma fé...e pensa que a gente faz proselitismo no sentido de convencer o outro a vir... ...a Bíblia é muito clara que quem convence é o Espírito Santo de Deus...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
114) ...em outras palavras...o homem não é só o corpo...e a alma...ele tem um espírito... ...todo ser deseja uma divindade... ...por mais até que você diga...até... ...eu sou uma ateia...um ateu...eu não creio em Deus... ...na realidade...até o fato de você ser ateu já é um/uma expressão de/já é uma opção religiosa...uma postura na sua vida... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)
213
A predominância do tempo verbal no presente do indicativo remonta aos
conceitos já apresentados sobre a assertividade do conteúdo expresso sob uma
modalização deôntica ou epistêmica (no caso das adverbiais concessivas,
prevaleceu uma modalização deôntica) em que o tempo presente mantém um
aspecto durativo e coincidem com os MR e o ME, mas o MR denota uma duração
maior que o ME. Acerca do funcionamento discursivo, tem-se que o mundo
comentado, o qual apresenta maior engajamento por parte do falante se mantém
sobre o tempo base (o presente). Nesse sentido, o tempo verbal das orações
adverbiais concessivas contribui para a argumentação na linguagem, realizando
uma argumentação intrínseca ao enunciado que se manifesta pelo tempo verbal.
6.3.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA, SUBTIPOS DAS ORAÇÕES,
CONECTIVOS, POSICIONAMENTO DAS ORAÇÕES, INFORMATIVIDADE E
TOPICALIDADE
Apesar das poucas ocorrências, pôde-se observar que domínio lógico-
semântico de conteúdo foi o mais recorrente, assim como o subtipo factual.
Tabela 11: ocorrência das orações adverbiais concessivas conforme subtipo e domínio semântico.
Domínio de conteúdo
Domínio Epistêmico
Domínio dos atos de fala
TOTAL
Subtipos
Factual 04 (57,1%) 01 (14,3%) 02 (28,6%) 07 (100%)
Potencial - -
Contrafactual - - - -
TOTAL 04 (57,1%) 01 (14,3%) 02 (28,6%) 07
Embora sobre uma quantidade pequena de ocorrências, salienta-se que
esse resultado se assemelha ao obtido por Neves (2016). A alta recorrência do
subtipo factual pode ser associada à predominância do tempo verbal no presente e
ao fato do conteúdo expresso nas orações apresentar uma factualidade, realidade
como asseverada pelo falante. Neves (1999, 2016) relata que há autores que
classificam as orações subordinadas concessivas apenas como factuais, e quando
elas apresentam uma eventualidade (no caso da concessiva potencial) denomina-as
de condicional-concessiva. Neste trabalho, optou-se por manter a distinção dos
subtipos propostos por Neves (1999).
214
Esse resultado aponta para o fato de que, na utilização das orações
concessivas, o que é posto pelo falante é uma afirmação negada acerca do
conteúdo da nuclear, mas que não o invalida – característica, inclusive, típica das
concessivas.
115) ...eh...eh...algumas igrejas são mais fechadas...são mais moralistas...são mais preconceituo:sas...né? ...e nós procura:mos...né? ...embora...assim...exista uma diferença entre o que é uma direção da igreja...da igreja... ...eh...eh...promove e o que os membros da comunidade ainda vivem...né? ...existe uma diferença...né? ...então...ah:...não quer dizer que todos os membros tenha essa abertura... ...mas que nós promove:mos essa abertura... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Luterana do Brasil)
No exemplo 115, o falante está desenvolvendo sua resposta sobre o motivo
que o levou a escolher a denominação na qual congrega como pastor. Assim, ele
relata o fato de que algumas igrejas são mais moralistas e preconceituosas, e por
meio da oração adverbial concessiva ele insere um adendo para esclarecer que há
uma diferença entre o que pensa e faz a liderança da igreja e o que pensa e faz um
membro em relação à abertura de conduta que a igreja proporciona. Essa porção
textual poderia ser assim retextualizada, a fim de melhor compreender seu
conteúdo, uma vez que essa porção é reformulada e interrompida várias vezes:
“algumas igrejas são mais fechadas, mais moralistas [...] e, embora exista uma
diferença entre o que a direção da igreja promove e que os membros da igreja ainda
vivem, nós procuramos promover uma abertura, mas isso não quer dizer que todos
os membros tenham essa abertura”. Note que o uso dessa concessiva apresenta
uma informação que pode ser considerada como uma inserção parentética. Essa
consideração atenua, nesse caso, o que Neves (2016) expõe sobre a
concessividade, em que “o que ocorre mais evidentemente é a negação explícita de
uma relação usualmente reconhecida entre duas orações” (NEVES, 2016, p. 154) e
não uma concessividade do ouvinte em relação ao que é dito pelo falante. Não há
uma negação entre o conteúdo das orações, mas um acréscimo de informação.
Característica normalmente usual nas concessivas pospostas, que funcionam como
adendo – todavia, observando a retextualização realizada, a concessiva poderia ser
apresentada no final sem atrapalhar o sentido global do texto, apenas mudando a
função dessa oração (de parênteses para adendo).
215
Essa negação a qual Neves (2016) se refere pode ser vista em 116.
116) ...mas ele vai fazer você sentir pa:z...certe:za...confia:nça e desejo de prosseguir... ...mesmo quando você não vê exatamente o fim do túnel... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)
Note que, nesse exemplo, é posta uma questão que se relaciona entre as
orações – o fato de sentir certeza, confiança e desejo de prosseguir ao ver a “luz no
fim do túnel”, a solução. Por meio da concessiva e da polaridade oracional, o falante
reforça o conteúdo da nuclear, apresentando a negação de um fato que não irá
invalidar o fato da oração nuclear. A concessiva, aqui, é posposta e funciona como
adendo, inserindo uma informação que apresenta uma ideia que realiza uma quebra
de expectativa em relação ao conteúdo da nuclear, mas que, ao mesmo tempo, não
o invalida.
Acerca do posicionamento e das conjunções encontradas, obteve-se a
seguinte tabela.
Tabela 12: Síntese das conjunções e da posição das orações adverbiais concessivas.
Posição da oração
adverbial
Adverbial Anteposta
Adverbial Posposta
Total
Embora - 01 (100%) 01 (14,3%)
Conectivos
Apesar de - 01 (100%) 01 (14,3%)
Ainda que 01 (100%) - 01 (14,3%)
Por mais que 01 (100%) - 01 (14,3%)
Se bem que 01 (100%) - 01 (14,3%)
Por melhor que
- 01 (100%) 01 (14,3%)
Mesmo quando
- 01 (100%) 01 (14,3%)
TOTAL 04 (57,1%) 03 (42,9%) 07
(Fonte: autoria própria)
O posicionamento das orações adverbiais concessivas se relaciona
diretamente com a função discursiva e também com a argumentação das orações.
Neves (1999, 2000, 2016) salienta que, quando uma oração concessiva vem
posposta a oração nuclear, ela funciona como um adendo e, quando anteposta,
como um contra-argumento. Assim, em uma oração concessiva anteposta, o falante
antecipa um possível argumento contrário ao que está apresentando, mostrando
216
para o ouvinte que tem conhecimento das outras possibilidades, mas ainda assim
optou pelo conteúdo nuclear. Em casos como em 117, o falante acrescenta uma
informação contrastiva de modo a reforçar seu posicionamento por meio de uma
informação nova.
117) ...e ouvi muitos escândalos...e isso me...e isso...assim...me marcou muito...na época...né? ...na minha cidadezinha...lá em Santa Catarina... ...aconteceu de três padres serem enviados lá pra paróquia e ficarem um...dois anos...e terem problema com casos com mulheres casadas...né? ...essas coisas me assustaram muito... ...e...eh...também assim...o fato de/de a mulher não poder exercer ministério... ...ah...ah...houve casais que se separaram e não podiam mais...não eram mais aceitos na eucaristia... ...essas coisas assim...foram me questionando... ...eh...o próprio...o próprio...autoridade...eh...demasiada...assim da...da/de uma pessoa... de/de um líder...né? ... no caso...o Papa...né? ...se bem que esse Papa agora...Francisco...é uma bênção...é muito diferente...né? ...mas...na época...tudo isso foi pesan:do...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Luterana do Brasil)
Em 117, a adverbial concessiva é posposta a sua nuclear, considerando que
a nuclear é a oração em que o falante discorre sobre a autoridade demasiada de um
líder, no caso, o Papa. Por meio da oração concessiva, o falante acrescenta uma
informação, uma ressalva em relação ao atual Papa, que entra em contraste com a
afirmação feita ao Papa anterior. Assim, essa inserção textual acrescenta um
conteúdo que se mostra contrário ao conteúdo da oração nuclear e insere
informações novas. Há casos em que o adendo realizado pela condicional insere
uma informação nova, e, para além de estabelecer certo contraste entre o conteúdo
das orações, a oração concessiva também reitera a oração da nuclear, como no
exemplo seguinte.
118) ...eh:...bom só esclarecendo que nós não convencemos ninguém... ...apesar de o outro que não/não tem a mesma fé...e pensa que a gente faz proselitismo no sentido de convencer o outro a vir... ...a Bíblia é muito clara que quem convence é o Espírito Santo de Deus...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)
Na oração nuclear, o falante começa a desenvolver seu texto e seus
argumentos de forma a atender a solicitação do entrevistador - que ele o convença a
ir para usa igreja. Assim, o falante primeiramente esclarece que não convence
217
ninguém (a ir à igreja) e, por meio da oração concessiva, realiza um adendo que
reitera o que disse. Note que na sequencia textual, o falante reafirma que
convencimento não vem dele, mas para isso realiza uma reformulação,
reestruturação linguística.
Quando anteposta, a oração concessiva funciona como um contra-argumento.
119) ...em outras palavras...o homem não é só o corpo...e a alma...ele tem um espírito... ...todo ser deseja uma divindade... ...por mais até que você diga...até... ...eu sou uma ateia...um ateu...eu não creio em Deus... ...na realidade...até o fato de você ser ateu já é um/uma expressão de/já é uma opção religiosa...uma postura na sua vida... ...você precisa de Deus... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)
Assim, anteposta, a oração concessiva demonstra que o falante antecipa uma
possível argumentação ou crença do ouvinte, desconstruindo-a na oração nuclear.
Ressaltando que o conteúdo das duas orações não invalida uma à outra.
Ressalta-se que Garcia & Fante (2016) consideram que as orações adverbiais
concessivas factuais veiculam informações já compartilhadas pelo falante. Nesse
sentido, Neves (1999) explica que essa informação compartilhada é o que permite
que a hipótese de objeção que é expressa na concessiva seja identificada. Dessa
forma, nas orações concessivas, pressupõe-se que a informação seja dada, ou
ainda, que seja nova – as factuais, conforme Garcia & Fante (2016) podem veicular
tanto tema, quanto o rema, ao contrário das contrafactuais (que não apareceram no
corpus) que tendem a veicular apenas informação nova. Observando, então,
questões sobre informação nova e informação dada, nota-se que se relacionam
diretamente com a posição - quando anteposta, veicula informação compartilhada, e,
quando posposta, informação nova. Essas informações se confirmam na análise.
Tabela 13: Informatividade da posição das orações adverbiais concessivas.
Posição da oração
adverbial
Adverbial Anteposta
Adverbial Posposta
Total
Informação nova (tema)
- 03 (100%) 03 (42,9%)
Informatividade Informação dada (rema)
04 (100%) - 04 (57,1%)
TOTAL 04 (57,1%) 03 (42,9%) 07
218
Desse modo, conforme Neves (2016), essas orações são extremamente
argumentativas, isso porque as orações concessivas “juntam eventos que
contrariam a expectativa acerca do funcionamento normal do mundo. Mas não
instauram contrastes entre “mundos”, pois requerem o compartilhamento de
conhecimentos” (NEVES, 2016, p. 155). As orações concessivas se mostram
altamente pragmáticas e argumentativas. De acordo com neves (1999) as orações
concessivas também apresentam a capacidade de focalização, e, apesar de terem
uma capacidade informativa e argumentativa eficaz, não funcionam como tópico
textual. Salienta-se, todavia, que em casos como o 119 e 120, adquirem, juntamente
com o funcionamento discursivo pragmático e argumentativo, uma função de
orientação ou articulador de tópico, facilitando a transição tópica do texto.
6.3.4. AS RELAÇÕES RETÓRICAS
Entre as relações retóricas propostas por Mann & Thompson (2005-2016),
que apresentavam as relações de causa e condição, apresentam também a relação
de concessão. A diferença entre essas relações (de causa e condição) e a de
concessão é que a relação de concessão é uma relação de apresentação e não de
conteúdo. O que ocorre é que as relações de apresentação visam agir sobre o
ouvinte de modo aumentar sua aceitação acerca do conteúdo do núcleo e as
relações de conteúdo visam auxiliar o ouvinte no reconhecimento das relações
existentes. Consequentemente, esse critério, associado a outros, como o papel
estrutural dos elementos nos textos, gera diferentes níveis hierárquicos das porções
textuais.
Todas as relações retóricas encontradas nas orações adverbiais
concessivas foram de concessão. Na sequência, ver-se-á a estruturas dessas
relações.
219
Diagrama 14: Análise retórica das orações adverbiais concessivas – relação de concessão.
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 26: Definição das relações retóricas do diagrama 14.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Fundo
Condições em N: Ouvinte não compreende integralmente N antes de ler o texto de S. Condições em S: aumenta a capacidade de o ouvinte compreender um elemento em N.
Aumentar a capacidade do ouvinte para compreender N.
Contraste
Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas diferenças.
Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a (s) diferença (s) suscitadas pela comparação realizada.
Concessão
Condições em N+S: a situação indicada no N é contrária ao esperado, considerando as informações apresentadas no satélite. Uma relação de concessão é sempre caracterizada Pela quebra de uma expectativa (CARLSON & MARCU, 2001). Condições em N+S: o falante reconhece uma potencial ou aparente incompatibilidade entre N e S, reconhecer a compatibilidade entre N e S aumenta a atitude positiva do ouvinte face a N (MANN & THOMPSON, 2005-2016).
A atitude positiva do ouvinte aumenta em relação ao conteúdo nuclear.
Disjunção
Um dos segmentos apresenta uma alternativa (não necessariamente exclusiva) a(s) outra(s).
Ouvinte reconhece que os elementos inter-relacionados constituem alternativas.
Elaboração
Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.
A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.
Sequência Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.
Ouvinte reconhece as relações de sucessão entre os núcleos
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]
2-7
Contraste
5-7
Elaboração
..con?a:nça
Sequência
e desejo de
prosseguir..
SequênciaSequência
..mesmo
quando
você não
vê
exatamente
o ?m do
túnel..
Concessão
2-3
Contraste
..ou sair
gritando
por aí..
Disjunção
..ele não
vai fazer
você fazer
algo
mirabolante
.
Disjunção
..essa é a
maneira
que Deus
tem pra se
comunicar
com a
gente...
Fundo
..certe:za
..mas ele
vai fazer
você sentir
pa:z
4-7
1-7
220
Na porção textual 7 (diagrama 14), o conteúdo da adverbial – “mesmo quando
você não vê a luz no fim do túnel” realiza uma quebra de expectativa em relação ao
conteúdo do núcleo, expresso nas porções de 4 a 6 – “ele vai fazer você sentir paz,
confiança etc”. Essa quebra é no sentido de que, o falante declara que Jesus vai
fazer o ouvinte vivenciar “coisas boas” (situação positiva) mesmo quando ele não vir
a luz no fim do túnel (situação negativa). Todavia, a situação negativa apresentada
pela adverbial concessiva aumenta a atitude positiva do ouvinte em relação ao
conteúdo nuclear, pois mesmo diante de uma situação negativa, a informação em
relevo é a de que a situação positiva, expressa na nuclear, prevalecerá.
O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.
Quadro 27: Definição das relações retóricas do diagrama 15.
Relação Definição das relações Intenção do falante
Concessão
Condições em N+S: a situação indicada no N é contrária a esperado, considerando as informações apresentadas no satélite. Uma relação de concessão é sempre caracterizada Pela quebra de uma expectativa (CARLSON & MARCU, 2001). Condições em N+S: o falante reconhece uma potencial ou aparente incompatibilidade entre N e S, reconhecer a compatibilidade entre N e S aumenta a atitude positiva do ouvinte face a N (MANN & THOMPSON, 2005-2016).
A atitude positiva do ouvinte aumenta em relação ao conteúdo nuclear.
Conclusão
Condições em N+S: S apresenta uma declaração final (juízo, inferência, decisão final) do falante em relação ao N.
Ouvinte reconhecer a inferência, decisão, juízo realizado pelo falante sobre o conteúdo de N.
Sequência Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.
Ouvinte reconhece as relações de sucessão entre os núcleos
[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]
..eh:...bom
só
esclarecen
do que nós
não
convencem
os
ninguém..
2-4
Concessão
2-3
..apesar de
o outro que
não/não
tem a
mesma fé.
Sequência
.e pensa
que a
gente faz
proselitismo
no sentido
de
convencer
o outro a
vir...
Sequência
Conclusão
..a Bíblia é
muito clara
que quem
convence é
o Espírito
Santo de
Deus..né?
1-4
Diagrama 15: Análise retórica das orações adverbiais concessivas – relação de concessão.
221
O contraste entre as ideias da oração nuclear e da adverbial se marca pela
conjunção concessiva e reside nos conceitos: (i) nós (falante) não convencemos
ninguém (a seguir a Cristo) e (ii) eles (outras pessoas) que pensam que ele (falante)
convence pessoas (a irem à igreja). Note que não há uma quebra de expectativa,
mas conceitos contrastantes.
A maioria das relações serem de concessão aponta para o fato de que o
falante, ao argumentar acerca de suas crenças religiosas por meio das orações
concessivas, opta pela quebra de expectativa – critério que, reconhecidamente,
tende a produzir um efeito comunicativo que visa obter maior atenção do ouvinte por
meio das expectativas. Em termos de intenção do falante em relação ao ouvinte,
ambas as relações visam aumentar a atitude positiva do ouvinte em relação ao
conteúdo nuclear, ou seja, visam a aceitação do ouvinte em relação ao conteúdo do
núcleo. Do ponto de visto linguístico-argumentativo, acredita-se que a quebra da
expectativa possibilita o falante a fazer com que o ouvinte reformule a informação,
adequando-a ao conteúdo nuclear, tornando, portanto, o conteúdo do núcleo como
mais expressivo e saliente.
6.4. O funcionamento argumentativo
Até o momento foi demonstrado o funcionamento sintático, lógico-semântico,
pragmático e textual-discursivo das orações adverbiais condicionais, causais e
concessivas, assim como de alguns dos elementos linguístico lexicais que as
compõem (verbo e conjunção). Cabe, no entanto, conforme a proposta inicial deste
trabalho, uma breve consideração sobre como esse funcionamento se relaciona com
a argumentação.
6.4.1. A ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA
Conforme apresentado no capítulo cinco deste trabalho, a argumentação na
língua não consiste na tentativa de convencimento ou persuasão, mas em uma
orientação por meio das construções linguísticas. Essa orientação tem como
finalidade sustentar o posicionamento do falante e orientar o ouvinte a compartilhá-lo
(ASCOMBRE & DUCROT, 1988; GUIMARÃES, 2013). Assim, os diferentes
222
conectivos e construções realizadas pelo falante, nas orações analisadas, cumprem
essa função argumentativa.
Guimarães (2007) explica que, apesar do consenso existente na afirmativa
de que as conjunções servem para ligar orações, essa classe de palavras apresenta
muitas outras funções nas construções em que aparecem, funções essas muito mais
significativas, inclusive, do que a junção oracional. Vogt (2015, p. 44) afirma, por
exemplo, que as conjunções pois e porque “são utilizadas na organização do
raciocínio, na medida em que marcam a existência de um elo necessário entre uma
proposição e outra proposição”, mas que essas conjunções não marcam esses elos
da mesma maneira. Concernentes a essa afirmação são também as análises
realizadas acerca das orações adverbiais causais no capítulo seis deste trabalho.
Para Vogt (2015), “a operação que estas conjunções realizam é uma operação
argumentativa [...], sua função é relacionar dois enunciados de tal forma que,
produzindo um terceiro, jamais se perca a individualidade de cada um” (VOGT,
2015, p. 58). Observe o seguinte exemplo com pois e porque.
120) ...então...o que eu quero dizer pra você... ...o senhor Jesus ele disse através lá do Evangelho de São João:... ...“examinai as escrituras...cuidais ter nelas a vida eterna...pois elas de mim testificam”... ...entã:o...veja você... ...é preciso que a pesso:a venha procurar essa inclinação... ...como profissionalmente...humanamente...cada um procura se inclinar aquilo em que acha interessante... ... ah...vou fazer um curso de medicina...vou fazer um curso...na área da educação... ...vou fazer um/um curso...eh/eh:...eh...de qualquer área...de saúde...de educação...afinal...eh...porque? ...porque se sente atraído por alguma coisa que lhe chama atenção... ...da mesma sorte...a pessoa também deve se sentir na vida espiritual... ...não...eu vou procurar um caminho... ...não posso ficar aqui sem ter aonde eu celebrar a Deus...sem ter... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Congregação Cristã)
Neste exemplo em questão, a primeira ocorrência causal com a conjunção
pois visa uma orientação do ouvinte acerca do conteúdo do enunciado anterior, de
modo que ele conclua que examinar as escrituras é importante. Essa orientação é
realizada pela explicação existente na construção causal que o falante realiza para
explicar o motivo dessa necessidade. Já na segunda ocorrência, que apresenta o
conectivo porque, o falante relaciona as orações como causais, de modo a explicar
223
uma ação realizada – ação que ele considera como senso comum compartilhado
entre falante e o ouvinte. Nesse caso, a oração causal funciona como base para
justificar, explicar tanto a porção anterior quanto a posterior do texto, em que o
falante realiza uma comparação entre duas situações – uma acadêmica e outra
religiosa. Assim, a oração causal serve não apenas para articular tópico ou para
estabelecer causalidade entre eventos, organizar o fluxo informacional etc., a oração
causal possui também a função de sustentar o posicionamento do falante.
Para Vogt (2015), sob essa perspectiva, essas conjunções constituem-se em
operadores argumentativos. Koch (2003, 2013 e 2016), entre outros, aplica esse
conceito de operadores argumentativos a todas as conjunções subordinativas das
orações adverbiais. Destaca-se que há dois tipos de operadores linguísticos: os
argumentativos e os lógicos semânticos. De acordo com Freitas (2006), os
operadores lógico-semânticos relacionam o conteúdo de duas proposições e
estabelecem relações lógicas de conjunção, disjunção etc. Já os operadores
argumentativos, mais do que relacionar o conteúdo de duas proposições, introduzem
comprovações, argumentos, ou ainda “evidenciam as intenções dos enunciados de
convencer e/ou persuadir, estabelecem relações também denominadas pragmáticas,
retóricas ou ideológicas, discursivas ou argumentativas” (FREITAS, 2006, p. 1.501).
Destaca-se, portanto, que as conjunções subordinativas encontradas no
corpus, referentes às orações causais, condicionais e concessivas, recebem ambas
as classificações, pois atuam tanto de maneira lógico-semântica (estabelecendo as
relações de interdependência entre as orações adverbiais de causa, condição e
concessão) quanto argumentativa (estabelecendo relações pragmáticas e textuais-
discursivas) (KOCH, 2003, 2016). Esses critérios também podem ser verificados em
conformidade com as análises já realizadas acerca das orações causais,
condicionais e concessivas.
Pensando, ainda, na argumentação, chama-se a atenção para o exposto no
item 4.1 do presente trabalho, acerca dos segmentos normativos e transgressivos
(CABRAL, 2011). Cabral (2011) afirma, com base em Ducrot (2001), que os
aspectos normativos e transgressivos “constituem as duas formas que podem
assumir a conexão (CON) de dois segmentos num encadeamento argumentativo”
(CABRAL, 2011, p. 120 – grifo no original).
224
Assim, como segmentos normativos encontrados no escopo de análise deste
trabalho têm-se as orações adverbiais causais, e como segmentos transgressivos as
concessivas. Considerando para essa classificação o escopo da negação que existe
no segmento transgressivo e o escopo da asserção que existe no segmento
normativo. Esses segmentos orientam para conclusões diferenciadas. No caso das
adverbiais causais, que se enquadram no segmento normativo, o peso semântico
das orações é equiparável, conduzindo a ouvinte a uma orientação motivada pelo
conteúdo das duas orações.
121) ...acontece que...não há ne-nhum tipo de/de lógica nesse raciocínio... ...porque a comunicação é inerente a todo e qualquer espírito e nós...como eu disse antes...somos espíritos encarnados e comunicamos... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
Já no segmento transgressivo, inverte-se a orientação argumentativa, e a
orientação do ouvinte é realizada por meio da preferência ou até da
desconsideração do conteúdo de uma das orações, no caso, a adverbial concessiva.
122) ...mas ele vai fazer você sentir pa:z...certe:za...confia:nça e desejo de prosseguir... ...mesmo quando você não vê exatamente o fim do túnel... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)
123) ...eh...o próprio...o próprio...autoridade...eh...demasiada...assim da...da/de uma pessoa... de/de um líder...né? ... no caso...o Papa...né? ...se bem que esse Papa agora...Francisco...é uma bênção...é muito diferente...né? ...mas...na época...tudo isso foi pesa:ndo...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Luterana do Brasil)
No exemplo 122, o ouvinte é orientado a aceitar o conteúdo da adverbial,
dando-lhe preferência, mas não descartando o conteúdo da nuclear. Já no exemplo
seguinte (123), o ouvinte é orientado a desconsiderar o conteúdo da adverbial e
aceitar o conteúdo da nuclear – ou seja, o falante coloca em foco a negatividade que
ele considera haver no fato da autoridade papal e, em seguida, orienta seu ouvinte
para o fato de que, com o novo Papa, essa questão da autoridade já não o
incomoda tanto, fazendo com que o conteúdo anterior seja – ou possa ser –
desconsiderado pelo ouvinte.
225
As adverbiais condicionais situam-se nos dois segmentos (normativos e
transgressivos), uma vez que a condicionalidade pode ser expressa pelo falante
tanto no segmento normativo – no caso das condicionais factuais, por exemplo,
quanto no segmento transgressivo. Neves (2016), a respeito das orações
condicionais e concessivas, esclarece que
para cada concessiva é possível construir um condicional-concessiva que tenha aproximadamente o mesmo sentido [...]. A relação e a diferença entre as concessivas e as condicionais se evidenciam no fato de que as concessivas – que são constrastivas – expressam um curso inesperado dos eventos, enquanto o curso esperado poderia ser codificado por uma oração condicional com negação na apódose (NEVES, 2016, p. 155).
Sob a perspectiva da orientação argumentativa, portanto, a argumentação
parece ocorrer por meio das conjunções subordinativas - que funcionam como
operadores lógicos semânticos e operadores argumentativos. Do mesmo modo, a
argumentação parece ocorrer também por meio da interdependência normativa ou
transgressiva que essas orações, por meio da relação que os operadores realizam e
também por intermédio do léxico que compõe essas orações.
Em termos da orientação argumentativa realizada pelo encadeamento
linguístico, não parece viável definir numericamente qual “tipo de orientação” mais
ocorreu, ou, ainda, realizar uma análise que englobe outros operadores
argumentativos que não as conjunções das próprias orações em análise, visto que
as análises propostas neste trabalho se restringem às predicações complexas de
causa, condição e concessão. Mas é relevante expor que construções do segmento
normativo prevaleceram na elaboração e encadeamento textual - o que denota
maior convicção do falante devido à assertividade e a conclusão mais asseverativa
presente neste segmento. Também acredita-se que há maior transparência
informativa na orientação do falante, uma vez que as construções causais (e
algumas condicionais classificadas no segmento normativo) apresentam uma
informação mais assertiva, bastando ao ouvinte aceitar ou não. Diferente das
condicionais que se enquadram no segmento transgressivo, em que o ouvinte é
inserido em um universo de possibilidades, e das concessivas, em que os
argumentos são invertidos.
226
Ainda, considerando o fato de o corpus ser composto por textos que se
constituem em um discurso religioso, é possível a consideração do topoi dos
enunciados como um ponto predominante na construção e no encadeamento
textual-discursivo. Essa consideração baseia-se nas informações do corpus e se
apoia na fala de Plantin (2008), qual seja, que os topoi
são sempre caracterizados por sua plausibilidade inerente, que é transmitida aos discursos nos quais eles entram, seja o topos expressamente citado, faça-se apenas uma alusão a ele, ou ainda constitua ele o esquema profundo de conferir coerência ao discurso (PLANTIN, 2008, p. 57).
Assim, o conhecimento compartilhado entre falante e ouvinte acerca da
religiosidade e do cristianismo ocidental se tornam, de modo amplo, uma forma de
conceituação do topos do corpus. Dessa forma, a verificação da argumentação na
língua em relação às orações propostas para análise neste trabalho se limita a expor
que essas orações possibilitam orientações argumentativas ancoradas em sua
composição linguística, e, do mesmo modo, contribuem para a coerência textual e
argumentação. O funcionamento textual-argumentativo dessas orações ancora-se,
portanto, não apenas na própria expressão linguística e formulação textual, mas
também no conhecimento compartilhado entre falante e ouvinte e no próprio
contexto interacional do evento comunicativo.
6.4.2. A ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO
Todo o funcionamento do sistema interno da língua se mostra no uso.
Pensando no funcionamento linguístico já descrito, propõe-se uma análise do uso
dos segmentos linguísticos analisados até o momento – as orações adverbiais
causais, as condicionais, as concessivas e as formas de argumentação presentes na
língua por meio das orientações semânticas – atuando conjuntamente no nível
textual-discursivo. Esse funcionamento “conjunto”, por assim dizer, resulta em
argumentos retóricos com base nos raciocínios preferíveis, lógicos ou quase lógicos,
que se realizam por meio dos argumentos que se mostram na elaboração linguística
(ABREU, 2009). Esses argumentos se concretizam por meio de argumentos que se
classificam em quase lógico, baseados na estrutura do real, ou, que fundam a
estrutura do real (GRÁCIO, 2016; PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005).
227
A argumentação no discurso diferencia-se da argumentação da língua pela
sua intenção de persuasão e convencimento (FIORIN, 2016; ABREU, 2009;
PLANTIN, 2008), não se limitando, portanto, à verificação das orientações
semânticas que os elementos linguísticos realizam. Para melhor demonstração, tem-
se o exemplo 124.
124) ...então...o que eu quero dizer pra você... ...o senhor Jesus ele disse através lá do Evangelho de São João:... ...“examinai as escrituras...cuidais ter nelas a vida eterna...pois elas de mim testificam”... ...entã:o...veja você... ...é preciso que a pesso:a venha procurar essa inclinação... ...como profissionalmente...humanamente...cada um procura se inclinar aquilo em que acha interessante... ... ah...vou fazer um curso de medicina...vou fazer um curso...na área da educação... ...vou fazer um/um curso...eh/eh:...eh...de qualquer área...de saúde...de educação...afinal...eh...por que? ...porque se sente atraído por alguma coisa que lhe chama atenção... ...da mesma sorte...a pessoa também deve se sentir na vida espiritual... ...não...eu vou procurar um caminho... ...não posso ficar aqui sem ter aonde eu celebrar a Deus...sem ter... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Congregação Cristã)
Nesse exemplo em questão, nota-se uma argumentação que visa ao
convencimento do ouvinte em relação à crença do falante. A princípio, o argumento
que fica saliente é o da analogia, argumento apresentado por Perelman & Olbrechts-
Tyteca (2005) como um argumento que fundamenta a estrutura do real. Essa
inferência é possível, sobretudo, pelos elementos em sublinhados. O que interessa
para este trabalho, todavia, é o papel, a função de argumento que as orações
condicionais, causais e concessivas exercem. Assim, embora todo esse trecho
textual possa ser considerado um texto argumentativo que realiza sua argumentação
em relação ao ouvinte por meio de uma analogia, percebe-se, no interior desse
argumento, um funcionamento linguístico que pode ser considerado “intra-
argumento”, realizado pela oração causal (pois se trata de um argumento que se
realiza em uma escala menor dentro de outro argumento).
O segmento causal no interior do argumento por analogia funciona como um
argumento de causalidade e sucessão. O argumento de causalidade e sucessão,
conforme Fiorin (2016) relaciona fatos antecedentes e consequentes, atribuindo a
ambos uma relação causal. Dessa forma, em “...porque se sente atraído por alguma
228
coisa que lhe chama atenção...”, há um segmento que se torna a causa, motivo
tanto para o conteúdo antecedente (o motivo em realizar um curso acadêmico)
quanto para o conteúdo procedente (o motivo para se inclinar às coisas de Deus). O
mesmo trecho, com a porção em que a oração causal e sua nuclear são retirados,
continua constituindo um argumento por analogia.
125) ...então...o que eu quero dizer pra você... ...o senhor Jesus ele disse através lá do Evangelho de São João:... ...“examinai as escrituras...cuidais ter nelas a vida eterna...pois elas de mim testificam”... ...entã:o...veja você... ...é preciso que a pesso:a venha procurar essa inclinação... ...como profissionalmente...humanamente...cada um procura se inclinar aquilo em que acha interessante... ... ah...vou fazer um curso de medicina...vou fazer um curso...na área da educação... ø ...da mesma sorte...a pessoa também deve se sentir na vida espiritual... ...não...eu vou procurar um caminho... ...não posso ficar aqui sem ter aonde eu celebrar a Deus...sem ter... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa e adaptado – informante da igreja Congregação Cristã)
Todavia, se comparado com o trecho em que a porção causal está presente,
percebe-se maior argumentatividade – de acordo com a definição apresentada no
capítulo cinco deste trabalho. Assim, por maior argumentatividade, entende-se que o
argumento com o segmento causal acrescenta, ao argumento de analogia, a força
projetiva, configurativa e inferencial.
126) ...eu acho que uma pessoa que não acredita em nenhum Deus... ...ela tem/tem muito mais responsabilidade em...em/no nosso convívio...né? ...porque...as vezes...você acreditar que tudo acontece porque Deus quer que aconteça...e se você cometer um erro não tem problema...é só você:...pedir perdão e...que você vai pro céu... ...se você acredita nisso...ah/ah...dá a impressão que a sua moral fica um pouco frouxa... ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum ...você tem que ser o responsável...pelo que você faz...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
Nessa porção textual, o falante inicia colocando em evidência a questão da
responsabilidade social e, por meio de orações adverbiais condicionais, passa a
apresentar os motivos pelos quais “crer em Deus” pode interferir nessa
responsabilidade, fato que atrapalharia o convívio social. Assim, pensando em
termos de argumentação, o falante constrói uma imagem positiva de si para seu
229
ouvinte (fato que aumenta a probabilidade do ouvinte aceitar sua perspectiva) e em
seguida apresenta três argumentos distintos: (i) ironia; (ii) argumento “ad populum”;
(iii) argumento de causa necessária – cada um desses argumentos construídos por
cada uma das orações condicionais desse texto, respectivamente.
Conforme Fiorin (2015) e Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005) a ironia
consiste, basicamente, em desestabilizar um conceito demonstrando sua fragilidade
e incoerência, fazendo com que o ouvinte chegue a uma conclusão contrária à
apresentada pelo falante, conforme “...e se você cometer um erro não tem
problema...é só você:...pedir perdão e...que você vai pro céu...”. Já em “...se você
acredita nisso...ah/ah...dá a impressão que a sua moral fica um pouco frouxa...”, há
um argumento que apela para a crença do ouvinte (neste caso para o preconceito
acerca de “não se ter moral” ou ter uma “moral frouxa”) visando obter sua aceitação
para uma questão que pode já não ser aceita consensualmente pelo próprio ouvinte
(no caso, o fato de não crer em Deus). Esse argumento é conceituado por Fiorin
(2015) e Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005) como argumento ad populum. Já o
argumento por causa necessária, de acordo com os mesmos autores, são
argumentos construídos normalmente por orações condicionais com a estrutura “se
p, então/logo q”, e implica uma consequência necessária na oração nuclear que
justifique e reforce a ocorrência na adverbial. Isso de modo a demonstrar que há
uma causa válida e necessária, moralmente falando, para o que foi apresentado
entre os segmentos da oração adverbial. Isso é o que ocorre em “...se você não tem
responsabilidade com Deus nenhum ...você tem que ser o responsável...” – em que
o falante esclarece que, quando você não atribui a responsabilidade de tudo a Deus,
você tem que assumir essa responsabilidade. Note-se que, nesse exemplo, as
orações causais não funcionam propriamente como argumento, mas apenas
relacionam causalmente um conteúdo que será retomado pelo argumento de causa
necessária, que por meio do pronome nisso, retoma então o conteúdo apresentado
pelas causais “...porque...as vezes...você acreditar que tudo acontece porque Deus
quer que aconteça...”. Assim, embora não funcionem como argumento – seja um
“intra-argumento” ou um argumento “independente”, essas construções constituem o
argumento e, por conseguinte a argumentação, dando-lhes uma base de relação
causal.
230
Também não se torna viável ou relevante para os propósitos deste trabalho,
quantificar e classificar os argumentos correlacionando-os diretamente às orações
adverbiais específicas. Todavia, é possível vislumbrar e apresentar que há certa
recorrência no uso de algumas orações no corpus, salientando que o fato de uma
oração ser causal ou condicional não incorre necessariamente sempre no mesmo
argumento.
Assim, destaca-se que todas as classificações de argumentos foram
encontradas (quase lógicos, baseados na estrutura do real e que fundam a estrutura
do real), assim como grande diversidade de seus diferentes subtipos (os tipos de
argumentos). As orações adverbiais condicionais e concessivas tendem a funcionar
como argumento pleno, “independente” e com argumentos quase lógicos e em
argumentos que fundam a estrutura do real. Já as causais apresentam um
funcionamento argumentativo mais complexo, podendo funcionar como argumento
dentro de outro argumento (como no exemplo citado), se inserir na argumentação de
modo a complementá-la atribuindo certa causalidade, consequência na elaboração
textual, ou ainda, funcionar como argumento independente, como no caso das
demais adverbiais da zona da causalidade, como no exemplo a seguir (a recorrência
dessas orações é mais frequente nos argumentos baseados na estrutura do real e
em argumentos que fundam a estrutura do real).
127) ...quando falamos de Jesus Cristo...nós mostramos que nós somos pecadores e precisamos de um salvador... ...e aí a própria bíblia nos afirma isso...em João capítulo 3...versículo 16...que diz:...“porque Deus amou o mundo de tal maneira... ...que deu o seu filho unigênito para que...todo aquele que nele crê...não pereça...mas tenha a vida eterna”... ...então todo ser humano...ele é pecador...eh...logo...você é pecadora...eu sou pecador... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
Nesse exemplo, tem-se um argumento de referência hierárquica (a voz de
alguém é inserida no texto em função da posição hierárquica que ocupa – pertence
aos argumentos baseados na estrutura do real). Em outras palavras, trata-se de um
argumento de autoridade em que o falante utiliza a fala de Jesus para conferir
credibilidade ao que está dizendo.
231
Embora orações adverbiais tenham apresentado essas funções, não foram
todas que se constituíram em argumento propriamente dito, mas as que assim se
apresentaram, colaboraram para o processo de construção da argumentação, e as
demais auxiliaram de uma ou outra forma na argumentatividade do texto.
6.4.3. A ARGUMENTAÇÃO NA INTERAÇÃO
Com o respaldo de Fiorin (2016) e de Grácio (2016), destaca-se que todo o
funcionamento linguístico das orações adverbiais causais, condicionais e
concessivas, que se mostram tanto na argumentação na língua quanto na
argumentação no discurso, culmina na argumentação na interação. Tal constatação
não poderia ser diferente, considerando os subsistemas de organização do texto –
função, organização e sistema e os pressupostos funcionalistas acerca da finalidade
da linguagem e da interação (vide capítulo um).
Grácio (2015) define as diferentes perspectivas de estudos argumentativos
como um “campo argumentativo”, em que essas teorias se completam. Assim, nessa
perspectiva, que se faz interacional e dialógica, a argumentação é um fenômeno que
se realiza desde o material cognitivo do falante até a interação (ver subseção 5.1.3).
As análises realizadas neste trabalho coincidem com tal proposta. Pensando, então,
na interação e na argumentação, de modo geral, a fins de exemplificação, destaca-
se alguns exemplos.
Ao observar a seguinte porção textual, percebe-se como a oração
condicional apresenta, neste caso, mais do que questões de condição e vínculos
causais ou relevo informacional nas três primeiras ocorrências. As orações
adverbiais condicionais, nessa porção textual, se constituem em argumentos
retóricos quase lógicos e também em argumentos baseados na estrutura do real.
128) ...POR exemplo...a questão dogmática da igreja...de quase todas as igrejas...de que::...Deus e Jesus Cristo são uma pessoa só:...isso no espiritismo não tem fundamento algum... ...o próprio Cristo chama Deus de pai...e me parece que o pai e o filho tem uma certa diferença... ...eh...na religião católica...se você chegar lá e disser que Maria não é virgem...você::...educadamente será apedrejada pelos seus irmãos...
232
...eh...no::...espiritismo...se você quiser acreditar que Maria é virgem...ou se você quiser provar que Maria não é virgem...que me parece que é o mais lógico...ninguém vai te apedrejar... ...então...essas questões dogmáticas não fazem parte da doutrina espírita... ...o que faz parte da doutrina espirita é o avanço... ...tanto que Allan Kardec diz o seguinte...se um dia...a ciência comprovar que a doutrina espírita está errada...nós ficaremos com a ciência e deixaremos a doutrina espírita... ...então...você me perguntou por que estou na doutrina espírita? ...porque me parece que é a mais LÓgica e a mais RAcional... ...a lógica e a razão sempre há de preceder uma discussão espírita... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)
Observe que a anteposição propicia ao falante focalizar um tema - o qual
seria a atitude e a crença possível de seu ouvinte em relação a uma questão
dogmática em detrimento de outro, que seria a atitude daqueles que já tem definida
sua posição em relação à questão dogmática apresentada. Este trecho também é
muito interessante para demonstrar a argumentação e a argumentatividade
realizadas pelo falante. Considerando que o resultado da prótase que se apresenta
na apódose é visto pelo senso comum como negativo, e as possibilidades quanto
aos eventos expressos na prótase, a princípio não acarretam a ação da prótase no
ouvinte (isso porque, nesse caso, trata-se de uma oração do tipo potencial, ou seja,
necessita que a condição da prótase se confirme para que a apódase se confirme
também), tem-se que o falante opta por apresentar uma única opção de escolha
para ouvinte caso ele decida partilhar de determinada religião, e duas opções, caso
ele decida partilhar da mesma concepção que a do falante – o espiritismo. Tendo em
vista ainda que, conforme Neves (1999) a utilização das condicionais potenciais pelo
falante na construção textual-discursiva aponta para fatores que podem ser
correlacionados à intenção do falante como uma forma de orientar seu interlocutor
das possíveis consequências de seus atos - ao deixar uma condição a ser efetuada
para que o conteúdo da prótase seja preenchido. Assim, o falante orienta seu
ouvinte em relação à sua crença, visando obter o consenso e utilizando ainda uma
linguagem figurada na prótase - “ser apedrejado” - que possui uma carga semântica
negativa como um argumento a seu favor, produzindo a ideia de que ao compartilhar
de sua crença, o ouvinte não será apedrejado, julgado, excluído, enfim, não sofrerá
nenhum apelo moral ou físico por causa de suas crenças, pois ao compartilhar da
mesma doutrina que o falante, o ouvinte será então “livre” para fazer suas escolhas,
as quais serão respeitadas. O falante ainda explicita a sua opinião pessoal, e não
apenas a opinião tida como coletiva pelos espíritas, por meio de uma inserção
233
parentética, conforme trecho em destaque: “ou se você quiser provar que Maria não
é virgem...que me parece que é o mais lógico...ninguém vai te apedrejar...”
Acerca de como as construções condicionais se mostram em relação à
argumentação, construindo nexos de causalidade, destaca-se que:
Com efeito, qualquer bloco hipotético, por exprimir uma relação entre uma condição que se hipotetiza (como possivelmente/realmente, verdadeira/falsa) e um estado de coisas que depende de que a condição seja satisfeita, constitui uma construção que se presta muito eficiente para o apoio de argumentação, não importa qual seja ela, factual, contrafactual ou eventual, essas diferenças, aliás, são postas a serviço do ofício de argumentar (NEVES, 1999, p. 359).
Assim, considerando a argumentação em seu processo, resumindo-a a
utilização da linguagem que se faz revestida de forças ilocucionária e
perlocucionária, propõe-se observar quatro porções textuais com orações
condicionais para que seja possível a exposição do modo de funcionamento destas
construções quando postas “a serviço do ofício de argumentar”.
129) ...eu...quando era pequeno...participava...assim...da igreja católica...evangélica...de várias igrejas assim... ...e:...não sei se é porque eu participei de muitas eu acabei não acreditando em nenhuma... ...mas não tem...nenhuma razão especial assim não... ...eu só não consigo acreditar... ...só não entra na minha cabeça isso...
(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)
130) ... eh/eh/eh...temos várias igrejas...várias denominações...né? ...eh...algum/algumas POsições doutrinárias diferentes...mas algo em comum...né? ...é a centralidade da palavra de Deus...e a pessoa de Cristo...tá? ...independentemente se é Batista...seja Assembleia...seja Quadrangular...seja Comunidade... ...a questão é...temos algo em comum... ...a bíblia e a pessoa de Cristo...isso é indiscutível...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
131) ...porque.ah::...ahn...que que adianta eu falar...eu fazer uma excelente propaganda aqui da igreja...não é? ...eu to querendo trazer você pra igreja...isso é proselitismo...né? ...se eu ficar fazendo propaganda da igreja é fazer proselitismo... ...mas o foco não é esse...a questão...é muito mais que isso... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
234
132) ...ho:mem nenhum pode fazer o convencimento de alguém vir a frequentar uma comunidade de fé... ...se eu fizesse isso com você...eu estaria fazendo pro-selitismo... ...e eu não fui chamado pra fazer...pro-selitismo... ...o que eu faço é e-vangelização... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
Logo, observa-se que estas construções podem reforçar a argumentação,
corroborando-a, não apenas pela construção sintática, lógico-semântica ou pelo
caráter pragmático, ou, ainda, pelo argumento que podem vir a constituir, mas pela
própria contextualização do evento comunicativo e da situação de interação. Tais
construções tendem a produzir no ouvinte uma constatação a partir do ponto de
vista do falante. Isso porque, por meio delas, há a possibilidade do produtor do
discurso explicitar não só seus pensamentos, mas justificá-los, explicá-los. Ao
observar as porções textuais (133) e (134) pode-se notar tais características. Essas
porções correspondem à resposta, na íntegra, dos informantes à seguinte questão:
“entre tantas denominações, porque você escolheu a igreja ‘tal’”?
133) ...veja bem... ...os meus pais...no passado...eles...eh...de tradição...pertenciam à igreja tradicional da família... ...e depois...no ano de 1939...o meu pai adquiriu um exemplar... ...GANHOu um exemplar da bíblia sagrada e passou a:...le:r...a:...observar... ...e aí foi se despertando sem que ninguém falasse com ele... ...e aí...ele encontrou...eh...a Congregação... ...e...passou a frequentar a Congregação... ...e viveu dos...dezenove aos oitenta e um anos...na Congregação... ...cinquenta anos no ministério de ancião... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Congregação Cristã)
134) ...um pouco por causa do histórico...né? ...o meu avô já era presbiteriano...meus pais presbiterianos... ...então...eu segui por este caminho... ...um pouco...por causa da influência da família...com certeza... ...e também...por uma convicção pessoal...né? ...claro que... envolve a formação da gente...desde criança e adolescente... ...depois o seminário...eh...hoje eu não me veri:a em outra igreja... ...admiro o trabalho de todas elas...e até cremos que cada uma tem uma contribuição maior a oferecer né?...pra sociedade... ...mas a igreja presbiteriana ela tem:...uma vertente um pouco diferente... ...é considerada uma igreja muito tradicional... sobre alguns aspectos né? ...principalmente sobre os aspectos litúrgicos...mas...ah...é uma igreja que privilegia a formação dos seus pastores... ...tem uma doutrina muito sólida... né? ...fundamentada no calvinismo... ...uma referência histórica muito importante...
235
...então...eh...o presbiterianismo pra mim...hoje...é/é...uma benção... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)
Note que, apesar de a pergunta apresentar o termo “porque”, as respostas
não apresentam esse conectivo nas respostas. Ressalta-se que essas respostas
apresentam uma justificativa (133) e uma causa (134), pragmática e
comunicativamente, as respostas dos informantes cumprem a sua função, mas suas
explanações apresentam relações de causa de maneira diferenciada. Fato que, em
termos de argumentação, torna esses textos bastante distintos.
A explanação em 133, como se pode perceber, se mostra bastante frágil em
termos de argumentação, se comparada com 135. Isso porque, linguisticamente, a
escolha que o falante realizou pela igreja não apresenta uma causa efetiva. Não
parece ter sido uma escolha fundamentada em uma causa, mas um acontecimento
que resultou da escolha dos pais do falante. Já em 134 é possível notar uma relação
de causa melhor estruturada, tornando a resposta mais consistente. O falante
esclarece que realizou uma escolha e que não apenas foi direcionado à determinada
situação ou crença. Essas diferentes produções são capazes de influir diretamente
na compreensão do ouvinte e na imagem que ele faz do falante, e, consequente na
consistência e na clareza das informações veiculadas no texto.
Em 135 é possível observar a preocupação em apresentar uma causa para
sua decisão em 135. O falante constrói seu texto de modo a conduzir o ouvinte a
participar do seu ponto de vista, esclarecendo, por intermédio de relações de causa
em seu texto (seja pelo conectivo causal, por sintagma causal ou ainda pela
utilização do conectivo “porque” mesmo sem finalizar a elaboração da causa), o
motivo pelo qual se optou por determinada coisa. Já em uma construção textual com
a utilização das orações analisadas neste trabalho, fica notória a força
argumentativa e argumentatividade presentes na elaboração textual discursiva.
135) ...porque::... ...primeiro foi a que me alcançou quando eu era um adolescente...né? ...através da igreja...através da evangelização infantil... ...segundo...porque eu me identifiquei bastante com a doutrina pentecostal... ...que é a doutrina carismática...né? ...da...da/do Espírito Santo... ...nós fazemos parte da/do chamado...PEla sociologia...de pentecostalismo clássico...começado no Brasil pela Assembleia de Deus...
236
...então...eu me identifico muito com a doutrina pentecostal da vazão do Espírito Santo... ...falar em línguas é...é...uma fé...assim...bem viva...uma fé bem calorosa...bem quente também... ...um trabalho muito forte com os pobres...com os carentes... ...então eu me identifiquei...tanto ideologicamente como espiritualmente com...com a doutrina da Assembleia de Deus... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)
136) ...porque::... é a denominação que mais:: se aproxima...das orientações da
bíblia... ...não que as outras não tenham a bíblia como referência máxima...mas é que:... ...inclusive...a nossa doutrina...ela tem a primeira regra da doutrina...ela tem a bíblia como única fonte de revelação divina... ...e é por isso que ela é a nossa única fonte de prática do evangelho... ...é por isso que eu...como batista... ...inclusi:ve...desde criança... ...prezo por essa denominação porque ela é his-TÓ-rica... ...é uma denominação que ela tem uma grande responsabilidade de se preocupar realmente com o cidadão... ...não só com o cidadão no sentido espiritual... ...mas também em todas as áreas... a questão do social...a questão moral...questão até...filosófica... ...a gente tem essa preocupação de conseguir fazer com que a sociedade... ela seja mais igualitária... ...nós batistas prezamos por isso... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)
A primeira diferença entre as respostas 135 e 136 e as respostas 133 e 134,
é o fato de começar com a retomada do “porque” presente na pergunta,
estabelecendo já a partir do início um nexo causal entre a escolha da igreja.
Todavia, embora subentendido que a pergunta possa ter motivado a criação do nexo
causal, não é possível afirmar que esse nexo causal tenha sido estabelecido pela
própria pergunta, pois, como visto, houve respostas que não realizaram esse nexo
de causalidade entre a pergunta e a resposta.
Nos exemplos 135 e 136 percebe-se um posicionamento do falante que se
torna respaldado por questões causais. Isso é considerado relevante, sobretudo a
partir do momento em que se considera que a causalidade transcende o vínculo
estabelecido entre as orações e abrange diversas áreas de atividade humana.
Considerando o uso pragmático da língua, a causalidade se estabelece, para além
das relações de causa em uma expressão linguística, nas relações de causa que o
conhecimento enciclopédico compartilhado entre falante – ouvinte permite. Ainda,
237
em termos de coerência, percebe-se que, embora ambos os textos apresentem-na,
nos exemplos em que existe correlações causais tendem a denotar uma coerência
que reefetiva tais relações, mantendo as informações textuais-discursivas. Como
apresentado no capítulo três deste trabalho, destaca-se novamente o fato de que “a
causalidade é descrita para criar relevância no discurso”, e, ainda, com os
estabelecimentos de nexos de causalidade, estabelecem-se também relações de
coerência (MEYER, 2000).
Assim, destaca-se a diferença argumentativa que pode ser percebida entre
as quatro respostas apresentadas na íntegra e que tinham, a princípio, uma mesma
finalidade. Colocando em comparação, especificamente os exemplos 134 e 137, fica
notória a relevância das construções adverbiais como estabelecedoras de nexos
causais e coerência textual, resultando em uma produção textual com maior
argumentação no caso de 137. Desse modo, ressalta-se, novamente, a amplitude de
relações (d)e sentidos que as orações adverbiais postas em análise possuem.
238
CONCLUSÃO
Este trabalho teve como objetivo investigar as funções das orações do
campo da causalidade nos processos de construção da coerência textual, assim
como na estruturação e na argumentação textual.
A partir das análises dos resultados, verificou-se que as orações adverbiais
de causa, condição e concessão possuem um funcionamento textual-discursivo que
auxilia não apenas na elaboração textual, mas também na estrutura, coerência,
argumentação e argumentatividade do texto.
De acordo com a forma como as orações são organizadas, elas apresentam
funções variadas que podem ser desde estruturação tópica, progressão textual,
relações de coerência, argumentatividade a até mesmo o argumento em si. Todo
esse funcionamento se firma na base causal que tais orações apresentam, seja uma
base de causa material efetiva (nível de conteúdo) ou relacionada como tal (nível
epistêmico e de atos de fala).
Pensando nos aspectos sintáticos, lógico-semânticos e pragmáticos, as
orações causais possuem uma forma mais prototípica de posposição em relação a
nuclear e demonstram um funcionamento mais voltado para o interior do texto – uma
oração causal tende a explicar, justificar conteúdos apresentados. As condicionais,
por sua vez, possuem uma forma mais prototípica de anteposição em relação a
nuclear e funcionam como elementos textuais que estabelecem ligações diretas com
o ouvinte, propondo condições para esse ouvinte em relação aos acontecimentos
apresentados nos EsCos. Já as concessivas apresentam uma organização
linguística que ora se volta para o próprio conteúdo textual, ora para o ouvinte, e não
apresentaram um posicionamento específico – elas se antepõem ou se pospõem à
matriz sem apresentar uma regularidade nesse sentido.
Em suma, as orações causais apresentam os eventos, justificando-os ou
explicando-os, cabendo ao ouvinte aceitar ou não essas justificativas e explicações.
As orações condicionais apresentam os eventos de forma a inserir o ouvinte como
parte das condições existentes, uma vez que são possibilidades expressas, não
cabe ao ouvinte simplesmente aceitar ou não o conteúdo expresso nas orações
adverbiais condicionais – o falante toma ciência, por assim dizer, que sua aceitação
239
ou não aceitação implicará diretamente na efetivação do resultado da condição
apresentada. As orações concessivas diferem-se tanto das causais quanto das
condicionais nesse sentido, pois independem da aceitação ou da participação do
ouvinte em relação ao que é falado, é algo que o falante assevera como verdadeiro
para o ouvinte, demonstrando que, mesmo que o ouvinte possua um conteúdo
informacional não compartilhado ou que esse ouvinte discorde do que é expresso
concessivamente o conteúdo da oração nuclear continuará sendo afirmado pelo
falante.
Em termos de função textual-discursiva, a orações causais apresentam um
funcionamento mais voltado para a organicidade tópica, ao passo que as adverbiais
condicionais e concessivas funcionam mais como segmentos de centração e
concernência. Assim, ao veicular de diferentes maneiras os conteúdos
informacionais novos e compartilhados entre falante e ouvinte, as orações adverbiais
de causa, condição e concessão atribuem ao texto não apenas coerência, mas
possibilitam o relevo informacional e estruturação tópica.
Na argumentação, as orações do campo da causalidade se articulam de
modo a (i) influir na argumentatividade do texto, atribuindo força projetiva (com base
nas relações de causalidade que as orações causais, condicionais e concessivas
veiculam) ao argumento; (ii) funcionar como argumento no interior de outro
argumento, incorrendo novamente em uma maior argumentatividade; e (iii)
constituírem-se em argumentos plenos dentro do texto.
Acerca das regularidades, as orações de causa, condição e concessão
apresentaram relações de coerência padronizadas e prototípicas. As adverbiais
causais apresentaram relações de causa, resultado, razão, explicação e justificativa,
as adverbiais condicionais apresentaram relações de condição, e as adverbiais
concessivas apresentaram relações de concessão. Essas relações são regulares em
termos de tipo de relação entre essas orações e as porções textuais nas quais estão
inseridas e também observando a natureza de cada oração (causal, condicional ou
concessiva). Ainda, percebeu-se certa regularidade, no caso das causais, em termos
de nível de oração [conteúdo (relação de causa e resultado), epistêmico (relação de
razão), atos de fala (relação de justificativa e explicação)]. Ainda, a coerência textual
240
se concretiza no texto não apenas por meio das relações estabelecidas, mas
também pelos nexos de causalidade entre os segmentos oracionais.
Conclui-se, portanto, que a hipótese apresentada no início, de que a noção
de causalidade expressa pelas orações adverbiais de causa, condição e concessão
são capazes de serem organizadas pelo falante de modo a fortalecer o conteúdo
informacional no momento da elaboração das construções linguísticas, se confirma.
Essas orações atuam na construção textual conforme sua organização sintático-
semântica, pragmática e discursiva, possuindo um funcionamento que se destaca
desde o nível da expressão linguística até o nível textual-discursivo. Tal
funcionamento torna essas orações recursos significativos para uma elaboração
textual que se faça mais eficaz, conforme as intenções comunicativas do falante.
241
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