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Os Prognósticos e Lunários de Manuel Gomes Galhano Lourosa (1637-1675) no período
da Restauração
Júlia Maria Correia Gaspar1
Resumo: O interesse central do presente trabalho é investigar o papel político dos
almanaques astrológicos junto as camadas populares no contexto da guerra de Restauração
Portuguesa, em particular os almanaques de Manuel Gomes Galhano Lourosa, astrônomo,
médico e figura política de reconhecida relevância no período. Ainda que houvesse diversos
autores, a construção dos almanaques era padronizada, havendo um prólogo que consistia na
introdução ao ambiente astrológico e críticas aos autores concorrentes quando a ocasião
demandava. Após a introdução tinha início o prognóstico, chamado comumente “Juízo do
Ano”, onde os autores anunciavam os planetas que iriam reger cada época do ano seguinte,
bem como previsões para as estações. Ademais, continham informações que não eram de
cunho astrológico, como por exemplo, as quatro temporãs, notícias a respeito de eclipses e
outras conjunturas celestes, como o aparecimento de cometas no céu, a exemplo disso pode-se
mencionar o cometa de 1664 que ficou visível sobre o céu de Lisboa. Os almanaques
astrológicos publicados em períodos conturbados da história de Portugal são importantes
ferramentas na compreensão social da época, as ideias, crenças e costumes de forma geral.
Majoritariamente eles eram publicados para as camadas populares, que o adquiriam com o
intuito de se informar sobre assuntos como as festas de datas móveis como a Páscoa, as fases
da lua e sua interferência nas marés e, por conseguinte na atividade pesqueira, as estações do
ano e suas características climáticas, que por sua vez influenciavam nas atividades agrícolas;
entre outros fins. Com almanaques que iam além do entretenimento e tinham um valor
instrutivo e politizado em meio a um contexto político instável Lourosa foi lido por peixeiros,
comerciantes de rua, alfaiates etc. e é um indício de que essas classes não estavam alheias das
questões políticas do período da Restauração Portuguesa.
1 Mestranda do programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGHIS/UFRJ) sob orientação do professor Carlos Ziller Camenietzki.
2
1. Introdução ao ambiente astrológico de Portugal no século XVII.
Na sua tradição, o conhecimento astrológico tinha como principal objetivo o estudo
dos astros e a forma com que estes interferiam na vida cotidiana do homem. Compreender
suas posições e, por conseguinte prever as características das estações do ano, das lunações,
que interferiam diretamente nas marés e nas atividades pesqueiras. Além disso, saber qual
seria o planeta regente do ano seguinte entre outras previsões acerca dessas temáticas.
Luís Miguel Carolino em Ciência, Astrologia e Sociedade: A teoria da influência
celeste em Portugal (1593 – 1755) mostra que a ciência astrológica não se resumia a visão
“física” do Universo, pode-se considera-la como uma fusão entre a religião e a própria
ciência. Ao longo do século XVII ela se sustentava na humanização do cosmos e na
integração do comportamento e emoções do ser humano no planeta cósmico assim como, era
a explicação do universo para a sociedade e da realidade cotidiana do homem.
Ao longo do século, a ideia de ciência e magia não se configuravam em distintas
visões do mundo, ou mesmo antagônicas entre si. Os estudos sobre a cultura científica de
Portugal da época tenderam a estudar a ciência e, por conseguinte a astrologia em função da
“dogmatização da ciência”.
Seu período de maior ênfase se deu ao longo dos séculos XIV, XV e XVI, e este só foi
possível pela forte influência da visão de mundo aristotélica2, ideia que o mundo superior
(céu) governava o mundo inferior (Terra). Bem como que os corpos celestes influenciavam
diretamente na natureza como pode-se perceber a partir dos exemplos relacionados a
mudanças climáticas e as previsões de fenômenos naturais atípicos.
O homem, portanto, era visto como personagem integrante do cosmos e parte orgânica
da natureza e precisava ser estudado a partir da teoria da influência celeste, como pode-se
observar em A cruz e a Luneta, de Carlos Ziller Camenietzki.
Prever o futuro sempre foi um problema que interessou aos homens, e
acreditar que os astros governavam tudo o que acontecia na Terra sempre foi
crença comum das pessoas. Na Idade Média [...] o astrólogo era personagem
de grande importância na vida dos povos. 3
2 Neste momento, a visão aristotélica se pautava na ideia de imutabilidade e perfeição dos céus, dessa forma, ao
traçar um mapa das posições dos astros, poder-se-ia compreender a influência celeste. 3CAMENIETZKI, Carlos Ziller. A Cruz e a Luneta: Ciência e Religião na Europa Moderna. Rio de Janeiro:
Access, 2000, p. 31.
3
Em seus primórdios, a astrologia era exercida, devido a necessidade de um
conhecimento aprofundado sobre os astros e o céu, justificando a implementação de cálculos
bastante complexos para a observação dos fenômenos celestes. Majoritariamente realizada por
religiosos, contudo era comum nesse momento alguns Reis possuírem seu “astrólogo
particular” para realizar previsões a respeito de questões políticas.
No meio político, a astrologia interferia em diversas facetas, como por exemplo, nos
casamentos arranjados com base na análise conjunta dos mapas astrais dos envolvidos. Bem
como, qual seria a melhor época do ano para a realização de manobras políticas, golpes e
deposições de governantes do poder, baseado nos estudos celestes e nas guerras sua influência
girava em torno de melhores momentos para avanços ou recuo de determinada tropa.
Entretanto, com o passar o tempo, tais práticas passaram a fazer parte da vida
cotidiana das camadas populares, atingindo, dessa forma, todas as camadas sociais. O que nos
faz refletir acerca da separação criada pela historiografia contemporânea entre “cultura
erudita” e “cultura popular” que em certa medida não se observa nesse período a luz dessa
temática dos almanaques astrológicos.
Na vida cotidiana das camadas populares, as influências que os prognósticos
desempenhavam em relação as atitudes dos trabalhadores iam desde as atividades pesqueiras
até atividades agrícolas dos camponeses. Os primeiros acompanhavam as previsões
astrológicas para saber precisamente da lunação e a partir de então compreender as mudanças
nas marés e organizarem seu trabalho em alto mar. Os camponeses, por sua vez, conseguiam
facilmente organizar suas plantações, época de semear e colher, com base nas características
das estações do ano, épocas de chuva e estiagem, que também estavam presentes nos
prognósticos
A astrologia e a medicina também caminharam juntas durante longo tempo. A partir da
teoria Hipocrático-galênica dos humores, desenvolvida no século V e aceita até meados do
século XVII, compreendia-se as doenças como desequilíbrios dos humores (sangue, fleuma,
bile amarela e bile negra ou melancolia)4 que compunham o corpo humano e que eram
influenciados pelas ações dos planetas.
4PASTORE, Gianriccardo Grassia. Astrologia e Inquisição em Portugal nos séculos XVI e XVII. Lisboa:
Universidade de Lisboa, 2014. Dissertação de mestrado.
4
Manuel Gomes Galhano Lourosa em seu “Prognostico e Lunário do ano de 1647”
menciona a necessidade dos médicos serem também astrólogos e matemáticos. Compreende
tais conhecimentos de forma interligada, comentando inclusive que os estudiosos que não as
compreendessem dessa forma eram “coche de uma perna”. Tal crítica se mostra recorrente nos
prognósticos do autor, já havendo comentado sobre o assunto em seu prognostico do ano de
1638 e de 1643.
Essa proximidade desenvolvida pelas duas disciplinas tiveram a aprovação da Igreja e
foi difundida ao longo de muito tempo, inclusive se utilizando de mapas astrais e a ação dos
corpos celestes para o tratamento e cura de doenças como menciona Keith Thomas:
“Considerava-se que diferentes signos do zodíaco governavam diferentes partes do corpo, e
uma eleição adequada dos momentos tinha que ser feita para administrar medicamentos, fazer
sangrias ou realizar operações”. 5
A astrologia, como mencionado anteriormente, era realizada em sua maioria por
religiosos e durante esse período podemos observar o surgimento do curso de esferas do
Colégio Jesuítico de Santo Antão, que foi sugerido pelas “matemáticas” e em seu início fora
destinado estritamente a fidalgos devido ao seu caráter mais prático de noções náuticas a
partir da posição dos astros e observação do céu. Com o passar dos anos, o curso passou a ser
mais teórico e aberto a outras camadas sociais, o que abrangeu um leque maior de pessoas.
Este curso deteve algumas características constantes ao longo do século, devido as
discussões acerca de filosofia e teologia que de um lado estavam as ideias tradicionalistas e
por outro as novas que estavam abalando a Europa de uma maneira geral. Apesar disso, ele
sofreu algumas alterações ao longo do tempo como por exemplo, o afastamento das noções
práticas destinadas à marinha e a aproximação da teoria.
Os professores possuíam grande autonomia em relação a estrutura das cadeiras, assim
como a forma com a qual melhor se adequavam para lecionar. Dessa forma, podemos
perceber algumas claras diferenças de acordo com o professor que estava lecionando em
determinado momento. Alguns dedicavam-se a lições de astrologia judiciária mesmo o tema
sendo marcado por contrariedades ao longo de vários séculos por parte de grandes estudiosos
como, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho e Santo Isidoro.
5THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 240.
5
Estes por sua vez, criticavam a astrologia na medida em que ela colidia com a noção
de livre arbítrio tomada como cânone pelo Concílio de Trento. Se os astrólogos podiam
prever o futuro tanto de questões relacionadas a natureza quanto a pessoas físicas, de que
forma as escolhas influenciariam no decorrer da vida?
Essa foi uma pergunta extremamente enfática no momento em questão, o Padre João
Delgado, por exemplo, na condição de professor do Colégio de Santo Antão a princípio tinha
em mente que não se poderia saber de nada natural por meio da ciência astrológica e mais
tarde contraditoriamente disse que “o saber da verdadeira astrologia, como o das demais
ciências, sempre he e sempre foi lícito. 6”
Como este exemplo supracitado, podemos enumerar tantos outros que também se
preocupavam com a questão do livre arbítrio, todavia escreveram, lecionaram e responderam
positivamente as indagações a respeito da astrologia, como o Padre Simão Fallonio e o Padre
Francisco da Costa.
O ensino da astrologia judiciária se mostrou presente em quase todos os cursos do
Colégio na primeira metade do século XVII. Após essa época sua importância foi sendo cada
vez mais diminuída, mas sem desaparecer por completo. Pode-se dizer então, segundo o autor,
que as “aulas de esfera” do Colégio Jesuíta de Santo Antão foram uma atividade escolar de
extrema importância e significado na cultura portuguesa do século.
Apesar dessa ampla difusão do conhecimento astrológico em determinado momento
ele entrou em declínio. Pode-se dizer, segundo Luís Miguel Carolino, que um dos principais
motivos para seu declínio foi a progressiva adoção do sistema Copernicano e os estudos que
desenvolveram a teoria heliocêntrica bem como, a ideia de que o céu não era imutável,
portanto, seria impossível de mapeá-lo das formas com que se fazia até então. Dessa forma, as
práticas astrológicas foram perdendo a sua credibilidade.
[...] enquanto a discussão se deteve nos limites da influência astral e na
denúncia da ignorância dos astrólogos, enquanto a realidade cósmica foi
perceptível através de uma hierarquização entre a região celeste, perfeita e
imutável, e a região terrestre, imperfeita e sujeita à influência celeste, a
astrologia foi um conhecimento possível; enquanto predominou uma
6 ALBUQUERQUE, Luís de. A “Aula da Esfera” do Colégio de Santo Antão no Século XVII, separata de “Anais
da Academia Portuguesa da História”, 2ºs, 21, Coimbra: Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga / Junta
de Investigações do Ultramar, 1972. pp. 158.
6
concepção aristotélica do mundo, apesar das importantíssimas críticas a que
estava sujeita. 7
A partir então do século XVIII, o pensamento da sociedade começou a mudar em
relação a forma de ver os astrólogos e seus almanaques astrológicos. À vista disso, os
almanaques passaram a ter um caráter jocoso e houve uma diminuição das temáticas
astrológicas. E foi o momento em que a astronomia e a astrologia se separaram, a primeira
ficando com o caráter científico e a segunda com o misticismo, vista como superstição.
2. O autor de prognósticos Manuel Gomes Galhano Lourosa
Manuel Gomes Galhano Lourosa destacou-se como um dos mais importantes
astrólogos portugueses do século XVII, publicou almanaques astrológicos ao longo de quase
quarenta anos. Estudou Medicina, Astrologia, Matemática e Astronomia na Universidade de
Coimbra, exerceu seu trabalho na Costa da Caparica e posteriormente em Almada8.
Entre as diversas atividades que o ocupavam, a escrita de prognósticos foi a que se
dedicou por mais tempo tendo escrito o primeiro 1637 e o último em 1675. Nesse período o
cenário político português era mais do que instável, especialmente com a derrubada de Filipe
IV e o fim da União Ibérica. Com a retomada da independência política de Portugal, tendo o
Duque de Bragança, coroado o Rei D. João IV, o quadro político português deu uma grande
guinada e a mudança política refletiu em todo os setores sociais do reino, atingindo inclusive
homens dedicados aos estudos do céu, como Lourosa.
Além dos almanaques mencionados acima, em 1666 Lourosa publicou uma obra de
grande impacto no meio astrológico da época intitulada Polymathia Exemplar, em que
analisou o aparecimento do cometa de 1664/65. Nessa obra ele expôs sua teoria sobre a
natureza dos cometas e trouxe uma inovação importante, na época, para a análise aristotélica
dos fenômenos físicos. Tal obra foi publicada no mesmo momento da Sciographia da nova
Prostimasia celeste, & portentoso cometa do anno de 1664 do Padre Antonio Pimenta. Ambas
tratavam da mesma problemática do surgimento do cometa no céu de Lisboa, entretanto com
7CAROLINO, Luís Miguel. Ciência, Astrologia e Sociedade. A Teoria da Influência Celeste em Portugal (1593-
1755). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. 8MACHADO, Barbosa Diogo. Bibliotheca Lusitana: Hiftória, Crítica, e Cronológica. Na qual se comprehende
a noticia dos autores portuguezes, e das obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da
Graça ate o tempo presente. Lisboa: Ignacio Rodrigues, 1752.
7
visões distintas sobre o tema, Lourosa tendendo mais a explicações de com base nos estudos
dos céus e Pimenta a explicações pautadas na Divindade da coisa9.
Outro importante trabalho de Manuel Lourosa foi o Alvitre Mathematico. Tratado
politico, physiologico, democrático, ethico, aristocrático e theologico. Esse texto foi enviado
para publicação em 1641, entretanto a censura da Inquisição impediu que fosse feito e a obra
permaneceu como manuscrito, pois se tratava de um discurso onde mostrava claramente seu
desgosto pelos anos de domínio Castelhano e incitava a comunidade lusitana a se refazer
diante da independência com base no conceito e Pátria Portuguesa10.
A partir disso, pode-se dizer que Lourosa foi uma figura importante para o meio
científico astrológico e para a difusão da astrologia para de forma mais ampla bem como, o
ambiente político de Portugal Restaurado devido as suas diversas publicações que mostravam
seus alinhamentos políticos e comentavam os acontecimentos em voga nos momentos em
questão.
9VÓLARO, Carlos Henrique. Sinais de Soberania: Leitura dos Céus e Ação Política na Guerra da Restauração
Portuguesa (1649 – 1668). 99 fls. Dissertação (Mestrado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em
História Social, Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2010. 10
CAMENIETZKI, Carlos Ziller. O Astrônomo e a Restauração: Manuel Gomes Galhano Lourosa e sua
intervenção na política de Portugal Restaurado. In: History of Astronomy in Portugal, 2014, Lisboa.
Proceedings of International Conference History of Astronomy in Portugal. Institutions, theories, practices.
Lisboa: Sociedade Portuguesa de Astronomia, 2009.
8
3. Os Prognósticos e Lunários de Lourosa
Figura 1
Fonte: LOUROSA, Manoel Gomez Galhano. Prognóstico e Lunário do anno de 1644.
Lisboa: Antonio Alvarez, 1643.
Durante os séculos XVII e XVIII os almanaques astrológicos, faziam parte da vida
cotidiana europeia e, devido ao baixo custo (cerca de quatro réis) e ao caráter instrutivo, eram
bastante populares, em particular entre os portugueses. Vendidos nas ruas por pregoeiros,
todos os almanaques astrológicos eram lançados anualmente, geralmente entre novembro e
dezembro.
Publicados in oitavo – modelo já amplamente difundido naquele momento, uma das
características era que a partir de uma folha original obtinham-se oito páginas do prognóstico.
Além disso, outro fator que os diferenciava bastante dos demais livros era o reduzido número
de páginas que continham, entre 16, 24 ou 32 páginas cada, ficando fácil de identifica-los11.
Tais obras eram destinadas a um público pertencente as camadas populares, entretanto,
esse não foi um empecilho para o engajamento dos editores da época e nem mesmo para o
público, já que nesse período os níveis de alfabetização em Portugal eram bastante altos para
11CAROLINO, Luís Miguel. A Escrita Celeste: Almanaques astrológicos em Portugal nos Séculos XVII e XVIII.
Rio de Janeiro: Access Editora, 2002.
9
a época, chegando a cerca de 50%12
. Além disso, a forma com que os almanaques eram
organizados; com ilustrações e forma de escrita direta e fácil e também pela recorrente prática
da leitura em conjunto nas praças eram outros pontos facilitadores.
Ainda que houvesse diversos autores, a construção dos almanaques era padronizada,
havendo um prólogo que consistia na introdução ao ambiente astrológico e críticas aos
autores concorrentes quando a ocasião demandava. Após a introdução tinha início o
prognóstico, chamado comumente “Juízo do Ano”, onde os autores anunciavam os planetas
que iriam reger cada época do ano seguinte13.
Na parte destinada ao Juízo do Ano do “Prognostico e Lunario do ano de 1644” o
autor diz que em 19 de março às 10:53 da noite o sol entraria em Aries e que o planeta Júpiter
seria o senhor do ano, também tendo Vênus como participante. Isso prometia desmanchos de
amores, gostos, galas e alegrias. Entretanto, Touro na casa 7 prometia guerras, desterros,
levantamentos e inimigos públicos.
Ademais, continham informações que não eram de cunho astrológico, como por
exemplo, as quatro temporãs – que eram os três dias para se jejuar em cada estação do ano.
Neste mesmo prognostico supracitado podemos observar que as primeiras temporãs seriam
nos dias 17, 19 e 20 de fevereiro, as segundas em 18, 20 e 21 de maio, as terceiras em 14, 16 e
17 de setembro e as últimas 14, 16 e 17 de dezembro. A partir disso, segundo o autor, seis
coisas poderiam ser notadas neste ano de 1644: “Insultos violento, novidades estranhas,
cometimento de pazes suspenso em razão do Estado, ano medíocre nos frutos da terra, pouca
água quando necessária e finalmente a Europa toda revolta em guerra”. 14
Notícias a respeito de eclipses e outros fenômenos celestes poderiam ser vistas nas
advertências finais, como neste ano de 1644 que não haveria eclipses vistos no horizonte do
céu de Portugal. Mas não deixariam de haver dois eclipses solares; um em 1 de setembro,
visto apenas pelos mais orientais como Constantinopla e a França também sentiria seus
sobressaltos e o outro em 8 de março, visto pelos mais ocidentais como a América. E mais
posteriormente a aparição do cometa no céu de Lisboa, em 1664, como já dito anteriormente.
12 MARQUILHAS, Rita. A faculdade das letras. Leitura e Escrita em Portugal no século XVII. Bragança
Paulista: Editora da Universidade de São Francisco. 2003. 13
CAROLINO, Luís Miguel. Ciência, Astrologia e Sociedade. A Teoria da Influência Celeste em Portugal
(1593-1755). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. 14
LOUROSA, Manoel Gomez Galhano. Prognóstico e Lunário do anno de 1644. Lisboa: Antonio Alvarez,
1643.
10
Figura 2
Fonte: LOUROSA, Manoel Gomez Galhano. Prognóstico e Lunário do anno de 1644.
Lisboa: Antonio Alvarez, 1643.
Os almanaques astrológicos, de forma geral, publicados em períodos conturbados da
história de Portugal são importantes ferramentas na compreensão social da época, as ideias,
crenças e costumes de forma geral. Majoritariamente eles eram publicados para as camadas
populares, urbanas e rurais, que o adquiriam com o intuito de se informar sobre assuntos
como as festas de datas móveis como a Páscoa.
A despeito disso, pode-se exemplificar a partir do mesmo prognóstico mencionado
acima, do ano de 1644. Este seria um ano bissexto, tendo a Quarta-feira de cinzas no dia 10
de fevereiro, a Páscoa no dia 27 de marco, a Pentecoste no dia 15 de maio, Corpus Christi no
dia 26 de maio e assim por diante.
Informavam-se também a respeito das fases da Lua e sua interferência nas marés e,
por conseguinte na atividade pesqueira, as estações do ano e suas características climáticas,
que por sua vez influenciavam nas atividades agrícolas; entre outros fins. As quatro estações
do ano prognosticadas para 1644 tiveram diversas características relatadas no prognóstico.
Iniciando-se pela Primavera, o autor diz que esta se compõe de três meses, começando
em 19 de marco e terminando em 19 de junho. Será, no início, fresca e depois mais quente e
11
nevoada e, no fim, haverá geadas prejudiciais aos frutos da terra como foi a do ano de 1643.
Sendo Júpiter seu senhor, e Saturno participante.
Posteriormente vem o Estio que também era comporto por três meses, tendo seu início
em 20 de junho e indo até 21 de setembro. Segundo Lourosa, haverá febres malignas e agudas
em que se os médicos não andarem com o pé conforme a doutrina apodítica, naufragarão os
pobres dos enfermos. Sendo seu senhor Marte, e Vênus e Júpiter participantes.
O Outono, por sua vez, também contava com três meses começando em 22 de
setembro a 19 de dezembro. Esta estação será seca, somente no mês de setembro haverá água
e haverá muitas trovoadas e discórdia entre os contrários. Sendo seu senhor Marte.
E por fim chega-se no Inverno, que será compreendido entre o dia 20 de dezembro a
18 de março do ano seguinte (1645) e terá como características o frio, o vento e a pouca
umidade. Seu senhor sendo Vênus, e Mercúrio participante.
Para além dessas temáticas, os almanaques continham informações de cunho político
que acompanhavam as transformações ocorridas no governo ao longo do conturbado período
da Restauração Portuguesa. Pode-se perceber dessa forma que as camadas populares, a quem
eram destinadas tais publicações, não estavam alheias ao que estava acontecendo na política.
Esses livretos também eram uma forma de Lourosa demonstrar seus alinhamentos políticos e
estimular o povo português a se posicionar diante da Restauração.
A exemplo disso pode-se mencionar o prognóstico de subtítulo Prognóstico de Pazes e
de Aplausos Lusitanos, o autor tinha como um claro objetivo de comemorar a assinatura do
tratado de paz entre Portugal e Espanha em fevereiro de 1668. Tal tratado propôs o fim das
Guerras de Restauração, garantindo a independência de Portugal15
.
A vista disso, pode-se dizer que com almanaques que iam além do entretenimento e
tinham um valor instrutivo e politizado em meio a um contexto instável Lourosa foi lido por
peixeiros, comerciantes de rua, alfaiates etc. e é um indício de que esses grupos não estavam
alheios ao que se passava nos bastidores governamentais.
15 CAROLINO, Luís Miguel. A Escrita Celeste: Almanaques astrológicos em Portugal nos Séculos XVII e
XVIII. Rio de Janeiro: Access Editora, 2002.
12
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_______. Prognóstico e Lunário do anno de 1647. Lisboa: Antonio Alvarez, 1647.
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