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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
“O ENVELHECIMENTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA
PSICOPEDAGÓGICA VOLTADA PARA A TERCEIRA IDADE”
Por
Renata Figueiredo de Araujo Lima
Monografia do curso de Pós-graduação em
Psicopedagogia sob a orientação do
Professor Celso Sanchez.
Rio de Janeiro
Julho – 2005
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a todos os que retornam à
sala de aula após aposentarem-se. E também a
minha avó que do alto de seus 81 anos de idade
é um exemplo de longevidade com qualidade de
vida, permanecendo ativa e lúcida é a fonte de
inspiração do presente trabalho.
Renata Lima
INTRODUÇÃO
No momento atual, a nossa sociedade vem experimentando um
aumento na expectativa de vida. O brasileiro agora vive mais, porém, esse
tempo extra, deve ser associado a uma qualidade de vida. Devemos pensar o
envelhecimento como um processo biológico natural e continuado, mas que
também é influenciado por fatores sociais e pela cultura, podendo tomar
características muito diferentes de uma sociedade à outra. Contudo, a
tendência mundial atual é desmistificar a velhice, não considerar o idoso como
um sujeito incapaz e indefeso, mas sim como um indivíduo ativo e autônomo.
A busca por esse envelhecer mais saudável, abre uma nova
perspectiva de estudos, cujo enfoque deixa de ser apenas o biológico e passa
a dar uma importância maior ao holístico, levando em conta fatores bio-psico-
sociais. Os novos estudos na área da gerontologia abrangem diversas ciências
e por que não a psicopedagogia?
Atualmente, existe uma grande procura por estudos que enfoquem
esse estágio da vida – a velhice –, e o presente trabalho também se enquadra
nessa demanda, enfocando as contribuições da psicopedagogia para esse
setor. No presente trabalho, o indivíduo adulto e por conseguinte o idoso, são
pensados num processo contínuo que vem desde o nascimento, passando pela
infância e adolescência. Dessa forma, o envelhecimento não é visto como uma
época de ruptura das atividades produtivas do sujeito. Considero que a
capacidade de aprender permanece conosco desde o dia que nascemos até o
dia de nossa morte, e que se tratando a velhice de apenas mais uma época da
vida – mais delimitada socialmente do que biologicamente – as dificuldades
concernentes ao ato de aprender encontram-se também presentes nessa fase.
Ao longo da pesquisa também será explicado o conceito de idoso e
velhice que está sendo utilizado, além de uma breve análise da situação dos
idosos antes do tempo presente, pois essas definições fazem-se necessárias
para uma melhor compreensão do tema proposto. E por fim, utilizando como
exemplo o trabalho de alfabetização de idosos da UnATI/UERJ, serão feitas
algumas observações acerca da prática psicopedagógica para a terceira idade.
CAPÍTULO I
A VELHICE ATRAVÉS DO TEMPO
Sabemos que desde a Antiguidade o homem procura explicar as
causas do envelhecimento Porém, o ato de envelhecer, assim como o marco a
partir do qual o individuo é considerado velho pelos seus semelhantes, nem
sempre foi o mesmo ao longo da história. Da mesma forma, a importância e
lugar social ocupado, pelo indivíduo que atingiu esse estágio da vida,
modificou-se muito. Devemos considerar também que esses conceitos sofrem
grandes variações de uma civilização para outra, pois estão intrinsecamente
ligados á cultura. A seguir vejamos um breve resumo dessa evolução através
do tempo nas sociedades históricas ocidentais.
Segundo Simone de Beauvoir em seu livro: A velhice; até o fim do
século XV, todas as obras médicas sobre este tema são tratados de higiene, e
apenas em 1840 foi escrito um tratado sistemático sobre as doenças
específicas desse período da vida. “É a partir de meados do século XIX que –
sem ainda levar este nome – a geriatria começa realmente a existir. Ela foi
favorecida na França pela criação de vastos asilos onde se reuniam muitos
velhos.”1
Ainda segundo a autora:
“[...] no Ocidente, o primeiro texto conhecido dedicado à velhice traça
desta um quadro sombrio; este texto encontra-se no Egito e foi escrito em 2.500
antes de Cristo por Ptah-hotep, filósofo e poeta: Como é penoso o fim de um velho!
Ele se enfraquece a cada dia; sua vista cansa, seus ouvidos tornam-se surdos; sua
força declina; seu coração não tem mais repouso; sua boca torna-se silenciosa e
não fala mais. Suas faculdades intelectuais diminuem, e lhe é impossível lembrar-se
hoje do que aconteceu ontem. Todos os seus ossos doem. As ocupações que até
recentemente causavam prazer só se realizam com dificuldade, e o sentido do
paladar desaparece. A velhice é o pior dos infortúnios que pode afligir um homem. O
nariz entope, e não se pode mais sentir nenhum odor.”2
1 BEAUVOIR, Simone de. A velhice. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p.28 2 Idem, ibid. p.114
Enquanto isso, na Grécia antiga, podemos encontrar outros modos de
enxergar a velhice. Nos tempos mais arcaicos, as palavras gregas para
designar a idade avançada (gera, géron) também podiam estar atribuídas ao
significado privilégio da idade. Esse “privilégio” estaria intrinsecamente ligado à
sabedoria que só poderia ser conseguida com o passar dos anos, dessa forma
associava-se uma determinada honra ao ato de envelhecer. Ao mesmo tempo,
na mitologia, o velho era vencido pelos mais jovens, os personagens idosos
geralmente apareciam nas histórias no papel de sábio ou vidente, mas também
podiam aparecer como tirânicos que abusavam do poder que possuíam.
Deve-se ser levado em conta também o fato de que na Grécia não
havia um Estado centralizado, e que portanto podia haver pequenas variações
de uma polis à outra, sendo Esparta e Atenas as mais importantes.
Sabe-se que Esparta era governada por dois reis. Esses reis
pertenciam às famílias tradicionais, eram comandantes militares e lideravam os
cultos religiosos. Ao lado deles, havia a Gerúsia, que era um conselho de
ancião com muitos poderes para governar. Tratava-se de 28 homens com mais
de 60 anos, eleitos pela assembléia dos cidadãos. Sendo assim, pode-se inferir
que na Magna Grécia de um modo geral, a idade a partir da qual um homem
era considerado velho girava em torno dos 50 anos. Por exemplo, o filósofo
Platão, considerava que o homem se educava entre a adolescência e os 50
anos de idade, e que portanto, só a partir dessa idade a educação recebida iria
frutificar plenamente, sendo assim, os homens a partir dessa faixa etária, os
“velhos”, estariam mais aptos a comandar e governar, e portanto os cargos
mais importantes deveriam ser por eles preenchidos.
Já o médico grego Hipócrates que viveu no século V a.C. e escreveu
livros de medicina respeitados em toda a Antiguidade, considerava que a
velhice começava aos 56 anos. “Ele é o primeiro a comparar as etapas da vida
humana às quatro estações da natureza, e a velhice ao inverno.”3 Essa
comparação da velhice ao inverno traz uma idéia negativa a respeito da
velhice. Quem também corrobora dessa opinião é o filósofo Aristóteles. Para
ele, o homem evoluía até os 50 anos de idade, porém, diferentemente de
Platão, Aristóteles considerava que depois desse estágio da vida o declínio do 3 Idem, ibid. p.23.
corpo levaria à um declínio do indivíduo por inteiro. Por enxergar os idosos
como pessoas enfraquecidas, Aristóteles achava que os idosos eram menos
aptos a governar do que os mais jovens.
Deve-se ainda ser observado que tanto na Grécia quanto no universo
romano, os idosos que recebiam honra e respeito eram proprietários de terra,
membros de uma elite. É necessário lembrar também, que a longevidade
nesse estrato social era maior do que nas camadas inferiores. Sendo assim,
entre os ricos encontrava-se muitos velhos, e seus bens era uma das fontes de
prestígio.
A história da Roma antiga pode ser dividida em três períodos bastante
característicos: o primeiro deles vai de sua fundação no século VIII a.C. até o
século VI a.C., foi o período da monarquia. Nesse tempo, a sociedade romana
era controlada pelas grandes famílias de aristocratas: os patrícios. O segundo
período é o da república romana, do século VI a.C. até o século I a.C.. Os
guardiões da tradição eram os membros do Senado. Essa assembléia tinha
300 membros, escolhidos entre os mais antigos magistrados. O terceiro
período foi o do Império romano, do século I a.C. até o século V d.C. Nos dois
primeiros períodos, os idosos grandes proprietários de terras detinham o poder,
exercido através do conselho de anciãos e posteriormente pelo Senado.
“Até o século II a.C., a República é poderosa, coerente, conservadora;
nela reina a ordem, e os privilégios da fortuna são consideráveis; é governada por
uma oligarquia; esta favorece a velhice, com cujas tendências conservadoras se
afina. O voto dos velhos tem mais peso que o dos outros cidadãos.”4
Pois,
“Vota-se, em Roma, por centúrias: as centúrias de seniores, com igual
valor eleitoral, compreendem muito menos indivíduos do que as de juniores; a
maioria legal não corresponde, portanto, à maioria numérica, e os homens idosos
levam vantagem. Esta situação política apóia-se numa ideologia que tem suas raízes
numa economia essencialmente rural. [...] O mos majorum (o costume dos
ancestrais) tinha força de lei, e postulava a crença na sabedoria arcaica. Os
ancestrais permaneciam presentes na família. [...] A situação privilegiada dos velhos
afirma-se no interior da família. O poder do pater familias é quase sem limites. [...]
Um filho que batia no pai era considerado como um monstrum, não pertencia mais à
sociedade dos homens [...] Se um jovem quisesse casar-se, era exigido não apenas
4 Idem, ibid. p. 140
o consentimento do pai, mas também o do avô, se este ainda fosse vivo: isto prova
que o patriarca conservava sua autoridade até o fim.”5
É interessante observar que essa posição de prestígio ocupada pelos
mais velhos estava em sintonia com o tipo de governo dominado pelas
oligarquias. A própria manutenção dos interesses da elite conduzia à essa
valorização da tradição. Com a mudança do sistema de governo da República
para o Império, essa relação foi modificada.
“É surpreendente constatar que, com a decadência do sistema oligárquico,
os privilégios dos velhos diminuem, e depois desmoronam. A partir dos Gracos, não
há mais maioria governamental estável, mas apenas maiorias de coalizão. O
fracasso da reforma agrária e da reforma italiana condena à morte o regime
republicano. A conquista romana acarreta, finalmente, uma decomposição política e
social. Durante essa época agitada, o Senado perde pouco a pouco seus poderes
que passam às mãos dos militares, isto é, de homens jovens. [...] Uma vez
instaurado o poder pessoal, a influência do Senado não faz mais que diminuir. O
imperador, que é um homem jovem, governa praticamente sem ele, que é destituído
de suas funções políticas e administrativas.”6
Com o esfacelamento do Império Romano no século IV, a vida material
tornou-se muito mais difícil que no mundo antigo. Houve um esvaziamento das
cidades e a sociedade ruralizou-se.
A participação do idoso na sociedade permanece pequena ao longo de
todo o período da Idade Média. Pois, mesmo após a expansão econômica do
século XI, a administração do feudo continua demandando que o seu senhor
seja forte o bastante para defendê-lo com espada. Além disso, as relações de
suserania e vassalagem também fazem essa exigência. Mesmo entre os
plebeus, a difícil vida que levavam afasta os velhos da vida ativa.
“[...] Na maior parte dos países da Europa, [...] chegando a uma certa
idade, fraco demais para trabalhar na terra, ele (o velho) a cedia ao filho mais velho.
[...] o pai destituído de seus bens era freqüentemente muito maltratado por seus
herdeiros.”7
5 Idem, ibid. p. 141-142 6 Idem, ibid. p.146. 7 Idem, ibid. p.162
Devemos levar em consideração também que ao fim da Idade Média, a
vida permanecia precária para todos e a longevidade era algo raro. Quando,
em 1380, Carlos V morre, com 42 anos, tem a reputação de um sábio velho.
Porém, com o renascimento da vida urbana e do comércio, vemos surgir uma
nova classe: a burguesia; e a situação do idoso começa a mudar. Agora, a
propriedade funda-se na acumulação de riquezas, que não necessariamente
são conseguidas através do esforço físico. Essa transformação modifica, nas
classes abastadas, a condição dos velhos: através da acumulação das
riquezas, eles podem tornar-se poderosos e serem respeitados por esse fato.
Mas, mesmo assim, a idade avançada ainda não é valorizada, e os velhos ricos
são por vezes ridicularizados na literatura.
“O século XVII francês foi muito duro para os velhos. A sociedade era
autoritária, absolutista. Os adultos que a regiam não abriam espaço para os
indivíduos que não pertenciam à mesma categoria que eles: velhos e crianças. A
média de vida era de 20 a 25 anos. Metade das crianças morria antes de um ano; a
maior parte dos adultos, entre 30 e 40 anos. As pessoas desgastavam-se muito
rapidamente, por causa da dureza do trabalho, da subalimentação, da higiene
precária. As camponesas de 30 anos eram velhas enrugadas e prostradas. Mesmo
os reis, os nobres e os burgueses morriam entre 48 e 56 anos. Entrava-se na vida
pública aos 17 ou 18 anos, e as promoções eram precoces. Os quadragenários
eram tidos como velhos tolos. [...] Aos 50 anos não se tinha mais lugar na
sociedade. Era muito fatigante seguir a corte em suas viagens, deslocar-se de uma
cidade para outra, participar dos esportes. O qüinquagenário retirava-se para suas
terras ou entrava nas ordens. Respeitava-se o homem opulento, o proprietário, o
chefe, o dignitário, e não a idade enquanto tal.”8
No século XVIII, em toda a Europa, as condições de vida começam a
melhorar, a mortalidade dos jovens diminui e a longevidade aumenta. Muito
raros antes de 1750, os homens de 80 anos passam a existir com maior
freqüência. Entretanto, este progresso só se faz sentir nas classes
privilegiadas. O homem pobre quando não podia mais se sustentar, sua
velhice o condenava à indigência.
8 Idem, Ibid. p.206
O século XVIII juntamente com o desenvolvimento da indústria, viu
surgir também novos costumes. Rica e poderosa, a burguesia tomou
consciência de si mesma, e forjou para si a moral que lhe convinha. A vida
social, mais completa, exigia qualidades de inteligência e a força física já não
era o fator primordial à sobrevivência.
Os idosos se misturavam à vida social: iam ao teatro, freqüentavam os
salões, etc... A partir de então, o desenvolvimento da sociedade industrializada
e do capitalismo fez crescer a diferença na distribuição de renda e passamos a
encontrar de forma cada vez mais distintas dois tipos de velhice: a do homem
rico, e a do homem pobre.
No século XIX, homens, mulheres e crianças eram impiedosamente
explorados. Ao envelhecerem, os operários ficavam incapazes de suportar o
ritmo do trabalho.
“Na França do século XIX, a questão da velhice se impunha
essencialmente para caracterizar as pessoas que não podiam assegurar seu futuro
financeiramente – o indivíduo despossuído, o indigente –, pois as pessoas com certo
patrimônio, aquelas que Áries designa como “o(s) patriarca(s) com experiência
preciosa”, detinham certa posição social, administravam seus bens e desfrutavam de
respeito. Esse recorte social da população de mais de 60 anos foi acompanhado de
locuções diferenciadas para tratar cada grupo de pessoas da mesma idade:
designava-se mais correntemente como velho (vieux) ou velhote (vieillard) os
indivíduos que não detinham estatuto social, enquanto os que o possuíam eram em
geral designados como idosos (personne âgée).”9
Na América, no final do século XIX, o taylorismo também foi
devastador: os operários morriam prematuramente, os que conseguiam
sobreviver, quando perdiam o emprego por causa da idade, ficavam
condenados à miséria. Enquanto isso, os velhos industriais enriquecidos
podiam desfrutar dos prazeres da vida moderna.
No século XX, continua a urbanização da sociedade, tendo como
conseqüência o desaparecimento da família patriarcal. A dissolução da célula
9 PEIXOTO, Clarice – Entre o estigma e a compaixão e os termos clessificatórios: velho, velhote, idoso, terceira idade... – In: BARROS, M. L. (org) – Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p 71.
familiar ocorrida ao longo do século XX, gerou a necessidade por parte do
Estado em assumir esse lugar, criando assim uma política da velhice.
A situação do idoso começa só começa a tomar rumos melhores em
meados do século XX, mais precisamente a partir dos anos 60, pois há a
emergência de uma nova política social para a velhice que vai pouco a pouco
mudando a estrutura social. Com a elevação das pensões aumenta também o
prestígio dos aposentados. Um dos reflexos dessa nova política é a mudança
nos termos de tratamento, uma vez tornados pejorativos, certos vocábulos
começam a ser suprimidos dos textos oficiais. De uma forma geral o termo
“idoso” aparece cada vez mais frequentemente em substituição ao termo
“velho”. A utilização do termo “idoso” tem um caráter generalizante e dá um
outro significado ao indivíduo velho, transformando-o em sujeito respeitado. Os
problemas dos velhos, a partir de então, constituem-se nas necessidades dos
idosos.
“A política de integração da velhice introduzida na França a partir de 1962
visava a modificações político-administrativas, assim como à transformação da
imagem das pessoas envelhecidas. Os novos aposentados começaram a reproduzir
práticas sociais das camadas médias assalariadas, já que a imagem de degradação
estava muito associada às camadas populares: o antigo retrato preto-e-branco de
uma velhice decadente toma o colorido de uma velhice associada à arte de bem
viver. Faz-se então necessário criar um novo vocábulo para designar mais
respeitosamente a representação dos jovens aposentados – surge a terceira idade.
Sinônimo de envelhecimento ativo e independente, a terceira idade converte-se em
uma nova etapa da vida, em que a ociosidade simboliza a prática de novas
atividades sob o signo do dinamismo. A velhice muda de natureza: “integração” e
“autogestão” constituem as palavras-chave desta nova definição. Assim, a criação
de uma gama de equipamentos e de serviços declara a sociabilidade como o
objetivo principal de representação social da velhice de hoje.”10
Principalmente após a dissolução da União Soviética, a afirmação do
sistema capitalista tornou-se praticamente uma hegemonia mundial, de forma
que entramos no século XXI num neo-liberalismo globalizado. O consumismo
levado ao extremo forja a criação de novos mercados, e entre eles, encontra-
se uma imensidão de produtos e serviços voltados para a terceira idade.
Sendo assim, além das visões anteriores acerca da velhice, no momento atual,
10 Idem, ibid. p.75
novos estereótipos estão sendo criados, como a imagem do “vovô garotão”, o
idoso que pratica esportes radicais, trabalha e mantém a vida sexual ativa é
agora muito recorrente.
CAPÍTULO II
O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO
2.1 – A velhice no mundo capitalista
O primeiro fato a ser constatado é que dentro de uma sociedade
capitalista existem diferenças sociais que afetam diretamente os indivíduos
que nela vivem. Estudos mostram que não existe um processo único de
envelhecimento. Dessa forma, devemos que considerar que envelhecer num
centro urbano cosmopolita não é o mesmo que envelhecer em uma cidade
pequena, pois são modos de vida completamente diferente. Por isso, faz-se
necessário contextualizar a velhice à região na qual está inserida. Não
havendo como dissociá-la de seu meio.
Foi mostrado anteriormente, que na França no século XIX, existiam
termos diferentes para designar os indivíduos velhos oriundos de classes
sociais diferentes. Esse fato demonstra que mesmo dentro de uma mesma
sociedade, sempre houve modos diferentes de envelhecer. O fim da vida
reproduz e até amplia as desigualdades sociais, chegando até mesmo ao fato
extremo de que em algumas épocas da história a velhice só era possível para
aqueles que estavam situados nas camadas mais ricas da sociedade.
Mesmo hoje em dia, existe uma diferenciação da expectativa de vida
entre indivíduos de classes diferentes. Sabe-se, por exemplo, que em áreas
mais pobres como o Norte e Nordeste do Brasil, a expectativa tende a ser um
pouco menor que nas regiões mais ricas do Sul e Sudeste, assim como a
qualidade de vida e saúde seguem essa tendência. Essas são marcas que o
sistema econômico capitalista imprime, principalmente em países em
desenvolvimento onde a distribuição de renda possui tão grandes contrastes.
Portanto, ao longo da história como hoje em dia, a luta de classes
determina a maneira pela qual um homem envelhece; um abismo separa o
velho escravo e o velho eupátrida.
O segundo ponto a ser levado em consideração, é o fato de que
justamente por vivermos num mundo onde o capital é o fator primordial de
colocação dos indivíduos na escala social, não só existem velhices diferentes,
como também só é valorizado e respeitado o idoso possuidor de boa condição
financeira. Esse é um fato que poder ser facilmente constatado na vida
cotidiana do brasileiro. A televisão está cheia de exemplos, de um lado os
noticiários estão sempre apontado a falta de respeito e dignidade com que os
idosos pobres são tratados, de outro, as propagandas mostram idosos felizes e
sorridentes que aproveitam com saúde e autonomia suas pensões.
È claro que essa constatação nada mais é do que um reflexo do mau
funcionamento dos serviços públicos no Brasil, mas, como já foi dito, o fim da
vida amplia as desigualdades.
A qualidade de vida que temos na nossa velhice é um espelho de
como foi nossa vida. E justamente aqueles que tiveram uma existência mais
sofrida são os mesmos que continuam a serem desrespeitados. O pobre de
uma forma geral é humilhado não só enquanto velho, mas é acostumado
desde cedo a ter seus direitos desrespeitados. Essa situação absurda é um
conflito de classes existente dentro de todas as sociedades, e que o sistema
capitalista ajuda a acentuar as diferenças, sendo estas maiores ou menores de
acordo com o grau de desenvolvimento de cada país.
È fato marcante que com o advento das aposentadorias, houve uma
modificação nas estruturas familiares, que até então arcavam com os custos
de seus velhos, incapacitados para sustentar a si mesmos. A transferência
desse encargo para outra instância afetou profundamente as relações entre as
gerações nas diferentes classes sociais. O Estado é chamado a desempenhar
funções até então a cargo da família, como por exemplo a educação das
crianças, o tratamento dos doentes e o amparo aos velhos. Os problemas
ocorrem quando esse Estado não consegue atender à essa demanda social
prestando um serviço público insuficiente ou de baixa qualidade à população.
Temos que ter em mente que segundo dados do Pnad (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio) de 1990, no Brasil, os que recebem mais de 10 salários
mínimos são apenas 7% da população idosa.
Sendo assim, a oposição entre exploradores e explorados cria duas
categorias de velhos e qualquer afirmação que pretenda referir-se à velhice de
um forma geral deve ser rejeitada porque mascara este hiato. Por esse motivo,
quando se utiliza o termo “terceira idade”, geralmente a primeira imagem que
vem à mente é de pessoas autônomas. E essa autonomia pressupõe dois
fatores: primeiro, é uma pessoa independente financeiramente; segundo, é
uma pessoa independente fisicamente, ou seja, gozando de boa saúde, sem
empecilhos de locomoção, enfim, uma pessoa livre. As pessoas idosas que se
encontram nessa situação são geralmente pertencentes à classe média. É
para esse setor provido de poder aquisitivo que são voltadas as propagandas e
os serviços. São esses os freqüentadores dos “bailes da terceira idade”, são os
que podem pagar as aulas de dança de salão, hidroginástica, shiatsu, e os
passeios e excursões dos mais variados tipos. São respeitados, não por serem
velhos e terem conhecimento sobre a vida, e sim porque podem pagar, são
clientes e representam uma importante parcela do mercado consumidor atual.
2.2 – A delimitação da velhice
Vários estudiosos já dedicaram seu tempo e esforço a fim de delinear
as várias fases da infância e da adolescência. Contudo, parece que ao entrar
na vida adulta, os sujeitos se homogeneízam e as diferenças passam a ser
percebidas apenas quando se passa de uma década à outra.
“Debert denuncia uma tendência atual à homogeneização das idades,
concomitante e contraditória com o movimento de transformação das idades em um
mecanismo privilegiado na criação de atores políticos e na definição de novos
mercados de consumo. Efetivamente, as crianças são reenviadas ao mundo dos
adultos jovens, enquanto os idosos “rejuvenescem”, física e socialmente, cada vez
mais.”11
O que quero dizer com isso, é que a velhice não é um estágio bem
definido. Na medida em que o nosso organismo sofre contínuas
transformações desde o momento de sua concepção, fica difícil estabelecer um
limite físico bem demarcado a partir do qual o indivíduo passa a ser
considerado velho. Por isso, não há como definir a velhice apenas
biologicamente.
“A velhice, pelo pressuposto de Castoriadis, é um conceito encarnado no
processo social-histórico, mesmo tendo como primeira referência um processo
biológico. Os significados instituídos, os modelos identificatórios vão criando uma
idealidade e uma rede de sentidos que ultrapassam o meramente biológico do
fenômeno do envelhecimento.”12
Dessa forma, o envelhecimento pode ser encarado como um processo
com uma composição múltipla de elementos socioculturais que, muitas vezes,
independem da idade cronológica. Vivemos numa cultura estruturada a partir
do trabalho produtivo fora do âmbito doméstico, assim sendo, a entrada e a
saída do mundo do trabalho constituem marcos importantes da história de vida
de cada um. De uma forma geral no nosso contexto sociocultural, o sujeito é
considerado adulto quando entra definitivamente no mercado de trabalho, e por
11 MOTTA, A. Britto da – Chegando pra Idade – In: BARROS, M. L. (org) – Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p.226 12 STANO, Rita de Cássia M. T. – Identidade do professor no envelhecimento – São Paulo: Editora Cortez, 2001. p.12
oposição, a aposentadoria passa a marcar a entrada do sujeito na velhice.
Apesar de existir a maioridade legal – aos 18 anos – o sujeito é tido enquanto
jovem porquanto não ingressar no mundo do trabalho economicamente
produtivo.
Outra demarcação sociocultural importante de definição social etária é
o casamento. Casar-se e ter filhos também é uma forma de “tornar-se adulto”,
por outro lado, quando os filhos tornam-se adultos e constituem suas própria
famílias, é um sinal do cumprimento de um etapa de vida também para os pais.
“Quando se somam a cessação do compromisso de trabalho e a
diminuição das obrigações de família (filhos adultos, trabalhadores, casados), dá-se
uma transição especialmente significativa na vida dos indivíduos em direção à
velhice social...”13
Dessa forma, é difícil definir a velhice como delimitação referida ao
biológico, por sua inseparabilidade do social. O envelhecimento não é um
processo homogêneo – duas pessoas com a mesma idade podem ter
características físicas de saúde e inteligência muito diferentes de acordo com a
qualidade que tiveram ao longo de suas vidas: acesso a conforto material,
cuidados médicos, exposição a desgastes no trabalho, etc... – e por esse
motivo, toda definição etária baseada na idade cronológica será uma definição
forçada, pois abrangerá num único patamar indivíduos muito diferentes.
Mesmo se considerarmos um único indivíduo, a velhice não se dá
como um todo, pois ninguém se sente velho diante de todas as situações de
vida.
“Há sempre partes, órgãos ou funções do corpo que se mantêm muito mais
“jovens”, “conservados”, sadios, do que outros – os médicos e a vida cotidiana estão
sempre apontando isso. [...] por não se dar por inteiro, de modo a que se revele e
convença, inexoravelmente, de sua existência, a velhice vem como um choque,
porque chega primeiro pelos olhos dos outros.”14
Contudo, por uma questão burocrática de organização do
funcionamento estatal, a partir do momento em que o estado assumiu a
13 MOTTA, A. Britto da – Chegando pra Idade – In: BARROS, M. L. (org) – Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p.227 14 Idem, ibid. p.228
responsabilidade sobre os idosos criando as pensões e aposentadorias, fez-se
necessário definir uma idade para a concessão dos benefícios. Apesar de
generalizante, as instituições assistenciais, públicas ou privadas, estabelecem
limites numéricos para que passam à caracterizar a velhice. Recentemente no
Brasil, fixou-se idades mínimas para aposentadoria: 60 anos de idade com 35
anos de contribuição para homens, e 55 anos de idade com 30 anos de
contribuição para mulheres. Além disso, no Rio de Janeiro, maiores de 65 anos
possuem gratuidade nos transportes, caixas preferenciais em lojas e bancos e
pagam meia-entrada nos cinemas, teatros, museus, e vários tipos de eventos
culturais. Há alguns anos também, o governo brasileiro vêm fazendo uma
campanha de vacinação dos idosos, cuja idade mínima para a participação é
de 60 anos. O conjunto dessas medidas públicas de assistência à população
idosa gera contornos legais específicos para a velhice.
Dessa forma, os limites numéricos para caracterizar o início da velhice
variam de 55 a 65 anos. Porém, a maioria das pessoas com menos de 60 anos
não se consideram velhos, mesmo que já estejam aposentados. De fato, desde
a promulgação do Estatuto do Idoso – segundo o 1º artigo da lei nº 10.741 de Iº
de 0utubro de 2003 – o cidadão passa a ser legalmente possuidor do status de
idoso a partir dos 60 anos.
A seguir, os termos da lei:
[...]
Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.”
[...]
Seguindo essa linha de raciocínio, para fins de delimitação da questão
da idade cronológica, no presente trabalho, será considerado idoso o indivíduo
com mais de 60 anos.
2.3 – Tendências atuais acerca do envelhecimento humano
Hoje, ao contrário da limitada visão do envelhecimento ocorrida por
séculos, o mundo se mostra conscientizado da importância do pleno
conhecimento desse processo, principalmente através das suas repercussões
em todos os níveis, quer social ou no âmbito do governo.
O crescimento relativamente mais elevado do contigente idoso é
resultado da alta fecundidade prevalecente no passado comparativamente à
atual e à redução da mortalidade. Enquanto o envelhecimento populacional
significa mudanças na estrutura etária, a queda da mortalidade é um processo
que altera a vida do indivíduo e das estruturas familiares.
Em todo o mundo, o número de pessoas com mais de 60 anos tem
crescido rapidamente. A descoberta dos antibióticos e a criação das vacinas
foram fundamentais para a acentuada queda da mortalidade. O
envelhecimento populacional, iniciado nos países desenvolvidos no começo do
século passado, somente à partir de 1950 tornou-se marcante no países em
desenvolvimento, portanto com meio século de atraso. Transformou-se então
em fenômeno contínuo representando um desfio gerado pelas demandas
sociais e econômicas que despontam de forma crescente em todas as nações,
tendo sido necessária a adoção de políticas específicas com o objetivo de
propiciar um envelhecimento ativo, respeitando os direitos, as capacidades, as
preferências e a dignidade dos idosos.
A seguir, um trecho do Estatuto do Idoso mostra como essas
tendências já encontram-se bem demarcadas como diretrizes das políticas
públicas:
LEI No 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003.
[...]
Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;
II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;
III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso;
IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações;
V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência;
VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;
VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;
VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.
Art. 4o Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.
§ 1o É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.
[...]
A Assembléia Geral da ONU designou o ano de 1999 o Ano
Internacional do Idoso (International Year of Old Person) e que teve como
tema: “Uma sociedade para todas as idades”. A ONU informou que, no mundo
atual, uma em cada dez pessoas se encontram com mais de 60 anos de idade.
A manutenção da capacidade funcional e a preservação da autonomia estão
interligadas e constituem, hoje, o objetivo da atenção do idoso e têm sido essa
também a bandeira da OMS. Dessa forma, um envelhecimento ativo e
autônomo são as principais tendências acerca do envelhecimento humano
atuais. Constituem-se em objetivos a serem alcançados e podem ser
percebidos claramente no texto da Lei nº 10.741 de Outubro de 2003 (o
Estatuto do Idoso), que está em pleno acordo com as tendências mundiais.
2.4 - O papel da geriatria e da gerontologia
A história da geriatria e da gerontologia estão inseparavelmente
ligadas, tendo a última sido gerada a partir da primeira. Os primeiros estudos
no campo da geriatria datam do século XIX, porém a geriatria só surgiu como
uma especialidade médica no início do século XX.
Antes do surgimento da geriatria, os pacientes idosos eram tratados da
mesma forma que todos os outros, não havia prescrições médicas ou terapias
especiais em função da idade do paciente, até mesmo porque acreditava-se
que não havia cura para um corpo envelhecido e debilitado.
“Ao longo do século XIX, um pequeno grupo de médicos franceses
começariam a modificar essa visão tradicional sobre a velhice. Esses autores, entre
os quais figuram nomes como Bichat, Broussais, Charcot e Louis, propuseram uma
nova maneira de entender e, portanto, de tratar os pacientes idosos. Utilizando novas
técnicas e teorias, essa elite passaria a caracterizar a velhice não meramente como o
resultado do avanço dos anos ou da diminuição da energia, mas de acordo com suas
condições fisiológicas e anatômicas singulares.”15
A partir de então, os estudos nessa área não cessariam mais, vindo
então a constituir, no século XX, o corpo teórico da geriatria.
“O fundador dessa especialidade médica teria sido o médico norte-
americano, nascido em Viena, Ignatz Leo Nascher. Foi ele quem introduziu o termo
‘geriatria’ na comunidade médica, com um artigo de 1909, escrito para o New York
Medical Journal. Mas o que se considera o início da geriatria foi a publicação de seu
livro Geriatrics: the diseases of old age and their treatments, em 1914. Não por
coincidência, a introdução de Geriatrics foi escrita por Abraham Jacobi, considerado
o pai da pediatria. Nascher tentou fazer pela velhice exatamente o que Jacobi havia
conseguido em relação às crianças: o desenvolvimento de uma base clínica que
identificasse de forma separada essa etapa do curso de vida.”16
No entanto, percebe-se que somente a geriatria não conseguia
atender todos os problemas comuns aos idosos, pois ela tratava somente da
parte biológica.
15 GROISMAN, Daniel. – A velhice, entre o normal e o patológico. – História, Ciência, Saúde – Manguinhos, Abril 2002, vol.9, nº1, p61-78. ISSN 0104-5970 16 Idem, Ibid.
Sendo assim, o primeiro ponto de diferenciação entre a geriatria e a
gerontologia, é o fato de a primeira constituir-se como uma especialidade
médica existente desde o início do século XX, enquanto que a segunda é um
campo multidisciplinar de domínios abertos. A gerontologia possui um discurso
mais abrangente, levando em consideração os aspectos psicológicos e sociais,
além do biológico.
As definições mais consensuais à respeito da geriatria e da
gerontologia são:
“Geriatria é a especialidade médica que trata de doenças de idosos ou de
doentes idosos, mas também se preocupa em prolongar a vida com saúde. Deve-se
aproveitar a ciência geriátrica antes de ficarmos velhos ou antes de estarmos
doentes, realizando um “check-up” preventivo a partir dos 35 anos de idade.
Gerontologia é a ciência que estuda o processo do envelhecimento. Cuida
da personalidade e da conduta do idoso, levando em conta todos os aspectos
ambientais e culturais do envelhecer. É uma ciência médico-social; inclui problemas
complexos de medicina e de sociologia. A geriatria se limita ao estudo das doenças
da velhice e de seu tratamento, enquanto a gerontologia envolve todo o estudo do
envelhecimento humano, em todas as áreas do desenvolvimento bio-psico-social,
abrangendo áreas como Psicogeriatria, Nutrição, Fisioterapia, Terapia Educacional,
Educação Física e outras especialidades [...] A Sociologia, a Antropologia e a
Psicologia são disciplinas importantes na Gerontologia. O gerontólogo trabalha na
busca de melhor qualidade de vida.”17
Desde 1971, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
(SBGG) confere os título de geriatra e gerontólogo, sendo o primeiro concedido
exclusivamente a médicos e o segundo, aberto a todos os demais profissionais
graduados. Dessa forma, seguindo a tendência atual de considerar a velhice
como um período ativo, é cada vez maior o número de profissionais que voltam
o seu olhar para a terceira idade, buscando compreender melhor as
especificidades própria desse setor para, a partir de então, poder prestar um
atendimento de melhor qualidade. Profissionais de muitas áreas distintas
valem-se dos saberes da geriatria e, sobretudo, da gerontologia, buscando
17 GUEDES, S.L. – A concepção sobre a família na geriatria e na gerontologia brasileiras: ecos dos dilemas da multidisciplinaridade. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. V.15 nº43. São Paulo, junho 2000. ISSN 0102-6909
auxiliar a obtenção da qualidade de vida e assegurar os pressupostos
preconizados pelos órgãos internacionais e garantidos por lei.
CAPÍTULO III
A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA PSICOPEDA-
GÓGICA VOLTADA PARA A TERCEIRA IDADE
3.1 – O objeto de estudo da Psicopedagogia
Antes da psicopedagogia constituir-se em uma disciplina possuidora
de um conjunto de saberes e fazeres, surgiu, em primeiro lugar, os
profissionais que se dedicavam a atender crianças que por diferentes razões
não conseguiam se adaptar à escola. Essas crianças ficavam à margem, eram
discriminadas e sofriam. Os primeiros psicopedagogos eram profissionais da
educação que queriam ajudar aquelas crianças, e, portanto, se ocupavam de
tentar explicar o fracasso escolar. As primeiras tentativas de explicação do
fracasso escolar estavam carregadas de uma perspectiva patologizante, por
muito tempo tentou-se explicar o problema de aprendizagem como produto de
fatores orgânicos.
No Brasil, os primeiros cursos de formação de especialistas em
psicopedagogia se iniciam na década de 1970, em Porto Alegre. Outro marco
decisivo na história da disciplina foi o 1º Encontro de Psicopedagogos, em São
Paulo, em novembro de 1984, quando Clarissa Golbert e Sônia Kiguel, dois
expoentes da psicopedagogia no Brasil, apresentaram seus trabalhos tecendo
considerações a cerca das atividades realizadas em Porto Alegre.
No início da década de 80, começa a se configurar uma teoria sócio-
política a respeito do fracasso escolar e o “problema de aprendizagem” torna-
se o “problema de ensinagem”.
Na prática do psicopedagogo, ainda hoje é comum receber no
consultório crianças que já foram examinadas por um médico devido aos
problemas que está apresentando na escola. Porém, muito embora a
psicopedagogia tenha, no seu início, uma tradição clínica, existe atualmente
um profundo compromisso com o aspecto preventivo.
Com a diminuição da preponderância da explicação dos problemas da
aprendizagem através do puramente patológico, o campo de atuação da
psicopedagogia ampliou-se muito, pois a busca de novas explicações levou a
disciplina a um intercâmbio de informações com outras áreas do conhecimento
e uma interdisciplinaridade que tornou-se essencial para a formação do
psicopedagogo atual.
Segundo a autora Nádia A. Bossa, citando Sônia Kiguel:
“historicamente a Psicopedagogia surgiu na fronteira entre a Pedagogia e
a Psicologia, a partir das necessidades de atendimento de crianças com ‘distúrbios
de aprendizagem’ [...] e no momento atual, à luz de pesquisas psicopedagógicas que
vêm se desenvolvendo, inclusive no nosso meio, e de contribuições da área da
psicologia, sociologia, antropologia, lingüística, epistemologia, o campo da
psicopedagogia passa por uma reformulação. De uma perspectiva puramente clínica
e individual busca-se uma compreensão mais integradora do fenômeno da
aprendizagem e uma atuação de natureza mais preventiva.”18
Dessa forma, a psicopedagogia atual, preocupa-se com o aprender
humano de forma abrangente, pois, não há um limite etário para o ato de
aprender, e por isso, podemos encontrar indivíduos com dificuldade de
aprendizagem em qualquer época da vida, não constituindo-se esta uma
questão concernente apenas às crianças em fase escolar. Podemos perceber
claramente essa tendência na fala da autora Jeanete L. M. de Sá:
“Até quando deve um homem educar-se?
A resposta a esta questão depende da finalidade que se atribui à
educação. Se ele estiver voltada para o processo de humanização e de
transformação social, com possibilidades de formação do homem integral, logo, o
processo educativo é algo permanente e co-existente à própria vida.
18 BOSSA, Nádia A. – A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. – Porto Alegre: Editora ArtMed, 2000. p.18.
Descobertas das biociências mostram a estreita relação entre viver e
aprender. Os seres vivos, de maneira flexível e adaptativa, aprendem desde o
nascimento até a morte.”19
Assim sendo, a psicopedagogia do século XXI busca trabalhar também
com os indivíduos adultos pois entende-se que seu objeto central de estudo
está estruturado em torno do processo de aprendizagem humana de uma
forma global, procurando por em pé de igualdade os aspectos cognitivos,
afetivos e sociais que lhe são implícitos.
No momento atual o foco está não apenas no aluno/aprendiz, mas
também, naquele que ensina, considerando todas as variáveis que intervêm no
processo, assim como a melhor qualidade na construção da própria prática dos
educadores.
Portanto, a psicopedagogia tem muito a oferecer para todos aqueles
que estejam interessados na aprendizagem humana, e que concebem o sujeito
como provido dessa capacidade desde o momento que nasce até o último de
seus dias. Concluindo as observações sobre o objeto de estudo da
psicopedagogia, podemos dizer que ela focaliza as possibilidades do aprender,
num sentido amplo, não se restringindo a uma só agência como a escola, mas
indo também à família e à comunidade. E nesse sentido, estamos em pleno
desenvolvimento da construção de novas práticas que atendam a essa
demanda, sendo a questão da construção de uma práxis voltada para o adulto
idoso, o objeto de interesse do presente trabalho.
3.2 – A terceira idade: o gerenciamento do tempo livre e a
necessidade de se continuar aprendendo
Quando pensamos na educação de pessoas idosas temos que ter em
mente em primeiro lugar o tipo de velhice sobre o qual estamos falando. Pois
como já foi visto nos capítulos anteriores, existem tipos de velhice diferentes.
19 SÁ, Jeanete L. M. de – Educação e envelhecimento. In: PY, Lígia (org.) – Tempo de envelhecer: percursos e dimensões psicossociais – Rio de Janeiro: NAU Editora, 2004. p.345-370
No presente trabalho, está sendo levado em consideração,
basicamente dois tipos de velhice: a dos menos favorecidos e a das classes
médias urbanas. Na primeira categoria, enquadram-se os mais pobres, e
portanto, mais dependentes das políticas públicas de assistência social, já a
segunda categoria, é representada pelos aposentados que recebem acima de
quatro salários mínimo. Esses dois perfis apresentam interesses educacionais
distintos devidos às diferentes oportunidades que cada grupo, de um modo
geral, recebeu ao longo da vida.
Segundo a autora Jeanete de Sá (2004), somente 4,2% dos idosos
apresentam escolaridade mais alta (cinco a sete anos de estudo) e apenas
10,5% concluíram o Ensino Médio. Portanto, a uma grande maioria de idosos
analfabetos ou analfabetos funcionais há uma grande procura por projetos de
alfabetização, enquanto que a minoria mais abastada possui outros focos de
interesses na continuação da educação.
Outro ponto relevante destacado pela autora, é o fato de que, por
causa do desemprego estrutural, muitos idosos sustentam filhos, netos e outros
parentes, e que em muitos municípios pequenos, a fração de recursos
monetários advindos da previdência social corresponde a uma importante fonte
de sobrevivência da população, dando sustentação econômica ao local.
Dessa forma:
“A co-residência de gerações acaba acontecendo muito mais para atender
às necessidades dos filhos adultos do que dos pais idosos. Isso se dá de forma mais
acentuada na região Nordeste.
Com o processo de globalização, o desemprego e a informalização do
mercado de trabalho tem atingido os adultos jovens de hoje, resultando na sua
dependência em, relação aos mais velhos. A questão que se vislumbra, portanto, é a
de que a situação relativamente favorável do idoso poderá não ter continuidade num
futuro muito próximo, quando os adultos jovens de hoje adentrarem a chamada
Terceira Idade. A gerontologia educacional deve estar atenta a esses dois perfis,
pois que correspondem ao seu objeto de estudo, bem como ao objeto de intervenção
daqueles a quem ele procura formar na área gerontológica, seja para trabalhar com o
idoso de hoje, seja para preparar os que estão envelhecendo.”20
20 Idem, ibid, p.352
É interessante observar que mesmo possuindo histórias de vida
bastante diferentes, existe um ponto em comum que afeta diretamente a auto-
estima e a imagem dos idosos de uma forma geral: a ociosidade produzida
pelo afastamento do mundo do trabalho.
Para algumas pessoas, a aposentadoria refere-se à perda do próprio
sentido da vida, uma “morte social”, pelo afastamento do trabalhador do espaço
que constituía a rede de relações sociais. A aposentadoria cria uma identidade
comum no universo da velhice, em que a disponibilidade e a ociosidade
possibilitam (ou forçam) novos hábitos para combater o estigma da inatividade,
criando, assim, paulatinamente, uma nova imagem do idoso, como sujeito de
energia, participante, atuante e alegre.
Podemos então inferir que a falta de estrutura de sociabilidade do
idoso, provocadas pela perda do trabalho e do papel parental, é que fez
emergir instituições com novas formas de convivência, como as universidades
da terceira idade, que oferecem uma variada gama de cursos e serviços
voltados para o resgate da dignidade da população de mais idade. Pois,
aposentar-se não poder ser um processo de aceleração do envelhecimento,
mas deve ser um tempo de atividade e labor, porque este acompanha a própria
vida.
A necessidade de criar instituições para preencher esse vazio deixado
pela falta do trabalho surge porque a sociedade capitalista é toda arranjada
para preparar o ser humano para o trabalho e nunca se pensou em prepará-lo
para o ócio. Segundo o autor Domenico De Mais, autor do livro: O ócio criativo,
é preciso reprojetar a família, a escola, a vida para que o tempo livre seja um
tempo do ser e do que o autor denomina de ócio criativo, é preciso criar uma
nova condição existencial em que estudo, trabalho, tempo livre e atividades
voluntárias cada vez mais se entrelacem e se potencializem reciprocamente.
Várias pesquisas científicas demonstram que continuar a aprender e
buscar novos saberes são elementos fundamentais para manter os neurônios
funcionando, então, essa prática não só resgata a auto-estima do sujeito, mas
também, o mantém lúcido e ativo por mais tempo.
Vale ainda, ressaltar que, de forma geral, quanto maior o grau de
escolaridade que uma pessoa possui, maiores são as possibilidades de
continuar estudando, e os idosos e/ou aposentados que cursaram nível
superior costumam dar preferência a cursos de línguas estrangeiras,
especialização, mestrado, e/ou até mesmo cursar uma nova graduação. O que
importa é não se deixar levar pelo estigma da ociosidade, pois um organismo
inerte é um organismo morto, a vida é movimento constante.
As universidades da terceira idade, hoje bastante difundidas pelo
Brasil afora, atendem idosos de todas as classes sociais e portanto com
interesses variados, portanto, a fim de delimitar o campo de estudo vejamos a
seguir o exemplo do trabalho desenvolvido na Universidade Aberta da Terceira
Idade do Estado do Rio de Janeiro – a UnATI/UERJ.
A UnATI/UERJ surgiu a partir de um projeto criado pelo professor
Américo Piquet Carneiro no final da década de 1980. O projeto abrangia um
grande Centro de Convivência voltado para o estudo da população idosa que,
além de compreender uma unidade de saúde de referência, pudesse ser um
lócus de formação qualificada de profissionais de saúde e áreas correlatas e de
produção e disseminação de conhecimento através do desenvolvimento de
pesquisas. A partir de debates e trocas de experiências, sistematizou-se o
projeto Núcleo de Atenção ao Idoso no Hospital Universitário Pedro Ernesto
(HUPE), que se propunha a oferecer atenção integral à saúde do idoso, numa
ação multiprofissional e interdisciplinar, vendo o idoso como ser humano
integral e sua saúde como algo inserido em um processo amplo de qualidade
de vida. Esta nova concepção de Centro de Saúde do Idoso, além de serviços
especializados no tratamento de doenças, estaria voltada para a promoção da
saúde, desenvolvendo atividades lúdicas e de estímulo à convivência.
Em 1996, a UnATI tornou-se um Núcleo da Universidade do estado do
Rio de Janeiro, e hoje, está instalada numa área de aproximadamente 800 m2
do campus universitário. O programa que desenvolve apresenta quatro eixos
básicos: o primeiro, é voltado para os idosos, o segundo é voltado para
estudante de graduação, profissionais e público não idoso, o terceiro prioriza a
produção de conhecimento e se volta para pesquisadores e estudantes de
cursos de pós-graduação, o quarto eixo prioriza a sensibilização da opinião
pública e preocupa-se com a visibilidade do programa, é voltado para o público
externo e formador de opinião.
O eixo voltado para os idosos reúne as seguintes atividades: serviços
de saúde; atividades socioculturais e educativas; e atividades de integração e
inserção social. Para participar dos cursos oferecidos, é necessário possuir no
mínimo 60 anos, sendo que cada candidato só pode participar de no máximo
três disciplinas. As vagas são preenchidas por ordem de chegada, havendo
sorteio para os cursos de maior procura. Para os idosos são oferecidos em
torno de sessenta atividades divididas em quatro categorias diferente: 1ª
Educação para a Saúde, com o objetivo geral de proporcionar a melhora no
equilíbrio, na habilidade e na agilidade, permitindo maior independência do
idoso; 2ª Arte e Cultura, os cursos dessa área utilizam técnicas que envolvem a
dança, o canto, a interpretação, a expressão corporal e a técnica vocal; 3ª
Conhecimentos Gerais e Línguas Estrangeiras; esses cursos exercitam a
capacidade crítica do aluno idoso, o exercício da leitura e escrita, sua
importância no cotidiano e no contexto social, possibilitando o desenvolvimento
do raciocínio lógico e sua capacidade de conviver em grupo; 4ª Conhecimentos
Específicos sobre a Terceira Idade, tem o objetivo de apresentar o
aprimoramento dos aspectos biológicos e culturais, problematizando o
processo do envelhecimento, a cidadania e a troca de experiências entre os
idosos.
Por uma questão de delimitação do presente estudo, será focado
apenas um dos cursos oferecidos pela UnATI: “Das primeiras letras aos
primeiros textos”, esse curso é desenvolvido em parceria com o Proalfa
(Programa de Alfabetização do Centro de Educação e Humanidades da Uerj) e
é coordenado pela psicopedagoga Anna Helena Moussatché e as aulas são
ministradas por um estudante bolsista da Faculdade de Educação da própria
UERJ. O objetivo é propiciar a alfabetização – o ensino inicial da leitura, escrita
e da matemática.
3.3 – O trabalho desenvolvido com os alunos idosos
Alfabetizar é uma tarefa complexa, ainda mais em se tratando de
adultos que já carregam uma história de fracasso, de discriminação e exclusão
social e que agora, ao retornar aos bancos escolares, ainda sofrem por causa
de comentários alheios.
A maior parte dos idosos que aportam no curso de alfabetização vêm
marcados por estigmas do analfabetismo, da pobreza, da improdutividade,
enfim, da velhice. São pessoas analfabetas, inseridas numa cultura que
valoriza a escrita, são portanto pessoas que apesar de possuir uma cultura oral
e experiência de vida são marginalizadas.
Os idosos que se inscrevem no curso da UnATI/UERJ apresentam a
faixa etária variando entre 65 e 86 anos, e em sua maioria são mulheres com
baixa renda econômica.
O primeiro passo a ser tomado é o estabelecimento de um clima de
confiança, isso é fundamental para que se sintam aceitos e à vontade para
contarem suas experiências. As marcas de terem vivido tantos anos sem saber
ler e escrever, são muito profundas e é preciso muito cuidado para não ferir o
jeito de pensar de cada um.
O trabalho desenvolvido tem como objetivo uma proposta
interdisciplinar de alfabetização que visa restabelecer a relação do idoso com o
ato de aprender e com o mundo. As situações de ensino funcionam como
facilitadoras do processo de aprender a ler e escrever. Através da utilização de
vários recursos diferentes – atividades pedagógicas de sala de aula, oficinas de
leitura, produção de texto e matemática, participação de eventos da própria
UERJ, visitas aos centros culturais, museus e jardins da cidade, projeção de
filmes – o aluno constrói sua rede de conhecimentos. As situações de ensino
são planejadas a partir das necessidades e temas trazidos pelos alunos.
Assim, eles têm a oportunidade de vivenciar o processo de construção do seu
saber, elaborando e direcionando a sua ação numa relação positiva com o
aprender. O professor deve funcionar como um guia que ajuda o aluno a
explorar e reconstruir.
Um dos aspectos importantes dessa proposta pedagógica é trabalhar
com textos variados. O objetivo é que o aluno possa fazer uso de diversos tipos
de materiais escritos, compreendendo e extraindo deles informações, e que se
envolva com as práticas sociais de leitura e escrita.
3.4 – A intervenção psicopedagógica
O trabalho psicopedagógico implica em compreender a situação de
aprendizagem do sujeito, individualmente ou em grupo, dentro do seu próprio
contexto. O psicopedagogo pesquisa as condições para que se produza a
aprendizagem, identificando os obstáculos e os elementos facilitadores, numa
abordagem preventiva. Esse trabalho requer uma atitude de investigação e
intervenção. Contudo, como já foi dito anteriormente, no momento atual, o foco
da psicopedagogia não está apenas no aluno, mas também naquele que
ensina. Portanto, a construção da prática psicopedagógica se dá de duas
maneiras: agindo diretamente sobre o aprendiz, numa proposta de atendimento
individual, ou indiretamente através da supervisão psicopedagógica sobre
quem ensina, sendo esta última a forma de trabalho escolhida para a análise.
Nessa forma de atuação, a supervisão psicopedagógica, a tarefa consiste em
fazer da prática educativa um objeto de reflexão para posteriormente ocorrer a
aplicação dos resultados dessa reflexão no projeto pedagógico, no nosso caso,
com a terceira idade. Os professores, concomitantemente à vivência da prática
de sala de aula, têm a oportunidade de ressignificar seus conceitos sobre o
ensinar a ler e escrever. Esse tipo de supervisão é de vital importância em
qualquer corpo docente, pois possibilita ao professor comprometido com a
prática educativa ter uma compreensão maior do processo de aprendizagem,
para que perceba as dificuldades e saiba interferir nelas, a partir da escolha
consciente de uma teoria de ensino-aprendizagem.
Dessa forma, podemos dizer que, o que diferencia a supervisão
psicopedagógica da coordenação pedagógica é que enquanto o coordenador
pedagógico está apenas interessado em estudar a questão dos métodos a
serem utilizados para a aprendizagem de um determinado conteúdo
programático, o psicopedagogo além de considerar o conteúdo a ser aprendido
e os métodos a serem utilizados, leva em conta também e principalmente os
sujeitos dessa aprendizagem. Não um grupo qualquer de sujeitos, e sim um
grupo de sujeitos real e concreto: alunos que compõem uma determinada
classe, ou seja, um grupo formado por alunos e professor. Cada conjunto –
professor/aluno – tem uma composição única, o que torna cada trabalho
desenvolvido uma ação específica dirigida e pensada para aquele grupo.
Portanto, a supervisão psicopedagógica não é feita apenas em cima
de estatísticas gerais, não consiste em elaborar métodos de ensino com base
no que se espera de pessoas numa determinada faixa etária por exemplo, e
sim em respeitar as características de cada grupo. Assim sendo, o trabalho
deve ser desenvolvido através de reuniões periódicas, de preferência
semanais, para que o psicopedagogo possa dar o devido acompanhamento ao
grupo. Nesses termos, o primeiro passo e talvez o mais importante para a
realização de todo trabalho psicopedagógico, é procurar conhecer os alunos,
de forma a melhor direcionar o professor a escolher os meios e os fins que
melhor os atendam. A este propósito, o aspecto psicológico – através da
psicanálise e da psicologia – como também o cultural e ético – através da
antropologia e da sociologia – são cruciais ao considerar os sujeitos.
A proposta de supervisão psicopedagógica consiste em buscar
entender a estrutura do pensamento dos professores, suas formas de se
relacionar com o conhecimento e com o meio, intervindo com recursos que os
conduzam a um entendimento do que fazem e até a serem capazes de
modificar o que for necessário.
Com esse objetivo, durante as reuniões de supervisão, a prática de
sala de aula se constitui no objeto de estudo coletivo. É um momento reflexivo
em que se analisa o que se fez, o que aconteceu, o que se pretendia, que
recursos foram utilizados e como foi a participação dos alunos. Ao compartilhar
dúvidas e certezas, novas sugestões e estratégias de trabalho vão emergindo
do grupo e os componentes do mesmo vão aprofundando seus conhecimentos,
redefinindo-os e sintetizando-os numa próxima ação educativa. Esses
encontros, além de ajudarem os educadores no exercício da escuta, ampliam a
visão do trabalho de cada um. A intervenção deve se dá na prática da
discussão, análise e reflexão das situações de ensino de sala de aula.
Num segundo momento, o planejamento das próximas aulas deve ser
discutido e elaborado. Num trabalho coletivo são selecionados textos, autores e
situações de ensino que levam em consideração os pressupostos teóricos do
construtivismo. Partindo do conceito de que sujeito alfabetizado é aquele capaz
de atuar nas diversas situações de uso da língua escrita, temos o texto como
elemento fundamental no trabalho de sala de aula. Aos idosos devem ser
oferecidos diferentes tipos de textos, permitindo aos alunos diferenciá-los e
conhecer suas funções.
As reuniões devem dar a oportunidade para se ouvir e falar, trocar
idéias e informações, propiciando ao professor a vivência de desafios e
conflitos que funcionam como alavancas para mudanças significativas. Os
professores devem ser estimulados a elaborar relatórios de suas atividades,
onde deve ser relatado seu trabalho e o processo vivido pelos alunos. Estes
relatórios servem como documento reflexivo, que auxilia o professor
distanciado do seu fazer pedagógico a rever o conjunto das situações de
aprendizagem que foram realizadas, retratando a metodologia de trabalho, os
avanços dos alunos e do próprio professor. È uma forma de avaliar e
replanejar, se constituindo como um documento escrito de produção de saber
que é compartilhado com os demais professores do grupo. O entrelaçamento
da prática com a teoria facilita a reconstrução das concepções dos professores
a respeito da alfabetização, do processo ensino-aprendizagem e da relação
professor-aluno.
CONCLUSÃO
O homem diferentemente dos demais seres vivos, é o único que
modifica a própria expectativa de vida a partir de gradativas mudanças
relacionadas às melhorias na qualidade de vida e graças às descobertas
técnicas e científicas. Por conta desse aumento na expectativa de vida, a
velhice é um conceito que sempre sofrerá alterações através do tempo. No
primeiro capítulo, pudemos observar a veracidade dessa afirmativa, através
dos exemplos de sociedades passadas vimos que a noção de velho é um
conceito construído historicamente. Em seguida, no segundo capítulo, foi
observado que além de sofrer alterações através do tempo, a velhice também
se apresenta de forma diferente para ricos e pobres.
No terceiro capítulo, foi dito que o desejo pelo saber e a capacidade de
aprender acompanham o sujeito por toda a vida. Enquanto o indivíduo possuir
suas faculdades mentais, ele pode continuar a desenvolver inteligência.
Precisamos praticar, enfrentar novos desafios, refletir, para que nosso cérebro
continue ativo, o estímulo é primordial para a saúde de nossos neurônios.
Apesar disso, a sociedade contemporânea vem oferecendo pouco espaço e
tempo para idosos expressarem seus anseios, suas experiências e alegrias. O
afastamento do mundo do trabalho, gera na maioria das vezes um isolamento
que por conseguinte gera o sentimento de estar só, mesmo co-habitando o
espaço da casa com outros membros da família, e este sentimento leva à
depressão que pode vir a desencadear várias doenças. A baixa auto-estima e o
processo depreciativo pode baixar também as defesas imunológicas do sujeito,
já que a visão que ele faz de si mesmo é de um indivíduo debilitado, fraco.
Para que esse processo não ocorra, é necessário que o indivíduo perceba-se
enquanto sujeito ativo, capaz, e sobretudo produtor de conhecimento. A
aposentadoria não pode continuar a ser vista como o fim das atividades de um
sujeito. Da mesma forma a velhice , não é sinônimo de inércia e estagnação.
São projetos pedagógicos como as universidades da terceira idade
que abrem espaço aos idosos e às questões relativas à velhice numa
sociedade majoritariamente jovem, esses projetos dão a oportunidade aos
idosos de serem ouvidos, de estabelecer relações e de conviver com uma
diversidade de pessoas. Nos cursos de alfabetização oferecidos, os idosos vão
se conhecendo e compreendendo o mundo da linguagem verbal e escrita e,
juntos, vão reconstruindo suas histórias como cidadãos. Esse último aspecto
representa um fator importante da preservação da boa auto-estima dessas
pessoas que por tanto tempo foram estigmatizadas.
O professor, comprometido com o trabalho com a terceira idade, vai
para a sala de aula sabendo que é preciso resgatar lembranças e memórias de
seu aluno-idoso. Assim, o professor, sem excluir sua própria voz, busca ouvir
as vozes e as falas dos alunos e a partir delas construir sua prática educativa.
Ao longo do trabalho, a concepção do processo ensino-aprendizagem
condizente com uma escolha teórica vai se estruturando. O fazer das reuniões
de supervisão psicopedagógicas, com o compartilhamento de idéias, conceitos
e metodologia, ressoam em sala de aula.
Por sua vez, o idoso, por vezes desconfiado e resistente à novas
idéias e metodologias, vai se transformando – lendo, discutindo e comparando
diferentes autores, produzindo textos e participando de todas as atividades
propostas – vai tecendo novas amizades e dando sentido ao seu viver como
ser social, como cidadão.
Assim como o aluno, o professor também traz idéias e conceitos
internalizados sobre o ensinar e aprender, que vão se modificando à medida
que a prática é vivida e repensada. Proporcionar atividades que levem a
reflexão não só para o aluno, mas também para o professor, nos encaminham
para alternativas mais eficazes do processo ensino-aprendizagem. Sendo
assim, o trabalho de sala de aula depende da prática reflexiva do professor,
pois é ele quem constrói e organiza o conhecimento que pretende apresentar.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
A VELHICE ATRAVÉS DO TEMPO
CAPÍTULO II
O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO
2.1 – A velhice no mundo capitalista
2.2 – A delimitação da velhice
2.3 – Tendências atuais acerca do envelhecimento humano
2
3
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11
13
16
18
21
2.4 – O papel da geriatria e da gerontologia
CAPÍTULO III
A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA PSICOPEDAGÓGICA VOLTADA PARA
A TERCEIRA IDADE
3.1 – O objeto de estudo da Psicopedagogia
3.2 – A terceira idade: o gerenciamento do tempo livre e a necessidade de se
continuar aprendendo
3.3 – O trabalho desenvolvido com os alunos idosos
3.4 – A intervenção psicopedagógica
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA
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