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Um dos maiores filosofos do mundo, se atreve a pensar e escrever sobre uma filosofia do Design.
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5/19/2018 Por uma filosofia do Design
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Um Prometeu cauteloso?Alguns passos rumo a uma filosofia do design
(com especial ateno a Peter Slotedijk)
Esta traduo foi publicada na revista Agitpropn. 58 (ano 6).Ela pode ser acessada diretamente no site da revista: www.agitprop.com.br
Referncia deste texto
LATOUR, Bruno. Um Prometeu cauteloso?: alguns passos rumo a uma
filosofia do design (com especial ateno a Peter Slotedijk). Agitprop :
revista brasileira de design, So Paulo, v. 6, n. 58, jul./ago. 2014.
Referncia da publicao original
LATOUR, Bruno. A Cautious Prometheus? A Few Steps Toward a Philosophy
of Design (With Special Attention to Peter Sloterdijk). In: Hackne, F.;
Glynne, J.; Minto, V. (eds.). Proceedings of the 2008 Annual International
Conference of the Design History Society. Falmouth, 3-6 September 2009,
e-books, Universal Publishers, pp. 2-10.
Palestra para o encontro Networks of Design, daDesign History SocFalmouth, Cornualha, 3 de setembro de 2008.
Durante a festa de lanamento do encontro Networks of Design,eu tentava compreender o quanto o termo design havia se
ampliado quando fui convidado a visitar uma exposio intituladReimaginando a Cornualha! Eu estava ciente de que corporaeprecisavam ser reestruturadas, ambientes naturais recuperados, qucidades precisavam ser remodeladas e terras devastadas recultivadaEu sabia que bairros tinham que ser embelezados e plataformaspolticas elaboradas, que interiores precisavam ser redecoradose layoutsde jornais reestilizados. A exposio sobre a Cornualhaconrmou que eu estava de fato no caminho certo: se provncias
inteiras podem ser reelaboradas atravs do design,1ento o termono tem nenhum limite.
Bruno LatourTraduo de Daniel B. Portugal e Isabela Fraga
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Quando eu era jovem, a palavra design (importada do ingls para o francs) no signicava mais do qagora chamaramos de relooking em francs (uma bela palavra inglesa que, infelizmente, no existeem ingls). O ato de relook signica dar uma nova e bela aparncia ou forma a alguma coisa umacadeira, uma faca, um carro, um pacote, uma lmpada, um interior que de outra forma permanecedesajeitado, duro ou cru demais caso servisse apenas a sua funo. Design, neste sentido antigo e
limitado, era uma forma de revestir a eciente porm entediante prioridade dos engenheiros e dasequipes de vendas. O design acontecia quando se acrescentava um verniz formal s suas criaes, alguelementos superciais que poderiam fazer diferena em questes de gosto e moda. Mesmo que o desipudesse ser bastante admirado, ele era sempre considerado uma vertente de um caminho alternativo:preste ateno no somente funo, mas tambmao design. Essa dicotomia se sustentava mesmo qubom design fosse ento aquele que, na melhor tradio modernista (como no funcionalismo), seguisso mximo possvel a funo. O design era sempre considerado nesta balana do no somente...,mas tambm. Era como se houvesse, de fato, duas formas bastante diferentes de encarar um objeto:uma delas, atravs de sua materialidade intrnseca, e, a outra, atravs de seus aspectos mais estticos osimblicos.
Eu sei que essa uma descrio um tanto pobre daquilo que vocs atualmente chamam de design(sei muito bem que o uso francs do termo um bem mais restrito que o escandinavo ou o ingls).Entretanto, quero utilizar essa denio da minha juventude como uma base a partir da qual seja poscompreender a extraordinria carreira desse termo. De um elemento supercial nas mos de prossiopouco srios que acrescentavam recursos sob a superviso de prossionais bem mais srios (engenheircientistas, contadores), o design tem se expandido continuamente, ganhando cada vez mais importn
para o cerne da produo. E mais, o design se estendeu dos detalhes de objetos cotidianos paracidades, paisagens, naes, culturas, corpos, genes e, como argumentarei mais frente, para a prpria
[1] (N.T.) O termo design, em
ingls, tambm existe como verbo.
Normalmente, verter o verbo to
designpelo verbo projetar resolveria
a questo. Entretanto, como ficar
claro adiante, Latour utiliza o prprio
termo design tanto em sua forma de
substantivo quanto de verbo como
base de sua reflexo, e o ope a termosde conotao modernista, tais como
projetar, construir etc. Isso gera dois
problemas: 1. A traduo por qualquer
termo que no por designar, que
gera confuso evidente com o verbo
designar (que possui outro significadoem portugus), torna problemtica
a referncia ao termo design. 2. O
termo escolhido teria que possuir as
caractersticas que Latour percebe no
termo design. O termo em portugusque melhor traduz to designe que
possui as caractersticas em questo
nos parece ser elaborar. Para resolver
o problema 1, quando h, aps o verbo,
referncia direta ao design, utilizamos a
forma elaborar atravs do design.
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natureza a qual precisa urgentemente ser reelaborada. como se o sentido da palavra tivesse crescidtanto naquilo que os lgicos chamam de compreenso quanto no que eles denominam extenso.Primeiro, ele cresceu em compreenso pois tem se apropriado de mais e mais aspectos do que umacoisa . Atualmente, qualquer pessoa com um iPhonesabe que seria absurdo distinguir aquilo que foelaborado atravs do design daquilo que foi planejado, calculado, arrumado, arranjado, empacotado,
embalado, denido, projetado, pensado, escrito em cdigo etc. De agora em diante, fazer design posignicar igualmente cada um desses verbos. Em segundo lugar, o sentido da palavra design cresceuextenso ele aplicvel a estruturas cada vez maiores de produo. O espectro de coisas que podemelaboradas atravs do design , agora, innitamente maior do que uma lista limitada de bens cotidianou de luxo.
O meu interesse na ampliao em compreenso e em extenso do termo design no se deve a nenhumconhecimento ntimo da prtica do design (sei menos ainda sobre sua histria e espero que os muitohistoriadores do conceito entre vocs no me contradigam muito). Ainda assim, encaro sua expanso
como um indcio fascinante de uma mudana na forma como lidamos com objetos e aes de umamaneira geral. Se verdade, como propus, que ns jamais fomos modernos; e se verdade, comoconsequncia, que questes de fato agora claramente se tornaram questes de interesse,2ento a seguobservao tem lgica: a diviso tipicamente modernista entre materialidade, de um lado e design, deoutro, est lentamente se dissolvendo. Quanto mais os objetos se transformam em coisas isto , quamais questes de fato se transformam em questes de interesse , mais eles se traduzem inteiramenteobjetos de design.
Se verdade que a atual situao histrica denida por uma completa desconexo entre duas grandnarrativas alternativas uma baseada na emancipao, no desapego, na modernizao, no progresso
[2] (N.T.) No original, matters of facte matters of concern. Essas duas
expresses aparecem diversasvezes ao longo do texto, bem como
em outros textos do autor. O termo
matter, em ingls, pode designar tanto
uma questo ou problema quantomatria. As expresses matters of
facte matters of concernjogam com
essas significaes, pois a matria,
vista como questo de fato, algo
objetivo, dado pela natureza e exterior
ao humano, enquanto a matria, vistacomo questo de interesse, algo
que diz respeito ao humano e a seusinteresses.
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e no controle; e outra, completamente diferente, baseada no apego, na precauo, no envolvimento,na dependncia e no cuidado , ento a pequena palavra design pode servir como um importantemedidor para nos ajudar a detectar o rumo que tomamos e o quo bem tem se sado o modernismo (tambm o ps-modernismo). Para colocar a questo de maneira mais provocativa, eu diria que designum dos termos que substituiu a palavra revoluo! Ao dizer que todas as coisas tm que ser elabora
e reelaboradas atravs do design incluindo a natureza , ns sugerimos implicitamente algo como:elas no sero nem revolucionadas e nem modernizadas. Para mim, a expanso da palavra design secomo um indicativo que poderia provar quo profundamente ns deixamos de acreditar que fomosmodernos. Em outras palavras, quanto mais ns nos vemos como designers, menos nos vemos comomodernizadores. dessa posio losca ou antropolgica do design que eu me dirijo a vocs hoje.
Cinco vantagens do conceito de design
Ouso articular esse estranho argumento baseado (bem supercialmente, concordo) nas varias nuanceda prpria palavra design. A fraqueza desse conceito vago me faz crer que podemos consider-lo umsintoma claro de uma ampla mudana em nossa denio coletiva de ao. A primeira parte destapalestra ser dedicada a analisar cinco conotaes sucessivas do conceito de design. Na segunda partefarei uma introduo losoa do design de Peter Sloterdijk. E, nalmente, encerrarei com uma breconcluso sobre como agrupar as coisas atravs do desenho,3ou seja, como fazer design.
Como um conceito, design sugere uma humildade que parece ausente da palavra construo. Por cde suas razes histricas como mero acrscimo real praticidade, dura materialidade e s funes
objetos cotidianos, sempre h certa modstia na proposta de elaborar algo novo atravs do design. Nodesign, no existe a ideia de fundao. Para mim, dizer que se planeja elaborar algo atravs do design
[3] (N.T.) no original: on howto draw
things together (destaque no original).
O autor joga com o duplo sentido de
draw. To draw things togetherpode
significar simplesmente agrupar ascoisas, ou ento dar sentido s coisas,
agrupando elementos dspares de
modo a formar um conjunto coerente.
Entretanto, o itlico no drawsugere o
sentido de agrupar as coisas atravs
do desenho.
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no carrega o mesmo risco de arrogncia do que dizer que se vai construir algo. Prometeu sem dvidcaria furioso se fosse apresentado como designer a algum outro heri da antiguidade. Assim, a expando termo design uma indicao (fraca, bem verdade) do que poderamos denominar uma teoriaps-prometeica da ao. Essa teoria da ao emergiu exatamente no momento (e esse o ponto realmeninteressante) em que todas as coisas, cada detalhe da nossa existncia diria, do modo como produzimo
comida ao modo como viajamos, construmos casas e carros, clonamos vacas etc., devem ser reelaboradexatamente quando as dimenses das tarefas a serem feitas foram enormemente ampliadas pelas vrias cecolgicas que um entendimento no prometeico ou ps-prometeico da ao domina a conscincia pb
Uma segunda e talvez mais importante implicao do design uma ateno aos detalhesque estcompletamente ausente do sonho megalomanaco da ao heroica prometeica. Siga em frente, rompradicalmente com o passado e as consequncias se resolvero automaticamente!. Esse era o caminhoantigo construir, destruir, transformar radicalmente: aprs moi le dluge!.4Mas essa nunca foi amaneira de se encarar um projeto de design. Uma ateno obsessiva aos detalhes sempre esteve ligada
prpria denio de habilidade em design. E habilidade , com efeito, um termo tambm relacionaao design, do mesmo modo que o design associado s palavras arte e percia.5Alm da modstiaum senso de destreza, habilidade e obsessiva ateno aos detalhes que compe uma conotao-chave design. Este ponto vale ser reiterado porque impensvel fazer qualquer ligao dessas caractersticasdesign com os impulsos modernizadores e revolucionrios do passado recente. Pelo contrrio, atencuidadosa aos detalhes, percia e habilidade eram vistas justamente como caractersticas reacionrias,uma vez que somente atrasariam a rpida marcha do progresso. A expanso do conceito de design induma mudana profunda em nossa constituio emocional: no momento mesmo em que a escala do
que precisa ser refeito se tornou innitamente maior (nenhum revolucionrio poltico comprometidoa desaar os modos capitalistas de produo jamais considerou reelaborar o clima da Terra), a noo
[4] (N.T.) A traduo literal da expressoseria depois de mim, o dilvio. Trata-
se de uma expresso francesa, que
parece ter sido originalmente proferida
por Lus XV, e que carrega a ideia de
um descaso com os rumos futuros e
com as consequncias de longo prazodas prprias aes.
[5] (N.T.) Art and craftno original.
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que signica fazer alguma coisa tambm est sofrendo profundas modicaes. Essas mudanas soprofundas que as coisas j no so feitas ou fabricadas, mas sim cuidadosamente ou cautelosam elaboradas atravs do design. como se tivssemos que juntar a tradio da engenharia com o prinda cautela; como se tivssemos que imaginar Prometeu roubando o fogo do cu de maneira cauteloO que est claro que, nessa juno histrica, dois conjuntos de paixes completamente estranhas en
si (isto , estranhas para o ethos modernista) precisam ser recombinadas e reconciliadas.A terceira conotao do termo design que me parece bastante relevante est ligada ao fato de que, quanalisamos o design de algum artefato, estamos inquestionavelmente lidando com signicados sejameles comerciais, simblicos ou de outra ordem. O design se oferece interpretao; ele feito para seinterpretado na linguagem dos signos. No design h sempre, como dizem os franceses, um dessein, ouitaliano, designo. claro que, em sua forma mais fraca, o design acrescenta apenas signicados superao que era matria bruta e pura ecincia. Mas medida que o design se inltra em mais e mais nvedos objetos, ele traz consigo um novo tipo de ateno aos signicados. Sempre que voc pensa em alg
coisa como objeto de design, voc traz todas as ferramentas, habilidades e percias da interpretao paa anlise dessa coisa. , portanto, extremamente importante atentarmos para o quo profundamenteencaramos os artefatos cotidianos como objetos de design. Pensar sobre os artefatos em termos de designica conceb-los cada vez menos como objetos modernistas e cada vez mais como coisas. Usanminha linguagem: os artefatos esto se tornando concebveis como conjuntos complexos de questescontraditrias (lembrando que esse o sentido etimolgico da palavra thing em ingls,6bem comooutras lnguas europeias).7Quando as coisas so consideradas como bem ou mal elaboradas, elas noapresentam mais como questes de fato. Assim, medida que sua apresentao como questes de fat
enfraquece, seus lugares entre as muitas questes de interesse so fortalecidos.
[6] LATOUR, B. From Realpolitik to
Dingpolitik: how to make things
public an introduction. In: LATOUR,
B.; WEIBEL, P. Making things public:
atmospheres of democracy. Cambridge:
MIT Press, 2005, pp. 1-31. Disponvelem: < http://www.bruno-latour.fr/
node/208>. Acesso em: 06 nov. 2013.
[7] (N.T.) Um dos filsofos que mais
famosamente refletiu sobre o termo
coisa foi Heidegger, a quem Latourfaz referncia em seu texto citado na
nota anterior. O texto do filsofo ao
qual ele faz referncia a transcrio
de uma conferncia proferida em 1950
e cujo ttulo na traduo em portugus A coisa. Nesse texto, Heidegger
escreve: No h dvida que a palavra
thing do antigo alto-alemo designa areunio convocada, para tratar de um
assunto em questo, de uma questo
em disputa (HEIDEGGER, M. A coisa.In: Ensaios e conferncias. Petrpolis:
Vozes, 2006, p. 152). Outras partes do
texto nos ajudam a pensar a etimologia
portuguesa de coisa, que provm de
causa: a palavra romana resevoca
o que toca e concerne o homem, diz ocaso, a questo, o que est em causa.
Por isso, os romanos usavam tambm,
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A transformao dos objetos em signos foi fortemente acelerada pela proliferao dos computadores.bvio que a digitalizao teve grande inuncia na expanso da semitica at o cerne da objetividadeuma vez que quase todas as partes dos artefatos digitais so escritas em cdigos e softwares, no espaque a hermenutica tenha penetrado cada vez mais na prpria denio de materialidade. Se o livro dGalileu sobre a natureza foi escrito em termos matemticos, expandindo prodigiosamente o imprio
das interpretaes e exegeses, essa expanso ainda mais verdadeira hoje, quando mais e mais elemendo nosso entorno so literalmente, e no metaforicamente, escritos em termos matemticos (ou pelomenos computacionais). Embora a velha dicotomia entre funo e forma pudesse se sustentar vagampara um martelo, uma locomotiva ou uma cadeira, ela se torna ridcula quando aplicada a um telefoncelular. Onde seria traada a linha entre forma e funo? O artefato composto de texto de cima abaixo! Mas isso no verdade apenas para artefatos e aparelhos computadorizados, mas tambm paraa boa e velha materialidade: o que so as nanotecnologias e biotecnologias se no a expanso do desigpara outro patamar? Aqueles que conseguem fazer tomos individuais escreverem as letras IBM, quimplantam etiquetas de direitos autorais em DNAs ou idealizam nanocarros que correm em quatrorodas certamente se consideram designers. Aqui, uma vez mais, a matria absorvida pelo signicadomelhor, pela disputa do signicado) de uma maneira cada vez mais ntima.
A quarta vantagem que vejo no termo design (alm de sua modstia, de sua ateno aos detalhes edas habilidades semiticas que ele sempre carrega) que ele nunca um processo que comea do zerfazer design sempre fazer um redesign. Sempre h algo que existe primeiro, que j est dado, comouma questo ou um problema. O design uma tarefa subsequente que visa tornar algo mais vivo, macomercial, mais usvel, mais agradvel ao usurio, mais aceitvel, mais sustentvel etc., dependendo d
diversas restries com as quais o projeto precisa lidar. Em outras palavras, h sempre algo de reparatno design. Essa a vantagem da conotao no somente, mas tambm que critiquei acima. Essa
no mesmo sentido, a palavra causa
(ibidem, p. 152). Da palavra latina
que melhor corresponde a res, isto ,da palavra causa, no sentido de caso e
assunto de interesse geral, derivam-se
os termos neolatinos: la cosa, a coisa, o
francs la chose (ibidem, p. 153).
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diviso certamente uma fraqueza (sempre existe a tentao de ver o design como um adendo, umatarefa secundria, menos sria que a engenharia, o comrcio e a cincia), mas ela tambm uma imenvantagem quando comparada ideia de criao. Fazer design nunca criar ex nihilo. curioso comoos criacionistas estadunidenses usam o termo design inteligente como uma espcie de substituto paDeus, o Criador. Eles no parecem perceber o enorme abismo que existe entre criar e fazer design.
Os designers mais inteligentes nunca comeam de uma tbula rasa. Deus, o designer, na verdade umredesigner de algo que j estava l e isso ainda mais verdadeiro para Seu Filho, assim como para oEsprito Santo, j que os dois so enviados para redimir aquilo que havia dado errado... Se a humanidfoi feita (ou eu deveria dizer elaborada?) imagem de Deus, ento ela tambm deve aprender queas coisas nunca so criadas, mas sim cuidadosa e modestamente reelaboradas. nesse sentido que vea proliferao do termo design como um claro substituto para revoluo ou modernizao. E o faotambm porque h sempre algo ligeiramente supercial no design, algo clara e explicitamente transitalgo ligado moda e, consequentemente, s oscilaes da moda , algo ligado aos gostos e, portantrelativo. Fazer design o antdoto para os atos de fundar, colonizar, estabelecer ou romper com o pas o antdoto para a arrogncia e para a busca de certezas absolutas, comeos absolutos e de desviosradicais.
A quinta e denitiva vantagem do conceito de design que ele necessariamente envolve uma dimenstica que est ligada bvia questo do bom design versus o mau design. No estilo modernista, bondadou maldade eram qualidades que questes de fato no poderiam de maneira alguma possuir. Elasdeveriam car fora das disputas e afastadas de qualquer julgamento normativo. Tanto era assim quetodo o seu propsito era tornar possvel a distino fato/valor. Ns estamos aqui, queira voc ou no
Mas fcil entender que, quando se diz que algo elaborado atravs do design, voc est no somentautorizado, mas tambm compelido, a perguntar se o design foi bem ou mal feito. A expanso do des
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para a denio interna das coisas carrega consigo no somente signicado e hermenutica, mas tambmoralidade. como se a materialidade e a moralidade nalmente se unissem. Isso muito importanporque, se voc comea a reelaborar cidades, paisagens, parques naturais, sociedades, bem como genecrebros e chips, nenhum designer vai poder se esconder atrs da antiga proteo das questes de fatoNenhum designer vai poder dizer: estou somente relatando aquilo que existe, ou estou simplesme
tirando as consequncias das leis da natureza. Ao expandir o design e torn-lo relevante em todos oslugares, os designers enfrentam tambm a questo da moralidade. Voltarei a esse ponto na conclusodizer, por ora, que essa dimenso normativa que intrnseca ao design oferece um bom ponto de parpara estender as questes do design poltica. Uma poltica das questes de fato e dos objetos semprepareceu inverossmil; uma poltica de coisas e questes elaboradas atravs do design um tanto maisrazovel. Se as coisas, ou Dinge, so reunies, como Heidegger costumava deni-las, ento preciso aum pequeno passo para considerar todas as coisas como resultado de uma atividade conhecida comodesign colaborativo na Escandinvia. Essa atividade , na verdade, a prpria denio da poltica dquestes de interesse, uma vez que todos os designs so designs colaborativos mesmo que, em algcasos, os colaboradores no sejam todos visveis, bem-vindos ou voluntrios.
Um pequeno parntesis sobre nossas duas disciplinas: quando os acadmicos do campo dos estudos dcincia e tecnologia (ECT) comearam a revisitar a antiga tradio materialista h cerca de quarenta atambm eles transformaram profundamente objetos em projetos. Tambm eles levaram signicado paquilo que era denido como meros condicionantes materiais; tambm eles questionaram o argumque ope forma e funo; transformaram questes de fato em complexos e contraditrios aglomeradode conitos entre humanos e no humanos; tambm eles demonstraram que artefatos possuem pol
e que um parlamento de coisas podia ser reunido. Mas por causa da palavra construo (usadaespecialmente na infame expresso construo social), eles tambm caram divididos pela oposio
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modernista entre o que era social, simblico, subjetivo, vivido, e o que era material, real, objetivoe factual. No importa quantos esforos fossem feitos para escapar da armadilha que a constituiomoderna havia posto no caminho dos questionamentos empricos os estudos de cincia e tecnologisempre caam nela (ser que as coisas teriam sido melhores se falssemos de design social em vezde construo social? Eu duvido). A armadilha era quase inescapvel. Era quase inescapvel, digo,
enquanto permanecssemos ocialmente modernos. Mas o que acho to interessante que, na expando design, esse conceito passou pelas mesmas fantsticas transformaes que o meu campo de estudoOs ECT, que at alguns anos atrs no eram mais que um pequeno subcampo das cincias sociais (pdemais sociais!), receberam agora um formidvel suporte de um movimento muito mais amplo. O quantes era uma armao ligeiramente forada e claramente escandalosa qual seja, a de que no hobjetos, mas somente coisas e agrupamentos em disputa est rapidamente se tornando senso comuTudo o que era antes concebido como avanos objetivos, materiais, duros e inquestionveis (lembramdo irresistvel caminho do progresso, do calor branco da tecnologia?)8agora se dissipou no ar. Simtudo que foi projetado durante as passadas quatro ou cinco revolues industriais teve de ser reelabor incluindo a Cornualha. o mesmo mundo material, mas agora ele precisa ser refeito com uma nocompletamente diferente do que fazeralguma coisa. O que desapareceu foi o domnio a estranhaideia de domnio que se recusava a incluir o mistrio das consequncias no previstas.
Evidentemente, todas essas cinco dimenses do design, bem como o desenvolvimento dos ECT,poderiam ser encaradas como claros sinais de ps-modernismo, como um quieto e preguioso abanddas tarefas do modernismo prometeico. Alguns modernistas incondicionais pensam assim, mas euno creio que seja o caso. Como mencionei antes, a proliferao do termo design no ocorre num
momento no qual h menos coisas a se fazer; ela ocorre num momento em que h mais coisas a sefazer. Innitamente mais, uma vez que agora todo o tecido da vida objeto de interesse devido cris
[8] (N.T.) A expresso calor branco da
tecnologia foi usada pelo ex-primeiro
ministro britnico Harold Wilson em1963 durante um famoso discurso
sobre as consequncias das mudanas
cientficas e tecnolgicas. Ele afirmava
que a Inglaterra que seria construda
no calor branco da revoluo
tecnocientfica no seria lugar paraprticas restritivas ou medidas
ultrapassadas.
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ecolgica. Aquilo que nenhuma revoluo jamais contemplou a reconstruo de nossa vida coletivana Terra deve ser levado a cabo com uma atitude exatamente oposta s atitudes revolucionrias emodernizantes. isso que torna o esprito do tempo to interessante. O presidente Mao estava certoapesar de tudo: a revoluo precisa ser sempre revolucionada. O que ele no previu que a novaenergia revolucionria seria tirada de um conjunto de atitudes difceis de aparecer em movimentos
revolucionrios: modstia, cuidado, precauo, habilidade, signicado, ateno aos detalhes, conservacuidadosa, redesign, articialidade e modas sempre transitrias. Ns precisamos ser radicalmentecuidadosos, ou cuidadosamente radicais... Que tempo estranho para se viver.
Dasein ist Design
A melhor forma de resumir a primeira parte desta palestra citar um maravilhoso jogo de palavras fepor Henk Oosterling: Dasein ist design. Oosterling um especialista no trabalho de Peter Sloterdijkgrande pensador alemo a quem agora me voltarei para continuar essa pequena reexo sobre losodesign. Ao levar a srio o que Heidegger apenas abstratamente quis dizer com o termo Dasein, Sloterconseguiu extirpar a tradio losca ocidental do caminho bifurcado atravs do qual ela sempre lidcom a materialidade (sempre, isto , desde o sculo XVII). Essa seriedade a respeito do Dasein o qutorna sua losoa to interessante para pessoas como vocs, que so bombardeados com propostas pareelaborar todas as coisas, de cadeiras a climas. Vocs no podem mais se prender ideia de que existde um lado, condicionantes materiais e objetivas e, de outro, condicionantes simblicas, humanas esubjetivas (Na verdade, sinto que os organizadores desta conferncia deveriam ter convidado Sloterdipara dar esta palestra em vez de mim, mas meu desejo de visitar uma Cornualha que eu havia apenas
imaginado at agora me fez esconder tal armao at esta noite). 9
[9] SLOTERDIJK, P. Foreword to the
theory of spheres. In: OHANIAN, M.;
ROYOUX, J. C. (Eds.). Cosmograms. NewYork: Lukas and Sternberg, 2005. p.
223-241.
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O motivo pelo qual vocs deveriam t-lo convidado que Sloterdijk abordou a ampliao noentendimento e na extenso da noo de design desde muito cedo e muito literalmente. To literalmna verdade, que ele foi nomeado reitor de uma faculdade em Karlsruhe a Staatliche Hochschule frGestaltung(gestaltsignica design). uma instituio de artes e losoa extremamente original (sediaalis, na mesma fbrica reformada em que se localiza o Centro de Arte e Mdia de Karlsruhe, o ZKM
onde tive o prazer de realizar a curadoria das exposies Iconoclash eMaking Tings Public).Quando dizemos que o Daseinest nomundo, costumamos passar muito rapidamente pela proposno. Mas no Sloterdijk. No qu?, ele pergunta. No onde? Voc est em um quarto? Em umanteatro com ar condicionado? E, se for o caso, que tipo de bombas de ar e fontes de energia manta refrigerao? Voc est do lado de fora? No existe fora: fora outro dentro com outro controleclimtico, outro termostato, outro sistema de refrigerao. Voc est em pblico? Os espaos pblicotambm so espaos, ora. Eles no so diferentes, nesse aspecto, dos espaos privados. So simplesmeorganizados de modo diverso, com arquiteturas diferentes, pontos de entrada diferentes, sistemas de
vigilncia diferentes, sonoridades diferentes. Tentar losofar sobre o que ser jogado no mundo sedenir mais precisamente ou mais literalmente (Sloterdijk sobretudo literal em seu uso de metforatipos de embalagens nos quais os seres humanos so jogados seria como tentar mandar um cosmonaupara o espao sideral sem um traje espacial. Seres humanos desnudos so to raros quanto cosmonaudesnudos. Denir os humanos signica denir as embalagens, os sistemas de suporte de vida, o Umwque os permite respirar. exatamente isso que o humanismo nunca percebeu ( por isso que Habermcou to ofendido com Sloterdijk e o atacou de maneira mesquinha: seres humanos desnudos de umlado, seres humanos totalmente equipados com sistemas de suporte de vida de outro claro que n
havia jeito desses dois pensadores alemes se entenderem).
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BRUNO LATOUR Um Prometeu caute13
Espero que vocs estejam comeando a perceber por que Sloterdijk o lsofo de vocs: tal como umtraje espacial ou uma estao espacial so elaborados de maneira completamente articial e cuidadosaassim so elaboradas tambm todas as embalagens que constituem o frgil suporte de vida dos sereshumanos (Sloterdijk chama tais embalagens de esferas, e utiliza o termo esferologia para nomearsua empreitada terica). Os seres humanos precisam ser tratados com extrema precauo desde o te
(natural ou articial) no qual se desenvolvem (Sloterdijk dene a losoa como um tipo de obstetrcat o lugar onde eles sobrevivem e morrem. O que to importante nas metforas estendidas explorapor Sloterdijk at o m que elas comeam a resolver exatamente o problema que eu levantei no incdesta palestra. Como podemos reconciliar os conjuntos to diferentes de emoes, paixes e pulsesmobilizados pelas duas grandes narrativas concorrentes da modernidade a da emancipao (a histrocial) e a do apego (a histria encoberta)? Quando voc confere seu traje espacial antes de sair da sunave, voc est sendo radicalmente cauteloso e cautelosamente radical... Voc est dolorosamente ciedo quo precrio voc , mas, ao mesmo tempo, voc est completamente preparado para projetar eelaborar com detalhamento obsessivo aquilo que preciso para sobreviver. Enquanto as losoas da
histria modernas ou antimodernas sempre consideram somente uma narrativa (aquela do progressoou a do fracasso do progresso), Sloterdijk um dos raros pensadores que mostra como as histriasda emancipao e do apego so uma nica e mesma histria. Essa unicao possvel contantoque modiquemos completamente o que signica estar no mundo: o cosmonauta emancipadoda gravidadeporqueele ou ela nunca vive uma frao de segundo fora de seu suporte de vida. Seremancipado e ser apegado so duas encarnaes do mesmo evento, basta notar como as atmosferasarticiais so bem ou mal elaboradas.
O conceito fundamental para reconciliar esses dois conjuntos de paixes e para inventar esse estranhopapel de um Prometeu precavido o de explicitao. A explicitao uma consequncia do conceito
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embalagem. Embalagem um termo que certamente chamar a ateno dos designers e dos arquitetons estamos embalados, enredados, cercados; nunca estamos do lado de fora sem termos criado umaoutra embalagem mais articial, mais frgil, mais desenvolvida. Transitamos sempre de uma embalagoutra, nunca de uma esfera privada para o Grande Lado de Fora.
O modernismo, nas mos de Sloterdijk, no mais um conceito. um lugar, um design, um estilo.
um tipo bem especco de arquitetura ao qual todo o segundo volume de Esferas dedicado: o dosGlobos. Um modernista algum que vive sob um vasto domo e que v as coisas como se estivessesentado sob uma gigantesca forma arquitetnica: o globo da cincia, o globo da razo, o globo dapoltica. Para o modernista, o humanista aquele que l um livro debaixo de uma luminria ou quese senta, vestindo uma espcie de toga romana, nas escadas de um enorme anteatro sob o afresco deum domo gigante... A diferena que, na arquitetura modernista, os suportes de vida necessrios para sustentabilidade desse domo ou globo no foram explicitados. Um modernista toma por certo quesempre haver ar, espao, gua, calor etc. para o desenvolvimento da sua viso global. Mas no h n
global na globalizao. O global est sempre cheio de absurdos, inado de ar quente. E, claro, soprarar quente sempre requer algum tipo de mecanismo, uma bomba de ar, um secador de cabelo umsecador de cabelo elaborado atravs do design! O que aconteceu na segunda metade do sculo passad que o modernismo desapareceu exata medida que os sistemas de suporte de vida se tornaram maiexplcitos, progressivamente. As crises ecolgicas, sob esse ponto de vista, no passam da lenta e dolocompreenso de que no existe mais o lado de fora. Isso signica que nenhum dos elementos necesspara a sustentao da vida podem ser tomados como certos. Para se viver num gigantesco globo inadso necessrios um poderoso ar condicionado e uma poderosa bomba de ar para mant-lo inado. Sios globos modernistas murcharam: o destino do modernismo tem sido semelhante ao daqueles dirigcomo o Zeppelin ou o Hindenburg.
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Vemos, portanto, que aquilo antes chamado de estilo modernista na histria do design deveria ganagora maior longevidade e um signicado mais profundo. Ele seria a prpria forma de apresentaodas coisas como questes de fato, que agora se torna visvel como um estilo e um estilo que est semodicando na frente dos nossos olhos. A esttica das questes de fato sempre foi exatamente isso: uesttica historicamente situada, uma forma de iluminar os objetos, de enquadr-los, de apresent-los,situ-los em relao ao olhar dos observadores, de elaborar os interiores nos quais eles so apresentad
e, claro, a poltica com a qual eles so (eram) to fortemente associados. 10
O que me parece to importante na noo de explicitao, de colocar embalagens dentro de embalag que ela uma forma poderosa de resgatar a cincia e a tecnologia ao modicar completamente o noentendimento do que signica uma vida articial sustentvel. nesse sentido, com efeito, que Sloter O lsofo do design. Se, h pouco, eu estava certo quanto s cinco razes pelas quais a noo de deera um substituto to poderoso das noes de fazer e construir, ento a explicitao pode nos ajudar acompreender que possvel rematerializarsem carregar, junto com a noo de matria, toda a bagagemodernista das questes de fato. exatamente isso que faz Sloterdijk. No existe nenhum lsofocontemporneo mais interessado do que ele na materialidade, na engenharia, na biotecnologia, no depropriamente dito, nas artes contemporneas e na cincia de forma mais geral. Entretanto, quando ellida com materialidades, no como se elas fossem um acumulado de questes de fato que estabeleceindisputveis necessidades naturais como palavras nais em debates sociais ou simblicos. Ao contrrquando ele refora a materialidade de algo, ele torna explcita mais uma frgil embalagem na qualestamos enredados. Esse enredamento to relevante para as embalagens da biotecnologia quanto paestaes espaciais.
Essa exatamente a razo pela qual Habermas no pde aceitar o argumento de Sloterdijk. Para umbom humanista modernista, quando algum comea a falar sobre suportes de vida, sobre as condie
[10] LATOUR, B. What is the style ofmatters of concern?: two lectures on
empirical philosophy. Disponvel em:
.
Acesso em: 19 nov. 2013.
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necessrias para cultivar seres humanos, sobre o ar condicionado que os faria respirar de maneira seisso equivale a um pretexto para um mundo Orwelliano, para a eugenia. O que Habermas no conseperceber, porm, que quando os humanistas acusam as pessoas de tratar os humanos como objetoeles, inadvertidamente, esto tratando injustamente os objetos. Um humanista no pode imaginar quobjetos podem ser coisas, que questes de fato podem ser questes de interesse, que toda a linguagemcincia e da engenharia pode ser representada na forma de outra coisa que no as entediantes leiras inquestionveis necessidades que o modernismo popularizou. Os humanistas esto interessados apennos seres humanos; o resto, para eles, mera materialidade ou objetividade fria. Mas Sloterdijk no tos humanos como questes de fato, como alegam os humanistas. Em vez disso, ele trata tanto os serehumanos quando os no humanos como questes de grave e cuidadoso interesse. Ao tratar os supode vida dos seres humanos como questes de interesse, ns empilhamos interesses sobre interesses, nembalamos, isto , inserimos os humanos em um nmero cada vez maior de elementos cuidadosameexplicitados, protegidos, conservados e mantidos (a imunologia , para Sloterdijk, a grande losoa dbiologia).
Essa pequena mudana na denio de matria modica tudo.11Ela permite reutilizar todas as noede materialidade e articialidade libertando-as das restries impostas pelo antigo estilo modernistadas questes de fato. Em outras palavras, ns podemos ter cincia e tecnologia sem que isso impliqueem naturalizao. No apenas a natureza como o lado de fora da ao humana desapareceu (isso j setornou senso comum); no apenas natural se tornou um sinnimo de cuidadosamente administrahabilidosamente encenado, articialmente mantido, inteligentemente elaborado (isso especialmente vlido para os assim chamados parques naturais ou alimentos orgnicos); mas tama prpria ideia de que usar o conhecimento dos cientistas e engenheiros para lidar com uma questo necessariamente o mesmo que recorrer s inquestionveis leis da natureza est se tornando obsoleta
[11] (N.T.) Ver nota 2.
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Recorrer aos cientistas e engenheiros est rapidamente se tornando outra forma de perguntar: comoisso pode ser mais bem elaborado?. A bricolagem e as formas de pensar costumeiramente associadosdesign dominaram a natureza. Na verdade, elas so inerentes natureza se considerarmos a evoludarwinista como uma forma inteligente de bricolagem, de design inteligente... Mesmo que cego.
at compreensvel que, quando Sloterdijk levantou a questo de como os seres humanos poderiam
elaborados atravs do design ou seja, criados articialmente , isso tenha evocado o antigo fantasmdas manipulaes eugnicas. Mas as similaridades entre esses dois projetos se mostram completamensuperciais sob um exame mais atento. Eles so similares somente da mesma forma que dois trens poestar se movendo na mesma direo apesar de estarem diante de uma bifurcao nos trilhos que os lepara destinos completamente diversos. Habermas no percebeu essa bifurcao to importante de senotar. Sim, seres humanos tm que ser articialmente feitos e refeitos, mas tudo depende do que vocentende por articial e, mais ainda, do que voc entende por fazer. Retornamos a Prometeu e queda criao. Somos capazes de ser o Deus do design inteligente? Esse o cerne da questo. por isso q
to importante falar em design e no em construo, criao ou fabricao. A noo de design, comapontei antes, permite levantar no somente a questo semitica do signicado, mas tambm a questnormativa do bom e do mau design. Isso vale para a manipulao de DNA, assim como para o contrclimtico, paragadgets, para modas, para cidades ou para paisagens naturais um caseperfeito de desdo incio ao m. A articialidade nosso destino, mas isso no signica aceitar para sempre a denimoderna de artefato como a invaso das questes de fato sobre a carne mais tenra da fragilidade humPara dizer de outra maneira, aludindo a uma linha de pensamento que est mais em voga: no h nadnecessariamente ps-humano em embalar ou embrulhar seres humanos em seus suportes de vida. Oshumanistas, assim como os ps-humanistas, parecem no ter outro repertrio para falar da cincia e dtecnologia que no o idioma moderno das questes de fato.
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A grande importncia da losoa de Sloterdijk (e, creio, o principal interesse da viso do designer soas coisas) que ela oferece outro idioma. O idioma das questes de interesse resgata matria, matriamaterialidade e as transforma em algo que pode e precisa ser cuidadosamente reelaborado. Isso muidiferente da viso limitada dos humanistas sobre o que o ser humano, mas igualmente distinto dosonho ps-humanista dos ciborgues. Fica evidente que a denio coletiva do que devem ser os supode vida se torna o ponto-chave das investigaes de orientao poltica. Quase nada resta da cenograda teoria modernista da ao: nenhuma arrogncia masculina, nenhuma pretenso de domnio, nenhapelo ao lado de fora, nenhum sonho de expatriao num espao exterior que no requeira nenhumtipo de suporte de vida, nenhuma natureza, nenhum grande gesto de desvio radical e, entretanto,permanece a necessidade de refazer tudo mais uma vez, numa uma estranha combinao de conservainovao indita na curta histria do modernismo. Prometeu ser, algum dia, cauteloso o suciente preelaborar o planeta?
Espero no ter me distanciado muito do tema ao propor (por ignorncia, certamente) estes poucos
passos rumo a uma losoa do design ou ao apresentar Sloterdijk como seu principal pensador. Gostde concluir propondo um desao para os especialistas em histria do design aqui reunidos. Quandoeu disse, mais cedo, que h algo inerentemente normativo no design por conta da pergunta que elenecessariamente levanta isto um bom design ou um mau design? , tambm mencionei que essum bom ponto de partida para abordar a questo da poltica. Se todo o tecido da nossa existncia terprecisa ser reelaborado nos mnimos detalhes; se para cada detalhe a questo do bom ou mau designdeve ser levantada; se cada aspecto se tornou uma questo de interesses em disputa e no pode mais sestabilizado como uma questo de fato indisputvel, ento ns estamos obviamente entrando em umterritrio poltico completamente novo. Como cada um de vocs sabe muito bem, as questes ecolgpossuem a caracterstica perversa de se desmembrar em todos os tipos de caminhos contraintuitivos.
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provavelmente da ecologia que So Paulo falava quando disse: eu no fao o bem que quero e fao omal que odeio.12A ecologia poltica est trazendo diculdades polticas para o debate pblico. Pois, acordo com a maravilhosa e um tanto paulina fala de De Gaulle: Se do bem apenas o bem resultassese do mal apenas mal resultasse, governar seria bastante simples: um aldeo poderia faz-lo.
Deixem-me levantar a questo do design, entendido literalmente no sentido etimolgico de desenhar
ainda de agrupar atravs do desenho. Como podemos agrupar atravs do desenho as questes de intede modo a oferecer para as disputas polticas uma viso geral, ou ao menos alguma viso, das diculdque nos envolvero a cada vez que precisarmos modicar os detalhes prticos da nossa existnciamaterial? Sabemos que, sempre que nos preparamos para trocar as lmpadas incandescentes por outraque consomem menos energia, para cobrir nossa pegada de carbono, para viabilizar parques elicos, preintroduzir os lobos nos Alpes13ou para desenvolver combustvel base de milho, comear algumapolmica que transformar nossas melhores intenes em um inferno. E ns no podemos acabar coma polmica recorrendo a fatos indisputveis porque os fatos ento em constante disputa. Consequnc
no previstas esto agora na mente de todos. Prometeu se prepara para o pior.O desao o seguinte: em sua longa histria, o design realizou um maravilhoso trabalho inventandohabilidades prticas para desenhar objetos, do desenho de plantas arquitetnicas a modelos de escala,prototipagem etc. Mas o que sempre cou faltando nesses maravilhosos desenhos (designs, em sentidliteral) foi uma representao das controvrsias e das muitas partes interessadas em conito que permtais desenhos. Em outras palavras, vocsdo design, assim como nsdos estudos de cincia e tecnologipodemos insistir que objetos so sempre agrupamentos, reunies no sentido heideggeriano, ou coisasDinge, e, entretanto, quatrocentos anos aps a inveno do desenho em perspectiva, trezentos anos ap
a geometria projetiva, cinquenta anos aps a criao do CAD, ns continuamos incapazes de agrupar
[12] (N.T.) Trata-se de uma passagem
da Carta aos Romanos (Rm, 7: 19)
que Latour cita livremente. Na verso
Almeida corrigida e fiel da Bblia, temos:Porque no fao o bem que quero, mas
o mal que no quero esse fao.
[13] (N.T.) Em setembro de 2013, uma
matria do New York Timesmostraque o exemplo utilizado por Latour
continua a ser objeto de controvrsias.
De acordo com a matria, os lobos
forma extintos nos Alpes por volta
da dcada de 30. Com o apoio do
governo, pastores e fazendeiros
teriam caado os animais at que elesdesaparecessem. Por volta de 1992,
alguns lobos migraram da Itlia para os
Alpes e, sendo ento espcie protegida,
proliferaram em poucos anos. Os
ambientalistas festejaram a volta dessaespcie ao seu antigo habitat natural.
Entretanto, a proliferao dos lobos
tm prejudicado a criao de ovelhas
na regio, que mantm o modo de
criao tradicional. Assim, o projeto
ambientalista de restituir a populaode lobos entra em conflito direto com
o projeto, tambm apoiado pelos
ambientalistas, da manuteno de uma
forma natural e ecologicamente correta
de criao de animais e de produosustentvel.
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atravs do desenho, de simular, de materializar, de aproximar, de modelar o que uma coisa, em todcomplexidade. Sabemos como desenhar, simular, materializar e a dar mais ou menos zoom nos objetosabemos mov-los no espao 3D, faz-los navegar pela res extensavirtual dos computadores, marc-locom um grande nmero de dados etc. No entanto, estamos perfeitamente cientes de que o espao noqual esses objetos parecem se mover to facilmente o mais utpico (ou melhor, atpico) dos espaoEsses so os espaos de circulao menos realistas j imaginados. So espaos inadequados ao modo carquitetos, engenheiros e designers desenham e modicam projetos, como direcionam a produo nafbrica ou como manipulam prottipos. Para usar mais uma vez o alemo: ns sabemos como desenhGegenstand, mas no temos ideia do que desenhar Ding. Certa vez, pedi a um grande historiador datecnologia para me enviar um desenho que fosse, na opinio dele, seu melhor desenho da maravilhoscomplexa histria dos mecanismos sobre a qual ele escrevia h tanto tempo. Ele me enviou um rabiscque eu no teria coragem de mostrar aos meus alunos do primeiro semestre como exemplo do que seuma coisa. Como esse rabisco poderia ser comparado maneira confortvel e suave com que os objetutuam atravs do assim chamado espao euclidiano de um design de CAD, ou ao modo como eu
posso visitar Falmouth antes de chegar l por meio da viagem aparentemente suave do Google Earth?
Sei que esse um encontro sobre histria do design, mas qual o propsito de estudar histria do dese no elaborar um esboo para seu futuro? possvel pensar que toda a histria dos desenhos tcnicodas formas de visualizao cientca de maneira mais geral foi uma das principais foras impulsionaddo desenvolvimento da cincia e da tecnologia em suas verses modernistas. mais do que provvel o mesmo ser verdade em relao ao desenvolvimento da cincia e da tecnologia em suas verses livredas limitaes modernistas. Por outro lado, a histria tambm mostra que ns estamos ainda muitodistantes de elaborarmos para as coisas isto , para as questes de interesse um espao visual abertao pblico que seja, mesmo que remotamente, to rico, to sistemtico e to fcil de interagir quanto
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os espaos virtuais para objetos concebidos como questes de fato elaborados h mais de quatrocentoanos. Enquanto existir essa lacuna, no haver como o design tirar o modernismo do seu beco sem sahistrico. Imaginar que uma ecologia poltica da magnitude prevista pelos especialistas pode ser levada cabo sem ferramentas inovadoras um convite ao desastre. Inovaes sero absolutamente necessrse quisermos representar adequadamente as naturezas conituosas de todas as coisas que pretendemoelaborar atravs do design (eu uso o verbo representar aqui em sentido amplo, incluindo tcnicas drepresentao artsticas, cientcas e polticas).
Eis a questo que quero colocar aos designers: onde esto as ferramentas de visualizao que permitirrepresentar a natureza contraditria e controversa das questes de interesse? um erro comum (ebastante ps-moderno) acreditar que esse objetivo ter sido alcanado to logo a viso modernistalinear, objeticada e reicada se despedace em pontos de vista mltiplos e em agrupamentostransitrios e heterogneos. Entretanto, derrubar a tirania do ponto de vista moderno no levar alugar nenhum, uma vez que jamais fomos modernos. A crtica, a desconstruo e o iconoclasmo, um
vez mais, no daro m busca por um design alternativo. So necessrias ferramentas que capturemaquelas prticas que sempre foram encobertas nas inovaes modernistas: objetos sempre foramprojetos; questes de fato sempre foram questes de interesse. As ferramentas de que necessitamos pacompreender essas prticas ocultas nos ensinaro tanto quanto a antiga esttica das questes de fato ainda mais. Vale deixar claro eu no estou defendendo outro CAD design para Prometeu. O que p um meio para agrupar as coisas atravs do desenho deuses, no humanos e mortais inclusos. Porque seria esta uma tarefa impossvel? Por que o poderoso vocabulrio visual desenvolvido nas geraepassadas de artistas, engenheiros, designers, lsofos, artesos e ativistas das questes de fato no podelaborado (hesito em dizer reestilizado) para as questes de interesse?
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