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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CINCIAS DA SADE
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SADE COLETIVA MESTRADO EM SADE COLETIVA
Olga Leticia Penido Xavier
Contribuio para o estabelecimento de nveis de referncia para a concentrao de mercrio no sangue de crianas
Rio de Janeiro 2011
2
Olga Leticia Penido Xavier
Contribuio para o estabelecimento de nveis de referncia para a concentrao de mercrio no sangue de crianas
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Sade Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como requisito obteno do Ttulo de Mestre em Sade Coletiva.
Orientador: Prof. Dr. Volney de Magalhes Cmara
Rio de Janeiro 2011
X3 Xavier, Olga Letcia Penido. Contribuio para o estabelecimento de nveis de referncia
para a concentrao de mercrio no sangue de crianas / Olga Letcia Penido Xavier. Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Sade Coletiva, 2011. 90 f.; 30cm. Orientador: Volney de Magalhes Cmara. Dissertao (Mestrado) - UFRJ/Instituto de Estudos em Sade Coletiva, 2011. Inclui bibliografia. 1. Mercrio. 2. Criana. 3. Sangue. 4. Padres de referncia. I. Cmara, Volney de Magalhes. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Sade Coletiva. III. Ttulo. CDD 615.925663
3
FOLHA DE APROVAO
Olga Leticia Penido Xavier
Contribuio para o estabelecimento de nveis de referncia para
a concentrao de mercrio no sangue de crianas
Dissertao submetida ao Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, aprovada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
_________________________________________ Prof. Dr. Volney de Magalhes Cmara
Professor Titular da Faculdade de Medicina e do Instituto de Estudos em Sade Coletiva /UFRJ
__________________________________________ Prof. Dr. Paulo Rubens Guimares Barrocas
Pesquisador da Fundao Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ)
__________________________________________ Prof.a Dr.a Carmen Ildes Rodrigues Fres Asmus
Professora Adjunta da Faculdade de Medicina e do Instituto de Estudos em Sade Coletiva/ UFRJ
4
DEDICATRIA
Dedico esse trabalho Deus, por me conceder mais uma oportunidade de crescimento e fortalecimento
para superar os desafios ao longo dessa caminhada. Aos meus queridos pais, Noemia e Joo, pelo incentivo e presena constantes,
mesmo distantes. minha amada filha, Patricia, uma grande razo na minha vida.
Ao Haroldo com quem dividi alguns momentos desse trabalho.
5
AGRADECIMENTOS
Deus pelo amor eterno. Em especial ao Professor Volney de Magalhes Cmara, pela orientao nesse
Projeto atravs de seu grande conhecimento e dedicao. Aos professores do Programa de Ps-graduao em Sade coletiva com os quais
muito aprendi. Prof Carmen Ildes coordenadora do Subprojeto crianas escolarese a equipe
que desenvolveu o trabalho de campo: Maria Izabel Filhote, Carina Lino, Maira Mazoto e Thatiana Vernica Fernandes
As professoras, diretoras, e crianas escolares das Escolas Yuri Gagarin e Ney Palmeiro que participaram da pesquisa.
Aos colegas de mestrado pelo companheirismo e solidariedade. A todos os colegas do IESC pelo apoio em vrias etapas do trabalho.
s Amigas Enfermeiras Tania Maria Brasil e Ana Maria Branco de Oliveira e a Tcnica de Enfermagem Justina Nogueira, com as quais compartilhei parte de
minha carreira profissional. Enfim, a minha famlia, os amigos, e a todos que de alguma forma acreditaram,
contriburam e estiveram presentes durante essa etapa.
6
RESUMO
Introduo: O mercrio um metal de elevada toxicidade e as crianas representam o subgrupo mais suscetvel da populao. Neste sentido, tornam-se relevantes a definio de valores de referncia em populaes no expostas para servirem como parmetros na avaliao da exposio. Objetivo: Analisar os nveis de concentrao de mercrio total no sangue de crianas escolares, de 8 a 10 anos, de duas escolas do municpio do Rio de Janeiro, para o estabelecimento de nveis de referncia de mercrio no sangue de crianas em uma rea urbana. Material e mtodos: Foi realizado estudo transversal da concentrao de mercrio no sangue em 220 crianas escolares de 8 a 10 anos de ambos os sexos de duas escolas da rede municipal de ensino do Municpio do Rio de Janeiro. Foram aplicados questionrios e coletadas amostras de sangue. A anlise do teor de mercrio no sangue foi realizado por Espectrometria de Massa Acoplado a Plasma Indutivo, no Laboratrio de Toxicologia de Metais da Universidade de So Paulo (USP). O teste no paramtrico de Mann-Whitney foi utilizado na anlise estatstica dos dados. Resultados: A mdia de mercrio total das crianas participantes foi de 0,89g/L, sendo 0,63g/L na escola Yuri Gagari e 1,01g/L na escola Desembargador Ney Palmeiro. Estes resultados so compatveis com resultados de outros estudos internacionais e podem ser utilizados como valores de referncia para pesquisas em reas impactadas ambientalmente pelo mercrio. Palavras-chave: Mercrio; Criana; Sangue; Nvel de Referncia.
7
ABSTRACT
Introdution: Mercury is a highly toxic metal and the chidren represent the most susceptible subgroup of the population. In this regard, reference value definition in non-exposed populations becomes relevant to provide parameters for exposure assessment. Objective: Analysing total mercury concentration level in blood of school children, aged 08-10 years old, from two distinct public schools in Rio de Janeiro, to establish mercury reference values in childrens blood in the urban site. Material and Methods: Crosssectional study has been carried out on mercury concentration in blood of 220 school children 08-10 years old, both male and female, from two public schools in Rio de Janeiro. Surveys have been administered and blood samples collected. Blood mercury content analysis have been undertaken by Inductively Coupled Plasma Mass Spectometry (ICP-MS) in the Laboratory of Toxicology at the University of Sao Paulo (USP). Mann-Whitney Nonparametric Test has been used for statistical data analysis. Results: Mean total mercury concentration in blood based on children studied was 0,89ug/L, between 0,63ug/L for children studied at Yuri Gagarin School and 1,01ug/L for those at Desembargador Ney Palmeiro School. Outcomes are compatible with those from any leading study worldwide and may be applied as reference values to research studies on environmentally mercury-impacted areas. Keywords: Mercury; Children; Blood; Reference Level.
8
LISTA DE SIGLAS
ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas ATSDR Agency for Toxic Substances & Disease Registry B-Pb Blood Lead Levels Cd Cdmio CDC Centers for Disease Control and Prevention CEP Comit de tica em Pesquisa CGVAM/SVS Coordenao Geral de Vigilncia em Sade Ambiental da Secretaria de Vigilncia em Sade CHMS Canadian Health Measures Survey CIEP Centro Integrado de Educao Pblica CRE Coordenadoria Regional de Educao EPA Environmental Protection Agency FIOCRUZ Fundao Oswaldo Cruz GerES German Environmental Survey HBM Human Biological Monitoring Hg Mercrio IARC International Agency for Research on Cancer IESC/UFRJ Instituto de Estudos em Sade Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro IMC ndice de Massa Corporal ICV - ndice de Condies de Vida IDH ndice de Desenvolvimento Humano LOD Limit of Detection NHANES United States National Health and Nutrition Examination Survey NR Norma Regulamentadora OMS Organizao Mundial da Sade Pb Chumbo SPSS Statistical Package for the Social Sciences UNEP United Nations Environment Programme USA United States of American USP Universidade de So Paulo VR valor de referncia
9
LISTA DE TABELAS
p.
Tabela 1: Caractersticas descritivas da populao estudada.................... 50
Tabela 2: Medidas descritivas da concentrao de mercrio (g/L) total
no sangue segundo escolas estudadas......................................
51
Tabela 3: Mdia aritmtica e desvio padro da concentrao de
mercrio (g/L) total no sangue das crianas, segundo
variveis selecionadas nas Escolas CIEP Yuri Gagarin e
Desembargador Ney Palmeiro.
52
Tabela 4: Mdia geomtrica e intervalo de confiana da concentrao de
mercrio total (g/L) nos escolares participantes do estudo e
outros estudos internacionais selecionados
53
10
SUMRIO
p.
1 INTRODUO ........................................................................................... 12
1.1 NOTA INTRODUTRIA .......................................................................... 12
1.2 SUB-PROJETO CRIANAS ESCOLARES AVALIAO DE
MERCRIO NO SANGUE ............................................................................
13
2 OBJETIVOS .............................................................................................. 15
2.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................. 15
2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ................................................................... 15
3 JUSTIFICATIVA ........................................................................................ 16
4 REVISO BIBLIOGRFICA ..................................................................... 17
4.1 O MERCRIO ......................................................................................... 17
4.2 OS BIOMARCADORES .......................................................................... 25
4.3 A SUSCETIBILIDADE DAS CRIANAS ................................................. 29
4.4 VALORES DE REFERNCIA ................................................................. 33
5 MATERIAL E MTODOS .......................................................................... 43
5.1 DESENHO DO ESTUDO ........................................................................ 43
5.2 LOCAL DO ESTUDO .............................................................................. 43
5.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO ............................................................. 44
5.4 COLETA DO MATERIAL ........................................................................ 45
5.4.1 Coleta de dados ................................................................................... 45
5.4.2 Coleta de material biolgico ................................................................. 46
5.5 ANLISE DO MATERIAL ....................................................................... 47
5.5.1 Anlise do material biolgico ............................................................... 47
5.5.2 Anlise dos dados ................................................................................ 47
5.6 PROCEDIMENTOS TICOS .................................................................. 48
11
6 RESULTADOS
7 CONSIDERAOES FINAIS
REFERNCIAS BILBIOGRFICAS
48
ARTIGO ............................................................................................ 57
ANEXOS ....................................................................................................... 76
ANEXO I TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ..... 77
ANEXO II CARTA DE APRESENTAO DO SUBPROJETO PILOTO
COM CRIANAS ESCOLARES DIREO E PROFESSORES DA
ESCOLA .......................................................................................................
79
ANEXO III QUESTIONRIO DIRECIONADO S CRIANAS ................. 81
ANEXO IV QUESTIONRIO DIRECIONADO FAMLIA ....................... 84
ANEXO V PARECER DO COMIT DE TICA ........................................ 90
12
1 INTRODUO
1.1 NOTA INTRODUTRIA
A proposta desta dissertao surgiu do Subprojeto Crianas Escolares,
em desenvolvimento pelo Instituto de Estudos em Sade Coletiva da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ), que vinculado a um
estudo proposto pela Coordenao Geral de Vigilncia em Sade Ambiental da
Secretaria de Vigilncia em Sade (CGVAM/SVS), do Ministrio da Sade,
denominado Projeto Piloto do I Inqurito Nacional de Populaes Expostas a
Substncias Qumicas. Participaram ainda deste projeto a Fundao Oswaldo
Cruz (FIOCRUZ) e a Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo
(USP), as quais ficaram responsveis pelos segmentos: doadores de sangue e
recrutas das Foras Armadas.
O objetivo principal do Subprojeto de responsabilidade do IESC foi a
avaliao da exposio da populao de crianas escolares, residente na cidade
do Rio de Janeiro, s substncias qumicas de interesse em Sade Pblica:
Chumbo (Pb), Cdmio (Cd) e Mercrio (Hg) nas matrizes: sangue capilar e unha.
Foi realizado um estudo de corte transversal em crianas matriculadas em duas
escolas da rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro. Nesta
dissertao foram privilegiados os dados sobre exposio ao mercrio atravs da
13
concentrao deste metal no sangue, com o objetivo de contribuir para o
estabelecimento de nveis de referncia de mercrio no sangue de crianas.
1.2 SUB-PROJETO CRIANAS ESCOLARES AVALIAO DE MERCRIO
NO SANGUE
O mercrio ocorre naturalmente na crosta terrestre. Existe no ambiente
como resultado de processos naturais e atividades humanas (ATSDR, 1999).
um metal pesado, persistente e globalmente distribudo. conhecido desde a
antiguidade sendo utilizado em processos de amalgamao e na alquimia com
finalidades teraputicas. Somente a partir do sculo XVIII que suas
propriedades fsico-qumicas foram descritas (QUEIROZ, 1995). Os efeitos
txicos consequentes da utilizao do mercrio foram descritos primeiramente em
atividades ocupacionais (RAMAZZINI, 1999). O mercrio foi o primeiro elemento
qumico a ser objeto de legislao para controle de doena em trabalhadores
(AZEVEDO, 2003).
O incremento em sua utilizao a partir da Segunda Guerra Mundial e em
acidentes como o ocorrido em Minamata, no Japo, chamou a ateno de
autoridades e rgos nacionais e internacionais para as questes relacionadas
contaminao pelo mercrio (LINDBERG, 1998).
A exposio humana pode ocorrer no ambiente de trabalho ou no ambiente
domstico por meio de diferentes vias: inalatria, oral, e drmica (ATSDR, 1999).
As crianas representam um subgrupo da populao que devido s
caractersticas relacionadas s fases de crescimento e desenvolvimento,
principalmente nos perodos crticos, na fase pr e ps-natal, esto mais
14
susceptveis aos efeitos txicos das substncias qumicas (ATSDR, 1999; BOSE-
OREILLY et al., 2010; MYERS & DAVIDSON, 1998; SLY, 2008). As diferentes
formas fsico-qumicas do mercrio, os mecanismos de ao txicos e os
consequentes efeitos adversos sade tm sido objeto de grandes estudos e
intenso debate (CLARKSON, 2006; COUNTER & BUCHANAN, 2004; DIEZ, 2009;
WHO, 2003). A Agncia Federal do Ambiente, na Alemanha, utiliza como critrio
para controle em medicina ambiental, valores de referncia e de monitorizao
biolgica humana. Os valores de referncia servem para caracterizar o valor limite
de exposio, baseados nos nveis basais da populao em geral, para uma
substncia toxica ambiental em um determinado momento (EWERS et al., 1999).
O valor limite identifica os nveis de exposio abaixo dos quais no ocorre dano
sade em pessoas expostas. Esse valor est baseado em estudos de dose-
resposta e relao dose-efeito, e quando associado a outros fatores, como
econmico e social, os nveis podem ser considerados padro. Os valores de
referncia, quando derivados de observaes de um grupo com caractersticas
determinadas, podem servir de controle para outro grupo a ser estudado (KUNO
et al., 2010). Os valores de referncia para a exposio ocupacional ao mercrio
esto bem estabelecidos. Agncias ambientais internacionais da Alemanha,
Canad e Estados Unidos vm desenvolvendo estudos populacionais buscando
detectar os nveis de exposio de crianas variadas substncias qumicas. No
Brasil existem alguns estudos com crianas expostas ambientalmente, por
residirem em reas impactadas pela minerao, como parte da populao
ribeirinha e de famlias de garimpeiros. Estudos que contribuam para o
estabelecimento de parmetros de referncia podem ser usados para identificar
crianas com nvel de exposio interna acima da populao geral e subsidiar
15
polticas ambientais de controle da exposio, bem como aes de preveno de
efeitos nocivos sade (ATSDR, 1999; EWERS et al., 1999; SANTOS et al.,
2002; SCHULZ et al., 2009; WILHELM et al., 2006).
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Analisar os nveis de concentrao de mercrio no sangue de crianas
escolares, de 8 a 10 anos, de duas escolas do Municpio do Rio de Janeiro, a fim
de contribuir para o estabelecimento de nveis de referncia de mercrio no
sangue de crianas.
2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS
- Identificar dados demogrficos e de hbitos de vida de crianas escolares;
- Detectar os nveis de concentrao de mercrio no sangue de crianas
escolares;
- Comparar os nveis de concentrao de mercrio no sangue das crianas
das duas escolas; comparar esses resultados com outros estudos.
16
3 JUSTIFICATIVA
Os efeitos sade causados pelo mercrio podem depender da forma
qumica, da dose e do tempo no qual a pessoa ficou exposta. Alm das
propriedades qumicas da substncia, as caractersticas genticas e o estilo de
vida podem contribuir para a resposta do organismo a uma dada exposio. Os
valores de referncia podem contribuir para comparar nveis de exposio entre
populaes expostas e no exposta.
Esta pesquisa relevante, uma vez que, existem poucos trabalhos que
abordam os efeitos do mercrio em crianas, portanto o presente estudo se
justifica por poder vir a contribuir com o estabelecimento de valores de referncia
para o mercrio no sangue de crianas.
Os resultados podem servir como subsdio para aes educativas e
preventivas relacionadas exposio de crianas a substancias qumicas, em
especial o mercrio.
17
4 REVISO BIBLIOGRFICA
4.1 O MERCRIO
O mercrio em elemento que ocorre naturalmente nos compartimentos
ambientais. Pode ser encontrado em vrias formas orgnicas e inorgnicas sendo
persistente no meio ambiente. As trs formas primrias incluem o mercrio
elementar, o mercrio inorgnico ou inico e o mercrio orgnico (UNEP, 2008).
O mercrio elementar um metal brilhante, prateado, lquido temperatura
ambiente e, quando evapora, forma vapor incolor e inodoro. O mercrio
inorgnico quando se combina com elementos como o cloro, enxofre ou oxignio
forma os compostos de mercrio inorgnicos ou sais de mercrio que so ps
brancos ou cristais, com exceo de sulfeto de mercrio, tambm conhecido
como cinbrio, que vermelho e escurece na presena da luz. Os compostos
orgnicos de mercrio ou organomercuriais so originados da combinao do
mercrio com o carbono, encontrados comumente na forma de metilmercrio e
etilmercrio (ATSDR, 1999; CLARKSON, 1994).
Nos compartimentos ambientais pode se apresentar como inorgnico e/ou
orgnico. Na forma inorgnica pode ser encontrado sob trs diferentes estados de
oxidao: o Hg elementar (Hg0), o qual se encontra principalmente na forma de
gs, o on mercrico (Hg2+) e o on mercuroso (Hg2+) , forma pouco estvel em
sistemas naturais. Na forma orgnica, o on mercrico apresenta-se ligado
covalentemente a um radical orgnico, sendo o metilmercrio (CH3Hg)+ e o
dimetilmercrio ((Hg(CH3)2), os mais comuns (CDC, 2009; SCHULZ et al., 2007).
O mercrio se difunde no ambiente atravs do ar, do sedimento, da gua e por
18
organismos biolgicos, atravs da cadeia alimentar. Na atmosfera est circulando
sob a forma de vapor, podendo ser transportados por milhares de quilmetros, de
variadas fontes de emisso. medida que circula, o mercrio sofre uma srie de
transformaes qumicas e fsicas complexas, as quais no esto completamente
esclarecidas (EPA, 1997).
As emisses naturais de mercrio ocorrem durante as erupes vulcnicas,
os incndios florestais, a eroso do solo e das rochas, a evaporao de corpos de
guas naturais e das minas de mercrio. O mercrio sob forma de vapor (Hg0)
a principal forma de mercrio liberada na atmosfera por processos naturais
(ATSDR, 1999).
As fontes antrpicas ocorrem pela queima de combustveis fsseis,
principalmente o carvo e o petrleo, na incinerao de resduos slidos, da
minerao e fundio. O mercrio amplamente utilizado na extrao e refino de
ouro; na produo de cimento; na manipulao e utilizao do amlgama dentrio
nas obturaes, pelos dentistas; na produo eletroltica de cloro-soda, de
acetaldedo; como ctodo na eletrlise de cloreto de sdio; produo de polpa de
papel; na formulao de sabonetes e cremes de clareamento da pele; em alguns
remdios base de plantas; nos rituais espirituais e prticas religiosas; na
fabricao de termmetros, barmetros, baterias, interruptores eltricos,
lmpadas, tintas, pesticidas e produtos odontolgicos (CLARCKSON, 2002).
A emisso de mercrio das atividades industriais estimada em 2.000 a
3.000 toneladas/ano, pela Organizao Mundial de Sade (OMS). Estimativas
recentes indicam que das 200.000 toneladas de mercrio emitidas para a
atmosfera desde 1890, grande parte permanecem no solo terrestre e o restante
nas guas ocenicas superficiais e na atmosfera (DELLA ROSA, 2008). As minas
19
de mercrio so responsveis por emisses de mercrio na ordem de 2.700 a
6.000 toneladas/ano (BUENO, 1990; CLARKSON, 1994).
A toxicocintica das diferentes formas de mercrio consideravelmente
varivel. O mercrio elementar pouco absorvido pelo trato gastrointestinal
normal, assim como pela via drmica. Ele absorvido principalmente pela
inalao do vapor, fazendo com que a via area se caracterize como sendo a
forma de exposio de maior preocupao. O vapor absorvido pelos pulmes
distribudo para a maioria dos tecidos, entretanto concentraes elevadas
ocorrem comumente nos rins (CDC, 2009). Depois de absorvido o mercrio
elementar oxidado nos eritrcitos e tecidos, para as formas de mercrio
inorgnico. O mercrio inorgnico distribui-se na corrente sangunea, com uma
concentrao maior no plasma (OGA, 1996). As concentraes sanguneas
declinam rapidamente, com meia vida de cerca de 1 a 3 dias, seguida por uma
lenta meia vida de 1 a 3 semanas (BARREGARD et al., 1992). A excreo do
mercrio elementar ocorre predominantemente por meio dos rins, e os nveis de
pico na urina podem ser maiores do que no sangue em dias ou semanas. O
mercrio orgnico pode ser absorvido pelo trato gastrointestinal; uma parte
penetra no organismo, atravessa a barreira hematoenceflica atingindo o rgo
de maior afinidade, o crebro, particularmente o cortx posterior (BARREGARD,
1992; IARC, 2004; WHO, 1991).
A absoro do metilmercrio se d pelo trato gastrointestinal em torno de
95%. Ele penetra no crebro e em outros tecidos e posteriormente sofre uma
desalquilao lenta para mercrio inorgnico (VAHTER, 1994). O mercrio
elementar e o metilmercriio se diferem das demais formas pela capacidade de
atravessar com facilidade as barreiras hematenceflica e placentria. Estudos
20
indicam que o metilmercurio diminui no sangue e em todo o corpo com uma meia
vida de aproximadamente 50 dias, e sua eliminao ocorre, na maior parte, pelas
fezes. Por ser incorporado ao crescimento do cabelo, este pode ser usado como
medida de dose acumulada. O mercrio inorgnico e o metilmercrio esto
distribudos no leite materno humano em concentraes relativamente baixas,
sendo que a transferncia pode ser mais eficiente para o mercrio inorgnico
(GRANDJEAN et al., 2007; OSKARSSON et al., 1996).
Em comparao com adultos, crianas, em diferentes perodos de
desenvolvimento, apresentam diferenas toxicocinticas relacionadas ao maior
dbito cardaco, ao aumento do fluxo sanguneo para o crebro e circulao
sangunea reduzida nos rins at a idade de cinco meses. O organismo da criana,
em determinadas fases, poder ter um maior volume de distribuio de
substncias solveis em gua e menor volume de substncias lipossolveis
(ACTION PROGRAME, 2004).
O mercrio um elemento no essencial ao organismo, possui efeito txico
cumulativo e pode se unir a uma variedade de componentes citoplasmticos e de
sistemas enzimticos, incluindo: microssomos, lissossomos e mitocndrias,
causando leses inespecficas at a morte celular (GOYER, 1986). Apresenta
grande afinidade pelos grupos sulfidrilas, pelo fosfato, carboxila, amino e seleno-
hidrol. Esses grupos esto presentes em protenas e outras molculas biolgicas,
podendo assim interferir nas funes dos organismos e causar leses nos rgos.
Os principais stios de deposio para o mercrio elementar so os rins e o
crebro, enquanto que para os compostos orgnicos os rins so os reservatrios
(OGA, 1996).
21
O metilmercrio pode ligar-se aos grupos sulfidrilas existentes nas
protenas dos seres humanos. No organismo ele se converte em um complexo
protico, mantendo grande mobilidade atravs dos tecidos animais. A
lipossolubilidade dos compostos organomercuriais tambm facilita sua passagem
atravs dos tecidos. Estes compostos tambm podem ser absorvidos pela pele e
pelo trato gastrointestinal (WHO, 1990).
O mercrio um poluente txico persistente, cujo contato pode ocorrer no
ambiente profissional e nos ambientes domsticos. Nas atividades dirias normais
a maioria das pessoas apresenta alguma exposio a uma das formas do
mercrio. A inalao a principal via de exposio ao mercrio elementar, ocorre
por meio da aspirao de ar ambiente durante atividades ocupacionais, do
processo de produo industrial que utiliza o mercrio; dos resduos da produo
de mercrio em locais abandonados; de amlgamas dentrios; pelo
derramamento acidental de um termmetro ou um recipiente contendo mercrio, o
qual se vaporiza rapidamente temperatura ambiente e por meio da minerao e
fundio artesanal do ouro, na qual muitas crianas esto envolvidas (BOSE-
OREILLY et al., 2010). A exposio ao metilmercrio ocorre, principalmente, por
meio da dieta, pelo consumo frequente de grande quantidade de peixes e outras
espcies marinhas. Outras possveis rotas de exposio a diferentes formas de
mercrio podem ocorrer por exposio drmica e pelo aleitamento materno
(ATSDR, 1999; UNEP, 2002).
Mais recentemente pesquisadores alertaram para a possibilidade de
exposio de crianas atravs de vacinao (CLARKSON, 2002; MARQUES et
al., 2007). O thimerosal, que contm etilmercrio, um conservante amplamente
usado na formulao de vacinas, e tornou-se uma importante fonte de mercrio
22
em crianas que, nos dois primeiros anos de vida, podem ter recebido uma
grande quantidade de mercrio excedendo as diretrizes de segurana
(BERNARD, et al., 2001).
As crianas esto expostas a uma diversidade de substncias qumicas
txicas provenientes de processos naturais que ocorrem no ambiente ou de
resultados da atividade humana. Os poluentes do ar, os pesticidas, os produtos
qumicos industriais, os metais, os remdios tradicionais e as substncias usadas
em rituais e prticas religiosas (COUNTER & BUCHANAN, 2004), dentre outros,
podem comprometer a sade das crianas, em diferentes graus, ao longo dos
anos de desenvolvimento (ACTION PROGRAME, 2004; WHO, 2006).
O estgio de desenvolvimento da criana no qual ocorre a exposio tem
grande influncia sobre as consequncias desse contato (ACTION PROGRAME,
2004). O perodo crtico corresponde s fases de preconcepo, gestao e ps-
natal, devido formao das clulas neurais, e os subsequentes estgios do
desenvolvimento do sistema nervoso central, quando o resultado dos efeitos
neurotxicos do mercrio podem ser permanentes (GRANDJEAN, 2007;
MURATA et al., 2004).
Na fase fetal a exposio pode ocorrer pelo metilmercrio ingerido pela
me, atravs do consumo de peixes e frutos do mar; pelo mercrio metlico
inalado pelo ar contaminado; e por outros compostos de mercrio presentes em
cremes para clareamento da pele e outros produtos cosmticos. Na fase neonatal
pode ocorrer por meio do leite contaminado da me. O consumo de peixes e o
amlgama dental, utilizado para preenchimento em obturaes, so exemplos de
formas de exposio para crianas maiores (ATSDR, 1999).
23
A toxicidade do mercrio varia nos seus diferentes compostos. A forma
orgnica extremamente txica, no apenas para o ser humano, mas para toda a
biota. Pela presena do radical orgnico, esta espcie pode entrar rapidamente
na corrente sangunea, causando danos irreparveis ao sistema nervoso central.
Podendo causar intoxicao aguda, com predominncia dos sinais e sintomas
respiratrios e intoxicaes subagudas e crnicas, afetando alm do sistema
nervoso, os rins e a pele (WHO, 1991). A frao no absorvida eliminada,
principalmente por meio da urina. Em acidentes por intoxicao constatou-se que
a vida intrauterina mais suscetvel aos danos cerebrais, uma vez que, o
metilmercrio parece interferir nos processos de diviso celular. Nos casos de
exposio severa do feto, relatou-se problemas neurolgicos graves e, inclusive,
m-formao ceflica (WHO, 1990).
A IARC (2004) considera o metilmercrio como um possvel carcingeno
humano e o mercrio elementar e inorgnico como inclassificvel em relao
carcinogenicidade humana.
Os efeitos do mercrio sade podem depender da dose, da forma
qumica e da durao da exposio. Os efeitos adversos sade nas crianas
so semelhantes aos observados em adultos quando as vias de contaminao e
as formas de mercrio so iguais (WHO, 2003).
A exposio ocupacional ao vapor de mercrio elementar tem sido
associada com os efeitos subclnicos de disfuno renal (WHO, 1991). A
exposio aguda a altas doses de vapor de mercrio pode causar pneumonite
grave. Na exposio crnica sinais e sintomas podem incluir tremores; heretismo;
gengivite; distrbios comportamentais, como: irritabilidade, depresso, labilidade
emocional, dficit cognitivo, fadiga, anorexia (CDC, 2009). A exposio a nveis
24
baixos de mercrio em amlgama dental no tem sido associada a efeitos
neurolgicos em adultos ou crianas (BATES et al., 2004).
Os efeitos irritantes ou corrosivos no trato gastro-intestinal podem ocorrer
pela exposio por ingesto de grande quantidade do mercrio inorgnico. A
parte absorvida pode levar necrose tubular renal. Crianas quando expostas ao
xido de mercrio, calomelano, e outras formas inorgnicas podem desenvolver
acrodinia, uma sndrome tipicamente peditrica, com exantema maculo-papular,
descolorao rosada das mos e dos ps, e outros sinais e sintomais, tais como:
anorexia, insnia, irritabilidade e hipertenso arterial (BOSE-OREILLY et al.,
2010).
A intoxicao pelo metilmercrio ocorre atravs da via digestiva atingindo
de forma insidiosa e crnica, principalmente, o sistema nervoso central. Os
efeitos podem se manifestar por parestesia, ataxia, disartria, distrbios sensoriais,
seguidos por constrico progressiva dos campos visuais, aps uma latncia de
semanas ou at meses (WHO, 1991). A exposio pr-natal a um nvel elevado
pode resultar em dficits de desenvolvimento, incluindo ataxia cerebelar, atraso
mental, deformidades, alteraes do crescimento, deficincias sensoriais e
paralisia cerebral, sendo que as preocupaes mais recentes esto relacionadas
aos efeitos mais sutis, como as alteraes cognitivas nas crianas (WHO, 2003).
A exposio ao etilmercrio atravs do thimerosal poderia estar relacionada com
perturbaes do desenvolvimento neurolgico, como o autismo (CLARKSON,
2006; HVIID, 2003).
25
4.2 OS BIOMARCADORES
Biomarcadores so medies em sistemas ou amostras biolgicas que
sinalizam uma interao entre o sistema biolgico e um agente ambiental, que
pode ser qumico, fsico ou biolgico, podendo ser aplicados para avaliar a
estimativa de exposio e dose interna, em indivduos e em grupos, permitindo
identificar as pessoas em maior ou menor risco que o normal (AMORIM, 2003;
WHO, 1993). Os biomarcadores so utilizados para vrios propsitos,
dependendo da finalidade do estudo e do tipo da exposio e podem ser
identificados em trs classes: biomarcador de exposio, biomarcador de efeito e
biomarcador de suscetibilidade. Eles so instrumentos que possibilitam identificar
a substncia txica ou uma condio adversa antes que sejam evidenciados
danos sade (AMORIM, 2003; WHO, 1993).
Um biomarcador de exposio uma substncia ou seu metablito, ou o
produto de uma interao entre um agente xenobitico e alguma molcula-alvo ou
clula, que medido dentro de um compartimento de um organismo. Vrios
fatores podem confundir a interpretao e o uso de biomarcadores de exposio,
como a carga resultante da exposio de mais de uma fonte, exposio a vrios
compostos, propriedades da substncia, condies ambientais e substncias
presentes nos tecidos que so minerais essenciais, por exemplo: cobre, selnio e
zinco (WHO, 2003).
Biomarcador de efeito qualquer alterao fisiolgica ou bioqumica
mensurvel no organismo, que, dependendo da magnitude, pode ser reconhecida
como um comprometimento de sade estabelecido ou potencial para uma
doena. Inclui sinais bioqumicos ou celulares de disfuno tecidual, por exemplo:
26
o aumento da atividade das enzimas hepticas ou alteraes patolgicas em
clulas epiteliais genitais femininas, bem como os sinais fisiolgicos de disfuno,
como o aumento da presso arterial e a diminuio da capacidade pulmonar
(WHO, 2003).
Um biomarcador de susceptibilidade um indicador de uma limitao
inerente ou adquirida da capacidade de um organismo para responder ao desafio
da exposio a um xenobitico. Pode ser devido gentica intrnseca, outra
caracterstica ou uma doena pr-existente que resulta em aumento da dose
absorvida, aumento da dose biologicamente efetiva ou uma resposta do tecido
alvo (NAS/NRC,1989).
Concentraes de mercrio no sangue e na urina so comumente usados
como biomarcadores de exposio ao mercrio. O cabelo tem sido utilizado como
um biomarcador de exposio ao metilmercrio (PASSOS & MERGLER, 2008).
Os biomarcadores de efeito para o mercrio tm sido avaliados
frequentemente na presena de disfuno renal e neurolgica. Muitos desses
efeitos txicos tm sido correlacionados com os nveis presentes na urina e no
sangue (PASSOS & MERGLER, 2008). Muitos indicadores so inespecficos e
podem ter seus resultados influenciados por outros fatores. As disfunes renais
tm sido estudadas extensivamente como uma alterao mais sensvel
exposio ao mercrio inorgnico. Marcadores para a toxicidade renal podem
indicar a diminuio da funo, citotoxicidade ou mudanas bioqumicas. Os
biomarcadores para a diminuio da funo renal incluem o aumento das
protenas urinrias e a elevao dos nveis de creatinina no soro ou a beta-
microglobulina (ATSDR, 1999).
27
Os efeitos neurofisiolgicos e neuropsicolgicos tm sido muito estudados
em indivduos expostos ocupacionalmente, em um nvel de esforo monitorado,
para determinar o valor limite relacionado aos efeitos indesejados. Assim como
outros biomarcadores de efeito, as mudanas neurolgicas induzidas pelo
mercrio podem assemelhar-se exposio a outros qumicos que causam danos
cerebrais. Casos estudados so associados exposio ao vapor de mercrio,
com efeitos neurolgicos tais como: tremores, insnia, instabilidade emocional,
disfuno motora e muscular, dores de cabea, dor abdominal e acanhamento
(ATSDR, 1999).
Ainda no foram identificados biomarcadores de exposio especficos
para crianas. Os nveis de mercrio presentes no cabelo, na urina e no sangue
so as medidas padro de exposio. Existem biomarcadores de
desenvolvimento, que so nicos para idades e estgios de desenvolvimento
especficos da criana. Atualmente, o desenvolvimento de melhores mtodos de
medidas para a avaliao das funes cognitivas uma rea de intenso debate e
investigao (ATSDR, 1999).
Em estudos epidemiolgicos a anlise do tecido ou do sangue do cordo
umbilical adequada para avaliar a exposio pr-natal ao metilmercrio (BOSE-
OREILLY et al., 2010).
Passos & Mergler (2008), em uma reviso sobre a exposio humana ao
mercrio e efeitos adversos sade, mostraram que estudos indicam a
possibilidade da existncia de efeitos neurolgicos em adultos expostos a
concentraes acima de 50mg/g de mercrio no cabelo, acarretando alteraes
no sistema motor, visual e nas funes cognitivas.
28
Segundo Bernard (2001), estudos epidemiolgicos recentes sugerem que o
autismo pode afetar uma em cada 150 crianas nos Estados Unidos. Foi
observado que os traos definidores ou associados com o autismo so
semelhantes s disfunes imunolgicas, sensoriais, motoras, neurolgicas e
comportamentais que podem estar associadas exposio ao mercrio.
Os sinais e sintomas geralmente so considerados na avaliao da
toxicidade do mercrio. Em nveis baixo de exposio a maioria dos sintomas
observados no so especficos para exposio ao mercrio. O diagnstico deve
incluir uma avaliao da exposio. A fonte de exposio e a espcie de mercrio
devem ser determinadas por meio da coleta e anlise adequada da amostra
(BOSE-OREILLY et al., 2010).
Efeitos adversos exposio ao vapor de mercrio em adultos, no
ambiente de trabalho, tm sido confirmados. Nenhum estudo sobre efeitos
adversos da exposio pr e ps-natal ao mercrio elementar foi documentado
(DAVIDSON, et.al, 2004).
A monitorizao biolgica humana pelo Centro de Controle de Doenas
(CDC) em 1999 e 2000, em um estudo representativo da populao geral dos
Estados Unidos, mostra que a maioria dos indivduos tem nveis de mercrio no
sangue, porm abaixo de um nvel associado com possveis efeitos sade
(SCHOBER et al., 2003).
A maioria dos estudos sobre exposio ao mercrio desenvolvidos no
Brasil apresenta dados sobre concentraes de mercrio em amostras de
sangue, urina e cabelo, os quais so confrontados com valores considerados
normais para populaes no expostas. Os valores de referncia so indicados
29
por diversos rgos nacionais e internacionais, assim como tambm so
utilizados valores indicados pela legislao em vigor.
4.3 A SUSCETIBILIDADE DAS CRIANAS
Segundo a OMS, suscetibilidade a condio na qual existe uma
diminuio da resistncia de um indivduo frente a determinada doena ou
intoxicao, e que se observa com exposies doses inferiores s
habitualmente nocivas para o resto da populao. Pode ser entendida tambm,
como a disposio especial do organismo para acusar influncias exercidas sobre
ele ou para adquirir doenas.
Alguns fatores podem caracterizar uma populao suscetvel, so eles: a
idade, por exemplo, os idosos, pelo declnio da funo dos rgos e a
possibilidade de maior tempo de exposio; a gentica; o padro de sade; a
presena de doenas pr-existentes, principalmente doenas do fgado, dos rins,
do sistema nervoso e dos pulmes; o estado nutricional, incluindo os hbitos
alimentares, a desnutrio, e as deficincias alimentares, como: carncia de zinco
e selnio (ATSDR, 1999).
A compreenso da toxicidade das substncias do ambiente baseada
principalmente em investigaes com populaes humanas e animais adultos. A
comunidade cientfica e as agncias reguladoras tm pouco conhecimento sobre
como o organismo das crianas responde quando est exposto a substncias
qumicas txicas. Alguns dados cientficos indicam que as crianas so mais
suscetveis exposio a substncias txicas do que os adultos (WILLIAM,
2002).
30
Segundo a UNEP (2010), em relao ao mercrio, existem duas
subpopulaes suscetveis, ou seja, as que so mais sensveis aos efeitos do
mercrio, das quais esto includos o feto, o recm-nascido e as crianas e,
aquelas que esto expostas a nveis mais elevados de mercrio, tais como:
pessoas que consomem regularmente grande quantidade de peixes, frutos do
mar e carne de grandes mamferos marinhos, como focas e baleias;
trabalhadores com exposio ocupacional elevada; indivduos com amlgamas
dentrios e aqueles que utilizam medicamentos da medicina tradicional, produtos
cosmticos e outros compostos que contenham mercrio em prticas culturais e
religiosas.
A suscetibilidade especfica das crianas em relao aos adultos pode
estar relacionada ao comportamento da criana de acordo com a idade, s
diferentes vias e cenrios de exposio e ao consumo proporcionalmente maior
de contaminantes por meio dos alimentos. As condies especficas das
diferentes fases do desenvolvimento biolgico relacionadas com o crescimento e
desenvolvimento dos rgos e sistemas, assim como as caractersticas
anatmicas, funcionais, fisiolgicas e metablicas podem influenciar o grau de
exposio e os efeitos adversos sade (ATSDR, 1999; AU, 2002; SLY, 2008;
WHO, 2006).
As caractersticas fisiolgicas, tais como a taxa de respirao, o dbito
cardaco, o fluxo sanguneo para os rgos, a composio dos tecidos, o
crescimento e a composio ssea podem aumentar ainda mais a suscetibilidade
das crianas s substncias txicas (WHO, 2006).
Os bebs e as crianas, em sua dinmica de desenvolvimento, apresentam
comportamentos tais como brincar no cho e na terra, levar a mo e objetos
31
boca. Em geral, essa forma de interao com o ambiente propicia que recebam
uma dose mais elevada de substncias txicas para um dado nvel de exposio
ambiental (AU, 2002; SLY, 2008).
Fatores ambientais que resultem em efeitos adversos sobre a gravidez tais
como, a restrio no crescimento intra-uterino, defeitos congnitos e at mesmo a
perda fetal tm sido o foco das preocupaes. As exposies no perodo
embrionrio, quando os rgos comeam a se diferenciar, podem ter como
consequncia malformaes estruturais. A interrupo de processos como o
crescimento e a migrao celular pode comprometer a funo de sistemas de
rgos importantes.
O sistema nervoso do feto, do recm-nascido e das crianas
especialmente sensvel exposio ao mercrio, em decorrncia da formao de
clulas neurais nas fases do desenvolvimento, que se estendem aps o
nascimento. Certos nveis de mercrio podem no exercer efeito em adultos e
mulheres grvidas, porm podem causar efeitos adversos em crianas. O
metilmercrio, oriundo do consumo de peixes, pode estar presente em quantidade
maior no sangue do feto do que no sangue da me (em torno de 50 a 100% a
mais), devido ao transporte ativo atravs da placenta. Alm de exposies no
tero, recm-nascidos podem estar expostos pelo consumo de leite materno
contaminado.
O estgio de desenvolvimento da criana, no qual ocorre a exposio tem
uma grande influncia sobre as consequncias dessa exposio. O organismo do
feto, em rpido crescimento durante a gravidez, pode apresentar uma
sensibilidade maior concentrao de uma substncia que poderia no causar
nenhum problema para a me, porm efeitos nocivos sobre este organismo em
32
desenvolvimento. A exposio durante a organognese pode resultar em
alteraes estruturais permanentes. Quando a criana nasce seu sistema
nervoso central, assim como os sistemas imunolgico e respiratrio so imaturos
e passaro por um longo perodo de maturao aps o nascimento, deixando
esses sistemas orgnicos sensveis exposio ps-natal. A suscetibilidade pode
ser maior dependendo da dose e do tempo de exposio. As crianas e recm-
nascidos podem ter capacidade distinta na metabolizao, quando comparados
aos adultos, devido s diferenas no processo metablico. Os efeitos sade da
criana podem manifestar-se num estgio posterior da vida (ATSDR, 1999; NRC,
1993).
A capacidade individual para eliminar o metilmercrio do corpo e a
predisposio gentica para neutralizar os efeitos do mercrio, podem ter
consequncias sobre o risco de uma doena induzida pelo mercrio (UNEP,
2008).
A exposio da criana pode se iniciar na concepo, permanecer durante
o desenvolvimento intra-uterino e aps o nascimento. Os efeitos da ao txica
poder se manifestar na infncia ou apresentar repercusses tardiamente na vida
adulta.
A caracterizao da exposio e a identificao dos nveis de exposio ao
mercrio podero contribuir para a adoo de medidas educativas e preventivas
(ATSDR, 1999; EPA, 2004).
4.4 VALORES DE REFERNCIA
33
A deteco de substncias em fluidos orgnicos e a interpretao de
resultados clnicos em organismos de pessoas saudveis esto relacionados com
o termo valores de referncia, tambm conhecido por valor normal ou valor de
normalidade entre profissionais de sade. Os toxicologistas denominam nveis
de background ou nveis basais referindo-se presena de contaminantes
ambientais (CANELA, 1995; OLIVEIRA, 2003).
Os valores de referncia, muitas vezes, so usados de maneira
inadequada, sendo seu significado confundido com valores limites. Estes servem
para identificar os nveis de exposio abaixo dos quais no ocorre dano sade
nos indivduos expostos em sua descendncia. Para determinar os valores limites
ocorrem duas fases. A primeira envolve pesquisas que fornecem dados para
recomendar os limites de exposio, e a segunda envolve a transformao
desses limites em padres associados a fatores econmicos e sociais
(APOSTOLI, 1992). Valores de referncia so derivados a partir da observao
de indivduos que, diante das suas caractersticas, possam servir de controles
para pacientes estudados. Os valores de referncia no so baseados em
possveis efeitos sade, por isso, se a concentrao de um contaminante no
sangue exceder o valor de referncia no significa, necessariamente, que h um
aumento de risco sade. Os valores de referncia devem ser revisados sempre
que houver alteraes nos nveis basais da populao geral, com base em
estudos recentes (KUNO et al., 2009).
Os valores de referncia so obtidos a partir de estudos que determinam a
concentrao da substncia de interesse em fluidos (ou outros materiais
biolgicos), em um grupo definido da populao geral, sendo derivados por
mtodos estatsticos. Os valores de referncia determinam o limite superior da
34
exposio basal da populao geral em um determinado momento. O valor de
referncia no representa um critrio de normalidade para uma anlise
toxicolgica, deve ser usado para identificar indivduos com nvel aumentado (em
relao exposio basal) de exposio ambiental a determinada substncia
(APOSTOLI, 1992).
A sade individual ou coletiva pode ser afetada pelo meio ambiente quando
o indivduo est exposto. O tempo de permanncia no ambiente, a quantidade do
poluente e a forma de contato so fatores que podem indicar a exposio. A
verificao da presena de uma substncia qumica ou de seu metablito em
amostras biolgicas caracteriza a ocorrncia de absoro, pelo organismo, da
substncia presente no ambiente mediante uma exposio, podendo ocorrer ou
no efeito adverso ao organismo. Estabelecer as doses internas mximas
admissveis ou tolerveis necessrio para uma avaliao real do risco para a
sade humana. Esses limites so fundamentados nas relaes dose-resposta, em
estudos epidemiolgico, e em outros fatores, como: exposio, variveis
demogrficas, hbitos culturais e de vida (KUNO et al., 2009).
Os resultados de biomonitorizao humana em trabalhadores devem ser
comparados com os limites biolgicos de exposio (limites tolerveis), enquanto
resultados obtidos para a populao geral podem ser comparados, tanto com os
limites tolerveis, como com os valores de referncia. Os limites de exposio
estabelecidos para os trabalhadores, normalmente, so superiores aos
estabelecidos para a populao geral. No ambiente ocupacional, a exposio est
restrita jornada de trabalho de, em mdia, 8 horas dirias, durante 5 ou 6 dias
na semana; j no ambiente externo, a populao pode ficar exposta 24 horas por
dia ao agente txico. A presena de grupos susceptveis como: doentes, idosos,
35
crianas e gestantes na populao geral tambm diferencia a exposio
ocupacional e a ambiental (KUNO et al., 2009).
Os valores tolerveis devem ser vistos como nveis de advertncia,
propostos com base no conhecimento da relao dose-resposta, e no como
valores que separam exposies seguras de exposies de risco (DELLA ROSA
et al., 2008).
No Brasil, os valores admissveis de presena do mercrio no ambiente e
nos organismos vivos so estabelecidos por normas que instituem limites de
tolerncia biolgica. A legislao brasileira, por meio das Normas
Regulamentadoras (NRs), do Ministrio do Trabalho e da Organizao Mundial de
Sade e, atravs da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT/NBR
10.004), estabelece como limite de tolerncia biolgica para o ser humano a taxa
de 33mg/g de mercrio por grama de creatinina urinria e 0,04mg/m3 de ar no
ambiente de trabalho. O mercrio ocupa lugar de destaque entre as substncias
mais perigosas relacionadas nessas normas. Por sua vez a NR15, do Ministrio
do Trabalho, que trata das atividades e operaes em locais insalubres, tambm
lista o mercrio como um dos principais agentes nocivos que afetam a sade do
trabalhador (BRASIL, 2001).
Em uma pesquisa sobre nutrio e sade, o National Health and Nutrition
Examination Survey (NHANES), nos Estados Unidos, avaliou os nveis de
mercrio no sangue na populao desde 1999, para determinar os nveis de
mercrio total no sangue de mulheres em idade frtil e de crianas com idade
entre 1 e 5 anos. Os resultados mostraram que o nvel mdio de mercrio no
sangue de crianas foi de 0,3g/L (CDC, 2009).
36
A exposio de crianas a substncias qumicas tem sido preocupao em
vrios pases. A Alemanha, por meio do National Health Interview Surveys e do
Instituto Robert Koch, realiza pesquisas ambientais, que so estudos
populacionais de mbito nacional, desde meados de 1980. Inicialmente foram
feitas pesquisas com adultos, adultos e crianas e, em 2003/2006, realizada
apenas com crianas. O principal objetivo das pesquisas foi analisar e
documentar a extenso, a distribuio e os determinantes da exposio a
poluentes ambientais da populao alem. A biomonitorizao humana, a
monitorizao do ambiente domstico e a coleta de informaes sobre vias de
exposio e condies de vida, por meio de questionrios foram os principais
instrumentos de investigao (BECKER et al., 2006).
O estudo realizado com crianas em 2003/2006 incluiu uma amostra de
1.790 crianas entre 3 e 14 anos. As questes relacionadas com a presena de
mofo, compostos orgnicos volteis e substncias alergnicas, impacto do rudo
no ocupacional e consequncias para a sade foram analisadas. Ele se prope
a elucidar a influncia dos qumicos, dos fatores biolgicos e fsicos sobre a
sade e bem estar das crianas (SCHULZ et al., 2007).
A exposio das crianas ao mercrio elementar preocupante, por isso a
Agency for Toxic Substances & Disease Registry (ATSDR) e o Centers for Disease
Control and Prevention (CDC) revisaram as fontes de exposio, identificando o
local e a proporo de crianas afetadas e, a partir da, propuseram
recomendaes sobre como evitar os riscos sade. Programas que fornecem
dados sobre liberao de mercrio, assim como relatrios publicados sobre
crianas expostas foram revisados. Os riscos do mercrio proveniente do
consumo de peixe, amlgamas dentrios, instalaes de queima de carvo,
37
incineradores de resduos mdicos, ou vacinas contendo timerosal foram
excludos. A pesquisa constatou que os locais de exposio primria eram: em
casa, na escola, em propriedades industriais no adequadamente reparadas e
equipamentos mdicos. O cenrio mais comumente relatado foi a exposio a
pequenos derrames de termmetros quebrados. As informaes analisadas
indicam que a maioria dos lanamentos no causam danos se o perodo de
exposio foi curto e o mercrio foi devidamente limpo. Assim, a preveno
primria deve incluir a educao para a sade e iniciativas polticas (LEE et al.,
2010).
Segundo Batriov e colaboradores (2006), o Monitoramento Ambiental do
Sistema de Sade da Repblica Checa utiliza a monitorizao biolgica humana
(HBM) desde 1994 para avaliar a exposio da populao checa geral para um
amplo espectro de contaminantes ambientais. Ao longo dos anos 2001-2003, as
concentraes de chumbo (Pb), cdmio (Cd), e mercrio (Hg) foram determinadas
no sangue de 1.188 adultos (doadores de sangue) e 333 crianas, e na urina de
657 adultos e 619 crianas. O nvel da mediana do mercrio no sangue de adultos
foi de 0,89g/L. Diferenas significativas foram encontradas entre os fumantes
(0,80g/L) e no-fumantes (0,92g/L), e entre homens e mulheres (0,86g/L
versus 0,94g/L). Em crianas, o nvel mdio de Hg no sangue foi de 0,42g/L, e
no houve diferenas relacionadas ao sexo. A mediana dos nveis de Hg urinrio
foram de 0,63mg/g de creatinina em adultos e 0,37mg/g de creatinina em
crianas. Significativamente maiores, os nveis de Hg urinrio foram obtidos em
mulheres e no-fumantes em comparao aos homens e fumantes,
respectivamente. Os nveis de Pb e o Hg no sangue, e de Hg e Cd urinrio se
correlacionaram significativamente com a idade. Os valores de referncia
38
recomendados para o mercrio no perodo 2001-2003 foi de 3,1g/L, 4,0g/L e
1,5g/L para o Hg no sangue de homens, mulheres e crianas, respectivamente;
Para o Hg urinrio em homens foi de 5,4mg/g e em mulheres 12,0mg/g. O valor
para o Hg urinrio em meninos foi 3,7mg/g e para meninas de 5,5mg/g.
Os valores de referncia para os nveis de Hg no sangue atualmente
proposto para a populao checa so 3,1g/L para homens e 4,0g/L para as
mulheres. O estudo concluiu que os valores de referncia estabelecidos so
inferiores ao valor de 5,8g/L, considerado seguro (RICE et al., 2003). Valores
acima desse, no foi detectado em adulto ou criana (NRC,2000). O valor de
referncia para os nveis de Hg no sangue para a populao alem de 2,0g/L
(WILHELM et al., 2006).
No Brasil ainda so escassos os estudos referentes exposio a
substncias qumicas com amostras representativas da populao.
Na periferia do Municpio de Bauru, no Estado de So Paulo, foi localizada
uma fbrica de acumuladores, onde foram detectados dejetos contendo sal de
xido de chumbo e sulfato de chumbo, presentes na poeira e deposio de
chumbo metlico no solo. Foi elaborado um plano para verificar as fontes de
exposio humana ao chumbo, e a necessidade de interveno em relao
sade e s condies do ambiente. O estudo da exposio humana ao chumbo
foi feito atravs da investigao de crianas, considerado um grupo de maior
risco. Foi definida uma rea de 1.000 metros ao redor da fbrica e identificadas
crianas entre 0 e 12 anos. Entrevistas foram feitas com os pais para investigao
dos fatores de exposio ao chumbo, tambm foram colhidas amostras de
sangue para exame de plumbemia. O estudo foi realizado com um total de 883
pessoas, dessas 857 crianas. Os resultados dos exames laboratoriais mostraram
39
314 crianas com ndices de plumbemia igual ou superior a 10mg/g, indicando
exposio elevada. Esses resultados orientaram aes para estabelecer o
diagnstico e assistncia sade da populao atingida, assim como medidas
para reduo dos riscos de recontaminao no ambiente (CETESB, 2006).
A contaminao ambiental por metais, que implicou na exposio da
populao circunvizinha e de trabalhadores da indstria de pelotizao de
chumbo (Cobrac/Plumbum), em Santo Amaro da Purificao, na Bahia, foi
definida a partir dos resultados de um estudo de avaliao de risco sade
humana conduzido pela Coordenao Geral de Vigilncia Ambiental, da
Secretaria de Vigilncia em Sade do Ministrio da Sade. Nesse estudo foram
observadas doses compatveis com efeitos cardiovasculares em crianas (por
exemplo: alterao de presso arterial) e incidncia aumentada de morte por
cncer de pulmo, leses renais, hepatite A e doena cerebrovascular quando
comparadas com estudos de outros autores (BRASIL, 2006).
Figueiredo (2005) avaliou a contaminao ambiental e humana por chumbo
em uma regio do Paran, Vale do Ribeira, uma antiga rea de intensa atividade
de minerao e refino de metais. Para avaliar o nvel de exposio da populao
foi feita uma pesquisa a partir da coleta de sangue, para anlise de chumbo e
cdmio de uma populao de 335 crianas de 7 a 14 anos e de uma populao
de 351 adultos de 15 a 70 anos, residentes em trs municpios, sendo que uma
cidade foi considerada rea de controle. Amostras de urina de 398 crianas e 361
adultos das mesmas populaes foram coletadas. Os dados analisados revelaram
que o nvel mais alto de exposio ao chumbo foi registrado entre as crianas
residentes nas comunidades mais prximas refinaria e mineradora que
operavam na regio do Vale do Ribeira.
40
No tocante ao mercrio, os estudos se referem principalmente exposio
ao metilmercrio, especialmente queles realizados a partir de meados da dcada
de 1980, em rios impactados pela minerao de ouro na Amaznia (PASSOS &
MERGLER, 2008). Os resultados em determinadas reas geogrficas mostram
nveis de exposio humana elevados, e que poderiam levar a efeitos adversos
sade (MALM, 1998).
Populaes sob risco de exposio ao mercrio, por meio da via
respiratria ou alimentar, tm sido pesquisadas em reas garimpeiras e
comunidades ribeirinhas. No primeiro caso, trabalhadores de casas de compra e
venda de ouro tm apresentado teores mais elevados de mercrio na urina do
que os garimpeiros estudados. No segundo caso, as populaes ribeirinhas tm
mostrado nveis diferenciados de exposio observados por meio da
concentrao de mercrio presente nos cabelos (PASSOS & MERGLER, 2008).
Comunidades ribeirinhas situadas em reas no afetadas pelo mercrio da
garimpagem e com hbitos alimentares semelhantes aos da rea de risco tm
sido avaliadas, visando construo de parmetros de normalidade regionais
atravs de estudos do Instituto Evandro Chagas e do IESC/UFRJ (SANTOS et al.,
2002).
Alm do Instituto de Estudos em Sade Coletiva e do Instituto de Biofsica,
(ambos da UFRJ), o Instituto Evandro Chagas, do Ministrio da Sade, e vrias
outras instituies vm desenvolvendo pesquisas sobre os efeitos do mercrio
que incluem crianas entre suas populaes estudadas. Podem ser citados os
estudos conjuntos da Universidade Federal de Rondnia, Universidade de Braslia
e Instituto Carlos Chagas da UFRJ (ex: MARQUES et al., 2007 e DREA et al.,
2005); Universidade Federal do Par (ex: PINHEIRO et al., 2006); Universidade
41
de So Paulo (ex: TAUB et al., 2006); a Fundao Oswaldo Cruz, o Instituto de
Sade Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso (ex: TAVARES et al.,
2005); a Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca da Fiocruz (ex:
HACON et al., 2005), entre outras.
No Brasil, estudos sobre concentrao de mercrio no sangue ainda so
poucos. Uma das excees pode ser exemplificada pelo estudo de Santos e
colaboradores (2007), cujo objetivo foi correlacionar a concentrao de mercrio
no sangue de 1.510 mes do Municpio de Itaituba, no Estado do Par (Brasil)
com a concentrao de mercrio no sangue do cordo umbilical dos seus 1.510
recm-nascidos. A concentrao no sangue das mes foi 11,53g/L (0,38 -
117,62g/L) e nos recm-nascidos foi de 16,68g/L (0,350 - 126,87g/L). A
correlao entre as concentraes de mercrio no sangue das mes e de seus
recm-nascidos foi positiva (r= 0,8019; p= 0,000).
Neste sentido, tendo em vista a elevada toxicidade do mercrio, a
susceptibilidade das crianas e a necessidade de estudos que possam comparar
os resultados obtidos de concentraes de mercrio, torna-se prioritrio
estabelecer valores de referncia para a concentrao de mercrio no sangue de
crianas no expostas diretamente ao mercrio.
42
5 MATERIAL E MTODOS
5.1 DESENHO DO ESTUDO
O estudo observacional do tipo seccional, com crianas matriculadas em
duas escolas da rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro.
5.2 LOCAL DO ESTUDO
A Secretaria Municipal de Educao escolheu a 4 e a 7 Coordenadoria
Regional de Educao (CRE), situadas em regies administrativas com
experincias scio-ambientais distintas, selecionadas a partir da anlise de dados
encontrados em fontes oficiais e pesquisas publicadas. Cada CRE abrange vrios
bairros com vrias unidades escolares. Os bairros foram divididos em funo de
seu status scio-ambiental e sorteados aleatoriamente. Foram selecionadas
unidades escolares de uma lista de escolas registradas nestes bairros. A partir de
uma lista de escolas registradas foi indicada por cada CRE uma escola com base
nos seguintes critrios: aquelas que possurem 300 ou mais crianas com idades
entre 8 e 10 anos, regularmente matriculadas no ano de 2007; segurana para o
acesso dos pesquisadores; aquiescncia da direo e professores; existncia de
um Programa de Sade Escolar (no exclusivo). Alm disso, trs fatores foram
considerados para a efetivao desta proposta: a) a necessidade de articulao
com os gestores municipais da rea de educao, diretores e professores, tendo
como base o respeito ao calendrio e as especificidades prprias do sistema
escolar, entre elas a carga horria diria de aulas, os recessos, frias e perodos
43
de provas; b) o contato com os genitores das crianas escolares selecionadas,
para obteno do seu consentimento para participao no subprojeto; c) as
caractersticas prprias da faixa etria selecionada que exigiram suporte maior
para a realizao das entrevistas e a coleta das amostras. A participao no
trabalho de campo incluiu como entrevistadores alunos de graduao da
Faculdade de Medicina da UFRJ, de acordo com a disponibilidade de horrio.
As escolas municipais selecionadas foram o CIEP Yuri Gagari, da 4 CRE
(da AP3.1), no bairro de Bonsucesso, com um total de 1.380 alunos e a Escola
Desembargador Ney Palmeiro, na 7 CRE (da AP4.0) no bairro de Jacarepagu,
com 922 alunos.
5.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO
Nas duas escolas selecionadas, todas as crianas com idades entre 8 e 10
anos, foram convidadas a participar da pesquisa, por meio dos pais ou
responsveis, em reunies realizadas com os professores, pais ou responsveis e
alunos, para apresentao do estudo e assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
As crianas que aceitaram participar mediante a assinatura, pelos pais ou
responsveis, do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido totalizaram 317
crianas escolares, de ambos os sexos, com idades entre 08 e 10 anos.
44
5.4 COLETA DO MATERIAL
O material de estudo foi composto por dados coletados por meio de dois
questionrios e dados provenientes de material biolgico. Um questionrio foi
utilizado para a coleta de dados pessoais e medidas antropomtricas referentes
criana. O outro continha informaes sobre dados pessoais da me, do pai ou do
responsvel pela criana e dados sobre a famlia, a casa, o local de moradia e os
hbitos alimentares da criana. O sangue capilar foi o material biolgico colhido
para a anlise.
5.4.1 Coleta de dados
Para a coleta dos dados foram aplicados dois tipos de questionrios com o
objetivo de ter acesso a dados relevantes para o estudo. O primeiro questionrio
(Anexo III) foi respondido pela criana e o segundo pelos pais ou responsveis
(Anexo IV).
Estes questionrios foram elaborados e testados pela equipe do estudo
durante reunies semanais com os pais e as crianas de um hospital de pediatria,
com o objetivo de abordar variveis de exposio, como: local; tempo de
residncia e condies de moradia e das proximidades; ocupao dos pais e
eventualmente das crianas; hbitos alimentares e comportamentais; tabagismo;
variveis de confundimento, como: raa, faixa etria, renda familiar, escolaridade,
sexo, uso de medicamentos, morbidade referida, e variveis de desfecho, tais
como: menarca, altura, peso e medidas antropomtricas.
45
O questionrio respondido pelas crianas continha dez questes sobre
dados pessoais, dez questes sobre hbitos alimentares, duas sobre eventual
tabagismo, oito sobre a ocupao dos moradores da casa, oito perguntas sobre
as proximidades da moradia, visando algum tipo de poluio, oito sobre a
moradia, duas sobre a menarca e trs sobre medidas antropomtricas (peso,
altura e ndice de Massa Corporal IMC).
O questionrio sobre a famlia, respondido pelos responsveis, continha
quatro blocos de questes. O primeiro bloco foi composto por doze questes
sobre dados dos pais, o segundo por quatro questes sobre a famlia, o terceiro
por nove questes sobre a criana e o quarto e ltimo com sete questes sobre a
residncia da criana. Aps a entrevista com a criana e os responsveis, foram
aferidas as medidas antropomtricas (peso e altura) para o posterior clculo do
IMC. Para aferir a altura foi usado um estadimetro da marca Sanny com
graduao em centmetros e para a aferio do peso foi usada uma balana
digital da marca Tech Line com graduao de 100g e capacidade de at 180kg.
5.4.2 Coleta de material biolgico
Para deteco dos teores de mercrio foram coletadas amostras de
sangue capilar. O material biolgico foi coletado por uma equipe composta por
dez alunos de graduao da Faculdade de Medicina da UFRJ, devidamente
treinados. A correta higienizao das mos com sabonete neutro e secagem com
papel toalha foi feita antes do procedimento. A coleta do sangue capilar foi
realizada, aps a desinfeco com lcool em gel, do quarto quirodctilo da mo
direita da criana e, posteriormente, perfurado com uma lanceta at a obteno
46
de 200L de sangue capilar. Para evitar a coagulao e consequente perda do
material, esse contedo foi agitado durante alguns minutos. O material coletado
foi armazenado em freezer temperatura de menos 20Celsius.
5.5 ANLISE DO MATERIAL
A anlise do material de estudo foi feita por meio da anlise laboratorial do
material biolgico e pela anlise estatstica dos dados coletados.
5.5.1 Anlise do material biolgico
A anlise do material biolgico coletado foi realizada no Laboratrio de
Toxicologia de Metais da Universidade de So Paulo (USP) de Ribeiro Preto,
pelo mtodo de Espectrometria de Massa Acoplado a Plasma Indutivo. Aps o
descongelamento, as amostras de sangue foram diludas na proporo de 1:50,
em tubo de polipropileno, com uma soluo 0,5% (v/v) de cido ntrico contendo
0,01% (v/v) de Triton X-100 e posteriormente analisadas.
5.5.2 Anlise dos dados
Os dados coletados por meio dos dois questionrios e teores de sangue
capilar formaram as duas bases de dados para anlise exploratria. As bases de
dados foram includas em um banco de dados do Programa SPSS verso 7.0.
Antes das anlises foram utilizados recursos para verificao da qualidade do
banco de dados, como variveis no preenchidas ou preenchidas incorretamente.
47
Foram calculadas estatsticas descritivas para as variveis idade (8 anos, 9
anos, 10 anos), sexo, cor da pele (branca, no-branca, no informado), consumo
de peixe (no, 1 vez/semana). Medidas de tendncia central e de disperso foram
obtidas para a concentrao de mercrio total no sangue. Foi estimada a mdia
geomtrica da concentrao de mercrio total no sangue dos participantes do
estudo.
O teste no-paramtrico de Mann-Whitney foi utilizado para comparar as
mdias da concentrao de mercrio total no sangue entre as duas escolas e
entre as categorias das variveis em cada escola sob a hiptese nula (H0) de que
as duas amostras tm distribuies idnticas, considerando um nvel de
significncia de 5%.
As anlises dos dados foram realizadas utilizando os procedimentos de
pesquisa do programa STATA verso 9.0.
5.6 PROCEDIMENTOS TICOS
Os procedimentos deste estudo respeitam os procedimentos ticos da
Declarao de Helsinque e da Resoluo 196/96 do Conselho Nacional de Sade
sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos que exige aprovao do projeto por
um Comit de tica em Pesquisa (CEP) institucionalmente formalizado e que
incorpore um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a ser assinado pelos
sujeitos da pesquisa. Seguindo as normas de realizao da pesquisa o projeto foi
submetido e aprovado pelo Comit de tica do Instituto de Estudos em Sade
Coletiva (IESC). Os sujeitos da pesquisa (pais e crianas) tiveram garantia de
48
Livre Consentimento aps total esclarecimento de todos os benefcios e possveis
riscos que poderiam advir do processo investigatrio.
6 RESULTADOS
As escolas que foram selecionadas para o estudo estavam localizadas no
bairro de Bonsucesso e Jacarepagu, identificados pelas diferenas
socioambientais.
Bonsucesso, o bairro onde est localizada a Escola Yuri Gagari, fica na
regio da Leopoldina, rea metropolitana do Rio de Janeiro, que possui grande
nmero de complexos industriais, carncia de reas verdes e alta concentrao
demogrfica (126.7 habitantes/m, a quinta maior do municpio). O comrcio e os
servios so as principais atividades econmicas do local. Possui uma taxa de
mortalidade maior que a mdia da cidade, a renda mdia da populao de trs
salrios mnimos e apresenta um nvel baixo de escolaridade (Prefeitura da
Cidade do Rio de Janeiro, 2003). A escola Ney Palmeiro est localizada em
Jacarepagu que se caracteriza por ser uma rea de grande expanso
demogrfica, com grandes reas de proteo ambiental. O comrcio e servios,
tambm, so as principais atividades econmicas. As taxas de mortalidade infantil
e a renda mdia da populao (5 salrios mnimos) da regio esto abaixo da
mdia da cidade (Prefeitura do Rio de Janeiro, 2003). O bairro de Bonsucesso
apresenta indicadores especficos de qualidade de vida da populao (renda
mdia e escolaridade) e ndices de qualidade de vida (IDH e ICV) inferiores aos
apresentados por Jacarepagu. O ndice de poluio ambiental maior, com a
presena de intenso trfego de veculos, carncia de reas verdes e uma
49
qualidade do ar classificada como inadequada, fatores que poderiam ser
responsveis por impactos sobre a qualidade de vida da populao. Embora os
bairros estejam em duas regies com caractersticas socioambientais distintas,
estas diferenas no so estatisticamente significativas para configurar um
impacto determinante sobre a qualidade de vida da populao (Mazoto, 2011).
Considerando-se a hiptese de que fatores socioambientais poderiam
contribuir para a exposio substncias qumicas, verificamos que em relao o
mercrio no foi detectado, dentre as variveis selecionadas, fator de exposio
ao mercrio nas reas em que as escolas esto localizadas. Foi verificado que o
nvel da concentrao de mercrio das duas escolas estatsticamente diferente.
No entanto, o consumo de peixe, que poderia caracterizar a exposio ao
mercrio, no foi significativo entre as crianas das duas escolas.
7 CONSIDERAES FINAIS
Os resultados sugerem que outros estudos sejam desenvolvidos para que,
fatores ambientais relacionados a exposio ao mercrio em reas urbanas
possam ser melhor identificados.
50
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