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Mazagão, Migração de um Mito
Mazagão, Migração de um Mito
Introdução
O cenário para o filme documental “Mazagão Migração de um Mito” começa a formar-se em
1505 com as primeiras tentativas para a fundação de uma cidadela na costa marroquina. Essa
cidadela viria a tornar-se em poucos anos numa fortaleza inexpugnável, na vanguarda da
arquitectura e engenharia militar da época (não foi por acaso que Orson Welles escolheu
Mazagão para filmar o seu filme Otelo). Constantemente abalada por assaltos por parte de
berberes e mouros, a fortaleza resiste até 1769. É nessa data que a coroa portuguesa decide
migrar uma cidade inteira para o Brasil, e fundar uma nova Mazagão nas florestas amazónicas.
A retirada é estratégica, o Brasil é mais importante que o norte de África, é necessário defendê-
lo. Cerca de 2000 pessoas, soldados e suas famílias, viajam através do Atlântico. Na floresta
amazónica passam grandes dificuldades, alguns fogem, muitos morrem de doença, não chega a
haver confronto, os soldados sentem-se frustrados, o projecto não faz sentido, a nova Mazagão
ameaça ruir. Porém, em conjunto com as povoações indígenas e negras, a nova Mazagão
ressurge, e desde o século XVII até aos nossos dias se celebra a Festa de São Tiago de Mazagão,
onde é simbolizado o confronto entre mouros e portugueses, no meio da floresta, cavalos e
homens teatralizam as batalhas travadas em solo marroquino. A música é também um elo de
ligação entre Portugal, Marrocos e Brasil e traçará também uma linha entre os três universos, no
passado e no presente. É neste universo mitológico e histórico, imagetica e sonoramente
riquíssimo que se passa “Mazagão, Migração de um Mito”.
1: Forte em El Jadida (A Nova), Antiga Mazagão 2: Cavaleiros em Mazagão Amazónico na Festa de São Tiago
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Mazagão, Migração de um Mito
Estrutura do filme
O filme dividir-se-á em três partes: Mazagão Africana; Mazagão Amazónica; Mazagão dos
nossos dias. A divisão é espacial e temporal, a cidade migra de África para a América, até se
diluir no tempo e no espaço, são quase 5 séculos de transformação: Mazagão é hoje mais do que
uma cidade, é um legado, mítico, histórico e cultural. A primeira parte tratará a fundação e o
desenvolvimento da Fortaleza e da povoação de Mazagão, passará pelo seu auge e terminará no
seu declínio. A segunda parte incidirá sobre a partida de África, a passagem por Portugal, a
viagem até ao Brasil e a fundação e transformação da Mazagão Amazónica. A terceira e última
parte retratará a Mazagão do presente e dilui-la-á no tempo e no espaço, através da Festa de São
Tiago de Mazagão, sintetizar-se-á toda a história e lançar-se-ão as velas para a compreensão de
um universo da vontade de um povo, de suas batalhas, do seu legado e para a construção de um
mosaico multicultural. Ao longo do filme, inserir-se-ão em voz-off passagens de cartas e crónicas
escritas entre os séculos XVI e XVIII. Serão também filmadas entrevistas com pesquisadores
portugueses e estrangeiros (e ocasionalmente serão utilizados em voz-off trechos de trabalhos já
publicados) e serão também entrevistados os actuais habitantes da Mazagão Marroquina (hoje
El-Jadida “A Nova”) e Mazagão Brasileira. Todos estes registos funcionarão de forma
independente, conjugando-se, recriando o épico pulsar de uma cidade que atravessou o Atlântico
e se embrenhou no Amazonas. A História de Mazagão lembra algumas das obras de Franz
Kafka, onde a utopia, o absurdo, e a opressiva burocracia tomam conta de sua população,
encarcerada primeiro por muros de pedra, depois por muros de papel (a tal burocracia) e no
final, por muros de densas florestas.
Mazighan – em português “água caída” palavra berbere que se referia aos poços
utilizados para recolher água da chuva, onde não existiam nascentes perpétuas.
− (Texto a ser inserido no início do filme)
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Mazagão, Migração de um Mito
Primeira Parte – Mazagão Africana
Mostrar-se-ão imagens da costa marroquina, incidindo sobre os locais onde se firmaram outrora
outras praças portuguesas (Alcácer Ceguer, Tânger, Arzila, Mamora, Azamor, Safi, Agouz,
Castelo Real, Agadir e Massat). As imagens darão a ideia da extensão da costa africana, sua
distância de Portugal, dando ideia da localização de Mazagão, que curiosamente ficava no meio
dessa rede de praças e fortalezas.
3: Praças Portuguesas no Norte de África entre os séculos XV e XVIII4: Planta de Mazagão, 1611, Instituto dos Arquivos Nacionais, Torre do Tombo
Voz Off (1)
1505 - «Jorge de Melo, «o Lajes», desembarcou em Mazagão Velho, com gente à sua custa e
materiais, para aí fundar uma fortaleza. Tendo começado a abrir alicerces e a formar muralhas,
foram atacados pelos mouros dos aduares vizinhos da Duquela, que puseram fogo ao castelo que
estava a ser construído. Terão perecido cerca de quatrocentos e cinquenta portugueses, que foram
sepultados num revelim chamado «da Cruz»».
(citação retirada de História de Mazagão, de Duarte Ferreira do Amaral. Edições Alfa, pag.91)
Em seguida dar-se-á destaque à Fortaleza de Mazagão, conhecida actualmente como “Cité
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Mazagão, Migração de um Mito
Portugaise”. Se possível será feita a entrada pela porta do mar dentro de uma embarcação. Em
seguida, imagens das muralhas e ruas estreitas, suas casas, seus habitantes, a exuberante
cisterna, que era afinal o coração da vila, onde se armazenavam a água e os víveres. O cenário da
Mazagão marroquina será o mesmo na primeira e terceira parte, só a abordagem e a escolha de
algumas imagens ditará o tempo a que se remete, primeiramente o passado, depois o presente e
as questões sobre o futuro.
5: Porta do Mar na actualidade ( por aqui entravam as embarcações)
6: Cisterna (no interior da Fortaleza) 7: Uma das ruas da Cidade Portuguesa, hoje um forte foco de atracção turística
São muitos os focos de interesse dentro e fora da área que circunda a Fortaleza (Cité Portugaise),
hoje transformada num bairro judeu (“Mellah”). Por toda a parte ainda se notam vestígios da
presença portuguesa, esses vestígios serão ressalvados, na arquitectura, as igrejas, as portadas,
as muralhas, a cisterna, registos de um passado português. A fortaleza, foi inspirada na
experiência do engenheiro imperial italiano Benedetto da Ravenna, um homem da geração
pioneira do baluarte poligonal, que em conjunto com os arquitectos Miguel Arruda e Diogo de
Torralva e o infatigável construtor João de Castilho foram os principais responsáveis pela
construção da excepcional fortaleza.
Dar-se-á um curto enfoque das transformações (já que é na terceira parte que se dará
destaque à(s) Mazagão do presente), através das imagens da actualidade, contrapondo-as
ocasionalmente com o voz-off de antigas crónicas e cartas. Dar-se-á destaque a registos
(escritos em crónicas ou outros documentos, e por interpretações de pesquisadores) que
sublinhem o relacionamento entre portugueses e “mouros” Laurent Vidal confirma-o: «(...) em
tempos de paz, os habitantes de Mazagão mantinham com eles relações que de modo algum
eram conflituais. Esses “mouros” pertenciam a dois grupos étnicos diferentes: os árabes, que
viviam nas cidades (Marraquexe, Mogador e principalmente naquela região, Azamor), e os
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Mazagão, Migração de um Mito
berberes, especialmente os alarves, que viviam em tribos. (...) deste modo, quando os
abastecimentos tardavam, ou em períodos de escassez, não eram raras as deslocações de
portugueses a Azamor para comprar gado. E o inverso também era possível».
O discurso imagético acompanhará o discurso histórico (seja através de entrevistas ou
inserções em voz-off) de forma subtil, ressalvar-se-á primeiramente a grandeza da actual
Mazagão (El Jadida), acompanhando com o tempo cronológico da sua fundação, seu auge e seu
declínio gradual, mostrando depois alguns pontos mais negativos da Mazagão do presente, a
pobreza, os malefícios do turismo, a poluição. Desta forma, conseguir-se-á introduzir a ideia do
pulsar do tempo, um salto vertiginoso, um hiato entre a Mazagão do século XVI e a do século
XXI. O final da primeira parte lança anuncia de forma breve, o tema da terceira e última parte
de “Mazagão, Migração de um Mito”.
8: Negociantes judeus em Mazagão, século XIX 9: El-Jadida actual – Vista da fortaleza e cidade
Voz Off (2)
28 de Abril de 1521 - «O alcaide Yacob el Garib, xeque dos Gharbiya, fez corridas, pôs cerco a
Mazagão e tomou gado que era dos da praça. Morreram cristãos e mouros junto dos muros do
castelo».
(citação retirada de História de Mazagão, de Duarte Ferreira do Amaral. Edições Alfa, pag.93)
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Mazagão, Migração de um Mito
Voz Off (3)
22 de Abril de 1548 - «Cerca de quatrocentos mouros de cavalo correram Mazagão às duas horas da
tarde, mas os atalaias estavam nos seus postos e, assim como o gado, recolheram-se bem, não tendo
havido consequências». (citação retirada de História de Mazagão, de Duarte Ferreira do Amaral. Edições Alfa, pag.101)
Voz Off (4)
29 de Abril de 1623 - «Os mouros, em número superior a dez mil, bem armados, vieram sitiar a praça
quando os portugueses, com o capitão, desprevenidos, estavam no campo colhendo rama. Recolheram
estes em boa ordem até ao primeiro revelim, onde pelejaram, ajudados pela artilharia da fortaleza. A
mulher do capitão, vendo o perigo, mandou fechar as portas, para que os mouros não entrassem.
Acabaram estes por retirar com muita perda de gente e entre ela dois alcaides. Os portugueses não
eram mais que quatrocentos e deles apenas morreu um, não tendo havido feridos. Sofreram porém,
muito dano no armamento, pois rebentaram duas peças de artilharia, e desenvalgaram quatro,
rebentaram mais de cem mosquetes e quebraram-se muitas lanças». (citação retirada de História de Mazagão, de Duarte Ferreira do Amaral. Edições Alfa, pag.139)
Voz Off (5)
13 de Abril de 1720 - «Baixou uma alarca de mouros com mais de seis mil homens e meteram-se
debaixo da artilharia nos revelins e, com inúmeras cargas de mosquetaria, pretenderam fazer parar o
manejo de artilharia. Tê-lo-iam conseguido se o cavaleiro Jacinto Nunes de Abreu se não achasse no
baluarte do meio da fortaleza e com ânimo resoluto não tivesse começado a disparar a artilharia,
recebendo duas pelouradas e com elas tendo permanecido até ao fim». (citação retirada de História de Mazagão, de Duarte Ferreira do Amaral. Edições Alfa, pag.200)
A recta final incidirá sobre o seu declínio na última década, a decisão de abandonar a mais
importante praça portuguesa no norte de África, a revolta dos mazaganistas contra essa decisão,
e o cerco esmagador de Mulay Mohamed e seus 120.000 homens. Essa saída foi acompanhada
pela destruição dos edifícios principais e pelo armadilhamento da porta de acesso à fortaleza,
cuja explosão veio a impedir o acesso à cidade, levando consigo a vida de numerosos mouros.
Essa explosão foi no entanto precipitada pela quebra das tréguas por parte dos homens de
Mulay Mohamed. Essa destruição doou à cidade um novo nome após a partida dos portugueses:
El Mahduma (a destruída), a cidade ficaria abandonada durante cinquenta anos (ora por volta
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Mazagão, Migração de um Mito
de 1821), e só depois receberia o nome de El Jadida (a nova) e aí se instalariam uma colónia
judaica e duas tribos berberes. Coube ao Rei D. José a decisão de abandonar a praça,
aconselhado por Marquês de Pombal e seu irmão Furtado Mendonça, os dois irmãos foram aliás
os planeadores judiciais da saída dos mazaganistas de Marrocos para o Brasil.
Voz Off (6)
30 de Janeiro de 1769 - «Pelas onze horas da manhã chegaram junto da fortaleza dois mouros
trazendo uma bandeira, com uma mensagem do imperador a propor rendição, sob pena de passarem
todos os portugueses à espada. Retiraram sem esperar pela resposta, após o que os mouros começaram
a fazer tiro, descarregando enorme quantidade de balas sobre a fortaleza. Caíram nesta, nesse dia,
mais de duzentas bombas. E até 9 de Março caíram cerca de duas mil, que arruinaram muitos
edifícios e mataram algumas pessoas. Uma bomba que caiu sobre um armazém da Rua de Aires
Velho matou nove pessoas, incluindo o velho adail Diogo Pereira Português e a mulher, D. Leonor de
Pinho, e ferindo outras. Os portugueses não estavam entretanto inactivos. De cima das muralhas
faziam repetidas descargas, matando ou ferindo todo o mouro que se descobria nas trincheiras, e
oferecendo-se para irem combater no campo, o que o governador vedava». (citação retirada de História de Mazagão, de Duarte Ferreira do Amaral. Edições Alfa, pag.258)
Voz Off (7)
1 Março de 1769 - «Chegaram à baía catorze embarcações portuguesas, idas de Lisboa, com munições
e vários mazaganistas. Pensavam os da praça que era o socorro que esperavam. Ao contrário, porém,
ia nelas a ordem régia para entregar a praça aos mouros e para que todos os que lá estavam
embarcassem para Lisboa. Logo que a ordem foi conhecida, deu-se uma espécie de motim, no terreiro
do palácio do governador, mas os moradores acabaram por submeter-se à ordem. No entanto, segundo
a versão de Mateus Valente do Couto, a defesa tinha chegado já à última desesperação, a ponto de os
sitiados terem decidido sobre a eventual liquidação das mulheres e crianças para não serem presas dos
mouros. Teria sido com alívio que tinham recebido a chegada dos transportes para evacuação». (citação retirada de História de Mazagão, de Duarte Ferreira do Amaral. Edições Alfa, pag.258)
Voz Off (8)
11 de Março de 1769 - «Foi feito o embarque de toda a gente. Antes de partirem, destruíram as pedras
sacras das igrejas, encravaram as peças de artilharia, mataram os cavalos e mais gado e minaram
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Mazagão, Migração de um Mito
todos os baluartes. Apenas trouxeram as imagens e os livros da vedoria e dos assentamentos. Soube-se
depois que o rebentamento da pólvora dos baluartes veio a provocar a morte a milhares de mouros, que
festivamente entraram na praça». (citação retirada de História de Mazagão, de Duarte Ferreira do Amaral. Edições Alfa, pag.258)
Segunda Parte – Mazagão Amazónica
Após o abandono de Mazagão, os seus habitantes fizeram ainda uma passagem por Lisboa.
Mostrar-se-ão por isso imagens do mar e da costa lisboeta. Durante esta breve estadia na cidade,
onde permaneceram durante seis meses (de Março a Setembro de 1769) antes da partida para o
Brasil, a maioria dos mazaganistas ficaram alojados no convento dos Jerónimos e suas cercanias,
em Belém. Filmar-se-á toda essa zona, onde terão sido alojados os mazaganistas, antes de
partirem para fundar a Mazagão Amazónica. Durante esta estadia, alguns mazaganistas foram
presos, alguns por originarem desacatos, outros por tentarem fugir, no fundo, era um povo que
se sentia injustiçado, por não saber o que os esperava.
Voz Off (9)
«Ao desembarcar no cais de Belém, os mazaganistas não sabiam que destino os esperava. Só depois
de conhecer o que lhes estava reservado iriam adaptar o seu comportamento e, por vezes usar de
manhas (...) Foi no trânsito por Lisboa que Mazagão se afirmou como comunidade: anteriormente,
parecia só se consolidar de uma maneira efémera, por ocasião das batalhas contra os mouros». (citação retirada de Mazagão, a cidade que atravessou o Atlântico, de Laurent Vidal. Edições Teorema, pag.81)
Voz Off (10)
«O mar, que sempre haviam considerado nutriente e protector (era por mar que lhes chegavam
provisões e reforços, era ao mar que eles iam pescar ou apanhar marisco), esse mar trouxera-lhes a 8
de Março de 1769 a triste notícia do abandono da sua fortaleza. E era também esse mar, no qual
vogavam havia mais de dez dias em embarcações mal providas, que lhes trazia novos sofrimentos e
privações: o enjoo debilitava-os, a fome e a sede atormentavam-nos». (citação retirada de Mazagão, a cidade que atravessou o Atlântico, de Laurent Vidal. Edições Teorema, pag.65)
Foi a 15 de Setembro de 1769 que os mazaganistas deixaram Portugal rumo ao Brasil, mais
propriamente a Belém do Pará, onde algumas famílias chegariam a aguardar dez anos até à sua
transferência definitiva para a Mazagão Amazónica. A Belém chegavam escravos negros,
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Mazagão, Migração de um Mito
oriundos de África, serviam também como pagamento às famílias mazaganistas e seguiriam
também eles para fundar a nova cidade. E era uma cidade mestiça que se movia e se anunciava,
portugueses, alguns mouros convertidos, índios, negros, todos iriam fazer parte dela. A
Mazagão Amazónica estava em processo de construção, processo que consecutivas vezes se
atrasou. Coube ao arquitecto luso-italiano Domingos Sambucetti o desenho do traçado da nova
vila.
Voz Off (11)
«Era, de certo modo, uma cidade em peças soltas que se preparava para atravessar o Atlântico: os
habitantes foram repartidos por famílias facilmente intermudáveis e devidamente numeradas, o
material de construção destinado a erguer novos muros foi encaixotado e inventariado; estavam
prontas a tomar forma novas instituições civis; as cartas de nomeação dos funcionários seguiram
igualmente no comboio; e foi também constituído um primeiro fundo de maneio. Também não fora
esquecida a dimensão espiritual: os porões do galeão “Nossa Senhora da Glória” foram carregados
com objectos de culto, estátuas e quadros provenientes das igrejas da praça forte». (citação retirada de Mazagão, a cidade que atravessou o Atlântico, de Laurent Vidal. Edições Teorema, pag.91)
Novamente imagens do mar, em seguida, imagens da costa brasileira, belenense, o mar
representa a linha do triângulo mazagónico: Portugal-Marrocos-Brasil. Registar-se-ão imagens
do rio Guamá que liga Belém ao mar, por onde entraram outrora os mazaganistas, antes de
seguirem para a nova Mazagão, algumas centenas de quilómetros a noroeste. Mostrar-se-á a
igreja do Carmo edificada pelo arquitecto italiano Antonio Landi e o forte do Presépio, edifícios
que os mazaganistas terão concerteza visto na altura. Será importante registar imagens da
Belém brasileira, a segunda Belém afinal por onde fizeram passagem (pois após a partida de
África foi pela zona de Belém, em Lisboa que a maioria dos mazaganistas aguardaram a partida
para o Brasil). Outras imagens, de urubus a esvoaçar os céus, a intensa vegetação, os rios
lamacentos, formarão uma paleta que contrastará com as paletas captadas em Marrocos e em
Lisboa, essas diferenças de tonalidade intensificarão a brusca e violenta transformação de
Mazagão. Contudo, em Belém do Pará, os mazaganistas foram inicialmente bem recebidos:
Voz Off (12)
«Até agora só posso dizer a V.Exª que se conservão os novos povoadores sem estoria, e satisfeitos por
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Mazagão, Migração de um Mito
terem comprehendido o melhoramento da sua fortuna: recebem a ração diária de farinha, e peixe seco,
ou arroz e carne seca da Parnayba, porque havendo eu tratado este comercio com os homens de negº
daquella villa, consegui que viessem as sumacas a este porto, tendo chegado já cinco com vinte e duas
mil arrobas. A introdução das referidas carnes tem posto a terra tão abundante [que] sendo em dóbro
os Mazaganistas acharião toda a providência». (citação retirada da carta nº83 (BNL – POMB Cod.616) - do governador Ataíde e Teive para Mendonça Furtado em Janeiro de 1770)
Porém, os meses que se seguiram, tornaram a denunciar a frágil condição dos mazaganistas, que
já em Lisboa se tinham revoltado. Num curto espaço de tempo, o sentimento de abandono e
desprezo a que se sentiam relegados volta de novo à tona. «O renascimento de Mazagão não
produziu, portanto, uma reprodução idêntica da antiga fortaleza. Embora inserindo-se no seu
prolongamento, Nova Mazagão era muito diferente dela, e surge-nos como o resultado de um processo
original. Assim era a cidade-palimpsesto: na cidade de papel vinham enxertar-se a cidade em
estaleiro, a cidade índia, a cidade colonial e a cidade mestiça dos neomazaganistas. Todas estas
cidades, reais ou imaginárias, formais ou informais, se sobrepunham e se imbricavam, mas também
entravam em conflito.». (citação retirada de Mazagão, a cidade que atravessou o Atlântico, de Laurent Vidal. Edições Teorema, pag.190).
As primeiras famílias viajaram de Belém a Mazagão em canoas, escavadas em enormes troncos
de árvore sem quilha nem leme, variando entre os 11 e 17 metros de comprimento. Canoas
similares a estas ainda se utilizam no norte do Brasil. Será por isso interessante reconstituir essa
viagem de canoa, percorrendo uma extensa trama de rios até alcançar o ramo norte do
Amazonas e subir depois até Mazagão pelo rio Mutuacá.
10:Carta topográfica daVila de Mazagão – Mapoteca do Itamari 11: Mapa do Estado do Amapá, onde se situa Mazagão Velho
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Mazagão, Migração de um Mito
Logo à chegada das primeiras famílias à Nova Mazagão em 1771, choveram protestos sobre o
comandante da vila e o provedor, a atribuição das casas e a fome eram as queixas mais comuns.
Será importante mostrar imagens das antigas plantas, assim como das ruínas das construções
antigas. Nos anos seguintes, embora a cidade se desenvolvesse e ganhasse alguma actividade
económica, fosse autónoma e dispusesse de um importante exército de reserva, a chuva e o calor
extremos faziam crescer os casos de doença, intrigas, violência, alcoolismo, roubos e fugas. E
fugiam negros, índios e neomazaganistas, os índios foram aliás, os primeiros a fugir, refugiando-
se em povoações vizinhas, os negros eram os que menos fugiam, já que a floresta amazónica era
para eles um universo estranho. As obras atrasavam-se consecutivas vezes, as fugas e as
intempéries eram os principais culpados:
Voz Off (13)
«Atestamos e certificamos que todas as propriedades de cazas que se tem edificado e estão ainda
constroindo nesta Villa, sam formadas de madeira e cobertas de palha cuja cobertura só dura quando
muito o tempo de quatro annos(...) as muitas trovoadas que nos emvernos se experementão de
rigorozos ventos e continuadas chuvas hé que as fazem demolir (...) pelas muitas agoas que o terreno
conserva, apodrecem as madeiras que formão os alicerces». (citação retirada da “Atestação do mestre carpinteiro e do mestre pedreiro” 19-12-1778 AHU – Pará cx. 82, d. 6720)
Ironicamente, o clima deléterio da antiga Mazagão era similar ao da Nova, a população sofria na
mesma medida, se bem que por motivos diferentes. Os guerreiros, fossem nobres ou não, tiveram
que trocar a espada pela enxada, os seus filhos não tinham educação adequada, pois no início
não haviam mestres, esse facto alfigiu principalmente as famílias mais nobres. E embora fossem
recebendo ensinamentos preciosos com os índios sobre como tirar proveito dos recursos da
floresta, facto curioso que denunciava um crescente poder dos índios sobre a vida do dia-a-dia
dos mazaganistas, estes não tinham sido traçados para as lides da terra.
A Nova de Mazagão “apodrecia” e era a memória da antiga e gloriosa Mazagão que fazia
com que a identidade da povoação sobrevivesse. No entanto, o espírito indómito dos
mazaganistas teimava em renascer tal qual uma fénix. E por volta de 1777 com a morte de
D.José aquando da aclamação da Rainha D.Maria e do seu casamento, que ao ser pedido por
Lisboa a celebração de tal acontecimento em todas as regiões do império, os mazaganistas volta
a ser notícia e motivo de espanto. Com apenas alguns dias de preparação, os mazaganistas
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Mazagão, Migração de um Mito
organizaram uma estrondosa festa, cortejos, cânticos acompanhados com dançarinos
mascarados, compuseram-se poemas, representaram-se sete óperas! Essas óperas, compostas
pelo libretista italiano Pietro Domenico Bonaventura Trapassi cognominado Metastasio
deveriam ser do conhecimento da nobreza de Mazagão, que concerteza tivera acesso a tais
representações em Portugal, já que o compositor italiano estava em voga na época. Este
acontecimento chamou a atenção do reino sobre a Nova Mazagão, será interessante usar o som, e
porventura imagens sobre estas óperas, os neomazaganistas quiseram através delas passar uma
mensagem, de desespero, de revolta. Tendo sido valorosos guerreiros, não eram capazes de ser
lavradores, ou comerciantes, ou em suma – colonos. E foi artisticamente que se conseguiram
manifestar de forma mais preeminente. A partir dessa festa de 1777, os neomazaganistas iriam
passar a dirigir-se à rainha, protestando, adoptando uma linguagem própria, referindo-se a um
passado glorioso, saudosista.
Essa festa viria provavelmente a marcar o espírito mazaganista em gerações futuras e
talvez ser a génese da actual festa de São Tiago de Mazagão que ainda hoje se comemora.
O descontentamento é patenteado na primeira carta de petição à rainha, datada de Julho
de 1778:
Voz Off (14)
«O fim que aquele Povo infelis se propoem é o de alegar para merecer; mas remetendo ao silençio os
relevantes serviços de seus progenetores, pellos quaes merecerão acrescentados premios e sangue que
deramarão emquanto aquella Praça foy vivo Theatro de viva guerra; e o perderem na evacoação della
tudo quanto possuião, elle passa a expor a Vª Magestade os pezados trabalhos que tem sofrido desde a
infeliz epoca da sua memoravel extinção (...) tal foy, soberana Rainha, e Senhora Nossa, o aperto
com que no referido do estado foy aquelle infeliz Povo mandado a estabelecer; que nem podem
descriver-se na Real prezença de Vª Magestade com inteireza muitas particularidades da mizeria que
o acompanha, como são o faltarem as obrigações de Catolicos, huns pella indecencia dos trages, e
outros pella desnudez e outras muitas que farião denegar a narractiva infastidiosa.». (citação retirada da “Requerimento dos moradores da extinta praça de Mazagão...” ?-07-1778 AHU – Pará cx. 80, d. 6639)
Ora a chamada de atenção surtira algum efeito, foi então pedido ao governador João Pereira
Caldas um relatório ao completo sobre a vila. Em Fevereiro de 1779 eram transmitidos os
resultados do inquérito ao ministro Martinho de Melo e Castro. O governador pedia que se desse
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Mazagão, Migração de um Mito
a liberdade às famílias de Nova Mazagão de se fixarem noutro local daquela capitania, e de
conceder melhores condições às famílias que pretendessem ficar. Nenhum pedido surtiu efeito. A
crise em Mazagão piorou com uma epidemia de paludismo. Muliplicavam-se as fugas e actos de
desobediência. Os pedidos para retornar a Belém amontoavam-se. Começava a surgir a ideia de
tolerar uma deslocação da vila. Decidiu-se então em 1783 pôr termo à institucionalidade da
delocação e refundação de Mazagão na Amazónia, cerca de 15 anos depois do abandono da praça
africana. A coroa cortava relações com a Vila, deixando de pagar aos seus habitantes. Escasseia
por isso informação sobre a povoação durante longo período, visto ter deixado de existir a
fervorosa troca de cartas, havendo algumas referências ocasionais. Com a declaração de
independência do Brasil em 1822 e a aderência do Pará um ano depois, originar-se-iam novas
mudanças no destino de Mazagão. E em 1833, Mazagão perdia não só o estatuto de vila como o
nome, passando a chamar-se Regeneração, era uma nova provação à povoação e à sua vontade
inquebrantável, os mazaganistas ainda redigiram um protesto, mas em vão. O Brasil fervilha, e
embora tenha declarado independência, os seus políticos continuam a manter relações com
grande comércio português, os mesmos políticos que durante dez anos reprimiram os
movimentos independentistas populares. No Pará, forma-se uma guerrilha de homens armados,
os cabanos, formado maioritariamente por mestiços, índios e negros, combatem o governo, são
liberais radicais, e invadem Belém. As tropas imperiais retomam Belém alguns meses depois. Os
mazaganistas voltam a entrar em cena decidindo organizar uma resistência aos cabanos, em
colaboração com os habitantes de Macapá, as tropas legalistas eliminam em 1840 os últimos
focos da rebelião. E em 30 de Abril de 1841, Mazagão recupera o seu nome. A vila atravessa uma
nova fase, pobre em registos históricos. E a 9 de Julho de 1915, face ao estado de isolamento,
insalubridade e precaridade económica decide-se abandonar o local e instalar os habitantes de
Mazagão em Vila Nova de Anauerapucú, rebaptizando-a de Mazaganópolis. A Nova Mazagão
passa a chamar-se de Velha Mazagão, e ficam ainda a habitá-la algumas famílias. Mas surge por
esta altura outro fenómeno extraordinário, se ainda que pouco documentado e registado: a
instalação de uma povoação de escravos fugitivos, designados como quilombolas na cercania da
Velha Mazagão, pois ao encontrá-la tão isolada, encontraram nela o refúgio ideal, seria até na
época um dos maiores do Pará. Com o registo de algumas imagens de Mazaganópolis, termina-se
a segunda parte.
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Mazagão, Migração de um Mito
Terceira Parte – Mazagão dos nossos dias
Na terceira parte, voltaremos a El-Jadida e a Mazagão-Velho. Dar-se-á maior destaque ao
quotidiano, à vida presente de ambos os locais. Somar-se-ão entrevistas aos seus habitantes. Em
Mazagão Velho dar-se-á especial destaque à Festa de São Tiago. À entrada da vila, lê-se
inclusive, num pórtico majestoso: “Benvindo em Mazagão Velho, terra de São Tiago”, será a
mensagem ideal de entrada na vila. Será importante registar imagens das ruínas da igreja da
Nossa Senhora da Assunção que data do século XVIII, ruínas que hoje se encontram enredadas
em ramadas, trepadeiras e troncos de árvore. Por altura das vésperas da festa anual, a vila
fervilha de actividade, toda a povoação (que actualmente não ultrapassa os 500 habitantes, mas
que por altura da festa traz centenas de visitantes à Velha Mazagão) se apressa a finalizar os
últimos preparativos. Pintam-se fachadas, estendem-se faixas nas árvores, Mazagão enche-se de
cores. Grupos musicais maioritariamente formados por negros cantam de casa em casa, o género
musical chama-se Marabaixo, o ritmo da percussão marca a sua sonoridade. Mas outra música se
ouve nos festejos, é a música religiosa, em conjunto com o samba ou mesmo o techno. O sagrado
e o profano misturam-se. A cerimónia começa, Mazagão está quase na penumbra e ouvem-se três
tiros de espingarda à porta da capela, surgem dois cavaleiros vestidos de branco, representam os
cavaleiros cristãos, retiram as estátuas de São Jorge e São Tiago do altar e levam-nos com eles,
outros cavaleiros, também de branco, outros de vermelho (representando os mouros) tomam
lugar no cortejo. Um dos cavaleiros mouros surge segurando um estandarte vermelho com duas
cimitarras. Em seguida surgem o cavaleiro de São Jorge e o de São Tiago.
12: Fotogramas super8 de cavaleiro representando São Tiago – Festa de São Tiago de Mazagão
Á frente do cortejo vários jovens lançam fogo de artifício. À noite começa o baile, ouve-se
música variada, misturam-se ritmos, samba, forró e zouk com rock e techno a ideia dos
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Mazagão, Migração de um Mito
organizadores da festa é cativar os jovens e tentar convencê-los a participar, por isso cedem na
escolha de algumas músicas para os bailes. A festa termina ao amanhecer, e começa a cerimónia
religiosa de manhã cedo, e assim se decorre a semana neste inalterável ritmo, até à batalha final
que decorrerá nos últimos dois dias. Na madrugada do primeiro dia de batalha, a população
percorre a casa dos figurantes do cortejo (são eles São Tiago, São Jorge, os atalaias e os
emissários mouros) A primeira casa visitada é a de São Tiago, os tambores entram pela casa sem
deixar de rufar, um pequeno grupo de homens canta e dança, a dona da casa recebe a multidão
com comida e bebida, assim se segue o cortejo de casa em casa.
13: Fotogramas super8 cavaleiros representando mouros e cristãos, ao centro, de amarelo segue São Jorge – Festa de São Tiago de Mazagão
Com todos os protagonistas em cena, a representação começa. Os emissários mouros, vêem
oferecer aos dignatários católicos várias iguarias como prova do seu apreço, os dignatários
aceitam a oferta, mas desconfiam que estas estejam envenenadas. Os habitantes mais ilustres
que recebem as iguarias são visitados em casa pelos figurantes mouros e cristãos que cantam e
14: Fotogramas super8 figurantes mouros levando oferendas aos dignatários cristãos – Festa de São Tiago de Mazagão
tocam tambor, o cantor improvisa muitas vezes a letra. À noite é organizado um baile de
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Mazagão, Migração de um Mito
máscaras a fim de comemorar a pretensa vitória dos mouros sobre os cristãos, só os homens
estão autorizados a participar do baile. Uma panóplia de máscaras invade o baile, algumas de
cartão, outras de plástico. Nesse baile os mouros perderão o seu chefe, Caldeira, pois os cristãos
haviam-se infiltrado no baile com as mesmas iguarias envenenadas, que numerosos infiéis terão
ingerido. Na manhã seguinte outro personagem tomaria o seu lugar, uma pequena criança, seria
o Menino Caldeirinha. A estória prossegue, entre mais procissões e confrontos, espingardas
disparam pólvora seca, fazem-se leilões, novas missas, um grande almoço organizado pelo
município.
15: Fotografias de vários figurantes de cavaleiros mouros– Festa de São Tiago de Mazagão – As suas fisionomias tão diversas fazem pensar em suas origens, vemos neles rostos berberes, europeus, africanos, indígenas
No final da festa, são os cristãos que vencem a batalha, ao contrário do que se verificou afinal na
história, mas o imaginário de Mazagão esse venceu a mais dura das provas, que os seus
povoadores souberam manter. As grandes personalidades da festa são curiosamente negros,
provavelmente descendentes dos escravos quilombolas fugidos no século XIX. E são na maioria
negros que habitam a Velha Mazagão e dinamizam a festa, porém, entre os figurantes, é possível
sem grande imaginação denunciar a presença de traços indígenas e portugueses, o panorama de
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Mazagão, Migração de um Mito
rostos pinta uma paleta que traduz a multiculturalidade que singularizou Mazagão desde os seus
primórdios. O panorama de rostos pinta uma paleta que traduz a multiculturalidade que
singularizou Mazagão desde os seus primórdios. A festa de São Tiago de Mazagão tem sido
realizada todos os anos de 16 a 28 de Julho, e os seus participantes mais fervorosos ( Senor Vavá,
Sendinho, Rozacema e Josué) afirmam que se tem realizado anualmente desde 1777, porém,
tudo indica que as festividades terão sido interrompidas nos anos seguintes, só tendo vindo a
ressurgir depois da criação de Mazaganópolis em 1915.
16: Fotografias de vários figurantes – Festa de São Tiago de Mazagão
Voltando a África do presente, mais propriamente a El-Jadida e à Cité Portugaise é
importante relembrar que se tornou património da Unesco em 2004. A Nova cidade, no exterior
das muralhas fervilha de actividade, os turistas são atraídos não só pela magnífica fortaleza mas
também pelo facto de aqui existir uma das melhores praias de Marrocos. Os marroquinos, depois
do abandono de cinquenta anos da fortaleza portuguesa, foram-se apercebendo aos poucos da
sua importância, tendo sido eles a pedir que esta se tornasse património da humanidade, e
conseguiram-no sem dúvida. A partir de 1827 foram-se instalando não só judeus, como algumas
famílias europeias, principalmente espanholas, foi até instalada na cidade uma mesquita.
Interessa registar esses elementos que denunciam o processo de transição da Mazagão do
passado à Mazagão do presente. A maior mudança da Mazagão marroquina decorreu no entanto
durante o protectorado francês a partir de 1912, a fortaleza entrava assim numa nova idade de
ouro. Os franceses viam em Mazagan ( por essa altura decidiram também eles recuperar o nome
com que os portugueses a tinham baptizado) uma grande mais valia, se por um lado tinha um
dos melhores (senão o melhor) portos de Marrocos, possuía também um enorme potencial
turístico, com extensos areais e marés calmas. Desde essa época, Mazagan, (hoje novamente El-
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Mazagão, Migração de um Mito
Jadida) tornou-se o um forte foco de atracção turística, houve quem lhe chamasse já o Deauville
marroquino. Essa visão francesa levou a que se desenvolvesse a partir de 1916, uma cidade fora
das muralhas, em especial para leste, ao longo do extenso areal, e se renovasse a fortaleza. O
objectivo era tornar toda a região num eficiente chamariz de turismo. Será importante registar
esse fenómeno actualmente, de que forma convive o turismo a par com a história tão violenta e
épica de Mazagão e sua fortaleza. A recuperação da memória da fortaleza pela administração
colonial francesa teve o apoio benévolo de Portugal. Foram chamados conselheiros portugueses,
Oliveira Martins chegou mesmo a afirmar: «assim, Mazagão, embora esteja debaixo do domínio
da França, é uma cidade que continua portuguesa». Uma grande parte do conhecimento
científico da história da cidade portuguesa se deve ao trabalho de investigadores franceses, que
de 1930 a 1950 se dedicaram ao seu estudo. A partir de 1956, depois da independência de
Marrocos, a cidade retomou o seu nome de 1821: El Jadida. Da fortaleza original, o que se
encontra mais bem conservado são os muros, o baluarte e a cisterna, com a explosão de 1769,
apenas desapareceu o baluarte do governador, o baluarte do Serrão encontra-se apenas um
pouco diminuído. O traçado das ruas sofreu modificações, porém ainda nos podemos deparar
actualmente com as Ruas da Carreira, da Cadeia, da Nazaré, das Curvas e do Celeiro, assim
como a Praça do Terreiro. Outros edifícios dão ainda hoje perfeita ideia da presença portuguesa.
Alguns restos do material bélico estão hoje guardados no museu instalado numa galeria do
edifício do castelo. Poucos canhões portugueses subsistem no muro. A Unesco declara em 2004 a
justificar a escolha da cidade portuguesa para seu património: «o excepcional valor do local,
testemunha da troca de influências entre as culturas europeias e a cultura marroquina».
Restaria acrescentar, a esta declaração sobre a “Mazagão Africana”, que a Mazagão mítica, a
que engloba toda a história, suas lendas, suas outras estórias indizíveis, seus silêncios, seus
desesperos, suas mortes, seus heróis, da migração de África, pela Europa, pelos mares, pelos rios
Amazónicos, serviu também como testemunha de troca de influências entre as culturas
europeias, marroquinas, africanas, indígenas, brasileiras, portuguesas - trespassando a morte e o
tempo. É nesse espírito afirmativo de sua vontade e sua energia criadora que terminará o filme
documental “Mazagão, migração de um mito”.
As fotos da Festa de São Tiago de Mazagão são de autoria de Helga Roessing, a filmagem super8 de onde foram retirados os fotogramas da mesma festa
são da autoria de Ricardo Leite e Francisco Weyl.
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