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O CONSELHO DE SEGURANÇA
COMO CONCILIADOR, MEDIADOR OU JUIZ ?
Luana Castelo Branco Prado1
RESUMO
Esse artigo tem como finalidade investigar o desempenho das funções do Conselho de
Segurança da Organização das Nações Unidas - ONU, à luz dos artigos 37 (2) e 38 do
capítulo VI e do artigo 39 do capítulo VII da Carta da ONU, observando suas condições
requisitos, conteúdos e efeitos. A partir dessa análise, tem-se o fim de esclarecer se o
Conselho de Segurança agirá como conciliador, mediador ou juiz? A investigação se
insere como uma pesquisa qualitativa, com base em estudo bibliográfico, além de
análise da legislação sobre o assunto (Carta das Nações Unidas) e das resoluções do
Conselho de Segurança. Assim, conclui-se que à luz dos artigos 37 (2) e 38 da Carta das
Nações Unidas - CNU, o Conselho de Segurança – CS age como conciliador e mediador
e com fulcro no artigo 39, suas ações possuem cunho jurídico, mas não substituem as
decisões do Tribunal Internacional de Justiça.
Palavras-chave: Conselho de Segurança, Conciliador, Mediador, Juiz.
This article aims to investigate the performance of the functions of the UN Security
Council, under Articles 37 (2) and 38 of Chapter VI and Article 39 of Chapter VII of
the UN Charter, noting their condition requirements, content and effects. From this
analysis, we have to clarify whether the Security Council will act as a conciliator,
mediator or judge? The research is part of as a qualitative research study based on
literature, and analysis of legislation on the subject (UN Charter) and the resolutions of
the Security Council. Thus, we conclude that the light of Articles 37 (2) and 38 of the
UN Charter, the Security Council acts as a conciliator and mediator, with the fulcrum in
1Advogada, mestranda em Ciências Jurídico Internacionais na Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa.
2
Article 39, its shares have legal nature, but do not replace the decisions of International
Court of Justice.
Word-keys: Security Council, Conciliator, Mediator, Judge
INTRODUÇÃO
Neste trabalho inicialmente é feita uma breve consideração geral sobre o
Conselho de Segurança, que terá sob análise suas funções ao agir com fundamento nos
artigos 37 (2) e 38 do capítulo VI e artigo 39 do capítulo VII da CNU.
No segundo momento, deflagraremos estudos acerca dos artigos 37 (2) e 38 do
mesmo capítulo, observando-se suas condições, requisitos, conteúdos e efeitos. Já no
terceiro momento, ambos os artigos serão submetidos a uma apreciação para que se
possa concluir qual função implícita exerce o órgão político da ONU, ao agir com fulcro
nesses artigos. Com o mesmo objetivo, cumpre-se o exame do artigo 39, pertencente ao
Capítulo VII da CNU, ressaltando-se as condições, os fins e os efeitos do exercício do
Conselho de Segurança sob a égide desse artigo. Por fim, na presente pesquisa foi
examinada qual a função implícita do CS ao cumprir o disposto nesse artigo.
1. OS PODERES DO CONSELHO DE SEGURANÇA PARA RESOLUÇÃO DAS
QUESTÕES DE FUNDO À LUZ DOS ARTIGOS 37.2, 38 E 39 DA CARTA DA
ONU
1.1 Breves considerações gerais sobre o Conselho de Segurança
O Conselho de Segurança das Nações Unidas - além de ser um dos órgãos
principais da ONU, conforme estabelecido em sua própria Carta (art. 7, n.º 1 CNU) -
pode ser definido por sua competência específica na responsabilidade principal da
manutenção da paz e da segurança internacionais (art. 24.º CNU). O Conselho
sobrepõe-se aos membros das Nações Unidas, adstringindo-os a aceitar e a aplicar suas
decisões (art. 25.º CNU). Sua composição atual é de quinze membros, cinco
permanentes e dez não permanentes, escolhidos de dois em dois anos, sobretudo
segundo critério geográfico (art. 23.º CNU).
O Conselho de Segurança tem funcionamento permanente (art. 28.º CNU). Suas
decisões (art. 27.º CNU), sobre questões de processo, são tomadas por um voto
3
afirmativo de nove membros sobre as decisões relativas a quaisquer outros assuntos,
que serão tomadas por voto favorável de nove membros, incluindo os votos dos
membros permanentes ou sem que nenhum dos membros permanentes vote contra.
Um membro que seja parte num conflito, naturalmente, tem de se abster nas
votações que lhe digam respeito (art.27.º,n.º 3, 33.º e segs. E 52.º,n.º 3).2 Portanto, a
Carta das Nações Unidas estabelece o direito de veto, que conforme ressaltou Jorge
Miranda, hodiernamente significa voto contrário e não simplesmente abstenção ou
ausência de qualquer dos membros permanentes do Conselho. Este direito só não existe
nos casos expressamente excetuados pela Carta. A rigor, pode-se afirmar ainda que se
trata de duplo veto, porque a qualificação de uma questão como processual ou não
processual é considerada não processual e sujeita a veto. Nem poderia deixar de ser de
outro modo: apesar de a qualificação ser em si, logicamente, uma questão prévia, no
plano político só assim se afiança a posição dos membros permanentes.3
O fim da Guerra Fria emancipou o Conselho da atadura do veto. Nas primeiras
cinco décadas de existência do Conselho, o veto foi utilizado 244 vezes. Nos onze anos
que se seguiram, o veto só foi utilizado em 17 ocasiões. Este destravamento do
Conselho se traduziu não apenas em uma maior quantidade de resoluções e de ações,
mas, também, em criativas determinações do CS4 como: extradição de suspeitos de
terrorismo; estabelecimento de tribunais internacionais; criação de uma comissão de
demarcação de fronteiras; instituição de zona segura livre de ataques e de outros atos
hostis; estabelecimento de “zona de interdição de vôo”; “bloqueio de todos os fundos” e
demais recursos financeiros de indivíduos acusados de envolvimento, dentre outras
medidas.5
Diante de todas essas ações do CS, pode-se perceber que embora seu objetivo
específico seja a manutenção da paz e da segurança internacionais, o âmbito de suas
competências é de grande alcance. Segundo Michel Wood, na segunda Conferência
sobre Os Poderes do Conselho de Segurança e seus Limites, realizada em 8 de
novembro de 2006, a maioria das atividades do CS em seus primeiros quarenta anos
2 (Cfr.) MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 2.ª. Ed. Cascais: Principia. 2004. P. 247.
3(Cfr.) MIRANDA, Jorge. Curso de Direito... cit. 2004. P. 248.
4 Desde então, será adotada a sigla CS quando for feita referência ao Conselho de Segurança da ONU.
5(Cfr.) SALIBA, Aziz Tuffi. O Conselho de Segurança das Nações Unidas e o Direito Internacional: uma
análise das limitações jurídicas à atuação do CSONU. p. 291 -310. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Direito da Universidade de Lisboa. Vol. XLIX. N.º 1 e 2. Coimbra: Coimbra Editora. 2008. p. 292.
4
estão fundamentadas no Capítulo VI da Carta das Nações Unidas.6 Portanto, serão
analisadas as ações do CS com fulcro nos artigos 37.2 e 38 do Capítulo VI da Carta das
Nações Unidas7 e do artigo 39 do Capítulo VII da CNU.
2. ATUAÇÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA COM FULCRO NO ART. 37
(2) DA CNU
O artigo em estudo concede um amplo rol de opções para que o CS aja de forma
a solucionar uma controvérsia que possa, “de fato, constituir uma ameaça à manutenção
da paz e da segurança internacionais.” Assim, existem dois aspectos a serem
explorados: as condições de ação do CS, conforme previsão do artigo em análise, e os
aspectos da recomendação em si.
2.1 As condições de ação do CS conforme previsão do art. 37 (2)
O artigo 37 (2) da CNU dispõe que “se o Conselho de Segurança julgar que a
continuação dessa controvérsia8 pode, realmente, constituir uma ameaça à manutenção
da paz e da segurança internacionais, decidirá se deve agir de acordo com o artº 36 ou
recomendar os termos de solução que julgue adequadas.” No entanto, para que seja
tomada uma decisão com supedâneo no art. 37 (2), é necessário que haja a continuação
de uma controvérsia que ameace à manutenção da paz e segurança internacionais. Esta
pré-condição é composta de dois requisitos essenciais: a incapacidade de resolver o
litígio de forma pacífica e a qualificação da disputa como uma ameaça à paz
internacional.9 Cumpridas essas pré-condições, deve-se ainda observar o Princípio da
Subsidiariedade10
. Este, em suma, previne a apreciação do caso por um órgão antes das
6 (Cfr.) Wood, Michael. Second Lecture: The Security Council’s Powers and their Limits. P. 01-21.In: The
Un Security Council and International Law . Hersch Lauterpacht Memorial Lectures. Held at the Lauterpacht Centre h=for International Law, University of Cambridge, 7
th – 9
th November 2006. p. 03-
04. Disponível em: < http://www.lcil.cam.ac.uk/Media/lectures/pdf/2006_hersch_lecture_2.pdf>, acesso em 27/01/2010>. 7Desde então, será adotada a sigla CNU quando for feita referência a Carta das Nações Unidas.
8Tendo em vista o capítulo VI ser intitulado de “Solução pacífica de controvérsias”, é importante o
conhecimento preciso da controvérsia enquanto questão jurídica e de sua distinção em relação à situação. A controvérsia supõe previamente uma divergência aberta entre sujeitos internacionais sobre um aspecto de fato ou de Direito, nesse caso verifica-se uma polêmica jurídica exteriorizada entre estes. Ao contrário uma situação é apenas um estado de coisas que pode provocar uma controvérsia, como decorre, designadamente, do artigo 34 da CNU. (Cfr.) BAPTISTA, Eduardo Correia. Direito Internacional Público Sujeitos e Responsabilidade. Vol.II. Cidade:Almedina. 2004. p. 559 9 (Cfr.) STEIN, Torsten. Article 37. In: SIMMA, Bruno. The Charter of the United Nations – A Comentary.
Second Edition. Oxford: Oxford University Press, 2002, 635. 10
(Cfr.) STEIN, Torsten. Article 36. In: SIMMA, Bruno. The Charter of the United Nations – A Comentary. Second Edition. Oxford: Oxford University Press, 2002. p.621 “A number of authors argue that Chapter VI is subject to the principle of subsidiarity, meaning that the SC may only act if the parties to the
5
Partes tentarem solucionar um conflito por elas mesmas.
No tocante aos países membros, acredita-se que por força do artigo 2511
, o
Princípio da Subsidiariedade já é bastante respeitado; já em relação aos países não-
membros o referido Princípio é balizado pelos artigos 35 (2)12
e 33(1)13
.14
Quanto
a remessa, de acordo com o artigo 37 (1)15
- caso não seja possível haver uma
composição entre as partes sobre a controvérsia, com supedâneo no art. 33. (1) 16
- as
partes “deverão submeter à questão ao CS”, sob pena de intervenção oficiosa.17
No
tocante ao direito de interpelação, pode-se dizer que é largamente prevista pela CNU,
com o fim de evitar processos dilatórios. Todo Estado membro, parte ou não parte no
conflito, implicado ou não numa situação, pode solicitar a atenção do CS sobre qualquer
conflito ou qualquer situação no moldes do art. 35 (1) 18
. Estando fundamentado na
CNU, a competência do CS impõe-se a todos os Estados membros, incluindo as partes
no conflito uma iniciativa unilateral por uma parte que é sempre possível. Não sendo a
iniciativa uma obrigação para as partes, o direito de terceiros Estados a tomá-la encontra
dispute have not been successful in ending the dispute by one of the means listed in Art. 33 (1). This argument is based on the relationship between Arts. 33 and 37 and transferred to Art. 36 (1)” 11
CNU. Art. 25 “Os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e aplicar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta.” 12
CNU. Art. 35 (2) “Um Estado que não seja membro das Nações Unidas poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança ou da Assembleia Geral para qualquer controvérsia em que seja parte, uma vez que aceite previamente, em relação a essa controvérsia, as obrigações de solução pacífica previstas na presente Carta.” 13
CNU. Art.33 (1) “As partes numa controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, via judicial, recurso a organizações ou acordos regionais, ou qualquer outro meio pacífico à sua escolha.” 14
(Cfr.) ANDRADE NEVES, Thiago. Artigo 37. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (org.). Comentários à Carta das Nações Unidas. Belo Horizonte: CEDIN. 2008. p.574. 15
CNU. Art. 37 (1) Se as partes numa controvérsia da natureza daquelas a que se refere o Artº. 33 não conseguirem resolvê-la pelos meios indicados no mesmo artigo, deverão submetê-la ao Conselho de Segurança. 16
CNU. Art.33 (1) As partes numa controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, via judicial, recurso a organizações ou acordos regionais, ou qualquer outro meio pacífico à sua escolha. 17
Como, por exemplo, o Art. 36 (1), da CNU: “O Conselho de Segurança poderá, em qualquer fase de uma controvérsia da natureza daquelas a que se refere o Artº. 33, ou de uma situação de natureza semelhante, recomendar os procedimentos ou métodos de solução apropriados.” São ainda, casos de intervenção oficiosa por parte do CS a previsão do art. 33 e do Art.34 da CNU. Art. 34 CNU “O Conselho de Segurança poderá investigar sobre qualquer controvérsia ou situação susceptível de provocar atritos entre as Nações ou de dar origem a uma controvérsia, a fim de determinar se a continuação de tal controvérsia ou situação pode constituir ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais.” 18
CNU. Art. 35 (1) “Qualquer membro das Nações Unidas poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança ou da Assembléia Geral para qualquer controvérsia ou qualquer situação da natureza das que se acham previstas no Artº. 34.”
6
toda a sua defesa.19
Acerca da submissão da controvérsia ao CS, não é necessário que ambas as
partes submetam o caso. Segundo Quoc Dinh, Daillier & Pellet, “a redação defeituosa
do art. 37 poderia deixar crer que a intervenção do conselho deve ser solicitada por uma
iniciativa conjunta das partes; na realidade, o seu consentimento não é exigido senão
quando conjuntamente eles desejem por em prática o artigo 38”.20
Nesse sentido,
conforme a interpretação dada na Conferência de São Francisco (UNCIO XII)21
, se uma
parte da controvérsia violar a obrigação de submeter o caso ao CS, essa omissão não
poderá atingir o direito da outra parte em realizá-lo, podendo o Conselho, dessa forma,
analisar a disputa. Há argumentos contrários aos de Alain Pellet, que defendem que o
CS poderá evocar a análise da controvérsia pelo artigo 37 (2), sem que haja a referida
remessa por qualquer das partes. Tal argumento foi defendido pelo representante da
Colômbia no caso Índia-Paquistão e ainda complementado pelo representante Chinês,
na Conferência de São Francisco (UNCIO XII), que afirmou que se o CS de segurança
decidir agir sem a remessa que prevê o artigo 37 (1), é necessário demonstrar
claramente que a lide pode, de fato, ameaçar a paz e a segurança internacionais ainda
que uma prévia tentativa de solução das partes, por meios escolhidos por elas, tenha
restado infrutífera.22
Preenchidos todos os requisitos expostos, caberá ao CS decidir se, de fato, a
continuidade da controvérsia ameaça ou não a paz e a segurança internacionais23
, pois
as recomendações à luz do artigo 37 (2) não tem como fim a solução do conflito, mas
sim a tutela da paz e da segurança internacional, não sendo de sua alçada apontar as
falhas que ocasionaram a frustração da composição, anteriormente, pelas próprias
partes. Portanto, o CS pode verificar que não há perigo à manutenção da paz e da
segurança internacionais, abster-se de agir ou, até mesmo, adotar procedimentos que
apenas afastem o eminente perigo à Comunidade Internacional, sem qualquer
compromisso com a solução da controvérsia, caso entenda como ser o mais adequado.24
19
(Cfr.) DINH, Nguyen Quoc. DAILLIER, Patrick. PELLET, Allain, Direito Internacional Público, Lisboa, 2.ª e.d.,Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. p. 862. 20
(Cfr.) DINH, Nguyen Quoc. DAILLIER, Patrick. PELLET, Allain, Direito Internacional... cit, 2003. p. 862 21
(Cfr.) KELSEN, Hans. The Law of the United Nations: A Critical Analysis of Its Fundamental Problems. New York: Frederick A. Praeger, 1964, p. 294. Segundo Hans Kelsen foi conferida a aludida interpretação na reunião do Sétimo Comitê de São Francisco. Disponível em:< http://books.google.pt>, acesso em 10/09/2010. 22
(Cfr.) ANDRADE NEVES, Thiago. Artigo 37.cit... 2008. p.575. 23
(Cfr.) KELSEN, Hans. The Law of the United… cit, 1964, p. 378. 24
(Cfr.) ANDRADE NEVES, Thiago. Artigo 37.cit... 2008. p.576.
7
2.2 Dos requisitos, do conteúdo e do efeito da recomendação
Caso o CS decida agir com fulcro no artigo 37 (2), deverá ser observado o artigo
27 (3) 25
da CNU. No tocante à votação, existem várias discussões sobre o assunto.
Torsten Stein, por sua vez, assevera que se uma votação é feita no Conselho de
Segurança, tem-se que observar o artigo 27 (3). No presente contexto, a imprecisão é se
a obrigação de uma das partes do litígio, abstendo-se de votar, só se aplica às votações
sobre uma recomendação ou se aplica também no que diz respeito ao estabelecimento
dos pré-requisitos exigidos pelo art. 37 (2). A resposta certa parece ser que o art. 27 (3)
aplica-se em ambos os casos26
. No parecer consultivo, as consequências jurídicas para
os Estados da presença continua da África do Sul, na Namíbia (sudoeste africano). Não
obstante à resolução 276 (1970) do Conselho de Segurança27
, a África do Sul afirma
que dois membros permanentes do CS se abstiveram durante a votação (art. 27 (3)),
motivo pelo qual a resolução seria inválida. A Corte, em resposta, afirmou que por um
longo período a abstenção voluntária de um membro permanente tem sido
constantemente interpretada como um fator que não constitui a adoção das resoluções
pelo CS.
Desse modo, é possível concluir que o argumento que merece prosperar é o da
vedação. Ao agir sob a égide do art.37 (2), o CS emite recomendações e essas estão
limitadas aos propósitos e os princípios das Nações Unidas. Conforme o art. 24 (2), este
diz que “no cumprimento desses deveres (da manutenção da paz e da segurança
internacional), o Conselho de Segurança agirá de acordo com os propósitos e Princípios
das Nações Unidas”, pois “as atribuições específicas do Conselho de Segurança para o
cumprimento desses estão enumeradas nos Capítulos VI, VII, VII e XII”.
Assim, sabendo-se que o CS emana da CNU seus poderes e discricionariedades,
ainda que consideráveis, estão fundamentados e adstritos por esse instrumento. Nesse
sentido, Mohamed Bedjaoui28
aduz que “é autoevidente que um órgão criado por um
tratado está sujeito àquele instrumento quanto à sua própria existência, sua missão, seu
25
CNU. Artº. 27. 3. As decisões do Conselho de Segurança sobre quaisquer outros assuntos serão tomadas por voto favorável de nove membros, incluindo os votos de todos os membros permanentes, ficando entendido que, no que se refere às decisões tomadas nos termos do capítulo VI e do nº 3 do Artº. 52, aquele que for parte numa controvérsia se absterá de votar. 26
(Cfr.) STEIN, Torsten. Article 37 cit…, 2002. p.638 27
ICIJ. Report 1971. Legal consequences for states of the continued presence of South Africa in Namibia (south west africa) notwithstanding security council resolution 276 (1970) advisory opinion of 21 june 1971. p. 22-23. Disponível em:< http://www.icj-cij.org/docket/files/53/5595.pdf>, acesso em: 15/09/2010. 28
(Cfr.) Mohamed Bedjaoui apud SALIBA, Aziz Tuffi. O Conselho de Segurança das ... cit, 2008. p. 293.
8
poder.” Portanto, esse parece ser o principal limite ao CS e suas recomendações devem
ser consonantes a CNU, sendo evidente, inclusive, no seu teor.
No caso específico das recomendações do CS relacionadas à resolução dos
litígios, com supedâneo no art. 37 (2) e conforme já aclarado, seus limites materiais
estão sujeitos às restrições decorrentes do art. 24 (2), desde que a ação do CS somente
esteja adstrita às disposições do próprio artigo. Respeitados os limites, o CS avaliará se
suas resoluções são capazes e proporcionais, tendo em vista o objetivo perseguido29
,
pois cabe ao CS recomendar tanto em relação ao mérito do conflito, quanto acerca do
procedimento a ser adotado. Assim, no Caso dos Reféns do Teerã, em 1979, o CS
manifestou-se sobre o aspecto objetivo à libertação dos reféns, bem como sobre o
aspecto procedimental e a busca de maneiras para solucionar as questões ainda
pendentes.30
Sobre a resolução relativa à controvérsia do Canal de Suez, o CS dispõe
o mérito da controvérsia ao afirmar que através do canal deve haver trânsito livre,
aberto e sem discriminação31
. A resolução sobre a controvérsia do Oriente Médio requer
o estabelecimento de paz e, por isso, determina a retirada das forças armadas de Israel e
dos territórios ocupados no recente conflito.
Portanto, além de tratar do mérito, dispõe sobre o procedimento a ser tratado.32
Ao recomendar, o CS poderá agir contrário a norma aplicável às partes, como no caso
do Canal do Panamá33
, determinando a revogação da Convenção de 1903, até mesmo
em desacordo com matéria que já tenha sido analisada pelo CIJ e, de sua decisão, já
tenha feito coisa julgada, desde que seja necessário para evitar o perigo a paz e a
segurança internacionais.34
Acerca das medidas adotadas nas resoluções, com fundamento no art. 37 (2),
pode-se aduzir que seria surpreendente o fato do CS decidir por adotar os
procedimentos previstos no artigo 36, pois uma decisão nesse sentido pressupõe que já
29
(Cfr.) STEIN, Torsten. Article 37 cit…, 2002. p.640. 30
Resolução 457 de 04 de dezembro de 1979. Disponível em: < http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/370/71/IMG/NR037071.pdf?OpenElement>, acesso em 17/09/2010. 31
Resolução 118 de 13 de outubro de 1956. Disponível em: < http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/109/52/IMG/NR010952.pdf?OpenElement>, acesso em 17/09/2010. 32
Resolução de 242 de 22 de novembro de 1967. Disponível em: < http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/240/94/IMG/NR024094.pdf?OpenElement>, acesso em 17/09/2010. 33
Resolução 325 de 26 de janeiro de 1973. Disponível em:< http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/288/52/IMG/NR028852.pdf?OpenElement>, acesso e, 17/09/2010. 34
(Cfr.) ANDRADE NEVES, Thiago. Artigo 37.cit... 2008. p.578.
9
tenha havido uma tentativa frustrada de solução da disputa nos moldes do artigo 33 da
Carta, conforme previsto no artigo 37 (1).
No entanto, essa previsão não é privada de importância, pois o peso de uma
eventual recomendação pelo CS pode abrir uma possibilidade de renegociação ou,
ainda, apenas a mudança das circunstâncias possa levar a uma maior disposição das
partes de apaziguarem válida adoção de medidas previstas no artigo 36.35
No tocante ao
efeito da recomendação, Pellet et all asseveram que o CS prefere fazê-lo, devido a sua
força vinculante36
, embora o artigo 37 (2) não disponha sobre a espécie de deliberação
para adoção das medidas apropriadas, de modo a afastar a ameaça a paz e a segurança
internacionais.
Por outro lado, Torsten Stein aduz que as recomendações do CS, nos termos do
art. 37 (2), não são vinculativas. Isso resulta, designadamente, da redação dessa
disposição de recomendar e dos trabalhos preparatórios. O artigo 25, portanto, não é
aplicável com base nas decisões tomadas com fundamento no Capítulo VI.37
Na prática,
pode-se perceber claramente que as recomendações não são vinculativas.
3. ATUAÇÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA COM FULCRO NO ART. 38
DA CNU
O artigo 38 possui algumas peculiaridades em relação aos outros artigos do
Capítulo VI. Apesar de ser um meio para a resolução de controvérsias, tais como o
outro artigo do capítulo no qual está inserido, esse possui peculiaridades que serão
ressaltadas durante a análise mais aprofundada dos requisitos, conteúdo e efeitos de suas
recomendações.
3.1 As condições, conteúdo e efeitos da ação do CS conforme previsão do art. 38
O artigo 38 diz que “sem prejuízo das disposições dos artº.s 33 a 37, o Conselho
de Segurança poderá, se todas as partes numa controvérsia assim o solicitarem, fazer
recomendações às partes, tendo em vista uma solução pacífica da controvérsia.” Sendo
assim, esse artigo tem a particularidade de que o CS atuará com base no interesse
comum das partes de resolverem o problema. Vale ressaltar que a aplicação do artigo 38
não é subsidiária a nenhum outro do Capítulo VI. Inclusive, esse artigo se coloca como
mais uma opção para cumprir o disposto no art. 2º (3) da Carta que afirma: “os
35
(Cfr.) STEIN, Torsten. Article 37… cit, 2002. p.639. 36
(Cfr.) DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick. PELLET, Allain, Direito Internacional... cit, 2003. p. 863. 37
(Cfr.) STEIN, Torsten. Article 37… cit, 2002. p.643.
10
membros da Organização deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios
pacíficos, de modo que a paz e a segurança internacionais, bem como a justiça, não
sejam ameaçadas.” 38
Diferentemente do art. 37, no artigo 38 é dada as partes a faculdade de levar a
questão ao CS39
. Note-se, também, que não há na redação desse artigo nenhuma objeção
quanto aos Estados - que não são membros da ONU - fazerem uma solicitação ao CS
nos termos do artigo 38. Inclusive, uma interpretação sistemática da CNU, considerando
o art. 3240
, reforçará a teoria de que essa faculdade é aberta para qualquer Estado.41
No tocante à forma como as Partes solicitam a resolução do conflito, parece ser
pacífico que são as Partes que solicitam de maneira expressa. Nesse ínterim, não seria
suficiente apenas chamar a atenção do CS para uma disputa que existe entre as Partes ou
simplesmente levar o litígio perante o CS: seria necessário, expressamente, pedir que o
CS faça recomendações à luz do artigo 38 42
. Se fosse admitida a atuação do CS com
fulcro no artigo 38, sem o pedido expresso das partes, o art. 37 poderia ficar sem
sentido.
Assim, a aplicação dos artigos 38 e 37 são mutuamente excludentes, pois se as
partes, de comum acordo, resolvem levar a controvérsia ao CS, quer dizer que seus
esforços ainda são infrutíferos. Já a aplicação do art. 37 somente se dá naquelas
situações nas quais as partes não conseguem resolver a controvérsia pelos meios
indicados no art. 33.43
Acerca da aplicabilidade do artigo 38, diferentemente do art.37 (2) - que apenas
pode ser aplicado em controvérsias de que a permanência seja suscetível de fazer
perigar a paz -, o artigo 38 aplica-se em relação a qualquer controvérsia que as partes
submetam ao CS44
. Pode-se concluir, após uma leitura atenta desse dispositivo, que não
38
LAGE, Délber Andrade; LIMA, Renata Mantovani de. Artigo 38. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (org.). Comentários à Carta das Nações Unidas. Belo Horizonte: CEDIN. 2008. p. 582. 39
BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público...cit, 2003. p. 757. 40
Qualquer membro das Nações Unidas que não seja membro do Conselho de Segurança ou qualquer Estado que não seja membro das Nações Unidas será convidado, desde que seja parte numa controvérsia submetida ao Conselho de Segurança, a participar, sem direito a voto, na discussão dessa controvérsia. O Conselho de Segurança determinará as condições que lhe parecerem justas para a participação de um Estado que não seja membro das Nações Unidas. 41
LAGE, Délber Andrade; LIMA, Renata Mantovani de. Artigo 38 ... cit, 2008. p. 583. 42
(Cfr.) STEIN, Torsten. Article 38. In: SIMMA, Bruno. The Charter of the United Nations – A Comentary. Second Edition. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 645. 43
LAGE, Délber Andrade; LIMA, Renata Mantovani de. Artigo 38 ... cit, 2008. p. 583. 44
BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público... cit, 2003, 757.
11
há expressamente nenhuma ressalva sobre verificação de ameaça a paz e segurança
internacionais.
Portanto, não é requisito para a aplicação do artigo 38 a necessidade de que a
controvérsia seja realmente uma ameaça a paz e a segurança internacional. Em verdade,
o escopo do artigo 38 é salvaguardar o interesse das partes na resolução pacífica dos
conflitos. Reconhecida a ausência da necessidade de caracterização de ameaça a paz e a
segurança internacionais, suscita-se se ação do CS - com fundamento no artigo 38 -
estaria fora do âmbito de sua principal responsabilidade à manutenção da paz e
segurança internacionais. Torsten Stein aduz, ainda, que “nesse caso (aplicação do
artigo 38), o CS não exerce as suas funções sob o art. 2445
, mas agem exclusivamente
no interesse das partes quanto os seus “meios” de solução pacífica.”46
Nesse mesmo
sentido, J. G. Merrils assevera que “o Conselho de Segurança age somente nos casos de
ameaça a paz, a não ser no caso do artigo 38 (pedido das partes).” 47
Em uma perspectiva contrária, Kurt Herndl admite a possibilidade de ação do
CS no âmbito da solução pacífica de controvérsias, com base no artigo 24 e fora do
escopo de ação dos Capítulos VI e VII48
. Conforme esse pensamento manifesta-se
Délber Andrade Lage e Renata Mantovani de Lima ao aclararem que “uma análise mais
cautelosa do assunto parece indicar que o dever de solução pacífica de controvérsias
surge como um colorário necessário da proibição do uso da força nas relações
internacionais e que sua violação pode comprometer, mediata ou imediatamente, a
promoção da paz e da segurança internacionais.” 49
Uma interpretação alargada dos poderes conferidos ao CS pelo artigo 24,
portanto, para que nela se inclua a possibilidade de atuação na solução pacífica de
controvérsias, é, certamente, razoável. Embora seja possível dizer que o texto do artigo
24 (1) da CNU vise à manutenção da paz, e não a resolução dos conflitos, pode-se
considerar - tendo em vista a prática - que estas duas missões são demasiadas
45
CNU. Artº. 24 (1) A fim de assegurar uma acção pronta e eficaz por parte das Nações Unidas, os seus membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que, no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade, o Conselho de Segurança aja em nome deles. 46
(Cfr.) STEIN, Torsten. Article 38. In: SIMMA, Bruno. The Charter of the United Nations – A Comentary. Second Edition. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 644. 47
MERRILS, J. C. International Dispute Settlement. 3. ed. Cambrigde: Cambrigde University Press, 1998, p. 221. Disponível em: http://books.google.com, acesso em: 17/09/2010. 48
HERNDL, Kurt apud LAGE, Délber Andrade; LIMA, Renata Mantovani de. Artigo 38 ... cit, 2008. p. 585. 49
LAGE, Délber Andrade; LIMA, Renata Mantovani de. Artigo 38 ... cit, 2008. p. 586.
12
interdependentes para não autorizarem uma interpretação lata do campo de aplicação
desse artigo.50
É importante ressaltar que o comando do artigo 38 confere ao CS o poder de
fazer “recomendações às partes, tendo em vista uma solução pacífica da controvérsia”.
Assim, deve-se ponderar se as recomendações devem impor às partes um procedimento
para a solução do conflito ou se podem atacar o mérito para a solução da questão e,
consequentemente, indicar uma solução de fundo para o problema. No entanto, como
esse artigo não menciona sobre a natureza das recomendações, o CS pode fazer
quaisquer recomendações que considere apropriada para a resolução do litígio, sendo
possível recomendar - tanto sobre procedimentos para solucionar, quanto sobre o mérito
do conflito - com o fim de solucionar o conflito.51
No tocante ao efeito da recomendação, apesar da doutrina majoritária afirmar o
caráter facultativo das recomendações baseadas no Capítulo VI, seria totalmente
incoerente que as partes, por livre escolha, submetessem a controvérsia ao CS e depois
não acatassem sua recomendação. Os argumentos contrários a não obrigatoriedade das
recomendações pautadas no art.38 referem-se “ao arcabouço normativo, que
regulamenta as funções do Conselho no âmbito da Carta e à análise decorrente da
própria prática do CS, que via de regra não especifica se suas decisões são tomadas com
base no Capítulo VI ou VII” 52
, não sendo possível, portanto, saber se a recomendação
seria ou não imposta às partes. Após o estudo das formas de solução das controvérsias
com fundamento nos artigos 37 (2) e 38, será analisada a natureza do Conselho de
Segurança ao agir sobre a égide desses artigos da CNU
4. ANÁLISE DA NATUREZA DO CONSELHO DE SEGURANÇA AO AGIR
COM FUNDAMENTO NOS ARTIGOS 37 (2) E 38 DA CNU
Para uma melhor apreciação dos artigos, vale recordar que esses estão
compreendidos no capítulo VI da CNU, ou seja, o capítulo regulamentador das solução
pacificas das controvérsias, sob sua égide o CS, nos casos de ameaça a paz, pode fazer
recomendações de “procedimentos ou métodos de solução apropriado”, esses
50
(Cfr.) DINH, Nguyen Quoc. DAILLIER, Patrick. PELLET, Allain, Direito Internacional... cit, 2003. p. 861. 51
(Cfr.) STEIN, Torsten. Article 38. In: SIMMA, Bruno. The Charter of the United Nations – A Comentary. Second Edition. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 646. 52
LAGE, Délber Andrade; LIMA, Renata Mantovani de. Artigo 38 ... cit, 2008. p. 589.
13
procedimentos adotados pelo CS são reconhecidos como modos pacíficos de solução
dos litígios internacionais53
, inclusive destaque-se que a obrigação de solucionar os
conflitos internacionais por meios pacíficos é uma obrigação de comportamento, não
uma obrigação de resultado54
. Em regra, o Direito Internacional tem sido muito sensível
a resolução pacífica dos conflitos internacionais, não sendo preciso, nesse caso, recorrer
a força para a imposição das soluções55
.
Ao tratar do papel do CS nos termos do art. 37 (2), Torsten Stein assevera
que, por vezes, é descrito como sendo Corte, entretanto no decorrer de sua explicação
afirma ser impossível essa caracterização, pois não obedece as características
pertinentes as decisões judiciais, por fim confere ao CS o papel de mediador.56
Ao
analisar o artigo 38, Torsten Stein assegura a ação do CS com fundamento nesse
dispositivo como mediador.57
Allain Pellet et all ao tratarem das modalidades de intervenção do CS
afirmam que quando esse é interpelado em virtude dos artigos estudados, pode
recomendar os termos da resolução, assim fazendo, ele exerce a função de mediador e
conciliador.58
Entretanto, o autor não deixa claro que respectivamente quais os
dispositivos correspondentes as funções.
Para concluir qual a função correspondente aos artigos mencionados, faz-
se necessário conhecê-las. A mediação é uma expansão do processo de negociação. Os
mediadores são acolhidos pelos litigantes, porque eles protegem os interesses das partes.
“Atualmente a palavra mediação tem sido utilizada em sentido amplo, abrangendo
também os bons ofícios e a conciliação.”59
Diante dessa afirmação é possível
compreender o motivo pelo qual os doutrinadores referidos nas situações com
fundamentos diferentes não especificam ao certo qual a solução pacífica de controvérsia
se enquadra. Ainda sobre a conciliação Celso Albuquerque Mello afirma sua existência
53 MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, vol.I, 15ª ed.,Rio
de Janeiro, Renovar, 2004. p. 1430. 54
ALMEIDA, Francisco Ferreira de. Direito Internacional Público. 2.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2003. p. 360. 55
GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público. 3.ª Ed. Coimbra: Almedina. 2008. p. 745. 56
STEIN, Torsten. Article 37… cit, 2002. p. 630. 57
(Cfr.) STEIN, Torsten. Article 38… cit, 2002. p. 644. 58
DINH, Nguyen Quoc. DAILLIER, Patrick. PELLET, Allain, Direito Internacional... cit, 2003. p.
863. 59
MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito... cit, 2004. p. 1430.
14
dentro do quadro das organizações internacionais. Logo, o CS, ao fazer recomendações
em questões políticas, está atuando como órgão conciliador.60
Ainda mais específico para o presente estudo, manifesta-se Correia Baptista
afirmando que o “Capítulo VI atribui ao CS poderes paralelos ao de uma comissão de
conciliação (...)”, em seguida, trata do artigo 37 (2)61
. Jorge Bacelar Gouveia explica
que “A conciliação traduz-se na formação de uma comissão (...) que possa analisar a
natureza e os pormenores do conflito, incumbindo-lhe propor uma solução,
apresentando-se como esquema mais formal e complexo relativamente à idéia de
mediação, que lhe está na gênese, estando consagrado nalguns textos internacionais.”62
,
enquanto “A mediação também postula a intervenção de uma entidade estranha ao
conflito, mas desta feita com um papel activo, propondo soluções no sentido de virem a
ser aceitas pelas partes, com intervenção, assim, no procedimento negocial, não sendo o
seu relevo meramente instrumental, embora deva contar com a anuência das partes em
dissídio.”63
Portanto, conclui-se que ao abrigo do art. 37 (2) o CS tem a função de
conciliador.
No tocante a função do artigo 38, conforme a doutrina majoritária que
defende a não vinculação das recomendações desse artigo, ao exercer as funções de
resolução pacífica de conflitos, considerando que por escolha das partes elas
requisitaram a ação do CS, pelo menos, em princípio, elas estão dispostas a acatarem a
recomendação do CS, embora não seja obrigatório seu efeito vinculativo.
Assim, o melhor enquadramento da função é como mediador, conforme as
definições supracitadas, os mediadores são acolhidos pelos litigantes, porque eles
protegem os interesses das partes e o procedimento pede a intervenção de uma entidade
estranha ao conflito, por meio de uma atuação ativa, propondo soluções no sentido de
virem a ser aceitas pelas partes, com intervenção, assim, no procedimento negocial, não
sendo o seu destaque meramente instrumental, embora deva contar com a anuência das
partes em dissídio. Nesse sentido, ressalte-se a intenção das partes de aceitar a
recomendação, pois a solicitação foi realizada por escolha.
Logo, diante dos fundamentos expostos ao agir com fundamento nos artigos
37 (2) e 38 o CS exerce função de conciliador e mediador respectivamente.
60
MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito... cit, 2004. p. 1434. 61
BAPTISTA, Eduardo Correia. Direito Internacional Público Sujeitos e Responsabilidade.
Vol.II. Coimbra:Almedina. 2004. p. 592. 62
GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito... cit. 2008. p. 748. 63
GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito... cit. 2008. p. 748.
15
5. ATUAÇÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA COM FULCRO NO ART. 39
DA CNU
Os artigos estudados até então compunham o Capítulo VI. Este pertence ao
Capítulo VII da CNU, relacionado à Ação Relativa à Ameaça a Paz, Ruptura da Paz e
Atos de Agressão. Os dispositivos dessa parte da CNU, como o próprio nome diz,
velam por resolver às situações de ameaça a paz. Entretanto, nesse artigo será entendido
como ocorre essa caracterização da ameaça a paz, com o fim de manter a paz e a
segurança internacionais.
5.1 O propósito, as condições, os efeitos e limites da ação do CS conforme previsão do
art. 39.
Dispõe o artigo em estudo que “o Conselho de Segurança determinará a
existência de qualquer ameaça a paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará
recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os artº.s 41
e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.” Desta forma, a
previsão do supracitado artigo confere o direito de tomar as medidas necessárias,
optando inclusive pelo uso da força e também concedendo ao CS um poder diferenciado
em relação às demais partes integrantes da organização, como o poder discricionário de
estabelecer o que se configura como ameaça e ruptura a paz e atos de agressão, isto é, o
poder de julgar e caracterizar em que consiste uma ameaça e ruptura por atos de
agressão.
O mencionado poder discricionário é “a mais importante das prerrogativas do
Conselho de Segurança”. Algumas hipóteses sobre a constituição desse poder
discricionário podem ser explanadas. A primeira delas pressupõe tratar de uma herança
ao posicionamento político adotado na guerra, que antecedeu a própria criação da ONU.
Nesse período o nazi-fascismo estava compreendido nos pressupostos mais elementares
da realpolitik e da compreensão de que o engrandecimento de uma nação supunha,
previamente, a incorporação de territórios para si.
Em última análise, as forças que se uniram contra este movimento seriam
capazes de entender o que representava uma ameaça a paz mundial, compreendendo,
inclusive, que essa ameaça poderia ser estendida à instituição que se deveria
posteriormente criar. Seria, portanto, um benefício atribuído àqueles cujo discernimento
16
e sabedoria detectassem uma ameaça real à paz e a segurança internacional, garantindo
papel privilegiado em dinâmicas políticas vindouras.64
Uma segunda hipótese sobre o poder discricionário diferenciado dos países que
compõem o CS - especialmente dos cinco mais poderosos - é, sobretudo, uma hipótese
decorrente de uma apreciação simples de quem teria, após o conflito, a capacidade
política e militar efetiva de enfrentar toda e qualquer ameaça. Contudo, essa proposição
esbarra na França e na China; afinal, nenhum desses países contribuiu decisivamente
para a derrota das potências do Eixo.
Ocorre que a atribuição de poder discricionário a esses atores, bem como a
conversão desses poderes em força real, impediriam que os erros atribuídos à Liga das
Nações se repetissem, especialmente, no que concerne à sua inoperância diante da
convulsão internacional dos anos 1930. A última proposição defende
que a concentração desse poder discricionário nas mãos de poucos Estados, poderia
diminuir os efeitos da excessiva democratização e individualização na determinação do
que se constituiria uma ameaça a paz.65
Realizada a explanação sobre as hipóteses em constituição desse poder
discricionário, será verificada a constatação de uma ameaça a paz ou de uma ruptura da
paz, nos termos do dispositivo em estudo. Essa comprovação é a primeira decisão que o
CS deve tomar, onde a partir desta todo o desenvolvimento posterior da missão será
determinado. Na prática, para alcançar tal constatação, o CS pode proceder ao
inquérito preliminar do art. 34.
Contudo, destaque-se que os órgãos criados para este fim, não devem ser
confundidos com aqueles encarregados de observar a aplicação de medidas já decididas
ou recomendadas, que constituem forças de manutenção de paz. Portanto, serão
estudados - para aclarar quaisquer dúvidas sobre o referido título - os órgãos criados
para esse fim específico, nos quais poderão se verificar os seguintes exemplos: a
64
PAIXÃO, Guilherme Stolle e ÁVILA, Rafael Casarões. Artigo 39. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (org.). Comentários à Carta das Nações Unidas. Belo Horizonte: CEDIN. 2008. p. 604. 65
PAIXÃO, Guilherme Stolle e ÁVILA, Rafael Casarões. Artigo 39. 2008. p. 605.
17
resolução n.º 39, de 20 de janeiro de 1948, sobre a situação de Jummu e Cachemira66
; e
a resolução 161, de 21 de fevereiro de 1961, sobre o Congo67
.68
Após o estabelecimento da materialidade dos fatos é necessário qualificá-los,
tarefa delicada devido à complexidade das relações internacionais e de processo, bem
como o uso do veto no seio do CS da ONU. Porém, como já foi mencionado, o fim da
Guerra Fria permitiu superar em parte este segundo obstáculo e intensificar as
atividades do CS, demonstrada pelo aumento significativo das resoluções, comprovando
a existência de ameaça a paz pelo menos no plano regional.
Por ameaça a paz entende-se as hostilidades entre unidades armadas de dois
Estados, quando a força das armas é aplicada por e contra um regime efetivamente
independente e que não é reconhecido como um Estado, já que esse regime igualmente
usufrui da proteção da proibição do uso da força. Agressão, por sua vez, supõe
previamente a aplicação direta ou indireta do uso da força, podendo se configurar,
também, quando um Estado envia ou está substancialmente envolvido no envio de
grupos armados em outro Estado, com a função de engajar-se em atos armados.
Em suma: há uma ameaça a paz quando é evidente a possibilidade de conflito
armado entre os Estados ou eminentes os perigos de ruptura de paz ou ato de agressão.69
Por outro lado, o CS demonstra uma grande hesitação para qualificar uma situação de
agressão, mesmo quando é evidente. Pelo contrário: a utilização extensiva da noção de
ameaça contra a paz serviu de justificativa a inúmeras operações.70
No tocante a agressão, a tensão principal ainda é originada pela posição daqueles
que acreditam que o art. 39 da Carta atribui exclusividade ao Conselho de Segurança
para determinar uma situação de agressão entre Estados, que é - por si só - um requisito
necessário para o crime individual de agressão ocorrer. Os que defendem que a Carta
não concedeu competência exclusiva para o Conselho de Segurança sobre este ponto 11,
concordam que, nomeadamente, a Assembléia Geral e o Tribunal Internacional de
Justiça também tem competências neste domínio, concluindo que o único poder
66
Resolução 39 de 20 de janeiro de 1948. Disponível em:< http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/047/64/IMG/NR004764.pdf?OpenElement>, acesso em 20/09/2010. 67
Resolução 161 de 21 de fevereiro de 1961. Disponível em< http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/171/68/IMG/NR017168.pdf?OpenElement>, acesso em 20/09/2010. 68
DINH, Nguyen Quoc. DAILLIER, Patrick. PELLET, Allain, Direito Internacional... cit, 2003. p.1112. 69
PAIXÃO, Guilherme Stolle e ÁVILA, Rafael Casarões. Artigo 39...cit, 2008. p. 610. 70
DINH, Nguyen Quoc. DAILLIER, Patrick. PELLET, Allain, Direito Internacional... cit, 2003. p.1113.
18
exclusivo detido pelo CS é o de impor sanções como consequência de uma constatação
de um acto de agressão, de acordo com os artigos 41 e 42 da Carta 12.71
A partir da constatação de ameaça a paz ou de uma ruptura da paz, a primeira
decisão que o CS deve tomar é nos termos do art. 39.º da Carta, decisão essa que
influenciará todo o desenvolvimento da missão. Sendo assim, o papel determinante do
CS inicia nesse momento, por ação ou por omissão, agindo em tempo oportuno e útil.
Se dispensado, retorna a enfatizar a total dependência de qualquer dos termos de
alternativa da vontade dos Estados, nomeadamente dos membros permanentes do CS72
Concluindo que há uma ruptura e ameaça a paz e atos de agressão, o CS adota
decisões obrigatórias nas quais o artigo 39 é um dos artigos-base. A partir das decisões
primárias do CS são tomadas outras decisões e estas, adotadas à luz da Carta e não
sendo respeitadas, poderão ser executadas coercitivamente, sejam por medidas pacificas
(artigo 41) ou por meios bélicos (art. 42). No entanto, não significa que o art. 39
constitui uma disposição atributiva de competência para decidir sobre o uso da força,
pois se trata de duas competências distintas: a de adotar atos obrigatórios e a de executá-
los pela força. Portanto, o art. 39 atribui ao CS competência para adotar recomendações
ou decisões obrigatórias, podendo optar discricionariamente entre estas.73
Inclusive,
quanto à natureza das resoluções do CS sob a égide do Capítulo VII, destaquem-se estas
possuírem simultaneamente um caráter compulsivo constitutivo.74
Quanto aos limites da ação do CS diante da previsão da capacidade inerente do
CS de usar a força - em caso de ameaça a paz, ruptura da paz e atos de agressão -, este
prepondera como um dos elementos mais importantes da CNU, pois além de outorgar o
direito de tomar as medidas que se façam necessárias, inclusive, optando pelo uso de
força, concede ao CS o poder discricionário de estabelecer o que se configura como
ruptura e ameaça à paz e atos de agressão.
Como esse poder de qualificação não está submetido a mais limites que o
condicionem, do que sua conformidade com os propósitos e princípios das Nações
Unidas e no jus cogens, encontra-se, assim, um ato jurídico adotado por um órgão de
71
ESCARAMEIA, Paula. The security council as a judge? : the relationship between the de Security council and the International Criminal Court. In: AMARAL, Diogo Freitas do; ALMEIDA, Carlos Ferreira e ALMEIDA, Marta Tavares de. Estudos comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Coimbra: Almedina. 2008. p. 612-613. 72
MIRANDA, Jorge. Curso de Direito... cit. 2004. P. 265. 73
BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público... cit, 2003. p. 703. 74
BAPTISTA, Eduardo Correia. O Poder Público... cit, 2003.
19
composição política para seu exercício, e por manifestação expressa, onde se reconhece
o direito de veto pelos cinco membros permanentes.75
6. ANÁLISE DA NATUREZA DO CONSELHO DE SEGURANÇA AO AGIR
COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 39.
Como foi amplamente descrito durante a apreciação do artigo 39, o CS adquire
por meio desse artigo um poder discricionário de caracterizar a ameaça e ruptura dos
poderes de agressão. Contudo, a intrigante questão é se o CS, ao agir sob o artigo 39 e
enquanto órgão de composição política, desempenha atos jurídicos.
Com o objetivo de facilitar a compreensão da problemática, é interessante
recordar que o CS é uma criatura política na qual “o oportunismo político com base no
interesse nacional” guia seus membros. Essa afirmação justifica toda a polêmica,
decorrente da ação do CS como juiz ou Tribunal. Desta forma seria possível uma
instituição legitimamente desempenhar decisões judiciais. Em decorrência do contexto
explicitado, parte da doutrina assevera que logicamente uma decisão judicial do
Conselho de Segurança é, por si só, inadequada.76
No tocante a atividade do Conselho de Segurança, com fulcro nos artigos 39 a
42, aduz-se que esse se tornou não apenas um juiz da atividade dos Estados, mas
também de indivíduos. Esta tendência para a decidir sobre a vida dos indivíduos
particulares foi inaugurada, provavelmente, com algumas resoluções sobre o Haiti - no
início dos anos 90 - com a determinação de congelamento de fundos detida pelas
autoridades governamentais no exterior, tendo sido seguido por vários outros exemplos,
como o de restrições às viagens imposto sobre o pessoal da UNITA.77
Sobre os atos de juiz exercidos pelo CS, destaque-se que as questões relativas ao
Capítulo VII da CNU - a necessidade de uma resposta rápida e eficaz a uma ameaça de
paz e a segurança internacional - podem requerer medidas de grande alcance, que
geralmente se opõem à aplicação das mesmas garantias que se aplicam aos tribunais
nacionais. Isso levanta questões de legitimidade em duas áreas distintas: quando o CS
intercede no exercício da jurisdição de tribunais devidamente constituídos e quando o
75
VELASCO, Manuel Diez de. Las Organizaciones internacionales. 10.ª Ed. Madrid: Tecnos. 1997. p. 213. 76
HAPER, Keith. Does the United Nations Security Council have competence to Act as Court and legislature? In: Collective Security Law, Nigel D. White, Ashgate: Darmount, 1994, p. 103-157. 77
ESCARAMEIA, Paula. The security council as a judge? : the relationship between the de Security council and the International Criminal Court. In: AMARAL, Diogo Freitas do; ALMEIDA, Carlos Ferreira e ALMEIDA, Marta Tavares de. Estudos comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Coimbra: Almedina. 2008. p. 613-614.
20
próprio CS age de uma maneira que afete os direitos e obrigações dos indivíduos ou dos
Estados.78
Sem adentrar no mérito sobre a resolução ser justa ou não, o Caso Kadi é mais
um exemplo de quando a ação do CS afeta os indivíduos. A situação tem a ver com a
série de resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança - e à criação de um Comité
de Sanções para supervisionar a sua aplicação -, apelando a todos os Estados membros
da ONU para congelar os fundos pertencentes às pessoas ligadas aos talibãs e à rede Al-
Qaeda.
Após estas resoluções, e uma lista de nomes fornecida pelo Comité de Sanções
do Conselho de Europa, foi aprovado um regulamento que dizia: “todos os fundos e
recursos econômicos que pertençam, sejam propriedade ou estejam na posse, uma
pessoa singular ou uma pessoa colectiva, grupos ou entidades designados pelo Comité
de Sanções e enumerados no Anexo I, devem ser congelados.”79
O perigo de o CS emitir decisões jurídicas é a ausência de várias garantias
pertinentes a órgãos jurisdicionais, donde se deve destacar que a “imparcialidade
judicial (...) é o ingrediente essencial do sistema legal da maioria das nações” e que as
regras processuais possam assegurar que os Tribunais não farão decisões tendenciosas,
além de que se a ONU não tivesse um órgão judicial seria até sensato que o CS assuma
uma função judicial.80
Sobre a natureza das decisões do CS, com cunho jurídico, Simon
Chesterman e Chia Lehnardt concluem que afirmação de que o CS está agindo como
juiz depende claramente da definição de cada um. Se ser juiz é limitar-se a elaboração
de conclusões jurídicas, então o CS age assim. No decorrer de sua explanação os
estudiosos ainda afirmam que “Alain Pellet, sugeriu uma definição mais rigorosa sobre
um juiz: 1. Faz decisões vinculativas; 2. Com base na lei; 3. Após um processo
contraditório.” Desta forma, o CS tem competência para executar as sentenças da Corte
Internacional de Justiça ou constituir tribunais, porém não está agindo como um juiz no
sentido estrito. Na ausência de um concurso de argumentos formais, no entanto, é claro
78
CHESTERMAN, Simon. The UN Security Council and rule of Law. Institute for International Law and Justice New York University School Law. p. 1-25. p. 14. Disponível em:< http://www.iilj.org/research/documents/UNSC_and_the_Rule_of_Law.pdf>, acesso em 20/09/2010. 79
ESCARAMEIA, Paula. The security council as a judge? : the relationship between the de Security council and the International Criminal Court. In: AMARAL, Diogo Freitas do; ALMEIDA, Carlos Ferreira e ALMEIDA, Marta Tavares de. Estudos comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Coimbra: Almedina. 2008. p. 615. 80
HAPER, Keith. Does the United Nations Security Council have competence to Act as Court and legislature? In: Collective Security Law, Nigel D. White, Ashgate: Darmount, 1994, p. 103-157. P. 142.
21
que o CS está pelo menos exercitando suas funções judiciais em os casos específicos.81
Resta claro que as decisões do CS, cada vez mais amplas depois da Guerra Fria,
são decisões de natureza jurídica, embora ele não possua todos os predicados típicos do
juiz. Portanto, as decisões proferidas por esse órgão político, mesmo sendo questões
jurídicas, não substituem a função de um Tribunal, tanto por conta do seu caráter de
órgão político, como por sua finalidade de conter a ameaça, ruptura a paz ou a agressão.
Inclusive, essas decisões não têm como escopo a justiça e sim a observância ao fim
principal do CS, bem como a manutenção da paz e da segurança internacionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao ser observada a continuação de uma questão que ameace a paz e a segurança
internacionais, é cumprido o pré-requisito para ação do CS com fulcro nesse artigo.
Sendo assim, os conteúdos das recomendações decorrentes desse artigo podem ser tanto
em relação ao mérito, como pode enunciar um procedimento a ser cumprido ou ambos
simultaneamente. Por fim, quanto ao efeito das recomendações provenientes do artigo
37 (2), não é vinculativo. O artigo 38 possui algumas particularidades em relação ao
artigo 37 (2), pois ele é suscitado com base no interesse das partes.
Quanto à sua condição, não é necessário que seja caracterizada uma disputa que
possa ameaçar a paz e a segurança internacionais, devido à ausência de disposição no
seu texto sobre o conteúdo da recomendação. No que concerne ao objeto a ser
conduzido à questão levada pelas partes em comum acordo, não se pode determinar
acerca do conteúdo de suas recomendações.
Quanto ao efeito vinculativo, pode-se afirmar que por estar disposto no Capítulo
VI, as recomendações provenientes dele não são vinculativas - apesar da polêmica sobre
seu efeito vinculativo -, pois não seria lógico que os Estado por livre escolha
submetessem a questão ao CS e, posteriormente, não acatassem sua recomendação. Por
esse motivo, pode-se concluir que, embora não seja obrigatório, será natural que os
Estados cumpram as recomendações.
81
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Sobre a análise do poder do Conselho de Segurança - ao atuar sob os dois artigos
- concluiu-se que ao agir com fulcro no artigo 37 (2), o CS está desempenhando o papel
de conciliador; já ao agir sob a égide do artigo 38, o CS está exercendo a função de
mediador, com base na análise minuciosa dos conceitos expostos no decorrer do
respectivo tópico.
Acerca do artigo 39, foi possível concluir que ele concede ao CS um poder
discricionário de caracterizar a ameaça a paz, a ruptura a paz e à agressão. Após a
constatação da existência de uma disputa, que poderá ameaçar ou romper a paz ou ser
uma agressão, o CS pode no cumprimento ao artigo 34 realizar um inquérito para apurar
a situação. Constatada a ameaça, o CS decidirá se sua ação atuará ao abrigo do artigo 40
ou 41.
Na verdade, o artigo 39 é base para a tomada de outras decisões que, não sendo
respeitadas, poderão ser coercitivamente aplicadas. Desta forma, os limites para ação
com fundamento nesse artigo são os princípios e propósitos da Carta das Nações
Unidas.
Quanto ao poder do CS, com fulcro no artigo 39, é evidente que as decisões que
tomaram a respeito desse artigo são de cunho jurídico. Embora as decisões sejam
jurídicas, elas não substituem a função do Tribunal, tanto em decorrência do caráter
político do CS, como por sua finalidade de conter a ameaça e ruptura a paz e à agressão.
Inclusive, essas decisões não têm como fundamento a justiça e sim a observância ao fim
principal do CS: a manutenção da paz e da segurança internacionais.
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