View
5
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
1391
TERRAS DE USO COMUM E DE USO COLETIVO COMO PRÁTICAS DE
RESISTÊNCIA DO CAMPESINATO NA ATUALIDADE*
KUDLAVICZ, Mieceslau**
Introdução
Com este artigo objetivamos discutir as diferentes formas de uso comum da terra,
tomando como recorte temporal o último quarto do século XIX até os dias atuais. Identificar
os elementos de resistência entre os camponeses brasileiros à ideologia capitalista do direito
privado à terra. Pretendo também a partir de minha atuação enquanto agente da Comissão
Pastoral da Terra no estado de Mato Grosso do Sul, identificar práticas de uso comum da terra
entre os camponeses do Estado de Mato Grosso do Sul, que existiram e/ou que ainda existem
paradoxalmente aos avanços tecnológicos da agricultura capitalista (agronegócio), onde a
terra é vista como uma mercadoria de valor cada vez mais cobiçada para ser apropriada
privadamente pelos capitalistas.
Para melhor compreender estas práticas de utilização da terra dialogaremos com
os teóricos marxistas e anarquistas, como Kautsky, Lênin e Kropotkin que se debruçaram
sobre a questão agrária e camponesa para pensar a transformação da realidade social do seu
tempo na direção do socialismo. É sabido que os camponeses sempre criaram uma série de
dificuldades para uma grande parte dos pensadores marxistas pelo fato de não conseguirem
entender a complexidade na sua totalidade do que foi, era, e é o mundo camponês. Pois
muitas vezes enquanto classe age de forma contraditória, porque ao mesmo que é dona dos
meios de produção (a terra) é dona da sua força de trabalho (a família). As propostas do
comunismo anarquista de Kropotkin e/ou do coletivismo de Lenin e Stalin não conseguem
convencer o conjunto dos camponeses a aceitarem tais projetos como possibilidade de
realização de vida da família camponesa. Por outro lado esta classe camponesa cruza o século
XX resistindo e lutando por um pedaço de terra para nela trabalhar e viver com dignidade,
colocando por terra uma série de previsões feitas por teóricos, seja da direita como da
esquerda, de que o campesinato estava condenado ao desaparecimento.
A partir daí pretendemos apontar as diferentes formas de terras de uso comum
como elementos constitutivos da reprodução camponesa no mundo e particularmente no
Brasil, durante o século XX. Perceber como as terras de uso comum são brechas que a classe
* Este trabalho é parte do processo avaliativo da disciplina “ Campesinato, Anarquismo e Agricultura”,
ministrada pela professora Valéria de Marcos, durante o programa de pós-graduação em Geografia, nível de
mestrado, oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas. **
Mestrando em Geografia, UFMS/CPTL Bolsista da CAPES. mie3l@uol.com.br .
1392
camponesa vislumbra em relação à utilização da terra, fora dos paradigmas ortodoxos do
capitalismo de domínio e posse da terra. È importante destacarmos aqui que já existem
excelentes trabalhos realizados sobre este tema, como as contribuições das pesquisas
realizadas por NAZARENO (2000), durante sua tese de doutorado sob o tema “Terras de Uso
Comum no Brasil”. O trabalho da professora Valéria de MARCOS (1996) durante a sua
pesquisa de mestrado intitulada “Comunidade Sinsei. (U)topia e Territorialidade” e a tese de
doutorado de TAVARES (2008) sob o título “Campesinato e os faxinais do Paraná: as terras
de uso comum”, para citar apenas alguns dos trabalhos sobre o tema e que servirão de bases
teóricas que fundamentam a discussão que fazemos neste trabalho sobre terras de uso comum.
Por isso tendo como base os estudos destes pesquisadores acima mencionados, buscaremos
identificar e relacionar formas de uso comum da terra muito praticadas entre os camponeses
no Estado de Mato Grosso do Sul e possivelmente em âmbito de Brasil.
Por outro lado pretendemos também nos referir, mesmo que muito brevemente, a
uma proposta de Reforma Agrária de modelo semicoletivista executada pelo Incra (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no Estado de Mato Grosso do Sul como um
exemplo de diferenciação de terras de uso comum e terras de uso coletivista. Esta proposta
enfrentou uma enorme resistência por parte dos camponeses sulmatogrossenses ao projeto de
assentamento que ficou conhecido como “sócio proprietário”, realizado na gestão do
superintendente Luis Carlos Bonelli, como um modelo de reforma agrária que efetivaria a
permanência do campesinato no campo e evitaria as vendas de lotes pelos beneficiários. Este
sistema coletivista de uso da terra nos remete às experiências históricas, como a do período
revolucionário russo e cubano, que enfrentaram fortíssimas resistências do campesinato destes
países.
Usofruto dos Recursos Naturais como Necessidade Vital do Ser Humano.
A título de introdução para a nossa discussão partimos do pressuposto de que os
homens sempre fizeram uso dos recursos naturais para garantir a sua existência e sua
reprodução social independentemente das formas de uso (coletivo, comunitário ou individual)
da terra ou da questão de propriedade: posse, domínio, público ou privada (CAMPOS, 2000).
Nos primórdios a humanidade viveu da coleta de frutos e da caça de animais para se
alimentar.
Entendemos que a natureza é um bem de toda a humanidade. Os homens
dependem da natureza para satisfazer suas necessidades vitais: alimentar-se, vestir-se, abrigar-
se. Na medida em que a organização social se complexifica, também se torna mais complexa
1393
a formação sócio espacial. Os homens tomam iniciativas de delimitar os usos do espaço
geográfico em que vivem, criando fronteiras, e se organizando de forma cada vez mais
hierárquica: uns trabalham, outros fiscalizam, outros fazem a segurança e outros dão ordens,
seja ele o sistema escravocrata, feudal ou capitalista. A preocupação em separar o público e o
privado torna-se uma exigência cada vez mais acentuada, na medida em que os bens da
natureza vão se tornando menos abundantes.
Já no século XVI, início da formação do sistema de produção capitalista, se
realiza o processo de privatização capitalista de uma das formas mais antigas de uso das
terras: as terras de uso comum (bosques e campos usados principalmente para o pastoreio).
Este processo de apropriação privada das terras ocorrido na Inglaterra ficou conhecido como
“cercamentos” (CAMPOS, 2000, p. 32-33), e um dos processos responsáveis pelo
empobrecimento dos camponeses. Mesmo assim teve seus defensores que tentavam
desqualificar a resistência camponesa pela conservação destas formas de uso da terra, como
um obstáculo ao desenvolvimento e ao progresso.
Os cercamentos “transformaram terras outrora marginais em áreas valiosas de cultivo do
trigo. Valiam muito mais em termos monetários, perante o fazendeiro inovador do que
perante o lavrador que havia apascentado seu esquelético rebanho nelas” (DEANE apud
CAMPOS, p.33).
Este processo se aprofunda significativamente durante o século XIX com o
desenvolvimento do capitalismo industrial em vários países europeus, quando a população
rural ainda era hegemônica. Esta é a conclusão a que chega Campos (2000) ao estudar os
“baldios” de Portugal:
No século XIX, com as relações sociais e de produção capitalistas já bastante avançadas,
os interesses individuais sobre os Baldios (grifo do autor) se avolumam ainda mais.[...] A
apropriação privada dos baldios tornou-se assim uma prática constante, fortalecida ainda
mais com a legislação que se seguiria. É o caso do decreto nº 12 de 18 de Abril de 1832
com o relatório de Mouzinho da Silveira, “manifestamente contra a resistência coletiva
dos povos à apropriação individual dos bens comunitários” [...] (CAMPOS, 2000, p.54)
Interessa-nos aqui como importante ressaltar que as terras de uso comum são uma
prática que existiu em todos os continentes, independente das formas de uso comum como
elas ocorreram ou ainda ocorrem. As entendemos como estratégias que os camponeses
encontraram e encontram para garantir o acesso aos recursos da natureza de que a família
necessita no presente, bem como assegurar minimamente o seu futuro. Assim os bosques e
campos de uso comum nos países europeus, os baldios de Portugal, as terras comunais dos
Incas e Maias na América Latina e os ejidos colectivos do México, eram terras de propriedade
privada ou pública, utilizadas pelos camponeses para a agricultura ou para o pastoreio do seu
1394
rebanho (CAMPOS, 2000). Ainda segundo Campos (2000), no Brasil se desenvolveram
diferentes formas de uso comum da terra como: Terras de Índio, Terras de Negro, Terras de
Santo, os Faxinais, os Fundos de Pasto, e as experiências dirigidas ao uso coletivo da terra.
Em relação às formas de uso da terra dirigidas, tanto no Brasil como em outros continentes,
há um estudo mais detalhado realizado por MARCOS (1996), ao demonstrar como os ideais
anarquistas influenciaram diferentes experiências de uso comunitário da terra. Todas essas
experiências de uso comum da terra foram fundamentais para que o campesinato como classe
se reproduzisse enquanto tal até nossos dias.
A Questão Agrária e Camponesa Continua Sendo um Desafio aos Estudiosos
Elegemos como recorte histórico temporal o século XIX e XX, pelo fato de que
no século XIX há um avanço acelerado do capitalismo industrial, principalmente no
continente europeu, que agia nas cidades, explorando ao extremo a mão de obra nas
indústrias, e no campo expulsando os camponeses de suas terras. Há uma classe operária que
se organiza em sindicatos e há uma insatisfação muito grande dos camponeses empobrecidos
no campo e nas cidades. Neste contexto pipocam movimentos revolucionários na Europa e as
teorias elaboradas por Marx para interpretar a realidade social do campo e da cidade consegue
muitos adeptos. Estes apoiados em Marx se propõem contribuir com os movimentos
revolucionários na direção do socialismo por meio de suas elaborações teóricas. Destacamos
aqui três importantes estudiosos socialistas, Kautsky, Lênin e Kropotkin. Entre muitos
pesquisadores optamos por estes três pelo fato de que eles se dedicaram a estudar o
comportamento do capitalismo nos países mais desenvolvidos e suas contradições e como
resultado propuseram duas estratégias de luta divergentes, para a classe trabalhadora. Uma
linha de pensamento defende que somente os proletários têm condições políticas de fazer a
revolução e os camponeses são apenas aliados estratégicos para a luta e defendem um Estado
forte sob a ditadura do proletariado e para resolver a questão agrária propõem a coletivização
das terras e o fim das comunas (MIR). Há também os seguidores da corrente de pensamento
do Kroptkin e demais anarquistas, que fazem a defesa do fim do Estado e defendem a idéia de
uma organização da futura sociedade, baseada no apoio e ajuda mútua, conforme idéias
desenvolvidas nas obras “O Apoio Mútuo” e “A conquista do Pão” de Kropotkin. O princípio
norteador deste projeto de sociedade está na “fórmula: de cada um, de acordo com as suas
possibilidade e a cada um, de acordo com as sua necessidades” (MARCOS, 1996, p. 374.
Grifo do autor). Enquanto Lênin buscou implantar um programa agrário na Rússia pós-
1395
revolucionária baseado na coletivização das terras, Kropotkin e seus seguidores propuseram a
organização de uma sociedade anarquista-comunista, à semelhança das comunas russas.
Este é um período da história da classe trabalhadora que estava sendo disputada
por duas grandes correntes socialistas: os utópicos (anarquistas) e os autoritários (marxistas
leninistas). As duas correntes propunham estratégias de lutas divergentes em vista da
transformação social da realidade. Lênin defende a idéia de que a sociedade está dividida em
duas classes fundamentais: os burgueses e os proletários. E somente os proletários têm
condições políticas de fazer a revolução. E os camponeses são uma “classe incomoda”
(SHANIN, 1983), porque são proprietários de terra, mas ao mesmo tempo proprietários da
força de trabalho, que segundo uma corrente marxista, tendem a se proletarizar com o avanço
do capitalismo no campo. Portanto podem se aliar à classe burguesa ou poderão ser aliados
dos operários. Mas a experiência da revolução francesa ainda permanecia inquietando os
pensadores marxistas a exemplo de Lênin que durante a revolução russa sempre procurou
uma aliança tática com os camponeses. (RIZZI,1985) ao estudar o período da revolução russa
evidenciou o dilema vivenciado pelos revolucionários russos:
O debate sobre a questão agrária na Internacional deve ser colocado neste contexto; ele
tornou-se um polo de convergência de velhos e novos tabus, ou seja, da incapacidade por
parte daquela geração de revolucionários de apreender as peculiaridades do “maldito
problema” que era o problema camponês.E isto apesar de 1917, que ali estava para
demonstrar que o poder do czar fora abatido graças à contribuição determinante das
massas rurais. (RIZZI, 1985 p.219, grifo do autor).
Pressionados pela rebeldia dos camponeses que se negaram ou resistiram a
entregar os excedentes para o Estado, foram obrigados a manter e reconhecer a importância da
pequena propriedade para melhorar a produção de alimentos. Segundo RIZZI (1985), isto
incomodava os revolucionários que apostavam na coletivização das terras.
Reafirmar a linha da coletivização e, ao mesmo tempo, aceitar a manutenção e também a
difusão da pequena propriedade ressoava como uma adesão mais lúcida ao principio da
realidade – mas também como um contradição de solução difícil. Para Marchlewski e
outros dirigentes da Internacional, “o egoísmo animalesco da camada camponesa”, sua
rebeldia carente de perspectiva, sua desconfiança e ignorância, obstaculizavam o projeto
de transformação socialista no campo (RIZZI, 1985, p.228)
A revolução russa era a grande oportunidade dos teóricos marxistas testarem suas
convicções em relação à questão agrária e ao campesinato no processo revolucionário que
estava extremamente assentado nos estudos de Kautsky sobre a questão agrária. Porém ao
examinarmos “A Questão Agrária” (1980) de Kautsky percebemos que a realidade do campo
indicava alguns dados estatísticos, que os teóricos teimavam em minimizar como o fez
1396
Kautsky ao analisar os dados estatísticos de 1870-1880 em relação ao comportamento do
campesinato russo:
Esta amostra que não se verificou o desaparecimento rápido da pequena propriedade
agrícola diante da grande – desaparecimento que,a exemplo da Inglaterra, era esperado ou
temido no continente, depois que a exploração capitalista em larga escala tomou, pelas
alturas de 1850-1860, proporções consideráveis. Em certos lugares verificou-se mesmo
uma tendência à multiplicidade das explorações exíguas pela superfície” (KAUTSKY,
1980, p.152).
Continuando a análise dos dados estatísticos, ao se deparar com os dados de 1880-
1890, nos estados norte-atlânticos, Kautsky busca desqualificar a resistência e crescimento da
pequena propriedade apesar dos avanços do capitalismo no campo, contrariando parte das
teses marxistas em relação ao desaparecimento da pequena propriedade e com ela o
campesinato:
Aqui as grandes explorações diminuíram bem mais rapidamente que as pequenas. Estas
últimas resistem com maior tenacidade numa situação desvantajosa. Mas não é lícito
afirmar-se que haja no caso duma superioridade da pequena exploração. (KAUTSKY,
1980, p. 156).
Todavia, Kautsky se rende face à evidência da realidade do campo que aponta
para a complexidade do processo de desenvolvimento capitalista que se verifica no campo
russo.
[...] Da mesma forma, os números que acusam, não uma diminuição, mas antes um
aumento, das pequenas explorações agrícolas, não nos permitem um pronunciamento
sobre as tendências de desenvolvimento capitalista na agricultura, e nos convidam apenas
novas indagações. Eles nos revelam, antes de mais nada, que esse desenvolvimento não
se efetua com simplicidade, como se julgou tantas vezes, que o processo é talvez mais
complicado no campo do que na indústria”. (KAUTSKY, 1980, p. 160)
No final admite que a pequena propriedade não vai desaparecer na escala
temporal segundo as previsões de muitos teóricos marxistas, “apesar de ser um absurdo”,
porém não admite a reprodução social da classe camponesa como possibilidade de resistência
ao afirmar que mesmo assim irá se proletarizar.
De tudo isto resulta que não devemos pensar esteja a pequena propriedade territorial em
vias de desaparecer, na sociedade moderna, ou que possa ser inteiramente substituída pela
grande propriedade. [...]
Mas precisamente essas tendências nos revelam que nada é tão absurdo quanto a idéia de
que , se a pequena propriedade subsiste, ela o deve ao fato de ser mais produtiva do que a
grande. Ela se conserva quando deixa de competir com a larga exploração capitalista, em
marcha ao seu lado. Ao invés de vender os produtos que a grande empresa fornece em
excesso, dela a pequena empresa os compra, muitas vezes. A mercadoria que tem em
abundância, ao contrário, é esse meio de produção de que a grande exploração tanto
precisa: “os braços operários”(grifo do autor).
1397
Quando as coisas chegam a tal ponto, a grande e a pequena empresa não se excluem na
agricultura: elas se apóiam mutuamente, como o capitalista e os proletários. O pequeno
camponês, toma então, cada vez mais, o caráter de proletário. (KAUTSKY, 1980, p 186).
Tanto Kautsky como Lênin entenderam que no futuro o campesinato tenderia a se
proletarizar e o campesintao deixaria de existir e a terra passa para a propriedade do Estado
que organizaria a produção através do sistema coletivista Por sua vez Kropotkin, faz críticas
severas às idéias socialistas marxistas do coletivismo, também chamados de socialistas
autoritários em contraposição à corrente dos anarquistas identificada como socialistas
utópicos ou libertários que defendem a liberdade como elemento primordial para a construção
da justiça social.
Kropotkin num dos seus importantes livros - “O Apoio Mútuo” - discorda dos
trabalhos darwinistas que sustentam como única lei natural para sobrevivência da espécies era
“La lucha por La existência” e a transferem para os homens para justificar as guerras.
Debido a las razones ya expuestas, cuando más tarde las relaciones entre el darwinismo y
la sociología atrajeron mi atención, no pude estar de acuerdo con ninguno de los
numerosos trabajos que juzgaban de un modo u otro uma cuestión extremadamente
importante. Todos ellos trataban de demostrar que el hombre, gracias a su inteligencia
superior y a sus conocimientos puede suavizar la dureza de la lucha por la vida entre los
hombres pero al mismo tiempo, todos ellos reconocían que la lucha por los medios de
subsistencia de cada animal contra todos sus congéneres, y de cada hombre contra todos
los hombres, es una "ley. natural". Sin embargo, no podía estar de acuerdo con este punto
de vista, puesto que me había convencido antes de que, reconocer la despiadada lucha
interior por la existencia en los límites de cada especie, y considerar tal guerra como una
condición de progreso,[...] (KROPOTKIN, s/d, p. 17).
Pesquisando o reino animal, Kropotkin descobre que há uma outra “lei natural”
que é tão importante “[...] o talvez mayores, El apoyo mutuo, La ayuda mutua y La
protección mutua entre los animales [...]. La sociabilidad es tanto uma ley de La naturaleza
como lo es La lucha mutua” (KROPOTKIN, s/d, p. 24). Neste sentido em seu outro livro “A
Conquista do Pão” quando faz um exercício de elaboração dos fundamentos da futura
sociedade do “comunismo anarquista” (KROPOTKIN, 1953) faz referência às comunas que
já possuíam práticas que favoreciam o bem estar da comunidade e que brotavam do principio
de ajuda e apoio mútuo entre os homens.
Desde que as comunas dos X, XI e XII séculos conseguiram emancipar-se do senhor,
laico ou religioso, deram imediatamente grande extensão ao trabalho comum e ao
consumo em comum.
A cidade (já não os particulares) afretava navios e expedia as suas caravanas para o
comércio distante, cujo benefício revertia a todos, não aos indivíduos. Também comprava
as provisões para os habitantes.
1398
[...] Tudo isso desapareceu, mas a comuna rural ainda luta para manter os últimos
vestígios desse comunismo e consegue-o, enquanto o estado não vier atirar a sua espada
sobre a balança. (KROPOTKIN, 1953, p.15).
Mas como organizar a sociedade para que todos possam usufruir de tudo o que a
natureza oferece? Novamente Kropotkin se serve das práticas que já eram conhecidas nas
comunas agrárias da Europa.
[...] Mas em que bases poderia fazer-se a organização para gozar os gêneros em comum?
É uma pergunta que surge naturalmente.
Pois bem, não há duas maneiras diferentes para o fazer com eqüidade: há uma só, uma só
que corresponda aos sentimentos de justiça e que seja realmente prática. É o sistema já
adotado pelas comunas agrárias na Europa.
Tome-se uma comuna de camponeses não importa onde, possuindo, por exemplo, uma
mata. Ora, enquanto não falta, cada um tem o direito de gastar “tanta quanto queira”, sem
outra fiscalização, além da opinião pública dos seus vizinhos.
[...] O mesmo quanto aos prados comunais. Enquanto há que chegue para a comuna,
ninguém quer saber o que comeram as vacas de cada família nem o número de vacas que
pastaram. Não se recorre à partilha ou arraçoamento senão quando os prados são
insuficientes. Este sistema pratica-se em toda a Suíça, em muitas comunas da França, na
Alemanha, etc (KROPOTKIN, 1953, p.28).
Buscamos este diálogo com alguns clássicos socialistas e anarco-comunistas
porque ao projetarem uma sociedade futura se fundamentaram em princípios, como da
liberdade e da justiça social, que a sustentariam pós revolução. No entanto, o que nos
interesse neste trabalho são basicamente suas propostas para o campo. Sendo assim
procuramos demonstrar durante este diálogo que são duas propostas revolucionárias muito
divergentes. Temos os marxistas que sustentam a idéia de que o campesinato estaria fadado
ao desaparecimento no capitalismo e, portanto, defendem a fórmula da coletivização das
terras em que os camponeses serão os assalariados do Estado. Por outro lado, os marxistas
que defendem o comunismo tendo como principio “cada um, de acordo com as suas
possibilidade e a cada um, de acordo com as sua necessidades”. Para os primeiros as terras
seriam propriedade do Estado, enquanto que para os utópicos as terras seriam da comunidade
à semelhança das comunas já existentes.
È neste sentido que MARCOS (1996) no seu trabalho de pesquisa do mestrado
junto às comunidades Japonesas, Sinsei e Yuba, nos municípios de Guaraçai e de
Mirandópolis, respectivamente, ambos no estado de São Paulo, as relaciona às experiências
anarquistas de uso da terra fundamentadas nos ideais propostos por Kropotkin.
Quanto às experiências coletivistas dirigidas pelo Estado registramos aqui a fala
recente da Professora pesquisadora Niurka Prerez Rojas de Cuba, em sua palestra proferida no
1399
SINGA, em Niterói1, quando afirmou que o estado cubano, logo após a revolução
desapropriou todos os proprietários de terra tornando-as propriedade do Estado. A partir de
então os camponeses passaram a trabalhar coletivamente as terras, porém conservou-se o
sistema do monocultivo da cana para a produção de açúcar e este sistema se mostrou incapaz
de resolver a questão agrária de Cuba. Hoje Cuba já está no IV plano de reforma agrária,
inclusive abrindo a possibilidade para que os camponeses possam ter uma posse de terra na
forma de usufruto (a terra continua propriedade do Estado) e diversificam a produção de
alimentos. E a questão agrária continua sem ter uma solução definitiva, mesmo no país de
regime socialista.
A seguir destacaremos formas de uso da terra, ainda muito comuns entre os
camponeses no Estado de Mato Grosso do Sul.
O Uso dos “Corredores”
Segundo CAMPOS (2000), as diferentes formas de terras de uso comum que se
desenvolveram no Brasil, muitas delas ocorrem em âmbito nacional e outras são mais
específicas a determinadas regiões do país como os fundos de pasto (nos estado da Bahia) e os
faxinais (no estado do Paraná). A finalidade das terras de Uso Comum é para pastagens,
extração de saibro, carvão, pedra, para agricultura e aproveitamento das florestas (madeira,
lenha) e da água. Campos (2000) ao se referir às terras de uso como assim afirma que:
Em termos gerais, a terra de uso comum tem características associadas a uma terra do
povo – uma terra que é de todos. No entanto, não se constitui numa terra pertencente ao
povo, no sentido de haver a propriedade coletiva de um grupo, uma comunidade, ou
várias comunidades em conjunto. Trata-se do uso comum de determinados espaços por
inúmeros proprietários individuais independentes, servindo-lhes como um “suplemento”,
sendo, do mesmo modo, utilizado por pessoas ou grupos de não proprietários. (CAMPOS,
2000, p.7)
A partir desta caracterização das terras de uso comum feitas por Campos,
identificamos algumas destas práticas no Mato Grosso do Sul, como o uso dos chamados
“corredores” na área rural e os “terrenos baldios” nos perímetros urbanos das pequenas
cidades.
O termo “corredor” muito utilizado no meio camponês sulmatogrossense refere-se
às estradas vicinais que separam propriedades particulares de camponeses ou de fazendeiros.
Nas duas margens destas estradas, entre a cerca de uma propriedade rural e a estrada que liga
1 IV Simpósio Internacional de Geografia Agrária e V Simpósio Nacional de Geografia Agrária, realizado nos
dias 29/10/2009 a 02/11/2009, em Niterói.
1400
outras propriedades sempre existe um pastagem que, poderíamos dizer “é de ninguém” e ”é
de todos” porque é uma área pública. Apesar de ser uma faixa muito estreita, mas numa
localidade de uma grande concentração de pequenas propriedades, como por exemplo, um
assentamento, na somatória geral acaba sendo uma área de tamanho significativo, como
ilustra a foto nº 1.
Fonte: KUDLAVICZ, Mieceslau, dezembro de 2009
Foto Nº 1 – Gado Solto nos “Corredores” do Assentamento Pontal do Faia, Município de
Três Lagoas
Estas são as áreas utilizadas pelos camponeses das propriedades próximas para
pastoreio do gado, principalmente gado leiteiro, durante o ano todo. É evidente que é mais
disputada nos períodos mais secos (período das estiagens) quando os pastos nas propriedades
sofrem com a escassez de chuvas, e os camponeses complementam a alimentação do seu
rebanho soltando-os para pastarem nestes “corredores”, como pode ser observado na foto nº 2.
1401
Fonte: KUDLAVICZ 13/12/2009
Foto Nº 2 – Gado Solto nos “Corredores” do Assentamento Pontal do Faia, Município de
Três Lagoas
Não são todos os camponeses que se servem deste expediente. São aqueles que
possuem um volume de rebanho superior à capacidade de pastagem de sua propriedade ou
aqueles camponeses que por diferentes razões não tiveram condições de cultivar uma
pastagem suficiente para o seu gado. Mas esta prática não é tranqüila na comunidade
envolvida. Os animais soltos nos corredores ao encontrarem pastagens melhores dentro das
propriedades, forçam as cercas, danificando-as, ou mesmo se alguma porteira das
propriedades for esquecida aberta, este gado entra nas propriedades e destrói as plantações
que ali houver. Estas são reclamações feitas por famílias assentadas do Pontal do Faia, no
município de Três Lagoas, inclusive por discordarem destas práticas. Mas esta prática de
levar o rebanho para pastorear nos chamados “corredores” não é única. Há um hábito dos
camponeses que tem propriedades com pastagens insuficientes para seus animais bem como
por camponeses sem terra, que moram nas cidades pequenas, com currais improvisados na
área urbana que é o de prender o gado durante a noite e diariamente levarem o seu rebanho
para pastorear à margem das rodovias estaduais. Este fato pode ser observado por mim,
inúmeras vezes, nas margens da rodovia estadual que liga a cidade de Selviria à cidade de
1402
Inocência. Muitas destas famílias hoje estão assentadas no projeto de Assentamento Alecrim,
no município de Selvíria.
Um fato muito recente que chocou a comunidade de Brasilândia, uma prova a
mais de que utilizar as margens de rodovias para pastoreio pelos camponeses é uma prática
que não se restringe ao Município de Selvíria. O fato refere-se à prisão de Alvino Pedro Leite,
um senhor de 79 anos, dono de um sítio no município de Brasilândia. Este senhor foi preso e
condenado, porque levava seu gado para pastar nas margens da rodovia, rotina que Alvino
realizava há aproximadamente 50 anos2, numa área que hoje é propriedade da CESP (Centrais
Elétricas do Estado de São Paulo, responsável pela construção da Hidrelétrica de Porto
Primavera, hoje Sérgio Mota) e transformada em reserva legal. Este fato ganhou notoriedade,
inclusive repercutindo em âmbito nacional como matéria de noticia no Fantástico, programa
da rede Globo de Televisão3.
Nesta mesma área da Cesp, antiga fazenda Cizalpina, uma área de terras de varjão
com muitas lagoas e que fora abandonada pelo proprietário há vários anos, ultimamente
estava sendo utilizada por inúmeras famílias ribeirinhas, moradoras das margens do Rio
Paraná, para pastoreio de gado. Antes de serem expulsas em 1998 pela construção da
Barragem de Porto Primavera, mais de três centenas de famílias viviam da agricultura, da
pecuária, da pesca, da atividade cerâmico oleira, como empregados dos ranchos (residências
de lazer), do comércio local e como diaristas das fazendas. Como agente da Comissão
Pastoral da Terra, acompanhei durante vários anos o sofrimento das famílias ao serem
transferidas para o reassentamento criado pela empresa, perderem o acesso a estas terras
muito férteis e com abundância de água, onde residiam há dez, vinte e quarenta anos. Apesar
de ser propriedade privada individual, era usada por toda a comunidade tanto para pastoreio,
como também para pesca e produção agrícola, durante várias décadas. Apesar desta área hoje
já estar transformada em reserva ambiental pela Cesp, segundo um de seus funcionários
responsáveis pela área, a empresa enfrentou durante o processo de transformação da área em
reserva legal e hoje continua enfrentando conflitos com a comunidade que insiste em fazer
uso da área como o fazia há muitas décadas, apesar da empresa proprietária da área manter a
proibição de qualquer acesso humano a toda esta área.
O Uso dos Terrenos “Baldios”
2 Fonte: http://www.campogrande.news.com.br/canais/view/?canal=8&id=230302. Acessado em 17/13/2009.
3 Fonte: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL699590-15605,00.html. Acessado em 17/12/2009.
1403
Inicialmente, para facilitar a (nossa) compreensão neste trabalho, esclarecemos
que usamos o termo terrenos “Baldios” para definir e identificar espaços urbanos seja eles de
propriedade privada ou de propriedade do estado (município, estado, União), e que não estão
sendo utilizados pelos referidos donos. Neste sentido, é muito comum nos depararmos no
perímetro urbano das cidades com grandes extensões de terra sub utilizadas, servindo apenas
para especulação imobiliária. São estes espaços que em muitas pequenas cidades brasileiras
são utilizadas por famílias de camponeses que foram expulsas do campo e que hoje se
encontram residindo nas periferias das cidades utilizando estes espaços para criar
principalmente gado leiteiro, muitas vezes como única fonte de renda. E em Três Lagoas,
como na maioria das cidades pequenas de Mato Grosso do Sul, não é diferente. No final dos
anos de 1990 e início dos anos de 2000, a prefeitura municipal de Três Lagoas estimava um
número aproximado de duas mil cabeças de gado bovino sendo criado solto nos “terrenos
Baldios” do perímetro urbano.
Ainda nos dias de hoje há uma número considerável de gado bovino sendo criado
no perímetro urbano da cidade de Três Lagoas e em terrenos baldios cercados, como pode ser
verificado na foto nº 3.
Fonte: KUDLAVICZ, Mieceslau. Dezembro de 2009
1404
Foto nº 3 Criação de Gado em Terreno “Baldio” na Periferia de Três Lagoas/MS
No final dos anos de 1990, testemunhei acidente com uma família que criava
vacas leiteiras e possuía um pequeno curral, próximo à uma área da cidade conhecida como
“segunda Lagoa”, onde toda a manhã ordenhava suas vacas, cujo leite era vendido de casa em
casa na cidade mesmo. Num determinado dia, por volta do meio dia, recolheu suas vacas no
curral para fazer o combate à mosca do chifre. Pulverizou-as com um produto químico, e ou
por dosagem excessiva ou por porque o produto não era recomendado, perdeu
aproximadamente 30 cabeças de vacas de leite.
Atualmente ele e mais outras famílias que criavam seu rebanho nos terrenos
baldios da cidade foram beneficiados com um lote de terra no projeto de Assentamento Pontal
do Faia no município de Três Lagoas. Também várias famílias da cidade de Selviria que
criavam gado solto nos “terrenos Baldios” da cidade foram beneficiadas com lotes no
assentamento Alecrim no mesmo município.
É necessário fazer o registro de que Três lagoas possui um lei de 1985 que proíbe
a criação de animais de qualquer tipo no perímetro urbano como reza o artigo 23 da Lei Nº
699, de 14 de maio de 1985:
Art. 23- Somente na zona rural será permitido a criação, engorda, confinamento ou
qualquer tipo de exploração animal, ou que, por características próprias os animais
possam causar incômodo aos vizinhos, poluição do meio ou risco à saúde.
Porém esta lei nunca foi aplicada. Somente no início dos anos de 2000, quando há
um acelerado processo de industrialização da cidade, e os terrenos sofrem uma significativa
valorização, inicia-se um processo de cerco às famílias que criam gado solto na área urbana. É
no governo municipal do prefeito Issan Fares (1997 a 2004) que são designados fiscais
municipais com a atribuição de aplicar o artigo 23 da Lei de 1985, com a possibilidade de
apreensão dos animais que forem encontrados soltos no perímetro urbano. A situação se
agravou com a entrada do Ministério Público nesta questão, exigindo a assinatura de um
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no qual dava um prazo de 60 dias para que os
proprietários retirassem o seu gado das ruas da cidade, o que obrigou os criadores de gado a
realizarem um manifesto na Câmara Municipal de Três Lagoas no ano de 20054.
Segundo informações de funcionários da Secretaria Municipal de Agricultura de
Três Lagoas, hoje praticamente não se encontram mais animais soltos na rua, porém ainda
4Manifesto dos criadores na Câmara Municpal de Três Lagoas no dia 01 de abril de 2005. Fonte:
http://www.cmtls.ms.gov.br/ver.php?id=748. Acessado em17 de dezembro de 2009.
1405
existe pequeno número de gado bovino na área urbana (vide foto nº 4), mas estão em lotes
fechados com cercas de arame farpado.
Por outro lado há um número considerável de animais de serviço, como cavalos e
muares utilizados seja nos serviços das olarias ou no serviço dos carroceiros, como ilustra a
foto de nº 4, a seguir.
Fonte: KUDLAVICZ, Mieceslau. Dezembro de 2009
Figura nº 4: Criação de Animais de Serviço em Terreno “Baldio” na Periferia de Três
Lagoas/MS
Enquanto Três Lagoas faz cerco ostensivo aos criadores de gado na rua outros
municípios criam leis para assegurar que os mesmos possam criar seu rebanho respaldados
pelo poder da lei como foi o caso muito recente, de dezembro de 2009, do município de Taió,
estado de Santa Catarina 5.
Os Assentamentos Sócio Proprietários
5Fonte:http://www.adjorisc.com.br/jornais/valeoeste/noticias/index.phtml?id_conteudo=234959.Acessado em
17/12/2009.
1406
No Mato Grosso do Sul, o governo estadual, por meio do Instituto de
Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de MS/IDATERRA - atualmente Agência de
Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural/AGRAER - implementou um “modelo misto”
de assentamento da Reforma Agrária (ALMEIDA, 2006), posteriormente assumido pelo
Instituto de Colonização e Reforma Agrária de Mato grosso do Sul/INCRA-MS como modelo
de assentamento da reforma agrária, conhecido como assentamento “sócio proprietário”.
As famílias do assentamento São Tomé (criado pelo governo Estadual), no
município de Santa Rita do Pardo, foram as primeiras a optarem por este tipo misto. Este
modelo foi classificado por ALMEIDA (2006) como “assentamento misto” pelo fato de que
cada família recebeu um lote individual de oito hectares de terra, tendo direito a mais doze
hectares no coletivo. Este último era composto por uma área contínua usada coletivamente
por um grupo de famílias. O tamanho da área coletiva variava também de acordo com o
número de famílias que formavam o grupo coletivo, uma vez que eram doze hectares por
família, como ilustra a figura nº 1 organizada por Almeida (2006).
Fonte: ALMEIDA, Rosemeire Aparecida, 2006, p. 273
Este modelo de assentamento, que foi uma “iniciativa” do Estado, estava fadado
ao insucesso porque representava um desencontro com o modo de vida camponês. Ou seja,
mais uma caso de [...] “imposição de modelos que não representam na essência os anseios da
condição camponesa” (ALMEIDA, 2006. p.274). A família camponesa que luta pela terra,
luta para poder ficar livre do patrão. Isso significa no imaginário do camponês ter um lote
1407
individual e poder dispor do seu tempo livremente e decidir o que plantar, como plantar e a
forma de comercializar a sua produção. Enquanto agente da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), pude muitas vezes testemunhar a angústia vivenciada pelas famílias que tinham ficado
em barracos de lona por dois, três, cinco anos e mais, e na hora de ir para o lote ser
apresentada como única alternativa o modelo de assentamento “sócio proprietário”. Os
formuladores deste modelo de assentamento ainda não aprenderam a lição da revolução russa
e também da cubana quando seus mentores à “força” (força da lei) buscaram implantar a
coletivização das terras e a organização das grandes fazendas coletivas do Estado e
enfrentaram a rebeldia camponesa. E, atualmente, após o desmonte da União Soviética, os
camponeses estão na miséria porque hoje precisam reaprender a organizar a propriedade
individualmente executando todas as tarefas que demandam uma pequena propriedade, como
cuidar da pecuária, da agricultura, da horta, das pequenas criações, que desaprenderam
durante o processo de coletivização. (SHANIN, 2008).
O uso coletivo da terra não é uma característica entre os camponeses. Houve
outras experiências de uso coletivo das terras em assentamentos no Mato Grosso do Sul,
organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e que também não deram
certo. Fracassaram. O que não significa dizer que entre os camponeses não haja formas de uso
comum da terra, de ajuda mútua e de trabalhos comunitários organizados de modo mais
espontâneos e menos formais (institucionalizados).
Considerações Finais
Neste trabalho objetivamos demonstrar que a família camponesa mesmo quando
expulsa da terra ou com pouca terra, descobre brechas para ter acesso à terra, mesmo que seja
um acesso precário, utilizando os chamados “corredores”, as margens de rodovias, os
“terrenos baldios” da cidade, as terras de margens de rios e lagoas e até mesmo reserva
ambiental. A discussão feita até aqui revelou como várias famílias de camponeses utilizam
comunitariamente ou privadamente uma mesma área, da qual não são proprietários legais.
Porém, quando se trata de uma ação estatal dirigida a Reforma Agrária objetivando o uso
coletivo de uma área (as áreas coletivas do assentamento “sócio proprietário”) que, apesar de
ser propriedade do estado (INCRA), é destinada para uso coletivo de um determinado grupo
de famílias organizado para tal fim, o sonho do camponês de ser dono do seu pedaço de terra
se sobrepõe aos demais interesses. O que mais uma vez vem a confirmar que o modo de vida
camponês de se relacionar com a terra é muito especifico de sua classe social. Possui um
1408
comportamento bastante contraditório e “rebelde” a certas imposições do sistema capitalista
de apropriação privada da terra ao fazer uso dos “corredores” e dos “baldios” (e , ao mesmo
tempo, luta por um pedaço de chão) como também às propostas socialistas de coletivização
(e, ao mesmo tempo, é capaz de fazer uso comunitário dos “corredores”, dos “baldios”). Na
essência busca sempre manter certa independência de qualquer prática que ameace a sua
liberdade de se relacionar com os bens da natureza (solo, água, florestas (madeira, frutos) e/ou
ameace a sua reprodução social enquanto camponês.
Por outro lado, experimenta formas de ajuda mútua e de solidariedade vicinal, no
entanto este camponês é também aquele que mantém certa desconfiança a quaisquer formas
institucionalizadas de cooperação sejam elas apresentadas pelo Estado ou por parte dos
movimentos sociais.
Referências
ALMEIDA, Rosemeire, A. (Re)criação do campesinato, identidade e distinção. A luta
pela terra e o habitus de classe, Editora UNESP, Presidente Prudente, 2006.
CAMPOS, Nazareno José de. Terras de Uso Comum no Brasil Um estudo de suas
diferentes formas, Tese (doutorado) Depto. De Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2000. .
MARCOS, Valéria de. Comunidade Sinsei (U)Topia e Territorialidade, Dissertação de
Mestrado apresentada no curso de Pós-Graduação em Geografia Humana do Departamento de
Geografia d USP. São Paulo, 1996 .
KAUTSKY, Karl. A Questão Agrária, Proposta Editorial Ltda., São Paulo, 3ª edição, 1980
KROPOTKIN, Pedro. A Conquista do Pão, edição da “Organização Simões”, Rio, 1953.
KROPOTKIN, Piotr.El Apoyo Mutuo – disponível em:
http://www.kclibertaria.comyr.com/lpdf/l028.pdf. Acessado em 26 de abril de 2010.
PREFEITURA MUNICIPAL DE TRÊS LAGOAS. Código de Posturas do município de
Três Lagoas, Lei Nº 699, de 14.05.85.
RIZZI, F. A internacional comunista e a questão camponesa. In: HOBSBAWN, e. j.
(ORG.) História do Marxismo. Vol 6 Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, 2ª. Ed. , p. 219-247
TAVARES, Luis Almeida. Campesinato e os Faxinais do Paraná: as terras de uso
comum. Tese de doutorado, USP. São Paulo, 2008. Disponível Biblioteca da USP
WOODKOC, George. História das idéias e movimentos Anarquistas, Vol. I A IDEIA,
L&PM Editores, Porto Alegre, 2007.
Recommended