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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Cláudia Garcia Cavalcante
Análise dialógica e ensino de língua portuguesa para universitários
DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA
LINGUAGEM
SÃO PAULO
2013
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Cláudia Garcia Cavalcante
Análise dialógica e ensino de língua portuguesa para universitários
DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA
LINGUAGEM
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em
Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem sob a orientação da Prof.ª Dra.
Elisabeth Brait.
SÃO PAULO
2013
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
4
Á Maria Irene, minha mãe, para quem sou
pequenina feito grão de milho.
5
AGRADECIMENTOS
A minha professora orientadora Beth Brait, pela confiança no projeto e infinita
paciência com esta redatora tão confusa. Aprendi a interpretar e a viver o não-álibi do
ser sempre amparada por seu olhar amoroso e companhia fiel.
Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem - LAEL, PUC-SP e à CAPES, pela oportunidade do estágio de pesquisa em
Sheffield, Reino Unido.
I am indebted to Professor Craig Brandist, my co-supervisor, without whom the
arrangements with the University of Sheffield and the Bakhtin Centre would have been
impossible. I would also like to thank for providing me access and logistic support
during the research period not to mention the countless debate around the Circle’s work.
To Professor Evgeny Dobrenko, Head of Department of Russian and Slavonic Studies
and Caroline Wordley, Postgraduate Coordinator School of Modern Languages and
Cultures for all the support and kind welcome at the University of Sheffield.
A CAPES, pela concessão da bolsa de doutorado.
Às Profas. Dra. Sandra Madureira e Dra. Angela Cavenaghi, coordenadoras do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
- LAEL, PUC-SP, pelo aval incondicional a todas as minhas solicitações.
À querida Maria Lúcia, secretária do Lael, com quem tenho o prazer de conviver e
beneficiar-me de seu auxílio sempre presente desde 2003, época do mestrado.
À Márcia Martins, que com sua voz doce consegue acalmar os dragões internos em
busca do cumprimento de prazos, escritas burocráticas, etc.
Às Profas. Dra. Maria Helena Pistori e Dra. Maria Inês Campos pelas contribuições da
leitura generosa e indispensável do meu projeto de pesquisa aprovado em primeiro lugar
no Lael no segundo semestre de 2010.
Às Profas. Dra. Fernanda Liberalli e Dra. Miriam Puzzo, responsáveis pelo
encaminhamento decisivo desta pesquisa na primeira sessão de qualificação.
À Profa. Dra. Adriana Pucci, pelas inestimáveis contribuições, por sua criatividade
poética, sabedoria, didática, doçura e compreensão quando em meus momentos de crise
nas qualificações, dizia: “Cláudia, olha para mim, venha para a luz, você sabe! Está tudo
aí!”.
Ao Prof. Dr. Anderson Salvaterra, pelo olhar cuidadoso e minucioso dado à tese nas
qualificações; por ter contribuído no processo de organização do pensamento, por
limpar as lentes dos meus óculos e, assim, fazendo-me enxergar o verdadeiro objeto de
pesquisa em Linguística.
Aos colegas do Círculo Braitiano, pelos almoços, pelas risadas e pelo compartilhar de
sonhos, angústias e expectativas, especialmente à Bruna Dugnani, Orison Marden,
Sandra Lima, Anderson Silva, Vinícius Nascimento e Jean Gonçalves.
À excelente profissional e colega de estudos, Regina Braz, pelo norte que deu à escrita
deste texto na primeira revisão.
Aos caros alunos dos cursos de Ciências Contábeis, Administração e Tecnologia em
Secretariado da instituição onde leciono, meus parceiros discursivos. Com eles, tive a
6
motivação para as pesquisas efetuadas em busca de um ensino de língua portuguesa
capaz de conduzi-los a uma atuação cidadã e profissional.
Ao amigo Elton Furlanetto, pelo companheirismo da amizade sincera e pela revisão do
abstract.
Ao colega e pesquisador Jorge Torresan, pela paciência com minhas dúvidas nas
primeiras discussões acerca deste objeto de pesquisa e inestimável colaboração na
leitura do texto final.
Aos colegas e amigos da correção de vestibular da Universidade Nove de Julho, Cássia
Abreu, Chafiha, Christina Munhão, Lane Gatto, Marcello Ribeiro, Renata Valente, Rose
Solitto, Thiago Lauriti, Wagner Saldanha e Wendel Christal pela força e injeção de
otimismo nos dias que precederam minha viagem ao Reino Unido, especialmente à
Profa. Nádia Lauriti pelo carinho enviado a distância.
A minha irmã Carla Calleri, minha amiga de infância Giseli Vicentini, minhas amigas
do coração Áurea Ferreira e Camila Ribeiro, pela certeza da presença carinhosa sem
data de validade.
Ao Prof. Dr. Anderson Sena Barnabé, por ter me conduzido nos primeiros passos como
pesquisadora e do incentivo ao doutorado.
À amiga e Profa. Dra. Eliana Farias, pelo incentivo às publicações e pelo ouvido
compreensivo.
Ao Dorival Bulgarelli, pela compreensão e o cuidado com uma parte do “meu mundo”
que ficou em suspenso por um tempo.
Ao meu irmão Abelardo Cavalcante pelo amor, apoio incondicional, presença constante
e respeito pelas minhas ausências como irmã, tia, madrinha e cunhada.
A Maria Irene Garcia Cavalcante, minha amiga, irmã, companheira de estrada,
conselheira espiritual, curandeira, cuidadora de gatos e também mãe, meu amor e
gratidão, sempre.
A gratidão é a memória do coração Antístenes (Discípulo de Sócrates)
7
Tudo o que pode ser feito por mim não poderá
nunca ser feito por ninguém mais, nunca. A
singularidade do existir presente é
irrevogavelmente obrigatória. Este fato do meu
não álibi no existir, que está na base do dever
concreto e singular do ato, não é algo que eu
aprendo e do qual tenho conhecimento, mas
algo que eu reconheço e afirmo de um modo
singular e único.
Mikhail M. Bakhtin
8
Análise dialógica e ensino de língua portuguesa para universitários
Cláudia Garcia Cavalcante
RESUMO
Nesta tese, tratamos do ensino de Língua Portuguesa na Educação Superior,
considerando um livro didático como espaço discursivo que permite compreender a
construção da autoria, dimensão que envolve processos de trabalho específicos com a
linguagem. Esses processos contribuem para o ensino da escrita de estudantes
universitários. Nossa perspectiva para desenvolver essa tese é a dialógica. Para tanto,
descrevemos, analisamos e interpretamos os reflexos da concepção dialógica da
linguagem, tal como apresentada nas obras de M. Bakhtin e do Círculo, no livro
didático Prática de texto para estudantes universitários (Petrópolis: Editora Vozes,
2011/1992) (PTEU) escrito por Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza, autores
reconhecidamente bakhtinianos por toda a comunidade acadêmica. Esse material
didático foi escolhido, principalmente, pela filiação teórica dos autores-criadores,
baseada no dialogismo, na relação constitutiva eu-outro histórico, social, e pela
apresentação inicial da obra, que propõe um trabalho com a linguagem escrita
acompanhado de reflexões discursivas que propiciam ao aluno uma aprendizagem à luz
das múltiplas linguagens sociais que o circundam. Para situar esse material em uma
esfera mais ampla, buscamos conhecer o perfil educacional do egresso do Ensino
Médio, por meio de exames de larga escala, como Enem e Pisa. Em seguida,
investigamos a organização da educação superior brasileira e as escolhas de curso do
ingressante. De posse desse conhecimento, dialogamos com as Diretrizes Curriculares
Nacionais dos maiores cursos do país para traçar um perfil das habilidades projetadas
para o ingressante no nível superior. Ainda em fase de investigação inicial, pesquisamos
os materiais de ensino de língua disponíveis no mercado, os quais pretendem preparar o
aluno ingressante para as demandas escritas da vida acadêmica. Assim, no processo de
construção do nosso objeto de pesquisa, estabelecemos as seguintes premissas para a
pesquisa: a) reconhecer que há um hiato entre no perfil dos egressos da escola básica e
aquele esperado para o ingressante no nível superior, especialmente no que diz respeito
às habilidades linguísticas, comunicativas e discursivas. b) reconhecer que a produção
de material didático de língua portuguesa para esses estudantes mobiliza aspectos de
linguagem que, de alguma forma, refletem e refratam o hiato mencionado na primeira
premissa. c) reconhecer que há uma relação indissociável entre linguagem e ética, a qual
se reflete em uma pedagogia comprometida com a formação de cidadãos leitores e
produtores de textos. A partir dessas premissas, fundamentamos a pesquisa na
concepção de linguagem de Bakhtin e o Círculo que toma todo enunciado produzido em
um contexto histórico, cultural e social como um enunciado concreto em relação à
produção, recepção e circulação de textos entre sujeitos socialmente organizados. Dessa
perspectiva teórica, as noções de autoria e interação discursiva são utilizadas como
categorias de análise que nos permitiram acessar o corpus de estudo constituído do
capítulo de ensino de gêneros discursivos e as propostas de produção textual. A partir
dessas categorias, a metodologia de trabalho partiu de um exercício teórico
metodológico, cujo objetivo era fazer dialogar o corpus com a obra teórica individual de
cada autor, via observação da macro construção e, em seguida, com a organização
específica das partes que constituem o conjunto didático. Esse procedimento reflete
nossa hipótese central de que a filiação teórica de um autor altera o enunciado concreto,
o qual surge com o trabalho de linguagem na construção das propostas de prática de
9
escrita. A fim de perseguir essa hipótese, objetivamos investigar se o autor,
comprovadamente bakhtiniano em sua obra teórica, defensor da perspectiva dialógica
da linguagem, promove, com seu livro didático, um espaço de construção de autoria e
contribui para o ensino da escrita de estudantes universitários. Para observar esse
aspecto, o trabalho norteou-se por uma questão central para a teoria dialógica da
linguagem que é a interação, e que pudemos assim formular: De que forma as marcas
da interlocução instauradas entre autor e aluno/leitor encaminharam as atividades
didáticas propostas em PTEU, refletindo e refratando o posicionamento teórico do
autor? As análises, encaminhadas especialmente pelo fio condutor representado por essa
questão, confirmaram nossa tese: o posicionamento teórico do autor é decisivo para
constituir a obra como espaço discursivo que permite compreender a construção da
autoria e, o que é muito importante, como espaço indissociável entre linguagem e ética,
o qual se reflete em uma pedagogia comprometida com a formação de cidadãos leitores
e produtores de textos. Este trabalho trata justamente de mostrar como este fato se
concretiza. Esperamos que este estudo apresente relevância teórico-prática para a
Linguística Aplicada, para os estudos da linguagem, em geral e de modo particular para
o ensino de Língua Portuguesa, assim como para a compreensão da possibilidade de
estabelecer a relação entre a teoria bakhtiniana e sua prática.
PALAVRAS-CHAVE: livro didático de português; interação discursiva; autoria;
Bakhtin e o Círculo.
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Dialogic analysis and Portuguese teaching for undergraduated students.
Cláudia Garcia Cavalcante
ABSTRACT
In this thesis, we deal with the teaching of the Portuguese language in higher education,
taking into consideration the course book as the discursive space that allows us to better
understand the construction of authorship – a dimension that involves particular work
processes with language. Such processes contribute to the teaching of writing to
undergraduate students. Our perspective of development of the thesis is dialogic.
Therefore, we described, analyzed and interpreted the reflexes of the dialogic language
– as we read from the works of Bakhtin and the Circle – in the course book Prática de
texto para estudantes universitários (Petrópolis: Editora Vozes, 2011/1992) (PTEU)
written by Carlos Alberto Faraco and Cristovão Tezza, authors who are well known by
their Bakhtinian affiliation. This material was chosen mainly because of the theoretical
commitment of the authors-creators, based on dialogism and on the constitutive socio-
historical relation I-other, as well as by the foreword of the book, which proposes a
treatment to written language followed by discursive reflections that enable the
students to learn in the light of the multiple social languages that surround them. In
order to situate this material in a wider sphere, we aimed at some knowledge about the
educational profile of the high school alumni, by means of large scale examinations,
like ENEM and PISA. After that, we investigated the Brazilian Higher Education
organization and the selection of courses of those starting it. Aware of these, we
establish a dialog with the National Curriculum Guidelines (Diretrizes Curriculares
Nacionais, in Portuguese) of the most popular courses in the country so as to draw a
profile of the projected abilities for the first year students. Yet as our preliminary
investigation, we researched the language teaching materials available in the market,
which try to adjust the student to the demands of academic writing. Thus, in the process
of building our research object, we established the following premises: a)
acknowledgement that there is a gap between the profile of those graduating in high
school and those expected to start higher education, especially in the sense of their
linguistic, communicative and discursive abilities. b) acknowledgement that the
production of educational material to teach Portuguese to those students mobilizes
linguistic aspects that, somehow, reflect and refract the aforementioned gap. c)
acknowledgement that there is an inseparable relationship between language and ethics,
which results in a pedagogy committed to the formation of citizens that are readers and
producer of texts. From these premises, we ground our concept of language on Bakhtin
and the Circle, to whom every utterance is produced in a social, historical and cultural
context, as a concrete utterance in relation to production, reception and circulation of
texts among socially organized subjects. From this theoretical perspective, notions of
authorship and discursive interaction are used as analytical categories that allow us to
access the corpus that consists of the chapters about teaching the discursive genres and
the textual production exercises. Having these categories, the methodology departed
from a methodological-theoretical exercise, whose objective was to establish a dialog
between the corpus and the theoretical individual work of each author, by observation
of the macro construction, followed by the same process with the organization of the
parts that compose the didactic set. This procedure reflects our central hypothesis that
11
the theoretical alignment of an author changes the concrete utterances, which springs
from the working with language in the construction of practical exercises of writing.
In order to pursue this hypothesis, we aim at investigating whether the author, overtly
Bakhtinian in his theoretical approach, siding with the dialogic perspective of language,
promotes in his coursebook, a space for the construction of authorship and contributes
to the teaching of writing to university students. To observe this aspect, our work was
guided by the central concept to the dialogic theory of language, i.e, interaction, and by
the question that we formulated: in what ways have the traces of interlocution instated
between author and student/reader led the exercises proposed in PTEU, reflecting and
refracting the theoretical positioning of the author? The analyses led by the kernel
aspect represented by such issue confirmed our thesis: the positioning of the author is
decisive to construct the work as the discursive space that allows the understanding of
the construction of authorship and, most importantly, as an inseparable space between
language and ethics, which reflects as a pedagogy committed to the formation of the
citizen who is a reader and producer of texts. We hope that this study is theoretically
and practically relevant to the field of Applied Linguistics and the studies of language,
as well as to the possibility of establishing a relationship between the Bakhtinian theory
and its practice.
Keywords: Portuguese course book, discursive interaction, authorship, Bakhtin and the
Circle.
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 17
CAPÍTULO 1
Considerações iniciais e metodológicas
36
1.1 Contexto discursivo do problema de pesquisa 36
1.1.1 Exames como ENEM e PISA delineando o perfil educacional do
egresso do Ensino Médio
37
1.1.2 A organização do ensino superior brasileiro e as escolhas do
ingressante
53
1.2 Construção do objeto de estudo e do corpus 67
1.3 Metodologia de abordagem ao corpus e organização da tese 73
CAPÍTULO 2
Diálogos com a teoria∕ análise dialógica do discurso
80
2.1 Língua, linguagem e ensino: Bakhtin e o Círculo 80
2.1.1 Signo ideológico e enunciado concreto 87
2.1.2 Interação e ensino em perspectiva dialógica 90
2.2 Carlos Alberto Faraco: concepções, obras e contribuições 100
2.3 Cristovão Tezza: concepções, obras e contribuições 110
CAPÍTULO 3
A construção de PTEU - trabalho e retrabalho de linguagem
121
3.1 Percurso da obra: primeira e vigésima edições 121
3.1.1 Objetivos, características e atividades 122
3.2 A interação no capítulo 2 (2011) - gêneros da linguagem 135
3.2.1 Abordagem inicial para o ensino de gêneros na primeira edição 139
3.2.2 A interação autor-leitor no ensino de gêneros na vigésima edição 144
3.3 Diálogos instaurados 170
13
CAPÍTULO 4
A autoria na prática de texto para estudantes universitários
269
4.1 Com que roupa o gênero veio para o livro 270
CONSIDERAÇÕES FINAIS 288
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 294
ANEXOS 304
14
Lista de quadros
Quadro 1: Banco de teses – resultados dos sites das universidades e do BDTD 26
Quadro 2: Banco de dissertações – resultados dos sites das universidades e do
BDTD
26
Quadro 3: Livros de ensino de língua portuguesa para universitários 29
Quadro 4: Cursos com maior número de matrículas por área 59
Quadro 5: Seções e subseções dos capítulos 1 e 2 (20ª edição, p. 9-38) 131
Quadro 6: Marcas de interação na página 20 do capítulo 2 (2011) 147
Quadro 7: Marcas de interação na página 21 do capítulo 2 (2011) 151
Quadro 8: Marcas de interação na página 22 do capítulo 2 (2011) 155
Quadro 9: Marcas de interação na página 23 do capítulo 2 (2011) 159
Quadro 10: Marcas de interação na página 24 do capítulo 2 (2011) 161
Quadro 11: Seções e subseções do capítulo 1 (1ª e 20ª edições) 181
Quadro 12: Seções e subseções dos capítulos 2 e 3 (20ª edição) 188
Quadro 13: Seções e subseções dos capítulos 2 (1ª edição) e 4 (20ª) 194
Quadro 14: Seções e subseções dos capítulos 3 (1ª edição) e 5 (20ª) 199
Quadro 15: Seções e subseções dos capítulos 4 (1ª edição) e 6 (20ª) 203
Quadro 16: Seções e subseções dos capítulos 5 (1ª edição) e 7 (20ª) 213
Quadro 17: Seções e subseções dos capítulos 6 (1ª edição) e 8 (20ª) 219
Quadro 18: Seções e subseções dos capítulos 7 (1ª edição) e 9 (20ª) 229
Quadro 19: Seções e subseções dos capítulos 8 (1ª edição) e 10 (20ª) 237
Quadro 20: Seções e subseções dos capítulos 9 (1ª edição) e 11 (20ª) 247
Quadro 21: Seções e subseções dos capítulos 10 (1ª edição) e 12 (20ª) 254
Quadro 22: Seções e subseções dos capítulos 11 (1ª edição) e 13 (20ª) 260
Quadro 23: Seções e subseções dos capítulos 12 (1ª edição) e 14 (20ª) 266
15
Lista de figuras
Figura 1: PTEU - Apresentação (1992, p. 7-8) 124
Figura 2: PTEU - Apresentação (2011, p. 7-8) 124
Figura 3: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 11) 140
Figura 4: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 12-13) 141
Figura 5: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 14-15) 141
Figura 6: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 16-17) 141
Figura 7: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 18-19) 142
Figura 8: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 20). 146
Figura 9: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 21) 150
Figura 10: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 22) 154
Figura 11: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 23) 158
Figura 12: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 24) 160
Figura 13: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 25-26) 164
Figura 14: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 27-28) 164
Figura 15: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 29-30) 165
Figura 16: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 31-32) 165
Figura 17: Capa do livro didático (2011) 170
Figura 18: Capa do livro didático (1993) 171
Figura 19: Sumário de Prática de texto para estudantes universitários (2011,
p.5-6)
175
Figura 20: Índice de Prática de Texto: língua portuguesa para nossos estudantes
(1992)
176
Figura 21: Capítulo 1- Atividade 1 (2011, p. 9) 182
Figura 22: Capítulo 6 - Texto 1 e Roteiro de leitura (2011, p. 85-86) 205
16
Figura 23: Capítulo 8- Texto extraído da internet (2011, p. 139) 223
Figura 24: Capítulo 10- Roteiro de leitura ao texto O que é Utopia (2011, p.
174)
240
Figura 25: Prática de Texto – Capítulo 1 (1992, p. 22- 23) 272
Figura 26: Prática de Texto – Capítulo 3 (2011, p. 46) 273
Figura 27: Prática de Texto – Capítulo 6 (1992, p. 104) e Capítulo 8 (2011, p.
130)
277
Figura 28: Prática de Texto – Capítulo 6 (1992, p. 115) e Capítulo 8 (2011, p.
147)
279
Figura 29: Prática de Texto – Capítulo 7 (1992, p. 122) e Capítulo 9 (2011, p.
153)
282
Figura 30: Prática de Texto – Capítulo 7 (1992, p. 132) e Capítulo 9 (2011, p.
159)
284
Figura 31: Prática de Texto – Capítulo 8 (1992, p. 150) e Capítulo 10 (2011, p.
182)
286
17
INTRODUÇÃO
_________________________________________________________________________________
Nesta tese, investigamos os reflexos da concepção dialógica da linguagem no
livro Prática de texto para estudantes universitários (1992/2011) de Carlos Alberto
Faraco e Cristovão Tezza. Trata-se de uma obra que constantemente é indicada, nos
planos de ensino de vários cursos universitários, como integrante da bibliografia básica,
portanto, merece uma atenção especial. A concepção dialógica a que nos referimos diz
respeito especificamente ao que consta no arcabouço teórico da obra de M. Bakhtin e do
Círculo1, conceito este que tem servido de apoio para estudos com a preocupação
centrada principalmente no sujeito e na linguagem.
A análise aqui apresentada mobiliza dois conceitos-chave centrais e caros para o
pensamento bakhtiniano: interação discursiva e autoria. Operacionalizamos este estudo
por meio da realização de uma análise discursiva da relação destinador/destinatário no
livro didático produzido por dois estudiosos acima citados,, reconhecidos pela
comunidade acadêmica como bakhtinianos. O objetivo deste trabalho é investigar como
o autor promove um espaço de construção de autoria que, de alguma forma contribua
para o ensino da escrita de estudantes universitários, a partir de uma perspectiva
dialógica de linguagem da qual os autores do livro se mostram partidários.
O interesse em propor uma análise discursiva da construção da interação a partir
de um livro didático é atual no contexto de ensino da língua portuguesa na educação
superior. Esse ensino caracteriza-se, primordialmente, por ser uma tentativa de
nivelamento do aluno egresso do ensino médio às demandas da cultura acadêmica e,
consequentemente, da carreira profissional escolhida. O aluno precisa aprender novas
práticas de escrita que o habilitem a funcionar adequadamente nesse novo contexto que
possui normas e maneiras de significação próprias. O que significa dizer que os alunos
precisam de um conhecimento amplo sobre os mais variados gêneros discursivos
oferecidos e impostos pelo mercado de trabalho.
1 A denominação Círculo de Bakhtin é atribuída ao grupo multidisciplinar de intelectuais russos que se
reunia no período de 1918 a 1929. Faziam parte do grupo: Mikahil Mikhailóvich Bakhtin (1895-1975),
Valentin Nikolaevich Volochínov (1895-1936), Pavel Nikolaevich Medvedev (1891-1938), Mariia
Veniaminovna Iudina (1899–1970), Matvei Isaevich Kagan (1889–1937), Ivan Ivanovich Kanaev
(1893–1984) Lev Vasilievich Pumpianskii (1891–1940), Ivan Ivanovich Sollertinskii (1902–1944),
Konstantin Konstantinovich Vaginov (1899–1934), cujos encontros iniciados em 1918 terminaram em
1929 com a prisão de alguns (BRANDIST, 2002, p. 5-6).
18
Espera-se que um aluno de um primeiro semestre letivo de um curso
universitário possua muito bem desenvolvidas as práticas principais requeridas do aluno
de primeiro semestre, por exemplo, estão relacionadas às habilidades2 da escrita e da
leitura. O ensino superior caracteriza-se por uma forte ênfase na modalidade escrita
formal da língua portuguesa exigindo uma produção acadêmica que reflita a
compreensão dos conhecimentos produzidos em sala de aula ou em pesquisas
extraclasse que dialogue com o contexto do mercado de trabalho. A escrita e as leituras
acadêmicas realizadas por meio das atividades requeridas e necessárias em muitas
disciplinas, que podem ser resumidas na produção de textos como ensaios, artigos e os
trabalhos de conclusão de curso são, muitas vezes, consideradas a habilidades mais
importantes para que o aluno do ensino superior avance nos estudos (ARAÚJO; DIEB,
2013, MARIANO, 2007, MARINHO, 2011, NEUENFELDT et al., 2011).
Na rotina de ensino, as atividades de avaliação da compreensão tornam-se os
instrumentos em que as deficiências linguísticas aparecem, pois não só o aluno precisa
demonstrar seu domínio do assunto estudado como também necessita expressá-lo em
linguagem adequada. Em outras palavras, os momentos de avaliação do conhecimento
teórico ou especializado, por meio de provas escritas ou trabalhos de conclusão de
disciplina∕ curso, evidenciam a necessidade de domínio da linguagem especializada, a
linguagem da comunidade acadêmica, mas para o aluno progredir nessa direção, antes
ele precisa possuir as habilidades básicas de escrita e leitura.
Contrariando o senso comum que considera a escrita correta a que apenas atende
às normas gramaticais da língua considerada culta, a proficiência na escrita revela-se
por uma postura autoral, responsável, que não prescinde do uso de argumentos
coerentes, coesos e da progressão textual, mas não apenas por isso. A leitura proficiente
embasa essa produção textual fornecendo elementos em favor das ideias do autor, indo
muito além da mera decodificação do que se lê, a leitura proficiente é aquela que
constrói e reconstrói sentidos por meio do estabelecimento de diálogos entre
conhecimentos já adquiridos e os que se adquire na leitura.
E essa escrita valorizada pelos professores universitários não aparece nas
primeiras produções dos ingressantes evidenciando, portanto, o descompasso existente
2 Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1997) classificam a leitura uma
habilidade linguística em passagens como: “Quando se afirma, portanto, que a finalidade do ensino de
Língua Portuguesa é a expansão das possibilidades do uso da linguagem, assume-se que as capacidades
a serem desenvolvidas estão relacionadas às quatro habilidades linguísticas básicas: falar, escutar, ler e
escrever” (2000, p. 35).
19
entre aquilo que se espera do aluno e o que de fato ele realmente apresenta. Felizmente,
essa realidade é percebida pelas instituições que procuram fazer um trabalho de
retomada dos conteúdos transmitidos ao longo da educação básica e também preparar o
aluno para a leitura e compreensão de textos acadêmicos. Esse trabalho é traduzido,
muitas vezes, em uma disciplina específica encarregada do ensino de leitura e produção
textual, com títulos diversificados: “Português, Língua Portuguesa, Comunicação e
Expressão, Português Instrumental, Leitura e Produção de Textos, Técnicas de Redação,
etc.” (CAMARGO; BRITTO, 2011). Há ainda projetos acadêmicos de apoio às
necessidades iniciais de adaptação à universidade, tais como o Programa de Apoio à
Graduação (PAG), criado e conduzido na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A proposta do grupo é adentrar o conhecimento dos textos acadêmicos por suas
características básicas fazendo um resgate de elementos linguísticos e textuais na
aplicação em resumos, resenhas, relatórios, ensaios e artigos, seguindo uma ordem
pedagógica de construção dos gêneros (SILVA; NUNES, 2013).
Ainda interessados nessa disciplina de resgate de competências linguísticas e
discursivas, se podemos assim classificá-la, selecionamos duas grandes universidades
privadas e duas universidades públicas do estado de São Paulo no ano de 2012. Somente
os cursos de graduação das privadas possuíam disciplinas com títulos que variavam
entre Comunicação e Expressão I e II ou Leitura e Produção Textual I e II. As
disciplinas eram ofertadas para as licenciaturas, bacharelados e tecnológicos e o livro
Prática de texto para estudantes universitários (2011), de Carlos Alberto Faraco e
Cristovão Tezza, escolhido para a constituição do corpus desta pesquisa, estava na lista
de obras indicadas como aquela que serviria para conduzir os cursos.
Um levantamento de artigos publicados no SciELO (www.scielo.org)3
relacionados ao ensino de língua portuguesa na graduação traz estudos que revelam
preocupação em apresentar práticas pedagógicas de escrita ancoradas em abordagens
teóricas variadas. Para o texto acadêmico, observamos a proposição de métodos e
estratégias para o ensino de gêneros científicos como resenha (BALTAR, 2006;
MARINHO, 2010) e artigo científico (ARAÚJO; DIEB, 2010; 2013). O artigo de
opinião e o gênero da mídia impressa, também foram trabalhados considerando-se uma
3 Procuramos por artigos indexados sem especificar a área do conhecimento. A busca foi realizada em
outubro de 2013, por meio das palavras-chave: texto acadêmico; língua portuguesa + ensino superior;
escrita + ensino superior; escrita acadêmica e resultou em oito artigos.
20
demanda pela escrita e leitura nas práticas sociais dos alunos (MACHADO, 2000). Esse
trabalho propôs a elaboração de um material de ensino para uma determinada instituição
de Ensino Superior por meio da transposição de conhecimentos científicos para a
construção de uma sequência didática de ensino do artigo de opinião.
O artigo de Machado (2000) chamou-nos a atenção pela proposta de criação de
um material didático, apesar de abordar apenas a fase de discussão do ensino do gênero
artigo de opinião. Além dessa proposta, o texto discute a interação estabelecida entre
pesquisadores e professores da universidade para a qual foi realizada a pesquisa. O
artigo citado apresenta pesquisa-embrião para os projetos futuros da pesquisadora que
envolvem estudos consistentes sobre o ensino de textos acadêmicos como, por exemplo,
resumo e resenha. Os resultados serviram de base para a descrição de procedimentos a
serem utilizados em sala de aula ou mesmo para a consulta do aluno.
Outro trabalho (CAMARGO; BRITTO, 2011) dedicou-se à investigação da
presença e das características do ensino específico de Língua Portuguesa na formação
universitária. Verificou-se, com pesquisa realizada em cinquenta e três instituições
públicas e privadas que as disciplinas ofertadas orientam-se por três vertentes, a saber:
1- reparadora; 2- instrumental; 3- discursivo-textual. A primeira demonstra o foco da
universidade em detectar, na produção insuficiente do estudante, deficiências
linguísticas que o impedirão de lidar com demandas escritas da vida acadêmica. O
trabalho indicou que o processo de reparação dessas deficiências caracteriza-se por uma
visão tradicional da língua o que resulta em um ensino ligado à preocupação com a
norma linguística, estrutura e regras de funcionamento, privilegiando o uso da norma-
padrão.
A segunda vertente volta-se ao ensino de produção escrita de textos que
pretendem “instrumentalizar” o aluno para o exercício da profissão, no tocante ao
manejo de textos inerentes à área. O uso da leitura e escrita com fins específicos
denuncia uma visão que “compreende a língua por sua aplicabilidade, destituída das
questões que podem suscitar reflexão, análise, discussão e crítica sobre a complexidade
da linguagem” (CAMARGO; BRITO, p. 349-351).
A última concepção identificada nas ementas das disciplinas pesquisadas ancora-
se a uma abordagem mais ampla de língua, que prioriza os aspectos textuais e
discursivos ao considerar os elementos histórico-sociais do discurso. Essa vertente
destaca-se das demais por assumir a importância da leitura e escrita para o
21
desenvolvimento global do indivíduo acadêmico ou em vida na sociedade. No entanto,
o autor observa que as vertentes não são estanques e, frequentemente, se entrelaçam
como em casos em que a função reparadora por ser observada no interior das práticas da
abordagem instrumental quando se reconhecem falhas de aprendizagem do aluno
recém-saído do Ensino Médio e que poderão atrapalhar seu exercício profissional. Esse
intercâmbio de concepções de ensino também pode ser observado no estudo de Baltar
(2006) que discute a pedagogia centrada no desenvolvimento de competências
discursiva nas aulas de Língua Portuguesa Instrumental.
Ressaltamos também a pesquisa realizada por Marildes Marinho (2010; 2011)
que advoga um interesse maior às práticas de escrita e leitura na universidade e discute
a crença no pressuposto de que os alunos deveriam demonstrar domínio da escrita
acadêmica ainda na educação básica, ressaltando “o fato de ser razoavelmente natural
que não tenham um domínio desses gêneros discursivos” (2010, p. 371). Considerando
a concepção bakhtiniana de gêneros, a autora defende a coerência de que a prática da
escrita universitária se desenvolva na própria esfera do conhecimento em que é criada e
constituída, pois nem mesmo aqueles aprovados em vestibulares concorridos de boas
universidades têm obrigação de dominar os gêneros acadêmicos. Para tanto, o trabalho
apresenta uma discussão entre a instituição de gêneros nas aulas e estratégias que
desenvolvam elementos de autoria nos textos produzidos pelos alunos e inclui o relato
de uma aluna do curso de Pedagogia que se ressente de não ter conseguido discordar de
nenhum autor lido, um dos elementos para a produção de uma resenha crítica.
A autora argumenta que mesmo um aluno de ensino médio “treinado” no uso da
língua, que conheça termos técnicos e linguagem rebuscada, por si só não teria
facilidade em ler alguns autores como Marshall Berman e Pierre Bourdieu por esses
pertencerem a uma comunidade de leitores familiarizada com o campo do conhecimento
que professam. A inserção nessa rede discursiva “exige um laborioso trabalho e um
tempo de convivência” que se inicia no curso de graduação e não termina nem mesmo
em cursos de metrado e doutorado (MARINHO, 2010, p. 369-370).
O argumento vem em direção à incapacidade de o aluno discordar de um autor
quando tiver de redigir uma resenha ou, ainda, recomendar a obra para outros leitores.
Nessa linha que objetiva “agenciar conhecimentos prévios” (2010, p. 383) do aluno
universitário e avançar em sua formação, a autora desconstrói a artificialidade do gênero
“trabalho” de disciplina e apresenta o que caracteriza como “evento de letramento
22
acadêmico” quando analisa o processo de ensino de escrita de uma resenha,
interpretando três momentos de revisão e reescrita. A sua proposta é instituir um caráter
sócio-comunicativo aos textos transformados em uma estratégia de interação em que o
aluno posicione-se em relação ao que leu e proponha debates necessários entre aqueles
que escrevem e os que leem.
A pesquisadora conclui que é possível minimizar a relação tensa e conflituosa
que se estabelece nas práticas de escrita acadêmica quando se considera que o gênero
discursivo emerge das esferas de produção e circulação com as quais o aluno
ingressante ainda não está familiarizado. O progresso do aluno está diretamente ligado à
construção de estratégias pedagógicas que não reduzam as dificuldades de produção
textual às deficiências linguísticas demonstradas, mas que também revelem as situações
de poder envolvidas no discurso acadêmico, considerando as condições em que se
produz e circula uma resenha, por exemplo.
Em outro momento, Marinho (2011, p. 1) questiona a “perplexidade” da
academia diante do perfil do aluno universitário falante e escrevente de um dialeto não-
padrão, ao que se apresenta o dilema de “corrigir ou não corrigir a fala dos diferentes,
eis a questão?”. A dicotomia apresentada reforça o que a autora chama de “discurso do
déficit” que declara insuficiente a abordagem aos gêneros acadêmicos com um aluno
incapaz de compreender a leitura de um texto e de lidar com os aspectos formais da
língua. No outro extremo, encontra-se a crença de que há uma competência linguística
responsável pelo bom aproveitamento do aluno no vestibular, que, por si só, resultaria
na habilidade de ler e produzir textos da rotina universitária.
Para enfrentar essas concepções que interferem no ensino, a autora propõe
práticas de letramento que dialogam com a antropologia, com a linguística da
enunciação (expressão situada no contexto das teorias de Bakhtin) e análise do discurso
em articulação às discussões sociológicas sobre teoria na prática acadêmica de
Bourdieu. A leitura que faz das diversas áreas do conhecimento auxilia a pesquisadora
em sua reafirmação do conceito de gêneros do discurso ao que contrapõe à visão de que
exista um conjunto de habilidades que, quando aprendidas, transferem-se para uma
produção competente. Concordamos com Marinho quando postula que “o indivíduo se
socializa através da língua” (p. 8).
A autora filia-se ao pensamento teórico bakhtiniano para justificar seu
posicionamento quanto à relação recíproca que se manifesta no falante entre “as formas
23
da língua nacional (a composição vocabular e a estrutura gramatical)” e “as formas do
enunciado para ele obrigatórias, isto é, os gêneros do discurso: esses tão indispensáveis
para a compreensão mútua quanto as formas da língua” (BAKHTIN, 2006b, p. 285) 4.
Ao que acrescentamos do mesmo texto:
Os gêneros do discurso, comparados às formas da língua, são bem
mais mutáveis, flexíveis e plásticos; entretanto, para o indivíduo
falante eles têm um significado normativo, não são criados por ele
mas dados a ele. Por isso um enunciado singular, a despeito de toda a
sua individualidade e do caráter criativo, de forma alguma pode ser
considerado uma combinação absolutamente livre de formas da
língua, como o supõe, por exemplo, Saussure (e muitos outros
linguistas que o secundam), que contrapõe enunciado (la parole)
como ato puramente individual ao sistema da língua como fenômeno
puramente social e obrigatório para o indivíduo.
Decorre, então, que a dificuldade que os alunos apresentam em suas práticas de
escrita e leitura resulta do desconhecimento dos contextos discursivos que circundam os
gêneros acadêmicos, produzindo sentidos somente incorporados na prática do aluno
quando este entende que esses textos são condicionados por fatores sócio-históricos
culturais de produção de sentidos próprios a um evento específico de uso da língua. Não
basta ao aluno dominar a “superfície do texto” (MARINHO, 2011, p. 14), mas que os
conhecimentos linguísticos também não devam ser abstraídos das suas condições de
produção e nem serem a solução para os problemas apresentados pelos alunos
ingressantes. Em outras palavras, apenas conhecer as formas composicionais dos
gêneros não é suficiente, é preciso proporcionar ao aluno leitor/produtor de textos o
contato com outros sujeitos leitores/produtores de textos e que sejam capazes de
estabelecer diálogos críticos, analíticos.
Ainda a respeito da pesquisa de artigos realizada e apresentada acima, em outro
sentido, desenvolveram-se textos que sustentam os processos de valorização do
conhecimento científico nas aulas de iniciação à pesquisa no ensino superior
(NEUENFELDT et al, 2011), bem como o ensino de produção de textos acadêmicos por
meio dos fóruns virtuais nos cursos oferecidos a distância ( ARAÚJO; DIEB, 2010;
2013).
Apesar de dialogarmos com esses estudos e considerarmos bem mais que seus
objetos e suas concepções de ensino de língua, o que ficou evidente com nossas
4 Marinho cita a tradução de Estética da criação verbal (1997), a partir do texto em francês preterido
nesta tese em favor da tradução de Paulo Bezerra (2006) do original russo.
24
considerações sobre as pesquisas de Marinho (2010; 2011), é que eles não tiveram
como foco de interesse a análise de materiais didáticos voltados ao ensino da Língua
Portuguesa na universidade. Buscávamos, também, trabalhos que objetivassem verificar
na prática, os fundamentos teórico-metodológicos de seus autores. Desta feita, passamos
a investigar no mercado editorial livros que tivessem o ensino de língua portuguesa na
universidade como foco e quais suas especificidades de ensino como apresentamos mais
à frente nessa Introdução.
Nesse contexto acadêmico, observamos que há muitos estudos desenvolvidos
para contemplar o ensino em nível fundamental e médio da escola básica e, no entanto,
são pouco comuns as pesquisas dedicadas ao ensino da Língua Portuguesa em nível
superior.
Para validar essa justificativa, além dos artigos científicos, fizemos uma
pesquisa nas bases de dados digitais5 das teses e dissertações defendidas em duas
universidades privadas da cidade de São Paulo (Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo/ PUC-SP e Universidade Presbiteriana Mackenzie) e três universidades públicas
do estado (Universidade de São Paulo/USP, Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” / UNESP e Universidade Estadual de Campinas/ UNICAMP).
Tomamos essas universidades como parâmetro por duas razões: são centros renomados
de excelência em pesquisa e situam-se no Sudeste do país, região de crescente número
de matrículas, mais especificamente na cidade de São Paulo.
O levantamento foi realizado, inicialmente, com uma busca por resultados nos
departamentos relacionados aos estudos da linguagem como Língua Portuguesa, no
Mackenzie e na PUC-SP; Letras Clássicas e Vernáculas, Filologia e Língua Portuguesa,
Semiótica e Linguística Geral, na USP; Linguística e Língua Portuguesa, na
5 MACKENZIE- Disponível em: http://www.mackenzie.br/teses_dissertações.html (Departamento de
Língua Portuguesa- 181 arquivos, nenhum trabalho); PUC/SP- Disponível em:
http://www.sapientia.pucsp.br/ (Departamento de Língua Portuguesa e Departamento de Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem- 820 arquivos, 2 dissertações); USP- disponível em:
http://www.teses.usp.br/ (Departamentos de Letras Clássicas e Vernáculas, Filologia e Língua
Portuguesa, Semiótica e Linguística Geral- 370 arquivos, 1 tese); UNESP- disponível em:
http://unesp.br/cgb/conteudo.php?conteudo=562 (Departamentos: Linguística e Língua
Portuguesa/Araraquara) Letras/ São José do Rio Preto, Letras/Assis e Estudos Linguísticos/São Jose do
Rio Preto, 632 arquivos, 1 tese); UNICAMP- Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/list.php?tid=30 (Instituto de Estudos da Linguagem –
IEL- 1858 arquivos, 2 dissertações). Todas as consultas foram realizadas em março de 2012.
25
UNESP/Campus Araraquara, São José do Rio Preto e Assis; Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem, PUC-SP e Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp.
Foram 3.860 arquivos de teses e dissertações consultados que resultaram em
quatro dissertações de mestrado e duas teses de doutorado que abordam o ensino de
língua portuguesa na universidade. Em seguida, procedemos a uma busca na Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações6 (BDTD) e encontramos títulos que não
estavam disponíveis (à época da pesquisa inicial) nos bancos das universidades
consultadas. Mantivemos os departamentos consultados, mas a estratégia de busca
diferiu um pouco.
O sistema de informação da segunda consulta pertence ao Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), órgão nacional de informação ligado ao
CNPq e MEC, criado com o intuito de dar maior visibilidade às pesquisas
desenvolvidas no Brasil, por meio da publicação de teses e dissertações. A biblioteca
digital possui uma ferramenta de busca on-line que permite uma pesquisa por palavras-
chave para a qual escolhemos: língua portuguesa + universitários e língua portuguesa +
ensino superior. O sistema não faz distinção entre tese e dissertação fornecendo um
número de quinhentos documentos que satisfizeram o primeiro conjunto de palavras-
chave e duzentos e setenta e nove para o segundo. Com esse resultado, passamos a
analisar os títulos e resumos dos arquivos manualmente porque, apesar da quantidade
apresentada pelo site, apenas alguns realmente eram relacionados ao ensino da língua
portuguesa na universidade.
Desta forma, organizamos os resultados dividindo-os em teses e dissertações. O
quadro seguinte contém os títulos dos trabalhos, o ano de defesa e a universidade:
N. Ano TESES UNIVERSIDADE
1 2007 Da leitura poética à produção do gênero artigo
acadêmico-científico: uma proposta para o ensino na
educação superior
USP
2 2008 As figuras de argumentação como estratégias discursivas.
Um estudo de avaliações no ensino superior
USP
3 2008 O lugar dos lugares: a escrita argumentativa na
universidade
USP
4 2008 O professor de Língua Portuguesa na visão de formandos
em Letras
USP
5 2008 Aquisição do português como língua estrangeira: UNESP
6 Consulta realizada em agosto de 2013. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/.
26
Fenômenos de variações no âmbito fonológico
6 2008 A leitura e sua avaliação na formação inicial do professor
de língua portuguesa: contrastes e confrontos
PUC - SP
Quadro 1: Banco de teses – resultados dos sites das universidades e do BDTD.
O quadro acima permite visualizar cinco teses provenientes de universidades
públicas estaduais e uma de universidade privada. Quanto ao tempo da defesa, as teses
concentraram-se no ano de 2008. A variação temporal aparecerá mais destacada no
resultado de dissertações de mestrado abaixo. Podemos especular, pela leitura dos
títulos, que o interesse de pesquisa recaiu nos temas ligados à escrita argumentativa, à
escrita acadêmica, ao artigo científico e à formação de professores pela veia da leitura e
da avaliação.
Numa leitura mais cuidadosa dos trabalhos não encontramos nenhuma pesquisa
que tivesse como escopo a análise de livros didáticos o que nos levou a continuar as
pesquisas também com as dissertações disponíveis no site.
N. Ano DISSERTAÇÕES UNIVERSIDADE
1 1994 A formação contínua do professor de língua materna e
seus reflexos na (re)configuração da práxis
UNICAMP
2 1995 A aprendizagem da língua portuguesa nas vozes dos
calouros/ 91 do curso de Letras da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul
UNICAMP
3 2005 As re(l)ações linguísticas na formação de professores de
língua portuguesa em São Paulo [en] The linguistic
relations in the portuguese teacher training in São Paulo
PUC - SP
4 2005 Um estudo sobre leitura junto a alunos de letras da UFPA
- Campus de Marabá.
PUC - SP
5 2007 O ensino da leitura em curso de graduação em tecnologia PUC - SP
6 2007 Um estudo do resumo acadêmico em curso de graduação PUC - SP
7 2008 A formação de professores de língua portuguesa e a
educação linguística: um estudo de caso
PUC - SP
8 2008 O ensino-aprendizagem do gênero resenha crítica
na universidade
PUC - SP
9 2009 Como atingir a interação, visando à construção do
conhecimento e à aprendizagem de língua portuguesa, em
ambientes virtuais
PUC - SP
10 2010 A educação linguística e a formação de professores na
proposta curricular de um curso de Letras
PUC - SP
11 2011 A educação linguística no curso de Letras: contribuições
para o ensino de Língua Portuguesa
PUC - SP
12 2011 Das teorias linguísticas às atividades didáticas: aulas
online de língua portuguesa em instituição de ensino
superior
USP
Quadro 2: Banco de dissertações – resultados dos sites das universidades e do BDTD
27
Das doze dissertações apresentadas, três pertencem a duas universidades
estaduais paulistas e nove a uma mesma universidade privada. Observa-se aqui que,
diferentemente do resultado da busca por teses, os sistemas retornaram títulos desde
1995, culminando com dois trabalhos de 2011, os mais próximos em tempo de nosso
momento de pesquisa.
Similarmente às teses, as dissertações relacionavam-se a pesquisas voltadas ao
ensino de leitura e formação e professores. Um aspecto divergente apareceu nos dois
trabalhos cujo escopo foi o ensino da língua em ambientes virtuais.
Percebemos que quando procuramos por pesquisas voltadas ao ensino de língua
portuguesa na universidade é comum a preocupação com o ensino de alguns eixos de
ensino como leitura, argumentação e outros de especificidade acadêmica como resumo e
artigos científicos, mas não encontramos trabalhos que propusessem analisar, pelo
menos, esses elementos nos livros didáticos. O mote encontrado é a formação de
professores passando pelos processos de aquisição de uma língua estrangeira, apesar de
já se perceber um interesse pelos cursos oferecidos a distância.
Outro fato observado é que as poucas teses e dissertações produzidas no estado
de São Paulo têm seu interesse direcionado a Letras, um curso, infelizmente com baixa
procura. Isso, evidentemente, não justifica um abandono das pesquisas haja vista esse
ser o único curso voltado a formar professores de língua portuguesa para atuação na
educação básica. Além disso, os cursos de Letras também formam os profissionais que
atuarão na universidade nas disciplinas voltadas ao desenvolvimento da leitura e da
escrita cotidianas e acadêmicas. No entanto, o crescimento do número de matrículas e
cursos diversos, resultado da democratização do ensino, além do baixo desempenho dos
alunos egressos da educação básica, apontam para a necessidade de ampliar o foco da
pesquisa no ensino superior.
Ainda no contexto de ensino de língua portuguesa na universidade, há algumas
publicações didáticas com objetivos que variam entre contemplar o ensino da gramática
normativa aplicada a textos específicos de algumas áreas, como, por exemplo, Direito,
Publicidade e Administração e/ou preparar o aluno para a escrita do trabalho de
conclusão de curso e outros gêneros relevantes ao percurso na universidade como
resumos, resenhas, artigos científicos. Há também outros como os livros destinados à
28
escrita e leitura de textos jurídicos que fazem uso da linguagem técnica da área7. Outros
priorizam a produção escrita de textos circulantes no ambiente empresarial como
ofícios, relatórios, e-mails, cartas comerciais, atas, circulares, memorandos, atestados,
regulamentos, convocações, avisos, procurações, requerimentos, declarações, editais,
etc.. Há uma demanda por esse último grupo de livros, principalmente em cursos
voltados às profissões gerenciais que se detêm basicamente no ensino da escrita de
documentos comerciais.
Existem algumas exceções que também abordam a norma padrão da língua, mas
não sem antes apresentar uma discussão de língua e linguagem que considera as
variedades e os níveis linguísticos dentro do contexto acadêmico e social do aluno em
nível universitário. O conteúdo dos capítulos direciona-se à prática da língua por meio
da produção textual e, desta forma, a teoria é apresentada de forma diluída nas
introduções aos textos e enunciados dos exercícios.
Dentre os livros que claramente objetivam uma melhoria das condições de
leitura e escrita do aluno recém-chegado à universidade e corroboram a descrição
acima, destacamos três: Língua portuguesa: atividades de leitura e produção de textos,
de Carlos Alberto Moysés, 2010, Produção textual na universidade, de Desirée Mota-
Roth e Graciela Hendges, 2010 e Prática de texto para estudantes universitários, de
Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza, 2011, esse último selecionado para constituir
nosso corpus de estudo.
De forma a exemplificar os materiais disponíveis no mercado editorial brasileiro,
o quadro abaixo agrupa alguns títulos. Foram considerados para a pesquisa os livros que
direcionavam o seu uso para cursos superiores no título ou na apresentação da obra feita
pelo autor. Por essa razão, incluímos alguns materiais específicos de ensino de produção
acadêmica.
ABREU, A. S. Curso de redação. 12. ed. São Paulo: Editora Ática, 2006.
ANDRADE, M. M.; HENRIQUES, A. Língua portuguesa: noções básicas para cursos
superiores. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
ANDRADE, M. M. ; MEDEIROS, J. B. Comunicação em língua portuguesa: normas para
7 “Ora nessa medida, justifica-se a necessidade de estudo das técnicas de uso, manipulação e emprego da
linguagem jurídica. O discurso das práticas jurídicas (normativas, burocráticas, decisórias, científicas)
demanda conhecimentos específicos, formas de locução, técnicas de redação, estilos e medidas
próprios” (Bittar, 2010, p. 387).
29
elaboração de trabalho de conclusão de curso (TCC). 5. ed. São Paulo: Atlas,2009.
DAMIÃO, R. T. Curso de português jurídico. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
FARACO, C.A.; MANDRYK, D. Língua portuguesa: prática de redação para
estudantes universitários. 12. ed. Editora Vozes, 1998 [1987].
FARACO, C. A.; TEZZA, C. Prática de texto para estudantes universitários. 20. ed. Rio de
Janeiro: Editora Vozes, 2011 [1992].
GOLD, M. Redação empresarial. 4. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010.
GOLD, M.; SEGAL, M. Português instrumental para cursos de direito: como elaborar textos
jurídicos. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.
GOLDSTEIN, N.; LOUZADA, M. S.; IVAMOTO, R.. O texto sem mistério: leitura e escrita
na universidade. São Paulo: Ática, 2009.
KOCH, I. V. ; ELIAS, V.M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo:
Editora Contexto, 2009.
KÖCHE, V. S.; BOFF, O. M. B.; PAVANI, C. F. Prática textual; atividades de leitura e
escrita. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
MACHADO, A. R.; LOUSADA, E.; ABREU-TARDELLI, L. S. Planejar gêneros acadêmicos:
escrita científica, texto acadêmico, diário de pesquisa, metodologia. São Paulo: Parábola
Editorial, 2005.
MEDEIROS, J. B. Redação empresarial. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MEDEIROS, J. B. Português instrumental. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
MOTTA-ROTH, D.; HENDGES, G. R. Produção textual na universidade. São Paulo:
Parábola Editorial, 2010.
MOYSÉS, C. A. Língua portuguesa: atividades de leitura e produção de textos. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010.
ZILBERKNOP, L. S.; MARTINS, D.S. Português instrumental: de acordo com as atuais
normas da ABNT. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
Quadro 3: Livros de ensino de língua portuguesa para universitários.
Objetivamos com esta pesquisa de títulos apresentar as obras que diretamente
dirigem-se ao público universitário e podem ser encontradas nas estantes das maiores
livrarias do país ou em suas lojas virtuais. Os livros apresentados no quadro pertencem a
um universo provavelmente maior, mas mesmo assim, ainda representam um número
pequeno, dada a quantidade de cursos universitários distribuídos pelo país8 e a
necessidade de um ensino formal de língua portuguesa na universidade.
Nesse contexto educacional, é possível considerar a necessidade de um ensino
que pretenda resgatar as habilidades de uso da língua portuguesa do aluno ingressante, a
fim de poder contemplar satisfatoriamente as prescrições dos órgãos oficiais para o
perfil do formando. Com isso em mente, surge uma inquietação: é possível que um livro
8 Existem 30.420 cursos presenciais e a distância. Fonte: Censo da Educação Superior - 2011.
30
didático, destinado ao ensino superior, reúna condições para inserir seu leitor-aluno nas
práticas sociais de escrita em língua portuguesa, em diferentes esferas da atividade
humana, a partir de seus aspectos discursivos?
A fim de adentrar ao que consideramos um percurso inicial de investigação,
selecionamos para estudo o livro Prática de texto para estudantes universitários, 2011
(PTEU)9pelo fato de ele constar de programas de disciplinas de semestres iniciais
voltadas ao ensino da língua portuguesa nas quatro grandes universidades pesquisadas.
Além disso, apresenta uma proposta centrada na prática escrita, a partir do estudo e da
leitura de textos selecionados que leva em consideração a diversidade linguística dos
contextos socioculturais.
Os autores são reconhecidos pela comunidade acadêmica como bakhtinianos e
essa filiação implica um pensamento linguístico advindo de uma reflexão filosófica
acerca do sujeito único, intrinsecamente axiológico, e que interage com outros sujeitos
em uma realidade concreta. Isso se torna relevante, pois para a perspectiva dialógica, a
linguagem constrói e produz sentidos baseando-se nos diálogos estabelecidos com e
entre discursos.
Estamos nos referindo à perspectiva de uma análise∕teoria que surge a partir da
intepretação do conjunto das obras do Círculo acerca do discurso e que tem influenciado
estudos linguísticos e literários nas Ciências Humanas. A própria tentativa de definição
do termo seria contrária à ideia de inacabamento do pensamento bakhtiniano que
considera os estudos da linguagem “como lugares de produção de conhecimento de
forma comprometida, responsável, e não apenas como procedimento submetido a
teorias e metodologias dominantes em determinadas épocas” (BRAIT, 2006, p. 9-10).
Desse modo, esperamos que a obra veicule uma proposta de ensino que
considere a linguagem sob essa perspectiva teórica de modo a tornar o ensino da língua
significativo e adequado às necessidades do aluno universitário. Ao desenvolver nossa
pesquisa dentro da Análise Dialógica do Discurso (ADD), propondo uma análise dos
reflexos da concepção dialógica no livro selecionado, pretendemos contribuir com as
pesquisas sobre ensino de língua já realizadas nessa linha teórica. Um conceito chave
como o dialogismo tem como premissa um trabalho que nunca está completo ou
terminado, no entanto, proporciona uma continuidade ao que foi feito antes e oferece
9 De agora em diante, o livro Prática de texto para estudantes universitários será referido como PTEU
conforme as suas iniciais.
31
uma nova perspectiva a novos contextos que forem surgindo. Assim não pretendemos
esgotar o assunto, mas continuar e avançar na linha de discussão sobre o ensino de
língua portuguesa na universidade, ou seja, dialogar com outras vozes interessadas neste
assunto.
Nosso trabalho de doutorado reflete os temas de pesquisa em Linguística
(conforme citamos) ao propor um estudo de uma obra didática cujo objetivo principal,
segundo seu autor, é “oferecer uma abordagem inovadora da produção de textos e da
língua padrão” (FARACO; TEZZA, 2011, p. 7). Particularmente, interessa-nos
investigar o trabalho com a linguagem empenhado pelo autor para inscrever sua obra
nesse contexto singular de métodos de ensino de língua portuguesa.
Sendo esta pesquisa de tese inserida na linha de pesquisa Linguagem e Trabalho,
orientada pela Prof.ª Dra. Beth Brait, na PUC-SP, vinculada ao Grupo de Pesquisa
Linguagem, Identidade e Memória/ CNPq de mesma liderança, com um período de
estudos teóricos no Bakhtin Centre, dirigido pelo Prof. Dr. Craig Brandist, na
Universidade de Sheffield (Reino Unido), a investigação empreendida persegue um
trabalho de linguagem que reflete/refrata o referencial teórico defendido pelo autor do
livro didático estudado.
Como a produção de um material didático envolve a consideração da esfera
social, histórica, cultural e ideológica em que se situa, acreditamos que o trabalho
desenvolvido seja uma resposta à lacuna editorial apresentada. Além disso, pretende
responder a uma lacuna social e educacional, conforme detalharemos no capítulo a
seguir.
A partir do entendimento da necessidade de ensino de língua portuguesa na
esfera universitária, consideramos que Prática de texto para estudantes universitários
adota a perspectiva dialógica como fundamentação teórico-metodológica o que favorece
a formulação da nossa hipótese de pesquisa. Assim, partimos da assunção de que a obra
promove um processo de construção autoral, em que emerge um sujeito do discurso que
não é mero reprodutor de regras e formas definidas, articulando-se assim, à diversidade
de linguagens sociais.
Torna-se relevante esclarecer, já nesse texto introdutório de tese, que nossa
investigação discute o fenômeno da autoria em, pelo menos, três dimensões ou níveis:
1- a obra de cada autor em separado; 2- a assinatura Faraco-Tezza em PTEU e 3- o
processo de construção de um lugar discursivo do leitor-aluno.
32
A partir dessas ressalvas e da hipótese estabelecida, o objetivo geral desta
pesquisa é investigar se a interação discursiva instaurada no livro promove um espaço
de construção de autoria a qual contribua para a formação da competência discursiva de
estudantes universitários.
Concordando com Baltar (2006, p. 176), entendemos a competência discursiva,
aí incluída a indissociabilidade com as situações de interação, a competência
demonstrada/ vivenciada por usuários da língua em interação com outros usuários, por
meio da apropriação dos gêneros constituintes das variadas práticas e esferas sociais.
Nessa visão, o domínio da normatividade gramatical da língua ou de elementos de
expressão linguística (fonética, ortografia, morfossintaxe e semântica) é apenas um dos
elementos que envolvem a questão ética da linguagem.
A competência discursiva assumida neste trabalho de tese é a envolvida nas
atividades de linguagem que ocorrem em diversas situações da vida do sujeito em
sociedade e não apenas o que o autor chama de “escrever universitariamente”
(BALTAR, 2006, p. 177). Ou ainda, que o trabalho com a linguagem envolva sim a
formalização, mas que essa esteja voltada para a interação verbal cuja finalidade é o uso
real da linguagem.
Por essa razão, no processo inicial de delimitação de corpus, procuramos
instâncias de interação verbal entre autor e leitor. No caso de um livro didático, o
interlocutor caracteriza-se por uma posição indissociável entre leitor e aluno, ao que
caracterizamos de leitor-aluno. Para uma descrição mais apurada dessa relação,
recortamos do livro, o capítulo 2, destinado ao ensino dos gêneros do discurso e, a partir
da interação estabelecida, investigamos o encaminhamento às produções textuais.
Com esse pensamento que envolve o ensino de língua em interação e, para
trabalharmos com a hipótese levantada, a partir do objetivo central estabelecido,
guiamos nosso trabalho de investigação pelos objetivos específicos a seguir:
1. Identificar as marcas de interlocução instauradas pelo autor e, a partir delas, o
encaminhamento teórico-metodológico proposto para a formação de leitores e
produtores de textos.
2. Interpretar que concepções de língua, linguagem e ensino de português
emergem do encaminhamento teórico-metodológico construído.
33
3. Apresentar, a partir da análise feita, as contribuições que tal obra oferece para
o ensino de Língua Portuguesa no nível superior no que se refere às práticas de
linguagem necessárias para formação de leitores e produtores de texto.
Tendo em vista o objetivo geral e específicos estabelecidos, orientamo-nos pela
seguinte questão central:
De que forma as marcas da interlocução instauradas entre autor10 e leitor-aluno
encaminham as atividades didáticas propostas em PTEU, refletindo e refratando o seu
referencial teórico?
A fim de responder a essa questão central, seguem-se duas questões
desdobramentos da primeira:
1) Que concepções de língua, linguagem e ensino de português emergem do
encaminhamento teórico-metodológico proposto pelo autor?
2) Que contribuições tal obra oferece para o ensino de Língua Portuguesa no
nível superior e para o trabalho de autores de livros didáticos no que se refere
às práticas de linguagem necessárias para a formação de leitores e produtores
de texto?
Tendo definido os objetivos e questões de pesquisa, acreditamos que a
contribuição desta tese amplia-se para além da descrição de mecanismos linguísticos-
enunciativos por ser uma análise discursiva da produção de sentido dos textos do
material estudado. Esta pesquisa apresenta uma relevância teórico-prática para a
Linguística Aplicada e para os estudos da linguagem em geral e, de modo particular,
pretende contribuir para os estudos do ensino de Língua Portuguesa na educação
superior.
Para alcançarmos os objetivos propostos, organizamos esta tese de forma a
apresentar a construção do nosso objeto de pesquisa, os métodos de investigação e de
análise, assim como o arcabouço teórico-metodológico que sustenta a interpretação dos
dados coletados e analisados.
Para tanto, apresentaremos no capítulo 1, alguns pontos que constituem as bases
das premissas desta tese. Entendemos que a análise de um livro didático não pode ser
realizada de maneira estanque desconsiderando as questões que envolvem seu contexto
de produção, circulação e recepção. Portanto, levamos em consideração o perfil
10
Mais à frente explicaremos a escolha da palavra autor utilizada no singular
34
linguístico e discursivo do aluno brasileiro egresso da educação básica e ingressante na
educação superior, perfil esse depreendido de dois exames de larga escala: Enem e Pisa.
Além disso, investigamos documentos referentes à política universitária brasileira e, a
partir de dados oficiais, mapeamos os cursos que recebem o maior número de
estudantes.
O capítulo pretende tecer considerações sobre as justificativas sociais e
educacionais que cercam nosso problema de pesquisa assim como apresentar o percurso
metodológico desta pesquisa. Consequentemente, delineamos a construção de nosso
objeto em relação à interação discursiva instaurada no livro didático, abordando a
seleção e os instrumentos de abordagem ao corpus investigado. É importante observar
que o corpus desta pesquisa foi sendo construído paulatinamente, num processo de idas
e vindas que também considerou o trabalho teórico de Faraco e Tezza objetivando
compreender as ressonâncias do trabalho individual de cada autor na construção da
assinatura Faraco-Tezza em PTEU.
No capítulo 2, discorremos sobre a teoria/análise dialógica do discurso
desenvolvida por Mikhail Bakhtin e seu Círculo, enfatizando as noções de interação
verbal e autoria, em estreita relação com os gêneros do discurso, decorrentes de uma
visão de linguagem que considera o signo ideológico na constituição de enunciados
concretos. Nesse mesmo capítulo, apresentamos a obra individual de Carlos Alberto
Faraco e Cristovão Tezza objetivando estabelecer relações com a perspectiva dialógica
e situar a obra analisada.
O capítulo 3, intitulado A construção de PTEU - trabalho e retrabalho de
linguagem pretender responder à primeira questão de pesquisa. Para tanto, procedemos
a uma descrição da primeira e da vigésima versões do livro didático pontuando as
alterações realizadas no conteúdo e na forma com o objetivo de investigar o percurso de
construção linguístico e discursivo dessa obra. Procuramos não só descrever, mas
analisar o modo como a concepção de escrita se constrói ao longo dos capítulos do
livro. Nesse capítulo, investigamos, também, como o autor trabalha a interação com o
outro buscando promover o ensino dos gêneros discursivos para, a partir dessa
compreensão, analisar o processo de construção do aluno-autor, por meio das propostas
de prática textual.
O capítulo 4 apresenta as seções do livro (em ambas as edições) destinadas à
produção textual escrita e busca responder à segunda questão de pesquisa,
35
encaminhando nosso texto para as considerações finais. O trabalho de descrição e
análise parte da interação verbal estabelecida entre autor e leitor que construiu um
entendimento da organização da linguagem em gêneros discursivos. Esse entendimento
pressupõe um sujeito-autor ativo em um processo contínuo de comunicação com um
outro sujeito. A partir dessa perspectiva de ensino de língua, objetivamos nesse capítulo
identificar o trabalho com o discurso realizado pelo autor de forma a identificar e
analisar os efeitos de sentido criados nas atividades. Esperamos que o estudo dessa
materialidade confirme ou refute nossa hipótese de pesquisa.
36
CAPÍTULO 1
Considerações iniciais e metodológicas
______________________________________________________________________
Método, diz Sakulin corretamente, é a totalidade dos
dispositivos de investigação científica, quando esses são
baseados em princípios estabelecidos que fluem a partir
de uma compreensão da natureza do objeto de estudo e,
consequentemente, dos objetivos da investigação11
.
Pavel N. Medvedev
Neste capítulo, descrevemos o contexto em que se insere nossa pesquisa e que
norteou a construção do objeto aqui investigado, estabelecendo suas premissas básicas,
em seguida, apresentamos o corpus de estudo levando em consideração o percurso de
escolha e sua delimitação por meio das categorias de análise adotadas. Procuramos,
também, sintetizar os aportes teóricos que orientam a análise dos dados e a interpretação
dos resultados. Para tanto, o capítulo foi dividido em três tópicos e suas subdivisões. No
primeiro, apresentamos os contextos educacional e institucional constituintes do nosso
problema de pesquisa; no segundo, descrevemos a relação entre esses contextos, assim
como o editorial, já apresentado na Introdução e a construção do objeto de estudo e, no
terceiro, dada a complexidade do tema, pretendemos delimitar, dentre as variadas
perspectivas de análise possíveis, a que melhor explique os dados levantados, a partir
dos seus elementos linguístico-discursivos.
1.1 Contexto discursivo do problema de pesquisa
Tendo apresentado alguns resultados de pesquisas acadêmicas, assim como um
breve retrato do mercado editorial, na Introdução desta tese, continuamos com a
contextualização das razões que nos despertaram o interesse pelo estudo. Por não
considerarmos aqueles argumentos suficientes por si só para justificar a empreitada
desta investigação, detemo-nos em alguns dados e pesquisas realizadas sobre o ensino
de Língua Portuguesa no ensino superior e da sua realidade histórico, cultural e social,
agora com foco nos alunos egressos da escola básica. Além desses, empreendemos uma
11
Tradução nossa de: ‘Method’, says Sakulin correctly, ‘is the totality of the devices of scientific
investigation, when these devices are based on established principles which flow from an understanding
of the nature of the object studied and, accordingly of the aims of the investigation’ ( MEDVEDEV,
[1926] 1983, p. 68).
37
discussão a respeito dos documentos oficiais que regem a Educação Superior no Brasil,
além de apresentar alguns números sobre cursos e alunos ingressantes.
Os itens seguintes propõem-se a situar o objeto de pesquisa desta tese em um
contexto social que justifique a escolha por essa investigação. Após a apresentação do
que se considera a problemática desta pesquisa, apontaremos o contexto do estudo, a
delimitação do corpus e a metodologia seguida.
1.1.1 Exames como ENEM e PISA delineando o perfil educacional do egresso do
Ensino Médio
Considerando o embate entre a linguagem do aluno que inicia a universidade e a
sua necessidade de adaptação aos valores acadêmicos, apresentamos aqui uma
oportunidade de rever dados significativos de avaliações de desempenho em larga
escala como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Programa Internacional
para a Avaliação de Estudantes (Pisa). Os exames apresentam resultados similares
quanto aos déficits de leitura e escrita do aluno brasileiro. O relatório do Pisa que
estudamos (2009) revela ainda que o Brasil continua abaixo da média mundial para os
pilares educacionais da leitura.
Compreender esses exames, o que consideram e o que apresentam de análises
torna-se necessário para um maior conhecimento do perfil do aluno concluinte da
educação básica e ingressante no ensino superior.
a) Enem
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é um exame aplicado anualmente a
alunos concluintes ou egressos do ensino médio, oriundos de escolas públicas ou
particulares, de ensino regular, técnico ou Educação para Jovens e Adultos (EJA). O
exame é voluntario e a responsabilidade pela divulgação e condução da prova é do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão
vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
Criado em 1998, o exame objetiva, principalmente, aferir o desempenho escolar
e acadêmico dos participantes, considerando as competências e habilidades
fundamentais ao exercício da cidadania. Em 2004, além de manter esse objetivo, passou
a ser passaporte de acesso à educação superior como condição indispensável para a
38
obtenção de bolsas integrais ou parciais do Programa Universidade para Todos (Prouni)
nas universidades privadas. Posteriormente, começou a ser aceito por algumas
universidades públicas como requisito único, alternativo ou complementar de seleção
(Sistema de Seleção Unificada- Sisu12
). Além do Prouni e do Sisu, a partir de 2013, o
exame também dá acesso a outros dois programas de educação do Governo Federal:
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) que financia os encargos financeiros do curso
e Ciência sem Fronteiras (CsF) que fornece bolsas de estudo no exterior.
Os incentivos governamentais, que também incluem a isenção de pagamento da
taxa do vestibular para os alunos oriundos da escola pública, podem ter sido os
responsáveis pelo aumento de 2.455,67% de inscritos no período compreendido entre os
anos de 1998 e 2008. O Relatório Pedagógico do MEC/Inep13
(2009, p. 86) revela ainda
que 74% dos participantes aderiram à prova do Enem com o objetivo de ingressar no
ensino superior, o que indica interesse e disponibilidade para uma nova etapa de
estudos.
O exame atualmente (2013) constitui-se de uma redação e quatro provas
objetivas contemplando as áreas do conhecimento: Ciências Humanas e suas
Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Linguagens, Código e suas
tecnologias e Redação, Matemática e suas Tecnologias. A avaliação baseia-se numa
matriz de referência14
que considera cinco eixos cognitivos comuns a todas as áreas do
conhecimento: (I) Dominar linguagens; (II) Compreender fenômenos; (III) Enfrentar
situações-problema; (IV) Construir argumentação e (V) Elaborar propostas.
Para o Enem, dominar linguagens refere-se ao conhecimento da pluralidade de
linguagens do mundo contemporâneo, linguagens da informação, da comunicação, da
informática. Relaciona-se também a um reconhecimento dos diferentes tipos de discurso
para transitar entre eles nas interações com o mundo social. Esse domínio implica um
sujeito competente em lidar com a variedade de linguagens para a produção de textos
12
Para o segundo semestre de 2013, 54 instituições públicas de ensino superior participaram do processo
seletivo Sisu.
13 Consideramos para a pequisa os dados do relatório divulgado pelo INEP em 2009, o último
disponibilizado em sua página da internet. Esse relatório refere-se ao desempenho dos candidatos no
exame de 2008. Disponível em:
http://download.Inep.gov.br/educação_basica/enem/relatorios_pedagogicos/
relatório_pedagogico_enem_2008.pdf. Acesso em: 04/06/2013.
14 Edital Enem- 2013. Disponível em
http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?jornal=3&página=70&data=09/05/2013. Acesso em:
04/06/2013. A matriz de referência do Enem 2013 é a mesma de 2009.
39
autorais, que estabeleçam diálogos, comuniquem propostas e reflexões de forma clara e
coerente (BRASIL, 2009, p. 56). O exercício autoral perpassa todas as áreas do
conhecimento envolvidas no exame, mas para atingirmos os propósitos desta tese,
atemo-nos à relacionada a linguagens.
Os cinco eixos cognitivos apresentados acima são subdivididos em competências
e, especificamente na área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, distribuem-se em:
Competência de área 1: Aplicar as tecnologias da comunicação e da
informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes
para sua vida.
[...]
Competência de área 2: Conhecer e usar língua (s) estrangeira (s)
moderna (s) como instrumento de acesso a informações e a outras
culturas e grupos sociais.
[...]
Competência de área 3: Compreender e usar a Linguagem corporal
como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da
identidade.
[...]
Competência de área 4: Compreender a arte como saber cultural e
estético gerador de significação e integrador da organização do mundo
e da própria identidade.
Competência de área 5: Analisar, interpretar e aplicar recursos
expressivos das Linguagens, relacionando textos com seus contextos,
mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações,
de acordo com as condições de produção e recepção.
[...]
Competência de área 6: Compreender e usar os sistemas simbólicos
das diferentes Linguagens como meios de organização cognitiva da
realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e
informação.
[...]
Competência de área 7: Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as
diferentes Linguagens e suas manifestações específicas.
[...]
Competência de área 8: Compreender e usar a língua portuguesa como
língua materna, geradora de significação e integradora da organização
do mundo e da própria identidade.
[...]
Competência de área 9: Entender os princípios, a natureza, a função e
o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua
vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento,
associando-os aos conhecimentos científicos, às Linguagens que lhes
dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos
problemas que se propõem solucionar.
[...] (Edital Enem, BRASIL, 2013, Anexo II).
40
São estipuladas trinta habilidades distribuídas entre as competências. Por
exemplo, a fim de avaliar se o aluno possui uma determinada competência é necessário
que ele apresente habilidades relacionadas a ela.
Habilidades relacionadas à competência 1:
H1 - Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos
como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.
H2 - Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de
comunicação e informação para resolver problemas sociais.
H3 - Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e
informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 - Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das
linguagens e dos sistemas de comunicação e informação (Edital Enem,
BRASIL, 2013, Anexo II).
Habilidades relacionadas à competência 6:
H18 - Identificar os elementos que concorrem para a progressão
temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes
gêneros e tipos.
H19 - Analisar a função da linguagem predominante nos textos em
situações específicas de interlocução.
H20 - Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a
preservação da memória e da identidade nacional.
Habilidades relacionadas à competência 7:
H21- Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e
não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar
comportamentos e hábitos.
H22 - Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e
recursos linguísticos.
H23 - Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e
quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos
argumentativos utilizados.
H24 - Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas
para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução,
comoção, chantagem, entre outras.
Habilidades relacionadas à competência 8:
H25 - Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas
linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais,
regionais e de registro.
H26 - Relacionar as variedades lingüísticas a situações específicas de
uso social.
H27 - Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas
diferentes situações de comunicação.
Habilidades relacionadas à competência 9:
41
H28 - Reconhecer a função e o impacto social das diferentes
tecnologias da comunicação e informação.
H29 - Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da
comunicação e informação.
H30 - Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao
desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas
produzem.
Deixamos de fora dessa análise, por questões metodológicas, as habilidades
referentes às competências 2,3,4 e 5 por serem específicas das linguagens estrangeira,
corporal, artística e literária, respectivamente.
Percebe-se então um olhar avaliativo dividido em categorias que são as áreas do
conhecimento, as matrizes de referência associadas a essas áreas e as competências
requeridas para cada uma. Inseridos nessas últimas, ainda estão os objetos do
conhecimento. A matriz de referência da área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,
considera o estudo do texto o principal objeto de estudo. Ele é abordado levando em
consideração a variação linguística, a interpretação, as sequências discursivas e os
gêneros textuais. O desempenho escolar esperado do aluno, em toda a sua vida
acadêmica, é contemplado e dividido em competências que podem ser avaliadas pelos
objetos citados no documento.
As diretrizes apresentadas acima foram determinadas em 200915
com a
divulgação da nova sistemática para a realização do exame e a prova do Enem 2013
segue esse formato. Para os fins desta pesquisa, utilizamos o Relatório Pedagógico que
apresenta os resultados do exame realizado em 2008. A prova dividiu-se em uma
redação e sessenta e três questões objetivas e, para nosso estudo, consideraramos os
aspectos centrais das duas modalidades relacionadas às práticas da leitura e da escrita.
Um dos objetivos desse Enem foi propiciar bases para uma autoavaliação do aluno a
partir de uma estrutura que considerava as competências e habilidades necessárias para
a vida ativa em sociedade.
Para tanto, as questões objetivas foram elaboradas (itens de avaliação) em
conformidade com as competências e habilidades estipuladas para cada área do
conhecimento. O relatório indica que o modelo de competências do exame segue a linha
15
Inep- Portaria n° 109, de 27 de maio de 2009. Disponível em:
http://download.inep.gov.br/educação_basica/enem/legislação/2009/portaria_enem_2009_1.pdf. Acesso
em: 04/06/2013.
42
defendida por Piaget (1936)16
que considera como competências as capacidades de
“considerar todas as possibilidades para resolver um problema; [...] formular hipóteses;
combinar todas as possibilidades e separar variáveis para testar influência de diferentes
fatores”. E, ainda, usar o “raciocínio hipotético-dedutivo, a interpretação, análise,
comparação e argumentação, e a generalização dessas operações a diversos conteúdos”
(BRASIL, 2009, p. 50). O Enem filia-se, assim, à linha teórica construtivista em que, de
modo geral, o conhecimento se dá pelo desenvolvimento de competências e habilidades
do aluno por suas interações contínuas e com a mediação da escola (BRASIL, 2009, p.
47).
O texto do relatório não define “habilidades” de forma direta, mas defende uma
avaliação que pretenda:
Certificar competências que expressam um saber constituinte, ou seja,
as possibilidades e habilidades cognitivas por meio das quais as
pessoas conseguem se expressar simbolicamente, compreender
fenômenos, enfrentar e resolver problemas, argumentar e elaborar
propostas em favor de sua luta por uma sobrevivência mais justa e
digna, enfim, sejam pessoas capazes de se expressar de forma cidadã
na luta diária pela sobrevivência e superação dos desafios que a vida
impõe a cada um de nós, cotidianamente (BRASIL, 2009, p. 51).
As habilidades apresentadas no relatório pretendem contemplar o que se
considera os princípios de preparação para o exercício pleno da cidadania. Seguindo os
princípios teórico-metodológicos estipulados, o exame apresenta uma matriz geral que
rege todas as áreas e é dividida em cinco competências:
I - Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das
linguagens matemática, artística e científica.
II - Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento
para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-
geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas.
III - Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações
representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar
situações-problema.
IV - Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e
conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir
argumentação consistente.
V - Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para
elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade,
respeitando os valores humanos e considerando a diversidade
sociocultural (BRASIL, 2009, p. 52-53).
16
O texto de trezentas e sete páginas não apresenta referências bibliográficas, portanto não se pode
identificar a obra de Piaget que foi utilizada.
43
As capacidades de ler e compreender adequadamente um texto estão subjacentes
a todas as competências e para estas apresentam-se habilidades que por sua vez
permeiam todas as áreas do conhecimento, o que pressupõe uma integração de
competências e habilidades entre os conteúdos abordados. A Matriz de Competências
enfatiza essa integração e considera a “competência de ler, compreender, interpretar e
produzir textos, no sentido amplo do termo” (BRASIL, 2009, p. 55). Essa interligação
revela uma concepção de conhecimento construído nas relações estabelecidas entre
todas as áreas do conhecimento e nas disciplinas que as representam.
As habilidades descritas no texto contemplam competências inerentes à leitura e
à escrita, o que se verifica no uso dos verbos, “identificar”, “analisar” “traduzir e
interpretar”, “compreender”, “reconhecer”, “confrontar” e “comparar”.
A fim de exemplificar as habilidades elencadas pelo exame e não tornar
exaustiva a leitura de todas, selecionamos aqui as habilidades descritas nos itens 4, 5, e
6 (BRASIL, 2009, p.53 e 143). A escolha dos itens deveu-se ao uso das palavras
“linguagem” e “leitura” expressas na descrição da habilidade. Segue:
4 Dada uma situação-problema, apresentada em uma linguagem de
determinada área do conhecimento, relacioná-la com sua formulação
em outras linguagens ou vice-versa.
5 A partir da leitura de textos literários consagrados e de informações
sobre concepções artísticas, estabelecer relações entre eles e seu
contexto histórico, social, político ou cultural, inferindo as escolhas
dos temas, gêneros discursivos e recursos expressivos dos autores.
6 Com base em um texto, analisar as funções da linguagem,
identificar marcas de variantes linguísticas de natureza sociocultural,
regional, de registro ou de estilo, e explorar as relações entre as
linguagens coloquial e formal (BRASIL, 2009, p. 53).
A correlação estabelecida entre as competências e habilidades a serem
demonstradas pelo aluno mostra a leitura e a escrita determinantes para essa avaliação,
na medida em que seja possível demonstrar autonomia e capacidade de ação diante de
situações-problema. O objetivo é verificar as reais capacidades de atuação do indivíduo
em sua vida futura, profissional e social.
Os requisitos estabelecidos para a redação, parte escrita da prova, leva em
consideração um “escritor, autor de um texto que atende à proposta feita por outros
interlocutores” (2009, p. 63). O participante deverá mostrar habilidades de externar seu
44
conhecimento de mundo, organizando-o de forma a combinar suas ideias com o tema
solicitado na forma de um texto dissertativo-argumentativo.
A avaliação da redação leva em consideração as cinco competências expressas
na matriz de referência para a prova objetiva, mas adequando-as às especificidades da
produção de um texto escrito:
I – Demonstrar domínio da norma culta da língua escrita;
II – Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias
áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites
estruturais do texto dissertativo-argumentativo;
III – Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos,
opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista;
IV – Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos
necessários para a construção da argumentação;
V – Elaborar proposta de solução para o problema abordado,
mostrando respeito aos valores humanos e considerando a diversidade
sociocultural (BRASIL, 2009, p. 64).
A competência I permeia todas as competências a serem analisadas na correção
da redação, enfatizando a modalidade escrita da língua no nível formal. A oralidade não
é considerada e o domínio da norma culta escrita deverá ser expresso por meio de
adequação ao grau de formalidade requerido para uma seleção e às variações
linguísticas envolvidas no texto-estímulo. O segundo quesito é o respeito à norma
gramatical revelado pela aplicação das regras da sintaxe, pontuação e flexão de nomes e
verbos. Por fim, a escolha lexical adequada à proposta de tema e aos elementos de
concordância, regência relacionados ao registro formal da língua.
A competência II é a que se refere ao tema, à estrutura e a autoria. Os temas do
Enem são relacionados à ordem política, social, cultural ou científica e desdobram-se
em uma situação-problema que deve ser solucionada por meio de um texto dissertativo-
argumentativo. O texto produzido deve demonstrar capacidade de reflexão sobre o tema
oferecido tendo suas partes encadeadas com o que o Enem considera “indícios de
autoria”. O exercício da autoria apresenta-se por meio de uma progressão temática
coerente (competência IV) feita a partir de um recorte pessoal do tema e dos textos-
estímulo apresentados (competência III). Mais especificamente, à capacidade que o
participante terá de deixar em seu texto “marcas pessoais manifestas no
desenvolvimento temático e na organização textual” (BRASIL, 2009, p. 123). A
proposição de soluções para a situação exposta no tema será avaliada considerando-se o
45
desempenho do aluno como um autor possuidor de repertório cultural produtivo
(competência III e V).
Antes de passarmos à análise dos resultados da prova, apresentamos alguns
números do exame. O Enem 2008 foi realizado por 2.920.560 participantes com a idade
média de 17 anos (19,2%), 50% egressos do ensino médio, não necessariamente
concluintes recentes. O tipo de escola frequentada por 82,5% dos participantes foi a
modalidade de ensino regular na escola pública. 80,5% não fizeram curso preparatório
para o vestibular e as leituras, esporádicas, eram de jornais e revistas. Como
mencionado anteriormente, a motivação maior dos participantes para a execução do
exame era o acesso ao ensino superior (80%)17
. 42% dos participantes elegeram a
continuidade dos estudos como maior contribuição do ensino médio para sua vida
pessoal, em vez de preparo para atuar no mercado de trabalho.
Relembremos que o Enem 2008 elencou como competências as ações ou
operações de: dominar e fazer uso; construir, aplicar e compreender; selecionar,
organizar, relacionar, interpretar, tomar decisões e enfrentar situações-problema;
relacionar e argumentar; recorrer, elaborar, respeitar e considerar. Se essas ações são
mediadas pela escrita e pela leitura, o que os resultados do exame em questão indicam e
quais análises podem ser feitas?
Comecemos pela nota máxima estipulada para ambas as partes, 100, assim, a
média dos participantes ficou em 41,7 na parte objetiva e 59,4 na redação. O
desempenho geral nas duas modalidades da prova situou-se na faixa de “insuficiente a
regular” com 53,46% dos participantes na parte objetiva e 59,72% na redação. Do total
de examinandos, apenas 0.05% obtiveram a nota máxima. As competências IV e V
foram responsáveis pelo menor desempenho o que indica uma porcentagem de 40% de
participantes que apresentaram capacidade “insuficiente ou regular” em relacionar
informações, construir argumentação e elaborar propostas de intervenção.
Se considerarmos a análise pedagógica realizada item a item (questões da prova)
(p. 225- 299), mais especificamente os itens que enfatizavam diretamente a leitura e a
interpretação de textos verbais e não verbais para a solução, temos como resultados:
17
Desse contingente, apenas 7% pretendiam seguir a carreira do magistério. Situação paradoxal, pois o
curso de Pedagogia é o terceiro maior do país em número de matrículas, conforme apresentaremos mais
à frente.
46
1- 88% dos participantes não demonstraram reconhecer as diferenças entre os níveis de
linguagem formal e informal (item 1) e 52% (item 14);
2- 77% não estão familiarizados com a linguagem científica (item 5);
3- 70% não souberam interpretar leis e estabelecer relações (item 7) e 11% (item 49);
4- 67% não conseguiram interpretar os dados de um gráfico (item 8), 61% (itens 30 e
45), 71% (item 31); 61% um diagrama (item 22); 60%, uma tabela (item 52); 66%, um
boleto de cobrança de mensalidade de uma escola (item 33);
5- 62% desconhecem a diferença entre os conceitos “absorver” e “reagir” (item 18),
24% não souberam o significado de “dessalinização” (item 25), 25% não decodificaram
a palavra “integral” (item 27), 42% não relacionaram a definição da palavra “indício” a
imagens apresentadas (item 37), 71% desconhecem a expressão “região não
codificadora e fenótipo” (item 53);
6- 64% não interpretaram um texto baseando-se em fatos contemporâneos (item 26);
7- a maior parte dos participantes não fez uma leitura atenta do texto de modo a
interpretar e estabelecer relações: 52% (item 32), 60% (item 39), 63% (item 41), 32%
(item 47), 83% (item 58), 51% (item 59), 65% (item 60), 45% (item 62);
8- 90% demonstraram desconhecer o gênero “crônica” e sua relação com o contexto de
produção, confundindo-a com reportagem jornalística, conto ou romance policial (item
46);
Os déficits observados na prova objetiva se estendem à redação. Para essa parte
da prova, o aluno recebeu um tema e um texto para ler, interpretar uma situação-
problema e escrever uma proposta de intervenção. A redação, assim como a parte
objetiva, também se baseou em cinco competências e apresentou o seguinte
desempenho dos participantes:
1- 98,15% não dominam a norma culta da língua portuguesa escrita;
2- 98,52% não souberam desenvolver o tema dado em um texto dissertativo;
3- 99,31% não são capazes “de selecionar, relacionar, organizar e interpretar
informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista” (p. 136). A
mesma porcentagem é relacionada aos alunos que apresentaram um texto sem coesão;
4- 99,37% não demonstraram capacidade de elaborar uma proposta de intervenção
relacionada ao tema e a discussão inerente a ele;
47
Se colocarmos em paralelo esse e outros resultados de análises feitas com alunos
de ensino médio, concordamos com o número de 90% de alunos que terminam esse
grau de ensino sem demonstrar o nível de conhecimento esperado18
. No entanto, boa
parte desses participantes utiliza a nota obtida no Enem para ingressar no ensino
superior, na modalidade pública ou privada o que nos leva a acreditar que o aluno que
entra no ensino superior não está preparado para as demandas de conhecimento deste.
Não nos cabe, neste trabalho, adentrar essas questões, mas não podemos ignorar que um
aluno que ingressa no ensino superior passou por várias fases de ensino-aprendizagem,
e, no entanto, demonstra pouca habilidade no uso da língua, seja na leitura e
compreensão de textos ou mesmo na escrita (FARACO, 1984; 2000).
Além dos resultados indicados pelo Enem, a redação de um texto, instrumento
de acesso a várias universidades privadas no país, detecta esses déficits de linguagem.
Mais adiante, apresentaremos alguns números de acesso à educação superior, por
enquanto analisamos os resultados de outro exame em larga escala, o Pisa.
b) Pisa
O Programme for International Student Assessment (sigla em inglês Pisa) -
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes é um exame aplicado a cada três
anos a alunos na faixa dos 15 anos, idade média para o término da educação básica na
maioria dos países participantes. No Brasil, são considerados os alunos da sétima série
até o ensino médio, em função da nova categorização do Ensino Fundamental. Isso
revela que, se com 15 anos o aluno brasileiro estiver na sétima série, ele estará, no
mínimo, com uma defasagem de quatro anos no ensino em relação aos colegas dos
países desenvolvidos evidenciando um nível de repetência ainda alto.
A iniciativa de promover esta avaliação é desenvolvida e supervisionada pela
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)19
e a
18
Censo Escolar 2011. Disponível em http://portal.Inep.gov.br/basica-censo. Acesso em: 12/06/2013.
19 A OCDE é um consórcio internacional e intergovernamental com sede em Paris, que agrupa os países
mais industrializados para a troca de informações e definições políticas para a melhoria da economia e
do bem-estar social. São 34 os países membros da OCDE: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica,
Canadá, Chile, Coreia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França,
Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Nova
Zelândia, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, República Eslovaca, Suécia, Suíça,
Turquia. O Brasil é considerado um país parceiro para essa finalidade. Disponível em:
http://www.oecd.org. Acesso em: 15∕03∕2013.
48
coordenação nacional brasileira é realizada pelo Inep que se responsabiliza pela
aplicação do exame. A sistemática de seleção inclui o envio por parte das escolas de
listagem com nomes de alunos elegíveis que serão posteriormente sorteados. Assim, a
prova é realizada de maneira amostral e em 2009 foram considerados até trinta alunos
por escola.
Criado em 2000, o exame objetiva a melhoria da qualidade do ensino por meio
de indicadores qualitativos e quantitativos que permitam aos sistemas educacionais
conhecerem o perfil educacional de seus jovens em comparação ao de outros países.
Esse conhecimento deve guiar as ações políticas educacionais de cada país, focando,
principalmente, na distribuição de recursos necessários para a eficiência do serviço
oferecido. Essa avaliação internacional teve papel preponderante na criação do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2007. O índice é medido a cada dois
anos e proporciona análises da qualidade de cada escola e de cada rede de ensino.
Baseado nas notas dos países participantes da OCDE nas edições do Pisa, o Inep/MEC
pretende atingir a mesma nota seis em 2022.
Os Resultados Nacionais- PISA 200920
demonstram que a avaliação foi feita em
65 países∕ 67 economias21
. Na quarta participação do Brasil, foram contemplados
20.127 alunos em um total de 947 escolas distribuídas nas vinte e sete unidades da
Federação. O país obteve 401 pontos contra 368 da primeira edição em 2000, o que o
caracteriza como um dos países que mais cresceram em desempenho. Questões
socioeconômicas e culturais também são apontadas pelo exame e correlacionadas aos
resultados, mas por questões metodológicas, não as abordaremos nesta introdução.
Uma das fundamentações teóricas apresentadas considera o letramento ponto
central do exame. O relatório define letramento como “capacidade de o estudante ir
além dos conhecimentos escolares, raciocinar e refletir ativamente sobre seus
conhecimentos e experiências o que caracteriza as competências que serão relevantes
para a vida” (OECD, 2010, p. 19). O texto em inglês enfatiza a diferença entre Leitura e
letramento em Leitura, postulando que o primeiro é comumente compreendido como
20
Consideramos para a pesquisa os dados do penúltimo relatório divulgado pelo Inep em sua página da
internet. Em 2012 foi realizado o último exame, mas seus resultados somente seriam divulgados em
2014, tempo inviável para a finalização desta tese. Os resultados de 2009 estão disponíveis em
http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/documentos/2012/relatorio_nacional_pisa_2009.
pdf. Acesso em: 20/06/2013.
21 A China é uma nação parceira da OCDE e divide-se em três economias na prova do Pisa: Hong Kong,
Taiwan e Xangai.
49
decodificação simples ou até a Leitura em voz alta. O conceito de letramento é mais
amplo e profundo caracterizando-se por uma gama variada de competências, como
conhecimento linguístico básico, estrutura textual e conhecimento de mundo. São
consideradas as habilidades de emprego de variadas estratégias de leitura no
processamento dos textos escritos com vários objetivos e usados em diferentes situações
(OECD, 2010, p. 23).
Em cada edição, o conteúdo do exame prioriza uma área de conhecimento entre
as três estipuladas: Leitura, Matemática e Ciências; assim, os exames de 2000 e 2009
enfatizaram o domínio da Leitura22
. Cada área segue uma definição específica de
letramento e, para a área de leitura, apresenta-se por meio de textos que vão explorar a
capacidade de compreensão, envolvimento, reflexão e aplicação, em um processo ativo
de construção de conhecimento para uma participação mais ampla na sociedade. A
ênfase é dada ao “ler para aprender” (p. 20) o que isenta os alunos de avaliação dos
níveis básicos de Leitura. Além das definições e características que são distintas das
outras áreas, o relatório Pisa 2009 (BRASIL, 2012, p. 20-22) também descreve o
formato dos materiais oferecidos e as competências envolvidas em cada contexto de
avaliação.
A prova constitui-se de conjuntos de itens que envolvem um texto de estímulo
seguido de questões de interpretação, assim cada conjunto constitui uma unidade. Cada
questão é avaliada em sete categorias: situação, formato do texto, tipo de texto, aspecto,
formato, dificuldade e objetivo da questão que podem ser descritos:
1. Situação e contexto da Leitura- Uso para o qual o texto é construído:
a. pessoal- atende ao próprio interesse intelectual ou prático e inclui cartas pessoais,
biografias, textos de ficção, informativos, etc.
b. público- relacionados à participação na sociedade e incluem documentos oficiais,
informações sobre eventos e notícias de interesse da coletividade;
c. educacional- utilizado no ambiente escolar e inclui livros didáticos ou softwares
educacionais, ambos não são escolhidos pelo leitor;
d. ocupacional- relacionadas ao mundo do trabalho como uma tarefa imediata ou futura
como a Leitura de um anúncio de jornal.
22
Mantivemos as iniciais maiúsculas conforme o apresentado pelos Resultados Nacionais PISA 2009.
50
A prova impressa dedicou, respectivamente, 30%, 25%, 15% e 30% das
atividades aos aspectos do texto elencados acima, enfatizando, assim, os textos pessoais
e ocupacionais.
2. Formato dos materiais de Leitura – Textos veiculados em suportes diversos como os
escritos à mão, impressos e digitais e dividem-se em:
a. contínuos- organizam-se em sentenças, parágrafos, capítulos de livro;
b. não contínuos- organizam a informação de maneira diversa e apresentam-se como
listas, gráficos, mapas, tabelas, etc.;
c. combinados- abrangem textos contínuos e não contínuos, por exemplo, a
apresentação de um gráfico e um comentário do autor para explicá-lo;
d. múltiplos- são formados por dois ou mais textos diferentes que objetivam provocar a
capacidade de reflexão.
Dos textos dedicados à avaliação da Leitura, 60% eram contínuos e explorados
em questões que envolviam estabelecer conexões entre conteúdos implícitos ou
explícitos como relações de causa e efeito. As tarefas relacionadas a esses textos
concentraram-se na localização, interpretação ou avaliação de informações (OECD,
2010, p. 78)
3. Tipo de texto- Estrutura retórica:
a. descritiva- informações de propriedades de objetos no espaço;
b. narrativa- informações de propriedades de objetos no tempo;
c. expositiva- apresentação de conceitos complexos;
d. argumentativa- apresentação de proposições;
e. instrutiva ou prescritiva- fornecimento de orientações;
f. interativa- possibilidade de troca de informações.
4. Aspecto- Competências envolvidas com o propósito do leitor em relação ao texto lido
e a própria experiência:
a. localizar e recuperar – identificação de elementos essenciais do texto, comparação
destes com o enunciado da pergunta e sua utilização para encontrar a informação
pedida;
b. integrar e interpretar- compreensão do texto lido a partir de comparações e contrastes
de informações;
51
c. refletir e analisar- conhecimento de estrutura textual, gêneros e tom avaliativo para
reconhecimento de nuanças na linguagem que revelem a utilidade do texto e o uso que
se faz dele para atingir objetivos específicos (a prova impressa dedicou 50% das
atividades de Leitura a esse aspecto);
d. complexas- atividades com textos digitais que requerem processos diferentes dada a
fluidez e liberdade de organização do meio.
Os aspectos integrar e interpretar constituíram 50% das atividades que requerem
identificação do tema abordado, compreensão da mensagem e da intenção do autor por
meio da leitura global ou de parte do texto.
5- Formato da questão:
a. múltipla escolha simples- até cinco alternativas;
b. múltipla escolha complexa- séries de proposições para escolha;
c. respostas curtas- apenas uma resposta escrita;
d. respostas abertas construídas- uma resposta longa;
e- respostas fechadas construídas- resposta baseada em opções limitadas.
6. Dificuldade- São sete os níveis pré-estabelecidos de acordo com a dificuldade relativa
dos itens, definidos pela quantidade de alunos que conseguem acertar a resposta da
questão.
Para os países com médias abaixo de 460, a prova do Pisa 2009 apresentou mais
questões com essa faixa de escala de dificuldade. A média foi estipulada em 500 pontos
e um desvio padrão de 100. O desempenho do Brasil ficou em 412 pontos, sendo um
dos países que mais evoluíram nos anos de aplicação 2000 e 2009, considerando os dois
exames que enfatizaram a Leitura.
7. Objetivo da questão- É determinado para cada questão seguindo os aspectos
elencados (item 4 acima). Por exemplo: identificar a ideia principal de um texto
narrativo longo.
As questões caracterizam-se em sua maioria por apresentarem uma série de
proposições para que o aluno assinale a alternativa ou construa sua resposta. A prova
estipula sete níveis de proficiência em Leitura (1a, 1b, 2, 3, 4, 5 e 6), esse último o
maior nível em que se encaixam leitores capazes de fazer inferências múltiplas,
compreender um ou mais textos que trazem informações desconhecidas. A partir de
52
elementos pouco perceptíveis no texto, avaliar informações e criar hipóteses com
precisão. Esse nível exige um alto grau de abstração do aluno.
O quinto nível além de exigir que o aluno localize informações e as organize a
partir da mais relevante, também demanda a criação de hipóteses a partir de
conhecimento especializado, ou seja, de um texto não familiar. A tônica desse nível é a
capacidade de lidar com conceitos que fogem ao senso comum.
O quarto nível demanda capacidade de recuperar pequenas informações no texto
apresentado a fim de fazer uma avaliação crítica com ou sem levantamento de hipóteses.
O texto deve ser analisado como um todo, detectando-se suas nuanças de linguagem. Os
textos são longos, complexos e pouco familiares.
Atuando como um nível intermediário, o terceiro foca na identificação de
informações que envolve comparação, contraste ou categorização para que a
interpretação seja o resultado da análise de conhecimentos comuns do cotidiano e sua
relação com o tema dos textos propostos. Não se requer compreensão detalhada de
elementos do texto.
O segundo nível caracteriza-se por atividades que requerem do leitor uma
localização de informações baseada em um elemento único no texto, assim não há ideias
conflitantes que possam desviar a atenção do leitor. Para tanto, o leitor deve partir de
pequenas inferências para realizar comparações entre o texto e seu conhecimento
pessoal.
O primeiro nível divide-se em dois: 1a, em que as informações a serem
encontradas estão explícitas em um texto de natureza familiar e o objetivo central é a
identificação do tema central da proposta do autor, em que há poucas ideias
concorrentes que podem confundir o leitor. Abaixo desse nível não são apresentadas as
habilidades requeridas.
A segunda divisão, 1b, reúne as atividades em que as informações a serem
encontradas são simples e o texto de baixa complexidade. Ao contrário do sexto nível
em que a atenção e as análises devem ser refinadas e precisas, esse nível caracteriza-se
pelo uso de conexões simples entre textos de conteúdos familiares.
A OCDE considera a classificação no segundo nível o mínimo de proficiência
em Leitura aceitável para alunos com 15 anos de idade, mas considera baixos os níveis
inferiores (1a, 1b). 27.1% dos estudantes brasileiros estão nessa classificação aceitável,
15,9% no terceiro nível, 6,1% no quarto, 1,2% e 0,1% nos quinto e sexto níveis,
53
respectivamente. Mais alarmante que a frequência quase inexistente nos níveis
superiores é encontrar 49% dos estudantes brasileiros nos primeiros níveis ou abaixo.
Como descrito anteriormente, o Pisa 2009 considera o letramento em Leitura a
capacidade de “usar e refletir sobre textos escritos a fim de atingir os próprios objetivos
desenvolvendo conhecimento e potencial para participar na sociedade”23
(OECD, 2010,
p. 23). Isso põe em risco a participação efetiva e cidadã desses jovens na sociedade?
Não temos resposta a nossa própria questão, mas de posse desse conceito de
letramento e dos resultados do desempenho do aluno brasileiro, podemos afirmar que a
sexta economia do mundo24
tem estudantes que não conseguem compreender
completamente e em detalhes um texto com conteúdo e formato não familiares. A isso
se relacionam os hábitos de leitura que também não animam. Os dados revelam que a
leitura prazerosa é feita por 39% dos alunos em um período de meia hora ou menos.
41% têm dificuldade em terminar a leitura de um livro e a leitura de jornais é rara.
Dentre os 65 países participantes, o Brasil ficou na 53ª colocação em Leitura e,
apesar do baixo desempenho, subiu a média de pontos observada desde 2000
aproximando o país daqueles considerados referência em qualidade de educação.
De um modo geral, a formação básica de nossos jovens prossegue de
baixa qualidade. Isso dificulta, inclusive, a chegada na (sic) porta da
universidade de um contingente expressivo de jovens capazes de
concluir a contento um curso superior e de ocupar, posteriormente,
postos de trabalho demandantes de competências e habilidades cada
vez mais complexas e mutáveis. Nosso desempenho médio segue bem
inferior ao da maioria dos países (SOARES; NASCIMENTO, 2012, p.
85).
Conhecer o perfil do aluno brasileiro, seus conhecimentos linguísticos e
discursivos em relação às habilidades de leitura e escrita, ajuda-nos a situar esses jovens
quando acessam o ensino superior. Os dados apresentados e discutidos aqui servem para
definir nosso contexto de pesquisa e a delimitação do corpus de estudo relacionados ao
terceiro nível de ensino da educação brasileira.
1.1.2 A organização do ensino superior brasileiro e as escolhas do ingressante
23
Traduzido de: “Reading literacy is understanding, using and reflecting on written texts, in order to
achieve one’s goals, to develop one’s knowledge and potential, and to participate in society”. 24
Classificação do Centre for Economics and Business Research (CEBR). Disponível em:
http://www.cebr.com/browse-reports/. Acesso em: 24/06/2013.
54
A pesquisa realizada para a construção desta tese, a escolha do corpus e do
objeto de estudo situam-se também no contexto social e institucional do ensino superior
brasileiro. Contextualizaremos essa esfera antes de apresentar a delimitação do corpus.
Iniciamos com uma retrospectiva histórica e aportamos em 1968, ano em que o
ensino superior brasileiro passou pela reforma universitária, traduzida na Lei nº 5.540,
de 28 de novembro, cuja meta inicial era a expansão da oferta de ensino público,
principalmente no setor federal. O documento também se concentrava em soluções para
uma maior articulação entre o conhecimento acadêmico e o mercado de trabalho.
Conforme Martins, (2009, p. 21) o ensino em nível superior da época “deveria ter
objetivos práticos e adaptar seus conteúdos às metas do desenvolvimento nacional”.
Infelizmente, mesmo com a proposta de uma reforma e o foco voltado à
universidade, o setor público não conseguiu ampliar a oferta de vagas de forma a
atender à demanda da época (também motivada pela expansão do ensino médio entre os
anos de 1947 e 1964). Isso motivou, ainda no bojo da reforma, o surgimento das
universidades privadas que pretendiam, entre outros objetivos, abarcar essa demanda
crescente e diminuir o elitismo do ensino superior.
A reforma teve muitos de seus artigos e parágrafos revogados pela Lei nº 9.394,
de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)25. Como um exemplo
das alterações realizadas, o Art. 1º da Lei de 1968 apresentava o objetivo do ensino
superior que era “[...] a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes e a
formação de profissionais de nível universitário”. Em seguida, passava à descrição de
características mais técnicas quanto às maneiras de criação dos cursos, quais tipos de
instituições eram adequados a fornecê-los, entre outras.
A Lei de 1996, em seu artigo 43, ampliou aquele objetivo detalhando a função e
propósito da universidade:
Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito
científico e do pensamento reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos
para a inserção em setores profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação
contínua;
III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica,
visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e
25
A LDB pode ser encontrada em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. O Capítulo IV trata da
educação superior e abrange o texto compreendido entre os Art. 43º e Art. 57º.
55
difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do
homem e do meio em que vive;
IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e
técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de
comunicação;
V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e
profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando
os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual
sistematizadora do conhecimento de cada geração;
VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em
particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à
comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
VII - promover a extensão, aberta à participação da população,
visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação
cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição
(Brasil, 1996, p. 16).
Os objetivos elencados acima demonstram uma tentativa de definir as
especificidades do ensino superior enfatizando o conhecimento científico, o trabalho de
pesquisa e o aperfeiçoamento profissional. Lerche (2009, p. 1) comenta que “[...] a
reforma universitária empreendida naquele ano de tantas memórias ainda não
terminou”.
Concordamos com a pesquisadora, pois se percebe um esforço do MEC/Inep em
intensificar o cuidado com as instituições de ensino superior (IES) por meio de
constante aperfeiçoamento dos sistemas de avaliação. O Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Superior (Sinaes), Lei nº 10.861/2004, regula, avalia e supervisiona
instituições públicas e privadas, cursos e o desempenho dos estudantes nas dimensões
relacionadas ao ensino, à pesquisa, extensão, responsabilidade social e outros aspectos
administrativos. Além das visitas in-loco, faz parte da avaliação o Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes (Enade) que objetiva verificar o domínio do currículo
construído para cada curso e estabelecido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) 26
que orientam os cursos de graduação. Um nível de ensino com características
próprias mostra-se organizado para receber ingressantes e produzir egressos aptos para
o mercado de trabalho em todo o país.
Da época da Reforma Universitária aos dias de hoje, é sabido que o número de
vagas tem crescido vertiginosamente entre universidades brasileiras públicas e privadas.
26
As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos superiores podem ser encontradas em
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12991/ Acesso em:
11/03/2012.
56
O último censo (2011)27
avaliou o sistema nacional de ensino superior e apurou 2.365
instituições; 30.420 cursos de graduação presencial e a distância ofertados; 6.739.689
matrículas totais das quais 992.927 são da modalidade a distância (14.6%). Entre os
anos de 2001 a 201128
houve um aumento percentual de 11,4 nos cursos tecnológicos,
6,3 no bacharelado, 0,1 nas licenciaturas. Apesar desse crescimento dos tecnológicos,
sua participação nas matrículas é de 12,9% contra 66,9% dos bacharelados e 12.9% das
licenciaturas.
Além da modalidade de graduação, a categoria administrativa da instituição,
pública ou privada, também é considerada no censo. A rede pública teve uma variação
de 95,3% no total de ingressantes, enquanto a privada, 134,3%, levando em
consideração os anos de 2001 a 2011. Em 2011, a participação da rede privada foi
responsável por 73,7% (4.966.374 alunos) no total de matrículas no ensino superior
brasileiro.
Dentre as regiões do Brasil, a Sudeste apresentou um número de 48,7% no
percentual de matrículas realizadas entre 2001 e 2010 para cursos presenciais. Em 2011,
essa região foi responsável por 3.110.913 matrículas, 2.538.805 na rede privada. Só no
estado de São Paulo, o total de ingressantes foi de 1.704.616. Com esses números, a
região Sudeste é seguida pela Nordeste com 1.326.656 e a Sul com 1.144.303
matrículas.
A participação das IES privadas nos gráficos comparativos não é algo novo, mas
indica mudanças no perfil do ensino superior no Brasil. Pinto (2004) apresenta um
breve histórico a esse respeito, informando que em 1960, antes da Reforma, o setor
privado da educação superior era responsável por 44% das matrículas. Em 2002, esse
número cresceu para 70%, o que caracterizou o Brasil, e assim ainda permanece, um
dos países com a maior taxa de privatização nesse nível de educação permitindo afirmar
que, em 2004, “a participação do setor privado nas matrículas no Brasil é quase três
vezes maior que a da média dos países da OCDE” (PINTO, 2004, p. 730).
O número parece expressivo, mas mesmo contando com processos em direção a
melhorias como a Reforma Universitária de 1968 (Lei n. 5.540/68) e a promulgação da
27
Disponível em: http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse. Acesso em: 22/02/ 2013.
28 Disponível em:
http://download.inep.gov.br/educação_superior/censo_superior/documentos/2011/divulgação_censo_20
11.pdf. Acesso em: 28/08/2012.
57
LDB em 1996 (Lei n. 9.394/96), ainda não temos participação significativa da
população no ensino superior29
.
Para um avanço em direção a um ensino de qualidade e que atenda às demandas
da sociedade moderna, é preciso considerar o perfil do aluno que frequenta a
universidade e buscar dados sobre essa população crescente o que os exames em larga
escala têm fornecido satisfatoriamente. Conhecem-se, pelos resultados, as deficiências
linguísticas do aluno ingressante, e essas informações podem guiar o ensino em sala de
aula. No entanto, esse conhecimento não é suficiente, pois ainda são necessárias
informações sobre o perfil profissional esperado do formando, perfil expresso por
habilidades e competências desenvolvidas em sua passagem pelo curso escolhido.
Para suprir essas informações, sem desviar dos contextos oficiais, abordaremos
as DCN que constituem orientações curriculares às IES. São documentos oficiais,
comumente expressos em pareceres e resoluções, que contemplam elementos essenciais
para cada área do conhecimento visando o desenvolvimento intelectual e profissional do
aluno universitário pautando-se pela flexibilidade e qualidade de formação oferecida.
Por flexibilidade entende-se que a universidade tem autonomia na organização de seus
currículos o que é assegurada pela LDB. Essa autonomia caracteriza-se por liberdade,
criatividade e responsabilidade das instituições de ensino que devem fixar um currículo
alinhado com a formação de um profissional adaptável a situações novas, não
dependente de conhecimentos solidificados e inertes.
O documento de criação das DCN, Parecer Nº: 776/9730
, estabeleceu as normas
gerais para a construção dos currículos31
dos cursos de graduação e, ainda, reafirmou a
autonomia das IES em definir suas atividades de ensino. Por essa razão, as DCN não
29
De acordo com o divulgado pelo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
2010, a população brasileira constituía-se de 190.755.799 pessoas. Se em 2011, 6.739.689 alunos
matricularam-se em um curso de graduação, isso representa apenas 3,53% da população brasileira no
ensino superior. (Dados demográficos disponíveis em
ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/ta
b1_1.pdf. Acesso em: 20/06/2013.
30 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1997/pces776_97.pdf. Acesso em:
11/03/2012.
31 Na avaliação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Administração, Pedagogia,
Enfermagem e Letras, apenas nas do curso de Letras, encontramos a definição de currículo: “[...] todo e
qualquer conjunto de atividades acadêmicas que integralizam um curso” (p.29). Essa definição abrange
o conceito de atividade acadêmica curricular que e “[...] aquela considerada relevante para que o
estudante adquira competências e habilidades necessárias a sua formação e que possa ser avaliada
interna e externamente como processo contínuo e transformador, conceito que não exclui as disciplinas
convencionais” (p. 29).
58
estabelecem currículos mínimos profissionais a serem seguidos32
, apenas indicam os
tópicos de estudo que devem ser contemplados no projeto pedagógico do curso. Seu
objetivo principal é guiar os cursos para que não sejam apenas transmissores de
conhecimentos e informações, ao contrário, que estimulem práticas de estudo para o
desenvolvimento da autonomia e um processo de formação permanente que se estendam
além do diploma de graduação. Em outras palavras, as diretrizes pretendem direcionar
os cursos “no sentido de oferecer uma sólida formação básica preparando o futuro
graduado para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do
mercado de trabalho e das condições de exercício profissional” (BRASIL, 1997, p. 1-2).
Mais adiante serão apresentadas algumas características gerais desses
documentos e algumas especificidades de três cursos. Continuando nessa linha de
apresentar o perfil do aluno ingressante na universidade, o que pode ser verificado com
os resultados do Enem e do Pisa, torna-se necessário conhecer quais são as normas a
serem observadas pelos sistemas de ensino quanto à construção dos seus currículos.
Antes de um estudo mais detalhado das DCN, ou seja, dos elementos estruturais
a serem observados pelos sistemas de ensino em seus currículos, apresentamos mais
resultados do Censo da Educação Superior 2011 que apresentam o perfil do aluno
ingressante na universidade e sua escolha de curso, esse último dado de maior interesse
para esse momento da pesquisa.
Os 30.420 cursos de graduação do país são agrupados em oito áreas básicas e
para cada uma apresenta-se o número total de matriculados e o de cada curso. O quadro
seguinte apresenta as áreas com seu total de matriculados e o curso com maior número
de alunos.
Área Básica de Cursos Total de
matrículas
Maior curso
da área
Total de
matrículas
1-Ciências Sociais,
Negocios e Direito
2.798.289 Administração 843.197
2-Educação 1.354.918 Pedagogia 586.651
32
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4.024/61 e a Lei de Reforma Universitária 5.540/68,
estabeleciam que o Conselho Federal de Educação era responsável pela fixação dos currículos mínimos
dos cursos de graduação,válidos para todo o país. Por currículo mínimo entendia-se “[...] elevado
detalhamento de disciplinas e cargas horárias, a serem obrigatoriamente cumpridas, sob pena de não ser
reconhecido o curso, ou até não ser ele autorizado a funcionar quando de sua proposição, ou quando
avaliado pelas Comissões de Verificacão [...]” PARECER N.º CNE/CES 67/2003.
59
3- Saúde e Bem-Estar
Social
931.571 Enfermagem 244.245
4- Engenharia,
Produção e Construção
759.873 Engenharia
Civil
144.648
5- Ciências,
Matemática e
Computação
423.372 Ciência da
Computação
130.356
6- Agricultura e
Veterinária
155.616 Agronomia 55.921
7- Humanidades e
Artes
154.915 Design 39.471
8- Serviços 144.140 Gestão
Ambiental
44.045
Quadro 4: Cursos com maior número de matrículas por área.
De acordo com os dados acima, as três maiores áreas de curso de graduação são
Ciências Sociais, Negócios e Direito; Educação; Saúde e Bem-Estar Social. Essas áreas
também são responsáveis pelos cursos que formam um maior número de profissionais
atualmente. Direito é o segundo maior curso do país com 723.044 alunos matriculados,
mas como também se situa na área de Ciências Sociais, consideramos de mais valia para
a pesquisa analisar os maiores cursos de três diferentes áreas do conhecimento. Por essa
razão, escolhemos as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Administração,
Pedagogia e Enfermagem para conhecer os seus pareceres, suas finalidades e como
abordam, o ensino de língua portuguesa.
a) Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Administração
A Resolução nº 4, de 13 de julho de 200533
institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Administração que devem ser refletidas no
projeto pedagógico do curso. Para tanto, esse projeto deve contemplar o perfil do
formando, as competências e habilidades a serem desenvolvidas, os componentes
curriculares, o estágio supervisionado, as atividades complementares, o sistema de
avaliação, o projeto de Iniciação Científica ou Trabalho de curso, esse último, opcional
e o regime de oferta (matutino, vespertino e noturno).
O curso deve almejar, como perfil desejado do formando:
capacitação e aptidão para compreender as questões científicas,
técnicas, sociais e econômicas da produção e de seu gerenciamento,
observados níveis graduais do processo de tomada de decisão, bem
33
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces004_05.pdf. Acesso em: 12/06/2013.
60
como para desenvolver gerenciamento qualitativo e adequado,
revelando a assimilação de novas informações e apresentando
flexibilidade intelectual e adaptabilidade contextualizada no trato de
situações diversas, presentes ou emergentes, nos vários segmentos do
campo de atuação do administrador (BRASIL, 2005, p. 2).
Para atingir esse objetivo, as DCN estabelecem oito habilidades e competências
necessárias para a formação profissional. Apresentamos dois itens que se referem mais
diretamente ao uso da língua portuguesa: “II - desenvolver expressão e comunicação
compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas
comunicações interpessoais ou intergrupais”; “VII - desenvolver capacidade para
elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações [...]” (BRASIL, 2005, p.
2).
Percebe-se a ênfase colocada nas habilidades de comunicar-se e elaborar
projetos o que pode ser considerado uma dificuldade para o aluno, lembrando que o
Enem 2009 indicou o número de 40% dos participantes que não conseguem relacionar
informações para construir argumentação coerente em propostas de intervenção.
Como os cursos têm autonomia para desenvolver seus projetos pedagógicos, há
também liberdade na escolha dos conteúdos que devem manter inter-relações com a
realidade nacional e internacional em uma perspectiva de aplicabilidade aos contextos
organizacionais. Para tanto, as DCN dos cursos de Administração sugerem quatro
grupos de conteúdos (Conteúdos de Formação Básica, Conteúdos de Formação
Profissional, Conteúdos de Estudos Quantitativos e suas Tecnologias e Conteúdos de
Formação Complementar), sem, no entanto, nomear as disciplinas.
O primeiro grupo de conteúdos relaciona-se ao ensino da língua portuguesa e é
normalmente oferecido em disciplinas dos três semestres iniciais do curso. Contemplam
desde estudos sociológicos e antropológicos aos “relacionados com as tecnologias da
comunicação e da informação e das ciências jurídicas” (BRASIL, 2005, p. 2). Além
desses, os Conteúdos de Formação Complementar caracterizam-se por sua
interdisciplinaridade objetivando a heterogeneidade na formação acadêmica do aluno. O
ensino formal de língua portuguesa, às vezes se encaixa nesse grupo de conteúdos com
aulas de monitoria extraclasse, sempre dependente do estipulado pelo projeto
pedagógico do curso.
O grupo que abrange os Conteúdos de Formação Profissional e os Conteúdos de
Estudos Quantitativos e suas Tecnologias direciona-se a áreas de estudo mais
61
diretamente alinhadas com a especificidade do curso e sua aplicabilidade no ambito das
organizações, como administração de recursos humanos, por exemplo.
O trabalho de curso é um componente curricular opcional, e as universidades
que o adotam costumam oferecer, dentro da disciplina de língua portuguesa, uma
iniciação à produção acadêmica. Percebe-se, no documento, pouca ênfase direta ao
ensino específico da língua portuguesa, mas as competências e habilidades elencadas,
em sua maioria, estão ligadas às habilidades de ler e escrever. Estas englobam práticas
de interpretação de texto, escrita administrativa e argumentativa, além de enfatizar o
desenvolvimento da expressão, que pode ser tanto na modalidade escrita quanto na
falada.
Passemos às DCN do segundo maior curso do país, Pedagogia que pertence à
área da Educação.
b) Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Pedagogia
A Resolução nº 1, de 15 de maio de 200634
institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Pedagogia cujas orientações devem constar do
projeto pedagógico do curso. As DCN desse curso especificam o campo profissional do
formando que sera na área da educação em situações formais e/ ou não formais de
ensino. O exercício da docência deve ser: “na Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos
de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas
nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos” (2006, p.1).
A atividade docente compreende, além do contato direto com o aluno em sala
de aula ou em contextos extraclasse, planejamento, execução e coordenação de tarefas
inerentes do setor da Educação, o que envolve participação do profissional na gestão
dos sistemas e instituições de ensino. Na prática acadêmica, esse profissional será
também responsável pela produção e divulgação de conhecimento científico em vários
outros contextos que não só o escolar.
O projeto pedagógico do curso de graduação também deve refletir os princípios,
condições de ensino e de aprendizagem segundo as DCN. Mais especificamente, definir
e implementar:
34
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Acesso em: 14/06/2013.
62
1- as competências e habilidades a serem desenvolvidas;
2- a estrutura do curso com: I- um núcleo de estudos básicos; II- um núcleo de
aprofundamento e diversificação de estudos; III- um núcleo de estudos integradores;
3- o estágio supervisionado prioritariamente na Educação Infantil e nos primeiros anos
do Ensino Fundamental;
4- as atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas escolhidas pelos alunos o
que pode ser realizado por meio da Iniciação Científica, atividades de extensão e
programas de monitoria;
5- o Trabalho de Curso.
Essa organização do curso, objetiva propiciar a formação de um profissional,
cujo perfil almejado é descrito em dezesseis itens. Apesar de a linguagem estar presente
em todas as atividades humanas, para fins metodológicos, selecionamos somente os
objetivos mais diretamente ligados ao uso da língua portuguesa na docência,
procedimento análogo ao realizado com as DCN do curso de Administração acima:
[...]
III - fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do
Ensino Fundamental, assim como daqueles que não tiveram
oportunidade de escolarização na idade própria;
[...]
VI - ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História,
Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e
adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano;
VII - relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação,
nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das
tecnologias de informação e comunicação adequadas ao
desenvolvimento de aprendizagens significativas;
[...]
XII - participar da gestão das instituições contribuindo para
elaboração, implementação, coordenação, acompanhamento e
avaliação do projeto pedagógico;
XIII - participar da gestão das instituições planejando, executando,
acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em
ambientes escolares e não-escolares;
XIV - realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre
outros: sobre alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes
desenvolvem suas experiências não-escolares; sobre processos de
ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecologicos ;
sobre propostas curriculares; e sobre organização do trabalho
educativo e práticas pedagógicas;
XV - utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para construção
de conhecimentos pedagógicos e científicos (BRASIL, 2006, p. 2).
63
Embora apenas os itens VI e VII mencionam língua portuguesa e linguagens,
todos os outros selecionados envolvem habilidades relacionadas a ler e escrever. Por
exemplo, o item III preconiza que o profissional da área de Pedagogia deverá estar apto
“a fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do Ensino Fundamental,
assim como daqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade própria”
(p.2). A crianca em nível fundamental de ensino, principalmente a que não passou pela
educação infantil, está exposta às primeiras práticas formais da leitura e da escrita e,
para isso, necessita de um profissional que a acompanhe habilmente em sua
alfabetização. O item XII determina que o profissional seja capaz de participar na
elaboração do projeto pedagógico da escola, o que, entre outras habilidades, envolve
uma escrita competente e capacidade de argumentação.
Estamos nos atendo às especificidades do texto, mas não é demais ressaltar que a
prática do profissional da área tocará na escrita e na leitura boa parte do seu tempo, em
atividades de sala de aula ou extraclasse.
De posse desse perfil de formando, o curso deve se estruturar de forma a
contemplar três núcleos de estudos (básicos, de aprofundamento e diversificação de
estudos e integradores). O núcleo de estudos básicos e o que normalmente abrange o
ensino da língua portuguesa é oferecido nos primeiros semestres do curso. As
disciplinas que tratam das metodologias de ensino, que serão aplicadas posteriormente
na prática profissional com criancas, costumam ser ofertadas nos semestres
intermediários e finais dentro dos dois outros núcleos de estudos.
As DCN do curso de Pedagogia sugerem os núcleos de conteúdos e também não
nomeiam as disciplinas ficando a cargo da instituição definir os títulos. Um dos sete
conteúdos estipulados no núcleo básico e o que articula a “decodificação e utilização de
códigos” de diferentes linguagens utilizadas por crianças, além do trabalho didático com
conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de escolarização, relativos à Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, Artes, Educação Física;
(BRASIL, 2006, p.3).
O segundo núcleo compreende disciplinas voltadas à atuação profissional e deve
oportunizar ao formando;
[...]
b) avaliação, criação e uso de textos, materiais didáticos,
procedimentos e processos de aprendizagem que contemplem a
diversidade social e cultural da sociedade brasileira;
64
c) estudo, análise e avaliação de teorias da educação, a fim de elaborar
propostas educacionais consistentes e inovadoras (BRASIL, 2006,
p.3).
Diferentemente das DCN do curso de Administração, as de Pedagogia enfatizam
diretamente a leitura e a produção textual por meio das competências e habilidades
estipuladas no perfil do formando. Este deve ser capaz de pesquisar, analisar e aplicar os
resultados de suas pesquisas em projetos de intervenção na área educacional, além da
pratica diária de sala de aula com seus alunos. Mais uma vez, as DCN enfatizam as
habilidades de produção textual e elaboração de propostas de intervenção, algumas das
deficiências detectadas pelo Enem.
O trabalho de curso é um componente curricular obrigatório e o seu
planejamento e desenvolvimento progressivo costumam ocorrer nas aulas da disciplina
de língua portuguesa e posteriormente em encontros de orientação com professores do
curso.
Vejamos agora as DCN de Enfermagem, curso de graduação da área do
conhecimento Saúde e Bem-Estar Social.
c) Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Enfermagem
A Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 200135
institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem, a serem consideradas
na construção dos currículos e projetos pedagógicos das IES. As DCN desse curso
especificam o campo profissional do formando na área da saúde em nível individual e
coletivo. Assim como nos dois outros cursos apresentados, essas DCN também não
restringem o campo de atuação do profissional, mencionando “programas de assistência
integral a saúde da crianca, do adolescente, da mulher, do adulto e do idoso” (2001, p.
2) e Sistema Único de Saúde (SUS).
O curso deve almejar, como perfil desejado do formando:
I - Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e
reflexiva. Profissional qualificado para o exercício de Enfermagem,
com base no rigor científico e intelectual e pautado em princípios
éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de
saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional,
com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões bio-
35
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf. Acesso em: 12/06/2013.
65
psicosociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de
responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como
promotor da saúde integral do ser humano; e
II - Enfermeiro com Licenciatura em Enfermagem capacitado para
atuar na Educação Básica e na Educação Profissional em Enfermagem
(BRASIL, 2001, p.1)
Desta forma, enfermeiro é o profissional formado nesse curso e, para adquirir
esse perfil, são estabelecidas competências e habilidades gerais e competências e
habilidades específicas. Como realizado anteriormente, selecionamos os textos de itens
que mais diretamente se relacionam ao uso e ensino da língua portuguesa, nesse caso os
estabelecidos para a comunicação e a educação continuada do profissional.
Competências Gerais:
[...]
III - Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e
devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas,
na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A
comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades
de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira
e de tecnologias de comunicação e informação;
[...]
VI - Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de
aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática.
Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e
ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o
treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas
proporcionando condições para que haja benefício mútuo entre os
futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive,
estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a
formação e a cooperação por meio de redes nacionais e internacionais
(BRASIL, 2001, p. 2).
As competências referentes à comunicação e educação enfatizam a importância
da interação entre profissionais e o público envolvendo linguagens verbais e não verbais
além de enfatizar a habilidade de ler e escrever. Com essas competências, o profissional
torna-se responsável por seu aprimoramento constante em articulando os aspectos
técnicos da profissão com a área acadêmica/ científica.
Essas competências gerais direcionam a leitura para as competências e
habilidades específicas. Selecionamos as seguintes:
IV – desenvolver formação técnico-científica que confira qualidade ao
exercício profissional;
V – compreender a política de saúde no contexto das políticas sociais,
reconhecendo os perfis epidemiológicos das populações;
66
VIII – ser capaz de diagnosticar e solucionar problemas de saúde, de
comunicar-se, de tomar decisões, de intervir no processo de trabalho,
de trabalhar em equipe e de enfrentar situações em constante
mudança;
XV – usar adequadamente novas tecnologias, tanto de informação e
comunicação, quanto de ponta para o cuidar de enfermagem;
XXIV – planejar, implementar e participar dos programas de
formação e qualificação contínua dos trabalhadores de enfermagem e
de saúde;
XXV – planejar e implementar programas de educação e promoção à
saúde, considerando a especificidade dos diferentes grupos sociais e
dos distintos processos de vida, saúde, trabalho e adoecimento;
XXVI – desenvolver, participar e aplicar pesquisas e/ou outras formas
de produção de conhecimento que objetivem a qualificação da prática
profissional (BRASIL, 2001, p. 2).
As práticas de escrita e da leitura estão subjacentes às habilidades específicas
que envolvem desenvolver formação técnico-científica; compreender a política de
saúde; usar adequadamente novas tecnologias; planejar programas de educação e
promoção à saúde e desenvolver pesquisas. O profissional deve ser capaz de pesquisar,
compreender a linguagem científica, desenvolvê-la adequando-a a seus propósitos de
planejamento e proposição de soluções de modo a agir como sujeito dentro da dinâmica
da atuação profissional. As mudancas constantes e rápidas da sociedade devem ser
refletidas em um profisisonal capacitado acadêmica e profissionalmente a analisar as
necessidades prioritárias da população que atende e agir com responsabilidade.
A partir dessas premissas de competências e habilidades para o perfil do
profissional de enfermagem, os projetos pedagógicos de curso devem organizar suas
disciplinas contemplando os conteúdos referentes às Ciências Biológicas e da Saúde,
Humanas e Sociais e específicas da profissão. O documento enfatiza um perfil de curso
que valoriza a interdisciplinaridade e, apesar de não abordar diretamente o ensino de
língua portuguesa, deixa subentendido o uso competente como pré-requisito para a
aquisição de boa parte das competências.
As DCN preveem ainda um trabalho de conclusão de curso, a cargo de um
docente que se torna responsável pelo planejamento, orientação linguística e supervisão
técnica da pesquisa.
Concluímos pelos textos que as três DCN apresentadas, além de sugerirem os
tópicos de estudo para a construção dos currículos, também se constituem como
propostas de organização do processo de ensino-aprendizagem baseadas no perfil
esperado para o estudante em formação e em vida profissional futura. Propõem-se a
67
orientar, guiar, direcionar, mas não prescrever disciplinas e metodologias fixas, já que o
contexto maior da sociedade em si e das comunidades em que as universidades se
inserem têm características e necessidades diferentes umas das outras. Entende-se que
as diretrizes priorizam competências profissionais globalizantes que envolvem
processos de ser, saber e fazer. O formando deverá conhecer seu lugar acadêmico e
social, adequando seus conhecimentos aos novos conhecimentos e as demandas da
sociedade num contínuo e permanente processo de aprendizagem, propósito primeiro
das DCN.
Ao analisar os documentos apresentados parcialmente, procuramos estabelecer
uma relação direta com os resultados dos dois exames (Enem e Pisa) voltados a aferir
capacidades linguísticas dos egressos do Ensino Médio e futuros universitários. Ao
considerar o uso proficiente da língua um pré-requisito, visto que não há menção direta
à necessidade formal desse ensino na universidade, as DCN estabelecem uma distância
entre o que o aluno demonstra saber fazer ao ingressar e o que deverá ser capaz de fazer
quando formado. Não são consideradas as deficiências apontadas pelos exames e que
dizem respeito a muitas habilidades e competências estipuladas pelas DCN para o
exercício da profissão.
Entre aquilo que é proposto pelas DCN e que, consequentemente, orienta a
confecção das ementas dos cursos, existe uma realidade percebida por nossa experiência
na docência universitária que não pode ser ignorada e já discutida anteriormente nesse
trabalho: o aluno chega à graduação com deficiências de compreensão e de produção de
textos em situações formais. A ausência de ênfase no desenvolvimento das habilidades
apontadas pelos exames em larga escala pode acarretar dificuldade na aquisição
completa das competências necessárias para o exercício da profissão.
1.2 Construção do objeto de estudo e do corpus
Se eu penso num objeto, estabeleço com ele uma
relação que tem o caráter de um evento em processo.
Mikhail M. Bakhtin
De posse da discussão das esferas que se entrelaçam nessa pesquisa de
doutorado apresentamos nosso objeto de estudo, que como dito anteriormente, foi sendo
construído paulatinamente, à medida que avançávamos no estudo da teoria e do livro
didático escolhido.
68
Assim, entendemos que, ao analisar um material de ensino criado para circular
em um ambiente universitário, considerando as necessidades desse contexto, esta
pesquisa articula três esferas: a editorial, a educacional e a institucional. Cada esfera por
si só tem funcionamento e objetivos diferentes entre si, daí nosso trabalho situar-se em
suas fronteiras. De maneira pontual, podemos dizer que as esferas imbricam-se devido
ao fato de estarmos lidando com um livro didático de língua portuguesa, um produto
cultural, concebido com o objetivo de sanar as necessidades linguísticas e discursivas de
um público que se insere em um contexto particular da educação superior.
Evidentemente, conforme apresentamos na Introdução e nos itens anteriores, trilhamos
um percurso que diz respeito a elementos editoriais, educacionais e institucionais, mas
ao chegarmos ao livro didático escolhido, passamos por essas questões, que o
constituem, e aportamos no discurso e no trabalho realizado com a linguagem.
Para tanto, procedemos a uma discussão a respeito das pesquisas realizadas
sobre o ensino de Língua Portuguesa no ensino superior, bem como de algumas obras
destinadas a esse ensino disponíveis no mercado editorial. De maneira geral,
procuramos inserir o ensino na universidade dentro de um arcabouço social maior, o da
educação brasileira e investigamos os resultados de dois exames de larga escala
realizados com estudantes de nível médio. A partir desses dados, chegamos ao universo
do ensino superior atual com seus maiores cursos em número de alunos e os
documentos oficiais que regem esse ensino.
Então, de posse desse arcabouço, no processo de construção do nosso objeto,
pudemos estabelecer três premissas de natureza diferentes, mas que se entrelaçam na
pesquisa:
a) Há um hiato entre o perfil dos egressos da escola básica e aquele esperado para o
ingressante no nível superior, especialmente no que diz respeito às habilidades
linguísticas, comunicativas e discursivas.
b) A produção de material didático de língua portuguesa para esses estudantes mobiliza
aspectos de linguagem que, de alguma forma, refletem e refratam o hiato mencionado
na primeira premissa.
c) Há uma relação indissociável entre linguagem e ética, a qual se reflete em uma
pedagogia comprometida com a formação de cidadãos leitores e produtores de textos.
As premissas postuladas e, portanto, envolvidas na investigação levaram-nos ao
interesse pelo ensino da escrita em um livro didático utilizado na universidade.
69
Entendemos que o aluno ingressante no ensino superior apresenta problemas
linguísticos-discursivos em exames nacional e internacional, principalmente nas
questões de leitura e escrita e as DCN dos cursos de graduação reforçam a necessidade
dessas habilidades para a vida acadêmica em formação e a profissional decorrente dessa
e há um livro didático largamente mencionado nas ementas das universidades
pesquisadas, PTEU.
Como a leitura e a escrita são habilidades complexas e envolvem questões que
devem ser analisadas individualmente para, em seguida, compor um quadro
comparativo entre si, para os propósitos desta tese, e considerando questões práticas
relacionadas ao tempo de doutoramento, escolhemos analisar como o livro didático
propõe o ensino específico da escrita. Assim, num primeiro momento, procedemos à
leitura do livro integralmente e observamos que o conceito, assim como as práticas de
escrita, permeavam o texto, ou seja, eram apresentados em diversas partes dos capítulos,
além de uma seção específica. Desta forma, entendemos que seria produtivo
compreender o percurso do autor durante o capítulo quando apresenta a teoria e conduz
uma discussão acerca do que seja escrever em sociedade e na universidade.
Apresentamos, de modo geral, esses princípios e mapeamos esse percurso, mas para fins
de análise mais formal, acreditamos que a seção Prática de texto, até por seu destaque
no livro, poderia levar-nos a uma compreensão mais apurada da interação entre autor e
leitor na condução das propostas de escrita.
Alinhados com nosso objetivo central de analisar os reflexos da perspectiva
dialógica da linguagem na obra do autor, nosso objeto concretizou-se no trabalho de
linguagem que esse autor teve na construção do livro. De posse de todos os elementos
editoriais, educacionais e institucionais já mencionados, selecionamos como corpus
para análise final, as seções de cada capítulo responsáveis por uma prática formal de
produção textual escrita.
Nosso olhar detém-se em um comprometimento ético e as implicações estéticas
relacionadas ao trabalho de um autor em estabelecer uma relação discursiva com seu
interlocutor nas seções do livro destinadas ao ensino de produção escrita, a maior
deficiência apontada pelos exames de larga escala apresentados e uma habilidade
bastante requerida para o exercício profissional. Um trabalho de linguagem que se
estabelece na relação enunciativa proposta nessas seções.
70
Detemo-nos na questão da autoria, mas partimos dos indícios enunciativos por
meio dos quais o autor constrói um objeto materializado linguisticamente que propõe
diversos tipos de interação com o outro. Quando analisamos duas edições de uma
mesma obra, consideramos o trabalho com a linguagem da edição original e da revista,
num trabalho de construção e reconstrução. É um trabalho de formulação e
reformulação de enunciados concretos que tem como objetivo construir uma interação
verbal que promova a formação de leitores e produtores de texto.
Para delimitar o tema de pesquisa, escolhemos a interação verbal que se
estabelece entre o autor e seu leitor nos enunciados destinados à explicação sobre a
produção de um texto e nos encaminhamentos de atividades (ou propostas de
atividades). Aprofundaremos o conceito de interação central para esta tese e o
situaremos no pensamento bakhtiniano mais adiante no item 2.1.2.
Convém levarmos em consideração, também, as relações autor-texto na
materialização do discurso didático que se expressa por meio de recursos enunciativos-
discursivos com marcas de formalidade ou oralidade nas apresentações teóricas e
também da relação de aproximação ou distanciamento entre destinador e destinatário,
nesse caso, autor e leitor-aluno.
Assim, buscamos apoio em suportes teóricos que fornecessem elementos para
análise das relações estabelecidas entre autor e texto dentro da obra analisada. Por serem
os autores do ponto de vista teórico bakhtinianos e do ponto de vista prático,
comentadores da obra de Bakhtin e autores de livro didático, focamos nos estudos de
Mikhail Bakhtin e do Círculo que apresentam uma discussão a respeito da concepção
dialógica da linguagem em interação como apresentaremos mais adiante.
Voloshinov/Bakhtin (1983b, p. 108-109), em tentativa de sistematização do
processo de criação de um autor, afirma que seu interesse de estudo é a ideologia da
vida que representa a totalidade das experiências humanas, refletindo e refratando a vida
social e as expressões relacionadas a elas. Essa ideologia dá sentido a cada ação e
intenção e a todos os estados de consciência. Por ser um “oceano inconstante e sempre
em mudanças”, na ideologia da vida surgem ilhas de sistemas ideológicos relacionados
à ciência, à filosofia e outros36
.
36
Paráfrase de: “The ideology of life gives meaning to our every action and deed, and to all our
‘conscious’ states. Out of this inconstant and ever changing ocean of the ideology of life there gradually
emerge the numerous islands and continents of ideological systems, those of science, art, philosophy
and political theory” (VOLOSHINOV/ BAKHTIN, 1983b, p. 108).
71
Esses sistemas estão relacionados aos desenvolvimentos econômicos e técnicos e
dividem-se em camadas inferiores e superiores. Voloshinov/Bakhtin considera que as
camadas superiores da ideologia da vida possuem um “caráter criativo”, são socialmente
orientadas e é onde se situa a interação do autor com seus leitores.
É aqui que a linguagem comum e sua inter-relação são formadas (ou,
mais precisamente, sua orientação mútua). Ambos, autor e leitor,
encontram-se em um terreno não literário comum, talvez trabalhem no
mesmo lugar, participem das mesmas reuniões e encontros, bate-papo
na hora do chá, ouçam as mesmas conversas, leiam os mesmos jornais
e livros, vão os mesmos filmes. Este, então, é o lugar onde os seus
"mundos internos" são construídos, formatados e padronizados. Em
outras palavras, é um tipo especial de "hibridização" entre seus pontos
de vista e opiniões, uma espécie de hibridização da linguagem interna
de todo o grupo de pessoas [...] (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1983b,
p. 109, grifos do autor)37
.
Utilizando-se de situações da vida cotidiana, o autor apresenta sua concepção de
ideologia da vida cotidiana estabelecendo uma relação intrínseca entre autor e leitor. Há
entre eles uma linguagem interior e que ao mesmo tempo é exterior. Essa linguagem
interior é o material formado das relações que a pessoa mantém com seu grupo social ou
experiências de vida.
A linguagem, um produto da vida social, é tanto o material como o instrumento
no processo de transformar um trabalho de criação em realização propriamente dita (p.
111). O produto ideológico, o material criado, ainda requer uma modelagem técnica que
acontece no estágio final em que o autor orienta seu trabalho a um editor, esse, por sua
vez, representante do mercado editorial. O processo de dar vida a uma obra é chamado
pelo autor de “as dores do parto da palavra” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1983b, p. 112).
Voloshinov/Bakhtin argumenta que não há fronteiras claras entre o momento
inicial de criação do autor e seu encontro com o público, mas o leitor, mesmo que
presumido, é, desde o início do processo, um elemento essencial na estrutura do
trabalho, embora ocupem posições independentes no evento do enunciado.
37
Traduzido de: “It is here that their common language is worked out and their interrelationship (or, more
precisely, their mutual orientation). Both author and reader meet on common non-literary ground,
perhaps they work at the same place, they may take part in the same meetings and assemblies, chat over
tea, listen to the same conversations, read the same newspapers and books, go to the same films. This,
then, is where their “inner worlds” are built up, given shape, and standardized. In other words there is a
kind of special “hybridization” between their views and opinions, a kind of hybridization of the inner
language of the whole group of people […]” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1983b, p. 109).
72
Torna-se relevante afirmar que encontramos na obra do Círculo embasamento
teórico e metodológico de abordagem ao enunciado concreto suficientes, no entanto
mantivemos respeito aos dados emergentes do corpus e, para a análise da materialidade
linguística específica da interação estabelecida entre autor e leitor tornou-se necessário
recorrermos a alguns aspectos da teoria da enunciação de Émile Benveniste ([1946;
1956; 1958; 1962; 1970] 1976; 1989). Sua teoria da enunciação possibilita “a
compreensão das relações existentes entre língua, enunciação, discurso, sujeito,
subjetividade, intersubjetividade e diálogo” (BRAIT, 2001, p. 39).
Nossa teoria de base é dialógica e dela não nos afastamos, no entanto,
assumimos o pensamento de Brait quando afirma que o autor francês abre uma “brecha
no estruturalismo” ao abordar as formas linguísticas por um novo viés que passa a
considerar o sujeito que se enuncia por meio delas. Assim, empregamos em nossas
análises algumas de suas contribuições para o estudo das categorias formais da língua,
especialmente a intersubjetividade expressa pela categoria gramatical dos verbos e
pronomes.
Desta feita, e em relação às posições instauradas no discurso do livro,
procuramos seguir a nomenclatura apresentada e realizar nossas análises baseadas nos
conceitos desenvolvidos pelo Círculo. Como exemplo, podemos citar as expressões
empregadas para as relações estabelecidas no enunciado: a relação
“destinador/destinatário” (BAKHTIN, 2006d); “indivíduo”, “ouvinte”, “observador”,
“falante”, “interlocutor”, “participantes”/ “co-participantes no evento de fala”,
“pessoas”, “sujeito do discurso”, “autor”, “leitor” (VOLOSHINOV/ BAKHTIN,
1983a,b,c,d). Notamos que esses conceitos estão diretamente associados à concepção
dialógica da linguagem pelo fato de que põem em cena sempre o ‘outro’, possibilitando
o constante diálogo.
No que se refere a ensino, abordamos também algumas questões pedagógicas
que emergem da análise da linguagem do livro, considerando as especificidades da
visão dialógica do discurso.
Partindo da postura bakhtiniana, quando usamos o termo pedagogia,
nós nos referimos às práticas ontológicas e epistemológicas que vão
muito além dos textos prescritos ou resultados de aprendizagem que
determinam o que deve ser aprendido e como isso será “ensinado”.
[...]
Para nós, a pedagogia em seu cerne preocupa-se com relações,
atitudes e abordagens que acontecem entre pessoas em vez daquelas
73
transmitidas de uma pessoa para outra (WHITE & PETERS, 2012, p.
9-10)38
.
Com essa visão de pedagogia, indissoluvelmente ligada à linguagem, sentimos a
necessidade de métodos comprometidos com a formação de cidadãos leitores e
produtores de textos. Assim, o interesse em penetrar no universo dialógico da
linguagem se apresentou e nosso objeto de pesquisa começou a ser delineado.
Construído nosso objeto e estabelecidas nossas categorias de análise, passamos à
descrição dos procedimentos metodológicos.
1.3 Metodologia de abordagem ao corpus e organização da tese
Esta pesquisa de doutorado, inserida na linha de pesquisa Linguagem e
Trabalho, já há algum tempo encampada por um grupo de estudos no LAEL, tem como
objeto o trabalho com a linguagem em um livro didático (PTEU).
O corpus de estudo desta tese constitui-se especificamente pelo capítulo de
ensino de gêneros discursivos e da seção Prática de texto do livro já indicado para, a
partir da interação discursiva estabelecida entre autor e leitor, reconhecer e analisar os
reflexos da concepção dialógica da linguagem no processo de construção da autoria. A
fim de compreender a filiação teórica dos autores, consideramos também como corpus
de estudo inicial o trabalho teórico individual de Carlos Alberto Faraco e Cristovão
Tezza procurando reconhecer as vozes teóricas com as quais eles dialogam.
De posse desse corpus e parafraseando Brait (2008b, p. 13-14), objetivamos
reconhecer, recuperar e interpretar as marcas e articulações enunciativas que nos
permitam compreender a heterogeneidade constitutiva do nosso objeto.
Por estabelecermos nossa análise em uma obra produzida por dois autores e o
foco deste trabalho recair na questão da autoria, faz-se necessária uma discussão sobre
esse fenômeno discursivo presente na obra de Bakhtin e um dos conceitos-chave que
mobilizamos teórico-metodologicamente. Pretendemos com essa explicação
padronizarmos nossas referências futuras.
38
Traduzido de: “Taking a Bakhtinian stance, when we use the term pedagogy, we refer to both
ontological and epistemological practices that reach far beyond prescribed texts or learning outcomes
that determine what will be learnt and how it will be “taught”(p.9) [...] “For us, pedagogy, at its most
fundamental, is concerned with relationships, attitudes, and approaches that take place between people
rather than those that are delivered from one person to another (p.10).
74
Em Problemas da poética de Dostoievski [1963] 2008, O autor e a personagem
na atividade estética [1924-27] (In: Estética da criação verbal [1979] 2006) e O
problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária [1924] (In: Questões
de literatura e de estética: a teoria do romance39, [1975] 2010a) o filósofo russo
distingue autor-pessoa de autor-criador. Trazendo o conceito para o contexto desta tese,
o primeiro refere-se ao escritor, ao autor empírico, que são dois no livro didático, Carlos
Alberto Faraco e Cristovão Tezza. A segunda distinção, o autor-criador, é um
constituinte do objeto estético, ou seja, o construtor do todo que se posiciona
axiologicamente transpondo a realidade vivida, imersa em posições axiológicas, para o
plano da obra, também atravessada por valores.
No ato artístico, aspectos do plano da vida são destacados (isolados)
de sua eventicidade (por quem ocupa uma posição externa a eles, por
quem os olha de fora), são organizados de um modo novo,
subordinados a uma nova unidade, condensados numa imagem
autocontida e acabada. E é o autor-criador – materializado como uma
certa posição axiológica frente a uma certa realidade vivida e valorada
– que realiza essa transposição de um plano de valores para outro
plano de valores, organizando, por assim dizer, um novo mundo
(FARACO, 2011, p. 23).
Faraco e Tezza, no processo de escrita de seu texto (no ato ético), deslocam-se
do plano empírico (cadeia discursiva em que se inserem como escritores) para o plano
estético-discursivo, isto é, o discurso do autor-criador não é o discurso direto dos
autores empíricos (dos escritores), mas um ato axiológico de deslocamento para o plano
interior de um enunciado concreto. E é essa “nova unidade axiológica” que constrói o
autor, a consciência participante diretamente do evento (FARACO, 2011, p.24). O
autor-pessoa é um elemento constituinte do autor-criador, pois entre o ético e o estético
não há abismo. Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza assinaram vários textos
(dimensão ética) levando a uma obra que pode ser considerada de orientação
bakhtiniana (aspecto estético). Temos dois autores-criadores de discursividades teórica e
didática que constituem nosso corpus de estudo, pois objetivamos resgatar as cadeias
discursivas em que se inscrevem individualmente. Tezza ainda insere-se na
39
As edições de Questões de literatura e de estética: a teoria do romance e Estética da criação verbal
compõem uma coletânea de textos escritos por Bakhtin em períodos diversos, e ambas foram
publicadas, em russo, em 1975 e 1979, respectivamente. Desta forma, adotamos o padrão de identificar
o ano de produção do texto individual [entre colchetes] que depois passa a compor a coletânea e a
publicação da obra conjunta. As traduções brasileiras lidas e referenciadas foram feitas a partir do
original russo e indicaremos o ano de publicação em português.
75
discursividade da esfera literária (escritor, artista), que não será aprofundada nesta
pesquisa. Faraco-Tezza passa a ser uma assinatura autoral na obra didática, mas
provenientes da assinatura de obras intelectuais individuais, mas que em vários
momentos dialogam e trocam conhecimentos.
É impossível ao autor-pessoa examinar objetivamente seu processo de criação e
o objeto criado, em relação a este fato:
O autor nos conta essa história centrada em ideias apenas na obra de
arte, não na confissão de autor – se esta existe - não em suas
declarações acerca do processo de criação; tudo isso deve ser visto
com extrema cautela pelas seguintes considerações: a resposta total,
que cria o todo do objeto, realiza-se de forma ativa, mas não é vivida
como algo determinado, sua determinidade reside justamente no
produto que ela cria, isto é, no objeto enformado; o autor reflete a
posição volitivo-emocional da personagem e não sua própria posição
em face da personagem; esta posição ele realiza, é objetivada, mas não
se torna objeto de exame e de vivenciamento reflexivo; o autor cria,
mas vê sua criação apenas no objeto que ele enforma, isto é, vê dessa
criação apenas o produto em formação e não o processo interno
psicologicamente determinado (BAKHTIN, 2006a, p. 5).
O sujeito do discurso de Bakhtin é “o autor de uma obra” e “revela a sua
individualidade no estilo, na visão de mundo, em todos os elementos da ideia de sua
obra. Essa marca da individualidade, jacente na obra, é o que cria princípios interiores
específicos que a separam de outras obras a ela vinculadas no processo de comunicação
discursiva de um dado campo cultural: das obras dos predecessores nas quais o autor se
baseia, de outras obras da mesma corrente, das obras das correntes hostis combatidas
pelo autor, etc.” (BAKHTIN, 2006b, p. 279).
Nossa proposta metodológica enfatiza o posicionamento adequado do autor-
criador, o que engendra a obra em relação às diversas práticas discursivas do arcabouço
teórico mobilizado nesta tese. Só assim o texto produzido aqui será efetivamente
dialógico. Para tanto, nossa busca de pesquisa é pela maneira com que o autor-criador
do enunciado, o sujeito do discurso, relaciona- se com seu leitor por meio do que
Bakhtin (2006c) chama de “expressões generalizadas” (p. 313).
Essa busca tem sido realizada por meio das categorias sugeridas pelo autor
russo: “pronomes pessoais, formas pessoais dos verbos, formas gramaticais e lexicais de
expressão da modalidade e de expressão da relação do falante com o seu discurso” (p.
313). Consideraremos dentro da classe de pronomes pessoais, os pronomes possessivos
76
(adjetivos e substantivos) que estabelecem relação direta com os sujeitos que falam e
que se dirigem a alguém.
Então, a partir desse momento, com exceção ao capítulo em que descrevemos a
obra individual de cada autor-criador em separado, toda vez que estivermos nos
referindo ao livro Prática de texto para estudantes universitários (2011) ou Prática de
texto: língua portuguesa para nossos estudantes (1992) utilizamos o termo autor.
Esperamos com essa delimitação semântica e conceitual, estabelecer que nesta tese, as
relações dialógicas não esbarram na empiria do Faraco e do Tezza, o uso da palavra
autor, assim no singular, define uma assinatura Faraco-Tezza um autor-criador. A
autoria, conforme já estabelecido, é um conceito-chave deste trabalho e envolve
também um processo de construção de autoria que intentamos encontrar, a do leitor-
aluno nos encaminhamentos às produções textuais.
Nosso estudo da materialidade de PTEU inicia-se com uma comparação entre a
1ª e a 20ª edição do livro para que consigamos visualizar e entender as possíveis
alterações que se fizeram necessárias no percurso editorial do livro, ou seja, de 1992,
primeira edição a 2001, segunda edição reformulada. Além dessas diferenças e
semelhanças, a vigésima edição (PTEU) está dividida em duas partes (apresentação
geral do livro e tópicos de língua padrão), que serão descritas no capítulo 3. Assim, um
dos movimentos da investigação, será colocar em cotejo as duas propostas de divisão do
material para que possamos compreender o percurso de criação e organização do LD.
Este ou aquele ponto de vista criador, possível ou realizado de fato, só
se torna necessário e indispensável de modo convincente quando
relacionado com outros pontos de vista criadores: só quando nas suas
fronteiras nasce a necessidade absoluta desse ponto de vista, em sua
singularidade criativa, é que ele encontra seu fundamento e sua
justificação sólida; mas no seu próprio interior, fora da sua
participação na unidade da cultura, ele é apenas um mero fato, e sua
singularidade pode ser representada simplesmente como um arbítrio,
como um capricho (BAKHTIN [1924] 2010a, p. 29).
Se o ato cultural sustenta-se sobre fronteiras, sua subjetividade, seu “território
interior” (p. 29) não pode ser abstraído dessas fronteiras, sob o risco de
desaparecimento. Dessa ideia decorre nosso percurso metodológico de pesquisa que
considera a descrição e análise do corpus de estudo inicial formado pelas duas edições
do livro, pelas duas divisões do material e pela obra individual de cada autor-criador.
77
Relembramos o nosso interesse pela interação verbal estabelecida entre o autor e
seu leitor e, para tanto, observamos as ocorrências dos pronomes pessoais, pronomes
possessivos e adjetivos, das formas pessoais dos verbos, das formas gramaticais e
lexicais que expressem a maneira pela qual o autor modaliza a linguagem, ou se
preferirmos, a maneira como o autor enuncia, para estabelecer seu discurso direcionado
ao seu leitor. Assim, direcionamos a pesquisa por esta metodologia:
1- A descrição inicial do corpus levou em consideração:
1.1- A concepção de língua, linguagem e ensino de língua de cada autor-criador.
1.2- A concepção de língua e linguagem de PTEU:
a) A interação verbal instaurada entre autor e leitor;
b) Os itens de língua propostos a serem ensinados pelo autor já no sumário e a
consequente retomada desses aspectos ao longo do corpo do texto;
c) As escolhas linguísticas, enunciativas e discursivas para tratar de aspectos
gramaticais.
1.3- A concepção de ensino de língua de PTEU:
a) O modo como o autor concilia o estudo do texto com foco na produção textual e a
abordagem aos aspectos gramaticais;
b) O tratamento dado à norma padrão da língua;
Reafirmando nosso referencial teórico que se ancora na concepção histórica,
cultural e social da linguagem em uso, emerge a linguagem pensada como atividade,
dentro de atividades específicas e concretas de comunicação efetiva entre os sujeitos e
os discursos envolvidos. (BRAIT, 2006/2008b). Assumindo essa concepção de
dialogismo como aspecto constitutivo dos processos que envolvem a linguagem na
perspectiva bakhtiniana como quadro teórico-metodológico (BRAIT, 2006),
fundamentamos nossas perguntas de pesquisa apresentadas anteriormente.
Nessa direção, pretendemos recortar no discurso de PTEU as instâncias de
interação estabelecida por meio da linguagem adotada por seu autor em direção a seu
leitor presumido, nesse caso, um aluno universitário em formação. A hipótese é que o
autor estabelece uma relação com seu leitor que demonstra a sua concepção de língua,
de linguagem e de como ensiná-la, considerando toda a experiência cotidiana de uso da
linguagem.
Assim, procederemos a esse recorte em consonância com uma busca de
fundamentação teórica nos textos de Bakhtin e do Círculo, detendo-nos, inicialmente
78
nas obras Marxismo e filosofia da linguagem, [1929] 2004, Estética da criação verbal,
[1979] 2006d e Problemas da poética de Dostoiévski, [1963] 2008; nos artigos Los
elementos de la construcción artística [1928], Discurso na vida e discurso na arte
[1926]40, What is language?, The construction of the utterance, The word and its social
function [1930], os quatro últimos presentes em Shukman (1983); nos comentadores da
obra do Círculo e demais pesquisadores que propõem estudos da linguagem e ensino.
Por meio dessa pesquisa teórica, organizaremos o trabalho nas seguintes etapas:
1 - Apresentar a concepção dialógica da linguagem que pode ser depreendida das obras
estudadas de Bakhtin e do Círculo e confrontá-la com a teoria professada pelos autores-
criadores em seus escritos teóricos; 2 - Detalhar os conceitos de enunciado concreto e
autoria em relação intrínseca com a interação verbal; 3 - Descrever as duas edições do
PTEU (1ª e 20ª) e situá-las dentro da obra de seus autores; 4- Analisar os capítulos em
que o autor apresenta gêneros discursivos, sua relação com a construção da autoria e
identificar as instâncias de interação com o leitor-aluno. 5- Identificar as noções
construídas de linguagem, texto e gêneros e traçar um paralelo com o pensamento
bakhtiniano, realçando os pontos de encontro e os divergentes de forma a atingir nosso
objetivo de pesquisa; 6 – Reconhecer e analisar a materialidade da perspectiva dialógica
da linguagem nos encaminhamentos às atividades de produção textual.
Desta forma, este tese divide-se em capítulos que discutem os seguintes aspectos:
Capítulo 1 Percurso de construção do objeto de pesquisa: contexto sócio-histórico-
cultural; premissas da tese; categorias de seleção e análise do corpus.
Capítulo 2 A concepção de língua, linguagem e ensino de língua de Carlos Alberto
Faraco e Cristovão Tezza e a sua relação com o pensamento bakhtiniano. A concepção
dialógica de linguagem a partir do pensamento bakhtiniano. Desenvolvimento dos
40
O texto foi publicado originalmente em russo em 1926. Para esta pesquisa utilizamos “Discourse in life
and discourse in art: concerning sociological poetics” publicado em Freudianism: a Marxist critique,
tradução inglesa de I.R. Titunik, 1976, p.93-116. E, ainda, a tradução em lingua portuguesa, a que nos
referimos acima, feita para fins didáticos por Carlos Alberto Faraco e Cristovao Tezza, sem data, a
partir dessa tradução inglesa. Esse mesmo artigo foi publicado com o título “Discourse in life and
discourse in poetry: questions of sociological poetics” traduzido por J. Richmond e publicado em
Bakhtin School Papers: Russian poetics in translation, 1983a, p. 5-30. Com exceção desta última que
tem a assinatura de Bakhtin entre parênteses, as outras edições trazem a autoria de V. N. Voloshinov,
apenas.
79
conceitos teóricos de enunciado concreto, interação discursiva e gênero discursivo. A
interação na perspectiva dialógica da linguagem; sua relação com o enunciado concreto
e a construção da autoria.
Capítulo 3 Descrição e análise do livro Prática de texto para estudantes
universitários. Análise da interação autor-leitor no Capítulo Dois- As linguagens da
língua-II. Diálogos instaurados entre a 1ª (1992) e a 20ª (2011) edição.
Capítulo 4 Diálogos com Bakhtin: as vozes discursivas que atravessam PTEU.
Articulação entre a concepção de linguagem dos autores-criadores e a que emerge da
seção Prática de texto. Conceitos bakhtinianos mobilizados pelo autor.
Considerações finais acerca do processo de análise do discurso didático de PTEU e da
confirmação ou não de nossa hipótese acerca do reconhecimento dos reflexos da
concepção dialógica da linguagem na construção da autoria, tal como apresentada nas
obras de Bakhtin e do Círculo.
80
CAPÍTULO 2
Diálogos com a teoria∕ análise dialógica do discurso
______________________________________________________________________
Se um escritor [...] não quiser fazer parte da história
meramente como uma piada, se deseja ocupar
verdadeiramente e seriamente um lugar na história, ele
deve entender o que é linguagem, esta linguagem que
nos fornece um material tão especial e peculiar para
nosso trabalho criativo.
Valentin V. Voloshinov/Mikhail M. Bakhtin
Neste capítulo, os conceitos de língua e linguagem são discutidos na perspectiva
dialógica do discurso para, a partir dessa discussão, traçarmos um paralelo entre essa
concepção e a sua apropriação pelo autor de PTEU. Por meio desses conceitos,
compreender, também, o conceito de ensino de língua do autor. Partimos dos escritos
teóricos dos autores e da teoria∕ análise dialógica do discurso que emerge da obra de
Bakhtin e do Círculo.
2.1 Língua, linguagem e ensino: Bakhtin e o Círculo
Cada um de meus pensamentos, com o seu conteúdo, é
um ato singular responsável meu; é um dos atos de que
se compõe a minha vida singular inteira como agir
ininterrupto, porque a vida inteira na sua totalidade
pode ser considerada como uma espécie de ato
complexo; eu ajo com toda a minha vida, e cada ato
singular e cada experiência que vivo são um momento
do meu viver-agir.
Mikhail M. Bakhtin
O arcabouço teórico desta tese ancora-se na concepção histórico-social-cultural
da linguagem em uso de Bakhtin e pensadores do Círculo. Poderíamos facilmente, dado
o estágio em que se encontram as pesquisas baseadas no filósofo russo41, referirmo-nos
a uma teoria de linguagem bakhtiniana. No entanto, “ninguém, em sã consciência,
poderia dizer que Bakhtin tenha proposto formalmente uma teoria e/ou análise do
discurso, no sentido em que usamos a expressão para fazer referência, por exemplo, à
Análise do Discurso Francesa” (BRAIT, 2008b, p. 9, grifo da autora). Apesar disso,
Brait sustenta que é inegável o papel do pensamento bakhtiniano e suas ressonâncias
para os estudos da linguagem nas Ciências Humanas e que, mesmo sem estabelecer um
41
Em entrevista de 1973 a Viktor Duvakin, Bakhtin assim se autodefine: “Filósofo, mais que filólogo.
Filósofo, e assim permaneci até hoje. Sou um filósofo. Sou um pensador”.
81
conceito definido, é possível assumir o nascimento de uma teoria/análise dialógica da
linguagem, ou como assinala Faraco (2001, p.29), uma teoria cultural. Brait (2012c, p.
79) ressalta ainda que o caminho percorrido por esse pensamento resultou “no que se
denomina, de maneira exclusivamente brasileira, Teoria/Análise Dialógica do Discurso
(ADD)” (grifo da autora).
A linguista trilha um “arcabouço teórico-reflexivo” quando apresenta a
contribuição dos estudos bakhtinianos a uma transdisciplinaridade de campos do
conhecimento, tais como educação, teoria da literatura, filosofia e outros.
Iniciar a apresentação da análise/teoria dialógica do discurso dessa
maneira significa, de imediato, conceber estudos da linguagem como
formulações em que o conhecimento é concebido, produzido e
recebido em contextos históricos e culturais específicos e, ao mesmo
tempo, reconhecer que essas atividades intelectuais e/ou acadêmicas
são atravessadas por idiossincrasias institucionais e, necessariamente,
por uma ética que tem na linguagem, e em suas implicações nas
atividades humanas, seu objetivo primeiro (BRAIT, 2008b, p. 10,
grifo da autora).
Ao considerar como “objetivo primeiro” as atividades humanas, Bakhtin (2006)
também diferencia o objeto das pesquisas conduzidas pelas ciências. Enquanto as
Naturais mantêm uma relação monológica com um objeto mudo e produz relatos sobre
ele, as Ciências Humanas se relacionam dialogicamente com o texto oral ou escrito,
considerando-o um objeto criado e vivenciado por alguém. O pesquisador dessa última
tem o seu pensamento guiado para interpretar e dar sentido ao pensamento de outro (s)
sujeito (s), cujo acesso somente se realiza por meio de textos. Então, se nas disciplinas
naturais “há uma relação sujeito/objeto; no segundo caso (Ciências Humanas), há uma
relação sujeito/sujeito [...]” (FARACO, 2009a, p. 43). E é nessa relação que se encontra
a diferença fundamental entre as ciências, ao que Bakhtin (2006, p. 307) acrescenta uma
ressalva importante: não há “fronteiras absolutas, impenetráveis”.
Desta forma, o estudo das produções humanas é possível por meio do texto,
ponto de partida da investigação científica. O texto é a realidade imediata do
pensamento e das experiências, dado gerador de todas as disciplinas (linguística,
filologia, crítica literária e outras), afinal “Onde não há texto não há objeto de pesquisa
e pensamento”; “Onde não há palavra não há linguagem [...]” (BAKHTIN, 2006c, p.
307, 323).
82
Dessa perspectiva, a investigação considera o texto como um objeto com o que
se dialoga, ou seja, ele é assumido como um “tu, um interlocutor que se inclui na
construção do discurso científico das ciências humanas”, em vez de um “ele” de quem
se fala (BRAIT, 2004, p. 189). As Ciências Humanas são as ciências do texto, pois o
pesquisador contempla a expressão de um sujeito e se pronuncia sobre ela.
Brait (2008) persegue essa tese destacando a necessidade de uma compreensão
do que seja linguagem nessa teoria-análise e, para tanto, é preciso percorrer o conjunto
das obras do Círculo. Em um contexto partilhado de ideias, a linguagem se apresenta
como um conceito complexo e multifacetado, sem, no entanto, contradizer a unidade da
língua nacional (BAKHTIN, 2006, p. 261). Linguagem, então, seria a utilização da
língua efetuada por enunciados concretos, únicos, realizados em formas de uso
relativamente estáveis (os gêneros do discurso) em diversas práticas socioculturais, cuja
realidade fundamental é a interação verbal. Esses enunciados semipadronizados,
situados em variadas esferas da atividade humana, refletem e refratam posições
axiológicas dessa interação (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV42, [1929] 2004).
A linguagem pensada não somente como um sistema abstrato de elementos
invariáveis ou ainda como individual e variável, mas uma linguagem em uso que
combina ambas as dimensões dentro de atividades específicas e concretas de
comunicação efetiva entre os sujeitos e os discursos envolvidos nelas. (FARACO,
2009a, p. 22).
A questão da atividade humana, traduzida em atos concretos, tem nos primeiros
escritos de Bakhtin um lugar de destaque, sendo tratada, segundo Faraco (2009) de
forma detalhada em dois textos. O primeiro, Para uma filosofia do ato (BAKHTIN,
[1919-21] 2010) apresenta a linguagem como atividade e não um sistema de formas
com normas estáticas, como postulado pelo objetivismo abstrato, de cujo pensamento
Ferdinand de Saussure é um dos maiores representantes. O momento dado, vivido,
concreto é a verdade expressa em um enunciado.
Tenho para mim que a linguagem seja muito mais adaptada para
exprimir exatamente esta verdade do que para revelar o aspecto lógico
abstrato na sua pureza. Na sua pureza, o que é abstrato, é
verdadeiramente inefável43: cada expressão é muito concreta para o
42
Utilizaremos duas grafias para o nome do linguista russo, de acordo com a tradução utilizada
(Volochínov, em português e Voloshinov, inglês). 43
A tradução de Para uma filosofia do ato responsável (2010), por Valdemir Miotello e Carlos Alberto
Faraco, foi realizada a partir da versão italiana Per una filosofia dell’atto responsabile, 2009 que havia
83
sentido puro, e deforma e ofusca sua validade e a pureza do sentido
em si. Por isto no pensamento abstrato não pegamos nunca uma
expressão em toda a sua completude.
Historicamente, a linguagem desenvolveu-se a serviço do pensamento
participante e do ato, e somente nos tempos recentes de sua história
começou a servir o pensamento abstrato (BAKHTIN, [1919-21] 2010b, p. 83-84).
A realização da expressão, da comunicação, isto é, seu produto e processo, o
enunciado, é apresentado como ato único, irrepetível, realmente presente em uma
situação responsiva, assim, interligando seu conceito à “situação concreta da sua
enunciação, bem como entre o significado do enunciado e uma atitude avaliativa”
(FARACO, 2009a, p 24).
O fato de que o tom emotivo-volitivo ativo, que penetra em tudo o que
é realmente vivido, reflita a inteira irrepetibilidade individual do
momento dado do evento, não o torna, de modo algum,
impressionisticamente irresponsável e ilusoriamente válido. [...] o tom
emotivo-volitivo busca expressar a verdade [pravda] do momento
dado, o que o relaciona à unidade última, una e singular.
[...] Neste sentido o próprio termo “unidade” deveria ser abandonado,
porquanto é muito teorizado; não a unidade, mas a singularidade de
uma totalidade absolutamente irrepetível, e a sua realidade [...]
(BAKHTIN, [1919-21] 2010, p. 92-93).
Nessa linguagem-atividade, o sujeito se situa em um “universo de valores” e, no
segundo texto a que Faraco se refere, “O autor e a personagem na atividade estética”
([1924-27] 2006a), Bakhtin defende um viver-tomada de posição diante do momento
vivido. Assim, quando o sujeito fala sobre algo, assume uma posição valorativa em
direção ao seu objeto, ou seja, sua palavra tem uma dimensão axiológica que lhe é
constituinte (FARACO, 2009b). Somente a palavra-forma restrita ao material é
axiologicamente nula.
sido traduzida do russo por Luciano Ponzio. No entanto, anos antes, Faraco e Tezza fizeram uma
tradução (não publicada) desse texto a partir da tradução inglesa Toward a philosophy of the act, 1993.
A tradução inglesa traz “That which is abstract, in its purity, is indeed unutterable […] (1993, p.31) em
que “unutterable” é traduzido para o português por não-enunciável, o que nos pareceu mais próximo
aos conceitos-chave do pensamento bakhtiniano. Faraco justifica o uso de não-enunciável por uma certa
recorrência de “não” no discurso filosófico. No entanto, de acordo com o tradutor, a edição italiana
optou pela palavra “ineffabile” o que foi mantido na nova tradução para o português. A primeira
tradução (FARACO; TEZZA) do inglês deverá sair em Portugal e o autor pretende manter não-
enunciável (informações obtidas por meio de trocas de e-mails com o autor).
84
Em termos da forma artística, Bakhtin ([1924] 2010a, p. 21) a considera
“orientada sobre um valor além do material ao qual se prende e com o qual está
indissoluvelmente ligada”. Assim expande a ideia de que o enunciado é um ato
responsivo dentro de “um contexto cultural saturado de significados, valores [...], isto é,
uma tomada de posição nesse contexto (FARACO, 2009a, p. 25). Faraco ressalta que
nesse ponto assenta-se a teoria da refração do signo que será apresentada por
Volochínov em 1929.
O estudo que Bakhtin conduz dos atos humanos é dividido em dois planos: os
atos praticados por sujeitos definidos concretamente, os atos irrepetíveis e os atos
comuns, repetíveis dentro de uma dada atividade (SOBRAL, 2008, p.11). O desafio,
segundo Sobral, é o não apagamento das singularidades de cada ato específico, mas
também a possibilidade de se distinguir o que existe de comum entre os diversos atos
humanos. O desafio advém da natureza própria dos atos humanos que, ao longo da
história do conhecimento, já foram estudados de forma singular ou generalizada em que
ambas as polaridades não correspondem à condição humana.
“Em Bakhtin, ato/atividade e evento não se confundem com a ação
física per se, ainda que a englobem, sendo sempre entendidos como
agir humano, ou seja, ação física praticada por sujeitos humanos, ação
situada a que é atribuído ativamente um sentido no momento mesmo
em que é realizada” (SOBRAL, 2008, p. 13).
Por ação situada, percebe-se a noção marxista da “primazia da vida vivida, do
real concreto” (p. 19). “Trata-se da ação concreta (ou seja, inserida no mundo vivido)
intencional (isto é, não involuntária) praticada por alguém situado, não transcendente.
Destaca-se assim, o caráter da “responsabilidade” e da “participatividade do agente” (p.
20).
Para o Círculo, os seres humanos não são considerados apenas em sua dimensão
biológica ou empírica (psicofisiológica), mas inseridos em uma situação social e
histórica real, concreta de sujeito. Sujeito-agente, realizador responsável de discursos
dirigidos e em resposta a outro sujeito. Dizendo algo, de uma determinada maneira a
alguém, o sujeito é mediador entre o sistema formal da língua e os enunciados
responsivos e valorativos proferidos em situação real de uso da língua.
Esse pensamento supõe que a linguagem de que faz uso o falante em seus
enunciados, somente acontece em um contexto ideológico específico
85
(VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1983a, p. 41). A palavra existe “saturada” de um
conteúdo e significado ideológicos e a desconsideração dessa relação constitui-se “um
dos erros principais do objetivismo abstrato” (p. 42). Ao considerar a dimensão
axiológica do enunciado, Bakhtin∕ Volochínov (2004) opõe-se ao pensamento formalista
cujas bases filosóficas opunham a linguagem poética à linguagem cotidiana. “Já
indicamos que o que falta à linguística contemporânea é uma abordagem da enunciação
em si. Sua análise não ultrapassa a segmentação em constituintes imediatos”
(BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2004, p. 124-125).
Esse olhar sobre a língua “realidade material específica da criação ideológica”
(p. 25) e a enunciação, a unidade-base da língua, seria papel de um novo campo
interdisciplinar.
Em textos como “Tipos de discurso na prosa. O Discurso dostoievskiano”44
([1963] 2008, p. 207-234), primeira parte do capítulo “O discurso em Dostoiévski”,
Bakhtin sugere uma nova disciplina chamada Metalinguística45
para o estudo das
práticas socioverbais concretas e das relações dialógicas, enquanto a Linguística se
ocuparia do estudo da palavra abstrata do sistema.
O filósofo russo amplia esse conceito ao sustentar que a Metalinguística deveria
atuar em conjunto, e não em fusão, com a Linguística no sentido de analisar o discurso
em sua realidade e não por meio de abstrações, apesar de não desconsiderá-la, dados os
seus resultados aplicáveis pelas pesquisas metalinguísticas. Assim, apesar de considerá-
la insuficiente para o estudo da comunicação verbal nos termos das relações dialógicas,
o autor não desqualifica a Linguística, pelo contrário, considera-a indispensável, uma
disciplina humana auxiliar cujos resultados devem ser aplicados (BAKHTIN, 2008;
2010a).
Ele ainda estabelece uma simultaneidade entre um ponto de vista externo, o
extralinguístico, e um ponto de vista interno, a língua “enquanto fenômeno integral
44
Capítulo 5. In: Problemas da poética de Dostoiévski (PPD- livro de Bakhtin escrito em 1929 com o
título de Problemas da obra de Dostoiévski corrigido e ampliado em 1963).
45 A primeira tradução desse termo do russo é de Julia Kristeva (1970) para o francês e nela aparece a
preferência da linguista por translinguística : “La science de cette polyphonie sera donc une science du
langage, mais non pas une linguistique: Bakhtine l’apelle metalinguistique. Ce terme étant aujourd’hui
réservé pour distinguer le statut hiérarchiquement supérieur d’un langage enfin vrai sur le langage, dit
‘objet’, en tant que système de signes, il serait plus juste de choisir le terme de translinguistique pour le
domaine que Bakhtine entrevoit” (p. 14, grifos da autora). Paulo Bezerra, tradutor da obra do russo para
o português (2008, p. XV), considera a escolha inadequada e reducionista para o conceito. Para o
tradutor brasileiro, Metalinguística representa melhor o projeto de Bakhtin de criação de uma nova
disciplina em fronteira com outras ciências.
86
concreto” (BAKHTIN, 2008, p. 209). E é essa dupla orientação que constitui as relações
dialógicas, pois a língua só existe na comunicação dialógica de seus usuários, em
qualquer forma de uso (a linguagem cotidiana, prática, científica, etc.).
Quando Bakhtin (2008) afirma que a Linguística e a Metalinguística “estudam
um mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético - o discurso, mas o
estudam sob diferentes aspectos e diferentes ângulos de visão”, entendemos que uma
das mais conhecidas concepções de discurso em Bakhtin seja o da “língua em sua
integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da linguística, obtido
por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da
vida concreta do discurso” (p. 207).
Essa concepção é explicada no texto referenciado acima para uma análise do
discurso no romance de Dostoiévski, mas o capítulo 5 de Problemas da poética de
Dostoievski também se constitui um daqueles momentos da obra de Bakhtin em que
podemos depreender seu conceito de linguagem na vida, ainda que com propósitos
deliberadamente literários.
Ao analisarmos a prosa, nós mesmos nos orientamos muito sutilmente
entre todos os tipos e variedades de discurso que examinamos. Além
disso, na prática cotidiana, ouvimos de modo muito sensível e sutil
todas essas nuanças nos discursos daqueles que nos rodeiam, nós
mesmos trabalhamos muito bem com todas essas cores da nossa paleta
verbal (BAKHTIN, 2008, p.231, grifos nossos).
Em outras palavras, considera-se como princípio recorrente em Bakhtin a
necessidade de apreensão dos objetos em sua totalidade o que significa considerar a
interação verbal do qual o enunciado é parte constitutiva. Assim recomenda que uma
análise estilística:
Deve basear-se não apenas e nem tanto na linguística quanto na
metalinguística, que estuda a palavra não no sistema da língua e nem
num “texto” tirado da comunicação dialógica, mas precisamente no
campo propriamente dito da comunicação dialógica, ou seja, no
campo da vida autêntica da palavra. A palavra não é um objeto, mas
um meio constantemente ativo, constantemente mutável de
comunicação dialógica (2008, p. 231-232, grifos do autor).
Nesse campo da vida real da palavra, ela funciona como ponte lançada entre um
e os outros sujeitos da comunicação social ideológica, torna-se ato.
Com isso, o autor traça uma distinção entre o modus operandi da Linguística e
da Metalinguística. A partir dessa reflexão, podemos observar que, ainda não voltado ao
87
estudo do discurso cujo objeto central são as relações dialógicas, tal como o
concebemos em Bakhtin, há um interesse evidenciado na prática dessa área em afastar-
se da análise pura e simples das abstrações linguísticas, mesmo considerando que “por
trás de cada texto está o sistema da linguagem” (BAKHTIN, 2006c, p. 309).
2.1.1 Signo ideológico e enunciado concreto
A perspectiva dialógica da linguagem considera, como discutido, o texto como
ponto de partida para os estudos das atividades humanas. Ao distinguir o objeto das
Ciências Humanas, as ciências do homem, daquele das Ciências Naturais que estudam
as coisas, os fenômenos, excluindo o discurso, Bakhtin (2006c) apresenta o texto em
“sentido amplo como qualquer conjunto coerente de signos” (p. 307). Se o objeto
daquela é, na verdade, a exposição do pensamento de um sujeito ou mesmo o próprio
pensamento que se cria e se reproduz sobre e para o mundo, todo texto tem um autor (p.
308, grifo nosso). Aquele que escreve ou fala imprime no texto suas vontades, ideias,
opiniões, etc. e, assim, depreende-se que o texto é capaz de absorver posições, valores e
denunciar aspectos relacionados ao tempo e ao lugar de sua criação.
Mas, caso fosse possível uma caracterização didática em espiral ascendente, qual
seria o elemento mais básico do texto que permite ao sujeito revestir sua expressão e
criação de sentidos senão o signo e, mais, o signo ideológico?
A concepção de um signo que seja ideológico confronta-se, diretamente, com as
relações puramente linguísticas: “Signos particulares, sistemas da língua ou o texto
(como unidade semiótica) às vezes não podem ser nem verdadeiros, nem falsos, nem
belos” (BAKHTIN, 2006c, p. 330). Nas relações linguísticas do signo com o signo ou
entre as unidades da língua não há relações dialógicas, pois essas só existem em
enunciados reais, partes de um discurso em que são partilhados sentidos. O enunciado
concreto relaciona-se com valores, expressa beleza, verdade, justiça, etc. Se há um juízo
de valor presente no enunciado, isso se materializa no signo, que é ideológico por
natureza.
Para explicar esse conceito, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2004), no texto
“Estudo das ideologias e filosofia da linguagem”, estabelece uma relação entre esta
última e a teoria marxista da criação ideológica. Para o autor, um produto ideológico de
uma determinada realidade não é um corpo físico cujo valor se encerra em sua própria
natureza, mas reflete e refrata outra realidade situada exteriormente. “Em outros termos,
88
tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia” (p. 31, grifos do
autor).
O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são
mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-
se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor
semiótico (BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004, p. 32).
O signo situa-se nos campos da criatividade ideológica e, portanto, está sujeito
às orientações desta em relação à realidade, refletindo ou refratando-a de forma fiel ou
distorcida. A representação que o signo faz da realidade está sujeita às funções desses
campos na vida social, seu caráter não é “apenas um reflexo, uma “sombra da realidade,
mas também um fragmento material dessa realidade” (p. 33). O signo se materializa de
forma objetiva no mundo exterior. Por ser esse tipo de fenômeno exterior, pode-se
pensar que a ideologia se situa na consciência individual e que o signo apenas seja um
fato externo da compreensão, mas ao contrário, esta só se manifesta por meio do
discurso interior e de um material semiótico. “A consciência só se torna consciência
quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente
no processo de interação social” (p. 33-34).
O homem cria o sistema de signos, realizando-os em um material social e em
terreno interindividual, ou seja, entre dois ou mais sujeitos socialmente organizados em
uma unidade social. Daí depreende-se o conceito de consciência que para Bakhtin/
Volochínov é um fato sócio-ideológico. A consciência não se forma na natureza ou no
campo do individual, mas passa a existir nos signos criados por esses sujeitos
socialmente organizados em seus contextos.
Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu
desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da
consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação
semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu
conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a
palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora
desse material, há apenas o ato fisiológico, não esclarecido pela
consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem
(BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004, p. 35-36).
Assim, a palavra é compreendida como fenômeno ideológico na cadeia da
comunicação da vida cotidiana. Apesar de neutra, e por essa razão, reveste-se das
funções ideológicas dos campos da criação ideológica, campos da estética, da ciência,
da moral e da religião. Caracteriza-se como o material que veicula a consciência
89
interior, funcionando como signo interior, instrumento da consciência, mas nem por isso
é o único a exprimir os signos ideológicos. A música e a pintura são exemplos de que a
ideologia pode ser representada sem o verbal, embora apoiada nele, como a letra de uma
canção, por exemplo. “A palavra está presente em todos os atos de compreensão e em
todos os atos de interpretação” (p. 38).
Daí decorre nosso objeto que envolve linguagem e relações dialógicas e
construímos um percurso de compreensão dessa teoria que passa da palavra, ao signo
ideológico e, deste, ao enunciado concreto.
Bakhtin/Volochínov, em Marxismo e filosofia da linguagem, continua a
apresentar sua teoria de linguagem e dialogismo defendendo a assimilação da forma não
em seu sistema abstrato, mas pela “estrutura concreta da enunciação” (2004, p. 95). E é
através de enunciações concretas que o usuário se apropria da língua, enunciações
produzidas e circulantes num discurso vivo que permeia toda interação humana.
Assim, na prática viva da língua, a consciência linguística do locutor e
do receptor nada tem a ver com um sistema abstrato de formas
normativas, mas apenas com a linguagem no sentido de conjunto dos
contextos possíveis de uso de cada forma particular. Para o falante
nativo, a palavra não se apresenta como um item de dicionário, mas
como parte das mais diversas enunciações dos locutores A, B ou C de
sua comunidade e das múltiplas enunciações de sua própria prática
linguística (BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004, p. 95, grifos nossos).
Ao considerarmos o enunciado concreto/ texto como ponto de partida dos
estudos, há que se considerar o gênero do qual qualquer enunciado faz parte. Bakhtin
(2006b, p. 283) inter-relaciona a assimilação das formas da língua à enunciação na
forma dos gêneros do discurso, uma vez que o indivíduo aprende a falar por meio da
construção de enunciados e não por palavras e/ou orações isoladas. Esses enunciados
estão indissoluvelmente ligados ao contexto de produção, circulação e recepção por
meio do seu conteúdo temático (unidade de sentido), estilo (relação entre a expressão do
gênero e a expressão individual) e forma composicional (estrutura textual do gênero). O
autor ainda argumenta que se tivéssemos de criar gêneros a cada instância de produção
de enunciados, a comunicação seria quase impossível (Bakhtin, 2006b). Assim, os
enunciados expressos em um livro didático não aparecem de uma forma meramente
determinista, mas inseridos na tradição do discurso didático, em que a forma e o
conteúdo permitem que sejam reconhecidos como tal.
90
Em O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências
humanas (BAKHTIN, 2006c) esse reconhecimento de enunciados é explicado pelos
elementos extralinguísticos, a que Bakhtin chama de dialógicos e que se ligam a outros
enunciados prévios. É possível dizer que o enunciado didático constitui-se de elementos
extralinguísticos que o penetram também por dentro em uma dupla orientação, onde o
linguístico torna-se apenas um meio. Em texto anterior, em discussão parecida, o tom
valorativo é apresentado como elemento extralinguístico:
Na vida, o discurso verbal é claramente não autossuficiente. Ele nasce
de uma situação pragmática extraverbal e mantém a conexão mais
próxima possível com esta situação. Além disso, tal discurso é
diretamente vinculado à vida em si e não pode ser divorciado dela sem
perder sua significação.
A espécie de caracterizações e avaliações de enunciados pragmáticos,
concretos, que comumente fazemos são expressões tais como “isto é
mentira”, “isto é verdade”, “isto é arriscado dizer”, “você não pode
dizer isto”, etc.
Todas essas avaliações e outras similares, qualquer que seja o critério
que as rege (ético, cognitivo, político, ou outro), levam em
consideração muito mais do que aquilo que está incluído dentro dos
fatores estritamente verbais (linguísticos) do enunciado. Juntamente
com os fatores verbais, elas também abrangem a situação extraverbal
do enunciado. Esses julgamentos e avaliações referem-se a um certo
todo dentro do qual o discurso verbal envolve diretamente um evento
na vida e funde-se com este evento, formando uma unidade
indissolúvel. O discurso verbal em si, tomado isoladamente como um
fenômeno puramente linguístico, não pode, naturalmente, ser
verdadeiro ou falso, ousado ou tímido (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV,
[s/d], p. 4).
A língua-sistema não é viva, não tem posição, porque não considera o falante.
Somente quando este se apropria da língua, utilizando-a em determinados momentos e
lugares sócio-histórico-cultural e revestindo-a de suas crenças, valores, experiências, ela
se coloca a serviço do seu pensamento e das suas ações via processo de enunciação.
2.1.2 Interação e ensino em perspectiva dialógica
Se o signo ideológico aponta para o externo e refrata as posições dos sujeitos
envolvidos na interação, dessa relação é produzido um sentido que não pode ser
conhecido apenas pelo uso e decodificação de formas linguísticas. Isto acontece porque
o sistema não produz sentidos, mas a interação entre sujeitos, sim.
91
Quando Tezza (2002b) diz que “[...] elaborar um material didático é sempre
enfrentar sem subterfúgios a realidade concreta, a vida da sala de aula, do ensino [...]”
entendemos que o processo de escrita pode ser construído em relação a um contexto
educacional imediato, visto que no seu caso, o material elaborado teve seu conteúdo
baseado nas aulas que lecionava, nas necessidades que seus alunos apresentavam
quando ingressavam no ensino superior. Se pensando em um contexto mais amplo
considerarmos as condições linguístico-discursivas do aluno de escola média
deflagradas por exames de larga escala, conseguimos visualizar o livro didático
refletindo e refratando essa realidade. Disto decorre que o enunciado concreto é produto
e processo de interação entre aquele que o produziu, mas que não o produziria sem
considerar em função de quem o produziu.
Essa relação dinâmica e indissolúvel permite-nos compreender a enunciação, na
perspectiva bakhtiniana, (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004) como o resultado da
interação de no mínimo dois sujeitos social e historicamente estabelecidos. “O ‘eu’ pode
realizar-se verbalmente apenas sobre a base do ‘nós”. Nesta tese, autor e leitor-aluno.
A significação não está na palavra nem na alma do falante, assim
como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da
interação do locutor e do receptor produzido através do material de
um determinado complexo sonoro. É como uma faísca elétrica que só
se produz quando há contato dos dois polos opostos
(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p. 132).
Em um evento de fala, o locutor poderia se definir como um proprietário
transitório da palavra, somente enquanto essa estivesse sendo o resultado de um
processo fisiológico. Mas se considerarmos os textos escritos, a materialização dos
signos, como estabelecer um proprietário de algo que só se constitui em uma situação
social? Conforme Bakhtin/ Volochínov (p. 114) nem mesmo na alma do locutor a
enunciação seria somente dele, “já que a estrutura da atividade mental é tão social como
a da sua objetivação exterior”. É o que se chama de “território social”, o lugar em que se
constitui a atividade mental e a sua exteriorização.
E desse território social emergem os sistemas ideológicos dos quais
uma obra nutre-se e é por eles interpretada. Em cada época de sua
existência , a obra é levada a estabelecer contatos estreitos com a
ideologia cambiante do cotidiano, a impregnar-se dela, a alimentar-se
da seiva nova secretada. É apenas na medida em que a obra é capaz de
estabelecer um tal vinculo orgânico e ininterrupto com a ideologia do
cotidiano de uma determinada época que ela é capaz de viver nesta
92
época (é claro, nos limites de um grupo social determinado). Rompido
esse vínculo, ela cessa de existir, pois deixa de ser aprrendida como
ideologicamente significante (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p.
119).
Essa ligação da obra não só com aquele que produz, para quem e em que
situação social, mas com uma ideologia do cotidiano, justifica, a nosso ver, uma obra
didática (PTEU), em dezenove anos de existência, passar por vinte edições. Significa
dizer que o horizonte social de onde se tornou material, a despeito de mudanças
culturais e históricas, permanece. É uma obra que se consolidou sendo aprovada numa
escala social, adquiriu um “um grande polimento e lustro social, pelo efeito das reações
e réplicas, pela rejeição ou apoio do auditório social” (p. 121).
É a interação verbal realizada na enunciação produzida entre seres socialmente
situados que constitui a língua. Segundo Bakhtin (2006b), “a língua passa a integrar a
vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de
enunciados concretos que a vida entra na língua” (p. 265).
A esse respeito, Ivanova (2003) apresenta a relação entre a palavra, a natureza
do enunciado e o gênero dentro da obra de Voloshinov, depreendida de seus trabalhos A
palavra na vida e a palavra na poesia (1926); A construção do enunciado (1930); O
Freudismo (1927) e Marxismo e filosofia da linguagem (1929).
Voloshinov se baseia na ideia de que um enunciado é produzido por
uma situação extralinguística. É por isso que ele introduz a questão
das relações entre uma situação extralinguística da vida cotidiana e um
enunciado e formula a definição do contexto extralinguístico, em que
inclui o espaço comum dos participantes, o conhecimento partilhado,
a compreensão da situação e sua apreciação comum dessa situação.
Mais adiante nesse artigo, ele desenvolve a noção de contexto e
conclui que a situação entra no enunciado como componente
indispensável ao seu sentido (IVANOVA et al, 2011, p. 249).
É pela ênfase na motivação social do enunciado que Voloshinov vai
desenvolvendo a noção da interação verbal, destacando o papel exercido/representado
pelo locutor (processo de produção) e interlocutor (processo de compreensão) como de
igual valor, pois essa interação determina os enunciados-resposta e a resposta, parte de
uma compreensão ativa que se encontra presente até no enunciado interior do locutor.
Para o linguista russo, não há interlocutor abstrato e as relações de produção do
enunciado estão imbricadas com a recepção do interlocutor, em que grupo social se
encontra. São as chamadas “ligações sociais” que determinam o fato de que toda palavra
93
é “um ato bilateral”. E é assim que, segundo Ivanova, a partir dessas reflexões sobre a
interação social e a influência dos participantes na produção de um enunciado que
Voloshinov introduz a noção de “gêneros da vida cotidiana” como o todo do enunciado.
Voloshinov relaciona as situações constantes às formas verbais
constantes e aos enunciados concretos considerando-os como um
todo. É a unidade do verbal e do não-verbal de mais alto nível que se
realiza na noção de “gênero verbal da vida” (žiznennyj rečevoj žanr).
Ademais, Voloshinov indica não apenas a estabilidade dessas
situações sociais da comunicação, não apenas a fixidez das formas da
comunicação, não apenas a estabilidade das formas de abertura e de
fechamento, mas também o fato de que há um número limitado de
temas de comunicação. Essa estabilidade dos componentes ligados
entre eles possui um caráter histórico, pois ela muda em função da
época e dos grupos sociais (IVANOVA et al, 2011, p. 254).
Em Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin/Volochínov (2004) entende os
atos de fala como os contatos verbais dos indivíduos em suas vidas cotidianas, sob
“diferentes modos de discurso” (p. 42), internos e/ou externos. Nessa concepção, o
signo é a construção do sentido realizado entre indivíduos socialmente organizados em
processo de interação verbal, marcado pelo horizonte social de uma época e de um
grupo social.
Mas como compreender a comunicação de um ato de fala e, consequentemente a
concepção de diálogo, sem relacioná-la única e exclusivamente à comunicação face a
face? Se não há o par locutor-ouvinte, como considerar interlocução a interação que se
estabelece entre autor e leitor em um livro? Pode-se considerado interlocução um
processo em que não há resposta imediata?
A essa pergunta retórica, respondemos com as palavras de Bakhtin/ Volochínov:
Toda enunciação monológica, inclusive uma inscrição num
monumento, constitui um elemento inalienável da comunicação
verbal. Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é
uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um
elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a
precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações
ativas da compreensão, antecipa-as. Cada inscrição constitui uma
parte inalienável da ciência ou da literatura ou da vida política. [...] é
produzida para ser compreendida, é orientada para uma leitura no
contexto da vida científica ou da realidade literária do momento, isto
é, no contexto do processo ideológico do qual ela é parte integrante
(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p. 98, grifos nossos).
94
Assim, para o filósofo russo, o diálogo é uma ação também presente no discurso
escrito a fim de confirmar, refutar, antecipar, estabelecer afinidades, uma construção
dialógica que demonstra as relações entre o que se pode chamar de parceiros
discursivos, pois nele ocorre um “encontro de dois textos - do texto pronto e do texto a
ser criado, que reage; consequentemente, é o encontro de dois sujeitos, de dois autores”
(BAKHTIN, 2006c, p. 311).
E, ainda,
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um
elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas
sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de
maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no
quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas,
institucionalizadas que se encontram nas diferentes esferas da
comunicação verbal (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p. 123,
grifos nossos).
As expressões “objeto de discussões ativas”, “feito para se apreendido de
maneira ativa” e “reações impressas”, somente nesse trecho, ilustram o fluxo da
comunicação verbal do qual se desvincula o estudo das formas linguísticas separadas de
sua esfera de comunicação, pois aí, há uma réplica ativa. Para Bakhtin/ Volochínov
(2004), a compreensão da linguagem falada ou escrita imbrica-se com uma tomada de
posição ativa ao contrário da percepção da norma, cujo objeto é um sinal linguístico
unívoco, não um signo, apesar de considerarem legítimas as instâncias de abstração em
prol de determinado objetivo linguístico, “a certos fins teóricos e práticos particulares”
(p. 127) como as realizadas pela fonética e a morfologia, por exemplo.
O enunciado pleno já não é uma unidade da língua (nem uma unidade
do “fluxo da língua” ou “cadeia da fala”) mas uma unidade da
comunicação discursiva, que não tem significado mas sentido. (Isto é,
um sentido pleno, relacionado com o valor – com a verdade, a beleza,
etc. – e que requer uma compreensão responsiva que inclui em si o
juízo de valor). A compreensão responsiva do conjunto discursivo é
sempre de índole dialógica (BAKHTIN, 2006c, p. 332).
É com essa noção de enunciado que tomamos a relação autor-leitor nesta tese.
Concebemos que a linguagem em seu dinamismo desencadeia sentidos produzidos na
interação verbal dos sujeitos do discurso. Sujeitos esses conhecedores da situação em
que se insere a comunicação, coparticipantes de um horizonte espacial comum e do
material em que se concretiza a comunicação. Esse é o todo discursivo cuja
95
compreensão pressupõe um ato de resposta visto que “toda compreensão é prenhe de
resposta e, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante”
(Bakhtin, 2006b, p. 271). Ainda que, conforme ressalva de Bakhtin, há diversos graus
de ativismo, em um dos quais, encaixamos a interação no livro didático. As respostas
podem ser dadas de variadas formas, mas são consequências de uma compreensão plena
o que caracteriza o elo na corrente de outros enunciados em que se insere o enunciado
concreto.
Trabalhamos com enunciados escritos produzidos para um destinatário
considerado no momento da criação da obra, ou seja, a sua compreensão responsiva já
foi antecipada pelo autor. Para Bakhtin, os gêneros da comunicação cultural complexa,
que envolvem discursos lidos e escritos, pressupõem o que ele chama de “compreensão
ativamente responsiva de efeito retardado” (p. 272). Em um livro didático, a
compreensão pode ser silenciosa, mas não menos ativa, ou desencadear uma ação
responsiva baseada no enunciado construído entre ambos.
De posse desse conhecimento, entendemos também que é necessária a apreensão
ativa do discurso de outrem, suas posições axiológicas, para que a compreensão ocorra.
Uma obra poética pode proporcionar momentos de deleite, reflexão; um romance,
identificação com personagens, entre outras respostas. No discurso didático, é nesse
momento que se fazem necessárias as estratégias do autor em aproximar-se do seu
leitor, já que em uma esfera pedagógica, o aprendizado é a resposta imediata desejada,
ainda que retardada, conforme Bakhtin ressalta. Disso advém nosso interesse pelas
marcas linguístico-enunciativas constituintes do processo de construção da interação em
PTEU e como essas marcas relacionam-se ao discurso didático em estreita relação com
o posicionamento teórico de seu autor.
Propusemos, aqui, um percurso de compreensão da relação signo linguístico-
enunciado concreto-compreensão responsiva-interação para compreender o discurso de
PTEU e podermos, com o conjunto da tese, inseri-lo em uma cadeia dialógica mais
ampla. E nesse contexto, projetamos uma universidade que deva preparar cidadãos para
o uso da linguagem em todas as esferas sociais, de forma que eles participem
ativamente dessa sociedade produtora e receptora de sentidos múltiplos.
A perspectiva bakhtiniana situa a linguagem do sujeito em um tempo e espaço,
assim, tomamos este ponto de vista enunciativo/discursivo de maneira a também
96
contrapor o ensino tradicional de gramática que postula o ensino através de dicionários
e materiais normativos e que descontextualiza o ensino da língua de seus falantes reais.
Parece existir em nossa cultura uma regra fundante daquilo que é
requerido para a construção de novos enunciados, porque à fala se
aplica o princípio da disciplina gramatical; qualquer enunciado tem
sua própria forma submetida a outro juízo: o do certo ou errado
segundo uma regra gramatical específica elaborada não segundo os
falares, mas segundo a escrita de autores tomados como modelos
(GERALDI, 2010, p. 55).
Abordando as questões de ensino de língua, não podemos deixar de destacar um
texto relevante de Bakhtin: Dialogic origin and dialogic pedagogy of grammar: stylistics
in teaching Russian language in secondary school46
, recentemente traduzido para o
português como Questões de estilística no ensino da língua (BAKHTIN, 2013).
O título já sugere que o leitor conhecerá uma faceta pouco difundida do filósofo
Bakhtin, a de professor de escola básica na Rússia. Segundo Bazerman (2005), Bakhtin
lecionou linguagens e artes russas de 1942 a 1945 em escolas de cidades do interior e,
nesse último ano, utilizou uma experiência de sala de aula com alunos de idades entre
14 e 15 anos para produzir esse texto, que na verdade, por ser inacabado, pode ser
considerado um rascunho de ensaio pedagógico. Apesar de já ter lecionado no Instituto
Pedagógico, em Saransk, em cursos de formação de professores em anos que variam
entre 1936 a 1937 e de 1945 a 1961, esse parece ser o único texto de Bakhtin sobre
pedagogia, pelo menos traduzido para o inglês, defende o autor. Em apresentação à
tradução brasileira, Brait ressalta:
Se estudiosos, especialistas e desbravadores de arquivos já conheciam
o lado professor do autor de Problemas da poética de Dostoiévski, o
mesmo não se dá com o público em geral ou com aqueles que pensam
que ele trabalhou exclusivamente com o texto literário. Questões de
estilística no ensino da língua possibilita o conhecimento das frentes
em que Bakhtin atuava, inluindo sua condição profissional e seu
diálogo polêmico com os métodos de ensino de língua materna
existentes na Rússia naquele momento (2013, p. 9).
46
Esse texto teria sido escrito à mão em 1945, de acordo com notas encontradas, publicado em russo em
1996 na revista Russkaia Slovesnost’ e traduzido para o inglês em 2004. O texto em inglês informa que
o título original “Voprosy stilistiki na urokakh russkogo iazyka v srednei shkole,” foi modificado para
os fins da tradução. O texto escrito por Bakhtin foi traduzido em inglês e consta das páginas 12 a 24. A
revista Journal of Russian and East European Psychology continua as páginas seguintes (25 a 49) com
comentários de filólogos russos a respeito das suas origens e propósitos. Esse título também aparece
traduzido como “Problems of Stylistics in Russian Language Lessons at Middle School" (BRANDIST,
2012, p. xi).
97
O ensaio pedagógico de Bakhtin deteve-se em um assunto particular, o ensino da
escrita a partir de recursos estilísticos como expressividade e entonação. Com claras
pretensões de ser um texto-guia para professores47
, descreve situações práticas de sala
de aula justificando que sem uma escolha estilística na escrita, o ensino de gramática na
escola detém-se no estudo de formas. Desta forma, acaba caindo em uma tradição
escolástica, já que as escolhas léxico-semânticas realizadas pelo autor de um texto
baseiam-se na representatividade e expressividade dessas formas e não na sintaxe. A
proposta didática do docente russo desenvolve-se por meio de explicações
metodológicas em que se pode visualizar um professor de meia idade, esforçando-se
para ensinar escrita estilística para adolescentes, e no final do dia deve ter ficado
exausto (WILLIAMS, 2005, p. 349).
Uma das contribuições desse artigo de Bakhtin é a ênfase dada, já àquela época,
a uma preocupação que nos parece familiar se considerarmos as políticas educacionais
as discussões presentes nas elaborações de materiais didáticos que propõem mudanças
no ensino de língua brasileiro e que na prática não corresponde à melhoria nas
produções dos alunos (BRAIT, 2013, p. 13). Bakhtin, então, propunha uma articulação
entre a concepção dialógica de linguagem e o ensino de língua em sala de aula. Mais,
especificamente, questiona situações em que o aluno é ensinado por professores e livros
didáticos a transformar orações subordinadas em particípio, mas não é ensinado quando
e por qual razão essa substituição deve ocorrer. Sob tais circunstâncias esse ensino
gramatical não tem finalidade.
Involuntariamente o aluno se pergunta: para que preciso saber fazer tal
transformação, se não entendo seu objetivo? Está claro que o ponto de
vista estritamente gramatical não é em absoluto suficiente em tais
situações. Observemos as seguintes frases: A notícia que eu ouvi hoje
me interessou muito./ A notícia ouvida por mim hoje me interessou
muito. Ambas são gramaticalmente corretas. A gramática as duas
formas. Mas quando devemos escolher uma ou outra? Para responder
a essa pergunta, é preciso entender os aspectos estilísticos positivos e
negativos, isto é, a especificidade estilística de cada uma dessas duas
formas (BAKHTIN, 2013, p. 25, grifos do autor).
47
O texto em inglês traz três ocorrências da palavra professor (teacher) e quinze da palavra instrutor
(instructor/s). Comparando esse texto com o original russo, percebe-se um uso aleatório de duas
palavras (prepodovatel΄- 15 vezes) e [ uchitel΄- 2 vezes] por Bakhtin. No entanto, todas as vezes em
que a palavra teacher foi empregada na tradução, no original aparecia prepodovatel΄, mesma palavra
que tambem foi traduzida por instructor o que indica uma escolha referencial dos tradutores sem
nenhuma relação com a possibilidade de haver duas categorias profissionais diferentes na Rússia àquele
tempo. A tradução brasileira reolve o impasse e padroniza o uso de “professor”. (Agradecemos a
inestimável colaboração do Professor Craig Brandist em todas as traduções do russo para o inglês).
98
A ênfase nesse tipo de estudo que efetivamente questiona as razões de uso de
uma forma ou de outra, para Bakhtin, é o seu reflexo no desenvolvimento da
criatividade do aluno em suas produções orais cotidianas. Acredita que com a prática,
serão eliminadas as construções aparentemente retiradas de livros, sem naturalidade,
empregadas pelos alunos das séries finais (sétima, oitava e nona]. Parece que quanto
mais o aluno avança nos estudos, quanto mais aprende sobre gramática, menos natural e
criativo se mostra. Bakhtin utiliza exemplos de frases de Pushkin e Gogol
exemplificando que os períodos compostos por subordinação sem conjunção também
ocorrem na literatura e parece orgulhoso de sua atuação quando descreve sua
experiência em sala de aula ao ler um trecho de Pushkin em voz alta e com muita
expressividade, “até reforçando um pouco a sua estrutura de entonação e enfatizando,
com a ajuda de mímica e de gestos, o elemento dramático contido nessa frase [...]” (p.
30).
Como professor, Bakhtin não abandona o espírito investigativo de pesquisador e,
para chegar às conclusões a que chegou nesse texto, realizou uma pesquisa com 300
redações de alunos de oitava série em que constata a quase ausência de orações
assindéticas, encontradas em apenas três delas. Com alunos de décima série e num total
de 80 redações, foram encontradas sete. Ao mesmo tempo, alunos de oitava e de décima
séries saíram-se muito bem em exercícios de ditado com o mesmo tipo de oração
cometendo apenas alguns erros de pontuação. O professor-pesquisador Bakhtin detectou
que os alunos identificavam facilmente as orações na leitura, mas não eram capazes de
transpô-las para suas próprias produções escritas.
Bazerman, Farmer, Halasek e Williams (2005) relacionam essa experiência
docente de Bakhtin aos seus escritos anteriores a respeito de retórica e, principalmente,
sobre o conceito de herói como uma categoria gramatical. Apesar de o termo ser
frequentemente associado a personagens de textos literários, o pensamento bakhtiniano
vai além dos limites literários e considera herói o tópico de um discurso, um outro em
relação a um eu, um objeto com o qual se dialoga “de tal forma que apreendê-lo
significa alterar-se, modificar-se, construir conhecimento na polifonia das vozes que se
encontram e se cruzam” (BRAIT, 2009, p. 56).
Bazerman et al debatem entre si suas próprias opiniões a respeito do texto de
Bakhtin - professor e concordam que a tônica das ideias do pensador russo é sempre
99
mostrar algo a ser alcançado: “uma tarefa, um projeto, um problema recém-iluminado”
(2005, p. 364).
Dessa noção de uma articulação entre a concepção dialógica de linguagem e a
sua prática no ensino de língua, estabelecemos nesta tese uma reflexão de enunciado
estreitamente interligado com signo ideológico, interação verbal e gêneros discursivos.
A análise dialógica do discurso apresenta conceitos que são fundamentais para o
desenvolvimento da abordagem ao corpus em busca de respostas às questões de
pesquisa elencadas na introdução desta tese. Dessa forma, pretendemos buscar apoio
nos estudos de Bakhtin e o Círculo que tratam de dialogismo, enunciação/enunciado
concreto, interação verbal, autoria e gêneros do discurso.
Ao optar pela análise do discurso de perspectiva bakhtiniana, a investigação com
o texto é realizada por meio da enunciação que resulta da interação verbal de dois
interlocutores concretos submetidos a um “território social” comum. A esse respeito,
Bakhtin/ Volochínov, ([1929] 2004, p. 117) referem-se ao contexto social. Em Discurso
na vida e discurso na arte [1926] (s/d), Voloshinov aborda o contexto extraverbal que
não só constitui o enunciado de fora, mas penetra-lhe orientando sua expressão externa,
estabelecendo três fatores: “o horizonte espacial comum dos interlocutores”, “o
conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores” e a
“avaliação comum dessa situação”. A partir dessa possibilidade de chegar à
constituição de um enunciatário inscrito no texto, além do enunciador-autor, o leitor-
aluno emerge da interação proporcionada pelas características discursivas do material
que pretende dialogar com o aluno e suas necessidades de inserção no mundo como
produtor e leitor.
Bakhtin (2004, 2006d) entende que o dialogismo é um princípio constitutivo da
linguagem, ou seja, um discurso não se constrói sobre si mesmo, mas pressupõe sempre
um outro. Para ele, a linguagem é por si só dialógica, resultado de uma interação verbal
que se estabelece entre o enunciador, cumprindo o papel de destinador, e o enunciatário
que, por sua vez, desempenha o papel de destinatário do enunciado.
A linguagem é um fenômeno histórico-cultural e social e um livro didático pode
ser entendido como uma construção de signos ideológicos que refletem e refratam a
esfera em que se inserem. Esses signos ideológicos são produzidos em diferentes
situações de uso como manifestações discursivas e que mantêm um diálogo entre si.
Esse diálogo é sempre uma resposta a enunciados anteriores como se pode perceber na
100
“conversa” que o autor estabelece com o leitor-aluno ao encaminhar sua atenção para o
capítulo anterior ou mesmo para suas experiências diárias de uso da língua
(apresentaremos mais adiante). O autor termina seus enunciados e passa a palavra ao
seu interlocutor, oportunizando, assim, uma compreensão responsiva ativa que aparece
claramente nos exercícios propostos ao longo do livro didático.
Assim é que assumimos esse pensamento em nosso estudo e, inerente a ele, a
concepção de dialogismo, aspecto constitutivo dos processos que envolvem a linguagem
na perspectiva bakhtiniana como quadro teórico-metodológico. É a partir dessa
discussão sobre a língua em sua integridade concreta e viva, a língua que não se dissocia
dos seus falantes, de seus atos cotidianos, das esferas sociais e dos valores sociológicos
subjacentes a ela que conduzimos as análises apresentadas nesta tese.
Antes, porém, passamos ao estudo da obra do autor-criador Faraco e do autor-
criador Tezza a fim de identificar e relacionar o pensamento bakhtiniano à obra
individual de cada um.
[...] a voz que pensa e a voz que escreve são as mesmas, têm de ser as
mesmas, ou, pelo menos, vítimas permanentes da fissão entre a
palavra e a realidade, querem teimosamente ser as mesmas em cada
vírgula, ou caímos num relativismo vertiginoso em que ninguém está
em lugar algum, o sujeito desaparece (ou desonestamente se esconde)
e a linguagem fala sozinha. (Sempre temi esse descontrole.) (TEZZA,
2012, p. 36).
Conforme apresentado no item 1.3 desta tese, resgataremos a seguir as cadeias
discursivas de cada autor em individual que nos permitam compreender a assinatura
Faraco-Tezza, uma entidade discursiva à parte, mas que não confunde as cadeias
discursivas em que se inserem individualmente. Ao considerar suas obras individuais
procuramos entender o conhecimento que acionam para criar essa obra pedagógica
(PTEU), estabelecendo, desta maneira, uma integração intelectual orientada para uma
construção didática dialógica.
2.2 Carlos Alberto Faraco: concepções, obras e contribuições
O ato criador é, por isso, essencialmente extrarrítmico:
é preciso romper com uma existência ritmada para
poder criar. Pelo ritmo só posso ser possuído; nele vivo
como sob anestesia. Carlos Alberto Faraco
101
Carlos Alberto Faraco é linguista, professor titular aposentado da Universidade
Federal do Paraná. De acordo com o seu currículo Lattes, especializou-se na área de
Linguística Aplicada com grande contribuição aos estudos sobre Bakhtin, discurso,
dialogismo, linguística histórica e ensino de língua portuguesa. Escreveu e organizou
várias obras didáticas e teóricas acerca dos estudos de Bakhtin e do Círculo, além da
tradução feita juntamente com Valdemir Miotello, em 2010, de Para uma filosofia do
ato responsável, texto-fonte em italiano de Luciano Ponzio e outra com Cristovão Tezza
do texto “Discurso na vida e discurso na arte” não publicada.
Considerado por Fiorin (2010, p. 16) “um dos mais importantes estudiosos
brasileiros da obra do filósofo russo” e por Brait (2012b, p. 224) “incontestavelmente
um dos mais importantes estudiosos do Círculo no Brasil”, o autor desempenha papel
importante para os estudos bakhtinianos ao promover a primeira coletânea de ensaios48
sobre Bakhtin no Brasil em 1988. Essa publicação faz parte dos encontros de
pesquisadores que consolidam o filósofo russo como “uma referência teórica importante
na academia brasileira em diferentes áreas do conhecimento, da literatura à filosofia”
(FARACO; TEZZA; CASTRO 2006, p. 14). A obra marca a importância das primeiras
leituras de Bakhtin no Brasil:
É que estamos ainda numa fase de primeiros contatos. A voz por
tantos anos calada apenas começa a entrar, ainda de mansinho, nas
fortalezas do pensamento linguístico. Os resultados nessa área vão,
com certeza, demorar ainda um pouco, mesmo porque elaborações
dialéticas costumam provocar, em certos contextos, fortes reações
contrárias (FARACO, 1988, p. 22).
Como consequência dessa previsão, em 2003, Faraco publica Linguagem &
diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin (segunda edição em 2009)
considerada uma “das mais significativas obras publicadas no Brasil sobre o
pensamento bakhtiniano” (BRAIT, 2012, p. 224) consolidando os resultados previstos
em 1988.
Faraco traz aos estudos linguísticos brasileiros um diferencial ao considerar,
interpretar e analisar a linguística histórica e seus ecos na prática do ensino de língua
das escolas brasileiras. Seus textos são constantemente mencionados em teses e
dissertações a respeito de linguagem e ensino de línguas. Um texto bastante utilizado
48
FARACO. C.A.; TEZZA,C.; BRAIT,B.; RONCARI,L.; BERNARDI,R.M.. (Orgs.). Uma introdução a
Bakhtin. Curitiba: Hatier,1988.
102
por professores e pesquisadores, As sete pragas do ensino de português49 elenca
algumas, pois há muitas outras, concepções errôneas de ensino de língua portuguesa
proliferadas nas escolas. Para Faraco, as sete “pragas” consistem de:
1- proposição de exercícios em que os professores preocupam-se apenas com o
aprimoramento da mecânica da leitura o que resulta na incapacidade de os alunos
entenderem e analisarem um texto criticamente;
2- apresentação de textos desconectados da realidade do aluno impedindo a criação do
hábito da leitura por gosto e fruição;
3- visão da redação como uma tortura, na qual se solicita ao aluno a produção de um
texto, cujo tema livre tem, como única exigência, um número limite de linhas pré-
determinadas pelo professor;
4- confusão gramatical em que o estudo limita-se à teoria, ou seja, ao estudo sobre a e
não especificamente da língua. Faraco ressalta que o conhecimento formal da gramática
não contribui para um domínio das práticas de linguagem, assim, é possível o
aprendizado de uma língua sem a necessidade de formalização;
5- conteúdos programáticos que não dizem respeito ao verdadeiro objeto de ensino de
uma aula de língua. Os conteúdos são descontextualizados da idade dos alunos e
espalham-se nas séries escolares sem qualquer relação com os propósitos de aquisição
de linguagem para aquele momento do aluno, além de enfatizar o aprendizado de
formas arcaicas que não encontra relevância no uso diário da língua;
6- estratégias erradas de ensino que se pautam na correção de erros ortográficos,
gramaticais e na formulação de listas de palavras a serem memorizadas, como número e
grau de substantivos, conjugação verbal, conjunções, etc. Essas técnicas são errôneas
desde sua base e despertam no aluno um temor constante de cometer erros o que o inibe
ou resulta em hipercorreções, pois, como na “praga” de número 5, não se fala por meio
de listas nem por expressões inúteis.
7- o sétimo e último mal se refere à ênfase no estudo biográfico dos autores nas aulas de
literatura, deixando de lado o verdadeiro objeto do ensino que seria o contato e o
manuseio com os textos.
49
FARACO, Carlos Alberto. As sete pragas do ensino de Português. In: Revista Construtora, 1975. Ano
III, nº 1, p. 5-12. Mais tarde, esse texto entra como capítulo de livro, In: GERALDI, J. W. (Org.). O
texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984
103
Com esse e outros textos voltados ao ensino de língua portuguesa nas escolas de
ensino básico, percebemos que o linguista concentra seu olhar em discutir e provocar
reflexões críticas a respeito do ensino de português e das concepções de língua e
gramática, esta ainda um obstáculo no fazer das escolas e no preparo de materiais
didáticos de ensino de línguas.
Em “Por uma teoria linguística que fundamente o ensino de língua materna (ou
de como apenas um pouquinho de gramática nem sempre é bom)”, Faraco e Castro
(2000) questionam a posição dos linguistas que, provavelmente desde 1975, época da
grande expansão da escola pública brasileira, passaram a defender o texto como objeto
central do ensino da língua portuguesa. Uma escolha positiva, considerando seu caráter
opositivo em relação à postura tradicionalista do ensino calcado no aspecto normativo
da linguagem padrão, que deixava de lado os aspectos de leitura e produção de texto.
No entanto, ao se privilegiar o texto, o ensino da gramática fica relegado a um
segundo plano, a um aspecto “prático-intuitivo”, que se caracteriza pela percepção no
texto da concordância verbal e nominal, colocação pronominal, entre outros, por
exemplo. Os linguistas consideram essa abordagem insuficiente e apresentam uma
possível justificativa à prática, pois o professor, ao adotar essa postura, parece se eximir
da responsabilidade de assumir que exclui a gramática da sala de aula. O autor
exemplifica essa conclusão remetendo-se a um momento de sua prática como
professores na Universidade Federal do Paraná em que colegas comentavam que
trabalhar com texto é bom, mas se não há como fugir das regras, então “dar um
pouquinho de gramática é sempre bom” (FARACO; CASTRO 2000, p. 2).
Esse comentário e a consequente prática em sala de aula de se ensinar a
gramática no texto demonstram duas concepções de linguagem distintas, pois o trabalho
com o texto privilegia a linguagem via interação e o estudo gramatical volta-se para a
concepção tradicional monolítica e cristalizada de repetição de fórmulas. Com a
abordagem desse ponto nevrálgico, Faraco e Castro (2000) questionam a necessidade de
uma busca teórica para o conceito de texto e linguagem que ilumine as práticas de
ensino para que deixem de ser tão intuitivas. O autor deixa claro que não defende uma
teoria única ou mesmo que essa teoria definitiva exista, mas que se possa utilizar o
“potencial explicativo de determinada teoria linguística” para tentar resolver problemas
específicos que se apresentam diretamente.
104
Para tanto, justificam sua filiação teórica de ensino de linguagem em Bakhtin e
mencionam Marxismo e filosofia da linguagem, primeira obra publicada no Brasil.
Apesar de Bakhtin não ter nessa publicação abordado ensino de língua, o filósofo russo
ficou conhecido por sua discussão relacionada aos estudos da linguagem, em especial,
às questões literárias.
A respeito da ausência de menção a ensino em Marxismo e filosofia da
linguagem, Brandist (2011) retoma historicamente a educação na Rússia nos anos de
1920, época em que o Círculo se reunia. Os membros estavam inseridos em uma
sociedade onde uma “política educacional radicalmente progressiva” (p. ix) foi proposta
seguindo os pressupostos de educadores progressistas, entre eles, e com bastante ênfase
John Dewey (1859-1952)50. Dentre os vários aspectos históricos abordados, Brandist
chama-nos a atenção para a pouca produção do Círculo diretamente sobre pedagogia,
mas ressalta que os princípios educacionais daquele momento da Rússia estão
“impregnados” em seus trabalhos.
Como comentamos no item 2.1.2 desse capítulo de tese, recentemente, um texto
de Bakhtin sobre educação foi encontrado, Questões de estilística no ensino da língua,
traduzido para o inglês em 2004 e português em 2013. Em 2000, ano que Faraco e
Castro escrevem seu artigo Por uma teoria linguística que fundamente o ensino de
língua materna, provavelmente não haviam tido contato com esse texto, mas como
estudiosos da obra de Bakhtin e o Círculo conhecem o potencial de suas discussões para
as questões de linguagem, ser humano e sociedade que também têm sido aplicadas ao
ensino, onde se encontrou respaldo para o ensino-aprendizagem de língua portuguesa.
Voltando ao trabalho do linguista Carlos Alberto Faraco, percebemos que a
preocupação com a clareza na aplicação das ideias do pensador russo já se encontrava
presente em seu primeiro texto sobre ele: Bakhtin: a invasão silenciosa e a má leitura
(1988, p. 19-36). O objetivo central foi fornecer uma visão do conjunto da obra e
50
Em texto de 1929, John Dewey, influente pensador em educação, relata após sua visita à Rússia em
1928: “Se eu aprendi alguma coisa, aprendi a ser extremamente desconfiado de todas as visões
generalizadas sobre a Rússia. Mesmo que elas estejam de acordo com a realidade em 1922 ou 1925,
podem ter pouca relevância em 1928 e, talvez, ser apenas sentido de antiquário em 1933”. Tradução
nossa de: “If I learned nothing else, I learned to be immensely suspicious of all generalized views about
Russia; even if they accord with the state of affairs in 1922 or 1925, they may have little relevancy to
1928, and perhaps be of only antiquarian meaning by 1933”. (DEWEY, J. Impressions of Soviet
Russian and the Revolutionary World. New York: New Republic Inc, 1929. Disponível em:
http://ariwatch.com/VS/JD/ImpressionsOfSovietRussia.htm#title. Acesso em: 24/04/2013.
105
mapear conceitos principais sem os quais seria impossível a aplicação adequada de suas
linhas metodológicas. Em Por uma teoria linguística... (2000) discute a propagação das
obras de Bakhtin no Brasil em que algumas ideias desse filósofo foram sendo utilizadas
indiscriminadamente num modismo acrítico. Argumenta que muito se fez no campo da
teoria, deixando pouco espaço para aplicação.
[...] as ideias de Bakhtin na maioria das vezes parecem, ainda hoje,
inspirar apenas algumas palavras de ordem – tais como: ser humano e
linguagem são inseparáveis; ou a natureza da linguagem é sociológica,
por exemplo –, normalmente identificadas com o ponto de vista geral
do autor sobre linguagem. Essas palavras de ordem são,
evidentemente, insuficientes para o enfrentamento dos problemas
concretos da realidade linguísticopedagógica. Em outras palavras, a
tradicional e necessária ponte entre a teoria e a prática ainda está por
se fazer no que se refere à relação das ideias linguísticas de Bakhtin
com o ensino de linguagem.
No sentido de dar uma contribuição com relação ao tema, vamos
tentar analisar aqui alguns problemas relativos ao ensino de língua
materna à luz da teoria de Bakhtin. Ou seja, nossa intenção é mostrar
onde e por que encontramos, na teoria desse autor, respaldo para uma
melhor interpretação da situação da sala de aula de língua portuguesa
(FARACO; CASTRO, 2000, p. 4).
Se a teoria acerca do pensamento de Bakhtin limitava-se a “apenas algumas
palavras de ordem”, isso, felizmente, não mais reflete a realidade e a qualidade das
pesquisas em linguagem que o levam em conta.
Sobre esse contexto histórico, Brait (2012b) descreve o estado da arte dos
estudos em que a discussão é “menos apaixonada e datada” sobre a questão das autorias
e das traduções.
Tudo se justifica pela necessidade do rigor linguístico, teórico,
epistemológico e até ideológico diante do complexo conjunto
denominado “pensamento bakhtiniano”, o qual, sem dúvida, inclui
muitos aspectos a serem aprofundados pela pesquisa e pela discussão
filosófica, linguística, literária, antropológica, especialmente pelos
elementos que singularizam e∕ou articulam as produções (p. 217).
O rigor linguístico e metodológico foi, desde sempre, a tônica dos primeiros
estudiosos brasileiros da obra de Bakhtin e dos demais membros do Círculo. O grupo
brasileiro era formado por Carlos Alberto Faraco, Boris Schnaiderman, Sírio Possenti,
João Wanderley Geraldi e Carlos Vogt cujos estudos iniciaram-se na década de 1970
com as leituras iniciais de textos que chegavam a partir de traduções em italiano,
espanhol e francês (BRAIT, 2012b). O ensaio de Bakhtin Para uma filosofia do ato
106
(1919-21) foi um texto traduzido na década de 90 (não publicado) por Carlos Alberto
Faraco e Cristovão Tezza e lido pelo grupo por meio de cópias que circulavam “de mão
em mão, de e-mail em e-mail” (BRAIT, 2012c) facilitando o acesso dos estudiosos a
um texto hermético e representante do início da fase filosófica de Bakhtin.
Possenti, no Prefácio ao livro Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do
círculo de Bakhtin (2003, p.7) afirma que o conhecimento que Faraco tem da obra de
Bakhtin e dos membros do Círculo lhe permite “pôr certas coisas no lugar”. Assim,
colabora para dirimir as dúvidas e as más interpretações geradas por “leituras apressadas
e equivocadas” (FARACO, 1988, p. 26) que poderiam colocar a fortuna crítica do
filósofo russo em grave risco de má compreensão.
Se Faraco também aborda a pouca aplicação prática das pesquisas iniciais sobre
Bakhtin, não deixa de ressaltar os estudos como um avanço, pelo menos na maneira de
conceber um ensino mais voltado às situações reais de uso da língua. O autor afirma que
é um ensino que passa a considerar o texto e sua interação com o mundo, mesmo que na
prática tenha sido realizado de maneira estanque e individualizada com o foco
tradicional na gramática e a partir de análises de frases isoladas, separadas do contexto
todo do texto.
Em outro momento, Faraco (2008b, p. 104) faz também uma crítica ao Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM) que elege a norma culta, um “objeto recortado no
abstrato” como competência máxima a ser atingida pelo aluno egresso dessa
escolaridade, isolando assim a norma do conjunto das práticas sociais próprias da
cultura escrita a que ela pertence.
Sobre isso, Faraco enfatiza a necessidade de uma mudança de pressupostos
teóricos que considerem o texto em toda a sua complexidade e lugar na sociedade.
Argumenta que se ele vier a ser foco do ensino, em detrimento do “centralismo
gramatical”, ou gramatiquice (2006, p. 21) o que surge é a necessidade de uma corrente
de pensamento que embase essa nova realidade de se pensar o ensino de língua
portuguesa que considere sim, o ensino da gramática, mas não com um fim em si
mesmo.
O autor dedica seu embasamento teórico a Bakhtin, ao que chama de “ponto de
vista histórico-sociológico sobre a linguagem”. Justifica que no pensamento do filósofo
russo [e do seu Círculo] encontra-se uma discussão para o “fenômeno da interlocução
viva”, em que a língua vive e evolui para a comunicação humana, essa mediada pela
107
interação verbal. É no contato com as várias linguagens produzidas pela sociedade, na
interação social com outro ser, presente, ausente ou até imaginário, que o aluno poderá
dominar a escrita e a leitura de forma a inseri-lo em uma sociedade letrada.
Ao abordar texto e para refletir sobre a sua produção na escola, Faraco (2006)
relaciona-o a enunciado e aos gêneros discursivos existentes nos diversos contextos
sociais. É na experiência com os gêneros que ocorre a apropriação da linguagem de
maneira valorativa, cuidadosa, que envolve escolhas linguísticas por parte do leitor,
escritor, falante e ouvinte. Experiência que se traduz na leitura e também na escrita, pois
não basta apenas ler para que o aluno se torne um bom escritor.
O linguista também estende sua crítica aos materiais didáticos que apresentam
poucas variedades de gêneros discursivos, dão extrema ênfase aos gêneros literários, em
vez de apresentar alguns considerados mais importantes como: texto informativo,
resenhas, resumos, textos dissertativos, propaganda, manuais de instrução, entrevistas,
etc.
Faraco não está sozinho nessa defesa. A respeito da primazia dos textos literários
no ensino, Geraldi comenta:
Nossa cultura letrada tradicional construiu, ao longo do tempo, duas
autoridades que se complementavam: a do escritor e a do gramático.
Era, e é, com base em escritos daquele que o gramático fixou a regra
da língua; com passagens daquele, ele também exemplificou suas
regras; com textos literários se formou nossa intelectualidade,
inclusive fazendo exercícios de reescrever seus textos, desfeitos para
exercícios por professores que dispunham dos originais para com eles
comparar as novas redações e a elas atribuir um valor (2010, p. 54).
Com isso, o autor revela outro ponto importante encontrado no pensamento de
Bakhtin a respeito das formalizações na língua. À primeira vista, a um leitor inocente,
parece que Bakhtin rejeita o estudo formal, mas suas considerações a respeito do
abstracionismo radical dos estruturalistas contradiz essa afirmação. Ao criticar
Saussure, Bakhtin não lhe tirou o mérito do trabalho, pelo contrário, justifica e
recomenda o uso e estudo de certas teorizações para determinados fins. Discorda, sim,
da ideia de transformar o modelo abstrato de língua em língua, sistema.
Em outras palavras, não há nada de condenável no ato de formalizar,
desde que essa nossa atitude, no caso específico da teoria de Bakhtin,
esteja voltada para a interação verbal ou, falando especificamente de
ensino, desde que o nosso trabalho como professor, com estruturas e
frases eventualmente descontextualizadas, tenha por finalidade última
108
não a memorização de conceitos, mas o uso efetivo da linguagem
(FARACO, 2000, p. 6).
Faraco continua defendendo a formalização na escola pela funcionalidade que
carrega, pois um livro de gramática é também uma fonte de consulta para as exigências
da escrita. Por meio de uma reflexão dirigida pelo professor é possível fazer um uso
consciente dos aspectos formais da língua, mas tendo em vista a interação, como ponto
central do estudo. Parece-nos que o objetivo do autor, com esse ensaio (2000) foi
alcançado: demonstrar uma possível articulação entre a teoria bakhtiniana e a sua
prática em sala de aula.
Há, em alguns textos de Faraco (2000; 2006; 2008), a preocupação em abordar
a questão do ensino de gramática em sala de aula, se pertinente ou não, e de situar esse
estudo ao longo dos tempos. Com essa discussão a respeito do ensino de língua
portuguesa na escola, desmistificando o “bicho-papão” da gramática (Faraco, 2006, p.
15), é possível também confirmar sua filiação teórica. Em alguns momentos, como em
um artigo de 2008, o autor textualmente nos indica seu embasamento teórico:
[concepção de linguagem]
Nossa concepção recusa esses olhares que alienam a linguagem de sua
realidade social concreta. Nós a concebemos como um conjunto
aberto e múltiplo de práticas sociointeracionais, orais ou escritas,
desenvolvidas por sujeitos historicamente situados.
Pensar a linguagem desse modo é perceber que ela não existe em si,
mas só existe efetivamente no contexto das relações sociais: ela é
elemento constitutivo dessas múltiplas relações e nelas se constitui
continuamente.
Por outro lado, os próprios falantes tomam forma como sujeitos
históricos e como realidades psíquicas em meio a essa intrincada rede
de relações socioverbais e pela interiorização da própria dinâmica da
interação socioverbal.
Somos, nesse sentido, seres de linguagem, constituídos e vivendo num
complexo feixe de relações socioverbais. De forma alguma, podemos
ser compreendidos como mero aplicadores de regras de um sistema
gramatical; ou como meros reprodutores de um certo monumento
linguístico cristalizado; ou, ainda, como meros usuários de um
instrumento externo a nós (FARACO, 2008b, p. 105).
Em uma concepção na qual a linguagem constitui-se em uma realidade social em
constante movimento de interação realizado por seus praticantes, falantes, ouvintes,
leitores, escritores, a linguagem constitui o ser. Assim, não pode ser vista como uma
ferramenta em uma estante, nos bancos de dados computadorizados, ou ainda nas
109
“nuvens”, de que dispõe o usuário para determinadas demandas de sua vida social, ou
mesmo um monumento acabado de expressões formais e “corretas”.
Em um momento anterior (FARACO, 1998, p. 165), o autor aborda mais
diretamente a noção de falante e as instâncias de usuário da língua. Rejeita a visão de
língua que vê o falante univocal um mero atualizador do sistema abstrato, cuja realidade
“heteroglótica” não é percebida como uma realidade linguística inserida em uma língua
social que se manifesta nas diversas práticas discursivas. A língua tem uma integridade
concreta e viva e não é fruto de uma abstração, objeto de estudo da Linguística, cujos
resultados, na opinião e críticas do autor, não têm nos dado respostas suficientes para
um maior entendimento das nossas realidades.
O autor alia a essa visão de linguagem sua concepção de ensino que deve
[...] fundamentalmente, oferecer aos alunos a oportunidade de
amadurecer e ampliar o domínio que eles já têm das práticas de
linguagem. Em língua materna, a escola, obviamente, nunca parte do
zero; os alunos têm uma experiência acumulada de práticas de fala e
de escrita. Cabe-nos, no entanto, criar condições para que esse
domínio dê um salto de qualidade tornando-se mais maduro e mais
amplo. (FARACO, 2008, p.105).
Ao conceber a linguagem como uma prática sociocultural que não se dá apenas
quando o aluno chega à escola, o ensino de língua passa a ser tratado com um enfoque
mais significativo que propiciará a formação cidadã mais coerente com as necessidades
de inserção na sociedade letrada. Ao tratar da heteroglossia, Faraco e Negri (1998, p.
166) unem linguagem e ensino, pois se assume que, nessa perspectiva, as visões de
mundo são atravessadas de valores e não basta ensinar que há várias línguas sociais. É
necessário um maior envolvimento com uma intrincada teia de relações dialógicas
estabelecidas, criadas e que desembocam num processo sócio-histórico dinâmico que
vai além do trabalho sociolinguístico de reconhecimento das variantes em si, um
trabalho que reflete a “heteroglossia dialógica”.
É assim, com essa junção de concepções, que nos voltamos ao ponto em que
Faraco propõe uma mudança de ponto de vista sobre a linguagem. O autor apresenta e
argumenta acerca das visões subjacentes ao ensino de gramática calcado no texto,
prático-intuitivo, ou voltado às normas gramaticais em si, desvinculadas de um contexto
maior ou a serviço de uma interação.
De posse do pensamento de Carlos Alberto Faraco sobre língua, linguagem e
ensino, passamos, na próxima seção dessa tese, a conhecer o trabalho e o referencial
110
teórico de Cristovão Tezza, seu companheiro de pesquisas e escritos, e também
estabelecer relações dessa obra com a concepção dialógica da linguagem.
2.3. Cristovão Tezza: concepções, obras e contribuições
A língua do escritor é uma entidade necessariamente
impura, contaminada, suja de intenções, povoada
previamente de muitas outras línguas (do mesmo
idioma ou fora dele), de milhões de vozes. [...] A
palavra que eu tomo em minhas mãos, como ensina
Bakhtin, não é nunca um objeto inerte há sempre um
coração alheio batendo nela, uma outra intenção, uma
vida diferente da minha vida, com a qual eu preciso me
entender. Assim, a minha liberdade de criação, a minha
palavra, tem na autonomia da voz do outro o seu limite.
Cristovão Tezza
Cristovão Tezza, assim como Carlos Alberto Faraco, também é linguista e ex-
professor da Universidade Federal do Paraná, onde se graduou em Letras em 1981.
Tendo construído sua carreira como romancista concomitantemente a uma produção
teórica, sua atuação acadêmica enfatizou a Teoria Literária, dedicando-se mais aos
temas da prosa e poesia, Mikhail Bakhtin e o Formalismo Russo. Sua dissertação de
mestrado em 1987: Os vivos e os mortos, de W. Rio Apa: visão de mundo e
linguagem51
já expressava sua própria visão de mundo e de linguagem consoante com o
filósofo russo Mikhail Bakhtin a quem considera “uma figura fascinante da teoria da
linguagem”52
. A ligação com Carlos Alberto Faraco remonta há certo tempo e na página
destinada aos agradecimentos de sua dissertação, Tezza escreve: “Em especial, rendo
homenagem ao Professor Carlos Alberto Faraco, meu mestre de muitos anos, a quem
devo boa parte de minha formação teórica [...]” (1987, p.II). Faraco também está entre
as pessoas a quem Tezza dedica sua dissertação.
Sua tese de doutorado publicada em 2003, Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o
formalismo russo, também continua nessa linha teórica, embasada na filosofia de
linguagem bakhtiniana. Ainda na área acadêmica, participou da organização dos livros
Diálogos com Bakhtin (2001), Vinte ensaios sobre Bakhtin (2006), inclusive da primeira
obra sobre o pensador russo no Brasil: Uma introdução a Bakhtin (1988). Em todas as
51
Disponível em: http://www.cristovaotezza.com.br/Trechos/dissertacao%20de%20mestrado%2001.pdf.
Acesso em: 20/03/2013.
52 Entrevista com Carlos Alberto Faraco. Série Paranaenses, nº 5. Curitiba: Ed. da UFPR, 1994, p. 19-36.
Disponível em: http://www.cristovaotezza.com.br/entrevistas/p_94_seriepr.htm. Acesso em:
20/03/2013.
111
organizações aparecem artigos53
seus, assim como Bakhtin continua sendo o centro de
outras publicações como: (1) “Polyphony as an Ethical Category” (2002a); (2) “Poesia”
(2006); (3) “A construção das vozes no romance” (1995∕1997). Na área pedagógica, tem
dois livros didáticos em parceria com Carlos Alberto Faraco: Prática de texto: língua
portuguesa para nossos estudantes (1992) reeditado em 2001, Prática de texto para
estudantes universitários e Oficina de texto (2003).
Em entrevista de 1994, quando questionado por Faraco a respeito de ser um
escritor e professor de português na Universidade Federal do Paraná, não de literatura,
Tezza responde:
Jamais conseguiria dar aulas de literatura. A literatura, para mim, é
uma atividade que prefiro deixar no quarto escuro das minhas
intuições. A ideia de organizá-la didaticamente poderia ser danosa,
colocar demasiada lógica e clarividência no que tem seu impulso
misterioso. Há escritores que fazem bem as duas coisas, e eu os
invejo. Mas sinto-me bem como professor de língua portuguesa;
trabalho com a linguagem não-literária de todos os dias, a língua viva,
e isso me fascina sem invadir o meu mundo romanesco. E trabalhar
com textos diferentes, acompanhar o trabalho de linguagem dos meus
alunos é uma atividade que me dá prazer.
Tezza lecionou de 1984 a 2009 e desde então e dedica-se à literatura, a críticas e
resenhas publicadas em jornais e revistas variados. O escritor recebeu vários prêmios de
literatura, entre eles o Jabuti de melhor romance por O filho eterno, em 2008 e o 1º
lugar no Portugal – Telecom de Literatura em língua portuguesa. Segundo o site do
autor, em 2009, o jornal O Globo considerou esse romance uma das dez maiores obras
de ficção da década no Brasil, tendo sido lançado na França, Itália, Portugal, Holanda,
Espanha, México e Austrália.
Considerando a obra literária reconhecida de Tezza, torna-se difícil colocar de
lado essas produções para nos concentrarmos apenas em seus escritos teóricos, mas
nosso foco de pesquisa é outro. Então, o próximo item desse texto (com algumas
53
TEZZA, C. Discurso poético e discurso romanesco na teoria de Bakhtin. In: FARACO. C.A.;
TEZZA,C.; BRAIT,B.; RONCARI,L.; BERNARDI,R.M.. (Orgs.). Uma introdução a Bakhtin. Curitiba:
Ed. Hatier, 1988.
_____. Sobre o autor e o herói: um roteiro de leitura. In: FARACO, C. A.; CASTRO, G.; TEZZA, C.
(Org.) Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora UFPR. 3ª ed., 2001. p. 273-303.
_____. Sobre a autoridade poética. In: FARACO, C. A.; TEZZA, C.; CASTRO, G. (org.) Vinte ensaios
sobre Bakhtin. Petrópolis: Editora Vozes, 2006, p. 235-254.
112
inevitáveis exceções) será destinado a considerações acerca dos textos desse autor que
nos permita compreender a teoria de língua, linguagem e ensino que professa.
Quando a pesquisa para esta tese foi realizada, o currículo Lattes do escritor
havia tido sua última atualização em 18/08/2003, portanto os textos não mencionados
nesse currículo foram levantados a partir de seu site: http://www.cristovaotezza.com.br.
Procuramos mapear, em ordem cronológica, os dezessete textos que o autor classifica
no site como “não ficção” e que estendemos aqui para não-literários. Há artigos
acadêmicos e/ou jornalísticos publicados a respeito de suas obras literárias que não
serão considerados para os propósitos desse estudo, salvas algumas exceções como a
que apresentaremos mais adiante.
Dentro da categoria de não-literários encontram-se as obras Entre a prosa e a
poesia: Bakhtin e o formalismo russo (2003); Prática de texto para estudantes
universitários (2011) e Oficina de texto (2003) e os artigos já citados.
Apesar de não nos determos aqui nas obras literárias do autor, sabemos também
que não é possível desvincular totalmente um autor, “voz que escreve”, de suas obras e
por essa razão perseguimos a noção de escritor que emerge dos escritos de ou sobre
Cristovão Tezza.
Em seu site há um espaço dedicado aos estudos acadêmicos realizados sobre sua
obra e destacamos aqui o texto de Von Borstel (2006) em que a autora analisa o
romance Trapo (2007). Von Borstel encontra instâncias em que o narrador confunde-se
com o autor, pois na obra o narrador relata fatos da vida de um professor, profissão
desse autor, Tezza. Esse mesmo aspecto é verificado por Tezza a respeito de W. Apa,
obra-tema de sua pesquisa de mestrado (1987). Isso pode nos sugerir que mesmo na
obra de não ficção, caso de PTEU, é possível encontrar traços da escrita de um
professor produzindo um texto para seus alunos.
Essa aparente “mistura” entre narrador e autor-criador encontra-se presente em
O filho Eterno (2007) que Tezza considera um romance e não uma obra autobiográfica
apenas, pois, apesar de a obra ter como objeto sua biografia, um escritor, pai de uma
criança com Síndrome de Down, os fatos retratados são uma refração da realidade
vivida, mas observados por outro olhar.
O texto biográfico ou autobiográfico parte de uma pressuposição de
verdade factual; um acordo tácito se firma quando abrimos uma
“biografia”. Sabemos que, fatalmente, haverá “falhas”, mas isso fará
parte involuntária do jogo intencional biográfico. Já o romance é uma
113
“experiência do olhar” que toma um material da imaginação
(biográfico ou não) como ponto de partida. Na biografia, os fatos são
o ponto de chegada; no romance, são o ponto de partida.
[...] A narração de certa forma “desmonta” aqueles pressupostos. Mas,
é claro, como prosa romanesca há momentos muito fortes – mas eles
são a arte da representação, algo refratado, não o “sentimento em si”.
“O filho eterno”, por incrível que pareça, é um livro racionalizante do
começo ao fim (ainda que perturbado o tempo todo pela força das
emoções)54.
A construção do escritor é um tema caro a Tezza e parece permear suas
pesquisas e escritos iniciais como em “A construção das vozes no romance” (1995∕
1997)55
em que seu interesse pela distinção entre autor biográfico (autor-pessoa) e autor
criador se faz conhecer. Nesse texto, o autor debruça-se sobre o texto de Bakhtin, “O
autor e o herói” 56
para explicar a relação autor/personagem, discussão que interessava o
filósofo russo por sua defesa de que o autor é componente de seu objeto, ao que Tezza
completa: “o espectador também o é” (p. 220). Seu último livro O espírito da prosa
(2012) oscila entre um escrito de memórias e um ensaio que trata de sua relação com a
escrita e, em vários momentos, reforça a postura autoral x a experiência:
Estamos condenados à nossa experiência, que não se redime. Podemos
no máximo evocá-la, mas todo desejo de reprodução, esse impulso
infantil estará condenado ao fracasso. A evocação tem de criar o seu
próprio sentido, que é um novo acontecimento – é o instante presente
redivivo, um evento inédito que nasce sobre as ruínas do passado. Às
vezes nos esquecemos deste dado simples: o ato de escrever é um
evento, não uma reprodução (TEZZA, 2012, p. 40, grifos do autor).
O autor-criador, para Bakhtin, é a consciência da consciência e, assim, introduz-
se um princípio bakhtiniano, a exotopia, que apresenta a realidade como um excedente
de visão em que o acabamento do sujeito só é possível por meio da visão de um outro
que lhe completa o ambiente e o tempo não visíveis por ele. Esse conceito liga-se
54
Entrevista concedida a Susan Blum e disponível em:
http://www.leiabrasil.org.br/index.php?leia=depoimentos/depoimento_cristovao_tezza (Acesso em:
02/02/2012).
55 Texto apresentado no Colóquio Internacional "Dialogismo: Cem Anos de Bakhtin", novembro de 1995,
Departamento de Linguística da FFLCH/USP. Publicado em Bakhtin, dialogismo e construção do
sentido, Editora da Unicamp, 1997 (organização de Beth Brait).
56 Tezza refere-se à primeira tradução brasileira de Estética da criação verbal, a partir do francês por
Maria Ermantina Galvão G. Pereira, 1992, p. 23-220. Quando nos referirmos a esse texto, utilizaremos
“O autor e a personagem na atividade estética”, na versão de Estética da criação verbal traduzida do
russo por Paulo Bezerra [2003] 2006, p. 3-192.
114
intrinsicamente à concepção dialógica da linguagem, em sua orientação bilateral em que
uma palavra completa seu sentido no outro, no já-dito.
Nossas palavras não são ‘nossas’ apenas; elas nascem, vivem e
morrem na fronteira do nosso mundo e do mundo alheio; elas são
respostas explícitas ou implícitas às palavras do outro, elas só se
iluminam no poderoso pano de fundo das mil vozes que nos rodeiam
(TEZZA, 1988, p. 55).
A essa noção, Tezza acrescenta outro conceito de Bakhtin, o autor-contemplador
e sua analogia ao espectador do teatro:
[...] talvez porque, no teatro, seja didaticamente mais visível ainda o
fato de que é o olhar do espectador que cria o objeto, lhe dá uma
unidade e um acabamento que nenhum de seus atores, vivendo a peça
isoladamente, é capaz de ter (TEZZA, 2001a, p. 223).
Essa consciência da consciência não destrói a autonomia do herói, a voz
representada que, refratada pelo autor-criador, conserva-se como uma voz outra,
característica da linguagem romanesca.
Por sua visão do fazer literário, passam suas concepções acerca de língua e
linguagem. Para o escritor, as “línguas” (2001b) não são o conjunto de palavras
circulantes, nem uma gramática normativa ou fonemas combinados, já que são abstratos
e por isso, desprovidos de significação. Esta visão de língua, para Tezza, desconsidera a
principal parte desse esquema, o falante.
Na palavra, há três “complicadores”, como explica o autor. Além daquele que
fala e produz a linguagem, a matéria própria da palavra tem em seu destinatário o
terceiro elemento constituinte da compreensão. Isso reforça o entendimento de que a
força da linguagem consiste de ser alheia, de ser repleta de vozes dos outros, partes
inseparáveis da palavra; importando o que vem de outro lugar, de quem ouve, quanto o
que sai do locutor, o que se diz. Assim, o que se troca não são códigos desprovidos de
valores, mas “desejos, medos, ordens, confissões [...]”, o que se diz da linguagem não é
que seja certa ou errada, mas “verdadeira, mentirosa, bela, nojenta, comovente [...]
(TEZZA, 2001b).
A língua é o espaço que forma o escritor. [...] A questão é que há
tantas línguas – e isso no universo do mesmo idioma – quanto há
escritores. Quando falo de língua, não se trata apenas do simples
depósito de palavras que circulam em uma comunidade, nem de um
sistema gramatical normativo às vezes mais, às vezes menos estável
numa sociedade, numa estação do ano, num sexo, numa região, numa
115
família ou em parte dela, num lugarejo, numa classe social, naquela
rua, num determinado dias, num livro – e quase nunca num país
inteiro.
[...] se desdobramos a palavra, descobrimos que quem lhe dá vida não
é exatamente o falante. Ninguém no mundo fala sozinho. Mesmo que,
numa redução ao absurdo, isso fosse possível – ou seja, uma palavra
que dispensasse os outros para fazer sentido – ela seria uma palavra
natimorta, um objeto opaco à espera de um criptólogo que lhe
rompesse o isolamento, como um Champollion diante de uma pedra
no meio do caminho, mas então a suposta pureza original
autossuficiente estaria destruída (TEZZA, 2001b, p. 36).
Em sua dissertação de mestrado, 1987, Tezza defende que o elemento material
para Bakhtin não se sustenta em si, precisando do todo constituído pelas palavras, cores,
pelos sons que em uma forma organizada estética abandona a característica material
para se concretizar em forma e conteúdo inseparáveis. O autor cita o texto57
“O
problema do material”: “[o objeto estético] constitui-se a partir de um conteúdo
artisticamente formalizado (ou de uma forma artística plena de conteúdo)” (TEZZA,
1987, p. 23) e “O problema da forma”: “A forma artística é a forma de um conteúdo,
mas inteiramente realizada no material, como que ligada a ele” (TEZZA, 1987, p. 23)
ambos de 1924, mas publicados posteriormente em Questões de literatura e de estética:
a teoria do romance (1975∕ 2010a), coletânea de textos de Bakhtin, escritos ao longo de
sua vida.
O autor com essas citações adentra a questão de qual seria a natureza desse
conteúdo, ou ainda mais, qual a significação desse todo indissolúvel (forma e conteúdo)
e continuamos o trecho da segunda citação acima quando Bakhtin explica a maneira
dupla com que a forma deve ser estudada:
1. A partir do interior do objeto estético puro, como forma
arquitetônica, axiologicamente voltada para o conteúdo (um
acontecimento possível) relativa a ele; 2. A partir do interior do todo
composicional e material da obra: este é o estudo da técnica da forma
(BAKHTIN, 2010a, p. 57).
Nesse segundo caso, a forma sendo interpretada apenas como forma resultante
dessa realização no material, uma união do objetivo estético e da natureza do material.
57
Tezza cita trechos em francês de BAKHTINE, Mikhail, Esthétique et théorie du roman. Trad. Daria
Olivier. Paris, Galimmard, 1978, p. 23-82.
116
Mais à frente Bakhtin desvencilha-se do termo técnica que vincula ao formalismo e ao
psicologismo.
Assim, Tezza defende os dois aspectos da forma em Bakhtin: o material e o
valor, pois quando se realiza, significa algo, depende de um material e ao significar
remete “para fora dos limites da obra ela-mesma, entendida como material organizado,
como mero objeto” (1987, p. 25).
Nesse trabalho de pensar a língua, o autor refere-se a uma língua brasileira que
se constitui de uma diversidade de linguagens que caracterizam realidades sociais
diversas. Nesse sentido, faz a necessária distinção entre língua e escrita, uma vez que
cumprem papéis diferenciados na vida real. Se a língua é um conjunto de variedades, o
autor espanta-se com o esforço despendido pela sociedade em preservar uma hipotética
unidade, desconsiderando a “diáspora dessas variedades” (TEZZA, 2005b) e que
culmina no conceito de língua padrão, perpetuado pela escrita. A variedade do prestígio
desconsidera a “belíssima massa verbal viva, cotidiana, dos milhares de gramáticas do
nosso dia a dia, que lhe dão alimento e vitalidade” e perde seu valor social de ser quase
a única maneira de o cidadão adentrar o mundo das leis e do patrimônio cultural de uma
sociedade quando se confunde com a língua e não se distingue de uma cristalização
política e criada culturalmente.
O autor questiona essa primazia da norma padrão, uma vez que em qualquer
língua viva não é possível que as gramáticas normativas continuem sem aceitar como
padrão algumas modificações que a língua vem sofrendo ao longo dos tempos.
Exemplifica com o verbo “haver” cujas construções que o substituem por “ter” são
inaceitáveis. No entanto, passam “debaixo da porta” quando não se consegue uma
explicação plausível para casos como os que acontecem com as regências ou a omissão
das preposições junto aos pronomes relativos.
Não fica de fora desse comentário a formação do imperativo que desde que caiu
em desuso o “tu” em favor do “você” (diga/diz- vem/venha), também é considerada um
erro. Para o autor não há necessidade de se fazer tanta questão na distinção entre
esse/este, por exemplo, já que esse uso está quase extinto na fala e da escrita brasileiras
e ressalta o trabalho do dicionário Houaiss que tem estado atento em registrar as
mudanças da língua ao contrário das gramáticas escolares. Acrescenta que muito bem
faria à língua se esse padrão preconizado se aproximasse do que já vem sendo praticado
117
por escritores e jornalistas que ao usar a língua, modificam-na sem mesmo terem
consciência disso.
Por que hoje no Brasil se fala tanto que “o português corre perigo”?
Há muitas explicações para esse mito, desde a ideia de que a língua de
Carlos Drummond de Andrade está ameaçada pela placa de hot-dog
da esquina (o que gerou até um inacreditável projeto de lei para
proibir estrangeirismos), até a constatação de que houve uma
“decadência do ensino”. O medo do hot-dog é, perdão, ridículo – o
choque dos empréstimos linguísticos é traço inerente a toda língua e
sinal de sua riqueza, não de sua decadência; um breve olhar pela
história do português já nos informa que atravessamos os séculos
devorando estrangeirismos (tupi or not tupi!). Quanto ao ensino, aí
sim, chegamos a outro ponto, mas em outra perspectiva. O ensino era
“maravilhoso” quando se destinava a uma parcela pequena da
sociedade brasileira, seus 30% urbanizados e letrados da classe-média
que cresceu até os fins dos anos 1960. Mas nos últimos 40 anos
processou-se uma ampliação significativa do alcance escolar ao
mesmo tempo em que se consolidou a mudança do espaço urbano
brasileiro, cuja população suplantou a rural – e nesse processo, a
“língua brasileira” mostrou a cara, quase que subitamente. O padrão
elitizado que se mantinha apenas numa faixa da população não
encontrou vontade política para se universalizar junto com a escola
que se expandia. Ao mesmo tempo, a ampla mobilidade social e
geográfica do povo brasileiro, aliada ao crescimento das
comunicações de massa trouxe à tona, agressiva, esta língua
subterrânea que, até então, só entrava nos salões devidamente
paramentada por Guimarães Rosa ou confinada no exótico da
chamada “cultura popular” ou “caipira” (TEZZA, 2005b)58
.
O escritor não deixa de fora as mudanças educacionais ocorridas no final do
último século em relação ao acesso da população à educação. Ironiza aqueles que se
referem ao passado como “maravilhoso” porque apenas uma pequena parcela da
sociedade se beneficiava dele. Exalta a linguística que descreve a língua falada e escrita
pela sociedade e não apenas a privilegiada escrita advinda da literatura clássica, mesmo
que brasileira. Postura que evidencia um linguista engajado em discutir a primazia da
norma culta e as descrições da língua em uso.
A esse respeito, Tezza, em outro momento, perguntado sobre sua experiência
com a leitura e escrita de universitários, responde:
A categoria “universitários” é ampla demais! Depende do curso,
depende da seleção, depende do vestibular, depende do segundo grau,
58
Publicado em Leituras Compartilhadas, 2005, revista de (in)formação para agentes de leitura (ano 6,
fascículo 19; p. 20-21), publicação de Leia Brasil - Organização Não Governamental de Promoção da
Leitura – Disponível em: http://www.cristovaotezza.com.br/textos/palestras/p_linguabrasileira.htm.
Acesso em: 01∕01∕2013.
118
depende da turma, depende da universidade. Toda generalização nessa
área cai na frase-feita ou no chute. A minha experiência como
professor é limitada para generalizar. Digamos que na área de Letras e
de Comunicação, que conheço mais de perto, há alguns “bolsões”
carentes no domínio da escrita. Chutando, diria que 30% dos alunos
têm um domínio de língua padrão escrita abaixo do padrão
desejável.59
Segundo Tezza (2002b), à época da construção de PTEU, e levando em
consideração as necessidades dos seus alunos, pretendeu-se seguir alguns princípios de
linguagem que foram norteadores da elaboração:
a- “Toda questão sobre a língua deve começar de uma perspectiva linguística e não
normativa”. Essa apresentação leva o autor à justificativa de que o aluno que
compreenda a variedade linguística que se revela através de vários textos circulantes na
sociedade aprende mais facilmente as regras normativas ao localizar essa regra em
funcionamento na vida.
b- É importante que o aluno consiga perceber a variedade de usos da linguagem
“como expressão indispensável de sua própria realidade”.
c- É necessário que se perceba a diferença entre oralidade e língua escrita de forma
contextualizada determinada por “universos gramaticais e valorativos distintos”.
d- A língua padrão deve ser percebida como uma construção histórica em que o
aluno compreenda seus usos para que possa obedecê-la como usuário real.
e- Se todos os pressupostos acima forem condizentes com um ensino significativo
existirá uma pergunta a ser respondida quanto à finalidade da norma culta. Pretende-se
que os alunos escolham pelo seu aprendizado a partir da sua significância e não
obrigatoriedade quase sempre penosa para eles.
Para Tezza, esses princípios suscitam, ao mesmo tempo, outras questões para o
ato pedagógico. Assim como Faraco (2006) e Geraldi (2010), o autor postula que a
língua padrão não surgiu nos textos literários e não pode servir como referência para os
usos concretos da vida cotidiana por ser apenas mais uma das linguagens
contemporâneas.
Esse pressuposto em relação à norma culta é indispensável para o aluno ao
trabalhar com a língua, pois a leitura cotidiana se traduz pela variedade de textos
59
Entrevista concedida a Susan Blum e disponível em:
http://www.leiabrasil.org.br/index.php?leia=depoimentos/depoimento_cristovao_tezza (Acesso em:
02/02/2012).
119
circulantes (textos publicitários, horóscopos, etc.) que são relevantes para o domínio
padrão. O reconhecimento da língua padrão não existe por si só, mas na consolidação de
um gênero construído social e historicamente.
Ainda defendendo a proposta pedagógica de PTEU, Tezza faz uma distinção
entre os gêneros e discute que é imprescindível ao aluno perceber as diferenças entre um
texto de opinião e um informativo e mostra que dentro da esfera escolar há uma
confusão desses termos que resulta num texto que “fora do tempo e do espaço, não
informa nem opina”.
Em relação ao ensino formal da língua, o autor não diminui a importância do
ensino da técnica do parágrafo, a importância da vírgula, do uso adequado dos
conectores até os exercícios sintáticos mais complexos e repetitivos, mas defende que
esse ensino deva se dar através de textos autênticos e tópicos gramaticais de forma que
complementem o objetivo de ensinar o domínio da escrita e não a formulação de regras.
O autor fecha seu comentário a respeito dos princípios norteadores da construção de seu
livro reforçando que “a palavra só faz sentido como texto, e não como frase” e que há
um princípio inerente a toda criação: o do inacabamento. Nenhum material pode ser
definitivo e por melhor que seja sempre suscitará novas conduções de novos manuais
didáticos que se pretendam condizentes com a natureza da vida de ser inacabada.
Após nossa apresentação da visão teórica do autor do material é importante
salientar que, apesar de termos algumas categorias de análise pré-selecionadas como
norteadoras do estudo, consideramos a postura investigativa de respeitar as informações
que emergem do contato com o corpus.
A partir desse estudo, concluímos que as noções de interação verbal e enunciado
concreto, conceitos-chave da perspectiva dialógica da linguagem, assim como o
dialogismo, elemento constituinte da linguagem e eixo norteador do pensamento
bakhtiniano, estão presentes nos textos intelectuais de Carlos Alberto Faraco e
Cristovão Tezza. Desta forma, e reafirmando nossa filiação a esse referencial teórico-
metodológico, apresentamos no capítulo a seguir, as categorias de análise desta tese: a
interação verbal e sua relação com os gêneros do discurso. Para tanto partimos do
conceito de signo ideológico, elemento seminal onde se assentam e de onde partem
todas as considerações aqui já realizadas sobre a linguagem.
O capítulo seguinte desta tese tem como proposta apresentar a articulação
realizada entre a concepção de linguagem do autor e a que emerge do livro Prática de
120
texto para estudantes universitários. Para tanto, analisamos a 1ª e a 20ª edição do livro e
buscamos as mudanças realizadas entre a 1ª edição, em 1992 e a 2ª reimpressão, 2001.
O volume que analisamos, a 20ª edição de 2011, é o mesmo desde a reimpressão. Além
das mudanças realizadas no acréscimo e na substituição de textos, formas gramaticais e
lexicais utilizadas, analisaremos as instâncias de interação entre o autor e seu leitor-
aluno no encaminhamento das atividades de escrita. Para um estudo mais específico, procedemos a uma análise da interação autor-
leitor no Capítulo Dois – As linguagens da língua -II (2011), e os conceitos
bakhtinianos mobilizados pelo autor.
121
CAPÍTULO 3
A construção de PTEU - trabalho e retrabalho de linguagem
Em todos esses tópicos, o material se articula mais
como um roteiro de trabalho para professor e estudante
do que como um manual de definições acabadas para
um receptor passivo. Desse modo, o livro vai em sentido
contrário ao da tradição escolar. Nossa hipótese é a
que a quebra desta postura meramente normativa
diante dos fatos da língua é o primeiro passo para que
o ato de escrever ganhe significação real,
transformadora, para quem escreve.
Faraco-Tezza
Neste capítulo, descrevemos e analisamos a organização estrutural e discursiva
do livro PTEU. Esta descrição é feita em confronto entre a primeira e a vigésima
edições considerando as modificações estruturais, linguísticas e discursivas realizadas
entre uma e outra. Nosso objetivo é compreender como o autor constrói a ideia de
produção textual a partir da sua interação com o leitor-aluno. Para tanto, identificamos e
analisamos as diferentes instâncias enunciativas instauradas no texto do Capítulo Dois -
As linguagens da língua-II, para reconhecer e interpretar a maneira como o autor se
dirige ao seu leitor ao longo do capítulo que se propõe a ensinar gêneros discursivos e
estabelecer um padrão de interação para a análise dos outros capítulos de PTEU.
3.1 Percurso da obra: primeira e vigésima edições
Da experiência vaga e obscura até a impressão do livro
tudo o que acontece é uma elaboração e uma expansão
daquela estrutura social que foi estabelecida desde os
primeiros sinais de consciência do homem. Não há
fronteiras visíveis entre os diversos pontos deste
processo, o ato solitário da criação e o encontro com o
público. E nem pode haver: a experiência interior foi
expressão exterior desde o seu início (ainda que velada)
e o ouvinte (apesar de apenas hipotético) foi sempre,
desde o início, um elemento essencial de sua estrutura60
Valentin N. Voloshinov/ Mikhail M. Bakhtin
60
Tradução nossa de: “From the vague and obscure experience right to the printing of the book all that
happens is an elaboration and an expansion of that social structure which was laid down at the first
stirrings of man´s consciousness. There are no clear boundaries between the various points in this process
– between the lonely act of creation and the encounter with the public – nor can there be: the inner
experience from its very beginning was outer expression (albeit covertly); and the listener (even though
only hypothetical) was right from the start an essential element in its structure” (VOLOSHINOV;
BAKHTIN, [1930] 1983, p. 111).
122
O livro Prática de texto: língua portuguesa para nossos estudantes, de Carlos
Alberto Faraco e Cristovao Tezza, teve a sua primeira edição em 1992, com 243
páginas, e a segunda, em 1993, sem nenhuma alteração. Em 2001, o livro teve uma
reedição, na qual há mudança de título para Prática de texto para estudantes
universitários. A obra encontra-se em sua vigésima edição (2011), totalizando trezentas
páginas 61
. É importante observar esta alteração na nomenclatura do livro, pois isso
indica que houve, por parte do autor, um repensar sobre seu público-alvo, o contexto
deste público, traçando, portanto, um novo diálogo, uma nova enunciação.
Observamos que o leitor de primeira viagem só saberá estar diante de uma obra
revista, re-editada por duas indicações. No texto da orelha de PTEU (2011), o editor
(deduzimos que seja o editor, apesar de o texto não estar assinado) apresenta a obra da
seguinte forma: “A proposta dos autores desta Prática - agora em edição totalmente
revista e consideravelmente ampliada – é resultado de muitos anos de experiência com
textos de estudantes universitários”. Em seguida, na página 4, nas indicações
bibliográficas da obra há duas datas em sequência “1992, 2001”. Sabemos por pesquisas
que a primeira edição é de 1992 e a segunda edição acrescentada é de 2001, conforme
explicitamos acima.
Escolhemos a primeira e última edição para identificar possíveis alterações
realizadas entre uma e outra , entender quais as razões dessas mudanças e em que isso
resultou do ponto de vista discursivo. Nossa proposta de comparação das duas edições
objetiva descobrir em que medida as mudanças no léxico e na entonação criam novas
relações de sentido que indiquem uma nova posição pedagógica, ou mesmo um novo
enfrentamento da linguagem em situações de ensino na contemporaneidade.
3.1.1 Objetivos, características e atividades
Os objetivos de PTEU não podem ser desvinculados de sua trajetória. Conforme
apresentado anteriormente, o livro foi escrito a partir de observações das necessidades
que alunos universitários de uma instituição federal apresentavam no uso da língua.
Desta forma, a primeira edição do livro (1992) surge em diálogo com outra obra
anterior, Língua portuguesa: prática de redação para estudantes universitários, de Carlos
61
A partir desse momento, quando fizermos referências a ambas as edições, omitiremos a autoria
mantendo o ano de publicação e a respectiva página.
123
Alberto Faraco e David Mandryk (1987), que já havia apontado uma lacuna no mercado
editorial de livros didáticos para o ensino superior.
A obra, então, pretendeu, à época de sua criação, sistematizar os principais
problemas de escrita e leitura vivenciados por essa faixa educacional e se desvincular
das tão frequentes e comuns apostilas xerocadas preparadas por professores. Esses
materiais, cujos objetivos são válidos, na visão do autor, mostravam-se ineficientes pela
falta de um posicionamento teórico-metodológico consistente acerca do conceito de
língua, linguagem e ensino.
PTEU tem posições claras quanto ao ensino de língua que deve basear-se em
reflexões do que seja linguagem e qual o seu papel na constituição do ser humano e sua
vida em sociedade. A linguagem expressa pelo livro considera a interação sem a qual
não há discurso e pensamento. O eixo central são as variações linguísticas e os
contextos de uso em que a gramática padrão é apenas mais uma delas.
A fim de uma melhor compreensão dos objetivos do livro, destacamos o texto
inicial de PTEU, denominado de Apresentação (p. 7-8) em que o autor justifica sua
obra. Como pretendemos colocar as duas edições (1992/2011) em confronto, mostramos
abaixo esse texto introdutório que, em ambas as edições, é composto por duas páginas.
124
Figura 1: PTEU - Apresentação (1992, p. 7-8).
Figura 2: PTEU - Apresentação (2011, p. 7-8).
Nesse texto, o autor apresenta o seu interlocutor primordial: o aluno
universitário, identificado como aquele que tem necessidade de dominar, com destreza,
a escrita em sua formação.
Segue-se o parágrafo inicial da Apresentação nas duas edições:
1ª: Este livro didático foi escrito com vistas a um enfrentamento
diferenciado dos problemas de texto dos universitários, em especial
nos cursos em que o domínio da língua padrão é condição primeira
para o bom desempenho do aluno. O ponto de partida do material
foi a convicção de que o trabalho com a linguagem escrita deve ser
acompanhado de reflexões sociolinguísticas de natureza mais
ampla, que permitam ao estudante localizar a língua padrão, em
suas múltiplas formas, no universo das linguagens sociais (1992,
p.7, grifos nossos).
20ª: Este material didático se destina primordialmente a estudantes
universitários, em especial àqueles em cujo curso o domínio da escrita
é parte fundamental de sua formação. O conjunto do livro procura
oferecer uma abordagem inovadora da produção de textos e da língua
padrão. O ponto de partida do material foi a convicção de que o
trabalho com a linguagem escrita deve ser acompanhado de
reflexões sociolinguísticas de natureza mais ampla, que permitam
ao estudante localizar a escrita padrão, em suas múltiplas formas,
no universo das linguagens sociais (2001, p. 7, grifos nossos).
125
Na primeira edição o autor advoga “um enfrentamento diferenciado dos
problemas do texto dos universitários”, já na vigésima, esse trecho não aparece. No
primeiro fica pressuposto que há necessidade de enfrentar um problema. O fato de isso
não constar na vigésima edição atenua a visão de texto, de produção de texto como algo
penoso, difícil.
Torna-se relevante para a inserção da nossa investigação na linha de pesquisa
Linguagem e Trabalho a defesa do autor de como deve ser um trabalho com a
linguagem. É exatamente por meio desse trabalho que perseguimos o sujeito instaurado
no discurso do livro.
A linguagem, enquanto trabalho, constitui a língua (sistema simbólico
mediante o qual se opera sobre a realidade) e constituía realidade sob
a forma de um sistema de referências em que a língua ou qualquer
outro sistema simbólico se torna significativo. [...] o trabalho na
linguagem também constitui o sujeito da linguagem. Um indivíduo se
torna sujeito da linguagem no trabalho com a língua. Neste sentido, o
trabalho é individual. Daí o sujeito fazer escolhas, exercer
preferências, agir segundo um ponto e vista, uma visão de mundo
(VIDON, 2003, p. 80).
E são exatamente as escolhas realizadas pelo autor no seu trabalho de construção
de PTEU, esse um retrabalho de linguagem, pois parte de uma edição de partida (1992)
revista em 2001 que chegamos a esse sujeito da linguagem em interação com um sujeito
leitor em uma esfera editorial voltada para um uso pedagógico.
Nessa busca pelo retrabalho do autor e para facilitar a visualização das
semelhanças e diferenças entre as edições, deixamos em negrito o texto que se manteve
na vigésima edição, em que o autor apresenta sua postura teórico-metodológica.
Sublinhamos as diferenças no léxico escolhido para iniciar o capítulo. Como exemplo,
“livro didático”, na primeira, e “material didático”, na vigésima.
Na primeira edição, o autor inicia o texto apresentando a motivação da escrita e
o destinatário “enfrentamento diferenciado dos problemas de texto dos universitários” e,
em seguida, o contexto escolar do destinatário “[...] em especial nos cursos em que o
domínio da língua padrão é condição primeira para o bom desempenho do aluno”.
Comparando-se as formulações, vemos o trabalho do autor-revisor que promove
trocas lexicais “livro didático” para “material didático” ressignificando as condições de
produção da primeira versão. Como se trata de uma nova obra, e se considerarmos a
memória desse texto, estamos nos referindo mais a um material didático que a um livro
126
apenas. A palavra, seguindo nossa concepção teórica, muda de sentido quando muda de
contexto, ou seja, a vigésima edição constrói um novo enunciado havendo um
deslocamento também discursivo. Essas mudanças de sintagma nominal, verbal e
expressões completas são frequentes na obra e serão comentadas oportunamente.
Na vigésima edição, o parágrafo é iniciado com o destinatário do material
“estudantes universitários” para em seguida passar ao contexto escolar, mas ampliando
a esfera em direção ao perfil profissional do aluno (“[...] em especial àqueles em cujo
curso o domínio da escrita é parte fundamental de sua formação”). Na primeira edição
não há referência direta ao objetivo principal do livro como na vigésima: “O conjunto
do livro procura oferecer uma abordagem inovadora da produção de textos e da língua
padrão”, 2011, p. 7). A própria escolha do sintagma nominal “o conjunto do livro”
reforça nossa ideia de um material que tem história.
O segundo parágrafo apresenta a divisão do livro, descrevendo os capítulos, que
variam de uma edição para a outra: “Os cinco primeiros capítulos tratam justamente
desse aspecto [...]” (1992, p.7); “ Os sete primeiros capítulos tratam justamente desse
aspecto [...] (2011, p.7). Dentro desse segundo parágrafo, a primeira edição direciona o
livro também ao professor e explica que a metodologia a ser seguida é a de um “roteiro
de trabalho para professor e estudante ” e não um “manual de definições acabadas para
um receptor passivo”. O mesmo aparece na vigésima edição quando direciona o livro:
[...] primordialmente a estudantes universitários, em especial àqueles
em cujo curso o domínio da escrita é parte fundamental de sua
formação.
[...] o material se articula mais como um roteiro de trabalho para
professor e estudante do que como um manual de definições acabadas
para um receptor passivo (2011, p.7).
O “roteiro de trabalho” proposto ainda reforça a ideia de que a teorização da
língua ficará sempre em segundo plano em favor da atividade prática do aluno como
leitor e autor, valorizando sua experiência em situações cotidianas e na vida escolar.
Nesse momento do texto de introdução, o autor destaca uma postura do livro de
investir na significação de um ato de escrever real e transformador. Assim, ser contrário
a uma tradição escolar que considera “meramente normativa” e, portanto, “ineficaz”.
Também por essa razão, analisaremos as situações de escrita propostas ao aluno a fim
de podermos refletir sobre os sentidos materializados nas propostas que demonstrem um
processo de construção do sujeito do discurso. O objetivo do livro também enunciado
127
em “oferecer uma abordagem inovadora da produção de textos” guiou-nos na
investigação da organização do livro que apresentaremos a seguir. Procuramos no texto
dos capítulos a concepção de linguagem escrita de PTEU que, acreditamos, guia a
construção da seção Prática de texto destinada às propostas de produção escrita.
O direcionamento do livro ao professor e a apresentação da postura do livro,
estão em parágrafo separado (3º) na vigésima edição. Mantém-se a ênfase no “roteiro de
trabalho” em vez de “um manual de definições acabadas para um receptor passivo”.
Conforme Bornatto, a respeito desse termo:
Em francês, o termo usual para livro didático é, literalmente, “manual
escolar”. No Brasil, às vezes “livro” e “manual” são usados como
sinônimo, assim como “didático” e “escolar”, mas o termo português
“manual” pode ser associado a um volume completo, autônomo
(conforme o Dicionário Houaiss: obra de formato pequeno que
contém noções ou diretrizes relativas a uma disciplina, técnica,
programa escolar etc), sentido que não se associa tão facilmente a
“livro didático” (2011, p.9, grifos da autora).
A distinção que o autor faz entre material didático, roteiro de trabalho e manual
de definições acabadas corrobora a afirmação de Bornatto e as outras aparições da
palavra “manual” em PTEU referem-se a esse material de noções ou diretrizes citado
acima.
Nesse sentido, PTEU não fornece ao professor um manual62
ou guia com
respostas previstas e direcionamentos teóricos como é comum encontrarmos em livros
ou coleções didáticas destinados ao ensino básico, talvez por considerar que cada
situação de ensino-aprendizagem é única e não se pode prever os contextos em que o
livro será utilizado.
Quanto ao foco do livro, destaca-se a posição do autor-criador Tezza a respeito
do ensino da escrita:
[...] A especificidade da escrita apresenta exigências técnicas
incontornáveis. Isto é, ninguém aprende a escrever nada sem
enfrentar, na prática, a produção de textos, o que significa confrontar
em cada curva no papel a distância difícil entre o que se diz e o que se
escreve, desde a noção quase que puramente gráfica de parágrafo até a
62
Possenti (2003) em apresentação de livro de Faraco já mencionado anteriormente [Linguagem &
Diálogo...] exalta o trabalho do linguista brasileiro em esclarecer pontos relacionados à obra do pensador
russo e finaliza: “Então Bakhtin resolveu todos os problemas teóricos e metodológicos? Nada mais
antibakhtiniano. Pensar assim seria reduzir seu pensamento a um manual, que é o que menos se pode
fazer, seja porque continua havendo história e vida, seja porque seu fraco talvez seja exatamente a falta de
decisões metodológicas. O que não é um problema grave, porque nunca se pretendeu cientista” (p. 9,
grifo nosso).
128
convenção abstrata da vírgula; desde a necessidade do uso dos
relatores nos momentos em que a vida real soluciona com um dedo
apontado, até o artifício dos plurais em sequência, em
desaparecimento na vida cotidiana. No terreno dessa prática, não
podemos ter nenhum dogma - tudo que favoreça o domínio da escrita
pode estar na cartilha, desde a simples cópia (essa grande injustiçada,
podemos dizer, porque não escrevemos apenas "mentalmente" - a
escrita é também uma permanente repetição de formas) até os
exercícios mais complexos de transformação sintática. Em qualquer
caso, considero extremamente recomendável que o material didático
só trabalhe com textos que de fato existam no mundo real -
principalmente nos tópicos gramaticais avulsos. Que, aliás - se o
objetivo central é o domínio da escrita, e não a formulação de regras -
devem ser sempre subsidiários, posteriores, complementares
(TEZZA, 2002b, p. 42).
A citação acima parece apresentar o que Tezza acredita ser “uma abordagem
inovadora da produção de textos e da língua padrão”. Os verbos utilizados “aprende”,
“enfrentar”, “confrontar”, “diz”, “escreve” revelam uma visão que o autor tem desse
leitor ativo que age em busca de seu aprendizado. Um aprendizado que respeite o
sujeito, que lhe propicie condições de argumentar, tomar uma posição e dialogar com
opiniões e vozes diversas. A própria escolha da palavra “Prática” reforça esse sentido.
Cabe ao aluno a responsabilidade por seu aprendizado e o livro que ele tem em mãos
pretende facilitar esse contato com a linguagem, apresentando-lhe textos reais e
propostas de situações que ele encontra facilmente no seu dia a dia.
Faraco (2000), corroborando a visão de Tezza, expande a ideia de “textos que de
fato existam no mundo real” com a inserção dos gêneros no ensino, ressaltando que
apenas a leitura de textos diversos não garante o aprendizado da produção escrita se esta
não for estimulada:
Esse estímulo, portanto, deverá sempre caminhar no sentido oposto à
tradicional aula da redação, pois deve levar nosso aluno à ideia de
que o ato de escrever exige particularidades genéricas que precisam
ser respeitadas – determinados aspectos estilísticos de uma resenha,
por exemplo, não estão presentes numa dissertação ou num texto de
propaganda e vice-versa. Em suma, o professor de língua materna
deve estimular o aluno a refletir sobre as diferenças genéricas
existentes entre os mais variados tipos de textos. Cabe a ele mostrar o
papel desses gêneros no processo social de interação verbal, como
forma de garantir a competência e a adequação discursiva do aluno
para as mais variadas situações de interação socioverbal a que ele
poderá ser exposto fora dos limites escolares. Isto é, no fundo, o que
devemos fazer como professores de língua materna é, mais do que
tudo, seguindo os princípios teóricos de BAKHTIN, levar para dentro
da sala de aula – até onde o limite natural da escola permite – a
129
realidade dinâmica das relações linguísticas que estão acontecendo
fora dela (FARACO, 2000, p. 8).
Nessa direção, o texto da Apresentação, no 3º parágrafo (primeira edição) e no
4º parágrafo (vigésima) detalham as divisões do livro em duas partes, nomeiam os
capítulos e descrevem-nos brevemente em relação aos gêneros escolhidos, pontuando a
esfera jornalística como referência básica, além dos textos teóricos presentes na
primeira parte. O objeto de ensino texto é apresentado como um dos tópicos mais
relevantes, revelando uma noção de texto como “realidade discursiva” e começa a
figurar no título a partir do capítulo 6 (primeira edição), 8 (vigésima), focando ambos,
os textos de informação. Diferenciam-se nos títulos, porém: a primeira edição nomeia-
os Texto de informação I e II; Argumentando I, II e III e a vigésima, Texto de opinião I
e II; Texto de opinião I e II e O texto crítico.
No que tange à gramática padrão, a proposta é de que essa permeará os
conteúdos, será abordada nos termos da norma-padrão, mas considerada como uma
gramática entre tantas outras, reafirmando ao aluno a realidade das variações
linguísticas.
Destacamos, assim, as acepções teóricas escolhidas pelos autores nessa
Apresentação:
1ª e 20ª: [...] O ponto de partida do material foi a convicção de que o
trabalho com a linguagem escrita deve ser acompanhado de reflexões
sociolinguísticas de natureza mais ampla, que permitam ao estudante
localizar a escrita padrão, em suas múltiplas formas, no universo das
linguagens sociais” (2011; 1992, p.7).
1ª: [...] Em qualquer caso, a teoria sobre os fatos da língua, com
suas inevitáveis tábuas de definições, estará sempre em segundo
plano, em favor da atividade prática fundamentada em boa parte
na intuição do estudante e na sua experiência como leitor e
praticante da escrita ao longo de sua vida escolar” (1992, p.8,
grifos nossos).
20ª: [...] Em qualquer caso, a teorização sobre os fatos da língua
estará sempre em segundo plano, em favor da atividade prática
fundamentada principalmente na intuição do estudante e na sua
experiência sociocultural de leitor e praticante da escrita ao longo
de sua vida escolar (2011, p.8, grifos nossos).
Lembramos nossa estratégia de visualização de colocar em negrito o texto que se
manteve na vigésima edição e sublinharmos o trecho que não foi mantido (“com suas
inevitáveis tábuas de definições”) e acrescentado (“sociocultural”). Sem destaque estão
130
as expressões que foram retextualizadas (“a teoria”- “teorização”; “em boa parte” -
“principalmente”; “como leitor” - “de leitor”).
A reformulação “teorização” na vigésima edição aponta para um novo
posicionamento do autor que, provavelmente, não considere que uma única teoria possa
dar conta da complexidade da língua ou mais, que nesse caso “teoria” tenha seu sentido
relacionado a gramáticas normativas, assunto que PTEU lida com muita cautela e
distinção.
Ambas as apresentações são finalizadas com uma citação reconhecendo que a
postura metodológica do livro é utópica: “Enfim, a utopia é esta, repetindo as palavras
de Alcir Pécora63
: ‘... uma prática capaz de, reconhecendo a natureza dos problemas a
ser enfrentados, renovar o papel crítico que cabe ao ensino no processo de
conhecimento’.” (FARACO; TEZZA, 2011, p.8). O sentido de inacabamento, da
inconclusividade manifesta-se nessa passagem, pois o autor pretende inserir sua obra na
imensa cadeia de enunciados já ditos e por dizer a respeito do ensino da língua.
Além da proposta de avançar em direção a um ensino significativo para o aluno,
depreendemos a noção [pensamento bakhtiniano] de linguagem pelas acepções teóricas
apresentadas e pela ênfase em um destinatário que não seja passivo, um leitor real ou
virtual. Além disso, o reconhecimento da necessidade de se apresentar ao aluno “a
escrita padrão, em suas múltiplas formas, no universo das linguagens sociais” (2011, p.
7).
Após o texto da Apresentação, iniciam-se os catorze capítulos cuja organização
divide-se em seções: Atividade, Prática de texto, Língua Padrão e nas subseções:
Exercício, Roteiro de leitura, Texto. Apesar de esses serem os títulos e subtítulos
básicos encontrados, nem todos os capítulos apresentam as mesmas seções e/ou
subseções.
Para exemplificar, destacamos as divisões dos dois primeiros capítulos de PTEU
(2011):
63
Professor de teoria e crítica literárias da Universidade de Campinas (Unicamp). Autor de vários livros,
entre eles: Por que ler Hilda Hilst (2010) e Índice das coisas mais notáveis (2010). Sua produção
consiste de inúmeros trabalhos acadêmicos, críticas e resenhas para jornais e revistas. Há em PTEU
(2011) dois textos seus: “13 problemas e 1 figurino” (p. 100) e “Problemas de argumentação na redação
escolar” (p. 192). Além dos textos, na página 111, é apresentado um roteiro com sete distinções entre
língua e escrita, baseado em seu livro Problemas de redação. O autor também é citado na Apresentação
do livro, conforme trecho acima.
131
CAPÍTULO
UM
AS LINGUAGENS DA LÍNGUA- I
Seções Atividade 1- Afinal, o que é a
língua? Subseções Exercício 1
Atividade 2- Um conjunto de
variedades
Diversidade linguística
Variedade e valor
Atividade 3- Variedade e
gramática
Exercício 2
O princípio da regularidade Exercício 3
Atividade 4- Leitura Texto 1- Não existem
línguas uniformes- Sírio
Possenti
Texto 2- [Sobre a
estratificação da
linguagem]- Mikhail
Bakhtin
CAPÍTULO
DOIS
AS LINGUAGENS DA LÍNGUA- II
Seções Atividade 1- Os gêneros da
linguagem Subseções
Alguns exemplos de gênero Exercício 1
Atividade 2- Os gêneros da
linguagem escrita
Exercício 2
Atividade 3- Alguns gêneros da
escrita
Texto Textos 1 a 17
Atividade 4- Estrangeirismos:
que fazer?
Texto 18- Chiques e
Famosas
Ignorância e oportunismo
Dois fatos a considerar
Vocabulário e estrutura
gramatical
Tudo bem, mas o que fazer
quando escrevemos?
Atividade 5- Leitura Texto 19- Meditação sobre
o calor das palavras- José
Castello
Quadro 5: Seções e subseções dos capítulos 1 e 2 (20ª edição, p. 9-38).
Os dois capítulos apresentados não trazem a seção Prática de Texto e somente a
partir do Capítulo Três sugere-se uma produção de texto ao aluno. O Roteiro de leitura
inicia-se a partir do Capítulo Cinco. Pretende-se, com isso, discutir com o aluno os
aspectos relacionados à língua e linguagem para somente depois sugerir que ele
132
apresente sua compreensão de variedades linguísticas e gêneros. A seção Língua
Padrão inicia-se no Capítulo Oito.
Como fica visível no quadro acima, o capítulo já se inicia com uma atividade,
totalizando quatro no capítulo 1 (2011). O autor nomeia Atividade as instâncias em que
apresenta a teoria do subtítulo indicado, assim todos os capítulos do livro (2011)
iniciam-se com este título. Questionamos se essa escolha resulta de uma filiação teórica
em que se considere esse momento de reflexão acerca da linguagem, uma atividade. Ou
se é apenas uma convenção editorial a ser seguida pelos livros que integram a
denominada literatura universitária, pois PTEU encontra-se na seção Letras e Literatura
da Editora Vozes, mesma seção em que se encontra outro livro do autor: Oficina de
Texto que segue a mesma divisão e nomeação dentro dos capítulos.
Conforme apresentamos no capítulo 2 desta tese, a linguagem para o autor-
criador Faraco (1984; 2000; 2005; 2006; 2008) é concebida como um conjunto aberto e
variado de práticas sociointeracionais desenvolvidas por seres situados historicamente.
A linguagem, nesse ponto de vista, não existe como um fim em si mesmo, mas tão
somente nas trocas realizadas por sujeitos, nos contextos sociais em que constitui e é
constituída. Decorre, então, que linguagem envolve interação e para compreender sua
constituição é necessária uma conceituação própria do que seja interação, linguagem e
atividade (Faraco, 2005, p. 214).
Nesse artigo, Faraco fundamenta-se teoricamente recorrendo ao pensador norte-
americano George Herbert Mead (1863- 1931) e ao psicólogo bielo-russo Lev Vigotski
(1896-1934) cujas concepções de linguagem passam pela característica principal de
ação intersubjetiva que, ao internalizar-se, se transforma em ação intrasubjetiva,
contrariando a visão de linguagem-estrutura.
É possível um diálogo entre Vigotski e Bakhtin uma vez que a dimensão
interativa da atividade humana é privilegiada pelo primeiro na educação e pelo segundo,
nos estudos da linguagem (FERNANDES et al, 2012, p. 96). Para Vigotski, a cognição
é “vista como uma atividade que se dá primeiro na interação e é internalizada, trazendo
para o interior o movimento do exterior (p. 215, grifo nosso).
Não pretendemos adentrar essa discussão entre os pontos de convergência ou
divergência teórica porque teríamos de considerar muitos outros aspectos históricos e
teóricos de tradição filosófica em que ambos, Vigotski e Bakhtin, estavam inseridos
(BRANDIST, 2012). Partimos do ponto central de que o estudo da interação com esse
133
enfoque interacional não só permite compreender o funcionamento da linguagem, como
também o surgimento da subjetividade nos indivíduos cuja construção só se dá em
contexto sociointerativo.
Faraco (2005) insiste na ideia de que a linguagem deve ser tratada como
atividade e não estrutura, mas reconhece a lacuna teórica que concilie as duas faces da
linguagem. Oferece como sugestão de reflexão que pensemos na linguagem-interação a
partir das macroestruturas e indica os gêneros do discurso como exemplo.
O linguista alerta-nos ainda sobre o “silêncio” a respeito do ensino da estrutura e
a ênfase exagerada nas questões sociointeracionais e sugere a atividade como uma ideia
já pensada por Humboldt, seguido por Voloshinov a respeito da língua como
atividade64
.
Se não há no horizonte uma teorização que nos forneça as bases para
pensar o estrutural a partir de atividade (o estrutural como ponto e
chegada e não como ponto de partida, para aproveitar a proposta
programática do linguista russo Valentin Voloshinov [...] lemos, com
certo espanto, num Chomsky65
mais recente [...] a asserção de que a
estrutura (a sintaxe) é cientificamente cognoscível, mas a atividade,
face à sua heterogeneidade, complexidade e imprevisibilidade, não o
é: constitui antes um conjunto de mistérios que nunca serão resolvidos
pela mente humana (FARACO, 2005, p. 217, grifos nossos).
Contrariando Chomski, Faraco ressalta que dentre todos os filósofos que
puseram a interação no centro dos seus estudos, Bakhtin e o Círculo foram os que mais
conseguiram avançar na questão, colocando a interação em lugar de constituição e base
para o ser humano. Nesse aspecto, está um dos pilares do pensamento bakhtiniano que
considera as posições socioavaliativas que emergem das inter-relações responsivas
como força motriz das práticas culturais (FARACO, 2008a, p. 38). Não há vida da
linguagem sem a interação. É entre os sujeitos organizados socialmente que se
produzem sentidos, é essa interação que dá vida à palavra assim considerada palavra
concreta. “Toda palavra é inevitavelmente dupla e todo significado é inevitavelmente
social” (TEZZA, 2003, p.31-32). Em Marxismo e Filosofia da Linguagem,
Bakhtin∕Volochínov (2004) discute a natureza socioverbal da linguagem e, dessa forma,
64
Contrapondo-se a duas grandes linhas filosóficas dominantes à época: o “subjetivismo idealista” e o
“objetivismo abstrato”, Voloshinov filia Wilhelm Humboldt à primeira e Saussure à segunda como seus
grandes representantes.
65 Faraco refere-se a CHOMSKY, N. New Horizons in the Study of Language and Mind. Cambridge
(UK): Cambridge University Press, 2000.
134
concebe-a como um processo de interação e não como estrutura, produto do sistema.
Aqui, afasta-se do pensamento humboldtiano ao dar à linguagem uma perspectiva
sociológica.
Se para Humboldt a linguagem não é entendida como um sistema
gramatical, mas como uma atividade mental e sistemática de
elaboração; se para ele a gramática como tal (como um a priori) e a
interação são absolutamente acessórias, vêm depois e nunca antes
daquilo que é o essencial, isto é, o trabalho elaborador do espírito;
para Voloshinov este trabalho mental elaborador, com as mesmas
propriedades critativas, é – a contrapelo de toda a tradição
humboldtiana – social; resulta da internalização da lógica dos signos,
que é a lógica da interação socioaxiológica. A linguagem entendida
como heteroglossia é, desse modo a via cardeal de acesso social no
individual (FARACO, 2005, p. 220).
Então, a respeito da escolha do autor de PTEU pelo termo “atividade” ao longo
dos capítulos, chegamos à conclusão de que é em Voloshinov que apoia sua noção de
linguagem como atividade, com um caráter primordialmente social e não acessório
como o era na noção de Humboldt. Faraco é partidário dessa visão de linguagem-
atividade e não sistema, contrapondo-se, em vários de seus textos, ao ensino
predominantemente calcado nas práticas pedagógicas fossilizadas que priorizam o
enfoque no ensino normativo da gramática nas aulas de língua. Ao contrário, a
diversidade linguística em que a modalidade oral apresenta-se de forma diferenciada da
escrita é levada em consideração de maneira contextualizada aos textos e ao ensino da
norma padrão.
Corroborando a visão de Faraco (2005) de que a linguagem deve ser entendida
como interação a partir dos gêneros do discurso, justificamos nossa análise seguinte que
toma como base o Capítulo Dois- As linguagens da língua -II (2011). A escolha da
vigésima edição deve-se ao fato de que apenas nessa há um capítulo à parte para tratar
dos gêneros discursivos, conforme detalharemos quando pusermos as edições em cotejo
no item 3.3 desta tese.
Após a apresentação breve dos dois primeiros capítulos da vigésima edição,
continuaremos a descrever as duas edições, adentrando os capítulos e comentando a
organização dos livros, mas antes, precisamos identificar as marcas de interação entre
auto e leitor e quais são os efeitos de sentido decorrentes dessas marcas e que nos
permitam compreender a organização estrutural e discursiva dos capítulos do livro. De
135
posse dessa interação, investigar como o autor constrói as propostas de produção textual
(Capítulo 4 desta tese).
3.2 A interação no capítulo 2 (2011) - gêneros da linguagem
[...] o dialogismo diz respeito às relações que se
estabelecem entre o eu e o outro nos processos
discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos,
que, por sua vez, instauram-se e são instaurados por
esses discursos. E aí, dialógico e dialético aproximam-
se, ainda que não possam ser confundidos, uma vez que
Bakhtin vai falar do eu que se realiza no nós, insistindo,
não na síntese, mas no caráter polifônico dessa relação
exibida pela linguagem.
Beth Brait
Esta tese trata de relações humanas. Interessa-nos uma atividade de um “eu-
autor” e sua relação com um “tu-aluno-leitor-autor”. Tratamos do sujeito inscrito em
uma situação social e histórica real, concreta produzindo discursos dirigidos e em
resposta a outros sujeitos. Esse sujeito situado entre o sistema formal da língua e os
enunciados valorativos que produz em direção e em resposta a alguém constrói sentidos.
É disso que tratamos nesse item de tese.
Para trabalhar a materialidade linguística de um capítulo de PTEU convocamos
noções pertinentes da perspectiva enunciativa da linguagem de Émile Benveniste (1946;
1956; 1958; 1962; 1970) e, de posse dos níveis de análise compreender a interação
instaurada entre autor e leitor nas atividades de escrita.
O linguista francês é conhecido nos estudos da linguagem como o responsável
por trazer para a cena dos anos de 1960 e 1970 o “homem na língua”. Apresenta em
textos que datam de 1939 a 1972 (BRAIT, 2001) um sujeito constituído na e pela
linguagem a qual torna possível que o locutor se marque ao dizer constituindo-se como
tal. Em “Da subjetividade na linguagem”, texto de 1958, Benveniste traça um paralelo
em interdependência entre subjetividade e intersubjetividade.
É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como
sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua
realidade que é a do ser, o conceito de “ego”. A "subjetividade" de que
tratamos aqui é a capacidade do locutor para se propor como "sujeito".
[...] É "ego" que diz ego. Encontramos aí o fundamento da
"subjetividade" que se determina pelo status linguístico da "pessoa"
(BENVENISTE, 1976, p. 286, grifos do autor).
136
Benveniste questiona ainda, de maneira filosófica, se esse fenômeno poderia se
chamar linguagem e funcionar como tal fora dessa relação intersubjetiva (p. 287). É o
“eu” se relacionando com o “tu” que institui o sujeito no fenômeno da linguagem e pode
ser abstraído de formas linguísticas que indicam a “pessoa” das quais os “pronomes
pessoais são o primeiro ponto de apoio para essa revelação da subjetividade na
linguagem” (p. 288). Os pronomes pessoais são também indicadores da dêixis, signos
que marcam o sujeito e são materializadas no enunciado por meio de algumas categorias
gramaticais tais como os verbos, os advérbios, os adjetivos e pronomes demonstrativos,
dos quais faz uso o homem ao se enunciar e transformar-se em sujeito. Esse estudo
cuidadoso dos pronomes pode ser encontrado nos textos “Estrutura das relações de
pessoa no verbo” (1946), “A natureza dos pronomes” (1956),” Da subjetividade na
linguagem” (1958) entre outros.
A relação do homem com a linguagem se dá por meio de determinadas
categorias linguísticas que dizem respeito à pessoa, ao tempo e ao espaço, ou seja, a um
“eu-tu-aqui-agora”. E no interior dos enunciados produzidos por locutores individuais
podemos identificar marcas desse colocar a língua em funcionamento. Esse pensamento
é desenvolvido por Benveniste no texto de 1970 “O aparelho formal da enunciação” no
qual discute o “emprego das formas” diferenciando-o das condições de emprego da
língua (1989, p. 81). O sistema da língua oferece um aparelho que permite que o locutor
se enuncie e assim marque sua posição de sujeito na língua. É essa compreensão da
língua que atrai os estudiosos da língua e do discurso que a utilizam sempre que
precisam lidar com a materialidade linguística instauradora dos textos e discursos
(BRAIT, 2001, p. 47).
O locutor, em ato individual de utilização da língua, é responsável pela
enunciação. Esse locutor direciona-se a um ouvinte que por sua vez produz uma
enunciação de volta. A esse processo, Benveniste chama apropriação.
Mas imediatamente, desde que ele se declara locutor e assume a
língua, ele implanta o outro diante de si, qualquer que seja o grau de
presença que ele atribua a este outro. Toda enunciação é, explicita ou
implicitamente, uma alocução, ela postula um alocutário
(BENVENISTE, 1989, p. 84, grifo do autor).
Essa apropriação da língua serve para que o locutor (eu) se introduza no
processo comunicativo e estabeleça referências em relação ao discurso e ao outro (tu),
constituindo assim, um colocutor onde a “referência é parte integrante da enunciação”.
137
Quando Benveniste argumenta que a “relação do locutor com a língua determina os
caracteres linguísticos da enunciação” e que esses caracteres marcam essa relação
(1970, p. 82) não é apenas a tríade pessoa, tempo e espaço que constitui o aparelho
formal da enunciação. Há outros caracteres de que o usuário se serve para se relacionar
com seu alocutário e a esses, o autor acrescenta a interrogação, a intimação e a asserção
em que o enunciador pretende influenciar o outro ao esperar uma resposta, aplicar
ordens e comunicar suas certezas, respectivamente. Disso inferimos que a escolha
lexical é um índice de subjetividade, pois também revelam marcas desse enunciador no
uso efetivo da língua.
Procuramos assim, com essas noções, respeitar nosso corpus de análise e
abordá-lo com embasamentos teóricos que nos pareceram adequados e compatíveis
entre si, guardadas as devidas dissonâncias. À medida que a investigação avançar,
explicitamos as categorias de análise convocadas para identificar as relações
estabelecidas entre o autor e seu leitor.
Tendo esclarecido nosso segundo aporte teórico, este tópico tem o objetivo de
descrever, analisar e interpretar de maneira específica a interação verbal instaurada em
um capítulo de PTEU (2011). Procedemos a um recorte das marcas de interação entre
autor e leitor-aluno e procuramos interpretar como essas marcas são preenchidas no
capítulo e a maneira com que revelam posições enunciativas. A partir da interação
estabelecida no capítulo, pretendemos apresentar o modo pelo qual o autor apresenta os
gêneros discursivos, constituindo-se, representando um leitor e com ele se relacionando.
Propomos, então, uma análise do Capítulo Dois- As linguagens da língua II (p.
20 a 30), o único que enfoca exclusivamente o ensino de gêneros da linguagem e
fornece alguns exemplos de suas manifestações na língua portuguesa. A primeira edição
não possui um capítulo em separado correspondente, visto que o tema “gêneros da
linguagem” foi inserido no capítulo 1 daquela edição. Faremos a comparação dos
aspectos discursivos de ambas edições ao tratar pela primeira vez de gêneros discursivos
no livro.
Consideramos o texto compreendido entre as páginas 11 a 19 (1ª edição) e 20 a 32
(20ª edição) para observar as condições reais de produção, recepção e circulação
refletidas e refratadas em sua materialidade, na qual se constitui a interação entre aquele
que produz e se enuncia, portanto o destinador (autor), e aquele a quem esse destinador
138
se dirige, seu interlocutor, seu destinatário (leitor-aluno). Nesse sentido, analisaremos os
textos de explicação da teoria e os encaminhamentos às atividades.
O critério de escolha dos enunciados desse capítulo de ensino de gêneros auxilia
a confrontação da teoria professada pelo autor com a sua materialização no livro, que se
realiza por meio de uma análise de como o autor concebe a abordagem da linguagem
para o ensino da língua portuguesa. Neste recorte, analisaremos as formas pelas quais o
autor aparece no texto assim como se dirige ao seu interlocutor (leitor-aluno).
Assim, nosso percurso de análise deste capítulo guiou-se por três perguntas: 1-
Como o autor aborda os gêneros discursivos? 2- Que posição (s) enunciativa (s) assume
no texto? 3- Que posição enunciativa confere ao seu leitor e como se relaciona com ele?
Partimos inicialmente das análises das marcas de interação estabelecidas entre
autor e leitor-aluno destacadas pela categoria de pessoa e suas expressões pronominal e
verbal. Esta categoria será analisada pelo uso da primeira pessoa do plural apresentada
como pronome pessoal, pronome possessivo, possessivo adjetivo ou nas formas
pessoais dos verbos. A partir dessas marcas e da distinção entre o “nós-inclusivo” e o
“nós-exclusivo” analisaremos como a 1ª pessoa é preenchida no capítulo em momentos
diferentes. Além dessa estratégia enunciativa, há outra fortemente marcada pelo uso de
“você” ao questionar o aluno sobre sua experiência prévia de uso da língua ou sua
opinião a respeito de algum assunto que esteja sendo discutido.
No discurso didático, o enunciador (autor) tem um papel persuasivo, o
enunciado produzido pressupõe ao enunciatário (leitor-aluno) um fazer em resposta à
proposição.
O enunciador define-se como o destinador-manipulador responsável
pelos valores do discurso e capaz de levar o enunciatário a crer e a
fazer. A manipulação do enunciador exerce-se como um fazer
persuasivo, enquanto ao enunciatário cabe o fazer interpretativo da
ação subsequente. Tanto a persuasão do enunciador quanto a
interpretação do enunciatário se realizam no e pelo discurso
(BARROS, 2006, p. 60).
Nessa citação, a autora utiliza-se da relação persuasão-interpretação na análise
de trechos do texto Viagem ao céu, de Monteiro Lobato. No entanto, essa mesma
relação emerge da investigação realizada com textos escritos que buscam efeitos de
oralidade, em específico, anúncios publicitários de instituições financeiras brasileiras,
no entanto, apesar de tratarmos de gêneros diferentes, a linguagem de um livro didático,
139
que pretenda criar um ambiente propício à aprendizagem, lança mão de recursos de
persuasão que muitas vezes envolvem procedimentos discursivos que remetem a uma
situação face a face de sala de aula, produzindo efeitos de sentido próprios de uma
comunicação oral.
Nessa categoria de representação do destinador e do destinatário, também serão
considerados os itens lexicais utilizados pelo autor para caracterizar o leitor-aluno. Por
exemplo: no primeiro capítulo, são utilizados “falante de português”, “falante da
língua”, cientista da língua” e “linguista” . Além desses elementos, os tempos e modos
verbais utilizados pelo autor também serão analisados para compreendermos os sentidos
criados nos direcionamentos aos exercícios.
Fazendo uma retrospectiva desta tese em relação à composição dos conteúdos de
PTEU, relembramos que o objetivo dos dois capítulos iniciais do livro foi definir língua
como um conjunto de variedades (Quadro 5). Essa definição é realizada pelo viés da
perspectiva da diversidade linguística, da gramática, dos gêneros da linguagem e dos
estrangeirismos numa articulação entre os elementos linguísticos, enunciativos e
discursivos a fim de ensinar texto num exemplo que parece coerente, à primeira vista,
com uma proposta de análise dialógica do discurso.
A seguir, apresentamos a parte do capítulo1 da primeira edição destinada ao
ensino de gêneros e apontamos sua construção.
3.2.1 Abordagem inicial para o ensino de gêneros na primeira edição
O capítulo 1 da primeira edição, As linguagens da língua (1992, p. 9-23)
destina-se a discutir a língua humana, a produção do significado e a apresentar algumas
maneiras como essa língua se estratifica. A parte dedicada aos gêneros discursivos
ocupa nove páginas e é essa que se assemelha ao capítulo 2 da vigésima edição que
estende mais a discussão, conforme analisaremos no item 3.2.2 deste capítulo de tese.
Nesta seção específica o autor define a língua como um conjunto de variedades e
ressalta escrita como uma delas. Apresenta os gêneros como “um conjunto de
linguagens que diferem bastante uma das outras num grande número de aspectos” (cf.
Figura 8). Em seguida propõe a leitura de dezessete textos cujas fontes foram omitidas.
Após a leitura, o aluno deve, em equipe de dois a três alunos, identificar algumas
características do gênero de acordo com um roteiro pré-estabelecido. As fontes
referentes aos textos encontram-se na última página do capítulo e servem de conferência
140
para o exercício. As figuras seguintes mostram como o autor apresenta os gêneros
discursivos ao aluno:
Figura 3: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 11).
141
Figura 4: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 12-13).
Figura 5: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 14-15).
Figura 6: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 16-17).
142
Figura 7: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 18-19).
De acordo com os créditos no final do capítulo, os textos pertencem a gêneros
variados: propaganda em revista semanal, horóscopo publicado na Folha de S. Paulo,
trecho do romance Grande Sertão: veredas, manual de instruções de um carro, texto
literário, texto de revista em quadrinhos, trecho da Bíblia Sagrada, uma bula de
remédio, um contrato de locação, texto do Millôr Fernandes na revista IstoÉ/ Senhor,
noticia do jornal Folha de S. Paulo, um bilhete de empregada doméstica, um texto
informativo do livro História da língua portuguesa, folheto publicitário, uma resenha
crítica de livro, publicada na revista Veja, trechos de dois textos literários, O povo do
mar e dos ventos antigos e Textos escolhidos.
O leitor desta tese poderá perceber que em comparação com a vigésima edição
alguns textos foram modificados, no entanto mantiveram-se os gêneros. A estrutura do
exercício também é diferente: enquanto na primeira edição o aluno deve ler primeiro os
textos e só depois dessa leitura proceder à identificação dos gêneros, a vigésima edição
propõe o exercício antes da leitura. O texto destinado à apresentação da atividade varia
nas duas edições conforme é possível verificar nas figuras 3 e 7 (1992) e 11 e 12 (2011).
1ª: Esses textos que você acabou de ler são uma pequeníssima amostra
da imensa variedade de linguagens que vivemos diariamente. São
textos que estão nos jornais, nos livros, nas revistas, na televisão, nos
143
bares, nas placas de rua, na escola, nos folhetos... Aqui estão
apresentados alguns poucos exemplos dessas linguagens; mas não é
difícil perceber que os exemplos da diversidade linguística escrita
poderiam ser multiplicados ao infinito.
Vamos analisar um pouco essa diversidade. trabalhando em equipe (de
2 a 3 alunos), cada uma com um texto, siga o roteiro abaixo (1992, p.
18).
20ª: Vamos aprofundar um pouco mais a nossa percepção dos gêneros
da escrita, analisando alguns exemplares da linguagem que fazem
parte do nosso dia a dia. Os textos que seguem são uma pequena
amostra da imensa variedade de linguagens que vivemos diariamente
– encontram-se nos jornais, nos livros, nas revistas, nos bares, nas
placas de rua, na escola, nos folhetos de rua etc. Para não direcionar a
análise, as fontes são apresentadas somente no final do capítulo.
Trabalhando em equipe de dois a quatro estudantes, cada uma com um
texto, siga o roteiro abaixo. Lembre-se: o bom leitor é um detetive!
(2011, p. 23)
“Pequeníssima amostra” passa a ser “ pequena amostra” a metáfora do detetive é
acréscimo da vigésima edição. O roteiro de leitura, com exceção da posição no capítulo,
aborda os mesmos itens a serem observados pelo aluno na condução da leitura:
vocabulário, grafia, estrutura da oração, concordância e regência, destinatário, aspecto
gráfico intenção, polissemia, metalinguagem, idade, apesar de nem todos esses aspectos
estarem enunciados na primeira edição.
Conforme análise que conduziremos acerca da interação no capítulo 2 da
vigésima edição, a primeira edição destaca a observância do aspecto gráfico do texto,
mas diferentemente da vigésima limita-se a abordar a estrutura composicional textual:
divisão em parágrafos e linhas. Não há ênfase aso aspectos não verbais, portanto
integrados à constituição dos textos como discutiremos mais adiante.
Percebemos que o texto da primeira edição foi bem expandido na vigésima,
passando a ocupar dois terços do capítulo 2 (2011). Há uma reflexão prévia acerca da
linguagem, das variações linguísticas e um destaque ao tema, forma composicional e
estilo. O autor faz comparações com a vida cotidiana do aluno e discorre sobre várias
esferas da vida e seus gêneros mais comuns. Foca nos gêneros da linguagem escrita e
apresenta os dezessete textos para leitura e exercício. O texto da primeira é breve e falta
essa reflexão mais acaba sobre a estratificação da linguagem em gêneros.
Compreendemos que a reescrita do livro valorizou essa reflexão e dividiu-a em três
capítulos.
144
Além do espaço ocupado no livro e da reflexão mais acurada sobre os gêneros
discursivos e da alteração dos textos do exercício, não observamos diferenças
significativas na interação instaurada entre autor e leitor-aluno, desta forma,
continuamos nosso percurso de investigação, agora estudando a interação do capítulo 2
da vigésima edição.
3.2.2 A interação autor-leitor no ensino de gêneros na vigésima edição
Neste item, examinamos o texto do capítulo 2 de maneira global, detendo-nos,
inicialmente, no léxico utilizado pelo autor para referir-se aos gêneros discursivos, a fim
de responder à primeira questão formulada acima: 1- Como o autor aborda os gêneros
discursivos? Como desmembramento dessa questão, responder ainda: 1- Que posição
(s) enunciativa (s) assume no texto? 2- Que posição enunciativa confere ao seu leitor e
como se relaciona com ele?
Eles são citados pelo autor de formas variadas, como “gênero” (p.20-24)
“gêneros da linguagem” (p.20), “gêneros da língua” (p.21), “gêneros da escrita” (p.22,
23) “gênero de texto” (p.23), “gêneros convencionais” (p. 23) e são conceituados como
“[...] variedades da linguagem não se estabelecem por acaso [...] nascem e fazem
sentido no interior das inúmeras atividades verbais de nosso contexto sociocultural. [...]
diferentes roupagens de pronúncia, sintaxe e vocabulário (diferentes sistemas
gramaticais) correlacionadas com a diversidade geográfica e social. [...] a diversidade
linguística se estratifica em diferentes formas mais ou menos estáveis [...] manifestações
da linguagem tipificadas por características formais recorrentes e correlacionadas a
diferentes atividades socioculturais (2011, p. 20)”; “[...] conjuntos de regras próprias de
cada situação” (p. 21).
Se analisarmos cada ocorrência, em específico, percebemos que o autor não está
designando as mesmas características a cada expressão. A partir do léxico,
depreendemos, então, que gênero, para o autor, são atividades da linguagem cotidiana
manifestadas por infinitas maneiras, e que envolvem interação e entonação. Gênero é
também uma forma convencional da linguagem a que se atribui um papel social, valor e
função. Decorre, então, que o gênero é um conjunto de procedimentos sociais, mas por
ser condicionado por esse meio, possui regras e limites, aos quais se adequa.
O autor exemplifica os gêneros como variedades de linguagens e cita situações
de uma aula, um advogado em júri, a troca de informações entre o controlador de voo e
145
o piloto de avião e a narrativa de um jogo de futebol pelo rádio. Estabelece, assim, que
os gêneros podem ser da linguagem oral, cuja variedade é praticamente infinita e da
escrita, esta relativamente limitada devido às coerções convencionais, principalmente as
sociais.
Os gêneros da linguagem correspondem a conjuntos de regras próprias de cada
situação como, por exemplo, a escrita de uma crônica, classificada pelo autor um
“gênero muito especial da linguagem”. Inserido nesse conjunto, haveria ainda um
“subgênero da linguagem” (p. 21), o familiar informal que por sua vez insere-se no
“gênero maior” do sistema de cumprimentos. Para esse caso, lança uma hipótese de
interação em que um jovem entra na cozinha, pela manhã, e cumprimenta os familiares.
Além dessas distinções, o autor introduz os gêneros da língua. Esclarece que não
se apreende a língua em sua totalidade senão em parcelas a serem utilizadas em
situações específicas.
A fim de guiar nossa interpretação e permitir uma maior visualização das
ocorrências analisadas, apresentamos as páginas do capítulo que indicam a abordagem
feita às características do gênero e como a interação autor/leitor é construída.
Para facilitar nossa análise enunciativa66, serão considerados os seguintes
elementos de interação:
1- A explicação da teoria que se vale das pessoas do discurso: destinador-autor e
destinatário-aluno;
2- Os encaminhamentos das atividades expressos em formas de comandos que
partem do destinador-autor ao destinatário-aluno;
Para ambos os aspectos, concentraremos no tratamento dado de acordo com as
pessoas do discurso.
Ao destinatário:
a- Se ele é nomeado no enunciado como sujeito, aluno-leitor, por meio de
pronomes ou por expressões lexicais;
b- Se ele é nomeado implicitamente no emprego do “nós” inclusivo
Ao destinador:
66
Baseamos nossas categorias de análise na dissertação de mestrado A interação autor-aluno no livro
didático: marcas de oralidade, de Anatércia Parenti Batista da Torre, defendida em 2007, na Unversidade
Presbiteriana Mackenzie.
146
a- Se ele vem nomeado no enunciado como sujeito, autor, por meio de pronomes ou
expressões lexicais;
b- Se ele se identifica por meio do emprego do “nós” inclusivo
Pretendemos com o auxílio das imagens estabelecer relações e responder às
questões formuladas.
Vejamos como o capítulo se inicia:
Figura 8: Capítulo 2- As linguagens da língua-II (2011, p. 20).
Legenda:
Falantes da língua Autor Autor - e leitor-aluno
Objetivando uma melhor visualização das ocorrências a que nos dispusemos a
descrever e analisar, destacamos os pronomes pessoais e possessivos, assim como as
formas pessoais do verbo, com cores diferentes e ligadas às diferentes posições
147
enunciativas assumidas pelo autor e pelo leitor-aluno. Foi possível separar as
ocorrências em que o autor se dirige ao leitor-aluno nas seguintes categorias: léxico,
primeira pessoa do plural pronominal e verbal, pronomes possessivos e comandos das
atividades.
Assim, para as instâncias em que o autor dirige-se ao leitor incluindo ambos na
comunidade linguística de falantes de português, nomeamos de falantes da língua. Em
momentos que fica clara sua posição expositiva, teórica, autor. As ocorrências em que o
autor dirige-se ao leitor expondo uma teoria, mas referindo-se ao livro didático,
nomeamos de autor e leitor-aluno. Se o leitor é levado a fazer algum exercício ou a
refletir sobre sua própria experiência cotidiana ou de vida escolar, leitor-aluno.
Procuramos reunir as ocorrências para facilitar a visualização e mantivemos o
sistema de cores para diferenciar as marcas que revelam posições enunciativas
diferentes. A coluna que não tiver ocorrência será representada por N/A, não se aplica:
Léxico 1ª pessoa do
plural
2ª pessoa do
singular
Pronome
possessivo/adjetivo
Verbo de
comando
falante nós vimos N/A sua vida N/A
podemos dizer seu dia a dia
Conforme
exemplificamos
nosso contexto
Cada um de nós nossa vontade
Podemos, então,
dizer
podemos chamar
apreendemos
nos colocam
nós aprendemos
Quadro 6: Marcas de interação na página 20 do capítulo 2 (2011).
Por meio das cores empregadas na Figura 8 e mantidas no quadro acima,
observamos que a posição enunciativa falantes da língua tem predominância sobre as
outras. Percebemos que o autor estabelece uma “conversa” com seu leitor, ora
convocando um leitor-aluno “No capítulo anterior nós vimos como a linguagem, na sua
vida real [...]”, ora estabelecendo uma cumplicidade entre falantes de uma mesma
língua, “[...] mas também em cada um de nós, em cada falante [...]” (p. 20). Fiorin
148
(2010) nomeia essa ocorrência “nós vimos” como um plural didático: “Nesse caso,
trata-se de um nós inclusivo (eu enunciador e tu enunciatário), pois indica que o eu e o
tu juntos empreendem o percurso da aprendizagem que o texto didático impõe” (p 126,
grifos do autor).
A posição falante da língua demonstra que o leitor-aluno é incluído nessa
condição com o intuito de aproximá-lo de sua língua. Isso pode ser observado em: “[...]
podemos dizer que a diversidade não se manifesta apenas nas grandes diferenças
geográficas e sociais de expressão [...], mas também em cada um de nós, em cada
falante” (2011, p.20). E também um aluno em contexto formal de ensino: “[...] uma
aula, por exemplo, ou qualquer situação em que temos de falar em público” (p. 21).
Há, também, momentos em que o autor assume posição de pesquisador
impondo-se com autoridade, mas reafirmando os conceitos teóricos de analistas da
língua: “Desse modo, podemos dizer que a diversidade não se manifesta apenas nas
grandes diferenças geográficas e sociais de expressão [...] (conforme exemplificamos
no capítulo um), mas também em cada um de nós [...] ou simplesmente por força da
nossa vontade individual....de nosso contexto sociocultural”(p.20). O autor relembra o
leitor-aluno da teoria explicada no capítulo anterior ressaltando o pertencimento do
falante na língua.
Ainda na primeira página do capítulo (Figura 8), em “Como assinalou Mikhail
Bakhtin [...]” (1º parágrafo), o autor retoma aspectos da teoria linguística assumida no
primeiro capítulo do livro e conduz o leitor para uma compreensão da continuidade do
seu pensamento, estabelecendo um diálogo com o que foi apresentado. O segundo
parágrafo também mostra claramente a relação entre o que foi dito antes nesse mesmo
capítulo e no anterior e serve, ainda, como um ponto de apoio para o reforço de sua
visão de linguagem: “[...] podemos dizer que a diversidade não se manifesta apenas nas
grandes diferenças geográficas e sociais de expressão (conforme exemplificamos no
capítulo um), mas também em cada um de nós, em cada falante, em diferentes estágios
de sua vida e em diferentes momentos do seu dia a dia” (p. 20).
Os enunciados destacados refletem as condições específicas dessa interação: o
texto aponta para o discutido no capítulo anterior, mas também para o conhecimento
prévio desse leitor que já foi exposto a essa explicação (variações linguísticas) da
linguagem em sala de aula. O trecho continua estabelecendo uma relação entre autor e
149
leitor como falantes da língua: “em cada um de nós, em cada falante, em diferentes
estágios de sua vida e em diferentes momentos do seu dia a dia”.
Na sequência, o 3º parágrafo indica um diálogo que o autor estabelece entre a
apresentação de linguagem e a postura tradicional do ensino de língua nas escolas:
Do ponto de vista formal, essas variedades da linguagem não se
estabelecem por acaso ou simplesmente por força da nossa vontade
individual. Ao contrário, elas nascem e fazem sentido no interior das
inúmeras atividades verbais de nosso contexto sociocultural.
Podemos, então, dizer que a diversidade linguística manifesta, de um
lado, diferentes roupagens de pronúncia, sintaxe e vocabulário
(diferentes sistemas gramaticais) correlacionadas com a diversidade
geográfica e social. E, de outro lado, a diversidade linguística se
estratifica em diferentes formas mais ou menos estáveis, que podemos
chamar de gêneros, isto é, manifestações da linguagem tipificadas por
características formais recorrentes e correlacionadas a diferentes
atividades socioculturais.
[...]
Como as palavras jamais estão separadas de seus usuários e de alguma
situação real, o que nós aprendemos, no processo de aquisição da
linguagem, são gêneros da linguagem, isto é, conjuntos de regras
próprias de cada situação” (FARACO; TEZZA, 2011, p. 20-21, grifos
do autor).
É possível identificar as posições enunciativas assumidas pelos participantes
dessa situação discursiva (autor e falantes da língua). Nessa interação, o discurso é
moldado pela situação imediata de uma relação estabelecida entre o autor e seu
interlocutor, nesse caso, o leitor-aluno e os falantes da língua, papel em que também se
insere. No entanto, há momento em que, apesar do uso do pronome “nós”, o aluno não
está incluído: “Desse modo, podemos dizer que a diversidade não se manifesta apenas
nas grandes diferenças geográficas e sociais de expressão, (conforme exemplificamos
no capítulo um)” (p. 20). O enunciador assume a postura daquele que detém o
conhecimento e o expõe, apresentando-se ainda como o guia do livro, direcionando o
aluno para o discutido anteriormente.
Em outros momentos, o autor utiliza exemplos que lhe permitem uma completa
identificação com o leitor-aluno, já que ambos, autor e leitor, passaram por processos
semelhantes de aquisição da língua. A posição enunciativa de falantes da língua é a que
emerge de trechos como esse:
Isto porque, na vida real, quando apreendemos uma palavra, ela nunca
está sozinha,[...] [ela] está envolta [...] num conjunto de gestos e
significados que nos colocam imediatamente num sistema concreto de
significações sociais (p. 20, grifos do autor).
150
Na segunda página do capítulo, há a continuação da discussão sobre os usos da
linguagem cotidiana:
Figura 9: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 21).
Legenda:
Falantes da língua Autor Autor- e leitor-aluno Leitor-aluno
Com exceção da expressão ratificadora “digamos” que aparece duas vezes nessa
página, mais uma vez, as cores nos permitem depreender que a posição enunciativa
falantes da língua é maioria nas marcas de interação.
151
Léxico 1ª pessoa do
plural
2ª pessoa do
singular
Pronome
possessivo/
adjetivo
Verbo de
comando
N/A dizemos N/A nossa [...]
infância
N/A
estamos vivendo nossa opinião
digamos (2x) nossa admiração
podemos [...] não
dizer
nosso repúdio
nós costumamos
avaliar
nossa
indiferença
nos diz
não vemos
nós
vamos nos
apoderando
dizemos
podemos dizer
temos
temos
somos [...]
incapazes
não aprendemos
Quadro 7: Marcas de interação na página 21 do capítulo 2 (2011).
A continuação do capítulo demonstra o destinatário leitor-aluno que ainda não
havia aparecido no texto do capítulo. Nessa categoria, o aluno está inserido em
situações diárias de uso da língua, tanto em contextos familiares quanto contextos
sociais, mas apesar de o autor utilizar “nós”, nas três ocorrências seguintes, ele não se
inclui quando apresenta uma situação possível para um adolescente que ainda convive
com a família: “[...] quando dizemos “bom-dia” ao irmão ou ao pai”, “[...] estamos
vivendo um subgênero da linguagem”, “podemos até não dizer nada [...]” evidenciando
um uso da primeira pessoa como estratégia enunciativa de aproximação com o leitor,
mas a identificação entre adolescentes não ocorre. Usando essa estratégia, o autor
sugere que o aluno imagine a situação proposta e identifique-se com ela.
O autor dedica-se nessas duas primeiras páginas a explicar ao leitor que a
diversidade linguística acontece, pelas atividades verbais que rodeiam os falantes e pelo
“contexto sociocultural”, independentemente do indivíduo (p. 20, 3º parágrafo).
Para esta última característica do gênero, o autor oferece como exemplo uma
situação matinal familiar em que se cumprimenta algum familiar sem olhar-lhe nos
olhos, um exemplo de um “subgênero da linguagem (que pode ser definido como,
152
digamos, ‘familiar informal’), do gênero maior ‘sistema de cumprimentos” (Figura 9),
mas que tem limites, nesse caso, a autoridade de um familiar como o pai pode restringir
o uso de certa linguagem, palavrões, por exemplo. O uso da língua, nesse caso, é o
resultado de certos procedimentos sociais que conferem sentido às palavras usadas
nesses contextos.
Nessa passagem, podemos considerar o que Voloshinov/Bakhtin (1983a)
apresenta como contexto extraverbal e os três fatores responsáveis pela interação
provocada pelo enunciado: “o horizonte espacial comum dos interlocutores”, “o
conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores” e a
“avaliação comum dessa situação”. Os exemplos suscitados pelo autor de PTEU
revelam esse pensamento em diferentes momentos do capítulo. A cena sugerida de um
bom-dia familiar apresenta participantes definidos, filho, irmão, pai que funcionam
como coparticipantes cientes da situação em que se encontram e da situação extraverbal
integrada ao enunciado (no período da manhã, é comum procurar comida para o café da
manhã na geladeira; normalmente as pessoas se cumprimentam com um bom-dia
quando se encontram; pessoas que convivem não precisam, necessariamente, manter
contato visual para se cumprimentarem). A cena descrita pelo autor e seus comentários
posteriores mostram interlocutores possíveis e o contexto extraverbal como partes
essenciais da estrutura de significação desse enunciado concreto “Bom-dia”.
Os exemplos fornecidos no texto apresentam situações de uso da língua que
reforçam o sentido de que falamos por meio de enunciados e não de orações isoladas. O
autor mostra situações, contextos de produção, que permitem entender “Bom dia” como
um enunciado e dando à expressão linguística um sentido que só é depreendido pela
situação em que ocorre. Nota-se também o conhecimento que o enunciador tem de seu
leitor ao relatar uma postura típica de jovem.
Observamos o predomínio do ponto de vista do enunciador que se instaura como
falante da língua e lança mão de alguns modalizadores pode haver, pode criar, nós
costumamos, às vezes, quase sempre, somos eventualmente incapazes que apontam para
o uso da língua que nunca pode ser generalizado e depende do contexto em que se
insere. O uso de praticamente também vai nessa direção e mostra a posição teórica do
autor.
Assim, as duas primeiras páginas do capítulo revelam os seguintes princípios de
linguagem:
153
1- É preciso conhecer e dominar os diversos tipos de gêneros para que a
comunicação verbal/escrita se estabeleça de forma coerente e eficaz.
2- Só nos comunicamos, falamos e escrevemos através de gêneros do discurso.
3- Os sujeitos têm a sua disposição um ilimitado repertório de gêneros.
4- Até na conversa mais informal, o discurso é moldado pelo gênero em uso.
Fica evidente aqui a noção de enunciado para Bakhtin:
1- Unidade da comunidade discursiva.
2- Nele, há falante e ouvinte: parceiros na comunicação discursiva. O processo de
recepção, portanto, é ativo. Todo enunciado tem natureza responsiva imediata ou
não.
3- Os limites de cada enunciado são definidos pela alternância dos sujeitos do
discurso. Enunciado é a transmissão da palavra ao outro-parceiros do diálogo-
alternando as enunciações entre os interlocutores (réplicas).
O modelo de interação empregado remete-nos à situação de uso da linguagem
defendida no pensamento bakhtiniano em que sempre haverá falante e ouvinte. Estes
são parceiros na comunicação discursiva cujo processo de recepção é ativo produzindo
um enunciado que tem natureza responsiva imediata ou não. Nesse sentido, a linguagem
do capítulo enfocado considera a atividade de reflexão um momento responsivo, com os
possíveis leitores, aluno e o professor, receptores ativos. O leitor imediato é valorizado
como participante da interlocução no seu momento histórico, social e cultural: aluno em
um momento inicial de vida acadêmica.
O capítulo 2 continua com um exercício prático em que o aluno é convocado a
observar e anotar a linguagem do seu dia a dia:
154
Figura 10: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 22).
Legenda:
Falantes da língua Autor Autor- e leitor-aluno Leitor-aluno
A página 22 apresenta o primeiro exercício do capítulo. Organizamos as
ocorrências:
Léxico 1ª pessoa do
plural
2ª pessoa do
singular
Pronome
possessivo/
adjetivo
Verbo de
comando
N/A Vamos exercitar você a ouvir nosso ouvido faça [...]
anotando
Vamos [...]
refletir
Pode ser
veremos Procure
transcrever [...]
155
sem corriji-la
para nós Explique a
situação
vamos nos deter Dê
como vimos Assinale
nós podemos
pronunciar
Defina
podemos grafá-
las
nós aprendemos
Quadro 8: Marcas de interação na página 22 do capítulo 2 (2011).
Nesta terceira página do capítulo, foi possível diferenciar os verbos
utilizados pelo autor na sugestão da primeira atividade, Exercício 1: “Vamos exercitar
nosso ouvido”, “Vamos agora refletir sobre a noção de gênero” daqueles utilizados para
dar ordens nos comandos das atividades: “Faça uma coleta [...] anotando cinco
ocorrências”, “Procure transcrever a fala”, “Explique a situação”, “dê um rápido perfil
do falante”, “assinale que aspecto chamou a atenção”, “defina o exemplo”. A marca do
coletivo não se repete dando lugar aos verbos no modo imperativo que descrevem as
ações que devem ser seguidas pelo aluno na consecução da atividade. Apesar de a
pessoa e modo verbal terem se alterado, primeira do plural, presente do indicativo para
terceira do singular, imperativo, o autor utiliza a estratégia do uso do “nós”, mas não se
inclui em nenhuma das situações. Desta forma, a proposta de atividade (Exercício 1)
evidencia a posição enunciativa do leitor-aluno a quem se propõe uma atividade prática
de levantamento de ocorrências linguísticas presentes na linguagem informal. O papel
do autor é sugerir a atividade, saindo de cena como companheiro para que o aluno não
só realize o levantamento das expressões, mas situe-as em seu contexto próprio de
produção.
Observamos que, na passagem “Vamos exercitar um pouco o nosso ouvido”, o
autor convoca o leitor a assumir uma postura ativa, executar um exercício que inclui
fazê-lo observar o uso da linguagem em sua vida cotidiana. O exercício proposto
anteriormente foi o de hipótese, de imaginação de uma cena, mas agora, ele deverá
considerar sua vida cotidiana e anotar exemplos de uso, bem como seu contexto.
Ainda no Exercício 1, as marcas modalizadoras apresentadas no texto da
atividade, um pouco, pode ser, se possível, indicam um respeito à vida social da
linguagem em que não há contextos pré-estabelecidos: “Se possível, defina o exemplo
156
como manifestação de algum gênero da oralidade , de alguma situação típica” (p. 22,
grifo nosso).
Podemos considerar também como diretivas a sugestão do autor no material a
ser usado e a quantidade de ocorrências anotadas: “munido de um bloco de papel e
caneta [...] anotando cinco ocorrências reais da linguagem oral [...]”. Ou, ainda,
indicando possíveis lugares em que o aluno fará suas anotações: “na fila do ônibus”, “no
supermercado”, “em casa”, “nos telejornais”, “no rádio”. Além desses elementos, no
modelo a ser seguido pelo aluno, o autor elenca os participantes da comunicação
discursiva, a situação, os falantes e o tipo de linguagem utilizado.
Apesar de no início o livro ser apresentado como um material didático que se
destina àqueles universitários que necessitam da escrita em sua formação (cf. Figura 2,
item 3.1.1), o enfoque da interação do autor e leitor nesses dois primeiros capítulos (As
linguagens da língua I e II) é em aspectos da fala cotidiana. Isso é revelado pela
organização de PTEU cujos capítulos partem de situações de uso da fala para chegar à
escrita. Nesse capítulo dois, o aluno deve produzir pequenos trechos de texto, mas
apenas respostas curtas aos questionamentos do autor.
Em seguida, na Atividade 2 (Figura 10) “nós” é utilizado de modo a sugerir uma
identificação com o aluno, mas isso não acontece, e a posição do autor é de exclusão.
No terceiro e quarto parágrafos da página, a estratégia do uso do “nós” retoma o padrão
das explicações das páginas anteriores revelando posições de falante da língua.
Nesta atividade, o autor apresenta uma discussão mais específica sobre Os
gêneros da linguagem escrita e o autor ressalta o foco a ser explorado nos gêneros
escritos que são mais limitados que os orais e passíveis de grande vigilância por parte
de seus usuários: professor, editor do jornal, jornalista, escritor, publicitário: “Trata-se
de uma vigilância objetiva, consciente e sistemática (diferentemente da oralidade, em
que esse autocontrole, embora também exista, ocorre de forma muito mais solta e
natural” (p. 22, grifo do autor). A atenção do aluno é dirigida para o fato de que a escrita
também se divide em gêneros, gêneros convencionais, e não palavras isoladas:
Isto é, as frases que lemos, copiamos ou escrevemos sempre fazem
parte de um gênero, uma forma convencional da linguagem, à qual
atribuímos algum papel social, algum valor, alguma função.
É importante deixar isso bem claro: nós não simplesmente escrevemos
(isto é, escrever não e apenas preencher um espaço em branco com
frases bem estruturadas e bem grafada); nós escrevemos em gêneros (
p. 23, grifos do autor).
157
Nessa terceira página do capítulo 2 (Figura 10), a linguagem do autor permite
compreender os seguintes princípios de linguagem referentes ao que constitui o gênero
do discurso no pensamento bakhtiniano:
1- conteúdo temático (assunto);
2- construção composicional (estrutura formal);
3- estilo (utilização da língua: forma individual de escrever, escolha vocabular,
composição frasal e gramatical);
4- o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo fundem-se no todo
do enunciado;
5- cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados.
As características do gênero estão implícitas nas discussões e exercícios
propostos pelo autor, mas cada aspecto foi trabalhado individualmente nos capítulos que
se seguem a esse, conforme apresentado no item 3.1.1 desta tese.
158
Figura 11: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 23).
Legenda:
Falantes da língua Autor Autor e leitor-aluno Leitor-aluno
Léxico 1ª pessoa do
plural
2ª pessoa do
singular
Pronome
possessivo
Verbo de
comando
O bom leitor é
um detetive!
lemos N∕A nossa percepção Confira
copiamos nosso dia a dia Leia
escrevemos (3x) seu texto Procure definir
atribuímos Trabalhando
[...] siga
Vamos
aprofundar [...]
analisando
Lembre-se
159
vivemos Faça
Considere
Observe
Quadro 9: Marcas de interação na página 23 do capítulo 2 (2011).
A página acima demonstra a proposta de dois exercícios. O primeiro consiste da
leitura de três frases para a consequente identificação dos gêneros a que pertencem e o
segundo da leitura de dezessete textos que serão apresentados nas páginas seguintes ( 24
a 32), a partir dos quais e de um roteiro pré-estabelecido de leitura, o aluno também
deve indicar seus gêneros. Como estamos na parte do capítulo em que são propostos
exercícios ao aluno, a posição enunciativa leitor-aluno se mantém na maioria das
marcas levantadas que são o uso de imperativo para os comandos e os possessivos “seu”
e “nossa”. A voz do autor também se enuncia em “Para não direcionar a análise”, que
poderia ter sido apresentada como “para não direcionarmos a análise” como tem sido
feito em PTEU.
Complementando a explanação sobre os gêneros da linguagem escrita, iniciada
na página 22, o Exercício 2 propõe ao aluno que identifique o gênero de “três
ocorrências escolares escritas”. Há três itens com três frases sem referência as suas
fontes de origem: “a) Todo homem deve pensar e fazer o bem, porque só o bem
constrói.”; “ As minhas férias foram muito boas e divertidas, eu visitei a casa da minha
tia na praia.”; “ c) O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos
catetos.”. A interação instaurada com o leitor-aluno se dá por meio dos verbos no
imperativo “confira”, “leia”, “procure definir” repetindo o padrão adotado nas propostas
de atividades. Não podemos dizer que apenas a leitura das frases daria ao aluno a
certeza sobre o gênero em questão, pois, sabemos que, na modernidade, alguns gêneros
de uma determinada esfera têm sido apropriados por outras. Assim, esse exercício
poderia ter recuperado a totalidade do enunciado com algumas informações adicionais,
dado que a frase “a”, por exemplo, poderia figurar em várias esferas tais como a
religiosa, didática, publicitária, etc.
Em seguida à explicação iniciada na página 22 sobre os gêneros da linguagem
escrita, a Atividade 3- Alguns gêneros da escrita convida o aluno a um aprofundamento
da sua compreensão e propõe a análise de “[...] alguns exemplares da linguagem que
fazem parte do nosso dia a dia” (p. 23, Figura 11). O foco da Atividade 3 se mantém e o
autor apresenta algumas características que considera comuns aos gêneros: vocabulário,
160
grafia, estrutura da oração, concordância, regência, destinatário, aspecto gráfico,
origem, intenção, polissemia, metalinguagem, idade.
Para o exercício, são apresentados dezessete textos cuja divulgação das fontes de
origem dos textos é resguardada, aparecendo apenas no final do capítulo para não
direcionar a identificação do leitor-aluno. O autor os caracteriza como “uma pequena
amostra da imensa variedade de linguagens” que podem ser encontradas em diversos
locais e, antes de mostrá-los, apresenta um roteiro de análise em que devem ser
considerados os seguintes aspectos para a classificação do gênero em questão:
“vocabulário”, “grafia”, “estrutura da oração”, “concordância”, “regência”,
“destinatário”, “aspecto gráfico”, “origem”, “intenção”, “polissemia”,
“metalinguagem”, “idade”. O roteiro iniciado na página 23 (Figura 11) continua na
página seguinte (p. 24) (Figura 12).
Figura 12: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 24).
161
Legenda:
Falantes da língua Autor Autor- e leitor-aluno Leitor-aluno
Léxico 1ª pessoa do
plural
2ª pessoa do
singular
Pronome
possessivo
Verbo de
comando
N/A estamos
analisando
você sabe N/A Assinale (2x)
você
levantou
Observe (2x)
você
encontrar
Considerando
você acertou
você está
lendo
você ainda
não conheça
você esteja se
perguntando
você analisa
você analisou
Quadro 10: Marcas de interação na página 24 do capítulo 2 (2011).
Nessa página, não há um item lexical que identifique o leitor-aluno, mas a
posição de aluno em um contexto específico de ensino formal de português aparece em
“ [...] aqui há um detalhe interessante: você está lendo o texto em sala de aula, num
curso de Língua Portuguesa, diante de um professor que talvez você ainda não conheça
bem”. Aqui, além das formas de imperativo, aparece em vários momentos o uso de
“você”. Esse pronome de tratamento sugere uma aproximação entre os parceiros
discursivos porque simula uma situação de contato face a face. As perguntas do autor,
presentes no roteiro de leitura, são direcionadas ao leitor-aluno e a presença do “você”
reforça essa proximidade. No entanto, ao sugerir que o aluno esteja lendo os textos
indicados em uma situação de sala de aula, evidencia a posição do enunciador como um
terceiro elemento, aquele que se interpõe entre o professor e o aluno. Com esse
comentário, o autor se exclui da possível cena educacional física, mantendo-se apenas
no “virtual”, na interação discursiva do livro didático.
O uso do “você” sugerindo um contato mais próximo entre autor e leitor é
materializado nos trechos em que ao autor questiona o leitor sobre sua compreensão:
“Como você sabe?”, “Pelas características que você levantou, onde é mais provável
você encontrar o texto analisado?”, “[...] confira a fonte e veja se você acertou...)”,
162
“você está lendo o texto em sala de aula [...]”, “[...] um professor que talvez você ainda
não conheça bem.”, “É possível que você esteja se perguntando”, “No texto que você
analisa [...], “Considerando tudo que você analisou, em que gênero você classificaria o
texto?”
Apesar de o elemento “você” estar materializado nessa parte do capítulo e com
uma função bem definida de simulação de conversa, os comandos das atividades já
continham esse pronome de forma elíptica: “Assinale [você], se houver, as formas [...]”,
“Observe [você] a divisão em parágrafos [...]” e outras ocorrências conforme quadros
acima. No entanto, o valor de “você” muda. Nas instâncias em que é usado, situações
em que ao autor faz perguntas ao leitor-aluno, ele não está dando ordens, mas
considerando o que o aluno fez ou está fazendo na atividade. Assim, produz-se um
sentido de cumplicidade e interesse pelo leitor que é, dessa forma, incluído como em
um diálogo face a face.
Essa página poderia ser a primeira em que autor e leitor não estivessem
identificados como falantes da língua, caso não levássemos em consideração o uso da
terceira pessoa do plural com o valor da primeira: “[...] as formas que normalmente se
consideram ‘erradas’ [...]”, que revela o seguinte sentido: “as formas que nós, falantes
da língua, consideramos erradas”.
Podemos concluir que o pronome “nós” pode assumir sentidos diferenciados em
função do contexto no qual se insere e em função das escolhas do autor. Nos momentos
de apresentação da teoria, o enunciador apresenta-se como membro da mesma
comunidade discursiva do destinatário no uso frequente do pronome “nós” ou nas
formas verbais de primeira pessoa do plural. O emprego dos possessivos “seu” e
“nosso” também corrobora esses posicionamentos. Nos momentos em que propõe a
execução de atividades, o autor se afasta e assume uma posição de comando. No
entanto, utiliza estratégias de aproximação com o leitor quando insere nos comandos,
perguntas diretas ao interlocutor, valendo-se do uso da 2ª pessoa do singular, você.
Independentemente dessa inclusão do leitor “você” nos enunciados das
atividades, as cores empregadas nos verbos dos enunciados destinados às propostas de
atividades nas figuras acima permitem visualizar um predomínio do modo imperativo,
demonstrando o afastamento quase total do enunciador no momento em que o aluno
deve executar algum exercício. Nesses momentos, o enunciador não compartilha do
163
mesmo grupo do leitor-aluno, assumindo uma posição superior, autoritária e plena de
poder, conferido por sua posição de autor conhecedor da teoria que ensina.
Para continuarmos a responder à primeira pergunta levantada: 1- Como o autor
aborda os gêneros discursivos? Procedemos ao estudo dos textos apresentados pelo
autor no espaço compreendido pelas páginas 24 a 32. Os textos são apresentados em
sequência e não há intervenção do autor.
Após os itens a serem observados na identificação dos gêneros, são apresentados
dezessete textos que pretendem recuperar o sentido de um horóscopo publicado em
revista feminina, trecho de textos literários, textos publicitários, revista em quadrinhos,
bula de remédio, contrato de locação, trecho de bate papo da internet e bilhete de
empregada doméstica. Há um texto de Millôr Fernandes da Revista IstoÉ/Senhor e da
revista Veja. O exercício propõe que o aluno reconheça a que gênero pertence cada
texto.
Conforme mencionado, os textos não apresentam fontes e os títulos também
foram omitidos, assim como as imagens em que circularam originalmente. Logo abaixo
do texto 17, o último apresentado, há a exposição dos créditos dos textos e a nomeação
dos gêneros. Por exemplo: “Texto 17: Textos escolhidos, de Fernão Lopes” (2011, p. 32,
grifo do autor).
As figuras 13 a 16 mostram os textos:
164
Figura 13: Capítulo 2 – As linguagens da língua II (2011, p. 25-26).
Figura 14: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 27-28).
165
Figura 15: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 29-30).
Figura 16: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 31-32).
166
Para esta análise do exercício de identificação dos gêneros, detemo-nos no
trecho do roteiro (apresentado em itens que vão da letra a a n, p. 23 e 24) (Figuras 11 e
12) oferecido ao aluno na Atividade 3: Alguns gêneros da escrita:
g. Aspecto gráfico. Observe a divisão em parágrafos, a disposição das
linhas, o emprego de palavras em itálico, em negrito, em caixa alta,
sublinhada, com iniciais maiúsculas. O aspecto gráfico tem alguma
função? (Observe que estamos analisando exclusivamente textos –
obviamente a imagem integrada ao texto, num conjunto dominante
na nossa vida pelos outdoors, televisão, jornais, revista etc.,
potencializa, interfere, interpreta, modifica e multiplica ainda
mais todos os significados implícitos no texto em si ( 2011, p. 24,
grifos nossos).
Observamos que o texto aproxima-se do seu leitor. Há uma forte interação
marcada pelos questionamentos, pelo uso do “nós” inclusivo e pelo uso do imperativo.
A interação verbal é preenchida também com um destinatário falante da língua. O leitor
que foi incluído nesse projeto editorial didático participa ativamente da produção de
sentido.
No entanto, se recuperarmos o apresentado na página 20 ao aluno: “[...] as
palavras jamais estão separadas de seus usuários e de alguma situação real, o que nós
aprendemos, no processo de aquisição da linguagem, são gêneros da linguagem, isto é,
conjuntos de regras próprias de cada situação”, podemos dizer que a situação foi
parcialmente recuperada para o aluno. Conforme Brait (2010),
A dimensão verbo-visual da linguagem participa ativamente da vida
em sociedade e, consequentemente, da constituição de sujeitos e
identidades. Em determinados textos ou conjuntos de textos, artísticos
ou não, a articulação entre os elementos verbais e visuais forma um
todo indissolúvel, cuja unidade exige do leitor, e notadamente do
analista, a percepção e o reconhecimento dessa particularidade” (p.
193-194).
Assim, com exceção dos três textos literários, que provavelmente foram
apresentados ao leitor original em forma de texto verbal, sem imagens, os outros textos
pertencem a gêneros cujos enunciados se completam quando materializados verbo-
visualmente com suas cores, figuras, fontes de tamanho e design diferentes.
Da maneira como foi exposto, o texto perde o seu elemento constitutivo de
significação, pois existe “[...] pela materialidade visual, um caráter semiótico cujas
especificidades expressam a dimensão ideológica, a costura de discursos, de relações
que dão identidade ao texto” (BRAIT, 2011, p. 190). Nessa parte, então, aparece uma
167
contradição entre o dito pelo autor no início do capítulo: “as palavras jamais estão
separadas de seus usuários e de alguma situação real (...)” (2011, p. 20) e o praticado na
exposição dos gêneros.
Há ainda uma introdução aos excertos de textos em que o autor diz se tratar de
uma “pequena amostra da imensa variedade de linguagens que vivemos diariamente –
encontram-se nos jornais, nos livros, nas revistas, nos bares, nas placas de rua, na
escola, nos folhetos de rua etc.” (2011, p. 23). Ora, se na transcrição de um texto para
figurar em um material didático se desconsidera a situação real em que esse mesmo
texto circulou em sociedade, acredita-se que a compreensão de enunciado concreto
fique prejudicada.
O enunciado desses textos só se totaliza com o elemento verbo-visual que é
constitutivo do sentido desse texto que, desconectado desse elemento constitutivo, não
pode enunciar seu lugar discursivo, social e cultural. É esse lugar que se configura como
espaço instaurador das condições necessárias para que a propaganda, por exemplo,
possa ser lida, vista subtraída da sua esfera de circulação para se instalar no livro
didático e contribuir para a compreensão do aluno do gênero discursivo. Como são
apresentados, os textos do exercício reduzem sua funcionalidade como horóscopo,
propaganda, etc., com sua finalidade original. Isso significa uma transformação do
status dos interlocutores, uma mudança no gênero discursivo, criando novas imagens,
novas autorias que requerem do leitor outras abordagens que não lhe são fornecidas,
pois o enunciado do exercício restringe-lhe a visão, sugerindo um único gênero, retirado
de fontes específicas, apesar de bem conhecidos do público.
Embora saibamos que o texto verbal apresentado ao aluno no exercício seja o
mesmo, ele assume nessa forma de apresentação uma nova dimensão discursiva,
descaracterizando seus enunciadores e destinatários originais, cuja identificação é
objetivo primeiro do exercício. Nas páginas do livro didático, a autoria é partilhada com
o editor de texto e inúmeras coerções editoriais podem ter afetado a apresentação dos
gêneros, mas a materialidade oferecida ao aluno é aquela que se vê.
Se, para Volochínov, não há interlocutor abstrato e a produção do enunciado está
imbricada com a recepção desse interlocutor, com o contexto social, histórico e cultural
de produção e da recepção, toda palavra é bidirecional e a noção de gêneros do discurso
constitui o todo do enunciado. Um enunciado didático que se propõe e concretiza uma
168
interação entre falantes da língua não pode desconsiderar as condições reais de
circulação dos gêneros apresentados.
Acreditamos em razões editoriais para que textos que figuram em livros didáticos
tenham seus leiautes modificados, ou até mesmo para suprir um projeto maior de
economia de espaço, destinando uma maior ênfase ao material verbal e às considerações
de seu autor. A enunciação é sempre um ato de alguém para alguém, que demanda uma
posição responsiva e essa posição ultrapassa os limites verbais.
Pudemos depreender princípios de linguagem em que é preciso conhecer e
dominar os diversos tipos de gêneros para que a comunicação verbal/escrita se
estabeleça de forma coerente e eficaz. O usuário da língua só se comunica por meio de
gêneros do discurso e tem a sua disposição um infindável repertório de gêneros.
Na linha teórica seguida pelo autor do livro didático, não consideramos que os
enunciados concretos que figuram em um gênero discursivo tenham sido propriamente
apresentados aos alunos de forma a propiciar-lhes uma compreensão mais acurada da
linguagem estratificada em gêneros e fornecer-lhe subsídios mais reais para ajudar em
sua produção escrita.
Há um intervalo nesse Capítulo Dois que não foi analisado aqui (Atividade 4 –
Estrangeirismos: que fazer; Texto 18; Ignorância e oportunismo; Dois fatos a
considerar; Vocabulário e estrutura gramatical; Tudo bem: mas como fazemos quando
escrevemos) como descrito no quadro 5 dessa tese, porque muda o foco que estava no
ensino dos gêneros do discurso para uma discussão do autor a respeito dos
estrangeirismos na língua portuguesa e sua posição a respeito de algumas propostas
governamentais de se limitar uma possível invasão estrangeira no nosso idioma.
O capítulo, no entanto, finaliza com a Atividade 5, Leitura apresentando um
gênero “muito especial da linguagem” (p. 37), a crônica, com o texto “Meditação sobre
o calor das palavras, de José Castello (p. 37 e 38). O autor coloca como fonte o texto
retirado do jornal O Estado de S. Paulo, de 20 de julho de 1999, mas sem maiores
indicações de caderno ou possibilidades de encontrá-lo. Em 2003, portanto posterior à
segunda edição de PTEU (2001), José Castello tem suas crônicas reunidas no livro As
melhores crônicas de José Castello.
Estranhamos não encontrar as contextualizações feitas aos autores dos textos do
livro, como o realizado, por exemplo, no livro didático em volume único Português:
língua e cultura escrito por Carlos Alberto Faraco em 2003. Os capítulos desse livro
169
trazem um breve comentário a respeito dos autores e fornecem indicações de leituras
complementares do autor ou sobre o assunto desenvolvido. O livro, em questão, foi
aprovado pelos critérios de seleção do PNLEM/2007 e passou a compor o Catálogo do
programa nacional do livro para o ensino médio/2009 juntamente com 10 outras obras.
Para essa seleção pública foram consideradas as obras de volume único bem como as
divididas em três volumes, para as três séries do ensino médio.
Apesar de observarmos essa deficiência no aprofundamento das fontes, a escolha
dos textos para figurarem em PTEU mostra-se alinhada à postura teórica do autor. Na
crônica que finaliza o capítulo, José Castello apresenta seu narrador como um homem
“vítima das palavras, de seu fulgor, de seu poder de desgaste, do modo como elas
podem nos submeter e governar (p. 37)”. O personagem da crônica, se assim se pode
dizer, mostra a influência, boa e má, das palavras na vida de alguns conhecidos, e
destaca seu poder de fixação dos significados nas pessoas e lembra o que acontece com
as palavras no dicionário que ficam congeladas, “perdem seu calor, transformando-se
em etiquetas, dessas que grudam para sempre”. Exorta o leitor a não se esquecer “que
palavras podem ser mastigadas, retorcidas, desdobradas” para evitar que elas asfixiem
ao invés de serem saboreadas.
Por meio da análise realizada com as categorias enunciativas estipuladas,
observamos que o destinador (autor) que se enuncia é aquele que se identifica com os
falantes da língua e, nessa categoria, insere seu destinador (autor-aluno). Essa á a
categoria mais frequente nas discussões teóricas e apresentações de exemplos de uso de
língua. No entanto, quando são propostas atividades de reflexão ou mesmo escritas, o
destinador ausenta-se e assume uma posição exterior ao evento comunicativo, cabendo
apenas ao destinatário (aluno) proceder com a verificação da compreensão. Apesar
disso, a frequência de uso do pronome “você” resulta em uma marca explícita de
aproximação. O uso desse pronome promove um efeito de proximidade, porque, apesar
de o autor nãos e inserir na atividade, ele questiona a opinião do leitor em vários
momentos e oferece-lhe oportunidade de criar alternativas às tarefas solicitadas, assim
como também aborda o aluno como indivíduo, mas inserido em um grupo social, visto
que sugere atividades em pares, grupos.
Apresentamos aqui, apenas o capítulo 2, mas em processo investigativo de
PTEU observamos que essa relação destinador-autor e destinatário-aluno é estável no
conjunto do livro. Percebe-se que a comunicação pretende minimizar os traços de
170
assimetria visíveis quando o autor exerce uma posição de detentor do conhecimento e
transmissor deste e ao aluno o papel de feitor de atividades.
A partir do reconhecimento das marcas de interação presentes no capítulo
destinado a ensinar os gêneros do discurso, passamos à descrição e análise das duas
edições de PTEU, a primeira e a vigésima.
3.3 Diálogos instaurados
Tendo apresentado os objetivos, as características e as atividades de PTEU, no
item 3.1.1, continuamos o confronto entre as edições. O cotejo consiste da descrição das
seções e o conteúdo de cada unidade, mas os comentários e análises serão realizados a
partir das mudanças realizadas na passagem da primeira para a vigésima edição. A
interação instaurada entre autor e leitor-aluno levará em consideração as categorias
estabelecidas no estudo do capítulo 2 de PTEU.
Apresentamos as capas das duas edições:
Figura 17: Capa do livro didático (2011).
171
Figura 18: Capa do livro didático (1993).67
A editoração da vigésima edição (Figura 17) é de Augusto A. Zanatta e a capa
de Marta Braiman. Tanto a capa quanto a contracapa apresentam linhas esmaecidas de
um caderno em tom de verde, mesma cor dos nomes dos autores do livro que são
apresentados. Na parte central da capa, o título do livro e as palavras “Prática de texto”
aparecem em letras maiúsculas, ocupando a maior parte do espaço. “Prática de” vem em
vermelho e com uma fonte diferenciada das demais. A palavra “texto”, em destaque e
em tamanho maior, tem como preenchimento as linhas de um caderno em azul que
fazem os fundos superiores da capa e da contracapa. Como fundo, à esquerda, também
parece ter sido utilizada a capa de um livro, cujo título está parcialmente aparente e à
direita uma folha impressa.
Logo abaixo da palavra “texto”, em letras minúsculas cinzas, o subtítulo e
direcionamento do livro, “para estudantes universitários”. No canto inferior esquerdo,
há o logo da “Editora Vozes” em letras maiúsculas.
Percebe-se aqui a ênfase dada à palavra “texto” e “prática de”, em vermelho,
chamando a atenção do leitor para o objeto central do livro: o aprendizado da língua
portuguesa por meio da produção textual.
A primeira capa (1992) (Figura 18) traz como indicações editoriais apenas a
diagramação, de Daniel Sant’Anna e Rosane Guedes. No centro da página, há um
67
Por ser uma edição apenas disponível em sebos, algumas em más condições, não encontramos um livro
cuja capa pudesse ser reproduzida aqui. Desta forma, apresentamos a capa da 2ª edição, que se manteve
igual à da 1ª e continuamos nossas análises com a 1ª edição de 1992.
172
quadro com contornos marrons e, dentro desse quadro, uma figura menor em preto,
aparentemente feminina, de uma pessoa se movimentando para a direita, empunhando
um arco como se estivesse em batalha ou à caça de algum animal (Diana, a deusa
mitológica da caça, talvez). Essa mesma pessoa é reproduzida atrás, no fundo da
imagem, em tamanho maior, de cor marrom, como se fosse uma projeção, uma sombra,
da primeira. Procuramos por informações dessa figura68
, já que o livro não traz detalhes
e percebemos em análises de outras obras da Editora Vozes que os diagramadores não
apresentam as fontes das figuras utilizadas nas capas, como, por exemplo, o livro de
1993, ano subsequente à produção de PTEU, Estética: a lógica da arte e do poema69
.
A disposição do texto na primeira edição é quase oposta à da vigésima.
Centralizada, no início da capa, está a indicação da edição (2ª edição, capa escaneada).
O título do livro também vem desmembrado, mas agora em apenas duas partes: “Prática
de texto” em vermelho, centralizado acima e logo abaixo com fonte menor o subtítulo,
“língua portuguesa para nossos estudantes”. A figura, já descrita, no centro da página,
abaixo do logo da editora, “Vozes”, que se manteve, com a diferença da adição da
palavra “editora” na vigésima edição, o que parece ter sido uma remodelagem da marca.
Os nomes dos autores aparecem na parte inferior, em letras maiúsculas
centralizadas e também em cores pretas como o subtítulo do livro. O volume da
vigésima edição apresenta tamanho e número de páginas maiores, além do número
maior de páginas. As medidas são 16 cm de largura, 23 cm de altura, 2 cm de
profundidade e 304 páginas, contra 13,8 cm, 21 cm, 1 cm e 244 páginas,
respectivamente, para a primeira edição.
Se, ao analisarmos as intenções dos textos das capas, considerarmos a visão de
Bakhtin/ Volochínov a respeito do dialogismo, acatamos que:
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um
elemento da comunicação verbal. [...] o ato de fala sob a forma de
livro é sempre orientado em função das intervenções anteriores na
mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor como as de
outros autores: ele decorre portanto da situação particular de um
problema científico ou de um estilo de produção literária. Assim, o
discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão
ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta,
68
A editora foi consultada e não pôde fornecer detalhes sobre a imagem devido a não terem mais essa
informação em seus arquivos.
69 Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/80635122/BAUMGARTEN-Alexander-Gottlieb-Estética-a-
logica-da-arte-e-do-poema. Acessado em 01∕01∕2013.
173
confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio,
etc. (BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004, p. 123, grifos nossos).
Do ponto de vista pergunta-resposta que todo enunciado contém em si
(BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004), o subtítulo da primeira edição revela a motivação
inicial da obra, ou seja, um livro pensado e produzido em resposta às necessidades dos
alunos do autor em relação à língua portuguesa. Entre 1992 e 2001, quando ocorre a
segunda edição reformulada, o livro deixou de circular apenas entre os cursos para os
quais foi pensado e passou a servir também a outras áreas. Isso pode ter motivado a
mudança do título, de forma a abranger também outros alunos que não os seus ou, ainda
reforçar a ideia do objeto de ensino, pois a vigésima edição dedica a prática de texto,
não a língua portuguesa, para estudantes universitários.
Ambas as edições dão ênfase ao título “Prática de texto”. A vigésima reforça
ainda mais a presença da palavra “Texto” colocando-a em posição, tamanho, fonte e cor
diferentes das outras mostradas na capa. Após a expressão Prática de texto, segue-se o
subtítulo para nossos estudantes universitários (primeira edição) e para estudantes
universitários (vigésima).
Esse destaque da palavra texto leva-nos a considerar momentos do próprio livro
em que o autor justifica sua ênfase. No capítulo 4 da vigésima edição (Língua padrão-
I), o autor acrescenta o item A noção de “texto”. Nele, ressalta que o bom escritor é
aquele que escreve textos bons e não frases boas. Continua:
Esse é um ponto que não devemos jamais perder de vista, e talvez o
que oferece mais dificuldades, justamente porque a noção de texto
está ausente das gramáticas tradicionais e, na prática, ocupa um
espaço muito pequeno no ensino escolar da língua. Por essa razão,
este livro procurará trabalhar sempre com a noção de texto, lado a lado
com a noção de língua padrão (FARACO; TEZZA, 2011, p. 57,
grifos do autor).
Observamos um foco no estudo do texto em concomitância com o ensino da
norma-padrão da língua. Para esse ensino, o autor se vale de textos extraídos dos meios
de comunicação e justifica a sua escolha afirmando que houve uma mudança de
referencial para o estabelecimento de padrão: a “boa língua” era aquela expressa pelos
textos literários; atualmente, pelos textos extraídos de jornais, revistas, etc, estes
ignorados pelas gramáticas tradicionais. PTEU possui 118 textos, sendo o gênero
jornalístico o mais presente (57), seguido por textos sobre teoria linguística (27) e
174
literários (12). Há ainda trechos de textos variados, pertencentes a gêneros do cotidiano
como bilhete, bula de remédio, tirinha de jornal, bate papo da internet, religioso
(Bíblia), contrato de locação, manual de instruções e verbete de dicionário (22).
Além do foco no texto, concordamos com os estudiosos que “o ato de fala sob a
forma de livro é sempre orientado em função das intervenções anteriores na mesma
esfera de atividade” (BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004, p. 123). PTEU dá sequência ao
trabalho de Faraco e Mandryk (Língua Portuguesa: prática de redação para estudantes
universitários, 1987), cuja importância pioneira direcionou a escrita daquele. Até então,
não havia, no mercado editorial brasileiro, um livro didático destinado exclusivamente a
alunos universitários.
Para suprir essa lacuna, um hábito comum nas universidades é cada curso e∕ou
professor organizar os seus próprios materiais. Tezza (2002b) defende que essa
produção, além de individual e estanque, revela um estilo de produção que não
considera o aluno universitário com especificidades distintas dos alunos da educação
básica. Esta última, sim, uma grande preocupação da produção do mercado editorial.
Nossa experiência como professora universitária e produtora de materiais de uso em
sala de aula vai em direção contrária a essa afirmação, pois o professor que se dedica a
um ou dois cursos específicos familiariza-se com essa população de alunos ingressantes
e conhece suas necessidades de leitura e produção textual. O conhecimento do perfil do
formando proporcionado pelas DCNs e pelos PPCs guia a construção desses materiais.
O que nos parece prudente na defesa do autor é que com a carga horária intensa e as
atividades normais da profissão docente tais como preparação e correção de provas, a
produção de material didático, mesmo que específico, torna-se um trabalho extra
volumoso o qual, muitas vezes, não está inserido nas atribuições do professor ou
requeira habilidades específicas de produção.
Ao contrário da profusão de livros criados para o ensino fundamental e médio,
boa parte das poucas obras destinadas ao público do ensino superior não atende à
demanda efetiva desse público do ensino superior. Isso também concorreu para a
formação de um problema científico gerador de nosso interesse no estudo de livros
didáticos para esta faixa educacional. Desde a capa de PTEU, o leitor consumidor
certifica-se de estar diante de um livro de prática de texto [há muitos outros], mas esse
específico para o ensino superior e, portanto, voltado às necessidades dessa esfera.
175
A partir das capas e das considerações acerca da ênfase na palavra texto,
adentramos o livro. Em entrevista de 2002, Cristovão Tezza comenta que ele “foi
inteiramente reformulado, ampliado e atualizado”. Nossa pesquisa concluiu que esta
alteração consistiu em acréscimos de dois capítulos, renomeações de outros, quarenta e
dois textos e uma descrição dos tópicos de língua padrão no sumário, que detalharemos
em seguida.
Reproduzimos o sumário:
Figura 19: Sumário de Prática de texto para estudantes universitários (2011, p.5-6).
A partir do sumário, observamos que PTEU foi dividido em duas partes:
a- A primeira, composta pela introdução do livro através de seu sumário, que vai de
Apresentação, passando por As linguagens da língua I e II; Signo e significado; Língua
padrão I e II; Considerações em torno do “erro”; Língua e escrita; Texto de
informação I e II; Parágrafos; Texto de opinião I e II; O texto crítico; Estrutura da
oração e Referências Bibliográficas.
b- A segunda, formada por Tópicos de Língua Padrão, exposta no sumário e que
faz um índice remissivo da primeira parte, mas destacando as páginas destinadas ao
176
ensino sistemático de Anafóricos e relatores; Citação; Concordância; Crase;
Cujo(emprego); Estrangeirismos; Haver, ter, fazer, existir (emprego); Onde (emprego);
Oração: estrutura e flexibilidade; Oração: informação básica e informação
complementar; Oração sem sujeito; Pontuação: sujeito e predicado; Pontuação:
orações restritivas e explicativas; Pontuação: informação básica, informação
complementar; Pronomes átonos (emprego); Que: com antecedente, sem antecedente;
Regência: Relações Lógicas.
A primeira edição (1992) não trazia essa divisão no índice, sendo composta dos
seguintes capítulos: Apresentação; As linguagens da língua; Língua Padrão-I; Língua
Padrão-II; Especulações em torno do “erro”; Língua e escrita; Texto de informação-I;
Texto de informação-II; Parágrafos; Argumentando-I; Argumentando-II;
Argumentando-III; Estrutura da oração e Referências bibliográficas.
O índice da primeira edição:
Figura 20: Índice de Prática de Texto: língua portuguesa para nossos estudantes (1992).
Os capítulos As linguagens da língua II e Signo e significado, (Figura 19) não
aparecem como capítulos na primeira edição (Figura 20). Na versão de 1992, o capítulo
177
1 As linguagens da língua, dedica-se à discussão do conceito de língua, variedade
linguística, gêneros, signo e significado, conteúdos que foram desmembrados em três
capítulos da vigésima edição. Os capítulos Texto de opinião I e II e O texto crítico
(Figura 19) substituem os capítulos Argumentando I, II e III da primeira edição (Figura
20). A discussão teórica permanece na última edição, mas os textos apresentados para a
leitura nos capítulos foram modificados.
Outra modificação foi a ênfase dada aos aspectos referentes à prática gramatical,
a que o autor chama de Tópicos de Língua Padrão. Esses itens, destacados no Sumário
(vigésima edição), não recebem os mesmos títulos ao longo de PTEU, numa aparente
proposta de contextualização da nomenclatura gramatical aos estudos dos textos
apresentados para leitura e discussão e às propostas de produção textual. Por exemplo,
no Capítulo quatorze - estrutura da oração (2011, p. 267) são expostos vários aspectos
da formação da oração e o item “cujo (emprego)”, indicado no índice na página 285,
tem o seguinte subtítulo: O dito ‘cujo’....
Outra distinção desse material é indicar os itens gramaticais no Sumário e as
respectivas páginas em que são abordados, ou seja, algumas vezes, em diferentes
capítulos do livro, como o item “Crase” que aparece em destaque nos capítulos 8, 9 e
10. O item gramatical é retomado sempre que se faz necessário.
Depreendemos dessa organização textual que o ensino da norma em PTEU
“estará sempre em segundo plano” (1992/2011, p.8) corroborando a declaração do autor
na Apresentação. A teorização sobre os fatos da língua recai nas diferenças entre as
formas linguísticas decorrentes das variedades da língua e seus diversos contextos de
uso. Para o autor, o trabalho prático com a escrita deve indicar a diferença existente
entre padrão normativo e padrão real:
[...] no universo concreto da escrita há uma visível distinção entre
padrão normativo (para dizer numa palavra, a norma exigida em um
concurso do Banco do Brasil ou nos vestibulares, contemplada pelos
tópicos gramaticais dos compêndios tradicionais) e um padrão real,
isto é, a língua escrita de boa qualidade que representa o uso
contemporâneo da linguagem brasileira em seus veículos de prestígio.
Isto é, em praticamente todos os tópicos gramaticais há uma fissura
crescente entre a norma escolar e a vida real da escrita; uma fissura,
aliás, que não representa nenhuma tragédia, mas apenas o fato
universal da mudança linguística, mesmo na sua modalidade mais
conservadora, a escrita. Essa é uma questão que não pode ser ocultada
pelo professor, qualquer que seja sua posição diante do problema
(TEZZA, 2002b, grifos nossos).
178
Essa ideia da distinção entre a modalidade escrita e a falada é desenvolvida em
vários momentos de PTEU, conforme demonstraremos a seguir.
Após o Sumário (2011) e Índice (1992) (Figuras 19 e 20), segue-se a
Apresentação (cf. item 3.1.1). Continuamos com a comparação entre as duas edições de
PTEU, mas antes, cabe estabelecemos os critérios de análise que seguirão as categorias
principais do pensamento bakhtiniano em relação à linguagem, ou seja, interação verbal,
enunciado concreto, o caráter ideológico do signo linguístico, autoria e o conceito
central do pensamento, o dialogismo.
Se a interação verbal é a realidade fundamental da língua e a comunicação a
realização concreta dessa interação, consideraremos aqui os processos de expressão do
autor em relação ao seu leitor-aluno. A atitude do autor em relação ao seu leitor
presumido constrói um evento único e irrepetível, dada a sua situação sócio-histórico
definida: espera-se que um aluno universitário seja o destinatário do livro e que seu
aprendizado se reverta em algo aproveitável para sua vida acadêmica, para não dizer das
práticas discursivas da experiência em sociedade atual e no futuro profissional.
Consideramos as formas linguísticas e os sentidos dos enunciados totalmente
dependentes da forma e do caráter da interação social estabelecida entre os participantes
da enunciação.
A nosso ver, o LDP [livro didático de português] pode ser [...]
analisado e compreendido como um enunciado num gênero do
discurso que está intrinsecamente relacionado às esferas de produção e
circulação e que, desta situação histórica de produção, retira seus
temas, formas de composição e estilo (cf. Bakhtin [1952-53] 1979)
(BUNZEN, 2008, p. 6).
A construção do livro didático e a possibilidade de ser considerado um gênero
discursivo decorre do ponto de vista de que autor e leitor-aluno estão socialmente
organizados em uma universidade, no século XXI e produzindo o enunciado concreto
que analisaremos mais adiante. Ao pensarmos nessa possibilidade da inscrição do livro
didático nos gêneros discursivos, buscamos compreender o conceito bakhtiniano de
gênero mobilizado, perseguindo a noção de natureza do enunciado concreto e sua
manifestação no gênero.
[...] quando os autores e editores de LDP [livro didático de português]
selecionam∕ negociam determinados objetos de ensino e elaboram um
livro didático, com capítulos e∕ou unidades didáticas (organizados por
seções didáticas regulares, pois tem uma inter-relação com a proposta
pedagógica), eles estão produzindo um enunciado relativamente
179
estável, cuja função social é re(a)presentar, para cada geração de
professores e estudantes, o que é oficialmente reconhecido ou
autorizado como forma de conhecimento sobre a língua(gem) e sobre
as forma de ensino-aprendizagem. Não se pode esquecer que
determinados objetos de ensino (e não outros) são selecionados e
organizados, em uma determinada progressão, levando-se em
consideração, principalmente a avaliação apreciativa dos autores e
editores em relação aos seus interlocutores e ao próprio ensino de
língua materna, para determinado nível de ensino (BUNZEN, 2008, p.
7-8, grifo do autor).
Essa reapresentação de objetos de ensino que o livro didático de português faz
corrobora a função de PTEU e nosso contexto. Marinho (2010) lembra que existe uma
crença de que o aluno que chega à universidade já tenha aprendido a ler e a escrever na
escola básica, independentemente do gênero. Esse pensamento é uma armadilha, pois o
aprendizado dos gêneros acadêmicos se dá na universidade, pois existe uma motivação
do ambiente educacional para isso. Se for gênero ou não, não entraremos nessa questão,
a realidade é que o livro didático está na universidade justamente porque há uma lacuna
entre os conhecimentos do aluno saído do ensino médio e os pressupostos para esse
mesmo aluno quando inicia o ensino superior, daí a importância de sua presença para
ensinar produção de texto.
Em nossa pesquisa, partimos do pressuposto de que o aluno que chega à
universidade já tenha sido exposto a diversos gêneros discursivos em sua trajetória
escolar, mas necessita de um material didático direcionado a esse momento de sua vida.
O princípio arquitetônico da teoria, o dialogismo, é representado neste estudo pelas
visões de mundo estabelecidas pelo autor em sua interação com seu destinatário, seu
posicionamento em relação a ele e o que espera, antecipa para esse leitor. Observaremos
a alternância dos sujeitos do discurso e a que esses sujeitos respondem.
Os quadros a seguir apresentam as seções e subseções dos capítulos,
considerando os títulos dos textos incluídos na primeira e na vigésima edições. Em
seguida a cada um, comentaremos as alterações.
Dedicamos o capítulo 4 desta tese para analisar discursivamente as propostas de
produção textual presentes na seção Prática de Texto, apresentando as atividades, em
ambas as edições, e considerando o encaminhamento dado pelo autor.
O primeiro quadro apresenta a maneira como o capítulo 1 foi dividido na
primeira e na vigésima edição, assim como os textos utilizados. As indicações das
seções foram modificadas entre as edições; na primeira, os itens estão em algarismos
180
romanos e em números cardinais na vigésima. O título do capítulo, em ambas, está em
letras maiúsculas, no entanto na vigésima, além da maiúscula, há o emprego do itálico
assim como nos subtítulos, ausentes da primeira. Algumas seções da primeira edição
não trazem títulos ou subtítulos, assim para descrever o seu conteúdo, utilizamos
explicações entre colchetes [ ]. Esse recurso também será utilizado para apresentar
brevemente o conteúdo das seções de PTEU.
Optamos, como recurso metodológico, manter as convenções editoriais de
ambas as edições a fim de sermos fiéis aos textos originais. Assim, onde há o uso de
negrito, itálico, letras maiúsculas ou minúsculas impressos nos livros, estes serão
mantidos aqui nos quadros comparativos.
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 1 UM
Título AS LINGUAGENS DA
LÍNGUA
AS LINGUAGENS DA
LÍNGUA-I
Seções
Subseções
ATIVIDADE I
Texto- [trecho de Questões
de Literatura e de Estética,
Bakhtin, p. 96]
Atividade 1
- Afinal, o que é a língua?
[apresenta reflexões sobre
a realidade da língua e suas
modalidades falada e
escrita]
Exercício 1 [Comparação entre fala e
escrita. Enunciados
escritos que reproduzem a
fala]
ATIVIDADE
II
[17 trechos de textos de
diferentes gêneros: revistas
(Veja, IstoÉ/Senhor), e
jornal semanal (Folha de S.
Paulo- entre 1989 e 1990).
Textos literários,
publicitários, bilhete de
empregada doméstica,
contrato de locação, trecho
da Bíblia
Texto 1, Texto 2...]
Atividade 2
- Um conjunto de
variedades
- Diversidade linguística
- Variedade e valor
[apresenta o conceito
língua e suas
características]
181
ATIVIDADE
III
[Explicação sobre a
variedade de linguagens
existentes e proposta de
atividade de pesquisa em
grupo]
Atividade 3 - Variedade e gramática
[discorre brevemente sobre
o conceito de gramática e o
de língua padrão ou norma
culta]
Exercício 2
[Cont. comparação entre
fala e escrita- Enunciados
comuns no dia a dia]
- O princípio da
regularidade
Exercício 3 [Proposta de identificação
da gramática subjacente
aos enunciados
apresentados]
ATIVIDADE
IV
Explicação sobre a produção
do significado.
Texto- [Trecho de Marxismo
e filosofia da linguagem,
Bakhtin, 1981, p. 132]
Atividade 4
- Leitura
Texto 1
Texto 2
NÃO EXISTEM
LÍNGUAS UNIFORMES,
Sírio Possenti (Por que
(não) ensinar gramática na
escola, p. 33)
[Sobre a estratificação da
linguagem]- Mikhail
Bakhtin (trechos de
Questões de literatura e de
estética p. 96-100.
PRÁTICA
DE TEXTO
[Produção de texto seguindo
roteiro e gêneros
estabelecidos (horóscopo,
ficção científica, humor,
notícia de jornal de primeira
página, texto publicitário,
crítica de cinema, manual de
instruções, bilhete)]
CRÉDITO DOS TEXTOS [Os textos e créditos
aparecerão no capítulo 2]
Quadro 11: Seções e subseções do capítulo 1 (1ª e 20ª edições).
O capítulo 1 (2011, p. 9) destina-se a discutir noções básicas de língua,
entendendo-a como um conjunto de variedades linguísticas organizadas por um
princípio regular e reiterável, inserindo assim o conceito de gramática. O capítulo 1 da
182
primeira edição (1992, p. 9), apresenta discussão semelhante acerca de língua como
conjunto de variedades, mas insere uma discussão a respeito de gêneros, sem passar
pela gramática, como realizado na primeira edição. Em seguida, aborda questões que
envolvem a produção de significado pelo signo linguístico, aspecto discutido em
capítulo à parte na vigésima edição.
Nesse primeiro capítulo (2011), o que o livro traz como Atividade na primeira
edição tem a mesma função na vigésima, destina-se a apresentar o seu conteúdo,
convidando o aluno a refletir sobre alguns fatos da língua. Em comum, também, o
objetivo de discutir as diferenças entre fala e escrita. Vejamos a primeira página do
capítulo:
Figura 21: Capítulo 1- Atividade 1 (2011, p. 9)
70.
70
Com exceção da capa e do índice da primeira edição, as figuras reproduzidas nesse capítulo três de tese
são da vigésima edição (2011).
183
Lembramos que todos os capítulos da vigésima edição iniciam-se com essa
seção Atividade. No capítulo 1:
Atividade 1- Afinal, o que é a língua?
A língua é uma das realidades mais fantásticas da nossa vida. Ela está
presente em todas as nossas atividades; nós vivemos entrelaçados (às
vezes soterrados!) pelas palavras; elas estabelecem todas as nossas
relações e nossos limites, dizem ou tentam dizer quem somos, quem
são os outros, onde estamos, o que vamos fazer, o que fizemos.
[...]
Apesar dessa presença absoluta na nossa vida (ou talvez justamente
por isso), ainda sabemos pouco sobre a linguagem e, em geral, temos
uma relação problemática com ela, principalmente em sua forma
escrita. Isto é, embora não sejamos nada sem a língua, parece que ela
permanece alguma coisa estranha em nossa vida, como se ela não nos
pertencesse. Neste primeiro momento, vamos refletir um pouco sobre
alguns dos traços que definem a língua e por que ela parece muitas
vezes alguma coisa “estrangeira”. (FARACO; TEZZA, 2011, p. 9.)
Na primeira edição, entretanto, o capítulo 1 não faz essa introdução ao assunto.
Há uma citação de Mikhail Bakhtin retirada de Questões de literatura e de estética: a
teoria do romance (o autor cita a edição de 1988, p. 100), e o aluno é levado
diretamente a refletir sobre alguns usos da fala.
ATIVIDADE 1- Vamos começar nosso curso com uma tentativa de
definição do que seja esse misterioso atributo que todos nós temos de
um modo bastante completo desde os dois anos de idade: uma língua
humana. Considerando apenas a fala, observe os exemplos seguintes:
1. Cara, eu conheço ele desdos tempos do colégio! A gente vai
aumoçá sempre junto. Você já tinha visto ele? (FARACO; TEZZA,
1992, p. 10, grifo do autor).
O título Atividade aparece na maioria dos capítulos da primeira edição (Capítulo
3- Língua Padrão-II, Capítulo 4- Especulações em torno do “erro”, Capítulo 5- Língua
e escrita, Capítulo 7- Texto de informação-II, Capítulo 9- Argumentando- I, Capítulo
10- Argumentando- II, Capítulo 11- Argumentando- III, Capítulo 12- Estrutura da
oração).
Podemos observar, pelo uso insistente da primeira pessoa do plural que o
destinatário do 1º capítulo, em ambas as edições, é o falante da língua, categoria em que
também se insere o enunciador: “[...] todos nós temos [...] desde os dois anos de idade
[...]” e, mais como em: “Considerando a sua experiência como falante de português,
responda a essas questões preliminares.” (FARACO; TEZZA, 2011, p. 13, grifos
184
nossos). “[...] se saíssemos pela rua com um gravador na mão, recolhendo ‘amostras’
do que as pessoas falam [...]” (FARACO; TEZZA, 1992, p. 10, grifos nossos). O autor
se identifica com o leitor.
Importante observar que na vigésima edição o autor acrescenta um texto de Sírio
Possenti, retirado de “Por que (não) ensinar gramática na escola”. O livro utilizado é de
1997, conforme citado nas referências bibliográficas de PTEU. Nossa ressalva deve-se
ao fato de que esse acréscimo cria um efeito de sentido na direção do que iremos
chamar de “novidade no campo do saber”. Entre uma edição e outra, o autor demonstra
ter incorporado e sentido a necessidade de abordar novas discussões a respeito de língua
e posicionando essas “novidades” nas unidades, dando-lhes um tom atual e que reflete
um campo em constante movimento, a saber, o dos estudos linguísticos.
Na primeira edição, o destinatário do texto é também alguém que está
começando um curso sobre a língua portuguesa, e por curso, entendemos disciplina:
“Vamos começar nosso curso [...]” (1992, grifos nossos). Essa diretiva, no entanto,
proposta ao leitor-aluno não aparece desta forma na vigésima edição, mas no Exercício
3, o leitor é convocado a supor que “[...]é um cientista da língua, um linguista [...]”
(2011, p. 15, grifos nossos). Isso parece corroborar o que Tezza (2002b, p. 40) diz sobre
o papel do aluno frente à linguagem, papel em que deve “pôr a mão na massa na prática
linguística, digamos assim - o estudante precisa ele mesmo trabalhar a escrita, sem
álibi”.
O estilo didático adotado em ambas as edições sugere uma conversa com o
leitor-aluno. É usada a primeira pessoa do plural e as expressões “Vamos começar”,
“Vamos pensar”, “A primeira coisa que devemos fazer”, “Por enquanto, vamos
esquecer momentaneamente os conceitos de certo e errado”, “Enquanto pensamos na
resposta”, etc. Esse tom didático ou plural didático (cf. FIORIN, 2010) varia nas
instruções aos exercícios: [...] Observe os exemplos seguintes [...]Veja [...] responda
[...] Suponha [...] Siga [...] (1992, p. 10-23; 2011, p. 9-15, grifos nossos). Por termos
observado essa recorrência do uso da primeira pessoal do plural na interação que se
estabelece entre autor e leitor, buscamos compreender os efeitos de sentido aí
produzidos, por isso realizamos uma análise dessa interação no capítulo 2 de PTEU
(item 3.2 desta tese).
A interação também se evidencia pelo uso do ponto de exclamação já no
primeiro parágrafo: “Ela [a língua] está presente em todas as nossas atividades; nós
185
vivemos entrelaçados (às vezes soterrados!) pelas palavras [...]” (2011, p. 9). A
exclamação expressa na escrita pode indicar qualquer um dos três sentidos, imperativo,
vocativo e exclamação para expressar um alto grau para algo. O ponto também nos
conduz às marcas de interação estabelecidas deslocando o foco do autor para o leitor.
Ora, o escrito sendo uma comunicação deslocada no espaço e no
tempo, o processo exclamativo, não podendo ser espontâneo,
não diz respeito a quem escreve, às suas emoções ou ao seu
estado de espírito, e sim, se desloca para o leitor destinatário,
para o qual o valor exclamativo, dado pelo ponto de
exclamação, cria uma força de interpelação, logo o impacto
almejado para que ele reage (sic) no sentido previsto pelo
escritor (DAHLET, 2006, p. 193, grifo da autora).
A autora argumenta que no enunciado exclamativo, não há apenas transmissão
de conteúdo, mas de uma tomada de posição do enunciador que “apela para o leitor
tomar posição a respeito (p. 195). O valor que autor dá a “soterrados” expressa um tom
valorativo, sugere um partilhamento de opinião com o leitor, ou seja, esse também
concorda com isso. Por outro lado, não há como negar que uma exclamação num texto é
sinal de que o locutor quer deixar clara a sua presença na interação, mesmo que faça uso
dos recursos da terceira pessoa a fim de manter as aparências de um texto mais objetivo.
Este ponto é uma pista fácil para flagrarmos a maneira como o locutor modaliza seu
discurso. Em PTEU, é comum encontrarmos declarações acompanhadas de um ponto
de exclamação e, à medida que julgarmos pertinente, discutiremos essas ocorrências
nesta tese.
O autor introduz a escrita mencionando que os falantes costumam ter “uma
relação problemática com ela” (2011, p. 9), especialmente no que concerne às
diferenças substanciais entre as modalidades falada e escrita.
Como já mencionado, os assuntos desenvolvidos pelo autor no primeiro capítulo
da primeira edição, As linguagens da língua, foram divididos em três na vigésima: As
linguagens da língua I e II, Signo e Significado.
Por essa razão, descreveremos os capítulos 2 e 3 da vigésima edição (2011) de
forma conjugada, por estarem ausentes, como capítulos individuais, na primeira edição.
A interação entre autor e leitor do capítulo 2 (2011) será analisada separadamente no
item 3.2 desta tese.
186
EDIÇÃO PRIMEIRA VIGÉSIMA
Capítulo DOIS
Título AS LINGUAGENS DA
LÍNGUA II
Seções
Subseções
Atividade 1
- Os gêneros da linguagem
- Alguns exemplos de
gênero
Exercício 1 [Proposta para que o aluno
anote cinco ocorrências reais da
linguagem oral]
Atividade 2
Os gêneros da linguagem
escrita
Exercício 2 [Leitura de três ocorrências
escolares e identificação dos
gêneros]
Atividade 3 - Alguns gêneros da escrita
(Texto 1 a 17)
Créditos
- [17 trechos de textos de
diferentes gêneros: revistas
semanais (Veja – s/d),
IstoÉ/Senhor – 10/5/89) Textos
literários, publicitários, bilhete
de empregada doméstica,
contrato de locação, trecho da
Bíblia, bula de remédio,
horóscopo, texto de revista em
quadrinhos]
- Após a apresentação dos
textos, há uma lista com as
fontes
Atividade 4
-Estangeirismos: que fazer?
Texto 18 CHIQUES & FAMOSAS
(REVISTA DA WEB, ed. 3, p.
121)
187
- Ignorância e oportunismo
- Dois fatos a considerar
- Vocabulário e estrutura
gramatical
-Tudo bem: mas o que fazer
quando escrevemos?
Atividade 5 Leitura [apresenta a crônica que
se segue]
Texto 19 MEDITAÇÃO SOBRE O
CALOR DAS PALAVRAS,
José Castello ( O Estado de S.
Paulo, 20/7∕1999)
EDIÇÃO PRIMEIRA VIGÉSIMA
Capítulo TRÊS
Título SIGNO E SIGNIFICADO
Seções Seções
Subseções Subseções
Atividade 1 Como se produz o significado?
1- O elemento material do
signo
2- A convenção e o sentido
3- O sentido, ou
“significação”, é
reiterável
4- O segundo estágio do
processo
5- A compreensão é um
processo ativo
6- A natureza social da
escrita
Atividade 2 Leitura
188
Texto 1 [SOBRE A ENUNCIAÇÃO]
Mikhail Bakhtin (2004, p. 112-
113)
Texto 2 [SOBRE A COMPREENSÃO]
Mikhail Bakhtin (2004, p. 132)
Atividade 3
Prática de Texto
[Proposta de produção escrita de
quatro gêneros diferentes]
Quadro 12: Seções e subseções dos capítulos 2 e 3 (20ª edição).
O capítulo 2 objetiva apresentar ao aluno as noções básicas de gêneros do
discurso, ao que o autor nomeia “gêneros da linguagem”, “gêneros da língua”, “gêneros
da linguagem escrita”, “gêneros da escrita”, em diferentes momentos do texto. As
Atividades 1, 2 e 3 do capítulo tratam da estratificação da escrita em gêneros.
Em seguida, o autor introduz o conceito de estrangeirismos e discute o assunto
opondo-se àqueles que consideram uma invasão de palavras estrangeiras na língua
portuguesa. Nesse sentido, defende que a língua é viva e em constante movimento, pois
da mesma maneira que palavras entram na língua, costumam desaparecer ou ser
adaptadas. Destaca, assim, que os chamados empréstimos são fatores de enriquecimento
da língua e não o oposto. Ressalta que não pode haver um instrumento de controle sobre
a linguagem e, se houvesse, estaria desconsiderando a riqueza da mistura vocabular que
a língua herdou de outros povos durante sua história.
Após discutir os aspectos sociais dos estrangeirismos, o autor chama a atenção
do aluno quanto ao seu uso em produção textual. Sugere que devem ser evitados, caso
haja uma palavra equivalente na língua, e, caso o termo seja utilizado, que venha
destacado entre aspas. O capítulo finaliza com a leitura de um texto de José Castello
(Meditação sobre o calor das palavras) em que é discutida a influência da linguagem
sobre a vida, até psíquica dos falantes. O texto pertence ao gênero crônica e narra um
fato curioso de um jornalista que resolveu pesquisar em um dicionário palavras cujos
significados fossem instigantes.
Relembramos que os capítulos um, dois e três da vigésima edição foram
desmembrados do capítulo 1 da primeira, que abordou os mesmos assuntos, porém de
forma reduzida e com algumas alterações.
189
Um exemplo dessa mudança aparece no esquema que o livro apresenta para o
aluno reconhecer os gêneros de dezessete textos. Em Aspecto gráfico (2011, p. 24), há a
seguinte orientação:
g) Aspecto gráfico: Observe a divisão em parágrafos, a disposição das
linhas, o emprego de palavras em itálico, em negrito, em caixa alta,
sublinhada, com iniciais maiúsculas. O aspecto gráfico tem alguma
função? (Observe que estamos analisando exclusivamente textos –
obviamente a imagem integrada ao texto, num conjunto dominante na
nossa vida pelos outdoors, televisão, jornais, revista etc., potencializa,
interfere, interpreta, modifica e multiplica ainda mais todos os
significados implícitos no texto em si (2011, p. 24, grifos nossos).
Esse direcionamento aparece reduzido no roteiro do exercício na primeira
edição: “e) Observe o aspecto gráfico dos textos: divisão em parágrafos, disposição das
linhas... O aspecto gráfico tem alguma função?” (1992, p. 19, grifos do autor). A
redução da primeira edição em relação à vigésima justifica-se pela disseminação do uso
do computador que acontece anos depois. Mais adiante neste texto, o autor mantém o
uso do gravador para exemplificar uma atitude pesquisadora do aluno na rua. Em 2011,
o gravador não é mais aquele aparelho individual que muitas vezes se parecia com um
rádio, mas um dispositivo ou mesmo aplicativo inserido em aparelhos celulares.
Nesse capítulo, mais uma vez, o destinatário “cientista da língua” é convocado a
“pôr a mão na massa”. O Exercício 1 solicita que o aluno “[...] munido de um bloco de
papel e caneta, faça uma coleta de dados linguísticos, anotando cinco ocorrências reais
da linguagem oral que demonstrem a diversidade da língua”(2011, p. 22). Na primeira
edição, esse destinatário-cientista aparece no 1º capítulo e apenas como uma hipótese:
“São alguns poucos exemplos; na verdade, se saíssemos pela rua com um gravador na
mão, recolhendo ‘amostras’ do que as pessoas de fato falam no dia a dia, passaríamos o
resto da vida coletando material sem jamais esgotar a variedade!” (1992, p.10). Na
vigésima edição, o autor não só realmente propõe a atividade como seleciona o número
de “amostras”, que chama de “ocorrências reais da linguagem oral”.
Esse papel de cientista, apreciação do autor com relação ao seu leitor, está
implícito aqui, mas já o encontramos materializado no capítulo 1. Outro papel que vem
literal, nesse capítulo 2, é o de “detetive”, quando o autor propõe que o aluno trabalhe
em equipe para identificar os gêneros dos dezessete textos apresentados: “Lembre-se: o
bom leitor é um detetive!” (2011, p.23). A primeira edição apenas faz algo semelhante
quando nomeia os falantes como “verdadeiros processadores de significado” (1992, p.
190
19), para introduzir o tópico “[...] como se produz o significado” que vai aparecer na
vigésima edição somente no capítulo 3 e que utiliza a mesma expressão. A expressão
denota uma apreciação valorativa relacionada ao leitor em que o sentido de um texto é
construído na interação que se mantém com ele, ou seja, o texto não tem um sentido
pronto ou único. Expressão que se assemelha à de detetive ou cientista, onde há que se
investigar o texto em busca do seu sentido.
Além de “processadores de significado”, o capítulo 3 da vigésima edição
destina-se ao falante da língua, nenhuma referência é feita, explicitamente, a um aluno
universitário. Ambas as edições convocam um aluno de um curso de língua, não
necessariamente universitário: “[...] você está lendo os textos em sala de aula, num
curso de Língua Portuguesa, diante de um professor, que você ainda não conhece bem”
(1992, p. 19; 2011, p. 24).
O autor aborda a escrita como uma modalidade dependente de controle social,
cujo maior representante é a escola que se encarrega de perpetuar o caráter
convencional dos gêneros.
Assim, a diversidade da escrita em geral se realiza sob estrita
vigilância: do professor, do editor do jornal, do próprio jornalista, do
próprio escritor, do publicitário, enfim, de todos que escrevem ou
controlam a escrita. Trata-se de uma vigilância objetiva, consciente e
sistemática [...] (2011, p. 22, grifos do autor).
Os dois capítulos enfatizam que escrevemos dentro de uma grande variedade de
linguagens, em gêneros e cada tipo de escrita tem um destinatário que “dá direção e
significado a nossos sinais” (2011, p. 43). A “presença” do destinatário já pode ser
observada no momento da escrita em que o autor escolhe palavras e estratégias de forma
a atingir esse leitor presumido.
Continuamos com as comparações entre o capítulo 2 da primeira edição e o
capítulo 4 da vigésima que retomam os mesmos objetivos, discutir a língua padrão. O
quadro seguinte mostra as seções e subseções:
EDIÇÃO PRIMEIRA VIGÉSIMA
Capítulo 2 QUATRO
Título LÍNGUA PADRÃO- I LÍNGUA PADRÃO-I
191
Seções
Subseções
[texto introdutório à
discussão sobre
gramática]
Atividade 1 - Língua padrão e
gramática
[texto introdutório à
discussão sobre gramática]
[Em comum: introdução sobre o que significa gramática; mesmo texto]
ATIVIDADE I
[equivale à atividade 3 do
capítulo 1 da vigésima
edição que discute a
variedade linguística e sua
relação com a gramática]
Exercício 1
[exercício de levantamento
de dados de cinco
ocorrências escritas de
variedades que não a
padrão]
ATIVIDADE II [exercício de
levantamento de dados de
cinco ocorrências escritas
de variedades que não a
padrão]
Atividade 2
Leitura
[direciona a atenção do
leitor para o texto 1 sobre o
lugar da língua padrão]
Texto 1 GRAMÁTICA E
POLÍTICA, Sírio Possenti
ATIVIDADE III
Texto 1 GRAMÁTICA E
POLÍTICA, Sírio
Possenti
ATIVIDADE IV [questões sobre o texto
anterior]
Exercício 2 [questões sobre o texto
anterior]
ATIVIDADE V [não há o subtítulo]
- Mas, afinal o que é
língua padrão?
- Como surgiu o
padrão?
- Língua padrão: um
peixe-ensaboado?
a) A língua padrão não é
uniforme
- Variação geográfica
- Níveis de formalidade
- Diferenças estilísticas
- Língua oral e língua
escrita
Atividade 3 Tentando definir língua
padrão
- subtítulo igual
-idem
-idem
A) A LÍNGUA PADRÃO
NÃO É UNIFORME
-idem
192
-Língua padrão: há um
referencial?
-idem
-idem
-idem
B) A LÍNGUA PADRÃO
MUDA NO TEMPO
[texto ausente da primeira
edição]
- Padrão: há um
referencial?
-Diversificando as fontes
-O papel dos textos
literários
- A noção de “texto”
[os textos da edição de 91
são os mesmos, porém sem
esses subtítulos]
Atividade 4 - O conceito de padrão
através dos tempos
[direciona a atenção do
leitor para os textos 2 a 5
que mostram a variação do
conceito de padrão ao
longo do tempo]
Texto 2 REGRAS GERAIS DA
ORTOGRAFIA DA
LÍNGUA PORTUGUESA
Regra I, Regra II, Duarte
Nunes de Leão, Ortografia
e origem da língua
portuguesa, 1576
Texto 2 REGRAS GERAIS DA
ORTOGRAFIA DA
LÍNGUA
PORTUGUESA- Regra
I, Regra II- Duarte Nunes
de Leão, Ortografia e
origem da língua
portuguesa, 1576
ATIVIDADE VI [questões sobre o texto
anterior]
Exercício 3 [questões sobre o texto
anterior]
Texto 3 - Gramática normativa-
Rocha Lima, Gramática
Normativa da língua
portuguesa
Texto 3 - Gramática normativa,
Rocha Lima, Gramática
Normativa da língua
portuguesa
193
ATIVIDADE
VII
[questões sobre o texto
anterior]
Exercício 4 [questões sobre o texto
anterior]
Texto 4 - [trecho da Nova
gramática do português
contemporâneo, 1985, p.
8. Celso Cunha e Lindley
Cintra]
Texto 4 - [trecho da Nova
gramática do português
contemporâneo, p. 8. Celso
Cunha e Lindley Cintra]
ATIVIDADE
VIII
[questões sobre o texto
anterior]
Exercício 5 [questões sobre o texto
anterior]
Texto 5 - [trecho de
Sociolinguística: os níveis
da fala, 1974, p. 36. Dino
Preti]
Texto 5 - [trecho de
Sociolinguística: os níveis
da fala, p. 36. Dino Preti]
ATIVIDADE IX [questões sobre o texto
anterior]
Exercício 6 [questões sobre o texto
anterior]
Texto 6 - NORMA, J. Mattoso
Camara Jr., Dicionário de
linguística e
gramática,1977, p. 177
Texto 6 - NORMA, J. Mattoso
Camara Jr., Dicionário de
linguística e gramática, p.
177
ATIVIDADE IX [questões sobre o texto
anterior]
Exercício 7 [questões sobre o texto
anterior]
Texto 7 [trecho de Linguagem e
escola: uma perspectiva
social, 1986, p. 82.
Magda Soares]
Texto 7 [trecho de Contradições no
ensino de português, p. 14.
Rosa Virgínia Mattos e
Silva]
ATIVIDADE X [questões sobre o texto
anterior]
Exercício 8 [questões sobre o texto
anterior]
Texto 8 [Trecho de O estudo da
norma culta do português
do Brasil, Ataliba T. de
Castilho]
Texto 8 [trecho de Linguagem e
escola: uma perspectiva
social, p. 82. Magda
Soares]
ATIVIDADE XI
[questões sobre o texto
anterior]
Exercício 9 [questões sobre o texto
anterior]
Texto 9 [Trecho de O estudo da
norma culta do português
do Brasil, Ataliba T. de
Castilho]
Exercício 10 [questões sobre o texto
anterior]
194
PRÁTICA DE
TEXTO-
[Proposta de produção de
um texto sobre a
compreensão do que seja
língua padrão,
empregando entre 90 e
100 palavras]
Prática de
texto
[Proposta de produção de
um texto sobre a
compreensão do que seja
língua padrão, empregando
entre 80 e 90 palavras]
Atividade 5 - Leitura
[ direciona o leitor para a
crônica que se segue]
Texto 10 ASPAS QUE PROTEGEM
E APRISIONAM, Gustavo
Ioschpe (Folha de S. Paulo,
13∕ 12∕ 1999)
Quadro 13: Seções e subseções dos capítulos 2 (1ª edição) e 4 (20ª).
O capítulo 2 (1992) e o capítulo 4 (2011) discutem a língua padrão. A introdução
ao tema variedade x gramática mantém-se na vigésima edição sob o título Atividade 1.
Como a primeira edição incorporou (resumidamente), no capítulo 1, o conteúdo dos
capítulos 2 e 3 da vigésima edição, o início de ambos os textos varia: 1ª: “No capítulo
anterior você entrou em contato com alguns exemplos da imensa variedade linguística
[...]” (1992, p. 24). 20ª: “Nos capítulos anteriores você entrou em contato com alguns
exemplos da imensa variedade linguística [...]” (2011, p. 47), mas ambos remetem o
aluno ao estudado anteriormente.
Esse é o primeiro capítulo de PTEU em que, na introdução ao tema, o autor
dirige-se ao seu destinatário utilizando o pronome de segunda pessoa “você”. No
entanto, no mesmo parágrafo, faz uso da primeira pessoa de plural, mas sem incluir o
leitor:
Nos capítulos anteriores você entrou em contato com alguns exemplos
da imensa variedade linguística que caracteriza as línguas – e já
percebeu que cada uma dessas linguagens se manifesta numa
determinada forma linguística [...]. A essa gramática ideal damos o
nome de língua padrão ou norma culta [...] (2011, p. 47, grifos
nossos).
“Você entrou em contato” no período significa “conheceu” e denota um
processo cognitivo do leitor provocado pelo autor, ou seja, o contato se deu por meio
dos textos que esse escolheu para figurar em seu livro. Na mesma linha de sentido
encontra-se o verbo “percebeu”, mas, nesse caso, o autor intui que o aluno tenha
atingido o objetivo determinado para os capítulos anteriores. Esse recurso demonstra o
195
papel didático do enunciador em apresentar ao leitor minúcias sobre a língua a que ele
não havia sido exposto anteriormente.
A declaração do autor que o leitor “percebeu” fatos da língua denota uma
previsão do autor acerca o aprendizado do aluno. Com isso, constrói um processo de
interação que remete o leitor a um lugar de aluno que está em consonância com as
discussões do livro e, portanto, sendo capaz de produzir conhecimento sobre a língua. A
interação que estamos observando no livro de um “nós” (autor, falantes da língua, autor
e leitor-aluno) em relação a um “você” (leitor-aluno, falante da língua) nos parece
comum nos livros didáticos, mas teríamos de realizar uma pesquisa sobre essa interação
que se manifesta não só determinando papéis sociais, mas níveis de conhecimento.
Assim como apresentamos no capítulo 1, adotamos o procedimento de respeitar as
informações que vão surgindo na abordagem ao corpus. Indicaremos essas ocorrências
ao longo dos capítulos, se houver, principalmente na seção Prática de Texto.
A Atividade 1 da primeira edição aborda a necessidade do conhecimento acerca
do que se fala e menciona os programas de humor que se beneficiam das diversas
maneiras de apresentação do oral. Enfatiza também a necessidade de aprofundar “um
pouco a noção de gramática”, definindo-a como:
[...] conjunto de regras que todo falante domina na sua interação
cotidiana com outras pessoas, quais alternativas são gramaticais, isto
é, obedecem a um sistema coerente e regular de regras? (Nesse
momento não nos interessa a gramática escolar, o livro em que se
procura descrever a língua padrão, mas tão-somente os fatos reais da
língua) (1992, p. 25, grifo do autor).
E continua questionando o conceito de gramática no exercício abaixo omitido na
vigésima edição.
1. a ocorrência do fato linguístico (por exemplo: você já ouviu
alguém falando b ou d?);
2. a regularidade da forma (por exemplo: cortamos os rr de todos
os infinitivos – vou fazê, vou pensá-, ou só de alguns? Observe o que
ocorre, nos exemplos, com o fonema s);
3. aspectos lexicais (vocabulário), morfológicos (forma das
palavras) e sintáticos (ordem das palavras na frase);
4. a noção de erro (isto é, errado em relação a quê?) (1992, p. 26,
grifos do autor).
Em seguida, ambas as edições propõem ao estudante um exercício de
levantamento de ocorrências escritas de variedades linguísticas que não sejam da língua
padrão. Na primeira edição, o autor omitiu a palavra língua, referindo-se somente a
196
padrão; mais à frente o processo se inverte: primeira edição: Língua padrão: há um
referencial?; vigésima edição- Padrão: há um referencial?
Outra diferença encontrada é que há um destaque a uns itens na vigésima edição
que na primeira edição aparece em letras minúsculas e mesclados ao texto: a) A língua
padrão não é uniforme; b) A língua padrão muda no tempo. Na sequência, ambas as
edições seguem o mesmo conteúdo, mas variam no seguinte: onde na primeira edição há
o subtítulo ATIVIDADE, na vigésima há Exercício. Em ambas as edições, o item
destina-se a propor exercícios de reflexão sobre os textos lidos.
O texto 7, um texto teórico de Rosa Virgínia Mattos e Silva sobre a polissemia
do termo norma, não existe na primeira edição. O Exercício 8 apresenta questões sobre
esse texto, conforme o procedimento adotado para os textos anteriores do capítulo. Com
a diferença de um número, os textos continuam iguais (Por exemplo: o texto 8 da
vigésima edição é o texto 7 da primeira).
A primeira edição finaliza o capítulo na Prática de texto e a vigésima, além de
oferecer uma proposta de produção semelhante àquela, continua com a proposta de
leitura do texto “Aspas que protegem e aprisionam”, complementar, pois não se requer
análises do aluno. Esse é um texto de 1999 acrescentado à última edição e descreve um
momento da vida profissional do autor jornalista quando esse visita pela primeira vez a
redação do jornal Folha de S. Paulo e depara-se com um placar eletrônico responsável
por notificar os redatores dos erros de ortografia, gramática, concordância, entre outros,
de cada edição produzida.
O capítulo 4 defende que para a produção de um texto escrito com significância
social é necessário que se conheça e aplique as formas linguísticas padrões do
português, pois aquele que escreve utilizando apenas as formas não padrões, poderá não
ser compreendido. No entanto, para que essa escrita aceita socialmente seja produzida, o
aluno não deve memorizar regras historicamente construídas com base nos textos
literários, mas tornar-se parte ativa da língua que vivencia e, para tanto, levar em
consideração meios de comunicação tais como jornais e revistas de qualidade que
representam “de fato, o padrão brasileiro” (2011, p. 55, grifo do autor). Essa asserção do
autor torna-se parcialmente incoerente com a apresentação do texto citado acima e que
fecha o capítulo da vigésima edição em que o autor Gustavo Ioschpe critica exatamente
o apreço dos jornalistas às gramáticas tradicionais, instituindo como erro, e divulgando
197
em neon vermelho, os deslizes que fogem à norma ditada por esses manuais. Hábito
que, segundo o autor, felizmente não existe mais.
O quadro a seguir apresenta a maneira como o capítulo 3 (primeira edição) e 5
(vigésima) foi dividido, assim como os textos utilizados.
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 3 CINCO
Título LÍNGUAPADRÃO- II LÍNGUA PADRÃO-
II
Seções
Subseções
ATIVIDADE I
Atividade 1 - Para que serve a língua
padrão?
[Questionamento sobre a
função da norma culta,
mesma proposta de
exercício, porém sem
subtítulo]
Exercício 1
[Questionamento sobre a
função da norma culta]
ATIVIDADE II ATIVIDADE II-
(Mesmo texto da
vigésima, porém sem
subtítulo)
Atividade 2
-Alguns pontos de vista
teóricos
[direciona o leitor para os
textos 1 a 4 sobre língua
padrão]
Texto 1 [Trecho do depoimento O
povo não fala errado,
Magda Becker Soares]
(LEIA, fevereiro 86)
Texto 1 Trecho do depoimento O
POVO NÃO FALA
ERRADO, Magda Becker
Soares (Jornal LEIA, 02∕ 86)
Texto 2
[Trecho do ensaio
Gramática e Política,
Sírio Possenti]
O PAPEL DA ESCOLA É
ENSINAR LÍNGUA
PADRÃO
[Trecho do ensaio Por que
(não) ensinar gramática na
escola,p. 17, Sírio Possenti]
Texto 3 [Trecho do artigo Uma
herança de 400 mil
palavras, Antônio
Houaiss] (LEIA, fev. 86)
Texto 3 Trecho do artigo UMA
HERANÇA DE 400 MIL
PALAVRAS, Antônio
Houaiss (Jornal LEIA, 02∕
86)
Texto 4 QUE LÍNGUA DEVEMOS
ENSINAR?
[Trecho do ensaio “Algumas
198
características do português
do Brasil”- Ana Maria Stahl
Zilles]
PRÁTICA DE
TEXTO
[Proposta de
levantamento de pontos
de vista apresentados pelo
texto anterior]
Roteiro de
Leitura-
[Proposta de levantamento
de pontos de vista
apresentados pelo texto
anterior]
ATIVIDADE III
(Mesmo conteúdo da
vigésima edição, porém
sem os subtítulos. A
edição de 2011 ainda
acrescenta um exemplo de
mesóclise)
Atividade 3 - Onde está a língua
padrão?
- A importância da
variedade linguística
Texto 4 PORTUGUÊS DE
MENAS, Luiz Egypto.
Imprensa, junho 1990, p.
12
Roteiro de
leitura
[questões sobre o texto
anterior]
Atividade 4 Leitura
Texto 5 -PORTUGUÊS DE
MENAS, Luiz Egypto.
Imprensa, junho 1990, p. 12
Roteiro de
leitura
[questões sobre o texto
anterior]
Texto 5 “REPÓRTER NÃO TEM
VOCABULÁRIO”, Imprensa, junho de 1990,
p. 22)
Texto 6 “REPÓRTER NÃO TEM
VOCABULÁRIO”,
Imprensa, junho de 1990, p.
22)
Roteiro de
leitura-
[questões sobre o texto
anterior]
Roteiro de
leitura-
[questões sobre o texto
anterior]
PRÁTICA DE
TEXTO
[Proposta de produção de
texto empregando entre
60 e 70 palavras sobre as
utilidades da língua
padrão ]
Prática de
texto
[Proposta de produção de
texto empregando entre 70 e
80 palavras sobre a utilidade
da língua padrão ]
Texto 6 UNIFICAÇÃO
LINGUÍSTICA, QUE
CLAREZA!, Millôr
Fernandes (IstoÉ∕Senhor,
19∕6∕91, p.8)
Atividade 5 Leitura
199
Texto 7 UM NOVO ABC,
Graciliano Ramos, Linhas
tortas, 13ª ed., Rio de
Janeiro: Record, 1986
Quadro 14: Seções e subseções dos capítulos 3 (1ª edição) e 5 (20ª).
Os capítulos 3 (1992) e 5 (2011) continuam a discutir o conceito de norma
padrão, mas detendo-se nos problemas que essa concepção levanta quanto a sua
utilidade, localização e avaliação que se faz dela.
Questionamentos como “Para que serve a norma culta?” permeiam todas as
atividades e textos deste capítulo. Nas atividades 1 e 2, o autor questiona o prestígio e a
relevância dessa variedade em economias que apresentam uma disparidade entre as
classes sociais, como a brasileira.
Assim como no capítulo 4, na introdução do capítulo, o autor faz uso da segunda
pessoa de singular para interagir com seu leitor, além da primeira pessoa de plural que
não inclui o leitor, pois se refere ao trabalho do enunciador em apresentar ao leitor sua
concepção de língua e linguagem.
No capítulo anterior discutimos algumas noções básicas para definir
língua padrão. Ao longo deste livro voltaremos a debater o assunto,
uma vez que, como você pôde notar nos textos apresentados, o seu
conceito está longe de ser uma questão resolvida. O que nos interessa
agora é discutir alguns problemas que a concepção de norma levanta
(2011, p. 67, grifos nossos).
O “nós” aparentemente inclusivo, revela a maneira como o enunciador construiu
os capítulos anteriores, em forma de debate, mas esse sendo um gênero
predominantemente oral, não poderia acontecer entre um enunciador e um enunciatário
em um livro didático. Desta forma, “discutimos”, “voltaremos”, “nos interessa” indicam
ações do autor, ou seja, seu trabalho de apresentação dos conteúdos em forma de
discussão e debate. Em “você pôde notar”, o autor intui uma apreciação do leitor em
relação aos textos apresentados.
A Atividade 2, Alguns pontos de vista teóricos direciona a leitura dos textos 1 a
4 propondo um cotejo entre a opinião dos autores dos textos citados e a do leitor-aluno.
Mais uma vez, como no capítulo anterior, o autor determina uma posição para o leitor:
“Compare agora os seus pontos de vista – importante porque são as opiniões de um
usuário da língua padrão, que deve ter boas razões para estudá-la! – com o que pensam
os teóricos [...]” (2011, p. 68). O trecho indica um leitor que faz uso da língua padrão
200
em suas comunicações. Isso indica uma suposição de que um aluno universitário é
usuário da língua padrão e que seu contato com o livro denota um interesse em construir
mais conhecimento a respeito dessa variedade linguística.
O autor concentra-se na utilidade da norma culta quando usa o exercício: “A
língua padrão serve para:” (2011, p. 68) em que o aluno deve apresentar três respostas.
Após “consultar” a compreensão do leitor, apresentam-se alguns textos (Texto 1, 2, 3 e
4) que servem como pontos de vista teóricos sobre o assunto. O roteiro de leitura ao
texto 4, relembra a atividade anterior do aluno e questiona sobre qual dos pontos de
vista lidos coincidem com o do aluno.
A atividade 3 retoma a discussão de que a língua padrão comumente aceita é a
das gramáticas e a encontrada nos textos de autores consagrados. Aqui, o autor critica a
ausência de contemporaneidade nesses textos e que, por essa razão, falham em
representar a norma padrão atual. Exemplifica com um trecho da Novíssima gramática
da língua portuguesa que apresenta o uso da mesóclise, fenômeno que sobrevive
apenas, e raramente, na língua escrita. Argumenta que não pode ser padrão algo que,
praticamente, inexiste entre os falantes da língua. Esse aspecto dos pronomes átono é
retomado no capítulo 14.
O acréscimo da discussão sobre colocação pronominal revela um trabalho de
revisão do livro em que o autor considerou pertinente incluir essa discussão nesse lugar
do capítulo. A gramática utilizada para tanto é de Cegalla (1987) e foi adicionada às
referências bibliográficas. O objetivo dessa inserção é fornecer um exemplo para o que
o autor considerou de formas que causam estranhamento no estudante, por serem muito
diferentes daquelas encontradas em seu dia a dia.
Além disso, continua, as gramáticas normativas e os manuais de redação
produzidos por alguns jornais brasileiros são conservadores e parecem ignorar as
variedades linguísticas. Com isso, o autor sugere que a questão da norma padrão é uma
discussão longe de se esgotar e justifica a proposta de PTEU em utilizar textos
contemporâneos “que espelham mais diretamente nossa realidade linguística padrão,
tomando como referência a velha gramática normativa, mas mantendo-nos atentos à
diferença” (2011, p. 75, grifos do autor).
As atividades 4 e 5 apresentam textos ( Texto 5, Texto 6 e Texto 7) que avaliam
a língua padrão, questionando sua identidade.
201
Não há no conteúdo do capítulo (com exceção à seção Prática de texto), uma
abordagem direta à maneira como um texto deva ser produzido. As discussões recaem
sobre a utilidade da língua padrão e quais meios escritos podem ser seu representante.
Continuamos com as comparações entre as edições e o quadro seguinte mostra
como o tema erro gramatical é abordado no capítulo 4 (primeira edição) e 6 (vigésima).
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 4 SEIS
Título ESPECULAÇÕES
EM TORNO DO
“ERRO”
CONSIDERAÇÕES EM
TORNO DO “ERRO”
Seções
Subseções
[Epígrafe de Gustavo
Bernardo sobre a redação
do vestibular]
[Epígrafe de Gustavo
Bernardo sobre a redação do
vestibular]
ATIVIDADE I
[Texto que se relaciona
aos textos do capítulo
anterior sobre o estado da
língua no país]
(de semelhante apenas o
trecho que introduz o
Texto 1)
Atividade 1 - A língua portuguesa vai
mal?
[Texto que se relaciona aos
textos do capítulo anterior
sobre o estado da língua no
país]
- Entre os médicos, os
gramáticos e os loucos
Texto 1 [Trecho de Napoleão
Mendes de Almeida] Texto 1 [Trecho de Napoleão
Mendes de Almeida]
Roteiro de
leitura
[Quatro perguntas sobre o
texto] Roteiro de
leitura
[Quatro perguntas sobre o
texto]
ATIVIDADE II
[ressalta a falta de
critérios linguísticos para
julgar fatos da língua]
Atividade 2 - Leitura
[ressalta a falta de critérios
linguísticos para julgar fatos
da língua]
Texto 2 ELEIÇÕES
PRESIDENCIAIS –
ASPECTOS
DISCURSIVOS, Sírio
Possenti
Texto 2 A CONCEPÇÃO DE
LÍNGUA E GRAMÁTICA
NA MÍDIA, Luís Percival
Leme Britto (a sombra do
caos, p. 194)
202
Roteiro de
leitura
[Levantamento dos
aspectos do julgamento
linguístico apresentados
pelo texto. Questões de
reflexão sobre o uso da
linguagem escrita e em
geral]
Roteiro de
leitura
[Levantamento dos aspectos
do julgamento linguístico
apresentados pelo texto.
Questões de reflexão sobre o
uso da linguagem escrita e
em geral]
ATIVIDADE III
[reflexão sobre a redação
escolar]
Atividade 3 - Leitura
[reflexão sobre a redação
escolar]
Texto 3 ENSINO, Gustavo
Bernardo (Redação
inquieta. Rio, Editora
Globo, 1988, p. 3-6)
Texto 3 ENSINO, Gustavo Bernardo
(Redação inquieta. Rio,
Editora Globo, 1988, p. 3-6)
ROTEIRO DE
LEITURA
[questões sobre o texto
lido] Roteiro de
leitura
[questões sobre o texto lido]
ATIVIDADE IV
[Discussão sobre a
redação escolar]
Atividade 4 -Problemas de redação
[Discussão sobre a redação
escolar]
Texto 4 TECNOLOGIA E VIDA
QUOTIDIANA [texto de
uma redação de
vestibular]
Texto 4 TECNOLOGIA E VIDA
QUOTIDIANA [texto de
uma redação de vestibular]
Roteiro de
leitura
[Reflexão sobre a
homogeneidade e o
objetivo da redação
escolar ser a aprovação no
vestibular]
Roteiro de
leitura
[Reflexão sobre a
homogeneidade e o objetivo
da redação escolar ser a
aprovação no vestibular]
ATIVIDADE V
[semelhanças entre os
discursos militares e as
redações]
Atividade 5 - A intenção da redação
escolar
[semelhanças entre os
discursos militares e as
redações]
Roteiro de
leitura
[Questões sobre as razões
das semelhanças entre os
discursos]
Roteiro de
leitura
[Questões sobre as razões
das semelhanças entre os
discursos]
ATIVIDADE VI
[Discussão sobre os
problemas encontrados no
Texto 4, em relação à
gramática da língua
padrão]
Atividade 6 Atividade 6- Problemas
técnicos
[Discussão sobre os
problemas encontrados no
Texto 4, em relação à
gramática da língua padrão]
ATIVIDADE
VII
Atividade 7 - Uma classificação dos
problemas
203
[Apresentação dos
problemas das redações
escolares elencados por
Alcir Pécora no Texto 5.
Questionamento sobre
quais daqueles erros
mencionados o aluno já
observou na sua escrita]
[Apresentação dos
problemas das redações
escolares elencados por Alcir
Pécora no Texto 5.
Questionamento sobre quais
daqueles erros mencionados
o aluno já observou na sua
escrita]
Texto 5 13 PROBLEMAS E 1
FIGURINO, Alcir Pécora
(Problemas de redação,
p. 95)
Texto 5 13 PROBLEMAS E 1
FIGURINO, Alcir Pécora
(Problemas de redação, p.
95)
Roteiro de
leitura
[Resumo do texto em
tópicos, parágrafo a
parágrafo]
Roteiro de
leitura
[Resumo do texto em
tópicos, parágrafo a
parágrafo]
PRÁTICA DE
TEXTO
[Proposta de produção
textual sobre as
experiências do aluno nas
aulas de português]
Prática de
Texto
[Proposta de produção
textual sobre as experiências
do aluno nas aulas de
português]
Quadro 15: Seções e subseções dos capítulos 4 (1ª edição) e 6 (20ª).
Iniciamos as comparações apontando uma diferença nos títulos dos capítulos. A
primeira edição traz Especulações em torno do ‘erro’ e a vigésima, Considerações em
torno do ‘erro’. As duas mantêm as aspas na palavra erro indicando uma posição já
discutida anteriormente de que o erro é algo considerado em relação à norma padrão,
portanto questionável.
A mudança no item lexical “especulação” para “consideração” pode ser
explicada porque a última refere-se ao ato de emitir um ponto de vista a partir de um
exame ou reflexão. A especulação representa uma investigação do ponto de vista
teórico, alheia, portanto, à experiência71
. Por ser fruto de um raciocínio abstrato não tem
ligação com fatos concretos. Podemos assumir que entre uma edição e outra, o autor
pretende mostrar suas reflexões, baseadas não somente na teoria, mas em sua prática de
ensino, daí sua escolha por fazer considerações, fruto de estudos e reflexões, não apenas
especulações em torno do tema.
Assim, este capítulo discute o senso comum de que a língua portuguesa está em
um mau estado, apresentando as visões preconceituosas e mal informadas a respeito da
71
Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss, v3.0.
204
diversidade linguística e da estratificação da linguagem em gêneros. Parte dessa
discussão para argumentar sobre a uniformidade da redação escolar, um gênero criado e
perpetuado pela escola como representativo de um texto bem escrito. Um gênero cuja
função social restringe a um único ambiente: a escola.
A seguir, apresentamos as diferenças estruturais observadas entre as duas
edições no capítulo 4, para a primeira edição, e 6, para a vigésima. Além de não haver
os subtítulos A língua portuguesa vai mal? e Entre os médicos, os gramáticos e os
loucos na primeira edição, há uma mudança da palavra “fatos” para “fenômenos” no
período seguinte:
1ª: [...] Muitas vezes, em nome da defesa do vernáculo, destila-se
simplesmente o preconceito ou a ignorância dos fatos da língua”
(1992, p. 60).
20ª: [...]Muitas vezes, em nome da defesa do vernáculo, destila-se
simplesmente o preconceito ou a ignorância dos fenômenos da
língua” ( 2011, p. 84).
Porém, mais adiante nessa mesma edição aparece o seguinte: “[...] O texto
seguinte trata justamente da falta de critérios linguísticos que costuma ocorrer no
julgamento de fatos da língua.” (1992, p. 60; 2011, p. 86, grifo nosso). Não observamos
intencionalidade justificável no uso de uma ou outra palavra.
Para apresentar o texto 1, a primeira edição apenas refere-se a ele como sendo do
gramático Napoleão Mendes de Almeida. Na vigésima, além do nome do autor, o
capítulo traz que este texto encontra-se “[...] citado pela revista Gafite, editada por L.
Sacconi”72
(1992, p.85), acrescentando uma informação sobre o autor do texto.
72
A revista circulou entre os anos de 1987 e 1989, somente para assinantes.
205
Figura 22: Capítulo 6 - Texto 1 e Roteiro de leitura (2011, p. 85-86).
O trecho aparece na segunda página do capítulo para discutir o conceito de
língua padrão e a ele se seguem quatro questões que fazem parte do Roteiro de Leitura.
Não há, na materialidade linguística do enunciado do autor, qualquer crítica direta à
opinião de Sacconi sobre a linguagem coloquial, mas um direcionamento ao aluno a
respeito dos sentidos que as palavras adquirem em contexto. O que, fatalmente, levará a
constatação de que, para Sacconi, essas pessoas citadas (cozinheiras?) não sabem falar a
própria língua e, portanto, não podem ensiná-la. Preconceito linguístico e social
declarado.
A retomada dos itens lexicais “delinquentes”, “apodrecimento”, a enumeração
de profissões de menor prestígio social “cozinheiras, babás, engraxates” e a
continuidade dessas profissões sendo realizada com elementos mal vistos pela
sociedade “trombadinhas, vagabundos, criminosos” deixa evidente que,
discursivamente, o autor se posiciona de maneira a desautorizar o discurso de Sacconi
citado no Texto 1. Por meio do ângulo dialógico assumido, o autor traz a voz do outro
esvaziando seu discurso, desautorizando-o. Mais à frente, nos comentários ao Texto 2, o
autor retoma o gramático agora posicionando-se sobre ele: “Novamente, a voz
206
preconceituosa de Bechara serve de ilustração do que dizemos:” (2011, p. 89) em que se
infere que o autor esperou que o leitor construísse uma imagem do gramático de quando
da apresentação de seu texto e, em seguida, declarou sua opinião.
Isso também fica marcado, pois a este texto e Roteiro de Leitura, segue-se a
proposta de leitura do Texto 2 “A concepção de língua e gramática na mídia” que “trata
justamente da falta de critérios linguísticos que costuma ocorrer no julgamento de fatos
da língua”. O diálogo entre o enunciado acima e a atividade anterior a respeito do trecho
do filólogo Sacconi revela esse posicionamento discursivo.
Em relação ao destinatário, os dois capítulos que tratam da língua padrão,
capítulo 2 e 3, na primeira edição e capítulos 4 e 5, na vigésima, dirigem-se a um falante
da língua “Compare agora os seus pontos de vista – importantes porque são opiniões de
um usuário da língua padrão [...] (2011, p. 68, grifo do autor); “Observe-se, por
exemplo, que ao mesmo tempo em que tais gramáticas estabelecem normas a partir da
língua escrita literária [...] o que causa estranhamento no estudante [...] (2011, p. 74,
grifo do autor). Também consideram a passagem deste falante pela escola como em:
“Na escola, vivemos sob o império do certo e do errado [...] (2011, p. 47); “De fato, já
que em todos os anos escolares não fizemos outra coisa senão tentar dominá-la [...]
(2011, p. 67).
No capítulo 5 (2011) e 3 (1992), em ambas as edições, o livro retoma seu
objetivo e apresenta um novo papel ao aluno:
Enquanto nada disso acontece, é proposta deste livro trabalhar com
textos contemporâneos, que espelham mais diretamente nossa
realidade linguística padrão, tomando como referência a velha
gramática normativa, mas mantendo-nos atentos à diferença. Isto
significa dizer que tentaremos fazer justiça aos fatos da norma
contemporânea evidenciados seja pelas pesquisas que estudam a
realidade linguística do Brasil, seja pelos próprios textos. Nesse
sentido, um melhor domínio da linguagem escrita exige que nos
tornemos “sócios-proprietários” da língua padrão contemporânea.
(2011, p. 75/ 1992, p. 49 grifos do autor).
Assim, reforçam-se os papéis de falante, aluno universitário e proprietário da
língua que nos possibilita entender que as classes profissionais e os papéis sociais
mencionados por Sacconi (2011, p. 85) são, sim, “legítimos conhecedores de nosso
vocabulário” porque este a eles pertence.
Além da interação estabelecida pelo léxico apresentado e que estabelece papéis
interacionais, há também a presunção do autor sobre as preferências e o nível de
207
aprendizado do seu leitor, como temos apresentado nos capítulos anteriores. Nesse em
que se discute as características e finalidade da redação escolar, o autor direciona a
leitura do Texto 3 com o seguinte comentário: “Vamos ler agora um outro texto, este
direcionado para uma questão que interessa você de perto: a redação escolar.” Nesse
trecho temos o uso do pronome “nós” exclusivo, pois quem fará a leitura do texto será o
leitor-aluno e a esse o autor atribui um interesse. Não podemos deixar de reconhecer
que, nesse caso, diferentemente dos outros exemplos, é óbvio que o aluno que esteja
fazendo um curso de produção de textos, vá se interessar por esse assunto, portanto a
assunção é legítima.
É possível observar, na reformulação da vigésima edição, a necessidade de um
trabalho com “textos contemporâneos”, demonstrando a preocupação em ensinar língua
com textos circulantes na vida cotidiana e não em livros clássicos, portanto
desatualizados e não-representantes da língua praticada por seus falantes.
Reconhecemos aqui a premissa do autor de que a língua padrão não é apenas (se, sim)
aquela ditada pelos textos literários.
Na linha de considerar o retrabalho do autor com a reformulação de PTEU e,
para reforçar este objetivo de valorização de textos contemporâneos, o autor não deveria
ter mantido os mesmos textos da primeira edição, nove anos depois (1992/ 2001),
apesar de ter feito algumas trocas mais recentes.
Ainda sobre o destinatário do texto, o capítulo 6, “Considerações em torno do
‘erro’, retoma o papel de aluno. Além do falante ou aluno que passou pela escola básica,
há uma especificidade de nível de estudo: “No caso específico do curso que você
escolheu, que importância tem o domínio da língua padrão?” (2011, p. 91); (1992, p.
64). Destacamos que, apesar de o título do livro e a sua Apresentação dirigir-se a um
aluno universitário, é a primeira vez na vigésima edição que esse leitor específico
(destinatário presumido) aparece no texto dos capítulos.
Até então, os textos mantêm uma “conversa” com seu leitor, ora convocando um
falante da língua, ora um aluno, que como dissemos antes, poderia ser de qualquer nível
escolar. Nessa citação específica, fica claro um curso em que o aluno tenha feito uma
escolha, o que não acontece no ensino médio. Como exemplo, podemos analisar o texto
que precede o item subsequente a esse, Leitura, e retoma a redação escolar, que está
presente em todos os níveis de ensino desde a escola básica até os cursos superiores e de
pós-graduação. No entanto, as primeiras linhas do texto Ensino (p. 91) já o direcionam
208
para as redações do vestibular e o Texto 4 Tecnologia e vida quotidiana (p. 95)
apresenta uma redação extraída de um vestibular de uma universidade federal o que nos
faz levantar uma hipótese de que a partir deste capítulo o destinatário está mais
configurado como um aluno universitário e com sua experiência neste nível de ensino,
tendo passado por uma prova de seleção para ingressar no curso que escolheu.
Observamos também que depois do capítulo 2, essa é a primeira vez que o autor
se refere a gêneros, e nesse caso, gêneros de texto (2011, p. 91) o que não aparece na
primeira edição:
1ª: Até agora, em que situações concretas você foi solicitado a
escrever textos? (Na escola e fora dela) (1992, p. 65).
20ª: Até agora, em que situações concretas você escreveu textos, na
escola e fora dela? Enumere os gêneros de texto que você escreve
regularmente ou esporadicamente (diário, redação escolar típica,
trabalhos escolares, cartas, e-mails, poemas...) (2011, p. 91, itálicos
do autor).
O trecho destacado na primeira edição na voz passiva “foi solicitado a escrever”
e a reescrita da vigésima “escreveu textos” em voz ativa incorpora ao texto a esfera de
produção, recepção e circulação em que o aluno escreve e exemplifica com os gêneros
mais comuns para um aluno. A mudança de voz coloca o sujeito como agente de uma
construção ativa, convida o aluno a resgatar uma postura responsiva e a referência feita
a “situações concretas” o insere em um contexto sócio histórico cultural permitindo-lhe
avaliar a pertinência ou não do aprendizado de certos gêneros.
A listagem dos gêneros apresentados como exemplos (diário, redação escolar,
cartas, e-mails, poemas) remete às práticas textuais comuns na escola média. Por
enquanto, não há uma reflexão sobre qual a relação do curso escolhido e o domínio da
língua padrão. A interação do autor com um leitor-aluno universitário torna-se mais
definida quando aquele questiona se o aprendizado dos gêneros mencionados foi
suficiente para assegurá-lo de ser um bom escritor.
Observamos o papel ativo do aluno no exemplo da vigésima edição que atenta
para o fazer responsável do texto escrito “ [...] em que situações concretas você
escreveu textos [...]”(2011, p. 91)”, opondo-se ao papel passivo desempenhado,
aparentemente, pela obrigação das atividades escolares “[...] em que situações
concretas você foi solicitado a escrever textos [...]” (1992, p. 65), na primeira edição.
209
Além da descrição da organização do capítulo, interessa-nos a abordagem à
produção escrita que aparece em cada um deles. Conforme apresentado acima, a
discussão do capítulo centrou-se nas concepções do senso comum para o erro gramatical
e foca a produção textual, especificamente, com a leitura e discussão do texto 5 13
problemas e 1 figurino (2011, p. 100). O texto é um fragmento do livro Problemas de
redação que discute uma lista de treze problemas possíveis de serem encontrados em
textos escritos. No excerto, o autor não só critica a escrita padronizada da redação
escolar como se propõe a explicar a problemática envolvida nesse tipo de texto,
principalmente a noção de que a boa escrita passe pelo aprendizado de técnicas de
escrita e de normas linguísticas, consideradas parte “das condições específicas da
produção escrita” (2011, p. 102). Defende que o aprendizado mediado pelo ensino de
técnicas da escrita tem sido prioridade da escola que optou por rechaçar os usos de
linguagem mais comuns entre os alunos e advoga em favor de um domínio da escrita
que se dá pela sua prática e não da reprodução de padrões escritos que anulam a
condição do sujeito.
Em suma, o conhecimento do que a escrita tem de mais específico
exige menos cuidados técnicos, e mesmo pedagógicos, do que os de
atualizar uma concepção ética da linguagem. Esta é a grande ausência
que se manifesta na caracterização dessa lista de fracassos: são 13
tipos, mas todos eles foram criados na tentativa de reproduzir os
moldes oferecidos pelo figurino oficial (PÉCORA, 1983, apud
FARACO; TEZZA, 2011, p. 102, grifos nossos).
O trecho citado corrobora uma das premissas desta tese que considera a
concepção ética da linguagem de qualquer prática de texto. Atualizar uma concepção
ética da linguagem é o que fundamenta a noção de autoria para a perspectiva dialógica
de linguagem adotada como referência teórica deste trabalho. Significa dizer que ao
organizar seu discurso e dos outros, o sujeito-autor assume a responsabilidade por
aquilo que diz por meio de uma atitude responsiva em direção aos enunciados alheios e
com os quais dialoga discursivamente antes, durante e depois de sua produção escrita.
O Roteiro de leitura do texto acima direciona o aluno ao universo universitário
ao recuperar um trecho do texto lido: “Na verdade, a forma mais característica de
manifestação dos problemas de textos escritos produzidos na universidade está na sua
ocorrência em bloco. O exemplo de redação escolar que lemos acima [retoma a redação
de vestibular apresentada anteriormente] confirma essa afirmação?” (2011, p. 103;
210
1992, p. 77). Isso confirma nossa tese de que a partir desse capítulo o foco é na
experiência do aluno já como universitário aqui convocado a analisar sua produção
textual costumeira.
O quadro a seguir apresenta a maneira como os capítulos 5 (primeira edição) e 7
(vigésima) foram divididos, assim como os textos utilizados.
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 5 SETE
Título LÍNGUA E ESCRITA LÍNGUA E ESCRITA
Seções
Subseções
Atividade I
[sobre a confusão
comumente feita entre
língua e representação
gráfica da língua-escrita]
Atividade 1 - Falar e escrever
-Uma cultura grafocêntrica”
[sobre a confusão
comumente feita entre língua
e representação gráfica da
língua-escrita]
Texto 1 LINGUAGEM, PODER
E DISCRIMINAÇÃO,
Maurizzio Gnerre
(Extraído de Linguagem,
escrita e poder. São
Paulo, Martins Fontes,
1987, p. 3-7)
Texto 1 LINGUAGEM, PODER E
DISCRIMINAÇÃO,
Maurizzio Gnerre
(Linguagem, escrita e poder.
p. 3-7)
Roteiro de
leitura
[questões sobre a relação
entre contexto e atos de
linguagem a serem
respondidas por escrito]
Prática de
texto
[questões sobre a relação
entre contexto e atos de
linguagem a serem
respondidas por escrito]
ATIVIDADE II [discorre sobre as
diferenças entre língua e
representação gráfica]
Atividade 2 - As diferenças entre língua
[discorre sobre as diferenças
entre língua e representação
gráfica]
211
Texto 2 HISTÓRIA DE UM
ACIDENTE DE CARRO
[transcrição do relato oral
de um aluno de sétima
série]
Texto 2 HISTÓRIA DE UM
ACIDENTE DE CARRO
[transcrição do relato oral de
um aluno de sétima série]
[levantamento de todas as
características
encontradas no texto oral-
mesma proposta de
exercício, porém sem a
indicação de exercício]
Exercício [levantamento de todas as
características encontradas
no texto oral]
ATIVIDADE III
[discorre sobre o
conservadorismo da
escrita]
Atividade 3 - Falamos uma língua e
escrevemos outra!
[discorre sobre o
conservadorismo da escrita]
Texto 3 A LÍNGUA ESCRITA E
A MUDANÇA, Carlos
Alberto Faraco (Extraído
de Linguística histórica –
uma introdução ao estudo
da história das línguas.
São Paulo, Ática, 1991, p.
14)
Texto 3
A LÍNGUA ESCRITA E A
MUDANÇA, Carlos Alberto
Faraco (
Linguística histórica – uma
introdução ao estudo da
história das línguas, p. 14
ATIVIDADE IV
[especificidades das
modalidades escrita e oral
da língua]
1- Ampla variedade x
modalidade única
(“língua padrão”)
2- Elementos
“extralinguísticos” x
sinais gráficos
3- Prosódia e entonação
x sinais gráficos
4- Frases mais curtas x
frases mais longas
5- Redundância x
concisão
Atividade 4 - Gramática da fala,
gramática da escrita
[especificidades das
modalidades escrita e oral da
língua]
1- Ampla variedade x
modalidade única (“língua
padrão”)
2- Elementos
“extralinguísticos” x sinais
gráficos
3- Prosódia e entonação x
sinais gráficos
4- Frases mais curtas x
frases mais longas
5- Redundância x concisão
Exercício
[Proposta de reescrita do
texto 2 –relato oral-
utilizando entre 45 e 50
palavras]
Exercício
[Proposta de reescrita do
texto 2 –relato oral-
utilizando entre 45 e 50
palavras]
6- Unidade temática:
flutuação x rigidez
7- Interlocutor:
presença x ausência
6- Unidade temática:
flutuação x rigidez
7- Interlocutor: presença x
ausência
212
8- Aprendizagem
“natural” x
aprendizagem
“artificial”
8- Aprendizagem “natural”
x aprendizagem “artificial”
ATIVIDADE V
[Reflexões de Alcir
Pécora sobre a imagem
que o aluno tem da
escrita]
Atividade 5 - A imagem da escrita
[Reflexões de Alcir Pécora
sobre a imagem que o aluno
tem da escrita]
Questões [questões sobre o
apresentado na Atividade
V]
Exercício [questões sobre o
apresentado na Atividade 5]
ATIVIDADE VI
[Percurso da oralidade
para o universo escrito]
Atividade 6 - O universo da escrita
[Percurso da oralidade para o
universo escrito]
Texto 4 - CONSIDERAÇÕES
EM TORNO DO
ACESSO AO MUNDO
DA ESCRITA, Haquira
Osakabe (Extraído de
Leitura em crise na
escola. Porto Alegre,
Mercado Aberto, 1982, p.
148-152)
Texto 4 AS BIBLIOTECAS NA
ANTIGUIDADE E NA
IDADE MÉDIA, Wilson
Martins (A palavra escrita,
p. 71)
Roteiro de
leitura
[questões sobre o texto 4.
Escrita de um resumo
com 70 a 80 palavras e
um comentário crítico de
40 a 50 palavras]
Roteiro de
leitura
[questões sobre o texto 4]
Texto 5 CONSIDERAÇÕES EM
TORNO DO ACESSO AO
MUNDO DA ESCRITA,
Haquira Osakabe (Extraído
de Leitura em crise na
escola, p. 148-152)
ATIVIDADE
VII
[o que significa o acesso à
escrita]
Atividade 7 Da oralidade para a escrita:
uma passagem difícil
[o que significa o acesso à
escrita]
Texto 5 DA ORALIDADE PARA
A ESCRITA: O
PROCESSO DE
“REDUÇÃO” DA
LINGUAGEM,
Maurizzio Gnerre
(Extraído de Linguagem,
escrita e poder. São
Texto 6 - DA ORALIDADE PARA
A ESCRITA: O PROCESSO
DE ‘REDUÇÃO’ DA
LINGUAGEM, Maurizzio
Gnerre
(Linguagem, escrita e poder,
p. 81-83)
213
Paulo, Martins Fontes,
1987, p. 81-83)
PRÁTICA DE
TEXTO
[Proposta de produção
textual seguindo roteiro
de perguntas relacionadas
ao texto anterior]
Prática de
texto
[Proposta de produção
textual seguindo roteiro de
perguntas relacionadas ao
texto anterior]
Atividade 8 - Leitura
[direciona o aluno para a
leitura do texto seguinte
sobre livro eletrônico]
Texto 7 - VIRADA DE PÁGINA
[texto de 2000 sobre o e-
book] (Revista Ponto-com,
setembro, 2000
Quadro 16: Seções e subseções dos capítulos 5 (1ª edição) e 7 (20ª).
O capítulo Língua e escrita objetiva discutir uma tradição que parece perpetuar a
ideia de que a língua real é a escrita. Para tanto, o autor analisa a primazia da escrita
sobre a oralidade, apresentando algumas diferenças entre as duas modalidades,
ressaltando que ambas possuem suas gramáticas específicas (itens apresentados no
quadro acima, na Atividade 4).
O texto inicial do capítulo (Atividade 1) destina-se a discutir a incompreensão do
que seja língua e escrita. Ambas as edições utilizam o mesmo texto explicativo com
uma diferenciação na designação dos papéis dos interlocutores. Na primeira edição, o
texto traz: “Todos nós temos uma tendência muito grande de confundir [...]” (1992,
p.79) e, na vigésima, não há essa identificação entre os falantes da língua: “A cultura
letrada, em geral, tem uma forte tendência a confundir [...]” (2011, p. 104). A interação
estabelecida, nessa edição, exclui o autor e o interlocutor dessa identificação,
atribuindo-a a uma entidade intangível. A mudança realizada parece considerar que o
aluno que está no sétimo capítulo de um livro didático que tem se destinado a discutir as
especificidades das variedades linguísticas, inclusive das modalidades escrita e oral, não
poderia partilhar da mesma concepção errônea dos outros componentes da chamada
“cultura letrada”. Sobre a expressão, na introdução do capítulo 6, o autor descreve o que
chama de “elite intelectual do país”. São os “escritores, jornalistas, professores,
políticos, advogados...” (2011, p. 84). O tom destinado a esses integrantes é negativo,
pois são acusados de produzir uma “ladainha acusatória” em relação às discussões de
que o brasileiro lê e fala mal. Neste capítulo 7 não há explicação de quem constitui essa
cultura letrada.
214
Ainda na Atividade 1, o autor justifica a “confusão” por conta de uma forte
tradição escolar que insiste em considerar a modalidade escrita, a verdadeira. Lembra as
reformas ortográficas conduzidas no país em que a simples alteração de alguns
elementos do léxico, são consideradas “mudanças na língua”.
A Atividade 4 – Gramática da fala, gramática da escrita apresenta oito tópicos
de distinções entre língua e escrita. Mais especificamente, no item 5 Redundância e
concisão, (2011, p. 113), apresenta uma proposta de reescrita do Texto 2- História de
um acidente de carro.
O exercício proposto apresenta-se diferentemente da primeira edição:
1ª: Reescreva o Texto 2, empregando entre 45 e 50 palavras.
Mantenha as mesmas informações básicas do texto original (1992,
p. 89).
20ª: Para “sentir na pele” a distinção entre fala e escrita, reescreva o
texto 2, empregando entre 45 e 50 palavras (importante!).
Mantenha as mesmas informações básicas do texto original (2011,
p. 113, itálico do autor).
Na vigésima edição, o autor enfatiza a necessidade de respeitar o limite de linhas
dado quando insere entre parênteses o imperativo “importante!”. A pontuação, nesse
caso, expressa um sentido imperativo e, ao deslocar-se do autor para o leitor, confere-
lhe uma tarefa, a de seguir o número de palavras prescrito.
A linguagem para o autor também pode passar pelos sentidos. A expressão
“sentir na pele” é comumente utilizada na fala cotidiana com uma conotação negativa,
ou seja, é o resultado de uma má experiência. Como o exercício refere-se ao texto Um
acidente de carro, relato oral de aluno, presume-se que o aluno aqui terá um árduo
trabalho em transformar o texto oral, levando em consideração todas as especificidades
no léxico, pontuação e gramática da norma culta aplicáveis ao texto escrito.
Observamos que não há uma explicação de como isso pode ser feito, desta forma,
desconsiderando a existência de técnicas eficazes para a escrita de um resumo em que a
retextualização é uma delas.
No entanto, mais à frente, o Roteiro de leitura do texto Considerações em torno
do acesso ao mundo da escrita (1992, p. 92-96; 2011, p. 118-122) também solicita ao
aluno que escreva um resumo do texto respeitando-se o limite de linhas fornecido: “3.
Agora, faça um resumo do texto empregando entre 70 e 80 palavras. Lembre-se: aqui
interessa apenas o que está no texto!” Em seguida, o aluno deve produzir um “breve
215
comentário crítico”: “4. Finalmente, faça um breve comentário crítico sobre o texto
(empregando entre 40 e 50 palavras). Aqui é a sua opinião que interessa!”. Essa
atividade introduz a ideia de resumo e resenha, técnicas de reescrita importantes para o
desenvolvimento da vida acadêmica, sem, no entanto, nomear a última.
O destaque do sintagma nominal “sua opinião” e o uso da pontuação mostram a
apreciação do autor que indica a expressão da opinião do aluno, nesse exercício, como
fator fundamental.
Esse capítulo também convoca o aluno universitário, pois além de enfatizar a
experiência escolar prévia do aluno, o que foi feito em todos os outros capítulos, esse,
como o 6, define melhor o seu interlocutor: “Você continua na escola. Se a hipótese de
Pécora está certa [refere-se à Atividade 4 que faz uma adaptação livre de questões
levantadas por esse autor], como a Universidade pode quebrar esse rolo compressor?”
(2011, p. 116). A linguagem do autor reflete a premissa de que a universidade é um
espaço institucional de pesquisa e construção do conhecimento, não bastando a
reprodução automática de padrões consolidados. O autor continua construindo uma imagem do seu leitor nesse capítulo como em:
“De certo modo, é o grau de importância que damos à atividade de escrever que vai
determinar o grau de nosso domínio da língua padrão. Mas esse, é claro, é um problema
seu, pelo menos na Universidade” (2011, p. 115, grifo nosso).
A vigésima edição acrescenta a leitura de um texto de informação e entende-se
que seja para complementar o conhecimento produzido com a discussão do capítulo
sobre a questão das tradições oral e escrita. O texto Virada de página não se detém
nessa diferenciação, mas na questão da tradição do suporte do texto escrito, que com o
e-book será ampliado, no entanto, não concorrendo com o livro impresso.
Continuamos com as comparações entre as edições e o quadro seguinte mostra
como o texto de informação é abordado nos capítulos 6 (primeira edição) e 8
(vigésima).
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 6 OITO
Título TEXTO DE
INFORMAÇÃO
-I
Título TEXTO DE
INFORMAÇÃO-I
216
Seções
Subseções
ATIVIDADE I
[texto introdutório
sobre ler e
escrever como
uma maneira de
agir sobre o
mundo]
[Exercício de
observação do
texto de
informação-
descrição de um
esporte]
Atividade 1 Atividade 1- Livrando-se da
“redação escolar”
-O texto de informação
[texto introdutório sobre ler e
escrever como uma maneira
de agir sobre o mundo]
Texto 1 BADMINTON,
Sonia de Castilho
(Boa Forma, Ed.
54, p.38)
Texto 1 BADMINTON, Sonia de
Castilho (Revista Boa
Forma, ed. 54, s/d)
Roteiro de
leitura
- cinco questões
sobre o texto
Roteiro de leitura - cinco questões sobre o texto
PRÁTICA DE
TEXTO
- Escrever um
texto informativo
de três ou quatro
parágrafos sobre
um esporte
qualquer
Prática de texto - Escrever um texto
informativo de três ou quatro
parágrafos sobre um esporte
qualquer
ATIVIDADE II [Leitura de outro
texto de
informação,
agora mais
complexo que o
anterior]
Atividade 2
- Informação + opinião
Texto 2 - A FAZENDA
DA UTOPIA,
João Gabriel de
Lima, de
Mirandópolis.
(Veja, 29∕08∕1990)
Texto 2 - ATRÁS DOS MUROS,
Rachel Verano, de
Iracemápolis (Veja, ed.
1662)
Roteiro de
leitura
- Solicita um
resumo do texto 2
de 25
a 30 palavras;
- Levantamento
Roteiro de
leitura
- Solicita a produção de um
texto de 30 e 35 palavras
sobre o assunto do texto
Mostra ao aluno um resumo
de 39 palavras e outro de 24;
217
das características
de um texto de
informação;
-Afirmação de
Bakhtin sobre
orientação
apreciativa;
-Retomada do
texto A fazenda
da utopia;
- Citação de
Bakhtin sobre
enunciação;
-Divisão do texto
em parágrafos;
-Resumo de cada
parágrafo;
- O que é
parágrafo e sua
função;
-Relatores que,
onde, assim, nesse
(relação dos
relatores com o
parágrafo)
- Solicita um acréscimo ao
resumo feito, com 35
palavras e em duas orações;
-Ordem das informações,
sequência, parágrafos;
- Divisão do texto em
parágrafos;
Texto 3 - A FAZENDA DA
UTOPIA, João Gabriel de
Lima, de Mirandópolis.
(Veja, 29∕08∕1990)
Roteiro de leitura - Solicita ao aluno um
resumo do assunto do texto
entre 30 a 35 palavras;
- Levantamento das
características de um texto de
informação;
-Afirmação de Bakhtin sobre
orientação apreciativa;
-Retomada do texto A
fazenda da utopia;
- Citação de Bakhtin sobre
enunciação;
-Divisão do texto em
parágrafos;
-Resumo de cada parágrafo;
- O que é parágrafo e sua
função;
-Relatores que, onde, assim,
nesse (relação dos relatores
com o parágrafo)
Atividade 3 -A informação na internet
218
-Entrevista [O livro Prática
de texto entrevista o
jornalista Bernardo
Ajzenberg acerca das
maiores diferenças entre o
jornal impresso e o digital]
LÍNGUA
PADRÃO
-[língua padrão
escrita do
português
brasileiro]
Língua Padrão
-[língua padrão escrita do
português brasileiro]
Variedade
Crase
– Questões sobre
o texto anterior
“A FAZENDA
DA UTOPIA”- e
exercício de
transformação da
linguagem oral
para a escrita.
Reconhecimento
de erro
gramatical
[explicação de
uso e exercícios
de preenchimento
de espaço]
Variedade
Crase
Flexibilidade
- Retoma um erro gramatical
no texto “A FAZENDA DA
UTOPIA”.
[explicação de uso e
exercícios de preenchimento
de espaço]
[propriedade flexível da
língua em que há variadas
maneiras de se transmitir as
mesmas informações]
ESTRUTURA
DA ORAÇÃO-
[propriedade
flexível da língua
em que há
variadas maneiras
de se transmitir as
mesmas
informações]
Atividade 4 - Leitura
[indica a leitura de dois
textos de Dalton Trevisan e
sugere ao leitor que
identifique as mudanças na
linguagem realizadas entre as
edições de 1965 e de 1992.
O mesmo deve ser feito com
a leitura do Texto 5
apresentado em três
traduções diferentes]
Texto 4 - PENSÃO NÁPOLES,
Dalton Trevisan
219
Texto 5 - Salmo 46 (Bíblia)
PRÁTICA DE
TEXTO
Sugestão de
escrita de um
texto de
informação com
quatro parágrafos.
O autor fornece
um roteiro.
Prática de texto Sugestão de escrita de um
texto de informação com
quatro parágrafos. O autor
fornece o mesmo roteiro.
Quadro 17: Seções e subseções dos capítulos 6 (1ª edição) e 8 (20ª).
Os capítulos 6 (1992) e 8 (2011) iniciam-se com uma descrição do poder dado
ao usuário da linguagem de agir no mundo em situações concretas, específicas e de
acordo com propósitos claros. Com essa introdução, o autor retoma sua posição a
respeito da redação escolar, um gênero da linguagem cujo problema seria servir de
parâmetro para os demais textos, engessando a prática da escrita.
Ambas as edições tratam do mesmo assunto e com o mesmo texto introdutório.
No entanto, na vigésima edição, há um subtítulo: Livrando-se da “redação escolar”. O
Texto 1 é mantido em ambas as edições, mas na última são omitidos os três últimos
parágrafos e não há referência à página da revista em que se encontra.
O Roteiro de leitura do Texto 1 mantém-se quase igual, com exceção da
itemização (1, 2, 3, 4 e 5) da vigésima edição, ausente na primeira, e de haver uma
questão na primeira edição referente à parte omitida na vigésima. As cinco questões
abordam a intenção de um texto de informação e os interlocutores presentes,
enfatizando a presença do leitor que, nesse texto, vem representado pelo pronome
“você”. O leitor-aluno é questionado sobre a função desse pronome no texto e é levado
a procurar por “rastros” da presença da autora Sonia de Castilho, sugerindo o não
aparecimento do autor, uma característica desse gênero.
Com essa tarefa, o autor provoca o leitor-aluno ao questionar a existência de
uma informação realmente pura, isenta de opinião, retomando a questão da entoação
apreciativa já mencionada em capítulos anteriores.
2. O texto é informativo. Mas existirá informação pura? Em
algum momento aparece uma opinião? (Observe, a propósito, que o
simples fato de a revista escolher o badminton como assunto já
implica uma avaliação do que é ou não relevante para o leitor...)
(2011, p. 130, grifo do autor).
220
Na segunda questão desse roteiro de leitura, a ênfase do autor recai nas palavras
informativo, informação pura, opinião e avaliação, refletindo seu foco em relembrar ao
aluno a questão de todo texto revelar uma posição avaliativa, mesmo que esta não
apareça materialmente no texto, mas na situação em que esse texto foi publicado. Nesse
caso, a escolha dos editores da Revista Boa Forma pelo esporte, por exemplo.
O Texto 2 A Fazenda da utopia ocupa quatro páginas inteiras da primeira
edição, enquanto que na vigésima há um outro texto, Atrás dos muros, também da
Revista Veja, mas que ocupa apenas uma página, sendo dividido em duas colunas. O
texto A Fazenda da utopia é o Texto 3 da vigésima edição e ocupa três páginas inteiras.
O roteiro de leitura desse texto propõe uma atividade escrita em que o aluno deve
escrever o assunto do texto empregando entre 30 e 35 palavras. Em seguida, deve
levantar as características do texto e procurar por marcas apreciativas do autor no texto.
Há uma citação de Bakhtin, sem a fonte, em que o filósofo russo defende a ideia de que
não existe enunciação que não apresente uma apreciação.
Ressaltamos aqui que na primeira edição o aluno é solicitado a escrever um
resumo do Texto 2, empregando entre 25 e 30 palavras. Na vigésima, percebemos um
trabalho de reflexão do autor do qual depreendemos que o aluno só pode produzir um
determinado tipo de texto se já souber de suas características. Assim, muito antes de
solicitar a produção de um resumo de texto, solicita-se que o aluno observe dois
resumos do assunto do texto, um com 39 e outro com 24 palavras. A esse último, o
autor fornece alguns dados e solicita que o aluno acrescente informações sem
ultrapassar 35 palavras. Em seguida, após a leitura do Texto 3 A Fazenda da utopia, ao
contrário da primeira edição que solicita um resumo do texto sem realizar a discussão
prévia, o aluno deve resumir o assunto do texto e passar às síntese por parágrafos.
A introdução à orientação apreciativa culmina com um resumo que o autor faz
sobre linguagem e quais os aspectos a serem observados na análise de um texto
informativo:
O que Bakhtin fala a respeito da linguagem em geral serve
perfeitamente para compreendermos a natureza do texto lido. A quem
o texto se destina? Qual o seu interlocutor? Saber que o texto saiu na
revista Veja já é, por si só, uma boa dica. Mas o próprio texto dá
indicações do seu leitor virtual. Quem é esse leitor? Tente fazer um
quadro: faixa etária, classe social, nível de informação, escolaridade
etc. Não se trata de “adivinhar”, mas de descobrir, pelos sinais da
linguagem, a quem o texto se dirige (2011, p. 137).
221
Observamos que na primeira edição, o autor finaliza o mesmo trecho com “Não
se trata de ‘adivinhar’, mas de descobrir, pelos sinais da linguagem, a quem se está
falando” (1992, p. 110). A mudança indica uma preferência do autor por enfatizar a
independência do texto em relação ao seu autor, ou seja, depois de pronto, o texto se
direciona a esse ou aquele leitor, por suas características de gênero, não só falado como
escrito.
Apesar das dicas de análise, não há um exercício de leitura que pudesse retomar
a compreensão desses aspectos pelo aluno. No entanto, a partir dessa unidade, os textos,
tanto de explicação como de encaminhamentos aos exercícios, levam em consideração
que o aluno já sabe das considerações a serem feitas em uma análise do contexto de
produção, circulação e recepção das produções escritas. Isso se reflete, mais uma vez,
nas apreciações que o autor faz do seu leitor, atribuindo-lhe ações mentais: “Você já
deve ter percebido este dado interessante: toda informação é uma escolha, isto é, só
Deus pode dizer tudo, ao mesmo tempo, sem limite de espaço e tempo... Informar é,
antes de tudo, selecionar (2011, p. 132, grifos do autor). O trecho corrobora o assunto
do capítulo, a orientação apreciativa do autor de PTEU é reforçada pelas repetições de
discussões e, nesse caso, pelo uso do destaque visual do itálico.
Essa consideração do autor serve para discutir a questão do contexto de
produção, da orientação apreciativa do texto e introduz a divisão dos parágrafos
considerados como “subpartes graficamente destacadas do conjunto pela mudança de
entrada de linha” (2011, p. 137).
A função e o assunto de cada parágrafo são explorados para a inserção dos
elementos de “costura” entre os parágrafos: os recursos coesivos. O autor destaca um
trecho do texto, colocando em negrito os relatores “que”, “onde”, “assim”, “nesse”, e,
“todos”. Destaca que isoladamente, essas palavras pouco significam, mas exalta a sua
capacidade de ligação entre as ideias e os parágrafos, trabalhando diretamente nos
efeitos de clareza e precisão de um texto.
As instruções mantêm-se as mesmas da primeira edição, com algumas diferenças
na escrita:
1ª- A importância dos relatores é também visível na costura dos
parágrafos. Cada parágrafo novo já conta com as informações dos
parágrafos anteriores, que não precisam ser repetidas, mas que
devem ser levadas em conta para que o texto não se transforme
numa mera ‘colagem’ de informações avulsas sem relação entre si. Como exercício, assinale no início de cada parágrafo do Texto 2
222
qual elemento – uma palavra, uma expressão, uma frase –
estabelece a relação com o que se escreveu antes.
Finalmente descubra se algum parágrafo do texto lido poderia ser
trocado por outro sem comprometer a qualidade do conjunto
(1992, p. 111). 20ª- Os relatores são também fundamentais na costura dos
parágrafos. Cada parágrafo novo deve contar com as informações
dos parágrafos anteriores, que não precisam ser repetidas, mas
que devem ser levadas em conta para que o texto não se
transforme numa mera colagem de informações avulsas sem
relação entre si. De alguma forma, o início do parágrafo seguinte
deve se relacionar com o que foi dito antes. Como exercício, assinale
no início dos parágrafos que se seguem qual elemento - uma
palavra, uma expressão, uma frase – estabelece a relação com o
que se escreveu antes.
Finalmente descubra se algum parágrafo poderia ser trocado por
outro sem comprometer a sequência lógica do conjunto (2011, p.
138).
Deixamos em negrito o texto que se manteve na vigésima edição, em que o autor
apresenta a importância dos relatores dentro do parágrafo. Sublinhamos as diferenças no
léxico escolhido entre as edições. Observa-se o uso do modalizador “deve” (contar; se
relacionar) e a mudança da palavra “qualidade” por “sequência lógica” numa aparente
formalização dos termos gramaticais. Na vigésima edição, a mudança no modo verbal
“já conta” para “deve contar” demonstra o percurso do autor desde o primeiro capítulo
em orientar o aluno em seu processo de escrita. Lembramos que esse é o primeiro
capítulo em que há uma seção (Língua Padrão) que se ocupará diretamente de aspectos
gramaticais do texto escrito.
O capítulo continua com apresentação de outros gêneros. Destacamos que, com
exceção dos capítulos 4 (1992) e 6 (2011) em que o autor sugere que o aluno “enumere
os gêneros de texto”, desde o capítulo 2, essa é a primeira vez que gênero vem
acompanhado de um determinante: gênero de linguagem (1992, p. 101; 2011, p. 128).
Ainda que em raras aparições do sintagma nominal, isso não significa que os capítulos
não estejam trabalhando com as diversas características dos textos de acordo com sua
situação social73
.
O capítulo 8, por exemplo, aborda o que o autor chama de gênero informativo,
um texto publicado em uma revista feminina (Revista Boa Forma) e dois outros
73
Em troca de e-mails com um dos autores, foi mencionado que há uma “generite” [palavras do autor] em
nossa escola. O autor se referia ao fato de um livro seu ter sido reprovado no PNLD porque, sob
alegação dos avaliadores, não havia menção a gêneros. Sabemos por análise do livro em questão, que o
livro todo se baseia na concepção bakhtiniana de gêneros da linguagem, apenas o autor optou por não
usar a expressão gênero da linguagem sempre que o apresentava.
223
publicados em revista de opinião de circulação nacional (Veja). A vigésima edição
ainda reproduz um texto digital extraído do UolNews. O gênero entrevista é apresentado
por meio de questões do autor enviadas via internet a Bernardo Ajzenberg, diretor de
conteúdo de um jornal online. Essa atividade, A informação na internet, discute a
influência do veículo do texto (televisão, rádio...), e a ênfase é dada à esse suporte. Não
há esse trecho na primeira edição quando a internet não era tão utilizada: “Um espaço
que surgiu há pouquíssimo tempo e que está crescendo de uma forma fantástica (ou,
para os mais conservadores, ‘assustadora’, é a internet, a rede mundial de
computadores” (2011, p. 139).
Como exemplo, um texto extraído no UolNews é apresentado (19∕09∕2000-
12h03): Avião sequestrado cai com 18 ocupantes.
Figura 23: Capítulo 8- Texto extraído da internet (2011, p. 139).
O texto aparece em destaque, em um quadro em que se pretende recuperar
alguns aspectos da verbo-visualidade do texto original, mas não é uma foto da página ou
escaneamento. O leitor é convidado a identificar as diferenças estruturais desse texto em
224
relação aos demais lidos, mas por falta da materialidade visual, a análise detém-se
apenas nas características composicionais que podem ser depreendidas do verbal. No
máximo, o aluno percebe que está diante de um texto diferente visto que esse se
encontra em uma caixa de texto cinza e apresenta a opção de hiperlink: “Clique aqui
para assistir ao vídeo”.
Observamos a ênfase do capítulo em sugerir ao aluno que encontre as diferenças
estruturais observadas entre os textos de informação. Há uma coerência interna na
apresentação das diferenças composicionais dos diversos textos do gênero jornalístico,
assim como as suas especificidades linguísticas, estas últimas, foco das perguntas feitas
na entrevista ao escritor. Entretanto, a consecução global do objetivo do autor ao
reproduzir somente a dimensão verbal do texto da internet encontra-se prejudicada.
Deixar de fora as possíveis imagens ou o contexto real em que foi publicado
originalmente não propicia a recuperação da materialidade do enunciado.
Conforme apresentado anteriormente, PTEU reserva uma seção para discutir
“alguns aspectos problemáticos da língua padrão escrita do português brasileiro” (2011,
p. 141). Essa seção, nomeada de Língua Padrão, vem separada do texto com fonte
maior e em negrito e inicia-se no capítulo oito da vigésima edição e seis, na primeira.
Apesar de o índice sugerir que aspectos relacionados à norma estejam distribuídos por
quase todos os capítulos, por exemplo: estrangeirismos, no segundo; concordância, no
décimo etc., apenas a partir deste capítulo aparece em seção específica. Os capítulos 4 e
5 já haviam tratado da língua padrão, sem o destaque dado neste capítulo que apresenta
as noções de variedade e flexibilidade da língua e o uso da crase.
O tópico Língua Padrão sinaliza para o leitor que este encontrará textos
pertencentes ao português brasileiro transcritos fielmente “sem nenhuma ‘correção
purificadora’, ou seja, uma amostra da língua real (1992, p. 111). Aqui, mais uma vez o
leitor é alertado para a sua participação ativa na língua como um “sócio-proprietário”;
“parte ativa da língua e não sua vítima!”(1992, p. 111; 2011, p. 141). Mais uma vez, o
emprego do ponto de exclamação serve para expressar um grau de valor alto a que o
autor atribui a esse papel que não deve ser o do leitor, o de vítima.
O texto da vigésima edição também parece ser mais esclarecedor e tenta corrigir
algumas falhas de interpretação da primeira versão. Por exemplo: No primeiro item
sobre língua padrão (1992, p. 112) há a sugestão de um erro gramatical no primeiro
parágrafo do texto lido [Texto 2], mas não informa qual texto, o que gera uma confusão
225
devido a haver vários textos antes e depois dessa sugestão. Na vigésima edição, há
também a sugestão de um erro, mas agora é feita indicação ao texto A Fazenda da
Utopia onde aparece o erro, um procedimento que serve de guia ao leitor que deverá
voltar algumas páginas a fim de encontrar o início do texto citado.
Como destacado anteriormente, observamos, mais uma vez, o tom menos
coloquial nas explicações gramaticais:
1ª- Como sócio-proprietário da língua padrão, você considera que
esse erro é, de fato, um erro, ou simplesmente é uma indicação de
que a gramática normativa não dá conta de uma mudança na
realidade linguística brasileira? (1992, p. 112).
20ª- Para discutir: como ‘socioproprietário’ da língua, você
considera que esse erro é, de fato, um erro, ou simplesmente uma
indicação de que a gramática normativa ainda não legitimou uma
mudança concreta do padrão brasileiro oral? (2011, p. 142).
O tom coloquial de “não dá conta de” é trocado por “ainda não legitimou” e
“mudança na realidade linguística brasileira” por “mudança concreta do padrão
brasileiro oral”, na segunda opção destacando que a realidade linguística brasileira de
destaque no momento é o padrão oral. Como na troca anterior de “qualidade do
conjunto” para “sequência lógica do conjunto”, o autor privilegia o uso de expressões
mais formais. Entende-se que a estratégia corrobora o assunto do item Variedade que
faz referências às diferenças entre linguagem oral e escrita, sugerindo em exercício que
o aluno “passe para o padrão escrito normativo as seguintes ocorrências da linguagem
oral” (2011, p. 142).
A seção Língua Padrão divide-se em três itens e o item Estrutura da oração é
retomado na vigésima edição sob o título de Flexibilidade e apresenta as diversas
maneiras de se apresentar a mesma informação. O autor indica ao leitor que questões
mais específicas serão abordadas no capítulo 14 (A estrutura da oração), enfatizando
que o tópico flexibilidade é uma característica da estrutura da língua e não da oração.
O tom da apresentação do exercício muda na vigésima edição:
1ª: Como exercício, reescreva as orações abaixo, conservando as
mesmas informações. Inicie da forma indicada (1992, p. 113).
20ª: Vamos agora exercitar os recursos sintáticos da língua, sentir, na
prática da escrita, a flexibilidade que nos permite variar a expressão e
marcar diferenças sutis de significado. Reescreva as orações abaixo,
conservando as mesmas informações. Importante: inicie da forma
indicada (2011, p. 143, grifo do autor).
226
O encaminhamento é dado a uma atividade em que são apresentadas dez orações
e para cada, uma maneira diferente de reescrevê-la. O tom adotado na vigésima é
instaurado de maneira menos imperativa. O autor convida o leitor a colocar em prática o
que foi discutido anteriormente acerca da flexibilidade da língua “Vamos agora
exercitar...”, ao invés de iniciar o exercício solicitando a tarefa ao leitor de forma direta.
A instrução ao exercício mantém-se, mas há uma intervenção do autor no lembrete:
“Importante” em itálico. Aqui, mais uma vez (como no capítulo 7) o uso da língua passa
pelos sentidos: “Vamos [...] sentir, na prática da escrita, [...]”.
Observamos que as dez orações apresentadas trazem um início diferente para a
reescrita do aluno. Na primeira edição, a décima sugeria “Trazendo gestos...”, e, na
vigésima, “Com gestos...”. Uma correção feita pelo autor deixa o texto mais fluido, já
que a reescrita: “Com gestos inspirados na atividade dos lenhadores, Bravos pioneiros
coloca em cena, junto com os bailarinos, os trabalhadores do campo” soa mais próxima
à linguagem cotidiana que o texto que se iniciaria com “Trazendo gestos [...]”.
A atividade 4, presente apenas na vigésima edição, apresenta um texto de Dalton
Trevisan, Pensão Nápoles, em duas versões, uma de 1965 e outra de 1992 para que o
aluno observe a “força estilística da flexibilidade da língua” (2011, p. 144). O autor
solicita ao leitor que leia os dois textos e “Observe como as mudanças de linguagem,
aparentemente insignificantes (afinal, o texto continua apresentando as mesmas
informações!), modificam significativamente a força e o impacto do conto” (2011, p.
144-45, grifo do autor). Em seguida, sugerem que o leitor compare cinco versículos da
Bíblia em três traduções distintas. “Veja como cada palavra ou expressão sinônima tem
a sua própria rede de significados, criando efeitos diferentes, embora com o mesmo
sentido básico” (2011, p. 145). O exercício de leitura dos dois textos (Texto 4 e Texto 5)
é esse, não há comentários posteriores discutindo com o aluno as mudanças de
significado.
Essa atividade de leitura vem ao encontro de nossa proposta de comparação das
duas edições, dado nosso interesse em descobrir em que medida as mudanças no léxico
e no tom, “modificam significativamente a força e o impacto” do texto e quais são “as
redes de significados”, quais “efeitos diferentes” o autor produziu na modificação
realizada para a vigésima edição (2011, p. 145).
No tocante à concepção de produção de texto, esse capítulo enfatiza que o autor
de um texto deve abdicar das práticas de escrita aprendidas na escola, pois essas se
227
referem a um universo abstrato em que não há um sujeito do discurso, mas um ser
também abstrato, disposto a repetir fórmulas sobre um mundo irreal.
Saber ler e escrever é, portanto, muito mais que dominar uma técnica
ou um sistema de sinais: é agir sobre o mundo e defender-se dele,
sempre em situações específicas e concretas, intencionalmente
construídas e com objetivos claros (1992, p. 101; 2011, p. 128).
Com esse objetivo, afastar o estudo de textos das práticas consolidadas da
escola, o capítulo passa a discutir o texto de informação, com a justificativa de que é um
gênero pouco frequente nas salas de aula.
Do ponto de vista formal do texto escrito, o aluno é levado a observar a sua
divisão em parágrafos: “subpartes graficamente destacadas do conjunto pela mudança
de entrada de linha” (2011, p. 137). Em seguida, apresenta-se a “costura” dos parágrafos
realizada por meio dos relatores.
Os capítulos 7 (primeira edição) e 9 (vigésima) continuam a abordar o gênero
texto de informação. O quadro seguinte ilustra a comparação entre as edições:
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 7 NOVE
Título TEXTO DE
INFORMAÇÃO
-II
Título TEXTO DE
INFORMAÇÃO-II
Seções
Subseções
ATIVIDADE I
[qualidades do
texto: clareza]
Atividade 1 As qualidades de um bom texto
[qualidades do texto: clareza]
[traz apenas o primeiro
parágrafo do texto de 8
parágrafos apresentado na
primeira edição: Manuais não
explicam o produto]
Texto 1 MANUAIS NÃO
EXPLICAM O
PRODUTO- Ana
Cecília
Americano
(Jornal do brasil,
3∕ 2∕ 92)
228
Mas, afinal, o
que é um texto
“bem escrito”?
[ ressalta a
organização
interna do texto
em relação à
externa; a
intenção de quem
escreve, ao
universo de quem
lê e ao assunto de
que se fala]
Mas, afinal, o que é um texto
“bem escrito”?
[ ressalta a organização interna
do texto em relação à externa;
a intenção de quem escreve, ao
universo de quem lê e ao
assunto de que se fala]
Texto 1
Texto 2
Texto 3
Texto 4
Texto 5
Texto 6
[trechos de texto
sem títulos para
avaliação dos
mais bem
escritos]
Texto 1
Texto 2
Texto 3
Texto 4
Texto 5
Texto 6
Texto 7
[trechos de texto sem títulos
para avaliação dos mais bem
escritos]
Roteiro de
leitura
Roteiro de leitura
ATIVIDADE II
[unidade temática
e estrutural]
E o texto
literário? [a
linguagem
literária é
subversiva]
Atividade 2
Correção e adequação
[aspectos técnicos x língua
padrão escrita]
A noção de unidade; [unidade
temática e estrutural]
E o texto literário? [a
linguagem literária é
subversiva]
PRÁTICA DE
TEXTO
[proposta de
escrita de um
texto literário
qualquer]
Prática de texto [proposta de escrita de um
texto literário curto]
ATIVIDADE III
[aprofundamento
da noção de
unidade]
Atividade 3 Unidade temática e unidade
estrutural
[aprofundamento da noção de
unidade]
Texto 7 À MARGEM
DO TEMPO,
Vinícius
Romanini (Veja,
19∕12∕90)
Texto 8 TURISTA OCASIONAL,
Marina Moraes (National
Geographic Brasil, maio de
2000)
Roteiro de
leitura
[ênfase na
observação da
unidade temática,
Roteiro de leitura [ênfase na observação da
unidade temática, unidade
estrutural, uso de relatores,
229
unidade
estrutural, uso de
relatores, sistema
de referências,
qualidade do
texto]
sistema de referências,
qualidade do texto]
ATIVIDADE IV
[elementos de
coesão entre as
informações do
texto]
Atividade 4
Os relatores
[elementos de coesão entre as
informações do texto]
Prática de texto
[proposta de escrita de um
texto de informação]
LÍNGUA
PADRÃO
Língua Padrão [direciona para a leitura do
texto 9 e retoma aspectos
gramaticais]
Texto 9 À MARGEM DO TEMPO,
Vinícius Romanini (Veja,
19∕12∕90)
Variedade,
Crase,
Acentuaçã
o,
Há x a,
FRASES
SINÔNIMAS.
Variedade,
Crase,
Acentuação,
Há x a,
Frases sinônimas
[retoma aspectos gramaticais
do texto ressaltando a
diferença entre língua oral e
escrita]
PRÁTICA DE
TEXTO
[proposta de
escrita de um
texto de
informação]
Atividade 5 Leitura
[introduz o assunto do texto
10]
Texto 10 NÓS, O GORILA E A
MÁQUINA BUDISTA,
Fernando de Barros e Silva
(Folha de S. Paulo,
13∕02∕2000)
Quadro 18: Seções e subseções dos capítulos 7 (1ª edição) e 9 (20ª).
O capítulo objetiva discutir as características de um texto bem escrito e inicia
com a clareza, relembrando ao aluno que não basta ao texto seguir os aspectos
230
normativos da língua padrão se não considerar os elementos extratextuais como o
universo do interlocutor, o objetivo do autor e a coerência com o assunto que se aborda.
O início é feito com um questionamento, em ambas as edições:
1ª: “Começamos com uma pergunta: qual é a maior qualidade de um
bom texto? Se perguntássemos ao leitor comum de todos os dias –
que, afinal, é o que nós somos! – ele talvez respondesse numa palavra:
a clareza. Todos gostam de entender o que leem!” (1992, p. 116,
itálico do autor).
20ª: “Começamos com uma pergunta: qual é a primeira qualidade de
um bom texto? Se perguntássemos ao leitor comum de todos os dias –
que, afinal, é o que nós somos! – ele talvez respondesse numa palavra:
a clareza. Todos gostam de entender o que leem!” (2011, p. 148,
itálico do autor).
De alguma forma, a clareza passou de “maior qualidade de um bom texto” a
“primeira qualidade de um bom texto”. Entende-se que a nova proposta do autor seja
ressaltar todas as características de um texto bem escrito preferindo elencá-las a partir
da primeira considerada mais importante: clareza. A escolha pela palavra “primeira”
parece-nos um reconhecimento de que existem várias características para a escrita de
um texto e nenhuma é superior à outra. Ao contrário, todas são importantes e devem ser
levadas em consideração para a qualidade do conjunto. Os textos seguintes trazem as
outras características, sem continuar com a ordem sequencial. Assim, além da clareza,
são consideradas características de um bom texto:
1- consideração ao objetivo do autor com o texto, o conhecimento de mundo do leitor e
o assunto abordado;
2- correção gramatical relativa à língua padrão e a adequação da linguagem utilizada ao
assunto e ao leitor;
3- unidade temática e estrutural.
Na sequência, o autor separa os textos literários das exigências apresentadas,
considerando-os passíveis de uma linguagem subversiva, pois o autor desse tipo de
texto “se alimenta das linguagens que o rodeiam, recriando-as, transformando-as,
submetendo-as ao seu próprio universo” (2011, p. 152). O texto literário é apresentado
como um texto que subverte a ordem lógica, do senso comum e do padrão seguido por
outros textos. Nesse caso, o autor volta ao questionamento já realizado em capítulo
anterior acerca da (in) capacidade de o texto literário seguir de padrão para a língua
escrita.
231
Ambas as edições abordam o mesmo assunto sobre as qualidades de um texto
bem escrito. A primeira edição apresenta um texto completo retirado do Jornal do
Brasil, de 3/2/92, enquanto a vigésima mostra apenas o primeiro parágrafo desse mesmo
texto. Aparentemente, o autor acredita que apenas um parágrafo seja suficiente para
atingir seu objetivo de apresentar ao aluno a necessidade de o escritor pensar no seu
leitor quando inicia o texto.
O destinatário do texto, mais uma vez é o falante da língua, e, além de falante,
leitor de textos do cotidiano: “Se perguntássemos ao leitor comum de todos os dias –
que, afinal, é o que nós somos!”. Reconhece-se no aluno o seu papel ativo na língua, é
um falante e produtor de textos o que derruba aquela concepção errônea de que se não
há proficiência no uso da língua padrão, não há a prática eficiente da própria língua.
Atribui-se ao leitor mais um processo mental: “A essa altura, você já deve ter percebido
que todo bom texto tem unidade, isto é, um equilíbrio de intenção, assunto e linguagem
(2011, p. 151, grifo do autor).
Para verificar a compreensão do aluno, são apresentados, ainda, sete textos para
que ele distinga os bem escritos dos mal escritos. Com exceção de dois textos, os outros
são mantidos. O texto 3 é um trecho da obra de Ulisses, de James Joyce, na primeira
edição e, na vigésima, o poema de Carlos Drummond de Andrade Quadrilha. O texto 6
é uma nota de revista (Casa Claudia) sobre a atriz Amy Irving, na primeira, e uma nota
de revista (Decorative) sobre a terceira geração de telefonia celular na vigésima. Assim
com a troca do texto 3, percebe-se a atualização do assunto no texto 6, o que pode
interessar mais ao aluno que possivelmente desconhece a atriz americana mencionada.
O texto 7, acréscimo da vigésima edição, apresenta um trecho de texto com linguagem
coloquial popular como: “profissa”, “dá para optar”, “vencer o bicho”. Com exceção do
poema, os trechos não trazem a fonte pesquisada.
O Roteiro de leitura, em ambas as edições, pede que o aluno, ao ter reconhecido
e distinguido os textos bons dos maus, agora responda a algumas questões referentes à
linguagem utilizada neles. O questionamento detém-se nos detalhes que chamaram a
atenção, como a intenção de sua escrita, a possibilidade de adequação dos textos e uma
situação em que os textos apresentados pudessem ser considerados bons.
Como característica da vigésima edição ou 2ª reimpressão, o texto apresenta-se
mais subdividido em seções procurando chamar a atenção do aluno. A Atividade 2 traz
como subtítulos: Correção e adequação; A noção de unidade; E o texto literário? Esses
232
itens estão presentes na primeira edição, mas sem o destaque. Entendemos que o autor
preferiu destacar e indicar ao aluno as categorias em que dividiu sua proposta de ensino
da língua portuguesa escrita.
Pode-se depreender que o foco do capítulo é a unidade temática e estrutural que
dá ao texto “um equilíbrio de intenção, assunto e linguagem” (2011, p. 151). Esse
equilíbrio apresenta-se por meio da delimitação do assunto central e da sequência lógica
das informações a serem apresentadas pelo escritor. O autor diferencia a escrita da fala
já que esta é volúvel podendo ter vários assuntos de uma só vez, dependendo do humor
dos interlocutores e das circunstâncias.
A Atividade 3 apresenta textos diferentes em ambas as edições, mas explora
aspectos semelhantes. O aluno deve identificar no texto a sua unidade temática e
estrutural, os elementos de coesão que relacionam os assuntos e o sistema de
referências. Este é apresentado como característica do texto bem escrito, pois situa o
leitor em um universo possível, Como exemplo, menciona o personagem principal do
livro A metamorfose, de Franz Kafka, em que a aparente incoerência de uma pessoa ser
transformada em inseto passa a ser aceitável, dadas as condições estabelecidas pelo
autor. O que, obviamente não aconteceria caso o leitor se deparasse com algo
semelhante ao ler uma notícia em um jornal respeitável.
A Atividade 4 introduz os anafóricos e os relatores como uma “espécie de
espinha dorsal de qualquer texto bem escrito (2011, p. 156). Apresenta-se um texto
cujos elementos de coesão foram deixados em destaque a fim de que com essa estratégia
o autor inicie uma discussão sobre a relação que eles estabelecem no texto e sobre como
o texto seria escrito sem a ajuda deles. Dentre as funções no texto, ressalta a ausência de
ambiguidade e a distinção entre oralidade e escrita. Essa explicação não se encontra na
primeira edição.
Em seguida, o texto explicativo mantém-se e o foco passa a ser a distinção entre
os elementos destacados no primeiro trecho: elementos de referência textual; elementos
de referência situacional; elementos de relação lógica e elipse. O Exercício que se segue
é o mesmo, com um acréscimo de texto “como reforço”, mas na primeira edição não há
a indicação de exercício. O aluno deve sublinhar no texto, os relatores e indicar os seus
referentes.
O texto 9, À margem do tempo, presente em ambas as edições, mas em locais
diferentes do capítulo, também é abordado de maneira diferente. Na primeira edição, o
233
texto é utilizado para exemplificar a noção de unidade, tema da Atividade III e, após a
leitura, o aluno é questionado se esse é um texto bem escrito. Na vigésima, não há um
tópico de ensino a ser ilustrado pelo texto e o aluno é levado a “observar alguns tópicos
gramaticais de um bom texto de informação”. Não só há a certeza de que se está diante
de um texto bem escrito, como se pode trabalhar os aspectos gramaticais dele, o que
vem mais à frente com: Variedade, Crase, Acentuação, Há x a, Frases sinônimas.
Apesar de, aparentemente, o texto estar à serviço de atividades gramaticais, o que se
destaca são as reflexões sobre língua, discorrendo sobre a adequação ou inadequação ao
padrão oral e escrito. O texto, então, serve como um representante dos conceitos que o
autor tem e apresenta ao aluno o padrão normativo de um texto escrito, considerando
algumas particularidades gramaticais.
A Atividade 5 e os textos 9 e 10 são acréscimos da vigésima edição.
O quadro seguinte apresenta a estruturação do parágrafo, discutindo sua função e
características nos capítulos 8 (1992) e 10 (2011).
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 8 DEZ
Título PARÁGRAFOS Título PARÁGRAFOS
Seções
Subseções
ATIVIDADE I
[discorre sobre o
conceito e a
finalidade do
parágrafo]
Atividade 1 Atividade 1
Sobre o parágrafo
O parágrafo na redação
escolar
[discorre sobre o conceito e a
finalidade do parágrafo]
Atividade 2 Alguns tipos de parágrafos
Texto 1 [trecho retirado da
revista Saúde] Texto 1 [trecho retirado da revista
Saúde]
Roteiro de
leitura
[três questões
sobre o texto] Roteiro de
leitura
[mesmas três questões sobre o
texto]
Texto 2 [texto publicitário
sobre a empresa
Hoechst]
Texto 2 (texto publicitário sobre a
concessionária AutoMobile)
234
Roteiro de
leitura
[duas questões
sobre o texto] Roteiro de
leitura
[mesmas duas questões sobre o
texto]
Texto 3 [texto extraído do
Suplemento
Folhateen , Folha
de S. Paulo,
18∕2∕91]
Texto 3 Kuerten encara hoje nos EUA
a última fronteira (Folha de S.
Paulo, 20∕08∕2000)
Roteiro de
Leitura
[três questões
sobre o texto
abordando a
ordem dos
parágrafos]
Roteiro de
Leitura
[cinco questões sobre o texto
abordando o texto de
informação e a ordem dos
parágrafos]
Texto 4
[trecho de texto
literário, João
Antônio]
Texto 4
[mesmo trecho de texto
literário, João Antônio]
Roteiro de
leitura
[três questões
sobre o texto
abordando a
liberdade de
paragrafação de
um texto literário
e locuções
nominais]
Roteiro de
leitura
[mesmas três questões sobre o
texto abordando a liberdade de
paragrafação de um texto
literário e locuções nominais]
Texto 5 [trecho de texto
de Teixeira
Coelho]
Texto 5 [trecho de texto de Teixeira
Coelho]
Roteiro de
leitura
[três questões
sobre o texto
abordando o
gênero da
linguagem ensaio
e suas
características]
Roteiro de
leitura
[três questões sobre o texto
abordando o gênero da
linguagem ensaio e suas
características]
ATIVIDADE II
[apresentação da
frase-guia que
inicia o parágrafo]
Atividade 3
Parágrafo e frase-guia
[apresentação da frase-guia
que inicia o parágrafo]
Texto 6 [trecho sem título
retirado da revista
Veja (20∕2∕91, p.
17]
Texto 6 ARQUEOLOGIA
MACHADIANA DO RIO DE
JANEIRO, Marcello
Rollemberg (Revista Cult, nº
37, p. 21)
Texto 7 [texto sem título
de Raymundo
Faoro.
Texto 7 O DESTINO DO LIXO
DIGITAL-Adriana Dias Lopes
(revista Galileu, ed. 109)
235
Isto∕É∕Senhor, ed.
1149, p.21]
Exercícios de
desenvolvimento
de parágrafos
seguindo as
frases-guia pré-
determinadas.
Roteiro de
leitura
Exemplo 1- -
(trecho sem título
retirado da revista
Veja ( 29∕8∕90, p.
55)
Roteiro de
leitura
Observação das frases-guia de
cada parágrafo do texto
Exercício [desenvolvimento de
parágrafos seguindo frases-
guia pré-determinadas].
ATIVIDADE III
(Apresenta 3
maneiras de
iniciar um
parágrafo)
Exemplo 1- (texto
sem título retirado
da Veja, 29∕8∕90,
p.55)
Exercício-
proposta de
escrita de um
parágrafo e da
primeira oração
do segundo
parágrafo de
introdução,
seguindo um tema
determinado
Exemplo 2- (
texto sem título
de José Serra,
retirado da revista
Imprensa, n.51,
p.18)
Atividade 4 Atividade 4- Parágrafos de
introdução [Apresenta 3
maneiras de iniciar um
parágrafo]-mesmo texto
Exemplo 1- (texto sem título
retirado da Veja, 29∕8∕90, p.55)
Exercício 1- proposta de
escrita de um parágrafo e da
primeira oração do segundo
parágrafo de introdução,
seguindo um tema
determinado
Exemplo 2-( texto sem título
de Jesse Oak Taylo-Ide, “O
caçador de imagens da
Floresta Indiana, National
Geographic, 9∕2000.
Exercício 2- proposta de
escrita de um parágrafo e da
primeira oração do segundo
parágrafo de introdução,
seguindo um tema
determinado
Exemplo 3- - ( texto sem título
de Alberto Mel, retirado do
jornal Laboratório do CCS da
UFPR. Ed. 35, p.6)
Exercício 3- Proposta de
escrita de dois parágrafos
236
Exercício-
proposta de
escrita de um
parágrafo e da
primeira oração
do segundo
parágrafo de
introdução,
seguindo um tema
determinado
Exemplo 3- (texto
sem título de
Alberto Mel,
retirado do jornal
Laboratório do
Curso de
Comunicação
Social da UFPR.
Ed. 35, p.6)
Exercício-
Proposta de
escrita de dois
parágrafos
Exemplo 4- Proposta de
redação com tema
determinado.
Exercício 4- Proposta de
redação de escrita de segundo
parágrafo
ATIVIDADE IV “Chamada” de
jornal-
Exemplo 1- Preso
irmão de Rosane
acusado de
atentado (Correio
Brasiliense, 13∕
09∕91
Exemplo 2-
Partidarios da
cerveja terão em
Praga sede
internacional
(Folha de S.
Paulo, 6 ∕1∕ 92)
Exercício-
Proposta de
redação de
“manchetes” de
Atividade 5 Quem, quando, onde,
como...- “Chamada” de jornal-
Exemplo 1- (todos os
exemplos foram retirados do
jornal O Estado de S. Paulo,
23∕8∕2000) Rivaldo marca e
ajuda Barcelona a ser
campeão
Exemplo 2-Remédio pode
reduzir desejo de beber
álcool
Exemplo 3- Código Penal que
reduz pena máxima chega ao
Congresso
Exercício - Proposta de
redação de “manchetes” de
jornal sobre cinco assuntos
237
jornal sobre cinco
assuntos
determinados
determinados
Prática de texto Quatro propostas de redação
de parágrafo com roteiro pré-
determinado.
LÍNGUA
PADRÃO
Regência- de que,
a que, por que...
- Concordância-
(casos em que o
verbo vem antes
do sujeito)
Mais crase-
Exercício para
substituir os
termos grifados
por palavras em
parênteses
Língua Padrão Regência- de que, a que, por
que...
Mais crase- Exercício para
substituir os termos grifados
por palavras em parênteses
Concordância- (casos em que
o verbo vem antes do sujeito)
Prática de texto Quatro propostas
de redação de
parágrafo com
roteiro pré-
determinado.
Quadro 19: Seções e subseções dos capítulos 8 (1ª edição) e 10 (20ª).
O capítulo dedica-se a continuar a discussão sobre parágrafo, negando que haja
uma estrutura padrão, mas que sua organização deva se atentar à progressão das ideias e
dos fatos abordados. Na sequência, introduz a frase-guia que anuncia o assunto do
parágrafo e apresenta modelos de alguns parágrafos introdutórios. O tópico de língua
padrão concentra-se em alguns casos de regência e de concordância como os
apresentados no quadro acima.
Uma observação: após o capítulo 9, as unidades são maiores em número de
páginas que as anteriores porque passam a apresentar não só os tópicos de língua
padrão, iniciados no capítulo oito, mas também exercícios de fixação desses itens
gramaticais. Cabe também observar que, com exceção dos capítulos 1, 2 e 6 (vigésima
edição) e capítulo 1 (primeira edição), até o capítulo 8 não aparecia menção à palavra
238
gênero da linguagem. Apesar de todos os textos apresentados até aqui explorarem as
características e especificidade de cada gênero, não houve menção ao termo, conforme
comentado quando descrevemos o capítulo oito da vigésima edição. O Roteiro de
leitura do Texto 5 retoma o sintagma nominal gênero da linguagem.
Do mesmo modo como acontece nos capítulos 4 e 5, o autor interage com seu
leitor na introdução representando-o pelo pronome de segunda pessoa, “você”.
Com certeza você já tem uma boa noção do que seja parágrafo. Para
tanto, bastou a leitura de alguns bons textos de informação, com
roteiros de análise – e, mais, naturalmente, a experiência que você tem
como praticante da leitura e da escrita ao longo dos anos (2011, p.
168, grifos nossos).
Mais uma vez, o enunciador conta com uma certeza de que, a partir daquilo a
que foi exposto em PTEU, o aluno já entenda melhor a questão do parágrafo,
pressupondo um processo mental do aluno. Considera também a experiência de falante
da língua que já teve contato com textos escritos e orais em sua vida. Nesse trecho, o
autor exalta seu trabalho com a linguagem do livro, pois reconhece ter escolhido textos
bons e adequados ao assunto, além de produzir esquemas adequados de acesso aos
textos e àquilo que pretendia ensinar.
Vejamos como se inicia o capítulo 10 em ambas as edições:
1ª: No capítulo V você respondeu, intuitivamente, a duas perguntas: o
que é parágrafo e para que ele serve. Para tanto, bastou a leitura de
um bom texto de informação, com um roteiro de análise – mais,
naturalmente, a experiência que já temos como praticantes da
leitura e da escrita (1992, p. 133, itálico do autor).
20ª: Com certeza você já tem uma boa noção do que seja parágrafo.
Para tanto, bastou a leitura de alguns bons textos de informação,
com roteiros de análise – e mais, naturalmente, a experiência que
você tem como praticante da leitura e da escrita ao longo dos anos
(2011, p. 169, itálico do autor).
Apesar de o conteúdo ser o mesmo, a maneira como o autor se dirige ao
destinatário muda, assumindo que o aluno já saiba o que é um parágrafo por ter
estudado o assunto nos capítulos anteriores. Na vigésima edição, o papel do autor
desloca-se de falante da língua, assim como o leitor, e dirige-se somente a seu
interlocutor, considerando a sua experiência como falante. O hábito de pressupor
características e conhecimentos desse leitor fica evidente quando apresenta o item
gramatical crase: “A essa altura da vida, você já decorou mil vezes que a crase é o
239
encontro da preposição a com o artigo a...” (2011, p. 184). Nesse caso, o autor
demonstra conhecimento de práticas comuns em sala de aula para o ensino do tópico.
Os acréscimos de textos na vigésima edição também ficam evidentes. O autor
usa, em ambas as edições, um trecho de Marxismo e filosofia da linguagem (1981, p.
141) e destaca, em itálico, as informações extraídas do texto: “ajustamento às reações
previstas do ouvinte e do leitor”, seleção e organização de informações, “parágrafos”,
noção “visual”, “suspensão” de uma sequência de linhas, criação de significado.
O texto 3 utilizado é diferente nas duas edições. Na primeira, é um texto sem
titulo extraído do Suplemento Folhateen, da Folha de S. Paulo e, na vigésima, também é
desse mesmo jornal, porém não há a indicação do caderno. No entanto, ambos são
textos jornalísticos, reportagens. O Roteiro de leitura de ambos explora a paragrafação,
a diferença entre um texto publicitário e um informativo, a coesão estabelecida entre os
parágrafos, a que o autor se refere como “costura”. A vigésima edição acrescenta duas
questões, uma sobre o número de parágrafos ter sido ou não suficiente e outra sobre o
fato de um texto jornalístico ser “pouco durável” se deveria ter uma estrutura
diferenciada.
O texto 5 é um trecho do livro de Teixeira Coelho, O que é utopia ( p.173) e
ambas as edições o utilizaram, assim como as questões do roteiro de leitura.
240
Figura 24: Capítulo 10- Roteiro de leitura ao texto O que é Utopia (2011, p. 174).
Observemos alguns trechos das explicações do autor:
1ª: 1. O texto lido é o início de um ensaio, gênero da linguagem que
podemos definir como um estudo sobre um determinado assunto –
no caso, o conceito de utopia. Tomando o trecho acima como
exemplo, quais as características da linguagem ensaística? Em que
ela difere da linguagem jornalística?
[...]
3. Para encerrar: por que o ensaio parece ser mais exigente
quanto à noção de parágrafo que outros gêneros da
linguagem?(1992, p. 140, itálico do autor).
20ª: 1. O texto lido é o início de um ensaio, gênero da linguagem
que podemos definir genericamente como uma reflexão sobre um
determinado assunto – no caso, o conceito de utopia. Tomando o
trecho acima como exemplo, quais as características da linguagem
ensaística? Em que ela difere da linguagem jornalística?
3. Para encerrar: por que o ensaio parece ser mais exigente
quanto à noção de parágrafo que outros gêneros da linguagem?
(2011, p. 174, itálico do autor).
241
A palavra “ensaio” é destacada em itálico, há o acréscimo da palavra
“genericamente” e “um estudo” (primeira edição) passa a ser “reflexão”. Não houve em
outros capítulos, no estudo dos parágrafos dos textos, qualquer menção à relação
parágrafo-gênero e, duvidamos que o aluno possa responder a essa pergunta, mesmo
tendo estudado reportagem, notícia, redação escolar...
Na ATIVIDADE II, a primeira edição recomenda a leitura de um texto (p. 140-
141) e a Atividade 3 da vigésima, de um parágrafo do texto Arqueologia machadiana do
Rio de Janeiro, de Marcello Rollemberg (p. 175). A primeira edição alerta para um
“tipo específico de parágrafo” e a vigésima, um “recurso específico de paragrafação”.
Em seguida, ambas comentam a leitura:
1ª: 1. Observe que cada um dos parágrafos é introduzido por uma
oração que apresenta o assunto que se segue. Releia:
a) Com a cabeça raspada e de uniforme azul-marinho, Yuri
Churbanov, ex-vice-ministro e ex-genro do poderoso secretário-geral
do Partido Comunista Leonid Brejnev – que durante dezoito anos
acumulou poderes absolutos na União Soviética – guarda pouca
semelhança com o réu que em 1988 enfrentou com olhar altivo,
durante cinco dias, os juízes do Supremo Tribunal.
Observe que as duas orações seguintes “desdobram” as informações
já adiantadas na primeira:
- Churbanov está preso numa colônia penal, sob rotina árdua, diferente
da anterior;
- Contraste entre os 100 rublos e o 650.000.
Aliás a própria ideia de contraste já estava presente na primeira
oração; as orações seguintes o demonstram.
Este tipo de parágrafo, introduzido por uma espécie de oração-síntese
– que podemos chamar de “frase-guia” -, é muito frequente,
particularmente nos textos jornalísticos (de informação e de opinião) e
nos textos de natureza científica (ensaios, por exemplo.) A frase-guia
“avisa” o leitor do assunto do parágrafo, facilitando a leitura e
organizando o texto. Por essa razão, é interessante que dominemos
bem tal recurso.
Vejamos outro exemplo, agora de um texto de opinião. Observe, em
cada parágrafo, como a primeira oração anuncia o que se segue
(1992, p. 141-142, itálicos do autor).
20ª: Este é o início de um texto longo que apresenta ao leitor um livro
de arte contendo fotos do Rio de Janeiro [as fotos não aparecem no
livro] do tempo de Machado de Assis. Antes de mais nada, preste
atenção na primeira frase do parágrafo: Toda cidade tem seu
cronista por excelência, aquele que melhor a define e caracteriza, de
forma explícita ou não. Observe a estratégia do autor: para chegar ao
Rio de Machado de Assis, ele universaliza a ideia de que as grande
(sic) cidades sempre têm os seus cronistas. A primeira frase anuncia
o tema do parágrafo; as frases seguintes, demonstram o que se disse –
242
Londres e Dickens, Kafka e Praga etc. Ao final, aparecem o Rio de
Janeiro e Machado de Assis. E o parágrafo se fecha com o assunto do
texto propriamente dito; o livro Rio de Assis, que será resenhado nos
parágrafos seguintes. O tema do artigo foi valorizado pela comparação
internacional proposta na primeira frase e pela ideia implícita de que
Machado é a nossa grande referência literária.
Estamos diante de um texto especializado de uma revista de cultura.
Não se trata de uma informação jornalística direta, em que “não se
perde tempo” com introduções. Mas o recurso da “frase-guia”, que
veremos em seguida, funciona em qualquer gênero e é sempre útil.
Para conferir se é assim mesmo, leia o texto seguinte (2011, p. 175,
itálicos do autor).
As duas edições começam a discussão sobre os textos solicitando ao leitor que
observe o tópico frasal do parágrafo, no entanto a primeira traz “oração” e a vigésima,
“frase” para descrever o primeiro período dos textos. Ambas referem-se a esse período
inicial do parágrafo como frase-guia. Observemos os verbos utilizados para explicar a
função da frase-guia e dos períodos restantes do texto: primeira edição: “apresenta”,
“desdobram”, “avisa”; vigésima edição: “anuncia”, “demonstram”. Após essa
explicação, o autor afirma que a frase-guia aplica-se a qualquer gênero e pede que o
aluno confira isso lendo o próximo texto: Primeira edição: “Leia agora alguns
parágrafos de introdução de texto.”; Vigésima edição: “Para conferir se é assim mesmo,
leia o texto seguinte”. Esse último em tom modalizado e menos assertivo (autoritário).
A mudança lexical de “tipo de parágrafo” para “recurso de paragrafação” indica
um movimento do autor em manter-se coerente à ressalva feita no início do capítulo de
que não há aquilo que se nomeia de um parágrafo padrão. “Tipo” pode conduzir o aluno
à crença de que há modelos a serem seguidos para um início de texto que atraia a
atenção do leitor, guiando sua compreensão do assunto do texto. A escolha da palavra
“recurso” parece-nos mais adequada à proposta do livro em oferecer um roteiro de
trabalho ao aluno e não um “manual de definições acabadas” (2011, p. 7).
O exercício seguinte em ambas as edições é o desenvolvimento de um parágrafo,
utilizando as cinco frases-guia fornecidas pelo autor.
A ATIVIDADE III e Atividade 4 direcionam o aluno a ler os textos seguintes:
primeira: “Leia agora alguns parágrafos de introdução de texto”.; vigésima: “Analise os
exemplos apresentados e faça os exercícios correspondentes”.
O texto-exemplo 3 utilizado em ambas as edições é trecho de um jornal do curso
de Comunicação Social da UFPR e o exercício que o sucede lembra ao aluno que
“devemos desconfiar das receitas infalíveis”, pois esse texto inicia-se com uma
243
pergunta, ou seja, de maneira totalmente contrária ao que foi apresentado antes. O aluno
deve seguir esse exemplo para produzir seu texto.
Todos os textos destinados a ensinar a escrever “chamadas” de jornal foram
retirados de jornais de grande circulação (Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo)
sobre assuntos do cotidiano da época. O Exemplo 2 (primeira edição) apresenta um
texto favorável ao consumo de cerveja e na vigésima, divulga um remédio que pode
ajudar quem quer parar de beber.
No tópico Língua Padrão, a ênfase é dada à regência de verbos + que; crase e
concordância verbal em orações iniciadas por verbos. Os textos mantiveram-se na
vigésima edição, mas houve acréscimos. No trecho destinado à regência:
[...] Esse fenômeno chama-se regência, que certamente você já
estudou (e provavelmente tentou decorar caso a caso...). Isto é,
palavras e expressões da língua exigem certas preposições (de, para,
com, a...). Na nossa linguagem diária, não costumamos ter problemas
de regência. Veja que, naturalmente, nós dizemos frases como Eu
gosto dela (e não “eu gosto a ela”), Encontrei com o Fulano (e não
“encontrei de Fulano”), Fui para São Paulo ((e não “fui com São
Paulo”), Torci contra o time dele (e não “torci do time dele”), Sou
favorável a essa lei (e não “sou favorável com essa lei”) etc.
Os problemas de regência começam a aparecer e a nos tirar o sono em
uma situação muito específica: na passagem da linguagem oral para o
padrão escrito. Isso porque se, na ordem direta, em geral o padrão
oral é o mesmo do escrito (como vimos acima), nas orações com a
palavra que a escrita conserva a preposição, enquanto a linguagem
oral costuma suprimi-la. Compare:
Eu gosto dela. A pessoa que eu gosto é ela. (oralidade)
Eu gosto dela. A pessoa de que eu gosto é ela. (padrão escrito)
Sou favorável a essa lei. A lei eu sou favorável é essa. (oralidade)
Sou favorável a essa lei. A lei a que sou favorável é essa. (padrão
escrito) (2011, p. 183, grifos do autor).
À crase:
A essa altura da vida escolar, você já decorou mil vezes que a crase é
p encontro da preposição a com o artigo a... Bem, lembre-se mais uma
vez de que o emprego ou não do acento gráfico indicativo da crase (`)
é apenas uma questão de regência. Perguntas: o antecedente exige a
preposição a? o artigo também está presente? Para sentir o encontro
da preposição a com o artigo – a(s) ou o(s) – Reescreva as frases
abaixo, substituindo as palavras sublinhadas pelas palavras em
parênteses (2011, p. 184, grifos do autor).
O encaminhamento à atividade “Reescreva as frases abaixo, substituindo as
palavras sublinhadas pelas palavras em parênteses” está presente na primeira edição
244
também. Aqui, novamente aparece a ideia de que o estudo da língua passa pelos
sentidos: “Para sentir o encontro da preposição [...]”.
A parte destinada a apresentar a concordância mantém-se quase a mesma e as
dez “frases” utilizadas no exercício mantêm-se. Há uma explicação de que na
linguagem oral é muito comum que os verbos que antecedem os sujeitos das orações
não concordem com esse sujeito, mas que na escrita, esse é um “erro grave!” e
acrescenta: “Ou seja, essa é uma área da gramática normativa em que a diferença é
bastante vigiada” (2011, p.185). O ponto de exclamação alerta o leitor para a
concordância, uma importante característica da língua escrita.
Com o estudo desse capítulo destinado a ensinar parágrafos introdutórios,
podemos depreender a noção de que a escrita deve ser planejada e dividida em
parágrafos que seguem a intuição que o autor de um texto tem acerca da progressão das
ideias e dos fatos que pretende abordar. O autor ressalta a necessidade de aquele que
escreve ajustar seu texto às reações do seu leitor presumido, seja de um texto
informativo ou um ensaio em que, além do cuidado normal com a progressão das ideias,
há que se atentar à sequência argumentativa. A observância à presença do leitor do texto
já no momento de sua construção justifica o uso da frase-guia, oração inicial do
parágrafo destinada a anunciar o assunto do texto. Além dessa função, a frase-guia serve
para orientar o escritor de modo a não se desviar da proposta do texto.
Os capítulos 9 (primeira) e 11 (vigésima edição) retomam a temática dos
gêneros, abordando agora o texto argumentativo. O quadro seguinte apresenta as seções
e os textos utilizados em ambas as edições.
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 9 ONZE
Título ARGUMENTAN
DO - I
Título TEXTO DE OPINIÃO - I
Seções
Subseções
ATIVIDADE I
Atividade 1 O texto de opinião
Texto 1 EU QUERO FÉRIAS,
Ana Alice dos Santos
Machado (Veja, 28 de
Texto 1 POR QUE A ESCOLA NÃO
SERVE PRA (QUASE) NADA,
Gustavo Ioschpe (Folha de S.
245
novembro de 1990, p.
114)
Paulo – Folhateen, 1∕ 5∕ 2000)
Roteiro de
leitura
[Exercício dividido em
dez itens de análise
quanto à tese
defendidas pelo autor,
os argumentos
apresentados, a frase-
guia, o destinatário e
as relações lógicas]
Roteiro de
leitura
[Exercício dividido em sete
itens de análise quanto à tese
defendidas pelo autor, os
argumentos apresentados, a
frase-guia, o destinatário e as
relações lógicas]
ATIVIDADE II [discute o ensino de
português que tende a
apresentar receitas,
técnicas para a escrita
dos textos de opinião]
Atividade 2 Leitura comparada
[texto de temática semelhante
ao anterior]
Texto 2 PROBLEMAS DE
ARGUMENTAÇÃO
NA REDAÇÃO
ESCOLAR, Alcir
Pécora (Extraído de
Leitura em crise na
escola: as alternativas
do professor. Porto
Alegre, Mercado
Aberto, 1982, p. 155)
Texto 2
QUE VENHA A TURMA
DOS BANCOS DO FUNDO,
Roberto Pompeu de Toledo
(Veja, ed. 1632)
Exercício- Comparação entre
os textos 1 e 2 quanto à
“intenção, linguagem, perfil do
leitor, argumentação, humor,
ironia...”
Roteiro de
leitura
[destaque às
características de um
texto de natureza
acadêmica]
ATIVIDADE III [crítica à redação
escolar que pretende
ser a única correta e
não apresenta opinião]
Atividade 3 Domínio de linguagem e visão
de mundo
(discute o ensino de português
que tende a apresentar
receitas, técnicas para a escrita
dos textos de opinião)
Texto 3 DESCOBRI
MENTO DO LIVRO
(Editorial de O Globo.
28∕1∕1991)
Texto 3 PROBLEMAS DE
ARGUMENTAÇÃO NA
REDAÇÃO ESCOLAR, Alcir
Pécora (Leitura em crise na
escola: as alternativas do
professor, p. 155)
Roteiro de
leitura
[questões sobre
unidade temática e
estrutural, argumentos
e intenção com que o
texto foi escrito]
Roteiro de
leitura
[destaque às características de
um texto de natureza
acadêmica]
246
ATIVIDADE IV [análise da
argumentação do texto
a seguir]
Atividade 4 Informação e opinião
Intenção, informação e
opinião
[explora a necessidade de
informação para produzir
argumentação coerente]
Texto 4 EFEITO DA TV
SOBRE AS
CRIANÇAS É
CRIANÇAS É
LIMITADO, Carlos
Eduardo Lins e Silva
(Folha de S. Paulo.
3∕2∕91, p. F-4)
Texto 4 BOLSA-PASSADEIRA, Sandra
Brasil (Veja, ed. 1624, p. 48)
Exercício [destacar no texto lido trechos
de informação e outros de
opinião]
Roteiro de
leitura
[questões sobre
unidade temática e
estrutural, destinatário,
confiabilidade das
informações,
argumentos,
argumento de
autoridade, pontos de
vista e de análise da
qualidade da escrita]
PRÁTICA DE
TEXTO
[proposta de escrita de
texto opinativo sobre a
televisão]
Atividade 5
Leitura crítica
[questões sobre unidade
temática e estrutural,
destinatário, confiabilidade das
informações, argumentos,
argumento de autoridade,
pontos de vista e de análise da
qualidade da escrita]
Texto 5 TEVÊ DEMAISAMEAÇA A
SAÚDE DOS BAIXINHOS,
(Revista Crescer, ed. 79, p. 86)
Texto 6
DESENHOS PODEM
AJUDAR A APRENDER,
Marta Avancini (Folha de S.
Paulo, 18∕07∕1999
Texto 7 EM ESTADO DE CHOQUE,
Carlos Alberto Di Franco
247
(O Estado de S. Paulo, 26∕ 4∕
1999)
Texto 8 INFLUÊNCIA DOS JOGOS
PERDE PARA A VIOLÊNCIA
DA TV, Fábio Madrigal
Barreto
Prática de
Texto
[proposta de escrita de texto
opinativo sobre a televisão]
LÍNGUA
PADRÃO
Pontuação Língua
padrão
Pontuação
Quadro 20: Seções e subseções dos capítulos 9 (1ª edição) e 11 (20ª).
Os capítulos 9 (1992) e 11 (2011) diferenciam-se dos anteriores ao discutir
aspectos relacionados aos textos que expressam a opinião do autor, não somente
transmitem informações. A distinção entre opinião e informação fica mais clara neste
capítulo, apesar de o autor destacar nos capítulos anteriores que a informação pura e
praticamente impossível de existir, pois a partir do momento que o autor escolheu
determinado assunto para abordar, já houve um posicionamento.
Ao contrário do texto informativo, no texto opinativo a informação deve estar
presente, mas a serviço da construção argumentativa do autor em posicionar-se a
respeito de determinado assunto de forma a convencer o interlocutor, antecipando suas
reações e conhecimento de mundo. Para tanto, o emprego de relatores como “mas”,
“assim”, “no entanto”, “desse modo” entre outros é significativo para o estabelecimento
das relações lógicas.
Apesar de o Texto 1 ser diferente nas duas edições, o Roteiro de leitura
apresenta-se com o mesmo conteúdo, a vigésima edição difere quando acrescenta
trechos de explicação e os divide em itens. O autor sugere ao aluno uma análise texto
por meio das seguintes perguntas: primeira edição: 1. Qual a tese defendida pelo texto?
vigésima edição: 1. Antes de mais nada: Qual a tese defendida pelo texto?
O autor “conversa” mais com o leitor, faz mais inserções: “Antes de mais nada”.
1ª: 2. Que argumentos foram apresentados em defesa da tese? Faça
uma lista desses argumentos (1992, p. 153); vigésima edição: 2. Que
argumentos foram apresentados em defesa dessa tese? Lembre-se: a
classificação do que lemos como texto de opinião tem objetivo
didático, mas obviamente não é absoluta (ou um texto de opinião só
teria opinião!). O texto de opinião se fundamenta em informações, ou
prévias (não preciso repetir o que sei que meu leitor já sabe) ou de
apoio (apresento informações que situam o leitor num mundo concreto
248
e informações que servem como provas da tese que defendo).
Localize, no texto lido, informações de apoio que situam o leitor e
informações que comprovam – ou buscam comprovar – a opinião
emitida (2011, p. 188).
A segunda pergunta vem plena de contextualizações e exemplos. O estilo
didático: “lembre-se”, o uso dos textos explicativos em parênteses e a presença do autor
no uso das exclamações. Após a explicação, há o encaminhamento à tarefa,
diferentemente da primeira edição que apenas direciona para o exercício. O item 3
mantém-se o mesmo nas duas edições. Apresentamos as diferenças para o item 4:
1ª: 4. Vamos relembrar uma citação de Bakhtin: [sobre a inexistência
de interlocutor abstrato- sem indicação de fonte]. O texto de opinião
que lemos revela um universo social bastante claro, com uma visão de
mundo, isto é, um sistema de valores que se apresenta sem disfarces.
Isso é inevitável: quem fala, se revela – as palavras vivas de todo dia
não vêm de um dicionário indiferente numa estante, mas de pessoas
reais que têm uma idade, uma situação social, um interesse, um pronto
de vista, uma geografia, uma moralidade... enfim, toda aquela rede
complexa de confluências culturais e sociais que é parte integrante do
indivíduo. No texto acima [ Bakhtin], em que momentos este universo
e esta visão de mundo aparecem¿ (Atenção: não se trata, aqui, por
enquanto, de “condenar” ou “elogiar” tal universo, mas tão- somente
localizá-lo. O bom leitor é sempre um “detetive”!) (1992, p. 154).
20ª: 4. A quem se dirige o texto que lemos? Antes de responder, releia
esta citação de Bakhtin: [sobre a inexistência de interlocutor
abstrato- sem indicação de fonte]. Um texto de jornal dirige-se a
quem, especificamente? A ninguém em especial, é claro; dirige-se, por
princípio, a todos os leitores. A qualquer leitor ou a um grupo
delimitado de leitores? Ora, é impossível se dirigir a todas as pessoas
ao mesmo tempo – como diz Bakhtin, não teríamos essa linguagem
universal. Na verdade, cada palavra que dizemos ou escrevemos
revela quem somos e a quem nos dirigimos, concretamente. Os
profissionais da palavra – jornalistas, publicitários, por exemplo –
sabem muito bem disso: existem textos para jovens, velhos, mulheres,
crianças, e, em cada caso, para interesses específicos (econômicos,
culturais, esportivos...), nível de escolaridade (superior,
fundamental...), classe econômica (salário até 200 reais, de 201 a
500...). Enfim: basta observar uma banca de jornal e perceber como é
multifacetado o universo da palavra escrita. A cada um, a sua
linguagem – essa parece a regra prática da escrita...
Pois bem: faça um perfil do leitor do texto 1. Como um detetive,
descubra pela linguagem do texto quem é ele (2011, p. 188-189, grifos
do autor).
Comparando as duas formulações acima, percebe-se que na vigésima edição o
autor optou por lançar um questionamento antes de sugerir a leitura de um trecho de
249
Bakhtin. O foco do questionamento recai sobre as características dos destinatários de
um texto de opinião ao contrário da primeira edição em que o autor foca nas diferentes
visões de mundo dos sujeitos leitores e produtores de texto. “Um texto de jornal”
especifica o tipo de texto e o veículo, dando mais especificidade ao texto de opinião que
pode aparecer em outros canais de comunicação.
São evidentes as marcas de oralidade, demonstrando uma conversa entre autor e
leitor nessa vigésima edição. Acima tivemos “Antes de mais nada” e agora “Pois bem”.
O autor escolheu abordar o destinatário de uma produção textual, mas na vigésima
edição enriquece o texto com detalhes sobre quem pode ser esse interlocutor e quais
suas características individuais. A metáfora do detetive aparece novamente e na
vigésima edição, o autor não sugere mais que o leitor seja um detetive, ele já o
considera assim.
O capítulo continua detendo-se nos relatores adversativos utilizados em ambos
os textos e descreve-os como característicos do texto de opinião, além de “mas” e
“afinal”, o texto da vigésima edição acrescenta os relatores: “no entanto”, porém e “só
que”,; introduz os relatores que podem ajudar a concluir o texto (ausente da primeira
edição) “assim”, “desse modo”, “como vemos”, “considerando esses fatos”, “em
consequência disso”.
O item 10 (primeira edição) e 7 (vigésima) apresentam um exercício de múltipla
escolha a respeito do texto lido (Texto 1) inserindo relatores nos itens:
1ª e 20ª: a) Concordo com a tese, mas a argumentação foi péssima.
b) Não concordo com a tese, mas reconheço que a argumentação
foi boa.
c) Concordo com a tese, e a argumentação foi boa. [...] (1992, p.
155; 2011, p. 189).
Para iniciar o exercício, o autor traz o seu leitor presumido, o aluno universitário
que frequentou um curso preparatório para entrar na universidade: “Para matar a
saudade do cursinho, vai aí um teste de múltipla escolha. Assinale a resposta certa, a
respeito do texto lido. E lembre-se: a opinião é um problema seu!” (1992, p. 155; 2011,
p. 189). Se formos considerar o contexto de circulação de PTEU atualmente, esse
interlocutor não está bem caracterizado, pois o aluno da maior parte das universidades
privadas não frequenta cursinho.
250
Além da definição do interlocutor, a interação continua se estabelecendo em
tom de conversa, com expressões como “vai aí”, “é um problema seu!”, além da
exclamação.
Muito comum nesse exercício também é o uso das reticências:
[...] existem textos para jovens, velhos, mulheres, crianças, e, em cada
caso, para interesses específicos (econômicos, culturais, esportivos...),
nível de escolaridade (superior, fundamental...), classes econômica
(salário até 200 reais, de 201 a 500...) [...]. Por que tais relatores (mas,
no entanto, porém, só que...) [...] (assim, desse modo, como vemos,
considerando esses fatos, em consequência disso...) (2011, p. 188-
189, grifos do autor).
Ausentes na primeira edição, as reticências, recurso bem visível no trecho acima,
sugerem que não há apenas os modelos apresentados pelo autor, mas outros que o leitor
pode identificar e aplicar conforme seu conhecimento e∕ou vontade.
Em seguida, a ATIVIDADE II e Roteiro de leitura (1992) e Atividade 3,
Atividade 4 e Roteiro de leitura (2011) focam na especificidade do trabalho do autor de
um texto argumentativo ou de opinião como “uma das áreas mais delicadas do ensino
de português” (p. 155; p. 191). A dificuldade consiste em resistir à tentação de
“classificar, fazer esquemas, levantar ‘macetes’ que deem conta do problema”,
problema esse que envolve o domínio das regras da língua padrão e a opinião daquele
que escreve.
É uma questão complicada, por que a técnica não existe em si: quem
escreve, escreve alguma coisa; e a opinião se articula sempre como
linguagem. Mexer numa coisa é ao mesmo tempo mexer na outra. Foi
assim que, como vimos nos capítulos anteriores, no esforço de levar o
aluno a dominar a língua padrão, a escola levou junto, grátis, um
modelo completo de formas e fórmulas acabadas chamado “redação
escolar”. Em busca da opinião “certa” – aquela que vale nota e que
quase nunca é a nossa! – acabamos sem opinião alguma... (1992, p.
156; 2011, p. 191).
A crítica feita aos modelos de escrita instituídos pela redação escolar retoma o
discutido no capítulo 6 (2011, p. 94), no item Problemas de redação e no capítulo 4
(1992, p. 68) que classificam esse tipo de escrita como um texto de baixa
representatividade, produzido em ambiente competitivo e revelador das técnicas
aprendidas na escola referentes à imagem que se tem de um texto bem escrito.
Nestes capítulos 9 (1992) e 11 (2011), o autor acrescenta que esse tipo de
redação que segue regras específicas é resultado de um modelo inútil, limitador da visão
251
de mundo do escritor. Apesar de ser o gênero argumentativo o mais praticado ao longo
da vida, é preciso aprofundar as questões que envolvem o opinar.
Para tanto, o autor apresenta um texto de natureza acadêmica (Problemas de
argumentação na redação escolar), destaca o seu público especializado e explora o
processo de escrita desse tipo de texto que difere de um texto de opinião mais
corriqueiro, encontrado em jornais e revistas. Aquele é um texto que expressa
claramente uma opinião pessoal fortemente embasada em informações concretas,
demonstrando a voz do seu autor em vez da repetição de “vozes já congeladas” que
manifestam preconceitos, lugares-comuns, clichês e chavões da linguagem.
As atividades e textos que se seguem no capítulo dedicam-se à exploração da
compreensão leitora, enfatizando unidade temática, unidade estrutural, destinatário,
opiniões e informações apresentadas com o intuito de verificar o entendimento do aluno
em relação aos aspectos apresentados anteriormente sobre a escrita de um bom texto.
Neste caso, os sinais de pontuação são apresentados como aqueles que
“cumprem a tarefa ingrata – e difícil! – de representar graficamente os recursos
entonacionais da linguagem oral” (1992, p. 168; 2011, p. 208). A explicação poderia ser
considerada insuficiente e até incorreta (cf. Dahlet, 2006), mas, em seguida, o autor
acrescenta que a tarefa acima é impossível dada a “riqueza da linguagem oral”.
A pontuação é, portanto, uma convenção redutora, que não se destina
simplesmente a imitar a fala, mas a ordenar a escrita de acordo com
um código padrão específico do texto escrito. Eventualmente esse
código até contraria a entonação da fala. Um exemplo? Leia:
1. Os acontecimentos dos últimos meses no Golfo Pérsico
trouxeram à tona um problema que atinge a própria essência da
democracia americana (1992, p. 168; 2011, p. 208, grifos do autor).
O exemplo dado serve para indicar ao aluno que, apesar de na leitura em voz
alta, sentirmos a necessidade de pontuar após Pérsico, a norma prescreve a ausência da
vírgula entre sujeito e predicado. Na sequência, são apresentadas as regras de pontuação
para as orações restritivas e explicativas, com orações que trazem modelos da regra
discutida. No final do capítulo, o autor apresenta cinco frases ao aluno e sugere que ele
insira orações explicativas ou restritivas, observando a pontuação de cada caso: “1. Os
aposentados não conseguiram o aumento pretendido”. Para tanto, apresenta um modelo:
“A viagem acontece dentro de um domo de 20 metros de diâmetro./ A viagem, que
252
parece roteiro de ficção científica, acontece dentro de um domo de 20 metros de
diâmetro (2011, p. 210, grifo do autor).
O exercício, presente apenas na última edição, propõe uma prática de escrita, ao
sugerir que o aluno crie um aposto ao sujeito. A edição inova com esse exercício, pois a
primeira edição, apenas sugere que o aluno insira vírgulas em frases previamente
apresentadas. Não há comentários posteriores sobre o posicionamento das vírgulas e a
necessidade ou não de colocá-las. Imaginamos que essas situações corroboram o gênero
livro didático que pressupõe um uso em sala de aula com o acompanhamento de um
professor.
Os capítulos seguintes continuam a discussão acerca dos gêneros de opinião.
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 10 DOZE
Título ARGUMENTAN
DO - II
Título TEXTO DE OPINIÃO - II
Seções
Subseções
ATIVIDADE I
[apresentação de
um parágrafo
eivado de clichês]
Atividade 1 O lugar comum
[apresentação de um
parágrafo eivado de clichês]
Reconhecendo o lugar comum
Texto 1 O CONTO DA
CRISE MORAL,
Elio Gaspari (Veja,
Ed. 1208, p. 21)
Texto 1 O CONTO DA CRISE
MORAL, Elio Gaspari (Veja,
ed. 1208, p. 21)
Roteiro de
leitura
[Exercício dividido
em seis itens de
análise quanto ao
objetivo do texto, a
paragrafação, o
argumento central,
delimitação do
tema, tom
agressivo, tese do
autor]
Roteiro de
leitura
[Exercício dividido em seis
itens de análise quanto ao
objetivo do texto, a
paragrafação, o argumento
central, delimitação do tema,
tom agressivo, tese do autor]
ATIVIDADE II [discute a ironia
aliada ao tom
agressivo utilizado
em um texto como
Atividade 2 A ironia
[discute a ironia aliada ao tom
agressivo utilizado em um
texto como recurso
253
recurso
argumentativo ]
argumentativo ]
Texto 2 A PIADA DO
SEPARATISMO, Roberto Pompeu de
Toledo (Veja, Ed.
1214, p.94)
Texto 2
A PIADA DO
SEPARATISMO, Roberto
Pompeu de Toledo (Veja, ed.
1214, p.94)
Roteiro de
leitura
[destaque à
sequência
argumentativa do
texto que faz uso da
ironia como
recurso]
[destaque à sequência
argumentativa do texto que faz
uso da ironia como recurso]
PRÁTICA DE
TEXTO I
[reconhecimento do
lugar comum,
chavão]
PRÁTICA DE
TEXTO
[reconhecimento do lugar
comum, chavão]
ATIVIDADE III [apresenta o texto
como de natureza
informativa]
Atividade 3 As imagens sociais
[discute a construção das
imagens sociais: atividade
política, vida familiar, escola]
A construção das imagens
[peso avaliativo sobre os
dados do cotidiano]
Texto 3 SOCIEDADE DOS
POETAS VIVOS,
Laura Greenhalg
(ELLE, agosto∕90,
p. 35)
Texto 3 A FAMÍLIA BRASILEIRA,
Carlos Heitor Cony (Folha de
S. Paulo, 29∕ 11∕ 1997)
O poder da imprensa
[a construção das imagens
sociais pelos meios de
comunicação]
Texto 4 SOCIEDADE DOS POETAS
VIVOS, Laura Greenhalg
(ELLE, agosto∕90, p. 35)
Texto 5 GERAÇÃO 90: POR UM
POUCO DE TRAUMA,
Gustavo Ioschpe (Folha de S.
Paulo, 20∕9∕1999)
Texto 6
RELACIONAMENTOS
VIRTUAIS FAZEM SUCESSO,
Adriana Dias Lopes (Revista
Galileu, edição 108)
Roteiro de
leitura
[questões sobre a
diferenciação entre
texto de opinião e
informativo]
Texto 7 UM CINTURÃO, Graciliano
Ramos (Infância, p. 29-33)
Texto 8 Informação publicitária
PRÁTICA DE [proposta de Prática de texto [proposta de produção de um
254
TEXTO II
produção de um
texto opinativo]
texto opinativo]
ATIVIDADE IV [apresenta o texto
que se segue e um
esquema de leitura]
Atividade 4 O texto polêmico
[introduz os textos que se
seguem. O primeiro, de
opinião e o segundo,
polêmico)
Texto 4 CIRURGIAS
CLANDESTINAS
CHEGAM A 5
MILHÕES, (Folha
de S. Paulo, 2∕7∕89)
Texto 9 BIOLOGIA E CULTURA,
Ariano Suassuna (Revista
Bravo!, ed .33)
Texto 5 FORA DO
TEMPO E DA
ÉTICA,
(IstoÉ∕Senhor,
1∕8∕90, p. 22)
Texto 10 PRECONCEITO DA MODA,
Olavo de Carvalho (Revista
Bravo!, ed. 37)
Texto 6
O ABORTO EM
DEBATE, Luiza
Nagib Eluf (Folha
de S. Paulo, s∕d)
Roteiro de
leitura
[ proposta de resumo das teses
centrais dos autores dos textos
9 e 10]
Texto 7 ABORTO JÁ,
Carlo Alberto Di
Franco (O Estado
de S. Paulo, 16∕ 3∕
1991, p. 2)
Prática de texto [proposta de produção de um
texto polêmico]
PRÁTICA DE
TEXTO III
[opinar sobre a
questão do aborto] Língua Padrão Pontuação
[emprego da vírgula entre as
informações básicas e
complementares]
PRÁTICA DE
TEXTO IV
[escrever sobre as
pesquisas de
opinião a partir do
texto que se segue]
Texto 8 CERTEZA NOS
ERROS DAS
PESQUISAS,
Francisco José de
Toledo
(IstoÉ∕Senhor,
24∕10∕90)
LÍNGUA
PADRÃO
Pontuação
[emprego da
vírgula entre as
informações
básicas e
complementares]
Quadro 21: Seções e subseções dos capítulos 10 (1ª edição) e 12 (20ª).
255
Os capítulos 10 (1992) e 12 (2011) objetivam discutir o chavão, a ironia, as
imagens sociais e o texto polêmico. O chavão é caracterizado como uma estratégia de
substituição à reflexão que resulta em uma “repetição mecânica das vozes que falam
mais alto em nossa volta” (2011, p. 212). A ironia é apresentada como um recurso
eficiente de contra-argumentação que leva ao ridículo a argumentação posta ao dizer o
contrário daquilo que se pretende, demonstrando o poder de sentido das palavras, muito
além-dicionário. O autor introduz a construção das imagens sociais como um aspecto de
criação de valores ligado às relações humanas que nos “dão algum ponto de partida para
pensar, escrever, agir sobre as coisas e o mundo” (2011, p. 218). A esse último, o autor
discute O poder da imprensa em criar associações valorativas que se tornam comuns e,
apesar de positivas, por serem comuns podem ser um território fértil para os lugares-
comuns. O texto polêmico é apresentado como “um gênero curioso”, pois a
argumentação do seu autor dirige-se ao tema e ao autor que escreveu o texto. O autor
ressalta que como um texto argumentativo, o polêmico não é um bom representante,
mas que a polêmica deve ser considerada um “sinal de vitalidade cultural e um grande
estimulante para o leitor pensar e repensar sobre os temas correntes” (2011, p. 229). Na
primeira edição, as imagens sociais e o texto polêmico não são discutidos em separado
como na vigésima e são apenas sugeridos nas propostas dos roteiros de leitura dos
textos.
A interação no capítulo é estabelecida entre o autor e seu leitor-aluno da mesma
forma com que estamos observando em outros capítulos. A segunda pessoa do singular
“você” para se dirigir ao aluno e a primeira pessoa do plural para designar o autor e o
aluno como falantes de uma mesma língua. O autor atribui ao leitor um processo
mental:
O parágrafo, ou melhor, o conjunto de frases acima – que você deve
ter passado os olhos com a sensação de já tê-lo lido antes [...]. Na
verdade, todos nós dispomos de frases e expressões que se repetem
[...] mesmo porque a procura da originalidade permanente poderia nos
transformar em insuportáveis pedantes... Do mesmo modo, quem de
nós não usa num momento ou outro um dito popular para ilustrar ou
demonstrar um fato qualquer? (2011, p. 211).
Pressupõe uma sensação do leitor de já ter lido o texto, já que as frases feitas
apresentadas, apesar de não circularem todas dispostas em um mesmo texto, estão
presentes nos discursos do cotidiano. Assim como as utiliza normalmente. Para
apresentar o chavão como um fato da língua, o autor identifica-se com o aluno
256
reconhecendo que, como falantes da língua, já o utilizaram e isso não é de todo mal. O
sintagma nominal “insuportáveis pedantes” utilizado reforça essa identificação entre
eles estabelecendo uma característica possível a falantes de uma mesma língua que
tentassem a todo custo evitar problemas de linguagem.
Com o capítulo é dividido em tópicos, cada grupo de textos refere-se a um em
específico. O Texto 1 é usado para verificação da compreensão do discutido sobre
chavão/lugar-comum. A abordagem ao texto é realizada com perguntas para se
identificar o objetivo do texto; observar a paragrafação; os argumentos utilizados pelo
autor, ressaltando, nesse caso, a linguagem agressiva; a delimitação da temática e ainda
questiona se o aluno aceita a tese do autor. “(Último lembrete: não somos obrigados a
concordar com tudo ou discordar de tudo!) (2011, p. 214). Ao Texto 2 sucedem-se três
perguntas a ele relacionadas que exploram o modo como a ironia articula-se e qual seria
a informação prévia envolvida na compreensão. Além disso, questiona-se se o
argumento inicial do autor do texto sustenta-se ao final. Para tanto, sugere que o aluno
observe o movimento argumentativo do autor em cada parágrafo identificando ou não a
presença da ironia. Mais uma vez o aluno é questionado sobre sua concordância ou não
com a argumentação do texto. Os textos 3,4,5,6 e 7, de veículos de imprensa variados,
devem ser lidos a partir de um roteiro de leitura que contempla:
- o ponto de vista (qual o perfil do autor do texto);
- a perspectiva do texto (científica, pessoal, publicitária, jornalística,
literária);
- a relação entre informação e opinião, o peso de uma coisa e outra no
texto (mas observe que, na construção de uma imagem social o texto
informativo é tão funcional quanto o opinativo);
- imagem social criada pelo texto: que tipo de jovem o texto retrata? E
que valor você atribui a essa imagem? é falsa, verdadeira, verossímil?
Essa imagem define todos os jovens? A maior parte? A minoria?
- finalmente, analise a sua relação com a imagem criada pelo texto – é
coincidente? (2011, p. 220, grifos do autor).
A primeira edição propõe o mesmo exercício de análise em torno de quatro
textos com o mesmo assunto: aborto. A vigésima discute juventude em cinco textos. A
esse diferencial se junta outro, já que o roteiro de leitura que precede a leitura dos textos
é diferente entre as edições. A primeira sugere que o aluno
enumere em três colunas os tópicos relevantes para um balanço do tema:
informações (isto é, fatos) / argumentos a favor / argumentos contra. Por
enquanto, não interessa a sua opinião: faça uma leitura “fria”, apenas
separando e classificando argumentos e fatos (1992, p. 183, grifos do autor).
257
Cotejando as duas edições, percebemos, na vigésima, que o autor considerou
importantes, além das informações e dos argumentos, que o aluno analisasse o ponto de
vista e a perspectiva do texto. Esses indícios são levados em consideração para que o
aluno já parta de uma base contextual que o possibilite identificar e compreender as
imagens sociais emergentes do texto. A responsividade do aluno é respeitada ao pedir
que ele estabeleça uma relação entre o valor que dá à juventude, à própria imagem do
assunto e aquela criada pelo texto.
O conhecimento do texto polêmico (ausente na primeira edição) é dado com a
leitura dos textos 9 e 10 e, nesse caso, o roteiro de leitura vem em sequência e não
anteriormente. O autor reforça uma característica comum entre os dois textos cuja
polêmica dirige-se tanto às ideias quanto às pessoas, caracterizando um recurso retórico
que se vale de referências indiretas e contestações. Como exercício de compreensão
(proposto no Roteiro de leitura), o aluno deve identificar a tese central dos dois autores
lidos fazendo um resumo de no máximo 40 palavras e, em seguida, discutir com os
colegas a validade das argumentações e escolher o melhor.
A seção Língua Padrão, assim como no capítulo anterior, apresenta o item
gramatical pontuação por meio da divisão entre informações básicas e complementares
em um período ou parágrafo. Como exercício, apresenta cinco orações às quais o aluno
deve acrescentar duas informações complementares, dividindo-as com vírgula.
Quanto à concepção de escrita do capítulo, percebe-se uma preparação para a
produção de uma resenha, pois o autor explora incialmente o resumo, depois a tese do
autor e solicita a opinião do aluno q lê. O próximo capítulo apresenta as características
discursivas de uma resenha crítica e a nomeia.
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 11 TREZE
Título ARGUMENTA
NDO - III
Título O TEXTO CRÍTICO
Seções
Subseções
ATIVIDADE I
[Discorre sobre a
intencionalidade
instaurada pelo
texto e as múltiplas
linguagens
envolvidas; resenha
Atividade 1 - Todo texto é um ponto de
encontro
- A resenha crítica
- Informação + opinião
[Discorre sobre a
258
crítica] intencionalidade instaurada
pelo texto e as múltiplas
linguagens envolvidas; resenha
crítica]
Texto 1 ‘ESCOLINHA’
CELEBRA A
IGNORANCIA NA
GLOBO, Nelson
Pujol Yamamoto
(Folha de S. Paulo,
6/1/91, p. F-4)
Texto 1 CRÍTICOS ESPORTIVOS E
CRONISTAS DE ARTES,
José Roberto Torero (Folha de
S. Paulo, 21/7/1999)
-Imparcialidade, relatividade e
clareza
-Analisando uma resenha
Roteiro de
leitura
[questões sobre a
intenção da escrita,
o assunto do texto;
unidade temática,
sequência dos
parágrafos,
interlocutor, limite
ético, opinião do
leitor]
Texto 2
AS BODAS DE PRATA DO
MINGAU KITSCH DA
GLOBO, Fernando de Barros e
Silva (Folha de S. Paulo, TV
Folha, 20/09/98)
ATIVIDADE II [trabalho em equipe
para a leitura de 2
textos identificando
as estratégias
empregadas pelo
autor: titulo,
apresentação do
assunto no 1º
parágrafo, tom da
linguagem,
adequação da
linguagem ao
público,
informação e
opinião, clareza]
Roteiro de
leitura
[questões sobre a intenção da
escrita, o assunto do texto;
unidade temática, sequência
dos parágrafos, interlocutor,
limite ético, opinião do leitor]
Texto 2 UNDERGROUND
CHIQUE, Mario
Mendes ( ItoÉ/
Senhor/Ed. 1021, p.
85)
Atividade 2 - Leitura comparativa
[introduz 5 textos sobre o
filme Eu tu eles, Andrucha
Waddington]
[trabalho em equipe para a
leitura de 2 textos
identificando as estratégias
empregadas pelo autor: titulo,
apresentação do assunto no 1º
parágrafo, tom da linguagem,
adequação da linguagem ao
público, informação e opinião,
clareza]
Texto 3 VODU NO SALÃO (Veja, 9/1/91, p.
Texto 3 DONA FLOR DA
CAATINGA, Apoenan
259
71) Rodrigues (IstoÉ, ed. 1610)
Texto 4 TV MOSTRA
SHOW DO
CONFLITO,
Inácio Araújo
(Folha de S. Paulo,
19/1/91, p. E-9)
Texto 4 QUADRILÁTERO
SERTANEJO, Cléber Eduardo
e Sílvio Ferreira (Época, ed.
117)
Texto 5 ROCK IN RIO II,
Jamari França
(Jornal do Brasil,
28/1/91)
Texto 5 BAIÃO DE TRÊS, Isabela
Boscov (Veja, ed. 1662)
Texto 6
REPÓRTER DE
TV AINDA VIVO
AO VIVO DE TEL
AVIV, José Simão
(Folha de S. Paulo,
12/1/91, p. E-5)
Texto 6
FILME ENTRONIZA
DESEJO FEMININO NO
SERTÃO MACHISTA, Inácio
Araújo (Folha de S. Paulo,
18/8/2000)
Texto 7 ‘AMAZÔNIA’
VIVE MAIS DA
BELEZA DO QUE
DA AÇÃO, Leila
Reis ( O Estado de
S. Paulo, 14/12/91
Texto 7 CINEMA DE QUALIDADE
TRAZ A HISTÓRIA DA
NOSSA GENTE, Luiz Zanin
Oricchio ( O Estado de S.
Paulo, 18/08/2000)
ATIVIDADE III [retoma aspectos da
linguagem crítica
dos jornais e
revistas]
Atividade 3 - A opinião dominante
-Recapitulando
[retoma aspectos da linguagem
crítica dos jornais e revistas]
ATIVIDADE IV [O texto crítico no
Brasil] PRÁTICA DE
TEXTO
[ proposta de escrita de
resenha crítica de filme]
Texto 8 JABÁ BEM
TEMPERADO
(Veja, 19/9/920, p.
116)
Atividade 4 - Texto escrito, crítica e
prestígio
- A leitura crítica
- A ‘teoria conspiratória’
- Uma crítica da crítica ATIVIDADE V [introdução ao
texto seguinte:
crítica da crítica]
Texto 9 QUE CRÍTICA?,
Carlos Fernando e
Frederico Barbosa
(Folha de S. Paulo,
23/2/1992)
Texto 8 AGULHA- REVISTA
CULTURAL Nº 6/
FORTALEZA/ SÃOPAULO,
AGO/SET 2000, Editores:
Cláudia Willer e Floriano
Martins www.agulha.cjb.net
Texto 9 QUE CRÍTICA?, Carlos
Fernando e Frederico Barbosa
(Folha de S. Paulo, 23/2/1992)
PRÁTICA DE
TEXTO I
[ proposta de texto
de opinião com
características de
um bom crítico]
PRÁTICA DE
TEXTO I
[ proposta de texto de opinião
com características de um bom
crítico]
PRÁTICA DE
TEXTO II
[proposta de escrita
de um texto crítico
sobre livro, filme
II [proposta de escrita de um
texto crítico sobre livro, filme
ou programa de tevê]
260
ou programa de
tevê]
LÍNGUA
PADRÃO
[ citações: verbos
discendi,
informações extra;
aspas e travessão]
Texto jornalístico e
literário, ensaio,
entrevista
LÍNGUA
PADRÃO
[ citações: verbos discendi,
informações extra; aspas e
travessão]
Texto jornalístico e literário,
ensaio, entrevista
PRÁTICA DE
TEXTO III
[ proposta de
escrita de um texto
literário em que
haja um diálogo]
PRÁTICA DE
TEXTO
[proposta de escrita de um
texto crítico tendo como base
uma entrevista]
PRÁTICA DE
TEXTO IV
[proposta de escrita
de um texto crítico
tendo como base
uma entrevista]
Quadro 22: Seções e subseções dos capítulos 11 (1ª edição) e 13 (20ª).
Pudemos observar nos dois capítulos anteriores que o autor constrói um percurso
de ensino de resumo e resenha, sem, no entanto, nomear esse último. O autor pede que o
aluno faça resumos por parágrafo o que envolve seleção e interpretação da ideia
principal e em seguida reconheça a tese de cada autor. A partir disso, posicione-se a
respeito da tese do autor. Recapitulando:
Assinale quais as teses centrais de Ariano Suassuna e de Olavo
Carvalho. Faça um resumo de cada caso, empregando um máximo de
40 palavras. Se quiser, comece assim: “Segundo Ariano Suassuna, ...”
ou “Para Olavo de Carvalho, ...”
Para discutir com os colegas: quem tem razão nessa “briga”? (2011,
capítulo 12, p. 236).
O resumo é apresentado como um método de leitura cujas principais
características são a interpretação de texto e a reprodução dessa compreensão com as
palavras do leitor. “[...] somente quando se compreende bem um texto torna-se possível
resumi-lo” (SILVA; NUNES, 2013, p. 53). Esse seria um passo anterior a um mais
elaborado que envolve o primeiro, mas avança na análise de dados e argumentos,
posicionamento do autor, ou seja, na resenha crítica, não só são levados em
consideração os aspectos linguísticos, enunciativos e textuais como se torna essencial
uma análise discursiva do texto.
Esse capítulo treze aborda diretamente a resenha objetivando discutir as
características desse texto e quais relações mantém com o texto opinativo e informativo.
A vigésima edição nomeia o tópico de ensino – resenha crítica, diferentemente da
261
primeira que a aborda, mas não a nomeia. A vigésima tem ainda três textos explicativos
sobre o gênero que não estão na primeira (Informação + opinião, Imparcialidade,
relatividade e clareza e Analisando uma resenha)
Os textos do capítulo, em ambas as edições, concentram-se em resenhas críticas
publicadas em jornais e revistas conhecidos cujas análises concentram-se em programas
de tevê, o filme Eu tu eles (cinco textos na vigésima edição) e dois textos
metalinguísticos que intentam fazer uma “crítica da crítica”, ou seja, os autores
posicionam-se a respeito dos textos críticos publicados na mídia.
A interação se estabelece entre o autor e o leitor, aquele assumindo os papéis de
organizador do material e falante da língua, como em: “Como temos assinalado ao
longo destas páginas [...] E nossa leitura também é múltipla: não lemos só o que está
escrito – na verdade, o que está escrito detona uma rede complexa de significados, todos
os fios das linguagens que ‘fazem a nossa cabeça’...” (2011, p. 239, grifo do autor). A
primeira aparição do pronome “nós” indica o trabalho do autor com a linguagem, já que
não inclui o leitor, pois a tarefa de “assinalar’ é do autor.
Nos capítulos anteriores tentou-se estabelecer diferenças entre os textos de
opinião e os de informação, considerando o interlocutor, a intencionalidade do texto e
os conhecimentos do leitor acionados para a compreensão. O aspecto didático é a
condução que o autor faz nos inícios de capítulos, reconduzindo a atenção do aluno para
o que foi apresentado antes, estabelecendo conexões de ideias para dar prosseguimento
ao conteúdo.
O aspecto discursivo é exaltado na leitura dos textos e estendido para a produção
escrita. Depreende-se, então, que a leitura é múltipla de sentidos. É um espaço em que
os elementos linguísticos do texto lido apontam para os seus aspectos extralinguísticos,
o contexto de produção, circulação e recepção dos textos. O leitor opera com a
linguagem assim que entra em contato com o material do texto.
Podemos dizer que um leitor crítico é aquele capaz de atravessar os
limites do texto em si para o universo concreto dos outros textos, das
outras linguagens, capazes de criar quadros mais complexos de
referencia. E esta multiplicidade de pontos de vista está presente em
qualquer gênero da linguagem; toda palavra é uma entre outras e para
outras... (2011, p. 239, grifos do autor).
É impossível ao leitor familiar com a obra de Bakhtin não “ouvir” ecos de seu
pensamento sobre a compreensão responsiva ativa:
262
Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza
ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante
diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela
forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante (Bakhtin,
2006b, p. 271, grifos nossos).
Percebemos que para o autor, a leitura é uma produção de texto o que já pôde ser
comprovado em outros momentos do livro em que a seção Roteiro de leitura propõe
que o aluno redija algo ou conduz a compreensão do aluno, dividindo a leitura em
passos que refletem uma noção de compreensão responsiva ativa. Por exemplo, no
capítulo 5:
Roteiro de leitura: Cada um dos textos lidos acima defende uma ou
mais utilidades para a língua padrão. Faça um levantamento dos
pontos de vista apresentados. O que eles têm em comum? Em que eles
divergem? Você concorda com qual ponto de vista? (se é que você
concorda com algum deles!) (2011, p. 73).
Apesar de não haver uma indicação direta, no caso dessa atividade para que o
aluno consiga visualizar os pontos de vista em comuns ou divergentes no levantamento
realizado, precisará da escrita, ainda que o levantamento possa ser feito visualmente, o
que nos parece pouco produtivo. As seções destinadas à compreensão leitora do aluno
não tomam o texto como base para o reconhecimento de formas linguísticas,
favorecendo a resposta ativa do aluno.
Fica bastante visível nesse capítulo que ao apresentar a resenha o foco recai na
capacidade leitora. No entanto, os questionamentos do autor nas análises dos textos
apresentados, conduzem uma compreensão do que seja esse gênero e quais suas
características, o que favorece a escrita dos textos propostos na seção Prática de texto e
que analisaremos em capítulo à parte.
Há um fio condutor que vai permeando o capítulo e a leitura dos textos,
resultando em uma definição de resenha crítica elaborada ao longo do capítulo: é um
texto publicado regularmente em revistas e jornais que se favorece de fatos e dados
informativos para veicular a opinião do autor a respeito de alguma obra cultural e levar
ao público-leitor o conhecimento da obra e direcionar, de alguma forma, sua “leitura”.
Esse gênero caracteriza-se por uma relatividade que consiste em “situar o objeto da
crítica em relação a outros objetos de crítica; é situar no tempo, no espaço, na história,
no gênero; é perceber a intenção do autor e analisar a obra tendo em vista esta intenção”
(2011, p. 242).
263
Por ter como tônica objetos culturais atuais, a resenha crítica torna-se datada
rapidamente revelando outra característica própria do gênero: a resenha crítica é
efêmera. Apesar da fugacidade dos temas, o gênero contribui para a formação das
opiniões da sociedade ainda que deva ser lido com cautela e espírito crítico.
A seguir, apresentamos o último capítulo de PTEU, o único cujo título refere-se
a um aspecto gramatical e não textual-discursivo.
EDIÇÃO PRIMEIRA
VIGÉSIMA
Capítulo 12 QUATORZE
Título ESTRUTURA
DA ORAÇÃO
Título ESTRUTURA DA ORAÇÃO
Seções
Subseções
ATIVIDADE I
[Discorre sobre
problemas de
escrita em relação à
língua padrão.]
Atividade 1 - Problemas da oração
- Voltando ao ponto:
linguagem oral x linguagem
escrita
- O que é “oração”?
[Discorre sobre problemas de
escrita em relação à língua
padrão.]
ATIVIDADE II [propõe uma
atividade de
reconhecimento do
princípio da
organização da
língua em regras]
Atividade 2 - O princípio da organização
- A flexibilidade da língua
ATIVIDADE III [retoma aspectos
dos enunciados
apresentados na
atividade anterior
para discutir a
flexibilidade da
língua]
Exercício 1 [ proposta de reescrita de 5
orações acrescentando uma
informação complementar que
expresse opinião]
ATIVIDADE IV [considera o
domínio da
estrutura da oração
uma das condições
da boa escrita]
Atividade 3 - Variedade estrutural
[considera o domínio da
estrutura da oração uma das
condições da boa escrita]
ATIVIDADE V [proposta de
exercício de
correção de 5
orações mal
estruturadas]
Exercício 2 [proposta de exercício de
correção de 5 orações mal
estruturadas]
ATIVIDADE VI [discorre sobre as
informações Atividade 4 -Informações básicas e
informações complementares
264
básicas e
complementares
das orações]
[discorre sobre as informações
básicas e complementares das
orações]
ATIVIDADE
VII
[proposta de
identificação de
informações
básicas em texto
dado]
Exercício 3 [proposta de identificação de
informações básicas em texto
dado]
ATIVIDADE
VIII
[proposta de
acréscimo de
informações
complementares a 5
orações dadas]
Exercício 4 [proposta de acréscimo de
informações complementares a
5 orações dadas]
- A exceção à regra (sempre
tem uma!)
[ apresenta oração sem sujeito
com os verbos: faz, haver e
ter]
ATIVIDADE IX [proposta de
transformação de
período simples em
período composto
em 10 exercícios]
Atividade 5 -Organizando grupos de
informação
[discorre sobre o conteúdo das
orações compostas]
ATIVIDADE X [ressalta a
importância da
vírgula para a
clareza do texto e
introduz a oração
adjetiva]
Exercício 5 [proposta de transformação de
período simples em período
composto em 10 exercícios]
ATIVIDADE XI [destaca o
posicionamento das
informações
complementares na
oração e a
concordância
verbal]
Atividade 6 -Orações adjetivas
[ressalta a importância da
vírgula para a clareza do texto
e introduz a oração adjetiva]
ATIVIDADE
XII
[proposta de
exercício de
reconhecimento de
informações em
trechos de orações]
Atividade 7 - Informações complementares
formadas por particípio
[ressalta a concordância
sujeito/verbo ou verbo/sujeito]
Exercício 1 [proposta de
inserção de
informações em
orações fornecidas,
ressaltando a
necessidade da
vírgula]
Atividade 8 - Informações complementares
lógicas
[apresenta a articulação de
informações dentro do período
por meio de relatores]
Exercício 2 [proposta de
agrupamento de
orações
independentes em
período composto
Exercício 6 [proposta de inserção de
informações em orações
fornecidas, ressaltando a
necessidade da vírgula]
265
utilizando os
relatores
fornecidos]
ATIVIDADE
XIII
[proposta de
correção de orações
fornecidas,
empregando
elementos
anafóricos]
Exercício 7 [proposta de agrupamento de
orações independentes em
período composto utilizando
os relatores fornecidos]
ATIVIDADE
XIV
[apresentação e
proposta de
exercício com o
relator “cujo”]
Atividade 9 - Os anafóricos
[proposta de correção de
orações fornecidas,
empregando elementos
anafóricos]
ATIVIDADE
XV
[ressalta a
concordância
sujeito/verbo ou
verbo/sujeito]
Atividade 10 - O dito “cujo”...
[apresentação e proposta de
exercício com o relator “cujo”]
ATIVIDADE
XVI
[discute a
concordância do
sujeito
anteposto/posposto
ao verbo]
Atividade 11 - Sujeito depois do verbo
[discute a concordância do
sujeito anteposto/posposto ao
verbo]
ATIVIDADE
XVII
[destaca a regência
de verbos nas
modalidades escrita
e falada: ater,
assistir, implicar,
preferir, visar,
suceder, aspirar,
compartilhar, ir,
relutar,
concorda/discordar]
Atividade 12 - Regência
[destaca a regência de verbos
nas modalidades escrita e
falada: ater, assistir, implicar,
preferir, visar, suceder, aspirar,
compartilhar, ir, relutar,
concorda/discordar]
ATIVIDADE
XVIII
[proposta de
agrupamento de
orações
independentes em
período composto
utilizando relatores]
Atividade 13 -Onde mesmo?
- Dois casos básicos
[discorre sobre o emprego da
palavra “onde” como relator]
Exercício 8 [proposta de reescrita de
orações utilizando a palavra
“onde”]
Exercício 9 [proposta de substituição da
palavra “onde” por outra
equivalente quando aquela
estiver mal empregada]
Atividade 14 - Pronomes átonos
- Dois pesos, duas medidas...
- Algumas regras para a
sobrevivência entre os
pronomes átonos...
[discorre sobre o uso dos
pronomes átonos em função de
266
complemento- próclise e
mesóclise]
Exercício 10 [proposta de substituição de
expressões por pronomes
correspondentes]
Atividade 15 -Dois exercícios finais
[proposta de agrupamento de
orações independentes em
período composto utilizando
relatores]
Exercício 11 [5 orações para estabelecer
relações lógicas]
Exercício 12 [5 orações para estabelecer
relações lógicas]
Quadro 23: Seções e subseções dos capítulos 12 (1ª edição) e 14 (20ª).
O último capítulo de PTEU objetiva discutir o conceito de oração e a
diferenciação de ocorrência nos textos escritos e falados requisitos da boa escrita. Para
tanto, discute a ideia de que a gramática consiste em um princípio de organização da
língua e a oração um ordenamento de grupo de informações. A estratégia utilizada foi
partir do domínio da pontuação como fator determinante na estrutura da oração escrita.
O autor chama a atenção para a orientação apreciativa na escrita, aquela que
surge por meio da ordem das informações básicas (do que se fala e o que se diz) e
complementares na oração. Na escrita, a posição do autor é perceptível pela ordem da
informação na oração e, para isso, o emprego da vírgula é fundamental.
A interação com o aluno-leitor se dá pela proposição de exercícios de reflexão
sobre a organização das informações na oração e, como um padrão adotado nos
encaminhamento às atividades, os verbos utilizados, em sua maioria, estão no modo
imperativo. Vejamos como o capítulo se inicia:
Leia atentamente as ocorrências abaixo, assinalando todos os
problemas que você encontrar com relação à língua padrão. Não se
preocupe aqui com problemas de conteúdo – assinale apenas os
aspectos que denunciam pouco domínio das normas técnicas da
escrita. Tente descobrir por que esses erros ocorreram. Lembre-se:
todo erro é a tentativa de um acerto! (2011, p. 267, grifo do autor).
Ao tirar o conteúdo do centro das preocupações do aluno no exercício, o autor
define o foco gramatical das primeiras abordagens à estrutura da oração. Em seguida, o
conteúdo volta a fazer parte dos exercícios gramaticais quando o autor destaca que a
267
organização da oração revela um posicionamento do autor em relação a determinado
assunto.
Os comandos, então, são característicos dos momentos de exercício prático do
aluno, ele é quem realizará a tarefa e nas reflexões de língua, autor e aluno-leitor são
identificados como falantes da língua ou, apesar do uso do “nós”, o autor exclui-se da
atividade.
Vamos começar observando um aspecto universal das línguas: o
princípio da organização. Isto é, nós sempre falamos organizando
palavras e conjuntos de palavras segundo algumas poucas regras.
Podemos não saber nada a respeito dessas regras; mas o fato é que nós
as seguimos fielmente. Confira, assinalando abaixo o que está bem
estruturado e o que não está (2011, p. 269, grifos do autor).
“Vamos começar observando” indica uma atividade em que o autor não se
inclui, pois organizou a atividade de modo a facilitar a observação do aluno. O mesmo
ocorre com “podemos não saber” em que dificilmente um professor ou autor de livro
didático de português desconheceria as regras gramaticais da língua. Em seguida, “nós
sempre falamos” e “nós as seguimos” retoma a identificação entre falantes da mesma
língua. No entanto, fica bem clara a posição do aluno de “fazedor” quando há a proposta
do exercício prático, mas com base no que foi discutido o que fica claro com a escolha
do verbo “confira”. As análises dos capítulos anteriores mostraram esse padrão
interacional o que indica que o autor passa a palavra ao aluno e à sua compreensão
responsiva ativa.
Uma das diferenças observadas entre as edições, além do já visualizado no
quadro em relação à quantidade de exercícios acrescentada na vigésima é que a primeira
não faz acrescenta outra característica presente nas informações básicas: “o que dizemos
a respeito disso”, detendo-se apenas no “sobre o que falamos”. A primeira edição
explora apenas o primeiro aspecto da informação básica e acrescenta as
complementares. Está ausente também o item Informações complementares lógicas que
ressalta o poder dos relatores em transformar semanticamente a oração.
A ATIVIDADE XVIII (1992) e Atividade 15 (2011) são semelhantes e finalizam
o capítulo. Nessa atividade, em ambas as edições, observamos aquele movimento do
autor em atribuir conhecimentos ao aluno por esse ter passado pelo estudo do livro: “A
essa altura, você já sabe tudo de estrutura da oração!” (1992, p. 240; 2011, p. 295). A
assunção serve de base para a proposição do exercício final do capítulo: “Para
268
comprovar, reescreva as orações abaixo [...]” (idem) corroborando o que mencionamos
a respeito da interação nos comandos das atividades. Esse tipo de enunciado é
compreensível em um livro didático em que se pretende que o leitor-aluno tenha
compreendido as discussões e esteja apto a praticar em orações fornecidas. A
compreensão responsiva ativa do aluno e a consequente “conferência” também se darão
no momento de transformação das orações, conforme o autor sugere: “Quando julgar
necessário, substitua palavras e expressões e use relatores para estabelecer relações
lógicas implícitas entre uma informação e outra” (idem). Não há um modelo a ser
seguido e a atividade só será realizada a contento, caso sejam consideradas as
explicações anteriores.
Os acréscimos da vigésima edição consistiram em uma discussão acerca do uso
do pronome relativo “onde” e da posição dos pronomes átonos na oração, além dos
respectivos exercícios de aplicação das regras a orações dadas. Apesar de consideramos
os acréscimos um ganho para a discussão sobre a construção da oração e de aspectos
gramaticais em geral, analisamos os pontos comuns entre as edições, nesse capítulo, e
concluímos que os itens a mais talvez estivessem servindo a um projeto de ensino a ser
seguido no livro, visto que fica aparentemente deslocado no capítulo e sem manter
relação explícita com o que estava sendo discutido. Tanto é que as atividades finais de
ambas as edições são as mesmas, retomam o tema informação básica e complementar.
Como ficou evidente no quadro 23, o último capítulo do livro não traz a seção
Prática de texto. Até por essa razão, torna-se importante continuarmos a rastrear o
conceito de escrita para o autor defendido no capítulo.
A escrita é mais uma vez apresentada como uma modalidade diferente da fala e,
portanto, não deve ser confundida, pois naquela é imprescindível o uso da pontuação
que norteará o leitor a respeito da ordem das informações e de sua valoração. “Isto é,
escrever não é simplesmente passar para o papel o que se fala, mas redizer o que se fala
de uma forma substancialmente diferente (mais uma vez, relembremos o capítulo sete)
(1992, p. 219; 2011, p. 268, grifo do autor). Para dominar a pontuação que será
responsável por transpor para a escrita a potencialidade expressiva da fala, é necessário
entender a estrutura da oração que compreende a ordem das informações apresentadas, a
presença de anafóricos, as relações lógicas e, no caso da vigésima edição, de um uso
adequado de alguns itens gramaticais.
269
CAPÍTULO 4
A autoria na prática de texto para estudantes universitários
______________________________________________________________________
O mundo inteiro é um magnífico e gigantesco bate-
papo, dos chefes de Estado negociando a paz e a guerra
às primeiras sílabas de uma criança em alguma favela
brasileira ou numa vila africana. É pela linguagem,
afinal, que somos indivíduos únicos: somos o que somos
depois de um processo de conquista da nossa palavra,
afirmada no meio de milhares de outras palavras e com
elas compostas.
Faraco-Tezza
A partir da interação estabelecida entre autor e leitor-aluno e a compreensão das
modificações realizadas entre as edições apresentadas no capítulo anterior por meio de
marcas linguísticas que nos permitem rever o processo enunciativo envolvido na
produção do autor no livro, investigamos, especificamente, neste capítulo, a linguagem
da seção Prática de texto a fim de observarmos – discursivamente - como o autor de
PTEU conduz as propostas de produção de texto e quais os recursos empregados para
promover a autoria do aluno, uma vez que estamos defendendo que há um diálogo
estabelecido entre autor e leitor para a construção do livro. Esta análise justifica-se pelo
fato de que nossa principal preocupação é justamente com o que apresentamos na nossa
introdução: a prática de texto, sobretudo no ensino universitário, é condição sine qua
non para o bom desempenho acadêmico e profissional dos alunos os quais precisam,
além de apresentar certo domínio da linguagem formal para a comunicação em
situações específicas, precisam ter domínio da competência textual para formar juízos,
argumentar, refutar, entre outras tantas ações que lhes garantem participação com voz
ativa onde atuam.
Como nossa análise é discursiva, isto é, como estamos interessados em observar
o contexto de produção do texto com seus sujeitos aí envolvidos e os efeitos de sentido
e não apenas focar os elementos linguísticos que compõem o texto, não é possível
desvincular as propostas de produção textual oferecidas do conteúdo desenvolvido pelo
autor e os procedimentos realizados nos capítulos correspondentes no livro. Desta
forma, a interpretação dos dados deste capítulo 4 constrói-se em ligação indissolúvel
com as descrições e intepretações apresentadas no capítulo 3 desta tese. Se fizéssemos o
contrário, estaríamos abandonando o princípio dialógico inerente à linguagem que
defendemos aqui neste trabalho.
270
Neste capítulo, então, discutimos os exercícios de produção de texto propostos
pelo autor que figuram no meio ou no final do capítulo, às vezes, em ambos os lugares,
esta ordem não possui nenhum relevância. Colocamos as duas edições (1992/2011) em
cotejo para facilitar a visualização das mudanças realizadas, no entanto organizamos as
propostas por efeito de sentido produzido e que reflitam uma autoria proposta e
construída em um movimento de alteridade.
Lembramos que na vigésima edição, essa seção inicia-se a partir do capítulo 3
numa aparente proposta do autor em priorizar a discussão dos conceitos de língua,
linguagem e gêneros para depois propor ao leitor-aluno uma produção textual. A
primeira edição apresenta a seção Prática de texto já no primeiro capítulo que engloba
alguns assuntos discutidos nos capítulos 1, 2 e 3 da vigésima. Portanto, há aí uma clara
intenção do autor em preparar antes seu interlocutor com noções prévias necessárias
para depois incentivá-lo a praticar o texto escrito propriamente dito. Este não deixa de
ser um outro procedimento que marca o diálogo estabelecido entre autor e aluno no
sentido de que o autor – colocando-se no lugar do aluno – percebesse que informações
básicas prévias são necessárias antes da produção textual.
Nosso objetivo é analisar as questões discursivas que emergiram do corpus deste
trabalho, portanto as seções de produção textual não seguem a ordem estrutural em que
aparecem no livro, por capítulos em sequência, mas são agrupadas de acordo com os
efeitos de sentido produzidos. O percurso do autor e o conceito de escrita realizados nos
capítulos correspondentes a essas seções podem ser recuperados com leituras remissivas
do capítulo anterior e dos quadros correspondentes às unidades de ambas as edições.
4.1 Com que roupa o gênero veio para o livro
Conforme apresentado no capítulo 3 desta tese, as seções Prática de texto são
apresentadas ao leitor-aluno no fim do capítulo e às vezes também no meio, mas sempre
após a explicação de algum ponto teórico ou a leitura de um texto que comprove o
assunto discutido. Assim, as atividades propostas ao aluno sempre vêm como um
exercício de confirmação, para que o aluno apresente sua compreensão das noções
centrais daquele capítulo. O importante a ser observado é que, de fato, esses exercícios
significam mais que uma simples confirmação do entendimento do que antes fora
explicitado. Tais exercícios oferecidos pelo autor é a estratégia encontrada para que o
aluno dialogue com o autor e com o assunto abordado. Este entendimento é de extrema
271
importância, pois se não concebermos os exercícios propostos desta forma, teremos
apenas uma tarefa cujo objetivo é adestrar os alunos. Atrevemo-nos aqui a citar como
exemplo prático desta prática os costumeiros exercícios do tipo “complete os espaços
em branco”, nesses exercícios não é possível estabelecer diálogo algum com nada e
ninguém, pois não há a possibilidade da discussão, da elaboração de ideias que resgatam
outros conhecimentos. Voltemos a nossa análise específica.
Neste item 4.1, agrupamos as práticas de texto cujo elemento de ensino central é
o gênero discursivo. Localizamos esse enfoque nos capítulos 1 (uma proposta), 6 (duas
propostas), 7 (duas propostas), 8 (uma proposta), 9 (uma proposta), 10 (duas propostas),
e 11 (três propostas) da primeira edição e capítulos 3, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 da vigésima,
cujo número de propostas são correspondentes ao da primeira. Desta forma, PTEU
possui doze propostas de produção textual, divididas em sete capítulos.
Definido o critério de escolha, o ensino da produção escrita, enfocando nas
reflexões sobre a estratificação da linguagem em gêneros, fizemos um recorte dessas
seções por uma questão de espaço e de tempo para a finalização do doutoramento. No
entanto, é perfeitamente possível observar a recorrência dos mesmos efeitos nas demais
seções aqui não abordadas. A título de exemplificação do trabalho com a linguagem
realizado pelo autor, escolhemos as seis primeiras práticas de texto, dentro da ordem
dos capítulos acima, que abordavam a escrita baseada em gêneros. Consequentemente,
constituem-se material de análise desta seção as Práticas de texto situadas nos capítulos
1, 6, 7 e 8 (1992) e 3, 8, 9 e 10 (2011). As práticas de texto da vigésima edição
encontram-se também nos anexos desta tese.
A seguir, temos a página em que o autor apresenta ao leitor-aluno, a primeira
proposta de produção textual:
272
Figura 25: Prática de Texto - Capítulo 1 (1992, p. 22 - 23).
A atividade que se inicia com “Vamos exercitar agora nossa própria variedade
linguística” (1992) assinala o objetivo da atividade de que, a partir de quatro produções
escritas, o aluno apresente sua compreensão da discussão realizada a respeito de língua,
linguagem e gêneros. Esse direcionamento opõe-se ao da vigésima edição (Figura 26)
“Vamos agora colocar em prática tudo o que discutimos até aqui – [...]” (2011),
corroborando a própria divisão dos capítulos, já que na vigésima, essa atividade de
produção fecha o capítulo que foi dedicado somente à discussão dos gêneros, ao
contrário da primeira que além dos gêneros, discutiu signo e significado.
Com essa mudança no enunciado, o autor dedica uma especificidade e
importância maiores ao gênero que não se confunde com língua, portanto é mais que
uma variedade linguística e supõe a presença do interlocutor. Novamente temos aqui a
preocupação do autor em colocar-se na posição de seu interlocutor a fim de se perceber
o que é mais producente para o aluno. Destaquemos, porém, que a maneira com que o
autor inicia esta atividade não é alterada, nas duas edições ele emprega o verbo ir na
primeira pessoa do plural, evidentemente para reforçar ainda mais o pretenso diálogo
273
necessário com o aluno. Esta estratégia soa como um convite: venha comigo dialogar
sobre o que está aqui proposto.
A vigésima edição reforça ainda um estilo didático ao relembrar o que foi
discutido no capítulo “a noção de língua, como um conjunto de variedades, a
estratificação da linguagem em um grande número de gêneros e a importância do
interlocutor para os processos de comunicação”. O aluno deve seguir um roteiro pré-
determinado de dez itens (oito na primeira edição), considerando os gêneros sugeridos:
um horóscopo, uma paródia, uma notícia de jornal entre outros. Essa atividade resgatou
o conhecimento do aluno sobre a dimensão verbal desses gêneros, ao apresentar textos
representativos daqueles a serem produzidos.
Figura 26: Prática de Texto - Capítulo 3 (2011, p. 46).
274
Em ambas as edições, não há uma discussão sobre a estrutura composicional do
gênero, deixando a cargo do aluno acionar o conhecimento que tem decorrente de sua
prática diária e a leitura dos textos apresentados no capítulo. Este fato reforça um
posicionamento dialógico, pois nesta atividade o aluno deverá resgatar vozes já ouvidas
em outras produções, resgatar estilos já vistos a fim de produzir o que lhe foi sugerido.
Ao destacar os gêneros e enfatizar a importância do seu interlocutor na construção do
sentido, a primeira atividade de produção do livro foge a estruturas comumente
encontradas em livros didáticos que abordam os aspectos tipológicos descrição,
narração e dissertação em detrimento de explorar os gêneros em que estão presentes em
maior ou menos grau, procedimento este que acentua a necessidade de se mostrar ao
aluno a linguagem e a língua em situações reais de funcionamento e os seus efeitos de
sentido, afinal um capítulo meramente expositivo em que se explore, por exemplo, o
tipo descritivo não estabelecerá um diálogo com o aluno por ele não perceber, muitas
vezes, onde aplicar isto, mas se forem tratados gêneros como a bula de remédios, um
manual de funcionamento de um aparelho, é evidente que o aluno perceberá o que é
descrição e fatalmente conseguir-se-á estabelecer com o aluno o diálogo necessário para
a compreensão do que está sendo explorado.
Este direcionamento do autor é um dos eixos centrais da proposta, pois o
exercício propõe que o leitor do texto produzido somente saberá a que gênero está
exposto por meio dos recursos léxicos, linguísticos e composicionais escolhidos pelo
autor. O enunciado do exercício reforça o apresentado anteriormente nesse mesmo
capítulo 3: “[...] a primeira regra de um bom texto escrito: saber quem é o meu leitor. Se
eu não sei quem ele é, o texto fracassa!” (2011, p.43). Com esta diretriz, o autor deixa
clara a importância do diálogo, do perceber o “outro” para se viver em sociedade e nela
participar com voz ativa, em outras palavras isso significa que a primeira proposta de
produção apresenta também uma interação do autor de PTEU com um outro autor, nesse
caso, o leitor-aluno, seu interlocutor principal, que ao produzir um texto, seguindo o
encaminhamento da atividade e os aspectos estudados passa ser um autor-criador.
Isso se manifesta também quando, ao fornecer dez opções de gêneros, o autor
demonstra inserir seu leitor em diferentes práticas sociais de linguagem,
proporcionando-lhe opção e postura responsiva, já que deverá estabelecer um diálogo
entre a proposta de escrita e os textos com os quais já teve contato em sua vida.
275
A postura emotiva e valorativa do enunciador se expressa também por meio das
exclamações, recurso bastante encontrado em PTEU. Com esse recurso, posiciona-se e
provoca-se uma resposta do leitor como em: “Não indique que item você escolheu: o
leitor deve descobrir pelo próprio texto!”, diretiva ausente da primeira edição. O que
significa que o autor intensificou a necessidade do diálogo, da troca, da interação com o
aluno que deixa de ser apenas leitor-aluno expectador e passa a fazer parte efetiva e com
voz ativa no diálogo pedagógico proposto pelo autor do livro.
Para Bakhtin/ Volochínov (2004, p. 132) “[...] quando um conteúdo objetivo é
expresso (dito ou escrito) pela fala viva, ele é sempre acompanhado por um acento
apreciativo determinado. Sem acento apreciativo, não há palavra”. O filósofo russo
justifica que o nível mais superficial da avaliação social encontrada na palavra pode ser
observado por meio da entoação expressiva. Essa apreciação, dependendo da sua
audiência, expressa julgamentos de valor de forma diferenciada e jamais estará ausente
da estrutura da enunciação. Aqui, a exclamação estabelece uma ligação entre o discurso
e o contexto, onde a voz do autor se faz “ouvir” mais diretamente, provocando, como
dissemos, uma atitude responsiva ativa do seu leitor ao produzir seu texto, portanto no
processo de tornar-se, como já dito, autor.
Questionamos, contudo, a validade de uma atividade que apresenta ao aluno
gêneros discursivos como horóscopo, ficção científica, texto publicitário, entre outros,
sem a devida explicação dos elementos linguístico-discursivos que os constituem. O
encaminhamento que o autor oferece não pode ser considerado linguístico-discursivo:
“Observe que cada tipo de texto exigirá uma linguagem diferente”, pois carece de
considerações a respeito das características composicionais, estilísticas e temáticas,
constituintes do gênero.
Apesar de alguns exemplos, terem sido apresentados no capítulo dois, aqueles
não são suficientes para uma atividade de produção textual, já que lá, o exercício era
apenas de reconhecimento de gênero. Dos dezessete textos, seis são fragmentos de
manual de instruções, texto de revista semanal, texto literário, entre outros. Não houve
uma reflexão prévia sobre a totalidade de cada obra. Relembrando que a ausência das
imagens, cores e outros aspectos gráficos, parte integrante dos textos originais,
impossibilitou a recuperação do todo do enunciado concreto, conforme discutimos no
item 3.2 desta tese.
276
Entretanto, tomamos partido do autor, visto que o objetivo não é ensinar a
produzir cada um dos gêneros propostos, mas proporcionar ao aluno uma lembrança
desses gêneros bastante conhecidos. A postura do autor, nos três capítulos iniciais de
PTEU é fazer uma reflexão sobre a estratificação da linguagem em gêneros e não,
necessariamente, ensiná-lo a produzir esses gêneros. Portanto, o autor dialoga com seu
aluno-autor levando-se em consideração o pressuposto de que esse aluno-autor já possui
algum conhecimento prévio sobre alguns gêneros, como funcionam e os efeitos de
sentido que lhes são peculiares.
Outro aspecto pode ser levantado: nesta atividade (capítulo 3), o autor refere-se
a diferentes tipos de texto, no capítulo 2, gêneros. Essa alternância na terminologia pode
revelar que a ênfase na distinção entre gêneros da escrita, como destaca o autor nos
capítulos anteriores, e tipos de texto não seja importante. Como dissemos anteriormente,
observamos que PTEU se pauta mais pelas reflexões sobre língua, linguagem e
produção que propriamente por terminologias acuradas. É comum encontramos as
expressões “imensa variedade de linguagens possíveis” como referencia a gêneros, entre
outras.
Se considerarmos a postura autoral do aluno, a opção dada de escolher quatro
dos dez gêneros ameniza o impacto que a ausência de explicações sobre os textos
poderia causar, já que, desta forma, ele é convidado a escolher algum texto que já tenha
praticado ou tenha mais intimidade por leitura habitual. Mesmo assim, concordamos
que a proposta mostra-se incompleta pelas razões apontadas e pelo fato de esse
encaminhamento não aparecer na atividade, tornando a opção de escolha a única atitude
responsiva considerada.
A discussão acerca da construção de parágrafos realizada no capítulo 6 (1992) e
8 (2011) leva o aluno ao entendimento das partes que podem compor um texto de
informação, reforçando aqui os aspectos referentes à estrutura composicional e ao estilo
do autor. Vejamos:
277
Figura 27: Prática de Texto - Capítulo 6 (1992, p. 104) e Capítulo 8 (2011, p. 130).
Neste capítulo, o autor privilegiou discutir o gênero redação escolar, criticando-o
por não propiciar ao aluno um exercício de opinar sobre o mundo, baseado em poucas
referências concretas, um gênero ensinado por meio de estruturas composicionais fixas,
cujo conteúdo é menos importante que as técnicas.
Para argumentar contra a redação escolar, o autor introduz texto de informação
como um gênero da linguagem pouco presente na sala de aula. Sabemos que a
informação não é um gênero, mas realiza-se em gêneros variados como reportagem,
notícia, carta do leitor etc. e o autor também reconhece isso em: “Embora a definição
não seja muito precisa – afinal a informação é uma qualidade presente em todo texto -,
por ora ela nos serve como um primeiro divisor de águas (2011, p. 129). Com esse
texto, introduz o Texto 1 Badminton que serve como exemplo para a produção escrita.
Na primeira proposta de escrita do capítulo, ao aluno é solicitada a escrita de um
texto informativo, de dois a três parágrafos, tarefa que poderá seguir o roteiro de leitura
278
anteriormente fornecido para o texto acima que se detém na descrição de um esporte.
Esse roteiro detém-se no objetivo do texto, na relevância do interlocutor de um texto
sobre esporte, questiona a informação pura e atrai a atenção do aluno para o fato de que
o autor do texto não aprece por meio de opiniões diretas, como “eu acho que”. Em
seguida a essa orientação, temos a Prática de Texto apresentada na figura 27.
Como orientação, o autor sugere que o aluno invente um esporte e forneça
informações sobre ele para o seu leitor, mas não se esqueça do título. A exclamação
aparece como a voz de um professor alertando seu aluno sobre uma necessidade da
produção: ter um título. Até esse ponto, a ênfase do capítulo foi na estrutura
composicional do gênero comprovada pelo encaminhamento da proposta que relembra o
aluno da divisão do texto em parágrafos.
A leitura da proposta acima, desvinculada dos elementos anteriores discutidos
no texto do capítulo, poderia levar nosso leitor a questionar a validade de uma atividade
que não fornece detalhes acerca do texto a ser produzido, mas não podemos nos
esquecer de que o autor de PTEU constrói seus capítulos de maneira didática e
dividindo aquilo que pretende ensinar em partes, mas que terão certo acabamento no
final do capítulo o que pode ser comprovado com a segunda e última atividade de
escrita:
279
Figura 28: Prática de Texto - Capítulo 6 (1992, p. 115) e Capítulo 8 (2011, p. 147).
Essa Prática de texto possui o mesmo encaminhamento em ambas as edições.
No entanto a interação é modificada:
1ª: Agora vamos escrever um texto de informação. Escreva um texto,
de 4 parágrafos, informando o leitor da descoberta de uma
comunidade isolada no interior do Brasil que pôs em prática as
ideias de algum filósofo. Use a imaginação à vontade!
[...]
Importante: use elementos de costura dos parágrafos, para
estabelecer a sequência das informações. E não esqueça do título,
que é o primeiro “gancho” para segurar o leitor pelo colarinho! (p. 115).
20ª: Para recapitular e encerrar esse capítulo, vamos pôr em prática
tudo que aprendemos até aqui sobre texto de informação. Escreva um
texto de quatro parágrafos informando o leitor da descoberta de
uma comunidade isolada no interior do Brasil que pôs em prática
as ideias de algum filósofo. Use a imaginação à vontade – pode ser
uma comunidade de marcianos, de crianças, de beatniks...
280
[...]
Importante: use elementos de costura dos parágrafos, para
estabelecer a sequência das informações. E não esqueça do título,
que é o primeiro “gancho” para segurar o leitor pelo colarinho! (p. 147).
Na vigésima edição, há um cuidado maior com a instrução da tarefa,
estimulando que o aluno verifique sua compreensão das discussões do capítulo. O autor
faz uma contextualização breve de seu objetivo com a proposta de escrita. Sugere que o
aluno sinta-se livre em criar seu texto e ajuda-o com alguns exemplos de quais tipos de
comunidade podem ser pensadas, texto ausente na primeira edição, o que mostra um
tom mais professoral do segundo texto. O último lembrete da proposta faz uso de um
tom coloquial e bem-humorado ao sugerir a escolha certa das palavras que agradem o
leitor, no entanto, observamos que o erro gramatical da primeira edição manteve-se na
vigésima com o uso de “não esqueça do título”, onde a gramática normativa da escrita
recomenda “não se esqueça do” ou “ não esqueça o”. Esse procedimento pode ter
fundamento se levarmos em consideração o fato de que, apesar de se tratar de aulas de
língua portuguesa, o autor prefere desobedecer a algumas regras fixas da norma culta da
língua a fim de que seu diálogo com o aluno flua melhor, ou seja, propor um material
didático cuja linguagem se aproxime um pouco mais da linguagem não tão elitizada
pode auxiliar a interação.
O texto que foi fornecido ao aluno no capítulo, A Fazenda da utopia, pertence ao
gênero reportagem e foi publicado em 1990 na revista Veja. Vejamos como se inicia:
Pede-se atenção ao teste que se segue. “Era uma vez uma terra
distante onde todo mundo trabalhava naquilo que mais gostava – e,
mesmo assim, só quando acordasse disposto. Nesse lugar, escola e
assistência médica eram gratuitas, ninguém pagava aluguel e, nas
horas de folga, todos se dedicavam à dança, ao teatro, à música e às
artes em geral” (2011, p. 133).
O texto, reproduzido integralmente em sua forma verbal em três páginas e meia
serve de mote à produção, pois nesse texto, é apresentada ao aluno uma comunidade
isolada que possui um estilo de vida diferente do da maioria dos brasileiros.
A “conversa” mais direta do autor com seu leitor aparece em momentos
diversos, como os textos expressos entre parênteses e pelo uso da exclamação no final
das orientações. A diretiva do título é repetida aqui, como em vários outros exercícios,
reproduzindo o trabalho de repetição comum para o professor em sala de aula. A
281
atividade final de produção do capítulo retoma os aspectos composicionais (texto de
quatro parágrafos com sugestões de conteúdo para cada um; uso de elementos de coesão
e título) e estilísticos de um texto informativo (usar a imaginação; a opinião apresentada
não será a do autor). A escrita do texto deve considerar o seu possível leitor que, a partir
do título, deve ser seduzido pelo assunto. Falta no encaminhamento à atividade uma
discussão acerca da possível esfera de circulação do texto a ser produzido, se seria
publicado em uma revista ou jornal, deixando a cargo do aluno, compreender a
referência feita ao texto lido. No entanto, o roteiro de leitura explorou aspectos
referentes ao interlocutor, às características da escrita como o emprego de frases curtas e
chamou a atenção para a posição avaliativa daquele que produz um texto, cuja isenção
total, é praticamente impossível, já que a própria organização do texto, as informações
que o autor escolhe para figurar no início ou no final do texto, afetam a objetividade
total.
O leitor (professor ou pesquisador) que espera um exercício de produção do
gênero reportagem decepciona-se, pois não há menção direta a esse gênero em nenhum
momento. O autor limita-se a encaminhar a atividade com expressões tais como:
“informando o leitor”, texto de informação”, “opiniões de alguém (citado no texto), e
não suas”, “orientação apreciativa”. Além dessas, direciona a atenção do aluno aos
aspectos formais do texto, como a necessidade de uso de conectores para estabelecer a
“costura dos parágrafos”, retomando a seção Língua Padrão do capítulo. O fato de não
mencionar termos mais técnicos para solicitar as atividades soma-se ao fato de o autor
não obedecer a algumas regras gramaticais do padrão culto da língua, estes dois
procedimentos facilitam a interação, afinal um material didático em que se empregue
uma nomenclatura que só diz respeito a pesquisadores e professores num livro para
quem o principal objetivo é aprender a redigir de forma competente, pode ser um
empecilho. O autor se propõe, o que tudo indica, se aproximar do seu leitor.
Entendemos que a proposta estabelece uma relação dialógica com o que foi
discutido anteriormente a respeito da escrita de um texto cujo principal objetivo seja
veicular uma informação. O aluno, ao produzir seu texto, provavelmente acionará seu
conhecimento do gênero reportagem, relembrado pela leitura do texto e da respectiva
fonte que o remete a uma revista de grande circulação nacional.
Até agora, nossa análise nos conduz a uma compreensão de que para o autor o
importante é resgatar elementos centrais da produção de textos, o que reflete e refrata as
282
condições em eu o aluno chega à graduação, mencionadas na introdução e no capítulo 1
desta tese. Conforme discutimos também, a disciplina de “resgate” aos conhecimentos
linguístico-discursivos, fornecida nos primeiros semestres, em pelo menos nas
universidades pesquisadas, não pretende aprofundar o conhecimento do aluno em
gêneros específicos, mas as características centrais desses textos. Nem mesmo quando o
autor apresenta a resenha crítica, esse um importante gênero da comunidade acadêmica,
a ênfase é feita nos gêneros nos quais se materializa, mas em seus elementos principais,
conforme apresentamos mais à frente.
Observamos o mesmo procedimento na proposta do capítulo 7 (1992) e 9
(2011):
Figura 29: Prática de Texto - Capítulo 7 (1992, p. 122) e Capítulo 9 (2011, p. 153).
Em comparação entre as edições, podemos observar que outra característica
dessa nova edição é o acréscimo de detalhes às instruções das atividades:
283
1ª: “Para você sentir o que estamos discutindo, escreva um texto
literário qualquer!” (1992, p. 122).
20ª: “Para você sentir o que estamos discutindo, escreva um pequeno
texto literário: um poema, o início de um romance, uma história
curta.” (2011, p. 153, grifos do autor).
Nota-se novamente a ênfase dada às palavras “sentir”, indicando que o discutido,
possivelmente, será internalizado com a prática da escrita. Além do que já foi
apresentado antes de a linguagem passar pelos sentidos. Aparentemente, usar o verbo
“sentir” sugere uma situação nada comum num livro didático. Talvez o esperado fosse
“para você perceber, visualizar, observar”, mas “sentir” cria o efeito sugerindo que o
autor quer que o aluno se aproxime, se permita, parecendo quase um “bate-papo” entre
pessoas próximas que trocam ideias: mais uma indicação de uma tentativa de interação
com o aluno.
O enunciado da vigésima edição sugere alguns gêneros literários como o poema,
o romance e uma história curta, numa aparente reformulação didática da primeira
edição, fornecendo ao aluno uma noção de extensão com as expressões “pequeno texto”
e “início de um romance”. A fim de recuperar a imagem de texto literário que o aluno
possui, o autor apresenta anteriormente no capítulo o poema Quadrilha de Carlos
Drummond de Andrade. Por considerar o texto literário “um território de subversão das
outras linguagens” (2011, p. 152), o autor enuncia-se como não conhecedor das razões
pelas quais um texto literário é produzido, libertando, assim, o aluno de quaisquer
amarras estruturais, permitindo-lhe recriar a linguagem, transformá-la e submetendo-a a
seu próprio universo. Consideramos que, apesar dessa Prática de Texto ser curta e,
aparentemente desprovida de informações sobre a composição de um texto literário,
mas uma vez reforçamos nosso entendimento de que o autor constrói um capítulo que
culmina na proposta de escrita, mas não se encerra nela.
Essa primeira proposta de produção de um texto literário não recuperou o
discutido até então no capítulo, que é o conceito de unidade temática e estrutural. Não
há, na tarefa, a recomendação de que se deva observar os aspectos discutidos quanto à
definição e manutenção do assunto ao longo da escrita. Pode-se supor que essa ausência
de direcionamento reforce o apresentado na Atividade 2 a respeito da possibilidade de o
texto literário não se ater a esses parâmetros. A segunda atividade do capítulo,
apresentada a seguir, mostra a construção passo a passo do escritor de um texto.
284
Naquela, o objetivo era produzir um texto qualquer, o foco não se concentrou na
questão da unidade, mas na liberdade linguística e discursiva do fazer literário.
A última proposta do capítulo resgata o discutido no capítulo como um todo,
como podemos observar em:
Figura 30: Prática de Texto - Capítulo 7 (1992, p. 132) e Capítulo 9 (2011, p. 159).
A Prática de texto de escrita de um texto informativo vem logo após um
exercício de localização de relatores, e após a leitura dos textos À margem do tempo,
revista Veja de 1990, na primeira edição e Turista ocasional, publicado na National
Geographic Brasil, em maio de 2000, na vigésima edição. O primeiro descreve uma
comunidade isolada da Mata Atlântica e o segundo, o tubarão branco personagem do
filme Tubarão, na década de 70, daí a diferença observada na proposta das duas
edições. Apesar de diferentes, os textos abordam um fato curioso que serve de mote ao
texto a ser produzido no exercício.
285
O enfoque da proposta é a unidade temática a ser observada no texto e que pode
ser considerada uma característica do gênero reportagem, apesar de não haver menção a
ele. O capítulo concentrou-se em discutir resumo e os aspectos a serem observados
como a divisão dos assuntos por parágrafos e a “sequência coordenada de informações”
(2011, p. 155), aspecto linguístico e estrutural explorado por meio de anafóricos e
relatores.
A primeira edição não recupera esse sentido, ao contrário da vigésima que
sugere além do objeto da escrita, um animal curioso, as condições que o rodeiam, como
o tempo de descobrimento, quem o descobriu, como as pessoas reagiram a isso e a
imprensa envolvida. A atividade também reproduz o texto lido quando sugere o
discurso direto citado, em que o aluno deve apresentar a fala de um especialista,
utilizando aspectos formais, como as aspas.
Os aspectos temáticos e estruturais continuam sendo discutidos no capítulo 8
(1992) e 10 (2011):
286
Figura 31: Prática de Texto - Capítulo 8 (1992, p. 150) e Capítulo 10 (2011, p. 182).
A proposta de redação da Prática de texto apresenta quatro itens que servem de
roteiro à escrita do parágrafo, enfatizando a sequência de ideias e fatos e a unidade
estrutural. Ambas as edições apresentam essa proposta ao leitor:
Para encerrar esse tópico, vamos reforçar agora a noção de parágrafo
pensando na sequência e na unidade estrutural. Escreva um texto, em
quatro parágrafos, que descreva a trajetória de um estudante
universitário. Se quiser, siga o roteiro: [...] (2011, p. 182).
O aluno universitário é considerado, assim como é lhe dada a opção de aceitar
ou não a sugestão do autor, respeitando sua produção e responsividade. O roteiro
fornecido propõe as partes do texto: A introdução pode ser uma descrição de cena ou
uma questão inicial que será respondida depois seguindo o mote da euforia sentida por
um aluno aprovado no vestibular. O desenvolvimento do texto versará sobre a
realização ou não das expectativas em relação ao curso superior, facultando ao aluno o
tópico da conclusão.
Como padrão do autor em PTEU, o gênero a ser produzido não vem nomeado
explicitamente. Considerando a proposta poderia ser um artigo de jornal, uma crônica,
um texto de mural, etc. No item destinado à estrutura o autor volta a atenção do aluno
para o enunciatário do texto a ser produzido, um estudante outro ou o próprio aluno, o
objetivo da escrita e a relação desse objetivo com o leitor, comovê-lo, informá-lo,
estimulá-lo, reforçando a necessidade de se manter a unidade e não ceder à tentação de
abordar vários assuntos ao mesmo tempo. A referência feita ao destinatário do texto
produzido pelo aluno afasta aquela ideia comum de que o texto em sala de aula não é
significativo porque produzido para o professor. Nesse caso, o leitor hipotético aponta
na direção de o texto não ser dirigido para alguém que possivelmente somente usará seu
texto como objeto de correções linguísticas, reduzindo a possibilidade de uma situação
artificial.
Relevante observar que as ressalvas do autor em relação à estrutura do texto
voltam-se a questões discursivas. Mais uma vez, a produção seguirá as imagens que o
aluno tem da escrita de texto, por meio de sua experiência ou a leitura dos textos
287
anteriores. O único aspecto tipológico mencionado foi a descrição, mas ainda como uma
das sugestões apresentadas.
As análises aqui apresentadas deixam clara a intenção do autor em propor
contínua interação com seu aluno que, como já foi indicado, aluno esse que se
transforma em aluno-autor pelo fato de que ele não é um mero receptor passivo de um
conjunto de instruções do autor do livro como num manual técnico. Poderíamos
hipotetizar, já que não foi objetivo desse trabalho, um diálogo estabelecido também
entre professor e aluno o que seria fundamental, inclusive, para redimensionar o caráter
do livro didático.
288
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dada a sua complexidade, o livro didático implica investigações várias que
envolvem seu papel educacional, sua trajetória e, considerando-se alguns contextos
institucionais, sua adoção e uso em sala de aula universitária. Além desses aspectos,
devemos levar em consideração o processo de editoração de um material. Nosso
trabalho ateve-se à materialidade de um objeto cultural da maneira como circula nas
livrarias e bibliotecas universitárias, mas dado nosso objetivo central de investigar os
reflexos da concepção teórica de um autor em sua produção didática, não podemos nos
furtar de abordar, ainda que brevemente nestas considerações, um aspecto importante.
Nossa pesquisa, conforme mencionado, situa-se em uma interseção das esferas
educacional, editorial e institucional. Boa parte das instâncias em que observamos uma
incoerência em “ser ou não ser bakhtiniano” pode dever-se às coerções editoriais. Se
observarmos algumas oscilações, podemos creditá-las como uma possível resposta do
processo de autoria aos compromissos mercadológicos de venda e obtenção de lucro.
Poderíamos lançar mão de outra hipótese de que se um material fosse construído
totalmente em acordo com uma postura teórica, poderia não ser aceito para publicação.
Sabemos que não há no pensamento bakhtiniano apenas um método aplicável,
um manual metodológico que se adequaria a variadas situações de linguagem, mas
métodos conhecidos e reconhecidos por pesquisadores em todo o mundo. É possível
reconhecer em PTEU uma filiação teórica sobre a linguagem, depreendida de um
processo de ensino de uso de língua dividido didaticamente em etapas, parte do fazer
pedagógico. Conseguimos visualizar no livro a pretensão do autor em oferecer uma
abordagem inovadora de prática de texto porque fortemente apoiada por reflexões
sólidas sobre língua, linguagem e seus usos.
Se considerarmos nosso objeto de estudo, é possível compreender o caminho
perseguido pelo autor nas propostas de produção textual que envolvem a produção de
gêneros, mesmo que não explicitados como tais. No capítulo 1 (1992)/ 3 (2011) ao
aluno requereu-se que demonstrasse conhecer gêneros variados e produzir alguns com
que tivesse mais familiaridade, sem que fossem destacados os elementos temáticos,
composicionais e estilísticos de cada um. Fizemos uma ressalva a esse aspecto quando
discutimos o capítulo 2 em que não foi apresentado ao aluno as condições reais em que
o texto circulou originalmente, já que em PTEU somente foi oferecido ao aluno seus
289
aspectos verbais. Dadas as considerações realizadas sobre o aluno ingressante no ensino
superior, percebemos que PTEU concentra-se em sanar deficiências linguísticas e
discursivas que possam habilitá-lo a lidar com o texto acadêmico, procedimento que
pudemos constatar no final do livro com o ensino da resenha crítica. Embora não
adentre as especificidades de uma resenha científica, prepara o aluno em direção aos
elementos centrais desse gênero, passando pelo resumo, que explora a interpretação do
texto lido e a avaliação crítica, por meio da compreensão responsiva ativa e do incentivo
a um posicionar-se bem situado.
O capítulo 6 (1992)/ 8 (2011) aborda a construção composicional e o estilo do
gênero reportagem, por meio do texto de informação. A ênfase é na postura avaliativa
do autor de um texto quando, além, de informar, escolhe o que informar para alguém e
expressar sua opinião. A estrutura do texto é explorada por meio da ordem em que as
informações devem aparecer em um texto e como essas informações podem seguir uma
sequencia clara e que faça uso de elementos linguísticos como anafóricos e relatores.
Aqui se percebe o primeiro movimento do autor em incorporar a estrutura da língua ao
gênero.
A essa ordem sequencial de informações, o capítulo 7 (1992)/ 9 (2011)
acrescenta o conceito de unidade temática e estrutural do gênero. A estrutura
composicional e o uso da língua é explorado por meio dos elementos referenciais
anafóricos e relatores que estabelecem as referências textual, situacional e lógica,
estabelecendo relação entre as informações providas no texto. A produção de texto,
sugerida após essas discussões, sinaliza para a construção de um texto baseado nos
aspectos linguísticos-discursivos explorados no capítulo.
O capítulo 8 (1992)/10 (2011) reforça a necessidade de organização do texto em
parágrafos e orienta o aluno sobre os assuntos que podem (deixa como escolha) figurar
em cada um deles. O texto, se considerar o próprio autor, será estruturado como um
depoimento pessoal, mas levando em consideração uma temática de início ao fim,
valorizando o sentido de unidade.
A autoria é proposta e se constrói em um movimento interlocutivo, na relação
alteritária entre um autor-criador e seu leitor, um autor-criador em formação.
Percebemos, nesse processo de construção de autoria, uma preocupação em provocar
uma questão de estilo, oportunizar ao aluno uma escolha de recursos linguísticos e, por
que não, de gêneros discursivos, por meios dos quais se posicionaria diante do mundo.
290
Fica evidente que a escolha a ser feita não é aleatória, decorre de uma concepção de
linguagem, de enunciado, de interação e de gênero que vai sendo construída ao longo
dos capítulos por meio da reflexão discursiva realizada.
Conforme apresentamos, em PTEU, todas as propostas de produção textual vêm
após um longo trabalho de leitura de textos. A leitura é guiada por meio de roteiros de
observação ou de segmentação textual que objetivam a compreensão dos aspectos
centrais e sempre em relação à proposta daquele autor. Mais uma vez, entendemos que
para um bakhitniano, o processo de escrever é muito mais que um ato, pois envolve a
habilidade da leitura, o que é relembrado inúmeras vezes no livro. A esse respeito,
Possenti ( 2009) argumenta:
Ora, ler deveria ser, antes de mais nada, desmontar um texto para ver como
ele se constrói, ate para que se possa dizer qual a relação entre seu modo de
ser construído e os efeitos de sentido que produz (digo isso pensando não na
circulação dos textos e em seus vários suportes, mas em sua interpretação,
isto e, sua decifração) (p. 104).
Os exercícios de leitura de PTEU procuram enfatizar a posição de um sujeito se
enunciando a partir de um lugar social e produzindo um discurso que apresenta uma
noção de singularidade, apesar de inscrito em uma tradição ou institucionalizado. A
proposta de decomposição do texto por seus aspectos textuais e discursivos envolve um
processo de decodificação que permita apreender os sentidos possíveis produzidos por
essa ou aquela escolha gramatical do autor. Essa linha didática conduzida pelo autor
demonstra para o aluno que aquele objeto que ele tem diante de si, o texto, não é algo
pronto a ponto de ter um único sentido ao qual ele, como leitor, não tem acesso, ou não
seria capaz de reproduzir ou refutar minimamente como autor.
O autor conduz as atividades de escrita, respeitando a proposta inicial do livro
em oferecer situações de reflexão de uso da língua. Por meio das reflexões: escolha de
um tema devido à complexidade do assunto, utilização de fatos ou ideias presentes em
textos lidos, necessidade de uma esquematização prévia da escrita, a escolha do leitor
em estreita ligação com a esfera em que o texto circularia.
Observamos que, nesse exercício, o autor direciona seu texto para outro autor-
criador. Existe uma conversa sobre o posicionamento pessoal do autor de um texto num
processo de amadurecimento intelectual que se consolida na superação das ideias
tomadas por muito tempo como certas, imutáveis. O bom autor é aquele que não só tem
um ponto de vista, mas é capaz de expressá-lo por meio de argumentos adequados.
291
As propostas de produção de PTEU revelam que a construção da autoria passa
pela consideração de alguns aspectos e, a esse respeito, concordamos com a tese
defendida por Possenti (2009, p. 108-110) que nos ajudou a verbalizar uma sensação e
uma constatação que foi nos perseguindo à medida que avançávamos nessa
investigação. Qual seja:
1- “Não basta que um texto satisfaça exigências de ordem gramatical” (p. 108).
O autor de PTEU levanta considerações importantes acerca de língua e do
conceito de norma padrão. A reflexão conduzida privilegia a compreensão do uso dos
fenômenos linguísticos e suas implicações. O estudo dos textos responde a um objetivo
enunciativo-discursivo em que o estudo dos aspectos linguísticos enfatiza a necessidade
de o texto fazer sentido e ser compreendido pelo seu leitor, além de adequar-se à esfera
de circulação. Em nenhum momento o estudo dos textos configura-se como pretexto
único de exploração de aspectos gramaticais.
2- “Não basta que o texto satisfaça as exigências de ordem textual” (p. 108).
Aliado ao estudo dos textos, os roteiros de leitura enfatizam a divisão dos
assuntos por capítulos e a necessidade da clareza e a coesão garantida pelo emprego de
relatores adequados. Para um texto ser considerado de qualidade, ele deve evidenciar
um conhecimento de mundo e/ou enciclopédico do aluno-autor, “de outros discursos, de
memória social, traços capazes de dar congruência aos fatos narrados” (POSSENTI,
2009, p. 109).
Os resultados dos exames de larga escala apontam para uma deficiência de
conhecimento cultural, cuja fonte pode ser a leitura de livros, revistas, jornais,
apontando também para a necessidade de um maior direcionamento da leitura via
internet. Sabemos que a profusão de informações a que o aluno está exposto atualmente
não necessariamente passa por uma organização do conhecimento que possa ser
reconhecida em produções escritas.
3- “As verdadeiras marcas de autoria são da ordem do discurso não do texto ou da
gramática” (p. 110).
O texto abordado do ponto de vista discursivo em PTEU leva em consideração o
todo significativo do texto e, apesar de didaticamente o autor conduzir algumas
decomposições, a compreensão do sentido global por meio dos elementos que
produzem sentido (gramaticais, estilísticos) fazem do texto algo maior que a soma de
suas partes. Esses procedimentos refletem-se na ênfase da consideração do interlocutor
292
no processo interacional e quais construções textuais seriam mais adequadas para o
processo de construção de sentido. Por meio de uma abordagem que explora os aspectos
discursivos de um texto, que levam o aluno a compreender mais que elementos
linguísticos ou tipológicos, acreditamos que seja possível apostar na construção de um
sujeito leitor e autor autônomo, capaz de lidar com as demandas da vida cotidiana,
acadêmica e profissional.
Chegamos, com tudo o que exposto, ao final desta tese, feitas as reflexões,
análise e interpretações e neste momento, nós pesquisadores, permitimo-nos agora
confessar que vivenciamos em quatro anos um processo muito difícil de
“desidentificação” em prol do fazer científico deste trabalho. Como professores, com
anos de experiência diária com alunos universitários, de primeiro e segundo semestres,
às vezes terceiro e quarto, não mais que isso, sentimos a necessidade de sair da sala de
aula e olhá-la de fora. Isso por si só, já seria um trabalho difícil, pois para o sujeito real,
uma atividade extracorpórea, apresenta-se como um desafio sobrenatural.
O próprio título da primeira edição Prática de texto: língua portuguesa para
nossos estudantes universitários reflete e refrata a situação educacional atual em que,
pelo menos nas universidades particulares, todos os cursos de graduação possuem
disciplinas voltadas a esse ensino ou oferecem “oficinas de texto”, prática bastante
comum nas universidades federais. O pronome possessivo adjetivo “nossos” é uma
marca discursiva que reflete e refrata uma época que não acabou, pelo menos no que diz
respeito à preparação dos alunos ingressantes no ensino superior. E mais, nossos alunos
não são apenas os dos cursos de Letras, como muitas pesquisas apontam, são alunos de
todos os cursos de graduação, no entanto, preparados por nós, profissionais formados
por aquele curso.
Desapego, talvez seja essa a palavra que nos assombrou esse percurso todo. Não
só não estivemos fora da sala de aula, espiando pelo buraco da fechadura, como não
podíamos nos deixar “contagiar” pelo fazer docente, pois essa não era nossa proposta.
Nossa proposta era dar uma volta, definitivamente trocar as lentes e assumir a postura
discursiva de um novo sujeito, um sujeito que formula problemas, investiga soluções,
ouve vozes alheias e volta para si para organizar o caos.
Investigar um contexto que nos parecia muito familiar, a princípio foi
confortável, factível. Com o passar do tempo, percebemos que estávamos tocando em
questões que, até então, nunca nos disseram respeito, afinal seguir um livro didático em
293
sala, senão fielmente de capa a capa, inserindo aqui, ali elementos de maior
identificação ou necessidade da turma, parecia-nos garantia de que as necessidades dos
alunos seriam contempladas e de que seriam minimizadas as chances de fugir de algum
conceito importante. Quando isso não era possível (a maioria das vezes não é), produzir
um material didático específico para a classe, passava por questões práticas de
organização de conteúdos, disponibilidade de textos e criação de exercícios, quando não
copiados de outros materiais que circulam na faculdade ou de livros publicados.
O que nos desafiou grandemente foi entender que, mesmo se todos nossos
alunos comprassem PTEU e esse passasse a ser a “bíblia” da disciplina, por
considerarmos sua estrutura e reflexões consoantes com nossas concepções de ensino de
língua, esse não era nosso objeto de pesquisa, afinal foi decidido de antemão que em
nenhum momento, faríamos pesquisa de campo. Essa decisão, quando tomada, parecia
que como um decreto-lei, estabelecesse a possibilidade de separar “a voz que pensa e a
mão que escreve”.
Ao fechar esse trabalho, procuramos dar-lhe um acabamento que nos foi
permitido pelo processo dialógico de “ver o mundo através do sistema de valores do
outro” e voltarmo-nos a nossa posição inicial de responder às questões de pesquisa e
confirmar ou não nossa hipótese. Bem ao estilo bakhtiniano, esperamos que outras
vozes dialoguem com as nossas vozes aqui dessa tese no sentido de complementar
informações dadas e, por que não, ajustar posicionamentos sugeridos com as nossas
considerações.
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304
ANEXOS
305
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1- Prática de Texto - Capítulo 3 (2011, p. 46)
Anexo 2- Prática de Texto - Capítulo 8 (2011, p. 130)
Anexo 3- Prática de Texto - Capítulo 8 (2011, p. 147)
Anexo 4- Prática de Texto - Capítulo 9 (2011, p. 153)
Anexo 5- Prática de Texto - Capítulo 9 (2011, p. 159)
Anexo 6- Prática de Texto - Capítulo 10 (2011, p. 182)
306
ANEXO 1
307
ANEXO 2
308
ANEXO 3
309
ANEXO 4
310
ANEXO 5
311
ANEXO 6
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