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8/20/2019 THEOTONIO DOS SANTOS - Teoria Da Dependencia Balanços e Perspectivas
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A TEORIA DA DEPENDÊNCIA:
BALANÇO E PERSPECTIVAS
Theotônio Dos Santos
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PRÓLOGO
Este livro reúne três artigos do autor ! que foram revistos para compor um
panorama mais abrangente sobre a teoria da dependência, sua evolução e o
amplo debate que suscitou.
A atualidade do tema se destaca particularmente na terceira parte do livro
quando se discute a influência desta teoria e das polêmicas a ela associadas
com a política econômica hoje executada pelo governo Fernando Henrique
Cardoso, um dos autores originais da teoria.
Na medida em que eu, com Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra somos
considerados uma das correntes mais radicais desta teoria, onde se inscreveram
muitos outros cientistas sociais, entre os quais deve-se destacar sobretudo a
André Gunder Frank, cabia a mim retomar o fio da meada de uma polêmica que
está profundamente associada à história dos povos colonizados e dependentes.
A emancipação política de grande parte desses povos depois da II Guerra
Mundial não assegurou ainda sua plena realização histórica. Este livro é maisuma contribuição a esta luta que, como mostramos, passa profundamente pela
luta ideológica, pela história das idéias e pela evolução das ciências sociais,
convertidas em redutos acadêmicos similares ao pensamento escolástico
medieval.
Theotônio Dos Santos
Niterói, Novembro de 1998.
! “La teoría de la Dependencia: un balance histórico” in Francisco Lopez Segreras, El Reto de laGlobalización. Ensayos en Homenaje a Theotônio Dos Santos. CRESALC-UNESCO, Caracas, 1998; “TheLatin American Development: Past, Present and Future”, in Sing C. Chew and Robert Denimark (eds.)The Underdevelopment of Development, Essays for André Gunder Frank, e “Foundations of the CardosoGovernment,” Latin American Perspectives.
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ÍNDICE
Primeira Parte:
Da Teoría da Dependência à Teoria do Sistema Mundial
Capítulo I - Antecedentes históricos: o surgimento das teorias do
Desenvolvimento; 6
Capítulo II - A teoria da dependência: um balanço; 17Capítulo III - O debate sobre a dependência; 37
Capítulo IV - A Globalização e o enfoque do sistema mundo. 44
Notas da Primeira Parte 50
Segunda Parte:
Desenvolvimento e Dependência no Pensamento Social Latinoamericano
Capítulo I - A temática do desenvolvimento: continuidade e mudança;
63
Capítulo II - A CEPAL e a substituição de importações; 68
Capítulo III - A Revolução Burguesa e a Nova Dependência; 75
Capítulo IV - A Nova Ordem Econômica Mundial – A ofensiva
do Terceiro Mundo; 83
Capítulo V - A ofensiva Neoliberal e sua Crise. 91
Notas da Segunda Parte. 97
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Os Fundamentos Teóricos do Governo Fernando Henrique Cardoso: Uma
Etapa de Polêmica sobre a Teoria da Dependência.
Capítulo I - Introdução 100
Capítulo II - Os Novos Acordos: A Nova República 102
Capítulo III - As nossas Diferenças; Há leis de Desenvolvimento
Dependente 108
Capítulo IV - As Novas Condições Políticas Internacionais 113
Mais Divergência: O reformismo Dependente e
O Fim da Teoria da Dependência 115Capítulo V - Dívida Externa e Interna; As Políticas Econômicas
e a Questão Democrática 121
A Questão Democrática e o Governo Fernando
Henrique 126
Notas da Terceira Parte 130
Bibliografia 136
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Primeira Parte:
DA TEORIA DA DEPENDÊNCIA
À TEORIA DO SISTEMA MUNDIAL
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I - ANTECEDENTES HISTÓRICOS: O SURGIMENTO
DAS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO
Com o final da II Guerra Mundial, entraram em declínio definitivo as
potências imperialistas que haviam dominado o mundo do final do século XIX
até a I Guerra Mundial. O domínio colonial, embora contestado a partir dos anos
1914-19, pela emergência da hegemonia norte-americana, continuou a ser
praticado e inclusive exacerbaram-se as tentativas de redivisão do mundo. Estas
lutas pelo domínio econômico e territorial do planeta levaram finalmente à II
Guerra Mundial.
As duas principais potências derrotadas em 1945, a Alemanha e sobretudo
o Japão, perderam em conseqüência um importante espaço colonial. Os
impérios Austro-Húngaro e Otomano desapareceram entre as duas guerras. A
Inglaterra vitoriosa, não pôde sustentar seu esforço de guerra e, ao mesmo
tempo, preservar seu vasto mundo colonial. A França - entre derrotada e
vitoriosa - também se viu incapacitada para manter suas antigas conquistas
territoriais. Os EE.UU., incontestável vitorioso, sem que fosse tocado seu
território, não podia abandonar sua tradição anti-colonialista, própria de um ex-
país colonial. Ademais, seu poder se tornou tão esmagador que não
necessitava carregar o ônus de uma expansão territorial. Suas tropas haviam
ocupado a Alemanha, a Itália e o Japão, onde estavam estacionadas, e
estabeleceram-se bases militares norte-americanas em cerca de 64 países(1).
A guerra fria, a OTAN e outros tratados regionais legitimaram e consolidaram
estes deslocamentos de tropas, sem criar uma conotação colonial.
A URSS, herdeira do Império Russo, que fora invadido 3 vezes (por
Napoleão, pela Alemanha na I Guerra e pela a ocupação nazista na II Guerra),
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saiu da II Guerra com uma vasta zona sob ocupação, a qual procurou consolidar
através de regimes aliados de corte ideológico que protegessem sua frente
Ocidental. Estes foram, contudo, implantados improvisadamente e sem o
respaldo social suficiente . Isto levará a uma sucessão de graves crises
(Berlim, Hungria, Polônia). As oposições aos governos da Europa Central
contavam com apoio externo significativo de várias origens. Esta inestabilidade
era reforçada pela intensificação da guerra fria.
Esta era uma estratégia de confrontação global com a URSS e seus
possíveis aliados, estabelecida pelos EE.UU e pela Inglaterra e baseada na
doutrina da “contenção” de uma suposta expansão soviética. De fato, a guerra
fria foi implantada pelos EE.UU., para consolidar sua hegemonia sobre ochamado Mundo Ocidental. Seus efeitos foram contudo extremamente
negativos para a URSS e os demais países que implantaram economias e
Estados socialistas. Acossados por forças materiais e ideológicas
extremamente superiores, tentaram apresentar suas experiências históricas de
transição ao socialismo como modelos de uma sociedade, uma economia e um
mundo cultural post-capitalista: Modelos rígidos que tentavam transformar em
leis gerais da evolução histórica as limitadas e localizadas soluçõesinstitucionais a que recorreram, muitas vezes improvisadamente.
Nesta recomposição de forças mundiais, emerge um conjunto de novos
Estados nacionais juridicamente soberanos. Entre eles alguns são
extremamente poderosos. A maior concentração populacional da terra reuniu-se
em duas unidades estatais: a China e a Índia se constituem em Estados
nacionais depois de anos de domínio colonial ou semi-colonial. Ao lado da Índia
formam-se os Estados islâmicos do Paquistão e Bangladesch. Potências
estratégicas, do ponto de vista geopolítico, como o Egito (que domina a
passagem entre o Mediterrâneo e o Golfo Pérsico), a Turquia, a Pérsia, o Iraque,
etc, também se liberam do domínio estrangeiro e se constituem em Estados
nacionais. Os Movimentos de Libertação Nacional incendeiam a Ásia e a África.
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O Oriente Médio se torna uma zona de disputa onde opera um complexo jogo de
potências locais e internacionais. A re-emergência do mundo Árabe dá uma
nova conotação ao principal pólo petroleiro do mundo. Nasser tenta unificar os
povos árabes mas o seu pan-arabismo encontrará limites sérios. Com o tempo,
contudo, a versão laica de Nasser será suplantada por um pan-islamismo de
forte conteúdo fundamentalista submetendo o mundo político ao clero e à
religião por ele interpretada.
A América Latina, apesar de ser uma zona de Estados independentes
desde o século XIX, sente-se identificada com as aspirações de independência
política e sobretudo econômica dos antigos povos coloniais. Ela deseja, além
de uma independência política real diante das pressões diplomáticas eintervenções políticas e militares diretas da Inglaterra, sobretudo até 1930, e dos
Estados Unidos, particularmente depois da II Guerra, uma independência
econômica que viabilize seus Estados nacionais, seu desenvolvimento e seu
bem estar.
A Conferência Afro-Asiática de Bamdung, em 1954, realizada na Indonésia
de Sukarno, reuniu os lideres da Índia, do Egito, da China e da Yugoslávia e
consagrou uma nova realidade política, econômica, cultural e civilizacional.
Novas instituições econômicas ou políticas, como a UNCTAD e o Movimento
dos Não-Aliados, darão continuidade ao espírito de Bamdung. As organizações
regionais das Nações Unidas, como a CEPAL, não podiam escapar da influência
deste novo clima econômico, político e espiritual. Organizações como a FAO,
refletiam o pensamento crítico e inovador destas regiões. Josué de Castro, o
médico e cientista social brasileiro que desvendara a gravidade da situação
alimentar no planeta, em suas obras Geografia da Fome e Geopolítica daFome, chegava à presidência do conselho da FAO propondo uma política
mundial contra o subdesenvolvimento.
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Era inevitável, portanto, que as ciências sociais passassem a refletir esta
nova realidade. Elas haviam se constituído, desde o século XIX em torno da
explicação da revolução industrial e do surgimento da civilização ocidental como
um grande processo social criador da “modernidade”. Este conceito
compreendia a noção de um novo estágio civilizatório, apresentado como
resultado histórico da ação de forças econômicas, como o mercado ou o
socialismo. Outras vezes este estágio aparece como o resultado de um modelo
de conduta racional do indivíduo racional e utilitário, que seria a expressão
última da natureza humana quando liberada de tradições e mitos anti-humanos.
Outras vezes, estas condutas econômicas, políticas e culturais eram
apresentadas como produto da superioridade racial ou cultural da Europa.
A crise do colonialismo, iniciada na I Guerra Mundial e acentuada depois
da II Guerra Mundial, colocara em discussão algumas destas interpretações da
evolução histórica. A derrota nazista impunha a total rejeição da tese da
excepcionalidade européia e da superioridade racial. A modernidade deveria ser
encarada fundamentalmente como um fenômeno universal, um estágio social
que todos os povos deveriam atingir, pois correspondia ao pleno
desenvolvimento da sociedade democrática que uma parte dos vitoriosos
identificavam com o liberalismo norte-americano e inglês e, outra parte, com o
socialismo russo (que se confundia com a versão que dele fizera o então
intocável Joseph Stalin, cuja liderança, garantira a vitória da URSS e dos
aliados).
Surge assim uma vasta literatura científica dedicada à análise destes
temas sob o título geral de “teoria do desenvolvimento”. A característica
principal desta literatura era a de conceber o desenvolvimento como a adoção
de normas de comportamento, atitudes e valores identificados com a
racionalidade econômica moderna, caracterizada pela busca da produtividade
máxima, a geração de poupança e a criação de investimentos que levassem à
acumulação permanente da riqueza dos indivíduos e, em conseqüência, de cada
sociedade nacional. Os pensadores que fundaram as ciências sociais modernas,
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haviam identificado estas atitudes e comportamentos. Karl Marx, Émile
Durkheim e Max Weber, além dos economistas clássicos (Adam Smith e
Ricardo) e seus seguidores (Stuart Mill). Os seus continuadores neo-clássicos
estabeleceram teorias em certos aspectos convergentes em outros
contraditórios, sobre esta sociedade moderna e sobre os processos que
conduziram à sua implantação.
No século XX, sociólogos como Talcott Parsons e Merton; antropólogos
como Levy-Bruhl, Franz Boas e Herkovics; politólogos como Lipset, Almond, e
Apter, desenharam um modelo ideal mais ou menos coerente das formas de
comportamento compatíveis com esta sociedade moderna, e estabeleceram
técnicas de verificação empírica mais ou menos desenvolvidas para detectar ograu de modernização alcançado pelas sociedades concretas. A teoria do
desenvolvimento buscou localizar os obstáculos à plena implantação da
modernidade e definir os instrumentos de intervenção, capazes de alcançar os
resultados desejados no sentido de aproximar cada sociedade existente desta
sociedade ideal. Por mais que estas construções teóricas pretendessem ser
construções neutras, em termo de valores, e alardeassem haver superado
qualquer filosofia da história que pretendesse estabelecer um fim para a
humanidade, era impossível esconder a evidência de que se considerava a
sociedade moderna, que nascera na Europa e se afirmara nos Estados Unidos
da América, como um ideal a alcançar e uma meta sócio política a conquistar.
Era mais ou menos evidente também uma aceitação tácita de que a instalação
desta sociedade era uma necessidade histórica incontestável.
Isto ficou mais claro quando se colocou a necessidade de propor políticas
coerentes de desenvolvimento que visassem elevar toda a população do mundo
ao nível dos países desenvolvidos, que haviam alcançado este estágio
“superior ” de organização social. Na economia, autores como Singer, Lewis,
Harrod, Domar, Nurske tentaram formalizar os comportamentos e políticas
possíveis e necessários para alcançar o desenvolvimento. Outros, mais céticos,
e alguns até críticos, não deixaram de buscar os mesmos resultados com
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métodos menos formais. Perroux, Nurske, Haberler, Vines, Singer, Hirschman,
Myrdal não deixaram de pretender o mesmo objetivo: elevar as sociedades
tradicionais, de comportamento não-racional e valores comunitários limitados, à
condição de sociedades modernas, racionais, universalistas, etc.
Na década de 50, a teoria do desenvolvimento alcançou seu momento
mais radical e, ao mesmo tempo, mais divulgado através da obra de W.W.
Rostov (1961). Ele definiu todas as sociedades pré-capitalistas como
tradicionais. Este barbarismo histórico, que provocou os protestos dos
historiadores sérios, era necessário para ressaltar os vários estágios do
desenvolvimento que se iniciaria com o famoso “take-off”, a “decolagem” do
desenvolvimento que teria ocorrido na Inglaterra de 1760, nos Estados Unidospós-guerra civil, na Alemanha de Bismarck, no Japão da Restauração Meiji, etc.
A questão do desenvolvimento passou a ser assim um modelo ideal de ações
econômicas, sociais e políticas interligadas que ocorreriam em determinados
países, sempre que se dessem as condições ideais à sua “decolagem”.
Seu livro se chamava “um manifesto anticomunista” e não ocultava seu
objetivo ideológico. Tratava-se de demonstrar que o início do desenvolvimento
não dependia de um Estado revolucionário, como ocorrera na URSS, e sim de
um conjunto de medidas econômicas tomadas por qualquer Estado nacional que
assumisse uma ideologia desenvolvimentista. Num livro posterior menos
divulgado, Rostov defendeu a necessidade de que este Estado
desenvolvimentista fosse um Estado forte e seus trabalhos como consultor da
CIA foram uma das principais referências das políticas de golpes de Estado
modernizadores praticados nas décadas de 60 e 70, a partir do golpe brasileiro
de 1964.
O modelo de Rostov tinha um começo comum, na indiferenciada massa
das economias e sociedades tradicionais, em que ele transformou os 6.000 anos
de história da civilização, e terminava na indiferenciada sociedade pós-industrial,
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era da afluência à qual reduzia o futuro da humanidade, tomando como exemplo
os anos dourados de crescimento econômico norte-americano do pós-guerra.
Apesar do seu primarismo, este modelo prevalece na cabeça dos cientistas
sociais contemporâneos. Ele continua orientando pesquisas e projetos de
desenvolvimento, apesar de que seu ponto de partida - a sociedade tradicional -
tenha se tornado mais diversificado, devido à expansão da subjetividade dos
povos descolonizados, e a idéia de sociedade afluente tenha caído do pedestal
depois dos movimentos de massa de 1968. Talvez esta tenha sido uma das
intervenções mais fortes e brutais da ideologia no campo científico. Rostov não
deixou de acompanhar as modas posteriores: em 1970 aderiu ao estudo dos
ciclos longos de Kondratiev e em 1990 chamou a atenção para a necessidadede retomar a temática do desenvolvimento através de um método inter-
disciplinar que dê conta desta problemática (ver Rostov 1978 e 1994). Apesar de
mais sérias, embora bastante falhas, estas obras não alcançaram nunca a
difusão do manifesto anti-comunista da década de 50.
Mas os ataques de Rostov não deixaram de reconhecer a importância
política, histórica, ideológica e científica da obra de Karl Marx. Neste momento, a
guerra fria colocava em evidência a experiência de desenvolvimento da URSS.
Na verdade, a Revolução Russa foi a primeira tentativa de conduzir
racionalmente uma experiência de desenvolvimento econômico através do
planejamento estatal centralizado. O Estado Soviético estabelecera o 1º Plano
Qüinqüenal em 1929 e desde então passou a definir seu crescimento econômico
e social através deste instrumento revolucionário que foi adotado em parte pela
Revolução Mexicana, depois pelo Estado Indiano, plenamente pela República
Popular Chinesa e pelas Repúblicas Populares da Europa Oriental. Os êxitoseconômicos destes países obrigavam a respostas ideológicas como as de
Rostov.
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O pensamento marxista não escapava contudo deste esquema geral de
raciocínio. Para Marx, a modernidade se identificava com a revolução
democrático-burguesa. Tratava-se de uma versão classista e histórica de um
modelo cujas pretensões universais derivavam de sua origem de classe, isto é, a
ideologia burguesa. Os pensadores não críticos aceitavam a sua sociedade
como a Sociedade, como a forma final e ideal da sociedade em geral. Mas para
o Marx, esta formação social representava somente um estágio do
desenvolvimento global da humanidade. Ao confrontar-se com a especificidade
da formação social russa, Marx teve simpatias pela tese populista de que a
Rússia teria um caminho próprio - via comunidades rurais, o Mir russo – para o
socialismo sem passar pelo capitalismo. Contudo, nem ele nem Engels
puderam elaborar em detalhe esta idéia geral.
A questão se tornava contudo extremamente complicada com o
surgimento da Revolução Russa. A partir de então tornava-se necessário
explicar como o socialismo surgira, como um novo regime político e como um
novo regime econômico, que continha elementos importantes de um modo de
produção novo, numa sociedade que não havia alcançado ainda a maturidade
da revolução burguesa e da modernização.
Os regimes dirigidos pelos Partidos Comunistas, implantados na URSS e,
depois da II Guerra Mundial, em várias partes do mundo não-desenvolvido,
tomaram como tarefa realizar esta modernização que as burguesias colonizadas
e dependentes (também chamadas burguesias “compradoras” na Ásia e na
África), às vezes quase inexistentes nestes países, não haviam conseguido
realizar. Esta modernização assumia uma forma nova ao realizar-se sob o
comando da classe operária e do partido que a representaria, segundo aideologia dos regimes de “democracia popular ”, então no poder. Mas na maior
parte destes países não havia uma classe operária capaz de conduzir este
processo político, nem uma indústria moderna que pudesse sustentar uma
produção pós-capitalista. Estes regimes de transição ao socialismo procuravam
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combinar uma economia estatal e em parte socialista com o mercado e outras
formas de produção mais arcaicas.
Difícil problemática que o pensamento dialético tentava resolver. É
necessário lembrar, contudo, que a hegemonia do estalinismo havia significado
também uma derrota da dialética marxista de origem hegeliana. A versão
stalinista do marxismo se aproximava mais do positivismo. A solução estaliniana
foi de converter o regime soviético, tal como Stalin o definia, num modelo ideal a
ser seguido pelos novos regimes revolucionários. Os fundamentos deste modelo
eram: crescimento econômico sustentado na industrialização de base e só
secundariamente na indústria de bens de consumo; partido único ou coligação
de partidos democráticos populares controlados pelo Partido Comunista paraconduzir as transformações revolucionárias; reforma agrária e distribuição de
renda que assegurasse maior igualdade social; cultura popular que valorizasse o
folclore, as manifestações do trabalho e a construção do socialismo.
Para alcançar tais democracias populares eram necessárias condições
especiais que não se reconhecia existir nos países do chamado Terceiro Mundo.
Por isto se esperava que na maior parte dos países subdesenvolvidos e
dependentes se completasse a revolução burguesa, da qual deveriam participar
os partidos comunistas, para em seguida colocar-se um objetivo socialista. Os
casos da China, da Coréia e do Vietnã e, posteriormente, o caso Cubano vieram
a romper este princípio e a provocar uma crise no pensamento de origem
stalinista. A possibilidade da revolução democrático burguesa se transformar
numa revolução socialista nestes países passou a se constituir num novo dado
da discussão no campo marxista.
Em 1958, Paul Baran demostrara que a gestão socialista do excedente
econômico das economias subdesenvolvidas assegurava não somente uma
melhor distribuição da renda como também um crescimento econômico mais
rápido e mais equilibrado. O modelo soviético, o modelo iugoslavo, que não
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aceitou vários aspectos do primeiro, o modelo chinês, que partia de condições
históricas novas, e posteriormente o modelo cubano e mesmo o Argelino além
das mudanças que resultavam da desestalinização da Europa Oriental,
tornaram-se objeto de estudo dentro de uma concepção socialista mais pluralista
e complexa e converteram-se em novas propostas de gestão socialista do
desenvolvimento econômico. Muitos grupos e seitas tentaram contudo
transformar estas experiências históricas em “modelos” pretensamente superior
de transição ao socialismo.
Apesar do esforço em teorizar sobre os elementos comuns e específicos
destas experiências, assim como do que as distinguia do desenvolvimento
capitalista, os estudos sobre estes casos continham fortes elementos normativosque pretendiam apresentar o socialismo como a “solução” de todos os “males”
do capitalismo, mesmo em economias que não haviam alcançado ainda os
elementos básicos de uma economia industrial moderna. Não é aqui o lugar de
desenvolver todos os detalhes de um debate por certo importante, mas muito
equivocado na sua premissa básica, sobre o que poderia ser o socialismo como
regime de transição de um capitalismo subdesenvolvido e dependente para um
novo modo de produção pós-capitalista. Agravava ainda mais a dificuldade do
debate, o fato de que tais regimes se estabeleciam numa economia mundial
capitalista. A própria URSS não podia se desenvolver segundo sua vontade e
era obrigada a condicionar seu desenvolvimento às exigências da guerra fria
imposta pelos EE.UU.
A característica principal de toda a literatura que discutimos até agora era,
contudo, sua visão do subdesenvolvimento como uma ausência de
desenvolvimento. O “atraso” dos países subdesenvolvidos era explicado pelos
obstáculos que neles existiam ao seu pleno desenvolvimento ou modernização.
No entanto, no início da década de 60 estas teorias perdem sua relevância e
força devido à incapacidade do capitalismo de reproduzir experiências bem-
sucedidas de desenvolvimento em suas ex-colônias, que entravam em sua
maioria, em processo de independência desde a Segunda Guerra Mundial.
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Mesmo países que apresentavam taxas de crescimento econômico bastante
elevadas, tais como os latino-americanos, cuja independência política tinha sido
alcançada no princípio do século XIX, estavam limitados pela profundidade da
sua dependência econômica e política da economia internacional. Seu
crescimento econômico parecia destinado a acumular miséria, analfabetismo e
uma distribuição de renda desastrosa. Era necessário buscar novos rumos
teóricos.
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II - A TEORIA DA DEPENDÊNCIA: UM BALANÇO.
A TEORIA DA DEPENDÊNCIA, que surgiu na América Latina nos anos
60, tentava explicar as novas característica do desenvolvimento sócio-
econômico da região, iniciado de fato em 1930-45. Desde os anos 30, as
economias latinoamericanas, sob o impacto da crise econômica mundial iniciada
em 1929, haviam se orientado na direção da industrialização, caracterizada pela
substituição de produtos industriais importados das potências econômicas
centrais por uma produção nacional. Em seguida, terminado o longo ciclodepressivo (caracterizado por 2 guerras mundiais, uma crise global em 1929 e à
exacerbação do protecionismo e do nacionalismo), restabelecia-se depois da II
Guerra Mundial, através da hegemonia norte-americana, a integração da
economia mundial. O capital, concentrado então nos EE.UU. expandiu-se para o
resto do mundo, na busca de oportunidades de investimento que se orientavam
para o setor industrial.
Nestes anos de crise, a economia americana incorporou o fordismo comoregime de produção e circulação ao mesmo tempo em que a revolução
científico-tecnológica se iniciava nos anos de 1940. A oportunidade de um novo
ciclo expansivo da economia mundial exigia a extensão destas características
econômicas ao nível planetário. Era esta a tarefa que o capital internacional
assumia tendo como base de operação a enorme economia norte-americana e
seu poderoso Estado Nacional, além de um sistem a de instituições
internacionais e multilaterais estabelecido em Bretton Woods.
Implantada elementarmente nos anos 30 e 40, a indústria nos principais
países dependentes e coloniais serviu de base para o novo desenvolvimento
industrial do pós-guerra e terminou se articulando com o movimento de
expansão do capital internacional, cujo núcleo eram as empresas multinacionais
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criadas nas décadas de 40 a 60. Esta nova realidade contestava a noção de
que o subdesenvolvimento significava a falta de desenvolvimento. Abria-se o
caminho para compreender o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como o
resultado histórico do desenvolvimento do capitalismo, como um sistema
mundial que produzia ao mesmo tempo desenvolvimento e subdesenvolvimento.
Se a teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento eram o resultado
da superação do domínio colonial e do aparecimento de burguesias locais
desejosas de encontrar o seu caminho de participação na expansão do
capitalismo mundial; a teoria da dependência, surgida na segunda metade da
década de 1960, representou um esforço crítico para compreender a limitações
de um desenvolvimento iniciado num período histórico em que a economiamundial estava já constituída sob a hegemonia de enormes grupos econômicos
e poderosas forças imperialistas, mesmo quando uma parte delas entrava em
crise e abria oportunidade para o processo de descolonização.
Os economistas suecos Magnus Blomstrom e Bjorn Hettne se tornaram
abalizados historiadores da teoria da dependência. Seu livro mais completo
sobre o tema (Blomstrom e Hettne, 1984, pp.15) afirma que há “um conflito de
paradigmas” entre o paradigma modernizante e o enfoque da dependência.
Eles identificam dois antecedentes imediatos para o enfoque da dependência:
“a) Criação de tradição crítica ao euro-centrismo implícito na teoria do
desenvolvimento. Deve-se incluir neste caso as críticas nacionalistas ao
imperialismo euro-norte-americano e a crítica à economia neo-clássica de Raul
Prebisch e da CEPAL.
b) O debate latino-americano sobre o subdesenvolvimento, que tem como
primeiro antecedente o debate entre o marxismo clássico e o neo-
marxismo, no qual se ressaltam as figuras de Paul Baran e Paul
Sweezy.
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Eles resumem em quatro pontos as idéias centrais que os vários
componentes da escola da dependência defendem:
i) O subdesenvolvimento está conectado de maneira estreita com a
expansão dos países industrializados;
ii) O desenvolvimento e o subdesenvolvimento são aspectos diferentes do
mesmo processo universal;
iii) O subdesenvolvimento não pode ser considerado como a condição
primeira para um processo evolucionista;
iv) A dependência, não é só um fenômeno externo mas ela se manifesta
também sob diferentes formas na estrutura interna (social, ideológica e política)”.
Daí que Blonstrom e Heltne possam distinguir três ou quatro correntes na
escola da dependência :
“a) A crítica ou autocrítica estruturalista dos cientistas sociais ligados àCEPAL que descobrem os limites de um projeto de desenvolvimento nacional
autônomo. Neste grupo eles colocam inquestionavelmente Oswaldo Sunkel e
uma grande parte dos trabalhos maduros de Celso Furtado e inclusive a obra
final de Raul Prebisch reunida no seu livro O Capitalismo Periférico. Fernando
Henrique Cardoso às vezes aparece como membro deste corrente e outras
vezes se identifica com a seguinte (tese que os membros desta corrente
claramente rechaçam e com boa razão).
b) A corrente neo-marxista que se baseia fundamentalmente nos trabalhos
de Theotônio dos Santos, Rui Mauro Marini e Vânia Bambirra, assim como os
demais pesquisadores do Centro de Estudos Sócio-Econômicos da
Universidade do Chile (CESO). André Gunder Frank aparece às vezes como
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membro do mesmo grupo, mas sua clara posição de negar seu vínculo teórico
estreito com o marxismo e sua proposição de um esquema de expropriação
internacional mais ou menos estático o separam do enfoque dialético dos outros
neo-marxistas.
c) Cardoso e Faletto se colocariam numa corrente marxista mais ortodoxa
pela sua aceitação do papel positivo do desenvolvimento capitalista e da
impossibilidade ou não necessidade do socialismo para alcançar o
desenvolvimento.
d) Neste caso, Frank representaria a cristalização da teoria de
dependência fora das tradições marxista ortodoxa ou neo-marxista”.
Apesar do brilhantismo e do esforço de fidelidade expresso no seu
esquema histórico, Blonstron e Hettne podem ser contestados no que respeita à
sua apresentação do debate entre o pensamento ortodoxo marxista e a corrente
que ele chama de neo-marxista. Na realidade, esta última corrente tem muitos
matizes que eles não parecem reconhecer. Mas esta discussão nos levaria
demasiado longe para os fins deste trabalho. Podemos dizer que esta é, entre
várias propostas, a que mais se aproxima de uma descrição correta das
tendências teóricas principais que conformaram a teoria da dependência.
Insatisfeito com esta proposta, André Gunder Frank (1991) realizou uma
análise das correntes da teoria da dependência baseando-se em cinco livros
publicados no começo da década de 90 sobre esta teoria. Frank constatou uma
grande dispersão na classificação dos “dependentistas” entre as várias escolas
de pensamento, segundo estes livros. A lista que ele teve o cuidado de
estabelecer serve como uma tentativa de apresentação, de uma maneira mais
neutra, dos principais pensadores relacionados de acordo com suas origens
teóricas. Dentre os estructuralistas encontramos Prebisch, Furtado, Sunkel,
Paz, Pinto, Tavares, Jaguaribe, Ferrer, Cardoso e Faletto. No que diz respeito à
TEORIA DA DEPENDÊNCIA, além de Cardoso e Faletto, que aparecem ligados
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a ambas as escolas, os demais pensadores mencionados são: Baran, Frank,
Marini, Dos Santos, Bambirra, Quijano, Hinkelammert, Braun, Emmanuel, Amin
e Warren. Frank diferencia ainda, no debate sobre a TEORIA DA
DEPENDÊNCIA, entre os reformistas não-marxistas, os marxistas e os neo-
marxistas.
O quadro abaixo, elaborado por André Gunder Frank (1991), traz os
autores mais citados no debate sobre a TEORIA DA DEPENDÊNCIA, de acordo
com os cinco livros publicados sobre o assunto entre 1989-90: Hettne,
Development Theory and the Three Worlds, 1990; Hunt, Economic Theories of
Development, 1989; Kay, Latin American Theories of Development and
Underdevelopment, 1989; Larrain, Theories of Development, 1989; Lehman,Democracy and Development in Latin America, 1990. Estes autores teriam
distinguido, além das teorias da Modernização e do Estruturalismo, quatro
correntes da teoria da dependência: os reformistas (Refor), os não-marxistas
(Não-Mx) , os marxistas (Mx) e os neo-marxistas (NeoMx):
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QUADRO I - Escolas da Teoria do desenvolvimento na América Latina
Autores Modernização Estruturalismo Dependência
Refor Não-Mx Mx NeoMx
Prebisch Lar Kay Lar HetFurtado Kay Lar Hnt HetSunkel + Paz Kay Lar Hnt Het KayPinto Kay KayTavares KayJaguaribe Kay KayFerrer Kay KayCardoso + Faletto Kay Hnt Kay Lar
Baran Lar HetFrank Lar Kay HetMarini Lar Kay HetDos Santos Lar Kay HetBambirra Kay HetQuijano KayHinkelammert LarBraun KayEmmanuel Lar HntAmim Lar HntWarren Hnt
Podemos compreender melhor o sentido destas opções teóricas quando
revisamos a reordenação da temática das ciências sociais latino-americanas
provocada pela teoria da dependência. Esta reordenação refletia não somente
novas preocupações sociais que emergiam para a análise social e econômica
mas também novas opções metodológicas inspiradas nas origens teóricas dos
pesquisadores.
No seu conjunto, o debate científico latino-americano revela sua integração
numa forte perspectiva transdisciplinar. Não foi sem razão que a América Latina
(que já revelara ao mundo um autor marxista tão original como Mariátegui, nos
anos 20) produziu, nas décadas de 30, 40 e 50, pensadores sociais tão originais
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como Gilberto Freire (que praticava uma sociologia de forte conteúdo
antropológico, ecológico, psicanalítico e histórico que encantou grande parte do
pensamento europeu), como Josué de Castro (que aliava uma excelente
formação nas ciências da vida, na medicina, na ecologia e na geografia humana
com um enfoque econômico, sociológico e antropológico extremamente
moderno - inspirador de grande parte do debate mundial não só sobre a fome e
sua geopolítica, mas sobre o subdesenvolvimento como fenômeno planetário e
da relação entre ecologia e desenvolvimento), como Caio Prado Júnior (cujo
marxismo - às vezes estreito metodologicamente - não o impediu de desenvolver
uma obra histórica de grande profundidade sobre as raízes da sociedade
colonial e sobre o caráter da revolução brasileira), como Guerreiro Ramos (cujas
raízes existencialistas o permitiram pensar de maneira pioneira o nascimento domovimento negro contemporâneo além de iluminar o conteúdo civilizatório da
luta do Terceiro Mundo), como Raul Prebisch (cuja visão econômica transcendia
o economicismo tradicional e revelava fortes implicações sociais e políticas -
iluminadas pelos brilhantes “insights” do sociólogo hispano-latinoamericano
Medina Echevarría); como um Sergio Bagú (que descobre o caráter capitalista
do projeto colonial ibérico, através de uma metodologia de análise marxista
modernizada pelos avanços recentes das ciências históricas e sociais), comoFlorestan Fernandes (cujo esforço metodológico de integrar o funcionalismo de
origem durkheimniano, o tipo-ideal weberiano e a dialética materialista marxista
talvez não tenha tido os resultados esperados, mas impulsionou um projeto
filosófico-metodológico que vai se desdobrar na evolução do pensamento latino-
americano como contribuição específica às Ciências Sociais Contemporâneas);
ou como um Gino Germani (que logrou sistematizar o enfoque metodológico das
ciências sociais norte-americanas com o seu liberalismo exacerbado na criação
de um modelo de análise do desenvolvimento como processo de modernização).
A acumulação destas e outras propostas metodológicas na região refletiam
a crescente densidade de seu pensamento social que superava a simples
aplicação de reflexões, metodologias ou propostas científicas importadas dos
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países centrais para abrir um campo teórico próprio, com sua metodologia
própria, sua identidade temática e seu caminho para uma práxis mais realista.
A teoria da dependência tentou ser uma síntese deste movimento
intelectual e histórico. A crítica de Bagú, Vitale e Caio Prado Júnior ao conceito
de feudalismo aplicado à América Latina, foi um dos pontos iniciais das batalhas
conceituais que indicavam as profundas implicações teóricas do debate que se
avizinhava. André Gunder Frank recolheu esta problemática para dar-lhe uma
dimensão regional e internacional. A definição do caráter das economias
coloniais como feudais serviam de base às propostas políticas que apontavam
para a necessidade de uma revolução burguesa na região. Inspirado no exemplo
da Revolução Cubana que se declarou socialista em 1962, Frank abriu fogocontra as tentativas de limitar a revolução latino-americana ao contexto da
revolução burguesa. Radical em seus enfoques ele vai declarar o caráter
capitalista da América Latina desde seu berço. Produto da expansão do
capitalismo comercial europeu no século XVI, a América Latina surgiu para
atender as demandas da Europa e se insere no mundo do mercado mundial
capitalista.
Não é aqui o lugar para revisar em detalhe o extenso debate que se seguiu
a estes ataques e à proposta de Frank de analisar o mundo colonial como um
sistema de expropriação de excedentes econômicos gerados nos mais
recônditos recantos deste mundo. Eu mesmo censurei o caráter estático do
modelo de Frank e o seu desprezo pelas relações de produção assalariadas
como fundamento mais importante do capitalismo industrial, única forma de
produção que pode assegurar uma reprodução capitalista, a partir da qual este
sistema se transforma num modo de produção novo e radicalmenterevolucionário. Ver Dos Santos (1972).
Era contudo evidente que Frank acertava na essência de sua crítica. A
América Latina surge como economia mercantil, voltada para o comércio
mundial e não pode ser, de nenhuma forma, identificada com modo de produção
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feudal. As relações servis e escravistas desenvolvidas na região foram parte
pois de um projeto colonial e da ação das forças sociais e econômicas
comandadas pelo capital mercantil financeiro em pleno processo de acumulação
- que Marx considera primária ou primitiva essencial para explicar a origem do
moderno modo de produção capitalista. Estas formações sociais de transição
são de difícil caracterização. Já lançamos, na época deste debate, a tese de
que há uma semelhança entre as formações sociais de transição ao socialismo
e estas formações socioeconômicas que serviram de transição ao capitalismo.
Não se podia esperar que a revolução democrático-burguesa fosse assim o
fator mobilizador da região. Mas os erros de Frank abriam também um flanco
muito sério. Eles faziam subestimar o obstáculo representado pela hegemoniado latifúndio exportador e pela sobrevivência das relações servis ou semi-servis
na formação de uma sociedade civil capaz de conduzir uma luta revolucionária.
Não se deve esquecer o avanço das relações assalariadas na agro-indústria
açucareira cubana e a importância de suas classes médias e do seu proletariado
urbano cuja greve geral contribuiu amplamente para a vitória de dezembro de
1958, para explorar o radicalismo e os êxitos da revolução cubana, (veja-se o
livro de Vania Bambirra, 1974).
O debate sobre o feudalismo se desdobrou imediatamente no debate sobre
a burguesia nacional. Tratava-se de saber até que ponto o capitalismo da região
havia criado uma burguesia nacional capaz de propor uma revolução nacional
democrática. Outra vez Frank polarizou a discussão com sua negação rotunda
do caráter nacional das burguesias latino-americanas. Formadas nos interesses
do comércio internacional, elas se identificavam com os interesses do capital
imperialista e abdicavam completamente de qualquer aspiração nacional edemocrática. Vários estudos mostravam os limites do empresariado da região:
pouco conhecimento da realidade política do país, pouca presença junto ao
sistema de poder, pouco conhecimento técnico e econômico, falta de uma
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postura inovadora e de uma vontade de opor-se aos interesses do capital
internacional que pudessem prejudicar o empresariado nacional.
Eu e outros sociólogos nos lançamos contra estas concepções simplistas.
Nos anos 30, figuras como Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi e vários outros
mostravam uma ampla consciência política e econômica do empresariado
nacional. Suas entidades de classe como a Federação Nacional da Indústria,
formulavam um projeto de desenvolvimento com alto conteúdo nacionalista e
apoiavam o projeto de Estado Nacional Democrático dirigido por Getúlio Vargas.
Contudo, eu procurava mostrar os limites estruturais deste projeto diante
de uma expansão das empresas multinacionais para o setor industrial. Elaspossuiam vantagens tecnológicas definitivas e só poderiam ser detidas na sua
expansão por Estados Nacionais muito fortes que necessitavam de um amplo
apoio na população operária e na classe média, sobretudo entre os estudantes
que aspiravam o desenvolvimento econômico como única possibilidade de
incorporá-los ao mercado de trabalho.
Não se tratava pois de uma questão de ausência de conhecimento ou
disposição de luta, ou determinação. Havia sérios limites de classe no projetonacional democrático que chegou a ser desenvolvido intelectualmente através
do IBESP e posteriormente pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB),
na década de 50, que tinha uma base material na Federação Nacional das
Indústrias e em vários órgãos da administração pública que apoiaram o 2º
governo Vargas, quando este projeto alcançou o seu auge. Tais forças
demonstraram-se contudo hesitantes quando puderam avaliar a força e a
profundidade da oposição dos centros de poder mundial a este projeto. A
avassaladora campanha pelo “impeachment” de Vargas, foi detida pelo seu
suicídio, e a sua carta testamento provocou uma arrasadora mobilização popular
que fez a direita recuar e levou a uma fórmula de compromisso no governo de
Juscelino Kubistchek: o Brasil abria suas portas ao capital internacional
garantindo, contudo, suas pretensões estratégicas exigindo um alto grau de
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integração do seu parque industrial que deveria expandir-se até a montagem de
uma indústria de base.
O enorme crescimento industrial logrado de 1955 a 1960 aumentou as
contradições socio-econômicas e ideológicas no país. O caso brasileiro era o
mais avançado no continente e não assegurou um caminho pacífico. A
burguesia brasileira descobriu que o caminho do aprofundamento da
industrialização exigia a reforma agrária e outras mudanças em direção à
criação de um amplo mercado interno e à geração de uma capacidade
intelectual, científica e técnica capaz de sustentar um projeto alternativo. Tais
mudanças implicavam no preço de aceitar uma ampla agitação política e
ideológica no país que ameaçava o seu poder.
O golpe de Estado de 1964 cerrou a porta ao avanço nacional-democrático
e colocou o país no caminho do desenvolvimento dependente, apoiado no
capital internacional e num ajuste estratégico com o sistema de poder mundial.
“O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. A fórmula do
General Juracy Magalhães, ministro de relações exteriores do regime militar
consolidava esta direção. Por mais que os anos posteriores tenham
demonstrado o conflito existente entre os interesses norte-americanos e os
interesses do desenvolvimento nacional brasileiro, não foi mais possível romper
esta parceria selada com ferro e fogo no assalto ao poder de 1964.
Não era possível, portanto, desprezar a luta interna gerada pelo avanço da
industrialização nos anos 30. E a constatação da capitulação final da burguesia
nacional não anulava totalmente seu esforço anterior. Camadas da tecnocracia
civil e militar, setores de trabalhadores e da própria burguesia nunca
abondonaram totalmente o projeto nacional democrático. Mas ele perdeu seu
caráter hegemônico apesar de ter alguns momentos de irrupção no poder central
durante a ditadura. Nos anos de transição à democracia, na década de 80, este
projeto reapareceu no Movimento pelas “Diretas Já”, voltou a influenciar as
eleições locais e marcou político e ideológico com a formação do chamado
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“centrão” durante a fase final da Constituinte e, sobretudo a constituinte de
1988. Contudo, a reorganização dos setores hegemônicos da classe dominante
permitiu-lhes à retomada do controle em 1989, com a vitória eleitoral de
Fernando Collor, e encontrou um caminho ainda mais sólido com a aliança de
centro-direita que venceu as eleições de 1994, com Fernando Henrique Cardoso
na presidência.
Fernando Henrique Cardoso fora um dos que demonstraram em 1960 a
debilidade da burguesia nacional e sua disposição em converter-se em uma
associada menor do capital internacional. Ele foi também um dos que observou
o limite histórico do projeto nacional-democrático e do populismo que o
conduzia.
Desde de 1974, como o mostramos no nosso artigo sobre sua evolução
intelectual e política, (ver Dos Santos, 1996) Cardoso aceitou a irreversibilidade
do desenvolvimento dependente e a possibilidade de compatibilizá-lo com a
democracia representativa. A partir daí, segundo Cardoso a tarefa democrática
se convertia em objetivo central da luta contra um Estado autoritário, apoiado
sobretudo numa “burguesia de Estado” que sustentava o caráter corporativo e
autoritário do mesmo. Segundo ele, os inimigos da democracia não seriamportanto o capital internacional e sua política monopolista, captadora e
expropriadora dos recursos gerados nos nossos países. Os seus verdadeiros
inimigos são o corporativismo e uma burguesia burocrática e conservadora que,
entre outras coisas, limitou a capacidade de negociação internacional do país
dentro do novo patamar de dependência gerado pelo avanço tecnológico e pela
nova divisão internacional do trabalho que se esboçou nos anos 70, como
resultado da realocação da indústria mundial.
Estas teses ganharam força internacional e criaram o ambiente ideológico
da aliança de centro-direita que veio a se realizar nos anos 80, no México, na
Argentina, no Peru, na Venezuela, na Bolívia, e no Brasil. Uma importante ala da
esquerda populista ou liberal aderiu ao programa de ajuste econômico imposto
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pelo Consenso de Washington em 1989, e assegurou a estabilidade monetária e
o precaríssimo equilíbrio macroeconômico dela derivado.
Em troca desta adesão, estes governos garantiam um amplo período no
poder através do apoio internacional que desfrutaram sobretudo sob a forma de
vastos movimentos de capital financeiro e a sua articulação incondicional com a
imprensa internacional. A América Latina entrou assim num novo patamar de
relacionamento internacional caracterizado por moedas fortes (princípio
quebrado no México no final de 1994), pela estabilidade monetária e a
estabilidade fiscal obtida com a privatização das empresas públicas e o corte de
gastos estatais. Governos reeleitos sucessivamente com forte apoio
internacional assumiram discretamente a perspectiva de uma integraçãocomercial das Américas sob a egemonia norteamericana ( ver Dos Santos,
1996-b).
Este caminho de submissão estratégica crescente, seguido pelas
burguesias latino-americanas, parece confirmar as previsões mais radicais sobre
seu caráter “entreguista” e “comprador”. A crise da dívida externa na década de
80, a crise sócio-econômica que significou a política de “ajuste” para permitir opagamento da dívida externa, parecem confirmar o caráter dependente de
nossas economias. Mas as resistências continentais a estas situações foi bem
maior do que muitos esperavam. De repente, viu-se um realinhamento de forças
desenhando-se no subcontinente. Aparecem resistências ao projeto neo-liberal
entre os militares, a igreja, setores da burocracia estatal e sobretudo técnicos,
engenheiros e cientistas. Todos eles estão ligados à existência de um Estado
nacional forte e um desenvolvimento econômico de base nacional significativa.
Os trabalhadores industriais e de serviço se colocaram contudo no centro da
resistência. Todos estes setores têm um papel ínfimo no projeto neo-liberal e
alguns deles chegam mesmo a tornar-se inúteis.
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As dificuldades de eliminar totalmente estas resistências manteve o projeto
neo-liberal nos marcos de um regime liberal democrático e parece dar razão à
tese de que o desenvolvimento dependente é compatível com os regimes
políticos liberais democráticos.
No entanto, é necessário ressaltar que houve situações de exceção, como
no caso do Peru onde Fujimori implantou um regime de exceção que foi
tolerado pelas nascentes democráticas da região. Houve também, tentativas de
rebelião dentro das forças armadas argentinas e venezuelanas, em 1990-93,
cujos desdobramentos ainda estão em curso. Houve ainda o aparecimento de
novos movimentos guerrilheiros, ou mesmo desta nova forma de política
insurrecional que é o Exército Zapatista no México. É importante considerartambém a sobrevivência e o fortalecimento recente das forças insurrecionais na
Colômbia, onde a crise do Estado se faz cada vez mais aguda. Ninguém pode
assegurar que a atual onda democrático-liberal resistirá indefinidamente a esta
combinação de políticas econômicas recessivas, abertura externa, especulação
financeira, desemprego e exclusão social crescente. Mesmo que, neste
contexto, um setor importante da população possa melhorar seus padrões de
consumo, isto dificilmente substituirá o desgarramento do tecido social, da
identidade cultural e das expectativas de trabalho e de competitividade
produtiva de grande parte da população. (ver nosso livro sobre este tema, Dos
Santos, 1991).
Esta evolução dos acontecimentos parece confirmar outra temática posta
em evidência pela teoria da dependência: a tendência à exclusão social
crescente, como resultado do aumento da concentração econômica e da
desigualdade social. “Dependente, concentrador e excludente” estas eram as
características básicas do desenvolvimento dependente, associado ao capital
internacional destacadas pela teoria. Estas características se exacerbaram na
década de 80, sob o impacto da globalização comandada pelo capital financeiro
internacional para o pagamento da dívida externa e a nov fase das moedas
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fortes e privatizações da década de 90, sob o marco do Consenso de
Washington.
A evolução da revolução científico-técnica parece confirmar as análises do
final dos anos 60. Como mostrávamos, no final da década de 60,
prescendendo em pelo menos uma década a literatura sobre a “reconversão
industrial”, ela favoreceu o crescimento da exportação industrial nos países
dependentes de desenvolvimento médio, enquanto os países centrais se
especializavam na tecnologia de ponta, geradora de novos setores de serviço
voltados para o conhecimento, a informação, o lazer e a cultura.
Contudo, como previmos, a expansão industrial da América Latina nãoresultou na sua passagem para o campo dos países industriais desenvolvidos.
Ao contrário, tem aumentado a distância com os países centrais colocados na
ponta da revolução pós-industrial, enquanto as indústrias obsoletas e poluentes
se concentram nos países de desenvolvimento médio. O mais grave contudo
começou a ocorrer na década de 80 pois, conforme havíamos previsto, a adoção
crescente da automação diminuiu drasticamente o emprego industrial. Cada vez
mais afastados dos centros de produção científica, tecnológica, e cultural, os
países em desenvolvimento se inserem na armadilha do crescimento econômico
sem emprego, não vendo expandir por outro lado o emprego em educação,
saúde, cultura, lazer e outras atividades típicas da revolução científico-técnica.
A desvalorização das camadas médias de profissionais resultantes desta
falta de investimentos em pesquisa e desenvolvimento só é compensada em
parte pela emigração de grande parte deles para os países centrais. Aprofunda-
se assim a captação de recursos humanos, o “brain-drain” dos anos 60, agora
atraindo cérebros dos países de desenvolvimento médio, cuja estrutura
educacional superior se torna inútil diante da baixa demanda de serviços
resultante de um desenvolvimento dependente, subordinado, concentrador e
excludente. Os quadros formados por suas universidades sem meios para a
pesquisa e sem contacto com as verdadeiras fontes de demanda da pesquisa e
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desenvolvimento vão ser recrutados nos países centrais. (ver Dos Santos,
1993, 95, etc...)
Ao lado dessas tendências, prossegue a penetração do capitalismo nas
zonas rurais, expulsando mais e mais população para os centros urbanos. A
urbanização se torna cada vez mais metropolização e “favelização”, isto é,
marginalidade e exclusão social, que assume muitas vezes o caráter de um
corte étnico, o que explica a força das reivindicações étnicas nos centros
urbanos da região. De fato, o renascimento da questão indígena e dos
movimentos negros sob novas formas cada vez mais radicais, são uma
expressão desta situação.
O abandono do esforço científico e tecnológico regional, levou também ao
abandono do setor de bens de capital, onde se concentra a chave do processo
de revolução científico-técnica e a possibilidade de um desenvolvimento auto-
sustentado. A complexidade da indústria de base e de sua modernização com a
robotização, começa a retirá-la mesmo dos países, como o Brasil, que já haviam
alcançado um importante desenvolvimento da mesma.
O Estado nacional vê-se avassalado por estas mudanças. Voltado para o
pagamento dos juros da dívida externa na década de 80, criou uma imensa
dívida interna com altíssimos juros e alta rotação. Na década de 90, quando os
juros internacionais caem, os países dependentes vêm-se estimulados e até
forçados a empreender políticas econômicas de valorização de suas moedas
nacionais. Estas políticas os levam a criar importantes déficits comerciais, os
quais buscam cobrir com a atração de capital especulativo de curto prazo,
pagando-lhes altos juros, internamente.
É assim que, ao escaparmos dos juros altos internacionais (hoje
extremamente baixos) caímos na trampa dos juros altos internos. O Estado se
converte em prisioneiro do capital financeiro, afogado por uma dívida pública em
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crescimento exponencial, cujo serviço não deixa mais nenhum espaço para o
investimento estatal, e também, cada vez menos para as políticas sociais e
mesmo para a manutenção do modesto funcionalismo público da região.
O conteúdo de classe do Estado faz-se pois, mais evidente ainda. Ele se
põe completamente a serviço do grande capital financeiro subordinando cada
vez mais os outros setores da burguesia. Ele se vê obrigado a abandonar o
clientelismo e o patrimonialismo das antigas oligarquias através do qual o
Estado atendia às suas famílias e a uma vasta população de classe média. Ele
corta também as aberturas realizadas pelo populismo aos dirigentes sindicais e
outras entidades corporativas. Não há dinheiro para ninguém mais - a fome do
capital financeiro é insaciável.
As políticas de bem-estar voltadas para os setores de baixa renda e para a
previdência social também se vêem definitivamente ameaçadas. A onda neo-
liberal estimula medidas que giram em torno de uma retomada do dinamismo do
mercado que não funcionou em nenhuma parte do mundo. Os governos Reagan
e Thatcher não abandonaram o gasto público, apesar de liderarem o movimento
neo-liberal. Pelo contrário, Reagan aumentou mais de 5 vezes o déficit públicoestadunidense, criando uma enorme dívida pública que serviu de ponto de
arranque do movimento financeiro da década de 80. Os alemães e japoneses
foram os principais beneficiários desta política. Aumentaram seu superávit
comercial com os Estados Unidos e investiram seus ganhos em títulos da dívida
pública a altas taxas de juros. Ao mesmo tempo, converteram suas moedas em
poderosos instrumentos de política econômica (ver nosso artigo de 1992).
O que mais surpreendeu aos teóricos não dependentistas foi o crescimento
dos países do sudeste asiático. Muitos autores apresentaram a consolidação do
crescimento desses países como evidência do fracasso da teoria da
dependência. São vários os estudos sobre estes processos e são unânimes em
reivindicar as especificidades da situação regional. As economias da região não
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fizeram uma grande dívida externa na década de 70, como os latino-americanos
e os países do leste europeu. Elas passaram por reformas agrárias radicais nos
anos 40 e 50, para o que tiveram especial apoio norte-americano, devido sua
proximidade com os inimigos da guerra fria. Elas contaram com a acumulação
de capitais japonesa e a política do MITI de exportar as indústrias de tecnologia
em processo de obsolescência para os seus países vizinhos. Elas tiveram
condições especiais de penetração no mercado norte-americano pelas razões
geopolíticas já mencionadas. Mas, sobretudo, elas praticaram uma forte
intervenção estatal e protecionismo que lhes permitiu sustentar suas políticas
econômicas e desenvolver, ao mesmo tempo, uma base tecnológica própria,
apesar de modesta.
Nada disto as impediu contudo de sofrer com rigor a crise financeira
internacional quando a valorização do yen em 1992 começou a limitar suas
exportações para o mercado norte-americano. O yen forte permitiu ao Japão
substituir em parte o mercado norte-americano, enquanto a China ocupava o
espaço deixado pelo Japão, os “tigres” e os “gatos” asiáticos. A desvalorização
do yen no final de 1996 criou uma conjuntura nova. O Japão voltou ao
mercado norte-americano e as demais economias exportadoras asiáticasviram-se na necessidade de desvalorizar suas moedas para recuperar seu
espaço no mercado norte-americano. Sob o ataque dos especuladores, sua
crise se tornou mais dramática e mostrou os limites desses países.
Esta evolução mostra que a agenda colocada na ordem do dia pela teoria
da dependência continua a ser de grande atualidade apesar das mudanças
fundamentais que ocorreram no período. Estas mudanças seguiram contudo as
tendências apontadas no final dos anos sessenta. Com nossos estudos sobre a
nova dependência, o surgimento do subimperialismo, o papel da marginalização
e da exclusão social antecipamo-nos claramente à evolução dos
acontecimentos.
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Mas o que ressalta sobretudo é a questão metodológica. Mais do que
nunca a problemática do subdesenvolvimento e do desenvolvimento tem de ser
analisada no processo de evolução do sistema econômico mundial. Nele,
persiste a divisão entre um centro econômico, tecnológico e cultural, uma
periferia subordinada e dependente e formas de semi-periferia que ganharam
grande dinamismo durante a fase depressiva do ciclo Kondratiev (de 1967 a
1993). Tudo indica que se retomou o crescimento econômico a partir de 1994 e
novos alinhamentos devem se produzir com a entrada da economia mundial
num novo ciclo longo de Kondratiev (ver Dos Santos, 1991, 92, 93, 94, 95, 98).
A queda do socialismo estatizante de forte influência stalinista, o socialismo
numa só região do mundo, provocou uma onda de euforia neo-liberal queprejudicou muito gravemente a evolução destes países. Tudo indica, contudo,
que a população destes países deverá retificar esta aventura altamente custosa
em vidas humanas e em bem estar social.
As contradições entre EE.UU, Europa, e Japão encontraram o canal do
grupo dos Sete para encaminhá-las. A Rússia (liberada dos seus aliados ou
“satélites” europeus e da periferia da antiga União Soviética) foi precariamenteintegrada neste grupo. Mas a China em pleno crescimento, a Índia e o Brasil,
entre outras 18 potências médias, não encontraram ainda seu lugar no sistema
mundial pós-guerra fria. A não resolução desta questão crucial terá um alto
custo para a paz mundial.
A separação do mundo em blocos regionais parece ser a forma
intermediária que o processo de globalização vem assumindo para resistir ao
livre movimento de capitais financeiros ou das empresas transnacionais ou
globais. Isto se enquadra também nas previsões da teoria da dependência,
inclusive a importância das integrações regionais na América Latina como um
caminho mais sólido para a integração regional de todo o continente. O próprio
EE.UU se vê obrigado a buscar um caminho de maior aproximação hemisférica.
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O NAFTA mostra as dificuldades dessa integração de estruturas tão
assimétricas e tão desiguais. A proposta da ALCA encontra resistências em
todos os lados. A integração exitosa do MERCOSUL reafirma o princípio de que
é mais fácil integrar mercados de níveis semelhantes, particularmente de
significativo desenvolvimento industrial. Contudo, o ASEAN mostra a
possibilidade de uma complementaridade entre um país central que ocupa a
função de um pólo de acumulação como o Japão e outros periféricos, onde o
primeiro organize seu mercado como um consumidor dos produtos dos
mercados próximos, com transferência de tecnologia para garantir a qualidade
de seus abastecedores. Os EE.UU. estariam dispostos a gerar uma nova política
de boa vizinhança que integrasse as Américas sob sua égide. Se não o fizer a
médio prazo talvez encontre já um Brasil consolidado como líder dodesenvolvimento regional na América do Sul.
Como vemos, as mudanças teóricas e metodológicas iniciadas na década
de 60, como cristalização de um amplo esforço teórico e político anterior, têm
um alcance muito maior do que originalmente se pensava. Elas indicaram a
necessidade de repensar a questão do desenvolvimento dentro de um contexto
teórico muito mais amplo que colocava em questão o paradígma dominante nasciências sociais. É necessário pois que discutamos o impacto internacional dos
estudos sobre a dependência para compreender suas possibilidades e seus
limites teóricos.
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III - O DEBATE SOBRE A DEPENDÊNCIA
Para compreender a evolução da teoria da dependência é necessário
tomar em consideração sua enorme difusão e, em seguida, os mais diversos
ataques que esta teoria sofreu nas décadas de 70 e 80. Passamos a apresentar
um survey desta literatura distinguindo as duas décadas.
Na década de 70 uma extensa literatura sobre a TEORIA DA
DEPENDÊNCIA deu início ao debate sobre o tema, desde uma perspectiva
universal.
O artigo de Suzzane Bodenheimer, “Dependency and Imperialism”,
Politics and Society, n. 5, maio 1970, foi talvez a primeira tentativa de apresentar
a teoria da dependência como uma escola de pensamento nova que propunha
um paradigma científico alternativo ao “main stream” do pensamento social
ocidental. Em fevereiro de 1973, The Journal of Interamerican Studies dedicou
uma edição especial à teoria da dependência, de conteúdo essencialmente
crítico, o qual assumia claramente um ponto de vista conservador. O vários
autores levantavam a questão de que a noção de dependência era uma
desculpa para explicar o fracasso econômico dos países subdesenvolvidos.
Neste mesmo ano, Norman Girvan (1973) procurava aplicar o conceito de
dependência à realidade caribenha, exercendo uma particular influência sobre o
governo Manley na Jamaica. Na verdade, este trabalho será o ponto de partida
da escola caribenha da dependência de língua inglesa (ver Blomstrom e Hettne,
1984, 1990, ps. 128 a 155).
Na África, a teoria da dependência encontrou uma elaboração teórica em
curso sobre o desenvolvimento e produziu-se uma fusão bastante profícua.
Samir Amim (1974), convocou uma reunião em Dakar, em 1970, para produzir
um encontro entre o pensamento social latino americano e africano. Quatro
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anos mais tarde, Abelatif Benachenou chamará à realização de um Congresso
de Economistas do Terceiro Mundo em Argel que dará origem a uma
Associação Internacional de Economistas do Terceiro Mundo. Anteriormente,
em Dar-El-Salan reuniam-se cientistas sociais de todo o mundo que tentavam
um caminho teórico alternativo, muito influenciados pelo estruturalismo e pela
teoria de dependência. Surge deste esforço o livro de Tamas Sentzes (1971)
sobre o desenvolvimento econômico que se converteu num clássico da região.
Entre os estudos africanos, surgem os trabalhos de Wallenstein e Giovanni
Arrighi que tanto impacto terão posteriormente, com sua fixação no Fernand
Braudel Center em Binghanton.
Na Ásia, particularmente na Índia, havia já uma longa tradição de críticaanti-imperialista e de formulação de caminhos próprios de desenvolvimento.
Mas estas propostas, apesar de mais abertamente apoiadas no planejamento
estatal, não deixavam de partir da disjuntiva entre tradicional e moderno, entre
atraso e desenvolvimento, apesar de reconhecer os aspectos econômico, social
e culturalmente positivos da cultura indiana. Gandhi sobretudo havia apoiado
sua mobilização de massas anti-imperialista no reconhecimento dos valores da
cultura indiana, entre os quais não estava somente a não-violência mas tambéma produção autônoma e artesanal e a comunidade hindu. Por esta razão, certos
setores do pensamento nacional democrático indiano receberam mal uma visão
do subdesenvolvimento que o ligava à formação do capitalismo moderno como
uma economia mundial. Hettne e Bromstom (1984) insistem na pouca influência
da teoria da dependência sobre o pensamento indiano.
Contudo, muitos autores hindus não somente integraram e noção de
dependência em suas dimensões teóricas ou apresentações didáticas como
assumiram a teoria da dependência como instrumental analítico (ver Baghshi, 19
e Todaro, M.P., 1977). No que respeita ao conjunto da Ásia pode-se ver este
impacto no livro organizado por Ngo Man Lan (1984). Por este livro pode-se ver
a profunda influência dos estudos sobre a dependência nas regiões mais
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tipicamente subdesenvolvidas como as Filipinas, a Tailândia e o sudeste asiático
em geral, onde se gastava a experiência dos tigres asiáticos.
Na América Latina, o programa da Unidade Popular de Salvador Allende e
tendências do governo militar revolucionário peruano incorporavam elementos
chaves da teoria da dependência. A teologia da libertação que surgia no Peru
com Gutierrez tomou a teoria da dependência como sua referência
fundamental. Outros autores como Enrique Dussel assumem claramente esta
perspectiva analítica integrando-a na sua interpretação teórica do marxismo e do
cristianismo. Luigi Bordin ( ) procurou demostrar as relações profundas
entre a teoria da libertação no Brasil e na América Latina e absorção terórica da
ala marxista da Teoria da Dependência.
Em Cuba, a revista Pensamento Crítico abrira suas páginas ao novo
pensamento latinoamericano e persiste como uma influência teórica fundamental
até a derrota de Che Guevara no debate travado entre ele e Rafael Rodrigues
sobre o papel das motivações materiais e das motivações morais no
planejamento socialista. O fracasso da Grande Safra dos 10 milhões de
toneladas e outros erros da direção revolucionária levaram à adesão do PCcubano às teses do “marxismo- leninismo” ortodoxo soviético, com seus
manuais de materialismo histórico e dialético, suas interpretações do
imperialismo, da revolução russa, das revoluções de libertação nacional que se
restringiam à passagem de sociedades feudais ou pré-capitalista para o
capitalismo moderno e a democracia liberal.
As teorias da modernização que buscávamos superar se cristalizavam
sob a forma de um marxismo de inspiração positivista, no qual predominava um
evolucionismo mecanicista. Cuba voltava a ser um país exportador de cana de
açúcar e importador de manufaturados só que agora do campo socialista. O
socialismo permitia contudo uma utilização dos excedentes desta exportação na
implantação do mais avançado projeto educacional, de saúde e de controle
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popular sobre o Estado. Contudo, mesmo com as deformações burocráticas
impostas pelos russos, elas não conseguiram quebrar a espinha dorsal da
revolução cubana.
Vania Bambirra protagonizou uma ampla polêmica com a ortodoxia
cubana, tanto guevarista como comunista. Num seminário realizado no Centro
de Estudos Sócio-Econômicos, em Santiago do Chile, ela questionou as
interpretações correntes da revolução cubana e reivindicou o papel das lutas
democráticas, das massas urbanas, da mobilização histórica pela greve geral e
até uma boa parte da militância do Partido Comunista Cubano no êxito da
revolução. Estas teses foram publicados no seu livro A Revolução Cubana,
uma Reinterpretação que foi lido por setores da direção política cubana mas nãofoi divulgado neste país por suas concepções não-ortodoxas. Nele, aplicava-se
a teoria da dependência para mostrar não somente as verdadeiras causas do
processo revolucionário cubano como também suas dificuldades.
A teoria da dependência ganhava assim uma avassaladora influência na
região latino-americano e no Caribe; nos Estados Unidos, na África e na Ásia
aprofundava seu campo de influência através da teologia da libertação. NaEuropa, a mesma teoria encontrava eco na esquerda revolucionária, na
esquerda do socialismo e da social-democracia. Ela influenciou pesquisas de
grande valor como as realizadas pelo Starnberg, Institute, em Starnberg sobre a
nova divisão internacional do Trabalho, por teóricos espanhóis, alemães,
franceses e ingleses. Entrou também nos países nórdicos ao influenciar as
pesquisas para a paz.
Em 1977, Helena Tuomi fazia um levantamento dos modelos de
dependência na pesquisa ocidental sobre desenvolvimento (ver Tuomi, 1977).
Ela encontrou naquele ano cinco projetos de pesquisa que tentavam definir a ou
as variáveis independentes e dependentes que procuravam medir em períodos
de tempo mais ou menos longos as situações de dependências. Com isto ela
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pretendia definir modelos de explicação do subdesenvolvimento e testá-los
empiricamente (2).
Mas era na América Latina que os estudos sobre a dependência
avançavam por toda parte. Na metade dos anos 70 começa, contudo, um
movimento de crítica à teoria da dependência. No Congresso Latino-americano
de Sociologia de 1975, em Costa Rica, esta discussão tomou grande parte do
congresso. Os resultados destes debates foram publicados no livro: Debates
sobre la Teoria da la Dependência y la Sociologia Latino americana. EDUCA,
San José, 1979, sob a supervisão editorial de Daniel Camacho.
Heraldo Muñoz publicou um dos melhores resumos sobre a TEORIA DADEPENDÊNCIA em seu artigo “El Análisis de la Teoria de la Dependencia
en los Centros: Ejemplos de EEUU ” in Estudios Internacionales, Vol. 12, n.
45, janeiro-março, 1979, pp, 68-76, e “Cambio y Continuidade en el Debate
sobre la Dependencia y el Imperialismo” in Estudios Internacionales, vol. 11,
n. 44, outubro-dezembro, 1978, pp. 88-138. Em 1982 ele editou From
Dependency to Development - Strategies to Overcome Underdevelopment and
Inequality, Estudos Especiais sobre Desenvolvimento Social, PoliticoEconômico, Editora Westview Press, Boulder, Colorado, 1982.
Veja-se também: Gustavo Rodriquez O., “De la Cepal a la Teoria de la
Dependencia - Un Esquema Descriptivo”, IESE, Cochabamba, 1979, e o capítulo
sobre o Marxismo Latino-Americano escrito por Juan Carlos Portantiero para a
coleção History of Marxism, dirigida por Eric J. Hobsbawn.
A grande onda de crítica à Teoria da Dependência ampliou-se sobretudo
na segunda metade da década de 70 e começo da década de 80, vinda em
parte de autores latino-americanos: Agustín Cueva, “Problemas y
Pespectivas de la Teoria de la Dependencia”, CELA, UNAM, deu início a uma
nova crítica à Teoria de la Dependencia acusando seus autores de superestimar
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fatores externos em relação a fatores internos e de abandonarem a análise das
classes sociais. Depois disto ele publicou o livro El Desarrollo del Capitalismo
en América Latina, Siglo XXI, México, 1978 onde deu continuidade a estas
críticas. Posteriormente ele aceitaria o fato de que estava enganado em suas
críticas e passou a destacar as conquistas da ala marxista da Teoria da
Dependência diante dos ataques que ela receberia do pensamento conservador
latino-americano e europeu. Octavio Rodriquez publicou seu “Informe sobre
las Criticas a la Concepción de la CEPAL”, Secretaria de la Presidencia,
México, 1974, onde ele defendia Prebisch e a CEPAL das críticas da Teoria da
Dependência. Enrique Semo, La Crisis Actual del Capitalismo, ed. de Cultura
Popular, México, 1975 apresentou uma crítica baseada no conceito da
interdependência como uma tendência da economia internacional. O trabalhode Vania Bambirra intitulado Teoria de la Dependencia; Una Anticrítica, Era,
México, 1978, responde a grande parte destas críticas. Ela mostra sobretudo os
equívocos de interpretação que elas continham, atribuindo aos teóricos da
dependência posições que eles nunca defenderam, como a idéia de uma
tendência à estagnação econômica, uma supervalorização dos fatores externos
em relação aos internos, etc.
Há também um grupo de críticos da Teoria da Dependência que se
chamam “marxistas ortodoxos” ou simplesmente “marxistas”(3). Eles re[ete,
a crítica de Cuervas de que a teoria da dependência coloca as determinações
externas como fundamentais e colocam em segundo plano a luta de classes no
interior de cada país. Condenam também qualquer visão crítica do
desenvolvimento do capitalismo que, segundo eles, não apresenta diferença
essenciais entre os países dominantes e os dependentes. Esta tendência
endogenista acredita que o imperialismo representa um progresso ao
desenvolver as forças produtivas em nível internacional. Eles não compreendem
em quanto o imperialismo bloqueia o desenvolvimento das forças produtivas das
nações colonizadas, decepam seu poder de crescimento econômico, de
desenvolvimento educacional, de saúde, etc. Não conseguem entender o
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fenômeno da superexploração e a transferência internacional de excedentes
gerados no 3º Mundo e enviados para os países centrais.
De fato, vai ocorrer uma convergência entre as críticas de Fernando
Henrique Cardoso aos seus colegas que iniciaram a teoria da dependência e as
críticas desses chamados “marxistas” (ver o meu artigo sobre as polêmicas com
Cardoso). Estes levam contudo sua “ortodoxia” muito longe defendendo a
necessidade de analisar os modos de produção no interior de cada economia.
São chamados de autonomistas e endogenistas e foram analisados por Marini
(1995) com rigor e precisão. Uma leitura séria de Marx jamais autorizaria este
tipo de interpretação do marxismo. Ele sempre chamou a atenção para o caráter
internacional do modo de produção capitalista e considerou o comércio mundialcomo condição necessária da acumulação primitiva capitalista. Marx não
autorizaria jamais uma concepção classista que colocasse em oposição a
análise das economias nacionais e o estudo de sua articulação com a economia
mundial. Ele sempre entendeu a formação do capitalismo como a dialética entre
a economia mundial, como fenômeno independente, e o conjunto de economias
nacionais em competição, apoiando-se nos seus Estados nacionais.
As implicações teóricas da teoria da dependência estão ainda por
desenvolver-se. Sua evolução na direção de uma teoria do sistema mundial
buscando reinterpretar a formação e desenvolvimento do capitalismo moderno
dentro desta perspectiva é um passo adiante neste sentido, como o veremos
nos próximos capítulos (4).
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IV - A GLOBALIZAÇÃO E
O ENFOQUE DO SISTEMA-MUNDO
A teoria da dependência seguia e aperfeiçoava um enfoque global que
pretendia compreender a formação e evolução do capitalismo como uma
economia mundial. Prebisch já falava nos anos 50, da existência de um centro e
uma periferia mundial, tese que ele aperfeiçoará na década de 70 sob a
influência do debate sobre a dependência (ver Prebisch; 1981). A teoria da
dependência buscou refinar este esquema ao rever a teoria do imperialismo
desde sua formação com Hilferding, Rosa Luxemburgo, Hobson, Lenin eBukharin. André Gunder Frank (1991) chama a atenção para esta busca de
análise do sistema mundial que se desenha sobretudo no começo da década de
70 com Amin (1974), Frank (1978, 1980 e 1981) , Dos Santos (1970 e 1978)
mas que ganha realmente um grande alento com a obra de Immamuel
Wallerstein (1974, 1980, 1989), que desenvolve a tradição de Fernand Braudel
(1979). Tudo isto tem sido objeto de uma ampla discussão(5).
Vários autores reconhecem a relação estreita da teoria do sistema-mundo
com a teoria da dependência. Bjorn Hettne traça mesmo um quadro da
evolução do debate sobre desenvolvimento e dependência no qual a teoria da
dependência tem como resultado de sua evolução a teoria do sistema-mundo,
enquanto a tendência estruturalista marcha para a teoria das necessidades
básicas encampada pelo Banco Mundial nos anos 70 sob a direção de Mc
Namara. Enquanto isto, a tendência endogenista (que se pretende “marxista” e
que ele chama de análise dos modos de produção) se origina, segun
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