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Universidade do Vale do Itajaí
Centro de Educação São José
Curso de Relações Internacionais
O desenvolvimento nas relações internacionais: um estudo deste
conceito em Celso Furtado
Mirian de Sousa Fraga
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a banca examinadora do curso de Relações Internacionais como parte das exigências para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade do Vale do Itajaí.
Professor Orientador: Paulo Jonas Grando
UNIVALI- São José
SÃO JOSÉ - 2008
2
RESUMO
Palavras-chave: Relações Internacionais e desenvolvimento RESUMEN
Palabras Claves: Relaciones Internacionales y desarrollo
O tema do artigo é o desenvolvimento nas Relações Internacionais, na perspectiva de Celso Furtado. O objetivo foi identificar como este autor trabalha o sentido do conceito de desenvolvimento, dado que o problema de pesquisa indagou quais são os sentidos explicativos do conceito de desenvolvimento contido nos trabalhos deste autor. A pesquisa buscou caracterizar que no conceito de desenvolvimento em Furtado, predomina o pensamento de como se formam as economias desenvolvidas e subdesenvolvidas para explicar a origem das diferenças estruturais e históricas que configuram os diferentes sistemas econômicos e que levam a manutenção do desenvolvimento em poucos países e o subdesenvolvimento da grande maioria das nações. Furtado alerta para o fato de que o desenvolvimento enquanto transformação do conjunto das estruturas de uma sociedade deve ter como problema, primeiramente, a definição das opções disponíveis a essa coletividade. Em segundo lugar, esta mesma sociedade necessita identificar dentre estas opções, quais se apresentam como possibilidade política, ou seja, quais delas correspondem às aspirações coletivas e ainda, se elas são capazes de reunir forças políticas que estejam em condição de influenciar o sistema de poder a fim de viabilizar os processos necessários e as metas a atingir para que o desenvolvimento possa ser visto como uma possibilidade concreta. Do exposto, Furtado apresenta três dimensões do desenvolvimento, que segundo ele, tem se apresentado como opções à coletividade: o desenvolvimento como crescimento econômico; o desenvolvimento humano; e o desenvolvimento pautado pelos anseios dos grupos dominantes. Para Furtado todas essas dimensões são ambíguas, porém, segundo o autor, o desenvolvimento que tem como objetivo final atender as necessidades das pessoas é o que se apresenta como o mais racional.
El tema del artículo es el desarrollo en las Relaciones Internacionales, dentro de la perspectiva de Celso Furtado. El blanco fue identificar cómo este autor trabaja el sentido del concepto de desarrollo, puesto que el problema de investigación indagó cuáles son los sentidos explicativos del concepto de desarollo existente en los trabajos de este autor. La investigación buscó caracterizar que en el concepto de desarrollo en Furtado, predomina el pensamiento de cómo se forman las economías desarrolladas y subdesarrolladas para explicar el origen de las diferencias estructurales e históricas que configuran los distintos sistemas económicos y que llevan a la manutención del desarrollo en pocos países y el subdesarrollo de la gran mayoría de las naciones. Furtado alerta para el hecho de que el desarrollo en cuanto transformación del conjunto de las estructuras de una sociedad debe tener como problema, primeramente, la definición de las opciones disponibles a esa colectividad. En segundo lugar, esta misma sociedad necesita identificar de entre estas opciones, cuáles se presentan como posibilidad política, o sea, cuales de ellas corresponden a las aspiraciones colectivas y aún, si ellas son capaces de reunir fuerzas políticas que estén en condición de influenciar el sistema de poder a fin de hacer viable los procesos necesarios y las metas a lograr para que el desarrollo pueda ser visto como una posibilidad concreta. De lo expuesto, Furtado presenta tres dimensiones del desarrollo, que según él, han se presentado como opciones a la colectividad: el desarrollo como crecimiento económico; el desarrollo humano; y el desarrollo pautado por los anhelos de los grupos dominantes. Para furtado todas esas dimensiones son ambiguas, pero, según el autor, el desarrollo que tiene como blanco final atender a las necesidades de las personas es el que se presenta como lo más racional.
3
O desenvolvimento nas relações internacionais: um estudo deste
conceito em Celso Furtado
Mirian de Sousa Fraga
Introdução; 1. A importância do desenvolvimento no sistema internacional; 2. A desigualdade internacional e a tentativa de medir o desenvolvimento; 3. O desenvolvimento em Celso Furtado: uma introdução ao autor; 4. O conceito de desenvolvimento de Furtado; 5. O enfoque interdisciplinar, histórico e estrutural do desenvolvimento em Furtado; 6. A importância do Estado para o desenvolvimento nos países da periferia; Considerações finais; Referências.
Introdução
Este trabalho tem como tema o conceito de desenvolvimento nas Relações
Internacionais (RI). Para isto estuda Celso Furtado para identificar como este autor
trabalha o sentido do conceito, dado que o problema de pesquisa indagou quais são os
sentidos explicativos do conceito de desenvolvimento contido nos trabalhos deste autor.
Decorrente desta dúvida, a hipótese de investigação, sobre o conceito de
desenvolvimento em Furtado, é a de que, neste autor, predomina o pensamento de como
se formam as economias desenvolvidas e subdesenvolvidas. A partir de uma análise
econômica sobre as diferenças estruturais e históricas que configuram os diferentes
sistemas econômicos e que levam a manutenção do desenvolvimento em poucos países
e o subdesenvolvimento da grande maioria das nações.
Em Furtado acreditamos ser possível encontrar uma ampla discussão e busca
teórica para superar o subdesenvolvimento, inclusive uma crítica a conceitos redutores
como o PIB per capita, visto como insuficiente e inadequado para classificar o grau de
desenvolvimento de um país. Por outro lado, o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), patrocinado pela ONU, é atualmente, amplamente utilizado por países e
organizações internacionais para comparar as realizações das diferentes sociedades.
Para tratar do conceito de desenvolvimento é necessário, a priori,
compreender o que se quer tratar com a expressão conceito. Aqui, utiliza-se o conceito
enquanto função instrumental, com o objetivo de descrever, referenciar, classificar,
organizar e antecipar dados empíricos de maneira lógica, dentro do contexto de uma ou
mais teorias sobre desenvolvimento (ABBAGNANO, 1998, p. 164-169).
A justificativa da investigação observa que, o autor escolhido produziu
contribuições importantes sobre o conceito de desenvolvimento. Acredita-se que isto é
importante, pois Furtado trabalha com premissas que levam em consideração as causas
4
do subdesenvolvimento para poder explicar o desenvolvimento. Como o grau de
desenvolvimento seja dos países, das regiões e povos, são abordadas em toda a grande
área das ciências sociais, as questões que envolvem o desenvolvimento é objeto de
estudo, também na área de relações internacionais. Por isso, quando se leva em
consideração que os principais atores do sistema internacional (Estados e Organizações
Internacionais) atuam com o intuito de viabilizar melhores níveis de bem-estar coletivo
às suas populações, a idéia de desenvolvimento passa a ser importante para a disciplina.
Neste sentido, por exemplo, na teoria e na prática realista das relações
internacionais (RI), entende-se que a disponibilidade e o uso do poder determinam à
hierarquia dos Estados no sistema internacional ou na manutenção da ordem interna.
Com isso, manifestar poder no cenário internacional depende, entre outros fatores,
também, dos níveis de desenvolvimento de cada país, pois o domínio de técnicas e de
procedimentos produtivos, entre outras capacidades, é necessário às políticas de poder.
Portanto, ao se estudar o conceito de desenvolvimento de Furtado, parte-se do
argumento de que o nível de desenvolvimento dos países reflete parte do seu poder nas
relações internacionais e na ordem interna dos países.
Em função do exposto, o objetivo da pesquisa implica em compreender os
pressupostos teóricos implícitos na noção de desenvolvimento de Celso Furtado. Para
isto estudou-se o conceito de desenvolvimento proposto Furtado, principalmente nas
obras: Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico (2000a), Prefácio a Nova
Economia Política (1977), As Raízes do Subdesenvolvimento (2003), e Introdução
ao Desenvolvimento: enfoque histórico-estrutural (2000b).
Logo, para viabilizar o objetivo proposto, nas próximas seções aborda-se,
primeiramente, o desenvolvimento nos países da periferia: a importância do Estado no
sistema internacional. Em seguida, o desenvolvimento em Celso Furtado. Na terceira
seção discute-se o enfoque interdisciplinar, histórico e estrutural do desenvolvimento de
Furtado e, na quarta seção é apresentado o conceito de desenvolvimento de Furtado. Por
fim, destaca-se a importância do Estado para o desenvolvimento nos países da periferia.
1. A importância do desenvolvimento no sistema internacional
A formação de um sistema interestatal está na base explicativa das Relações
Internacionais (RI). Nesta perspectiva, os Estados são os atores mais importantes.
Segundo a argumentação apresentada por Jackson & Sorensen (2007, p. 21), para
compreender o sistema interestatal, necessário se faz entender as expectativas dos
cidadãos em relação ao Estado, sendo que essas expectativas são a razões de ser do
5
Estado, pois o Estado deve viabilizar aos seus cidadãos: “segurança, liberdade, ordem,
justiça e bem-estar”, para poder se inserir e fazer parte do Sistema Internacional de
Estados, dizem os autores citados.
Esta seção do artigo trabalha uma destas expectativas: a necessidade e/ou
obrigatoriedade dos Estados em criar as condições para que a nação possa usufruir de
uma situação de bem-estar. É neste aspecto que o desenvolvimento é importante. Ao
mesmo tempo, o desenvolvimento, quando atingido, é uma das condições de poder que
o Estado desfruta junto aos pares que formam o Sistema Internacional de Estados (SI).
Para abordar este aspecto, procura-se mostrar como os Estados vão assumindo esta
expectativa: viabilizar o bem-estar via ações de desenvolvimento.
O sistema Internacional de Estados, tal como o conhecemos hoje, formado por
mais de duzentos países, teve sua origem na transição histórica da Era Medieval para a
Era Moderna, e teve como um marco importante a Paz de Vestfália (1648) após a
Guerra dos Trinta Anos (1618-48). Naquele período, vigoraram ações políticas que
tinham como objetivo fugir à tendência da política mundial de estabelecer impérios por
parte dos grandes poderes estatais sobre povos mais fracos (JACKSON & SORENSEN,
2007, p. 38-39).
Na ótica da história dos Estados, se a Era Medieval foi marcada pela violência
e conflitos, motivados por questões religiosas, políticas e territoriais, uma boa parte de
suas causas estão na falta de uma organização política territorial clara, objetiva e
eficiente. Os Estados não eram formalmente independentes, os líderes locais deviam
obediência ao rei, que por sua vez, obedeciam ao imperador, estando este último, num
mesmo grau hierárquico que o Papa. Na modernidade, iniciada na Europa, o rei passou
a deter o controle sobre as questões internas (ordem e justiça ─ monopólio do poder ─
sobre um território, um governo e um povo ─ considerados súditos inicialmente, e
posteriormente cidadãos livres) e externas do Estado: soberania e independência
(exército e recursos próprios). Os Estados europeus, soberanos e independentes, deram
origem ao equilíbrio de poder para impedir que a hegemonia de um Estado, com status
de potência, imperasse sobre o Continente Europeu (JACKSON & SORENSEN, 2007,
p. 40-48).
Nesse contexto histórico conturbado por conflitos internos e externos, o
Sistema Europeu de Estados foi sendo erigido. Conjuntamente a este processo, o
sistema sócio-econômico capitalista, como maneira de organização da vida econômica
de uma sociedade para produzir bem-estar, também começava e ser implantado. A
6
formação de uma economia capitalista global começou a ser constituída por meio da
dominação imperialista européia. Naquele contexto, o concerto europeu conseguiu
resistir ao imperialismo sobre os países da Europa, mas permitiu e viabilizou que as
principais potências européias constituíssem vastos impérios sobre povos localizados no
restante do mundo, por meio de uma economia mundialmente interligada pelas
potencias européias (JACKSON & SORENSEN, 2007, p. 40-48).
Por outro lado, observado-se a ótica marxista, a expansão do sistema
capitalista1, em sua primeira fase, iniciou um pouco antes da dominação imperialista
européia, a partir do final do século XV, com a transição do feudalismo para o
mercantilismo. O capitalismo mercantilista, baseado na expansão marítima e na
exploração de colônias (América), pelas principais potências européias (Portugal e
Espanha) foi denominada por Marx como fase da acumulação primitiva do capital. A
segunda fase do capitalismo surgiu com a Revolução Industrial, na segunda metade do
século XVIII, mais precisamente em 1780 no Reino Unido e se propagou para a parte
da Europa Continental no início do século XIX; aos EUA, Alemanha e Japão ainda na
primeira metade do século XIX, para a Rússia e Canadá, na segunda metade do século
XIX, e, finalmente, para todo o globo ao longo do século XX (SENE & MOREIRA,
1998, p. 14 - 21).
O capitalismo industrial ocorreu graças a grandes transformações econômicas,
sociais, políticas e culturais nas principais potências européias, possibilitadas pela
acumulação primitiva de capitais e pela concentração do poder político. O processo foi
marcado pela expansão dos mercados nacionais e pela exploração das colônias (em
1885 ocorre à partilha da África pelo Congresso de Berlim), entre as principais
potências européias Imperialistas (Reino Unido, França, Itália e Alemanha).
Na fase do capitalismo comercial o Estado absolutista, forte o suficiente para
apoiar a expansão marítima e o colonialismo, foi importante para a acumulação
primitiva de capitais. Na fase do capitalismo industrial, apoiado na lógica de mercado,
ou seja, na livre concorrência e na conquista de novos mercados, o Estado passou a ser
criticado como agente econômico: pois para estes críticos tanto as empresas como os
1Criado no início da Era Moderna, no século XVI, o imperialismo europeu só teve fim na segunda metade do século XX e segundo Jackson & Sorensen (2007, p. 40) é ainda hoje um importante aspecto para se compreender a “configuração do sistema internacional moderno”, uma vez que este sistema foi constituído com base na “supremacia e a ascendência global” da Europa continental sobre o restante dos povos.
7
consumidores deveriam agir motivados pelo seu impulso natural de suprirem suas
necessidades (SENE & MOREIRA, 1998, p. 14 - 24).
Com o surgimento das grandes empresas: indústrias, bancos, corretoras de
valores, casas comerciais, etc., no final do século XIX, tornou-se impossível distinguir
capital bancário de industrial e esta fase foi denominada de capitalismo financeiro. Sua
origem decorre do crescimento acelerado da economia capitalista industrial, então em
sua Segunda Revolução Industrial2, da enorme concentração e centralização de capitais
e na expansão imperialista das potencias industriais européias (op cit, 1998, p. 25).
A concorrência entre as empresas capitalistas favoreceu fusões e
incorporações entre elas, resultando na criação dos primeiros monopólios e oligopólios
de muitos setores econômicos, no final do século XIX e início do século XX. Este
processo continua até a atualidade, estando na origem de fenômenos como: a) a
internacionalização de capitais, ocorrida após a Primeira Guerra Mundial; b) a
consolidação de um mercado global, com o fim dos países socialistas da Europa
Oriental, em 1991; c) a redução das barreiras tarifárias e não tarifárias nos anos 90 e d)
o aumento no fluxo internacional de capitais. Entre outros aspectos importantes, a
crescente expansão das empresas capitalistas contribuiu, para que esta forma de
organização produtiva tornasse as corporações capitalistas muito mais poderosas neste
início de século XXI, do que quando foram constituídas, no final do século XIX3
(SENE & MOREIRA, 1998, p. 25; MAGNOLI & ARAUJO, 2001, p. 117).
É neste estágio atual do Sistema Internacional, chamado de globalização, que
os Estados, cada vez mais integrados ao mercado global, buscam implementar políticas
sócio-econômicas que permitam elevar a condição de bem-estar de sua população.
Nesse sentido, pode-se dizer que alguns Estados não foram bem sucedidos nesta busca.
Já outros, conseguiram produzir padrões bem acima do mínimo ou básico, levantando a
questão da sustentabilidade ambiental, caso este padrão venha a se expandir para todo o
globo (JACKSON & SORENSEN, 2007, p. 28; SENE & MOREIRA, 1998, p. 28-38).
2 A Segunda Revolução Industrial foi essencialmente técnica e ocorreu em quatro áreas basicamente: 1) Elétrica; 2) Mecânica e energética, com a construção do motor a explosão, em 1862, a carburação, em 1889, a gasolina e depois a diesel, entre 1893-1897; uso de novas fontes de energia, 3) Químico, e, 4) Eletroquímica e eletro-metalurgia, provocando uma mudança substantiva na condição de vida nos país que detinham essas novas tecnologias (op cit, 1998, p. 23 - 26). 3 Entres às 25 maiores empresas que “dominam o mundo”, algumas delas foram constituídas no final do século XIX e início do XX, são elas: AT&T, 1885 (americana), British Petroleum, 1909 (inglesa), Daimler-Benz, 1926 (alemã), Exxon, 1882 (americana), Fiat, 1899 (italiana), Nestlé, 1866 (suíça), General Electric, 1892 (americana), General Motors, 1916 (americana), Mitsubishi, 1880 (japonesa), Hitachi, 1920 (japonesa), Siemens, 1847 (alemã), Unilever, 1930 (Países Baixo e inglês), IBM, 1911 (americana), Citicorp, 1812 (americana), Daí-Ichi-Kangyo Bank, 1873 (japonesa), (SENE, 1998, p. 25)
8
2. A desigualdade internacional e a tentativa de medir o
desenvolvimento Os desiguais níveis de desenvolvimento entre países que fazem parte de um
mesmo sistema internacional4, têm sido a causa de muitos debates e diferentes
interpretações nas Relações Econômicas Internacionais. Uma das causas estaria no fim
do sistema colonial. Após a II Guerra Mundial, muitos povos adquiriram soberania e
independência, mesmo não tendo ainda constituído instituições políticas e econômicas
fortes e eficientes. Este aspecto tornou a natureza dos Estados, no conjunto do sistema
Estatal, muito distinta. Para alguns autores, o reconhecimento jurídico não é garantia de
que o Estado influencie o sistema internacional. Para outros autores, o fato de países
com diferentes níveis de vida fazerem parte de um mesmo sistema, torna a questão do
atraso ou subdesenvolvimento de alguns países um problema internacional e não apenas
um problema nacional (JACKSON & SORENSEN, 2007, p. 44-53).
Este aspecto introduz a questão do progresso como um dos critérios que
contribui para a diferenciação do poder ou das capacidades dos Estados em um sistema
internacional interestatal. Por esta perspectiva, após a II Guerra Mundial, introduziu-se
a noção de desenvolvimento dos países como um critério importante para medir suas
realizações e o de subdesenvolvimento para caracterizar aqueles países que não tiveram
condições de melhorar as condições de bem estar de sua população. Nesse sentido,
passou-se a desejar o desenvolvimento como uma possibilidade que implicava na
valoração positiva intrínseca, sem atentar para a complexidade do processo. Muitos
foram os critérios e interpretações sobre o desenvolvimento e de que forma os Estados
deveriam agir para atingir o pretendido desenvolvimento.
O critério de avaliação do nível de desenvolvimento de um país pode ser de
duas origens: tradicional ou moderno. Entre os critérios tradicionais destacam-se a
classificação pelo PIB per capita e o Índice de Desenvolvimento Humano-IDH. Já, o
critério moderno considera o potencial dos recursos humanos e a inovação tecnológica
(COIMBRA & TIBÚRCIO, 2000, 23).
O critério tradicional de avaliação surgiu em meados do século XIX,
concomitantemente com a expansão da indústria, dois fatores que, juntos, deram origem 4Enquanto existiu um sistema de Estado central, incluindo apenas paises imperialistas, e um outro sistema periférico, as colônias, os valores e classificações aceitos para uns e para outros eram distintos. Porém com o fim do sistema colonial, após a II Guerra Mundial, possibilitou a inclusão de um conjunto de novos países no sistema de Estados, daí que os valores e as classificações no SIE passaram a ser interpretados como iguais para todos (JACKSON & SORENSEN, 2007, p. 44-53).
9
à aferição dos níveis de progresso (desenvolvimento) de um país em relação ao outro,
através do valor do Produto Interno Bruto adicionado pela produção. Este aspecto
produziu uma classificação internacional dos países segundo níveis de industrialização:
os países industrializados eram caracterizados como desenvolvidos e os não
industrializados como subdesenvolvidos (MAGNOLI & ARAUJO, 2001, p. 106).
Após a II Guerra Mundial a industrialização se expandiu para alguns países da
América Latina e da Ásia, a partir de investimentos em setores ou ramos dependentes de
mão-de-obra, matérias-primas e energia. Já, as indústrias que incorporam tecnologia de
ponta no processo produtivo (biotecnologia, informática, robótica, química fina, entre
outros), dependentes de investimentos de alto custo e de mão-de-obra qualificada e que
exigem uma ampliação da escala de mercado, permaneceram concentradas nos países
ditos desenvolvidos5 (ARAÚJO, 1995, p. 55-59).
Contudo, a desconcentração geográfica da indústria para países com mercado
interno significativo, fez com que estes apresentassem um patamar de industrialização
superior ao de alguns países centrais. Porém, a produtividade nos países periféricos, se
comparados com os seus índices demográficos, é menor em relação a países centrais
como Suécia e Bélgica, por exemplo. Este aspecto tornou a aferição do nível de
desenvolvimento pelo PIB adicionado problemática para explicar o nível de
desenvolvimento dos países. Com isso, o grau de industrialização continuou importante,
mas passou a ser calculado o valor da produção industrial interna pelo número de
habitantes, produzindo-se uma classificação dos países pelo PIB industrial per capita6
(op cit, 1995, p. 55-59).
Por outro lado, uma outra classificação bastante difundida no pós-guerra foi a
Teoria dos Três Mundos. Esta perspectiva levava em consideração principalmente a
variável política. De acordo com essa teoria, o Primeiro Mundo seria formado pelas
duas superpotências: EUA e ex-URSS e os países industrializados centrais. O Segundo
Mundo seria formado pelos demais países que se industrializaram tardiamente e o
5 A idéia de que nos países desenvolvidos todas as pessoas realizam suas expectativas, é enganosa, pois mesmo nos países desenvolvidos existem pessoas vivendo a margem da sociedade, sem acesso, portanto a “segurança, liberdade, ordem, justiça e bem-estar”, seja por causa da cor, do gênero ou do próprio sistema capitalista que produz concentração da riqueza em função de sua própria dinâmica estrutural. 6 Decorrente da classificação pelo PIB industrial per capita, dividiu-se os países em dois grupos: os países industriais centrais, com um PIB industrial per capita superior a 2000 dólares; e, os países semi-industriais, com um PIB industrial per capita entre 500 a 2000 dólares. Este último grupo dos países foi dividido em três grandes categorias. Primeiro, a orla semi-industrial européia, o bloco subdesenvolvido da América Latina e o bloco subdesenvolvido semi-industrial do Leste Asiático. A identificação destes três grupos se deu em função da origem do capital e da trajetória do seu processo de industrialização (ARAÚJO, 1995, p. 55-59).
10
Terceiro Mundo pelos demais países. Porém, alguns autores modificaram a Teoria dos
Três Mundos. Para esses últimos, o Primeiro Mundo seria formado pelos países
capitalistas desenvolvidos. O Segundo pelos países socialistas mais desenvolvidos (para
alguns desses autores o Segundo Mundo incluía todos os países de economia
planificada com orientação socialista). E o Terceiro Mundo seria formado pelos demais
países. Atualmente, apesar de não se saber mais quem faz parte do Primeiro e do
Segundo Mundo, o conceito de Terceiro Mundo7 ainda é bastante utilizado para
classificar os países periféricos ou de industrialização retardada (COIMBRA &
TIBÚRCIO, 2000, p. 27).
Considerando a qualidade de vida que a população de um país apresenta o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a partir dos Estudos do
paquistanês Mahbub UI Haq e do Indiano Amartya Sen, criou o Índice de
Desenvolvimento Humano - IDH8, cuja medida resulta de outras dimensões além da
econômica. Difundido pela ONU9, este indicador tem sido adotado por órgãos
governamentais de muitos países em desenvolvimento, como o Brasil, por exemplo. As
variáveis definidas para compor o índice são relacionadas à expansão das liberdades
enquanto fim, e instrumental enquanto meio. Para se alcançar o desenvolvimento nesta
perspectiva, é importante a expansão qualitativa da satisfação e expansão das
potencialidades humanas não apenas em termos quantitativos de renda, obtidos pelo
progresso econômico ou técnico, mas sim em termos de educação, expectativa de vida e
acesso a bens materiais.
A classificação moderna de desenvolvimento que nos referimos no início desta
seção, está relacionada a um tipo de sociedade baseada em três características que dão
7 Pode-se observar que, de uma classificação inicialmente centrada na característica política dos Estados, incorporou-se a esta a variável, determinada pela industrialização e, conseqüentemente pelo nível de desenvolvimento resultante. 8 O IDH classifica os países da seguinte forma: desenvolvidos, em desenvolvimento ou em vias de desenvolvimento, subdesenvolvidos e os menos desenvolvidos (op cit, 2000, p. 27 e 45). 9 Sobre a independência do Relatório de Desenvolvimento Humano, patrocinado pelo PNUD, em comparação com o Relatório Mundial de Desenvolvimento, produzido pelo Banco Mundial, Ricardo Jolly, afirma: “No último Relatório Mundial de Desenvolvimento, essa estratégia foi reforçada por um foco centrado na importância de empoderar os pobres e promover sua participação ativa nas instituições e atividades locais. Isso representa um importante avanço do Banco, embora não esteja suficientemente claro em que medida isso pode ser considerado como uma recomendação operacional da política do Banco, já que a divulgação desse documento foi precedida pela saída de dois dos mais antigos economistas da Instituição, cada um dos quais esteve envolvido, de perto, com esse relatório específico”. (JOLLY, documento mimeografado).
11
origem a um novo tipo de cidade, a tecnópolis10. Essas três características básicas são:
criação, reciclagem e difusão de novas técnicas. Segundo essa abordagem, para que um
país se desenvolva, é preciso que a sua população tenha um alto nível de satisfação;
poder para criar alternativas econômicas e tecnológicas; reciclá-las; e, se preciso
difundi-las para outros países. (COIMBRA & TIBÚRCIO, 2000, p. 23).
Como visto, podem-se identificar diferentes critérios de classificação a
respeito do nível de desenvolvimento dos países. Entre estes se destacam o critério
econômico, avaliado em termos de industrialização ou tecnológico; o critério político,
observado em termos de poder (político-econômico e militar); e um critério derivado
dos níveis de bem estar das pessoas, o IDH. Mas, no geral, a idéia básica é que
diferentes lugares apresentam diferentes condições de existência, e nesta perspectiva, a
busca de bem estar coletivo passa a ser vista com um objetivo fundamental para
sociedades e pessoas. É nesta busca que a idéia de desenvolvimento emerge como
sinônimo de bem-estar, assunto que passa a ser discutido a seguir, inicialmente
abordando a contribuição de Celso Furtado.
3. O desenvolvimento em Celso Furtado: uma introdução ao autor.
Nascido em 26 de julho de 1920, em Pombal, no Estado da Paraíba, Celso
Furtado (1920-2004), graduou-se em Administração pela Universidade do Brasil, no
Rio de Janeiro, em 1944, e doutorou-se na Universidade de Paris, na Sorbone, em 1949.
Seu pai, funcionário público, e franco-maçom, possuía uma biblioteca considerável,
onde Furtado deu inicio a sua paixão pela leitura, ainda na infância, especialmente
história e literatura11 (GONÇALVES, 1983, p. XI-XII, na apresentação do livro Teoria
e Política do desenvolvimento econômico de Celso FURTADO, 1983).
As influências intelectuais que marcaram a formação do autor, ainda durante
seus estudos secundários, são enumeradas por ele próprio: o Positivismo, crença
baseada na “idéia de que a ciência fornece o conhecimento em sua forma mais nobre”;
Marx, lido através dos trabalhos do sociólogo Karl Mannheim, por colocar o “saber
10 No Brasil e no mundo, os exemplos de tecnópolis atualmente são: Campinas (SP), telecomunicações; São Carlos (SP), engenharia mecânica; São José dos Campos (SP), aeronáutica; Toulouse (França), aeronáutica e biotecnologia; e, Vale do Silício (Califórnia, EUA) informática (op cit, 2000, p. 23). 11Seu interesse por literatura o leva a escrever seu primeiro livro: De Nápoles a Paris: contos da vida expedicionária. (FURTADO, 1946).
12
científico em um contexto social”; e a “sociologia norte-americana, por intermédio de
Gilberto Freyre” 12 (FURTADO, 1998, p. 9).
Esta tríplice influência foi o ponto de partida de Furtado em seu interesse pelo
estudo da história. É interessante ressaltar, que ao ingressar na graduação optou pelo
Direito, mas o contato com a literatura americana e o interesse pelas teorias da
organização o afastaram do Direito e o fizeram passar para o curso de Administração,
ainda no terceiro ano da graduação. Outro aspecto a ser citado, foi à descoberta de Marx
por intermédio da sociologia do conhecimento, o que possibilitou ao autor estudado ter
um conhecimento de macroeconomia moderna suficientemente razoável que não se
deixar seduzir pelo determinismo econômico, atendo-se somente à teoria da História, ao
estudar a obra O capital, no Instituto de Ciência Política de Paris13 (FURTADO, 1998,
p. 9; MALLORQUIN, 2005, p. 29-30).
Em seu primeiro artigo sobre a economia do Brasil já aparecia alguns
conceitos inovadores (Furtado, 1950). Baseados nas idéias de Prebisch sobre a
deterioração dos termos de intercâmbio entre países industriais e subdesenvolvidos, e
também uma noção de socialização de perdas. A criação da CEPAL e as idéias de
Prebisch, a respeito da divisão internacional do trabalho, deram impulso a uma busca
teórica alternativa que o permitisse estudar a periferia do sistema capitalista. Mallorquin
(2005, p. 31-52) afirma que Prebisch apenas havia indicando a existência de uma
ausência conceitual, e “Furtado logo tomou esse caminho”.
Sob a chefia de Celso Furtado, deu-se início, em 1953, com a constituição do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), ao grupo de trabalho técnico
BNDE-CEPAL. Onde foram elaborados planos de desenvolvimento em toda a América
Latina, com base na engenharia macroeconômica keynesiana. O propósito do grupo
montado por Furtado era o de elaborar um programa de desenvolvimento para o período
de 1955 a 1962, o que o motivou a reconstruir conceitos econômicos convencionais
para explicar os países subdesenvolvidos. Conforme assinala Mallorquin, Furtado
utilizou Prebisch e Keynes como referência teórica para criar suas idéias14
(MALLORQUIN, 2005, p. 33-46).
12 Desse primeiro contato com a sociologia norte americana surge um ensaio sobre a democracia, em 1946, e a uma de suas primeiras condecorações: o Prêmio Franklin D. Roosevelt, do Instituto Brasil-Estados Unidos (MALLORQUIN, 2005, p. 29-30). 13 Em sua tese de doutorado foi estimulado a escrever sobre a economia brasileira, apresenta em 1949, L’économie coloniale brésilienne XVI e et XVII e siècles: eléments d’histoire economique apliques. Na tese predomina a questão do sentido da colonização para o império português e sua natureza comercial, que deu origem a chegada da mão-de-obra escrava (MALLORQUIN, 2005, p. 30-31) 14 Nos primeiros anos de 1950, vemos Furtado relativamente próximo das concepções convencionais sobre crescimento e desenvolvimento. Para Furtado, neste período, o desenvolvimento dependia da
13
Em A economia brasileira (1954) apesar de ainda não aparecer idéias como
obstáculos estruturais e heterogeneidade estrutural, Furtado consegue pelo menos
avançar sobre questões que permitiu explicar a expansão e a evolução estrutural do
sistema escravista. Sobre esta obra, Mallorquin afirma ser a primeira e “[...] uma das
mais influentes interpretações da história econômica brasileira. [Nesta obra] constitui-se
o Brasil que Furtado tentará transformar a partir dos últimos anos da década de 1950”
(MALLORQUIN, 2005, p. 103).
Mallorquin (2005) descreve a trajetória discursiva que levou a conformação do
pensamento estruturalista de Furtado e o surgimento do subdesenvolvimento como uma
noção importante para a compreensão do desenvolvimento. Este autor observa que entre
1958 e 1964 começam a aparecer um vocabulário e um discurso conceitual específico
para explicar o que se quer entender por subdesenvolvimento e dependência. Termos
como: excedente estrutural de mão-de-obra, desequilíbrio externo e centro, foram
instrumentos novos que levou Furtado a afirmar que um incremento do produto per
capita não garante a elevação no grau de desenvolvimento. Para isso, dizia ele, é preciso
que ocorram modificações estruturais, pois:
[...] o setor desenvolvido aumenta seu produto sem absorver novos contingentes de mão de obra, e todo aumento da população tem de ser absorvido pelo setor atrasado ao nível de produtividade que impere neste, o aumento resultante da renda per capita do conjunto da população não é acompanhado, necessariamente, de um aumento relativo no setor desenvolvido. Apesar da elevação da renda per capita, não fica modificado nesse sentido, o grau de subdesenvolvimento. (FURTADO, 1964, p.180).
Percebe-se aqui, Furtado preocupado com o grau de subdesenvolvimento e as
transformações estruturais promovidas e introduzidas pelo aparato produtivo, porém,
como afirmou Mallorquin (2005, p. 131): “[...] isso não significa que Furtado aceitasse
as noções de renda per capita como adequadas para explicar ou medir o
desenvolvimento econômico”.
Ainda conforme o que destaca Mallorquin (2005, p. 333), as idéias
estruturalistas de Furtado adquirem metodologia específica “[...] entre os anos 1958 e
1962”. O autor ainda salienta que ali começa a aparecer “[...] a construção de um
conceito de economia no qual se torna explicita a função histórica e sociológica dos
agentes econômicos e políticos para sua explicação e análise”. Decorrente da sua idéia
assimilação tecnológica de processos produtivos conhecidos para viabilizar o crescimento, pois o subdesenvolvimento aparecia como escassez de capital (MALLORQUIN, 2005, p. 53-54).
14
de economia, a noção de desenvolvimento vai se tornando um aspecto importante em
seu pensamento.
Contudo, a idéia de desenvolvimento emerge com maior ênfase em Teoria e
Política do Desenvolvimento, quando Furtado (2000, p. 102) aponta o seguinte: “Cabe
admitir que o ponto de partida da idéia de desenvolvimento sejam simples intuições,
explicáveis em certas condições históricas, que tiveram sua primeira expressão no
conceito vago de progresso”. É este o foco da seção seguinte.
4. O conceito de desenvolvimento de Furtado
Na busca por uma base conceitual que permitisse pensar os países
subdesenvolvidos, Furtado faz duras críticas ao pensamento clássico e neoclássico. Pois,
segundo ele, não se encontram nesses autores neoclássicos conceitos que permitam
pensar a realidade das economias subdesenvolvidas. Em sua crítica a um modelo de
desenvolvimento segundo os pressupostos neoclássicos Furtado destaca que para estes
“o aumento de produtividade do fator trabalho [...] é conseqüência da acumulação de
capital, a qual, por sua vez, está na dependência da taxa antecipada de remuneração dos
novos capitais e do preço de oferta da poupança”. O problema nos diz Furtado, é que a
análise dos fatores que condicionam a acumulação de capital está feita exclusivamente
do lado da oferta de poupança (FURTADO, 2000a, p. 50-51).
É importante ressaltar que nos primeiros trabalhos de Celso Furtado sobre os
problemas de crescimento nas economias subdesenvolvidas, o autor estudado pensava o
desenvolvimento como sinônimo de crescimento. Em sua obra A economia brasileira
(1954) Furtado passa a enfrentar os pressupostos da teoria convencional sobre
desenvolvimento econômico. O autor inicia esta tarefa criticando a universalidade com
que estes pressupostos são apresentados. Primeiramente pelo grau de abstração e
generalidade com que os modelos e esquemas de crescimento são simplificados pelas
variáveis que considera importante. Em segundo lugar por acreditar que estes
pressupostos deveriam ser adaptados a realidades históricas e geográficas concretas.
Entretanto, paradoxalmente, apesar de criticar o discurso hegemônico o autor inicia seu
esforço de teorização utilizando o discurso de que o desenvolvimento na América
Latina dependia da formação de poupança interna. (MALLORQUIN, 2005, p. 68-69).
Da crítica ora apresentada à idéia de desenvolvimento, Furtado vai buscar na
teoria do empresário inovador de Schumpeter, a base para a transformação do sistema
15
econômico via processos mais eficazes. Furtado ressalta que ao observar o processo
econômico pelo processo produtivo, Schumpeter possibilitou observar a importância do
progresso técnico para o crescimento econômico. Mas Furtado adverte que o problema
de pensar o desenvolvimento a partir de uma teoria das inovações é pretender formulá-
la independente da teoria da acumulação (FURTADO, 2000a, p. 41-62).
Furtado se concentra primeiramente em explicar que os modelos de
crescimento apoiados, de um lado na noção clássica de distribuição, e de outro, na
noção neoclássica sobre funções de produção e antecipação da remuneração dos
respectivos fatores produtivos marginais, são subproduto da obra de Keynes. Este
aspecto, segundo ele, é de fundamental importância para análise macroeconômica, mas
em nada contribui para a teoria do desenvolvimento, ao menos, não onde se buscam
transformações estruturais significativas. Não obstante, em sua trajetória teórica para a
construção de um enfoque dinâmico que permitisse pensar os aspectos estruturais da
economia, Furtado inicia seu trabalho revisando as obras de Keynes, Schumpeter,
Perroux e Myrdal. Não menos importante foi o dualismo de Nurkse na perspectiva de
Lewis. E ainda, a obra de Prebisch, onde aparecem pela primeira vez as idéias mais
significativas sobre desenvolvimento (MALLORQUIN, 2005, p. 316-317).
Devido aos ciclos econômicos, Furtado destaca que a crença liberal constitui-
se num problema para os países industrializados nos dias de hoje. Isso se dá, segundo
ele, por acreditar que permitir o máximo de iniciativa individual, apenas velando pelo
mecanismo de preços, levaria espontaneamente ao desenvolvimento, o que não se
concretizou. Sobre isto Furtado pondera que: “[...] foi como subproduto das teorias
cíclicas que [se reconheceu entre os economistas] a necessidade de uma política de
sustentação da procura efetiva” importante aspecto da teoria do desenvolvimento
(FURTADO, 2000a, p. 63).
Em sua obra Introdução ao Desenvolvimento: enfoque histórico-estrutural15
(2000b, p. 10-19), com o intuito de ampliar a visão do desenvolvimento, Furtado
explica o desenvolvimento a partir de um discurso mais geral sobre progresso,
15 A primeira publicação em português se deu em 1980. Ali já aparecem diferenças teóricas sobre a idéia de desenvolvimento e sobre o estruturalismo em relação à Teoria e política do desenvolvimento
econômico (1974). Sobre este último, Mallorquin faz o seguinte comentário: “a exposição das idéias de Furtado em torno de sua concepção do desenvolvimento por parte de Fernando H. Cardoso, a qual segue as linhas que aparecem em Teoria e política do desenvolvimento econômico (FURTADO, 1974), facilitam uma interpretação ortodoxa dessas idéias. [...] Mas, devido ao livro [um dos mais desiguais] e ao ponto de partida... ele [Fernando H. Cardoso] ficou paralisado, senão estrategicamente impossibilitado, de observar as qualidades transgressoras daquele” (MALLORQUIN, 2005, p. 335, comentários entre colchetes nosso). È por este motivo que no presente trabalho deu-se maior ênfase a obra em referência.
16
utilizando o iluminismo com estratégia (MALLORQUIN, 2005, p. 319). Segundo o
autor estudado, a idéia de progresso deve ser pensada a partir do século XVIII, com
base em três correntes do pensamento europeu: I) Iluminista - baseada na racionalidade
progressista da história, desconsiderando os problemas sociais advindos desta posição;
II) Clássica - baseada na idéia de que a acumulação de riqueza levará ao bem-estar,
desde que determinado quadro institucional seja criado; e III) Liberal - na qual caberia a
Europa integrar todos os povos à “civilização” através do comércio, cumprindo, dessa
forma, sua missão civilizadora (FURTADO, 2000b, p. 10-19). Sobre isto Mallorquin
(2005) afirma:
Como síntese do texto, adverte-se que o tema do desenvolvimento está totalmente sociologizado, matriz que já se notava no discurso dos livros anteriores; a distribuição da receita é um problema de poder e de dominação (MALLORQUIN, 2005, p. 319).
Ainda com o objetivo de ampliar a sua visão sobre o desenvolvimento Furtado
(2000b) argumenta que as novas idéias restabeleceram a supremacia da política sobre a
economia. Isto decorreu da adoção da macroeconomia keynesiana. Assim, aparece no
início da obra que estamos trabalhando, tanto como em obras anteriores, a idéia de
desenvolvimento como invenção e criatividade cultural. Sobre isto Furtado afirma que:
[...] existe alguma evidência de que por toda parte, no espaço e no tempo, a invenção cultural tende a ordenar-se em torno de dois eixos: a busca da eficácia na ação e a busca de propósito para a própria vida. É o que desde Max Weber se tem chamado de racionalidade formal ou instrumental e racionalidade substantiva ou dos fins. A invenção diretamente ligada à ação supõe a existência de objetivos previamente definidos. Ela nos dá a técnica. A invenção ligada aos desígnios últimos nos dá os valores, os quais podem ser morais, religiosos, estéticos etc. (FURTADO, 2000b, p. 7-8).
Com base nesta perspectiva o autor vai argumentar que a criação de valores é
que vai determinar os desígnios de uma sociedade. Enquanto que a técnica nos abre
possibilidades materiais sempre na dependência dos objetivos previamente definidos.
Ainda nesta obra Furtado assinala que a teoria do desenvolvimento
convencional se concentra na racionalidade instrumental das técnicas enquanto meio, o
que explica porque tais elaborações não vão além de modelos estáticos. O autor
estudado concentra seus esforços na racionalidade dos fins. Para isso se propõe a
ampliar a visão do desenvolvimento, enfocando-o como um processo global16 e a criar
16 Com base numa visão do sistema global, o subdesenvolvimento não pode ser concebido como um sistema fechado. Isto permitiu Furtado fazer uma crítica ao estruturalismo, de que o desequilíbrio ao nível dos fatores não se deve a uma tecnologia inadequada, trata-se de transferência tecnológica do centro para a periferia, de atividades produtivas ligadas a uma clientela perfeitamente condicionada e sob controle.
17
uma linguagem conceitual comum aos diferentes ramos das ciências sociais, sem
pretender elaborar uma teoria da criatividade cultural (FURTADO, 2000b, p. 7-8;
MALLORQUIN, 2005, p. 315-316).
Nesta obra em discussão, Furtado (2000b) buscou remontar aspectos históricos
que permitiram discutir a idéia de desenvolvimento. Sobre isto Mallorquin faz o
seguinte comentário:
Neste livro, após um amplo conhecimento e experimentação teórico-prática no meio tempo, em contraste com A economia brasileira, Furtado já não peca de nenhum anacronismo histórico quando expõe as origens da reflexão sobre o desenvolvimento, acontecimento discursivo por excelência [...] posterior à Segunda Guerra Mundial [...] a luta pela hegemonia ideológica entre os grandes blocos deu lugar e espaço para a discussão “política” sobre o desenvolvimento atrasado ou subdesenvolvido, ao mesmo tempo que perdia preponderância, na década de 1950, a teoria do comércio e divisão internacional do Trabalho. Foi observada na época, a emergência de um enfoque multidisciplinar que insistia em considerar os fatores políticos. Na ocasião, a “temática foi sempre abordada sem o benefício de um esforço prévio de teorização das dimensões requeridas, quase sempre a partir de marcos conceituais insuficientes (MALLORQUIN, 2005, p. 317).
Decorrente dos pontos apresentados acima, Furtado apresenta três dimensões
do conceito de desenvolvimento. A primeira ligada à eficácia e ao aumento da
produtividade, ou seja, o crescimento econômico como condição para a evolução do
sistema social de produção. A segunda está ligada ao grau de satisfação das
necessidades básicas do ser humano, o desenvolvimento humano. E a terceira, de
caráter ideológico, aborda a realização de objetivos almejados pelos grupos dominantes
que competem por recursos escassos em uma sociedade. (FURTADO, 2000b, p. 21).
Para Furtado, todas as dimensões do desenvolvimento são ambíguas. O
conceito de desenvolvimento, relacionado à eficácia e produtividade, representa o
aumento da competitividade e do lucro e também a degradação das condições de vida
de parcela da população ao gerar processos irreversíveis no meio ambiente. O conceito
de desenvolvimento que se relaciona com a satisfação das necessidades humanas, por
sua vez, se dá no plano das necessidades objetivas, tais como: alimentação, vestuário e
habitação, mas, o autor estudado observa que pensar o desenvolvimento humano
implica atender, também, as necessidades subjetivas, tais como: felicidade, expansão
das capacidades, liberdades de expressão, política, de ir e vir, etc. Por fim, o conceito
que se relaciona com a aspiração dos grupos dominantes é ainda mais ambíguo, pois, Sendo possível negar a autonomia e a funcionalidade das políticas internas de industrialização. Uma vez que o controle da produção física permanece no centro dominante. Para Furtado, neste processo a periferia não se desenvolve, esta se adapta a evolução estrutural dos desenvolvidos (MALLORQUIN, 2005, p. 243-244).
18
por um lado, tem seu discurso ideológico relacionada à cultura de cada sociedade, e por
outro, pode representar, para muitos, apenas o desperdício de recursos escassos, muitas
vezes não renováveis. (op cit, 2000b, p. 21-22).
Segundo Furtado, decorrente desta interpretação contraditória, surge à
temática sobre a concentração geográfica do avanço tecnológico, beneficiando os países
que exportam produtos que incorporam tecnologias avançadas, remetendo-nos para a
idéia de subsistemas econômicos nacionais, baseados no protecionismo nacional. A
partir daí, o conceito de desenvolvimento passou a estar ligado ao interesse nacional,
servindo de justificativa para os objetivos da terceira dimensão do conceito de
desenvolvimento. Daí, o indicador universal de desenvolvimento ser medido pela
produtividade interna de um país em relação aos outros17 (op cit, 2000b, p. 23-25).
Para Furtado, o crescimento do conjunto da força de trabalho leva
naturalmente a pressão para a elevação da taxa de salário. “Essa pressão em si mesma
constitui um motor de desenvolvimento”. Pois a elevação da taxa de salário modifica o
perfil da procura e “induz à introdução de invenções poupadoras de mão-de-obra”. É
este segundo fenômeno que segundo ele “constitui o segundo motor do processo de
desenvolvimento”, ou seja, para que uma economia se desenvolva ela prescinde uma
elevação taxa de consumo e ao mesmo tempo de inovação, está última será responsável
pela elevação da taxa de lucro. (FURTADO, 2000a, p. 140-141).
Do exposto, para o autor, o desenvolvimento decorre do avanço da
racionalidade humana ao produzir eficácia e racionalidade aos fins programados. Para
agir com maior eficácia o homem necessita de instrumentos e técnicas que só se
transmitem através do processo de acumulação. A inovação técnica está ligada a fins
racionais pré-estabelecidos e esta transforma os estilos de vida e rompe com o sistema
de valores herdado, o que leva alterações na estrutura (FURTADO, 2000b, p. 43-48).
5. O enfoque interdisciplinar, histórico e estrutural do
desenvolvimento em Furtado.
Ainda em Introdução ao Desenvolvimento: enfoque histórico-estrutural
(FURTADO, 2000b) o desenvolvimento é apresentado em sua forma histórica e 17
Ainda de acordo com Furtado, foi só após a Segunda Guerra Mundial, que indicadores mais específicos, tais como: mortalidade infantil, incidência de doenças contagiosas, grau de alfabetização, e outros, foram, aos poucos, construindo novas idéias sobre desenvolvimento, bem-estar e modernização, ou seja, idéias que remetem a formas de vida proporcionada pela civilização industrial (op cit, 2000, p. 23-25).
19
estrutural. Furtado (2000b, p. 41-43) coloca que a estrutura descreve a morfologia
elementar da totalidade das relações entre as partes dessa totalidade. Esta é uma forma
de apreender a realidade vista como relações estáveis no tempo. Se isto acontece, a
seqüência de fatos, na perspectiva da causalidade, leva a idéia de processo social, pois a
inovação técnica é a ação racional do homem para atingir os objetivos pré-fixados.
Assim, mais racionalidade corresponde a maior eficiência, e maior eficiência
corresponde a aumento do progresso técnico. Tal perspectiva deriva, em sua visão, da
insuficiência teórica para explicar o que orienta a criatividade das pessoas. Segundo o
próprio autor:
O estruturalismo econômico (escola de pensamento surgida na primeira metade dos anos cinqüenta entre economistas latino-americanos) teve como objetivo principal pôr em evidência a importância dos “parâmetros não-econômicos” dos modelos macroeconômicos. Como o comportamento das variáveis econômicas depende em grande medida desses parâmetros, e a natureza dos mesmos pode modificar-se significativamente em fases de rápida mudança social, ou quando se amplia o horizonte temporal da análise, os mesmos devem ser objeto de meticuloso estudo. Essa observação é particularmente pertinente com respeito a sistemas econômicos heterogêneos, social e tecnologicamente, como é o caso das economias subdesenvolvidas. Com efeito, sem um conhecimento adequado da estrutura agrária não seria possível entender a rigidez da oferta de alimentos em certas economias; sem uma análise do sistema de decisão (cujo controle pode estar em mãos de grupos estrangeiros) não seria fácil entender a orientação das inovações técnicas; sem a identificação do dualismo estrutural não seria fácil explicar a tendência a concentração de renda etc. Como esses fatores “não econômicos” ─ regime de propriedade de terra, controle das empresas por grupos estrangeiros, existência de uma parte da população fora do mercado ─ integram a matriz estrutural do modelo com que trabalha o economista, aqueles que deram ênfase especial ao estudo de tais parâmetros foram chamados de “estruturalistas”. (FURTADO, 2000a, p. 95-96).
Furtado explica que na civilização atual, o processo de acumulação se divide
em dois eixos: a) as forças produtivas; e b) as atividades não produtivas. O primeiro, é
alcançado através de um comportamento racional, quanto aos fins preestabelecidos. O
segundo, se aplica aos fins sociais. Para viabilizar o processo de acumulação, a divisão
social do trabalho é o instrumento utilizado para dar eficiência ao processo produtivo.
Quanto melhor organizada e estruturada, a divisão do trabalho permite o avanço das
técnicas de produção e contribui para elevar a produtividade (op cit, 2000b, p. 49-55).
Mas, quando trabalha as condições que geram o subdesenvolvimento, Furtado
observa que existe um conjunto de restrições técnicas e econômicas que afetam o
processo de acumulação na periferia. Como a acumulação resulta da ativa participação
dos agentes na luta pela utilização do excedente, esta ação altera a estrutura do sistema
econômico. Com isto, as alterações estruturais que surgem dessa luta produzem
20
inúmeras inovações: I. nos processos; II. nos produtos; III. na dimensão das unidades
produtivas; IV. na ampliação dos estoques de recursos naturais; V. na abertura de novos
mercados; VI. no aperfeiçoamento do capital humano e VII. na distribuição da renda. O
argumento é o de que a acumulação reflete um conjunto de fatores que tendem ao
decréscimo dos rendimentos, o que produz, ao longo do tempo, sua desaceleração. Mas,
a criatividade e a ação dos agentes que ampliam as forças produtivas podem mudar esta
perspectiva (Furtado, 2000b, p. 55-59).
Segundo o autor, na ampliação das forças produtivas dois grupos são
fundamentais: os agentes que se apropriam do excedente (lucros) e a massa assalariada.
A diferença entre eles, é que esses últimos têm seus objetivos limitados pelas condições
do mercado e pela repressão legal. As contradições de interesses existentes entre os dois
grupos são inerentes ao sistema capitalista e refletem parte do seu dinamismo e
instabilidade. (op cit, 2000b, p. 61-62).
Ao discutir a difusão social da racionalidade instrumental, Furtado observa
que na produção capitalista, a terra e a capacidade de produzir foram transformadas em
mercadorias, a forma mais eficiente de acumular capital. Em sua análise observa que a
inovação técnica teve como objetivo principal superar a lei dos rendimentos
decrescentes pelo avanço do progresso técnico, fator capaz de alterar o conjunto dos
fatores de produção ou criar novos produtos. O problema, segundo Furtado (2000b, p.
11 -19), é que o progresso técnico ficou restrito aos interesses das unidades produtivas
isoladas, desconsiderando os interesses e as necessidades do Estado ou a técnica
apropriada em função das necessidades do conjunto da sociedade.
Furtado (2000b, p. 69-71) identifica duas dimensões sociais na apropriação do
excedente: a sincrônica, em que a estratificação social eleva as condições de vida de um
grupo menor e as restringe para um grupo maior, e a diacrônica, que trata da
transferência do excedente do presente para privilegiar o futuro. Segundo ele, sempre
que uma sociedade apresenta estratificação social, está implícito que o processo de
apropriação do excedente é autoritário. A apropriação do excedente, segundo Furtado,
se deu de duas formas: a autoritária e a mercantil. Na apropriação mercantil, a
autonomia da região de origem permitiu controlar outras regiões via dominação
autoritária. Com isso, as regiões centrais diversificaram os padrões de consumo e a
difusão de novas técnicas para elevar a produtividade, dado o grau de especialização
possibilitado por um intercâmbio desigual, devido sua posição hegemônica. Esta
situação produziu a estrutura centro-periferia.
21
Além do viés estruturalista Furtado (2000b, p. 72) vai destacar que a busca do
desenvolvimento é um processo histórico e social. Neste sentido, a consolidação do
primeiro núcleo industrial, na segunda metade do século XVIII, na Europa, colocou em
marcha novos processos sociais, entre eles: I) a ampliação e aumento da complexidade
no núcleo inicial que desmantelou as atividades artesanais e o sistema feudal, no plano
econômico, e no plano político criaram recortes nacionais para expandir o mercado
inicial; II) a ocupação dos territórios de clima temperado e de baixa densidade
demográfica ampliou a base de recursos naturais e possibilitou a expansão das
atividades agrícolas, com baixo custo, favorecendo a expansão da indústria
têxtil;mpliação dos circuitos comerciais, que conduziram à formação e expansão da
divisão internacional do trabalho.
Neste processo, para ter acesso aos mercados do centro, a periferia teve que se
especializar, desmantelando parcialmente as formas tradicionais de dominação social,
em função da nova forma de apropriação e utilização do excedente, que, a partir daí,
passou a ser interna e externa, autoritária e mercantil, dominação e dependência, origem
do que se entende por dualismo social. Isto acelerou a acumulação no centro enquanto a
periferia era orientada para atender aos interesses do centro (op cit, 2000b, p. 73-77).
Ao ser inserido na divisão internacional do trabalho, o impulso dinamizador da
periferia se deu pela especialização induzida do exterior. Dado que os investimentos e o
progresso técnico adivinham de decisões do exterior, a formação do excedente, em
muitos casos, se deu pela deterioração das atividades produtivas ligadas ao mercado
interno, orientado pela implementação de atividades mono-exportadoras. O
subdesenvolvimento caracterizou-se pela manifestação do lento investimento no sistema
produtivo, aliado à divisão internacional do trabalho e pela introdução de padrões de
consumo gerados no centro do sistema. Sua característica básica é a assimetria entre o
que o sistema produtivo fornece como possibilidade de consumo e a demanda real dos
consumidores, mais ampla, e que não pode ser fornecida pela periferia sem ampliação
das exportações. Isto no contexto da divisão territorial do trabalho importa em ampliar
as exportações de bens primários, cuja demanda e, portanto, processos de geração de
excedentes, são controlados pelo centro (Furtado, 2000b, p. 80-81).
Decorrente dessa visão Furtado vai argumentar que nos países
subdesenvolvidos o Estado precisa intervir na economia com o objetivo de gerar
acumulação para viabilizar investimentos em tecnologia e inovação, adequada as
necessidades do país, para viabilizar as transformações sociais.
22
6. A necessidade do Estado para o desenvolvimento nos países da
periferia Nas duas seções anteriores, vimos, em outras palavras, que para Furtado
(2000b, p. 27-32) Desenvolvimento e Subdesenvolvimento tiveram origem no mesmo
processo: a Revolução Industrial, que basicamente resultou na aceleração da
acumulação e na reestruturação da divisão inter-regional do trabalho. O aumento da
produtividade e a utilização mais eficaz dos recursos geraram progresso e modernização
em quase todos os lugares, mas de maneira desigual, os quais passaram a ser
denominados de desenvolvidos e subdesenvolvidos. Desta observação resulta que a
indústria atuou como o elemento central do processo. Mas, nos países
subdesenvolvidos, decorrente de sua dependência dos desenvolvidos, o excedente
tendeu a ser capturado pelo exterior e parte pelo poder local em uma situação onde os
vínculos externos favoreceram seu fortalecimento. Por isso, a acumulação deficiente
não viabilizou uma indústria importante e mais, a inadequação tecnológica levou a
desestruturação social e obrigou o Estado a ocupar o papel de captador do excedente
para viabilizar os investimentos na modernização. A evolução das idéias sobre o
desenvolvimento restabeleceu a primazia da política sobre a economia. Esta “nova
visão” sobre desenvolvimento passou a enfatizar o esforço de coordenação das decisões
econômicas em nível nacional, através da ação diretora do Estado.
Neste sentido, Furtado argumenta que nos últimos decênios a análise
econômica observou a influência da produção em escala e os conglomerados, na
acumulação de capital e seus reflexos na configuração dos sistemas econômicos
nacionais. E explica que essa análise sistêmica constituiu-se numa ruptura a visão
neoclássica sobre a eficácia do sistema de preços, ao dar maior ênfase ao esforço de
coordenação das decisões econômicas em nível nacional, através da ação diretora do
Estado. Isto se faz necessário, segundo o autor, para superar os desequilíbrios dos
mercados, manterem os níveis de emprego e reconstruir as estruturas que conduzem ao
“equilíbrio do desenvolvimento-subdesenvolvimento” ou que tendam ao “desequilíbrio
dos fatores” (op. cit. 2000b, p. 31-32).
Em sua obra Prefácio à nova economia política, Furtado (1977, p. 72-73)
argumenta que o desenvolvimento do capitalismo industrial, em sua primeira fase, entre
1840 e 1870, se fez baseada na expansão do comércio internacional, e em sua segunda
23
fase, se deu apoiado principalmente nos respectivos mercados internos. Ademais, a
instabilidade do sistema, intrínseca às economias capitalistas industriais, juntamente
com a necessidade de ampliar consideravelmente o fluxo de recursos disponíveis para o
investimento e de manter um nível elevado de emprego, levou as economias nacionais a
aplicar a terapêutica keynesiana, reforçando a tendência para o fechamento das
economias nacionais. Esse aspecto produziu uma disputa por poder entre os Estados, na
busca por uma nova ordem internacional, onde o socialismo se apresentava como
opção. Este cenário internacional, pós-crise de 29, resultou numa corrida bélica entre as
grandes potências e no confronto entre elas, tendo a Europa como palco.
Ainda de acordo com Furtado (1977, p. 73-74), como conseqüência da
Segunda Guerra Mundial, o conjunto das economias capitalistas passaram a operar
baseadas num certo grau de unidade de comando político, apoiado num status de
segurança unificado. Na mesma obra citada, Furtado assinala que estabelecida à
supremacia política norte americana, esta buscou no plano econômico viabilizar um
projeto definido como instrumento de defesa da civilização ocidental, que veio a se
efetivar com a redução das disparidades dos níveis de renda entre as principais
economias capitalistas: EUA, Europa Ocidental e Japão. Dessa forma, tanto a
reconstrução das antigas economias rivais, como o apoio a projetos de união aduaneira,
zonas de livre comércio e mercados comuns, bem como o desmantelamento das velhas
estruturas coloniais, tiveram como objetivo a unificação crescente do espaço econômico
dentro do sistema capitalista. Sobre isto o autor afirma:
A doutrina que presidiu à nova ordenação é essencialmente uma reconstrução da ideologia liberal inglesa que servira de justificação e ponta de lança à implantação do antigo sistema de divisão internacional do trabalho. [...] A diferença com o antigo modelo inglês está em que o empresário individual foi substituído pela grande empresa (FURTADO, 1977, p. 74).
Dada as condições que configuram o sistema internacional no contexto da
globalização, caracterizada pela unificação do espaço econômico, nos países que ainda
não estão no grupo dos desenvolvidos, segundo Furtado (1977, p.77-83), é requerido
dos agentes um grau de coordenação das atividades econômicas muito mais complexo
do que em economias autônomas, pois uma das conseqüências desse processo
econômico é a instabilidade do sistema. O autor acredita que estes problemas de ordem
econômica, que afligem a todas as sociedades, terão de ser resolvidos com a ativa
participação dos Estados, responsáveis por manter o diálogo entre os distintos grupos
com interesses opostos na defesa dos interesses sociais.
24
Em Raízes do subdesenvolvimento (FURTADO, 2003, p. 33-41), vê-se o
autor defendendo o Estado democrático, necessário, segundo ele, ao verdadeiro
desenvolvimento. A preocupação central de Furtado naquele momento se da em relação
à vinda das grandes empresas norte americanas para o Brasil. A respeito do poder que
essas empresas possuem dentro dos Estados Unidos o autor afirma: “essas sociedades
são poderosas burocracias privadas, que exercem funções públicas ou semipúblicas,
cuja integração na sociedade política dos Estados Unidos constituiu, até o presente, um
problema de solução indefinida”. Segundo Cepêda, para o autor estudado cabe a
sociedade um papel importante na condução das atividades econômicas, para viabilizar
uma melhor organização do espaço regional e uma redução das disparidades dos níveis
de vida entre os diversos grupos da população, a exemplo do que ocorreu nos países que
lograram se desenvolver (CEPÊDA, 1999, p. 81-99). Segundo Cepêda, em seu artigo
sobre O pensamento político de Celso Furtado (1999), isto é observado da seguinte
maneira:
No Brasil, também o fortalecimento da Nação vai ser atrelado à questão econômica. Em sua raiz, o conceito de Nação é entendido como uma estrutura dotada de autodeterminação, devendo possuir um elevado grau de autonomia, o que passa, necessariamente, pelo controle de sua inserção econômica no mercado mundial. Um país “forte” não pode estar à mercê das decisões externas, como historicamente esteve no período colonial, tanto pela submissão à metrópole (dependência política strictu senso), como pela subseqüente submissão às oscilações de mercado, que tão duramente influenciavam o sistema nacional (CEPÊDA, 1999, p. 81-99).
Ainda, sobre a atuação das empresas norte-americanas no Brasil18, Furtado
(2003, p. 40-41) explica que “[...] como as decisões de caráter estratégico estariam fora
do alcance do governo brasileiro [ficou a cabo dessas empresas] grande parte das
decisões básicas com respeito à orientação dos investimentos”. Estas empresas gozam
de apoio do governo para definir suas prioridades, tais como: a localização das
atividades econômicas, a orientação da tecnologia, os investimentos em pesquisa e o
grau de integração com as economias regionais. Segundo o autor, isso deixa claro “[se
referindo às economias Latinas Americanas] que os centros de decisões representados
pelo Estado nacional são relegados a um plano cada vez mais secundário”. Também
sobre este ponto Cepêda afirma que:
18 Segundo Furtado (2003, p. 50-51) a penetração do capital norte-americano no Brasil, e em países da América Latina, se deu quase que exclusivamente por grandes conglomerados. Isto ocorreu após a grande depressão, nas indústrias manufatureiras, e com maior intensidade em países como o Brasil, onde já se havia superado a primeira fase do desenvolvimento industrial.
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Furtado encara o papel do Estado e da maior participação política dos setores populares como uma forma superior e inevitável de organização das relações socioeconômicas na sociedade moderna. Os conceitos que fundamentam esta afirmação se encontram na primeira parte de Dialética do Desenvolvimento e formam uma teoria da mudança social (CEPÊDA, 1999, p. 81-99).
As observações de Cepeda são importantes, pois para Furtado, a experiência
vivida na América Latina serviu para demonstrar que o desenvolvimento é mais um
problema de “criação de um sistema econômico articulado e capacitado para autogerir-
se” do que de investimento (FURTADO, 2003, p. 81). Também sobre isto Cepêda
corrobora para nosso entendimento ao demonstrar que:
As diferenças da posição de Furtado ocorrem exatamente no entendimento que o autor tem sobre o processo de evolução do capitalismo em condições estruturais desiguais. Os países que originaram o modelo da socialdemocracia precisaram aumentar o tamanho e diversificar as funções do Estado como meio de manutenção dos índices de crescimento e como mecanismo de defesa dos desarranjos inerentes e cíclicos do capitalismo avançado. Há como que uma publicização das decisões econômicas, portanto um aumento de incidência da esfera pública sobre a esfera privada (via regulação de direitos trabalhistas, leis assistenciais, salário indireto, etc.). Já nos países subdesenvolvidos (usando a perspectiva furtadiana), o aumento da ação do Estado não tinha o cunho providencial, mas fora essencialmente incorporado como ferramenta de desenvolvimento. As diferenças entre os dois modelos são enormes, começando pelo grau de amadurecimento do capitalismo industrial e financeiro, pelo nível tecnológico e pela magnitude da renda média dos trabalhadores (toda a diferença entre uma estrutura socioeconômica moderna e outra arcaica) (CEPÊDA, 1999, p. 81-99).
Outro aspecto interessante que Furtado apresenta é a formação da classe
empresarial no Brasil e na América Latina. Segundo ele a penetração por outra estrutura
multinacional de conglomerados em setores mais dinâmicos nas economias latino-
americanas, cujos centros de decisões se encontram fora do país, em sua grande maioria
nos Estados Unidos, fez com que o processo de integração se desse entre as regiões
dessas filiais, e dessas regiões com a economia norte-americana. Desta forma, restaram
ao empresariado nacional setores secundários ou decadentes. Isto fez com que Furtado
chegasse a se questionar se há “nos países latino-americanos uma classe industrial com
maturidade e sentido de identidade nacional capaz de encabeçar o processo de
desenvolvimento” (FURTADO, 2003, p. 52-53). Sobre isto é importante ressaltar a
afirmação que o autor faz:
O estudo das estruturas atuais demonstra que tal classe, mesmo onde chegou a desenvolver-se em uma primeira fase, já não poderia prosseguir seu processo de maturação. À medida que a estrutura de decisões formadas pelos conglomerados foi se inserindo na economia nacional, tornou-se cada vez mais difícil para o empresário local captar o comportamento do conjunto do sistema (FURTADO, 2003, p. 53).
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Como a classe empresarial desempenha papel importante no processo de
desenvolvimento autônomo do tipo capitalista, na América Latina, segundo o autor
estudado, a dependência interrompeu este processo, pois a classe empresarial não
chegou a amadurecer (FURTADO, 2003, p. 52-53).
Ainda, sobre este assunto, consideramos importante o comentário que o autor
faz sobre as técnicas de planejamento convencionais para superar os problemas de
estabilidade em economias dependentes, como os ex-sistemas socialistas. Segundo o
autor estudado essas técnicas se mostraram incompatíveis com uma autêntica política de
desenvolvimento. Sobre isto ele afirma que: “A ilusão de que com o aperfeiçoamento
das técnicas de planejamento tudo podia ser previsto se desfez. Descobriu-se o que
nunca devia ter se esquecido: a criatividade humana desempenha papel fundamental na
evolução das sociedades.” (FURTADO, 2003, p. 27-28). Ainda, ao criticar a atuação do
Estado na periferia o autor faz duras críticas ao Estado técnico burocrático. Isto também
é ressaltado por Cepêda ao apontar o seguinte:
O que considero inadequadas são as críticas que colocam Furtado como um pensador autoritário, como um defensor da supremacia do técnico sobre o
político. Isto parece desmerecer todo o esforço teórico de estabelecer caminhos mais progressistas e com maior responsabilidade social para o país. Afinal, uma das contribuições mais significativas de Celso Furtado foi ter retirado “o Estado da boca da direita” (CEPÊDA, 1999, p. 81-99).
De outra maneira a discussão acima também é trabalhada por Mallorquin
(2005, p. 215). Ele coloca que após o golpe de Estado, Furtado “em tom nacionalista,
critica noções de desenvolvimento tecnocráticas, estipulando a necessária participação e
presença das massas no processo”. E vai além: “[para Furtado] a razão simplesmente
instrumental e técnica é insuficiente para alcançar as metas do desenvolvimento. O
mero saber não conduz unilateralmente ao progresso ou ao desenvolvimento
econômico”. Sobre isto o próprio Furtado se encarrega de indicar as tarefas de
organização política para sua concretização:
O desenvolvimento econômico, nas condições adversas atuais, dificilmente se fará sem uma atitude participativa de grandes massas da população. Toda autêntica política de desenvolvimento retira a sua força de um conjunto de juízos de valor que amalgamam os ideais de uma coletividade. E se uma coletividade não dispõe de órgãos políticos capacitados para interpretar suas legítimas aspirações, não está aparelhada para empreender as tarefas do desenvolvimento. Toda medida que se venha a tomar, no sentido de enfraquecer os governos como centros políticos capazes de interpretar as aspirações nacionais e de aglutinar as populações em torno de ideais comuns, resultará na limitação das possibilidades de autêntico desenvolvimento na região (FURTADO, 2003, p. 41).
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Furtado ainda complementa sua crítica e projeta a ação prática da sociedade
para viabilizar uma política de desenvolvimento. Nas suas palavras:
O ponto de partida do estudo do desenvolvimento deveria ser não a taxa de investimento, ou a relação produto-capital, ou a dimensão do mercado, mas o horizonte de aspirações da coletividade em questão, considerada não abstratamente mas como um conjunto de grupos ou estratos com perfil definido. O desenvolvimento é a transformação do conjunto das estruturas de uma sociedade. O primeiro problema é definir o campo de opções que se abre à coletividade. Em seguida apresenta-se o problema de identificar, entre essas opções, as que se apresentam como possibilidade política, isto é, aquelas que, correspondendo a aspirações da coletividade, podem ser levadas à prática por forças políticas capazes de exercer um papel hegemônico no sistema de poder (FURTADO, 2003, p. 103-104).
E mais, Furtado (2003, p. 103) ressalta, que mesmo quando o fator dinâmico
for externo o “sentido do desenvolvimento decorrerá do projeto de autotransformação
que se cria na coletividade, ou nos grupos que nela exerçam uma atividade política”.
Numa situação em que o fator dinâmico for externo jamais isto será condição suficiente
para o desenvolvimento.
Portanto, da leitura de Furtado pode-se observar que o Estado, nos países
subdesenvolvidos, é um agente fundamental para alcançar o desenvolvimento. Contudo,
este não pode ser um Estado apenas instrumental e burocrático, mas deve agir como um
ator que atue e mobilize as massas em torno dos ideais a atingir. Estes, não estão livres
de valores e, desta forma, as legítimas aspirações sociais devem ser o amalgama que
une os diferentes interesses. Desta maneira, o Estado é um ator fundamental que pode
corrigir problemas históricos, liderar os investimentos físicos, e em pesquisa e
desenvolvimento e principalmente motivar as aspirações de uma sociedade rumo ao
processo de desenvolvimento.
Considerações Finais
O estudo do desenvolvimento nas Relações Internacionais (RI) se apóia no
argumento de que os Estados, enquanto atores mais importantes no sistema interestatal,
tem a necessidade de atender as expectativas de seus cidadãos. Sendo que essas
expectativas, a necessidade de garantir bem estar, é uma das razões de ser dos Estados.
No entanto, o Estado precisa superar a situação de dependência crônica em relação aos
Estados mais desenvolvidos para ter condições de disputar maiores ganhos em suas
relações internacionais e gerar possibilidades de atingir o desenvolvimento, pois
segundo os argumentos que Furtado apresenta esta característica é estrutural. Nessa
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perspectiva o Estado precisa gozar de certa autonomia em relação aos seus pares. Dessa
forma, o desenvolvimento pode ser pensado como um valor e um objetivo, que pode ser
sintetizado na idéia de soberania, quanto mais soberania maior o desenvolvimento. Isso
é o que justifica estudar Celso Furtado nas Relações Internacionais.
Nesta perspectiva, os desiguais níveis de desenvolvimento entre os países
passaram a ser tema de debates no cenário político e nos centros acadêmicos. O fato de
muitos países não ter atingido determinados níveis de bem-estar, enquanto outros
atingiram níveis bem acima do mínimo necessário ou básico, levanta a questão do tipo
de desenvolvimento que as sociedades devem buscar e qual o tipo de classificação se
mostra mais adequada do ponto de vista sócio-econômico. Em nossa pesquisa
identificou-se vários indicadores como o PIB per capita, índice que calcula o produto
interno bruto dividindo-o pelo número de habitantes; o IDH-Índice de Desenvolvimento
Humano, que mede o analfabetismo, a expectativa de vida e a renda per capita; e ainda,
a Tecnópolis, um tipo de cidade baseada em três características: criação, reciclagem e
difusão de novas técnicas.
No estudo do conceito de desenvolvimento em Celso Furtado, seus sentidos
explicativos apontam para dois dados de um mesmo problema: o processo de
desenvolvimento e o de subdesenvolvimento. Para tratar deste problema Furtado
destaca a teoria do empresário inovador de Schumpeter para compreender como é
possível uma sociedade produzir inovações que permitem gerar fatores que ampliem da
produção e a produtividade e, com isso, buscar maiores níveis de desenvolvimento. O
autor estudado destaca que os processos de inovação se dão onde a pressão para a
elevação da taxa de salário reduz a margem de lucro, motivo pelo qual a inovação nos
processos tem como função poupar mão-de-obra. Mas, ao mesmo tempo, a elevação da
taxa de salários modifica o perfil da procura. Isto, somado ao processo de inovação, leva
a mudanças estruturais significativas no conjunto da sociedade.
No conceito de desenvolvimento em Furtado, as explicações e análises sobre a
formação das economias desenvolvidas e subdesenvolvidas ganham destaque as
diferenças estruturais e históricas que configuram os diferentes sistemas econômicos e
que produzem a manutenção do desenvolvimento, apenas em poucos países. Nos países
subdesenvolvidos a criação e penetração de empresas que produzem e usam maior grau
tecnológico se fez em um contexto de produção quase que artesanal. A introdução deste
tipo de organização produtiva em economias subdesenvolvidas gerou um desequilíbrio
dos fatores de produção: excedente estrutural de mão-de-obra, devido à inadequação
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tecnológica, baixo investimento nos processos de inovação, e desequilíbrio externo. Do
exposto, onde as estruturas tenderam ao desequilíbrio dos fatores fez-se necessário à
ação diretora do Estado para viabilizar transformações econômicas, sociais, culturais e
políticas estruturais que permitam alcançar o desenvolvimento.
Entretanto, quando o autor enfoca o desenvolvimento como um processo
global, o subdesenvolvimento se apresenta como subproduto de um sistema econômico.
Asssim, onde as atividades produtivas estão ligadas a uma clientela condicionada e sob
controle do centro dominante, as estruturas negam a autonomia e a funcionalidade das
políticas internas de industrialização. Segundo Furtado, o subdesenvolvimento decorre
mais de falta de autonomia do que de inadequação tecnológica. Ou seja, neste processo
a periferia teve que se adaptar a evolução estrutural dos países desenvolvidos, motivo
pelo qual Furtado passou a dar maior ênfase a um processo de transformação social
através das ações do Estado, para atingir uma situação de desenvolvimento.
Furtado alerta para o fato de que o desenvolvimento enquanto transformação
do conjunto das estruturas de uma sociedade deve ter como problema, primeiramente, a
definição das opções disponíveis a essa coletividade. Em segundo lugar, esta mesma
sociedade necessita identificar dentre estas opções, quais se apresentam como
possibilidade política, ou seja, quais delas correspondem às aspirações coletivas e ainda,
se elas são capazes de reunir forças políticas que estejam em condição de influenciar o
sistema de poder.
Do exposto, Furtado apresenta três dimensões do conceito de
desenvolvimento, que segundo ele, tem se apresentado como opções à coletividade: o
desenvolvimento como crescimento econômico; o desenvolvimento humano; e o
desenvolvimento pautado pelos anseios dos grupos dominantes. Para Furtado todas
essas dimensões são ambíguas, porém, segundo o autor, o desenvolvimento que tem
como objetivo final atender as necessidades das pessoas é o que se apresenta como o
mais racional.
Por fim, observando-se a situação do desenvolvimento nos países da periferia
a após os ensinamentos de Celso Furtado, a conclusão passível de ser feita é a de que o
subdesenvolvimento é um processo histórico e estrutural. Dado esta característica, de
acordo com o autor pesquisado, romper com o subdesenvolvimento implica que o
Estado ocupe o papel de captador do excedente para viabilizar investimentos em
tecnologia e inovação. Contudo, o autor critica o Estado técnico burocrático, pois,
segundo ele, a racionalidade simplesmente instrumental e técnica são insuficientes para
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alcançar as metas do desenvolvimento. Daí a importância de se formar uma classe
empresarial que pense os interesses da nação e a ativa participação das massas na
definição previa dos interesses, tendo o Estado como coordenador das ações e decisões
econômicas e sociais em nível nacional. Isto é importante porque este ator tem
condições de unir os diferentes interesses e também se faz necessária para superar os
desequilíbrios dos mercados, manter os níveis de emprego e romper com estruturas que
conduzem à manutenção das relações de desenvolvimento-subdesenvolvimento.
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