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UNIVERSIDADE GAMA FILHO
DIREITOS DA PERSONALIDADE
FRANCISCO JOSÉ DA SILVA
RIO DE JANEIRO
2003
1
UNIVERSIDADE GAMA FILHO
DIREITOS DA PERSONALIDADE
Monografia apresentada à Universidade Gama Filho como requisito parcial para conclusão dos Cursos de Pós-Graduação e Mestrado em Direito Público, Estado e Cidadania.
Francisco José da Silva
Orientador: Dr. Ricardo César Pereira Lira
Rio de Janeiro
2003
2
“Los derechos de la personalidad no pueden ser separados, escindidios, de la persona, de la que no son sino una prolongación necesaria; más exactamente, no son susceptibles de cambiar de titular. Son, pues, intransmisibles”.
Mazeaud & Mazeaud
3
SUMÁRIO
Página
I- INTRODUÇÃO............................................................................................................01
II. EVOLUÇÃO
HISTÓRICA..........................................................................................03
III.-NATUREZA
JURÍDICA............................................................................................12
IV–
TITULARIDADE.......................................................................................................15
V – OBJETO....................................................................................................................22
VI- CARACTERÍSTICAS................................................................................................26
1-Direitos inatos................................................................................................................26
2 – Direitos
Vitalícios........................................................................................................28
3 – Direitos absolutos........................................................................................................29
4- Direitos relativamente
indisponíveis..............................................................................29
4
5- Direitos extrapatrimoniais.............................................................................................31
6 – Direitos intransmissíveis.............................................................................................32
7- Direitos irrenunciáveis.................................................................................................33
VII – CLASSIFICAÇÃO..................................................................................................35
1 – Integridade física.........................................................................................................38
2- Integridade intelectual.............................................................................................43
3- Integridade moral........................................................................................................43
VIII – PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE.......................................49
IX – OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E O CÓDIGO CIVIL...............................57
X- CONCLUSÃO...........................................................................................................68
5
I - INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade fazer uma abordagem acerca dos
direitos da personalidade incluídos na Parte Geral, Título I, Capítulo II do atual Código
Civil Brasileiro, o qual na verdade não apresenta novidade em relação ao tema, uma vez
que o Anteprojeto de 1.963, de autoria de Orlando Gomes portanto, antes do advento da
atual Constituição , consagrou inúmeros desses direitos nos artigos 29 a 371,
estabelecendo regras para proteção aos direitos da personalidade. Já nos artigos 38 a 44, o
Anteprojeto dispunha acerca de normas sobre proteção ao nome como um direito à
identidade, integrante da tutela à integridade moral, sendo que tais disposições foram
mantidas na revisão de 1964, precisamente nos artigos 28 a 43.
1 Orlando Gomes, na exposição acerca da reforma do Código Civil, consigna: “Seria impossível a um Código hodierno, imbuído dessa filosofia, não emprestasse relevo aos direitos da personalidade, que os reconhecidos tradicionalmente, como o direito à vida, à liberdade e à honra, que os que surgiram como expressão de novas exigências da vida social. O direito ao trabalho, o direito à intimidade, o direito à própria imagem, o direito de constituir família constituem interesses que, dentre outros, reclamam tutela, não apenas em disposições de direito público, mas também em preceitos de direito privado, porque revelam aspectos inéditos na expansão da personalidade individual” GOMES, Orlando. A Reforma do Código Civil. – Salvador: Universidade da Bahia, 1965, p.39.
6
Os direitos da personalidade, quando protegem o ser humano, podem
também ser chamados de direitos do homem, direitos fundamentais ou direitos
personalíssimos, porque visam proteger o ser humano, não obstante estendam sua proteção
também às pessoas morais, contra atos do Estado e de particulares, preservando sua
integridade física, moral e intelectual. Como afirmava Pontes de Miranda2: “Direitos de
personalidade são todos os direitos necessários à realização da personalidade, à sua
inserção nas relações jurídicas.”
Não obstante a relevância do tema, porque o direito se justifica em razão
da existência humana, veremos que nos planos doutrinário e legislativo a matéria é de certa
forma recente, já que são do final do século XIX os textos que passaram a dispor mais
amiúde acerca dos direitos de proteção ao ser humano. Na doutrina, ver-se-á que o tema
ainda suscita inúmeras discussões acerca da natureza jurídica, classificações e extensão da
proteção dos direitos da personalidade.
No Brasil, o Código de 1916 não regulamentou a matéria devido ao
entendimento de grande parte da doutrina, no sentido de que tais direitos não poderiam ser
considerados como direitos subjetivos, posto que o titular seria também objeto dos mesmos
direitos, não podendo, portanto, ser positivados no texto do código3 .
2 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. P 39. 3 José Carlos Moreira Alves, no artigo “A parte geral do projeto do Código Civil”, publicado na revista nº 9 do Conselho da Justiça Federal, justifica a ausência dos direitos da personalidade no Código de 1916, ar argumento que na época em que o código foi elaborado ainda se discutia se havia direitos da personalidade, porque forte corrente doutrinária não admitia que o ser humano fosse titular do direito subjetivo e ao mesmo tempo objeto deste direito, disponível em http://www.cjf.gov.br. revista nº9/artigo1.htm
7
A occasio legis4 que levou o legislador a incluir os direitos da
personalidade no Direito Positivo foi sem dúvida alguma o advento da Constituição Federal
de 1988, que em seu art. 1º, incisos II e III, estabeleceu como princípios fundamentais da
sociedade brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e dispôs no artigo 5º,
Título II, que trata dos Direitos e garantias Fundamentais, vários direitos alusivos à
personalidade humana, criando, como afirma Gustavo Tepedino5 “uma cláusula geral de
tutela e promoção da pessoa humana”.
II – EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A preocupação para a proteção da integridade da pessoa humana é muito
antiga, embora não haja muitos textos legislativos sistematizados neste sentido, havendo,
contudo, textos fragmentados em legislações antigas protegendo direitos do homem6. O que
(22.07.2002).4 Sobre este tema discorreu o Professor Ricardo César Pereira Lira, em debate sobre o novo Código Civil na “EMERJ”, com o título: Alguns Aspectos do Direito das Obrigações no Novo Código Civil: “ Então, a occasio legis do Novo Código, que entrará em vigor em janeiro de 2003, resulta primeiro da necessidade de transladarmos para o patamar da legislação ordinária todas aquelas disposições que estiveram refletidas em matéria de propriedade, de família e até, de contrato, na Constituição de 1988, bem como a necessidade de reintroduzirmos no ordenamento institutos úteis como por exemplo o direito de superfície, ou de regularmos objetivamente situações que, embora admitidas, não estavam expressamente previstas, como de assunção de dívida.”5 Neste sentido: “Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.” TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p. 486 Neste sentido o antigo Código de Hamurabi, parágrafos 195/197 e 202.
8
na verdade não se encontra é um sistema de proteção generalizado da pessoa nos seus
atributos pessoais7.
O conceito de personalidade não é visto como objeto de preocupação
filosófica. Isto já acontecia no ciclo da civilização grega, desde o período arcaico,
acontecendo também desta forma nos tempos de democracia e vida na pólis. Contudo o
direito grego foi o que preliminarmente começou a proteger os direitos da personalidade
com a idéia de hybris, que significava excesso, injustiça, justificando a sanção punitiva8,
através das “dike kategorias”.
Os direitos da personalidade não foram tratados com minúcia no Direito
Romano, o qual não previa um termo específico para designar personalidade jurídica,
capacidade jurídica e capacidade de fato9. A preocupação que se percebe para a positivação
do direito em Roma não era o ser; ao contrário percebe-se a formação legislativa voltada
para o ter, para os direitos patrimoniais.
7 Diogo Leite de Campos, afirmava que somente eram tidas como pessoas individualizadas em sua subjetividade na sociedade antiga aquelas que ocupassem os primeiros papéis na sociedade, ou fossem os grandes heróis das guerras ou os vencedores dos jogos. CAMPOS, Diogo Leite de. Lições de Direitos da Personalidade. In Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXVII. Universidade de Coimbra, 1991, p. 134. Gustavo Tepedino afirma que os direitos da personalidade são de construção recente, fruto de elaborações doutrinárias germânica e francesa da Segunda metade do século XIX. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p. 24.8 Cf. Francisco Amaral, que afirma que a filosofia grega deu a maior contribuição para a teoria dos direitos da personalidade, com o surgimento do dualismo das fontes do direito, direito natural e direito positivo, o primeiro como ordem superior da natureza e o segundo por leis estabelecidas nas cidades, sendo o homem a origem e razão de ser da lei e do direito. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 2559 Cf. CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano. – Rio de Janeiro: Forense, 1996. pp. 82-89
9
Contudo, como o cidadão, máxime o cidadão romano que reunia os status
libertatis, statuts civitatis e status familiae, necessitava de proteção dos direitos
personalíssimos, valia-se então da “actio iniurarium”. Neste sentido, escreve Elimar
Szaniaawski:10
“Assim, entendemos ter razão Castan Robeñas ao negar a existência dos direitos da personalidade, sistematicamente considerados, tal como o são atualmente, entre os povos antigos, e em especial no Direito de Roma. É de idêntica opinião Pontes de Miranda, ao afirmar que o Direito Romano desconheceu o direito ao nome e ao pseudônimo, vislumbrando apenas na Lex Visifothourum, VII, § 6, a preocupação de punir criminalmente a mudança do nome”.
Com a ocorrência de alguns fatos que marcaram a história da
humanidade, v.g. o Cristianismo, a evolução natural das sociedades, nos âmbitos social,
econômico, tecnológico, político, levou os homens a se preocuparem em positivar regras
que protegessem a pessoa contra agressões externas, públicas ou privadas.
A idéia de que a proteção aos direitos do homem estava garantida pelo
direito natural, sem necessidade de positivá-la, foi perdendo adeptos como conseqüência
lógica da evolução das sociedades, que criaram economias de escala, estados liberais no
plano econômico, arbitrários e autoritários no plano social. Esta evolução influenciou a
formação do pensamento no sentido de que o homem precisava ser protegido das agressões
contra sua pessoa, com a conseqüente elaboração de uma sistema legal que disciplinasse o
reconhecimento e protegesse a integridade física, moral e intelectual da pessoa.
10 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da Personalidade na Antiga Roma. In Revista de Direito Civil, vol. 43. São Paulo. Revista dos tribunais. Janeiro/março de 1988. pp. 28-41.
10
Não se pode negar que o Cristianismo teve fundamental importância para
a difusão do pensamento acerca da necessidade de preservação da integridade do homem,
doutrinando desde seus primeiros momentos o indivíduo como valor absoluto, ressaltando
o sentimento de dignidade da pessoa humana, distinguindo-o da coletividade e atribuindo-
lhe o livre arbítrio11.
Como corolário de fatos históricos que influenciaram na positivação dos
direitos da personalidade, Francisco Amaral12 destaca o Renascimento e o Humanismo do
século XVI, e o Iluminismo nos séculos XVII e XVIII, que reconhecem o homem como
valor central dos sistemas jurídicos.
Como fontes importantes de regras para garantia dos direitos da
personalidade, podemos destacar: a edição da Carta Magna de 1215, na Inglaterra, que
reconheceu direitos próprios do homem; a Declaração da Independência das colônias
inglesas na América do Norte, de 1.776; a Declaração dos Direitos do Homem da
Revolução Francesa, de 1.789; a Declaração de Direitos, de 1.793; A Declaração Universal
dos Direitos do Homem de 1.948; a Convenção Européia dos Direitos Humanos, de 1.950;
A Convenção Européia dos Direitos Humanos, de 1.968; e a Carta dos Direitos
Fundamentais da União Européia, de 2.000.
A proteção ao homem prevista em tais declarações, pode-se afirmar, é
11 Cf. TOBENÃS, Juan Castan. Los Derechos del Hombre. Madrid : Reus, 1969, p. 41.12 AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 256.
11
conseqüência das arbitrariedades promovidas pelo poder constituído dos Estados, tendo
sido as referidas declarações occasio legis para Constituições dos países democráticos, que
assumiram, principalmente após as guerras mundiais, princípios de proteção da dignidade
humana como valor fundamental do sistema jurídico, garantindo ao homem valores
indispensáveis à sua sobrevivência. As Constituições alemã, portuguesa, italiana e
brasileira são exemplos de constituições que estabeleceram tal princípio como fundamento
na sistematização constitucional.
Embora haja previsão nos textos constitucionais, é possível observar que
nos textos de direito privado a proteção aos direitos da personalidade é mais lenta, como
por exemplo o Código Civil francês de 1.804 que, sem defini-los, tutelou-os
superficialmente. Os Códigos Civis português, (de 1.866) e italiano (de 1865) não os
contemplaram, embora aquele tenha definido direitos à existência, à liberdade, à
associação, à apropriação e à defesa, conforme artigos 359 a 367. O Código Civil alemão
de 1896, no artigo 12 reconheceu o direito ao nome, e no artigo 823 impôs obrigação de
reparação do atentado contra a pessoa. O Código Suíço de 1.907, nos artigos 29 e 30
protegeu o direito ao nome, fixou obrigação de indenização no atentado contra a pessoa,
caracterizando como irrenunciável o direito à liberdade, consoante o artigo 28. O Código
espanhol de 1.902 também determinou uma indenização em caso de ocorrência de danos à
pessoa. Atualmente, o Código Civil português regula os direitos da personalidade nos arts.
70 a 81, e o Código Civil italiano nos arts. 5º a 1013.
13 Cf. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p 32. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. I. Teoria geral do direito civil. – São
12
No Brasil, as constituições brasileiras14 sempre preceituaram sobre
garantias individuais, iniciando com a Constituição do Império, que no art. 179 descreveu
nos 35 incisos acerca de “Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros”, sendo que os
direitos da personalidade ali descritos, v.g. liberdade, inviolabilidade de domicílio, segredo
epistolar, etc. não abrangem os escravos e estrangeiros residentes no Brasil.
Na fase republicana, a Constituição de 1.891, no Título IV, Seção II,
“Declaração dos Direitos”, pela primeira vez estende os direitos e garantias individuais aos
estrangeiros residentes no Brasil, estabelecendo no art. 78 que o elenco dos direitos
consignados na Constituição é enunciativo. A Constituição de 1.934 apresentou algumas
novidades, tendo com a primeira delas a inclusão dos direitos de nacionalidade e políticos
aos direitos e garantias individuais no título das Declarações do Direito. A segunda,
constante no título da Ordem Econômica e Social, elenca o princípio da inviolabilidade do
direito de subsistência como fundamental, protegendo o sigilo de correspondência,
inviolabilidade de domicílio, direito à propriedade intelectual, e abrangendo marcas,
patentes e direito autoral.
A Constituição “polaca” de 1.937 limitou os direitos da personalidade, já
previstos nas Constituições anteriores, consagrando direitos e garantias individuais com
Paulo: Saraiva, 2002, p.118. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. pp. 256-257.14 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. – São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p.p 67- 80.
13
reserva, como se vê do art. 122, que preserva o direito à inviolabilidade de domicílio e de
correspondência, reservando as exceções previstas em lei. A aludida Constituição ampliou
as hipóteses em que se poderia aplicar a pena de morte, que não ficava restrita aos casos
previstos na legislação militar para épocas de guerra, mas em lei especial, sendo tal
disposição, sem dúvida alguma, o retrocesso na história dos direitos da personalidade.
Com o retorno ao estado democrático de direito em 1.946, foi
promulgada a nova Constituição, que voltou a resguardar os direitos da personalidade, cujo
Capítulo II do Título IV estabelecia os direitos e garantias fundamentais, preservando no
art. 141 a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, etc. Vale ressaltar que o art. 145
assegurava a todos o trabalho, possibilitando uma existência digna, estabelecendo que o
trabalho é obrigação social.
A Constituição de 1.967, promulgada no período da ditadura militar,
dispôs acerca dos direitos e garantias individuais no art. 150, preservando entre outros os
direitos à vida e à liberdade, inviolabilidade de correspondência, sigilo de comunicações
telegráficas e telefônicas, inviolabilidade de domicílio, etc. No período mais violento do
governo militar, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969,
que manteve a previsão aos direitos da personalidade em seu art. 153. Todavia, no artigo
seguinte limita o exercício desses direitos dispondo que: “O abuso de direito individual ou
político, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção, importará
a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo
14
Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem
prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa”.
A Carta de 1988 reinsere a democracia no Estado brasileiro e consagra
como princípio fundamental a dignidade humana, elencando uma série de direitos como
vida privada e intimidade, criando o que os americanos chamam de “privacy” e os
italianos de “riservatezza”, e também garantias não previstas anteriormente, como:
“habeas data”, mandado de injunção, etc. A Constituição Federal de 1988, reiterando
direitos e garantias já consagrados e prevendo novos direitos e garantias da personalidade,
estabeleceu, como afirma Gustavo Tepedino15 “uma cláusula geral de tutela e promoção da
pessoa humana”. Consigna Gilberto Haddad Jabur:16
“São direitos preenchidos de absoluta eficácia. Absoluta, como um plus à plena eficácia, porque intangíveis as regras constitucionais que as reveste. Porquanto contra elas nem mesmo há o poder de emendar. Daí conterem força paralisante total de qualquer legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las. Distinguem-se, portanto, das normas constitucionais de eficácia plena, que, apesar de incidirem imediatamente sem necessidade de legislação complementar posterior, são emendáveis.”
A proteção aos direitos da personalidade na legislação civil infra
constitucional brasileira também evoluiu mais lentamente. O Código Civil Brasileiro de
1.916 não tratou da matéria, embora em algumas passagens protegesse direitos
15 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p. 48.16 JABUR, Gilberto Haddad. Limitações ao direito à própria imagem no novo código civil. In DELGADO, Mário Luis e ALVES, Jones Figueirêdo. Questões convertidas no novo código civil. – São Paulo: Editora Método, 2003, p. 31
15
personalíssimos, como: o art. 666, X, que regulamentava o direito à imagem; o art. 671,
parágrafo único, que versava sobre o segredo de correspondência, e os arts. 649-651 e 658,
que dispunham sobre direitos do autor. A matéria foi também posteriormente tratada no
Anteprojeto de Orlando Gomes, em 1.963 e na Revisão de 1.964, além de ser inserida no
atual Código Civil, em seus arts. 11 a 21.
Como não era possível a ausência de regras de proteção aos direitos da
personalidade na legislação infraconstitucional, exigência que se impunha naturalmente em
decorrência das multifacetadas relações jurídicas, o legislador pátrio passou a restabelecer
regras em leis extravagantes, como por exemplo: o Decreto nº 24.559/34, que protege a
pessoa e seus bens dos psicopatas; a Lei nº 7.649/88, que dispõe sobre a cessão de
produtos biológicos, como sangue; o Estatuto da Criança e do Adolescente; a Lei nº
8.069/90, que regulamenta direitos fundamentais nos arts. 7 a 69; a Lei nº 9.434/97, que
regulamenta o transplante de órgãos; e a Lei nº 9.610/98, que estabelece regras para
proteção ao direito moral do autor.
No direito penal, o legislador pátrio tem sido mais cauteloso, tipificando
mais amiúde os fatos criminosos que atentam contra os direitos da personalidade, como se
vê no Código Penal de 1.940 e legislação esparsa, que pune agressões contra a vida, a
saúde, a liberdade sexual, a honra, etc.
16
III – NATUREZA JURÍDICA
Dentre os direitos subjetivos, que de acordo com Roberto de Ruggiero17:
“é um poder de agir segundo as normas do direito objetivo, que pertence à pessoa em
virtude dos ordenamentos jurídicos” dos quais o homem é titular. É possível distinguir
duas categorias: aqueles que são destacáveis da pessoa de seu titular (a propriedade, a
posse, o crédito, etc.) e aqueles que são inseparáveis por serem essenciais à pessoa
humana, por isso a ela vinculados vitaliciamente, não se podendo conceber nas
sociedades democráticas contemporâneas uma pessoa humana que não tenha direito à vida,
à liberdade física, moral ou intelectual, ao seu nome, etc.
A idéia de direitos subjetivos foi construída sob a ótica dos direitos
patrimoniais, nos bens destacáveis da pessoa humana, cujo objeto do direito são os bens
patrimoniais, tendo como titular desses direitos a pessoa física ou moral. A construção
doutrinária dos direitos da personalidade não encontrou consenso entre os doutrinadores em
decorrência da visão sedimentada de que o objeto do direito deveriam ser os bens e não o
próprio homem, que seria o titular e o objeto do direito concomitantemente. Este dissenso
doutrinário foi, como afirma José Carlos Moreira Alves18, responsável pela omissão da
proteção aos direitos da personalidade no Código de 1.916.
17 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil – Campinas : Bookseller, 1999 p.263.18 MOREIRA ALVES, José Carlos .“A parte geral do projeto do Código Civil” Revista nº 9 do Conselho da Justiça Federal, disponível em http://www.cjf.gov.br. revista n9/artigo1.htm (22.07.2002)
17
O dissenso doutrinário acerca da natureza jurídica dos direitos da
personalidade deu azo à criação de duas correntes antagônicas. A corrente que rejeitava
tais direitos como subjetivos entendia que havia contradição evidente ao estabelecer na
mesma pessoa titularidade e objeto do direito, o que poderia levar o titular a dispor da
própria integridade física, suicidando-se ou mutilando o próprio corpo, sem que nada
pudesse ser feito para impedir tal conduta. Nesta corrente, aliam-se Roubier, Unger, Dabin,
Savigny, Thon, Von Thur, Ennecerus, Zitelmann, Crome, Iellinek, Ravà, Simoncelli,
Oerteman, Cabral de Moncada e Orgaz. Por outro lado, defendiam a concepção dos direitos
da personalidade como direitos subjetivos: Adriano de Cupis, Tobenãs, Raymond Lindon,
Ravanas, Perlingieri, Limongi França, Milton Fernandes, Orlando Gomes, Ferrara, Venzi
Mazzoni, Coviello, Planiol, Messineo, Guido Alpa, Capelo de Souza, entre inúmeros
outros.19
A tese prevalecente, como afirma Carlos Alberto Bittar20, é a da corrente
positiva, ou seja, a que afirma serem os direitos da personalidade direitos subjetivos que
têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, em seus aspectos físico, moral e
intelectual, que são a vida humana, o corpo humano na sua integridade e nas suas partes
quando separadas, a honra, liberdade, recato, imagem, nome, liberdade de pensamento,
19 Sobre as correntes doutrinária e seus defensores cf.: BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. pp 4-5. FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. pp. 134-136. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. – Rio de Janeiro: Forense: 1986. pp. 129-130. OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de. Teoria Geral do Direito Civil. vol. 2. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, pp. 176-179. RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil – Campinas : Bookseller, 1999 p.442. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p. 25.20 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p.5.
18
direitos do autor e do inventor.
Como já consignado alhures, é antiga a preocupação da pessoa humana
contra as agressões do poder público, embora não haja muitos textos legislativos neste
sentido. Sob este prisma, os direitos da personalidade se situam no direito público, pois o
que se almeja é defendê-los contra a arbitrariedade do Estado.
Contudo, não é apenas contra o Estado que se pretende proteger os
direitos personalíssimos. Há necessidade também de estabelecer regras para proteção de
tais direitos no campo do direito privado, encarando-se as relações entre as pessoas físicas
ou jurídicas de direito privado, a fim de evitar que o particular utilize indevidamente a
imagem, a voz, um bem de produção intelectual de outrem, viole sua vida privada ou não
reconheça relação jurídica prevista em lei.
Portanto, pode-se afirmar que os direitos da personalidade são direitos
subjetivos que estão situados no âmbito do direito público quando há conflito de interesses
com o Estado, v.g., agressão ao estado civil político, e no âmbito do direito privado
quando o conflito de interesses é entre particulares, v.g., ação de investigação de
paternidade c/c alimentos e acréscimo do patronímico familiar paterno, etc.21
21 Neste sentido, Carlos Alberto Bittar afirma que no âmbito do direito privado são denominados liberdades públicas e, no âmbito do direito privado, são denominados direitos da personalidade. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p 3, e ainda: FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p 134. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol. I, parte geral – São Paulo: Saraiva, 2002, p.62.
19
IV- TITULARIDADE
Titulares dos direitos da personalidade são todos os seres humanos no
ciclo vital de sua existência, isto é, desde a concepção, como decorrência da garantia
constitucional do direito à vida22. No estudo da abrangência dos direitos da personalidade, é
preciso distingui-los da personalidade como capacidade genérica do homem de poder
adquirir direitos e contrair obrigações23, uma vez que, de acordo com a legislação civil, a
personalidade somente é adquirida com o nascimento com vida, enquanto os direitos da
personalidade irradiam efeitos ainda antes do nascimento. Neste sentido, observa-se que o
atual artigo 2º do Código Civil e o artigo 4º do código revogado estabelecem que os
direitos do nascituro estão preservados desde a concepção24.
Desta forma, quando a lei penal pune a gestante ou o terceiro que pratica
aborto, está na verdade protegendo os direitos da personalidade do nascituro, alusivos à sua
22 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 253. OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de. Teoria Geral do Direito Civil. vol. 2. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 180. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p 13.23 Neste sentido é a lição de San Tiago Dantas: “Quando penso nos direitos da personalidade, estou pensando na vida, na honra, na liberdade, na integridade corpórea, coisas que não são todas elas adaptáveis à simples capacidade de Ter direitos e obrigações. Quer dizer que a palavra personalidade pode ser tomada em duas acepções: numa acepção puramente técnico-jurídica ela é a capacidade de Ter direitos e obrigações e é, como muito bem diz Unger, o pressuposto de todos os direitos subjetivos; e numa outra acepção, que podemos chamar acepção natural, ela é o conjunto dos atributos humanos. Aquele pressuposto pode perfeitamente ser objeto de relações jurídicas.” DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. – Rio de Janeiro: Forense. 2001, p. 152.24 Neste sentido cf. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. – Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p. 111
20
integridade física ou psíquica25, e não direitos da própria gestante. Assim é a orientação de
Pontes de Miranda26:
“Direito absoluto de integridade não é só de integridade física, também o é o de integridade psíquica. Tal direito se resguarda ao nascituro, desde a concepção, inclusive mediante os atos tendentes a se evitar que alguém, ou a própria mãe, ingira substância que possa perturbar ou sacrificar o desenvolvimento psíquico do nascituro. O direito de integridade psíquica é inato, no sentido de direito que nasce antes do nascimento da pessoa”.
A personalidade humana extingue-se com a morte e, de acordo com os
arts. 6º e 7º do atual Código Civil Brasileiro, também pode ser extinta com a ausência ou
morte presumida. Pode-se afirmar, não obstante, que os direitos da personalidade irradiam
efeitos “post-mortem”, como ocorre nos casos do direito ao corpo, à imagem, ao direito
moral do autor e no direito à honra, cabendo aos herdeiros a sua defesa contra terceiros27.
O fato de os direitos da personalidade ultrapassarem o ciclo da vida
humana comporta discussão doutrinária, por entenderem alguns autores que, ocorrendo a
morte, encerram-se os direitos da personalidade no falecido, e que as agressões “post-
25 Arnaldo Rizzardo anota: “ O direito à vida não permite o aborto, pois dando-se a concepção, há uma nova vida, surge um indivíduo novo.” RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. – Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 145. No mesmo sentido escreve Roberto Rosas: “O Direito da Personalidade vai surgir em decorrência de um princípio constitucional do respeito à vida, a partir da concepção, protegendo, assim, o nascituro. Em conseqüência, derivam-se outros aspectos do Direito da Personalidade, como o direito ao nome, à imagem e à intimidade, proteções que a Constituição explicitamente traz e resguarda.” In “Direito Civil e Constituição. Relação do Projeto com a Constituição” . publicado na revista nº 9 do Conselho da Justiça Federal, disponível em http://www.cjf.gov.br. revista n9/artigo1.htm (22.07.2002). Esta é também a posição de GAGLIANO Stolze Pablo e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2002. p. 149. 26 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial, tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. p. 54. Que também defende a aplicação dos direitos da personalidade ao nascituro no caso de crime contra a honra, pp. 72-73.27 Neste sentido cf. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. – Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p. 111.
21
mortem” são consideradas contra os sucessores do morto, que agem em nome próprio,
como se as lesões fossem diretamente a seus direitos. Neste sentido é a posição de Pontes
de Miranda28: “Com a morte, cessam os direitos, inclusive os direitos da personalidade.
Morto não tem direitos, nem deveres”.
É certo dizer que, com a morte, desaparece a personalidade; contudo, é
plausível conceber a idéia de que os direitos da personalidade extinta podem irradiar efeitos
mesmo após a morte do titular. Assim, como o titular já faleceu, podem seus parentes
ajuizarem ações visando impedir a lesão, fazê-la cessar e ainda pleitear indenização que
seria devida ao ofendido. Tal hipótese foi prevista pelo legislador português, que no artigo
71 do Código Civil estabeleceu: “Os direitos da personalidade gozam igualmente de
proteção depois da morte do respectivo titular”29. Em seguida, dispôs quais os parentes que
podem tomar as providências cabíveis para evitar a consumação do dano, da ameaça, ou
atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
No Brasil, o art. 12 e seu parágrafo único, do Código Civil, induz ao
entendimento de que há irradiação dos direitos da personalidade após a morte, podendo a
defesa ser manejada pelo cônjuge ou parentes integrantes da sucessão hereditária30. A
propósito é a lição de Fábio Ulhoa Coelho31:
28 Ob. cit. p. 70. O mesmo autor, às fls. 89, com citação de doutrina alienígena fundamenta sua posição no sentido de que as lesões após a morte ofendem a direito dos parentes próximos.29 Neste sentido: FERNANDES, Luis A. Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil – Introdução pressupostos da relação jurídica. – Lisboa: Universidade Católica Editora, 2001, vol. Ip. 219.30 Cf. LOTUFO, Renan. Código civil comentado : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 12-1331 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol. 1. – São Paulo: Saraiva. 2003, p.217.
22
“Desse modo, a expressão “direitos do falecido” só pode ser uma referência à proteção post mortem de determinados interesses extrapatrimoniais que a pessoa tinha enquanto viva. São alguns dos direitos da personalidade cujos efeitos se projetam para além da morte do titular. Quando alguém ofende, por exemplo, a honra de uma falecido, pode ser responsabilizado. Titular do direito ofendido, nesse caso, só pode ser a pessoa morta, não porque esteja em condições de adquirir direitos (que, realmente, não está) mas porque, enquanto era vivo, tinha o interesse correspondente juridicamente protegido como tal.”
Na doutrina brasileira vários outros autores se posicionam no sentido de
que os direitos da personalidade sobrevivem em alguns casos ao seu titular, entre os quais:
Orlando Gomes32, J.M. Leoni de Oliveira33, Arnaldo Rizzardo34, César Fiúza35, Francisco
Amaral36, Carlos Alberto Bittar37, Maria Helena Diniz38, Gustavo Tepedino39, Fábio Maria
de Mattia40, etc. Tais doutrinadores demonstram a tendência de que o artigo 12 do Código
Civil reconhece eficácia de alguns dos direitos da personalidade após a morte de seu
titular, legitimando seu cônjuge ou parentes sucessíveis para ajuizarem ação processual
capaz de impedir o dano, cessá-lo ou minorá-lo.
32 Cf. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. – Rio de Janeiro: Forense: 1986. pp. 132-133.33 Cf. OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de. Teoria Geral do Direito Civil. vol. 2. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, pp. 180-181.34 Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. – Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 148-149.35 Cf. FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p 134.36 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. pp. 253-254.37 O autor, na sua obra monográfica sobre o tema em algumas passagens, fls. 82, 88 e 95, demonstra que os direitos da personalidade irradiam efeitos após a morte do titular, embora à fl. 95 afirme que os herdeiros devem agir processualmente, defendendo direito próprio. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. 38 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. I. Teoria geral do direito civil. – São Paulo: Saraiva, 2002, p.121.39 O autor, além de manifestar sua opinião, colaciona nota de Diogo Leite Campos, com a mesma orientação em análise ao Código Civil Português. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p. 34.40 Cf. MATTIA, Fábio Maria de. Direitos da personalidade: aspectos gerais. Revista de Direito Civil. vol. 3. Ano 2, Janeiro/Março. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, pp. 34-51.
23
Ainda que a teoria dos direitos da personalidade tenha sido construída a
partir da concepção antropocêntrica do direito, tendo a pessoa humana como seu
fundamento, também se admite serem as pessoas morais titulares desses mesmos direitos,
particularmente no caso do direito ao nome, à marca, aos símbolos e à honra objetiva, ao
crédito, ao sigilo de correspondência e à particularidade de organização, de funcionamento.
O artigo 52 do Código Civil determina a aplicação dos direitos da
personalidade à pessoa jurídica no que for compatível, concluindo-se, por conseguinte, que
não se aplicam as regras de proteção à integridade física ou intelectual, por serem
incompatíveis com a pessoa moral. O Superior Tribunal de Justiça, antes da vigência do
atual código, já tinha sumulado sob o nº 227 que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral,
ou seja, extrapatrimonial41, decorrente de lesão a direito imaterial, aderindo ao
entendimento posteriormente consagrado pelo código.
A questão também não é uníssona na doutrina42, havendo autores que
entendem que os direitos da personalidade são exclusivos da pessoa física, e que a extensão
desses direitos à pessoa jurídica pode enfraquecer seu valor, posto que visam proteger a
41 Clóvis V. do Couto e Silva demonstra que o dano moral está intimamente ligado aos direitos da personalidade. SILVA, Clóvis V. do Couto. O conceito de dano no direito brasileiro e comparado. São Paulo. Revista do Tribunais, vol. 667, pp. 07-16.42 Danilo Doneda afirma: “A extensão dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas é assunto controverso. Embora em um aceno à formação histórico-dogmática desta categoria seja virtualmente impossível vislumbrar referências à pessoa, não é menos verdade que esta operação vem sendo feita, muitas vezes ao arrepio de algumas considerações metodológicas necessárias. DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no novo Código Civil. In TEPEDINO, Gustavo, coordenador. A parte geral do novo Código Civil – Estudos na perspectiva civil-constitucional. – Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 53.
24
dignidade da pessoa humana. Gustavo Tepedino43 afirma que quando as lesões não atingem
as pessoas dos sócios, a repercussão é exclusiva em suas atividades econômicas. Segundo
Renan Lotufo44, é preciso respeitar a conquista da humanidade em torno dos direitos
humanos, devendo os direitos da pessoa jurídica serem tutelados como direitos próprios e
não como direitos da personalidade, por serem inerentes ao homem. Assim, também
propõem Antônio Carlos Amaral Leão45 e Cesár Fiuza46.
Por outro lado, há autorizados entendimentos que admitem a incidência
dos direitos da personalidade, abrangendo as pessoas jurídicas, v.g. a dissertação de
Mestrado de Alexandre Ferreira de Assumpção Alves47, que após minudente análise da
matéria conclui pela possibilidade de sua aplicação. Ainda no mesmo diapasão: Pontes de
Miranda48, Francisco Amaral49, Arnaldo Rizzardo50, J.M. Leoni Lopes de Oliveira51 (este
ressalta a decisão do Superior Tribunal de Justiça, publicada na RT 747/221, declarando
expressamente que os direitos da personalidade alcançam a pessoa jurídica), Fábio Ulhoa
Coelho52 e outros. 43 Cf. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. pp. 49-53.44 Cf. LOTUFO, Renan. Código civil comentado : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 148-154.45 O autor chega a consignar que somente pessoas físicas podem sofrer danos morais. Pessoas jurídicas somente poderão sofrer danos com reflexos patrimoniais. LEÃO, Antônio Carlos Amaral. Considerações em torno do dano moral e a pessoa jurídica. São Paulo. Revista do Tribunais, vol. 689 07-13, pp. 07-16.46 Cf. FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. pp. 143-144.47Cf. ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A pessoa jurídica e os direitos da personalidade. – Rio de Janeiro: Renovar, 1988.48 Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. pp. 72, 111, 154-155. 49 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 254.50 Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. – Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 164-165.51 Cf. OLIVEIRA, J.M. Leoni Lopes de. Teoria Geral do Direito Civil. vol. 2. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, pp. pp. 253-254.52 O autor afirma: “A proteção dos direitos da personalidade aplica-se, no que couber, à pessoa jurídica. Tal como as pessoas naturais, ou associações, fundações, associações e sociedades têm direitos de impedir
25
Não obstante a controvérsia doutrinária existente, é possível reconhecer
que as pessoas jurídicas são suscetíveis de titularidade de direitos da personalidade que não
sejam inerentes à pessoa humana, tais como o direito à vida, à integridade física e ao seu
corpo, até porque a Constituição Federal de 1988, ao elevar a pessoa humana como valor
máximo do ordenamento jurídico brasileiro, não deixa dúvida acerca de sua preferência em
preservar a pessoa humana contra qualquer agressão externa. Esses direitos consagrados na
Carta da República precisam ser preservados, e respeitados por todos, impedindo que
percam importância ao serem estendidos às pessoas morais. Contudo, também é possível
proteger as pessoas jurídicas que são criadas para desempenhar função da pessoa humana,
sempre que sofrerem agressões a direitos peculiares da personalidade, como: nome,
identidade (sinais distintivos), inviolabilidade da sede e segredo de correspondência, etc.,
sem que isso acarrete necessariamente dano material.
V - OBJETO
O objeto dos direitos da personalidade53 é a tutela à integridade física, moral e
intelectual da pessoa humana, aplicando-se no que for compatível à pessoa jurídica. Alguns
autores apresentam divisão diferente para classificar o objeto dos direitos personalíssimos,
agravos ao seu nome, privacidade, imagem e honra, bem como de serem indenizadas pelos prejuízos materiais e morais.” COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol. 1. – São Paulo: Saraiva. 2003, p.261.53 Vale ressaltar, como consignado alhures, que parte da doutrina rejeitava a concepção dos direitos da personalidade na categoria dos direitos subjetivos, justamente porque confundem na mesma pessoa titular e objeto do direito.
26
que não alteram substancialmente esta classificação54.
Portanto, o objeto dos direitos da personalidade protegidos pela lei ou
jurisprudência é o direito de defender a integridade física, que engloba a vida, os alimentos,
o próprio corpo (vivo ou morto), o corpo alheio (vivo ou morto), as partes separadas do
corpo (vivo ou morto), a integridade intelectual, formada pela liberdade de pensamento,
autoria científica, artística, literária, a integridade moral, consubstanciada na honra, na
honorificiência, no recato, nos segredos pessoal, doméstico e profissional, na imagem e nas
identidades pessoal e familiar.
Como se viu, na proteção à integridade física, inclui-se a vida, não obstante
alguns autores destacarem o direito à vida como direito à tutela específica55. Protege-se,
assim, a incolumidade corpórea da pessoa com a maior abrangência possível, de modo a
impedir ou punir qualquer agressão que acarrete à pessoa dano em qualquer função
biológica, como por exemplo a voz, tendo como valor supremo a própria vida, que é o
bem maior protegido pelo ordenamento jurídico, sendo certo que esta tutela também se
estende após a morte da pessoa, como já consignado, a fim de proteger o cadáver ou as 54 Carlos Alberto Bittar, compartilhando entendimento de Rubens Limongi França, entende que o objeto dos direitos da personalidade classifica-se em direitos físicos, direitos psíquicos e direitos morais. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 64, também é a posição de GAGLIANO Stolze Pablo e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2002. p. 157. Pontes de Miranda dividia na seguinte ordem de preferência: direito à vida, direito à integridade psíquica e direito à integridade física . Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. p. 55.55 Neste sentido, entre outros: GAGLIANO Stolze Pablo e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2002. pp. 157-172. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. p. 55.
27
partes separadas de seu corpo falecido.
Na tutela da integridade intelectual, que para alguns autores é considerada
integridade psíquica, o objeto é a proteção ao pensamento da pessoa humana e à liberdade
de criação do autor, capaz de vinculá-lo à obra que produziu com sua habilidade pessoal.
Apresenta no campo patrimonial duplo aspecto, já que, analisado como manifestação
humana, tal direito não pode ser alienado, pois não é possível alienar o pensamento nem o
poder de criatividade do autor. Por outro lado, produzida a obra, tem seu autor o direito de
usufruir amplamente e até alienar o resultado de sua atividade pessoal, sem ofensa ao
preceito legal que dispõe acerca da inalienabilidade dos direitos personalíssimos.
Na proteção à integridade moral, o Direito tutela a honra, valor moral que a
pessoa usufrui na comunidade em que reside a liberdade, que somente pode ser suspensa se
a pessoa demonstrar despreparo para viver em sociedade, ofendendo bens tutelados pela lei
penal e, raras exceções, em outros ramos do direito, v.g. prisão por dívida de alimentos;
imagem, que se divide em imagem-retrato, que espelha a efígie da pessoa retratada, e em
imagem-atributo, que espelha a maneira de ser da pessoa em razão do conjunto de
características associadas que determinam a maneira da pessoa ser; nome, que não pode ser
utilizado por outrem em prejuízo ao titular e, ainda, recato, segredo, intimidade, vida
privada, que têm por objeto resguardar a pessoa em suas atividades pessoal e familiar.
Importante ainda verificar neste tópico se há um único direito na proteção da
28
personalidade, ou se existem múltiplos direitos a proteger cada integridade do titular dos
direitos da personalidade. Também neste passo a doutrina não é unânime, havendo autores
como San Tiago Dantas56 e Orlando Gomes57, que defendem a existência de vários direitos
a proteger a personalidade.
Outros autores defendem haver apenas um direito geral da personalidade, o qual
teria surgido na Alemanha por ocasião do fim da Segunda guerra, em conseqüência do
holocausto58, com o objetivo de proteger a pessoa em seus atributos pessoais e direitos
especiais que correspondem à proteção aos aspectos parciais da personalidade. É o que
sustentam Francisco Amaral59, Eroulths Cortiano Junior60 e Gustavo Tepedino61, sendo que
este último, em excelente trabalho, critica as teorias doutrinárias tradicionais pluralista e
monista, procurando tipificar os direitos da personalidade como direitos patrimoniais,
consignando que a Constituição de 1988 estabeleceu a pessoa humana como centro do
ordenamento jurídico, configurando uma “cláusula geral de tutela e promoção da pessoa
humana”. Tal conclusão, porém, se aproxima da teoria monista, com tipificação nos
aspectos parciais da personalidade.
56 DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. – Rio de Janeiro: Forense. 2001, p. 156.57 Orlando Gomes afirma: “A teoria dos direitos de personalidade somente se liberta de incertezas e imprecisões se a sua construção se apóia no Direito Positivo e reconhece o pluralismo desses direitos ante a diversidade dos bens jurídicos em que recaem, tanto mais quanto são reconhecidos heterogêneos.” GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. – Rio de Janeiro: Forense: 1986. P.132.58 Cf. Cf. LOTUFO, Renan. Código civil comentado : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2003. P. 56.59 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 253.60 JUNIOR, Eroulths Cortiano. Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade. IN FACHIN, Luiz Edson(coordenação). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. – Rio de Janeiro: Renovar, 1998. pp.31-56. 61 Cf. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. pp. 42-49.
29
O legislador brasileiro optou pela tese monista, optando por não especificar todos
os direitos da personalidade62, considerando, como afirma Gustavo Tepedino, a pessoa
como centro do ordenamento jurídico. Logo trata-se de um direito geral da personalidade,
que pode ter vários desdobramentos na medida em que a sociedade avance e se faça
necessária a proteção a determinados aspectos da personalidade63, ficando para leis
esparsas outras proteções não positivadas no atual Código Civil.
VI - CARACTERÍSTICAS
Como já se viu no decorrer do presente trabalho, não há unanimidade doutrinária
acerca dos direitos da personalidade, em face da relevância do tema e da recente
positivação nos ordenamentos jurídicos. Contudo, ainda que não haja unanimidade, há
características que são consagradas em maioria doutrinária, como sendo direitos inatos,
vitalícios, absolutos, relativamente indisponíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis e
intransmissíveis, características estas ampliadas em relação à regra prevista no art. 11 do
Código Civil. Há outras características também citadas por alguns doutrinadores, tais
como direitos essenciais, preeminentes, impenhoráveis, necessários, inexpropriáveis,
inestimáveis, não sujeitos à desapropriação e ilimitados.
62 Neste sentido: “Tratando-se de matéria de per si complexa e de significação ética essencial, foi preferido o enunciado de poucas normas dotadas de rigor e clareza, cujos objetivos permitirão os naturais desenvolvimentos da doutrina e da jurisprudência.” REALE, Miguel O projeto do novo código civil. – São Paulo: Saraiva, 1999, p. 65.63 No mesmo sentido é a posição adotada por César Fiúza, in Direito civil: curso completo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. P. 139.
30
1 – Direitos Inatos
Esta classificação é importante na discussão entre jusnaturalistas e positivistas.
Os primeiros argumentam que os direitos da personalidade são inatos e inerentes ao
homem, antecedendo ao direito positivado, que apenas deve reconhecê-los. Os positivistas
defendem justamente o contrário, ou seja, afirmam que os direitos da personalidade são
liberdades inerentes às pessoas e que somente recebem status de direitos quando
positivados nas legislações.
Os direitos da personalidade são considerados inatos porque, regra geral, nascem
com a pessoa, pela sua essencialidade à existência humana, havendo alguns que irradiam
efeitos antes mesmo do nascimento, como, por exemplo, a vida do nascituro, protegida
pelo direito pátrio, que não permite a prática do aborto.
A regra pode ser excepcionada64, visto que alguns direitos protegidos como
sendo direitos da personalidade podem ser adquiridos no decorrer da vida humana, sendo
este o caso dos direitos morais do autor, que somente podem se materializar com o
nascimento da pessoa e às quando esta já se encontra com muitos anos de vida65.
64 Caio Mário da Silva Pereira, neste aspecto caracteriza os direitos da personalidade em direitos inatos e adquiridos, aqueles sobrepostos a qualquer condição legislativa, estes como decorrência do status individual, existentes nos termos e na extensão previstos no ordenamento jurídico. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. I. – Rio de Janeiro. Forense. 2004. p. 242. 65 Neste sentido: SILVA, Edson Ferreira da. Os direitos da personalidade são inatos? Revista dos Tribunais. Vol. 694, p.p. 21/34.
31
Outro direito da personalidade que somente se adquire após o nascimento com
vida, em muitos casos na idade adulta, é o direito ao pseudônimo, previsto no art. 19 do
Código Civil, e que não surge com o nascimento66.
2 – Direitos vitalícios
Os direitos da personalidade são gerais, uma vez que são titularizados por todas
as pessoas, sem nenhuma condição para reconhecimento, sendo protegidos durante toda a
existência da pessoa humana, irradiando efeitos para o nascituro e após a morte, como se
vê nos arts. 2º e 12 (parágrafo único) do Código Civil brasileiro que, neste aspecto, segue
orientação do art. 71 do Código Civil Português.
Nesta característica, é importante ressaltar a questão da imprescritibilidade, a
qual deve ser analisada sob dois aspectos. No primeiro, a imprescritibilidade decorre da
vitaliciedade,ou seja, por acompanhar a pessoa no ciclo de sua existência. Neste caso, não
se perdem os direitos pelo não uso de alguns deles, nem se adquire a titularidade pelo uso
reiterado por algum tempo, já que os direitos da personalidade são inatos. Portanto, as
ações que o protegem são também vitalícias, de forma que em qualquer época pode a
pessoa propor uma ação para restaurar ou retificar seu nome. No segundo aspecto, há
prescritibilidade no caso de lesão se o ofendido ou seus herdeiros não agirem num
determinado lapso de tempo previsto em lei, a fim de exigir que o Estado imponha sanção
66 Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. p. 145.
32
ao ofensor. Como exemplo, temos a prescrição para receber indenização por danos morais
em virtude da exposição indevida de imagem alheia.
3 – Direitos absolutos
Os direitos da personalidade são considerados absolutos porque se impõem erga
omnes, ou seja, todas as pessoas devem respeitá-los por força do ordenamento jurídico, que
cria um dever geral de abstenção contra o uso do direito subjetivo absoluto, como, por
exemplo, também o direito à propriedade. Obviamente que, uma vez lesado qualquer
desses direitos, será instaurada uma relação jurídica própria dos direitos relativos, entre o
ofendido e o ofensor, o que não retira a característica de direito subjetivo absoluto desses
direitos que exigem abstenção de seu uso sem autorização do titular.
Como afirma Francisco Amaral67, hodiernamente se tem aceitado a
argumentação de que os direitos da personalidade também podem se caracterizar como
direitos subjetivos relativos, que permitem à pessoa exigir do Estado determinada
prestação, visando resguardar sua integridade física com fornecimento de remédios,
tratamentos médicos, segurança, etc.
4 – Direitos relativamente indisponíveis
67 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. p. 252.
33
A doutrina tradicional costuma caracterizar os direitos da personalidade como
direitos indisponíveis, e de forma geral faz sentido tal caracterização, uma vez que não se
pode imaginar de forma generalizada a possibilidade de disposição, a qualquer título, de
direitos personalíssimos da pessoa, como voz, pensamento, vida, órgãos.
Todavia, necessidades no campo da biologia e da economia, entre outras,
levaram a sociedade e, conseguintemente, o ordenamento jurídico a aceitarem a
relativização da indisponibilidade dos direitos da personalidade, permitindo a própria
Constituição da República, em seu artigo 199, § 4º, a possibilidade de disposição de partes
do corpo humano para fins de proteção à saúde. Tal matéria é regulamentada por leis
esparsas e pelo próprio Código Civil, que permite a cessão de sangue, material humano
para fecundação artificial e órgãos para transplante, conforme dispõe o seu art. 13,
parágrafo único.
O que a sociedade tem repudiado e o ordenamento jurídico não permite para
alguns casos, é a disposição onerosa de tais bens, ou que esta disposição atente contra o
padrão médio de tolerabilidade e moralidade aceitos pela sociedade68. Assim é que se tem
permitido, por exemplo, a prática de certas profissões em que a pessoa expõe sua
intimidade, põe em risco sua vida, aliena parte de seus cabelos, unhas etc., e, lado outro,
68 A este respeito, anota Eduardo Espínola: “Isso, porém, não se deve admitir de modo absoluto, e é impossível apresentar um critério geral, mas basta afirmar que a propriedade e comerciabilidade das partes destacadas do corpo humano podem ir somente até o ponto em que não ofendam os bons costumes.” Em nota de rodapé o autor destaca partes do corpo que poderiam ser negociadas como dentes e cabelos. ESPINOLA, Eduardo. Sistema do direito civil brasileiro. – Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 329.
34
não se aceita prostituição, cessão onerosa de órgãos para transplante, etc.
5 – Direitos extrapatrimoniais
Os direitos da personalidade são normalmente conhecidos como
extrapatrimoniais, ou seja, não são negociáveis69, penhoráveis ou mensuráveis em pecúnia.
Tal afirmação faz sentido, mas, contudo, no sistema capitalista há uma tendência de
negociação de todos os bens que forem relevantes para o homem, a fim de satisfazerem
suas inúmeras necessidades, e, no caso de violação a direitos sem conteúdo patrimonial, há
possibilidade jurídica de compensação da dor e do constrangimento por valores pecuniários
capazes de permitir ao ofendido algum tipo de satisfação em compensação ao dano sofrido.
Assim, não se pode afirmar hodiernamente que os direitos da personalidade
sejam absolutamente extrapatrimoniais. Em primeiro lugar, porque a sociedade e o
ordenamento jurídico aceitam a alienação ou cessão onerosa de alguns direitos da
personalidade que não atentem contra o padrão médio de moralidade de uma determinada
sociedade. Desta forma, é aceitável a alienação onerosa de cabelos, unhas, exposição de
pessoas nuas em revistas, filmes, peças teatrais, participação em reality shows, participação
em esportes perigosos como lutas de boxe, automobilismo, participação em atividades
circenses perigosas como exposição ao atirador de facas, cessão do uso de imagem ou
69 Paulo Nader afirma que é “nulo , de pleno direito, o negócio jurídico que tenha por objeto a alienação de uma peça anatômica” NADER, Paulo. Curso de direito civil, parte geral. – Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 212.
35
nome para atividade recreativas, comerciais, etc.
Não se permite a alienação de bens que firam o padrão médio de moralidade e eticididade,
tais como venda de órgãos para transplante, venda do próprio corpo para prostituição, etc.
Por outro lado, no caso de violação a direitos da personalidade sem implicação
direta em perda material ( por exemplo, morte de uma pessoa, lesão estética em rosto de
atriz famosa), há patrimonialidade para reparação moral do dano, visto que não se paga
pelo direito lesionado, mas se procura mensurar um bem patrimonial que compense a dor,
constrangimento, sofrimento pelo ofendido e/ou seus familiares.
Pode-se afirmar que a regra é que os direitos da personalidade são
extrapatrimoniais. Entretanto, hodiernamente é aceitável que alguns bens personalíssimos
podem ser alienados onerosamente, e que a violação a eles pode importar em entrega de
bens patrimoniais para compensação do sofrimento, dor ou constrangimento,
permanecendo, todavia, a regra de que são absolutamente impenhoráveis e
incompensáveis.
6 – Direitos intransmissíveis
Como se caracterizam em direitos inatos, os direitos da personalidade nascem
com a pessoa ( regra geral) e são vitalícios, ou seja, são inerentes ao titular no ciclo de sua
existência, com irradiação antes e depois da vida. Também, como regra, são adquiridos por
36
direito próprio e não por transmissão de outro titular, visto que não é possível ao titular do
direito à honra, à privacidade e à vida transferi-los a seus herdeiros, que os adquirem por
direito próprio70. Até mesmo o nome que o rebento recebe ao nascer, que pode ser
reiteração do nome dos ascendentes com acréscimo de agnome, na verdade não importa
em transmissão de direito ao nome. Trata-se de aquisição originária do direito à
identificação através do nome, que por homenagem familiar foi reiterado com acréscimo
do agnome. Também no caso do cônjuge que adota sobrenome do outro ao convolar
núpcias, não se opera transmissão, e sim, direito derivado do próprio casamento71.
Como já visto, algumas das características dos direitos da personalidade sofrem
diversas exceções. Também na intransmissibilidade se constata a presença de exceção, pois
como regra geral não é possível transmitir bens personalíssimos como honra, vida,
intimidade. Porém, pode-se transmitir partes do corpo como órgãos para transplantes,
cabelos para embelezamento estético, material genético para reprodução humana, etc72.
7 – Direitos irrenunciáveis
70 O Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, defende a intransmissibilidade pelo fato de não poderem ser transmitidos “causa mortis”, não abordando a transmissão entre pessoas vivas. Cf. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Os direitos da personalidade no Código Civil português e no novo Código Civil Brasileiro. ALVIM, Arruda, CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira, ROSAS, Roberto, coordenadores. Aspectos Controvertidos do novo Código Civil. – São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. p.118. 71 Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. pp. 110-111.72 Neste sentido, escreve Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, consignando argumentação do Senador Josaphat Marinho. GAGLIANO Stolze Pablo e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2002. p. 155.
37
Esta é outra característica positivada no artigo 12 do Código Civil, que não
permite a abdicação de nenhum direito da personalidade, não podendo a pessoa, portanto,
renunciar à sua liberdade, honra, vida, parte de seu corpo, afora nas hipóteses de
disponibilidade previstas em lei ou aceitas pela sociedade. Por esta razão, não se permite no
Brasil a prática da eutanásia, ou seja, a morte pretendida pelo paciente para interromper o
ciclo de sua vida por motivo de doença, importando nesta hipótese em renúncia à própria
vida que, malgrado as discussões filosóficas e morais73 sobre o tema, não é a acolhida pelo
ordenamento jurídico brasileiro. Este consagrou o direito à vida como direito individual
fundamental, tal como previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal.
A rigor, a irrenunciabilidade decorre das demais características, já que os direitos
que são inatos, vitalícios, absolutos, gerais, necessários, essenciais, intransmissíveis, não
sujeitos à desapropriação e indisponíveis não podem ser renunciados, sob pena de se
renunciar à própria personalidade, que é protegida por esses direitos, não tendo qualquer
valor jurídico o ato de renúncia aos mesmos74.
VII - CLASSIFICAÇÃO
Como consignado alhures, a doutrina discute a existência de um direito geral da
73 A discussão acerca da aceitação da eutanásia vem aumentando entre as comunidades internacionais, havendo países que já não punem os médicos que auxiliam seus pacientes a interromperem o ciclo de suas vidas, como se vê em DWORKIN, Ronald. Domínio da vida : aborto, eutanásia e liberdades individuais. – São Paulo; Martins Fontes, 2003. p. 1-2. 74 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol. 1. – São Paulo: Saraiva. 2003, p. 183
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personalidade, que compreenderia todos os tipos previstos em leis ou princípios legais, sem
descartar a hipótese da existência de múltiplos direitos da personalidade. Não obstante esta
discussão doutrinária, várias são as classificações dos direitos da personalidade
apresentadas, podendo-se destacar dentre as mais comuns a de Adriano de Cupis, citado
por Alexandre Ferreira de Assumpção Alves75: I- Direito à vida e à integridade física:
direito à vida; direito à integridade física e direito sobre as partes separadas do próprio
corpo; II- Direito à liberdade; III- Direito à honra e ao resguardo pessoal: direito à honra;
direito à intimidade e direito ao segredo; IV - Direito à identidade pessoal: direito ao nome;
direito ao título e direito ao signo figurativo; V- Direito moral do autor e do inventor.
O mesmo autor76 destaca a classificação dos irmãos Mazeaud: I- Direito à
integridade física: direito à vida e à saúde; direito ao cadáver e direito à liberdade física: II-
Direito à integridade moral: direito à própria imagem; direito à liberdade intelectual; direito
à liberdade de casamento; direito à honra; direito aos sentimentos de afeição; direito ao
nome e direito ao segredo.
Venzi, citado por Eduardo Espinola77, classificava os direitos da personalidade
em: corpo e vida, liberdade, honra, compreendidas as honras particulares da família, de
profissão, de sexo, de condição, condições especiais do indivíduo (ser nobre, por exemplo),
exercer determinada profissão, pertencer a determinado grupo religioso ou social,
75 Cf. ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A pessoa jurídica e os direitos da personalidade. – Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 70.76 Ob. pág. cit.77 Cf. ESPINOLA, Eduardo. Sistema do direito civil brasileiro. – Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 325
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manifestação de atividade própria, proteção contra concorrência desleal, direito de
monopólio, direito ou uso exclusivo de certos distintivos honoríficos( nome civil e
comercial, sinais, marcas e selos), direitos do autor e do inventor.
Em Portugal, José de Oliveira Ascensão78 apresenta a seguinte classificação:
direito à personalidade, direitos do patrimônio básico da pessoa (como vida e integridade
física), direitos à conservação da personalidade, direitos que protegem a pessoa contra
intromissões anteriores, abrangendo inviolabilidade de domicílio, confidencialidade de
correspondência, intimidade e vida privada, direitos à realização da personalidade, que
garantem o aperfeiçoamento do homem, como, por exemplo, direitos autorais. Luis A.
Carvalho Fernandes79 classifica-os em bens da personalidade stricto sensu, que são
relativos à personalidade física, à personalidade moral e à personalidade jurídica e bens
instrumentais, que compreendem direitos à saúde, à segurança social, ao trabalho, à
educação e cultura, à habitação e ao ambiente de vida humana sadio e ecologicamente
equilibrado.
No Brasil, Orlando Gomes 80 classifica os direitos da personalidade agrupando-os
sob duas tutelas: integridade física e integridade moral. A primeira protege o direito à vida,
o direito sobre o próprio corpo e o direito ao cadáver. Já a segunda abrange os direitos à
78 Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil teoria geral, vol. I, introdução as pessoas os bens. – Coimbra: Coimbra Editora. 2000, p. 108-10979 Cf. FERNANDES, Luís A. Carvalho. Teoria Geral do Direito Civil. vol. I, introdução pressupostos da relação jurídica. – Lisboa, Universidade Católica Editora, 2001, pp. 229-231.80 Cf. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. – Rio de Janeiro: Forense: 1986. p. 133.
40
honra, à liberdade, ao recato, à imagem, ao nome e, também, o direito moral do autor, não
apresentando classificação acerca da intelectualidade do ser humano.
Por seu turno, Pontes de Miranda81 admite a proteção à mente da pessoa
humana, elencando os direitos da personalidade sob a seguinte escala de valor: direito à
vida, direito à integridade psíquica e direito à integridade física, direito à liberdade, direito
à verdade, direito à honra, direito à própria imagem, direito de igualdade, direito ao nome,
direito à intimidade e direito autoral. Esta classificação é também adotada por Carlos
Alberto Bittar82.
Como já ficou consignado no decorrer deste trabalho não há posição doutrinária
unânime acerca dos direitos da personalidade. É também assim na sua classificação, por se
tratar de matéria recentemente inserida nas legislações. Desta forma, é preciso construir
pensamento próprio ou aderir a entendimentos já manifestados, analisando a metodologia
que melhor abranja todos os direitos personalíssimos.
No caso da classificação dos direitos da personalidade, por se tratar de direitos
pessoais que visam proteger essencialmente a pessoa humana embora se estenda às
pessoas jurídicas no que for compatível , cremos ser preciso classificar tais direitos em
81 O autor estabelece uma escala de direitos em importância, destacando inicialmente o direito à vida, direito à integridade psíquica e à integridade física. Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. pp. 40-19082 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 64.
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proteção à integridade física (protegendo a vida, corpo vivo ou morto, partes separadas,
voz etc), integridade intelectual ( que é a liberdade de pensamento, a autoria científica,
artística e literária) e a integridade moral (que são as imagens, retrato e atributo, a honra, a
vida privada, intimidade, segredo pessoal e doméstico, identidade, etc83.
1. Integridade física
Na integridade física procura-se proteger a existência saudável da pessoa, tendo
como valor fundamental a própria vida, conforme estabelece o caput do artigo 5º da
Constituição Federal, sendo vedada qualquer forma de aniquilamento da vida, como
eutanásia, pena de morte, etc. Neste sentido, anota Enrique Varsi Rospigliosi84: “Como
sabemos esta es de caráter universal. Es una proteción general a la persona y pone como
limitación adicional e básica la prohibición al sometimiento atratamientos, experiencias o
investigaciones, salvo consentimento prévio.” O ciclo de proteção à vida se estende mesmo
antes do nascimento, proibindo-se a prática do aborto, a fim de proteger o nascituro e
acompanhar a pessoa por toda a vida, até que a morte aconteça e ponha fim à sua condição
de pessoa, sujeito de direito.
Pode-se afirmar que a vida é um direito da pessoa, mas também um dever, dela
83 Esta classificação é adotada por Rubens Limongi França, como se vê em: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. I. Teoria geral do direito civil. – São Paulo: Saraiva, 2002, p.p. 121-122, e também AMARAL, Francisco. Direito civil : introdução. – Rio de Janeiro : Renovar, 2003. pp. 259-270.84 ROSPIGLIOSI, Enrique Varsi. Apuntes juridicos acerca del genoma humano. Revista de direito civil, imobiliário, agrário e empresarial. Vol. 76. Revista dos Tribunais, abril-junho 1996. pp. 5-9.
42
não se podendo dispor, como no caso da eutanásia ou legalização do suicídio. Em tais
casos, embora não se puna a tentativa, pune-se o terceiro que concorre para o fato e
também que participa da eutanásia, cabendo dizer que, de forma genérica, os sistemas
jurídicos negam o direito ao suicídio.
Protege-se também a incolumidade corpórea da pessoa durante sua existência
impedindo qualquer ofensa à sua saúde, obrigando o estado a prestar-lhe assistência, bem
como os parentes, cônjuges ou companheiros a fornecerem os alimentos imprescindíveis à
subsistência humana, havendo também punição por lesões corporais e vedando ao sujeito a
prática da auto mutilação, consoante estabelece o art. 13 do Código Civil. Este é o
entendimento de San Tiago Dantas85: “O homem não pode dispor de sua integridade
corpórea, não pode se submeter a mutilações, porque ele não dispõe do corpo; tem direito
à integridade corpórea, mas não direito ao corpo.”
Essa proteção corpórea abrange as partes unidas e separadas do corpo, vivo ou
morto, e também a voz, não havendo qualquer possibilidade de apropriação, a qualquer
título por terceiros, sem autorização da pessoa ou seu representante, nos casos possíveis.
Mesmo no caso de morte, enquanto o cadáver tiver forma, estará protegido contra ação de
terceiros, a qualquer fim, como objeto da proteção ao cadáver ou às suas partes.
85 DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. – Rio de Janeiro: Forense. 2001, p. 158. No mesmo sentido, escreve Roberto de Ruggiero, afirmando que a disposição do corpo fica limitada à moral e à lei. RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil – Campinas : Bookseller, 1999 p. 443.
43
Quando tratarmos da proteção à integridade física, com as características dos
direitos da personalidade, analisaremos a questão dos atos de disposição do próprio corpo
para fins de transplantes de órgãos, cessão de sangue, material genético para fecundação,
unhas, cabelos, inseminação artificial (a qual, de acordo com o novo Código Civil, pode ser
homóloga ou heteróloga) e, por fim, a questão das cirurgias para mudança de sexo.
Algumas questões despertam atenção neste tópico, sendo a primeira delas a
disposição de parte do corpo para fins de transplante, cuja matéria está especificada na Lei
nº 9.437/97. Para o caso de pessoas vivas, deverão ser observados: duplicidade do órgão ou
possibilidade de regeneração, capacidade do doador (com uma exceção no caso de doação
de medula óssea, se comprovada a compatibilidade imunológica), autorização judicial,
vínculo familiar entre doador e receptor.
A segunda questão é a esterilização voluntária, devendo a pessoa ser capaz ou ter
autorização judicial, ter no mínimo 25 anos ou pelo menos 02 filhos vivos, manifestação
por escrito, com anuência do cônjuge, se casada, com prazo mínimo de 60 dias entre a
intervenção cirúrgica e a manifestação de vontade, a fim de evitar a esterilização precoce,
nos termos da Lei nº 9.263/96.
A cirurgia para mudança de sexo tem provocado interesse na sociedade, máxime
com o advento do novo código, que no artigo 13 veda a disposição do corpo quando
implicar em diminuição permanente da integridade física ou contrariar os costumes aceitos
44
pela sociedade. Prima facie, da leitura do aludido dispositivo legal, parece que será
possível a intervenção cirúrgica no transexual, ou seja, aquele que apresenta um sexo
externo que não se compatibiliza com sua mente, já que se sente como pessoa de sexo
oposto. Neste caso, comprovada por médicos a anomalia, poderá ser realizada a cirurgia
com a alteração do sexo.
Por outro lado, no caso de homossexuais que pretendem apenas ser mais felizes
com a alteração do sexo, não há possibilidade de acolhimento do pedido, em vista do
disposto no já mencionado artigo 13 do Código Civil. A propósito, a jurisprudência já vem
orientando neste sentido, como assinala Fábio Ulhoa Coelho86.
O direito à integridade física compreende também o direito à liberdade87,
podendo algumas liberdades ser qualificadas como integrantes da tutela moral e até mesmo
intelectual. Porém, quando se pensa em liberdade, imagina-se a mais importante, ou seja, a
de locomover-se livremente, e esta sem dúvida é integrante da tutela física. O direito à
liberdade permite à pessoa humana exercer todas as liberdades individuais, tais como
participação em culto ou religião, associações não proibidas por lei, criação e locomoção
86 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol. 1. – São Paulo: Saraiva. 2003, p.204.87 Esta posição não é unânime; em sentido contrário afirma Maria Celina Bodin de Moraes: “O princípio da liberdade individual se consubstancia, cada vez mais, numa perspectiva de privacidade, de intimidade, de exercício da vida privada. Liberdade significa, hoje, poder realizar , sem interferências de qualquer gênero, as próprias escolhas individuais, exercendo-as como melhor convier.” MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. – Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 107. No mesmo sentido BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p 101-105. MATTIA, Fábio Maria de. Direitos da personalidade: aspectos gerais. Revista de Direito Civil. vol. 3. Ano 2, Janeiro/Março. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, pp. 34-51.
45
por todo o território brasileiro88, não podendo sofrer qualquer limitação, senão decorrente
da própria lei, como por exemplo: pagamentos de pedágios e ingressos ou privação
decorrente de sanção legal. A restrição ou privação ilegal dão direito à imediata restauração
da liberdade e a uma indenização89.
Como os demais, a liberdade também é direito da personalidade recente, já que,
não faz muito tempo, o homem era submetido à condição de escravo, sem direito à
liberdade. Em Roma, para usufruir de todas as liberdades individuais, o indivíduo deveria
possuir status libertatis, status civitatis, status familia e status personae.
2 Integridade intelectual
Na proteção à integridade intelectual, o fim colimado é proteger a pessoa
humana em sua liberdade de raciocinar e de criar, de acordo com seus dons, podendo
explorar comercialmente o produto de sua inteligência. Esta proteção está assegurada na
Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII, e especialmente na Lei
nº 9.610/98, que regulamenta os direitos autorais.88 Pontes de Miranda elencava nos direitos da personalidade várias liberdades, como liberdade de culto, liberdade de arte, liberdade de reunião, etc. Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. p. 56. No mesmo sentido é a doutrina de Luís A. Carvalho Fernandes, que afirma que direito à liberdade abarca as várias modalidades de manifestação da liberdade individual, como liberdade de expressão, de culto e religião, de emigração, etc. FERNANDES, Luis A. Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil – Introdução pressupostos da relação jurídica. – Lisboa: Universidade Católica Editora, 2001, vol. Ip. 219. Cf. FERNANDES, Luis A. Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil – Introdução pressupostos da relação jurídica. – Lisboa: Universidade Católica Editora, 2001, vol. Ip. 220.89 San Tiago Dantas entendia que a liberdade sexual da pessoa também estava preservada como direito da personalidade, desde que não ofendesse direito de terceiros. DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. – Rio de Janeiro: Forense. 2001, p. 157.
46
Os direitos autorais da personalidade têm conteúdo pessoal, posto que o sistema
jurídico permite a vinculação do nome do titular à obra criada, permitindo também
conteúdo patrimonial na medida em que possibilita sua exploração comercial, pessoal ou
através de terceiros, afirmando Caio Mário da Silva Pereira90: “ O indivíduo é senhor das
criações de seu espírito, e tem o direito de reprimir a divulgação, a não ser quando
autorizada.”
3. Integridade moral
É a proteção concedida pelo sistema jurídico às imagens, retratos e atributos, à
honra, à vida privada, à intimidade, aos segredos pessoal e doméstico, à identidade, enfim,
aos direitos que integram a dignidade humana, que é princípio fundamental da República
Federativa do Brasil, como se vê do art. 1º, inciso III, da Constituição Federal.
A proteção à imagem se divide em dois aspectos, sendo o primeiro a imagem-
efígie que espelha a pessoa fisicamente, não podendo ser exposta contra a vontade de seu
titular, com ou sem finalidade lucrativa, ainda que não lesione sua honra, respeitabilidade
ou fama, visto que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, declara inviolável a
imagem, não condicionando tal violação a nenhum efeito. Portanto, ninguém pode captar
ou publicar a imagem de outra pessoa sem seu consentimento, sob pena de estar ofendendo
90 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. I. – Rio de Janeiro. Forense. 2004. p. 256.
47
o direito da personalidade. O segundo aspecto é a proteção à imagem-atributo, que espelha
a maneira da pessoa se apresentar na sociedade, contando com a mesma proteção jurídica,
para evitar violação por terceiros. A proteção contra a violação da imagem abrange pessoas
vivas ou mortas, pois, como já visto, alguns direitos da personalidade protraem-se no
tempo, devendo os herdeiros adotarem as medidas administrativas ou judiciais pertinentes
para impedir ou fazer cessar a violação.
O direito à imagem, até a promulgação da Constituição Federal e até mesmo
antes do advento do novo Código Civil, não era cuidado especificamente, e , para protegê-
lo, deveria o intérprete socorrer-se no art. 666, inciso X, do Código Civil de 1916, que
conferia à pessoa prejudicada pela reprodução de retratos ou bustos de encomenda
particular a prerrogativa de opor-se à sua reprodução ou à sua exibição.
A honra como integrante da proteção à integridade moral da pessoa é o conceito
do qual a pessoa desfruta na sociedade em que está domiciliada, sendo a adequação de sua
conduta ao padrão médio de moralidade aceito numa determinada comunidade, que lhe
defere boa ou má reputação. Portanto, a pessoa tem o direito de defender sua reputação
sempre que violada por outrem, ocasionando-lhe qualquer modalidade de dano.
Pelo fato de os direitos da personalidade abrangerem também as pessoas
jurídicas, pode-se afirmar que relativamente às pessoas humanas há violação à honra
subjetiva ( reunião dos conceitos que a pessoa tem de si mesma) e à honra objetiva (que é
48
a reunião dos conceitos que as demais pessoas estabelecem em face de suas condutas).
Quanto às pessoas jurídicas, a violação afeta a honra objetiva, que deverá ser analisada
considerando sua reputação comercial na atividade que desenvolve.
No resguardo do direito à honra está o direito à verdade defendido por Pontes de
Miranda91, e consagrado no artigo 5º, inciso V, primeira parte da Constituição Federal, que
assegura direito de resposta à pessoa que tenha sido ofendida em sua honra,
compreendendo também o direito de negar os fatos que maculem o objeto de tal direito. A
defesa pode ser manejada através de ação processual própria, e, no caso de violação através
da imprensa, a Lei nº 5.250/67 prevê forma de resposta e sanção pela violação.
Os direitos à intimidade92, à vida privada e aos segredos pessoal e doméstico
integram-se na proteção ao direito de recato da pessoa, que os italianos denominam
riservatezza, ou seja, o direito de não ter sua imagem, retrato ou atributo, sua intimidade
ou privacidade93 compartilhadas com terceiros, devendo ficar restritas à própria pessoa ou
ao ambiente familiar, que tem como sede o lar, o qual, por sua vez, é inviolável por
91 Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Parte especial tomo VII – Campinas : Bookseller, 2000. pp. 63-70.92 Carlos Alberto Bittar ressalta que este direito caracteriza-se pelo seu conteúdo negativo, que expressa a não exposição a conhecimento de terceiros de elementos particulares da esfera reservada do titular, impedindo o acesso dos mesmos à confidencialidade. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p 108.93 É muito tênue a diferença entre intimidade e vida privada. Arnaldo Rizzardo afirma que a intimidade circunscreve ao circuito humano, à sua consciência, àquilo que se situa na esfera interior e que envolve afeto, carinho, subjetividade. A privacidade diz mais com a vida pessoal, com os assuntos individuais e particulares, com a gama de questões relativa à esfera pessoal. RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. – Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 155. Por seu turno, Caio Mário afirma que ambos foram aproximados pela Constituição de 1988. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. I. – Rio de Janeiro. Forense. 2004. p. 259.
49
disposição constitucional, como se vê no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal.
Todavia, tais direitos não são ilimitados, já que interesses coletivos poderão autorizar a
publicação de fatos relativos à pessoa.
Não se compreendem nestes direitos as atividades públicas que a pessoa exerce,
já que o que se pretende proteger dos olhares e curiosidades alheios são aspectos íntimos da
pessoa, que não devem ser conhecidos pelo público em geral, devendo ser ressaltado que
quanto maior for o prestígio da pessoa na comunidade, mais difícil será a preservação de
sua intimidade e vida privada em face do interesse público que sua vida pode despertar para
os demais membros da sociedade.
Compreende também o direito ao sigilo das correspondências e comunicações
que somente podem ser restringidos com autorização judicial, para fins de construção de
prova em processo criminal.
A previsão da proteção dos direitos à intimidade e à vida privada em texto legal é
muito recente, tendo em vista que somente com a promulgação da Constituição de 1.988
passou-se a prescrever tal tutela. Anteriormente a matéria era tratada pela jurisprudência
que, suprindo a ausência legislativa, já concedia provimentos judiciais inibitórios e
ressarcitórios em face de agressões praticadas contra direitos da personalidade alusivos à
intimidade da pessoa.
50
O direito à identidade pessoal é o direito ao nome, o qual integra o gênero do
direito à integridade moral94 no sentido de que a pessoa deve ser reconhecida em sociedade
por denominação própria que a identifique e a diferencie das demais pessoas. O nome
constitui-se em interesse essencial da pessoa.
Os preceitos legais referentes ao nome são de ordem pública, disciplinados nos
arts. 54 a 63 da Lei dos Registros Públicos e nos arts. 16 a 19 do Código Civil. O nome é
formado pelo prenome95 e patronímico familiar, ou sobrenome, como denomina o novo
código. Secundariamente há os títulos honoríficos, científicos, religiosos e militares; as
partículas da, do, das, dos, de, e o agnome, elemento aposto em último lugar filho,
júnior, neto, bisneto, sobrinho, terceiro, etc.
Como substitutivo do nome, também com a finalidade de identificação da
pessoa, há: o vocatário, designação comum pela qual a pessoa é conhecida; o epíteto, a
alcunha ou apelido, usados íntima e popularmente em substituição ao nome, e também o
pseudônimo, outro nome usado pela pessoa, normalmente em função de sua atividade
peculiar (como no caso dos artistas), que pode integrar o nome da pessoa, por força do art.
58 da Lei dos Registros Públicos.
O prenome e o nome são adquiridos no registro do assento de nascimento,
94 Cf. AMARAL, Francisco, ob. cit. p. 270.95 “Les prénoms forment l’élement individuel du nom; ils servent à distinguer les différentes personnes de la même famille.” PLANIOL, Marcel. Traité Élémentaire de Droit Civil. Tome Premier. – Paris: Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 1908. p. 154.
51
havendo por esse motivo quem defenda que o direito à identidade é inato96. Todavia, o
direito a ter nome certo é adquirido posteriormente ao nascimento97, tanto que atualmente
pode ser retificado, já que a redação atual do artigo 58 da Lei dos Registros Públicos não
veda a mutabilidade do prenome, embora a tradição seja pela imutabilidade do nome, visto
não ser normal que durante a vida a pessoa seja titular de diversos nomes, tal como
acontece com a pessoa jurídica, que por seu turno pode alterar várias vezes o nome,
observando restrições legais.
Não se pode utilizar o nome alheio sem autorização do titular, sempre que
sobrevier exposição da pessoa, com ofensa à sua honra ou utilização para fins comerciais,
regras legalmente estabelecidas nos artigos 17 e 18 do Código Civil.
VIII – PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Atualmente os direitos da personalidade estão protegidos pelo direito positivo,
começando pela Constituição Federal, que estabeleceu como um dos princípios
fundamentais da República a preservação da dignidade da pessoa humana98, tendo entre
seus objetivos a erradicação da pobreza, marginalidade e desigualdades sociais e regionais.
No artigo 5º, a Carta Magna estabelece vários direitos e garantias fundamentais, criando, 96 SILVA, Edson Ferreira da. Os direitos da personalidade são inatos? Revista dos Tribunais. Vol. 694, p.p. 21/34. 97 Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil teoria geral, vol. I, introdução as pessoas os bens. – Coimbra: Coimbra Editora. 2000, p. 11198 Neste sentido: É ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. – São Paulo: Saraiva. 2002, p. 45.
52
como afirma Gustavo Tepedino99, tutela geral de proteção e promoção da pessoa humana.
A legislação infraconstitucional regulamenta as espécies dos direitos da
personalidade que estão protegidos pelo sistema jurídico, como por exemplo o Código
Civil nos artigos 11 a 21, a Lei 9.610/98, que estabelece regras de proteção ao direito do
autor, a Lei nº 8.069/90, arts. 7 a 69, que estabelece normas aos direitos fundamentais da
criança e do adolescente, a Lei nº 9.434/97, que estabelece regras sobre transplante de
órgãos, etc. A eventual falta de legislação sobre um tipo específico dos direitos da
personalidade não implica em desproteção ao aludido direito, já que a jurisprudência
deverá analisar e julgar o caso, valendo-se dos princípios constitucionais de preservação da
dignidade humana e do disposto no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.
A questão mais complexa é o exercício efetivo do meio processual adequado
para a obtenção de uma tutela judicial que evite a transformação da ameaça em lesão a bens
personalíssimos. A sociedade de massa gera a demanda da tutela jurisdicional e tem a
aspiração de que o Estado possua o instrumento adequado para atendê-la. O processo,
meio pela qual atua a jurisdição, como se sabe, não é um fim em si mesmo. No dizer de
Federico Carpi100, deve servir de modo efetivo e concreto para a atuação do direito,
removendo as situações que impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana, bem
como a participação de todos na organização política, econômica e social do país.
99 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 1999. p. 48.100 La provvisoria esecutorietà della sentenza, Milano, Giuffrè: 1979, p. 11, apud Novas Linhas de Processo Civil, Luiz Guilherme Marinoni, passim.
53
Há uma busca intensa de um processo efetivo, pois, conforme Luiz Guilherme
Marinoni101,
“o processo de conhecimento clássico não foi estruturado para atender a uma pretensão de tutela preventiva, o que se afigura extremamente grave quando se percebe que os direitos não patrimoniais, aí relacionados os direitos da personalidade e os denominados “novos direitos”, não se compadecem de outra forma de proteção. Embora os direitos não patrimoniais devam ser tutelados de forma preventiva, para não sofrerem dano, a ordem instrumental não lhes socorre.”
Como menciona o autor, as sentenças de classificação trinária, ou seja,
declaratória, constitutiva e condenatória, são de toda forma inidôneas para a prevenção,
uma vez que são impotentes para impedir a violação de um direito, ou mesmo para impedir
a reiteração ou a continuação do ilícito que atente contra direitos subjetivos, incluindo os
direitos da personalidade, que carecem de proteção integral e urgente, em face dos danos
que a violação pode causar à pessoa humana. Neste sentido anota Danilo Doneda102:
“A tutela dos direitos da personalidade, deve ser integral, garantindo a sua proteção em qualquer situação. O artigo 12 responde a esta necessidade de ampliação da tutela com um mecanismo que já vinha sendo utilizado para minimizar ou evitar danos à personalidade, que é a tutela inibitória. Esta tutela faz-se acompanhar, no enunciado do artigo, de u meio já tradicional de tutela dos direitos da personalidade, que é a responsabilidade civil”.
101 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. – São Paulo: Malheiros, 3 edição, p. 55.102 DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no novo Código Civil. In TEPEDINO, Gustavo, coordenador. A parte geral do novo Código Civil – Estudos na perspectiva civil-constitucional. – Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 48.
54
Na constatação de Andrea Proto Pisani103, um sistema que consagra direitos não
patrimoniais como os direitos da personalidade e não ajusta procedimentos adequados
para permitir sua efetiva tutela, que evidentemente não é a tutela ressarcitória, é um sistema
incompleto ou falho.
A sociedade clama por justiça e lhe assiste inteira razão. A justiça materializa-se
no processo e este instrumento, quando se trata de direitos extrapatrimoniais, não está
adequado aos legítimos interesses dos postulantes. Deve-se partir da moderna concepção
processual da finalidade de seu contexto, para dar sentido e tornar eficaz a atuação da
justiça. Portanto, efetividade e instrumentalidade processuais são elementos fundamentais
para proteger direitos da personalidade contra ameaça ou lesão.
Entende-se como efetividade do processo a capacidade para exaurimento dos
objetivos legitimadores no contexto jurídico, social e político104. Pode-se temer e até
criticar o excesso na aplicação de efetividade, como risco inerente a todo excesso. Todavia,
é preciso levar em conta a precisa lição de Barbosa Moreira, mencionado por Joel Dias
Figueira Júnior105 sobre processo efetivo:
“...é sinônimo de eficiente. Penso que a efetividade aqui consiste na aptidão para desempenhar, do melhor modo possível, a função própria do processo. Ou, noutras palavras, talvez equivalentes, para atingir de maneira mais perfeita o seu
103 “La tutela giurisdizionale dei diritti della personalità: strumenti e tecniche di tutela”, Foro italiano, apud Novas Linhas de Processo Civil, Luiz Guilherme Marinoni, passim.104 DINAMARCO, Cândido Rangel, A Instrumentalidade do Processo, São Paulo, Malheiros, 3 ed. P. 149.105 JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Comentários à novíssima reforma do CPC. Rio de Janeiro, Forense. 2002. p. 8.
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fim específico. Ora, o fim específico, no plano jurídico, do processo de conhecimento, é a solução do litígio por meio da sentença de mérito a que tende toda a atividade nele realizada.”
De acordo com Luiz Fux106, o problema da tutela jurisdicional é no momento
atual um tanto mais relevante, posto que o processo se encontra sob o crivo da
“efetividade” dos direitos, que reclama realizabilidade prática, satisfatividade plena e
celeridade. Essa dissintonia entre o processo e as novas exigências revela uma crise,
possível de ser solucionada com novos instrumentos, diante do fenômeno dos “novos
direitos” ou “novos anseios”107. Assim, como nos primórdios da civilização, o anseio era de
justiça institucionalizada contra a justiça privada. Hoje, a grande aspiração social é a justiça
urgente, em confronto com a justiça ordinária e ritual.
O grande desafio a ser enfrentado é compatibilizar a celeridade necessária ao
valor segurança jurídica. Essa prontidão da tutela jurisdicional ora preconizada se ajusta à
moderna exegese do princípio da “justiça adequada”, porque o preceito constitucional de
que “nenhuma lesão escapará à apreciação judicial” deve encaixar-se na tutela célere do
direito material. O decurso do tempo diante do direito evidente sem resposta já representa
uma “lesão”.
106 FUX. Luiz. Tutela de Segurança e Tutela de Evidência – Fundamentos da Tutela antecipada, Ed. Saraiva, 1996, p.308.107 A tutela do direito evidente, conforme anota Luiz Fux, pertence ao campo da “justiça” e não estritamente ao campo do direito. A Escola da “norma fundamental” de Hans Kelsen, bem como os “neopositivistas, não enxergam o valor “justiça” como fundamento do direito senão como uma “aspiração emocional”. Entretanto, o processualista informa que está convencido pela doutrina de Miguel Reale, segundo a qual a “teoria da justiça” como fundamento do direito nunca alcançou contornos tão vivos como no atual momento, sobretudo na medida em que vieram adquirindo maior profundidade os estudos de axiologia ou teoria dos valores.
56
Contudo, na medida em que a sociedade civil se organiza e participa da atividade
política, novas medidas são instrumentalizadas para tornar efetivo o “acesso à ordem
jurídica”. O Prof. Kazuo Watanabe108 lembra que o acesso à justiça e seus correspondentes
instrumentos processuais deverão ser importantes mais pela potencialidade do uso e pela
sua virtualidade do que pela efetiva utilização. A só existência de mecanismos processuais
mais eficazes e mais ajustados à natureza dos conflitos a serem solvidos, principalmente
quando envolve direitos da personalidade, deverá fazer com que, juntamente com o
conjunto de medidas adotadas, a nova mentalidade tão almejada seja efetivamente uma
realidade, fazendo com que, ao invés do paternalismo do Estado, tenhamos uma sociedade
civil mais bem estruturada, mais consciente e mais participativa, na qual os mecanismos
informais e inoficiais de solução de conflitos de interesses sejam mais atuantes do que os
meios formais e oficiais, principalmente na atuação contra violação aos direitos da
personalidade que exige, em muitos dos casos, ação para inibir o dano, e não compensação
deste dano em valores pecuniários. Assim escreve Eroulths Cortiano Junior109:
“Eventual proteção à pessoa humana no âmbito do direito privado só se encontrava ( e mesmo aí apenas recentemente) na idéia da reparação do dano, através da responsabilização civil do agente causador de um evento danoso. Merece atenção que a responsabilidade civil baseia-se numa idéia de patrimonialidade, onde persegue-se a reparação
108 WATANABE, Kasuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentários dos autores do anteprojeto – Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2 ed. p. 496.109 Cf. JUNIOR, Eroulths Cortiano. Alguns apontamentnos sobre os chamados direitos da personalidade. IN FACHIN, Luiz Edson(coordenação). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. – Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p.p. .34.
57
do prejuízo causado, via de regra através do ressarcimento pecuniário. O fundamento, então, não é a agressão em si, mas o prejuízo causado pela agressão.”
É bem verdade que no direito brasileiro atual há alguns instrumentos capazes de
impedir e fazer cessar ameaça ou lesão a direito da personalidade, tais como habeas corpus,
habeas data, mandado de segurança, medidas cautelares, antecipação das tutelas genérica e
específica, previstas nos arts. 273 e 461 do CPC. Entretanto, tais instrumentos ainda são
discretos para proteção aos direitos personalíssimos, já que em regra foram imaginados
para proteção de direitos subjetivos patrimoniais, não sendo criados especificamente para
proteger direitos da personalidade, como o habeas corpus e o habeas data. Assim,
costuma-se ver relutância de membros do Poder Judiciário em conceder antecipação dos
efeitos da tutela, para evitar que seja publicado programa jornalístico que exponha a honra,
intimidade ou vida privada de alguém, sob o argumento constitucional de que não se pode
censurar previamente as empresas jornalísticas. Nestes casos, todavia, há um conflito entre
o direito de informar sem censura e o direito constitucional de preservação da dignidade da
pessoa humana, devendo este prevalecer sobre o primeiro. Caso houvesse uma tutela
específica para proteção dos direitos da personalidade, certamente estaria incluída nesta a
tutela inibitória, impedindo em muitos casos a concretização do dano, para posteriormente
o ofendido pleitear concessão de tutela ressarcitória, que em muitos casos não compensa o
dano sofrido aos direitos da personalidade do autor.
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No caso de efetivação da lesão, e não sendo possível restaurar a situação anterior,
a referida lesão aos direitos da personalidade dever ser compensada com o pagamento de
uma indenização, nos termos do artigo 186 do Código Civil, que serviria para compensar
danos materiais, os quais se dividem em danos emergentes e lucros cessantes, se a lesão
tiver reflexo direto no patrimônio do ofendido. Como exemplo, exposição de imagem nua
de atriz consagrada em programa infantil, que lhe retira a possibilidade de continuar a
exercer a atividade. No caso do dano sem reflexo no patrimônio do ofendido, mas que lhe
cause dor, constrangimento, angústia e humilhação, tais sentimentos serão compensados
por bens patrimoniais capazes de fazê-lo readquirir a vontade de viver e de ser feliz.
Portanto, de uma forma geral, pode-se afirmar que a proteção aos direitos da
personalidade divide-se em: preventiva, através de procedimento que, em cognição sumária
e provisória, antecipa os efeitos do provimento judicial, com imposição de multa ou adoção
pelo juiz de outras medidas de apoio, a fim de evitar a concretização da ameaça em lesão;
repressiva, através de imposição de sanção quando o dano foi concretizado, podendo esta
ser civil, com o pagamento de uma indenização ou multa, ou criminal, com pena
pecuniária, restritiva de direito ou privativa de liberdade.
Em qualquer das hipóteses, a ação deverá ser proposta pelo próprio ofendido,
pessoalmente ou através de curador, se incapaz. Poderão também seus herdeiros
reclamarem reparação de dano moral ou patrimonial. É ação personalíssima na qual o
ofendido não pode ser representado contra sua vontade, com exceção dos incapazes.
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Havendo vários ofendidos, qualquer um deles pode pleitear em nome próprio a reparação
exclusiva dos danos que sofreu, não podendo, contudo, incluir na lide, contra sua vontade,
os demais ofendidos. Proposta a ação e morto o autor, o direito de exigir a reparação
transmite-se aos herdeiros, por força do artigo 943 do Código Civil.
IX –OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E O CÓDIGO CIVIL
Não obstante as críticas no sentido de que o atual código não inovou na
disposição acerca dos direitos da personalidade, seguindo as regras estabelecidas no
anteprojeto de Orlando Gomes, certo é que a inserção da matéria no novo texto representou
um avanço na proteção aos direitos personalíssimos, visto que o código revogado não
cuidou especificamente da matéria, como já consignado alhures. Percebe-se que o
legislador não elencou de forma taxativa os direitos da personalidade, de modo a permitir
que a doutrina e a jurisprudência cuidem da matéria, encontrando solução para proteção e
composição dos litígios na medida em que forem surgindo.110
O código tratou no artigo 11 das características dos direitos da personalidade,
110 Neste sentido: REALE, Miguel O projeto do novo código civil. – São Paulo: Saraiva, 1999, p. 65. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. I. Teoria geral do direito civil. – São Paulo: Saraiva, 2002, p.123. MOREIRA ALVES, José Carlos .“A parte geral do projeto do Código Civil” Revista nº 9 do Conselho da Justiça Federal, disponível em http://www.cjf.gov.br. revista n9/artigo1.htm (22.07.2002). FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 144. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Os direitos da personalidade no Código Civil português e no novo Código Civil Brasileiro. ALVIM, Arruda, CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira, ROSAS, Roberto, coordenadores. Aspectos Controvertidos do novo Código Civil. – São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. p.118.
60
que servem para distingui-los dos demais direitos subjetivos, qualificando-os de
intransmissíveis e irrenunciáveis, ou seja, não se transmitem a terceiros, salvo no caso de
permissão legal, em face do disposto no artigo 13, parágrafo único, que autoriza a
disponibilidade para fins de transplante, ou que não atente contra os bons costumes e que a
pessoa não possa renunciar a tal direito, ainda que não queira desfrutar do mesmo, não se
permitindo, por exemplo, a prática da automutilação ou o suicídio. Todavia, a interpretação
deve ser estendida para compreender os direitos da personalidade também como: absolutos,
já que não podem sofrer limitação voluntária; inatos, porque, como regra geral, nascem
com a pessoa; vitalícios; relativamente disponíveis; extrapatrimoniais; essenciais;
preeminentes; impenhoráveis; necessários; inexpropriáveis; inestimáveis; não sujeitos à
desapropriação.
Em seguida, no artigo 12, o legislador trata da proteção efetiva dos direitos da
personalidade, dispondo que o ofendido poderá usar instrumento processual preventivo ou
inibitório para cessar ameaça, embora não haja procedimento próprio e sedimentado no
sistema jurídico visando a inibição de futuro dano, devendo o ofendido se valer dos
instrumentos existentes no processo civil e em leis esparsas, ou outros que façam cessar os
danos em curso, autorizando o ofendido a pleitear indenização por dano material ou moral,
através de tutela ressarcitória, caso o mesmo já tenha se concretizado.
Estando a pessoa viva e capaz, não há dúvida de que somente ela está legitimada
a ingressar em juízo com ação própria. Se for incapaz, deverá ser assistida ou representada.
61
Questão interessante é que o legislador legitimou, para o caso de morte do ofendido, o
cônjuge supérstite, ou os parentes de qualquer grau da linha reta, e os parentes até o quarto
grau da linha colateral. Parece que o legislador esqueceu de inserir neste rol o companheiro
sobrevivente, que estabeleceu entidade familiar reconhecida pela Constituição Federal.
Observa-se que a legitimação dos demais parentes justifica-se por serem sucessores, nos
termos do art. 1.829 do Código Civil. Entretanto, por força do mesmo texto, arts. 1.790 e
1.844, o companheiro também é chamado à sucessão. Logo, se o motivo de legitimação dos
parentes é a sucessão, igual direito terá o companheiro que, além de sucessor, também vivia
em união estável, reconhecida pela Constituição Federal como entidade familiar.
O dispositivo em análise, não obstante legitimar os sucessores do morto, não
afasta a idéia de que a lesão é contra direitos da personalidade do falecido, através da
irradiação de efeitos após a morte, como já analisado no capítulo acerca da titularidade,
seguindo regra do art. 71 do Código Civil português.
Os artigos 13 e 14 do Código Civil brasileiro tratam dos atos de disposição do
próprio corpo, visando proteger a vida humana, que é o bem supremo dentre os direitos da
personalidade, bem como a incolumidade corpórea. O primeiro veda, salvo exigência
médica, a disposição do próprio corpo quando os respectivos atos importarem diminuição
permanente da integridade física ou contrariarem os bons costumes, estando aqui protegida
a integridade física com a característica da irrenunciabilidade aos direitos da personalidade.
Esta proteção irá implicar, entre outras, dificuldades para mudança de sexo e para cessão de
62
órgãos para transplantes, ressaltando que o parágrafo único do artigo 13 cria uma exceção à
regra, para permitir a disposição de órgãos para fins de transplante, na forma estabelecida
em lei especial, vedando-se a possibilidade de venda de órgãos para fins do transplante, em
face da extrapatrimonialidade dos direitos da personalidade e do repúdio que tal fato
provoca, por ofensa ao padrão médio de moralidade da sociedade brasileira. Quanto à
mudança de sexo, como já analisado, tratando-se de transexual que não aceita o corpo que
aparenta e, comprovado tal fato através de relatório médico, tem-se entendido ser possível
a realização da cirurgia. Lado outro, em se tratando de homossexual que pretende mudar de
sexo para melhorar sua “performance”, não será possível acolher sua pretensão, em razão
da vedação prevista no caput do art. 13 do Código Civil.
Outra questão é a inseminação artificial, ligada ao interesse da mulher,
visto que antes do advento do novo código havia uma única disposição no art. 53 do
Código de Ética Médica, possibilitando a inseminação homóloga. Com o descumprimento
de tal dispositivo e a realização da inseminação heteróloga, problemas poderiam surgir,
como a não presunção fater is est quem justae nuptias demonstrant, ou seja, pai é aquele
que o prova através de casamento. Por outro lado, não permitindo a inseminação
heteróloga, poderia haver lesão a direito da personalidade da mulher de procriar. O novo
código resolveu a questão estabelecendo no art. 1.597, inciso V, a presunção de
paternidade dos filhos nascidos durante o casamento, havidos de inseminação heteróloga,
desde que previamente autorizada pelo marido.
63
Por força do art. 14 do novo código, é possível dispor do corpo, no todo ou em
parte, após a morte, para fins científicos ou altruístico, podendo tal disponibilidade ser
revogada até o momento da morte, não se aceitando a disposição onerosa, por completa
agressão aos bons costumes. Maria Helena Diniz111 afirma que tal preceito consagra o
princípio do consenso afirmativo, pelo qual a pessoa capaz deve manifestar sua vontade de
dispor gratuitamente do próprio corpo, integralmente ou em parte, para depois de sua
morte, com objetivo científico ou terapêutico.
O art. 15 do Código Civil permite ao paciente optar por não submeter-se
a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica com risco de vida, assumindo o médico
responsabilidade se praticar o ato sem autorização. Conclui-se que o paciente deve receber
do médico informações detalhadas acerca de seu estado de saúde, bem como do tratamento
a ser ministrado ou cirurgia a ser realizada, para que a autorização seja concedida
conscientemente. De acordo com Maria Helena Diniz, o dispositivo consagra três
princípios: princípio da autonomia, no qual o médico deve respeitar a vontade do paciente
ou de seu representante legal; princípio da beneficência, em que a prática médica deve
buscar o bem-estar do paciente, evitando danos e riscos de vida; princípio da não-
maleficência, consistente na obrigação de não causar dano ao paciente.
Questão interessante é saber o que fazer, no campo da responsabilidade,
111 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 30.
64
no caso de paciente inconsciente sem parentes, ou se os parentes não autorizarem112. A
solução mais plausível para essas hipóteses é que no caso de inconsciência e sem parentes,
deve o médico envidar os esforços necessários para salvar o paciente, agindo de acordo
com seu código de ética e com sua habilidade técnica. No caso de cônjuge, companheiro ou
parentes sucessíveis estarem presentes, devem estes autorizarem, ou não, devendo o médico
resignar-se à decisão dos parentes113.
Outra questão interessante que pode surgir é o caso de o paciente não se
submeter a tratamento ou intervenção cirúrgica, e esta recusa favorecê-lo e agravar a
situação patrimonial de outrem que com ele litiga. O código não enfrentou tal situação, no
que não andou bem, devendo ter estabelecido regra para esta hipótese, como fez o art. 33 e
seu parágrafo do Anteprojeto de Orlando Gomes. É verdade que no aludido dispositivo não
se fala em recusa com risco de vida. Todavia, em tese, quase todas as cirurgias podem
ocasionar algum risco de vida e, não comprovado o efetivo risco, o ofendido poderá obter
vantagem indevida oriunda de sua recusa. No caso de recusa à submissão a exame pericial,
a questão está resolvida com o disposto nos artigos 231 e 232 do Código Civil.
Os artigos 16 a 19 cuidam do nome como direito à identidade, na
proteção à integridade moral, estabelecendo que toda pessoa tem direito ao nome, o que
112 Carlos Roberto Gonçalves entende que a autorização deve ser de qualquer parente maior na linha reta ou colateral até o 2º grau e, não sendo possível, o ato deve ser realizado no esforço de salvar o paciente. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : parte geral. – São Paulo: Saraiva, 2003, p. 165-166.113 Neste sentido é a posição de WALD, Arnoldo. Direito civil: introdução e parte geral . – São Paulo: Saraiva, 2003, p.123.
65
para alguns autores não é direito inato, pois se adquire após o nascimento, com o registro
no respectivo cartório, compreendendo, além do prenome, o sobrenome, que são os nomes
de família dos pais, identificando-se a pessoa pelo prenome e a família a que pertence pelo
nome de seus familiares. Nos casos de nascimento, casamento ou união estável, quando se
adquire o nome de outrem, esta aquisição é por direito próprio e não por transmissão.
Os artigos 17 e 18 do Código Civil vedam a utilização de nome alheio em
quaisquer publicações ou representações que causem qualquer constrangimento ao titular,
mesmo que o usuário não tenha a intenção de difamá-lo, já que o nome, como direito da
personalidade, é de uso personalíssimo e é inexpropriável. Todavia, por serem apenas
relativamente indisponíveis, pode o titular ceder seu uso a terceiros, mediante algum tipo
de compensação com fins comerciais. No caso de utilização sem prévia autorização,
permite o artigo 18 do mesmo diploma legal que o titular exerça o direito de cessar a
utilização indevida e, ainda, o direito de ser indenizado de todos os danos que sofreu.
O pseudônimo, que também não é direito da personalidade inato, já que é
adquirido no decorrer da vida, encontra proteção no artigo 19 do código, como já havia
feito o art. 58 da Lei dos Registros Públicos, que também protege o pseudônimo, ou seja,
falso nome utilizado por alguém de forma reiterada, que o leva a ser identificado pelo
mesmo. A aludida lei permite sua inserção no nome oficial, ou a substituição do nome pelo
pseudônimo conhecido.
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O pseudônimo difere do apelido, na medida em que aquele é
normalmente criado pelo próprio titular com a finalidade de ocultar seu verdadeiro nome,
no exercício de alguma atividade profissional, e este é criado por terceiro em decorrência
de uma característica de seu nome ou de sua pessoa.
O código civil trouxe uma regra diferente, concedendo ao pseudônimo
utilizado em atividades lícitas as mesmas garantias dadas ao nome, sem a inserção ou
substituição pelo nome registrado. Desta forma, o pseudônimo não pode ser usado para
constranger seu titular, ainda que não haja intenção difamatória, tampouco pode ser
explorado comercialmente por terceiro, sem autorização do titular.
O artigo 20 do NCCB protege a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, a voz humana, também capaz de identificar autonomamente seu titular, e
exposição ou utilização da imagem, retrato ou atributo da pessoa (nesta hipótese em
consonância com o art. 10 do Código Civil Italiano114). Esta proteção permite ao ofendido
que, demonstrando lesão à honra, boa fama, respeitabilidade ou destinação para fins
comerciais, possa requerer ao Poder Judiciário que faça cessar a utilização ou exposição.
Ressalva o dispositivo a hipótese de que a utilização ou exposição possa ter interesse
público que sobrepuja ao interesse privado, no caso de preservação da ordem pública ou
114 “ 10 Abuso dell’immagine altrui. – Qualora l’immagine de una persona o dei genitori, del coniuge o dei figli sta stata esposta o pubblicata fuori dei casi in cui l’esposizione o la pubblicazione è dalla legge consentita, ovvero com pregiudizio al decoro o alla reputazione della persona stessa o dei detti congiuinti, l’autoritá giudiziaria su rechiesta dell’isteressato, puó dispore che cessi lábuso, salvo il rissarcimento dei danni.”
67
administração da Justiça, de forma que o criminoso não possa requerer que se encerre
exposição de sua imagem ou voz, quando a mesma é necessária para elucidar crime,
impedir desordem ou permitir a conveniência da instrução criminal.
A questão que merece observação neste dispositivo é que o direito do
ofendido foi restringido em relação ao disposto no artigo 5º, inciso X, da Constituição
Federal, que proclama que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem, sem estabelecer qualquer condição115. Assim, analisando-se sob o ótica do
código, a pessoa pode expor um busto de outra pessoa no seu quintal, com acesso ao
público, sem que o retratado possa requerer a cessação da exposição, se de tal fato não
sobrevier agressão à sua honra, boa fama, respeitabilidade, ou tiver finalidade comercial.
Sob o prisma constitucional, o simples fato de exposição independentemente das
condições do código , é ilícito, pois, de acordo com o Texto Maior, somente o autor da
imagem pode autorizar sua exposição, mesmo que esta não acarrete dano à sua pessoa.
Neste diapasão, escreve Gilberto Haddad Jabur 116:
“O Código Civil em vigor condicionou a proteção da imagem à malferição da honra ou ao proveito econômico da imagem. O texto não se afina à Constituição Federal e, por isso não recebeu validade, porque, se violada a unidade e coerência
115 O art. 79 do Código Civil Português também é menos liberal que o dispositivo brasileiro, já que estabelece como regra geral a prévia autorização do titular para exposição de sua imagem, com algumas exceções, como notoriedade do cargo que a pessoa ocupa, exigências policiais ou da justiça, finalidades científicas, didáticas, culturais, ou quando a imagem vier enquadrada em lugares públicos, ou fatos de interesse público que tenham ocorrido publicamente.116 JABUR, Gilberto Haddad. Limitações ao direito à própria imagem no novo código civil. In DELGADO, Mário Luis e ALVES, Jones Figueirêdo. Questões convertidas no novo código civil. – São Paulo: Editora Método, 2003, p. 40.
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jurídico-internas pela lei menor, prevalece a lei que lhe é superior e, na espécie, suprema.
O artigo 21 do Código Civil vigente protege a vida privada da pessoa, ou
seja, permite que os fatos ou os segredos da pessoa e de sua família fiquem restritos ao
titular ou aos seus familiares, afastando do conhecimento público tudo aquilo que não tem
relevância pública. Deve, contudo, ser considerada nesta proteção a vida pública da pessoa,
visto que, quanto mais famosa no campo da política, artes, esporte, etc., maior será a
dificuldade de manter na esfera da confidencialidade os fatos de sua vida, mesmo aqueles
que não estão diretamente ligados à sua conduta profissional117.
Por fim, o artigo 52 estende os direitos da personalidade às pessoas
jurídicas, no que for aplicável. Como se sabe, os direitos personalíssimos têm como origem
a proteção da pessoa humana contra agressões do poder público ou de particulares.
Consoante já visto, há autores que entendem que não se aplicam tais direitos às pessoas
jurídicas, pois toda agressão sempre terá reflexos patrimoniais, ou ainda, que estes direitos
são tão relevantes para a pessoa humana que não se pode banalizá-los, estendendo-os às
pessoas jurídicas. As aludidas posições estão superadas, uma vez que há muito tempo a
doutrina dominante e a jurisprudência têm entendido que cabe indenização por dano moral
contra a pessoa jurídica, como em casos de agressão a bens não patrimoniais, que podem
117 Fábio Ulhoa afirma: “Inviolabilidade da vida privada, assim, é o direito da personalidade que assegura à pessoa a faculdade de selecionar quais dados (não públicos) sobre ela podem ou não ser divulgados, e por que meios. Por ser um direito absoluto, todos indistintamente têm o dever de se abster de qualquer ato, público ou privado, que importe na divulgação não desejada da informação.” COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol. 1. – São Paulo: Saraiva. 2003, p.193.
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ser entendidos como danos a direitos da personalidade de referidas pessoas.
Com o advento do novo código, que prevê expressamente a aplicação dos
direitos da personalidade às pessoas jurídicas, a discussão encerra-se indelevelmente. É
preciso ressaltar apenas que as pessoas morais fazem jus à proteção própria de sua natureza,
ou seja, proteção à integridade moral, e não à integridade física e intelectual, por serem
próprias e exclusivas dos seres humanos118. Assim, estará protegido o nome, segredo de
correspondência, inviolabilidade da sede do domicílio, honra objetiva, boa fama, imagem,
respeitabilidade, liberdade de unir-se a associações ou a outra empresa em consórcios,
fusão, etc.
X – CONCLUSÃO
Os direitos da personalidade, de recente construção legislativa, têm por
desiderato resguardar a dignidade humana, preservando o homem em sua integridade física,
intelectual e moral, ou seja, corpo, mente e espírito, aplicando-se no que for compatível às
pessoas jurídicas.
118 Alexandre Ferreira de Assumpção Alves diverge deste entendimento, afirmando que a pessoa jurídica tem direito de proteção referente a integridade intelectual, na medida em que pode registrar direitos de autoria acerca de propriedade industrial. Cf. ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A pessoa jurídica e os direitos da personalidade. – Rio de Janeiro: Renovar, 1988, pp. 109-116.
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O Código Civil inova, concedendo um capítulo aos direitos da personalidade,
sem esgotar o assunto, visto que a Constituição estabelece como um dos fundamentos da
República a preservação da dignidade humana, procurando, assim, estabelecer proteção
para alguns dos direitos da personalidade, permitindo que doutrina e jurisprudência
desenvolvam o tema na medida em que os conflitos forem surgindo, sem perder de vista a
proteção ampla prevista na Carta da República.
Os direitos da personalidade são direitos subjetivos e, de forma genérica, são
inatos, vitalícios, absolutos, relativamente indisponíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis,
intransmissíveis e irrenunciáveis, embora haja outras características também reconhecidas
por parte da doutrina, como: direitos essenciais, preeminentes, impenhoráveis, necessários,
inexpropriáveis, inestimáveis, ilimitados e fundamentais para a vida em sociedade.
V- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
.AUBRY, C.; RAU, C. Cours de Droit Civil Français. Sixieme edition. Paris: Librairie
Marchal & Billard, 1936.
.ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A Pessoa Jurídica e os Direitos da
71
Personalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
. ALVIM, Arruda; CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira; ROSAS, Roberto. Aspectos
Controvertidos do novo Código Civil: escritos em homenagem ao Ministro José Carlos
Moreira Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
. ALVES, José Carlos Moreira. artigo “A parte geral do projeto do Código Civil”
publicado na revista nº 9 do Conselho da Justiça Federal. Disponível em
http://www.cjf.gov.br. revista n9/artigo1.htm (22.07.2002).
. AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5ª ed. ver., atual. e aum. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003.
. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil teoria geral, vol. I, introdução as pessoas os
bens. – Coimbra: Coimbra Editora. 2000.
. BITTAR, Carlos Alberto. Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991.
.____________________ Os direitos da personalidade – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
. Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXVII. Universidade de Coimbra, 1991.
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