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NOITES
SOMBRI S
Organizadores:
Marcos de Sousa
Natalia AraújoRaquel Pagno
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Sumário
PREFÁCIO - POR EDUARDO KASSE ........................................ 5
ALEXSANDER HANTZ... ................................................. 7
199X ................................................................................... 8
CARLOS NARDI... ........................................................... 27
AÇOUGUEIRA .....................................................................28
CRISTINA DE AZEVEDO... ............................................ 38
ANJO NEGRO ......................................................................39
DÉCIO GOMES... .............................................................. 52
O COLECIONADOR DE MÁSCARAS .......................................53
EDDY KHAOS... ............................................................... 74
NUNCA MAIS ENGANADO ..................................................75
IGOR QUADROS... ........................................................... 82
PESTILÊNCIA .......................................................................83
H. A. KIPPER... .................................................................. 94
O MARSUPIAL ....................................................................95
IRIS ALBUQUERQUE... ................................................. 105
NAQUELA NOITE .............................................................. 106
MARCOS DE SOUSA... ................................................. 125
O VALE DA MORTE ........................................................... 126
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MIA ANTIERY... ............................................................. 135
INSPIRAÇÃO MACABRA .................................................... 136
NATALIA ARAÚJO... .................................................... 145
VIÚVA NEGRA .................................................................. 146
ORIONN ALBUQUERQUE... ....................................... 158
AMSTERDÃ ...................................................................... 159
RAQUEL PAGNO... ....................................................... 163
MUDANÇA ....................................................................... 164
ROGÉRIO QUEIROZ... .................................................. 188
POBRE MARIA ............................................................. 189
SUSY RAMONE... ........................................................... 210
O PORÃO DO DIABO ......................................................... 211
UBALDININHA DA COSTA TORRES LUIZE... ....... 220
O SOLAR DOS FEITOSA ..................................................... 221
VERÔNICA LUIZE... ..................................................... 232
REALIDADE REVIRADA ...................................................... 233
WILLIAN SAINTS... ....................................................... 239
CANTO DEMONÍACO ........................................................ 240
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Por Eduardo Kasse
Medo, arrepios, náuseas, ódio ou até mesmo risos. Um bom
conto de terror causa sensações e sentimentos diversos no leitor.
Uma história trabalhada na medida certa sempre mexe com as
pessoas.
Para o bem ou para o mal.
Quantas vezes, ao lermos uma narrativa, não nos pegamos
com os olhos cheios de lágrimas? Ou ao acabarmos uma cena mais
pesada, não sentimos um mal-estar estranho, incômodo, que nos
deixa com o peito apertado e a respiração ofegante...Quantas vezes não olhamos ressabiados para os lados,
trancamos as janelas e acendemos todas as luzes da casa depois de
vivenciar a jornada de algum personagem macabro?
Muitos se ajoelham e oram, com fervor imenso, pedindo para
afastar o mal. Implorando para ele desaparecer.
Um mal inexistente, somente literário, o que é mais incrível.Ou talvez não.
PREFÁCIO
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Demoramos a dormir, assustados com sombras e sons, com o
vento assoviando lá fora. Ah, confesse: mesmo depois de adulto
você já sentiu esses medos!E essa é a magia da literatura!
É fazer o leitor parte da história, cada um com suas
interpretações, reações e experiências. É abrir portas para mundos,
universos e essências novos que vão se construindo a cada
parágrafo, a cada capítulo.
Um conto é como um organismo vivo, que depende dahabilidade de quem o escreveu e da percepção de quem o lê. E ele
nunca vai ser igual: leia-o mais de uma vez e sempre verá novos
ângulos e perspectivas.
E, no caso específico desse livro, a grande missão é fazer o
leitor se deliciar e temer as Noites Sombrias.
Eduardo Kasse (@edkasse) é escritor, autor da Série Tempos
de Sangue, palestrante e analista de conteúdos. Tem duas paixões:
a literatura e os cães. E, por incrível que pareça, elas se
complementam.
Contatos: www.eduardokasse.com.br
http://temposdesangue.com.br
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ALEXSANDER HANTZ...
...tem 19 anos, nasceu em Ipatinga, interior de Minas Gerais.
Desde muito novo, o mundo da literatura chamava atenção do
pequeno garoto que cresceu cercado a ele. Em meio de histórias,
contos, romances, percebeu o quanto bom era ler, ou escutar que
alguém contasse alguma história interessante. Contudo, descobriu
que escrever suas próprias histórias era bem mais divertido.
Hoje, além do conto 199X, possui seu primeiro livro da série A
Debutante , publicado pela editora APED. Atualmente, Alexsandercursa Engenharia Química em Ipatinga, onde reside.
Contato com o autor: alexquintao@hotmail.com
199X
mailto:alexquintao@hotmail.commailto:alexquintao@hotmail.com
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199X
Five different families had strange experiences in a very dark
decade. Unaware of the exactly year when they happened. The
cases were mysteriously lost, but just one of them was found at the
house where everything happened .The case 199X is open again!
Cinco famílias diferentes passaram por estranhos
acontecimentos em uma década sombria. Não se sabe exatamente oano dos acontecimentos. Os registros dos casos desapareceram
misteriosamente e apenas um deles foi encontrado na casa onde
tudo aconteceu. O caso 199X está novamente aberto.
—————————————————————————————
FICHA 19A27H2D
Nome: Alicia /Idade: 18 anos
Nacionalidade: Brasileira / País de origem: Brasil.
Motivo da morte: Esquartejamento
FICHA 20B28B13
Nome: Elizabete /Idade: 19 anos
Nacionalidade: Americana /País de origem: Estados Unidos da
América.
Motivo da morte: Esquartejamento
FICHA 20B28B13
Nome: DESCONHECIDO
Nacionalidade: DESCONHECIDO
Motivo da morte: Esquartejamento
Estes são alguns dados contidos no relatório feito peloDepartamento de Perícia dos Estados Unidos. Dois de outubro de
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2014: Alícia, Elizabete e um terceiro corpo ainda não identificado
foram encontrados no interior de uma floresta próxima ao centro
da cidade. As duas primeiras foram identificadas: são estudantesde jornalismo de uma conceituada universidade de Boston. O
terceiro corpo ainda possui identidade desconhecida, contudo, as
análises para o reconhecimento já foram iniciadas. Também foi
achada uma câmera com gravações que seria supostamente das
garotas assassinadas. O curioso é que os corpos foram parcialmente
cobertos por cerejas... Isso mesmo, cerejas! — dizia a jornalistamostrando, em um saco plástico, uma delas. — Ainda não se sabe o
motivo ou se é uma pista deixada pelo criminoso. — Concluiu a
jornalista que fazia a cobertura desse misterioso assassinato em
Chicago.
Uma semana antes...
— O que acha que podemos fazer?— perguntava Natasha,
segurando em uma das mãos um caderno e na outra um saco dedoces.
— Tem que ser algo impactante. — disse Elizabete, amarrando
os cabelos ruivos encaracolados, deixando aparente sua suave e
angelical face lustrosa.
— Algo que irá fazer todos ficarem impressionados. E, quem
sabe, chamar atenção do Clark. — argumentou Natashanovamente.
— Do que você está falando? Do Clark? — Perguntou Alícia,
aquela que, entre as três, tinha o corpo perfeitamente esculpido em
mármore. — Ele não é para você! E já sabe a nossa opinião sobre
ele — disse rindo.
No último período da faculdade de jornalismo, as três garotas
- Alícia, Elizabete e Natasha - tinham um trabalho para apresentar,
muito importante para elas, afinal, a qualidade do mesmo iria
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avaliar suas competências como futuras jornalistas. Contudo, esse
não era o único objetivo das três. Natasha queria fazer com que
Clark, o garoto do time de futebol da faculdade, notasse que elaexistia. Porém, para si mesma, ela não era boa o suficiente para
Clark e ficava muitas vezes fazendo dietas e estabelecendo padrões
de famosas e de garotas que ela julgava bonitas. Elizabete queria,
por sua vez, escrever um trabalho de excelência para que pudesse
ter seu nome reconhecido na comunidade acadêmica e seguir seus
estudos como aquela que fez a diferença. Assim como Natasha, elanão se achava tudo o que os professores diziam ser e sabia que
existiam pessoas mais notáveis na universidade, julgando a si
mesma um fracasso. Já Alícia queria mesmo era voltar para o
Brasil, ingressar na carreira publicitária e ver a felicidade
estampada no rosto de sua mãe. Precisava, porém, conseguir
dinheiro suficiente para pagar o último aluguel da casa onde
estava morando, além das despesas de sua viagem de volta.Passaram dois dias pesquisando e discutindo nos horários
vagos; nesta busca incessante pelo material ideal, foi que Natasha
teve uma estranha e, de certa forma, duvidosa ideia e que foi
imediatamente rejeitada por Elizabete.
— O que é exatamente 199X? — perguntava Alícia, totalmente
por fora das informações que suas amigas possuíam e começando apensar que fora excluída do clube das garotas por todos esses anos.
— É um caso misterioso. — disse Natasha, com os olhos
brilhando de felicidade, como se tivesse em mãos o trabalho
perfeito.
— Não dê ouvidos a ela, é apenas uma história local!—
revelou Elizabete, juntando seus cadernos na bancada da
biblioteca.
— Então por que temer tanto? — retrucava Natasha.
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— Não existe nenhuma possibilidade de ele existir —
continuou Elizabete — e além do mais, se realmente existir, é um
caso fechado, não foi provado nada e as garotas tiveram apenas...— O que é 199X? — perguntou Alícia, estalando os dedos para
sinalizar que ainda estava ali.
Após ser interrompida, Elizabete explicou:
— Basicamente tudo gira em torno de um relógio... — disse
ela.
— Um relógio mágico! — revelou Natasha, muito empolgada.— Não exatamente... — rebateu Elizabete. — É um relógio
que, de alguma forma, realiza seus desejos.
— A história verdadeira é sobre um gênio, como o da lâmpada
mágica. — Interrompeu mais uma vez Natasha, quase pulando na
frente de Elizabete, complementando tudo o que ela dizia.
— Um gênio como Aladim?!— perguntou Alícia.
—Não! Sim! — responderam juntas, em discordância.—Não! — enfatizou Elizabete. — Não é como nesses contos de
fadas. O que vive naquele relógio é tão maligno quanto qualquer
coisa que possa existir de pior no mundo real — continuou,
olhando nitidamente enfurecida para Natasha. — Não se sabe
exatamente o ano em que ocorreram esses casos. A única coisa que
se sabe é que foi nos anos 90 — disse enquanto pegava um papel eescrevia os números 199 e, por fim, no lugar da unidade numérica,
a letra X — Por isso os casos dessa época são chamados de 199X.
Estes foram arquivados, mas misteriosamente os documentos
desapareceram e apenas um caso foi encontrado no porão da casa
onde a família viveu por todos esses anos. Realmente parece que o
relógio, objeto pelo qual o ‚misterioso‛ gênio aparece e realiza os
desejos daquele que o encontrou, é apenas uma lenda. —e concluiu
esperançosa — De que nos ajudaria investigar uma coisa que nem
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sabemos se existe? Seria uma total perda de tempo.
— Seria uma ótima ideia descobrir se essa história é real —
disse Alícia empolgada.Todas ficaram caladas por um momento.
— Bom, vou para casa pesquisar alguma coisa que realmente
seja consistente para nosso trabalho — disse Elizabete, cansada e
um pouco enfurecida.
— Elizabete! — gritou Natasha pela biblioteca, o que era
proibido, mas estava muito empolgada sobre o caso 199X. Seguroufirme a mão de Elizabete, não a deixando ir-se. — Eu sei onde
encontrar o relógio. Se realmente conseguirmos o que queremos,
você pode ter o que precisa para que sua carreira decole — disse e,
com alto poder de persuasão, completou. — Imagine o que se pode
conseguir se provarmos que o caso 199X é real?— seus olhos
brilharam ao cruzar com o olhar das amigas — Meninas, o caso
199X está novamente aberto! — decretou, sorrindo maliciosamente.Os dias se passaram e o trio de amigas ainda estava com
opiniões divididas. Contudo, até mesmo a mais convicta sabia que,
se elas não conseguissem fatos concretos, esse caso poderia
arruinar suas futuras carreiras.
Enquanto Elizabete pesquisava na biblioteca, debruçada sobre
livros, arquivos e jornais da época e que tratavam sobre o caso,Alícia perguntava sobre o assunto para as pessoas que eram mais
próximas a elas. Alguns sabiam do que se tratava a lenda, outros se
recusavam a comentá-lo, por temer o azar que recairia sobre quem
comentasse o assunto. Natasha, porém, tinha mais do que
precisava nas mãos.
No terceiro dia, ao anoitecer, as três amigas estavam juntas, a
caminho de uma festa, e revolveram fazer uma visitinha à casa
onde os documentos do caso 199X foram encontrados.
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Dirigindo seu carro, Alícia desprezava o sofisticado GPS,
preferindo confiar no conhecimento de Natasha, que dizia saber o
caminho que levava à casa dos Stronrs.— Você tem certeza que a casa maldita fica por aqui? —
perguntou Elizabete sendo, neste momento, filmada por Natasha
que estava sentada no banco da frente do carro. — Eu já disse que é
para você desligar essa câmera— disse, batendo com toda a sua
força na mão de Natasha e fazendo com que a câmera caísse.
— Olha o que você fez!— reclamou ela — Isso vai serimportante para o nosso trabalho, idiota!
—Parem de brigar, meninas! — disse Alícia, tentando desviar
dos arbustos e troncos de árvores que se esparramavam pelo
caminho que cortava uma densa floresta, tomada por uma forte
neblina. A estradinha parecia não ser usada há muito tempo!
—Uau! — disse Natasha, filmando tudo que estava
acontecendo do lado de fora. — Parece até aquelas histórias deterror! Só falta o carro estragar no meio da estrada e alguma coisa
aterrorizante acontecer com todas nós. No final só iriam encontrar
essa minha brilhante gravação — e continuava filmando cada
integrante do carro.
Alícia, irritada com a filmagem, perdeu o controle do veículo
que, em alta velocidade, não conseguiu parar.Todas gritavam para que ela parasse.
— Não estou conseguindo — disse, tentando frear o carro que
não respondia aos seus comandos.
— Amiga... Cuidado! — Alertou Natasha, quando percebeu
que Alicia iria atropelar uma garota que apareceu entre a névoa
sombria da floresta, que serpenteava subindo pelo carro, feito
tentáculos. Porém, o automóvel parou antes do impacto.
Todas estavam assustadas e quase em estado de choque.
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Ficaram caladas por alguns segundos, entreolhando-se
— O que foi aquilo? — perguntou Elizabete, enquanto Alícia
tentava ligar o carro, inutilmente.— Uma garota! — disse Natasha, pegando a câmera caída no
carpete do carro.
— Eu falei que não era uma boa ideia virmos até aqui — disse
Elizabete olhando para o lado. — Momento ideal para contar
aquela história de terror para nós Natasha... E muito obrigada por
nos deixar apavoradas! — agradeceu ironicamente à amiga,relembrando a semelhança do momento narrado por ela com o
vivido na realidade.
Por um momento Elizabete achou que estivesse tendo
alucinações. Mas não. De fato existia uma casa do lado da estrada,
bem próxima ao carro.
— Garotas vejam!— Disse ela, apontando para o leste. Em
meio de arbustos e relva, a mansão dos Stronrs se apresentavamajestosa.
Alicia finalmente conseguiu ligar o carro, virando-o de frente
para iluminar a fachada do velho e assustador casarão.
Por um momento ficaram caladas. Elizabete sentia-se
estranhamente desconfortável ao perceber que estava no local onde
as misteriosas mortes aconteceram; Natasha estava muitoempolgada, talvez fosse a única achando tudo isso o máximo;
Alícia, por sua vez, engatou a primeira marcha e avançou,
determinada, contra o portão de ferro, derrubando-o e fazendo que
uma densa cortina de poeira ficasse suspensa no ar.
Aos poucos, a enorme construção vitoriana, em estilo gótico,
apresentava-se com suas formas e curvas já desgastadas pelo
tempo. Janelas com vidros quebrados, sacadas destruídas, paredes
tomadas por plantas trepadeiras... Tudo estava em estado de
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degradação, exceto a porta, cuja madeira maciça mostrava-se
lustrosa e convidativa aos visitantes.
— Natasha, é melhor irmos embora. — disse Elizabete. — Ficamos apenas com os artigos e as entrevistas que fizemos com as
pessoas... Não é mesmo, Alícia? — perguntou à amiga que já
entrava, junto com Natasha, na mansão dos Stronrs.
Em meio aos escombros, móveis velhos e lustres aos pedaços e
enquanto segurava em uma das mãos a câmera e na outra uma
lanterna, Natasha começou a narrar os acontecimentos da famíliaStronr.
— O Sr. Stronr foi encontrado enforcado exatamente neste
lustre, no hall de entrada, logo após encontraram a mulher com os
ossos moídos e parte do corpo esquartejado pendurado nas
palmeiras do jardim de entrada... — enquanto falava, continuava
passando pelos corredores, seguida pelas amigas. O clima havia
ficado mais tenso. Tudo parecia incomodar, até o simples ato derespirar era angustiante. A sensação de ter alguém abraçando-a e
muito perto do seu rosto era quase palpável. — O filho mais velho,
Filipe — continuava Natasha enquanto filmava tudo — foi
encontrado afogado na banheira do quarto. A filha mais nova está
desaparecida até os dias de hoje. Não se sabe do seu paradeiro... —
revelou rindo e correndo na frente das outras.—Natasha, volte aqui! — gritava as duas juntas. — Natasha!
— A lenda diz que os espíritos ainda vivem nesta casa e que
tudo pode ser destruído, exceto a porta de entrada, que convida
atrativamente todos a seguir os passos dos integrantes da família
Stronr e descobrir o verdadeiro segredo! — dizia Natasha com uma
voz distante e suave.
Alícia e Elizabete estavam abraçadas quando ouviram a porta
de entrada bater fortemente. Na mesma hora, viram um vulto
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branco e brilhante vir rapidamente em sua direção.
Ambas gritaram de pavor, mas era apenas Natasha pregando
uma peça nas garotas.— Medrosas!— dizia ela, rindo.
— Alícia, vamos embora, não temos nada para ver aqui —
dizia Elizabete, segurando na mão da amiga e puxando Natasha,
que não parava de rir.
Ao chegarem perto da porta, um barulho ecoou atrás das três
amigas.— O que foi isso?— perguntou Natasha.
— Não sei... Não foi você?— perguntou Alícia.
— Como eu?! Estou aqui com vocês!
Enquanto Natasha tentava abrir a porta que parecia
emperrada, Alicia e Elizabete iluminavam tremulamente o local de
onde o barulho ressoava.
— A porta não quer abrir! — revelou Natasha desesperada.— É melhor você abrir essa porta agora ou quem vai ser a
primeira vítima de qualquer coisa que estiver nesse local será você!
— dizia Elizabete por entre os dentes.
Subitamente, uma porta secreta abriu-se por trás de uma
grande pintura a óleo da família Stronr, pendurada no vão entre as
escadas.— O sótão!— disse Natasha, quebrando o silêncio do
momento. — Nós temos que entrar lá.
—Nós? — perguntou Alicia — Não, você que quis vir, você
que vá. Nós ficaremos aqui!
— Um dos mais intrigantes casos foi achado no sótão, em uma
escrivaninha velha, onde uma lamparina antiga estava acesa... —
disse Elizabete.
Elizabete e Natasha, por um momento, entreolharam-se e, pela
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primeira vez, se entenderam com apenas um olhar.
— Está bem, nós vamos. — disse, pegando a lanterna da mão
de Alicia.— Como assim? — perguntou. — Não irei ficar sozinha aqui
— disse, juntando-se às meninas.
Juntas, entraram no sótão e não foi difícil encontrar o que
procuravam.
— Não é possível!— arquejou Elizabete. — Então é real?!
— Eu estava certa o tempo todo, meninas! Já podem meagradecer. — disse Natasha, contente por conseguir provar, de
maneira totalmente absurda, que estava certa.
Diante das três garotas, uma escrivaninha velha se
apresentava com uma luminária antiga. Com a cúpula em
frangalhos, tremulava uma luz fraca e contínua, que deixava o
ambiente pouco iluminado e menos assustador.
Tudo ao redor se agregava às paredes, deixando em um cantoo conjunto - escrivaninha, cadeira e luminária – singularmente
chamativo.
— Está aqui!— disse Natasha, ao apontar para uma das duas
gavetas da escrivaninha. Lentamente abriu a gaveta e o relógio
brilhou mais do que qualquer luz que pudesse iluminar o local.
A sensação de que alguma coisa ruim estivesse prestes aacontecer naquele lugar perturbava Alícia e Elizabete.
Segura do que estava fazendo, Natasha retirou o relógio da
gaveta e sorrindo disse:
— Buh! Não tem nada de assustador nele. — O objeto era um
modelos de corda e que se programa para despertar. Possuía uns
15 centímetros de diâmetro, com a caixa prateada e com desenhos
em alto relevo em toda a volta. Seus sinos eram grandes e pretos;
entre eles, nas extremidades do pequeno martelo, havia um sol e
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uma lua dourados.
— Estão preparadas para ter a temida e assustadora
experiência com esse objeto? — perguntou Natasha, em tom dedesafio.
Ninguém respondeu à pergunta, apenas olharam-na
assustadas, observando o quão ela havia se tornado diferente.
— Vamos, meninas, pode ser divertido. Às vezes uma
brincadeirinha não faz mal, não é verdade? — perguntou,
instigando-as ainda mais. — Eu sei que cada uma de vocês tem umdesejo escondido, engasgado, alguma coisa que desejariam muito
que se realizasse. Vejam que ironia: são três desejos e somos
exatamente três pessoas. Então, meninas, um desejo para cada
uma! — disse rindo, mas era a única que estava achando graça da
situação. — Um sonho? Uma vontade de se livrar de alguma coisa?
Ou o desejo de ter ou de se tornar alguém? — mas mesmo diante
das atraentes ofertas que Natasha lhes fazia, nenhum sepredispunha a ser a primeira a experimentar o relógio.
O minuto se passou muito devagar e angustiante.
— Eu me voluntario — disse Alícia.
Independente do que as três garotas pudessem pedir, não
esperavam que ali, naquele pequeno quarto, seus desejos fossem
definir suas vidas.Alícia deu um pequeno passo à frente e segurou o objeto com
as mãos trêmulas, como se fosse uma bomba prestes a explodir.
—Você só precisa girar esta chave... — sussurrou Natasha,
muito próxima ao ouvido de Alícia, que permanecia inerte, como
se não entendesse o que a outra lhe dizia. Natasha guiou-lhe a mão
até a chave e novamente sussurrou:
— Gire-a... — Alícia olhou incrédula para a amiga e não sabia
por que estava se sentindo fraca e sem vida. Era como se o contato
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com o relógio a fizesse sentir-se inferior a qualquer pessoa presente
naquela sala. Precisou de esforço para terminar a volta completa da
chave e então Natasha voltou a se pronunciar:— Não precisa dizer em voz alta o que deseja, mentalize seu
desejo e espere que o ponteiro maior complete sua volta e a
campainha toque, e então será realizado... — sussurrava Natasha
com os olhos brilhando ao ouvir o travar da chave, sabendo que a
amiga estava pronta para testar o seu destino.
Subitamente, Alícia soltou a chave, quase sem forças, eacompanhou com olhos assustados o caminhar lento e doloroso do
ponteiro, arrastando-se entre os números. Em sua mente, o que
Alícia mais queria era ter dinheiro suficiente para pagar suas
dívidas e a passagem para voltar ao Brasil. O ponteiro estava no
número 9 enquanto ela pensava e começava a acreditar que seus
problemas seriam solucionados; como se estivesse aprisionada
nesse sonho, o tocar violento da campainha a fez acordar,refletindo em lágrimas que transbordavam de seus olhos.
— Muito bem, garota! — dizia Natasha, batendo
carinhosamente no rosto da amiga e retirando o relógio de sua
mão, pois chegara a vez de Elizabete.
—Você sabe o que fazer... — disse a influenciadora de mentes.
— Não passa de uma velha história. Está claro que alguémdeixou esse relógio aqui antes e que o arquivo não está nas gavetas
— disse ela, aproximando da escrivaninha e abrindo uma das
gavetas. Ficou chocada. Paralisada. Abalada.
Elizabete tirou da gaveta uma pequena pilha de papéis, em
um envelope sobrescrito: Quinto Caso 199X.
— Então em que quer acreditar: na lenda ou na realidade? —
perguntou Natasha, depositando o relógio na escrivaninha e
deixando que Elizabete tivesse todo o tempo que precisasse.
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Terrivelmente assustada, puxou uma cadeira próxima e
começou a folhear o caso, percebendo que os documentos eram
reais. Continham fotos, depoimentos e recortes de jornais que elamesma percebera que faltavam no acervo da biblioteca, quando os
consultara. Elizabete viu naquele caso a chance de ser alguém de
renome, que pudesse ser reconhecida por seu notório saber no
campo jornalístico e investigativo.
Seus olhos pousaram no relógio que brilhava intensamente
sob a luz do velho abajur. Não hesitou. Pegou o relógio, girou achave e, fechando os olhos, desejou tudo o que mais queria em
toda a sua vida: ser respeitada, influente e melhor do que todos na
sua área profissional. Seu desejo poderia parecer um pouco egoísta,
mas Elizabete sempre fora competitiva.
A campainha soou.
Elizabete riu, como se aquilo fosse uma piada, porque não
sentiu nada e nada aconteceu de imediato.— O que está acontecendo com a porcaria desse relógio?—
perguntou Natasha se aproximando — não está funcionando
direito, porcaria velha! — Exclamou, pegando-o e balançando.
Ainda achando tudo aquilo completamente estranho, Natasha
girou a chave e fez o pedido, à medida que o ponteiro completava
a sua volta. Não era difícil adivinhar seu pedido. Clark sempre foio sonho de consumo de qualquer garota da universidade. Ele
poderia ficar com todas que quisesse. Ou melhor, com todas que
ele considerasse boas o suficiente. Natasha, porém, não sabia o que
era ser ‚ boa o suficiente‛ para o jogador. Então ela desejou ser o
tipo de garota que Clark sempre quis ter.
A campainha tocou antes mesmo que ela terminasse de fazer o
pedido. Abrindo os olhos, sentiu o mesmo fracasso experimentado
por sua amiga Elizabete.
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— Relógio estúpido — disse Natasha, jogando-o contra a
mesa. — Vamos sair daqui, você tinha razão, Elizabete! Isso foi
uma tremenda perda de tempo!A porta de saída fechou-se subitamente. A luz do velho abajur
oscilou até apagar-se. E, para piorar a situação, o sino do relógio
começou a soar incessantemente.
— Natasha, o que está acontecendo?— perguntou Alícia.
— Não abra a porta — interrompeu Natasha, ficando na frente
de Elizabete.O desespero tomou conta das meninas, a escuridão era densa e
deprimente, tão profunda quanto um abismo no oceano infinito. O
ar quente, rarefeito e sufocante.
Não conseguiram encontrar umas às outras no quarto escuro,
mas tinham a certeza de que uma quarta pessoa saíra dos
escombros e estava junto delas. Apavoradas, ouviram o silenciar
do relógio e o ranger da cadeira, o folhear dos documentos e umavoz rouca e onipresente...
“Os três desejos serão realizados, assim que os escolhidos forem
selados. O girar do ponteiro irá trazer aquilo que desejais, através daquele
que não pode viver.”
As três amigas não sabiam de onde vinha aquela voz, nem o
que queria dizer, mas sabiam que alguma coisa estranha eassustadora havia acontecido e que os seus desejos seriam
realizados.
Não passou uma hora do ocorrido e as garotas se esbaldavam
na festa. Queriam se divertir e, se possível, esquecer o que lhes
havia acontecido naquela noite. Em meio a bebidas, música
eletrônica e garotos, todas tinham um motivo particular para tal
comemoração, mal sabendo que essa comemoração não seria para
todos.
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— Como assim, Jack? — perguntou Natasha. — Não é
possível, ele estava bem ontem. Como ele morreu?— perguntou
assustada.— Jonathan também — disse Elizabete no telefone com Alicia.
— Foi encontrado afogado.
— Fred sofreu um acidente de carro e não sobreviveu —
revelou Alícia.
Mais tarde, na universidade, estavam assustadas e com medo.
Tudo levava a crer no que a voz disse: “Os três desejos serãorealizados assim que os escolhidos forem selados” , relacionado às mortes
da família Stronr.
— Fred foi o primeiro garoto que eu beijei naquela noite —
disse Elizabete; Alícia e Natasha confirmaram ter beijado Jonathan
e Jack, respectivamente.
— Você acha que tem alguma relação com o que foi falado
mesmo?!— Está evidente! — disse Elizabete, a mais cabeça do grupo.
— O que levaria a essa coincidência? Os três selados, ou seja, os
três beijados... Além do mais, as mortes foram idênticas com o que
ocorreu com os membros da família Stronr: Enforcamento,
esquartejamento, e afogamento. Não acha coincidência demais isso
ocorrer novamente?— O assassino está de volta?— perguntou Alícia. — Será que
esses assassinatos têm alguma ligação com a filha?
— Você acha que seria o espírito dela nos rondando? —
perguntou Elizabete. — Porque ela estaria fazendo isso?
— Talvez se vingando de alguma coisa...
— Meninas, não sejam tão pessimistas. — disse Natasha. —
Vejam o lado positivo: nossos desejos serão realizados! —
— Deixe de ser ridícula, garota. Pessoas morreram por nossa
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causa! Você tem ideia do quão ruim é isso? — perguntou Alícia.
— Seja o que for isso que aconteceu, é bom estarmos
preparadas para termos nossos desejos realizados — concluiuElizabete, reescrevendo a frase num papel.
— E quando vai ser?— perguntou Alicia.
— Hoje à noite. — concluiu amedrontada.
As horas realmente não estavam a favor das meninas. O
gradiente do terror levava a um caminho desconhecido e que
tornava cada segundo que se passava um adeus ao mundo real.As noticias fúnebres eram verídicas. Cada uma das três
amigas foi ao velório do respectivo garoto e estavam terrivelmente
assustadas com a cena que se apresentara na frente de cada uma.
Saber-se o motivo pelo qual uma pessoa foi morta era
terrivelmente assustador, fazendo-se sentir como um verdadeiro
assassino. De todas as formas, era preciso não demonstrar nada
suspeito.Contudo, Elizabete não conteve as emoções no funeral de
Fred. Principalmente quando avistou o caixão fechado — já que o
corpo estava todo estraçalhado - não mediu o choro excessivo,
fazendo com que as atenções fossem atraídas para ela.
No anoitecer daquele dia, no mesmo horário e ordem em que
os pedidos foram feitos, eles foram realizados.A começar por Alícia que, se divertindo em uma festa infantil
na casa ao lado de sua, teve seu desejo realizado. Havia muitos
meninos e meninas no jardim da casa. Agitados perto do enorme
violão de papel recheado de balas, o pequeno prodígio Mathy,
tentava acertá-lo e assim fazer com que as balas saíssem como uma
chuva de gostosura. Todos riam do garoto, que com os olhos
cobertos, não conseguia atingir o alvo.
Alícia, por outro lado, com os olhos bem abertos, começava a
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ter estranhas alucinações. No lugar do violão, ela via Jonathan, o
garoto que foi encontrado enforcado. Este, sob um galho, estava se
preparando para pular; ela desviou os olhos e tomou mais um golede cerveja.
— Tenho que parar — pensou, colocando o copo em cima da
mesa e voltando a olhar para o lugar onde todos estavam se
divertindo com Mathy. Alicia não conteve o grito quando Jonathan
pulou:
— Aahh, não! — Com as mãos nos olhos, ela chorava e gritavadesesperada.
— O que está acontecendo, querida? — perguntava a avó do
garoto, que estava próxima.
— Não faça isso... Não, por favor! — pedia, colocando a mão
na boca e olhando para Jonathan que sorria para ela e dizia:
— Aqui está seu presente!
E foi nesse exato momento que Mathy o atingiu e dele saíramvárias notas de dólares que voavam por todos os lados.
Seguindo a ordem, Elizabete foi a segunda a ter seu desejo
realizado. Era tarde e ela relaxava em sua cama, esperando que o
creme facial atingisse o tempo correto para ser removido;
aproveitava esse tempo para ler alguma coisa e se distrair.
— Elizabete! — gritava alguém do lado de fora de sua casa. — Elizabete!
Porém, concentrada na leitura, ela não prestava atenção ao seu
redor.
— Elizabete, eu trouxe o que precisa. Estou aqui! — gritava
um menino na porta de sua casa, tarde da noite.
A garota assustou-se quando alguma coisa foi jogada na porta
de vidro da sacada do seu quarto, deixando uma marca
avermelhada como sangue.
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— Mais um pássaro morto! — pensou, deixando o livro de
lado e correndo para o andar de baixo para atender à campainha
que acabara de tocar, nem percebendo o pé decepado que foraatirado em sua sacada.
— Nossa! A pizza demorou hoje, hein?— comentou, contando
o dinheiro e abrindo a porta. — Quanto é?
— Na verdade, eu trouxe o seu futuro — disse Fred,
entregando a ela os arquivos e as partes que faltavam do trabalho
de excelência que iria apresentar.O grito aterrorizante de Elizabete foi tão alto que consumiu
todas as suas forças à medida em que ela olhava para Fred, o
garoto que sofrera um grave acidente de carro e que agora, aos
pedaços, estava à sua frente, apodrecendo e fedendo à carne
queimada. Fred caiu aos pedaços quando ela já estava desmaiada.
A terceira e última foi Natasha, que, em busca de ser ‚ boa o
suficiente‛ para Clark, teve seu pedido muito bem realizado. Nãopedira apenas para ter um corpo perfeito e desejado. Pediu que
tivesse as pernas torneadas e bronzeadas de Elizabete e os quadris
e seios de Alicia. Não se sabe como isso ocorreu, mas os pedaços
dos corpos das amigas foram arrancados e colocados em seu corpo.
Porém, nunca teve a oportunidade de chamar a atenção de Clark.
Natasha era a razão e o motivo maior de tudo aquilo queestava acontecendo. Não era por acaso que ela sabia sobre a
existência do caso, como chegar ao local e como usar o relógio. Na
verdade, a garota era uma djinn. De idade milenar, Natasha era a
filha desaparecida da família Stronr, que havia colocado os
documentos do caso no lugar onde deveria ser encontrado; foi ela a
verdadeira protagonista de todos os assustadores eventos que
envolvem o caso 199X nos Estados Unidos da América.
***
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Era fim de tarde quando um carro parou, dando carona a uma
bela garota que aguardava com suas malas à beira da estrada,
esperando que alguém a levasse para longe dali. Comendo umadeliciosa cereja, sua fruta preferida, Natasha seguia para um novo
local, em busca de realizar novos desejos para manter viva a sua
história.
A polícia investigativa de Chicago conseguiu identificar o terceiro
corpo que estava junto com as duas garotas que foram encontradas mortas
no mês passado, no interior de uma floresta, perto do centro da cidade. A garota é Barbara Stronr, que esteve desaparecida por muitos anos. Além
disso, as fitas foram analisadas e uma terceira pessoa estaria envolvida no
crime, contudo a policia não foi capaz de reconhecê-la, já que as imagens
parecem ter sofrido a interferência de algum campo magnético muito forte.
Ainda não se sabe quem é o verdadeiro assassino e se ele ainda continua
na cidade. Segundo as investigações, parece existir uma conexão deste caso
com outro ocorrido há uma década: o tão conhecido e temido caso 199X.— Dizia a repórter de um jornal local.
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CARLOS NARDI...
...nasceu na cidade de Itapetininga, São Paulo, 42, desde
criança já exercia o dom pela leitura do terror, e aos oito anos
criava historinhas de quadrinhos. Mudou-se para a cidade de
Curitiba, no Paraná em razão do trabalho, considera esta cidade
como "uma criança que cresce muito rápido".
Tem-se aventurado no mundo do terror, criando seus novos
temas. Dedica-se colaborando expressamente na área literária, ele é
reconhecido por todas as partes do Brasil e também no exterior.
Contato com o autor: carlos.nardi@yahoo.com.br
AÇOUGUEIRA
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AÇOUGUEIRA
Era uma cidade calma, bem fria e também de muitas nuvens.
Era muito raro ver o céu aberto, geralmente estava nublado. São
José dos Pinhais, no interior do Paraná, era uma cidade pequena e
de habitantes humildes.
Evandro e sua galera da Faculdade iriam morar nesta cidade;
três garotos lindos e maravilhosos, cheios de fantasias e desejos de
aprontar por aquelas bandas. Evandro, ou ‚Evandrão‛, como eraconhecido, era aquele cara que pegava todas as meninas sem dó e
sem perdão, sequestrava seus corações e depois os descartava. Ele
era fatal.
Num dia comum, foi comer um sanduíche próximo à praça,
sentado num banco com seus óculos Rayban de camelô e relógio
brilhante, também falso, bermuda e camiseta, mesmo estando
muito frio. Ele olhava todas as meninas no desfile do calçadão.
Parecia mesmo um lobo mau: queria pegar a sua primeira vítima.
Bem na esquina havia uma casa de carnes com o nome de ‚Boi
Grande‛. Lá, no caixa do açougue, trabalhava uma bela mulher,
meio coroa, mas era do tipo que qualquer homem se ajoelha
perante a sua beleza. Era loira e de seios volumosos - e bota
volume nisto! Evandro descreveu aos seus amigos que ela tinhanádegas tão redondas e grandes que era possível deixar um copo
de pé na sua parte dorsal.
– Uma baita de uma gostosa!– disse.
A troca de olhares e afinidades demonstrou que houve certa
química... Raquel era o seu nome. De olhar penetrante e misterioso,
ficara encantada com Evandro.Numa noite qualquer, os dois saíram. Ela usava apenas um
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vestido preto... Apenas o vestido. Evandro a pegou e beijou, o calor
e o sexo estavam a circular pelos seus corpos.
Antes de amanhecer, Raquel já havia saído do motel.Assim, sucessivamente, os dois encontravam-se quase todos
os dias, ou melhor, todas as noites.
Na academia, Evandro foi fazer testes rotineiros de educação
física. O médico disse que ele estava emagrecendo e perguntou se
ele estava fazendo algum tipo de dieta especial. Evandro, por sua
vez, disse que estava comendo normal e não tinha feito nenhumadieta.
O romance estava ficando intenso. Ele dizia amém a tudo e ela
o enfeitiçava, tirando todos do seu caminho: amigos, parentes e
conhecidos... Ela o isolava de tudo.
Os primeiros sinais estranhos já aconteciam...
O seu melhor amigo era o Evans, um sujeito gente boa.
Estudava na mesma faculdade de Evandro.Evandro tinha saído da república, pois Raquel havia
comprado um apartamento para ele: o seu ninho de amor
particular.
Um dia, Evans conseguiu o endereço e bateu na porta do
apartamento de Evandro. A visão que Evans teve do amigo foi
totalmente assustadora: ele estava ainda mais magro, seus olhosfundos como se estivesse anêmico; a cor de cera de sua pele era
visível. Evandro convidou Evans para entrar e falou coisas sem
nexo: perturbações, solidão, sexo que ele queria fazer com as
outras. Evans lembrou-lhe que já fazia três meses que ele estava
com Raquel, tendo também faltado por várias semanas à Faculdade
e à Academia.
Evans notou que algo estava errado, pois Evandro não saía
mais de dia. Começou a investigar essa Raquel. Descobriu que ela
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era de outra localidade, mas já fazia dez anos que morava na
cidade. De acordo com os vizinhos, viera de Apiaí, interior de São
Paulo.Evans, investigando por conta própria, foi pessoalmente à
cidade e descobriu que existia uma ‚Raquel da Cruz‛, mas morrera
em 1945. Porém, quando teve acesso à documentação descobriu,
para o seu espanto, que se tratava da mesma pessoa,.
O corajoso Evans voltou para São José para tentar salvar o
amigo daquela coisa. Mas era tarde demais, pois havia umasemana que Evandro estava desaparecido. Um boletim de
ocorrência foi feito e a polícia estava à sua procura.
Havia muitas dúvidas na cabeça de Evans, porque a tal Raquel
era muito rica e tinha muitos ‚contatos‛, inclusive na polícia. Mas
Evans era determinado e, à noite, foi ao açougue da Raquel. Subiu
numas caixas e teve acesso a uma pequena janela de vidro.
Quebrou-a, entrou no açougue e viu que aparentemente estavatudo normal, porém a imagem de Evandro não saía de sua mente.
Evans andava cautelosamente quando escutou um barulho
estranho debaixo dos seus pés. Abaixou-se e colou a orelha no
chão. O barulho era forte, como se alguém estivesse puxando
alguma coisa.
Viu um pequeno botão no piso que até então parecia umdesenho. Apertou-o e toda a extremidade do chão começou a se
elevar, revelando-lhe uma escada comprida e desceu. Havia um
escritório que parecia um mundo, de tão grande que era aquele
local secreto.
Evans entrou no escritório e deu uma fuçada. Existiam muitos
documentos. Percebeu que os papéis continham vários erros
ortográficos e gramaticais, como se alguém estivesse aprendendo a
nossa língua.
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Caminhou e viu pela frente várias portas, vários quartos e
também um tipo de frigorífico. Evans jamais esqueceria aquela
cena: uma loja de horrores. Havia ganchos e crianças penduradasde cabeça para baixo, porém, a maioria sem as cabeças. As outras,
ele não sabia se estavam desmaiadas ou mortas... Não dava para
saber. E, por último, viu o Evandro nu e de ponta cabeça, com dois
ganchos em cada pé. Ele estava vivo e se mexia e, até mesmo,
olhou para Evans.
Alguém se aproximou e Evans se escondeu entre algumascaixas, mas conseguiu espiar por uma fresta. O perfume de mulher
incendiava o local. Era a Raquel, apenas de sutiã e uma minúscula
calcinha. Ele tentou imaginar e processar o que estava acontecendo.
O telefone de Raquel tocou. Na conversa, ela pronunciou o
nome Jennifer. Evans percebeu que elas brigavam pelo celular,
pareciam falar sobre o poder do Sul e do Norte. Falaram também
em fracasso e que Raquel não iria mais apoiar o seu ramo. Mas queramo seria este? Do quê?
Ela desligou o celular, furiosa, e foi conferir suas vítimas.
Depois, se dirigiu a Evandro que estava ainda vivo, fazendo-o
acordar.
– Acorde, meu querido... Esta noite para você será
inesquecível!A descarada começou a chupar o pênis de Evandro, deixando-
o ereto. Ela fazia vários movimentos com a boca, cuspindo nele e
masturbando dentro da sua boca, até que ejaculasse. Rapidamente,
ela pegou um tipo de machadinha e o acertou bem na raiz do
pênis. Evandro gritou de dor...
O sangue jorrou e ela começou a bebê-lo, sem se sujar. Não
caiu nenhuma gota nela.
‚Meu Deus... Não acredito que no que estou vendo... Ela
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bebeu sangue!‛, pensou Evans.
Raquel se abaixou, pegou um poderoso alicate e mandou
Evandro abrir a boca. Tirou, um a um, todos os seus dentes. Osangue escorria sem parar. Ela exclamou:
– Calma, meu bebezão! Já estou quase terminando...
Ela pegou a boca de Evandro e beijou-o, sugando todo o seu
sangue. Evans viu as veias do amigo murchando, sugadas por
Raquel. Quando ela terminou, Evandro já estava morto e, com
muita maestria, ela pegou um grande facão e decepou sua cabeça.Existia uma sala com várias cabeças embalsamadas, centenas
delas.
Ela passou um líquido especial na cabeça do Evandro e a
colocou em uma das suas coleções.
‚Agora eu preciso sair daqui, mas como?‛, refletiu Evans,
ponderando uma ideia, ‚Acho que vai dar certo‛.
Correu em busca da saída, mas não a encontrou. O nervosismosubiu a sua mente. Seu corpo parecia estar inerte, parecia que tudo
havia congelado. Ele viu a Raquel flutuando e passando em cima
da sua cabeça.
Ela falou:
– Oi, bonitão? Veio atrás do seu amigo?
Ele não conseguia falar, não conseguia respirar direito... Ela,porém, falava com calma, dizendo que não iria doer nada, que
seriam apenas dois furinhos no pescoço. E, então, cravou nele os
seus dentes afiados. O sangue saía, mas ele não sentia nenhuma
dor.
Ela pegou no seu pênis. Mesmo ele não querendo, por causa
do medo, já estava ereto. Ela puxava a calcinha de lado e ele a
penetrava, naquela selvageria. Seus impulsos estavam
incontroláveis. Ele rasgou o sutiã, pegou nos seios volumosos,
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enquanto ela flutuava consigo. Ele nunca tinha trepado daquela
forma.
Seu corpo estava para explodir de prazer... Quando o seuorgasmo estava prestes a sair, ela retirou o seu pênis e, no ar, Evans
viu o seu esperma em gotículas, como se estivesse congelado.
Perdeu, na hora, a sensação do tempo e da ilusão...
Já estava no chão, caído e nu, e ela, toda nua, foi em sua
direção. Parecia que não estava bem...
Ela estava com enjôos...– Moleque... Você tem algo no sangue! Toma algum
medicamento para o sangue?
Evans respondeu que, desde criança, ele tomava corticóides
por causa das alergias que tinha.
Raquel virou-se e vomitou sem parar, como se estivesse
expulsando todas as refeições de uma semana; o cheiro
insuportável de todos os males que ela fez.Ela ficou furiosa e parecia que desta vez ele iria morrer.
Novamente, andou em sua direção. As unhas cresceram em garras
afiadas, porém, o silêncio foi quebrado com o toque do celular que
estava no bolso da calça de Evans.
– Alguém ligando para você? Da polícia? Eles já estão aqui.
Ela esmagou o celular como se fosse um ovo. Evans, surpreso,apagou como uma gazela. Uma nuvem de sono o abraçou. Estava
preso em seu desespero... ‚Preciso acordar, preciso provar que é
ela que...‛, sua mente devaneava.
Quando acordou, estava na cadeia, fora acusado por ela de
invasão a domicilio e tentativa de estupro. Depois de três meses,
foi solto. Ele mostrou o local para a polícia, mas lhe disseram que o
açougue fora fechado para uma reforma.
Quando ele insistiu em delatar o circo de horrores que havia
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presenciado, foi chamado de louco. Embaixo do açougue havia
toneladas de concreto. A desculpa era que havia problemas com o
solo.A maldita sepultou as provas... Tudo foi arquivado, tudo foi
abafado...
Naquela cidade nunca mais se viu falar em Raquel e nem no
seu açougue.
Por dez anos Evans lutou, tentando se convencer de que suas
lembranças eram falsas. Pediu ajuda a uma psicóloga e, depois deum tempo, os dois se casaram. Mudaram para Brasília e tiveram
um filho.
Evans tornou-se um oficial legislativo. Estava bem no amor, na
carreira e tinha sucesso. O que mais poderia desejar?
Em Brasília, na Câmara de Deputados, trabalhava até algumas
horas da noite, pois precisava entregar as laudas dos projetos todas
as manhãs. Porém, naquela noite, quando saía, escutou um barulhode pancadaria e homens gritando. Procurou, mas não viu nada...
Quando menos esperava, um vulto passou na sua frente
rapidamente. Então, houve um apagão. Tudo ficou escuro e, em
instantes, os homens da segurança estavam no chão.
Ele percebeu que um homem estava sentando no seu
escritório. Disse-lhe que o conhecia através do blog que Evansmantinha. Falou ainda que havia lido o relato onde contava o que
vira há dez anos. O homem, Elias Ashmole, acreditava que era a
pura realidade. Evans pensou que ele parecia um psicopata, pois
ele usava roupas estranhas de couro e sapatos pesados com
biqueiras de aço.
Burro, falou tamanha asneira:
– Você é um vampiro?
– Se eu fosse um vampiro, você estaria sangrando e com as
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últimas gotas de sangue na escadaria do Congresso – falou
firmemente Elias, depois de um longo silêncio.
Ele era um tipo de antigo caçador e isso vinha de gerações.Disse-lhe que Raquel estava pronta para abater o seu alvo, que no
caso seria Evans, pois ela não deixava suas vitimas para trás.
Seu pesadelo voltara depois de dez anos. O caçador Elias
falava que ele seria a isca e que aquela seria sua oportunidade de
caçar o monstro. Falou coisas horríveis do passado dela, que
dizimou uma tribo inteira na África usando o seu método deapaixonar as pessoas. Naquela noite, mais de cem homens
perderam o pênis e o sangue cobrira a terra africana.
– Como vou fazer para atraí-la, já que sou a isca?
– No momento certo você saberá. Só haja normalmente, siga a
sua rotina, pois desta vez eu pegarei a Raquel de jeito.
Uma semana se passou e a cada dia Evans ficava mais
nervoso. Sua mulher achava que ele estava voltando a ficcionar.– Caramba! – gritou, perdendo a paciência. – É verdade, essa
Raquel já esta aqui!
Sua mulher, sendo psicóloga e o imaginando louco, riu na sua
cara.
– Ótimo escritor você seria!
Passada a discussão, decidiram sair pra se divertir e fazer aspazes. Deixaram seu filho com a babá. Comeram e beberam vários
champanhes no restaurante lotado. Todos felizes, rindo,
aproveitando a vida... Quem poderia atacar um local repleto de
pessoas? Sua teoria caiu por água abaixo.
Gritos, pavor, barulho, confusão e luz apagada... Todos
haviam desaparecido quando a luz voltou.
Havia um ser parado à sua frente.
Era a dita cuja, o passado e o presente se misturaram. Era
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Raquel dentro de uma roupa de couro, preta e sexy. Ela era como
uma aranha que leva a sua vítima para as últimas consequências.
Não era mais loira: o cabelo estava preto e os olhos azuis. Mas,Elias esperava por ela e disse:
– Um psicopata para caçar outro psicopata...
Quando ela escutou a voz de Elias, ficou uma fera; os dentes
cresceram e suas unhas também.
Sua mulher participava de tudo. Lá pelas tantas, soltou:
– Ato ficcional, o caramba!Elias disse:
– Esperta, já garantiu seus lanchinhos e levou até o garçom de
gorjeta?
– A gente faz o que pode, Elias. – ironizou Raquel. – Mas só
vou ficar sossegada quando eu acabar com a vida deste que me
desonra... Deste sangue podre. E, por falar nisto, como vai a sua
diabetes?– Ainda não passou dos 400, mas tenho ainda muito tempo
para caçá-los e isto me garante, é como passe-livre entre vocês.
Afinal, vampiros que se prezem sabem que um sangue açucarado é
um veneno mortal.
Raquel sentiu um cheiro de prata e ficou agoniada. Elias
espalhou, naquele momento, muita poeira de prata e ela tossiamuito. Começaram a aparecer as fraquezas daquele monstro. Elias
retirou de sua sacola um tipo de chicote que era feito de rosas.
Raquel tinha tudo planejado para matar o filhinho de Evans;
aquela era a sua vingança. Ela fora até o apartamento, mas havia
sal grosso espalhado pela casa inteira, afugentando o monstro.
O ódio mortal de Raquel fez que seus olhos ficassem
vermelhos como fogo; atacou Elias voando, tentando feri-lo com
suas garras. Elias sacou o chicote de rosas e bateu nas costas de
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Raquel. O sangue espirrou pelo chão; ela estava muito ferida. As
rosas são fatais para qualquer vampiro, mais ainda os seus
espinhos.Aquele chicote de três metros laçara o seu corpo inteiro e ele a
arrastou até uma rua deserta, num beco sem saída.
– Isto não e o suficiente para eu morrer! – ela gritou.
Já estava quase amanhecendo. Quanto mais Raquel se mexia,
mais o enrosco a apertava e ela ficava mais machucada.
O sol começara a lançar seus primeiros raios, atingindo o rostode Raquel. Ela queimava devagar, como se fosse uma folha de
papel. Num instante, seu corpo incendiou-se por completo. Ela se
levantou e andou alguns passos antes de cair de joelhos e morrer
carbonizada. Suas últimas cinzas voaram pelo ar.
O caçador disse:
— Venha comigo, Evans! No meu mundo existem poucos
caçadores, venha. Para mim restam poucos anos de vida; eu teensinarei a caçar esses troféus.
Então passaram algumas semanas e Evans desapareceu,
largando a sua mulher e seu filho. Nunca mais alguém ouviu falar
dele, nenhuma pista.
Evandro e todos os outros que foram mortos por Raquel foram
vingados.Elias Ashmole e Evans estão atrás de um novo monstro: a
misteriosa ‚Admirável dos Vampiros‛, Jennifer.
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CRISTINA DE AZEVEDO...
...nasceu em Foz do Iguaçu, onde viveu até os dezoito anos de
idade. Autora do livro Nacqua – O Reino Escondido , participou daantologia Chão de Estrelas. Acadêmica correspondente da Academia
de Letras e Artes de Fortaleza ALAF e estudante de teologia.
Atualmente vive na cidade de São José dos Pinhais com o esposo.
Contato com a autora: janaina-crys@live.com
ANJO NEGRO
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ANJO NEGRO
O filme que estava passando na televisão não era dos
melhores, porém, não existe muito o que fazer em uma noite
chuvosa. Eu moro sozinha há quase um ano e em momentos assim
é que sinto solidão, mas não sou daquelas pessoas que alimentam
esse tipo de sentimento, prefiro encontrar alguma coisa que supra
essas necessidades.Peguei mais um punhado de pipoca e coloquei na boca,
mastigando sem pressa, enquanto o filme mostrava a cena em que
uma mulher tentava fugir de um perseguidor. Quando ela estava
quase conseguindo, é surpreendida por ele. Com uma lâmina
altamente afiada, a coitada tem sua cabeça decepada.
Sinceramente, esse tipo de filme não tem efeito algum sobre
mim; só não dormi ainda porque é muito cedo e o sono ainda não
veio. Não consigo entender como há pessoas que conseguem se
assustar com esse tipo de coisa? É tão obvio que é tudo falso, dá até
para ver que o sangue é de mentira. Em certo ponto do filme,
comecei a rir. Sei que eu deveria estar com medo, mas para mim é
tudo muito hilário, uma verdadeira comédia.
Depois de um tempo, o filme perdeu a graça e preferi trocar ocanal, a fim de assistir ao noticiário:
‚Dois rios transbordaram deixando mais de cem pessoas
desabrigadas e oito desaparecidas. Temos a confirmação de três mortes até
o presente momento...”
Estava chovendo muito e há horas, mas o que chamou minha
atenção na cena foi um dos rios transbordados. Reconheci o lugar,pois fica a poucos metros da minha casa. Um relâmpago cortou o
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céu, iluminando a sala através da janela; assustei-me com o trovão,
que foi o mais alto que escutei em minha vida. E pronto: tudo
apagou, acabou-se a luz. Argh...Senti um choque de medo dentro do meu coração e o único
barulho que eu escutava era da chuva cada vez mais forte. Fui até a
sacada e outro raio tomou o céu. Confesso que tive vontade de
correr para dentro, mas eu precisava ver o que estava acontecendo
lá fora. Afinal, sou a única moradora desse prédio; a parte inferior
é uma sala comercial que está alugada, no momento, para uma lojade artigos de bebê e, no segundo piso, há apenas um apartamento
que tive a sorte de conseguir alugar.
Apoiei os braços na proteção da sacada e me esforcei para ver
o que estava acontecendo lá em baixo. Minha primeira reação foi
de choque e, logo em seguida, de desespero. A água tinha tomado
conta de tudo e estava quase alcançando a minha sacada. Fiquei
pensando: como não ouvi nada antes? Lembrei que, apesar dachuva forte, o som da televisão estava alto demais. E, levando em
consideração o que a repórter havia falado, isso deveria ser coisa
de minutos; possivelmente deve ter acontecido rápido demais para
prever. Havia pessoas gritando por ajuda e, antes que eu pudesse
tentar sequer ajudar, afundaram nas águas revoltas.
Fiquei sem saber o que fazer. Voltei para dentro doapartamento pensando em uma maneira de escapar dali. Fui até a
escadaria para saber qual era a situação; estava tudo submerso e a
água continuava subindo rapidamente. Eu tinha que sair dali e, de
alguma maneira, entendi que tinha muito mais a perder do que
meus bens materiais: minha vida corria risco.
A única saída seria subir até o telhado. Mas como eu faria
isso? Voltei para a sacada novamente... Meu celular tocou.
Trim, trim, trim...
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— Alô! — Eu não tinha tempo a perder... A água estava
subindo e a correnteza estava forte; só atendi porque vou precisar
de ajuda.— Fernanda, é você?
— Sim, sou eu. Quem fala? — Tentei reconhecer a voz, mas
estava difícil.
— Sou eu, Miguel — A voz do meu irmão estava estranha,
logo percebi que tinha alguma coisa errada.
— Está tudo bem? — Perguntei cautelosa, o gelo que envolveumeu coração me dizia que tinha alguma coisa muito errada.
— Não, as coisas não estão nada bem. Pode vir aqui em casa
agora?
— O que está acontecendo? — Perguntei começando a me
preocupar com a possibilidade de não ter tempo de fugir da água
antes que fosse tarde demais.
— A enchente levou a casa dos nossos pais, eles estãodesaparecidos.
Gostaria de dizer que foi fácil assim de entender o que ele
disse. Mas, metade do que me falou tive que deduzir, pois ele
gaguejou, soluçou e fungou enquanto falava. Fiquei apreensiva,
nervosa e preocupada. Queria ir até ele, mas antes teria de achar
algum jeito de salvar a minha vida.— Meu Deus! — Respondi tanto para o que ele tinha falado
quanto para a enxurrada que passou por cima da proteção da
sacada, me molhando inteira. — Ahhhhh...
Soltei um grito quando um galho de árvore apareceu do nada,
atingindo meu braço e abrindo um corte horrendo.
— Fernanda? O que está acontecendo? Fernanda? Fala
comigo! — Miguel gritava. Assustada, apenas segurei o ferimento
com força.
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— Miguel, eu preciso desligar. Se não sair agora daqui, pode
ser que, em alguns instantes, eu seja mais um dos desaparecidos.
— Onde você está? — Sua voz era angustiada, mas eu nãopodia mais falar. Para completar, o celular começou a falhar.
— No meu apartamento! — Olhei para dentro e tudo estava
alagado. As coisas que trabalhei tanto para adquirir estavam
perdidas.
— Mas aí é tão alto... Não acredito que você esteja em perigo!
— Quisera eu que ali fosse alto o suficiente para estar a salvo,pensei.
— Miguel? — Meu coração estava pesado só em pensar em ter
perdido meus pais e, agora, eu tinha a sensação de que algo muito
ruim ia acontecer.
— O quê?
— Eu te amo! — Me lembrei de todas as vezes que deixei de
falar para meus pais e para meu irmão que os amava. Talvez fossetarde para dizer eu te amo para papai e para mamãe, mas eu não
podia deixar essa chance, que poderia ser a última, para declarar
meu amor por ele.
— Eu também te amo! Mantenha-se a salvo, vou até aí resgatá-
la.
Dizendo isso, ele desligou ou a ligação caiu, não sei direito.Comecei a procurar um meio de sair dali. Pela sacada era
impossível, isso eu já sabia. Voltei para dentro do apartamento
todo alagado e lembrei-me que, do lado da janela da cozinha, tem
uma grade. Se tivesse sorte, talvez conseguisse subir no teto através
dela. Meu braço estava atrapalhando, pois estava sangrando muito
e latejando de dor. Subi na janela cuidadosamente, coloquei um pé
e depois o outro, soltei um grito de dor quando tive que segurar o
peso do meu corpo com a ajuda do braço machucado. Respirei
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alguns segundos para tomar fôlego e continuar. Eu estava suspensa
no ar, segurando-me à grade. Se eu caísse dali poderia ser minha
morte; e eu não queria morrer.Escutei um grito de desespero em algum lugar. Procurei a
origem do grito e vi uma moça em um prédio à minha direita. Ela
estava pendurada, mas pouco pude ver, pois não estava em uma
posição favorável.
Minha grade rangeu, me deixando preocupada. Apressei-me
e, com muito esforço e dor, consegui subir no telhado. Logo depois,a grade se soltou, caindo dentro da água. Soltei um suspiro de
alívio, mas a tensão não diminuiu, pois os gritos da mulher não
paravam. Olhei para onde ela estava e vi que não estava sozinha.
Esfreguei os olhos para ver se estava enxergando direito e olhei de
novo, era um... Um anjo! Um anjo vestido de preto, cujas asas eram
negras e luminosas. Um anjo negro de pele bem clara. A segunda
coisa que chamou minha atenção foi sua aparência. Fiqueiespantada com sua beleza, pois, mesmo à distância, dava para ver
seus traços elegantes. Senti um arrepio percorrer por minha coluna.
Achei que ele estava ali para ajudar a moça; não imaginava
um anjo lindo como aquele fazendo outra coisa. Ele voou ao redor
dela... Achei que a içaria e cheguei a ter inveja, imaginando como
seria ser carregada por ele. Porém, sua próxima ação me deixouespantada, ou melhor, abalada: ele passou as mãos no ar como se
estivesse sentindo as vibrações que vinham dela, bateu as asas mais
algumas vezes e, logo após, plainou abaixo dela, segurou as duas
pernas da moça com força, puxou-a para baixo, fazendo com que
ela não suportasse o peso e se soltasse. De longe, vendo tudo, eu
estava muito horrorizada.
Ele guiou a queda dela sobre um galho que estava descendo
na correnteza... A cena que se seguiu parecia de um filme, ou,
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quem sabe, de um pesadelo. O corpo da mulher caiu de lado e o
galho trespassou-a, fazendo morrer seus últimos gritos de socorro.
O anjo agitou as mãos e a água engoliu tudo, sem deixar nenhumsinal do que tinha acontecido ali, além dele mesmo.
Só percebi que estava gritando e chorando quando o anjo se
virou e me encarou. Senti um gelo percorrer cada célula do meu
corpo. Dei um passo atrás instintivamente e quase caí por causa
disso. Seus olhos me mostraram o mundo, os meus sonhos... O que
ele queria que eu visse. Mostrou-me de uma maneira como se nadadaquilo tivesse importância; eu estava presa naquele olhar e,
conforme eu mergulhava na imensidão dos meus próprios desejos,
senti que estava me perdendo. Não percebi que ele estava
chegando perto, tão perto que podia me tocar. Sem tirar os olhos
dos meus, ele pousou a poucos metros de mim. O meu mundo foi
ruindo e eu já não tinha mais motivos para resistir. Ele deu um
sorriso e a imagem que vi, em sequência, era eu voando em seus braços, deixando meu passado para trás: tudo o que sou e tudo o
que um dia eu poderia ser. Ele segurou minha mão e levou até a
boca, em um beijo suave e frio. Senti suas asas se fechando sobre
mim. Nesse momento, eu suspirei e consegui ver-me livre daquele
olhar. Fechei os olhos e respirei fundo, retomando o controle sobre
mim.Não sei quanto tempo transcorreu até que eu notasse que
havia algo errado e nem sei quanto tempo descansei nos braços
dele. Escutei em minha mente uma voz tão doce e suave que me
embriagou com sua essência.
— Você não tem nada a temer. Muitos me conhecem como
Morte, mas não tenha medo... Eu cuidarei de você.
Aquelas palavras eram sedutoras e pegajosas, fazendo-me
querer estar nos braços da Morte. Assim que esse pensamento
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passou pela minha cabeça, uma ficha que estava presa em algum
lugar se deslocou e caiu. ‚Espera aí, onde mesmo que eu estou
indo descansar?‛ MORTE! MORTE! Quando o significado daquilo caiu em meu entendimento,
tudo ficou claro e percebi o que estava acontecendo. De alguma
maneira, nós dois estávamos dentro da água. Sendo carregada pela
correnteza, a primeira coisa que percebi era que ele estava me
pressionando para baixo, jogando seu corpo por cima do meu.
Como eu não percebi o que estava acontecendo antes?! Eu estavame afogando sem reclamar, sem nem mesmo lutar pela vida.
Comecei a me debater... Creio que o peguei de surpresa; ele
não estava esperando qualquer reação e acabou permitindo que eu
emergisse. Olhando-me nos olhos, percebi que o anjo queria me
acalmar. Se existe uma maneira de matar alguém com carinho, era
exatamente isso que estava acontecendo. Não me deixei prender
naquelas promessas mentirosas de descanso. Eu tinha uma vida enão iria abrir mão dela assim tão facilmente.
Comecei a lutar contra ele e fechei meus olhos para não cair
em seus encantos novamente. Chutei, conseguindo acertá-lo com
força, fazendo com que ele me soltasse. Vi o momento em que sua
fisionomia passou de assustada para confusa e de confusa para
furiosa. Dos seus olhos saiu um fogo negro que gelou minha alma.Tentei me afastar dele.
— Você acha mesmo que pode se livrar de mim assim? Eu
tentei ser bonzinho com você. Gostaria de saber por que todos
preferem a maneira mais difícil.
Ele agitou a mão e um pedaço de muro quebrado surgiu sei lá
de onde e veio em minha direção.
—Ahhhhh... — Gritei e, em um impulso pela sobrevivência,
mergulhei o mais fundo que pude, mas não a tempo de evitar que
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aquele muro batesse em mim. Fiquei atordoada de dor; um pedaço
de pedra rasgou minha pele, deixando-me ferida. Imediatamente,
comecei a afundar, pois meu corpo estava pesado. Lembrei-me daimagem da moça... Tentei enxergar se ele estava me puxando, mas
era impossível: a água turva impedia qualquer visualização.
Debati-me na água e minha mão acertou algo. Dei algumas pisadas
e ele me soltou.
Eu precisava de ar, precisava ir para a superfície. Nadei e,
quando tirei a cabeça para fora da água, a Morte pulou por cima demim. Não consegui pegar ar suficiente, me engasguei, pois engoli
muita água. Porém, ainda tive forças para dar uma cotovelada no
anjo.
— Aiiiiiiiii... Merda!
Ele me soltou novamente. Aproveitei para tomar fôlego e
nadar até uma árvore que estava perto. Porém, quando eu estava
quase chegando aos primeiros galhos, vi a sombra do anjo negrologo acima, só esperando que eu chegasse até ali. Desisti da árvore
e continuei a nadar, procurando um lugar que fosse seguro.
Ele voou acima de minha cabeça e soltou uma risada.
Sinceramente, não sei do que ele estava rindo: da minha luta
patética pela vida, da situação em si ou, simplesmente, se estava
rindo de mim.— Pensa que pode fugir de mim? Tenho esse dia marcado na
minha agenda antes mesmo de você nascer. Não existe saída; essa é
a última oportunidade que te dou para descansar nos meus braços,
sem sofrimento. Prometo que será como um beijo suave...
Ele estendeu a mão para mim novamente, como da primeira
vez. Mas, dessa vez, eu estava imune aos seus encantos. Eu queria
descansar sim, mas bem longe dos braços da morte.
— Não! Não! Vá embora! Eu quero viver... — Minha voz foi se
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perdendo e eu não conseguia pensar em mais nada para falar;
pensava somente em lutar. O fato de ele sentir dor abriu muitas
possibilidades de fuga.Havia água em todos os lugares; as casas estavam totalmente
submersas. O desespero começou a tomar conta de mim; sou uma
boa nadadora, sei disso, mas estava ficando esgotada.
— Pensa que vai aguentar isso por quanto tempo?— Sua voz
entrou pelos meus ouvidos. Tentei localizar onde ele estava e tive a
sensação de que brincava comigo. — Eu gosto de você... — Eleapareceu diante de mim novamente, lindo, perfeito e encantador.
— Nunca sou visto por ninguém... Fico pensando: por que você é
diferente? Talvez seja uma espécie de teste para mim... — Falou,
pensativo.
— Por favor, deixe-me ir. Não quero morrer, sou jovem ainda
— Me esforcei para falar; tomar fôlego já não era uma tarefa tão
fácil.— Nunca ouviu? Nem todas as pessoas vivem até a velhice e
você é uma delas. Olhe para todos os lados e só verá água; não tem
onde ficar e isso só vai piorar. Com a chuva forte, estourou uma
barragem a alguns quilômetros daqui e a água vai subir muito
mais.
Eu não podia acreditar, tinha que haver alguma saída. Eu nãopodia morrer assim. Não agora.
— Por que você não me deixou lá em cima, no telhado? Eu
estava segura lá, meu irmão viria me resgatar. — Começava a me
faltar o ar.
— Você não entende. Aquele prédio foi levado pela água. Se
não fosse por mim, seria muito mais dolorido.
— Você está mentindo! — Eu gritei e, logo depois, afundei
mais uma vez, engolindo muita água. Lutei até conseguir voltar à
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tona.
— Por que resiste? Venha para mim... Eu já disse que vou
cuidar de você. Vai ficar tudo bem, vai ver.Bem? Desde quando uma pessoa morta e enterrada vai ficar
bem? Ficar bem não tem essa definição para mim. Estava ficando
difícil de pensar com a correnteza me jogando de um lado para o
outro.
— Eu não quero morrer!
— Será que você não entende? Eu estou aqui para ajudá-la!Sem mim esse momento crucial seria extremamente traumatizante.
Sou eu quem conduz as almas para o seu descanso.
Tentei olhar para qualquer outro lugar, menos para seus olhos
ou seu corpo pairando a poucos metros de mim.
— Não! Eu não quero.
— Cansei desta conversa inútil. Estou aqui para concluir um
trabalho, quer você queira, quer não.Demorou alguns instantes para eu entender o que ele estava
fazendo. Com um dedo ele começou a fazer círculos no ar e, logo
após, surgiu um redemoinho puxando-me para o fundo. Raciocinei
rápido: sabia que se eu nadasse a favor do redemoinho, chegaria
um momento que eu sairia dele. Não sabia se teria força para mais
isso, mas não desistiria sem lutar.Nadei, nadei e continuei nadando até minhas forças acabarem,
mas não foi esse o maior problema. Com o cansaço eu poderia até
lutar, no entanto, com a câimbra que tomou minha perna direita,
isso era impossível. Tomei mais ar e comecei a afundar.
Nesse momento, o anjo apareceu em todo seu glamour e
encanto; tão lindo e perfeito acariciando minha face... Olhei em
seus olhos e ele me segurou, ajudando-me a emergir. Enfim, tomei
fôlego.
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— Confie em mim — ele disse, dando um sorriso torto.
Eu tossi para tirar a água dos meus pulmões, mas antes que eu
me recuperasse totalmente, fui tomada pela surpresa de seu beijo.Todo meu corpo começou a formigar; tudo estava tão gelado e tão
quente ao mesmo tempo. Em instantes me entreguei a ele, sentindo
o sangue correr mais rápido pelas minhas veias. Então senti a
pressão nos ouvidos; eu estava afundando novamente.
Suas mãos me seguravam contra ele, enquanto seus lábios
exigentes procuravam espaço em minha boca. Meus pulmõescomeçaram a arder em reclamação e minha consciência começou a
se perder em um abismo sem fim. Eu tinha a vaga lembrança de
que eu estava morrendo e, em uma última tentativa de lutar pela
vida, clamei de todo meu coração e de toda minha alma: ‚Deus , me
ajude, não me deixe morrer. Socorro‛. Assim que terminei de fazer
esse clamor, escutei um grito.
— NÃOOOOOOOOOOO!Eu emergi tossindo e o anjo se afastou de mim com uma
expressão demoníaca.
- Por que você fez isso?— Perguntou, antes de sumir e eu
desmaiar.
Acordar foi estranho; eu estava com minha garganta doendo,
tinha a sensação que tinha ingerido muita água.— Moça? — Abri os olhos para ver quem estava falando e me
deparei com uma mulher desconhecida. — Você está bem?
— Sim...— Olhei ao redor, tentando descobrir que lugar era
aquele. — Onde estou?
— Você está em um abrigo.
Agora eu estava notando como o lugar tinha muitas pessoas.
— Como eu cheguei até aqui?
— Te encontraram em cima de um galho, desacordada, foi um
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verdadeiro milagre você não ter morrido. Tiveram que reanimá-la,
mas logo depois você ficou inconsciente. Mais tarde o médico virá
vê-la.— E minha família?— Ela me olhou fraternalmente.
— Desculpe-me, mas não sei nem o seu nome... Não tenho
como saber de sua família.
— Eu que peço desculpas. Chamo-me Fernanda. Pouco antes
de sair do meu apartamento, recebi uma ligação do meu irmão
falando que meus pais estavam perdidos.— Lamento não poder informar nada sobre seus familiares.
Agora tenho que voltar aos meus afazeres, logo mais os bombeiros
chegarão e talvez haja alguma notícia.
Fiquei olhando ela se afastar, encostei a cabeça e fechei os
olhos para tentar dormir mais um pouco, quando percebi um
movimento perto de mim. Abri os olhos novamente e dei de cara
com o rosto do anjo a centímetros de mim. Preparei-me para gritar,mas antes de qualquer reação, ele disse:
— Não precisa ter medo, não vou demorar.
— O que quer de mim?
— Nada. Só quero lhe dizer algumas palavras... Nunca em
minha existência desejei tanto alguém como te desejei, mas você se
recusou, lutou e fugiu de mim. Pelo visto, tem gente lá em cimaque gosta de você e a tirou de mim. No entanto, tenho um recado
para você. Ainda hoje vai me querer; seu desejo será maior do eu
senti por você e não vou poder fazer nada.
Dizendo essas palavras, ele virou-se e foi se afastando. Nesse
momento, foi como se um véu se abrisse e vi que ele não estava
sozinho. Reconheci a mulher que caiu do prédio e as pessoas que vi
se afogarem, quando estava na minha sacada. Uma a uma foram
atrás dele. No entanto, o que mais me machucou e me feriu tão
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profundamente foi ver as três últimas pessoas que estavam
acenando para mim e logo depois viraram as costas, deixando-me
sozinha. Desse jeito fui obrigada a dizer adeus ao meu pai, minhamãe e meu irmão.
Meu universo se desmanchou e eu desejei nunca ter lutado
contra a morte. Quis morrer e pedi a morte, em meu lamento
desesperado. Eu não precisava que ninguém trouxesse a notícia,
tinha certeza, em meu íntimo, que tudo foi real. Chamei a morte,
pois não via mais motivo para viver e recebi um leve riso de volta.Não o vi, só escutei sua voz.
— Um dia nos encontraremos de novo, pena que nada será
como poderia ter sido.
A voz foi sumindo e o único som que eu escutava era do meu
próprio choro. As lágrimas escorriam pelo meu rosto conforme eu
ia pensando no futuro triste e vazio que teria, sem as pessoas que
mais amava. Suspirei desejando voltar no tempo e poder abraçar amorte, enquanto ele era tão doce e suave comigo, e poder me
perder em seus braços novamente.
Por um momento pensei ter conseguido. Quando me vi no
meio de toda aquela água, sorri ao vê-lo em minha frente, fechei
meus olhos e me entreguei em seu abraço gélido, adorando cada
sensação e pedindo mais. Mas, nessa hora, alguém entendeu umcobertor sobre mim, me trazendo de volta à realidade tão triste. De
repente, sabia que minha morte não será uma coisa muito
agradável de presenciar.
Posso não ter motivos para viver mas quando chegar o
momento, tenho certeza de que vou desejar nunca tê-la encontrado
novamente.
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DÉCIO GOMES...
...é pernambucano, nascido no fim da década de oitenta.
Amante da literatura de mistério e terror desde criança, é também
grande admirador da cultura geek, colecionador de games e discos.Suas maiores influências vêm de nomes como Edgar Allan Poe,
Márcia Kupstas, Marcelo Rubens Paiva e Arthur Conan Doyle.
Teve sua carreira literária iniciada em 2012 com o romance
Albertine, livro que lhe rendeu excelentes críticas e notas em
jornais, revistas e blogs sobre literatura. Desde então mantém seus
lançamentos periódicos, sejam romances ou contos.
Contato com o autor: dehcio@live.com
O COLECIONADORDE MÁSCARAS
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O COLECIONADOR DE MÁSCARAS
As cores típicas de outubro preenchiam as ruas, as sacadas
das casas e as vidraças das lojinhas, dando vida a decorações
alaranjadas, roxas e verdes que pendiam de todos os lugares que a
vista alcançava. Era uma sexta-feira de clima agridoce, regada à
véspera do evento mais esperado do ano pelo povo daquelapequenina cidade: o Halloween.
As ruas e calçadas estavam mais movimentadas que o
normal, graças ao fluxo que ia e vinha de todos os lugares com
moradores apressados, carregando suas compras – em grande
parte fantasias e sacos dos mais variados tipos de doces – em
grandes sacolas coloridas. Por todos os lados crianças corriam,
muitas já preparadas para a longa noite de travessuras ou
gostosuras, em suas inocentes figuras de vampiros, esqueletos e
zumbis. Os veículos que transitavam incessantemente pareciam
comportar motoristas apressados, ansiosos pela hora dos festejos
que se dariam poucas horas adiante.
Em um dos carros, porém, um motorista tranquilo e
despreocupado derramava seu olhar por cada detalhe da cidade,guiando lenta e cuidadosamente por entre as faixas tomadas por
pedestres animados e coloridos. Era um homem de meia idade,
com os cabelos mistos entre o preto e o grisalho, de aparência
jovial e rosto forte. Usava um casaco de lã marrom, de aparência
muito velha, que subia em uma longa gola até o fim de seu grosso
pescoço e roçava na barba parcialmente grisalha a cadamovimento realizado pelo homem.
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Depois de atravessar mais meia dúzia de semáforos o carro
do homem de casaco marrom parou rente a um prédio de paredes
brancas e descascadas, e aos movimentos de uma manobra rápidado motorista foi posicionado em um pequeno estacionamento de
quatro lugares, preenchidas apenas por ele mesmo e mais um
carro pequeno, vermelho e repleto de adesivos de times de futebol.
Sem demora ele abriu a porta e moveu as pernas, sentindo um
alívio reconfortante por finalmente poder ficar de pé, e curvando-
se para o banco de trás puxou uma pequena mala preta, detamanho suficiente para comportar apenas um par de roupas e
talvez um ou dois utensílios pessoais. Trancou as portas do
veículo e, após levar a mão esquerda a um dos bolsos e de lá
retirar um discreto maço de cigarros, levou um deles aos lábios e o
acendeu com um isqueiro prateado que repentinamente surgiu em
suas mãos, também vindo de um dos bolsos da calça. Tragou,
sentindo o prazer em forma gasosa deslizar em sua garganta, elogo em seguida pôs-se a caminhar de maneira lenta e
ligeiramente manca na direção da entrada do prédio.
Era uma pousada, uma pequenina pousada que
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