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Jurisprudência da Primeira Turma
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
RECURSO ESPECIAL NQ 29.135 - SC (Registro n ll 92.0028638-0)
Relator: Ministro Demócrito Reinaldo
Recorrente: Rigesa, Celulose, Papel e Embalagens Ltda
Recorrida: Fazenda Nacional
43
Advogados: Alfredo Pereira Macedo e outros e Antônio Carlos Rodrigues de Barros e outros
EMENTA: Tributário - Imposto sobre Serviços de Transportes - Carga própria, em veículo próprio, para simples entrega, não está sujeito ao imposto
sobre serviços de transportes, por inocorrência do fato gerador.
O transporte de carga própria em veículo próprio, para simples entrega,
não está sujeito ao Imposto sobre Serviços de Transportes, por inocorrência
do fato gerador.
Recurso provido. Decisão unânime.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provi
mento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na forma do
relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.Votaram com o Relator os Srs. Ministros Humberto
Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira, José Delgado e Garcia Vieira. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 18 de agosto de 1998 (data do julgamento). Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.
Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.
Publicado no DI de 21.09.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Rigesa, Celusose, Papel
e Embalagens Ltda interpôs recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c
do princípio constitucional autorizativo, contra acórdão do extinto Tribunal Federal de Recursos, resumido na ementa seguinte:
RST], Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
44 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA
"Constitucional-Tributário - Imposto sobre Transportes - Lei
nº- 7.450/85 - artigo 94 - Restauração da vigência do § 3º- do artigo 3º- do Decreto-Lei nº- 1.438/75. Hipótese que não se confunde com a repristinação tácita, decorrente de revogação da lei revogadora, e que não existe em nosso direito.
O imposto sobre transporte é tributo novo. Nada impede, entretanto, que, em sua criação, fosse determinada a observância de normas pertinentes ao que veio substituir. Recepção de conjunto normativo que passa a reger outras hipóteses.
Hipóteses de incidência, contribuinte, base de cálculo e alíquota previstas em lei" (folha 117).
Sustenta, a recorrente, que o v. aresto recorrido negou vigência aos artigos
4º-, 68, 70 e 97 do Código Tributário Nacional, artigo 2º-, § 3º-, da Lei de Intro
dução ao Código Civil, bem como divergiu de julgados do Supremo Tribunal Federal e de outros tribunais (folhas 120/136).
Contra-arrazoado (folhas 142/144), o recurso foi admitido na origem, subindo os autos a esta instância.
Encaminhados com vistas à douta Subprocuradoria Geral da República, retornam agora, conclusos, em 03.06.98, com parecer favorável ao provimento do recurso (folhas 155/160).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): A questão fulcral
a ser dirimida, conforme já resumidamente exposta, consiste em sabe~ se é legalmente admissível, ou não, o transporte de carga própria em veículo próprio, sem a cobrança do denominado Imposto Sobre Serviços deTransporte.
A egrégia Sexta Turma do extinto e sempre lembrado TFR entendeu que a hipótese é de incidência do imposto, em face da restauração da vigência do § 3º
do artigo 3º- do Decreto-Lei nº- l.438/75, com o advento da Lei nº- 7.450/85. Reconheceu, ainda, que "o Imposto sobre Transporte é tributo novo. Nada impe
de, entretanto, que, em sua criação, fosse determinada a observância de normas
pertinentes ao que veio substituir" (folha 117). Por seu turno, a recorrente, após fazer uma completa sinopse legislativa da
tributação sobre os serviços de transportes, demonstrando a ilegalidade da inci
dência do 1ST sobre o transporte de carga própria em veículo próprio, ressalta em suas razões recursais, in verbis:
RST}, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 45
"Assim, muito embora o colendo Supremo Tribunal Federal tenha
firmado posição quanto à inconstitucionalidade do § 3J2 do artigo 3J2 do Decreto-Lei n J2 1.438/75, com a redação do Decreto-Lei n J2 1.582/77, a egrégia Sexta Turma do egrégio Tribunal Federal de Recursos, ao admitir
o seu restabelecimento, e, por conseguinte, o restabelecimento de norma
declarada inconstitucional, está dando interpretação divergente daquela
externada por outros egrégios tribunais. Vejamos:
'Tributário. Imposto sobre Serviços deTransporte (ISTR). Não
incidência sobre transporte de bens quando estes são do transportador, e é executado o serviço em veículo próprio. Inconstitucionalidade do inciso III do art. 3J2 do Decreto-Lei n J2 1.438/75, com a redação do
Decreto-Lei n J2 1.582/77. Precedentes do Supremo Tribunal Federal
nos RREE n llli 100.642 e 10 l.170. Recurso não conhecido. (RE n il
10 1.168-8-SP. DJU de 22.02.85, p. 1.593).
Tributário. ISTR. Serviços de transporte sobre carga própria,
em veículo próprio. Inconstitucionalidade.
I - Ao julgar a argüição de inconstitucionalidade suscitada na
AMS n J2 89.825-RS, decidiu o Pleno desta Corte que é inconstitucionalo art. 3 J2, inciso III, do Decreto-Lei n J2 1.438, de 1975, com a
redação do Decreto-Lei n J2 1.582, de 1977.
II - Sentença confirmada.
(Remessa ex officio n J2 114.644 - SP - (6496741) - DJU de 05.02.87, p. 929).
Constitucional e Tributário. ISTR. Serviço de transporte de mercadorias próprias em veículos próprios. Inocorrênciã de fato gera
dor. Exigência fiscal ilegítima. Inconstitucionalidade.
I - Se a pessoa física ou jurídica transporta, em veículo próprio,
mercadorias ou bens próprios destinados ao comércio ou à indústria, não está sujeita ao pagamento do imposto sobre serviços de transporte na forma prevista pelos artigos 68, I e lI, 69 e 70 do CTN. O
Plenário do TFR declarou a inconstitucionalidade da norma inscrita
no art. 3 J2, III, do Decreto-Lei n J2 1.438, de 1975, com a redação do Decreto-Lei n J2 1.582, de 1977, por ser incompatível com o disposto
no art. 21, VII, da Constituição Federal.
(In Argüição de Inconstitucionalidade naAMS n J2 98.825-RS, ReI. Min. Carlos Velloso).
RST], Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
46 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
~I - Apelação provida. Segurança concedida.
Apelação em Mandado de Segurança nQ 112.447 - Pará - (Re
gistro nQ 79.20024) DJU de 15.05.87, p. 8.991. Tributário. Imposto sobre Serviços deTransportes (ISTR). De
creto-Lei nQ 1.438/75, art. 3Q, UI, com a redação do Decreto-Lei nQ
1.582/77.
Ao julgar a argüição de inconstitucionalidade, suscitada naAMS
nQ 89.825-RS, decidiu o Pleno desta Corte que é inconstitucional o
art. 3Q, inciso lU, do Decreto-Lei n Q 1.438/75, com a redação do
Decreto-Lei nQ 1.582/77.
Apelação desprovida.
(Apelação Cível nQ 1 06.451-PR-(7250835) DJU de 13.11.68 -
nQ 22.032 - fls. 133/134)."
Nesta instância, o douto Subprocurador-Geral da República, Miguel
Guskow, em seu bem lançado parecer, apresenta ponderações que se me afigu
ram irreprocháveis, no seguinte excerto:
"É entendimento pacífico, tanto da doutrina quanto da jurisprudên
cia, que o transporte rodoviário de carga própria, realizado em veículo
próprio para simples entrega, não ocorre fato gerador, por inexistência de serviço de transporte a terceiros como atividade remunerada.
O § 3Q do art. 3Q do Decreto-Lei nQ 1.438/75, que autorizava a co
brança do imposto sobre serviço de transporte de carga própria em veículo
próprio, veio a ser declarado inconstitucional porque não se poderia con
siderar prestação de serviços, o transporte de mercadorias do próprio trans
portador. A partir da Emenda Constitucional nQ 27/85 e da edição da Lei nQ
7.450/85, o legislador, eliminando a cláusula "serviços" fez abranger no
Imposto sobre Serviços de Transporte também o simples transporte. Dis
pôs o art. 94 da mencionada lei:
'Art. 94. O Imposto sobre Serviços deTransporte Rodoviário
Intermunicipal e Interestadual de Pessoas e Cargas passa a denomi
nar-se Imposto sobre Transportes, regendo-se pelas normas em vi
gor do tributo cujo nome é modificado, mantido inclusive o § 3Q do
artigo 3Q do Decreto-Lei nQ 1.438, de 26 de dezembro de 1975.'
(grifam os) .
RSTJ, Brasília, a. ll, (ll4): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 47
Essa cobrança, entretanto, é vedada pelo próprio Código Tributário
Nacional que estabelece, em seus artigos 68,69 e 70 que o imposto incide
sobre a prestação de serviço de transporte.
Segundo o entendimento do Ministro Eduardo Ribeiro, que, pedindo
vista dos autos terminou por mudar a posição defendida pelo relator, foi
equivocada a interpretação dada pela sentença ao art. 94, pois este não
teria autorizado novamente a cobrança do imposto de quem transporta mercadorias de sua propriedade em veículo seu.
Mesmo se assim fosse, não foi a melhor técnica a utilizada pelo le
gislador.
Coaduna-se, pois, com a argumentação da decisão de primeiro grau assim externa da, verbis:
'Tenho que para cessar as 'dificuldades existentes de cobrança
nos últimos anos' do 1STR sobre carga própria não basta a simplória
mudança da denominação do tributo. Há que se respeitar, ao contrá
rio, todo o rigor do processo legislativo, a integralidade dos princí
pios constitucionais da hierarquia e legalidade, sendo insuficiente a
ambígua, subjetiva e arbitrária 'lógica e inquestionável supressão do termo serviço em todas as disposições' de legislação anterior para magicamente obter-se a nova regulamentação legal do 1ST.' (v. fls.
80/81) (folhas 158/159)."
Dessarte, pela procedência de tais argumentos, ao adotá-los como razão de
decidir, conheço do recurso e lhe dou provimento, restabelecendo a douta sen
tença de primeira instância.
É como voto.
Relator:
Recorrente: Recorrido:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL NQ 98.377 - DF (Registro nU 96.0037752-9)
Ministro Garcia Vieira
Distrito Federal Minas Brasília Tênis Clube
Evaldo de Souza da Silva e outros e Sérgio Cupertino Mar-
ques e outros
Sustentação Oral: Evaldo de Souza da Silva (pelo Distrito Federal)
RSTJ,Brasília,a.ll, (l 14): 41-117,fevereiro 1999.
48 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: Processual- Decreto - Distrito Federal-Tribunal de Justiça
do Distrito Federal- Preliminar - Apreciação.
Tratando-se de norm.a legal editada pelo Poder Executivo do Distrito Federal, não pode o egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal deixar de
decidir questão argüida, sob o fundam.ento de que não fora juntado aos autos
o texto da referida nOrIna.
Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Exmos. Srs. Minis
tros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao
recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto
Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado. Brasília-DF, 17 de março de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.
Ministro GARCIA VIEIRA, Relator.
Publicado no DI de 03.08.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: O Distrito Federal interpõe recurso
especial (fls. 123/132), arrimado na Constituição Federal, artigo 105, inciso lU,
letra a, insurgindo-se contra o v. acórdão que rejeitou a preliminar de prejudicialidade do mandado de segurança face à regulamentação, pelo Decreto do GDF nQ 16.381/
95, do procedimento para credenciamento para realização de bingos permanentes
no Distrito Federal. Alega contrariedade ao art. 337 do CPC.
Requer provimento para reformar o v. acórdão hostilizado.
Sem contra-razões. Despacho de fls. 142 admitiu o recurso.
O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento e provimento
parcial do apelo (fls. 146/153). Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato omissivo do Secre
tário da Fazenda e Planejamento do Governo do Distrito Federal que indeferiu o
pedido de credenciamento para promoção de bingos permanentes.
O v. acórdão de fls. 111/119 concedeu a segurança.
É o relatório.
RSTJ,Brasilia,a.ll, (114): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 49
VOTO
o SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): Sr. Presidente, aponta o
recorrente, como violado, o artigo 337 do CPC, versando sobre questão devida
mente prequestionada.
Conheço do recurso pela letra a.
O v. acórdão recorrido rejeitou a preliminar de prejudicialidade do presente mandado de segurança face à edição do Decreto nl!.16.381, de 28 de março
de 1995 (fls. 133/136), sob o fundamento de que incumbia ao recorrente trazer
para os autos a íntegra do citado Decreto (fls. 114). Sem razão, a meu ver, tal
posicionamento. Como se trata de uma norma legal editada pelo Poder Exe
cutivo do Distrito Federal, não podiam os ilustres membros do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal deixar de apreciar e decidir referida preli
minar, sob o fundamento de que não fora juntado aos autos o texto do referido
decreto. Cabia ao Tribunal, de ofício, determinar a sua juntada e isso está bem
claro no artigo 337 do CPC, parte final.
O recorrente, nos termos deste dispositivo legal, só teria de juntar aos autos
referido Decreto, se assim tivesse determinado o Tribunal. A exigência de junta
da do texto da citada norma do Distrito Federal só seria cabível se o tribunal
que apreciaria não fosse do próprio Distrito Federal. Os ilustres membros do
egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal não podem alegar desconheci
mento de lei aqui editada pelo Governo do Distrito Federal. Com razão o Mi
nistério Público Federal, ao sustentar, em seu parecer de fls. 146/153, que:
"O entendimento dado pelo egrégio tribunal a quo ao art. 337 do
CPC diverge, não só da doutrina pátria, mas também do Decreto-Lei nl!.
4.657/42 e da Lei nl!. 5.869/73 que consagram a aplicação do dispositivo legal supracitado, apenas nos casos de comprovação do direito municipal,
estadual, estrangeiro ou consuetudinário, alegado fora de território
constitutivo do Município ou Estado.
Hu:mbertoTheodoro Júnior, em seu 'Código de Processo Civil', 2;[
ed., Forense, Rio de Janeiro, 1996, p. 159, comenta o artigo 337 do CPC nos seguintes termos:
'JuriSprudência Selecionada - Salvo nas hipóteses do art. 212 do CPC de 1939, reproduzido no art. 337 do CPC de 1973, não é
necessário que a parte junte aos autos processuais o texto da lei em
que baseia o seu direito. Se a lei, reguladora da matéria controvertida, já se achava editada em pleno vigor, devia o egrégio tribunal a
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-1 17, fevereiro 1999.
50 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
quo aplicá-la independentemente de se lhe juntar o texto nos autos
processuais. Incide no pormenor o brocardo latino que diz: jura novit curia. Julgando, como julgou, que a recorrente não demonstrou a existência da questionada lei, que, na verdade, existia, o acórdão im
pugnado negou vigência dessa lei' (do voto do Min.Antônio Neder,
ReI. do ac. unân. da PT. do STF de 12.05.1981, no RE n.!l74.066-
SP; RTJ, 99/146)" (fls. 151/152).
Dou provimento ao recurso para anular o acórdão recorrido e outro seja
proferido, apreciando-se a preliminar de prejudicialidade, que fora, por ele, re
jeitada.
VOTO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Sr. Presidente, também
entendo como S. Exa., o Sr. Ministro-Relator. O art. 337 é claro. (lê):
"A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consu
etudinário provar-Ihe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz".
No julgamento do mandado de segurança, em se tratando de uma ação de
competência originária, o tribunal teria todas as condições de converter o feito em diligência. Ou determinando à parte um prazo para que provasse a vigência do
direito estadual ou local, ou, então, determinando a juntada do inteiro teor desse
decreto para efeito de apreciação do julgamento. Na hipótese, aplica-se perfeita
mente o célebre brocardo jura novit curia. O juiz não pode negar que não co
nhece o direito, especialmente o direito local, onde ele judica diuturnamente.
Estou de inteiro acordo com V. Exa., Sr. Ministro Garcia Vieira, e dou provimento ao recurso para que, anulado o acórdão, o Tribunal faça a diligência necessá
ria para tomar conhecimento do inteiro teor desse decreto e julgue a preliminar.
É como voto.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Sr. Presiden
te, consultando Theotonio Negrão verifiquei que o artigo 337 é um dos poucos
em que não há uma nota, uma referência a precedentes judiciais. Este dispositi
vo é tão pouco usado que talvez este processo o inaugure.
Acompanhando a sustentação do eminente procurador e o voto do nobre
RST], Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 51
relator, verifiquei que não é lícito ao tribunal desconhecer a legislação vigente no
âmbito da sua competência, e verifiquei ainda que a obrigação que o art. 337
impõe à parte de comprovar a vigência e a existência do direito local é uma
obrigação condicionada à exigência do juiz. O art. 337 diz:
"A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou con
suetudinário provar-Ihe-á o teor, se assim o determinar o juiz. "
Ora, cumpriria, evidentemente, ao acórdão recorrido, para desconhecer a
preliminar, ter determinado previamente ao Distrito Federal que comprovasse a
existência deste texto normativo. Acompanho o eminente Relator.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal concedeu segurança ao Minas Brasília Tênis Clube para que
lhe fosse permitido realizar "Bingos Permanentes ", com a finalidade de angariar recursos para o fomento do desporto, realizando sorteios diários, bem como sua
respectiva veiculação nos meios de propaganda e comunicação, oficiando-se à
Secretaria de Segurança Pública do DF, sobre as realizações de tais eventos.
O lTIandalTIus foi concedido contra ato do Exmo. Sr. Secretário da Fazenda e Planejamento do Governo do Distrito Federal e com apoio em interpre
tação de que é constitucional o art. 57 da Lei nQ 8.672/93.
A autoridade impetrada, inicialmente, entendeu prejudicado o mandado de
segurança por ter sido regulamentada a matéria por Decreto local, qual seja o
de nº 16.381, 28.03.95. Afirma que o pedido não subsiste, porque o mencionado Decreto veio a
autorizar o credenciamento de entidades para a promoção de sorteios na modali
dade bingo, de similar, desde que observadas as normas regulamentares.
Defende que o mandado de segurança, se concedido, outorga ao clube
impetrante privilégios não amparados pela lei, em face de não atender às exigências legais administrativas para a realização do evento.
O Recurso Especial interposto aponta como violado o art. 337 do CPC, no
que foi acolhido pelo eminente Relator, o Exmo. Sr. Ministro Garcia Vieira, por considerar que o aresto recorrido não apreciou, de modo integral, a preliminar de prejudicialidade argüida pela autoridade impetrada.
Acompanho o entendimento posto pelo judicioso voto apresentado pelo relator.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
52 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o processo é instrumento para definir o direito material discutido pelas
partes, no âmbito da relação jurídica formal, de forma que impere segurança e
credibilidade na decisão emitida. Em face de ter essa missão constitucional, há de se subordinar com relati
vo rigorismo às regras de como deve proceder, com a finalidade de homenagear
a guarda dos seus princípios e não gerar instabilidade no relacionamento que
impõe solução. No' caso em espécie, evidencia-se que a autoridade impetrada, após o
colendo Supremo Tribunal Federal não ter concedido liminar para suspender os
efeitos do art. 57 da Lei Federal n" 8.672, de 06.07.93, baixou regulamentação
a seu respeito visando a disciplinar o credenciamento de entidades para a pro
moção de sorteios na modalidade bingo, ou similar. Saliente-se que o art. 57, § 1", da Lei Federal n"8.672, de 06.07.93, dispõe
expressamente que cabe aos Estados-membros e ao Distrito Federal regula
mentar a concessão do credenciamento para a realização dos bingos. Evidente que qualquer entidade pretendente a tal credenciamento só pode
ter seu pedido deferido se atender às condições impostas pelo Poder Executivo.
No caso examinado, o mandado de segurança foi impetrado em 23.03.95,
enquanto o decreto regulamentador data de 29.03.95, quando foi publicado.
Impera, na espécie, lógica processual de absoluta clareza. Não havia qual
quer possibilidade de se examinar o referido mandado de segurança sem exame
de legislação superveniente expedida seis dias após a interposição do pedido.
Não vinga, por ser idéia das épocas do juiz vinculado ao processo regulado
pelas Ordenações Manuelinas, o argumento de que não se conheceu da aplicação da legislação nova estadual por a parte não tê-la apresentado.
É de ser lembrado que o juiz do final do século XX há de ser o pregado
por Cândido Dinamarco, ativo, diligente, participativo, vivenciador dos fatos
processuais em toda a sua extensão, integrando-se, juntamente com as partes na
função de melhor instruir o processo para aplicar, com absoluta precisão, o
direito material conflitado.
O cidadão não aceita, e faz bem em assim se comportar, à afi.rmação do
magistrado de que não aplicou o direito local porque o desconhece. Ora, a
dicção do art. 337 do CPC, é dirigida às situações em que se discute a lide com
base em legislação de difícil acesso, ocasião em que o juiz determina a sua
apresentação para melhor exame e conferência.
Nenhuma exigência fez o egrégio tribunal em tal sentido. Penso até que se
lhe fazia desnecessária.
A autoridade impetrada, às fls. 86, informa que "O mérito do presente
mandado de segurança encontra-se prejudicado face à regulamentação da maté-
RSTJ,Brasília,a.ll, (114): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 53
ria por Decreto local, qual o de n ll 16.381, de 28.03.95, publicado no DODF do
dia 29.03.95". Ora, exigir, como exigiu o acórdão recorrido, a cópia integral do referido
decreto, é guardar absoluta homenagem à interpretação literal da lei e sublimar
a forma do modo mais elevado.
Em face do exposto, acompanho o voto do eminente Relator.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 103.554 - SP (Registro n1l 96.0049922-5)
Relator: Ministro Milton Luiz Pereira
Recorrente: Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp
Recorridos: Veríssimo Bardini e cônjuge
Advogados: Maria Helena Borelli e outros, e Sônia Márcia Hase de Almeida
Baptista e outros
EMENTA: Adm.inistrativo - Indenização por apossamento ilícito (desapropriação indireta) - Prova dominial resolvida na fase de conhecimento
(legitimação ativa ad causam) - Levantamento do valor indenizatório depositado. Inaplicabilidade do art. 34, Decreto-Lei n1l3.365/41.
1. Afirmada a legitimação ativa ad causam, com pressupostos na prova de propriedade, examinada no processo de conhecimento, quando da execução,
descabe a aplicação do art. 34 do Decreto-Lei n!! 3.365/41, na ocasião do levantamento do valor indenizatório depositado e estabelecido na sentença de mérito.
2. Precedentes juriSprudenciais (ST] e STF).
3. Recurso não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide
a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
negar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Vota
ram com o Relator os Senhores Ministros Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo e
Humberto Gomes de Barros. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro José Delgado. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira.
RSTJ,Brasília,a.ll, (114): 41-117,fevereiro 1999.
54 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA
Custas, como de lei. Brasília-DF, 17 de setembro de 1998 (data do julgamento). Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 30.11.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Em ação de desapropria
ção indireta, em sede de agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo constituiu aresto assim sumariado:
"Desapropriação indireta - Levantamento pelos autores do valor da
indenização, após sentença e sua confirmação pelo Tribunal- Possibilida
de- Inadmissível a aplicação no caso do art. 34 do Decreto-Lei n!l3.365/ 41, pois a ação é dos prejudicados e essa discussão envolveria preliminar de ilegitimidade ativa, não reconhecida - Agravo não provido." (fi. 130).
Insurgindo-se contra o v. aresto, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp, interpôs recurso especial, com fulcro no artigo 105, inciso lII, alínea a, da Constituição Federal, sustentando que o v. aresto afrontou o disposto no art. 34 do Decreto-Lei n!l3.365/41.
Aduz:
Omissis
" ... obviamente, haverá de ser aplicado em feitos da natureza do presente, também conhecido como de 'Desapropriação Indireta' especialmente no momento em que se cogita de levantamento de quantia depositada para pagamento, pelo apossamento de um bem, que deverá passar a inte
grar o patrimônio do Poder que o expropria. E, é lógico, para se obter essa transferência de um para outro proprietário, o imóvel há que, até o fim, ou
seja, até que se concretize tal transferência, permanecer dentro do patrimônio daquele contra quem o feito foi proposto, e correu, até final
solução. E, ainda mais, esse imóvel deverá vir desonerado, inclusive."
Omissis
"Deixou bem claro a Sabesp, à fi. 2 da petição de fi. 85, protocolada sob n!l20.391, em 23.10.95, que a exigência de cumprimento, para rece-
RSTJ,Brasília,a.ll, (114): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 55
bimento da indenização, das disposições contidas no artigo 34 da lei espe
cífica sobre desapropriações, se prendia ao 'fato de não serem raros os casos de alienação de parte do imóvel após proposta ação ordinária de
indenização, o que gera enormes prejuízos e complicações para a Sabespré, quando da regularização do bem, junto ao Cartório Imobiliário'.
Exatamente com o objetivo de aquisição do domínio do imóvel em questão é que a Sabesp, ora recorrente, pretende examinar a documentação atual, com negativa de ônus e alienações que, se perfeita, e só nessa hipótese, possibilitará o registro do terreno em seu nome.
Observe-se, de resto, que o oferecimento da documentação pelo au
tor ocorreu em fevereiro de 1987!! O acolhimento de pedido de levantamento sem o cumprimento da
prova de propriedade atualizada não raro tem ocasionado sérios problemas quando da procura da regularização do registro do bem, junto ao cartório competente, ocasião em que se tem constatado alienação parcial
ou mesmo global do bem, levada a efeito após o ajuizamento do feito que busca indenização pelo apossamento." (fls. 138/139).
Requer:
"Por todo o exposto, aguarda a recorrente - Sabesp, que essa Corte, bem apreciando o presente recurso especial, e melhor ponderando, haja por bem reformar o v. acórdão de fls., para determinar que o interessado cabalmente comprove que o bem se encontra, hoje, em situação de ser integralmente transferido de seu patrimônio para o domínio da Sabesp
quando, então, poderá requerer ordem para levantamento da indenização e complementos, depositados para pagamento ao real e efetivo proprietário
do terreno que é objeto desta lide." (fl. 140).
Contra-razões apresentadas às fls. 148/156. Ao contra-arrazoar, o recorri
do sustenta que o recurso não preenche os pressupostos de admissibilidade. Requer:
"Assim, está a recorrente atacando decisão que está albergada pela coisa julgada, com evidente afronta ao que diz o inciso XXXVI do artigo 5Q da Cons
tituição Federal, pelo que deve ser aplicada a pena de litigância de má-fé - na
forma prevista no artigo 14 do Código de Processo Civil, na multa de dez por cento sobre o valor da condenação, revertendo esta para o recorrido." (fl. 152).
O ínclito Juiz 4Q Vice-Presidente, em exercício, do tribunal de origem admitiu o especial em decisão assim circunstanciada:
RSTJ,Brasília,a.ll, (I 14): 41-117,fevereiro 1999.
56 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"A matéria controvertida e relativa à exigência do cumprimento do
artigo 34 do Decreto-Lei ni). 3.365/41, foi satisfatoriamente exposta na
petição de interposição e devidamente examinada pelo acórdao, estando
atendido, portanto, o requisito do prequestionamento. Há expressa indicação do dispositivo legal tido como violado e não
se vislumbra a incidência dos demais vetos regimentais ou sumulares. Ante o exposto, defiro o processamento do recurso." (fls. 158 a 159).
É o relatório.
VOTO
o SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Aviva-se que,
na fase executória do título sentencial constituído em ação desapropriatória in
direta, apesar de oposição da parte-ré, sustentando a não aplicação do art. 34,
Decreto-Lei ni). 3.365/41, foi deferido o levantamento dos valores depositados
para pagamento da indenização arbitrada, provocando agravo, provido confor
me o verberado acórdão, assim resumido:
- "Desapropriação indireta - Levantamento pelos autores do
valor da indenização, após sentença e sua confirmação pelo Tribunal
- Possibilidade - Inadmissível a aplicação no caso do art. 34 do Decreto-Lei ni). 3.365/41, pois a ação é dos prejudicados ·e essa dis
cussão envolveria preliminar de ilegitimidade ativa, não reconhecida
- Agravo não provido." (fl. 130).
A falar em contrariedade ao artigo 34, Decreto-Lei ni). 3.365/41, presentes os
requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido (art. 105, lII, a, CF).
Nesse contexto, desembaraçado o exame, apreende-se que o litígio aprisi
ona-se ao levantamento de valor indenizatório, insistindo a parte recorrente na
comprovação de direito dominial, fulcro da legitimação ativa dos autores da
ação. Ora, a bem se ver, essa questão ficou vencida, como esclareceu o julgado
ensejador do presente recurso, textualmente:
"Quando a agravante contestou o pedido levantou várias preliminares e uma delas foi exatamente a de falta de prova da propriedade do
bem, faltando em razão disso, condição da ação, por ilegitimidade ativa.
As preliminares foram repelidas e houve desse julgamento a preclusão, formando no ponto a definitividade da legitimidade para a ação.
RSTJ,Brasilia,a.ll, (l14):41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 57
Ora, não pode agora a Sabesp, após julgamento pelo Tribunal man
tendo a sentença e quase dez anos após a inicial, pretender discutir a legi
timidade ativa, mesmo posterior à ação. Entenda-se que se está indenizan
do autores que sofreram apossamento administrativo de suas terras, sem
prévia autorização, sem indenização e sem ação expropriatória. Tinham,
então, o interesse de agir para pedir a indenização que os prejudicou. Deseja a Sabesp a prova atual da propriedade e negativa de ônus,
como se estivéssemos em busca de proprietário de área desapropriada,
quando temos ação de autores do prejuízo demonstrado. Incabível a pre
tensão de aplicação à desapropriação indireta o art. 34 do Decreto-Lei n!l
3.365/41, pois na desapropriação o Poder Público procura saber quem é o
proprietário do bem para indenizar, exigindo provas dessa propriedade.
Na ação de apossamento administrativo, é o particular quem vem pedir
indenização pela perda da posse do bem e eventual discussão quando a
posse ou propriedade se faz no processo, como preliminar da contestação.
Vencida essa preliminar, não mais se discute aquela legitimidade.
Essa também a posição do culto jurista e Desembargador José Carlos
de Moraes Salles, quando diz: 'Assinale-se, ainda, serem inaplicáveis à
desapropriação indireta as exigências do art. 34 do Decreto-Lei n!l3.365/
41, porque nos processos por expropriação indireta o autor é o expropriado e não o expropriante, devendo apresentar, com a petição inicial, o do
cumento comprobatório da propriedade. A respeito, confiram-se os arestos
publicados na RT 531/177 e na RTJESP 110/276'. ('A Desapropriação à
Luz da Doutrina e da Jurisprudência', RT - 2lJ. ed., p. 602).
Como se tem entendido que a desapropriação indireta é ação real sobre
imóveis, a prova da propriedade, do domínio é indispensável com a inicial e
deve ter sido feita, tanto que repelida a preliminar de ilegitimidade ativa.
Mesmo a prova atualizada da propriedade não pode ser exigida, se o direito de propriedade foi violado e o prejuízo ocorreu naquele momento do
apossamento, gerando o direito à indenização." (fls. 131 e 132).
Nem se diga que, a respeito, pendem os interpostos recursos especial e
extraordinário, uma vez que, tanto um, como outro, versaram exclusivamente os
critérios legais apropriados à aplicação de índices nos cálculos da correção
monetária. A questão tratada no recurso sob exame não foi considerada signifi
cando que ficou irrecorrida, consubstanciando a plena eficácia da legitimação ad causalTI dos autores da ação indenizatória (fls. 48 a 52 e 55 a 62).
Outrossim, à espécie, calhou à fiveleta a fundamentação desenvolvida pelo Senhor Ministro Adhemar Maciel, votando no REsp n!l260-DF, verbis:
RSTJ,Brasília,a.ll, (114): 41-117,fevereiro 1999.
58 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
c·· .) " ••• O art. 34 do Decreto-Lei nQ 3.365/41 não pode ser aplicado no
caso de indenização por desapropriação indireta, já que a regra inserta no
mencionado dispositivo é específica para as desapropriações diretas. Nas
ações de indenização por desapropriação indireta, o autor deve demonstrar
a propriedade do imóvel objeto das restrições administrativas no processo de conhecimento, a fim de que o juiz já fixe na sentença, se for o caso, a
indenização a ser paga. A questão de domínio não pode ser debatida nova
mente na liquidação ou na execução do julgado, sob pena de ofensa à coisa
julgada. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a ação de
indenização por desapropriação indireta se assemelha à ação reivindicatória,
e não à expropriatória direta. Daí porque é imprescindível a demonstração
da propriedade na fase de cognição, a fim de que a questão do domínio
seja desde logo solucionada pelo juiz. Tal questão não pode ser relegada
para fase ulterior, pois a sentença só será liquidada e executada para fins
de pagamento de indenização, se o juiz tiver anteriormente tido como provado o domínio.
A respeito da inaplicabilidade do art. 34 do Decreto-Lei n Q 3.365/41
às ações de indenização por desapropriação indireta, invoco o seguinte
precedente de minha relatoria.
- 'Administrativo. Ação de indenização por desapropriação in
direta. Art. 34 do Decreto-Lei n Q 3.365/41: Inaplicabilidade. Recurso
conhecido, mas improvido.
I - O art. 34 do Decreto-Lei n Jl 3.365/41 não se aphca às ações
de indenização por apossamento administrativo (desapropriação in
direta), mas, sim, às ações de desapropriação direta.
II - Recurso especial conhecido, mas improvido' (REsp n Q
112.423-SP, 2ilTurma do STJ, unânime, relator Ministro Adhemar
Maciel, publicado no DJU de 06.10.97)".
Eis a ementa do julgado:
- "Administrativo. Ação de indenização por desapropriação in
direta. Art. 34 do Decreto-Lei n Q 3.365/41: Inaplicabilidade. Prece
dentes. Recurso provido.
I - O art. 34 do Decreto-Lei n Q 3.365/41 não se aplica às ações
de indenização por desapropriação indireta, mas, sim, às ações de
desapropriação direta.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-1I7,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 59
II - Nas ações de indenização por desapropriação indireta, a
questão de domínio deve ser resolvida no processo de conhecimento,
nunca na execução do julgado. III - Precedentes do STF, do STJ e do TJSP: RE nQ 108.846-SP;
REsp nQ 112.423-SP;AInQ 82.679-2;AInQ 102.724-2 eAInQ 104.029-2.
IV - Recurso especial conhecido e provido." (in DJU de 02.03.98).
No mesmo sentido:
- "Administrativo. Desapropriação indireta. Levantamento do preço. Decreto-Lei n Q 3.365/41, art. 34. Na chamada desapropriação
indireta, em que não há depósito prévio, o levantamento do preço corresponde a montante já fixado por sentença e por isso é inaplicável
o disposto no artigo 34 do Decreto-Lei n Q 3.365/41; aí a prova da propriedade constitui pressuposto da legitimidade do autor para a causa,
que já não pode ser posta em dúvida depois que o respectivo reconhecimento transitou em julgado. Recurso especial não cOdhecido." (REsp
n Q 85.519-SP - ReI. Min. Ari Pargendler - in D]LJ de 17.11.97).
À mão de reforçar, soando a inaplicabilidade do multi citado artigo 34, comporta mencionar o RE n Q 1 08.846-SP - 211.Turma - ReI. Min. Aldir Passari
nho -in RDA 174/176 e a exposição doutrinária feita porJoaquiIn de Almeida Baptista na Revista de Direito Público, voI. 80, p. 121.
Confluente às razões justificadoras dos precedentes lembrados e das ma
nifestações doutrinárias, nesta ocasião reanimadas e incorporadas como moti
vação do convencimento, afastada a acenada contrariedade ou negativa de vi
gência ao art. 34 do Decreto-Lei n Q 3.365/41, voto negando provimento.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 108.896- SP (Registro nQ 96.0060407-0)
Relator: Ministro Milton Luiz Pereira Recorrentes: Raul Ares e outros
Recorrida: Fazenda do Estado de São Paulo
Advogados: Roberto Elias Cury e outros, e Fátima F~rn"4.lU' , C:J.tellani e outros
RST],Brasilia,a.ll, (I 14): 41-1 17,fevereiro 1999.
60 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: Administrativo - Ação ordinária- Desapropriação indireta
Estação ecológica - Juros compensatórios - Exame probatório contrário à
incidência - Súmula nQ 7 -STJ. 1. O decreto expropriatório, por si, não opera impedimento ao uso e gozo
da propriedade. Inexistência de concreta exploração econômica anterior para
ser compensada por juros compensatórios. Não são indenizáveis hipóteses de
aproveitamento. Convencimento assentado no exame de provas, feito nos limites da soberania reservada às instâncias ordinárias, não se expõe à via Especial (Súmula n Q 7 -STJ).
2. Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide
a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no
julgamento, por maioria, vencido o Senhor Ministro José Delgado, não conhe
cer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos,
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Relator
os Senhores lVlinistros Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros. Au
sente, justificadamente, o Senhor Ministro Garcia Vieira. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira.
Custas, como de lei.
Brasília-DF, 20 de agosto de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente e Relator.
Publicado no D] de 30.11.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: O egrégio Tribunal de Jus
tiça do Estado de São Paulo constituiu v. acórdão abreviado na seguinte ementa:
"Desapropriação indireta - Ausência de prova da efetiva perda
do uso da propriedade - Carência decretada.
Desapropriação direta - Área composta de terra nua e de reser
va florestal- Inclusão das matas no cômputo da indenização - Medi
da que se impõe face aos inúmeros benefícios intrínsecos da floresta,
além da mera exploração comercial madeireira - Inclusão determi-
RSTJ,Brasília,a.ll, (l 14): 41-1 17,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 61
nada no percentual de 100% da avaliação das próprias matas, adicio
nada à da terra nua. Juros moratórios, à base de 6% a.a., contados do trânsito em
julgado - Honorários advocatícios fixados à luz da Lei Especial -
Despesas processuais atribuíveis à Fazenda, porque deu origem à
lide como um todo - Provimento parcial ao recurso dos apelantes, da
Fazenda e de ofício. Nega-se ao deAmado Raimundo." (fi. 1.082).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
Com fulcro no artigo 105, inciso UI, alínea c, da Constituição Federal, os
expropriados interpuseram recurso especial, alegando dissídio jurisprudencial no tocante a não-inclusão de juros compensatórios, ao fundamento de que não houve
desapossamento administrativo, nem imissão na posse.
A Fazenda Estadual interpôs recursos extraordinário e especial, ambos
inadmitidos no tribunal de origem, decisão contra a qual foram interpostos agra
vos de instrumento.
O agravo de instrumento da decisão que inadmitiu o recurso especial foi improvido
e a Primeira Turma negou provimento ao agravo regimental interposto.
As contra-razões foram apresentadas às fis. 1.175/1.182. Presentes os pressupostos essenciais, o nobre 4!l Vice-Presidente do tri
bunal a quo admitiu o recurso especial, subindo os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Põem-se para
exame razões recursais aviadas com sucedâneo na alínea c, lU, artigo 105, Constituição Federal, verrumando o v. acórdão que, em confirmando a r. sentença,
quanto aos juros compensatórios, estadeou:
"Com respeito aos juros compensatórios pleiteados pelos requeridos,
não são eles incidentes, pois prova alguma houve da imissão provisória
antecipada na posse por parte do Poder expropriante.
Com efeito, a simples criação da Estação Ecológica e a declaração do
imóvel de utilidade pública para fins de desapropriação não representa apossamento administrativo ou imissão provisória na posse, havendo robus
ta prova nos autos de que a posse se mantém com os particulares, mormente
os assistentes litisconsorciais passivos, que têm edificações no local.
Ademais, o estado virgem das matas decorre mais da dificuldade de
RST}, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
62 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
acesso do que de eventual apossamento, que, repita-se, não ficou demons
trado por parte dos requeridos alegadamente proprietários. Assim, de se desconsiderar o pedido de juros compensatórios for
mulados". (fi. 843).
o v. aresto apropriado aos embargos de declaração reafirmou a compreen
são sustentada pelo Juízo monocrático (fi. 1.113). Eis, pois, a questão: são devidos, ou não, no caso, osjuros compensatórios?
A respeito do tema, em verdade, a jurisprudência construiu solução favore
cendo a contagem dos referidos juros e, inclusive, a sua cumulação com os
moratórios (Súmulas nN 12, 69,102 e 114-STJ).
Com efeito, a jurisprudência fincou que os compensatórios deverão ser com
putados "na desapropriação direta, desde a data de imissão na posse e, na indi
reta, a partir da ocupação ... ". Significa dizer que, seja numa ou outra forma de
desapropriação, dependentes de formalizada imissão ou de prova da ocupação.
Enfim, ditos juros destinam-se a compensar o impedimento do uso e gozo eco
nômico da propriedade.
Acontece que, na espécie - desapropriação indireta -, descogitando-se,
pois, de formal imissão na posse, o dies a quo para a contagem dos juros com
pensatórios, depende da prova do impedimento da usufruição econômica do imóvel. Porém, esse exame está reservado às instâncias ordinárias que, em cumprin
do esse mister, firmemente, como já registrado, assentaram:
" ... havendo robusta prova nos autos de que a posse se mantém com
os particulares .... ". (fi. 843).
Desse modo, é caso de aplicação da Súmula nU 7-STl Não se anteponham
precedentes desta Corte favorecedores da incidência dos juros em comento, uma
vez que foram edificados para solucionar controvérsias postas sob particulariza
dos enfoques, nos quais os acórdãos combatidos não se enraizaram diretamente
nas provas. De efeito, ora referiram-se à cumulatividade; outras vezes, se consi
derada, ou não, a diferença entre o valor atualizado da indenização e da oferta ou, ainda, quando a parte expropriante insurgiu-se porque os juros foram fixa
dos em data conseqüente de prova documental tratando de embargo administra
tivo à utilização do imóvel. Ad exeIllpluIll: REsps nN 77 .541-SP e 102.495-SP.
Existem, é certo, julgados estabelecendo a data de publicação do decreto
expropriatório como marco temporal inicial para contagem dos multicitados ju
ros. Assim, o decreto serviria como indicação da data de "ocupação"'-
Na espécie, todavia, o aresto fulcrou-se unicamente nas provas, que pare-
RSTJ,Brasília,a.ll, (l 14): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 63
ceram "robustas" para os julgadores, inclusive, enfatizando "o estado virgem
das matas decorre mais da dificuldade de acesso do que de eventual apossamento, que, repita-se, não ficou demonstrado por parte dos requeridos ... " (fl. 843).
Ou seja: assinalando-se que, por si, o decreto expropriatório não operou
"impedimento" ao uso e gozo, porque, concretamente, inexistia exploração an
terior para ser compensada na via dos juros pleiteados. Em arremate, sim, os juros compensatórios somente são devidos quando
restar demonstrado que a exploração econômica foi obstada pelos efeitos da declaração expropriatória. Pois não são indenizáveis meras hipóteses ou remo
tas potencialidades de uso e gozo. Aqui, à exaustão, afastadas por exame fincado
nas provas, fortificando convencimento, como adiantado, reservado à soberania das instâncias ordinárias (Súmula n Jl 7 -STJ).
Por todo o exposto, obstado o reexame das provas que serviram à constituição
do v. acórdão objurgado no ponto controvertido trazido na via especial, exercitando o definitivo juízo de admissibilidade, voto não conhecendo do recurso.
É o voto.
VOTO-VISTA (VENCIDO)
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O recurso especial em exame ataca
acórdão com fundamentos sintetizados na ementa que passo a transcrever (fls. 1.082):
"Desapropriação indireta - Ausência de prova da efetiva perda do uso da propriedade - Carência decretada.
Desapropriação direta - Área composta de terra nua e de reser
va florestal- Inclusão das matas no cômputo da indenização - Medi
da que se impõe face aos inúmeros benefícios intrínsecos da floresta,
além da mera exploração comercial madeireira - Inclusão determinada no percentual de 100% da avaliação das próprias matas, adici
onada à da terra nua.
Juros moratórios, à base de 6% a.a., contados do trânsito em
julgado - Honorários advocatícios fixados à luz da Lei Especial -
Despesas processuais atribuíveis à Fazenda, porque deu origem à
lide como um todo - Provimento parcial ao recurso dos apelantes, da Fazenda e de ofício. Nega-se ao de Amado Raimundo."
Discute-se, por impulso dos recorrentes, apenas, se os juros compensató
rios, no caso em questão, são devidos, em face do acórdão ter negado a sua
incidência com os fundamentos seguintes:
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
64 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Com respeito aos juros compensatórios pleiteados pelos requeridos, não
são eles incidentes, pois prova alguma houve da imissão provisória anteci
pada na posse por parte do Poder expropriante. Com efeito, a simples criação da Estação Ecológica e a declaração
do imóvel de utilidade pública para fins de desapropriação não representa
apossamento administrativo ou imissão provisória na posse, h.avendo ro
busta prova nos autos de que a posse se mantém com os particulares, mormente os assistentes litisconsorciais passivos, que têm modificações no local."
o eminente relator, fazendo aplicação da Súmula n2 7, deste STT, não
conhece do recurso.
Em conseqüência da vista solicitada, apresento o meu voto.
Examino o recurso especial interposto pelos desapropriados e dos seus
fundamentos, destaco (fls. 1.118/1.119):
"3. Embora não tenha ocorrido o apossamento administrativo e nem
tenha sido a expropriante imitida na posse do imóvel, nos autos da ação de
desapropriação, a expropriante, Fazenda do Estado de São Paulo, deve ser
condenada a pagar aos expropriados os juros compensatórios, desde a data
em que ocorreu a perda de disponibilidade do imóvel por parte de seus
legítimos proprietários, com a criação da 'Estação Ecológica Juréia-Itatins',
através do Decreto Estadual n2 26.717, ou seja, de 6 de fevereiro de 1987.
4. É que as restrições impostas ao imóvel de propriedade dos recor
rentes decorrem do Decreto Estadual n!.l26. 717, de 6 de fevereiro de 1987,
que criou a 'Estação Ecológica Juréia-Itatins', as quais vedaran:- totalmen
te o uso, o gozo e a livre disposição da área por parte de seus legítimos
proprietários, suprimindo inteiramente seu valor econômico, em flagrante violação ao artigo 52, inciso XXII, da Constituição Federal e artigo 524
do Código Civil, num verdadeiro apossamento administrativo.
5. Não se trata de mera limitação administrativa, mas de total impedi
mento ao uso, gozo e disponibilidade da área objeto da ação por parte de seus
legítimos proprietários, com o conseqüente esvaziamento do seu conteúdo
econômico. Nesse sentido é a lição de Hely Lopes Meirelles, em seu "Direi
to Administrativo Brasileiro", 1 7ll edição, Malheiros Editores, pp. 544/545:
'Limitações administrativas são, p. ex., o recuo de alguns metros
das construções em terrenos urbanos e a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 65
Mas, se o impedimento da construção ou de desmatamento atingir a
maior parte da propriedade ou a totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade, e, neste caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito dominial e supri
miu o valor econômico do bem. Pois ninguém adquire terreno urbano em
que seja vedada a construção, como também, nenhum particular adquire terras ou matas que não possam ser utilizadas economicamente, segundo
sua destinação normal. Se o Poder Público retira do bem particular seu
valor econômico, há de indenizar o prejuízo causado ao proprietário. Essa
regra, que deflui do princípio da solidariedade social, segundo o qual só é legítimo o ônus suportado por todos em favor de todos, não tem exceção
no direito pátrio, nem nas legislações estrangeiras'."
Certo está, portanto, nos autos que realmente não ocorreu apossamento
administrativo, nem imissão na posse do imóvel que foi objeto da limitação
administrativa reconhecida e indenizada pelo acórdão recorrido. A reivindicação dos juros compensatórios está vinculada, conforme se
depreende das razões recursais, tão-só, pela limitação administrativa reconhecida.
No REsp nº 60.070-7-SP, relatado pelo eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, a l11.Turma, à unanimidade, entendeu (fls. 1.125):
"Desapropriação indireta - Criação de reserva florestal- Res
trição de uso de propriedade particular - Indenização - Juros compensatórios. Prescrição.
1. A ação de desapropriação indireta é de natureza real.
Ela não se expõe à prescrição qüinqüenal (Súmula nº 119). O titular do domínio agredido pela desapropriação indireta - en
quanto não ocorrer usucapião - tem ação para pleitear ressarcimento.
2. A criação da reserva florestal 'Parque Estadual da Serra do
Mar' não importou em apossamento administrativo, no entanto, es
vaziou o conteúdo econômico da propriedade, ao destacar do domínio as prerrogativas de usar e fruir do bem.
3. Os juros compensatórios integram a indenização e são devi
dos a contar da interdição ao uso do imóvel, computados cumulativamente com os juros moratórios a partir do trânsito em julgado da decisão (Súmula nº 12)."
O voto emitido pelo eminente relator contém os seguintes fundamentos (fls. 1.129/1.131):
RST],Brasilia,a.l1, (l14):41-117,fevereíro 1999.
66 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA
"Sobre o segundo ponto, o recorrente sustenta que o caso dos autos con
figura ação indenizatória por restrição à propriedade, a afastar a hipótese de
desapropriação indireta, posto que a Resolução nQ 66/85 da Secretaria de Cultura do Estado, ao determinar o tombamento da área, apenas limitou o uso da propriedade. De sorte que, ausente o pressuposto do desapossamento, uma
vez que a interdição de uso não implica a perda da posse e do domínio em favor da Administração Pública, descabe o direito à indenização, máxime sobre a área
de cobertura vegetal, assim como a incidência de juros compensatórios.
Efetivamente, a criação da reserva florestal não importou em
apossamento administrativo, no entanto, esvaziou o conteúdo econômico
da propriedade, ao destacar do domínio as prerrogativas de usar e fruir do bem, consistente no direito de efetuar desmatamento, loteamento e a ex
ploração dos recursos naturais da terra.
Portanto, a restrição de uso não cingiu-se à mera limitação parcial do
imóvel, antes impôs total interdição do aproveitamento econômico da área.
Assim, impõe-se a indenização, acrescida de juros compensatórios,
em razão do prejuízo sofrido pelos proprietários, pois, o tombamento da
área impediu a utilização do bem segundo sua natural destinação.
De assinalar-se que esta Corte em caso análogo assentou:
'Desapropriação indireta - Interesse de agir- Prescrição - Mata
de preservação permanente - Indenizabilidade - Juros moratórios e compensatórios.
I - A área floresta da, incluída no perímetro do 'Parque Estadual
da Serra do Mar', impedindo a sua exploração econômica, é
indenizável. Precedentes.
II - Os proprietários do imóvel, em tal caso, têm interesse de
agir em juízo, através de ação de desapropriação indireta.
III - O fato de os proprietários terem adquirido a área, após a
criação do parque, não exclui o referido interesse processual, nem o
seu direito à indenização, porquanto, segundo reiterados preceden
tes, os adquirentes, nessa hipótese, sub-rogam-se em todos os direitos e ações correspondentes.
IV - O prazo prescricional da ação de desapropriação indireta
é o vintenário e, no caso, não transcorreu.
V - Os juros moratórios, na desapropriação, fluem a partir do
trânsito em julgado da sentença e são cumuláveis com os compensa
tórios (Súmulas nQs 12 e 70 do STJ), sendo devidos estes, na espécie,
a partir de quando ficou caracterizada a restrição ao uso do imóvel.
RST],Brasília,a.ll, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 67
VI -Recurso especial não conhecido.' (REsp nº 7.515 -Relator
Ministro Pádua Ribeiro). Quanto à fluência cumulativa dos juros compensatórios e
moratórios, a questão resta superada, nos termos da Súmula nº 12 do STJ, que dispõe: Em desapropriação, são cumuláveis juros compen
satórios e moratórios'."
Igual entendimento revela o julgamento do REsp nº 38.570-0-SP, relatado
pelo eminente Min. Humberto Gomes de Barros, com ementa assim posta (fls.
1. 134):
"Desapropriação indireta - Criação de reserva florestal- Restrição de uso de propriedade particular - Indenização - Juros com
pensatórios.
1. A criação da reserva florestal 'Parque Estadual da Ilha Car
doso' não importou em apossamento administrativo, no entanto, es
vaziou o conteúdo econômico da propriedade, destacar do domínio
as prerrogativas de usar e fruir do bem. 2. A interdição da área impede a utilização do imóvel segundo
sua natural destinação, pelo que impõe-se a indenização do proprie
tário pelo desfalque sofrido em seu patrimônio.
3. Os juros compensatórios integram a indenização e seus devi
dos a contar da restrição do uso do imóvel, fluindo cumulativamente com os moratórios a partir do trânsito em julgado da sentença."
O Exmo. Sr. Ministro Demócrito Reinaldo no REsp nº" 20.213-SP, em
voto acolhido à unanimidade pela Turma, afirmou (fls. 1.144/1.1.45):
"Não corre prescrição qüinqüenal, no caso de desapossamento
administrativo, também chamado de desapropriação indireta (TASP, 112/261). É evidente, que o apossamento administrativo, verificado
na hipótese, retirando, do proprietário, todo o seu direito de uso do imóvel, ou mesmo restringindo-lhe a utilização, tem implicações ime
diatas no direito de propriedade, que lhe é assegurado pela Consti
tuição Federal, equivalendo, em essência, a uma desapropriação in
direta. Nesses casos, o Poder Público assume o ônus decorrente, desde que, não seria admissível a transmissão da propriedade imóvel,
através de uma mera ocupação ou obstaculação de utilização por um
curtíssimo prazo de cinco (5) anos.
RST],Brasília,a.11, (l 14): 41-117, fevereiro 1999.
68 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Quanto ao incabimento dos juros compensatórios, não tem ra
zão, a recorrente. Em primeiro lugar, é impossível, nesta "fase, fixar
se, como termo inicial do apossamento (pela recorrente), das áreas de terra, outro que não seja aquele estabelecido no decisório impug
nado - a data da promulgação da Lei n!l 1.172/76 - porquanto, a
busca de outro marco temporal importaria em profundo reexame da prova, a que é infenso o Recurso Especial (Súmula n!l 7). Ao depois,
a decisão hostilizada não está em antinomia com a Súmula n!l164 da
Suprema Corte, mas em perfeita sintonia, 'desde que, nas desapro
priações (indiretas) são devidos os juros compensatórios, a partir da
imissão, pelo Poder Público, na posse do imóvel expropriado.'
Tendo sido a Lei n!l 1.172/7 6 que impôs a restrição ao uso da
propriedade e ensejou a presente ação indenizatória, afigura-se-me
da maior presteza, fixar-se, para efeito de incidência dos juros compensatórios, a data de sua promulgação."
Registro, ainda, que os julgados acima elencados são todos referentes a ações
desapropriatórias ajuizadas contra o Estado de São Paulo, em razão da edição de
decretos criando estações ecológicas, com limitações administrativas.
No caso em exame, a indenização reconhecida pelo acórdão está vinculada
à criação da Estação Ecológica Juréia-Itatins (Decreto Estadual n!l 26.717/87).
Na mesma linha, registro a ementa do REsp n!l 37.950-4-SP, relatado pelo
eminente Ministro José de Jesus Filho (fls. 1.207):
"Desapropriação Parque estadual- Indenizabilidade da co
bertura vegetal- Juros compensatórios e moratórios - Súmulas n!ls
12 e 102-STl
I - Conforme já decidiu esta Corte as matas que recobrem a área
expropriada representam um valor econômico, portanto, as limitações
administrativas quando superadas pela ocupação permanente, vedando
o uso, gozo e livre disposição da propriedade, impõe-se a obrigação
indenizatória justa, espancando mascarado confisco. Precedentes.
II - 'A incidência dos juros moratórios sobre os compensató
rios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei'. - Súmula n!l 102-STl
III - Recursos conhecidos e providos."
De igual forma está no REsp n!l 39.842-8-SP, relatado pelo eminente Mi
nistro Milton Pereira (DJU de 30.05.94) (fls. 1.211/1.212):
RSTJ,Brasília,a.ll, (l 14): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 69
"Tenho como escorreito o pronunciamento supratranscrito, o qual ado
to como razão de decidir, posto que assente com o entendimento desta Corte
sobre o tema, consoante se vê dos seguintes precedentes:
'Desapropriação indireta. Indenização.
Não é negado ao Poder Público o direito de instituir parques nacionais contanto que o faça respeitando o sagrado direito de pro
priedade, assegurado pela Constituição.
Não é para confundir as limitações da Lei n2 4.771/65 com a
proibição de desmatamento e uso de uma floresta que cobre totalmente a propriedade porque seria 'interdição de uso de propriedade',
salvo indenização devida'.
(REsp n2 5.989-PR, ReI. Ministro Garcia Vieira, in DJ de 15.04.91).
'Desapropriação - Parque estadual- Mata de preservação per
manente - Limitação administrativa de uso - Juros compensatórios e
moratórios - Súmulas n illi 12, 69 e 70-STJ. 1. O Poder Público pode criar Parques (art. 52, Lei n!2 4.771/65)
ficando resguardado o direito de propriedade, com a conseqüente reparação patrimonial, quando ilegalmente afetado. As 'limitações administrativas', quando superadas pela ocupação permanente, vedando o uso,
gozo e livre disposição da propriedade, desnaturam-se conceitualmente,
materializando verdadeira desapropriação. Impõe-se, então, a obrigação
indenizatória justa e em dinheiro, espancando mascarado confisco.
2. Indenizabilidade de toda a área compreendida na reserva,
como compensação pelo desaparecimento do direito de uso e gozo,
afetando o seu valor econômico. 3. Os juros compensatórios destinam-se a ressarcir, no caso, pelo
impedimento do uso e gozo econômico do imóvel, constituindo solução
(REsp n!2 39. 842-8-SP - ReI. Ministro Milton Pereira, in D J de 3 o. O 5.94) ."
Peço vênia ao eminente Relator, em face do panorama jurisprudencial
suprarevelado, para divergir, e, conseqüentemente, conhecer do recurso especial.
Não se está reexaminando prova. O debate está circunscrito em se definir se
os juros compensatórios são aplicáveis em casos de desapropriação por limitações administrativas. No particular, os recorrentes bem demonstraram· a divergência,
pelo que penso merecer conhecimento o recurso especial.
Voto, assim, em face de aceitação da admissibilidade do recurso especial pelo seu conhecimento e, conseqüentemente, em face da linha jurisprudencial
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
70 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTICA
sustentada pelos acórdãos acima referidos, dar-lhe provimento para reconhecer
os juros compensatórios devidos desde a edição da norma que impôs a limitação administrativa geradora da indenização reconhecida pelo acórdão.
É como voto.
VOTO-VOGAL
o SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Sr. Presidente, com a devida vênia do Sr. Ministro José Delgado, acompanho o voto de V..Exa.
É como voto.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Sr. Presidente, peço vênia ao Sr. Ministro José Delgado para, neste caso, acompanhar o voto de V. Exa. Na verdade, os juros compensatórios são conseqüentes da ocupação,
do impedimento, do uso e do gozo, mas o acórdão diz que esse impedimento
resulta da situação em que se encontram as matas, que são virgens. O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Aparte): Sr. Presidente, quero
apenas lembrar que há decisões desta Turma, em situações idênticas, concedendo os juros compensatórios.
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Aparte): Sr. Ministro, o caso concreto diferencia-se de outros onde foi reconhecido o direito.
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Parece-me que essa particularidade ocorreu em alguns casos.
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Foi o que reconhecemos. O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Quando apa
rece isso, tenho negado seguimento. Na verdade, essas matas são virgens não por convicção, mas por inacessibilidade.
Acompanho, data venia, o Sr. Ministro José Delgado, face a este fundamento que nos precedentes não surgiu, o voto do eminente Ministro Milton Luiz Pereira.
RECURSO ESPECIAL Nº 113.874-MG (Registro nQ 96.0073129-2)
Relator: Ministro Milton Luiz Pereira Recorrente: Caixa Econômica Federal- CEF
RSTJ,Brasilia,a.11, (114): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 71
Recorridos: Luís Sérgio Orrin Camassari e outros
Advogados: José Gomes de Matos Filho e outros e Tarcísio Borges Cordeiro e
outros
EMENTA: Processual Civil- Litisconsórcio passivo necessário - Citação
Sistema de mediação - Atividade da autora - CPC, art. 47, parágrafo único. 1. Requerida a citação de litisconsorte necessário, compete à parte-au
tora, não ao réu, agir conforme estatuído na lei (art. 47, parágrafo único, CPC).
Mal endereçada a determinação judicial à ré, cumpre ao juiz renovar a ordem à autora. No sistema de 1nediação, adotado pelo CPC, sem a intimação regu
lar, o processo não deve continuar, evitando-se macular a relação processual
de vício propiciador de nulidade. Descogitando-se da preclusão (art. 183, CPC),
deve ser ordenado ao autor cumprir a obrigação legal, no prazo assinado. A
parte-ré não pode sofrer prejuízo por equivocado ato judicial.
2. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide
a egrégia Primeira Turma do SuperiorTribunal de Justiça, por unanimidade, dar
provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes
dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com
o Relator os Senhores Ministros José Delgado, Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton
Luiz Pereira.
Custas, como de lei. Brasília-DF, 22 de setembro de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 30.11.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: O colend~ Tribunal Regional Federal da 1 a Região assentou o entendimento consubstanciado na emen
ta, a saber:
"Processual Civil. Incumbindo à parte, que alegou a legitimi-
RST], Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
72 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTIÇA
da de passiva necessária da União Federal para integrar a causa, a pro
moção de sua citação, em não o fazendo, no prazo legal, prossegue-se
na ação sem a intervenção da União Federal. Art. 47, parágrafo único,
do Código de Processo Civil. Improvimento do recurso." (fi. 62).
o recurso especial manifestado (art. 10 5, lU, a, CF), funda-se na negativa
de vigência ao artigo 47 do Código de Processo Civil. Sustenta a CEF que
"havendo litisconsórcio necessário, a citação dos litisconsortes incumbe ao au
tor, e não ao réu".
A recorrente afirma ser improcedente o prosseguimento do feito sem a
citação da União.
Conforme certidão às fis. 69, transcorreu o prazo legal sem que fossem
apresentadas as contra-razões.
O recurso especial foi inadmitido na origem, contudo, dei provimento ao
agravo de instrumento interposto determinando a subida do recurso. É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Relanceando os
olhos sobre as peças informativas sublinha-se que, em agravo de instrumento,
versaram as partes questão relativa ao empréstimo e pagamento de crédito educativo,
no âmbito processual, pugnando a Caixa Econômica Federal a citação da União
F ederal como litisconsorte passiva necessária, a respeito, aconsoantado à ementa,
assentado o ferretado v. acórdão:
"Processual Civil- Incumbindo à parte, que alegou a legitimi
dade passiva necessária da União Federal para integrar a causa, a
promoção de sua citação, em não o fazendo, no prazo legal, prosse
gue-se na ação sem a intervenção da União Federal. Art. 47, parágra
fo único, do Código de Processo Civil. Improvimento do recurso."
A foco de contrariedade ao artigo 47, parágrafo único, CPC; a tempo e
modo, satisfazendo os requisitos formais, foi interposto o presente recurso, com
suficiente merecimento para ser conhecido (art. 105, lU, a, CF). Favorecido o exame, contempla-se que a Caixa Econômica Federal, ré, na
contestação pediu a citação da União Federal, qualificando-a como litisconsorte
passiva necessária (art. 47, parágrafo único, CPC - fi. 39 - in lme). O digno juiz,
ao invés de ordenar que a parte autora a promovesse, determinou à própria Caixa-
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 73
ré (fl. 48). Como assim não procedeu, foi determinado o prosseguimento do pro
cesso sem a intervenção da União Federal (fl. 49), provocando o agravo. Nesse contexto, incontroverso que a determinação para a citação de
litisconsorte apontado como necessário, foi equivocadamente endereçada à ré e
não, como determina expressamente a lei, à autora, evidencia-se falta prejudi
cial à recorrente. Demais, a tempo e modo, insurgindo-se contra o ato judicial, não se configurou a preclusão (art. 183, CPC), sem ocasião, pois, para a extinção
do processo. Se a União Federal legitima-se, ou não, como litisconsorte passiva, é questão que, ainda, não está em causa, uma vez que não se formalizaram a sua
citação e decorrente manifestação. A única questão é esta: deferida a citação, a
trato de obrigação do autor e não do réu, pode ser declarado extinto o direito à
nomeação de litisconsorte?
Ora, decidida pelo juiz a citação de litisconsorte, cumpria formalizá-la,
competindo à autora da ação cuidar do assunto, como destinatária expressamente indicada - parágrafo único, art. 47, CPC. Sem a sua intimação, portanto, não
correndo o prazo assinado, não podia o nobre juiz determinar a continuação do
processo. Tal prosseguimento, faltando a citação, maculou a relação processual,
ficando sem validade e viciada por nulidade.
Enfim, pelo sistema da mediação para o ato citatório, adotado pelo Código de Processo Civil, impõe-se a intimação da parte autora para promovê-lo. Após, decidirá o juiz sobre a concreta integração, ou não, do litisconsorte na relação
processual.
Confluente às razões lineadas, demonstrado que foram contrariadas as dis
posições do art. 47, parágrafo único, CPC, voto provendo o recurso, a fim de que o senhor juiz ordene à parte autora da ação que promova a citação pedida, no
prazo que vier a determinar.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 131. 781- SP (Registro n!.! 97.0033369-8)
Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros
Recorrente: Fazenda Nacional
Recorrida: Pilar Administradora e Corretora de Seguros S/C Ltda
Advogados: Olívia da Ascenção Corrêa Farias e outros e Abrão
Biskier e outro
RST], Brasília, a. 11, (114): 41-117,fevereiro 1999.
74 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA
EMENTA: Processual - Embargos declaratórios - Recurso protelatório -Prequestionarnento de terna já superado pelo Supremo Tribunal Federal-Multa.
- Nada justifica a pretensão de questionar matéria já superada pelo Supremo Tribunal Federal, fazendo com que aquela altíssima Corte se afogue na repetição de julgamentos. Semelhante recalcitrância explica-se apenas, com
a constatação de que a recorrente inspira-se no intuito de protelar a efetiva entrega da prestação jurisdicional.
- Incide na multa cominada pelo art. 538, parágrafo único, do CPC, a
parte que opõe embargos declaratórios, no escopo de suscitar questão já su
perada na jurisprudência.
ACÓRDÃO
Vistos: relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado, Garcia Vieira e Demócrito Reinaldo.
Brasília-DF, 3 de setembro de 1998 (data do julgamento). Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator.
Publicado no DJ de 19.10.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: A lide objeto deste recurso foi descrita assim, no relatório que orientou o acórdão ora desafiado:
"Cuida-se de embargos de declaração opostos ao v. acórdão de fls. 123, o qual, por unanimidade, deu provimento à remessa oficial e ao recurso interposto contra a r. sentença de fls. 87/92, que concedera a ordem impetrada pela empresa Pilar Administradora e Corretora de Seguros S/C
Ltda, com o escopo de afastar a cobrança da contribuição para o Fundo de Investimento Social - Finsocial, cuja exigência estava sendo formulada pelo Sr. Delegado da Receita Federal de São Paulo.
Essa decisão colegiada deu origem à seguinte ementa:
'Tributário. Constitucional. Contribuição para o Finsocial. De-
RSTJ,Brasília,a.ll, (l14):41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 75
creto-Lei n ll 1.940/82, art. 111, § lll- Empresas que realizam venda de
mercadorias, instituições financeiras e sociedades seguradoras.
1. O Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do Re
curso Extraordinário nQ 150.764-1-PE, firmou entendimento de que
o art. 56 do ADCT da Constituição de 1988 emprestou ao Finsocial
a característica de contribuição, jungindo-se a imperatividade das re
gras insertas no Decreto-Lei n Q l.940182, com as alterações ocorridas até a promulgação da Carta de 1988, ao espaço de tempo relativo
à edição da lei prevista no art. 195, I, do corpo permanente e art. 56
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, declarando a
inconstitucionalidade do art. 9Q da Lei n1l7 .689/88, por incompatibi
lidade manifesta com o contexto constitucional.
2. Em face do pronunciamento do Excelso Pre~ório, cessada
está a vinculação dos órgãos judicantes desta Corte ao julgamento
anterior ao seu Plenário, nos termos do parágrafo único do art. 176 do Regimento Interno do TRF 3a Região, devendo prevalecer a manifestação da Suprema Corte a propósito dos temas constitucionais
suscitados. 3. Daí se concluir, com base no entendimento firmado pelo
Supremo Tribunal Federal que a contribuição para o Finsocial é devida pela alíquota de 0,5% (com o acréscimo de 0,1 % apenas
no exercício de 1988 na forma do Decreto-Lei n 1l 2.397/87) a par
tir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e até sua
extinção por força do art. 13 da Lei Complementar n Q 70/91, sen
do inválidas as majorações de alíquotas trazidas pela legislação
editada durante esse período de exigência transitória do Decreto
Lei n ll 1.940182. Direito do contribuinte que se reconhece, nesses
limites.
4. Matéria preliminar rejeitada. Apelação e remessa oficial par
cialmente providas.'
Inconformada, aduz a embargante que o v. acórdão embargado encontra-se eivado pelo vício da omissão, uma vez que a quaestio in juditio
deducta não teria sido apreciada à luz do que dispõe o art. 28 da Lei n!l
7.738/89. Após tecer diversas considerações, todas tendentes a obter a
reconsideração do julgado, a parte requer que os embargos sejam acolhidos e, afinal, providos (fls.134/137).
Os embargos foram rejeitados, impondo-se à embargante pena por exercício abusivo, eis que:
RSTJ,Brasília,a.ll, (1l4): 41-117, fevereiro 1999.
76 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
'Embargos de declaração. Manifestação de inconformismo em
relação ao julgamento do recurso. Seu descabimento. Imposição de
multa, em face de o recurso haver sido interposto depois da entrada
em vigor da Lei nQ 8.950/94.
1- O mero inconformismo da parte, no que tange ao julgado,
não autoriza a oposição de embargos de declaração, se o acórdão não
padece do vício da omissão, dúvida, obscuridade ou contradição.
2- Se os embargos de declaração manifestam o ânim0 procrasti
natório da parte, deve o órgão julgador condenar o embargante a
pagar ao embargado multa não excedente de 1 % (um por cento)
sobre o valor da causa.
3- Embargos de declaração a que se rejeita, com imposição de multa.'(fl. 153)"
O recurso especial abriga-se nos permissivos a e c.
A recorrente reclama de ofensas ao art. 535 do CPC, ao art. 7Q da Lei nQ
7.787/89, ao art. 1" da Lei nQ 7.894/89 e, também, ao art. IQ da Lei n" 8.147/90.
Traz a confronto precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça, a dizerem que não constitui excesso a aposição de embar
gos declaratórios, com o intuito de prequestionar teses a serem objeto de re
curso especial ou extraordinário.
Este, o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): O
acórdão recorrido resultou do voto proferido pelo eminente Juiz Souza Pires,
nestas palavras:
"A teor do que reza o art. 535, I e II, do Cód. Proc. Civil, cabem
embargos de declaração quando há no acórdão obscuridade, dúvida, con
tradição ou omissão relativa a ponto sobre que devia pronunciar-se o Tri
bunal.
Nesse passo, descabe a interposição de embargos de declaração
embasados exclusivamente no inconformismo da parte, ao fundamento de
que o direito não teria sido bem aplicado à espécie submetida à apreciação
e julgamento.
A esse respeito, trago à colação os seguintes precedentes jurispru
denciais:
RSTJ, Brasília, a. 11, (I 14): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 77
'Mesmo nos embargos de declaração com fim de prequestio
namento, devem-se observar os lindes traçados no art. 535 do CPC (obscuridade, dúvida, contradição, omissão e, por construção
pretoriana integrativa, a hipótese de erro material). Esse recurso não é meio hábil ao reexame da causa' (STJ -1 aTurma, REsp nQ 11.465-
O-SP, reI. Min. Demócrito Reinaldo, j. 23.11.92, rejeitaram os embs.,
v.u., DJU de 15.02.93, p. 1.665, 2a col., em.).
'A pretexto de esclarecer ou completar o julgado, não pode o
acórdão de embargos de declaração alterá-lo' (RTJ 90/659. RT 527/
240,JTA 103/343).
Se o fizer, poderá ser cassado em recurso especial (RSTJ 21/289, 24/
400, STJ - 2llTurma, REsp nQ 6.276-PB, reI. Min. Ilmar Galvão, j. 12.12.90,
deram provimento, v. u., DJU de 04.02.91, p. 569, 2a col. em.) ou desconstituído através de rescisória (JTA 108/390).
tes:
'É incabível, nos declaratórios, rever a decisão anterior,
reexaminando ponto sobre o qual já houve pronunciamento, com in
versão, em conseqüência, do resultado final. Nesse caso, há alteração
substancial do julgado, o que foge ao disposto no art. 535 e incisos
do CPC. Recurso especial conhecido em parte e assim provido' (RSTJ
30/412).
Nesse mesmo diapasão, são os precedentes jurisprudenciais seguin-
'Processual Civil. Embargos de declaração. Ausência dos pres
supostos contidos no artigo 535 do CPC. Rejeição. Os embargos de
declaração constituem recurso de exceção, consoante disciplinado
imerso no art. 535 do CPC, exigindo-se para seu provimento, este
jam presentes os pressupostos legais de cabimento. Inocorrentes as
hipóteses de omissão, dúvida, contradição, obscuridade ou erro ma
terial, não há como prosperar o inconformismo, cujo real intento é
emprestar-lhe efeitos infringentes. Embargos rejeitados, sem discrepância' (PTurma, relator Ministro Demócrito Reinaldo, v.u., DJ de 09.05.94,p.10.819).
'Processo Civil. Embargos declaratórios. Pretensão infringente.
RST],Brasília, a.11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
78 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Admissão apenas em casos excepcionais. Inocorrência de omissão,
contradição, obscuridade ou dúvida. Embargos rejeitados. I - Inocorrendo no acórdão omissão, contradição, obscuridade
ou dúvida, rejeitam-se os embargos declaratórios.
II - Não se enquadrando a espécie nas hipóteses excepcio
nadas admitidas por construção doutrinário-jurisprudencial, inad
missível a infringência do julgado na via dos embargos declaratórios' (2ll. Seção, relator Ministro Sálvio de Figueiredo, DJ de 07.02.94, p.1.100).
Sob outro aspecto, como ensina Theotonio Negrão, em seu 'Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor', 22"- edição, nota 6, ao
art. 535: 'os embargos de declaração não constituem recurso idôneo para
corrigir os fundamentos de uma decisão'.
Essa lição vem sendo sufragada pela jurisprudência, tanto que o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que:
'O juiz não está obrigado a responder a todas as alegações das
partes) quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a de
cisão) nem se obriga a responder um a um a todos os seus argumentos'
(RJTJESP 115/207).
Efetivamente, à parte cabe narrar o fato e ao juiz aplicar o melhor direito à espécie, segundo o princípio jurídico, segundo o qual, narra :mihi factulll dabo tibi jus.
Ora, não cabia trazer à colação o disposto no art. 28 da Lei n1l 7. 738/ 89, uma vez que a exigibilidade do Finsocial, à alíquota de 0,5% (zero vírgula cinco por cento), resultou proclamada pelo voto-condutor do v.
acórdão embargado. Conseqüentemente, entendo que os presentes embargos de declara
ção não merecem prosperar, uma vez que apresentam-se à míngua dos pressupostos autorizadores de sua interposição.
N esse sentido, não posso deixar de assinalar haver resultado eviden
ciado o ânimo procrastinatório dos embargos de declaração em tela, o que,
restando expressamente declarado, obriga-me a impor à embargante a multa
de 1 % (um por cento) sobre o valor da causa) quantulll que reverterá em
benefício da embargada (Código de Processo Civil, art. 538, parágrafo úni
co).
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 79
Ante o exposto, meu voto é no sentido de rejeitar os presentes embar
gos de declaração". (fls. 138/143)
A este pronunciamento acrescentou-se o voto-vista, lançado pelo eminente
Juiz Pérsio Lima, assim:
"Conforme consta do art. 538, parágrafo único, do CPC só cabe a
multa de 1 % nos embargos de declaração quando forem manifestamente
protelatórios.
O SuperiorTribunal de Justiça assim se manifestou a respeito:
'os embargos declaratórios devem ser encarados como o instrumento de
apeifeiçoamento de prestação jurisdicional. A multa cominada no art. 538,
parágrafo único, do CPC, reserva-se a hipóteses em que se faz evidente o
abuso.' (RSTJ 30/378, citado porTheotonio Negrão - Código de Pro
cesso Civil e Legislação Processual em Vigor - 26a edição, pp. 43617).
Por outro lado, sendo claramente protelatórios os embargos, é
irrecusável ao julgador impor a sanção cominada pela lei.
É o que afirma Sérgio Berm.udes:
'manifestamente protelatórios os embargos, tanto o Juiz quanto o
Tribunal, declarando expressamente esse vício, condenarão o embargante
a pagar multa de até 1 % do valor da causa, atualizando-se este para
que se mantenha a sua identidade ao longo do processo inflacionário'.
(In A Reforma do Código de Processo Civil, p. 67).
No caso em tela, evidencia-se claramente o intuito protelatório, pois
a dúvida levantada não tinha cabimento, visto que no acórdão embargado, a questão já havia sido examinada." (fls. 145/146)
Estou de acordo com estas manifestações.
Nada justifica a pretensão de questionar matéria já superada pelo Supremo
Tribunal Federal, fazendo com que aquela altíssima Corte se afogue na repetição de julgamentos. Semelhante reca1citrância explica-se apenas, com a
constatação de que a recorrente inspira-se no intuito de protelar a efetiva entre
ga da prestação jurisdicional.
Nego provimento ao recurso.
RST], Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
80
Relator: Recorrente:
Recorrida:
Advogados:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 151. 734 - MG (Registro n il 97.0073527-3)
Ministro Demócrito Reinaldo Indústrias Gessy Lever Ltda
Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais
Rogério BheringAndrade e José Roberto de Castro
EMENTA: Tributário - Lançamento do tributo por ato expresso da ad
ministração - Impossibilidade de homologação - Decadência regida pelo
art. 173 do CTN. O lançamento por homologação (àrt. 150, § l il , do CTN) é ato adminis
trativo de natureza conflrmatória e só admitido na hipótese de pagamento
antecipado do tributo. Em havendo lançamento pela autoridade administrativa (art. 142 do
CTN), com a posterior inscrição do débito tributário e por ausência de
pagamento, torna-se manifesta a impossibilidade da homologação poste
rior (lançamento por homologação), eis que, com esta (homologação) se
extingue o débito e com aquele (lançamento de ofício) nasce o débito tri
butário. O lançamento expresso é manifestamente incompatível com a
homologação, que é a declaração de extinção do débito, em face do paga
mento antecipado.
In casu, apurando-se a exigência do débito tributário mediante o lan
çamento de ofício, a decadência se rege pelo disposto no art. 173, I, do CTN.
Em se cuidando de exação pertinente aos anos de 1982 e 1983 e iniciando-se
o procedimento administrativo (lançamento) em fevereiro de 1987, a deca
dência não se conflgurou, desde que não decorridos os cinco (5) anos (art.
173, I, do CTN).
Recurso improvido. Decisão unânime.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Primeira Turma do SuperiorTribunal de Justiça, por unanimidade, negar provi
mento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráflcas constantes dos
autos, que flcam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do
julgamento os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira,
José Delgado e Garcia Vieira. Custas, como de lei.
RSTJ,Brasília,a.11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
Brasília-DF, 18 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.
Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.
Publicado no DJ de 28.09.98.
RELATÓRIO
81
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: A Fazenda Pública do
Estado de Minas Gerais aforou execução fiscal contra a empresa Indústrias Gessy
Lever Ltda, objetivando a cobrança de importância correspondente a ICMS,
devidamente submetida a lançamento (art. 142 do CTN) e não paga.
A executada opôs embargos à execução, sob dupla fundamentação:
a) cerceamento de defesa na fase do procedimento administrativo; b) extinção do débito, em face da decadência, consoante o disposto no art.
150, § 4 11, do CTN.
Os embargos foram julgados improcedentes nas instâncias ordinárias.
Irresignada, a empresa vencida se insurge através do especial (art. 105, lU, a,
da CF). Fundamenta-se na alegação de afronta ao art. 150, § 411, do CTN, eis que, em se tratando de ICMS, em que o lançamento se faz por homologação, o prazo
prescricional se verifica em cinco (5) anos, contados do fato gerador. Portanto,
parte do crédito pertinente a 1983, se encontra extinto.
O recurso subiu a esta instância em face de decisão proferida em agravo de instrumento.
Estando o feito preparado, trago a julgamento.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Senhores Ministros, a Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais promoveu execução fiscal
contra a empresa Indústrias Gessy Lever Ltda, objetivando reaver quantia que menciona e resultante de apuração, em procedimento regular, de ICMS não pago.
A Fazenda verificou, através de levantamento, que a executada promoveu
entradas e saídas de mercadorias desacobertadas de documento fiscal, formulando o crédito tributário, com os devidos consectários.
Houve defesa da devedora e transitada em julgado a decisão administrati
va, o débito tributário não pago, foi inscrito na dívida ativa, iniciando-se a exe
cução.
RSTJ,Brasília,a.ll, (l14):41-117,fevereiro 1999.
82 REVISTADO SUPERIORTRIBUNAL DE JUSTIÇA
A executada opôs embargos estribados em dois (2) fundamentos basilares:
a) cerceamento de defesa, na fase administrativa;
b) decadência do direito à constituição do crédito. O juiz julgou improcedentes os embargos, sentença confirmada pelo Tri
bunal de Justiça, em grau de apelação.
Contra esta decisão, manifesta, a vencida, recurso especial (alínea a do permissivo constitucional). O fundamento da irresignação consiste n'a ofensa ao
art. 150, § 4Q, do CTN, porquanto, parte do crédito tributário já se encontra
prescrito, por se tratar de ICMS, em que se faz o lançamento por homologação e
a contagem do prazo para o início da extinção do crédito há de começar do fato
gerador. A controvérsia, ao meu ver, é de fácil solução.
Em verdade, o ICMS, pela sua própria natureza, está sujeito ao lançamento
por homologação. Isto porque, no comum dos casos, o pagamento desse tributo é
feito antecipadamente. Nesse caso, a lei (art. 150 do CTN) atribui ao sujeito
passivo o dever de examinar a base de cálculo e a alíquota (definida em lei) e a
elaboração do cálculo para concluir qual o quantum devido. E, ao depois, ante
cipa o pagamento. É o que se denomina de autolançamento, a que a lei denomina de "lançamento por homologação". É o magistério de Aliomar Baleeiro: "Pelo
art. 150, o pagamento é aceito antecipadamente, fazendo-se o lançamento a
posteriori: a autoridade homologa-o, se exato, ou faz o lançamento suplementar,
para haver a diferença acaso verificada a favor do Erário. É o que se torna mais
nítido no § 1 Q desse dispositivo, que imprime ao pagamento antecipado o efeito de
extinção do crédito, sob condição resolutória de ulterior homologação. Negada
essa homologação, anula-se a extinção e abre-se oportunidade a lançamento de
oficio" (Direito Tributário Brasileiro, 1 oa ed., p. 521).
A conhecida figura do lançamento por homologação, adverte Paulo de
Barros Carvalho, "é um ato jurídico administrativo de natureza confirmatória,
em que o agente público, verificado o exato implemento das prestações tributá
rias de determinado contribuinte, declara, de modo expresso, que obrigações houve, mas que se encontram devidamente quitadas até aquela data, na estrita
consonância dos termos da lei" (Curso de Direito Tributário, p. 282).
Destarte, a recorrente não pode lograr êxito em sua pretensão, eis que, in
casu, incide a regra do art. 173 e não o art. 150, § 4Q, ambos do CTN. É que o
mencionado § 4Q é explicativo do art. 150, que estabelece: "o lançamento por
homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito
passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade ad
ministrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conheci
mento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente o homologa".
RSTJ, Brasília, a. 11, (l 14): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 83
Na hipótese, inexistiu a antecipação do pagamento; ao revés, o débito tri
butário foi apurado em procedimento administrativo, que redundou no lança
mento feito pela autoridade administrativa, na forma do art. 142 do CTN. Portanto, não há de se falar em lançamentos por homologação, que se não conci
liam, no caso.
A natureza do ato homologatório, ensinam os tributaristas, difere da do lançamento tributário. Enquanto aquele primeiro anuncia a extinção da obrigação, liberando o sujeito passivo, estoutro declara o nascimento do vínculo,
em virtude da ocorrência do fato jurídico. Um, certifica a quitação; outro cer
tifica a dívida (Paulo de Barros Carvalho, ob. cit., p. 282).
Ora, se não houve pagamento antecipado do débito, não há como se falar
em homologação, e nem em aplicação do § 40. do art. 150 do CTN'. A homologa
ção é nada mais do que a declaração de extinção do débito - em face do paga
mento antecipado.
N a hipótese vertente, houve lançamento pela autoridade administrativa (art. 142 do CTN) e posterior inscrição do débito tributário. Ora, o lançamento
expresso se incompatibiliza com a homologação. Com esta, extingue-se o débi
to; com aquele, nasce o débito tributário. Aqui, a Fazenda Pública iniciou o procedimento do lançamento, com a
autuação, nos exercícios de 1982 e 1983. O prazo decadencial começou a fluir
no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter
sido efetuado. Impõe-se a aplicação do art. 173, I, do CTN. As exigências tribu
tárias são pertinentes aos anos de 1982 e 1983. O prazo decadencial se expiraria em 31 de dezembro de 1987 e 31 de dezembro de 1988. Iniciando-se o procedi
mento administrativo preparatório do lançamento em 6 de fevereiro de 1987, a
decadência não se configurou, desde que não decorridos cinco (5) anos, conta
dos na forma do art. 173, I, do CTN.
Com estas considerações, conheço do recurso, mas lhe nego provimento. É como voto.
Relator:
Recorrente:
Recorridos:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL Nº 158.980 - SP (Registro n0.97.0091043-1)
Ministro Garcia Vieira
União
Benedito José de Andrade e outro
Gilda Gronowicz e outro
RSTJ,Brasília,a.11, (114): 41-117,fevereiro 1999.
84 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: Processual- Preclusão - Legitinüdade das partes.
O juiz de oficio, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não
proferida a sentença de mérito, poderá apreciar questão relativa àlegitimidade das partes. Esta matéria não se subordina à preclusão.
Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Exmos. Srs. Minis
tros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao
recurso. Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Demócrito
Reinaldo, Milton Luiz Pereira e José Delgado.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros. Brasília-DF, 17 de março de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.
Ministro GARCIA VIEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 04.05.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: A União interpõe recurso especial
(fls. 548/554), arrimada na Constituição Federal, art. 105, lII, a, alegando
inocorrer a preclusão quando o tema for a legitimidade das partes. Aponta nega
tiva de vigência aos arts. 267, § 32 , e 515, do CPC.
Pede a anulação do v. acórdão.
Contra-razões às fls. 556/562.
Despacho de fls. 570 admitiu o recurso.
Trata-se de ação de ressarcimento de danos causados pela construção de sistema de captação de águas pluviais que provocou a erosão e assor~amento de
terreno. A r. sentença de fls. 427/429 julgou procedente o pedido. O v. acórdão
(fls. 488/496) deu parcial provimento à apelação. Interpostos embargos de de
claração, foram os mesmos rejeitados (fls. 540/545).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): Sr. Presidente, aponta a
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 85
recorrente, como violados, os artigos 267, § 3!2, e 515 do CPC, versando sobre
questão devidamente prequestionada. Conheço do recurso pela letra a. Embora não tenha havido recurso do despacho saneador de fls. 74, que
julgou legítimas as partes, dessa decisão não ocorreu a preclusão, porque o juiz,
de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a
sentença de mérito, poderá apreciá-la. Esta matéria não se subordina à preclusão.
Neste sentido, os Recursos Especiais n9.ii 86.135-SP, DJ de 17.11.97, reI. Min.
Carlos Alberto Menezes Direito; 53.052-0-AL, DJ de 19.08.96, relator Min.
Barros Monteiro; e 59.978-4-PR, DJ de 02.09.96, relator Min. Milton Luiz
Pereira. Acontece, que o IBC, sucedido pela União, na apelação (fls. 445/459),
argüiu a sua ilegitimidade passiva baseado no contexto probatório. Diz o IBC em sua apelação (fls. 446/447):
"Com relação a esse último item, tem-se que o ora apelante não
poderia ser considerado parte legítima no feito, assim como faltavam aos apelados, numa circunstância que merecia uma acurada análise por parte
do juízo a quo, condições para figurarem no pólo passivo da relação jurí
dica.
A ilegitimidade da autarquia, como parte passiva na lide, ficou demonstrada desde os albores da demanda, mormente pelo fato provado e
comprovado nos autos de que o problema ocasionado nas terras indicadas
(erosão) na inicial não foram provocadas pelo IBC, pois sua origem, além de remota e antiga, veio a ser agravada quando a Fepasa fez construir a céu
aberto outro emissário, dando continuidade àquele efetuado pelo apelante,
despejando toda água pluvial coletada naquelas que seriam as propriedades dos apelados.
Ora, se o apelante não direcionou qualquer coletor de água de chuva para as terras atingidas, não seria ele o responsável pela erosão noti
ciada, extraindo-se daí a ilegitimidade perquirida, aspecto que o douto magistrado não chegou sequer a analisar na r. decisão de fls., apesar de debatida.
Se ao instituto cafeeiro faltava essa condição essencial para o conhe
cimento e o desenvolvimento regular do processo, na esfera passiva da
relação, aos apelados também não era dado o direito de figurar na esfera
ativa, porquanto, decididamente, não conseguiram eles provar a contento
que são proprietários das terras contíguas ao IBC ou à Fepasa no distante
município de Bernardino de Campos, localizado no Estado de São Paulo" (fls. 446/447).
RST], Brasília, a. 11, (114): 41-117,fevereiro 1999.
86 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o v. acórdão recorrido, ao afastar a preliminar de ilegitimidade, o fez
escorado nas provas, acentuando que:
"Ademais, está comprovado, nos autos, a propriedade dos apelados e
o instituto-apelante não negou, e nem o poderia, a construção do armazém
e do sistema de captação de águas pluviais, de modo que nã'o há como negar sua legitimidade passiva" (fls. 492).
A recorrente, neste recurso especial, ao sustentar a existência de ilegitimidade,
o faz com apoio no contexto probatório. Ela, após se reportar às suas razões de apelação, nas quais sustenta a sua ilegitimidade, com base nas provas, diz
que:
"De fato, a documentação trazida aos autos pelos autores, primeiramente, é insuficiente e incerta, inexistindo a certeza de que os danos a serem ressarcidos pertençam aos apelados. Verifica-se, in casu, a carência de ação,
argüida em fase anterior e tempestivamente.
N os termos do artigo 267, VI, do diploma adj etivo, deveria ser o feito extinto sem julgamento de mérito, dada a clara ocorrência da ilegitimidade passiva do instituto réu" (fls. 551).
Como se vê, para examinar-se a argüida ilegitimidade da ré, teria o juiz de reexaminar as provas coligidas nestes autos e isso é vedado por nossa Súmula n!.'.
7. Como a única pretensão da recorrente é a de ser decretada a sua ilegitimidade passiva (fls. 554) não se pode acolher o seu pedido.
Nego provimento ao recurso.
RECURSO ESPECIALNQ 161.921-PR (Registro n!.'.98.0000930-2)
Relator: Ministro Garcia Vieira
Recorrente: Incorporadora Quatro Ltda
Recorrida: Fazenda Nacional Advogados: Rogério Verdade e Dolizete Fátima Michelin e outros
EMENTA: Cofins -Venda de imóveis - Incidência. As atividades de cOInércio e indústria de construção civil, engenharia
RST],Brasília,a.l1, (114): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 87
civil e incorporação estão sujeitas à Cofins porque caracterizam compra e
venda de mercadorias. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Exmos. Srs. Minis
tros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao
recurso. Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Milton Luiz Pereira e José Delgado.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros. Brasília-DF, 17 de março de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente. Ministro GARCIA VIEIRA, Relator.
Publicado no DI de 04.05.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTR0 GARCIA VIEIRA: Incorporadora Quatro Ltda, com
fundamento na Constituição Federal, artigo 105, inciso IIl, letras a e c, inter
põe recurso especial (fls. 90/1 06), aduzindo não incidir a Cofins sobre a receita
proveniente da venda de imóveis, porque estes não são mercadorias, não haven
do, portanto, prestação de serviços.
Denegada a segurança em primeira instância, o colendo tribunal a quo reformou esta decisão.
Aponta violação à Lei Complementar n 2 70/91, artigo 22 , Código Civil, artigos 43 e 47 do CTN, artigo 110 e divergência jurisprudencial.
Contra-razões (fls. 130/133).
Despacho (fls. 135) admitiu o recurso. É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): Sr. Presidente, aponta a recorrente, como violados, vários dispositivos legais, versando sobre questão
devidamente prequestionada e demonstrou a divergência.
Conheço do recurso pelas letras a e c.
RST],Brasília,a.ll, (114): 41-117,fevereiro 1999.
88 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Estabelece o citado dispositivo legal que a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social- Cofins, de 2% incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerando a receita bruta das vendas de mercadorias, e serviços e
de serviços de qualquer natureza. O objetivo social da recorrente é a "indústria da construção civil, adminis
tração e conservação de prédio ... " e também, incorporação imobiliária, compra, venda, permuta e locação de imóveis, intermediação em operações imobiliárias e projetos de planejamento e engenharia civil.
Entendo que as atividades desenvolvidas pela recorrente, de comércio e
indústria da construção civil, engenharia civil e incorporação, estão sujeitas à Cofins porque caracterizam a compra e venda de mercadorias, em sentido amplo, como o empregou o legislador, e este usou a palavra faturamento como vendas realizadas, importância apurada e receita obtida e não no sentido puramente comercial. A própria lei fala em receita bruta.
A questão foi bem examinada pelo Juiz-Relator, que em seu bem lançado voto de fls. 84, acentuou:
"A constitucionalidade da Contribuição Social criada pela LC nll 70/91 foi reconhecida pelo egrégio STF no julgamento da Ação Direta de
Constitucionalidade nll l-I (DJU de 06.12.93, p. 26.598) e, nesse .sentido, firmou-se o entendimento desta Corte com a edição da Súmula n!l 21.
A incidência da Cofins se dá sobre o faturamento mensal, assim considerada a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza (LC n!l 70/91, artigo 2!l).
Dedica-se a apelante ao ramo do comércio e indústria da construção civil, engenharia civil e incorporação (fls. 17). Assim, exercendo atividade que se encontra relacionada na Lei Complementar n!l 56/87, enquadra-se como prestadora de serviços, sujeita, pois, ao recolhimento da contribui
ção cuja exigibilidade ora se discute. Nesse sentido, colhe-se precedente desta Corte, verbis:
'Tributário - Cofins - Incidência - Venda de mercadorias - Leis Complementares n!ls 54/87 e 70/91 - Decreto-Lei n1l 406/68.
A empresa, exercendo atividade de compra, venda e incorporação
de imóveis, é prestadora de serviços, e como tal está obrigada ao pagamento da Cofins. Inexistência de ofensa ao princípio da tipicidade, (AMS
n!l 95.04.36486-1-PR, relatorJuiz Carlos Sobrinho, DJ de 06.12.95, p.
85.008/85.014)'." (fls. 84)
Nego provimento ao recurso.
RSTJ,Brasília,a.ll, (114): 41-117,fevereiro 1999.
Relator:
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
RECURSO ESPECIAL NQ 162.981 - SP (Registro n!:! 98.0006982-8)
Ministro José Delgado
Recorrentes: Brigitte Maria Fernandes e outros
Advogados: Roberto Correia da Silva Gomes Caldas e outro Recorrida: Fazenda Nacional
Procuradores: Elyadir Ferreira Borges e outros
89
EMENTA: Processual Civil e Tributário - Ação de repetição de indébito
Valor da causa. 1. O valor da causa nas ações de repetição de indébito tributário deve
corresponder ao beneficio patrimonial visado pelo contribuinte, acompanha
do de correção monetária a partir do pagamento indevido (Slímula n!:! 162-
STJ) e de juros moratórios a partir do trânsito em julgado da sentença (Súrnula
n!:! 188-STJ). 2. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Exmos. Srs. Ministros
da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Parti
ciparam do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo,
Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira.
Brasília-DF, 5 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.
Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.
Publicado no DJ de 03.08.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Brigitte Maria Fernandes e outros interpõem o presente recurso especial (fls. 77/85), com fulcro nas alíneas a
e c, do inc. lII, do art. 105, da Carta Magna, contra acórdão (fls. 71/73) profe
rido pela 4il.Turma doTRF/3il.Região, cujos fundamentos estão sintetizados na
ementa que o compõe e encontra-se assim estruturada (fl. 74):
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
90 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Processo Civil. Agravo de instrumento. Valor da causa. Ação
de repetição de indébito tributário. Artigo 259, I, CPC. Montante
recolhido. Correção monetária. Juros. Desprovimento.
I - O valor da causa, na ação de repetitória, correspondente às
parcelas indevidamente recolhidas, há de ser o da soma destas, mone
tariamente corrigidas desde as datas dos respectivos recolhimentos,
afastando-se a fixação por estimativa.
II - Não se deve computar os juros no cálculo do valor da causa
de repetição de indébito tributário porque estes incidem somente a
partir do trânsito em julgado.
III - Agravo desprovido."
Em sede de ação de repetição de indébito referente a imposto sobre opera
ções financeiras, os recorrentes interpuseram agravo de instrumento. contra decisão que acolheu impugnação ao valor da causa, determinando sua retificação
para que correspondesse à restituição pleiteada em juízo.
O tribunal a quo não acolheu o pleito formulado, desprovendo o agravo
de instrumento.
Nesta instância, sustentando-se os recorrentes em violação dos arts. 258,
286, II, e 604 do CPC, além de dissídio pretoriano, pretendem a reforma do v.
acórdão por este ter entendido ser o valor da causa na ação de repetição de
indébito, o correspondente à restituição pleiteada, afastando a fixação por esti
mativa, como perseguido por eles.
Oferecidas contra-razões (fls. 87/89) pela Fazenda Nacional.
Admitido o processamento do especial (fls. 91), subiram os autos a esta
Corte. É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Da análise dos requisitos de admissibilidade, vislumbro que o recurso não merece prosperar com
fundamento na alínea a. Os dispositivos tidos por malferidos não se encon
tram inseridos e debatidos no corpo do aresto vergastado, não ger.ando, com
isso, o imprescindível prequestionamento viabilizador da instância especial.
Conheço do recurso, portanto, apenas pela divergência.
A questão em tela cinge-se unicamente na definição do valor atribuído à
causa nas ações de repetição de indébito tributário.
Como é sabido, o fundamento básico desse tipo de ação é afastar a
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 91
locupletação indevida, merecendo, pois, a restituição se fazer acompanhar da
quantia originariamente recolhida, acrescida de juros moratórios a partir do trânsito em julgado da sentença, e de correção monetária a partir do pagamento
indevido, conforme vislumbramos do teor das seguintes Súmulas exaradas por
esta Corte:
"Súmula n!.l 162 - Na repetição de indébito tributário, a correção
monetária incide a partir do pagamento indevido."
"Súmula n!.l 188 - Os juros moratórios, na repetição de indébito, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença."
Neste aspecto, portanto, acerca dos juros e da correção monetária, não há
polêmicas. A ação de repetição de indébito é de natureza nitidamente condenató
ria, e o discutido valor da causa deve equivaler, pois, ao benefício patrimo
nial visado pelos recorrentes, como bem nos orienta a doutrina de Luiz Cláudio Amerise Spolidoro, in "Do Valor da Causa e sua Impugnação", Lejus, São
Paulo, 1997:
"A restituição do indevido ou repetição do indébito é matéria prevista
nos arts. 964 e ss. do CC, uma vez que o pagamento indevido é uma das
formas de enriquecimento ilícito, por decorrer de prestação feita, espontaneamente, por alguém com o intuito de extinguir uma obrigação erronea
mente pressuposta, gerando ao accipiens, por imposição legal, o dever de
restituir, uma vez estabelecido que a relação obrigacional não existia, tinha
cessado de existir ou que o devedor não era o solvens ou que o accipiens não era o credor.
Portanto, é o direito de exigir a restituição do que se pagou
indevidamente por erro (RT 468/223, 474/111,446/91,450/246).
O valor da causa, portanto, será aquele que se busca ver restituído. O mesmo ocorre para com a repetição do indébito fiscal."
Encontrando-se, pois, plenamente delimitado o quantum do conteúdo
econômico da pretensão deduzida pelos recorrentes, ressai ineludive1mente ser
este o valor da causa, não merecendo, conseqüentemente, nenhuma reparação o
acórdão ora vergastado, pelo que, mantenho-o na íntegra:
"Cuida-se de ação de repetição de indébito objetivando a restitui-
RSTJ,Brasília,a.ll, (1l4):41-117,fevereiro 1999.
92 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ção dos valores recolhidos a título de imposto sobre operações financei
ras (IOF), corrigidos monetariamente a partir de cada pagamento indevido e acrescidos de juros.
Ora, se assim é, o valor da causa na ação repetitória, correspondente às parcelas indevidamente recolhidas, há de ser o da soma destas, moneta
riamente corrigidas desde as datas dos respectivos recolhimentos, não se admitindo possa o autor atribuir-lhe valor por estimativa.
Essa a regra trazida pelo Código de Processo Civil, in verbis:
'Art. 259. O valor da causa constará sempre da petição inicial e será:
I - na ação de cobrança de dívida, a soma do principal, da pena e dos juros vencidos até a propositura da ação.'
Há que se ressaltar que a correção monetária, embora não prevista no dispositivo transcrito acima, incide no cálculo do valor da causa, pois se a mesma é aplicada para a repetição de indébito tributário (Súmula n!l 46 do extinto Tribunal Federal de Recursos), deve-se admiti-la também
para a fixação do valor da causa, posto que este deve refletir ao máximo o proveito almejado pelo autor.
Por outro lado, forçoso é concluir que, in casu, os juros não devem incluir-se na soma do artigo 259, I, do Código de Processo Civil, isto porque o Código Tributário Nacional, em seu artigo 167, parágrafo único, estipula que os mesmos incidem somente a partir do trânsito em julgado. Portanto, nas ações de repetição de indébito tributário, não há que se falar em juros vencidos quando do ajuizamento da demanda.
Posto isso, nego provimento ao agravo para fixar como valor da causa o montante recolhido a título de imposto sobre operações financeiras (IOF), corrigido a partir de cada recolhimento."
Isto posto, nego provimento ao presente recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 165.231-MG (Registro n!l98.0013453-0)
Relator: Ministro José Delgado
Fazenda Nacional Recorrente:
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
Procuradores: Oilson José Zanlorenzi e outros
Recorrida: Advogado:
Embrasp - Empreiteira de Obras e Serviços Ltda José Carlos Nogueira da Silva Cardillo
93
EMENTA: Processual Civil- Intimação do Procurador da Fazenda PÚ
blica- Lei n Q 6.830/80, art. 25. 1. A regra cogente expressa pelo art. 25 da Lei n Q 6.830/80, não permite
interpretação que desvirtue o seu comando da obrigatoriedade da intimação
da Fazenda Pública ser feita pessoalmente ao seu representante legal.
2. Por intimação pessoal há de se compreender a comunicação do ato processual que é procedida via mandado ou com a entrega dos autos, de modo
direto, em cartório, à pessoa com capacidade processual para recebê-la. Mas
isso não significa a obrigatoriedade da remessa dos autos, via postal, para que
se dê por intimado o representante da Fazenda Pública. 3. É ineficaz a comunicação da realização de ato processual através de
carta, ainda que com aviso de recebimento. Precedentes.
4. Recurso especial parcialmente provido para que a intimação do re
presentante da Fazenda seja feita, pessoalmente, por mandado, sem a obrigatoriedade da remessa dos autos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Exmos. Srs. Minis
tros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao
recurso. Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Garcia Vieira,
Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira. Brasília-DF, 5 de maio de 1998 (data do julgamento). Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.
Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.
Publicado no DJ de 03.08.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: A Fazenda Nacional interpôs agra
vo de instrumento contra decisão do juízo monocrático que indeferiu pedido para
que lhe fossem remetidos os autos, via postal, para fins de realização de intimação
pessoal, em face de o procurador se encontrar em comarca do interior.
RSTJ,Brasília,a.1!, (l14):41-1!7,fevereiro 1999.
94 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o órgão colegiado de segundo grau, a 3.aTurma do TRFIl.a Região, mante
ve a decisão a quo de modo assim ementado (fls. 29):
"Processual Civil. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Comarca do interior. Intimação do representante judicial da Fazenda Pública.
1. A intimação pessoal do representante judicial da Fazenda
Pública, prevista no art. 25 da Lei n-º- 6.830, de 22.09.80, pode ser
feita por via postal, mencionando o ato a ser praticado.
2. É dispensável a remessa dos autos juntamente com o expedi
ente intimatório, especialmente quando a execução corre em comarca
do interior do Estado.
3. Improvimento do agravo."
Nesta instância, a Fazenda interpõe recurso especial (fls. 34/39), sustentan
do que foi intimada de modo irregular, diante do descumprimento das determina
ções expressas dos arts. 25, caput, e seu parágrafo único, do CPC, e 38 da Lei
Orgânica da Advocacia Geral da União (LC n-º- 73/93), que dispõem claramente
que as intimações e notificações devem ser feitas pessoalmente.
Colaciona, por fim, ementa da 2il Turma desta Corte para demonstrar o
dissídio jurisprudencial invocado pela alínea c do permissivo constitu,cional.
Sem contra-razões.
Originariamente inadmitido (fls. 41), o recurso especial foi processado por força de agravo de instrumento onde exarei decisão dando provimento ao
mesmo (fls. 46).
É o relatório.
VOTO
O SR MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Da análise dos pressu
postos de admissibilidade, afigura-se deficiente a fundamentação do recurso pela
alínea c do permissivo constitucional, posto que o recorrente não logrou de
monstrar o dissídio pretoriano invocado nos moldes da orientação preconizada
pelo art. 26 da Lei n-º- 8.038/90, em harmonia com os artigos 541, parágrafo
único, do CPC, e 255 e parágrafos do RISTJ, visto que estes exigem o cotejo
analítico das teses divergentes, não se aperfeiçoando com a simples transcrição
de ementa semelhante à hipótese dos autos.
Conheço do recurso, portanto, apenas pela alínea a, e somente pela alegada
ofensa ao art. 25, caput, e seu parágrafo único, da Lei n-º- 6.830/80, por ter sido
o único que foi devidamente prequestionado pela decisão do tribunal a quo. O
RSTJ,Brasília,a.ll, (114): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 95
dispositivo 38 da LC nQ 73/93 não se apresenta explicitamente debatido e deci
dido no corpo do acórdão, capaz de gerar o prequestionamento necessário para
esta fase recursal. Passo ao exame merital.
A mensagem contida no art. 25 da Lei nQ 6.830/80, no sentido de que "Na
execução fiscal, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Públi
ca será feita pessoalmente", não admite, pela força co gente e especial contida,
interpretação restritiva. Por intimação pessoal há de se entender aquela feita, via mandado ou com a entrega dos autos, diretamente, em cartório, à pessoa do Pro
curador que representa o órgão público em juízo. Essa forma de levar à Fazenda Pública o conhecimento de atos processuais,
embora se constitua em privilégio e trato indevido do princípio da igualdade,
encontra, porém, apoio na jurisprudência desta Corte, em face da visão de que,
pela imensa quantidade de causas movidas contra o Estado, há de se impor um
critério de segurança mais aprimorado na referida comunicação.
Mas é necessário esclarecer que o parágrafo único do artigo retromencionado,
não obriga, mas apenas faculta, sejam as intimações feitas mediante vista dos
autos, bastando para se aperfeiçoá-la a comunicação realizada via mandado judicial cumprido por oficial de justiça, contendo expressamente o objeto da intimação.
Esta egrégia Corte, no Recurso Especial nQ 84.971-MG, relatado pelo eminente Ministro Antonio de Pádua Ribeiro, publicado no DJU de 05.08.96,
decidiu o que assim está ementado:
"Processual Civil. Execução fiscal. Intimação do representante
da Fazenda Pública.
1 - A intimação da Fazenda Pública, na execução fiscal, deve
ser feita pessoalmente ao seu representante, embora não seja obrigatoriamente mediante a remessa dos autos.
2 -Ao admitir, no caso, como válida a intimação pessoal, feita
por precatória, o acórdão recorrido negou vigência ao art. 25 e seu
parágrafo único, da Lei nQ 6.830, de 22.09.80.
3 - Recurso especial conhecido, mas desprovido."
De igual modo se apresenta o decidido no Recurso Especial n Q 128.376-
MG, também relatado pelo eminente Ministro Antonio de Pádua Ribeiro, pu
blicado no DJU de 18.08.97, conforme ementa:
"Processual Civil. Execução fiscal. Intimação do representante da Fazenda Pública.
RSTJ,Brasilia,a.ll, (l14):41-117,fevereiro 1999.
96 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1 - A intimação da Fazenda Pública, na execução fiscal, deve ser feita pessoalmente ao seu representante, embora não seja obrigatoriamente mediante a remessa dos autos. Ofensa ao art. 25 e seu parágrafo único, da Lei ni2 6.830, de 22.09.80, caracterizada.
2 - Recurso conhecido e provido."
Portanto, é unânime o entendimento de que a intimação do representante da Fazenda Pública seja feita pessoalmente, mas neste rol não se encontra obrigatoriamente o dever da remessa dos autos, via correio, para concretizá-la. A norma do art. 25 da Lei n1l 6.830/80, e seu parágrafo único, não pode ser interpretada de forma extrema, mas devidamente temperada. Neste ponto, o presente recurso não merece provimento.
Sob outro ângulo, a intimação foi realizada mediante carta com aviso de recebimento e, quanto a isso, merece prosperar a irresignação do recorrente por
que tal modo de comunicação do ato processual é ineficaz, não considerado do tipo "pessoal". Eis o entendimento deste Tribunal:
"Processual Civil. Execução fiscal. Intimação do representante da Fazenda via carta com aviso de recebimento: inutilidade. Recurso
especial conhecido e provido. I - Exigindo a lei que a intimação seja feita pessoalmente, nenhum
valor jurídico terá sua efetivação via carta, ainda que seja com AR. H - Tratando-se de ação de execução fiscal, o representante da
Fazenda Pública que estiver oficiando no feito, ou seu substituto,
deverá ser intimado pessoalmente. IH - Inteligência do art. 25 da Lei n ll 6.830 e do art. 38 da Lei
Complementar nQ 73/93. Aplicação da Súmula nll 240 do extinto TFR. IV - Recurso especial conhecido e provido". (REsp nQ 149.184-
PE, reI. Min.Adhemar Maciel, DJ de 16.03.98).
"Processual Civil - Execução fiscal - Fazenda Pública - Repartição fora da comarca - Intimação.
1- N as execuções fiscais, a intimação da Fazenda Pública sediada fora da comarca onde corre a ação deve ser pessoal e não através de
carta registrada. 2- Recurso especial conhecido e parcialmente provido". (REsp
n1l 85. 730-MG, reI. Min. Peçanha Martins, DJ de 08.09.97).
"Processual Civil. Execução fiscal. Intimação pessoal do re
presentante judicial da Fazenda Pública. Na execução fiscal, a intimação
RSTJ,Brasília,a.11, (114): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURlvlA 97
do representante da Fazenda Pública deve ser feita pessoalmente (Lei
n'" 6.830/80, art. 25), a tanto não se assimilando a intimação por carta com aviso de recebimento. Recurso especial conhecido e provido em
parte". (REspn'" 83.983-MG,rel. Min.Ari Pargendler, DJ de 21.10.96).
Com estas considerações, dou provimento parcial ao recurso, para que a
intimação do representante da Fazenda seja feita, pessoalmente, por mandado,
sem a obrigatoriedade da remessa dos autos. É como voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 168.211-DF (Registro n'" 98.0020499-7)
Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros Recorrentes: Município de São Gabriel da Palha e outros
Recorrido: Fazenda Nacional
Advogados: Luiz Alberto Bettiol e outros e Lília Figueira de Almeida e outros
EMENTA: Processual- Conta de liquidação - Atualização - Precatório
cOlllplelllentar - Juros de lllora.
I - A expedição de precatório não extingue a lllora do Esta·do nelll interrOlllpe a contagelll dos juros respectivos.
U - Na expedição de precatório cOlllplelllentar os juros llloratórios de
velll ser incluídos, até o pagalllento integral da condenação.
lU - Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primei
ra Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Vota
ram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado, Garcia Vieira e Demócrito Reinaldo.
Brasília-DF, 1'" de setembro de 1998 (data do julgamento). Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator.
Publicado no DI de 19.10.98.
RSTJ,Brasília,a.11, (l14):41-117,fevereiro 1999.
98 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
o SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: O acórdão recorrido reputou incabíveis juros moratórios em conta de atualização de precatório complementar. Fincou-se no argumento de que não ocorre mora
quando, expedido este, o pagamento só é efetivado meses depois. O recurso especial foi interposto com fundamento nas alíneas a e c.
Contra-razões, às fls. 213/217. É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): A
questão é conhecida e se encontra superada na Primeira Seção. Dispenso-me, pois, de considerações outras, para ficar com a tranqüila jurisprudência da Casa, lembrada no juízo de admissibilidade, verbis:
"Precatório complementar. Inclusão de juros de mora. Admis
sibilidade. Cabe, na expedição de precatórios sucessivos, a inclusão dos
juros vencidos até o efetivo pagamento." (2JlTurma - REsp nº 81.759-
DF, ReI. Min. Hélio Mosimann, DJ de 11.03.96 - Seção I-p. 6.611. No mesmo sentido: FTurma - REsp n1l 71.372-DF, ReI. Min. José
de Jesus Filho, DJ de 26.02.96- Seção I - p. 3.955; REsp n1l 67.864-l-DF, ReI. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 16.10.95 - Seção I-p. 34.615; 2JlTurma-REsp nll 78.485-DF, ReI. Min. Hélio Mosimann, DJ de 18.12.95 - Seção I-p. 44.554)"-fls. 219.
Provejo o recurso.
RECURSO ESPECIAL Nº 169.876 - SP (Registro n1l 98.0023955-3)
Relator: Ministro José Delgado Recorrente: Município de São Paulo
Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo Advogados: José Rubens Barbosa Júnior e outros
RSTJ, Brasília, a. 1l, (1l4): 41-1l7, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 99
EMENTA: Adnlinistrativo - Processo Civil-Ação civil pública.
1. O Ministério Público está legitirn.ado para propor ação civil pública
para proteger interesses coletivos.
2. Impossibilidade do juiz substituir a Administração Pública detenni
nando que obras de infra-estrutura sejaIllrealizadas eIll conjunto habitacional.
Do IlleSIllO Illodo, que desfaça construções já realizadas para atender proje
tos de proteção ao parcelaIllento do solo urbano.
3. Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar
atos fisicos de administração (construção de conjuntos habitacionais, etc.). O
Judiciário não pode, sob o arguIllento de que está protegendo direitos coleti
vos, ordenar que tais realizações sejaIll consUIlladas.
4.As obrigações de fazer perITIitidas pela ação civil pública não têIll força
de quebrar a harIllonia e independência dos Poderes.
5. O controle dos atos adITIinistrativos pelo Poder Judiciário está vincula
do a perseguir a atuação do agente público eIll call1po de obediência aos prin
cípios da legalidade, da Illoralidade, da eficiência, da irn.pessoalidade, da fina
lidade e, eIll alguIllas situações, o controle do Illérito.
6. As atividades de realização dos fatos concretos pela adnünistração de
pende de dotações orçaITIentárias prévias e do prograIlla de prioridades esta
belecidos pelo governante. Não cabe ao Poder Judiciário, portanto, deterITIinat"
as obras que deve edificar, IlleSIllO que seja para proteger o Illeio aITIbiente.
7. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Exmos. Srs. Ministros
da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Partici
param do julgamento os Srs. Ministros Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo,
Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira.
Brasília-DF, 16 de junho de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.
Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.
Publicado no DJ de 21.09.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O Município de São Paulo inter-
RST], Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
100 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
põe recurso especial para modificar acórdão com fundamentos sintetizados na ementa (fls. 714) do teor que transcrevo:
"Ação civil pública. Sentença que, afastando as preliminares, condenou a Municipalidade de São Paulo a regularizar loteamento sob
sua iniciativa (sistema mutirão). Submissão da Municipalidade às disposições da Lei nº 6.766/79. Decisão correta que é mantida. Nega-se provimento aos recursos (oficial e voluntário da municipalidade)."
o recorrente entende que a decisão hostilizada negou vigência aos arts. 3º e 267, ambos do CPC, e no mérito, ao art. 40 da Lei nº 6.766/79. Lembra, às fls.
727, que:
"Oportuno observar que o venerando acórdão fez expressa menção a diversos dispositivos legais e constitucionais que embasaram a apelação e que a recorrente, data venia, entende terem sido violados. Assim, repeliu as alegações de ilegitimidade do Ministério Público para propor a ação,
de falta de interesse de agir e da impossibilidade jurídica do pedido. Outrossim, entendeu que o caso dos autos não admite o enquadramento no artigo 40 da Lei Federal nº 6.766/79, porque a Municipalidade assumiu a
condição de loteadora."
O Ministério Público Estadual, parte recorrida, apresentou contra-razões,
oportunidade em que sustentou a ausência de prequestionamento da matéria jurídica abordada pelo recurso. Quanto ao mérito, defendeu que o recurso não
merece ser provido. É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Conheço do recurso. A matéria jurídica enfrentada pelo recorrente foi amplamente discutida no acórdão,
conforme será identificada a seguir.
A compreensão dos temas jurídicos desenvolvidos no curso da ação ora exa
minada, em sede de recurso especial, exige que se tome conhecimento dos termos do relatório da sentença monocrática, fls. 616/618, do teor seguinte:
"O Ministério Público do Estado de São Paulo aforou contra o Mu
nicípio de São Paulo esta ação civil pública pedindo condenação da ré no
RSTJ,Brasília,a.l1, (114): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 101
cumprimento da obrigação de fazer, no prazo máximo de dois anos (art.
18, inc. V, da Lei nQ 6.766/79), consistente na regularização do parcelamento, das edificações, do uso e da ocupação do solo, relativos ao empreendimen
to indicado na inicial, na seguinte ordem sucessiva:
a) em caráter principal, mediante apresentação de 'projeto' a ser sub
metido à aprovação dos órgãos competentes e do registro imobiliário, bem
como posterior execução das obras de infra-estrutura pertinentes, tudo para
sua alteração e integral adequação aos requisitos definidos nas leis municipais, estaduais e federal de regência;
b) em caráter alternativo, caso não acolhido o pedido antecedente,
mediante apresentação de' alteração no empreendimento', naquilo que for
necessário, segundo as exigências técnicas feitas pelos órgãos públicos para
a regularização, inclusive com o desfazimento de todo o conjunto ou de
parte inaproveitável, caso absolutamente impossível o aproveitamento das
construções e parcelamento já efetuados, por força de restrições urbanísti
cas e administrativas invenciveis, indenizando os danos amb.ientais e urba
nísticos;
c) em ambos os pedidos antecedentes, caso qualquer mutirante cadastrado tenha participado do mutirão e não seja contemplado em razão de
alteração do projeto original, seja a ré condenada na indenização por perdas e danos, consistentes na quantificação da mão-de-obra dispendida para
a execução do mutirão (em liquidação de sentença), ou na entrega da uni
dade habitacional semelhante à que lhe foi reservada no convênio, tudo na
forma da condenação genérica do art. 95 e segs. do CPC, c/c art. 117 e art.
21 daLACP;
d) para a hipótese de descumprimento do prazo da obrigação de fazer fixado na sentença, seja estabelecida a obrigação de pagar multa diária
no valor estimado de CR$ 1.000.000,00, mais correção monetária, destinada à conta corrente do Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesa
dos (DE nQ 7.070/87 e art. 13 da Lei nQ 7.347/85).
Em prol de suas pretensões, o autor alegou, basicamente, os motivos abaixo resumidos:
- Em 21.02.90, o Funaps e a Associação dos Trabalhadores Sem
Terra do Conjunto Habitacional Movimento Unido, celebraram convênio
para construção de 164 unidades residenciais, pelo sistema de mutirão.
- Para a realização do empreendimento a ré utilizou.a área aproxi
mada de 21.929,1 Om2, tendo aquela associação por possuidora, situada na
Estrada dos Taipas, s/nQ, J. Rincão, Distrito de Perus, Capital-SP.
- Após efetuado o parcelamento do solo, para fins urbanos, no
RST], Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
102 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
loteamento denominado 'Conjunto Habitacional Movimento Unido', me
diante o material adquirido pela associação, os próprios associados
mutirantes edificaram 155 casas, residindo no local 115 famílias mutirantes, porém, há casas inacabadas e não há infra-estrutura pública e a canaliza
ção de esgoto está incompleta, as verbas do Funaps estão suspensas desde
março/92 e as obras estão paralisadas, com risco de deterioração e dispên
dio de mais dinheiro público para os reparos. - De acordo com o convênio (cláusulas 8;1 e 9;1), a ré se responsabili
zou pelas obras de infra-estrutura e projetos complementares, porém, refe
rido conjunto habitacional pelos órgãos municipais competentes, não hou
ve prévia anuência do Estado, não houve licença da Cetesb e não houve
registro imobiliário no cartório imobiliário.
- Portanto, o conjunto habitacional está em desacordo com a Lei
Federal n!l. 6.766/79 (arts. 12,13, lI, 18 e 37); com as normas estaduais (em especial Lei n!l. 997/76 - arts. 2/5; Decreto n!l. 8.468/76 - arts. 57, X, e
58, I; Decreto n 12 13.069/78 - arts. 1!l., 312, 412,11,12,17,19 e 20); e normas
municipais (Leis nº" 9.412/81,9.413/81 e 1l.228/92, Decretos .nº" 31.6011
92 e 32.329/92 e seus anexos).
A ré foi citada e apresentou contestação de fls. 532/553, acompanhada dos documentos de fls. 554/556, consistente na defesa abaixo resumida.
1 - Em primeira preliminar, a ré argüiu impossibilidade jurídica do
pedido com base no art. 30, incs. I e VIII, da Carta Federal, alegando que a Municipalidade, no âmbito dos limites de sua competência constitucio
nal, editou regras específicas para tratar da matéria estritamente de inte
resse local, relativa à implantação de conjuntos habitacionais populares.
Portanto, em face do cumprimento da legislação municipal pelas entidades
conveniadas, inexiste regularização a ser promovida no parcelamento. 2 - Em segunda preliminar, a ré argüiu impossibilidade jurídica do
pedido com base no art. 40 da Lei Federal n!l. 6.766/79, alegando que, em
face do dispositivo legal, a Municipalidade não tem o dever, mas, sim, a
faculdade de regularizar o loteamento, de acordo com a conveniência e
oportunidade, cujo ato discricionário não pode ser objeto de condenação
judícial.
3 - Em terceira preliminar, a ré argüiu a ilegitimidade ativa do Mi
nistério Público alegando inexistência de interesse difuso na presente ação.
Para tanto, argumenta que um dos requisitos da configuração do interesse
difuso é a indeterminação dos sujeitos, cuja característica es.sencial é a
inexistência de vínculo jurídico entre os beneficiários. Portanto, os inte
resses discutidos nesta ação civil pública, não se caracterizam com interes-
RST],Brasilia,a.11, (114): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 103
ses difusos, porque os seus beneficiários são pessoas determináveis, os quais
estão inscritos junto à Associação. 4 - Quanto ao mérito, a ré pediu improcedência da ação alegando,
em síntese, que:
- A Municipalidade não pode ser equiparada ao loteador particular,
no tocante ao parcelamento do solo, para fins de cumprimento da Lei nQ
6.766/79, porque os interesses de um e de outro são diversos, pena de ofensa ao princípio da isonomia, que exige tratamento desigual aos desi
guais.
- A legislação federal não previu o parcelamento do solo pela própria Municipalidade, portanto, a Lei Federal nQ 6.766/79· não pode ser
aplicada aos Programas de Mutirão, porque se trata de hipótese não prevista em lei, pena de ofensa ao princípio da legalidade.
- Inexiste prejuízo aos participantes e à coletividade pelo Programa de
l\1.utirão, o qual beneficia os mutirantes que deixam de habitar lugares impróprios e adquirem imóvel em local equipado com todos os melhoramen
tos urbanos, cujo benefício atinge toda coletividade, a qual passa a conviver
com um centro urbano humano e digno.
- A Municipalidade mantém fiscalização permanente na implanta ção
dos mutirões, os quais obedecem rigorosamente às normas contidas no DM nQ 31.601/92, além do que as obras de infra-estrutura são realizadas
por empresas contratadas pelo Poder Público, as quais respeitam as exi
gências dos órgãos técnicos municipais para sua aceitação técnica. - O pedido de indenização de danos ambientais e aos mutirantes, na
hipótese de impossibilidade de regularização do loteamento, é descabido
porque colide com o espírito da criação do Funaps.
- A responsabilização da Municipalidade por qualquer dano ao meio ambiente e aos mutirantes há a necessidade de demonstração da culpa,
pela incúria, desmazelo ou recusa em impedir evento danoso que poderia
ser por ela impedido, o que incorreu no presente caso.
Na réplica de fls. 558, acompanhada dos documentos de fls. 575/596,
o autor rebateu as preliminares e insistiu no pedido, sobrevindo novas manifestações das partes.
Nesta fase, na forma do art. 330, I, do CPC, o processo comporta julgamento antecipado."
Necessário se faz, também, complementar o referido relatório com o que
compõe o acórdão recorrido apresentado do modo que passo a transcrever (fls.
714/715):
RST},Brasília,a.ll, (l 14): 41-117,fevereiro 1999.
104 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"O Ministério Público do Estado de S. Paulo ajuizou ação civil pú
blica contra Municipalidade de S. Paulo. Visando a condená-la em obriga
ção de fazer, no prazo máximo de dois anos (art. 18, V, da Lei nD. 6.766/79) consistente na regularização do parcelamento, das edificações, do uso e da
ocupação do solo, relativamente ao loteamento descrito na inicial, confor
me a ordem ali constante.
Ao relatório de fls. 616/618, adotado, acrescento que a r. sentença,
afastando as preliminares da contestação, julgou a ação inteiramente procedente.
Houve determinação de reexame necessário.
Apela a ré (fls. 624/639), visando à integral reforma da decisão de
primeiro grau, com o acolhimento das preliminares de sua contestação, e
improcedência da ação.
Recurso tempestivo, contrariado (fls. 654/660) e isento de preparo.
A manifestação do Ministério Público, nesta instância, é pelo improvimento do recurso (fls. 7031708).
É o relatório."
Conhecidos os debates desenvolvidos até o julgamento da apelação investigo, agora, o teor do voto-condutor do acórdão recorrido (fls. 715/719):
"O ilustre Magistrado prolator da sentença recorrida, como sempre
faz, deu correta solução à lide, tendo decidido brilhantemente, à forma de
seu costumeiro proceder.
As preliminares foram muito bem afastadas na r. sentença recorrida.
Com efeito, não há falar-se em ilegitimidade de parte do Ministério
Público para a propositura da presente ação, nem em falta de interesse de agir, e menos ainda em impossibilidade jurídica do pedido, consoante bem
decidido na decisão de primeiro grau, e à forma sustentada pelo douto
Procurador de Justiça oficiante.
Evidentemente, o parcelamento e o uso do solo constituem-se em
interesses difusos, a serem defendidos pelo Ministério Público, na forma
de ação civil pública. Cabe aqui ser transcrito o que afirma o autor em
contra-razões recursais (fls. 657/658): 'Vale lembrar da legislação já devi
damente prequestionada, que dá suporte às alegações do autor: art. 129,
lII, Constituição Federal; arts. 1D., inciso IV, 5D. e 21, da Lei nD. 7.347/85-
Lei da Ação Civil Pública; arts. 81, 82, 110 e 117 da Lei nD. 8.078/90 -
Código de Defesa do Consumidor; art. 25, IV, a, da Lei nD. 8.625/93 -Lei
Orgânica do Ministério Público. Compete ao Ministério Público a de-
RSTJ,Brasilia,a.ll, (114): 41-1l7,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 105
fesa dos interesses difusos, coletivos e dos individuais homogêneos (os
direitos dos mutirantes), inclusive em face do Poder Público, pois o legislador não o isentou da responsabilidade pelos danos por ele causa
dos (art. 37, § 62 , da Constituição Federal; art. 15, Código Civil), nem
da recuperação do meio ambiente urbano e natural (Constituição Esta
dual, arts. 180, lII, e 191; Lei Orgânica do Município de São Paulo;
art. 148, IV), atribuindo ao parquetfunção institucional específica, in
clusive para fazer o Poder Público respeitar os direitos eleitos pela
Constituição Federal (art. 129, lI)'.
Da falta de interesse jurídico do autor, também não se pode cogitar,
porquanto se a lei atribui ao Ministério Público a defesa de interesses difusos, na ação civil pública em que o autor isto postula, presente se
encontra o seu interesse de agir.
Ademais, não se pode acoimar de impossível, o pedido que a lei ex
pressamente prevê, como acima bem esclarecido.
No mérito, a decisão de primeiro grau só pode ser mantida.
F oi a presente ação civil pública julgada procedente em sua integralidade,
em razão do que a Municipalidade-ré restou condenada "no cumprimento de
obrigação de fazer, no prazo máximo de dois anos (art. 18, inçiso V, da Lei nU
6.766/79), constante da regularização do parcelamento, das edificações, do
uso e da ocupação do solo, relativos ao empreendimento indicado na inicial,
na seguinte ordem sucessiva: a) em caráter principal, mediante apresentação de 'projeto' a ser
submetido à aprovação dos órgãos competentes e do registro imobiliário, bem como posterior execução das obras de infra-estrutura pertinentes, tudo
para sua alteração e integral adequação aos requisitos definidos nas leis
municipais, estaduais e federal de regência;
b) em caráter alternativo, caso impossível a referida regularização,
mediante apresentação de 'alterações no empreendimento', naquilo que
for necessário, segundo as exigências técnicas feitas pelos órgãos públicos
para a regularização, inclusive com o desfazimento de todo o conjunto ou
de parte inaproveitável, caso absolutamente impossível o aproveitamento
das construções e parcelamento já efetuados, por força de restrições urba
nísticas e administrativas invencíveis, indenizando os danos ambientais e urbanísticos;
c) em ambas obrigações antecedentes, caso qualquer mutirante ca
dastrado tenha participado do mutirão e não seja contemplado em razão de
alteração do projeto original, condeno a ré ao pagamento de indenização
por perdas e danos, consistentes na quantificação da .mão-de-obra
RSTJ,Brasília,a.ll, (l14):41-117,fevereiro 1999.
106 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
despendida para a execução de mutirão (em liquidação de sentença), ou na
entrega da unidade habitacional semelhante à que lhe foi reservada no convênio, tudo na forma da condenação genérica dos arts. 95 e segs. do CPC, c/c art. 117 e art. 21 da LACP;
d) para a hipótese de descumprimento do prazo da obrigação de fa
zer fixo multa diária no valor estimado de CR$ 1.000.000,00, válido para
a data do ajuizamento mais correção monetária, até a fase de liquidação, destinada ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados (DE n.9. 7.070/87 e art. 13 da Lei n.9. 7.347/85)".
Bate-se a Municipalidade, primordialmente, por não estar submetida às obrigações previstas na Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n.9.
6.766/79). Todavia, seus argumentos não prosperam. Provado nos autos que o empreendimento 'Conjunto H~bitacional
Movimento Unido' foi promovido pela Municipalidade, através do siste
ma de mutirão, com recursos do Funaps (Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Subnormal), daí decorrendo o conseqüente parcelamento da gleba onde se iniciou (mas não se concluiu) a construção
de casas populares, não pode a apelante - por mais sedutores que sejam os argumentos - deixar de cumprir o que determina a Lei n.9. 6.766/79.
Não logrou a apelante, em momento algum, demonstrar que está desobrigado de cumprir a Lei Federal em tela, assente nos autos que pos
ta-se ela na condição de lote adora ou empreendedora, e como tal sujeita ao cumprimento da Lei de Parcelamento do Solo, em especial artigos 6.9. e seguintes, relativamente ao projeto de loteamento, de desmembramento, e ao registro de ambos, evidentemente sem as exigências próprias de pessoas
físicas ou jurídicas de direito privado (certidões negativas de protestos, ações penais, etc.).
É claro que o legislador, atento às peculiaridades dos loteamentos destinados a conjuntos habitacionais rotulados como de 'interesse social',
como o de que trata esta Ação, em seu art. 4.9., II, permitiu que os lotes tivessem área menor do que a prevista para outro loteamento (125m2), mas
ainda assim, devem ser os mesmos 'previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes'.
Doutra parte, o artigo 40 da Lei n.9. 6.766/79, realmente, encerra uma
faculdade para a Prefeitura Municipal regularizar o loteamento ou desmembramento. Todavia, tal faculdade diz respeito ao não cumprimento
das exigências legais pelo loteador. No caso em julgamento, o loteador é a
própria Municipalidade que não pode invocar a faculdade ora referida. E o reconhecimento administrativo de que deve submeter-se às exi-
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 107
gências da legislação específica foi feito pela Secretaria de Habitação e
Desenvolvimento, através da Portaria n!l. 722/Sehab-0/93 (fls. 497), que
constitui Grupo Trabalho com a 'incumbência de equacionar os proble
mas, propor soluções e estabelecer os procedimentos administrativos vi
sando à regularização, inclusive junto aos demais órgãos públicos envolvi
dos, dos empreendimentos habitacionais de interesse social implantados no âmbito do Programa Funaps Comunitário. E, se os estudos se destina
vam a regularizar, depreende-se que irregular se encontravam, e encontram-se, os loteamentos, como não nega a Municipalidade, apenas argu
mentando não estar sujeita à legislação específica, como se a administra
ção pública não devesse pautar seu procedimento pelo princípio da legalidade, assim como de impessoalidade, moralidade e publicidade (Consti
tuição Federal, art. 37, caput).
Não se nega a importância social do empreendimento, mas é no pró
prio interesse dos mutirantes que a lei deve ser cumprida, sob pena de
nunca adquirirem o domínio da sonhada casa própria. Ou pior, sem que a
Municipalidade cumpra as normas legais, relativamente ao saneamento
básico, vias públicas, áreas de lazer, acesso a vias públicas já existentes,
condições de salubridade das habitações, etc., é bem provável que os beneficiários do empreendimento - cujo interesse social é inegável- continuem morando em residências subnormais.
E não há como se afastar a responsabilidade indenizatória da Municipalidade, caso os mutirantes não tenham à sua disposição as unida
des residenciais que lhes foram prometidas, e para as quais trabalharam, acreditando no projeto, o que parece não ter acontecido com a Secretaria
de Habitação, porquanto, como alegado na inicial, e não contestado (fls.
5), as obras estão paralisadas desde março/92. A indenização, a que se refere a r. sentença, decorre do previsto no Código Civil (art. 159) e na
Constituição Federal (art. 37, § 62), posto que evidente a culpa da
Municipalidade, por haver-se omitido na regularização do loteamento.
No que diz respeito à multa, é bem de ver-se que a mesma não tem o sentido indenizatório, como insinua a apelante, mas sim o de
penalidade, somente aplicável na hipótese de não cumprimento da obriga
ção de fazer estabelecida em sentença. E, na medida em que destinada ao
Fundo Especial de Reparação de Interesses Difusos Lesados (Decreto Es
tadual n!l. 7.070/87 c/c art. 13 da Lei n!l. 7.347/85), não se pode cogitar de
enriquecimento ilícito de quem quer que seja.
Quanto ao seu valor, nada apresenta de excessivo. Considerando-se a cotação do dólar americano a CR$ 755,52 no dia do ajuizamento
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117,fevereiro 1999.
108 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(07.03.96), conforme publicado no BoletimAASP - n!l1920, pp. 5, 11
a 17.10.95, Suplemento, a multa diária de CR$ 1.000.OClO,00 cor
responde a aproximadamente US$ 1.323,60. Portanto, de bom tamanho, tendo-se em vista a importância da obrigação a ser cumprida, e a presunção que a municipalidade não se furtará ao cumprimento de
decisão judicial.
N o mais, a r. sentença deve ser mantida integralmente. Na verdade, o decidido em primeiro grau não comporta modificação,
devendo ser mantido por seus próprios e jurídicos fundamentos, daí porque
deve ser negado provimento ao recurso da apelante, e também ao recurso oficial,
mantida íntegra a r. sentença."
Aprecio, por ser preferencial, a preliminar de ilegitimidade do Ministério
Público para promover a presente ação. O recorrente afirma que o Ministério Público é parte ilegítima para pro
mover a presente ação, por não existir, no caso em espécie, interesse difuso a ser
protegido pelo caminho da ação civil pública.
Atento ao conceito de interesses difusos e ao de interesses coletivos, rejeito
a preliminar.
No caso em apreciação, embora não estejam caracterizados interesses
difusos, entendo que estão presentes interesses coletivos representados pelos
mutirantes.
Aceitando a corrente que defende haver a Lei da Ação Civil Pública e do
Código de Defesa do Consumidor aplicado às expressões direito e interesses como sinônimo, acosto-me aos entendimentos dos que afirmam ser direito difuso o de
natureza transindividual, indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e indetermináveis, ligadas entre si por circunstâncias de fato (Código de Defesa
do Consumidor, art. 81, parágrafo único: Direitos coletivos são os transindividuais,
de natureza indivisível de que sejam titulares grupo, categoria ou classe de pesso
as, ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base).
Penso que, em conseqüência, ocorre a legitimidade do Ministério Público
para promover a presente ação civil pública, visando a proteger os interesses
coletivos dos titulares da categoria de mutirantes convocados para participarem
do empreendimento.
Rejeito a preliminar.
Em face do panorama processual acima revelado tem-se como configurada
uma ordem emanada do Poder Judiciário, consubstanciada em uma obrigação
de fazer, em prazo certo, para que o Poder Executivo, às suas expensas, pratique
atividades de natureza administrava no sentido de promover a regularização de
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURlvlA 109
parcelamento do solo referente ao cOl;1junto habitacional identificado nos autos
e implantado em sistema de mutirão. Em síntese, o Poder Judiciário está a determinar ao Poder Executivo que,
com prazo de (2) dois anos para conclusão, sob pena de multa diária, realize as
seguintes atividades administrativas:
a) regularização do parcelamento, das edificações, de uso e da ocupação do solo, tudo relativo ao conjunto habitacional descrito na inicial;
b) apresente, em conseqüência, projeto a ser submetido à aprovação dos
órgãos competentes e do registro imobiliário, para que, posteriormente, após a
aprovação de tais projetos, execute obras de infra-estrutura necessárias ao funci
onamento do conjunto habitacional; c) ou, se impossível regularizar a ocupação do solo com a aprovação de
tais projetos, apresente outros projetos alterando o empreendimento naquilo que
for necessário, segundo as exigências técnicas dos órgãos públicos, procedendo
o desfazimento de todo o conjunto habitacional ou de parte inaproveitável, caso
seja absolutamente impossível o aproveitamento das construções já realizadas;
d) em ambas as obrigações antecedentes determinadas, caso o mutirante
tenha participado do mutirão e não tenha sido contemplado com um imóvel,
deve a Prefeitura indenizá-lo por perdas e danos, consistentes na quantificação da mão-de-obra despendida para a execução do mutirão.
Determinou, ainda, o acórdão que, se o recorrente, Município de São
Paulo, não cumprir as obrigações de fazer acima mencionadas, pagará multa diária de CR$ 1.000.000,00, valor válido para a data de ajuizamento da ação,
mais correção monetária, tudo destinado ao Fundo Estadual de Reparação de
Interesses Difusos Lesados.
Sou do entendimento de que o recurso merece ser provido. Tenho em conside
ração, na formação do meu convencimento, a manifestação recursal de fls. 727/732:
"Ademais, admitindo-se, por hipótese de argumentação, fosse mes
mo necessária a providência de se regularizar o mutirão aqui tratado, tal
pedido também estaria eivado de impossibilidade.
Pleiteia-se, no âmbito deste feito, que a Municipalidade seja condenada a promover a regularização do parcelamento do solo, referente ao
conjunto habitacional implantado em sistema de mutirão.
Entretanto, se provida a pretensão estar-se-ia ofendendo o Princípio
da Separação dos Poderes, preceituado no art. 2D. da Constituição Federal.
Como é sabido, o Poder Público só pode fazer o qu.e a lei manda
(Poder Vinculado) ou autoriza (Poder Discricionário). Os atos que se classi
ficam como vinculados têm seus contornos quase que totalmente delineados
RSTJ,Brasília,a.ll, (l14):41-117,fevereiro 1999.
llO REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
pela lei, que deve fielmente ser observada pelo agente público, sob pena de
nulidade do ato. Sendo a prática de tais atos um dever da Administração, a contrario sensu, constituem um direito dos administrados. Assim, a omissão do agente público na prática de tais atos ou a sua prática sem a fiel
observância do enunciado da lei, em todas as suas especificações, traria ofensa
a direito do administrado que, no primeiro caso, poderia, através do Poder Judiciário, compelir a Administração à prática do ato, e no segundo, a decla
rar a sua nulidade. O mesmo não ocorre, porém, com relação aos atos dis
cricionários. Nesta categoria de atos, embora o agente público esteja vincu
lado à forma legal para a realização do ato, à sua finalidade, que é, sempre,
o interesse público, e deva ser competente para praticá-lo, tem liberdade de
escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo. Cabe, pois, ao agente
público escolher sobre a conveniência e oportunidade para prátÍca dos atos
discricionários. Nisso não pode o Poder Judiciário substituí-lo.
Nesse sentido, oportunas são as palavras de Hely Lopes Meirelles:
'O que o Judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir
o discricionarismo do administrador pelo do juiz. Mas, pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da Administração'. (In 'Di
reito Administrativo Brasileiro', 1811 edição, p. 105).
O Judiciário pode, sim, rever o ato discricionário e, se for o
caso, declará-lo nulo, pois nenhuma lesão de direito pode ser exclu
ída da apreciação do Poder Judiciário; o que não pode, repita-se, é
determinar que o agente público pratique um ato discricionário cuja
escolha de conveniência e oportunidade lhe pertence.
No caso específico destes autos, a Municipalidade teria, natu
ralmente, afaculdade, mas não o dever, de regularizar o loteamento segundo critério de conveniência e oportunidade, fundamentada na
regra do art. 40 da Lei Federal nQ 6.766/79.
A Municipalidade, consoante os interesses da coletividade e os ditames da Lei, poderá entender conveniente proceder à regulariza
ção desta área específica, destinando, para tanto, receita própria; mas,
jamais poderá ser condenada a fazê-lo de forma compulsÓria.
A propósito do art. 40 da mencionada Lei Federal, Diógenes
Gasparini comenta: 'É o que indica o dispositivo ao enunciar, nas
hipóteses que mencionou que o Município poderá. Esse verbo indica
uma faculdade. Destarte, não está o Município obrigado a regulari
zar. A regularização será feita se for conveniente e oportuno para o
Município. Não seria, ainda, correto entender nessa outorga uma
RST.T, Brasília, a. ll, (114): 41-117, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA III
obrigação, já que as entidades políticas, por legislação ordinária, não
impõem deveres ou obrigações'.
(In 'O Município e o Parcelamento do Solo', Editora Saraiva,
2il. edição, pp. 145/146).
Daí que não pode a pretensão condenatória, no presente feito,
ser instrumentalizada, sem que se transforme o juiz em administra
dor das finanças, obras e prioridades públicas, ferindo o Princípio da
Independência entre os Poderes.
N esse sentido, Cândido Rangel Dinamarco esclarece:
'Outro exemplo muito expressivo e vigorante (da impos
sibilidade jurídica do pedido) é a incensurabilidade do mérito
de ato administrativo em via jurisdicional: chocar-se-ia com o
princípio da independência entre os 'Poderes' do Estado a in
tromissão de um deles nos critérios de oportunidade e conveni
ência dos negócios de outro ( ... )' ('A Execução Civil', 2il. edi
ção, Editora RT, p. 214).
Assim, inclusive, já decidiu o próprio egrégio Tribunal de Justi
ça, pela Sétima Câmara Civil, que, por votação unânime, deu provi
mento ao recurso de apelação n Q 236.882-114 da Municipalidade. Pede
se vênia para efetuar a transcrição de alguns trechos importantes.
'Ademais, se se chegasse à questão de fundo, seria preciso
lembrar que o Poder Judiciário não pode substituir o Executivo
na determinação das políticas administrativas a cargo deste, pena
de se suprimir a administração à luz das diretrizes hauridas na
eleição popular em prol de diretrizes judiciárias formadas à mar
gem da interpretação de lei inexistente.
Não há como interferir, o Judiciário, no âmbito da discriciona
riedade administrativa, salvo, é claro, o caso de ilegalldade, marcada
pelo abuso ou desvio de poder - de que não se cogita, no caso.'
Portanto, resulta que o pedido de condenação consistente na regula
rização do mutirão, nos parâmetros fixados na Lei Federal n Q 6.766/79,
desconsiderando a legislação municipal específica, é juridicamente impos
sível, impondo-se, por conseguinte, a decretação da carência da ação."
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, em nosso
RST], Brasília, a. lI, (114): 41-117, fevereiro 1999.
112 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ordenamento jurídico, não permite que o Executivo seja substituído, na exe
cução das atividades de administração, pelo Poder Judiciário. Este, no exercício
de sua função constitucional, exerce, apenas, controle sobre a competência, forma, finalidade, motivo e objeto do ato administrativo. Nunca, porém, na
concernente à execução de atos de administração, haja vista que, no particular,
deve ser respeitada a autonomia do Executivo em definir, no uso de sua ativida
de discricionária, da conveniência e oportunidade de atuar, tudo vinculado à
previsão orçamentária e ao programa de governo.
O controle exercido pelo Poder Judiciário sobre tais atos e sobre seu con
teúdo, isto é, se, ao serem executadcs os princípios da legalidade, moralidade,
transparência, impessoalidade, formalidade foram obedecidos. Poderá suspendê
las se ofensas aos mencionados princípios forem detectadas. Diferente, porém,
é, em substituição à atividade administrativa do Poder Executivo, determinar
que sejam executados.
A função administrativa, no seu sentido objetivo, material ou funcional, exercida pelo Poder Executivo, só se submete ao controle do Poder Judiciário
quando inicia o seu ciclo para alcançar a consumação. Em outras palavras, o
controle exercido pelo Poder Judiciário é sobre o atuar do Poder Executivo, fa
zendo com que ele obedeça, no exercício de tal ação, aos princípios impostos pelo
ordenamento jurídico: legalidade, moralidade, finalidade pública, publicidade, motivação, impessoalidade e, em determinadas situações, o controle do mérito.
Por tais fundamentos, dou provimento ao recurso. É como voto.
Relator: Recorrente:
Recorrido:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL Nº 176.310-RS (Registro n]} 98.0039864-3)
Ministro Humberto Gomes de Barros
Curtume Fridolino Ritter Ltda
Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE
Tatiana Hoffman de Oliveira Gonçalves e Helder Ricardo Rocha
de Menezes
Sustentação Oral: Andrea da Silva Frota (pela recorrida)
EMENTA: Administrativo - Tarifa de energia elétrica - Plano Cruzado
Decretos-Leis nm; 2.283 e 2.284/86 - Congelamento de preços - Portarias nm; 38
e 45/86 - llegalidade -Tese pacificada no STJ.
RSTJ,Brasília,a.11, (114): 41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 113
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido
da ilegalidade das Portarias n~ 38 e 45/86 do DNAEE, que majoraram a tarifa de energia elétrica em contraposição ao congelamento de preços instituído
pelos Decretos-Leis n~ 2.283 e 2.284/86. O congelamento, entretanto, não con
taminou os reajustes ocorridos após seu termo finaL
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primei
ra Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Humberto
Gomes de Barros e José Delgado, conhecer do recurso, no mérito, por unanimi
dade, dar-lhe provimento. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros
Milton Luiz Pereira, José Delgado, Garcia Vieira e Demócrito Reinaldo.
Brasília-DF, 25 de agosto de 1998 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator.
Publicado no DI de 19.10.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Cuida-se de recurso especial (alíneas a e c), dirigido a acórdão doTribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, assim resumido:
"Direito Administrativo.
Plano Cruzado. Congelamento de preços. Aumento de tarifas.
Possibilidade excepcional de revisão.
l. Não obstante tenha o Decreto-Lei n!! 2.284, de 10.03.86, por
seu art. 35, determinado o congelamento geral de preços, abriu ele,
com o art. 36, como exceção, a possibilidade de revisão, mesmo por
que, se não excepcionasse, haveria contrariedade a preceito constitucional (art. 167, lI, da Carta de 1969).
2. As Portarias n~ 38, 45 e 153, do DNAEE, de 27.02.86,
04.03.86 e 27.11.86, respectivamente, são válidas por não contraria
rem as disposições dos arts. 36 do Decreto-Lei n!! 2.283, de 27.02.86,
e 35 do Decreto-Lei n!! 2.284, de 10.03.86.
Recurso provido." (fl. 261).
RSTJ,Brasília,a.ll, (I 14): 41-117,fevereiro 1999.
114 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Este o relatório.
VOTO-MÉRITO
o SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): A
matéria dos autos é conhecida e resta superada nesta Corte. Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está pacifica
da no sentido de:
"Administrativo - Tarifa de energia elétrica - Plano Cruzado
Congelamento - Decretos-Leis n"s 2.283 e 2.284/86 Portarias n"s
38/86 e 45/86 - Súmula n" 83-STl
1. No eito de jurisprudência uniformizada em embargos de di
vergência, é ilegítima a majoração da tarifa de energia elétrica
estabelecida por portarias (DNAEE n"s 38 e 45/86).
2. Precedentes da jurisprudência - Súmula do STl
3. Recurso improvido" (REsp n" 63.670-PR, DJ de 25.03.96,
Relator Ministro Milton Luiz Pereira - PTurma);
"Administrativo. Tarifa de energia elétrica. Plano Cruzado. Con
gelamento de preços. Reajustamento. Portarias n"" 38/86 e 45/86 do
DNAEE. Decretos-Leis n"" 2.283, de 27.02.86 e 2.284, de 10.03.86.
Ilegitimidade das Portarias, porque violam o congelamento de
preços instituídos pelos Decretos-Leis.
Precedentes do STl
Recurso provido" (REsp n" 88.778-SP, DJ de 20.05.96, Relator Ministro Hélio Mosimann).
Dou provimento ao recurso.
Esclareço que o congelamento não contaminou os reajustes ocorridos após
seu termo final.
VOTO-PRELIMINAR (VENCIDO)
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Sr.
Presidente, a sustentação oral da Dra. Andréa demonstrou com muito brilho a
situação em que foi construído o acórdão.
Em verdade, o acórdão limitou o alcance do Decreto-Lei n" 2.283, afirman-
RSTJ,Brasília,a.l1, (114):41-117,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURlvlA 115
do que o preceito constitucional do equilíbrio do contrato resultaria violado em
se tratando de concessionária de serviço público se o aumento das tarifas fosse obstado com aplicação do decreto-lei. Ora, o que o acórdão fez, a meu sentir, foi
afirmar que seria inconstitucional o decreto-lei se aplicado a essas situações.
Parece-me que o acórdão foi erigido sob a égide da Constituição.
Deste modo, não conheço do recurso.
ESCLARECIMENTOS
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Ministro Humberto Gomes de
Barros, o que me preocupa é que o acórdão decidiu contra o entendimento
reiterado da Primeira e Segunda Turmas da Primeira Seção.
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Sr.
Ministro Garcia Vieira, mas com o fundamento que nos é proibido examinar, qual seja, o da constitucionalidade.
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Ministro Humberto Gomes de
Barros, resta saber se o fundamento constitucional é suficiente para podermos
aplicar a nossa Súmula n!2 126.
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Sr. Ministro Garcia Vieira, parece-me que não só é suficiente como também é único.
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Srs. Ministros, o não
conhecimento não altera a nossa jurisprudência. Não sei se V. Exas. se recordam, mas, em princípio, defendi, com certo ardor, que essas tarifas de energia elétrica
poderiam ser alteradas, porque o art. 167, inciso lI, da Constituição Federal o permitia expressamente. O art. 36 do Decreto nº- 2.284, permitia também, em
certos casos, a alteração da tarifa, mas esse ponto de vista não prevaleceu na
egrégia Primeira Seção. Então, comecei a acompanhar a jurisprudência da Se
ção. A matéria era, realmente, constitucional e pode ser decidida com base na
Constituição Federal pretérita.
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Sr. Ministro Demócrito Reinaldo, mas se o acórdão de origem se limitou a aplicar
o decreto sem fazer referência à Constituição, teremos que afirmar aqui.
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Ministro Demócrito Reinaldo,
a matéria é também constitucional porque há matéria infraconstitucional, tanto que julgamos centenas de precedentes.
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Sr. Ministro Garcia
Vieira, julgamos e continuaremos julgando. Não conhecer do recurso não altera
nossa jurisprudência. O que afirmei é que é nulo o aumento de tarifa de energia elétrica na vigência do Decreto n!2 2.283.
RST], Brasília, a. 11, (114): 41-117, fevereiro 1999.
116 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Srs. Ministros, fui tentado a liquidar este processo através de decisão unipessoal, no entanto, como era matéria ainda nova, pensei ser melhor examinarmos isso.
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Srs. Ministros e eminente Ministro-Presidente, o que me impressiona é que o fundamento constitucional transi
tou em julgado. Então, certo ou errado, não cabe a nós, por via de recurso especial, modificá-lo.
Não há matéria infra constitucional autônoma. Venho defendendo que o recurso especial apenas pode analisar legislação infraconstitucional autônoma,
ou seja, legislação infraconstitucional não contaminada diretamente pelos princípios da Constituição Federal. É o que o Supremo Tribunal vem defendendo
em inúmeras posições. Se há qualquer preponderância de matéria c.onstitucional no acórdão, se esta transitar em julgado, não podemos conhecer do recurso
especial. O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Ministro José Delgado, essa é a
nossa Súmula nD.126.
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Exatamente, Sr. Ministro Garcia
Vieira, por isso tenho aplicado com muita intensidade a suspensão do recurso especial, quando observo a preponderância da matéria constitucional, envio-o
para o Supremo Tribunal Federal, aplico o que diz o Código. Não cabe recurso dessa minha decisão até que a matéria constitucional fique definitiva. Não posso invadir a competência da matéria constitucional.
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Srs. Ministros, pelo que
estou deduzindo, o Sr. Ministro-Relator propõe uma solução, em preliminar,
pelo não conhecimento.
VOTO-MÉRITO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Sr.
Presidente, quanto ao mérito, a própria patrona reconhece que o provimento é inevitável.
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Aparte): S~. Ministro Humberto Gomes de Barros, datíssima vênia, ouso sugerir a V. Exa. para evitar
se embargos declaratórios da companhia de eletricidade, que no acórdão limitese até onde essa ilegalidade estaria estabelecida, ou se ela teria condições de macular os reajustes que aconteceram depois. A nossa jurisprudência faz uma distinção a partir da Portaria nD. 153.
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Não me parece que esteja em causa.
RSTJ,Brasília,a.ll, (l 14): 41-1 17,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURlv[A 117
o SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Mas, efetivamente, tem
significação, dado o conteúdo, pois é uma ação de restituição de indébito e o pedido é geralmente amplo.
Portanto, V. Exa. acomoda-se, no mérito, à nossa juriSprudência?
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Sem
dúvida. Reconhecendo que há divergência, praticamente me aco.modo e o faço
com alegria. Superado esse fundamento constitucional é a nossa jurisprudência
da qual fui contribuinte efetivo.
VOTO-PRELIMINAR
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Presidente, peço vênia ao
eminente Ministro-Relator e ao Ministro José Delgado para divergir, acompa
nhando o voto de V. Exa. Ministro Milton Luiz Pereira.
Também entendo que a matéria é essencialmente infraconstÍtucÍonal. O
acórdão assentou-se na Portaria nl! 3.845 do DNAEE e nos Decretos-Leis n llli
2.283 e 2.284. A menção ligeira à Constituição não chega a ser suficiente para
manter o acórdão. A nossa Súmula nl! 126 é no sentido de que é inadmissível
recurso especial quando o acórdão recorrido assenta-se em fundamentos constitucional e infra constitucional, qualquer deles suficientes por si só para man~ê
lo, e a parte vencida manifesta recurso extraordinário.
No caso, entendo que o fundamento constitucional não. é suficiente para
manter o acórdão. Se tirássemos o fundamento infra constitucional não haveria como manter o acórdão.
Gostaria de lembrar que o acórdão recorrido é contra a jurisprudência
tranqüila deste Tribunal e isso nos preocupa.
RST],Brasília,a.ll, (114):41-117,fevereiro 1999.
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