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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Carolina Xavier da Silveira Moreira
O dever de renegociar em contratos de longa duração
Doutorado em Direito
São Paulo
2019
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Carolina Xavier da Silveira Moreira
O dever de renegociar em contratos de longa duração
Doutorado em Direito
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Direito, no núcleo de pesquisa de Direito Civil, sob a orientação do Prof. Dr. Oswaldo Peregrina Rodrigues.
São Paulo
2019
“O Direito serve à vida: é regramento da
vida. É criado por ela e, de certo modo, a
cria.”
Pontes de Miranda
AGRADECIMENTOS
Este é certamente o momento em que injustiças são cometidas: são inúmeras as pessoas que fizeram parte deste caminho, mas, ao tentar nominá-
las, outras tantas ficariam de fora. Então, em defesa própria, não as nominarei.
Mas tenho certeza de que todas elas se identificarão nestas breves linhas.
Esta jornada começou há muitos anos, quando, na graduação, fui
cativada pelo Direito Civil. E o responsável por tal “vilania” esteve presente em
outros tantos momentos de minha trajetória acadêmica: deixou-me aprender a
ensinar, sendo sua assistente nas aulas da PUC/SP e apresentou-me para meu
orientador do Mestrado, que se tornou minha referência no “pensar” o Direito
Civil.
A vida profissional também foi generosa comigo, pois tive a sorte de
conviver e aprender com colegas cuja notoriedade é diretamente proporcional à humildade e ao entusiasmo na prática do Direito. As discussões havidas ao longo
de tantos anos foram riquíssimas.
Esse entusiasmo levou-me a reencontrar uma querida professora dos
tempos de graduação, que muito me incentivou a voltar à academia. Ao aceitar
seu “convite”, a surpresa foi mais do que grata: reencontrei e conheci professores
e colegas fantásticos, dentro e fora da sala de aula, que se apoiam, trocam
experiências, emprestam material, dão dicas essenciais (que não posso revelar,
claro) e dividem as angústias próprias desta fase acadêmica.
Contudo, o doutoramento não se resume a estudo e dedicação; o aspecto
emocional que envolve esse período é fortíssimo. Por isso, não poderia deixar
de lembrar de minha família (amigos, parentes e meus cães), que me deu
suporte emocional, esteve ao meu lado, acalmou-me, incentivou-me e não me
deixou desistir, lembrando-me, sempre, de estar presente e conectada com
aquilo que estava fazendo.
Ao longo desses anos, fui brindada com muita generosidade e gentileza.
E esse legado levarei para toda a vida.
Para todos aqueles que palmilharam essa trilha junto comigo, o meu mais profundo agradecimento.
RESUMO
O objetivo deste trabalho é estudar o dever de renegociar como um mecanismo de conservação dos contratos de longa duração, os quais, por se
alongarem no tempo, estão suscetíveis às intempéries decorrentes da alteração
das circunstâncias sociais, políticas e econômicas ao longo de sua execução.
Como a alteração das circunstâncias pode desnaturar o risco inicialmente
assumido pelas partes e, pois, afetar o sinalagma originalmente estabelecido, é
preciso que as partes, em postura colaborativa, renegociem as bases contratuais
para que, em última análise, o programa contratual possa ser cumprido.
O dever de cooperação, corolário da boa-fé objetiva, é um dos
fundamentos do dever de renegociar, já que os contratos de longo prazo
requerem uma cooperação mais intensa das partes contratantes, para que
possam ser cumpridos. A função social do contrato é o outro fundamento do dever de renegociar, já que os contratos de longa duração tendem a gerar efeitos
mais amplos e duradouros na sociedade em que estão inseridos, motivo pelo
qual a análise da subsistência do interesse atinente à conservação do contrato,
por meio da renegociação, também deve passar pela verificação da importância
que tal contrato tem perante a sociedade que lhe é subjacente.
Uma vez observados os mecanismos atualmente existentes para lidar
com o impacto da alteração das circunstâncias em contratos de longa duração,
serão delineados os contornos do dever de renegociar e analisadas as
consequências da frustração do dever de renegociar, o que engloba não só o
próprio fracasso da renegociação, como, também, o descumprimento do dever
de renegociar. E, nesse último caso, a tutela conferida à parte prejudicada e aos
terceiros prejudicados serão objeto de estudo neste trabalho.
Palavras-chave: contrato de longa duração – boa-fé – função social – dever de
renegociar.
ABSTRACT
The purpose of this thesis is to study the duty to renegotiate as a
mechanism of safeguarding of long-term contracts, which, due to their extension
in time, are susceptible to the happenstances that derive from changes in social,
political and economic circumstances throughout the length of performance. Because the changes in circumstances may denature the risks initially undertook
by the parties, and therefore affect the considerations initially exchanged, it is
necessary that the parties, adopting a collaborative behavior, renegotiate the
contractual basis in order to enable the execution of the contractual program.
The duty to cooperate, corollary of the objective good faith, is one of the pillars of the duty to renegotiate, since the execution of long-term contracts
requires a more intense level of cooperation from the parties. The social function
of the contract is another pillar of the duty to renegotiate, since long -term
contracts tend to generate broader and more long-lasting effects in the society.
Therefore, the analysis of the interests pertaining to the safeguarding of the
contract, by means of renegotiation, must also take into consideration the
relevance of such contract to the underlying society.
Upon observation of the existing mechanisms that address the impacts of
the changes of circumstances in the context of long-term contracts, we will outline
the contours of the duty to renegotiate and analyze the consequences of the
frustration of the duty to renegotiate, which encompasses not only the failure of
the negotiation itself but also the failure to comply with the duty to renegotiate in the first place. And, as to the latter, the remedies available to the harmed party
and to the harmed third parties will also be addressed in this thesis.
Keywords: long-term contract – good faith – social function – duty to renegotiate
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO 1. A CONDUTA HUMANA NAS RELAÇÕES JURÍDICAS DE LONGA DURAÇÃO 17
1. A relação humana por detrás da relação patrimonial 17
2. A intersecção entre relação humana e relação patrimonial e o dever de renegociar 23
3. O incremento do papel da colaboração nas relações sociais 26
4. A boa-fé objetiva e seus reflexos nas relações jurídicas 34
5. O dever de cooperação e o dever de renegociar nas relações
jurídicas de longa duração 38
CAPÍTULO 2. O RISCO CONTRATUAL 46 1. O risco originalmente assumido e os parâmetros aceitáveis de
sua variação 46
2. O risco e suas intempéries em contratos de longa duração 54
CAPÍTULO 3. O MUNDO EM CRISE E O DIREITO PARA A CRISE 61 1. O mundo em crise 61
2. O Direito para a crise 65
2.1 Soluções internacionais 66
2.1.1. Alemanha 66
2.1.2. Itália 70 2.1.3. França 75
2.1.4. Portugal 77
2.1.5. Princípios do UNIDROIT 79
2.1.6. Principles of European Contract Law (PECL) 85
2.1.7. Draft Common of Frame Reference (DCFR) 87
2.1.8. Os parâmetros trazidos pelas soluções internacionais 90
2.2 Soluções brasileiras 94
2.2.1. legislação administrativa 94
2.2.2. legislação consumerista 96
2.2.3. Código Civil 98
CAPÍTULO 4. O DEVER DE RENEGOCIAR EM CONTRATOS DE LONGA DURAÇÃO 105 1. O Direito preventivo e a conservação do negócio jurídico 105
2. Inadimplemento, resolução contratual e dever de renegociar 114
2.1. A utilidade da prestação e o dever de renegociar 114
2.2. A mora e o dever de renegociar 123
2.3. A autonomia privada e o dever de renegociar 128
3. O dever de renegociar 132
3.1. Os contornos do dever de renegociar 132
3.2. A frustração da renegociação 163
3.3. O descumprimento do dever de renegociar e suas consequências 169
3.4. Tutela conferida à parte prejudicada 178
3.4.1. Medidas coercitivas e os poderes do julgador 180
3.4.1.1. Considerações gerais 180
3.4.1.2. Medidas coercitivas à disposição da parte
prejudicada 183 3.4.1.3. Breves considerações sobre a Lei 13.655, de
25 de abril de 2018 188
3.4.2. Tutela conferida aos terceiros prejudicados 192
3.4.2.1. terceiros qualificados 192
3.4.2.2. terceiros em geral 195
CONCLUSÃO 198 REFERÊNCIAS 203 SITES CONSULTADOS 218
11
INTRODUÇÃO
A tese cujo desenvolvimento é aqui proposto está inserida na linha de pesquisa oferecida em Direito Civil, qual seja, “Efetividade do Direito Privado e
Liberdades Civis”, e reflete a preocupação com a necessidade de proteção
jurídica célere aos conflitos instaurados nas relações obrigacionais, como forma
de consecução da justiça social.
O motivo e motor deste trabalho está atrelado à crise econômica e ética
iniciada na segunda metade de 2014 e aprofundada a partir de 2015. O recrudescimento da crise econômica, em certa medida impulsionado
pelo descortinamento da corrupção entranhada e capilarizada na sociedade e
administração pública, trouxe claros e contundentes reflexos nas relações
jurídicas negociais em vigor.
Setores inteiros da economia foram paralisados, tais quais a indústria
naval e a construção civil, o que gerou o inadimplemento de inúmeros contratos, já que, no mais das vezes, a relação jurídica existente era complexa, isto é,
envolvia a contratação em cadeia de diversas pessoas. E a paralisação ou
suspensão de pagamentos por parte de um contratante, geralmente o principal,
ou seja, aquele que havia dado azo à contratação em cadeia, acarretou a
imediata suspensão ou paralisação de diversos outros contratos. É exemplo
paradigmático do quanto se afirma o caso Petrobras/Sete Brasil, que gerou
reflexos em inúmeros estaleiros nacionais, atualmente em recuperação judicial
(ex. Ecovix, EISA, Enseada etc.).
Ao lado disso, iniciou-se, no meio jurídico, um movimento bastante
acentuado de renegociação contratual, que trazia em seu bojo hipóteses de
suspensão da execução contratual e/ou alteração das condições de cumprimento e pagamento da prestação pactuada, muitas vezes acompanhada
pela redefinição do escopo do quanto contratado, sem que isso implicasse a
novação do contrato.
Geralmente, tais renegociações eram iniciadas por força de cláusulas
contratuais nesse sentido, as denominadas cláusulas hardship ou, ainda, por
meio das cláusulas escalonadas. As cláusulas de hardship traziam em seu bojo o comprometimento das partes de renegociarem as bases contratuais na
12
hipótese de configuração de determinadas intempéries, tais como alteração de
escopo contratual, paralisação de atividades por uma das partes ou por
determinados fornecedores, alteração significativa de preço de insumos etc.. Já as cláusulas escalonadas, que poderiam ou não acompanhar as cláusulas de
hardship, previam que, na presença de qualquer dificuldade ou inadimplemento,
as partes deveriam renegociar as condições contratuais de boa-fé. Somente se
houvesse frustração da renegociação é que as partes poderiam partir para outros
mecanismos de solução de conflito, também previstos em contrato, tais como
avaliação do caso por um comitê criado pelas partes (board dispute resolution)
mediação e/ou resolução contratual.
Nesse sentido, advogados geralmente habituados ao litígio viram suas
atividades voltarem-se preponderantemente à prevenção da disputa, em
movimento que já vem acompanhando a mudança de perfil da advocacia
contenciosa para advocacia focada em resolução de disputas de modo geral, o que, inclui, por óbvio, a prevenção do litígio e a solução da controvérsia via
negociação, por exemplo.
Mas, e se os contratos não trouxessem tais previsões? Haveria alguma
hipótese de impelir as partes, antes de resolver o contrato, a renegociar seus
termos, imbuídas de boa-fé?
O Código Civil traz hipóteses em que, se não houver readequação dos parâmetros contratuais, a parte lesada está autorizada a requerer a revisão
judicial ou, então, a própria resolução do contrato. Mas tais hipóteses, contidas
nos artigos 317 e 478, precisam vir acompanhadas de duas qualidades: a
imprevisibilidade e a extraordinariedade do evento a ensejar a dita readequação
contratual. Ainda, haveria necessidade de não haver mora para que a revisão ou
resolução pudesse ser pleiteada.
Todavia, instabilidade econômica e ética, no Brasil, não podem ser,
propriamente, denominadas de situações imprevisíveis e extraordinárias. Basta,
para tanto, analisar a história do país, com casos de corrupção atrelados ou não
a crises econômicas desde, pelo menos, a chegada da Corte Portuguesa em
terras brasileiras.
13
Mais, ainda. Quando da emersão dos casos de corrupção atrelados ao à
Lava Jato, diversos contratos de grande porte foram descontinuados
imediatamente, o que gerou um efeito cascata e impactou diretamente outros tantos contratos, sem que houvesse a possibilidade de se evitar a configuração
de mora que se tornou, no mais das vezes, resistente e persistente.
Sendo, pois, corrupção e crise econômica (advinda ou não da corrupção)
partes integrantes do cenário nacional, desde o seu nascedouro, e não havendo
espaço para se evitar a configuração da mora, cuja persistência claramente se
alongou de modo indefinido, estariam as obrigações impactadas por tais fatos
fadadas à extinção, mesmo que tal extinção viesse a causar graves impactos na
sociedade?
O cenário que se configurou demonstra, por um lado, a clara ausência dos
requisitos legais necessários para a revisão ou resolução contratual judicial e,
por outro, a necessidade de se buscar uma solução para o problema do inadimplemento contratual massivo, em decorrência da crise econômica gerada
pelos inúmeros casos de corrupção descortinados nos últimos anos.
Essa é, pois, a razão de ser deste trabalho, que busca conciliar a liberdade
dos contratantes com o impacto negativo que o rompimento prematuro de
determinada relação jurídica causa na sociedade que a permeia e que com ela
tem alguma conexão. Ao mesmo tempo em que a relação jurídica negocial deve, o quanto possível, estar imune às intervenções externas, deve, também, estar
atenta não só ao puro interesse das partes contratantes, como, também, ao
interesse daqueles que são atingidos por tal relação contratual. Isso porque,
aqueles que concluem negócio jurídico complexo e de grande porte sabem que
aquela relação jurídica gerará a conclusão de diversos outros negócios jurídicos
e, em inúmeros casos, será o motor econômico de determinada localidade ou
região. Assim, entre romper e conservar, não só o interesse das partes
contratantes deve ser sopesado, como, também, o interesse de todos aqueles
diretamente impactados por eventual rompimento contratual.
Contudo, como seria possível impelir as partes contratantes a ter uma
visão panorâmica da relação contratual entre elas entabulada, sem intervir, com
isso, na liberdade contratual que lhes é inerente?
14
O dever de renegociar, fruto da convivência entre autonomia privada, boa-
fé objetiva e função social do contrato, exsurge como uma solução viável para
tal problema, o que encontra fundamento, principalmente, nos artigos 421 e 422 do Código Civil e acaba por dar concretude ao princípio da conservação dos
negócios jurídicos.
É de se ressaltar que o objeto deste estudo é pertinente e relevante, na
medida em que trata das fissuras (ou rompimentos, em alguns casos) contratuais
geradas pela crise econômica, cujo embrião está não só ligado à própria crise
econômica mundial (2008/2009) , sentida no Brasil a partir da segunda metade
de 2014 (logo após o apagar das luzes do Maracanã), como, também e
especialmente, nos reflexos gerados pela operação Lava Jato, que expôs a
corrupção sistêmica que contaminava diversos setores da economia. É, no vulgo
popular, mais uma jabuticaba de autoria tupiniquim, que impactou (e ainda
impacta) a economia doméstica e exige uma solução a ser dada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Nessa toada, a delimitação do tema era, pois, medida necessária para
que este estudo pudesse avançar.
Assim, o objeto desta tese será o negócio jurídico patrimonial de longa
duração, para que seja possível analisar as intempéries ocorridas durante a
execução da obrigação contratada e, especialmente, se o inadimplemento necessariamente deve acarretar a resolução contratual. Em caso negativo,
analisar-se-á como e em que medida o dever de renegociar tem aplicação para
que o negócio jurídico seja conservado.
Para o desenvolvimento do tema aqui proposto, o trabalho foi dividido em
4 capítulos.
O Capítulo 1 tratará do papel do ser humano nas relações jurídicas de
longa duração. Abordará a necessidade de se colocar o ser humano como foco
e núcleo principal da relação jurídica negocial, especialmente quando esta for de
longa duração, onde, por óbvio, a cooperação entre as partes é medida essencial
para o sucesso da relação jurídica.
Por conta do corte epistemológico deste trabalho, que trata de negócios
jurídicos de longa duração, o foco no ser humano não é somente destinado às partes integrantes da relação jurídica principal, mas, sim, a todos aqueles por ela
15
impactados de alguma maneira. Assim, o recorte é maior: apesar de, no mais
das vezes, os contratos de grande monta serem concluídos por pessoas
jurídicas, não se pode perder de vista que tais contratos acarretam a conclusão de inúmeros outros contratos e fomentam a economia e a própria dinâmica da
sociedade na qual estão inseridos. Sendo assim, o Capítulo 1 pretende
demonstrar que a relação jurídica objeto de estudo não é isolada e estanque,
mas, sim, contextualizada. Logo, a avaliação quanto à extinção ou a
conservação do vínculo jurídico e, em última análise, quanto ao dever de
renegociar, deve ser feita à luz da relação humana que lhe é subjacente, relação
essa analisada de modo sistêmico.
O Capítulo 2 tem por escopo estudar o risco assumido pelas partes
quando da conclusão do negócio jurídico e suas variações ao longo do tempo,
especialmente quando se tratar de uma relação jurídica de longa duração.
As variações aceitáveis desse risco e as variações que desbordam a álea normal de determinada relação jurídica também serão analisadas, pois, com a
delimitação de tal fronteira será possível verificar a necessidade ou não de
readequação do quanto pactuado, para que a finalidade do contrato pactuado
possa ser atingida.
Uma vez observada a desnaturação do risco assumido pelas partes, o
Capítulo 3 tratará de abordar as soluções encontradas pelo ordenamento jurídico estrangeiro e nacional, a fim de restabelecer o equilíbrio inicialmente
estabelecido entre as partes e, pois, corrigir os rumos do quanto havia sido
pactuado.
Em alguns casos, para além da desnaturação do risco pactuado, exige-
se a presença de imprevisibilidade e/ou extraordinariedade. Em outros casos,
tais requisitos não desnecessários, bastando, apenas, a alteração de
circunstâncias para ensejar a revisitação do quanto pactuado pelas partes, seja
por meio de renegociação entre elas, seja, ainda, por meio da intervenção judicial
ou arbitral.
Por meio da observação dos mecanismos de conservação dos contratos
atualmente existentes, objetiva-se verificar em que medida a razão neles contida
pode auxiliar na tese ora proposta, consubstanciada na existência de um dever de renegociar no próprio ordenamento jurídico brasileiro.
16
Para além das hipóteses atualmente previstas pela legislação civil e
guiado pela humanização das relações jurídicas, o Capítulo 4, com foco na
atuação preventiva do Direito, tratará de revisitar o inadimplemento contratual e suas consequências e propor, assim, a existência do dever de renegociar como
alternativa à resolução contratual, na hipótese de desnaturação do risco
originalmente assumido pelas partes.
Ao longo desse capítulo, serão dados os contornos do dever de
renegociar, tais como conceito, fundamento legal, requisitos para configuração
e efeitos. Ao lado disso, serão analisadas as consequências da frustração da
renegociação propriamente dita a sanção correlata e quais instrumentos a parte
e os terceiros prejudicados têm ao seu dispor, na hipótese de descumprimento
do dever de renegociar.
Por fim, serão compiladas as conclusões extraídas ao longo deste
trabalho, elaborado com a finalidade de se demonstrar não só a existência, como, também, a importância e os efeitos práticos do dever de renegociar no
ordenamento jurídico brasileiro.
17
CAPÍTULO 1. A CONDUTA HUMANA NAS RELAÇÕES JURÍDICAS DE LONGA DURAÇÃO
1 A relação humana por detrás da relação patrimonial
Por mais óbvio que possa parecer, existe uma relação humana por detrás
da relação patrimonial. E, apesar de muitas vezes posta em segundo plano1-2-3-4-5, essa relação merece receber mais luz do ordenamento jurídico, ainda que se
1 Veja-se, por exemplo, a teoria da Efficient Breach, que trata do incentivo econômico para o descumprimento contratual. Segundo o autor, os conceitos de culpa e boa-fé deveriam ser interpretados sob o viés econômico e, não, moral, o que significa, pois, que a tônica da análise da relação jurídica é puramente econômica, sem tempero humano, no mais das vezes. Segundo tal teoria, como o descumprimento contratual acarreta, apenas, o pagamento da indenização já prevista em contrato (cláusula penal), sem possibilidade de acréscimo dos chamados danos punitivos (indenização em montante exacerbado, para punir o agente causador do dano), ao devedor deveria ser dada a opção de inadimplir o quanto pactuado e pagar a indenização contratualmente prevista, se isso lhe for economicamente eficiente. Assim, por exemplo, se “A” descumpre o quanto pactuado com “B”, porque “C” pagará melhor preço a “A” (e este valor for superior ao valor da indenização a ser paga a “B” por “A”), “B”, sob a lógica econômica, não terá sofrido prejuízo e “A” e “C” também terão atendidos os seus respectivos interesses. Em outros termos, se o custo para o cumprimento da obrigação (que inclui o custo de oportunidade), para o devedor, for maior do que os benefícios obtidos pelo credor, haverá um adimplemento ineficiente, já que devedor terá prestado um serviço ou entregue um produto a um credor que avaliou mal ou a menor o objeto da prestação (pagou menos do que este valia no mercado) (POSNER:2009, pp. 1.349/ 1.364). 2 Em sentido oposto, para quem a preocupação com o ser humano é fato importante para o próprio desenvolvimento econômico, é o entendimento de Eduardo GIANETTI (2010, p. 154): “Há boas razões para acreditar que, sejam quais forem as regras do jogo econômico, o auto-interesse crasso é muito mais um obstáculo do que um insumo na busca da eficiência e do crescimento econômicos. O fato, como será visto em detalhe a seguir, é que a simples maximização do auto-interesse individual, sem inibições e preocupações morais, é um princípio de conduta inadequado – e com frequência letal – tanto para o bom desempenho da economia como a para a própria existência do mercado enquanto mecanismo de coordenação econômica.” 3 Apesar de nosso ordenamento jurídico claramente colocar o ser humano em papel de destaque (artigos 1º, I, 3º, III e 170, da Constituição Federal), há uma corrente doutrinária crescente a interpretar os contratos exclusivamente sob a ótica da Análise Econômica do Direito (AED). Apesar de benvinda em diversos aspectos, especialmente no que tange à compreensão da motivação da conduta humana e seus efeitos nas normas jurídicas e cláusulas contratuais, por exemplo, é certo que nosso ordenamento jurídico tem valores outros que não só aqueles atinentes à pura lógica econômica, tais como aqueles postos pela Constituição Federal. Sobre o tema, veja-se o texto de Paula FORGIONI (2005, pp. 242/256), bem como Carlos Alberto GARBI (2014, pp.145/148). . 4 Cf. MARQUES:2007, p. 33, em que a autora afirma que a postura pragmática da parte, no sentido de causar dano a outra parte se houver incentivo econômico para tanto, a despeito da existência do paradigma da boa-fé, pode gerar uma crise de confiança que, em última análise, poderá afetar a própria efetividade do Direito. 5 Cf. AGUIAR:2011, pp. 529/530, nrp. 738, que avalia a análise econômica do Direito e as correntes favoráveis e contrárias à sua utilização. Segundo o autor, porém, a “doutrina da inexecução eficaz” não está de acordo com o nosso ordenamento jurídico, porque, segundo o autor, “além do interesse do devedor (que a teoria do inadimplemento eficaz leva em
18
esteja diante de uma relação jurídica complexa, envolvendo grandes empresas
e com elevado vulto econômico. Isso porque, nesse caso, tal relação jurídica
acarreta o surgimento de diversas outras relações jurídicas e acaba por fomentar a economia da sociedade na qual está inserida. Portanto, a análise e o cuidado
com a relação humana por detrás da relação jurídica patrimonial sempre merece
destaque, ainda mais em tempos de crise econômica6.
O ser humano por detrás da relação patrimonial é aquele inserido dentro
de uma sociedade, pois, somente assim, ele passa a ter importância para o
ordenamento jurídico, que justamente regula as relações jurídicas havidas entre
os membros de determinada sociedade7. Nesse sentido, a importância conferida
ao ser humano sempre será contextualizada e implicará uma constante troca
entre o indivíduo e a coletividade, pois, sendo essencialmente gregário, o ser
humano precisa da convivência social para existir em sua plenitude8.
Sendo assim, já tem sido objeto de preocupação doutrinária a necessidade de ressignificação do individualismo puro à luz dos valores e
princípios constitucionais, pois, ainda que se esteja diante de uma relação
jurídica patrimonial, esta, em última análise, está a serviço do ser humano, cuja
consideração), há dois outros a ponderar: o do credor, em obter a prestação; o da sociedade, no cumprimento das avenças. Estes somente não serão respeitados se a sua prevalência for proporcionalmente mais gravosa do que a extinção.” 6 Cf. MACEDO JUNIOR, 1998, pp. 64/65, para quem a nova racionalidade contratual pressupõe a interpretação pautada pela análise das alterações de mercado, das transformações morais, sociais e institucionais da sociedade, ou seja, pelo contexto histórico em que determinada relação jurídica está inserida. Tal interpretação, além de refletir melhor o funcionamento do mercado, confere maior efetividade à justiça contratual, já que privilegia a postura colaborativa e solidária das partes. Nessa ordem de ideias, não apenas os custos da transação são levados em conta no momento da interpretação do contrato, mas, também, os valores sociais subjacente ao contrato. 7 “O centro da visão sociológica da personalidade é a ideia de que os indivíduos formam a sua identidade apenas em sociedade. Nesta acepção, expectativas compartilhadas e a confiança de que tais expectativas são e vão continuar a ser compartilhadas são um fato constitutivo da vida social.” (MACEDO JUNIOR:1998, p. 181) 8 Nesse sentido, confira-se Luigi FERRI (1969, pp.243/244): “Como se ha dicho ‘sólo en la vida social la existencia individual se hace persona’, y de otra parte, en la persona se considera ya la sociedad, puesto que la primera se da juntamente con la segunda. Hablar de la preminente dignidad de la persona humana significa presuponer la existencia de la sociedad jurídica, en la cual precisamente pueda la persona realizarse a sí misma. Un individuo aislado (...), no puede ser un sujeto de derecho, una persona.” “Como já foi dito ‘somente na vida social a existência individual se faz pessoa’ e, de outro lado, na pessoa a sociedade já é considerada, pois a primeira acontece juntamente com a segunda. Falar da preeminente dignidade da pessoa humana significa pressupor a existência da sociedade jurídica, na qual, precisamente, possa a pessoa se auto realizar. Um indivíduo isolado (...), não pode ser um sujeito de direito, uma pessoa.” (tradução livre)
19
dignidade, no âmbito específico da circulação de riquezas, é expressada por
meio do desenvolvimento econômico e social ou, em termos mais claros, pela
capacidade de se auto sustentar9. O que não se pode perder de vista é que a relação contratual só tem início
após a livre expressão de vontade das partes, isto é, após o exercício de uma
liberdade (civil) pelas partes, cujo exercício se dá à luz dos valores e princípios
constitucionalmente postos10. Se assim é, sem dúvida alguma dignidade da
pessoa humana, solidariedade, equilíbrio material, liberdade e justiça
contratual11-12 ganham relevância13 nas relações patrimoniais.
9 Confira-se, nesse sentido, Pietro PERLINGERI (s/d, p.56): “Non basta dunque ribadire l'affermazione dell'importanza degli "interessi della personalità nel diritto privato"; occorre predisporsi a rifondare el diritto civile non con una riduzione o un aumento di tutela delle situazione patrimoniali, ma con una loro tutela qualitativamente diversa sí da non comprimere il libero e dignitoso sviluppo della persona mediante schemi inadeguati e superati, e sí da consentire in funzionamento di un sistema economico misto, privato e pubblico, proteso a produrre modernamente e a distribuire più giustamente. Il pluralismo economico assume il ruolo di garanzia di pluralismo anche politico e di rispetto della dignità umana. Il diritto civile si riappropria, per certi versi ed in forme rinnovate, della sua originaria vocazione di ius civile, destinato a svolgere la tutela dei diritti "civile" in una nuova sintesi - la cui cons.”pevolezza normativa ha rilievo storico (...) - tra rapporti civili e quelli economici e politici “Portanto, não é suficiente confirmar a afirmação da importância dos ‘interesses da personalidade no direito privado’; é necessário predispor-se para restabelecer o direito civil, não com uma redução ou aumento da tutela das situações patrimoniais, mas com sua proteção qualitativamente diferente para não comprimir o desenvolvimento livre e digno da pessoa através de esquemas inadequados e ultrapassados, e para permitir a operação de um sistema econômico misto, privado e público, visando produzir mais modernamente e distribuir de forma mais justa. O pluralismo econômico assume o papel de garantia também do pluralismo político e do respeito à dignidade humana. O direito civil se reapropria, de certa forma e de modo renovado, de sua vocação originária como ius civile, destinada a realizar a proteção dos direitos "civis" em uma nova síntese - cuja consciência normativa tem importância histórica (...) - entre relações civis e económicas e políticas.” (tradução livre) 10 Na linha da discussão sobre a liberdade do ser humano, trazida por Jean-Jacques Rousseau, em “O contrato social”, tenha-se presente que os valores e princípios constitucionais foram escolhidos pelo próprio povo brasileiro, através de seus representantes, na medida em que, ao se organizarem sob um Estado Democrático de Direito, abriram mão de parte de sua liberdade individual e natural em prol da coletividade. 11 A justiça contratual traduz-se no equilíbrio contratual inicialmente estabelecido entre as partes, tomando-se por premissa óbvia a inexistência de quaisquer vícios originários ou quando da conclusão do contrato, tais como lesão, estado de perigo, erro, dolo e coação. Nesse sentido, veja-se o entendimento de Fernando NORONHA: “Se a Justiça costuma ser representada pela balança de braços equilibrados, a justiça contratual traduz precisamente a ideia de equilíbrio que deve haver entre direitos e obrigações das partes contrapostas numa relação contratual. E, dentro dos contratos, seu campo de eleição é, naturalmente, o contrato comutativo, que é aquele ·que pressupõe uma relação de equivalência entre prestação e contraprestação - e que, de resto, constitui a mais importante categoria contratual da vida real, e a mais comum.” (NORONHA:1994, p.215) 12 Também denominada de justiça comutativa por Jacques GHESTIN (1982, p. 71) 13 “Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e
20
Consequentemente, por mais que o objetivo ou finalidade do contrato seja
a circulação de riquezas (é, no final das contas, o instrumento14 jurídico posto às
ordens da economia), o ser humano e, não, o objeto da prestação contratual, é (ou deve ser) o foco central de estudo do direito contratual, de modo a se evitar
a coisificação do ser humano e a humanização das coisas15-16.
Nessa ordem de ideias, o direito civil constitucional17 trouxe importantes
avanços, pois tratou de haurir, junto à Constituição Federal, as linhas mestras
promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.” (TEPEDINO:2001, p. 48) 14 Cf. COSTA, 2009, p. 135. 15 Nesse sentido, Zygmunt Bauman, ao tratar das relações líquidas nas mais diferentes esferas da vida, é taxativo ao afirmar que “a negação da dignidade humana deprecia o valor de qualquer causa que necessite dessa negação para afirmar a si mesmo”, pois, segundo ele, “o valor, o mais precioso dos valores humanos, o atributo sine qua non de humanidade, é uma vida de dignidade, não a sobrevivência a qualquer custo.” (BAUMAN:2003, pp. 103 e 105) 16 “Em uma linha solidarista, o Estado Democrático de Direito proclama a despatrimonialização e a personalização do direito privado, uma reformulação do conceito de autonomia privada, não mais como mera emanação do princípio da livre iniciativa, situada exclusivamente na esfera da ordem econômica (art. 170, CF), porém como derivação do princípio da dignidade humana. Aliás, nada diferente de qualquer outro direito fundamental. Pois bem, a repaginada autonomia privada repercute ativamente no modelo jurídico das obrigações. É insuficiente conceituar uma relação obrigacional como um ‘vínculo entre credor e devedor cujo objeto é uma prestação e a garantia se encontra em seu patrimônio’. A neutralidade e assepsia dos conceitos não condizem com a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, na qual jamais a pessoa se encontra a serviço do patrimônio, porém o patrimônio se subordina à pessoa. Para além do reconhecimento da obrigação como relação jurídica intersubjetiva de cooperação, a funcionalização das situações patrimoniais à plena realização das situações existenciais requer a compreensão do crédito como bem jurídico de interesse relevante não apenas para o credor – no sentido da regulamentação da atividade econômica pela livre iniciativa -, mas para aqueles tradicionalmente rotulados como ‘terceiros’, conformando-se assim a circulação de riqueza com o compromisso constitucional de transformação social.” (ROSENVALD:2011, pp. 17/18) 17 A crítica feita à “banalidade ubiquitária do jargão civil-constitucional” (Cf. REIS:2017) é, em larga medida, pertinente. Porém, chame-se de Direito civil-constitucional, Direito civil ou apenas Direito, fato é que a Constituição Federal é norma fundamental em relação à qual todo o ordenamento jurídico deve se harmonizar. E, nesse sentido, os valores, objetivos e direitos fundamentais postos pela Carta Magna devem ser observados, incluindo aqueles que dão norte à ordem econômica brasileira. O tempero para se evitar o uso, por exemplo, da dignidade da pessoa humana como elixir de todos os males, talvez esteja guardado na eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais. Nem todas, como se sabe, têm eficácia plena e aplicabilidade imediata; porém, mesmo aquelas de conteúdo programático (como as contidas no artigo 3º, por exemplo), devem ser observadas dentro das características próprias de normas desse tipo. Quanto aos exageros dos intérpretes (e aqui interessam os julgadores), especialmente quanto à aplicação de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, esses serão corrigidos ao longo do tempo, pela formação de jurisprudência. Com a inclusão de julgamentos de casos repetitivos e edição de súmulas vinculantes, atualmente pode-se dizer que o sistema brasileiro se aproximou do sistema de precedentes anglo-saxão, conferindo, pois, mais força ao entendimento uniformizado dos tribunais. Nesse sentido, o artigo 927, do Código de Processo Civil deixa claro que os juízes e tribunais deverão observar, em última análise, a jurisprudência dominante sobre o tema controvertido posto sob seu julgamento. Portanto, quer-nos parecer que a solução para a “banalidade ubiquitária do jargão civil-constitucional” não está em negar ou suprimir a menção à Constituição Federal, mas, sim, dar o devido tratamento à sua influência e aplicação na seara do Direito Privado.
21
para o processo de concretização do conjunto normativo atinente ao direito
privado, pois, como observado por Gustavo TEPEDINO (2001, p. 208):
“A Carta constitucional não se constitui em mera Carta política, como querem muitos, configurando-se ao revés no mais importante diploma jurídico dentro da hierarquia do ordenamento. Disso resulta que os princípios dispostos na Constituição devem sobrepor-se, na atividade de aplicação, subsunção e interpretação das leis, a toda e qualquer norma infraconstitucional, consideradas portanto como normas jurídicas com precedência sobre o Código Civil, a legislação especial, a analogia e os costumes, não se confundindo, em qualquer hipótese, com os princípios gerais de direito de que trata o aludido art. 4º da Lei de Introdução.”
Desde o seu preâmbulo, a Constituição Federal expressa preocupação
com o bem comum ao trazer, “como valores supremos de uma sociedade
fraterna”, “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça”. Este norte interpretativo18-19 recebeu força normativa ao
longo de todo o texto constitucional, a começar pelos artigos 1º, incisos III e IV20
e 3ª, inciso I21, que alçaram a dignidade da pessoa humana e livre iniciativa à
condição de fundamentos da República Federativa do Brasil e a solidariedade,
à condição de um de seus objetivos fundamentais. Mais adiante, tais princípios
constitucionais estão – ainda que expletivamente22 – novamente postos no artigo
18 “... é possível obter nos preâmbulos alguns vetores para a atividade interpretativa, dado que, na maior parte das vezes, consagram declarações principiológicas, de caráter geral.” (BASTOS: 1999, p.81) 19 “O preâmbulo, portanto, por não ser norma constitucional, não poderá prevalecer contra texto expresso da Constituição Federal, e tampouco poderá ser paradigma comparativo para declaração de inconstitucionalidade, porém, por traçar diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da Constituição, será uma de suas linhas mestras interpretativas.”(MORAIS: 2002, p. 49) 20 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (...)” 21 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária (...)” 22 Diz-se expletivamente diante da “ponte constitucional” prevista pelo artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, por meio da qual “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
22
17023 da Carta Magna, de modo a se juntarem topicamente àqueles que, dentre
outros, regem a economia de mercado.
Como princípio vetor a iluminar todos os direitos fundamentais24, a dignidade da pessoa humana é premissa lógica a informar toda a atividade de
elaboração, aplicação e interpretação do conjunto normativo brasileiro, bem
como a conduta dos agentes públicos e da sociedade como um todo25-26. Nesse
sentido, a própria atividade econômica deve se desenrolar sob os holofotes de
tal princípio vetor27.
Nessa ordem de ideias, livre iniciativa, dignidade da pessoa humana e
solidariedade devem andar juntas no exercício da atividade econômica, o que,
em outros termos, quer significar que a circulação de riquezas deve atender aos
23 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV - livre concorrência” 24 Cf. SARLET: 2007, p. 81. 25“También ha de hacerse mención, a la hora de expresar los principios generales del derecho constitucionalmente formulados, a la dignidad de la persona. No cabe duda que la dignidad de la persona, como antes hemos notado, es y constitucionalemnte figura recogida como idea fundamental e informadora de nuestra organización jurídica, atribuyéndole la noble y destacada condición de fundamento del orden político y de la paz social". (FLÓRES-VALDÉS:1990, pp. 138/139) “Deve-se fazer menção, ao se tratar dos princípios gerais de direito constitucionalmente formulados, à dignidade da pessoa humana. Não há dúvida de que a dignidade da pessoa humana, como já mencionado, é constitucionalmente reconhecida como ideia fundamental e informadora de nossa organização jurídica, atribuindo-lhe a nobre e destacada condição de fundamento da ordem política e da paz social.” (tradução livre) 26 “Neste passo, impõe-se seja ressaltada a função instrumental integradora e hermenêutica do princípio [da dignidade da pessoa humana], na medida em que este serve de parâmetro para aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico. De modo todo especial, o princípio da dignidade da pessoa humana – como, de resto, os demais princípios fundamentais insculpidos em nossa Carta Magna – acaba por servir de referencial inarredável no âmbito da indispensável hierarquização axiológica inerente ao processo hermenêutico-sistemático, não esquecendo – e aqui adotamos a preciosa lição de Juarez Ferraz – que toda a interpretação ou é sistemática ou não é interpretação.” (SARLET: 2007, p. 82) 27 “Nesta sua segunda consagração constitucional, a dignidade da pessoa humana assume a mais pronunciada relevância, visto comprometer todo o exercício da atividade econômica, em sentido amplo – e em especial, o exercício da atividade econômica em sentido estrito – com o programa de promoção da existência digna, de que, repito, todos devem gozar. Daí porque se encontram constitucionalmente empenhados na realização desse programa – dessa política pública maior – tanto o setor público quanto o setor privado. Logo, o exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo não adequado àquela promoção expressará violação do princípio duplamente contemplado na Constituição. Observe-se ademais, neste passo, que a dignidade da pessoa humana apenas restará plenamente assegurada se e enquanto viabilizado o acesso de todos não apenas às chamadas liberdades formais, mas, sobretudo, às liberdades reais.” (GRAU: 2003, p.177)
23
interesses das partes, devidamente contextualizadas na sociedade em que
vivem.
Portanto, deve ser cara, à atividade econômica (instrumentalizada por diversos contratos), a promoção da dignidade, seja de seus contratantes, seja
daqueles que, de algum modo, são atingidos por ela, pois, dessa forma, “a ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (...)”,
poderá “(...) assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social (...)” (artigo 170, da Constituição Federal)28.
2. A intersecção entre relação humana e relação patrimonial e o dever de renegociar
Se é verdade que o ser humano deve ser o ponto central da análise do
Direito, também é verdade que o objetivo primeiro dos contratos é fomentar e garantir o bom andamento da economia, motivo pelo qual é preciso trabalhar o
ponto de intersecção entre relação humana e relação patrimonial ou, em outros
termos, entre ser humano, economia e contrato.
É evidente que o Direito é feito pelo e para o ser humano e que este é
causa e consequência de qualquer relação jurídica29. Porém (e muitas vezes),
isso é posto de lado em prol do próprio objeto da relação jurídica ou, em termos econômicos, da circulação de riquezas propriamente dita, apesar da contradição
inerente a tal afirmação, já que, sem a presença do ser humano, não se poderia
imaginar a existência da sociedade e nem tampouco da própria circulação de
28 Nesse sentido, José Augusto DELGADO (2003, pp. 393/400) entende que tanto a interpretação da Constituição Federal quanto de toda a legislação infraconstitucional deve ser dinâmica de modo a se conformar rapidamente à realidade que lhe é subjacente, o que, especificamente no caso do Código Civil, deu-se com a adoção de um sistema de regras móveis, compostas por cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, de modo a deixar tal sistema aberto e apto a ser constantemente atualizado por meio da interpretação de seus dispositivos. Segundo o autor: “O fato de o Código Civil de 2002 ter incorporado princípios e regras instituídas pela Constituição Federal demonstra o seu fortalecimento, especialmente quando adota a técnica das cláusulas gerais, o que lhe imprime segurança e flexibilidade na sua aplicação, circunstância que passa a exigir maior responsabilidade do Poder Judiciário. Este, ao preencher, por via de interpretação, os claros deixados pelas cláusulas abertas, poderá adaptá-las, sem necessidade de mudança legislativa, só em face de circunstâncias surgidas pelo desenvolvimento dos acontecimentos.” (DELGADO:2003, p. 420) 29 Cf. FLÓRES-VALDÉS:1990, pp. 103/104.
24
riquezas30. Evidentemente, não se está com isso a dizer que a relação pessoal
deve preponderar sobre a relação econômica entre as partes contratantes, até
porque o mote da relação entre elas é econômico31. O que se quer aqui pontuar é que, não obstante o motivo e a finalidade do contrato ser econômico, a relação
entre as partes contratantes é essencial para que tal finalidade possa ser
atingida.
Classicamente, a estrutura da relação jurídica obrigacional é analisada
externamente e de modo estanque. Analisa-se uma relação jurídica no momento
de sua constituição; é aquela formada entre dois polos (credor e devedor), que
estabelecem um vínculo, cuja prestação é uma obrigação de dar, fazer ou não
fazer, mediante alguns requisitos e condições legais e contratualmente postos.
Os eventos que ocorrem após a formação do vínculo e seus impactos naquela
relação original não são objeto de análise; no máximo, são incluídos, por
exemplo, nas hipóteses de imprevisão ou onerosidade excessiva, o que pode acarretar a alteração forçada das condições contratuais ou mesmo a extinção do
vínculo entre as partes.
Todavia, é crescente a importância da análise dos eventos advindos após
a conclusão do contrato, isto é, durante sua execução e os impactos que isso
pode gerar na relação originalmente estabelecida entre as partes. E esta análise
está bastante além daquelas hipóteses contidas nos artigos 317 e 478, do Código Civil; são hipóteses que requerem a conformação da execução do
contrato, preferencialmente a partir da iniciativa das próprias partes contratantes,
para que sua finalidade primeira possa ser atingida, o que se dá por meio da
renegociação contratual, como será tratado mais amiúde oportunamente32.
30 “Até por coerência com este postulado [sociabilidade], o contrato deve ser encarado como um elemento de circulação de riqueza e de prosperidade, mas que essa riqueza e prosperidade não sejam atingidos com o menosprezo da dignidade humana, espoliando a pessoa natural em todos os passos da contratação que, em si mesmo, são todos os passos da vida em comunidade, pois, a cada instante, cada um de nós celebra inúmeros e variegados contratos. Sendo ordenado para viver em comunhão, em sociedade, não é dado a esse homem enganar, iludir seu semelhante, aproveitando-se de uma situação de debilidade para impingir sua vontade e fazer com que os contratos sejam feitos, do contrário, o bem da vida procurado não será entregue.” (SANTOS:2002, p. 102) 31 “As partes não firmam contratos para estabelecer relações pessoais, mas para estabelecer relações patrimoniais, negociais. O pano de fundo é econômico. Ao se tratar de contratos complexos na forma como analisada no presente trabalho, não se está lidando com partes ingênuas, tampouco desprendidas de bens materiais.” (GOMES:2018, p. 262). 32 O que demonstra, como ressaltado por Rodrigo MOREIRA, que “... a discussão sobre o impacto da alteração das circunstâncias sobre contratos de longa duração tem relação direta
25
Para tanto, não basta a análise externa e estanque da relação contratual
no momento de seu nascedouro; mister se faz a análise concreta e interna da
relação jurídica, com foco na dinâmica contratual estabelecida entre as partes33, como observado por Judith MARTINS-COSTA (2003, pp.9/1034), através da
qual, mediante o processo de concretização da norma, o ser humano integrante
daquela relação jurídica ganhará papel de destaque.
A análise interna da relação jurídica obrigacional e, pois, sua conformação
ao longo do caminho, de acordo com os valores postos pelo ordenamento
jurídico, põe em destaque a necessidade de cooperação entre as partes, para
que não só a finalidade do contrato seja atingida, como, também, para que tal
atingimento assegure, concomitantemente, a dignidade das partes e eficácia
social do contrato35.
Sendo assim, o contrato, desde a sua concepção até sua extinção, deve
ser expressão da liberdade das partes36, cuja conservação depende de postura colaborativa de lado a lado, com constante atenção às alterações de
circunstâncias externas. Se tais alterações forem suficientes para causar a
com a insuficiência estrutural da dogmática tradicional para lidar com estas relações mais complexas.” (MOREIRA:2018, p. 153) 33 Cf. BETTI:2003, p. 247. 34 “A análise interna considera o fenômeno obrigacional em sua totalidade concreta, isto é, como aquela composta por um dinâmico "todo" de direitos, deveres, faculdades, ônus, expectativas legítimas, etc., finalisticamente interligados ou coligados. O método centrado na análise interna pode, por isso, auxiliar a normatização das relações sociais, tendo presente um conteúdo o mais coerente possível com as peculiaridades das pessoas e com os valores expressos pelo Ordenamento. Daí a importância dos antes aludidos conceitos flexíveis ou "fórmulas ordenadoras" que ensejam a concreção. São esses conceitos que permitirão, ao aplicador da lei, visualizar a pessoa concreta em suas concretas circunstâncias, descendo, então, do plano das abstrações ao terreno rico e multiforme do concreto, pois o método da concreção é apto para revelar a existência da diversidade entre as fases de que é composto, dinamicamente, o iter obrigacional, permitindo assim que a diversidade material que esteja eventualmente na sua base conduza à adoção da tutela jurídica adequada à situação. A tutela jurídica não será sempre idêntica, pois não está ajustada a uma plana subsunção. Na interpretação e aplicação dos conceitos flexíveis, das cláusulas gerais que sinalizam as ‘fórmulas ordenadoras’ do Direito das Obrigações, é preciso ter em conta a materialidade das situações em jogo, até porque agora foi realizada a unificação das obrigações civis e comerciais” 35 “O contrato, que é fonte voluntária das obrigações, toma-se um instrumento da cooperação entre as pessoas, que, no âmbito do sinalagma e da comutatividade, há que preservar a igualdade dos sacrifícios, que, se não decorrer da colaboração conjunta dos que participam da avença, será por força da lei que busca a concretização dos princípios fundamentais. O contrato, tal qual a obrigação, relação jurídica complexa, é um processo que, como ensina o eminente Professor Clóvis do Couto e Silva, tem dinamismo e somente chegará ao seu bom êxito se contar com a colaboração leal dos dois participantes. Não há mais, segundo o novo Código, o velho protagonista "contratante", mas os contratantes, em constante interação, com respeito à posição e aos interesses de cada um (A obrigação como processo, São Paulo: Bushatsky, 1976). Novos tempos no Direito hão que significar prevalência de valores.” (LOTUFO:2003, pp.9/10) 36 não só da liberdade negocial, mas da liberdade como um todo.
26
desnaturação do risco inicialmente assumido por cada parte contratante, estas
deverão renegociar o quanto contratado, para que o sinalagma inicialmente
estabelecido possa ser, na medida do possível, retomado, de modo a viabilizar o cumprimento do programa contratual querido pelos contratantes.
Se assim não o for, aquilo que, inicialmente, poderia ser entendido como
livre manifestação de vontade, tornar-se-á servidão involuntária, com a
subjugação de um contratante por outro37. É nesse aspecto que o dever de
cooperação entre as partes ganha importância, o que será analisado
sequencialmente.
3. O incremento do papel da colaboração nas relações sociais.
O dever de cooperação nas relações jurídicas de longa duração decorre
da evolução da interação entre as pessoas ao longo da História. Sendo assim, um sobrevoo pela história recente se faz necessário e é a isso que se propõe o
presente tópico.
O Direito, a partir da Idade Contemporânea, já esteve sob a égide de
diferentes eras: Era da Liberdade, Era da Igualdade e, atualmente, quer parecer
que ingressou de vez na Era da Fraternidade. Uma pequena contextualização
do quanto afirmado se faz necessária, ainda que não haja maiores delongas sobre o tema.
O Estado Moderno tinha o Mercantilismo como política econômica estatal,
por meio do qual o comércio direto e exclusivo entre Colônias e Monarquias
Nacionais era totalmente controlado pelo monarca absolutista, que concedia
autorização para que determinadas pessoas praticassem o comércio. Essas
pessoas formaram a classe burguesa, que passou a deter poderio econômico,
37 “A evolução do Direito Obrigacional prossegue e por isso temos a introdução no nosso Direito Positivo da necessidade do equilíbrio na relação obrigacional, de sorte a não ser permitido o nascimento válido de obrigação extremamente lesiva, como não remanescer válida obrigação que no curso de sua existência venha a se tornar extremamente onerosa. Ao tempo em que se busca uma legislação supranacional, particularmente no âmbito das obrigações envolvendo até o enriquecimento sem causa, vê-se a universalização dos avanços pelo equilíbrio e transmissibilidade crescerem. Pode-se dizer que a Liberdade abre as asas sobre os obrigados, que podem alçar voos em busca da Justiça.” (LOTUFO: 2011, p. 19)
27
mas, não, político, que se concentrava nas mãos do monarca e, em certa
medida, dos nobres que compunham sua Corte.
Impulsionada pelo Iluminismo, a reivindicação do poder político, pela burguesia, que buscava tratamento igualitário em relação ao clero e à nobreza,
bem como liberdade econômica e respeito aos direitos naturais do homem38,
culminou na Revolução Francesa (1789), marco da inauguração do Estado
Contemporâneo e cujos ideais– liberdade, igualdade e fraternidade – têm servido
de orientação diversos movimentos jurídicos39, que por óbvio, influenciam não
só a própria produção legislativa, como, também, sua interpretação.
O Liberalismo, tanto econômico40, quanto jurídico41, era tônica dominante
na fase pós-Revolução Francesa, afinal expressava o anseio da burguesia que
passou a ter liberdade de contratar com quem quisesse, sem a presença
marcante (intervenção) do Estado42. Tendo as partes contratado livremente, o
quanto pactuado faria lei entre elas e o Estado não poderia intervir naquela relação jurídica, salvo poucas exceções legais, o que, em última análise,
38 Veja-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): “Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão. (...) Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei..” (Disponível em http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html acessado em 30 jun. 2018) 39A exemplo das gerações ou dimensões dos direitos constitucionais fundamentais, espelho daqueles contidos na Declaração dos Direitos Humanos (1948). 40 Sintetizada pela máxima laissez faire, laissez passer, le monde va par lui meme. 41 Simbolizado pelo Código de Napoleão (1804), especialmente, naquilo que aqui pertine, pela autonomia da vontade e pelo pacta sunt servanda. 42 “O liberalismo econômico, a idéia basilar de que todos são iguais perante a lei e devem ser igualmente tratados, e a concepção de que o mercado de capitais e o mercado de trabalho devem funcionar livremente em condições, todavia, que favorecem a dominação de uma classe sobre a economia considerada em seu conjunto permitiram fazer-se do ‘contrato’ o instrumento jurídico por excelência da vida econômica” (GOMES: 1998, p.6)
28
traduziu-se num Estado-juiz considerado a boca da lei, diante da preponderância
da interpretação literal do quanto pactuado 43-44.
Porém, diante do início da Revolução Industrial (1760-1900, aproximadamente), o afluxo de pessoas para as cidades aumentou
consideravelmente, sem que houvesse, porém, suficientes postos de trabalho
para absorver tanta mão de obra, diante da mecanização da produção
(descoberta do vapor, tear mecânico), o que, por via de consequência, acabou
por degradar em demasia as condições de trabalho oferecidas45. Ao lado disso,
a produção em série acelerou a dinâmica comercial que, para acompanhar o
passo da produção, passou a lançar mão de contratos padronizados, em
verdadeira massificação das relações contratuais (aceitava-se ou não aquilo que
já estava pré-determinado46).
Assim sendo, a liberdade de outrora passou a ser verdadeiro instrumento
de opressão daqueles que detinham o poder econômico, motivo pelo qual a
43 Veja-se, nesse sentido, o teor do artigo 1.134: “Les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites. Elles ne peuvenet être révoques que de leur consentement mutuel, ou pour les causes que la loi autorise. Elles doivent être exécutées de bonne foi.” (disponível em http://www.assemblee-nationale.fr/evenements/code-civil/cc1804-l3t03.pdf acessado em 30 jun. 2018) “As convenções legalmente formadas têm força de lei para aqueles que as celebraram. Elas podem ser revogadas apenas por consentimento mútuo ou pelas causas que a lei autoriza. Elas devem ser executadas de boa fé.” (tradução livre) 44 “A interpretação dos Códigos franceses, sobretudo o Civil, exigia a literalidade. As regras de hermenêutica, consubstanciadas numa interpretação sistemática, não tinham lugar. Para Napoleão, a vida estava resumida nos Códigos, represada e contida. Napoleão Bonaparte se jactava dos seus feitos, mas dava importância exagerada à legislação. Dizia o seguinte: ‘Minha glória não é ter vencido quarenta batalhas. Waterloo apagará a lembrança de tantas vitórias. O que nada destruirá, o que viverá eternamente, é meu Código Civil’. Um governo naturalmente autoritário haveria de afeiçoar suas próprias leis ao espírito do positivismo jurídico, não permitindo desvios de interpretação que pudessem culminar com alguma alteração literal do conteúdo legislativo. Depois da obra dos primeiros exegetas, Napoleão exclamou: Mon Code est perdu; ‘meu Código está perdido’. É que, para a manutenção do poder, o direito haveria de ser reduzido à mera lei positiva escrita.” (SANTOS:2002, p. 35) 45 pagamento de salários irrisórios, emprego de crianças e mulheres a custos menores, jornada de trabalho superior a 16 horas por dia e condições insalubres de trabalho. 46 Justificando-se, pois, o surgimento da teoria da declaração, pela qual os elementos psicológicos ou subjetivos dos contratantes cedem passo aos elementos objetivos ou exteriores, reconhecíveis através daquilo que foi efetivamente declarado pelas partes (a título de exemplo, veja-se o artigo 90, do Código Civil de 1916, em que os motivos determinantes para contratação só teriam relevância se efetivamente declarados)
29
presença do Estado, até então negativa, precisava fazer-se sentir para
restabelecer a igualdade material entre as partes contratantes47-48.
O passo à frente do Estado nas relações jurídicas privadas veio acompanhado de um contexto histórico de crises econômicas, revoluções e
guerras: Primeira Guerra Mundial (1914-1918); Revolução Russa (1917);
Revolução Portuguesa (1926); quebra da Bolsa de Nova Iorque (1929);
Revolução Brasileira (1930); Guerra Civil Espanhola (1936-1939); Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). Todos esses eventos vieram acompanhados de
governos autoritários, tanto de esquerda quanto de direita, cuja ascensão –
guardadas as peculiaridades de cada país – teve apoio popular, na esperança
de que as condições econômicas e de vida pudessem melhorar.
A intervenção estatal na vida privada trouxe a reboque a limitação da
liberdade contratual, por meio de elaboração de leis cogentes (dirigismo
contratual) e concessão de direitos sociais, até então cambaleantes. Foi neste
47 Nesse sentido, é célebre a exortação do Padre Lacordaire, no sentido de que entre o forte e o fraco, a liberdade escraviza e a lei liberta: “...entre le fort et le faible, entre le riche et le pauvre, entre le maître et le serviteur, c'est la liberté qui opprime, et la loi qui affranchit.”(LACORDAIRE:1848, p.494, disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k202681x/f257.item acessado em 30 jun. 2018) “Entre os fortes e os fracos, entre os ricos e os pobres, entre o senhor e o servo é a liberdade que oprime e a lei que liberta" (tradução livre) 48 No mesmo sentido, especificamente quanto à relação de trabalho, veja-se a Encíclica Rerum Novarum, elaborada pelo Papa Leão XIII (1891): “Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objecto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso, prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais do operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto seja dada plena satisfação, para que o operário não seja entregue à sedução e às solicitações corruptoras, que nada venha enfraquecer o espírito de família nem os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões que imponham aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou em desarmonia com a sua idade ou o seu sexo. Mas, entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar, em primeiro lugar, o de dar a cada um o salário que convém.” (Disponível em http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html acessado em 30 jun. 2018).
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período em que se aventou uma possível (e inexistente) morte dos contratos, tão
discutida pelos autores de então49-50.
Finda a Segunda Guerra Mundial (1945), cujos horrores são notórios, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) veio trazer tempero entre a
liberdade e a igualdade: igualdade entre homens e mulheres, liberdade, justiça
e progresso social passaram a ter como vetor a dignidade da pessoa humana.
Em outros termos, aqueles sem essa seriam como corpo sem alma ou
desprovidos de valor juridicamente tutelável51-52.
Especificamente em relação ao Brasil, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) foi espelhada na Constituição Federal de 1988,
especialmente em seus direitos fundamentais, também classificados como de
49 “O contrato, portanto, transforma-se, para adequar-se ao tipo de mercado, ao tipo de organização económica em cada época prevalecente. Mas justamente, transformando-se e adequando-se do modo que se disse, o contrato pode continuar a desempenhar aquela que é - e continua a ser a sua função fundamental no âmbito das economias capitalistas de mercado: isto é, a função de instrumento da liberdade de iniciativa económica. Está agora claro que as transformações do instituto contratual, que designámos em termos da sua objectivação, não contrariam, mas antes secundam, o princípio da autonomia privada, desde que se queira ter deste princípio uma noção .realista e correcta: autonomia privada; portanto, não como sinónimo de «autonomia da vontade individual», mas como forma jurídica e legitimação da liberdade económica, da liberdade de prosseguir o lucro ou, então, de actuar segundo as conveniências de mercado - nos modos ou com as técnicas adequadas ao tipo de mercado historicamente determinado. Por outras palavras, as tendências objectivistas do direito moderno não vão necessariamente contra o princípio da autonomia privada, porque este -como já ·se tinha advertido - não ·se identifica com o «dogma da vontade».” (ROPPO: 2009, pp. 310/311) 50 Para aprofundamento do contexto histórico mais marcante do século XX, vale a leitura do livro “A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991”, de Eric Hobsbawn. 51 “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. (...) Artigo I. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”(Declaração Universal dos Direitos Humanos:1948, disponível em http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf acessado em 01 jul. 2018) 52 “O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a este princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar. Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade.” (BARROSO: 2001, pp 26/27)
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primeira (liberdade), segunda (igualdade) e terceira (fraternidade ou
solidariedade) dimensão. Todos convivendo harmonicamente, sob o vetor da
dignidade da pessoa humana e com mecanismos de preponderância próprios, em caso de conflito entre eles53. Apesar de o Brasil ter caráter mais dirigista, com
presença do Estado na atividade econômica, seja pela atuação direta, seja,
ainda, por meio de sua regulação (artigos 173 a 177, da Constituição Federal),
é certo que a livre iniciativa e a economia de mercado são a tônica da ordem
econômica nacional.
Porém, especialmente após o advento da internet e, particularmente, das
redes sociais, é cada vez mais marcante exigência, por parte da sociedade civil,
de ter maior participação nas decisões e na condução dos rumos do país54-55.
Esse fenômeno levou Miguel REALE JUNIOR a cogitar a existência de uma nova
democracia direta pela via virtual, em que “cada qual se sente potente ao opinar
na rede social. Todos são iguais perante a internet: esse o novo direito fundamental”56-57.
Não se pretende aqui fazer qualquer juízo de valor ou político sobre o
tema; pretende-se, apenas, fazer a necessária observação e reflexão sobre tal
fenômeno, para que que possa, finalmente, justificar a afirmação primeira no
sentido de que, ao que parece, não só o Brasil, como diversos outros países
53 “Princípios contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam uma determinada direção a seguir. Ocorre que, em uma ordem pluralista, existem outros princípios que abrigam decisões, valores ou fundamentos diversos, por vezes contrapostos. A colisão de princípios, portanto, não só é possível, como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso a sua incidência não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. Deve-se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância. À vista dos elementos do caso concreto, o intérprete deverá fazer escolhas fundamentadas, quando se defronte com antagonismos inevitáveis, como os que existem entre a liberdade de expressão e o direito de privacidade, a livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito de propriedade e sua função social. A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, mediante ponderação.” (BARROSO: 2001, pp. 21/22) 54Cf.https://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/03/era-dos-protestos-conectados.html acessado em 09 jul. 2018. 55Cf.http://blogs.atribuna.com.br/blogredessociais/2016/03/manifestacoes-masp-governo/ acessado em 09 jul. 2018. 56 Coluna intitulada “No alto das redes sociais”, publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, em 03 nov. 2018, disponível em https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,no-alto-das-redes-sociais,70002581900 acessado em 04 nov. 2018. 57 “Vive-se um momento em que o conhecimento é generalizado, porém pouco aprofundado. Todos sabem pouco de muitos assuntos, com a falsa percepção que sabem muito de muitas coisas. Sem um aprofundamento das discussões, em breve o sistema jurídico tradicional, em particular o Judiciário, estará atolado de decisões sem rigor doutrinário e sem infusões no caso concreto.” (GOMES:2018, p. 273)
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ingressaram na Era da Fraternidade, o que, por evidente, tem impactos nas
relações jurídicas negociais de longa duração.
A internet e as redes sociais58-59 permitiram o acompanhamento e o questionamento, em tempo real, das tomadas de decisão do Estado (em seus
Três Poderes). E tal fenômeno permitiu, da mesma forma, que a sociedade se
organizasse para pleitear mudanças imediatas nos rumos tomados pelo Poder
Público. São exemplos recentes disso as Manifestações de 2013: iniciada por
conta do reajuste da tarifa do transporte público em São Paulo, alastrou-se por
boa parte do território nacional e foi sofrendo mutações de pauta até culminar no
pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff e, sequencialmente, nos
protestos contra o governo Temer60. Mais recentemente, viu-se as
Manifestações dos Caminhoneiros (2018), cujo início teve como mote o aumento
do diesel e, depois, derivou para o estabelecimento compulsório de uma Tabela
de Fretes61-62. Tanto naquele movimento de 2013 quanto neste de 2018, o que se viu em
comum foi a organização por meio das redes sociais, sem que houvesse uma
liderança definida de tais movimentos; o apoio obtido de diversos setores da
sociedade e diversas regiões do país; a derivação de temas objeto de
manifestações; e, em algum momento, a presença de violência em tais
manifestações. Mas o ponto que aqui se quer fazer é a presença marcante de solidariedade63 e cooperação entre os membros da sociedade civil, que, cada
vez mais, questionam as decisões tomadas por seus representantes e querem
que suas reivindicações sejam acolhidas com mais dinamismo por aqueles que
por eles foram eleitos.
58 Cf. http://www.each.usp.br/petsi/jornal/?p=1906 acessado em 09 jul. 2018. 59 No caso brasileiro, certamente, também os canais de televisão dedicados ao cotidiano dos Três Poderes. 60 Cf. https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/06/17/O-que-foram-afinal-as-Jornadas-de-Junho-de-2013.-E-no-que-elas-deram acessado em 09 jul. 2018 61Cf.https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,caminhoneiros-reagem-as-mudancas,70002339168 acessado em 09 jul. 2018 62 E tantas outras manifestações, como aquela a favor da Lava Jato (2016/2017), a contra a Reforma da Previdência (que também gerou algumas greves), a decorrente da morte da vereadora Marielle Franco e, mais recentemente, aquelas contra e a favor de um candidato a presidência da república (conhecidas como #elenão e #elesim),todas em 2018. 63 Exemplo marcante é a iluminação de diversos monumentos com as cores da Chapecoense, após a queda do avião daquele time de futebol, em 2016 (disponível em http://globoesporte.globo.com/sc/futebol/times/chapecoense/noticia/2016/11/forcachape-confira-monumentos-com-homenagens-chapecoense.html acessado em 01 jul. 2018)
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O quanto se observou permite a conclusão de que a sociedade vive a Era
da Fraternidade, em que a consciência, solidariedade e cooperação de seus
membros têm sido cada vez mais essenciais para os rumos da humanidade64 como um todo e dos Estados dos quais fazem parte.
Evidentemente, esse movimento da sociedade tem reflexos no Direito
como um todo e nas relações jurídicas privadas em específico, principalmente
naquelas de longa duração, motivo pelo qual Direito Privado tem recebido a
iluminação dos deveres anexos, dentre os quais está a boa-fé objetiva, para que,
nas palavras de Ricardo LORENZETTI, a tutela individual esteja atrelada ao
“sujeito situado” e, não, ao “sujeito isolado”65.
64 Veja-se, por exemplo, a questão da poluição marítima, com o recente relatório britânico sobre a quantidade de plástico nos oceanos, o que requer não só a adoção de políticas públicas sobre o tema, como, também, uma mudança de comportamento da sociedade. Relatório disponível em https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/706956/foresight-future-of-the-sea-report.pdf acessado em 01 jul. 2018. 65 “Em uma sociedade de massa, a atuação do indivíduo não é indiferente no que diz respeito aos demais indivíduos e aos bens públicos. A consciência desta interrelação nos obriga a enfocar o problema do direito privado de outra maneira. Há necessidade de superar a noção de ‘sujeito isolado’ para chegar a uma ideia de ‘sujeito situado’.” (LORENZETTI: 2002, p.140)
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4. A boa-fé objetiva e seus reflexos nas relações jurídicas
A boa-fé objetiva66-67, largamente adotada pelo Código Civil, assume
papel de destaque no Direito das Obrigações e, em especial, naquelas
obrigações de longa duração.
Na relação jurídica obrigacional, a boa-fé objetiva desempenha diversos
papeis: posta no artigo 422, do Código Civil tem função integrativa e
consubstancia dever lateral ou anexo a ser observado pelas partes; posta no
artigo 113 do mesmo diploma legal, é norte interpretativo a ser observado pelo
operador do direito; e posta no artigo 187 desempenha função de controle do
exercício da autonomia privada.
Travestida de dever lateral (artigo 422), a boa-fé objetiva tem função
integrativa e indica o comportamento a ser adotado por ambas as partes contratantes durante a execução do contrato68. De seu bojo exsurgem diversos
outros deveres, tais como informação, lealdade, confiança e cooperação
(aspecto mais abordado neste tópico), de modo a orientar o exercício da
66 “(...) boa fé (CC, arts. 113,187 e 422), intimamente ligado não só à interpretação do contrato – pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes – mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade, honestidade, honradez, probidade (integridade de caráter), denodo e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa-fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, respeitando o outro contratante, não traindo a confiança depositada, procurando cooperar, evitando o enriquecimento sem causa. Trata-se, portanto, da boa fé objetiva.” (DINIZ:2007, pp. 33/34) 67 “A inteligência da convenção no sentido que melhor corresponda à boa-fé, presumida nos contratantes, constitui, por igual, excelente critério de exegese. O princípio da boa-fé domina o comércio jurídico, como regra de recíproca lealdade, destinada a dar-lhe segurança. Não é necessário apurar se cada um dos contratantes se encontrava com boa-fé ao contratar. O intérprete deve entender as disposições contratuais como exige a boa-fé.” (BESSONE: 1997, p. 175) 68 Sabe-se que a boa-fé objetiva deve ser observada desde a fase pré-negocial até a pós-negocial (das tratativas até depois de extinto o contrato), mas, para fins deste trabalho, está-se dando mais ênfase à fase de execução contratual.
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autonomia privada das partes69. É neste papel que a boa-fé, através do dever de
cooperação, dá fundamento ao dever de renegociar70.
Essa característica da função integrativa da boa-fé objetiva relaciona-se à visão complexa, sistêmica ou processual da relação jurídica obrigacional71 que,
ao invés de ser composta apenas por uma prestação e sua correlata
contraprestação, é composta, em verdade, por diversos feixes de direitos,
deveres, ônus e faculdades de lado a lado, “formando uma constelação de
69 “Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação "refletida", uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes.” (MARQUES, 2002, pp. 181/182) 70 “La buena fe constituiría, entonces, una fuente del deber de renegociación y la equidad la capacidad de determinar el contenido” Evidentemente, esta buena fe debe ser comprendida en un sentido objetivo, esto es como un parámetro de comportamiento de cómo se hubiera comportado si es que hubiese estado en el lugar de la contraparte en el vínculo contractual. Del mismo modo, la buena fe tiene la función, en ejecución del contrato, que permite un reequilibro cuando las circunstancias sobrevenidas determinan un desfase entre las prestaciones. Y dicho desfase se encuentra fuera del alcance de la excesiva onerosidad . La buena fe, entonces, es la regla de conducta a la cual deben atenerse los contratantes y constituye una fuente primaria de integración de la relación contractual, además, prevalente también respecto a la determinación del contenido contractual. Debe tenerse presente entonces, que la buena fe contractual no es ya un canon ético o moral, es más bien, una regla jurídica y económica que debe ser concordada con principio de conservación del contrato y con la relación contractual en ejecución con la finalidad de mantener el “vivo” el contrato”. (BUENDIA:2016, 178/179) "A boa fé constituiria, então, uma fonte do dever de renegociação e a equidade, a capacidade de determinar o conteúdo" Obviamente, essa boa-fé deve ser entendida em um sentido objetivo, isto é, como um parâmetro comportamental de como a parte teria se comportado se estivesse no lugar da contraparte na relação contratual. Da mesma forma, a boa-fé tem a função, na execução do contrato, que permite um reequilíbrio quando as circunstâncias supervenientes determinam uma lacuna entre as prestações. E essa lacuna está fora do alcance da onerosidade excessiva. Boa-fé, então, é a regra de conduta que as partes contratantes devem obedecer e constitui uma fonte primária de integração da relação contratual, além disso, também prevalece quanto à determinação do conteúdo contratual. Deve ser lembrado, então, que a boa-fé contratual não é um cânone ético ou moral, mas, sim, uma regra jurídica e econômica que deve estar de acordo com o princípio da conservação do contrato e com a relação contratual em execução, a fim de manter o contrato "vivo". "(tradução livre) 71 Enquanto Clóvis do COUTO E SILVA entende a relação obrigacional como processo, Fernando NORONHA prefere entendê-la como complexa ou sistêmica: “De nossa parte, apenas observamos que talvez fosse mais correto falar em ‘sistema’ do que em ‘conjunto’ ou ‘processo’; por isso, temos falado em relação obrigacional complexa, sistêmica ou sistema obrigacional” (NORONHA:1994, p.159). De todo modo, ambos analisam a relação jurídica obrigacional como um todo, composta por diversos direitos e deveres de lado a lado.
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múltiplas situações jurídicas” (NORONHA:1994, pp.157/158)72-73. E esta
constelação, em última análise, reflete a própria complexidade de qualquer
relação nascida do contato social74. Portanto, como dever anexo ou lateral que é, a boa-fé é cláusula implícita
em qualquer contrato, de modo que sua inobservância implica o inadimplemento
contratual, com a aplicação dos consectários contratuais e legais pertinentes a
tal falta75-76-77.
72 “Na verdade, segundo a moderna teoria dos sistemas, um sistema é um conjunto de elementos que se comportam como uma unidade; os elementos estão inter-relacionados de tal forma que modificações em um deles provocam alterações, maiores ou menores, em outros (...). E uma certa e determinada situação obrigacional de vida real também é um pequeno sistema: não é aquela simples relação jurídica linear entre duas pessoas, uma com o poder de exigir uma prestação, e a outra com o dever de realizá-la, da definição clássica; é antes um conjunto de comportamentos inter-relacionados, satisfazendo quase sempre necessidades de natureza econômica, valorados pelo direito e sofrendo a influência de numerosos fatores do meio econômico e social em que se desenvolvem” (NORONHA: 1994, pp. 159/160) 73 Cf. NANNI:2008, pp.299/302. 74 “A relação contratual nada mais é do que um contato social, um contato na sociedade que une, vincula pessoas, contato onde necessariamente não se pode esquecer ou desrespeitar os deveres gerais de conduta, os deveres de atuação conforme a boa-fé e conforme o direito. Estes deveres de conduta (Verhaltenspjlichten) obrigam-nos a todos, todos os dias, nas relações extracontratuais e muito mais, nas relações contratuais. (...) A lógica - e o Direito - impõem que nesses contatos sociais, nesses processos sociais, de inegável relevância jurídica, que são os contratos, os parceiros contratuais devam também observar seus deveres de conduta, devam também tratar o outro com lealdade e respeito, não danificar o patrimônio do próximo, não impedir que o outro cumpra com os seus deveres, em suma, cooperar na medida do possível e segundo a lei.” (MARQUES: 2002, pp. 183/184) 75 “Estes deveres de conduta gerais existem sempre, mas quando integram uma relação contratual vão receber um novo nome especial, uma vez que seu descumprimento dará razão a uma sanção com regime especial, uma sanção contratual. Descumprir o dever anexo de informar o contratante sobre os riscos de um serviço a ser executado, ou sobre como usar um produto, significa inadimplir, mesmo que parcialmente. Assim, apesar de no Brasil consagrarmos a expressão alemã de deveres anexos ou secundários, enquanto contratuais, tratam-se de verdadeiras obrigações (obrigações acessórias, como os denominam os franceses), a indicar que a relação contratual obriga não somente ao cumprimento da obrigação principal (a prestação), mas também ao cumprimento das várias obrigações acessórias ou dos deveres anexos aquele tipo de contrato.” (MARQUES:2002, p. 185) 76 Nesse sentido, tenha-se presente que a boa-fé é obrigação, porque inserida (ainda que implicitamente) no contrato, mas também é dever a ser observado quando do exercício de direitos, sob pena de configurar ato ilícito (artigo 187, do Código Civil), o que atrai a configuração de responsabilidade contratual e aquiliana, respectivamente, em caso de descumprimento. 77 No trabalho Principles of European Contract Law (PECL), uma das formas de descumprimento contratual consubstancia-se na inobservância do dever de cooperar. Veja-se: “Article 1:301 (ex art. 1.105) - Meaning of Terms In these Principles, except where the context otherwise requires: (…) (4) 'non-performance' denotes any failure to perform an obligation under the contract, whether or not excused, and includes delayed performance, defective performance and failure to co-operate in order to give full effect to the contract.” “Artigo 1:301 (ex art. 1.105) - Significado dos termos Nestes Princípios, exceto onde o contexto exigir de outra forma: (…)
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Travestida de ferramenta hermenêutica (artigo 113), a boa-fé objetiva
serve para orientar as partes, quando da interpretação do contrato, a se portarem
de acordo com seus ditames, o que significa, em outros termos, que a interpretação do contrato deve observar seu sentido objetivo, isto é a finalidade
contratual posta por meio da vontade declarada das partes. E se mesmo assim
não for possível atribuir-lhe uma interpretação unívoca, isto é, se o sentido
objetivo do contrato ainda for motivo de dúvidas ou contiver cláusulas ambíguas,
a interpretação deve observar, em última análise, o princípio da razoabilidade.
De todo modo, se houver diversas interpretações possíveis, ao final, o significado
atribuído ao quanto pactuado deve orientar à conservação do contrato78-79.
Já ao desempenhar função de controle (artigo 187), a boa-fé objetiva
controla a conduta das partes durante a execução contratual e limita o exercício
da autonomia privada, de modo que esta esteja em consonância com os ditames
da boa-fé objetiva. Dito de outro modo, o exercício do direito do credor tem uma clara limitação: deve ser exercido moderadamente, sob pena de deixar de ser
apenas o exercício regular de um direito e transformar-se em abuso de direito.
O que se deve ter presente é que a boa-fé objetiva dialoga com outros
princípios atinentes às relações jurídicas obrigacionais, estejam esses presentes
no Código Civil ou na Constituição Federal. Nesse sentido, autonomia privada,
boa-fé objetiva e função social do contrato devem conviver de modo equilibrado, o que significa que o poder discricionário próprio da autonomia privada e inerente
ao exercício de um direito deve observar não só o interesse do titular do direito,
mas, também, o da parte devedora e da própria sociedade em geral80. É por isso
que a configuração do abuso de direito é casuística e depende da desproporção
(4) ‘ descumprimento’ denota qualquer falha no cumprimento de uma obrigação decorrente do contrato, seja ou não justificada, incluindo mora, cumprimento defeituoso e incapacidade de colaborar para conferir pleno efeito ao contrato.” (tradução livre) 78 Cf. NORONHA:1994, pp. 152/155. 79 A conservação do contrato também é expressão da boa-fé, pois as partes devem salvaguardar o contrato não só à luz do quanto contratado, mas, também, à luz da realidade econômico-social que lhe é subjacente durante toda sua execução (MARTINS-COSTA, 1999, pp. 442/443). 80 “Daí poder afirmar-se que a liberdade contratual encontra-se, hoje, fundamentada na solidariedade social como valor constitucional fundamental e no "piso vital mínimo" constitucional que é a dignidade da pessoa humana. A razão de ser do reconhecimento dessa liberdade dos particulares de auto-regulamentação de seus interesses por meio dos contratos se dá não só por motivos de ordem privada (como a necessária liberdade que deve ser assegurada ao indivíduo, imune à interferência estatal), mas também em atenção às funções sociais inerentes ao contrato, funções essas (as últimas) que também constituem os limites jurídicos daquela liberdade.” (BOULOS:2003, p. 131)
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exacerbada entre o interesse perseguido pelo credor e o prejuízo causado ao
devedor em decorrência da conduta do credor81, o que deve ser avaliado à luz
dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade82. Como se pode perceber, a boa-fé objetiva desempenha diversos papeis
dentro das relações jurídicas de direito privado, o que lhe atribui, sem sombra de
dúvidas, uma posição de destaque tal que justifica a seguinte afirmação de Karl
LARENZ (s/d, p. 144): “la salvaguardia de la buena fe y el mantenimiento de la
confianza forman la base del tráfico jurídico y em particular de toda vinculación
jurídica individual”83.
Dentre outras, uma das expressões da boa-fé objetiva está no dever de
cooperação, essencial para que as relações jurídicas obrigacionais possam de
desenvolver a contento. E tal dever assume especial relevo quando se está
diante de uma relação jurídica de longa duração, como se demonstrará a seguir.
5. O dever de cooperação e o dever de renegociar nas relações jurídicas de longa duração
A complexidade da vida contemporânea e o incremento da relação
colaborativa também se fez sentir no direito contratual84, na medida em que a
forma de produção e de prestação de serviços também passou por alterações, sendo bastante comum o trabalho associado, compartilhado e colaborativo entre
81 “Na verdade, se o contrato tem uma função social, se os direitos reconhecidos a cada parte têm por finalidade não só a satisfação de interesses privativos de cada uma delas, como também a realização de interesses sociais (o interesse geral, ou o bem comum, como quer que estas expressões sejam entendidas em cada sociedade, mas que, em matéria de contratos, sempre serão integradas pela finalidade de assegurar a maximização da riqueza, pelo melhor aproveitamento dos recursos disponíveis), não se vê como seja possível tutelar pretensões de um contratante que, considerando o seu interesse, representem sacrifício manifestamente desproporcional dos interesses do co-contratante” (NORONHA:1994, p. 174) 82 “Na conceituação do abuso de direito leva-se em conta o exercício excessivo dos limites impostos pelo fim econômico ou social (art. 187). Entende-se, assim, que no exercício irregular de um direito, ou no excesso desse exercício, é importante o uso dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na avaliação desses limites.” (ROSAS:2003, p. 560) 83 “A salvaguarda da boa-fé e a manutenção da confiança formam a base do tráfego jurídico e, em particular, de toda relação jurídica individual.” (tradução livre) 84 “...na contemporânea sociedade, a inter-relação e interdependência dos membros da comunidade social acentuam-se extraordinariamente, tecendo complexa e intrincada rede de relações, o que é atestado pela Sociologia do Direito, que contribui com a civilística ao descrever categorias que permitam compreender a experiência obrigacional.” (MARTINS-COSTA:2003, p.24)
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diversas empresas85, grandes, médias ou pequenas, o que se pode notar, por
exemplo no setor automobilístico86 ou, ainda, no setor de informática87 .
Consequentemente, a cooperação entre as partes é essencial para que possam resolver as questões surgidas ao longo da relação contratual, as quais
podem ser da mais variada ordem, tais como: alteração de comportamento da
sociedade (ex. incremento uso de cartão de crédito ou de débito em detrimento
de dinheiro ou cheque); variação de demanda por determinado produto (ex.
incremento da demanda de livros digitais ao invés de livros de papel88); e crises
econômicas (a exemplo daquela havida a partir do final de 2014)89.
Em relações contratuais como as acima exemplificadas, em que há
verdadeira parceria entre as partes, diante do interesse permanente posto no
projeto contratual entre elas estabelecido, o dever de cooperação se acentua
ainda mais90.
Sendo assim, na medida em que tais questões impactem o programa contratual estabelecido entre as partes, é preciso que essas, em postura
colaborativa, tratem de renegociar as bases contratuais para que o cumprimento
do quanto pactuado possa ser levado a efeito, não apenas observando-se seus
interesses individuais, mas, também, o interesse coletivo, isto é, o interesse
85 “Uma das principais características do atual ambiente organizacional é a necessidade das empresas atuarem de forma conjunta e associada. Desta forma, surge como possibilidade concreta para o desenvolvimento empresarial, os modelos organizacionais baseados na associação, na complementaridade, no compartilhamento, na troca e na ajuda mútua, tomando como referência o conceito de redes advindo, principalmente da Sociologia. As redes de empresas representam uma forma inovativa de obter competitividade e sobreviver no mundo globalizado.” (OLAVE e NETO: 2001, p. 289). 86 Cf. KATAOKA:2008, pp.46/59, que analisa o modelo de produção just in time, um dos pilares do método Toyota, em que a produção se dá de modo coordenado entre a montadora e as empresas fornecedoras de peças, que, além de produzirem quando e na quantidade necessária, muitas vezes dividem a mesma planta industrial, além de desenvolverem projetos em conjunto. 87 Nesse sentido, vale observar o modus operandi do Vale do Silício, onde cooperação é a chave para que diversas empresas ali sediadas se desenvolvam. Cf. https://exame.abril.com.br/pme/os-segredos-do-vale-do-silicio-para-um-negocio-de-sucesso/ acessado em 06 mai. 2018 88 São exemplos icônicos e recentes o pedido de Recuperação Judicial da Livraria Cultura e da Livraria Saraiva. 89 Este trabalho dará mais luz ao impacto sofrido pela mais recente crise econômica brasileira, mas todas as outras formas de perturbação na relação contratual de longa duração também merece o mesmo tratamento cooperativo entre as partes, para que o programa contratual estabelecido entre elas possa ser cumprido. 90 Cf. GARBI: 2014, p. 133.
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decorrente da importância ou do impacto que tal relação contratual tem na
sociedade em que os contratantes estão situados91.
Nessa ordem de ideias, ao conceito de pacta sunt servanda em relações jurídicas de longa duração deve ser adicionado o dever de cooperação ou
colaboração entre as partes contratantes que, ao estabelecerem o inicial
equilíbrio contratual e, pois, assumirem determinados riscos quando da
conclusão do contrato, não são faticamente capazes de prever todas as
intempéries pelas quais a execução do contrato passará ao longo de sua
vigência92.
As relações jurídicas de longa duração – como delineado por Clóvis do
COUTO E SILVA – devem ser analisadas como um processo, em que a relação
de cooperação entre as partes contratantes é essencial para o adimplemento
contratual, especialmente porque, por se tratar de relação que se protrai no
tempo, é natural que ocorram diversas externalidades a impactar o equilíbrio inicialmente estabelecido entre elas93. E como tais externalidades não podem
ser totalmente previstas em extensão e profundidade pelas partes, é certo que
somente uma relação de cooperação é capaz de conformar os parâmetros da
obrigação entabulada para que, ao cabo, seu adimplemento possa ser atingido94.
91 “O credor não pode se furtar hoje ao dever de cooperação e solidariedade que a Constituição Federal e o princípio da boa-fé objetiva impõem à relação obrigacional. Deve emprestar a sua vontade, cooperativa e solidariamente, à modificação ou renegociação da obrigação que for necessária a dar ao devedor os meios para a execução da obrigação, porquanto o adimplemento do contrato não é um interesse que está submetido inteiramente à sua vontade, visto que a relação contratual e o seu rompimento têm reflexos sociais.” (GARBI:2014, p. 197) 92 Para além das intempéries, como já se mencionou, circunstâncias outras, tais como mudança de comportamento da sociedade (ex. uso maior de cartão de crédito em detrimento de cheque ou dinheiro), não são passíveis de previsão pelas partes contratantes. Em contratos de longa duração, preço, qualidade, quantidade, forma de entrega, tipo de produto, dentre outros, requer constantes ajustes ao longo de sua existência. Nesse sentido, cf. MACEDO JUNIOR, 1998, 129. 93 “Da concreção deste princípio [boa-fé], resultam novos deveres que não têm seu fundamento na autonomia da vontade. Implica, portanto, em alterar o desenvolvimento, como tradicionalmente se entendia, do processo da obrigação. Visa-se, através dele, instaurar a ordem de cooperação entre os figurantes na relação jurídica. (...). O princípio da boa-fé exige maior consideração aos partícipes do vínculo, às suas necessidades e interesses, o que permite definir-se o fato jurídico ‘lato sensu’, como o fez o prof. Ruy Cirne Lima: ‘fato jurídico não é, portanto, o contrato, de conclusão instantânea; mas, os contratantes, o objeto do contrato, o contrato mesmo, e a própria coletividade social, a que eles pertencem. O todo condicionará a relação jurídica que, graças a essa conjunção, virá a surgir e a perdurar’”. (COUTO E SILVA:1964, p. 222) 94 Cf. nesse mesmo sentido MACEDO JÚNIOR, 1998, pp. 126/127, em que analisa a forte presença da cooperação econômica e solidariedade de interesses estratégicos em indústrias como a têxtil, de informática e automobilística, em que há a associação de empresas em redes produtivas.
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Cooperação, por óbvio, pressupõe confiança e ambas são decorrentes da
boa-fé objetiva95, norte interpretativo posto pelo artigo 113, do Código Civil,
responsável por iluminar não só as relações jurídicas obrigacionais, como todas as demais postas no Código Civil, diante da posição tópica de tal artigo de lei.
Nesse sentido, cooperação e confiança entre as partes devem ser a tônica
dominante dos contratos de longa duração96-97, pois a presença desses
elementos dinamiza e, em muitos casos, viabiliza o cumprimento do quanto
pactuado, já que existem inúmeras externalidades que requerem o contínuo
reajuste do quanto pactuado entre as partes.
Cláudia Lima MARQUES (2007, pp. 30/33), ao tratar da confiança como
princípio e base da relação contratual privada, afirma que confiança entre os
contratantes torna a relação contratual entre elas mais simples e direta, na
medida em que uma parte tem a legítima expectativa de que a outra criará
condições para o cumprimento do quanto pactuado e cuidará para que tais condições continuem a existir ao longo da execução contratual, a despeito
daquilo que está previsto no contrato.
Consequentemente, é cara, ao ordenamento jurídico98, a proteção da
confiança despertada pelas partes integrantes de uma relação jurídica, “...
porque poder confiar, como hemos visto, es condición fundamental para una
pacífica vida colectiva y una conducta de cooperación entre los hombres y, por tanto, de la paz jurídica”99 (LARENZ: 1985, p. 91). E prossegue o autor,
95 Segundo Judith MARTINS-COSTA (1999, pp.438/440) esses são deveres que se dirigem a ambos os contratantes e estão atrelados ao correto processamento da relação obrigacional, isto é, à satisfação do fim almejado pelas partes, o que requer um cuidado e proteção recíprocos não só em relação às pessoas, como também ao patrimônio conexo àquela relação contratual. 96 “ ...os contratos relacionais de modo geral envolvem relações complexas entre diversas partes, nas quais os vínculos pessoais e de solidariedade, confiança e cooperação são determinantes.” (MACEDO JUNIOR:2000, p. 114). 97 Veja-se, nesse sentido, Eduardo GIANETTI (2010, pp. 187/188), que aponta que os economistas também consideram a confiança o elemento essencial para que a estrutura produtiva de um país possa se desenvolver. 98 “As partes, nas relações contratuais, devem manter posturas de cooperação, transparência e lealdade recíprocas, de modo a respeitar as legítimas expectativas geradas no outro, sobretudo em contratos de longa duração, em que a confiança é elemento essencial e fonte de responsabilização civil.” (REsp 1613644/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/09/2016, DJe 30/09/2016, disponível em, http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%22CONTRATO+DE+LONGA+DURA%C7%C3O%22&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true acessado em 04 jan. 2019) 99 “... porque poder confiar, como vimos, é uma condição fundamental para uma vida coletiva pacífica e um comportamento cooperativo entre os homens e, portanto, [é uma condição fundamental] da paz jurídica. (tradução livre)
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afirmando que quem trai a confiança da outra parte num negócio jurídico acaba
por abalar a segurança do tráfego jurídico100.
Usualmente, em contrato de longa duração, as próprias partes cuidam de trazer, em seu clausulado, previsões mais abertas (algumas importadas sem
temperos tropicais, é verdade), no sentido de que eventuais intempéries que
afetem o cumprimento da obrigação devem ser tratadas pelas partes, de boa-fé,
por meio da renegociação do quanto pactuado.
Mas, ainda que tais previsões não façam parte do quanto estabelecido
contratualmente, não se pode perder de vista o caráter processual que as
relações contínuas e duradouras adquirem, motivo pelo qual, como expressão
da confiança e colaboração inerente a tais vínculos, o processo de renegociação,
adequação ou reencaixe do quanto pactuado deve ser entendido como parte
integrante do pacto contraído pelas partes101.
Os contratos incompletos, denominados por Judith MARTINS-COSTA (2010, p.17) de contratos evolutivos102, também pertencem à categoria dos
contratos cuja execução se alonga no tempo (contratos de longa duração). Sua
natureza incompleta decorre das intercorrências a que o contrato está exposto
ao longo do tempo, o que requer uma constante negociação entre as partes
contratantes, para que este se adapte à realidade vivida, a fim de viabilizar o
próprio cumprimento da obrigação pactuada entre as partes. Existe, assim, uma verdadeira relação colaborativa entre as partes, que,
no fundo, têm um objetivo comum: o cumprimento da obrigação. As partes,
apesar de terem interesses específicos e buscarem prestações distintas, quando
da celebração do contrato, estão essencialmente voltadas para a mesma
100 Veja-se, nesse sentido, o trabalho de Rodrigo MOREIRA (2018), que versa sobre a resolução contratual decorrente da quebra de confiança entre as partes. 101 Giuliana SCHUNCK (2016, p. 194) afirma que o dever de renegociar é expressão do dever de cooperação e, pois, corolário do dever de boa-fé. É, assim, um dever anexo, cuja observância é obrigatória pelas partes contratantes. 102 Para fins deste trabalho, contratos de trato sucessivo, contratos relacionais, contratos de execução escalonada, contratos incompletos e contratos evolutivos serão denominados, genericamente, de contratos de longa duração. Não obstante cada um deles ter características específicas, todos eles se alongam no tempo e é essa característica que importa para o desenvolvimento deste trabalho. Nessa categoria também poderão ser incluídos os contratos de execução diferida, pois, apesar pertencerem à categoria de contratos de execução instantânea ou única, a depender do caso concreto (ex. contrato de empreitada), para que a obrigação seja, ao final, cumprida, pode ser necessário um contato próximo com intensa colaboração entre as partes contratantes (cf. SCHUNCK: 2016, p. 38). Para classificação e distinção entre tais categorias, dentre outros cf. GOMES: 1998, pp.79/81, LOUREIRO:2008, pp.173/175 e SCHUNCK:2016, pp. 38/70.
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direção: o fiel cumprimento da relação jurídica negocial entre elas entabulada.
Nesse sentido, como destacado por NANNI (2008, p. 308), o contrato é
verdadeiro instrumento de colaboração entre as partes, que deixam a clássica posição antagônica entre elas, para comungarem uma posição alinhada e
colaborativa, a fim que os interesses postos no contrato possam ser atingidos103-104.
A cooperação entre as partes contratantes é, pois, essencial para que a
finalidade do contrato seja atingida, sendo certo que o dever de renegociar é
importante instrumento para concretizar tal intento. É certo que ao longo do
tempo o contrato sofrerá intempéries que poderão trazer percalços ao seu
cumprimento; mais certo, ainda, é que as partes deverão adotar e manter postura
colaborativa, isto é, de consideração para com a outra parte105-106, para que a
103 “A inovação, que permitiu tratar a relação jurídica como uma totalidade, realmente orgânica, veio do conceito do vínculo como uma ordem de cooperação, formadora de uma unidade que não se esgota na soma dos elementos que a compõem. Dentro dessa ordem de cooperação, credor e devedor não ocupam mais posições antagônicas, dialéticas e polêmicas. Transformado o ‘status’ em que se encontravam, tradicionalmente, devedor e credor, abriu-se espaço ao tratamento da relação obrigacional como um todo.” (COUTO E SILVA:1964, p. 8) 104 A visão de que as partes, em contratos de longa duração, têm verdadeiro interesse comum, consubstanciado no regular cumprimento do quanto pactuado e, portanto, precisam adotar postura colaborativa ao longo de toda a relação contratual, também encontra eco internacional, a exemplo dos Princípios UNIDROIT (artigo 5.1.3) , Principles of European Contract Law – PECL (artigo 1:202) e Draft Common Frame of Reference – DCFR (livro III, artigo 1:104). Nenhum desses modelos de regramento tem força normativa, mas todos eles foram elaborados com base na legislação de diversos países e, com alguma variação, com o intuito de uniformizar o direito contratual internacional. Por tudo, veja-se o seguinte comentário ao artigo 5.1.3 dos Princípios UNIDROIT, tecido pelos juristas responsáveis por sua elaboração: “A contract is not merely a meeting point for conflicting interests but must also, to a certain extent, be viewed as a common project in which each party must cooperate. This view is clearly related to the principle of good faith and fair dealing (see Article 1.7) which permeates the law of contract, as well as to the obligation to mitigate harm in the event of non-performance (see Article 7.4.8)”. “Um contrato não deve ser visto apenas como um ponto de encontro de interesses conflitantes, mas também, em certa medida, como um projeto comum em que cada parte deve cooperar. Essa visão está claramente relacionada ao princípio da boa-fé e lealdade (vide Artigo 1.7), que permeia o direito contratual, bem como à obrigação de mitigar o dano em caso de inadimplemento (ver Artigo 7.4.8).” (tradução livre) 105 Pode-se dizer, até, que a postura das partes, outrora puramente egoísta, passa a ser também altruísta, já que é a busca comum do bem da outra parte que viabilizará o saudável cumprimento do contrato de longa duração. 106“O mandamento de conduta engloba todos os que participam do vínculo obrigacional e estabelece, entre eles, um elo de cooperação, em face do fim objetivo a que visam. (...) O princípio da boa-fé contribui para determinar ‘o quê’ e o ‘como’ da prestação e, ao relacionar ambos os figurantes do vínculo, fixa, também, os limites da prestação. Nos negócios bilaterais, o interesse, conferido a cada participante da relação jurídica (‘mea res agitur’), encontra sua fronteira nos interesses do outro figurante, dignos de serem protegidos. O princípio da boa-fé opera, aqui, significativamente, como mandamento de consideração.” (COUTO E SILVA: 1964, p. 31)
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obrigação originalmente posta seja mantida e cumprida nem que, para tanto,
haja necessidade de ajuste de seu clausulado107, o que deverá ser feito por meio
da renegociação de seus termos. Na definição de Judith MARTINS-COSTA (2010: p.16), a relação jurídica
evolutiva (e, no mais, toda relação de longa duração) encerra, entre as partes,
uma verdadeira affectio contractus, para que aquela relação seja mantida ao
longo do tempo, ainda que as prestações devidas de lado a lado sejam diversas.
Afinal, como processo que é, o iter da obrigação é composto por um
encadeamento de ações ou condutas de ambas as partes contratantes,
tendentes a viabilizar a concretização da finalidade última do contrato, isto é, de
seu integral cumprimento108.
Nesse sentido, como um dos pilares de sustentação do tráfego jurídico, o
dever de cooperação – corolário da boa-fé objetiva - está presente e faz-se sentir
especialmente e com mais intensidade nas relações jurídicas de longa duração109, já que estas tendem a causar efeitos duradouros não só para as
partes contratantes, mas, também, para aqueles terceiros que, de uma forma ou
de outra são afetados pela existência de tal relação jurídica110.
107 “Se em toda a ordem jurídica a cooperação é pressuposto abstrato e geral, no Direito das Obrigações, centrado na noção de prestação como conduta humana devida, a cooperação é nuclear, pois através da relação obrigacional ‘o interesse de uma pessoa é prosseguido por meio da conduta doutra pessoa’ de modo que a ‘colaboração entre sujeitos de ordem obrigacional- a colaboração intersubjetiva é uma constante intrínseca das situações’. Deste modo, diferentemente de conotar uma ‘visão excessivamente romântica de que os contratantes devem colaborar entre si’, o dever de colaboração está no núcleo da conduta devida, servindo para possibilitar, mensurar e qualificar o adimplemento. A colaboração possibilita o adimplemento porque, para que este seja eficazmente atingido, é necessário que as partes atuem, ambas, em vista do interesse legítimo do alter. As partes de uma relação obrigacional não são entidades isoladas e estranhas, atomisticamente consideradas: pelo contrário, tendo se aproximado em virtude de contato social juridicamente qualificado por graus de proximidade ou distância (e o grau que aproxima dois contratantes é de extrema proximidade), as partes estão entre si relacionadas, razão pela qual a necessidade de colaboração intersubjetiva constitui, como afirmou Menezes Cordeiro, "princípio geral da disciplina obrigacional." Judith MARTINS-COSTA (2003, pp. 25/26) 108 “Parece seguro que a óptica complexiva e dinâmica, que encarta a obrigação ou relação obrigacional como um sistema, organismo ou processo, encadeado e desdobrado em direção ao adimplemento, à satisfação do interesse do credor, possibilita mais rigorosa compreensão anátomo-fisiológica do instituto e de certos dados da fenomenologia jurídica.” (COSTA:2009, p. 75) 109 Segundo Giuliana Schunck (2016: p. 200), o dever de cooperação é mais intenso nas relações jurídicas de longa duração, em decorrência da constante interação e dependência entre as partes. Na obrigação vista como processo a dinâmica negocial demonstra uma constante troca de posições entre as partes, o que requer uma intensa cooperação entre elas, para que o programa contratual seja devidamente cumprido. 110 “Há elementos que evidenciam a importância da boa-fé dentro da perspectiva relacional, notadamente o fato de que, em primeiro lugar, ela lembra a incompletude dos contratos, os
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Portanto, o conceito do pacta sunt servanda deve ser entendido à luz do
dever de cooperação entre as partes, o que implica, no mais das vezes a
necessidade de conformação do quanto inicialmente pactuado (dever de renegociar), diante das externalidades experimentadas ao longo do iter
contratual, para que, com isso, o contrato possa ser, em essência, cumprido,
atingindo-se, pois, sua finalidade econômica e social, nos termos do quanto
disposto pelo programa contratual, bem como pela Constituição Federal e pelo
Código Civil111.
limites da capacidade de previsão humana, os custos e ameaças à solidariedade, as barreiras insuperáveis para a comunicação perfeita e sem ruídos. Em segundo lugar, ela enfatiza, valoriza e torna juridicamente protegido o elemento confiança (‘trust’), sem o qual nenhum contrato pode operar. Em terceiro lugar, ela evidencia a natureza participatória do contrato, que envolve comunidades de significados e práticas sociais, linguagem, normas sociais e elementos de vinculação não promissórios (não-contratuais). Assim, a boa-fé realça o elemento moral nas relações contratuais. Por fim, a boa-fé contratual envolve a concepção moral de fazer algo corretamente e, neste sentido, reporta-se a uma concepção de Justiça Social, a Justiça enquanto normalidade, desenvolvida nos capítulos iniciais deste trabalho.” (MACEDO JÚNIOR:1998, p. 231) 111 O dever de renegociar decorre da chamada cooperação ativa, bastante usado pela doutrina alemã. Apesar de seu objeto de estudo ser o Código de Defesa do Consumidor, o raciocínio da autora é perfeitamente aplicável às relações civis. Veja-se: “Por fim, mencione-se que a doutrina atual germânica considera ínsito no dever de cooperar positivamente, o dever de renegociar (Neuverhandlungspflichte) as dívidas do parceiro mais fraco, por exemplo, em caso de quebra da base objetiva do negócio. Cooperar aqui é submeter -se às modificações necessárias à manutenção do vínculo (princípio da manutenção do vínculo do art. 51, § 2. o do CDC) e à realização do objetivo comum e do contrato. Será dever contratual anexo, cumprido na medida do exigível e do razoável para a manutenção do equilíbrio contratual, para evitar a ruína de uma das partes (exceção da ruína aceita pelo art. 51, § 2. o do CDC) e para evitar a frustração do contrato: o reflexo será adaptação bilateral e cooperativa das condições do contrato.” (MARQUES:2002, p. 198)
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CAPÍTULO 2. O RISCO CONTRATUAL
1. O risco originalmente assumido e os parâmetros aceitáveis de sua variação
O risco contratual está associado ao equilíbrio da relação jurídica
estipulado pelas partes, quando da conclusão do contrato. Em outros termos,
durante as negociações e a formação do contrato, as partes estipulam não só o
objeto do contrato, como, também, direitos e deveres de lado a lado e, ainda, as
condições em que o objeto da prestação será cumprido. E toda a formação da
estrutura contratual se dá dentro de um determinado cenário histórico e
econômico, as denominadas circunstâncias externas que serviram para permear
a formação daquela relação jurídica.
Naturalmente, numa relação jurídica paritária, o equilíbrio inicialmente estabelecido entre as partes não só é equânime, como traz em seu bojo
determinado risco contratual (álea normal do contrato112-113), que poderá sofrer
variações ao longo da execução do contrato114-115.
112 “Ao ser repartido entre os contratantes, o risco previsível passa a integrar a álea normal do contrato, compreendida como o risco externo ao contrato, o qual, embora não integre a sua causa, mantém com ela relação de pertinência, por representar o risco econômico previsível assumido pelos contratantes ao escolher determinado tipo ou arranjo contratual. A definição da álea normal irá se operar no concreto regulamento de interesses, mostrando-se possível que determinado evento previsível não se insira na álea normal e, portanto, não figure como fato previsto, objeto de gestão pelas partes. Por outro lado, as partes poderão alargar a álea normal, incluindo na gestão do risco eventos previsíveis que ordinariamente não são associados à determinada espécie negocial (e que, portanto, no comum dos casos, seriam considerados fatos extraordinários).” (BANDEIRA: 2016, p. 1.032) 113 Apesar de parte da doutrina entender que exista diferença entre álea (probabilidade de perda ou ganho) e risco (probabilidade de dano ou prejuízo), neste trabalho os termos serão usados e entendidos como sinônimos. Cf. SOUZA:2015, p.27, BELLI:2013, pp.771/772 e GABRIELLI, 1991, p. 628. 114 “A alea querida pelas partes e a incidência de circunstâncias que parecem prejudicar a economia do negócio, tornam-se instrumentos de administração do risco contratual substancialmente objetivos, que não deixam espaço para digressões sobre a pretensa vontade não declarada dos contratantes.” (ALPA, BESSONE e ROPPO, 1982, p. 386). 115 “A referência ao risco tem antes o sentido muito preciso de que os esquemas da alteração das circunstâncias só operam na falta de normas que, de modo explícito, prescrevam outras formas de suportar os danos verificados. Estão em causa, em especial, os preceitos que procedem a cominações expressas de risco e as normas que se reportam à impossibilidade, total ou parcial. Neste sentido, a referência ao risco, constante do art. 437. n. 1, indica a natureza supletiva da alteração das circunstâncias. Mas tal relação de supletividade não deve ser entendida em termos absolutos: a interpretação das normas que cominem as repartições particulares do risco ou similares deve revelar se a atribuição realizada é definitiva, plena, ou se, ainda aí, é admissível, passada certa margem, que a exigência dos deveres contratuais possa
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Evidentemente, as partes, quando da conclusão do contrato, também
avaliam as possíveis alterações das circunstâncias externas durante a execução do contrato116 e procuram internalizar tais variáveis dentro do risco por elas
assumido117. Nesse processo de internalização também estão (ou deveriam
estar) compreendidos os impactos que tais contratos geram na sociedade, ou
seja, a cadeia contratual que se formará em decorrência da conclusão daquele
determinado contrato. Consequentemente, dentro dos riscos avaliados e
internalizados pelas partes também estão aqueles decorrentes do eventual
impacto negativo que o descumprimento do contrato poderá causar na
sociedade em que está inserido118-119.
Dentro de parâmetros razoáveis de variação, tais como inflação, câmbio
e chuvas regulares de verão, por exemplo, é possível que o resultado final do
negócio traga algum prejuízo para uma das partes (isto é, não traga o resultado econômico originalmente esperado). Isso, por si só, não é suficiente para
acarretar a readequação do contrato, por conta da força obrigatória dos contratos
contrariar «gravemente os princípios da boa fé». Esta apresenta, assim, como segundo papel, uma função de controlo.” (MENEZES CORDEIRO: 1997, p. 1.107) 116 Cf. SOUZA: 2015, p. 70 117 “Falar, hoje, de "riscos" na esfera dos contratos significa ampliar a questão de modo a encará-los conexos ao fato de contratar e à operação contratual, no seu conjunto. Significa, ainda, investigar acerca das formas de responsabilização; pensar os perigos que pode ocasionar o desequilíbrio entre as vontades contratantes; trazer ao debate o risco da administração (convencional e preventiva) das cláusulas contratuais gerais, sem esquecer de ponderar, em contrapartida, a respeito do risco da intervenção externa na disciplina interna dos pactos, ante a insegurança causada pela ausência de parâmetros efetivos de controle.” (FEITOSA:2005, p. 110) 118 “Quanto maior a simetria e o poder de barganha das partes contratantes, menor será, em respeito ao princípio da força vinculante dos contratos, o espectro de incidência dos mecanismos legais que permitem a resolução e a revisão contratual. Com efeito, quando as partes contratantes são qualificadas e negociam em condições de igualdade, elas têm maior poder de, apoiadas no princípio da autonomia da vontade, anteverem e, consequentemente, alocarem, conforme seus interesses, os riscos inerentes à contratação. Se as partes são capazes de negociar mecanismos de salvaguarda para se prevenirem contra riscos futuros intrínsecos à contratação, a ausência desses dispositivos pode ser interpretada como (i) intenção deliberada de preservarem intactas as condições contratuais em quaisquer circunstâncias; ou (ii) falta de diligência na negociação e redação do contrato. No primeiro caso, o risco assumido normalmente reflete-se em determinados aspectos da negociação, tais como o preço ou as condições do contrato. Na segunda hipótese, a falta de cuidado no gerenciamento dos riscos será ônus a ser suportado pela parte desidiosa, salvo comprovada culpa ou má-fé da parte contrária.” (EIZIRIK:2015, p. 716) 119 As fronteiras mais largas do risco a ser sopesado e internalizado pelas partes em contratos que tenham impacto na sociedade na qual estão inseridos não é estranha ao Direito, na medida em que tal processo já é feito em outras searas, tal como a ambiental, bastando-se, para tanto, ter como exemplo o trabalho feito por mineradoras nas cidades que serão impactadas pelo exercício da atividade econômica delas.
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e porque lucro e prejuízo são métricas bastante conhecidas e naturais numa
economia de mercado120-121.
Assim sendo, a conclusão de um contrato decorre do exercício da autonomia privada122, expressado pela vontade declarada123-124, por meio da
qual as partes assumem a responsabilidade de cumprir o contrato, o que, por
óbvio, implica a assunção de alguns riscos, que, ao longo do tempo, podem
sofrer variação e causar impactos no cumprimento da obrigação.
A avaliação acerca de quais riscos e em que medida foram assumidos,
deve ser feita de acordo com a declaração de vontade das partes125,
observando-se o tipo contratual e a operação econômica entre elas
120 “Os contratos nascem para ser cumpridos, exatamente conforme o convencionado. Não pode haver liberdade sem responsabilidade. Não há espaço para examinar cada vez e sempre o porquê de dado contrato ter sido celebrado. Para o direito privado, a declaração socialmente vinculante produz os efeitos pretendidos pelas partes, salvo se alguma norma cogente for violada. O equilíbrio do negócio é o definido pelas partes. O juízo a respeito de sua conveniência responde a critérios contingentes. No futuro, a decisão da parte pode se revelar mais ou menos adequada. Nada disso, todavia, importa à definição da disciplina da relação jurídica. Ninguém pode retroceder de um contrato simplesmente porque o resultado não lhe foi favorável. Raciocinar de maneira diversa priva de força vinculante os negócios jurídicos, o que não pode ser sustentado com seriedade.” (ZANETTI:2013, p. 457) 121 Para GABRIELLI, 1991, p. 926, a peculiaridade e os efeitos da denominada álea normal do contrato consistiriam numa relação de tolerância entre os riscos estranhos à troca contratual e a causa do negócio. Segundo ele, apesar de cada risco estranho à troca contratual gerar uma alteração na causa do contrato, o ordenamento jurídico admitiria tal alteração, desde que o distúrbio causado na prestação, por força da incidência desse risco estranho à troca contratual não supere determinado limite, cuja fixação varia de acordo como caso concreto. Existiria, pois, em cada negócio jurídico, uma zona de tolerância dentro da qual o ordenamento jurídico não reagiria aos efeitos dos riscos estranhos à troca, sobre a prestação originalmente pactuada entre as partes. 122 “A autonomia privada é um instituto geral de todo o Direito Privado. Ela pode ser apresentada como liberdade ou autonomia contratual ou como liberdade ou autonomia negocial, quando tenha em vista a celebração de contratos ou de negócios. Trata-se, porém, da mesma realidade.” (CORDEIRO: 1988, p. 348) 123 “Teoria da declaração resume uma série de regras de disciplina do contrato, unificadas por uma característica e por um objetivo. A característica é de ligar os efeitos e o tratamento jurídico das relações aos elementos objetivos, exterior e socialmente reconhecíveis, dos atos pelos quais as relações se constituem, muito mais aos elementos de psicologia individual, às atitudes mentais que permanecem no foro íntimo, numa palavra, à vontade das partes.” (ROPPO:2009, p.298) 124 “A vontade, que se interpreta e converte em realidade, não é o que uma pessoa quis e possivelmente deixou fora do alcance da percepção do coobrigado, ou legatário; porém o que aparece como aceito por uma das partes e pensado e proposto pela outra. Pode-se alimentar, em silêncio, um desejo; daí não abrolham deveres para o indivíduo, nem direitos para terceiros. Não se castigam intenções; a ninguém aproveita o intuito benéfico, porém réfluo, não exteriorizado em ações. Logo, a declaração de vontade é da essência do ato ou contrato; não constitui simples meio de prova.” (MAXIMILIANO:2004, p. 275) 125 Nesse sentido, tanto a decisão de contratar, quanto o tipo e o conteúdo do contrato também são reflexos da avaliação das circunstâncias externas existentes quando da conclusão do contrato (Cf. ALPA, BESSONE e ROPPO, 1982, pp. 281/282)
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entabulada126, contextualizada no momento histórico da conclusão do
contrato127-128. Ao lado disso, tem-se que a apuração do que seria a álea normal
de um contrato passa, também, pelos usos e costumes atinentes ao setor da economia e ao local em que tal contrato está inserido, bem como pela boa-fé129,
como, aliás, já era preconizado pelos artigos 130 e 131 do revogado Código
Comercial.
Observados tais parâmetros, isto é, observando-se a vontade declarada
das partes somada aos usos e costumes atinentes ao local e setor da economia
em que o contrato estiver inserido, se a variação dos riscos assumidos estiver
dentro de um grau de normalidade, ou seja, dentro das regras ou do curso natural
do mercado, esta pode ser considerada fisiológica, o que, por via de
consequência, afasta a necessidade de readequação do contrato.
É interessante notar que a alteração das circunstâncias – justamente por
se tratar de uma questão externa, afeta ao contexto histórico existente quando o
126 Segundo GABRIELLI, 1991, 636, a expressão “economia do negócio” busca descrever os mecanismos de distribuição interna dos riscos e deve ser entendida de acordo com cada tipo contratual, observando-se a iniciativa econômica das partes. Sob tal perspectiva, há hipóteses em que os riscos externos advindos durante a execução contratual não podem ser suportados apenas por uma das partes contratantes, porque não foram explícita ou implicitamente assumidos por ela, quando da conclusão do negócio jurídico. E, mais adiante, complementa o autor: “Il giudizio di compatibilità tra circostanze e adempimento deve procedere in primo luogo dall’analisi del contenuto del negozio e dalla sua qualificazione, poiché il tipo negoziale rappresenta un modello di ripartizione dei rischi e la sua considerazione può fornire di per sé una precisa e puntuale indicazione per desumere quale dei contraenti deve sopportare le conseguenze delle circostanze verificatesi.” (p. 638) “O juízo de compatibilidade entre circunstâncias e adimplemento deve ser precedido, em primeiro lugar, da análise do conteúdo do negócio e de sua qualificação, já que o tipo negocial representa um modelo de repartição dos riscos e sua consideração pode fornecer de per se uma indicação precisa e pontual para indicar qual dos contratantes deve suportar as consequências das circunstâncias verificadas”. (tradução livre) 127 “O objecto da interpretação – segundo os princípios hermenêuticos expostos noutro lugar – é, também aqui, não já a ‘vontade’ interna, ainda que tenha ficado inexprimida, mas sim a declaração ou o comportamento, enquadrados no conjunto de circunstâncias que lhe confere significado e valor. Na verdade, o que conta não é tanto o teor das palavras ou a materialidade da conduta, como a situação objectiva em que aquelas são pronunciadas ou subscritas e esta é tida: o mesmo é dizer, aquele complexo de circunstâncias em que a declaração e o comportamento se enquadram como seu meio natural e em que assumem, segundo o ponto de vista da consciência social, o seu típico significado e valor.” (BETTI:1969, pp. 237/240) 128 Nesse sentido, Cf. UDA:2017, p. 46, para quem, portanto, a alteração superveniente das circunstâncias não ocorre de maneira equivalente em todos os contratos. 129 Segundo GABRIELLI: 1991, pp. 638/640, o controle quanto à compatibilidade entre alteração das circunstâncias e equilíbrio contratual deve ser feito através da boa-fé, devidamente contextualizada pelo setor econômico em que o contrato está inserido e pelo tipo contratual adotado pelas partes contratantes. Em outros termos, a boa-fé servirá para garantir a coerência entre o programa contratual estabelecido entre as partes e o efetivo cumprimento da operação econômica que lhe é subjacente ou entre a operação privada e a finalidade geral perseguida pelo ordenamento jurídico (p. 650).
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contrato foi concluído – deve ser observada de modo objetivo, isto é, analisando
o impacto sofrido pelo contrato como um todo, o que, portanto, afeta ambas
partes contratantes. Veja-se, nesse sentido, a lição de MENEZES CORDEIRO (1997, pp. 1.106/1.107), no que tange ao quanto disposto no artigo 437, do
Código Civil português130:
“A alteração diz respeito ao circunstancialismo que rodeia o contrato, objectivamente tomado, desde que se lhe reporte. A fórmula legal é, no entanto, útil, por deixar claro que não se trata de superveniência a nível das aspirações subjectivas extra-contratuais de uma parte; deve haver uma afectação do próprio contrato como tal, e, nessa medida, ambos os celebrantes estão implicados. A alteração das circunstâncias opera como instituto jurídico-privado. Interfere, nessa medida, nas relações entre particulares e a tal nível. (...) A alteração deve ser anormal; sendo normal, as partes podiam ter previsto a sua ocorrência e tomar, no fecho contratual, as medidas necessárias para evitar a distorção do tecido negocial, face à realidade. (...) Nenhuma destas considerações permite determinar quais as circunstâncias visadas e qual a envergadura da alteração para que se desencadeie o processo. A lei não pretendeu fazer tal clarificação, nem poderia fazê-lo. No caso concreto, há que indagá-lo, à luz das bitolas aplicáveis. Surge, aqui, um primeiro papel da boa fé: relevam as circunstâncias cuja alteração, num determinado grau, leve a que a exigência das obrigações assumidas «afecte gravemente os princípios da boa fé».”
Em outros termos, as alterações das circunstâncias aptas a causarem
anormalidade no risco assumido pelas partes, devem ser analisadas de acordo
com a vontade declarada pelas partes quando da conclusão do contrato,
observando-se os usos e costumes pertinentes à atividade econômica em que
aquele pacto está inserido, bem como a abrangência de tal alteração.
130 “SUBSECÇÃO VII - Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias Art.º 437º - Condições de admissibilidade 1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou a modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.” Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=775A0437&nid=775&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao= acessado em 10 mai. 2018.
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Afinal, se houvesse readequação de contrato simplesmente em
decorrência da frustração da expectativa de lucro de uma das partes, haveria
clara afronta à força vinculante dos contratos, o que, por via de consequência, causaria um ruído no mercado e na própria lógica do sistema contratual131.
Nesse sentido, Enzo ROPPO (2009, pp. 225/226132) aponta que o
ordenamento jurídico não está – via de regra – preocupado em tutelar a justiça
contratual de determinada relação jurídica, mas, sim, a abstrata possibilidade de
cumprimento das regras contratuais, o que implica, por óbvio, a garantia de uma
expectativa de lucro (ou de atingimento da finalidade pactuada), nos termos
contratados entre as partes.
Observadas as regras de mercado, a realização de um mau negócio ou,
ainda, a ocorrência de um resultado abaixo daquele esperado por uma das
partes não é suficiente, por si só, para acarretar a revisitação do contrato. Mais
do que a tutela de determinada relação jurídica, o ordenamento está preocupado com o funcionamento regular do sistema contratual como um todo, que, por
131 “As partes, no momento da vinculação, acomodam suas pretensões, calculando os desdobramentos futuros das obrigações assumidas. Esse cálculo leva em conta vários cenários fáticos, eventos futuros e razoáveis do contexto existente quando da contratação. Enfim: todo negócio implica risco; cada contrato tem o seu "risco típico"; o risco é inerente (= característico) à atividade empresarial. Ao contratar, as partes estão obrigadas a considerar esse risco, sob pena de suportarem prejuízo. Essa projeção, esse cálculo sobre o futuro, encontra sua base em um estado mais ou menos normal de coisas; a parte que desconsidera o risco normal do negócio é sancionada pelo próprio jogo do mercado. O agente econômico que despreza o risco, "errando" a sua jogada ou previsão, há de sofrer perdas econômicas. Igualmente, a parte pode frustrar-se porque o cenário futuro que concebeu no momento da contratação não se verificou. Tudo isso faz parte da dinâmica de mercado.” (GRAU e FORGIONI: 2005, pp. 112/113) 132 “... o ordenamento não tutela a intrínseca justiça da troca contratual, mas só a correcção formal das modalidades externas através das quais a troca é decidida e realizada. Deve-se acrescentar que, deste modo, o ordenamento não tutela nem sequer as concretas expectativas de lucro que cada operador coloca na troca contratual (a simples constatação de que a operação da qual o contraente esperava lucros lhe causou, ao invés, perdas, não basta certamente, de per si, para suscitar uma reacção do direito em sua tutela, visto que se orienta pelo princípio de que um certo grau de risco é indissociável de qualquer contrato, como de qualquer iniciativa económica, e que todo o contraente o deve assumir). Assegurando o respeito pelas regras de jogo de mercado, o ordenamento garante, sobretudo aos operadores, a abstracta possibilidade do lucro; garante, genericamente, as premissas e as condições formais de obtenção do mesmo. O que vale dizer que o direito tutela o sistema de mercado no seu conjunto, e não os interesses particulares dos operadores singulares que agem no mercado. A indiscriminada tutela dos interesses particulares dos simples operadores de mercado e das suas concretas expectativas de lucro implicaria o perigo de prejudicar o sistema de mercado no seu conjunto, e, assim, a possibilidade geral do lucro: é claro que se a cada contraente fosse consentido libertar-se dos seus compromissos contratuais, só porque lamenta que a operação não lhe deu os lucros que esperava, resultariam revolucionados (não só e não tanto as expectativas de lucro alimentadas em relação à mesma operação, pela parte contrária, mas) todo o sistema e a racional dinâmica das relações económicas: é este - já o sabemos - o sentido real do princípio pacta sunt servanda.”
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evidente, deve ter parâmetros claros para conferir segurança jurídica aos seus
contratantes.
Afinal, a indefinição ou a constante mutação dos pilares contratuais traz insegurança jurídica, engessa a atividade econômica133 e, em última análise,
aumenta o chamado “risco Brasil”, na medida em que desestimula o investimento
no país. Logo, como observado por Paula FORGIONI (2003, p. 12), “... quanto
maior o grau de segurança e previsibilidade jurídicas proporcionadas pelo
sistema, mais azeitado o fluxo de relações econômicas.”
Porém, se a variação do risco originalmente assumido pelas partes for tida
por patológica, isto é, se tal variação desbordar os limites do razoável ou for além
do “certo grau de risco indissociável de qualquer contrato”, nas palavras de Enzo
ROPPO, então, há que haver a revisitação do contrato134.
Atualmente, a revisitação do quanto pactuado encontra acolhida apenas
na previsão contida nos artigos 317 ou 478/480, do Código Civil e desde que estejam também presentes os requisitos legais para tanto, quais sejam:
imprevisibilidade e desproporção exacerbada de prestações, que cause grande
desvantagem para uma parte e a correlata vantagem para a outra135.
Todavia, existe outra entrada legal para a revisitação contratual, cujo
exercício deve ser feito pelas partes contratantes, sem intervenção de terceiros,
como será demonstrado oportunamente. É dizer, para além da natural faculdade ou obrigação de as partes repactuarem o quanto contratado, o ordenamento
133 “Um sistema que permitisse ao contraente liberar-se de seus compromissos porque, no seu entender, a operação não trouxe o lucro pretendido, implicaria a subversão completa da ordem e conduziria a um nível de insegurança e imprevisibilidade comprometedor.” (FORGIONI: 2003, p. 17) 134 Segundo ALPA, BESSONE e ROPPO (1982, p. 377), apesar de o contrato ser um verdadeiro plano de distribuição de riscos, durante a execução contratual ocorrem diversas circunstâncias não previstas pelas partes que, apesar de não se enquadrarem nas hipóteses tradicionalmente previstas (a exemplo da onerosidade excessiva), acabam por afetar o equilíbrio entre prestação e contraprestação entabulado inicialmente pelas partes. A despeito dessa situação não se encaixar naquelas hipóteses acima mencionadas, é preciso evitar um ilimitado esgotamento de uma parte em benefício da outra, em decorrência da aplicação exacerbada do princípio da força vinculante dos contratos. 135 “Não há contrato sem liberdade. Não há liberdade sem responsabilidade. Para bem apreciar os litígios contratuais, é imprescindível estremar os riscos que são conformes à fisiologia do negócio daqueles efetivamente patológicos. O remédio somente deve ser ministrado em caso de doença. Quem age de maneira responsável e coerente não pode ser punido pelo direito. A intervenção judicial legitimada pelos arts. 317 e 478 do Código Civil corrige ou suprime o desequilíbrio gerado por fatos estranhos ao risco contratual. Não serve, entretanto, para que se contrate no lugar das partes, a fim de partilhar, posteriormente, as consequências da verificação do risco do negócio.” (ZANETTI: 2013, p. 467)
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jurídico brasileiro dá guarida à existência de um verdadeiro dever de renegociar,
cujo fundamento não está na vontade das partes, mas, sim, na lei.
Assim sendo, o objetivo deste trabalho é demonstrar a existência de outros fundamentos legais, para além do quanto disposto nos artigos 317 e
478/480, do Código Civil, aptos a ensejar a revisitação do clausulado contratual
em decorrência de alterações de circunstâncias externas que não estejam
cobertas “... objetivamente pelos riscos próprios da contratação” (para usar a
expressão contida no Enunciado 366, elaborado na IV Jornada de Direito Civil,
promovidas pelo do Conselho Nacional de Justiça136).
Quer-se, pois, explorar o espaço existente entre a álea considerada
normal do contrato e a álea anormal, bem como analisar aquela zona em que
houve alteração dos riscos assumidos originalmente pelas partes, em
decorrência de fatores externos, os quais, porém, não decorrem daquelas
hipóteses imprevisíveis e/ou extraordinárias previstas pelo Código Civil, aptas a ensejar a resolução ou a revisão judicial do contrato firmado entre as partes.
Por óbvio, a zona cuja análise é proposta requer um equilíbrio
naturalmente difícil e sensível já que, como se viu, por um lado deve-se prestigiar
o equilíbrio do sistema como um todo e, pois, conferir segurança jurídica às
relações contratuais, mas, por outro, não se pode fechar os olhos a diversos
outros fatores externos que, ao impactarem o risco originalmente assumido pelas partes, abalam a relação contratual interna, isto é, entre as partes, e, ainda,
abalam a relação contratual externa, isto é, em relação a terceiros que, de algum
modo, estão atrelados àquele contrato cujo risco primitivo sofreu deformações
ao longo do tempo137.
136 AGUIAR JUNIOR: 2012, p. 57. 137 A análise da alteração das circunstâncias e a decisão quanto à necessidade de adequação contratual é, em verdade, objeto de tensão entre diversos princípios contratuais, como bem observado por Cláudio Luiz Bueno de GODOY (2009, pp. 64/65): “Em resumo, o que se pode dizer, nos limites da menção ao problema da alteração das· circunstâncias, é que, sem dúvida, à sua análise, ou à análise de sua relevância, não se deve abrir mão da consideração simultânea, frise-se, de elementos como a anormalidade de fatos, fora do risco coberto pelo ajuste, que o desequilibrem, de modo a fazer inexigível, conforme os parâmetros da boa-fé objetiva, e porque afetada a causa, o sinalagma do contrato, a prestação da outra parte, nos moldes em que pactuada. E, mais, sem que seja necessariamente identificável um critério ou baliza rígidos a nortear a decisão. Trata-se, na verdade, de uma decisão informada pela tensão e, pois, pela ponderação dos elementos da autonomia privada, como cristalizados no contrato, e da boa-fé, como forma de adaptação da entabulação - e preservação de seu equilíbrio - à alteração da realidade. Ou, como obtempera Menezes Cordeiro, ‘há, pois, que operar um modelo de decisão que comporte, entre as suas variáveis, quer a autonomia privada e seus valores, com os factores de concretização sediados no contrato
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Portanto, é preciso verificar de que forma o fator tempo pode interferir no
risco originalmente assumido pelas partes e como e em que medida é possível
tratar de tal interferência com o objetivo de se manter viável o cumprimento da obrigação, cuidando-se, ao mesmo tempo, da higidez da finalidade do contrato.
2. O risco e suas intempéries em contratos de longa duração
Os contratos de longa duração estão sujeitos às intempéries decorrentes
das alterações das circunstâncias que permearam o momento de sua conclusão.
Aqueles contratos, pois, assemelham-se a filmes, cujo final (ou finalidade) foi
previamente estabelecido, mas, para que se alcance tal desiderato, diversas
adaptações devem ser feitas ao longo do caminho. E as partes são os atores
principais para que o risco original seja mantido em padrões razoáveis, de modo
a viabilizar, pois, o cumprimento da obrigação pactuada. Neste aspecto, é interessante notar que o fator tempo assume posição
relevante para a análise da proporção atingida pela alteração de tais
circunstâncias na álea normal do contrato; quanto maior o tempo de vigência do
contrato, maior será a possibilidade de haver alterações das circunstâncias, que
atinjam – para além do razoável - o risco originalmente assumido pelas partes e,
pois, o equilíbrio inicialmente pactuado entre elas138. A questão que se coloca é se tais alterações poderiam ou não ser
tomadas como fatores imprevisíveis e extraordinários a ensejar a readequação
do contrato ou não. Para Cristiano ZANETTI (2013, p. 465), quanto maior o
tempo de vigência do contrato, menor será a probabilidade de haver necessidade
de readequação do contrato, já que, sob sua ótica, eventual desequilíbrio
econômico será naturalmente compensado no decurso da execução do contrato,
celebrado, quer a boa-fé-igualdade, precisada em consonância com as alterações registradas no caso real’. Segundo o autor, não é possível hierarquizar os argumentos a ponderar, cuidando-se, isto sim, de restabelecer o equilíbrio e o escopo do contrato, desde a sua formação.” 138 “...na nova teoria contratual, o tempo torna-se elemento relevante, seja pela visão da obrigação como um processo dirigido a um fim, qual seja, a realização das expectativas legítimas de ambas as partes, seja pela sua valorização como fator de pressão e catividade, pois, quanto mais duradoura a relação, mais difícil e prejudicial é seu rompimento para o contratante. Assim, destacam-se os deveres de cooperação e de adaptação, a fim de possibilitar a revisão contratual e a manutenção do vínculo. A possibilidade de revisão contratual parte da noção elementar, contemporaneamente bastante difundida, de que o vínculo obrigacional não é estático, como se quis outrora, mas, ao contrário, é um vínculo dinâmico, polarizado pela ideia do adimplemento.” (SALLES: 2005, pp.307/308)
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motivo pelo qual a intervenção do Poder Judiciário na esfera da autonomia
privada das partes mostra-se inoportuna.
Em outros termos, para o citado autor, quanto maior for o lapso temporal de vida do contrato, mais esperada será a ocorrência de alterações do cenário
histórico (em suas mais variadas facetas) a impactar a execução do contrato. E,
se assim for, menos as partes poderão pleitear a readequação de seus termos,
pois, naturalmente, o equilíbrio original será retomado ao longo do tempo. Em
suma, a probabilidade de desequilíbrio contratual entre as partes, para ZANETTI,
é inversamente proporcional à longevidade de sua execução.
Judith MARTINS-COSTA (2010, p. 16) tem outra visão sobre o tema: para
essa autora a longevidade do contrato é diretamente proporcional ao
desequilíbrio gerado entre as partes, e, pois, à necessidade de sua readequação.
In verbis:
“O tempo está no cerne de todo e qualquer contrato, mas tem um peso particular nos contratos duradouros em que, nem sequer como ilusão, a fixidez se pode manter. Estes vivem no tempo dinâmico, móvel, compreendendo-se, assim, estarem muito fortemente sujeitos à sua ação. Entre seus traços peculiares está a suscetibilidade ao risco do desequilíbrio econômico motivado pelos mais diversos fatores: financeiros, climáticos, estratégicos, ecológicos, fiscais, políticos, e, inclusive, o risco do inadimplemento de outros contratos, especialmente quando integram cadeias contratuais complexas em que o inadimplemento de um contrato tem reflexo direto sobre os demais. Nesses ajustes, "complexidade" e "contrato" se apresentam como conceitos necessariamente correlatos, articulando-se elementos "transacionais" - isto é, derivados do ato de autonomia privada- e elementos "relacionais", nascidos, no mais das vezes, do meio ambiente que circunda o contrato ou de decisões que a ele atinem externamente, como, exemplificativamente, a exigência de uma adequada repartição dos benefícios mútuos, conformando uma verdadeira affectio contractus; a necessidade de assegurar a continuidade da relação para o futuro, valorizando-se a continuidade relativamente à descontinuidade; certas medidas tendentes à conformar o contrato a comandos e necessidades de ordem ambiental, concorrencial ou de proteção ao consumidor ou, ainda, derivadas de imperativos da responsabilidade social etc. Somam-se, assim, os vários elementos, alguns internos ao contrato, outros a ele exteriores, aptos a impactar, no tempo e em razão do tempo, a relação contratual entre as partes.”
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Em outros termos, para a autora, além dos elementos transacionais,
inerentes à própria gênese do contrato, existem elementos outros, denominados
de relacionais, porque atrelados ao meio ambiente no qual está inserido ou às circunstâncias a ele externas, que podem impactar as relações jurídicas de longa
duração. Consequentemente, o reequilíbrio de uma relação contratual de largo
espectro temporal é medida que se impõe para que aquela relação negocial
perdure e, em última análise, para que a finalidade do contrato seja atingida.
Fato é que, como observado por Ruy Rosado de AGUIAR (2011, p. 943),
os contratos de longa duração trazem, em si, a necessidade inerente de gestão
de riscos que, ainda que não tenha sido feita por meio de uma correlata cláusula
de renegociação, decorre de lei, como será oportunamente detalhado. De todo
modo, as partes não têm condições de tratar de todas as possíveis hipóteses de
alteração de risco e, ainda que fizessem tal esforço, o resultado seria um contrato
extenso e complexo, cuja interpretação poderia ser prejudicada139-140. Por isso, a porta para a renegociação é a melhor forma de as partes gerenciarem as
alterações de risco ao longo da execução contratual.
Nessa toada e a reforçar a impossibilidade de as partes tratarem de todas
as hipóteses de alteração de risco, a partir de 2015 o Brasil passou a
experimentar uma grave crise econômica, em grande parte decorrente da crise
ética descortinada e aprofundada pela operação Lava Jato. Inúmeros contratos foram descontinuados abruptamente e setores da economia, tal qual o de óleo e
gás, foram paralisados quase que por completo, como se verá no capítulo
seguinte.
Normalmente, a jurisprudência não admite a alegação de crise
econômica como fator imprevisível ou extraordinário a ensejar a revisão ou
resolução contratual, especialmente diante do histórico brasileiro de
hiperinflação, acompanhada por diversos planos econômicos141. Até mesmo a
139 “Além da noção de risco, estudos da economia sobre contratos de longa duração apontam também um outro aspecto crucial no tratamento da alteração das circunstâncias: o reconhecimento de que os contratos de longa duração são ‘incompletos’, na medida em que as partes não têm condições de estipular previamente todos os cenários futuros possíveis. Esta previsão é cognitivamente impossível e economicamente ineficiente.”(MOREIRA:2018, p. 163) 140 Segundo HART (1988, p. 123), os custos envolvidos numa relação de longa duração impedem que as partes antecipem todos os eventos e respectivas soluções que podem ocorrer ao longo da relação jurídica. Por isso, os contratos de longa duração são naturalmente incompletos, o que fará com que, ao longo da relação, as partes tenham que revisitar o quanto contratado. 141 Em linha, aliás, com a doutrina clássica sobre o tema:
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crise cambial de 1999, ocorrida anos após a estabilização da moeda, com o
Plano Real, não foi totalmente acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, como
justificativa para que houvesse revisão dos contratos lastreados em dólar142-143-144-145.
Todavia, a crise econômica deflagrada em 2015, como adiantado, tem um
elemento diferencial, apesar de largamente conhecido, em relação às demais
depreciações econômicas vividas no Brasil: a corrupção abrangente e
capilarizada, que feriu diversos setores da economia. Ainda assim, não se pode
dizer que tal episódio seja imprevisível ou extraordinário, pois, como lembrado
"Já vimos sustentar, a nosso ver erroneamente, que, de um modo geral, a crise econômica, quando aguda, constitui caso fortuito. As dificuldades que surgem imprevistamente no mundo dos negócios, como, p. ex., o repentino retraimento dos Bancos, a brusca mudança de orientação financeira, por parte do Governo etc., nada disso escusa o devedor" (ALVIM: 1965, p. 314) 142 “A tradição jurisprudencial brasileira firmou-se no sentido de que a alteração da realidade econômica não é fato imprevisível. Nesse amplo espectro, encontram-se situações, eventos, fenômenos ou causas como a mudança de padrão monetário (RT 634/83); a inflação (RT 388/134; RT 655/151; RT 659/141; RT 654/157; RT 643/87); a recessão econômica (RT 707/102; RT 697/125); os planos econômicos (RT 788/271); aumento do déficit público; a majoração ou a minoração de alíquotas; a variação de taxas cambiais e a desvalorização monetária.” (RODRIGUES JUNIOR:2013, p. 483) 143 Nesse mesmo sentido, confira-se PERLINGEIRO e BARBOSA, 2010, pp. 124-163. 144 A jurisprudência, neste caso, tomou uma decisão salomônica e dividiu o ônus da desvalorização do Real entre as partes contratantes. In verbis: “A desvalorização do real em relação ao dólar norte-americano em janeiro de 1999 representa fato imprevisível que resultou em excessiva onerosidade contratual para o mutuário. Assim, a jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de autorizar a repartição do ônus das diferenças resultantes da variação cambial.” (REsp 1348081/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 21/06/2016). Disponível em www.stj.jus.br acessado em 17 jan. 2018. 145 Dentre tais decisões salomônicas vale destacar uma delas, em que se observa a preocupação com a manutenção dos contratos de longa duração, consubstanciada na seguinte ementa: “LEASING. Variação cambial. Fato superveniente. Onerosidade excessiva. Distribuição dos efeitos. A brusca alteração da política cambial do governo, elevando o valor das prestações mensais dos contratos de longa duração, como o leasing, constitui fato superveniente que deve ser ponderado pelo juiz para modificar o contrato e repartir entre os contratantes os efeitos do fato novo. Com isso, nem se mantém a cláusula da variação cambial em sua inteireza, porque seria muito gravoso ao arrendatário, nem se a substitui por outro índice interno de correção, porque oneraria demasiadamente o arrendador que obteve recurso externo, mas se permite a atualização pela variação cambial, cuja diferença é cobrável do arrendatário por metade. (...).” (REsp 432.599/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Rel. p/ Acórdão Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 11/02/2003, DJ 01/09/2003, p. 29 2, disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%22CONTRATO+DE+LONGA+DURA%C7%C3O%22&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true acessado em 04 jan. 2019)
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por Leandro KARNAL, a bem da verdade, aportou no Brasil pelo menos desde o
século XIX146-147.
Apesar de velha senhora na sociedade brasileira, as consequências advindas da corrupção atingiram setores inteiros da economia. A suspensão
abrupta de diversos contratos em pleno vigor (a exemplo daqueles firmados com
a Petrobras), gerou o inadimplemento de outros tantos contratos, integrantes de
cadeias contratuais complexas148.
Apesar de, até o momento, não se observar qualquer alteração na
jurisprudência quanto ao tema149-150 e apesar da peculiaridade da crise em
questão, é fato notório a impossibilidade de cumprimento contratual por todos os
146 Confira-se a coluna “Estado e Nação”, publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, em 07 de março de 2018, disponível em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,estado-e-nacao,70002216140 acessado em 16 mar. 2018: “Os escândalos de corrupção mais recentes mostram também forças vivas da Nação entrincheiradas no coração do Estado, entendendo que ter lucro é lotear o poder estatal. Assim, tanto os mais tradicionais burocratas que vivem na Corte até os mais recentes agentes econômicos (professando fé liberal e de redução do Estado) focam no poder e se tornam cortesãos, seduzidos todos pelo brilho e pela eficácia arrecadadora da máquina administrativa. Duzentos e dez anos depois da chegada do Estado português, parte da Nação continua mesmerizada pelos lenços elegantes dos governantes. Mal sabem dos piolhos que a peça oculta.” 147 Nesse mesmo sentido, cf. Laurentino GOMES (2014), cujo livro trata da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil e da corrupção trazida em sua bagagem. 148 Sobre contratos complexos, cf. ANTUNES VARELA:2005, pp. 64/69. 149 “O histórico inflacionário e as sucessivas modificações no padrão monetário experimentados pelo país desde longa data até julho de 1994, quando sobreveio o Plano Real, seguido de período de relativa estabilidade até a maxidesvalorização do real em face do dólar americano, ocorrida a partir de janeiro de 1999, não autorizam concluir pela imprevisibilidade desse fato nos contratos firmados com base na cotação da moeda norte-americana, em se tratando de relação contratual paritária.” (REsp 1321614/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 03/03/2015, disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?ref=CC-02+MESMO+ART+ADJ+%2700478%27&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true acessado em 10 out. 2018.) 150 Nesse sentido, veja-se acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que afasta o dever de renegociar por força de dificuldades econômicas experimentadas pela parte postulante. Com apoio em Anderson SCHREIBER (2018), a Corte decidiu o seguinte: “Realmente, ainda que se admita a situação de crise geral pela qual passa o país, não é possível dizer que só por conta dela a empresa do autor não estaria conseguindo faturar o suficiente para suas despesas. Evidente que muitos fatores podem ter influído para esse resultado. Por outro lado, exceções de ordem pessoal do autor como sua situação de queda da renda não servem para fundamentar a alteração do negócio jurídico celebrado, pois a onerosidade excessiva precisa ser aferida de forma objetiva e não subjetiva, isto é, tendo por base o que existiria, em análogas condições de tempo, lugar e meio, para qualquer outro devedor.” (TJSP; Apelação 1033949-54.2017.8.26.0114; Relator: Gilberto dos Santos; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/07/2018; Data de Registro: 20/07/2018, disponível em https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do acessado em 04 jan. 2019)
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demais integrantes das cadeias contratuais complexas, que não tiveram
envolvimento nos temas apurados pela operação Lava Jato.
A realidade que o operador de Direito se depara, desde 2015, é diversa daquela ressonante na jurisprudência e doutrina clássica sobre a força
vinculante dos contratos. Enquanto aquela demonstra que, mesmo situações
previsíveis, tais como crise econômica e ética, bem como mudança de
comportamento social151, causam impacto nos riscos contratuais originalmente
assumidos pelas partes, estas ainda não admitem a necessidade de alteração
ou readequação contratual como decorrência natural de tais eventos.
Nesse sentido, como observado por Arnoldo WALD (2009, p. 32152), as
arritmias econômicas não podem ser postas de lado pelo operador do Direito,
que, continuamente, deve se adequar de modo a observar sempre a finalidade
última do contrato: a circulação de riquezas.
Na mesma linha de pensamento, Carlos Alberto GARBI (2014, p. 199) afirma que existe um sem número de situações que podem afetar a fortuna ou
disponibilidade do devedor, que, apesar de não esperadas, não se enquadram
em quaisquer das hipóteses legais que o liberem do cumprimento da obrigação
(a exemplo de caso fortuito, força maior ou mesmo onerosidade excessiva). Tais
situações, porém, implicam a alteração das circunstâncias havidas quando da
conclusão do contrato e merecem ser tuteladas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Logo, o desafio do operador do Direito, a despeito da inexistência de
norma civil específica sobre o tema, é encontrar eco na legislação brasileira para
tais situações e fiar uma interpretação que garanta, às partes, a readequação do
contrato com o objetivo de garantir sua sobrevivência ao longo do tempo e, pois,
151 Mudança essa potencializada pela internet e uso de rede sociais (veja-se, por exemplo, as grandes manifestações que atingiram o Brasil em 2013/2014, fomentadas, basicamente, por redes sociais). 152 “45. A arritmia entre a realidade e as normas provoca um nó de estrangulamento na vida social e econômica. A mora do Direito pode decorrer tanto da falta de velocidade e de criatividade do legislador, ou, ainda, de falhas técnicas dos juristas, como do misoneísmo e do conservantismo das classes dominantes. Estas, efetivamente, podem negar ao país as estruturas jurídicas correspondentes às necessidades que decorrem do seu desenvolvimento econômico e social, como, ao contrário, podem antecipar-se aos fatos e apresentar soluções justas e eficientes em relação aos novos problemas que estão surgindo, ou cujo aparecimento pode ser previsto. 46. Cabe ao jurista acompanhar a realidade, vivendo os problemas do seu tempo, a fim de poder realizar integralmente a sua função e combater no front movediço em que se constrói, diariamente, o Direito de hoje e de amanhã.”
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o atingimento de sua finalidade direta (cumprimento da obrigação avençada) e
indireta (fomento da economia e circulação de riquezas)153. E como se verá ao
longo deste trabalho, a aludida readequação do contrato se dá pela exigência de observância do dever de cooperação, expressada pelo dever de renegociar154.
153 “De fato, embora seja inevitável a aparente contradictio in termis, pode-se dizer que o Direito define-se tanto pela busca incessante da certeza, traduzida por sua estabilidade, quanto pela procura incessante da sua legitimidade dinâmica, que se traduza numa mutabilidade que acompanhe a evolução histórica operada no seio da sociedade.” (BASTOS: 1999, p. 90) 154 “É a boa-fé objetiva reclamada das partes em todo o processo obrigacional que reforça o dever do credor em aceitar o parcelamento da dívida ou a dilação da execução da obrigação em condições razoáveis, modificação da obrigação que pode ser imposta judicialmente em casos de impossibilidade de renegociação, visto que não decorre de um favor concedido pelo credor, senão de um imperativo da ordem jurídica em vigor.” (GARBI: 2014, p. 199)
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CAPÍTULO 3. O MUNDO EM CRISE E O DIREITO PARA A CRISE 1. O mundo em crise
A crise que ora se analisa é diferente daquela discutida durante o século
XX, em que se colocou em xeque a própria concepção do contrato, diante da
crescente intervenção estatal nas relações privadas, em decorrência da
verdadeira escravização das relações contratuais, causada pela grande
liberdade contratual conferida às partes e pela concepção extremista do conceito
de pacta sunt servanda, numa sociedade massificada e exposta a duas guerras
mundiais, greves e revoluções, dentre outros eventos que impactaram o século
XX155.
O que se está a tratar, neste trabalho, é da crise dos contratos decorrente de um mundo globalizado e em crise, ou seja, está-se a tratar dos impactos das
crises econômicas (e éticas) nas relações contratuais postas156. Porém, da
155 “As transformações que descrevemos caracterizam-se por um elemento comum (a que já se fez referência), que constitui a sua razão unificante. Todas elas são funcionalizadas à exigência de garantir ao máximo a estabilidade e a continuidade das relações contratuais, e portanto, das relações económicas, e, por esta via, de assegurar-lhes aquele dinamismo que é postulado pelos modos de funcionamento das modernas economias de massa. Para que um tal objectivo seja conseguido, o contrato não pode mais configurar-se como o reino da vontade individual, a expressão directa da personalidade do seu autor, exposto, por isso, a sofrer, de forma imediata, os reflexos de tudo quanto pertence à esfera daquela personalidade e daquela vontade; para servir o sistema da produção e da distribuição de massa, o contrato deve, antes, tornar-se, tanto quanto possível, autónomo da esfera psicológica e subjectiva em geral do seu autor, insensível ao que nesta se manifesta e sensível sobretudo ao que se manifesta no ambiente social, nas condições objectivas de mercado: o contrato deve transformar-se em instrumento objectivo e impessoal, para adequar-se à objectividade e impessoalidade do moderno sistema de relações económicas.” (ROPPO:2009, p. 309) 156 Os contratos de longa duração também sofrem impactos da alteração de comportamento da sociedade. Um exemplo disso diz respeito ao acesso ao crédito e transações financeiras: havia o costume de se usar dinheiro ou cheque para pagamento de compras, o que evoluiu para o uso de cartão de débito e, mais recentemente, para o uso do cartão de crédito, concedidos pelas mais variadas instituições financeiras, o que, até há uma década era impensável, já que concedido apenas de maneira seletiva. Assim, contratos de exclusividade, por exemplo, firmados entre determinada instituição financeira e determinada rede de lojas deve ser revisto, na medida em que o crescimento do uso de diversos cartões de crédito passou a ser inversamente proporcional ao uso de dinheiro, cheque e cartão de débito. Portanto, a manutenção nua e crua de tais contratos pode levar à própria inviabilidade da atividade econômica do comerciante, motivo pelo qual suas bases merecem revisão. Porém, diante do corte epistemológico proposto nesta tese, a análise que se fará dará mais ênfase àqueles contratos afetados pela crise econômica e ética experimentada pelo Brasil a partir da segunda metade de 2014.
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mesma forma que se observou a transformação dos contratos durante o século
XX157 (ao invés da morte deles), percebe-se, também, a necessidade de
transformação das relações jurídicas negociais e da própria interpretação dos contratos, diante das crises econômicas recentemente vividas.
Em meados de setembro de 2018, “comemorou-se” uma efeméride: a
quebra do banco norte americano Lehman Brothers, marco do início de uma
crise econômica global, deflagrada nos Estados Unidos da América do Norte,
também conhecida como crise do subprime, cujos reflexos são sentidos até
hoje158. O mote inicial da crise foi a concessão de financiamento imobiliário sem
lastro; fundos de investimentos imobiliários, titulares de créditos atrelados a tais
financiamentos, foram duramente afetados, o que, por via de consequência
afetou não só o sistema financeiro norte americano como, também, o de diversos
outros países. Isso causou a intervenção de muitos governos em seus
respectivos sistemas financeiros, para evitar uma crise sistêmica e isso, consequentemente, gerou um superendividamento de países avançados,
bastando, para tanto, lembrar da quebra da Islândia e do necessário socorro
concedido pelo bloco europeu à Grécia, que ficou sob a vigilância fiscal, por
assim dizer, da União Europeia, até recentemente159.
157 “(...) o contrato não está «morto», mas está simplesmente «diferente» de como era no passado; (...) parece legítimo falar de uma passagem de um modelo de contrato a um novo modelo de contrato, adequado às exigências dos novos tempos.” (ROPPO:2009, p. 347) 158 “Alguém já afirmou que capitalismo sem crise é igual a catolicismo sem pecado. A recente crise do mercado hipotecário americano do sub-prime não é a primeira, nem será a última na história humana, havendo uma extensa bibliografia a respeito do tema. Como sói acontecer, quando há bolhas de consumo, inflação de ativos e expectativas irreais, segue-se irremediavelmente a ‘ressaca’ do sistema econômico. No entanto, há duas características que são inusitadas na atual crise: (1) as perdas financeiras do sistema financeiro não aconteceram de uma só vez, ao contrário, estão sendo reveladas aos poucos, fazendo com que a liquidez monetária ainda se contraia por mais tempo; e (2) os prejuízos contaminam outras economias, já que as perdas estão disseminadas globalmente, embora seja um problema particular e local da economia norte-americana. Antes de uma discussão mais aprofundada da atual crise, sob a égide do direito econômico e do direito bancário, parece importante alinhavar alguns conceitos básicos.” (SADDI:2008, p.34) 159 Sobre o tema, vejam-se as seguintes matérias veiculadas por ocasião dos 10 (dez) anos da quebra do Lehman Brothers: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,dez-anos-depois-os-ecos-do-lehman-brothers-nos-nossos-tempos-de-desconfianca,70002502842 acessada em 18 out. 2018 https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,dez-anos-depois,70002497991 acessada em 18 out. 2018 https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,para-analistas-regulacao-de-bancos-avancou,70002493710 acessado em 18 out. 2018
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O superendividamento, apesar de em momento posterior, também atingiu
países em desenvolvimento. No Brasil, a exportação de commodities diminuiu,
afetou a balança comercial e, consequentemente, a própria Bolsa de Valores. Apesar de, inicialmente, o governo ter estimulado a economia mediante a
concessão de financiamentos públicos, renúncia fiscal e incentivo ao consumo
de modo geral, a manutenção dessa política econômica acabou por fadigar a
economia brasileira, que também entrou em recessão, especialmente após o
encerramento da Copa do Mundo em julho de 2014. E essa crise é sentida até
os dias atuais160.
Há, porém, um ingrediente extra na recessão brasileira: a corrupção
sistêmica e capilarizada desnudada pela operação Lava Jato, iniciada em março
de 2014, que investigou o pagamento de propina por grandes empreiteiras,
organizadas em cartel, para executivos da Petrobras, em troca da assinatura da
contratos superfaturados161. A crise fez o Produto Interno Bruto cair de 3% em 2013 para -3,5% em 2015, voltando a ser positivo (1%) somente em 2017162. E
as consequências são notórias: paralisação de setores inteiros da economia, tais
como o da indústria naval163 e o da construção civil164, somado ao incremento de
pedidos de recuperação judicial165
160 Sobre os reflexos havidos no Brasil, à época chamados de “marolinha” pelo presidente Lula, vejam-se as seguintes matérias: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,remedio-que-permitiu-marolinha-no-brasil-em-2008-foi-estopim-da-recessao,70002493558 acessado em 18 out. 2018 https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,2008-continua-ai,70002491870 acessada em 18 out. 2018 161 Cf. um breve resumo do caso em http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato/entenda-o-caso acessado em 18 out. 2018 162 Fonte: https://g1.globo.com/economia/noticia/pib-brasileiro-cresce-10-em-2017-apos-2-anos-de-retracao.ghtml acessado em 18 out. 2018 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/20166-pib-avanca-1-0-em-2017-e-fecha-ano-em-r-6-6-trilhoes acessado em 18 out. 2018 163 Cf. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-colapso-industria-naval-ja-demitiu-quase-50-mil-e-tem-divida-bilionaria,70001817157 acessado em 18 out. 2018 164 Cf. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,crise-prolongada-na-construcao-civil-trava-expansao-de-investimentos-no-pais,70002519260 acessado em 18 out. 2018 165 Sobre o tema, confira-se: https://www.conjur.com.br/2017-jan-11/pedidos-recuperacao-judicial-batem-recorde-falencias-tambem-sobem acessado em 18 out. 2018 https://g1.globo.com/economia/noticia/pedidos-de-recuperacao-judicial-sobem-10-no-1o-semestre-diz-serasa.ghtml acessado em 18 out. 2018
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Se, por um lado, as relações sociais estão muito mais enredadas e, pois,
marcadas pela crescente colaboração no âmbito negocial e contratual, por outro,
esta mesma dependência mútua entre os diversos atores sociais acaba por expor um espectro muito amplo de pessoas às diversas crises econômicas, tais
como as retratadas acima. Ao mesmo tempo em que a aceleração e globalização
do trato negocial deixou as relações jurídicas mais dinâmicas e abrangentes,
deixou-as, também, mais permeáveis às crises econômicas havidas em qualquer
parte da rede negocial.
Diante disso, a estrutura da relação jurídica negocial merece novo olhar,
mais calcado no ser humano166 e na mutabilidade das condições inicialmente
postas, o que, por via de consequência, implica uma revisitação dos conceitos
de risco contratual, pacta sunt servanda, bem como das consequências do
inadimplemento contratual. E a adaptação de tais conceitos à realidade atual
acarretará, consequentemente, a conclusão de que existem outras hipóteses em
166 Ressalte-se, porque importante, que não se está a sugerir o retorno à teoria da vontade, em que a verificação do estado psicológico do contratante era essencial para a conclusão do negócio jurídico. Defende-se, sim, a teoria da declaração, cujo objetivo é “ligar os efeitos e o tratamento jurídico das relações aos elementos objectivos, exterior e socialmente reconhecíveis, dos actos pelos quais as relações se constituem” (ROPPO:2009, p. 298). Porém, tal qual sustentado por PERLINGIERI (2002, pp.280/281), pretende-se que o núcleo central da relação jurídica seja o ser humano, ao invés de, propriamente, o objeto da prestação, estando ele inserido na sociedade e, não, considerado individual e isoladamente. E é nesse sentido que boa-fé objetiva e função social do contrato destacam-se como vetores contratuais, como abordado neste trabalho.
65
que o contrato deve ser readequado167, diferentes daquelas previstas no Código
Civil168.
2. O Direito para a crise
O objetivo deste tópico é observar as soluções pensadas para a hipótese
de alteração das circunstâncias que cause desnaturação do risco inicialmente
assumido pelas partes e, pois, afete o sinalagma estabelecido entre elas, quando
da conclusão do contrato.
Existem, por evidente, variações entre as soluções propostas, que vão da
renegociação à resolução do contrato, passando, nesse iter, pela revisão de
seus termos por um terceiro julgador (juiz ou árbitro). Da mesma forma, existem
variações quanto aos requisitos exigidos para se permitir a adoção de alguma
ou algumas das soluções acima mencionadas. Mas, de todo modo, a observação dos mecanismos atualmente disponíveis é de grande valia para dar subsídios e
parâmetros para se tratar, posteriormente, do dever de renegociar, mecanismo
jurídico proposto para recompor, na medida do possível, o sinalagma
inicialmente estabelecido entre as partes, a fim de que o programa contratual
existente possa ser devidamente cumprido.
167 Nesse sentido, cf. Mario BACELLONA:2006, pp.202/205. Para o autor, o conceito de autonomia privada e, pois, de que o contrato faz lei entre as partes, deve ser ressignificado, pois, para além das hipóteses de eventos imprevisíveis e extraordinários, existem outras hipóteses que podem ensejar a renegociação do contrato pelas partes E isso decorre da racionalidade limitada quanto aos eventos futuros que podem abalar o equilíbrio inicialmente estabelecido entre elas e encontra fundamento no princípio da boa-fé e no dever de solidariedade. Tais hipóteses encontram guarida na teoria dos contratos incompletos e na teoria dos contratos relacionais. Pela primeira teoria, eminentemente fenomenológica, nota-se um incremento acentuado do risco da economia contemporânea e do mercado globalizado, o que se pode observar, principalmente, sob 3 aspectos: (i) a rápida e incessante inovação tecnológica, que pode eliminar do mercado determinados produtos ou prestações de serviço, com uma velocidade muito grande; (ii) a globalização do mercado, que, além de alterar a forma de fixação de preço, altera o próprio fluxo comercial, cujo risco de perturbação é maior, diante das relações políticas entre países; e (iii) a descentralização do processo produtivo, com o incremento de interdependência entre empresas e, pois, risco sistêmico atrelado à eficiência da relação investimento e demanda. Pela segunda teoria, o pressuposto tradicional de contrato fundado na troca isolada e atomística é substituído pela ideia de que os sujeitos do mercado mantêm relações continuadas, marcadas pela reciprocidade e solidariedade. Diante disso, a lógica de que as partes contratantes assumiam posições antagônicas é substituída pela lógica associativa, em que as partes colaboram para a obtenção de um resultado comum, motivo pelo qual não é mais necessário que as partes tentem prever e neutralizar todas as hipóteses de superveniências ou perturbações contratuais; se e quando tais perturbações surgirem, o programa contratual naturalmente será adaptado por meio da renegociação entre as partes contratantes. 168 Trata-se aqui, de intempéries ocorridas ao longo da execução do contrato (vícios de execução), tais como onerosidade excessiva e imprevisão (artigos 317 e 478, do Código Civil).
66
2.1. Soluções internacionais 2.1.1. Alemanha
O direito civil alemão é o responsável pela teoria da base do negócio169-170-171-172. Como é conhecida atualmente, a teoria da base do negócio jurídico
contempla a base subjetiva e a base objetiva, remetendo, a primeira, à
expectativa que as partes tinham quando da conclusão do negócio jurídico e, a
169 A teoria da base do negócio foi inaugurada por OERTMANN e lapidada por LARENZ, como se pode notar nas citações feitas na sequência. 170 “... O. [Oertmann], num dos textos mais transcritos na literatura jusprivatista, define a base do negócio como ‘... a representação de uma parte, patente na conclusão de um negócio e reconhecida pela contraparte eventual, no seu significado, ou a representação comum de várias partes da existência ou do surgimento futuro de certas circunstâncias sobre cuja base se firma a vontade negocial’.”(MENEZES CORDEIRO: 1997, p. 1.033) 171 “Como a teoria da pressuposição de Windscheid, a teoria da base do negócio de Oertmann não definia quais eram as circunstâncias que poderiam ser consideradas como "base" do negócio, remetendo expressamente a sua identificação à vontade das partes. E, embora mais conservadora que a teoria da pressuposição por exigir que a representação mental do outro contratante fosse efetivamente conhecida - e não simplesmente cognoscível, como sustentava Windscheid -, a teoria de Oertmann continuava a sujeitar o contratante à frustração do particular propósito subjetivo do outro contratante, desde que a representação mental desse último não tivesse sido rechaçada no momento da celebração do negócio.” (SCHEREIBER:2018, p.143) 172 “LARENZ, tendo ponderado as teses ditas subjectivistas de WINDSCHEID e OERTMANN e as objectivistas de E. KAUFMANN, KRÜCKMANN e LOCHER, conclui que a base do negócio pode ser utilizada em dois sentidos, subjectivo e objectivo. A base subjectiva traduziria a representação, pelas partes, no fecho do contrato, dos factores que tenham tido um papel dominante no seu processo de motivação. A base objectiva corresponderia ao conjunto das circunstâncias cuja existência ou manutenção, com ou sem consciência das partes, seria necessária para a salvaguarda do sentido contratual e do seu escopo. Na base subjectiva, LARENZ considera contrário à boa fé que, tendo sido suprimidos os fundamentos do contrato aceite por ambas as partes, uma delas venha exigir, à outra, a execução imutada do negócio. Na objectiva, LARENZ distingue dois grupos de hipóteses. Num primeiro, haveria perturbação na equivalência das prestações: devido a ocorrências supervenientes, a relação de valor existente entre prestação e contraprestação alterar-se-ia para além do risco normal do contrato. Num segundo, ocorreria a frustração do escopo contratual: na constância de um contrato, um objectivo incluído no âmbito contratual tornar-se-ia impossível, em termos inimputáveis, a título de risco, a uma das partes.” (MENEZES CORDEIRO: 1997, pp. 1.046/1.047)
67
segunda, às circunstâncias externas (ex. políticas, sociais, culturais,
econômicas) que permearam tal conclusão173-174-175.
Especificamente no que diz respeito à base objetiva do negócio jurídico176, esta pressupõe que as circunstâncias originais sejam mantidas ao longo de toda
a execução do contrato, para que sua finalidade possa ser atingida. Em outros
termos, o equilíbrio inicial, a relação de equivalência ou, ainda, a correlação entre
risco assumido e risco concretizado deve ser mantido ao longo da vigência da
relação jurídica contratual, manutenção essa que comporta variações ao longo
da vida do contrato, desde que estejam dentro de um espectro razoável177.
173 Segundo DIEZ-PICAZO e GULLON (1976, p.214), a base subjetiva corresponderia à representação mental ou expectativa comum das partes, porque ambas teria concluído o contrato em atenção a determinadas circunstâncias cuja manutenção era esperada por elas. Já a base objetiva seria um conjunto de circunstâncias exteriores e um estado geral das coisas, cuja subsistência é objetivamente necessária para que o contrato possa continuar a ser regularmente executado. 174 Trata-se, aqui, do artigo 313, do BGB e, não, do artigo 275, que trata da liberação do devedor em razão da impossibilidade física ou econômica do cumprimento da obrigação. Basicamente, no que diz respeito à impossibilidade econômica, o artigo 275 trata da possibilidade de o devedor se negar a cumprir a obrigação, na hipótese de isso requerer-lhe um esforço extremado, em relação ao interesse do credor de receber a prestação (“desproporção grosseira”); o interesse do credor em receber a prestação continua o mesmo, enquanto que, para o devedor a cumprir, será necessário empregar um sacrifício muitíssimo maior do que o originalmente existente. O exemplo dado para aplicação do artigo 275 é aquele do anel vendido, que, antes de entregue, cai no fundo de um lago. Sua recuperação é até possível, mas o custo para a drenagem de tal lago seria extremamente elevado em relação ao valor do anel. Já no caso do artigo 313 não existe tal desproporção entre o interesse do credor receber a prestação (há, sim, um aumento proporcional do interesse do credor) e do devedor em cumpri-la, mas a alteração das circunstâncias passou a impor um sacrifício muito maior ao devedor, do que aquele inicialmente estipulado. E o exemplo dado é o aumento expressivo do preço do barril de petróleo, após sua venda ter sido concluída para entrega futura. Cf. ZIMMERMANN:2008, pp. 48/50 e STEINER:2014, pp.190/192. 175 No direito brasileiro, guardadas as peculiaridades de cada ordenamento, o artigo 313 do BGB corresponderia ao artigo 478, do Código Civil, enquanto o artigo 275 do BGB corresponderia ao artigo 106, do Código Civil cuja interpretação admite a impossibilidade superveniente como causa extintiva da obrigação, tal qual a hipótese de perda ou deterioração da coisa, por exemplo (Cf. AGUIAR:2011, pp.545/547 e 549) 176 Esta última será o objeto de análise deste tópico, diante da influência sobre o escopo deste trabalho. 177 “A bn [base do negócio] objectiva partiria, no entanto, de considerações diferentes. Quem conclua um contrato actua na base de uma situação, de que nem tem de se aperceber, mas que se integra em pressupostos imanentes do contrato. Na interpretação do contrato, há que contar não apenas com as declarações verbais das partes, mas também com as circunstâncias que as rodearam; uma modificação nessas circunstâncias, pode, caso o contrato se mantenha inalterado, subverter totalmente a ponderação de interesses e a distribuição de riscos pensadas pelas partes. Duas previsões- L. [LARENZ] contesta mesmo que haja mais - esgotariam o universo da bn objectiva: a perturbação da relação de equivalência entre prestação e contraprestação, em termos de o contrato se tornar irreconhecível e de que são exemplo a decisões do tempo da inflação e a inobtenibilidade do escopo contratual, ilustrável através dos conhecidos casos de coroação. A base juspositiva do tratamento da bn objectiva reside nos §§ 157 e 242, portanto na boa fé por eles expressa, i. é, na ‘justiça contratual imanente’, e ‘na forma honesta de pensar’. Repare-se que na sua simplicidade aparente, a construção de L. é muito completa e dá um quadro global do problema bastante mais preciso do que todos os esforços
68
Nesse sentido, a redação atual do Código Civil alemão178 assim trata da
alteração das circunstâncias:
“Adaptação e rescisão de contratos Artigo 313 Interferência na base do negócio (1) Se as circunstâncias que formaram a base de um contrato sofrerem significativa alteração durante sua execução e desde a possibilidade de prever tal alteração acarretasse a não celebração do contrato ou sua celebração em outros termos, a adaptação do contrato pode ser exigida na medida em que uma das partes não possa razoavelmente esperar que o contrato seja mantido sem alteração, tendo em conta todas as circunstâncias do caso específico, em particular a distribuição contratual ou legal do risco. (2) É equivalente a uma alteração de circunstâncias se as concepções materiais que formaram a base do contrato forem consideradas incorretas. (3) Se a adaptação do contrato não for possível ou uma parte não puder razoavelmente aceitar, a parte desfavorecida poderá rescindir o contrato. No caso de obrigações continuadas, o direito de rescindir toma o lugar do direito de se retirar.” (tradução livre) 179
Da leitura do artigo acima transcrito, nota-se que os requisitos postos para
a exigência de adaptação do quanto contratado são: (i) alteração superveniente das circunstâncias; (ii) alteração significativa das circunstâncias; (iii)
impossibilidade de previsão de tal alteração, pelas partes; e (iii) falta de
anteriores. Tem ainda um mérito exclusivo, ao apoiar-se directamente em problemas reais, postos pela jurisprudência.” (MENEZES CORDEIRO: 1997, pp. 1.047/1.048) 178 Código Civil alemão, disponível em http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-Civil-Alemao-BGB-German-Civil-Code-BGB-english-version.pdf acessado em 02 jun. 2018. 179Adaptation and ending of contracts Section 313 Interference with the basis of the transaction (1) If circumstances which became the basis of a contract have significantly changed since the contract was entered into and if the parties would not have entered into the contract or would have entered into it with different contents if they had foreseen this change, adaptation of the contract may be demanded to the extent that, taking account of all the circumstances of the specific case, in particular the contractual or statutory distribution of risk, one of the parties cannot reasonably be expected to uphold the contract without alteration. (2) It is equivalent to a change of circumstances if material conceptions that have become the basis of the contract are found to be incorrect. (3) If adaptation of the contract is not possible or one party cannot reasonably be expected to accept it, the disadvantaged party may withdraw from the contract. In the case of continuing obligations, the right to terminate takes the place of the right to withdraw.
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razoabilidade em se exigir o cumprimento da obrigação sem que seus termos
sejam adaptados180.
É dizer, são objetivos os requisitos para a revisitação do quanto pactuado, pois, havida a alteração das circunstâncias que permearam a conclusão do
negócio jurídico, abre-se caminho para adequação do quanto pactuado, a fim de
que este possa ser regularmente cumprido181.
Apesar de não estar posta no artigo 313, as partes são obrigadas observar
o dever de boa-fé durante toda a relação contratual (artigo 242182) e o contrato,
por sua vez, deve ser interpretado de acordo com a boa-fé (artigo 157183), o que
significa, em outros termos, que, uma vez preenchidos os requisitos acima
citados, a renegociação do contrato (adaptação de seus termos, diante da
alteração das circunstâncias) deve, igualmente, ser feita de boa-fé. E se as
renegociações falharem ou se adaptação do contrato não puder ser
razoavelmente aceita pela outra parte, o caminho a ser seguido é o da resolução contratual184.
180 Não se pode, nesse caso, exigir-se um sacrifício desmesurado do devedor, para o cumprimento da obrigação, isto é, um sacrifício maior do que aquele assumido por ele quando da conclusão do contrato. Logo, segundo ALPA, BESSONE e ROPPO (1982, p. 382), é na própria economia do contrato que se deve sopesar a presença ou não de tal sacrifício desmesurado, cuja avaliação se dá à luz do interesse do credor em receber determinada prestação versus o limite de sacrifício que o devedor é obrigado a suportar para cumprir tal prestação. Se for constatado, objetivamente, o desequilíbrio entre um e outro, o credor não poderá exigir o cumprimento da prestação, sob pena de cometer abuso de direito (“...l’esercizio del diritto di credito costituirebbe abuso, e la prestazione del devedore diventa inesigibile”). 181 “A base objetiva do negócio deve ser considerada a partir do exame de elementos próprios ao contrato; constitui-se pelo conjunto de fatores que, mesmo não pensados pelas partes, podem influenciar a finalidade da avença; assim haveria quebra da base objetiva do contrato quando destruído o seu equilíbrio intrínseco. De acordo com tal teoria, o contrato é celebrado em um contexto fático específico, no qual se fundamenta e para o qual é adequado, segundo a vontade manifestada pelas partes. Se este contexto é modificado, objetiva e involuntariamente, sem que haja qualquer expressão de culpa das partes, está configurada a alteração da base objetiva do negócio jurídico.” (EIZIRIK:2015, p. 726) 182 “Section 242 Performance in good faith An obligor has a duty to perform according to the requirements of good faith, taking customary practice into consideration.” “Artigo 242 Atuação de boa-fé Um devedor tem o dever de agir de acordo com as exigências da boa-fé, levando em consideração a prática costumeira.” 183 “Section 157 Interpretation of contracts Contracts are to be interpreted as required by good faith, taking customary practice into consideration.” “Artigo 157 Interpretação dos contratos Os contratos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé, levando em consideração a prática costumeira.” 184 Em artigo cujo objetivo é traçar uma história alternativa do BGB, Joachim RÜCKERT (2013, p.1) defende que o BGB é, essencialmente, orientado por princípios. Segundo ele: “Do ponto de
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2.1.2. Itália
O direito italiano influenciou diretamente o direito brasileiro, no que tange
à teoria da onerosidade excessiva. Porém, ao contrário da legislação italiana, a
brasileira deixou de dar mais balizas ao tema, ao não tratar do risco contratual.
Veja-se o teor do artigo 1.467:
“Artigo 1.467. Contrato com prestações correspondentes. Nos contratos de execução continuada ou periódica ou de execução diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa em decorrência de eventos extraordinários e imprevisíveis, a parte que deve tal prestação pode requerer a resolução do contrato, com os efeitos estabelecidos no artigo 1.458 (a 168). A resolução não pode ser requerida se a onerosidade superveniente compreender a álea normal do contrato. A parte contra a qual for requerida a resolução, poderá evitá-la oferecendo a alteração equânime das condições do contrato (962, 1623, 1664, 1923)” (tradução livre)185-186.
Para que possa haver a revisitação do quanto pactuado, é necessário que,
num contrato bilateral187 de execução continuada ou diferida a prestação tenha
vista técnico, isso significou regular as relações jurídico-privadas através de proposições jurídicas orientadas por princípios; já do ponto de vista normativo, o ideal legislativo fundava-se no princípio de igual liberdade jurídica.”. Sendo assim, pode-se dizer que a boa-fé é expressão do princípio da igual liberdade jurídica (no caso, contratual) e, assim, deve orientar a relação jurídica entre as partes, bem como a necessidade de se observar a razoabilidade quando da exigência do cumprimento contratual ou quando da adaptação do contrato. Artigo disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2231513 acessado em 05 jun. 2018. 185 Disponível em http://www.jus.unitn.it/cardozo/obiter_dictum/codciv/Lib4.htm , acessado em 12 jan. 2018. 186 “Art. 1467 Contratto con prestazioni corrispettive Nei contratti a esecuzione continuata o periodica ovvero a esecuzione differita, se la prestazione di una delle parti è divenuta eccessivamente onerosa per il verificarsi di avvenimenti straordinari e imprevedibili, la parte che deve tale prestazione può domandare la risoluzione del contratto, con gli effetti stabiliti dall'art. 1458 (att. 168). La risoluzione non può essere domandata se la sopravvenuta onerosità rientra nell'alea normale del contratto. La parte contro la quale è domandata la risoluzione può evitarla offrendo di modificare equamente le condizioni del contratto (962, 1623, 1664, 1923) 187 Também denominados de contratos sinalagmáticos ou com prestações correspectivas (recíprocas), como destaca Francesco MESSINEO:1973, pp. 748/749: “La detta corrispettività suole (o soleva) chiamarsi, anche sinallagmaticità: termine di evidente origine greca, che, alla lettera, significa, contratualità, ma accenna alla reciprocità dei comportamenti delle parti, o anche, con un termine più moderno, all'interdipendenza fra le prestazioni. A tale riguardo, è stata avvertita l'evoluzione che, in conformità del trapasso dal concetto di contrato bilaterale a quello di contratto com prestazioni corrispettive, si è prodotta nel concetto di
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se tornado excessivamente onerosa, em razão de eventos extraordinários e
imprevisíveis188 e desde que tais eventos não estejam abarcados pela álea
normal do contrato. Nesse aspecto, a codificação italiana impediu a revisão ou resolução
contratual na hipótese de a onerosidade superveniente estar integrada ao risco
contratual assumido pelas partes, porque, se assim fosse, em última análise
estar-se-ia admitindo a injustificada intervenção na autonomia privada das partes
e na força obrigatória dos contratos. Por isso, a intervenção admitida é apenas
aquela decorrente de situações anômalas, que afetem não só aquela
sinallagma; il quale, oggi, va inteso non più (come in passato), quale relazione intercorrente soltanto fra due obbligazioni (o promesse) (c.d. sinallagma genetico), o fra due prestazioni (sinallagma funzionale), ma dev'essere collocato nel momento dell'adempimento delle prestazioni, anzichè nel momento contrattuale (con la conseguenza, dunque, che il sinallagma, in realtà, è unicamente funzionale).” “A referida correspectividade [reciprocidade] costuma (ou costumava) ser chamada de sinalagma: um termo de evidente origem grega, que significa, literalmente, contratualidade, mas sugere a reciprocidade do comportamento das partes, ou mesmo, com um termo mais moderno, a interdependência entre as prestações. Neste sentido, observou-se a evolução que, de acordo com a transição do conceito de contrato bilateral para o de contrato com prestações correspectivas [recíprocas], foi produzido no conceito de sinalagma; o qual, hoje, deve ser entendido não mais (como no passado), como uma relação apenas entre duas obrigações (ou promessas) (o chamado sinalagma genético), ou entre duas prestações (sinalagma funcional), mas deve ser colocado no momento do cumprimento das prestações, ao invés de no momento contratual (com a consequência, portanto, que o sinalagma, na realidade, é apenas funcional).” (tradução livre) 188 Por imprevisibilidade deve entender-se tudo aquilo que exorbita o curso normal dos eventos, isto é, aqueles eventos supervenientes cuja previsibilidade está além daquilo que poderia ser exigido de um homem médio (ALPA, BESSONE, ROPPO, 1982, p. 389)
72
determinada relação jurídica, mas, sim, toda uma categoria contratual ou
econômica 189-190.
Ainda que o doutrinador italiano tenha colocado um parâmetro (ou limite) para a verificação da onerosidade superveniente apta a justificar o requerimento
de resolução contratual, o fato é que, de todo modo, existe espaço para que o
intérprete avalie se determinada circunstância está ou não dentro do risco
originalmente assumido pelas partes191-192. Dito de outro modo, caberá, ao
intérprete, sopesar se a onerosidade superveniente desestabilizou ou não o
equilíbrio inicialmente estabelecido entre as partes.
Ao lado disso, a exigência de que o evento seja extraordinário e
imprevisível reforçou a existência de uma carga subjetiva para a configuração da
onerosidade excessiva, já que a avaliação acerca da existência de álea anormal
189 “É justo e racional que o risco das circunstâncias ordinárias e previsíveis seja suportado pelos contraentes: a lei só os protege contra as circunstâncias que representam matéria de riscos absolutamente anómalos, como tais subtraídos à possibilidade de razoável previsão e controlo dos operadores. Neste sentido, justifica a resolução do contrato, por exemplo, a imprevista desvalorização da moeda; não a justifica, já, o progredir de uma inflação deslizante manifestada desde há algum tempo. É coerente com este delineamento que deva tratar-se, igualmente, de acontecimentos que não se manifestem só na esfera individual de um contraente, mas operem, ao invés, com carácter de generalidade, mudando as condições de todo um mercado ou de todo um sector de relações. (...) Uma lógica, não diversa, de justa e racional atribuição do risco inspira a outra condição; para esta, o contrato só é resolúvel se a sucessiva onerosidade exceder a álea normal do contrato (art. 1467.0 c. 2, Cód. Civ.). É preciso que o desequilíbrio determinado entre prestação e contraprestação supere a medida que corresponde às normais oscilações de mercado dos valores trocados; se permanece dentro delas, não há razão para libertar dos seus compromissos a parte que sofre um agravamento económico que podia, muito bem, ter previsto e prevenido. A lógica, em suma, é sempre esta: cada contrato comporta, para quem o faz, riscos mais ou menos elevados; a lei tutela o contraente face aos riscos anormais, que nenhum cálculo racional económico permitiria considerar; mas deixa a seu cargo os riscos tipicamente conexos com a operação, que se inserem no andamento médio daquele dado mercado.” (ROPPO: 2009, pp.262/263) 190Essa lógica, apesar de não estar posta na legislação brasileira, foi, de algum modo, replicada no Enunciado 366 da IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal. 191 “Em regra, cabe ao juiz efectuar esta verificação (e, portanto, avaliar se a onerosidade surgida posteriormente no contrato submetido ao seu juízo pode considerar-se «excessiva»).” (ROPPO:2009, p. 263) 192 “O segundo parágrafo do artigo 1.467 tende a transformar em noção jurídica as mais elementares operações de cálculo econômico em termos de custo-benefício, designando com a fórmula da álea normal aquela margem de incerteza dos danos e do aproveitamento conexo à possível variação das circunstâncias do adimplemento, que a lei não considera constituir uma excessiva onerosidade imediatamente apreciável como causa de resolução do contrato, mesmo quando se trate de uma variável dependente da circunstância extraordinária e não previsível.” (ALPA, BESSONE, ROPPO, 1982, p. 390)
73
do contrato passa por um juízo de equidade, formado com a análise do caso
concreto193-194
O Código Civil italiano, como será possível constatar mais adiante, inspirou o quanto disposto no artigo 478, do Código Civil. Com algumas poucas
alterações, tais como a inexistência de alusão ao risco e a exigência da presença
de “extrema vantagem” para a contraparte, o Código Civil brasileiro também
exigiu que, para a configuração de onerosidade excessiva, haja um contrato de
execução continuada ou diferida e que, em razão de eventos extraordinários e
imprevisíveis, a prestação de uma das partes se torne excessivamente onerosa.
Nessas condições, a resolução poderá ser requerida, o que poderá ser impedido
se a outra parte aceitar modificar o contrato, para que sua execução seja levada
a efeito, extirpando-se a onerosidade excessiva configurada.
193 “Nos termos do art. 1467/3 do Codice, a resolução por “onerosidade excessiva” pode ser detida com recurso à modificação “équa” das condições contratuais. Accionada para fazer valer uma alteração das circunstâncias, a parte que, ainda que a título subsidiário, não peça a reductio ad aequitatem, está, pelo menos num segundo plano, a aceder à resolução: quando, de todo em todo, não a queira, dispõe da faculdade de o impedir. Significa isto que, a nível estatutivo, a “onerosidade excessiva” implica, em primeira linha, a modificação pela equidade e, depois, contra o resultante numa leitura apressada do texto da lei, a resolução. Uma proposição jurídica pela qual, verificadas circunstâncias indeterminadas, se deva decidir pela equidade, remete, para a própria equidade, a definição dessas circunstâncias. Aflora, neste ponto, um dado hermenêutico importante, já referido: a previsão normativa é inflectida e co-determinada pela sua estatuição. A separação entre esses dois factores tem um sentido abstraccionante admissível apenas pelas necessidades da linguagem expositiva. A nível teórico, a norma constitui um todo integrado no sistema onde, de modo algum, se poderia alterar o previsivo sem o estatutivo e inversamente; a nível interpretativo-aplicativo, enquanto, por um lado, o julgador recorre às consequências para penetrar nas realidades causadoras, depende, por outro, a factibilidade do conjunto - e logo da previsão - do que se consiga nos efeitos. O mecanizar dos quadrantes decisórios, com a subsunção, o conceitualismo e todo um cortejo de malefícios conhecidos, assenta no corte do trânsito previsão-estatuição; restabelecida a ligação, ele processa-se em dois sentidos. Neste cenário, a conexão “onerosidade excessiva”- equidade segue os moldes inevitáveis: o intérprete-aplicador deve actuar pela equidade quando ocorra uma conjuntura indefinida; logo, quando a equidade deva suplantar o Direito estrito, dá-se por existente a conjuntura em causa. E porque a equidade, não sendo freada, vale por si, vai ela própria, quando admitida, determinar o momento do preterir do Direito.” (MENEZES CORDEIRO:1997, pp. 1.103/1.104) 194 Nesse sentido, o casuísmo encontra assento no dever de proteção da confiança, que se traduziria na necessidade de se adotar soluções talhadas de acordo com cada situação concreta, diante da mutabilidade das realidades sociais. Segundo o autor: “Celebrado um contrato, as partes exerceram a faculdade que o Direito lhes confere de, a certa temática, dar uma regulação que propicia soluções pretendidas. Quando sobrevenha a alteração das circunstâncias, modifica-se o jogo problemático que define os interesses envolvidos, mas não a sua regulação. A nível das consequências, ou estas se conservam idênticas para questões diversas, ou variam, mas numa medida que pode não corresponder à variação registada, ultrapassando-a, ficando aquém dela ou, simplesmente, sendo díspar, em termos qualitativos. Há arbítrio que fere a igualdade. Por outras palavras, fere a igualdade perante o sistema que uma pessoa, em conjunturas diferentes se submeta a regulações imutáveis. A boa fé exprime, no sistema privado e em situações relativas, as exigências da igualdade.” (MENEZES CORDEIRO:1997, p. 1.112)
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Porém, a legislação italiana não previu o dever de renegociar como etapa
prévia ao pedido de resolução contratual por onerosidade excessiva. Uma vez
configurada a hipótese do artigo 1.467, do Código Civil italiano, a parte prejudicada poderá requerer a resolução contratual o que apenas será obstado
se a parte contrária se dispuser a alterar o contrato para que tal onerosidade seja
mitigada. Em outros termos, a adequação do contrato vem a reboque do pedido
de extinção e, não, vice-versa.
Apesar disso, Enrico GABRIELLI (2013, pp. 76/80) afirma que a doutrina
tem se debruçado cada vez mais sobre o tema. Segundo ele, os autores italianos
estão se preocupando em analisar medidas que prestigiem a conservação do
contrato, ao invés de sua resolução, na mesma esteira do que dispõe o artigo
6:111 Princípios de Direito Contratual Europeu – PECL (analisado em tópico
próprio).
Especificamente no que tange aos contratos de longa duração, a doutrina tem estudado a existência do dever de renegociar na hipótese de alteração das
circunstâncias, ainda que tais alterações não atendam aos requisitos exigidos
pelo artigo 1.467, do Código Civil italiano. O núcleo da questão está justamente
na insatisfatória previsão legal acerca do tema, pois, salvo na hipótese de haver
oferta de modificação do contrato, a solução prevista pela codificação italiana
acaba por matar a relação contratual, o que contraria o moderno entendimento sobre o tráfego comercial.
Assim, a doutrina tem se dividido entre dois fundamentos para justificar o
dever de renegociar: (i) o princípio da revisão da relação jurídica, deduzido do
direito positivo italiano, em atenção à conservação do negócio jurídico195 ou (ii)
os princípios da boa-fé e equidade, que obrigam as partes integrantes de um
contrato de longa duração, sendo que a inobservância de tais princípios
acarretaria a intervenção judicial para revisar o contratou ou mesmo para obrigar
195 “Un parte degli interpreti afferma al riguardo l’esistenza e la legittimità nel sistema legislativo di un «principio giuridico della revisione del rapporto, desunto da inequivoche disposizioni del nostro diritto positivo. L’affermazione sembra peraltro trovare ulteriore fondamento anche nella tendenza, espressa dal nostro sistema in una pluralità di luoghi normativi, alla conservazione del contratto e quindi del sottostante rapporto.” (GABRIELLI: 2013, pp. 76/77)
75
as partes a renegociarem os termos do contrato, já que tal obrigação poderia ser
objeto de execução específica196.
2.1.3. França
O direito civil francês sempre foi conhecido pelo apego irrestrito ao pacta
sunt servanda desde o Código de Napoleão, o que é justificado por sua evolução
histórica, como já anteriormente demonstrado.
Recentemente, no início de 2016197, ao tratar dos efeitos dos contratos, o
Código Civil francês trouxe importante alteração no que tange à força obrigatória
dos contratos, ao prever que o contrato poderia sofrer alterações nas hipóteses
previstas em lei198, dentre as quais está aquela decorrente da alteração das
circunstâncias. Veja-se o quanto disposto no artigo 1.195:
“Artigo 1.195 Se uma alteração imprevisível das circunstâncias existentes durante a celebração do contrato tornar a execução excessivamente onerosa para uma parte que não tenha concordado em assumir o risco, esta poderá requerer uma renegociação do contrato à outra parte. Mas continua a cumprir suas obrigações durante a renegociação. Em caso de recusa ou fracasso da renegociação, as partes podem concordar com a rescisão do contrato, na data e nas condições por elas determinadas ou requerer de comum acordo que juiz adapte o contrato. Na falta de acordo dentro de um prazo razoável, o juiz poderá, a requerimento de uma das partes,
196 “Altri autori hanno invece preso le mosse dalla rinegoziazione, quale attività cui le parti di contratti a lungo termine sarebbero obbligate in forza dei principi di buona fede ed equità, e al cui fallimento potrebbe far seguito l’intervento giudiziale deter minativo ex art. 2932 c.c., costituendo l’obbligo di rinegoziare un obbligo a contrarre suscettibile di esecuzione specifica.” (GABRIELLI: 2013 pp. 79/80) 197 Ordonnance n°2016-131, de 10 fev. 2016. 198 “Article 1193: Les contrats ne peuvent être modifiés ou révoqués que du consentement mutuel des parties, ou pour les causes que la loi autorise.” “Os contratos não podem ser modificados ou revogados a menos que haja consentimento mútuo das partes ou por causas autorizadas por lei.” (tradução livre) Disponível em https://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=94BDBCEA06F670852670B6E9379B6864.tplgfr31s_2?idSectionTA=LEGISCTA000032009282&cidTexte=LEGITEXT000006070721&dateTexte=20181001 acessado em 26 mai. 2018.
76
rever o contrato ou encerrá-lo na data e nas condições que fixar.”
199-200 (tradução livre)
O Código Civil francês tratou, dessa forma, de introduzir o dever de
renegociar no direito francês, desde que estejam presentes, concomitantemente,
os seguintes requisitos: (i) alteração imprevisível das circunstâncias externas
existentes no momento da conclusão do contrato; (ii) onerosidade excessiva para o cumprimento da obrigação; e (iii) ausência de assunção do respectivo
risco, por parte do devedor.
A despeito de a redação do artigo 1.195 do Código Civil francês remeter,
com as devidas adaptações, à redação do artigo 478, do Código Civil brasileiro
no que tange à revisão ou resolução contratual por onerosidade excessiva, o que
chama a atenção é existência da pretensão atrelada ao dever de renegociar, como etapa prévia ao pedido de resolução contratual. Ao contrário do Código
Civil italiano, em que a adequação do contrato só será feita se a parte não quiser
que o contrato seja resolvido (artigo 1.467, do Código Civil italiano), a resolução
contratual vem a reboque da adequação frustrada do contrato, ou seja, se o
resultado da renegociação entre as partes não for exitoso, a revisão judicial ou
resolução contratual será a consequência lógica de tal frustração.
Nessa ordem de ideias, a faculdade conferida a uma das partes de
requerer que a outra renegocie o quanto contratado antes de demandar a revisão
ou resolução judicial do contrato, demonstra que o dever de renegociar prestigia
a autonomia privada das partes, já que, antes de um terceiro (juiz) ser chamado
a intervir na relação contratual das partes, elas mesmas têm a oportunidade de, livremente, repactuar o quanto contratado, para que a finalidade do contrato seja
atingida, extinguindo-se naturalmente, pois, a obrigação entabulada entre elas.
199Disponível em https://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=94BDBCEA06F670852670B6E9379B6864.tplgfr31s_2?idSectionTA=LEGISCTA000032009282&cidTexte=LEGITEXT000006070721&dateTexte=20181001 acessado em 26 mai. 2018. 200 “Article 1195 Si un changement de circonstances imprévisible lors de la conclusion du contrat rend l'exécution excessivement onéreuse pour une partie qui n'avait pas accepté d'en assumer le risque, celle-ci peut demander une renégociation du contrat à son cocontractant. Elle continue à exécuter ses obligations durant la renégociation. En cas de refus ou d'échec de la renégociation, les parties peuvent convenir de la résolution du contrat, à la date et aux conditions qu'elles déterminent, ou demander d'un commun accord au juge de procéder à son adaptation. A défaut d'accord dans un délai raisonnable, le juge peut, à la demande d'une partie, réviser le contrat ou y mettre fin, à la date et aux conditions qu'il fixe.”
77
2.1.4. Portugal
O direito português tratou da modificação (ou resolução) do contrato em
decorrência de alteração das circunstâncias externas, por meio do artigo 437 de
seu Código Civil:
“SUBSECÇÃO VII Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias Artigo 437.º (Condições de admissibilidade) 1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”201
Conforme se depreende da leitura do artigo acima transcrito, para que se
possa exigir a modificação equitativa do contrato é necessário que a alteração
das circunstâncias seja considerada anormal e não coberta pelos riscos
naturalmente afetos ao contrato. E a análise da configuração de tal cenário se
dá à luz da realidade vivida no momento da interpretação do contrato e deve ser
iluminada e guiada pela boa-fé, já que caberá ao intérprete sopesar se a
exigência do cumprimento da obrigação afetaria gravemente ou não o princípio da boa-fé202-203.
201 Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=775A0437&nid=775&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao=#artigo acessado em 08 mai. 2018 202 “A celebração de contratos é rodeada por circunstâncias variadas. Estas alteram-se, por vezes. Com isso, quer o equilíbrio relativo das prestações, quer o escopo contratual podem ser afectados; assim sucede quando uma das partes sofra desvantagens supervenientes ou quando a regulação derivada do contrato perca o seu sentido inicial. O Código Civil reconhece, no art. 437.º/1, essa eventualidade. Prevê um contratante lesado por uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja acoberta pelos riscos próprios do contrato; estatui, em função disso, um poder, concedido à parte lesada, de resolver o contrato ou de o modificar segundo juízos de equidade” (CORDEIRO: 1997, p. 903) 203 “A especialidade da resolução fundada na alteração das circunstâncias revela-se ainda em outros dois aspectos essenciais.
78
Nesse sentido e naquilo que interessa a este trabalho, a jurisprudência
portuguesa também tem restrições quanto aos impactos da crise econômica
sobre os contratos em curso. Em outros termos, apesar de a crise econômica afetar a execução dos contratos de longa duração, não necessariamente pode
ser considerada como uma alteração anormal das circunstâncias, a ensejar a
modificação de seus termos, devendo-se, antes, analisar a aplicação da norma
à luz de cada caso concreto204.
A alteração das circunstâncias econômicas deve ter impacto direto na
atividade econômica em que o contrato está inserido e, ao mesmo tempo, ser
alheia às condições de previsibilidade próprias daquele setor. Deve, ainda,
impactar o contrato e a posição das partes e atingir proporção tal que subverta
“...a própria economia do contrato, tornando-o lesivo para uma das partes
contratantes ao ponto de, caso o contrato se mantenha nos termos em que foi
celebrado, a exigência das obrigações por ela assumidas, sem se mostrar
coberta pelos riscos próprios do contrato, afete gravemente os princípios da boa-
fé”205.
Em primeiro lugar, exactamente porque a reacção facultada ao lesado não assenta na vontade real das partes (na lex contractus), mas numa concessão da lei (contra a regra clássica segundo a qual pacta sunt servanda), a resolução é subordinada ao princípio da boa fé. Só quando a exigência das obrigações contraídas, qua tale, em face do novo condicionalismo factual que passou a envolver a relação contratual, atentar gravemente contra os princípios da boa fé, a resolução é concedida. Em segundo lugar, a resolução é afastada sempre que a manutenção do contrato (tal como foi concebido e firmado pelas partes), em face do novo circunstancialismo de facto, for coberta pelos riscos (álea) próprios (específicos) do contrato.” (VARELA:2003, P. 283) 204 “I - Embora a crise económica que afectou o nosso país seja um facto notório, não é, por si só, suficiente para que se possa recorrer, sem mais, ao instituto da alteração anormal das circunstâncias previsto no art. 437.º do CC, sendo antes necessário que haja uma correlação directa, que seja factualmente demonstrada, entre a crise económica geral e a actividade económica concreta de determinado agente económico. II - Para que seja possível a resolução ou, ao menos, a modificação das cláusulas do contrato fundada na alteração anormal das circunstâncias, mister se torna que: (i) a alteração ocorrida não seja o desenvolvimento previsível de uma situação conhecida data da celebração do contrato; (ii) essa alteração torne o cumprimento da obrigação ofensivo dos princípios da boa fé; e (iii) não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. (...)” (Supremo Tribunal de Justiça. Processo 1320/11.4TVLSB.L1.S1, 2º Secção, Relator João Trindade, data do acórdão: 30/03/2017, Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/32a1060731153909802580f4003b1586?OpenDocument acessado em 12 mai. 2018) 205 “Ac. TRL de 14.06.2017 I- A alteração anormal das circunstâncias, na abrangência do artigo 437º n.º 1 do Código Civil, corresponde a uma modificação insólita ou inabitual da base negocial em que as partes tenham fundado a celebração do contrato, sendo que essa base negocial, no domínio da alteração das circunstâncias, assume caráter objetivo e deve respeitar simultaneamente a ambos os contraentes ;II-Essa alteração deve, por outro lado, ser significativa, ou seja, deve assumir proporções tais que subvertam a própria economia do contrato, tornando-o lesivo para uma das partes contratantes ao ponto de, caso o contrato se
79
Portanto, para que seja possível a aplicação do quanto disposto no artigo
437, do Código Civil português, mister se faz que o operador do Direito, ao
interpretar tal dispositivo legal, analise se o evento causador da alteração das circunstâncias é conhecido ou não daquele setor da economia em que o contrato
está inserido ou, em outros termos, se está ou não coberta pelos riscos inerentes
àquela relação contratual206.
Não se percebe, porém, nenhum movimento no sentido de se impor o
dever de renegociar como alternativa ao requerimento judicial de resolução
contratual ou modificação equitativa dos termos contratados. Uma vez requerida
a resolução contratual e desde que presentes os requisitos para tanto, esta
somente poderá ser obstada se a outra parte aceitar as modificações contratuais
necessárias para que a relação contratual seja reequilibrada, assim como ocorre
no direito italiano e brasileiro.
2.1.5. Princípios do UNIDROIT
O Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado (International
Institute for the Unification of Private Law – “UNIDROIT”) é uma organização
independente e intergovernamental, cujo objetivo, como o próprio nome diz, é
mantenha nos termos em que foi celebrado, a exigência das obrigações por ela assumidas, sem se mostrar coberta pelos riscos próprios do contrato, afete gravemente os princípios da boa-fé; III- A resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias depende, portanto, da verificação dos seguintes requisitos cumulativos: - (i) que haja uma alteração relevante das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, ou seja, que essas circunstâncias se hajam modificado de forma anormal e que; - (ii) a exigência da obrigação parte lesada afete gravemente os princípios da boa-fé contratual, não estando cobertos pelos riscos do próprio negócio.” Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 163/09.0TTLSB-A.L1-4, Relator José Fetteira, data do acórdão: 14 jun. 2017, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8535884fe79af1c280258145004684fb?OpenDocument acessado em 12 mai. 2018. 206 “ (...) VI. A interpretação e aplicação dos pressupostos do instituto da resolução ou modificação do contrato por alterações das circunstâncias, previstos no artigo 437.º do CC, não deve ser feita de forma atomizada ou parcelar, numa lógica conceptual subsuntiva, mas na sua implicação recíproca, já que a alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar não é alheia ao risco inerente ao próprio negócio, nem a verificação de tais requisitos e das suas consequências poderão deixar de ser perspectivados à luz de uma ponderação mais global dos princípios orientadores da boa fé e da tutela da confiança. VII. Por outro lado, tratando-se de conceitos indeterminados, o seu preenchimento não deve ser realizado de modo abstrato, apriorístico, sob um prisma marcadamente categorial, mas antes mergulhando na substancialidade do caso concreto. (...)” (Supremo Tribunal de Justiça. Processo 540/11.6TVLSB.L2.S1, 2º Secção, Relator Tomé Gomes, data do acórdão: 22/06/2017 Disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/Civel_2017_06.pdf acessado em 12 mai. 2018).
80
harmonizar e uniformizar o direito internacional privado de modo geral e, em
particular, o direito comercial internacional207. Seus estudos e trabalhos servem
como diretrizes para entes privados e partes integrantes de contratos internacionais e como orientação para os países que quiserem alinhar seu
ordenamento jurídico interno às necessidades do comércio internacional.
Dentre os trabalhos produzidos pelo UNIDROIT está o denominado
Princípios sobre Contratos Comerciais Internacionais, cuja última versão é de
2016208. Esse trabalho, assim como os demais, “… não é vinculante, mas deve
ser adotado por consistir em modelo ideal de conduta contratual internacional,
através de um sério e árduo processo de harmonização legislativa elaborado
pelo UNIDROIT, que prioriza a vontade das partes e a boa-fé.” (BASSO: 1998,
p. 258) 209.
A análise de tais Princípios, no contexto da experiência internacional
sobre alteração das circunstâncias aptas a ensejar a readequação do quanto pactuado, é relevante, seja pelo tempo e rigor de atuação do UNIDROIT (a
primeira edição é de 1994), seja pela aceitação cada vez mais ampla de suas
diretrizes, no bojo do comércio internacional.
Maurício Almeida PRADO, analisando a jurisprudência arbitral sobre a
existência e aplicação da regra de hardship antes e depois do advento dos
Princípios do UNIDROIT, concluiu que, mesmo antes de sua inclusão em tais Princípios, seu reconhecimento estava fundado numa regra contida na lex
mercatoria, “... segundo a qual as partes ficam obrigadas a renegociar os termos
207 Nesse sentido, confira-se https://www.unidroit.org/about-unidroit/overview acessado em 28 mai. 2018. 208 Disponível em https://www.unidroit.org/instruments/commercial-contracts/unidroit-principles-2016 acessado em 27 mai. 2018. 209 “Como espécie de soft law, os Princípios do UNIDROIT traduzem a tendência global de harmonização do direito do comércio internacional por vias alternativas ao hard law elaborado pelos Estados nacionais, mediante tratados e convenções internacionais. Até mesmo o emprego do termo ‘Princípios’ pelo UNIDROIT significa uma dignificação das formas jurídicas que apresentam caráter mais flexível que os códigos positivistas clássicos. Sua missão, como indica a semântica do termo, é guiar e informar (as partes, o árbitro, o juiz e o legislador), sem pretender incorporar-se aos ordenamentos estatais como direito positivo, mediante atos legislativos formais. (...) Em conclusão, embora ainda seja difícil discernir com precisão a natureza jurídica dos Princípios do UNIDROIT, é correto afirmar que possuem, pelo menos, duas características marcantes: (i) constituem uma espécie de soft law, sem efeito vinculante, e destinam-se a atuar em conjunto com outras fontes do direito, num contexto de pluralismo jurídico, e (ii) têm a vocação de um ius commune moderno, de caráter transnacional, relativo aos contratos do comércio internacional.” (GAMA E SOUZA JUNIOR, 2006, p. 52 e 53)
81
do contrato quando a execução do mesmo encontra dificuldades graves”
(2003:p. 43), como corolário da boa-fé que deve permear as relações comerciais.
Realmente, nos contratos de longa duração, o sinalagma estabelecido inicialmente entre as partes deve ser, na medida do possível, preservado durante
toda a sua execução, o que somente é possível mediante a ativa cooperação
entre as partes contratantes. Nesse contexto, o dever de informar sobre as
dificuldades experimentadas no curso da execução contratual ganha relevância,
porque é assim que a correlata renegociação poderá se desenrolar a fim de que
sejam superadas as aludidas dificuldades de cumprimento do quanto pactuado.
Porém, a renegociação não é garantia de superação de tais dificuldades, porque
a renegociação configura obrigação de meio e, não, de fim; assim sendo, a
consequência do fracasso da renegociação poderá implicar – a depender do
contexto jurídico do contrato – “... o prosseguimento do contrato sem qualquer
modificação, sua continuação devidamente adaptado, ou sua extinção.” (2003:p. 48).
Como os Princípios do UNIDROIT não têm força vinculante, apesar de
sua ampla aceitação no curso das relações jurídicas comerciais
internacionais210, erigiu-se uma discussão em torno de sua aplicação como
síntese dos usos do comércio internacional e, pois, se o hardship poderia ser
aplicado nesse contexto, de maneira supletiva em relação aos ordenamentos jurídicos nacionais211. Apesar de a jurisprudência arbitral e a doutrina não serem
uníssonas em relação ao tema, Maurício Almeida PRADO (2003: pp. 59/60)
entende que a adoção do hardship como regra supletiva dos contratos
internacionais é razoável, já que tal instrumento serve para manter o equilíbrio
contratual e, em última análise, a própria segurança das relações jurídicas
comerciais, o que se mostra necessário no mundo dos negócios internacionais
210 Além dos casos analisados pelo artigo de Maurício Almeida PRADO, confira-se o artigo de Marcel FONTAINE (2013, pp. 123/139), em que ele analisa uma decisão proferida pelo Poder Judiciário belga, que reconheceu a aplicação do hardship com fundamento, dentre outros, nos Princípios do UNIDROIT, não obstante a lei local não admitir a aplicação da teoria da imprevisão. Em síntese, o caso versava contrato de fornecimento de tubos de aço, firmado entre uma sociedade francesa e uma holandesa, com entrega do produto na Bélgica. Apesar de tal contrato não conter cláusula de revisão de preço, diante do aumento significativo do preço do aço, em decorrência da demanda chinesa por tal insumo, o vendedor requereu a revisão judicial do preço perante a corte belga. Apesar de o direito nacional aplicável ao contrato não prever hipótese de revisão contratual com fundamento na imprevisibilidade, reconheceu-se o dever de renegociar, com fundamento do princípio da boa-fé. 211 Cf. UDA: 2017, pp. 40/41.
82
complexos, marcado pela instabilidade social e econômica próprias dos diversos
ordenamentos jurídicos dos quais as partes contratantes poderão ser
oriundas212. O artigo 6.2 (cuja redação é a mesma desde a primeira edição) dos
Princípios do UNIDROIT, ao tratar do tema hardship deixou claro que sua
aplicação se dá de modo excepcional, ao reafirmar a força vinculante dos
contratos. In verbis:
“SEÇÃO 2: HARDSHIP ARTIGO 6.2.1 (Obrigatoriedade do contrato) Quando o cumprimento de um contrato torna-se mais oneroso para uma das partes, tal parte continua, ainda assim, obrigada a cumprir o contrato, ressalvadas as disposições seguintes a respeito de hardship. ARTIGO 6.2.2 (Definição de hardship) Há hardship quando sobrevêm fatos que alteram fundamentalmente o equilíbrio do contrato, seja porque o custo do adimplemento da obrigação de uma parte tenha aumentado, seja porque o valor da contra-prestação haja diminuído, e (a) os fatos ocorrem ou se tornam conhecidos da parte em desvantagem após a formação do contrato; (b) os fatos não poderiam ter sido razoavelmente levados em conta pela parte em desvantagem no momento da formação do contrato; (c) os fatos estão fora da esfera de controle da parte em desvantagem; e (d) o risco pela superveniência dos fatos não foi assumido pela parte em desvantagem.” (tradução livre, de autoria de Lauro Gama Junior)213-214
212 No mesmo sentido, cf. PERILLO:1994, p. 302. 213 Disponível em https://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2010/translations/blackletter2010-portuguese.pdf acessado em 27 mai. 2018.) 214“SECTION 2: HARDSHIP ARTICLE 6.2.1 (Contract to be observed) Where the performance of a contract becomes more onerous for one of the parties, that party is nevertheless bound to perform its obligations subject to the following provisions on hardship. ARTICLE 6.2.2 (Definition of hardship) There is hardship where the occurrence of events fundamentally alters the equilibrium of the contract either because the cost of a party’s performance has increased or because the value of the performance a party receives has diminished, and (a) the events occur or become known to the disadvantaged party after the conclusion of the contract;
83
Note-se, antes de mais nada, que o fato de o contrato, ao longo de sua
execução, tornar-se mais oneroso para uma das partes, não implica liberação ou revisão automática do quanto pactuado. Independentemente de a parte não
obter o lucro esperado ou até, ao invés disso, experimentar prejuízo, o contrato
deverá ser regularmente cumprido. Esta é a tônica dominante de todo sistema
contratual, como já tratado anteriormente.
A configuração da denominada hardship215, hipótese que permite a
revisão do quanto inicialmente pactuado entre as partes, ocorre somente em
casos excepcionais e, geralmente, em contratos de longa duração. Para tanto,
deve haver alteração superveniente das circunstâncias, isto é, alteração ocorrida
após a conclusão do contrato e durante sua execução, de tal forma que equilíbrio
inicialmente estabelecido entre as partes seja substancialmente afetado. Ao lado
disso, é preciso que tal alteração superveniente não pudesse ter sido razoavelmente prevista quando da conclusão do contrato e que a parte
prejudicada não tenha assumido o risco da ocorrência de tal evento. Somente
com o preenchimento de todos esses requisitos é que haverá a configuração da
hardship.
Se houver a configuração da hardship, a parte prejudicada poderá
requerer a renegociação do quanto pactuado, desde que o faça na primeira oportunidade, devendo-se ressaltar que o tempo decorrido entre a alteração das
circunstâncias e o requerimento de renegociação serve, em realidade, para que
se apure se o caso versa, efetivamente, hardship ou não, especialmente porque
(b) the events could not reasonably have been taken into account by the disadvantaged party at the time of the conclusion of the contract; (c) the events are beyond the control of the disadvantaged party; and (d) the risk of the events was not assumed by the disadvantaged party.” 215 “Diferentemente da escala móvel, a cláusula de hardship não vincula o preço, desde já, a determinado parâmetro. Nascida na prática do comércio internacional, hardship clause indica uma situação na qual a alteração de ordem política, econômica, financeira, jurídica ou técnica prova conseqüências infortunadas para uma das partes, desequilibrando o contrato. Hoje já reconhecida entre os Princípios Unidroit a cláusula, nascida da autonomia privada tem, por isso, o escopo de estabelecer, no próprio contrato, o dever de renegociar o preço, se houver alteração das circunstancias. É uma pré-figuração da possibilidade de reajuste, derivada da autonomia privada. Nessa perspectiva, a cláusula de hardship pode ser definida como a que permite às partes postular uma “nova arrumação” do contrato que as vincula se e quando uma mudança o equilíbrio do contrato, a ponto de fazer sofrer, a uma delas, um rigor (hardship) injusto.” (MARTINS-COSTA: 2005, p. 261)
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a parte prejudicada não pode se negar a cumprir o quanto pactuado apenas por
conta do requerimento de renegociação. In verbis:
“ARTIGO 6.2.3 (Efeitos da hardship) (1) Em caso de hardship, a parte em desvantagem tem direito de pleitear renegociações. O pleito deverá ser feito sem atrasos indevidos e deverá indicar os fundamentos nos quais se baseia. (2) O pleito para renegociação não dá, por si só, direito à parte em desvantagem de suspender a execução. (3) À falta de acordo das partes em tempo razoável, cada uma das partes poderá recorrer ao Tribunal. (4) Caso o Tribunal considere a existência de hardship, poderá, se for razoável, (a) extinguir o contrato, na data e condições a serem fixadas, ou (b) adaptar o contrato com vistas a restabelecer-lhe o equilíbrio.” (tradução livre, de autoria de Lauro Gama Junior)216-217
Note-se que, além de ter que fazer prova da configuração da hardship, a
parte prejudicada não pode se valer de tal circunstância para deixar de cumprir
o quanto pactuado durante as renegociações, cuja conclusão, se não alcançada dentro de um prazo razoável, poderá remeter as partes à solução judicial, com a
revisão ou resolução judicial do contrato.
É interessante ressaltar que o quanto disposto no artigo 6.2.3, acima
transcrito, é bastante similar ao quanto disposto no artigo 1.195, do Código Civil
francês, cuja redação foi alterada em 2016, o que reforça a relevância desse
trabalho no âmbito internacional e, pois, como referência do tema aqui desenvolvido.
216 Disponível em https://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2010/translations/blackletter2010-portuguese.pdf acessado em 27 mai. 2018.) 217 “ARTICLE 6.2.3 (Effects of hardship) (1) In case of hardship the disadvantaged party is entitled to request renegotiations. The request shall be made without undue delay and shall indicate the grounds on which it is based. (2) The request for renegotiation does not in itself entitle the disadvantaged party to withhold performance. (3) Upon failure to reach agreement within a reasonable time either party may resort to the court. (4) If the court finds hardship it may, if reasonable, (a) terminate the contract at a date and on terms to be fixed, or (b) adapt the contract with a view to restoring its equilibrium.”
85
2.1.6. Principles of European Contract Law (PECL)
A União Europeia ainda não chegou a uma conclusão acerca da necessidade de se adotar Código Civil Europeu a substituir a legislação correlata
de seus países membros. Enquanto isso, em 1982, um grupo de estudos
formado por professores e juristas de diversos países europeus, denominada
Comissão sobre Direito Contratual Europeu218, reuniu-se para estabelecer
diretrizes a orientar um direito contratual comum, com base nas legislações já
existentes dos países membros da União Europeia. Este trabalho, denominado
Princípios de Direito Contratual Europeu (Principles of European Contract Law –
PECL), teve sua versão completa publicada em 2002219.
Apesar de o objetivo da Comissão ter sido a consecução de um direito
contratual europeu comum, em substituição às normas internas dos países
membros da União Europeia, até que isso ocorra (e se vier a ocorrer) os PECL poderão desempenhar papel importante em outras searas, como destacado por
Teresa Silva PEREIRA (2004)220:
“Os PECL são o primeiro passo na direcção de um direito contratual europeu harmonizado, independentemente de algum dia se tornarem legislação comunitária. Entretanto, podem servir como uma lei modelo, inspirando legisladores, juízes arbitrais e partes contratantes. Assumem também um papel educacional muito importante, podendo vir a ser utilizados como um denominador comum no ensino do Direito. Estes Princípios fornecem, ainda, uma infraestrutura às regras comunitárias, podendo servir-lhes como ponto de referência e de controlo para actos comunitários no âmbito do direito privado, alertando a Comunidade para a casualidade de disposições isoladas. Acima de tudo, mostram que, no que respeita a considerações legais, não há impedimentos teóricos ou práticos a uma unificação europeia da parte geral do direito contratual e provam que se pode atingir um compromisso razoável.”
218 Também conhecida como Comissão Lando, em alusão ao Professor dinamarquês Ole Lando que, em 1982, teve a iniciativa de criar tal Comissão. 219 Disponível em http://www.jus.uio.no/lm/eu.contract.principles.parts.1.to.3.2002/ acessado em 30 mai.2018 220 Disponível em https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2004/ano-64-vol-i-ii-nov-2004/artigos-doutrinais/teresa-silva-pereira-proposta-de-reflexao-sobre-um-codigo-civil-europeu/ acessado em 30 mai. 2018.
86
Nessa ordem de ideias e no que interessa ao escopo deste trabalho, a
liberdade contratual será orientada pela boa-fé e lealdade, que também servirão
de norte para a interpretação dos contratos221. Dentro desse contexto, as partes serão obrigadas a renegociar os termos
do contrato, adaptando-o naquilo que for necessário para que sua finalidade seja
atingida (ou resolvendo-o), na hipótese de haver alteração superveniente das
circunstâncias que permearam a conclusão do contrato, em grau tal que o
cumprimento do contrato tenha se tornado excessivamente oneroso e desde que
a parte prejudicada não pudesse razoavelmente prever a ocorrência de tal
alteração e também não tenha assumido o risco correlato.
Se as partes, contudo, não chegarem a um acordo dentro de um lapso
temporal razoável, a controvérsia poderá ser posta em discussão judicial ou
arbitral, oportunidade em que o julgador poderá resolver ou revisar o contrato e,
em qualquer caso, condenar em perdas e danos a parte responsável pela frustração da renegociação, desde que, por óbvio, tenha ela se recusado a
renegociar ou o tenha feito de modo contrário à boa-fé e lealdade222.
221 Cf. Artigo 1:102; Artigo 1:106 (ex art. 1.104); e Artigo 1:201 (ex art. 1.106). Disponível em http://www.jus.uio.no/lm/eu.contract.principles.parts.1.to.3.2002/ acessado em 30 mai. 2018. 222 “Article 6:111 (ex art. 2.117) - Change of Circumstances (1) A party is bound to fulfil its obligations even if performance has become more onerous, whether because the cost of performance has increased or because the value of the performance it receives has diminished. (2) If, however, performance of the contract becomes excessively onerous because of a change of circumstances, the parties are bound to enter into negotiations with a view to adapting the contract or terminating it, provided that: (a) the change of circumstances occurred after the time of conclusion of the contract, (b) the possibility of a change of circumstances was not one which could reasonably have been taken into account at the time of conclusion of the contract, and (c) the risk of the change of circumstances is not one which, according to the contract, the party affected should be required to bear. (3) If the parties fail to reach agreement within a reasonable period, the court may: (a) terminate the contract at a date and on terms to be determined by the court; or (b) adapt the contract in order to distribute between the parties in a just and equitable manner the losses and gains resulting from the change of circumstances. In either case, the court may award damages for the loss suffered through a party refusing to negotiate or breaking off negotiations contrary to good faith and fair dealing.” “Artigo 6: 111 (ex. Art. 2.117) - Mudança de Circunstâncias (1) Uma parte está obrigada a cumprir suas obrigações, mesmo que a execução tenha se tornado mais onerosa, seja por aumento de custo ou por diminuição do valor da contraprestação. (2) Se, no entanto, a execução do contrato se tornar excessivamente onerosa devido a uma alteração de circunstâncias, as partes são obrigadas a entrar em negociações com objetivo de adaptar ou rescindir o contrato, desde que: a) a alteração das circunstâncias tenha ocorrido após a conclusão do contrato; b) a alteração das circunstâncias não pudesse ter sido razoavelmente prevista no momento da conclusão do contrato, e
87
Vê-se, pois, um passo à frente (ainda que anterior no tempo) ao quanto
disposto pelo Código Civil francês, cuja redação está mais alinhada quanto disposto nos Princípios do UNIDROIT: para além da renegociação pura e
simples como etapa prévia à resolução ou revisão contratual, os PECL preveem
que as partes têm um dever de renegociar e de boa-fé, pois, descumprido tal
dever, a parte faltosa deverá arcar com a indenização correlata às perdas e
danos causados à outra parte.
Assim sendo, uma vez frustrado o intento de renegociar, a resolução ou
revisão contratual é o caminho natural subsequente a ser tomado; porém, se tal
frustração tiver decorrido da recusa em renegociar ou na renegociação despida
de boa-fé, além de o contrato ser passível de resolução, a parte faltosa deverá
indenizar a outra parte.
2.1.7. Draft Common of Frame Reference (DCFR)
Os Principles of European Contract Law (PECL) serviram de ponto de
partida para a formação de outro grupo de estudos, também formado professores
e juristas de diversos países, cujo objetivo era a elaboração de um projeto de
Código Civil Europeu. Este grupo, denominado Study Group on a European Civil Code
(SGECC), com apoio de outros grupos de estudo, publicou, em 2009, um
documento denominado Draft Common Frame of Reference (DCFR)223, cuja
lógica de elaboração é a mesma do PECL mas cujo conteúdo, todavia, é mais
amplo, já que versa direito privado de modo geral e não apenas direito contratual.
Por isso, apesar de beber em sua fonte, o DCFR não importou, ipsis litteris, as
(c) o risco de alteração das circunstâncias não tenha sido contratualmente assumido pela parte prejudicada. (3) Se as partes não chegarem a um acordo dentro de um prazo razoável, o tribunal poderá: (a) rescindir o contrato em uma data e em termos a serem determinados pelo tribunal; ou (b) adaptar o contrato para distribuir entre as partes, de forma justa e equitativa, as perdas e os ganhos resultantes da alteração das circunstâncias. Em ambos os casos, o tribunal poderá condenar ao pagamento de perdas e danos a parte que se recusar a negociar ou interromper negociações de modo contrário à boa fé e à lealdade” 223 VON BAR: 2009, disponível em https://www.law.kuleuven.be/personal/mstorme/2009_02_DCFR_OutlineEdition.pdf acessado em 31 mai. 2018
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diretrizes postas pelo PECL. Contudo, assim como o PECL, o DCFR tem caráter
não vinculante224, já que, embora existam inúmeros pontos de contato entre o
direito privado de cada um dos países membros da União Europeia225, ainda existem discussões em torno de seu aproveitamento no âmbito do direito comum
europeu226.
Especificamente naquilo que diz respeito a este trabalho, o artigo III.1:110
DCFR corresponde ao artigo 6:111 do PECL, no que tange à alteração das
circunstâncias, mas, como se adiantou, um não é idêntico ao outro: enquanto o
PECL prevê o dever de renegociar, o DCFR não o faz. Veja-se a redação do
DCFR:
“III - 1:110: Variação ou término por tribunal de uma mudança de circunstâncias (1) Uma parte está obrigada a cumprir suas obrigações, mesmo que a execução tenha se tornado mais onerosa, seja por aumento de custo ou por diminuição do valor da contraprestação.
224 “…it does not contain a single rule or definition or principle which has been approved or mandated by a politically legitimated body at European or national level (save, of course, where it coincides with existing EU or national legislation)” (VON BAR:2009, p.6) “… Não contém uma única regra, definição ou princípio que tenha sido aprovado ou constituído por um órgão politicamente legitimado a nível europeu ou nacional (salvo, é claro, quando coincidir com a legislação existente da UE ou nacional)” (tradução livre) 225 “In particular it will help to show how much national private laws resemble one another and have provided mutual stimulus for development – and indeed how much those laws may be regarded as regional manifestations of an overall common European legacy. The function of the DCFR is thus separate from that of the CFR in that the former serves to sharpen awareness of the existence of a European private law and also (via the comparative notes that will appear in the full edition) to demonstrate the relatively small number of cases in which the different legal systems produce substantially different answers to common problems. The DCFR may furnish the notion of a European private law with a new foundation which increases mutual understanding and promotes collective deliberation on private law in Europe.” (VON BAR: 2009, p.7) “Em particular, [o DCFR] ajudará a mostrar o quanto o direito privado das nações são semelhantes e forneceram estímulo mútuo para o desenvolvimento - e, de fato, o quanto essas leis podem ser consideradas como manifestações regionais de um legado europeu comum em geral. A função do DCFR é assim separada da do CFR [voltado apenas para o direito contratual], na medida em que o primeiro serve para aguçar a consciência da existência de um direito privado europeu e, também (através das notas comparativas que aparecerão na edição completa), para demonstrar o número relativamente pequeno de casos em que os diferentes sistemas jurídicos produzem respostas substancialmente diferentes a problemas comuns. O DCFR pode fornecer a noção de um direito privado europeu com uma nova base, que aumenta a compreensão mútua e promove a deliberação coletiva sobre o direito privado na Europa. ” (tradução livre) 226 Cf. nesse sentido, o denominado Green Paper ou Livro Verde da Comissão, publicado em 2010, onde há diversas sugestões de formas de aproveitamento do DCFR, que variam desde sua aplicação facultativa até sua aplicação vinculante, seja no âmbito dos contratos internacionais, seja, ainda, em substituição ao próprio regramento interno dos países membros da União Europeia. Disponível em http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2010/PT/1-2010-348-PT-F1-1.Pdf acessado em 31 mai. 2018.
89
(2) Se, no entanto, o cumprimento de uma obrigação contratual ou de uma obrigação decorrente de um ato jurídico unilateral se tornar excessivamente oneroso, em razão de uma alteração excepcional de circunstâncias, a ponto de tornar injusta a manutenção da obrigação para o devedor, o tribunal pode: (a) alterar a obrigação, a fim de torná-la razoável e justa diante das novas circunstâncias; ou (b) resolver a obrigação em uma data e em termos a serem determinados pelo tribunal. (3) O parágrafo (2) aplica-se apenas se: (a) a alteração das circunstâncias tiver ocorrido após o momento em que a obrigação foi contraída; (b) O devedor não tiver considerado, e não ser razoável esperar que tivesse considerado, a possibilidade ou a escala dessa alteração das circunstâncias; (c) o devedor tiver assumido, e não ser razoável considerar que tivesse assumido, o risco dessa alteração de circunstâncias; e (d) o devedor tenha tentado, de maneira razoável e de boa fé, obter, por meio de negociação, um ajuste razoável e equitativo dos termos que regulam a obrigação.” 227 (tradução livre)
Da comparação do artigo acima transcrito com o artigo 6:111, do PECL, percebe-se que, ainda que com alguma variação, os requisitos necessários para
se buscar a revisão ou resolução judicial do contrato são os mesmos: alteração
superveniente das circunstâncias, onerosidade excessiva, imprevisão em
sentido amplo e não assunção de risco pela parte prejudicada.
A distinção entre o PECL e o DCFR, quanto ao tema, está na força dada à renegociação.
O artigo 6:111, do PECL, prevê a resolução do contrato de maneira
escalonada, o que significa que as partes devem, primeiramente, renegociar as
bases do contrato e, somente se tal renegociação se frustrar é que poderão
227 “III. – 1:110: Variation or termination by court on a change of circumstances (1) An obligation must be performed even if performance has become more onerous, whether because the cost of performance has increased or because the value of what is to be received in return has diminished. (2) If, however, performance of a contractual obligation or of an obligation arising from a unilateral juridical act becomes so onerous because of an exceptional change of circumstances that it would be manifestly unjust to hold the debtor to the obligation a court may: (a) vary the obligation in order to make it reasonable and equitable in the new circumstances; or (b) terminate the obligation at a date and on terms to be determined by the court. (3) Paragraph (2) applies only if: (a) the change of circumstances occurred after the time when the obligation was incurred; (b) the debtor did not at that time take into account, and could not reasonably be expected to have taken into account, the possibility or scale of that change of circumstances; (c) the debtor did not assume, and cannot reasonably be regarded as having assumed, the risk of that change of circumstances; and (d) the debtor has attempted, reasonably and in good faith, to achieve by negotiation a reasonable and equitable adjustment of the terms regulating the obligation”
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buscar a tutela jurisdicional para revisar ou resolver o contrato. E a reforçar a
existência de um verdadeiro dever de renegociar, na hipótese de intervenção de
um terceiro para dirimir a controvérsia (judicial ou arbitral), se houver prova de que uma das partes se negou a renegociar ou o fez sem observar a boa-fé, o
tribunal poderá condenar a parte faltosa em perdas e danos.
Por seu turno, o Artigo III.1:110, do DCFR, retira a força da renegociação,
já que esta, em verdade, é imputada apenas ao devedor, que, premido pela
dificuldade de cumprimento contratual, deverá buscar o credor para tentar, de
boa-fé, renegociar o contrato.
Assim sendo, enquanto o PECL determina que ambas as partes devem
renegociar o contrato de boa-fé, sob pena de condenação em perdas e danos, o
DCFR apenas determina que o devedor procure o credor para tentar uma
renegociação. Portanto, nesse aspecto, parece que o DCFR tomou um rumo
mais salomônico ao aproximar o tema do quanto previsto, por exemplo, na legislação italiana que, como se viu, é bastante próxima à brasileira, no que
tange à onerosidade excessiva (artigo 478, do Código Civil).
2.1.8. Os parâmetros trazidos pelas soluções internacionais Como se pode perceber, o substrato fático a ensejar a revisitação do quanto pactuado é a alteração superveniente das circunstâncias em que o
contrato foi concluído. Tal alteração deve ocorrer durante a execução contratual
e não poderia estar presente ou ser perceptível quando da conclusão do
contrato. Houvesse algum vício quando do nascedouro da relação jurídica, o
vício ou intempérie seria de origem e, não, de execução, o que atrairia a
aplicação de outros institutos jurídicos, como, por exemplo, erro ou lesão.
Ainda, em alguns dos dispositivos acima citados há menção a obrigações
de execução continuada ou diferida e, em outros, não. Porém, o tema aqui
discutido, isto é, a alteração das circunstâncias apta a ensejar a revisitação do
quanto pactuado, não tem sentido em contratos de execução imediata, pois,
nesses casos, não há tempo suficiente para que qualquer alteração impacte o quanto contratado.
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Ao lado disso, em todos os casos analisados é preciso que tal alteração
desnature a relação de equivalência ou de equilíbrio estabelecida entre as
partes. Em outros termos, é preciso que o risco originalmente assumido pelas partes seja desfigurado. É por isso que algumas previsões tratam da relação de
equilíbrio, outras tratam da onerosidade excessiva ou do sacrifício desmesurado
de uma das partes. De todo modo, a alteração da divisão de risco combinada
inicialmente não pode ter sido assumida por uma das partes, pois, se assim
fosse, não haveria que se falar em ocorrência de qualquer intempérie, mas, sim,
em curso normal do quanto pactuado entre as partes.
Quanto à imprevisibilidade, isto é, quanto à impossibilidade de tal
alteração ter sido prevista quando da conclusão do contrato, bem como quanto
à onerosidade excessiva, nem Alemanha e nem Portugal tratam do tema. Em
ambos os ordenamentos, basta que haja uma significativa ou anormal alteração
das circunstâncias, que torne a exigência do cumprimento da obrigação irrazoável ou afete gravemente o princípio da boa-fé, respectivamente, e que tal
alteração não esteja coberta pelos riscos assumidos pelas partes, para que a
parte prejudicada possa exigir a revisitação do quanto pactuado. Já para França
e Itália, além de a alteração não poder estar coberta pelos riscos do contrato,
deve, ainda, ser imprevisível e causar onerosidade excessiva, para que o
contrato possa ser revisitado. Ainda nesse aspecto, para a Itália é preciso que, além de imprevisível, o evento seja extraordinário. Percebe-se, assim, que, ao
descartar a necessidade de configuração de imprevisibilidade, Alemanha e
Portugal trazem critérios mais objetivos para permitir a revisitação do contrato,
porque não é necessário perquirir o que e em que medida um evento seria
imprevisível (o evento em si, sua intensidade, suas consequências etc.). E entre
França e Itália, esta traz ainda mais um elemento subjetivo, que é a
extraordinariedade do evento que tenha causado a alteração das circunstâncias
do contrato.
Os instrumentos internacionais, até por terem como objetivo atingir
relações internacionais ou, ainda, eventualmente substituir os ordenamentos
internos, buscaram um meio do caminho. Assim, nos Princípios do UNIDROIT,
PECL e DCFR, exige-se que a parte prejudicada não pudesse, razoavelmente, prever (ou levar em conta) que haveria alteração das circunstâncias durante a
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execução do contrato. Ao lado disso, PECL e DCFR exigem a configuração de
onerosidade excessiva, enquanto os Princípios do UNIDROIT abordam aumento
de custo ou diminuição do valor a receber, por conta da alteração das circunstâncias.
Em todos os casos, todavia, é possível observar que a boa-fé é o fio
condutor da relação entre as partes; as partes devem agir de acordo com a boa-
fé, da qual o dever de cooperação é decorrência lógica228, e não podem afastar
ou limitar este dever de conduta em momento algum, o que inclui, por óbvio,
eventual renegociação contratual. Nesse sentido, vejam-se os comentários feitos
ao artigo 6.2.3 na obra Princípios UNIDROIT (2016, p. 225):
“Apesar de não haver menção sobre o tema neste artigo, tanto o pedido de renegociações da parte prejudicada como a conduta de ambas as partes durante o processo de renegociação estão sujeitos ao princípio geral de boa-fé e lealdade (ver Artigo 1.7) e ao dever de cooperação (ver Artigo 5.1.3). Assim, a parte prejudicada deve honestamente acreditar que o caso versa hardship e não requerer renegociações como uma manobra puramente tática. Da mesma forma, uma vez que o pedido tenha sido feito, ambas as partes devem conduzir as renegociações de maneira construtiva, em particular, abstendo-se de qualquer forma de obstrução e fornecendo todas as informações necessárias.” 229-230 (tradução livre)
É bem verdade que apenas o ordenamento jurídico português tratou de
incluir, textualmente, a boa-fé231 como requisito necessário para que o quanto
pactuado fosse revisitado, ainda que tal previsão possa equivaler à previsão
228 Confira-se, nesse sentido: Artigos 1.7, 5.1.3 e 6.2.3 dos Princípios do UNIDROIT; Artigos 1:201 e 1:202 dos PECL; Artigos III.1:103 e III.1:104 do DCFR; Artigo 1.104 do Código Civil francês; Artigos 157 e 242, do Código Civil alemão; artigo 437, do Código Civil português; artigo 1.175 e 1.176, do Código Civil italiano. 229 Disponível em https://www.unidroit.org/instruments/commercial-contracts/unidroit-principles-2016 acessado em 27 mai. 2018. 230 “Although nothing is said in this Article to that effect, both the request for renegotiations by the disadvantaged party and the conduct of both parties during the renegotiation process are subject to the general principle of good faith and fair dealing (see Article 1.7) and to the duty of cooperation (see Article 5.1.3). Thus the disadvantaged party must honestly believe that a case of hardship actually exists and not request renegotiations as a purely tactical manoeuvre. Similarly, once the request has been made, both parties must conduct the renegotiations in a constructive manner, in particular by refraining from any form of obstruction and by providing all the necessary information.” 231 “...desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé...”
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alemã232 ou àquela contida no Draft Common of Frame Reference233(DCFR), já
que, em ambos os casos, o objetivo é apontar que a manutenção da exigência
do cumprimento da obrigação como estabelecida originalmente, diante daquelas novas circunstâncias, não seria razoável ou, em outros termos, feriria
gravemente a boa-fé. Porém, em todos os casos, a boa-fé está a permear a
postura das partes ao longo de toda a relação jurídica entre elas existente.
Nessa toada, é interessante notar que apenas os ordenamentos jurídicos
alemão e francês trazem em seu bojo o dever de renegociar como requisito
prévio ao pedido de resolução ou revisão judicial do contrato. Nos demais, isto
é, no ordenamento italiano e português, tal previsão inexiste: configurada a
alteração das circunstâncias apta a acarretar a revisitação do contrato, poderá a
parte prejudicada requerer a resolução ou a revisão contratual judicial ou arbitral.
Por outro lado, o dever de renegociar está presente em todas as previsões
internacionais sobre o tema, isto é, nos Princípios do UNIDROIT, PECL e DCFR. Em todos esses casos, a renegociação é requisito prévio ao requerimento de
resolução ou revisão contratual judicial ou arbitral.
A boa-fé, contudo, ganha especial relevo durante as renegociações no
âmbito do PECL, pois se a renegociação falhar em decorrência de recusa ou
renegociação de modo contrário ao dever de boa-fé, além de a parte prejudicada
poder requerer a resolução contratual judicial ou arbitral, a parte responsável poderá ser condenada no pagamento de perdas e danos. Em outros termos a
inobservância do dever de renegociar (com boa-fé) traz consequências à parte
faltosa.
De todo modo, tem-se que a renegociação não é tema estranho ao direito
internacional que, com diferentes contornos, já a trazem como requisito prévio
ao pedido de revisão ou resolução contratual, o que demonstra, em última
análise, o prestígio dado à conservação do negócio jurídico em detrimento de
sua resolução em caso de alteração das circunstâncias externas ao longo de sua
vigência e execução.
232“...one of the parties cannot reasonably be expected to uphold the contract without alteration...” 233 “... would be manifestly unjust to hold the debtor to the obligation...”
94
2.2. A experiência brasileira
2.2.1. legislação administrativa
O equilíbrio econômico financeiro dos contratos firmados com a
Administração Pública está previsto na Constituição Federal234, bem como nas
demais normas infraconstitucionais pertinentes235 e é métrica essencial para
conferir segurança nas relações jurídicas com o ente público e, por via de
consequência, atrair e manter investimentos do setor privado na esfera pública,
através dos diversos mecanismos previstos em lei, tais como licitação,
concessão e parceria público privada.
Em última análise, a manutenção das condições inicialmente contratadas
com o Poder Público ao longo de toda a execução contratual é expressão do
interesse público, finalidade última de toda a atividade administrativa, pois somente assim haverá, por exemplo, continuidade da prestação de diversos
serviços (essenciais ou não) para a coletividade, tais como manutenção de
rodovias, do transporte público em geral, da coleta de lixo, dentre outros236.
234 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” 235 Confira-se, por exemplo, o artigo 65, II, “d”, da Lei 8.666/93: “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (...) II - por acordo das partes: (...) d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.” 236 “O equilíbrio econômico-financeiro do contrato celebrado com a Administração não corresponde a uma equivalência perfeita entre as prestações contratuais, mas sim à necessária preservação da relação econômica aceita pelas partes no momento de sua vinculação. Se, naquela ocasião, a proporção entre custos e benefícios foi tomada por ambas como satisfatória, é essa equação que deve ser mantida por toda a vigência do contrato (e não uma correspondência ideal e perfeita entre prestação e contraprestação).
95
Nessa ordem de ideias, é interessante notar que a Lei de Licitações –
norma de caráter geral no que tange à contratação com a Administração Pública
– prevê o reequilíbrio do contrato, desde que (i) ocorram “fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos
da execução do ajustado” ou (ii) “caso fortuito” ou (iii) “fato do príncipe”, desde
que tais eventos configurem “álea econômica extraordinária e extracontratual”
(artigo 65, II, “d”, da Lei 8.666/93).
Assim sendo, para além da hipótese de alteração unilateral do contrato
pela Administração Pública (“fato do príncipe”), tanto a ocorrência de caso
fortuito quanto a hipótese de imprevisão ou onerosidade excessiva, trazida pelo
direito privado nos artigo 317 e 478, do Código Civil, não implicam a liberação
do devedor, mas, sim, a obrigação do credor (Administração Pública) reequilibrar
o contrato de modo a manter sua exequibilidade, para que, ao fim, a população
tenha assegurada a manutenção da prestação de determinado serviço público, por exemplo.
A despeito de se tratar de relação jurídica com a Administração Pública,
cujo desequilíbrio é genético e em prol do interesse público, há que se cuidar
para que o equilíbrio inicialmente estabelecido seja mantido ao longo de toda a
relação contratual237. Segundo Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO (2004, p.
602), a Administração Pública deve agir com lisura em relação aos interesses econômicos da outra parte, o que, em outros termos, quer significar que aquela
não pode pretender obter vantagens outras, fruto do desequilíbrio da relação
econômica ao longo da execução do contrato. Ao invés disso cabe, à
Administração, realmente respeitar o equilíbrio econômico entabulado entre as
(...). Assim, o sistema jurídico não exige uma "equivalência objetiva" entre as prestações, mas que a relação entre elas estabelecida no momento da proposta do contrato seja mantida inalterada quando da execução da obrigação. Assim não fosse, a parte prejudicada suportaria risco não compatível com a função dos contratos celebrados com a Administração, eis que neles seria introduzida uma álea superior àquela normalmente esperada para o tipo de negócio celebrado.” (GRAU e FORGIONI:2005, pp.99/100) 237 “A disciplina contratual procura criar mecanismos de proteção da parte mais fraca, como é o caso do balanceamento das prestações. De acordo com esse princípio, a justiça contratual torna-se um dado relativo não somente ao processo de formação e manifestação da vontade dos declarantes, mas sobretudo relativo ao conteúdo e aos efeitos do contrato, que devem resguardar um patamar mínimo de equilíbrio entre as posições econômicas de ambos os contratantes. Definitivamente, a justiça contratual deixa de ser concebida como uma decorrência inexorável da autonomia da vontade.” (NEGREIROS:2002, p. 160).
96
partes, “... durante toda a execução do contrato, mesmo que alteradas as
cláusulas regulamentares da prestação ajustada (...)”.
Portanto, ainda que com mote distinto – interesse público – configurado o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, por meio da desnaturação dos
riscos assumidos originariamente pelas partes, este deverá ser devidamente
recomposto. Afinal, “a equação econômica do contrato é um direito de quem
firma qualquer acerto. O Estado, preso – mais ainda que o particular – aos
imperativos da boa-fé, não pode quebrar, arbitrariamente, esta equação”238.
2.2.2. legislação consumerista O artigo 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor prevê a revisão
contratual na hipótese de as prestações se tornarem excessivamente onerosas
em razão de fatos supervenientes, isto é, em razão de externalidades ocorridas durante a execução contratual.
É de se notar que, diversamente do quanto previsto nos artigos 317 e 478,
do Código Civil, não há, na legislação consumerista, a necessidade de se
demonstrar que tais fatos supervenientes são imprevisíveis e extraordinários;
basta, para a relação de consumo, que tais fatos tenham tornado a prestação
excessivamente onerosa para o consumidor239-240-241.
238 STJ, 1ª T, RMS 1.694/RS, Rel. Min. Humberto Gomes, Barros, j. 07/03/1994, DJ 25/04/1994, disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199200104029&dt_publicacao=25-04-1994&cod_tipo_documento acessado em 18 jul. 2018. 239 “A norma do art. 6.º do CDC avança ao não exigir que o fato superveniente seja imprevisível ou irresistível, apenas exige a quebra da base objetiva do negócio, a quebra de seu equilíbrio intrínseco, a destruição da relação de equivalência entre prestações, ao desaparecimento do fim essencial do contrato. Em outras palavras, o elemento autorizador da ação modificadora do Judiciário é o resultado objetivo da engenharia contratual, que agora apresenta a mencionada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado de simples fato superveniente, fato que não necessita ser extraordinário, irresistível, fato que podia ser previsto e não foi.” (MARQUES:2002, p. 784) 240 Nesse mesmo sentido, Cf. SALLES:2005, p. 329. 241 “A teoria da base objetiva, que teria sido introduzida em nosso ordenamento pelo art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor - CDC, difere da teoria da imprevisão por prescindir da previsibilidade de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes. Tem por pressuposto a premissa de que a celebração de um contrato ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias, as quais, se modificadas no curso da relação contratual, determinam, por sua vez, consequências diversas daquelas inicialmente estabelecidas, com repercussão direta no equilíbrio das obrigações pactuadas. Nesse contexto, a intervenção judicial se daria nos casos em que o contrato fosse atingido por fatos que comprometessem as circunstâncias intrínsecas à formulação do vínculo contratual, ou seja, sua base objetiva.”
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Note-se porque relevante: enquanto a teoria da imprevisão requer a
alteração superveniente, imprevisível e irresistível das condições que permeiam
a relação contratual, a teoria da base objetiva do contrato requer a alteração superveniente das condições contratuais, por fatores alheios à vontade das
partes.
Nesse passo, a base objetiva do negócio jurídico é composta pelos fatores
existentes quando da conclusão do contrato e cuja manutenção é essencial para
que o contrato possa ser cumprido. A subsistência do contrato e a própria
viabilidade de sua execução dependem da manutenção de fatores gerais
essenciais, tais como condições políticas, econômicas e sociais existentes
quando do nascimento da relação jurídica de longa duração. Somente com a
preservação de tais circunstâncias é que a própria intenção das partes,
consubstanciada na finalidade por elas perseguida, poderá ser preservada242.
Consequentemente, a superveniência de alteração das circunstâncias externas, ainda que ordinárias e previsíveis, que abale o equilíbrio inicialmente
estabelecido e, pois, desnature os riscos assumidos pelas partes, pode frustrar
o próprio cumprimento do contrato, já que o rompimento da relação de
(REsp 1321614/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 03/03/2015, disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?ref=CC-02+MESMO+ART+ADJ+%2700478%27&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true acessado em 10 out. 2018) 242 “A Teoria da Base Objetiva tem os seguintes pressupostos: a) Todo contrato é estipulado levando-se em consideração circunstâncias objetivas de caráter geral, tais como: a ordem econômica do país, o poder aquisitivo da moeda; condições de desenvolvimento do contrato etc.; b) Por isto mesmo, alteradas estas circunstâncias objetivas, os contratos se prolongam no tempo e podem ser resolvidos se , em virtude, da alteração da base objetiva, o cumprimento das obrigações por parte de qualquer dos contratantes cause prejuízos cujo montante exceda de muito a previsão que pudesse ser feita, razoavelmente, ao tempo de sua celebração. (...) Em síntese, como condições de aplicação da Teoria da Base, estão a) o ônus excessivo para uma das partes causando, em contrapartida, b) vantagem exagerada para outra em virtude de c) fato superveniente não imputável às partes, constituindo a base justamente d) “o conjunto de circunstâncias, existentes na formação do contrato e que permite, as partes contratantes, terem presente a sua viabilidade econômica”. O efeito do desaparecimento da base negocial legitima o juiz a revisar o contrato de duas maneiras: restabelecendo o equilíbrio através da remodelagem de algumas das cláusulas, sempre que possível; ou possibilitando o direito formativo de resolução, desde que impossibilidade for absoluta e assim o requeira o titular do poder formativo extintivo.” (MARTINS-COSTA: 2005, p. 294)
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equivalência entre prestação e contraprestação pode tornar o cumprimento da
obrigação excessivamente sacrificante para o devedor243-244.
Apesar de parte da doutrina defender a “civilização” da teoria da base objetiva, não se pode perder de vista a diferença da lógica adotada pela
legislação consumerista e pela legislação civil: enquanto aquela é protecionista
(cogente) e fundada na existência pressuposta de uma parte hipossuficiente,
esta é, no mais das vezes, apenas supletiva no que tange ao Direito das
Obrigações e fundada numa pressuposta relação paritária entre as partes. É
assim que, como se procurará demonstrar no tópico subsequente e ao longo
deste trabalho, apesar de se buscar fundamentos outros para a revisitação do
quanto contratado, é preciso cuidar para não se importar, pura e simplesmente,
a lógica consumerista para as relações jurídicas civis.
2.2.3. Código Civil O Código Civil brasileiro, seguindo sua estrutura aberta, não explicou, nos
artigos 317245 e 478, o que seriam “motivos imprevisíveis”, “desproporção
manifesta” e nem tampouco quando a prestação de uma das partes haveria de
“se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em
virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”. Tais conceitos,
243 “Para o Código de Defesa do Consumidor importa, objetivamente, o superveniente resultado de acentuado desequilíbrio da relação de equivalência entre as prestações contratuais, não atribuível, necessariamente, a um evento imprevisível. Isso a ponto de se ter defendido a adoção, pela Lei n. 8.078/90, da já examinada teoria da base objetiva, e pese embora a alusão que o próprio Karl Larenz, seu principal precursor, fez à imprevisibilidade como requisito de sua aplicação, porém, ao que se entende, muito mais num sentido de inserção do evento modificativo ulterior nos riscos normais do contrato, do que sua vinculação à estrita visão voluntarística do que teriam as partes podido prever e que, não tendo previsto, toma estranha qualquer atuação revisora do juiz.” (GODOY:2009, p. 71) 244 Para além da própria natureza das relações jurídicas tuteladas pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil, uma nota distintiva – e já bastante conhecida – deve ser feita: legislação consumerista presume a posição hipossuficiente do consumidor, enquanto a legislação civil não o faz. Uma parte pode estar em posição de desvantagem, mas, pode, também, estar inserida numa relação contratual em que há paridade de armas. É por isso que, como se verá, o ordenamento brasileiro trouxe dois caminhos distintos que tratam da revisão contratual, os quais, todavia, não se cruzam justamente em razão da zona de abrangência da legislação consumerista e da legislação civil. 245 Apesar de muitas vezes usados de maneira imprecisa ou até mesmo como sinônimos, tenha-se presente que a teoria da imprevisão está contida no artigo 317, do Código Civil, cuja redação original tinha como escopo tratar das dívidas de valor, em razão do histórico inflacionário brasileiro. Nesse sentido, confira-se WALD:2008, pp. 79/114.
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propositadamente, permaneceram indeterminados, cabendo à jurisprudência
dar concretude a eles, de maneira casuística246.
A crítica que se faz a tais conceitos diz respeito à carga de subjetividade do operador do Direito, no momento de interpretar o caso concreto, pois teria o
legislador da codificação civil se afastado da objetivação proposta pelo Código
de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso V247, que adotou a teoria da
base objetiva do negócio jurídico como critério a orientar eventual revisão
contratual.
Em outros termos, ao invés de apenas perquirir a existência de alteração
das circunstâncias do negócio jurídico, com a consequente oneração
exacerbada das prestações, o intérprete deveria perquirir o que seriam
circunstâncias “extraordinária e imprevisíveis” a ensejar a revisão daquela
relação contratual, o que implicaria a análise subjetiva acerca da vontade
declarada das partes. Nessa ordem de ideias, as circunstâncias extraordinárias podem ser
aferidas de modo mais objetivo, pois extrapola o curso normal dos
acontecimentos, tais como guerras, epidemias e catástrofes naturais. Já as
circunstâncias imprevisíveis requerem uma investigação subjetiva, pois é preciso
246 “A interpretação das cláusulas gerais evidencia a função do juiz ao proferir a decisão no caso concreto e põe em relevo o papel do precedente, da jurisprudência, que confere resposta da atividade jurisdicional a cada um e a todos os casos que são postos para apreciação dos Tribunais. Se a lei se constitui na fonte primordial do direito na concepção clássica herdada do Código Civil francês, tendo imposto no passado uma conduta para a interpretação das normas, que se denominou de Escola da Exegese, isto não ocorrerá diante das cláusulas gerais, que ao conferirem, em maior ou menor grau, um poder discricionário ao magistrado para proferir sua decisão irão propor o preenchimento do conteúdo dessas normas, seja explicitando concretamente o que determinados princípios devem significar numa dada situação (o que se deve entender pó boa-fé, por bons costumes, nos contextos a, b ou c, exemplificadamente), seja incorporando valores para preenchimento do enunciado das cláusulas gerais com um grau de liberdade mais amplo.” (GOSSON, 2004, pp. 53/54) 247 “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;”
100
saber se as partes teriam ou não condições de antever determinado
acontecimento248-249.
A despeito das críticas da doutrina quanto a cada um desses requisitos250, quanto ao requisito da imprevisão, a jurisprudência, alinhada ao direito civil
moderno, tem buscado se afastar dos critérios subjetivos (mais afetos ao Código
Civil de 1916) e aproximar-se de critérios mais objetivos, apesar de, claramente,
o Código Civil de 2002 não ter incorporado a diretriz do Código de Defesa do
Consumidor e, sim, haurido seus fundamentos no artigo 1.467, do Código Civil
italiano (excluindo-se a menção à álea normal do contrato) 251-252.
248 “O caráter objetivo da extraordinariedade serviria precisamente para distingui-la da imprevisibilidade. Enquanto se considera extraordinário aquilo que escapa objetivamente à sucessão habitual dos acontecimentos, o fato imprevisível seria aquele que as partes não puderam subjetivamente antever. A imprevisibilidade "possui, portanto, natureza originalmente relativa e identifica-se com a capacidade de os contratantes representarem a ocorrência futura de um determinado evento", enquanto a extraordinariedade assume feição objetiva, vinculando-se ao que é estatisticamente improvável.” (SCHEREIBER:2018, p. 170) 249 “Na acepção clássica, a prova da imprevisibilidade do evento passaria obrigatoriamente pelo exame do elemento subjetivo e a comprovação de que a parte não havia cogitado aquele fato, o que, em interpretação a contrario sensu, equivaleria a mostrar qual era a verdadeira intenção das partes.” (LEVY:2013, p. 524) 250 Note-se que MENEZES CORDEIRO, no excerto transcrito no tópico destinado à onerosidade excessiva no direito italiano, afirma que o requisito da extraordinariedade também é dotado de carga subjetiva. Há, ainda, autores que entendem que ambos devem ser entendidos como sinônimos e outros que entendem que ambos são critérios objetivos para a formação da onerosidade excessiva (veja, nesse sentido, SCHREIBER: 2018, pp. 168/174) 251 “A imprevisibilidade deve ser analisada à luz do tipo contratual celebrado pelas partes e daquilo que deve ser considerado como álea normal dos contratos. Vale dizer, uma certa margem de risco é inerente a qualquer tipo de contrato, principalmente aqueles duradouros, sendo esta margem maior ou menor conforme as condições da contratação. Apenas quando ultrapassados os limites naturais de risco e incerteza, pode-se considerar que o contrato se transforma em um instrumento de agravamento da prestação de um dos contratantes em favor do outro. Assim, um evento será considerado imprevisível quando as partes, por maior diligência que tiverem, não possuírem condições de prever a sua ocorrência. Ademais, não basta que o fato seja imprevisível para a parte prejudicada; deve haver uma imprevisibilidade genérica, atinente ao cenário econômico em que foi formulado o contrato. O exame do caráter imprevisível das circunstâncias passa pela qualificação do evento em sua acepção objetiva, deixando de lado quaisquer considerações valorativas dos contratantes. O conceito de fato imprevisível deve ser fixado tendo em vista uma série de fatores, tais como a realidade social e econômica no momento da celebração do contrato, bem como as características particulares e os interesses pessoais de cada uma das partes.” (EIZIRIK:2015, p. 722) 252 “O problema está em caracterizar o que é normativamente previsível ou imprevisível – para deflagrar a eficácia do art. 317 (e também a do art. 478) -, o que dá lugar a várias questões concernentes ao grau de previsibilidade exigível para fazer com que o evento entre as margens da “álea normal”. Por isso é que será preciso, antes de mais, detectar, em cada caso: (i) o seu grau de abstração ou concretude (vale dizer: a normalidade da álea assim o é in abstracto, para todos os contratos daquele tipo, ou concretamente, para aquele determinado contrato, à vista de suas circunstâncias e dos usos do local da contratação, como indica a regra de hermenêutica do art. 113 do Código Civil); (ii) o patamar da especificidade com o qual o evento é ou não considerado pelo Direito ao caracterizar o tipo, legal ou derivado da tipicidade social (isto é, o evento é especificamente considerado na álea normal);(iii) o grau de certeza, ou de incerteza, que deve assumir a previsão do acontecimento (a previsão é uma mera potencialidade ou não),
101
Muito marcada pela maxidesvalorização do Real frente ao Dólar253, em
1999, que gerou inúmeras demandas decorrentes de contratos de leasing
lastreados em dólar, a jurisprudência tratou de não só analisar a causa ou fato gerador da imprevisão, como, também, de analisar as consequências dela
advindas254-255. Se tais consequências fossem imprevisíveis, haveria, pois,
possibilidade de revisão contratual (LEVY:2013, p. 524)256.
Nessa mesma esteira, aliás, os juristas integrantes da IV Jornada de
Direito Civil (AGUIAR JUNIOR: 2012, p. 57), promovida pelo Conselho da Justiça
Federal, consignaram, por meio do Enunciado 366, que “o fato extraordinário e
imprevisível causador da onerosidade excessiva é aquele que não está coberto
objetivamente pelos riscos próprios da contratação” 257-258.
Vale, porém, ter presente a valiosa advertência feito por Renan LOTUFO
(2016, p. 147), no sentido de que não se pode, simplesmente, internalizar os
parâmetros objetivos postos pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso V, pois:
sempre tendo em conta específica arrumação dos interesses econômicos-sociais em concreto considerados.” (MARTINS-COSTA: 2005, p. 308) 253 Decorrente da mudança de política cambial, cujo câmbio, anteriormente controlado, passou a ser livre, isto é, a flutuação do dólar frente ao real passou a observar as condições de mercado. 254I Jornada de Direito Civil - Enunciado 17: “Art. 317: A interpretação da expressão “motivos imprevisíveis” constante do art. 317 do novo Código Civil deve abarcar tanto causas de desproporção não-previsíveis como também causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis.” (AGUIAR JUNIOR: 2012, p. 18) 255 III Jornada de Direito Civil Enunciado 175: “Art. 478: A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às conseqüências que ele produz.” (AGUIAR JUNIOR: 2012, p. 38) 256 A crise econômica voltou ao cenário da jurisprudência brasileira com a denominada crise do subprime, iniciada em 2007, nos Estados Unidos da América do Norte (cujo marco foi a quebra do Lehman Brothers), e que assolou o mercado financeiro brasileiro alguns anos depois. Nesse sentido, confira-se PERLINGEIRO e BARBOSA, 2010, pp. 124-163. 257 Ainda, o Enunciado 365 tratou de dar parâmetros à interpretação da “extrema vantagem”, referida pelo artigo 478, do Código Civil. In verbis: "A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.” (AGUIAR JUNIOR: 2012, p. 57) 258 No mesmo sentido, são os Enunciados 439 e 440, da IV Jornada de Direito Civil (AGUIAR JUNIOR: 2012, p. 64), que, como critério de aplicação da teoria da onerosidade excessiva, dão luz à importância da comparação entre o risco assumido pelas partes inicialmente e aquele advindo de eventos extraordinários supervenientes e imprevisíveis. Veja-se: Enunciado 439: “ Art. 478: A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, observar-se-á a sofisticação dos contratantes e a alocação de riscos por eles assumidas com o contrato.” Enunciado 440: “ É possível a revisão ou resolução por excessiva onerosidade em contratos aleatórios, desde que o evento superveniente, extraordinário e imprevisível não se relacione com a álea assumida no contrato.”
102
“... no âmbito do direito civil, não se pode interpretar da lei especial para a geral, não só pelo caráter de especialidade, como, no caso atual, pela superveniência da lei geral. Ademais, a interpretação que se pretende dar para negar a exigência do fato imprevisível não afasta o caráter extraordinário, o que acaba deixando sem maior fôlego o argumento.”259
De fato, não obstante a doutrina e jurisprudência façam um esforço
conjunto para dar contornos mais objetivos às hipóteses de imprevisão e
onerosidade excessiva, não se pode perder de vista que, tanto no artigo 317,
quanto no artigo 478260, a presença da imprevisibilidade é requisito essencial
para a aplicação da regra ali contida261. Ao lado disso, a hipótese contida no
artigo 478 exige, além da imprevisibilidade, a presença do requisito extraordinariedade do evento externo a abalar o inicial equilíbrio pactuado entre
as partes. E não se pode afastar a presença de tais requisitos com qualquer
ginástica que se faça para se trazer as normas consumeristas para o seio das
relações civis.
Assim sendo, cabe, pois, ponderar que o Enunciado 366 (IV Jornada de
Direito Civil), ao atrelar a configuração de onerosidade excessiva à existência de
259 Nesse mesmo sentido, veja-se o alerta de Nelson EIZIRIK, quanto à adoção da teoria da base objetiva do negócio jurídico pelo direito brasileiro: “Ressalte-se, contudo, que esta aplicação é restrita às relações de consumo, e que se justifica pelo fato de ser o CDC um diploma que visa à proteção do Consumidor, em situação tida como de permanente desequilíbrio. O aludido dispositivo do CDC refere-se única e tão somente às relações jurídicas marcadas pela existência de hipossuficiência de uma das partes contratuais. Em relações paritárias, nas quais os contratantes tenham igual poder econômico, não há que se falar na aplicação da Teoria da Base Objetiva, pois não estão configurados seus pressupostos de aplicação no direito brasileiro.” (EIZIRIK:2015, p. 727 – grifos originais) 260 “A regra prevista no artigo 317 do Código Civil destina-se à conservação do valor econômico das prestações contratuais. Seu espectro de incidência é mais restrito do que aquele alcançado pelo artigo 478, uma vez que se cinge ao ajustamento do valor da prestação pecuniária, não propriamente ao contrato como um todo.” (EIZIRIK:2015, p. 724) 261 “Em que pese sua relevante inovação, tal teoria, ao dispensar, em especial, o requisito de imprevisibilidade, foi acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam especial proteção. Não se admite a aplicação da teoria do diálogo das fontes para estender a todo direito das obrigações regra incidente apenas no microssistema do direito do consumidor, mormente com a finalidade de conferir amparo à revisão de contrato livremente pactuado com observância da cotação de moeda estrangeira.” (REsp 1321614/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 03/03/2015, disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?ref=CC-02+MESMO+ART+ADJ+%2700478%27&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true acessado em 10 out. 2018)
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riscos que não teriam sido objetivamente previstos pelas partes, acaba por
desbordar a previsão contida na codificação civil e, por via transversa, aproximá-
la da codificação consumerista, o que, como bem posto por LOTUFO, não se pode admitir.
Consequentemente, a busca de revisitação contratual descolada de
situações imprevisíveis e extraordinárias deve estar calcada em outros
fundamentos, distintos daqueles contidos nos artigos 317 e 478, do Código Civil.
Nessa ordem de ideias, vale ter presente a crítica de Rogério Ferraz
DONNINI (2008, p.220), para quem o Código Civil teria resgatado a antiga
cláusula rebus sic stantibus, de origem medieval e dado trato desatualizado ao
tema. Segundo ele, poucas hipóteses adequar-se-iam a uma situação
imprevisível e extraordinária atualmente, motivo pelo qual a análise de tal tema
deveria ser feita de maneira sistemática. Assim sendo, a revisitação contratual
não deveria ser feita apenas com fundamento nos artigos 317 e 478, do Código Civil; para além de tais casos, sempre que houvesse alteração da base objetiva
do negócio jurídico, a porta para a revisitação contratual se abriria, com
fundamento nos artigos 421 e 422, do mesmo diploma legal. Porque pertinente
ao objetivo deste trabalho, veja-se a linha de raciocínio do referido autor sobre o
tema:
“(...) Assim, numa interpretação literal e, portanto, inadequada da norma (arts. 317 e 478), sem que se leve em conta uma visão do sistema, poderia levar o intérprete a concluir que, nas relações entre particulares (reguladas pelo Código Civil), para que uma avença fosse alterada, seria necessário um fato extraordinário da grandeza de uma guerra ou o colapso da economia. Todavia, para a modificação de um contrato, basta que a base do negócio jurídico tenha se alterado. É o que se denomina base objetiva, que é violada quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação inexiste. Essa base do negócio está condicionada ao estrito cumprimento, por nós, do artigo 422 do Código Civil (boa-fé objetiva), equivalente ao § 242 do BGB,37 além da função social do contrato (CC, art. 421).
Em suma, segundo o autor, o Código Civil trouxe algumas hipóteses de revisitação dos contratos de longa duração: imprevisão, onerosidade excessiva
e alteração da base objetiva do negócio jurídico, o que permite a análise do tema
104
sem que se tente trazer a lógica da legislação consumerista para dentro da lógica
da legislação civil.
Em tópico próprio acerca da renegociação contratual, o tema será trazido novamente à baila, onde se procurará demonstrar que a renegociação contratual
– etapa prévia à revisão ou resolução contratual – tem como fundamento a boa-
fé e a função social do contrato, na mesma esteira de raciocínio do autor acima
citado.
105
CAPÍTULO 4. O DEVER DE RENEGOCIAR EM CONTRATOS DE LONGA DURAÇÃO
1. O Direito preventivo e a conservação do negócio jurídico
Como se viu, o risco contratual assumido pelas partes integra o conceito
do pacta sunt servanda, pois as partes, como expressão de sua autonomia privada, escolheram assumir determinado risco no cumprimento da obrigação
avençada, devendo-se ter presente que, em contratos complexos, esse risco tem
fronteiras mais largas, pois abarca o impacto que causarão na sociedade na qual
estão inseridos.
Se não houver nenhum vício de origem (tais como vícios do
consentimento), o contrato nasce válido e deverá ser cumprido. Do mesmo
modo, se forem mantidas as circunstâncias externas que permearam a
conclusão do contrato, o risco originalmente assumido deverá ser normalmente
suportado pelas partes, ainda que isso resulte em um mal negócio para uma
delas e, inversamente, um bom negócio para a outra parte. O que não se pode
admitir, porém, é que haja alterações das circunstâncias externas tais que afetem a álea natural do contrato ou, em outros termos, que haja alteração do
risco contratual originalmente assumido pelas partes, em decorrência de
situações externas, ainda que tais situações sejam previsíveis e/ou ordinárias.
Nesse aspecto, vale ressaltar que a previsibilidade da ocorrência de
alterações de fatores externos não pode ser entendida como erro no momento
da contratação, como posto do MENEZES CORDEIRO (1997, p. 1.083262-263),
262 Veja-se a crítica de Antonio Manuel da Rocha e MENEZES CORDEIRO a este respeito: “Quando, na celebração do contrato, se assente em circunstâncias não correspondentes à realidade ou quando elas, sendo-o, se venham, em termos previsíveis, a modificar, sem que, nisso, se haja atentado, há erro. Caso contrário, ocorre uma alteração verdadeira das circunstâncias. A previsibilidade deve ser aferida em abstracto, pelas possibilidades reinantes na sociedade onde o problema se ponha, de acordo com as características do caso concreto” (CORDEIRO: 1997, p. 1.083) 263 Para Antunes VARELA, a resolução contratual decorrente da alteração das circunstâncias assemelhar-se-ia à anulação do contrato fundada em erro. Veja-se: “A principal nota que caracteriza este caso singular de resolução é o facto de ela não assentar em qualquer violação dos deveres contratuais da contraparte ou em qualquer deficiência objectiva superveniente da prestação. A sua raiz mergulha na motivação psicológica do contrato, na deficiente previsão das partes à data da celebração do contrato. E por isso mesmo a resolução baseada na alteração das circunstâncias, sendo um caso típico de resolução quanto aos seus efeitos (embora temperada pela solução alternativa da modificação equitativa do contrato), não deixa de ser quanto à sua
106
porque, apesar de poder haver alterações das circunstâncias (o que, aliás, é
bastante comum em contratos de longa duração), não é possível mensurar quais
e em que medida tais alterações ocorreriam. Obviamente, como posto pelo Código Civil alemão, se as partes tivessem vislumbrado a possibilidade de haver
alteração das circunstâncias no momento da conclusão do contrato, certamente
o teriam concluído em outros termos ou sequer o teriam concluído.
Nessa ordem de ideias, não é demais novamente destacar que a relação
humana tem especial significado nas relações jurídicas de longa duração,
porque seu sucesso, isto é, a execução e a extinção natural da obrigação
dependem diretamente da confiança existente entre as partes, apta a dar
sustento à postura colaborativa, transparente e leal entre elas264-265. É preciso
que haja um constante diálogo ao longo da execução contratual, para que sua
finalidade possa ser atingida, especialmente quando houver alteração das
circunstâncias que permearam a conclusão do contrato. Dito de outro modo, o contrato, especialmente em relações jurídicas que
se alongam no tempo, assemelha-se a um organismo cuja sobrevivência está
atrelada ao bom funcionamento de seus órgãos. E cabe às partes esse cuidado
origem uma figura afim da anulação do contrato. E assim se explica, aliás, a flagrante semelhança dos meios por que a contraparte pode afastar a resolução do contrato, nos termos do n. 02 do artigo 437.º, ou opor-se à anulação baseada em erro na declaração, aceitando o negócio tal como o enganado o pretendia realizar (art. 248.º).” (VARELA:2003, pp.282/283) 264 “Podemos definir confiança (trust) como ‘um determinado nível de probabilidade subjetiva com a qual um agente avalia que um outro agente ou grupos de agentes praticarão uma determinada ação’; a existência de confiança, assim, aperfeiçoa a fluência das relações de mercado.” (FORGIONI: 2003, p. 29) 265 “A boa-fé lealdade figura como um critério hermenêutico que se justifica por uma interpretação teleológica e funcional de todas as normas jurídicas por meio da qual se obtém o resultado útil do negócio jurídico na sua maior extensão. Inspirado na boa-fé lealdade, o princípio da conservação nasce fundamentalmente na compreensão primeira do conteúdo, da função e da própria finalidade do negócio jurídico.” (GUERRA:2016, p. 237)
107
permanente, seja por meio da interpretação de seu clausulado266-267-268, seja,
ainda, por meio da alteração daquelas cláusulas que deixaram de ser factíveis
ao longo do tempo, como expressão da postura colaborativa que esse tipo de contrato requer269. Nesse sentido, veja-se a ponderação feita por WALD (2003,
pp. 50/51):
“Assim, em vez do contrato irrevogável, fixo, estático e cristalizado de ontem, conhecemos um contrato dinâmico e flexível, que as partes devem adaptar para que ele possa sobreviver, superando, pelo eventual sacrifício de alguns dos seus interesses, as dificuldades encontradas no decorrer da sua existência. A plasticidade do contrato transforma a sua própria natureza, fazendo com que os interesses divergentes do passado sejam agora convertidos, na maioria dos casos, numa verdadeira parceria, na qual todos os esforços são válidos e necessários para fazer subsistir o vínculo entre os contratantes, respeitados, evidentemente, os direitos individuais.
266 Nesse sentido, vale ter presente que a boa-fé , os usos e costumes e a função social do contrato são a tônica dominante na interpretação dos contratos, o que é reforçado com a leitura dos revogados artigos 130 e 131 do Código Comercial, que, apesar de não estarem mais em vigor, são boa referência para embasar esse entendimento: “Art. 130 - As palavras dos contratos e convenções mercantis devem inteiramente entender-se segundo o costume e uso recebido no comércio, e pelo mesmo modo e sentido por que os negociantes se costumam explicar, posto que entendidas de outra sorte possam significar coisa diversa.” “Art. 131 - Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: 1 - a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras; 2 - as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e que as partes tiverem admitido; e as antecedentes e subseqüentes, que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas; 3 - o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo contrato; 4 - o uso e prática geralmente observada no comércio nos casos da mesma natureza, e especialmente o costume do lugar onde o contrato deva ter execução, prevalecerá a qualquer inteligência em contrário que se pretenda dar às palavras; 5 - nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor.” 267 De algum modo, as diretrizes postas em tais artigos foram refletidas no artigo 113 do Código Civil: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” 268 “O contrato é um todo orgânico, cujo conteúdo, posto que integrado por várias peças, configura-se como uma unidade. Como nas leis, o isolamento de disposições freqüentemente deturpa ou obscurece o pensamento dos contratantes. O Código Comercial estabelece que ‘as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e que as partes houverem admitido; e as antecedentes e subseqüentes, que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas’ (art. 131, n. 2). A esse critério sistemático de interpretação, que leva em conta o sentido resultante do complexo contratual, o Codice Civile da Itália qualificou de ‘interpretazione complessiva delle clausole’ (art. 1.363).” (BESSONE: 1997, p. 177) 269 “No plano da biologia a ideia de cooperação poderia ser assemelhada à ideia de simbiose, pela qual um ser vivo relaciona-se com outro de maneira a que cada um retire proveitos materiais concretos desta relação.” (MACEDO JUNIOR:1998, p. 173)
108
(...) O contrato, realidade viva, forma de parceria, com direitos e obrigações relativas, constitui uma verdadeira inovação para os juristas, mas decorre de um imperativo categórico do mundo de hoje que é, como vimos, caracterizado como sendo o da descontinuidade, da incerteza e da mudança.”
Nessa esteira e como já mencionado, a relação jurídica patrimonial é
formada a partir da livre expressão de vontade das partes que, ao cabo, têm o comum interesse de que a obrigação contraída seja regularmente cumprida,
para que a avença seja naturalmente extinta.
Se, porém, no meio do caminho entre a conclusão e a extinção da
obrigação, isto é, se, durante sua execução ou iter, houver algum percalço que
possa comprometer o atingimento de sua finalidade (tal qual a crise econômica
iniciada no final de 2014), mister se faz que as partes busquem a readequação do quanto contratado, em observância ao princípio da conservação dos negócios
jurídicos270-271-272.
Vale ter presente, nesse ponto, que, apesar de a conservação dos
negócios jurídicos estar mais afeta aos planos de validade e eficácia (cf. artigo
184 do Código Civil), certo é que a conservação dos negócios jurídicos deve ser
aplicada na interpretação do negócio como um todo, já que, como anteriormente mencionado, a finalidade do contrato nada mais é do que a circulação de
riquezas o que se dá, por óbvio, através da regular execução e extinção da
obrigação contratual273.
270 Note-se, aliás, que, mesmo no que tange à aplicação da teoria da onerosidade excessiva, tem-se privilegiado a interpretação tendente a conservar o negócio jurídico, ao invés de ceifá-lo prematuramente. Veja-se, nesse sentido, os Enunciados 176 e 367, da III e IV Jornadas de Direito Civil, respectivamente: En. 176: “Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.” En. 367: “Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo eqüitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada sua vontade e observado o contraditório.” (AGUIAR JUNIOR: 2012, p. 38) 271 Cf. CARRESI:s/d pp. 530/534. 272 Cf. GARBI:2014, p. 144. 273 “Logo se percebe que esse princípio [da conservação] se propõe a impedir que a interpretação, podendo salvar o contrato, se exercite no sentido do seu aniquilamento. Informa-o aquela mesma idéia que levou o legislador pátrio (art. 153 do CC), a resguardar as partes válidas do ato jurídico quando se verifica a nulidade parcial (vide o art. 184 do PCC). A vontade das partes não deve ser sacrificada senão no caso de se tomar inviável toda tentativa de salvá-la.” (BESSONE: 1997, p. 176)
109
Cláudio Luiz Bueno de GODOY (2009, p.172) compartilha do mesmo
entendimento, no sentido de que o princípio da conservação dos negócios
jurídicos deve ter aplicação alargada. Para o autor:
“...se a função social determina a concepção do contrato voltado à promoção de valores constitucionais de dignidade e solidarismo, nos moldes atuais ainda como via de acesso ao consumo, então sem dúvida que o princípio da conservação deve, em face dele, ser recompreendido”274.
Segundo ele, para além da escolha entre uma interpretação que conserve
o contrato e outra que o extinga, cabe, ao operador do Direito, quando estiver
diante de mais de uma interpretação que garanta a eficácia do contrato, escolher
por aquela que lhe dê maior efetividade, isto é, que lhe potencialize os efeitos,
nas palavras do citado autor275. Seguindo essa mesma lógica, é possível ir além, para se entender que,
entre cessação prematura da relação contratual e sua readequação, em prol de
sua sobrevivência até que a obrigação entabulada seja finalmente extinta, a
274 Nesse mesmo sentido: “Diante da relevância social do contrato, como meio de circulação de riquezas e também de promoção de valores como a dignidade e o solidarismo, deve-se procurar o máximo de eficácia que ele pode produzir, daí a consequente preocupação em igualmente preservar o contrato em face das possibilidades de seu desfazimento. Pode-se falar, por isso, em um verdadeiro princípio da conservação dos contratos.” (GARBI: 2014, p. 143) 275 Nesse mesmo sentido é o entendimento de Rogério Ferraz DONNINI (2008, p. 218): “A função social do contrato permite, ainda, a aplicação do Princípio da Conservação dos Contratos nas relações entre particulares, reguladas pelo Código Civil, possibilitando a manutenção do contrato, com o restabelecimento do equilíbrio, a menos que a única intenção de um dos contratantes seja a resolução. Mesmo nessa hipótese, ainda assim o sistema admite a conservação do pacto, desde que o réu na ação de resolução modifique eqüitativamente as condições do contrato (CC, art. 479).”
110
última hipótese é a mais indicada (na medida do possível, por evidente)276-277-278. Para tanto, a interpretação das cláusulas contratuais deve levar em conta a
relação humana estabelecida entre as partes, isto é, o interesse comum de cumprimento do contrato, o que implica cooperação, lealdade e confiança entre
elas.
Sob o aspecto funcional do contrato, o interesse em sua preservação
cresce na medida de sua importância para a coletividade, a exemplo dos
contratos relacionais que, por serem essencialmente duradouros, estão sujeitos
a sofrer alterações ao longo de sua execução, motivo pelo qual parte da doutrina
entende haver uma cláusula implícita ou inerente de revisão, como consectário
lógico do dever de cooperação entre as partes279 e do princípio da conservação
276“DIREITO CIVIL. TEORIA DOS ATOS JURÍDICOS. INVALIDADES. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. NOTAS PROMISSÓRIAS. AGIOTAGEM. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS ATOS E DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS REDUÇÃO DOS JUROS AOS PARÂMETROS LEGAIS COM CONSERVAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. 1.- A ordem jurídica é harmônica com os interesses individuais e do desenvolvimento econômico-social. Ela não fulmina completamente os atos que lhe são desconformes em qualquer extensão. A teoria dos negócios jurídicos, amplamente informada pelo princípio da conservação dos seus efeitos, estabelece que até mesmo as normas cogentes destinam-se a ordenar e coordenar a prática dos atos necessários ao convívio social, respeitados os negócios jurídicos realizados. Deve-se preferir a interpretação que evita a anulação completa do ato praticado, optando-se pela sua redução e recondução aos parâmetros da legalidade. 2.- O Código Civil vigente não apenas traz uma série de regras legais inspiradas no princípio da conservação dos atos jurídicos, como ainda estabelece, cláusula geral celebrando essa mesma orientação (artigo 184) que, por sinal, já existia desde o Código anterior (artigo 153). 3.- No contrato particular de mútuo feneratício, constatada, embora a prática de usura, de rigor apenas a redução dos juros estipulados em excesso, conservando-se contudo, parcialmente o negócio jurídico (artigos 591, do CC/02 e 11 do Decreto 22.626/33). 4.- Recurso Especial improvido.” (REsp 1106625/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2011, DJe 09/09/2011) 277 “Dever-se-á buscar, na tarefa de interpretação contratual, os princípios da boa-fé objetiva (CC, art. 422) e o da conservação ou do aproveitamento do contrato, procurando presumir que os contratantes agiram com probidade e fazendo com que, havendo dúvida, prevaleça a diretriz interpretativa conducente à produção de algum efeito ou à sua exequibilidade. (...) 2º) nos contratos ou nas cláusulas que contiverem palavras que admitam dois sentidos, deve-se preferir o que mais convenha à sua natureza e ao seu objeto, de modo que possa produzir efeito jurídico; enfim, interpretar-se-á em atenção ao que é exequivel.” (DINIZ:2007, pp. 71/72) 278 “Comportando uma cláusula diversos sentidos possíveis, na dúvida a interpretação deve favorecer o sentido que assegure a preservação do contrato, ou do negócio jurídico. unilateral: é o princípio da ·conservação do contrato (ou do negócio), ou o princípio do favor actus” (NORONHA:1994, p. 155). 279 Em tais contratos há, segundo Giuliana SCHUNCK (2016, pp.50/52), um nível de cooperação aumentado, deixando mais fortes os deveres anexos decorrentes da boa-fé.
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dos negócios jurídicos, para que o cumprimento da finalidade do contrato possa
ser garantida280-281.
É assim que a interpretação deve tender a manter a utilidade e eficácia do vínculo estabelecido entre as partes, num permanente diálogo com a realidade
social, política e econômica, isto é, com contexto histórico em que aquela relação
jurídica está inserida282-283. Até porque, o outro lado da moeda, isto é, a
resolução contratual, não traria qualquer benefício prático ao credor,
especialmente em tempos de crise econômica. Dificilmente, seria ele capaz de
obter a correlata indenização decorrente da interrupção prematura do vínculo
contratual. Certamente, buscaria ele os meios judiciais para obter tal desiderato,
mas não encontraria bens ou, ainda, teria que participar de uma recuperação
judicial (ou extrajudicial), que nada mais é do que forma de uma renegociação
forçada, cujas condições postas ao credor costumam ser-lhe absolutamente
desfavoráveis284. 280 Cf. GUERRA:2016, pp.247/250. 281 Cf. GARBI:2014, pp. 134/135. 282 Nesse sentido: “Observando tais requisitos no direito contratual moderno, em especial pela aplicação dos princípios norteadores do Código Civil combinados com a sistemática legislativa de conceitos legais indeterminados e cláusulas gerais, é correto afirmar que o operador do direito está adstrito ao princípio da concretude e a uma interpretação integrativa do contrato conforme os usos e costumes locais (princípios gerais de direito), sem deixar de reconhecer a tríade função da teoria geral dos contratos, qual seja, econômico-social-jurídico.” (REBOUÇAS:2017, p. 48) 283 “Na verdade, a eficácia jurídica e social dos negócios jurídicos é um vetor de interpretação negocial. É uma consciente opção do intérprete no processo de criação da norma jurídica que brota do texto que se lhe apresenta. O princípio em foco deve ser acolhido conscientemente pelo intérprete diante do negócio jurídico que a ele se revela. A realidade do Direito reprova nos dias atuais o método dedutivo da lógica formal, como vimos. Exige, por outro lado, a ‘lógica do razoável’, como lembra Fonseca Pires a partir das lições de Luiz Recaséns Siches: ‘o pensamento orienta-se por analisar a relação entre a realidade, os valores, os meios e os fins da norma jurídica’. A nosso ver, a consciência da aplicação concreta do princípio da conservação dos negócios jurídicos é um dever imposto pelo sistema jurídico para o intérprete no processo de revelação da norma (isto é, da regra de comportamento) que brota a partir do negócio jurídico.” (GUERRA, 2016, p.173) 284 “A paixão cega pelo pacta sunt servanda acaba por exprimir aí um apego que não é ao pacto em si, mas a uma pretensa imunidade do contrato a qualquer alteração posterior da realidade, imunidade que se figura puramente fictícia, na medida em que é natural imaginar que, ao menos, algumas dessas relações contratuais desequilibradas, se não puderem ser alteradas para preservar o equilíbrio originário, acabarão por se romper, quer pela resolução contratual, quer pelo esgotamento das forças do contratante prejudicado e seu consequente inadimplemento, quiçá insolvência. Nesse ponto especifico, é interessante notar que, se o contratante prejudicado vem efetivamente a se tomar insolvente por força da excessiva onerosidade suportada, poderá, preenchidos certos pressupostos, recorrer ao instituto da recuperação judicial, em que os credores terão, em certa medida, um "dever" de aceitar condições menos favoráveis que aquelas previstas nos seus respectivos contratos, a fim de possibilitar que o contratante em recuperação quite, ainda que parcialmente, os seus débitos. Ora, surge aqui a seguinte pergunta: será preciso aguardar a "quebra" do contratante, com todos os efeitos negativos que a redução à insolvência produz
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Tenha-se presente, ainda, que não só o credor encontraria dificuldades
em obter a correlata indenização decorrente da resolução contratual, como tal
evento – especialmente em se tratando de contratos complexos – prejudicaria a coletividade, já que outros contratos, atrelados ao resolvido, deixariam de ser
cumpridos, o que pode afetar diversos empregos diretos e indiretos que
dependem da manutenção de tal negócio jurídico, bem como a própria
economia, em geral, da sociedade em que estiverem inseridos.
Portanto, a visão contemporânea do Direito aponta para um maior cuidado
com os atores e os terceiros afetados por determinada relação jurídica negocial,
já que a resolução de um determinado contrato envolve outros fatores além do
puro descumprimento da obrigação.
Consequentemente, se houver alteração das circunstâncias que
permearam a conclusão do contrato e mesmo que tal alteração não se enquadre
nos vícios de execução previstos pelo Código Civil, tais como imprevisão e onerosidade excessiva, é certo que alguma tutela é requerida do ordenamento
jurídico brasileiro, porque não se pode admitir que seja imposta, a uma das
partes, sacrifício extremado para o cumprimento da obrigação, apenas pelo fato
de tal sacrifício não se enquadrar no quanto disposto nos artigos 317 e 478, do
Código Civil. Afinal, como observado por Orlando GOMES:
“Não é preciso recorrer a construções teóricas e práticas, nos livros e nos julgados, para se ter a consciência de que o contrato tem de se adaptar às circunstâncias econômicas para ser justo.” (GOMES: 1998, p. 108)285
sobre o insolvente e terceiros que dele dependem em alguma medida (empregados, fornecedores etc.), para que se reconheça que o contratante favorecido tem o dever de ingressar em renegociação para a busca do reequilíbrio contratual? A resposta não pode deixar de ser negativa.” SCHREIBER (2017, p. 303) 285 Este é um excerto de um parecer dado por Orlando GOMES sobre revisão de preços contratuais, em decorrência do advento de um plano econômico. É interessante notar que, em tal parecer, o jurista, ao analisar a possibilidade de revisão contratual na situação que lhe foi posta, aponta que esta é “...corolário natural do princípio ele que todo contrato sinalagmático deve ser instituído em conformidade com a justiça social” (p. 107), porque o equilíbrio econômico do contrato deve ser mantido durante toda a sua execução, como expressão da justiça comutativa. E arremata este mesmo autor afirmando que diversos mecanismos já foram criados e recriados com a finalidade de se restaurar o equilíbrio econômico e que, todas elas “...conduzem a igual comparação dos interesses das partes, e a reciprocidade, não só formulária e aparente, senão econômica e real, das obrigações...” (p. 107).
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Nesse passo, se já é possível tratar de responsabilidade civil preventiva,
com fundamento no princípio da precaução286, com mais razão é possível tratar
da tutela preventiva à resolução contratual, já que, como adiante se verá, nem todo inadimplemento implica inutilidade da prestação para credor e para a
coletividade, que também deve ser levada em conta no momento de avaliar se
o descumprimento é apto a acarretar a prematura extinção do negócio jurídico
ou não.
É nesse sentido que se faz necessário abrir uma trilha intermediária entre
o cumprimento e o descumprimento contratual, lógica dicotômica a
historicamente permear o direito das obrigações. Tal intento, aliás, é
acompanhado de uma mudança de postura sentida na atuação da advocacia,
como exposto por Arnoldo WALD e André AZEVEDO (2018):
“A advocacia tem acompanhado, e com muita frequência protagonizado, as muitas mudanças da sociedade brasileira. O mesmo pode ser afirmado quanto ao movimento de consensualização do sistema de Justiça. A realidade do advogado contencioso no Poder Judiciário tem passado por mudanças significativas. Em 2006, no início do CNJ e seu movimento pela conciliação, a advocacia pública na alegada defesa de órgãos públicos mostrava-se marcantemente avessa às soluções consensuadas, e a advocacia privada apresentava suas resistências iniciais (por exemplo, o receio de transmitir-se imagem de fragilidade, pois equivocadamente considerava-se que buscava acordo apenas quem tinha dúvidas quanto ao seu êxito em uma demanda). Todavia, essa mudança de postura e da prática da advocacia mostram-se patentes: atualmente, a tendência do campo profissional dos artífices de Direito mostra uma valorização maior do advogado que consegue trazer
286 Cf. LOPEZ:2010, pp.119/131. Segundo a autora, é possível incorporar o princípio da precaução, cuja finalidade é antecipar e, pois, evitar os danos, à responsabilidade civil, cuja função, por seu turno, é reparatória, pois visa ressarcir os danos já ocorridos. Apesar daquela atuar antes da ocorrência do dano e essa após sua ocorrência, diante da constatação do risco envolvido em determinadas atividades econômicas (risco este potencial, porque cientificamente incerto), é possível adotar postura proativa com o intuito de minimizar tais riscos e, pois, evitar a potencial ocorrência de danos. E a adoção do princípio da precaução, isto é, adoção de medidas para evitar a potencial ocorrência de danos pode ser utilizada como critério mensurador da indenização a ser paga, na hipótese de o dano vir a ocorrer, já que aquele que tomou as medidas necessárias para evita-lo, agiu com mais prudência do que aquele que deixou de assim proceder. A aplicação de tal princípio depende de análise casuística, isto é, de análise do caso concreto para que se avalie se é o caso de adotar medidas de precaução e, em caso positivo, quais seriam tais medidas. Por isso, a avaliação técnica dos riscos envolvidos em determinada situação é medida importante para definir a correta aplicação de tal princípio e, pois, a forma adequada de gerenciamento de tais riscos.
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racionalidade, objetividade e criar valor para o cliente no processo de resolução de disputas.” (WALD e AZEVEDO, 2018)
É a tal análise que se propõe o tópico subsequente.
2. Inadimplemento, resolução contratual e o dever de renegociar 2.1. A utilidade da prestação e o dever de renegociar A resolução contratual é a extinção patológica do vínculo negocial
existente entre as partes e, como patologia que é, não só pode como deve ser
evitada com os remédios desenvolvidos pelo nosso ordenamento jurídico.
Apenas o inadimplemento definitivo e resistente é passível de sofrer a extrema
saída da extinção patológica do vínculo obrigacional287-288-289.
Em outros termos, o inadimplemento, por si só, isto é, o descumprimento da obrigação pactuada, no lugar, tempo e modo devidos, não pode ser
determinante para a resolução contratual. Sua configuração há que ser
qualificada de modo tal que a prestação se torne inútil para o credor290-291 e,
287 “Verifica-se o incumprimento definitivo da prestação quando esta se toma impossível para sempre. A prestação, que era realizável no momento em que a obrigação se constituiu, impossibilita-se subsequentemente, em termos definitivos. O devedor fica, portanto, de vez, impedido de cumprir a prestação, pelo menos na forma específica. Assim sucede nas prestações de «dare» se a coisa perece ou se extravia sem possibilidade de recuperação; e nas prestações de «facere» se o facto prometido se toma irrealizável, como se se promete vender um imóvel que, entretanto, é expropriado ou alienado a terceiro. Como definitiva se considera também a impossibilidade da prestação, segundo vimos no número anterior, se antes de cessar o impedimento, em si transitório, a prestação deixa de ter utilidade para o credor.” (TELLES: 1997, p. 327) 288 Nesse sentido, é também o entendimento de Araken de ASSIS, para quem “... o inadimplemento deverá se revestir de características muito relevantes para autorizar a resolução.” (ASSIS: 2004, p. 117). 289 Apesar de existirem diversos aspectos atinentes ao tema inadimplemento, tais como diferenças entre o inadimplemento relativo e absoluto, para fins deste estudo a análise ficará adstrita ao tema utilidade da prestação. 290 “... se a prestação se tomar inútil ao credor a mora se transformará em inadimplemento definitivo, possibilitando a resolução do contrato, sempre com o pagamento de perdas e danos. A resolução, porém, não é efeito da mora, mas do inadimplemento definitivo; portanto, para acionar a ação resolutória não basta a mora: requer-se a sua transformação em inadimplemento definitivo, mais o exercício do poder formativo de resolver.” (MARTINS-COSTA:2003, p.245) 291 Nesse aspecto, enquanto a prestação ainda for útil, o dever de cooperação deverá ser observado por ambas as partes (Cf. GARBI:2014, p. 134), o que inclui o dever de renegociar: “A ideia de conservação do contrato e a de utilidade da prestação estão diretamente ligadas e oferecem interesse especial para a aplicação da boa-fé objetiva e o reconhecimento da existência de deveres de cooperação e auxílio, que poderão impor às partes, especialmente ao
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como abaixo se defenderá, também para a sociedade, isto é, para aqueles que
de algum modo estão atrelados àquela relação contratual.
Agostinho ALVIM292 aponta a utilidade da prestação, para o credor, como ponto central de distinção entre inadimplemento relativo e absoluto, pois a
medida para apuração da possibilidade de cumprimento293 – ainda que
extemporâneo – da obrigação, deveria ser feita sob as lentes do credor, isto é,
da manutenção da utilidade da prestação para o credor.
A avaliação acerca da manutenção ou não da utilidade da prestação deve
refletir não só a justa expectativa do credor decorrente do quanto pactuado
(aspecto subjetivo), como, também, o interesse decorrente da relação jurídica
entabulada, isto é, do sinalagma estabelecido entre as partes (aspecto objetivo),
que envolve, dentre outros, o equilíbrio das prestações, os riscos assumidos de
lado a lado, a função social do contrato e o próprio tipo contratual294-295.
Nesse aspecto é preciso ter presente que, em relações jurídicas complexas, tal análise, qual seja, o interesse decorrente do sinalagma contratual,
deve ser feita de maneira sistêmica, observando-se, pois, todo o sistema, rede
credor, do ponto de vista deste estudo, a conformação de seus interesses aos meios necessários ao cumprimento da obrigação.” (GARBI:2014, p. 135) 292 “Como se vê, a unanimidade dos escritores distingue a mora do inadimplemento absoluto, apontando como característica da primeira a possibilidade de ser ainda cumprida a obrigação, e do segundo, a impossibilidade em que fica o devedor de executá-la. Acompanhando a doutrina dominante, nós entendemos que o critério para a distinção reside, efetivamente, na possibilidade ou impossibilidade, mas essa possibilidade ou impossibilidade, com maior precisão, não há de se referir ao devedor e sim ao credor: possibilidade ou não de receber a prestação, o que é diferente (ver adiante o n.º 36)” (ALVIM: 1965, p. 57) 293 Ruy Rosado de AGUIAR (2011, pp.535/536) afirma que o incumprimento (ou inexecução) será definitivo se a prestação não puder ser mais efetuada (hipótese por ele denominada de impossibilidade) ou se a prestação não puder ser exigida, fato que atribui à alteração superveniente das circunstâncias. 294 “Interesse é uma relação entre o sujeito credor e a prestação prometida, servindo esta para suprir necessidade ou carência; daí dizer-se que o credor está "interessado" na prestação do credor. A prestação que desatender a esse interesse, porque já não tem capacidade de suprir a necessidade do sujeito credor, é uma prestação inútil. É preciso, portanto, estabelecer em que consiste o interesse a que a prestação está ligada. Certamente, é o que decorre do próprio sinalagma, no qual existem prestações correspectivas em equivalência, podendo ser objetivamente estabelecido qual o interesse que a prestação prometida iria satisfazer de acordo com a sua natureza e a experiência comum. Os dados a considerar, portanto, são de duas ordens: os elementos "objetivos", fornecidos pela regulação contratual e extraídos da natureza da prestação, e o elemento "subjetivo", que reside na necessidade de o credor receber uma prestação que atenda à carência por ele sentida, de acordo com a sua legítima expectativa e a tipicidade do contrato.” (AGUIAR: 2011, pp. 591/592) 295 Segundo NANNI, o estudo da mora deve se dar como situação jurídica dinâmica, naturalmente mutável, cuja avaliação é feita à luz “... dos ditames da socialidade, estruturada em relações jurídicas complexas, em obediência ao princípio da boa-fé objetiva.” (NANNI:2011, p. 580)
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ou teia contratual subjacente296 ao contrato. Afinal, o interesse do credor não é
um interesse isolado, mas, sim, inserido dentro da própria relação contratual,
que, por sua vez, está inserida dentro de um contexto histórico específico, isto é, com aspectos sociais, econômicos, culturais e comportamentais que lhe são
próprios. Em síntese, a utilidade, para o credor, é também uma utilidade situada.
É por isso que se diz que a análise da manutenção da utilidade da
prestação apta a ensejar a manutenção ou a resolução contratual é aquela
analisada à luz do interesse do credor e da sociedade na qual aquela relação
jurídica está inserida. Em outros termos, para que o inadimplemento tenha
contornos tais que acarrete a resolução do contrato, é preciso que a prestação
tenha se tornado inútil para o credor e para a sociedade afetada e atrelada à
relação contratual objeto de análise297.
Assim sendo, a análise do caso concreto pelo magistrado ou árbitro
chamado a decidir sobre a existência ou não de utilidade da prestação, não implica a utilização do arbítrio puro298, mas, sim, de parâmetros dados
primeiramente pelo contrato cuja utilidade da prestação está sob análise.
Para além dos aspectos contratuais acima postos, a própria lei confere
parâmetros para a avaliação da manutenção da utilidade da prestação, os quais
296 “A responsabilidade contratual, já o lembramos, embora autônoma enquanto ‘momento’ da relação obrigacional, não é um átomo, pois integra a relação considerada como totalidade. É, portanto, um momento integrante da dinâmica da relação obrigacional. Nesse sentido, a "inutilidade" do inadimplemento derivado de um contrato pode ser mensurada, objetivamente, à vista das suas repercussões no equilíbrio entre as prestações; na funcionalidade do contrato, implicada no concreto programa negocial, que organiza os riscos e vantagens, os custos e os benefícios de cada parte; na relação de proporcionalidade; na própria licitude, considerada à vista da cláusula geral do art. 187. Além do mais, devem ser consideradas as particularidades dos próprios tipos contratuais, o que toma particularmente delicada a apreensão da "inutilidade" da prestação em certos contratos atípicos (atipicidade de causa função) e nos reunidos por conexão finalista, como os "grupos de contratos" e os "contratos combinados" e as "redes contratuais". A tarefa judicial será aí bastante mais complexa, pois os dados econômicos da inteira operação devem ser complessivamente considerados, o que, por vezes, conduzirá à necessidade do auxílio pericial, o que não impede o fornecimento, a título exemplificativo, de alguns critérios, como veremos a seguir.” (MARTINS-COSTA:2003, p. 256) 297 Nesse sentido, cf. Susete GOMES (2018, p. 212). Segundo a autora, a análise do programa contratual de relações jurídicas complexas abarca os efeitos sociais causados pelo contrato ao longo de sua execução. “Se o contrato veste (juridicamente) o esquema econômico subjacente e o objetivo econômico é a circulação de riquezas, que maciçamente é atender aos anseios (básicos, intermediários e supérfluos) das pessoas, então quanto mais essencial à subsistência humana a relação complexa (incluindo contratos a ela coligados) estiver servindo, mais riscos terá de ser afetada pelos efeitos sociais.” 298 “Não há, pois, ‘arbítrio judicial’ (com tudo que essa expressão ressoa de voluntarismo), mas, verdadeiramente, um poder-dever de detectar, entre os elementos objetivos e os elementos subjetivos da prestação, a possível inutilidade.” (MARTINS-COSTA:2003, p. 254)
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podem ser mais estritos299 ou mais elásticos300.Inevitavelmente, porém, a
avaliação de tais parâmetros e da própria relação contratual serão objeto de
projeção da noção de equidade daquele operador do Direito responsável por aplicar a lei ao caso concreto301.
Apesar da inevitável carga subjetiva acima mencionada, a análise do caso
concreto pelo magistrado ou árbitro chamado a decidir sobre a existência ou não
de utilidade da prestação, não implica a utilização do arbítrio puro, que deverá
cuidar de observar as balizas legais (ou bitolas, nas palavras de MENEZES
CORDEIRO) pertinentes ao tema302. Ao lado disso, é imprescindível, para tal
299Tais como temas afetos ao estado da pessoa, termo inicial e final. 300Tais como aqueles objeto de cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados, a exemplo, respectivamente, da boa-fé objetiva mencionada no artigo 422 do Código Civil e do conceito de urgência contido no artigo 251 do mesmo diploma legal. 301 “Cogita-se, no art. 956, parágrafo único, da inutilidade subjetiva, inutilidade para o credor. Não há dúvida que a expressão inútil, abstratamente considerada, tem em linguagem um sentido certo, um conceito objetivo. Mas, dizendo-se inútil para o credor, entra aí o subjetivismo. O arbítrio do juiz entende-se com o exame da inutilidade em face do credor, sendo este, pois, um conceito relativo.” (ALVIM:1965, p. 68) 302Em artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo” no dia 12 de maio de 2018, Eros Roberto GRAU fez críticas à atuação judicial, que tem se distanciado das bitolas legais, com exacerbada projeção da noção pessoal de equidade. Nesse artigo, o autor apontou que o caminho de concretização da norma depende fundamentalmente do operador do Direito, isto é, do intérprete responsável por aplicar a lei. Porque pertinente em relação ao que se está a tratar, isto é, à análise casuística da presença ou não da utilidade da prestação ao credor, transcreve-se o seguinte excerto de tal artigo: “Há uma distinção, fundamental, entre a dimensão legislativa e a dimensão normativa do Direito. Texto e norma não se identificam. A norma jurídica é produzida pelos juízes ao interpretarem textos normativos, resulta da interpretação! Mais, interpretação e aplicação não se realizam autonomamente: o intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso, de sorte que a interpretação consiste em tornar concreta a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação. A norma é construída, pelo intérprete, no decorrer do processo de concretização do Direito. Caminhamos do texto até a norma jurídica, em seguida dela até a norma de decisão, a que determina a solução do caso. Só então se dá a concretização da norma, que envolve também, necessariamente, a compreensão da realidade. Pois a norma é determinada histórica e socialmente. O texto normativo é uma fração, não é ainda a norma. É abstrato e geral. A realidade constitui o seu sentido, que não pode ser perseguido apartado da realidade histórico-social. Na norma estão presentes inúmeros elementos do “mundo da vida”. O ordenamento jurídico é conformado pela realidade. Outro ponto essencial está em que os juízes não podem, os juízes devem, em cada caso, fazer o que devem fazer – não o que os outros esperam que eles façam. A interpretação é uma prudência, o saber prático, a phrónesis a que refere Aristóteles na Ética a Nicômaco. Daí falarmos em jurisprudência, não em jurisciência. A prudência é razão intuitiva, que não discerne o exato, porém o correto – não é saber puro, separado do ser. O Direito é uma prudência! Eis, pois, a regra: a decisão jurídica correta a ser tomada em cada caso há de ser aquela que o juiz entende, em sua consciência, que deve (não que pode) tomar. O grave está em que cada caso comporta mais de uma solução correta, nenhuma exata.” (Disponível em http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,em-defesa-do-positivismo-juridico,70002305339 acessado em 12 mai. 2018)
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verificação, o constante diálogo com a realidade vivida, como já mencionado,
porque esta é, em suma, essencial para a realização do processo de
concretização da norma; afinal, como observado por GRAU, “o ordenamento jurídico é conformado pela realidade”, sua razão de existir e sem a qual deixa de
ter sentido303.
Nessa esteira, a evolução normativa também tratou de dar contornos
objetivos a tal avaliação, os quais decorrem da Constituição Federal e do Código
Civil em vigor.
A função econômica do contrato tem raiz no artigo 170, da Constituição
Federal, que traz fundamentos outros a orientar a ordem econômica brasileira e,
pois, a própria relação jurídica negocial. Isso, como anteriormente tratado, quer
significar que, para além da livre iniciativa, a relação jurídica contratual deve
assegurar a existência digna não só das partes diretamente envolvidas, como,
também, da coletividade atingida por tal relação, o que se traduz na justiça social posta na cabeça do aludido artigo 170 ou, ainda, na solidariedade, prevista no
artigo 3º, da Carta Magna304.
Portanto, além da função econômica, o contrato também cumpre uma
função social, sendo certo que tais princípios constitucionais informam e
orientam não só a liberdade das partes, como, também, a própria interpretação
do contrato305. A preocupação do legislador com a aplicação da norma em harmonia com
o contexto histórico vivido e com a finalidade social da norma há muito tempo é
303 No mesmo sentido e especificamente no que tange à alteração das circunstâncias: “ ... as circunstâncias que, a alterarem-se ou - neste caso - a não se verificarem, justificam a resolução ou - neste caso - anulação ou modificação do contrato, não podem ser determinadas em abstracto e a nível fáctico mas, tão só, em concreto e a nível normativo: interessam as circunstâncias que, a serem atingidas, tornariam a exigência das prestações implicadas no negócio gravemente contrária aos princípios da boa fé, nas palavras . do art. 437. o /1. Desde que, para a boa fé, se encontre um conteúdo material, o problema fica resolvido” (CORDEIRO: 1997, pp. 1.091/1.092) 304 Os direitos fundamentais ali postos no artigo 170, da Constituição Federal, por força da ponte constitucional contida no artigo 5º, § 2º, não excluem outros, tais como o princípio vetor da dignidade da pessoa humana e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (sociedade justa, livre e solidária, dentre outros). 305 “É dever do operador identificar o fim almejado e as circunstâncias concretas dos contratos e seus possíveis reflexos econômico-sociais frente à sociedade, não sendo mais admissível a análise de um contrato de forma abstrata como se não produzisse efeitos diretos frente à toda a sociedade.” (REBOUÇAS:2017, p.52)
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refletido pela legislação infraconstitucional, através do artigo 5º, da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42)306-307.
No âmbito do Código Civil, tais princípios constitucionais refletiram-se, dentre outros, no artigo 421308, que tratou de dar parâmetros à autonomia
privada309-310. Esta, apesar de externada com o objetivo primeiro de permitir a
circulação de riquezas311, deve ser dirigida pela função social do contrato, o que
significa que, para além da função econômica, o contrato também deve ser visto
como instrumento a dinamizar as relações econômicas na sociedade em relação
à qual está inserido.
Ao lado disso, as partes também deverão adotar postura colaborativa e
leal, durante toda a relação contratual, como expressão de boa-fé objetiva, posta
306 “Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” 307 “Percebe-se que o novo Código retrata boa orientação ao referir-se à função social do contrato, pois que, embora exista este princípio, reconhecido pela Doutrina, às vezes, ao aplicar a lei, são feridos valores sociais insubstituíveis. Aqui, mais particularizada a recomendação, segundo a qual o juiz, ao aplicar a lei ao caso concreto, deve ater-se aos fins sociais a que a mesma se dirige (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1916, vigente).” (AZEVEDO: 2008, pp.52/53) 308 “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” 309 “ A noção de função social convida o intérprete a deixar de lado uma leitura do direito civil sob a ótica voluntarista, e a buscar em valores sociais que o ordenamento institui como fundamento de todos os ramos do Direito – sejam eles predominantemente públicos ou privados – novos horizontes de aplicação dos tradicionais princípios norteadores do direito dos contratos. Assim, muito além da liberdade individual, passam a integrar a axiologia contratual a justiça, a igualdade, a solidariedade, e demais valores que, sob a ótica-civil constitucional, são essenciais à tutela da dignidade da pessoa humana no âmbito da ordem econômica.” (NEGREIROS: 2002, p. 223) 310 “Exatamente nesse ponto, de resto, a nova noção de autonomia privada claramente mostra sua relação com a função social do contrato. É que, com efeito, e de novo conforme precisa lição de Perlingieri, a autonomia privada como poder de autodeterminação não mais encontra justificativa em si, fazendo-se merecedor de tutela o ato que a exprime apenas quando corresponda a uma função que o ordenamento considere socialmente útil. De fato, como observa Fernando Noronha, se a autonomia privada- conceito em que se congregam, a seu viso, um dado filosófico, concernente ao valor da pessoa humana, da afirmação de sua dignidade e do desenvolvimento de sua personalidade, quando, em comunicação com outras pessoas, delibera sobre seus interesses, e um outro econômico, relativo ao sistema que se funda na livre iniciativa, todavia cuja ligação não é indissociável, ao que se verá - representa uma liberdade de as pessoas regularem seus próprios interesses, ela só se exerce ‘nos limites e com as finalidades assinadas pela função social’ que se lhe reconhece e que, como já se aludiu, antes de mais nada se firma, genericamente, pelo atendimento a valores constitucionais básicos, a cuja promoção se deve também direcionar.” (GODOY: 2009, p. 25) 311 “O contrato continua sendo instrumento da liberdade de iniciativa econômica. Não há contrariedade ao princípio da autonomia privada, entendida em sentido mais realista, ou seja, não mais como sinônimo de autonomia da vontade individual, mas como forma jurídica e legitimação da liberdade econômica, da liberdade de prosseguir o lucro e de atuar segundo as conveniências do mercado, nos modos e com as técnicas por ele estabelecidos.” (ROPPO:1988, p.310)
120
no artigo 422, do Código Civil312, que também tem papel conformador da
autonomia privada, já que o interesse das partes contratantes deve estar em
consonância com o interesse da sociedade313. Nesse sentido, vale trazer o entendimento de Teresa NEGREIROS (1998, p. 252), ao analisar a boa-fé sob
a ótica constitucional:
“A fundamentação constitucional da boa-fé objetiva centra-se na idéia da dignidade da pessoa humana como princípio reorientador das relações patrimoniais. Nossa hipótese é a de que o quadro principiológico previsto constitucionalmente inverte, na medida em que elege a pessoa humana como ápice valorativo do sistema jurídico, a relação de subordinação entre o direito à autonomia privada e o dever de solidariedade contratual, passando o contrato a expressar uma ordem de cooperação em que os deveres se sobrepõem aos direitos; a pessoa solidária, ao indivíduo solitário.” (destaques originais)
Portanto, a postura das partes e a conduta interna adotada por elas em
qualquer relação jurídica deve, sempre, levar em conta os efeitos externos ou
impactos de tal relação do seio da sociedade, o que implica um constante diálogo
entre a boa-fé objetiva e a função social do contrato. Mas não é só. A avaliação da manutenção ou não da utilidade da
prestação para o credor e suas consequências também passa pela avaliação do
risco assumido pelas partes e, no caso, especialmente pelo credor, pois, ao
312 Código Civil – “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” 313 “ ‘O Direito é um processo consciente de resolver casos concretos’ de forma que, a função integrativa, também tem por objetivo adequar os interesses privados das partes contratantes aos interesses de terceiros, evitando-se reflexos negativos na sociedade ou na coletividade de pessoas atingidas por cada relação contratual. A sua função da boa-fé objetiva será exponencialmente ampliada para mitigar a aplicação do princípio da autonomia privada e dos interesses privados - intervenção heterônoma em benefício do socialmente aceitável conforme será verificado no próximo tópico.” (REBOUÇAS: 2017, p. 87)
121
cabo, a resolução contratual implicará na liberação das partes314-315, acrescida
do pagamento das respectivas perdas e danos experimentados pelo credor316.
Porém, situações há em que, ainda assim, o risco da resolução contratual é maior do que o risco da repactuação do contrato, como ocorre, por exemplo,
em obrigações cujo objeto envolve grandes obras de engenharia, tais quais
construção de hidrelétricas, navios-sonda etc.
Nesses casos, as consequências da resolução contratual trarão impacto
negativo ao credor, que não poderá ser mensurado e suportado pelo devedor
faltoso, pois seus efeitos poderão paralisar a própria atividade econômica do
credor e afetar a economia como um todo (tenha-se, como exemplo, os efeitos
da operação Lava-Jato na indústria naval brasileira). Consequentemente, os
impactos negativos não estão circunscritos apenas à esfera de interesse do
credor, mas, também (e muitas vezes principalmente), à esfera da coletividade
que, de alguma forma, é afetada por aquela relação jurídica. Se assim é, pode-se concluir que o conceito de utilidade da prestação,
outrora analisado sob o viés exclusivamente subjetivo, deve ser também
analisado sob um viés objetivo, decorrente não só da boa-fé objetiva, como,
também, da própria funcionalização do contrato317. Em outros termos, a utilidade
314 Nas relações de longa duração não é possível restituir as partes totalmente ao estado anterior, pois o contrato já teve parte de sua execução consumida ao longo de sua vigência. Cf. GOMES:1998, p. 175. 315 Nesse mesmo sentido é interesse ter presente o artigo 7.3.7. dos Princípios do UNIDROIT, que trata da restituição em contratos de longa duração, que somente pode ocorrer após o término do contrato (efeitos “ex nunc”), pois, como os contratos de longa duração foram executados por um longo período de tempo, pode ser inconveniente “desfazer” as prestações já cumpridas. Disponível em https://www.unidroit.org/instruments/commercial-contracts/unidroit-principles-2016 acessado em 27 mai. 2018 316 “Com a resolução do contrato, a operação económica é cancelada, porque os efeitos contratuais são extintos para ambas as partes: o que cada uma destas tinha prometido não é mais devido; o que por cada uma foi dado, deve ser, em linha de princípio, restituído. A troca projectada, e as relativas transferências de riqueza, não se podem realizar. Deste ponto de vista, o remédio da resolução, ou mais precisamente as regras que fixam os seus pressupostos de operatividade definem por que modo deve repartir-se entre os contraentes o risco dos acontecimentos surgidos entre o momento da conclusão do contrato e o momento da sua ·execução: mais precisamente, o risco que aqueles acontecimentos prejudiquem o bom funcionamento do negócio ao ponto de provocar a sua extinção. Considerando na perspectiva do interesse individual de cada contraente, este risco traduz-se, pois, em concreto, no risco de perder o direito à contraprestação, e, com ela, os benefícios que, através da sua aquisição, se esperava conseguir.” (ROPPO:2009, pp. 270/271) 317 “Justamente porque traduz relação obrigacional – relação de cooperação entre as partes, processualmente polarizada por sua finalidade – e porque se caracteriza como o principal instrumento jurídico de relações econômicas, considera-se que o contrato, qualquer que seja, de direito público ou privado, é informado pela função social que lhe é atribuída pelo ordenamento jurídico (...).” (MARTINS-COSTA:1999, p. 457)
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da prestação também deve ser analisada sob o viés da função social e
econômica do contrato, pois não basta que a prestação tenha perdido sua
utilidade para o credor; mister se faz que ela também tenha perdido utilidade para a sociedade. É dizer, o conceito de utilidade da prestação, para o credor,
recebe um novo tempero, consubstanciado na visão externa, a partir da ótica
funcional daquela prestação, ou seja, a partir do impacto causado pela
consecução ou não de determinada prestação no seio da sociedade318.
Logo, a resolução contratual depende não só do descumprimento da
prestação principal no modo, tempo e forma devidos, como, também, da
inutilidade da prestação, cuja análise dar-se-á sob a ótica das legítimas
expectativas do credor decorrentes do interesse advindo do sinalagma
estabelecido entre as partes, bem como da sociedade impactada por tal relação
jurídica319.
É com este viés que o operador do Direito analisará se a prestação que, de alguma maneira, deixou de ser cumprida a tempo, lugar e forma devidos,
configurará inadimplemento relativo ou inadimplemento absoluto, este último
apto a ensejar a resolução contratual. Em outros termos, a resolução contratual,
como decorrência da configuração do evento inadimplemento absoluto, depende
não só do descumprimento puro da obrigação pactuada entre as partes, como,
também, da impossibilidade de cumprimento da obrigação (esta entendida sob a ótica da utilidade da prestação para o credor e para os terceiros que, de alguma
forma são impactados por tal obrigação)320-321-322.
318 “O juiz faz respeitar a intenção, declarada, das partes; porém, inspira-se, de preferência, na idéia do justo. As obrigações contratuais fundam-se no conceito de utilidade individual e social; por isso mesmo é que merecem acatamento: conciliam o bem do homem isolado com o dos seus concidadãos em conjunto. Atendem ao útil e ao justo. O Código de simples Direito Privado transforma-se na prática, e até sem alterar a letra, em Código de Direito Privado Social.” (MAXIMILIANO: 2004, p. 276) 319 Para além de casuística, a análise da utilidade da prestação à luz do impacto que determinada relação jurídica causa na sociedade é tarefa difícil atribuída ao julgador. Porque, a depender da relação contratual analisada, a avaliação abarcará não só uma operação singular, mas, também, uma gama de operações econômicas distintas entre si, mas conectadas, de algum modo, por uma finalidade econômica. Nesse caso, segundo Judith MARTINS-COSTA (2003, p. 257), “...mais do que evidenciar a singularidade de um ajuste atípico, deve o jurista compreender que está frente a um contrato que só é compreensível, econômica e juridicamente, se for alcançada a ideia de ‘supracontratualidade’”. 320 Cf. LOTUFO:2016, pp. 17/28 321 Código Civil – “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” 322 Veja-se, nesse sentido, o Enunciado 24, elaborado durante a I Jornada de Direito Civil:
123
2.2. A mora e o dever de renegociar Mantida a utilidade da prestação, cuja avaliação se dá sob as lentes
constantes do tópico anterior, não haverá configuração de inadimplemento
absoluto, mas, apenas, de inadimplemento relativo ou mora. Nesse aspecto,
deve-se avaliar a possibilidade de se impor o dever de renegociar mesmo na
presença de mora. E a resposta, adiante-se, é afirmativa.
A mora é o descumprimento de uma prestação devida no tempo, lugar e
forma estabelecidos entre as partes, cuja constituição pode ou não depender de
prévia interpelação do devedor323. Decorre de conduta imputável ao devedor324,
que deixou de adimplir com a prestação que lhe tocava, sendo que, em sede de
responsabilidade contratual, havendo dano, o dever de indenizar é presumido,
“Art. 422: Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.” (AGUIAR JUNIOR:2012) 323 “Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.” 324 No mais das vezes, a imputabilidade contida no artigo 396, do Código Civil é usada como sinônimo de culpa, já que a responsabilidade civil subjetiva é a regra, apesar de a exceção (responsabilidade civil objetiva) estar se tornando cada vez mais presente no cotidiano. Porém, para se abarcar as duas espécies, preferiu-se tratar apenas de imputabilidade, já que essa, na classificação proposta por Judith MARTINS-COSTA pode ser subjetiva ou objetiva. Veja-se: “Em suma: ao invés de propor um critério de regra/ exceção (isto é: culpa=regra; risco, garantia, segurança, etc.= exceções), propomos, para melhor sistematizar a matéria, deduzir de um critério único e omnicompreensivo (a imputabilidade ou nexo de atribuição) as variadas espécies que compõem o não-cumprimento imputável. Deste critério único e omnicompreensivo deriva uma dupla forma de imputação: a) a imputação subjetiva, regida pelo princípio da inculpação (requerendo ato culposo no suporte fático da responsabilização pelo não-adimplemento) e; b) a imputação objetiva (que não requer a culpa), resultante das normas que atribuem a alguém a assunção de um risco ou de um dever de segurança, ou de garantia, ou a responsabilização pela confiança legitimamente suscitada. Com base nesse critério podemos afirmar: constituem inadimplemento imputável não apenas os comportamentos comissivos ou omissivos que têm como efeito a responsabilidade subjetiva do agente (art. 392)-mas, igualmente, todas as hipóteses de responsabilidade objetiva, seja fundada no risco, na segurança, na confiança legítima ou na quebra do dever de garantia que, em algumas relações obrigacionais, constituem o dever principal (na forma prevista nos arts. 927, parágrafo único, 931, 932, incisos I, li e III) e, ainda, casos especialmente previstos em certos tipos contratuais (v.g., art. 734). Bem assim recaem na esfera do inadimplemento os atos geradores de responsabilidade pelos atos abusivos ou desviados de seu fim econômico social (art. 187 c/c art. 927).” (MARTINS-COSTA:2003, p. 88)
124
cabendo ao devedor a prova de que o inadimplemento não lhe pode ser
imputado325-326.
Como conduta que é, a mora, isto é, o inadimplemento da prestação pelo devedor, diante da alteração das circunstâncias, merece passar pelo crivo da
boa-fé, postura que deve permear toda a relação contratual entabulada,
especialmente à luz do dever de renegociar, cujo assento também está na boa-
fé contratual.
Se o dever de renegociar traduz a postura leal e cooperativa do credor ao
longo da execução do contrato, para que este possa atingir sua finalidade
mesmo diante da alteração das circunstâncias, como é possível admitir que o
devedor não mantenha a mesma postura, isto é, que não informe, para o credor,
suas dificuldades quanto ao cumprimento da prestação?
A resposta a tal questionamento está na mesma boa-fé, que dá guarida
tanto ao dever de o credor cooperar ao longo da execução contratual, quanto ao dever de o devedor informar suas dificuldades para cumprir a prestação devida.
Antes de mais nada, é preciso ter presente que o dever de informar aqui
tratado tem caráter instrumental, isto é, informa-se para alguma finalidade, ou
seja, a informação que o devedor deve prestar ao credor, quanto à dificuldade
de cumprimento da prestação, tem a finalidade de alertar sobre o risco de não
cumprimento da prestação327 e, consequentemente, provocar os atos necessários para a mitigação eventuais prejuízos advindos de descumprimento
da obrigação, incluindo-se renegociação dos termos do contrato.
O dever de informar, nas relações jurídicas civis, em que a paridade é a
regra comum, convive com o ônus da auto informação, o que significa que se o
credor puder, razoavelmente, ter acesso à informação, não há que se falar em
violação do dever de informar. Assim sendo, fatos notórios ou de conhecimento
325 “Na primeira hipótese [responsabilidade contratual], o requerente da resolução tem a seu favor o contrato, presumindo-se que a insatisfação decorra de ato culposo do devedor: "É ao devedor que incumbe, uma vez verificada a falta da prestação (fato ilícito), alegar e provar que não houve culpa de sua parte." Essa presunção, porém, não é absoluta; há de haver, dentro do processo, prova suficiente para gerar juízo de convicção” (AGUIAR: 2011, p. 563/564) 326 “Na responsabilidade derivada do contrato, o devedor responde sempre que houver culpa do terceiro por ele aposto para o cumprimento da prestação, não se cogitando se o responsável agiu ou não com culpa na escolha. Trata-se de preceito derivado do comércio jurídico, verdadeira obrigação de garantia que o devedor assume em relação ao pessoal auxiliar que utiliza para a realização da prestação.” (AGUIAR: 2011, p. 560) 327 Cf. MARTINS-COSTA:2018, p. 581.
125
do setor econômico em que o credor atua, não estão abarcados pelo dever de
informar, já que este, como corolário da conduta de boa-fé exigida das partes,
supõe que uma parte informe à outra sobre dados ou eventos que este ignore e que não tenha condições de conhecer espontaneamente328.
Nessa ordem de ideias, se a dificuldade para cumprir a prestação devida
advém de um recrudescimento paulatino da crise econômica, que ainda não é
notório no setor econômico em que o contrato está inserido, ou da alteração
silenciosa de comportamento da sociedade, cuja detecção é mais difícil e seus
efeitos são sentidos aos poucos, por exemplo, há tempo e condições suficientes
para que o devedor informe ao credor sobre o tema.
Porém, se a alteração das circunstâncias se der de maneira abrupta, for
de conhecimento do setor econômico em que o contrato está inserido ou não for
possível, ao devedor, informar, justificadamente, da dificuldade de cumprir a
prestação que lhe cabe, não há que se em falar descumprimento da boa-fé que deve permear a relação contratual entabulada entre as partes. Até porque, a
dificuldade no cumprimento da prestação, por força de uma crise econômica,
não é matéria estranha ao credor e nem tampouco à sociedade de modo geral;
crises como as decorrentes de planos econômicos (exemplo paradigmático é
aquela deflagrada pelo Plano Collor) e, mais recentemente, da própria operação
Lava Jato, cujo estopim ocorreu quase que concomitantemente com os impactos advindos da chamada crise do subprime, afetam setores inteiros da economia,
motivo pelo qual a dificuldade de cumprimento da prestação devida é
verdadeiramente notória329.
Consequentemente, se, a despeito do mencionado dever de informar,
tanto credor quanto devedor têm ciência da alteração das circunstâncias e de
seus impactos na relação jurídica entre eles entabulada330 (como nos casos
acima citados), é certo que o descumprimento da obrigação (rectius, da
328 Cf. MARTINS-COSTA:2018, pp. 592/593. 329 No caso, está-se a avaliar a alteração das circunstâncias ocorrida antes do momento do cumprimento da prestação, ou seja, o devedor incorreu em mora por conta da alteração das circunstâncias, mas não conseguiu informar o credor a tempo. Não se está a tratar, para que fique claro, de evento ocorrido após a constituição em mora, porque se este fosse o caso, o devedor deveria arcar as consequências advindas da mora (artigo 395, do Código Civil) ou, ainda, da própria impossibilidade de cumprimento da prestação (artigo 399, do Código Civil). Cf. nesse sentido AGUIAR:2011, p. 921. 330 O que é cada vez mais comum na verdadeira sociedade da informação existente nos dias atuais.
126
prestação) pelo devedor não se submetem aos efeitos da mora contidos no artigo
395331, do Código Civil e nem tampouco, por decorrência lógica, àqueles
decorrentes do inadimplemento absoluto, postos no artigo 389332, do Código Civil.
Nesse aspecto, tem-se outra ponderação a fazer, na verdade a reforçar o
afastamento dos efeitos do inadimplemento de modo geral: se a alteração das
circunstâncias ocorrer antes do descumprimento, o dever de renegociar exsurge
imediatamente, na medida em que o credor deve cooperar para que a obrigação
possa ser cumprida e, pois, para que o quanto pactuado entre as entre as partes
possa ter sua finalidade atingida. Consequentemente, o descumprimento da
obrigação não configurará mora, mas, sim, mero retardamento justificado.
De fato, se o descumprimento da obrigação decorrer diretamente da
alteração das circunstâncias, não há que se falar em constituição do devedor em
mora (e nem tampouco em configuração de inadimplemento absoluto), o que afasta, por via de consequência, a aplicação dos consectários legais atinentes
ao inadimplemento de modo geral. Isso porque, alteradas as circunstâncias,
imediatamente o credor deverá se dispor a renegociar as bases do contrato com
o devedor, para que o sinalagma genético daquela relação jurídica possa ser
retomado na medida do possível, isto é, na medida em que a alteração das
circunstâncias permitir. Temporalmente, essa situação é distinta daquela prevista pelo Código
Civil, no sentido de que o devedor responde pelos efeitos da mora, inclusive pela
impossibilidade da prestação, nos termos do artigo 399. Nesse caso, o evento
que impossibilita o cumprimento da prestação ocorre após a constituição do
devedor em mora. Por isso, é lógico que o devedor responda por tal
impossibilidade, já que, se não houvesse mora, não ele não seria atingido pela
impossibilidade da prestação333.
331 “Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” 332 “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” 333 “... não seria razoável que, após deixar de cumprir sua obrigação no tempo e modo ajustados, o contratante moroso ainda gozasse de prerrogativa de rever sua prestação por fato ocorrido após o vencimento da obrigação.” (NASSER: 2011, p. 158)
127
No caso em tela, a alteração das circunstâncias ocorre antes da
constituição do devedor em mora; é a alteração das circunstâncias que impede
ou dificulta o cumprimento da prestação, motivo pelo qual os efeitos da mora não podem atingir o devedor. Antes, é preciso que o credor, em observância ao dever
de cooperação, disponha-se a renegociar o quanto pactuado, para que a
prestação possa ser regularmente cumprida pelo devedor.
Nesse passo, é importante ter presente que a análise acerca existência
de mora por força da dificuldade no cumprimento da prestação (agravamento),
deverá ser feita de maneira casuística, analisando-se os impactos que tal
alteração das circunstâncias gerou naquele contrato e no setor econômico em
que está inserido. Constatado o agravamento, o cumprimento da prestação
ainda é possível ao devedor (ainda que com mais dificuldade). Contudo, se a
alteração das circunstâncias acarretar a impossibilidade do cumprimento da
obrigação, a prestação não poderá mais ser cumprida. Consequentemente, no primeiro caso haverá a possibilidade de renegociação (se a prestação ainda for
útil); enquanto, no segundo, a obrigação se extinguirá334-335.
Ao lado disso, não se pode perder de vista que o contraponto entre a
existência de mora e o dever de renegociar deve ser feito de maneira sistêmica,
isto é, sopesando-se o interesse das partes contratantes à luz do interesse da
sociedade impactada por tal relação jurídica, como tratado anteriormente.
334 “A impossibilidade superveniente da prestação verifica-se, pois, quando um obstáculo se opõe a que o devedor a realize: este, mesmo que quisesse, não poderia em absoluto cumprir. Outras vezes, porém, o obstáculo que surge ao cumprimento não é intransponível: o devedor pode cumprir, embora com maior esforço ou sacrifício. Estamos então perante o agravamento ou maior onerosidade da prestação. É frequente a doutrina, nomeadamente a portuguesa, empregar as expressões impossibilidade absoluta e impossibilidade relativa para significar a impossibilidade propriamente dita e o agravamento, que envolve apenas maior dificuldade da prestação (difficultas praestationis). No entanto, parece-nos preferível utilizar as palavras impossibilidade e agravamento, não só porque a impossibilidade relativa não é verdadeira impossibilidade, mas também porque as expressões impossibilidade absoluta e impossibilidade relativa aparecem por vezes a designar aquilo que mais generalizadamente se chama impossibilidade objectiva e impossibilidade subjetiva. (...) Aliás, nos casos em que a lei dá relevância ao agravamento, não autoriza pura e simplesmente o devedor a não cumprir, mas concede-lhe o direito de obter, em regra por via judicial, a modificação ou resolução do contrato (art. 437º Cód. Civ.).” (JORGE, 1999, pp. 112/113) 335 “A impossibilidade superveniente não imputável extingue a obrigação. A impossibilidade superveniente não imputável que extingue a obrigação é tanto a "absoluta" (objetiva, em relação a todos) como a "relativa" (subjetiva, impossível para o devedor). Isso porque a impossibilidade superveniente relativa é equiparada à absoluta.” (AGUIAR: 2011, pp. 545/546)
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Consequentemente, para além de se avaliar se a incursão do devedor em
mora implica ou não inobservância ao dever de informar, deve-se sopesar,
também, a importância da renegociação contratual para a economia da sociedade na qual o contrato está inserido.
Diante disso, ainda que o devedor esteja em mora, se a configuração
dessa não representar ofensa ao dever de informar, certo é que o dever de
cooperação deverá ser observado, renegociando-se as bases contratuais, em
respeito à conservação dos negócios jurídicos.
2.3. Autonomia privada e o dever de renegociar
Como tratado anteriormente, em nosso sentir, mesmo que haja
descumprimento da prestação devida em razão da alteração das circunstâncias,
se a prestação ainda for útil e, pois, puder ser cumprida, ao invés de abortar a execução do contrato, as partes deverão privilegiar a conservação do negócio
jurídico, mediante a renegociação de suas bases, como será demonstrado no
tópico subsequente.
Essa solução não implica violação do princípio da autonomia privada, já
que serve para lhe dar conformação de acordo com os princípios constitucionais
e civis atinentes ao tema336, que nos dizeres de Renata STEINER (2014, pp. 74/75), são os novos pilares do contrato.
Nesse sentido, deve-se ter presente que a relação entre autonomia
privada (indivíduo) e ordenamento jurídico (Estado) não deve ser vista como uma
relação conflitante e excludente. Tal relação, como apontado por Mauro
GRONDONA (2013, pp. 1.023/1.024) deve ser vista de maneira inclusiva e
permeável, pois os valores do ordenamento jurídico serão filtrados e, ao mesmo
tempo, construídos pelo exercício da autonomia privada. Isso “...porque o
inegável e indispensável conteúdo axiológico do direito depende mesmo do
exercício da autonomia privada, isto é, da ação humana.”337
336 “... a cláusula geral da função social, tal como a cláusula geral da boa-fé objetiva não anulam ou neutralizam o princípio da autonomia privada, muito pelo contrário, vêm a reforçar a sua validade e eficácia, porém, mediante o seu exercício de forma mitigada, observando o bem comum, a dignidade da pessoa humana e a socialidade prevista nos princípios norteadores do Código Civil.” (REBOUÇAS:2017, p. 92) 337 “... perché l’innegabile e indispensabile conteúdo axiológico do direito dipende pure dall’esercizio dell’autonomia privata, cioè dall’azione umana.” (GRONDONA:2013, p. 1.023)
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No fundo, há que se ter um equilíbrio entre autonomia privada, boa-fé e
função social, de modo a se preservar o núcleo central da autonomia privada
(manifestação de vontade livre) e, ao mesmo tempo, dar-lhe conformação ou parâmetros de acordo com os valores sociais, juridicamente postos em nosso
ordenamento jurídico338-339. Afinal,
“... não são patrimônios que se entrecruzam na relação obrigacional, mas, antes, pessoas situadas concretamente nas relações de consumo, aluguel, prestação de serviços, compra e venda e empréstimo, dentre outras.” (STEINER:2014, p. 84).
Este tema tem sido bastante caro à doutrina e, também, já foi objeto de
estudo promovido Centro de Estudos Judiciários, do Conselho da Justiça
Federal, que, por meio de seus enunciados, apontou que a autonomia privada é
conformada pela boa-fé objetiva e pela função social do contrato. Em outros termos, a liberdade contratual deve ser exercida de modo a assegurar trocas
úteis e justas, não só à luz do interesse das partes, como, também, à luz do
interesse da sociedade impactada por tal relação jurídica340.
338 “Obrigação e relação obrigacional. Estrutura e função. Autonomia privada, boa-fé e função social. Indivíduo e pessoa. Patrimônio e existência. Solidão e solidariedade. A dignidade da pessoa humana se coloca em todos esses momentos. Em seu perfil ativo, convida os indivíduos isolados ao contrato social e ao entabulamento da obrigação, garantindo condições para o pleno desenvolvimento da liberdade humana. A dignidade, porém, age em outra vertente. O homem se converte em pessoa no mundo solidário das relações obrigacionais. Qualquer sociedade só se afirma em cooperação, traduzida esta pela boa-fé, equilíbrio e função social no reino dos negócios jurídicos.” (ROSENVALD:2011, p.19) 339 Cf. NORONHA:1994, p. 225, que, a tratar da justiça contratual reconhece a dificuldade de se obter equilíbrio entre justiça contratual, boa-fé e autonomia privada, já que é preciso buscar “... um ponto no qual a autonomia privada seja limitada, mas não descaracterizada, nem pela boa-fé, nem pela justiça contratual.” 340 “22 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas. 23 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. 26 – Art. 422: A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.” (AGUIAR JUNIOR: 2012, disponível em http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf/view acessado em 06.fev.2018
130
A manutenção desse equilíbrio entre autonomia privada, função social do
contrato e boa-fé objetiva é tarefa conferida, precipuamente, ao julgador341-342,
como, aliás, sói acontecer com a matéria objeto do direito das obrigações343,
341 Como se sabe, a redação do Código Civil é marcada por cláusulas gerais e conceitos vagos e indeterminados, cujo significado, à luz do caso concreto, é atribuído por meio da interpretação realizada pelo operador do Direito (juiz ou árbitro) a quem foi conferida, também, a tarefa integrativa, isto é a tarefa de colmatar lacunas, como corolário da operatividade que reveste a codificação civil. Nesse sentido, confira-se: “Com o advento do Código Civil de 2002 rompemos com tendência dogmática que marcou o início do Século XX, que realçava o império da lei como um dos postulados do Estado de Direito e reservava ao juiz o papel de simples intérprete da vontade do legislador. Essa tendência foi substituída pela abertura e flexibilização de diversas normas jurídicas, inclusive no campo do negócio jurídico, por meio da introdução de tipos abertos que remetem ao juiz o poder-dever de colmatá-los e interpretá-los tendo em conta as especificidades do caso concreto e sob o influxo das regras de experiência, das concepções éticas e morais vigentes e, por vezes, até da equidade. (...) A vagueza dos termos dos conceitos jurídicos não constitui, nessa medida, nenhum óbice à segurança jurídica. Os standards e princípios de direito a que o juiz está vinculado conferem conteúdo aos termos vagos ou indeterminados dos conceitos jurídicos, de molde a tornar o momento de justiça, quando é imposta a norma de decisão, muito mais previsível.” (TOSTA e BENACCHIO: 2013, p. 136 e 142) 342 “O modelo de decisão imposto pela alteração de circunstâncias não é, por isso, informado, apenas, pela boa fé: ele deve compreender, em simultâneo, elementos derivados da autonomia privada, tal como se cristalizou no contrato atingido e factores advenientes das exigências carreadas, no caso, pela boa fé. A liberdade do intérprete-aplicador, acrescida, sem dúvida, pela linha de fractura em que se vai decidir, não é, no entanto, extra-sistemática, em termos de se poder falar em equidade. Há, pois, que operar com um modelo de decisão que comporte, entre as suas variáveis, quer a autonomia privada e seus valores, com os factores de concretização sediados no contrato celebrado, quer a boa fé-igualdade, precisada em consonância com as alterações registadas no caso real. Não é possível hierarquizar em abstracto os argumentos a ponderar - quando não, faltaria, até às suas consequências efectivas, a quebra intra-sistemática- determinando, numa fórmula genérica, quando cede a autonomia privada e quais as dimensões da adaptação, quando esta tenha lugar. Mas sabe-se que, em concreto, a solução a propugnar deve manter como referências os factores em litígio, visando restabelecer, se possível, o figurino pensado pelas partes em obediência às exigências de equilíbrio e de prossecução do escopo inicial, carreadas, em nome da igualdade, pela boa fé.” (MENEZES CORDEIRO, pp. 1.113/1.114) 343 “3 - Por isso mesmo, nenhum outro campo depara ao juiz melhor oportunidade de exercitar o poder discricionário, que a lei lhe concede, a cada passo. Aliás, ao predomínio da casuística há de corresponder o do arbítrio. Não estamos a exprimir um desejo e sim uma observação. RASELLI tratou dêste assunto em sua obra intitulada Il potere discrezionale dei giudice civile. Na segunda parte êle reune aquelas duas idéias de casuística e de poder discricionário, debaixo da rubrica: Casuística dei potere discrezionale. Mas o arbítrio, de que aqui falamos, não é o que se relaciona com a chamada escola do direito livre. Nós estamos falando do arbítrio inevitável, isto é, daquele que o juiz usa ao aplicar a norma flexível, praticando a chamada eqüidade individualizadora, e não daquele arbítrio que pode importar desprezo de critérios objetivos, como muito bem acentuou LIEBMAN, dissertando acerca da livre apreciação da prova, por parte do juiz, segundo a regra do art. 118 do Cód. de Proc. Civ. (cf. artigo de crítica doutrinária, in Rev. Trib., vol. 138, pág. 165).” (ALVIM: 1962, p. 22)
131
levando-se em conta, como anteriormente mencionado, os parâmetros dados
pelo próprio ordenamento jurídico344.
No caso das obrigações de longa duração, boa-fé e função social ganham ainda mais relevância. Por um lado, cooperação, lealdade, confiança e
transparência, são essenciais para que a finalidade do quanto pactuado seja
regularmente atingida. Por outro lado, as obrigações de longa duração tendem
a causar mais e duradouros impactos na sociedade, sejam eles de cunho social
propriamente dito, sejam, ainda, de cunho econômico, como se nota em grandes
empreitadas realizadas em pequenas cidades, como é o caso, por exemplo, de
mineradoras em cidades da região norte e sudeste, estaleiros em cidades da
região sul e sudeste e hidrelétricas na região sul e norte do país. Em casos tais,
a economia e o próprio bem-estar social da população estão diretamente ligados
à regular execução de diversos contratos pactuados em decorrência das
atividades econômicas acima mencionadas. Em contratos dessa natureza, a avaliação do exercício da autonomia
privada e da própria força obrigatória deve ser feita à luz do contexto em que tal
relação se desenvolve. É dizer, a visão e análise de tais elementos não pode
estar adstrita ao puro interesse das partes; é preciso haver uma avaliação mais
ampla, compreendendo todo o retrato social subjacente a tal relação. Isso
porque, as próprias partes contratantes sabem que a relação entre elas entabulada gera impactos significativos na sociedade e não podem se furtar de
tal consequência. É por isso que em contratos de longa duração e,
especialmente, em contratos de grande magnitude, todos esses efeitos são (ou
deveriam ser) internalizados de modo a compor o risco assumido, o que
geralmente se dá por meio de garantias e outros mecanismos acauteladores.
É assim que, como aqui proposto, a avaliação acerca da resolução
contratual implica a avaliação da manutenção de utilidade da prestação ao
credor e à sociedade, o que deve ser feito sob a ótica da autonomia privada,
função social do contrato e boa-fé contratual, sendo a circulação de riquezas e
o risco decorrente da resolução ou da conservação do contrato, fiéis da balança
para que tal avaliação seja feita.
344 “27 – Art. 422: Na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.” (AGUIAR JUNIOR:2012, p. 19).
132
Uma vez constatado que o descumprimento de determinada obrigação
não poderá acarretar a resolução contratual, o caminho a ser palmilhado, de boa-
fé, pelas partes, será o da renegociação contratual. Nesse sentido, será preciso analisar a natureza e os contornos desse caminho, cujo percurso sofrerá as
intempéries das críticas no sentido de que tal solução criaria um verdadeiro
paradoxo: se um dos pilares das relações jurídicas negociais é o pacta sunt
servanda e se não existe qualquer vício a inquinar a vontade declarada das
partes, não haveria que se falar em outros elementos a influenciar as
consequências do cumprimento ou descumprimento da obrigação345.
Porém, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a renegociação
reforça a força obrigatória dos contratos e prestigia a autonomia privada das
partes, já que, além de um dever, é direito do devedor cumprir a obrigação
pactuada346 e, pois, dar regular cumprimento ao contrato, com o atingimento de
sua finalidade entre as partes e perante a sociedade. Este tema será analisado a seguir.
3. O dever de renegociar
3.1. Os contornos do dever de renegociar Apesar de já posto ao longo deste trabalho, é importante relembrar que o
foco da análise aqui proposta são os contratos onerosos de longa duração, cuja
relação jurídica deles decorrente foi objeto de análise em tópico anterior. Para
além disso, está-se a tratar de contratos submetidos ao regramento da
codificação civil e, não, consumerista, pois, se assim fosse, o estudo aqui
proposto seria diferente, seja pela tônica protetiva do Código de Defesa do
345 “Não se pode deixar de reconhecer uma certa antinomia entre a força obrigatória dos contratos e a previsão de sua modificação; entre o instrumento da renegociação, que visa à conservação do contrato, com o efeito da cláusula de renegociação, que implica exatamente a sua modificação; entre o propósito de preservar a vontade, e a sua submissão a uma renegociação. Ocorre que o direito não se subordina aos preceitos lógico-formais e supera a antinomia com a formulação de princípios e com a aplicação de cláusulas gerais” (AGUIAR:2011, p. 940) 346 Veja-se, nesse sentido, o Enunciado 168, elaborado na III Jornada de Direito Civil: “O princípio da boa-fé objetiva importa no reconhecimento de um direito a cumprir em favor do titular passivo da obrigação.” (AGUIAR JUNIOR: 2012, p. 38)
133
Consumidor, seja, ainda, pela própria disposição contida no artigo 6º, inciso V,
da Lei 8.078/90.
Dito isso, a necessidade de renegociar exsurge dos ruídos surgidos durante a execução do contrato. O objetivo da renegociação nada mais é do que
restabelecer os pilares originalmente postos pelas partes, que sofreram abalo
durante a execução contratual.
A questão que se coloca é se, para além de faculdade das partes, a
renegociação é mera obrigação contratual ou, se, ao contrário, é dever
decorrente de lei347.
Para NANNI o tema revela obrigação, por se tratar de um dever lateral de
conduta, cujo descumprimento acarretaria o pagamento de perdas e danos, mas
não ensejaria execução específica da parte que se sentisse lesada348. Seria,
segundo ele, uma norma de conduta a ser observada pelas partes; uma vez
estabelecido o desequilíbrio contratual, as partes, como expressão de boa-fé e cooperação, buscariam readequar as bases contratuais, por meio da
renegociação, já que, em última análise, apesar de as prestações serem diversas
para cada uma delas, o objetivo principal e comum de qualquer contrato é o
cumprimento e a extinção natural da obrigação avençada.
Judith MARTINS-COSTA adota a posição de que a renegociação em
contratos de longa duração decorre da autonomia privada das partes e deve estar posta contratualmente; são as chamadas cláusulas de hardship, por meio
347 Não obstante a doutrina aponte distinções diversas entre dever e obrigação, neste trabalho utilizar-se-á dever como gênero e obrigação como espécie, dedicada às relações jurídicas de cunho patrimonial. Ainda, e apenas como forma de distinção, utilizar-se-á o termo “obrigação” quando esta decorrer de previsão contratual e “dever” quando este decorrer de previsão legal. Confira-se, sobre o tema, LOTUFO: 2003, pp. 11/12 . Vale, ainda, reproduzir o seguinte excerto, retirado do comentário tecido pelo mesmo autor ao artigo 1º, do Código Civil: “Ainda, o referido autor [Jorge Giorgi] esclarece que para ser considerado da espécie obrigação, o gênero "dever" precisa possuir os seguintes requisitos: vínculo jurídico, sujeito ativo, sujeito passivo, e a existência de uma prestação, que é seu objeto. Corroborando o entendimento acima exposto, Betti e Paul Roubier deixam claro que ao falar em obrigações, deve-se ter em mente a relação crédito-débito. Trata-se de um dever passível de avaliação patrimonial, ao contrário dos demais. Desse modo, concluímos que a alteração foi correta, pois as obrigações (cujo cunho é patrimonial) são apenas uma espécie do grande gênero dos deveres, e que possui um regime jurídico próprio” (LOTUFO: 2003, p. 10) 348 “A evolução contratual, especialmente nos pactos de duração, abre caminho no sentido de se considerar imperativa a renegociação com apoio no princípio da boa-fé e no dever de cooperação, porém, não como obrigação legal específica, mas como um dever lateral de conduta, mesmo na ausência de cláusula de renegociação. Nessa situação, o desatendimento da obrigação de renegociar não importa inadimplemento contratual, senão de dever lateral, ensejando perdas e danos, impedindo, outrossim, execução específica.” (NANNI:2012, p. 95)
134
das quais as partes estabelecem situações que, se ocorridas, determinarão uma
revisão do contrato, para que o sinalagma originalmente entabulado possa ser
restabelecido349. Mas a autora não fecha as portas para a existência de um dever de renegociar: em artigo publicado em 2008, ao tratar da discussão acerca da
existência ou não de um dever de renegociar, decorrente da função integrativa
da boa-fé objetiva, afirmou que não haveria uma resposta taxativa para tanto,
devendo-se analisar o caso concreto para que determinada solução fosse
dada350-351.
Maria Luíza FEITOSA (2005, pp. 119/120) entende que a renegociação
contratual deve derivar, apenas, de obrigação contratual decorrente das
cláusulas de hardship, pois, segundo ela, admitir um dever legal de renegociar,
349 “É lícito às partes estipular contratos marcados pela atipicidade, sendo a liberdade de modelação do conteúdo contratual e a liberdade de forma concreções do princípio da liberdade contratual. Consequentemente, as partes podem pactuar cláusulas cuja finalidade é, justamente, prover, contínua e dinamicamente, a acomodação do contrato às circunstâncias supervenientes ao momento de sua formação, estabelecendo entre si contratos "lacunosos" que se completarão ao evoluir das circunstâncias. Tendo as partes estatuído tais cláusulas, e ocorrendo evento nelas previsto, abre-se, ipso facto, a obrigatoriedade da renegociação do contrato para reaproximar-se o sinalagma funcional ou dinâmico - isto é, o que acompanha a vida do contrato, no curso de sua execução- ao sinalagma genético, a saber, aquele que marcara o momento da conclusão do ajuste.” (MARTINS-COSTA:2010, p.23) 350 “Coligado a esse ponto (e também à problemática dos "deveres anexos") está, em terceiro lugar, a função propriamente integrativa (e não apenas hermenêutica). Realizado o correto discrime entre a cláusula geral da boa-fé e o juízo por equidade discute-se, por exemplo, se a boa-fé, como integração ao regulamento contratual, é capaz de produzir o dever de renegociação nos contratos de larga duração, como se houvesse uma implícita cláusula de hardship no contrato, e até que ponto será lícita a integração pelo juiz (ou pelo árbitro). Também aqui não cabe, ao meu juízo, resposta taxativa e unívoca: novamente a "diretriz da concreção" é chamada a atuar. A função integrativa está amarrada à concreta função econômico-social do contrato, isto é, a sua "causa" concreta, e não abstrata (como seria a consideração de idêntica causa para todos os negócios de um mesmo tipo).” (MARTINS-COSTA: 2008, p. 406) 351 Em seu livro “A boa-fé no direito privado: critérios para sua aplicação” Judith MARTINS-COSTA (2018), de modo geral, afirma que, na ausência de uma cláusula de hardship, a observância e manutenção do princípio implícito do equilíbrio contratual se daria através dos mecanismos postos no Código Civil, tais como aqueles contidos nos artigos 317 e 478/480 (pp. 654/656). Porém, ao tratar do processo integrativo da boa-fé, a autora afirma que as lacunas surgidas durante o iter contratual podem decorrer de simples imprevidência humana (diante de sua racionalidade limitada), bem como da própria natureza incompleta do contrato firmado entre as partes contratantes. Naquele caso, a boa-fé pode criar deveres às partes, para que o plano contratual seja otimizado e devidamente cumprido. Já no caso dos contratos incompletos, as partes podem ter estabelecido mecanismos para suprir as lacunas existentes, tal como a própria renegociação contratual, que serviria para adequar o contrato em caso de alteração das circunstâncias que tenha atingido a base econômica contratual. Assim, apesar de não haver dever de resultado, as partes devem ter conduta pautada na boa-fé durante a fase de renegociação (renegociar com lealdade), sob pena de cometerem ato ilícito (artigo 187, do Código Civil), com a condenação da parte faltosa no dever de indenizar, bem como, a depender das circunstâncias, com a própria resolução do contrato (pp. 570/572).
135
calcado no princípio da boa-fé, poderia gerar um novo risco, consubstanciado na
alteração da estrutura do próprio sistema contratual. Afinal, segundo ela,
“a figura da ‘renegociação obrigatória’ revela-se tecnicamente arredia aos postulados contratuais mais elementares na esfera negocial privada e não parece bem acomodada no ordenamento jurídico, seja no sistema da civil law ou naquele da common law” (FEITOSA: 2005, p. 120).
Por sua vez, Giuliana SCHUNCK (2016, pp.189/200) afirma que, se a
renegociação decorrer de expressa previsão normativa, tal qual ocorre na
Alemanha e na França, essa assume contornos de dever legal; se, porém,
estiver posta no próprio contrato, assume feição puramente contratual
(obrigação contratual). De todo modo, o dever de renegociar decorre da boa-fé
objetiva, mais especificamente dos aspectos atinentes à lealdade contratual e ao dever de cooperação entre as partes; é, pois, um dever anexo de conduta, “...
desdobramento da boa-fé em sua função criadora de deveres de conduta, e
também como um dos desdobramentos do dever de cooperação” (p. 194). Por
isso, se houver alteração das circunstâncias fáticas ao longo da execução do
contrato de longa duração, as partes têm o dever de renegociar seus termos.
Já para RODOVALHO (2014, pp. 106/107), existe um verdadeiro dever
de renegociar, decorrente da equidade e da boa-fé objetiva que, para o autor,
mais do que um padrão de comportamento a ser adotado pelas partes é, em
verdade, parte integrante dos contratos (eficácia integrativa) e, como tal, é fonte
de deveres e direitos para as partes contratantes. É uma proteção contra os
vícios na execução da relação jurídica contratual de longa duração, isto é, contra as intempéries sofridas após a celebração do contrato352 e durante a sua
execução e tem como objetivo readequar o contrato que saiu dos trilhos (álea)
inicialmente construídos pelas partes.
Em nosso sentir, a renegociação é o dever de as partes se disporem a
adequar as bases do contrato de longa duração, na hipótese de o risco assumido
inicialmente sofrer significativa variação durante a execução contratual, de modo
352 Contrapondo-se, pois, aos vícios de origem, cuja raiz está no consentimento, na expressão de vontade das partes e podem estar presentes tanto nos contratos de execução imediata, quanto nos contratos de longa duração (execução diferida ou prestação continuada). São eles: erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão. Já os contratos de execução imediata estão sujeitos, apenas, aos vícios de origem (RODOVALHO:2014, pp.95/96).
136
a desnaturar o sinalagma originalmente estabelecido, em função da alteração
das circunstâncias externas que permearam o momento da conclusão do
contrato, o que encontra fundamento nos artigos 422 e 421, do Código Civil e em observância ao princípio da conservação dos contratos.
A renegociação se dá no âmbito dos contratos de longa duração, porque,
como anteriormente exposto, esses contratos têm execução que se alonga no
tempo e, assim, sendo, podem ser impactados pela alteração da realidade que
lhes é subjacente.
A alteração da realidade subjacente ao contrato, neste trabalho
denominada alteração das circunstâncias353, é aquela ocorrida durante o iter da
obrigação, isto é, durante a execução do contrato e deve ser analisada à luz das
circunstâncias (ou contexto histórico) que permearam o momento da conclusão
do negócio jurídico.
Não basta, porém que haja alteração das circunstâncias para que se configure o dever de renegociar. Para tanto, é preciso que tal alteração
desnature os riscos inicialmente assumidos pelas partes, de modo a afetar o
sinalagma incialmente estabelecido. Esse risco, como visto anteriormente deve
compreender o risco inicialmente assumido pelas partes (risco genético), o risco
experimentado ao longo da execução contratual (risco funcional354) e o risco
decorrente do impacto que tal relação jurídica causará na sociedade em que está inserida355.
Uma vez desnaturado tal risco durante a execução do contrato, as partes
têm o dever de se dispor a renegociar as bases contratuais, para que o novo
353 Apesar de já explícita a escolha da alteração das circunstâncias como parâmetro para o dever de renegociar, vale apenas esclarecer, sucintamente, o motivo de tal opção em detrimento de outros institutos jurídicos. O objeto de estudo não se confunde com impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação, por força da inexigibilidade da prestação (perda, deterioração, caso fortuito ou força maior, por exemplo), porque o respectivo cumprimento ainda é possível (ainda que difícil), bastando, apenas, que as bases contratuais sejam readequadas, para que o cumprimento da obrigação não requeira um sacrifício desmesurado do devedor. Cf. ALPA-BESSONE:1990, pp. 367/368 e GOMES:1998, p. 178. 354 Risco genético e risco funcional usado em alusão ao sinalagma genético e funcional, isto é, às prestações recíprocas existentes na formação do contrato e aquelas que acompanham a sua execução.(Cf. MARTINS-COSTA:2010, p.23). 355 Paula BANDEIRA (2016, p. 1.037) entende que o dever de renegociar, derivado das cláusulas de hardship, é instrumento de gestão negativa do risco, posta em contratos incompletos. Para ela a incompletude ou lacuna não decorre da ausência originária de algum elemento contratual, mas, sim, de uma ausência superveniente, não esperada pelas partes, que atinge as prestações contratuais.
137
risco surgido possa ser distribuído entre elas, a fim de que possam recompor o
equilíbrio contratual inicialmente estabelecido356.
Esse dever de renegociar privilegia a conservação dos negócios jurídicos, que tem se tornado cada vez mais relevante no mundo contemporâneo, diante
da complexidade e sofisticação das relações econômicas. A trama negocial
envolve diversos participantes, não só aqueles que são partes integrantes do
contrato objeto de renegociação. Sendo assim, a pertinência da conservação de
tal negócio jurídico, por meio da renegociação, para que, ao cabo, o contrato
possa ser devidamente adimplido, não é mais uma questão atinentes apenas ao
interesse particular do credor e devedor, mas, sim, de toda a coletividade
impactada por aquela relação jurídica357-358-359.
Logo, o dever de renegociar tem alicerces imediatos nos artigos 421 e
422, Código Civil, não só por conta da relevância da função social do contrato
nas relações jurídicas contemporâneas, como, também, porque, quando se analisa o dever de renegociar como expressão do dever de cooperação e, pois,
da boa-fé objetiva, tal análise é feita de modo funcionalizado, isto é, dilatando-
se o campo de visão para além dos interesses particulares de credor e devedor,
a fim de que toda a estrutura contratual formada (rede contratual) seja avaliada,
356 Segundo Adele Maria Cristina UDA (2017, p. 16), o advento de circunstâncias supervenientes que atinjam o equilíbrio contratual deve ser tutelado de modo a garantir a relação sinalagmática entre as prestações pactuadas pelas partes, durante a fase de execução do contrato. E essa tutela pode se dar por meio da renegociação, cujo escopo é readequar as bases contratuais para que o contrato seja conservado ao invés de extinto em decorrência da aludida alteração superveniente das circunstâncias. 357 Cf. GARBI: 2014, p. 171. 358“O adimplemento deve ser entendido, portanto, como o fim a ser perseguido pelas partes, porque representa a utilidade e a finalidade da obrigação contratada. O adimplemento representa o fim programado na relação obrigacional e para alcançá-lo exige-se das partes esforços e o cumprimento de deveres que não foram escritos, mas estão presentes desde a formação do vínculo. São deveres que exigem cooperação e solidarismo, afastando o excessivo individualismo da relação que tem reflexos diretos nos interesses sociais. É o que legitima a interferência na relação privada contratual para impor as condições necessárias e remover obstáculos ao cumprimento da obrigação.” (GARBI:2014, p. 175) 359 “O princípio do equilíbrio contratual nos contratos complexos está fortemente ligado ao princípio da conservação dos negócios jurídicos. O desequilíbrio contratual poderá afetar em série as demais relações contratuais. Daí a sua relevância e sua intrínseca relação com a função social, pois a principal finalidade do contrato é que cumpra a finalidade que carreia em seu objeto; mantendo-se o negócio, desde que de uma forma útil para os contratantes, tal função será cumprida. Assim, a aplicação de tais cláusulas gerais nos contratos complexos deve privilegiar a liberdade concedida no âmbito da autonomia privada negocial, ponderada pela boa-fé objetiva – fincada na matriz da confiança e da credibilidade aplicada ao mercado, aos negócios; e pela função social dos contratos – a fim de que tais contratos sejam úteis às partes e, na medida do possível, à sociedade. Numa palavra, que privilegiem o equilíbrio contratual.” (GOMES:2018, p, 219)
138
juntamente com a função de tal rede na economia da sociedade na qual está
inserida360.
Essa estrutura contratual envolve diversas outras pessoas que, de algum modo, têm a justa expectativa de que o programa contratual inicialmente
estabelecido seja mantido, o que, uma vez mais, coloca o ser humano como foco
central das relações jurídicas negociais. Sendo assim, os alicerces mediatos do
dever de renegociar estão postos na própria Constituição Federal, que servirá
de luzeiro para a interpretação dos artigos 421 e 422, do Código Civil.
Nesse sentido, dignidade humana e solidariedade361 são duas faces da
mesma moeda, sendo a primeira calcada no indivíduo e a segunda, na
coletividade; mas ambas versam o ser humano como fundamento e escopo
essencial de todo o ordenamento jurídico, incluindo-se aí a própria ordem
econômica. Não por outro motivo o artigo 170, da Constituição Federal, ao abrir
o Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – deixa claro, em seu caput, que a dignidade da pessoa humana e a justiça social são a força motriz da ordem
econômica, o que significa, em outros termos, que os contratos – veículos por
excelência da ordem econômica – devem ter como fundamento e finalidade o
ser humano, seja sob a ótica individual (dignidade), seja sob a ótica coletiva
(solidariedade)362.
A marcha do mercado, pois, tem uma função muito clara, sempre atrelada à promoção do desenvolvimento humano363, o que foi absorvido pelo Código
360 “De outra parte, a obrigação de renegociação fundamenta-se na teoria do relational contract (MACAULEY, 1981, p. 1089-1150), elaborada também no ambiente da common law. Segundo essa teoria, os sujeitos do mercado não são operadores autônomos e independentes que, ocasionalmente, se encontram e concluem operações isoladas, mas constituem membros de uma comunidade, que estabelecem entre si relações associativas, de caráter continuado, marcadas pelo espírito de reciprocidade e solidariedade. Desse modo, a ideia presente nas codificações e nos grandes sistemas ocidentais de direito privado, segundo a qual cada contratante busca a maximização imediata da própria utilidade a partir de modelo isolado e atomístico de troca, cede lugar à lógica associativa, em que os contratantes figuram como sujeitos que colaboram à obtenção do resultado comum (BARCELLONA, 2003, p. 469-470).Nessa perspectiva colaborativa e solidária, o contrato não disciplina ex ante todas as possíveis superveniências, mas remete o seu conteúdo à renegociação das partes com o propósito de adaptar o programa negocial às mudanças das circunstâncias fáticas verificadas no decorrer do tempo. A doutrina dos contratos relacionais propõe, assim, a obrigação de renegociação das partes com fundamento no princípio de solidariedade. Caso os contratantes atuem de modo oportunista e desleal, caberá a intervenção judicial no contrato, que garantirá a revisão do negócio e, por conseguinte, a sua conservação.” (BANDEIRA: 2016, 1042) 361 Artigo 1º, inciso III e artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal, respectivamente. 362 Cf. GODOY:2009, pp. 118/119. 363 “… é a lei, de cunho constitucional ou não, que, mesmo abstratamente, garante ao operador do mercado a condição de cidadão-econômico; é a lei que elege a solidariedade como cânone,
139
Civil, que tratou de dar mais concretude a tal intento, por meio da boa-fé objetiva
e da função social do contrato (artigos 422 e 421), elementos integrantes do
“solidarismo contratual” existente no Código Civil364-365. Enquanto aquela se preocupa com a postura das partes, que devem se portar de maneira leal,
transparente e cooperativa, para que a confiança entre ambas se estabeleça e
permaneça durante todo o desenrolar do contrato, essa se preocupa com o
impacto que tal relação jurídica causará na sociedade e, consequentemente,
exige que as partes contratantes cuidem de promover desenvolvimento social e
digno, por meio da circulação de riquezas que tal contrato promoverá366. É nesse
sentido que se entende que a autonomia privada, a despeito da esfera de
liberdade que lhe é inerente, tem seu exercício funcionalizado, isto é, atrelado
aos rumos escolhidos para o desenvolvimento econômico do país, pela
Constituição Federal, motivo pelo qual este não será reconhecido pelo
ordenamento jurídico, se não houver respeito ao ser humano. Nessa ordem de ideias, diante da importância de tais diretrizes nas
relações jurídicas negociais, boa-fé objetiva e função social do contrato também
desempenham papel de dever lateral (anexo, acessório ou secundário367) a ser
observado pelas partes contratantes. Assim sendo, ainda que não
expressamente postas na redação dos contratos, boa-fé objetiva e função social
para definir o papel do Estado perante o mercado, não deixando dúvida sobre o valor supremo que orienta o mercado. Chave de leitura da presente argumentação é a qualidade do homem, enquanto valor central do ordenamento e, logo, do mercado, não mais servindo ao atual desenho constitucional um Estado do laisser faire, que o conduz a uma mercantilização infinita e ao conflito duradouro, fomentadores do egoísmo social. A função do Estado legislador mostra-se renovada e preocupada com o mercado no seu âmago – valores pessoais e também patrimoniais inseridos na relação jurídica contratual – sendo visível a superação de uma clássica função meramente formal.” (NALIN:2002, p. 188) 364 Cf. WALD:2003, p. 47 365 Cf. NALIN:2002, p. 174. 366 “Por meio dela [função social do contrato], retira-se o contrato da perspectiva individualista que lhe reservava o Código de 1916, modificando-se seu eixo interpretativo, de sorte a garantir que o ato de iniciativa das partes contratantes seja recebido pelo ordenamento, que lhe dará eficácia, desde que, tal qual vem de se asseverar, cumpra um novo papel, de satisfação dos propósitos e valores que o sistema escolheu e protege, no interesse de todos, no interesse comum. Acrescenta-se: propósitos esses escolhidos, antes de tudo, pelo constituinte, dentre os quais, porém, a dignidade humana, a cujo desenvolvimento serve também a manifestação da liberdade contratual e, com ela, o acesso a bens e serviços.” (GODOY:2009, p. 122) 367 “Os deveres jurídicos decorrentes da boa-fé costumam ser referidos sob a rubrica generalista de deveres secundários, laterais, anexos, acessórios ou instrumentais, como tais qualificados os deveres, imputados tanto ao devedor como ao credor, cuja fonte não é a manifestação volitiva.” (NEGREIROS: 1998, p. 236)
140
do contrato são deveres laterais, cuja observância é obrigatória pelas partes e
de cuja interpretação exsurge o dever de renegociar.
Consequentemente, uma vez preenchidos os requisitos atinentes ao dever de renegociar, as partes deverão se dispor a tanto, observado o dever de
boa-fé durante as tratativas correlatas. Em outros termos, para além de dar início
à renegociação, as partes, durante seu desenrolar, deverão se portar de modo
cooperativo, leal e transparente; em última análise, deverão ter postura e
condutas efetivamente tendentes a readequar o quanto contratado para que, ao
final, a finalidade do contrato possa ser atingida.
Os efeitos das tratativas de renegociação devem ser analisados de modo
casuístico, já que não é possível conferir um efeito homogêneo a todas as
espécies de relações jurídicas de longa duração368. Assim sendo, enquanto as
negociações tiverem lugar, o contrato poderá ter sua execução normalmente
mantida, como pode ocorrer, por exemplo, no caso em que a alteração das circunstâncias atinja apenas o cumprimento de determinada meta de vendas,
mas não interfira na regular execução do contrato. É possível, ainda, que,
durante as tratativas, o contrato tenha sua execução preservada na medida do
possível (prestações mínimas ou escopo parcial) ou, se nem isso for possível, o
contrato poderá ter sua execução suspensa até que novas bases sejam
acordadas entre as partes, sendo que essas duas últimas hipóteses já foram aplicadas, por exemplo, na recente crise da indústria naval, especialmente entre
estaleiros e empresas que com eles tinham contratado. Evidentemente, nesses
últimos dois casos é necessário que as partes acordem sobre o tema, diante da
inexistência de qualquer cláusula contratual sobre o tema369-370.
368 Nesse contexto, é oportuno trazer à colação a proposta de Susete GOMES, no sentido de que os contratos complexos devem ter “.... interpretação com base no caso concreto, na identificação das regras do jogo preestabelecidas de forma explícita e implícita pelas partes, na causa do contrato, nas(s) operação(ões) econômica(s) envolvidas e nos efeitos perante terceiros.” (2018, p. 242). 369 “Se l’efficacia del contratto rimane sospesa, il vincolo si trova in uno stato particolare, come se regredisse nella fase delle trattative: l’avveramento della condizione, che, generando l’obbligo di rinegoziare, sospende l’efficacia del contratto, crea una situazione equivalente a quella che, nelle trattative, e` la riserva di determinazione convenzionale di qualche clausola.” (PRATO:2016, p. 805) “Se a eficácia do contrato permanece suspensa, o vínculo se encontra em um estado particular, como se regredisse à fase das tratativas: o advento da condição, que, gerando a obrigação de renegociar, suspende a eficácia do contrato, cria um situação equivalente àquela que, nas tratativas, é a reserva para a determinação convencional de alguma cláusula.” (tradução livre) 370 Para UDA (2017, p. 50), a suspensão da execução do contrato é decorrência natural da renegociação entabulada pelas partes. É, em outros termos, uma consequência jurídica
141
Se, porém, as partes não mantiverem postura colaborativa, leal e
transparente ao longo das tratativas, cometerão ato ilícito passível de sanção,
consubstanciada no pagamento das perdas e danos correlatos, sem prejuízo da obtenção de tutela específica tendente a obter o início da renegociação ou,
ainda, a revisão ou extinção do contrato, como será demonstrado nos tópicos
subsequentes.
Observe-se, nesse passo, o teor do artigo 187, do Código Civil, que cria
uma nova categoria de atos ilícitos, quais sejam, aqueles decorrentes da
inobservância dos limites impostos pela função social do contrato, boa-fé e bons
costumes371.
A despeito da discussão em torno da natureza do conteúdo de tal
dispositivo legal372, o fato é que a inobservância às balizas ali postas configura
ato ilícito passível de tutela judicial. Em outros termos, é dever das partes atuar
transitória, isto é, limitada no tempo compreendido entre o advento da alteração das circunstâncias e o término da renegociação entabulada entre as partes. Uma vez terminada a renegociação, contrato teria sua execução retomada sob as novas condições ou, se frustrada a renegociação, o contrato seria extinto. 371 “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” 372 Há discussão, na doutrina, sobre se o artigo 187 traduz abuso de direito (cf. NORONHA:1994, por exemplo) ou exercício inadmissível da posição jurídica, sendo, para a configuração deste último, dispensável a presença do elemento culpa: “Trata-se de uma ilicitude situada, derivada dos meios (ou do modo) pelos quais é o direito subjetivo exercido, sendo objetiva, porque - em contraponto à ilicitude subjetiva - não perquire a voluntariedade do ato, mas atém-se à desconformidade com a norma legal que determina a verificação, in concreto, da concordância, ou não, entre o ato (comportamento) e certos valores ou finalidades tidos como relevantes pelo Ordenamento, tais como a conduta segundo a boa-fé, a adstrição ao fim econômico-social do negócio jurídico ou a obediência aos bons costumes.” (MARTINS-COSTA, 2008, p.409). Para COSTA (2009, p. 86), “não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário. Exige-se, todavia, um abuso nítido: o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício.” Para NANNI (2008, p. 748), o abuso de direito é instituto autônomo, que não se confunde com o ato ilícito stricto sensu, especialmente no que diz respeito à necessidade da presença do elemento culpa para sua configuração. Esse entendimento está refletido nos Enunciados 37 e 539, aprovados pela I e VI Jornada de Direito Civil, respectivamente: Enunciado 37: “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.” Enunciado 539:” O abuso de direito é uma categoria jurídica autônoma em relação à responsabilidade civil. Por isso, o exercício abusivo de posições jurídicas desafia controle independentemente de dano.” Ambos disponíveis em http://www.cjf.jus.br/enunciados/pesquisa/resultado acessado em 04 nov. 2018.
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dentro dos parâmetros dados pela função social do contrato e pela boa-fé (e
bons costumes), sob pena de cometerem ato ilícito373.
Logo, para que o exercício da autonomia privada almeje concretizar a justiça social e, pois, propiciar uma existência digna para todos (artigos 170 da
Constituição Federal e 421 do Código Civil), mister se faz que as partes
contratantes, ao longo da execução contratual, adotem uma postura condizente
com a finalidade da ordem econômica brasileira. Isso quer significar que a boa-
fé objetiva a permear a relação jurídica estabelecida entre os contratantes é
funcionalizada, isto é, deve estar em harmonia com os ditames da função social
do contrato374.
Nesse sentido, é interessante notar que a eficácia integrativa da boa-fé
objetiva lhe atribui força normativa suficiente para motivar a própria resolução
contratual375, porque não se pode admitir um sacrifício economicamente
impossível ou extremamente exagerado do devedor, para que a obrigação seja cumprida376. Tal hipótese de resolução contratual não se dá por onerosidade
excessiva, já que esta pressupõe a quebra da relação de equivalência objetiva
entre prestação e contraprestação; tal hipótese está fundada na quebra do
equilíbrio contratual inicialmente estabelecido entre as partes ou na base objetiva
do negócio jurídico. E seu fundamento está puramente no artigo 422, do Código
Civil.
373 Nesse sentido, o Enunciado 617, recentemente aprovado pela VIII Jornada de Direito Civil, assim dispõe sobre o tema: “ENUNCIADO 617 – Art. 187: O abuso do direito impede a produção de efeitos do ato abusivo de exercício, na extensão necessária a evitar sua manifesta contrariedade à boa-fé, aos bons costumes, à função econômica ou social do direito exercido.” (disponível em http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/enunciados-publicacao-site.pdf acessado em 25 mai. 2018) 374 Cf. MARTINS-COSTA: 2008, pp. 402/404, quanto à composição da boa-fé objetiva com outros princípios atinentes à relação obrigacional, postos tanto na Constituição Federal, quanto no Código Civil. 375 “Sob esta ótica, apresenta-se a boa-fé como norma que não admite condutas que contrariem o mandamento de agir com lealdade e correção, pois só assim se estará a atingir a função social que é cometida. Nesse campo tem a boa-fé objetiva particularíssima operativadade em matéria de resolução contratual, como já demonstrou Ruy Rosado de Aguiar Jr. em obra aqui reiteradamente referida.” (MARTINS-COSTA:1999, p. 457) 376 “Outro grupo de casos em que o dever de agir de acordo com a boa-fé justifica a extinção da relação obrigacional é aquele chamado de impossibilidade econômica, reunindo as hipóteses em que surgem obstáculos tais à realização da prestação debitória que esta, sem chegar a se tornar irrealizável, fica extremamente difícil, ou onerosa para o devedor, mas sem seja destruída a relação de equivalência objetiva entre prestação e contraprestação. A este propósito, diz-se na Alemanha que o devedor não está obrigado a gastos ou esforços que vão além do limite de sacrifício que seria dele exigível, segundo a boa-fé (doutrina do limite de sacrifício)”. (NORONHA:1994, p. 201)
143
MENEZES CORDEIRO, ao analisar a modificação dos contratos
decorrente da alteração de circunstâncias, no direito português, ancora seu
fundamento na visão positiva da boa-fé, isto é, naquela em que tal princípio obriga as partes a tomarem providência no sentido de readequar o contrato
segundo os seus preceitos. De acordo com o autor, a boa-fé “...indica o tipo e a
intensidade que as alterações hão-de assumir, para justificar a modificação ou a
resolução do contrato e intervém no definir das adaptações a que haja lugar.”
(1997, p. 1.108).
Ora, se assim é, a parte apta a requerer a resolução contratual com
fundamento em tal dispositivo de lei está, por via de consequência, apta a exigir
que a outra parte observe o seu dever de boa-fé e renegocie as bases
contratuais, de modo a manter viável a consecução da finalidade estabelecida
entre elas. Dito de outro modo: enquanto um pode resolver o contrato com
fundamento na boa-fé, o outro deve dispor-se a renegociar o quanto pactuado, em atenção ao dever de boa-fé, a fim de evitar a resolução contratual.
Nessa ordem de ideias, o credor que se nega a observar tal dever de boa-
fé, a um só tempo descumpre o quanto disposto nos artigos 422 e 187, do Código
Civil, já que deixa de cumprir o dever lateral de boa-fé e ao exigir o cumprimento
do quanto pactuado desborda os limites postos pela boa-fé.
Note-se que aqui não existe contradição ou defesa no sentido de que poderia haver mora debitoris e creditoris simultaneamente, até porque, como
discorrido no tópico que trata sobre a mora e o dever de renegociar, a alteração
das circunstâncias é o gatilho para que o credor se disponha a renegociar as
bases contratuais. Isso quer significar, como ali explicado, que o
descumprimento da prestação por força da alteração das circunstâncias não
configura mora, mas, apenas, retardamento justificado do cumprimento da
prestação.
Ainda que não fosse assim, do mesmo modo não haveria que se falar em
configuração simultânea de mora debitoris e creditoris. A obrigação, como
relação sistemática ou complexa que é, traz em seu bojo diversos feixes de
deveres e direitos de lado a lado. Assim, enquanto o devedor tem a obrigação
de cumprir a prestação a que havia se comprometido, o credor tem o dever de
144
observar os limites impostos pela boa-fé e pela função social do contrato, ao
exercer o seu direito de exigir o cumprimento da obrigação377.
Quando a obrigação se torna demasiadamente sacrificante, sem, no entanto, configurar hipótese de onerosidade excessiva, tem o devedor, com
fundamento na boa-fé, escusa legítima em relação ao cumprimento da
obrigação. Por seu turno, com o mesmo fundamento legal, tem o credor o dever
de renegociar o quanto pactuado, de modo a manter viva a possibilidade de
cumprimento da obrigação, em atendimento também ao princípio da função
social do contrato.
Assim sendo, uma vez configurada a hipótese de descumprimento
justificado da obrigação, exsurge o dever de renegociar, que, por óbvio, depende
da disposição do credor. E se o credor se nega a renegociar ou o faz sem
observar a boa-fé (faz proposta que não é factível, recusa a proposta que lhe é
feita, alonga sem justificativa as tratativas ou desiste da renegociação, por exemplo), terá ele descumprido o quanto disposto no artigo 422 do Código Civil,
porque se recusou a renegociar (dever cujo assento está em tal dispositivo legal)
e, ao mesmo tempo, terá cometido ato ilícito (artigo 187, do Código Civil), pois,
ao exigir o cumprimento da obrigação sem observar ou dar eco ao sacrifício do
devedor, desbordou os limites da boa-fé e da função social do contrato, que
emolduram o exercício de qualquer direito. Exsurgem, pois, as seguintes consequências: na hipótese de o credor se
negar a renegociar, poderá, o devedor, requerer ordem judicial para que o credor
renegocie, sob pena de multa diária ou de indicação de um negociador
profissional às expensas do credor, além da própria revisão ou resolução
contratual. Na hipótese de a renegociação se frustrar, poderá o devedor pleitear
a resolução ou revisão judicial do contrato. Em ambos os casos, por conta do
ato ilícito praticado pelo credor é, possível, ao devedor, requerer a condenação
do recalcitrante no pagamento das perdas e danos correlatos ao prejuízo
experimentado pela recusa em observar o dever de renegociar.
377 Cf. STEINER:2014, p. 231, para quem tanto credor quanto devedor podem descumprir os deveres laterais de conduta, mesmo que a prestação principal tenha sido regularmente cumprida. Segundo ela, “o mau cumprimento, aqui, está na desatenção aos deveres que fazem parte da relação obrigacional compreendida como complexidade, não residindo, como na hipótese de cumprimento imperfeito, em defeitos no objeto da prestação.”
145
Portanto, se houver inadimplemento da prestação, mas, apesar disso, a
prestação ainda for útil não só ao credor, mas, também, à sociedade que, de
alguma forma, é afetada por aquela relação jurídica, configurado estará o dever de renegociar, cujo assento infraconstitucional está no quanto disposto nos
artigos 421 e 422, do Código Civil. E o descumprimento de tal deverconfigurará
ato ilícito (artigo 187, do Código Civil), passível de correlata reparação (artigo
927, do Código Civil).
Anderson SCHREIBER (2017, pp. 294/295), em sua tese recentemente
publicada, também entende que existe um dever de renegociar, calcado na boa-
fé objetiva. Segundo ele:
“Com a consagração da boa-fé objetiva no Código Civil - e, mesmo antes disso, no Código de Defesa do Consumidor, bem como na produção doutrinária e jurisprudencial brasileira -, o contrato deixa de ser pacto originário estático para se converter em relação contratual dinâmica, funcionalizada ao atendimento do fim comum que as partes pretendem alcançar com sua mútua cooperação. Não se quer dizer, note-se, que o mundo dos negócios se torna um ambiente romântico, em que cada contratante deve, altruisticamente, abandonar suas posições de vantagem em benefício do outro. É natural e legítimo que cada contratante busque a realização de seu próprio interesse, mas não se permite mais que essa busca se realize com o sacrifício da finalidade comum que conduziu as partes à contratação. Não se tolera, à luz da boa-fé objetiva, que um contratante esvazie a utilidade do contrato, ou permaneça inerte quando sua atuação se faz necessária para que tal utilidade seja atingida. Impõe-se às partes o agir responsável, tomando em consideração os interesses do outro contratante, respeitando suas legítimas expectativas, tudo em prol da realização efetiva do fim contratual.”
Porém, para referido autor, o dever de renegociar está atrelado à prévia
configuração das hipóteses contidas nos artigos 317 e 478, do Código Civil, bem
como ao cumprimento do dever de informar, pelo devedor, quanto às
dificuldades atinentes ao cumprimento de sua obrigação. Em síntese, para
SCHREIBER, se a parte lesada pode requerer a extinção ou a revisão contratual
quando presentes os requisitos legais, com mais razão poderá exigir que a outra
146
parte disponha-se a renegociar o clausulado contratual. É, em última análise, a
aplicação da máxima “quem pode o mais, pode o menos”378-379
No trabalho ora desenvolvido, o ponto de derivação em relação aos autores acima citados é a existência do dever de renegociar mesmo quando as
partes não estejam diante de eventos externos - regulados pelo Código Civil –
que tenham gerado desequilíbrio na relação originalmente entabulada entre elas
e mesmo quando não haja previsão contratual nesse sentido. Em outros termos,
o que se sustenta é que, havendo alteração do risco originalmente assumido
pelas partes contratantes, em dimensão suficiente para abalar – para além do
razoável – o equilíbrio inicialmente formado, sem que isso configure quaisquer
das hipóteses previstas nos artigos 317 e 478, do Código Civil, as partes têm o
dever legal de renegociar e readequar os parâmetros contratuais, para que, ao
cabo, a obrigação estipulada seja cumprida e, pois, a finalidade do contrato seja
devidamente atingida. Ainda, como visto em tópico próprio, o que se propõe aqui é que existe o dever de renegociar ainda que o devedor tenha retardado o
cumprimento da prestação. Para tanto, é preciso que tal retardamento tenha se
configurado em razão da alteração das circunstâncias que dará ensejo à
renegociação contratual, ou seja, a alteração das circunstâncias deverá ter
ocorrido antes de incorrida a mora (rectius, retardamento) e, não, depois dela,
até porque o devedor responde pelos efeitos da mora que tiver dado causa.
378 “Em suma: se o contratante resistente à renegociação já pode ser compelido em juízo a aceitar a revisão do contrato, contra a sua vontade, não há razão para negar sua sujeição a um dever prévio de responder ao pleito de renegociação em sede extrajudicial. Ainda que se enxergue aí, por mero amor ao debate, uma limitação ao pacta sunt servanda, não se tem no dever de renegociar uma limitação maior, mas sim menor que aquela já acatada pela ordem jurídica brasileira na hipótese de revisão judicial do contrato, da qual pode o prejudicado, reconhecidamente, se socorrer. O dever de renegociar não constitui um plus, mas um minus em relação à revisão judicial do contrato, não se vislumbrando na imposição do dever de responder a um "invitation to renegotiate" qualquer risco de dano ao contratante destinatário da proposta que se afigure suficiente para exigir um controle judicial sobre a tentativa de revisão.” (SCHREIBER:2017, pp. 303/304) 379 Paula BANDEIRA comunga do mesmo entendimento de SCHREIBER: “Em síntese, o princípio da boa-fé objetiva, inspirado no princípio de solidariedade social, impõe às partes o dever de renegociação do contrato diante da excessiva onerosidade, ainda que o ajuste não contenha cláusula de hardship, por traduzir resposta obrigatória e equitativa que prestigia os princípios do equilíbrio contratual e da conservação dos negócios jurídicos. Caso, de outra parte, o contrato contenha cláusula de hardship, as partes terão evidentemente maior segurança em requerer o adimplemento do dever de renegociação, intensificado pela previsão contratual, que, de todo modo, fundamenta-se, para além do princípio da autonomia privada, nos princípios legais da boa-fé objetiva e de solidariedade social. A boa-fé objetiva, iluminada pelo princípio de solidariedade social, revela-se, em definitivo, razão justificativa e fundamento de validade do dever de renegociação dos contratos atingidos em seu equilíbrio pelas superveniências.” (BANDEIRA:2016, p. 1051)
147
Tal providência é pertinente e útil, na medida em que privilegia a
conservação dos contratos e, pois, a manutenção da correlata circulação de
riquezas, ao mesmo tempo em que prestigia a autonomia privada das partes, já que são elas quem devem entabular a renegociação necessária para continuar
a dar cumprimento ao contrato.
Nesse passo, o fator tempo nos contratos de longa duração é porta aberta
às intempéries econômicas (e outras tantas380) que podem atingir o sinalagma
originalmente estabelecido ou vislumbrado pelas partes. Algumas intempéries
podem inserir-se nas teorias da imprevisão ou onerosidade excessiva, que já
contam com amparo legal para revisão ou resolução contratual.
Mas há intempéries outras – e estas, sim, interessam para este trabalho
– que não estão abarcadas por tais teorias e, pois, merecem atenção do
intérprete, para que se apure a existência de proteção do ordenamento jurídico,
apta a garantir o regular cumprimento do contrato. Nessa toada, como já tratado anteriormente, deve-se ter presente que a obrigação que se alonga no tempo
deve ser analisada como um processo em permanente mutação, motivo pelo
qual a renegociação imposta às partes ao longo de sua execução é inerente à
própria existência da obrigação381.
Ao tratar dos riscos inerentes a qualquer contrato, mas, especialmente,
ao tratar dos riscos atrelados aos contratos de longa duração, denominados por Maria Luíza FEITOSA de “contratos (relacionais) de duração”, a autora aponta
que tais contratos necessariamente são mais flexíveis e trazem em seu bojo um
processo contínuo de renegociação entre as partes, para que o quanto pactuado
possa se amoldar às circunstâncias de mercado. Como, geralmente, tais
380 Nesse sentido, Otávio Luiz RODRIGUES JUNIOR (2013, pp. 469/514) escreveu artigo que aborda inúmeras circunstâncias e teorias acolhidas pelo Superior Tribunal de Justiça, para revisar contratos em curso. 381 “... a rigidez do texto contratual muitas vezes se mostra inadequada ou incompatível com os contratos de longo prazo, havendo a necessidade de flexibilização, em razão das novas circunstâncias e realidades, ou mesmo de complementação de conteúdo, em razão de sua incompletude, como trataremos mais adiante. A dificuldade de se harmonizar as condições escritas com a dinâmica contratual da prática mostra a tensão existente nos contratos de longo prazo. Assim, o contrato de longo prazo exige das partes uma contínua renegociação e adaptação.” (SCHUNCK: 2016, p. 35)
148
contratos dão origem a uma rede de contratos382-383-384 (parcerias tecnológicas,
formação de redes produtivas e de fornecimento de produtos, dentre outros), é
impossível, às partes contratantes, antever todos os problemas ou perturbações que podem abalar os riscos originalmente assumidos por elas385.
A auto regulação mencionada por Maria Luíza FEITOSA, no mais das
vezes decorre da existência de cláusulas contratuais nesse sentido, sendo, pois,
expressão da obrigação de renegociar. Porém, não se pode perder de vista que
contratos outros existem em que tal previsão não está posta e nem por isso se
faz ausente a necessidade pulsante de renegociação do contrato ao longo de
sua execução. E é nesta lacuna que o dever de renegociar se faz presente, por
força da aplicação da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Afinal, se
as partes contratantes – especialmente em relações de longa duração – são as
que melhor entendem das intempéries do mercado e suas consequências no
âmbito da execução do contrato, são elas as que melhor poderão, de boa-fé, renegociar o quanto pactuado, a fim de que a finalidade do contrato seja mantida
e a rede contratual que lhe é subjacente seja preservada386.
382 “Entende-se por redes contratuais a ‘coordenação de contratos, diferenciados estruturalmente, porém interligados por um articulado e estável nexo econômico, funcional e sistemático’, capaz de gerar consequências jurídicas particulares, diversas daquelas pertinentes a cada um dos contratos que conformam o sistema. Em síntese: reconhece-se que dois ou mais contratos estruturalmente diferenciados (entre partes diferentes e com objeto diverso) podem estar unidos, formando um sistema destinado a cumprir uma função prático-social diversa daquela pertinente aos contratos singulares individualmente considerados.”(LEONARDO: 2006, p. 440). 383 Segundo KATAOKA (2008, p. 4), o termo “rede” de contratos não é unívoco, pois a doutrina usa denominações distintas, tais como coligação (Itália); conexidade (Espanha), grupos (França) e rede (Alemanha). Esses termos, segundo o autor, são sinônimos, “... designando a situação na qual um contrato causa interferência no outro”. No mesmo sentido, cf. ROSA: s/d, pp. 428/430. Neste trabalho – como já se pode notar - optou-se por utilizar a expressão rede de contratos. 384 Não obstante o dever de renegociar fique mais evidente quando se está diante de uma rede de contratos, não se quer, aqui, limitar tal dever a apenas essa hipótese. Situações outras de contratos de longa duração, de natureza complexa, requerem também sua presença, o que, evidentemente, deverá ser objeto de análise casuística. 385 “Nesse contexto, os riscos são vistos com naturalidade (como elementos normais ao processo) e seus efeitos induzem a necessidade de um novo planejamento, métodos específicos de resolução que dependerão da atuação conjunta das partes. Não se estabelece a expectativa de uma solução imposta de fora pelo juiz, mas da construção de uma regulação interna, própria ao andamento do negócio. Diante desses contratos, o papel do Judiciário é significativamente reduzido, o que reforça a idéia - comum na doutrina ligada aos contratos relacionais - de que a experiência contratual relacional engendraria sua própria normatividade, constituindo-se no direito de si mesmo, ou seja, o contrato transformar-se-ia, pela performance normatizante que assume no curso do acordo, no próprio direito do contrato.” (FEITOSA:2005, p. 116) 386 Cf. o artigo de Claudia CRISTOFANI (2017, pp.223/228) sobre o papel do juiz em contratos de longa duração e sua limitação cognitiva decorrente da assimetria de informações a que está submetido, o que reforça a necessidade e a utilidade do reconhecimento de um dever de renegociar.
149
Nessa toada, a crítica feita pela autora, no sentido de que a existência de
um dever legal de renegociar poderia abalar a própria estrutura do sistema contratual, merece confrontação à luz da alternativa possível à renegociação
forçada: a resolução contratual. Qual das duas hipóteses traria mais risco ao
sistema contratual? Aquela que determina que os próprios contratantes devem
dispor-se a renegociar o quanto pactuado ou aquela que encerra,
prematuramente, o vínculo contratual e frustra o cumprimento de sua finalidade?
Tenha-se como exemplo o caso da Recuperação Judicial do Grupo Sete
Brasil387, cuja principal empresa foi criada para desenvolver o Projeto Sondas,
que produziria e forneceria 28 (vinte e oito) sondas para a Petrobras explorar
petróleo na camada do pré-sal.
Quando do início da Operação Lava-Jato, a colaboração premiada de um
executivo da Petrobras acarretou o congelamento do pedido e concessão de financiamento pelo BNDES, bem como a própria suspensão do Projeto Sondas,
por parte da Petrobras, o que, ao cabo, paralisou as atividades da Sete.
Segundo consta na petição inicial daquela demanda, antes de ingressar
com o pedido de recuperação judicial, houve negociação junto aos credores da
empresa, para que houvesse a suspensão da execução contratual (Standstill
Agreement), até que as circunstâncias que causaram a paralisação das atividades da Sete fossem alteradas. Porém, tal situação se prolongou no tempo,
o que acabou por forçar a empresa a requerer recuperação judicial.
O pedido de recuperação judicial foi distribuído em abril de 2016 e, ao
menos até o primeiro trimestre de 2018, ainda não havia sido votado o respectivo
Plano de Recuperação Judicial do Grupo. E o motivo para tanto, além de
diversos ajustes feitos no Plano, era a recalcitrância da Petrobras em ao menos
se dispor a renegociar o quanto pactuado com a Sete. Como a Petrobras era a
única cliente da Sete, se não houvesse a retomada do Projeto Sondas, ainda
Além de o juiz não ter acesso a todas as informações necessárias para bem decidir a causa, sempre enfrentará a dúvida de estar diante de uma informação ou de um ruído e, quanto maior o esforço para aumentar a precisão da adjudicação, maiores serão os custos envolvidos para tanto. 387 processo n.º 0142307-13.2016.8.19.0001, em trâmite perante a 3ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro. Autos eletrônicos disponíveis em disponíveis em http://www4.tjrj.jus.br/consultaProcessoWebV2/consultaProc.do?v=2&FLAGNOME=&back=1&tipoConsulta=publica&numProcesso=2016.001.121961-4 acessado em 20 jan. 2018.
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que em menor escala, a implementação do Plano de Recuperação Judicial seria
faticamente inviável388.
Em março de 2018, a imprensa noticiou que a Petrobras estaria negociando, através de mediação extrajudicial, a retomada parcial do Projeto
Sondas, com o término da construção de 04 (quatro) das 28 (vinte e oito) sondas
que seriam originalmente entregues pela Sete389-390.
Grosso modo, decorreram 02 (dois) anos entre a distribuição do pedido
de recuperação judicial e a disposição da Petrobras renegociar o quanto
pactuado com a Sete391. E, nesse meio tempo, a indústria naval brasileira ficou
praticamente paralisada, com a distribuição de outros tantos pedidos de
recuperação judicial (ou extrajudicial)392, o que acarretou, por via de
consequência, a ruptura de uma grande rede de contratos decorrente da relação
jurídica entre Sete e Petrobras, bem como ceifou milhares de empregos diretos
e indiretos, o que, em alguns casos, afetou a própria economia da região em que determinado estaleiro funcionava.
Porque bastante ilustrativo do que se está a afirmar, veja-se o seguinte
excerto da reportagem veiculada pelo Jornal Valor Econômico, em 12 de junho
de 2017, que trata do declínio da economia da cidade de Rio Grande, No Rio
Grande do Sul, onde funcionava o estaleiro Ecovix393:
388 Veja-se, nesse sentido, a petição protocolizada pelos patronos da Recuperanda, acostada às fls. 5.503/5.508, disponível em http://www4.tjrj.jus.br/consultaProcessoWebV2/consultaProc.do?v=2&FLAGNOME=&back=1&tipoConsulta=publica&numProcesso=2016.001.121961-4 acessado em 20 jan. 2018. 389 Cf. a reportagem em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/03/petrobras-aprova-proposta-de-acordo-com-a-sete-brasil.shtml acessado em 01 mar. 2018. 390 Cf. https://www.offshoreenergytoday.com/petrobras-on-the-brink-of-resolution-in-sete-brasil-rig-dispute/ acessado em 05 mar. 2018. 391 Não se pretende aqui adentrar nos motivos da suspensão do Projeto Sondas, porque tal tema implicaria a análise acerca da validade e eficácia dos contratos concluídos em ambiente de corrupção, tema este que renderia o desenvolvimento de outra tese. O que se faz, aqui, é tratar dos efeitos da suspensão de tal Projeto. 392 Cf., a título de exemplo, as seguintes recuperações judiciais: (1) EISA – processo n.º 0494824-53.2015.8.19.0001 - 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ; (2) ENSEADA – processo n.º 0494824-53.2015.8.19.0001 - 6ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ; (3) ECOVIX – processo n.º 0021114-08.2016.8.21.0023 - 0021114-08.2016.8.21.0023 – 2ª Vara Cível de Rio Grande/RS; e (4) AMAL - 0006337-38.2015.8.24.0033 – 1ª Vara Cível de Itajaí/SC (pende de julgamento, perante o Superior Tribunal de Justiça, conflito negativo de competência entre o juízo de Itajaí e o de São Paulo) 393 Disponível em http://www.valor.com.br/empresas/5000802/rio-grande-busca-saida-crise-dos-estaleiros?origem=G1&utm_source=g1.globo.com&utm_medium=referral&utm_campaign=materia acessado em 13 abr. 2018
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“Num intervalo de pouco mais de dez anos, a cidade portuária de Rio Grande foi da euforia com a implantação do polo naval destinado a construir plataformas de exploração de óleo e gás para a Petrobras à depressão com o fim das encomendas da estatal e a paralisação de projetos na esteira dos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato. (...) Toda a cidade sentiu o tranco com a derrocada do polo naval. Conforme o prefeito, em 2017 o município deve deixar de arrecadar entre R$ 60 e R$ 70 milhões em ISSQN e ICMS, o equivalente a cerca de 10% do orçamento de 2016.”
A mesma situação é retratada em 16 de outubro de 2018, pelo jornal A
Folha de São Paulo, acerca da economia da região onde está a cidade de São Roque do Paraguaçu, Bahia, onde funcionava o estaleiro Enseada. Apesar de
longo o excerto abaixo, sua reprodução é pertinente, porque demonstra a
persistência da crise econômica deflagrada com a Lava Jato, bem como a
abrangência de tal crise, para além da rede de contratos que se formou em
decorrência do contrato firmado entre Petrobras e Sete Brasil. Veja-se:
"Erguido pelo consórcio Odebrecht, Kawasaki, OAS e UTC, o empreendimento caiu em desgraça em 2014 após três das empresas —exceto a japonesa— serem denunciadas na Operação Lava Jato, ao lado da Sete Brasil, em uma crise que paralisou o estaleiro e extinguiu 7.462 empregos diretos. Quase 90% dos trabalhadores eram de cidades da região, como Salinas das Margaridas, Nazaré, Santo Antônio de Jesus e Maragojipe. Esta foi a mais atingida, com 3.588 vagas fechadas em 2015 —75% dos empregos formais da cidade. Comerciantes que lucraram no auge do estaleiro, de 2012 a 2015, foram à bancarrota. Hoje, ruas esvaziadas, estabelecimentos fechados e imóveis à venda ou para alugar retratam o desalento local. (...) O frenesi com a obra levou à abertura de cerca de 7.000 empresas na região. Desde o começo da recessão, porém, entre 2014 e o início de 2016, R$ 96 milhões só em salários deixaram de circular.”394
Os exemplos acima relatados são bastante significativos e, como esses,
existem outros tantos atinentes a outros setores econômicos, em que não só
394 Cf. a reportagem completa em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/10/crise-em-estaleiro-deixa-rastro-de-desemprego-e-falencia-na-bahia.shtml acessado em 16 out. 2018.
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houve prejuízo para a rede de contratos estabelecida, como, também, para
diversos outros contratos fora de tal rede395. De fato, como ressalta GARBI:
“No mundo atual de complexas e múltiplas relações privadas contratuais, entrelaçadas, coligadas e conexas, os contratos fazem parte de uma gigantesca engrenagem social e dela não podem se separar. Qualquer movimento das partes tem reflexos em outras relações. Não fosse o bastante a evidenciar a função social do contrato, a sua natureza de instrumentalização nas relações de trocas e na produção e circulação de riquezas faz recair sobre ele os interesses do Estado promocional e a atenção para a incidência dos valores maiores do sistema nas relações privadas. Conservar e disciplinar o contrato é interesse social.” (GARBI:2014, p. 142)
Assim, observando-se os efeitos negativos que a suspensão ou resolução
de um contrato pode causar em economias locais, regionais ou até mesmo
nacional, bem como a manutenção da utilidade da prestação para o credor e
para a sociedade, não restam dúvidas no sentido de que, ao invés de abalar a
estrutura do sistema contratual, o dever legal de renegociar apenas privilegia a
higidez de tal sistema, já que o que existe é o dever de as partes se disporem a
renegociar de boa-fé, e não a imposição de tal ou qual alteração contratual, como
ocorreria na hipótese de uma intervenção judicial.
Nessa ordem de ideias, é bastante oportuno trazer o quanto disposto no
Enunciado 169, elaborado durante a III Jornada de Direito Civil (AGUIAR
JUNIOR: 2012, p. 38): “o princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar
o agravamento do próprio prejuízo”. O dever de evitar o agravamento de prejuízo ou de mitigar os danos decorrentes do inadimplemento contratual – já acolhido
395 Tais como restaurantes, hotéis, locação de veículos (todos citados na reportagem da Folha de São Paulo acima mencionada), além de outros tantos exemplos, como prestadores de serviço de modo geral (professores, chaveiros, lavanderias etc.).
153
pela jurisprudência396-397 reforça a ideia de que, na hipótese de a prestação ainda
ser útil ao credor e à sociedade398, as partes devem, por força do quanto disposto
nos artigos 421 e 422, do Código Civil, renegociar o quanto pactuado, já que a resolução contratual traria danos (ou prejuízos) muito maiores do que a
renegociação de suas bases.
A necessidade premente de se conferir proteção legal às hipóteses de
mutação anômala dos riscos originalmente assumidos pelas partes, distintas
daquelas subsumíveis aos preceitos dos artigos 317 e 478 do Código Civil, é
corroborada pela existência de projeto de lei tendente a alterar a redação do
artigo 478 do Código Civil, para extirpar o termo “imprevisível” de sua redação.
396 Veja-se seguinte excerto de acórdão paradigmático sobre o tema, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça: “Inicialmente, cumpre destacar que o princípio da boa-fé objetiva contrapõe-se ao ideário patrimonialista e individualista vigente na ordem civil de 1916. Funda-se esta preposição na nova ordem constitucional, em que o princípio da dignidade humana ganha contornos de norma irradiadora e delimitadora de direitos. Desse modo, a boa-fé objetiva constitui a efetivação da proteção da dignidade da pessoa humana nas relações obrigacionais, pois circunscreve os limites éticos das relações patrimoniais entre os contratantes. (...) Assim, a boa-fé objetiva afigura-se como standard ético-jurídico a ser observado pelos contratantes em todas as fases contratuais. Ou seja, durante as diversas etapas do contrato, a conduta das partes deve ser pautada pela probidade, cooperação e lealdade. Destarte, a boa-fé objetiva é fonte de obrigação que permeia a conduta das partes a influir na maneira em que exercitam os seus direitos, bem como no modo em que se relacionam entre si. Neste rumo, a relação obrigacional deve ser desenvolvida com o escopo de se preservarem os direitos dos contratantes na consecução dos fins avençados, sem que a atuação das partes infrinja os preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico. Com esse entendimento, avulta-se o dever de mitigar o próprio prejuízo, ou, no direito alienígena, duty to mitigate the loss: as partes contratantes da obrigação devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. Desse modo, a parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano, pois a sua inércia imporá gravame desnecessário e evitável ao patrimônio da outra, circunstância que infringe os deveres de cooperação e lealdade.” (REsp 758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010) Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=983680&num_registro=200500967754&data=20100701&formato=PDF acessado em 14 abr. 2018. 397 “ENUNCIADO 629 – Art. 944: A indenização não inclui os prejuízos agravados, nem os que poderiam ser evitados ou reduzidos mediante esforço razoável da vítima. Os custos da mitigação devem ser considerados no cálculo da indenização.” (VIII Jornada de Direito Civil, disponível em http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/enunciados-publicacao-site.pdf acessado em 25 mai. 2018) 398 Utilidade esta entendida à luz da avaliação dos riscos existentes na hipótese de resolução contratual e de renegociação contratual, como explorado em tópico próprio deste trabalho.
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O Projeto de Lei 3.619/2008 – tramitando perante a Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), desde 20/03/2015399, propõe que
a redação do artigo 478, do Código Civil, fique desta forma:
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.” (NR)”
Na exposição de motivos, o autor do Projeto de Lei justifica a alteração
pretendida na existência de desequilíbrio contratual gerado pela inflação que,
justamente por ser fenômeno comum na economia brasileira, não era acolhida
pelos tribunais pátrios. Independentemente da crítica cabível quanto a tal justificativa400, é interessante notar que, ainda na exposição de motivos, é feita
alusão aos deveres laterais dos contratos e aos princípios constitucionais da
solidariedade e da dignidade da pessoa humana a ensejarem sua alteração com
a finalidade de manter conexão com a realidade vivida. Veja-se:
“Aliás, as modernas doutrinas sobre contratos ressalta (sic) a sua função social, baseados nos princípios da boa-fé e probidade das partes, princípios que o tornam coerente e compatível com a realidade do bem estar coletivo. E dentro dessa ótica é decorrência lógica que a leitura, o cumprimento das avenças devem estar alicerçadas em escritos e avaliação que vedem onerosidade excessiva para uma das partes e enriquecimento indevido para a outra; esse entendimento é o que melhor atende ao princípio da solidariedade e dignidade da pessoa humana, agasalhado pela Constituição. Desnecessário, pois, que o fator de desequilíbrio, ocorrente durante o cumprimento do contrato, seja previsível ou não. Tem-se pois, que ocorrido um evento extraordinário que torne insuportável a contraprestação, impõe-se a revisão contratual. (sic)”401
399http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=401227 acessado em 07 abr. 2018. Projeto de Lei 3.619/2008 400 Em verdade, a alteração, sob tal justificativa, deveria estar direcionada para o artigo 317, este sim originalmente redigido para tratar de casos de desvalorização da moeda: “Na redação original constante do projeto de lei que deu origem ao Código Civil, não havia referência a ‘motivos imprevisíveis’, mas sim a ‘desvalorização da moeda’ (...).” (PERLINGEIRO e BARBOSA:2010, p. 143) 401http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=ADB29AA696D8BCD7BEA0B0E7D17D7504.proposicoesWebExterno2?codteor=578960&filename=PL+3619/2008 acessado em 07 abr. 2018.
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Apesar disso e como anteriormente bem ressaltado por Renan LOTUFO
(2016, p. 147), a exclusão da imprevisibilidade não afasta a necessidade de se configurar o fato extraordinário a justificar o pedido de revisão ou resolução
contratual, motivo pelo qual, ainda assim, a mera alteração da base objetiva do
contrato não seria suficiente para acarretar o dever de as partes revisitarem o
quanto pactuado, para conformar as obrigações contraídas à realidade vivida, a
fim de manter, em última análise, hígida a finalidade daquele determinado
contrato.
Em nosso sentir, não há necessidade de qualquer alteração legislativa402,
com a finalidade de adequar o contrato à realidade social contemporânea. O
ordenamento jurídico brasileiro já dá assento ao dever de renegociar aqueles
contratos que, ao longo do tempo, foram impactados por alterações das
circunstâncias externas presentes quando da conclusão do contrato. E tal dever está calcado nos próprios princípios postos na exposição de motivos cujo excerto
foi acima transcrito: o Código Civil e a própria Constituição Federal já trazem tal
dever em seu bojo, na medida em que a livre iniciativa é, sempre, orientada pela
dignidade da pessoa humana e qualificada pela justiça social, o que, em outros
termos, quer significar que o ser humano é a tônica dominante das relações
jurídicas negociais403. Logo, as partes contratantes, em observância ao dever de guardar boa-fé
desde o nascedouro do contrato, devem renegociar suas bases quando a
alteração das circunstâncias externas causar ruídos tais na relação jurídica que
impeçam o regular cumprimento da obrigação pactuada. Ao assim se
comportarem, as partes, a um só tempo, atenderão o princípio da boa-fé objetiva,
bem como o da conservação dos contratos e o da função social, já que, ao
manter viva a obrigação inicialmente pactuada, ainda que com as adaptações
402 Giuliana SCHUNCK (2016, p. 205) entende que, apesar de ser salutar a inclusão no Código Civil de dispositivo legal específico para tratar dos deveres anexos de conduta e suas consequências, o artigo 422 e 113 já se prestam a abarcar o dever de cooperação, inclusive em padrão mais intenso para relações jurídicas de longo prazo, o que, por via de consequência, inclui o dever de renegociar, uma das expressões do dever de cooperação. 403 “Daí, também, a afirmação de que os princípios econômicos – primordiais para o funcionamento do mercado – são instrumentais, ou seja, constituem ferramenta para que seja alçada a dignidade da pessoa humana e os princípios insculpidos no art. 3º da Constituição do Brasil, além de outros vetores de índole social presentes na Constituição.” (FORGIONI:2012, P. 174)
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necessárias, a circulação de riquezas será preservada e, pois, a atividade
econômica derivada de tal contrato também o será404.
Uma vez mais, o contraponto necessário é a existência de eventual violação ao princípio do pacta sunt servanda, já que, se não há vício de origem
ou de execução, o contrato é válido e eficaz e a obrigação, pois, deve ser
cumprida.
Todavia, segundo RODOVALHO, este é um conflito apenas aparente,
porque o dever de renegociar não fere o princípio do pacta sunt servanda; ao
contrário, serve para mantê-lo hígido durante toda a execução do contrato405.
Segundo o autor, quando a vinculação entre as partes se submete ao fator
tempo, isto é, quando se está diante de contratos de longa duração, existe a
possibilidade de haver desnaturação do sinalagma originalmente pactuado entre
elas. Em tais hipóteses, é preciso que as partes busquem, novamente,
restabelecer a base objetiva do negócio jurídico406, para que tal desnaturação seja devidamente corrigida. E tal restabelecimento se dá por meio do dever de
renegociar, que, ao fim e ao cabo, servirá para manter a higidez do princípio do
pacta sunt servanda407-408.
O que se deve ter presente é que a base objetiva é verdadeiro instrumento
de proteção dos contratos de longa duração e de concretização do princípio da
404 Cf. ROSA: s/d, pp. 421/422 e 424, que, ao analisar os contratos internacionais, afirma que, em contratos complexos de longa duração, a técnica de adaptação do contrato deriva da função integradora do princípio da cooperação e boa-fé e privilegia a manutenção dos contratos, ao invés de sua resolução. Segundo a autora, em contratos desse tipo, deve-se entender que as partes não pactuaram apenas o que está posto expressamente nas cláusulas contratuais, mas, também, implicitamente, a continuidade da relação jurídica entre elas entabulada, adaptada às novas circunstâncias advindas durante a execução do contrato, desde que tal alteração tenha afetado o programa contratual inicialmente estabelecido entre as partes. 405 “O dever de renegociação contratual não conflita com o princípio do pacta sunt servanda [do contrário, admitir que princípio do pacta sunt servanda conflita com o dever de renegociação, equivaleria a defender uma contradição interna no próprio ordenamento jurídico, no Código Civil, haja vista que ele, ao mesmo tempo, prescreve a vinculação contratual, mas também admite a sua resolução por onerosidade excessiva]." (2014, p. 100) 406 A base objetiva do negócio jurídico “consubstancia-se no complexo de circunstâncias externas ao negócio jurídico, cuja persistência deve ser razoável e objetivamente pressuposta para que se mantenha o escopo do contrato” (RODOVALHO: 2014, p. 101) 407 RODOVALHO: 2014, pp. 100/101. 408No mesmo sentido é o entendimento de Ruy Rosado de AGUIAR (2011, pp. 946/947), que, a despeito de externado para análise de revisão contratual, pode ser aplicado à renegociação contratual. Segundo o autor, não há qualquer desvio ou violação do pacta sunt servanda e nem tampouco abalo da segurança jurídica. O que há, apenas, é a de distribuição de novos riscos surgidos durante a execução do contrato. Em outros termos, trata-se apenas do direito do devedor não ver os danos decorrentes da alteração da realidade social cair somente sobre suas costas.
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segurança jurídica, pois permite que aquelas circunstâncias que permearam a
conclusão do negócio jurídico sejam mantidas. Em outros termos, se houver
extrapolação dos riscos assumidos originalmente de parte a parte (álea natural do contrato), de modo a desnaturar o sinalagma originalmente estabelecido, as
partes, de boa-fé, deverão renegociar o quanto contratado para que a base
objetiva daquele negócio seja restaurada e, consequentemente, para que o
cumprimento daquele contrato seja assegurado.
Não obstante a teoria da base objetiva do negócio jurídico ser o
fundamento para a revisão contratual prevista no Código de Defesa do
Consumidor (artigo 6º, inciso V409), como anteriormente mencionado, o Código
Civil não a incorporou como fundamento das hipóteses de revisão contratual nele
contidas; o legislador preferiu lançar mão da teoria da imprevisão e da
onerosidade excessiva, respectivamente nos termos dos artigos 317 e 478, do
Código Civil. Apesar disso, é certo que a necessidade de manutenção da base objetiva
do negócio jurídico encontra eco na codificação civil: numa tomada panorâmica,
nota-se que sua existência repousa no próprio princípio da operabilidade, um
dos norteadores do Código Civil de 2002, que busca dar concreção e efetividade
à norma jurídica nos mais diversos momentos históricos pelos quais a
codificação passará. Numa tomada focada nas relações contratuais, a base objetiva do negócio jurídico deriva da própria aplicação dos princípios da boa-fé
objetiva, da função social do contrato e da conservação dos negócios jurídicos,
já que o contrato, por sua própria natureza, forma-se para ser regularmente
cumprido e sua regular execução tem efeitos sociais que não podem ser
ignorados pelas partes410.
409 “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; (...)” 410 “Pela aplicação do princípio norteador da operabilidade, é necessário buscar a adequação e a aplicação da norma jurídica ao caso concreto e às circunstâncias negociais. Procura-se assim, pela busca e adequação do plano econômico-social, a aplicação da base objetiva do negócio jurídico consubstanciado na realidade de cada tipo negocial. (...) Assim, o que se busca é a integração entre a norma abstrata e um determinado contrato objetivado, considerando as circunstâncias do negócio e a sua harmônica coexistência com o interesse coletivo, de forma que não faz mais sentido a aplicação binária da força vinculante dos contrato (ter ou não ter) e respectiva autonomia privada (permitida ou não permitida) tal como pura lógica cartesiana.
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Nesse sentido, se durante a execução do contrato houver alteração das
circunstâncias externas que permearam sua conclusão, de modo desnaturar o risco originalmente assumido pelo devedor e, pois, causar-lhe dificuldade no
cumprimento da obrigação, faz sentido que este exija do credor a adoção de
conduta consonante com a boa-fé, consubstanciada na renegociação das bases
contratuais411, para que, na medida do possível, o sinalagma originalmente
estabelecido seja retomado e, pois, o contrato possa ser cumprido412. E a
necessária remodelação do contrato, para que este possa continuar a cumprir
seu objetivo primeiro de viabilizar a circulação de riquezas não fere ou viola, mas,
ao contrário, serve a dar força e consecução ao princípio do pacta sunt
servanda413.
Nessa ordem de ideias, ao contrário do que pode parecer à primeira vista,
o dever de renegociar é útil à preservação da finalidade econômica do contrato, isto é, à circulação de riquezas; reforça a efetiva cooperação entre as partes, já
que a conservação do contrato, em última análise, faz com que estas se
A sistemática do Código Civil, não admite mais a análise do direito posto e individualista, mas busca um direito adaptável à cada caso concreto, tal como demonstrado acima, em especial pela influência do princípio da função social do contrato e da boa-fé objetiva.” (REBOUÇAS:2017, pp.55/56) 411 Está-se aqui a tratar da base objetiva do negócio jurídico (conjunto de fatores existentes quando da conclusão do contrato e que deverão perdurar ao longo de sua execução) e, não, da base subjetiva, que corresponde às expectativas das partes quando da conclusão do contrato (expectativas estas, cuja avaliação se dá de modo objetivo, isto é, de acordo com a vontade declarada). 412 “Todo contrato pressupõe um conjunto de circunstâncias objetivas, cuja permanência é indispensável à economia do negócio, que sem elas ficaria descaracterizado. Quando a relação inicial de equivalência objetiva entre prestação e contraprestação venha a desaparecer, em conseqüência da alteração daquelas circunstâncias indispensáveis · à economia do negócio70, é absolutamente justificado, tanto à luz do princípio da justiça contratual como do da boa-fé (ambos atuando aqui no mesmo sentido), que se proceda à sua revisão, com reequilíbrio das prestações ou, quando tal não for possível, com resolução do próprio contrato.” (NORONHA:1994, pp. 237/238) 413 Mutatis mutandis, veja-se o entendimento de MELFI e MORGADO (2013, p. 290), que bem se aplica ao dever de renegociar, já que, se a revisão judicial é instrumento de manutenção ao pacta sunt servanda com muito maior razão o dever de renegociar também o é. In verbis: “Se utilizada com bastante cautela pelas partes e, tomada com a devida prudência pelo juiz, a ação revisional é importante instrumento de manutenção o quanto possível das bases iniciais do contrato, preservando, em vez de afrontar, a vontade das partes que deu origem ao negócio. Significa a intervenção estatal, não para afastar, mas sim para confirmar a manifestação volitiva que gerou o contrato e suas bases iniciais. Se a hipótese é ou não de revisão, cabe ao magistrado realizar juízo de valor, podendo se valer de disposição expressa de lei e sólida base doutrinária. E isso só é possível por meio de uma formação capaz de avaliar as características de determinados negócios, os riscos envolvidos, sua distribuição e determinadas praxes empresariais.”
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esforcem mais para dar cumprimento ao quanto pactuado, com as devidas
conformações decorrentes do fator tempo. E, ainda, dá cumprimento à função
social do contrato, já que preserva os interesses dos terceiros que, de algum modo têm alguma relação com aquele determinado contrato.
Em artigo dedicado a analisar a função social do contrato sob o viés
empresarial, Raquel SZTAJN (2005, pp. 29/49) tece diversas críticas à redação
do artigo 421 do Código Civil, especialmente porque a função social do contrato,
conceito aberto e vago, estaria em rota de colisão com a uniformidade,
previsibilidade e segurança jurídica que devem permear as relações jurídicas
econômicas. Com isso, segundo a autora, a dinâmica do funcionamento do
mercado seria abalada, já que a análise do cumprimento ou não da função social
do contrato seria conferida a um terceiro (juiz ou árbitro) que, no mais das vezes,
desconhece os meandros daquela atividade econômica, mas acaba por intervir
na relação jurídica das partes para revisar, inadequadamente, o quanto pactuado. E a consequência de tal medida, ao invés de ajustar o mercado,
serviria para o tornar mais instável, aumentando o custo das operações ou,
ainda, extinguindo a oferta de determinados produtos ou serviços414-415.
As pertinentes críticas da autora reforçam o já anteriormente afirmado,
pois apontam, justamente, para a necessidade e utilidade de se acolher o dever
414 “Exemplo é a discussão dos contratos de leasing, nos quais a correção por variação cambial foi questionada em face da mudança abrupta, mas não inesperada, da paridade da moeda nacional em relação ao Dólar norte-americano, no início de 1999. Sem atentar para o fato de que o risco de eventual variação extraordinária do câmbio fora aceito pelos consumidores em troca de uma taxa de juros menor que as praticadas no mercado quando os contratos era ajustados em moeda corrente, as decisões judiciais favoráveis aos demandantes consumidores foram causa do desaparecimento do leasing no país, com o quê, no médio prazo, a sociedade perdeu bem-estar. Outros exemplos de decisões judiciais há que revelam efeitos de segunda ordem que se abatem sobre certos mercados, sem que o Judiciário se dê conta do fato. Um dos mais recentes, provocado pelo art. 421 do CC, prende-se a contratos de venda de soja por agricultores à indústria. A variação para mais no preço da soja e derivados, que não foi dividida com os produtores, e a invocação da "função social do contrato" deram causa a sentenças que resolveram operações contratadas antes do evento variação de preço. E, como efeito de segunda ordem, o fato de que a quebra da relação de confiança entre produtores e indústria fez cessar práticas como a antecipação, por conta do preço a ser pago ao final, de fornecimento pela indústria, aos agricultores, de sementes, adubo, defensivos ou outros insumos. Resultado foi o endividamento frente ao sistema financeiro, com o quê o risco, que antes era dividido entre industrial e produtor, recaiu inteiramente sobre o último.” (SZTAJN:2005, p. 40) 415 No mesmo sentido, confira-se Almir Rogério GONÇALVES (2005, p. 99): “Cruel, nessa análise, é constatar que o Judiciário, no bom intuito de aliviar os devedores do sistema brasileiro de crédito e, assim, praticar a justiça social, acaba por produzir o efeito exatamente inverso, pois os custos financeiros de suas decisões não são suportados pelas instituições financeiras, mas sim por aqueles devedores mais hipossuficientes entre os hipossuficientes o que, por si só, representa transferência socialmente injusta de renda.”
160
de renegociar, já que as partes, estas sim conhecedoras da atividade econômica
em que o contrato está inserido, têm todas as ferramentas necessárias para,
observando os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, cuidar de conservar o quanto pactuado, para que, ao cabo, a finalidade do contrato seja
atingida416.
Assim sendo, se a variação dos riscos é inerente aos contratos de longa
duração e se tal variação, apesar de previsível, pode extrapolar os limites do
razoável, nada melhor do que as partes contratantes renegociarem as bases
contratuais, se não de esponte própria, por força da observância dos deveres
laterais que lhes são impostos pelo Código Civil e pela própria Constituição
Federal. O dever de renegociar está, pois, em absoluta consonância com os
princípios norteadores da atividade econômica, além de propiciar um melhor
“azeitamento” da máquina do mercado, já que evita que um terceiro, alheio aos
meandros daquele mercado, decida quais deverão ser as novas balizas a orientar determinada relação jurídica negocial.
Nesse sentido, porque também se trata de meio de autocomposição, é
interessante trazer à colação o pensamento de Nancy ANDRIGHI (2010, pp.
20/21), porque, guardadas as devidas proporções (presença de terceiro
mediador, objeto da mediação etc.), a renegociação também cuida dos motivos
que levaram ao descumprimento contratual e, focado na relação entre as partes contratantes, olha para o futuro e manutenção da relação jurídica entre elas
existente. Veja-se:
416 “A função social do contrato tem de conviver com a dinâmica dos mercados; objetivo das normas de direito positivo, e também das sociais, seria diminuir riscos e estimular o cumprimento das promessas como forma de facilitar a continuidade da atividade econômica. Por isso é que se pensa em regramento flexível, que estimule a confiança na acordada distribuição dos riscos inerentes às operações de longo prazo e de execução continuada que aparecem no lado da oferta, sem o quê a probabilidade de elevação dos custos de transação e, no limite, de desestímulo a operações é não desprezível. A plasticidade do sistema de normas implica serem poucas as imperativas em relação com as facultativas ou supletivas, com o quê se facilitam releituras e acomodações entre agentes desde que haja entre eles confiança, que se contrói ao longo do tempo. Não basta boa-fé: é preciso mais, é preciso que o diálogo seja permanente, em ambiente de respeito às idiossincrasias de certos investimentos. Nos contratos de longo prazo, de execução continuada ou diferida, outro problema se apresenta, e tem que ver com a análise, por terceiro estranho à operação, do contrato. É que a assimetria de informações existente na maior parte dos casos, quando de eventual revisão do conteúdo contratual por terceiro, mesmo que, no mais das vezes, feita em via judicial, tende a produzir efeitos de segunda ordem que vão além dos limites do caso concreto. E, pior, muitas vezes a intervenção judicial acaba por facilitar ou favorecer comportamentos oportunistas.” (SZTAJN: 2005, pp. 39/40)
161
“Na mediação, as pessoas em conflito são incentivadas a dialogar, a exteriorizar seus sentimentos acerca do conflito e, principalmente, são conduzidas por elas mesmas a encontrar uma solução, sem a interferência externa do juiz ou de qualquer outra pessoa. (...) Sobressai aqui o verdadeiro papel da mediação, que exige acurada reflexão, porque nela não vamos ter processos, vamos ter pessoas com problemas. Não vamos ter consolidação de jurisprudência, e a lei será usada apenas como uma referência. (...) A proposta da mediação trabalha sempre para a "reconstrução" do amanhã - o que as pessoas em conflito realmente desejam no presente ou almejam para o futuro, procurando eliminar as mágoas do passado.”
O excerto acima transcrito também se aplica às pessoas jurídicas
integrantes de um contrato, porque, em última análise, o contrato é entabulado
por pessoas. É comum, no Brasil, haver grandes empresas pertencentes a uma
família ou a um grupo de famílias cujo relacionamento atravessa gerações417. Tai empresas podem adotar a forma de sociedade de pessoas ou de capital e,
neste último caso, o capital, apesar de, no mais das vezes, ser fechado, também
pode ser aberto, concentrando-se, porém, a maioria das ações com uma
determinada família. E ainda que que se trate de empresas efetivamente
despersonalizadas, no mais das vezes os negócios são atrelados a
determinados setores da empresa, setores esses que, a miúde, são compostos por profissionais que lá estão há anos e não só se envolvem emocionalmente
com o projeto correlato, como, também, são responsáveis pela tomada de
decisão final a respeito dele. Portanto, a percepção das relações humanas por
detrás das relações negociais é, em última análise, a própria tônica dominante
do trato negocial.
Ainda sobre a utilidade da existência do dever de renegociar, SCHREIBER aponta outros elementos que contribuem para tanto, tais como a
diminuição de custo para as partes, seja quando da negociação do contrato ou,
ainda, quando da eventual propositura de demanda tendente a revisar ou
extinguir o contrato. Ao lado disso, o dever de renegociar supriria o problema
417 Os exemplos são múltiplos ao longo da história recente: Pão de Açúcar, Votorantim, Klabin, Casas Bahia, Coteminas, Sadia, JBS, SBT, Globo, dentre inúmeras outras.
162
causado pela incompletude do contrato, já que as partes, quando concluem o
negócio jurídico de longa duração não são capazes de prever todas as
intempéries a que o contrato será submetido418-419. Portanto, ao invés de atrapalhar o fluxo do tráfego econômico ou, ainda,
de desnaturar a força obrigatória dos contratos, o dever de renegociar é
instrumento hábil a garantir o regular funcionamento da máquina do mercado,
privilegiando a autonomia privada das partes contratantes na solução dos
problemas de execução do contrato, surgidos das alterações das circunstâncias
ao longo da vigência contratual.
418 “Em primeiro lugar, constitui uma resposta idônea ao problema da "racionalidade limitada", assim entendida a falta de capacidade dos contratantes para prever, ao tempo da celebração do contrato, todas as vicissitudes que podem ocorrer ao longo da relação contratual - falta de capacidade que opera, frequentemente, como desincentivo à contratação. O reconhecimento de um dever de renegociação funcionaria, assim, como um estímulo à celebração de contratos duradouros, beneficiando as partes· e a economia em geral. Ainda sob o prisma econômico, o reconhecimento de um dever de renegociação representaria a diminuição de custos transacionais, como observa a doutrina afiliada à análise econômica do direito. Isso porque a prática contratual já tem consagrado com enorme frequência cláusulas que impõem o dever de tentar obter, por meio de renegociação de boa-fé, a revisão extrajudicial do contrato. Diante de tal circunstância, afigura-se mais eficiente que a própria ordem jurídica reconheça o dever de renegociar, fornecendo as balizas para o seu cumprimento e poupando as partes dos custos e esforços inerentes à elaboração, negociação e interpretação das referidas cláusulas contratuais. A renegociação evita, ainda, custos adicionais que a eventual ruptura do contrato- como efeito de uma bem-sucedida demanda resolutiva ou de uma má-sucedida demanda revisional- poderia gerar para a reobtenção, por ambos os contratantes, de uma relação contratual equivalente no mercado. Argumenta-se, igualmente, que a existência de um dever de renegociação favorece, de modo geral, o melhor cumprimento dos contratos. Isso porque, em um cenário carente de tal dever, o contratante excessivamente onerado, inseguro quanto ao eventual reequilíbrio do contrato e indesejoso de enfrentar os ônus de uma demanda judicial, poderia limitar-se ao adimplemento formal de suas obrigações, deixando de efetuar investimentos necessários a assegurar a completa fruição do resultado esperado pela contraparte. O mesmo não ocorreria diante do reconhecimento pela ordem jurídica de um dever de renegociação. Registre-se, ainda sob o enfoque da análise econômica, a comparação entre o dever de renegociar e os demais remédios oferecidos pela ordem jurídica, quais sejam, a resolução e a revisão judicial do contrato. Enquanto esses dois últimos remédios exigem necessariamente o recurso ao Poder judiciário, o dever de renegociação atua desde logo, em sede extrajudicial. Os custos de uma solução obtida por cumprimento do dever de renegociar, ao menos nessa etapa, afiguram-se, portanto, inferiores, confirmando se tratar de alternativa mais vantajosa para ambas as partes, na medida em que "application to the court in arder to invoke other remedies is more expensive and time consuming for both parties" ("submissão à corte para invocar outros remédios é mais custosa e consome mais tempo de ambas as partes")” (SCHREIBER: 2017, pp. 301/302) 419 No mesmo sentido, cf. MACAULAY:2003, pp.44-79, para quem os contratos representam muito mais do que aquilo que está efetivamente posto no documento propriamente dito e podem sofrer diversas intempéries difíceis de prever. Segundo o autor, é difícil trazer o futuro para o presente, já que a capacidade do ser humano de prever o futuro é bastante limitada, inclusive para executivos experientes, que estão bastante acostumados com o giro negocial de determinado setor econômico. Nesse passo, uma observação interessante do autor, especialmente no que tange aos contratos relacionais é que, em contratos desse tipo, em que a relação de confiança entre as partes é bastante elevada, elaborar um contrato extremamente detalhado pode ser sinal de desconfiança entre as partes, o que, logo de início, já poderia abalar a relação de confiança que se espera das partes.
163
3.2. A frustração da renegociação O dever de renegociar, como anteriormente posto, envolve a obrigação
de as partes, alteradas as circunstâncias que permearam a conclusão do
contrato, dialogarem (renegociação) de boa-fé, a fim de restabelecer o equilíbrio
inicialmente existente entre elas. Assim sendo, o dever de renegociar não é uma
obrigação de fim (obter sucesso na renegociação), mas, sim, de meio
(renegociação de boa-fé) 420-421-422-423. Portanto, é possível que a renegociação
se frustre, motivo pelo qual é importante avaliar as consequências de tal
frustração.
Tendo em vista que o dever de renegociar tem como objetivo privilegiar a
conservação do contrato ao invés de sua extinção, uma vez frustrada a
renegociação sem culpa de qualquer das partes, a consequência natural será a extinção do contrato entabulado.
Nesse caso e até em razão da alteração das circunstâncias, a extinção
contratual também deverá ser objeto de negociação, já que as partes deverão
acordar sobre a aplicação dos consectários contratuais de modo geral, bem
como sobre a repartição dos prejuízos decorrentes de tal alteração. Do mesmo
modo, as partes muito provavelmente tratarão sobre eventual processo de transição a caminho da extinção do contrato, o que abarca, por exemplo, passivo
trabalhista, contratos celebrados e em vigor por conta do contrato cuja extinção
é objeto de negociação. Se as partes não atingirem um denominador comum,
naturalmente a controvérsia será posta à solução dada por um terceiro (juiz ou
árbitro), que, em última análise, terá a tarefa de substituir a vontade das partes
420 “Desde logo é de se advertir que da cláusula de renegociação surge uma obrigação de meio, pois não há dever que imponha às partes chegar a um acordo, embora elas possam "estabelecer contratualmente uma obrigação de resultado". (AGUIAR:2011, p. 940) 421 Ainda, é de se ressaltar que o mesmo autor entende que a renegociação é mandatória, ainda que as partes não a tenham pactuado, por força da aplicação do princípio da boa-fé (AGUIAR: 2011, p. 943) 422 “Entendemos que, de fato, as partes devem guardar em suas condutas a maior lealdade possível, esperando-se delas que tentem inicialmente negociar com atitudes positivas nesse sentido. Mas não se pode obriga-las a chegar a uma solução e adaptar o contrato. E nem seria razoável do ponto de vista comercial que houvesse essa obrigação, já que aquilo que uma parte pode entender como sendo razoável para reequilibrar ou complementar o conteúdo do contrato, pode se mostrar totalmente inadequado para a outra.” (SCHUNCK:2016, p. 196) 423 Cf. PRATO:2016, p. 807; Cf. UDA:2017, p. 51.
164
e determinar as condições em que o contrato será extinto, tendo como
parâmetros o próprio escopo do contrato e a renegociação entabulada pelas
partes. Na experiência internacional existe, ainda, mais uma via intermediária à
extinção contratual, em caso de frustração da renegociação: sua revisão.
Os parâmetros dados pelo Código Civil francês e, também, pelos
Princípios do UNIDROIT e pelos Principles of European Contract Law (PECL),
apontam que, na hipótese de a renegociação se frustrar, caberá ao juiz ou árbitro
determinar as condições em que a resolução do contrato se operará ou, ainda,
as condições de revisão do contrato, cuidando de distribuir equitativamente os
prejuízos ou ônus decorrentes de tal revisão424.
No caso de revisão contratual, o juiz apenas buscará o reequilíbrio do
contrato se isso for razoável, isto é, se isso não desnaturar a essência e os
pilares do contrato sob sua análise. Tanto é assim, que, nos comentários feitos por juristas ao artigo 6.2.3, dos Princípios do UNIDROIT (2016, pp. 225/226425),
afirma-se que tanto a extinção do contrato, com distribuição de prejuízos, quanto
a revisão, com restauração do equilíbrio perdido e possível readaptação do
preço, deverá ser feita apenas se tal providência for razoável. Se não for, o juiz
poderá determinar que as partes retomem as negociações com o intuito de obter
um acordo quanto a adaptação de suas bases ou, se isso não for possível, que mantenham o contrato como ele é. E, nesse último caso, não sendo possível o
cumprimento da prestação ou a purgação da mora, a consequência natural será
a resolução contratual426.
424 Note-se que, na experiência internacional, a resolução do contrato em decorrência da alteração das circunstâncias e frustração do dever de renegociar se dá sob a premissa de que a parte prejudicada não inadimpliu o contrato. Uma vez configurada a alteração das circunstâncias e tendo, o cumprimento da obrigação se tornado por demais oneroso, a parte prejudicada é obrigada a informar tal situação e manter o cumprimento da obrigação enquanto a renegociação está em curso. É por isso que, em caso de frustração da renegociação e intervenção de um terceiro (juiz ou árbitro) para resolver o contrato, haverá fixação de data e condições de extinção do vínculo contratual, o que não englobará nenhuma obrigação passada, já que (pressupõe-se) terá sido regularmente cumprida. 425 Disponível em https://www.unidroit.org/instruments/commercial-contracts/unidroit-principles-2016 acessado em 27 mai. 2018. 426 7. Court measures in case of hardship (…) Accordingly, paragraph (4)(a) provides that termination shall take place “at a date and on terms to be fixed” by the court. Another possibility would be for a court to adapt the contract with a view to restoring its equilibrium (paragraph (4)(b)). In so doing the court will seek to make a fair distribution of the losses between the parties. This may or may not, depending on the nature of
165
Percebe-se, com isso, o cuidado em se manter o equilíbrio entre
autonomia privada, boa-fé e função social do contrato, já que a submissão do
caso a um terceiro (juiz ou árbitro) depende não só do esgotamento da via da renegociação, como também, é limitada e mitigada pela razoabilidade. Ao
analisar o caso concreto, o julgador cuidará de revisar ou extinguir aquela
relação jurídica apenas se isso for razoável, usando, como parâmetro, não só o
tipo contratual, o programa econômico-contratual estabelecido entre as partes,
os sinalagmas genético e funcional e outros aspectos da relação contratual,
como, também, a própria renegociação entabulada entre as partes (soluções e
parâmetros propostos e motivos de não aceitação)427-428.
the hardship, involve a price adaptation. However, if it does, the adaptation will not necessarily reflect in full the loss entailed by the change in circumstances, since the court will, for instance, have to consider the extent to which one of the parties has taken a risk and the extent to which the party entitled to receive a performance may still benefit from that performance. Paragraph (4) of this Article expressly states that the court may terminate or adapt the contract only when this is reasonable. The circumstances may even be such that neither termination nor adaptation is appropriate and in consequence the only reasonable solution will be for the court either to direct the parties to resume negotiations with a view to reaching agreement on the adaptation of the contract, or to confirm the terms of the contract as they stand. “7. Medidas judiciais em caso de hardship (…) Assim, o parágrafo (4) (a) estabelece que a rescisão ocorrerá “em uma data e em termos a serem fixados” pelo tribunal. Outra possibilidade seria um tribunal adaptar o contrato com vista a restabelecer o seu equilíbrio (parágrafo (4) (b)). Ao fazê-lo, o tribunal procurará fazer uma distribuição justa das perdas entre as partes. Isso pode ou não, dependendo da natureza da dificuldade, envolver uma adaptação de preço. No entanto, se o fizer, a adaptação não refletirá necessariamente a totalidade da perda causada pela alteração das circunstâncias, uma vez que o tribunal terá, por exemplo, que considerar em que medida uma das partes assumiu um risco e a medida em que a parte credora ainda poderá se beneficiar do cumprimento da obrigação. O parágrafo (4) deste Artigo estabelece expressamente que o tribunal pode rescindir ou adaptar o contrato somente quando isso for razoável. As circunstâncias podem até ser tais que nem a rescisão nem a adaptação sejam apropriadas e, em consequência, a única solução razoável será a de o tribunal orientar as partes a retomar as negociações com vista a chegar a acordo sobre a adaptação do contrato, ou a confirmar a termos do contrato como eles estão.” (tradução livre) 427 “... apenas o caso concreto, entendido como toda a situação fática e complexa, com todos os seus elementos, deverá ser o ponto de partida da interpretação dos contratos complexos, vistos como um sistema próprio que abrange diversidades. Quando se diz caso concreto, quer se envolver todas as circunstâncias do caso: o comportamento das partes, as possibilidades existentes no momento da contratação, as escolhas efetuadas e as contingenciadas, o mercado em que o negócio está inserido, a catalogação de todas as linguagens (técnicas, comerciais, estatísticas) utilizadas e a sua relação de intertextualidade com o instrumento contratual e com a relação contratual concreta.” (GOMES:2018, p. 233) 428 Ao tratar dos poderes de revisão do juiz, com fundamento na boa-fé, Mário GRONDONA , afirma que a boa-fé deve ser entendida como uma técnica de análise do significado econômico do pacto firmado entre as partes, para que, como isso, seja possível restabelecer, razoavelmente, a economia do contrato. Segundo o autor, entre a corrente que defende a intervenção judicial como forma de aplicação dos valores constitucionais e aquela que rechaça qualquer intervenção por força da observância à autonomia privada, existe um meio do caminho: a confiança depositada no magistrado, não no sentido de se confiar em sua fundamentação, mas, sim, no sentido de que as partes, através da atuação de seus advogados, são capazes de
166
Se, à luz de tais critérios, o julgador concluir que não é possível,
razoavelmente, revisar ou resolver o contrato, ele mesmo determinará que as
partes retomem a renegociação, a fim de que cheguem a um denominar comum quanto à readequação das bases contratuais. Logo, não há, por assim dizer,
uma intervenção vertical na seara da autonomia privada; o que há é uma
tentativa de ajuste ou de auxílio para que o equilíbrio contratual seja retomado
e, com isso, o contrato seja conservado.
Não parece que essa solução deva ser adotada como regra pelo
ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de haver intervenção indevida na
seara da liberdade contratual das partes. Tal intervenção tem lugar quando há
descumprimento do dever de renegociar, como será demonstrado em tópico
próprio. Porém, quando o dever de renegociar é devidamente observado em toda
a sua extensão, isto é, com postura colaborativa e leal entre as partes durante a
renegociação, a intervenção de um terceiro para revisar os termos do contrato que nem mesmo as partes foram capazes de fazer, representaria cerceamento
ou supressão do núcleo essencial da liberdade que permeia as relações jurídicas
privadas de modo geral.
Não é possível, todavia, estabelecer uma solução única e pasteurizada
para todas as hipóteses de frustração da renegociação contratual, porque há
situações em que o interesse envolvido na conservação do negócio jurídico vai além do mero interesse das partes contratantes. O que se deve ter presente é
que, se revisão houver, esta deverá se dar de maneira mitigada, isto é, apenas
nos casos em que determinado contrato de longa duração gere grande impacto
na sociedade em que está inserido. São exemplos disso a formação de uma rede
de contratos, a existência de contratos relacionais ou, ainda, de contratos cuja
magnitude é capaz de fomentar a economia local (a exemplo de grandes
empreitadas). Nesses casos, analisados casuisticamente, a conservação do
contrato ganha especial relevância, o que poderia justificar que um terceiro
(árbitro ou juiz) verificasse a possibilidade de, razoavelmente, restabelecer o
sinalagma inicialmente pactuado entre as partes429.
colaborar na construção da motivação do magistrado, quando da prolação da decisão acerca da revisão contratual. (GRONDONA:2013, pp.1.032 e 1.033) 429 Giuliana SCHUNCK (2016, pp. 198/200) discorda dessa possibilidade. Para a autora, frustrada a renegociação, a única solução possível é a resolução do contrato, porque somente as partes têm condições de saber quais são os parâmetros adequados ou minimamente
167
Assim sendo, uma vez frustrada a renegociação, o terceiro chamado a
analisar e readequar o contrato apenas o fará se tal providência for possível e
razoável, especialmente diante da ciência limitada que o terceiro tem de todos os aspectos que permeiam a relação jurídica posta sob sua análise.
Nessa hipótese, caberá ao julgador adotar, como parâmetro, o próprio
contrato cuja revisão se pretende, cuja análise se dará a partir da situação da
relação contratual concreta, quando de sua criação.
Segundo Susete GOMES (2018, pp. 246/257), a reconstrução da relação
contratual complexa se dá, em primeiro lugar, a partir da catalogação dos
elementos existentes quando da formação da relação, tais como, número de
partes, incompletudes contratuais, usos e costumes do tráfego comercial,
jurisprudência e legislação acerca do tema, causa, unidade ou pluralidade
contratual, riscos mensurados e assumidos de lado a lado, impacto social,
momento econômico global, tratativas negociais, dentre outros. Em suma, todos esses elementos têm como objetivo reconstruir o cenário
ou as circunstâncias que permearam a conclusão do contrato, para que se possa
avaliar qual era o programa contratual estabelecido entre as partes, bem como
de que modo e em qual medida a alteração das circunstâncias impactou o
programa estabelecido entre as partes
Essa análise deverá ter como filtro a boa-fé, a função social do contrato e o equilíbrio contratual estabelecido entre as partes, para que se avalie se e em
que medida é possível readequar o contrato para que, ao fim, seu programa
possa ser cumprido. Contudo, como alerta a autora:
“... o filtro deve ser baseado na efetividade e na realidade concreta, enquanto as ponderações devem levar em conta o ambiente negocial, pois entre iguais o poder corretivo externo (heterônimo) é mitigado, as regras legais são majoritariamente dispositivas e supletivas.’ (GOMES: 2018, p. 250)
aceitáveis de renegociação. Segundo ela, admitir a revisão contratual significaria uma clara afronta ao princípio da autonomia privada. As ponderações feitas pela autora são bastante razoáveis, mas parece-nos que a atuação mitigada ou limitada do julgador, no sentido de, dentro da lógica contratual e se isso for razoável, readequar as bases do contrato, não fere a autonomia privada, mas, sim, busca um equilíbrio entre autonomia privada, boa-fé e função social do contrato. E, além disso, as partes, ao saberem da possível interferência de um terceiro na relação contratual por elas estabelecida, sentir-se-ão mais incentivadas a renegociar as bases contratuais com mais empenho.
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Ainda, é preciso que se avalie o comportamento das partes durante a
execução do contrato, bem como os ruídos surgidos durante o cumprimento do
programa contratual e a correlata solução dada pelas partes. Com isso será possível contrapor o programa contratual idealizado pelas partes com aquele
efetivamente concretizado por elas, o que, consequentemente, viabilizará a
delineamento do programa contratual real e factível naquela determinada
relação jurídica.
Nessa ordem de ideias, a renegociação entabulada pelas partes também
terá extrema relevância para o terceiro chamado a analisar e readequar o
contrato, já que tal intervenção não tem por escopo inovar a relação contratual,
mas, sim, viabilizar a consecução do quanto contratado, observando-se a lógica
contratual estabelecida entre as partes430-431-432.
Contudo, se a revisão se mostrar desarrazoada, o julgador poderá
determinar a retomada da renegociação, ainda que somente para que as partes negociem os termos da extinção daquela relação contratual, o que, por evidente,
apenas terá lugar na hipótese de tal caminho ainda não ter sido trilhado pelas
partes contratantes. Se essa etapa já tiver sido superada (e frustrada), caberá
430 Apesar de o excerto abaixo ter sido escrito como comentário ao artigo 478, do Código Civil, a linha de raciocínio aplica-se perfeitamente ao objeto de estudo deste trabalho: “Não se trata de inovar, criando um novo contrato, mas apenas de manter o que foi contratado e ajustá-lo à nova realidade, segundo os mesmos critérios que animaram as partes quando se encontraram para fechar o negócio. Isto é, a mesma ideia a respeito dos custos, do lucro, das responsabilidades e dos riscos. Repondo para agora os fatores estruturais do contrato, as partes devem encontrar na negociação um termo que satisfaça a justiça contratual com a revisão adequada. Infrutífera a tentativa, cabe submeter o litígio ao juiz ou ao árbitro. Incumbirá aos juízes e árbitros a definição daquelas condições que, mantendo a sujeição do contrato às cláusulas que estavam na celebração, afastem a desproporção insuportável entre as prestações, oriunda dos fatos novos, restabelecendo o equilíbrio entre as prestações e, com ele, realizando o valor justiça” (AGUIAR:2011, p.937). 431 No mesmo sentido, cf. VIGLIONE:2010, pp. 148/149, em artigo sobre o papel do juiz na aplicação da boa-fé e do abuso de direito. Para o autor, a interpretação da boa-fé não pode acarretar inovação contratual, isto é, sob o pretexto de se obter reequilíbrio entre as partes, não se pode admitir que o contrato seja reescrito. 432 Para Eduardo BUENDIA (2016), a adequação do contrato por um terceiro encontraria amparo na possibilidade de vislumbrar a correta imputação dos riscos na distribuição da álea contratual entre as partes. Veja-se: “Se tiene que evaluar si existe una correcta asignación de riesgos en la distribución del alea contractual que permita la individualización del deber de renegociar en dicha relación contractual, esto es, si la realidad contractual de la relación de duración en la perspectiva de la relación permite, o no, adaptar el contrato a la dificultad. Este remédio es diferente al remedio analizado para la excessiva onerosidad de la prestación.”. “Deve-se avaliar se existe uma correta imputação de riscos na distribuição da álea contratual, que permita a individualização do dever de renegociar naquela relação contratual, isto é, se a realidade contratual da relação de duração, na perspectiva da relação, permite ou não adaptar o contrato na dificuldade. Este remédio é diferente do remédio analisado para a excessiva onerosidade da prestação.” (tradução livre)
169
ao julgador extinguir o contrato, determinando as condições de extinção à luz
dos parâmetros acima mencionados, de modo a distribuir as perdas decorrentes
da alteração das circunstâncias433. Uma vez analisada a consequência da frustração da renegociação,
passa-se à análise do descumprimento do dever de renegociar e suas
consequências.
3.3. O descumprimento do dever de renegociar e suas consequências O dever de renegociar atua em dois níveis: existência e eficácia. No
primeiro, rompido o sinalagma original, as partes devem se reunir para dar início
à renegociação do contrato. Já no segundo, uma vez aberto o canal da
renegociação, as partes devem negociar de boa-fé, isto é, com real intenção de
restabelecer os parâmetros originalmente postos, o que significa dizer que deverão fazê-lo com espírito de lealdade e colaboração434.
Se assim é, abre-se a possibilidade de haver descumprimento do dever
de renegociar, seja pela mera recusa, pela renegociação desprovida de lealdade
e intuito verdadeiro de renegociar ou, ainda, pela desistência ou abandono da
renegociação 435.
433 Apesar de tratar da revisão ou resolução contratual por força da onerosidade excessiva, é pertinente ao tema aqui discutido o entendimento de Ruy Rosado de Aguiar sobre a frustração da renegociação e suas consequências. In verbis: “Se as partes entram em tratativas, que se revelam infrutíferas, não logrando acordo, o juiz intervém para revisar. No processo, o juiz considerará a conduta das partes e o teor das propostas feitas naquela fase. Conforme o caso, e somente se a simples modificação mostrar-se inviável ou desaconselhada pelas circunstâncias, examinar-se-á a resolução por inadimplemento ou por onerosidade excessiva.” (AGUIAR:2011, p. 944) 434 “Qui la buona fede ha un ruolo integrativo fondamentale in quanto impone di commisurare l’adempimento dell’obbligo di rinegoziare agli interessi rivelati dal contratto e dal contesto in cui esso e` destinato ad operare, rendendo, dunque, inadempimento ogni disponibilita` a rinegoziare ‘di facciata’.” (PRATO:2016, p. 807) “Aqui, a boa-fé tem um papel integrativo fundamental enquanto impõe uma avaliação do cumprimento da obrigação de renegociar os interesses revelados pelo contrato e pelo contexto em que este é destinado a operar, havendo, também, inadimplemento se houver disponibilidade “de fachada” para renegociar” (tradução livre) 435 É interessante notar que a obra Principles of European Contract Law (PECL), cuja publicação integral se deu no ano de 2001, dispõe, em seu artigo 2:301, o que poderia ser considerado como negociação contrária à boa-fé quando da formação do contrato, disposição essa cuja razão de ser deve ser igualmente aplicada à renegociação do contrato, até por força do quanto disposto no artigo 6:111, que prevê o pagamento de perdas e danos pela parte que não tenha renegociado de boa-fé. Veja-se: “Article 2:301 (ex art. 5.301) - Negotiations Contrary to Good Faith (1) A party is free to negotiate and is not liable for failure to reach an agreement.
170
Como anteriormente visto, o dever de renegociar tem fundamento
infraconstitucional nos artigos 421 e 422, do Código Civil, por meio dos quais a
postura negocial deve se coadunar com a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Consequentemente, aquele que se negar a renegociar, da
renegociação desistir ou, ainda, não se comportar de acordo com a boa-fé
durante a renegociação, descumprirá um dever lateral. E nesse ponto, uma
pequena digressão é necessária para que sejam apuradas as consequências do
descumprimento desse dever lateral.
Como já tratado anteriormente, hodiernamente, a relação obrigacional
não é mais vista apenas como uma relação simples, em que há prestação e
contraprestação, apenas. A obrigação é vista como uma relação complexa, em
que existem diversos feixes de deveres de lado a lado. Assim, os deveres de
prestação podem ser: (i) principais ou primários, quando dizem respeito à
prestação principal objeto da obrigação (ex. bem móvel objeto da compra e venda correlata); (ii) secundários ou acidentais, quando dizem respeito a deveres
atrelados à prestação principal, isto é, aqueles que servem para viabilizar o
cumprimento da prestação principal (ex. conservação do bem até a sua tradição);
e (iii) acessórios ou laterais, quando não têm relação com o dever principal ou
secundário, mas devem ser cumpridos para que haja o correto cumprimento da
obrigação436. Sendo uma relação complexa, para o correto e completo cumprimento da
obrigação, não basta o cumprimento do dever de prestação primário; é
necessário, também, “...o adimplemento dos deveres secundários de prestação
(2) However, a party who has negotiated or broken off negotiations contrary to good faith and fair dealing is liable for the losses caused to the other party. (3) It is contrary to good faith and fair dealing, in particular, for a party to enter into or continue negotiations with no real intention of reaching an agreement with the other party.” “Artigo 2:301 (ex art. 5.301) - Negociações Contrárias à Boa Fé (1) Uma parte é livre para negociar e não é responsável por não chegar a um acordo. (2) No entanto, uma parte que tenha negociado ou interrompido negociações contrárias à boa fé e à negociação justa é responsável pelas perdas causadas à outra parte. (3) É contrário à boa-fé e à lealdade, em particular, uma parte entrar ou continuar negociações sem intenção real de chegar a um acordo com a outra parte. ” (tradução livre) 436 “... numa compreensão globalizante da situação jurídica creditícia, apontam-se, ao lado dos deveres de prestação - tanto deveres principais de prestação, como deveres secundários - , os deveres laterais (‘Nebenpflichten’), além de direitos potestativos, sujeições, ónus jurídicos, expectativas jurídicas, etc. Todos os referidos elementos se coligam em atenção a uma identidade de fim e constituem o conteúdo de uma relação de caráter unitário e funcional: a relação obrigacional complexa, ainda designada relação obrigacional em sentido amplo ou, nos contratos, relação contratual.” (COSTA: 2009, p. 74)
171
e dos deveres acessórios de conduta, com especial destaque à boa-fé em todos
os momentos deste processo, a fim de satisfazer o interesse do credor”437.
O cumprimento de tais deveres tem, assim, a finalidade de satisfazer o interesse do credor, porque este, para suprir alguma necessidade sua, firmou
contrato com o devedor para que esse a suprisse. Tal interesse, como também
já tratado, deve ser analisado de maneira objetiva, isto é, observando-se o
sinalagma estabelecido entre as partes, o tipo contratual, as circunstâncias em
que foi concluído, os efeitos dele decorrentes (a exemplo da rede de contratos),
a repercussão gerada no contexto social em que está inserido, dentre outros.
De todo modo, o credor deve cooperar, isto é, não criar obstáculos e/ou
tomar as medidas eventualmente necessárias438-439-440 para que a obrigação
seja regularmente cumprida, nos termos do artigo 394441, segunda parte, do
Código Civil. Como alerta Carlos Alberto GARBI (2014, p. 130), “o dever de
cooperação da parte se dirige aos fins programados no contrato e não aos interesses privados da outra parte”, porque o objetivo do ordenamento jurídico é
que as partes colaborem para que os fins comuns perseguidos no contrato sejam
atingidos.
Portanto, se o devedor estiver em condições de cumprir a prestação e
oferecer tal cumprimento442, mas, ainda assim, o credor não a receber (em
decorrência de uma conduta comissiva ou omissiva) incorrerá em mora (binômio oferta-recusa443). Nesse caso, o dever de cooperar – premissa da mora
creditoris444 - apesar de ser um dever lateral, está atrelado à prestação principal,
o que significa, em outros termos, que o credor estará sujeito aos efeitos da
mora, nos termos do artigo 400445, do Código Civil, dentre os quais está a
437 NANNI:2011, p. 587. 438 A exemplo da dívida quérable (quesível), hipótese em que o credor deve ir até o devedor para receber a prestação (artigo 327, do Código Civil). 439 “Há um dever de cooperação a cargo do credor que varia de caso para caso. Tal dever pode implicar um comportamento ativo de colaborar ou propiciar o adimplemento da prestação ou uma conduta omissiva de não criar entraves a tanto.” (NANNI:2011, p. 622) 440 Cf. GARBI:2014, p. 123. 441 “Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.” 442 Cf. NANNI:2011, pp. 626/627 443 Cf. ALVIM:1965, p.79. 444 Cf. ALVIM:1965, p.84. 445 “Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.”
172
liberação do devedor, na hipótese de a recusa do credor tornar impossível446 ou
frustrar o cumprimento da obrigação pactuada entre as partes.
Todavia, se o dever de cooperar não estiver atrelado diretamente ao cumprimento da prestação principal, este – dentre a classificação acima feita -
enquadrar-se-á como um dever de prestação acessório, que parte da doutrina
classifica como uma terceira modalidade de descumprimento da obrigação, ao
lado do inadimplemento absoluto e do relativo (mora), e denomina como violação
positiva do contrato, da obrigação ou do crédito447-448-449.
No caso, o dever de renegociar, corolário do dever de cooperação, não
está propriamente conectado ao cumprimento da prestação principal tal qual
pactuada entre as partes, mas, sim, à readequação das bases contratuais (ex.
condições, prazo, escopo, metas, preço etc.), para que a prestação principal
possa ser cumprida e, pois, o programa contratual possa ser cumprido.
Sendo assim, quer parecer que o descumprimento de tal dever não implica, propriamente, mora creditoris450, até porque a regra geral contida nos
446 Tanto no aspecto subjetivo (ex. o devedor vem a falecer ou, sendo a obrigação personalíssima, contraí uma doença que o impede definitivamente de cumprir a obrigação), quanto no aspecto objetivo (ex. perda do bem por caso fortuito ou força maior). 447 “O incumprimento é tema de outro capítulo do Código Civil, interpretado com maestria nesta coleção pela Prof' Judith Martins-Costa, valendo recordar a classificação que fez de suas modalidades: mora, quando a prestação não é cumprida, mas ainda possível; inadimplemento definitivo, quando a prestação já não poderá ser cumprida; violação positiva do contrato, quando o dano resulta não da falta da prestação, mas do ato positivo que viola o interesse de proteção.” (AGUIAR:2011, p. 527). Para origem e evolução do instituto junto ao direito alemão e adaptação ao direito brasileiro, cf. AGUIAR:2011, pp. 576/579 e NANNI:2011, pp.583/589, que prefere a denominação violação positiva do crédito. 448 A violação positiva do contrato está calcada no comportamento da parte e, não, propriamente, a prestação objeto da obrigação entabulada; serve, pois, para tratar do inadimplemento contratual decorrente do descumprimento de um dever lateral do contrato e, não, propriamente do descumprimento da própria prestação. Esta denominação é geralmente usada para o cumprimento defeituoso ou insatisfatório do contrato, isto é o descumprimento dos deveres laterais do contrato, já que a prestação é realizada, mas não da forma como deveria. Porém, pode também ser aplicada ao descumprimento do dever de renegociar, já que este está fundamentalmente calcado nos deveres laterais do contrato. Sobre o tema, cf. MARTINS-COSTA:2003, pp. 150/154 e STEINER:2014, pp.210/213. 449 Para NANNI (2011, pp. 583/589) não é necessária a utilização da violação positiva do contrato (rectius, violação positiva do crédito) no direito brasileiro, porque o próprio conceito de mora, no direito brasileiro, que requer o não cumprimento da prestação no tempo, lugar e forma pactuados, é mais amplo do que no direito alemão e já contempla o descumprimento de deveres laterais, tais como a boa-fé, cujo descumprimento está presente no cumprimento imperfeito ou ruim da prestação. Assim, havendo inadimplemento (relativo ou absoluto), a sanção legal consubstanciada no pagamento de perdas e danos já é suficiente para dar o correto tratamento ao descumprimento dos deveres laterais do contrato. 450 Cf. SCHUNCK:2016, pp. 212/213, para quem diante de tal constatação, a violação positiva do contrato deveria ser adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, com fundamento na boa-fé objetiva, o que, de algum modo, já está contemplado pelo Enunciado 24, da I Jornada de Direito Civil (pp. 216/217), anteriormente já citado e aqui reproduzido novamente apenas por
173
artigos 313 e 314, do Código Civil451 é de que o credor não é obrigado a receber
coisa diversa daquela pactuada e nem tampouco receber por partes aquilo que
assim não se ajustou452-453. Assim, a priori, se não houver a prévia renegociação do contrato, não é possível impor, ao credor, o recebimento da prestação em
condições distintas daquela inicialmente pactuada entre as partes.
Consequentemente, o descumprimento do dever de renegociar implica
violação dos deveres laterais contidos nos artigos 421 e 422, do Código Civil. E
na medida em que o credor continua a exigir o cumprimento da obrigação sem
observar a alteração de circunstâncias havida, configurado estará o abuso de
direito, nos termos do artigo 187 do mesmo diploma legal.
Dois exemplos de contratos de serviços financeiros podem bem ilustrar o
descumprimento do dever de renegociar e suas consequências454.
O primeiro caso versa contrato de exclusividade de exploração de
serviços financeiros de cartão de crédito, firmado entre uma instituição financeira (“Banco”) e uma rede de lojas (“Rede”). Simplificadamente, o Banco pagou
determinado valor pela exclusividade do uso de sua bandeira nas lojas da Rede;
assim, o cliente tinha apenas 3 (três) opções de pagamento: dinheiro, cheque ou
o cartão de crédito do Banco. Havia um prazo de duração da exclusividade, mas
conveniência: Veja-se, nesse sentido, o Enunciado 24, elaborado durante a I Jornada de Direito Civil: “Art. 422: Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.” (AGUIAR JUNIOR:2012) . 451 “Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.” “Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.” 452 Essa regra geral, porém, comporta exceções a fim de atender e solucionar questões concretas que requerem o afastamento do quanto disposto nos artigos 313 e 314, do Código Civil. Segundo Hamid Charaf BDINE JUNIOR (2011, p. 323): “...a eventualidade de permitir que o credor seja compelido a receber bem diverso do devido ou que o parcelamento seja imposto ao credor, com mitigação dos arts. 313 e 314 do Código Civil, deve ter amparo nos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, na vedação ao abuso de direito e na teoria do adimplemento substancial.” 453 Especificamente sobre a flexibilização da regra contida nos artigos 313 e 314, do Código Civil, veja-se a obra de Carlos Alberto GARBI (2014). 454 Os exemplos dados são casos reais. No primeiro caso, não obstante inexistir cláusula contratual para tanto, as partes renegociaram as bases contratuais para que as metas postas pudessem ser atingidas. No segundo caso, o dever de renegociar não foi cumprido no plano da eficácia, motivo pelo qual as partes iniciaram uma arbitragem para tratar do tema. Os detalhes dos dois casos, porém, não podem ser expostos, por força da confidencialidade que envolve a relação cliente-advogado e por força do caráter sigiloso da arbitragem.
174
esse prazo poderia ser alargado caso determinadas metas de emissão de cartão
de crédito e volume de vendas não fossem atingidas.
No momento da conclusão do contrato, a forma de pagamento mais comumente usada era dinheiro ou cheque, já que ainda não havia sido criado o
serviço de pagamento por meio de cartão de débito e a emissão de cartão de
crédito, de modo geral, não era acessível a todos, tanto pelo custo da anuidade,
quanto, também, pelos critérios de aprovação de crédito, cujo preenchimento era
obrigatório para que o cartão de crédito fosse emitido. Assim, o serviço de
emissão de cartão de crédito pelo Banco, atrelada à marca da Rede, encontrava
bastante eco junto aos consumidores que, assim, poderiam, de algum modo,
evitar o pagamento a vista de suas compras.
Contudo, com o passar do tempo, criou-se o sistema de pagamento por
cartão de débito e a emissão de cartões de crédito disseminou-se e tornou-se
mais popular. Assim, aquilo que, inicialmente, era um diferencial de mercado, tornou-se um verdadeiro empecilho para a Rede, que passou a perder clientes
para seus concorrentes, já que estes aceitavam todos os meios de pagamento,
independentemente da bandeira usada, enquanto a Rede continuava aceitando
apenas o pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de crédito do Banco.
Assim, além de experimentar declínio no faturamento, a perda de clientes
para a concorrência e a popularização e disseminação de emissão de cartões de crédito em geral acarretou a diminuição de emissão de cartões de crédito do
Banco, nos termos da exclusividade avençada, o que, por via de consequência,
acabou por impedir que a Rede atingisse as metas inicialmente estabelecidas
entre as partes.
Como o não atingimento de tais metas acarretaria, automaticamente, a
dilação do prazo de exclusividade pelo tempo necessário para o cumprimento de
novas metas, certo é que, em última análise o contrato seria indefinidamente
alongado no tempo, o que submeteria a Rede a uma verdadeira relação
perpétua. E isso acabaria por sufocar a própria atividade econômica da Rede, já
que seus concorrentes admitiam que o pagamento fosse realizado com qualquer
cartão de crédito, o que estava gerando a fuga de sua clientela.
O segundo caso versa contrato de exclusividade de concessão de financiamento por determinada instituição financeira (“Banco”) atrelado à venda
175
de bens por determinada empresa (“Empresa”). De modo bastante simplificado,
mediante o pagamento de determinada quantia, o Banco poderia exercer, com
exclusividade, o financiamento da venda dos produtos da Empresa por determinado lapso temporal. Em contrapartida, a Empresa deveria atingir
determinada meta de geração de financiamentos, cujo cálculo tinha como uma
das variáveis os juros de mercado praticados naquele setor econômico (“Juros”).
As partes também tinham acordado que, depois de transcorrido determinado
período de vigência do contrato, seria feita uma avaliação acerca do
cumprimento da meta de geração pactuada; se a Empresa não atingisse 70%
(setenta por cento) de tal meta, o contrato poderia ser resolvido e o Banco
poderia exigir o pagamento de uma parte da quantia paga pela exclusividade
acordada.
Porém, com o início da crise econômica brasileira no final de 2014,
decorrente da crise do subprime norte-americana, o mercado em que a Empresa estava inserido foi frontalmente atingido, o que, por via de consequência, mudou
drasticamente a taxa de Juros praticada. E, como a taxa de Juros era um dos
componentes da fórmula para o cálculo da meta, se não houvesse alteração da
própria meta, a Empresa jamais conseguiria atingir aquela que fora inicialmente
acordada entre as partes. Como consequência, o contrato seria resolvido e a
Empresa teria de pagar quantia milionária em favor do Banco, o que afetaria gravemente sua saúde financeira, podendo, inclusive, acarretar sua quebra.
Em ambos os casos a necessidade de se observar o dever de renegociar,
com fundamento nos artigos 421 e 422, do Código Civil, é evidente, sob pena de
se frustrar o cumprimento do quanto pactuado entre as partes. As circunstâncias
em que tais contratos foram concluídos sofreram alterações significativas, motivo
pelo qual o cumprimento do quanto pactuado somente seria possível se as bases
contratuais fossem devidamente adequadas para que, na medida do possível, o
equilíbrio inicialmente estabelecido entre as partes fosse recomposto.
Nesses casos, é claro o prejuízo advindo do descumprimento do dever de
renegociar, que se traduz a violação positiva do contrato, diante do
descumprimento de deveres laterais do contrato455, sem conexão com a
455 boa-fé, da qual a cooperação é corolário e função social do contrato.
176
prestação principal propriamente dita456. De fato, aquele que exige o
cumprimento da prestação ignorando a alteração das circunstâncias e, pois, a
necessidade de readequar as bases contratuais, desborda os limites do exercício regular do direito e, pois, incorre em abuso de direito (artigo 187, do
Código Civil).
Logo, aquele que descumpre o dever de renegociar deve reparar os
prejuízos causados à outra parte, nos termos do artigo 927, do Código Civil, sem
prejuízo de a parte prejudicada requerer a própria resolução contratual, na
hipótese de tal recusa acabar por inviabilizar o cumprimento da prestação
principal, como se observou especialmente no segundo exemplo acima citado.
No que tange à indenização, é preciso ter presente que, por ser uma
obrigação de meio, o cumprimento do dever de renegociar não garante o
sucesso da renegociação, motivo pelo qual, ao final, a renegociação poderá se
frustrar, sendo as partes, pois, direcionadas para a própria extinção do vínculo contratual.
Não obstante entender que a mera indenização não seria uma solução
suficiente para o descumprimento do dever de renegociar, já que isso contrariaria
o princípio da conservação dos contratos, Enrico PRATO (2016, p. 806/809)
afirma que a indenização decorrente do inadimplemento do dever de renegociar
deveria corresponder àquela decorrente da perda de uma chance, sem guardar parâmetros com a adequação do contrato. Segundo ele, se fosse tão óbvia a
solução decorrente da renegociação entabulada entre as partes, o contrato já
teria trazido, em seu bojo, uma cláusula de readequação automática, na hipótese
de alteração das circunstâncias e, assim, a questão estaria solucionada.
Quer-nos parecer que a perda de uma chance, apesar de ser uma solução
lógica para o descumprimento de obrigações de meio, não pode ser a única
possibilidade viável para o caso de descumprimento do dever de renegociar. A
hipótese estudada neste trabalho diz respeito aos casos em que não há cláusula
contratual sobre o dever de renegociar, enquanto a hipótese tratada no artigo de
Enrico PRATO versa a existência de tal cláusula, o que justifica a conclusão
acerca da cláusula de readequação automática do contrato. Diante de tal
456 Nos casos analisados, a prestação principal deveria sofrer conformação (renegociação de seus termos) para que pudesse ser efetivamente cumprida.
177
diferença, parece-nos que a indenização correlata ao descumprimento do dever
de renegociar deve ser analisada casuisticamente: há hipóteses em que a
renegociação pode ser efetivamente complexa, o que justifica a indenização consubstanciada na perda de uma chance; mas há hipóteses outras em que a
conclusão da renegociação é mais clara, motivo pelo qual é possível estabelecer
parâmetros fundados na própria readequação do contrato a título de
indenização. E nesse caso, certamente a análise dos interesses das partes
contratantes deve ser levada em conta457-458, no momento de se estabelecer o
quê e quanto é devido a título de indenização459. De todo modo, em qualquer
caso, parece-nos que dentro das verbas indenizatórias deverão estar contidos
os custos havidos com a renegociação ou com a tentativa dela (contratação de
assessoria especializada etc.), porque estes decorreram direta e imediatamente
do inadimplemento do dever de renegociar.
Independentemente disso, deve-se ter presente que, para além da resolução contratual cumulada com a indenização decorrente do
inadimplemento do dever de renegociar, é possível, à parte prejudicada, lançar
mão de medidas coercitivas para que o dever de renegociar seja cumprido, já
que este nada mais é do que uma obrigação de fazer460.
Mas não só isso. Na esteira do que se tem aqui defendido, como o
inadimplemento apto a acarretar a resolução contratual é aquele cuja prestação deixa de ser útil ao credor e à coletividade impactada por aquela relação jurídica,
457 Nessa hipótese, quer-nos parecer que a indenização correlata ao descumprimento do dever de renegociar deveria abranger o valor da prestação devida à parte lesada, caso o contrato tivesse sido regularmente renegociado, com a retomada de sua regular execução. O cálculo da indenização – que inclui danos emergentes e lucros cessantes - levaria em conta, portanto, os prejuízos advindos da alteração das circunstâncias, bem como a prestação e correlata contraprestação que seriam devidas caso a renegociação tivesse chegado a bom termo. Ou, ao menos, deveria levar em conta os investimentos feitos no negócio, para que, se não houver o retorno esperado inicialmente, ao menos haja o retorno correlato ao investimento feito, o que, aliás, encontra parâmetro no artigo 473, parágrafo único, do Código Civil. É o que Renata Carlos STEINER (2018) denominou interesse positivo como parâmetro ou direcionamento da reparação de danos. 458 Para UDA (2017, p. 52), em trabalho dedicado à análise da cláusula de hardship, o descumprimento do dever de renegociar tem, como consequência, a aplicação das sanções correlatas ao próprio descumprimento contratual, o que englobaria a resolução contratual e a indenização decorrente da lesão ao interesse positivo da parte prejudicada à execução do contrato e, também, do interesse negativo de se evitar o desenrolar de renegociação sem qualquer sentido prático, com dispêndio de recursos para tanto. 459 Por conta do corte epistemológico deste trabalho, o tema indenização não será aprofundado. Poderá ser objeto de outro trabalho a respeito do tema, porque o estudo da responsabilidade civil traz outros inúmeros aspectos que aqui não serão tratados. 460 Cf. NANNI:2008, p. 317 e NORONHA:1994, p. 164.
178
é preciso avaliar quais os mecanismos existentes para tutelar o interesse da
sociedade em caso de recusa ou renegociação contrária à boa-fé.
Nesse contexto, vale analisar a tutela jurisdicional possível à parte prejudicada, em caso de recusa em renegociar ou renegociação em
descompasso com a boa-fé. A mesma análise pode ser feita em relação aos
terceiros afetados por tal relação contratual.
3.4. Tutela conferida à parte prejudicada
Alteradas as circunstâncias e abalado o risco originalmente assumido
pelas partes, com a consequente desnaturação do sinalagma genético, exsurge
o dever de renegociar.
Como se viu anteriormente, se a parte se nega a renegociar e exige o
cumprimento da prestação “tal qual”, há violação do quanto disposto nos artigos 421, 422 e 187, do Código Civil. Nesse caso, pode a parte prejudicada requerer
a tutela correlata que obrigue a outra parte a renegociar, como será visto em
tópico próprio, sem prejuízo de eventual cumulação com perdas e danos
decorrentes do comportamento abusivo (artigo 187 combinado com 927, do
Código Civil).
Se, porém, tiver lugar a renegociação, com real intuito de se readequar as bases contratuais, mas, mesmo assim, houver frustração de seu intento, a
consequência será a resolução do contrato ou, em casos excepcionais, a revisão
de seus termos por um terceiro (juiz ou árbitro), como tratado em tópico anterior.
179
Porém, se a renegociação se frustrar em razão da inobservância do dever
de boa-fé, surgirá o dever de indenizar, com fundamento nos artigos 422
combinado com 187461-462-463 e 927, do Código Civil. A aludida indenização, como visto no tópico sobre o descumprimento do
dever de renegociar, poderá ser cumulada com o pedido de resolução do
contrato, caso não seja possível manter seu regular cumprimento de acordo com
os termos originalmente estabelecidos entre as partes. Ainda, a parte
prejudicada, excepcionalmente, poderá requerer a revisão do contrato, como
também demonstrado em tópico anterior.
Esta solução não é estranha ao Direito, já tendo sido internacionalmente
adotada, como é o caso do Principles of European Contract Law (PECL). O artigo
6:111(3) estipulou que na hipótese haver frustração da renegociação, o julgador
chamado a solucionar a questão poderá resolver o contrato ou revisá-lo. Em
qualquer desses casos, porém, “... o tribunal poderá condenar ao pagamento de perdas e danos a parte que se recusar a negociar ou interromper negociações
de modo contrário à boa fé e à lealdade” (tradução livre)464 .
São, pois, duas hipóteses de descumprimento do dever de renegociar:
recusa em renegociar ou renegociação sem observância da postura de boa-fé
(o que inclui a desistência de participar das tratativas).
Na primeira hipótese, ainda há uma faculdade conferida à parte prejudicada, antes de requerer resolução ou, excepcionalmente, a revisão
contratual: poderá ela, como será demonstrado, requerer tutela de urgência para
que a parte recalcitrante dê início à renegociação, sob pena de multa diária
(obrigação de fazer) e, caso a inércia persista, seja o contrato revisado ou
461 Dentre as hipóteses de incidência do abuso do direito no direito contratual está aquela decorrente da própria inobservância da cláusula geral da boa-fé objetiva, pois essa se aplica ao direito contratual como controle de atuação durante a execução do contrato. Cf. nesse sentido NANNI:2008, p. 761. Assim, descumprido o dever de renegociar, seja porque a parte manteve postura dissonante com a real intenção de readequar as bases contratuais, seja porque desistiu da renegociação durante as respectivas tratativas, configurado estará o dever de indenizar. 462 Cf. VIGLIONE:2010, pp. 152/153. Para o autor, sendo a boa-fé regra de valoração do comportamento das partes durante a execução do contrato, se houver exercício de direito contrário à boa-fé, isto é, se ficar caracterizado o abuso de direito, a consequência de tal comportamento é a imputação de responsabilidade à parte faltosa, com o correlato pagamento de perdas e danos. 463 Cf. MARTINS-COSTA:2018, pp. 571/572. 464 . “... the court may award damages for the loss suffered through a party refusing to negotiate or breaking off negotiations contrary to good faith and fair dealing”
180
resolvido. Poderá, ainda, requerer que um terceiro seja designado como
negociador em lugar da parte recalcitrante, desde que a obrigação não seja
personalíssima. Na segunda hipótese, resta, à parte prejudicada, buscar a tutela correlata
para resolver ou, excepcionalmente, revisar o contrato, sendo que caberá ao
julgador levar em conta a postura das partes durante a negociação, de modo a
distribuir as perdas decorrentes da alteração dos riscos inicialmente assumidos
pelas partes e condenar a parte faltosa no pagamento de perdas e danos
decorrentes do descumprimento do dever de renegociar.
3.4.1. Medidas coercitivas e os poderes do julgador
3.4.1.1. Considerações gerais A questão que se coloca aqui é a possibilidade de o juiz ou árbitro obrigar
a parte a renegociar, o que poderia parecer uma contradição, já que a
renegociação implica vontade (em sentido amplo) para tanto (para iniciar a
renegociação e para mantê-la de boa-fé).
Primeiramente, deve-se ter presente que Clóvis do COUTO E SILVA, ao
tratar dos deveres secundários, anexos ou instrumentais, dentre os quais está a boa-fé e a cooperação dela derivada, bem como o dever de mitigar danos, afirma
que estes “comportam tratamento que abranja toda a relação jurídica. Assim,
podem ser examinados durante o curso ou desenvolvimento da relação jurídica
e, em certos casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação” (1964, p.
115). E podem configurar verdadeira obrigação de fazer ou não fazer, cujo
conteúdo pode ou não corresponder a uma pretensão (1964, pp. 115/116). Assim
sendo, já que o dever de renegociar é corolário do dever de boa-fé e, pois, uma
obrigação de fazer, nada impede que, se houver recusa em dar início à
renegociação, a parte prejudicada busque a tutela correlata, para que tal
obrigação de fazer seja regularmente cumprida pela parte recalcitrante465.
Em segundo lugar, a contradição noticiada é meramente aparente e
também foi objeto de crítica quando veio à tona a figura da “mediação
465 Cf. NANNI:2008, p. 317.
181
mandatória”466-467 (meio de autocomposição assim como é a renegociação), já
que essa, necessariamente, deveria pressupor a vontade (faculdade) de mediar
e, não, a obrigação de mediar. Este tema acabou sendo tratado na própria Lei 13.140/2015 (Lei de
Mediação) que, em seu artigo 2º, parágrafo 1º, determina que se a mediação
estiver prevista em cláusula contratual, as partes deverão comparecer à primeira
reunião. Por outro lado, seja a mediação fruto de previsão contratual ou de
determinação judicial (artigos 27 da Lei 13.140/2015468 e 334, do Código de
Processo Civil469), em hipótese alguma as partes serão obrigadas a permanecer
no procedimento de mediação, nos termos do artigo 2º, parágrafo 2º da mesma
lei470.
466 Segundo WAMBIER (2013, p. 415), a mediação mandatória poderia ser vista como uma ofensa ao princípio do acesso à Justiça. Ao lado disso, pode ser improdutiva se não houver a cultura já instaurada acerca dos métodos alternativos de resolução de disputas e não pode ser aplicada em todos os casos. 467 “Ya he citado que la cuestión de ser un ‘proceso voluntario’ es una de las que más discusiones genera, debido a que en muchos países – como en el nuestro – se há estabelecido la obligatoriedad de la mediación, como instancia previa al juicio. Aunque – reitero – esta obligación es sólo para passar por dicha instancia, y la voluntad de continuar o no sigue siendo uma decisión de las partes.” (SUARES:1996, pp. 63/64) “Já citei que a questão de ser um ‘processo voluntário’ é uma das que mais discussões gera, já que em muitos países – como o nosso - foi estabelecida a obrigatoriedade da medição como instância prévia ao juízo. Ainda – reitero - que esta obrigação seja apenas para passar por tal instância, a vontade de continuar ou não [no procedimento de mediação] segue sendo uma decisão das partes.” (tradução livre) 468 “Art. 27. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de mediação.” 469 Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. (...) § 4º A audiência não será realizada: I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; II - quando não se admitir a autocomposição. § 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência. (...) § 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. (...)” 470“Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios: (...) § 1º Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação. § 2º Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação.”
182
No caso da renegociação, apesar de não haver lei ou norma processual
específica acerca do tema, como ocorre no caso da mediação, é certo que a
determinação de renegociação entre as partes encontra guarida no direito processual civil brasileiro, seja porque se trata de uma obrigação de fazer, como
já anteriormente tratado, seja, ainda, porque “... outros métodos de solução
consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes (...) inclusive no curso
do processo judicial” (artigo 3º, § 3º, do Código de Processo Civil471). Sendo,
pois, a renegociação um meio de autocomposição e de solução consensual de
conflitos, assim como é a mediação, é certo que ao julgador é dado determinar
que as partes renegociem as bases contratuais, em caso de alteração das
circunstâncias472.
Tanto no caso da mediação mandatória quanto no caso da determinação
judicial de renegociar, é sabido que a resistência inicial da parte costuma ser
vencida pelo uso de técnicas de negociação473-474-475, em que o lado positivo da negociação (e seu resultado) é posto na ribalta, com o auxílio dos advogados
das partes476 . E novamente é preciso ter presente que a ordem judicial é para
que as partes renegociem de boa-fé e, não, para que adotem tais ou quais
parâmetros de renegociação ou para que alterem tais ou quais cláusulas
contratuais em sentido judicialmente pré-estabelecido. Fosse assim, estar-se-ia
471 “Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” 472 É interessante notar que, em algumas espécies de contrato de longa duração, a doutrina internacional refere que o papel do juiz tem sido mais de aproximar as partes para uma composição do que propriamente dar uma decisão a respeito do litígio sub judice. Nesse sentido confira-se: cf. MACAULAY:2003, pp.44-79. 473 Dentre outras, veja-se o conteúdo programático integrante das diretrizes curriculares para a capacitação de mediadores, cuja redação foi dada pela Emenda n.º 02/2016, constante da Resolução 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579 acessado em 14 mai. 2018. 474 No mesmo sentido, o Código de Processo Civil permite “...aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição” (artigo 166, §, 3º). 475 Cf. Suares:1996, pp. 237/304. 476 Veja-se, nesse sentido, artigo de Maria Cristina ZUCCHI ( 2013, pp. 08/13) sobre o papel do advogado na mediação e a necessidade de alteração de sua postura litigiosa para uma postura conciliadora, isto é, visando a solução do conflito instaurado entre as partes e não apenas a vitória em determinada demanda. Tal artigo, apesar de destinado à mediação, aplica-se, mutatis mutandis, à renegociação e vai na linha da mudança do papel do advogado que atua no contencioso (rectius na solução de conflitos), exposta por Arnoldo WALD e André AZEVEDO (2018).
183
diante de uma revisão judicial de contrato e, não, de uma determinação para que
as partes renegociem o quanto pactuado dentro da autonomia privada que lhes
cabe. Mas, se mesmo assim não houver renegociação, haverá solução possível
e apta a tutelar os interesses da parte prejudicada ou o caminho será mesmo a
revisão ou resolução contratual, com a correlata condenação em perdas e danos
daquele que se recusou a renegociar?
3.4.1.1. Medidas coercitivas à disposição da parte prejudicada
Antes de mais nada, quer parecer que a possibilidade de a parte
recalcitrante ser condenada nas perdas e danos causados pelo descumprimento
do dever de renegociar já é, por si só, um incentivo para que aquela se disponha
a renegociar. Se houver recusa em cumprir o dever de renegociar, com a consequente
exigência do cumprimento da obrigação tal qual pactuada, configurado estará o
abuso do direito cuja sanção, para além das eventuais perdas e danos, também
poderá ensejar a atuação preventiva do Poder Judiciário477, de modo a evitar ou
mitigar os danos que tal recalcitrância pode trazer478-479.
Sendo a obrigação de renegociar uma verdadeira obrigação de fazer, parte prejudicada pela alteração das circunstâncias terá duas vias a seguir. Pela
primeira via, poderá requerer tutela provisória antecedente para que a parte
recalcitrante seja obrigada a renegociar480, sob pena de multa diária (artigos 297
e 537, do Código de Processo Civil481). Pela segunda, se a obrigação não for
477 Em se tratando de tutela de urgência, assume-se que esta seria pedida antes mesmo da constituição do Tribunal Arbitral, motivo pelo qual o respectivo pedido somente poderia ser dirigido ao Poder Judiciário, nos termos do artigo 22-A, da Lei 9.307/96, inserido pela Lei 13.129/15. 478 Nesse sentido, cf. NANNI:2008, pp. 757/760, que também trata de outras consequências advindas do abuso do direito, tais como nulidade e anulabilidade do contrato. 479 “... se for clara a hipótese de nascimento de um dever anexo de conduta para uma determinada parte, bem como se restar verificado seu descumprimento, caso a parte prejudicada entenda que ainda pode aguardar pelo cumprimento – ou seja, se este ainda lhe for útil – entendemos que o pedido de cumprimento específico da obrigação é de todo razoável.” (SCHUNCK:2016, pp. 237/238) 480 Cf. SCHWERZ:2017. 481 “Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.” “Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja
184
personalíssima, poderá requerer que o julgador designe um terceiro para
assumir o papel da parte recalcitrante, para que este renegocie o quanto
pactuado (artigo 249482, do Código Civil combinado com artigos 297 e 536483, do Código de Processo Civil)484. De modo geral, não parece que o dever de
renegociar tenha natureza personalíssima, motivo pelo qual o juiz poderá indicar
um negociador (pessoa física ou jurídica) a representar os interesses da parte
recalcitrante485, sendo certo que seus respectivos honorários serão por ela
arcados.
Nesse passo, é importante ter presente que o Código de Processo Civil
em vigor permitiu o uso de técnicas executivas atípicas para o cumprimento de
obrigações de fazer, podendo, o magistrado, determinar todas as medidas
necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, desde o processo
de conhecimento e, pois, desde a concessão da tutela provisória, nos termos do
quanto disposto no artigo 139, inciso IV486, combinado com o artigo 297 caput. Assim sendo, não obstante o artigo 537, do Código de Processo Civil,
estar inserido no capítulo destinado ao cumprimento de sentença que versa
obrigação de fazer, este manteve, grosso modo, a mesma lógica já existente no
artigo 461 do revogado Código de Processo Civil de 1973 e previu a imposição
de multa em qualquer fase processual como meio coercitivo para que a parte
cumpra a ordem judicial que lhe foi dirigida487.
suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.” 482 Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível. 483 “Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.” 484 Os pedidos podem ser formulados de maneira subsidiária. Pede-se a concessão de tutela para determinar que a parte renegocie sob pena de multa diária, mas, se mantida a recalcitrância durante determinado período de tempo, pede-se que o juiz designe um terceiro para negociar as novas bases do contrato, em lugar da parte recalcitrante. 485 Cf. WALD:2013, p. 51 486 “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;” 487 “Trata-se de quebra que visa à promoção da tutela específica de direitos, pugnada pela doutrina preocupada com a efetividade do processo. Com isso, o direito brasileiro afasta-se de um sistema de técnica executiva rígida e avizinha-se a um sistema de técnica executiva maleável, seguindo nesse particular, tendência que emerge do direito comparado. Todos os
185
Consequentemente, a parte prejudicada pelo descumprimento do dever
de renegociar poderá requerer tutela provisória antecedente para que seja
determinado que a parte recalcitrante dê início à renegociação, sob pena de pagamento de multa diária e, se mantida a resistência, para que seja designado
um terceiro para negociar em lugar daquele que se recusou a tanto, obtendo-se,
assim, o “resultado prático equivalente”, à tutela pretendida inicialmente.
Nessa ordem de ideias, a indicação judicial de um terceiro negociador
está, mutatis mutandis, em consonância com o entendimento de doutrina e
jurisprudência acerca do privilégio da conservação do contrato em detrimento de
sua prematura extinção488-489, já que, sendo o contrato o instrumento principal
do trato negocial e sendo de interesse do mercado no qual está inserido, sua
adequação, ao invés de sua extinção, é medida necessária para a manutenção
do giro da economia490.
meios processuais têm de estar disponíveis para a tutela dos direitos.” (MITIDIERO: 2016, p. 823). Cf. no mesmo sentido MEDINA: 2016, pp. 486/488 488 Cf. REsp 1058114/RS e REsp 1063343/RS, ambos julgados em sede de recurso repetitivo sobre abusividade da cobrança de comissão de permanência e sua consequência. In verbis: “Constatada abusividade dos encargos pactuados na cláusula de comissão de permanência, deverá o juiz decotá-los, preservando, tanto quanto possível, a vontade das partes manifestada na celebração do contrato, em homenagem ao princípio da conservação dos negócios jurídicos consagrado nos artigos 139 e 140 do Código Civil alemão e reproduzido no artigo 170 do Código Civil brasileiro.” (REsp 1063343/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 16/11/2010, disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%22CONSERVA%C7%C3O+DO+NEG%D3CIO+JUR%CDDICO%22&repetitivos=REPETITIVOS&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true acessado em 04 jan. 2019.) 489 “Havendo prática de agiotagem, devem ser declaradas nulas apenas as estipulações usurárias, conservando-se o negócio jurídico de empréstimo pessoal entre pessoas físicas mediante redução dos juros aos limites legais.” (REsp 1560576/ES, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 23/08/2016, disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27RESP%27.clas.+e+@num=%271560576%27)+ou+(%27RESP%27+adj+%271560576%27.suce.))&thesaurus=JURIDICO&fr=veja acessado em 04 jan. de 2019) 490 Cf. AGUIAR: 2011, p. 938.
186
Apesar de se tratar de hipótese de onerosidade excessiva, é interessante
observar a interpretação atribuída ao artigo 479 do Código Civil491-492-493-494 no
sentido de que o juiz pode determinar a revisão contratual, mesmo sendo essa apenas uma alternativa à resolução contratual, que depende, essencialmente,
da aquiescência do credor. O poder de adequação conferido ao julgador
reconhece, por um lado, a impossibilidade de as partes preverem todas as
intempéries passíveis de afetar a realidade em que o contrato foi concluído, e,
por outro, a necessidade de os contratos de longa duração sofrerem ajustes ao
longo do tempo.
Sob a mesma lógica e pelos mesmos motivos, deve-se admitir que, se
houver descumprimento contratual por força de alteração das circunstâncias
externas e se for mantida a utilidade do cumprimento da prestação, sob o
enfoque do credor e da sociedade, pode a parte devedora, na hipótese de
recalcitrância do credor quanto ao dever de renegociar, requerer que o julgador determine que a parte recalcitrante renegocie de boa-fé o quanto pactuado ou,
ainda, que um terceiro seja designado para renegociar em lugar da parte
recalcitrante.
A ordem judicial acima mencionada não desborda, em absoluto, os limites
da legalidade, pois é aplicação do quanto disposto nos artigos 421, 422 e 187,
do Código Civil, já que a parte recalcitrante deixou de observar a função social
491 “Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.” 492 “Muito embora não seja o enfoque deste trabalho tratar a respeito de questões processuais, é interessante notar que o Código Civil menciona a revisão como uma alternativa à resolução do contrato a serviço do credor da obrigação e a seu pedido. Pela dicção do art. 479, "a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato". Mas e se o credor simplesmente pugnar pelo cumprimento da forma inicial? A solução sem dúvida advém da interpretação conjunta com o art. 317 do Código Civil, o qual permite ao juiz corrigir o valor da prestação futura por motivos imprevisíveis, a pedido "da parte", no caso o devedor, aquele que se obrigou a realizar a prestação. Não haveria sentido em aguardar, no caso de onerosidade excessiva, pelo pedido do réu em contestação ou reconvenção. Se ele simplesmente não concorda com a alteração das cláusulas e não pretende resolver o contrato, não se pode esperar que ofereça uma solução para a restauração do equilíbrio. Pensamento diverso poderia violar o princípio da preservação do contrato, incentivando a resolução em lugar da revisão, além de afrontar o acesso à jurisdição (CF, art. 5°, XXXV).” (MELFI e MORGADO: 2013, p. 288) 493 Como já vinha sendo acolhido pela jurisprudência e acabou por se traduzir nos Enunciados 176 e 367, aprovados, respectivamente, na III e IV Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo Centro de Estudos Judiciários, do Conselho Nacional de Justiça. 494 Cf. SOUZA:2015, pp.178/179.
187
do contrato e o necessário dever de boa-fé e, ao exigir o cumprimento da
prestação sem a devida readequação, cometeu ato ilícito.
No mesmo passo, não se está diante daquilo que se tem denominado de “hipertrofia da cláusula geral de boa-fé”, porque ao determinar que o credor se
disponha a renegociar, o magistrado está dando concretude à boa-fé e
garantindo o atingimento da finalidade do quanto contratado entre as partes. E a
boa-fé tem papel ainda mais relevante quando se está diante de uma rede de
contratos, em que sua análise deve ser feita de maneira sistemática, para que,
como afirma KATAOKA, seja possível preservar o “... sistema supercontratual
fundado na operação econômica com várias partes” (2008, p. 184).
O que se deve ter presente quanto ao tema é que o próprio Código Civil
trouxe normas abertas, com cláusulas gerais e conceitos jurídicos
indeterminados, para garantir a operabilidade do Código nos mais diferentes
cenários históricos. Essa opção, por via de consequência, confere mais importância à atividade jurisdicional495, que tem a responsabilidade de atribuir
significado às normas civis à luz de cada caso concreto496-497. Portanto, eventual
exagero ou desvirtuamento na aplicação da boa-fé nas decisões judiciais deve
495 “Nesse novo contexto em que se insere o contrato, o juiz é o protagonista da solução dos conflitos e impasses dos contratantes e o operador das cláusulas gerais e princípios que caracterizam o sistema aberto. Ao juiz cabe intervir na relação contratual para salvá-la, procurando dentro do sistema solução capaz de assegurar o cumprimento do contrato com equilíbrio e respeito ao interesse das partes. A atuação judicial não tem forma previamente definida, como não poderia ter em face das infinitas variações de conflitos contratuais que se lhe apresentam, assim como são infinitas as potencialidades de solução que pode encontrar no sistema à luz dos valores constitucionais. Cabe ao juiz concretizar a solução diante das circunstâncias do caso, mas não tem liberdade absoluta e não é discricionária a sua decisão.” (GARBI:2014, p. 155) 496 Ao analisar se a crítica francesa sobre o que se denominou de “hipertrofia da cláusula geral de boa-fé” poderia ser aplicada no Brasil, em razão das decisões contraditórias proferidas por magistrados franceses, Cláudia Lima Marques contrapõe-se a tal crítica e afirma que não haveria nenhuma nova crise dos contratos. Segundo ela se há alguma crise nesse sentido, ela não é causada por cláusulas gerais; estar-se-ia diante de “... uma crise externa à dogmática e que pode ser solucionada pelo correto uso das novas cláusulas gerais do direito privado brasileiro, como abertura de reconstrução da teoria geral dos contratos.” (MARQUES:2007, p. 19). No Brasil, os magistrados estão bem afeitos à aplicação de cláusulas gerais e ao respectivo exercício de concreção e interpretação sistemática das normas que compõem o ordenamento jurídico brasileiro. Assim sendo, o aludido fundamento externo à dogmática consubstancia-se na crise de confiança aprofundada pela sociedade pós-moderna, que requer, consequentemente, o desenvolvimento de uma nova dogmática, “ ...com preocupações mais sociais a fim de alcançar (...) a justiça nas relações jurídicas equilibradas entre dois civis e entre dois comerciantes, nos contratos agora regulados prioritariamente pelo Código Civil de 2002.” (MARQUES:2007, p. 20) 497 Aliás, como observado por Ronaldo Porto de MACEDO JUNIOR (1998, p. 235), “... a regulação jurídica da boa-fé e a ampliação de seu uso, a sua extensão e a sua importância, constituem relevantes fatores de estímulo à criação e manutenção de relação de confiança (‘trust’), solidariedade e cooperação.”
188
ser corrigido pelo próprio amadurecimento da jurisprudência, o que, por óbvio,
demanda tempo, reflexão e a discussão própria e inerente ao processo civil.
3.4.1.3. Breves considerações sobre a Lei 13.655, de 25 de abril de 2018
Diante disso, merece atenção a análise das alterações feitas na Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, pela Lei 13.655/2018 em
comparação com o quanto disposto no artigo 8º498 combinado com 489, § 1º,
inciso II499 do Código de Processo Civil.
Ainda que não seja possível avaliar os impactos causados pela Lei
13.655, de 25 de abril de 2018, justamente por sua recente inclusão no
ordenamento jurídico, é importante ter presente as alterações perpetradas na Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no que toca ao tema objeto deste
trabalho. Segundo tal norma, a atuação do juiz passou a sofrer mais restrições no
que tange à prolação de decisões com fundamento em conteúdos jurídicos
abstratos, dentre os quais, num primeiro momento, parecem estar a boa-fé
objetiva e a função social do contrato, bem como os princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana e justiça social. In verbis:
“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.
498 Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. 499 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...) § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
189
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais. Parágrafo único. (VETADO).”
Panoramicamente, o que é interessante notar é que a Lei 13.655/2018
tem conteúdo expletivo em diversos aspectos, porque as decisões judiciais
naturalmente precisam ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Nessa ordem
de ideias, o processo decisório e, pois, o conteúdo dispositivo de qualquer
decisão decorre logicamente da aplicação da lei ao caso concreto, isto é, da
análise das causas de pedir próxima e remota em consonância com o conjunto
normativo aplicável ao caso sob disputa. É nesse sentido que o artigo 489, do
Código de Processo Civil, ao tratar dos elementos essenciais da sentença, já
contém determinação clara, em seu parágrafo 1º, inciso II, no sentido de que o
emprego de conceitos jurídicos indeterminados requer a explicação do motivo a
atrair a sua aplicação ao caso concreto500.
500 “Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé (Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm acessado em 12 mai. 2018).
190
O livre convencimento motivado, vinculado, todavia, ao quanto disposto
na lei, é suficiente para dar parâmetros à atividade do operador do Direito que,
ao aplicar a norma, deverá levar em conta, por óbvio, as circunstâncias existentes quando do surgimento da pretensão controvertida, bem como aquelas
existentes quando do momento da prolação da decisão e, ainda, as
consequências práticas de tal decisão. Não fosse assim, não existiriam, por
exemplo, a ausência ou a presença superveniente das condições da ação, a
teoria do fato consumado, a cláusula da reserva do possível ou, especialmente
em controle concentrado de constitucionalidade, a modulação dos efeitos das
decisões proferidas.
Evidentemente, existem decisões proferidas descoladas da realidade ou
que, ainda, não avaliam as consequências práticas por ela geradas. Porém, para
isso, existe o remédio da interposição de recurso para o órgão colegiado,
oportunidade em que tais temas poderão ser revistos. E, em caso de controle concentrado da constitucionalidade, o próprio Poder Legislativo poderá aprovar
norma que trate do tema objeto da decisão em descompasso com a realidade,
observados, por óbvio os requisitos necessários para tanto.
De todo modo, assim como se discute, ao longo deste trabalho, a
necessidade de a interpretação do direito privado se conformar à realidade
social501 – razão de ser do Direito, aliás – também a atividade jurisdicional deve ter esta necessidade presente. Mas isso não requer a promulgação de lei; isso
é da essência do Direito.
Por outro lado, a atividade jurisdicional é apoiada - desde sempre - em
princípios e conceitos jurídicos indeterminados, tanto que o Código de Processo
Civil, em seu artigo 8º, determina que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz
atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e
promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade,
a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”:
Portanto e especialmente diante da redação do artigo 28502 da Lei
13.655/2018, mais parece – ao menos numa primeira análise - que a lei em
questão é fruto de uma queda de braço entre Poder Legislativo e Poder
501 Cf. Kataoka:2008, pp.43/50. 502 “Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”
191
Judiciário, iniciada com o julgamento do caso Mensalão e continuada pelas
atividades da Operação Lava Jato, diante do avanço do ativismo judicial, isto é,
da postura proativa do Poder Judiciário, cuja existência, aliás, só se justifica pela omissão do Poder Legislativo503-504-505.
Especificamente no que tange ao quanto disposto nos artigos acima
transcritos, não houve vedação quanto à direta aplicação de “valores jurídicos”
(leia-se princípios) ou de “norma de conteúdo indeterminado”; o que houve –
ainda que expletivamente – foi a determinação para que o operador do Direito,
ao fazê-lo, cuide de motivar a decisão, explicar a necessidade e adequação
daquela decisão, bem como descrever os efeitos práticos de tal decisão.
Nessa toada, não se pode esperar – porque faticamente impossível – que
o operador do Direito trate de todas as alternativas possíveis à decisão tomada
ou, ainda, de todas as consequências possivelmente decorrentes de tal decisão,
porque isso, em última análise implicaria verdadeiro exercício de futurologia. O que se espera – como sempre se esperou – é que o operador do Direito, ao
503 A título de exemplo, veja-se o julgamento da Pet. 3.240, finalizado em 10 de maio de 2018, perante o Supremo Tribunal Federal, em que o houve extinção do foro privilegiado (foro por prerrogativa de função). O caso havia sido retirado de pauta duas vezes em 2017 e, nesse meio tempo, tramitava uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 333/2017), que tratava justamente de tal tema. Porém, diante da inércia recalcitrante do Poder Legislativo (que acabou por se cristalizar por conta da intervenção federal no Rio de Janeiro, no início de 2018), o caso foi novamente pautado e julgado pelo Poder Judiciário. Confira-se o andamento da demanda em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2250863 acessado em 12 mai. 2018. Confira-se o andamento da PEC 333/2017 em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2140446 acessado em 12 mai. 2018. 504 Tenha-se presente, ainda, que o ativismo judicial não se confunde com o que se tem chamado de Estado Judicial ou judicialização da política. A tripartição de poderes é bastante clara na Constituição Federal, mas o Poder Judiciário, provocado pelo jurisdicionado, tem o dever de decidir, sempre com fundamento legal (regras e princípios), o que inclui, por óbvio, a interpretação da Constituição Federal. Assim, no regular exercício da atividade jurisdicional, o magistrado é obrigado a decidir o caso concreto que lhe é submetido, ainda que a decisão crie uma situação jurídica que não esteja expressamente prevista em lei, mas seja decorrência da interpretação e aplicação de princípios constitucionais, tal como se deu, por exemplo, com o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Afinal, de há muito não se entende que o juiz é apenas “a boca da lei”, mas, sim, o intérprete responsável por manter viva a lei ao aplica-la ao caso concreto, de acordo com a realidade social existente. 505 Código de Processo Civil: “Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.”
192
aplicar a norma ao caso concreto, utilize as técnicas hermenêuticas aprendidas
nos bancos da faculdade e esteie suas decisões na lei506-507.
Portanto, a despeito da recente alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), não há dúvidas de que existem instrumentos
suficientes para que o julgador determine o cumprimento do dever de renegociar
ou, se definitivamente descumprido, aplique as sanções decorrentes de tal
descumprimento.
3.4.2. Tutela conferida aos terceiros prejudicados Quando se está a tratar de prejuízos decorrentes do descumprimento do
dever de renegociar, está-se a discutir não só o prejuízo causado à parte, mas,
também, à coletividade.
A coletividade será aqui subdividida em duas espécies, assim denominadas: (a) terceiros qualificados e (b) terceiros em geral.
3.4.2.1. Terceiros qualificados
Os terceiros qualificados, assim denominados por Eduardo KATAOKA
(2008, p. 188) são aqueles que, de algum modo mantêm relação jurídica com as partes do contrato objeto de renegociação contratual. São pessoas que têm
ciência da operação econômica subjacente àquele contrato firmado e, de algum
modo, dela participam. Em última análise, são integrantes da rede contratual
formada por conta do contrato objeto da renegociação.
Sendo assim, não podem ser confundidos com terceiros de modo geral,
mas, ao mesmo tempo, não podem ser tratados como parte, pois, efetivamente,
não participaram do contrato objeto de renegociação e, pois, não estão atrelados
à prestação principal objeto de tal contrato.
Os terceiros qualificados são sujeitos dos direitos decorrentes do
cumprimento dos deveres anexos daquele contrato, porque, apesar de não
506 Cf. a crítica do Ministério Público Federal ao projeto de lei que deu origem à Lei 13.655/2018 em https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-pgr-lindb.pdf acessado em 12 mai. 2018. 507 Cf. a defesa do aludido projeto de lei, feita por uma comissão de juristas em https://www.conjur.com.br/dl/parecer-juristas-rebatem-criticas.pdf acessado em 12 mai. 18
193
serem responsáveis pela prestação principal desse contrato, têm alguma relação
com ela. Em outros termos, diante da unidade econômica que embala a rede de
contratos, o programa contratual estabelecido e as perturbações experimentadas no contrato objeto de renegociação são sentidos por todos os
integrantes da rede contratual, que têm interesse legítimo nos rumos daquele
contrato508-509.
Isso porque, a depender da finalidade da operação econômica e do modo
de produção escolhido, poderão ser concluídos inúmeros contratos, com partes
distintas e objetos distintos, mas cujo objetivo é, globalmente, atingir aquela
determinada finalidade. Portanto, como o sucesso ou fracasso refletirá nos
demais integrantes da operação econômica, é razoável que os riscos da
operação econômica sejam, em alguma medida, repartidos entre todos os seus
partícipes, o que se dá, no mais das vezes, através dos deveres de proteção510.
Consequentemente, a extensão dos deveres laterais aos terceiros qualificados é decorrência da aplicação da própria boa-fé objetiva e da função
social do contrato, porque o contrato objeto de renegociação está inserido na
sociedade e não é indiferente aos terceiros que, de algum modo, têm a legítima
expectativa de que sua execução seja mantida pelas partes contratantes. Logo,
os terceiros qualificados são sujeitos dos deveres de proteção daquele contrato,
dentre os quais está o de cooperação e, pois, o de renegociar511. Esses terceiros qualificados poderão pretender a indenização dos
prejuízos decorrentes do descumprimento do dever de renegociar, mas, por
evidente, não poderão exigir a resolução ou revisão daquele contrato, porque,
como se mencionou anteriormente, não estão diretamente atrelados na
prestação principal e nem tampouco integral aquela relação contratual512.
508 Cf. NANNI:2008, pp. 315/316. 509 As operações econômicas complexas, como se viu, favorecem a formação de uma rede contratual, por meio da qual se reconhece a existência de um vínculo entre contratos independentes do ponto de vista jurídico. A consequência disso é que o dever de cooperação entre todos os integrantes dessa rede, tem especial relevância para a consecução do programa contratual, o que pode acarretar a mitigação do princípio da relatividade dos contratos, na medida em que, para além das partes contratantes, os terceiros qualificados também são atingidos por aquela determinada relação contratual. Cf. ROSA: s/d, p.413 e 424/430. 510 Cf. KATAOKA:2008, pp. 191 511 Dentre os quais está o dever de renegociar. Cf. UDA:2017, p. 40. 512Cf. KATAOKA:2008, pp. 187/188
194
Volte-se, uma vez mais, à rede de contratos, exemplificada pelo caso
“Petrobras – Sete Brasil – Estaleiros”: Uma vez interrompida a relação contratual
entre Petrobras e Sete, esta última ingressou com pedido de recuperação judicial e, sequencialmente, interrompeu a execução de contratos havidos com diversos
Estaleiros, que, por sua vez, interromperam a execução de outros tantos
contratos existentes com empresas subcontratadas (“Subcontratadas”), cujo
objeto, em última análise, era cumprir parte do escopo contratual assumido por
determinado Estaleiro513.
As Subcontratadas não têm qualquer relação contratual com a Petrobras
ou com a Sete Brasil; sua relação é apenas com o Estaleiro que lhe contratou.
Porém, a razão de ser de sua contratação é a existência do contrato em
Petrobras e Sete. Logo, apesar de não ter relação imediata com aquelas partes
contratantes, isto é, de não ter sido contratada por uma das duas, sua relação
com elas, apesar de mediata, é direta. E isso justifica a extensão dos deveres de proteção, isto é, cooperação e renegociação, ao Estaleiro.
Evidentemente, a interrupção do contrato entre Petrobras e Sete foi a
razão direta e imediata da interrupção do contrato havido entre a Subcontratada
e o Estaleiro, motivo pelo qual poderia aquela ingressar com ação indenizatória
contra a Petrobras, já que esta, ao descumprir o dever de renegociação com a
Sete Brasil, acabou por causar danos diretos e imediatos à Subcontratada. Nessa esteira, é preciso ter presente que a boa-fé exigida das partes
contratantes não deve levar em conta apenas o contrato por elas entabulado,
mas, sim, a rede de contratos dele decorrente, o que, segundo Rodrigo Xavier
LEONARDO (2006, p. 442) pode ser denominado de deve lateral sistemático.
Porque pertinente, veja-se o entendimento do citado autor sobre o tema:
“Na medida em que a relação jurídica é vislumbrada como processo, reconhece-se nessa relação mais do que um plexo de
513 A obra de um navio sonda, por exemplo, é extremamente complexa e a entrega do produto envolve a subcontratação de várias empresas com expertises distintas, para executar determinada parte da obra. Ao lado disso, tais contratos podem englobar a prestação de serviços de manutenção, o que torna ainda maior a teia contratual subjacente a tais contratos, sendo alguns deles mais conexos com a relação contratual principal e outros mais distantes, como, por exemplo, contratos de prestação de serviços terceirizados (segurança, limpeza, recepção etc.) ou mesmo outros advindos de atividades empreendedoras surgidas por conta daquela determinada atividade econômica principal (exemplo, restaurantes, escolas de idiomas, creches etc.). Evidentemente, alguns deles não fazem parte da rede contratual mencionada e, pois, não poderão ser tratados como terceiros qualificados, mas, apenas, como terceiros em geral.
195
direitos e de deveres voltados para o simples adimplemento das prestações pertinentes a cada um dos contratos. Verificam-se, deste modo, um conjunto de direitos e deveres próprios à manutenção da rede constituída, conforme os princípios de honestidade e probidade que iluminam todo o direito das obrigações (arts. 113, 187 e 422 do Código Civil Brasileiro). (...) Seria um contra-senso aceitar que uma parte contratante que integra um sistema de contratos no qual se processualiza uma relação em sentido amplo - no afã da satisfação de seus interesses egoísticos -, venha a praticar condutas contrárias aos objetivos mínimos de estabilidade, persistência temporal e equilíbrio próprios a todo e qualquer sistema, causando prejuízos aos demais integrantes do conjunto relacional. Os deveres laterais de conduta em uma rede de contratos, portanto, reverberam para além dos contratos particulares. Exigem-se comportamentos compatíveis não apenas com as relações contratuais singulares, mas sobretudo com as relações determinadas em rede. Daí ser lícito defender que na rede de contratos devem ser observados deveres laterais sistemáticos.”
Se assim é, na medida em que a parte se recusa a renegociar ou o faz descolando-se da boa-fé exigida, tal postura configura ato ilícito, o que faz surgir
a pretensão dos terceiros qualificados prejudicados obterem a correlata
indenização pelos prejuízos sofridos, com fundamento na responsabilidade
contratual, de acordo com os artigos 421, 422 e 187 combinado com o artigo
927, do Código Civil. Por isso, aos terceiros qualificados afetados pelo descumprimento do
dever de renegociar, é dada a possibilidade de ingressar com demanda tendente
a obter indenização pelas perdas e danos decorrentes do descumprimento do
dever de renegociar, devendo-se ressaltar, por óbvio, que tal indenização deverá
ter como parâmetro as bitolas legais, bem como as peculiaridades atinentes ao
contrato afetado pelo descumprimento do dever de renegociar.
3.4.2.2. Terceiros em geral Não é possível utilizar a mesma lógica aplicada aos terceiros qualificados
em decorrência do descumprimento do dever de renegociar, isto é, aquela lógica
contida nos artigos 421, 422 e 187 combinado com o artigo 927, do Código Civil no que tange aos prejuízos causados à coletividade.
196
Antes de mais nada, a lógica acima mencionada pressupõe a existência
de uma relação jurídica negocial entre as partes, para que haja, entre elas,
direitos e deveres correlatos. Os terceiros qualificados, ainda que não participem imediatamente daquela relação, sofrem diretamente as consequências advindas
das perturbações ocorridas naquela relação jurídica. E é isso sustenta a
pretensão de indenização deduzida por eles, já que o comportamento descolado
da cláusula geral de boa-fé e, ainda, o exercício abusivo do direito de exigir
determinada prestação514, repercutem diretamente na relação contratual por eles
havida.
Ao lado disso, não é lógico que o descumprimento do dever de renegociar
traga mais riscos do que aqueles decorrentes da resolução contratual. Em suma,
os riscos decorrentes do retorno das partes ao status quo ante não podem ser
maiores do que aqueles assumidos quando da contratação, para que a
obrigação fosse regularmente cumprida. Em relação aos terceiros qualificados, os riscos atinentes à formação de
uma rede contratual foram ou deveriam ter sido internalizados pelas partes do
contrato objeto de renegociação. Apesar de os contratos de grande magnitude
serem precedidos de estudos de impacto ou efeitos que causarão na sociedade
que estarão inseridos (terceiros em geral), é certo que tal avaliação não tem a
mesma precisão e amplitude daquela em relação aos terceiros qualificados. Sendo assim, não se pode admitir que a parte que se negue a renegociar
o quanto pactuado, seja mais gravemente apenada do que seria na hipótese de
o contrato ter se resolvido, especialmente se não houver relação entre o
recalcitrante e o terceiro prejudicado.
Isso não quer significar, contudo, que os terceiros em geral ficarão
desprovidos de tutela jurisdicional. Poderão, com fundamento na
responsabilidade civil extracontratual (artigo 186515 combinado com 927, do
Código Civil), demonstrar que a sua atividade econômica era subjacente e
estava de algum modo atrelada diretamente à relação contratual resolvida em
razão da postura recalcitrante da parte que descumpriu o dever de renegociar.
514 Cf. NANNI:2008, p. 753. 515 “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
197
Evidentemente, a prova do nexo causal entre o evento e o dano
experimentado pelos terceiros de modo geral encontrará percalços, mas não se
pode – de plano – excluir mais essa possibilidade de responsabilidade civil, especialmente em situações em que, como aqui se procurou retratar, o
descumprimento do dever de renegociar afete fortemente a economia de
determinada localidade.
A legitimidade, o interesse e o cabimento de indenização, nesse caso,
dependerão de análise casuística, de acordo com os parâmetros estabelecidos
pela responsabilidade civil extracontratual.
198
CONCLUSÃO
Como se procurou demonstrar, apesar de as partes assumirem certos
riscos ao contratar, tais riscos podem sair dos trilhos inicialmente construídos,
sem que tal desvio chegue a configurar alguma das hipóteses de revisão ou
resolução contratual, previstas pelos artigos 317 e 478, do Código Civil.
Especialmente em relações jurídicas de longa duração, é natural que as
circunstâncias externas que permearam a conclusão do contrato sejam alteradas
ao longo de sua execução, o que pode impactar o equilíbrio originalmente
estabelecido, com a desnaturação do risco assumido pelas partes. Nessa
hipótese, é mais natural ainda esperar que as partes, em postura colaborativa,
tomem as medidas necessárias para que os rumos do quanto pactuado sejam
retomados, a fim de que o programa contratual possa ser cumprido. E isso se torna ainda mais relevante na hipótese de o contrato em questão ser de tal
envergadura que acarrete a conclusão de diversos outros contratos e impacte a
economia da sociedade no qual está inserido.
É que relações que perduram no tempo têm a colaboração ou cooperação
como fio condutor a orientar a execução contratual, para que, em última análise
a finalidade do contrato possa ser atingida, garantindo-se, assim, o fluxo normal da circulação de riquezas. Em outros termos, as relações jurídicas de longa
duração, como decorrência lógica do dever de cooperação entre as partes,
trazem em seu bojo a constante possibilidade de auto revisão do quanto
pactuado, para garantir que a obrigação contraída siga os rumos originalmente
estabelecidos.
Isso não quer dizer que eventual prejuízo por uma das partes deva ser
evitado; ao contrário, é do jogo do mercado que, eventualmente e em certa
medida, uma parte possa fazer bom ou mau negócio e que isso, por via de
consequência, possa lhe trazer mais ou menos resultado em relação ao
originalmente esperado.
Porém, se tal medida fugir do razoável – e tal análise, por óbvio, deverá
ser feita à luz do caso concreto, isto é, à luz das alterações das circunstâncias externas e seus impactos em determinada relação contratual – é certo que as
199
partes, como expressão de boa-fé e da cooperação que permeiam tal espécie
de relação jurídica, devem renegociar o quanto pactuado, com o cuidado de não
desnaturar o núcleo da relação jurídica entre elas entabulada. O direito estrangeiro debruçou-se sobre tal questão e, apesar da
diversidade de abordagem e abrangência, trouxe algumas soluções que servem
de luzeiro a guiar o dever de renegociar no ordenamento jurídico brasileiro.
Do quanto analisado, foi possível notar que a alteração superveniente das
circunstâncias, isto é, no curso da execução de contratos de longa duração, é a
porta de entrada para a revisitação do quanto pactuado, desde que tal alteração
superveniente não estivesse presente ou não pudesse ser percebida quando da
conclusão do contrato. Fosse assim estar-se-ia diante de um vício de origem,
cujo tratamento jurídico é distinto daquele dado para as intempéries ocorridas ao
longo da execução do contrato.
A despeito de, em alguns casos, a imprevisibilidade e a extraordinariedade serem requisitos essenciais, é ponto comum a necessidade
de desnaturação do risco originalmente assumido e, pois, da relação de
equivalência até então existente entre as partes, para que se permita a
revisitação do quanto pactuado, como expressão da boa-fé e cooperação que
devem permear tal espécie de relação jurídica.
A revisitação acima mencionada pode se dar de algumas formas diferentes: resolução, revisão ou renegociação contratual. Em alguns casos,
como na Alemanha e na França, a renegociação é etapa prévia ao pedido de
resolução ou revisão contratual. Apenas se fracassada tal etapa, a via da
resolução ou revisão é aberta para a parte prejudicada. Porém, é apenas no
âmbito do PECL – desprovido de força cogente – que o dever de renegociar
ganhou destaque: se houver recalcitrância ou malemolência no cumprimento do
dever de renegociar, a parte prejudicada poderá requerer o pagamento das
perdas e danos decorrentes de tal postura, além de requerer a resolução do
contrato.
O direito brasileiro também já se debruçou sobre o tema. Para além das
hipóteses de revisão contratual previstas pela legislação civil (artigo 317 e
478/480, do Código Civil), outras também foram previstas pela legislação administrativa e consumerista, sendo que a força motriz da primeira está na
200
satisfação do interesse público e, da segunda, na tutela da parte mais vulnerável
da relação jurídica.
De todo modo, em todos os casos o que se objetiva com a revisitação contratual é a preservação do equilíbrio contratual, isto é, a preservação da
proporcionalidade e razoabilidade ou adequação entre prestação e
contraprestação de uma relação jurídica contratual. Com vieses e requisitos
distintos, o que o legislador pretendeu foi evitar que, durante o iter obrigacional,
houvesse configuração de desproporção manifesta entre a obrigação do devedor
e a vantagem auferida pelo credor. E o parâmetro para se aferir a configuração
de tal desproporção está no equilíbrio originalmente entabulado entre as partes,
admitindo-se que tal equilíbrio se deu livre de vícios.
Assim sendo, uma vez observada tal desproporção e preenchidos os
requisitos legais atinentes a cada espécie de relação jurídica contratual, o
restabelecimento do equilíbrio originalmente existente se faz necessário, como medida de justiça contratual, observando-se, por evidente, as peculiaridades da
relação jurídica administrativa e consumerista.
A crise econômica que vem abatendo o Brasil há alguns anos não serve
de fundamento para a revisão ou resolução contratual, com base nos artigos 317
e 478 e seguintes do Código Civil, porque, historicamente, o país é assolado por
inflação desmesurada, seguida, de tempos em tempos, por planos econômicos com o intuito de a debelar. Foi somente a partir de 1994 que a moeda passou a
ter algum tipo de estabilidade, mas não passou ilesa às crises cambiais e/ou
econômicas, estas últimas decorrentes da globalização da economia (tal qual a
crise do subprime norte-americana) ou da corrupção tupiniquim (tal qual a
revelada pela Lava Jato).
Contudo, não se pode negar que, efetivamente, tais crises econômicas
desnaturam o risco originalmente assumido pelas partes e impactam, para além
do razoável, o equilíbrio contratual desenhado e cuja manutenção é necessária
para que a finalidade do contrato possa ser atingida.
Nessa toada, sendo a relação jurídica de longa duração verdadeiro
processo, onde a colaboração entre as partes é essencial para que sua
finalidade possa ser atingida, é certo que o ordenamento jurídico brasileiro prevê
201
mecanismos outros a albergar a revisitação e adequação do quanto pactuado
em relações jurídicas privadas, como medida preventiva à resolução contratual.
Os percalços surgidos por força da alteração das circunstâncias externas podem ser superados por meio da renegociação, ainda que não se enquadrem
nas hipóteses de imprevisão e onerosidade excessiva previstas pelo Código Civil
brasileiro.
A renegociação é dever legal imputado às partes e tem, como razão de
ser, o próprio ser humano, já que a ordem econômica não é um fim em si mesma,
mas, sim, um instrumento para “assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social” (artigo 170, da Constituição Federal). Seu fundamento
infraconstitucional está no artigo 421 e 422, do Código Civil, já que as partes, ao
longo de toda a execução do contrato, devem se portar de acordo com a boa-fé
e, pois, colaborar para que a finalidade do quanto contratado seja atingida,
sempre levando em conta o impacto que aquela determinada relação jurídica causa na sociedade na qual está inserida.
Nessa ordem de ideias, não é possível, a um dos contratantes, exigir
sacrifício desmesurado da outra parte contratante, isto é, fora dos limites postos
pelos riscos originalmente assumidos, ainda que tal sacrifício não esteja
albergado em eventos imprevisíveis e extraordinários. Por ser um todo orgânico,
é da essência do contrato de longa duração sofrer adaptações ao longo do tempo, a fim de se adaptar à realidade que lhe é subjacente, adaptação essa
que também deve levar em conta a sociedade por ele impactada.
Assim sendo, uma vez constatado o descumprimento da prestação
pactuada em decorrência da alteração das circunstâncias externas que
permearam a conclusão do contrato (ainda que previsível ou ordinária), se tal
alteração não fizer parte do risco natural do contrato e se o cumprimento da
prestação ainda for útil ao credor e à sociedade impactada por tal contrato, ao
invés da resolução contratual, as partes devem seguir o caminho da
renegociação, como expressão da boa-fé, da função social e da conservação do
contrato.
Nessa ordem de ideias, deve-se ter presente que o dever de renegociar
ganha relevo no âmbito dos contratos complexos, em que uma verdadeira rede contratual é formada para que o escopo da contratação principal possa ser
202
atingido. São exemplos, como se viu, contratos de grande empreitada ou
tecnológicos, em que é possível constatar economias locais ou regionais girando
em torno do quanto pactuado. Nesse contexto, a renegociação deixa de ter relevo apenas para a conservação de determinado contrato e passa a ser
fundamental para a sobrevivência de toda uma economia, a exemplo do
município de Rio Grande, destacado anteriormente.
Evidentemente, se as partes renegociarem o quanto pactuado de boa-fé,
mas, ainda assim, não for possível corrigir os rumos do contrato, o caminho
natural é o da resolução ou, excepcionalmente, da revisão contratual.
Porém, se houver recusa no dever de renegociar, a parte que se recusar
poderá ser impelida a tanto (obrigação de fazer), sob pena de pagamento de
multa diária ou, ainda, sob pena de ser nomeado um terceiro negociador que
faça as suas vezes durante a renegociação. De todo modo, mantida a
recalcitrância ou, ainda, se a parte se negar a renegociar de boa-fé ou desistir da renegociação, a via que se abre é a da resolução ou, excepcionalmente,
revisão contratual, sem prejuízo do pagamento das perdas e danos correlatas à
postura recalcitrante, nos termos do artigo 187 e 927, do Código Civil.
Os integrantes da rede contratual formada a partir do contrato cuja
renegociação se pretende são denominados de terceiros qualificados, pois as
perturbações havidas ao longo daquela relação contratual impactam diretamente os integrantes de tal rede. Diante disso, os deveres laterais de proteção devem
abarcar toda a rede contratual, o que engloba o dever de renegociar.
Consequentemente, o descumprimento de tal dever faz surgir a pretensão, por
parte dos terceiros qualificados, de requerer o pagamento da indenização
correlata aos prejuízos experimentados em decorrência da configuração de tal
ato ilícito. E o fundamento de tal pretensão é contratual, nos termos do nos
termos do artigo 187 e 927, do Código Civil.
Já os terceiros prejudicados com tal postura (negativa de renegociar ou
renegociação desprovida de boa-fé) poderão, com fundamento no artigo 186 e
927, do Código Civil, requerer a indenização pelos prejuízos sofridos em
decorrência direta e imediata do descumprimento do dever de renegociar.
203
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