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usjt • arq.urb • número 8 | segundo semestre de 2012 112
Paulo Eduardo Borzani Gonçalves e Wendie Aparecida Piccinini Requena | Um século de habitação social do brasil: análise, referencial e relações de liberdade plástica do
conjunto residencial marquês de são vicente – rj com a produção modernista latino-americana
Resumo:
A partir de um estudo de levantamento gráfico, iconográfico e textual focado na qualidade do partido arquitetônico adotado e desenvolvido por um dos principais ícones da produção habi-tacional de cunho social e popular no Brasil pre-tende-se traçar um panorama da evolução desta tipologia no decorrer do processo histórico e sua inter-relação com seus pares latino-americanos. Este estudo tem como ponto de partida a aná-lise de material documental referente ao surgi-mento das Vilas Operárias, implantadas no final do século XIX principalmente no Rio de Janeiro, consideradas precursoras dos conjuntos habi-tacionais, acompanha e analisa ainda as trans-formações decorrentes do processo histórico, político e social das décadas subsequentes, cul-minando com a produção modernista. O objetivo foi detectar e classificar os princípios e caracte-rísticas dos objetos estudados, a fim de extrair o que de melhor houver em cada um deles, dentro do panorama das técnicas construtivas disponí-veis, além de identificar conceitos e realidades político-administrativas de cada período, reu-nindo material de registro histórico que descre-ve as práticas da produção arquitetônica e suas
Um século de habitação social do brasil: análise, referencial e relações de liberdade plástica do conjunto residencial marquês de são vicente – rj com a produção modernista latino-americana1.A century of social housing in Brazil: analysis, referencial and relationships of plastic freedom Marquis de São Vicente Residencial - RJ with the Latin Ameri-can modernist productionPaulo Eduardo Borzani Gonçalves* e Wendie Aparecida Piccinini Requena**
relações com as experiências implantadas por arquitetos na América Latina em épocas correla-tas. A análise pormenorizada do material coleta-do sobre a realidade das condições de projeto e construção do Conjunto Residencial Marquês de São Vicente entre 1952 e 1954 no Rio de Janei-ro, como edificação representante da liberdade plástica do Modernismo brasileiro e um gigante da habitação social no país, nos permite compre-ender as relações existentes entre as condições político-sociais desse momento e as possibilida-des de inovação projetual adotadas pelo arquite-to Affonso Eduardo Reidy, bem como determinar as soluções construtivas e o partido arquitetôni-co, definidos no contexto de sua implantação no bairro da Gávea. Também se investiga o proces-so de circulação das ideias referentes à liberdade expressiva de Reidy e sua influência na produção dessa tipologia habitacional junto aos arquitetos latino-americanos.
Palavras-chave: habitação social, modernismo, transformação urbana.
*Paulo Eduardo Gonçalves Bor-zani é coordenador da Especia-lização em Design de Interiores e docente dos cursos de De-sign e Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Guarulhos. Graduado em Arquitetura e Ur-banismo pelo Centro Universitá-rio Belas Artes (1989, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade São Judas Tadeu (2009) e doutorando em Arqui-tetura e Urbanismo pela Univer-sidade Presbiteriana Mackenzie.**Wendie Aparecida Piccinini é professora do Curso de Arqui-tetura e Urbanismo da Universi-dade de Guarulhos, onde coor-dena as atividades relativas aos Trabalhos Finais de Graduação. Possui graduação em Arquitetu-ra e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Farias Brito (1978), mestrado (2006) e doutoranda em Arquite-tura e Urbanismo pela Universi-dade Presbiteriana Mackenzie.
1.Artigo publicado no Semi-nário Internacional BRASIL- ARGENTINA-MÉXICO - 4o. Encontro de Estudos Compa-rados em Arquitetura e Urba-nismo nas Américas – 2012.
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Paulo Eduardo Borzani Gonçalves e Wendie Aparecida Piccinini Requena | Um século de habitação social do brasil: análise, referencial e relações de liberdade plástica do
conjunto residencial marquês de são vicente – rj com a produção modernista latino-americana
Abstract:
From a survey of a graphic documentation, ico-nographic and textual, focused in the quality of an architectural party, relating to the types es-tablished, adopted and developed by the major icons of housing production (social and popular) in Brazil, it intends to intended to give an overview of the historical process evolution its interrelation with their Latin American peers. The first point of this analysis is the development of housing for workers, established in the late nineteenth cen-tury mainly in Rio de Janeiro, considered precur-sors of the housing groups, also monitoring and analyzing the changes deriving from the histori-cal, political and social process from the subse-quent decades, culminating with the modernist production. The aim was to detect and classify the principles and characteristics of the objects studied in order to extract the best of what there is in each case within the panorama of the cons-truction techniques available, and identify con-cepts and political and administrative realities of each period, bringing material of historical record
that describes the practices of architectural pro-duction and its relations with the experiences im-plemented by architects in Latin America in the times related. A detailed analysis of the collected material about the project and construction con-ditions of residential group “Marquês de São Vi-cente” between 1952 and 1954 in Rio de Janeiro, such as the building representative of the freedom of Brazilian modernism and a giant of social hou-sing in the country, that allows us to understand the relationship between the political and social conditions from this moment and the possibilities of projectual innovation adopted by an architect called Affonso Eduardo Reidy, also determining the architectural design in the implementation of “Gávea” district. It also investigates the process of ideas circulation relating to his expressive fre-edom and his influence in the housing production typology with the Latin American architects.
Keyword: social housing, modernism, urban transformation.
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Paulo Eduardo Borzani Gonçalves e Wendie Aparecida Piccinini Requena | Um século de habitação social do brasil: análise, referencial e relações de liberdade plástica do
conjunto residencial marquês de são vicente – rj com a produção modernista latino-americana
Introdução
Este artigo pretende estabelecer o caminho das
transformações ocorridas em uma das principais
tipologias de moradias populares, os conjuntos
habitacionais e suas origens históricas, sociais e
políticas. Surgidos no Brasil com características
particularmente específicas, entretanto direta-
mente correlacionados às condições de desen-
volvimento urbano das principais capitais Latino
Americanas, oriundos do aprimoramento de um
modelo surgido da união das carências de uma
população operária recém-surgida, com o desen-
volvimento e aprimoramento industrial e de um
modelo pautado na garantia da produção aliada
ao idealismo de industriais, principalmente os
donos de fábricas de tecidos, no caso específico
do Brasil. Foi a partir dessa união de condicio-
nantes que foram construídas no final do século
XIX as vilas operárias de fábricas consideradas
uma das tipologias precursoras dos conjuntos
habitacionais no país.
Em decorrência da ligação existente entre a
construção dos conjuntos residenciais populares
e a garantia de preservação e desenvolvimento
da mão de obra para a manutenção da produção
emergente no início do século XX surgiu o inte-
resse do Estado, depois de muita pressão dos
movimentos: operário e anarquista, em produzir
habitação coletiva em maior escala, viabilizada
através da criação de um instrumental legislati-
vo, que culminou na regulamentação dos Institu-
tos de Aposentadoria e Pensão – IAPs e poste-
riormente da Fundação da Casa Popular - FCP,
legítimos precursores dos meios gestores do
processo de implantação de grandes empreen-
dimentos destinados a suprir as demandas por
moradia popular e acessível à classe trabalhado-
ra assalariada com a intenção de reafirmar o ca-
ráter populista do regime político, da Era Vargas,
instalado no poder, como analisou Gomes (2009).
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Paulo Eduardo Borzani Gonçalves e Wendie Aparecida Piccinini Requena | Um século de habitação social do brasil: análise, referencial e relações de liberdade plástica do
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Esse clima modernizador estava penetrado por
um nacionalismo econômico compartilhado
de forma heterodoxa por regimes estatistas e
liberais, democráticos e ditatoriais. Aí podiam
ser incluídos desde os governos populistas de
Lázaro Cárdenas no México (1934-40), Juan
Domingo Perón na Argentina (1946-55) e Ge-
tulio Vargas no Brasil (1934-45, 1950-54), até
as ditaduras progressistas, mas brutais, de
Fulgencio Batista em Cuba (1940-44, 1952-59)
e Marcos Pérez Jiménez na Venezuela (1952-
58). A agenda comum desenvolvimentista ha-
via sido apoiada, desde 1948, pela criação de
agências internacionais, como a Organização
dos Estados Americanos (OEA) e a Comissão
Econômica para a América Latina (CEPAL), pa-
trocinadas pelas Nações Unidas e os crescen-
tes interesses estadunidenses na exploração
primária e industrial da região. (GOMES, 2009,
p. 232)
Nesse período são construídos grandes conjun-
tos habitacionais, sob a administração dos IAPs
em vários estados da federação. São Paulo e Rio
de Janeiro abrigaram o maior número de edifi-
cações, Com uma atuação de impacto a pro-
dução dos IAPs provocou uma transformação
no panorama da oferta de habitação popular no
país, vale ressaltar que apenas o IAPI, Instituto
de Aposentadorias e Pensões dos Industriários
(Quadro 01) construiu quase 5000 unidades habi-
tacionais para classe média somente no período
compreendido entre sua criação e o ano de 1945,
promovidas por incorporadoras imobiliárias, 90%
das quais no Rio de Janeiro, onde viabilizou a
construção de 618 edifícios de apartamentos
(BONDUKI,2004).
Quadro 01: Distribuição da construção de unidades residen-ciais por período e por Institutos
os governos populistas de Lázaro Cárdenas no México (1934-40), Juan Domingo Perón na Argentina
(1946-55) e Getulio Vargas no Brasil (1934-45, 1950-54), até as ditaduras progressistas, mas brutais,
de Fulgencio Batista em Cuba (1940-44, 1952-59) e Marcos Pérez Jiménez na Venezuela (1952-58).
A agenda comum desenvolvimentista havia sido apoiada, desde 1948, pela criação de agências
internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comissão Econômica para a
América Latina (CEPAL), patrocinadas pelas Nações Unidas e os crescentes interesses
estadunidenses na exploração primária e industrial da região. (GOMES, 2009, p. 232)
Nesse período são construídos grandes conjuntos habitacionais, sob a administração dos IAPs
em vários estados da federação. São Paulo e Rio de Janeiro abrigaram o maior número de
edificações, Com uma atuação de impacto a produção dos IAPs provocou uma transformação no
panorama da oferta de habitação popular no país, vale ressaltar que apenas o IAPI, Instituto de
Aposentadorias e Pensões dos Industriários (Quadro 01) construiu quase 5000 unidades
habitacionais para classe média somente no período compreendido entre sua criação e o ano de
1945, promovidas por incorporadoras imobiliárias, 90% das quais no Rio de Janeiro, onde
viabilizou a construção de 618 edifícios de apartamentos (BONDUKI,2004).
Quadro 01: Distribuição da construção de unidades residenciais por período e por Institutos
INSTITUTOS UNIDADES PRODUZIDAS NOS PERÍODOS
1937 à 1945 1946 à 1950 1951 à 1964 Total
IAPB 98 2.325 2.679 5.120
IAPC 201 1.199 1.579 2.979
IAPETEC –
IAPE
1.178 998 897 3.073
IAPFESP - - 742 742
IAPI 4.749 12.976 1.427 19.152
IAPM - 824 58 882
IPASE 400 1.348 4.047 5.795
TOTAL IAPs 6.626 19.670 11.429 37.725
FCP - 8.265 9.817 18.082
TOTAL
GERAL
55.807
TABULAÇÃO DOS AUTORESFonte: BONDUKI, 2004.
A produção desse período deve ser analisada levando-se em conta todo o conjunto da obra
realizada pela arquitetura nacional, que nesse momento histórico prestava serviços ao Estado
através dos instrumentos administrativos que o poder público mantinha. Sobre essa situação
destacamos a análise de Koury; Bonduki; Manoel (2003) que quantifica essa produção.
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TABULAÇÃO DOS AUTORESFonte: BONDUKI, 2004.
A produção desse período deve ser analisada
levando-se em conta todo o conjunto da obra
realizada pela arquitetura nacional, que nesse
momento histórico prestava serviços ao Estado
através dos instrumentos administrativos que
o poder público mantinha. Sobre essa situação
destacamos a análise de Koury; Bonduki; Manoel
(2003) que quantifica essa produção.
A magnitude da ação dessas instituições re-
vela-se no fato de que apenas os Institutos de
Aposentadoria e Pensão – IAP’s e a Fundação
da Casa Popular - FCP financiaram ou cons-
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truíram mais de 140.000 unidades habitacio-
nais, sendo que os dois órgãos implantaram,
respectivamente, cerca de 279 e 143 conjuntos
habitacionais em todo o país. Por outro lado,
no período estudado foram criados, ao que até
agora foi possível resgatar, nada menos que
dezessete órgãos estaduais ou municipais en-
carregados de enfrentar o problema da mora-
dia, sendo que o Departamento de Habitação
Popular da Prefeitura do Distrito Federal foi do
ponto de vista da arquitetura, o mais importan-
te, por contar com profissionais como a eng.
Carmen Portinho, que foi sua diretora, e dos
arq. Affonso Eduardo Reidy e Francisco Bolo-
nha, que projetaram os conjuntos habitacionais
(KOURY; BONDUKI; MANOEL, 2003).
O conjunto produzido apresenta projetos que
adquiriram destaque dentro do panorama da
produção arquitetônica das primeiras décadas
do século XX no Brasil, contando com o traba-
lho de arquitetos reconhecidamente atuantes no
processo de constituição da arquitetura moderna
brasileira. Em sua grande maioria, adotavam na
prática os princípios modernistas que preconi-
zavam doutrinas para melhoria da qualidade de
vida nas habitações através da implantação dos
princípios difundidos internacionalmente após a
criação dos Congressos Internacionais de Arqui-
tetura Moderna - CIAMs em 1928.
Destaca-se o conteúdo da Carta de Atenas, re-
sultado do Quarto CIAM, realizado em Atenas,
na Grécia, no ano de 1933, o qual estabeleceu
detalhadamente conceitos e princípios a serem
aplicados com a intenção de fornecer soluções
a serem adotadas em qualquer parte do mundo
com a clara determinação de internacionalização
da arquitetura e do urbanismo voltados a atender
as necessidades de uma população proveniente
da nova realidade política, social e tecnológica
estabelecida pelo fenômeno da industrialização,
através da organização dos espaços urbanos em
categorias funcionais, destinadas à habitação,
lazer, trabalho, circulação e patrimônio histórico
(GONÇALVES; REQUENA, 2011).
O surgimento das Vilas Operárias cariocas e
no bairro da Gávea
Não se pode pensar no desenvolvimento do pro-
cesso de urbanização da cidade do Rio de Janei-
ro sem levar em conta a importância de dois fato-
res que o influenciaram diretamente, primeiro sua
conformação topográfica e geográfica e, na se-
quência, a transferência da Corte vinda de Salva-
dor em 1808, que trouxe consigo, a abertura dos
portos possibilitando a imigração de estrangeiros
para o Brasil, os quais se somaram a população
local na necessidade de unidades para habitar.
Nesse período, a conformação espacial da região
era marcada pela divisão em chácaras, das prin-
cipais áreas secas, nas quais se explorava ainda
as monoculturas agrícolas. A ocupação, que até
esse momento se estendia apenas entre os mor-
ros do Castelo, de São Bento, de Santo Antônio
e da Conceição, passa a buscar áreas de brejos
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dessecados, mangues e outras regiões alagadas,
entretanto a ocupação efetiva de outras áreas só
foi possível com a expansão e modernização do
sistema de transporte.
Figura 01: Bonde da linha Largo do Machado - Gávea. Fonte: Museu da Imagem e do Som, Fotógrafo Augusto Malta, 1920.
O período de transição entre o processo ma-
nufatureiro de produção e a instalação dos
edifícios fabris deve-se, no caso particular do
Rio de Janeiro, a dois fatores, sendo o primeiro
determinado pela proximidade entre as fontes
de matérias primas e os mercados consumi-
dores, representados não só pelas caracterís-
ticas de cidade portuária, mas também por ser
o maior centro financeiro do país e a segunda
determinada pela degradação das áreas pro-
dutoras de café, que passam a ser oferecidas
ao mercado imobiliário com preços baixos
e também, libera para a indústria, a mão de
obra que não emprega mais. O acréscimo de
contingente à força de trabalho disponível e,
ao mesmo tempo, o incremento do mercado
consumidor representam a base para a indus-
trialização carioca.
A progressiva valorização das terras ocupadas
durante o período de instalação das indústrias
acabou por justificar a implantação da infraestru-
tura urbana, indispensável ao desenvolvimento da
cidade, que incorporou maiores distâncias ao seu
território e possibilitou que essas iniciativas pas-
sassem a ser financiadas pelo capital estrangeiro.
A ocupação residencial do bairro da Gávea con-
tava, inicialmente, com o empreendedorismo
dos fidalgos, que desejam morar longe da aglo-
meração do centro, porém com a garantia de se
deslocar até ele no máximo em uma hora, tempo
exigido para que os bondes movidos à tração
animal percorressem o trajeto do final do bairro
ao Largo do Machado. Com o final do Império a
aristocracia se transfere para outros bairros e a
Gávea foi incorporada pela industrialização pu-
jante na capital.
A partir de 1865 novas linhas de bonde são cria-
das e a Botanical Garden Railoard passa a inter-
ligar o Largo do Machado ao Jardim Botânico,
Gávea e por fim Copacabana, tendo início o a
exploração das terras da zona sul carioca como
relataram Lima; Maleque (2007).
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A partir de 1865 a Gávea passou a ser servida
por transportes coletivos, primeiramente com
os bondes à tração animal da Botanical Garden
Railroad Company (posteriormente Companhia
Ferro Carril do Jardim Botânico), cuja linha ini-
cial ia inicialmente até o portão do Jardim Bo-
tânico, e, a partir de 1871, permitia a ligação
do centro da cidade ao Largo das Três Vendas,
num percurso de 13 km. Em 1883, esse percur-
so estendeu-se até o alto da Rua da Bela Vista
do Jardim Botânico. O bonde elétrico, movido
pelos acumuladores Julien, foi implantado em
1887, estimulando a ocupação da Freguesia da
Lagoa pelas classes mais abastadas [...]. (LIMA;
MALEQUE, 2007. p.107)
Nessa região também se instalam as primeiras
indústrias que demandavam grandes terrenos
e algumas delas, principalmente as de tecidos,
prescindiam da existência de cursos d’água
junto de suas instalações (STANCHI, 2008). Foi
no início do século XX, que as primeiras fábri-
cas, de tecidos e de produtos farmacêuticos
principalmente, foram construídas no bairro da
Gávea e anexo a elas são instaladas comuni-
dades operárias, que em sua maioria traziam
no seu programa básico de equipamentos ur-
banos, igrejas, escolas, clubes e postos mé-
dicos. Ainda segundo informações fornecidas
por Lima; Maleque (2007), o Censo realizado
em 1906 registrava uma população de 12.570
habitantes concentrada no distrito da Gávea,
que abrangia na época os bairros de Ipanema,
Jardim Botânico, Fonte da Saúde e estenden-
do-se até a Barra da Tijuca, revelando um cres-
cimento considerável se a compararmos aos
números do Censo de 1890 que contava ape-
nas 4.712 habitantes na mesma região.
Na virada para o XX, a cidade do Rio de Janeiro
já possuía um significativo número de fábricas
com vilas operárias anexas ou próximas de seus
edifícios. Dentro desse panorama de desenvol-
vimento industrial novecentista, os bairros situ-
ados ao extremo da zona sul do Rio viram surgir,
também, seus polos comerciais e de atuação
dos prestadores de serviços, fato este que foi
encarado pelo mercado imobiliário como mola
propulsora para a valorização dessas terras, a
qual surge associada à expansão das linhas de
transporte coletivo, resultante de acordo firma-
do entre as empresas imobiliárias e a empresa
de carris Botanical Garden. Tal situação persiste
por cerca de três décadas e a partir de 1930,
com o incremento da produção arquitetônica
modernista brasileira, impulsionada pela difu-
são da tecnologia dos processos de utilização
do concreto armado, teve início o primeiro pro-
cesso de desativação fabril nos bairros mais
afastados do centro dando início ao processo
de verticalização radical das áreas residenciais
na cidade do Rio de Janeiro. Esse fenômeno re-
pete-se simultaneamente nos bairros da Glória,
Flamengo, Copacabana, Gávea e Leblon, que
até meados da década de 1960 eram o final da
cidade nessa direção.
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conjunto residencial marquês de são vicente – rj com a produção modernista latino-americana
Dentre as diversas indústrias instaladas no bairro,
a Companhia de Fiação e Tecidos São Félix, tam-
bém conhecida popularmente como Fábrica de
malhas São Félix, Fábrica da Gávea ou Cotonifí-
cio Gávea oferecia habitação a seus operários e
esta vila operária situada à Rua Marquês de São
Vicente, encontra-se, ainda hoje, parcialmente
preservada na área da PUC-RJ, denominada hoje
de Vila dos Diretórios. O modelo adotado foi o
mesmo de outras vilas operárias do Rio de Ja-
neiro: pequenas casas padronizada sendo, uma
delas mais imponente e localizada na entrada,
geralmente ocupada pelo gerente da fábrica. Ha-
via uma hierarquia na ocupação que possibilitava
o controle dos subordinados pelo chefe.
Figuras 02 e 03: Vistas da Vila dos Diretórios PUC-RJ (Antiga Vila Operária São Félix - Gávea) – 1964. Fonte: http://www.ccpg.puc-rio.br/70anos/tempo-no-espaco/lugares-memoria/vila-dos-diretorios
Na década de 1950 o bairro da Gávea foi palco de
importantes transformações como a construção
do Conjunto Residencial Marquês de São Vicente
inaugurado em 1952, revelando a grandiosidade
do projeto do arquiteto Affonso Eduardo Reidy e
posteriormente a construção do campus Rio de
Janeiro da Pontifícia Universidade Católica em
1955, ocupando uma área de 100.000 metros
quadrados junto à Avenida Marquês de São Vi-
cente, sem falar nas transformações ocorridas no
sistema viário local, que viu suas calmas ruas re-
sidenciais passarem a importantes corredores de
interligação entre áreas estratégicas da cidade.
Tipologia modernista para habitação coletiva
– soluções brasileiras
A emergência do movimento moderno firmado
nas primeiras décadas do século XX deu origem a
experiências marcantes, tanto em relação às mo-
radias populares como nas tipologias verticais.
As ideias modernistas difundiram a otimização
dos métodos construtivos e novas tecnologias
foram incorporadas aos processos visando prin-
cipalmente a construção de moradias em larga
escala. As unidades residenciais foram uniformi-
zadas e o traçado urbanístico racionalizado.
Dentro desta lógica conceitual, uma propos-
ta moderna bastante difundida foi a das “Unite
d´Habitation” de Le Corbusier, inicialmente com
La Unite d´habitation de Marseille, 1947/52. Nes-
ta proposta, o arquiteto pela primeira vez teve
liberdade total para expressar suas concepções
sobre o habitat moderno, apresentando a possi-
bilidade de solucionar num mesmo bloco proble-
mas como, a determinação de diferentes mora-
dias que correspondessem a formas distintas de
morar, ou seja, que atendessem ás necessidades
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conjunto residencial marquês de são vicente – rj com a produção modernista latino-americana
de solteiros e de famílias com ou sem filhos. Utili-
zou pré-moldado, observou questões de ilumina-
ção e insolação, possibilidades de ampliação da
unidade e a instalação de serviços comunitários.
(GALESI; CAMPOS NETO, 2002).
Mais duas Unite d´Habitation são construídas
beneficiadas pela experiência de Marseille, a
Unite d´Habitation de Nantes-Reze, 1952/53, e
a Unite d´Habitation de Berlin, semelhantes em
seus princípios e diferentes em alguns aspectos
executivos e de interpretação estética.
Nestes modelos são identificados os aspectos
do movimento moderno tais como, teto jardim,
pilotis e as ruas internas integrando no mesmo
edifício habitações e equipamentos comunitá-
rios que foram amplamente difundidos inclusi-
ve pelos CIAMs. Este edifício habitacional foi
concebido como unidade urbana, composto
por moradias funcionais de qualidade, servidas
por equipamentos e serviços incluindo áreas
de lazer comunitárias, o que viria a alterar as
relações vigentes entre os espaços públicos e
privados.
Figura 04: Unité d’Habitation à Grandeur Conforme in Mar-seille (1945-1952). Fonte: http://lava.ds.arch.tue.nl/lava/peo-ple/art/corbu/
Figura 05.Unité d’Habitation, Nantes - Rezé, France, 1950-1955. Fonte: http://en.wikiarquitectura.com/index.php/Unit%C3%A9_d’Habitation_of_Nantes-ez%C3%A9
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Paulo Eduardo Borzani Gonçalves e Wendie Aparecida Piccinini Requena | Um século de habitação social do brasil: análise, referencial e relações de liberdade plástica do
conjunto residencial marquês de são vicente – rj com a produção modernista latino-americana
Deste modo, observa-se que neste período ha-
bitar um apartamento transformou-se em estar
interligado a um conjunto de funções coletivas
tornando a arquitetura inseparável do urbanismo.
Embora o modelo “Unite d´habitation” não tenha
se desenvolvido como solução no setor de ha-
bitação popular do ponto de vista conceitual é
considerável a influência de Corbusier, se desta-
cando em diferentes contextos, às vezes de for-
ma pura, outras adaptadas ou deturpadas.
As aspirações de Corbusier encontrariam eco no
Brasil, cujo governo encontrava-se engajado em
firmar a identidade nacional. A nova arquitetura,
preconizada por Corbusier, ancorou em terras
cariocas, passando a fazer parte da paisagem
da cidade e permitindo a busca por soluções de
conjuntos destinados à habitação. A influência
direta dos princípios e conceitos deste movi-
mento é restrita a um determinado período e se
representada na obra de alguns arquitetos bra-
sileiros notáveis, dentre eles Reidy, responsável
pelos conjuntos residenciais de Presidente Men-
des de Morais, o Pedregulho (1948) e mais tarde
o Conjunto Residencial Marquês de São Vicente,
no bairro operário da Gávea (1954), o qual consti-
tui um dos objetos fundamentais deste estudo, e
que obtiveram maior evidência na história da ar-
quitetura popular brasileira e internacional, o que
na verdade representa o auge de um destacado
ciclo de projetos de muita qualidade conceitual.
No Brasil estava, então, criada a atmosfera pro-
pícia à implantação do projeto social idealiza-
do por Carmen Portinho (1906-2001) e Affonso
Eduardo Reidy. A vontade de construir um em-
preendimento de vulto, que voltasse os olhos do
mundo para o potencial da arquitetura que esta-
va se desenvolvendo no Brasil; legitimar esta ar-
quitetura com a bandeira do atendimento social;
e ainda ter um Governo preocupado em marcar
a identidade nacional através das artes, princi-
palmente a arquitetura, foram fatores que pos-
sibilitaram a execução do Conjunto Residencial
Prefeito Mendes de Moraes (SILVA, 2006, p.24).
Reidy utiliza em suas obras a potencialidade
plástica da construção em concreto armado, uti-
lizando a linguagem arquitetônica sistematizada
por Le Corbusier. Defende também a espaciali-
dade como característica da arquitetura e reafir-
ma a necessidade de conciliação entre utilidade
e beleza plástica no projeto arquitetônico. O ar-
quiteto faz parte do processo histórico da mo-
Figura 06: Unité d’habitation de Berlim, Alemanha, 1957. Fonte: http://www.cambridge2000.com/gallery/html/P31211921e.html
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dernidade arquitetônica onde à conceituação e a
fenomenização do espaço se desenvolveram em
sincronia. (CONDURO, 2005).
É interessante observar que, em seus primeiros
projetos, como o Albergue da Boa Vontade (1931)
o arquiteto configura espaços na sua maioria or-
togonais, delimitados com exceções esboçadas
com formas puras como trapézios ou círculos.
Na sequencia destes projetos as composições
se tornam mais soltas e assimétricas desenvol-
vendo sua espacialidade nas áreas circundantes,
onde se principia uma articulação dos elemen-
tos que organizam os planos e volumes. Há uma
clareza na contraposição dos elementos de sus-
tentação e a restrição espacial, onde, o sistema
estrutural é evidenciado e proposto como resul-
tado plástico. Neste período pode-se destacar
inicialmente o bloco da escola e do ginásio do
conjunto residencial do Pedregulho (1947), onde
Reidy parte de plantas utilizando ângulos retos
concluindo com volumes e espaços curvos e
oblíquos (CONDURU, 2005).
Figura 07: Conjunto Residencial do Pedregulho (Bloco da Escola e do Ginásio). Fonte: Andrés Oteroh, disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.045/3779
Neste contexto e numa sequência cronológica da
sua produção arquitetônica observa-se ainda uma
negação da ortogonalidade, às vezes articulada
aos elementos de sustentação localizados afasta-
dos da fachada e em outras estes elementos defi-
nem uma extensão interior onde se desenvolvem
diferentes espaços, ou seja, nas situações em que
posicionou o sistema estrutural recuado as solu-
ções plásticas avançam no espaço tendendo a se
afastar dos centros, já quando as vedações ou
fechamentos espaciais recuam para serem con-
tidos pela delimitação estrutural a solução plásti-
ca dominantemente se aproxima do centro. Esta
dinâmica evidencia a ênfase dada pelo arquiteto
ao sistema estrutural na configuração volumétrica
relevando as formas puras e simples.
Segundo Conduro (2005), em síntese, o arquite-
to partiu da dominância ortogonal, experimentou
construir tanto com planos curvos e oblíquos
quanto volumes cilíndricos e trapezoidais, ini-
cialmente de forma discreta e depois mais in-
tensamente, partindo assim de um início puris-
ta, chegou a soluções mais complexas sempre
equilibradas e contidas, para mais tarde, retornar
ao purismo. Sua obra privilegia a forma do obje-
to, considerando-se uma configuração espacial
muitas vezes residual e o espaço como tendo
uma importância crescente em sua pesquisa.
A plasticidade de Reidy não é predominantemen-
te curvilínea nem ortogonal, o arquiteto entendia
que toda a forma precisava ser justificada e ra-
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cionalizada; tornando a curva por vezes tão mais
pertinente, lógica e racional que a própria reta.
Determinante do partido adotado para os projetos
de Reidy, a espacialidade do Rio de Janeiro, espe-
cificamente no que diz respeito à implantação dos
conjuntos “Pedregulho e Gávea”. É o gesto do
arquiteto que transforma montanhas quase anó-
dinas em parceiras com um jogo plástico intenso,
no entanto a liberdade de suas formas remete a
beleza da intimidade da paisagem carioca, obser-
vada por Richard Serra2 em sua estada no Rio de
Janeiro em 1997, quando se refere ao edifício em
curva sobre o túnel. (CONDURO, 2005)
“Gosto do edifício porque reflete a sinuosidade
da estrutura curvilínea do rio de Janeiro”. (CON-
DURO, 2005, p.24)
Figuras 08. Croquis de implantação do conjunto Pedregulho Fonte: BONDUKI, 1999.
2.SERRA, R. Palestra de Ri-chard Serra. In: – Rio Roun-ds, Rio de Janeiro: Centro de Arte Hélio Oiticica, Palestra proferida em: 03/12/1997.
Na representação plástica de toda a sua obra,
Reidy não evidencia qualquer tentativa de refe-
rência à cultura local ou a naturalidade, o arqui-
teto adere decididamente ao racionalismo do
movimento moderno, o qual, ainda hoje inde-
pendente da condição do estado das obras, em
geral alteradas e em péssimas condições de
conservação, documentam as características
de uma proposta e dentro de suas limitações,
de uma reflexão crítica sobre a capacidade de
adaptação da sociedade aos processos de
transformação social e reeducação de hábitos
através de uma determinada configuração do
espaço. (GONÇALVES; REQUENA, 2011, p.13)
O Conjunto Residencial Marquês de São Vicente –
Gávea – RJ
Construído na cidade do Rio de Janeiro, a partir de
um projeto do Departamento de Habitação Popu-
lar da Prefeitura do Distrito Federal idealizado pelo
arquiteto A. E. Reidy e apoiado pela engenheira
Carmem Portinho, executado entre 1952 e 1954 no
qual reutilizou a solução curvilínea adotada também
no Pedregulho, no entanto com maior preocupação
em limitar custos de obra e outros aspectos econô-
micos. Dentro do conceito urbanístico de unidade
de vizinhança o projeto do Marquês de São Vicente
contava com 748 apartamentos apresentava equi-
pamentos voltados ao consumo de bens e de servi-
ços urbanos, ou seja, jardim da infância, escola pri-
mária, playgrounds, mercado, lavanderia, posto de
saúde, igreja, auditório ao ar livre, campos de jogos,
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Figura 09: Túnel Dois Irmãos. Fonte: http://arquitecturb.tumblr.com/post/5485797216/acidadebranca-conjunto-residencial--marques-de
administração e serviço social. O conjunto habita-
cional foi implantado sobre uma encosta paralelo
as curvas de nível, acompanhando a sinuosidade
do terreno, elevado sobre pilotis e com pavimento
intermediário aberto e de uso comum aos morado-
res com destaque construtivo para os pilares em
“V”, que alternados com as colunas permitiu um
equilíbrio da composição. Neste contexto as lavan-
derias comunitárias situam-se no último piso que
apresenta marquises vazadas criando o coroamen-
to do prédio, espaço este que se encontra desati-
vado e destinado ao simples depósito de materiais
em desuso. A fachada, consequência de cheios e
vazios contrasta propositalmente com a superposi-
ção de janelas na parte superior. (ANDRADE, 2007)
O arquiteto soube explorar ao máximo as con-
dições topográficas e colocar um motivo cen-
tral de indiscutível elegância, com sua ponte em
arco rebaixado abarcado o fundo da depressão
existente para servir de apoio aos pilotis e evitar
grandes terraplanagens; mais uma vez, consi-
derações funcionais e plásticas uniram-se para
levar a um resultado notável. (YVES BRUAND,
1981, p. 233 apud ANDRADE, 2007, p.1)
O terreno destinado à implantação do Conjunto
Habitacional Marques de São Vicente configura
uma área de 114 mil metros quadrados, com-
posta por topografia parte plana e parte bastante
acidentada, a qual se estende morro abaixo, até
atingir sessenta metros de desnível. A encosta
está voltada para o Norte, à frente está o maci-
ço do corcovado e à esquerda, na face Oeste, o
Morro Dois Irmãos; à direita a Lagoa Rodrigo de
Freitas a ao fundo o mar, Praia do Leblon. (BON-
DUKI, 1999)
Das unidades e equipamentos sociais que faziam
parte do projeto original apenas 328 unidades re-
sidenciais foram construídas. Executou-se ape-
nas o bloco de 250 metros de comprimento im-
plantado ao longo da curva de nível. (BONDUKI,
1998; ANDRADE, 2007)
Reidy, diante da previsão de uma avenida que ligas-
se o Leblon a Gávea, a qual cortaria o terreno, pre-
viu o rebaixamento da via, separando a circulação
destinada aos veículos da destinada aos pedestres.
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Segundo Carmem Portinho a edificação do
conjunto da Marques de São Vicente na Gávea
erguido sob responsabilidade do Departamen-
to de Habitação Popular, que ela coordenava,
demorou muito mais tempo que a construção
do Pedregulho, talvez por ser muito maior. Dos
blocos que eram para ser construídos, ape-
nas o curvo foi executado, como é hoje, as-
sim mesmo com diversas interrupções. Neste
período ela pediu sua aposentadoria por dis-
cordar das orientações sobre moradia popular
que recebia do governo de Carlos Lacerda e
logo depois Reidy também se aposentou, de
modo que nada mais tiveram com o andamento
da obra. O restante do projeto, ou seja, demais
blocos, escola, mercadinho, toda a infraestru-
tura prevista foi suprimida. (PORTINHO, 1988
apud BONDUKI, 1999)
Parte do edifício foi recortada e algumas unidades
residenciais foram eliminadas. Apesar das modifi-
cações o edifício encontra-se em razoável condi-
ção de conservação externa, situação melhor que
a do Conjunto Habitacional Prefeito Mendes de
Moraes, embora não haja registro de projetos de
intervenções destinados à restauração do edifício.
O conjunto foi tombado em 2001; pela Prefeitura
da Cidade do Rio de Janeiro3. A alteração sofrida
pela edificação é responsável pelas muitas queixas
dos moradores em relação ao barulho decorrente
do intenso trêfego viário, cuja imensa frota cario-
ca, circula sob seus apartamentos. Vale mencionar
que antes da construção do conjunto, seu terreno
abrigava uma favela com aproximadamente 5.262
pessoas ocupando 955 barracos em péssimas
condições de higiene, resultado da degradação
progressiva de um Parque Proletário, projeto polê-
mico da Prefeitura do Rio de Janeiro decorrente de
intervenções públicas nas comunidades.
O edifício construído foi ocupado por um gran-
de número de funcionários públicos municipais
e pouquíssimos moradores vieram da favela do
Parque Proletário da Gávea, pois a demanda
também era alimentada pelos remanescentes da
venda ou desapropriação das vilas operárias da
região e arredores.
Referências e liberdade plástica latino americanas
Iniciando com a negação da ortogonalidade, defini-
da por Conduru (2005), a produção de Reidy evolui
Figuras 10 e 11: Imagem de dois períodos relativos às obras de rebaixamento do terreno para passagem de avenida ligando o Leblon à Gávea. Fonte: BONDUKI, 1999.
3.Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – Bem Tombado pelo Conselho do Patrimô-nio Histórico, Arqueológico e Cultural da Cidade do Rio de Janeiro - Lei 3300/2001
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propondo uma relação dialética do edifício projetado
com a paisagem urbana, também estabelecendo re-
lações com o sítio, através do respeito à topografia
natural do terreno destinado a sua implantação como
determinante da forma a ser edificada. Nesse sentido
o Marquês pode ser considerado um ícone referencial
da liberdade expressiva para a arquitetura Latino-Ame-
ricana, tendo suas características plásticas de traçado
sinuoso e flexível, revisitadas, cerca de uma déca-
da depois de sua conclusão no Brasil, por arquitetos
consagrados, da América Latina, como o venezuelano
Jimmy Alcock que projetou o edifício Residências Alto-
lar, construído entre 1959 e 1962 na cidade de Caracas
e novamente propostas e adotadas no Residencial El
Monte em 1964, projetado pelo arquiteto norte-ameri-
cano Edward L. Barnes em San Juan capital de Porto
Rico. Tal liberdade foi identificada e definida por Ro-
berto Segre (1991) em seu livro que trata das raízes e
perspectivas da arquitetura latino-americana:
[...] A persistente referência a Le Corbusier tam-
bém incluía a vertente “plástica” das formas si-
nuosas contínuas utilizadas no Rio e em Argel.
Larrabee Barnes, em San Juan de Porto Rico
(Residencial El Monte), Affonso Reidy, no Rio
de Janeiro (Conjunto Residencial de Pedregu-
lho, 1947-52) e Jimmy Alcock, em Caracas (Re-
sidências Altolar, 1975), assumem uma relação
mais dialética com o espaço urbano ou com a
paisagem e a topografia, e desenvolvem esque-
mas curvos, sinuosos, mais flexíveis e persona-
lizados, que coincidem com a característica li-
berdade expressiva latino-americana. (SEGRE,
1991, pg. 269)
Figuras 12, 13 E 14: Croquis das Implantações do C. R. Mar-quês de S. Vicente1, 1952 - Edifício Altolar, 1965 - Residências El Monte, 1964. Fonte:BONDUKI, 1999 - GAN, Alcock: Obras e Proyetos, 1959-1962 - The Cultural Landscape Foundation, in: http://tclf.org/sites/default/files/landslide/2008/index.html
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Os três prédios têm em comum, além da uni-
dade autônoma implantada em terreno urba-
no, propostas com princípios racionalistas
Corbusianos de moradia mínima, explícitos
na conceituação de seus partidos arquitetô-
nicos. Longas lâminas verticais implantadas
segundo os cálculos de insolação e ventilação
naturais mais rígidos, constituídas por diver-
sos pavimentos em lajes planas, entrecorta-
das por torres de circulação vertical para os
moradores, estrategicamente posicionadas
determinando percursos máximos de desloca-
mento interno compatíveis com os princípios
determinados detalhadamente pela Carta de
Atenas, além de prever equipamentos e ser-
viços coletivos racionalizados e distribuídos
proporcionalmente à estimativa prévia de po-
pulação proposta para cada um dos edifícios
em questão.
O primeiro dever do urbanismo é pôr-se de
acordo com as necessidades fundamentais
dos homens. A saúde de cada um depende,
em grande parte, de sua submissão às "con-
dições naturais". O sol, que comanda todo
crescimento, deveria penetrar no interior de
cada moradia, para espalhar seus raios, sem
os quais a vida se estiola. O ar, cuja qualida-
de é assegurada pela presença da vegetação,
deveria ser puro, livre da poeira em suspensão
e dos gases nocivos. O espaço, enfim, deve-
ria ser distribuído com liberalidade. Não nos
esqueçamos de que a sensação de espaço é
de ordem psicofisiológica e que a estreiteza
das ruas e o estrangulamento dos pátios criam
uma atmosfera tão insalubre para o corpo
quanto deprimente para o espírito. O 4o Con-
gresso CIAM, realizado em Atenas, chegou ao
seguinte postulado: o sol, a vegetação, o es-
paço são as três matérias-primas do urbanis-
mo. A adesão a esse postulado permite julgar
as coisas existentes e apreciar as novas pro-
postas de um ponto de vista verdadeiramente
humano. (CARTA DE ATENAS, 1933)
Toda a rigidez racional dos programas de ne-
cessidades adotados pelos três arquitetos em
pauta, se contrapõe às soluções formais si-
nuosas e longilíneas, adotadas por eles como
solução projetual, respeitando as condições
particulares de topografia, apoiando suas edi-
ficações alinhadas às curvas de nível desenha-
das pela configuração geológica e geográfica
dos sítios nos quais foram implantados seus
projetos em regiões extremas da América Lati-
na, no caso dos dois primeiros estando um na
região sudeste da América do Sul, no Rio de
Janeiro e o outro, opostamente a noroeste do
mesmo continente, na Venezuela e, o terceiro
localizado na ilha de Porto Rico, ao norte da
América Central; entretanto, todos resultando
em propostas de intervenção, em suas respec-
tivas paisagens urbanas, bastante assemelha-
das, como se identifica pela observação das
imagens produzidas pelos conjuntos arquitetô-
nicos posicionados em suas geografias reais.
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Figura 15: Residencial El Monte – 1964 (acima). Fonte: in: http://3.bp.blogspot.com/_k8KDLFL1rB8/RlyMPlWCSII/AAAAAAAAAIw/1dZRyWJ0HA0/s1600-h/Larrabee5.jpgFigura 16: Resid. Altolar -1962 (acima, à direita). Fonte: Alco-ck, Obras y Proyetos, 1959-1962
Figura17: Túnel Dois Irmãos, 19 (ao lado). Fonte: BONDUKI, 1999.
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conjunto residencial marquês de são vicente – rj com a produção modernista latino-americana
Figura 19: Circulação Marquês de S. Vicente. Fonte: BONDUKI, 1999.
Figura 21: Circulação Marquês S. Vicente. Fonte: BONDUKI, 1999.
Figura 18: Circulação R. El Monte Fonte:in: http://1.bp.blogspot.com/_k8KDLFL1rB8/Rlst-ZVWCSFI/AAAAAAAAAIY/UnM6CX042iw/s1600-h/Larrabee2.jpg
Figura 20: Circulação Residências Altolar. Fonte: in: http://sancheztaffurarquitecto.wordpress.com/2010/09/30/w-james-jimmy-alcock-premio-nacional-de-arquitectura-1993-venezuela--arquitecto-venezolano/altolar-2/
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