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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS
INSEGURANÇA ALIMENTAR E FATORES ASSOCIADOS
EM IDOSOS DE DOURADOS - MS
VIVIANE CASTILHO JUSTO
DOURADOS MS
2013
VIVIANE CASTILHO JUSTO
INSEGURANÇA ALIMENTAR E FATORES ASSOCIADOS EM
IDOSOS DE DOURADOS - MS
Dissertação apresentada à Universidade
Federal da Grande Dourados – Faculdade de
Ciências da Saúde, para obtenção do Título de
Mestre em Ciências da Saúde.
Orientadora: PROFa DR
a ROSÂNGELA DA
COSTA LIMA
Co-orientadora: PROFa DR
a MARIA
CRISTINA CORRÊA DE SOUZA.
DOURADOS MS
2013
Agradecimentos
À Deus.
À minha família.
Aos meus amigos
Aos professores do Mestrado em Ciências da Saúde da UFGD, em especial à
professora Rosângela.
Às colegas da graduação e da pós-graduação que nos auxiliaram na coleta de dados.
Aos “vovôs” e “vovós” da cidade de Dourados, MS.
iii
Dedicatória
Aos meus pais Dimas e Elizabete.
À minha irmã Nathália, ao meu cunhado Roger e ao meu sobrinho Eduardo.
iv
Sumário
Agradecimentos .................................................................................................. iii
Dedicatória .......................................................................................................... iv
Lista de abreviaturas e símbolos ......................................................................... vi
1- Introdução ............................................................................................... 1
2- Revisão de Literatura .............................................................................. 3
2.1- Direito Humano à Alimentação Adequada ................................... 3
2.2- Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional ............. 4
2.3- Desenvolvimento de escalas de avaliação de IA nas famílias ...... 6
2.4- Insegurança Alimentar: conceitos e fatores associados ................ 8
2.5- Insegurança alimentar em idosos .................................................. 10
3- Objetivos ................................................................................................. 14
4- Referências bibliográficas ...................................................................... 15
5- Anexos ................................................................................................... 20
Anexo 1 - Artigo...................................................................................... 21
Anexo 2 - Normas para publicação – Cadernos de Saúde Publica ......... 40
Anexo 3 - Cronograma das atividades de pesquisa realizadas................ 48
Anexo 4 - Parecer do comitê de ética...................................................... 49
Anexo 5 - TCLE...................................................................................... 50
Anexo 6 - Questionário Individual.......................................................... 51
Anexo 7 - Questionário Domiciliar......................................................... 55
Anexo 8 - Carta de Apresentação da Pesquisa .......................................
58
v
Listas de abreviaturas e símbolos
ABEP Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas
AHEAD Asset and Health Dynamics Among The Oldest Old
CAISAN Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional
CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar
DHAA Direito Humano à Alimentação Adequada
EBIA Escala Brasileira de Insegurança Alimentar
EUA Estados Unidos da América
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IA Insegurança Alimentar
IAL Insegurança Alimentar Leve
IAMG Insegurança Alimentar Média e Grave
IMC Índice de Massa Corporal
LOSAN Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MS Mato Grosso do Sul
NHS National Health Survey
NHANES National Health and Nutrition Examination Survey
OMS Organização Mundial de Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
PLANSAN Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PNSAN Políticas Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
SAN Segurança Alimentar e Nutricional
SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
SISVAN Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional
SP São Paulo
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Vi
1 INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a população idosa como aquela
com idade superior a 60 anos para países em desenvolvimento e 65 anos para países
desenvolvidos1. Nas últimas décadas, a população brasileira tem apresentado visível
alteração na distribuição etária devido ao decréscimo na taxa de fecundidade, a expansão
da expectativa de vida e ao consequente aumento do número de idosos2. No Brasil,
quando se analisa a relação idosos/jovens (
2
Para os idosos, que geralmente requerem uma atenção especial para nutrição ideal,
a IA tem sido um fator de risco para o estado nutricional7. A IA se mostra como um
negligenciamento de um dos direitos básicos do cidadão: o direito a uma alimentação
saudável e está relacionada com várias doenças, tanto físicas quanto psíquicas8.
Nesse contexto, o município de Dourados possuía em 2010 uma população idosa de
17.805 pessoas (9,08% de uma população total de 196.035 habitantes) e seu índice de
envelhecimento era de 37,37%9. Segundo relatório divulgado pelo CONSEA (Conselho
Nacional de Segurança Alimentar) a IA atingiu 26,1% das famílias do Mato Grosso do Sul
em 2010. No entanto não há dados específicos sobre IA em idosos no estado10
.
A maioria dos estudos sobre insegurança alimentar tem se concentrado em
mulheres e crianças. No Brasil, onde o processo de transição demográfica é recente, a IA
entre os idosos é um assunto pouco pesquisado, existindo apenas dois artigos
publicados5,11
. Em contraste aos indivíduos de idade mais jovem, uma maior variedade de
fatores estão associados ao estado nutricional e de saúde em pessoas idosas: fatores
psicológicos, sociais e econômicos, além do processo de envelhecimento em si8.
O presente estudo propõe estimar a prevalência de IA na população idosa da cidade
de Dourados- MS. Pretende-se assim auxiliar o serviço de saúde, fornecendo informações
complementares para um atendimento mais específico a esta parcela crescente da
população.
3
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)
Os Direitos Humanos são um conjunto de garantias de todos os indivíduos
pertencentes à espécie humana. Esses direitos foram firmados internacionalmente na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 e possuem as seguintes
características: universais, indivisíveis, interdependentes e pautados pelo respeito à
diversidade12
.
A alimentação é reconhecida como direito humano no Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, do qual o Brasil é signatário.
Posteriormente, em 1999, o comitê dos Direitos Econômicos e Sociais da Organização das
Nações Unidas (ONU) formulou uma definição mais detalhada dos direitos relacionados à
alimentação: o direito à alimentação adequada é alcançado quando todos os homens,
mulheres e crianças, sozinhos, ou em comunidade com outros, têm acesso físico e
econômico, em todos os momentos, à alimentação adequada, ou meios para a sua
obtenção. O direito à alimentação adequada não deve ser interpretado como um pacote
mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes específicos. A „adequação‟ refere-se
também às condições sociais, econômicas, culturais, climáticas, ecológicas, entre outras12
.
Nesse contexto, no período mais recente de consolidação da Política Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), houve avanços, com destaque para a
inclusão do direito à alimentação no art. 6º da Constituição Federal (através da Emenda
Constitucional no 64/2010) e a promulgação da Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006,
Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), que criou o Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) com o propósito maior de
garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)13
.
Compete a todos evitar que ocorram ameaças ou violação ao DHAA. No entanto,
cabe ao estado garantir esse direito aos cidadãos brasileiros, e no caso dos indivíduos
maiores de 60 anos, tal direito é garantido também no estatuto do idoso, que em seu
Capítulo III, Art. 14 dispõe sobre a obrigação do Estado de prover alimentos ao idoso
4
desamparado em caso deste ou de seus familiares não possuírem condições econômicas.
Tal Estatuto14
, possui o objetivo de proteger e dar assistência às pessoas com idade igual
ou superior a 60 anos. Trata-se de uma lei que incorporou uma série de direitos e garantias
que há muito vinham sendo reclamados por importante parcela da população que vem não
só aumentando numericamente, mas, também, se impondo como merecedora de
visibilidade e de respeito cada vez maior15
.
2.2 Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Segundo a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN16
,
Segurança Alimentar e Nutricional – SAN é a realização do direito de todos ao acesso
regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas
alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam
ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
O processo de institucionalização da Política Nacional de Segurança Alimentar -
PNSAN, se iniciou com a promulgação da LOSAN, e teve sua regulamentação
estabelecida pelo Decreto no7.272/2010
17 que criou o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (SISAN) e estabeleceu as bases para a construção da Política e do
Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN) o qual consolida
programas e ações relacionadas para o cumprimento das oito diretrizes da PNSAN:
I - promoção do acesso universal à alimentação adequada e saudável, com prioridade para
as famílias e pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional;
II - promoção do abastecimento e estruturação de sistemas sustentáveis e descentralizados,
de base agroecológica, de produção, extração, processamento e distribuição de alimentos;
III - instituição de processos permanentes de educação alimentar e nutricional, pesquisa e
formação nas áreas de segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação
adequada;
IV - promoção, universalização e coordenação das ações de segurança alimentar e
nutricional voltadas para quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais de que
trata o art. 3o, inciso I, do Decreto no 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, povos indígenas e
assentados da reforma agrária;
5
V - fortalecimento das ações de alimentação e nutrição em todos os níveis da atenção à
saúde, de modo articulado às demais ações de segurança alimentar e nutricional;
VI - promoção do acesso universal à água de qualidade e em quantidade suficiente, com
prioridade para as famílias em situação de insegurança hídrica e para a produção de
alimentos da agricultura familiar e da pesca e aquicultura;
VII - apoio a iniciativas de promoção da soberania alimentar, segurança alimentar e
nutricional e do direito humano à alimentação adequada em âmbito internacional e a
negociações internacionais baseadas nos princípios e diretrizes da Lei no 11.346, de 2006;
VIII - monitoramento da realização do direito humano à alimentação adequada.
Esse processo de institucionalização realiza-se por meio da adoção de mecanismos
de participação social, com a retomada do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (CONSEA) e a criação dos Conselhos Estaduais e Municipais congêneres, e
possui como base e vetor a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada
(DHAA), que, em 2010, foi literalmente expresso em nossa Constituição Federal. O
CONSEA é um espaço de articulação entre governo e sociedade civil com o objetivo de
propor diretrizes para as ações na área da segurança alimentar e nutricional. Criado em
1993, desativado em 1995 e recriado em 2003, tem caráter consultivo, além de assessorar a
Presidência da República na formulação de políticas e na definição de orientações para que
o país garanta o direito humano à alimentação adequada e saudável em todas as suas
dimensões. É seu papel, ainda, estimular a participação da sociedade na formulação,
execução e acompanhamento de políticas de segurança alimentar e nutricional, em especial
àquelas relacionadas à Política Nacional e constantes do Plano Nacional18
.
Tal política é um conjunto de ações planejadas para garantir a oferta e o acesso aos
alimentos para toda a população, promovendo a nutrição e a saúde. Deve ser sustentável,
ou seja, desenvolver-se articulando condições que permitam sua manutenção a longo
prazo. Requer o envolvimento tanto do governo quanto da sociedade civil organizada, em
seus diferentes setores ou áreas de ação – saúde, educação, trabalho, agricultura,
desenvolvimento social, meio ambiente, dentre outros13
.
Inserida na PNSAN, a CAISAN (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e
Nutricional) é um grande avanço nesse contexto, regulamentada por meio do decreto n o
6273/2007, que determina sua finalidade: a promoção da articulação e da integração dos
órgãos e entidades da administração pública federal afetos à área de segurança alimentar e
nutricional. Atualmente integram a CAISAN todos os 19 ministérios que participam do
6
CONSEA, sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS).
De acordo com a LOSAN cabe à CAISAN: (1) elaborar, a partir das diretrizes
emanadas do CONSEA, a Política e o PLANSAN, indicando diretrizes, metas, fontes de
recursos e instrumentos de acompanhamento, monitoramento e avaliação de sua
implementação; (2) coordenar a execução da Política e do Plano; e (3) articular as
políticas e os planos de suas congêneres estaduais e do Distrito Federal19
.
O PLANSAN 2012-2015 integra dezenas de ações voltadas para a produção, o
fortalecimento da agricultura familiar, o abastecimento alimentar e a promoção da
alimentação saudável e adequada. Por reunir as diversas iniciativas do Governo Federal
com impacto na segurança alimentar e nutricional da população, o Plano consolida-se,
também, como um instrumento de monitoramento das metas para o conjunto de ações
voltadas para a Segurança Alimentar e Nutricional que, sob a coordenação da CAISAN,
permitirão uma análise mais abrangente e intersetorial dos seus resultados. Será o principal
instrumento de planejamento, gestão e execução da PNSAN.
O momento que vivemos agora, e do qual este Plano Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional faz parte, é o da implementação do SISAN, criado por meio da
LOSAN, em 2006. O SISAN foi instituído com os objetivos de formular e implementar
política e planos de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), estimular a integração dos
esforços entre governo e sociedade civil, bem como promover o acompanhamento,
monitoramento e a avaliação da Segurança Alimentar e Nutricional no país13
.
2.3 Desenvolvimento de escalas de avaliação de IA nas famílias
A IA é estimada frequentemente a partir da definição de linhas de pobreza ou
indigência, uma vez que o grau de carência alimentar está diretamente associado com a
renda. Entretanto, é possível encontrar unidades domiciliares com rendimentos situados
abaixo da linha de pobreza e que vivem em segurança alimentar, do mesmo modo que
existem aquelas com rendimentos acima do corte da pobreza que passam por restrição
alimentar quantitativa20
.
A estimativa de segurança alimentar baseada em escalas familiares e em dados
individuais rotineiramente geram maiores estimativas de IA do que as pesquisas a partir de
dados agregados21
. Essa comprovação de que o rendimento domiciliar ou outros
7
indicadores indiretos são insuficientes para identificar populações sob risco de IA, levou ao
desenvolvimento da escala de medida direta da IA22
.
Desde a década de 1990 têm sido desenvolvidos, em âmbito internacional, métodos
e instrumentos cientificamente padronizados para avaliar a SAN das famílias23,24
. É
importante ressaltar que as escalas aplicadas nesses estudos, além de conter variados
números de perguntas, diferem entre si por serem adaptadas às realidades locais25-27
.
Partindo da escala proposta por Radimer et al.28
, Bickel et al.22
(2000)
desenvolveram um novo parâmetro para mensurar a IA. No Brasil procedeu-se uma
adequação deste instrumento, resultando na elaboração e validação da Escala Brasileira de
Insegurança Alimentar – EBIA em 200420
.
Outra adaptação da escala foi desenvolvida por Blumberg et al29
. (1999),
denominada forma curta de seis itens, que foi utilizada em um estudo de IA em Pelotas –
RS23
e em alguns estudos internacionais30-32
.
Estas escalas possuem capacidade de contemplar não apenas a mensuração da
dificuldade de acesso familiar aos alimentos, mas também as dimensões psicológicas e
sociais da IA25
.
A utilização destes instrumentos é de baixo custo e de fácil aplicação. Seu propósito
é medir, diretamente, a percepção de insegurança alimentar e fome em nível domiciliar, o
que possibilita estimar sua prevalência na população. Embora classifiquem um fenômeno
subjetivo, a confiabilidade dos resultados obtidos é alta, basicamente por serem
instrumentos cujos conteúdos e conceitos estão fortemente enraizados na experiência de
vida com IA ou fome25
.
Até pouco tempo, os dados sobre a prevalência de IA no Brasil eram limitados. A
maioria das estimativas baseava-se apenas em indicadores indiretos do processo, tais como
renda, estado nutricional da população33
, produção e disponibilidade de alimentos27
, os
quais são indicadores que se complementam para mensuração da IA. Um indicador direto é
a percepção da IA e da fome nas famílias, que pode ser medida através da EBIA (Anexo
7), que é uma escala composta de quinze perguntas e gera um escore que classifica a
insegurança alimentar domiciliar em três níveis: leve, moderado e grave33
(Quadro 1). Esta
escala foi utilizada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 200420
e
200934
, no Suplemento de Segurança Alimentar. Os dados da PNAD, entretanto, são
fornecidos apenas a nível estadual, não sendo disponibilizadas as informações
municipais33
.
8
Quadro 1. Pontuação da EBIA20,34.
Categorias Com moradores < 18 anos Sem moradores< 18
anos
Segurança 0 0
Insegurança Leve 1- 5 1- 3
Insegurança Moderada 6-10 4- 6
Insegurança Grave 11-15 7- 9
Antes da utilização da EBIA na PNAD, foi realizado um grande estudo de
validação, entre 2003 e 2004, que percorreu etapas qualitativas e quantitativas de
investigação, sendo sua validade estudada e confirmada em cinco regiões do Brasil25,35
. A
mensuração da IA no país é importante pois permite ao governo estimar a prevalência
deste fenômeno, dar cobertura a populações de alto risco com ações específicas, além de
monitorar e avaliar o impacto de programas de combate à fome27
.
2.4 Insegurança Alimentar: conceitos e fatores associados
A situação antagônica à SAN, Insegurança Alimentar, é definida como um
processo contínuo, formado por estágios sequenciais, que na maioria das vezes, inicia-se
como uma preocupação com quantidade de alimentos disponíveis no domicílio para
consumo e pode culminar em restrição alimentar de todos os membros da residência, caso
a situação inicial não seja solucionada25,36,37
.
Nesse âmbito, a qualidade e quantidade da alimentação, ainda que tenda a se
modificar com o avançar da idade, podem ser afetadas por vários fatores, os quais
influenciam na IA38
. O principal fator é a renda, uma vez que a falta de dinheiro repercute
diretamente na capacidade de compra de alimentos, fazendo com que as pessoas adotem
estratégias para maximizar a aquisição de alimentos com o recurso financeiro disponível, o
que pode comprometer a qualidade nutricional das refeições39
.
Atualmente, as pesquisas sobre Insegurança Alimentar se concentram em dois
segmentos: um focado na melhoria da instrumentação e desenvolvimento de métodos para
mensuração e documentação de IA em diversas populações, adaptando escalas de
mensuração à realidade local em diversos países e um segundo segmento de investigação
9
que pesquisa sobre as consequências deste problema, especificamente ao examinar as
associações entre IA e outras variáveis24
.
Em estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA)40
com imigrantes
latinos de baixa renda com diabetes tipo 2 (n = 211), a insegurança alimentar foi relatada
como um fator de risco para depressão (OR ajustado 1,54; IC 95% 1,00; 2,37). Em uma
análise de 2.870 mães de crianças de 3 anos de idade, realizado entre 2001-2003 nos
EUA41
, constatou-se que 71,0% estavam em segurança alimentar, 17% em IA leve e 12%
estavam em IA moderada. O percentual de mães com episódio depressivo ou transtorno de
ansiedade generalizada aumentou com o incremento da IA (leve 16,9%; moderada 21,0% e
grave 30,3%).
Seligman et al.42
, em uma análise nacional de saúde de base populacional nos EUA
(n = 4423 adultos, Nutrition Examination Survey, 1999-2002) constataram que os
participantes com IA grave foram mais propensos a apresentar diabetes do que aqueles em
segurança alimentar (OR 2,1; p = 0,02), observaram que a IA pode atuar como um fator
associado para diabetes, tendo como hipótese para esta associação o fato de que indivíduos
que vivem em domicílios com IA estão mais vulneráveis a reduzir o consumo de frutas e
vegetais, substituindo-os por alimentos mais calóricos como as gorduras (incluindo as
saturadas) e carboidratos refinados e este tipo de dieta tem sido associada ao
desenvolvimento de diabetes.
Outro estudo, realizado na Jordânia32
, onde 78,0% da amostra de 843 pacientes
com diabetes tipo 2 apresentou IA moderada e grave, encontrou associação entre IA e
controle glicêmico inadequado (p = 0,04), sugerindo que a obesidade pode contribuir para
piora da glicemia e que pacientes diabéticos tipo 2 com baixa renda e baixa escolaridade
apresentam atitude negativa em relação à medicação e mensuração da glicemia, piorando
o seu controle. Os autores constataram que aproximadamente 99,0 % dos indivíduos da
amostra em IA diminuíram a quantidade e/ou o volume das refeições para tentar lidar com
a insegurança, o que também desestabiliza o controle glicêmico. O descontrole na glicemia
pode aumentar as complicações do diabetes e isto pode levar a um ciclo em que os
pacientes podem ter encargos financeiros, diminuindo a parcela de capital gasto com
alimentação, aumentando assim a IA.
Dentre os estudos que pesquisam a associação entre a IA com outras variáveis,
muitos tem explorado o paradoxo entre IA e obesidade43-48
, e o número de artigos sobre tal
associação tem aumentado significativamente ao longo dos últimos anos49
. Franklin et al.49
10
em uma revisão sobre IA e obesidade, constataram que os estudos analisados demonstram
associações positivas entre IA e obesidade entre os grupos etários e sexo, sendo que as
mulheres apresentam maior magnitude da associação. No estudo de Velasquez-Melendez
et al.47
em uma população de mulheres brasileiras (n = 10.226), a prevalência de IA foi de
40,9%, sendo 25,5% leve, 10,1% moderada e 5,3% grave, com associação positiva entre
obesidade e IA moderada (IC 95% 1,17–1,90).
Castilo et al.50
, em um revisão de literatura sobre a associação entre IA e doenças
cardiometabólicas, relatam que diabetes, tabagismo, obesidade, inatividade física e padrões
alimentares pouco saudáveis tem maior prevalência em populações com IA, aumentando
assim o risco de doenças cardiovasculares nesse tipo de população.
O tabagismo também é um fator relatado como associado à IA. Em um estudo com
amostra nacionalmente representativa da população dos EUA entre 1999-2002 (National
Health and Nutrition Examination Survey - NHANES), com 8817 famílias com menores de
17 anos, o tabagismo foi independentemente associado com insegurança alimentar e
insegurança alimentar grave em crianças (OR ajustado: 2,0; IC de 95%: 1,5-2,7; e OR
ajustado: 3,1; IC de 95%: 1,4- 6,9, respectivamente) e adultos (OR ajustado: 2,2; IC de
95%: 1,6-3,0 e OR ajustado: 2,3; IC de 95%: 1,4-3,7, respectivamente)51
.
São mencionados na literatura, também, outros fatores associados, como o atraso no
desenvolvimento cognitivo, problemas mentais24
, disfunções psicossociais, perturbações
sociofamiliares8,49
, não-adesão a regimes farmacêuticos52
, hipertensão arterial,
hiperlipidemia e deficiências nutricionais40
.
2.5 Insegurança alimentar em idosos
Os idosos possuem características nutricionais e de saúde distintas das pessoas em
outras faixas etárias, e os fenômenos da IA também são específicos desta população. Ao
analisar de forma aprofundada a experiência de IA vivenciada entre os idosos encontram-
se quatro componentes: quantitativo, qualitativo, psicológico e social53
, trazendo como
consequências a piora de saúde física e mental, da função cognitiva, depressão52
e
ansiedade53
.
A elevada prevalência de desvio nutricional nesta população vem sendo
demonstrada por diferentes estudos, em vários países, onde, a desnutrição, o sobrepeso e a
obesidade predominam. Esses resultados são decorrentes das condições peculiares em que
11
os idosos se encontram, seja no ambiente familiar, vivendo sozinhos, ou em instituições de
longa permanência, agravadas pelas condições socioeconômicas, pelas alterações
fisiológicas inerentes à idade e pela progressiva incapacidade para realizar de forma
independente suas atividades cotidianas54
.
Em estudo realizado nos Estados Unidos55
, são relatados outros fatores
relacionados com IA: baixa escolaridade, participação em programas de assistência
alimentar e isolamento social. Entre os idosos somam-se aos fatores supracitados as
deficiências funcionais (dificuldades de vestir-se, comer, levantar da cama ou cadeira,
preparar comida, se locomover, etc), além de outros problemas de saúde comuns ao
processo de envelhecimento, que podem colaborar para alterar o uso de alimentos (ou seja,
a capacidade de utilizar a comida).
Entre os idosos, a IA está amplamente relacionada a maus resultados nutricionais,
incluindo baixa ingestão calórica, menor número de refeições por dia e ingestão de
alimentos pobres em nutrientes8. Além disso, nesta população a IA está associada a pior
auto-percepção de saúde, um maior comprometimento funcional e menor qualidade de
vida52
.
Outros autores também destacam a pior auto-percepção de saúde como associada à
IA na população idosa56,57
. Em um estudo com amostra de 903 idosos americanos do
estado da Geórgia realizado entre 2008 e 2009, 82,9% dos idosos em IA relataram pior
auto-avaliação de saúde em oposição a 44,8% em SAN (p
12
bilhão de pessoas sofram com a baixa disponibilidade de energia e nutrientes em sua
alimentação21
. Nos EUA, entre os 14,6% dos lares em situação de insegurança alimentar (n
= 17 milhões), cerca de 2 milhões são ocupados por idosos52
.
Em 2004 o Brasil estava com população total de 181.428.807 habitantes e tinha
39,80% da população em IA (18,00 % em IA leve; 14,10% em IA moderada e 7,70% em
IA grave). Quando analisados os dados exclusivos para população idosa esta situação
apresenta melhoras: em 2004 o país possuía população idosa de 12.116.138 pessoas,
destes, 28,13% em IA (12,87% IA leve; 10,66% IA moderada e 4,60% IA grave). Entre os
idosos da região Centro-Oeste (n = 646.827) 26,87% estavam em IA (12,07% IA leve;
10,32% IA moderada e 4,48% IA grave)20
. Segundo Rosa et al.11
, em um trabalho sobre
SAN com dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios de 2004 em domicílios
chefiados por idosos, a prevalência nacional de IA foi de 29,8% (n = 23877), e a da região
Centro-Oeste 28,5% (n = 2092).
No ano de 200934
, a IA atingiu 34,2% dos brasileiros (IA leve 20,9%, IA moderada
7,4% e IA grave 5,3%). Neste mesmo ano, o Brasil possuía uma população idosa de
aproximadamente 21 milhões de pessoas e entre eles 23,9% apresentavam IA (leve 15,1%,
moderada 5,2% e grave 3,6%). No estado do Mato Grosso do Sul, a prevalência de
insegurança moderada/grave entre a população idosa alcançou 7,4%.
Em um estudo sobre prevalência de IA em familías com idosos do município
Campinas – SP, em 2003 (n = 195 famílias), observou-se IA leve em 33,0%, moderada em
11,8% e grave em 7,2% (52,0% de IA)5.
Entre a população idosa, a IA é resultado não só de restrições de recursos
financeiros. Idosos em situação de IA apresentam múltiplos problemas que os impedem de
alcançar bem-estar nutricional. Agravos que afetam a utilização de alimentos,
principalmente as deficiências funcionais, possuem uma relação significativa com a IA,
mesmo depois de controlados para outros fatores, ou seja, o comprometimento funcional
deve ser considerado como componente importante para a SAN nesse grupo
populacional55
. Além disso, as questões como o isolamento social e dificuldades de
transporte podem influenciar negativamente no consumo e aquisição de alimentos entre os
idosos30
.
Entre os adultos maiores de sessenta anos, a falta de autossuficiência alimentar tem
implicações de longo alcance para o gerenciamento de doenças crônicas. Além disso, estes
indivíduos possuem uma carga maior de múltiplas condições crônicas, e a IA nesse grupo
13
traz um aumento do risco do uso inadequado de medicamentos prescritos. Por exemplo,
para idosos com diabetes, falta de recursos econômicos e a diminuição da suficiência
alimentar representa aumento do risco de inadequação nos cuidados com a doença, pior
controle glicêmico e maior utilização dos serviços de saúde60
.
No Brasil, a IA entre os idosos é um assunto pouco estudado, apesar da importância
do tema nesse crescente grupo populacional.
14
3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo geral
Estimar a prevalência de Insegurança Alimentar (IA) e suas possíveis associações
com características demográficas e socioeconômicas, Índice de Massa Corporal (IMC) e
comportamentos relacionados à saúde entre os idosos da cidade de Dourados- MS.
3.2 Objetivos específicos
3.2.1 Estimar a prevalência de IA em seus diferentes níveis de gravidade.
3.2.2 Analisar a prevalência de IA, conforme situação conjugal, idade, sexo, cor da
pele, nível econômico, presença de moradores menores de dezoito anos no domicílio e
escolaridade do chefe da família.
3.2.3 Avaliar a associação entre tabagismo, IMC, auto-percepção de saúde e prática
de atividade física e IA nesta população.
15
4 REFERÊNCIAS
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com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, institui a Política Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, estabelece os parâmetros para a elaboração
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20
5 ANEXOS
21
Anexo 1
Artigo
Título: Insegurança Alimentar e fatores associados em idosos de Dourados, Mato Grosso
do Sul, Brasil.
Food insecurity and associated factors in elderly of Dourados, Mato Grosso do Sul, Brazil.
La inseguridad alimentaria y los factores asociados en ancianos de Dourados, Mato Grosso do Sul,
Brasil.
Autores: Viviane Castilho Justo, Maria Cristina Corrêa de Souza, Graziella Almeida
Andrade Cattanio, Patrícia Karla R. Ferreira, Erica Quintiliano, Janaina dos Santos Motta,
Rosângela da Costa Lima.
Resumo: Estudo transversal realizado com amostra de 1021 idosos em Dourados, estado
de Mato Grosso do Sul, Brasil. Usou-se a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar
(EBIA) e questionário padronizado sobre saúde e situação socioeconômica. Na análise
foram aplicados os testes de Qui-quadrado e regressão de Poisson com variância robusta. A
prevalência de Insegurança Alimentar (IA) foi de 38,4% (IC 95% = 35,4% - 41,3%). As
características associadas à IA na análise bivariada foram: cor da pele preta/parda, baixa
escolaridade do chefe da família, nível econômico C ou D/E, idade de 60- 69 anos,
presença de moradores < de 18 anos, auto-percepção de saúde ruim/muito ruim, tabagismo
e sedentarismo. Obesidade não foi estatisticamente associada. Na análise multivariável,
mantiveram-se associadas à IA as classes econômicas C e D/E e auto-percepção de saúde
ruim/muito ruim. Estas constatações reforçam a importância de se criar políticas e ações de
combate a IA específicas para os idosos.
22
Palavras- chave: Insegurança Alimentar, Idosos, Auto- percepção de saúde, Tabagismo,
Obesidade.
Summary: Cross-sectional study with a sample of 1021 seniors in Dourados, state of Mato Grosso
do Sul, Brazil. It used the Brazilian Food Insecurity Scale (EBIA) and standardized questionnaire
with health and socioeconomic status. In the analysis we applied the chi- square test and Poisson
regression with robust variance. The Food Insecurity (FI) had a prevalence of 38.4 % (95% CI =
35.4 % - 41.3 %). Characteristics associated with FI in the bivariate analysis were: color
black/brown skin, low education of household head, economic level C or D/E, age 60-69 years old,
presence of residents < 18 years, self -perception health poor/very poor, smoking and sedentary
lifestyle. Obesity was not statistically associated. In multivariate analysis, were associated with IA
economic classes C and D E and self - perceived health poor/very poor. These findings reinforce
the importance of creating policies and actions to combat FI specific to the elderly.
Keywords: Food Insecurity, Elderly, Self- perceived health, Smoking, Obesity.
Resumen: Estudio transversal con una muestra de 1.021 ancianos en Dourados, estado de Mato
Grosso do Sul, Brasil. Se utilizó la Escala de Inseguridad Alimentaria Brasileño (EBIA) y un
cuestionario estandarizado sobre la salud y la situación socioeconómica. En el análisis se aplicó la
prueba de chi-cuadrado y la regresión de Poisson con varianza robusta. La Inseguridad Alimentaria
(IA) tuvo una prevalencia de 38,4 % (IC = 35,4 % 95 % - 41,3 %). Características asociadas con IA
en el análisis bivariado fueron: el color negro/marrón de la piel, bajo nivel de educación del jefe del
hogar, nivel económico C o D/E , edad 60 a 69 años, la presencia de los residentes de < 18 años, la
autopercepción salud pobre/mui pobre, el tabaquismo y el sedentarismo. La obesidad no se asoció
estadísticamente. En el análisis multivariado, se asociaron con IA las clases económicas C y D/E y
la salud autopercibida mala/muy mala. Estos resultados refuerzan la importancia de la creación de
políticas y acciones para combatir la IA específico para los ancianos.
Palabras clave: Inseguridad Alimentaria, Anciano, Salud Autopercibida, Tabaquismo, Obesidad.
23
Introdução
Nas últimas décadas, a população brasileira tem apresentado visível alteração na
distribuição etária devido ao decréscimo na taxa de fecundidade e da expansão da
expectativa de vida, o que ocasionou o aumento do número de idosos1. Tal característica de
transição demográfica mostra a importância de investigações sobre a situação de saúde e
nutrição desta parcela populacional.
Os idosos possuem características nutricionais e de saúde distintas das pessoas em
outras faixas etárias, e os fenômenos da Insegurança Alimentar (IA) também são distintos
nessa população. Ao analisar de forma aprofundada a experiência de IA vivenciada entre
os idosos encontram-se quatro componentes: quantitativo, qualitativo, psicológico e social.
O conceito de IA nessa faixa etária pode incluir a incapacidade de usar os alimentos,
devido a deficiências funcionais e problemas de saúde, bem como problemas com a
acessibilidade e a disponibilidade de alimentos2. Nos idosos, a Insegurança Alimentar está
relacionada a maus resultados nutricionais, incluindo baixa ingestão calórica, menor
número de refeições por dia e ingestão de alimentos pobres em nutrientes3. Além disso,
nessa população a IA está associada ao auto-relato de má saúde, um maior
comprometimento funcional, menor qualidade de vida, piora de saúde física e mental, da
função cognitiva, depressão4 e ansiedade
2.
O aumento da proporção de idosos no Brasil foi acompanhado por um declínio da
IA. Em 2004, o país possuía população idosa de 12.116.138 pessoas, destes, 28,13% em IA
(12,87% IA leve; 10,66% IA moderada e 4,60% IA grave). Entre os idosos da região
Centro-Oeste (n = 646.827) 26,87% estavam em IA (12,07% IA leve; 10,32% IA
moderada e 4,48% IA grave)5. Já no ano de 2009, o país possuía população idosa de
aproximadamente 21 milhões de pessoas e entre eles, 23,9% apresentavam IA (leve 15,1%;
moderada 5,2% e grave 3,6%)6.
Segundo a definição da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional
(LOSAN)7, a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é a garantia do direito ao acesso
regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas
alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam
ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
24
Compete a todos evitar que ocorram ameaças ou violação ao Direito Humano a
Alimentação Adequada (DHAA), no entanto, cabe ao estado garantir esse direito aos
cidadãos brasileiros, e no caso dos indivíduos maiores de 60 anos, tal prerrogativa é
garantida também no estatuto do idoso8. Com base nessa concepção, nos últimos anos, o
Brasil vem desenvolvendo políticas públicas voltadas ao combate da IA, ao mesmo passo
que vem aumentando o número de estudos sobre o tema em várias configurações
populacionais, abordando o seu diagnóstico, bem como seus determinantes e
consequências para a saúde.
Em âmbito internacional, desde a década de 1990 têm sido desenvolvidos métodos
e instrumentos cientificamente padronizados para avaliar a SAN das famílias9,10
. O
processo de adaptação do método no Brasil resultou na elaboração e validação da Escala
Brasileira de Insegurança Alimentar – EBIA11,12
, a qual é resultado de uma adaptação da
escala do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos13
e esta última derivou da
escala proposta por Radimer et al.14
.
A EBIA é uma metodologia subjetiva que avalia a sensação e reação das famílias
face à experiência, expectativa ou possibilidade de insuficiência alimentar, podendo variar
de situações leves (preocupação de que possa vir a faltar comida) até graves (ausência de
alimentos, fome).
Sabe-se que os efeitos adversos da IA são, mais severos em crianças, mulheres e
idosos15
, o que justifica a realização de estudos sobre o tema nessas populações. Porém, no
Brasil particularmente, existem poucas investigações realizadas sobre a IA em idosos.
Nessa perspectiva, analisamos aqui a prevalência de Insegurança Alimentar e suas
associações com fatores sociodemográficos e de saúde em idosos em Dourados, MS.
Métodos
Estudo transversal realizado na zona urbana do município de Dourados, MS com
população constituída por indivíduos de ambos os sexos, com idade superior a 60 anos.
Foi utilizada amostragem por conglomerado em dois estágios, utilizando-se para definição
do primeiro estágio, a grade de setores censitários da zona urbana do município de
25
Dourados conforme Censo Demográfico de 2010 e os domicílios como estágio
secundário16
.
A coleta foi realizada por duplas de entrevistadoras devidamente treinadas e
supervisionadas pelas pesquisadoras do projeto. Os dados foram obtidos através de
entrevistas com questionário estruturado e avaliação antropométrica. Foram coletadas
informações relativas ao estado civil (casado, união estável, solteiro, viúvo, separado), cor
da pele (branca, amarela, preta, parda), sexo (masculino e feminino), escolaridade do chefe
da família (0-3,4-7, ≥8 anos), nível econômico segundo a ABEP17
(A, B, C, D,E), idade
(60-69,70-79, ≥80 anos), presença de moradores menores de 18 anos no domicílio (sim,
não), auto-percepção de saúde (excelente, muito boa, boa, ruim, muito ruim), tabagismo
(sim, não), prática de exercício físico (sim, não). Excluiu-se da pesquisa pessoas
institucionalizadas e indígenas.
Os cálculos de amostra foram elaborados com a ferramenta Statcalc do software
Epi info, versão 7.1.2, utilizando-se como parâmetro uma prevalência estimada de 30,0%5
(precisão de 5% e nível de confiança de 95%), com ajuste para efeito do delineamento da
amostragem por conglomerados de 1,2 e acréscimo de 10,0% para perdas e de 15% para
controle dos fatores de confusão, resultando numa amostra de 481 indivíduos. Entretanto,
como este trabalho está inserido em uma pesquisa maior intitulada “A saúde dos idosos em
Dourados-MS”16
, a amostra final foi de 1010 indivíduos.
Para mensuração da IA utilizou-se a EBIA5,6
. Nessa escala, cada resposta
afirmativa gera um ponto e sua somatória fornece um escore que classifica a IA em 3
níveis: leve, moderado e grave, abordando a percepção da família referente aos três meses
antecedentes à pesquisa. Estes níveis vão desde a preocupação com a falta de alimentos no
domicílio até a situação de um morador passar um dia inteiro sem ingerir alimentos.
Para o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC: peso/ altura2), foi mensurado o
peso utilizando uma balança eletrônica portátil da marca G-tech, com sensibilidade de 50 g
e capacidade para 150 Kg. Para obter a altura foi utilizado estadiômetro portátil da marca
Welmy, de escala antropométrica litografada com intervalo de 5 mm. As mensurações
foram realizadas com os indivíduos usando roupas leves, sem sapatos, em pé e em plano de
Frankfort para medição de altura. A avaliação do IMC foi feita utilizando os pontos de
corte estabelecidos para idosos pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) no
projeto Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE)18
.
26
Após a revisão dos questionários, as informações foram codificadas e digitadas em
duplicata utilizando o programa EPI DATA versão 3.0. A análise dos dados foi realizada
com o software SPSS 21.0. Foram calculadas as frequências e para a identificação das
diferenças entre as proporções foi utilizado o teste de qui-quadrado de Pearson. Todas as
associações com p
27
Na avaliação dos indivíduos por sexo, o maior percentual de IA foi registrado entre
o sexo feminino (39,7% contra 36,6%), fato que também ocorreu ao analisar somente
Insegurança Alimentar Média e Grave (IAMG). A condição de o idoso ser solteiro, viúvo
ou separado também seguiu tendência semelhante (40,0% contra 36,6%). Os indivíduos
que residiam em domicílios onde havia presença de morador menor de dezoito anos
apresentaram 1,26 vezes mais IA que os que residiam onde só havia moradores adultos.
Porém estas variáveis não se apresentaram estatisticamente associadas à variável
dependente (Tabela 2).
Ao analisar somente os idosos que estavam em IA leve, os que residiam com
menores de dezoito anos apresentaram 46,0% mais IA leve do que os idosos que moravam
em casas sem menores de idade (p = 0,012) (Tabela 3).
Os idosos que declararam cor da pele preta ou parda apresentaram 88,0% mais
IAMG do que o grupo de cor branca ou amarela (p < 0,0001). Ao comparar a IA entre as
três categorias de escolaridade do chefe, de idade do idoso e de nível econômico, nota-se
uma tendência decrescente da IA inversamente proporcional ao aumento da escolaridade
do chefe, ao aumento da idade e do nível econômico, sendo que estas três associações
apresentaram-se estatisticamente significantes.
A auto-percepção de saúde ruim ou muito ruim (Tabela 2) foi mais prevalente no
grupo com IA (1,37 vezes; p < 0,001), chegando a ser 80,0% maior levando-se em
consideração somente os idosos em IAMG (p < 0,001). Os indivíduos que não praticavam
exercício físico e que eram tabagistas apresentaram maior prevalência de IA (22,0% e
43,0% mais IA, respectivamente). Em relação ao IMC, a prevalência de IA foi maior no
grupo com sobrepeso, seguido pelo grupo de desnutridos, porém sem associação
estatisticamente significante.
As categorias das variáveis independentes sócio-demográficas associadas a IA na
análise bruta foram: cor da pele preta ou parda (38,0% mais IA que os brancos/amarelos, p
< 0,001; IC 95% 1,19-1,61); escolaridade do chefe de família de 4 a 7 anos, que
apresentou IA 61,0% maior que o grupo com 8 anos ou mais de estudo ( p < 0,001; IC
95% 1,22-2,13); a idade de 60 a 69 anos, que apresentou 1,42 vezes mais insegurança (p =
0,007; IC 95% 1,10-1,82); presença de moradores menores de dezoito anos no domicílio
(p = 0,04; IC 95% 1,01-1,60) e nível econômico ABEP classe C (prevalência 102,0%
maior do que a A/B; p < 0,0001; IC 95% 1,40-2,91) e classe D/E (2,61 vezes mais IA; p <
0,0001; IC 95% 1,76-3,85) (Tabela 3).
28
Tabela 1
Distribuição das características socio- demográficas e de saúde de uma amostra
populacional de idosos . Dourados, Mato Grosso do Sul, 2012.
Características (n= 1022)
n
%
Sexo
Masculino 432 42,3
Feminino 590 57,7
Estado civil
Casado/união estável 573 56,1
Solteiro/viúvo/separado 449 43,9
Cor da pele
Branca/amarela 565 55,3
Preta/Parda 457 44,7
Escolaridade do chefe da família (anos)
0 - 3 478 46,8
4 - 7 280 27,4
≥ 8 264 25,8
Nível econômico (ABEP)
A/B 250 24,5
C 515 50,4
D/E 257 25,1
Idade (anos)
60 - 69 571 55,9
70 - 79 286 28,0
≥ 80 165 16,1
Presença de moradores
29
Tabela 2
Prevalência de Insegurança Alimentar segundo as categorias das variáveis independentes socioeconômicas e demográficas
em uma amostra populacional de idosos. Dourados, Mato Grosso do Sul, 2012.
Variáveis
IAL
IAMG
IA
n % n % p valor* n % p valor*
Sexo 0,362 0,316
Masculino 110 25,5 48 11,1 158 36,6
Feminino 151 25,6 83 14,1 234 39,7
Estado civil 0,225 0,162
Casado/união estável 144 25,2 65 11,4 209 36,6
Solteiro/Viúvo/Separado 117 26,1 66 14,7 183 40,0
Cor da pele 0,0001 0,0001
Branca/amarela 133 23,6 52 9,2 185 32,8
Preta/Parda 128 28,0 79 17,3 207 45,3
Escolaridade do chefe da família
(anos)
0,0001 0,0001
0- 3 134 28,0 82 17,2 216 45,2
4- 7 71 25,4 31 11,1 102 36,5
8 56 21,3 18 6,8 74 28,1
Nível econômico (ABEP) 0,0001 0,0001
A/B 39 15,7 11 4,4 50 20,1
C 149 28,9 59 11,5 208 40,4
D/E 73 28,4 61 23,7 134 52,1
Idade (anos) 0,005 0,003
60 - 69 171 30,0 74 13,0 245 43,0
70 - 79 59 20,6 38 13,3 97 33,9
80 31 18,8 19 11,5 50 30,3
Presença de moradores
30
Tabela 3
Análise bruta e ajustada por Regressão de Poisson com variância robusta para Insegurança Alimentar e fatores associados em uma
amostra populacional de idosos. Dourados, Mato Grosso do Sul, 2012.
Variáveisa IA Análise Bruta Análise Ajustada
n % RP (IC95%) p valor RP (IC 95%) p valor
Estado civil
Casado/união estável 209 36,6 1 - - -
Solteiro/viúvo/separado 183 40,0 0,99 (0,97-1,00) 0,17 0,99 (0,98-1,00) 0,46
Cor da pele
Branca/amarela 185 32,8 1 - - -
Preta/parda 207 45,3 1,38 (1,19-1,61) 0,001 1,16 (1,00-1,35) 0,05
Escolaridade do chefe da família (anos)
0- 3 216 45,2 1,29 (0,94-1,79) 0,11 0,91 (0,64-1,30) 0,61
4- 7 102 36,5 1,61 (1,22-2,13) 0,001 0,96 (0,68-1,36) 0,82
8 74 28,1 1 - - -
Nível econômico (ABEP)
A/B 50 20,1 1 - - -
C 208 40,4 2,02 (1,40-2,91) 0,0001 1,86 (1,29-2,68) 0,001
D/E 134 52,1 2,61 (1,76-3,85) 0,0001 2,42 (1,62-3,64) 0,001
Idade (anos)
60 - 69 245 43,0 1,42 (1,10-1,82) 0,007 1,33 (0,96-1,82) 0,08
70 - 79 97 33,9 1,12 (0,84-1,48) 0,434 0,95 (0,67-1,35) 0,78
80 50 30,3 1 - - -
Presença de moradores
31
Nacionalmente, o tema insegurança alimentar é mais amplamente discutido em
jovens, adultos e crianças. Resta então, um hiato no discernimento sobre o tema entre os
idosos, população esta que entre 2001 e 2011 teve crescimento marcante, passando de 15,5
milhões para 23,5 milhões de pessoas, correspondendo a 12,1% da população brasileira e
que continuará a se elevar acintosamente em número e proporção ao longo deste século19
.
O presente estudo mostrou uma prevalência de IA de 38,4%. Outros estudos sobre
IA em idosos revelaram prevalências que variaram de 2,0% a 52,0%. Em New South
Wales na Austrália20
foi realizada uma pesquisa com 8881 indivíduos e apenas 1,9%
relataram IA. Apesar dessa amostra australiana ter sido aleatória, o estudo procurou
identificar apenas as experiências de insegurança alimentar diretamente atribuível às
finanças inadequadas, fatos que podem subestimar a real prevalência de IA21
. Simsek et
al.22
, no Distrito de Balcova, Turquia (n = 650), encontraram uma prevalência de 21,7%
de IA. Nos Estados Unidos em estudo realizado por Bhargava et al.23
, a prevalência de IA
foi de e 50,4%, porém esta amostra foi constituída por idosos vulneráveis que participam
de programas sociais de distribuição de refeições.
No Brasil, em um trabalho de Marín-León et al.24
realizado em famílias com > de
65 anos em Campinas (n = 195), revelou uma prevalência de IA de 52,0%. Este resultado
foi superior à prevalência encontrada na presente pesquisa, entretanto, os autores relatam
que em Campinas não se utilizou o critério da idade no plano amostral. O cálculo de
amostra foi realizado para domicílios com indivíduos de qualquer idade, sendo feito um
recorte selecionando os domicílios com idosos a posteriori a partir do banco de dados, o
que pode ter influenciado a prevalência observada.
Nos estudos sobre desigualdades sociais a cor da pele tem sido utilizada apontando
prevalências sempre mais elevadas em pretos/pardos, tal como reflexo histórico das
condições econômicas e sociais adversas que estas populações enfrentam25
. No presente
estudo, maiores percentuais de insegurança alimentar também são visualizados em idosos
de raça negra/parda (45,3%), quando comparados aos brancos ou amarelos (32,8%).
Segundo dados do PNAD 20096, cor ou raça dos brasileiros apresentou impactos
diferenciados na prevalência de IA. Do total de 97,8 milhões de indivíduos pretos ou
pardos, 43,4% estavam em situação de IA e entre os brancos (92,4 milhões), a prevalência
de IA foi de 24,6%. No Brasil, a disparidade dos indicadores sociais por raça/cor tem
demonstrado prevalências mais elevadas pretos/pardos de baixa escolaridade25
, o que
32
corrobora para a explicação de uma maior ocorrência de insegurança alimentar em
indivíduos de cor negra ou parda.
A escolaridade do responsável pelo domicílio é um fator importante na
determinação da situação de segurança alimentar em que se encontram os moradores6.
Neste estudo, os idosos que residiam em moradias cujo chefe de família tinha escolaridade
entre 4-7 anos apresentaram, na análise bruta, 61,0% mais IA do que o grupo com
escolaridade ≥ 8 anos (p < 0,001, IC 95% 1,22-2,13). A insuficiência de recursos
financeiros seria o fator mais importante na determinação de IA24
. Um maior nível
educacional confere maior prestígio para o chefe de família dentro da sua comunidade e
aumenta as chances de conseguir emprego com melhor remuneração.
Um índice composto pela posse de bens de consumo duráveis, agregado à
escolaridade da pessoa de referência é utilizado como indicador de condição
socioeconômica, permitindo distribuir a população em níveis econômicos. Em acordo com
critério da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas - ABEP17
, esta pesquisa encontrou
na análise ajustada, prevalência de 1,86 vezes mais IA na classe C (p< 0,001; IC 95% 1,29-
2,68) e 2,42 vezes mais IA na classe D/E (p < 0,001; IC 95% 1,62-3,64) quando
comparadas ao nível econômico A/B. A escolaridade do responsável pelo domicílio é um
importante indicador para definição das condições financeiras das famílias e a menor posse
de bens (decorrente de pior condição econômica) identifica a população mais vulnerável à
insegurança alimentar27
.
Conforme aumenta a idade, se elevam, também, as proporções daqueles que viviam
em domicílios em segurança alimentar, ou seja, quanto mais jovem o indivíduo, maiores
são as prevalências de IA. No presente estudo, a prevalência encontrada nos estratos de
idade também reforça esta afirmativa com 43,0%; 33,9% e 30,3% de IA respectivamente
entre os 60-69 anos, 70-79 e ≥80 anos (análise bruta). Tal constatação está em acordo aos
resultados encontrados no estudo australiano de Temple28
(porém com categorização das
faixas de idade diferentes), onde os indivíduos com idade entre 55-64 anos apresentavam
as maiores prevalências de insegurança alimentar, 4,52% em comparação com cerca de
1,67% para aqueles com idade de 65-74 e apenas 1,13% para as pessoas com 75 anos ou
mais (p < 0,001). Outra pesquisa que demonstrou resultados semelhantes foi a realizada
por Bhargava et al.23
, onde os idosos entre 65-74 anos apresentaram 4,4 vezes mais IA e o
grupo entre 74-84 anos apresentou 2,85 vezes mais IA que a referência ( ≥ 85 anos).
33
O aumento da idade está associado ao apetite reduzido, assim, se a quantidade de
alimentos requerida é menor é menos provável que a IA aumente. Outra possibilidade é
que aqueles que conseguiram chegar até a idade avançada sem necessitar de cuidados
institucionais, provavelmente possuem família, vizinho, voluntário, amigos ou outras
fontes de cuidados e assistência, que agem como uma proteção contra a IA20
. Uma nova
hipótese seria que a SAN proporcionaria um melhor estado de saúde, com consequente
aumento da longevidade e que a IA, por outro lado, favoreceria uma morte mais precoce.
A IA no Brasil e em outros países apresenta associação com a composição da
unidade domiciliar, observando-se prevalência maior de insegurança alimentar nos
domicílios em que residiam menores de 18 anos de idade em comparação a domicílios em
que todos os moradores eram adultos5,6
. O presente trabalho demonstrou na análise bruta
27,0% mais IA entre os idosos que residiam em domicílios com menores de dezoito anos
(p = 0,04). No ano de 2009, as residências com menores de idade no Centro-Oeste
apresentaram 1,47 vezes mais IA6. Em estudo realizado em Toledo, Paraná
29, as famílias
com moradores menores de dezoito anos demonstraram 67,0% mais IA (n= 421,
prevalências de IA: com < de 18 = 76,3%, sem < de 18 = 45,8%, p = 0,0017), entretanto
estas prevalências mais elevadas de IA devem-se ao fato de que esse trabalho foi realizado
entre beneficiários de programas de transferência de renda. Apesar desses estudos terem
sido realizados em adultos e não exclusivamente com maiores de sessenta anos, em virtude
da escassez de pesquisas com variáveis independentes semelhantes entre a população
idosa, corrobora-se o fato de que a presença de morador menor de 18 anos no domicílio
representa maiores despesas em alimentação e outros itens, contribuindo para a elevação
da IA24
.
Já a relação entre a auto-percepção de saúde ruim/muito ruim e a IA é bem relatada
entre a população idosa4, 20, 23
. Relatada, mas não explicada. Entre os idosos de Dourados, a
insegurança alimentar foi 1,31 vezes maior entre os indivíduos que declararam ter saúde
ruim/muito ruim em relação ao grupo excelente/muito boa/boa na análise ajustada (IC
95%: 1,11 - 1,53). A tendência positiva na proporção de idosos relatando IA conforme a
declaração de auto-percepção de saúde ruim/muito ruim foi estatisticamente significativa
(p < 0,0001) no estudo de Quine e Morel20
e no trabalho de Temple28
. Esse último,
encontrou entre os idosos em IA uma auto-percepção de saúde ruim/muito ruim em 54,8%
contra 45,2% em excelente/muito boa/boa. A saúde auto-percebida como ruim tende a
aumentar as taxas de morbidade e mortalidade, a limitação física e os problemas
34
psicológicos30
. Tal associação pode ser explicada pela falta de apoio social com
consequente desigualdade de oportunidades e diminuição da renda levando à IA, a qual
provocaria uma diminuição da auto-estima e aumento de stress, que influenciaria o
indivíduo a auto-perceber sua saúde como ruim/muito ruim. Outra hipótese, seria que
devido a doenças crônicas inerentes ao envelhecimento haveria além do relato de saúde
pior, um maior gasto com medicamentos e outros cuidados, que poderiam diminuir o
capital destinado a compra de alimentos, influenciando, assim, o surgimento ou aumento
da IA. Tal associação entre IA e auto-percepção de saúde ruim/muito ruim surgiria de uma
inter-relação de aspectos sociais, psicológicos, biológicos e econômicos.
O tabagismo também é um fator relatado como associado à IA em muitos
estudos31,32
realizados em várias configurações amostrais referentes a grupos etários,
porém não com idosos exclusivamente. Nesta pesquisa, o tabagismo esteve
estatisticamente associado à IA (análise bruta), apresentando 43,0% mais IA nos idosos
fumantes (IC 95% 1,16-1,76). Em estudo realizado em adultos nos EUA (n = 12.191)33
,
observou-se 2,06 vezes mais IA entre fumantes passivos e 3,06 vezes mais insegurança
alimentar entre os fumantes ativos em comparação ao grupo de não-fumantes. Os
tabagistas parecem destinar parte de seus recursos para o cigarro em vez de alimentos,
colocando em risco seu status de segurança alimentar33,34
.
Castillo et al. (2012)34
referem que famílias em IA tem como característica baixos
níveis de atividade física. A relação entre prática de exercícios físicos e IA em pesquisas é
exígua, sendo diminutamente descrita. No presente estudo observou-se que 65,0% dos
idosos não praticavam atividade física e a prevalência de IA foi 22,0% maior nestes
indivíduos (análise bruta, p = 0,04). Esta associação provém do fato de que a IA tem o
efeito de piorar a saúde física e psicológica do idoso, tornando-o menos motivado à prática
de exercícios. O sedentarismo causa uma piora da qualidade de vida, diminui a
flexibilidade, coordenação, equilíbrio e força muscular35
, além de facilitar o
desenvolvimento de doenças crônicas que prejudicam o decurso do envelhecimento,
porém, mais que a doença crônica é o desuso das funções fisiológicas que pode causar
mais problemas36
.
O número de publicações que exploram o paradoxo entre IA e obesidade tem
aumentado significativamente ao longo dos últimos anos, indicando a magnitude deste
problema37
. Porém, os estudos investigando a associação entre IA em idosos e obesidade,
desnutrição ou IMC são escassos. Os alimentos altamente energéticos (ricos em gordura e
35
açúcar) são muitas vezes mais baratos do que alimentos mais saudáveis (frutas, verduras e
alimentos integrais), o que pode contribuir para o aumento de peso entre a população em
IA, e também, a IA está associada à consequências psicológicas como ansiedade e
depressão, as quais podem contribuir para a obesidade38
.
Pam et al.38
, realizaram um estudo sobre a associação entre IA e obesidade em doze
estados americanos, com amostra de 14.754 indivíduos ≥ 70 anos, e entre estes, a
obesidade foi mais prevalente entre os idosos que estavam em IA (28,7%) contra 18,2%
entre os que estavam em segurança alimentar (p < 0,0001). Neste estudo, não houve
associação entre IA e obesidade (p = 0,552), apesar dessa associação ser comumente
encontrada em estudos sobre esta temática. Trata-se, portanto, de um resultado peculiar,
que pode ter sido obtido devido a este estudo ter utilizado pontos de corte para idade e
IMC diferentes dos estudos americanos. Outra hipótese seria que os EUA iniciaram seu
processo de transição epidemiológica antes do Brasil, sendo que lá a prevalência de
obesidade é maior. Entre os idosos brasileiros, 19,0% são obesos39
e nos EUA a obesidade
atinge aproximadamente 35,0% dos idosos40
.
Considerações finais
Os idosos possuem características diversas das pessoas em outras faixas etárias e os
fenômenos da IA também são distintos nesse grupo etário. A associação entre
sobrepeso/obesidade e IA relatada em outras faixas de idade e até mesmo em idosos em
outros países não foi constatada nesta população e tal peculiaridade incomum reforça
também diferenças entre esta população de idosos e populações idosas de outros países.
Constata-se que a prevalência de IA é alta e que os idosos com menor nível
econômico e com auto-percepção de saúde ruim/muito ruim possuem maior IA. Tais
associações, com uma variável social e outra variável que afeta a saúde direta ou
indiretamente, nos leva a compreender a importância da IA como uma questão não só
social, mas também de saúde coletiva.
Portanto, este estudo poderá fornecer subsídios para o desenvolvimento e o
aperfeiçoamento de políticas sociais específicas para combater a IA entre os idosos,
36
melhorando, assim, as condições e perspectivas de vida dessa população. Tal melhoria é
essencial para a garantia do direito humano à alimentação adequada para esta parcela
populacional, que só será efetivada com o compromisso da gestão pública.
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