View
3
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Henrique Modanez de Sant‟Anna
ENTRE REIS TIRANOS E GENERAIS IMITATIO
ALEXANDRI E DISPOSITIVOS TAacuteTICOS NO OCIDENTE
HELENIacuteSTICO 323-255 AC
Tese de Doutorado
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria
Universidade de Brasiacutelia
Orientador Prof Dr Vicente Dobroruka
Brasiacutelia janeiro de 2011
Livros Graacutetis
httpwwwlivrosgratiscombr
Milhares de livros graacutetis para download
IN MEMORIAM PATRIS MEI (1938-2009)
iv
Haacute somente duas fontes das quais qualquer vantagem pode ser
retirada os nossos proacuteprios infortuacutenios e aqueles de
outros homens
Poliacutebio 135
v
RESUMO
A histoacuteria poliacutetica do mundo heleniacutestico natildeo era
formada unicamente por comandantes secircniores do exeacutercito de
Alexandre o Grande sob os Diaacutedocos contava-se uma seacuterie
de ex-oficiais de poder menor ou aventureiros que
desempenhavam funccedilotildees importantes em regiotildees controladas
pelos ex-generais do rei macedocircnico ou mesmo em territoacuterios
que natildeo haviam sido previamente subjugados Juntamente com
os Diaacutedocos tais comandantes de poder menor moldaram a
poliacutetica do mundo heleniacutestico e transformaram de maneira
relevante a sociedade na qual estavam inseridos
contribuindo para a formaccedilatildeo da imitatio Alexandri e de seu
impacto na arte da guerra do periacuteodo heleniacutestico Este era
o caso de Agaacutetocles de Siracusa e em seguida Pirro do
Epiro (com poder obviamente maior que o de Agaacutetocles) que
a despeito das diferenccedilas na esfera de poder e do viacutenculo
com Alexandre tiveram papel fundamental na concretizaccedilatildeo
das inovaccedilotildees poliacuteticas e militares no ocidente
heleniacutestico
Esta tese de doutorado apresenta duas hipoacuteteses em
primeiro lugar que a monarquia de Agaacutetocles era de
natureza ldquoheleniacutesticardquo e que essa ldquoinovaccedilatildeordquo poliacutetica se
dirigiu agraves suas tropas mercenaacuterias e natildeo agrave cidade de
Siracusa onde sua magistratura compulsoacuteria era uma simples
formalidade em segundo lugar que a expediccedilatildeo africana de
Agaacutetocles e a experiecircncia militar de Pirro na Magna Greacutecia
e na Siciacutelia provocaram inovaccedilotildees militares em Cartago
primeiramente em niacutevel estrateacutegico e em seguida jaacute na
invasatildeo africana liderada pelos romanos em niacutevel taacutetico
Tais inovaccedilotildees por fim teriam transformado o exeacutercito
cartaginecircs numa autecircntica arma heleniacutestica
vi
ABSTRACT
The political history of the Hellenistic world was not
composed only of the senior commanders of Alexander the
Great under the Diadochi both a number of his minor
officers and adventurers played important roles They were
active both in territories ruled by former generals of
Alexander and even in territories which had not been
subdued by the Macedonian King With the Diadochi such
commanders with minor power molded the politics of the
Hellenistic world and shaped their society thus
contributing to the imitatio Alexandri as well as to its
impact on the art of war in Hellenistic period This was
the case of Agathocles of Syracuse and after him Pyrrhos
of Epirus both fundamental to the concretization of
political and military innovations in the western
Hellenistic world despite their differences in power and
their connection with Alexander
This DPhil thesis presents two hypotheses First of
all Agathocles‟ monarchy was of ldquoHellenisticrdquo nature and
such political ldquoinnovationrdquo was proposed to his mercenary
troops instead of the city of Syracuse where his power was
a mere formality Secondly the African expedition led by
Agathocles and the military experience of Pyrrhos in Magna
Graecia and Sicily fomented military innovations in
Carthage These innovations were in the first place at
the logistical level and after that during the African
invasion led by the Romans at the tactical level Such
innovations in the end would have changed the
Carthaginian army into an authentic Hellenistic weapon
vii
AGRADECIMENTOS
Primeiramente os agradecimentos de ordem
institucional Ao Professor Vicente Dobroruka pela
confianccedila inabalaacutevel e por toda dedicaccedilatildeo Ao Professor
Erich Gruen pelo comprometimento com o trabalho de co-
orientaccedilatildeo realizado em agradaacuteveis reuniotildees ao longo do
meu estaacutegio em Berkeley Aos Professores Celso Fonseca
Maria Filomena Carmen Liacutecia e Anderson Vargas por todas
as criacuteticas conselhos e auxiacutelio com o aprimoramento da
pesquisa Aos funcionaacuterios do PPGHIS da UnB e agrave coordenaccedilatildeo
do Programa pela seriedade com que trataram as minhas
frequumlentes solicitaccedilotildees Ao Projeto de Estudos Judaico-
Heleniacutesticos por tudo que ele representa na academia
brasileira Aos financiadores da minha pesquisa
nomeadamente CNPq (bolsa de doutorado no paiacutes) e Capes
(bolsa de doutorado no paiacutes com estaacutegio no exterior) por
terem me dado suporte financeiro em todo o doutoramento
Aos funcionaacuterios colegas e amigos que tive o prazer de
conhecer na Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra Aos funcionaacuterios e
colegas da Universidade da Califoacuternia Berkeley pela
receptividade e paciecircncia com o meu sotaque Aos
Professores Angelos Chaniotis Joe Manning Joatildeo Gouveia
Monteiro Delfim Leatildeo Barry Strauss e Gianluca
Tagliamonte pelos conselhos declaraccedilotildees e cartas de
recomendaccedilatildeo escritas
Por fim os agradecimentos pessoais Aos meus pais por
toda educaccedilatildeo que me deram Espero que eu tenha a essa
altura os deixado orgulhosos de alguma forma Agrave Carolina
my Bride to be por todo suporte emocional em momentos
difiacuteceis principalmente com o falecimento do meu pai Aos
meus amigos Neyller e Fabiacuteola que satildeo tambeacutem parte da
minha famiacutelia e ao meu afilhado Iacutecaro Aos outros amigos
colegas de profissatildeo ou das mais diversas origens luacutedicas
viii
SUMAacuteRIO
Agradecimentos vii
Abreviaturas xi
Lista de figuras xiv
Mapas xv
Introduccedilatildeo 17
Capiacutetulo 1 ndash Novas taacuteticas outra guerra as ldquoinovaccedilotildees
tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe II e Alexandre 27
1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra 29
2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre
transformaram a guerra grega 38
21 A infantaria macedocircnica 38
211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi 40
212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa 44
22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo 48
Capiacutetulo 2 ndash Os desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no
tempo dos Diaacutedocos 53
1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e os tipos
de mercenaacuterio 53
11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica
53
12 Mercenariato basileia e doriktetos chora 60
2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos 64
21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi 66
22 Os elefantes de combate 70
3 As Guerras dos Diaacutedocos 75
31 Eumenes versus Craacutetero 75
ix
32 Antiacutegono versus Eumenes 77
33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e
Lisiacutemaco 86
Capiacutetulo 3 ndash Poder monaacuterquico e arte da guerra na Magna
Greacutecia e na Siciacutelia heleniacutestica 89
1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia heleniacutestica 89
2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo poliacutetica da
morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro 101
3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica 105
4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em campo de
batalha 111
41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles 111
411 O exeacutercito de Agaacutetocles 115
412 Agaacutetocles general como Alexandre 117
42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro 123
421 O exeacutercito de Pirro 125
422 O exeacutercito republicano romano 127
423 A batalha de Heracleia (280 aC) 132
424 A batalha de Aacutesculo (279 aC) 137
Capiacutetulo 4 ndash As duas fases das inovaccedilotildees militares em
Cartago 141
1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo controle
oligaacuterquico e fracasso da tirania em Cartago 310-255
aC 141
2 O exeacutercito cartaginecircs 155
3 As primeiras inovaccedilotildees militares em Cartago
heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave ameaccedila
grega 310-307 aC 161
x
4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no periacuteodo
preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica frente agrave ameaccedila
romana 255 aC 168
41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC 168
411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa
contra os romanos 168
412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a
Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana
de Reacutegulo 256-255 aC 182
413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico
heleniacutestico 255 aC 187
Conclusatildeo 194
Bibliografia 199
Anexos 212
Anexo 1 ndash Uma cronologia do mundo heleniacutestico 323-241
aC 212
Anexo 2 Figuras 216
xi
ABREVIATURAS
AALG ndash MILNS Robert ldquoThe Army of Alexander the Greatrdquo in
REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique
Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve
Fondation Hardt 1976 pp87-136
AHR - The American Historical Review
AJA - American Journal of Archaeology
ALG1 - TARN William W Alexander the Great Cambridge
Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1
ALG2 ndash TARN William W Alexander the Great Cambridge
Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1
Apiano ndash Apiano Guerras Estrangeiras
Arist Pol ndash Aristoacuteteles Poliacutetica
Arr Anab ndash Arriano Anaacutebasis de Alexandre Magno
Austin AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander
to the Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in
Translation Cambridge MA Cambridge University Press
2008
CA ndash Classical Antiquity
Chaniotis WHW CHANIOTIS Angelos War in the Hellenistic
World Malden Oxford Blackwell 2005
Consolo Langher - Sebastiana Consolo Langher Agathocle Da
capoparte a monarca fondatore di un regno tra Cartgagine
e i Diadochi Messina Pelorias 2000
CQ ndash Classical Quarterly
Cuacutercio ndash Quinto Cuacutercio Histoacuteria de Alexandre Magno
Daly ndash DALY Gregory Cannae the experience of battle in
the Second Punic War London New York Routledge 2002
Diod ndash Diodoro Biblioteca Histoacuterica
Caacutessio Dio ndash Caacutessio Dio Histoacuteria Romana
Dioniacutesio ndash Dioniacutesio Antiguidades Romanas
Estrabatildeo ndash Estrabatildeo Geografia
Eutroacutepio ndash Eutroacutepio Breviaacuterio de Histoacuteria Romana
xii
Frontino Frontino Estratagemas
Goldsworthy Punic Wars ndash GOLDSWORTHY PUNIC WARS Adrian
The Punic Wars London Cassell 2000
GRBS - Greek Roman and Byzantine Studies
Griffith GRIFFITH Guy T The Mercenaries of the
Hellenistic World Chicago Ares 1935
Hdt ndash Heroacutedoto Histoacuterias
Isoc Pan Isoacutecrates Panegiacuterico
Isoc Isoacutecrates Da Paz
JHS ndash Journal of Hellenic Studies
JNG - Jahrbuch fuumlr Numismatik und Geldgeschichte
Justino ndash Justino Epiacutetome da Histoacuteria Filiacutepica de Pompeius
Trogus
Lazenby First Punic War ndash LAZENBY FIRST PUNIC WAR John
Francis The First Punic War a military history London
UCL Press 1996
Leacutevecircque Pirro - LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de
Boccard 1957
LSJ ndash Liddell-Scott-Jones Greek-English Lexicon
Meister CAH 7 ndash MEISTER K Agathocles WALBANK FW
ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7 (1)
Cambridge University Press 1984 PP384-411
Miles ndash MILES Richard Carthage Must be Destroyed The
Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization
London Allen Lane 2010
Oroacutesio ndash Oroacutesio Histoacuteria contra os pagatildeos
Parke PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers
Chicago Ares 1933
Plut Ages ndash Plutarco Vida de Agesilau
Plut Alex ndash Plutarco Vida de Alexandre
Plut Dem ndash Plutarco Vida de Demeacutetrio
Plut Eumenes ndash Plutarco Vida de Eumenes
Plut Pelop ndash Plutarco Vida de Peloacutepidas
Plut Tim ndash Plutarco Vida de Timoleatildeo
xiii
Polib ndash Poliacutebio Histoacuterias
Polieno ndash Polieno Estratagemas
Pliacutenio ndash Pliacutenio Histoacuteria Natural
Sil Pun ndash Siacutelio Itaacutelico Puacutenica
Tito Liacutevio ndash Tito Liacutevio A Histoacuteria de Roma (AB VRBE
CONDITA LIBRI)
TLG ndash Thesaurus Linguae Graecae
Tucid ndash Tuciacutedides Histoacuteria da Guerra do Peloponeso
Xen Hel ndash Xenofonte Helecircnica
Zambon Hellenistic Sicily - ZAMBON Efrem Tradition and
Innovation Sicily between Hellenism and Rome Stuttgart
Fraz Steiner Verlag 2008
Zonaras - Zonaras Epitome historiarum
xiv
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Estatueta de Alexandre o Grande Origem
Herculaneum (regiatildeo da Campacircnia) 330-320 aC In Andrew
Stewart Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic
Politics Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1993
Figura 2 (a) Tetradracma de prata de Ptolomeu I Soter do
Egito (315-305 aC) Previamente no mercado suiacuteccedilo (b)
Estater de ouro de Agaacutetocles de Siracusa (310-305 aC)
Vienna In Stewart op cit
Figura 3 Vista panoracircmica de Cartago reconstruccedilatildeo feita
pelo Museacutee Nacional Cartago In Richard Miles Carthage
Must be Destroyed the Rise and Fall of an Ancient
Civilization London Allen Lane 2010 P175
Figura 4 Batalha de Tuacutenis (255 aC) In Yann Le Bohec
Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions
du Rocher 1996 P90
xv
MAPAS
Siciacutelia agrave eacutepoca da Primeira Guerra Puacutenica In Nigel Bagnall The
Punic Wars Rome Carthage and the Struggle for the Mediterranean
London Hutchinson 1990 P 50
xvi
Mediterracircneo ocidental no iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica Note a
expansatildeo africana e hispacircnica dos cartagineses apoacutes a Primeira Guerra
Puacutenica e a hegemonia romana na Siciacutelia dois dos grandes resultados da
Primeira Guerra Puacutenica In Gregory Daly Cannae the experience of
battle in the Second Punic War London and New York Routledge 2002
P7
17
INTRODUCcedilAtildeO
Apoacutes a morte de Alexandre o Grande os seus generais
rapidamente trataram de dividir os territoacuterios imperiais na
Europa na Aacutesia e no Egito de maneira a produzir uma
configuraccedilatildeo poliacutetica completamente ineacutedita ao mundo
antigo Dois princiacutepios baacutesicos regeram a ascensatildeo dos
novos monarcas e a construccedilatildeo de suas dinastias a
apropriaccedilatildeo da imagem puacuteblica de Alexandre (imitatio
Alexandri) e o ldquodireito da lanccedilardquo ou doriktetos chora
Portanto para se tornar um reclamante digno dos
territoacuterios imperiais era preciso em primeiro lugar se
igualar a Alexandre em feitos copiando as suas realizaccedilotildees
militares (postura ofensiva taacuteticas movimentos e
velocidade) e ateacute a sua ligaccedilatildeo com as divindades o que
poderia ser sugerido em variadas oportunidades a exemplo
da cunhagem poacutestuma de moedas com a iconografia do monarca
Em segundo lugar como consequumlecircncia oacutebvia da imitatio
tornava-se necessaacuterio conquistar territoacuterios pela forccedila das
armas o que natildeo restringia o rei a apenas uma regiatildeo ou
povo mas o instigava a governar o que fosse capaz de
subjugar em campanhas militares Como observou Gruen o
fato de os reis heleniacutesticos natildeo portarem ldquotiacutetulos
eacutetnicosrdquo a exemplo de ldquorei dos macedocircniosrdquo indicava que
eles haviam se tornado reis do que pudessem conquistar1
Chaniotis WHW em seu recente livro sobre a guerra no
mundo heleniacutestico completa a interpretaccedilatildeo de Gruen ao
afirmar que ldquoesta vagueza era um convite agrave conquistardquo2
Torna-se evidente portanto que a guerra era parte
fundamental da ideologia do rei heleniacutestico caracterizando
1 Erich Gruen ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In J W Eadie and
Josiah Ober The Craft of the ancient historian essays in honor of
Chester G Starr Lanham MD University Press of America 1985 pp
253-271 2 Chaniotis WHW p57
18
natildeo somente suas funccedilotildees como general mas tambeacutem boa parte
de suas accedilotildees como poliacutetico
O cenaacuterio heleniacutestico em seus primoacuterdios natildeo era
contudo formado somente pelos comandantes secircniores do
exeacutercito de Alexandre ao lado dos Diaacutedocos contava-se uma
lista de ex-oficiais de poder menor e de ldquoaventureirosrdquo sem
qualquer ligaccedilatildeo direta com o rei macedocircnio mas que de
algum modo procuravam se inserir no cenaacuterio poliacutetico
heleniacutestico Este era o caso de Agaacutetocles de Siracusa
responsaacutevel por uma tentativa de introduccedilatildeo planejada da
monarquia de tipo heleniacutestico na Siciacutelia grega Como
veremos ao longo desta tese Agaacutetocles natildeo deve ser
considerado um tirano como seus antecessores siciliotas
ainda que mantivesse algumas das caracteriacutesticas poliacuteticas
tradicionais uma vez que as inovaccedilotildees por ele inicialmente
conduzidas durante a expediccedilatildeo africana podem ser cotadas
como verdadeiramente ldquoheleniacutesticasrdquo3
Diante de uma tentativa de encerramento da guerra pelos
cartagineses com o bloqueio dos portos de Siracusa e do
cerco agrave cidade Agaacutetocles liderou uma expediccedilatildeo inesperada
ao territoacuterio africano o que foi baseado de acordo com
Diodoro no perfeito conhecimento da situaccedilatildeo cartaginesa
na Aacutefrica4 De modo geral o siracusano pretendia inverter
a grande estrateacutegia da guerra e assolar o territoacuterio
inimigo decisatildeo estrategicamente ousada mas baseada na
dificuldade que Cartago teria para mobilizar ndash ou
simplesmente liderar ndash um exeacutercito capaz de derrotar homens
ldquotreinados na escola do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς
δεινοῖς)5 Durante a batalha de Tuacutenis em 310 aC Agaacutetocles
parece ter organizado uma guarda pessoal em imitaccedilatildeo aos
hipaspistas de Alexandre da mesma forma que utilizado
taacuteticas muito similares agravequelas adotadas pelo rei macedocircnio
3 A melhor abordagem para o assunto eacute Zambon Hellenistic Sicily 4 Diod 201-18 5 Diod 203
19
em Gaugamela em 331 aC Alguns anos depois encontramos
evidecircncia de Agaacutetocles representado como Alexandre na
iconografia de um estater de ouro cunhado entre 310-305
aC em imitaccedilatildeo aos tetradracmas de Ptolomeu I (314-313
aC) o qual fazia referecircncia agrave vitoacuteria obtida pelo
siracusano em Tuacutenis Em 307 aC proacuteximo agrave cunhagem do
referido estater registra-se a contenccedilatildeo de uma revolta do
exeacutercito mercenaacuterio devido agrave falta de pagamento ocasiatildeo em
que Agaacutetocles surgiu com toga puacuterpura (siacutembolo do poder
reacutegio) sendo as suas vestimentas consideradas pelas tropas
como ldquoadequadas ou pertencentes ao seu poderrdquo (τὸν προσήκοντα
κόσμον)6 Tais evidecircncias ilustram como sistematicamente
apresentado no capiacutetulo 3 a construccedilatildeo de uma monarquia
que teraacute logo apoacutes a autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos
caracteriacutesticas tipicamente heleniacutesticas natildeo se adequando
mais agraves exigecircncias ou agrave estrutura organizacional de uma
poacutelis Sob Agaacutetocles de Siracusa e depois sob Pirro do
Epiro as vitoacuterias de Alexandre no Oriente (assim como a
longa rivalidade entre gregos e persas a qual foi tomada
pelos macedocircnios como justificativa para a invasatildeo do
Impeacuterio Persa) ganharatildeo vida nova no conflito entre
Siracusa e Cartago7 A histoacuteria siciliana constituiacutea algo
peculiar natildeo sendo um apecircndice da histoacuteria grega
continental como observou Finley8 mas o sentimento grego
de hostilidade ao elemento ldquobaacuterbarordquo seja ele persa ou
cartaginecircs foi constantemente revisto primariamente sob a
lideranccedila poliacutetica de Siracusa A imitatio Alexandri a
partir da oposiccedilatildeo ao elemento ldquobaacuterbarordquo na Siciacutelia
heleniacutestica era portanto algo historicamente viaacutevel
desde que houvesse um homem capaz de forjar uma ligaccedilatildeo com
Alexandre bem como liderar os gregos da Siciacutelia contra seu
6 Diod 2034 7 Argumento desenvolvido por Richard Miles Carthage Must be Destroyed
The Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization London
Allen Lane 2010 P145 8 Moses Finley A History of Sicily London Chatto amp Windus 1979
20
inimigo estrangeiro tradicional Cartago Como sustento
nesta tese Agaacutetocles mostrou-se intencionalmente esse
homem ainda que seus planos de formaccedilatildeo dinaacutestica tenham
falhado e que a audiecircncia para a legitimaccedilatildeo de seu poder
natildeo fosse composta com exceccedilatildeo de Ophellas por
macedocircnios
O impacto do projeto monaacuterquico heleniacutestico de
Agaacutetocles no entanto natildeo se restringiu agrave Siciacutelia grega
Cartago encontrava-se envolvida diretamente com os
desdobramentos militares das inovaccedilotildees poliacuteticas lideradas
pelo siracusano de modo que seu exeacutercito sofreu
modificaccedilotildees consideraacuteveis frente agrave presenccedila grega em seu
territoacuterio Pouco tem sido dito sobre o exeacutercito cartaginecircs
antes da ascensatildeo dos Baacutercidas o que se justifica pela
natureza fragmentada das fontes para a histoacuteria
heleniacutestica mas uma anaacutelise cuidadosa desses fragmentos
deveraacute ilustrar alteraccedilotildees sensiacuteveis na disposiccedilatildeo do
exeacutercito em campo de batalha processo iniciado durante a
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles O tirano provocou
portanto a necessidade de inovaccedilotildees militares entre os
cartagineses o que corresponderia ao iniacutecio de um processo
formado por duas fases tendo o seu fim na transformaccedilatildeo
das tropas cartaginesas numa verdadeira forccedila heleniacutestica
cerca de 50 anos apoacutes a invasatildeo africana pelos gregos Ao
confiar a defesa dos territoacuterios sicilianos aos exeacutercitos
mercenaacuterios Cartago promoveu a falta de treinamento de
suas tropas ciacutevicas as quais eram empregadas somente em
casos extremos isto eacute de perigo para a proacutepria cidade
bem como manteve o baixo niacutevel de conhecimento logiacutestico no
norte da Aacutefrica talvez por que os cartagineses nunca
haviam sofrido ameaccedila similar a de 310 aC o que resultou
no envio completo dos soldados sem quaisquer forccedilas de
reserva (cruciais para a defesa da cidade no caso de uma
derrota decisiva em campo de batalha ou mesmo para a
21
reparticcedilatildeo das tropas no caso de um ataque simultacircneo) Do
mesmo modo o controle oligaacuterquico quanto aos generais
cartagineses dispostos no comando das tropas mercenaacuterias na
Siciacutelia impediu a formaccedilatildeo de uma ldquoescola taacutetica
atualizadardquo situaccedilatildeo que somente seraacute revertida em 255
aC com a contrataccedilatildeo de um general mercenaacuterio de formaccedilatildeo
espartana (Xantipo) e com o prosseguimento de sua reforma
por Amiacutelcar Barca
Entre a reforma provocada pela expediccedilatildeo de Agaacutetocles e
a reforma liderada por Xantipo haacute portanto um intervalo
de aproximadamente cinco deacutecadas o que pode ser
justificado pela carecircncia de evidecircncias mais detalhadas
sobre a histoacuteria poliacutetica e militar de Cartago Todavia
nada indica que entre 307 e 255 aC uma transformaccedilatildeo no
sistema de treinamento do exeacutercito tenha ocorrido a julgar
pela postura assumida por Xantipo em 255 aC
Ao liderar o exeacutercito para fora da cidade em boa ordem
e comeccedilar a manobrar algumas partes dele em falange e
dar as palavras de comando de acordo com os costumes
(ὡς δ ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν κόσμῳ παρενέβαλε καί τι καὶ κινεῖν τν μερν ἐν τάξει καὶ παραγγέλλειν κατὰ νόμους ἤρξατο)9
Feitas as consideraccedilotildees acima podemos nos perguntar o
que as duas fases de inovaccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs tecircm em
comum Preliminarmente cabe dizer que ambas ocorreram em
momentos de extremo perigo para os cartagineses quando o
inimigo (grego e sem seguida romano) encontrava-se jaacute em
territoacuterio africano saqueando cidades e com numeroso
exeacutercito a um passo de tomar a proacutepria cidade de Cartago
As referidas inovaccedilotildees do exeacutercito cartaginecircs (as quais
9 Polib 132 παραγγέλλειν κατὰ νόμους pode ser traduzido tambeacutem como ldquonos termos militares ortodoxosrdquo ἐν τάξει pode ser traduzido por ldquoda forma corretardquo como faz W R Paton tradutor da Loeb mas nesse caso a
expressatildeo parece mesmo indicar algo proacuteximo do modelo grego a julgar
pelo equipamento das infantarias cartaginesa e liacutebica (ver capiacutetulo 4
e figuras em anexo) podendo tambeacutem indicar algo como ldquoem marcha
ordenadardquo (no caso do uso da espada como primeira arma)
22
seratildeo sistematizadas ao longo do capiacutetulo 4 a partir das
evidecircncias disponiacuteveis) no primeiro seacuteculo de histoacuteria
heleniacutestica aparentam ter sido portanto respostas de
natureza distinta (uma logiacutestica e outra taacutetica) ao mesmo
problema tendo a primeira delas se mostrado uma
consequumlecircncia do projeto monaacuterquico de Agaacutetocles
Aleacutem de elucidar aspectos da histoacuteria siciliota e
cartaginesa o enfoque proposto contribui pontualmente para
a retirada da histoacuteria de Cartago da sombra da expansatildeo
romana de fato a derrota dos cartagineses para uma
confederaccedilatildeo latina em guerras traumaacuteticas para ambos os
lados somada ao eco da ldquogrande e justa vitoacuteria romanardquo em
sua tradiccedilatildeo literaacuteria10 resultou natildeo somente na
incorporaccedilatildeo posterior (irrefletida) da concepccedilatildeo de fides
Punica mas tambeacutem na reduccedilatildeo da histoacuteria cartaginesa a
apenas um capiacutetulo do chamado ldquoimperialismo defensivordquo
romano Ao aceitar uma unilateralidade da narraccedilatildeo de tais
eventos o que parece cocircmodo devido agrave natureza (favoraacutevel
aos romanos) dos relatos antigos sobre as Guerras Puacutenicas
o historiador finda por repetir um discurso que exclui uma
parte importante da histoacuteria do Mediterracircneo heleniacutestico
ou na melhor das hipoacuteteses submete tais histoacuterias agrave
cronologia da transformaccedilatildeo da Repuacuteblica Romana em Impeacuterio
Os romanos contudo natildeo foram os primeiros a rotular
os cartagineses com adjetivos desfavoraacuteveis (tais como
desleais crueacuteis mentirosos gananciosos e arrogantes)11
os gregos da Siciacutelia seacuteculos antes dos romanos haviam
engajado numa guerra sem fim com Cartago pela hegemonia da
ilha sendo a famosa caracterizaccedilatildeo do ldquooutrordquo como
ldquobaacuterbarordquo tambeacutem um traccedilo da cultura grega na Siciacutelia natildeo
10 Um caso ldquoclaacutessicordquo eacute o poema eacutepico de Siacutelio Itaacutelico (Pun 2395-
456) ldquoum rico senador romano com pretensotildees literaacuteriasrdquo (Miles op
cit p6) que no final do seacutec I dC via a fides Punica como causa
primordial das guerras anteriores com os cartagineses reduzindo
portanto o papel da ambiccedilatildeo romana como motor dos conflitos 11 Benjamin Isaac The Invention of Racism in Classical Antiquity
Princeton University Press 2004 pp 325-335 Miles op cit p7
23
se restringindo unicamente agrave experiecircncia grega nas guerras
contra os persas ao longo do seacutecV aC Os romanos no
entanto puderam varrer a presenccedila cartaginesa (e
posteriormente a grega) da Siciacutelia e fazer triunfar a sua
versatildeo da histoacuteria a qual deveria incluir
obrigatoriamente uma representaccedilatildeo factiacutevel de Cartago jaacute
que a autoridade e a credibilidade da historiografia romana
se iniciaram na eacutepoca das Guerras Puacutenicas
As duas hipoacuteteses desta pesquisa insinuam-se no
interior das questotildees apresentadas anteriormente Em
primeiro lugar sustento que a basileia de Agaacutetocles
dirigia-se agraves suas tropas e natildeo agrave cidade de Siracusa para
a qual o reconhecimento de seu poder natildeo parece ter sido
mais do que uma formalidade Durante a expediccedilatildeo africana
veremos natildeo somente a progressiva identificaccedilatildeo de seu
poder com uma monarquia de tiacutetulo intencionalmente vago
que seraacute em seguida comparada com a dos Diaacutedocos devido agrave
suposta paridade de suas forccedilas (ldquoem poder militar
territoacuterios e feitosrdquo) Aleacutem disso haacute que se notar tambeacutem
a constituiccedilatildeo de uma nova audiecircncia para o poder de
Agaacutetocles o qual estava cada vez menos baseado no
reconhecimento do demos de Siracusa e cada vez mais voltado
aos seus experientes mercenaacuterios12 A mudanccedila da audiecircncia
para o exeacutercito mercenaacuterio parece inclusive indicar a
tentativa de criaccedilatildeo de uma versatildeo dos hipaspistas de
Alexandre como parte da imitatio Alexandri em campo de
batalha
Em segundo lugar argumento a favor da existecircncia de
dois periacuteodos de inovaccedilatildeo militar de natureza distinta no
exeacutercito cartaginecircs sendo ambos provocados por situaccedilotildees
de perigo extremo para a cidade de Cartago O primeiro
deles se deu como dito antes contra os gregos entre 310-
12 Sou imensamente grato ao Professor Gruen pela sugestatildeo desta
hipoacutetese apoacutes ouvir e ponderar as minhas consideraccedilotildees por horas a
fio sempre com seriedade e gentileza
24
307 aC e parece ter tido caraacuteter logiacutestico assumindo
como ponto de partida o fiasco da batalha de Tuacutenis (310
aC) O segundo deles ocorreu num momento decisivo da
Primeira Guerra Puacutenica (255 aC) e apresentou mudanccedilas no
niacutevel de treinamento do exeacutercito ciacutevico e na atualizaccedilatildeo da
ldquoescola taacuteticardquo cartaginesa Em ambos os casos os
prejuiacutezos ao desenvolvimento militar cartaginecircs impostos
pelo vasto uso dos mercenaacuterios na Siciacutelia (o que inibia a
construccedilatildeo de uma cultura militar ciacutevica) e pelo controle
oligaacuterquico em Cartago (responsaacutevel pela ruptura das linhas
de desenvolvimento do generalato) parecem ter sido
ultrapassados o que poderaacute ser confirmado apoacutes anaacutelise
sistemaacutetica dos dispositivos taacuteticos cartagineses em 255
aC
Para isso a tese divide-se em quatro capiacutetulos O
primeiro capiacutetulo intitulado ldquoNovas taacuteticas outra guerra
as ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe e
Alexandrerdquo traz uma introduccedilatildeo aos antecedentes da arte da
guerra heleniacutestica apresentando uma anaacutelise das condiccedilotildees
de funcionamento do exeacutercito macedocircnico bem como dos
elementos adaptados das taacuteticas tebanas (particularmente a
coluna alongada) A arte da guerra heleniacutestica em seus
primoacuterdios e suas implicaccedilotildees poliacutetico-sociais
(nomeadamente a universalizaccedilatildeo do estatuto mercenaacuterio das
tropas e a construccedilatildeo de um novo tipo de monarquia)
dependem do entendimento correto sobre as unidades taacuteticas
do exeacutercito macedocircnico no caso dos generais que haviam
combatido com Filipe e de uma generalizaccedilatildeo do modelo
macedocircnico a partir do que se difundiu com a expediccedilatildeo
asiaacutetica de Alexandre O segundo capiacutetulo (ldquoOs
desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no tempo dos
Diaacutedocosrdquo) um desdobramento loacutegico e direto do primeiro
apresenta um estudo minucioso da situaccedilatildeo geral do
mercenariato nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico e da
25
arte da guerra tal qual experimentada pelos Diaacutedocos no
embate pela divisatildeo do Impeacuterio de Alexandre Aleacutem da
anaacutelise da manutenccedilatildeo das taacuteticas macedocircnicas de cavalaria
e das novas armas empregadas (inclusive como siacutembolo de
poder militar no caso dos elefantes) pelos Diaacutedocos o
capiacutetulo se ocupa com os eventos relacionados agraves Guerras
dos Sucessores dando atenccedilatildeo especial agrave alteraccedilatildeo do
princiacutepio de aniquilamento pelo envolvimento completo do
inimigo o que resultou no recrutamento massivo de tropas
de infantaria derrotadas (e por vezes intactas) apoacutes o
choque da cavalaria
Os dois uacuteltimos capiacutetulos deslocam o foco da tese para
o ocidente heleniacutestico e seus esforccedilos orientados sob
Agaacutetocles para uma imitatio Alexandri em campo poliacutetico e
militar e sob os cartagineses para duas fases de
inovaccedilotildees militares que se enquadram no formato da arte da
guerra heleniacutestica em seus primoacuterdios Em ambos os casos
contudo notamos um processo de integraccedilatildeo do ocidente
heleniacutestico ao mundo dos Diaacutedocos tenha ele ocorrido com
as inovaccedilotildees poliacuteticas do monarca siracusano ou com as duas
respostas dos cartagineses aos casos de maior perigo para a
cidade de Cartago nos primeiros 90 anos de histoacuteria
heleniacutestica momentos antes portanto do iniacutecio da guerra
com Aniacutebal Barca
No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoder monaacuterquico e arte da
guerra na Magna Greacutecia e Siciacutelia heleniacutesticardquo apresento
uma sistematizaccedilatildeo possiacutevel das evidecircncias favoraacuteveis agrave
caracterizaccedilatildeo do poder monaacuterquico de Agaacutetocles como
ldquoheleniacutesticordquo da mesma forma que desenvolvo argumentos
acerca de uma identificaccedilatildeo provaacutevel das tropas e taacuteticas
de Agaacutetocles durante a sua expediccedilatildeo africana com algumas
unidades e planos de batalha relacionados agrave expediccedilatildeo
asiaacutetica de Alexandre o Grande Devido agrave sensiacutevel queda do
nuacutemero de textos antigos que nos chegaram para o periacuteodo
26
bem como agrave natureza plural dos relatos (incompletos) sobre
Agaacutetocles evidecircncias de outra natureza (epigraacutefica e
numismaacutetica) satildeo tambeacutem consideradas numa perspectiva
instrumental de paridade metodoloacutegica procurando
estabelecer na medida do possiacutevel narrativas baseadas no
estudo comparado de tais fontes
O capiacutetulo 4 (ldquoAs duas fases da reforma militar em
Cartagordquo) traz uma anaacutelise das inovaccedilotildees militares
cartaginesas ocorridas entre 307 e 255 aC das alteraccedilotildees
de caraacuteter logiacutestico encaminhadas durante a expediccedilatildeo
africana de Agaacutetocles agraves modificaccedilotildees quanto ao treinamento
e agraves taacuteticas lideradas por Xantipo (255 aC) Um estudo
das relaccedilotildees entre a oligarquia em Cartago e seus generais
na Siciacutelia deveraacute elucidar em detalhes a repressatildeo
oligaacuterquica em direccedilatildeo ao desenvolvimento de uma ldquoescola
taacutetica atualizadardquo da mesma forma que uma mudanccedila
temporaacuteria nesse comportamento diante de duas ameaccedilas
potencialmente fatais agrave cidade
Os textos antigos usados nesta tese seguem quando
possiacutevel a ediccedilatildeo da Loeb Quando a ediccedilatildeo natildeo existe a
exemplo dos Estratagemas de Polieno emprega-se a ediccedilatildeo de
referecircncia (normalmente uma traduccedilatildeo para a liacutengua
inglesa) A leitura de tais textos deu-se inicialmente em
inglecircs sendo todos os trechos citados (ou de relevacircncia
pontual para a tese) lidos tambeacutem em grego ou latim usando
como recursos o TLG e o LSJ
27
CAPIacuteTULO 1 ndash NOVAS TAacuteTICAS OUTRA GUERRA AS
ldquoINOVACcedilOtildeES TEBANASrdquo E O EXEacuteRCITO REFORMADO DE
FILIPE II E ALEXANDRE
As influecircncias tebanas no pensamento militar macedocircnico
satildeo um dado haacute muito aceito na historiografia levando em
consideraccedilatildeo a aproximaccedilatildeo de Filipe com Epaminondas13
Todavia cabe perguntar quais seriam detalhadamente os
elementos desta relaccedilatildeo entre as taacuteticas tebanas e a
composiccedilatildeo do exeacutercito integrado macedocircnico Pode-se
postular ainda a existecircncia de inovaccedilotildees tipicamente
tebanas na guerra grega e em particular na reforma do
exeacutercito de Filipe e Alexandre
Conforme mostrarei neste capiacutetulo alguns princiacutepios
empregados na maior batalha travada entre Tebas e Esparta
em Leuctra (371 aC) quando a falange lacedemocircnia foi
derrotada num choque de hoplitas apresentaram-se
explicitamente no exeacutercito reformado macedocircnico mas
precisam ser cuidadosamente reavaliados Assim a batalha
de Leuctra eacute importante (1) por seu impacto histoacuterico - a
falecircncia da hegemonia espartana em campo de batalha e (2)
porque o uso da coluna alongada e da formaccedilatildeo obliacutequa (com
uma das alas hesitante) foi consolidado com a
profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito macedocircnico ocorrida a
partir do serviccedilo contiacutenuo e do estabelecimento de
treinamento superior (ambos caracteriacutesticos do soldado
profissional)
Aleacutem disso a partir da adoccedilatildeo das manobras de
cavalaria como etapa ofensiva principal das taacuteticas de
campo adotadas por Filipe II e Alexandre podemos notar na
guerra grega uma contribuiccedilatildeo estritamente macedocircnica natildeo
sendo possiacutevel atribuir a Epaminondas ou a outros tebanos
13 Plut Pelop 267
28
esta modificaccedilatildeo decisiva14 Por uacuteltimo como desdobramento
deste toacutepico a destruiccedilatildeo das defesas inimigas nas alas e
o consequumlente aniquilamento do inimigo por manobra de
envolvimento algo elaborado pelos macedocircnios no mundo
grego e comum aos persas ao menos desde a invasatildeo de
Alexandre teria sido tambeacutem a maior caracteriacutestica das
batalhas na Guerra dos Diaacutedocos15 natildeo fosse a incorporaccedilatildeo
das tropas vencidas ao contingente vitorioso praacutetica mais
condizente com a lideranccedila militar heleniacutestica Embora
novos fatores tenham emergido nas Guerras dos Diaacutedocos como
legado do impeacuterio de Alexandre (a exemplo do emprego dos
elefantes de guerra16) as manobras de cavalaria
permaneceram um dos traccedilos fundamentais aos primeiros
cinquumlenta anos da tradiccedilatildeo militar heleniacutestica primando
no entanto pela submissatildeo das tropas vencidas ao centro da
formaccedilatildeo
14 Ainda que os tessaacutelios fossem excelentes cavaleiros sua eficiecircncia
foi comprovada e difundida apenas sob o comando macedocircnico 15 Daiacute a relevacircncia deste mapeamento histoacuterico como etapa analiacutetica
anterior ao estudo da guerra heleniacutestica 16 Ambos seratildeo tratados no capiacutetulo dois desde sua ldquomatrizrdquo
macedocircnica
29
1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra
Desde o estabelecimento do ldquodilema tebanordquo isto eacute a
problemaacutetica em torno de suas intervenccedilotildees militares na
Beoacutecia e de sua inserccedilatildeo na Liga Ateniense como ldquotebanosrdquo
(e natildeo como ldquobeoacuteciosrdquo o que limitava seu raio de accedilatildeo na
regiatildeo) a situaccedilatildeo natildeo se manteve tranquumlila entre ambas as
poacuteleis (Atenas e Tebas) Apesar de um acordo de paz firmado
em 375 aC (que exigia respostas oficiais para qualquer
incidente de cunho militar e estabelecia diretrizes para a
relaccedilatildeo das cidades mencionadas os tebanos insistiam na
restauraccedilatildeo de Oropos cujo controle havia sido perdido17
Aleacutem disso a destruiccedilatildeo de Plateacuteia e Thespiai duas
cidades beoacutecias que haacute pouco haviam se aliado a Atenas
entrou no rol dos desentendimentos entre as cidades gregas
O grande problema estava justamente na recusa em reconhecer
a ldquoConfederaccedilatildeo beoacuteciardquo (na qual Tebas exercia funccedilatildeo de
comando) ainda que esta continuasse a funcionar
paralelamente
Como observa Buckler18 tal situaccedilatildeo indicou acima de
tudo uma ldquomudanccedila no balanccedilo do poder na Greacuteciardquo
Definitivamente os tebanos mostraram-se capazes de
defender seus proacuteprios interesses num contexto de restriccedilatildeo
econocircmica da lideranccedila poliacutetica ateniense e a construccedilatildeo
das embarcaccedilotildees de guerra bem como sua manutenccedilatildeo
inviabilizaram qualquer reaccedilatildeo ateniense frente ao
crescente poder tebano
Aleacutem disso os espartanos enfrentaram problemas ainda
mais seacuterios que os atenienses se pensarmos em termos mais
17 Xen Hel 63 18 John Buckler The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge
MALondon Harvard University Press 1980 P46
Importante lembrar que o uacuteltimo tratamento dado ao periacuteodo antes do
claacutessico escrito por Buckler foi dado por Ernst von Stern em sua
obra Geschichte der spartanischen und thebanishen Hegemonie (Tartu
University of Tartu 1884)
30
relacionados ao que estaacute sendo proposto nesta tese O
melhor exemplo da dificuldade espartana em manter seu poder
foi aleacutem da reduccedilatildeo de sua influecircncia na Jocircnia o fracasso
na tentativa de subjugar Tebas De fato os tebanos estavam
decididos a manter seu domiacutenio na Beoacutecia mesmo que para
isso fosse necessaacuteria a disposiccedilatildeo de seu exeacutercito em campo
de batalha seguindo o tradicional modelo grego do choque
de hoplitas bem como a tentativa de resolver o conflito
num choque decisivo
Para complementar a tensatildeo poliacutetica acima detalhada
Epaminondas dirigiu-se a Agesilau sobre sua delegaccedilatildeo em
termos aacutesperos ao niacutevel de aceitaccedilatildeo espartana
argumentando que Tebas possuiacutea tanto direito de intervenccedilatildeo
na Beoacutecia quanto Esparta na Lacocircnia Tratava-se da
imposiccedilatildeo da Confederaccedilatildeo beoacutecia e de sua caracterizaccedilatildeo
como a uacutenica unidade poliacutetica possiacutevel na regiatildeo
diferentemente da symmachia da Segunda Confederaccedilatildeo
Ateniense O isolamento de Tebas estava entatildeo
anunciado19 de modo que a batalha decisiva tornou-se o
caminho mais provaacutevel para a resoluccedilatildeo do desentendimento
entre as poacuteleis
Quanto agrave documentaccedilatildeo referente agrave batalha existe uma
tendecircncia por parte dos especialistas em recusar (ou ao
menos reduzir a relevacircncia) do relato de Xenofonte20 o
uacutenico contemporacircneo da batalha devido agrave falta de detalhes
e ao seu posicionamento excessivamente proacute-espartano Os
demais relatos embora posteriores fornecem informaccedilotildees
mais detalhadas e estatildeo apoiados noutras evidecircncias
contemporacircneas Como observa Hanson21 apesar das
diferenccedilas em muitos aspectos dos relatos sobre Leuctra
19 Xen Hel 63 Plut Ages 27 284 Diod 1550 20 Xen Hel 64 21 Victor D Hanson ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371 BC)
and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7 190-207 1988
P191
31
Plutarco22 e Diodoro
23 ldquopartilham dois princiacutepios
fundamentais que permanecem inquestionaacuteveisrdquo Primeiro a
inserccedilatildeo de algo totalmente novo em Leuctra por Epaminondas
e segundo o caraacuteter insatisfatoacuterio do relato de
Xenofonte especificamente em relaccedilatildeo a sua incompletude e
ao silecircncio (provavelmente intencional) no que respeita agraves
manobras tebanas
Uma vez decididos pela guerra Epaminondas eleito
comandante entre os boiotarchoi24 aguardou com seu
exeacutercito em Queroneacuteia onde poderia facilmente bloquear o
avanccedilo de Cleombroto desde Phokis25 Embora os outros
boiotarchoi com exceccedilatildeo de Peloacutepidas que apoiava
Epaminondas desde o iniacutecio de seu plano de batalha
estivessem receosos da decisatildeo em campo aberto optando
pela corrente estrateacutegia tebana (recuar ateacute uma
fortificaccedilatildeo e laacute oferecer resistecircncia) o temor em perder
o apoio das outras cidades beoacutecias os encorajaram a fazer
frente ao exeacutercito de Cleombroto26
Com aproximadamente 10000 soldados de infantaria e
1000 cavaleiros os espartanos dispuseram de acordo com
Xenofonte a cavalaria agrave frente dos hoplitas27 para que a
falange pudesse realizar seus movimentos secretamente fora
do campo de visatildeo do inimigo Cleombroto estava agrave direita
justamente com os demais espartanos sendo que o
contingente aliado a Esparta estava disposto agrave esquerda
Em resposta ao ataque inicial dos espartanos
Epaminondas enviou sua cavalaria provavelmente superior
agravequela do inimigo28 no intuito de fazer frente ao ataque
que abriu a batalha A formaccedilatildeo adotada pelos tebanos
22 Plut Pelop 2023 23 Plut Pelop 1552-56 24 Uma das principais magistraturas da Liga Beoacutecia segundo o LSJ 25 Plut Pelop 1552 26 Xen Hel 64 Diod 1553 Plut Pelop 203 27
Xen Hel 64 [] προετάξαντο μὲν τς ἑαυτν φάλαγγος οἱ Λακεδαιμόνιοι τοὺς ἱππέας [] 28 Xen Hel 64
32
estreita mas profunda era tambeacutem invertida Contrariando o
que comumente executavam os gregos o ataque principal
seria desferido pela ala esquerda liderada pelo ldquobatalhatildeo
sagradordquo operando na ocasiatildeo como unidade individual sob o
comando de Peloacutepidas O restante das tropas estava disposto
na ala direita fazendo frente ao contingente aliado
espartano
De acordo com Plutarco29 Cleombroto se viu forccedilado
quando observou que o ataque principal tebano seria
executado pela ala esquerda e natildeo pela direita a solicitar
que sua linha de frente agrave direita fosse estendida e
abaulada (τὸ δεξιὸν ἀνέπτυσσον καὶ περιγον) jaacute que assim poderia
envolver a coluna alongada dos tebanos e atacar o proacuteprio
Epaminondas O uacutenico problema eacute que existiria aiacute um espaccedilo
agrave esquerda do rei que deveria ser protegido de alguma
maneira provavelmente pela cavalaria Uma vez perdido o
combate pela cavalaria espartana Cleombroto teve que
enfrentar abertamente os tebanos sem chance de completar
sua manobra e ainda com um agravante a cavalaria em fuga
se chocou com a infantaria em avanccedilo causando grande
confusatildeo na formaccedilatildeo espartana30 Naquele momento o
Batalhatildeo Sagrado se destacou das demais unidades e desferiu
o principal ataque eliminando qualquer possibilidade de
reordenamento espartano Encerrada pelo rompimento da
formaccedilatildeo a batalha estava decidida
O episoacutedio de Leuctra assinala portanto para a maior
parte dos historiadores antes de Hanson de Buckler31 a
Ducrey32 ou Tuplin
33 uma revoluccedilatildeo no modo grego de fazer a
guerra34 Natildeo eacute sem razatildeo frente agrave tradiccedilatildeo
29 Plut Pelop 232 30 Xen Hel 6413 Plut Pelop 233 31 Buckler opcit 32 Pierre Ducrey Warfare in Ancient Greece New York Schocken 1985 33 John Tuplin ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding problemsrdquo in
Klio 69 72-107 1987 34 Paul Cartledge (Peace of Antalkidas to Battle of Leuktra In _____
Agesilaos and the crisis of Sparta London Duckworth 1987 P380)
33
historiograacutefica que Adcock afirmou em The Greek and
Macedonian Art of War que ldquodevido agraves suas inovaccedilotildees
[Epamonindas] havia vencido sua primeira grande batalha
Leuctra antes da mesma ser iniciadardquo35 Existe no
entanto um posicionamento tradicionalmente contraacuterio agraves
entatildeo chamadas inovaccedilotildees de Epaminondas trata-se da
tradiccedilatildeo historiograacutefica que remonta ao argumento
desenvolvido por Hanson em 1988 em seu provocativo artigo
sobre Epaminondas e a batalha de Leuctra36
Em primeiro lugar Hanson refere-se a uma lista de
casos anteriormente estudados por Pritchett37 nos quais a
coluna alongada havia sido empregada De fato aprofundar a
quantidade de hoplitas numa das alas aumentava a
autoconfianccedila e adicionava poder de choque agrave coluna
hopliacutetica mas reduzia a extensatildeo da linha de frente
expunha o flanco mais facilmente (facilitando o
envolvimento por parte do inimigo) e exigia mais da ala
desfavorecida devido ao deslocamento de homens para a outra
parte da formaccedilatildeo Os tebanos jaacute haviam se utilizado da
coluna alongada com 16 escudos38 (εἰς ἑκκαίδεκα βαθεῖαν)39 mas eacute
vaacutelido lembrar que existe com Epaminondas uma
radicalizaccedilatildeo deste princiacutepio jaacute conhecido pelos gregos
levando ao extremo o nuacutemero de soldados dispostos em
coluna
Em seguida a inversatildeo da coluna alongada da ala
direita para a esquerda40 onde os soldados inimigos natildeo
menciona que as taacuteticas de Epaminondas foram ldquobrilhantemente
inovadorasrdquo 35 Franz Adcock The Greek and Macedonian Art of War Berkeley and Los
Angeles California University Press 1967 P89 36 Hanson opcit 37 William Pritchett Ancient Greek Military Practices (I) Berkeley
Los Angeles London University of California Press 1971 P135 Os
casos satildeo detalhadamente Delion (424 aC Tucid 493) Siracusa
(415 aC Tucid 667) Peiraieus (403 aC Xen Hel 24) Rio
Nemeacuteia (394 aC Xen Hel 42) 38 Xen Hel 42 Plut Pelop 172 39 Xen Hel 42 40 Xen Hel 64 Diod 1555 Plut Pelop 231
34
contavam com a proteccedilatildeo dos escudos41 foi planejada por
Epaminondas com a intenccedilatildeo de destruir a tropa de elite
espartana o mais raacutepido possiacutevel Embora tal praacutetica - a da
inversatildeo da principal tropa de choque da direita para a
esquerda - jaacute fosse conhecida pelos gregos pelo menos desde
as Guerras Meacutedicas como nos lembra Hanson42
especificamente no episoacutedio da batalha contra o persa
Mardocircnio43 natildeo existe meio de saber precisamente porque
Epaminondas adotou tal formaccedilatildeo uma vez que o histoacuterico
desta inversatildeo taacutetica natildeo ilustra mais sucessos do que
fracassos quando aplicada Talvez Epaminondas tenha
ldquomeramente orquestrado uma colisatildeo brutal e decisivardquo44
como outros comandantes gregos jaacute o tinham tentado mas natildeo
haacute como saber quais motivos especiacuteficos o levaram a adotar
tal formaccedilatildeo ao inveacutes daquela tradicional Por fim ainda
com relaccedilatildeo agrave inversatildeo das alas basta dizer que a
eliminaccedilatildeo da hipoacutetese pautada na defesa da ldquogenialidade
taacuteticardquo de Epaminondas nos leva de acordo com o argumento
de Hanson a uma evidente reduccedilatildeo na sua capacidade de accedilatildeo
imediata mas ainda assim sem descartar uma questatildeo
importante a combinaccedilatildeo radical destes dois fatores (a
coluna alongada e invertida) foi indiscutivelmente decisiva
na derrota dos espartanos em Leuctra
Outra questatildeo fundamental diz respeito ao uso integrado
(ou mesmo a ausecircncia) da cavalaria especialmente na ala
direita tebana Apenas Xenofonte45 menciona a existecircncia de
tropas montadas em Leuctra sem fazer referecircncia sequer ao
movimento de flanqueamento por parte da cavalaria de
41 Deve-se lembrar que o hoplita da esquerda era protegido pelo escudo
do soldado agrave sua direita avanccedilando juntos ombro a ombro O soldado
situado agrave extrema direita contava entatildeo apenas com sua lanccedila jaacute que
seu escudo deveria proteger o lado direito do soldado situado agrave sua
proacutepria esquerda 42 Hanson opcit p194 43 Hdt946 44 Hanson opcit p194 45 Hel 64 [] οἱ τν Φωκέων πελτασταὶ καὶ τν ἱππέων Ἡρακλεται []
35
Epaminondas Pelo contraacuterio os espartanos eacute que teriam
iniciado a batalha enviando seus cavaleiros agrave frente dos
hoplitas Entatildeo os tebanos em resposta ao ataque
espartano teriam feito o mesmo Natildeo existe informaccedilatildeo
sobre um possiacutevel retorno agraves posiccedilotildees originais ou mesmo em
direccedilatildeo agraves alas o que poderia sugerir uma lacuna no relato
de Xenofonte no que se refere agraves manobras de cavalaria ao
longo de toda a batalha tanto pelo lado espartano quanto
pelo lado tebano
Buckler e Tuplin46 concordam que as manobras adotadas
por Cleombroto derivaram de uma accedilatildeo inesperada por parte
dos tebanos Ora se de fato os espartanos pretendiam
distrair Epaminondas com um ataque frontal e inicial da
cavalaria enquanto a ala direita comandada pelo proacuteprio
Cleombroto pudesse avanccedilar para aleacutem da ala esquerda
tebana e recobrar a proteccedilatildeo do flanco com o retorno das
tropas montadas que iniciaram a batalha entatildeo Epaminondas
provavelmente sabia o que fora realizado por seus inimigos
na batalha do rio Nemeacuteia47 quando um envolvimento se
tornou possiacutevel exatamente a partir de tais manobras
Poreacutem admitindo-se que Cleombroto iniciou mesmo a batalha
ordenando o avanccedilo da cavalaria estaria correto o relato
de Plutarco (no qual Buckler e Tuplin basearam sua anaacutelise)
com relaccedilatildeo agrave sequumlecircncia das manobras48 Noutras palavras a
uacutenica maneira de afirmar que Cleombroto teria modificado
46 Buckler opcit p64 47 Xen Hel 42 48 O questionamento parte tambeacutem da comparaccedilatildeo entre a reputaccedilatildeo de
Plutarco e Xenofonte O primeiro nunca teve pretensotildees a historiador
embora o relato de Leuctra tenha sido provavelmente baseado nos textos
de Eacuteforo (FGrH 70) enquanto o segundo aleacutem das intenccedilotildees de
prosseguimento da obra de Tuciacutedides tinha declarada experiecircncia
militar O fato de que Xenofonte seria parcial em sua anaacutelise digo
interessado apenas em sustentar que tudo teria dado errado para os
espartanos naquele dia em contraposiccedilatildeo agrave sorte dos tebanos fez com
que a historiografia ateacute o artigo escrito por Hanson sequer
atentasse para uma importante declaraccedilatildeo de Xenofonte (ldquoos espartanos
iniciaram a batalhardquo) o que definitivamente abre o leque de
possibilidades explicativas especialmente para o questionamento do
testemunho de Plutarco
36
sua formaccedilatildeo devido agrave ldquosurpresardquo em relaccedilatildeo agraves manobras de
Epaminondas eacute atraveacutes do relato de Plutarco Entretanto se
admitirmos que a cavalaria espartana (e natildeo a tebana)
iniciou o ataque como sugeriu Xenofonte eacute possiacutevel supor
tambeacutem que Cleombroto contava desde o iniacutecio com o retorno
de sua cavalaria para proteger o flanco aberto durante a
execuccedilatildeo da manobra (planejada antes mesmo de iniciada a
batalha) com a qual pretendia envolver a coluna alongada
dos tebanos Como sua cavalaria natildeo foi capaz de vencer a
tebana o proacuteprio rei teria permanecido agrave mercecirc do choque
comandado por Peloacutepidas consequumlecircncia da falha da cavalaria
espartana e natildeo fruto de um plano preacute-elaborado por
Epaminondas
A criacutetica de Hanson dirigida agraves interpretaccedilotildees da
batalha de Leuctra parece totalmente correta e de fato uma
reavaliaccedilatildeo das chamadas ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo constitui uma
etapa necessaacuteria a este estudo para que se torne evidente
que a inserccedilatildeo da cavalaria tal como empregada no exeacutercito
de Alexandre natildeo estava disponiacutevel na guerra grega antes
de Filipe49 Pelo contraacuterio o uso integrado das diversas
seccedilotildees do exeacutercito configurou em seu estaacutegio avanccedilado uma
contribuiccedilatildeo tipicamente macedocircnica Noutras palavras os
gregos jaacute haviam assimilado algumas taacuteticas cuja execuccedilatildeo
dependia de certo niacutevel de integraccedilatildeo entre as sessotildees do
exeacutercito como possivelmente ocorrera em Leuctra pelo lado
espartano mas o enraizamento do soldado-cidadatildeo como
principal figura dos exeacutercitos gregos dos seacutecsV e parte do
IV aC deixaram a consolidaccedilatildeo desta inovaccedilatildeo para um
reino de fronteira a Macedocircnia cuja aristocracia dava
grande importacircncia ao uso dos cavalos na guerra
49 A reforma do exeacutercito macedocircnico tornou-se um assunto por demais
polecircmico uma vez que as fontes satildeo bastante confusas a esse respeito
No entanto posiciono-me a favor de uma reforma iniciada com Alexandre
II e seguida por Filipe II de acordo com os argumentos que
apresentarei mais abaixo
37
A uacuteltima questatildeo acerca do que Epaminondas realizou em
Leuctra diz respeito ao ataque obliacutequo quando a falange
foi trazida sob formaccedilatildeo em crescente (μηνοειδὲς τὸ σχμα τς
φάλαγγος πεποιηκότες)50 Apoacutes 371 aC esta formaccedilatildeo foi
novamente empregada com grande sucesso em Gaugamela (331
aC) por Alexandre o Grande
Desse modo o argumento de Hanson acerca da suposta
revoluccedilatildeo nas taacuteticas gregas a partir de Epaminondas
precisa ser levado em consideraccedilatildeo na medida em que retira
a proeminecircncia de um uacutenico e genial comandante tebano
salientando a ligaccedilatildeo entre as transformaccedilotildees ocorridas na
guerra grega desde o conflito poliacuteada no Peloponeso e o
exeacutercito reformado de Filipe da Macedocircnia
50 Diod1555
38
2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre
transformaram a guerra grega
21 A infantaria macedocircnica
Dada a sua posiccedilatildeo de fronteira em relaccedilatildeo ao universo
poliacuteada e em particular apoacutes a esmagadora derrota para os
iliacuterios51 os esforccedilos militares dos reis macedocircnicos
direcionaram-se para a formulaccedilatildeo de uma nova maacutequina de
guerra a saber a combinaccedilatildeo equilibrada entre um tipo de
falange de piqueiros de excelente cavalaria e de um
aparato completo de maacutequinas de cerco a partir do qual
Alexandre obteve os recursos taacuteticos necessaacuterios para a
realizaccedilatildeo de sua campanha na Aacutesia Mas eacute possiacutevel dizer
precisamente em que momento tal reforma teve lugar na
histoacuteria da Macedocircnia antiga
Momigliano52 apoiado num trecho decisivo do fragmento
da Filiacutepica de Anaxiacutemenes de Lampsaco53 afirmou que esta
teria comeccedilado jaacute com Alexandre o Fileleno (498-454 aC)
devido agrave referecircncia a um novo grupo de soldados de
infantaria chamados pezetairoi os quais teriam sido
organizados em companhias (τοὺς πεζοὺς εἰς λόχους) por um certo
Alexandre considerado por Momigliano como sendo o primeiro
rei deste nome de que se tem notiacutecia
A referecircncia feita a Anaxiacutemenes tornou-se decisiva
desde entatildeo mas nesta tese opto pela hipoacutetese de
Bosworth54 que combinando o trecho de Anaxiacutemenes a uma
importante citaccedilatildeo de Tuciacutedides55 sobre a formaccedilatildeo
macedocircnica desloca a reforma do exeacutercito macedocircnico para
Alexandre II (370-368 aC) Ainda que o tempo de reinado
51 Diod 162 52 Arnaldo Momigliano Filippo il Macedone saggio sulla storia greca
Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934 53 FGrH 72 F4 54 Albert Bosworth ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973 P250 55 Tucid 4124 ldquomacedocircnios [] e outra multidatildeo de poderosos
baacuterbarosrdquo (Μακεδόνων []καὶ ἄλλος ὅμιλος τν βαρβάρων πολύς)
39
de Alexandre II tenha sido bastante curto se comparado aos
44 anos de governo do primeiro Alexandre a descriccedilatildeo de
Tuciacutedides deve ser considerada a partir do seguinte
criteacuterio se a formaccedilatildeo macedocircnica da forma como
apresentada pelo historiador ateniense foi fidedignamente
narrada cerca de trinta anos apoacutes Alexandre o Fileleno a
atribuiccedilatildeo da reforma como sendo uma accedilatildeo de seu governo eacute
incorreta Se de fato a reforma fora realizada por um
Alexandre este soacute pode ser por exclusatildeo o seguinte
Alexandre (II)
A reconstruccedilatildeo das origens do exeacutercito macedocircnico
reformado eacute entatildeo bastante polecircmica ainda que a
tendecircncia seja localizar o seu iniacutecio cerca de dez anos
antes do reinado de Filipe II Aleacutem disso a histoacuteria de
sua organizaccedilatildeo e accedilatildeo em campo de batalha nos eacute acessiacutevel
somente a partir da campanha de Alexandre quando o uso de
Arriano e de alguns fragmentos o mapeamento filoloacutegico de
termos condizentes agrave infantaria e o estudo das unidades
taacuteticas conhecidas (e de suas subdivisotildees) auxiliam na
tarefa de estabelecer as diretrizes para o entendimento de
parte do exeacutercito macedocircnico56
56 Breves reconstruccedilotildees como a elaborada por Billows (Kings and
Colonists Aspects of Macedonian Imperialism LeidenNew YorkKoumlln
Brill 1995 Pp11-20) natildeo satildeo satisfatoacuterias pois ignoram diversos
aspectos da reforma como por exemplo os problemas advindos do uso
de Diodoro para o estabelecimento do nuacutemero aproximado das tropas A
melhor introduccedilatildeo para o assunto eacute ainda Robert Milns AALG
40
211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi
Segundo Tarn57 e Milns
58 somente atraveacutes do relato de
Arriano podemos elaborar uma reconstruccedilatildeo segura da
terminologia e do desenvolvimento de parte das tropas
macedocircnicas Isso se deve ao fato de que por um lado
tanto Diodoro quanto Cuacutercio empregaram fontes apenas
indiretamente preocupadas com o exeacutercito macedocircnico Por
outro lado Ptolomeu a principal fonte de Arriano era
assim como seu leitor entendido nos assuntos militares e
conhecedor de sua terminologia Ainda que 500 anos
separassem os dois o relato de Arriano tornou-se o mais
apropriado para a anaacutelise das tropas macedocircnicas e de sua
aplicaccedilatildeo taacutetica em campo de batalha
Analisemos entatildeo os principais termos referentes agrave
organizaccedilatildeo do exeacutercito Pezetairoi que agrave primeira vista
indica a infantaria macedocircnica em sentido mais amplo em
Arriano ora faz referecircncia a toda a falange ora apenas a
parte dela59 Certamente trata-se de um termo anterior a
Filipe se aceitarmos as informaccedilotildees sobre os pezetairoi de
Alexandre II contidas no relato de Anaxiacutemenes de
Lampsaco60 podendo tambeacutem de acordo com Teopompo de
Quios61 fazer referecircncia unicamente agrave ldquoGuarda Realrdquo
(ἐδορυφόρουν τὸν βασιλέα) Apesar dessas divergecircncias uma
coisa permanece inquestionaacutevel o termo pezetairoi no tempo
de Alexandre referia-se essencialmente a toda a falange de
piqueiros
Existem aleacutem disso duas variaccedilotildees que devem ser
observadas pezoi por vezes indicando a falange62 ou mesmo
toda a infantaria e φάλαγξ que pode significar a falange
57 ALG2 P135 58 Robert D Milns ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in
Historia 20 186-195 1971 P88 59 Arr Anab 1283 2232 4231 5226 661 6213 7113 60 FGrH 72 61 FGrH 115 F348 62 A falange indica o conjunto de todos os batalhotildees ou brigadas dos
πεζέταιροι
41
propriamente dita ou apenas um uacutenico batalhatildeo da falange
bem como os hipaspistai e a formaccedilatildeo em linha de batalha
quando usado para fazer referecircncia a outras tropas (ἐπὶ
φάλαγγος em oposiccedilatildeo a κατὰ κέρας por exemplo)63
Com a ampliaccedilatildeo do termo para a definiccedilatildeo de toda a
falange (ou de sua parte em destaque) abre-se tambeacutem uma
nova questatildeo introduzida por Bosworth64 a partir de uma
releitura de Arriano qual seria a vinculaccedilatildeo dos
pezetairoi com os hipaspistai e os asthetairoi65
Em primeiro lugar o que jaacute se discute desde Tarn66
Muitas informaccedilotildees vitais acerca dos hipaspistai satildeo
impossiacuteveis de se obter basicamente por duas razotildees ambas
derivadas de problemas advindos das proacuteprias fontes Em
primeiro lugar os historiadores gregos natildeo estariam
interessados em ldquodetalhes militares teacutecnicosrdquo de uma tropa
macedocircnica mesmo quando esta desempenhava funccedilatildeo
importante na campanha Em seguida Ptolomeu provavelmente
por estar familiarizado com todos esses detalhes teacutecnicos
em seu dia-a-dia simplesmente natildeo desenvolveu nada a
respeito da disposiccedilatildeo e equipamentos desta tropa67
Sabemos que os hipaspistai foram uma forccedila criada a
partir de uma seleccedilatildeo dos pezetairoi sendo provavelmente a
primeira na histoacuteria da Macedocircnia de caraacuteter profissional
cujo serviccedilo era ininterrupto e cuja lealdade estava ligada
particularmente agrave figura do rei O termo aparece apenas em
Arriano tendo designaccedilatildeo equivalente em Diodoro
(δορυφόροις)68 o que sugere ter sido hipaspistai o termo
63 Esta discussatildeo encontra-se em detalhes em ALG2 p135-142 64 Bosworth opcit p245 65 Segundo Bosworth (opcit p246) existem ainda traduccedilotildees que
simplesmente substituem o termo asthetairoi por pezetairoi 66 ALG2 67 Milns opcit p186 68 Diod 1777 [] ἔπειτα τοὺς ἐπιφανεστάτους τν Ἀσιανν ἀνδρν δορυφορεῖν ἔταξεν []
42
empregado por Ptolomeu e por deduccedilatildeo pelos proacuteprios
macedocircnios69
Basicamente formavam um contingente de 3000 homens e
encontravam-se divididos em trecircs quiliarquias de
aproximadamente 1000 homens cada70 Diferentemente do
restante da falange os hipaspistai eram selecionados pelo
proacuteprio rei e integravam sua guarda pessoal
Qual seria por uacuteltimo o equipamento militar do
hipaspistes Existe uma tendecircncia geral em definir seu
equipamento como sendo mais leve que aquele dos demais
falangistas ou algo situado entre o equipamento do
falangista e do peltasta No que diz respeito a essas
suposiccedilotildees Tarn71 eacute incisivo
Em relaccedilatildeo ao armamento eles eram infantaria pesada
tatildeo pesadamente armada quanto a falange a diferenccedila
entre os dois corpos residia em sua histoacuteria
recrutamento e manutenccedilatildeo natildeo no armamento A crenccedila
de que eles eram armados como peltastas ou que seu
armamento era algo intermediaacuterio entre aquele do
falangista e do peltasta natildeo encontra evidecircncia para
lhes dar suporte e natildeo precisa ser informado
Haacute por outro lado suposiccedilotildees com relaccedilatildeo ao
equipamento do hipaspistes que podem sugerir uma
proximidade com o peltasta A melhor delas insinua-se a
partir de uma marcha forccedilada do exeacutercito macedocircnico na
qual Alexandre teria utilizado os hipaspistai juntamente
com a infantaria levemente armada dos agrianos Nesta
ocasiatildeo os demais soldados da falange teriam sido deixados
para traacutes72 o que poderia declarar uma diferenccedila entre o
equipamento dos hipaspistai e dos falangistas em geral
69 Embora Arriano empregue o mesmo termo que Plutarco algumas vezes
como em 317 ldquoατὸς δὲ ἀνα λαβὼν τοὺς σωματοφύλακας τοὺς βασιλικοὺς []rdquo 70 Arr Anab 430 71 ALG2 P153 72 Arr Anab 43 321 323 citado por Badian durante o debate da
conferecircncia de AALG p 134
43
Nesta ocasiatildeo de acordo com Badian73 quando podemos
observar soldados levemente armados (hipaspistai e agrianos)
em contraste com aqueles que os seguiram ἐν τάξει a deduccedilatildeo
mais correta eacute a de que se desfizeram dos armamentos para a
perseguiccedilatildeo e natildeo eram como comumente afirmado
regularmente armados como infantaria ligeira Poreacutem o que
temos de mais concreto parece ser mesmo uma semelhanccedila nos
armamentos dos hipaspistai e dos demais falangistas dado
que durante toda a campanha ambos partilharam as mesmas
funccedilotildees taacuteticas
Ainda no esforccedilo de distinguir os termos cruciais para
o entendimento da falange macedocircnica gostaria de encerrar
este toacutepico com uma breve anaacutelise dos asthetairoi cuja
apariccedilatildeo na historiografia se deu a partir da milimeacutetrica
observaccedilatildeo de Bosworth Como dito anteriormente o termo
asthetairoi foi por vezes substituiacutedo por pezetairoi nas
traduccedilotildees ou ediccedilotildees modernas da Anaacutebasis de Arriano74 Da
mesma forma que hipaspistes satildeo termos distintos e
provavelmente natildeo foram usados com o mesmo propoacutesito
Bosworth75 entende que se tratava de um termo teacutecnico
usado para definir o contingente que ldquochegou
posteriormenterdquo isto eacute fruto das campanhas na Alta
Macedocircnia Assimilados posteriormente agrave formaccedilatildeo da falange
macedocircnica propriamente dita tais soldados precisavam de
um novo termo que os diferenciasse dos demais e o seu
desenvolvimento desde a palavra original manteve o
significado de ldquoproacuteximos aos Companheirosrdquo o que
concentrou tanto a condiccedilatildeo atual de macedocircnios quanto sua
independecircncia anterior agrave assimilaccedilatildeo pela monarquia76
73 AALG P134 74 As passagens satildeo Arr Anab 223 423 522 66 621 72 75 Opcit p247 76 Bosworth opcit p251
44
212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa
Sabemos que com Alexandre na Aacutesia a infantaria
macedocircnica era formada por ateacute seis batalhotildees (taxeis)
cada um deles compondo uma unidade taacutetica autocircnoma (que
poderia ser empregada em conjunto obviamente) Tal ponto
de partida permite que o foco do estudo sejam as
subdivisotildees dos batalhotildees as quais assegurariam maiores
niacuteveis de flexibilidade nas manobras A unidade baacutesica de
infantaria na falange era a syntagma formada por 16 lochoi
de 16 homens77 Sob o comando do syntagmatarches o batalhatildeo
era capaz de executar manobras que exigiam intensivo
treinamento militar a exemplo da formaccedilatildeo em linha reta
obliacutequa ou crescente em seta ou em quadrado Aleacutem disso eacute
ainda provaacutevel que o lochos seja uma criaccedilatildeo de Filipe jaacute
que suas primeiras apariccedilotildees ocorrem na fase inicial da
carreira de Alexandre78
Diante da organizaccedilatildeo militar da falange a sarissa
(com aproximados 5 metros) representou a inovaccedilatildeo material
macedocircnica mais importante a qual fez da falange uma forccedila
frontalmente imbatiacutevel ateacute o surgimento da legiatildeo romana
Para explicar o efeito que uma tropa armada com a sarissa
provocaria no inimigo Griffith79 utilizou o seguinte
exemplo ldquonuma escala mais proacutexima era como a embarcaccedilatildeo
que atacava um oponente forccedilando-o a correr grandes riscos
antes de conseguir se aproximar e revidarrdquo
Em companhia agrave poderosa sarissa o falangista contava
com a pelte suspensa ateacute o pescoccedilo contrastando a pesada
aspis do hoplita poliacuteada A eficiecircncia do equipamento do
falangista residia na vantagem do primeiro choque dada
pelo uso da sarissa Embora natildeo fosse um soldado
77 O syntagma era uma unidade autocircnoma fixa em oposiccedilatildeo agraves eventuais
apariccedilotildees na histoacuteria poliacuteada 78 Arr Anab 210 [] ldquoἀλλὰ καὶ ἰλάρχας καὶ λοχαγοὺς ὀνομαστὶ καὶ τν ξένων τν μισθοφόρων []rdquo 79 Nicholas Hammond e Guy Griffith A History of Macedonia 550-336
(V2) Oxford Oxford University Press 1979 P421
45
pesadamente armado tal vantagem concedia aos macedocircnios
certa superioridade taacutetica frente aos demais exeacutercitos
gregos Como consequumlecircncia do aumento no tamanho da lanccedila o
elmo macedocircnico tornou-se bastante diverso daquele usado
pelo hoplita conhecido como ldquocoriacutentiordquo Ao contraacuterio do
hopliacutetico o elmo do falangista era menos caro de fabricar
e aberto na face Por fim quanto agraves grevas estas eram
usadas apenas nas primeiras fileiras
Existe uma questatildeo delicada em relaccedilatildeo ao falangista
que natildeo pode ser ignorada aqui embora jaacute seja consenso
entre os historiadores Transformando numa interrogaccedilatildeo
seria o falangista macedocircnico uma derivaccedilatildeo simples e
direta do peltasta traacutecio De fato Best80 em 1969
afirmou que ldquoseu equipamento [o do peltasta] eacute
caracterizado pela longa lanccedila (sarissa) e a pelterdquo
sugerindo abertamente que natildeo havia diferenccedila alguma no
equipamento do peltasta e do falangista Entretanto
gostaria de apresentar duas observaccedilotildees sobre tal hipoacutetese
A primeira delas segue o que foi proposto por Lendon81
De modo geral a partir do seacutecIV aC o termo peltasta
passou a indicar a infantaria levemente armada (sem a
pesada aspis) tendendo a uma generalizaccedilatildeo mais do que
propriamente agrave definiccedilatildeo exclusiva do soldado que portava a
pelte Natildeo seriam portanto ldquopeltastas macedocircniosrdquo mas
algo proacuteximo de ldquosemi-hoplitasrdquo82
A segunda estaacute de acordo com uma diferenccedila apresentada
por Hammond83 em relaccedilatildeo agrave lanccedila do peltasta traacutecio e a
sarissa a uacuteltima natildeo era definitivamente empregada
apenas com uma das matildeos assim como natildeo era usada para
80 Jan Best Thracian Peltasts and their influence on Greek Warfare
Groningen Wolters-Noordhoff 1969 81 Jon Lendon Soldiers and Ghosts A History of Battle in Classical
Antiquity New HavenLondon Yale University Press 2005 pp412-413 82 Embora algumas vezes Arriano se refira a eles como hoplitas a
exemplo de 11 83 Nicholas Hammond ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in
Thebesrdquo in GRBS 38 355-372 1997
46
arremesso diferenciando-se totalmente portanto da lanccedila
do peltasta Similares aos peltastas quanto ao peso de seu
equipamento os falangistas macedocircnios atuavam em campo de
batalha como hoplitas
Outra questatildeo relevante quanto ao equipamento do
falangista macedocircnio eacute a ausecircncia do peitoral Tal questatildeo
reflete no entanto mais os aspectos sociais e econocircmicos
de sua condiccedilatildeo do que propriamente uma caracteriacutestica
taacutetica De fato a Macedocircnia parece ter se organizado em
torno do ethos e natildeo da poacutelis o que impossibilitou o
surgimento do ldquoideal militar hopliacuteticordquo Com Filipe ou
talvez um pouco antes observamos a intervenccedilatildeo monaacuterquica
na concessatildeo do armamento e sendo a Macedocircnia ainda um
pequeno reino - portanto sem grandes recursos para a
guerra - eacute plausiacutevel que a sarissa arma que compensava a
ausecircncia do peitoral e da aspis tenha sido produto deste
contexto Qualquer tentativa de hierarquizaccedilatildeo ou
atribuiccedilatildeo de uma causa uacutenica para a explicaccedilatildeo do por que
a sarissa foi introduzida entre os macedocircnios seria um
equiacutevoco Sabemos que natildeo se trata unicamente do produto de
uma concepccedilatildeo taacutetica assim como natildeo podemos reduzir esta
inovaccedilatildeo agrave deficiecircncia econocircmica do reino A criaccedilatildeo de um
exeacutercito nacional por Filipe no entanto conferiu uma
unidade agraves regiotildees de fronteira forccedilando os dinastas
independentes a se unirem aos macedocircnios servindo como
aliados e tendo seus filhos muitas vezes como a proacutexima
geraccedilatildeo de comandantes em treinamento84
Por uacuteltimo aleacutem dos macedocircnios propriamente ditos
temos outras etnias compondo a infantaria de Filipe e
Alexandre ora como aliados ora como mercenaacuterios Embora
existam ainda distinccedilotildees claras entre ambas as condiccedilotildees
estas tenderatildeo a desaparecer na guerra heleniacutestica
84 Duncan Head Armies of the Macedonian and Punic Wars 359 BC to 146
BC organization tactics dress and weapons Sussex Wargames
research group 1982 P11
47
conforme mostrarei no capiacutetulo seguinte Infelizmente as
informaccedilotildees que nos chegaram sobre as tropas auxiliares do
exeacutercito macedocircnico natildeo explicam praticamente nada sobre
sua atuaccedilatildeo na guerra ou mesmo acerca de sua disposiccedilatildeo
geral exceto por algumas menccedilotildees na Anaacutebasis de Alexandre
O maior nuacutemero de informaccedilotildees sobre o exeacutercito macedocircnico
incide sem duacutevida sobre seus dois alicerces taacuteticos a
falange da qual apresentei uma breve anaacutelise e a
ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo acerca da qual me ocuparei
mais agrave frente argumentando sobre a transformaccedilatildeo do papel
da cavalaria nas batalhas e de sua persistecircncia durante a
Guerra dos Diaacutedocos
48
22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo
Gostaria de iniciar este item com uma pequena mas
fundamental observaccedilatildeo sobre o ldquoEsquadratildeo Real dos
Companheirosrdquo (ἴλῃ βασιλικῆ ou algumas vezes ἄγημα85) Eacute
notaacutevel o acreacutescimo τν ἑταίρων a esta unidade de elite de
modo que a ldquoGuarda de Alexandrerdquo com exceccedilatildeo dos
hipaspistai passou a ser sinocircnimo de sua cavalaria
macedocircnica mesmo quando referida somente como ἄγημα mas
por que a condiccedilatildeo de cavaleiros lhes foi conferida
A resposta mais provaacutevel parece ser porque os reis
macedocircnios (e especialmente Alexandre) quase sempre
combatiam a cavalo como revela a insistecircncia de alguns
autores antigos em tentar posicionar Alexandre no comando
de sua cavalaria na batalha de Isso A ldquoGuarda Pessoalrdquo do
rei se tornou historicamente sinocircnimo de uma cavalaria de
elite a ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo Esta forccedila de elite
cresceu bastante apoacutes Alexandre cruzar o Helesponto quando
7 esquadrotildees (ἰλας) foram acrescentados ao primeiro
original distinto dos demais apenas por sua procedecircncia (o
esquadratildeo real par excellence)86 Sabemos que formavam oito
esquadrotildees na batalha de Gaugamela 87 sendo que o
esquadratildeo real estava sob comando de Cleito o Negro e os
demais sob o comando de Filotas filho de Parmecircniordquo88
85 Arr Anab 25 31 38 86 ALG2 p154 87 Arr Anab 311-12 88 Aleacutem dos Companheiros temos outros 4 esquadrotildees de cavalaria
ligeira os ldquoscoutsrdquo (πρόδομοι) ou lanceiros (σαρισοφόροι) Brunt
(ldquoAlexander‟s Macedonian cavalryrdquo JHS 83 27-46 1963 Pp27-8)
recorda o debate entre Berve e Tarn acerca da procedecircncia eacutetnica
(macedocircnia para o primeiro e traacutecia para o segundo) desses quatro
esquadrotildees de lanceiros Brunt parece estar correto ao escolher a
versatildeo de Berve uma vez que no relato de Arriano (Anab 112 141 e
146 29 312 182 201 212) apenas os hipaspistai e os
regimentos de falange natildeo satildeo descritos como ldquomacedocircniosrdquo em oposiccedilatildeo
aos demais ldquocuidadosamente classificados como peocircnios mercenaacuterios ou
agrianos no mesmo contextordquo Entretanto natildeo penso que seja possiacutevel
dizer se apoacutes 329 aC quando os lanceiros desaparecem dos relatos
foram enviados de volta para casa ou incorporados aos Companheiros
49
Sendo a elite da cavalaria macedocircnica a qual era
empregada em pontos decisivos das taacuteticas executadas em
campo de batalha natildeo poderia existir em grande nuacutemero mas
seu papel em contrapartida natildeo deveria ser de
coadjuvantes quando entrassem em accedilatildeo Assim qual era o
nuacutemero dos cavaleiros que integravam os Companheiros de
Alexandre
Uma vez mais Tarn89 recorda que a discussatildeo em torno
do nuacutemero de cavaleiros que Alexandre tomou quando de sua
partida para a Aacutesia foi travada pela historiografia a
partir dos dados obtidos no relato de Diodoro90 e que
algumas das fontes utilizadas pelo historiador siciliano
natildeo permitiram a precisatildeo desejada com relaccedilatildeo agraves tropas
macedocircnicas A equivalecircncia do contingente disponiacutevel a
Alexandre e a Antiacutepatro (que o rei havia deixado como
representante na Europa) ambos com 12000 soldados de
infantaria (3000 hipaspistai e 9000 falangistas) eacute
incorreta senatildeo absurda91 A contagem das tropas montadas
a partir de Arriano se faz portanto necessaacuteria
Outro questionamento importante diz respeito agrave
organizaccedilatildeo da Cavalaria dos Companheiros Originalmente
recorda Brunt92 os Companheiros estavam divididos em ilas
mas a partir de 331 aC em Susa Alexandre formou dois
lochoi com cada ile que consequumlentemente passou a ser
comandada por lochagoi Esta alteraccedilatildeo era ineacutedita
conforme nos relata Arriano93 e representou o inchaccedilo no
nuacutemero dos Companheiros jaacute que as ilas natildeo mais
satisfaziam como divisatildeo das unidades Em contrapartida
apoacutes a execuccedilatildeo de Cleito o Negro (330 aC) surgiram as
89 ALG2 p 153 90 Diod 1717 91 Especialmente devido agrave duplicaccedilatildeo do nuacutemero de hipaspistai 92 Brunt opcit p28 93 Arr Anab 316
50
ipparchias94 e segundo Tarn
95 o proacuteprio Alexandre teria
assumido aquela pertencente a Cleito somando 4 esquadrotildees
sob seu comando e outros 4 sob Hefesto No entanto Tarn
pode ter se equivocado com o fato de que Alexandre teria
assumido o comando de uma ipparchia96
De acordo com Tarn o termo foi empregado apenas a
partir de 326 aC no Indo quando novos contingentes ndash
orientais - passaram a compor o exeacutercito de Alexandre As
menccedilotildees anteriores de Arriano agraves ipparchias seriam entatildeo
confusotildees e anacronismos de seu proacuteprio tempo Brunt por
outro lado chama a atenccedilatildeo para a coincidecircncia de dois
fatores os quais permitiriam uma compreensatildeo modificada
das ipparchias a desconfianccedila de Alexandre com relaccedilatildeo aos
seus principais oficiais e a divisatildeo da ldquoCavalaria dos
Companheirosrdquo nas novas unidades o que amenizaria a
possibilidade de motins (jaacute que estavam divididos e com
poderes reduzidos) concedendo-lhes em contrapartida um
tiacutetulo de bastante prestiacutegio antes pertencente apenas a um
ou dois oficiais Se Brunt97 estiver correto o surgimento
das ipparchias foi possivelmente anterior ao que Tarn
propocircs (de 326 aC para 328 aC) e a inserccedilatildeo de
orientais na Cavalaria dos Companheiros um fator
independente para a organizaccedilatildeo das novas unidades98
Por uacuteltimo cabe indagar sobre a relevacircncia desta
preocupaccedilatildeo com o crescimento do contingente dos
Companheiros (de um esquadratildeo para oito ao cruzar o
Helesponto em nuacutemero de 2000 em Gaugamela e divididos em
94 As ipparchias podem ter sido um novo nome para as ilai modificadas
pelo contexto explicado a seguir ou algo totalmente novo uma vez que
o termo substituiu outro plenamente consolidado na praacutetica militar
grega 95 ALG2 p 164 96 Brunt opcit p29-30 97 Brunt opcit p45 98 Sua inserccedilatildeo na Cavalaria dos Companheiros (provavelmente em 324)
certamente posterior a criaccedilatildeo das ipparchias tem muito a dizer
tambeacutem sobre a poliacutetica que Alexandre adotou com relaccedilatildeo aos assuntos
orientais
51
ipparchias quando da campanha na Iacutendia)99 O que exatamente
pode significar esta ampliaccedilatildeo e quais seus desdobramentos
no mundo heleniacutestico
A resposta reside na transformaccedilatildeo das funccedilotildees da
cavalaria em campo de batalha isto eacute a partir de
Alexandre o Grande (e de seu exeacutercito reformado) as tropas
montadas passaram definitivamente a desferir o ataque
principal legando aos falangistas o papel de forccedila de
apoio necessaacuteria mas sem caraacuteter decisivo ou por
princiacutepio ofensivo Tal caracteriacutestica da cavalaria
macedocircnica pode ser observada por exemplo na batalha de
Gaugamela quando o nuacutemero dos Companheiros foi elevado ao
maacuteximo e a taacutetica remodelada a partir da tradiccedilatildeo grega
ilustra a relevacircncia da decisatildeo pelas manobras das tropas
montadas
A modificaccedilatildeo de sua funccedilatildeo taacutetica veio acompanhada de
duas grandes inovaccedilotildees A primeira delas eacute a ldquoformaccedilatildeo em
setardquo que facilitava o rompimento da formaccedilatildeo inimiga pela
ampliaccedilatildeo da carga desferida se comparada agravequela executada
pela ldquoformaccedilatildeo em quadradordquo Basicamente ao manter os
olhos fixos no liacuteder posicionado agrave frente da formaccedilatildeo
cavaleiros organizados em seta eram capazes de romper com
uma formaccedilatildeo defensiva desferindo assim o golpe
principal100
A segunda delas diz respeito agrave exploraccedilatildeo dos espaccedilos
entre os batalhotildees de falangistas Como salientou Tarn101
apresentar ao inimigo um bloco coeso com diversas pontas de
lanccedila e manter esta formaccedilatildeo sem espaccedilos entre os batalhotildees
eram coisas completamente distintas A partir do momento em
que a cavalaria passou a desferir o golpe principal a
questatildeo dos espaccedilos se tornou de maacutexima importacircncia como
99 Algo em torno de 200 homens 100 Griffith opcit p414 101 William W Tarn Hellenistic Military and Naval Developments
Cambridge Cambridge University Press 1930 P13
52
pode ser visto em Gaugamela e no periacuteodo heleniacutestico em
Paraitakene (Eumenes versus Antiacutegono) Por uacuteltimo ainda
que natildeo seja cotada como uma inovaccedilatildeo das taacuteticas de
cavalaria o envolvimento pelo uso de tropas montadas se
tornou praacutetica comum entre os macedocircnios Numa batalha em
que ambos os comandantes tivessem disposto a cavalaria nas
alas a vitoacuteria dependeria abertamente da capacidade do
exeacutercito em manter seus flancos protegidos do envolvimento
inimigo Ainda que esta fosse uma praacutetica comum entre os
persas foi com os macedocircnios que ocorreu a combinaccedilatildeo do
ataque montado com o avanccedilo da falange frontalmente
impenetraacutevel exceto pelos espaccedilos abertos durante o avanccedilo
ou o ataque
53
CAPIacuteTULO 2 ndash OS DESENVOLVIMENTOS DA GUERRA
HELENIacuteSTICA NO TEMPO DOS DIAacuteDOCOS
1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e
os tipos de mercenaacuterio
11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica
Em 334 aC onze anos antes da morte de Alexandre
havia cerca de 20000 mercenaacuterios a serviccedilo do Grande Rei
Em 329 aC cinco anos mais tarde podemos contar
praticamente 50000 somente no lado macedocircnico102
O periacuteodo
heleniacutestico assistiu na sequumlecircncia ao aumento ligeiro do
nuacutemero de mercenaacuterios recrutados acompanhando os
requisitos das guerras constantes e cada vez menos
decisivas
De acordo com Parke103 autoridades contemporacircneas
(primeira metade do seacutecXX) concluiacuteram que as pressotildees
econocircmicas levaram a tal situaccedilatildeo o colapso da concepccedilatildeo
de dever militar ciacutevico e a emergecircncia do grande nuacutemero de
mercenaacuterios disponiacuteveis teriam sido ambos provocados pela
pobreza iminente das poacuteleis fruto do desastre da guerra
entre gregos no seacutecV aC O argumento do desgaste
econocircmico no mundo grego toma como principal fonte
Isoacutecrates notadamente a partir do momento em que a sua
preocupaccedilatildeo com as razotildees poliacuteticas do mercenariato104 (o
grande nuacutemero de cidadatildeos em exiacutelio essa ldquomassa de
fugitivos e exilados que estavam mais do que dispostos a
oferecer seus serviccedilos como mercenaacuteriosrdquo105
) cede lugar ao
relato dos problemas econocircmicos gregos106
102 Parke p198 103 Parke p228 104 Isoc Pan 64 e 168 105 Chaniotis WHW p80 106 Isoc 24 e 44
54
Entretanto ainda que os conflitos poliacuteticos e a
pressatildeo econocircmica possam ter estimulado grande nuacutemero de
cidadatildeos sem perspectiva a oferecer seus serviccedilos
militares as guerras constantes produziram um dos
principais fatores para o outro lado da moeda isto eacute o
recrutamento de mercenaacuterios a equivalecircncia entre oferta e
procura por soldados temporariamente pagos e que estivessem
dispostos a combater durante todo o tempo que o confronto
levasse natildeo importando as razotildees ciacutevicas (quando existiam)
pelas quais o sangue havia sido derramado
Haacute que se considerar ainda as diversas realidades de
recrutamento das tropas que compuseram os exeacutercitos dos
Diaacutedocos nem sempre vinculadas diretamente ao cenaacuterio de
crise das poacuteleis Este eacute o caso basicamente do
recrutamento das tropas provinciais muito mais conectadas
aos direitos do governante local em formar um exeacutercito a
partir das possibilidades oferecidas por sua satrapia do
que propriamente agrave pobreza ou exiacutelio de cidadatildeos gregos
Por isso a crise econocircmica grega natildeo pode ser vista
como instrumento de anaacutelise universal na explicaccedilatildeo do
mercenariato heleniacutestico uma vez que exclui as
particularidades das condiccedilotildees de recrutamento
especialmente no que respeita agrave tradiccedilatildeo asiaacutetica e
oferece respostas somente em relaccedilatildeo ao aumento da oferta
do serviccedilo mercenaacuterio grego A guerra contudo foi uma
constante no periacuteodo natildeo importando a regiatildeo e consolidou
de modo irreversiacutevel apesar das especificidades do
mercenarismo a relaccedilatildeo oferta-procura107
De fato o mundo
heleniacutestico foi marcado por certa ldquoonipresenccedila da guerrardquo
do modo como chamou Chaniotis considerando-se que tanto a
sua gecircnese (323 aC) quanto o seu fim (31 aC) foram o
resultado de conflitos armados do mesmo modo que
dificilmente se encontra alguma aacuterea que natildeo estivesse
107 Chaniotis WHW p80
55
direta ou indiretamente como em tantos outros momentos na
Antiguidade afetada pela guerra
O cenaacuterio de crise explica ao lado das condiccedilotildees
especiacuteficas de recrutamento e da ampliaccedilatildeo do quadro geral
das guerras o porquecirc da relaccedilatildeo oferta-procura ter se
fixado como sendo de grande relevacircncia no estudo da
misthotikeacute heleniacutestica mas natildeo basta todavia para
explicar o estreitamento dos laccedilos entre o cenaacuterio de
profissionalizaccedilatildeo crescente da guerra e o uso de tropas
mercenaacuterias
Noutras palavras a progressiva profissionalizaccedilatildeo no
interior dos exeacutercitos ciacutevicos gregos deve tambeacutem ser um
fator considerado particularmente ateacute o momento em que a
combinaccedilatildeo da guerra como ofiacutecio a ser aprendido e o
mercenarismo como condiccedilatildeo geral dos exeacutercitos heleniacutesticos
minimizou o impacto do sentimento ciacutevico em grande parte
dos soldados
Tal mapeamento explicaria numa perspectiva histoacuterica
natildeo soacute a funccedilatildeo dos ieroi lochoi e hipaspistai na
profissionalizaccedilatildeo da arte da guerra grega e em seus
desdobramentos heleniacutesticos como tambeacutem forneceria as
razotildees pelas quais os mercenaacuterios tecircm que ser tipificados
na medida do possiacutevel de acordo com o trabalho executado
Basicamente havia aqueles que se colocavam sob o comando
de um monarca tirano general ou cidade num espaccedilo curto
de tempo (durante uma campanha por exemplo) e aqueles que
serviam nos grandes exeacutercitos reais muitas das vezes de
modo permanente108
O primeiro tipo de mercenaacuterio era formado por soldados
que serviram por exemplo na campanha de Eumenes contra
108 Chaniotis WHW p79 Note que segundo Parke (p209) e Griffith
(p42) a divisatildeo das tropas nos exeacutercitos dos Diaacutedocos eacute feita a
partir de trecircs tipos os quais seratildeo analisados detalhadamente em
seguida os macedocircnios os mercenaacuterios (xenoi e misthophoroi) e as
tropas recrutadas nas satrapias (por vezes sintetizadas como
pantodapoi)
56
Antiacutegono De acordo com Diodoro apoacutes ter sido expulso da
Capadoacutecia
Eumenes selecionou os mais capazes [τοὺς εθετωτάτους] entre os seus amigos e dando-lhes grandes recursos os
incumbiu de contratar mercenaacuterios estabelecendo uma
margem alta de pagamento Alguns deles dirigiram-se
para a Pisiacutedia Liacutecia e regiotildees adjacentes []
Outros viajaram atraveacutes da Ciliacutecia Siacuteria e Feniacutecia
aleacutem de cidades em Chipre Uma vez que a notiacutecia do
recrutamento havia se espalhado rapidamente e que o
pagamento oferecido era digno de consideraccedilatildeo muitos
se apresentaram voluntariamente inclusive vindos da
Greacutecia e juntaram-se agrave campanha109
Neste caso ocorrido em 318 aC Eumenes incumbiu
xenologoi classificados por Diodoro como os mais capazes
entre os seus amigos de recrutar mercenaacuterios para apenas
uma campanha aquela a ser realizada contra Antiacutegono Em
pouco tempo levando-se em consideraccedilatildeo somente os
mercenaacuterios Eumenes contava com cerca de 10000 soldados
de infantaria e 2000 cavaleiros sem mencionar os receacutem-
chegados arguraspides sob o comando de Eumenes por ordem
dos reis110
Outro caso interessante de mercenaacuterios recrutados de
diversas regiotildees por um periacuteodo relativamente curto de
tempo teve lugar na campanha africana de Agaacutetocles quando
aproximadamente 3000 samnitas etruscos e celtas
apresentaram-se ao lado dos 3000 mercenaacuterios gregos sob a
lideranccedila de Agaacutetocles111 Diodoro
112 relata a existecircncia de
motins entre os homens por falta do pagamento que lhes era
devido (ἀπῄτουν δὲ καὶ τοὺς μισθοὺς τοὺς ὀφειλομένους) assim como
109 Diod 1861 ldquoπροχειρισάμενος δὲ τν φίλων τοὺς εθετωτάτους καὶ δοὺς χρήματα δαψιλ πρὸς τὴν ξενολογίαν ἐξέπεμψεν ὁρίσας ἀξιολόγους μισθούς εθὺς δ οἱ μὲν εἰς τὴν Πισιδικὴν καὶ Λυκίαν καὶ τὴν πλησιόχωρον παρελθόντες ἐξενολόγουν ἐπιμελς οἱ δὲ τὴν Κιλικίαν ἐπεπορεύοντο ἄλλοι δὲ τὴν Κοίλην Συρίαν καὶ Φοινίκην τινὲς δὲ τὰς ἐν τῆ Κύπρῳ πόλεις διαβοηθείσης δὲ τς ξενολογίας καὶ τς μισθοφορᾶς ἀξιολόγου προκειμένης πολλοὶ καὶ ἐκ τν τς λλάδος πόλεων ἐθελοντὶ κατήντων καὶ πρὸς τὴν στρατείαν ἀπεγράφοντοrdquo 110 Diod 1859 111 Diod 2011 Ver Capiacutetulo 3 112 Diod 2034
57
possiacuteveis deserccedilotildees para o lado dos cartagineses o que
ilustra a dificuldade em manter coeso um grupo mercenaacuterio
em situaccedilatildeo de escassez ou mesmo irregularidade no
pagamento Em se tratando de tropas com as quais natildeo era
partilhado tempo consideraacutevel de vida militar as revoltas
deveriam ser ainda mais frequumlentes como ilustrado no
exemplo africano
O segundo tipo de mercenaacuterio era aquele desdobrado dos
grupos profissionais de elite surgidos no interior dos
exeacutercitos ciacutevicos gregos Antes da explosatildeo do serviccedilo
mercenaacuterio no fim da campanha de Alexandre o primeiro
passo quanto agrave profissionalizaccedilatildeo dos exeacutercitos gregos foi
dado com os espartanos ainda no periacuteodo claacutessico De fato
os hoplitas de Esparta formavam o uacutenico corpo ciacutevico
profissional de todo o mundo poliacuteada Seguindo o modelo
hopliacutetico profissional diversas outras cidades formaram
unidades profissionais de elite os ieroi lochoi que por
vezes desempenhavam funccedilatildeo taacutetica proeminente Um dos
melhores exemplos eacute o corpo de infantaria de elite tebano
cuja importacircncia na vitoacuteria sobre os espartanos em Leuctra
pode ser observada em mais detalhes no primeiro capiacutetulo
O exeacutercito reformado macedocircnico teve seu equivalente
com os hipaspistai tipo de versatildeo macedocircnica dos
ldquobatalhotildees sagradosrdquo poliacuteadas Nos primeiros anos do
periacuteodo heleniacutestico sob o nome de arguraspides estes
veteranos de Alexandre permaneceram vinculados agrave casa real
apesar de receberem propostas por parte de Ptolomeu e
depois Antiacutegono113 Tal recusa os levou ao campo de batalha
contra o general mais poderoso daquele tempo sob o comando
de Eumenes de Caacuterdia strategos pelo qual tinham pouco
apreccedilo talvez devido a sua origem eacutetnica114 Em seguida agrave
derrota de Eumenes Antiacutegono trucidou todos aqueles que
113 Diod 1862 114 Eumenes era o uacutenico general traacutecio do exeacutercito de Alexandre
58
haviam sido hostis a ele queimando vivo Antiacutegenes o
comandante dos arguraspides apoacutes tecirc-lo arremessado numa
fossa115
Apesar da histoacuteria de lealdade dos arguraspides agrave casa
real os mercenaacuterios ligados diretamente a certa dinastia
de modo mais ou menos permanente natildeo eram necessariamente
mais leais que os outros Esta natildeo deve ser sequer a
questatildeo central no estudo da misthotikeacute heleniacutestica Antes
de desdobrar este argumento note-se por exemplo o caso
dos egiacutepcios de Ptolomeu
Com sua primeira apariccedilatildeo no exeacutercito ptolomaico em 312
aC ao menos em expediccedilatildeo fora dos limites territoriais
do Egito os nativos africanos apresentaram-se armados e
aptos para a batalha (τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς μάχην χρήσιμον)116
ainda que no primeiro momento natildeo estivessem trajados como
macedocircnios117
Representavam claramente outro tipo de
mercenaacuterio diferente daquele recrutado temporariamente e
sem viacutenculos com o governante da regiatildeo de onde provinham
Estavam ligados ao seu contratante como no caso dos
arguraspides por um viacutenculo mais ou menos permanente e em
breve dinaacutestico Contudo obrigaccedilotildees de ofiacutecio e lealdade
incondicional eram coisas bem distintas apoacutes a vitoacuteria de
Demeacutetrio sobre Ptolomeu em Chipre em 307 aC
praticamente todo o exeacutercito de mercenaacuterios egiacutepcios (cerca
de 16000 soldados de infantaria e 600 cavaleiros) foi
incorporado agraves forccedilas antigocircnidas118 o que vincula os
mercenaacuterios deste tipo assim como os do primeiro tipo
mais agrave consolidaccedilatildeo da concepccedilatildeo de guerra como ofiacutecio a
115 Diod 1944 116 Diod 1980 117 O argumento encontra suporte no fato de que o termo ldquomacedocircniordquo
conforme seraacute explicado no item 31 passou a significar qualquer tipo
de infantaria armada com equipamento macedocircnico aleacutem do fato da
existecircncia do termo οἱ Μακεδόνες na mesma sentenccedila em que figura Αἰγυπτίων δὲ πλθος sugerir outro tipo de armamento e formaccedilatildeo para estes
ldquoegiacutepcios em grande nuacutemerordquo 118 Diod 2053
59
ser aprendido do que propriamente agrave lealdade devida a algum
general rei ou dinastia embora tropas com vida militar
partilhada tendam a incorporar valores como a obediecircncia
acentuada a certa lideranccedila (como no caso dos
arguraspides)
60
12 Mercenariato basileia e doriktetos chora
Conforme mencionado antes o poder monaacuterquico
heleniacutestico desempenhou papel central na promoccedilatildeo desta
nova concepccedilatildeo de guerra levada adiante pelo impulso
imperialista tiacutepico dos reis cujo poder natildeo era herdado
esquematicamente a basileia era algo a ser conquistado
Gruen119
e Chaniotis120 notaram o que podemos chamar de
inversatildeo da loacutegica hereditaacuteria na disposiccedilatildeo da monarquia
heleniacutestica se Alexandre Magno reivindicou seu direito ao
trono como direito de sangue seus generais de Antiacutegono a
Cassandro121
adotaram o tiacutetulo de rei baseados unicamente
em suas conquistas militares isto eacute fundamentados pelo
princiacutepio da doriktetos chora
Haacute dois documentos importantes que tratam deste
fundamento do poder real heleniacutestico O primeiro deles
pertence agrave compilaccedilatildeo bizantina Suda particularmente a
definiccedilatildeo de monarquia Seguindo a traduccedilatildeo feita por
Austin
Ascendecircncia (natureza) e legitimidade (justiccedila) natildeo datildeo
reinos aos homens mas sim a habilidade em comandar um
exeacutercito e em lidar com os problemas de modo
competente Este era o caso de Filipe e dos Sucessores
de Alexandre O filho bioloacutegico de Alexandre natildeo foi de
modo algum ajudado pela consanguumlinidade devido a sua
fraqueza de espiacuterito enquanto aqueles que natildeo tinham
ligaccedilatildeo alguma com Alexandre tornaram-se reis de quase
todo o mundo conhecido122
Do mesmo modo em resposta agrave proclamaccedilatildeo de Demeacutetrio
como basileu por seu pai123
previamente feito rei por seus
amigos (Ἀντίγονον μὲν οὖν εθὺς ἀνέδησαν οἱ φίλοι) os seguidores de
Ptolomeu I o igualaram aos dois primeiros em tiacutetulo na
119 Gruen op cit pp253-271 120 Chaniotis WHW p57 121 Nomeadamente Antiacutegono Demeacutetrio Ptolomeu Seleuco Lisiacutemaco e
Cassadro 122
Austin n 45 123 Plut Dem 18
61
tentativa de dispersar a impressatildeo de que sua derrota havia
abalado tambeacutem o seu poder Plutarco124 acrescenta ainda
que tal praacutetica natildeo significava meramente a mudanccedila de nome
(ὀνόματος) e aparecircncia (σχήματος) mas removia o espiacuterito dos
homens (τὰ φρονήματα τν ἀνδρν ἐκίνησε) e ampliava suas ambiccedilotildees
(τὰς γνώμας ἐπρε)125 cabe acrescentar ambiccedilotildees militares
Tanto a coroaccedilatildeo de Antiacutegono quanto a resposta de Ptolomeu
agrave extensatildeo do poder monaacuterquico a Demeacutetrio foram claramente
baseadas em conquistas militares Assim o convite agrave
conquista militar em maior ou menor escala era um dos
traccedilos da basileia de tipo heleniacutestico assim como a base a
partir da qual toda a sua estrutura fora erigida
Diferentemente da Macedocircnia de Filipe e Alexandre o
exeacutercito natildeo era mais a uacutenica fonte de confirmaccedilatildeo do poder
real do mesmo modo que a monarquia havia atingido
proporccedilotildees diferentes daquelas do tempo da batalha de
Queroneacuteia126
Contudo o exeacutercito continuou a ser o
instrumento pelo qual os monarcas construiacuteam o direito ao
uso do diadema estando as funccedilotildees de comando cada vez mais
ligadas agrave lideranccedila de hordas inteiras de mercenaacuterios
recrutados das mais variadas regiotildees do mundo e
didaticamente enquadrados nos dois tipos apresentados neste
capiacutetulo
O abandono de valores considerados inatos para os
gregos no periacuteodo claacutessico a exemplo da coragem (ἀνδρία) e
da excelecircncia (ἀρετή) ao lado da crescente significaccedilatildeo da
guerra como ofiacutecio (τέχνη) foi inicialmente proposto por
Lendon127 como explicaccedilatildeo para a existecircncia do grande nuacutemero
124 Plut Dem 18 125 Literalmente ldquoaumentava seus pensamentosrdquo 126 Ainda Austin n44 ldquo[] aqueles que natildeo tinham qualquer conexatildeo
com Alexandre se tornaram reis de quase todo o mundo habitadordquo 127 Jon Lendon ldquoWar and societyrdquo In Philip Sabin Hans Wees Michael
Whitby The Cambridge History of Greek and Roman Warfare Cambridge
Cambridge University Press 2007 Pp498-516
62
de mercenaacuterios que serviram nos exeacutercitos dos reis
heleniacutesticos
No periacuteodo claacutessico a condiccedilatildeo poliacutetica do soldado-
cidadatildeo assegurar-lhe-ia de acordo com o pensamento grego
certa superioridade em combate Como observado por
Sidebottom128
o contraste presente em Os Persas de
Eacutesquilo ilustra tal postura a partir da negaccedilatildeo dos
baacuterbaros como soldados que combatiam por sua liberdade
Note-se por exemplo o conhecido diaacutelogo entre a Rainha
Matildee Persa e o Coro de homens velhos
Rainha Eles tecircm um rico suprimento de homens
combativos
Coro Eles tecircm soldados que uma vez golpearam os
exeacutercitos persas com um terriacutevel ataque
Rainha Satildeo eles habilidosos em arqueria
Coro Natildeo de forma alguma eles carregam escudos
corpulentos e lutam ombro a ombro com lanccedilas
Rainha E quem os lidera A qual mestre suas fileiras
obedecem
Coro Mestre Eles natildeo satildeo conhecidos como servos
Rainha E eles podem sem mestre resistir agrave invasatildeo
Coro Sim O vasto e nobre exeacutercito de Dario foi por
eles destruiacutedo129
No periacuteodo heleniacutestico entretanto a exaltaccedilatildeo de
valores inatos ao hoplita poliacuteada masterless e capaz de
vencer os persas por duas vezes consecutivas (apesar da
inabilidade em arqueria) cedeu lugar agraves vantagens
oferecidas pelo treinamento militar profissional mesmo que
as tropas treinadas fossem formadas por homicidas
(ἀνδροφόνοι) mutiladores (παρασχίσται) ladrotildees (λωποδύται) e
arrombadores de casas (τοιχωρύχοι)130 Os exeacutercitos poliacuteadas
natildeo eram capazes de fornecer recursos humanos ilimitados
aleacutem disso a tiacutepica batalha decisiva do periacuteodo claacutessico
cedeu lugar aos conflitos constantes e de larga escala
128 Harry Sidebottom Ancient warfare a very short introduction
Oxford Oxford University Press 2004 P6 129 Traduccedilatildeo tomada de Sidebottom opcit Pp6-7 130 Poliacutebio 136 ldquoοὗτοι δ ἦσαν ἀνδροφόνοι καὶ παρασχίσται λωποδύται τοιχωρύχοιrdquo
63
travados ao longo da disputa pela partilha do impeacuterio A
passagem em Diodoro sobre as vantagens no uso dos
mercenaacuterios ilustra claramente esta mudanccedila principalmente
quando o historiador siciliano se refere ao fato de que ldquoos
empregadores trazem consigo sem grandes custos homens
para lutar em seu nomerdquo e que no caso dos mercenaacuterios
ldquoainda que sejam por muitas vezes derrotados os
empregadores manteacutem suas forccedilas intactas durante o tempo
que durar o dinheirordquo131
Levados adiante pelo impulso imperialista das
monarquias heleniacutesticas assim como pela elevaccedilatildeo da
techneacute os mercenaacuterios preencheram os exeacutercitos dos
Diaacutedocos de uma forma jamais vista dando suporte agrave
ideologia dos generais que passaram a usar o diadema como
um dos siacutembolos de sua realeza militar
131 Diod 296
64
2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos
Como observou Parke132
a permanecircncia dos mercenaacuterios
nos exeacutercitos heleniacutesticos dificultou sua identificaccedilatildeo
pelos historiadores uma vez que a reduccedilatildeo das tropas ao
tipo profissional fez com que os autores antigos
frequumlentemente deixassem de lado a distinccedilatildeo entre
mercenaacuterios e soldados recrutados por direito do
governante Pode-se dizer que as tropas advindas das
satrapias eram de outro tipo se comparadas agravequelas
recrutadas mediante pagamento mas esta suposiccedilatildeo estaacute
baseada apenas na praacutetica dos saacutetrapas persas durante o
periacuteodo claacutessico De fato as condiccedilotildees de oferta e procura
no mundo asiaacutetico natildeo eram nada parecidas com as do mundo
grego propriamente dito dadas as diferenccedilas das tradiccedilotildees
poliacuteticas mas a assimilaccedilatildeo de exeacutercitos inimigos inteiros
por parte de comandantes vitoriosos indica quanto ao
serviccedilo prestado uma distinccedilatildeo apenas no recrutamento
inicial133
Outra inovaccedilatildeo importante ocorrida no periacuteodo
heleniacutestico eacute a utilizaccedilatildeo dos elefantes de combate haacute
muito conhecidos pelos asiaacuteticos e introduzidos na arte da
guerra grega somente apoacutes a morte de Alexandre Apesar de
seu emprego tardio os paquidermes mostraram-se definitivos
ou ao menos desejaacuteveis nos exeacutercitos heleniacutesticos ateacute a
ascensatildeo da legiatildeo romana quando suas implicaccedilotildees
logiacutesticas fizeram-se mais presentes134 Se os generais
heleniacutesticos consideravam os elefantes decisivos num
confronto aberto eles o fizeram por um motivo razoaacutevel de
132 Parke p208 133 Por exemplo a ξενολογία (recrutamento de tropas mercenaacuterias)
executada por Eumenes tal qual relatada em Diod 1861 134 Por exemplo a dificuldade no emprego de elefantes na Siciacutelia
durante a campanha piacuterrica
65
modo que o seu emprego transformou significativamente a
arte da guerra heleniacutestica
66
21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi
Durante as Guerras dos Diaacutedocos ao lado dos mercenaacuterios
conhecidos desde a campanha de Alexandre (agrianos
traacutecios tessaacutelios cretenses entre outros) os macedocircnios
desempenharam uma funccedilatildeo de grande importacircncia na
composiccedilatildeo dos exeacutercitos heleniacutesticos A falange
representava a forccedila de apoio tornando-se responsaacutevel em
boa medida pela manutenccedilatildeo do centro da formaccedilatildeo ao passo
que a cavalaria e os elefantes de combate (quando
disponiacuteveis) realizavam a ofensiva nas alas e procuravam
decidir a peleja
Conforme veremos adiante apoacutes desferir um ataque
inesperado ao espaccedilo aberto pela marcha irregular da
infantaria de Eumenes Antiacutegono conseguiu na batalha de
Paraitacene (317 aC) alinhar novamente a sua falange ao
peacute do monte para onde os soldados haviam se retirado
reestruturando boa parte da linha defensiva de seu
exeacutercito Neste caso a reorganizaccedilatildeo da infantaria
macedocircnica em campo de batalha teria assegurado por um
lado a vitoacuteria do comandante aparentemente derrotado e
por outro devido agrave irregularidade da marcha dos infantes
inimigos a derrota daquele que pensava ter vencido o
confronto135
Sendo os macedocircnios de reconhecida importacircncia nos
primeiros 20 anos subsequentes agrave morte de Alexandre o
questionamento sobre a multiplicaccedilatildeo de suas apariccedilotildees no
relato de Diodoro se faz necessaacuterio Por que razatildeo as
referecircncias a eles aumentaram no periacuteodo de divisatildeo das
chamadas ldquotropas nacionaisrdquo entre os generais de Alexandre
o que forccedilosamente teria reduzido o seu nuacutemero em cada um
dos exeacutercitos que lutavam entre si pela supremacia militar
135 Diod 1930
67
Griffith136 e Launey
137 apresentam explicaccedilotildees idecircnticas
para tal evento Em primeiro lugar dada a impossibilidade
dos nuacutemeros apresentados por Diodoro138
para as tropas
macedocircnicas o ponto de partida se torna a valoraccedilatildeo
teacutecnica adquirida por makedon no seacutecIII aC
especialmente no Egito ou seja o termo deixou de ser ldquouma
garantia de proveniecircncia geograacuteficardquo139 e passou a designar
unicamente um ldquocavaleiro ou soldado de infantaria
pesadamente armados segundo as tradiccedilotildees macedocircnicasrdquo140
Notamos entatildeo a fusatildeo da referecircncia eacutetnica com a
valoraccedilatildeo teacutecnica do termo makedon o que por vezes torna
impossiacutevel a delimitaccedilatildeo dos batalhotildees formados unicamente
por veteranos de Alexandre ou novos macedocircnios exceto
quando os primeiros satildeo mencionados como arguraspides em
contraposiccedilatildeo agravequeles provenientes das satrapias e armados
com equipamento macedocircnico
Outras referecircncias relevantes nos exeacutercitos
heleniacutesticos satildeo os mercenaacuterios gregos propriamente ditos
conhecidos como xenoi os misthophoroi e as tropas
asiaacuteticas ou pantodapoi recrutadas nas proviacutencias e
listadas entre os demais soldados servindo ora como
cavaleiros e arqueiros ora como infantaria de pouca
utilidade se comparada agravequela dos mercenaacuterios gregos
Deve-se observar ainda que estas natildeo satildeo categorias
necessariamente excludentes uma vez que encontramos por
exemplo em Diodoro141
ldquopantodapoi armados com equipamento
macedocircnicordquo o que sugere uma possibilidade dupla de
tratamento Apenas os xenoi se diferenciam claramente dos
misthophoroi ambos podem ser traduzidos como mercenaacuterios
136 Griffith p41 137 Marcel Launey Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques Paris
Boccard 1949 2 vols Vol1 Pp290-93 138 Diod 1830 139 Launey opcit p290 140 Launey opcit p293 141 Diod 1914 ldquo[hellip] τοὺς δὲ εἰς τὴν Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς []rdquo
68
mas os primeiros satildeo quase sempre dispostos como infantaria
pesada (na linha de frente) enquanto os uacuteltimos fazem
referecircncia agraves tropas levemente armadas e constituiacutedas por
pantodapoi ou tropas asiaacuteticas com origem eacutetnica bem
definida
Vejamos a organizaccedilatildeo do exeacutercito de Antiacutegono em 317
aC de acordo com Diodoro142 num trecho esclarecedor
quanto agrave temaacutetica em questatildeo
Quanto agrave infantaria mais de nove mil mercenaacuterios [οἱ ξένοι] foram dispostos agrave frente proacuteximo a eles [foram dispostos] trecircs mil liacutecios e panfiacutelios e em seguida
mais de oito mil tropas mistas armadas com equipamento
macedocircnico [παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι] [] Agrave frente dos cavaleiros na ala direita adjacente agrave
falange eram 500 mercenaacuterios de origem mista [μισθοφόροι παντοδαποὶ] []
Haacute dois tipos de mercenaacuterios na passagem acima Os
primeiros em nuacutemero de 9000 eram claramente soldados de
infantaria pesadamente armados hoplitas mercenaacuterios Os
uacuteltimos dispostos como cavaleiros eram tambeacutem tropas
mercenaacuterias mas de uma categoria diferente natildeo soacute por
combaterem a cavalo mas por serem asiaacuteticos Noutras
palavras mercenaacuterios asiaacuteticos satildeo tatildeo mercenaacuterios quanto
os que advecircm da Greacutecia poreacutem a distinccedilatildeo estabelecida pelo
uso dos dois termos deve ser notada ainda que natildeo possamos
mensurar qualquer diferenccedila no tratamento dado a ambos por
parte do empregador
Os pantodapoi satildeo comumente citados por Diodoro como
exposto e em diversos momentos analisados ao longo do
capiacutetulo mas a sua participaccedilatildeo em batalha natildeo tem
destaque na narrativa do historiador siciliano da mesma
142 Diod 1929 ldquoτν δὲ πεζν πρτοι μὲν ἐτάχθησαν οἱ ξένοι πλείους ὄντες τν ἐννακισχιλίων μετὰ δὲ τούτους Λύκιοι καὶ Παμφύλιοι τρισχίλιοι παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι πλείους τν ὀκτακισχιλίων ἐπὶ πᾶσι δὲ Μακεδόνες ο πολὺ ἐλάττους τν ὀκτακισχιλίων []τν δ ἱππέων πρτοι μὲν ἦσαν ἐπὶ τοῦ δεξιοῦ κέρατος συνάπτοντες τῆ φάλαγγι μισθοφόροι παντοδαποὶ πεντακόσιοι []rdquo
69
forma que os mercenaacuterios no relato de Arriano sobre a
campanha de Alexandre As tropas de origem eacutetnica exata
por sua vez natildeo constituiacuteram uma exceccedilatildeo a essa regra a
natildeo ser por apariccedilotildees raacutepidas e escassas mas por vezes
determinantes como no caso dos capadoacutecios143
143 Notadamente no embate entre Eumenes e Craacutetero
70
22 Os elefantes de combate
Tomarei como ponto de partida para a investigaccedilatildeo
detalhada acerca dos elefantes de combate e de seu papel na
arte da guerra heleniacutestica o primeiro embate seacuterio entre os
paquidermes e a infantaria macedocircnica ainda que tal
encontro tenha ocorrido momentos antes do iniacutecio oficial da
eacutepoca heleniacutestica em 323 aC
Na batalha do Hidaspes (326 aC)144 Poro dispocircs seus
elefantes (cerca de 200) agrave frente da infantaria na
primeira linha de combate segundo Arriano145 com
intervalos de aproximados 30 metros (διέχοντα ἐλέφαντα ἐλέφαντος ο
μεῖον πλέθρου) impedindo que a cavalaria de Alexandre
aterrorizada pudesse se aproximar146 A infantaria indiana
(30000) seguia para as alas com tropas montadas
encerrando a formaccedilatildeo (2000) em ambos os flancos Por
uacuteltimo carros de guerra (300) estavam posicionados agrave
frente da cavalaria sendo esta a organizaccedilatildeo geral das
tropas de Poro para a batalha Em contrapartida Alexandre
concentrou a cavalaria (5500) na ala direita onde
normalmente os Companheiros combatiam com a intenccedilatildeo de
forccedilar uma alteraccedilatildeo na formaccedilatildeo da cavalaria indiana
assim como atacaacute-la por completo em sua ala esquerda As
duas iparquias sob o comando de Coeno foram enviadas sobre
a direita inimiga no momento em que esta realizou a
inversatildeo pela qual Alexandre esperava147 Aos soldados da
144 Os elefantes jaacute haviam sido utilizados pelos persas em Gaugamela
(Arr Anab 311 ldquoοἱ δὲ ἐλέφαντες ἔστησαν κατὰ τὴν Δαρείου ἴλην τὴν βασιλικὴν []rdquo mas natildeo despenharam papel relevante na batalha 145 Arr Anab 515 146 Arr Anab 515 ldquoὡς πρὸ πάσης τε τς φάλαγγος τν πεζν παραταθναι ατῶ τοὺς ἐλέφαντας ἐπὶ μετώπου καὶ φόβον πάντῃ παρέχειν τοῖς ἀμφ Ἀλέξανδρον ἱππεῦσινrdquo 147 Arr 516 ldquoΚοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν []rdquo Afinal ldquopara a direita de Alexandre ou contra a direita inimigardquo A questatildeo colocada por
Brunt tradutor de Arriano na ediccedilatildeo Loeb destaca uma grande confusatildeo
na interpretaccedilatildeo acerca do posicionamento das tropas em Hidaspes As
palavras iniciais (Κοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν) tecircm sido interpretadas na melhor discussatildeo sobre o assunto um artigo de Hamilton de trecircs
formas distintas (1) para a direita de Alexandre (2) em direccedilatildeo agrave
direita indiana como uma ldquofintardquo (3) contra a direita indiana em
forma de ataque Aqui adotei a segunda interpretaccedilatildeo devido agrave maneira
71
infantaria (15000)148
Alexandre ordenou que avanccedilassem
somente quando os cavaleiros indianos fossem postos em
confusatildeo contra seu proacuteprio exeacutercito149 Quanto aos
cavaleiros arqueiros estes foram uacuteteis para o ataque de
longa distacircncia causando baixas na ala esquerda inimiga
um pouco mais ao centro do local que Alexandre pretendia
atacar
Assim que a cavalaria indiana investiu contra os
Companheiros e o regimento de Dahae (recrutado na Aacutesia e
utilizado pela primeira vez no exeacutercito de Alexandre)
Coeno realizou o que lhe fora ordenado e atacou as tropas
montadas de Poro pelo flanco destruindo sua formaccedilatildeo numa
manobra compressora150 provavelmente apoacutes ter acompanhado a
inversatildeo das tropas de Poro Parte dos cavaleiros indianos
entatildeo partiu desordenada em direccedilatildeo aos elefantes
exatamente no momento em que a infantaria macedocircnica
iniciou o seu avanccedilo Segundo Arriano ldquoa proacutepria falange
macedocircnicardquo (ἡ φάλαγξ ατὴ τν Μακεδόνων) arremessou diversos
dardos contra os condutores dos elefantes e ldquoformando um
anel em torno dos animais descarregou dardos por todos os
ladosrdquo151
A partir deste ponto os paquidermes avanccedilaram em
direccedilatildeo agrave infantaria e comeccedilaram a devastar (ἐκεράϊζε) toda a
como a batalha se desenrolou isto eacute o caminho mais provaacutevel para uma
compressatildeo da cavalaria indiana por Alexandre e Coeno era a
perseguiccedilatildeo das tropas indianas durante uma inversatildeo da ala direita
para a esquerda Para uma discussatildeo completa a respeito da formaccedilatildeo
indiana consultar J R Hamilton ldquoThe Cavalry Battle at the
Hydaspesrdquo in JHS 76 27-28 1956 148 Richard D Milns Alexander the Great London Robert Hale 1968
P211 149 Arr Anab 516 150 Arr Anab 517 151 Arr Anab 517 ldquoἔς τε τοὺς ἐπιβάτας ατν ἀκοντίζοντες καὶ ατὰ τὰ θηρία περισταδὸν πάντοθεν βάλλοντεςrdquo Ora a falange natildeo possuiacutea mobilidade
suficiente para executar tal ldquoanelrdquo muito menos os falangistas
carregavam dardos Trata-se evidentemente de um equiacutevoco de Arriano
Cuacutercio (1424) refere-se aos agrianos e traacutecios o que soa mais
provaacutevel ainda que a reconstruccedilatildeo da formaccedilatildeo macedocircnica a partir
desta informaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel a menos que se admita apenas que
ambas as tropas levemente armadas estavam dispostas desde o iniacutecio do
embate agrave frente da falange
72
falange Os cavaleiros macedocircnios enquanto isso ocorria
formaram um soacute esquadratildeo e empurraram de volta o restante
da cavalaria indiana contra os elefantes o que ocasionou
uma verdadeira carnificina seja pela morte dos condutores
ou pela simples confusatildeo da situaccedilatildeo Boa parte dos
indianos recuou por entre os elefantes enquanto recebiam
os duros golpes de sua proacutepria maacutequina de guerra152
Alexandre entatildeo ordenou o avanccedilo da falange a qual
deveria adotar a formaccedilatildeo mais compacta possiacutevel Os
indianos jaacute natildeo contavam com sua cavalaria e a infantaria
era incapaz de deter o ataque das tropas montadas de
Alexandre que os cercaram por todos os lados
Como observou Milns a vitoacuteria sobre os indianos no
Hidaspes ldquofoi a uacuteltima grande batalha que Alexandre travou
e diriam alguns historiadores a sua melhorrdquo153 De fato
Alexandre reverteu o impacto ndash ou parte dele ndash causado pela
melhor arma do exeacutercito indiano o elefante Contudo
existe outra questatildeo que natildeo tem relaccedilatildeo direta com o
gecircnio militar do rei macedocircnio mas sim com a emergecircncia
desta nova ldquomaacutequina de guerrardquo como integrante (e por vezes
siacutembolo) dos exeacutercitos heleniacutesticos
De um lado a batalha do Hidaspes ilustra como o
ineditismo no combate aos elefantes (por parte dos
ocidentais) provocou um terriacutevel efeito psicoloacutegico nos
macedocircnios especialmente nos anos que se seguiram agrave
batalha De outro mostra que a emergecircncia do elefante na
guerra heleniacutestica foi acompanhada de um paradoxo advindo
do uso de uma arma poderosa mas incapaz de distinguir
aliados de inimigos aleacutem de ser bastante complicada do
ponto de vista logiacutestico
Noutras palavras considerar os fracassos e sucessos
dos elefantes em campos de batalha heleniacutesticos deve partir
152 Arr Anab 517 153 Milns opcit p215
73
de uma premissa baacutesica bem ou mal-sucedidos nos
confrontos os paquidermes constituiacuteram um ldquopesadelo
administrativordquo o que coloca as condiccedilotildees necessaacuterias ao
seu uso de um lado da balanccedila e os resultados obtidos caso
tais condiccedilotildees pudessem ser alcanccediladas do outro
Problemas relativos ao atraso da marcha do exeacutercito devido
agrave lentidatildeo dos elefantes devem ter sido uma constante no
rol dos inconvenientes quanto ao abastecimento das tropas
antigas Diodoro nos fornece um importante relato sobre
essa questatildeo quando menciona o afastamento dos paquidermes
em relaccedilatildeo aos demais homens de Eumenes o que resultou na
sua vulnerabilidade154 e consequumlente enfraquecimento parcial
do exeacutercito Fica evidente que natildeo fosse a manobra
executada pelo comandante dos elefantes que liderou os
paquidermes ldquoem quadradordquo (οἱ τν ἐλεφάντων ἡγεμόνες τάξαντες εἰς
πλινθίον τὰ θηρία προγον) dispondo o suprimento no centro da
formaccedilatildeo e o pequeno nuacutemero de cavaleiros que os
acompanhava na retaguarda155
os retardataacuterios teriam sido
todos facilmente aniquilados pela investida de Antiacutegono
Por uacuteltimo haacute ainda que se destacar as diferenccedilas
entre os elefantes africanos e indianos quanto aos seus
usos militares Durante bastante tempo acreditou-se que os
elefantes africanos eram inferiores aos indianos afirmaccedilatildeo
originada no relato de Cteacutesias em sua obra sobre uma Iacutendia
exoacutetica e de fartura156 O criteacuterio adotado por ele (e
reproduzido por diversos autores antigos) foi unicamente a
produccedilatildeo de alimentos o que insatisfatoriamente resume o
problema a uma uacutenica sentenccedila os africanos eram menores
porque viviam numa regiatildeo onde a comida era escassa isto
eacute o deserto Tal comparaccedilatildeo encontra eco em Poliacutebio157
154 Diod 1939 [] ldquoτοὺς δ ἐλέφαντας μέλλειν ἀναζευγνύειν ἐκ τς χειμασίας καὶ πλησίον εἶναι μεμονωμένους πάσης βοηθείας []rdquo 155 Diod 1939 156 FrGH 688 F9 157 Polib 584 ldquoτὰ δὲ πλεῖστα τν τοῦ Πτολεμαίου θηρίων ἀπεδειλία τὴν μάχην ὅπερ ἔθος ἐστὶ ποιεῖν τοῖς Λιβυκοῖς ἐλέφασι τὴν γὰρ ὀσμὴν καὶ φωνὴν ο μένουσιν ἀλλὰ καὶ
74
[] a maior parte dos elefantes de Ptolomeu evitou o
combate como normalmente ocorre com os elefantes
africanos pois sendo incapazes de suportar o odor e o
grito dos elefantes indianos e aterrorizados penso
eu com a estatura e a forccedila [τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν] dos mesmos eles voltam-lhes as costas imediatamente e
potildeem-se em fuga antes de sua aproximaccedilatildeo
Em 1926 Tarn apresentou uma questatildeo fundamental com
relaccedilatildeo agraves diferenccedilas entre os elefantes africanos e
indianos o que dificultou a repeticcedilatildeo do argumento pouco
fundamentado de Cteacutesias Filologicamente bem amparado Tarn
sustentou que tais autores nada sabiam sobre os elefantes
mas o seu heroacutei Alexandre havia empregado o elefante
indiano158 Natildeo existe nada definitivamente aleacutem da
tradiccedilatildeo literaacuteria originada da observaccedilatildeo pouco criteriosa
de Cteacutesias que possa sustentar a superioridade dos
elefantes indianos diante dos africanos em campo de
batalha
Vindos da Iacutendia ou recrutados na Aacutefrica os elefantes
mostraram-se decisivos nos campos de batalha heleniacutesticos
como veremos no item 33 e no capiacutetulo 4 Encontrados
terreno plano condiccedilotildees excelentes de abastecimento e
clima e um inimigo cuja forccedila primaacuteria fosse composta por
infantaria pesada disposta em formaccedilatildeo cerrada os
elefantes constituiacuteam uma das mais eficientes ndash senatildeo a
mais eficiente ndash arma empregada pelos comandantes
heleniacutesticos notadamente nas raras batalhas decisivas do
periacuteodo
καταπεπληγμένοι τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν ὥς γ ἐμοὶ δοκεῖ φεύγουσιν εθέως ἐξ ἀποστήματος τοὺς Ἰνδικοὺς ἐλέφανταςrdquo Cf Diod 216 e 235 158 William W Tarn ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ 20
98-100 1926 P100
75
3 As Guerras dos Diaacutedocos
31 Eumenes versus Craacutetero
No ano de 321 aC durante a realizaccedilatildeo da campanha de
Perdicas no Egito Eumenes fora enviado ao Helesponto por
Perdicas para evitar o avanccedilo de Craacutetero e Antiacutepatro159 Uma
das primeiras medidas do comandante grego foi o
recrutamento de um grande corpo de tropas montadas de sua
proacutepria satrapia isto eacute a Capadoacutecia Apoiado por Alcetas
submetido ao seu comando por ordem de Perdicas contava jaacute
com certo nuacutemero de macedocircnios insuficientes para a
ocasiatildeo os quais haviam sido incorporados apoacutes a vitoacuteria
sobre o exeacutercito de Neoptolemos160
De acordo com Diodoro161
ao saber do avanccedilo do exeacutercito
inimigo Eumenes coletou suas forccedilas particularmente sua
cavalaria de todos os lados (ἤθροισε πανταχόθεν τὰς δυνάμεις καὶ
μάλιστα τὴν ἱππικήν) Em relaccedilatildeo agrave infantaria sobre a qual natildeo
depositava muita esperanccedila contava com 20000 homens de
todas as raccedilas (παντοδαποὺς τοῖς γένεσιν) perfazendo um total de
25000 homens se somada a cavalaria adquirida Contra o
seu exeacutercito Craacutetero contava com macedocircnios conhecidos por
sua coragem (οἱ Μακεδόνες διαβεβοημένοι ταῖς ἀνδραγαθίαις) e dois mil
cavaleiros como auxiliares
Apoacutes a narraccedilatildeo de um duelo entre os comandantes
Diodoro menciona a derrota da cavalaria de Craacutetero sendo
que ao constatar a morte de ambos os liacutederes macedocircnios
Eumenes ordenou a retirada de seu exeacutercito privando-se do
aniquilamento completo do inimigo em prol da negociaccedilatildeo
cujo objetivo era a incorporaccedilatildeo da infantaria derrotada
Nas palavras do historiador siciliano
159 Diod 1829 160 Diod 1829 Arr FGrH 1569 Justino 138 Plutarco Eumenes 47 161 Diod 1830
76
Erigido o monumento que registrou a derrota do inimigo
[τρόπαιον] e feitos os ritos fuacutenebres [Eumenes] enviou agrave falange que havia se mostrado inferior [πρὸς τὴν τν ἡττημένων φάλαγγα] um convite de incorporaccedilatildeo agraves suas
tropas dando-lhes tambeacutem permissatildeo para recuar aos
lugares que desejassem
Este caso esclarece desde o iniacutecio a distinccedilatildeo entre
as tropas macedocircnias ldquoconhecidas por sua coragemrdquo e os
demais soldados de infantaria ldquohomens de todas as raccedilasrdquo
No entanto apoacutes a vitoacuteria sobre o exeacutercito inimigo
Eumenes abertamente escolhe negociar a incorporaccedilatildeo das
tropas inimigas honrando os mortos em combate ao inveacutes de
completar a manobra de envolvimento e provocar o
aniquilamento completo da falange a qual havia se mostrado
inferior em batalha Note-se que a taacutetica continuou a ser a
mesma empregada nos tempos de Alexandre mas a profusatildeo do
serviccedilo mercenaacuterio fez com que a praacutetica da incorporaccedilatildeo de
tropas profissionais fosse preferiacutevel ao aniquilamento do
inimigo Aleacutem disso natildeo haacute sequer uma menccedilatildeo de tratamento
diferenciado para as tropas macedocircnias por excelecircncia se
as considerarmos legitimamente macedocircnias em relaccedilatildeo agrave
infantaria asiaacutetica de Eumenes Eram mercenaacuterias como as
demais ainda que natildeo fique claro o pagamento ou tempo de
serviccedilo
Em seguida Eumenes voltou-se contra Antiacutegono
77
32 Antiacutegono versus Eumenes
Em seu primeiro confronto com Eumenes Antiacutegono
utilizando-se de um estratagema abriu matildeo inicialmente
de uma decisatildeo travada ao modelo alexandrino e decidiu
subornar certo Apolonides comandante da cavalaria de
Eumenes fazendo com que ele se tornasse um traidor e
desertasse em meio agrave batalha (ἔπεισε προδότην γενέσθαι καὶ κατὰ τὴν
μάχην ατομολσαι)162
Nesta ocasiatildeo entretanto notamos uma situaccedilatildeo
paradoxal quanto ao comportamento do comandante
heleniacutestico Na situaccedilatildeo anterior Eumenes optou por
incorporar as tropas inimigas ainda que sem sucesso ao
inveacutes de prosseguir com a manobra de envolvimento e
aniquilamento de boa parte do exeacutercito de Craacutetero Um ano
depois em 320 aC Antiacutegono apoacutes ter subornado o
comandante de cavalaria de Eumenes tendo a infantaria em
suas matildeos optou por concluir a manobra e aniquilar cerca
de 8000 inimigos Nas palavras de Diodoro
Quando a batalha se tornou violenta e Apolonides
desertou inesperadamente com sua cavalaria Antiacutegono
ganhou o dia e aniquilou cerca de 8000 inimigos Ele
tambeacutem se apoderou de todo o suprimento de modo que os
soldados de Eumenes ficaram abatidos pela derrota e sem
esperanccedila devido agrave perda de seus suprimentos163
Em momento algum Diodoro menciona o interesse de
Antiacutegono em incorporar as tropas de Eumenes durante a
batalha com exceccedilatildeo da cavalaria a qual havia previamente
subornado No entanto logo apoacutes relatar o refuacutegio do
comandante grego num forte armecircnio o que lhe foi garantido
162 Diod 1840 163 Diod 1840 ldquoγενομένης δὲ μάχης ἰσχυρᾶς καὶ τοῦ Ἀπολλωνίδου μετὰ τν περὶ ατὸν ἱππέων ποιήσαντος ἀλόγως ἀπὸ τν ἰδίων διάστασιν ἐνίκησεν ὁ Ἀντίγονος καὶ ἀνεῖλεν τν ἐναντίων εἰς ὀκτακισχιλίους ἐκυρίευσε δὲ καὶ τς ἀποσκευς ἁπάσης ὥστε τοὺς περὶ τὸν Εμεν στρατιώτας διὰ μὲν τὴν ἧτταν καταπλαγναι διὰ δὲ τὴν ἀπώλειαν τς ἀποσκευς ἀθυμσαιrdquo Nesta citaccedilatildeo com exceccedilatildeo de ἰσχυρᾶς traduzido aqui como ldquoviolentordquo seguindo o LSJ (ἰσχυρός) optei por utilizar a traduccedilatildeo de Geer
78
por uma alianccedila com os nativos o historiador siciliano faz
referecircncia agrave contrataccedilatildeo por parte de Antiacutegono dos homens
os quais haviam servido Eumenes Seguindo o exemplo
anterior a compreensatildeo da guerra como ofiacutecio serviu de
paracircmetro para a composiccedilatildeo de grandes exeacutercitos o
trampolim a partir do qual generais aspiravam agraves grandes
coisas exatamente como no caso de Antiacutegono Ao tornar-se
senhor de todas as posses que antes pertenciam a Eumenes
das quais se destacava o grande exeacutercito as ambiccedilotildees
poliacuteticas de Antiacutegono ganharam nova face
No momento em que Antiacutegono tomou para si a forccedila
militar de Eumenes tornou-se senhor das suas satrapias
e das suas propriedades levantou grande soma de
dinheiro e aspirou agraves grandes coisas [μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο] Nenhum comandante em toda a Aacutesia possuiacutea forccedila militar suficiente para lutar pela supremacia
164
O comando de um grande exeacutercito era sem duacutevida o
motor da basileia e um dos maiores estiacutemulos agrave realizaccedilatildeo
de campanhas militares e conquista de territoacuterios
A incorporaccedilatildeo das tropas natildeo era contudo o uacutenico
objetivo dos generais cujo pensamento encontrava-se marcado
pela condiccedilatildeo mercenaacuteria Historiadores tambeacutem entravam no
jogo mesmo que tivessem servido num primeiro momento ao
seu inimigo Note-se por exemplo na esteira do contexto
em destaque que Antiacutegono iraacute contratar os serviccedilos de
Hierocircnimo o historiador logo apoacutes a vitoacuteria sobre Eumenes
na Capadoacutecia tendo em seguida o enviado como mensageiro a
Eumenes exortando o uacuteltimo a esquecer a derradeira batalha
e a se tornar seu amigo e aliado165
Com a mudanccedila na poliacutetica externa adotada por Antiacutegono
levada a cabo a partir da aquisiccedilatildeo dos espoacutelios
164 Diod 1841 ldquoἈντίγονος δὲ παραλαβὼν τὴν μετ Εμενοῦς δύναμιν καὶ τν σατραπειν καὶ τν ἐν ταύταις προσόδων κύριος γενόμενος ἔτι δὲ παραλαβὼν πλθος χρημάτων μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο οκέτι γὰρ οδεὶς τν κατὰ τὴν Ἀσίαν ἡγεμόνων ἀξιόμαχον εἶχε δύναμιν διαγωνίσασθαι πρὸς ατὸν περὶ τν πρωτείωνrdquo 165 Diod 1850
79
provenientes da vitoacuteria sobre Eumenes o general macedocircnico
tratou de ir ao encontro de Alcetas irmatildeo de Perdicas
destruindo-o completamente Segundo Diodoro166
Antiacutegono
liderou 6000 cavaleiros numa carga violenta contra a
falange inimiga no intuito de cortar a linha de retirada de
Alcetas Em seguida os elefantes foram enviados
frontalmente contra a falange ao mesmo tempo em que os
cavaleiros envolveram o inimigo por todos os lados tendo a
infantaria permanecido somente como forccedila de apoio
Diodoro natildeo nos informa sobre a proveniecircncia eacutetnica da
cavalaria de Antiacutegono mas note que haacute pouco ele contava
com 2000 cavaleiros e rapidamente passou para cerca de
6000 um forte indiacutecio de que a renovaccedilatildeo de suas forccedilas
montadas foi liderada por capadoacutecios Em primeiro lugar
talvez esta seja a constataccedilatildeo mais oacutebvia mas ainda assim
digna de ser mencionada Antiacutegono marchou com sua forccedila
militar da Capadoacutecia para a Pisiacutedia (μετὰ [] ἐκ Καππαδοκίας
προγεν ἐπὶ τὴν Πισιδικήν)
Em segundo lugar sua cavalaria triplicou desde o
momento anterior agrave batalha contra Eumenes ocorrida havia
menos de um ano Uma vez na Capadoacutecia dado o curto tempo
para a ampliaccedilatildeo das suas forccedilas montadas e a
disponibilidade de recrutamento de cavaleiros pesadamente
armados na regiatildeo outra explicaccedilatildeo natildeo parece possiacutevel
Logo apoacutes a vitoacuteria sobre Alcetas Antiacutegono obteve a
rendiccedilatildeo de todo o resto do exeacutercito inimigo por negociaccedilatildeo
e o alistou em suas proacuteprias fileiras167 agregando
consideraacutevel forccedila ao seu poderio beacutelico
Ainda que a manobra de envolvimento fosse como neste
caso realizada ateacute o momento em que o inimigo batesse
desesperadamente em retirada a porccedilatildeo do exeacutercito que
166 Diod 1844 167 Diod 1845 ldquoὁ δ Ἀντίγονος τούτους μὲν καθ ὁμολογίαν παραλαβὼν τοὺς λοιποὺς εἰς τὰ ἴδια τάγματα κατέταξε []rdquo
80
pudesse ser submetida com vida e incorporada por negociaccedilatildeo
era sempre bem recebida aleacutem de se mostrar crucial na
estruturaccedilatildeo de trajetoacuterias poliacuteticas pautadas na conquista
militar
Na sequumlecircncia dos acontecimentos168 Eumenes jaacute na Aacutesia
Menor enviou cartas aos saacutetrapas do norte solicitando o
seu apoio em nome dos reis Basicamente as duas partes
deveriam se encontrar em Susa mas Fiacuteton a esta altura
saacutetrapa da Meacutedia obteve tambeacutem o controle das satrapias do
norte ordenando a morte de Filotas e substituindo o mesmo
por Eudamus seu irmatildeo Apoacutes travar batalha com o exeacutercito
dos saacutetrapas do sul Fiacuteton concentrou seu exeacutercito num soacute
lugar aguardando o apoio de Seleuco motivo pelo qual
Eumenes encontrou todas as tropas reunidas quando da sua
chegada a Susianecirc
De acordo com Diodoro169
as tropas que se juntaram a
Eumenes foram (1) 10000 arqueiros e fundibulaacuterios persas
3000 pantodapoi armados como macedocircnios (τοὺς δὲ εἰς τὴν
Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς) 600 cavaleiros gregos
e traacutecios e mais de 400 cavaleiros persas todos vindos
sob comando de Peucestes um dos antigos soldados da elite
de Alexandre (2) 1500 pezoi e 700 cavaleiros liderados
por Tlepolemus o macedocircnio feito saacutetrapa da Carmacircnia (3)
1000 pezoi e 610 cavaleiros trazidos por Sibyrtius
comandante da Arachosia (4) 1200 pezoi e 400 cavaleiros
despachados por Oxyartes (5) 1500 pezoi e 1000
cavaleiros vindos com Stasander e (6) 500 cavaleiros 300
pezoi e 120 elefantes todos trazidos por Eudamo Somados a
estes 18500 soldados de infantaria e 4210 cavaleiros
Geer170
lembra que devemos acrescentar as forccedilas trazidas
por Amfiacutemaco da Mesopotacircmia apresentado na batalha de
168 Diod 1913 169 Diod 1914 170 Russel M Geer tradutor de Diodoro na ediccedilatildeo da LOEB p 269
81
Gabienecirc171 com seus 600 cavaleiros e talvez alguma
infantaria natildeo mencionada
Antiacutegono em contrapartida recebeu tropas de Seleuco e
Fiacuteton nomeando Seleuco saacutetrapa de Susa e ordenando que
este conquistasse a cidade jaacute que Xenofilos o tesoureiro
se recusava a aceitar suas ordens172 Ao cruzar a Meacutedia por
um caminho alternativo agravequele que havia sido bloqueado por
Eumenes Antiacutegono ordenou a Fiacuteton que recrutasse quantos
cavaleiros e cavalos de guerra fosse possiacutevel assim como
animais de carga Ao retornar de sua missatildeo com cerca de
2000 cavaleiros 1000 cavalos 500 talentos do tesouro
real e uma quantia de mulas suficientes para todo o
exeacutercito173
Fiacutethon deu a Antiacutegono a chance de reerguer o
moral das tropas aleacutem de reforccedilar consideravelmente a
cavalaria de seu exeacutercito No total Antiacutegono contava com
28000 pezoi 8000 cavaleiros e 65 elefantes
Apoacutes o desentendimento entre Eumenes apoiado por
Antigenes e os saacutetrapas ansiosos para retornar aos seus
assuntos pessoais174
o general grego optou por atender agraves
vontades dos saacutetrapas temendo perder seu valioso apoio
Apoacutes dias de marcha rumo a Perseacutepolis ambos os exeacutercitos
inimigos acamparam a curta distacircncia e iniciaram os
preparativos para a batalha Antiacutegono entretanto procurou
subornar parte das tropas inimigas como nos relata
Diodoro175
No quinto dia Antiacutegono enviou mensageiros aos saacutetrapas
e aos macedocircnios instigando-os a natildeo obedecer Eumenes
e a confiar apenas no proacuteprio Antiacutegono Disse aos
171 Diod 1927 172 Diod 1918 173 Diod 1920 174 Diod1921 175 Diod 1925 ldquo[]τῆ πέμπτῃ δ Ἀντίγονος πρεσβευτὰς ἐξαπέστειλε πρός τε τοὺς σατράπας καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀξιν Εμενεῖ μὲν μὴ προσέχειν ἑαυτῶ δὲ πιστεύειν συγχωρήσειν γὰρ ἔφη τοῖς μὲν σατράπαις ἔχειν τὰς ἰδίας σατραπείας τν δὲ ἄλλων τοῖς μὲν χώραν πολλὴν δώσειν τοὺς δὲ εἰς τὰς πατρίδας ἀποστελεῖν μετὰ τιμς καὶ δωρεν τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξειςrdquo
82
saacutetrapas que permitiria a manutenccedilatildeo de suas proacuteprias
satrapias e aos macedocircnios que daria uma grande
extensatildeo de terra a alguns que enviaria os outros de
volta para casa com honra e presentes e que designaria
postos agravequeles que desejassem servir em seu exeacutercito
[τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξεις]
Tendo fracassado em sua tentativa de incorporaccedilatildeo das
tropas inimigas antes mesmo da batalha Antiacutegono findou por
enfrentar Eumenes numa ocasiatildeo decisiva conhecida como
batalha de Paraitacene (317 aC)
Iniciada a batalha vendo que sua ala direita estava
sendo esmagada pelos cavaleiros arqueiros de Antiacutegono
(graccedilas agraves taacuteticas de ciacuterculo cujo objetivo era o ataque
aos flancos pelo uso dos arcos176) Eumenes ordenou o apoio
de sua ala esquerda comandada por Eudamo Apoacutes o movimento
de flanqueamento executado por soldados ligeiros e pela
parte mais levemente armada de sua cavalaria (τὴν ὅλην τάξιν τοῖς
μὲν ψιλοῖς καὶ τοῖς ἐλαφροτάτοις τν ἱππέων) conseguiu derrotar a ala
direita de Antiacutegono comandada por Fiacutethon
Em seguida apoacutes consideraacutevel tempo de combate entre as
falanges os homens de Eumenes venceram devido agrave
experiecircncia dos arguraspides de modo que muitos dos
oficiais de Antiacutegono apoacutes a derrota de sua ala esquerda e
de toda a sua falange aconselharam a batida em retirada
Antiacutegono no entanto ao ver que a infantaria inimiga havia
avanccedilado vitoriosamente em direccedilatildeo agrave sua no intuito de
persegui-la ateacute proacuteximo aos montes e que a ala de Eudamo
natildeo esperava por um ataque desferiu um violento golpe
contra a ala esquerda de seu inimigo recobrando com isso o
moral e as condiccedilotildees combativas de sua infantaria
aparentemente derrotada Assim nos relata Diodoro177
176 Diod 1930 ldquo[] περιιππεύσαντες δὲ τὸ κέρας καὶ πλαγίοις ἐμβαλόντες πυκνοῖς τοῖς βέλεσι κατετίτρωσκον []rdquo 177 Diod 1930 ldquoταχὺ δὲ διὰ τὸ παράδοξον τρεψάμενος τοὺς ἐναντίους καὶ πολλοὺς ἀνελὼν διαπέστειλε τν ἱππέων τοὺς ἐλαφροτάτους καὶ διὰ τούτων ἀνεκαλέσατο τοὺς φεύγοντας καὶ παρὰ τὴν πωρίαν πάλιν εἰς τάξιν κατέστησενrdquo
83
Uma vez que seu ataque foi inesperado ele [Antiacutegono]
rapidamente derrotou aqueles que o enfrentaram
destruindo muitos deles Entatildeo enviou os mais raacutepidos
de seus cavaleiros e por meio deles reuniu os soldados
que haviam batido em retirada alinhando-os mais uma
vez ao peacute dos montes
Como os soldados encontravam-se todos exaustos a
batalha prosseguiu durante o tempo necessaacuterio para a
certeza de sua indefiniccedilatildeo Embora o resultado natildeo tenha
sido claro Antiacutegono usou de sua legitimidade como
comandante e forccedilou acampamento proacuteximo a batalha
relativamente distante das bagagens O motivo para este ato
era simples para os gregos aquele que detinha o controle
dos ritos fuacutenebres assim que encerrada a peleja possuiacutea o
direito de declarar-se vitorioso178
Em seguida Eumenes dirigiu suas tropas para Gabenecirc
com excelentes condiccedilotildees de abastecimento179
enquanto
Antiacutegono conduziu seu exeacutercito atraveacutes do deserto proacuteximo a
Gadamala180
Alguns dias apoacutes o ataque parcialmente
frustrado aos elefantes de Eumenes atrasados se comparados
ao restante das tropas ambos os exeacutercitos fizeram frente
um ao outro em Gabenecirc
Tendo disposto seus homens da maneira que consideravam
mais eficiente os generais deram iniacutecio ao confronto
sendo que Antiacutegono e Demeacutetrio posicionados na ala direita
desferiram um ataque agrave cavalaria de Eumenes que a esta
altura lhes fazia frente Antes do embate entretanto
Peucestes saacutetrapa da Peacutersia esquivou-se da batalha e
deixou Eumenes somente com parte de sua cavalaria181
Por
consequumlecircncia Eumenes natildeo suportou o choque com a cavalaria
inimiga a qual rodeou o corpo de infantaria e investiu
178 Diod 1931 ldquo[Antiacutegono] ἠμφισβήτει τς νίκης ἀποφαινόμενος προτερεῖν ἐν ταῖς μάχαις τὸ τν πεσόντων κυριεῦσαιrdquo Outros exemplos segundo Geer satildeo
encontrados em Xen Hel 75 e Justino 66 179 Diod 1934 180 Diod 1937 181 Diod1942
84
contra a cavalaria na outra ala completando um semiciacuterculo
pela retaguarda inimiga
Embora as manobras acima detalhadas tenham sido de
grande importacircncia no desenrolar da batalha a participaccedilatildeo
crucial se deu com os tarentinos e medos enviados com a
missatildeo de capturar os suprimentos inimigos aproveitando-se
da pouca visibilidade provocada pela poeira do terreno A
partir deste movimento Eumenes parcialmente derrotado se
viu forccedilado a recuar e contra atacar a investida sorrateira
dos tarentinos e medos enquanto Antiacutegono soube aproveitar
o momento de vulnerabilidade dos arguraspides sem a
proteccedilatildeo dos flancos e ordenou a investida da cavalaria de
Fiacutethon182
Os resultados da batalha natildeo foram nada agradaacuteveis para
os homens de Eumenes que tiveram seus suprimentos filhos
mulheres e muitos outros parentes capturados pelo inimigo
Com isso Antiacutegono exterminou completamente o espiacuterito
combativo dos macedocircnios induzindo um comportamento
tipicamente heleniacutestico no lugar do extermiacutenio dos refeacutens
e inimigos derrotados (mas preservados em suas habilidades
de combate) o general optou por alistaacute-los
[] os macedocircnios secretamente iniciaram negociaccedilotildees
com Antiacutegono capturando e entregando Eumenes
recobrando seus suprimentos e apoacutes receberem promessas
alistaram-se no exeacutercito acampado [καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον]183
Agora que Antiacutegono havia se tornado o mais poderoso dos
Diaacutedocos os seus rivais passaram a temer a consolidaccedilatildeo de
seu poder supremo abalado apenas por pequenas revoltas
182 Diod 1943 183 Diod 1943 [hellip] οἱ Μακεδόνες λάθρᾳ διαπρεσβευσάμενοι πρὸς Ἀντίγονον τὸν μὲν Εμεν συναρπάσαντες παρέδωκαν τὰς δ ἀποσκευὰς κομισάμενοι καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον
85
locais como a insurreiccedilatildeo fracassada liderada por Fiacutethon
na Meacutedia184
Encerrada as operaccedilotildees de Cassandro no Peloponeso e
apoacutes a fuga de Seleuco para o Egito185 a resposta imediata
agrave transformaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico heleniacutestico causada
pela emergecircncia de Antiacutegono como autoridade predominante na
lideranccedila dos exeacutercitos se deu com a alianccedila de Ptolomeu
Seleuco Cassandro e Lisiacutemaco
184 Diod 1946-48 185 Diod 1953 e Diod 1954 respectivamente
86
33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e
Lisiacutemaco
Assim que chegou ao Egito Seleuco tratou de convencer
Ptolomeu do risco que era deixar Antiacutegono ampliar suas
forccedilas sua arrogacircncia e suas ambiccedilotildees ao trono
macedocircnico186
Seleuco natildeo somente conseguiu estabelecer uma
alianccedila com o senhor do Egito mas tambeacutem alguns de seus
amigos obtiveram sucesso na cooptaccedilatildeo de Cassandro e
Lisiacutemaco Com isso apoacutes recusar a abordagem diplomaacutetica de
Antiacutegono que enviou mensageiros com o intuito de reforccedilar
sua amizade com os generais macedocircnicos em eacutepoca de crise
Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro exigiram de Antiacutegono (1) a
entrega da Capadoacutecia e da Liacutecia a Cassandro (2) da Friacutegia
a Lisiacutemaco (3) de toda a Siacuteria a Ptolomeu e (4) da
Babilocircnia a Seleuco sem mencionar a partilha dos tesouros
conquistados com a vitoacuteria sobre Eumenes187
Daiacute por diante uma seacuterie de embates subsequumlentes agrave
formalizaccedilatildeo do desentendimento dos Diaacutedocos dominaraacute a
cena poliacutetica pelos proacuteximos 15 anos e uma narrativa de
todos os pormenores do conflito natildeo seria eficaz na
apresentaccedilatildeo dos argumentos que estou a desenvolver neste
capiacutetulo Portanto tratarei da batalha de Ipso por ser
suficientemente documentada188
(se levarmos em consideraccedilatildeo
que as demais batalhas nos chegaram apenas em pouquiacutessimos
detalhes) e possibilitar interpretaccedilotildees razoavelmente
seguras sobre a arte da guerra heleniacutestica no tempo dos
Diaacutedocos
De acordo com Plutarco189 Demeacutetrio contava com mais de
70000 soldados de infantaria 10000 cavaleiros e 75
elefantes enquanto seus adversaacuterios haviam trazido cerca
186 Diod 1956 187 Diod 19 57 188 A principal fonte eacute Plut Dem 28-30 que provavelmente seguiu
Hierocircnimo de Caacuterdia 189 Plut Dem 28
87
de 65000 soldados de infantaria 10500 cavaleiros 120
carros de guerra e 400 elefantes
Tatildeo logo os exeacutercitos iniciaram a peleja Demeacutetrio
avanccedilou em direccedilatildeo a Antiacuteoco filho de Ptolomeu e ao
derrotaacute-lo facilmente e iniciar uma perseguiccedilatildeo para longe
do campo de batalha levou consigo a melhor e maior porccedilatildeo
da cavalaria (τοὺς πλείστους καὶ κρατίστους τν ἱππέων) do exeacutercito de
Antiacutegono Ao observar que a falange inimiga estava
desprotegida num dos flancos Seleuco ldquoos manteve em medo
de ataquerdquo rodeando os inimigos em ato ameaccedilador fazendo
com que muitos deles viessem a ele por sua proacutepria vontade
e com que os demais batessem em retirada190 Por fim
enquanto Antiacutegono aguardava pelo retorno de seu filho
impossibilitado de voltar ao combate devido ao avanccedilo
frontal dos elefantes inimigos (contra os 75 elefantes de
Antiacutegono e em seguida contra a proacutepria infantaria do
rei) sendo esta uma manobra que lanccedilava os paquidermes no
caminho de Demeacutetrio uma saraivada de projeacuteteis o atingiu
pondo fim a sua vida
Demeacutetrio ainda tentou com seus 5000 soldados de
infantaria e 4000 cavaleiros restantes da batalha
resistir em Atenas onde possuiacutea embarcaccedilotildees e recursos
diversos mas no caminho fora avisado por um mensageiro de
que os cidadatildeos de Atenas decidiram natildeo receber nenhum dos
reis
A batalha de Ipso provavelmente representou uma
tentativa de transformaccedilatildeo das funccedilotildees da cavalaria algo
ineacutedito na guerra heleniacutestica Certamente por influecircncia da
guerra encaminhada na porccedilatildeo mais oriental do impeacuterio
Seleuco tentou fazer com que os elefantes desferissem o
ataque principal enquanto a cavalaria comandada por seu
filho Antiacuteoco forccedilava uma retirada de Demeacutetrio Mas quais
190 Plut Dem 29
88
seriam no confronto que pocircs fim agrave hegemonia de Antiacutegono
as vantagens conferidas a Seleuco pelo uso dos elefantes
A primeira delas estava fixada pelo nuacutemero de elefantes
(400 no total contra apenas 75 de Antiacutegono) Seleuco
sabendo disso os fez avanccedilar frontalmente contra o corpo
principal do exeacutercito antigocircnida provavelmente ordenando
que seu filho Antiacuteoco batesse em retirada e levasse
consigo a maior e melhor parte da cavalaria inimiga sob o
comando de Demeacutetrio Ainda que Plutarco natildeo mencione tal
manobra por parte de Antiacuteoco afirmando pelo contraacuterio
que as tropas montadas antigocircnidas o haviam derrotado natildeo
parece provaacutevel que a cavalaria de Seleuco fugiria do campo
de batalha tatildeo rapidamente ou que Demeacutetrio a perseguiria
ateacute a batalha ser encerrada (a menos que a fuga de Antiacuteoco
fosse parte de um plano)
Tarn191 argumentou sobre esta possibilidade na deacutecada de
1930 salientando que iniciada a perseguiccedilatildeo da cavalaria
de Seleuco se Demeacutetrio desistisse cedo demais a cavalaria
inimiga poderia simplesmente retornar e atacar sua
retaguarda mas por outro lado se a perseguiccedilatildeo levasse
muito tempo a batalha central se tornaria
definitivamente um palco imaginaacuterio Aceita esta hipoacutetese
conclui-se que Seleuco pocircde desferir seu ataque principal
com os elefantes ao centro e com a cavalaria na ala inimiga
desprotegida enquanto Demeacutetrio ficou impossibilitado de
dar qualquer suporte a Antiacutegono devido ao sucesso da
possiacutevel manobra de Antiacuteoco uma vez que o avanccedilo dos
elefantes havia inviabilizado o caminho para as operaccedilotildees
de auxiacutelio
191 Tarn opcit p69
89
CAPIacuteTULO 3 ndash PODER MONAacuteRQUICO E ARTE DA GUERRA NA
MAGNA GREacuteCIA E NA SICIacuteLIA HELENIacuteSTICA
1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia
heleniacutestica
Diodoro nos relata que Agaacutetocles ldquoao saber que os
referidos priacutencipes tinham assumido o diadema e por natildeo se
considerar inferior a eles em poder territoacuterio e feitos
designou-se reirdquo192 Esta natildeo era uma monarquia siciliana
como as anteriores aleacutem do desejo de se igualar em poder
aos monarcas heleniacutesticos e de assumir caracteriacutesticas de
um ldquonovordquo tipo de realeza como veremos a seguir Agaacutetocles
mantinha com alguns dos Diaacutedocos relaccedilotildees diplomaacuteticas as
quais frequumlentemente ilustravam um posicionamento muito
semelhante agravequeles adotados pelos Sucessores de Alexandre
quanto ao direito de conquista amplamente baseado no
princiacutepio da doriktetos chora De forma similar agrave
distribuiccedilatildeo de territoacuterios liderada pelos generais
macedocircnicos apoacutes a morte de seu rei em 323 aC Agaacutetocles
pretendia negociar de acordo com Diodoro a distribuiccedilatildeo
do espaccedilo africano (ainda natildeo subjugado) e siciliano
(parcialmente hostil) com Ophellas em 309 aC por
ocasiatildeo de sua expediccedilatildeo cartaginesa
192 Diod 2054 ldquo[] γὰρ πυθόμενος τοὺς προειρημένους δυνάστας ἀνῃρημένους
διάδημα καὶ νομίζων μήτε δυνάμεσι μήτε χώρᾳ μήτε τοῖς πραχθεῖσι λείπεσθαι τούτων ἑαυτὸν ἀνηγόρευσε βασιλέαrdquo Sobre a basileia de Agaacutetocles consultar
principalmente Henry Julius Wetenhall Tillyard Agathocles Cambridge
The University Press 1908 Claude Mosseacute La tyrannie dans la Gregravece
Antique Paris Presses Universitaires de France 1969 PP 149-202
Klaus Meister CAH 7 1984 PP 384-411 Ricardo Vattuone Sapienza
d‟occidente Il pensiero storico di Timeo di Tauromenio Bologna
Pagravetron 1991 Pp 63-86 187-204 Lorenzo Braccesi I tiranni di
Sicilia Roma-Bari Laterza 1998 PP 101-113 Consolo Langher Efrem
Zambon ldquoFrom Agathocles to Hieratildeo II the birth and development of
basileia in Hellenistic Sicilyrdquo In Sian Lewis (org) Ancient
Tyranny Edinburgh The University Press 2006 PP 77-94 Sobre a
coroaccedilatildeo dos Diaacutedocos de maneira geral consultar os estudos e as
referecircncias apresentadas no cap2 desta tese
90
Apoacutes esta batalha Agaacutetocles ao examinar todas as
maneiras de subjugar os cartagineses enviou Orthon o
siracusano como mensageiro a Ophellas em Cirene
Ophellas havia sido um dos Companheiros de Alexandre em
sua expediccedilatildeo tendo assumido o controle da cidade de
Cirene e de um poderoso exeacutercito e aspirava a uma
dominaccedilatildeo mais ampla Este era o seu estado de espiacuterito
quando o mensageiro de Agaacutetocles chegou com o pedido de
auxiacutelio para a campanha contra os cartagineses Em
troca desse serviccedilo ele [o mensageiro] prometeu que
Agaacutetocles concederia a Ophellas liberdade total no
controle da Liacutebia Agaacutetocles disse-lhe o mensageiro
estava satisfeito com a Siciacutelia desde que estivesse
livre da ameaccedila cartaginesa e que pudesse governar sem
receio toda a ilha A Itaacutelia estava disponiacutevel e
proacutexima para ampliar o seu impeacuterio caso Agaacutetocles
ambicionasse mais poder193
Ao analisarmos o relato do historiador siciliano
torna-se evidente que o comandante siracusano queria
integrar o cenaacuterio poliacutetico internacional de seu tempo
orientado por criteacuterios de paridade com os Diaacutedocos e que
Ophellas seria sua melhor opccedilatildeo de alianccedila pois o mesmo
aspirava agrave conquista de mais territoacuterios Afinal tal
paridade em forccedila militar territoacuterios conquistados e
realizaccedilotildees seria o motor de sua monarquia autoproclamada
Quando Ophellas e seu exeacutercito se encontraram com
Agaacutetocles o mesmo colocou em praacutetica seu plano de traiccedilatildeo
o macedocircnio foi pego de surpresa e assassinado enquanto
tentava desesperadamente se defender o siracusano entatildeo
aproveitando-se da situaccedilatildeo recrutou o numeroso exeacutercito
193 Diod 2040 ldquoἈπὸ δὲ τς μάχης ταύτης γενόμενος καὶ πάντα τῆ διανοίᾳ σκοπούμενος
πρὸς τὸ λαβεῖν τοὺς Καρχηδονίους ποχειρίους ἐξέπεμψε πρεσβευτὴν Ὄρθωνα τὸν Συρακόσιον πρὸς φέλλαν εἰς Κυρήνην οὗτος δ ἦν μὲν τν φίλων τν συνεστρατευμένων Ἀλεξάνδρῳ κυριεύων δὲ τν περὶ Κυρήνην πόλεων καὶ δυνάμεως ἁδρᾶς περιεβάλετο ταῖς ἐλπίσι μείζονα δυναστείαν τοιαύτην οὖν ατοῦ διάνοιαν ἔχοντος ἧκεν ὁ παρ Ἀγαθοκλέους πρεσβευτής ἀξιν συγκαταπολεμσαι Καρχηδονίους ἀντὶ δὲ ταύτης τς χρείας ἐπηγγέλλετο τὸν Ἀγαθοκλέα συγχωρήσειν ατῶ τν ἐν Λιβύῃ πραγμάτων κυριεύειν εἶναι γὰρ ἱκανὴν ατῶ τὴν Σικελίαν ἵν ἐξῆ τν ἀπὸ τς Καρχηδόνος κινδύνων ἀπαλλαχθέντα μετ ἀδείας κρατεῖν ἁπάσης τς νήσου παρακεῖσθαι δὲ καὶ τὴν Ἰταλίαν ατῶ πρὸς ἐπαύξησιν τς ἀρχς ἐὰν κρίνῃ μειζόνων ὀρέγεσθαιrdquo Para esta passagem Austin (n90) eacute a traduccedilatildeo de referecircncia A
invasatildeo eacute vagamente mencionada por Polib 182 e a alianccedila por
Justino 226 Cf Consolo Langher pp 175-196
91
sem comandante para a guerra que jaacute estava preparado para
travar conseguindo com isso praticamente dobrar o nuacutemero
de seus homens194
Polieno contudo sequer menciona a intenccedilatildeo de
estabelecer qualquer alianccedila por parte de Agaacutetocles
Segundo Polieno195 Ophellas encontrava-se jaacute com numeroso
exeacutercito em postos avanccedilados contra Agaacutetocles ao que tudo
indica no iniacutecio da expediccedilatildeo africana liderada pelo
siracusano quando Agaacutetocles ciente da inclinaccedilatildeo de seu
inimigo por jovens rapazes enviou seu filho Heracleides
ldquoum rapaz de beleza extraordinaacuteriardquo com a missatildeo de
distraiacute-lo enquanto o exeacutercito siciliano revidava em
sigilo Ophellas apaixonado pelo rapaz mostrou-se incapaz
de prever a sua proacutepria morte e Agaacutetocles saiu vitorioso
resgatando seu filho com sucesso
O relato de Polieno eacute obviamente pouco criacutevel
considerando-se que dificilmente um comandante com a
experiecircncia de Ophellas ainda mais no comando de um
numeroso exeacutercito aacutevido pela guerra para a qual estavam
marchando desde Cirene se deixaria distrair tatildeo gravemente
pelo filho de seu inimigo ainda que tivesse as inclinaccedilotildees
sexuais mencionadas Parece igualmente improvaacutevel que
Ophellas natildeo tivesse sido cotado como aliado por Agaacutetocles
a julgar pela referecircncia tatildeo clara em Diodoro e pelo
desenrolar dos eventos na Aacutefrica O mais provaacutevel eacute que
Polieno natildeo tivesse conhecimento da alianccedila ou a tivesse
suprimido pela natureza didaacutetica de sua obra De qualquer
modo as relaccedilotildees diplomaacuteticas tiveram de acontecer mesmo
que unilateralmente em certo ponto e comprovam
preliminarmente a interaccedilatildeo (diplomaacutetica e beacutelica) entre
Agaacutetocles e o mundo heleniacutestico num niacutevel que para ele se
dava em grau de paridade Como nos lembra Braccesi a
194 Diod 2042
195 Polieno 53
92
Siciacutelia mostrou-se um espaccedilo imune agrave invasatildeo de Alexandre
mas natildeo ao seu projeto de conquista neste caso traduzido
pela ascensatildeo de Agaacutetocles agrave iminente realeza196 A
autoproclamaccedilatildeo de Agaacutetocles como rei simbolizava que o
siracusano via-se em condiccedilatildeo de reclamar territoacuterios nos
mesmos termos que os Diaacutedocos e as interaccedilotildees diversas com
alguns deles servem de evidecircncia para a postura de paridade
adotada pelo monarca
Parte da historiografia moderna no entanto tende a
classificar Agaacutetocles da mesma forma que os tiranos tardo-
claacutessicos ou ainda como os tiranos arcaicos de modo que
sua autoproclamaccedilatildeo representaria de fato apenas um traccedilo
de sua ambiccedilatildeo poliacutetica uma estrateacutegia de inserccedilatildeo sem
grandes resultados197 Veja-se por exemplo o que nos diz
Mosseacute para quem Agaacutetocles tirano popular198 teria se
transformado com a expediccedilatildeo africana numa figura
196 Braccesi op cit p101 Cf tambeacutem Lorenzo Braccesi L‟Alessandro
occidentale Il Macedone e Roma Roma ldquoL‟ermardquo di Bretschneider
2006 PP 54-67 Braccesi argumenta que apoacutes a morte de Alexandre o
problema puacutenico se confunde com a hereditariedade do poder monaacuterquico
produzindo uma ldquonascente sensibilidade heleniacutesticardquo a qual seria
direcionada agrave ameaccedila cartaginesa sob a forma de basileia justificada 197 Outra questatildeo recorrente na historiografia moderna eacute a classificaccedilatildeo
de Agaacutetocles como grande estadista ou como o mais cruel dos tiranos
discussatildeo que se arrasta desde a Antiguidade quando por exemplo
Caacutelias (FGrH 564T3) contemporacircneo de Agaacutetocles pinta uma aura de
piedade e humanidade para o siracusano ao passo que Timeu (FGrH
566F124) igualmente seu contemporacircneo diz que nenhum tirano mostrou-
se tatildeo cruel quanto ele Aleacutem da identificaccedilatildeo errocircnea da monarquia de
Agaacutetocles como sendo da mesma natureza que as tiranias tardo-
claacutessicas haacute que se considerar a interpretaccedilatildeo curiosa ndash e pouco
aceita ndash de Helmut Berve (Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen
Verlag 1953 Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967)
Segundo Berve Agaacutetocles manteve a sua magistratura em Siracusa tendo
criado ao mesmo tempo uma monarquia pessoal como maneira de combater
em nome da cidade e acumular territoacuterios em seu proacuteprio nome Como
desdobramento disso no final de sua vida Agaacutetocles teria devolvido a
democracia aos siracusanos sem abdicar da realeza o que de fato
carece de evidecircncias suficientes Para o assunto cf Meister CAH 7
pp 409-410 198 O que soa no fim das contas absurdo pois logo apoacutes a sua morte os
siracusanos confiscaram as suas propriedades derrubaram as suas
estaacutetuas e procederam a uma verdadeira damnatio memoriae Sobre a
criacutetica agrave classificaccedilatildeo da tirania de Agaacutetocles como ldquopopularrdquo cf
Meister CAH 7 p 410
93
tiracircnica tiacutepica do periacuteodo heleniacutestico o roy conqueacuterant199
embora seu comportamento indique no fim das contas uma
postura comum entre os tiranos que o precederam
Homem do povo pelo povo de Siracusa eacute que ele tentou
restaurar a supremacie da cidade que ele tentou
igualmente varrer o perigo que pesava sobre toda a
Siciacutelia o perigo cartaginecircs Homem de seu tempo []
imitador dos generais de Alexandre quanto ao tiacutetulo
reacutegio [] Ele natildeo liberou os escravos por princiacutepio
mas por que necessitava de homens para combater Nisso
ele se assemelhava aos tiranos do seacutecIV aC [] Ateacute
onde podemos conhececirc-lo ele continua a ser o tipo do
tirano popular mais proacuteximo no fim dos tiranos da
eacutepoca arcaica que dos condottieri do seacutecIV aC ou dos
ldquorevolucionaacuteriosrdquo da eacutepoca heleniacutestica200
Imitador dos Diaacutedocos Agaacutetocles agregaria em uacuteltima
instacircncia tanto os valores do tirano arcaico (devido ao
caraacuteter demagoacutegico de seu governo) quanto os costumes de
recrutamento do tirano claacutessico orientado pelo alistamento
massivo de exilados e mercenaacuterios Isso o torna peculiar
sem duacutevida mas o contexto eacute imperativo para o assunto e
como tal impotildee agrave monarquia adotada por Agaacutetocles um sentido
especialmente heleniacutestico Natildeo resta duacutevida que o
alistamento massivo de profissionais era uma praacutetica de
origens tardo-claacutessicas na Siciacutelia grega da mesma forma o
traccedilo popular dos governos autocraacuteticos remonta agrave eacutepoca
arcaica201 Poreacutem tais peculiaridades encontravam-se
inseridas no contexto de fragmentaccedilatildeo do impeacuterio de
Alexandre fazendo da Siciacutelia como dito anteriormente
parte do projeto de conquista macedocircnica (o que seria
executado obviamente pelos Diaacutedocos) e de Agaacutetocles o
homem capaz de liderar uma inovaccedilatildeo poliacutetica de
caracteriacutesticas heleniacutesticas
199 Claude Mosseacute op cit p 171 Sobre a identificaccedilatildeo de Agaacutetocles
com tiranos arcaicos e tardo-claacutessicos cf Zambon op cit p 77 200 Mosseacute op cit pp 176-177 Grifo nosso
201 Meister CAH 7 pp 409-410
94
Braccesi quase 30 anos apoacutes a publicaccedilatildeo do livro de
Mosseacute mostra-se um pouco mais otimista quanto agrave concretude
da monarquia de Agaacutetocles O contexto de interaccedilatildeo do
siracusano com os generais macedocircnicos aparece com mais
relevacircncia de modo a gerar uma interpretaccedilatildeo histoacuterica
acerca dos problemas de longevidade da basileia
agatocleana A natureza heleniacutestica da monarquia
introduzida na Siciacutelia por Agaacutetocles eacute inquestionaacutevel mas
trata-se no final das contas de uma monarchia mancata202
Recentemente Zambon203 sustentou que Agaacutetocles iniciou
uma mudanccedila constitucional ao introduzir a monarquia de
tipo heleniacutestico em Siracusa e que seu exemplo foi seguido
por diversos governantes posteriores (tais como Phintias
Pirro e Hieratildeo II) Considerado o niacutevel de sistematizaccedilatildeo
desenvolvido por Zambon podemos dizer que a sua
interpretaccedilatildeo soa demasiado otimista forccedilando
propositalmente (pela preservaccedilatildeo do argumento) uma
continuidade exagerada nas mudanccedilas institucionais
siciliotas apoacutes a morte de Agaacutetocles Naquele momento
contudo tentativas de retomada das formas constitucionais
perdidas com a ascensatildeo do monarca emergiram muitas delas
temporariamente bem-sucedidas Em defesa do otimismo
zamboniano podemos apenas dizer com certa razatildeo que o
cenaacuterio poliacutetico siciliota mostrou-se suficientemente
confuso e marcado como recorda Zambon por ldquoguerras civis
sangrentasrdquo bem como por ldquoconsequumlecircncias [soacutecio-econocircmicas]
de campanhas militares exaustivasrdquo e soluccedilotildees poliacuteticas
extremas adotadas pelas poacuteleis que agregavam poder de
lideranccedila na porccedilatildeo leste da ilha204 Diante de tamanha
complexidade e da evidecircncia para o surgimento da monarquia
de tipo heleniacutestico na ilha como parte do conjunto das
202 Braccesi op cit p 110
203 Zambon op cit pp 77-94 Zambon Hellenistic Sicily
204 Zambon Hellenistic Sicily p 267
95
inovaccedilotildees poliacuteticas siciliotas (momentaneamente fracassadas
e posteriormente retomadas) devemos a esta altura nos
perguntar como se deu a introduccedilatildeo da basileia por
Agaacutetocles e em quais aspectos ela representou uma imitatio
Alexandri O primeiro indiacutecio analisado eacute obviamente a
transformaccedilatildeo de ordem poliacutetica que deve ser compreendida
no decorrer da trajetoacuteria de Agaacutetocles cedendo espaccedilo em
seguida para o estudo dos indiacutecios de uma imitatio em
campo taacutetico a partir das tropas que a organizaccedilatildeo social
siciliana disponibilizou no contexto
Em 337 aC apoacutes a morte de Timoleatildeo frente ao
problema da sucessatildeo de um liacuteder que havia pacificado na
medida do possiacutevel a Siciacutelia grega e promovido em larga
escala um verdadeiro tiraniciacutedio diversas tiranias
reapareceram na porccedilatildeo leste da ilha e a ofensiva
cartaginesa novamente gerava resultados preocupantes para
os gregos A democracia siracusana havia sido a esta altura
substituiacuteda por uma oligarquia a qual era liderada por
Sosiacutestrato e Heracleides Com isso a velha guerra civil
retornou com forccedila total colocando cidadatildeos (democratas e
oligarcas) em lados opostos convivendo num grau de
desentendimento que se traduzia no derramamento contiacutenuo de
sangue
Os primeiros anos da vida poliacutetica de Agaacutetocles se
deram no exiacutelio quando o siracusano parece ter aproveitado
a puniccedilatildeo para angariar apoio noutras regiotildees e recrutar o
nuacutemero de mercenaacuterios que seu dinheiro pudesse pagar Apoacutes
o seu retorno a Siracusa em 319 aC jaacute em cenaacuterio
poliacutetico favoraacutevel Agaacutetocles apresentou-se como defensor
da democracia e segundo Diodoro conquistou o apoio
popular por sua abordagem demagoacutegica (δημαγωγήσας) Em
seguida Agaacutetocles teria sido eleito strategos e ldquoguardiatildeo
96
da pazrdquo (φύλαξ τς εἰρήνης)205 Meister e Zambon recordam que um
termo ligeiramente diferente aparece na Marmor Parium (FGrH
239F12) onde eacute sugerida jaacute no iniacutecio uma strategia
autocraacutetica206 o que altera sensivelmente a natureza da
magistratura de Agaacutetocles e sugere nesse caso o uso de
fontes favoraacuteveis ao tirano por Diodoro A strategia
autocraacutetica era um cargo extraordinaacuterio sendo o magistrado
eleito por tempo indeterminado e com objetivos de caraacuteter
urgente No caso em questatildeo a querela entre democratas e
oligarcas deveria ser mais uma vez solucionada mas com o
strategos agrave frente da poliacutetica externa Tratava-se
portanto de ldquouma excelente oportunidade para o golpe de
Estadordquo recorda o historiador italiano Aleacutem disso
Agaacutetocles natildeo era exatamente o homem mais indicado para
coordenar um equiliacutebrio muacutetuo entre as facccedilotildees como a sua
imediata ascensatildeo ao poder absoluto precedida pelo
extermiacutenio dos seus adversaacuterios poliacuteticos foi capaz de
mostrar207 A nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles tenha ela acontecido
nos termos postos por Diodoro ou da forma direta presente
na inscriccedilatildeo sugere uma legalidade no processo o que
dificilmente ocorreu A eleiccedilatildeo era apenas uma ldquopseudo-
legalidade formalrdquo diz Meister208 uma vez que (1) os
adversaacuterios poliacuteticos oligarcas haviam sido assassinados ou
exilados (2) a assembleacuteia era composta basicamente por
entusiastas da nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles e (3) um grande nuacutemero
de soldados dava cobertura armada para o golpe Parece
205 Diod 195 Eacute possiacutevel que Diodoro tenha usado neste caso uma
fonte favoraacutevel a Agaacutetocles de modo a alterar as caracteriacutesticas das
primeiras magistraturas que ele assumiu em Siracusa 206 Marmor Parium (FGrH 239F12) ldquoE naquele mesmo ano os siracusanos
escolheram Agaacutetocles como bdquostrategos autocrator‟ das defesas
siciliotasrdquo Meister CAH 7 p 389 Zambon op cit p 78 Marmor
Parium eacute uma famosa inscriccedilatildeo encontrada em Paros datada de 2643
aC e preservada em duas partes podendo ser consultadas
gratuitamente no website do Ashmoelan Museum
(httpwwwashmoleanorg) 207 Meister CAH 7 p 388
208 Meister CAH 7 p 389
97
incorreto portanto falar de uma eleiccedilatildeo livre e legal do
mesmo modo que pressupor uma participaccedilatildeo efetiva da
assembleacuteia nas decisotildees tomadas por Agaacutetocles o que
inviabiliza inclusive a sua interpretaccedilatildeo como ldquotirano
popularrdquo A sua abordagem demagoacutegica posta muitas vezes
numa entonaccedilatildeo positiva por Diodoro funcionava apenas como
princiacutepio ideoloacutegico para a manutenccedilatildeo de um poder
autocraacutetico e opressor em relaccedilatildeo ao funcionamento da
assembleacuteia o qual foi associado como recurso estrateacutegico
de compensaccedilatildeo ao cancelamento de diacutevidas redistribuiccedilatildeo
de terras construccedilatildeo de diversos preacutedios puacuteblicos e
expansatildeo da frota siracusana
De acordo com Zambon209 o primeiro indiacutecio da adoccedilatildeo da
basileia heleniacutestica por Agaacutetocles encontra-se numa accedilatildeo
especiacutefica durante a campanha africana (310-307 aC)
Nesta ocasiatildeo em 309 aC o tirano teria dado indiacutecios de
que pretendia mesmo adotar um novo tipo de realeza em
sintonia com a emergente ideologia advinda do mundo
heleniacutestico Zambon remonta o significante episoacutedio do
motim em Tuacutenis210 quando Agaacutetocles decidiu enfrentar o
problema pessoalmente diante dos soldados Apoacutes vestir uma
toga puacuterpura (τὴν πορφύραν)211 siacutembolo da realeza naquele
tempo Agaacutetocles foi ter com suas tropas rebeldes que
reconheceram seus trajes como roupas reais (τὴν βασιλικὴν
ἐσθτα) adequadas ou pertencentes ao seu comando (τὸν
προσήκοντα κόσμον) Embora seja improvaacutevel que Agaacutetocles
tivesse pensado em se autoproclamar basileu antes mesmo dos
209 Zambon op cit p 80
210 Diod 2034
211 Esta foi a primeira vez em que Agaacutetocles apareceu diante de suas
tropas trajando a toga puacuterpura A toga alaranjada no estilo tarentino
(κροκωτὸν ἐνδὺς) no entanto havia jaacute sido empregada por Agaacutetocles de acordo com informaccedilatildeo registrada em Polieno 53 Na ocasiatildeo Agaacutetocles
convidou quase 500 pessoas (hostis agrave sua autoridade em Siracusa) para
um banquete e momentos apoacutes ter cantado danccedilado e tocado harpa
vestido com sua toga alaranjada no estilo tarentino mandou executar
todos os convidados
98
Diaacutedocos o ponto aqui eacute que Agaacutetocles certamente modificou
a concepccedilatildeo de seu proacuteprio poder durante a campanha
africana e que estava inclinado a atingir uma nova escala
de influecircncia poliacutetica entre seus homens A vitoacuteria sobre
Ophellas vale lembrar um dos antigos Companheiros de
Alexandre certamente influenciou a referida postura
durante a expediccedilatildeo africana
Suporte para a orientaccedilatildeo heleniacutestica de Agaacutetocles pode
ser encontrado tambeacutem numa evidecircncia arqueoloacutegica que tem
se mostrado tatildeo decisiva quanto polecircmica um estater de
ouro de Agaacutetocles com apenas 3 exemplares conhecidos
(fig1)212 A moeda possui no anverso uma cabeccedila com um
escalpo de elefante e o chifre de Amon e no reverso a
imagem de uma Atena ldquomarchanterdquo equipada com elmo escudo
e lanccedila sendo precedida por uma coruja aos seus peacutes ave
frequumlentemente ligada agrave divindade e com a inscriccedilatildeo
AGATHOKLEOS (ldquode Agaacutetoclesrdquo) agraves suas costas Como nos
lembra Stewart o estater de ouro tem sido vinculado agrave
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles desde o seacutecXIX aleacutem de
parecer inquestionaacutevel que se trata de uma imitaccedilatildeo dos
tetradracmas de Ptolomeu especificamente aqueles dos anos
3143 aC (fig2)213 A primeira questatildeo analiacutetica pode ser
sugerida a partir da figura presente no anverso Noutras
palavras de quem seria a cabeccedila representada no estater
Claramente a Atena representada no reverso refere-se a uma
vitoacuteria militar (Athena Nikeacute) e deve tratar do iniacutecio da
expediccedilatildeo africana214 desdobrando-se portanto em algumas
212 Haacute outras evidecircncias para o impacto da expediccedilatildeo asiaacutetica de
Alexandre no mundo mediterracircnico ocidental tais como um vaso
apuliano cujo tema central eacute a batalha de Isso e um retrato no
templo de Melkart em Caacutedis Sobre a repercussatildeo que a anaacutebasis de
Alexandre teve no mundo ocidental antigo consultar Andrew Stewart
Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic Politics Berkeley
and Los Angeles University of California Press 1993 pp 150-157
263-289 213 Stewart op cit p 266
214 Uma vez que a expediccedilatildeo terminou em fracasso a cunhagem natildeo pode
ter se dado apoacutes 307 aC Aleacutem disso haacute que se considerar uma
99
interpretaccedilotildees possiacuteveis para a cabeccedila em questatildeo trata-
se dizem alguns da personificaccedilatildeo da Aacutefrica Liacutebia ou
Siciacutelia215 ao passo que outros sustentam uma identificaccedilatildeo
com Alexandre ou com o proacuteprio Agaacutetocles216 A mim parece
evidente que se trata de Agaacutetocles representado como
Alexandre pelos seguintes motivos 1) como notaram alguns
estudiosos a personificaccedilatildeo da Aacutefrica da Liacutebia ou mesmo
da Siciacutelia natildeo eacute seguramente documentada ateacute o periacuteodo
romano devendo ainda ser considerado o chifre de Amon e a
fronte masculina como evidecircncias da impossibilidade de uma
representaccedilatildeo feminina217 2) embora natildeo existissem
elefantes no exeacutercito de Agaacutetocles a sua ausecircncia mesmo
entre os cartagineses do periacuteodo de cunhagem do estater
indica que se tratava de algo puramente simboacutelico sem
referecircncia imediata ao exeacutercito do comandante siracusano
mostrando-se portanto como imitaccedilatildeo dos tetradracmas de
Ptolomeu (314-3 aC) como previamente sugerido e
visando em uacuteltima instacircncia o viacutenculo com o impeacuterio de
Alexandre o Grande (filho de Amon) a partir de um dos
siacutembolos poliacutetico-militares mais poderosos dos Diaacutedocos (o
referecircncia em Diod 2011 sobre a primeira vitoacuteria de Agaacutetocles na
Aacutefrica quando os soldados apoiados por corujas (animal ligado agrave
deusa Atena como dito acima) conseguiram derrotar os cartagineses
ldquoao perceber que os seus soldados estavam aterrorizados com o grande
nuacutemero da cavalaria e da infantaria baacuterbaras [Agaacutetocles] soltou
corujas entre o seu exeacutercito as quais ele tinha preparado como meio
de retirar o medo dos soldados comuns as corujas voando atraveacutes da
falange e pousando nos escudos e elmos encorajaram os soldados e
cada homem entendeu o ocorrido como um pressaacutegio uma vez que o
paacutessaro eacute consagrado a Atenardquo A referecircncia soa absurda do ponto de
vista taacutetico mas deve ter sido inspirada por algum evento relacionado
agraves corujas a julgar pelos dados cruzados tanto no estater quanto no
relato do historiador siciliano 215 Kuschel 1961 15 e Goukowsky 1978 207 sugeriram Aacutefrica e Liacutebia
sendo a Siciacutelia tambeacutem sugerida por Goukowsky 1978 356 216 Alexandre parece o mais provaacutevel para os estudiosos como encontrado
em Walther Giesecke (Sicilia numismaacutetica Leipzig K W Hiersemann
1923 P 91) e Ernest Babelon (ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1
95-107 1924 P 102) enquanto Agaacutetocles tem sido sugerido por
exemplo por Erick Sjoumlqvist (ldquoA portrait Head from Morgantina AJA 66
319-322 1962 P 320rdquo) Para um balanccedilo geral das diversas
interpretaccedilotildees cf Stewart op cit pp 266-268 217 Cf Stewart op cit p 268
100
elefante de combate) Pode-se dizer que a imagem faz
referecircncia estrita a Alexandre devido ao chifre de Amon
mas considerando-se cuidadosamente a inscriccedilatildeo no reverso e
o contexto de cunhagem chega-se agrave conclusatildeo de que a
cabeccedila sugere Agaacutetocles representado como Alexandre (o que
anularia inclusive a criacutetica feita por alguns estudiosos
de que a cabeccedila de Agaacutetocles havia sido representada
diferentemente noutras moedas)
101
2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo
poliacutetica da morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro
Entre 310 aC e 290 aC os tradicionais problemas
siciliotas haviam sido parcialmente controlados por meio da
centralizaccedilatildeo liderada por Agaacutetocles Submetidas ao
controle de Siracusa as poacuteleis da Siciacutelia experimentaram
uma reduccedilatildeo dos conflitos internos que quase sempre
resultavam em stasis (uma vez que natildeo possuiacuteam autonomia
para tanto) e o domiacutenio cartaginecircs manteve-se em boa parte
do tempo restrito agrave porccedilatildeo oeste da ilha (dado o caraacuteter
militarmente ofensivo da poliacutetica externa siracusana) Apoacutes
a morte de Agaacutetocles no entanto com a reconquista da
autonomia das cidades vieram todos os tradicionais
problemas siciliotas somando-se ao novo distuacuterbio
migratoacuterio que os gregos da Siciacutelia tiveram que enfrentar
os mercenaacuterios do exeacutercito do monarca218
De modo similar ao que ocorreu com os macedocircnios a
questatildeo mais delicada na Siciacutelia grega teve relaccedilatildeo com a
sucessatildeo do rei (heleniacutestico) Uma diferenccedila todavia deve
ser notada no caso siciliota os paracircmetros sucessoacuterios
nunca foram muito claros ou mesmo respeitados ainda que a
tendecircncia natural fosse a delegaccedilatildeo do poder real aos
filhos do monarca em exerciacutecio Nos uacuteltimos anos de sua
vida Agaacutetocles havia confiado o controle dos exeacutercitos a
Archagathus neto do rei e filho do tambeacutem nomeado
Archagathus ex-combatente morto na Liacutebia219 De acordo com
218 Para os problemas gerados pelos mercenaacuterios de Agaacutetocles apoacutes a sua
morte consultar Gianluca Tagliamonte ldquoRapporti tra societagrave di
immigrazione e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo
aCrdquo In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti Del
XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna Grecia Taranto
1999 PP 547-572 219 Diod 2116 Justino 232 Para uma distinccedilatildeo entre ambos ver
Niese ldquoArchagatusrdquo in RE 21 432-433 1895
102
Diodoro220 o plano de Agaacutetocles era que seu filho
Agaacutetocles juacutenior se tornasse o sucessor legiacutetimo tendo
com esse propoacutesito apresentado o jovem em Siracusa e o
enviado a Etna com uma carta de autorizaccedilatildeo para o comando
supremo das tropas Ao saber da deliberaccedilatildeo do rei
Archagathus teria decidido levar adiante um plano de
usurpaccedilatildeo Como primeira medida instigaria Menon um dos
amigos (philoi) de Agaacutetocles a envenenar o rei enquanto o
proacuteprio strategos levaria a cabo o assassinato do priacutencipe
apoacutes embebedaacute-lo durante uma festa organizada com esse
objetivo
Se aceitarmos o relato diodoreano a conclusatildeo imediata
eacute que Agaacutetocles desejava manter unidas strategia e
basileia no intuito de assegurar hereditariamente a
concentraccedilatildeo dos poderes poliacutetico e militar nas matildeos de um
soacute homem221 Ao seguir o formato monaacuterquico heleniacutestico
Agaacutetocles teria concedido plenos poderes poliacuteticos ao
general e ao mesmo tempo autoridade sobre os exeacutercitos ao
rei
Haacute contudo uma explicaccedilatildeo alternativa para a sucessatildeo
em Justino a qual natildeo pode ser negligenciada pelos
historiadores ldquoconforme a sua vida esvaiacutea uma guerra
nasceu entre seu filho e seu neto pelo direito agrave sucessatildeo
do reino como se ele jaacute estivesse morto apoacutes eliminar o
filho o neto tomou posse do poder reacutegiordquo222 De acordo com
Justino tanto Agaacutetocles juacutenior quanto Archagathus ao que
parece ainda no comando de consideraacutevel parte do exeacutercito
natildeo teriam sido escolhidos para suceder o rei Ao narrar
que Agaacutetocles teria enviado sua esposa ao Egito os dois
filhos que tivera com ela juntamente com seu tesouro
220 Diod 2116
221 Zambon Hellenistic Sicily pp19-20
222 Justino 232 Ex qua desperatione bellum inter filium nepotemque
eius regnum iam quasi mortui vindicantibus oritur occiso filio regnum
nepos occupavit
103
servos e mobiacutelia real Justino torna claro que o rei natildeo
havia pensado em nenhum dos rebeldes (filho e neto) como
seu sucessor legiacutetimo e que o conflito ter-se-ia iniciado
devido ao seu estado fraacutegil de sauacutede causado por uma
repentina e fatal doenccedila
Por uacuteltimo somente Diodoro menciona que Agaacutetocles
apoacutes ter sido envenenado por Menon a mando de Archagathus
ldquoconvocou a populaccedilatildeo denunciou Archagathus por sua
impiedade instigou a multidatildeo a se vingar e declarou que
devolveu a democracia ao corpo de cidadatildeosrdquo223 Certamente
o que verificamos logo apoacutes a morte de Agaacutetocles eacute a
retomada do governo proacuteprio de Siracusa que muito em breve
entraria em colapso para dar lugar a mais uma guerra civil
Diodoro224 menciona um evento importante sobre os soldados
pagos de Agaacutetocles chamados mamertinos225 os quais foram
obrigados apoacutes longa negociaccedilatildeo mediada pelos anciatildeos (οἱ
πρεσβῦται) a vender as suas propriedades e deixar a Siciacutelia
(τὰς ἑαυτν κτήσεις ἀποδομένους ἀπελθεῖν ἐκ Σικελίας)
Se aceitarmos o uacutenico fato em comum nos dois relatos
preservados sobre a sucessatildeo de Agaacutetocles isto eacute a luta
entre filho e neto pelo poder reacutegio haacute talvez uma forma de
unificar as divergecircncias nos testemunhos de Diodoro e
Justino Mesmo que Agaacutetocles natildeo tivesse escolhido seu
filho como sucessor podemos supor que o mesmo possuiacutea
direito ao trono uma vez que Archagathus o combateu com o
intuito de eliminaacute-lo da contenda sucessoacuteria226
Archagathus por outro lado possuiacutea o controle de boa
223 Diod 2116 [] ἐκκλησιάσας τὸν λαὸν κατηγόρησε τς ἀσεβείας Ἀρχαγάθου καὶ τὰ
μὲν πλήθη παρώξυνε πρὸς τὴν ατοῦ τιμωρίαν τῶ δὲ δήμῳ τὴν δημοκρατίαν ἔφησεν ἀποδιδόναι 224 Diod 2118
225 Diodoro 2118 nos informa que a cidade chamava-se Mamertina apoacutes
Ares que era conhecido ali pelo nome de Mamertos 226 Consolo Langher pp 320-321 tenta unificar as divergecircncias nos dois
relatos de modo muito similar exceto pelo fato de que toma como
incontestaacutevel a indicaccedilatildeo diodoreana com relaccedilatildeo agrave escolha do sucessor
e posterior revolta paterna diante da morte de seu primogecircnito O
problema aqui eacute a exclusatildeo intencional do que nos informa Justino que
natildeo faz qualquer menccedilatildeo agrave escolha de um sucessor por Agaacutetocles
104
parte dos exeacutercitos como atestado em ambas as fontes o
que lhe dava condiccedilotildees de reclamar o trono Se por um
lado Agaacutetocles natildeo escolheu seu filho como sucessor como
nos faz crer Justino por outro o rei natildeo desejava deixar
a heranccedila ao seu neto como nos indica tanto o despacho dos
seus tesouros ao Egito apoacutes a morte de Agaacutetocles juacutenior em
Justino227 como a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos
siracusanos instantes antes de sua morte em Diodoro228
Apesar da divergecircncia quanto agrave escolha sucessoacuteria para
a qual proponho a soluccedilatildeo apresentada229 os testemunhos de
Diodoro e Justino preservam algo muito interessante tendo
Agaacutetocles escolhido seu filho como herdeiro o que teria
provocado os planos de usurpaccedilatildeo do neto e a consequumlente
luta pelo trono ou tendo filho e neto lutado pela sucessatildeo
sem o consentimento do rei do que resultou a morte do
filho e a hostilidade de Agaacutetocles para com Archagathus
parece incontornaacutevel o fato de que a manutenccedilatildeo da uniatildeo
entre strategia e basileia tenha sido um dos motores do
conflito As monarquias sicilianas posteriores do mesmo
modo tenderatildeo a manter o formato inaugurado por Agaacutetocles
ora baseando-se no esquema de incorporaccedilatildeo definitiva da
strategia compulsoacuteria agrave esfera do poder monaacuterquico ora
desdobrando a monarquia de tipo heleniacutestico da strategia
autocraacutetica
227 Justino 232
228 Diod 2116
229 Consolo Langher p 321 e Zambon Hellenistic Sicily p 25
propuseram algo no mesmo sentido particularmente quanto agraves
providecircncias do rei para evitar que seu neto tomasse o poder Tal
interpretaccedilatildeo contraria abertamente a proposta de Helmut Berve op
cit que via a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos siracusanos por
Agaacutetocles como reconhecimento do fracasso institucional da basileia na
Siciacutelia
105
3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica230
Semelhante a Alexandre ldquoem aparecircncia velocidade e
movimentordquo231 Pirro tomou um caminho diferente daquele
assumido por Agaacutetocles Como o rei do Epiro clamava ser
descendente de Aquiles optou por se apresentar como a
proacutepria reencarnaccedilatildeo de Alexandre ao inveacutes de explorar a
memoacuteria do rei por exemplo por meio de cunhagem poacutestuma
(o que havia sido feito por Agaacuteocles)232 Diferentemente dos
planos de unificaccedilatildeo poliacutetica e cultural concebidos por
Alexandre a atuaccedilatildeo de Pirro findou por ser a de lideranccedila
em questotildees essencialmente praacuteticas na vida dos italiotas e
siciliotas Inicialmente apoacutes fracassar nos embates contra
Lisiacutemaco que havia subornado os macedocircnios de seu exeacutercito
ao questionar a quem deveriam ser leais se aos amigos e
companheiros de Alexandre ou ao estrangeiro que acolheram
como rei233 Pirro tomou o pedido de auxiacutelio dos tarentinos
em 281 aC (passados os quatro anos que Leacutevecircque Pirro
entende terem sido um ldquoperiacuteodo de reflexatildeordquo234) como a sua
melhor chance de realizar a conquista do ocidente com a
qual Alexandre havia provavelmente sonhado algumas deacutecadas
antes e concretizar uma monarquia de tipo heleniacutestico
O diaacutelogo entre Pirro e Cineas diplomata de origem
tessaacutelia a serviccedilo do rei ilustra claramente as intenccedilotildees
do epirota em se tornar um monarca de tipo heleniacutestico
(considerando como veremos a seguir que a monarquia
epirota era de um tipo peculiar permanecendo o rei
submetido agrave fiscalizaccedilatildeo constante dos molossianos) a
230 Leacutevecircque Pirro Zambon Hellenistic Sicily pp 97-175
231 Plut Pirro 81
232 Stewart (op cit p284) lembra que as suas moedas traziam imagens
de Aquiles Teacutetis Dione e Zeus 233 Plut Pirro 126 Leacutevecircque Pirro p 166 Leacutevecircque Pirro calcula
somente 3 anos para o governo da Macedocircnia e 2 anos para o governo da
Tessaacutelia antes de o epirota sofrer a derrota para Lisiacutemaco 234 Leacutevecircque Pirro p 168
106
reencarnaccedilatildeo de Alexandre em proporccedilotildees similares de
conquista
bdquoOs romanos oacute Pirro satildeo conhecidos como bons
combatentes e como governantes de muitos povos
belicosos se entatildeo a divindade nos permitir
prevalecer sobre esses homens como deveriacuteamos usar a
nossa vitoacuteria‟ E Pirro disse bdquoa questatildeo oacute Cineas
realmente natildeo necessita de resposta uma vez
conquistados os romanos natildeo haacute nem baacuterbaros nem gregos
que sejam paacutereo para noacutes mas noacutes devemos dominar de
uma vez toda a Itaacutelia cuja grandeza (μέγεθος) excelecircncia (ἀρετὴν) e forccedila (δύναμιν) nenhum homem conhece melhor que vocecirc‟ Apoacutes uma pequena pausa entatildeo Cineas
disse bdquoapoacutes tomar a Itaacutelia oacute Rei o que noacutes iremos
fazer‟ E Pirro sem perceber ainda a sua intenccedilatildeo
respondeu bdquoa Siciacutelia estaacute ao nosso alcance e estende-
nos as matildeos sendo uma ilha rica e populosa bem como
faacutecil de capturar pois tudo laacute oacute Cineas se resume a
stasis (στάσις γὰρ ὦ Κινέα πάντα νῦν ἐκεῖ[να]) suas cidades estatildeo anaacuterquicas (ἀναρχία πόλεων) e os demagogos agitados com Agaacutetocles morto (καὶ δημαγωγν ὀξύτης Ἀγαθοκλέους ἐκλελοιπότος)‟ bdquoO que vocecirc fala‟ respondeu Cineas bdquoparece oportuno
mas a nossa expediccedilatildeo iraacute se encerrar com a tomada da
Siciacutelia‟ bdquoA divindade‟ disse Pirro bdquonos concederaacute a
vitoacuteria e o sucesso da empreitada essas disputas seratildeo
usadas como preliminares de feitos grandiosos
(πραγμάτων μεγάλων) Ora quem se absteria da Liacutebia ou de Cartago tendo a cidade se tornado acessiacutevel uma
cidade que Agaacutetocles ao fugir de Siracusa secretamente
e cruzar o mar com poucas embarcaccedilotildees por pouco natildeo
conquistou E quando noacutes tivermos ali nos tornado
senhores nenhum dos inimigos que agora nos insultam
ofereceraacute resistecircncia eacute desnecessaacuterio dizer isso‟ 235
O rei do Epiro foi capaz de vencer duas batalhas (as
famosas ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo) que analisarei em maiores
detalhes mais agrave frente neste capiacutetulo e entatildeo partiu para
a Siciacutelia como o homem capaz de substituir Agaacutetocles na
luta contra os cartagineses No momento da travessia de
Pirro para a Siciacutelia a porccedilatildeo nordeste da ilha encontrava-
se sob lideranccedila dos mamertinos que apoacutes terem eliminado
os cidadatildeos de Messina assumiram o controle da cidade Com
235 Plut Pirro 142-5 Cf Chaniotis WHW p 57
107
a morte de Agaacutetocles e a ausecircncia de um sucessor imediato
que pudesse manter-se no poder de forma legiacutetima ou mesmo
suprimir os violentos embates civis de Siracusa (Hicetas
foi capaz de derrotar Menon e Phintias de Acragas mas natildeo
de sobreviver aos conflitos internos apoacutes nove anos de
tirania)236 o avanccedilo cartaginecircs tornou-se inevitaacutevel
somando-se ao fato de que as cidades gregas independentes
(tais como Tauromenium e Acragas) mostraram-se mais
preocupadas com a tributaccedilatildeo imposta pelos mamertinos do
que propriamente com a investida comandada por Cartago Tal
preocupaccedilatildeo natildeo era descabida A sua independecircncia estava
novamente ameaccedilada agora por soldados do antigo monarca
os quais haviam estabelecido uma alianccedila com os
cartagineses no intuito de barrar a travessia de Pirro
como nos informa Diodoro
Os mamertinos que massacraram os habitantes de
Messina estabeleceram uma alianccedila com os cartagineses
e decidiram juntos impedir a travessia de Pirro para a
Siciacutelia237
Pirro desfrutava de excelente reputaccedilatildeo entre os
siciliotas particularmente com os siracusanos (a esta
altura sitiados pelos cartagineses) devido agrave sua
experiecircncia militar na Peniacutensula ao longo de mais de dois
anos e havia decidido partir para a Siciacutelia como
libertador dos gregos O fracasso nas negociaccedilotildees de paz
com os romanos e os constantes apelos de Siracusa eram
elementos que precisavam ser ajustados quisesse o rei
partir para a Siciacutelia sem expor a sua retaguarda ao
provaacutevel avanccedilo das legiotildees na Magna Greacutecia e ainda contar
com o apoio logiacutestico das cidades siciliotas
236 Hicetas foi substituiacutedo por Thoenon (Ortiacutegia) e Sosiacutestrato
(Siracusa) ambos entusiastas da vinda de Pirro para a Siciacutelia
segundo Diod 227 237 Diod 227 Ὅτι Μαμερτῖνοι οἱ Μεσσηνίους δολοφονήσαντες συμμαχίαν μετὰ
Καρχηδονίων ποιήσαντες ἔκριναν κοινῆ διακωλύειν Πύρρον τὴν εἰς Σικελίαν διάβασιν
108
Este uacuteltimo cuidado o uacutenico que pocircde ser devidamente
acertado por Pirro dizia respeito agrave certeza do suporte
dado pelas cidades siciliotas e devia-se ao fato de Pirro
contar com exeacutercito reduzido no momento da travessia
Apiano relata que ldquoapoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia
com seus elefantes e oito mil cavaleirosrdquo (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ
τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων καὶ ὀκτακισχιλίων ἱππέων)238 O
fato de o texto natildeo mencionar tropas de infantaria seria
algo desconcertante natildeo fosse a natureza fragmentada da
obra de Apiano Como nos lembra Leacutevecircque nos dias de hoje
costuma-se aceitar o que foi proposto em 1853 por
Niebuhr239 isto eacute que o fragmento natildeo conservou nem a
referecircncia aos pezoi apoacutes a contagem dos oito mil nem a
numeraccedilatildeo dos cavaleiros antes de ἱππέων240 Assim o trecho
original seria apoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia com
seus elefantes oito mil soldados de infantaria e [vacat]
cavaleiros (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων
καὶ ὀκτακισχιλίων πεζν καὶ [vacat] ἱππέων) Exeacutercito reduzido como
se vecirc e que necessitava dos contingentes siciliotas para a
expediccedilatildeo contra os cartagineses
Na Siciacutelia o trabalho diplomaacutetico de Cineas mostrou-se
decisivo Plutarco nos informa que Pirro o enviou de
imediato para tratar preliminarmente como de costume com
as poacuteleis (μὲν εθὺς ἐξέπεμψε προδιαλεξόμενον ὥσπερ εἰώθει ταῖς πόλεσιν)
enquanto o rei movia-se com seu exeacutercito para Tarentum
cujos habitantes apesar da insatisfaccedilatildeo com a guarniccedilatildeo de
Pirro nada puderam fazer a respeito241 O fato de Tyndarium
de Tauromenium por exemplo ter assegurado a travessia e
feito os preparativos para receber as tropas de Pirro na
cidade eacute emblemaacutetico
238 Apiano Samn 116 Cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di Pirro in
Siciliardquo Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980 239 Barthold G Niebuhr Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer 1853
240 Leacutevecircque Pirro pp 455-456 Zambon Hellenistic Sicily p101
241 Plut Pirro 224
109
Levando-se em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees para a
expediccedilatildeo siciliana podemos jaacute nos perguntar qual era a
natureza de sua monarquia e do tiacutetulo que lhe foi conferido
na Siciacutelia Tratava-se uma monarquia de tipo heleniacutestico
estendida ao territoacuterio siciliota
Haacute duas passagens nas fontes sobre a natureza da
relaccedilatildeo estabelecida entre Pirro e os gregos da Siciacutelia
uma em Poliacutebio e outra em Justino A primeira delas diz
respeito agrave tentativa de assegurar a legitimidade do governo
de Hierocircnimo em 213 aC por ser o tirano neto do rei
Pirro ldquoo uacutenico que todos os siciliotas aceitaram por
preferecircncia e com benevolecircncia como hegemon e reirdquo242 A
segunda delas faz menccedilatildeo a dois tiacutetulos reacutegios Pirro
ldquoapoacutes sua chegada em Siracusa foi designado rei da Siciacutelia
e rei do Epirordquo243 Como trataacute-las de forma plausiacutevel
Alguns historiadores sugeriram que o tiacutetulo de hegemon
na Siciacutelia era equivalente ao de Filipe II especialmente
no que se refere ao tratamento dado agraves poacuteleis Portanto a
alianccedila dos gregos da Siciacutelia com Pirro teria a mesma
natureza da Liga de Corinto isto eacute ambas teriam surgido
de uma pressatildeo poliacutetica externa capaz de subjugar as
cidades e de fazecirc-las integrar forccedilosamente um acordo com o
monarca estrangeiro244 Haacute somente um problema com esta
interpretaccedilatildeo que a compromete seriamente os siciliotas
natildeo haviam sido subjugados por Pirro quando prepararam a
sua recepccedilatildeo na porccedilatildeo leste da Siciacutelia da mesma forma que
natildeo sofreram qualquer pressatildeo poliacutetica preacutevia como nos
indicam as fontes previamente analisadas Tratava-se de um
projeto poliacutetico livremente aceito pelos gregos
242 Polib 74 μόνον κατὰ προαίρεσιν καὶ κατ εὔνοιαν Σικελιται πάντες εδόκησαν σφν
ατν ἡγεμόν εἶναι καὶ βασιλέα 243 Justino 233 cum Syracusas venisset rex Siciliae sicut Epiri
appellatur 244 Ioannes Vartsos ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in Siciliardquo
Kokalos 16 89-97 1970
110
De acordo com Leacutevecircque Pirro era em primeiro lugar
hegemon de um koinon que se formou contra o inimigo
cartaginecircs assim como basileu ao estilo ldquohelecircnicordquo
tiacutetulos jaacute haacute muito tradicionais no mundo grego mas desta
vez ao contraacuterio do que aconteceu com Dioniacutesio e
Agaacutetocles os tiacutetulos foram concedidos ldquopela vontade
unacircnime de seus novos suacuteditosrdquo245
Leacutevecircque e Zambon recordam com razatildeo que os siciliotas
formaram sob o comando do rei do Epiro um reino da
Siciacutelia uma unidade poliacutetica criada para combater a ameaccedila
cartaginesa com a morte de Agaacutetocles Leacutevecircque eacute ainda
bastante otimista quanto agraves novas possibilidades
documentais que confirmariam algo nesse sentido apostando
numa possiacutevel descoberta de evidecircncias epigraacuteficas
reveladoras a esse respeito
O problema emerge quando Pirro que pode ser
considerado tanto rei do Epiro quanto rei da Siciacutelia
separadamente planejou unificar ambos os reinos e trataacute-
los ao modo heleniacutestico o que natildeo seria admitido nem entre
os molossianos que mantinham certo controle sobre a figura
do rei (a exemplo da cunhagem das moedas que foi aos
poucos sendo conquistada por Pirro) nem entre os
siciliotas (que no final da expediccedilatildeo enxergaram em seu
liacuteder um tirano) para quem Pirro era basileu com funccedilotildees
restritas de hegemon Pode-se dizer que os siciliotas
concederam a Pirro o poder de um monarca ldquohelecircnicordquo ao
passo que o epirota tentou se comportar como um monarca
ldquoheleniacutesticordquo postura que lhe rendeu da mesma forma que a
Agaacutetocles a classificaccedilatildeo negativa (tiacutepica do periacuteodo) de
ldquotiranordquo
245 Leacutevecircque Pirro p 462
111
4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em
campo de batalha
41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
Poliacutebio relata que Cipiatildeo o Africano responsaacutevel pela
reviravolta na Segunda Guerra Puacutenica ao inverter a
estrateacutegia de Aniacutebal Barca levando assim a guerra da
Itaacutelia para a Aacutefrica julgando que as cidades africanas natildeo
teriam condiccedilotildees logiacutesticas para suportar a investida
respondeu quando lhe perguntaram quais eram os maiores
estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e
Dioniacutesiordquo246 Essa resposta se veriacutedica jaacute bastaria para
argumentar que Agaacutetocles embora natildeo tenha sido bem-
sucedido em sua expediccedilatildeo africana era de fato um grande
estadista simplesmente por ter ascendido ao poder em
Siracusa amparado por sua riqueza (que lhe permitiu
recrutar mercenaacuterios) e eloquumlecircncia bem como adotado uma
estrateacutegia ofensiva contra os cartagineses a qual marcaraacute
profundamente a histoacuteria militar do mundo antigo
particularmente a decisatildeo de Cipiatildeo o Africano Embora
fracassada a uacutenica expediccedilatildeo grega em territoacuterio africano
serviu igualmente para ilustrar que Agaacutetocles mesmo antes
de se proclamar basileu havia possivelmente conduzido uma
imitatio Alexandri em campo de batalha Como argumentarei
em seguida ao retomar uma pista lanccedilada por Griffith em
1935 e que parece ter sido deixada de lado pela
historiografia talvez por seu otimismo excessivo poderei
argumentar a favor do uso de grupamentos taacuteticos em moldes
heleniacutesticos durante a expediccedilatildeo africana momentos antes
da autoproclamaccedilatildeo monaacuterquica do comandante siracusano
Antes disto contudo torna-se necessaacuterio precisar o
contexto de tal expediccedilatildeo
246 Polib 1535
112
Agaacutetocles estava provavelmente sem esperanccedilas de
receber auxiacutelio diante da ofensiva cartaginesa na ilha uma
vez que os poderes orientais natildeo haviam manifestado
interesse imediato nas questotildees do ocidente heleniacutestico
Diante disso bem como da presenccedila do inimigo Agaacutetocles
decidiu inverter a estrateacutegia e assolar o territoacuterio
africano numa estrateacutegia de ousadia sem precedentes para
os siciliotas apostando no apoio que poderia obter dos
liacutebios e no ldquoesfriamentordquo do espiacuterito combativo dos
cartagineses que ao depositarem a responsabilidade da
defesa de sua cidade nas matildeos de mercenaacuterios (estando os
mesmos ocupados em Siracusa) teriam perdido qualquer
possibilidade de aquisiccedilatildeo de experiecircncia militar e ldquoardor
combativordquo Os soldados cartagineses que viviam
luxuosamente numa paz prolongada (τετρυφηκότας ἐν εἰρήνῃ
πολυχρονίῳ) portanto sem qualquer experiecircncia nos perigos
da batalha seriam facilmente derrotados como nos lembra
Diodoro ldquopor aqueles que haviam sido treinados na escola
do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς δεινοῖς)247 Agaacutetocles entatildeo
reuniu cerca de 13500 mercenaacuterios preparou 60 embarcaccedilotildees
e aguardou um momento de distraccedilatildeo dos cartagineses para
navegar rumo ao norte da Aacutefrica provavelmente sem informar
os seus homens de seu plano Apoacutes uma semana de viagem o
siracusano desembarcou com as tropas num lugar a 110 km de
Cartago e decidiu atear fogo agraves embarcaccedilotildees por que natildeo
queria dividir as suas forccedilas (deixando um destacamento
para vigiar a frota estacionada) ou talvez como reforccedilo
psicoloacutegico para o objetivo final da empreitada deixar a
regiatildeo com os cartagineses subjugados tendo para isso o
apoio das divindades (Demeacuteter e Kore as divindades
patronas da Siciacutelia a quem Agaacutetocles havia oferecido o
ldquosacrifiacutecio dos naviosrdquo) Durante a sua marcha para
Cartago o exeacutercito deparou-se com regiotildees bastante
247 Diod 203 Meister CAH 7 p 394
113
feacuterteis tendo tomado por assalto as cidades de Megaloacutepolis
e Tuacutenis Em seguida os mercenaacuterios montaram acampamento
proacuteximo a Cartago onde aguardaram o embate decisivo com o
exeacutercito cartaginecircs na ocasiatildeo formado por seus proacuteprios
cidadatildeos
Apavorados e sem experiecircncia os cartagineses sofreram
uma derrota terriacutevel como analisarei no proacuteximo item
dando liberdade para o saque de diversas cidades (a exemplo
de Neapolis) pelos mercenaacuterios e para o estabelecimento de
uma alianccedila com Elimas rei dos liacutebios Durante a investida
na costa leste da atual Tuniacutesia os cartagineses tentaram
um contra-ataque apostando no corte das linhas de
abastecimento de Neapolis e na reaproximaccedilatildeo com os liacutebios
o que para azar de Agaacutetocles desdobrou-se na traiccedilatildeo de
Elimas248 O siracusano no entanto apressou-se no retorno
a Tuacutenis e conseguiu lidar com a situaccedilatildeo de forma
satisfatoacuteria para o sucesso inicial da expediccedilatildeo Mais de
2000 cartagineses foram mortos e o traidor o rei Elimas
executado como exemplo Esta foi a primeira fase da
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles seguida por uma seacuterie de
eventos que colocaratildeo fim agraves esperanccedilas de submissatildeo do
norte da Aacutefrica pelos gregos
De modo geral considera-se o periacuteodo posterior a 309
aC como sendo o de fracasso progressivo da expediccedilatildeo
Agaacutetocles enfrentaraacute motins entre seus homens e resolvecirc-
los-aacute com eficiecircncia249 Em seguida apoacutes uma extensatildeo da
guerra mais ao interior e a incorporaccedilatildeo do exeacutercito de
Ophellas de Cirene250 o siracusano tomou a guerra entre
cartagineses e numiacutedios como momento favoraacutevel para a
intensificaccedilatildeo da ofensiva Mas ele natildeo foi capaz de manter
o seu exeacutercito unido durante o seu retorno forccedilado a
248 P Oxyrhynchus 2399 Meister CAH 7 p 396
249 Diod 2033-34
250 Episoacutedio analisado no iniacutecio deste capiacutetulo
114
Siciacutelia Com Agaacutetocles de volta a Siracusa Arcagathus
deixado no comando das tropas de seu pai fracassou diante
dos cartagineses e perdeu boa parte do exeacutercito de
Agaacutetocles tentando sem sucesso recobraacute-lo em Tuacutenis A
uacuteltima esperanccedila de Agaacutetocles era induzir os cartagineses a
uma batalha decisiva contra os homens que havia trazido da
Siciacutelia mas eles aprenderam a liccedilatildeo um pouco antes
Permaneceram em seus fortes aguardando que o exeacutercito
mercenaacuterio grego se desfizesse em discoacuterdia ou tentasse um
ataque desesperado Apoacutes uma batalha mal sucedida
Agaacutetocles se viu novamente obrigado a deixar os seus planos
na Aacutefrica mas desta vez sem alimentar quaisquer
expectativas de retorno Para selar a desgraccedila final ao
perceber que natildeo dispunha de embarcaccedilotildees suficientes para
todo o exeacutercito o comandante siracusano optou por deixar o
continente africano secretamente251
251 Meister CAH 7 p 400
115
411 O exeacutercito de Agaacutetocles
Em primeiro lugar uma diferenccedila baacutesica deve ser
esclarecida quanto ao uso dos mercenaacuterios por Siracusa e
pelos chamados ldquotiranos siciliotasrdquo Os uacuteltimos natildeo
poderiam eacute claro contar com o suporte de tropas ciacutevicas
(ao menos com a maioria delas) uma vez que seus propoacutesitos
eram quase sempre inconstitucionais252 Da mesma forma a
cidade siciliota natildeo poderia contar unicamente com
soldados-cidadatildeos por trecircs motivos (1) a guerra contra os
cartagineses natildeo ocorria em caraacuteter sazonal jaacute que os
cartagineses empregavam mercenaacuterios em larga escala na
Siciacutelia (2) quando a cidade reagia ao poder militar de um
tirano precisava fazecirc-lo numa loacutegica semelhante agrave
periodicidade do combate contra os cartagineses e (3) o
exeacutercito altamente flexiacutevel dos tiranos constituiacutea uma arma
muito superior aos exeacutercitos ciacutevicos mal treinados Temos
entatildeo um ponto comum entre a poacutelis e os tiranos isto eacute o
uso de mercenaacuterios em larga escala por ambos mas esta
identificaccedilatildeo no estatuto de parte dos soldados recrutados
natildeo leva ao recrutamento de tropas mercenaacuterias com funccedilotildees
taacuteticas idecircnticas De fato ao passo que os democratas
confiavam basicamente nos mercenaacuterios de procedecircncia grega
os tiranos mostravam-se verdadeiros entusiastas do
ldquomercenariato sem fronteiras eacutetnicasrdquo provavelmente por
conta do sentimento de hostilidade agrave cidadania253 O uso
constante de tais tropas combinado agrave lideranccedila de um
general experiente (o que Cartago natildeo foi capaz de
fornecer como veremos no proacuteximo capiacutetulo) resultou na
porccedilatildeo grega da Siciacutelia no desenvolvimento de uma tradiccedilatildeo
militar peculiar atualizada do ponto de vista taacutetico e
252 Vendo o roacutetulo da tirania no seacutecIII aC como pertencente aos
politicos que desdobraram seu poder de uma situaccedilatildeo inconstitucional
(strategia autocraacutetica compulsoacuteria na maior parte das vezes) 253 Argumento desenvolvido por Duncan Head Armies of the Macedonian
and Punic Wars organization tactics dress and weapons Sussex
Wargames Research Group Publication 1982 P10
116
favoraacutevel sob a autoridade de um poliacutetico em sintonia com
o mundo heleniacutestico agraves inovaccedilotildees de natureza
institucional
Em 310 aC Agaacutetocles contava com 13500 mercenaacuterios
para a sua expediccedilatildeo africana dos quais contamos 1000
hoplitas 3000 gregos (distintos dos primeiros por que natildeo
integravam a guarda pessoal do siracusano) 3500
siracusanos 2500 soldados de infantaria de origem incerta
(talvez aliados sicilianos natildeo-gregos) 3000 mercenaacuterios
samnitas etruscos e celtas 500 arqueiros e fundeiros254
A
ausecircncia das referecircncias agrave cavalaria provavelmente indica a
esperanccedila de Agaacutetocles em recrutar cavaleiros localmente
assim que chegasse ao norte da Aacutefrica Passados os dois
primeiros anos da expediccedilatildeo Agaacutetocles pocircde dobrar as suas
forccedilas tendo incorporado o exeacutercito de Ophellas Amparados
por essa informaccedilatildeo em Diodoro podemos seguramente dizer
que a forccedila militar de Agaacutetocles passou a contar tambeacutem com
10000 soldados de infantaria 600 cavaleiros 100 carros
de guerra e 300 homens para lutar ao lado de tais carros255
As funccedilotildees ou origens eacutetnicas dos homens de Ophellas satildeo
incertas mas Agaacutetocles natildeo deve ter sido capaz de mantecirc-
los sob seu comando a julgar pelos nuacutemeros que Diodoro nos
apresenta para o ano de 307 aC apoacutes o siracusano ter
recebido reforccedilos da Siciacutelia Entre os ldquosobreviventesrdquo
Agaacutetocles contava com somente 6000 gregos 6000 samnitas
etruscos e celtas e 1500 cavaleiros256 Por uacuteltimo ainda
que Agaacutetocles tenha adquirido reforccedilos liacutebios os mesmos
natildeo se mantiveram leais ao tirano transferindo-se no final
das contas para o domiacutenio cartaginecircs
254 Diod 2011 Obviamente Diodoro aqui confunde unidades eacutetnicas com
unidades taacuteticas Cf Griffith pp 198-202 255 Diod 2041 256 Diod 2064
117
412 Agaacutetocles general como Alexandre
Em 1935 Griffith havia jaacute se posicionado a favor de
uma imitatio Alexandri por Agaacutetocles em campo de batalha257
Para ele as taacuteticas e formaccedilotildees usadas pelo siracusano
eram ocasionalmente reminiscentes daquelas empregadas por
Alexandre Em primeiro lugar apesar de lamentar a ausecircncia
de um relato preciso das campanhas de Agaacutetocles Griffith
pontua a existecircncia ao menos na Aacutefrica de um ldquobatalhatildeo de
infantaria especialmente forterdquo em nuacutemero de 1000 o
qual de acordo com o historiador corresponderia grosso
modo aos hipaspistai de Alexandre Em segundo lugar as
taacuteticas adotadas por Agaacutetocles na mesma batalha contra os
carros de guerra cartagineses corresponderiam exatamente ao
que Alexandre havia feito em Gaugamela contra Dario A
interpretaccedilatildeo das manobras siracusanas como adaptaccedilatildeo das
taacuteticas macedocircnicas poderia ser combatida pela carecircncia de
evidecircncias mais concretas mas a sua coincidecircncia com o
emprego de uma guarda pessoal a qual estava provavelmente
baseada no sistema de funcionamento taacutetico dos hipaspistai
de Alexandre fortalece o argumento A chave para a segunda
parte encontra-se portanto na defesa dos 1000 homens que
compunham a τς θεραπείας258 como uma versatildeo siciliota (ao
menos na expediccedilatildeo africana) dos hipaspistai de Alexandre
Diodoro faz referecircncia agrave existecircncia de um exeacutercito
(aparentemente regular) em Siracusa o qual teria sido
entregue a Hicetas eleito o novo strategos pelos
siracusanos com os problemas sucessoacuterios advindos da morte
de Agaacutetocles259 Tal evidecircncia como recorda Zambon indica
que Agaacutetocles natildeo havia deixado o poder sem um exeacutercito que
lhe fosse fiel e que o mesmo fora usado por Hicetas contra
257 Griffith pp 200-201
258 Literalmente ldquoguarda pessoalrdquo de Agaacutetocles como aparece em Diod
2011 259 Diod 2118
118
Menon260 Mas que exeacutercito era esse Qual era a sua
composiccedilatildeo Infelizmente natildeo temos nenhuma informaccedilatildeo
extra sobre os soldados leais a Agaacutetocles (agrave exceccedilatildeo dos
mamertinos) mas a julgar pela organizaccedilatildeo de uma guarda
pessoal durante a expediccedilatildeo africana a qual certamente natildeo
era desfeita com facilidade261 podemos dizer que a mesma
possivelmente compunha o exeacutercito regular herdado por
Hicetas em Siracusa cerca de vinte anos depois262
De acordo com Diodoro os cartagineses natildeo puderam
aguardar os reforccedilos vindos das regiotildees aliadas devido agrave
situaccedilatildeo alarmante provocada pela ofensiva grega e
decidiram dispor os seus soldados-cidadatildeos em campo de
batalha os quais segundo o historiador siciliano estavam
em nuacutemero aproximado de 40000 e eram acompanhados por
1000 cavaleiros provavelmente numiacutedios (embora a fonte
natildeo mencione a origem eacutetnica) e 2000 carros de guerra263
A ala esquerda era formada por soldados organizados em
260 Zambon Hellenistic Sicily p 30 Sebastiana Consolo Langher La
Sicilia dalla scomparsa di Timoleonte alla morte di Agatocle In
Emilio Gabba La Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo
alle guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli e della
Sicilia 1980 pp 289-342 261 Note-se por exemplo o caso dos arguraspides macedocircnicos
262 Diz-se que os arguraspides de Alexandre possuiacuteam mais de 60 anos
quando apoiaram Eumenes sendo ainda temidos por sua disciplina e
experiecircncia Na cronologia apresentada para a guarda pessoal de
Agaacutetocles os soldados teriam idade bem menor que a guarda Real de
Alexandre tornando o argumento plausiacutevel para a eacutepoca 263 Aqui o nuacutemero eacute claramente absurdo Talvez Diodoro (2010) quisesse
se referir a 200 carros de guerra o que seria aceitaacutevel com bastante
otimismo apoacutes reduzir as centenas e comparar os possiacuteveis nuacutemeros
desta batalha com aqueles apresentados por exemplo entre os persas
em Gaugamela (100 carros citas na ala esquerda ao lado da cavalaria
de mesma procedecircncia e de 1000 cavaleiros bactrianos em oposiccedilatildeo a
Alexandre como indica Arr 311) Justino (226) conta 30000 homens
no total (obvius ei fuit cum XXX milibus paganorum Hanatildeo sed proelio
commisso duo de Siculis tria milia de Poenis cum ipso duce cecidere)
da mesma forma que Paulo Oroacutesio Historiae Adversum Paganos 4625
(Hanatildeonem quendam cum triginta milibus Poenorum obuiam habuit) Entre
os historiadores modernos Consolo Langher (pp 139-143) aponta para
10000 cavaleiros certamente presumindo que Diodoro se equivocou ao
lanccedilar apenas 1000 cavaleiros (ἱππεῖς δὲ χιλίους) ao lado de 2000 carros de guerra (ἅρματα δὲ δισχίλια) Consideramos contudo que o erro tenha se dado precisamente na apresentaccedilatildeo dos carros de guerra pelos motivos
enumerados
119
grande profundidade (por induccedilatildeo do terreno) sob o comando
de Bomilcar na ala direita que estava sob o comando de
Hanatildeo encontrava-se o Batalhatildeo Sagrado Agrave frente de toda a
infantaria os cartagineses dispuseram os carros de guerra e
a cavalaria264 Agaacutetocles apoacutes tomar conhecimento da
formaccedilatildeo inimiga confiou a ala direita ao seu filho
Archagathus no comando de 25000 soldados Ao lado de
Archagathus seguiam-se 3500 siracusanos 3000
mercenaacuterios gregos e um grupamento misto de samnitas
etruscos e celtas tambeacutem em nuacutemero de 3000 Agaacutetocles
encontrava-se de frente para o ieros lochos cartaginecircs no
comando de sua guarda pessoal um total de 1000 soldados
pesadamente armados (ao menos equipados para o choque
frontal) Nas alas ele dispocircs os 500 arqueiros e
fundeiros265
Deve ser observado que Agaacutetocles liderou sua guarda
pessoal contra o Batalhatildeo Sagrado ou seu equivalente
cartaginecircs e que a mesma compunha um grupamento de 1000
soldados de infantaria pesadamente armada Sabemos que a
guarda pessoal em questatildeo natildeo se tratava de um ieros
lochos pois a sua lealdade como o termo grego indica
estava primeiramente ligada a Agaacutetocles depois
possivelmente agrave cidade de Siracusa Aleacutem disso os nuacutemeros
natildeo batem com o que nos eacute dado pelas fontes para os ieroi
lochoi De acordo com Plutarco o ieros lochos foi
inicialmente formado como eacute dito por Gorgias a partir de
300 homens selecionados (ἐξ ἀνδρν ἐπιλέκτων τριακοσίων) para os
quais a cidade fornecia treinamento e manutenccedilatildeo []rdquo266
Dadas as proporccedilotildees dos exeacutercitos gregos no tempo de
Peloacutepidas poderiacuteamos argumentar que a guarda pessoal de
Agaacutetocles representaria um inchaccedilo de um Batalhatildeo Sagrado
264 Diod 2010
265 Diod 2011
266 Plut Pelop 18
120
siracusano se houvesse referecircncia agrave existecircncia de tal
destacamento em Siracusa se o termo empregado pelas fontes
fosse ieros lochos ao inveacutes de therapeiacutea e se a expediccedilatildeo
africana tivesse demorado tempo suficiente para aumentar a
lealdade das tropas a Agaacutetocles em detrimento da cidade que
os teria formado e mantido no caso de possiacutevel a
argumentaccedilatildeo de um ieros lochos natildeo mencionado com os
termos apropriados267 Como dito acima natildeo haacute indiacutecios para
nenhum dos trecircs casos aleacutem de ter a lealdade da tropa sido
vinculada em sua uacutenica apariccedilatildeo em Diodoro estritamente
ao comandante siracusano Eacute provaacutevel que esta guarda
pessoal portanto tenha reconhecido a toga puacuterpura de
Agaacutetocles como adequada ao seu poder o que anula a
hipoacutetese de ter sido essa somente uma guarda pessoal de um
tirano como encontramos nos periacuteodos anteriores Aleacutem
disso o contexto de imitatio Alexandri no campo poliacutetico
bem documentado durante a expediccedilatildeo africana assim como a
interaccedilatildeo que Agaacutetocles mantinha com o mundo heleniacutestico
contribuem para uma provaacutevel resignificaccedilatildeo da guarda
pessoal em questatildeo Em uacuteltima instacircncia tratava-se da
guarda de algueacutem que jaacute se via com direitos a uma sucessatildeo
forjada ao trono macedocircnico sendo a identificaccedilatildeo com os
hipaspistai algo bastante plausiacutevel
Tratemos agora do posicionamento dos arqueiros e
fundeiros contra os carros de guerra e cavaleiros do
exeacutercito cartaginecircs Recordo que em Gaugamela Alexandre
havia disposto na ala direita agrianianos arqueiros e
soldados (levemente) armados provavelmente peltastas e na
ala esquerda juntamente com dois corpos de cavalaria
267 Diodoro 1680 em contrapartida emprega o termo ieros lochos para
um grupamento de cartagineses em nuacutemero de 2500 que haviam
combatido em Himera (480 aC) A designaccedilatildeo eacute obviamente
equivocada especialmente pelo nuacutemero excessivo de soldados e por sua
inexperiecircncia em campo de batalha Aleacutem disso essa parece ter sido
uma maneira grega de enquadrar parte das tropas citadinas cartaginesas
pesadamente armadas que raramente combatiam por sua cidade
121
arqueiros cretenses dardeiros traacutecios entre outros Em
331 aC agrianianos e dardeiros das ilhas Baleares
bloquearam o ataque dos carros de guerra citas enquanto os
falangistas ao centro (hipaspistai) natildeo se opuseram
frontalmente a eles deixando-os passar por meio de
manobras de evasatildeo sem causar portanto baixas na
infantaria macedocircnica268 Em 310 aC num campo aberto natildeo
muito distante de Cartago os soldados pesadamente armados
de Agaacutetocles realizaram idecircnticas manobras evasivas
permitindo-os passar (ἃ δ εἴασαν διεκπεσεῖν) abatendo
inicialmente alguns e em seguida forccedilando o retorno da
maior parte dos carros de guerra contra as suas proacuteprias
tropas269 Como Diodoro natildeo menciona forccedilas de cavalaria do
lado grego o que nos soa estranho a uacutenica reconstruccedilatildeo
possiacutevel para a vitoacuteria sobre os carros de guerra e
cavaleiros se daacute por meio do emprego dos arqueiros e
fundeiros (a exemplo do que ocorreu em Gaugamela) os quais
causaram de acordo com Diodoro muitas baixas nas tropas
acima referidas (mais um indiacutecio de que se tratava de
cavaleiros numiacutedios os quais natildeo eram paacutereo para dardos de
arremesso e projeacuteteis de modo geral desde que disparados
por infantaria levemente armada) Com o fracasso da
investida montada o campo de batalha transformou-se num
cenaacuterio praticamente claacutessico com dois corpos de
infantaria pesadamente armada em confronto direto Hanatildeo
foi incapaz de suportar o choque com os soldados liderados
pessoalmente por Agaacutetocles e Bomilcar no comando da ala
em profundidade ordenou um recuo taacutetico de seus homens
que em princiacutepio seria parte de um plano (inclusive
poliacutetico jaacute que ambicionava de acordo com Diodoro a
morte de seu rival Hanatildeo para entatildeo dar sequumlecircncia ao
268 Ver cap1
269 Diod 2012 προεμβαλόντων γὰρ εἰς ατοὺς τν ἁρμάτων ἃ μὲν κατηκόντισαν ἃ δ
εἴασαν διεκπεσεῖν τὰ δὲ πλεῖστα συνηνάγκασαν στρέψαι πρὸς τὴν τν πεζν τάξιν
122
golpe de Estado)270 A aparente inexperiecircncia dos soldados
nas realizaccedilotildees das manobras assim como a ordem prematura
de seu liacuteder fizeram com que a retirada se transformasse
num verdadeiro massacre obrigando boa parte dos soldados a
se refugiar nas muralhas de Cartago
270 Diod 2012 Meister CAH 7 p 395 Voltarei a tratar desse assunto
no cap4
123
42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro
Pirro natildeo iria para a Peniacutensula Itaacutelica sem tropas
como queriam os tarentinos embora seu exeacutercito fosse
sensivelmente menor que o de Alexandre o Grande quando do
iniacutecio de sua expediccedilatildeo asiaacutetica271 Plutarco nos informa
que Pirro contava com 20 elefantes 3000 cavaleiros
20000 soldados de infantaria 2000 arqueiros e 500
fundeiros272 Precedido pelo diplomata Cineas como de
costume Pirro se fez acompanhar por dois de seus filhos
nomeadamente Alexandre e Heleno ao passo que seu outro
filho Ptolomeu foi deixado como regente no Epiro Apoacutes
cumprir a rota mariacutetima para a Peniacutensula o que se deu com
inuacutemeros problemas como Plutarco narra com alto niacutevel
dramaacutetico273 o epirota deu iniacutecio ao entendimento pessoal
com seus aliados e agraves primeiras emissotildees monetaacuterias de sua
expediccedilatildeo a partir das quais ele pocircde reforccedilar os viacutenculos
com Alexandre e sua semelhanccedila com os Diaacutedocos assim como
celebrar a alianccedila274 Em seguida tendo alistado tarentinos
em seu exeacutercito o liacuteder da coalizatildeo contra os romanos
parecia estar pronto para a accedilatildeo a qual se transformaraacute ao
final num verdadeiro fiasco tal qual a expediccedilatildeo africana
de Agaacutetocles275 Ambas contudo servem para ilustrar como
as taacuteticas e as figuraccedilotildees do poder heleniacutestico se
apresentaram ao ocidente particularmente na Magna Greacutecia
Siciacutelia e norte da Aacutefrica no iniacutecio com contexto bastante
favoraacutevel aos monarcas
271 Griffith p 61 Leacutevecircque Pirro p297
272 Plut Pirro 152 Pausacircnias 112 sugere que Pirro obteve seus
elefantes apoacutes vencer uma batalha contra Demeacutetrio 273 Plut Pirro 153-8 Zonaras 82 Justino 181 Leacutevecircque Pirro p
297-298 274 Leacutevecircque Pirro p 299 Sobre a cunhagem na Magna Greacutecia e Siciacutelia
durante a expediccedilatildeo de Pirro cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di
Pirro in Siciliardquo MGR 7 179-254 1980 Zambon Hellenistic Sicily
pp121-129 275 Aceita-se comumente que a coalizatildeo era formada por samnitas
lucanianos brutianos messapianos e com incerteza apulianos
Leacutevecircque Pirro p 304
124
Do lado romano os preparativos tiveram de ser
iniciados em contexto bastante desfavoraacutevel considerando-
se os problemas com os etruscos e sua simultaneidade com a
formaccedilatildeo da alianccedila italiota conduzida por Pirro Seguindo
os costumes Roma dividiu o exeacutercito entre os cocircnsules
ficando Valeacuterio Levinus no comando das legiotildees contra Pirro
e Coruncanius no comando das legiotildees contra os etruscos
Os romanos haviam tirado jaacute grande proveito das guerras
precedentes como nos informa Poliacutebio [os romanos] se
tornaram verdadeiros mestres na arte da guerra por meio de
sua luta com os samnitas e os celtas (ἀθληταὶ γεγονότες ἀληθινοὶ
τν κατὰ τὸν πόλεμον ἔργων ἐκ τν πρὸς τοὺς Σαυνίτας καὶ Κελτοὺς ἀγώνων)276
Assim deve-se ter em conta que natildeo somente Pirro era um
comandante experiente e com tropas de alto niacutevel como
vimos acima mas tambeacutem os romanos possuiacuteam um niacutevel de
experiecircncia militar e ldquopotencial soldadescordquo adequados ao
seu inimigo Esse eacute um fator importante na medida em que
estabelece entre outros fatores os resultados da campanha
italiana Por potencial soldadesco entendo basicamente a
composiccedilatildeo de ambos os exeacutercitos e o que disso poderia ser
desdobrado em termos taacuteticos excetuando as legiotildees de Roma
e a falange macedocircnica sob Pirro (fundamental em
Heracleia) o restante das tropas (particularmente em
Aacutesculo) possuiacutea as mesmas origens eacutetnicas e portanto
armamento e estilo de combate similares Aleacutem disso a
flexibilidade das legiotildees da forma como explicado no cap4
desta tese contribuiu para o quadro desfavoraacutevel ao rei do
Epiro jaacute que puderam enfrentar a falange (em Heracleia)
com recursos taacuteticos superiores auxiliando no quadro
geral da campanha para o deslocamento do foco poliacutetico
mais a sudoeste precisamente na Siciacutelia grega
276 Polib 16
125
421 O exeacutercito de Pirro
Em 280 aC o exeacutercito que Pirro liderou em sua
expediccedilatildeo italiana estava claramente organizado em estilo
macedocircnico mas nada indica que essa organizaccedilatildeo era
conhecida pelos epirotas anteriormente Historiadores
tendem a apostar numa reforma iniciada cerca de 340 aC
por Alexandre do Epiro amigo e aliado de Filipe II tanto
por sua relaccedilatildeo com os macedocircnios quanto pela logiacutestica
necessaacuteria a uma expediccedilatildeo italiana (realizada em 334
aC) a qual somente seria viaacutevel com um exeacutercito
ldquonacionalmente unificadordquo277 mas natildeo haacute evidecircncias
suficientes para algo mais conclusivo aleacutem de tais
argumentos Talvez Alexandre do Epiro tenha de fato
reformado o exeacutercito epirota nos moldes do projeto de
Filipe da Macedocircnia mas o certo eacute que Pirro cerca de meio
seacuteculo mais tarde dispunha de tais condiccedilotildees
Como dito anteriormente Plutarco nos informa que o
exeacutercito de Pirro era composto por 20 elefantes 3000
cavaleiros 20000 soldados de infantaria (ou 23000 se
considerarmos os 3000 homens enviados juntamente com
Cineas) 2000 arqueiros e 500 fundeiros Curiosamente natildeo
haacute indiacutecios de algo similar aos hipaspistai no exeacutercito
epirota sendo o termo empregado para indicar oficiais
capazes de governar cidades (na Siciacutelia) e natildeo para fazer
referecircncia agraves tropas que compunham uma unidade de
combate278 Obviamente os 20000 soldados de infantaria natildeo
eram puramente epirotas Beloch foi capaz de mostrar a
esse respeito que os aproximados 300000 habitantes do
Epiro dos quais 100000 estariam possivelmente em idade
militar natildeo poderiam fornecer sequer os 20000 soldados de
infantaria do exeacutercito de Pirro levando em consideraccedilatildeo o
277 O argumento pode ser mapeado em Head op cit p 19 e Braccesi
op cit pp43-53 278 Head op cit p 19
126
estado economicamente atrasado da regiatildeo279
Daiacute resulta que
boa parte dos soldados de Pirro em sua expediccedilatildeo italiana
fosse formada por mercenaacuterios de acordo com os dados
obtidos acerca das tropas empregadas em Aacutesculo Aleacutem dos
tarentinos e demais aliados o rei epirota contava com uma
falange macedocircnica e alguns cavaleiros tessaacutelios cedidos
por Ptolomeu Keraunos rei da Macedocircnia uma infantaria
mercenaacuteria da Etoacutelia Acarnacircnia e Atamacircnia e um corpo de
cavaleiros mercenaacuterios gregos arcanianos etoacutelios e
atamanianos280 Sem duacutevida a reputaccedilatildeo de Pirro reforccedilou a
sua capacidade de recrutar novos soldados dispostos a
combater na condiccedilatildeo de profissionais
279 Julius Beloch apud Griffith p61 Poliacutebio (3015 fragmentos
preservados em Estrabatildeo Geografia 77 e Tito Liacutevio 4534) menciona
15000 epirotas escravizados por Emiacutelio Paulo em 168 aC Cf tambeacutem
Griffith p 61 280 Griffith p 62
127
422 O exeacutercito republicano romano
O exeacutercito romano em seus primoacuterdios parece natildeo ter
sido muito diferente daquele encontrado no restante das
cidades do Laacutecio sendo influenciado por seus vizinhos mais
poderosos os etruscos A confederaccedilatildeo etrusca estendeu sua
influecircncia a ponto de nomear a organizaccedilatildeo inicial das
forccedilas romanas ao estilo etrusco compondo trecircs tribos com
a responsabilidade de fornecer 1000 homens em idade
militar cada ficando os soldados sob o comando de um
tribunus As subdivisotildees de cada tribo forneciam uma
centuacuteria (nessa eacutepoca possivelmente contada como 100
homens) o que resultava numa forccedila modesta de 3000
homens a chamada legio A cavalaria (equites) era formada
por nobres e seus filhos totalizando 300 homens montados
(capazes de pagar a manutenccedilatildeo de um cavalo e equipamentos)
divididos entre as tribos De modo geral a historiografia
aceita que essa organizaccedilatildeo inicial somente seraacute modificada
com Seacutervio Tuacutelio aproximadamente entre 580-530 aC281 Ao
lado da criaccedilatildeo de muitas das instituiccedilotildees de Roma Seacutervio
Tuacutelio parece ter realizado o primeiro censo do povo romano
dividindo a populaccedilatildeo em classes obedecendo ao padratildeo de
riqueza Com objetivos claramente poliacuteticos e militares as
centuacuterias (como a populaccedilatildeo era dividida) teriam impacto na
organizaccedilatildeo das assembleacuteias e das tropas Em primeiro
lugar vinha a ordem equumlestre num total de 18 centuacuterias
em seguida a populaccedilatildeo restante aparecia dividida em 5
classes separadas a partir de sua riqueza e contadas da
seguinte maneira em casos de alistamento militar (a) a
primeira classe armada com lanccedila e espada e equipada com
281 Lawrence Keppie The making of the Roman army from republic to
empire London BT Batsford 1984 pp 16-17 Daly pp 48-52
Giovanni Brizzi Le guerrier de lantiquiteacute classique de lhoplite au
leacutegionnaire Monaco Rocher 2004 pp 43-51 John Rich ldquoWarfare and
the Army in Early Romerdquo In Paul Erdikamp A companion to the Roman
army Malden MA Oxford Blackwell 2007 pp 7-23 Para uma visatildeo
detalhada das fontes a respeito ver Michael M Sage The Republican
Army a Sourcebook New York London Routledge 2008 pp 4-41
128
couraccedila de bronze elmo escudo e grevas (b) a segunda
classe armada de forma idecircntica e equipada de maneira
similar excluindo a couraccedila (c) a terceira classe
idecircntica agrave segunda classe exceto pelas grevas (d) a
quarta classe armada com lanccedila e equipada somente com
escudo (e) a quinta e uacuteltima classe armada com fundas e
pedras Os seniores (oposto de iuniores isto eacute em idade
militar) eram empregados somente em caso de cerco
portanto para a defesa da cidade Abaixo da quinta classe
contava-se apenas o grupo de homens (em nuacutemero modesto) sem
propriedade alguma (capite censi ou registrados por
contagem de cabeccedila) os quais eram desqualificados para o
serviccedilo militar282
Terminado o periacuteodo das monarquias a primeira
modificaccedilatildeo no exeacutercito romano (entatildeo republicano) surgiu
em meio aos conflitos contra as comunidades adjacentes no
momento de enfraquecimento dos etruscos mediante a fixaccedilatildeo
dos celtas na regiatildeo dos Alpes e do fortalecimento da
posiccedilatildeo das colocircnias gregas no sul da Peniacutensula Itaacutelica
Nesse contexto precisamente em 406 aC os romanos
partiram para o uacuteltimo embate com a cidade etrusca de
Veios conflito que se encerrou 10 anos depois com a
captura da cidade pelos romanos Durante a guerra contra
Veios o exeacutercito cresceu (de cerca de 4000 para 6000
homens) e o escudo circular foi substituiacutedo pelo escudo
longo italiano o scutum Da mesma forma como parece
oacutebvio o nuacutemero de cavaleiros subiu totalizando as 18
centuacuterias previstas na ldquoreforma servianardquo Eacute nesse momento
(6 anos apoacutes a captura de Veios pelos romanos portanto em
390 aC) que Roma eacute tomada pelos celtas exceto por uma
pequena porccedilatildeo da cidade Capazes de expulsar os celtas de
282 Keppie (op cit p 17) recorda que nessa eacutepoca ldquoa defesa da cidade
era um dever uma responsabilidade e um privileacutegiordquo
129
sua cidade os romanos estavam a caminho do estabelecimento
de sua posiccedilatildeo na Peniacutensula
Alguns autores tecircm sugerido uma identificaccedilatildeo da legiatildeo
romana com os hoplitas gregos283 mas a forma cerrada de
luta dos romanos nos primeiros anos deve indicar mais uma
adaptaccedilatildeo etrusca (que natildeo era uma incorporaccedilatildeo de taacuteticas
gregas como alguns acham razoaacutevel deduzir) do que
propriamente uma forma similar de combate ombro-a-ombro De
qualquer forma logo as unidades manipulares (manipuli)
foram adotadas como resposta agraves exigecircncias de maior
flexibilidade taacutetica Cada maniacutepulo com aproximados 100-
120 homens exceto pelos triarii contava com dois
centuriotildees homens experientes dispostos no comando das
unidades taacuteticas Vale destacar o centuriatildeo secircnior da
legiatildeo disposto no comando no maniacutepulo da extrema direita
dos triarii que era depois incluiacutedo (ex officio) no
conselho geral do cocircnsul juntamente com os tribunos Jaacute no
final do seacutecIV aC basicamente no mesmo periacuteodo da
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles (310-307 aC) ou talvez um
ano antes o exeacutercito romano encontrava-se dividido em 4
legiotildees comandadas por dois cocircnsules e abaixo deles 6
tribunos militares
Durante a sua expansatildeo em direccedilatildeo ao sul do Laacutecio os
romanos foram capazes de subjugar os samnitas em quase 50
anos de conflito Devido agrave natureza montanhosa da regiatildeo
tem sido sugerido que os maniacutepulos seriam na verdade uma
modificaccedilatildeo ocorrida nesse momento o que se justificaria
com a necessidade de maior flexibilidade taacutetica do
terreno284 De acordo com Tito Liacutevio os maniacutepulos eram
parte de inovaccedilotildees tiacutepicas do periacuteodo da Primeira Guerra
283 Um excelente exemplo (mas natildeo o uacutenico) eacute Keppie op cit p 19 284 Keppie op cit pp18-19 Daly pp 56-63 Brizzi op cit p 47
Louis Rawlings ldquoArmy and Battle During the Conquest of Italyrdquo In
Erdkamp op cit pp 55-58 Sage op cit pp 63-66
130
Samnita285 Apoacutes a linha de tropas levemente armadas
(leves) vinham os maniacutepulos de hastati (os que portavam a
hasta ou lanccedila curta) seguidos pelos maniacutepulos de
principes e por uma terceira linha os maniacutepulos de triarii
(homens mais velhos ndash e experientes - que entravam em cena
no caso de desorganizaccedilatildeo das duas primeiras linhas) Por
fim Tito Liacutevio menciona rorarii (lit tropas levemente
armadas) e accensi (lit tropas reservas) grupos de
soldados levemente armados dispostos como uacuteltima forccedila de
reserva O relato de Tito Liacutevio contudo embora seja de
grande valor natildeo eacute normalmente visto com precisatildeo
histoacuterica desejaacutevel preferindo-se a narrativa do
historiador cuja autoridade nos assuntos militares eacute
inquestionaacutevel Poliacutebio286
De acordo com Poliacutebio em sua detalhada descriccedilatildeo da
organizaccedilatildeo do exeacutercito romano a legiatildeo romana (jaacute no
periacuteodo da Segunda Guerra Puacutenica isto eacute entre 218 e 201
aC) contava com 4200 homens podendo atingir o nuacutemero de
5000 em situaccedilotildees de emergecircncia O processo seletivo
(dilectus ou simplesmente ldquoseleccedilatildeordquo) incorporava homens
entre 17 e 46 anos com propriedade avaliada acima dos 400
denaacuterios apoacutes a avaliaccedilatildeo das habilidades necessaacuterias ao
serviccedilo Ao soldado de infantaria era pago um stipendium
criado para cobrir os prejuiacutezos que supunham o afastmento
de casa perfazendo no tempo de Poliacutebio um total de 120
denaacuterios por ano Os cavaleiros por sua vez recebiam
mais cerca de 365 denaacuterios por ano o que considerava
tanto a sua origem social quanto os custos com o cavalo
Feita a seleccedilatildeo a legiatildeo era dividida da seguinte maneira
(a) os velites formados pelos mais jovens e pobres (b) os
hastati formados pelos mais jovens e pobres depois dos
velites (c) os principes formados pelos ldquopreeminentesrdquo
285 Tito Liacutevio 88-10 286 A referecircncia eacute Polib 619-42
131
(d) os triarii os mais maduros e experientes dos soldados
Os hastati e os principes compunham 2400 homens no total
(10 maniacutepulos de 120 homens cada) acompanhados por 600
triarii (10 maniacutepulos de 60 homens cada) e por deduccedilatildeo
1200 velites Os velites prossegue Poliacutebio eram armados
com espadas lanccedilas de arremesso e um pequeno escudo
circular (parma) Os hastati e os principes encontravam-se
normalmente equipados com duas lanccedilas (pila) cada uma
espada curta (gladius) que era a principal arma do
legionaacuterio e equipados com escudo oval peitoral de
bronze elmo e grevas Os triarii eram equipados da mesma
forma exceto pelo armamento ao inveacutes do pilum o triarius
portava a hasta lanccedila perfurante que natildeo poderia ser usada
para arremesso e era portanto usada no combate corpo-a-
corpo
A cavalaria totalizava 300 homens divididos em 10
turmae de 30 homens cada uma sob o comando de 3 decuriotildees
e equipadas com longos escudos circulares lanccedilas longas e
couraccedila de tecido De modo geral a legiatildeo era disposta em
formato de ldquotabuleiro de xadrezrdquo com os velites agrave frente
de todos os legionaacuterios para a accedilatildeo de escaramuccedila tendo os
hastati principes e triarii organizados em trecircs linhas
subsequumlentes de maneira a permitir a substituiccedilatildeo dos
homens da frente pelos de traacutes devido aos pequenos espaccedilos
propiciados pela formaccedilatildeo A cavalaria como no caso grego
era colocada nas alas como proteccedilatildeo dos flancos
132
423 A batalha de Heracleia (280 aC)
Leacutevecircque sustentou que a postura ofensiva romana ao
reunir as tropas sob Valeacuterio Levinus e marchar
imediatamente contra Pirro tinha trecircs objetivos claros
(1) desferir um golpe decisivo antes que o epirota pudesse
coletar todo o apoio esperado (2) conter uma possiacutevel
revolta das cidades gregas de Regium Locres e Croton ldquoa
quem a chegada do rei podia fazer pesar sua adesatildeo agrave causa
romanardquo e (3) lanccedilar a guerra para longe das terras
submetidas pelos romanos o que natildeo comprometeria a
lealdade desses povos a Roma287 Plutarco nos diz algo
interessante a respeito da reaccedilatildeo de Pirro agrave investida
romana algo que evidencia ainda mais as suas intenccedilotildees
monaacuterquicas heleniacutesticas as quais podem ser encontradas
desde o iniacutecio da sua expediccedilatildeo mesmo antes de se decidir
pela Siciacutelia
Ao ser informado que Levinus o cocircnsul romano se
aproximava com numeroso exeacutercito tendo saqueado a
Lucacircnia no trajeto Pirro natildeo havia ainda se juntado
aos seus aliados mas por julgar ser algo intoleraacutevel
ter de aguardar enquanto seus inimigos avanccedilavam
partiu da cidade com suas tropas []288
A postura de Pirro indica ao menos nessa ocasiatildeo que
o ldquodeverrdquo de lideranccedila de um monarca heleniacutestico (mesmo que
ele somente ambicionasse a monarquia de tipo oriental) era
mais relevante que a uniatildeo completa das tropas pela qual
ele aguardava ou ainda que ele julgava ser possiacutevel vencer
os ldquobaacuterbarosrdquo sem ter reunido todas as suas forccedilas jaacute que
povos militarmente desorganizados por mais belicosos que
fossem natildeo eram paacutereo para os gregos como Alexandre havia
287 Leacutevecircque Pirro p 318
288 Plut Pirro 164 πεὶ δὲ Λαιβῖνος ὁ τν Ῥωμαίων ὕπατος ἠγγέλλετο πολλῆ στρατιᾷ
χωρεῖν ἐπ ατόν ἅμα τὴν Λευκανίαν διαπορθν οδέπω μὲν οἱ σύμμαχοι παρσαν ατῶ δεινὸν δὲ ποιούμενος ἀνασχέσθαι καὶ περιιδεῖν τοὺς πολεμίους ἐγγυτέρω προϊόντας ἐξλθε μετὰ τς δυνάμεως []
133
mostrado em sua expediccedilatildeo asiaacutetica Que essa ideacuteia tenha
ocorrido a Pirro parece plausiacutevel principalmente ao
analisarmos um evento imediatamente posterior de sua marcha
contra os romanos quando o rei observou admirado (ἐθαύμασε)
ldquoa disciplina as sentinelas a sua ordem e o arranjo de
seu acampamentordquo (τάξιν τε καὶ φυλακὰς καὶ κόσμον ατν καὶ τὸ σχμα τς
στρατοπεδείας) dizendo ao seu amigo mais proacuteximo em
conclusatildeo que ldquoa disciplina desses baacuterbaros natildeo eacute
baacuterbarardquo289
Acampamentos montados ambos os lados estavam prontos
para o combate Pirro contava de acordo com Justino com
exeacutercito inferior em nuacutemero ainda que natildeo saibamos os
efetivos concretos dos romanos290 Para o desenrolar da
batalha embora Justino forneccedila o referido indiacutecio sobre a
inferioridade numeacuterica de Pirro as principais fontes satildeo
Plutarco e Dioniacutesio de Halicarnasso291 ambos com acesso ao
que parece aos relatos de duas tradiccedilotildees bastante
distintas Tornou-se consenso haacute muito tempo entre os
historiadores que Plutarco para a batalha em questatildeo
empregou basicamente o relato de Hierocircnimo292 intercalando
o mesmo com anedotas originadas na tradiccedilatildeo analiacutestica as
quais Dioniacutesio utiliza com frequumlecircncia293 Isso explicaria
tanto a versatildeo inteligiacutevel da batalha (o que natildeo eacute um traccedilo
comum nas biografias de Plutarco) quanto a presenccedila de
algumas imagens bastante favoraacuteveis aos romanos e pouco
289 Plut Pirro 167
290 Justino 181 Nec rex tametsi numero militum inferior esset []
Gaetano De Sanctis Storia dei Romani Milan Fratelli Boca 1907 P
392 supotildee que tenham sido somente duas presumindo que ateacute 4 legiotildees
eram normalmente divididas entre os cocircnsules Leacutevecircque Pirro 1957
P322 em contrapartida eacute mais otimista quanto agrave extensatildeo das tropas
de Levinus acreditando que podem ter sido 8 em Heracleia Essas satildeo
contudo suposiccedilotildees baseadas num possiacutevel nuacutemero de legiotildees sob um
uacutenico cocircnsul durante a fase intermediaacuteria da Repuacuteblica uma vez que as
fontes silenciam sobre esse caso em particular 291 Plut Pirro 16-17 e Dioniacutesio 1911-12
292 Plut Pirro 174 Cf Rudolf Schubert Geschichte des Pyrrhus
Koumlnigsberg Wilh Koch 1894 P 176 293 Leacutevecircque Pirro p323
134
criacuteveis do ponto de vista histoacuterico Notemos por exemplo
o retrato pitoresco do episoacutedio de espionagem epirota o
qual precedeu a batalha propriamente dita da forma como
registrado em Dioniacutesio
Levinus o cocircnsul romano tendo capturado um espiatildeo de
Pirro armou e dispocircs todo o exeacutercito em formaccedilatildeo de
batalha (εἰς τάξιν καταστήσας) e apoacutes mostraacute-lo ao espiatildeo ordenou que ele contasse toda a verdade sobre o que
tinha visto [] informando que Lavinus o cocircnsul
romano solicitava que ele [Pirro] natildeo enviasse mais
homens secretamente como espiotildees mas que viesse em
pessoa abertamente (φανερς) para ver o poder dos
romanos (ἰδεῖν τε καὶ μαθεῖν τὴν Ῥωμαίων δύναμιν)294
Pirro decidiu aguardar os reforccedilos de seus aliados numa
das margens do Siris onde estacionou um destacamento grego
para assegurar que os romanos natildeo atravessassem o rio
Estes no entanto mandaram parte de sua infantaria
(provavelmente aliada) cruzar o Siris por um vau enquanto
a cavalaria avanccedilava por diversos outros pontos rasos
expondo os gregos ao risco do envolvimento completo o que
de acordo com Plutarco os fez recuar295 Ao ver que seus
homens bateram em retirada Pirro ordenou aos oficiais que
pusessem a falange em linha enquanto ele proacuteprio como
Alexandre no comando de seus 3000 cavaleiros investiu
contra os romanos na expectativa de que eles se
desordenassem com a ofensiva montada Nem os cavaleiros
puderam romper a ordem das legiotildees com sua ldquoteatralizaccedilatildeo
ofensivardquo (uma vez que natildeo entraram de fato em choque com
o centro da formaccedilatildeo romana) nem o subsequumlente choque com
a falange pocircs os legionaacuterios a correr diferentemente do
que Alexandre havia feito aos persas Relata-nos Plutarco
que foram sete as reviravoltas no desenrolar do confronto
entre as duas infantarias informaccedilatildeo que ele provavelmente
294 Dionisio 1911 Cf tambeacutem Zonaras 836 e Frontino 477
295 Plut Pirro 165
135
obteve de Hierocircnimo296 e que nos permite deduzir a
ocorrecircncia de quatro ataques de Pirro e de trecircs contra-
ataques de Levinus (presumindo que a primeira reviravolta
soacute pode ter sido favoraacutevel aos epirotas jaacute que ao final
eles saiacuteram vitoriosos) Numa das alas provavelmente a
direita o rei sofreu o ataque da cavalaria inimiga mas
venceu apoacutes penoso embate com as tropas montadas de
Oblacus297 Na outra ala Pirro fez avanccedilar os elefantes
que aterrorizaram natildeo somente a cavalaria romana mas
tambeacutem os legionaacuterios mais ao centro Com o moral abalado
e contando ainda com o descontrole dos cavalos inimigos
(que natildeo estavam acostumados aos elefantes) a cavalaria
tessaacutelia foi enviada para encerrar a resistecircncia nessa ala
provocando a exposiccedilatildeo dos dois flancos romanos e julgo
que no mesmo momento a fuga completa da infantaria ao
centro Parece bem provaacutevel por uacuteltimo que os legionaacuterios
tenham corrido exatamente no momento do avanccedilo dos
elefantes do contraacuterio com ambas as alas derrotadas o
exeacutercito ao centro teria sido facilmente esmagado ou
forccedilado a se entregar como vimos em diversos casos nas
batalhas dos Diaacutedocos
A tradiccedilatildeo analiacutestica inventou um termo ldquohistoacutericordquo
para a vitoacuteria de Pirro obtida com muito esforccedilo e sem
consequumlecircncias desastrosas para o derrotado tratava-se de
uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo ou como nos diz Diodoro cadmeacuteia298
De acordo com Caacutessio Dio Zonaras e Justino299 a fama
surgiu apoacutes Heracleia segundo Plutarco300 apoacutes a batalha
de Aacutesculo (o que representa um erro por parte do bioacutegrafo
296 Plut Pirro 171
297 Plutarco (Pirro 168) e Dioniacutesio (1912) mencionam um ataque de
caraacuteter pessoal liderado por Oblacus que estava decidido a abater o
rei em primeiro lugar Segundo a tradiccedilatildeo Leonnatus um dos
companheiros de Pirro percebeu a intenccedilatildeo de Oblacus e salvou seu rei
da morte em batalha 298 Diod 226
299 Dion Cassio 940 Zonaras 83 Justino 181
300 Plut Pirro 219
136
jaacute que o balanccedilo geral dos nuacutemeros que caracterizam uma
vitoacuteria piacuterrica eacute apresentado por ele apoacutes Heracleia)
Apesar das diferenccedilas na dataccedilatildeo precisa do termo atribuiacutedo
agrave vitoacuteria de Pirro todas as nossas fontes parecem
concordar com uma vitoacuteria relativa sobre os romanos Ora
como vimos na breve anaacutelise da batalha de Heracleia os
resultados foram bastante francos e decisivos de maneira
que somente uma explicaccedilatildeo soa-nos plausiacutevel para a
propagaccedilatildeo da ldquovitoacuteria piacuterricardquo entre os antigos todas as
fontes posteriores mencionadas empregaram a tradiccedilatildeo
analiacutestica para a mediccedilatildeo dos resultados da batalha sendo
que os autores romanos tinham por objetivo encobrir tamanha
desgraccedila para a sua memoacuteria Note-se por exemplo que
segundo Plutarco Dioniacutesio faz referecircncia a uma perda de
15000 homens para os romanos contra 13000 para Pirro ao
passo que Hierocircnimo autor de maior validade para o estudo
da batalha como vimos considerando-se a probabilidade de
ter acessado as Memoacuterias do rei indica uma perda de 7000
homens para Levinus contra 4000 para o epirota301 Aceitos
os nuacutemeros de Hierocircnimo pelos motivos mencionados natildeo haacute
razatildeo para crer que a vitoacuteria em Heracleia tenha sido de
fato uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo devendo-se essa expressatildeo agraves
intenccedilotildees de minimizar a vergonha romana por parte da
tradiccedilatildeo analiacutestica
301 Plut Pirro 174 Leacutevecircque Pirro p 328
137
424 A batalha de Aacutesculo (279 aC)
Eventos de ordem militar e diplomaacutetica seguiram-se agrave
batalha de Heracleia Motivado por uma tentativa de
submissatildeo dos romanos por vias diplomaacuteticas Pirro enviou
Cineas a Roma com autorizaccedilatildeo para estabelecer um acordo
possivelmente antes de sua marcha para os arredores da
cidade (aceitando-se um padratildeo de envio preacutevio do
diplomata como ocorreraacute na Siciacutelia dois anos depois) o
que pode ter ocorrido dependendo da tradiccedilatildeo adotada
antes ou depois do envio de sua embaixada302 Presentes
foram oferecidos e segundo Plutarco todos recusados
termos bastante razoaacuteveis foram propostos pautados
basicamente na ldquoamizade poliacuteticardquo e desistecircncia da
conquista de Tarento pelos romanos sendo todos eles mais
uma vez postos de lado303 Alguns senadores estavam
inclinados a aceitar a paz julgando que um exeacutercito ainda
mais numeroso (reforccedilado com os aliados receacutem-chegados de
Pirro) recairia sobre Roma e mesmo tendo momentaneamente
recusado o que lhes propunha Cineas comeccedilavam a considerar
os termos do acordo epirota quando decidiram finalmente
motivados pelo discurso de Aacutepio Claacuteudio pela continuaccedilatildeo
do embate e da negociaccedilatildeo de resgate dos prisioneiros
certamente por que julgavam ser capazes de vencer Pirro com
as forccedilas restantes (o que natildeo ocorreria se as legiotildees
302 Plutarco (Pirro 18-19) menciona os eventos na seguinte ordem
Heracleia ndash marcha para Roma ndash embaixada ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros
ndash Aacutesculo Apiano (Samn 10-11) apresenta uma versatildeo distinta
Heracleia ndash embaixada ndash marcha para Roma ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros
ndash Aacutesculo Justino (181 182) somente menciona Heracleia a
libertaccedilatildeo dos (200) prisioneiros e Aacutesculo exatamente nessa ordem
Note que a omissatildeo da marcha para Roma pode ter se dado devido ao uso
uacutenico da tradiccedilatildeo analiacutestica 303 Plut Pirro 182 Variaccedilotildees do que propocircs Cineas aos romanos satildeo
encontradas na tradiccedilatildeo liviana segundo a qual Pirro teria oferecido
a libertaccedilatildeo dos prisioneiros e exigido amizade e alianccedila dos romanos
bem como autonomia dos aliados gregos e baacuterbaros em Apiano Samn
101 para quem os termos do acordo resumiam-se ao seguinte
libertaccedilatildeo dos prisioneiros paz com o povo romano incluindo Tarento
no armistiacutecio autonomia das cidades italiotas e restituiccedilatildeo completa
dos territoacuterios aos lucanianos brutianos samnitas e daunianos (na
regiatildeo da Apulia) Ver o quadro geral em Leacutevecircque Pirro p 348
138
tivessem sido enviadas como normalmente faziam os
cartagineses com seu exeacutercito ateacute 307 aC de uma uacutenica
vez sem a formaccedilatildeo de forccedilas de reserva)
Com a decisatildeo inesperada dos romanos Pirro teria que
proceder agrave conquista sistemaacutetica de toda a Peniacutensula para
entatildeo forccedilar Roma aos seus termos que certamente natildeo
seriam tatildeo brandos quanto os primeiros O rei partiu para a
cidade de Aacutesculo situada numa regiatildeo (Apuacutelia) que
diferentemente daquela de Heracleia natildeo facilitaria o uso
das tropas montadas e obviamente dos elefantes Em
Aacutesculo Pirro contava jaacute com a infantaria e a cavalaria
samnita brutiana lucaniana e tarentina304 Aqui surgem
duas possibilidades para o desenvolvimento da batalha a
primeira delas seguindo o relato de Hierocircnimo (novamente
citado por Plutarco) menciona duas batalhas em Aacutesculo a
segunda de acordo com Dioniacutesio (igualmente citado pelo
bioacutegrafo) faz referecircncia a somente uma longa batalha305
Como anteriormente tambeacutem para a batalha de Aacutesculo parece-
nos mais apropriado o relato de Hierocircnimo dada a
quantidade de detalhes apresentados e a reputaccedilatildeo do
historiador em questatildeo Aleacutem disso a adequaccedilatildeo dos nuacutemeros
continua sendo tal como em Heracleia mais plausiacutevel na
tradiccedilatildeo grega Plutarco nos informa que apoacutes encerrado um
conflito inicial entre as duas infantarias (o que se deduz
pela inadequaccedilatildeo do terreno ao uso de cavaleiros) ambos os
exeacutercitos se retiraram do combate por um dia (ou cerca de
12 horas uma vez que abriram matildeo do combate segundo
Plutarco ao anoitecer) No dia seguinte contudo
intencionado a trazer a luta agrave parte nivelada do terreno
onde poderia empregar seus elefantes e cavaleiros Pirro
ocupou as porccedilotildees mais desniveladas com suas tropas
ligeiras (dardeiros e arqueiros) fazendo-as atirar
304 Leacutevecircque Pirro p 391
305 Plut Pirro 215-8
139
projeacuteteis na maior intensidade possiacutevel forccedilando com essa
manobra o deslocamento do combate para o local que lhe era
mais favoraacutevel Com o passar do tempo de combate frontal a
falange macedocircnica comeccedilou a empurrar as legiotildees ao menos
num dos pontos que Plutarco nos faz crer ser o local onde
estava situado o rei306 O momento decisivo da batalha
contudo se deu novamente durante a investida dos
elefantes que os romanos ainda natildeo haviam aprendido a
combater Apoacutes o avanccedilo dos paquidermes provavelmente em
ambas as alas os romanos natildeo puderam se manter em
formaccedilatildeo o que resultou uma vez mais na vitoacuteria do rei
do Epiro sobre Roma Hierocircnimo menciona de acordo com
Plutarco uma perda de 6000 homens para os romanos contra
3505 homens do lado epirota segundo os proacuteprios
comentaacuterios das Memoacuterias de Pirro (que o historiador de
Caacuterdia pocircde certamente consultar)307 Dioniacutesio em
contrapartida sequer admitiu uma derrota romana
mencionando natildeo somente que os suprimentos de Pirro havia
sido saqueada mas tambeacutem que as perdas foram equivalentes
perfazendo um total de 15000 mortos para cada lado
A partir desta batalha se seguirmos os eventos do modo
como apresentado pela tradiccedilatildeo grega podemos concluir sem
exagero que os convites recebidos tanto da Siciacutelia308 quanto
da Macedocircnia309 foram plenamente baseados em sua receacutem-
adquirida reputaccedilatildeo poliacutetica e militar Da mesma forma a
decisatildeo de partir para a Siciacutelia como o liacuteder pelo qual os
306 Uma reconstruccedilatildeo moderna sobre o possiacutevel ordenamento da batalha
encontra-se em Oswald Andreas Hamburger Untersuchungen uumlber den
pyrrhischen Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927 P 31 307 Plut Pirro 218
308 Como detalhado acima no item ldquoPirro e o problema da monarquia
heleniacutesticardquo 309 Alguns povos celtas encontravam-se novamente em processo migratoacuterio
a julgar pelos nuacutemeros apresentados por Diodoro (229) tendo
derrotado Ptolomeu Ceraunus filho de Ptolomeu I durante a invasatildeo da
Macedocircnia ldquoBreno o rei dos gauleses acompanhado por 150000
soldados de infantaria armados com escudo longo (θυρεοφόρων) e 10000 cavaleiros juntos com uma horda de seguidores mercadores e duas mil
carroccedilas invadiram a Macedocircnia []rdquo
140
siciliotas aguardavam desde a morte de Agaacutetocles configurou
o contexto peninsular de uma forma completamente diferente
do que seria se o epirota prosseguisse com as campanhas
contra os romanos Se no teacutermino das lutas Roma teria sido
subjugada nunca saberemos (isso nos seria possiacutevel somente
como exerciacutecio retoacuterico) mas parece niacutetido que as decisotildees
posteriores de Pirro tenham sido baseadas na sua reputaccedilatildeo
em suas vitoacuterias sobre os romanos e no que ele poderia
realizar em termos de feitos grandiosos (tais como a
helenizaccedilatildeo completa da Siciacutelia e a conquista de Cartago)
como monarca de aspiraccedilotildees heleniacutesticas e natildeo numa espeacutecie
de ato desesperado para salvar a expediccedilatildeo apoacutes duas
ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo durante as quais o espiacuterito militar
romano permaneceu inabalaacutevel como nos faz crer a tradiccedilatildeo
analiacutestica
141
CAPIacuteTULO 4 ndash AS DUAS FASES DAS INOVACcedilOtildeES MILITARES
EM CARTAGO
1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo
controle oligaacuterquico e fracasso da tirania em
Cartago 310-255 aC
A decisatildeo de transferir a guerra da Siciacutelia para a
Aacutefrica ainda que a porccedilatildeo grega da ilha estivesse em
condiccedilotildees bastante desfavoraacuteveis estava ancorada como
mostrei no capiacutetulo anterior no conhecimento de Agaacutetocles
sobre o despreparo do exeacutercito ciacutevico cartaginecircs o qual
teria forccedilosamente que entrar em combate com os experientes
mercenaacuterios do siracusano caso fossem pegos de surpresa em
sua proacutepria cidade ou nos arredores mas tambeacutem no
reconhecimento das tensotildees existentes entre a oligarquia
cartaginesa e seus generais As centenas de quilocircmetros que
separavam Cartago da porccedilatildeo oeste da Siciacutelia por vezes
tornavam os ldquorelatoacuteriosrdquo das accedilotildees cartaginesas na ilha
esporaacutedicos e imprecisos310
resultando na coexistecircncia de
dois fatores aparentemente excludentes
Em primeiro lugar destaca-se a autonomia dos generais
de exeacutercitos mercenaacuterios na Siciacutelia com liberdade para
realizar tratados de paz e formar alianccedilas ainda que elas
tivessem que ser confirmadas posteriormente pelo Conselho
de Anciatildeos311
Em segundo lugar encontra-se o controle de
seu poder poliacutetico e militar pela oligarquia o que
frequumlentemente findava em puniccedilotildees financeiras deposiccedilatildeo
do cargo ou ateacute mesmo privaccedilatildeo de direitos ciacutevicos no caso
de derrota assim como deposiccedilatildeo e crucificaccedilatildeo dos
comandantes se confirmada aspiraccedilatildeo tiracircnica mesmo que em
310 Miles pp 146-148 311 Dexter Hoyos ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-218 BCrdquo
Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274 1994 Miles p 146
142
potencial A existecircncia dessa tensatildeo aparece por exemplo
em Diodoro ao mencionar o tratamento hostil dado aos
generais cartagineses pelos seus compatriotas
A causa baacutesica desse problema era a severidade dos
cartagineses ao infligir puniccedilotildees Em suas guerras eles
dispotildeem seus homens mais nobres (τοὺς [] ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν) no comando julgando que esses deveriam ser os primeiros a enfrentar o perigo em nome de toda a
cidade mas quando eles conquistam a paz [os
oligarcas] condenam os mesmos homens em julgamento
trazendo injustamente acusaccedilotildees contra eles por inveja
e os depotildeem com penalidades Portanto alguns desses
homens dispostos em posiccedilotildees de comando desertam
temendo os julgamentos nas cortes ao passo que outros
se lanccedilam agrave tirania (τινὲς δἐπιτίθενται τυραννίσιν)312
Isoacutecrates alguns seacuteculos antes de Diodoro afirmou que
entre os cartagineses ldquoas cidades [eram] governadas por uma
oligarquia mas os assuntos militares por um reirdquo (οἴκοι μὲν
ὀλιγαρχουμένους περὶ δὲ τὸν πόλεμον βασιλευομένους)313 Com isso o
312 Diod 20102-4 αἰτία δὲ μάλιστα τούτων ἡ πρὸς τὰς τιμωρίας πικρία τν Καρχηδονίων τοὺς γὰρ ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν ἐν μὲν τοῖς πολέμοις προάγουσιν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας νομίζοντες δεῖν ατοὺς τν ὅλων προκινδυνεύειν ὅταν δὲ τύχωσι τς εἰρήνης τοὺς ατοὺς τούτους συκοφαντοῦσι καὶ κρίσεις ἀδίκους ἐπιφέροντες διὰ τὸν φθόνον τιμωρίαις περιβάλλουσι διὸ καὶ τν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας ταττομένων τινὲς μὲν φοβούμενοι τὰς ἐν τῶ δικαστηρίῳ κρίσεις ἀποστάται γίνονται [τς ἡγεμονίας] τινὲς δ ἐπιτίθενται τυραννίσιν Nigel Bagnall The Punic Wars New York St Martin 2005 pp 9-11 Miles
op cit p 147 Cabe mencionar aqui o caso relatado em Diod 2310
quando Aniacutebal (natildeo o Barca) apoacutes a derrota na batalha naval de Mylae
durante a Primeira Guerra Puacutenica temendo a puniccedilatildeo oligaacuterquica
decidiu enviar um mensageiro a Cartago para perguntar aos oligarcas se
ele no comando de 200 embarcaccedilotildees deveria entrar em confronto com os
romanos que contavam apenas com 120 embarcaccedilotildees com a resposta
positiva dos entusiasmados compatriotas o mensageiro entatildeo contou que
foi exatamente essa a decisatildeo de Aniacutebal tendo ele no entanto
perdido a batalha para os romanos Diante disso concluiu o
mensageiro o general natildeo deveria ser punido uma vez que agiu como
todos julgavam ser correto O caso serve para ilustrar o receio dos
comandantes cartagineses quanto agraves puniccedilotildees do Senado mais do que
propriamente a severidade dos castigos Sobre a puniccedilatildeo senatorial
podemos destacar a crucifixatildeo como no caso do comandante cartaginecircs
crucificado pelos compatriotas apoacutes desistir de Messina com a chegada
de Aacutepio Claacuteudio cocircnsul romano enviado para dar suporte militar aos
mamertinos (Polib 111) De acordo com Poliacutebio os cartagineses
puniram seu general por sua falta de bom juiacutezo sobre as coisas
(νομίσαντες ατὸν ἀβούλως) e por abandonar a cidadela covardemente
(ἀνάνδρως προέσθαι τὴν ἀκρόπολιν) 313 Isocrates Nicocles 24 Dexter Hoyos (Unplanned Wars The Origins
of the First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de
143
orador aacutetico pretendia evidenciar a tensatildeo referida entre
oligarquia e generais algo existente mesmo antes do iniacutecio
do periacuteodo heleniacutestico Se no seacutecIV aC os generais eram
escolhidos entre os membros da elite poliacutetica314 a partir
do seacutecIII aC os mesmos passaram a ser eleitos pela
assembleacuteia popular315 o que certamente contribuiu para a
degradaccedilatildeo das relaccedilotildees entre oligarquia e comandantes
nomeados Contudo a despeito da progressiva hostilidade
entre os dois lados os oligarcas foram ainda capazes de
punir seus generais com severidade ao longo dos cem
primeiros anos do periacuteodo heleniacutestico O poder que a
oligarquia mantinha sobre os comandantes eacute evidente em
diversas ocasiotildees como a deposiccedilatildeo do general Hanatildeo o
Velho apoacutes sua derrota em Acragas em 263 aC316 Poliacutebio
natildeo menciona o que ocorreu com Hanatildeo dando atenccedilatildeo ao
impacto que a vitoacuteria romana teve no Senado em Roma mas
Diodoro nos relata que ldquoos cartagineses puniram Hanatildeo em
6000 moedas de ouro privando-o de seus direitos ciacutevicosrdquo
(Ἄννωνα δὲ οἱ Καρχηδόνιοι ἐζημίωσαν χρυσοῖς ἑξακισχιλίοις ἀτιμάσαντες)317
A principal razatildeo para o controle efetivo por parte dos
oligarcas reside no excelente funcionamento das
instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais cujo vigor permaneceu
ateacute o iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica devido agraves matildeos
severas da oligarquia (nas ldquofiguras senatoriaisrdquo e dos
Gruyter 1998 P150) destaca que com a ascensatildeo Baacutercida (periacuteodo que
natildeo seraacute tratado nesta tese) a repuacuteblica cartaginesa havia se
tornado de fato uma monarquia militar uma vez que o poder dos
Baacutercidas natildeo se reduzia agrave nova colocircnia hispacircnica estendendo-se aos
assuntos poliacuteticos em Cartago Ainda que essa interpretaccedilatildeo natildeo seja
universal (haacute evidecircncias da oposiccedilatildeo dos cartagineses agrave expediccedilatildeo de
Amiacutelcar em Apiano Guerra Anibaacutelica 24 e Zonaras 817) os autores
modernos tendem a aceitar a influecircncia Baacutercida em Cartago ou o seu
governo independente na Hispacircnia 314 Robert Drews ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan Eunomiardquo AJA
100 1979 P 55 315 Bagnall op cit p 9 316 Polib 118-19 Diod239 Zonaras 810 A batalha seraacute analisada
neste capiacutetulo precisamente no uacuteltimo item 317 Diod 239 Aqui decidi seguir estritamente a traduccedilatildeo de
Goldfather tradutor da Loeb que sugeriu ἀτιμάω como privaccedilatildeo dos
direitos ciacutevicos
144
sufetas)318
O preccedilo a se pagar como veremos neste
capiacutetulo seraacute o impedimento da formaccedilatildeo de uma ldquoescola
militar atualizadardquo na primeira metade do seacutecIII aC o
que atrasaraacute em termos taacuteticos o pensamento militar
cartaginecircs sendo o problema solucionado somente diante de
outra ameaccedila nos arredores de Cartago a expediccedilatildeo romana
liderada por Reacutegulo durante a Primeira Guerra Puacutenica
Poliacutebio menciona que as razotildees para a decadecircncia da
constituiccedilatildeo cartaginesa notada somente a partir da
Segunda Guerra Puacutenica319
resumem-se ao progressivo
desequiliacutebrio das suas instituiccedilotildees diminuindo
sensivelmente a autoridade da oligarquia frente agraves
assembleacuteias populares tendo ldquoa multidatildeo jaacute adquirido a
palavra final nas deliberaccedilotildees ao passo que em Roma o
Senado ainda a detinhardquo (τὴν πλείστην δύναμιν ἐν τοῖς διαβουλίοις παρὰ μὲν
Καρχηδονίοις ὁ δμος ἤδη μετειλήφει παρὰ δὲ Ῥωμαίοις ἀκμὴν εἶχεν ἡ σύγκλητος)320
Ao que tudo indica o periacuteodo localizado entre os primeiros
anos do seacutecIII aC quando a assembleacuteia popular passou a
escolher os generais cartagineses e o iniacutecio da Segunda
Guerra Puacutenica em 218 aC apresentou os uacuteltimos esforccedilos
de controle efetivo dos oligarcas que progressivamente
perdiam espaccedilo para a participaccedilatildeo democraacutetica ainda que
tivessem poder sobre a deposiccedilatildeo dos generais e jaacute nas
duas uacuteltimas deacutecadas do seacutecIII aC para uma poliacutetica da
irracionalidade321
Haacute basicamente duas referecircncias antigas sobre a
constituiccedilatildeo dos cartagineses a respeito da qual pouco se
318 Bagnall op cit p 12 eacute ainda mais incisivo ao dizer que ldquoo
aspecto mais marcante da constituiccedilatildeo cartaginesa era a sua
estabilidaderdquo 319 Polib 651 ldquoMas no momento em que eles embarcaram na Guerra
Anibaacutelica a constituiccedilatildeo dos cartagineses se degenerou ao passo que
a dos romanos progrediurdquo (κατά γε μὴν τοὺς καιροὺς τούτους καθ οὓς εἰς τὸν Ἀννιβιακὸν ἐνέβαινε πόλεμον χεῖρον ἦν τὸ Καρχηδονίων ἄμεινον δὲ τὸ Ῥωμαίων) 320 Polib 651 321 Ver Craige Brian Champion Cultural Politics in Polybius‟
Histories Berkeley University of California Press 2004 pp 117-
121 Miles pp 353-354
145
sabe A primeira e mais esclarecedora delas encontra-se em
Aristoacuteteles (Pol 1272b) portanto temporalmente distante
dos eventos pelos quais demonstramos interesse322
Ainda
assim o entendimento aristoteacutelico do sistema poliacutetico
cartaginecircs no seacutecIV aC deve ser o principal documento
considerado dado o bom julgamento de Aristoacuteteles para o
assunto e as condiccedilotildees miacutenimas de acesso aos relatos
antigos sobre as instituiccedilotildees poliacuteticas cartaginesas A
segunda delas pode ser encontrada como jaacute indicado acima
em Poliacutebio ligeiramente mais proacuteximo dos referidos eventos
que Aristoacuteteles considerando as suas funccedilotildees no ciacuterculo
dos Cipiotildees323 O relato de Poliacutebio contudo carece de
informaccedilotildees baacutesicas resumindo-se agrave demonstraccedilatildeo de como o
desequiliacutebrio no funcionamento das instituiccedilotildees permite a
ascensatildeo de outro poder estrangeiro (Roma) o que daria
ferramentas aos poliacuteticos gregos vindouros para a
compreensatildeo das instituiccedilotildees romanas Afinal sua ldquohistoacuteria
pragmaacuteticardquo se dirigia a uma audiecircncia grega (mas natildeo
somente) forccedilada a conviver sob o domiacutenio romano324
De acordo com Aristoacuteteles os cartagineses viviam sob
uma constituiccedilatildeo boa (Πολιτεύεσθαι δὲ δοκοῦσι καὶ Καρχηδόνιοι καλς) e
superior em muitos aspectos a todas as outras (καὶ πολλὰ
περιττς πρὸς τοὺς ἄλλους) assemelhando-se agraves constituiccedilotildees de
Creta e Esparta (as quais detinham peculiaridade notaacutevel
aos olhos do grego)325 O valor de uma boa constituiccedilatildeo diz
Aristoacuteteles pode ser encontrado quando ldquoos cidadatildeos
permanecem leais ao sistema poliacutetico e nenhum conflito
civil emerge em qualquer escala que valha a pena mencionar
nem qualquer um obteacutem sucesso em se pronunciar tiranordquo (τὸ
τὸν δμον διαμένειν ἐν τῆ τάξει τς πολιτείας καὶ μήτε στάσιν ὅ τι καὶ ἄξιον εἰπεῖν
322 Arist Pol 1272b 323 Polib 644 324 Polib 11 Frank William Walbank Polybius Berkeley and Los
Angeles University of California Press 1972 Daly P 81 325 Arist Pol 1272b Poliacutebio (651) ressalta a semelhanccedila com as
constituiccedilotildees de Roma e Esparta Ver Bagnall op cit p 13 Consolo
Langher pp 127-129
146
γεγενσθαι μήτε τύραννον) Da mesma forma que os espartanos os
cartagineses conheciam as refeiccedilotildees coletivas possuindo um
conselho similar ao dos eacuteforos326 mas composto por 104
homens tendo a vantagem de escolhecirc-los por meacuterito pessoal
(τὴν ἀρχὴν ἀριστίνδην) ao passo que em Esparta a eleiccedilatildeo se
dava entre os cidadatildeos ordinaacuterios Quanto aos dois sufetas
(ou magistrados vistos como reis)327 ambos vinham da mesma
famiacutelia e deviam assumir o cargo por eleiccedilatildeo e natildeo por
senilidade Aparentemente as decisotildees eram sempre tomadas
pelo Senado e pelos sufetas e os assuntos que deveriam ir
agrave assembleacuteia popular eram por eles escolhidos Uma vez que
a votaccedilatildeo fosse encaminhada ao povo (δμος) o Senado abria
matildeo de sua primazia momentaneamente sendo a assembleacuteia
popular investida de poder natildeo somente para escutar as
resoluccedilotildees do governo mas tambeacutem para pronunciar
julgamento sobre elas ldquoum direito que natildeo existia noutras
constituiccedilotildeesrdquo ([] ὅπερ ἐν ταῖς ἑτέραις πολιτείαις οκ ἔστιν) A
poliacutetica cartaginesa seria entatildeo parcialmente
democraacutetica mas com fortes elementos oligaacuterquicos os
quais eram mantidos pela forma de controle institucional
aristocraacutetica As pentarquias por exemplo encarregadas da
326 Poliacutebio menciona a existecircncia de dois reis um conselho de anciatildeos
como forccedila aristocraacutetica e um povo supremo nos assuntos que lhes
cabia 327 Para alguns historiadores os sufetas cartagineses desempenhavam
precisamente as funccedilotildees de um ldquoreirdquo (basileu para os gregos rex para
os latinos) ao passo que para outros a apariccedilatildeo do termo ldquobasileurdquo
quando as fontes mencionam sufetas cartagineses indica unicamente uma
aproximaccedilatildeo ao se traduzir o puacutenico sufeta Como nos lembra Yann Le
Bohec Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions du
Rocher 1996 pp29-31 ldquose a monarquia existiu em Cartago esse
regime desapareceu antes do iniacutecio do seacutecIII aCrdquo Entre os autores
que consideram os sufetas com funccedilotildees idecircnticas agravequelas desempenhadas
pelos reis destaca-se Gilbert Charles-Picard ldquoLes Sufegravetes de Carthage
dans Tite-Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-280
1963 O principal autor a se posicionar a favor de uma mera
aproximaccedilatildeo semacircntica eacute Maurice Sznycer ldquoLe Problegraveme de la royauteacute
dans le monde puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296
1981 Outros autores preferem se posicionar entre as duas
interpretaccedilotildees como no caso de Dexter Hoyos op cit p6 que
defende a plausibilidade de ambas embora opte por traduzir sufetas
como juiacutezes ldquoo reirdquo diz Hoyos ldquoalgumas vezes mencionado nos relatos
gregos pode ter sido uma magistratura separada ou talvez um sufeta
sob outro nomerdquo
147
eleiccedilatildeo dos membros do ldquoconselho dos 104 homensrdquo (senadores
responsaacuteveis por vigiar e reprimir quaisquer abusos por
parte do proacuteprio Senado) eram magistraturas natildeo
remuneradas sendo tanto a riqueza (τὸν πλοῦτον) quanto o
meacuterito (τς ἀρετς) elementos considerados na escolha dos
magistrados o que limitava o exerciacutecio poliacutetico das
pentarquias aos bem-nascidos jaacute que era impossiacutevel ao
homem pobre desfrutar do tempo necessaacuterio para o desempenho
adequado de seus deveres poliacuteticos Assim a eleiccedilatildeo por
riqueza seria oligaacuterquica e a eleiccedilatildeo por meacuterito
aristocraacutetica o que mantinha (durante bastante tempo) o
equiliacutebrio institucional tatildeo valorizado por Poliacutebio para
quem a populaccedilatildeo de Atenas iacutecone do governo puramente
democraacutetico se assemelhava a ldquoum navio sem comandanterdquo
(τοῖς ἀδεσπότοις σκάφεσι)
O uacutenico caso heleniacutestico (entre 323-237 aC)
registrado nas fontes de aspiraccedilatildeo frustrada ao poder
tiracircnico em Cartago se daacute em 310 aC com Bomiacutelcar um dos
strategoi nomeados pelo conselho cartaginecircs frente ao
reconhecimento da inesperada expediccedilatildeo africana de
Agaacutetocles328
Ao eleger Bomiacutelcar juntamente com Hanatildeo o
outro strategos tendo ciecircncia de que ambos advinham de
famiacutelias rivais o conselho cartaginecircs pretendia de acordo
com Diodoro manter a seguranccedila da cidade (τς πόλεως
ἀσφάλειαν) isto eacute o perfeito funcionamento de suas
instituiccedilotildees tradicionais crendo que a desconfianccedila
pessoal e a inimizade muacutetua (τὴν ἰδίαν τούτοις ἀπιστίαν καὶ διαφορὰν
κοινὴν) dos generais inibiriam qualquer tentativa de
ascensatildeo ao poder tiracircnico pelo monopoacutelio dos exeacutercitos329
O conselho prossegue o historiador siciliano se equivocou
em sua decisatildeo uma vez que Bomiacutelcar aproveitou a
oportunidade de sua nomeaccedilatildeo ao cargo de strategos para
328 Diod 2010 Meister CAH 7 p395 Consolo Langher pp 139-141
Justino 226 menciona Hanatildeo como o uacutenico comandante dos cartagineses 329 Diod 2010
148
levar adiante um plano de instauraccedilatildeo da tirania o qual
havia sido como encontramos na fonte previamente
concebido Antes da chegada de Agaacutetocles na Aacutefrica faltava
ao cartaginecircs tanto autoridade (ἐξουσίαν) quanto ocasiatildeo
adequada (καιρὸν οἰκεῖον) uma vez nomeado um dos generais
responsaacuteveis pelo combate contra os gregos na Aacutefrica ambos
os preacute-requisitos lhe foram proporcionados Em primeiro
lugar de posse de parte do exeacutercito cartaginecircs bastava
eliminar seu colega e rival o que considerando o estado
das relaccedilotildees entre os dois seria feito sem grandes
impedimentos Em segundo lugar a presenccedila grega na Aacutefrica
serviria de justificativa para quaisquer acusaccedilotildees de mau
funcionamento das instituiccedilotildees tradicionais o que em
diversas ocasiotildees foi tomado como pontapeacute inicial para a
emergecircncia dos poderes tiracircnicos no mundo grego Em campo
de batalha apoacutes ouvir que seu rival havia sido derrotado
pelos siracusanos Bomiacutelcar tentou forccedilar um recuo
prematuro de sua ala o que induziria a retirada de todo o
exeacutercito acreditando que com isso teria natildeo somente o
controle das tropas mas tambeacutem o desentendimento e
consequumlente submissatildeo do conselho Essa loacutegica encontra
evidecircncia em Diodoro
Se o exeacutercito de Agaacutetocles fosse destruiacutedo ele natildeo
seria capaz de realizar o seu plano rumo agrave supremacia
uma vez que os cidadatildeos permaneceriam fortes mas se o
primeiro vencesse e destruiacutesse o orgulho dos
cartagineses os derrotados seriam faacuteceis de manipular
e ele [Bomiacutelcar] poderia derrotar Agaacutetocles prontamente
quando desejasse fazecirc-lo330
330 Diod 2012 [] εἰ μὲν ἡ μετὰ Ἀγαθοκλέους διαφθαρείη δύναμις μὴ δυνήσεσθαι τὴν ἐπίθεσιν ποιήσασθαι τῆ δυναστείᾳ τν πολιτν ἰσχυόντων εἰ δὲ ἐκεῖνος νικήσας τὰ φρονήματα παρέλοιτο τν Καρχηδονίων εχειρώτους μὲν ἑαυτῶ τοὺς προηττημένους ἔσεσθαι τὸν δ Ἀγαθοκλέα ῥᾳδίως καταπολεμήσειν ὅταν ατῶ δόξῃ
149
O recuo taacutetico de Bomiacutelcar se transformou no entanto
em massacre e destruiccedilatildeo numerosa de seu exeacutercito331 jaacute que
as manobras heleniacutesticas de Agaacutetocles findaram no
envolvimento aparentemente parcial dos cartagineses em
fuga Diodoro um pouco mais agrave frente menciona em detalhes
como os cartagineses conseguiram suprimir a tentativa
desesperada de ascensatildeo tiracircnica por parte de Bomiacutelcar
que apoacutes a derrota para Agaacutetocles selecionou alguns de
seus homens e tentou tomar a proacutepria cidade de Cartago
inesperadamente
[] quando Bomiacutelcar havia revisado o seu exeacutercito no
que era chamada Nova Cidade a qual estava localizada a
uma curta distacircncia da Velha Cartago ele dispensou o
restante mas manteve aqueles com os quais podia contar
em sua revolta cerca de 500 cidadatildeos e 1000
mercenaacuterios e declarou-se tirano (ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον)332
Ao dividir seus homens em cinco unidades Bomiacutelcar
invadiu a cidade (que ainda natildeo tinha conhecimento de seus
planos) e exterminou aqueles que se opuseram aos seus
propoacutesitos Diante da calamidade os cartagineses pegaram
em armas e se apressaram em suprimir a traiccedilatildeo ciacutevica que
haviam sofrido em momento tatildeo delicado para a sua poliacutetica
externa Bomiacutelcar se dirigiu ao centro mercantil (τὴν ἀγορὰν)
e assassinou ainda muitos cidadatildeos desarmados sendo essa
accedilatildeo desesperada seguida pela ocupaccedilatildeo de construccedilotildees
proacuteximas ao mercado por parte dos defensores os quais
foram capazes devido ao posicionamento mais alto e
portanto favoraacutevel agrave defesa interna da cidade contra os
331 Diod 2013 menciona 1000 homens mortos do lado cartaginecircs embora
reconheccedila que outros autores mencionem ateacute 6000 ao passo que Justino
226 nos indica 3000 mortos do lado cartaginecircs Oroacutesio 46 sugere que
2000 cartagineses pereceram em batalha 332 Diod 2044 δ οὖν Βορμίλκας ἐξετασμὸν τν στρατιωτν ποιησάμενος ἐν τῆ καλουμένῃ Νέᾳ πόλει μικρὸν ἔξω τς ἀρχαίας Καρχηδόνος οὔσῃ τοὺς μὲν ἄλλους διαφκε τοὺς δὲ συνειδότας περὶ τς ἐπιθέσεως ὄντας πολίτας μὲν πεντακοσίους μισθοφόρους δὲ περὶ χιλίους ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον
150
homens de Bomiacutelcar de por fim ao que poderia representar a
falecircncia (mesmo que momentacircnea) de suas instituiccedilotildees
poliacuteticas tradicionais Apoacutes a rendiccedilatildeo dos traidores os
cartagineses enviaram os seus cidadatildeos mais velhos (πρέσβεις)
para o estabelecimento de um acordo e decidiram perdoar os
traidores que tiveram que ldquopagarrdquo o perdatildeo com serviccedilo
militar contra Agaacutetocles mas torturaram e mataram o seu
liacuteder Bomiacutelcar preservando assim ldquoa constituiccedilatildeo de seus
paisrdquo (τὴν πατρῴαν πολιτείαν)
Parece seguro dizer que o uacutenico caso registrado de
tentativa de instauraccedilatildeo da tirania em Cartago durante o
primeiro seacuteculo do periacuteodo heleniacutestico tinha propoacutesitos
puramente claacutessicos primeiramente por que a sua
classificaccedilatildeo como ldquoheleniacutesticardquo cairia diante da acusaccedilatildeo
de anacronismo de fato natildeo vejo maneira de um cartaginecircs
ter concebido seu poder em imitaccedilatildeo agrave monarquia de
Alexandre antes mesmo da autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos como
reis333
Aleacutem disso a experiecircncia cartaginesa aponta para o
modelo tiracircnico siciliano tardo-claacutessico sem qualquer
vivecircncia direta (ao menos nas esferas oligaacuterquica e
popular) com os valores monaacuterquicos heleniacutesticos Ainda que
Agaacutetocles tenha desenvolvido os princiacutepios de sua basileia
durante a expediccedilatildeo cartaginesa a configuraccedilatildeo de seu
poder natildeo se dirigia nem aos cartagineses nem aos cidadatildeos
em Siracusa como sustentamos no capiacutetulo anterior mas sim
agraves suas tropas mercenaacuterias que reconheceram seu poder no
episoacutedio da toga puacuterpura e que tinham condiccedilotildees a julgar
pelo tracircnsito mediterracircnico inerente agrave sua profissatildeo de
saber do que se tratava o poder reacutegio assumido por
Agaacutetocles alguns anos apoacutes a batalha de Tuacutenis em 310 aC
Embora tivessem empregado mercenaacuterios em larga escala a
esfera de atuaccedilatildeo poliacutetica dos cartagineses incluindo seus
generais permaneceu estritamente ligada aos modelos
333 Esse eacute o mesmo argumento que utilizei no cap3
151
claacutessicos tendo o uacutenico caso fracassado de ascensatildeo
tiracircnica no periacuteodo heleniacutestico ocorrido em 310 aC antes
mesmo do surgimento das monarquias heleniacutesticas
Apoacutes o episoacutedio de Bomiacutelcar a oligarquia cartaginesa
manteve-se como de costume precavida quanto agraves possiacuteveis
chances da emergecircncia de tiranias em Cartago As fontes natildeo
mencionam outro caso declarado de aspiraccedilatildeo tiracircnica mas
penso que podemos tomar ao considerar uma sistematizaccedilatildeo
das evidecircncias disponiacuteveis a reaccedilatildeo dos cartagineses ao
sucesso militar de Xantipo (o qual seraacute analisado em
detalhes mais agrave frente) como indiacutecio de precauccedilatildeo quanto a
uma ldquotirania em potencialrdquo o que serve em igual medida
para o meu argumento
As fontes fornecem histoacuterias bastante distintas sobre o
desaparecimento do general mercenaacuterio apoacutes serviccedilo prestado
aos cartagineses Comecemos com Poliacutebio
Xantipo a quem essa revoluccedilatildeo e esse notaacutevel avanccedilo
nos eventos relacionados a Cartago foram devidos apoacutes
pouco tempo navegou mais uma vez a Esparta sendo esta
uma decisatildeo muito prudente e bem pensada de sua parte
uma vez que suas realizaccedilotildees brilhantes e excepcionais
cultivariam a inveja mais profunda [] Estrangeiros
quando expostos a tais situaccedilotildees rapidamente sucumbem
e potildeem-se em perigo Haacute outro relato sobre a partida de
Xantipo o qual procurarei apresentar numa ocasiatildeo mais
apropriada que a atual334
Mas qual seria esse segundo relato mencionado por
Poliacutebio Parece possiacutevel dizer a partir do que narram
outras fontes que Poliacutebio estivesse se referindo agrave versatildeo
que encontramos com mais clareza nos fragmentos do livro
23 de Diodoro
334 Polib 136 Ξάνθιππος δὲ τηλικαύτην ἐπίδοσιν καὶ ῥοπὴν ποιήσας τοῖς Καρχηδονίων πράγμασιν μετ ο πολὺν χρόνον ἀπέπλευσεν πάλιν φρονίμως καὶ συνετς βουλευσάμενος αἱ γὰρ ἐπιφανεῖς καὶ παράδοξοι πράξεις βαρεῖς μὲν τοὺς φθόνους ὀξείας δὲ τὰς διαβολὰς γεννσιν [hellip] οἱ δὲ ξένοι ταχέως ἐφ ἑκατέρων τούτων ἡττνται καὶ κινδυνεύουσι λέγεται δὲ καὶ ἕτερος πὲρ τς ἀπαλλαγς τς Ξανθίππου λόγος ὃν πειρασόμεθα διασαφεῖν οἰκειότερον λαβόντες τοῦ παρόντος καιρόν
152
Xantipo o Espartano tambeacutem pereceu nas matildeos dos
siciliotas335 Proacuteximo a Lilibeu uma cidade dos
siciliotas [cartagineses] houve uma guerra entre
romanos e siciliotas guerra essa que continuou por 24
anos Os siciliotas tendo sofrido derrota em batalha
por diversas vezes ofereceram a submissatildeo de sua
cidade aos romanos Xantipo o Espartano que havia
chegado de Esparta com 100 soldados (ou sozinho ou com
50 soldados de acordo com vaacuterios autores) se
aproximou dos siciliotas enquanto eles ainda estavam
indecisos e apoacutes conversar com eles por meio de um
inteacuterprete finalmente os encorajou a fazer frente aos
inimigos Ele entrou em batalha com os romanos e com a
ajuda dos siciliotas massacrou todo o exeacutercito inimigo
Por seu bom serviccedilo prestado [Xantipo] recebeu uma
recompensa merecida e apropriada agravequele povo perverso
uma vez que os moralmente abominaacuteveis o enviaram numa
embarcaccedilatildeo defeituosa e a naufragaram nas aacuteguas do
Adriaacutetico como expressatildeo de seu ressentimento para com
o heroacutei e sua nobreza336
Os relatos posteriores apresentam mais ou menos uma das
duas versotildees Apiano relata o retorno de Xantipo a Esparta
ainda que a viagem tenha sido propositalmente organizada
pelos cartagineses para o extermiacutenio do general durante o
percurso de volta o que se deu com o arremesso de Xantipo
e seus compatriotas da embarcaccedilatildeo em mar aberto337
Os
fragmentos do livro 11 de Caacutessio Dio os quais foram
parcialmente preservados em Zonaras informam duas versotildees
possiacuteveis que sua embarcaccedilatildeo foi atacada pelos proacuteprios
cartagineses e que a embarcaccedilatildeo cedida a ele pelos
335 Apoacutes analisar todo o fragmento fica evidente que Diodoro trocou
(talvez por confusatildeo) em toda a passagem cartagineses por
siciliotas 336 Diod 2316 τοῖς Σικελοῖς καὶ Ξάνθιππος ὁ Σπαρτιάτης θνήσκει περὶ γὰρ τὸ Λιλύβαιον τν Σικελν τὴν πόλιν Ῥωμαίοις τε καὶ Σικελοῖς πόλεμος ἐκροτεῖτο πρὸς εἴκοσι καὶ τέσσαρας τοὺς χρόνους ἐξαρκέσας οἱ Σικελοὶ ταῖς μάχαις δὲ πολλάκις ἡττημένοι Ῥωμαίοις ἐνεχείριζον τὴν πόλιν εἰς δουλείαν τν δὲ Ῥωμαίων μηδαμς μηδ οὕτω πειθομένων ἀλλὰ γυμνοὺς τοὺς Σικελοὺς λεγόντων ἐξιέναι ὁ Σπαρτιάτης Ξάνθιππος ἐλθὼν ἀπὸ τς Σπάρτης σὺν στρατιώταις ἑκατόν ἢ μόνος καθ ἑτέρους κατ ἄλλους δὲ πεντήκοντα τοὺς στρατιώτας ἔχων καὶ προσβαλὼν τοῖς Σικελοῖς οὖσιν ἐγκεκλεισμένοις δι ἑρμηνέως τε ατοῖς πολλὰ συνομιλήσας τέλος θαρρύνει κατ ἐχθρν καὶ συναράξας μάχῃ ἅπαν Ῥωμαίων στράτευμα σὺν τούτοις κατακόπτει τοῖς εηργετημένοις δὲ τὴν ἀμοιβὴν λαμβάνει ἀξίαν καὶ κατάλληλον τς τούτων δυστροπίας πλοίῳ
σαθρῶ τὸν ἄνδρα γὰρ οἱ μιαροὶ βαλόντες πὸ στροφαῖς βυθίζουσι πελάγει τοῦ Ἀδρίου βασκήναντες τὸν ἥρωα καὶ τούτου τὸ γενναῖον 337 Apiano 81
153
cartagineses era velha e por esse motivo naufragaria
inevitavelmente natildeo fosse a percepccedilatildeo de Xantipo acerca do
que estava a ocorrer e a subsequumlente troca da embarcaccedilatildeo
por uma nova338
A despeito de alguns elementos divergentes parece
possiacutevel unificar os relatos de um modo bastante aceitaacutevel
Se tomarmos a informaccedilatildeo encontrada em Poliacutebio Diodoro
Apiano e Caacutessio Dio concluiacutemos que Xantipo apoacutes liderar
vitoriosamente os cartagineses decidiu regressar para
Esparta (ainda que algumas fontes natildeo mencionem abertamente
Esparta mas somente a embarcaccedilatildeo e as honrarias preparadas
pelos cartagineses como forma de agradecer os bons serviccedilos
prestados o que sugere o fim do ldquocontratordquo e portanto o
retorno do mercenaacuterio ao mundo grego) Se os cartagineses
afundaram abertamente a embarcaccedilatildeo ou apenas assassinaram
Xantipo tendo preservado o navio se o mesmo naufragou
devido ao seu estado propositalmente defeituoso ou ainda
se Xantipo foi capaz de chegar satildeo e salvo em Esparta
apesar das armadilhas preparadas torna-se a essa altura
informaccedilatildeo irrelevante dado que em todos os cenaacuterios
possiacuteveis os cartagineses natildeo teriam demonstrado a menor
intenccedilatildeo de tornar a viagem de volta de Xantipo bem-
sucedida
Por que Xantipo decidiu navegar de volta para a Greacutecia
apoacutes tamanho sucesso contra os romanos Xantipo
provavelmente sabia que a ascensatildeo do poder pessoal em
Cartago era um processo muito complicado e por essa razatildeo
natildeo demonstrou qualquer intenccedilatildeo de expandir sua autoridade
entre os cartagineses Todavia os motivos que levaram
Cartago a assegurar que a viagem de Xantipo fosse
desastrosa parecem claros como nos casos anteriores os
cartagineses se esforccedilaram em impedir qualquer ascensatildeo de
poder pessoal dos strategoi possivelmente por conta do que
338 Zonaras 1113
154
estavam habituados a ver na Siciacutelia grega Apoacutes ter
concluiacutedo a segunda reforma do exeacutercito cartaginecircs como
veremos mais agrave frente neste capiacutetulo Xantipo eacute tirado de
cena pelos cartagineses direta ou indiretamente de
maneira a fortalecer o argumento sobre a preocupaccedilatildeo
cartaginesa no que respeita agrave possiacutevel ascensatildeo de tiranos
em Cartago o que representaria um desequiliacutebrio fatal das
instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais
155
2 O exeacutercito cartaginecircs
Ao fornecer uma explicaccedilatildeo para a superioridade do
exeacutercito romano frente ao cartaginecircs Poliacutebio argumenta
que
Os cartagineses satildeo naturalmente superiores no mar
tanto em eficiecircncia quanto em equipamento por que a
navegaccedilatildeo eacute desde os primoacuterdios o seu ofiacutecio nacional
([] Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην) e eles se ocuparam com o mar mais do que
qualquer outro povo mas com relaccedilatildeo ao serviccedilo militar
em terra firme os romanos satildeo muito mais eficientes
De fato eles direcionaram toda sua energia ao assunto
ao passo que os cartagineses negligenciaram
inteiramente sua infantaria (Καρχηδόνιοι δὲ τν μὲν πεζικν εἰς τέλος ὀλιγωροῦσι) ainda que tenham se dedicado
ligeiramente agrave sua cavalaria A razatildeo para isto eacute que
as tropas por eles empregadas satildeo estrangeiras e
mercenaacuterias (ξενικαῖς καὶ μισθοφόροις) ao passo que as dos
romanos satildeo nativas e ciacutevicas (ἐγχωρίοις καὶ πολιτικαῖς)339
Da passagem de Poliacutebio podemos destacar natildeo somente
alguns dos traccedilos centrais para o estudo das evidecircncias
sobre o exeacutercito cartaginecircs (nomeadamente seu caraacuteter
mercenaacuterio e portanto agrave parte do desenvolvimento de uma
cultura militar ciacutevica) mas tambeacutem a ausecircncia de qualquer
tentativa de padronizaccedilatildeo das tropas em unidades taacuteticas
(excetuando o pequeno corpo ciacutevico chamado pelos gregos de
ieros lochos) que pudessem ser reconhecidas e treinadas
pelos generais em situaccedilotildees previamente ldquoensaiadasrdquo De
forma similar ao que ocorria com os persas as tropas que
combatiam pelos cartagineses seguiam os padrotildees
(equipamentos e taacuteticas) de suas regiotildees de origem a
exemplo dos fundeiros das ilhas Baleares ou dos cavaleiros
339 Polib 652
156
numiacutedios Parece mais profiacutecuo portanto realizar uma
anaacutelise do exeacutercito a partir de suas origens eacutetnicas340
Da Numiacutedia os cartagineses contavam com a sua melhor
cavalaria tropas montadas sem sela armadas com lanccedila de
arremesso e capazes de combater tanto em regiotildees
acidentadas quanto planas surpreendendo o inimigo por sua
precisatildeo e movimentaccedilatildeo raacutepida recursos que por vezes
foram empregados como elemento surpresa pelos generais
cartagineses mais capazes a exemplo de Aniacutebal Barca341
As
taacuteticas empregadas pelos numiacutedios uma vez que eram
cavalaria levemente armada com lanccedilas de arremesso
repousavam naturalmente numa loacutegica distinta daquela
encontrada entre os cavaleiros macedocircnios pesadamente
armados apostando no ldquoarremesso perioacutedicordquo de suas lanccedilas
e em recuos taacuteticos que evitavam a todo custo o choque
frontal com o inimigo Talvez por esse motivo os numiacutedios
tenham sido classificados pelos romanos como covardes
traiccediloeiros e com ldquoapetites mais violentos que quaisquer
outros baacuterbarosrdquo342
Os cartagineses contavam aleacutem dos numiacutedios com os
fundeiros das ilhas Baleares De maneira geral esses
homens eram organizados em corpos de 2000 soldados armados
com dois tipos de funda uma empregada para desferir
ataques contra um inimigo compacto marchando em meacutedia
distacircncia e outra para alvos individuais obviamente mais
proacuteximos que os primeiros343
Embora sua arma caracteriacutestica
seja a funda durante o primeiro contato com os
cartagineses344 alguns dos soldados baleaacutericos estavam
340 Griffith pp 207-233 Peter Connolly Greece and Rome at War
London Macdonald 1981 pp 148-152 Bagnall op cit pp8-11 Daly
pp 84-112 341 Bagnall op cit p 8 Daly pp 92-93 342 Tito Liacutevio 2541 2844 2923 3012 Daly p92 343 Estrabatildeo 35 Bagnall op cit pp 8-9 Daly p 107 344 Diod 1380 faz referecircncia a soldados baleaacutericos no exeacutercito
cartaginecircs para os finais do seacutecV aC Cf Steacutephane Gsell Histoire
ancienne de lAfrique du Nord (vol2) Paris Hachette 1914-1930 P
374 Daly p 107
157
armados com lanccedila de arremesso como nos informa Estrabatildeo
sendo normalmente pagos de acordo com Diodoro em mulheres
e vinho345
O pagamento mencionado em Diodoro claramente
induz agrave sua caracterizaccedilatildeo como tropas mercenaacuterias aleacutem do
historiador siciliano Poliacutebio faz referecircncia ao pagamento
dos soldados baleaacutericos durante a Revolta Mercenaacuteria (241-
237 aC) e posteriormente na batalha de Zama (202
aC)346
Os iberos tambeacutem desempenhavam papel importante na
composiccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs desde tempos anteriores agrave
consolidaccedilatildeo dos Baacutercidas Antes da investida Baacutercida na
Ibeacuteria ou Hispacircnia a presenccedila cartaginesa na regiatildeo
resumia-se a acordos comerciais e alianccedilas sendo alguns
iberos recrutados portanto como mercenaacuterios a serviccedilo de
Cartago347 Durante a Segunda Guerra Puacutenica ou mesmo um
pouco antes os soldados iberos passaram a servir como
contingente aliado ainda que alguns possam ter sido
recrutados unicamente como mercenaacuterios348 De onde
precisamente eles afluiacuteam eacute algo difiacutecil de mapear uma vez
que mesmo Estrabatildeo encontrou dificuldade em delimitar
geograficamente a Ibeacuteria ou Hispacircnia349 de seu tempo Jaacute na
eacutepoca da invasatildeo anibaacutelica Poliacutebio350 indica seguramente
que as tropas ibeacutericas enviadas agrave Aacutefrica advinham das
seguintes regiotildees Tersitae Mastiani Oretes ibeacuterica e
Olcades Talvez tais regiotildees tenham sido previamente
conhecidas pelos cartagineses e seu contato aumentado com
a ascensatildeo Baacutercida subsequumlente agrave Primeira Guerra Puacutenica
mas essas satildeo apenas suposiccedilotildees sem evidecircncias diretas nas
fontes
345 Diod 517 346 Polib 167 1511 Daly p 107 347 Heroacutedoto faz referecircncia aos iberos no livro 7165 Trata-se aqui
dos iberos da Hispacircnia natildeo os da regiatildeo do Caacuteucaso 348 Griffith pp 225-226 Daly p 95 349 Estrabatildeo 34 350 Polib 333
158
A grande contribuiccedilatildeo dos iberos para a arte da guerra
mediterracircnica residia em sua espada peculiar a todos os
povos conhecidos da regiatildeo peninsular a espada falcata Os
iberos empregavam basicamente dois tipos de espada mas
Poliacutebio descreve a que provocou impacto nos usos do
armamento romano particularmente na adoccedilatildeo do gladius
hispaniensis (o qual se tornou a principal arma de combate
corpo-a-corpo dos legionaacuterios possuindo cerca de 60 cm de
comprimento com dois lados cortantes e uma ponta)351
Os escudos dos iberos e celtas eram muito similares
mas suas espadas eram completamente diferentes (τὰ δὲ ξίφη τὴν ἐναντίαν εἶχε διάθεσιν) sendo aquelas dos iberos
perfurantes com a mesma fatalidade de quando usadas no
corte ([] τὸ κέντημα τς καταφορᾶς ἴσχυε πρὸς τὸ βλάπτειν)352
O maior nuacutemero de mercenaacuterios usados pelos cartagineses
era contudo de liacutebios provenientes da regiatildeo da atual
Tuniacutesia Griffith recorda que no seacutecVI aC353
os
cartagineses passaram gradualmente a confiar a defesa de
sua cidade em tropas aliadas e mercenaacuterias em sua maioria
formada por liacutebios354 A historiografia mais recente tem
observado que os liacutebios referidos por Heroacutedoto em Himera
(480 aC)355 deveriam ter estatuto de tropas pagas
considerando-se que a subjugaccedilatildeo de territoacuterios africanos
vizinhos pelos cartagineses eacute posterior agrave batalha de
Himera356 Aleacutem disso que os liacutebios tenham sido recrutados
como forma de tributaccedilatildeo com o decorrer da expansatildeo
territorial cartaginesa parece improvaacutevel a julgar pela
identificaccedilatildeo polibiana dos liacutebios com as demais tropas
351 Connoly op cit p150 Daly p 97 352 Polib 3114 353 Precisar a data eacute impossiacutevel 354 Griffith pp 207-208 355 Hdt 7165 356 Brian H Warmington Carthage New York Praeger 1960 P 40
Serge Lancel Carthage a history Oxford Cambridge MA Blackwell
1995 P 257 Daly p 84
159
seguramente mercenaacuterias357 Por fim o seu armamento era
basicamente a lanccedila e o escudo (o formato eacute assunto
controverso) sendo ambos empregados por infantaria
disposta em boa ordem o que por vezes levou historiadores
a acreditarem numa similaridade com o modelo hopliacutetico
grego358
No entanto quando Poliacutebio e outros autores
antigos mencionam organizaccedilatildeo em falange para tropas natildeo-
gregas o termo frequumlentemente indica apenas infantaria
pesadamente armada ou ldquoem massardquo sem precisar um corpo de
soldados dispostos na mesma loacutegica que regia a falange
hopliacutetica Os liacutebios lutavam por vezes como infantaria
coesa a exemplo do que Plutarco narra em Crimiso (340
aC) ocasiatildeo em que 10000 homens (entre liacutebios e
cartagineses) surpreenderam pela marcha compassada e em boa
ordem (τῆ βραδυττι καὶ τάξει τς πορείας)359 mas dificilmente
combatiam como hoplitas
Quanto aos elefantes os mesmos foram introduzidos na
arte da guerra do ocidente heleniacutestico por Pirro do Epiro
Alguns anos depois os paquidermes passaram a ser usados
pelos cartagineses que os adquiriam basicamente nos
arredores de Cartago e na costa do atual Marrocos embora
Aniacutebal Barca tenha ldquoimportadordquo alguns do Egito
ptolomaico360
Como explicado ao longo do cap2 os
elefantes tinham efeito desproporcional se considerado o
seu pequeno nuacutemero mas dependiam largamente de condiccedilotildees
favoraacuteveis ao seu uso Sendo um traccedilo da arte da guerra
heleniacutestica seraacute possiacutevel observar uma modificaccedilatildeo taacutetica
crucial no emprego dos elefantes pelos cartagineses apoacutes
Xantipo uma vez que os generais de Cartago tendiam a
empregaacute-los como forccedila de apoio agrave cavalaria ou como
357 Um exemplo claro encontra-se em Polib 167 358 Um bom exemplo eacute Le Bohec op cit pp 39-40 que questiona ateacute se
os cartagineses uma vez que combatiam em falange (argumento de Le
Bohec) teriam adotado a lanccedila macedocircnica (sarissa) 359 Plut Tim 27 360 Bagnall op cit p 9
160
ldquoguardiotildees da bagagemrdquo sem ter considerado o seu uso ao
centro (contra uma infantaria massificada) de modo
integrado com a investida montada nas alas
161
3 As primeiras inovaccedilotildees militares na Cartago
heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave
ameaccedila grega 310-307 aC
A incorporaccedilatildeo dos homens de Ophellas ao exeacutercito de
Agaacutetocles foi acompanhada como visto anteriormente pela
tentativa desesperada de ascensatildeo do poder tiracircnico em
Cartago a qual havia sido liderada por Bomiacutelcar Ambos os
eventos contudo natildeo possuiacuteam conexatildeo direta mas
provocaram sem duacutevida abalo consideraacutevel no moral do
exeacutercito cartaginecircs o que pode justificar como enfatizou
Meister o grande sucesso de Agaacutetocles ao tomar portos e a
cidade de Uacutetica a mais importante depois de Cartago apoacutes
longa resistecircncia de seus cidadatildeos361 Isso permitiria a
Agaacutetocles o estabelecimento de uma linha de comunicaccedilatildeo
permanente com a Siciacutelia o que se traduziria em peacutessimas
notiacutecias para os cartagineses Diante de situaccedilatildeo tatildeo
favoraacutevel contudo o siracusano teve que retornar agrave
Siciacutelia urgentemente levando consigo 2000 homens e
nomeando Arcagatos para o comando das tropas na Aacutefrica362
Sua partida se transformaraacute no iniacutecio de uma reviravolta na
expediccedilatildeo africana Ainda que seus oficiais (nomeadamente
Eumachos) tenham conseguido capturar algumas cidades
(incluindo Hippo Acra e Acris) subjugando parcialmente
povos nocircmades uma uniatildeo desses povos em prol de sua
liberdade e as adversidades das regiotildees africanas
provocaram o recuo dos gregos363
De fato Eumachos havia
conquistado excelente reputaccedilatildeo entre os homens de
Agaacutetocles ao retornar vitorioso de sua primeira campanha
mas a resistecircncia combinada dos nocircmades provocou a baixa de
muitos homens bem como o recuo imediato dos demais sendo
361 Diod 2043 Meister CAH 7 p 398 362 Diod 2055 Justino 228 363 Consolo Langher pp 219-226
162
impossiacutevel avanccedilar sobre os territoacuterios devido a sua
inospicidade natural364 Essa primeira mudanccedila na
perspectiva geral da expediccedilatildeo africana seraacute acompanhada do
que sustento ter sido uma reforma logiacutestica no exeacutercito
cartaginecircs
De acordo com Diodoro seguindo a traduccedilatildeo da Loeb o
Senado em Cartago recebeu bom conselho sobre a guerra (τς
γερουσίας ἐν Καρχηδόνι βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου καλς) e os senadores
decidiram formar trecircs exeacutercitos e enviaacute-los da cidade cada
um com destino proacuteprio sendo o primeiro contra as cidades
costeiras o segundo contra as regiotildees intermediaacuterias e o
terceiro contra as cidades no interior365
A partir disso a
guerra tomou outros rumos privando os gregos da vantagem
ateacute entatildeo assegurada a qual foi devida principalmente agrave
inexperiecircncia dos cartagineses frente aos homens ldquoeducados
na escola do perigordquo Seria possiacutevel presumir que algum
general mercenaacuterio em particular concretizado como
personagem histoacuterica da mesma forma que Xantipo alguns
anos mais tarde teria aconselhado o Senado cartaginecircs sem
ter com isso assumido qualquer posiccedilatildeo de comando o que
seria plausiacutevel se tiveacutessemos evidecircncias mais concretas
(tais como nomes) Essa situaccedilatildeo hipoteacutetica asseguraria
inclusive a traduccedilatildeo acima mencionada Mas o verbo
βουλευσαμένης tal qual aparece na citaccedilatildeo natildeo eacute a forma
passiva de βουλεύω (normalmente ldquoreceber ou tomar conselho
sobre algordquo)366 Noutras palavras nesse caso especiacutefico o
mais correto seria traduzir βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου como
ldquodeliberou [o proacuteprio Senado] sobre a guerrardquo o que pode
gerar a ilusatildeo se considerada somente a sintaxe do texto
364 Diodoro (2058) menciona uma montanha cheia de gatos selvagens
(πλήρους δ ὄντος αἰλούρων) e mais adiante uma ldquoterra dos siacutemiosrdquo
(Πιθηκοῦσαι νσοι) sendo a primeira ldquoinoacutespita inclusive aos paacutessarosrdquo e a segunda com costumes muito diferentes dos gregos 365 Diod 2059 366 A forma passiva seria βουλευθείσης Sobre esse esclarecimento sou
grato a Nicolas Bertrand membro da Faculdade de Liacutenguas e culturas
antigas da Universidade Lille 3
163
de que o Senado teria deliberado a partir de uma discussatildeo
entre os senadores apenas homens idosos sem qualquer
experiecircncia militar ignorando portanto aconselhamentos
de a uma pessoa ou grupo aleacutem dos proacuteprios senadores As
informaccedilotildees contidas em Diodoro todavia apontam
claramente para orientaccedilotildees de algueacutem militarmente
experiente capaz de dar uma reviravolta estrateacutegica na
guerra ao dividir o exeacutercito cartaginecircs em trecircs unidades
De acordo com Diodoro os cartagineses pensaram em
primeiro lugar que o envio de 30000 soldados aliviaria a
cidade da obrigaccedilatildeo de tantas provisotildees as quais eram jaacute
escassas a essa altura do conflito e eliminaria o risco do
cerco uma vez que o inimigo estaria ocupado com os
exeacutercitos avanccedilados Em segundo lugar eles concluiacuteram que
a lealdade de seus aliados seria assegurada se os mesmos
pudessem contar com o apoio de tropas cartaginesas as
quais desencorajariam qualquer traiccedilatildeo aos gregos algo
historicamente usual quando cidades aliadas militarmente
fracas punham-se diante da presenccedila superior das tropas
inimigas e do descaso de seus aliados Por uacuteltimo a
terceira e a principal razatildeo para a nova organizaccedilatildeo
logiacutestica de seu exeacutercito ldquoacima de tudo eles esperavam
que os inimigos se vissem forccedilados a dividir as suas forccedilas
e a recuar para longe de Cartagordquo (τὸ δὲ μέγιστον ἤλπιζον καὶ τοὺς
πολεμίους ἀναγκασθήσεσθαι μερίζειν τὰς δυνάμεις καὶ μακρὰν ἀποσπᾶσθαι τς
Καρχηδόνος)367
Como podemos notar essas satildeo razotildees de ordem militar
(especialmente a uacuteltima e mais importante delas) as quais
natildeo poderiam ter sido concebidas por senadores sem
experiecircncia militar adequada ou mesmo por generais
igualmente inexperientes (uma constante em Cartago ao
menos ateacute a ascensatildeo Baacutercida) o que explica o envio uacutenico
e prematuro de todo o exeacutercito pelos generais cartagineses
367 Diod 2059 Consolo Langher pp 226-227
164
antes da referida reforma Portanto ainda que nenhuma
personagem histoacuterica possa ser precisada ou nomeada
diferentemente do que ocorreraacute mais tarde com Xantipo
parece seguro dizer que oficiais mercenaacuterios (os quais eram
encontrados em abundacircncia entre os cartagineses mas sempre
desempenhando funccedilotildees de oficiais de autoridade menor)
cuja experiecircncia militar eacute fator inegaacutevel teriam
aconselhado o Senado nessa ocasiatildeo O recrutamento
posterior de Xantipo ilustra que esse aconselhamento era
algo considerado pelos oligarcas em casos de perigo
extremo natildeo sendo absurda a ascensatildeo momentacircnea de
generais mercenaacuterios (gregos por deduccedilatildeo) ao comando do
exeacutercito mesmo que eles estivessem restritos ao niacutevel do
aconselhamento dos cartagineses por meio de inteacuterpretes368
O Senado enviou entatildeo cerca de 30000 homens em unidades
aproximadas de 10000 soldados deixando em Cartago apenas
os homens suficientes para a defesa da cidade Com isso os
defensores poderiam desfrutar das provisotildees necessaacuterias e
os grupamentos enviados assegurariam o apoio dos aliados ou
povos nocircmades neutros no conflito369
Ao ver que as regiotildees
que antes natildeo contavam com a presenccedila militar cartaginesa
agora tinham tropas enviadas por Cartago Arcagatos se viu
forccedilado a dividir tambeacutem as suas forccedilas pois soacute assim
poderia enfrentar a investida inimiga um primeiro
destacamento foi enviado para a regiatildeo costeira seguido
pelo envio de tropas sob o comando de Aeschrion
responsaacutevel pelo combate dos cartagineses localizados nas
regiotildees intermediaacuterias e da terceira parte (sob o comando
do proacuteprio Arcagatos) do exeacutercito para as cidades do
interior
Os resultados natildeo foram nada favoraacuteveis aos gregos
Aeschrion pereceu em batalha apoacutes uma emboscada preparada
368 Inteacuterpretes satildeo mencionados por Diod 2316 no caso de Xantipo 369 Diod 2059 Consolo Langher p 231
165
por Hanatildeo general cartaginecircs sobre o qual nada sabemos
aleacutem do plano para a morte do comandante grego Segundo
Diodoro os cartagineses avanccedilaram sobre eles de forma
inesperada contrariando todas as expectativas e abateram
mais de 4000 soldados de infantaria 200 cavaleiros e o
proacuteprio general ([] καὶ παραδόξως ἐπιθέμενος ἀνεῖλε πεζοὺς μὲν πλείους
τν τετρακισχιλίων ἱππεῖς δὲ περὶ διακοσίους ἐν οἷς ἦν καὶ ατὸς ὁ στρατηγός)
Diante disso sem ter como revidar as tropas sobreviventes
retiraram-se para o acamamento de Arcagathus distante
cerca de 90 quilocircmetros (500 estaacutedios gregos ἀπέχοντα σταδίους
πεντακοσίους)370 Himilco general cartaginecircs responsaacutevel pelas
tropas dirigidas ao interior aguardava em posiccedilatildeo
defensiva favoraacutevel numa cidade aparentemente bem
fortificada Os soldados de Eumachos retornavam de sua
campanha a marcha lenta por causa dos espoacutelios obtidos das
cidades capturadas quando se depararam com os cartagineses
de Himilco Desafiados para uma batalha decisiva os
cartagineses aceitaram o combate mas natildeo da forma como os
gregos esperavam Parte das tropas foi deixada escondida na
cidade e a outra parte se apresentou em campo aberto
simulando uma retirada apoacutes iniciada a batalha o que teria
provocado o avanccedilo precipitado e desordenado dos homens de
Eumachos provavelmente confiantes demais com o resultado
da campanha no interior Os gregos findaram por pressionar
em confusatildeo aqueles que estavam em recuo ([] καὶ
τεθορυβημένως τν ποχωρούντων ἐξήπτοντο) momento em que as ordens
de Himilco foram executadas pelas tropas que haviam sido
deixadas na cidade como forccedila de reserva
Himilco deixou parte de seu exeacutercito em armas na
cidade ordenando que no momento em que ele se
370 Diod 2060
166
retirasse em fuga simulada o exeacutercito castigasse os
seus perseguidores371
Envolvidos dessa maneira os gregos entraram em pacircnico
e bateram em retirada sendo impedidos de retornar ao seu
acampamento pelos cartagineses o que gerou a
impossibilidade da aquisiccedilatildeo de aacutegua e facilitou por
consequumlecircncia a finalizaccedilatildeo por parte dos cartagineses
Diodoro menciona que de um total de 8000 soldados
infantaria e 800 cavaleiros apenas 70 sobreviveram a essa
batalha Arcagato entatildeo reuniu os soldados sobreviventes
desses infortuacutenios e enviou um relatoacuterio a Agaacutetocles
solicitando a sua ajuda o mais raacutepido possiacutevel Os
cartagineses sendo vitoriosos conseguiram o apoio de
muitos desertores do exeacutercito grego que cercado por terra
e mar aguardava desesperadamente reforccedilo vindo da Siciacutelia
A chegada de Agaacutetocles natildeo modificou sensivelmente a
situaccedilatildeo desfavoraacutevel aos gregos Justino menciona uma
soluccedilatildeo momentacircnea para o motim dos mercenaacuterios os quais
natildeo deveriam pedir o pagamento de seu comandante ldquomas
tomaacute-lo do inimigordquo (sed ab hoste quaerenda) Ainda de
acordo com a forma que Justino via o discurso de Agaacutetocles
aos seus homens eles deveriam ldquoobter uma vitoacuteria e um
espoacutelio comunsrdquo (communem victoriam communem praedam
futuram)372
Mas o pagamento natildeo veio pois os inimigos natildeo
puderam ser derrotados Sabendo de sua condiccedilatildeo favoraacutevel
particularmente quanto ao terreno linhas de abastecimento
e moral das tropas os cartagineses aguardaram em seu
acampamento tendo assim forccedilado Agaacutetocles diante da
inquietaccedilatildeo de seus mercenaacuterios373 a arriscar uma batalha
371 Diod 2060 [] Ἰμίλκων μέρος μὲν τς στρατιᾶς κατέλιπε διεσκευασμένον ἐν τῆ πόλει διακελευσάμενος ὅταν ατὸς ἀναχωρῆ προσποιούμενος φεύγειν ἐπεξελθεῖν τοῖς ἐπιδιώκουσιν 372 Justino 228 373 Diod 2064 menciona desistecircncia por parte dos mercenaacuterios no curto
tempo que Agaacutetocles decidiu esperar por condiccedilotildees estrateacutegicas mais
favoraacuteveis
167
sem as vantagens baacutesicas exigidas para tanto Pressionado
por todos os lados seus homens natildeo puderam resistir e a
batalha logo estava completamente perdida
Ainda que natildeo tenhamos informaccedilotildees detalhadas sobre
essa uacuteltima derrota grega na Aacutefrica parece certo deduzir
que as taacuteticas cartaginesas natildeo eram a essa altura
ldquoheleniacutesticasrdquo apesar do contato direto com Agaacutetocles Se
tiveacutessemos maiores detalhes sobre as taacuteticas em campo
aberto as mesmas provavelmente confirmariam o
ldquodiagnoacutesticordquo de Xantipo cerca de 50 anos mais tarde
durante a Primeira Guerra Puacutenica que os cartagineses foram
derrotados naquele tempo pelos romanos devido agrave
inexperiecircncia de seus generais De modo geral as taacuteticas
heleniacutesticas representavam o que havia de mais atualizado e
eficiente na arte da guerra mediterracircnica pois
consideravam os diversos aspectos do confronto armado Os
generais cartagineses natildeo estavam capacitados para tais
modificaccedilotildees executando no fim do seacutecIV aC manobras
tiacutepicas do periacuteodo claacutessico nem tinham proximidade com a
figura de Alexandre ou conhecimento suficiente de sua
expediccedilatildeo asiaacutetica para a realizaccedilatildeo da referida tarefa
antes de Xantipo Mas algo mudou durante a expediccedilatildeo
africana de Agaacutetocles o envio das tropas a territoacuterio
africano obedeceu diante da ameaccedila estrangeira em seu
territoacuterio a criteacuterios logiacutesticos mais apurados o que
parece ter sido produto de aconselhamento por parte dos
mercenaacuterios
168
4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no
periacuteodo preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica
frente agrave ameaccedila romana 255 aC
41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC
411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa
contra os romanos
As Guerras Puacutenicas sempre atraiacuteram a atenccedilatildeo dos
historiadores particularmente aqueles interessados em
entender o momento em que os romanos iniciaram sua expansatildeo
para aleacutem da Peniacutensula Itaacutelica374
O primeiro desses
conflitos a chamada Primeira Guerra Puacutenica (264-241 aC)
foi a guerra contiacutenua mais longa da histoacuteria romana e
levando-se em consideraccedilatildeo o seu impacto sobre a formaccedilatildeo
das colocircnias romanas no Mediterracircneo a mais importante
delas Parece oacutebvio chegar a essa conclusatildeo quando se tem
em mente que durante o primeiro confronto entre Cartago e
Roma os soldados romanos lutaram na Siciacutelia Coacutersega
Sardenha e norte da Aacutefrica tendo nascido nesse momento a
justificativa romana para a intervenccedilatildeo nos assuntos
sicilianos e posteriormente cartagineses levando agrave
destruiccedilatildeo da cidade na Terceira Guerra Puacutenica (149-146
374 As referecircncias sobre as Guerras Puacutenicas satildeo quase incontaacuteveis Como
breve listagem das melhores obras sobre o tema sugiro Arnold J
Toynbee Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s effects on Roman
life London New York Oxford University Press 1965 Brian Caven
The Punic Wars London Weidenfeld and Nicolson 1980 Bagnall op
cit Basil Henry Liddell Hart Scipio Africanus greater than
Napoleon New York Da Capo Press 1994 Le Bohec op cit John
Francis Lazenby First Punic War e John F Lazenby Hannibal‟s war a
military history of the Second Punic War Norman University of
Oklahoma Press 1998 Dexter Hoyos Unplanned Wars The Origins of the
First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter
1998 Goldsworthy Punic Wars Daly Dexter Hoyos Hannibal‟s war
books twenty-one to thirty Livy translated by JC Yardley with an
introduction and notes by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford
University Press 2006 Miles
169
aC)375
Aleacutem disso na condiccedilatildeo de guerra primariamente
naval eacute normalmente dito por historiadores que a Primeira
Guerra Puacutenica agregou o maior nuacutemero de homens envolvidos
em batalhas no mar ao longo de toda a histoacuteria greco-
romana376
De modo geral a Primeira Guerra Puacutenica aparece apenas
como um capiacutetulo menor das Guerras Puacutenicas precisamente um
preluacutedio necessaacuterio ao estudo da bem documentada Guerra
Anibaacutelica377
Lazenby recorda que no livro de Caven sobre as
Guerras Puacutenicas por exemplo muitos detalhes (pormenores
relevantes ao estudo especializado) satildeo deixados de lado e
nenhuma referecircncia agraves evidecircncias antigas eacute feita378 O livro
de Bagnall The Punic Wars tambeacutem carece de detalhes
importantes ainda que apresente boas hipoacuteteses sobre
estrateacutegia379
Ateacute o estudo sistemaacutetico de Lazenby
portanto natildeo havia publicaccedilotildees detalhadas sobre o
conflito submetendo frequumlentemente a anaacutelise ao modo
criativo e inovador que caracterizou os caminhos pelos
quais os romanos venceram os ldquotraiccediloeiros cartaginesesrdquo
que tiveram por fim somente uma repentina e fugaz
reviravolta em sua fortuna sob o comando de Aniacutebal Barca
Tendo Lazenby como ponto de partida outras obras surgiram
mas a maioria delas preocupadas mais com a Segunda Guerra
Puacutenica ou com a caracterizaccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica
375 Ver Goldsworthy Punic Wars pp331-356 376 Lazenby First Punic War p1 Polib 163 caracteriza a guerra
como a mais longa mais intensa e maior (πολυχρονιώτατος καὶ συνεχέστατος καὶ μέγιστος) de todas as guerras 377 Haacute algumas obras dedicadas apenas agrave Primeira Guerra Puacutenica mas de
modo geral essas satildeo escassas se comparadas ao grande nuacutemero de
estudos sobre Aniacutebal Barca e sua guerra contra os romanos Sobre obras
dedicadas agrave Primeira Guerra Puacutenica em particular ver por exemplo
Lazenby First Punic War e Yann Le Bohec (org) Le Premiegravere Guerre
Punique Collection du Centre d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23
Lyon Paris De Boccard 2001 378 Lazenby First Punic War prefaacutecio A obra mencionada eacute a de Caven
(op cit) Caven eacute tambeacutem autor de Dionysius I war-lord of Sicily
New Haven Yale University Press 1990 379 Lazenby First Punic War prefaacutecio Bagnall op cit
170
como preluacutedio das demais380
Isso induz agraves anaacutelises gerais
que reduzem para o que mais interessa a esse respeito
nesta tese o impacto das inovaccedilotildees lideradas por
Xantipo381
O que teria entatildeo em primeiro lugar dado iniacutecio agrave
Primeira Guerra Puacutenica Antes de tratar do recrutamento de
Xantipo (e possivelmente outros mercenaacuterios gregos) como
indiacutecio da preocupaccedilatildeo cartaginesa com a invasatildeo de Reacutegulo
na Aacutefrica torna-se fundamental o entendimento da
construccedilatildeo gradual do direito de intervenccedilatildeo romana na
Siciacutelia e do modo como as relaccedilotildees entre Cartago e Roma
chegaram ao ponto da hostilidade poliacutetico-militar
De acordo com Poliacutebio trecircs foram os tratados entre
Cartago e Roma no periacuteodo anterior agrave deflagraccedilatildeo da
guerra382 O primeiro deles teria ocorrido 28 anos antes da
invasatildeo de Xerxes isto eacute entre 509-507 aC ocupando-se
com a restriccedilatildeo dos acordos comerciais de Roma com a Aacutefrica
e a Sardenha o que asseguraria tambeacutem a sua autoridade no
Laacutecio Traduzido por Poliacutebio do latim ldquoda forma mais exata
possiacutevelrdquo o tratado (versatildeo parcial) seria como se segue
bdquoHaveraacute amizade (φιλίαν) entre os romanos e seus
aliados e entre os cartagineses e seus aliados nos
seguintes termos
Nem os romanos nem seus aliados navegaratildeo aleacutem de sua
Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) a menos que levados por tempestade (χειμνος) ou por pressatildeo do
inimigo (πολεμίων)383 Se qualquer um desses for levado para terra firme o mesmo natildeo compraraacute ou tomaraacute
qualquer coisa que seja para si salvo o que for
necessaacuterio para o reparo de sua embarcaccedilatildeo (πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν) e para honrar os deuses (πρὸς ἱερά) devendo
380 Uma exceccedilatildeo eacute obviamente Le Bohec sobre a Primeira Guerra Puacutenica
(op cit) 381 Goldsworthy Punic Wars p10 admite que Lazenby First Punic War
eacute a referecircncia ldquomais acadecircmicardquo para o assunto 382 Polib 322 383 Polemiacuteon indica ldquorelativo agrave guerrardquo mas aqui deve ser traduzido
como ldquopor medo ou pressatildeo do inimigordquo jaacute que indica uma forccedila
externa no caso militar como fator para ultrapassar os limites
geograacuteficos estabelecidos
171
partir em cinco dias [] Aqueles que desembarcarem
para o comeacutercio natildeo devem fazecirc-lo salvo na presenccedila de
um oficial (κήρυκι) ou secretaacuterio (γραμματεῖ) O que quer que seja vendido na presenccedila desses deveraacute ter o preccedilo
assegurado com base no creacutedito do Estado contanto que
ocorra na Liacutebia ou na Sardenha Se um romano vier agrave
Siciacutelia aquela pertencente ao territoacuterio dos
cartagineses (ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν) o mesmo desfrutaraacute de todos os direitos comuns aos demais Os cartagineses
natildeo causaratildeo danos ao povo de Ardea Antium
Laurentium Circeii Terracina nem a qualquer um dos
Latinos desde que esses estejam submetidos [a Roma]
(μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι) [] Eles [os
cartagineses] natildeo construiratildeo forte no Laacutecio se
entrarem em armas no territoacuterio ali natildeo permaneceratildeo
nem mesmo para passar a noite (ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσαν)‟384
Como pode ser observado trata-se de um acordo
comercial com fins igualmente poliacuteticos dirigido agrave criaccedilatildeo
ou manutenccedilatildeo das boas relaccedilotildees entre Cartago e Roma Tem
sido sugerido que nessa passagem encontrariacuteamos a indicaccedilatildeo
de uma renovaccedilatildeo de um tratado jaacute existente entre Cartago e
os reis etruscos de Roma uma vez que haacute outras evidecircncias
para a existecircncia de termos amigaacuteveis entre os cartagineses
e os etruscos no seacutecVI aC Aleacutem disso a eacutepoca referida
por Poliacutebio condiz com o periacuteodo etrusco em Roma385
O segundo tratado ocorreu provavelmente em 348 aC se
for aceita a identificaccedilatildeo do tratado mencionado por Tito
384 Polib 322 ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίοις καὶ τοῖς Καρχηδονίων συμμάχοις μὴ πλεῖν Ῥωμαίους μηδὲ τοὺς Ῥωμαίων συμμάχους ἐπέκεινα τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου ἐὰν μὴ πὸ χειμνος ἢ πολεμίων ἀναγκασθσιν ἐὰν δέ τις βίᾳ κατενεχθῆ μὴ ἐξέστω ατῶ μηδὲν ἀγοράζειν μηδὲ λαμβάνειν πλὴν ὅσα πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν ἢ πρὸς ἱερά (ἐν πέντε δ ἡμέραις ἀποτρεχέτω) τοῖς δὲ κατ ἐμπορίαν παραγινομένοις μηδὲν ἔστω τέλος πλὴν ἐπὶ κήρυκι ἢ γραμματεῖ ὅσα δ ἂν τούτων παρόντων πραθῆ δημοσίᾳ πίστει ὀφειλέσθω τῶ ἀποδομένῳ ὅσα ἂν ἢ ἐν Λιβύῃ ἢ ἐν Σαρδόνι πραθῆ ἐὰν Ῥωμαίων τις εἰς Σικελίαν παραγίνηται ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ἴσα ἔστω τὰ Ῥωμαίων πάντα Καρχηδόνιοι δὲ μὴ ἀδικείτωσαν δμον Ἀρδεατν Ἀντιατν Λαρεντίνων Κιρκαιιτν Ταρρακινιτν μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι ἐὰν δέ τινες μὴ ὦσιν πήκοοι τν πόλεων ἀπεχέσθωσαν ἂν δὲ λάβωσι Ῥωμαίοις ἀποδιδότωσαν ἀκέραιον φρούριον μὴ ἐνοικοδομείτωσαν ἐν τῆ Λατίνῃ ἐὰν ὡς πολέμιοι εἰς τὴν χώραν εἰσέλθωσιν ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσανrdquo 385 Lazenby First Punic War p31 A evidecircncia citada eacute Hdt 1166 E
eles atacaram e pilharam todas as cidades vizinhas razatildeo pela qual os
etruscos e cartagineses (Τυρσηνοὶ καὶ Καρχηδόνιοι) se aliaram contra eles []
172
Liacutevio386
e Diodoro387
com aquele descrito por Poliacutebio388 como
o segundo dos acordos embora Tito Liacutevio e Diodoro anunciem
esse tratado como o primeiro a inaugurar as relaccedilotildees
diplomaacuteticas entre os dois Estados Basicamente o segundo
tratado asseguraria a posiccedilatildeo dos romanos no Laacutecio e a dos
cartagineses na Liacutebia e Sardenha exatamente como no
primeiro tratado referido por Poliacutebio mas acrescentava
Uacutetica ao domiacutenio cartaginecircs indicando o sul da Hispacircnia
como aacuterea proibida ao comeacutercio por parte de Roma Tito
Liacutevio e Diodoro nos informam apenas que um tratado havia
sido estabelecido entre Roma e os cartagineses389 ao passo
que Poliacutebio nos concede as maiores informaccedilotildees a respeito
apresentando uma traduccedilatildeo do tratado da seguinte maneira
bdquoHaveraacute amizade entre os romanos e seus aliados e
entre os cartagineses os habitantes de Tiro e o povo
de Uacutetica (Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ) nos seguintes termos Os romanos natildeo saquearatildeo (λῄζεσθαι) traficaratildeo
(ἐμπορεύεσθαι) ou fundaratildeo uma cidade (πόλιν κτίζειν) aleacutem de sua Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) Mastia e Tarsenium Se os cartagineses tomarem qualquer cidade
no Laacutecio que natildeo esteja submetida a Roma eles poderatildeo
fazer prisioneiros e confiscar bens (τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν) mas desistiratildeo da cidade (τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν) [] Na Sardenha e na Liacutebia nenhum romano traficaraacute ou fundaraacute cidade ele natildeo faraacute mais do que
pegar provisotildees ou reabastecer sua embarcaccedilatildeo (εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι) Se uma tempestade levaacute-lo a esses locais o mesmo partiraacute em cinco dias []‟
390
386 Tito Liacutevio 727 387 Diod 1669 388 Polib 324 ver Lazenby First Punic War pp 31-32 389 Tito Liacutevio 727 Et cum Carthaginiensibus legatis Romae foedus
ictum cum amicitiam ac societatem petentes uenissent Diod 1669 ἐπὶ δὲ τού των Ῥωμαίοις μὲν πρὸς Καρχηδονίους πρτον συνθκαι ἐγένοντο 390 Polib 324 A versatildeo completa do tratado aparece como se segue ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίων καὶ Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ καὶ τοῖς τούτων συμμάχοις τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου Μαστίας Ταρσηίου μὴ λῄζεσθαι ἐπέκεινα Ῥωμαίους μηδ ἐμπορεύεσθαι μηδὲ πόλιν κτίζειν ἐὰν δὲ Καρχηδόνιοι λάβωσιν ἐν τῆ Λατίνῃ πόλιν τινὰ μὴ οὖσαν πήκοον Ῥωμαίοις τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν ἐὰν δέ τινες Καρχηδονίων λάβωσί τινας πρὸς οὓς εἰρήνη μέν ἐστιν ἔγγραπτος Ῥωμαίοις μὴ ποτάττονται δέ τι ατοῖς μὴ καταγέτωσαν εἰς τοὺς Ῥωμαίων λιμένας ἐὰν δὲ καταχθέντος ἐπιλάβηται ὁ Ῥωμαῖος ἀφιέσθω ὡσαύτως δὲ μηδ οἱ Ῥωμαῖοι ποιείτωσαν ἂν ἔκ τινος χώρας ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ὕδωρ ἢ ἐφόδια λάβῃ ὁ Ῥωμαῖος μετὰ τούτων τν ἐφοδίων μὴ ἀδικείτω μηδένα πρὸς οὓς εἰρήνη καὶ φιλία ἐστὶ (Καρχηδονίοις ὡσαύ τως δὲ μηδ ὁ)
173
O terceiro tratado entre Cartago e Roma teve lugar
entre 279 e 278 aC isto eacute durante a expediccedilatildeo italiana
de Pirro do Epiro em socorro de Tarento391 Apoacutes as suas
duas vitoacuterias contra os romanos as chamadas ldquovitoacuterias
piacuterricasrdquo (em Heraclea e Aacutesculo) Pirro resolveu atender ao
pedido das cidades siciliotas e partiu rumo agrave ilha para
comandar a guerra dos gregos contra os cartagineses
Cartago por outro lado natildeo via a chegada de Pirro como
algo positivo em momento tatildeo crucial da guerra e
estabeleceu novo acordo com os romanos desta vez em termos
bastante favoraacuteveis aos uacuteltimos com o objetivo de
assegurar que o epirota permanecesse na peniacutensula
De acordo com Poliacutebio o terceiro tratado continha os
mesmos termos dos dois anteriores exceto pelos seguintes
elementos inseridos por conta da presenccedila de Pirro na
Peniacutensula e em seguida na Siciacutelia
bdquoSe um ou outro necessitar de auxiacutelio (ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας) os cartagineses forneceratildeo as
embarcaccedilotildees seja para transporte ou com fins
militares mas cada povo arcaraacute com o pagamento de seus
proacuteprios homens (τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι) Os
cartagineses tambeacutem daratildeo suporte mariacutetimo (κατὰ θάλατταν) se os romanos precisarem mas nenhum dos dois
Καρχηδόνιος ποιείτω εἰ δέ μὴ ἰδίᾳ μεταπορευέσθω ἐὰν δέ τις τοῦτο ποιήσῃ δημόσιον γινέσθω τὸ ἀδίκημα ἐν Σαρδόνι καὶ Λιβύῃ μηδεὶς Ῥωμαίων μήτ ἐμπορευέσθω μήτε πόλιν κτιζέτω [] εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι ἐὰν δὲ χειμὼν κατενέγκῃ ἐν πένθ ἡμέραις ἀποτρεχέτω ἐν Σικελίᾳ ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσι καὶ ἐν Καρχηδόνι πάντα καὶ ποιείτω καὶ πωλείτω ὅσα καὶ τῶ πολίτῃ ἔξεστιν ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ Καρχηδόνιος ποιείτω ἐν Ῥώμῃrdquo 391 A anaacutelise mais recente sobre o terceiro tratado pode ser encontrada
em Zambon Hellenistic Sicily pp 86-95 Zambon Hellenistic Sicily
divide as fontes para o terceiro tratado em (a) fontes sobre as
relaccedilotildees diplomaacuteticas (b) fontes sobre a assinatura do tratado e (c)
fontes para os eventos histoacutericos apoacutes a conclusatildeo da nova alianccedila
Como aqui pretendo apenas mostrar a degradaccedilatildeo das relaccedilotildees
diplomaacuteticas entre Cartago e Roma para entatildeo salientar razotildees mais
profundas para a deflagraccedilatildeo da guerra que a questatildeo dos mamertinos
temas mais especiacuteficos (como os que foram enumerados por Zambon
Hellenistic Sicily e trabalhados por um nuacutemero abundante de autores)
seratildeo propositalmente suprimidos Sobre o tratado aleacutem de Zambon
pode-se consultar Barbara Scardigli I Trattati romano-cartaginesi
Pisa Scuola Normale Superiore 1991 Hoyos op cit pp 7-11
174
obrigaraacute os tripulantes a desembarcar contra a sua
vontade‟ (versatildeo parcial)392
O tratado como podemos observar estabelece claramente
auxiacutelio militar muacutetuo393 estando Cartago disposta a se
ldquocomprometerrdquo com o auxiacutelio logiacutestico mais do que os
romanos (inclusive pela condiccedilatildeo de sua frota em comparaccedilatildeo
com aquela virtualmente inexistente dos romanos) o que
ilustra a insatisfaccedilatildeo com a possibilidade de ter que lidar
com Pirro na Siciacutelia Os resultados do tratado contudo
natildeo tiveram grande impacto de ordem praacutetica Ainda que seja
tentador identificar a referecircncia agraves 120 embarcaccedilotildees sob o
comando do cartaginecircs Mago em Justino no momento da
expediccedilatildeo italiana de Pirro como fruto do terceiro tratado
a referecircncia (na mesma passagem)394 a uma visita em segredo
de Mago ao epirota durante a qual certo tipo de alianccedila ou
amizade foi oferecido indica que Cartago natildeo estava
decidida quanto agrave hostilidade em direccedilatildeo a Pirro e
portanto parece mais correto dizer que o envio de Mago se
deu antes do tratado Lazenby ceacutetico diante da evidecircncia
acerca de outro evento como consequumlecircncia do terceiro acordo
entre Cartago e Roma agrave eacutepoca da expediccedilatildeo piacuterrica aponta
uma operaccedilatildeo ocorrida em Reggio separada da Siciacutelia apenas
pelo estreito de Messina como o uacutenico evento possivelmente
resultante do tratado em questatildeo395 Apoiado num fragmento
de Diodoro Lazenby sugere que os 500 homens enviados a
Reggio (ainda sob o domiacutenio romano) por Cartago
392 Polib 325 [] ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας τὰ πλοῖα παρεχέτωσαν Καρχηδόνιοι καὶ εἰς τὴν ὁδὸν καὶ εἰς τὴν ἄφοδον τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι Καρχηδόνιοι δὲ καὶ κατὰ θάλατταν Ῥωμαίοις βοηθείτωσαν ἂν χρεία ᾖ τὰ δὲ πληρώματα μηδεὶς ἀναγκαζέτω ἐκβαίνειν ἀκουσίωςrdquo 393 Lazenby First Punic War p 32 394 Justino 182 [] quasi pacificator Karthaginiensium Pyrrum
adiit speculaturus consilia eius de Sicilia [] Embora Justino
indique que as reais intenccedilotildees dos cartagineses eram especular o que
Pirro pensava sobre a Siciacutelia temos ainda uma duacutevida que parece mais
caracteriacutestica de um periacuteodo anterior mesmo que bastante proacuteximo da
data do terceiro tratado com Roma 395 Lazenby First Punic War p 33
175
corresponderiam ao contingente de apoio contra o invasor
epirota Aleacutem desse evento nenhum outro pode ser cotado
como relacionado ao tratado ldquonem mesmo quando somente
Lilibeu permaneceu sob domiacutenio de Cartago de todas as suas
posses na Siciacuteliardquo396 Terminada a expediccedilatildeo de Pirro
outros possiacuteveis eventos podem ser vistos ainda como parte
do acordo mas como resposta aos homens deixados pelo
rei397
Apoacutes a breve anaacutelise dos trecircs tratados entre Cartago e
Roma podemos notar portanto ao lado da construccedilatildeo de uma
relaccedilatildeo amistosa entre os dois poderes a consolidaccedilatildeo da
posiccedilatildeo cartaginesa na Siciacutelia por cerca de 300 anos
(apesar de algumas reviravoltas tais como a guerra contra
Agaacutetocles e em seguida Pirro) e a expansatildeo romana em
direccedilatildeo ao sul da Peniacutensula regiatildeo que teraacute durante a
expediccedilatildeo de Pirro e um pouco depois presenccedila constante de
legionaacuterios romanos a exemplo da cidade de Reggio (vale
ressaltar mais uma vez separada da Siciacutelia apenas pelo
estreito de Messina) Tendo Pirro saiacutedo de cena o choque
entre dois Estados com impulsos imperialistas seria com o
passar dos anos algo inevitaacutevel O problema com os
mamertinos daria entatildeo o motivo concreto para a
deflagraccedilatildeo do conflito
Como visto anteriormente os soldados campacircnios
inicialmente a serviccedilo de Agaacutetocles haviam subjugado a
regiatildeo nordeste da Siciacutelia alguns anos apoacutes a morte do
siracusano tirando proveito da situaccedilatildeo poliacutetica delicada
pela qual a ilha passava Com a ascensatildeo de Hiero de
Siracusa e a soluccedilatildeo dos conflitos em Reggio (que teve seus
campacircnios revoltosos exterminados pelos romanos) a
situaccedilatildeo dos mamertinos se modificaraacute principalmente
396 Lazenby First Punic War p 34 397 Uma frota cartaginesa enviada a Tarentum para dar suporte ao cerco
liderado pelos romanos contra Milo deixado na cidade por Pirro
aparece por exemplo em Zonaras 88 e Oroacutesio 43
176
devido ao combate sistemaacutetico por parte dos siracusanos
contra a seacuterie de pilhagens promovidas pelos mercenaacuterios
Os mamertinos sem ter muito o que fazer solicitaram apoio
dos cartagineses e em seguida dos romanos Poliacutebio eacute
esclarecedor a esse respeito
Alguns deles apelaram aos cartagineses propondo a
submissatildeo deles proacuteprios e da cidade ao passo que
outros enviaram uma embaixada a Roma oferecendo a
submissatildeo da cidade e implorando por assistecircncia como
povo de mesma origem (ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν)398
O principal elemento considerado pelos romanos em sua
avaliaccedilatildeo do pedido de auxiacutelio mamertino natildeo parece ter
sido contudo a identificaccedilatildeo eacutetnica De acordo com
Poliacutebio os romanos estavam cientes da grande expansatildeo do
territoacuterio cartaginecircs que jaacute incluiacutea a Liacutebia parte da
Hispacircnia a Sardenha e o Mar Tirreno restando somente a
conquista de parte da Siciacutelia para se tornarem ldquoos vizinhos
mais problemaacuteticos e perigosos (βαρεῖς καὶ φοβεροὶ γείτονες)rdquo
cercando Roma por todos os cantos da Peniacutensula No final
das contas possivelmente por pressatildeo popular (οἱ πολλοὶ) o
Senado decidiu nomear o cocircnsul Aacutepio Claacuteudio como general no
comando das tropas que atravessariam o mar em direccedilatildeo a
Siciacutelia sendo o cocircnsul vitorioso na primeira batalha
contra Hieratildeo (recentemente aliado de Cartago e vitorioso
num primeiro confronto contra os mamertinos) e os
cartagineses399 Derrotado pelos romanos Hieratildeo findou por
estabelecer alianccedila com os primeiros em 263 aC
mostrando-se leal a eles ateacute o fim de seu governo em 215
aC Os cartagineses em contrapartida frente agrave deserccedilatildeo
de Hieratildeo montaram seu novo quartel general na cidade de
Acragas devido a sua localizaccedilatildeo favoraacutevel como ponto de
398 Polib 110 [] οἱ μὲν ἐπὶ Καρχηδονίους κατέφευγον καὶ τούτοις ἐνεχείριζον σφᾶς ατοὺς καὶ τὴν ἄκραν οἱ δὲ πρὸς Ῥωμαίους ἐπρέσβευον παραδιδόντες τὴν πόλιν καὶ δεόμενοι βοηθήσειν σφίσιν ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν 399 Polib 111
177
apoio logiacutestico bem como ao faacutecil acesso que ela oferecia
agrave porccedilatildeo leste da Siciacutelia a qual estava sob domiacutenio do
inimigo400
Com seus primeiros movimentos na Siciacutelia a maior parte
da Primeira Guerra Puacutenica todavia foi travada no mar
ainda que uma anaacutelise das evidecircncias acerca da atuaccedilatildeo dos
exeacutercitos (particularmente na Aacutefrica) ilustre inovaccedilotildees
militares importantes em terra firme Os cartagineses eram
conhecidos por sua excelecircncia mariacutetima tendo a navegaccedilatildeo
se tornado como nos informa Poliacutebio o seu ofiacutecio
nacional401
Eacute de salientar o respeito dos antigos quanto agrave
frota cartaginesa em diversas ocasiotildees de tensatildeo militar
das quais destaco como exemplo algumas cidades sicilianas
(aliadas aos romanos) que ldquoaterrorizadas diante da frota
cartaginesardquo (καταπεπληγμέναι τὸν τν Καρχηδονίων στόλον)
desertaram antes mesmo de lutar402 Os aparatos tecnoloacutegicos
usados na guerra naval eram quase sempre inventados ou
aprimorados pelos cartagineses a exemplo da substituiccedilatildeo
das trirremes (dominantes na guerra naval por cerca de 200
anos) pelas quadrirremes e de sua consequumlente adaptaccedilatildeo
para as quinquerremes403
Por outro lado como nos faz crer
Poliacutebio os romanos natildeo haviam se dedicado agrave guerra naval
como os cartagineses sendo seus construtores navais
completamente inexperientes na montagem de quinquerremes
400 Polib 117 Miles op cit p 179 401 Polib 652 Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην Ver item sobre o exeacutercito cartaginecircs 402 Polib 120 403
Note-se que a quinquerreme (do latim quinque o nuacutemero de homens necessaacuterios para mover cada seccedilatildeo da embarcaccedilatildeo) foi criado por
Dioniacutesio de Siracusa mas o seu uso foi melhorado pelos cartagineses
John S Morrison e John F Coates (The Athenian trireme the history
and reconstruction of an ancient Greek warship Cambridge University
Press 1986 pp259-260 Miles pp 177-178) mostraram a partir de
evidecircncias iconograacuteficas que a quinquereme cartaginesa era
ligeiramente diferente do modelo grego com um formato tipicamente
feniacutecio para os espaccedilos onde eram dispostos os cinco remadores de cada
seccedilatildeo o que garantia no caso cartaginecircs uma proteccedilatildeo extra para os
remadores e para o casco do navio Este seria por consequumlecircncia o
modelo das quinquerremes romanas Para a marinha de guerra cartaginesa
em geral cf Le Bohec op cit pp 49-55
178
(τν δὲ ναυπηγν εἰς τέλος ἀπείρων ὄντων τς περὶ τὰς πεντήρεις ναυπηγίας)
quando da deflagraccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica404 A frota
de 100 quinquerremes e 20 trirremes construiacuteda em 261
aC teria sido a primeira formada pelos proacuteprios romanos
o que acentuaria na visatildeo de Poliacutebio quatildeo espirituosos
(μεγαλόψυχον) e extraordinaacuterios (παράβολον) eram os romanos ao
fazer algo405
Com a apreensatildeo de uma embarcaccedilatildeo cartaginesa (uma
quinquerreme) tomada como modelo Roma teria finalizado a
construccedilatildeo de sua frota (as 120 embarcaccedilotildees descritas por
Poliacutebio) em apenas 60 dias406 provavelmente por que a
disposiccedilatildeo das peccedilas das embarcaccedilotildees seguiu o meacutetodo de
organizaccedilatildeo por letras empregado por Cartago407 Frota
pronta natildeo significava contudo frota taticamente apta
Logo cerca de 17 embarcaccedilotildees romanas acabaram por ser
capturadas pelos cartagineses nas Ilhas Eoacutelias a noroeste
de Messina enquanto tentavam submeter a cidade de Lipara
tendo sua tripulaccedilatildeo e seu comandante Gneu Corneacutelio
Cipiatildeo sido capturados sem grande dificuldade408
404 Uma boa siacutentese das condiccedilotildees gerais da guerra naval no seacutecIII
aC pode ser encontrada em Goldsworthy Punic Wars pp 96-103 405 Polib 120 ἐξ ὧν καὶ μάλιστα συνίδοι τις ἂν τὸ μεγαλόψυχον καὶ παράβολον τς Ῥωμαίων αἱρέσεως Poliacutebio entende que a vitoacuteria romana em Acragas (261 aC) teria modificado sensivelmente os objetivos dos romanos com a
guerra ao inveacutes de simplesmente proteger os mamertinos agora Roma
havia se decidido pela expulsatildeo dos cartagineses da Siciacutelia Ver
Goldsworthy Punic Wars p 97 406 Polib 120 Bagnall op cit p 60 Le Bohec op cit pp75-77
Hoyos op cit p89 407 O meacutetodo ficou conhecido entre os estudiosos de Cartago apoacutes
escavaccedilatildeo dirigida por Honor Frost na deacutecada de 70 Restos de uma
embarcaccedilatildeo antiga haviam sido encontrados em 1969 por um capitatildeo de
navio mercante Diego Boninni durante uma viagem de trabalho Estudos
da escrita deixada pelos construtores da embarcaccedilatildeo mostraram que o
casco havia sido preconcebido ao passo que a existecircncia de letras
similares em direccedilotildees variadas indicava a presenccedila de muacuteltiplos
construtores Os resultados da escavaccedilatildeo foram publicados
primeiramente no The International Journal of Nautical Archaeology (a
partir de 1972) e assim que o trabalho de campo se deu por encerrado
um relato amplo foi publicado pela Accademia Nazionale dei Lincei
(Roma) como suplemento da Notizie degli Scavi di Antichitagrave 30 (1976) 408 Polib 121 Miles op cit p 181 observa que a carreira de
Cipiatildeo natildeo parece ter sido abalada em ambiente senatorial jaacute que o
mesmo foi eleito cocircnsul pela segunda vez em 254 aC mas entre a
populaccedilatildeo sua reputaccedilatildeo natildeo era mais cotada entre as mais intactas a
179
Taticamente inferiores no mar o que havia se tornado
evidente apoacutes a primeira derrota de sua frota para os
cartagineses em 260 aC os romanos desenvolveram uma arma
engenhosa com o objetivo de superar a falta de habilidade
(se comparada agrave dos cartagineses) ao manobrar as
embarcaccedilotildees o corvus409 Prancha de 11 m de comprimento e
120 m de largura o corvo possuiacutea um espeto na
extremidade o qual era usado para perfurar a embarcaccedilatildeo
inimiga durante a sua trajetoacuteria de cima para baixo
permitindo assim que as duas embarcaccedilotildees envolvidas se
mantivessem forccedilosamente conectadas o tempo necessaacuterio para
a travessia completa dos soldados romanos Esses por sua
vez atravessavam a prancha em numa coluna disposta em
pares de maneira que os dois primeiros protegiam a frente
com seus escudos erguidos enquanto os seguintes dividiam a
proteccedilatildeo dos flancos410
O melhor exemplo para a explicaccedilatildeo acerca do
funcionamento do corvo eacute a batalha de Mylae Segundo
Poliacutebio ansiosos para por agrave prova o novo equipamento
disposto na proa dos navios os romanos decidiram sob o
comando de Caio Duilio (que havia deixado as legiotildees sob
responsabilidade dos tribunos militares) atacar os
cartagineses que assolavam o territoacuterio de Mylae
Ao se aproximarem e verem os corvos (τοὺς κόρακας) subindo ao ponto mais alto da proa de cada navio os
cartagineses em princiacutepio ficaram confusos surpresos
com a construccedilatildeo das maacutequinas Contudo como eles davam
o inimigo inteiramente por derrotado as embarcaccedilotildees da
linha de frente atacaram bravamente Mas conforme as
julgar pelo apelido que lhe foi dado asina ou mula Ver Pliacutenio
8169 Lazenby First Punic War op cit pp 66-67 Ao lado de Cipiatildeo
estava o seu colega de magistratura Caio Duilio comandante das
tropas na Siciacutelia 409 Ainda que Poliacutebio use o termo korakes os estudiosos modernos
adotaram a forma latina corvus (corvi no plural) pois esse eacute de
acordo com Lazenby First Punic War (p 68) o termo latino
correspondente 410 Polib 122
180
embarcaccedilotildees que entravam em colisatildeo eram rapidamente
capturadas pelas maacutequinas e os tripulantes romanos
embarcavam por meio do corvo (τοῦ κόρακος) e atacavam os inimigos um a um na plataforma alguns dos cartagineses
eram eliminados e outros rendidos por desacircnimo diante
do que estava ocorrendo tendo a batalha se tornado
praticamente um combate em terra firme Os primeiros
trinta navios que entraram em combate foram capturados
por todos os tripulantes incluindo a embarcaccedilatildeo do
comandante sendo Aniacutebal capaz de escapar por um
milagre num bote salva-vidas O restante da forccedila
cartaginesa [] desistiu e bateu em retirada (τέλος ἐγκλίναντες ἔφυγον οἱ Καρχηδόνιοι) aterrorizada (καταπλαγέντες) por esta nova experiecircncia tendo perdido 50 navios
411
Embora Poliacutebio natildeo mencione nenhuma puniccedilatildeo fatal do
comandante cartaginecircs por sua derrota outras fontes narram
crucificaccedilatildeo ou apedrejamento de Aniacutebal (natildeo o Baacutercida) por
seus homens os quais estavam insatisfeitos com o resultado
da batalha412
A vitoacuteria romana em Mylae ainda que natildeo
tenha sido decisiva assegurou aos romanos a atuaccedilatildeo na
regiatildeo da Sardenha e Coacutersega territoacuterios antes sob domiacutenio
cartaginecircs Ao inveacutes de concentrar campanhas na Siciacutelia ou
na Sardenha e Coacutersega os romanos conduziram as duas
ofensivas ao mesmo tempo o envio dos dois cocircnsules o
primeiro (Corneacutelio Cipiatildeo) para Sardenha e Coacutersega e o
segundo (Corneacutelio Aquiacutelio) para a Siciacutelia comprovam o
pensamento estrateacutegico adotado por Roma413 Uma seacuterie de
batalhas navais tiveram lugar em seguida das quais se
destaca pela quantidade de homens envolvidos a batalha de
Ecnomus (256 aC) Segundo Poliacutebio do lado romano
contavam-se 100000 tripulantes (δέκα μυριάδας) caacutelculo
retirado dos 300 remadores e 120 soldados embarcados em
cada navio Do lado cartaginecircs o total dos soldados era
algo proacuteximo dos 150000 (πεντεκαίδεκα μυριάδας) a julgar pela
411 Polib 123 Cf Lazenby First Punic War pp67-73 Le Bohec op
cit pp 77-88 Bagnall op cit pp 62-63 Goldsworthy Punic Wars
pp105-109 Miles pp 182-184 412 Zonaras 812 Oroacutesio 44 413 Bagnall op cit p64
181
contagem de suas embarcaccedilotildees (κατὰ τὸν τν νεν λόγον)414 Apoacutes
violento embate proacuteximo ao sudoeste da Siciacutelia o qual foi
mais uma vez decidido pelo uso dos corvos (a despeito das
ateacute entatildeo eficientes taacuteticas cartaginesas) os romanos
comeccedilaram os preparativos para a invasatildeo da Aacutefrica415
414 Polib 126 415 Os pormenores da batalha de Ecnomus foram suprimidos
propositalmente uma vez que o principal interesse da tese natildeo recai
sobre a marinha de guerra cartaginesa Para a batalha de Ecnomus ver
Polib 126-28 Quanto aos estudos modernos a anaacutelise mais
esclarecedora eacute Goldsworthy Punic Wars pp 109-114
182
412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a
Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana de
Reacutegulo 256-255 aC
Poliacutebio nos informa que os cartagineses que haviam
escapado do confronto em Ecnomus navegaram diretamente para
Cartago e ldquoconvencidos de que os inimigos excitados por
seu sucesso fariam o ataque direto agrave proacutepria cidade de
Cartagordquo (πεπεισμένοι τοὺς πεναντίους ἐκ τοῦ γεγονότος προτερήματος
ἐπαρθέντας εθέως ποιήσεσθαι τὸν ἐπίπλουν ἐπ ατὴν τὴν Καρχηδόνα)
mantiveram-se atentos a todos os possiacuteveis pontos de
desembarque na aacuterea416 Os romanos contudo desembarcaram a
uma distacircncia segura (Cabo Bon no nordeste da atual
Tuniacutesia) certamente por terem conhecimento da dificuldade
que seria tomar Cartago sem uma linha de abastecimento
assegurada entre a Siciacutelia e a Aacutefrica e iniciaram uma
seacuterie de cercos a cidades menores sendo Aspis a primeira
delas417
O que os romanos pretendiam com isso Em princiacutepio
poder-se-ia dizer que a decisatildeo era unicamente de seguranccedila
para o desembarque mas alguns indiacutecios em Poliacutebio apontam
para uma ocupaccedilatildeo definitiva (ainda que por ser modelada)
a qual deve ter sido planejada logo apoacutes a vitoacuteria em
Ecnomus Em primeiro lugar antes de navegar em direccedilatildeo agrave
Liacutebia eles organizaram as suas provisotildees e repararam as
embarcaccedilotildees capturadas (προσεπισιτισάμενοι καὶ τὰς αἰχμαλώτους ναῦς
καταρτίσαντες) em seguida assim que a Aspis foi tomada
guarniccedilotildees (τὰς δυνάμεις) foram ali deixadas para assegurar a
cidade (τς πόλεως) e o territoacuterio (τς χώρας) por uacuteltimo
mensageiros foram enviados a Roma para informar o ocorrido
e obter instruccedilotildees sobre o que deveria ser feito no futuro
(περὶ τν μελλόντων τί δεῖ ποιεῖν) e como eles deveriam lidar com
416 Polib 129 417 Sobre o desembarque bem como para os eventos posteriores ver Le
Bohec opcit pp 87-89 Lazenby First Punic War pp 97-103
Goldsworthy Punic Wars pp 84-87 Bagnall op cit pp 70-75
Miles pp 185-187
183
toda a situaccedilatildeo (πς χρσθαι τοῖς πράγμασιν) Se Poliacutebio estiver
correto na ordenaccedilatildeo desses eventos (e natildeo vejo motivos
para natildeo estar) os romanos tinham em mente mesmo antes de
relatar os eventos ao Senado assegurar uma posiccedilatildeo forte
em territoacuterio inimigo restando apenas a autorizaccedilatildeo de
Roma para dar prosseguimento agrave expediccedilatildeo africana A forma
que essa expediccedilatildeo assumiria contudo estava nas matildeos do
Senado418 A resposta natildeo poderia ser diferente um dos
cocircnsules deveria permanecer na Aacutefrica com forccedila adequada
(δυνάμεις τὰς ἀρκούσας) enquanto o outro deveria retornar para
Roma com a frota419
Se a essa altura os romanos tinham em mente a
reproduccedilatildeo do que havia feito Agaacutetocles cerca de 50 anos
antes natildeo sabemos por evidecircncias diretas (como seria uma
afirmaccedilatildeo de Poliacutebio ou referecircncia a Agaacutetocles em alguma
reuniatildeo senatorial antes da deliberaccedilatildeo sobre o que deveria
ser feito pelas tropas na Aacutefrica) mas isso pode ser
proposto com certo grau de plausibilidade por evidecircncias
indiretas Como mostrei antes os elementos necessaacuterios
para a realizaccedilatildeo de uma expediccedilatildeo haviam sido pensados
apoacutes Ecnomus e uma vez na Aacutefrica com posiccedilatildeo militarmente
assegurada a pilhagem que se seguiu (em Aspis ou ldquoescudordquo
e nos arredores) tem aparecircncia exata ao que foi previamente
feito pelo siracusano
Aleacutem disso eacute bem verdade que Poliacutebio nos diz como
mencionado no cap3 desta tese que Cipiatildeo o Africano
aproximadamente 50 anos apoacutes a primeira invasatildeo romana da
Aacutefrica teria respondido quando questionado acerca dos
maiores estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e
Dioniacutesiordquo420 Eacute bem provaacutevel portanto que a expediccedilatildeo de
418 Aleacutem disso uma vez estabelecidos da maneira descrita em territoacuterio
inimigo uma possiacutevel decisatildeo de abandono seria improvaacutevel senatildeo
absurda 419
Mais agrave frente Poliacutebio nos daacute nuacutemeros 15000 soldados de infantaria e 500 cavaleiros 420 Polib 1535 Ver cap3 item 41
184
Agaacutetocles fosse jaacute conhecida pelos romanos no tempo da
Primeira Guerra Puacutenica
Outra evidecircncia pode ser encontrada do lado cartaginecircs
Os comandantes cartagineses natildeo queriam esperar o avanccedilo
impune dos romanos talvez por que tivessem em mente a
reproduccedilatildeo do que haviam enfrentado meio seacuteculo antes com
os gregos Essa reaccedilatildeo por parte de Cartago elucida ainda
algo fundamental quanto agrave preservaccedilatildeo das primeiras
inovaccedilotildees em seu pensamento militar heleniacutestico Cartago
natildeo estava disposta a esperar que seu territoacuterio fosse
ldquocorrompidordquo pelo inimigo o que ocasionaria problemas de
ordem logiacutestica (principalmente com a manutenccedilatildeo de seus
aliados) de maneira que os generais decidiram partir de
imediato para o embate com os invasores Na primeira fase
das inovaccedilotildees militares em Cartago um dos aspectos
estrateacutegicos que motivaram as inovaccedilotildees de ordem logiacutestica
entre os cartagineses foi a preservaccedilatildeo da lealdade das
cidades africanas uma vez que elas estavam debandando uma
a uma para o lado grego Aquela liccedilatildeo agora aplicada ao
caso romano havia sido definitivamente aprendida pelos
generais cartagineses Asdruacutebal e Bostar foram eleitos
generais Amiacutelcar foi trazido agraves pressas da Siciacutelia como
terceiro general juntamente com 500 cavaleiros e 5000
soldados de infantaria421
Como dito anteriormente os trecircs generais cartagineses
optaram pelo combate direto com o inimigo apoacutes terem assim
deliberado (ἐβουλεύετο) e encontraram Reacutegulo e seus soldados
proacuteximos agrave cidade de Adys na ocasiatildeo sitiada pelos
romanos Os cartagineses ocuparam um monte nos arredores e
ali montaram acampamento num local que Poliacutebio considerou
ser inapropriado ao seu exeacutercito (ἀφυ δὲ ταῖς ἑαυτν δυνάμεσιν)422
421 Polib 130 Sobre Amiacutelcar Barca particularmente a construccedilatildeo de
uma escola taacutetica em Cartago ateacute Aniacutebal Barca cf Brizzi op cit
aleacutem dos autores citados acima para a expediccedilatildeo de Reacutegulo 422 Polib 130
185
Os experientes generais romanos (οἱ τν Ῥωμαίων ἡγεμόνες ἐμπείρως)
teriam visto que o momento era adequado para o ataque
inesperado uma vez que o posicionamento do exeacutercito
cartaginecircs num terreno que tornava os elefantes e a
cavalaria inuacuteteis (ἠχρείωται) lhes era propiacutecio Ao atacar
por ambos os lados do monte os romanos tiveram a primeira
legiatildeo (τὸ πρτον στρατόπεδον) derrotada pela coragem (γενναίως)
e vigor (προθύμως) dos mercenaacuterios (μισθοφόροι) mas tendo
avanccedilado em busca dos legionaacuterios em fuga expuseram sua
retaguarda aos outros que atacavam no lado oposto Os
mercenaacuterios recuaram satildeos e salvos por fim graccedilas ao
ldquoescudordquo oferecido pelos elefantes e cavaleiros que
atingiram o niacutevel plano423
Apoacutes a vitoacuteria de Reacutegulo Tuacutenis caiu sob o domiacutenio
romano tendo a cidade sido transformada na nova base de
operaccedilotildees na Aacutefrica Poliacutebio menciona ainda uma revolta
por parte dos numiacutedios (certamente encorajados com a
presenccedila romana) e a fome dos refugiados em Cartago424 o
que levou Reacutegulo a tentar a submissatildeo completa dos
cartagineses Poliacutebio diz que os embaixadores estavam tatildeo
inclinados a aceitar o que Reacutegulo lhes propunha que eles
sequer conseguiam prestar atenccedilatildeo agrave severidade de suas
exigecircncias (τὸ βάρος τν ἐπιταγμάτων) Fragmentos de Diodoro
contudo mencionam que o Senado cartaginecircs enviou os homens
mais nobres (ἄνδρας τν ἐπιφανεστάτων) como embaixadores
(πρεσβευτὰς) a Atiacutelio (leia-se Reacutegulo) para discutir os
termos de paz (περὶ εἰρήνης) mas a paz proposta por ele natildeo
seria melhor que a escravidatildeo tamanha a dureza de seus
termos425 Na mesma linha de Diodoro outras fontes
apresentam a iniciativa por parte de Cartago recusando
portanto que Reacutegulo os tivesse intimado para propor os
423 Para a reconstruccedilatildeo da batalha cf principalmente Lazenby First
Punic War pp 100-101 Goldsworthy Punic Wars p86 Bagnall op
cit pp72-73 424 Polib 131 425 Diod 2312
186
termos de paz426
No fim das contas a despeito da natureza
oposta dos relatos sobre quem teria tomado a iniciativa
para a conclusatildeo da paz (se Cartago ou Roma) e da situaccedilatildeo
draacutestica em que Cartago se encontrava uma vez mais o
Senado cartaginecircs manteve a opccedilatildeo pela defesa armada como
no caso dos gregos a qual seria assegurada em princiacutepio
pelas muralhas de Cartago e em seguida pelo recrutamento
do nuacutemero de soldados mercenaacuterios que os seus recursos
permitissem pagar427
426 Eutroacutepio (221) Oroacutesio (49) e Zonaras (813) Cf Lazenby First
Punic War p101 427 Essa seria de acordo com Diod 296 a grande vantagem em se
recrutar mercenaacuterios ldquouma abundacircncia de forccedilas militares estrangeiras
(τς ξενικς δυνάμεως) eacute muito vantajosa para o lado que a emprega e
terriacutevel para o inimigo considerando que os empregadores trazem
consigo sem grandes custos homens para lutar em seu nome ao passo
que forccedilas citadinas (τν πολιτικν δυνάμεων) mesmo quando vitoriosas satildeo prontamente enfrentadas por um corpo de oponentes intactos No
caso dos exeacutercitos poliacuteadas uma simples derrota significa um desastre
completo ao passo que no caso dos mercenaacuterios ainda que sejam por
muitas vezes derrotados os empregadores manteacutem suas forccedilas intactas
durante o tempo que durar seus recursosrdquo
187
413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico heleniacutestico
255 aC
Vegeacutecio autor de um manual militar no seacutecIV dC
menciona natildeo somente que Xantipo teria liderado os
cartagineses na guerra contra os romanos ateacute o fim (o que eacute
claramente um equiacutevoco como nos mostram todas as outras
fontes) mas tambeacutem que Aniacutebal Barca durante a Segunda
Guerra Puacutenica havia recrutado um general mercenaacuterio
espartano para a sua campanha contra os romanos
() Na verdade o quanto a ciecircncia militar foi uacutetil
aos Lacedemoacutenios nos seus combates e para omitir
outros eacute confirmado pelo exemplo de Xantipo que com
exeacutercitos jaacute anteriormente derrotados capturou e
venceu Atiacutelio Reacutegulo e o exeacutercito romano muitas vezes
vencedor ao levar auxiacutelio aos Cartagineses natildeo soacute
pela coragem mas tambeacutem pela periacutecia triunfou num
uacutenico encontro e terminou toda a guerra E tambeacutem
Aniacutebal com a intenccedilatildeo de se dirigir para Itaacutelia
procurou um mestre de armas lacedemoacutenio com os
conselhos do qual destruiu tantos cocircnsules e legiotildees
sendo inferior em nuacutemero e em forccedilas428
A segunda informaccedilatildeo na passagem acima destacada (de
que haveria um conselheiro militar espartano a serviccedilo de
Aniacutebal Barca) pode ser com muito otimismo relacionada a
uma evidecircncia sobre um professor de grego (Soacutesilo) de
Aniacutebal em Corneacutelio Nepos429 Nenhuma outra fonte faz
referecircncia a mercenaacuterios espartanos em Cartago nessas
condiccedilotildees de serviccedilo (excetuando Xantipo) mas elas servem
para ilustrar ao lado das evidecircncias sobre o recrutamento
de homens de Esparta (ou simplesmente de ldquoeducaccedilatildeo
espartanardquo) como soldados ou oficiais de patente menor
(submetidos aos generais cartagineses) que essa era uma
praacutetica longe de absurda em cenaacuterio cartaginecircs mesmo que o
428 Vegeacutecio Compecircndio da Arte Militar Pref 3 Traduccedilatildeo inalterada de
Joatildeo Gouveia Monteiro e Joseacute Eduardo Braga (ediccedilatildeo em portuguecircs de
Portugal) 429 Corneacutelio Nepos Aniacutebal 133 [] atque hoc Sosylo Hannibal
litterarum Graecarum usus est doctore
188
caso mencionado por Vegeacutecio e Corneacutelio Nepote tenha sido
inventado ou unicamente produto de confusatildeo430
De volta agrave Primeira Guerra Puacutenica no momento seguinte
agrave derrota para Reacutegulo e ao fracasso das negociaccedilotildees de paz
(tenham elas sido lideradas por iniciativa dos cartagineses
ou pelo general romano) um dos oficiais de recrutamento
(ξενολόγος) que Cartago tinha previamente enviado agrave Greacutecia
retornava com um nuacutemero consideraacutevel de soldados entre
eles Xantipo de Esparta ldquoum homem que havia participado do
sistema de treinamento espartanordquo (ἄνδρα τς Λακωνικς ἀγωγς
μετεσχηκότα)431 Lazenby recorda que embora Diodoro se refira
a Xantipo como ldquoesparciatardquo (ὁ Σπαρτιάτης) a indicaccedilatildeo de
Poliacutebio (quase sempre mais preciso que Diodoro) sugere algo
mais proacuteximo dos μόθακες homens de famiacutelias pobres que eram
patrocinados por algueacutem mais rico e criado com seus
filhos432
Diante do que havia recentemente ocorrido aos
cartagineses Xantipo conclui ldquoapoacutes ter uma visatildeo ampla
dos recursos restantes dos cartagineses e de sua forccedila em
cavalaria e elefantesrdquo (συνθεωρήσας τάς τε λοιπὰς παρασκευὰς τν
Καρχηδονίων καὶ τὸ πλθος τν ἱππέων καὶ τν ἐλεφάντων παραυτίκα) que a
derrota para os romanos na Aacutefrica natildeo se devia aos romanos
mas aos proacuteprios cartagineses ldquopor meio da inexperiecircncia
de seus generaisrdquo (διὰ τὴν ἀπειρίαν τν ἡγουμένων) A conclusatildeo do
general mercenaacuterio teria sido em princiacutepio difundida
entre os seus amigos (τοὺς φίλους) mas logo chegado aos
430 Para o debate sobre a identificaccedilatildeo das referecircncias em Vegeacutecio e
Corneacutelio Nepote cf principalmente E L Wheeler The hoplomachoi
and Vegetius Spartan drillmasters Chiron 13 1-20 1983 P 16
John F Lazenby First Punic War The Spartan Army Warminster Aris amp
Phillips 1985 P 170 Daly p 88 431 Polib 132 De acordo com Diod 2316 Xantipo teria vindo da
Greacutecia com 50 ou 100 soldados ou mesmo sozinho dependendo da fonte
utilizada 432 Lazenby First Punic War pp 102-103 Numa versatildeo mais improvaacutevel
Oroacutesio 49 sugere que Xantipo seria ldquorei dos espartanosrdquo
(Lacedaemoniorum rex) Cf tambeacutem Giovanni Brizzi ldquoAmilcar e
Santippo storie di generalirdquo In Yann Le Bohec (org) La Premiegravere
Guerre Punique Lyon De Boccard 2001 pp 29-38
189
ouvidos dos liacutederes cartagineses que decidiram chamaacute-lo e
examinar a sua linha de raciociacutenio Apoacutes explicar como
Cartago poderia derrotar os romanos (ao inveacutes de assegurar
simplesmente a sua posiccedilatildeo) os generais cartagineses
ldquopersuadidosrdquo (πεισθέντες) ldquoconfiaram-lhe imediatamente as
suas forccedilasrdquo (ατῶ παραχρμα τὰς δυνάμεις ἐνεχείρισαν) Embora a
decisatildeo dos generais tenha gerado alguma reaccedilatildeo violenta
por parte da populaccedilatildeo quando Xantipo liderou o exeacutercito
para fora da cidade em ordem (ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν
κόσμῳ) e ali comeccedilou a ldquomanobrar algumas partes dele
corretamenterdquo (κινεῖν τν μερν ἐν τάξει) ldquodando comandos de
acordo com os costumesrdquo (παραγγέλλειν κατὰ νόμους)433 o que
havia sido feito pelos generais anteriores (cartagineses)
contrastou de tal maneira que os soldados tiveram seus
acircnimos revigorados sob o comando do general estrangeiro
Nessa situaccedilatildeo a empolgaccedilatildeo de Poliacutebio ao falar da
competecircncia de um general grego eacute evidente434 mas haacute algo
mais relevante a ser observado Se Xantipo realizou as
manobras que Poliacutebio indica uma possibilidade eacute que tenha
existido um periacuteodo de treinamento (possivelmente de alguns
meses) sob o espartano A outra possibilidade eacute que o
exeacutercito jaacute tivesse conhecimento dos termos militares
usuais na arte da guerra grega possivelmente devido ao seu
passado de lutas na Siciacutelia mas que os generais fossem
incapazes de executaacute-los da forma correta de onde
sobressairia o que Poliacutebio acreditou ser a sua (dos
cartagineses) incompetecircncia ou imperiacutecia (ἀπειρία) nos
assuntos militares Se o exeacutercito cartaginecircs que lutou na
Aacutefrica contra Reacutegulo fosse composto somente por mercenaacuterios
gregos a segunda explicaccedilatildeo seria a mais plausiacutevel das
duas jaacute que natildeo temos referecircncias diretas nas fontes ao
433 Isto eacute em termos militares ortodoxos Ver questatildeo na Introduccedilatildeo 434 Goldsworthy Punic Wars p 88 Segundo o autor as accedilotildees de
Xantipo refletiriam em Poliacutebio a profunda admiraccedilatildeo helecircnica pelo
sistema militar espartano
190
treinamento das tropas por Xantipo Mas esse natildeo parece ter
sido o caso do exeacutercito em questatildeo Poliacutebio natildeo menciona
origens eacutetnicas das tropas que lutaram em Adys no primeiro
encontro com Reacutegulo (e que eram ao menos parcialmente as
mesmas sob Xantipo) tampouco o faz para a batalha de
Tuacutenis Em todo caso a ldquofalange dos cartaginesesrdquo (τὴν
φάλαγγα τν Καρχηδονίων) mencionada por Poliacutebio em Tuacutenis em
contraste com os seus mercenaacuterios (τν μισθοφόρων) deve ter
sido cartaginesa ou de aliados liacutebios submetidos ao que os
gregos chamavam de symmachia Aleacutem disso um exeacutercito
cartaginecircs na Aacutefrica devia contar como na maioria dos
casos com grande nuacutemero de soldados liacutebios os quais
desconheciam como regra geral para comeccedilar a liacutengua
grega Para dar os comandos ainda que isso natildeo seja
mencionado no provaacutevel treinamento das tropas Xantipo
teria lanccedilado matildeo como jaacute havia feito em ocasiotildees
anteriores de um ou mais inteacuterpretes (ἑρμηνεύς)435
Passado certo tempo entatildeo os cartagineses comeccedilaram a
marchar em territoacuterios nivelados (τν ὁμαλν τόπων) e a
montar acampamento em locais planos (ἐν τοῖς ἐπιπέδοις τν χωρίων)
ateacute conseguirem avistar o inimigo436
Acampados proacuteximos aos
romanos (a uma distacircncia aproximada de 1800 metros ou 10
estaacutedios gregos) os cartagineses aguardaram a deliberaccedilatildeo
do Senado Aqui emerge uma questatildeo central para a
compreensatildeo do papel que Xantipo teria desempenhado na
batalha encerrado o treinamento das tropas Segundo
Poliacutebio o clamor das tropas por Xantipo aliado aos
pedidos do proacuteprio general espartano fizeram com que os
cartagineses revestissem Xantipo de autoridade (τὴν ἐξουσίαν)
para a conduccedilatildeo da batalha Daiacute se conclui que antes da
batalha de Tuacutenis Xantipo natildeo estava no comando do exeacutercito
sendo responsaacutevel apenas pelo treinamento das tropas (como
435 Diod 2316 436 Polib 133
191
sugeri antes) Na batalha contudo se Xantipo natildeo liderou
o exeacutercito como uacutenico general (como sugere toda a histoacuteria
preacutevia da arte da guerra cartaginesa) ele o fez como
ldquogeneral de suporterdquo dos comandantes cartagineses (que
Poliacutebio natildeo menciona) conduzindo um total de 12000
soldados de infantaria 4000 cavaleiros e praticamente 100
elefantes437
Apoacutes treinar a infantaria cartaginesa Xantipo teve a
oportunidade de liderar o exeacutercito cartaginecircs em campo de
batalha Em Tuacutenis as taacuteticas que puseram fim agraves legiotildees de
Reacutegulo apresentavam uma semelhanccedila incontornaacutevel com
aquelas empregadas pelos generais heleniacutesticos apoacutes
Alexandre Esse eacute um indiacutecio que natildeo pode ser ignorado ao
lado do treinamento da infantaria cartaginesa Xantipo
parece ter transformado o exeacutercito cartaginecircs numa
autecircntica arma heleniacutestica o que seraacute de acordo com
Brizzi incorporado por Amiacutelcar Barca438
Em Tuacutenis Xantipo dispocircs a falange de cartagineses ao
centro com um corpo de mercenaacuterios agrave sua direita (o lado
mais desprotegido do corpo de infantaria devido agrave ausecircncia
do escudo ao lado direito do uacuteltimo homem) Tendo dividido
a cavalaria nas alas (ligeiramente mais adiantada que a
infantaria ao centro) o restante dos mercenaacuterios
(provavelmente dardeiros ou fundeiros) foi lotado ali para
desempenhar claro papel de forccedila de apoio agraves tropas
montadas Os elefantes por sua vez encontravam-se
dispostos agrave frente da linha principal ao centro em
ldquodistacircncia segurardquo da infantaria Do lado romano apesar da
437 Sobre a condiccedilatildeo de Xantipo na batalha de Tuacutenis cf principalmente
Lazenby First Punic War pp 103-106 Goldsworthy Punic Wars pp
89-90 Daly p 88 Para uma discussatildeo sobre a data da batalha cf
Walbank op cit p91 Sobre a possiacutevel reduccedilatildeo dos nuacutemeros do
exeacutercito cartaginecircs (dados por Polib 133) o que se justificaria no
uso da tradiccedilatildeo proacute-cartaginesa (especialmente Philinus) por Poliacutebio
para narrar a batalha cf Caven op cit p38 438 Brizzi op cit A sistematizaccedilatildeo das evidecircncias natildeo eacute feita da
mesma forma pelo uacuteltimo
192
expressatildeo vaga usada por Poliacutebio para definir o modo no
qual as legiotildees foram organizadas por Reacutegulo439 o
posicionamento dos velites agrave frente da infantaria
(apostando no efeito que os dardos teriam nos paquidermes)
e a profundidade das unidades manipulares (algo incomum a
menos que fosse necessaacuterio dar maior coesatildeo e portanto
confianccedila aos homens nas linhas de frente) indicam que o
general romano estava preocupado com o impacto -
principalmente psicoloacutegico - que os elefantes teriam em
seus soldados440
Em primeiro lugar Xantipo ordenou que os elefantes
avanccedilassem contra os romanos ao centro e que a cavalaria em
ambas as alas fizesse um movimento em torno da infantaria
para atacaacute-la pelos flancos e retaguarda (apoacutes vencer a
cavalaria inimiga eacute claro) Os romanos em contrapartida
seguindo seus costumes comeccedilaram a bater as armas contra
seus escudos emitindo seu grito de guerra enquanto
avanccedilavam A cavalaria romana muito inferior em nuacutemero
logo bateu em retirada sem oferecer muita resistecircncia agrave
ofensiva inimiga A ala esquerda dos romanos normalmente
composta por aliados avanccedilou com sucesso contra os
mercenaacuterios dispostos agrave direita do exeacutercito cartaginecircs e
pondo-os em fuga perseguiram os vencidos ateacute o
acampamento A porccedilatildeo central da legiatildeo a qual estava de
frente para os elefantes inicialmente resistiu mas logo
cedeu ao avanccedilo dos paquidermes e toda a formaccedilatildeo foi
rompida no momento em que os cavaleiros cercaram os romanos
pelos lados e pela retaguarda Os que foram capazes de
passar pelos elefantes sem serem pisoteados por eles
acabaram por se deparar com a ldquofalange cartaginesardquo (ateacute
439 Polib 133 ldquo[] muitos maniacutepulos em profundidade []rdquo (πολλὰς ἐπἀλλήλαις [] σημείας) 440 Lazenby First Punic War pp 104-105 sugere uma organizaccedilatildeo em
seis linhas ao inveacutes das trecircs linhas tradicionais (hastati
principes triarii) Goldsworthy Punic Wars p 89 sugere as trecircs
linhas tradicionais com um nuacutemero maior de linhas
193
entatildeo intacta) disposta atraacutes dos animais em boa ordem
(συντεταγμένην [] τὴν τν Καρχηδονίων φάλαγγα)441 Quanto agraves
baixas Poliacutebio registrou somente 800 homens entre os
mercenaacuterios cartagineses (particularmente aqueles que
haviam enfrentado a ala esquerda romana) sem mencionar o
restante do exeacutercito Do lado romano excetuando os 2000
soldados que perseguiram os mercenaacuterios cartagineses em
fuga e alguns homens que escaparam com Reacutegulo todos
pereceram em batalha
Sob Xantipo os paquidermes passaram a ser empregados
como entre os generais heleniacutesticos Poliacutebio relata que
Xantipo antes de analisar os recursos logiacutesticos de
Cartago e portanto de ser nomeado general dos
cartagineses por tempo limitado tomou conhecimento do que
havia recentemente ocorrido e da maneira como havia
ocorrido442
Certamente o historiador estava se referindo agrave
derrota para Reacutegulo e ao fracasso em Acragas na Siciacutelia
evento que teria segundo Poliacutebio transformado a
estrateacutegia romana na guerra De Acragas para Tuacutenis
passando pelo fracasso no uso dos cavaleiros e elefantes em
Adys quando os trecircs generais cartagineses decidiram
enfrentar os romanos antes que esses prosseguissem com a
pilhagem de seu territoacuterio notamos uma mudanccedila notaacutevel no
emprego das tropas de Cartago tanto em seu treinamento (no
caso da infantaria) quanto em sua aplicaccedilatildeo (no caso dos
cavaleiros e elefantes) em campo de batalha
441 Polib 134 Narraccedilatildeo coincidente embora menos detalhada pode ser
encontrada tambeacutem em Zonaras 1113 Diod 2314 apresenta um relato
fantasioso acerca da batalha com Xantipo tendo que empurrar os
desistentes contra os romanos numa demonstraccedilatildeo de coragem e vigor 442 Polib 132 ldquo[] ao ouvir da reviravolta recente e da maneira
pela qual havia ocorrido []rdquo (ὃς διακούσας τὸ γεγονὸς ἐλάττωμα καὶ πς καὶ τίνι τρόπῳ γέγονεν)
194
CONCLUSAtildeO
Nesta tese atenccedilatildeo especial foi dirigida agrave histoacuteria da
Siciacutelia e de Cartago nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico
na expectativa de contribuir assim para o abandono da
ideia de um mundo mediterracircnico ocidental formado agrave sombra
da expansatildeo romana Interessou-me primeiramente o impacto
poliacutetico-militar da imitatio Alexandri no ocidente
heleniacutestico sob Agaacutetocles e Pirro da mesma forma que a
reaccedilatildeo dos cartagineses frente agraves duas invasotildees africanas
ocorridas respectivamente entre 310-307 aC e 256-255
aC mais do que propriamente como os romanos subjugaram
Cartago num processo iniciado com a questatildeo dos mamertinos
na porccedilatildeo nordeste da Siciacutelia A partir da anaacutelise
detalhada das liccedilotildees militares aprendidas pelos
cartagineses no periacuteodo heleniacutestico preacute-Baacutercida tornou-se
possiacutevel a compreensatildeo da atuaccedilatildeo social dos mercenaacuterios
cujo fluxo natildeo se encerrou ao menos ateacute a destruiccedilatildeo de
Cartago pelos romanos
Durante a fase inicial da Primeira Guerra Puacutenica
precisamente no ano de 255 aC o exeacutercito cartaginecircs
sofreu modificaccedilotildees sensiacuteveis no campo taacutetico e em seu
treinamento de maneira a transformar as forccedilas de Cartago
em verdadeiras armas heleniacutesticas Mas essa transformaccedilatildeo
natildeo se iniciou contrariando o que sugere Brizzi com
Xantipo443 Taticamente o exeacutercito cartaginecircs se modificou
em 255 aC mas a composiccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo no uso de
comandantes mercenaacuterios parece ter sido anterior
443 Natildeo se trata aqui de desmerecer as hipoacuteteses de Giovanni Brizzi
(op cit) pelo contraacuterio a partir do que foi por ele proposto para
o periacuteodo Baacutercida eacute que pude montar uma explicaccedilatildeo original acerca das
inovaccedilotildees militares anteriores a Amiacutelcar a Aniacutebal Barca e que
acredito ser mais coerente tendo recuado propositalmente no tempo da
anaacutelise de maneira a ilustrar igualmente a relevacircncia das inovaccedilotildees
militares ocorridas durante a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
195
remontando a outras inovaccedilotildees militares importantes durante
a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
De fato o siracusano pensou a invasatildeo africana como
inversatildeo da estrateacutegia vigente no conflito contra os
cartagineses levando a guerra para o territoacuterio inimigo
quando o mesmo encontrava-se em grande vantagem na Siciacutelia
nesse caso ao assediar os portos de Siracusa Confiante no
apoio que obteria dos liacutebios e na falta de espiacuterito
combativo dos cartagineses (se comparada agrave experiecircncia de
seus mercenaacuterios) Agaacutetocles provocou uma situaccedilatildeo
calamitosa nos arredores de Cartago e na proacutepria cidade
que apoacutes seacuterias derrotas para o siracusano e perda
consideraacutevel dos territoacuterios aliados ou previamente
submetidos decidiu tomar atitudes draacutesticas Quando um
plano completamente inovador (para os padrotildees cartagineses)
havia sido estabelecido o Senado se decidiu pelo
direcionamento da guerra de uma maneira pouco condizente
com o estatuto e a experiecircncia militar (quando havia) dos
homens que compunham o conselho A divisatildeo logisticamente
correta do exeacutercito em trecircs forccedilas de 10000 homens
organizadas com funccedilotildees especiacuteficas de correccedilatildeo dos erros
que ateacute entatildeo os comandantes cartagineses haviam cometido
sugere um aconselhamento externo possivelmente de um
(grupo) de mercenaacuterios natildeo mencionados pelas fontes
A invasatildeo africana por Agaacutetocles ainda que tenha
fracassado natildeo foi algo impensado ou sem motivaccedilotildees
poliacuteticas mais profundas Quando Agaacutetocles se declarou rei
ldquoem imitaccedilatildeo aos Diaacutedocosrdquo considerando-se equivalente a
eles em ldquopoder territoacuterios e feitosrdquo ele fecirc-lo com um
tiacutetulo propositalmente vago A ausecircncia de um viacutenculo a um
povo ou uma cidade transforma-se portanto num convite agrave
conquista444
donde a expediccedilatildeo africana foi pensada como
concretizaccedilatildeo desse projeto Que a monarquia de Agaacutetocles
444 Gruen op cit
196
possuiacutea uma natureza ldquoheleniacutesticardquo parece claro a partir da
sistematizaccedilatildeo das evidecircncias disponiacuteveis445 mas a quem ela
se dirigia mostrou-se uma questatildeo a ser respondida
Levando-se em conta uma das principais razotildees pelas quais
Agaacutetocles decidiu conduzir uma guerra na Aacutefrica (o
esfriamento do ardor combativo dos cartagineses contra a
experiecircncia militar dos homens ldquotreinados na escola do
perigordquo) mesmo diante da presenccedila inimiga agraves portas de
Siracusa tornou-se plausiacutevel sugerir ao combinar esse
fator com a formalidade de seu poder em Siracusa e os
eventos subsequumlentes agrave sua expediccedilatildeo em territoacuterio
cartaginecircs que a sua monarquia autoproclamada dirigia-se
aos seus homens Daiacute desdobra-se ainda o fato de a sua
imitatio Alexandri natildeo ter se restringido ao campo
poliacutetico com grandes chances de ter se estendido tambeacutem agrave
esfera militar nesse caso mediante a organizaccedilatildeo de um
corpo de elite em imitaccedilatildeo aos hipaspistas de Alexandre
Apoacutes Agaacutetocles com os mamertinos instalados na porccedilatildeo
nordeste da Siciacutelia e com Siracusa carente de um liacuteder que
comandasse os esforccedilos militares contra a ofensiva
cartaginesa espaccedilo foi aberto para Pirro do Epiro receacutem-
chegado na Peniacutensula Itaacutelica a pedido dos tarentinos A
reputaccedilatildeo de Pirro encontrava-se inabalada apoacutes as suas
duas vitoacuterias contra os romanos de maneira que os
siracusanos se decidiram pela sua convocaccedilatildeo como hegemon
dos gregos (contra os ldquobaacuterbarosrdquo) Tendo concordado
prontamente Pirro se mostrou capaz de fazer recuar os
cartagineses mas a tentativa de instauraccedilatildeo de uma
monarquia de tipo heleniacutestico entre os gregos da Siciacutelia
instigou um sentimento de hostilidade quanto agrave sua
presenccedila No final de sua expediccedilatildeo italiana tendo ainda
445 Ver Zambon Hellenistic Sicily e Cap3
197
travado mais uma batalha na Peniacutensula446
Pirro terminaria
por dar uma grande contribuiccedilatildeo agrave arte da guerra no
ocidente heleniacutestico deixando a ilha com o problema
mamertino pendente
Passados 10 anos da expediccedilatildeo epirota na Itaacutelia um
confronto entre os dois grandes poderes em expansatildeo do
mundo mediterracircnico ocidental ocorreraacute tendo como motor a
presenccedila mamertina na Siciacutelia A Primeira Guerra Puacutenica
como ficou conhecida pela historiografia acabou por ser um
conflito longo e basicamente travado no mar mas com um
periacuteodo crucial na Aacutefrica durante o qual os romanos
decidiram em possiacutevel imitaccedilatildeo ao que havia feito
Agaacutetocles cerca de 50 anos antes transportar a guerra para
o territoacuterio inimigo Ao analisar as evidecircncias disponiacuteveis
(particularmente Polib 129) conclui-se que os romanos
natildeo estavam planejando unicamente um desembarque seguro
apoacutes importante vitoacuteria naval mas que eles esperavam
permanecer na Aacutefrica ao menos ateacute obterem a submissatildeo de
Cartago Os cartagineses por outro lado embora tenham
sido infelizes em seus primeiros esforccedilos (a reproduccedilatildeo de
uma das medidas tomadas contra Agaacutetocles isto eacute ir de
encontro ao inimigo para impedir a desistecircncia dos aliados
por pressatildeo militar adversaacuteria direta) aceitaram os
conselhos propostos por um dos mercenaacuterios que os seus
recrutadores haviam trazido do Peloponeso Os conselhos de
Xantipo podem ter sido algo inesperado sem duacutevida mas o
interesse por parte dos cartagineses em ouvir o que esse
general submetido ao treinamento espartano e com grande
experiecircncia militar tinha a dizer era algo com precedentes
indiretos provaacuteveis
446 Beneventum em 275 aC Dessa vez os resultados parecem ter sido
realmente inconclusivos o que se deveu em boa medida agrave desistecircncia
por parte dos italiotas que a essa altura haviam debandado para o
lado romano
198
A reforma liderada por Xantipo por fim teve
repercussotildees interessantes Em primeiro lugar uma reforma
quanto ao treinamento das tropas parece ter ocorrido Se as
tropas cartaginesas agrave eacutepoca da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo
fossem compostas unicamente por gregos poder-se-ia
argumentar a favor de uma incompetecircncia dos generais
cartagineses ao manobrar as seccedilotildees do exeacutercito O que se
observa contudo aleacutem dessa ἀπειρία eacute a sua incontornaacutevel
composiccedilatildeo africana (cartaginesa ou liacutebia) indiacutecio para a
ocorrecircncia do treinamento da infantaria sob Xantipo antes
da reforma taacutetica em Tuacutenis447
Com a infantaria treinada Cartago decidiu pelo
confronto decisivo com os romanos tendo revestido Xantipo
de autoridade (τὴν ἐξουσίαν) temporaacuteria talvez como ldquogeneral
de suporterdquo aos comandantes cartagineses Na batalha de
Tuacutenis as manobras de cavalaria e o uso dos elefantes
propiciaram como argumentei ao longo do Cap4 a
observaccedilatildeo do momento decisivo na transformaccedilatildeo do exeacutercito
cartaginecircs numa verdadeira arma heleniacutestica algo sem
equivalecircncia nas batalhas anteriores mesmo naquelas que
sucederam a presenccedila de Pirro na Magna Greacutecia e na Siciacutelia
O exeacutercito cartaginecircs havia sido modificado por fim a
partir de inovaccedilotildees militares em momentos de invasatildeo do
territoacuterio africano por inimigos estrangeiros tanto em
niacutevel estrateacutegico quanto em niacutevel taacutetico (treinamento e
aplicaccedilatildeo em campo de batalha)
447 O exeacutercito cartaginecircs apoacutes o treinamento dado por Xantipo teria
comeccedilado a marchar em territoacuterios nivelados e a acampar em locais
planos como pode ser encontrado em Polib 133 Ver Cap 4
199
BIBLIOGRAFIA
FONTES
APIANO Guerras Estrangeiras Traduccedilatildeo de Horace White
Cambridge MA London Harvard University Press 1913
ARISTOacuteTELES Poliacutetica Traduccedilatildeo de H Rackham Cambridge Ma
London Harvard University Press 1932
ARRIANO Anabasis Alexandri Traduccedilatildeo de PA Brunt London
Heinemann 1929
DIODORO DA SICIacuteLIA Biblioteca Histoacuterica Traduccedilatildeo de Russel
Geer e Francis Walton Cambridge MALondon Harvard
University Press 2006
CAacuteSSIO DIO Histoacuteria Romana Traduccedilatildeo de Earnest Cary
Cambridge MALondon Harvard University Press 1914-27
DIONIacuteSIO DE HALICARNASSO Antiguidades Romanas Traduccedilatildeo de
Earnest Cary Cambridge MALondon Harvard University
Press 1937-50
ESTRABAtildeO Geografia Traduccedilatildeo de H L Jones Harvard
University Press 1917-1932
EUTROacutePIO O breviarum ab urbe condita de Eutroacutepio Traduccedilatildeo
de HW Bird Liverpool Liverpool University Press 1993
FRONTINUS STRATEGEMATA Traduccedilatildeo de Charles Bennett
Cambridge MALondon Harvard University Press 1925
HEROacuteDOTO As Guerras Persas (livros 8-9) Traduccedilatildeo de AD
Godley Cambridge MALondon Harvard University Press
1925
ISOacuteCRATES Isoacutecrates Vol3 Traduccedilatildeo de La Rue Van Hook
Cambridge MALondon Harvard University Press 1945
FGH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der
griechischen Historiker LeidenBerlin 1923-
JUSTINO Justino Corneacutelio Nepote e Eutroacutepio Traduccedilatildeo de
John S Watson London HG Bohn 1853
200
OROacuteSIO Os sete livros da histoacuteria contra os pagatildeos Traduccedilatildeo
de Roy J Deferrari Washington Catholic University of
America Press 1964
PAUSAcircNIAS Descriccedilatildeo da Greacutecia Traduccedilatildeo de W H S Jones
Cambridge MA London Harvard University Press 1933
PLUTARCO Vidas V (Agesilaus e Pompeu Peloacutepidas e Marcelo)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1917
______ Vidas VII (Demosteacutenes e Ciacutecero Alexandre e Ceacutesar)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1919
______ Vidas IX (Demeacutetrio e Antocircnio Pirro e Caio Maacuterio)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1920
______ Vidas VIII (Sertoacuterio e Eumenes Phocion e Cato o
Jovem) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA
London Harvard University Press 1919
POLIacuteBIO Histoacuterias Traduccedilatildeo de W R Paton Cambridge MA
London Harvard University Press 2005
POLIENO Estratagemas de Guerra Traduccedilatildeo de Peter Krentz e
Everett L Wheeler Chicago Ares 1994
QUINTO CUacuteRCIO Histoacuterias Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les
Belles Lettres 1947 2 vols
TITO LIacuteVIO Roma e o Mediterracircneo livros XXXI-XLV da
Histoacuteria de Rome desde a sua fundaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Henry
Bettenson New York Penguin 1976
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo de CF
Smith Cambridge MA London Harvard University Press
1919
XENOFONTE Helecircnica Traduccedilatildeo de Carleton L Brownson
Cambridge MA London Harvard University Press 1918
201
ESTUDOS MODERNOS
ADCOCK Franz The Greek and Macedonian Art of War Berkeley
and Los Angeles California University Press 1967
______ The Roman Art of War under the Republic New York
Barnes amp Noble 1960
AUBERT Jean-Jacques and VAacuteRHELYI Zsuzsanna A tall order
writing the social history of the ancient world essays in
honor of William V Harris Muumlnchen Saur 2005
AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander to the
Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in
Translation Cambridge MA Cambridge University Press
2008
AUSTIN NJE and RANKOV NB Exploratio military and
political intelligence in the Roman world from the second
Punic War to the Battle of Adrianople London New York
Routledge 1995
BABELON Ernest ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1 95-
107 1924
BAGNALL Nigel The Punic Wars New York St Martin 2005
BELL MJV ldquoTactical Reform in the Roman Republic Armyrdquo
Historia 14 1965
BERNSTEIN AH ldquoThe Strategy of a Warrior-State Rome and
the Wars against Carthage 264ndash201 BCrdquo In MURRAY
Williamson KNOX MacGregor BERNSTEIN Alvin The Making
of strategy rulers states and war Cambridge New York
Cambridge University Press 1994
BEST Jan Thracian Peltasts and their influence on Greek
Warfare Groningen Wolters-Noordhoff 1969
BERVE Helmut Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen
Verlag 1953
______ Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967
Birley E The Roman army Papers 1929-1986 Amsterdam JC
Gieben 1988
202
BISHOP MC and COULSTON JC Roman military equipment
London Batsford 1993
BILLOWS Richard Kings and Colonists Aspects of Macedonian
Imperialism LeidenNew YorkKoumlln Brill 1995
BOSWORTH Albert ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973
______ Conquest and empire the reign of Alexander the
Great Cambridge New York Cambridge University Press
1988
BRACCESI Lorenzo I tiranni di Sicilia Roma-Bari Laterza
1998
______ L‟Alessandro occidentale Il Macedone e Roma Roma
ldquoL‟ermardquo di Bretschneider 2006
BRIZZI Giovanni Le guerrier de lantiquiteacute classique de
lhoplite au leacutegionnaire Monaco Rocher 2004
BUCKLER John The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge
MALondon Harvard University Press 1980
CAMPBELL J B ldquoTeach Yourself How to be a Generalrdquo JRS 77
1987
CARTLEDGE Paul Agesilaos and the crisis of Sparta London
Duckworth 1987
CAVEN Brian The Punic Wars London Weidenfeld and
Nicolson 1980
______ Dionysius I war-lord of Sicily New Haven Yale
University Press 1990
CHAMPION Craige Brian Cultural Politics in Polybius‟
Histories Berkeley University of California Press 2004
CHANIOTIS WHW Angelos War in the Hellenistic World a
social and cultural history Malden MA Oxford (Eng)
Blackwell 2005
CHARLES-PICARD Gilbert ldquoLes Sufegravetes de Carthage dans Tite-
Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-
280 1963
______ Carthage London Elek Books 1964
203
______ The life and death of Carthage a survey of Punic
history and culture from its birth to its final tragedy
London Sidgwick amp Jackson 1968
CONNOLLY Peter Greece and Rome at War London Macdonald
1981
CONSOLO LANGHER Sebastiana ldquoLa Sicilia dalla scomparsa di
Timoleonte alla morte di Agatoclerdquo In Emilio Gabba La
Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo alle
guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli
e della Sicilia 1980 PP 289-342
______ Sebastiana Agathocle Da capoparte a monarca
fondatore di un regno tra Cartgagine e i Diadochi
Messina Pelorias 2000
CRAWFORD MH and LIGOTA CR Ancient history and the
antiquarian essays in memory of Arnaldo Momigliano
London Warburg Institute University of London 1995
DALY Gregory Cannae the experience of battle in the Second
Punic War London New York Routledge 2002
DAWSON D The origins of Western warfare Militarism and
morality in the Ancient World Boulder Westview Press
1996
DELBRUumlCK H History of the art of war (I) Lincoln
University of Nebraska Press 1990
DE SANCTIS Gaetano Storia dei Romani Milan Fratelli Boca
1907
DEVINE Andrew ldquoGrand Tactics at Gaugamelardquo in Phoenix 29
374-385 1975
DODGE Theodore A Hannibal Cambridge MA Da Capo Press
2004
DOREY TA Latin historians London Routledge amp K Paul
1966
DREWS Robert ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan
Eunomiardquo AJA 100 1979
204
DUCREY Pierre Warfare in Ancient Greece New York
Schocken 1985
ENGELS Donald Alexander the Great and the Logistics of the
Macedonian Army Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1978
ERDIKAMP Paul A companion to the Roman army Malden MA
Oxford Blackwell 2007
ERRINGTON RM ldquoRome and Spain Before the Second Punic Warrdquo
Latomus 29 1970
FERRILL Arther The origins of war from the Stone Age to
Alexander the Great New York Thames and Hudson 1985
FEUGEgraveRE M Les armes des Romains Paris Errance 2002
FINLEY Moses A History of Sicily London Chatto amp Windus
1979
FOX Robin L Alexander the Great London Allen Lane 1973
GABBA Emiacutelio Republican Rome the army and the allies
Berkeley University of California Press 1976
______ La Sicilia antica Palermo Ed del sole 1984
GARLAN Yvon La Guerre dans l‟Antiquite Paris F Nathan
1972
______ Recherches de poliorcetique grecque Athegravenes Ecole
franccedilaise d‟Athegravenes 1974
______ Guerre et economie en Grece ancienne Paris La
Deacutecouverte 1989
GAROUFALIAS Petros Pyrrhus King of Epirus London Stacey
International 1979
GIESECKE Walther Sicilia numismatica Leipzig K W
Hiersemann 1923
GOLDSWORTHY Adrian The Punic Wars London Cassell 2002
GOUKOWSKY Paul Essai sur les origines du mythe d‟Alexandre
336-270 av J C Nancy Universiteacute de Nancy II 1978
GREEN Peter (org) Hellenistic history and culture
Berkeley University of California Press 1993
205
GRIFFITH G T The Mercenaries of the Hellenistic World
Chicago Ares 1935
GRUEN Erich S The Hellenistic world and the coming of Rome
Berkeley University of California Press 1984
______ ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In EADIE John
William e OBER Josiah (orgs) Essays in honour of Chester
G Starr New YorkLondon Routledge 1985
______ Culture and national identity in Republican Rome
Ithaca NY Cornell University Press 1992
______ Cultural borrowings and ethnic appropriations in
antiquity Stuttgart F Steiner 2005
______(org) Cultural identity in the ancient Mediterranean
Los Angeles Getty Research Institute 2010
GSELL Steacutephane Histoire ancienne de lAfrique du Nord
(vol2) Paris Hachette 1914-1930
HAMBURGER Oswald A Untersuchungen uumlber den pyrrhischen
Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927
HAMILTON C D and KRENTZ P Polis and polemos essays on
politics war amp history in Ancient Greece in honor of
Donald Kagan Claremont Calif Regina Books 1997
HAMILTON J R ldquoThe Cavalry Battle at the Hydaspesrdquo in JHS
76 27-28 1956
HAMMOND Nicholas e GRIFFITH Guy A History of Macedonia
550-336 (V2) Oxford Oxford University Press 1979
______ ldquoAlexander‟s charge at the battle of Issus in 333
BCrdquo in Historia 41 395-406 1992
______ ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in Thebesrdquo
in GRBS 38 355-372 1997
HANSON Victor D ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371
BC) and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7
190-207 1988
______ The Western way of war infantry battle in classical
Greece New York Knopf Distributed by Random House 1989
206
______ (org) Makers of ancient strategy from the Persian
wars to the fall of Rome Princeton NJ Princeton
University Press 2010
HARRIS William V War and imperialism in Republican Rome
327-70 BC Oxford Clarendon Press New York Oxford
University Press 1979
______ (org) Rethinking the Mediterranean Oxford New York
Oxford University Press 2005
HEAD Duncan Armies of the Macedonian and Punic Wars
organization tactics dress and weapons Sussex Wargames
Research Group Publication 1982
HOYOS Dexter ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-
218 BCrdquo Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274
1994
______ Unplanned Wars The Origins of the First and Second
Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter 1998
______ Hannibals Dynasty Power and Politics in the Western
Mediterranean 247-183 BC Oxford Oxford University
Press 2005
______ Hannibal‟s war books twenty-one to thirty Livy
translated by JC Yardley with an introduction and notes
by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford University Press
2006
ISAAC Benjamin The Invention of Racism in Classical
Antiquity Princeton University Press 2004
KEEGAN John The face of battle New York Vintage Books
1977
______ A history of warfare London Hutchinson 1993
KEPPIE Lawrence The making of the Roman army from republic
to empire London BT Batsford 1984
KNIPFING John ldquoGerman Historians and Macedonian
Imperialismrdquo in AHR 26 (4) 657-671 1921
KUSCHEL B ldquoDie neuen Muumlnzbilder des Ptolemaios Soterrdquo JNG
11 9-18 1961
207
LA BUA Vincenzo ldquoLa spedizione di Pirro in Siciliardquo
Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980
LANCEL Serge Carthage Paris Fayard 1992
______ Hannibal Paris Fayard 1995
LAUNEY Marcel Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques
Paris Boccard 1949 2 vols
LAZENBY FIRST PUNIC WAR John F The Spartan army
Warminster England Aris amp Phillips 1985
______ The First Punic War a military history London UCL
Press 1996
______ Hannibal‟s War a Military History of the Second
Punic War Norman Oklahoma University Press 1998
LE BOHEC Yann Histoire militaire des guerres puniques
Monaco Editions du Rocher 1996
______ Le Premiegravere Guerre Punique Collection du Centre
d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23 Lyon Paris De
Boccard 2001
______ La marine romaine et la premieacutere guerre punique
Klio 85 57-69 2003
LENDON Jon Soldiers and Ghosts A History of Battle in
Classical Antiquity New HavenLondon Yale University
Press 2005
LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de Boccard 1957
Pyrrhus King of Epirus London Stacey International 1979
LEWIS Sian (org) Ancient Tyranny Edinburgh Edinburgh
University Press 2006
LIDDELL HART Basil Henry Scipio Africanus greater than
Napoleon New York Da Capo Press 1994
MILES Richard Carthage Must be Destroyed The Rise and Fall
of an Ancient Mediterranean Civilization London Allen
Lane 2010
MILNS Robert D Alexander the Great London Robert Hale
1968
208
______ ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in
Historia 20 186-195 1971
MOMIGLIANO Arnaldo Filippo il Macedone saggio sulla storia
greca Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934
______ Alien wisdom the limits of Hellenization Cambridge
New York Cambridge University Press 1975
______ Storia e storiografia antica Bologna Il Mulino
1987
______ The classical foundations of modern historiography
Berkeley University of California Press 1990
MORRISON John S amp COATES John F The Athenian trireme the
history and reconstruction of an ancient Greek warship
Cambridge University Press 1986
MOSSEacute Claude La tyrannie dans la Gregravece Antique Paris
Presses Universitaires de France 1969
NIEBUHR Barthold G Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer
1853
PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers Chicago Ares
1933
PRITCHETT William Ancient Greek Military Practices (I)
Berkeley Los Angeles London University of California
Press 1971
REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique
Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve
Fondation Hardt 1976
RICH JW Declaring war in the Roman Republic in the period
of transmarine expansion Bruxelles Latomus 1976
ROSENSTEIN NS Imperatores victi military defeat and
aristocratic competition in the middle and late Republic
Berkeley University of California Press 1990
______ Rome at war farms families and death in the Middle
Republic Chapel Hill University of North Carolina Press
2004
209
______ (org) A companion to the Roman Republic Malden MA
Oxford Blackwell Pub 2006
SABIN Philip WEES Hans Van WHITBY Michael The Cambridge
History of Greek and Roman Warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
SAGE Michael Warfare in ancient Greece a sourcebook
London New York Routledge 1996
______ The Republican Army a Sourcebook New York London
Routledge 2008
SCARDIGLI Barbara I Trattati romano-cartaginesi Pisa
Scuola Normale Superiore 1991
SCHEPENS G L‟Autopsie dans la methode des historiens
grecs du Ve siecle avant J-C Brussel AWLSK 1980
______ VERDIN H KEYSER E de Purposes of history
studies in Greek historiography from the 4th to the 2nd
centuries BC proceedings of the international
colloquium Leuven 24-26 May 1988 Lovanii [sn] 1990
SCHUBERT Rudolf Geschichte des Pyrrhus Koumlnigsberg Wilh
Koch 1894
SCULLARD HH The Etruscan cities and Rome Ithaca NY
Cornell University Press 1967
______ The elephant in the Greek and Roman world Ithaca
NY Cornell University Press 1974
______ Scipio Africanus soldier and politician Ithaca
NY Cornell University Press 1970
SEKUNDA Nicholas Hellenistic Infantry Reform in the 160‟s
BC Gdansk Gdansk University Press 2006
SIDEBOTTOM Harry Ancient warfare a very short
introduction Oxford Oxford University Press 2004
SJOQVIST Erick ldquoA portrait Head from Morgantinardquo AJA 66
319-322 1962
STERN Ernst von Geschichte der spartanischen und
thebanishen Hegemonie Tartu University of Tartu 1884
210
STEWART Andrew Faces of Power Alexander‟s Image and
Hellenistic Politics Berkeley and Los Angeles University
of California Press 1993
STRAUSS Barry The anatomy of error ancient military
disasters and their lessons for modern strategists New
York St Martin‟s Press 1990
SZNYCER Maurice ldquoLe Problegraveme de la royauteacute dans le monde
puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296
1981
TAGLIAMONTE Gianluca ldquoRapporti tra societagrave di immigrazione
e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo aCrdquo
In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti
Del XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna
Grecia Taranto 1999
TARN William W ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ
20 98-100 1926
______ Hellenistic Military and Naval Developments
Cambridge Cambridge University Press 1930
______ Alexander the Great Cambridge Cambridge University
Press 1950 2 vols
TILLYARD Henry Julius W Agathocles Cambridge The
University Press 1908
TOYNBEE Arnold J Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s
effects on Roman life London New York Oxford University
Press 1965
TUPLIN John ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding
problemsrdquo in Klio 69 72-107 1987
VARTSOS Ioannes ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in
Siciliardquo Kokalos 16 89-97 1970
VATTUONE Ricardo Sapienza d‟occidente Il pensiero storico
di Timeo di Tauromenio Bologna Pagravetron 1991
WALBANK Frank W A historical commentary on Polybius
Oxford Clarendon Press 1957-79
211
______ Polybius Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1972
______ The Hellenistic world Brighton Sussex Harvester
Press Atlantic Highlands NJ Humanities Press 1981
______ ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7
Cambridge University Press 1984
WARMINGTON Brian H Carthage New York Praeger 1960
ZAMBON Efrem Tradition and Innovation Sicily between
Hellenism and Rome Stuttgart Fraz Steiner Verlag 2008
212
ANEXOS
ANEXO 1 ndash UMA CRONOLOGIA DO MUNDO HELENIacuteSTICO
323-241 AC
323 ndash Morte de Alexandre o Grande Perdicas distribui as
satrapias Nascimento de Alexandre IV filho de Roxana
Guerra Lamiana (revolta dos gregos)
322 ndash Submissatildeo de Atenas morte de Aristoacuteteles Invasatildeo da
Capadoacutecia por Perdicas Ptolomeu se estabelece no Egito
Ophellas em Cirene
321 - Campanha de Antiacutepatro e Cratero contra os etoacutelios
Perdicas invade a Pisiacutedia
320 ndash Antiacutepatro feito regente Filipe Arrideu Roxana e
Alexandre IV em custoacutedia Invasatildeo da Aacutesia por Antiacutepatro e
Crateros Eumenes derrota Crateros Seleuco adentra a
Babilocircnia Derrota de Perdicas no Egito
319 ndash Morte de Antiacutepatro Polipercon feito regente
Ptolomeu conquista a Palestina Agaacutetocles ascende ao poder
em Siracusa
318 ndash Polipercon declara a liberdade dos gregos Eumenes
sai da Capadoacutecia para a Ciliacutecia Eudamos extermina Poro e
marcha para o oeste
317 ndash Campanhas de Polipercon na Greacutecia Invasatildeo da Siacuteria
por Eumenes Invasatildeo da Paacutertia por Eudamos e outros
saacutetrapas Invasatildeo da Siacuteria por Antiacutegono fuga de Eumenes
para a Babilocircnia
316 ndash Derrota de Polipercon para Cassandro Eumenes se
junta a Eudamos Batalha de Paraitacene
315 ndash Lisiacutemaco combate Antiacutegono Antiacutegono derrota Eumenes
em Gabene Morte de Eumenes Eudamos e Peiton Antiacutegono daacute
nova ordem agraves satrapias orientais Alianccedila formada contra
Antiacutegono Agaacutetocles eleito strategos autocrator ()
213
314 ndash Antiacutegono se recusa a se entregar
313 ndash Antiacutegono conquista Tiro
312 - Ptolomeu suprime revolta em Cirene e derrota Demeacutetrio
em Gaza
311 ndash Derrota de Agaacutetocles na Siciacutelia bloqueio do porto de
Siracusa Antiacutegono expulsa Seleuco da Feniacutecia Paz entre
Antiacutegono Cassandro Ptolomeu e Lisiacutemaco
310 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles Campanha
de Ptolomeu na Ciliacutecia contra Antiacutegono Anexaccedilatildeo de Cipro
309 ndash Alianccedila de Agaacutetocles com Ophellas Demeacutetrio abandona
a Babilocircnia
308 ndash Morte de Ophellas exeacutercito de Ophellas incorporado
por Agaacutetocles Antiacutegono expulso da Babilocircnia por Seleuco
307 ndash Agaacutetocles retorna a Siracusa Atenas tomada por
Demeacutetrio
306 ndash Antiacutegono e Demeacutetrio assumem o diadema Demeacutetrio
conquista Cipro Seleuco invade a Baacutectria
305 ndash Iniacutecio do cerco de Rodes Seleuco conquista a Baacutectria
304 ndash Seleuco Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro assumem o
diadema Agaacutetocles se declara rei Seleuco fracassa em sua
campanha contra Chandragupta na Iacutendia
303 ndash Demeacutetrio conquista Corinto e boa parte do Pelponeso
campanhas de Agaacutetocles na Itaacutelia acordo entre Seleuco e
Chandragupta
302 ndash Cassandro e Lisiacutemaco contra Antiacutegono Seleuco e
Ptolomeu se juntam agrave alianccedila contra Antiacutegono
301 ndash Batalha de Ipso morte de Antiacutegono fuga de Demeacutetrio
300 ndash Demeacutetrio contra Lisiacutemaco Alianccedila entre Ptolomeu e
Lisiacutemaco
299 ndash Pirro enviado a Ptolomeu como refeacutem
298 ndash Demeacutetrio conquista a Ciliacutecia
297 ndash Morte de Cassandro Ptolomeu lanccedila Pirro como rei do
Epiro Lisiacutemaco toma posses de Demeacutetrio na Aacutesia Menor
296 ndash Lisiacutemaco Seleuco e Ptolomeu contra Demeacutetrio
214
295 ndash Seleuco toma Ciliacutecia Ptolomeu toma posses de
Demeacutetrio no Cipro Demeacutetrio recupera Atenas
294 ndash Demeacutetrio feito rei na Macedocircnia
293 ndash Demeacutetrio na Tessaacutelia
292 ndash Revolta de Tebas Antiacuteoco inicia governo na Baacutectria
291 ndash Demeacutetrio sufoca revolta em Tebas e ataca Pirro
289 ndash Morte de Agaacutetocles
288 ndash Guerra naval de Ptolomeu contra Demeacutetrio Lisiacutemaco e
Pirro provocam fuga de Demeacutetrio para o Peloponeso
287 ndash Revolta de Atenas Ptolomeu conquista Tiro
286 ndash Demeacutetrio perde Iocircnia e Liacutedia para Lisiacutemaco
285 ndash Demeacutetrio invade a Siacuteria submissatildeo de Demeacutetrio a
Seleuco
284 ndash Pirro derrotado por Lisiacutemaco na Macedocircnia
283 ndash Morte de Demeacutetrio e Ptolomeu Ascensatildeo de Ptolomeu II
282 ndash Tarentinos pedem ajuda a Pirro
281 ndash Ptolomeu Cerauno feito rei da Macedocircnia Seleuco
invade a Anatoacutelia elimina Lisiacutemaco e eacute morto por Ptolomeu
Cerauno na Traacutecia
280 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo italiana de Pirro vitoacuteria em
Heraclea derrota de Antiacutegono Gonatas (filho de Demeacutetrio)
para Ptolomeu Cerauno invasatildeo da Macedocircnia pelos celtas
fundaccedilatildeo da Liga Aqueacuteia
279 ndash Derrota dos romanos em Aacutesculo pedido de auxiacutelio de
Siracusa morte de Cerauno em batalha contra os celtas
Tratado entre romanos e cartagineses contra Pirro
278 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo siciliana de Pirro
277 ndash Pirro derrota os cartagineses na Siciacutelia Antiacutegono
Gonatas derrota os celtas celtas ocupam a Galaacutecia
276 ndash Pirro parte para Tarento Antiacutegono Gonatas
reconquista a Tessaacutelia
275 - Batalha inconclusiva de Benevento
264 ndash Iniacutecio da Primeira Guerra Puacutenica
260 ndash Batalha de Mylae
215
256 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo
255 ndash Recrutamento de Xantipo Batalha de Tuacutenis derrota de
Reacutegulo
247 ndash Amiacutelcar Barca nomeado general na Siciacutelia nascimento
de Aniacutebal Barca
241 ndash Fim da Primeira Guerra Puacutenica Cartago perde a
Siciacutelia para os romanos
216
ANEXO 2 FIGURAS
FIGURA 1
217
FIGURA 2
(a)
(b)
218
FIGURA 3
219
FIGURA 4
Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )
Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemaacuteticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterinaacuteriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MuacutesicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuiacutemicaBaixar livros de Sauacutede ColetivaBaixar livros de Serviccedilo SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo
Livros Graacutetis
httpwwwlivrosgratiscombr
Milhares de livros graacutetis para download
IN MEMORIAM PATRIS MEI (1938-2009)
iv
Haacute somente duas fontes das quais qualquer vantagem pode ser
retirada os nossos proacuteprios infortuacutenios e aqueles de
outros homens
Poliacutebio 135
v
RESUMO
A histoacuteria poliacutetica do mundo heleniacutestico natildeo era
formada unicamente por comandantes secircniores do exeacutercito de
Alexandre o Grande sob os Diaacutedocos contava-se uma seacuterie
de ex-oficiais de poder menor ou aventureiros que
desempenhavam funccedilotildees importantes em regiotildees controladas
pelos ex-generais do rei macedocircnico ou mesmo em territoacuterios
que natildeo haviam sido previamente subjugados Juntamente com
os Diaacutedocos tais comandantes de poder menor moldaram a
poliacutetica do mundo heleniacutestico e transformaram de maneira
relevante a sociedade na qual estavam inseridos
contribuindo para a formaccedilatildeo da imitatio Alexandri e de seu
impacto na arte da guerra do periacuteodo heleniacutestico Este era
o caso de Agaacutetocles de Siracusa e em seguida Pirro do
Epiro (com poder obviamente maior que o de Agaacutetocles) que
a despeito das diferenccedilas na esfera de poder e do viacutenculo
com Alexandre tiveram papel fundamental na concretizaccedilatildeo
das inovaccedilotildees poliacuteticas e militares no ocidente
heleniacutestico
Esta tese de doutorado apresenta duas hipoacuteteses em
primeiro lugar que a monarquia de Agaacutetocles era de
natureza ldquoheleniacutesticardquo e que essa ldquoinovaccedilatildeordquo poliacutetica se
dirigiu agraves suas tropas mercenaacuterias e natildeo agrave cidade de
Siracusa onde sua magistratura compulsoacuteria era uma simples
formalidade em segundo lugar que a expediccedilatildeo africana de
Agaacutetocles e a experiecircncia militar de Pirro na Magna Greacutecia
e na Siciacutelia provocaram inovaccedilotildees militares em Cartago
primeiramente em niacutevel estrateacutegico e em seguida jaacute na
invasatildeo africana liderada pelos romanos em niacutevel taacutetico
Tais inovaccedilotildees por fim teriam transformado o exeacutercito
cartaginecircs numa autecircntica arma heleniacutestica
vi
ABSTRACT
The political history of the Hellenistic world was not
composed only of the senior commanders of Alexander the
Great under the Diadochi both a number of his minor
officers and adventurers played important roles They were
active both in territories ruled by former generals of
Alexander and even in territories which had not been
subdued by the Macedonian King With the Diadochi such
commanders with minor power molded the politics of the
Hellenistic world and shaped their society thus
contributing to the imitatio Alexandri as well as to its
impact on the art of war in Hellenistic period This was
the case of Agathocles of Syracuse and after him Pyrrhos
of Epirus both fundamental to the concretization of
political and military innovations in the western
Hellenistic world despite their differences in power and
their connection with Alexander
This DPhil thesis presents two hypotheses First of
all Agathocles‟ monarchy was of ldquoHellenisticrdquo nature and
such political ldquoinnovationrdquo was proposed to his mercenary
troops instead of the city of Syracuse where his power was
a mere formality Secondly the African expedition led by
Agathocles and the military experience of Pyrrhos in Magna
Graecia and Sicily fomented military innovations in
Carthage These innovations were in the first place at
the logistical level and after that during the African
invasion led by the Romans at the tactical level Such
innovations in the end would have changed the
Carthaginian army into an authentic Hellenistic weapon
vii
AGRADECIMENTOS
Primeiramente os agradecimentos de ordem
institucional Ao Professor Vicente Dobroruka pela
confianccedila inabalaacutevel e por toda dedicaccedilatildeo Ao Professor
Erich Gruen pelo comprometimento com o trabalho de co-
orientaccedilatildeo realizado em agradaacuteveis reuniotildees ao longo do
meu estaacutegio em Berkeley Aos Professores Celso Fonseca
Maria Filomena Carmen Liacutecia e Anderson Vargas por todas
as criacuteticas conselhos e auxiacutelio com o aprimoramento da
pesquisa Aos funcionaacuterios do PPGHIS da UnB e agrave coordenaccedilatildeo
do Programa pela seriedade com que trataram as minhas
frequumlentes solicitaccedilotildees Ao Projeto de Estudos Judaico-
Heleniacutesticos por tudo que ele representa na academia
brasileira Aos financiadores da minha pesquisa
nomeadamente CNPq (bolsa de doutorado no paiacutes) e Capes
(bolsa de doutorado no paiacutes com estaacutegio no exterior) por
terem me dado suporte financeiro em todo o doutoramento
Aos funcionaacuterios colegas e amigos que tive o prazer de
conhecer na Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra Aos funcionaacuterios e
colegas da Universidade da Califoacuternia Berkeley pela
receptividade e paciecircncia com o meu sotaque Aos
Professores Angelos Chaniotis Joe Manning Joatildeo Gouveia
Monteiro Delfim Leatildeo Barry Strauss e Gianluca
Tagliamonte pelos conselhos declaraccedilotildees e cartas de
recomendaccedilatildeo escritas
Por fim os agradecimentos pessoais Aos meus pais por
toda educaccedilatildeo que me deram Espero que eu tenha a essa
altura os deixado orgulhosos de alguma forma Agrave Carolina
my Bride to be por todo suporte emocional em momentos
difiacuteceis principalmente com o falecimento do meu pai Aos
meus amigos Neyller e Fabiacuteola que satildeo tambeacutem parte da
minha famiacutelia e ao meu afilhado Iacutecaro Aos outros amigos
colegas de profissatildeo ou das mais diversas origens luacutedicas
viii
SUMAacuteRIO
Agradecimentos vii
Abreviaturas xi
Lista de figuras xiv
Mapas xv
Introduccedilatildeo 17
Capiacutetulo 1 ndash Novas taacuteticas outra guerra as ldquoinovaccedilotildees
tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe II e Alexandre 27
1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra 29
2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre
transformaram a guerra grega 38
21 A infantaria macedocircnica 38
211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi 40
212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa 44
22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo 48
Capiacutetulo 2 ndash Os desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no
tempo dos Diaacutedocos 53
1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e os tipos
de mercenaacuterio 53
11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica
53
12 Mercenariato basileia e doriktetos chora 60
2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos 64
21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi 66
22 Os elefantes de combate 70
3 As Guerras dos Diaacutedocos 75
31 Eumenes versus Craacutetero 75
ix
32 Antiacutegono versus Eumenes 77
33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e
Lisiacutemaco 86
Capiacutetulo 3 ndash Poder monaacuterquico e arte da guerra na Magna
Greacutecia e na Siciacutelia heleniacutestica 89
1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia heleniacutestica 89
2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo poliacutetica da
morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro 101
3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica 105
4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em campo de
batalha 111
41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles 111
411 O exeacutercito de Agaacutetocles 115
412 Agaacutetocles general como Alexandre 117
42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro 123
421 O exeacutercito de Pirro 125
422 O exeacutercito republicano romano 127
423 A batalha de Heracleia (280 aC) 132
424 A batalha de Aacutesculo (279 aC) 137
Capiacutetulo 4 ndash As duas fases das inovaccedilotildees militares em
Cartago 141
1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo controle
oligaacuterquico e fracasso da tirania em Cartago 310-255
aC 141
2 O exeacutercito cartaginecircs 155
3 As primeiras inovaccedilotildees militares em Cartago
heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave ameaccedila
grega 310-307 aC 161
x
4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no periacuteodo
preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica frente agrave ameaccedila
romana 255 aC 168
41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC 168
411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa
contra os romanos 168
412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a
Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana
de Reacutegulo 256-255 aC 182
413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico
heleniacutestico 255 aC 187
Conclusatildeo 194
Bibliografia 199
Anexos 212
Anexo 1 ndash Uma cronologia do mundo heleniacutestico 323-241
aC 212
Anexo 2 Figuras 216
xi
ABREVIATURAS
AALG ndash MILNS Robert ldquoThe Army of Alexander the Greatrdquo in
REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique
Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve
Fondation Hardt 1976 pp87-136
AHR - The American Historical Review
AJA - American Journal of Archaeology
ALG1 - TARN William W Alexander the Great Cambridge
Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1
ALG2 ndash TARN William W Alexander the Great Cambridge
Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1
Apiano ndash Apiano Guerras Estrangeiras
Arist Pol ndash Aristoacuteteles Poliacutetica
Arr Anab ndash Arriano Anaacutebasis de Alexandre Magno
Austin AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander
to the Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in
Translation Cambridge MA Cambridge University Press
2008
CA ndash Classical Antiquity
Chaniotis WHW CHANIOTIS Angelos War in the Hellenistic
World Malden Oxford Blackwell 2005
Consolo Langher - Sebastiana Consolo Langher Agathocle Da
capoparte a monarca fondatore di un regno tra Cartgagine
e i Diadochi Messina Pelorias 2000
CQ ndash Classical Quarterly
Cuacutercio ndash Quinto Cuacutercio Histoacuteria de Alexandre Magno
Daly ndash DALY Gregory Cannae the experience of battle in
the Second Punic War London New York Routledge 2002
Diod ndash Diodoro Biblioteca Histoacuterica
Caacutessio Dio ndash Caacutessio Dio Histoacuteria Romana
Dioniacutesio ndash Dioniacutesio Antiguidades Romanas
Estrabatildeo ndash Estrabatildeo Geografia
Eutroacutepio ndash Eutroacutepio Breviaacuterio de Histoacuteria Romana
xii
Frontino Frontino Estratagemas
Goldsworthy Punic Wars ndash GOLDSWORTHY PUNIC WARS Adrian
The Punic Wars London Cassell 2000
GRBS - Greek Roman and Byzantine Studies
Griffith GRIFFITH Guy T The Mercenaries of the
Hellenistic World Chicago Ares 1935
Hdt ndash Heroacutedoto Histoacuterias
Isoc Pan Isoacutecrates Panegiacuterico
Isoc Isoacutecrates Da Paz
JHS ndash Journal of Hellenic Studies
JNG - Jahrbuch fuumlr Numismatik und Geldgeschichte
Justino ndash Justino Epiacutetome da Histoacuteria Filiacutepica de Pompeius
Trogus
Lazenby First Punic War ndash LAZENBY FIRST PUNIC WAR John
Francis The First Punic War a military history London
UCL Press 1996
Leacutevecircque Pirro - LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de
Boccard 1957
LSJ ndash Liddell-Scott-Jones Greek-English Lexicon
Meister CAH 7 ndash MEISTER K Agathocles WALBANK FW
ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7 (1)
Cambridge University Press 1984 PP384-411
Miles ndash MILES Richard Carthage Must be Destroyed The
Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization
London Allen Lane 2010
Oroacutesio ndash Oroacutesio Histoacuteria contra os pagatildeos
Parke PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers
Chicago Ares 1933
Plut Ages ndash Plutarco Vida de Agesilau
Plut Alex ndash Plutarco Vida de Alexandre
Plut Dem ndash Plutarco Vida de Demeacutetrio
Plut Eumenes ndash Plutarco Vida de Eumenes
Plut Pelop ndash Plutarco Vida de Peloacutepidas
Plut Tim ndash Plutarco Vida de Timoleatildeo
xiii
Polib ndash Poliacutebio Histoacuterias
Polieno ndash Polieno Estratagemas
Pliacutenio ndash Pliacutenio Histoacuteria Natural
Sil Pun ndash Siacutelio Itaacutelico Puacutenica
Tito Liacutevio ndash Tito Liacutevio A Histoacuteria de Roma (AB VRBE
CONDITA LIBRI)
TLG ndash Thesaurus Linguae Graecae
Tucid ndash Tuciacutedides Histoacuteria da Guerra do Peloponeso
Xen Hel ndash Xenofonte Helecircnica
Zambon Hellenistic Sicily - ZAMBON Efrem Tradition and
Innovation Sicily between Hellenism and Rome Stuttgart
Fraz Steiner Verlag 2008
Zonaras - Zonaras Epitome historiarum
xiv
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Estatueta de Alexandre o Grande Origem
Herculaneum (regiatildeo da Campacircnia) 330-320 aC In Andrew
Stewart Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic
Politics Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1993
Figura 2 (a) Tetradracma de prata de Ptolomeu I Soter do
Egito (315-305 aC) Previamente no mercado suiacuteccedilo (b)
Estater de ouro de Agaacutetocles de Siracusa (310-305 aC)
Vienna In Stewart op cit
Figura 3 Vista panoracircmica de Cartago reconstruccedilatildeo feita
pelo Museacutee Nacional Cartago In Richard Miles Carthage
Must be Destroyed the Rise and Fall of an Ancient
Civilization London Allen Lane 2010 P175
Figura 4 Batalha de Tuacutenis (255 aC) In Yann Le Bohec
Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions
du Rocher 1996 P90
xv
MAPAS
Siciacutelia agrave eacutepoca da Primeira Guerra Puacutenica In Nigel Bagnall The
Punic Wars Rome Carthage and the Struggle for the Mediterranean
London Hutchinson 1990 P 50
xvi
Mediterracircneo ocidental no iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica Note a
expansatildeo africana e hispacircnica dos cartagineses apoacutes a Primeira Guerra
Puacutenica e a hegemonia romana na Siciacutelia dois dos grandes resultados da
Primeira Guerra Puacutenica In Gregory Daly Cannae the experience of
battle in the Second Punic War London and New York Routledge 2002
P7
17
INTRODUCcedilAtildeO
Apoacutes a morte de Alexandre o Grande os seus generais
rapidamente trataram de dividir os territoacuterios imperiais na
Europa na Aacutesia e no Egito de maneira a produzir uma
configuraccedilatildeo poliacutetica completamente ineacutedita ao mundo
antigo Dois princiacutepios baacutesicos regeram a ascensatildeo dos
novos monarcas e a construccedilatildeo de suas dinastias a
apropriaccedilatildeo da imagem puacuteblica de Alexandre (imitatio
Alexandri) e o ldquodireito da lanccedilardquo ou doriktetos chora
Portanto para se tornar um reclamante digno dos
territoacuterios imperiais era preciso em primeiro lugar se
igualar a Alexandre em feitos copiando as suas realizaccedilotildees
militares (postura ofensiva taacuteticas movimentos e
velocidade) e ateacute a sua ligaccedilatildeo com as divindades o que
poderia ser sugerido em variadas oportunidades a exemplo
da cunhagem poacutestuma de moedas com a iconografia do monarca
Em segundo lugar como consequumlecircncia oacutebvia da imitatio
tornava-se necessaacuterio conquistar territoacuterios pela forccedila das
armas o que natildeo restringia o rei a apenas uma regiatildeo ou
povo mas o instigava a governar o que fosse capaz de
subjugar em campanhas militares Como observou Gruen o
fato de os reis heleniacutesticos natildeo portarem ldquotiacutetulos
eacutetnicosrdquo a exemplo de ldquorei dos macedocircniosrdquo indicava que
eles haviam se tornado reis do que pudessem conquistar1
Chaniotis WHW em seu recente livro sobre a guerra no
mundo heleniacutestico completa a interpretaccedilatildeo de Gruen ao
afirmar que ldquoesta vagueza era um convite agrave conquistardquo2
Torna-se evidente portanto que a guerra era parte
fundamental da ideologia do rei heleniacutestico caracterizando
1 Erich Gruen ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In J W Eadie and
Josiah Ober The Craft of the ancient historian essays in honor of
Chester G Starr Lanham MD University Press of America 1985 pp
253-271 2 Chaniotis WHW p57
18
natildeo somente suas funccedilotildees como general mas tambeacutem boa parte
de suas accedilotildees como poliacutetico
O cenaacuterio heleniacutestico em seus primoacuterdios natildeo era
contudo formado somente pelos comandantes secircniores do
exeacutercito de Alexandre ao lado dos Diaacutedocos contava-se uma
lista de ex-oficiais de poder menor e de ldquoaventureirosrdquo sem
qualquer ligaccedilatildeo direta com o rei macedocircnio mas que de
algum modo procuravam se inserir no cenaacuterio poliacutetico
heleniacutestico Este era o caso de Agaacutetocles de Siracusa
responsaacutevel por uma tentativa de introduccedilatildeo planejada da
monarquia de tipo heleniacutestico na Siciacutelia grega Como
veremos ao longo desta tese Agaacutetocles natildeo deve ser
considerado um tirano como seus antecessores siciliotas
ainda que mantivesse algumas das caracteriacutesticas poliacuteticas
tradicionais uma vez que as inovaccedilotildees por ele inicialmente
conduzidas durante a expediccedilatildeo africana podem ser cotadas
como verdadeiramente ldquoheleniacutesticasrdquo3
Diante de uma tentativa de encerramento da guerra pelos
cartagineses com o bloqueio dos portos de Siracusa e do
cerco agrave cidade Agaacutetocles liderou uma expediccedilatildeo inesperada
ao territoacuterio africano o que foi baseado de acordo com
Diodoro no perfeito conhecimento da situaccedilatildeo cartaginesa
na Aacutefrica4 De modo geral o siracusano pretendia inverter
a grande estrateacutegia da guerra e assolar o territoacuterio
inimigo decisatildeo estrategicamente ousada mas baseada na
dificuldade que Cartago teria para mobilizar ndash ou
simplesmente liderar ndash um exeacutercito capaz de derrotar homens
ldquotreinados na escola do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς
δεινοῖς)5 Durante a batalha de Tuacutenis em 310 aC Agaacutetocles
parece ter organizado uma guarda pessoal em imitaccedilatildeo aos
hipaspistas de Alexandre da mesma forma que utilizado
taacuteticas muito similares agravequelas adotadas pelo rei macedocircnio
3 A melhor abordagem para o assunto eacute Zambon Hellenistic Sicily 4 Diod 201-18 5 Diod 203
19
em Gaugamela em 331 aC Alguns anos depois encontramos
evidecircncia de Agaacutetocles representado como Alexandre na
iconografia de um estater de ouro cunhado entre 310-305
aC em imitaccedilatildeo aos tetradracmas de Ptolomeu I (314-313
aC) o qual fazia referecircncia agrave vitoacuteria obtida pelo
siracusano em Tuacutenis Em 307 aC proacuteximo agrave cunhagem do
referido estater registra-se a contenccedilatildeo de uma revolta do
exeacutercito mercenaacuterio devido agrave falta de pagamento ocasiatildeo em
que Agaacutetocles surgiu com toga puacuterpura (siacutembolo do poder
reacutegio) sendo as suas vestimentas consideradas pelas tropas
como ldquoadequadas ou pertencentes ao seu poderrdquo (τὸν προσήκοντα
κόσμον)6 Tais evidecircncias ilustram como sistematicamente
apresentado no capiacutetulo 3 a construccedilatildeo de uma monarquia
que teraacute logo apoacutes a autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos
caracteriacutesticas tipicamente heleniacutesticas natildeo se adequando
mais agraves exigecircncias ou agrave estrutura organizacional de uma
poacutelis Sob Agaacutetocles de Siracusa e depois sob Pirro do
Epiro as vitoacuterias de Alexandre no Oriente (assim como a
longa rivalidade entre gregos e persas a qual foi tomada
pelos macedocircnios como justificativa para a invasatildeo do
Impeacuterio Persa) ganharatildeo vida nova no conflito entre
Siracusa e Cartago7 A histoacuteria siciliana constituiacutea algo
peculiar natildeo sendo um apecircndice da histoacuteria grega
continental como observou Finley8 mas o sentimento grego
de hostilidade ao elemento ldquobaacuterbarordquo seja ele persa ou
cartaginecircs foi constantemente revisto primariamente sob a
lideranccedila poliacutetica de Siracusa A imitatio Alexandri a
partir da oposiccedilatildeo ao elemento ldquobaacuterbarordquo na Siciacutelia
heleniacutestica era portanto algo historicamente viaacutevel
desde que houvesse um homem capaz de forjar uma ligaccedilatildeo com
Alexandre bem como liderar os gregos da Siciacutelia contra seu
6 Diod 2034 7 Argumento desenvolvido por Richard Miles Carthage Must be Destroyed
The Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization London
Allen Lane 2010 P145 8 Moses Finley A History of Sicily London Chatto amp Windus 1979
20
inimigo estrangeiro tradicional Cartago Como sustento
nesta tese Agaacutetocles mostrou-se intencionalmente esse
homem ainda que seus planos de formaccedilatildeo dinaacutestica tenham
falhado e que a audiecircncia para a legitimaccedilatildeo de seu poder
natildeo fosse composta com exceccedilatildeo de Ophellas por
macedocircnios
O impacto do projeto monaacuterquico heleniacutestico de
Agaacutetocles no entanto natildeo se restringiu agrave Siciacutelia grega
Cartago encontrava-se envolvida diretamente com os
desdobramentos militares das inovaccedilotildees poliacuteticas lideradas
pelo siracusano de modo que seu exeacutercito sofreu
modificaccedilotildees consideraacuteveis frente agrave presenccedila grega em seu
territoacuterio Pouco tem sido dito sobre o exeacutercito cartaginecircs
antes da ascensatildeo dos Baacutercidas o que se justifica pela
natureza fragmentada das fontes para a histoacuteria
heleniacutestica mas uma anaacutelise cuidadosa desses fragmentos
deveraacute ilustrar alteraccedilotildees sensiacuteveis na disposiccedilatildeo do
exeacutercito em campo de batalha processo iniciado durante a
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles O tirano provocou
portanto a necessidade de inovaccedilotildees militares entre os
cartagineses o que corresponderia ao iniacutecio de um processo
formado por duas fases tendo o seu fim na transformaccedilatildeo
das tropas cartaginesas numa verdadeira forccedila heleniacutestica
cerca de 50 anos apoacutes a invasatildeo africana pelos gregos Ao
confiar a defesa dos territoacuterios sicilianos aos exeacutercitos
mercenaacuterios Cartago promoveu a falta de treinamento de
suas tropas ciacutevicas as quais eram empregadas somente em
casos extremos isto eacute de perigo para a proacutepria cidade
bem como manteve o baixo niacutevel de conhecimento logiacutestico no
norte da Aacutefrica talvez por que os cartagineses nunca
haviam sofrido ameaccedila similar a de 310 aC o que resultou
no envio completo dos soldados sem quaisquer forccedilas de
reserva (cruciais para a defesa da cidade no caso de uma
derrota decisiva em campo de batalha ou mesmo para a
21
reparticcedilatildeo das tropas no caso de um ataque simultacircneo) Do
mesmo modo o controle oligaacuterquico quanto aos generais
cartagineses dispostos no comando das tropas mercenaacuterias na
Siciacutelia impediu a formaccedilatildeo de uma ldquoescola taacutetica
atualizadardquo situaccedilatildeo que somente seraacute revertida em 255
aC com a contrataccedilatildeo de um general mercenaacuterio de formaccedilatildeo
espartana (Xantipo) e com o prosseguimento de sua reforma
por Amiacutelcar Barca
Entre a reforma provocada pela expediccedilatildeo de Agaacutetocles e
a reforma liderada por Xantipo haacute portanto um intervalo
de aproximadamente cinco deacutecadas o que pode ser
justificado pela carecircncia de evidecircncias mais detalhadas
sobre a histoacuteria poliacutetica e militar de Cartago Todavia
nada indica que entre 307 e 255 aC uma transformaccedilatildeo no
sistema de treinamento do exeacutercito tenha ocorrido a julgar
pela postura assumida por Xantipo em 255 aC
Ao liderar o exeacutercito para fora da cidade em boa ordem
e comeccedilar a manobrar algumas partes dele em falange e
dar as palavras de comando de acordo com os costumes
(ὡς δ ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν κόσμῳ παρενέβαλε καί τι καὶ κινεῖν τν μερν ἐν τάξει καὶ παραγγέλλειν κατὰ νόμους ἤρξατο)9
Feitas as consideraccedilotildees acima podemos nos perguntar o
que as duas fases de inovaccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs tecircm em
comum Preliminarmente cabe dizer que ambas ocorreram em
momentos de extremo perigo para os cartagineses quando o
inimigo (grego e sem seguida romano) encontrava-se jaacute em
territoacuterio africano saqueando cidades e com numeroso
exeacutercito a um passo de tomar a proacutepria cidade de Cartago
As referidas inovaccedilotildees do exeacutercito cartaginecircs (as quais
9 Polib 132 παραγγέλλειν κατὰ νόμους pode ser traduzido tambeacutem como ldquonos termos militares ortodoxosrdquo ἐν τάξει pode ser traduzido por ldquoda forma corretardquo como faz W R Paton tradutor da Loeb mas nesse caso a
expressatildeo parece mesmo indicar algo proacuteximo do modelo grego a julgar
pelo equipamento das infantarias cartaginesa e liacutebica (ver capiacutetulo 4
e figuras em anexo) podendo tambeacutem indicar algo como ldquoem marcha
ordenadardquo (no caso do uso da espada como primeira arma)
22
seratildeo sistematizadas ao longo do capiacutetulo 4 a partir das
evidecircncias disponiacuteveis) no primeiro seacuteculo de histoacuteria
heleniacutestica aparentam ter sido portanto respostas de
natureza distinta (uma logiacutestica e outra taacutetica) ao mesmo
problema tendo a primeira delas se mostrado uma
consequumlecircncia do projeto monaacuterquico de Agaacutetocles
Aleacutem de elucidar aspectos da histoacuteria siciliota e
cartaginesa o enfoque proposto contribui pontualmente para
a retirada da histoacuteria de Cartago da sombra da expansatildeo
romana de fato a derrota dos cartagineses para uma
confederaccedilatildeo latina em guerras traumaacuteticas para ambos os
lados somada ao eco da ldquogrande e justa vitoacuteria romanardquo em
sua tradiccedilatildeo literaacuteria10 resultou natildeo somente na
incorporaccedilatildeo posterior (irrefletida) da concepccedilatildeo de fides
Punica mas tambeacutem na reduccedilatildeo da histoacuteria cartaginesa a
apenas um capiacutetulo do chamado ldquoimperialismo defensivordquo
romano Ao aceitar uma unilateralidade da narraccedilatildeo de tais
eventos o que parece cocircmodo devido agrave natureza (favoraacutevel
aos romanos) dos relatos antigos sobre as Guerras Puacutenicas
o historiador finda por repetir um discurso que exclui uma
parte importante da histoacuteria do Mediterracircneo heleniacutestico
ou na melhor das hipoacuteteses submete tais histoacuterias agrave
cronologia da transformaccedilatildeo da Repuacuteblica Romana em Impeacuterio
Os romanos contudo natildeo foram os primeiros a rotular
os cartagineses com adjetivos desfavoraacuteveis (tais como
desleais crueacuteis mentirosos gananciosos e arrogantes)11
os gregos da Siciacutelia seacuteculos antes dos romanos haviam
engajado numa guerra sem fim com Cartago pela hegemonia da
ilha sendo a famosa caracterizaccedilatildeo do ldquooutrordquo como
ldquobaacuterbarordquo tambeacutem um traccedilo da cultura grega na Siciacutelia natildeo
10 Um caso ldquoclaacutessicordquo eacute o poema eacutepico de Siacutelio Itaacutelico (Pun 2395-
456) ldquoum rico senador romano com pretensotildees literaacuteriasrdquo (Miles op
cit p6) que no final do seacutec I dC via a fides Punica como causa
primordial das guerras anteriores com os cartagineses reduzindo
portanto o papel da ambiccedilatildeo romana como motor dos conflitos 11 Benjamin Isaac The Invention of Racism in Classical Antiquity
Princeton University Press 2004 pp 325-335 Miles op cit p7
23
se restringindo unicamente agrave experiecircncia grega nas guerras
contra os persas ao longo do seacutecV aC Os romanos no
entanto puderam varrer a presenccedila cartaginesa (e
posteriormente a grega) da Siciacutelia e fazer triunfar a sua
versatildeo da histoacuteria a qual deveria incluir
obrigatoriamente uma representaccedilatildeo factiacutevel de Cartago jaacute
que a autoridade e a credibilidade da historiografia romana
se iniciaram na eacutepoca das Guerras Puacutenicas
As duas hipoacuteteses desta pesquisa insinuam-se no
interior das questotildees apresentadas anteriormente Em
primeiro lugar sustento que a basileia de Agaacutetocles
dirigia-se agraves suas tropas e natildeo agrave cidade de Siracusa para
a qual o reconhecimento de seu poder natildeo parece ter sido
mais do que uma formalidade Durante a expediccedilatildeo africana
veremos natildeo somente a progressiva identificaccedilatildeo de seu
poder com uma monarquia de tiacutetulo intencionalmente vago
que seraacute em seguida comparada com a dos Diaacutedocos devido agrave
suposta paridade de suas forccedilas (ldquoem poder militar
territoacuterios e feitosrdquo) Aleacutem disso haacute que se notar tambeacutem
a constituiccedilatildeo de uma nova audiecircncia para o poder de
Agaacutetocles o qual estava cada vez menos baseado no
reconhecimento do demos de Siracusa e cada vez mais voltado
aos seus experientes mercenaacuterios12 A mudanccedila da audiecircncia
para o exeacutercito mercenaacuterio parece inclusive indicar a
tentativa de criaccedilatildeo de uma versatildeo dos hipaspistas de
Alexandre como parte da imitatio Alexandri em campo de
batalha
Em segundo lugar argumento a favor da existecircncia de
dois periacuteodos de inovaccedilatildeo militar de natureza distinta no
exeacutercito cartaginecircs sendo ambos provocados por situaccedilotildees
de perigo extremo para a cidade de Cartago O primeiro
deles se deu como dito antes contra os gregos entre 310-
12 Sou imensamente grato ao Professor Gruen pela sugestatildeo desta
hipoacutetese apoacutes ouvir e ponderar as minhas consideraccedilotildees por horas a
fio sempre com seriedade e gentileza
24
307 aC e parece ter tido caraacuteter logiacutestico assumindo
como ponto de partida o fiasco da batalha de Tuacutenis (310
aC) O segundo deles ocorreu num momento decisivo da
Primeira Guerra Puacutenica (255 aC) e apresentou mudanccedilas no
niacutevel de treinamento do exeacutercito ciacutevico e na atualizaccedilatildeo da
ldquoescola taacuteticardquo cartaginesa Em ambos os casos os
prejuiacutezos ao desenvolvimento militar cartaginecircs impostos
pelo vasto uso dos mercenaacuterios na Siciacutelia (o que inibia a
construccedilatildeo de uma cultura militar ciacutevica) e pelo controle
oligaacuterquico em Cartago (responsaacutevel pela ruptura das linhas
de desenvolvimento do generalato) parecem ter sido
ultrapassados o que poderaacute ser confirmado apoacutes anaacutelise
sistemaacutetica dos dispositivos taacuteticos cartagineses em 255
aC
Para isso a tese divide-se em quatro capiacutetulos O
primeiro capiacutetulo intitulado ldquoNovas taacuteticas outra guerra
as ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe e
Alexandrerdquo traz uma introduccedilatildeo aos antecedentes da arte da
guerra heleniacutestica apresentando uma anaacutelise das condiccedilotildees
de funcionamento do exeacutercito macedocircnico bem como dos
elementos adaptados das taacuteticas tebanas (particularmente a
coluna alongada) A arte da guerra heleniacutestica em seus
primoacuterdios e suas implicaccedilotildees poliacutetico-sociais
(nomeadamente a universalizaccedilatildeo do estatuto mercenaacuterio das
tropas e a construccedilatildeo de um novo tipo de monarquia)
dependem do entendimento correto sobre as unidades taacuteticas
do exeacutercito macedocircnico no caso dos generais que haviam
combatido com Filipe e de uma generalizaccedilatildeo do modelo
macedocircnico a partir do que se difundiu com a expediccedilatildeo
asiaacutetica de Alexandre O segundo capiacutetulo (ldquoOs
desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no tempo dos
Diaacutedocosrdquo) um desdobramento loacutegico e direto do primeiro
apresenta um estudo minucioso da situaccedilatildeo geral do
mercenariato nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico e da
25
arte da guerra tal qual experimentada pelos Diaacutedocos no
embate pela divisatildeo do Impeacuterio de Alexandre Aleacutem da
anaacutelise da manutenccedilatildeo das taacuteticas macedocircnicas de cavalaria
e das novas armas empregadas (inclusive como siacutembolo de
poder militar no caso dos elefantes) pelos Diaacutedocos o
capiacutetulo se ocupa com os eventos relacionados agraves Guerras
dos Sucessores dando atenccedilatildeo especial agrave alteraccedilatildeo do
princiacutepio de aniquilamento pelo envolvimento completo do
inimigo o que resultou no recrutamento massivo de tropas
de infantaria derrotadas (e por vezes intactas) apoacutes o
choque da cavalaria
Os dois uacuteltimos capiacutetulos deslocam o foco da tese para
o ocidente heleniacutestico e seus esforccedilos orientados sob
Agaacutetocles para uma imitatio Alexandri em campo poliacutetico e
militar e sob os cartagineses para duas fases de
inovaccedilotildees militares que se enquadram no formato da arte da
guerra heleniacutestica em seus primoacuterdios Em ambos os casos
contudo notamos um processo de integraccedilatildeo do ocidente
heleniacutestico ao mundo dos Diaacutedocos tenha ele ocorrido com
as inovaccedilotildees poliacuteticas do monarca siracusano ou com as duas
respostas dos cartagineses aos casos de maior perigo para a
cidade de Cartago nos primeiros 90 anos de histoacuteria
heleniacutestica momentos antes portanto do iniacutecio da guerra
com Aniacutebal Barca
No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoder monaacuterquico e arte da
guerra na Magna Greacutecia e Siciacutelia heleniacutesticardquo apresento
uma sistematizaccedilatildeo possiacutevel das evidecircncias favoraacuteveis agrave
caracterizaccedilatildeo do poder monaacuterquico de Agaacutetocles como
ldquoheleniacutesticordquo da mesma forma que desenvolvo argumentos
acerca de uma identificaccedilatildeo provaacutevel das tropas e taacuteticas
de Agaacutetocles durante a sua expediccedilatildeo africana com algumas
unidades e planos de batalha relacionados agrave expediccedilatildeo
asiaacutetica de Alexandre o Grande Devido agrave sensiacutevel queda do
nuacutemero de textos antigos que nos chegaram para o periacuteodo
26
bem como agrave natureza plural dos relatos (incompletos) sobre
Agaacutetocles evidecircncias de outra natureza (epigraacutefica e
numismaacutetica) satildeo tambeacutem consideradas numa perspectiva
instrumental de paridade metodoloacutegica procurando
estabelecer na medida do possiacutevel narrativas baseadas no
estudo comparado de tais fontes
O capiacutetulo 4 (ldquoAs duas fases da reforma militar em
Cartagordquo) traz uma anaacutelise das inovaccedilotildees militares
cartaginesas ocorridas entre 307 e 255 aC das alteraccedilotildees
de caraacuteter logiacutestico encaminhadas durante a expediccedilatildeo
africana de Agaacutetocles agraves modificaccedilotildees quanto ao treinamento
e agraves taacuteticas lideradas por Xantipo (255 aC) Um estudo
das relaccedilotildees entre a oligarquia em Cartago e seus generais
na Siciacutelia deveraacute elucidar em detalhes a repressatildeo
oligaacuterquica em direccedilatildeo ao desenvolvimento de uma ldquoescola
taacutetica atualizadardquo da mesma forma que uma mudanccedila
temporaacuteria nesse comportamento diante de duas ameaccedilas
potencialmente fatais agrave cidade
Os textos antigos usados nesta tese seguem quando
possiacutevel a ediccedilatildeo da Loeb Quando a ediccedilatildeo natildeo existe a
exemplo dos Estratagemas de Polieno emprega-se a ediccedilatildeo de
referecircncia (normalmente uma traduccedilatildeo para a liacutengua
inglesa) A leitura de tais textos deu-se inicialmente em
inglecircs sendo todos os trechos citados (ou de relevacircncia
pontual para a tese) lidos tambeacutem em grego ou latim usando
como recursos o TLG e o LSJ
27
CAPIacuteTULO 1 ndash NOVAS TAacuteTICAS OUTRA GUERRA AS
ldquoINOVACcedilOtildeES TEBANASrdquo E O EXEacuteRCITO REFORMADO DE
FILIPE II E ALEXANDRE
As influecircncias tebanas no pensamento militar macedocircnico
satildeo um dado haacute muito aceito na historiografia levando em
consideraccedilatildeo a aproximaccedilatildeo de Filipe com Epaminondas13
Todavia cabe perguntar quais seriam detalhadamente os
elementos desta relaccedilatildeo entre as taacuteticas tebanas e a
composiccedilatildeo do exeacutercito integrado macedocircnico Pode-se
postular ainda a existecircncia de inovaccedilotildees tipicamente
tebanas na guerra grega e em particular na reforma do
exeacutercito de Filipe e Alexandre
Conforme mostrarei neste capiacutetulo alguns princiacutepios
empregados na maior batalha travada entre Tebas e Esparta
em Leuctra (371 aC) quando a falange lacedemocircnia foi
derrotada num choque de hoplitas apresentaram-se
explicitamente no exeacutercito reformado macedocircnico mas
precisam ser cuidadosamente reavaliados Assim a batalha
de Leuctra eacute importante (1) por seu impacto histoacuterico - a
falecircncia da hegemonia espartana em campo de batalha e (2)
porque o uso da coluna alongada e da formaccedilatildeo obliacutequa (com
uma das alas hesitante) foi consolidado com a
profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito macedocircnico ocorrida a
partir do serviccedilo contiacutenuo e do estabelecimento de
treinamento superior (ambos caracteriacutesticos do soldado
profissional)
Aleacutem disso a partir da adoccedilatildeo das manobras de
cavalaria como etapa ofensiva principal das taacuteticas de
campo adotadas por Filipe II e Alexandre podemos notar na
guerra grega uma contribuiccedilatildeo estritamente macedocircnica natildeo
sendo possiacutevel atribuir a Epaminondas ou a outros tebanos
13 Plut Pelop 267
28
esta modificaccedilatildeo decisiva14 Por uacuteltimo como desdobramento
deste toacutepico a destruiccedilatildeo das defesas inimigas nas alas e
o consequumlente aniquilamento do inimigo por manobra de
envolvimento algo elaborado pelos macedocircnios no mundo
grego e comum aos persas ao menos desde a invasatildeo de
Alexandre teria sido tambeacutem a maior caracteriacutestica das
batalhas na Guerra dos Diaacutedocos15 natildeo fosse a incorporaccedilatildeo
das tropas vencidas ao contingente vitorioso praacutetica mais
condizente com a lideranccedila militar heleniacutestica Embora
novos fatores tenham emergido nas Guerras dos Diaacutedocos como
legado do impeacuterio de Alexandre (a exemplo do emprego dos
elefantes de guerra16) as manobras de cavalaria
permaneceram um dos traccedilos fundamentais aos primeiros
cinquumlenta anos da tradiccedilatildeo militar heleniacutestica primando
no entanto pela submissatildeo das tropas vencidas ao centro da
formaccedilatildeo
14 Ainda que os tessaacutelios fossem excelentes cavaleiros sua eficiecircncia
foi comprovada e difundida apenas sob o comando macedocircnico 15 Daiacute a relevacircncia deste mapeamento histoacuterico como etapa analiacutetica
anterior ao estudo da guerra heleniacutestica 16 Ambos seratildeo tratados no capiacutetulo dois desde sua ldquomatrizrdquo
macedocircnica
29
1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra
Desde o estabelecimento do ldquodilema tebanordquo isto eacute a
problemaacutetica em torno de suas intervenccedilotildees militares na
Beoacutecia e de sua inserccedilatildeo na Liga Ateniense como ldquotebanosrdquo
(e natildeo como ldquobeoacuteciosrdquo o que limitava seu raio de accedilatildeo na
regiatildeo) a situaccedilatildeo natildeo se manteve tranquumlila entre ambas as
poacuteleis (Atenas e Tebas) Apesar de um acordo de paz firmado
em 375 aC (que exigia respostas oficiais para qualquer
incidente de cunho militar e estabelecia diretrizes para a
relaccedilatildeo das cidades mencionadas os tebanos insistiam na
restauraccedilatildeo de Oropos cujo controle havia sido perdido17
Aleacutem disso a destruiccedilatildeo de Plateacuteia e Thespiai duas
cidades beoacutecias que haacute pouco haviam se aliado a Atenas
entrou no rol dos desentendimentos entre as cidades gregas
O grande problema estava justamente na recusa em reconhecer
a ldquoConfederaccedilatildeo beoacuteciardquo (na qual Tebas exercia funccedilatildeo de
comando) ainda que esta continuasse a funcionar
paralelamente
Como observa Buckler18 tal situaccedilatildeo indicou acima de
tudo uma ldquomudanccedila no balanccedilo do poder na Greacuteciardquo
Definitivamente os tebanos mostraram-se capazes de
defender seus proacuteprios interesses num contexto de restriccedilatildeo
econocircmica da lideranccedila poliacutetica ateniense e a construccedilatildeo
das embarcaccedilotildees de guerra bem como sua manutenccedilatildeo
inviabilizaram qualquer reaccedilatildeo ateniense frente ao
crescente poder tebano
Aleacutem disso os espartanos enfrentaram problemas ainda
mais seacuterios que os atenienses se pensarmos em termos mais
17 Xen Hel 63 18 John Buckler The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge
MALondon Harvard University Press 1980 P46
Importante lembrar que o uacuteltimo tratamento dado ao periacuteodo antes do
claacutessico escrito por Buckler foi dado por Ernst von Stern em sua
obra Geschichte der spartanischen und thebanishen Hegemonie (Tartu
University of Tartu 1884)
30
relacionados ao que estaacute sendo proposto nesta tese O
melhor exemplo da dificuldade espartana em manter seu poder
foi aleacutem da reduccedilatildeo de sua influecircncia na Jocircnia o fracasso
na tentativa de subjugar Tebas De fato os tebanos estavam
decididos a manter seu domiacutenio na Beoacutecia mesmo que para
isso fosse necessaacuteria a disposiccedilatildeo de seu exeacutercito em campo
de batalha seguindo o tradicional modelo grego do choque
de hoplitas bem como a tentativa de resolver o conflito
num choque decisivo
Para complementar a tensatildeo poliacutetica acima detalhada
Epaminondas dirigiu-se a Agesilau sobre sua delegaccedilatildeo em
termos aacutesperos ao niacutevel de aceitaccedilatildeo espartana
argumentando que Tebas possuiacutea tanto direito de intervenccedilatildeo
na Beoacutecia quanto Esparta na Lacocircnia Tratava-se da
imposiccedilatildeo da Confederaccedilatildeo beoacutecia e de sua caracterizaccedilatildeo
como a uacutenica unidade poliacutetica possiacutevel na regiatildeo
diferentemente da symmachia da Segunda Confederaccedilatildeo
Ateniense O isolamento de Tebas estava entatildeo
anunciado19 de modo que a batalha decisiva tornou-se o
caminho mais provaacutevel para a resoluccedilatildeo do desentendimento
entre as poacuteleis
Quanto agrave documentaccedilatildeo referente agrave batalha existe uma
tendecircncia por parte dos especialistas em recusar (ou ao
menos reduzir a relevacircncia) do relato de Xenofonte20 o
uacutenico contemporacircneo da batalha devido agrave falta de detalhes
e ao seu posicionamento excessivamente proacute-espartano Os
demais relatos embora posteriores fornecem informaccedilotildees
mais detalhadas e estatildeo apoiados noutras evidecircncias
contemporacircneas Como observa Hanson21 apesar das
diferenccedilas em muitos aspectos dos relatos sobre Leuctra
19 Xen Hel 63 Plut Ages 27 284 Diod 1550 20 Xen Hel 64 21 Victor D Hanson ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371 BC)
and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7 190-207 1988
P191
31
Plutarco22 e Diodoro
23 ldquopartilham dois princiacutepios
fundamentais que permanecem inquestionaacuteveisrdquo Primeiro a
inserccedilatildeo de algo totalmente novo em Leuctra por Epaminondas
e segundo o caraacuteter insatisfatoacuterio do relato de
Xenofonte especificamente em relaccedilatildeo a sua incompletude e
ao silecircncio (provavelmente intencional) no que respeita agraves
manobras tebanas
Uma vez decididos pela guerra Epaminondas eleito
comandante entre os boiotarchoi24 aguardou com seu
exeacutercito em Queroneacuteia onde poderia facilmente bloquear o
avanccedilo de Cleombroto desde Phokis25 Embora os outros
boiotarchoi com exceccedilatildeo de Peloacutepidas que apoiava
Epaminondas desde o iniacutecio de seu plano de batalha
estivessem receosos da decisatildeo em campo aberto optando
pela corrente estrateacutegia tebana (recuar ateacute uma
fortificaccedilatildeo e laacute oferecer resistecircncia) o temor em perder
o apoio das outras cidades beoacutecias os encorajaram a fazer
frente ao exeacutercito de Cleombroto26
Com aproximadamente 10000 soldados de infantaria e
1000 cavaleiros os espartanos dispuseram de acordo com
Xenofonte a cavalaria agrave frente dos hoplitas27 para que a
falange pudesse realizar seus movimentos secretamente fora
do campo de visatildeo do inimigo Cleombroto estava agrave direita
justamente com os demais espartanos sendo que o
contingente aliado a Esparta estava disposto agrave esquerda
Em resposta ao ataque inicial dos espartanos
Epaminondas enviou sua cavalaria provavelmente superior
agravequela do inimigo28 no intuito de fazer frente ao ataque
que abriu a batalha A formaccedilatildeo adotada pelos tebanos
22 Plut Pelop 2023 23 Plut Pelop 1552-56 24 Uma das principais magistraturas da Liga Beoacutecia segundo o LSJ 25 Plut Pelop 1552 26 Xen Hel 64 Diod 1553 Plut Pelop 203 27
Xen Hel 64 [] προετάξαντο μὲν τς ἑαυτν φάλαγγος οἱ Λακεδαιμόνιοι τοὺς ἱππέας [] 28 Xen Hel 64
32
estreita mas profunda era tambeacutem invertida Contrariando o
que comumente executavam os gregos o ataque principal
seria desferido pela ala esquerda liderada pelo ldquobatalhatildeo
sagradordquo operando na ocasiatildeo como unidade individual sob o
comando de Peloacutepidas O restante das tropas estava disposto
na ala direita fazendo frente ao contingente aliado
espartano
De acordo com Plutarco29 Cleombroto se viu forccedilado
quando observou que o ataque principal tebano seria
executado pela ala esquerda e natildeo pela direita a solicitar
que sua linha de frente agrave direita fosse estendida e
abaulada (τὸ δεξιὸν ἀνέπτυσσον καὶ περιγον) jaacute que assim poderia
envolver a coluna alongada dos tebanos e atacar o proacuteprio
Epaminondas O uacutenico problema eacute que existiria aiacute um espaccedilo
agrave esquerda do rei que deveria ser protegido de alguma
maneira provavelmente pela cavalaria Uma vez perdido o
combate pela cavalaria espartana Cleombroto teve que
enfrentar abertamente os tebanos sem chance de completar
sua manobra e ainda com um agravante a cavalaria em fuga
se chocou com a infantaria em avanccedilo causando grande
confusatildeo na formaccedilatildeo espartana30 Naquele momento o
Batalhatildeo Sagrado se destacou das demais unidades e desferiu
o principal ataque eliminando qualquer possibilidade de
reordenamento espartano Encerrada pelo rompimento da
formaccedilatildeo a batalha estava decidida
O episoacutedio de Leuctra assinala portanto para a maior
parte dos historiadores antes de Hanson de Buckler31 a
Ducrey32 ou Tuplin
33 uma revoluccedilatildeo no modo grego de fazer a
guerra34 Natildeo eacute sem razatildeo frente agrave tradiccedilatildeo
29 Plut Pelop 232 30 Xen Hel 6413 Plut Pelop 233 31 Buckler opcit 32 Pierre Ducrey Warfare in Ancient Greece New York Schocken 1985 33 John Tuplin ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding problemsrdquo in
Klio 69 72-107 1987 34 Paul Cartledge (Peace of Antalkidas to Battle of Leuktra In _____
Agesilaos and the crisis of Sparta London Duckworth 1987 P380)
33
historiograacutefica que Adcock afirmou em The Greek and
Macedonian Art of War que ldquodevido agraves suas inovaccedilotildees
[Epamonindas] havia vencido sua primeira grande batalha
Leuctra antes da mesma ser iniciadardquo35 Existe no
entanto um posicionamento tradicionalmente contraacuterio agraves
entatildeo chamadas inovaccedilotildees de Epaminondas trata-se da
tradiccedilatildeo historiograacutefica que remonta ao argumento
desenvolvido por Hanson em 1988 em seu provocativo artigo
sobre Epaminondas e a batalha de Leuctra36
Em primeiro lugar Hanson refere-se a uma lista de
casos anteriormente estudados por Pritchett37 nos quais a
coluna alongada havia sido empregada De fato aprofundar a
quantidade de hoplitas numa das alas aumentava a
autoconfianccedila e adicionava poder de choque agrave coluna
hopliacutetica mas reduzia a extensatildeo da linha de frente
expunha o flanco mais facilmente (facilitando o
envolvimento por parte do inimigo) e exigia mais da ala
desfavorecida devido ao deslocamento de homens para a outra
parte da formaccedilatildeo Os tebanos jaacute haviam se utilizado da
coluna alongada com 16 escudos38 (εἰς ἑκκαίδεκα βαθεῖαν)39 mas eacute
vaacutelido lembrar que existe com Epaminondas uma
radicalizaccedilatildeo deste princiacutepio jaacute conhecido pelos gregos
levando ao extremo o nuacutemero de soldados dispostos em
coluna
Em seguida a inversatildeo da coluna alongada da ala
direita para a esquerda40 onde os soldados inimigos natildeo
menciona que as taacuteticas de Epaminondas foram ldquobrilhantemente
inovadorasrdquo 35 Franz Adcock The Greek and Macedonian Art of War Berkeley and Los
Angeles California University Press 1967 P89 36 Hanson opcit 37 William Pritchett Ancient Greek Military Practices (I) Berkeley
Los Angeles London University of California Press 1971 P135 Os
casos satildeo detalhadamente Delion (424 aC Tucid 493) Siracusa
(415 aC Tucid 667) Peiraieus (403 aC Xen Hel 24) Rio
Nemeacuteia (394 aC Xen Hel 42) 38 Xen Hel 42 Plut Pelop 172 39 Xen Hel 42 40 Xen Hel 64 Diod 1555 Plut Pelop 231
34
contavam com a proteccedilatildeo dos escudos41 foi planejada por
Epaminondas com a intenccedilatildeo de destruir a tropa de elite
espartana o mais raacutepido possiacutevel Embora tal praacutetica - a da
inversatildeo da principal tropa de choque da direita para a
esquerda - jaacute fosse conhecida pelos gregos pelo menos desde
as Guerras Meacutedicas como nos lembra Hanson42
especificamente no episoacutedio da batalha contra o persa
Mardocircnio43 natildeo existe meio de saber precisamente porque
Epaminondas adotou tal formaccedilatildeo uma vez que o histoacuterico
desta inversatildeo taacutetica natildeo ilustra mais sucessos do que
fracassos quando aplicada Talvez Epaminondas tenha
ldquomeramente orquestrado uma colisatildeo brutal e decisivardquo44
como outros comandantes gregos jaacute o tinham tentado mas natildeo
haacute como saber quais motivos especiacuteficos o levaram a adotar
tal formaccedilatildeo ao inveacutes daquela tradicional Por fim ainda
com relaccedilatildeo agrave inversatildeo das alas basta dizer que a
eliminaccedilatildeo da hipoacutetese pautada na defesa da ldquogenialidade
taacuteticardquo de Epaminondas nos leva de acordo com o argumento
de Hanson a uma evidente reduccedilatildeo na sua capacidade de accedilatildeo
imediata mas ainda assim sem descartar uma questatildeo
importante a combinaccedilatildeo radical destes dois fatores (a
coluna alongada e invertida) foi indiscutivelmente decisiva
na derrota dos espartanos em Leuctra
Outra questatildeo fundamental diz respeito ao uso integrado
(ou mesmo a ausecircncia) da cavalaria especialmente na ala
direita tebana Apenas Xenofonte45 menciona a existecircncia de
tropas montadas em Leuctra sem fazer referecircncia sequer ao
movimento de flanqueamento por parte da cavalaria de
41 Deve-se lembrar que o hoplita da esquerda era protegido pelo escudo
do soldado agrave sua direita avanccedilando juntos ombro a ombro O soldado
situado agrave extrema direita contava entatildeo apenas com sua lanccedila jaacute que
seu escudo deveria proteger o lado direito do soldado situado agrave sua
proacutepria esquerda 42 Hanson opcit p194 43 Hdt946 44 Hanson opcit p194 45 Hel 64 [] οἱ τν Φωκέων πελτασταὶ καὶ τν ἱππέων Ἡρακλεται []
35
Epaminondas Pelo contraacuterio os espartanos eacute que teriam
iniciado a batalha enviando seus cavaleiros agrave frente dos
hoplitas Entatildeo os tebanos em resposta ao ataque
espartano teriam feito o mesmo Natildeo existe informaccedilatildeo
sobre um possiacutevel retorno agraves posiccedilotildees originais ou mesmo em
direccedilatildeo agraves alas o que poderia sugerir uma lacuna no relato
de Xenofonte no que se refere agraves manobras de cavalaria ao
longo de toda a batalha tanto pelo lado espartano quanto
pelo lado tebano
Buckler e Tuplin46 concordam que as manobras adotadas
por Cleombroto derivaram de uma accedilatildeo inesperada por parte
dos tebanos Ora se de fato os espartanos pretendiam
distrair Epaminondas com um ataque frontal e inicial da
cavalaria enquanto a ala direita comandada pelo proacuteprio
Cleombroto pudesse avanccedilar para aleacutem da ala esquerda
tebana e recobrar a proteccedilatildeo do flanco com o retorno das
tropas montadas que iniciaram a batalha entatildeo Epaminondas
provavelmente sabia o que fora realizado por seus inimigos
na batalha do rio Nemeacuteia47 quando um envolvimento se
tornou possiacutevel exatamente a partir de tais manobras
Poreacutem admitindo-se que Cleombroto iniciou mesmo a batalha
ordenando o avanccedilo da cavalaria estaria correto o relato
de Plutarco (no qual Buckler e Tuplin basearam sua anaacutelise)
com relaccedilatildeo agrave sequumlecircncia das manobras48 Noutras palavras a
uacutenica maneira de afirmar que Cleombroto teria modificado
46 Buckler opcit p64 47 Xen Hel 42 48 O questionamento parte tambeacutem da comparaccedilatildeo entre a reputaccedilatildeo de
Plutarco e Xenofonte O primeiro nunca teve pretensotildees a historiador
embora o relato de Leuctra tenha sido provavelmente baseado nos textos
de Eacuteforo (FGrH 70) enquanto o segundo aleacutem das intenccedilotildees de
prosseguimento da obra de Tuciacutedides tinha declarada experiecircncia
militar O fato de que Xenofonte seria parcial em sua anaacutelise digo
interessado apenas em sustentar que tudo teria dado errado para os
espartanos naquele dia em contraposiccedilatildeo agrave sorte dos tebanos fez com
que a historiografia ateacute o artigo escrito por Hanson sequer
atentasse para uma importante declaraccedilatildeo de Xenofonte (ldquoos espartanos
iniciaram a batalhardquo) o que definitivamente abre o leque de
possibilidades explicativas especialmente para o questionamento do
testemunho de Plutarco
36
sua formaccedilatildeo devido agrave ldquosurpresardquo em relaccedilatildeo agraves manobras de
Epaminondas eacute atraveacutes do relato de Plutarco Entretanto se
admitirmos que a cavalaria espartana (e natildeo a tebana)
iniciou o ataque como sugeriu Xenofonte eacute possiacutevel supor
tambeacutem que Cleombroto contava desde o iniacutecio com o retorno
de sua cavalaria para proteger o flanco aberto durante a
execuccedilatildeo da manobra (planejada antes mesmo de iniciada a
batalha) com a qual pretendia envolver a coluna alongada
dos tebanos Como sua cavalaria natildeo foi capaz de vencer a
tebana o proacuteprio rei teria permanecido agrave mercecirc do choque
comandado por Peloacutepidas consequumlecircncia da falha da cavalaria
espartana e natildeo fruto de um plano preacute-elaborado por
Epaminondas
A criacutetica de Hanson dirigida agraves interpretaccedilotildees da
batalha de Leuctra parece totalmente correta e de fato uma
reavaliaccedilatildeo das chamadas ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo constitui uma
etapa necessaacuteria a este estudo para que se torne evidente
que a inserccedilatildeo da cavalaria tal como empregada no exeacutercito
de Alexandre natildeo estava disponiacutevel na guerra grega antes
de Filipe49 Pelo contraacuterio o uso integrado das diversas
seccedilotildees do exeacutercito configurou em seu estaacutegio avanccedilado uma
contribuiccedilatildeo tipicamente macedocircnica Noutras palavras os
gregos jaacute haviam assimilado algumas taacuteticas cuja execuccedilatildeo
dependia de certo niacutevel de integraccedilatildeo entre as sessotildees do
exeacutercito como possivelmente ocorrera em Leuctra pelo lado
espartano mas o enraizamento do soldado-cidadatildeo como
principal figura dos exeacutercitos gregos dos seacutecsV e parte do
IV aC deixaram a consolidaccedilatildeo desta inovaccedilatildeo para um
reino de fronteira a Macedocircnia cuja aristocracia dava
grande importacircncia ao uso dos cavalos na guerra
49 A reforma do exeacutercito macedocircnico tornou-se um assunto por demais
polecircmico uma vez que as fontes satildeo bastante confusas a esse respeito
No entanto posiciono-me a favor de uma reforma iniciada com Alexandre
II e seguida por Filipe II de acordo com os argumentos que
apresentarei mais abaixo
37
A uacuteltima questatildeo acerca do que Epaminondas realizou em
Leuctra diz respeito ao ataque obliacutequo quando a falange
foi trazida sob formaccedilatildeo em crescente (μηνοειδὲς τὸ σχμα τς
φάλαγγος πεποιηκότες)50 Apoacutes 371 aC esta formaccedilatildeo foi
novamente empregada com grande sucesso em Gaugamela (331
aC) por Alexandre o Grande
Desse modo o argumento de Hanson acerca da suposta
revoluccedilatildeo nas taacuteticas gregas a partir de Epaminondas
precisa ser levado em consideraccedilatildeo na medida em que retira
a proeminecircncia de um uacutenico e genial comandante tebano
salientando a ligaccedilatildeo entre as transformaccedilotildees ocorridas na
guerra grega desde o conflito poliacuteada no Peloponeso e o
exeacutercito reformado de Filipe da Macedocircnia
50 Diod1555
38
2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre
transformaram a guerra grega
21 A infantaria macedocircnica
Dada a sua posiccedilatildeo de fronteira em relaccedilatildeo ao universo
poliacuteada e em particular apoacutes a esmagadora derrota para os
iliacuterios51 os esforccedilos militares dos reis macedocircnicos
direcionaram-se para a formulaccedilatildeo de uma nova maacutequina de
guerra a saber a combinaccedilatildeo equilibrada entre um tipo de
falange de piqueiros de excelente cavalaria e de um
aparato completo de maacutequinas de cerco a partir do qual
Alexandre obteve os recursos taacuteticos necessaacuterios para a
realizaccedilatildeo de sua campanha na Aacutesia Mas eacute possiacutevel dizer
precisamente em que momento tal reforma teve lugar na
histoacuteria da Macedocircnia antiga
Momigliano52 apoiado num trecho decisivo do fragmento
da Filiacutepica de Anaxiacutemenes de Lampsaco53 afirmou que esta
teria comeccedilado jaacute com Alexandre o Fileleno (498-454 aC)
devido agrave referecircncia a um novo grupo de soldados de
infantaria chamados pezetairoi os quais teriam sido
organizados em companhias (τοὺς πεζοὺς εἰς λόχους) por um certo
Alexandre considerado por Momigliano como sendo o primeiro
rei deste nome de que se tem notiacutecia
A referecircncia feita a Anaxiacutemenes tornou-se decisiva
desde entatildeo mas nesta tese opto pela hipoacutetese de
Bosworth54 que combinando o trecho de Anaxiacutemenes a uma
importante citaccedilatildeo de Tuciacutedides55 sobre a formaccedilatildeo
macedocircnica desloca a reforma do exeacutercito macedocircnico para
Alexandre II (370-368 aC) Ainda que o tempo de reinado
51 Diod 162 52 Arnaldo Momigliano Filippo il Macedone saggio sulla storia greca
Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934 53 FGrH 72 F4 54 Albert Bosworth ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973 P250 55 Tucid 4124 ldquomacedocircnios [] e outra multidatildeo de poderosos
baacuterbarosrdquo (Μακεδόνων []καὶ ἄλλος ὅμιλος τν βαρβάρων πολύς)
39
de Alexandre II tenha sido bastante curto se comparado aos
44 anos de governo do primeiro Alexandre a descriccedilatildeo de
Tuciacutedides deve ser considerada a partir do seguinte
criteacuterio se a formaccedilatildeo macedocircnica da forma como
apresentada pelo historiador ateniense foi fidedignamente
narrada cerca de trinta anos apoacutes Alexandre o Fileleno a
atribuiccedilatildeo da reforma como sendo uma accedilatildeo de seu governo eacute
incorreta Se de fato a reforma fora realizada por um
Alexandre este soacute pode ser por exclusatildeo o seguinte
Alexandre (II)
A reconstruccedilatildeo das origens do exeacutercito macedocircnico
reformado eacute entatildeo bastante polecircmica ainda que a
tendecircncia seja localizar o seu iniacutecio cerca de dez anos
antes do reinado de Filipe II Aleacutem disso a histoacuteria de
sua organizaccedilatildeo e accedilatildeo em campo de batalha nos eacute acessiacutevel
somente a partir da campanha de Alexandre quando o uso de
Arriano e de alguns fragmentos o mapeamento filoloacutegico de
termos condizentes agrave infantaria e o estudo das unidades
taacuteticas conhecidas (e de suas subdivisotildees) auxiliam na
tarefa de estabelecer as diretrizes para o entendimento de
parte do exeacutercito macedocircnico56
56 Breves reconstruccedilotildees como a elaborada por Billows (Kings and
Colonists Aspects of Macedonian Imperialism LeidenNew YorkKoumlln
Brill 1995 Pp11-20) natildeo satildeo satisfatoacuterias pois ignoram diversos
aspectos da reforma como por exemplo os problemas advindos do uso
de Diodoro para o estabelecimento do nuacutemero aproximado das tropas A
melhor introduccedilatildeo para o assunto eacute ainda Robert Milns AALG
40
211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi
Segundo Tarn57 e Milns
58 somente atraveacutes do relato de
Arriano podemos elaborar uma reconstruccedilatildeo segura da
terminologia e do desenvolvimento de parte das tropas
macedocircnicas Isso se deve ao fato de que por um lado
tanto Diodoro quanto Cuacutercio empregaram fontes apenas
indiretamente preocupadas com o exeacutercito macedocircnico Por
outro lado Ptolomeu a principal fonte de Arriano era
assim como seu leitor entendido nos assuntos militares e
conhecedor de sua terminologia Ainda que 500 anos
separassem os dois o relato de Arriano tornou-se o mais
apropriado para a anaacutelise das tropas macedocircnicas e de sua
aplicaccedilatildeo taacutetica em campo de batalha
Analisemos entatildeo os principais termos referentes agrave
organizaccedilatildeo do exeacutercito Pezetairoi que agrave primeira vista
indica a infantaria macedocircnica em sentido mais amplo em
Arriano ora faz referecircncia a toda a falange ora apenas a
parte dela59 Certamente trata-se de um termo anterior a
Filipe se aceitarmos as informaccedilotildees sobre os pezetairoi de
Alexandre II contidas no relato de Anaxiacutemenes de
Lampsaco60 podendo tambeacutem de acordo com Teopompo de
Quios61 fazer referecircncia unicamente agrave ldquoGuarda Realrdquo
(ἐδορυφόρουν τὸν βασιλέα) Apesar dessas divergecircncias uma
coisa permanece inquestionaacutevel o termo pezetairoi no tempo
de Alexandre referia-se essencialmente a toda a falange de
piqueiros
Existem aleacutem disso duas variaccedilotildees que devem ser
observadas pezoi por vezes indicando a falange62 ou mesmo
toda a infantaria e φάλαγξ que pode significar a falange
57 ALG2 P135 58 Robert D Milns ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in
Historia 20 186-195 1971 P88 59 Arr Anab 1283 2232 4231 5226 661 6213 7113 60 FGrH 72 61 FGrH 115 F348 62 A falange indica o conjunto de todos os batalhotildees ou brigadas dos
πεζέταιροι
41
propriamente dita ou apenas um uacutenico batalhatildeo da falange
bem como os hipaspistai e a formaccedilatildeo em linha de batalha
quando usado para fazer referecircncia a outras tropas (ἐπὶ
φάλαγγος em oposiccedilatildeo a κατὰ κέρας por exemplo)63
Com a ampliaccedilatildeo do termo para a definiccedilatildeo de toda a
falange (ou de sua parte em destaque) abre-se tambeacutem uma
nova questatildeo introduzida por Bosworth64 a partir de uma
releitura de Arriano qual seria a vinculaccedilatildeo dos
pezetairoi com os hipaspistai e os asthetairoi65
Em primeiro lugar o que jaacute se discute desde Tarn66
Muitas informaccedilotildees vitais acerca dos hipaspistai satildeo
impossiacuteveis de se obter basicamente por duas razotildees ambas
derivadas de problemas advindos das proacuteprias fontes Em
primeiro lugar os historiadores gregos natildeo estariam
interessados em ldquodetalhes militares teacutecnicosrdquo de uma tropa
macedocircnica mesmo quando esta desempenhava funccedilatildeo
importante na campanha Em seguida Ptolomeu provavelmente
por estar familiarizado com todos esses detalhes teacutecnicos
em seu dia-a-dia simplesmente natildeo desenvolveu nada a
respeito da disposiccedilatildeo e equipamentos desta tropa67
Sabemos que os hipaspistai foram uma forccedila criada a
partir de uma seleccedilatildeo dos pezetairoi sendo provavelmente a
primeira na histoacuteria da Macedocircnia de caraacuteter profissional
cujo serviccedilo era ininterrupto e cuja lealdade estava ligada
particularmente agrave figura do rei O termo aparece apenas em
Arriano tendo designaccedilatildeo equivalente em Diodoro
(δορυφόροις)68 o que sugere ter sido hipaspistai o termo
63 Esta discussatildeo encontra-se em detalhes em ALG2 p135-142 64 Bosworth opcit p245 65 Segundo Bosworth (opcit p246) existem ainda traduccedilotildees que
simplesmente substituem o termo asthetairoi por pezetairoi 66 ALG2 67 Milns opcit p186 68 Diod 1777 [] ἔπειτα τοὺς ἐπιφανεστάτους τν Ἀσιανν ἀνδρν δορυφορεῖν ἔταξεν []
42
empregado por Ptolomeu e por deduccedilatildeo pelos proacuteprios
macedocircnios69
Basicamente formavam um contingente de 3000 homens e
encontravam-se divididos em trecircs quiliarquias de
aproximadamente 1000 homens cada70 Diferentemente do
restante da falange os hipaspistai eram selecionados pelo
proacuteprio rei e integravam sua guarda pessoal
Qual seria por uacuteltimo o equipamento militar do
hipaspistes Existe uma tendecircncia geral em definir seu
equipamento como sendo mais leve que aquele dos demais
falangistas ou algo situado entre o equipamento do
falangista e do peltasta No que diz respeito a essas
suposiccedilotildees Tarn71 eacute incisivo
Em relaccedilatildeo ao armamento eles eram infantaria pesada
tatildeo pesadamente armada quanto a falange a diferenccedila
entre os dois corpos residia em sua histoacuteria
recrutamento e manutenccedilatildeo natildeo no armamento A crenccedila
de que eles eram armados como peltastas ou que seu
armamento era algo intermediaacuterio entre aquele do
falangista e do peltasta natildeo encontra evidecircncia para
lhes dar suporte e natildeo precisa ser informado
Haacute por outro lado suposiccedilotildees com relaccedilatildeo ao
equipamento do hipaspistes que podem sugerir uma
proximidade com o peltasta A melhor delas insinua-se a
partir de uma marcha forccedilada do exeacutercito macedocircnico na
qual Alexandre teria utilizado os hipaspistai juntamente
com a infantaria levemente armada dos agrianos Nesta
ocasiatildeo os demais soldados da falange teriam sido deixados
para traacutes72 o que poderia declarar uma diferenccedila entre o
equipamento dos hipaspistai e dos falangistas em geral
69 Embora Arriano empregue o mesmo termo que Plutarco algumas vezes
como em 317 ldquoατὸς δὲ ἀνα λαβὼν τοὺς σωματοφύλακας τοὺς βασιλικοὺς []rdquo 70 Arr Anab 430 71 ALG2 P153 72 Arr Anab 43 321 323 citado por Badian durante o debate da
conferecircncia de AALG p 134
43
Nesta ocasiatildeo de acordo com Badian73 quando podemos
observar soldados levemente armados (hipaspistai e agrianos)
em contraste com aqueles que os seguiram ἐν τάξει a deduccedilatildeo
mais correta eacute a de que se desfizeram dos armamentos para a
perseguiccedilatildeo e natildeo eram como comumente afirmado
regularmente armados como infantaria ligeira Poreacutem o que
temos de mais concreto parece ser mesmo uma semelhanccedila nos
armamentos dos hipaspistai e dos demais falangistas dado
que durante toda a campanha ambos partilharam as mesmas
funccedilotildees taacuteticas
Ainda no esforccedilo de distinguir os termos cruciais para
o entendimento da falange macedocircnica gostaria de encerrar
este toacutepico com uma breve anaacutelise dos asthetairoi cuja
apariccedilatildeo na historiografia se deu a partir da milimeacutetrica
observaccedilatildeo de Bosworth Como dito anteriormente o termo
asthetairoi foi por vezes substituiacutedo por pezetairoi nas
traduccedilotildees ou ediccedilotildees modernas da Anaacutebasis de Arriano74 Da
mesma forma que hipaspistes satildeo termos distintos e
provavelmente natildeo foram usados com o mesmo propoacutesito
Bosworth75 entende que se tratava de um termo teacutecnico
usado para definir o contingente que ldquochegou
posteriormenterdquo isto eacute fruto das campanhas na Alta
Macedocircnia Assimilados posteriormente agrave formaccedilatildeo da falange
macedocircnica propriamente dita tais soldados precisavam de
um novo termo que os diferenciasse dos demais e o seu
desenvolvimento desde a palavra original manteve o
significado de ldquoproacuteximos aos Companheirosrdquo o que
concentrou tanto a condiccedilatildeo atual de macedocircnios quanto sua
independecircncia anterior agrave assimilaccedilatildeo pela monarquia76
73 AALG P134 74 As passagens satildeo Arr Anab 223 423 522 66 621 72 75 Opcit p247 76 Bosworth opcit p251
44
212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa
Sabemos que com Alexandre na Aacutesia a infantaria
macedocircnica era formada por ateacute seis batalhotildees (taxeis)
cada um deles compondo uma unidade taacutetica autocircnoma (que
poderia ser empregada em conjunto obviamente) Tal ponto
de partida permite que o foco do estudo sejam as
subdivisotildees dos batalhotildees as quais assegurariam maiores
niacuteveis de flexibilidade nas manobras A unidade baacutesica de
infantaria na falange era a syntagma formada por 16 lochoi
de 16 homens77 Sob o comando do syntagmatarches o batalhatildeo
era capaz de executar manobras que exigiam intensivo
treinamento militar a exemplo da formaccedilatildeo em linha reta
obliacutequa ou crescente em seta ou em quadrado Aleacutem disso eacute
ainda provaacutevel que o lochos seja uma criaccedilatildeo de Filipe jaacute
que suas primeiras apariccedilotildees ocorrem na fase inicial da
carreira de Alexandre78
Diante da organizaccedilatildeo militar da falange a sarissa
(com aproximados 5 metros) representou a inovaccedilatildeo material
macedocircnica mais importante a qual fez da falange uma forccedila
frontalmente imbatiacutevel ateacute o surgimento da legiatildeo romana
Para explicar o efeito que uma tropa armada com a sarissa
provocaria no inimigo Griffith79 utilizou o seguinte
exemplo ldquonuma escala mais proacutexima era como a embarcaccedilatildeo
que atacava um oponente forccedilando-o a correr grandes riscos
antes de conseguir se aproximar e revidarrdquo
Em companhia agrave poderosa sarissa o falangista contava
com a pelte suspensa ateacute o pescoccedilo contrastando a pesada
aspis do hoplita poliacuteada A eficiecircncia do equipamento do
falangista residia na vantagem do primeiro choque dada
pelo uso da sarissa Embora natildeo fosse um soldado
77 O syntagma era uma unidade autocircnoma fixa em oposiccedilatildeo agraves eventuais
apariccedilotildees na histoacuteria poliacuteada 78 Arr Anab 210 [] ldquoἀλλὰ καὶ ἰλάρχας καὶ λοχαγοὺς ὀνομαστὶ καὶ τν ξένων τν μισθοφόρων []rdquo 79 Nicholas Hammond e Guy Griffith A History of Macedonia 550-336
(V2) Oxford Oxford University Press 1979 P421
45
pesadamente armado tal vantagem concedia aos macedocircnios
certa superioridade taacutetica frente aos demais exeacutercitos
gregos Como consequumlecircncia do aumento no tamanho da lanccedila o
elmo macedocircnico tornou-se bastante diverso daquele usado
pelo hoplita conhecido como ldquocoriacutentiordquo Ao contraacuterio do
hopliacutetico o elmo do falangista era menos caro de fabricar
e aberto na face Por fim quanto agraves grevas estas eram
usadas apenas nas primeiras fileiras
Existe uma questatildeo delicada em relaccedilatildeo ao falangista
que natildeo pode ser ignorada aqui embora jaacute seja consenso
entre os historiadores Transformando numa interrogaccedilatildeo
seria o falangista macedocircnico uma derivaccedilatildeo simples e
direta do peltasta traacutecio De fato Best80 em 1969
afirmou que ldquoseu equipamento [o do peltasta] eacute
caracterizado pela longa lanccedila (sarissa) e a pelterdquo
sugerindo abertamente que natildeo havia diferenccedila alguma no
equipamento do peltasta e do falangista Entretanto
gostaria de apresentar duas observaccedilotildees sobre tal hipoacutetese
A primeira delas segue o que foi proposto por Lendon81
De modo geral a partir do seacutecIV aC o termo peltasta
passou a indicar a infantaria levemente armada (sem a
pesada aspis) tendendo a uma generalizaccedilatildeo mais do que
propriamente agrave definiccedilatildeo exclusiva do soldado que portava a
pelte Natildeo seriam portanto ldquopeltastas macedocircniosrdquo mas
algo proacuteximo de ldquosemi-hoplitasrdquo82
A segunda estaacute de acordo com uma diferenccedila apresentada
por Hammond83 em relaccedilatildeo agrave lanccedila do peltasta traacutecio e a
sarissa a uacuteltima natildeo era definitivamente empregada
apenas com uma das matildeos assim como natildeo era usada para
80 Jan Best Thracian Peltasts and their influence on Greek Warfare
Groningen Wolters-Noordhoff 1969 81 Jon Lendon Soldiers and Ghosts A History of Battle in Classical
Antiquity New HavenLondon Yale University Press 2005 pp412-413 82 Embora algumas vezes Arriano se refira a eles como hoplitas a
exemplo de 11 83 Nicholas Hammond ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in
Thebesrdquo in GRBS 38 355-372 1997
46
arremesso diferenciando-se totalmente portanto da lanccedila
do peltasta Similares aos peltastas quanto ao peso de seu
equipamento os falangistas macedocircnios atuavam em campo de
batalha como hoplitas
Outra questatildeo relevante quanto ao equipamento do
falangista macedocircnio eacute a ausecircncia do peitoral Tal questatildeo
reflete no entanto mais os aspectos sociais e econocircmicos
de sua condiccedilatildeo do que propriamente uma caracteriacutestica
taacutetica De fato a Macedocircnia parece ter se organizado em
torno do ethos e natildeo da poacutelis o que impossibilitou o
surgimento do ldquoideal militar hopliacuteticordquo Com Filipe ou
talvez um pouco antes observamos a intervenccedilatildeo monaacuterquica
na concessatildeo do armamento e sendo a Macedocircnia ainda um
pequeno reino - portanto sem grandes recursos para a
guerra - eacute plausiacutevel que a sarissa arma que compensava a
ausecircncia do peitoral e da aspis tenha sido produto deste
contexto Qualquer tentativa de hierarquizaccedilatildeo ou
atribuiccedilatildeo de uma causa uacutenica para a explicaccedilatildeo do por que
a sarissa foi introduzida entre os macedocircnios seria um
equiacutevoco Sabemos que natildeo se trata unicamente do produto de
uma concepccedilatildeo taacutetica assim como natildeo podemos reduzir esta
inovaccedilatildeo agrave deficiecircncia econocircmica do reino A criaccedilatildeo de um
exeacutercito nacional por Filipe no entanto conferiu uma
unidade agraves regiotildees de fronteira forccedilando os dinastas
independentes a se unirem aos macedocircnios servindo como
aliados e tendo seus filhos muitas vezes como a proacutexima
geraccedilatildeo de comandantes em treinamento84
Por uacuteltimo aleacutem dos macedocircnios propriamente ditos
temos outras etnias compondo a infantaria de Filipe e
Alexandre ora como aliados ora como mercenaacuterios Embora
existam ainda distinccedilotildees claras entre ambas as condiccedilotildees
estas tenderatildeo a desaparecer na guerra heleniacutestica
84 Duncan Head Armies of the Macedonian and Punic Wars 359 BC to 146
BC organization tactics dress and weapons Sussex Wargames
research group 1982 P11
47
conforme mostrarei no capiacutetulo seguinte Infelizmente as
informaccedilotildees que nos chegaram sobre as tropas auxiliares do
exeacutercito macedocircnico natildeo explicam praticamente nada sobre
sua atuaccedilatildeo na guerra ou mesmo acerca de sua disposiccedilatildeo
geral exceto por algumas menccedilotildees na Anaacutebasis de Alexandre
O maior nuacutemero de informaccedilotildees sobre o exeacutercito macedocircnico
incide sem duacutevida sobre seus dois alicerces taacuteticos a
falange da qual apresentei uma breve anaacutelise e a
ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo acerca da qual me ocuparei
mais agrave frente argumentando sobre a transformaccedilatildeo do papel
da cavalaria nas batalhas e de sua persistecircncia durante a
Guerra dos Diaacutedocos
48
22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo
Gostaria de iniciar este item com uma pequena mas
fundamental observaccedilatildeo sobre o ldquoEsquadratildeo Real dos
Companheirosrdquo (ἴλῃ βασιλικῆ ou algumas vezes ἄγημα85) Eacute
notaacutevel o acreacutescimo τν ἑταίρων a esta unidade de elite de
modo que a ldquoGuarda de Alexandrerdquo com exceccedilatildeo dos
hipaspistai passou a ser sinocircnimo de sua cavalaria
macedocircnica mesmo quando referida somente como ἄγημα mas
por que a condiccedilatildeo de cavaleiros lhes foi conferida
A resposta mais provaacutevel parece ser porque os reis
macedocircnios (e especialmente Alexandre) quase sempre
combatiam a cavalo como revela a insistecircncia de alguns
autores antigos em tentar posicionar Alexandre no comando
de sua cavalaria na batalha de Isso A ldquoGuarda Pessoalrdquo do
rei se tornou historicamente sinocircnimo de uma cavalaria de
elite a ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo Esta forccedila de elite
cresceu bastante apoacutes Alexandre cruzar o Helesponto quando
7 esquadrotildees (ἰλας) foram acrescentados ao primeiro
original distinto dos demais apenas por sua procedecircncia (o
esquadratildeo real par excellence)86 Sabemos que formavam oito
esquadrotildees na batalha de Gaugamela 87 sendo que o
esquadratildeo real estava sob comando de Cleito o Negro e os
demais sob o comando de Filotas filho de Parmecircniordquo88
85 Arr Anab 25 31 38 86 ALG2 p154 87 Arr Anab 311-12 88 Aleacutem dos Companheiros temos outros 4 esquadrotildees de cavalaria
ligeira os ldquoscoutsrdquo (πρόδομοι) ou lanceiros (σαρισοφόροι) Brunt
(ldquoAlexander‟s Macedonian cavalryrdquo JHS 83 27-46 1963 Pp27-8)
recorda o debate entre Berve e Tarn acerca da procedecircncia eacutetnica
(macedocircnia para o primeiro e traacutecia para o segundo) desses quatro
esquadrotildees de lanceiros Brunt parece estar correto ao escolher a
versatildeo de Berve uma vez que no relato de Arriano (Anab 112 141 e
146 29 312 182 201 212) apenas os hipaspistai e os
regimentos de falange natildeo satildeo descritos como ldquomacedocircniosrdquo em oposiccedilatildeo
aos demais ldquocuidadosamente classificados como peocircnios mercenaacuterios ou
agrianos no mesmo contextordquo Entretanto natildeo penso que seja possiacutevel
dizer se apoacutes 329 aC quando os lanceiros desaparecem dos relatos
foram enviados de volta para casa ou incorporados aos Companheiros
49
Sendo a elite da cavalaria macedocircnica a qual era
empregada em pontos decisivos das taacuteticas executadas em
campo de batalha natildeo poderia existir em grande nuacutemero mas
seu papel em contrapartida natildeo deveria ser de
coadjuvantes quando entrassem em accedilatildeo Assim qual era o
nuacutemero dos cavaleiros que integravam os Companheiros de
Alexandre
Uma vez mais Tarn89 recorda que a discussatildeo em torno
do nuacutemero de cavaleiros que Alexandre tomou quando de sua
partida para a Aacutesia foi travada pela historiografia a
partir dos dados obtidos no relato de Diodoro90 e que
algumas das fontes utilizadas pelo historiador siciliano
natildeo permitiram a precisatildeo desejada com relaccedilatildeo agraves tropas
macedocircnicas A equivalecircncia do contingente disponiacutevel a
Alexandre e a Antiacutepatro (que o rei havia deixado como
representante na Europa) ambos com 12000 soldados de
infantaria (3000 hipaspistai e 9000 falangistas) eacute
incorreta senatildeo absurda91 A contagem das tropas montadas
a partir de Arriano se faz portanto necessaacuteria
Outro questionamento importante diz respeito agrave
organizaccedilatildeo da Cavalaria dos Companheiros Originalmente
recorda Brunt92 os Companheiros estavam divididos em ilas
mas a partir de 331 aC em Susa Alexandre formou dois
lochoi com cada ile que consequumlentemente passou a ser
comandada por lochagoi Esta alteraccedilatildeo era ineacutedita
conforme nos relata Arriano93 e representou o inchaccedilo no
nuacutemero dos Companheiros jaacute que as ilas natildeo mais
satisfaziam como divisatildeo das unidades Em contrapartida
apoacutes a execuccedilatildeo de Cleito o Negro (330 aC) surgiram as
89 ALG2 p 153 90 Diod 1717 91 Especialmente devido agrave duplicaccedilatildeo do nuacutemero de hipaspistai 92 Brunt opcit p28 93 Arr Anab 316
50
ipparchias94 e segundo Tarn
95 o proacuteprio Alexandre teria
assumido aquela pertencente a Cleito somando 4 esquadrotildees
sob seu comando e outros 4 sob Hefesto No entanto Tarn
pode ter se equivocado com o fato de que Alexandre teria
assumido o comando de uma ipparchia96
De acordo com Tarn o termo foi empregado apenas a
partir de 326 aC no Indo quando novos contingentes ndash
orientais - passaram a compor o exeacutercito de Alexandre As
menccedilotildees anteriores de Arriano agraves ipparchias seriam entatildeo
confusotildees e anacronismos de seu proacuteprio tempo Brunt por
outro lado chama a atenccedilatildeo para a coincidecircncia de dois
fatores os quais permitiriam uma compreensatildeo modificada
das ipparchias a desconfianccedila de Alexandre com relaccedilatildeo aos
seus principais oficiais e a divisatildeo da ldquoCavalaria dos
Companheirosrdquo nas novas unidades o que amenizaria a
possibilidade de motins (jaacute que estavam divididos e com
poderes reduzidos) concedendo-lhes em contrapartida um
tiacutetulo de bastante prestiacutegio antes pertencente apenas a um
ou dois oficiais Se Brunt97 estiver correto o surgimento
das ipparchias foi possivelmente anterior ao que Tarn
propocircs (de 326 aC para 328 aC) e a inserccedilatildeo de
orientais na Cavalaria dos Companheiros um fator
independente para a organizaccedilatildeo das novas unidades98
Por uacuteltimo cabe indagar sobre a relevacircncia desta
preocupaccedilatildeo com o crescimento do contingente dos
Companheiros (de um esquadratildeo para oito ao cruzar o
Helesponto em nuacutemero de 2000 em Gaugamela e divididos em
94 As ipparchias podem ter sido um novo nome para as ilai modificadas
pelo contexto explicado a seguir ou algo totalmente novo uma vez que
o termo substituiu outro plenamente consolidado na praacutetica militar
grega 95 ALG2 p 164 96 Brunt opcit p29-30 97 Brunt opcit p45 98 Sua inserccedilatildeo na Cavalaria dos Companheiros (provavelmente em 324)
certamente posterior a criaccedilatildeo das ipparchias tem muito a dizer
tambeacutem sobre a poliacutetica que Alexandre adotou com relaccedilatildeo aos assuntos
orientais
51
ipparchias quando da campanha na Iacutendia)99 O que exatamente
pode significar esta ampliaccedilatildeo e quais seus desdobramentos
no mundo heleniacutestico
A resposta reside na transformaccedilatildeo das funccedilotildees da
cavalaria em campo de batalha isto eacute a partir de
Alexandre o Grande (e de seu exeacutercito reformado) as tropas
montadas passaram definitivamente a desferir o ataque
principal legando aos falangistas o papel de forccedila de
apoio necessaacuteria mas sem caraacuteter decisivo ou por
princiacutepio ofensivo Tal caracteriacutestica da cavalaria
macedocircnica pode ser observada por exemplo na batalha de
Gaugamela quando o nuacutemero dos Companheiros foi elevado ao
maacuteximo e a taacutetica remodelada a partir da tradiccedilatildeo grega
ilustra a relevacircncia da decisatildeo pelas manobras das tropas
montadas
A modificaccedilatildeo de sua funccedilatildeo taacutetica veio acompanhada de
duas grandes inovaccedilotildees A primeira delas eacute a ldquoformaccedilatildeo em
setardquo que facilitava o rompimento da formaccedilatildeo inimiga pela
ampliaccedilatildeo da carga desferida se comparada agravequela executada
pela ldquoformaccedilatildeo em quadradordquo Basicamente ao manter os
olhos fixos no liacuteder posicionado agrave frente da formaccedilatildeo
cavaleiros organizados em seta eram capazes de romper com
uma formaccedilatildeo defensiva desferindo assim o golpe
principal100
A segunda delas diz respeito agrave exploraccedilatildeo dos espaccedilos
entre os batalhotildees de falangistas Como salientou Tarn101
apresentar ao inimigo um bloco coeso com diversas pontas de
lanccedila e manter esta formaccedilatildeo sem espaccedilos entre os batalhotildees
eram coisas completamente distintas A partir do momento em
que a cavalaria passou a desferir o golpe principal a
questatildeo dos espaccedilos se tornou de maacutexima importacircncia como
99 Algo em torno de 200 homens 100 Griffith opcit p414 101 William W Tarn Hellenistic Military and Naval Developments
Cambridge Cambridge University Press 1930 P13
52
pode ser visto em Gaugamela e no periacuteodo heleniacutestico em
Paraitakene (Eumenes versus Antiacutegono) Por uacuteltimo ainda
que natildeo seja cotada como uma inovaccedilatildeo das taacuteticas de
cavalaria o envolvimento pelo uso de tropas montadas se
tornou praacutetica comum entre os macedocircnios Numa batalha em
que ambos os comandantes tivessem disposto a cavalaria nas
alas a vitoacuteria dependeria abertamente da capacidade do
exeacutercito em manter seus flancos protegidos do envolvimento
inimigo Ainda que esta fosse uma praacutetica comum entre os
persas foi com os macedocircnios que ocorreu a combinaccedilatildeo do
ataque montado com o avanccedilo da falange frontalmente
impenetraacutevel exceto pelos espaccedilos abertos durante o avanccedilo
ou o ataque
53
CAPIacuteTULO 2 ndash OS DESENVOLVIMENTOS DA GUERRA
HELENIacuteSTICA NO TEMPO DOS DIAacuteDOCOS
1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e
os tipos de mercenaacuterio
11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica
Em 334 aC onze anos antes da morte de Alexandre
havia cerca de 20000 mercenaacuterios a serviccedilo do Grande Rei
Em 329 aC cinco anos mais tarde podemos contar
praticamente 50000 somente no lado macedocircnico102
O periacuteodo
heleniacutestico assistiu na sequumlecircncia ao aumento ligeiro do
nuacutemero de mercenaacuterios recrutados acompanhando os
requisitos das guerras constantes e cada vez menos
decisivas
De acordo com Parke103 autoridades contemporacircneas
(primeira metade do seacutecXX) concluiacuteram que as pressotildees
econocircmicas levaram a tal situaccedilatildeo o colapso da concepccedilatildeo
de dever militar ciacutevico e a emergecircncia do grande nuacutemero de
mercenaacuterios disponiacuteveis teriam sido ambos provocados pela
pobreza iminente das poacuteleis fruto do desastre da guerra
entre gregos no seacutecV aC O argumento do desgaste
econocircmico no mundo grego toma como principal fonte
Isoacutecrates notadamente a partir do momento em que a sua
preocupaccedilatildeo com as razotildees poliacuteticas do mercenariato104 (o
grande nuacutemero de cidadatildeos em exiacutelio essa ldquomassa de
fugitivos e exilados que estavam mais do que dispostos a
oferecer seus serviccedilos como mercenaacuteriosrdquo105
) cede lugar ao
relato dos problemas econocircmicos gregos106
102 Parke p198 103 Parke p228 104 Isoc Pan 64 e 168 105 Chaniotis WHW p80 106 Isoc 24 e 44
54
Entretanto ainda que os conflitos poliacuteticos e a
pressatildeo econocircmica possam ter estimulado grande nuacutemero de
cidadatildeos sem perspectiva a oferecer seus serviccedilos
militares as guerras constantes produziram um dos
principais fatores para o outro lado da moeda isto eacute o
recrutamento de mercenaacuterios a equivalecircncia entre oferta e
procura por soldados temporariamente pagos e que estivessem
dispostos a combater durante todo o tempo que o confronto
levasse natildeo importando as razotildees ciacutevicas (quando existiam)
pelas quais o sangue havia sido derramado
Haacute que se considerar ainda as diversas realidades de
recrutamento das tropas que compuseram os exeacutercitos dos
Diaacutedocos nem sempre vinculadas diretamente ao cenaacuterio de
crise das poacuteleis Este eacute o caso basicamente do
recrutamento das tropas provinciais muito mais conectadas
aos direitos do governante local em formar um exeacutercito a
partir das possibilidades oferecidas por sua satrapia do
que propriamente agrave pobreza ou exiacutelio de cidadatildeos gregos
Por isso a crise econocircmica grega natildeo pode ser vista
como instrumento de anaacutelise universal na explicaccedilatildeo do
mercenariato heleniacutestico uma vez que exclui as
particularidades das condiccedilotildees de recrutamento
especialmente no que respeita agrave tradiccedilatildeo asiaacutetica e
oferece respostas somente em relaccedilatildeo ao aumento da oferta
do serviccedilo mercenaacuterio grego A guerra contudo foi uma
constante no periacuteodo natildeo importando a regiatildeo e consolidou
de modo irreversiacutevel apesar das especificidades do
mercenarismo a relaccedilatildeo oferta-procura107
De fato o mundo
heleniacutestico foi marcado por certa ldquoonipresenccedila da guerrardquo
do modo como chamou Chaniotis considerando-se que tanto a
sua gecircnese (323 aC) quanto o seu fim (31 aC) foram o
resultado de conflitos armados do mesmo modo que
dificilmente se encontra alguma aacuterea que natildeo estivesse
107 Chaniotis WHW p80
55
direta ou indiretamente como em tantos outros momentos na
Antiguidade afetada pela guerra
O cenaacuterio de crise explica ao lado das condiccedilotildees
especiacuteficas de recrutamento e da ampliaccedilatildeo do quadro geral
das guerras o porquecirc da relaccedilatildeo oferta-procura ter se
fixado como sendo de grande relevacircncia no estudo da
misthotikeacute heleniacutestica mas natildeo basta todavia para
explicar o estreitamento dos laccedilos entre o cenaacuterio de
profissionalizaccedilatildeo crescente da guerra e o uso de tropas
mercenaacuterias
Noutras palavras a progressiva profissionalizaccedilatildeo no
interior dos exeacutercitos ciacutevicos gregos deve tambeacutem ser um
fator considerado particularmente ateacute o momento em que a
combinaccedilatildeo da guerra como ofiacutecio a ser aprendido e o
mercenarismo como condiccedilatildeo geral dos exeacutercitos heleniacutesticos
minimizou o impacto do sentimento ciacutevico em grande parte
dos soldados
Tal mapeamento explicaria numa perspectiva histoacuterica
natildeo soacute a funccedilatildeo dos ieroi lochoi e hipaspistai na
profissionalizaccedilatildeo da arte da guerra grega e em seus
desdobramentos heleniacutesticos como tambeacutem forneceria as
razotildees pelas quais os mercenaacuterios tecircm que ser tipificados
na medida do possiacutevel de acordo com o trabalho executado
Basicamente havia aqueles que se colocavam sob o comando
de um monarca tirano general ou cidade num espaccedilo curto
de tempo (durante uma campanha por exemplo) e aqueles que
serviam nos grandes exeacutercitos reais muitas das vezes de
modo permanente108
O primeiro tipo de mercenaacuterio era formado por soldados
que serviram por exemplo na campanha de Eumenes contra
108 Chaniotis WHW p79 Note que segundo Parke (p209) e Griffith
(p42) a divisatildeo das tropas nos exeacutercitos dos Diaacutedocos eacute feita a
partir de trecircs tipos os quais seratildeo analisados detalhadamente em
seguida os macedocircnios os mercenaacuterios (xenoi e misthophoroi) e as
tropas recrutadas nas satrapias (por vezes sintetizadas como
pantodapoi)
56
Antiacutegono De acordo com Diodoro apoacutes ter sido expulso da
Capadoacutecia
Eumenes selecionou os mais capazes [τοὺς εθετωτάτους] entre os seus amigos e dando-lhes grandes recursos os
incumbiu de contratar mercenaacuterios estabelecendo uma
margem alta de pagamento Alguns deles dirigiram-se
para a Pisiacutedia Liacutecia e regiotildees adjacentes []
Outros viajaram atraveacutes da Ciliacutecia Siacuteria e Feniacutecia
aleacutem de cidades em Chipre Uma vez que a notiacutecia do
recrutamento havia se espalhado rapidamente e que o
pagamento oferecido era digno de consideraccedilatildeo muitos
se apresentaram voluntariamente inclusive vindos da
Greacutecia e juntaram-se agrave campanha109
Neste caso ocorrido em 318 aC Eumenes incumbiu
xenologoi classificados por Diodoro como os mais capazes
entre os seus amigos de recrutar mercenaacuterios para apenas
uma campanha aquela a ser realizada contra Antiacutegono Em
pouco tempo levando-se em consideraccedilatildeo somente os
mercenaacuterios Eumenes contava com cerca de 10000 soldados
de infantaria e 2000 cavaleiros sem mencionar os receacutem-
chegados arguraspides sob o comando de Eumenes por ordem
dos reis110
Outro caso interessante de mercenaacuterios recrutados de
diversas regiotildees por um periacuteodo relativamente curto de
tempo teve lugar na campanha africana de Agaacutetocles quando
aproximadamente 3000 samnitas etruscos e celtas
apresentaram-se ao lado dos 3000 mercenaacuterios gregos sob a
lideranccedila de Agaacutetocles111 Diodoro
112 relata a existecircncia de
motins entre os homens por falta do pagamento que lhes era
devido (ἀπῄτουν δὲ καὶ τοὺς μισθοὺς τοὺς ὀφειλομένους) assim como
109 Diod 1861 ldquoπροχειρισάμενος δὲ τν φίλων τοὺς εθετωτάτους καὶ δοὺς χρήματα δαψιλ πρὸς τὴν ξενολογίαν ἐξέπεμψεν ὁρίσας ἀξιολόγους μισθούς εθὺς δ οἱ μὲν εἰς τὴν Πισιδικὴν καὶ Λυκίαν καὶ τὴν πλησιόχωρον παρελθόντες ἐξενολόγουν ἐπιμελς οἱ δὲ τὴν Κιλικίαν ἐπεπορεύοντο ἄλλοι δὲ τὴν Κοίλην Συρίαν καὶ Φοινίκην τινὲς δὲ τὰς ἐν τῆ Κύπρῳ πόλεις διαβοηθείσης δὲ τς ξενολογίας καὶ τς μισθοφορᾶς ἀξιολόγου προκειμένης πολλοὶ καὶ ἐκ τν τς λλάδος πόλεων ἐθελοντὶ κατήντων καὶ πρὸς τὴν στρατείαν ἀπεγράφοντοrdquo 110 Diod 1859 111 Diod 2011 Ver Capiacutetulo 3 112 Diod 2034
57
possiacuteveis deserccedilotildees para o lado dos cartagineses o que
ilustra a dificuldade em manter coeso um grupo mercenaacuterio
em situaccedilatildeo de escassez ou mesmo irregularidade no
pagamento Em se tratando de tropas com as quais natildeo era
partilhado tempo consideraacutevel de vida militar as revoltas
deveriam ser ainda mais frequumlentes como ilustrado no
exemplo africano
O segundo tipo de mercenaacuterio era aquele desdobrado dos
grupos profissionais de elite surgidos no interior dos
exeacutercitos ciacutevicos gregos Antes da explosatildeo do serviccedilo
mercenaacuterio no fim da campanha de Alexandre o primeiro
passo quanto agrave profissionalizaccedilatildeo dos exeacutercitos gregos foi
dado com os espartanos ainda no periacuteodo claacutessico De fato
os hoplitas de Esparta formavam o uacutenico corpo ciacutevico
profissional de todo o mundo poliacuteada Seguindo o modelo
hopliacutetico profissional diversas outras cidades formaram
unidades profissionais de elite os ieroi lochoi que por
vezes desempenhavam funccedilatildeo taacutetica proeminente Um dos
melhores exemplos eacute o corpo de infantaria de elite tebano
cuja importacircncia na vitoacuteria sobre os espartanos em Leuctra
pode ser observada em mais detalhes no primeiro capiacutetulo
O exeacutercito reformado macedocircnico teve seu equivalente
com os hipaspistai tipo de versatildeo macedocircnica dos
ldquobatalhotildees sagradosrdquo poliacuteadas Nos primeiros anos do
periacuteodo heleniacutestico sob o nome de arguraspides estes
veteranos de Alexandre permaneceram vinculados agrave casa real
apesar de receberem propostas por parte de Ptolomeu e
depois Antiacutegono113 Tal recusa os levou ao campo de batalha
contra o general mais poderoso daquele tempo sob o comando
de Eumenes de Caacuterdia strategos pelo qual tinham pouco
apreccedilo talvez devido a sua origem eacutetnica114 Em seguida agrave
derrota de Eumenes Antiacutegono trucidou todos aqueles que
113 Diod 1862 114 Eumenes era o uacutenico general traacutecio do exeacutercito de Alexandre
58
haviam sido hostis a ele queimando vivo Antiacutegenes o
comandante dos arguraspides apoacutes tecirc-lo arremessado numa
fossa115
Apesar da histoacuteria de lealdade dos arguraspides agrave casa
real os mercenaacuterios ligados diretamente a certa dinastia
de modo mais ou menos permanente natildeo eram necessariamente
mais leais que os outros Esta natildeo deve ser sequer a
questatildeo central no estudo da misthotikeacute heleniacutestica Antes
de desdobrar este argumento note-se por exemplo o caso
dos egiacutepcios de Ptolomeu
Com sua primeira apariccedilatildeo no exeacutercito ptolomaico em 312
aC ao menos em expediccedilatildeo fora dos limites territoriais
do Egito os nativos africanos apresentaram-se armados e
aptos para a batalha (τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς μάχην χρήσιμον)116
ainda que no primeiro momento natildeo estivessem trajados como
macedocircnios117
Representavam claramente outro tipo de
mercenaacuterio diferente daquele recrutado temporariamente e
sem viacutenculos com o governante da regiatildeo de onde provinham
Estavam ligados ao seu contratante como no caso dos
arguraspides por um viacutenculo mais ou menos permanente e em
breve dinaacutestico Contudo obrigaccedilotildees de ofiacutecio e lealdade
incondicional eram coisas bem distintas apoacutes a vitoacuteria de
Demeacutetrio sobre Ptolomeu em Chipre em 307 aC
praticamente todo o exeacutercito de mercenaacuterios egiacutepcios (cerca
de 16000 soldados de infantaria e 600 cavaleiros) foi
incorporado agraves forccedilas antigocircnidas118 o que vincula os
mercenaacuterios deste tipo assim como os do primeiro tipo
mais agrave consolidaccedilatildeo da concepccedilatildeo de guerra como ofiacutecio a
115 Diod 1944 116 Diod 1980 117 O argumento encontra suporte no fato de que o termo ldquomacedocircniordquo
conforme seraacute explicado no item 31 passou a significar qualquer tipo
de infantaria armada com equipamento macedocircnico aleacutem do fato da
existecircncia do termo οἱ Μακεδόνες na mesma sentenccedila em que figura Αἰγυπτίων δὲ πλθος sugerir outro tipo de armamento e formaccedilatildeo para estes
ldquoegiacutepcios em grande nuacutemerordquo 118 Diod 2053
59
ser aprendido do que propriamente agrave lealdade devida a algum
general rei ou dinastia embora tropas com vida militar
partilhada tendam a incorporar valores como a obediecircncia
acentuada a certa lideranccedila (como no caso dos
arguraspides)
60
12 Mercenariato basileia e doriktetos chora
Conforme mencionado antes o poder monaacuterquico
heleniacutestico desempenhou papel central na promoccedilatildeo desta
nova concepccedilatildeo de guerra levada adiante pelo impulso
imperialista tiacutepico dos reis cujo poder natildeo era herdado
esquematicamente a basileia era algo a ser conquistado
Gruen119
e Chaniotis120 notaram o que podemos chamar de
inversatildeo da loacutegica hereditaacuteria na disposiccedilatildeo da monarquia
heleniacutestica se Alexandre Magno reivindicou seu direito ao
trono como direito de sangue seus generais de Antiacutegono a
Cassandro121
adotaram o tiacutetulo de rei baseados unicamente
em suas conquistas militares isto eacute fundamentados pelo
princiacutepio da doriktetos chora
Haacute dois documentos importantes que tratam deste
fundamento do poder real heleniacutestico O primeiro deles
pertence agrave compilaccedilatildeo bizantina Suda particularmente a
definiccedilatildeo de monarquia Seguindo a traduccedilatildeo feita por
Austin
Ascendecircncia (natureza) e legitimidade (justiccedila) natildeo datildeo
reinos aos homens mas sim a habilidade em comandar um
exeacutercito e em lidar com os problemas de modo
competente Este era o caso de Filipe e dos Sucessores
de Alexandre O filho bioloacutegico de Alexandre natildeo foi de
modo algum ajudado pela consanguumlinidade devido a sua
fraqueza de espiacuterito enquanto aqueles que natildeo tinham
ligaccedilatildeo alguma com Alexandre tornaram-se reis de quase
todo o mundo conhecido122
Do mesmo modo em resposta agrave proclamaccedilatildeo de Demeacutetrio
como basileu por seu pai123
previamente feito rei por seus
amigos (Ἀντίγονον μὲν οὖν εθὺς ἀνέδησαν οἱ φίλοι) os seguidores de
Ptolomeu I o igualaram aos dois primeiros em tiacutetulo na
119 Gruen op cit pp253-271 120 Chaniotis WHW p57 121 Nomeadamente Antiacutegono Demeacutetrio Ptolomeu Seleuco Lisiacutemaco e
Cassadro 122
Austin n 45 123 Plut Dem 18
61
tentativa de dispersar a impressatildeo de que sua derrota havia
abalado tambeacutem o seu poder Plutarco124 acrescenta ainda
que tal praacutetica natildeo significava meramente a mudanccedila de nome
(ὀνόματος) e aparecircncia (σχήματος) mas removia o espiacuterito dos
homens (τὰ φρονήματα τν ἀνδρν ἐκίνησε) e ampliava suas ambiccedilotildees
(τὰς γνώμας ἐπρε)125 cabe acrescentar ambiccedilotildees militares
Tanto a coroaccedilatildeo de Antiacutegono quanto a resposta de Ptolomeu
agrave extensatildeo do poder monaacuterquico a Demeacutetrio foram claramente
baseadas em conquistas militares Assim o convite agrave
conquista militar em maior ou menor escala era um dos
traccedilos da basileia de tipo heleniacutestico assim como a base a
partir da qual toda a sua estrutura fora erigida
Diferentemente da Macedocircnia de Filipe e Alexandre o
exeacutercito natildeo era mais a uacutenica fonte de confirmaccedilatildeo do poder
real do mesmo modo que a monarquia havia atingido
proporccedilotildees diferentes daquelas do tempo da batalha de
Queroneacuteia126
Contudo o exeacutercito continuou a ser o
instrumento pelo qual os monarcas construiacuteam o direito ao
uso do diadema estando as funccedilotildees de comando cada vez mais
ligadas agrave lideranccedila de hordas inteiras de mercenaacuterios
recrutados das mais variadas regiotildees do mundo e
didaticamente enquadrados nos dois tipos apresentados neste
capiacutetulo
O abandono de valores considerados inatos para os
gregos no periacuteodo claacutessico a exemplo da coragem (ἀνδρία) e
da excelecircncia (ἀρετή) ao lado da crescente significaccedilatildeo da
guerra como ofiacutecio (τέχνη) foi inicialmente proposto por
Lendon127 como explicaccedilatildeo para a existecircncia do grande nuacutemero
124 Plut Dem 18 125 Literalmente ldquoaumentava seus pensamentosrdquo 126 Ainda Austin n44 ldquo[] aqueles que natildeo tinham qualquer conexatildeo
com Alexandre se tornaram reis de quase todo o mundo habitadordquo 127 Jon Lendon ldquoWar and societyrdquo In Philip Sabin Hans Wees Michael
Whitby The Cambridge History of Greek and Roman Warfare Cambridge
Cambridge University Press 2007 Pp498-516
62
de mercenaacuterios que serviram nos exeacutercitos dos reis
heleniacutesticos
No periacuteodo claacutessico a condiccedilatildeo poliacutetica do soldado-
cidadatildeo assegurar-lhe-ia de acordo com o pensamento grego
certa superioridade em combate Como observado por
Sidebottom128
o contraste presente em Os Persas de
Eacutesquilo ilustra tal postura a partir da negaccedilatildeo dos
baacuterbaros como soldados que combatiam por sua liberdade
Note-se por exemplo o conhecido diaacutelogo entre a Rainha
Matildee Persa e o Coro de homens velhos
Rainha Eles tecircm um rico suprimento de homens
combativos
Coro Eles tecircm soldados que uma vez golpearam os
exeacutercitos persas com um terriacutevel ataque
Rainha Satildeo eles habilidosos em arqueria
Coro Natildeo de forma alguma eles carregam escudos
corpulentos e lutam ombro a ombro com lanccedilas
Rainha E quem os lidera A qual mestre suas fileiras
obedecem
Coro Mestre Eles natildeo satildeo conhecidos como servos
Rainha E eles podem sem mestre resistir agrave invasatildeo
Coro Sim O vasto e nobre exeacutercito de Dario foi por
eles destruiacutedo129
No periacuteodo heleniacutestico entretanto a exaltaccedilatildeo de
valores inatos ao hoplita poliacuteada masterless e capaz de
vencer os persas por duas vezes consecutivas (apesar da
inabilidade em arqueria) cedeu lugar agraves vantagens
oferecidas pelo treinamento militar profissional mesmo que
as tropas treinadas fossem formadas por homicidas
(ἀνδροφόνοι) mutiladores (παρασχίσται) ladrotildees (λωποδύται) e
arrombadores de casas (τοιχωρύχοι)130 Os exeacutercitos poliacuteadas
natildeo eram capazes de fornecer recursos humanos ilimitados
aleacutem disso a tiacutepica batalha decisiva do periacuteodo claacutessico
cedeu lugar aos conflitos constantes e de larga escala
128 Harry Sidebottom Ancient warfare a very short introduction
Oxford Oxford University Press 2004 P6 129 Traduccedilatildeo tomada de Sidebottom opcit Pp6-7 130 Poliacutebio 136 ldquoοὗτοι δ ἦσαν ἀνδροφόνοι καὶ παρασχίσται λωποδύται τοιχωρύχοιrdquo
63
travados ao longo da disputa pela partilha do impeacuterio A
passagem em Diodoro sobre as vantagens no uso dos
mercenaacuterios ilustra claramente esta mudanccedila principalmente
quando o historiador siciliano se refere ao fato de que ldquoos
empregadores trazem consigo sem grandes custos homens
para lutar em seu nomerdquo e que no caso dos mercenaacuterios
ldquoainda que sejam por muitas vezes derrotados os
empregadores manteacutem suas forccedilas intactas durante o tempo
que durar o dinheirordquo131
Levados adiante pelo impulso imperialista das
monarquias heleniacutesticas assim como pela elevaccedilatildeo da
techneacute os mercenaacuterios preencheram os exeacutercitos dos
Diaacutedocos de uma forma jamais vista dando suporte agrave
ideologia dos generais que passaram a usar o diadema como
um dos siacutembolos de sua realeza militar
131 Diod 296
64
2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos
Como observou Parke132
a permanecircncia dos mercenaacuterios
nos exeacutercitos heleniacutesticos dificultou sua identificaccedilatildeo
pelos historiadores uma vez que a reduccedilatildeo das tropas ao
tipo profissional fez com que os autores antigos
frequumlentemente deixassem de lado a distinccedilatildeo entre
mercenaacuterios e soldados recrutados por direito do
governante Pode-se dizer que as tropas advindas das
satrapias eram de outro tipo se comparadas agravequelas
recrutadas mediante pagamento mas esta suposiccedilatildeo estaacute
baseada apenas na praacutetica dos saacutetrapas persas durante o
periacuteodo claacutessico De fato as condiccedilotildees de oferta e procura
no mundo asiaacutetico natildeo eram nada parecidas com as do mundo
grego propriamente dito dadas as diferenccedilas das tradiccedilotildees
poliacuteticas mas a assimilaccedilatildeo de exeacutercitos inimigos inteiros
por parte de comandantes vitoriosos indica quanto ao
serviccedilo prestado uma distinccedilatildeo apenas no recrutamento
inicial133
Outra inovaccedilatildeo importante ocorrida no periacuteodo
heleniacutestico eacute a utilizaccedilatildeo dos elefantes de combate haacute
muito conhecidos pelos asiaacuteticos e introduzidos na arte da
guerra grega somente apoacutes a morte de Alexandre Apesar de
seu emprego tardio os paquidermes mostraram-se definitivos
ou ao menos desejaacuteveis nos exeacutercitos heleniacutesticos ateacute a
ascensatildeo da legiatildeo romana quando suas implicaccedilotildees
logiacutesticas fizeram-se mais presentes134 Se os generais
heleniacutesticos consideravam os elefantes decisivos num
confronto aberto eles o fizeram por um motivo razoaacutevel de
132 Parke p208 133 Por exemplo a ξενολογία (recrutamento de tropas mercenaacuterias)
executada por Eumenes tal qual relatada em Diod 1861 134 Por exemplo a dificuldade no emprego de elefantes na Siciacutelia
durante a campanha piacuterrica
65
modo que o seu emprego transformou significativamente a
arte da guerra heleniacutestica
66
21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi
Durante as Guerras dos Diaacutedocos ao lado dos mercenaacuterios
conhecidos desde a campanha de Alexandre (agrianos
traacutecios tessaacutelios cretenses entre outros) os macedocircnios
desempenharam uma funccedilatildeo de grande importacircncia na
composiccedilatildeo dos exeacutercitos heleniacutesticos A falange
representava a forccedila de apoio tornando-se responsaacutevel em
boa medida pela manutenccedilatildeo do centro da formaccedilatildeo ao passo
que a cavalaria e os elefantes de combate (quando
disponiacuteveis) realizavam a ofensiva nas alas e procuravam
decidir a peleja
Conforme veremos adiante apoacutes desferir um ataque
inesperado ao espaccedilo aberto pela marcha irregular da
infantaria de Eumenes Antiacutegono conseguiu na batalha de
Paraitacene (317 aC) alinhar novamente a sua falange ao
peacute do monte para onde os soldados haviam se retirado
reestruturando boa parte da linha defensiva de seu
exeacutercito Neste caso a reorganizaccedilatildeo da infantaria
macedocircnica em campo de batalha teria assegurado por um
lado a vitoacuteria do comandante aparentemente derrotado e
por outro devido agrave irregularidade da marcha dos infantes
inimigos a derrota daquele que pensava ter vencido o
confronto135
Sendo os macedocircnios de reconhecida importacircncia nos
primeiros 20 anos subsequentes agrave morte de Alexandre o
questionamento sobre a multiplicaccedilatildeo de suas apariccedilotildees no
relato de Diodoro se faz necessaacuterio Por que razatildeo as
referecircncias a eles aumentaram no periacuteodo de divisatildeo das
chamadas ldquotropas nacionaisrdquo entre os generais de Alexandre
o que forccedilosamente teria reduzido o seu nuacutemero em cada um
dos exeacutercitos que lutavam entre si pela supremacia militar
135 Diod 1930
67
Griffith136 e Launey
137 apresentam explicaccedilotildees idecircnticas
para tal evento Em primeiro lugar dada a impossibilidade
dos nuacutemeros apresentados por Diodoro138
para as tropas
macedocircnicas o ponto de partida se torna a valoraccedilatildeo
teacutecnica adquirida por makedon no seacutecIII aC
especialmente no Egito ou seja o termo deixou de ser ldquouma
garantia de proveniecircncia geograacuteficardquo139 e passou a designar
unicamente um ldquocavaleiro ou soldado de infantaria
pesadamente armados segundo as tradiccedilotildees macedocircnicasrdquo140
Notamos entatildeo a fusatildeo da referecircncia eacutetnica com a
valoraccedilatildeo teacutecnica do termo makedon o que por vezes torna
impossiacutevel a delimitaccedilatildeo dos batalhotildees formados unicamente
por veteranos de Alexandre ou novos macedocircnios exceto
quando os primeiros satildeo mencionados como arguraspides em
contraposiccedilatildeo agravequeles provenientes das satrapias e armados
com equipamento macedocircnico
Outras referecircncias relevantes nos exeacutercitos
heleniacutesticos satildeo os mercenaacuterios gregos propriamente ditos
conhecidos como xenoi os misthophoroi e as tropas
asiaacuteticas ou pantodapoi recrutadas nas proviacutencias e
listadas entre os demais soldados servindo ora como
cavaleiros e arqueiros ora como infantaria de pouca
utilidade se comparada agravequela dos mercenaacuterios gregos
Deve-se observar ainda que estas natildeo satildeo categorias
necessariamente excludentes uma vez que encontramos por
exemplo em Diodoro141
ldquopantodapoi armados com equipamento
macedocircnicordquo o que sugere uma possibilidade dupla de
tratamento Apenas os xenoi se diferenciam claramente dos
misthophoroi ambos podem ser traduzidos como mercenaacuterios
136 Griffith p41 137 Marcel Launey Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques Paris
Boccard 1949 2 vols Vol1 Pp290-93 138 Diod 1830 139 Launey opcit p290 140 Launey opcit p293 141 Diod 1914 ldquo[hellip] τοὺς δὲ εἰς τὴν Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς []rdquo
68
mas os primeiros satildeo quase sempre dispostos como infantaria
pesada (na linha de frente) enquanto os uacuteltimos fazem
referecircncia agraves tropas levemente armadas e constituiacutedas por
pantodapoi ou tropas asiaacuteticas com origem eacutetnica bem
definida
Vejamos a organizaccedilatildeo do exeacutercito de Antiacutegono em 317
aC de acordo com Diodoro142 num trecho esclarecedor
quanto agrave temaacutetica em questatildeo
Quanto agrave infantaria mais de nove mil mercenaacuterios [οἱ ξένοι] foram dispostos agrave frente proacuteximo a eles [foram dispostos] trecircs mil liacutecios e panfiacutelios e em seguida
mais de oito mil tropas mistas armadas com equipamento
macedocircnico [παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι] [] Agrave frente dos cavaleiros na ala direita adjacente agrave
falange eram 500 mercenaacuterios de origem mista [μισθοφόροι παντοδαποὶ] []
Haacute dois tipos de mercenaacuterios na passagem acima Os
primeiros em nuacutemero de 9000 eram claramente soldados de
infantaria pesadamente armados hoplitas mercenaacuterios Os
uacuteltimos dispostos como cavaleiros eram tambeacutem tropas
mercenaacuterias mas de uma categoria diferente natildeo soacute por
combaterem a cavalo mas por serem asiaacuteticos Noutras
palavras mercenaacuterios asiaacuteticos satildeo tatildeo mercenaacuterios quanto
os que advecircm da Greacutecia poreacutem a distinccedilatildeo estabelecida pelo
uso dos dois termos deve ser notada ainda que natildeo possamos
mensurar qualquer diferenccedila no tratamento dado a ambos por
parte do empregador
Os pantodapoi satildeo comumente citados por Diodoro como
exposto e em diversos momentos analisados ao longo do
capiacutetulo mas a sua participaccedilatildeo em batalha natildeo tem
destaque na narrativa do historiador siciliano da mesma
142 Diod 1929 ldquoτν δὲ πεζν πρτοι μὲν ἐτάχθησαν οἱ ξένοι πλείους ὄντες τν ἐννακισχιλίων μετὰ δὲ τούτους Λύκιοι καὶ Παμφύλιοι τρισχίλιοι παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι πλείους τν ὀκτακισχιλίων ἐπὶ πᾶσι δὲ Μακεδόνες ο πολὺ ἐλάττους τν ὀκτακισχιλίων []τν δ ἱππέων πρτοι μὲν ἦσαν ἐπὶ τοῦ δεξιοῦ κέρατος συνάπτοντες τῆ φάλαγγι μισθοφόροι παντοδαποὶ πεντακόσιοι []rdquo
69
forma que os mercenaacuterios no relato de Arriano sobre a
campanha de Alexandre As tropas de origem eacutetnica exata
por sua vez natildeo constituiacuteram uma exceccedilatildeo a essa regra a
natildeo ser por apariccedilotildees raacutepidas e escassas mas por vezes
determinantes como no caso dos capadoacutecios143
143 Notadamente no embate entre Eumenes e Craacutetero
70
22 Os elefantes de combate
Tomarei como ponto de partida para a investigaccedilatildeo
detalhada acerca dos elefantes de combate e de seu papel na
arte da guerra heleniacutestica o primeiro embate seacuterio entre os
paquidermes e a infantaria macedocircnica ainda que tal
encontro tenha ocorrido momentos antes do iniacutecio oficial da
eacutepoca heleniacutestica em 323 aC
Na batalha do Hidaspes (326 aC)144 Poro dispocircs seus
elefantes (cerca de 200) agrave frente da infantaria na
primeira linha de combate segundo Arriano145 com
intervalos de aproximados 30 metros (διέχοντα ἐλέφαντα ἐλέφαντος ο
μεῖον πλέθρου) impedindo que a cavalaria de Alexandre
aterrorizada pudesse se aproximar146 A infantaria indiana
(30000) seguia para as alas com tropas montadas
encerrando a formaccedilatildeo (2000) em ambos os flancos Por
uacuteltimo carros de guerra (300) estavam posicionados agrave
frente da cavalaria sendo esta a organizaccedilatildeo geral das
tropas de Poro para a batalha Em contrapartida Alexandre
concentrou a cavalaria (5500) na ala direita onde
normalmente os Companheiros combatiam com a intenccedilatildeo de
forccedilar uma alteraccedilatildeo na formaccedilatildeo da cavalaria indiana
assim como atacaacute-la por completo em sua ala esquerda As
duas iparquias sob o comando de Coeno foram enviadas sobre
a direita inimiga no momento em que esta realizou a
inversatildeo pela qual Alexandre esperava147 Aos soldados da
144 Os elefantes jaacute haviam sido utilizados pelos persas em Gaugamela
(Arr Anab 311 ldquoοἱ δὲ ἐλέφαντες ἔστησαν κατὰ τὴν Δαρείου ἴλην τὴν βασιλικὴν []rdquo mas natildeo despenharam papel relevante na batalha 145 Arr Anab 515 146 Arr Anab 515 ldquoὡς πρὸ πάσης τε τς φάλαγγος τν πεζν παραταθναι ατῶ τοὺς ἐλέφαντας ἐπὶ μετώπου καὶ φόβον πάντῃ παρέχειν τοῖς ἀμφ Ἀλέξανδρον ἱππεῦσινrdquo 147 Arr 516 ldquoΚοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν []rdquo Afinal ldquopara a direita de Alexandre ou contra a direita inimigardquo A questatildeo colocada por
Brunt tradutor de Arriano na ediccedilatildeo Loeb destaca uma grande confusatildeo
na interpretaccedilatildeo acerca do posicionamento das tropas em Hidaspes As
palavras iniciais (Κοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν) tecircm sido interpretadas na melhor discussatildeo sobre o assunto um artigo de Hamilton de trecircs
formas distintas (1) para a direita de Alexandre (2) em direccedilatildeo agrave
direita indiana como uma ldquofintardquo (3) contra a direita indiana em
forma de ataque Aqui adotei a segunda interpretaccedilatildeo devido agrave maneira
71
infantaria (15000)148
Alexandre ordenou que avanccedilassem
somente quando os cavaleiros indianos fossem postos em
confusatildeo contra seu proacuteprio exeacutercito149 Quanto aos
cavaleiros arqueiros estes foram uacuteteis para o ataque de
longa distacircncia causando baixas na ala esquerda inimiga
um pouco mais ao centro do local que Alexandre pretendia
atacar
Assim que a cavalaria indiana investiu contra os
Companheiros e o regimento de Dahae (recrutado na Aacutesia e
utilizado pela primeira vez no exeacutercito de Alexandre)
Coeno realizou o que lhe fora ordenado e atacou as tropas
montadas de Poro pelo flanco destruindo sua formaccedilatildeo numa
manobra compressora150 provavelmente apoacutes ter acompanhado a
inversatildeo das tropas de Poro Parte dos cavaleiros indianos
entatildeo partiu desordenada em direccedilatildeo aos elefantes
exatamente no momento em que a infantaria macedocircnica
iniciou o seu avanccedilo Segundo Arriano ldquoa proacutepria falange
macedocircnicardquo (ἡ φάλαγξ ατὴ τν Μακεδόνων) arremessou diversos
dardos contra os condutores dos elefantes e ldquoformando um
anel em torno dos animais descarregou dardos por todos os
ladosrdquo151
A partir deste ponto os paquidermes avanccedilaram em
direccedilatildeo agrave infantaria e comeccedilaram a devastar (ἐκεράϊζε) toda a
como a batalha se desenrolou isto eacute o caminho mais provaacutevel para uma
compressatildeo da cavalaria indiana por Alexandre e Coeno era a
perseguiccedilatildeo das tropas indianas durante uma inversatildeo da ala direita
para a esquerda Para uma discussatildeo completa a respeito da formaccedilatildeo
indiana consultar J R Hamilton ldquoThe Cavalry Battle at the
Hydaspesrdquo in JHS 76 27-28 1956 148 Richard D Milns Alexander the Great London Robert Hale 1968
P211 149 Arr Anab 516 150 Arr Anab 517 151 Arr Anab 517 ldquoἔς τε τοὺς ἐπιβάτας ατν ἀκοντίζοντες καὶ ατὰ τὰ θηρία περισταδὸν πάντοθεν βάλλοντεςrdquo Ora a falange natildeo possuiacutea mobilidade
suficiente para executar tal ldquoanelrdquo muito menos os falangistas
carregavam dardos Trata-se evidentemente de um equiacutevoco de Arriano
Cuacutercio (1424) refere-se aos agrianos e traacutecios o que soa mais
provaacutevel ainda que a reconstruccedilatildeo da formaccedilatildeo macedocircnica a partir
desta informaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel a menos que se admita apenas que
ambas as tropas levemente armadas estavam dispostas desde o iniacutecio do
embate agrave frente da falange
72
falange Os cavaleiros macedocircnios enquanto isso ocorria
formaram um soacute esquadratildeo e empurraram de volta o restante
da cavalaria indiana contra os elefantes o que ocasionou
uma verdadeira carnificina seja pela morte dos condutores
ou pela simples confusatildeo da situaccedilatildeo Boa parte dos
indianos recuou por entre os elefantes enquanto recebiam
os duros golpes de sua proacutepria maacutequina de guerra152
Alexandre entatildeo ordenou o avanccedilo da falange a qual
deveria adotar a formaccedilatildeo mais compacta possiacutevel Os
indianos jaacute natildeo contavam com sua cavalaria e a infantaria
era incapaz de deter o ataque das tropas montadas de
Alexandre que os cercaram por todos os lados
Como observou Milns a vitoacuteria sobre os indianos no
Hidaspes ldquofoi a uacuteltima grande batalha que Alexandre travou
e diriam alguns historiadores a sua melhorrdquo153 De fato
Alexandre reverteu o impacto ndash ou parte dele ndash causado pela
melhor arma do exeacutercito indiano o elefante Contudo
existe outra questatildeo que natildeo tem relaccedilatildeo direta com o
gecircnio militar do rei macedocircnio mas sim com a emergecircncia
desta nova ldquomaacutequina de guerrardquo como integrante (e por vezes
siacutembolo) dos exeacutercitos heleniacutesticos
De um lado a batalha do Hidaspes ilustra como o
ineditismo no combate aos elefantes (por parte dos
ocidentais) provocou um terriacutevel efeito psicoloacutegico nos
macedocircnios especialmente nos anos que se seguiram agrave
batalha De outro mostra que a emergecircncia do elefante na
guerra heleniacutestica foi acompanhada de um paradoxo advindo
do uso de uma arma poderosa mas incapaz de distinguir
aliados de inimigos aleacutem de ser bastante complicada do
ponto de vista logiacutestico
Noutras palavras considerar os fracassos e sucessos
dos elefantes em campos de batalha heleniacutesticos deve partir
152 Arr Anab 517 153 Milns opcit p215
73
de uma premissa baacutesica bem ou mal-sucedidos nos
confrontos os paquidermes constituiacuteram um ldquopesadelo
administrativordquo o que coloca as condiccedilotildees necessaacuterias ao
seu uso de um lado da balanccedila e os resultados obtidos caso
tais condiccedilotildees pudessem ser alcanccediladas do outro
Problemas relativos ao atraso da marcha do exeacutercito devido
agrave lentidatildeo dos elefantes devem ter sido uma constante no
rol dos inconvenientes quanto ao abastecimento das tropas
antigas Diodoro nos fornece um importante relato sobre
essa questatildeo quando menciona o afastamento dos paquidermes
em relaccedilatildeo aos demais homens de Eumenes o que resultou na
sua vulnerabilidade154 e consequumlente enfraquecimento parcial
do exeacutercito Fica evidente que natildeo fosse a manobra
executada pelo comandante dos elefantes que liderou os
paquidermes ldquoem quadradordquo (οἱ τν ἐλεφάντων ἡγεμόνες τάξαντες εἰς
πλινθίον τὰ θηρία προγον) dispondo o suprimento no centro da
formaccedilatildeo e o pequeno nuacutemero de cavaleiros que os
acompanhava na retaguarda155
os retardataacuterios teriam sido
todos facilmente aniquilados pela investida de Antiacutegono
Por uacuteltimo haacute ainda que se destacar as diferenccedilas
entre os elefantes africanos e indianos quanto aos seus
usos militares Durante bastante tempo acreditou-se que os
elefantes africanos eram inferiores aos indianos afirmaccedilatildeo
originada no relato de Cteacutesias em sua obra sobre uma Iacutendia
exoacutetica e de fartura156 O criteacuterio adotado por ele (e
reproduzido por diversos autores antigos) foi unicamente a
produccedilatildeo de alimentos o que insatisfatoriamente resume o
problema a uma uacutenica sentenccedila os africanos eram menores
porque viviam numa regiatildeo onde a comida era escassa isto
eacute o deserto Tal comparaccedilatildeo encontra eco em Poliacutebio157
154 Diod 1939 [] ldquoτοὺς δ ἐλέφαντας μέλλειν ἀναζευγνύειν ἐκ τς χειμασίας καὶ πλησίον εἶναι μεμονωμένους πάσης βοηθείας []rdquo 155 Diod 1939 156 FrGH 688 F9 157 Polib 584 ldquoτὰ δὲ πλεῖστα τν τοῦ Πτολεμαίου θηρίων ἀπεδειλία τὴν μάχην ὅπερ ἔθος ἐστὶ ποιεῖν τοῖς Λιβυκοῖς ἐλέφασι τὴν γὰρ ὀσμὴν καὶ φωνὴν ο μένουσιν ἀλλὰ καὶ
74
[] a maior parte dos elefantes de Ptolomeu evitou o
combate como normalmente ocorre com os elefantes
africanos pois sendo incapazes de suportar o odor e o
grito dos elefantes indianos e aterrorizados penso
eu com a estatura e a forccedila [τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν] dos mesmos eles voltam-lhes as costas imediatamente e
potildeem-se em fuga antes de sua aproximaccedilatildeo
Em 1926 Tarn apresentou uma questatildeo fundamental com
relaccedilatildeo agraves diferenccedilas entre os elefantes africanos e
indianos o que dificultou a repeticcedilatildeo do argumento pouco
fundamentado de Cteacutesias Filologicamente bem amparado Tarn
sustentou que tais autores nada sabiam sobre os elefantes
mas o seu heroacutei Alexandre havia empregado o elefante
indiano158 Natildeo existe nada definitivamente aleacutem da
tradiccedilatildeo literaacuteria originada da observaccedilatildeo pouco criteriosa
de Cteacutesias que possa sustentar a superioridade dos
elefantes indianos diante dos africanos em campo de
batalha
Vindos da Iacutendia ou recrutados na Aacutefrica os elefantes
mostraram-se decisivos nos campos de batalha heleniacutesticos
como veremos no item 33 e no capiacutetulo 4 Encontrados
terreno plano condiccedilotildees excelentes de abastecimento e
clima e um inimigo cuja forccedila primaacuteria fosse composta por
infantaria pesada disposta em formaccedilatildeo cerrada os
elefantes constituiacuteam uma das mais eficientes ndash senatildeo a
mais eficiente ndash arma empregada pelos comandantes
heleniacutesticos notadamente nas raras batalhas decisivas do
periacuteodo
καταπεπληγμένοι τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν ὥς γ ἐμοὶ δοκεῖ φεύγουσιν εθέως ἐξ ἀποστήματος τοὺς Ἰνδικοὺς ἐλέφανταςrdquo Cf Diod 216 e 235 158 William W Tarn ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ 20
98-100 1926 P100
75
3 As Guerras dos Diaacutedocos
31 Eumenes versus Craacutetero
No ano de 321 aC durante a realizaccedilatildeo da campanha de
Perdicas no Egito Eumenes fora enviado ao Helesponto por
Perdicas para evitar o avanccedilo de Craacutetero e Antiacutepatro159 Uma
das primeiras medidas do comandante grego foi o
recrutamento de um grande corpo de tropas montadas de sua
proacutepria satrapia isto eacute a Capadoacutecia Apoiado por Alcetas
submetido ao seu comando por ordem de Perdicas contava jaacute
com certo nuacutemero de macedocircnios insuficientes para a
ocasiatildeo os quais haviam sido incorporados apoacutes a vitoacuteria
sobre o exeacutercito de Neoptolemos160
De acordo com Diodoro161
ao saber do avanccedilo do exeacutercito
inimigo Eumenes coletou suas forccedilas particularmente sua
cavalaria de todos os lados (ἤθροισε πανταχόθεν τὰς δυνάμεις καὶ
μάλιστα τὴν ἱππικήν) Em relaccedilatildeo agrave infantaria sobre a qual natildeo
depositava muita esperanccedila contava com 20000 homens de
todas as raccedilas (παντοδαποὺς τοῖς γένεσιν) perfazendo um total de
25000 homens se somada a cavalaria adquirida Contra o
seu exeacutercito Craacutetero contava com macedocircnios conhecidos por
sua coragem (οἱ Μακεδόνες διαβεβοημένοι ταῖς ἀνδραγαθίαις) e dois mil
cavaleiros como auxiliares
Apoacutes a narraccedilatildeo de um duelo entre os comandantes
Diodoro menciona a derrota da cavalaria de Craacutetero sendo
que ao constatar a morte de ambos os liacutederes macedocircnios
Eumenes ordenou a retirada de seu exeacutercito privando-se do
aniquilamento completo do inimigo em prol da negociaccedilatildeo
cujo objetivo era a incorporaccedilatildeo da infantaria derrotada
Nas palavras do historiador siciliano
159 Diod 1829 160 Diod 1829 Arr FGrH 1569 Justino 138 Plutarco Eumenes 47 161 Diod 1830
76
Erigido o monumento que registrou a derrota do inimigo
[τρόπαιον] e feitos os ritos fuacutenebres [Eumenes] enviou agrave falange que havia se mostrado inferior [πρὸς τὴν τν ἡττημένων φάλαγγα] um convite de incorporaccedilatildeo agraves suas
tropas dando-lhes tambeacutem permissatildeo para recuar aos
lugares que desejassem
Este caso esclarece desde o iniacutecio a distinccedilatildeo entre
as tropas macedocircnias ldquoconhecidas por sua coragemrdquo e os
demais soldados de infantaria ldquohomens de todas as raccedilasrdquo
No entanto apoacutes a vitoacuteria sobre o exeacutercito inimigo
Eumenes abertamente escolhe negociar a incorporaccedilatildeo das
tropas inimigas honrando os mortos em combate ao inveacutes de
completar a manobra de envolvimento e provocar o
aniquilamento completo da falange a qual havia se mostrado
inferior em batalha Note-se que a taacutetica continuou a ser a
mesma empregada nos tempos de Alexandre mas a profusatildeo do
serviccedilo mercenaacuterio fez com que a praacutetica da incorporaccedilatildeo de
tropas profissionais fosse preferiacutevel ao aniquilamento do
inimigo Aleacutem disso natildeo haacute sequer uma menccedilatildeo de tratamento
diferenciado para as tropas macedocircnias por excelecircncia se
as considerarmos legitimamente macedocircnias em relaccedilatildeo agrave
infantaria asiaacutetica de Eumenes Eram mercenaacuterias como as
demais ainda que natildeo fique claro o pagamento ou tempo de
serviccedilo
Em seguida Eumenes voltou-se contra Antiacutegono
77
32 Antiacutegono versus Eumenes
Em seu primeiro confronto com Eumenes Antiacutegono
utilizando-se de um estratagema abriu matildeo inicialmente
de uma decisatildeo travada ao modelo alexandrino e decidiu
subornar certo Apolonides comandante da cavalaria de
Eumenes fazendo com que ele se tornasse um traidor e
desertasse em meio agrave batalha (ἔπεισε προδότην γενέσθαι καὶ κατὰ τὴν
μάχην ατομολσαι)162
Nesta ocasiatildeo entretanto notamos uma situaccedilatildeo
paradoxal quanto ao comportamento do comandante
heleniacutestico Na situaccedilatildeo anterior Eumenes optou por
incorporar as tropas inimigas ainda que sem sucesso ao
inveacutes de prosseguir com a manobra de envolvimento e
aniquilamento de boa parte do exeacutercito de Craacutetero Um ano
depois em 320 aC Antiacutegono apoacutes ter subornado o
comandante de cavalaria de Eumenes tendo a infantaria em
suas matildeos optou por concluir a manobra e aniquilar cerca
de 8000 inimigos Nas palavras de Diodoro
Quando a batalha se tornou violenta e Apolonides
desertou inesperadamente com sua cavalaria Antiacutegono
ganhou o dia e aniquilou cerca de 8000 inimigos Ele
tambeacutem se apoderou de todo o suprimento de modo que os
soldados de Eumenes ficaram abatidos pela derrota e sem
esperanccedila devido agrave perda de seus suprimentos163
Em momento algum Diodoro menciona o interesse de
Antiacutegono em incorporar as tropas de Eumenes durante a
batalha com exceccedilatildeo da cavalaria a qual havia previamente
subornado No entanto logo apoacutes relatar o refuacutegio do
comandante grego num forte armecircnio o que lhe foi garantido
162 Diod 1840 163 Diod 1840 ldquoγενομένης δὲ μάχης ἰσχυρᾶς καὶ τοῦ Ἀπολλωνίδου μετὰ τν περὶ ατὸν ἱππέων ποιήσαντος ἀλόγως ἀπὸ τν ἰδίων διάστασιν ἐνίκησεν ὁ Ἀντίγονος καὶ ἀνεῖλεν τν ἐναντίων εἰς ὀκτακισχιλίους ἐκυρίευσε δὲ καὶ τς ἀποσκευς ἁπάσης ὥστε τοὺς περὶ τὸν Εμεν στρατιώτας διὰ μὲν τὴν ἧτταν καταπλαγναι διὰ δὲ τὴν ἀπώλειαν τς ἀποσκευς ἀθυμσαιrdquo Nesta citaccedilatildeo com exceccedilatildeo de ἰσχυρᾶς traduzido aqui como ldquoviolentordquo seguindo o LSJ (ἰσχυρός) optei por utilizar a traduccedilatildeo de Geer
78
por uma alianccedila com os nativos o historiador siciliano faz
referecircncia agrave contrataccedilatildeo por parte de Antiacutegono dos homens
os quais haviam servido Eumenes Seguindo o exemplo
anterior a compreensatildeo da guerra como ofiacutecio serviu de
paracircmetro para a composiccedilatildeo de grandes exeacutercitos o
trampolim a partir do qual generais aspiravam agraves grandes
coisas exatamente como no caso de Antiacutegono Ao tornar-se
senhor de todas as posses que antes pertenciam a Eumenes
das quais se destacava o grande exeacutercito as ambiccedilotildees
poliacuteticas de Antiacutegono ganharam nova face
No momento em que Antiacutegono tomou para si a forccedila
militar de Eumenes tornou-se senhor das suas satrapias
e das suas propriedades levantou grande soma de
dinheiro e aspirou agraves grandes coisas [μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο] Nenhum comandante em toda a Aacutesia possuiacutea forccedila militar suficiente para lutar pela supremacia
164
O comando de um grande exeacutercito era sem duacutevida o
motor da basileia e um dos maiores estiacutemulos agrave realizaccedilatildeo
de campanhas militares e conquista de territoacuterios
A incorporaccedilatildeo das tropas natildeo era contudo o uacutenico
objetivo dos generais cujo pensamento encontrava-se marcado
pela condiccedilatildeo mercenaacuteria Historiadores tambeacutem entravam no
jogo mesmo que tivessem servido num primeiro momento ao
seu inimigo Note-se por exemplo na esteira do contexto
em destaque que Antiacutegono iraacute contratar os serviccedilos de
Hierocircnimo o historiador logo apoacutes a vitoacuteria sobre Eumenes
na Capadoacutecia tendo em seguida o enviado como mensageiro a
Eumenes exortando o uacuteltimo a esquecer a derradeira batalha
e a se tornar seu amigo e aliado165
Com a mudanccedila na poliacutetica externa adotada por Antiacutegono
levada a cabo a partir da aquisiccedilatildeo dos espoacutelios
164 Diod 1841 ldquoἈντίγονος δὲ παραλαβὼν τὴν μετ Εμενοῦς δύναμιν καὶ τν σατραπειν καὶ τν ἐν ταύταις προσόδων κύριος γενόμενος ἔτι δὲ παραλαβὼν πλθος χρημάτων μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο οκέτι γὰρ οδεὶς τν κατὰ τὴν Ἀσίαν ἡγεμόνων ἀξιόμαχον εἶχε δύναμιν διαγωνίσασθαι πρὸς ατὸν περὶ τν πρωτείωνrdquo 165 Diod 1850
79
provenientes da vitoacuteria sobre Eumenes o general macedocircnico
tratou de ir ao encontro de Alcetas irmatildeo de Perdicas
destruindo-o completamente Segundo Diodoro166
Antiacutegono
liderou 6000 cavaleiros numa carga violenta contra a
falange inimiga no intuito de cortar a linha de retirada de
Alcetas Em seguida os elefantes foram enviados
frontalmente contra a falange ao mesmo tempo em que os
cavaleiros envolveram o inimigo por todos os lados tendo a
infantaria permanecido somente como forccedila de apoio
Diodoro natildeo nos informa sobre a proveniecircncia eacutetnica da
cavalaria de Antiacutegono mas note que haacute pouco ele contava
com 2000 cavaleiros e rapidamente passou para cerca de
6000 um forte indiacutecio de que a renovaccedilatildeo de suas forccedilas
montadas foi liderada por capadoacutecios Em primeiro lugar
talvez esta seja a constataccedilatildeo mais oacutebvia mas ainda assim
digna de ser mencionada Antiacutegono marchou com sua forccedila
militar da Capadoacutecia para a Pisiacutedia (μετὰ [] ἐκ Καππαδοκίας
προγεν ἐπὶ τὴν Πισιδικήν)
Em segundo lugar sua cavalaria triplicou desde o
momento anterior agrave batalha contra Eumenes ocorrida havia
menos de um ano Uma vez na Capadoacutecia dado o curto tempo
para a ampliaccedilatildeo das suas forccedilas montadas e a
disponibilidade de recrutamento de cavaleiros pesadamente
armados na regiatildeo outra explicaccedilatildeo natildeo parece possiacutevel
Logo apoacutes a vitoacuteria sobre Alcetas Antiacutegono obteve a
rendiccedilatildeo de todo o resto do exeacutercito inimigo por negociaccedilatildeo
e o alistou em suas proacuteprias fileiras167 agregando
consideraacutevel forccedila ao seu poderio beacutelico
Ainda que a manobra de envolvimento fosse como neste
caso realizada ateacute o momento em que o inimigo batesse
desesperadamente em retirada a porccedilatildeo do exeacutercito que
166 Diod 1844 167 Diod 1845 ldquoὁ δ Ἀντίγονος τούτους μὲν καθ ὁμολογίαν παραλαβὼν τοὺς λοιποὺς εἰς τὰ ἴδια τάγματα κατέταξε []rdquo
80
pudesse ser submetida com vida e incorporada por negociaccedilatildeo
era sempre bem recebida aleacutem de se mostrar crucial na
estruturaccedilatildeo de trajetoacuterias poliacuteticas pautadas na conquista
militar
Na sequumlecircncia dos acontecimentos168 Eumenes jaacute na Aacutesia
Menor enviou cartas aos saacutetrapas do norte solicitando o
seu apoio em nome dos reis Basicamente as duas partes
deveriam se encontrar em Susa mas Fiacuteton a esta altura
saacutetrapa da Meacutedia obteve tambeacutem o controle das satrapias do
norte ordenando a morte de Filotas e substituindo o mesmo
por Eudamus seu irmatildeo Apoacutes travar batalha com o exeacutercito
dos saacutetrapas do sul Fiacuteton concentrou seu exeacutercito num soacute
lugar aguardando o apoio de Seleuco motivo pelo qual
Eumenes encontrou todas as tropas reunidas quando da sua
chegada a Susianecirc
De acordo com Diodoro169
as tropas que se juntaram a
Eumenes foram (1) 10000 arqueiros e fundibulaacuterios persas
3000 pantodapoi armados como macedocircnios (τοὺς δὲ εἰς τὴν
Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς) 600 cavaleiros gregos
e traacutecios e mais de 400 cavaleiros persas todos vindos
sob comando de Peucestes um dos antigos soldados da elite
de Alexandre (2) 1500 pezoi e 700 cavaleiros liderados
por Tlepolemus o macedocircnio feito saacutetrapa da Carmacircnia (3)
1000 pezoi e 610 cavaleiros trazidos por Sibyrtius
comandante da Arachosia (4) 1200 pezoi e 400 cavaleiros
despachados por Oxyartes (5) 1500 pezoi e 1000
cavaleiros vindos com Stasander e (6) 500 cavaleiros 300
pezoi e 120 elefantes todos trazidos por Eudamo Somados a
estes 18500 soldados de infantaria e 4210 cavaleiros
Geer170
lembra que devemos acrescentar as forccedilas trazidas
por Amfiacutemaco da Mesopotacircmia apresentado na batalha de
168 Diod 1913 169 Diod 1914 170 Russel M Geer tradutor de Diodoro na ediccedilatildeo da LOEB p 269
81
Gabienecirc171 com seus 600 cavaleiros e talvez alguma
infantaria natildeo mencionada
Antiacutegono em contrapartida recebeu tropas de Seleuco e
Fiacuteton nomeando Seleuco saacutetrapa de Susa e ordenando que
este conquistasse a cidade jaacute que Xenofilos o tesoureiro
se recusava a aceitar suas ordens172 Ao cruzar a Meacutedia por
um caminho alternativo agravequele que havia sido bloqueado por
Eumenes Antiacutegono ordenou a Fiacuteton que recrutasse quantos
cavaleiros e cavalos de guerra fosse possiacutevel assim como
animais de carga Ao retornar de sua missatildeo com cerca de
2000 cavaleiros 1000 cavalos 500 talentos do tesouro
real e uma quantia de mulas suficientes para todo o
exeacutercito173
Fiacutethon deu a Antiacutegono a chance de reerguer o
moral das tropas aleacutem de reforccedilar consideravelmente a
cavalaria de seu exeacutercito No total Antiacutegono contava com
28000 pezoi 8000 cavaleiros e 65 elefantes
Apoacutes o desentendimento entre Eumenes apoiado por
Antigenes e os saacutetrapas ansiosos para retornar aos seus
assuntos pessoais174
o general grego optou por atender agraves
vontades dos saacutetrapas temendo perder seu valioso apoio
Apoacutes dias de marcha rumo a Perseacutepolis ambos os exeacutercitos
inimigos acamparam a curta distacircncia e iniciaram os
preparativos para a batalha Antiacutegono entretanto procurou
subornar parte das tropas inimigas como nos relata
Diodoro175
No quinto dia Antiacutegono enviou mensageiros aos saacutetrapas
e aos macedocircnios instigando-os a natildeo obedecer Eumenes
e a confiar apenas no proacuteprio Antiacutegono Disse aos
171 Diod 1927 172 Diod 1918 173 Diod 1920 174 Diod1921 175 Diod 1925 ldquo[]τῆ πέμπτῃ δ Ἀντίγονος πρεσβευτὰς ἐξαπέστειλε πρός τε τοὺς σατράπας καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀξιν Εμενεῖ μὲν μὴ προσέχειν ἑαυτῶ δὲ πιστεύειν συγχωρήσειν γὰρ ἔφη τοῖς μὲν σατράπαις ἔχειν τὰς ἰδίας σατραπείας τν δὲ ἄλλων τοῖς μὲν χώραν πολλὴν δώσειν τοὺς δὲ εἰς τὰς πατρίδας ἀποστελεῖν μετὰ τιμς καὶ δωρεν τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξειςrdquo
82
saacutetrapas que permitiria a manutenccedilatildeo de suas proacuteprias
satrapias e aos macedocircnios que daria uma grande
extensatildeo de terra a alguns que enviaria os outros de
volta para casa com honra e presentes e que designaria
postos agravequeles que desejassem servir em seu exeacutercito
[τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξεις]
Tendo fracassado em sua tentativa de incorporaccedilatildeo das
tropas inimigas antes mesmo da batalha Antiacutegono findou por
enfrentar Eumenes numa ocasiatildeo decisiva conhecida como
batalha de Paraitacene (317 aC)
Iniciada a batalha vendo que sua ala direita estava
sendo esmagada pelos cavaleiros arqueiros de Antiacutegono
(graccedilas agraves taacuteticas de ciacuterculo cujo objetivo era o ataque
aos flancos pelo uso dos arcos176) Eumenes ordenou o apoio
de sua ala esquerda comandada por Eudamo Apoacutes o movimento
de flanqueamento executado por soldados ligeiros e pela
parte mais levemente armada de sua cavalaria (τὴν ὅλην τάξιν τοῖς
μὲν ψιλοῖς καὶ τοῖς ἐλαφροτάτοις τν ἱππέων) conseguiu derrotar a ala
direita de Antiacutegono comandada por Fiacutethon
Em seguida apoacutes consideraacutevel tempo de combate entre as
falanges os homens de Eumenes venceram devido agrave
experiecircncia dos arguraspides de modo que muitos dos
oficiais de Antiacutegono apoacutes a derrota de sua ala esquerda e
de toda a sua falange aconselharam a batida em retirada
Antiacutegono no entanto ao ver que a infantaria inimiga havia
avanccedilado vitoriosamente em direccedilatildeo agrave sua no intuito de
persegui-la ateacute proacuteximo aos montes e que a ala de Eudamo
natildeo esperava por um ataque desferiu um violento golpe
contra a ala esquerda de seu inimigo recobrando com isso o
moral e as condiccedilotildees combativas de sua infantaria
aparentemente derrotada Assim nos relata Diodoro177
176 Diod 1930 ldquo[] περιιππεύσαντες δὲ τὸ κέρας καὶ πλαγίοις ἐμβαλόντες πυκνοῖς τοῖς βέλεσι κατετίτρωσκον []rdquo 177 Diod 1930 ldquoταχὺ δὲ διὰ τὸ παράδοξον τρεψάμενος τοὺς ἐναντίους καὶ πολλοὺς ἀνελὼν διαπέστειλε τν ἱππέων τοὺς ἐλαφροτάτους καὶ διὰ τούτων ἀνεκαλέσατο τοὺς φεύγοντας καὶ παρὰ τὴν πωρίαν πάλιν εἰς τάξιν κατέστησενrdquo
83
Uma vez que seu ataque foi inesperado ele [Antiacutegono]
rapidamente derrotou aqueles que o enfrentaram
destruindo muitos deles Entatildeo enviou os mais raacutepidos
de seus cavaleiros e por meio deles reuniu os soldados
que haviam batido em retirada alinhando-os mais uma
vez ao peacute dos montes
Como os soldados encontravam-se todos exaustos a
batalha prosseguiu durante o tempo necessaacuterio para a
certeza de sua indefiniccedilatildeo Embora o resultado natildeo tenha
sido claro Antiacutegono usou de sua legitimidade como
comandante e forccedilou acampamento proacuteximo a batalha
relativamente distante das bagagens O motivo para este ato
era simples para os gregos aquele que detinha o controle
dos ritos fuacutenebres assim que encerrada a peleja possuiacutea o
direito de declarar-se vitorioso178
Em seguida Eumenes dirigiu suas tropas para Gabenecirc
com excelentes condiccedilotildees de abastecimento179
enquanto
Antiacutegono conduziu seu exeacutercito atraveacutes do deserto proacuteximo a
Gadamala180
Alguns dias apoacutes o ataque parcialmente
frustrado aos elefantes de Eumenes atrasados se comparados
ao restante das tropas ambos os exeacutercitos fizeram frente
um ao outro em Gabenecirc
Tendo disposto seus homens da maneira que consideravam
mais eficiente os generais deram iniacutecio ao confronto
sendo que Antiacutegono e Demeacutetrio posicionados na ala direita
desferiram um ataque agrave cavalaria de Eumenes que a esta
altura lhes fazia frente Antes do embate entretanto
Peucestes saacutetrapa da Peacutersia esquivou-se da batalha e
deixou Eumenes somente com parte de sua cavalaria181
Por
consequumlecircncia Eumenes natildeo suportou o choque com a cavalaria
inimiga a qual rodeou o corpo de infantaria e investiu
178 Diod 1931 ldquo[Antiacutegono] ἠμφισβήτει τς νίκης ἀποφαινόμενος προτερεῖν ἐν ταῖς μάχαις τὸ τν πεσόντων κυριεῦσαιrdquo Outros exemplos segundo Geer satildeo
encontrados em Xen Hel 75 e Justino 66 179 Diod 1934 180 Diod 1937 181 Diod1942
84
contra a cavalaria na outra ala completando um semiciacuterculo
pela retaguarda inimiga
Embora as manobras acima detalhadas tenham sido de
grande importacircncia no desenrolar da batalha a participaccedilatildeo
crucial se deu com os tarentinos e medos enviados com a
missatildeo de capturar os suprimentos inimigos aproveitando-se
da pouca visibilidade provocada pela poeira do terreno A
partir deste movimento Eumenes parcialmente derrotado se
viu forccedilado a recuar e contra atacar a investida sorrateira
dos tarentinos e medos enquanto Antiacutegono soube aproveitar
o momento de vulnerabilidade dos arguraspides sem a
proteccedilatildeo dos flancos e ordenou a investida da cavalaria de
Fiacutethon182
Os resultados da batalha natildeo foram nada agradaacuteveis para
os homens de Eumenes que tiveram seus suprimentos filhos
mulheres e muitos outros parentes capturados pelo inimigo
Com isso Antiacutegono exterminou completamente o espiacuterito
combativo dos macedocircnios induzindo um comportamento
tipicamente heleniacutestico no lugar do extermiacutenio dos refeacutens
e inimigos derrotados (mas preservados em suas habilidades
de combate) o general optou por alistaacute-los
[] os macedocircnios secretamente iniciaram negociaccedilotildees
com Antiacutegono capturando e entregando Eumenes
recobrando seus suprimentos e apoacutes receberem promessas
alistaram-se no exeacutercito acampado [καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον]183
Agora que Antiacutegono havia se tornado o mais poderoso dos
Diaacutedocos os seus rivais passaram a temer a consolidaccedilatildeo de
seu poder supremo abalado apenas por pequenas revoltas
182 Diod 1943 183 Diod 1943 [hellip] οἱ Μακεδόνες λάθρᾳ διαπρεσβευσάμενοι πρὸς Ἀντίγονον τὸν μὲν Εμεν συναρπάσαντες παρέδωκαν τὰς δ ἀποσκευὰς κομισάμενοι καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον
85
locais como a insurreiccedilatildeo fracassada liderada por Fiacutethon
na Meacutedia184
Encerrada as operaccedilotildees de Cassandro no Peloponeso e
apoacutes a fuga de Seleuco para o Egito185 a resposta imediata
agrave transformaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico heleniacutestico causada
pela emergecircncia de Antiacutegono como autoridade predominante na
lideranccedila dos exeacutercitos se deu com a alianccedila de Ptolomeu
Seleuco Cassandro e Lisiacutemaco
184 Diod 1946-48 185 Diod 1953 e Diod 1954 respectivamente
86
33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e
Lisiacutemaco
Assim que chegou ao Egito Seleuco tratou de convencer
Ptolomeu do risco que era deixar Antiacutegono ampliar suas
forccedilas sua arrogacircncia e suas ambiccedilotildees ao trono
macedocircnico186
Seleuco natildeo somente conseguiu estabelecer uma
alianccedila com o senhor do Egito mas tambeacutem alguns de seus
amigos obtiveram sucesso na cooptaccedilatildeo de Cassandro e
Lisiacutemaco Com isso apoacutes recusar a abordagem diplomaacutetica de
Antiacutegono que enviou mensageiros com o intuito de reforccedilar
sua amizade com os generais macedocircnicos em eacutepoca de crise
Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro exigiram de Antiacutegono (1) a
entrega da Capadoacutecia e da Liacutecia a Cassandro (2) da Friacutegia
a Lisiacutemaco (3) de toda a Siacuteria a Ptolomeu e (4) da
Babilocircnia a Seleuco sem mencionar a partilha dos tesouros
conquistados com a vitoacuteria sobre Eumenes187
Daiacute por diante uma seacuterie de embates subsequumlentes agrave
formalizaccedilatildeo do desentendimento dos Diaacutedocos dominaraacute a
cena poliacutetica pelos proacuteximos 15 anos e uma narrativa de
todos os pormenores do conflito natildeo seria eficaz na
apresentaccedilatildeo dos argumentos que estou a desenvolver neste
capiacutetulo Portanto tratarei da batalha de Ipso por ser
suficientemente documentada188
(se levarmos em consideraccedilatildeo
que as demais batalhas nos chegaram apenas em pouquiacutessimos
detalhes) e possibilitar interpretaccedilotildees razoavelmente
seguras sobre a arte da guerra heleniacutestica no tempo dos
Diaacutedocos
De acordo com Plutarco189 Demeacutetrio contava com mais de
70000 soldados de infantaria 10000 cavaleiros e 75
elefantes enquanto seus adversaacuterios haviam trazido cerca
186 Diod 1956 187 Diod 19 57 188 A principal fonte eacute Plut Dem 28-30 que provavelmente seguiu
Hierocircnimo de Caacuterdia 189 Plut Dem 28
87
de 65000 soldados de infantaria 10500 cavaleiros 120
carros de guerra e 400 elefantes
Tatildeo logo os exeacutercitos iniciaram a peleja Demeacutetrio
avanccedilou em direccedilatildeo a Antiacuteoco filho de Ptolomeu e ao
derrotaacute-lo facilmente e iniciar uma perseguiccedilatildeo para longe
do campo de batalha levou consigo a melhor e maior porccedilatildeo
da cavalaria (τοὺς πλείστους καὶ κρατίστους τν ἱππέων) do exeacutercito de
Antiacutegono Ao observar que a falange inimiga estava
desprotegida num dos flancos Seleuco ldquoos manteve em medo
de ataquerdquo rodeando os inimigos em ato ameaccedilador fazendo
com que muitos deles viessem a ele por sua proacutepria vontade
e com que os demais batessem em retirada190 Por fim
enquanto Antiacutegono aguardava pelo retorno de seu filho
impossibilitado de voltar ao combate devido ao avanccedilo
frontal dos elefantes inimigos (contra os 75 elefantes de
Antiacutegono e em seguida contra a proacutepria infantaria do
rei) sendo esta uma manobra que lanccedilava os paquidermes no
caminho de Demeacutetrio uma saraivada de projeacuteteis o atingiu
pondo fim a sua vida
Demeacutetrio ainda tentou com seus 5000 soldados de
infantaria e 4000 cavaleiros restantes da batalha
resistir em Atenas onde possuiacutea embarcaccedilotildees e recursos
diversos mas no caminho fora avisado por um mensageiro de
que os cidadatildeos de Atenas decidiram natildeo receber nenhum dos
reis
A batalha de Ipso provavelmente representou uma
tentativa de transformaccedilatildeo das funccedilotildees da cavalaria algo
ineacutedito na guerra heleniacutestica Certamente por influecircncia da
guerra encaminhada na porccedilatildeo mais oriental do impeacuterio
Seleuco tentou fazer com que os elefantes desferissem o
ataque principal enquanto a cavalaria comandada por seu
filho Antiacuteoco forccedilava uma retirada de Demeacutetrio Mas quais
190 Plut Dem 29
88
seriam no confronto que pocircs fim agrave hegemonia de Antiacutegono
as vantagens conferidas a Seleuco pelo uso dos elefantes
A primeira delas estava fixada pelo nuacutemero de elefantes
(400 no total contra apenas 75 de Antiacutegono) Seleuco
sabendo disso os fez avanccedilar frontalmente contra o corpo
principal do exeacutercito antigocircnida provavelmente ordenando
que seu filho Antiacuteoco batesse em retirada e levasse
consigo a maior e melhor parte da cavalaria inimiga sob o
comando de Demeacutetrio Ainda que Plutarco natildeo mencione tal
manobra por parte de Antiacuteoco afirmando pelo contraacuterio
que as tropas montadas antigocircnidas o haviam derrotado natildeo
parece provaacutevel que a cavalaria de Seleuco fugiria do campo
de batalha tatildeo rapidamente ou que Demeacutetrio a perseguiria
ateacute a batalha ser encerrada (a menos que a fuga de Antiacuteoco
fosse parte de um plano)
Tarn191 argumentou sobre esta possibilidade na deacutecada de
1930 salientando que iniciada a perseguiccedilatildeo da cavalaria
de Seleuco se Demeacutetrio desistisse cedo demais a cavalaria
inimiga poderia simplesmente retornar e atacar sua
retaguarda mas por outro lado se a perseguiccedilatildeo levasse
muito tempo a batalha central se tornaria
definitivamente um palco imaginaacuterio Aceita esta hipoacutetese
conclui-se que Seleuco pocircde desferir seu ataque principal
com os elefantes ao centro e com a cavalaria na ala inimiga
desprotegida enquanto Demeacutetrio ficou impossibilitado de
dar qualquer suporte a Antiacutegono devido ao sucesso da
possiacutevel manobra de Antiacuteoco uma vez que o avanccedilo dos
elefantes havia inviabilizado o caminho para as operaccedilotildees
de auxiacutelio
191 Tarn opcit p69
89
CAPIacuteTULO 3 ndash PODER MONAacuteRQUICO E ARTE DA GUERRA NA
MAGNA GREacuteCIA E NA SICIacuteLIA HELENIacuteSTICA
1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia
heleniacutestica
Diodoro nos relata que Agaacutetocles ldquoao saber que os
referidos priacutencipes tinham assumido o diadema e por natildeo se
considerar inferior a eles em poder territoacuterio e feitos
designou-se reirdquo192 Esta natildeo era uma monarquia siciliana
como as anteriores aleacutem do desejo de se igualar em poder
aos monarcas heleniacutesticos e de assumir caracteriacutesticas de
um ldquonovordquo tipo de realeza como veremos a seguir Agaacutetocles
mantinha com alguns dos Diaacutedocos relaccedilotildees diplomaacuteticas as
quais frequumlentemente ilustravam um posicionamento muito
semelhante agravequeles adotados pelos Sucessores de Alexandre
quanto ao direito de conquista amplamente baseado no
princiacutepio da doriktetos chora De forma similar agrave
distribuiccedilatildeo de territoacuterios liderada pelos generais
macedocircnicos apoacutes a morte de seu rei em 323 aC Agaacutetocles
pretendia negociar de acordo com Diodoro a distribuiccedilatildeo
do espaccedilo africano (ainda natildeo subjugado) e siciliano
(parcialmente hostil) com Ophellas em 309 aC por
ocasiatildeo de sua expediccedilatildeo cartaginesa
192 Diod 2054 ldquo[] γὰρ πυθόμενος τοὺς προειρημένους δυνάστας ἀνῃρημένους
διάδημα καὶ νομίζων μήτε δυνάμεσι μήτε χώρᾳ μήτε τοῖς πραχθεῖσι λείπεσθαι τούτων ἑαυτὸν ἀνηγόρευσε βασιλέαrdquo Sobre a basileia de Agaacutetocles consultar
principalmente Henry Julius Wetenhall Tillyard Agathocles Cambridge
The University Press 1908 Claude Mosseacute La tyrannie dans la Gregravece
Antique Paris Presses Universitaires de France 1969 PP 149-202
Klaus Meister CAH 7 1984 PP 384-411 Ricardo Vattuone Sapienza
d‟occidente Il pensiero storico di Timeo di Tauromenio Bologna
Pagravetron 1991 Pp 63-86 187-204 Lorenzo Braccesi I tiranni di
Sicilia Roma-Bari Laterza 1998 PP 101-113 Consolo Langher Efrem
Zambon ldquoFrom Agathocles to Hieratildeo II the birth and development of
basileia in Hellenistic Sicilyrdquo In Sian Lewis (org) Ancient
Tyranny Edinburgh The University Press 2006 PP 77-94 Sobre a
coroaccedilatildeo dos Diaacutedocos de maneira geral consultar os estudos e as
referecircncias apresentadas no cap2 desta tese
90
Apoacutes esta batalha Agaacutetocles ao examinar todas as
maneiras de subjugar os cartagineses enviou Orthon o
siracusano como mensageiro a Ophellas em Cirene
Ophellas havia sido um dos Companheiros de Alexandre em
sua expediccedilatildeo tendo assumido o controle da cidade de
Cirene e de um poderoso exeacutercito e aspirava a uma
dominaccedilatildeo mais ampla Este era o seu estado de espiacuterito
quando o mensageiro de Agaacutetocles chegou com o pedido de
auxiacutelio para a campanha contra os cartagineses Em
troca desse serviccedilo ele [o mensageiro] prometeu que
Agaacutetocles concederia a Ophellas liberdade total no
controle da Liacutebia Agaacutetocles disse-lhe o mensageiro
estava satisfeito com a Siciacutelia desde que estivesse
livre da ameaccedila cartaginesa e que pudesse governar sem
receio toda a ilha A Itaacutelia estava disponiacutevel e
proacutexima para ampliar o seu impeacuterio caso Agaacutetocles
ambicionasse mais poder193
Ao analisarmos o relato do historiador siciliano
torna-se evidente que o comandante siracusano queria
integrar o cenaacuterio poliacutetico internacional de seu tempo
orientado por criteacuterios de paridade com os Diaacutedocos e que
Ophellas seria sua melhor opccedilatildeo de alianccedila pois o mesmo
aspirava agrave conquista de mais territoacuterios Afinal tal
paridade em forccedila militar territoacuterios conquistados e
realizaccedilotildees seria o motor de sua monarquia autoproclamada
Quando Ophellas e seu exeacutercito se encontraram com
Agaacutetocles o mesmo colocou em praacutetica seu plano de traiccedilatildeo
o macedocircnio foi pego de surpresa e assassinado enquanto
tentava desesperadamente se defender o siracusano entatildeo
aproveitando-se da situaccedilatildeo recrutou o numeroso exeacutercito
193 Diod 2040 ldquoἈπὸ δὲ τς μάχης ταύτης γενόμενος καὶ πάντα τῆ διανοίᾳ σκοπούμενος
πρὸς τὸ λαβεῖν τοὺς Καρχηδονίους ποχειρίους ἐξέπεμψε πρεσβευτὴν Ὄρθωνα τὸν Συρακόσιον πρὸς φέλλαν εἰς Κυρήνην οὗτος δ ἦν μὲν τν φίλων τν συνεστρατευμένων Ἀλεξάνδρῳ κυριεύων δὲ τν περὶ Κυρήνην πόλεων καὶ δυνάμεως ἁδρᾶς περιεβάλετο ταῖς ἐλπίσι μείζονα δυναστείαν τοιαύτην οὖν ατοῦ διάνοιαν ἔχοντος ἧκεν ὁ παρ Ἀγαθοκλέους πρεσβευτής ἀξιν συγκαταπολεμσαι Καρχηδονίους ἀντὶ δὲ ταύτης τς χρείας ἐπηγγέλλετο τὸν Ἀγαθοκλέα συγχωρήσειν ατῶ τν ἐν Λιβύῃ πραγμάτων κυριεύειν εἶναι γὰρ ἱκανὴν ατῶ τὴν Σικελίαν ἵν ἐξῆ τν ἀπὸ τς Καρχηδόνος κινδύνων ἀπαλλαχθέντα μετ ἀδείας κρατεῖν ἁπάσης τς νήσου παρακεῖσθαι δὲ καὶ τὴν Ἰταλίαν ατῶ πρὸς ἐπαύξησιν τς ἀρχς ἐὰν κρίνῃ μειζόνων ὀρέγεσθαιrdquo Para esta passagem Austin (n90) eacute a traduccedilatildeo de referecircncia A
invasatildeo eacute vagamente mencionada por Polib 182 e a alianccedila por
Justino 226 Cf Consolo Langher pp 175-196
91
sem comandante para a guerra que jaacute estava preparado para
travar conseguindo com isso praticamente dobrar o nuacutemero
de seus homens194
Polieno contudo sequer menciona a intenccedilatildeo de
estabelecer qualquer alianccedila por parte de Agaacutetocles
Segundo Polieno195 Ophellas encontrava-se jaacute com numeroso
exeacutercito em postos avanccedilados contra Agaacutetocles ao que tudo
indica no iniacutecio da expediccedilatildeo africana liderada pelo
siracusano quando Agaacutetocles ciente da inclinaccedilatildeo de seu
inimigo por jovens rapazes enviou seu filho Heracleides
ldquoum rapaz de beleza extraordinaacuteriardquo com a missatildeo de
distraiacute-lo enquanto o exeacutercito siciliano revidava em
sigilo Ophellas apaixonado pelo rapaz mostrou-se incapaz
de prever a sua proacutepria morte e Agaacutetocles saiu vitorioso
resgatando seu filho com sucesso
O relato de Polieno eacute obviamente pouco criacutevel
considerando-se que dificilmente um comandante com a
experiecircncia de Ophellas ainda mais no comando de um
numeroso exeacutercito aacutevido pela guerra para a qual estavam
marchando desde Cirene se deixaria distrair tatildeo gravemente
pelo filho de seu inimigo ainda que tivesse as inclinaccedilotildees
sexuais mencionadas Parece igualmente improvaacutevel que
Ophellas natildeo tivesse sido cotado como aliado por Agaacutetocles
a julgar pela referecircncia tatildeo clara em Diodoro e pelo
desenrolar dos eventos na Aacutefrica O mais provaacutevel eacute que
Polieno natildeo tivesse conhecimento da alianccedila ou a tivesse
suprimido pela natureza didaacutetica de sua obra De qualquer
modo as relaccedilotildees diplomaacuteticas tiveram de acontecer mesmo
que unilateralmente em certo ponto e comprovam
preliminarmente a interaccedilatildeo (diplomaacutetica e beacutelica) entre
Agaacutetocles e o mundo heleniacutestico num niacutevel que para ele se
dava em grau de paridade Como nos lembra Braccesi a
194 Diod 2042
195 Polieno 53
92
Siciacutelia mostrou-se um espaccedilo imune agrave invasatildeo de Alexandre
mas natildeo ao seu projeto de conquista neste caso traduzido
pela ascensatildeo de Agaacutetocles agrave iminente realeza196 A
autoproclamaccedilatildeo de Agaacutetocles como rei simbolizava que o
siracusano via-se em condiccedilatildeo de reclamar territoacuterios nos
mesmos termos que os Diaacutedocos e as interaccedilotildees diversas com
alguns deles servem de evidecircncia para a postura de paridade
adotada pelo monarca
Parte da historiografia moderna no entanto tende a
classificar Agaacutetocles da mesma forma que os tiranos tardo-
claacutessicos ou ainda como os tiranos arcaicos de modo que
sua autoproclamaccedilatildeo representaria de fato apenas um traccedilo
de sua ambiccedilatildeo poliacutetica uma estrateacutegia de inserccedilatildeo sem
grandes resultados197 Veja-se por exemplo o que nos diz
Mosseacute para quem Agaacutetocles tirano popular198 teria se
transformado com a expediccedilatildeo africana numa figura
196 Braccesi op cit p101 Cf tambeacutem Lorenzo Braccesi L‟Alessandro
occidentale Il Macedone e Roma Roma ldquoL‟ermardquo di Bretschneider
2006 PP 54-67 Braccesi argumenta que apoacutes a morte de Alexandre o
problema puacutenico se confunde com a hereditariedade do poder monaacuterquico
produzindo uma ldquonascente sensibilidade heleniacutesticardquo a qual seria
direcionada agrave ameaccedila cartaginesa sob a forma de basileia justificada 197 Outra questatildeo recorrente na historiografia moderna eacute a classificaccedilatildeo
de Agaacutetocles como grande estadista ou como o mais cruel dos tiranos
discussatildeo que se arrasta desde a Antiguidade quando por exemplo
Caacutelias (FGrH 564T3) contemporacircneo de Agaacutetocles pinta uma aura de
piedade e humanidade para o siracusano ao passo que Timeu (FGrH
566F124) igualmente seu contemporacircneo diz que nenhum tirano mostrou-
se tatildeo cruel quanto ele Aleacutem da identificaccedilatildeo errocircnea da monarquia de
Agaacutetocles como sendo da mesma natureza que as tiranias tardo-
claacutessicas haacute que se considerar a interpretaccedilatildeo curiosa ndash e pouco
aceita ndash de Helmut Berve (Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen
Verlag 1953 Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967)
Segundo Berve Agaacutetocles manteve a sua magistratura em Siracusa tendo
criado ao mesmo tempo uma monarquia pessoal como maneira de combater
em nome da cidade e acumular territoacuterios em seu proacuteprio nome Como
desdobramento disso no final de sua vida Agaacutetocles teria devolvido a
democracia aos siracusanos sem abdicar da realeza o que de fato
carece de evidecircncias suficientes Para o assunto cf Meister CAH 7
pp 409-410 198 O que soa no fim das contas absurdo pois logo apoacutes a sua morte os
siracusanos confiscaram as suas propriedades derrubaram as suas
estaacutetuas e procederam a uma verdadeira damnatio memoriae Sobre a
criacutetica agrave classificaccedilatildeo da tirania de Agaacutetocles como ldquopopularrdquo cf
Meister CAH 7 p 410
93
tiracircnica tiacutepica do periacuteodo heleniacutestico o roy conqueacuterant199
embora seu comportamento indique no fim das contas uma
postura comum entre os tiranos que o precederam
Homem do povo pelo povo de Siracusa eacute que ele tentou
restaurar a supremacie da cidade que ele tentou
igualmente varrer o perigo que pesava sobre toda a
Siciacutelia o perigo cartaginecircs Homem de seu tempo []
imitador dos generais de Alexandre quanto ao tiacutetulo
reacutegio [] Ele natildeo liberou os escravos por princiacutepio
mas por que necessitava de homens para combater Nisso
ele se assemelhava aos tiranos do seacutecIV aC [] Ateacute
onde podemos conhececirc-lo ele continua a ser o tipo do
tirano popular mais proacuteximo no fim dos tiranos da
eacutepoca arcaica que dos condottieri do seacutecIV aC ou dos
ldquorevolucionaacuteriosrdquo da eacutepoca heleniacutestica200
Imitador dos Diaacutedocos Agaacutetocles agregaria em uacuteltima
instacircncia tanto os valores do tirano arcaico (devido ao
caraacuteter demagoacutegico de seu governo) quanto os costumes de
recrutamento do tirano claacutessico orientado pelo alistamento
massivo de exilados e mercenaacuterios Isso o torna peculiar
sem duacutevida mas o contexto eacute imperativo para o assunto e
como tal impotildee agrave monarquia adotada por Agaacutetocles um sentido
especialmente heleniacutestico Natildeo resta duacutevida que o
alistamento massivo de profissionais era uma praacutetica de
origens tardo-claacutessicas na Siciacutelia grega da mesma forma o
traccedilo popular dos governos autocraacuteticos remonta agrave eacutepoca
arcaica201 Poreacutem tais peculiaridades encontravam-se
inseridas no contexto de fragmentaccedilatildeo do impeacuterio de
Alexandre fazendo da Siciacutelia como dito anteriormente
parte do projeto de conquista macedocircnica (o que seria
executado obviamente pelos Diaacutedocos) e de Agaacutetocles o
homem capaz de liderar uma inovaccedilatildeo poliacutetica de
caracteriacutesticas heleniacutesticas
199 Claude Mosseacute op cit p 171 Sobre a identificaccedilatildeo de Agaacutetocles
com tiranos arcaicos e tardo-claacutessicos cf Zambon op cit p 77 200 Mosseacute op cit pp 176-177 Grifo nosso
201 Meister CAH 7 pp 409-410
94
Braccesi quase 30 anos apoacutes a publicaccedilatildeo do livro de
Mosseacute mostra-se um pouco mais otimista quanto agrave concretude
da monarquia de Agaacutetocles O contexto de interaccedilatildeo do
siracusano com os generais macedocircnicos aparece com mais
relevacircncia de modo a gerar uma interpretaccedilatildeo histoacuterica
acerca dos problemas de longevidade da basileia
agatocleana A natureza heleniacutestica da monarquia
introduzida na Siciacutelia por Agaacutetocles eacute inquestionaacutevel mas
trata-se no final das contas de uma monarchia mancata202
Recentemente Zambon203 sustentou que Agaacutetocles iniciou
uma mudanccedila constitucional ao introduzir a monarquia de
tipo heleniacutestico em Siracusa e que seu exemplo foi seguido
por diversos governantes posteriores (tais como Phintias
Pirro e Hieratildeo II) Considerado o niacutevel de sistematizaccedilatildeo
desenvolvido por Zambon podemos dizer que a sua
interpretaccedilatildeo soa demasiado otimista forccedilando
propositalmente (pela preservaccedilatildeo do argumento) uma
continuidade exagerada nas mudanccedilas institucionais
siciliotas apoacutes a morte de Agaacutetocles Naquele momento
contudo tentativas de retomada das formas constitucionais
perdidas com a ascensatildeo do monarca emergiram muitas delas
temporariamente bem-sucedidas Em defesa do otimismo
zamboniano podemos apenas dizer com certa razatildeo que o
cenaacuterio poliacutetico siciliota mostrou-se suficientemente
confuso e marcado como recorda Zambon por ldquoguerras civis
sangrentasrdquo bem como por ldquoconsequumlecircncias [soacutecio-econocircmicas]
de campanhas militares exaustivasrdquo e soluccedilotildees poliacuteticas
extremas adotadas pelas poacuteleis que agregavam poder de
lideranccedila na porccedilatildeo leste da ilha204 Diante de tamanha
complexidade e da evidecircncia para o surgimento da monarquia
de tipo heleniacutestico na ilha como parte do conjunto das
202 Braccesi op cit p 110
203 Zambon op cit pp 77-94 Zambon Hellenistic Sicily
204 Zambon Hellenistic Sicily p 267
95
inovaccedilotildees poliacuteticas siciliotas (momentaneamente fracassadas
e posteriormente retomadas) devemos a esta altura nos
perguntar como se deu a introduccedilatildeo da basileia por
Agaacutetocles e em quais aspectos ela representou uma imitatio
Alexandri O primeiro indiacutecio analisado eacute obviamente a
transformaccedilatildeo de ordem poliacutetica que deve ser compreendida
no decorrer da trajetoacuteria de Agaacutetocles cedendo espaccedilo em
seguida para o estudo dos indiacutecios de uma imitatio em
campo taacutetico a partir das tropas que a organizaccedilatildeo social
siciliana disponibilizou no contexto
Em 337 aC apoacutes a morte de Timoleatildeo frente ao
problema da sucessatildeo de um liacuteder que havia pacificado na
medida do possiacutevel a Siciacutelia grega e promovido em larga
escala um verdadeiro tiraniciacutedio diversas tiranias
reapareceram na porccedilatildeo leste da ilha e a ofensiva
cartaginesa novamente gerava resultados preocupantes para
os gregos A democracia siracusana havia sido a esta altura
substituiacuteda por uma oligarquia a qual era liderada por
Sosiacutestrato e Heracleides Com isso a velha guerra civil
retornou com forccedila total colocando cidadatildeos (democratas e
oligarcas) em lados opostos convivendo num grau de
desentendimento que se traduzia no derramamento contiacutenuo de
sangue
Os primeiros anos da vida poliacutetica de Agaacutetocles se
deram no exiacutelio quando o siracusano parece ter aproveitado
a puniccedilatildeo para angariar apoio noutras regiotildees e recrutar o
nuacutemero de mercenaacuterios que seu dinheiro pudesse pagar Apoacutes
o seu retorno a Siracusa em 319 aC jaacute em cenaacuterio
poliacutetico favoraacutevel Agaacutetocles apresentou-se como defensor
da democracia e segundo Diodoro conquistou o apoio
popular por sua abordagem demagoacutegica (δημαγωγήσας) Em
seguida Agaacutetocles teria sido eleito strategos e ldquoguardiatildeo
96
da pazrdquo (φύλαξ τς εἰρήνης)205 Meister e Zambon recordam que um
termo ligeiramente diferente aparece na Marmor Parium (FGrH
239F12) onde eacute sugerida jaacute no iniacutecio uma strategia
autocraacutetica206 o que altera sensivelmente a natureza da
magistratura de Agaacutetocles e sugere nesse caso o uso de
fontes favoraacuteveis ao tirano por Diodoro A strategia
autocraacutetica era um cargo extraordinaacuterio sendo o magistrado
eleito por tempo indeterminado e com objetivos de caraacuteter
urgente No caso em questatildeo a querela entre democratas e
oligarcas deveria ser mais uma vez solucionada mas com o
strategos agrave frente da poliacutetica externa Tratava-se
portanto de ldquouma excelente oportunidade para o golpe de
Estadordquo recorda o historiador italiano Aleacutem disso
Agaacutetocles natildeo era exatamente o homem mais indicado para
coordenar um equiliacutebrio muacutetuo entre as facccedilotildees como a sua
imediata ascensatildeo ao poder absoluto precedida pelo
extermiacutenio dos seus adversaacuterios poliacuteticos foi capaz de
mostrar207 A nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles tenha ela acontecido
nos termos postos por Diodoro ou da forma direta presente
na inscriccedilatildeo sugere uma legalidade no processo o que
dificilmente ocorreu A eleiccedilatildeo era apenas uma ldquopseudo-
legalidade formalrdquo diz Meister208 uma vez que (1) os
adversaacuterios poliacuteticos oligarcas haviam sido assassinados ou
exilados (2) a assembleacuteia era composta basicamente por
entusiastas da nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles e (3) um grande nuacutemero
de soldados dava cobertura armada para o golpe Parece
205 Diod 195 Eacute possiacutevel que Diodoro tenha usado neste caso uma
fonte favoraacutevel a Agaacutetocles de modo a alterar as caracteriacutesticas das
primeiras magistraturas que ele assumiu em Siracusa 206 Marmor Parium (FGrH 239F12) ldquoE naquele mesmo ano os siracusanos
escolheram Agaacutetocles como bdquostrategos autocrator‟ das defesas
siciliotasrdquo Meister CAH 7 p 389 Zambon op cit p 78 Marmor
Parium eacute uma famosa inscriccedilatildeo encontrada em Paros datada de 2643
aC e preservada em duas partes podendo ser consultadas
gratuitamente no website do Ashmoelan Museum
(httpwwwashmoleanorg) 207 Meister CAH 7 p 388
208 Meister CAH 7 p 389
97
incorreto portanto falar de uma eleiccedilatildeo livre e legal do
mesmo modo que pressupor uma participaccedilatildeo efetiva da
assembleacuteia nas decisotildees tomadas por Agaacutetocles o que
inviabiliza inclusive a sua interpretaccedilatildeo como ldquotirano
popularrdquo A sua abordagem demagoacutegica posta muitas vezes
numa entonaccedilatildeo positiva por Diodoro funcionava apenas como
princiacutepio ideoloacutegico para a manutenccedilatildeo de um poder
autocraacutetico e opressor em relaccedilatildeo ao funcionamento da
assembleacuteia o qual foi associado como recurso estrateacutegico
de compensaccedilatildeo ao cancelamento de diacutevidas redistribuiccedilatildeo
de terras construccedilatildeo de diversos preacutedios puacuteblicos e
expansatildeo da frota siracusana
De acordo com Zambon209 o primeiro indiacutecio da adoccedilatildeo da
basileia heleniacutestica por Agaacutetocles encontra-se numa accedilatildeo
especiacutefica durante a campanha africana (310-307 aC)
Nesta ocasiatildeo em 309 aC o tirano teria dado indiacutecios de
que pretendia mesmo adotar um novo tipo de realeza em
sintonia com a emergente ideologia advinda do mundo
heleniacutestico Zambon remonta o significante episoacutedio do
motim em Tuacutenis210 quando Agaacutetocles decidiu enfrentar o
problema pessoalmente diante dos soldados Apoacutes vestir uma
toga puacuterpura (τὴν πορφύραν)211 siacutembolo da realeza naquele
tempo Agaacutetocles foi ter com suas tropas rebeldes que
reconheceram seus trajes como roupas reais (τὴν βασιλικὴν
ἐσθτα) adequadas ou pertencentes ao seu comando (τὸν
προσήκοντα κόσμον) Embora seja improvaacutevel que Agaacutetocles
tivesse pensado em se autoproclamar basileu antes mesmo dos
209 Zambon op cit p 80
210 Diod 2034
211 Esta foi a primeira vez em que Agaacutetocles apareceu diante de suas
tropas trajando a toga puacuterpura A toga alaranjada no estilo tarentino
(κροκωτὸν ἐνδὺς) no entanto havia jaacute sido empregada por Agaacutetocles de acordo com informaccedilatildeo registrada em Polieno 53 Na ocasiatildeo Agaacutetocles
convidou quase 500 pessoas (hostis agrave sua autoridade em Siracusa) para
um banquete e momentos apoacutes ter cantado danccedilado e tocado harpa
vestido com sua toga alaranjada no estilo tarentino mandou executar
todos os convidados
98
Diaacutedocos o ponto aqui eacute que Agaacutetocles certamente modificou
a concepccedilatildeo de seu proacuteprio poder durante a campanha
africana e que estava inclinado a atingir uma nova escala
de influecircncia poliacutetica entre seus homens A vitoacuteria sobre
Ophellas vale lembrar um dos antigos Companheiros de
Alexandre certamente influenciou a referida postura
durante a expediccedilatildeo africana
Suporte para a orientaccedilatildeo heleniacutestica de Agaacutetocles pode
ser encontrado tambeacutem numa evidecircncia arqueoloacutegica que tem
se mostrado tatildeo decisiva quanto polecircmica um estater de
ouro de Agaacutetocles com apenas 3 exemplares conhecidos
(fig1)212 A moeda possui no anverso uma cabeccedila com um
escalpo de elefante e o chifre de Amon e no reverso a
imagem de uma Atena ldquomarchanterdquo equipada com elmo escudo
e lanccedila sendo precedida por uma coruja aos seus peacutes ave
frequumlentemente ligada agrave divindade e com a inscriccedilatildeo
AGATHOKLEOS (ldquode Agaacutetoclesrdquo) agraves suas costas Como nos
lembra Stewart o estater de ouro tem sido vinculado agrave
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles desde o seacutecXIX aleacutem de
parecer inquestionaacutevel que se trata de uma imitaccedilatildeo dos
tetradracmas de Ptolomeu especificamente aqueles dos anos
3143 aC (fig2)213 A primeira questatildeo analiacutetica pode ser
sugerida a partir da figura presente no anverso Noutras
palavras de quem seria a cabeccedila representada no estater
Claramente a Atena representada no reverso refere-se a uma
vitoacuteria militar (Athena Nikeacute) e deve tratar do iniacutecio da
expediccedilatildeo africana214 desdobrando-se portanto em algumas
212 Haacute outras evidecircncias para o impacto da expediccedilatildeo asiaacutetica de
Alexandre no mundo mediterracircnico ocidental tais como um vaso
apuliano cujo tema central eacute a batalha de Isso e um retrato no
templo de Melkart em Caacutedis Sobre a repercussatildeo que a anaacutebasis de
Alexandre teve no mundo ocidental antigo consultar Andrew Stewart
Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic Politics Berkeley
and Los Angeles University of California Press 1993 pp 150-157
263-289 213 Stewart op cit p 266
214 Uma vez que a expediccedilatildeo terminou em fracasso a cunhagem natildeo pode
ter se dado apoacutes 307 aC Aleacutem disso haacute que se considerar uma
99
interpretaccedilotildees possiacuteveis para a cabeccedila em questatildeo trata-
se dizem alguns da personificaccedilatildeo da Aacutefrica Liacutebia ou
Siciacutelia215 ao passo que outros sustentam uma identificaccedilatildeo
com Alexandre ou com o proacuteprio Agaacutetocles216 A mim parece
evidente que se trata de Agaacutetocles representado como
Alexandre pelos seguintes motivos 1) como notaram alguns
estudiosos a personificaccedilatildeo da Aacutefrica da Liacutebia ou mesmo
da Siciacutelia natildeo eacute seguramente documentada ateacute o periacuteodo
romano devendo ainda ser considerado o chifre de Amon e a
fronte masculina como evidecircncias da impossibilidade de uma
representaccedilatildeo feminina217 2) embora natildeo existissem
elefantes no exeacutercito de Agaacutetocles a sua ausecircncia mesmo
entre os cartagineses do periacuteodo de cunhagem do estater
indica que se tratava de algo puramente simboacutelico sem
referecircncia imediata ao exeacutercito do comandante siracusano
mostrando-se portanto como imitaccedilatildeo dos tetradracmas de
Ptolomeu (314-3 aC) como previamente sugerido e
visando em uacuteltima instacircncia o viacutenculo com o impeacuterio de
Alexandre o Grande (filho de Amon) a partir de um dos
siacutembolos poliacutetico-militares mais poderosos dos Diaacutedocos (o
referecircncia em Diod 2011 sobre a primeira vitoacuteria de Agaacutetocles na
Aacutefrica quando os soldados apoiados por corujas (animal ligado agrave
deusa Atena como dito acima) conseguiram derrotar os cartagineses
ldquoao perceber que os seus soldados estavam aterrorizados com o grande
nuacutemero da cavalaria e da infantaria baacuterbaras [Agaacutetocles] soltou
corujas entre o seu exeacutercito as quais ele tinha preparado como meio
de retirar o medo dos soldados comuns as corujas voando atraveacutes da
falange e pousando nos escudos e elmos encorajaram os soldados e
cada homem entendeu o ocorrido como um pressaacutegio uma vez que o
paacutessaro eacute consagrado a Atenardquo A referecircncia soa absurda do ponto de
vista taacutetico mas deve ter sido inspirada por algum evento relacionado
agraves corujas a julgar pelos dados cruzados tanto no estater quanto no
relato do historiador siciliano 215 Kuschel 1961 15 e Goukowsky 1978 207 sugeriram Aacutefrica e Liacutebia
sendo a Siciacutelia tambeacutem sugerida por Goukowsky 1978 356 216 Alexandre parece o mais provaacutevel para os estudiosos como encontrado
em Walther Giesecke (Sicilia numismaacutetica Leipzig K W Hiersemann
1923 P 91) e Ernest Babelon (ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1
95-107 1924 P 102) enquanto Agaacutetocles tem sido sugerido por
exemplo por Erick Sjoumlqvist (ldquoA portrait Head from Morgantina AJA 66
319-322 1962 P 320rdquo) Para um balanccedilo geral das diversas
interpretaccedilotildees cf Stewart op cit pp 266-268 217 Cf Stewart op cit p 268
100
elefante de combate) Pode-se dizer que a imagem faz
referecircncia estrita a Alexandre devido ao chifre de Amon
mas considerando-se cuidadosamente a inscriccedilatildeo no reverso e
o contexto de cunhagem chega-se agrave conclusatildeo de que a
cabeccedila sugere Agaacutetocles representado como Alexandre (o que
anularia inclusive a criacutetica feita por alguns estudiosos
de que a cabeccedila de Agaacutetocles havia sido representada
diferentemente noutras moedas)
101
2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo
poliacutetica da morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro
Entre 310 aC e 290 aC os tradicionais problemas
siciliotas haviam sido parcialmente controlados por meio da
centralizaccedilatildeo liderada por Agaacutetocles Submetidas ao
controle de Siracusa as poacuteleis da Siciacutelia experimentaram
uma reduccedilatildeo dos conflitos internos que quase sempre
resultavam em stasis (uma vez que natildeo possuiacuteam autonomia
para tanto) e o domiacutenio cartaginecircs manteve-se em boa parte
do tempo restrito agrave porccedilatildeo oeste da ilha (dado o caraacuteter
militarmente ofensivo da poliacutetica externa siracusana) Apoacutes
a morte de Agaacutetocles no entanto com a reconquista da
autonomia das cidades vieram todos os tradicionais
problemas siciliotas somando-se ao novo distuacuterbio
migratoacuterio que os gregos da Siciacutelia tiveram que enfrentar
os mercenaacuterios do exeacutercito do monarca218
De modo similar ao que ocorreu com os macedocircnios a
questatildeo mais delicada na Siciacutelia grega teve relaccedilatildeo com a
sucessatildeo do rei (heleniacutestico) Uma diferenccedila todavia deve
ser notada no caso siciliota os paracircmetros sucessoacuterios
nunca foram muito claros ou mesmo respeitados ainda que a
tendecircncia natural fosse a delegaccedilatildeo do poder real aos
filhos do monarca em exerciacutecio Nos uacuteltimos anos de sua
vida Agaacutetocles havia confiado o controle dos exeacutercitos a
Archagathus neto do rei e filho do tambeacutem nomeado
Archagathus ex-combatente morto na Liacutebia219 De acordo com
218 Para os problemas gerados pelos mercenaacuterios de Agaacutetocles apoacutes a sua
morte consultar Gianluca Tagliamonte ldquoRapporti tra societagrave di
immigrazione e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo
aCrdquo In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti Del
XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna Grecia Taranto
1999 PP 547-572 219 Diod 2116 Justino 232 Para uma distinccedilatildeo entre ambos ver
Niese ldquoArchagatusrdquo in RE 21 432-433 1895
102
Diodoro220 o plano de Agaacutetocles era que seu filho
Agaacutetocles juacutenior se tornasse o sucessor legiacutetimo tendo
com esse propoacutesito apresentado o jovem em Siracusa e o
enviado a Etna com uma carta de autorizaccedilatildeo para o comando
supremo das tropas Ao saber da deliberaccedilatildeo do rei
Archagathus teria decidido levar adiante um plano de
usurpaccedilatildeo Como primeira medida instigaria Menon um dos
amigos (philoi) de Agaacutetocles a envenenar o rei enquanto o
proacuteprio strategos levaria a cabo o assassinato do priacutencipe
apoacutes embebedaacute-lo durante uma festa organizada com esse
objetivo
Se aceitarmos o relato diodoreano a conclusatildeo imediata
eacute que Agaacutetocles desejava manter unidas strategia e
basileia no intuito de assegurar hereditariamente a
concentraccedilatildeo dos poderes poliacutetico e militar nas matildeos de um
soacute homem221 Ao seguir o formato monaacuterquico heleniacutestico
Agaacutetocles teria concedido plenos poderes poliacuteticos ao
general e ao mesmo tempo autoridade sobre os exeacutercitos ao
rei
Haacute contudo uma explicaccedilatildeo alternativa para a sucessatildeo
em Justino a qual natildeo pode ser negligenciada pelos
historiadores ldquoconforme a sua vida esvaiacutea uma guerra
nasceu entre seu filho e seu neto pelo direito agrave sucessatildeo
do reino como se ele jaacute estivesse morto apoacutes eliminar o
filho o neto tomou posse do poder reacutegiordquo222 De acordo com
Justino tanto Agaacutetocles juacutenior quanto Archagathus ao que
parece ainda no comando de consideraacutevel parte do exeacutercito
natildeo teriam sido escolhidos para suceder o rei Ao narrar
que Agaacutetocles teria enviado sua esposa ao Egito os dois
filhos que tivera com ela juntamente com seu tesouro
220 Diod 2116
221 Zambon Hellenistic Sicily pp19-20
222 Justino 232 Ex qua desperatione bellum inter filium nepotemque
eius regnum iam quasi mortui vindicantibus oritur occiso filio regnum
nepos occupavit
103
servos e mobiacutelia real Justino torna claro que o rei natildeo
havia pensado em nenhum dos rebeldes (filho e neto) como
seu sucessor legiacutetimo e que o conflito ter-se-ia iniciado
devido ao seu estado fraacutegil de sauacutede causado por uma
repentina e fatal doenccedila
Por uacuteltimo somente Diodoro menciona que Agaacutetocles
apoacutes ter sido envenenado por Menon a mando de Archagathus
ldquoconvocou a populaccedilatildeo denunciou Archagathus por sua
impiedade instigou a multidatildeo a se vingar e declarou que
devolveu a democracia ao corpo de cidadatildeosrdquo223 Certamente
o que verificamos logo apoacutes a morte de Agaacutetocles eacute a
retomada do governo proacuteprio de Siracusa que muito em breve
entraria em colapso para dar lugar a mais uma guerra civil
Diodoro224 menciona um evento importante sobre os soldados
pagos de Agaacutetocles chamados mamertinos225 os quais foram
obrigados apoacutes longa negociaccedilatildeo mediada pelos anciatildeos (οἱ
πρεσβῦται) a vender as suas propriedades e deixar a Siciacutelia
(τὰς ἑαυτν κτήσεις ἀποδομένους ἀπελθεῖν ἐκ Σικελίας)
Se aceitarmos o uacutenico fato em comum nos dois relatos
preservados sobre a sucessatildeo de Agaacutetocles isto eacute a luta
entre filho e neto pelo poder reacutegio haacute talvez uma forma de
unificar as divergecircncias nos testemunhos de Diodoro e
Justino Mesmo que Agaacutetocles natildeo tivesse escolhido seu
filho como sucessor podemos supor que o mesmo possuiacutea
direito ao trono uma vez que Archagathus o combateu com o
intuito de eliminaacute-lo da contenda sucessoacuteria226
Archagathus por outro lado possuiacutea o controle de boa
223 Diod 2116 [] ἐκκλησιάσας τὸν λαὸν κατηγόρησε τς ἀσεβείας Ἀρχαγάθου καὶ τὰ
μὲν πλήθη παρώξυνε πρὸς τὴν ατοῦ τιμωρίαν τῶ δὲ δήμῳ τὴν δημοκρατίαν ἔφησεν ἀποδιδόναι 224 Diod 2118
225 Diodoro 2118 nos informa que a cidade chamava-se Mamertina apoacutes
Ares que era conhecido ali pelo nome de Mamertos 226 Consolo Langher pp 320-321 tenta unificar as divergecircncias nos dois
relatos de modo muito similar exceto pelo fato de que toma como
incontestaacutevel a indicaccedilatildeo diodoreana com relaccedilatildeo agrave escolha do sucessor
e posterior revolta paterna diante da morte de seu primogecircnito O
problema aqui eacute a exclusatildeo intencional do que nos informa Justino que
natildeo faz qualquer menccedilatildeo agrave escolha de um sucessor por Agaacutetocles
104
parte dos exeacutercitos como atestado em ambas as fontes o
que lhe dava condiccedilotildees de reclamar o trono Se por um
lado Agaacutetocles natildeo escolheu seu filho como sucessor como
nos faz crer Justino por outro o rei natildeo desejava deixar
a heranccedila ao seu neto como nos indica tanto o despacho dos
seus tesouros ao Egito apoacutes a morte de Agaacutetocles juacutenior em
Justino227 como a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos
siracusanos instantes antes de sua morte em Diodoro228
Apesar da divergecircncia quanto agrave escolha sucessoacuteria para
a qual proponho a soluccedilatildeo apresentada229 os testemunhos de
Diodoro e Justino preservam algo muito interessante tendo
Agaacutetocles escolhido seu filho como herdeiro o que teria
provocado os planos de usurpaccedilatildeo do neto e a consequumlente
luta pelo trono ou tendo filho e neto lutado pela sucessatildeo
sem o consentimento do rei do que resultou a morte do
filho e a hostilidade de Agaacutetocles para com Archagathus
parece incontornaacutevel o fato de que a manutenccedilatildeo da uniatildeo
entre strategia e basileia tenha sido um dos motores do
conflito As monarquias sicilianas posteriores do mesmo
modo tenderatildeo a manter o formato inaugurado por Agaacutetocles
ora baseando-se no esquema de incorporaccedilatildeo definitiva da
strategia compulsoacuteria agrave esfera do poder monaacuterquico ora
desdobrando a monarquia de tipo heleniacutestico da strategia
autocraacutetica
227 Justino 232
228 Diod 2116
229 Consolo Langher p 321 e Zambon Hellenistic Sicily p 25
propuseram algo no mesmo sentido particularmente quanto agraves
providecircncias do rei para evitar que seu neto tomasse o poder Tal
interpretaccedilatildeo contraria abertamente a proposta de Helmut Berve op
cit que via a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos siracusanos por
Agaacutetocles como reconhecimento do fracasso institucional da basileia na
Siciacutelia
105
3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica230
Semelhante a Alexandre ldquoem aparecircncia velocidade e
movimentordquo231 Pirro tomou um caminho diferente daquele
assumido por Agaacutetocles Como o rei do Epiro clamava ser
descendente de Aquiles optou por se apresentar como a
proacutepria reencarnaccedilatildeo de Alexandre ao inveacutes de explorar a
memoacuteria do rei por exemplo por meio de cunhagem poacutestuma
(o que havia sido feito por Agaacuteocles)232 Diferentemente dos
planos de unificaccedilatildeo poliacutetica e cultural concebidos por
Alexandre a atuaccedilatildeo de Pirro findou por ser a de lideranccedila
em questotildees essencialmente praacuteticas na vida dos italiotas e
siciliotas Inicialmente apoacutes fracassar nos embates contra
Lisiacutemaco que havia subornado os macedocircnios de seu exeacutercito
ao questionar a quem deveriam ser leais se aos amigos e
companheiros de Alexandre ou ao estrangeiro que acolheram
como rei233 Pirro tomou o pedido de auxiacutelio dos tarentinos
em 281 aC (passados os quatro anos que Leacutevecircque Pirro
entende terem sido um ldquoperiacuteodo de reflexatildeordquo234) como a sua
melhor chance de realizar a conquista do ocidente com a
qual Alexandre havia provavelmente sonhado algumas deacutecadas
antes e concretizar uma monarquia de tipo heleniacutestico
O diaacutelogo entre Pirro e Cineas diplomata de origem
tessaacutelia a serviccedilo do rei ilustra claramente as intenccedilotildees
do epirota em se tornar um monarca de tipo heleniacutestico
(considerando como veremos a seguir que a monarquia
epirota era de um tipo peculiar permanecendo o rei
submetido agrave fiscalizaccedilatildeo constante dos molossianos) a
230 Leacutevecircque Pirro Zambon Hellenistic Sicily pp 97-175
231 Plut Pirro 81
232 Stewart (op cit p284) lembra que as suas moedas traziam imagens
de Aquiles Teacutetis Dione e Zeus 233 Plut Pirro 126 Leacutevecircque Pirro p 166 Leacutevecircque Pirro calcula
somente 3 anos para o governo da Macedocircnia e 2 anos para o governo da
Tessaacutelia antes de o epirota sofrer a derrota para Lisiacutemaco 234 Leacutevecircque Pirro p 168
106
reencarnaccedilatildeo de Alexandre em proporccedilotildees similares de
conquista
bdquoOs romanos oacute Pirro satildeo conhecidos como bons
combatentes e como governantes de muitos povos
belicosos se entatildeo a divindade nos permitir
prevalecer sobre esses homens como deveriacuteamos usar a
nossa vitoacuteria‟ E Pirro disse bdquoa questatildeo oacute Cineas
realmente natildeo necessita de resposta uma vez
conquistados os romanos natildeo haacute nem baacuterbaros nem gregos
que sejam paacutereo para noacutes mas noacutes devemos dominar de
uma vez toda a Itaacutelia cuja grandeza (μέγεθος) excelecircncia (ἀρετὴν) e forccedila (δύναμιν) nenhum homem conhece melhor que vocecirc‟ Apoacutes uma pequena pausa entatildeo Cineas
disse bdquoapoacutes tomar a Itaacutelia oacute Rei o que noacutes iremos
fazer‟ E Pirro sem perceber ainda a sua intenccedilatildeo
respondeu bdquoa Siciacutelia estaacute ao nosso alcance e estende-
nos as matildeos sendo uma ilha rica e populosa bem como
faacutecil de capturar pois tudo laacute oacute Cineas se resume a
stasis (στάσις γὰρ ὦ Κινέα πάντα νῦν ἐκεῖ[να]) suas cidades estatildeo anaacuterquicas (ἀναρχία πόλεων) e os demagogos agitados com Agaacutetocles morto (καὶ δημαγωγν ὀξύτης Ἀγαθοκλέους ἐκλελοιπότος)‟ bdquoO que vocecirc fala‟ respondeu Cineas bdquoparece oportuno
mas a nossa expediccedilatildeo iraacute se encerrar com a tomada da
Siciacutelia‟ bdquoA divindade‟ disse Pirro bdquonos concederaacute a
vitoacuteria e o sucesso da empreitada essas disputas seratildeo
usadas como preliminares de feitos grandiosos
(πραγμάτων μεγάλων) Ora quem se absteria da Liacutebia ou de Cartago tendo a cidade se tornado acessiacutevel uma
cidade que Agaacutetocles ao fugir de Siracusa secretamente
e cruzar o mar com poucas embarcaccedilotildees por pouco natildeo
conquistou E quando noacutes tivermos ali nos tornado
senhores nenhum dos inimigos que agora nos insultam
ofereceraacute resistecircncia eacute desnecessaacuterio dizer isso‟ 235
O rei do Epiro foi capaz de vencer duas batalhas (as
famosas ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo) que analisarei em maiores
detalhes mais agrave frente neste capiacutetulo e entatildeo partiu para
a Siciacutelia como o homem capaz de substituir Agaacutetocles na
luta contra os cartagineses No momento da travessia de
Pirro para a Siciacutelia a porccedilatildeo nordeste da ilha encontrava-
se sob lideranccedila dos mamertinos que apoacutes terem eliminado
os cidadatildeos de Messina assumiram o controle da cidade Com
235 Plut Pirro 142-5 Cf Chaniotis WHW p 57
107
a morte de Agaacutetocles e a ausecircncia de um sucessor imediato
que pudesse manter-se no poder de forma legiacutetima ou mesmo
suprimir os violentos embates civis de Siracusa (Hicetas
foi capaz de derrotar Menon e Phintias de Acragas mas natildeo
de sobreviver aos conflitos internos apoacutes nove anos de
tirania)236 o avanccedilo cartaginecircs tornou-se inevitaacutevel
somando-se ao fato de que as cidades gregas independentes
(tais como Tauromenium e Acragas) mostraram-se mais
preocupadas com a tributaccedilatildeo imposta pelos mamertinos do
que propriamente com a investida comandada por Cartago Tal
preocupaccedilatildeo natildeo era descabida A sua independecircncia estava
novamente ameaccedilada agora por soldados do antigo monarca
os quais haviam estabelecido uma alianccedila com os
cartagineses no intuito de barrar a travessia de Pirro
como nos informa Diodoro
Os mamertinos que massacraram os habitantes de
Messina estabeleceram uma alianccedila com os cartagineses
e decidiram juntos impedir a travessia de Pirro para a
Siciacutelia237
Pirro desfrutava de excelente reputaccedilatildeo entre os
siciliotas particularmente com os siracusanos (a esta
altura sitiados pelos cartagineses) devido agrave sua
experiecircncia militar na Peniacutensula ao longo de mais de dois
anos e havia decidido partir para a Siciacutelia como
libertador dos gregos O fracasso nas negociaccedilotildees de paz
com os romanos e os constantes apelos de Siracusa eram
elementos que precisavam ser ajustados quisesse o rei
partir para a Siciacutelia sem expor a sua retaguarda ao
provaacutevel avanccedilo das legiotildees na Magna Greacutecia e ainda contar
com o apoio logiacutestico das cidades siciliotas
236 Hicetas foi substituiacutedo por Thoenon (Ortiacutegia) e Sosiacutestrato
(Siracusa) ambos entusiastas da vinda de Pirro para a Siciacutelia
segundo Diod 227 237 Diod 227 Ὅτι Μαμερτῖνοι οἱ Μεσσηνίους δολοφονήσαντες συμμαχίαν μετὰ
Καρχηδονίων ποιήσαντες ἔκριναν κοινῆ διακωλύειν Πύρρον τὴν εἰς Σικελίαν διάβασιν
108
Este uacuteltimo cuidado o uacutenico que pocircde ser devidamente
acertado por Pirro dizia respeito agrave certeza do suporte
dado pelas cidades siciliotas e devia-se ao fato de Pirro
contar com exeacutercito reduzido no momento da travessia
Apiano relata que ldquoapoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia
com seus elefantes e oito mil cavaleirosrdquo (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ
τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων καὶ ὀκτακισχιλίων ἱππέων)238 O
fato de o texto natildeo mencionar tropas de infantaria seria
algo desconcertante natildeo fosse a natureza fragmentada da
obra de Apiano Como nos lembra Leacutevecircque nos dias de hoje
costuma-se aceitar o que foi proposto em 1853 por
Niebuhr239 isto eacute que o fragmento natildeo conservou nem a
referecircncia aos pezoi apoacutes a contagem dos oito mil nem a
numeraccedilatildeo dos cavaleiros antes de ἱππέων240 Assim o trecho
original seria apoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia com
seus elefantes oito mil soldados de infantaria e [vacat]
cavaleiros (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων
καὶ ὀκτακισχιλίων πεζν καὶ [vacat] ἱππέων) Exeacutercito reduzido como
se vecirc e que necessitava dos contingentes siciliotas para a
expediccedilatildeo contra os cartagineses
Na Siciacutelia o trabalho diplomaacutetico de Cineas mostrou-se
decisivo Plutarco nos informa que Pirro o enviou de
imediato para tratar preliminarmente como de costume com
as poacuteleis (μὲν εθὺς ἐξέπεμψε προδιαλεξόμενον ὥσπερ εἰώθει ταῖς πόλεσιν)
enquanto o rei movia-se com seu exeacutercito para Tarentum
cujos habitantes apesar da insatisfaccedilatildeo com a guarniccedilatildeo de
Pirro nada puderam fazer a respeito241 O fato de Tyndarium
de Tauromenium por exemplo ter assegurado a travessia e
feito os preparativos para receber as tropas de Pirro na
cidade eacute emblemaacutetico
238 Apiano Samn 116 Cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di Pirro in
Siciliardquo Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980 239 Barthold G Niebuhr Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer 1853
240 Leacutevecircque Pirro pp 455-456 Zambon Hellenistic Sicily p101
241 Plut Pirro 224
109
Levando-se em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees para a
expediccedilatildeo siciliana podemos jaacute nos perguntar qual era a
natureza de sua monarquia e do tiacutetulo que lhe foi conferido
na Siciacutelia Tratava-se uma monarquia de tipo heleniacutestico
estendida ao territoacuterio siciliota
Haacute duas passagens nas fontes sobre a natureza da
relaccedilatildeo estabelecida entre Pirro e os gregos da Siciacutelia
uma em Poliacutebio e outra em Justino A primeira delas diz
respeito agrave tentativa de assegurar a legitimidade do governo
de Hierocircnimo em 213 aC por ser o tirano neto do rei
Pirro ldquoo uacutenico que todos os siciliotas aceitaram por
preferecircncia e com benevolecircncia como hegemon e reirdquo242 A
segunda delas faz menccedilatildeo a dois tiacutetulos reacutegios Pirro
ldquoapoacutes sua chegada em Siracusa foi designado rei da Siciacutelia
e rei do Epirordquo243 Como trataacute-las de forma plausiacutevel
Alguns historiadores sugeriram que o tiacutetulo de hegemon
na Siciacutelia era equivalente ao de Filipe II especialmente
no que se refere ao tratamento dado agraves poacuteleis Portanto a
alianccedila dos gregos da Siciacutelia com Pirro teria a mesma
natureza da Liga de Corinto isto eacute ambas teriam surgido
de uma pressatildeo poliacutetica externa capaz de subjugar as
cidades e de fazecirc-las integrar forccedilosamente um acordo com o
monarca estrangeiro244 Haacute somente um problema com esta
interpretaccedilatildeo que a compromete seriamente os siciliotas
natildeo haviam sido subjugados por Pirro quando prepararam a
sua recepccedilatildeo na porccedilatildeo leste da Siciacutelia da mesma forma que
natildeo sofreram qualquer pressatildeo poliacutetica preacutevia como nos
indicam as fontes previamente analisadas Tratava-se de um
projeto poliacutetico livremente aceito pelos gregos
242 Polib 74 μόνον κατὰ προαίρεσιν καὶ κατ εὔνοιαν Σικελιται πάντες εδόκησαν σφν
ατν ἡγεμόν εἶναι καὶ βασιλέα 243 Justino 233 cum Syracusas venisset rex Siciliae sicut Epiri
appellatur 244 Ioannes Vartsos ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in Siciliardquo
Kokalos 16 89-97 1970
110
De acordo com Leacutevecircque Pirro era em primeiro lugar
hegemon de um koinon que se formou contra o inimigo
cartaginecircs assim como basileu ao estilo ldquohelecircnicordquo
tiacutetulos jaacute haacute muito tradicionais no mundo grego mas desta
vez ao contraacuterio do que aconteceu com Dioniacutesio e
Agaacutetocles os tiacutetulos foram concedidos ldquopela vontade
unacircnime de seus novos suacuteditosrdquo245
Leacutevecircque e Zambon recordam com razatildeo que os siciliotas
formaram sob o comando do rei do Epiro um reino da
Siciacutelia uma unidade poliacutetica criada para combater a ameaccedila
cartaginesa com a morte de Agaacutetocles Leacutevecircque eacute ainda
bastante otimista quanto agraves novas possibilidades
documentais que confirmariam algo nesse sentido apostando
numa possiacutevel descoberta de evidecircncias epigraacuteficas
reveladoras a esse respeito
O problema emerge quando Pirro que pode ser
considerado tanto rei do Epiro quanto rei da Siciacutelia
separadamente planejou unificar ambos os reinos e trataacute-
los ao modo heleniacutestico o que natildeo seria admitido nem entre
os molossianos que mantinham certo controle sobre a figura
do rei (a exemplo da cunhagem das moedas que foi aos
poucos sendo conquistada por Pirro) nem entre os
siciliotas (que no final da expediccedilatildeo enxergaram em seu
liacuteder um tirano) para quem Pirro era basileu com funccedilotildees
restritas de hegemon Pode-se dizer que os siciliotas
concederam a Pirro o poder de um monarca ldquohelecircnicordquo ao
passo que o epirota tentou se comportar como um monarca
ldquoheleniacutesticordquo postura que lhe rendeu da mesma forma que a
Agaacutetocles a classificaccedilatildeo negativa (tiacutepica do periacuteodo) de
ldquotiranordquo
245 Leacutevecircque Pirro p 462
111
4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em
campo de batalha
41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
Poliacutebio relata que Cipiatildeo o Africano responsaacutevel pela
reviravolta na Segunda Guerra Puacutenica ao inverter a
estrateacutegia de Aniacutebal Barca levando assim a guerra da
Itaacutelia para a Aacutefrica julgando que as cidades africanas natildeo
teriam condiccedilotildees logiacutesticas para suportar a investida
respondeu quando lhe perguntaram quais eram os maiores
estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e
Dioniacutesiordquo246 Essa resposta se veriacutedica jaacute bastaria para
argumentar que Agaacutetocles embora natildeo tenha sido bem-
sucedido em sua expediccedilatildeo africana era de fato um grande
estadista simplesmente por ter ascendido ao poder em
Siracusa amparado por sua riqueza (que lhe permitiu
recrutar mercenaacuterios) e eloquumlecircncia bem como adotado uma
estrateacutegia ofensiva contra os cartagineses a qual marcaraacute
profundamente a histoacuteria militar do mundo antigo
particularmente a decisatildeo de Cipiatildeo o Africano Embora
fracassada a uacutenica expediccedilatildeo grega em territoacuterio africano
serviu igualmente para ilustrar que Agaacutetocles mesmo antes
de se proclamar basileu havia possivelmente conduzido uma
imitatio Alexandri em campo de batalha Como argumentarei
em seguida ao retomar uma pista lanccedilada por Griffith em
1935 e que parece ter sido deixada de lado pela
historiografia talvez por seu otimismo excessivo poderei
argumentar a favor do uso de grupamentos taacuteticos em moldes
heleniacutesticos durante a expediccedilatildeo africana momentos antes
da autoproclamaccedilatildeo monaacuterquica do comandante siracusano
Antes disto contudo torna-se necessaacuterio precisar o
contexto de tal expediccedilatildeo
246 Polib 1535
112
Agaacutetocles estava provavelmente sem esperanccedilas de
receber auxiacutelio diante da ofensiva cartaginesa na ilha uma
vez que os poderes orientais natildeo haviam manifestado
interesse imediato nas questotildees do ocidente heleniacutestico
Diante disso bem como da presenccedila do inimigo Agaacutetocles
decidiu inverter a estrateacutegia e assolar o territoacuterio
africano numa estrateacutegia de ousadia sem precedentes para
os siciliotas apostando no apoio que poderia obter dos
liacutebios e no ldquoesfriamentordquo do espiacuterito combativo dos
cartagineses que ao depositarem a responsabilidade da
defesa de sua cidade nas matildeos de mercenaacuterios (estando os
mesmos ocupados em Siracusa) teriam perdido qualquer
possibilidade de aquisiccedilatildeo de experiecircncia militar e ldquoardor
combativordquo Os soldados cartagineses que viviam
luxuosamente numa paz prolongada (τετρυφηκότας ἐν εἰρήνῃ
πολυχρονίῳ) portanto sem qualquer experiecircncia nos perigos
da batalha seriam facilmente derrotados como nos lembra
Diodoro ldquopor aqueles que haviam sido treinados na escola
do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς δεινοῖς)247 Agaacutetocles entatildeo
reuniu cerca de 13500 mercenaacuterios preparou 60 embarcaccedilotildees
e aguardou um momento de distraccedilatildeo dos cartagineses para
navegar rumo ao norte da Aacutefrica provavelmente sem informar
os seus homens de seu plano Apoacutes uma semana de viagem o
siracusano desembarcou com as tropas num lugar a 110 km de
Cartago e decidiu atear fogo agraves embarcaccedilotildees por que natildeo
queria dividir as suas forccedilas (deixando um destacamento
para vigiar a frota estacionada) ou talvez como reforccedilo
psicoloacutegico para o objetivo final da empreitada deixar a
regiatildeo com os cartagineses subjugados tendo para isso o
apoio das divindades (Demeacuteter e Kore as divindades
patronas da Siciacutelia a quem Agaacutetocles havia oferecido o
ldquosacrifiacutecio dos naviosrdquo) Durante a sua marcha para
Cartago o exeacutercito deparou-se com regiotildees bastante
247 Diod 203 Meister CAH 7 p 394
113
feacuterteis tendo tomado por assalto as cidades de Megaloacutepolis
e Tuacutenis Em seguida os mercenaacuterios montaram acampamento
proacuteximo a Cartago onde aguardaram o embate decisivo com o
exeacutercito cartaginecircs na ocasiatildeo formado por seus proacuteprios
cidadatildeos
Apavorados e sem experiecircncia os cartagineses sofreram
uma derrota terriacutevel como analisarei no proacuteximo item
dando liberdade para o saque de diversas cidades (a exemplo
de Neapolis) pelos mercenaacuterios e para o estabelecimento de
uma alianccedila com Elimas rei dos liacutebios Durante a investida
na costa leste da atual Tuniacutesia os cartagineses tentaram
um contra-ataque apostando no corte das linhas de
abastecimento de Neapolis e na reaproximaccedilatildeo com os liacutebios
o que para azar de Agaacutetocles desdobrou-se na traiccedilatildeo de
Elimas248 O siracusano no entanto apressou-se no retorno
a Tuacutenis e conseguiu lidar com a situaccedilatildeo de forma
satisfatoacuteria para o sucesso inicial da expediccedilatildeo Mais de
2000 cartagineses foram mortos e o traidor o rei Elimas
executado como exemplo Esta foi a primeira fase da
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles seguida por uma seacuterie de
eventos que colocaratildeo fim agraves esperanccedilas de submissatildeo do
norte da Aacutefrica pelos gregos
De modo geral considera-se o periacuteodo posterior a 309
aC como sendo o de fracasso progressivo da expediccedilatildeo
Agaacutetocles enfrentaraacute motins entre seus homens e resolvecirc-
los-aacute com eficiecircncia249 Em seguida apoacutes uma extensatildeo da
guerra mais ao interior e a incorporaccedilatildeo do exeacutercito de
Ophellas de Cirene250 o siracusano tomou a guerra entre
cartagineses e numiacutedios como momento favoraacutevel para a
intensificaccedilatildeo da ofensiva Mas ele natildeo foi capaz de manter
o seu exeacutercito unido durante o seu retorno forccedilado a
248 P Oxyrhynchus 2399 Meister CAH 7 p 396
249 Diod 2033-34
250 Episoacutedio analisado no iniacutecio deste capiacutetulo
114
Siciacutelia Com Agaacutetocles de volta a Siracusa Arcagathus
deixado no comando das tropas de seu pai fracassou diante
dos cartagineses e perdeu boa parte do exeacutercito de
Agaacutetocles tentando sem sucesso recobraacute-lo em Tuacutenis A
uacuteltima esperanccedila de Agaacutetocles era induzir os cartagineses a
uma batalha decisiva contra os homens que havia trazido da
Siciacutelia mas eles aprenderam a liccedilatildeo um pouco antes
Permaneceram em seus fortes aguardando que o exeacutercito
mercenaacuterio grego se desfizesse em discoacuterdia ou tentasse um
ataque desesperado Apoacutes uma batalha mal sucedida
Agaacutetocles se viu novamente obrigado a deixar os seus planos
na Aacutefrica mas desta vez sem alimentar quaisquer
expectativas de retorno Para selar a desgraccedila final ao
perceber que natildeo dispunha de embarcaccedilotildees suficientes para
todo o exeacutercito o comandante siracusano optou por deixar o
continente africano secretamente251
251 Meister CAH 7 p 400
115
411 O exeacutercito de Agaacutetocles
Em primeiro lugar uma diferenccedila baacutesica deve ser
esclarecida quanto ao uso dos mercenaacuterios por Siracusa e
pelos chamados ldquotiranos siciliotasrdquo Os uacuteltimos natildeo
poderiam eacute claro contar com o suporte de tropas ciacutevicas
(ao menos com a maioria delas) uma vez que seus propoacutesitos
eram quase sempre inconstitucionais252 Da mesma forma a
cidade siciliota natildeo poderia contar unicamente com
soldados-cidadatildeos por trecircs motivos (1) a guerra contra os
cartagineses natildeo ocorria em caraacuteter sazonal jaacute que os
cartagineses empregavam mercenaacuterios em larga escala na
Siciacutelia (2) quando a cidade reagia ao poder militar de um
tirano precisava fazecirc-lo numa loacutegica semelhante agrave
periodicidade do combate contra os cartagineses e (3) o
exeacutercito altamente flexiacutevel dos tiranos constituiacutea uma arma
muito superior aos exeacutercitos ciacutevicos mal treinados Temos
entatildeo um ponto comum entre a poacutelis e os tiranos isto eacute o
uso de mercenaacuterios em larga escala por ambos mas esta
identificaccedilatildeo no estatuto de parte dos soldados recrutados
natildeo leva ao recrutamento de tropas mercenaacuterias com funccedilotildees
taacuteticas idecircnticas De fato ao passo que os democratas
confiavam basicamente nos mercenaacuterios de procedecircncia grega
os tiranos mostravam-se verdadeiros entusiastas do
ldquomercenariato sem fronteiras eacutetnicasrdquo provavelmente por
conta do sentimento de hostilidade agrave cidadania253 O uso
constante de tais tropas combinado agrave lideranccedila de um
general experiente (o que Cartago natildeo foi capaz de
fornecer como veremos no proacuteximo capiacutetulo) resultou na
porccedilatildeo grega da Siciacutelia no desenvolvimento de uma tradiccedilatildeo
militar peculiar atualizada do ponto de vista taacutetico e
252 Vendo o roacutetulo da tirania no seacutecIII aC como pertencente aos
politicos que desdobraram seu poder de uma situaccedilatildeo inconstitucional
(strategia autocraacutetica compulsoacuteria na maior parte das vezes) 253 Argumento desenvolvido por Duncan Head Armies of the Macedonian
and Punic Wars organization tactics dress and weapons Sussex
Wargames Research Group Publication 1982 P10
116
favoraacutevel sob a autoridade de um poliacutetico em sintonia com
o mundo heleniacutestico agraves inovaccedilotildees de natureza
institucional
Em 310 aC Agaacutetocles contava com 13500 mercenaacuterios
para a sua expediccedilatildeo africana dos quais contamos 1000
hoplitas 3000 gregos (distintos dos primeiros por que natildeo
integravam a guarda pessoal do siracusano) 3500
siracusanos 2500 soldados de infantaria de origem incerta
(talvez aliados sicilianos natildeo-gregos) 3000 mercenaacuterios
samnitas etruscos e celtas 500 arqueiros e fundeiros254
A
ausecircncia das referecircncias agrave cavalaria provavelmente indica a
esperanccedila de Agaacutetocles em recrutar cavaleiros localmente
assim que chegasse ao norte da Aacutefrica Passados os dois
primeiros anos da expediccedilatildeo Agaacutetocles pocircde dobrar as suas
forccedilas tendo incorporado o exeacutercito de Ophellas Amparados
por essa informaccedilatildeo em Diodoro podemos seguramente dizer
que a forccedila militar de Agaacutetocles passou a contar tambeacutem com
10000 soldados de infantaria 600 cavaleiros 100 carros
de guerra e 300 homens para lutar ao lado de tais carros255
As funccedilotildees ou origens eacutetnicas dos homens de Ophellas satildeo
incertas mas Agaacutetocles natildeo deve ter sido capaz de mantecirc-
los sob seu comando a julgar pelos nuacutemeros que Diodoro nos
apresenta para o ano de 307 aC apoacutes o siracusano ter
recebido reforccedilos da Siciacutelia Entre os ldquosobreviventesrdquo
Agaacutetocles contava com somente 6000 gregos 6000 samnitas
etruscos e celtas e 1500 cavaleiros256 Por uacuteltimo ainda
que Agaacutetocles tenha adquirido reforccedilos liacutebios os mesmos
natildeo se mantiveram leais ao tirano transferindo-se no final
das contas para o domiacutenio cartaginecircs
254 Diod 2011 Obviamente Diodoro aqui confunde unidades eacutetnicas com
unidades taacuteticas Cf Griffith pp 198-202 255 Diod 2041 256 Diod 2064
117
412 Agaacutetocles general como Alexandre
Em 1935 Griffith havia jaacute se posicionado a favor de
uma imitatio Alexandri por Agaacutetocles em campo de batalha257
Para ele as taacuteticas e formaccedilotildees usadas pelo siracusano
eram ocasionalmente reminiscentes daquelas empregadas por
Alexandre Em primeiro lugar apesar de lamentar a ausecircncia
de um relato preciso das campanhas de Agaacutetocles Griffith
pontua a existecircncia ao menos na Aacutefrica de um ldquobatalhatildeo de
infantaria especialmente forterdquo em nuacutemero de 1000 o
qual de acordo com o historiador corresponderia grosso
modo aos hipaspistai de Alexandre Em segundo lugar as
taacuteticas adotadas por Agaacutetocles na mesma batalha contra os
carros de guerra cartagineses corresponderiam exatamente ao
que Alexandre havia feito em Gaugamela contra Dario A
interpretaccedilatildeo das manobras siracusanas como adaptaccedilatildeo das
taacuteticas macedocircnicas poderia ser combatida pela carecircncia de
evidecircncias mais concretas mas a sua coincidecircncia com o
emprego de uma guarda pessoal a qual estava provavelmente
baseada no sistema de funcionamento taacutetico dos hipaspistai
de Alexandre fortalece o argumento A chave para a segunda
parte encontra-se portanto na defesa dos 1000 homens que
compunham a τς θεραπείας258 como uma versatildeo siciliota (ao
menos na expediccedilatildeo africana) dos hipaspistai de Alexandre
Diodoro faz referecircncia agrave existecircncia de um exeacutercito
(aparentemente regular) em Siracusa o qual teria sido
entregue a Hicetas eleito o novo strategos pelos
siracusanos com os problemas sucessoacuterios advindos da morte
de Agaacutetocles259 Tal evidecircncia como recorda Zambon indica
que Agaacutetocles natildeo havia deixado o poder sem um exeacutercito que
lhe fosse fiel e que o mesmo fora usado por Hicetas contra
257 Griffith pp 200-201
258 Literalmente ldquoguarda pessoalrdquo de Agaacutetocles como aparece em Diod
2011 259 Diod 2118
118
Menon260 Mas que exeacutercito era esse Qual era a sua
composiccedilatildeo Infelizmente natildeo temos nenhuma informaccedilatildeo
extra sobre os soldados leais a Agaacutetocles (agrave exceccedilatildeo dos
mamertinos) mas a julgar pela organizaccedilatildeo de uma guarda
pessoal durante a expediccedilatildeo africana a qual certamente natildeo
era desfeita com facilidade261 podemos dizer que a mesma
possivelmente compunha o exeacutercito regular herdado por
Hicetas em Siracusa cerca de vinte anos depois262
De acordo com Diodoro os cartagineses natildeo puderam
aguardar os reforccedilos vindos das regiotildees aliadas devido agrave
situaccedilatildeo alarmante provocada pela ofensiva grega e
decidiram dispor os seus soldados-cidadatildeos em campo de
batalha os quais segundo o historiador siciliano estavam
em nuacutemero aproximado de 40000 e eram acompanhados por
1000 cavaleiros provavelmente numiacutedios (embora a fonte
natildeo mencione a origem eacutetnica) e 2000 carros de guerra263
A ala esquerda era formada por soldados organizados em
260 Zambon Hellenistic Sicily p 30 Sebastiana Consolo Langher La
Sicilia dalla scomparsa di Timoleonte alla morte di Agatocle In
Emilio Gabba La Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo
alle guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli e della
Sicilia 1980 pp 289-342 261 Note-se por exemplo o caso dos arguraspides macedocircnicos
262 Diz-se que os arguraspides de Alexandre possuiacuteam mais de 60 anos
quando apoiaram Eumenes sendo ainda temidos por sua disciplina e
experiecircncia Na cronologia apresentada para a guarda pessoal de
Agaacutetocles os soldados teriam idade bem menor que a guarda Real de
Alexandre tornando o argumento plausiacutevel para a eacutepoca 263 Aqui o nuacutemero eacute claramente absurdo Talvez Diodoro (2010) quisesse
se referir a 200 carros de guerra o que seria aceitaacutevel com bastante
otimismo apoacutes reduzir as centenas e comparar os possiacuteveis nuacutemeros
desta batalha com aqueles apresentados por exemplo entre os persas
em Gaugamela (100 carros citas na ala esquerda ao lado da cavalaria
de mesma procedecircncia e de 1000 cavaleiros bactrianos em oposiccedilatildeo a
Alexandre como indica Arr 311) Justino (226) conta 30000 homens
no total (obvius ei fuit cum XXX milibus paganorum Hanatildeo sed proelio
commisso duo de Siculis tria milia de Poenis cum ipso duce cecidere)
da mesma forma que Paulo Oroacutesio Historiae Adversum Paganos 4625
(Hanatildeonem quendam cum triginta milibus Poenorum obuiam habuit) Entre
os historiadores modernos Consolo Langher (pp 139-143) aponta para
10000 cavaleiros certamente presumindo que Diodoro se equivocou ao
lanccedilar apenas 1000 cavaleiros (ἱππεῖς δὲ χιλίους) ao lado de 2000 carros de guerra (ἅρματα δὲ δισχίλια) Consideramos contudo que o erro tenha se dado precisamente na apresentaccedilatildeo dos carros de guerra pelos motivos
enumerados
119
grande profundidade (por induccedilatildeo do terreno) sob o comando
de Bomilcar na ala direita que estava sob o comando de
Hanatildeo encontrava-se o Batalhatildeo Sagrado Agrave frente de toda a
infantaria os cartagineses dispuseram os carros de guerra e
a cavalaria264 Agaacutetocles apoacutes tomar conhecimento da
formaccedilatildeo inimiga confiou a ala direita ao seu filho
Archagathus no comando de 25000 soldados Ao lado de
Archagathus seguiam-se 3500 siracusanos 3000
mercenaacuterios gregos e um grupamento misto de samnitas
etruscos e celtas tambeacutem em nuacutemero de 3000 Agaacutetocles
encontrava-se de frente para o ieros lochos cartaginecircs no
comando de sua guarda pessoal um total de 1000 soldados
pesadamente armados (ao menos equipados para o choque
frontal) Nas alas ele dispocircs os 500 arqueiros e
fundeiros265
Deve ser observado que Agaacutetocles liderou sua guarda
pessoal contra o Batalhatildeo Sagrado ou seu equivalente
cartaginecircs e que a mesma compunha um grupamento de 1000
soldados de infantaria pesadamente armada Sabemos que a
guarda pessoal em questatildeo natildeo se tratava de um ieros
lochos pois a sua lealdade como o termo grego indica
estava primeiramente ligada a Agaacutetocles depois
possivelmente agrave cidade de Siracusa Aleacutem disso os nuacutemeros
natildeo batem com o que nos eacute dado pelas fontes para os ieroi
lochoi De acordo com Plutarco o ieros lochos foi
inicialmente formado como eacute dito por Gorgias a partir de
300 homens selecionados (ἐξ ἀνδρν ἐπιλέκτων τριακοσίων) para os
quais a cidade fornecia treinamento e manutenccedilatildeo []rdquo266
Dadas as proporccedilotildees dos exeacutercitos gregos no tempo de
Peloacutepidas poderiacuteamos argumentar que a guarda pessoal de
Agaacutetocles representaria um inchaccedilo de um Batalhatildeo Sagrado
264 Diod 2010
265 Diod 2011
266 Plut Pelop 18
120
siracusano se houvesse referecircncia agrave existecircncia de tal
destacamento em Siracusa se o termo empregado pelas fontes
fosse ieros lochos ao inveacutes de therapeiacutea e se a expediccedilatildeo
africana tivesse demorado tempo suficiente para aumentar a
lealdade das tropas a Agaacutetocles em detrimento da cidade que
os teria formado e mantido no caso de possiacutevel a
argumentaccedilatildeo de um ieros lochos natildeo mencionado com os
termos apropriados267 Como dito acima natildeo haacute indiacutecios para
nenhum dos trecircs casos aleacutem de ter a lealdade da tropa sido
vinculada em sua uacutenica apariccedilatildeo em Diodoro estritamente
ao comandante siracusano Eacute provaacutevel que esta guarda
pessoal portanto tenha reconhecido a toga puacuterpura de
Agaacutetocles como adequada ao seu poder o que anula a
hipoacutetese de ter sido essa somente uma guarda pessoal de um
tirano como encontramos nos periacuteodos anteriores Aleacutem
disso o contexto de imitatio Alexandri no campo poliacutetico
bem documentado durante a expediccedilatildeo africana assim como a
interaccedilatildeo que Agaacutetocles mantinha com o mundo heleniacutestico
contribuem para uma provaacutevel resignificaccedilatildeo da guarda
pessoal em questatildeo Em uacuteltima instacircncia tratava-se da
guarda de algueacutem que jaacute se via com direitos a uma sucessatildeo
forjada ao trono macedocircnico sendo a identificaccedilatildeo com os
hipaspistai algo bastante plausiacutevel
Tratemos agora do posicionamento dos arqueiros e
fundeiros contra os carros de guerra e cavaleiros do
exeacutercito cartaginecircs Recordo que em Gaugamela Alexandre
havia disposto na ala direita agrianianos arqueiros e
soldados (levemente) armados provavelmente peltastas e na
ala esquerda juntamente com dois corpos de cavalaria
267 Diodoro 1680 em contrapartida emprega o termo ieros lochos para
um grupamento de cartagineses em nuacutemero de 2500 que haviam
combatido em Himera (480 aC) A designaccedilatildeo eacute obviamente
equivocada especialmente pelo nuacutemero excessivo de soldados e por sua
inexperiecircncia em campo de batalha Aleacutem disso essa parece ter sido
uma maneira grega de enquadrar parte das tropas citadinas cartaginesas
pesadamente armadas que raramente combatiam por sua cidade
121
arqueiros cretenses dardeiros traacutecios entre outros Em
331 aC agrianianos e dardeiros das ilhas Baleares
bloquearam o ataque dos carros de guerra citas enquanto os
falangistas ao centro (hipaspistai) natildeo se opuseram
frontalmente a eles deixando-os passar por meio de
manobras de evasatildeo sem causar portanto baixas na
infantaria macedocircnica268 Em 310 aC num campo aberto natildeo
muito distante de Cartago os soldados pesadamente armados
de Agaacutetocles realizaram idecircnticas manobras evasivas
permitindo-os passar (ἃ δ εἴασαν διεκπεσεῖν) abatendo
inicialmente alguns e em seguida forccedilando o retorno da
maior parte dos carros de guerra contra as suas proacuteprias
tropas269 Como Diodoro natildeo menciona forccedilas de cavalaria do
lado grego o que nos soa estranho a uacutenica reconstruccedilatildeo
possiacutevel para a vitoacuteria sobre os carros de guerra e
cavaleiros se daacute por meio do emprego dos arqueiros e
fundeiros (a exemplo do que ocorreu em Gaugamela) os quais
causaram de acordo com Diodoro muitas baixas nas tropas
acima referidas (mais um indiacutecio de que se tratava de
cavaleiros numiacutedios os quais natildeo eram paacutereo para dardos de
arremesso e projeacuteteis de modo geral desde que disparados
por infantaria levemente armada) Com o fracasso da
investida montada o campo de batalha transformou-se num
cenaacuterio praticamente claacutessico com dois corpos de
infantaria pesadamente armada em confronto direto Hanatildeo
foi incapaz de suportar o choque com os soldados liderados
pessoalmente por Agaacutetocles e Bomilcar no comando da ala
em profundidade ordenou um recuo taacutetico de seus homens
que em princiacutepio seria parte de um plano (inclusive
poliacutetico jaacute que ambicionava de acordo com Diodoro a
morte de seu rival Hanatildeo para entatildeo dar sequumlecircncia ao
268 Ver cap1
269 Diod 2012 προεμβαλόντων γὰρ εἰς ατοὺς τν ἁρμάτων ἃ μὲν κατηκόντισαν ἃ δ
εἴασαν διεκπεσεῖν τὰ δὲ πλεῖστα συνηνάγκασαν στρέψαι πρὸς τὴν τν πεζν τάξιν
122
golpe de Estado)270 A aparente inexperiecircncia dos soldados
nas realizaccedilotildees das manobras assim como a ordem prematura
de seu liacuteder fizeram com que a retirada se transformasse
num verdadeiro massacre obrigando boa parte dos soldados a
se refugiar nas muralhas de Cartago
270 Diod 2012 Meister CAH 7 p 395 Voltarei a tratar desse assunto
no cap4
123
42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro
Pirro natildeo iria para a Peniacutensula Itaacutelica sem tropas
como queriam os tarentinos embora seu exeacutercito fosse
sensivelmente menor que o de Alexandre o Grande quando do
iniacutecio de sua expediccedilatildeo asiaacutetica271 Plutarco nos informa
que Pirro contava com 20 elefantes 3000 cavaleiros
20000 soldados de infantaria 2000 arqueiros e 500
fundeiros272 Precedido pelo diplomata Cineas como de
costume Pirro se fez acompanhar por dois de seus filhos
nomeadamente Alexandre e Heleno ao passo que seu outro
filho Ptolomeu foi deixado como regente no Epiro Apoacutes
cumprir a rota mariacutetima para a Peniacutensula o que se deu com
inuacutemeros problemas como Plutarco narra com alto niacutevel
dramaacutetico273 o epirota deu iniacutecio ao entendimento pessoal
com seus aliados e agraves primeiras emissotildees monetaacuterias de sua
expediccedilatildeo a partir das quais ele pocircde reforccedilar os viacutenculos
com Alexandre e sua semelhanccedila com os Diaacutedocos assim como
celebrar a alianccedila274 Em seguida tendo alistado tarentinos
em seu exeacutercito o liacuteder da coalizatildeo contra os romanos
parecia estar pronto para a accedilatildeo a qual se transformaraacute ao
final num verdadeiro fiasco tal qual a expediccedilatildeo africana
de Agaacutetocles275 Ambas contudo servem para ilustrar como
as taacuteticas e as figuraccedilotildees do poder heleniacutestico se
apresentaram ao ocidente particularmente na Magna Greacutecia
Siciacutelia e norte da Aacutefrica no iniacutecio com contexto bastante
favoraacutevel aos monarcas
271 Griffith p 61 Leacutevecircque Pirro p297
272 Plut Pirro 152 Pausacircnias 112 sugere que Pirro obteve seus
elefantes apoacutes vencer uma batalha contra Demeacutetrio 273 Plut Pirro 153-8 Zonaras 82 Justino 181 Leacutevecircque Pirro p
297-298 274 Leacutevecircque Pirro p 299 Sobre a cunhagem na Magna Greacutecia e Siciacutelia
durante a expediccedilatildeo de Pirro cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di
Pirro in Siciliardquo MGR 7 179-254 1980 Zambon Hellenistic Sicily
pp121-129 275 Aceita-se comumente que a coalizatildeo era formada por samnitas
lucanianos brutianos messapianos e com incerteza apulianos
Leacutevecircque Pirro p 304
124
Do lado romano os preparativos tiveram de ser
iniciados em contexto bastante desfavoraacutevel considerando-
se os problemas com os etruscos e sua simultaneidade com a
formaccedilatildeo da alianccedila italiota conduzida por Pirro Seguindo
os costumes Roma dividiu o exeacutercito entre os cocircnsules
ficando Valeacuterio Levinus no comando das legiotildees contra Pirro
e Coruncanius no comando das legiotildees contra os etruscos
Os romanos haviam tirado jaacute grande proveito das guerras
precedentes como nos informa Poliacutebio [os romanos] se
tornaram verdadeiros mestres na arte da guerra por meio de
sua luta com os samnitas e os celtas (ἀθληταὶ γεγονότες ἀληθινοὶ
τν κατὰ τὸν πόλεμον ἔργων ἐκ τν πρὸς τοὺς Σαυνίτας καὶ Κελτοὺς ἀγώνων)276
Assim deve-se ter em conta que natildeo somente Pirro era um
comandante experiente e com tropas de alto niacutevel como
vimos acima mas tambeacutem os romanos possuiacuteam um niacutevel de
experiecircncia militar e ldquopotencial soldadescordquo adequados ao
seu inimigo Esse eacute um fator importante na medida em que
estabelece entre outros fatores os resultados da campanha
italiana Por potencial soldadesco entendo basicamente a
composiccedilatildeo de ambos os exeacutercitos e o que disso poderia ser
desdobrado em termos taacuteticos excetuando as legiotildees de Roma
e a falange macedocircnica sob Pirro (fundamental em
Heracleia) o restante das tropas (particularmente em
Aacutesculo) possuiacutea as mesmas origens eacutetnicas e portanto
armamento e estilo de combate similares Aleacutem disso a
flexibilidade das legiotildees da forma como explicado no cap4
desta tese contribuiu para o quadro desfavoraacutevel ao rei do
Epiro jaacute que puderam enfrentar a falange (em Heracleia)
com recursos taacuteticos superiores auxiliando no quadro
geral da campanha para o deslocamento do foco poliacutetico
mais a sudoeste precisamente na Siciacutelia grega
276 Polib 16
125
421 O exeacutercito de Pirro
Em 280 aC o exeacutercito que Pirro liderou em sua
expediccedilatildeo italiana estava claramente organizado em estilo
macedocircnico mas nada indica que essa organizaccedilatildeo era
conhecida pelos epirotas anteriormente Historiadores
tendem a apostar numa reforma iniciada cerca de 340 aC
por Alexandre do Epiro amigo e aliado de Filipe II tanto
por sua relaccedilatildeo com os macedocircnios quanto pela logiacutestica
necessaacuteria a uma expediccedilatildeo italiana (realizada em 334
aC) a qual somente seria viaacutevel com um exeacutercito
ldquonacionalmente unificadordquo277 mas natildeo haacute evidecircncias
suficientes para algo mais conclusivo aleacutem de tais
argumentos Talvez Alexandre do Epiro tenha de fato
reformado o exeacutercito epirota nos moldes do projeto de
Filipe da Macedocircnia mas o certo eacute que Pirro cerca de meio
seacuteculo mais tarde dispunha de tais condiccedilotildees
Como dito anteriormente Plutarco nos informa que o
exeacutercito de Pirro era composto por 20 elefantes 3000
cavaleiros 20000 soldados de infantaria (ou 23000 se
considerarmos os 3000 homens enviados juntamente com
Cineas) 2000 arqueiros e 500 fundeiros Curiosamente natildeo
haacute indiacutecios de algo similar aos hipaspistai no exeacutercito
epirota sendo o termo empregado para indicar oficiais
capazes de governar cidades (na Siciacutelia) e natildeo para fazer
referecircncia agraves tropas que compunham uma unidade de
combate278 Obviamente os 20000 soldados de infantaria natildeo
eram puramente epirotas Beloch foi capaz de mostrar a
esse respeito que os aproximados 300000 habitantes do
Epiro dos quais 100000 estariam possivelmente em idade
militar natildeo poderiam fornecer sequer os 20000 soldados de
infantaria do exeacutercito de Pirro levando em consideraccedilatildeo o
277 O argumento pode ser mapeado em Head op cit p 19 e Braccesi
op cit pp43-53 278 Head op cit p 19
126
estado economicamente atrasado da regiatildeo279
Daiacute resulta que
boa parte dos soldados de Pirro em sua expediccedilatildeo italiana
fosse formada por mercenaacuterios de acordo com os dados
obtidos acerca das tropas empregadas em Aacutesculo Aleacutem dos
tarentinos e demais aliados o rei epirota contava com uma
falange macedocircnica e alguns cavaleiros tessaacutelios cedidos
por Ptolomeu Keraunos rei da Macedocircnia uma infantaria
mercenaacuteria da Etoacutelia Acarnacircnia e Atamacircnia e um corpo de
cavaleiros mercenaacuterios gregos arcanianos etoacutelios e
atamanianos280 Sem duacutevida a reputaccedilatildeo de Pirro reforccedilou a
sua capacidade de recrutar novos soldados dispostos a
combater na condiccedilatildeo de profissionais
279 Julius Beloch apud Griffith p61 Poliacutebio (3015 fragmentos
preservados em Estrabatildeo Geografia 77 e Tito Liacutevio 4534) menciona
15000 epirotas escravizados por Emiacutelio Paulo em 168 aC Cf tambeacutem
Griffith p 61 280 Griffith p 62
127
422 O exeacutercito republicano romano
O exeacutercito romano em seus primoacuterdios parece natildeo ter
sido muito diferente daquele encontrado no restante das
cidades do Laacutecio sendo influenciado por seus vizinhos mais
poderosos os etruscos A confederaccedilatildeo etrusca estendeu sua
influecircncia a ponto de nomear a organizaccedilatildeo inicial das
forccedilas romanas ao estilo etrusco compondo trecircs tribos com
a responsabilidade de fornecer 1000 homens em idade
militar cada ficando os soldados sob o comando de um
tribunus As subdivisotildees de cada tribo forneciam uma
centuacuteria (nessa eacutepoca possivelmente contada como 100
homens) o que resultava numa forccedila modesta de 3000
homens a chamada legio A cavalaria (equites) era formada
por nobres e seus filhos totalizando 300 homens montados
(capazes de pagar a manutenccedilatildeo de um cavalo e equipamentos)
divididos entre as tribos De modo geral a historiografia
aceita que essa organizaccedilatildeo inicial somente seraacute modificada
com Seacutervio Tuacutelio aproximadamente entre 580-530 aC281 Ao
lado da criaccedilatildeo de muitas das instituiccedilotildees de Roma Seacutervio
Tuacutelio parece ter realizado o primeiro censo do povo romano
dividindo a populaccedilatildeo em classes obedecendo ao padratildeo de
riqueza Com objetivos claramente poliacuteticos e militares as
centuacuterias (como a populaccedilatildeo era dividida) teriam impacto na
organizaccedilatildeo das assembleacuteias e das tropas Em primeiro
lugar vinha a ordem equumlestre num total de 18 centuacuterias
em seguida a populaccedilatildeo restante aparecia dividida em 5
classes separadas a partir de sua riqueza e contadas da
seguinte maneira em casos de alistamento militar (a) a
primeira classe armada com lanccedila e espada e equipada com
281 Lawrence Keppie The making of the Roman army from republic to
empire London BT Batsford 1984 pp 16-17 Daly pp 48-52
Giovanni Brizzi Le guerrier de lantiquiteacute classique de lhoplite au
leacutegionnaire Monaco Rocher 2004 pp 43-51 John Rich ldquoWarfare and
the Army in Early Romerdquo In Paul Erdikamp A companion to the Roman
army Malden MA Oxford Blackwell 2007 pp 7-23 Para uma visatildeo
detalhada das fontes a respeito ver Michael M Sage The Republican
Army a Sourcebook New York London Routledge 2008 pp 4-41
128
couraccedila de bronze elmo escudo e grevas (b) a segunda
classe armada de forma idecircntica e equipada de maneira
similar excluindo a couraccedila (c) a terceira classe
idecircntica agrave segunda classe exceto pelas grevas (d) a
quarta classe armada com lanccedila e equipada somente com
escudo (e) a quinta e uacuteltima classe armada com fundas e
pedras Os seniores (oposto de iuniores isto eacute em idade
militar) eram empregados somente em caso de cerco
portanto para a defesa da cidade Abaixo da quinta classe
contava-se apenas o grupo de homens (em nuacutemero modesto) sem
propriedade alguma (capite censi ou registrados por
contagem de cabeccedila) os quais eram desqualificados para o
serviccedilo militar282
Terminado o periacuteodo das monarquias a primeira
modificaccedilatildeo no exeacutercito romano (entatildeo republicano) surgiu
em meio aos conflitos contra as comunidades adjacentes no
momento de enfraquecimento dos etruscos mediante a fixaccedilatildeo
dos celtas na regiatildeo dos Alpes e do fortalecimento da
posiccedilatildeo das colocircnias gregas no sul da Peniacutensula Itaacutelica
Nesse contexto precisamente em 406 aC os romanos
partiram para o uacuteltimo embate com a cidade etrusca de
Veios conflito que se encerrou 10 anos depois com a
captura da cidade pelos romanos Durante a guerra contra
Veios o exeacutercito cresceu (de cerca de 4000 para 6000
homens) e o escudo circular foi substituiacutedo pelo escudo
longo italiano o scutum Da mesma forma como parece
oacutebvio o nuacutemero de cavaleiros subiu totalizando as 18
centuacuterias previstas na ldquoreforma servianardquo Eacute nesse momento
(6 anos apoacutes a captura de Veios pelos romanos portanto em
390 aC) que Roma eacute tomada pelos celtas exceto por uma
pequena porccedilatildeo da cidade Capazes de expulsar os celtas de
282 Keppie (op cit p 17) recorda que nessa eacutepoca ldquoa defesa da cidade
era um dever uma responsabilidade e um privileacutegiordquo
129
sua cidade os romanos estavam a caminho do estabelecimento
de sua posiccedilatildeo na Peniacutensula
Alguns autores tecircm sugerido uma identificaccedilatildeo da legiatildeo
romana com os hoplitas gregos283 mas a forma cerrada de
luta dos romanos nos primeiros anos deve indicar mais uma
adaptaccedilatildeo etrusca (que natildeo era uma incorporaccedilatildeo de taacuteticas
gregas como alguns acham razoaacutevel deduzir) do que
propriamente uma forma similar de combate ombro-a-ombro De
qualquer forma logo as unidades manipulares (manipuli)
foram adotadas como resposta agraves exigecircncias de maior
flexibilidade taacutetica Cada maniacutepulo com aproximados 100-
120 homens exceto pelos triarii contava com dois
centuriotildees homens experientes dispostos no comando das
unidades taacuteticas Vale destacar o centuriatildeo secircnior da
legiatildeo disposto no comando no maniacutepulo da extrema direita
dos triarii que era depois incluiacutedo (ex officio) no
conselho geral do cocircnsul juntamente com os tribunos Jaacute no
final do seacutecIV aC basicamente no mesmo periacuteodo da
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles (310-307 aC) ou talvez um
ano antes o exeacutercito romano encontrava-se dividido em 4
legiotildees comandadas por dois cocircnsules e abaixo deles 6
tribunos militares
Durante a sua expansatildeo em direccedilatildeo ao sul do Laacutecio os
romanos foram capazes de subjugar os samnitas em quase 50
anos de conflito Devido agrave natureza montanhosa da regiatildeo
tem sido sugerido que os maniacutepulos seriam na verdade uma
modificaccedilatildeo ocorrida nesse momento o que se justificaria
com a necessidade de maior flexibilidade taacutetica do
terreno284 De acordo com Tito Liacutevio os maniacutepulos eram
parte de inovaccedilotildees tiacutepicas do periacuteodo da Primeira Guerra
283 Um excelente exemplo (mas natildeo o uacutenico) eacute Keppie op cit p 19 284 Keppie op cit pp18-19 Daly pp 56-63 Brizzi op cit p 47
Louis Rawlings ldquoArmy and Battle During the Conquest of Italyrdquo In
Erdkamp op cit pp 55-58 Sage op cit pp 63-66
130
Samnita285 Apoacutes a linha de tropas levemente armadas
(leves) vinham os maniacutepulos de hastati (os que portavam a
hasta ou lanccedila curta) seguidos pelos maniacutepulos de
principes e por uma terceira linha os maniacutepulos de triarii
(homens mais velhos ndash e experientes - que entravam em cena
no caso de desorganizaccedilatildeo das duas primeiras linhas) Por
fim Tito Liacutevio menciona rorarii (lit tropas levemente
armadas) e accensi (lit tropas reservas) grupos de
soldados levemente armados dispostos como uacuteltima forccedila de
reserva O relato de Tito Liacutevio contudo embora seja de
grande valor natildeo eacute normalmente visto com precisatildeo
histoacuterica desejaacutevel preferindo-se a narrativa do
historiador cuja autoridade nos assuntos militares eacute
inquestionaacutevel Poliacutebio286
De acordo com Poliacutebio em sua detalhada descriccedilatildeo da
organizaccedilatildeo do exeacutercito romano a legiatildeo romana (jaacute no
periacuteodo da Segunda Guerra Puacutenica isto eacute entre 218 e 201
aC) contava com 4200 homens podendo atingir o nuacutemero de
5000 em situaccedilotildees de emergecircncia O processo seletivo
(dilectus ou simplesmente ldquoseleccedilatildeordquo) incorporava homens
entre 17 e 46 anos com propriedade avaliada acima dos 400
denaacuterios apoacutes a avaliaccedilatildeo das habilidades necessaacuterias ao
serviccedilo Ao soldado de infantaria era pago um stipendium
criado para cobrir os prejuiacutezos que supunham o afastmento
de casa perfazendo no tempo de Poliacutebio um total de 120
denaacuterios por ano Os cavaleiros por sua vez recebiam
mais cerca de 365 denaacuterios por ano o que considerava
tanto a sua origem social quanto os custos com o cavalo
Feita a seleccedilatildeo a legiatildeo era dividida da seguinte maneira
(a) os velites formados pelos mais jovens e pobres (b) os
hastati formados pelos mais jovens e pobres depois dos
velites (c) os principes formados pelos ldquopreeminentesrdquo
285 Tito Liacutevio 88-10 286 A referecircncia eacute Polib 619-42
131
(d) os triarii os mais maduros e experientes dos soldados
Os hastati e os principes compunham 2400 homens no total
(10 maniacutepulos de 120 homens cada) acompanhados por 600
triarii (10 maniacutepulos de 60 homens cada) e por deduccedilatildeo
1200 velites Os velites prossegue Poliacutebio eram armados
com espadas lanccedilas de arremesso e um pequeno escudo
circular (parma) Os hastati e os principes encontravam-se
normalmente equipados com duas lanccedilas (pila) cada uma
espada curta (gladius) que era a principal arma do
legionaacuterio e equipados com escudo oval peitoral de
bronze elmo e grevas Os triarii eram equipados da mesma
forma exceto pelo armamento ao inveacutes do pilum o triarius
portava a hasta lanccedila perfurante que natildeo poderia ser usada
para arremesso e era portanto usada no combate corpo-a-
corpo
A cavalaria totalizava 300 homens divididos em 10
turmae de 30 homens cada uma sob o comando de 3 decuriotildees
e equipadas com longos escudos circulares lanccedilas longas e
couraccedila de tecido De modo geral a legiatildeo era disposta em
formato de ldquotabuleiro de xadrezrdquo com os velites agrave frente
de todos os legionaacuterios para a accedilatildeo de escaramuccedila tendo os
hastati principes e triarii organizados em trecircs linhas
subsequumlentes de maneira a permitir a substituiccedilatildeo dos
homens da frente pelos de traacutes devido aos pequenos espaccedilos
propiciados pela formaccedilatildeo A cavalaria como no caso grego
era colocada nas alas como proteccedilatildeo dos flancos
132
423 A batalha de Heracleia (280 aC)
Leacutevecircque sustentou que a postura ofensiva romana ao
reunir as tropas sob Valeacuterio Levinus e marchar
imediatamente contra Pirro tinha trecircs objetivos claros
(1) desferir um golpe decisivo antes que o epirota pudesse
coletar todo o apoio esperado (2) conter uma possiacutevel
revolta das cidades gregas de Regium Locres e Croton ldquoa
quem a chegada do rei podia fazer pesar sua adesatildeo agrave causa
romanardquo e (3) lanccedilar a guerra para longe das terras
submetidas pelos romanos o que natildeo comprometeria a
lealdade desses povos a Roma287 Plutarco nos diz algo
interessante a respeito da reaccedilatildeo de Pirro agrave investida
romana algo que evidencia ainda mais as suas intenccedilotildees
monaacuterquicas heleniacutesticas as quais podem ser encontradas
desde o iniacutecio da sua expediccedilatildeo mesmo antes de se decidir
pela Siciacutelia
Ao ser informado que Levinus o cocircnsul romano se
aproximava com numeroso exeacutercito tendo saqueado a
Lucacircnia no trajeto Pirro natildeo havia ainda se juntado
aos seus aliados mas por julgar ser algo intoleraacutevel
ter de aguardar enquanto seus inimigos avanccedilavam
partiu da cidade com suas tropas []288
A postura de Pirro indica ao menos nessa ocasiatildeo que
o ldquodeverrdquo de lideranccedila de um monarca heleniacutestico (mesmo que
ele somente ambicionasse a monarquia de tipo oriental) era
mais relevante que a uniatildeo completa das tropas pela qual
ele aguardava ou ainda que ele julgava ser possiacutevel vencer
os ldquobaacuterbarosrdquo sem ter reunido todas as suas forccedilas jaacute que
povos militarmente desorganizados por mais belicosos que
fossem natildeo eram paacutereo para os gregos como Alexandre havia
287 Leacutevecircque Pirro p 318
288 Plut Pirro 164 πεὶ δὲ Λαιβῖνος ὁ τν Ῥωμαίων ὕπατος ἠγγέλλετο πολλῆ στρατιᾷ
χωρεῖν ἐπ ατόν ἅμα τὴν Λευκανίαν διαπορθν οδέπω μὲν οἱ σύμμαχοι παρσαν ατῶ δεινὸν δὲ ποιούμενος ἀνασχέσθαι καὶ περιιδεῖν τοὺς πολεμίους ἐγγυτέρω προϊόντας ἐξλθε μετὰ τς δυνάμεως []
133
mostrado em sua expediccedilatildeo asiaacutetica Que essa ideacuteia tenha
ocorrido a Pirro parece plausiacutevel principalmente ao
analisarmos um evento imediatamente posterior de sua marcha
contra os romanos quando o rei observou admirado (ἐθαύμασε)
ldquoa disciplina as sentinelas a sua ordem e o arranjo de
seu acampamentordquo (τάξιν τε καὶ φυλακὰς καὶ κόσμον ατν καὶ τὸ σχμα τς
στρατοπεδείας) dizendo ao seu amigo mais proacuteximo em
conclusatildeo que ldquoa disciplina desses baacuterbaros natildeo eacute
baacuterbarardquo289
Acampamentos montados ambos os lados estavam prontos
para o combate Pirro contava de acordo com Justino com
exeacutercito inferior em nuacutemero ainda que natildeo saibamos os
efetivos concretos dos romanos290 Para o desenrolar da
batalha embora Justino forneccedila o referido indiacutecio sobre a
inferioridade numeacuterica de Pirro as principais fontes satildeo
Plutarco e Dioniacutesio de Halicarnasso291 ambos com acesso ao
que parece aos relatos de duas tradiccedilotildees bastante
distintas Tornou-se consenso haacute muito tempo entre os
historiadores que Plutarco para a batalha em questatildeo
empregou basicamente o relato de Hierocircnimo292 intercalando
o mesmo com anedotas originadas na tradiccedilatildeo analiacutestica as
quais Dioniacutesio utiliza com frequumlecircncia293 Isso explicaria
tanto a versatildeo inteligiacutevel da batalha (o que natildeo eacute um traccedilo
comum nas biografias de Plutarco) quanto a presenccedila de
algumas imagens bastante favoraacuteveis aos romanos e pouco
289 Plut Pirro 167
290 Justino 181 Nec rex tametsi numero militum inferior esset []
Gaetano De Sanctis Storia dei Romani Milan Fratelli Boca 1907 P
392 supotildee que tenham sido somente duas presumindo que ateacute 4 legiotildees
eram normalmente divididas entre os cocircnsules Leacutevecircque Pirro 1957
P322 em contrapartida eacute mais otimista quanto agrave extensatildeo das tropas
de Levinus acreditando que podem ter sido 8 em Heracleia Essas satildeo
contudo suposiccedilotildees baseadas num possiacutevel nuacutemero de legiotildees sob um
uacutenico cocircnsul durante a fase intermediaacuteria da Repuacuteblica uma vez que as
fontes silenciam sobre esse caso em particular 291 Plut Pirro 16-17 e Dioniacutesio 1911-12
292 Plut Pirro 174 Cf Rudolf Schubert Geschichte des Pyrrhus
Koumlnigsberg Wilh Koch 1894 P 176 293 Leacutevecircque Pirro p323
134
criacuteveis do ponto de vista histoacuterico Notemos por exemplo
o retrato pitoresco do episoacutedio de espionagem epirota o
qual precedeu a batalha propriamente dita da forma como
registrado em Dioniacutesio
Levinus o cocircnsul romano tendo capturado um espiatildeo de
Pirro armou e dispocircs todo o exeacutercito em formaccedilatildeo de
batalha (εἰς τάξιν καταστήσας) e apoacutes mostraacute-lo ao espiatildeo ordenou que ele contasse toda a verdade sobre o que
tinha visto [] informando que Lavinus o cocircnsul
romano solicitava que ele [Pirro] natildeo enviasse mais
homens secretamente como espiotildees mas que viesse em
pessoa abertamente (φανερς) para ver o poder dos
romanos (ἰδεῖν τε καὶ μαθεῖν τὴν Ῥωμαίων δύναμιν)294
Pirro decidiu aguardar os reforccedilos de seus aliados numa
das margens do Siris onde estacionou um destacamento grego
para assegurar que os romanos natildeo atravessassem o rio
Estes no entanto mandaram parte de sua infantaria
(provavelmente aliada) cruzar o Siris por um vau enquanto
a cavalaria avanccedilava por diversos outros pontos rasos
expondo os gregos ao risco do envolvimento completo o que
de acordo com Plutarco os fez recuar295 Ao ver que seus
homens bateram em retirada Pirro ordenou aos oficiais que
pusessem a falange em linha enquanto ele proacuteprio como
Alexandre no comando de seus 3000 cavaleiros investiu
contra os romanos na expectativa de que eles se
desordenassem com a ofensiva montada Nem os cavaleiros
puderam romper a ordem das legiotildees com sua ldquoteatralizaccedilatildeo
ofensivardquo (uma vez que natildeo entraram de fato em choque com
o centro da formaccedilatildeo romana) nem o subsequumlente choque com
a falange pocircs os legionaacuterios a correr diferentemente do
que Alexandre havia feito aos persas Relata-nos Plutarco
que foram sete as reviravoltas no desenrolar do confronto
entre as duas infantarias informaccedilatildeo que ele provavelmente
294 Dionisio 1911 Cf tambeacutem Zonaras 836 e Frontino 477
295 Plut Pirro 165
135
obteve de Hierocircnimo296 e que nos permite deduzir a
ocorrecircncia de quatro ataques de Pirro e de trecircs contra-
ataques de Levinus (presumindo que a primeira reviravolta
soacute pode ter sido favoraacutevel aos epirotas jaacute que ao final
eles saiacuteram vitoriosos) Numa das alas provavelmente a
direita o rei sofreu o ataque da cavalaria inimiga mas
venceu apoacutes penoso embate com as tropas montadas de
Oblacus297 Na outra ala Pirro fez avanccedilar os elefantes
que aterrorizaram natildeo somente a cavalaria romana mas
tambeacutem os legionaacuterios mais ao centro Com o moral abalado
e contando ainda com o descontrole dos cavalos inimigos
(que natildeo estavam acostumados aos elefantes) a cavalaria
tessaacutelia foi enviada para encerrar a resistecircncia nessa ala
provocando a exposiccedilatildeo dos dois flancos romanos e julgo
que no mesmo momento a fuga completa da infantaria ao
centro Parece bem provaacutevel por uacuteltimo que os legionaacuterios
tenham corrido exatamente no momento do avanccedilo dos
elefantes do contraacuterio com ambas as alas derrotadas o
exeacutercito ao centro teria sido facilmente esmagado ou
forccedilado a se entregar como vimos em diversos casos nas
batalhas dos Diaacutedocos
A tradiccedilatildeo analiacutestica inventou um termo ldquohistoacutericordquo
para a vitoacuteria de Pirro obtida com muito esforccedilo e sem
consequumlecircncias desastrosas para o derrotado tratava-se de
uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo ou como nos diz Diodoro cadmeacuteia298
De acordo com Caacutessio Dio Zonaras e Justino299 a fama
surgiu apoacutes Heracleia segundo Plutarco300 apoacutes a batalha
de Aacutesculo (o que representa um erro por parte do bioacutegrafo
296 Plut Pirro 171
297 Plutarco (Pirro 168) e Dioniacutesio (1912) mencionam um ataque de
caraacuteter pessoal liderado por Oblacus que estava decidido a abater o
rei em primeiro lugar Segundo a tradiccedilatildeo Leonnatus um dos
companheiros de Pirro percebeu a intenccedilatildeo de Oblacus e salvou seu rei
da morte em batalha 298 Diod 226
299 Dion Cassio 940 Zonaras 83 Justino 181
300 Plut Pirro 219
136
jaacute que o balanccedilo geral dos nuacutemeros que caracterizam uma
vitoacuteria piacuterrica eacute apresentado por ele apoacutes Heracleia)
Apesar das diferenccedilas na dataccedilatildeo precisa do termo atribuiacutedo
agrave vitoacuteria de Pirro todas as nossas fontes parecem
concordar com uma vitoacuteria relativa sobre os romanos Ora
como vimos na breve anaacutelise da batalha de Heracleia os
resultados foram bastante francos e decisivos de maneira
que somente uma explicaccedilatildeo soa-nos plausiacutevel para a
propagaccedilatildeo da ldquovitoacuteria piacuterricardquo entre os antigos todas as
fontes posteriores mencionadas empregaram a tradiccedilatildeo
analiacutestica para a mediccedilatildeo dos resultados da batalha sendo
que os autores romanos tinham por objetivo encobrir tamanha
desgraccedila para a sua memoacuteria Note-se por exemplo que
segundo Plutarco Dioniacutesio faz referecircncia a uma perda de
15000 homens para os romanos contra 13000 para Pirro ao
passo que Hierocircnimo autor de maior validade para o estudo
da batalha como vimos considerando-se a probabilidade de
ter acessado as Memoacuterias do rei indica uma perda de 7000
homens para Levinus contra 4000 para o epirota301 Aceitos
os nuacutemeros de Hierocircnimo pelos motivos mencionados natildeo haacute
razatildeo para crer que a vitoacuteria em Heracleia tenha sido de
fato uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo devendo-se essa expressatildeo agraves
intenccedilotildees de minimizar a vergonha romana por parte da
tradiccedilatildeo analiacutestica
301 Plut Pirro 174 Leacutevecircque Pirro p 328
137
424 A batalha de Aacutesculo (279 aC)
Eventos de ordem militar e diplomaacutetica seguiram-se agrave
batalha de Heracleia Motivado por uma tentativa de
submissatildeo dos romanos por vias diplomaacuteticas Pirro enviou
Cineas a Roma com autorizaccedilatildeo para estabelecer um acordo
possivelmente antes de sua marcha para os arredores da
cidade (aceitando-se um padratildeo de envio preacutevio do
diplomata como ocorreraacute na Siciacutelia dois anos depois) o
que pode ter ocorrido dependendo da tradiccedilatildeo adotada
antes ou depois do envio de sua embaixada302 Presentes
foram oferecidos e segundo Plutarco todos recusados
termos bastante razoaacuteveis foram propostos pautados
basicamente na ldquoamizade poliacuteticardquo e desistecircncia da
conquista de Tarento pelos romanos sendo todos eles mais
uma vez postos de lado303 Alguns senadores estavam
inclinados a aceitar a paz julgando que um exeacutercito ainda
mais numeroso (reforccedilado com os aliados receacutem-chegados de
Pirro) recairia sobre Roma e mesmo tendo momentaneamente
recusado o que lhes propunha Cineas comeccedilavam a considerar
os termos do acordo epirota quando decidiram finalmente
motivados pelo discurso de Aacutepio Claacuteudio pela continuaccedilatildeo
do embate e da negociaccedilatildeo de resgate dos prisioneiros
certamente por que julgavam ser capazes de vencer Pirro com
as forccedilas restantes (o que natildeo ocorreria se as legiotildees
302 Plutarco (Pirro 18-19) menciona os eventos na seguinte ordem
Heracleia ndash marcha para Roma ndash embaixada ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros
ndash Aacutesculo Apiano (Samn 10-11) apresenta uma versatildeo distinta
Heracleia ndash embaixada ndash marcha para Roma ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros
ndash Aacutesculo Justino (181 182) somente menciona Heracleia a
libertaccedilatildeo dos (200) prisioneiros e Aacutesculo exatamente nessa ordem
Note que a omissatildeo da marcha para Roma pode ter se dado devido ao uso
uacutenico da tradiccedilatildeo analiacutestica 303 Plut Pirro 182 Variaccedilotildees do que propocircs Cineas aos romanos satildeo
encontradas na tradiccedilatildeo liviana segundo a qual Pirro teria oferecido
a libertaccedilatildeo dos prisioneiros e exigido amizade e alianccedila dos romanos
bem como autonomia dos aliados gregos e baacuterbaros em Apiano Samn
101 para quem os termos do acordo resumiam-se ao seguinte
libertaccedilatildeo dos prisioneiros paz com o povo romano incluindo Tarento
no armistiacutecio autonomia das cidades italiotas e restituiccedilatildeo completa
dos territoacuterios aos lucanianos brutianos samnitas e daunianos (na
regiatildeo da Apulia) Ver o quadro geral em Leacutevecircque Pirro p 348
138
tivessem sido enviadas como normalmente faziam os
cartagineses com seu exeacutercito ateacute 307 aC de uma uacutenica
vez sem a formaccedilatildeo de forccedilas de reserva)
Com a decisatildeo inesperada dos romanos Pirro teria que
proceder agrave conquista sistemaacutetica de toda a Peniacutensula para
entatildeo forccedilar Roma aos seus termos que certamente natildeo
seriam tatildeo brandos quanto os primeiros O rei partiu para a
cidade de Aacutesculo situada numa regiatildeo (Apuacutelia) que
diferentemente daquela de Heracleia natildeo facilitaria o uso
das tropas montadas e obviamente dos elefantes Em
Aacutesculo Pirro contava jaacute com a infantaria e a cavalaria
samnita brutiana lucaniana e tarentina304 Aqui surgem
duas possibilidades para o desenvolvimento da batalha a
primeira delas seguindo o relato de Hierocircnimo (novamente
citado por Plutarco) menciona duas batalhas em Aacutesculo a
segunda de acordo com Dioniacutesio (igualmente citado pelo
bioacutegrafo) faz referecircncia a somente uma longa batalha305
Como anteriormente tambeacutem para a batalha de Aacutesculo parece-
nos mais apropriado o relato de Hierocircnimo dada a
quantidade de detalhes apresentados e a reputaccedilatildeo do
historiador em questatildeo Aleacutem disso a adequaccedilatildeo dos nuacutemeros
continua sendo tal como em Heracleia mais plausiacutevel na
tradiccedilatildeo grega Plutarco nos informa que apoacutes encerrado um
conflito inicial entre as duas infantarias (o que se deduz
pela inadequaccedilatildeo do terreno ao uso de cavaleiros) ambos os
exeacutercitos se retiraram do combate por um dia (ou cerca de
12 horas uma vez que abriram matildeo do combate segundo
Plutarco ao anoitecer) No dia seguinte contudo
intencionado a trazer a luta agrave parte nivelada do terreno
onde poderia empregar seus elefantes e cavaleiros Pirro
ocupou as porccedilotildees mais desniveladas com suas tropas
ligeiras (dardeiros e arqueiros) fazendo-as atirar
304 Leacutevecircque Pirro p 391
305 Plut Pirro 215-8
139
projeacuteteis na maior intensidade possiacutevel forccedilando com essa
manobra o deslocamento do combate para o local que lhe era
mais favoraacutevel Com o passar do tempo de combate frontal a
falange macedocircnica comeccedilou a empurrar as legiotildees ao menos
num dos pontos que Plutarco nos faz crer ser o local onde
estava situado o rei306 O momento decisivo da batalha
contudo se deu novamente durante a investida dos
elefantes que os romanos ainda natildeo haviam aprendido a
combater Apoacutes o avanccedilo dos paquidermes provavelmente em
ambas as alas os romanos natildeo puderam se manter em
formaccedilatildeo o que resultou uma vez mais na vitoacuteria do rei
do Epiro sobre Roma Hierocircnimo menciona de acordo com
Plutarco uma perda de 6000 homens para os romanos contra
3505 homens do lado epirota segundo os proacuteprios
comentaacuterios das Memoacuterias de Pirro (que o historiador de
Caacuterdia pocircde certamente consultar)307 Dioniacutesio em
contrapartida sequer admitiu uma derrota romana
mencionando natildeo somente que os suprimentos de Pirro havia
sido saqueada mas tambeacutem que as perdas foram equivalentes
perfazendo um total de 15000 mortos para cada lado
A partir desta batalha se seguirmos os eventos do modo
como apresentado pela tradiccedilatildeo grega podemos concluir sem
exagero que os convites recebidos tanto da Siciacutelia308 quanto
da Macedocircnia309 foram plenamente baseados em sua receacutem-
adquirida reputaccedilatildeo poliacutetica e militar Da mesma forma a
decisatildeo de partir para a Siciacutelia como o liacuteder pelo qual os
306 Uma reconstruccedilatildeo moderna sobre o possiacutevel ordenamento da batalha
encontra-se em Oswald Andreas Hamburger Untersuchungen uumlber den
pyrrhischen Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927 P 31 307 Plut Pirro 218
308 Como detalhado acima no item ldquoPirro e o problema da monarquia
heleniacutesticardquo 309 Alguns povos celtas encontravam-se novamente em processo migratoacuterio
a julgar pelos nuacutemeros apresentados por Diodoro (229) tendo
derrotado Ptolomeu Ceraunus filho de Ptolomeu I durante a invasatildeo da
Macedocircnia ldquoBreno o rei dos gauleses acompanhado por 150000
soldados de infantaria armados com escudo longo (θυρεοφόρων) e 10000 cavaleiros juntos com uma horda de seguidores mercadores e duas mil
carroccedilas invadiram a Macedocircnia []rdquo
140
siciliotas aguardavam desde a morte de Agaacutetocles configurou
o contexto peninsular de uma forma completamente diferente
do que seria se o epirota prosseguisse com as campanhas
contra os romanos Se no teacutermino das lutas Roma teria sido
subjugada nunca saberemos (isso nos seria possiacutevel somente
como exerciacutecio retoacuterico) mas parece niacutetido que as decisotildees
posteriores de Pirro tenham sido baseadas na sua reputaccedilatildeo
em suas vitoacuterias sobre os romanos e no que ele poderia
realizar em termos de feitos grandiosos (tais como a
helenizaccedilatildeo completa da Siciacutelia e a conquista de Cartago)
como monarca de aspiraccedilotildees heleniacutesticas e natildeo numa espeacutecie
de ato desesperado para salvar a expediccedilatildeo apoacutes duas
ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo durante as quais o espiacuterito militar
romano permaneceu inabalaacutevel como nos faz crer a tradiccedilatildeo
analiacutestica
141
CAPIacuteTULO 4 ndash AS DUAS FASES DAS INOVACcedilOtildeES MILITARES
EM CARTAGO
1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo
controle oligaacuterquico e fracasso da tirania em
Cartago 310-255 aC
A decisatildeo de transferir a guerra da Siciacutelia para a
Aacutefrica ainda que a porccedilatildeo grega da ilha estivesse em
condiccedilotildees bastante desfavoraacuteveis estava ancorada como
mostrei no capiacutetulo anterior no conhecimento de Agaacutetocles
sobre o despreparo do exeacutercito ciacutevico cartaginecircs o qual
teria forccedilosamente que entrar em combate com os experientes
mercenaacuterios do siracusano caso fossem pegos de surpresa em
sua proacutepria cidade ou nos arredores mas tambeacutem no
reconhecimento das tensotildees existentes entre a oligarquia
cartaginesa e seus generais As centenas de quilocircmetros que
separavam Cartago da porccedilatildeo oeste da Siciacutelia por vezes
tornavam os ldquorelatoacuteriosrdquo das accedilotildees cartaginesas na ilha
esporaacutedicos e imprecisos310
resultando na coexistecircncia de
dois fatores aparentemente excludentes
Em primeiro lugar destaca-se a autonomia dos generais
de exeacutercitos mercenaacuterios na Siciacutelia com liberdade para
realizar tratados de paz e formar alianccedilas ainda que elas
tivessem que ser confirmadas posteriormente pelo Conselho
de Anciatildeos311
Em segundo lugar encontra-se o controle de
seu poder poliacutetico e militar pela oligarquia o que
frequumlentemente findava em puniccedilotildees financeiras deposiccedilatildeo
do cargo ou ateacute mesmo privaccedilatildeo de direitos ciacutevicos no caso
de derrota assim como deposiccedilatildeo e crucificaccedilatildeo dos
comandantes se confirmada aspiraccedilatildeo tiracircnica mesmo que em
310 Miles pp 146-148 311 Dexter Hoyos ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-218 BCrdquo
Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274 1994 Miles p 146
142
potencial A existecircncia dessa tensatildeo aparece por exemplo
em Diodoro ao mencionar o tratamento hostil dado aos
generais cartagineses pelos seus compatriotas
A causa baacutesica desse problema era a severidade dos
cartagineses ao infligir puniccedilotildees Em suas guerras eles
dispotildeem seus homens mais nobres (τοὺς [] ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν) no comando julgando que esses deveriam ser os primeiros a enfrentar o perigo em nome de toda a
cidade mas quando eles conquistam a paz [os
oligarcas] condenam os mesmos homens em julgamento
trazendo injustamente acusaccedilotildees contra eles por inveja
e os depotildeem com penalidades Portanto alguns desses
homens dispostos em posiccedilotildees de comando desertam
temendo os julgamentos nas cortes ao passo que outros
se lanccedilam agrave tirania (τινὲς δἐπιτίθενται τυραννίσιν)312
Isoacutecrates alguns seacuteculos antes de Diodoro afirmou que
entre os cartagineses ldquoas cidades [eram] governadas por uma
oligarquia mas os assuntos militares por um reirdquo (οἴκοι μὲν
ὀλιγαρχουμένους περὶ δὲ τὸν πόλεμον βασιλευομένους)313 Com isso o
312 Diod 20102-4 αἰτία δὲ μάλιστα τούτων ἡ πρὸς τὰς τιμωρίας πικρία τν Καρχηδονίων τοὺς γὰρ ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν ἐν μὲν τοῖς πολέμοις προάγουσιν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας νομίζοντες δεῖν ατοὺς τν ὅλων προκινδυνεύειν ὅταν δὲ τύχωσι τς εἰρήνης τοὺς ατοὺς τούτους συκοφαντοῦσι καὶ κρίσεις ἀδίκους ἐπιφέροντες διὰ τὸν φθόνον τιμωρίαις περιβάλλουσι διὸ καὶ τν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας ταττομένων τινὲς μὲν φοβούμενοι τὰς ἐν τῶ δικαστηρίῳ κρίσεις ἀποστάται γίνονται [τς ἡγεμονίας] τινὲς δ ἐπιτίθενται τυραννίσιν Nigel Bagnall The Punic Wars New York St Martin 2005 pp 9-11 Miles
op cit p 147 Cabe mencionar aqui o caso relatado em Diod 2310
quando Aniacutebal (natildeo o Barca) apoacutes a derrota na batalha naval de Mylae
durante a Primeira Guerra Puacutenica temendo a puniccedilatildeo oligaacuterquica
decidiu enviar um mensageiro a Cartago para perguntar aos oligarcas se
ele no comando de 200 embarcaccedilotildees deveria entrar em confronto com os
romanos que contavam apenas com 120 embarcaccedilotildees com a resposta
positiva dos entusiasmados compatriotas o mensageiro entatildeo contou que
foi exatamente essa a decisatildeo de Aniacutebal tendo ele no entanto
perdido a batalha para os romanos Diante disso concluiu o
mensageiro o general natildeo deveria ser punido uma vez que agiu como
todos julgavam ser correto O caso serve para ilustrar o receio dos
comandantes cartagineses quanto agraves puniccedilotildees do Senado mais do que
propriamente a severidade dos castigos Sobre a puniccedilatildeo senatorial
podemos destacar a crucifixatildeo como no caso do comandante cartaginecircs
crucificado pelos compatriotas apoacutes desistir de Messina com a chegada
de Aacutepio Claacuteudio cocircnsul romano enviado para dar suporte militar aos
mamertinos (Polib 111) De acordo com Poliacutebio os cartagineses
puniram seu general por sua falta de bom juiacutezo sobre as coisas
(νομίσαντες ατὸν ἀβούλως) e por abandonar a cidadela covardemente
(ἀνάνδρως προέσθαι τὴν ἀκρόπολιν) 313 Isocrates Nicocles 24 Dexter Hoyos (Unplanned Wars The Origins
of the First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de
143
orador aacutetico pretendia evidenciar a tensatildeo referida entre
oligarquia e generais algo existente mesmo antes do iniacutecio
do periacuteodo heleniacutestico Se no seacutecIV aC os generais eram
escolhidos entre os membros da elite poliacutetica314 a partir
do seacutecIII aC os mesmos passaram a ser eleitos pela
assembleacuteia popular315 o que certamente contribuiu para a
degradaccedilatildeo das relaccedilotildees entre oligarquia e comandantes
nomeados Contudo a despeito da progressiva hostilidade
entre os dois lados os oligarcas foram ainda capazes de
punir seus generais com severidade ao longo dos cem
primeiros anos do periacuteodo heleniacutestico O poder que a
oligarquia mantinha sobre os comandantes eacute evidente em
diversas ocasiotildees como a deposiccedilatildeo do general Hanatildeo o
Velho apoacutes sua derrota em Acragas em 263 aC316 Poliacutebio
natildeo menciona o que ocorreu com Hanatildeo dando atenccedilatildeo ao
impacto que a vitoacuteria romana teve no Senado em Roma mas
Diodoro nos relata que ldquoos cartagineses puniram Hanatildeo em
6000 moedas de ouro privando-o de seus direitos ciacutevicosrdquo
(Ἄννωνα δὲ οἱ Καρχηδόνιοι ἐζημίωσαν χρυσοῖς ἑξακισχιλίοις ἀτιμάσαντες)317
A principal razatildeo para o controle efetivo por parte dos
oligarcas reside no excelente funcionamento das
instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais cujo vigor permaneceu
ateacute o iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica devido agraves matildeos
severas da oligarquia (nas ldquofiguras senatoriaisrdquo e dos
Gruyter 1998 P150) destaca que com a ascensatildeo Baacutercida (periacuteodo que
natildeo seraacute tratado nesta tese) a repuacuteblica cartaginesa havia se
tornado de fato uma monarquia militar uma vez que o poder dos
Baacutercidas natildeo se reduzia agrave nova colocircnia hispacircnica estendendo-se aos
assuntos poliacuteticos em Cartago Ainda que essa interpretaccedilatildeo natildeo seja
universal (haacute evidecircncias da oposiccedilatildeo dos cartagineses agrave expediccedilatildeo de
Amiacutelcar em Apiano Guerra Anibaacutelica 24 e Zonaras 817) os autores
modernos tendem a aceitar a influecircncia Baacutercida em Cartago ou o seu
governo independente na Hispacircnia 314 Robert Drews ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan Eunomiardquo AJA
100 1979 P 55 315 Bagnall op cit p 9 316 Polib 118-19 Diod239 Zonaras 810 A batalha seraacute analisada
neste capiacutetulo precisamente no uacuteltimo item 317 Diod 239 Aqui decidi seguir estritamente a traduccedilatildeo de
Goldfather tradutor da Loeb que sugeriu ἀτιμάω como privaccedilatildeo dos
direitos ciacutevicos
144
sufetas)318
O preccedilo a se pagar como veremos neste
capiacutetulo seraacute o impedimento da formaccedilatildeo de uma ldquoescola
militar atualizadardquo na primeira metade do seacutecIII aC o
que atrasaraacute em termos taacuteticos o pensamento militar
cartaginecircs sendo o problema solucionado somente diante de
outra ameaccedila nos arredores de Cartago a expediccedilatildeo romana
liderada por Reacutegulo durante a Primeira Guerra Puacutenica
Poliacutebio menciona que as razotildees para a decadecircncia da
constituiccedilatildeo cartaginesa notada somente a partir da
Segunda Guerra Puacutenica319
resumem-se ao progressivo
desequiliacutebrio das suas instituiccedilotildees diminuindo
sensivelmente a autoridade da oligarquia frente agraves
assembleacuteias populares tendo ldquoa multidatildeo jaacute adquirido a
palavra final nas deliberaccedilotildees ao passo que em Roma o
Senado ainda a detinhardquo (τὴν πλείστην δύναμιν ἐν τοῖς διαβουλίοις παρὰ μὲν
Καρχηδονίοις ὁ δμος ἤδη μετειλήφει παρὰ δὲ Ῥωμαίοις ἀκμὴν εἶχεν ἡ σύγκλητος)320
Ao que tudo indica o periacuteodo localizado entre os primeiros
anos do seacutecIII aC quando a assembleacuteia popular passou a
escolher os generais cartagineses e o iniacutecio da Segunda
Guerra Puacutenica em 218 aC apresentou os uacuteltimos esforccedilos
de controle efetivo dos oligarcas que progressivamente
perdiam espaccedilo para a participaccedilatildeo democraacutetica ainda que
tivessem poder sobre a deposiccedilatildeo dos generais e jaacute nas
duas uacuteltimas deacutecadas do seacutecIII aC para uma poliacutetica da
irracionalidade321
Haacute basicamente duas referecircncias antigas sobre a
constituiccedilatildeo dos cartagineses a respeito da qual pouco se
318 Bagnall op cit p 12 eacute ainda mais incisivo ao dizer que ldquoo
aspecto mais marcante da constituiccedilatildeo cartaginesa era a sua
estabilidaderdquo 319 Polib 651 ldquoMas no momento em que eles embarcaram na Guerra
Anibaacutelica a constituiccedilatildeo dos cartagineses se degenerou ao passo que
a dos romanos progrediurdquo (κατά γε μὴν τοὺς καιροὺς τούτους καθ οὓς εἰς τὸν Ἀννιβιακὸν ἐνέβαινε πόλεμον χεῖρον ἦν τὸ Καρχηδονίων ἄμεινον δὲ τὸ Ῥωμαίων) 320 Polib 651 321 Ver Craige Brian Champion Cultural Politics in Polybius‟
Histories Berkeley University of California Press 2004 pp 117-
121 Miles pp 353-354
145
sabe A primeira e mais esclarecedora delas encontra-se em
Aristoacuteteles (Pol 1272b) portanto temporalmente distante
dos eventos pelos quais demonstramos interesse322
Ainda
assim o entendimento aristoteacutelico do sistema poliacutetico
cartaginecircs no seacutecIV aC deve ser o principal documento
considerado dado o bom julgamento de Aristoacuteteles para o
assunto e as condiccedilotildees miacutenimas de acesso aos relatos
antigos sobre as instituiccedilotildees poliacuteticas cartaginesas A
segunda delas pode ser encontrada como jaacute indicado acima
em Poliacutebio ligeiramente mais proacuteximo dos referidos eventos
que Aristoacuteteles considerando as suas funccedilotildees no ciacuterculo
dos Cipiotildees323 O relato de Poliacutebio contudo carece de
informaccedilotildees baacutesicas resumindo-se agrave demonstraccedilatildeo de como o
desequiliacutebrio no funcionamento das instituiccedilotildees permite a
ascensatildeo de outro poder estrangeiro (Roma) o que daria
ferramentas aos poliacuteticos gregos vindouros para a
compreensatildeo das instituiccedilotildees romanas Afinal sua ldquohistoacuteria
pragmaacuteticardquo se dirigia a uma audiecircncia grega (mas natildeo
somente) forccedilada a conviver sob o domiacutenio romano324
De acordo com Aristoacuteteles os cartagineses viviam sob
uma constituiccedilatildeo boa (Πολιτεύεσθαι δὲ δοκοῦσι καὶ Καρχηδόνιοι καλς) e
superior em muitos aspectos a todas as outras (καὶ πολλὰ
περιττς πρὸς τοὺς ἄλλους) assemelhando-se agraves constituiccedilotildees de
Creta e Esparta (as quais detinham peculiaridade notaacutevel
aos olhos do grego)325 O valor de uma boa constituiccedilatildeo diz
Aristoacuteteles pode ser encontrado quando ldquoos cidadatildeos
permanecem leais ao sistema poliacutetico e nenhum conflito
civil emerge em qualquer escala que valha a pena mencionar
nem qualquer um obteacutem sucesso em se pronunciar tiranordquo (τὸ
τὸν δμον διαμένειν ἐν τῆ τάξει τς πολιτείας καὶ μήτε στάσιν ὅ τι καὶ ἄξιον εἰπεῖν
322 Arist Pol 1272b 323 Polib 644 324 Polib 11 Frank William Walbank Polybius Berkeley and Los
Angeles University of California Press 1972 Daly P 81 325 Arist Pol 1272b Poliacutebio (651) ressalta a semelhanccedila com as
constituiccedilotildees de Roma e Esparta Ver Bagnall op cit p 13 Consolo
Langher pp 127-129
146
γεγενσθαι μήτε τύραννον) Da mesma forma que os espartanos os
cartagineses conheciam as refeiccedilotildees coletivas possuindo um
conselho similar ao dos eacuteforos326 mas composto por 104
homens tendo a vantagem de escolhecirc-los por meacuterito pessoal
(τὴν ἀρχὴν ἀριστίνδην) ao passo que em Esparta a eleiccedilatildeo se
dava entre os cidadatildeos ordinaacuterios Quanto aos dois sufetas
(ou magistrados vistos como reis)327 ambos vinham da mesma
famiacutelia e deviam assumir o cargo por eleiccedilatildeo e natildeo por
senilidade Aparentemente as decisotildees eram sempre tomadas
pelo Senado e pelos sufetas e os assuntos que deveriam ir
agrave assembleacuteia popular eram por eles escolhidos Uma vez que
a votaccedilatildeo fosse encaminhada ao povo (δμος) o Senado abria
matildeo de sua primazia momentaneamente sendo a assembleacuteia
popular investida de poder natildeo somente para escutar as
resoluccedilotildees do governo mas tambeacutem para pronunciar
julgamento sobre elas ldquoum direito que natildeo existia noutras
constituiccedilotildeesrdquo ([] ὅπερ ἐν ταῖς ἑτέραις πολιτείαις οκ ἔστιν) A
poliacutetica cartaginesa seria entatildeo parcialmente
democraacutetica mas com fortes elementos oligaacuterquicos os
quais eram mantidos pela forma de controle institucional
aristocraacutetica As pentarquias por exemplo encarregadas da
326 Poliacutebio menciona a existecircncia de dois reis um conselho de anciatildeos
como forccedila aristocraacutetica e um povo supremo nos assuntos que lhes
cabia 327 Para alguns historiadores os sufetas cartagineses desempenhavam
precisamente as funccedilotildees de um ldquoreirdquo (basileu para os gregos rex para
os latinos) ao passo que para outros a apariccedilatildeo do termo ldquobasileurdquo
quando as fontes mencionam sufetas cartagineses indica unicamente uma
aproximaccedilatildeo ao se traduzir o puacutenico sufeta Como nos lembra Yann Le
Bohec Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions du
Rocher 1996 pp29-31 ldquose a monarquia existiu em Cartago esse
regime desapareceu antes do iniacutecio do seacutecIII aCrdquo Entre os autores
que consideram os sufetas com funccedilotildees idecircnticas agravequelas desempenhadas
pelos reis destaca-se Gilbert Charles-Picard ldquoLes Sufegravetes de Carthage
dans Tite-Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-280
1963 O principal autor a se posicionar a favor de uma mera
aproximaccedilatildeo semacircntica eacute Maurice Sznycer ldquoLe Problegraveme de la royauteacute
dans le monde puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296
1981 Outros autores preferem se posicionar entre as duas
interpretaccedilotildees como no caso de Dexter Hoyos op cit p6 que
defende a plausibilidade de ambas embora opte por traduzir sufetas
como juiacutezes ldquoo reirdquo diz Hoyos ldquoalgumas vezes mencionado nos relatos
gregos pode ter sido uma magistratura separada ou talvez um sufeta
sob outro nomerdquo
147
eleiccedilatildeo dos membros do ldquoconselho dos 104 homensrdquo (senadores
responsaacuteveis por vigiar e reprimir quaisquer abusos por
parte do proacuteprio Senado) eram magistraturas natildeo
remuneradas sendo tanto a riqueza (τὸν πλοῦτον) quanto o
meacuterito (τς ἀρετς) elementos considerados na escolha dos
magistrados o que limitava o exerciacutecio poliacutetico das
pentarquias aos bem-nascidos jaacute que era impossiacutevel ao
homem pobre desfrutar do tempo necessaacuterio para o desempenho
adequado de seus deveres poliacuteticos Assim a eleiccedilatildeo por
riqueza seria oligaacuterquica e a eleiccedilatildeo por meacuterito
aristocraacutetica o que mantinha (durante bastante tempo) o
equiliacutebrio institucional tatildeo valorizado por Poliacutebio para
quem a populaccedilatildeo de Atenas iacutecone do governo puramente
democraacutetico se assemelhava a ldquoum navio sem comandanterdquo
(τοῖς ἀδεσπότοις σκάφεσι)
O uacutenico caso heleniacutestico (entre 323-237 aC)
registrado nas fontes de aspiraccedilatildeo frustrada ao poder
tiracircnico em Cartago se daacute em 310 aC com Bomiacutelcar um dos
strategoi nomeados pelo conselho cartaginecircs frente ao
reconhecimento da inesperada expediccedilatildeo africana de
Agaacutetocles328
Ao eleger Bomiacutelcar juntamente com Hanatildeo o
outro strategos tendo ciecircncia de que ambos advinham de
famiacutelias rivais o conselho cartaginecircs pretendia de acordo
com Diodoro manter a seguranccedila da cidade (τς πόλεως
ἀσφάλειαν) isto eacute o perfeito funcionamento de suas
instituiccedilotildees tradicionais crendo que a desconfianccedila
pessoal e a inimizade muacutetua (τὴν ἰδίαν τούτοις ἀπιστίαν καὶ διαφορὰν
κοινὴν) dos generais inibiriam qualquer tentativa de
ascensatildeo ao poder tiracircnico pelo monopoacutelio dos exeacutercitos329
O conselho prossegue o historiador siciliano se equivocou
em sua decisatildeo uma vez que Bomiacutelcar aproveitou a
oportunidade de sua nomeaccedilatildeo ao cargo de strategos para
328 Diod 2010 Meister CAH 7 p395 Consolo Langher pp 139-141
Justino 226 menciona Hanatildeo como o uacutenico comandante dos cartagineses 329 Diod 2010
148
levar adiante um plano de instauraccedilatildeo da tirania o qual
havia sido como encontramos na fonte previamente
concebido Antes da chegada de Agaacutetocles na Aacutefrica faltava
ao cartaginecircs tanto autoridade (ἐξουσίαν) quanto ocasiatildeo
adequada (καιρὸν οἰκεῖον) uma vez nomeado um dos generais
responsaacuteveis pelo combate contra os gregos na Aacutefrica ambos
os preacute-requisitos lhe foram proporcionados Em primeiro
lugar de posse de parte do exeacutercito cartaginecircs bastava
eliminar seu colega e rival o que considerando o estado
das relaccedilotildees entre os dois seria feito sem grandes
impedimentos Em segundo lugar a presenccedila grega na Aacutefrica
serviria de justificativa para quaisquer acusaccedilotildees de mau
funcionamento das instituiccedilotildees tradicionais o que em
diversas ocasiotildees foi tomado como pontapeacute inicial para a
emergecircncia dos poderes tiracircnicos no mundo grego Em campo
de batalha apoacutes ouvir que seu rival havia sido derrotado
pelos siracusanos Bomiacutelcar tentou forccedilar um recuo
prematuro de sua ala o que induziria a retirada de todo o
exeacutercito acreditando que com isso teria natildeo somente o
controle das tropas mas tambeacutem o desentendimento e
consequumlente submissatildeo do conselho Essa loacutegica encontra
evidecircncia em Diodoro
Se o exeacutercito de Agaacutetocles fosse destruiacutedo ele natildeo
seria capaz de realizar o seu plano rumo agrave supremacia
uma vez que os cidadatildeos permaneceriam fortes mas se o
primeiro vencesse e destruiacutesse o orgulho dos
cartagineses os derrotados seriam faacuteceis de manipular
e ele [Bomiacutelcar] poderia derrotar Agaacutetocles prontamente
quando desejasse fazecirc-lo330
330 Diod 2012 [] εἰ μὲν ἡ μετὰ Ἀγαθοκλέους διαφθαρείη δύναμις μὴ δυνήσεσθαι τὴν ἐπίθεσιν ποιήσασθαι τῆ δυναστείᾳ τν πολιτν ἰσχυόντων εἰ δὲ ἐκεῖνος νικήσας τὰ φρονήματα παρέλοιτο τν Καρχηδονίων εχειρώτους μὲν ἑαυτῶ τοὺς προηττημένους ἔσεσθαι τὸν δ Ἀγαθοκλέα ῥᾳδίως καταπολεμήσειν ὅταν ατῶ δόξῃ
149
O recuo taacutetico de Bomiacutelcar se transformou no entanto
em massacre e destruiccedilatildeo numerosa de seu exeacutercito331 jaacute que
as manobras heleniacutesticas de Agaacutetocles findaram no
envolvimento aparentemente parcial dos cartagineses em
fuga Diodoro um pouco mais agrave frente menciona em detalhes
como os cartagineses conseguiram suprimir a tentativa
desesperada de ascensatildeo tiracircnica por parte de Bomiacutelcar
que apoacutes a derrota para Agaacutetocles selecionou alguns de
seus homens e tentou tomar a proacutepria cidade de Cartago
inesperadamente
[] quando Bomiacutelcar havia revisado o seu exeacutercito no
que era chamada Nova Cidade a qual estava localizada a
uma curta distacircncia da Velha Cartago ele dispensou o
restante mas manteve aqueles com os quais podia contar
em sua revolta cerca de 500 cidadatildeos e 1000
mercenaacuterios e declarou-se tirano (ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον)332
Ao dividir seus homens em cinco unidades Bomiacutelcar
invadiu a cidade (que ainda natildeo tinha conhecimento de seus
planos) e exterminou aqueles que se opuseram aos seus
propoacutesitos Diante da calamidade os cartagineses pegaram
em armas e se apressaram em suprimir a traiccedilatildeo ciacutevica que
haviam sofrido em momento tatildeo delicado para a sua poliacutetica
externa Bomiacutelcar se dirigiu ao centro mercantil (τὴν ἀγορὰν)
e assassinou ainda muitos cidadatildeos desarmados sendo essa
accedilatildeo desesperada seguida pela ocupaccedilatildeo de construccedilotildees
proacuteximas ao mercado por parte dos defensores os quais
foram capazes devido ao posicionamento mais alto e
portanto favoraacutevel agrave defesa interna da cidade contra os
331 Diod 2013 menciona 1000 homens mortos do lado cartaginecircs embora
reconheccedila que outros autores mencionem ateacute 6000 ao passo que Justino
226 nos indica 3000 mortos do lado cartaginecircs Oroacutesio 46 sugere que
2000 cartagineses pereceram em batalha 332 Diod 2044 δ οὖν Βορμίλκας ἐξετασμὸν τν στρατιωτν ποιησάμενος ἐν τῆ καλουμένῃ Νέᾳ πόλει μικρὸν ἔξω τς ἀρχαίας Καρχηδόνος οὔσῃ τοὺς μὲν ἄλλους διαφκε τοὺς δὲ συνειδότας περὶ τς ἐπιθέσεως ὄντας πολίτας μὲν πεντακοσίους μισθοφόρους δὲ περὶ χιλίους ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον
150
homens de Bomiacutelcar de por fim ao que poderia representar a
falecircncia (mesmo que momentacircnea) de suas instituiccedilotildees
poliacuteticas tradicionais Apoacutes a rendiccedilatildeo dos traidores os
cartagineses enviaram os seus cidadatildeos mais velhos (πρέσβεις)
para o estabelecimento de um acordo e decidiram perdoar os
traidores que tiveram que ldquopagarrdquo o perdatildeo com serviccedilo
militar contra Agaacutetocles mas torturaram e mataram o seu
liacuteder Bomiacutelcar preservando assim ldquoa constituiccedilatildeo de seus
paisrdquo (τὴν πατρῴαν πολιτείαν)
Parece seguro dizer que o uacutenico caso registrado de
tentativa de instauraccedilatildeo da tirania em Cartago durante o
primeiro seacuteculo do periacuteodo heleniacutestico tinha propoacutesitos
puramente claacutessicos primeiramente por que a sua
classificaccedilatildeo como ldquoheleniacutesticardquo cairia diante da acusaccedilatildeo
de anacronismo de fato natildeo vejo maneira de um cartaginecircs
ter concebido seu poder em imitaccedilatildeo agrave monarquia de
Alexandre antes mesmo da autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos como
reis333
Aleacutem disso a experiecircncia cartaginesa aponta para o
modelo tiracircnico siciliano tardo-claacutessico sem qualquer
vivecircncia direta (ao menos nas esferas oligaacuterquica e
popular) com os valores monaacuterquicos heleniacutesticos Ainda que
Agaacutetocles tenha desenvolvido os princiacutepios de sua basileia
durante a expediccedilatildeo cartaginesa a configuraccedilatildeo de seu
poder natildeo se dirigia nem aos cartagineses nem aos cidadatildeos
em Siracusa como sustentamos no capiacutetulo anterior mas sim
agraves suas tropas mercenaacuterias que reconheceram seu poder no
episoacutedio da toga puacuterpura e que tinham condiccedilotildees a julgar
pelo tracircnsito mediterracircnico inerente agrave sua profissatildeo de
saber do que se tratava o poder reacutegio assumido por
Agaacutetocles alguns anos apoacutes a batalha de Tuacutenis em 310 aC
Embora tivessem empregado mercenaacuterios em larga escala a
esfera de atuaccedilatildeo poliacutetica dos cartagineses incluindo seus
generais permaneceu estritamente ligada aos modelos
333 Esse eacute o mesmo argumento que utilizei no cap3
151
claacutessicos tendo o uacutenico caso fracassado de ascensatildeo
tiracircnica no periacuteodo heleniacutestico ocorrido em 310 aC antes
mesmo do surgimento das monarquias heleniacutesticas
Apoacutes o episoacutedio de Bomiacutelcar a oligarquia cartaginesa
manteve-se como de costume precavida quanto agraves possiacuteveis
chances da emergecircncia de tiranias em Cartago As fontes natildeo
mencionam outro caso declarado de aspiraccedilatildeo tiracircnica mas
penso que podemos tomar ao considerar uma sistematizaccedilatildeo
das evidecircncias disponiacuteveis a reaccedilatildeo dos cartagineses ao
sucesso militar de Xantipo (o qual seraacute analisado em
detalhes mais agrave frente) como indiacutecio de precauccedilatildeo quanto a
uma ldquotirania em potencialrdquo o que serve em igual medida
para o meu argumento
As fontes fornecem histoacuterias bastante distintas sobre o
desaparecimento do general mercenaacuterio apoacutes serviccedilo prestado
aos cartagineses Comecemos com Poliacutebio
Xantipo a quem essa revoluccedilatildeo e esse notaacutevel avanccedilo
nos eventos relacionados a Cartago foram devidos apoacutes
pouco tempo navegou mais uma vez a Esparta sendo esta
uma decisatildeo muito prudente e bem pensada de sua parte
uma vez que suas realizaccedilotildees brilhantes e excepcionais
cultivariam a inveja mais profunda [] Estrangeiros
quando expostos a tais situaccedilotildees rapidamente sucumbem
e potildeem-se em perigo Haacute outro relato sobre a partida de
Xantipo o qual procurarei apresentar numa ocasiatildeo mais
apropriada que a atual334
Mas qual seria esse segundo relato mencionado por
Poliacutebio Parece possiacutevel dizer a partir do que narram
outras fontes que Poliacutebio estivesse se referindo agrave versatildeo
que encontramos com mais clareza nos fragmentos do livro
23 de Diodoro
334 Polib 136 Ξάνθιππος δὲ τηλικαύτην ἐπίδοσιν καὶ ῥοπὴν ποιήσας τοῖς Καρχηδονίων πράγμασιν μετ ο πολὺν χρόνον ἀπέπλευσεν πάλιν φρονίμως καὶ συνετς βουλευσάμενος αἱ γὰρ ἐπιφανεῖς καὶ παράδοξοι πράξεις βαρεῖς μὲν τοὺς φθόνους ὀξείας δὲ τὰς διαβολὰς γεννσιν [hellip] οἱ δὲ ξένοι ταχέως ἐφ ἑκατέρων τούτων ἡττνται καὶ κινδυνεύουσι λέγεται δὲ καὶ ἕτερος πὲρ τς ἀπαλλαγς τς Ξανθίππου λόγος ὃν πειρασόμεθα διασαφεῖν οἰκειότερον λαβόντες τοῦ παρόντος καιρόν
152
Xantipo o Espartano tambeacutem pereceu nas matildeos dos
siciliotas335 Proacuteximo a Lilibeu uma cidade dos
siciliotas [cartagineses] houve uma guerra entre
romanos e siciliotas guerra essa que continuou por 24
anos Os siciliotas tendo sofrido derrota em batalha
por diversas vezes ofereceram a submissatildeo de sua
cidade aos romanos Xantipo o Espartano que havia
chegado de Esparta com 100 soldados (ou sozinho ou com
50 soldados de acordo com vaacuterios autores) se
aproximou dos siciliotas enquanto eles ainda estavam
indecisos e apoacutes conversar com eles por meio de um
inteacuterprete finalmente os encorajou a fazer frente aos
inimigos Ele entrou em batalha com os romanos e com a
ajuda dos siciliotas massacrou todo o exeacutercito inimigo
Por seu bom serviccedilo prestado [Xantipo] recebeu uma
recompensa merecida e apropriada agravequele povo perverso
uma vez que os moralmente abominaacuteveis o enviaram numa
embarcaccedilatildeo defeituosa e a naufragaram nas aacuteguas do
Adriaacutetico como expressatildeo de seu ressentimento para com
o heroacutei e sua nobreza336
Os relatos posteriores apresentam mais ou menos uma das
duas versotildees Apiano relata o retorno de Xantipo a Esparta
ainda que a viagem tenha sido propositalmente organizada
pelos cartagineses para o extermiacutenio do general durante o
percurso de volta o que se deu com o arremesso de Xantipo
e seus compatriotas da embarcaccedilatildeo em mar aberto337
Os
fragmentos do livro 11 de Caacutessio Dio os quais foram
parcialmente preservados em Zonaras informam duas versotildees
possiacuteveis que sua embarcaccedilatildeo foi atacada pelos proacuteprios
cartagineses e que a embarcaccedilatildeo cedida a ele pelos
335 Apoacutes analisar todo o fragmento fica evidente que Diodoro trocou
(talvez por confusatildeo) em toda a passagem cartagineses por
siciliotas 336 Diod 2316 τοῖς Σικελοῖς καὶ Ξάνθιππος ὁ Σπαρτιάτης θνήσκει περὶ γὰρ τὸ Λιλύβαιον τν Σικελν τὴν πόλιν Ῥωμαίοις τε καὶ Σικελοῖς πόλεμος ἐκροτεῖτο πρὸς εἴκοσι καὶ τέσσαρας τοὺς χρόνους ἐξαρκέσας οἱ Σικελοὶ ταῖς μάχαις δὲ πολλάκις ἡττημένοι Ῥωμαίοις ἐνεχείριζον τὴν πόλιν εἰς δουλείαν τν δὲ Ῥωμαίων μηδαμς μηδ οὕτω πειθομένων ἀλλὰ γυμνοὺς τοὺς Σικελοὺς λεγόντων ἐξιέναι ὁ Σπαρτιάτης Ξάνθιππος ἐλθὼν ἀπὸ τς Σπάρτης σὺν στρατιώταις ἑκατόν ἢ μόνος καθ ἑτέρους κατ ἄλλους δὲ πεντήκοντα τοὺς στρατιώτας ἔχων καὶ προσβαλὼν τοῖς Σικελοῖς οὖσιν ἐγκεκλεισμένοις δι ἑρμηνέως τε ατοῖς πολλὰ συνομιλήσας τέλος θαρρύνει κατ ἐχθρν καὶ συναράξας μάχῃ ἅπαν Ῥωμαίων στράτευμα σὺν τούτοις κατακόπτει τοῖς εηργετημένοις δὲ τὴν ἀμοιβὴν λαμβάνει ἀξίαν καὶ κατάλληλον τς τούτων δυστροπίας πλοίῳ
σαθρῶ τὸν ἄνδρα γὰρ οἱ μιαροὶ βαλόντες πὸ στροφαῖς βυθίζουσι πελάγει τοῦ Ἀδρίου βασκήναντες τὸν ἥρωα καὶ τούτου τὸ γενναῖον 337 Apiano 81
153
cartagineses era velha e por esse motivo naufragaria
inevitavelmente natildeo fosse a percepccedilatildeo de Xantipo acerca do
que estava a ocorrer e a subsequumlente troca da embarcaccedilatildeo
por uma nova338
A despeito de alguns elementos divergentes parece
possiacutevel unificar os relatos de um modo bastante aceitaacutevel
Se tomarmos a informaccedilatildeo encontrada em Poliacutebio Diodoro
Apiano e Caacutessio Dio concluiacutemos que Xantipo apoacutes liderar
vitoriosamente os cartagineses decidiu regressar para
Esparta (ainda que algumas fontes natildeo mencionem abertamente
Esparta mas somente a embarcaccedilatildeo e as honrarias preparadas
pelos cartagineses como forma de agradecer os bons serviccedilos
prestados o que sugere o fim do ldquocontratordquo e portanto o
retorno do mercenaacuterio ao mundo grego) Se os cartagineses
afundaram abertamente a embarcaccedilatildeo ou apenas assassinaram
Xantipo tendo preservado o navio se o mesmo naufragou
devido ao seu estado propositalmente defeituoso ou ainda
se Xantipo foi capaz de chegar satildeo e salvo em Esparta
apesar das armadilhas preparadas torna-se a essa altura
informaccedilatildeo irrelevante dado que em todos os cenaacuterios
possiacuteveis os cartagineses natildeo teriam demonstrado a menor
intenccedilatildeo de tornar a viagem de volta de Xantipo bem-
sucedida
Por que Xantipo decidiu navegar de volta para a Greacutecia
apoacutes tamanho sucesso contra os romanos Xantipo
provavelmente sabia que a ascensatildeo do poder pessoal em
Cartago era um processo muito complicado e por essa razatildeo
natildeo demonstrou qualquer intenccedilatildeo de expandir sua autoridade
entre os cartagineses Todavia os motivos que levaram
Cartago a assegurar que a viagem de Xantipo fosse
desastrosa parecem claros como nos casos anteriores os
cartagineses se esforccedilaram em impedir qualquer ascensatildeo de
poder pessoal dos strategoi possivelmente por conta do que
338 Zonaras 1113
154
estavam habituados a ver na Siciacutelia grega Apoacutes ter
concluiacutedo a segunda reforma do exeacutercito cartaginecircs como
veremos mais agrave frente neste capiacutetulo Xantipo eacute tirado de
cena pelos cartagineses direta ou indiretamente de
maneira a fortalecer o argumento sobre a preocupaccedilatildeo
cartaginesa no que respeita agrave possiacutevel ascensatildeo de tiranos
em Cartago o que representaria um desequiliacutebrio fatal das
instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais
155
2 O exeacutercito cartaginecircs
Ao fornecer uma explicaccedilatildeo para a superioridade do
exeacutercito romano frente ao cartaginecircs Poliacutebio argumenta
que
Os cartagineses satildeo naturalmente superiores no mar
tanto em eficiecircncia quanto em equipamento por que a
navegaccedilatildeo eacute desde os primoacuterdios o seu ofiacutecio nacional
([] Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην) e eles se ocuparam com o mar mais do que
qualquer outro povo mas com relaccedilatildeo ao serviccedilo militar
em terra firme os romanos satildeo muito mais eficientes
De fato eles direcionaram toda sua energia ao assunto
ao passo que os cartagineses negligenciaram
inteiramente sua infantaria (Καρχηδόνιοι δὲ τν μὲν πεζικν εἰς τέλος ὀλιγωροῦσι) ainda que tenham se dedicado
ligeiramente agrave sua cavalaria A razatildeo para isto eacute que
as tropas por eles empregadas satildeo estrangeiras e
mercenaacuterias (ξενικαῖς καὶ μισθοφόροις) ao passo que as dos
romanos satildeo nativas e ciacutevicas (ἐγχωρίοις καὶ πολιτικαῖς)339
Da passagem de Poliacutebio podemos destacar natildeo somente
alguns dos traccedilos centrais para o estudo das evidecircncias
sobre o exeacutercito cartaginecircs (nomeadamente seu caraacuteter
mercenaacuterio e portanto agrave parte do desenvolvimento de uma
cultura militar ciacutevica) mas tambeacutem a ausecircncia de qualquer
tentativa de padronizaccedilatildeo das tropas em unidades taacuteticas
(excetuando o pequeno corpo ciacutevico chamado pelos gregos de
ieros lochos) que pudessem ser reconhecidas e treinadas
pelos generais em situaccedilotildees previamente ldquoensaiadasrdquo De
forma similar ao que ocorria com os persas as tropas que
combatiam pelos cartagineses seguiam os padrotildees
(equipamentos e taacuteticas) de suas regiotildees de origem a
exemplo dos fundeiros das ilhas Baleares ou dos cavaleiros
339 Polib 652
156
numiacutedios Parece mais profiacutecuo portanto realizar uma
anaacutelise do exeacutercito a partir de suas origens eacutetnicas340
Da Numiacutedia os cartagineses contavam com a sua melhor
cavalaria tropas montadas sem sela armadas com lanccedila de
arremesso e capazes de combater tanto em regiotildees
acidentadas quanto planas surpreendendo o inimigo por sua
precisatildeo e movimentaccedilatildeo raacutepida recursos que por vezes
foram empregados como elemento surpresa pelos generais
cartagineses mais capazes a exemplo de Aniacutebal Barca341
As
taacuteticas empregadas pelos numiacutedios uma vez que eram
cavalaria levemente armada com lanccedilas de arremesso
repousavam naturalmente numa loacutegica distinta daquela
encontrada entre os cavaleiros macedocircnios pesadamente
armados apostando no ldquoarremesso perioacutedicordquo de suas lanccedilas
e em recuos taacuteticos que evitavam a todo custo o choque
frontal com o inimigo Talvez por esse motivo os numiacutedios
tenham sido classificados pelos romanos como covardes
traiccediloeiros e com ldquoapetites mais violentos que quaisquer
outros baacuterbarosrdquo342
Os cartagineses contavam aleacutem dos numiacutedios com os
fundeiros das ilhas Baleares De maneira geral esses
homens eram organizados em corpos de 2000 soldados armados
com dois tipos de funda uma empregada para desferir
ataques contra um inimigo compacto marchando em meacutedia
distacircncia e outra para alvos individuais obviamente mais
proacuteximos que os primeiros343
Embora sua arma caracteriacutestica
seja a funda durante o primeiro contato com os
cartagineses344 alguns dos soldados baleaacutericos estavam
340 Griffith pp 207-233 Peter Connolly Greece and Rome at War
London Macdonald 1981 pp 148-152 Bagnall op cit pp8-11 Daly
pp 84-112 341 Bagnall op cit p 8 Daly pp 92-93 342 Tito Liacutevio 2541 2844 2923 3012 Daly p92 343 Estrabatildeo 35 Bagnall op cit pp 8-9 Daly p 107 344 Diod 1380 faz referecircncia a soldados baleaacutericos no exeacutercito
cartaginecircs para os finais do seacutecV aC Cf Steacutephane Gsell Histoire
ancienne de lAfrique du Nord (vol2) Paris Hachette 1914-1930 P
374 Daly p 107
157
armados com lanccedila de arremesso como nos informa Estrabatildeo
sendo normalmente pagos de acordo com Diodoro em mulheres
e vinho345
O pagamento mencionado em Diodoro claramente
induz agrave sua caracterizaccedilatildeo como tropas mercenaacuterias aleacutem do
historiador siciliano Poliacutebio faz referecircncia ao pagamento
dos soldados baleaacutericos durante a Revolta Mercenaacuteria (241-
237 aC) e posteriormente na batalha de Zama (202
aC)346
Os iberos tambeacutem desempenhavam papel importante na
composiccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs desde tempos anteriores agrave
consolidaccedilatildeo dos Baacutercidas Antes da investida Baacutercida na
Ibeacuteria ou Hispacircnia a presenccedila cartaginesa na regiatildeo
resumia-se a acordos comerciais e alianccedilas sendo alguns
iberos recrutados portanto como mercenaacuterios a serviccedilo de
Cartago347 Durante a Segunda Guerra Puacutenica ou mesmo um
pouco antes os soldados iberos passaram a servir como
contingente aliado ainda que alguns possam ter sido
recrutados unicamente como mercenaacuterios348 De onde
precisamente eles afluiacuteam eacute algo difiacutecil de mapear uma vez
que mesmo Estrabatildeo encontrou dificuldade em delimitar
geograficamente a Ibeacuteria ou Hispacircnia349 de seu tempo Jaacute na
eacutepoca da invasatildeo anibaacutelica Poliacutebio350 indica seguramente
que as tropas ibeacutericas enviadas agrave Aacutefrica advinham das
seguintes regiotildees Tersitae Mastiani Oretes ibeacuterica e
Olcades Talvez tais regiotildees tenham sido previamente
conhecidas pelos cartagineses e seu contato aumentado com
a ascensatildeo Baacutercida subsequumlente agrave Primeira Guerra Puacutenica
mas essas satildeo apenas suposiccedilotildees sem evidecircncias diretas nas
fontes
345 Diod 517 346 Polib 167 1511 Daly p 107 347 Heroacutedoto faz referecircncia aos iberos no livro 7165 Trata-se aqui
dos iberos da Hispacircnia natildeo os da regiatildeo do Caacuteucaso 348 Griffith pp 225-226 Daly p 95 349 Estrabatildeo 34 350 Polib 333
158
A grande contribuiccedilatildeo dos iberos para a arte da guerra
mediterracircnica residia em sua espada peculiar a todos os
povos conhecidos da regiatildeo peninsular a espada falcata Os
iberos empregavam basicamente dois tipos de espada mas
Poliacutebio descreve a que provocou impacto nos usos do
armamento romano particularmente na adoccedilatildeo do gladius
hispaniensis (o qual se tornou a principal arma de combate
corpo-a-corpo dos legionaacuterios possuindo cerca de 60 cm de
comprimento com dois lados cortantes e uma ponta)351
Os escudos dos iberos e celtas eram muito similares
mas suas espadas eram completamente diferentes (τὰ δὲ ξίφη τὴν ἐναντίαν εἶχε διάθεσιν) sendo aquelas dos iberos
perfurantes com a mesma fatalidade de quando usadas no
corte ([] τὸ κέντημα τς καταφορᾶς ἴσχυε πρὸς τὸ βλάπτειν)352
O maior nuacutemero de mercenaacuterios usados pelos cartagineses
era contudo de liacutebios provenientes da regiatildeo da atual
Tuniacutesia Griffith recorda que no seacutecVI aC353
os
cartagineses passaram gradualmente a confiar a defesa de
sua cidade em tropas aliadas e mercenaacuterias em sua maioria
formada por liacutebios354 A historiografia mais recente tem
observado que os liacutebios referidos por Heroacutedoto em Himera
(480 aC)355 deveriam ter estatuto de tropas pagas
considerando-se que a subjugaccedilatildeo de territoacuterios africanos
vizinhos pelos cartagineses eacute posterior agrave batalha de
Himera356 Aleacutem disso que os liacutebios tenham sido recrutados
como forma de tributaccedilatildeo com o decorrer da expansatildeo
territorial cartaginesa parece improvaacutevel a julgar pela
identificaccedilatildeo polibiana dos liacutebios com as demais tropas
351 Connoly op cit p150 Daly p 97 352 Polib 3114 353 Precisar a data eacute impossiacutevel 354 Griffith pp 207-208 355 Hdt 7165 356 Brian H Warmington Carthage New York Praeger 1960 P 40
Serge Lancel Carthage a history Oxford Cambridge MA Blackwell
1995 P 257 Daly p 84
159
seguramente mercenaacuterias357 Por fim o seu armamento era
basicamente a lanccedila e o escudo (o formato eacute assunto
controverso) sendo ambos empregados por infantaria
disposta em boa ordem o que por vezes levou historiadores
a acreditarem numa similaridade com o modelo hopliacutetico
grego358
No entanto quando Poliacutebio e outros autores
antigos mencionam organizaccedilatildeo em falange para tropas natildeo-
gregas o termo frequumlentemente indica apenas infantaria
pesadamente armada ou ldquoem massardquo sem precisar um corpo de
soldados dispostos na mesma loacutegica que regia a falange
hopliacutetica Os liacutebios lutavam por vezes como infantaria
coesa a exemplo do que Plutarco narra em Crimiso (340
aC) ocasiatildeo em que 10000 homens (entre liacutebios e
cartagineses) surpreenderam pela marcha compassada e em boa
ordem (τῆ βραδυττι καὶ τάξει τς πορείας)359 mas dificilmente
combatiam como hoplitas
Quanto aos elefantes os mesmos foram introduzidos na
arte da guerra do ocidente heleniacutestico por Pirro do Epiro
Alguns anos depois os paquidermes passaram a ser usados
pelos cartagineses que os adquiriam basicamente nos
arredores de Cartago e na costa do atual Marrocos embora
Aniacutebal Barca tenha ldquoimportadordquo alguns do Egito
ptolomaico360
Como explicado ao longo do cap2 os
elefantes tinham efeito desproporcional se considerado o
seu pequeno nuacutemero mas dependiam largamente de condiccedilotildees
favoraacuteveis ao seu uso Sendo um traccedilo da arte da guerra
heleniacutestica seraacute possiacutevel observar uma modificaccedilatildeo taacutetica
crucial no emprego dos elefantes pelos cartagineses apoacutes
Xantipo uma vez que os generais de Cartago tendiam a
empregaacute-los como forccedila de apoio agrave cavalaria ou como
357 Um exemplo claro encontra-se em Polib 167 358 Um bom exemplo eacute Le Bohec op cit pp 39-40 que questiona ateacute se
os cartagineses uma vez que combatiam em falange (argumento de Le
Bohec) teriam adotado a lanccedila macedocircnica (sarissa) 359 Plut Tim 27 360 Bagnall op cit p 9
160
ldquoguardiotildees da bagagemrdquo sem ter considerado o seu uso ao
centro (contra uma infantaria massificada) de modo
integrado com a investida montada nas alas
161
3 As primeiras inovaccedilotildees militares na Cartago
heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave
ameaccedila grega 310-307 aC
A incorporaccedilatildeo dos homens de Ophellas ao exeacutercito de
Agaacutetocles foi acompanhada como visto anteriormente pela
tentativa desesperada de ascensatildeo do poder tiracircnico em
Cartago a qual havia sido liderada por Bomiacutelcar Ambos os
eventos contudo natildeo possuiacuteam conexatildeo direta mas
provocaram sem duacutevida abalo consideraacutevel no moral do
exeacutercito cartaginecircs o que pode justificar como enfatizou
Meister o grande sucesso de Agaacutetocles ao tomar portos e a
cidade de Uacutetica a mais importante depois de Cartago apoacutes
longa resistecircncia de seus cidadatildeos361 Isso permitiria a
Agaacutetocles o estabelecimento de uma linha de comunicaccedilatildeo
permanente com a Siciacutelia o que se traduziria em peacutessimas
notiacutecias para os cartagineses Diante de situaccedilatildeo tatildeo
favoraacutevel contudo o siracusano teve que retornar agrave
Siciacutelia urgentemente levando consigo 2000 homens e
nomeando Arcagatos para o comando das tropas na Aacutefrica362
Sua partida se transformaraacute no iniacutecio de uma reviravolta na
expediccedilatildeo africana Ainda que seus oficiais (nomeadamente
Eumachos) tenham conseguido capturar algumas cidades
(incluindo Hippo Acra e Acris) subjugando parcialmente
povos nocircmades uma uniatildeo desses povos em prol de sua
liberdade e as adversidades das regiotildees africanas
provocaram o recuo dos gregos363
De fato Eumachos havia
conquistado excelente reputaccedilatildeo entre os homens de
Agaacutetocles ao retornar vitorioso de sua primeira campanha
mas a resistecircncia combinada dos nocircmades provocou a baixa de
muitos homens bem como o recuo imediato dos demais sendo
361 Diod 2043 Meister CAH 7 p 398 362 Diod 2055 Justino 228 363 Consolo Langher pp 219-226
162
impossiacutevel avanccedilar sobre os territoacuterios devido a sua
inospicidade natural364 Essa primeira mudanccedila na
perspectiva geral da expediccedilatildeo africana seraacute acompanhada do
que sustento ter sido uma reforma logiacutestica no exeacutercito
cartaginecircs
De acordo com Diodoro seguindo a traduccedilatildeo da Loeb o
Senado em Cartago recebeu bom conselho sobre a guerra (τς
γερουσίας ἐν Καρχηδόνι βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου καλς) e os senadores
decidiram formar trecircs exeacutercitos e enviaacute-los da cidade cada
um com destino proacuteprio sendo o primeiro contra as cidades
costeiras o segundo contra as regiotildees intermediaacuterias e o
terceiro contra as cidades no interior365
A partir disso a
guerra tomou outros rumos privando os gregos da vantagem
ateacute entatildeo assegurada a qual foi devida principalmente agrave
inexperiecircncia dos cartagineses frente aos homens ldquoeducados
na escola do perigordquo Seria possiacutevel presumir que algum
general mercenaacuterio em particular concretizado como
personagem histoacuterica da mesma forma que Xantipo alguns
anos mais tarde teria aconselhado o Senado cartaginecircs sem
ter com isso assumido qualquer posiccedilatildeo de comando o que
seria plausiacutevel se tiveacutessemos evidecircncias mais concretas
(tais como nomes) Essa situaccedilatildeo hipoteacutetica asseguraria
inclusive a traduccedilatildeo acima mencionada Mas o verbo
βουλευσαμένης tal qual aparece na citaccedilatildeo natildeo eacute a forma
passiva de βουλεύω (normalmente ldquoreceber ou tomar conselho
sobre algordquo)366 Noutras palavras nesse caso especiacutefico o
mais correto seria traduzir βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου como
ldquodeliberou [o proacuteprio Senado] sobre a guerrardquo o que pode
gerar a ilusatildeo se considerada somente a sintaxe do texto
364 Diodoro (2058) menciona uma montanha cheia de gatos selvagens
(πλήρους δ ὄντος αἰλούρων) e mais adiante uma ldquoterra dos siacutemiosrdquo
(Πιθηκοῦσαι νσοι) sendo a primeira ldquoinoacutespita inclusive aos paacutessarosrdquo e a segunda com costumes muito diferentes dos gregos 365 Diod 2059 366 A forma passiva seria βουλευθείσης Sobre esse esclarecimento sou
grato a Nicolas Bertrand membro da Faculdade de Liacutenguas e culturas
antigas da Universidade Lille 3
163
de que o Senado teria deliberado a partir de uma discussatildeo
entre os senadores apenas homens idosos sem qualquer
experiecircncia militar ignorando portanto aconselhamentos
de a uma pessoa ou grupo aleacutem dos proacuteprios senadores As
informaccedilotildees contidas em Diodoro todavia apontam
claramente para orientaccedilotildees de algueacutem militarmente
experiente capaz de dar uma reviravolta estrateacutegica na
guerra ao dividir o exeacutercito cartaginecircs em trecircs unidades
De acordo com Diodoro os cartagineses pensaram em
primeiro lugar que o envio de 30000 soldados aliviaria a
cidade da obrigaccedilatildeo de tantas provisotildees as quais eram jaacute
escassas a essa altura do conflito e eliminaria o risco do
cerco uma vez que o inimigo estaria ocupado com os
exeacutercitos avanccedilados Em segundo lugar eles concluiacuteram que
a lealdade de seus aliados seria assegurada se os mesmos
pudessem contar com o apoio de tropas cartaginesas as
quais desencorajariam qualquer traiccedilatildeo aos gregos algo
historicamente usual quando cidades aliadas militarmente
fracas punham-se diante da presenccedila superior das tropas
inimigas e do descaso de seus aliados Por uacuteltimo a
terceira e a principal razatildeo para a nova organizaccedilatildeo
logiacutestica de seu exeacutercito ldquoacima de tudo eles esperavam
que os inimigos se vissem forccedilados a dividir as suas forccedilas
e a recuar para longe de Cartagordquo (τὸ δὲ μέγιστον ἤλπιζον καὶ τοὺς
πολεμίους ἀναγκασθήσεσθαι μερίζειν τὰς δυνάμεις καὶ μακρὰν ἀποσπᾶσθαι τς
Καρχηδόνος)367
Como podemos notar essas satildeo razotildees de ordem militar
(especialmente a uacuteltima e mais importante delas) as quais
natildeo poderiam ter sido concebidas por senadores sem
experiecircncia militar adequada ou mesmo por generais
igualmente inexperientes (uma constante em Cartago ao
menos ateacute a ascensatildeo Baacutercida) o que explica o envio uacutenico
e prematuro de todo o exeacutercito pelos generais cartagineses
367 Diod 2059 Consolo Langher pp 226-227
164
antes da referida reforma Portanto ainda que nenhuma
personagem histoacuterica possa ser precisada ou nomeada
diferentemente do que ocorreraacute mais tarde com Xantipo
parece seguro dizer que oficiais mercenaacuterios (os quais eram
encontrados em abundacircncia entre os cartagineses mas sempre
desempenhando funccedilotildees de oficiais de autoridade menor)
cuja experiecircncia militar eacute fator inegaacutevel teriam
aconselhado o Senado nessa ocasiatildeo O recrutamento
posterior de Xantipo ilustra que esse aconselhamento era
algo considerado pelos oligarcas em casos de perigo
extremo natildeo sendo absurda a ascensatildeo momentacircnea de
generais mercenaacuterios (gregos por deduccedilatildeo) ao comando do
exeacutercito mesmo que eles estivessem restritos ao niacutevel do
aconselhamento dos cartagineses por meio de inteacuterpretes368
O Senado enviou entatildeo cerca de 30000 homens em unidades
aproximadas de 10000 soldados deixando em Cartago apenas
os homens suficientes para a defesa da cidade Com isso os
defensores poderiam desfrutar das provisotildees necessaacuterias e
os grupamentos enviados assegurariam o apoio dos aliados ou
povos nocircmades neutros no conflito369
Ao ver que as regiotildees
que antes natildeo contavam com a presenccedila militar cartaginesa
agora tinham tropas enviadas por Cartago Arcagatos se viu
forccedilado a dividir tambeacutem as suas forccedilas pois soacute assim
poderia enfrentar a investida inimiga um primeiro
destacamento foi enviado para a regiatildeo costeira seguido
pelo envio de tropas sob o comando de Aeschrion
responsaacutevel pelo combate dos cartagineses localizados nas
regiotildees intermediaacuterias e da terceira parte (sob o comando
do proacuteprio Arcagatos) do exeacutercito para as cidades do
interior
Os resultados natildeo foram nada favoraacuteveis aos gregos
Aeschrion pereceu em batalha apoacutes uma emboscada preparada
368 Inteacuterpretes satildeo mencionados por Diod 2316 no caso de Xantipo 369 Diod 2059 Consolo Langher p 231
165
por Hanatildeo general cartaginecircs sobre o qual nada sabemos
aleacutem do plano para a morte do comandante grego Segundo
Diodoro os cartagineses avanccedilaram sobre eles de forma
inesperada contrariando todas as expectativas e abateram
mais de 4000 soldados de infantaria 200 cavaleiros e o
proacuteprio general ([] καὶ παραδόξως ἐπιθέμενος ἀνεῖλε πεζοὺς μὲν πλείους
τν τετρακισχιλίων ἱππεῖς δὲ περὶ διακοσίους ἐν οἷς ἦν καὶ ατὸς ὁ στρατηγός)
Diante disso sem ter como revidar as tropas sobreviventes
retiraram-se para o acamamento de Arcagathus distante
cerca de 90 quilocircmetros (500 estaacutedios gregos ἀπέχοντα σταδίους
πεντακοσίους)370 Himilco general cartaginecircs responsaacutevel pelas
tropas dirigidas ao interior aguardava em posiccedilatildeo
defensiva favoraacutevel numa cidade aparentemente bem
fortificada Os soldados de Eumachos retornavam de sua
campanha a marcha lenta por causa dos espoacutelios obtidos das
cidades capturadas quando se depararam com os cartagineses
de Himilco Desafiados para uma batalha decisiva os
cartagineses aceitaram o combate mas natildeo da forma como os
gregos esperavam Parte das tropas foi deixada escondida na
cidade e a outra parte se apresentou em campo aberto
simulando uma retirada apoacutes iniciada a batalha o que teria
provocado o avanccedilo precipitado e desordenado dos homens de
Eumachos provavelmente confiantes demais com o resultado
da campanha no interior Os gregos findaram por pressionar
em confusatildeo aqueles que estavam em recuo ([] καὶ
τεθορυβημένως τν ποχωρούντων ἐξήπτοντο) momento em que as ordens
de Himilco foram executadas pelas tropas que haviam sido
deixadas na cidade como forccedila de reserva
Himilco deixou parte de seu exeacutercito em armas na
cidade ordenando que no momento em que ele se
370 Diod 2060
166
retirasse em fuga simulada o exeacutercito castigasse os
seus perseguidores371
Envolvidos dessa maneira os gregos entraram em pacircnico
e bateram em retirada sendo impedidos de retornar ao seu
acampamento pelos cartagineses o que gerou a
impossibilidade da aquisiccedilatildeo de aacutegua e facilitou por
consequumlecircncia a finalizaccedilatildeo por parte dos cartagineses
Diodoro menciona que de um total de 8000 soldados
infantaria e 800 cavaleiros apenas 70 sobreviveram a essa
batalha Arcagato entatildeo reuniu os soldados sobreviventes
desses infortuacutenios e enviou um relatoacuterio a Agaacutetocles
solicitando a sua ajuda o mais raacutepido possiacutevel Os
cartagineses sendo vitoriosos conseguiram o apoio de
muitos desertores do exeacutercito grego que cercado por terra
e mar aguardava desesperadamente reforccedilo vindo da Siciacutelia
A chegada de Agaacutetocles natildeo modificou sensivelmente a
situaccedilatildeo desfavoraacutevel aos gregos Justino menciona uma
soluccedilatildeo momentacircnea para o motim dos mercenaacuterios os quais
natildeo deveriam pedir o pagamento de seu comandante ldquomas
tomaacute-lo do inimigordquo (sed ab hoste quaerenda) Ainda de
acordo com a forma que Justino via o discurso de Agaacutetocles
aos seus homens eles deveriam ldquoobter uma vitoacuteria e um
espoacutelio comunsrdquo (communem victoriam communem praedam
futuram)372
Mas o pagamento natildeo veio pois os inimigos natildeo
puderam ser derrotados Sabendo de sua condiccedilatildeo favoraacutevel
particularmente quanto ao terreno linhas de abastecimento
e moral das tropas os cartagineses aguardaram em seu
acampamento tendo assim forccedilado Agaacutetocles diante da
inquietaccedilatildeo de seus mercenaacuterios373 a arriscar uma batalha
371 Diod 2060 [] Ἰμίλκων μέρος μὲν τς στρατιᾶς κατέλιπε διεσκευασμένον ἐν τῆ πόλει διακελευσάμενος ὅταν ατὸς ἀναχωρῆ προσποιούμενος φεύγειν ἐπεξελθεῖν τοῖς ἐπιδιώκουσιν 372 Justino 228 373 Diod 2064 menciona desistecircncia por parte dos mercenaacuterios no curto
tempo que Agaacutetocles decidiu esperar por condiccedilotildees estrateacutegicas mais
favoraacuteveis
167
sem as vantagens baacutesicas exigidas para tanto Pressionado
por todos os lados seus homens natildeo puderam resistir e a
batalha logo estava completamente perdida
Ainda que natildeo tenhamos informaccedilotildees detalhadas sobre
essa uacuteltima derrota grega na Aacutefrica parece certo deduzir
que as taacuteticas cartaginesas natildeo eram a essa altura
ldquoheleniacutesticasrdquo apesar do contato direto com Agaacutetocles Se
tiveacutessemos maiores detalhes sobre as taacuteticas em campo
aberto as mesmas provavelmente confirmariam o
ldquodiagnoacutesticordquo de Xantipo cerca de 50 anos mais tarde
durante a Primeira Guerra Puacutenica que os cartagineses foram
derrotados naquele tempo pelos romanos devido agrave
inexperiecircncia de seus generais De modo geral as taacuteticas
heleniacutesticas representavam o que havia de mais atualizado e
eficiente na arte da guerra mediterracircnica pois
consideravam os diversos aspectos do confronto armado Os
generais cartagineses natildeo estavam capacitados para tais
modificaccedilotildees executando no fim do seacutecIV aC manobras
tiacutepicas do periacuteodo claacutessico nem tinham proximidade com a
figura de Alexandre ou conhecimento suficiente de sua
expediccedilatildeo asiaacutetica para a realizaccedilatildeo da referida tarefa
antes de Xantipo Mas algo mudou durante a expediccedilatildeo
africana de Agaacutetocles o envio das tropas a territoacuterio
africano obedeceu diante da ameaccedila estrangeira em seu
territoacuterio a criteacuterios logiacutesticos mais apurados o que
parece ter sido produto de aconselhamento por parte dos
mercenaacuterios
168
4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no
periacuteodo preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica
frente agrave ameaccedila romana 255 aC
41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC
411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa
contra os romanos
As Guerras Puacutenicas sempre atraiacuteram a atenccedilatildeo dos
historiadores particularmente aqueles interessados em
entender o momento em que os romanos iniciaram sua expansatildeo
para aleacutem da Peniacutensula Itaacutelica374
O primeiro desses
conflitos a chamada Primeira Guerra Puacutenica (264-241 aC)
foi a guerra contiacutenua mais longa da histoacuteria romana e
levando-se em consideraccedilatildeo o seu impacto sobre a formaccedilatildeo
das colocircnias romanas no Mediterracircneo a mais importante
delas Parece oacutebvio chegar a essa conclusatildeo quando se tem
em mente que durante o primeiro confronto entre Cartago e
Roma os soldados romanos lutaram na Siciacutelia Coacutersega
Sardenha e norte da Aacutefrica tendo nascido nesse momento a
justificativa romana para a intervenccedilatildeo nos assuntos
sicilianos e posteriormente cartagineses levando agrave
destruiccedilatildeo da cidade na Terceira Guerra Puacutenica (149-146
374 As referecircncias sobre as Guerras Puacutenicas satildeo quase incontaacuteveis Como
breve listagem das melhores obras sobre o tema sugiro Arnold J
Toynbee Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s effects on Roman
life London New York Oxford University Press 1965 Brian Caven
The Punic Wars London Weidenfeld and Nicolson 1980 Bagnall op
cit Basil Henry Liddell Hart Scipio Africanus greater than
Napoleon New York Da Capo Press 1994 Le Bohec op cit John
Francis Lazenby First Punic War e John F Lazenby Hannibal‟s war a
military history of the Second Punic War Norman University of
Oklahoma Press 1998 Dexter Hoyos Unplanned Wars The Origins of the
First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter
1998 Goldsworthy Punic Wars Daly Dexter Hoyos Hannibal‟s war
books twenty-one to thirty Livy translated by JC Yardley with an
introduction and notes by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford
University Press 2006 Miles
169
aC)375
Aleacutem disso na condiccedilatildeo de guerra primariamente
naval eacute normalmente dito por historiadores que a Primeira
Guerra Puacutenica agregou o maior nuacutemero de homens envolvidos
em batalhas no mar ao longo de toda a histoacuteria greco-
romana376
De modo geral a Primeira Guerra Puacutenica aparece apenas
como um capiacutetulo menor das Guerras Puacutenicas precisamente um
preluacutedio necessaacuterio ao estudo da bem documentada Guerra
Anibaacutelica377
Lazenby recorda que no livro de Caven sobre as
Guerras Puacutenicas por exemplo muitos detalhes (pormenores
relevantes ao estudo especializado) satildeo deixados de lado e
nenhuma referecircncia agraves evidecircncias antigas eacute feita378 O livro
de Bagnall The Punic Wars tambeacutem carece de detalhes
importantes ainda que apresente boas hipoacuteteses sobre
estrateacutegia379
Ateacute o estudo sistemaacutetico de Lazenby
portanto natildeo havia publicaccedilotildees detalhadas sobre o
conflito submetendo frequumlentemente a anaacutelise ao modo
criativo e inovador que caracterizou os caminhos pelos
quais os romanos venceram os ldquotraiccediloeiros cartaginesesrdquo
que tiveram por fim somente uma repentina e fugaz
reviravolta em sua fortuna sob o comando de Aniacutebal Barca
Tendo Lazenby como ponto de partida outras obras surgiram
mas a maioria delas preocupadas mais com a Segunda Guerra
Puacutenica ou com a caracterizaccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica
375 Ver Goldsworthy Punic Wars pp331-356 376 Lazenby First Punic War p1 Polib 163 caracteriza a guerra
como a mais longa mais intensa e maior (πολυχρονιώτατος καὶ συνεχέστατος καὶ μέγιστος) de todas as guerras 377 Haacute algumas obras dedicadas apenas agrave Primeira Guerra Puacutenica mas de
modo geral essas satildeo escassas se comparadas ao grande nuacutemero de
estudos sobre Aniacutebal Barca e sua guerra contra os romanos Sobre obras
dedicadas agrave Primeira Guerra Puacutenica em particular ver por exemplo
Lazenby First Punic War e Yann Le Bohec (org) Le Premiegravere Guerre
Punique Collection du Centre d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23
Lyon Paris De Boccard 2001 378 Lazenby First Punic War prefaacutecio A obra mencionada eacute a de Caven
(op cit) Caven eacute tambeacutem autor de Dionysius I war-lord of Sicily
New Haven Yale University Press 1990 379 Lazenby First Punic War prefaacutecio Bagnall op cit
170
como preluacutedio das demais380
Isso induz agraves anaacutelises gerais
que reduzem para o que mais interessa a esse respeito
nesta tese o impacto das inovaccedilotildees lideradas por
Xantipo381
O que teria entatildeo em primeiro lugar dado iniacutecio agrave
Primeira Guerra Puacutenica Antes de tratar do recrutamento de
Xantipo (e possivelmente outros mercenaacuterios gregos) como
indiacutecio da preocupaccedilatildeo cartaginesa com a invasatildeo de Reacutegulo
na Aacutefrica torna-se fundamental o entendimento da
construccedilatildeo gradual do direito de intervenccedilatildeo romana na
Siciacutelia e do modo como as relaccedilotildees entre Cartago e Roma
chegaram ao ponto da hostilidade poliacutetico-militar
De acordo com Poliacutebio trecircs foram os tratados entre
Cartago e Roma no periacuteodo anterior agrave deflagraccedilatildeo da
guerra382 O primeiro deles teria ocorrido 28 anos antes da
invasatildeo de Xerxes isto eacute entre 509-507 aC ocupando-se
com a restriccedilatildeo dos acordos comerciais de Roma com a Aacutefrica
e a Sardenha o que asseguraria tambeacutem a sua autoridade no
Laacutecio Traduzido por Poliacutebio do latim ldquoda forma mais exata
possiacutevelrdquo o tratado (versatildeo parcial) seria como se segue
bdquoHaveraacute amizade (φιλίαν) entre os romanos e seus
aliados e entre os cartagineses e seus aliados nos
seguintes termos
Nem os romanos nem seus aliados navegaratildeo aleacutem de sua
Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) a menos que levados por tempestade (χειμνος) ou por pressatildeo do
inimigo (πολεμίων)383 Se qualquer um desses for levado para terra firme o mesmo natildeo compraraacute ou tomaraacute
qualquer coisa que seja para si salvo o que for
necessaacuterio para o reparo de sua embarcaccedilatildeo (πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν) e para honrar os deuses (πρὸς ἱερά) devendo
380 Uma exceccedilatildeo eacute obviamente Le Bohec sobre a Primeira Guerra Puacutenica
(op cit) 381 Goldsworthy Punic Wars p10 admite que Lazenby First Punic War
eacute a referecircncia ldquomais acadecircmicardquo para o assunto 382 Polib 322 383 Polemiacuteon indica ldquorelativo agrave guerrardquo mas aqui deve ser traduzido
como ldquopor medo ou pressatildeo do inimigordquo jaacute que indica uma forccedila
externa no caso militar como fator para ultrapassar os limites
geograacuteficos estabelecidos
171
partir em cinco dias [] Aqueles que desembarcarem
para o comeacutercio natildeo devem fazecirc-lo salvo na presenccedila de
um oficial (κήρυκι) ou secretaacuterio (γραμματεῖ) O que quer que seja vendido na presenccedila desses deveraacute ter o preccedilo
assegurado com base no creacutedito do Estado contanto que
ocorra na Liacutebia ou na Sardenha Se um romano vier agrave
Siciacutelia aquela pertencente ao territoacuterio dos
cartagineses (ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν) o mesmo desfrutaraacute de todos os direitos comuns aos demais Os cartagineses
natildeo causaratildeo danos ao povo de Ardea Antium
Laurentium Circeii Terracina nem a qualquer um dos
Latinos desde que esses estejam submetidos [a Roma]
(μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι) [] Eles [os
cartagineses] natildeo construiratildeo forte no Laacutecio se
entrarem em armas no territoacuterio ali natildeo permaneceratildeo
nem mesmo para passar a noite (ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσαν)‟384
Como pode ser observado trata-se de um acordo
comercial com fins igualmente poliacuteticos dirigido agrave criaccedilatildeo
ou manutenccedilatildeo das boas relaccedilotildees entre Cartago e Roma Tem
sido sugerido que nessa passagem encontrariacuteamos a indicaccedilatildeo
de uma renovaccedilatildeo de um tratado jaacute existente entre Cartago e
os reis etruscos de Roma uma vez que haacute outras evidecircncias
para a existecircncia de termos amigaacuteveis entre os cartagineses
e os etruscos no seacutecVI aC Aleacutem disso a eacutepoca referida
por Poliacutebio condiz com o periacuteodo etrusco em Roma385
O segundo tratado ocorreu provavelmente em 348 aC se
for aceita a identificaccedilatildeo do tratado mencionado por Tito
384 Polib 322 ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίοις καὶ τοῖς Καρχηδονίων συμμάχοις μὴ πλεῖν Ῥωμαίους μηδὲ τοὺς Ῥωμαίων συμμάχους ἐπέκεινα τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου ἐὰν μὴ πὸ χειμνος ἢ πολεμίων ἀναγκασθσιν ἐὰν δέ τις βίᾳ κατενεχθῆ μὴ ἐξέστω ατῶ μηδὲν ἀγοράζειν μηδὲ λαμβάνειν πλὴν ὅσα πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν ἢ πρὸς ἱερά (ἐν πέντε δ ἡμέραις ἀποτρεχέτω) τοῖς δὲ κατ ἐμπορίαν παραγινομένοις μηδὲν ἔστω τέλος πλὴν ἐπὶ κήρυκι ἢ γραμματεῖ ὅσα δ ἂν τούτων παρόντων πραθῆ δημοσίᾳ πίστει ὀφειλέσθω τῶ ἀποδομένῳ ὅσα ἂν ἢ ἐν Λιβύῃ ἢ ἐν Σαρδόνι πραθῆ ἐὰν Ῥωμαίων τις εἰς Σικελίαν παραγίνηται ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ἴσα ἔστω τὰ Ῥωμαίων πάντα Καρχηδόνιοι δὲ μὴ ἀδικείτωσαν δμον Ἀρδεατν Ἀντιατν Λαρεντίνων Κιρκαιιτν Ταρρακινιτν μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι ἐὰν δέ τινες μὴ ὦσιν πήκοοι τν πόλεων ἀπεχέσθωσαν ἂν δὲ λάβωσι Ῥωμαίοις ἀποδιδότωσαν ἀκέραιον φρούριον μὴ ἐνοικοδομείτωσαν ἐν τῆ Λατίνῃ ἐὰν ὡς πολέμιοι εἰς τὴν χώραν εἰσέλθωσιν ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσανrdquo 385 Lazenby First Punic War p31 A evidecircncia citada eacute Hdt 1166 E
eles atacaram e pilharam todas as cidades vizinhas razatildeo pela qual os
etruscos e cartagineses (Τυρσηνοὶ καὶ Καρχηδόνιοι) se aliaram contra eles []
172
Liacutevio386
e Diodoro387
com aquele descrito por Poliacutebio388 como
o segundo dos acordos embora Tito Liacutevio e Diodoro anunciem
esse tratado como o primeiro a inaugurar as relaccedilotildees
diplomaacuteticas entre os dois Estados Basicamente o segundo
tratado asseguraria a posiccedilatildeo dos romanos no Laacutecio e a dos
cartagineses na Liacutebia e Sardenha exatamente como no
primeiro tratado referido por Poliacutebio mas acrescentava
Uacutetica ao domiacutenio cartaginecircs indicando o sul da Hispacircnia
como aacuterea proibida ao comeacutercio por parte de Roma Tito
Liacutevio e Diodoro nos informam apenas que um tratado havia
sido estabelecido entre Roma e os cartagineses389 ao passo
que Poliacutebio nos concede as maiores informaccedilotildees a respeito
apresentando uma traduccedilatildeo do tratado da seguinte maneira
bdquoHaveraacute amizade entre os romanos e seus aliados e
entre os cartagineses os habitantes de Tiro e o povo
de Uacutetica (Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ) nos seguintes termos Os romanos natildeo saquearatildeo (λῄζεσθαι) traficaratildeo
(ἐμπορεύεσθαι) ou fundaratildeo uma cidade (πόλιν κτίζειν) aleacutem de sua Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) Mastia e Tarsenium Se os cartagineses tomarem qualquer cidade
no Laacutecio que natildeo esteja submetida a Roma eles poderatildeo
fazer prisioneiros e confiscar bens (τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν) mas desistiratildeo da cidade (τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν) [] Na Sardenha e na Liacutebia nenhum romano traficaraacute ou fundaraacute cidade ele natildeo faraacute mais do que
pegar provisotildees ou reabastecer sua embarcaccedilatildeo (εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι) Se uma tempestade levaacute-lo a esses locais o mesmo partiraacute em cinco dias []‟
390
386 Tito Liacutevio 727 387 Diod 1669 388 Polib 324 ver Lazenby First Punic War pp 31-32 389 Tito Liacutevio 727 Et cum Carthaginiensibus legatis Romae foedus
ictum cum amicitiam ac societatem petentes uenissent Diod 1669 ἐπὶ δὲ τού των Ῥωμαίοις μὲν πρὸς Καρχηδονίους πρτον συνθκαι ἐγένοντο 390 Polib 324 A versatildeo completa do tratado aparece como se segue ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίων καὶ Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ καὶ τοῖς τούτων συμμάχοις τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου Μαστίας Ταρσηίου μὴ λῄζεσθαι ἐπέκεινα Ῥωμαίους μηδ ἐμπορεύεσθαι μηδὲ πόλιν κτίζειν ἐὰν δὲ Καρχηδόνιοι λάβωσιν ἐν τῆ Λατίνῃ πόλιν τινὰ μὴ οὖσαν πήκοον Ῥωμαίοις τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν ἐὰν δέ τινες Καρχηδονίων λάβωσί τινας πρὸς οὓς εἰρήνη μέν ἐστιν ἔγγραπτος Ῥωμαίοις μὴ ποτάττονται δέ τι ατοῖς μὴ καταγέτωσαν εἰς τοὺς Ῥωμαίων λιμένας ἐὰν δὲ καταχθέντος ἐπιλάβηται ὁ Ῥωμαῖος ἀφιέσθω ὡσαύτως δὲ μηδ οἱ Ῥωμαῖοι ποιείτωσαν ἂν ἔκ τινος χώρας ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ὕδωρ ἢ ἐφόδια λάβῃ ὁ Ῥωμαῖος μετὰ τούτων τν ἐφοδίων μὴ ἀδικείτω μηδένα πρὸς οὓς εἰρήνη καὶ φιλία ἐστὶ (Καρχηδονίοις ὡσαύ τως δὲ μηδ ὁ)
173
O terceiro tratado entre Cartago e Roma teve lugar
entre 279 e 278 aC isto eacute durante a expediccedilatildeo italiana
de Pirro do Epiro em socorro de Tarento391 Apoacutes as suas
duas vitoacuterias contra os romanos as chamadas ldquovitoacuterias
piacuterricasrdquo (em Heraclea e Aacutesculo) Pirro resolveu atender ao
pedido das cidades siciliotas e partiu rumo agrave ilha para
comandar a guerra dos gregos contra os cartagineses
Cartago por outro lado natildeo via a chegada de Pirro como
algo positivo em momento tatildeo crucial da guerra e
estabeleceu novo acordo com os romanos desta vez em termos
bastante favoraacuteveis aos uacuteltimos com o objetivo de
assegurar que o epirota permanecesse na peniacutensula
De acordo com Poliacutebio o terceiro tratado continha os
mesmos termos dos dois anteriores exceto pelos seguintes
elementos inseridos por conta da presenccedila de Pirro na
Peniacutensula e em seguida na Siciacutelia
bdquoSe um ou outro necessitar de auxiacutelio (ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας) os cartagineses forneceratildeo as
embarcaccedilotildees seja para transporte ou com fins
militares mas cada povo arcaraacute com o pagamento de seus
proacuteprios homens (τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι) Os
cartagineses tambeacutem daratildeo suporte mariacutetimo (κατὰ θάλατταν) se os romanos precisarem mas nenhum dos dois
Καρχηδόνιος ποιείτω εἰ δέ μὴ ἰδίᾳ μεταπορευέσθω ἐὰν δέ τις τοῦτο ποιήσῃ δημόσιον γινέσθω τὸ ἀδίκημα ἐν Σαρδόνι καὶ Λιβύῃ μηδεὶς Ῥωμαίων μήτ ἐμπορευέσθω μήτε πόλιν κτιζέτω [] εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι ἐὰν δὲ χειμὼν κατενέγκῃ ἐν πένθ ἡμέραις ἀποτρεχέτω ἐν Σικελίᾳ ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσι καὶ ἐν Καρχηδόνι πάντα καὶ ποιείτω καὶ πωλείτω ὅσα καὶ τῶ πολίτῃ ἔξεστιν ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ Καρχηδόνιος ποιείτω ἐν Ῥώμῃrdquo 391 A anaacutelise mais recente sobre o terceiro tratado pode ser encontrada
em Zambon Hellenistic Sicily pp 86-95 Zambon Hellenistic Sicily
divide as fontes para o terceiro tratado em (a) fontes sobre as
relaccedilotildees diplomaacuteticas (b) fontes sobre a assinatura do tratado e (c)
fontes para os eventos histoacutericos apoacutes a conclusatildeo da nova alianccedila
Como aqui pretendo apenas mostrar a degradaccedilatildeo das relaccedilotildees
diplomaacuteticas entre Cartago e Roma para entatildeo salientar razotildees mais
profundas para a deflagraccedilatildeo da guerra que a questatildeo dos mamertinos
temas mais especiacuteficos (como os que foram enumerados por Zambon
Hellenistic Sicily e trabalhados por um nuacutemero abundante de autores)
seratildeo propositalmente suprimidos Sobre o tratado aleacutem de Zambon
pode-se consultar Barbara Scardigli I Trattati romano-cartaginesi
Pisa Scuola Normale Superiore 1991 Hoyos op cit pp 7-11
174
obrigaraacute os tripulantes a desembarcar contra a sua
vontade‟ (versatildeo parcial)392
O tratado como podemos observar estabelece claramente
auxiacutelio militar muacutetuo393 estando Cartago disposta a se
ldquocomprometerrdquo com o auxiacutelio logiacutestico mais do que os
romanos (inclusive pela condiccedilatildeo de sua frota em comparaccedilatildeo
com aquela virtualmente inexistente dos romanos) o que
ilustra a insatisfaccedilatildeo com a possibilidade de ter que lidar
com Pirro na Siciacutelia Os resultados do tratado contudo
natildeo tiveram grande impacto de ordem praacutetica Ainda que seja
tentador identificar a referecircncia agraves 120 embarcaccedilotildees sob o
comando do cartaginecircs Mago em Justino no momento da
expediccedilatildeo italiana de Pirro como fruto do terceiro tratado
a referecircncia (na mesma passagem)394 a uma visita em segredo
de Mago ao epirota durante a qual certo tipo de alianccedila ou
amizade foi oferecido indica que Cartago natildeo estava
decidida quanto agrave hostilidade em direccedilatildeo a Pirro e
portanto parece mais correto dizer que o envio de Mago se
deu antes do tratado Lazenby ceacutetico diante da evidecircncia
acerca de outro evento como consequumlecircncia do terceiro acordo
entre Cartago e Roma agrave eacutepoca da expediccedilatildeo piacuterrica aponta
uma operaccedilatildeo ocorrida em Reggio separada da Siciacutelia apenas
pelo estreito de Messina como o uacutenico evento possivelmente
resultante do tratado em questatildeo395 Apoiado num fragmento
de Diodoro Lazenby sugere que os 500 homens enviados a
Reggio (ainda sob o domiacutenio romano) por Cartago
392 Polib 325 [] ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας τὰ πλοῖα παρεχέτωσαν Καρχηδόνιοι καὶ εἰς τὴν ὁδὸν καὶ εἰς τὴν ἄφοδον τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι Καρχηδόνιοι δὲ καὶ κατὰ θάλατταν Ῥωμαίοις βοηθείτωσαν ἂν χρεία ᾖ τὰ δὲ πληρώματα μηδεὶς ἀναγκαζέτω ἐκβαίνειν ἀκουσίωςrdquo 393 Lazenby First Punic War p 32 394 Justino 182 [] quasi pacificator Karthaginiensium Pyrrum
adiit speculaturus consilia eius de Sicilia [] Embora Justino
indique que as reais intenccedilotildees dos cartagineses eram especular o que
Pirro pensava sobre a Siciacutelia temos ainda uma duacutevida que parece mais
caracteriacutestica de um periacuteodo anterior mesmo que bastante proacuteximo da
data do terceiro tratado com Roma 395 Lazenby First Punic War p 33
175
corresponderiam ao contingente de apoio contra o invasor
epirota Aleacutem desse evento nenhum outro pode ser cotado
como relacionado ao tratado ldquonem mesmo quando somente
Lilibeu permaneceu sob domiacutenio de Cartago de todas as suas
posses na Siciacuteliardquo396 Terminada a expediccedilatildeo de Pirro
outros possiacuteveis eventos podem ser vistos ainda como parte
do acordo mas como resposta aos homens deixados pelo
rei397
Apoacutes a breve anaacutelise dos trecircs tratados entre Cartago e
Roma podemos notar portanto ao lado da construccedilatildeo de uma
relaccedilatildeo amistosa entre os dois poderes a consolidaccedilatildeo da
posiccedilatildeo cartaginesa na Siciacutelia por cerca de 300 anos
(apesar de algumas reviravoltas tais como a guerra contra
Agaacutetocles e em seguida Pirro) e a expansatildeo romana em
direccedilatildeo ao sul da Peniacutensula regiatildeo que teraacute durante a
expediccedilatildeo de Pirro e um pouco depois presenccedila constante de
legionaacuterios romanos a exemplo da cidade de Reggio (vale
ressaltar mais uma vez separada da Siciacutelia apenas pelo
estreito de Messina) Tendo Pirro saiacutedo de cena o choque
entre dois Estados com impulsos imperialistas seria com o
passar dos anos algo inevitaacutevel O problema com os
mamertinos daria entatildeo o motivo concreto para a
deflagraccedilatildeo do conflito
Como visto anteriormente os soldados campacircnios
inicialmente a serviccedilo de Agaacutetocles haviam subjugado a
regiatildeo nordeste da Siciacutelia alguns anos apoacutes a morte do
siracusano tirando proveito da situaccedilatildeo poliacutetica delicada
pela qual a ilha passava Com a ascensatildeo de Hiero de
Siracusa e a soluccedilatildeo dos conflitos em Reggio (que teve seus
campacircnios revoltosos exterminados pelos romanos) a
situaccedilatildeo dos mamertinos se modificaraacute principalmente
396 Lazenby First Punic War p 34 397 Uma frota cartaginesa enviada a Tarentum para dar suporte ao cerco
liderado pelos romanos contra Milo deixado na cidade por Pirro
aparece por exemplo em Zonaras 88 e Oroacutesio 43
176
devido ao combate sistemaacutetico por parte dos siracusanos
contra a seacuterie de pilhagens promovidas pelos mercenaacuterios
Os mamertinos sem ter muito o que fazer solicitaram apoio
dos cartagineses e em seguida dos romanos Poliacutebio eacute
esclarecedor a esse respeito
Alguns deles apelaram aos cartagineses propondo a
submissatildeo deles proacuteprios e da cidade ao passo que
outros enviaram uma embaixada a Roma oferecendo a
submissatildeo da cidade e implorando por assistecircncia como
povo de mesma origem (ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν)398
O principal elemento considerado pelos romanos em sua
avaliaccedilatildeo do pedido de auxiacutelio mamertino natildeo parece ter
sido contudo a identificaccedilatildeo eacutetnica De acordo com
Poliacutebio os romanos estavam cientes da grande expansatildeo do
territoacuterio cartaginecircs que jaacute incluiacutea a Liacutebia parte da
Hispacircnia a Sardenha e o Mar Tirreno restando somente a
conquista de parte da Siciacutelia para se tornarem ldquoos vizinhos
mais problemaacuteticos e perigosos (βαρεῖς καὶ φοβεροὶ γείτονες)rdquo
cercando Roma por todos os cantos da Peniacutensula No final
das contas possivelmente por pressatildeo popular (οἱ πολλοὶ) o
Senado decidiu nomear o cocircnsul Aacutepio Claacuteudio como general no
comando das tropas que atravessariam o mar em direccedilatildeo a
Siciacutelia sendo o cocircnsul vitorioso na primeira batalha
contra Hieratildeo (recentemente aliado de Cartago e vitorioso
num primeiro confronto contra os mamertinos) e os
cartagineses399 Derrotado pelos romanos Hieratildeo findou por
estabelecer alianccedila com os primeiros em 263 aC
mostrando-se leal a eles ateacute o fim de seu governo em 215
aC Os cartagineses em contrapartida frente agrave deserccedilatildeo
de Hieratildeo montaram seu novo quartel general na cidade de
Acragas devido a sua localizaccedilatildeo favoraacutevel como ponto de
398 Polib 110 [] οἱ μὲν ἐπὶ Καρχηδονίους κατέφευγον καὶ τούτοις ἐνεχείριζον σφᾶς ατοὺς καὶ τὴν ἄκραν οἱ δὲ πρὸς Ῥωμαίους ἐπρέσβευον παραδιδόντες τὴν πόλιν καὶ δεόμενοι βοηθήσειν σφίσιν ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν 399 Polib 111
177
apoio logiacutestico bem como ao faacutecil acesso que ela oferecia
agrave porccedilatildeo leste da Siciacutelia a qual estava sob domiacutenio do
inimigo400
Com seus primeiros movimentos na Siciacutelia a maior parte
da Primeira Guerra Puacutenica todavia foi travada no mar
ainda que uma anaacutelise das evidecircncias acerca da atuaccedilatildeo dos
exeacutercitos (particularmente na Aacutefrica) ilustre inovaccedilotildees
militares importantes em terra firme Os cartagineses eram
conhecidos por sua excelecircncia mariacutetima tendo a navegaccedilatildeo
se tornado como nos informa Poliacutebio o seu ofiacutecio
nacional401
Eacute de salientar o respeito dos antigos quanto agrave
frota cartaginesa em diversas ocasiotildees de tensatildeo militar
das quais destaco como exemplo algumas cidades sicilianas
(aliadas aos romanos) que ldquoaterrorizadas diante da frota
cartaginesardquo (καταπεπληγμέναι τὸν τν Καρχηδονίων στόλον)
desertaram antes mesmo de lutar402 Os aparatos tecnoloacutegicos
usados na guerra naval eram quase sempre inventados ou
aprimorados pelos cartagineses a exemplo da substituiccedilatildeo
das trirremes (dominantes na guerra naval por cerca de 200
anos) pelas quadrirremes e de sua consequumlente adaptaccedilatildeo
para as quinquerremes403
Por outro lado como nos faz crer
Poliacutebio os romanos natildeo haviam se dedicado agrave guerra naval
como os cartagineses sendo seus construtores navais
completamente inexperientes na montagem de quinquerremes
400 Polib 117 Miles op cit p 179 401 Polib 652 Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην Ver item sobre o exeacutercito cartaginecircs 402 Polib 120 403
Note-se que a quinquerreme (do latim quinque o nuacutemero de homens necessaacuterios para mover cada seccedilatildeo da embarcaccedilatildeo) foi criado por
Dioniacutesio de Siracusa mas o seu uso foi melhorado pelos cartagineses
John S Morrison e John F Coates (The Athenian trireme the history
and reconstruction of an ancient Greek warship Cambridge University
Press 1986 pp259-260 Miles pp 177-178) mostraram a partir de
evidecircncias iconograacuteficas que a quinquereme cartaginesa era
ligeiramente diferente do modelo grego com um formato tipicamente
feniacutecio para os espaccedilos onde eram dispostos os cinco remadores de cada
seccedilatildeo o que garantia no caso cartaginecircs uma proteccedilatildeo extra para os
remadores e para o casco do navio Este seria por consequumlecircncia o
modelo das quinquerremes romanas Para a marinha de guerra cartaginesa
em geral cf Le Bohec op cit pp 49-55
178
(τν δὲ ναυπηγν εἰς τέλος ἀπείρων ὄντων τς περὶ τὰς πεντήρεις ναυπηγίας)
quando da deflagraccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica404 A frota
de 100 quinquerremes e 20 trirremes construiacuteda em 261
aC teria sido a primeira formada pelos proacuteprios romanos
o que acentuaria na visatildeo de Poliacutebio quatildeo espirituosos
(μεγαλόψυχον) e extraordinaacuterios (παράβολον) eram os romanos ao
fazer algo405
Com a apreensatildeo de uma embarcaccedilatildeo cartaginesa (uma
quinquerreme) tomada como modelo Roma teria finalizado a
construccedilatildeo de sua frota (as 120 embarcaccedilotildees descritas por
Poliacutebio) em apenas 60 dias406 provavelmente por que a
disposiccedilatildeo das peccedilas das embarcaccedilotildees seguiu o meacutetodo de
organizaccedilatildeo por letras empregado por Cartago407 Frota
pronta natildeo significava contudo frota taticamente apta
Logo cerca de 17 embarcaccedilotildees romanas acabaram por ser
capturadas pelos cartagineses nas Ilhas Eoacutelias a noroeste
de Messina enquanto tentavam submeter a cidade de Lipara
tendo sua tripulaccedilatildeo e seu comandante Gneu Corneacutelio
Cipiatildeo sido capturados sem grande dificuldade408
404 Uma boa siacutentese das condiccedilotildees gerais da guerra naval no seacutecIII
aC pode ser encontrada em Goldsworthy Punic Wars pp 96-103 405 Polib 120 ἐξ ὧν καὶ μάλιστα συνίδοι τις ἂν τὸ μεγαλόψυχον καὶ παράβολον τς Ῥωμαίων αἱρέσεως Poliacutebio entende que a vitoacuteria romana em Acragas (261 aC) teria modificado sensivelmente os objetivos dos romanos com a
guerra ao inveacutes de simplesmente proteger os mamertinos agora Roma
havia se decidido pela expulsatildeo dos cartagineses da Siciacutelia Ver
Goldsworthy Punic Wars p 97 406 Polib 120 Bagnall op cit p 60 Le Bohec op cit pp75-77
Hoyos op cit p89 407 O meacutetodo ficou conhecido entre os estudiosos de Cartago apoacutes
escavaccedilatildeo dirigida por Honor Frost na deacutecada de 70 Restos de uma
embarcaccedilatildeo antiga haviam sido encontrados em 1969 por um capitatildeo de
navio mercante Diego Boninni durante uma viagem de trabalho Estudos
da escrita deixada pelos construtores da embarcaccedilatildeo mostraram que o
casco havia sido preconcebido ao passo que a existecircncia de letras
similares em direccedilotildees variadas indicava a presenccedila de muacuteltiplos
construtores Os resultados da escavaccedilatildeo foram publicados
primeiramente no The International Journal of Nautical Archaeology (a
partir de 1972) e assim que o trabalho de campo se deu por encerrado
um relato amplo foi publicado pela Accademia Nazionale dei Lincei
(Roma) como suplemento da Notizie degli Scavi di Antichitagrave 30 (1976) 408 Polib 121 Miles op cit p 181 observa que a carreira de
Cipiatildeo natildeo parece ter sido abalada em ambiente senatorial jaacute que o
mesmo foi eleito cocircnsul pela segunda vez em 254 aC mas entre a
populaccedilatildeo sua reputaccedilatildeo natildeo era mais cotada entre as mais intactas a
179
Taticamente inferiores no mar o que havia se tornado
evidente apoacutes a primeira derrota de sua frota para os
cartagineses em 260 aC os romanos desenvolveram uma arma
engenhosa com o objetivo de superar a falta de habilidade
(se comparada agrave dos cartagineses) ao manobrar as
embarcaccedilotildees o corvus409 Prancha de 11 m de comprimento e
120 m de largura o corvo possuiacutea um espeto na
extremidade o qual era usado para perfurar a embarcaccedilatildeo
inimiga durante a sua trajetoacuteria de cima para baixo
permitindo assim que as duas embarcaccedilotildees envolvidas se
mantivessem forccedilosamente conectadas o tempo necessaacuterio para
a travessia completa dos soldados romanos Esses por sua
vez atravessavam a prancha em numa coluna disposta em
pares de maneira que os dois primeiros protegiam a frente
com seus escudos erguidos enquanto os seguintes dividiam a
proteccedilatildeo dos flancos410
O melhor exemplo para a explicaccedilatildeo acerca do
funcionamento do corvo eacute a batalha de Mylae Segundo
Poliacutebio ansiosos para por agrave prova o novo equipamento
disposto na proa dos navios os romanos decidiram sob o
comando de Caio Duilio (que havia deixado as legiotildees sob
responsabilidade dos tribunos militares) atacar os
cartagineses que assolavam o territoacuterio de Mylae
Ao se aproximarem e verem os corvos (τοὺς κόρακας) subindo ao ponto mais alto da proa de cada navio os
cartagineses em princiacutepio ficaram confusos surpresos
com a construccedilatildeo das maacutequinas Contudo como eles davam
o inimigo inteiramente por derrotado as embarcaccedilotildees da
linha de frente atacaram bravamente Mas conforme as
julgar pelo apelido que lhe foi dado asina ou mula Ver Pliacutenio
8169 Lazenby First Punic War op cit pp 66-67 Ao lado de Cipiatildeo
estava o seu colega de magistratura Caio Duilio comandante das
tropas na Siciacutelia 409 Ainda que Poliacutebio use o termo korakes os estudiosos modernos
adotaram a forma latina corvus (corvi no plural) pois esse eacute de
acordo com Lazenby First Punic War (p 68) o termo latino
correspondente 410 Polib 122
180
embarcaccedilotildees que entravam em colisatildeo eram rapidamente
capturadas pelas maacutequinas e os tripulantes romanos
embarcavam por meio do corvo (τοῦ κόρακος) e atacavam os inimigos um a um na plataforma alguns dos cartagineses
eram eliminados e outros rendidos por desacircnimo diante
do que estava ocorrendo tendo a batalha se tornado
praticamente um combate em terra firme Os primeiros
trinta navios que entraram em combate foram capturados
por todos os tripulantes incluindo a embarcaccedilatildeo do
comandante sendo Aniacutebal capaz de escapar por um
milagre num bote salva-vidas O restante da forccedila
cartaginesa [] desistiu e bateu em retirada (τέλος ἐγκλίναντες ἔφυγον οἱ Καρχηδόνιοι) aterrorizada (καταπλαγέντες) por esta nova experiecircncia tendo perdido 50 navios
411
Embora Poliacutebio natildeo mencione nenhuma puniccedilatildeo fatal do
comandante cartaginecircs por sua derrota outras fontes narram
crucificaccedilatildeo ou apedrejamento de Aniacutebal (natildeo o Baacutercida) por
seus homens os quais estavam insatisfeitos com o resultado
da batalha412
A vitoacuteria romana em Mylae ainda que natildeo
tenha sido decisiva assegurou aos romanos a atuaccedilatildeo na
regiatildeo da Sardenha e Coacutersega territoacuterios antes sob domiacutenio
cartaginecircs Ao inveacutes de concentrar campanhas na Siciacutelia ou
na Sardenha e Coacutersega os romanos conduziram as duas
ofensivas ao mesmo tempo o envio dos dois cocircnsules o
primeiro (Corneacutelio Cipiatildeo) para Sardenha e Coacutersega e o
segundo (Corneacutelio Aquiacutelio) para a Siciacutelia comprovam o
pensamento estrateacutegico adotado por Roma413 Uma seacuterie de
batalhas navais tiveram lugar em seguida das quais se
destaca pela quantidade de homens envolvidos a batalha de
Ecnomus (256 aC) Segundo Poliacutebio do lado romano
contavam-se 100000 tripulantes (δέκα μυριάδας) caacutelculo
retirado dos 300 remadores e 120 soldados embarcados em
cada navio Do lado cartaginecircs o total dos soldados era
algo proacuteximo dos 150000 (πεντεκαίδεκα μυριάδας) a julgar pela
411 Polib 123 Cf Lazenby First Punic War pp67-73 Le Bohec op
cit pp 77-88 Bagnall op cit pp 62-63 Goldsworthy Punic Wars
pp105-109 Miles pp 182-184 412 Zonaras 812 Oroacutesio 44 413 Bagnall op cit p64
181
contagem de suas embarcaccedilotildees (κατὰ τὸν τν νεν λόγον)414 Apoacutes
violento embate proacuteximo ao sudoeste da Siciacutelia o qual foi
mais uma vez decidido pelo uso dos corvos (a despeito das
ateacute entatildeo eficientes taacuteticas cartaginesas) os romanos
comeccedilaram os preparativos para a invasatildeo da Aacutefrica415
414 Polib 126 415 Os pormenores da batalha de Ecnomus foram suprimidos
propositalmente uma vez que o principal interesse da tese natildeo recai
sobre a marinha de guerra cartaginesa Para a batalha de Ecnomus ver
Polib 126-28 Quanto aos estudos modernos a anaacutelise mais
esclarecedora eacute Goldsworthy Punic Wars pp 109-114
182
412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a
Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana de
Reacutegulo 256-255 aC
Poliacutebio nos informa que os cartagineses que haviam
escapado do confronto em Ecnomus navegaram diretamente para
Cartago e ldquoconvencidos de que os inimigos excitados por
seu sucesso fariam o ataque direto agrave proacutepria cidade de
Cartagordquo (πεπεισμένοι τοὺς πεναντίους ἐκ τοῦ γεγονότος προτερήματος
ἐπαρθέντας εθέως ποιήσεσθαι τὸν ἐπίπλουν ἐπ ατὴν τὴν Καρχηδόνα)
mantiveram-se atentos a todos os possiacuteveis pontos de
desembarque na aacuterea416 Os romanos contudo desembarcaram a
uma distacircncia segura (Cabo Bon no nordeste da atual
Tuniacutesia) certamente por terem conhecimento da dificuldade
que seria tomar Cartago sem uma linha de abastecimento
assegurada entre a Siciacutelia e a Aacutefrica e iniciaram uma
seacuterie de cercos a cidades menores sendo Aspis a primeira
delas417
O que os romanos pretendiam com isso Em princiacutepio
poder-se-ia dizer que a decisatildeo era unicamente de seguranccedila
para o desembarque mas alguns indiacutecios em Poliacutebio apontam
para uma ocupaccedilatildeo definitiva (ainda que por ser modelada)
a qual deve ter sido planejada logo apoacutes a vitoacuteria em
Ecnomus Em primeiro lugar antes de navegar em direccedilatildeo agrave
Liacutebia eles organizaram as suas provisotildees e repararam as
embarcaccedilotildees capturadas (προσεπισιτισάμενοι καὶ τὰς αἰχμαλώτους ναῦς
καταρτίσαντες) em seguida assim que a Aspis foi tomada
guarniccedilotildees (τὰς δυνάμεις) foram ali deixadas para assegurar a
cidade (τς πόλεως) e o territoacuterio (τς χώρας) por uacuteltimo
mensageiros foram enviados a Roma para informar o ocorrido
e obter instruccedilotildees sobre o que deveria ser feito no futuro
(περὶ τν μελλόντων τί δεῖ ποιεῖν) e como eles deveriam lidar com
416 Polib 129 417 Sobre o desembarque bem como para os eventos posteriores ver Le
Bohec opcit pp 87-89 Lazenby First Punic War pp 97-103
Goldsworthy Punic Wars pp 84-87 Bagnall op cit pp 70-75
Miles pp 185-187
183
toda a situaccedilatildeo (πς χρσθαι τοῖς πράγμασιν) Se Poliacutebio estiver
correto na ordenaccedilatildeo desses eventos (e natildeo vejo motivos
para natildeo estar) os romanos tinham em mente mesmo antes de
relatar os eventos ao Senado assegurar uma posiccedilatildeo forte
em territoacuterio inimigo restando apenas a autorizaccedilatildeo de
Roma para dar prosseguimento agrave expediccedilatildeo africana A forma
que essa expediccedilatildeo assumiria contudo estava nas matildeos do
Senado418 A resposta natildeo poderia ser diferente um dos
cocircnsules deveria permanecer na Aacutefrica com forccedila adequada
(δυνάμεις τὰς ἀρκούσας) enquanto o outro deveria retornar para
Roma com a frota419
Se a essa altura os romanos tinham em mente a
reproduccedilatildeo do que havia feito Agaacutetocles cerca de 50 anos
antes natildeo sabemos por evidecircncias diretas (como seria uma
afirmaccedilatildeo de Poliacutebio ou referecircncia a Agaacutetocles em alguma
reuniatildeo senatorial antes da deliberaccedilatildeo sobre o que deveria
ser feito pelas tropas na Aacutefrica) mas isso pode ser
proposto com certo grau de plausibilidade por evidecircncias
indiretas Como mostrei antes os elementos necessaacuterios
para a realizaccedilatildeo de uma expediccedilatildeo haviam sido pensados
apoacutes Ecnomus e uma vez na Aacutefrica com posiccedilatildeo militarmente
assegurada a pilhagem que se seguiu (em Aspis ou ldquoescudordquo
e nos arredores) tem aparecircncia exata ao que foi previamente
feito pelo siracusano
Aleacutem disso eacute bem verdade que Poliacutebio nos diz como
mencionado no cap3 desta tese que Cipiatildeo o Africano
aproximadamente 50 anos apoacutes a primeira invasatildeo romana da
Aacutefrica teria respondido quando questionado acerca dos
maiores estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e
Dioniacutesiordquo420 Eacute bem provaacutevel portanto que a expediccedilatildeo de
418 Aleacutem disso uma vez estabelecidos da maneira descrita em territoacuterio
inimigo uma possiacutevel decisatildeo de abandono seria improvaacutevel senatildeo
absurda 419
Mais agrave frente Poliacutebio nos daacute nuacutemeros 15000 soldados de infantaria e 500 cavaleiros 420 Polib 1535 Ver cap3 item 41
184
Agaacutetocles fosse jaacute conhecida pelos romanos no tempo da
Primeira Guerra Puacutenica
Outra evidecircncia pode ser encontrada do lado cartaginecircs
Os comandantes cartagineses natildeo queriam esperar o avanccedilo
impune dos romanos talvez por que tivessem em mente a
reproduccedilatildeo do que haviam enfrentado meio seacuteculo antes com
os gregos Essa reaccedilatildeo por parte de Cartago elucida ainda
algo fundamental quanto agrave preservaccedilatildeo das primeiras
inovaccedilotildees em seu pensamento militar heleniacutestico Cartago
natildeo estava disposta a esperar que seu territoacuterio fosse
ldquocorrompidordquo pelo inimigo o que ocasionaria problemas de
ordem logiacutestica (principalmente com a manutenccedilatildeo de seus
aliados) de maneira que os generais decidiram partir de
imediato para o embate com os invasores Na primeira fase
das inovaccedilotildees militares em Cartago um dos aspectos
estrateacutegicos que motivaram as inovaccedilotildees de ordem logiacutestica
entre os cartagineses foi a preservaccedilatildeo da lealdade das
cidades africanas uma vez que elas estavam debandando uma
a uma para o lado grego Aquela liccedilatildeo agora aplicada ao
caso romano havia sido definitivamente aprendida pelos
generais cartagineses Asdruacutebal e Bostar foram eleitos
generais Amiacutelcar foi trazido agraves pressas da Siciacutelia como
terceiro general juntamente com 500 cavaleiros e 5000
soldados de infantaria421
Como dito anteriormente os trecircs generais cartagineses
optaram pelo combate direto com o inimigo apoacutes terem assim
deliberado (ἐβουλεύετο) e encontraram Reacutegulo e seus soldados
proacuteximos agrave cidade de Adys na ocasiatildeo sitiada pelos
romanos Os cartagineses ocuparam um monte nos arredores e
ali montaram acampamento num local que Poliacutebio considerou
ser inapropriado ao seu exeacutercito (ἀφυ δὲ ταῖς ἑαυτν δυνάμεσιν)422
421 Polib 130 Sobre Amiacutelcar Barca particularmente a construccedilatildeo de
uma escola taacutetica em Cartago ateacute Aniacutebal Barca cf Brizzi op cit
aleacutem dos autores citados acima para a expediccedilatildeo de Reacutegulo 422 Polib 130
185
Os experientes generais romanos (οἱ τν Ῥωμαίων ἡγεμόνες ἐμπείρως)
teriam visto que o momento era adequado para o ataque
inesperado uma vez que o posicionamento do exeacutercito
cartaginecircs num terreno que tornava os elefantes e a
cavalaria inuacuteteis (ἠχρείωται) lhes era propiacutecio Ao atacar
por ambos os lados do monte os romanos tiveram a primeira
legiatildeo (τὸ πρτον στρατόπεδον) derrotada pela coragem (γενναίως)
e vigor (προθύμως) dos mercenaacuterios (μισθοφόροι) mas tendo
avanccedilado em busca dos legionaacuterios em fuga expuseram sua
retaguarda aos outros que atacavam no lado oposto Os
mercenaacuterios recuaram satildeos e salvos por fim graccedilas ao
ldquoescudordquo oferecido pelos elefantes e cavaleiros que
atingiram o niacutevel plano423
Apoacutes a vitoacuteria de Reacutegulo Tuacutenis caiu sob o domiacutenio
romano tendo a cidade sido transformada na nova base de
operaccedilotildees na Aacutefrica Poliacutebio menciona ainda uma revolta
por parte dos numiacutedios (certamente encorajados com a
presenccedila romana) e a fome dos refugiados em Cartago424 o
que levou Reacutegulo a tentar a submissatildeo completa dos
cartagineses Poliacutebio diz que os embaixadores estavam tatildeo
inclinados a aceitar o que Reacutegulo lhes propunha que eles
sequer conseguiam prestar atenccedilatildeo agrave severidade de suas
exigecircncias (τὸ βάρος τν ἐπιταγμάτων) Fragmentos de Diodoro
contudo mencionam que o Senado cartaginecircs enviou os homens
mais nobres (ἄνδρας τν ἐπιφανεστάτων) como embaixadores
(πρεσβευτὰς) a Atiacutelio (leia-se Reacutegulo) para discutir os
termos de paz (περὶ εἰρήνης) mas a paz proposta por ele natildeo
seria melhor que a escravidatildeo tamanha a dureza de seus
termos425 Na mesma linha de Diodoro outras fontes
apresentam a iniciativa por parte de Cartago recusando
portanto que Reacutegulo os tivesse intimado para propor os
423 Para a reconstruccedilatildeo da batalha cf principalmente Lazenby First
Punic War pp 100-101 Goldsworthy Punic Wars p86 Bagnall op
cit pp72-73 424 Polib 131 425 Diod 2312
186
termos de paz426
No fim das contas a despeito da natureza
oposta dos relatos sobre quem teria tomado a iniciativa
para a conclusatildeo da paz (se Cartago ou Roma) e da situaccedilatildeo
draacutestica em que Cartago se encontrava uma vez mais o
Senado cartaginecircs manteve a opccedilatildeo pela defesa armada como
no caso dos gregos a qual seria assegurada em princiacutepio
pelas muralhas de Cartago e em seguida pelo recrutamento
do nuacutemero de soldados mercenaacuterios que os seus recursos
permitissem pagar427
426 Eutroacutepio (221) Oroacutesio (49) e Zonaras (813) Cf Lazenby First
Punic War p101 427 Essa seria de acordo com Diod 296 a grande vantagem em se
recrutar mercenaacuterios ldquouma abundacircncia de forccedilas militares estrangeiras
(τς ξενικς δυνάμεως) eacute muito vantajosa para o lado que a emprega e
terriacutevel para o inimigo considerando que os empregadores trazem
consigo sem grandes custos homens para lutar em seu nome ao passo
que forccedilas citadinas (τν πολιτικν δυνάμεων) mesmo quando vitoriosas satildeo prontamente enfrentadas por um corpo de oponentes intactos No
caso dos exeacutercitos poliacuteadas uma simples derrota significa um desastre
completo ao passo que no caso dos mercenaacuterios ainda que sejam por
muitas vezes derrotados os empregadores manteacutem suas forccedilas intactas
durante o tempo que durar seus recursosrdquo
187
413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico heleniacutestico
255 aC
Vegeacutecio autor de um manual militar no seacutecIV dC
menciona natildeo somente que Xantipo teria liderado os
cartagineses na guerra contra os romanos ateacute o fim (o que eacute
claramente um equiacutevoco como nos mostram todas as outras
fontes) mas tambeacutem que Aniacutebal Barca durante a Segunda
Guerra Puacutenica havia recrutado um general mercenaacuterio
espartano para a sua campanha contra os romanos
() Na verdade o quanto a ciecircncia militar foi uacutetil
aos Lacedemoacutenios nos seus combates e para omitir
outros eacute confirmado pelo exemplo de Xantipo que com
exeacutercitos jaacute anteriormente derrotados capturou e
venceu Atiacutelio Reacutegulo e o exeacutercito romano muitas vezes
vencedor ao levar auxiacutelio aos Cartagineses natildeo soacute
pela coragem mas tambeacutem pela periacutecia triunfou num
uacutenico encontro e terminou toda a guerra E tambeacutem
Aniacutebal com a intenccedilatildeo de se dirigir para Itaacutelia
procurou um mestre de armas lacedemoacutenio com os
conselhos do qual destruiu tantos cocircnsules e legiotildees
sendo inferior em nuacutemero e em forccedilas428
A segunda informaccedilatildeo na passagem acima destacada (de
que haveria um conselheiro militar espartano a serviccedilo de
Aniacutebal Barca) pode ser com muito otimismo relacionada a
uma evidecircncia sobre um professor de grego (Soacutesilo) de
Aniacutebal em Corneacutelio Nepos429 Nenhuma outra fonte faz
referecircncia a mercenaacuterios espartanos em Cartago nessas
condiccedilotildees de serviccedilo (excetuando Xantipo) mas elas servem
para ilustrar ao lado das evidecircncias sobre o recrutamento
de homens de Esparta (ou simplesmente de ldquoeducaccedilatildeo
espartanardquo) como soldados ou oficiais de patente menor
(submetidos aos generais cartagineses) que essa era uma
praacutetica longe de absurda em cenaacuterio cartaginecircs mesmo que o
428 Vegeacutecio Compecircndio da Arte Militar Pref 3 Traduccedilatildeo inalterada de
Joatildeo Gouveia Monteiro e Joseacute Eduardo Braga (ediccedilatildeo em portuguecircs de
Portugal) 429 Corneacutelio Nepos Aniacutebal 133 [] atque hoc Sosylo Hannibal
litterarum Graecarum usus est doctore
188
caso mencionado por Vegeacutecio e Corneacutelio Nepote tenha sido
inventado ou unicamente produto de confusatildeo430
De volta agrave Primeira Guerra Puacutenica no momento seguinte
agrave derrota para Reacutegulo e ao fracasso das negociaccedilotildees de paz
(tenham elas sido lideradas por iniciativa dos cartagineses
ou pelo general romano) um dos oficiais de recrutamento
(ξενολόγος) que Cartago tinha previamente enviado agrave Greacutecia
retornava com um nuacutemero consideraacutevel de soldados entre
eles Xantipo de Esparta ldquoum homem que havia participado do
sistema de treinamento espartanordquo (ἄνδρα τς Λακωνικς ἀγωγς
μετεσχηκότα)431 Lazenby recorda que embora Diodoro se refira
a Xantipo como ldquoesparciatardquo (ὁ Σπαρτιάτης) a indicaccedilatildeo de
Poliacutebio (quase sempre mais preciso que Diodoro) sugere algo
mais proacuteximo dos μόθακες homens de famiacutelias pobres que eram
patrocinados por algueacutem mais rico e criado com seus
filhos432
Diante do que havia recentemente ocorrido aos
cartagineses Xantipo conclui ldquoapoacutes ter uma visatildeo ampla
dos recursos restantes dos cartagineses e de sua forccedila em
cavalaria e elefantesrdquo (συνθεωρήσας τάς τε λοιπὰς παρασκευὰς τν
Καρχηδονίων καὶ τὸ πλθος τν ἱππέων καὶ τν ἐλεφάντων παραυτίκα) que a
derrota para os romanos na Aacutefrica natildeo se devia aos romanos
mas aos proacuteprios cartagineses ldquopor meio da inexperiecircncia
de seus generaisrdquo (διὰ τὴν ἀπειρίαν τν ἡγουμένων) A conclusatildeo do
general mercenaacuterio teria sido em princiacutepio difundida
entre os seus amigos (τοὺς φίλους) mas logo chegado aos
430 Para o debate sobre a identificaccedilatildeo das referecircncias em Vegeacutecio e
Corneacutelio Nepote cf principalmente E L Wheeler The hoplomachoi
and Vegetius Spartan drillmasters Chiron 13 1-20 1983 P 16
John F Lazenby First Punic War The Spartan Army Warminster Aris amp
Phillips 1985 P 170 Daly p 88 431 Polib 132 De acordo com Diod 2316 Xantipo teria vindo da
Greacutecia com 50 ou 100 soldados ou mesmo sozinho dependendo da fonte
utilizada 432 Lazenby First Punic War pp 102-103 Numa versatildeo mais improvaacutevel
Oroacutesio 49 sugere que Xantipo seria ldquorei dos espartanosrdquo
(Lacedaemoniorum rex) Cf tambeacutem Giovanni Brizzi ldquoAmilcar e
Santippo storie di generalirdquo In Yann Le Bohec (org) La Premiegravere
Guerre Punique Lyon De Boccard 2001 pp 29-38
189
ouvidos dos liacutederes cartagineses que decidiram chamaacute-lo e
examinar a sua linha de raciociacutenio Apoacutes explicar como
Cartago poderia derrotar os romanos (ao inveacutes de assegurar
simplesmente a sua posiccedilatildeo) os generais cartagineses
ldquopersuadidosrdquo (πεισθέντες) ldquoconfiaram-lhe imediatamente as
suas forccedilasrdquo (ατῶ παραχρμα τὰς δυνάμεις ἐνεχείρισαν) Embora a
decisatildeo dos generais tenha gerado alguma reaccedilatildeo violenta
por parte da populaccedilatildeo quando Xantipo liderou o exeacutercito
para fora da cidade em ordem (ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν
κόσμῳ) e ali comeccedilou a ldquomanobrar algumas partes dele
corretamenterdquo (κινεῖν τν μερν ἐν τάξει) ldquodando comandos de
acordo com os costumesrdquo (παραγγέλλειν κατὰ νόμους)433 o que
havia sido feito pelos generais anteriores (cartagineses)
contrastou de tal maneira que os soldados tiveram seus
acircnimos revigorados sob o comando do general estrangeiro
Nessa situaccedilatildeo a empolgaccedilatildeo de Poliacutebio ao falar da
competecircncia de um general grego eacute evidente434 mas haacute algo
mais relevante a ser observado Se Xantipo realizou as
manobras que Poliacutebio indica uma possibilidade eacute que tenha
existido um periacuteodo de treinamento (possivelmente de alguns
meses) sob o espartano A outra possibilidade eacute que o
exeacutercito jaacute tivesse conhecimento dos termos militares
usuais na arte da guerra grega possivelmente devido ao seu
passado de lutas na Siciacutelia mas que os generais fossem
incapazes de executaacute-los da forma correta de onde
sobressairia o que Poliacutebio acreditou ser a sua (dos
cartagineses) incompetecircncia ou imperiacutecia (ἀπειρία) nos
assuntos militares Se o exeacutercito cartaginecircs que lutou na
Aacutefrica contra Reacutegulo fosse composto somente por mercenaacuterios
gregos a segunda explicaccedilatildeo seria a mais plausiacutevel das
duas jaacute que natildeo temos referecircncias diretas nas fontes ao
433 Isto eacute em termos militares ortodoxos Ver questatildeo na Introduccedilatildeo 434 Goldsworthy Punic Wars p 88 Segundo o autor as accedilotildees de
Xantipo refletiriam em Poliacutebio a profunda admiraccedilatildeo helecircnica pelo
sistema militar espartano
190
treinamento das tropas por Xantipo Mas esse natildeo parece ter
sido o caso do exeacutercito em questatildeo Poliacutebio natildeo menciona
origens eacutetnicas das tropas que lutaram em Adys no primeiro
encontro com Reacutegulo (e que eram ao menos parcialmente as
mesmas sob Xantipo) tampouco o faz para a batalha de
Tuacutenis Em todo caso a ldquofalange dos cartaginesesrdquo (τὴν
φάλαγγα τν Καρχηδονίων) mencionada por Poliacutebio em Tuacutenis em
contraste com os seus mercenaacuterios (τν μισθοφόρων) deve ter
sido cartaginesa ou de aliados liacutebios submetidos ao que os
gregos chamavam de symmachia Aleacutem disso um exeacutercito
cartaginecircs na Aacutefrica devia contar como na maioria dos
casos com grande nuacutemero de soldados liacutebios os quais
desconheciam como regra geral para comeccedilar a liacutengua
grega Para dar os comandos ainda que isso natildeo seja
mencionado no provaacutevel treinamento das tropas Xantipo
teria lanccedilado matildeo como jaacute havia feito em ocasiotildees
anteriores de um ou mais inteacuterpretes (ἑρμηνεύς)435
Passado certo tempo entatildeo os cartagineses comeccedilaram a
marchar em territoacuterios nivelados (τν ὁμαλν τόπων) e a
montar acampamento em locais planos (ἐν τοῖς ἐπιπέδοις τν χωρίων)
ateacute conseguirem avistar o inimigo436
Acampados proacuteximos aos
romanos (a uma distacircncia aproximada de 1800 metros ou 10
estaacutedios gregos) os cartagineses aguardaram a deliberaccedilatildeo
do Senado Aqui emerge uma questatildeo central para a
compreensatildeo do papel que Xantipo teria desempenhado na
batalha encerrado o treinamento das tropas Segundo
Poliacutebio o clamor das tropas por Xantipo aliado aos
pedidos do proacuteprio general espartano fizeram com que os
cartagineses revestissem Xantipo de autoridade (τὴν ἐξουσίαν)
para a conduccedilatildeo da batalha Daiacute se conclui que antes da
batalha de Tuacutenis Xantipo natildeo estava no comando do exeacutercito
sendo responsaacutevel apenas pelo treinamento das tropas (como
435 Diod 2316 436 Polib 133
191
sugeri antes) Na batalha contudo se Xantipo natildeo liderou
o exeacutercito como uacutenico general (como sugere toda a histoacuteria
preacutevia da arte da guerra cartaginesa) ele o fez como
ldquogeneral de suporterdquo dos comandantes cartagineses (que
Poliacutebio natildeo menciona) conduzindo um total de 12000
soldados de infantaria 4000 cavaleiros e praticamente 100
elefantes437
Apoacutes treinar a infantaria cartaginesa Xantipo teve a
oportunidade de liderar o exeacutercito cartaginecircs em campo de
batalha Em Tuacutenis as taacuteticas que puseram fim agraves legiotildees de
Reacutegulo apresentavam uma semelhanccedila incontornaacutevel com
aquelas empregadas pelos generais heleniacutesticos apoacutes
Alexandre Esse eacute um indiacutecio que natildeo pode ser ignorado ao
lado do treinamento da infantaria cartaginesa Xantipo
parece ter transformado o exeacutercito cartaginecircs numa
autecircntica arma heleniacutestica o que seraacute de acordo com
Brizzi incorporado por Amiacutelcar Barca438
Em Tuacutenis Xantipo dispocircs a falange de cartagineses ao
centro com um corpo de mercenaacuterios agrave sua direita (o lado
mais desprotegido do corpo de infantaria devido agrave ausecircncia
do escudo ao lado direito do uacuteltimo homem) Tendo dividido
a cavalaria nas alas (ligeiramente mais adiantada que a
infantaria ao centro) o restante dos mercenaacuterios
(provavelmente dardeiros ou fundeiros) foi lotado ali para
desempenhar claro papel de forccedila de apoio agraves tropas
montadas Os elefantes por sua vez encontravam-se
dispostos agrave frente da linha principal ao centro em
ldquodistacircncia segurardquo da infantaria Do lado romano apesar da
437 Sobre a condiccedilatildeo de Xantipo na batalha de Tuacutenis cf principalmente
Lazenby First Punic War pp 103-106 Goldsworthy Punic Wars pp
89-90 Daly p 88 Para uma discussatildeo sobre a data da batalha cf
Walbank op cit p91 Sobre a possiacutevel reduccedilatildeo dos nuacutemeros do
exeacutercito cartaginecircs (dados por Polib 133) o que se justificaria no
uso da tradiccedilatildeo proacute-cartaginesa (especialmente Philinus) por Poliacutebio
para narrar a batalha cf Caven op cit p38 438 Brizzi op cit A sistematizaccedilatildeo das evidecircncias natildeo eacute feita da
mesma forma pelo uacuteltimo
192
expressatildeo vaga usada por Poliacutebio para definir o modo no
qual as legiotildees foram organizadas por Reacutegulo439 o
posicionamento dos velites agrave frente da infantaria
(apostando no efeito que os dardos teriam nos paquidermes)
e a profundidade das unidades manipulares (algo incomum a
menos que fosse necessaacuterio dar maior coesatildeo e portanto
confianccedila aos homens nas linhas de frente) indicam que o
general romano estava preocupado com o impacto -
principalmente psicoloacutegico - que os elefantes teriam em
seus soldados440
Em primeiro lugar Xantipo ordenou que os elefantes
avanccedilassem contra os romanos ao centro e que a cavalaria em
ambas as alas fizesse um movimento em torno da infantaria
para atacaacute-la pelos flancos e retaguarda (apoacutes vencer a
cavalaria inimiga eacute claro) Os romanos em contrapartida
seguindo seus costumes comeccedilaram a bater as armas contra
seus escudos emitindo seu grito de guerra enquanto
avanccedilavam A cavalaria romana muito inferior em nuacutemero
logo bateu em retirada sem oferecer muita resistecircncia agrave
ofensiva inimiga A ala esquerda dos romanos normalmente
composta por aliados avanccedilou com sucesso contra os
mercenaacuterios dispostos agrave direita do exeacutercito cartaginecircs e
pondo-os em fuga perseguiram os vencidos ateacute o
acampamento A porccedilatildeo central da legiatildeo a qual estava de
frente para os elefantes inicialmente resistiu mas logo
cedeu ao avanccedilo dos paquidermes e toda a formaccedilatildeo foi
rompida no momento em que os cavaleiros cercaram os romanos
pelos lados e pela retaguarda Os que foram capazes de
passar pelos elefantes sem serem pisoteados por eles
acabaram por se deparar com a ldquofalange cartaginesardquo (ateacute
439 Polib 133 ldquo[] muitos maniacutepulos em profundidade []rdquo (πολλὰς ἐπἀλλήλαις [] σημείας) 440 Lazenby First Punic War pp 104-105 sugere uma organizaccedilatildeo em
seis linhas ao inveacutes das trecircs linhas tradicionais (hastati
principes triarii) Goldsworthy Punic Wars p 89 sugere as trecircs
linhas tradicionais com um nuacutemero maior de linhas
193
entatildeo intacta) disposta atraacutes dos animais em boa ordem
(συντεταγμένην [] τὴν τν Καρχηδονίων φάλαγγα)441 Quanto agraves
baixas Poliacutebio registrou somente 800 homens entre os
mercenaacuterios cartagineses (particularmente aqueles que
haviam enfrentado a ala esquerda romana) sem mencionar o
restante do exeacutercito Do lado romano excetuando os 2000
soldados que perseguiram os mercenaacuterios cartagineses em
fuga e alguns homens que escaparam com Reacutegulo todos
pereceram em batalha
Sob Xantipo os paquidermes passaram a ser empregados
como entre os generais heleniacutesticos Poliacutebio relata que
Xantipo antes de analisar os recursos logiacutesticos de
Cartago e portanto de ser nomeado general dos
cartagineses por tempo limitado tomou conhecimento do que
havia recentemente ocorrido e da maneira como havia
ocorrido442
Certamente o historiador estava se referindo agrave
derrota para Reacutegulo e ao fracasso em Acragas na Siciacutelia
evento que teria segundo Poliacutebio transformado a
estrateacutegia romana na guerra De Acragas para Tuacutenis
passando pelo fracasso no uso dos cavaleiros e elefantes em
Adys quando os trecircs generais cartagineses decidiram
enfrentar os romanos antes que esses prosseguissem com a
pilhagem de seu territoacuterio notamos uma mudanccedila notaacutevel no
emprego das tropas de Cartago tanto em seu treinamento (no
caso da infantaria) quanto em sua aplicaccedilatildeo (no caso dos
cavaleiros e elefantes) em campo de batalha
441 Polib 134 Narraccedilatildeo coincidente embora menos detalhada pode ser
encontrada tambeacutem em Zonaras 1113 Diod 2314 apresenta um relato
fantasioso acerca da batalha com Xantipo tendo que empurrar os
desistentes contra os romanos numa demonstraccedilatildeo de coragem e vigor 442 Polib 132 ldquo[] ao ouvir da reviravolta recente e da maneira
pela qual havia ocorrido []rdquo (ὃς διακούσας τὸ γεγονὸς ἐλάττωμα καὶ πς καὶ τίνι τρόπῳ γέγονεν)
194
CONCLUSAtildeO
Nesta tese atenccedilatildeo especial foi dirigida agrave histoacuteria da
Siciacutelia e de Cartago nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico
na expectativa de contribuir assim para o abandono da
ideia de um mundo mediterracircnico ocidental formado agrave sombra
da expansatildeo romana Interessou-me primeiramente o impacto
poliacutetico-militar da imitatio Alexandri no ocidente
heleniacutestico sob Agaacutetocles e Pirro da mesma forma que a
reaccedilatildeo dos cartagineses frente agraves duas invasotildees africanas
ocorridas respectivamente entre 310-307 aC e 256-255
aC mais do que propriamente como os romanos subjugaram
Cartago num processo iniciado com a questatildeo dos mamertinos
na porccedilatildeo nordeste da Siciacutelia A partir da anaacutelise
detalhada das liccedilotildees militares aprendidas pelos
cartagineses no periacuteodo heleniacutestico preacute-Baacutercida tornou-se
possiacutevel a compreensatildeo da atuaccedilatildeo social dos mercenaacuterios
cujo fluxo natildeo se encerrou ao menos ateacute a destruiccedilatildeo de
Cartago pelos romanos
Durante a fase inicial da Primeira Guerra Puacutenica
precisamente no ano de 255 aC o exeacutercito cartaginecircs
sofreu modificaccedilotildees sensiacuteveis no campo taacutetico e em seu
treinamento de maneira a transformar as forccedilas de Cartago
em verdadeiras armas heleniacutesticas Mas essa transformaccedilatildeo
natildeo se iniciou contrariando o que sugere Brizzi com
Xantipo443 Taticamente o exeacutercito cartaginecircs se modificou
em 255 aC mas a composiccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo no uso de
comandantes mercenaacuterios parece ter sido anterior
443 Natildeo se trata aqui de desmerecer as hipoacuteteses de Giovanni Brizzi
(op cit) pelo contraacuterio a partir do que foi por ele proposto para
o periacuteodo Baacutercida eacute que pude montar uma explicaccedilatildeo original acerca das
inovaccedilotildees militares anteriores a Amiacutelcar a Aniacutebal Barca e que
acredito ser mais coerente tendo recuado propositalmente no tempo da
anaacutelise de maneira a ilustrar igualmente a relevacircncia das inovaccedilotildees
militares ocorridas durante a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
195
remontando a outras inovaccedilotildees militares importantes durante
a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
De fato o siracusano pensou a invasatildeo africana como
inversatildeo da estrateacutegia vigente no conflito contra os
cartagineses levando a guerra para o territoacuterio inimigo
quando o mesmo encontrava-se em grande vantagem na Siciacutelia
nesse caso ao assediar os portos de Siracusa Confiante no
apoio que obteria dos liacutebios e na falta de espiacuterito
combativo dos cartagineses (se comparada agrave experiecircncia de
seus mercenaacuterios) Agaacutetocles provocou uma situaccedilatildeo
calamitosa nos arredores de Cartago e na proacutepria cidade
que apoacutes seacuterias derrotas para o siracusano e perda
consideraacutevel dos territoacuterios aliados ou previamente
submetidos decidiu tomar atitudes draacutesticas Quando um
plano completamente inovador (para os padrotildees cartagineses)
havia sido estabelecido o Senado se decidiu pelo
direcionamento da guerra de uma maneira pouco condizente
com o estatuto e a experiecircncia militar (quando havia) dos
homens que compunham o conselho A divisatildeo logisticamente
correta do exeacutercito em trecircs forccedilas de 10000 homens
organizadas com funccedilotildees especiacuteficas de correccedilatildeo dos erros
que ateacute entatildeo os comandantes cartagineses haviam cometido
sugere um aconselhamento externo possivelmente de um
(grupo) de mercenaacuterios natildeo mencionados pelas fontes
A invasatildeo africana por Agaacutetocles ainda que tenha
fracassado natildeo foi algo impensado ou sem motivaccedilotildees
poliacuteticas mais profundas Quando Agaacutetocles se declarou rei
ldquoem imitaccedilatildeo aos Diaacutedocosrdquo considerando-se equivalente a
eles em ldquopoder territoacuterios e feitosrdquo ele fecirc-lo com um
tiacutetulo propositalmente vago A ausecircncia de um viacutenculo a um
povo ou uma cidade transforma-se portanto num convite agrave
conquista444
donde a expediccedilatildeo africana foi pensada como
concretizaccedilatildeo desse projeto Que a monarquia de Agaacutetocles
444 Gruen op cit
196
possuiacutea uma natureza ldquoheleniacutesticardquo parece claro a partir da
sistematizaccedilatildeo das evidecircncias disponiacuteveis445 mas a quem ela
se dirigia mostrou-se uma questatildeo a ser respondida
Levando-se em conta uma das principais razotildees pelas quais
Agaacutetocles decidiu conduzir uma guerra na Aacutefrica (o
esfriamento do ardor combativo dos cartagineses contra a
experiecircncia militar dos homens ldquotreinados na escola do
perigordquo) mesmo diante da presenccedila inimiga agraves portas de
Siracusa tornou-se plausiacutevel sugerir ao combinar esse
fator com a formalidade de seu poder em Siracusa e os
eventos subsequumlentes agrave sua expediccedilatildeo em territoacuterio
cartaginecircs que a sua monarquia autoproclamada dirigia-se
aos seus homens Daiacute desdobra-se ainda o fato de a sua
imitatio Alexandri natildeo ter se restringido ao campo
poliacutetico com grandes chances de ter se estendido tambeacutem agrave
esfera militar nesse caso mediante a organizaccedilatildeo de um
corpo de elite em imitaccedilatildeo aos hipaspistas de Alexandre
Apoacutes Agaacutetocles com os mamertinos instalados na porccedilatildeo
nordeste da Siciacutelia e com Siracusa carente de um liacuteder que
comandasse os esforccedilos militares contra a ofensiva
cartaginesa espaccedilo foi aberto para Pirro do Epiro receacutem-
chegado na Peniacutensula Itaacutelica a pedido dos tarentinos A
reputaccedilatildeo de Pirro encontrava-se inabalada apoacutes as suas
duas vitoacuterias contra os romanos de maneira que os
siracusanos se decidiram pela sua convocaccedilatildeo como hegemon
dos gregos (contra os ldquobaacuterbarosrdquo) Tendo concordado
prontamente Pirro se mostrou capaz de fazer recuar os
cartagineses mas a tentativa de instauraccedilatildeo de uma
monarquia de tipo heleniacutestico entre os gregos da Siciacutelia
instigou um sentimento de hostilidade quanto agrave sua
presenccedila No final de sua expediccedilatildeo italiana tendo ainda
445 Ver Zambon Hellenistic Sicily e Cap3
197
travado mais uma batalha na Peniacutensula446
Pirro terminaria
por dar uma grande contribuiccedilatildeo agrave arte da guerra no
ocidente heleniacutestico deixando a ilha com o problema
mamertino pendente
Passados 10 anos da expediccedilatildeo epirota na Itaacutelia um
confronto entre os dois grandes poderes em expansatildeo do
mundo mediterracircnico ocidental ocorreraacute tendo como motor a
presenccedila mamertina na Siciacutelia A Primeira Guerra Puacutenica
como ficou conhecida pela historiografia acabou por ser um
conflito longo e basicamente travado no mar mas com um
periacuteodo crucial na Aacutefrica durante o qual os romanos
decidiram em possiacutevel imitaccedilatildeo ao que havia feito
Agaacutetocles cerca de 50 anos antes transportar a guerra para
o territoacuterio inimigo Ao analisar as evidecircncias disponiacuteveis
(particularmente Polib 129) conclui-se que os romanos
natildeo estavam planejando unicamente um desembarque seguro
apoacutes importante vitoacuteria naval mas que eles esperavam
permanecer na Aacutefrica ao menos ateacute obterem a submissatildeo de
Cartago Os cartagineses por outro lado embora tenham
sido infelizes em seus primeiros esforccedilos (a reproduccedilatildeo de
uma das medidas tomadas contra Agaacutetocles isto eacute ir de
encontro ao inimigo para impedir a desistecircncia dos aliados
por pressatildeo militar adversaacuteria direta) aceitaram os
conselhos propostos por um dos mercenaacuterios que os seus
recrutadores haviam trazido do Peloponeso Os conselhos de
Xantipo podem ter sido algo inesperado sem duacutevida mas o
interesse por parte dos cartagineses em ouvir o que esse
general submetido ao treinamento espartano e com grande
experiecircncia militar tinha a dizer era algo com precedentes
indiretos provaacuteveis
446 Beneventum em 275 aC Dessa vez os resultados parecem ter sido
realmente inconclusivos o que se deveu em boa medida agrave desistecircncia
por parte dos italiotas que a essa altura haviam debandado para o
lado romano
198
A reforma liderada por Xantipo por fim teve
repercussotildees interessantes Em primeiro lugar uma reforma
quanto ao treinamento das tropas parece ter ocorrido Se as
tropas cartaginesas agrave eacutepoca da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo
fossem compostas unicamente por gregos poder-se-ia
argumentar a favor de uma incompetecircncia dos generais
cartagineses ao manobrar as seccedilotildees do exeacutercito O que se
observa contudo aleacutem dessa ἀπειρία eacute a sua incontornaacutevel
composiccedilatildeo africana (cartaginesa ou liacutebia) indiacutecio para a
ocorrecircncia do treinamento da infantaria sob Xantipo antes
da reforma taacutetica em Tuacutenis447
Com a infantaria treinada Cartago decidiu pelo
confronto decisivo com os romanos tendo revestido Xantipo
de autoridade (τὴν ἐξουσίαν) temporaacuteria talvez como ldquogeneral
de suporterdquo aos comandantes cartagineses Na batalha de
Tuacutenis as manobras de cavalaria e o uso dos elefantes
propiciaram como argumentei ao longo do Cap4 a
observaccedilatildeo do momento decisivo na transformaccedilatildeo do exeacutercito
cartaginecircs numa verdadeira arma heleniacutestica algo sem
equivalecircncia nas batalhas anteriores mesmo naquelas que
sucederam a presenccedila de Pirro na Magna Greacutecia e na Siciacutelia
O exeacutercito cartaginecircs havia sido modificado por fim a
partir de inovaccedilotildees militares em momentos de invasatildeo do
territoacuterio africano por inimigos estrangeiros tanto em
niacutevel estrateacutegico quanto em niacutevel taacutetico (treinamento e
aplicaccedilatildeo em campo de batalha)
447 O exeacutercito cartaginecircs apoacutes o treinamento dado por Xantipo teria
comeccedilado a marchar em territoacuterios nivelados e a acampar em locais
planos como pode ser encontrado em Polib 133 Ver Cap 4
199
BIBLIOGRAFIA
FONTES
APIANO Guerras Estrangeiras Traduccedilatildeo de Horace White
Cambridge MA London Harvard University Press 1913
ARISTOacuteTELES Poliacutetica Traduccedilatildeo de H Rackham Cambridge Ma
London Harvard University Press 1932
ARRIANO Anabasis Alexandri Traduccedilatildeo de PA Brunt London
Heinemann 1929
DIODORO DA SICIacuteLIA Biblioteca Histoacuterica Traduccedilatildeo de Russel
Geer e Francis Walton Cambridge MALondon Harvard
University Press 2006
CAacuteSSIO DIO Histoacuteria Romana Traduccedilatildeo de Earnest Cary
Cambridge MALondon Harvard University Press 1914-27
DIONIacuteSIO DE HALICARNASSO Antiguidades Romanas Traduccedilatildeo de
Earnest Cary Cambridge MALondon Harvard University
Press 1937-50
ESTRABAtildeO Geografia Traduccedilatildeo de H L Jones Harvard
University Press 1917-1932
EUTROacutePIO O breviarum ab urbe condita de Eutroacutepio Traduccedilatildeo
de HW Bird Liverpool Liverpool University Press 1993
FRONTINUS STRATEGEMATA Traduccedilatildeo de Charles Bennett
Cambridge MALondon Harvard University Press 1925
HEROacuteDOTO As Guerras Persas (livros 8-9) Traduccedilatildeo de AD
Godley Cambridge MALondon Harvard University Press
1925
ISOacuteCRATES Isoacutecrates Vol3 Traduccedilatildeo de La Rue Van Hook
Cambridge MALondon Harvard University Press 1945
FGH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der
griechischen Historiker LeidenBerlin 1923-
JUSTINO Justino Corneacutelio Nepote e Eutroacutepio Traduccedilatildeo de
John S Watson London HG Bohn 1853
200
OROacuteSIO Os sete livros da histoacuteria contra os pagatildeos Traduccedilatildeo
de Roy J Deferrari Washington Catholic University of
America Press 1964
PAUSAcircNIAS Descriccedilatildeo da Greacutecia Traduccedilatildeo de W H S Jones
Cambridge MA London Harvard University Press 1933
PLUTARCO Vidas V (Agesilaus e Pompeu Peloacutepidas e Marcelo)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1917
______ Vidas VII (Demosteacutenes e Ciacutecero Alexandre e Ceacutesar)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1919
______ Vidas IX (Demeacutetrio e Antocircnio Pirro e Caio Maacuterio)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1920
______ Vidas VIII (Sertoacuterio e Eumenes Phocion e Cato o
Jovem) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA
London Harvard University Press 1919
POLIacuteBIO Histoacuterias Traduccedilatildeo de W R Paton Cambridge MA
London Harvard University Press 2005
POLIENO Estratagemas de Guerra Traduccedilatildeo de Peter Krentz e
Everett L Wheeler Chicago Ares 1994
QUINTO CUacuteRCIO Histoacuterias Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les
Belles Lettres 1947 2 vols
TITO LIacuteVIO Roma e o Mediterracircneo livros XXXI-XLV da
Histoacuteria de Rome desde a sua fundaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Henry
Bettenson New York Penguin 1976
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo de CF
Smith Cambridge MA London Harvard University Press
1919
XENOFONTE Helecircnica Traduccedilatildeo de Carleton L Brownson
Cambridge MA London Harvard University Press 1918
201
ESTUDOS MODERNOS
ADCOCK Franz The Greek and Macedonian Art of War Berkeley
and Los Angeles California University Press 1967
______ The Roman Art of War under the Republic New York
Barnes amp Noble 1960
AUBERT Jean-Jacques and VAacuteRHELYI Zsuzsanna A tall order
writing the social history of the ancient world essays in
honor of William V Harris Muumlnchen Saur 2005
AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander to the
Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in
Translation Cambridge MA Cambridge University Press
2008
AUSTIN NJE and RANKOV NB Exploratio military and
political intelligence in the Roman world from the second
Punic War to the Battle of Adrianople London New York
Routledge 1995
BABELON Ernest ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1 95-
107 1924
BAGNALL Nigel The Punic Wars New York St Martin 2005
BELL MJV ldquoTactical Reform in the Roman Republic Armyrdquo
Historia 14 1965
BERNSTEIN AH ldquoThe Strategy of a Warrior-State Rome and
the Wars against Carthage 264ndash201 BCrdquo In MURRAY
Williamson KNOX MacGregor BERNSTEIN Alvin The Making
of strategy rulers states and war Cambridge New York
Cambridge University Press 1994
BEST Jan Thracian Peltasts and their influence on Greek
Warfare Groningen Wolters-Noordhoff 1969
BERVE Helmut Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen
Verlag 1953
______ Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967
Birley E The Roman army Papers 1929-1986 Amsterdam JC
Gieben 1988
202
BISHOP MC and COULSTON JC Roman military equipment
London Batsford 1993
BILLOWS Richard Kings and Colonists Aspects of Macedonian
Imperialism LeidenNew YorkKoumlln Brill 1995
BOSWORTH Albert ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973
______ Conquest and empire the reign of Alexander the
Great Cambridge New York Cambridge University Press
1988
BRACCESI Lorenzo I tiranni di Sicilia Roma-Bari Laterza
1998
______ L‟Alessandro occidentale Il Macedone e Roma Roma
ldquoL‟ermardquo di Bretschneider 2006
BRIZZI Giovanni Le guerrier de lantiquiteacute classique de
lhoplite au leacutegionnaire Monaco Rocher 2004
BUCKLER John The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge
MALondon Harvard University Press 1980
CAMPBELL J B ldquoTeach Yourself How to be a Generalrdquo JRS 77
1987
CARTLEDGE Paul Agesilaos and the crisis of Sparta London
Duckworth 1987
CAVEN Brian The Punic Wars London Weidenfeld and
Nicolson 1980
______ Dionysius I war-lord of Sicily New Haven Yale
University Press 1990
CHAMPION Craige Brian Cultural Politics in Polybius‟
Histories Berkeley University of California Press 2004
CHANIOTIS WHW Angelos War in the Hellenistic World a
social and cultural history Malden MA Oxford (Eng)
Blackwell 2005
CHARLES-PICARD Gilbert ldquoLes Sufegravetes de Carthage dans Tite-
Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-
280 1963
______ Carthage London Elek Books 1964
203
______ The life and death of Carthage a survey of Punic
history and culture from its birth to its final tragedy
London Sidgwick amp Jackson 1968
CONNOLLY Peter Greece and Rome at War London Macdonald
1981
CONSOLO LANGHER Sebastiana ldquoLa Sicilia dalla scomparsa di
Timoleonte alla morte di Agatoclerdquo In Emilio Gabba La
Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo alle
guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli
e della Sicilia 1980 PP 289-342
______ Sebastiana Agathocle Da capoparte a monarca
fondatore di un regno tra Cartgagine e i Diadochi
Messina Pelorias 2000
CRAWFORD MH and LIGOTA CR Ancient history and the
antiquarian essays in memory of Arnaldo Momigliano
London Warburg Institute University of London 1995
DALY Gregory Cannae the experience of battle in the Second
Punic War London New York Routledge 2002
DAWSON D The origins of Western warfare Militarism and
morality in the Ancient World Boulder Westview Press
1996
DELBRUumlCK H History of the art of war (I) Lincoln
University of Nebraska Press 1990
DE SANCTIS Gaetano Storia dei Romani Milan Fratelli Boca
1907
DEVINE Andrew ldquoGrand Tactics at Gaugamelardquo in Phoenix 29
374-385 1975
DODGE Theodore A Hannibal Cambridge MA Da Capo Press
2004
DOREY TA Latin historians London Routledge amp K Paul
1966
DREWS Robert ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan
Eunomiardquo AJA 100 1979
204
DUCREY Pierre Warfare in Ancient Greece New York
Schocken 1985
ENGELS Donald Alexander the Great and the Logistics of the
Macedonian Army Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1978
ERDIKAMP Paul A companion to the Roman army Malden MA
Oxford Blackwell 2007
ERRINGTON RM ldquoRome and Spain Before the Second Punic Warrdquo
Latomus 29 1970
FERRILL Arther The origins of war from the Stone Age to
Alexander the Great New York Thames and Hudson 1985
FEUGEgraveRE M Les armes des Romains Paris Errance 2002
FINLEY Moses A History of Sicily London Chatto amp Windus
1979
FOX Robin L Alexander the Great London Allen Lane 1973
GABBA Emiacutelio Republican Rome the army and the allies
Berkeley University of California Press 1976
______ La Sicilia antica Palermo Ed del sole 1984
GARLAN Yvon La Guerre dans l‟Antiquite Paris F Nathan
1972
______ Recherches de poliorcetique grecque Athegravenes Ecole
franccedilaise d‟Athegravenes 1974
______ Guerre et economie en Grece ancienne Paris La
Deacutecouverte 1989
GAROUFALIAS Petros Pyrrhus King of Epirus London Stacey
International 1979
GIESECKE Walther Sicilia numismatica Leipzig K W
Hiersemann 1923
GOLDSWORTHY Adrian The Punic Wars London Cassell 2002
GOUKOWSKY Paul Essai sur les origines du mythe d‟Alexandre
336-270 av J C Nancy Universiteacute de Nancy II 1978
GREEN Peter (org) Hellenistic history and culture
Berkeley University of California Press 1993
205
GRIFFITH G T The Mercenaries of the Hellenistic World
Chicago Ares 1935
GRUEN Erich S The Hellenistic world and the coming of Rome
Berkeley University of California Press 1984
______ ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In EADIE John
William e OBER Josiah (orgs) Essays in honour of Chester
G Starr New YorkLondon Routledge 1985
______ Culture and national identity in Republican Rome
Ithaca NY Cornell University Press 1992
______ Cultural borrowings and ethnic appropriations in
antiquity Stuttgart F Steiner 2005
______(org) Cultural identity in the ancient Mediterranean
Los Angeles Getty Research Institute 2010
GSELL Steacutephane Histoire ancienne de lAfrique du Nord
(vol2) Paris Hachette 1914-1930
HAMBURGER Oswald A Untersuchungen uumlber den pyrrhischen
Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927
HAMILTON C D and KRENTZ P Polis and polemos essays on
politics war amp history in Ancient Greece in honor of
Donald Kagan Claremont Calif Regina Books 1997
HAMILTON J R ldquoThe Cavalry Battle at the Hydaspesrdquo in JHS
76 27-28 1956
HAMMOND Nicholas e GRIFFITH Guy A History of Macedonia
550-336 (V2) Oxford Oxford University Press 1979
______ ldquoAlexander‟s charge at the battle of Issus in 333
BCrdquo in Historia 41 395-406 1992
______ ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in Thebesrdquo
in GRBS 38 355-372 1997
HANSON Victor D ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371
BC) and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7
190-207 1988
______ The Western way of war infantry battle in classical
Greece New York Knopf Distributed by Random House 1989
206
______ (org) Makers of ancient strategy from the Persian
wars to the fall of Rome Princeton NJ Princeton
University Press 2010
HARRIS William V War and imperialism in Republican Rome
327-70 BC Oxford Clarendon Press New York Oxford
University Press 1979
______ (org) Rethinking the Mediterranean Oxford New York
Oxford University Press 2005
HEAD Duncan Armies of the Macedonian and Punic Wars
organization tactics dress and weapons Sussex Wargames
Research Group Publication 1982
HOYOS Dexter ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-
218 BCrdquo Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274
1994
______ Unplanned Wars The Origins of the First and Second
Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter 1998
______ Hannibals Dynasty Power and Politics in the Western
Mediterranean 247-183 BC Oxford Oxford University
Press 2005
______ Hannibal‟s war books twenty-one to thirty Livy
translated by JC Yardley with an introduction and notes
by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford University Press
2006
ISAAC Benjamin The Invention of Racism in Classical
Antiquity Princeton University Press 2004
KEEGAN John The face of battle New York Vintage Books
1977
______ A history of warfare London Hutchinson 1993
KEPPIE Lawrence The making of the Roman army from republic
to empire London BT Batsford 1984
KNIPFING John ldquoGerman Historians and Macedonian
Imperialismrdquo in AHR 26 (4) 657-671 1921
KUSCHEL B ldquoDie neuen Muumlnzbilder des Ptolemaios Soterrdquo JNG
11 9-18 1961
207
LA BUA Vincenzo ldquoLa spedizione di Pirro in Siciliardquo
Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980
LANCEL Serge Carthage Paris Fayard 1992
______ Hannibal Paris Fayard 1995
LAUNEY Marcel Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques
Paris Boccard 1949 2 vols
LAZENBY FIRST PUNIC WAR John F The Spartan army
Warminster England Aris amp Phillips 1985
______ The First Punic War a military history London UCL
Press 1996
______ Hannibal‟s War a Military History of the Second
Punic War Norman Oklahoma University Press 1998
LE BOHEC Yann Histoire militaire des guerres puniques
Monaco Editions du Rocher 1996
______ Le Premiegravere Guerre Punique Collection du Centre
d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23 Lyon Paris De
Boccard 2001
______ La marine romaine et la premieacutere guerre punique
Klio 85 57-69 2003
LENDON Jon Soldiers and Ghosts A History of Battle in
Classical Antiquity New HavenLondon Yale University
Press 2005
LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de Boccard 1957
Pyrrhus King of Epirus London Stacey International 1979
LEWIS Sian (org) Ancient Tyranny Edinburgh Edinburgh
University Press 2006
LIDDELL HART Basil Henry Scipio Africanus greater than
Napoleon New York Da Capo Press 1994
MILES Richard Carthage Must be Destroyed The Rise and Fall
of an Ancient Mediterranean Civilization London Allen
Lane 2010
MILNS Robert D Alexander the Great London Robert Hale
1968
208
______ ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in
Historia 20 186-195 1971
MOMIGLIANO Arnaldo Filippo il Macedone saggio sulla storia
greca Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934
______ Alien wisdom the limits of Hellenization Cambridge
New York Cambridge University Press 1975
______ Storia e storiografia antica Bologna Il Mulino
1987
______ The classical foundations of modern historiography
Berkeley University of California Press 1990
MORRISON John S amp COATES John F The Athenian trireme the
history and reconstruction of an ancient Greek warship
Cambridge University Press 1986
MOSSEacute Claude La tyrannie dans la Gregravece Antique Paris
Presses Universitaires de France 1969
NIEBUHR Barthold G Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer
1853
PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers Chicago Ares
1933
PRITCHETT William Ancient Greek Military Practices (I)
Berkeley Los Angeles London University of California
Press 1971
REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique
Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve
Fondation Hardt 1976
RICH JW Declaring war in the Roman Republic in the period
of transmarine expansion Bruxelles Latomus 1976
ROSENSTEIN NS Imperatores victi military defeat and
aristocratic competition in the middle and late Republic
Berkeley University of California Press 1990
______ Rome at war farms families and death in the Middle
Republic Chapel Hill University of North Carolina Press
2004
209
______ (org) A companion to the Roman Republic Malden MA
Oxford Blackwell Pub 2006
SABIN Philip WEES Hans Van WHITBY Michael The Cambridge
History of Greek and Roman Warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
SAGE Michael Warfare in ancient Greece a sourcebook
London New York Routledge 1996
______ The Republican Army a Sourcebook New York London
Routledge 2008
SCARDIGLI Barbara I Trattati romano-cartaginesi Pisa
Scuola Normale Superiore 1991
SCHEPENS G L‟Autopsie dans la methode des historiens
grecs du Ve siecle avant J-C Brussel AWLSK 1980
______ VERDIN H KEYSER E de Purposes of history
studies in Greek historiography from the 4th to the 2nd
centuries BC proceedings of the international
colloquium Leuven 24-26 May 1988 Lovanii [sn] 1990
SCHUBERT Rudolf Geschichte des Pyrrhus Koumlnigsberg Wilh
Koch 1894
SCULLARD HH The Etruscan cities and Rome Ithaca NY
Cornell University Press 1967
______ The elephant in the Greek and Roman world Ithaca
NY Cornell University Press 1974
______ Scipio Africanus soldier and politician Ithaca
NY Cornell University Press 1970
SEKUNDA Nicholas Hellenistic Infantry Reform in the 160‟s
BC Gdansk Gdansk University Press 2006
SIDEBOTTOM Harry Ancient warfare a very short
introduction Oxford Oxford University Press 2004
SJOQVIST Erick ldquoA portrait Head from Morgantinardquo AJA 66
319-322 1962
STERN Ernst von Geschichte der spartanischen und
thebanishen Hegemonie Tartu University of Tartu 1884
210
STEWART Andrew Faces of Power Alexander‟s Image and
Hellenistic Politics Berkeley and Los Angeles University
of California Press 1993
STRAUSS Barry The anatomy of error ancient military
disasters and their lessons for modern strategists New
York St Martin‟s Press 1990
SZNYCER Maurice ldquoLe Problegraveme de la royauteacute dans le monde
puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296
1981
TAGLIAMONTE Gianluca ldquoRapporti tra societagrave di immigrazione
e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo aCrdquo
In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti
Del XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna
Grecia Taranto 1999
TARN William W ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ
20 98-100 1926
______ Hellenistic Military and Naval Developments
Cambridge Cambridge University Press 1930
______ Alexander the Great Cambridge Cambridge University
Press 1950 2 vols
TILLYARD Henry Julius W Agathocles Cambridge The
University Press 1908
TOYNBEE Arnold J Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s
effects on Roman life London New York Oxford University
Press 1965
TUPLIN John ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding
problemsrdquo in Klio 69 72-107 1987
VARTSOS Ioannes ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in
Siciliardquo Kokalos 16 89-97 1970
VATTUONE Ricardo Sapienza d‟occidente Il pensiero storico
di Timeo di Tauromenio Bologna Pagravetron 1991
WALBANK Frank W A historical commentary on Polybius
Oxford Clarendon Press 1957-79
211
______ Polybius Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1972
______ The Hellenistic world Brighton Sussex Harvester
Press Atlantic Highlands NJ Humanities Press 1981
______ ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7
Cambridge University Press 1984
WARMINGTON Brian H Carthage New York Praeger 1960
ZAMBON Efrem Tradition and Innovation Sicily between
Hellenism and Rome Stuttgart Fraz Steiner Verlag 2008
212
ANEXOS
ANEXO 1 ndash UMA CRONOLOGIA DO MUNDO HELENIacuteSTICO
323-241 AC
323 ndash Morte de Alexandre o Grande Perdicas distribui as
satrapias Nascimento de Alexandre IV filho de Roxana
Guerra Lamiana (revolta dos gregos)
322 ndash Submissatildeo de Atenas morte de Aristoacuteteles Invasatildeo da
Capadoacutecia por Perdicas Ptolomeu se estabelece no Egito
Ophellas em Cirene
321 - Campanha de Antiacutepatro e Cratero contra os etoacutelios
Perdicas invade a Pisiacutedia
320 ndash Antiacutepatro feito regente Filipe Arrideu Roxana e
Alexandre IV em custoacutedia Invasatildeo da Aacutesia por Antiacutepatro e
Crateros Eumenes derrota Crateros Seleuco adentra a
Babilocircnia Derrota de Perdicas no Egito
319 ndash Morte de Antiacutepatro Polipercon feito regente
Ptolomeu conquista a Palestina Agaacutetocles ascende ao poder
em Siracusa
318 ndash Polipercon declara a liberdade dos gregos Eumenes
sai da Capadoacutecia para a Ciliacutecia Eudamos extermina Poro e
marcha para o oeste
317 ndash Campanhas de Polipercon na Greacutecia Invasatildeo da Siacuteria
por Eumenes Invasatildeo da Paacutertia por Eudamos e outros
saacutetrapas Invasatildeo da Siacuteria por Antiacutegono fuga de Eumenes
para a Babilocircnia
316 ndash Derrota de Polipercon para Cassandro Eumenes se
junta a Eudamos Batalha de Paraitacene
315 ndash Lisiacutemaco combate Antiacutegono Antiacutegono derrota Eumenes
em Gabene Morte de Eumenes Eudamos e Peiton Antiacutegono daacute
nova ordem agraves satrapias orientais Alianccedila formada contra
Antiacutegono Agaacutetocles eleito strategos autocrator ()
213
314 ndash Antiacutegono se recusa a se entregar
313 ndash Antiacutegono conquista Tiro
312 - Ptolomeu suprime revolta em Cirene e derrota Demeacutetrio
em Gaza
311 ndash Derrota de Agaacutetocles na Siciacutelia bloqueio do porto de
Siracusa Antiacutegono expulsa Seleuco da Feniacutecia Paz entre
Antiacutegono Cassandro Ptolomeu e Lisiacutemaco
310 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles Campanha
de Ptolomeu na Ciliacutecia contra Antiacutegono Anexaccedilatildeo de Cipro
309 ndash Alianccedila de Agaacutetocles com Ophellas Demeacutetrio abandona
a Babilocircnia
308 ndash Morte de Ophellas exeacutercito de Ophellas incorporado
por Agaacutetocles Antiacutegono expulso da Babilocircnia por Seleuco
307 ndash Agaacutetocles retorna a Siracusa Atenas tomada por
Demeacutetrio
306 ndash Antiacutegono e Demeacutetrio assumem o diadema Demeacutetrio
conquista Cipro Seleuco invade a Baacutectria
305 ndash Iniacutecio do cerco de Rodes Seleuco conquista a Baacutectria
304 ndash Seleuco Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro assumem o
diadema Agaacutetocles se declara rei Seleuco fracassa em sua
campanha contra Chandragupta na Iacutendia
303 ndash Demeacutetrio conquista Corinto e boa parte do Pelponeso
campanhas de Agaacutetocles na Itaacutelia acordo entre Seleuco e
Chandragupta
302 ndash Cassandro e Lisiacutemaco contra Antiacutegono Seleuco e
Ptolomeu se juntam agrave alianccedila contra Antiacutegono
301 ndash Batalha de Ipso morte de Antiacutegono fuga de Demeacutetrio
300 ndash Demeacutetrio contra Lisiacutemaco Alianccedila entre Ptolomeu e
Lisiacutemaco
299 ndash Pirro enviado a Ptolomeu como refeacutem
298 ndash Demeacutetrio conquista a Ciliacutecia
297 ndash Morte de Cassandro Ptolomeu lanccedila Pirro como rei do
Epiro Lisiacutemaco toma posses de Demeacutetrio na Aacutesia Menor
296 ndash Lisiacutemaco Seleuco e Ptolomeu contra Demeacutetrio
214
295 ndash Seleuco toma Ciliacutecia Ptolomeu toma posses de
Demeacutetrio no Cipro Demeacutetrio recupera Atenas
294 ndash Demeacutetrio feito rei na Macedocircnia
293 ndash Demeacutetrio na Tessaacutelia
292 ndash Revolta de Tebas Antiacuteoco inicia governo na Baacutectria
291 ndash Demeacutetrio sufoca revolta em Tebas e ataca Pirro
289 ndash Morte de Agaacutetocles
288 ndash Guerra naval de Ptolomeu contra Demeacutetrio Lisiacutemaco e
Pirro provocam fuga de Demeacutetrio para o Peloponeso
287 ndash Revolta de Atenas Ptolomeu conquista Tiro
286 ndash Demeacutetrio perde Iocircnia e Liacutedia para Lisiacutemaco
285 ndash Demeacutetrio invade a Siacuteria submissatildeo de Demeacutetrio a
Seleuco
284 ndash Pirro derrotado por Lisiacutemaco na Macedocircnia
283 ndash Morte de Demeacutetrio e Ptolomeu Ascensatildeo de Ptolomeu II
282 ndash Tarentinos pedem ajuda a Pirro
281 ndash Ptolomeu Cerauno feito rei da Macedocircnia Seleuco
invade a Anatoacutelia elimina Lisiacutemaco e eacute morto por Ptolomeu
Cerauno na Traacutecia
280 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo italiana de Pirro vitoacuteria em
Heraclea derrota de Antiacutegono Gonatas (filho de Demeacutetrio)
para Ptolomeu Cerauno invasatildeo da Macedocircnia pelos celtas
fundaccedilatildeo da Liga Aqueacuteia
279 ndash Derrota dos romanos em Aacutesculo pedido de auxiacutelio de
Siracusa morte de Cerauno em batalha contra os celtas
Tratado entre romanos e cartagineses contra Pirro
278 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo siciliana de Pirro
277 ndash Pirro derrota os cartagineses na Siciacutelia Antiacutegono
Gonatas derrota os celtas celtas ocupam a Galaacutecia
276 ndash Pirro parte para Tarento Antiacutegono Gonatas
reconquista a Tessaacutelia
275 - Batalha inconclusiva de Benevento
264 ndash Iniacutecio da Primeira Guerra Puacutenica
260 ndash Batalha de Mylae
215
256 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo
255 ndash Recrutamento de Xantipo Batalha de Tuacutenis derrota de
Reacutegulo
247 ndash Amiacutelcar Barca nomeado general na Siciacutelia nascimento
de Aniacutebal Barca
241 ndash Fim da Primeira Guerra Puacutenica Cartago perde a
Siciacutelia para os romanos
216
ANEXO 2 FIGURAS
FIGURA 1
217
FIGURA 2
(a)
(b)
218
FIGURA 3
219
FIGURA 4
Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )
Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemaacuteticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterinaacuteriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MuacutesicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuiacutemicaBaixar livros de Sauacutede ColetivaBaixar livros de Serviccedilo SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo
IN MEMORIAM PATRIS MEI (1938-2009)
iv
Haacute somente duas fontes das quais qualquer vantagem pode ser
retirada os nossos proacuteprios infortuacutenios e aqueles de
outros homens
Poliacutebio 135
v
RESUMO
A histoacuteria poliacutetica do mundo heleniacutestico natildeo era
formada unicamente por comandantes secircniores do exeacutercito de
Alexandre o Grande sob os Diaacutedocos contava-se uma seacuterie
de ex-oficiais de poder menor ou aventureiros que
desempenhavam funccedilotildees importantes em regiotildees controladas
pelos ex-generais do rei macedocircnico ou mesmo em territoacuterios
que natildeo haviam sido previamente subjugados Juntamente com
os Diaacutedocos tais comandantes de poder menor moldaram a
poliacutetica do mundo heleniacutestico e transformaram de maneira
relevante a sociedade na qual estavam inseridos
contribuindo para a formaccedilatildeo da imitatio Alexandri e de seu
impacto na arte da guerra do periacuteodo heleniacutestico Este era
o caso de Agaacutetocles de Siracusa e em seguida Pirro do
Epiro (com poder obviamente maior que o de Agaacutetocles) que
a despeito das diferenccedilas na esfera de poder e do viacutenculo
com Alexandre tiveram papel fundamental na concretizaccedilatildeo
das inovaccedilotildees poliacuteticas e militares no ocidente
heleniacutestico
Esta tese de doutorado apresenta duas hipoacuteteses em
primeiro lugar que a monarquia de Agaacutetocles era de
natureza ldquoheleniacutesticardquo e que essa ldquoinovaccedilatildeordquo poliacutetica se
dirigiu agraves suas tropas mercenaacuterias e natildeo agrave cidade de
Siracusa onde sua magistratura compulsoacuteria era uma simples
formalidade em segundo lugar que a expediccedilatildeo africana de
Agaacutetocles e a experiecircncia militar de Pirro na Magna Greacutecia
e na Siciacutelia provocaram inovaccedilotildees militares em Cartago
primeiramente em niacutevel estrateacutegico e em seguida jaacute na
invasatildeo africana liderada pelos romanos em niacutevel taacutetico
Tais inovaccedilotildees por fim teriam transformado o exeacutercito
cartaginecircs numa autecircntica arma heleniacutestica
vi
ABSTRACT
The political history of the Hellenistic world was not
composed only of the senior commanders of Alexander the
Great under the Diadochi both a number of his minor
officers and adventurers played important roles They were
active both in territories ruled by former generals of
Alexander and even in territories which had not been
subdued by the Macedonian King With the Diadochi such
commanders with minor power molded the politics of the
Hellenistic world and shaped their society thus
contributing to the imitatio Alexandri as well as to its
impact on the art of war in Hellenistic period This was
the case of Agathocles of Syracuse and after him Pyrrhos
of Epirus both fundamental to the concretization of
political and military innovations in the western
Hellenistic world despite their differences in power and
their connection with Alexander
This DPhil thesis presents two hypotheses First of
all Agathocles‟ monarchy was of ldquoHellenisticrdquo nature and
such political ldquoinnovationrdquo was proposed to his mercenary
troops instead of the city of Syracuse where his power was
a mere formality Secondly the African expedition led by
Agathocles and the military experience of Pyrrhos in Magna
Graecia and Sicily fomented military innovations in
Carthage These innovations were in the first place at
the logistical level and after that during the African
invasion led by the Romans at the tactical level Such
innovations in the end would have changed the
Carthaginian army into an authentic Hellenistic weapon
vii
AGRADECIMENTOS
Primeiramente os agradecimentos de ordem
institucional Ao Professor Vicente Dobroruka pela
confianccedila inabalaacutevel e por toda dedicaccedilatildeo Ao Professor
Erich Gruen pelo comprometimento com o trabalho de co-
orientaccedilatildeo realizado em agradaacuteveis reuniotildees ao longo do
meu estaacutegio em Berkeley Aos Professores Celso Fonseca
Maria Filomena Carmen Liacutecia e Anderson Vargas por todas
as criacuteticas conselhos e auxiacutelio com o aprimoramento da
pesquisa Aos funcionaacuterios do PPGHIS da UnB e agrave coordenaccedilatildeo
do Programa pela seriedade com que trataram as minhas
frequumlentes solicitaccedilotildees Ao Projeto de Estudos Judaico-
Heleniacutesticos por tudo que ele representa na academia
brasileira Aos financiadores da minha pesquisa
nomeadamente CNPq (bolsa de doutorado no paiacutes) e Capes
(bolsa de doutorado no paiacutes com estaacutegio no exterior) por
terem me dado suporte financeiro em todo o doutoramento
Aos funcionaacuterios colegas e amigos que tive o prazer de
conhecer na Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra Aos funcionaacuterios e
colegas da Universidade da Califoacuternia Berkeley pela
receptividade e paciecircncia com o meu sotaque Aos
Professores Angelos Chaniotis Joe Manning Joatildeo Gouveia
Monteiro Delfim Leatildeo Barry Strauss e Gianluca
Tagliamonte pelos conselhos declaraccedilotildees e cartas de
recomendaccedilatildeo escritas
Por fim os agradecimentos pessoais Aos meus pais por
toda educaccedilatildeo que me deram Espero que eu tenha a essa
altura os deixado orgulhosos de alguma forma Agrave Carolina
my Bride to be por todo suporte emocional em momentos
difiacuteceis principalmente com o falecimento do meu pai Aos
meus amigos Neyller e Fabiacuteola que satildeo tambeacutem parte da
minha famiacutelia e ao meu afilhado Iacutecaro Aos outros amigos
colegas de profissatildeo ou das mais diversas origens luacutedicas
viii
SUMAacuteRIO
Agradecimentos vii
Abreviaturas xi
Lista de figuras xiv
Mapas xv
Introduccedilatildeo 17
Capiacutetulo 1 ndash Novas taacuteticas outra guerra as ldquoinovaccedilotildees
tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe II e Alexandre 27
1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra 29
2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre
transformaram a guerra grega 38
21 A infantaria macedocircnica 38
211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi 40
212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa 44
22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo 48
Capiacutetulo 2 ndash Os desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no
tempo dos Diaacutedocos 53
1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e os tipos
de mercenaacuterio 53
11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica
53
12 Mercenariato basileia e doriktetos chora 60
2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos 64
21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi 66
22 Os elefantes de combate 70
3 As Guerras dos Diaacutedocos 75
31 Eumenes versus Craacutetero 75
ix
32 Antiacutegono versus Eumenes 77
33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e
Lisiacutemaco 86
Capiacutetulo 3 ndash Poder monaacuterquico e arte da guerra na Magna
Greacutecia e na Siciacutelia heleniacutestica 89
1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia heleniacutestica 89
2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo poliacutetica da
morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro 101
3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica 105
4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em campo de
batalha 111
41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles 111
411 O exeacutercito de Agaacutetocles 115
412 Agaacutetocles general como Alexandre 117
42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro 123
421 O exeacutercito de Pirro 125
422 O exeacutercito republicano romano 127
423 A batalha de Heracleia (280 aC) 132
424 A batalha de Aacutesculo (279 aC) 137
Capiacutetulo 4 ndash As duas fases das inovaccedilotildees militares em
Cartago 141
1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo controle
oligaacuterquico e fracasso da tirania em Cartago 310-255
aC 141
2 O exeacutercito cartaginecircs 155
3 As primeiras inovaccedilotildees militares em Cartago
heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave ameaccedila
grega 310-307 aC 161
x
4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no periacuteodo
preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica frente agrave ameaccedila
romana 255 aC 168
41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC 168
411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa
contra os romanos 168
412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a
Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana
de Reacutegulo 256-255 aC 182
413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico
heleniacutestico 255 aC 187
Conclusatildeo 194
Bibliografia 199
Anexos 212
Anexo 1 ndash Uma cronologia do mundo heleniacutestico 323-241
aC 212
Anexo 2 Figuras 216
xi
ABREVIATURAS
AALG ndash MILNS Robert ldquoThe Army of Alexander the Greatrdquo in
REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique
Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve
Fondation Hardt 1976 pp87-136
AHR - The American Historical Review
AJA - American Journal of Archaeology
ALG1 - TARN William W Alexander the Great Cambridge
Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1
ALG2 ndash TARN William W Alexander the Great Cambridge
Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1
Apiano ndash Apiano Guerras Estrangeiras
Arist Pol ndash Aristoacuteteles Poliacutetica
Arr Anab ndash Arriano Anaacutebasis de Alexandre Magno
Austin AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander
to the Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in
Translation Cambridge MA Cambridge University Press
2008
CA ndash Classical Antiquity
Chaniotis WHW CHANIOTIS Angelos War in the Hellenistic
World Malden Oxford Blackwell 2005
Consolo Langher - Sebastiana Consolo Langher Agathocle Da
capoparte a monarca fondatore di un regno tra Cartgagine
e i Diadochi Messina Pelorias 2000
CQ ndash Classical Quarterly
Cuacutercio ndash Quinto Cuacutercio Histoacuteria de Alexandre Magno
Daly ndash DALY Gregory Cannae the experience of battle in
the Second Punic War London New York Routledge 2002
Diod ndash Diodoro Biblioteca Histoacuterica
Caacutessio Dio ndash Caacutessio Dio Histoacuteria Romana
Dioniacutesio ndash Dioniacutesio Antiguidades Romanas
Estrabatildeo ndash Estrabatildeo Geografia
Eutroacutepio ndash Eutroacutepio Breviaacuterio de Histoacuteria Romana
xii
Frontino Frontino Estratagemas
Goldsworthy Punic Wars ndash GOLDSWORTHY PUNIC WARS Adrian
The Punic Wars London Cassell 2000
GRBS - Greek Roman and Byzantine Studies
Griffith GRIFFITH Guy T The Mercenaries of the
Hellenistic World Chicago Ares 1935
Hdt ndash Heroacutedoto Histoacuterias
Isoc Pan Isoacutecrates Panegiacuterico
Isoc Isoacutecrates Da Paz
JHS ndash Journal of Hellenic Studies
JNG - Jahrbuch fuumlr Numismatik und Geldgeschichte
Justino ndash Justino Epiacutetome da Histoacuteria Filiacutepica de Pompeius
Trogus
Lazenby First Punic War ndash LAZENBY FIRST PUNIC WAR John
Francis The First Punic War a military history London
UCL Press 1996
Leacutevecircque Pirro - LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de
Boccard 1957
LSJ ndash Liddell-Scott-Jones Greek-English Lexicon
Meister CAH 7 ndash MEISTER K Agathocles WALBANK FW
ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7 (1)
Cambridge University Press 1984 PP384-411
Miles ndash MILES Richard Carthage Must be Destroyed The
Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization
London Allen Lane 2010
Oroacutesio ndash Oroacutesio Histoacuteria contra os pagatildeos
Parke PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers
Chicago Ares 1933
Plut Ages ndash Plutarco Vida de Agesilau
Plut Alex ndash Plutarco Vida de Alexandre
Plut Dem ndash Plutarco Vida de Demeacutetrio
Plut Eumenes ndash Plutarco Vida de Eumenes
Plut Pelop ndash Plutarco Vida de Peloacutepidas
Plut Tim ndash Plutarco Vida de Timoleatildeo
xiii
Polib ndash Poliacutebio Histoacuterias
Polieno ndash Polieno Estratagemas
Pliacutenio ndash Pliacutenio Histoacuteria Natural
Sil Pun ndash Siacutelio Itaacutelico Puacutenica
Tito Liacutevio ndash Tito Liacutevio A Histoacuteria de Roma (AB VRBE
CONDITA LIBRI)
TLG ndash Thesaurus Linguae Graecae
Tucid ndash Tuciacutedides Histoacuteria da Guerra do Peloponeso
Xen Hel ndash Xenofonte Helecircnica
Zambon Hellenistic Sicily - ZAMBON Efrem Tradition and
Innovation Sicily between Hellenism and Rome Stuttgart
Fraz Steiner Verlag 2008
Zonaras - Zonaras Epitome historiarum
xiv
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Estatueta de Alexandre o Grande Origem
Herculaneum (regiatildeo da Campacircnia) 330-320 aC In Andrew
Stewart Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic
Politics Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1993
Figura 2 (a) Tetradracma de prata de Ptolomeu I Soter do
Egito (315-305 aC) Previamente no mercado suiacuteccedilo (b)
Estater de ouro de Agaacutetocles de Siracusa (310-305 aC)
Vienna In Stewart op cit
Figura 3 Vista panoracircmica de Cartago reconstruccedilatildeo feita
pelo Museacutee Nacional Cartago In Richard Miles Carthage
Must be Destroyed the Rise and Fall of an Ancient
Civilization London Allen Lane 2010 P175
Figura 4 Batalha de Tuacutenis (255 aC) In Yann Le Bohec
Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions
du Rocher 1996 P90
xv
MAPAS
Siciacutelia agrave eacutepoca da Primeira Guerra Puacutenica In Nigel Bagnall The
Punic Wars Rome Carthage and the Struggle for the Mediterranean
London Hutchinson 1990 P 50
xvi
Mediterracircneo ocidental no iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica Note a
expansatildeo africana e hispacircnica dos cartagineses apoacutes a Primeira Guerra
Puacutenica e a hegemonia romana na Siciacutelia dois dos grandes resultados da
Primeira Guerra Puacutenica In Gregory Daly Cannae the experience of
battle in the Second Punic War London and New York Routledge 2002
P7
17
INTRODUCcedilAtildeO
Apoacutes a morte de Alexandre o Grande os seus generais
rapidamente trataram de dividir os territoacuterios imperiais na
Europa na Aacutesia e no Egito de maneira a produzir uma
configuraccedilatildeo poliacutetica completamente ineacutedita ao mundo
antigo Dois princiacutepios baacutesicos regeram a ascensatildeo dos
novos monarcas e a construccedilatildeo de suas dinastias a
apropriaccedilatildeo da imagem puacuteblica de Alexandre (imitatio
Alexandri) e o ldquodireito da lanccedilardquo ou doriktetos chora
Portanto para se tornar um reclamante digno dos
territoacuterios imperiais era preciso em primeiro lugar se
igualar a Alexandre em feitos copiando as suas realizaccedilotildees
militares (postura ofensiva taacuteticas movimentos e
velocidade) e ateacute a sua ligaccedilatildeo com as divindades o que
poderia ser sugerido em variadas oportunidades a exemplo
da cunhagem poacutestuma de moedas com a iconografia do monarca
Em segundo lugar como consequumlecircncia oacutebvia da imitatio
tornava-se necessaacuterio conquistar territoacuterios pela forccedila das
armas o que natildeo restringia o rei a apenas uma regiatildeo ou
povo mas o instigava a governar o que fosse capaz de
subjugar em campanhas militares Como observou Gruen o
fato de os reis heleniacutesticos natildeo portarem ldquotiacutetulos
eacutetnicosrdquo a exemplo de ldquorei dos macedocircniosrdquo indicava que
eles haviam se tornado reis do que pudessem conquistar1
Chaniotis WHW em seu recente livro sobre a guerra no
mundo heleniacutestico completa a interpretaccedilatildeo de Gruen ao
afirmar que ldquoesta vagueza era um convite agrave conquistardquo2
Torna-se evidente portanto que a guerra era parte
fundamental da ideologia do rei heleniacutestico caracterizando
1 Erich Gruen ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In J W Eadie and
Josiah Ober The Craft of the ancient historian essays in honor of
Chester G Starr Lanham MD University Press of America 1985 pp
253-271 2 Chaniotis WHW p57
18
natildeo somente suas funccedilotildees como general mas tambeacutem boa parte
de suas accedilotildees como poliacutetico
O cenaacuterio heleniacutestico em seus primoacuterdios natildeo era
contudo formado somente pelos comandantes secircniores do
exeacutercito de Alexandre ao lado dos Diaacutedocos contava-se uma
lista de ex-oficiais de poder menor e de ldquoaventureirosrdquo sem
qualquer ligaccedilatildeo direta com o rei macedocircnio mas que de
algum modo procuravam se inserir no cenaacuterio poliacutetico
heleniacutestico Este era o caso de Agaacutetocles de Siracusa
responsaacutevel por uma tentativa de introduccedilatildeo planejada da
monarquia de tipo heleniacutestico na Siciacutelia grega Como
veremos ao longo desta tese Agaacutetocles natildeo deve ser
considerado um tirano como seus antecessores siciliotas
ainda que mantivesse algumas das caracteriacutesticas poliacuteticas
tradicionais uma vez que as inovaccedilotildees por ele inicialmente
conduzidas durante a expediccedilatildeo africana podem ser cotadas
como verdadeiramente ldquoheleniacutesticasrdquo3
Diante de uma tentativa de encerramento da guerra pelos
cartagineses com o bloqueio dos portos de Siracusa e do
cerco agrave cidade Agaacutetocles liderou uma expediccedilatildeo inesperada
ao territoacuterio africano o que foi baseado de acordo com
Diodoro no perfeito conhecimento da situaccedilatildeo cartaginesa
na Aacutefrica4 De modo geral o siracusano pretendia inverter
a grande estrateacutegia da guerra e assolar o territoacuterio
inimigo decisatildeo estrategicamente ousada mas baseada na
dificuldade que Cartago teria para mobilizar ndash ou
simplesmente liderar ndash um exeacutercito capaz de derrotar homens
ldquotreinados na escola do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς
δεινοῖς)5 Durante a batalha de Tuacutenis em 310 aC Agaacutetocles
parece ter organizado uma guarda pessoal em imitaccedilatildeo aos
hipaspistas de Alexandre da mesma forma que utilizado
taacuteticas muito similares agravequelas adotadas pelo rei macedocircnio
3 A melhor abordagem para o assunto eacute Zambon Hellenistic Sicily 4 Diod 201-18 5 Diod 203
19
em Gaugamela em 331 aC Alguns anos depois encontramos
evidecircncia de Agaacutetocles representado como Alexandre na
iconografia de um estater de ouro cunhado entre 310-305
aC em imitaccedilatildeo aos tetradracmas de Ptolomeu I (314-313
aC) o qual fazia referecircncia agrave vitoacuteria obtida pelo
siracusano em Tuacutenis Em 307 aC proacuteximo agrave cunhagem do
referido estater registra-se a contenccedilatildeo de uma revolta do
exeacutercito mercenaacuterio devido agrave falta de pagamento ocasiatildeo em
que Agaacutetocles surgiu com toga puacuterpura (siacutembolo do poder
reacutegio) sendo as suas vestimentas consideradas pelas tropas
como ldquoadequadas ou pertencentes ao seu poderrdquo (τὸν προσήκοντα
κόσμον)6 Tais evidecircncias ilustram como sistematicamente
apresentado no capiacutetulo 3 a construccedilatildeo de uma monarquia
que teraacute logo apoacutes a autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos
caracteriacutesticas tipicamente heleniacutesticas natildeo se adequando
mais agraves exigecircncias ou agrave estrutura organizacional de uma
poacutelis Sob Agaacutetocles de Siracusa e depois sob Pirro do
Epiro as vitoacuterias de Alexandre no Oriente (assim como a
longa rivalidade entre gregos e persas a qual foi tomada
pelos macedocircnios como justificativa para a invasatildeo do
Impeacuterio Persa) ganharatildeo vida nova no conflito entre
Siracusa e Cartago7 A histoacuteria siciliana constituiacutea algo
peculiar natildeo sendo um apecircndice da histoacuteria grega
continental como observou Finley8 mas o sentimento grego
de hostilidade ao elemento ldquobaacuterbarordquo seja ele persa ou
cartaginecircs foi constantemente revisto primariamente sob a
lideranccedila poliacutetica de Siracusa A imitatio Alexandri a
partir da oposiccedilatildeo ao elemento ldquobaacuterbarordquo na Siciacutelia
heleniacutestica era portanto algo historicamente viaacutevel
desde que houvesse um homem capaz de forjar uma ligaccedilatildeo com
Alexandre bem como liderar os gregos da Siciacutelia contra seu
6 Diod 2034 7 Argumento desenvolvido por Richard Miles Carthage Must be Destroyed
The Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization London
Allen Lane 2010 P145 8 Moses Finley A History of Sicily London Chatto amp Windus 1979
20
inimigo estrangeiro tradicional Cartago Como sustento
nesta tese Agaacutetocles mostrou-se intencionalmente esse
homem ainda que seus planos de formaccedilatildeo dinaacutestica tenham
falhado e que a audiecircncia para a legitimaccedilatildeo de seu poder
natildeo fosse composta com exceccedilatildeo de Ophellas por
macedocircnios
O impacto do projeto monaacuterquico heleniacutestico de
Agaacutetocles no entanto natildeo se restringiu agrave Siciacutelia grega
Cartago encontrava-se envolvida diretamente com os
desdobramentos militares das inovaccedilotildees poliacuteticas lideradas
pelo siracusano de modo que seu exeacutercito sofreu
modificaccedilotildees consideraacuteveis frente agrave presenccedila grega em seu
territoacuterio Pouco tem sido dito sobre o exeacutercito cartaginecircs
antes da ascensatildeo dos Baacutercidas o que se justifica pela
natureza fragmentada das fontes para a histoacuteria
heleniacutestica mas uma anaacutelise cuidadosa desses fragmentos
deveraacute ilustrar alteraccedilotildees sensiacuteveis na disposiccedilatildeo do
exeacutercito em campo de batalha processo iniciado durante a
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles O tirano provocou
portanto a necessidade de inovaccedilotildees militares entre os
cartagineses o que corresponderia ao iniacutecio de um processo
formado por duas fases tendo o seu fim na transformaccedilatildeo
das tropas cartaginesas numa verdadeira forccedila heleniacutestica
cerca de 50 anos apoacutes a invasatildeo africana pelos gregos Ao
confiar a defesa dos territoacuterios sicilianos aos exeacutercitos
mercenaacuterios Cartago promoveu a falta de treinamento de
suas tropas ciacutevicas as quais eram empregadas somente em
casos extremos isto eacute de perigo para a proacutepria cidade
bem como manteve o baixo niacutevel de conhecimento logiacutestico no
norte da Aacutefrica talvez por que os cartagineses nunca
haviam sofrido ameaccedila similar a de 310 aC o que resultou
no envio completo dos soldados sem quaisquer forccedilas de
reserva (cruciais para a defesa da cidade no caso de uma
derrota decisiva em campo de batalha ou mesmo para a
21
reparticcedilatildeo das tropas no caso de um ataque simultacircneo) Do
mesmo modo o controle oligaacuterquico quanto aos generais
cartagineses dispostos no comando das tropas mercenaacuterias na
Siciacutelia impediu a formaccedilatildeo de uma ldquoescola taacutetica
atualizadardquo situaccedilatildeo que somente seraacute revertida em 255
aC com a contrataccedilatildeo de um general mercenaacuterio de formaccedilatildeo
espartana (Xantipo) e com o prosseguimento de sua reforma
por Amiacutelcar Barca
Entre a reforma provocada pela expediccedilatildeo de Agaacutetocles e
a reforma liderada por Xantipo haacute portanto um intervalo
de aproximadamente cinco deacutecadas o que pode ser
justificado pela carecircncia de evidecircncias mais detalhadas
sobre a histoacuteria poliacutetica e militar de Cartago Todavia
nada indica que entre 307 e 255 aC uma transformaccedilatildeo no
sistema de treinamento do exeacutercito tenha ocorrido a julgar
pela postura assumida por Xantipo em 255 aC
Ao liderar o exeacutercito para fora da cidade em boa ordem
e comeccedilar a manobrar algumas partes dele em falange e
dar as palavras de comando de acordo com os costumes
(ὡς δ ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν κόσμῳ παρενέβαλε καί τι καὶ κινεῖν τν μερν ἐν τάξει καὶ παραγγέλλειν κατὰ νόμους ἤρξατο)9
Feitas as consideraccedilotildees acima podemos nos perguntar o
que as duas fases de inovaccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs tecircm em
comum Preliminarmente cabe dizer que ambas ocorreram em
momentos de extremo perigo para os cartagineses quando o
inimigo (grego e sem seguida romano) encontrava-se jaacute em
territoacuterio africano saqueando cidades e com numeroso
exeacutercito a um passo de tomar a proacutepria cidade de Cartago
As referidas inovaccedilotildees do exeacutercito cartaginecircs (as quais
9 Polib 132 παραγγέλλειν κατὰ νόμους pode ser traduzido tambeacutem como ldquonos termos militares ortodoxosrdquo ἐν τάξει pode ser traduzido por ldquoda forma corretardquo como faz W R Paton tradutor da Loeb mas nesse caso a
expressatildeo parece mesmo indicar algo proacuteximo do modelo grego a julgar
pelo equipamento das infantarias cartaginesa e liacutebica (ver capiacutetulo 4
e figuras em anexo) podendo tambeacutem indicar algo como ldquoem marcha
ordenadardquo (no caso do uso da espada como primeira arma)
22
seratildeo sistematizadas ao longo do capiacutetulo 4 a partir das
evidecircncias disponiacuteveis) no primeiro seacuteculo de histoacuteria
heleniacutestica aparentam ter sido portanto respostas de
natureza distinta (uma logiacutestica e outra taacutetica) ao mesmo
problema tendo a primeira delas se mostrado uma
consequumlecircncia do projeto monaacuterquico de Agaacutetocles
Aleacutem de elucidar aspectos da histoacuteria siciliota e
cartaginesa o enfoque proposto contribui pontualmente para
a retirada da histoacuteria de Cartago da sombra da expansatildeo
romana de fato a derrota dos cartagineses para uma
confederaccedilatildeo latina em guerras traumaacuteticas para ambos os
lados somada ao eco da ldquogrande e justa vitoacuteria romanardquo em
sua tradiccedilatildeo literaacuteria10 resultou natildeo somente na
incorporaccedilatildeo posterior (irrefletida) da concepccedilatildeo de fides
Punica mas tambeacutem na reduccedilatildeo da histoacuteria cartaginesa a
apenas um capiacutetulo do chamado ldquoimperialismo defensivordquo
romano Ao aceitar uma unilateralidade da narraccedilatildeo de tais
eventos o que parece cocircmodo devido agrave natureza (favoraacutevel
aos romanos) dos relatos antigos sobre as Guerras Puacutenicas
o historiador finda por repetir um discurso que exclui uma
parte importante da histoacuteria do Mediterracircneo heleniacutestico
ou na melhor das hipoacuteteses submete tais histoacuterias agrave
cronologia da transformaccedilatildeo da Repuacuteblica Romana em Impeacuterio
Os romanos contudo natildeo foram os primeiros a rotular
os cartagineses com adjetivos desfavoraacuteveis (tais como
desleais crueacuteis mentirosos gananciosos e arrogantes)11
os gregos da Siciacutelia seacuteculos antes dos romanos haviam
engajado numa guerra sem fim com Cartago pela hegemonia da
ilha sendo a famosa caracterizaccedilatildeo do ldquooutrordquo como
ldquobaacuterbarordquo tambeacutem um traccedilo da cultura grega na Siciacutelia natildeo
10 Um caso ldquoclaacutessicordquo eacute o poema eacutepico de Siacutelio Itaacutelico (Pun 2395-
456) ldquoum rico senador romano com pretensotildees literaacuteriasrdquo (Miles op
cit p6) que no final do seacutec I dC via a fides Punica como causa
primordial das guerras anteriores com os cartagineses reduzindo
portanto o papel da ambiccedilatildeo romana como motor dos conflitos 11 Benjamin Isaac The Invention of Racism in Classical Antiquity
Princeton University Press 2004 pp 325-335 Miles op cit p7
23
se restringindo unicamente agrave experiecircncia grega nas guerras
contra os persas ao longo do seacutecV aC Os romanos no
entanto puderam varrer a presenccedila cartaginesa (e
posteriormente a grega) da Siciacutelia e fazer triunfar a sua
versatildeo da histoacuteria a qual deveria incluir
obrigatoriamente uma representaccedilatildeo factiacutevel de Cartago jaacute
que a autoridade e a credibilidade da historiografia romana
se iniciaram na eacutepoca das Guerras Puacutenicas
As duas hipoacuteteses desta pesquisa insinuam-se no
interior das questotildees apresentadas anteriormente Em
primeiro lugar sustento que a basileia de Agaacutetocles
dirigia-se agraves suas tropas e natildeo agrave cidade de Siracusa para
a qual o reconhecimento de seu poder natildeo parece ter sido
mais do que uma formalidade Durante a expediccedilatildeo africana
veremos natildeo somente a progressiva identificaccedilatildeo de seu
poder com uma monarquia de tiacutetulo intencionalmente vago
que seraacute em seguida comparada com a dos Diaacutedocos devido agrave
suposta paridade de suas forccedilas (ldquoem poder militar
territoacuterios e feitosrdquo) Aleacutem disso haacute que se notar tambeacutem
a constituiccedilatildeo de uma nova audiecircncia para o poder de
Agaacutetocles o qual estava cada vez menos baseado no
reconhecimento do demos de Siracusa e cada vez mais voltado
aos seus experientes mercenaacuterios12 A mudanccedila da audiecircncia
para o exeacutercito mercenaacuterio parece inclusive indicar a
tentativa de criaccedilatildeo de uma versatildeo dos hipaspistas de
Alexandre como parte da imitatio Alexandri em campo de
batalha
Em segundo lugar argumento a favor da existecircncia de
dois periacuteodos de inovaccedilatildeo militar de natureza distinta no
exeacutercito cartaginecircs sendo ambos provocados por situaccedilotildees
de perigo extremo para a cidade de Cartago O primeiro
deles se deu como dito antes contra os gregos entre 310-
12 Sou imensamente grato ao Professor Gruen pela sugestatildeo desta
hipoacutetese apoacutes ouvir e ponderar as minhas consideraccedilotildees por horas a
fio sempre com seriedade e gentileza
24
307 aC e parece ter tido caraacuteter logiacutestico assumindo
como ponto de partida o fiasco da batalha de Tuacutenis (310
aC) O segundo deles ocorreu num momento decisivo da
Primeira Guerra Puacutenica (255 aC) e apresentou mudanccedilas no
niacutevel de treinamento do exeacutercito ciacutevico e na atualizaccedilatildeo da
ldquoescola taacuteticardquo cartaginesa Em ambos os casos os
prejuiacutezos ao desenvolvimento militar cartaginecircs impostos
pelo vasto uso dos mercenaacuterios na Siciacutelia (o que inibia a
construccedilatildeo de uma cultura militar ciacutevica) e pelo controle
oligaacuterquico em Cartago (responsaacutevel pela ruptura das linhas
de desenvolvimento do generalato) parecem ter sido
ultrapassados o que poderaacute ser confirmado apoacutes anaacutelise
sistemaacutetica dos dispositivos taacuteticos cartagineses em 255
aC
Para isso a tese divide-se em quatro capiacutetulos O
primeiro capiacutetulo intitulado ldquoNovas taacuteticas outra guerra
as ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe e
Alexandrerdquo traz uma introduccedilatildeo aos antecedentes da arte da
guerra heleniacutestica apresentando uma anaacutelise das condiccedilotildees
de funcionamento do exeacutercito macedocircnico bem como dos
elementos adaptados das taacuteticas tebanas (particularmente a
coluna alongada) A arte da guerra heleniacutestica em seus
primoacuterdios e suas implicaccedilotildees poliacutetico-sociais
(nomeadamente a universalizaccedilatildeo do estatuto mercenaacuterio das
tropas e a construccedilatildeo de um novo tipo de monarquia)
dependem do entendimento correto sobre as unidades taacuteticas
do exeacutercito macedocircnico no caso dos generais que haviam
combatido com Filipe e de uma generalizaccedilatildeo do modelo
macedocircnico a partir do que se difundiu com a expediccedilatildeo
asiaacutetica de Alexandre O segundo capiacutetulo (ldquoOs
desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no tempo dos
Diaacutedocosrdquo) um desdobramento loacutegico e direto do primeiro
apresenta um estudo minucioso da situaccedilatildeo geral do
mercenariato nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico e da
25
arte da guerra tal qual experimentada pelos Diaacutedocos no
embate pela divisatildeo do Impeacuterio de Alexandre Aleacutem da
anaacutelise da manutenccedilatildeo das taacuteticas macedocircnicas de cavalaria
e das novas armas empregadas (inclusive como siacutembolo de
poder militar no caso dos elefantes) pelos Diaacutedocos o
capiacutetulo se ocupa com os eventos relacionados agraves Guerras
dos Sucessores dando atenccedilatildeo especial agrave alteraccedilatildeo do
princiacutepio de aniquilamento pelo envolvimento completo do
inimigo o que resultou no recrutamento massivo de tropas
de infantaria derrotadas (e por vezes intactas) apoacutes o
choque da cavalaria
Os dois uacuteltimos capiacutetulos deslocam o foco da tese para
o ocidente heleniacutestico e seus esforccedilos orientados sob
Agaacutetocles para uma imitatio Alexandri em campo poliacutetico e
militar e sob os cartagineses para duas fases de
inovaccedilotildees militares que se enquadram no formato da arte da
guerra heleniacutestica em seus primoacuterdios Em ambos os casos
contudo notamos um processo de integraccedilatildeo do ocidente
heleniacutestico ao mundo dos Diaacutedocos tenha ele ocorrido com
as inovaccedilotildees poliacuteticas do monarca siracusano ou com as duas
respostas dos cartagineses aos casos de maior perigo para a
cidade de Cartago nos primeiros 90 anos de histoacuteria
heleniacutestica momentos antes portanto do iniacutecio da guerra
com Aniacutebal Barca
No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoder monaacuterquico e arte da
guerra na Magna Greacutecia e Siciacutelia heleniacutesticardquo apresento
uma sistematizaccedilatildeo possiacutevel das evidecircncias favoraacuteveis agrave
caracterizaccedilatildeo do poder monaacuterquico de Agaacutetocles como
ldquoheleniacutesticordquo da mesma forma que desenvolvo argumentos
acerca de uma identificaccedilatildeo provaacutevel das tropas e taacuteticas
de Agaacutetocles durante a sua expediccedilatildeo africana com algumas
unidades e planos de batalha relacionados agrave expediccedilatildeo
asiaacutetica de Alexandre o Grande Devido agrave sensiacutevel queda do
nuacutemero de textos antigos que nos chegaram para o periacuteodo
26
bem como agrave natureza plural dos relatos (incompletos) sobre
Agaacutetocles evidecircncias de outra natureza (epigraacutefica e
numismaacutetica) satildeo tambeacutem consideradas numa perspectiva
instrumental de paridade metodoloacutegica procurando
estabelecer na medida do possiacutevel narrativas baseadas no
estudo comparado de tais fontes
O capiacutetulo 4 (ldquoAs duas fases da reforma militar em
Cartagordquo) traz uma anaacutelise das inovaccedilotildees militares
cartaginesas ocorridas entre 307 e 255 aC das alteraccedilotildees
de caraacuteter logiacutestico encaminhadas durante a expediccedilatildeo
africana de Agaacutetocles agraves modificaccedilotildees quanto ao treinamento
e agraves taacuteticas lideradas por Xantipo (255 aC) Um estudo
das relaccedilotildees entre a oligarquia em Cartago e seus generais
na Siciacutelia deveraacute elucidar em detalhes a repressatildeo
oligaacuterquica em direccedilatildeo ao desenvolvimento de uma ldquoescola
taacutetica atualizadardquo da mesma forma que uma mudanccedila
temporaacuteria nesse comportamento diante de duas ameaccedilas
potencialmente fatais agrave cidade
Os textos antigos usados nesta tese seguem quando
possiacutevel a ediccedilatildeo da Loeb Quando a ediccedilatildeo natildeo existe a
exemplo dos Estratagemas de Polieno emprega-se a ediccedilatildeo de
referecircncia (normalmente uma traduccedilatildeo para a liacutengua
inglesa) A leitura de tais textos deu-se inicialmente em
inglecircs sendo todos os trechos citados (ou de relevacircncia
pontual para a tese) lidos tambeacutem em grego ou latim usando
como recursos o TLG e o LSJ
27
CAPIacuteTULO 1 ndash NOVAS TAacuteTICAS OUTRA GUERRA AS
ldquoINOVACcedilOtildeES TEBANASrdquo E O EXEacuteRCITO REFORMADO DE
FILIPE II E ALEXANDRE
As influecircncias tebanas no pensamento militar macedocircnico
satildeo um dado haacute muito aceito na historiografia levando em
consideraccedilatildeo a aproximaccedilatildeo de Filipe com Epaminondas13
Todavia cabe perguntar quais seriam detalhadamente os
elementos desta relaccedilatildeo entre as taacuteticas tebanas e a
composiccedilatildeo do exeacutercito integrado macedocircnico Pode-se
postular ainda a existecircncia de inovaccedilotildees tipicamente
tebanas na guerra grega e em particular na reforma do
exeacutercito de Filipe e Alexandre
Conforme mostrarei neste capiacutetulo alguns princiacutepios
empregados na maior batalha travada entre Tebas e Esparta
em Leuctra (371 aC) quando a falange lacedemocircnia foi
derrotada num choque de hoplitas apresentaram-se
explicitamente no exeacutercito reformado macedocircnico mas
precisam ser cuidadosamente reavaliados Assim a batalha
de Leuctra eacute importante (1) por seu impacto histoacuterico - a
falecircncia da hegemonia espartana em campo de batalha e (2)
porque o uso da coluna alongada e da formaccedilatildeo obliacutequa (com
uma das alas hesitante) foi consolidado com a
profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito macedocircnico ocorrida a
partir do serviccedilo contiacutenuo e do estabelecimento de
treinamento superior (ambos caracteriacutesticos do soldado
profissional)
Aleacutem disso a partir da adoccedilatildeo das manobras de
cavalaria como etapa ofensiva principal das taacuteticas de
campo adotadas por Filipe II e Alexandre podemos notar na
guerra grega uma contribuiccedilatildeo estritamente macedocircnica natildeo
sendo possiacutevel atribuir a Epaminondas ou a outros tebanos
13 Plut Pelop 267
28
esta modificaccedilatildeo decisiva14 Por uacuteltimo como desdobramento
deste toacutepico a destruiccedilatildeo das defesas inimigas nas alas e
o consequumlente aniquilamento do inimigo por manobra de
envolvimento algo elaborado pelos macedocircnios no mundo
grego e comum aos persas ao menos desde a invasatildeo de
Alexandre teria sido tambeacutem a maior caracteriacutestica das
batalhas na Guerra dos Diaacutedocos15 natildeo fosse a incorporaccedilatildeo
das tropas vencidas ao contingente vitorioso praacutetica mais
condizente com a lideranccedila militar heleniacutestica Embora
novos fatores tenham emergido nas Guerras dos Diaacutedocos como
legado do impeacuterio de Alexandre (a exemplo do emprego dos
elefantes de guerra16) as manobras de cavalaria
permaneceram um dos traccedilos fundamentais aos primeiros
cinquumlenta anos da tradiccedilatildeo militar heleniacutestica primando
no entanto pela submissatildeo das tropas vencidas ao centro da
formaccedilatildeo
14 Ainda que os tessaacutelios fossem excelentes cavaleiros sua eficiecircncia
foi comprovada e difundida apenas sob o comando macedocircnico 15 Daiacute a relevacircncia deste mapeamento histoacuterico como etapa analiacutetica
anterior ao estudo da guerra heleniacutestica 16 Ambos seratildeo tratados no capiacutetulo dois desde sua ldquomatrizrdquo
macedocircnica
29
1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra
Desde o estabelecimento do ldquodilema tebanordquo isto eacute a
problemaacutetica em torno de suas intervenccedilotildees militares na
Beoacutecia e de sua inserccedilatildeo na Liga Ateniense como ldquotebanosrdquo
(e natildeo como ldquobeoacuteciosrdquo o que limitava seu raio de accedilatildeo na
regiatildeo) a situaccedilatildeo natildeo se manteve tranquumlila entre ambas as
poacuteleis (Atenas e Tebas) Apesar de um acordo de paz firmado
em 375 aC (que exigia respostas oficiais para qualquer
incidente de cunho militar e estabelecia diretrizes para a
relaccedilatildeo das cidades mencionadas os tebanos insistiam na
restauraccedilatildeo de Oropos cujo controle havia sido perdido17
Aleacutem disso a destruiccedilatildeo de Plateacuteia e Thespiai duas
cidades beoacutecias que haacute pouco haviam se aliado a Atenas
entrou no rol dos desentendimentos entre as cidades gregas
O grande problema estava justamente na recusa em reconhecer
a ldquoConfederaccedilatildeo beoacuteciardquo (na qual Tebas exercia funccedilatildeo de
comando) ainda que esta continuasse a funcionar
paralelamente
Como observa Buckler18 tal situaccedilatildeo indicou acima de
tudo uma ldquomudanccedila no balanccedilo do poder na Greacuteciardquo
Definitivamente os tebanos mostraram-se capazes de
defender seus proacuteprios interesses num contexto de restriccedilatildeo
econocircmica da lideranccedila poliacutetica ateniense e a construccedilatildeo
das embarcaccedilotildees de guerra bem como sua manutenccedilatildeo
inviabilizaram qualquer reaccedilatildeo ateniense frente ao
crescente poder tebano
Aleacutem disso os espartanos enfrentaram problemas ainda
mais seacuterios que os atenienses se pensarmos em termos mais
17 Xen Hel 63 18 John Buckler The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge
MALondon Harvard University Press 1980 P46
Importante lembrar que o uacuteltimo tratamento dado ao periacuteodo antes do
claacutessico escrito por Buckler foi dado por Ernst von Stern em sua
obra Geschichte der spartanischen und thebanishen Hegemonie (Tartu
University of Tartu 1884)
30
relacionados ao que estaacute sendo proposto nesta tese O
melhor exemplo da dificuldade espartana em manter seu poder
foi aleacutem da reduccedilatildeo de sua influecircncia na Jocircnia o fracasso
na tentativa de subjugar Tebas De fato os tebanos estavam
decididos a manter seu domiacutenio na Beoacutecia mesmo que para
isso fosse necessaacuteria a disposiccedilatildeo de seu exeacutercito em campo
de batalha seguindo o tradicional modelo grego do choque
de hoplitas bem como a tentativa de resolver o conflito
num choque decisivo
Para complementar a tensatildeo poliacutetica acima detalhada
Epaminondas dirigiu-se a Agesilau sobre sua delegaccedilatildeo em
termos aacutesperos ao niacutevel de aceitaccedilatildeo espartana
argumentando que Tebas possuiacutea tanto direito de intervenccedilatildeo
na Beoacutecia quanto Esparta na Lacocircnia Tratava-se da
imposiccedilatildeo da Confederaccedilatildeo beoacutecia e de sua caracterizaccedilatildeo
como a uacutenica unidade poliacutetica possiacutevel na regiatildeo
diferentemente da symmachia da Segunda Confederaccedilatildeo
Ateniense O isolamento de Tebas estava entatildeo
anunciado19 de modo que a batalha decisiva tornou-se o
caminho mais provaacutevel para a resoluccedilatildeo do desentendimento
entre as poacuteleis
Quanto agrave documentaccedilatildeo referente agrave batalha existe uma
tendecircncia por parte dos especialistas em recusar (ou ao
menos reduzir a relevacircncia) do relato de Xenofonte20 o
uacutenico contemporacircneo da batalha devido agrave falta de detalhes
e ao seu posicionamento excessivamente proacute-espartano Os
demais relatos embora posteriores fornecem informaccedilotildees
mais detalhadas e estatildeo apoiados noutras evidecircncias
contemporacircneas Como observa Hanson21 apesar das
diferenccedilas em muitos aspectos dos relatos sobre Leuctra
19 Xen Hel 63 Plut Ages 27 284 Diod 1550 20 Xen Hel 64 21 Victor D Hanson ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371 BC)
and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7 190-207 1988
P191
31
Plutarco22 e Diodoro
23 ldquopartilham dois princiacutepios
fundamentais que permanecem inquestionaacuteveisrdquo Primeiro a
inserccedilatildeo de algo totalmente novo em Leuctra por Epaminondas
e segundo o caraacuteter insatisfatoacuterio do relato de
Xenofonte especificamente em relaccedilatildeo a sua incompletude e
ao silecircncio (provavelmente intencional) no que respeita agraves
manobras tebanas
Uma vez decididos pela guerra Epaminondas eleito
comandante entre os boiotarchoi24 aguardou com seu
exeacutercito em Queroneacuteia onde poderia facilmente bloquear o
avanccedilo de Cleombroto desde Phokis25 Embora os outros
boiotarchoi com exceccedilatildeo de Peloacutepidas que apoiava
Epaminondas desde o iniacutecio de seu plano de batalha
estivessem receosos da decisatildeo em campo aberto optando
pela corrente estrateacutegia tebana (recuar ateacute uma
fortificaccedilatildeo e laacute oferecer resistecircncia) o temor em perder
o apoio das outras cidades beoacutecias os encorajaram a fazer
frente ao exeacutercito de Cleombroto26
Com aproximadamente 10000 soldados de infantaria e
1000 cavaleiros os espartanos dispuseram de acordo com
Xenofonte a cavalaria agrave frente dos hoplitas27 para que a
falange pudesse realizar seus movimentos secretamente fora
do campo de visatildeo do inimigo Cleombroto estava agrave direita
justamente com os demais espartanos sendo que o
contingente aliado a Esparta estava disposto agrave esquerda
Em resposta ao ataque inicial dos espartanos
Epaminondas enviou sua cavalaria provavelmente superior
agravequela do inimigo28 no intuito de fazer frente ao ataque
que abriu a batalha A formaccedilatildeo adotada pelos tebanos
22 Plut Pelop 2023 23 Plut Pelop 1552-56 24 Uma das principais magistraturas da Liga Beoacutecia segundo o LSJ 25 Plut Pelop 1552 26 Xen Hel 64 Diod 1553 Plut Pelop 203 27
Xen Hel 64 [] προετάξαντο μὲν τς ἑαυτν φάλαγγος οἱ Λακεδαιμόνιοι τοὺς ἱππέας [] 28 Xen Hel 64
32
estreita mas profunda era tambeacutem invertida Contrariando o
que comumente executavam os gregos o ataque principal
seria desferido pela ala esquerda liderada pelo ldquobatalhatildeo
sagradordquo operando na ocasiatildeo como unidade individual sob o
comando de Peloacutepidas O restante das tropas estava disposto
na ala direita fazendo frente ao contingente aliado
espartano
De acordo com Plutarco29 Cleombroto se viu forccedilado
quando observou que o ataque principal tebano seria
executado pela ala esquerda e natildeo pela direita a solicitar
que sua linha de frente agrave direita fosse estendida e
abaulada (τὸ δεξιὸν ἀνέπτυσσον καὶ περιγον) jaacute que assim poderia
envolver a coluna alongada dos tebanos e atacar o proacuteprio
Epaminondas O uacutenico problema eacute que existiria aiacute um espaccedilo
agrave esquerda do rei que deveria ser protegido de alguma
maneira provavelmente pela cavalaria Uma vez perdido o
combate pela cavalaria espartana Cleombroto teve que
enfrentar abertamente os tebanos sem chance de completar
sua manobra e ainda com um agravante a cavalaria em fuga
se chocou com a infantaria em avanccedilo causando grande
confusatildeo na formaccedilatildeo espartana30 Naquele momento o
Batalhatildeo Sagrado se destacou das demais unidades e desferiu
o principal ataque eliminando qualquer possibilidade de
reordenamento espartano Encerrada pelo rompimento da
formaccedilatildeo a batalha estava decidida
O episoacutedio de Leuctra assinala portanto para a maior
parte dos historiadores antes de Hanson de Buckler31 a
Ducrey32 ou Tuplin
33 uma revoluccedilatildeo no modo grego de fazer a
guerra34 Natildeo eacute sem razatildeo frente agrave tradiccedilatildeo
29 Plut Pelop 232 30 Xen Hel 6413 Plut Pelop 233 31 Buckler opcit 32 Pierre Ducrey Warfare in Ancient Greece New York Schocken 1985 33 John Tuplin ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding problemsrdquo in
Klio 69 72-107 1987 34 Paul Cartledge (Peace of Antalkidas to Battle of Leuktra In _____
Agesilaos and the crisis of Sparta London Duckworth 1987 P380)
33
historiograacutefica que Adcock afirmou em The Greek and
Macedonian Art of War que ldquodevido agraves suas inovaccedilotildees
[Epamonindas] havia vencido sua primeira grande batalha
Leuctra antes da mesma ser iniciadardquo35 Existe no
entanto um posicionamento tradicionalmente contraacuterio agraves
entatildeo chamadas inovaccedilotildees de Epaminondas trata-se da
tradiccedilatildeo historiograacutefica que remonta ao argumento
desenvolvido por Hanson em 1988 em seu provocativo artigo
sobre Epaminondas e a batalha de Leuctra36
Em primeiro lugar Hanson refere-se a uma lista de
casos anteriormente estudados por Pritchett37 nos quais a
coluna alongada havia sido empregada De fato aprofundar a
quantidade de hoplitas numa das alas aumentava a
autoconfianccedila e adicionava poder de choque agrave coluna
hopliacutetica mas reduzia a extensatildeo da linha de frente
expunha o flanco mais facilmente (facilitando o
envolvimento por parte do inimigo) e exigia mais da ala
desfavorecida devido ao deslocamento de homens para a outra
parte da formaccedilatildeo Os tebanos jaacute haviam se utilizado da
coluna alongada com 16 escudos38 (εἰς ἑκκαίδεκα βαθεῖαν)39 mas eacute
vaacutelido lembrar que existe com Epaminondas uma
radicalizaccedilatildeo deste princiacutepio jaacute conhecido pelos gregos
levando ao extremo o nuacutemero de soldados dispostos em
coluna
Em seguida a inversatildeo da coluna alongada da ala
direita para a esquerda40 onde os soldados inimigos natildeo
menciona que as taacuteticas de Epaminondas foram ldquobrilhantemente
inovadorasrdquo 35 Franz Adcock The Greek and Macedonian Art of War Berkeley and Los
Angeles California University Press 1967 P89 36 Hanson opcit 37 William Pritchett Ancient Greek Military Practices (I) Berkeley
Los Angeles London University of California Press 1971 P135 Os
casos satildeo detalhadamente Delion (424 aC Tucid 493) Siracusa
(415 aC Tucid 667) Peiraieus (403 aC Xen Hel 24) Rio
Nemeacuteia (394 aC Xen Hel 42) 38 Xen Hel 42 Plut Pelop 172 39 Xen Hel 42 40 Xen Hel 64 Diod 1555 Plut Pelop 231
34
contavam com a proteccedilatildeo dos escudos41 foi planejada por
Epaminondas com a intenccedilatildeo de destruir a tropa de elite
espartana o mais raacutepido possiacutevel Embora tal praacutetica - a da
inversatildeo da principal tropa de choque da direita para a
esquerda - jaacute fosse conhecida pelos gregos pelo menos desde
as Guerras Meacutedicas como nos lembra Hanson42
especificamente no episoacutedio da batalha contra o persa
Mardocircnio43 natildeo existe meio de saber precisamente porque
Epaminondas adotou tal formaccedilatildeo uma vez que o histoacuterico
desta inversatildeo taacutetica natildeo ilustra mais sucessos do que
fracassos quando aplicada Talvez Epaminondas tenha
ldquomeramente orquestrado uma colisatildeo brutal e decisivardquo44
como outros comandantes gregos jaacute o tinham tentado mas natildeo
haacute como saber quais motivos especiacuteficos o levaram a adotar
tal formaccedilatildeo ao inveacutes daquela tradicional Por fim ainda
com relaccedilatildeo agrave inversatildeo das alas basta dizer que a
eliminaccedilatildeo da hipoacutetese pautada na defesa da ldquogenialidade
taacuteticardquo de Epaminondas nos leva de acordo com o argumento
de Hanson a uma evidente reduccedilatildeo na sua capacidade de accedilatildeo
imediata mas ainda assim sem descartar uma questatildeo
importante a combinaccedilatildeo radical destes dois fatores (a
coluna alongada e invertida) foi indiscutivelmente decisiva
na derrota dos espartanos em Leuctra
Outra questatildeo fundamental diz respeito ao uso integrado
(ou mesmo a ausecircncia) da cavalaria especialmente na ala
direita tebana Apenas Xenofonte45 menciona a existecircncia de
tropas montadas em Leuctra sem fazer referecircncia sequer ao
movimento de flanqueamento por parte da cavalaria de
41 Deve-se lembrar que o hoplita da esquerda era protegido pelo escudo
do soldado agrave sua direita avanccedilando juntos ombro a ombro O soldado
situado agrave extrema direita contava entatildeo apenas com sua lanccedila jaacute que
seu escudo deveria proteger o lado direito do soldado situado agrave sua
proacutepria esquerda 42 Hanson opcit p194 43 Hdt946 44 Hanson opcit p194 45 Hel 64 [] οἱ τν Φωκέων πελτασταὶ καὶ τν ἱππέων Ἡρακλεται []
35
Epaminondas Pelo contraacuterio os espartanos eacute que teriam
iniciado a batalha enviando seus cavaleiros agrave frente dos
hoplitas Entatildeo os tebanos em resposta ao ataque
espartano teriam feito o mesmo Natildeo existe informaccedilatildeo
sobre um possiacutevel retorno agraves posiccedilotildees originais ou mesmo em
direccedilatildeo agraves alas o que poderia sugerir uma lacuna no relato
de Xenofonte no que se refere agraves manobras de cavalaria ao
longo de toda a batalha tanto pelo lado espartano quanto
pelo lado tebano
Buckler e Tuplin46 concordam que as manobras adotadas
por Cleombroto derivaram de uma accedilatildeo inesperada por parte
dos tebanos Ora se de fato os espartanos pretendiam
distrair Epaminondas com um ataque frontal e inicial da
cavalaria enquanto a ala direita comandada pelo proacuteprio
Cleombroto pudesse avanccedilar para aleacutem da ala esquerda
tebana e recobrar a proteccedilatildeo do flanco com o retorno das
tropas montadas que iniciaram a batalha entatildeo Epaminondas
provavelmente sabia o que fora realizado por seus inimigos
na batalha do rio Nemeacuteia47 quando um envolvimento se
tornou possiacutevel exatamente a partir de tais manobras
Poreacutem admitindo-se que Cleombroto iniciou mesmo a batalha
ordenando o avanccedilo da cavalaria estaria correto o relato
de Plutarco (no qual Buckler e Tuplin basearam sua anaacutelise)
com relaccedilatildeo agrave sequumlecircncia das manobras48 Noutras palavras a
uacutenica maneira de afirmar que Cleombroto teria modificado
46 Buckler opcit p64 47 Xen Hel 42 48 O questionamento parte tambeacutem da comparaccedilatildeo entre a reputaccedilatildeo de
Plutarco e Xenofonte O primeiro nunca teve pretensotildees a historiador
embora o relato de Leuctra tenha sido provavelmente baseado nos textos
de Eacuteforo (FGrH 70) enquanto o segundo aleacutem das intenccedilotildees de
prosseguimento da obra de Tuciacutedides tinha declarada experiecircncia
militar O fato de que Xenofonte seria parcial em sua anaacutelise digo
interessado apenas em sustentar que tudo teria dado errado para os
espartanos naquele dia em contraposiccedilatildeo agrave sorte dos tebanos fez com
que a historiografia ateacute o artigo escrito por Hanson sequer
atentasse para uma importante declaraccedilatildeo de Xenofonte (ldquoos espartanos
iniciaram a batalhardquo) o que definitivamente abre o leque de
possibilidades explicativas especialmente para o questionamento do
testemunho de Plutarco
36
sua formaccedilatildeo devido agrave ldquosurpresardquo em relaccedilatildeo agraves manobras de
Epaminondas eacute atraveacutes do relato de Plutarco Entretanto se
admitirmos que a cavalaria espartana (e natildeo a tebana)
iniciou o ataque como sugeriu Xenofonte eacute possiacutevel supor
tambeacutem que Cleombroto contava desde o iniacutecio com o retorno
de sua cavalaria para proteger o flanco aberto durante a
execuccedilatildeo da manobra (planejada antes mesmo de iniciada a
batalha) com a qual pretendia envolver a coluna alongada
dos tebanos Como sua cavalaria natildeo foi capaz de vencer a
tebana o proacuteprio rei teria permanecido agrave mercecirc do choque
comandado por Peloacutepidas consequumlecircncia da falha da cavalaria
espartana e natildeo fruto de um plano preacute-elaborado por
Epaminondas
A criacutetica de Hanson dirigida agraves interpretaccedilotildees da
batalha de Leuctra parece totalmente correta e de fato uma
reavaliaccedilatildeo das chamadas ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo constitui uma
etapa necessaacuteria a este estudo para que se torne evidente
que a inserccedilatildeo da cavalaria tal como empregada no exeacutercito
de Alexandre natildeo estava disponiacutevel na guerra grega antes
de Filipe49 Pelo contraacuterio o uso integrado das diversas
seccedilotildees do exeacutercito configurou em seu estaacutegio avanccedilado uma
contribuiccedilatildeo tipicamente macedocircnica Noutras palavras os
gregos jaacute haviam assimilado algumas taacuteticas cuja execuccedilatildeo
dependia de certo niacutevel de integraccedilatildeo entre as sessotildees do
exeacutercito como possivelmente ocorrera em Leuctra pelo lado
espartano mas o enraizamento do soldado-cidadatildeo como
principal figura dos exeacutercitos gregos dos seacutecsV e parte do
IV aC deixaram a consolidaccedilatildeo desta inovaccedilatildeo para um
reino de fronteira a Macedocircnia cuja aristocracia dava
grande importacircncia ao uso dos cavalos na guerra
49 A reforma do exeacutercito macedocircnico tornou-se um assunto por demais
polecircmico uma vez que as fontes satildeo bastante confusas a esse respeito
No entanto posiciono-me a favor de uma reforma iniciada com Alexandre
II e seguida por Filipe II de acordo com os argumentos que
apresentarei mais abaixo
37
A uacuteltima questatildeo acerca do que Epaminondas realizou em
Leuctra diz respeito ao ataque obliacutequo quando a falange
foi trazida sob formaccedilatildeo em crescente (μηνοειδὲς τὸ σχμα τς
φάλαγγος πεποιηκότες)50 Apoacutes 371 aC esta formaccedilatildeo foi
novamente empregada com grande sucesso em Gaugamela (331
aC) por Alexandre o Grande
Desse modo o argumento de Hanson acerca da suposta
revoluccedilatildeo nas taacuteticas gregas a partir de Epaminondas
precisa ser levado em consideraccedilatildeo na medida em que retira
a proeminecircncia de um uacutenico e genial comandante tebano
salientando a ligaccedilatildeo entre as transformaccedilotildees ocorridas na
guerra grega desde o conflito poliacuteada no Peloponeso e o
exeacutercito reformado de Filipe da Macedocircnia
50 Diod1555
38
2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre
transformaram a guerra grega
21 A infantaria macedocircnica
Dada a sua posiccedilatildeo de fronteira em relaccedilatildeo ao universo
poliacuteada e em particular apoacutes a esmagadora derrota para os
iliacuterios51 os esforccedilos militares dos reis macedocircnicos
direcionaram-se para a formulaccedilatildeo de uma nova maacutequina de
guerra a saber a combinaccedilatildeo equilibrada entre um tipo de
falange de piqueiros de excelente cavalaria e de um
aparato completo de maacutequinas de cerco a partir do qual
Alexandre obteve os recursos taacuteticos necessaacuterios para a
realizaccedilatildeo de sua campanha na Aacutesia Mas eacute possiacutevel dizer
precisamente em que momento tal reforma teve lugar na
histoacuteria da Macedocircnia antiga
Momigliano52 apoiado num trecho decisivo do fragmento
da Filiacutepica de Anaxiacutemenes de Lampsaco53 afirmou que esta
teria comeccedilado jaacute com Alexandre o Fileleno (498-454 aC)
devido agrave referecircncia a um novo grupo de soldados de
infantaria chamados pezetairoi os quais teriam sido
organizados em companhias (τοὺς πεζοὺς εἰς λόχους) por um certo
Alexandre considerado por Momigliano como sendo o primeiro
rei deste nome de que se tem notiacutecia
A referecircncia feita a Anaxiacutemenes tornou-se decisiva
desde entatildeo mas nesta tese opto pela hipoacutetese de
Bosworth54 que combinando o trecho de Anaxiacutemenes a uma
importante citaccedilatildeo de Tuciacutedides55 sobre a formaccedilatildeo
macedocircnica desloca a reforma do exeacutercito macedocircnico para
Alexandre II (370-368 aC) Ainda que o tempo de reinado
51 Diod 162 52 Arnaldo Momigliano Filippo il Macedone saggio sulla storia greca
Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934 53 FGrH 72 F4 54 Albert Bosworth ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973 P250 55 Tucid 4124 ldquomacedocircnios [] e outra multidatildeo de poderosos
baacuterbarosrdquo (Μακεδόνων []καὶ ἄλλος ὅμιλος τν βαρβάρων πολύς)
39
de Alexandre II tenha sido bastante curto se comparado aos
44 anos de governo do primeiro Alexandre a descriccedilatildeo de
Tuciacutedides deve ser considerada a partir do seguinte
criteacuterio se a formaccedilatildeo macedocircnica da forma como
apresentada pelo historiador ateniense foi fidedignamente
narrada cerca de trinta anos apoacutes Alexandre o Fileleno a
atribuiccedilatildeo da reforma como sendo uma accedilatildeo de seu governo eacute
incorreta Se de fato a reforma fora realizada por um
Alexandre este soacute pode ser por exclusatildeo o seguinte
Alexandre (II)
A reconstruccedilatildeo das origens do exeacutercito macedocircnico
reformado eacute entatildeo bastante polecircmica ainda que a
tendecircncia seja localizar o seu iniacutecio cerca de dez anos
antes do reinado de Filipe II Aleacutem disso a histoacuteria de
sua organizaccedilatildeo e accedilatildeo em campo de batalha nos eacute acessiacutevel
somente a partir da campanha de Alexandre quando o uso de
Arriano e de alguns fragmentos o mapeamento filoloacutegico de
termos condizentes agrave infantaria e o estudo das unidades
taacuteticas conhecidas (e de suas subdivisotildees) auxiliam na
tarefa de estabelecer as diretrizes para o entendimento de
parte do exeacutercito macedocircnico56
56 Breves reconstruccedilotildees como a elaborada por Billows (Kings and
Colonists Aspects of Macedonian Imperialism LeidenNew YorkKoumlln
Brill 1995 Pp11-20) natildeo satildeo satisfatoacuterias pois ignoram diversos
aspectos da reforma como por exemplo os problemas advindos do uso
de Diodoro para o estabelecimento do nuacutemero aproximado das tropas A
melhor introduccedilatildeo para o assunto eacute ainda Robert Milns AALG
40
211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi
Segundo Tarn57 e Milns
58 somente atraveacutes do relato de
Arriano podemos elaborar uma reconstruccedilatildeo segura da
terminologia e do desenvolvimento de parte das tropas
macedocircnicas Isso se deve ao fato de que por um lado
tanto Diodoro quanto Cuacutercio empregaram fontes apenas
indiretamente preocupadas com o exeacutercito macedocircnico Por
outro lado Ptolomeu a principal fonte de Arriano era
assim como seu leitor entendido nos assuntos militares e
conhecedor de sua terminologia Ainda que 500 anos
separassem os dois o relato de Arriano tornou-se o mais
apropriado para a anaacutelise das tropas macedocircnicas e de sua
aplicaccedilatildeo taacutetica em campo de batalha
Analisemos entatildeo os principais termos referentes agrave
organizaccedilatildeo do exeacutercito Pezetairoi que agrave primeira vista
indica a infantaria macedocircnica em sentido mais amplo em
Arriano ora faz referecircncia a toda a falange ora apenas a
parte dela59 Certamente trata-se de um termo anterior a
Filipe se aceitarmos as informaccedilotildees sobre os pezetairoi de
Alexandre II contidas no relato de Anaxiacutemenes de
Lampsaco60 podendo tambeacutem de acordo com Teopompo de
Quios61 fazer referecircncia unicamente agrave ldquoGuarda Realrdquo
(ἐδορυφόρουν τὸν βασιλέα) Apesar dessas divergecircncias uma
coisa permanece inquestionaacutevel o termo pezetairoi no tempo
de Alexandre referia-se essencialmente a toda a falange de
piqueiros
Existem aleacutem disso duas variaccedilotildees que devem ser
observadas pezoi por vezes indicando a falange62 ou mesmo
toda a infantaria e φάλαγξ que pode significar a falange
57 ALG2 P135 58 Robert D Milns ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in
Historia 20 186-195 1971 P88 59 Arr Anab 1283 2232 4231 5226 661 6213 7113 60 FGrH 72 61 FGrH 115 F348 62 A falange indica o conjunto de todos os batalhotildees ou brigadas dos
πεζέταιροι
41
propriamente dita ou apenas um uacutenico batalhatildeo da falange
bem como os hipaspistai e a formaccedilatildeo em linha de batalha
quando usado para fazer referecircncia a outras tropas (ἐπὶ
φάλαγγος em oposiccedilatildeo a κατὰ κέρας por exemplo)63
Com a ampliaccedilatildeo do termo para a definiccedilatildeo de toda a
falange (ou de sua parte em destaque) abre-se tambeacutem uma
nova questatildeo introduzida por Bosworth64 a partir de uma
releitura de Arriano qual seria a vinculaccedilatildeo dos
pezetairoi com os hipaspistai e os asthetairoi65
Em primeiro lugar o que jaacute se discute desde Tarn66
Muitas informaccedilotildees vitais acerca dos hipaspistai satildeo
impossiacuteveis de se obter basicamente por duas razotildees ambas
derivadas de problemas advindos das proacuteprias fontes Em
primeiro lugar os historiadores gregos natildeo estariam
interessados em ldquodetalhes militares teacutecnicosrdquo de uma tropa
macedocircnica mesmo quando esta desempenhava funccedilatildeo
importante na campanha Em seguida Ptolomeu provavelmente
por estar familiarizado com todos esses detalhes teacutecnicos
em seu dia-a-dia simplesmente natildeo desenvolveu nada a
respeito da disposiccedilatildeo e equipamentos desta tropa67
Sabemos que os hipaspistai foram uma forccedila criada a
partir de uma seleccedilatildeo dos pezetairoi sendo provavelmente a
primeira na histoacuteria da Macedocircnia de caraacuteter profissional
cujo serviccedilo era ininterrupto e cuja lealdade estava ligada
particularmente agrave figura do rei O termo aparece apenas em
Arriano tendo designaccedilatildeo equivalente em Diodoro
(δορυφόροις)68 o que sugere ter sido hipaspistai o termo
63 Esta discussatildeo encontra-se em detalhes em ALG2 p135-142 64 Bosworth opcit p245 65 Segundo Bosworth (opcit p246) existem ainda traduccedilotildees que
simplesmente substituem o termo asthetairoi por pezetairoi 66 ALG2 67 Milns opcit p186 68 Diod 1777 [] ἔπειτα τοὺς ἐπιφανεστάτους τν Ἀσιανν ἀνδρν δορυφορεῖν ἔταξεν []
42
empregado por Ptolomeu e por deduccedilatildeo pelos proacuteprios
macedocircnios69
Basicamente formavam um contingente de 3000 homens e
encontravam-se divididos em trecircs quiliarquias de
aproximadamente 1000 homens cada70 Diferentemente do
restante da falange os hipaspistai eram selecionados pelo
proacuteprio rei e integravam sua guarda pessoal
Qual seria por uacuteltimo o equipamento militar do
hipaspistes Existe uma tendecircncia geral em definir seu
equipamento como sendo mais leve que aquele dos demais
falangistas ou algo situado entre o equipamento do
falangista e do peltasta No que diz respeito a essas
suposiccedilotildees Tarn71 eacute incisivo
Em relaccedilatildeo ao armamento eles eram infantaria pesada
tatildeo pesadamente armada quanto a falange a diferenccedila
entre os dois corpos residia em sua histoacuteria
recrutamento e manutenccedilatildeo natildeo no armamento A crenccedila
de que eles eram armados como peltastas ou que seu
armamento era algo intermediaacuterio entre aquele do
falangista e do peltasta natildeo encontra evidecircncia para
lhes dar suporte e natildeo precisa ser informado
Haacute por outro lado suposiccedilotildees com relaccedilatildeo ao
equipamento do hipaspistes que podem sugerir uma
proximidade com o peltasta A melhor delas insinua-se a
partir de uma marcha forccedilada do exeacutercito macedocircnico na
qual Alexandre teria utilizado os hipaspistai juntamente
com a infantaria levemente armada dos agrianos Nesta
ocasiatildeo os demais soldados da falange teriam sido deixados
para traacutes72 o que poderia declarar uma diferenccedila entre o
equipamento dos hipaspistai e dos falangistas em geral
69 Embora Arriano empregue o mesmo termo que Plutarco algumas vezes
como em 317 ldquoατὸς δὲ ἀνα λαβὼν τοὺς σωματοφύλακας τοὺς βασιλικοὺς []rdquo 70 Arr Anab 430 71 ALG2 P153 72 Arr Anab 43 321 323 citado por Badian durante o debate da
conferecircncia de AALG p 134
43
Nesta ocasiatildeo de acordo com Badian73 quando podemos
observar soldados levemente armados (hipaspistai e agrianos)
em contraste com aqueles que os seguiram ἐν τάξει a deduccedilatildeo
mais correta eacute a de que se desfizeram dos armamentos para a
perseguiccedilatildeo e natildeo eram como comumente afirmado
regularmente armados como infantaria ligeira Poreacutem o que
temos de mais concreto parece ser mesmo uma semelhanccedila nos
armamentos dos hipaspistai e dos demais falangistas dado
que durante toda a campanha ambos partilharam as mesmas
funccedilotildees taacuteticas
Ainda no esforccedilo de distinguir os termos cruciais para
o entendimento da falange macedocircnica gostaria de encerrar
este toacutepico com uma breve anaacutelise dos asthetairoi cuja
apariccedilatildeo na historiografia se deu a partir da milimeacutetrica
observaccedilatildeo de Bosworth Como dito anteriormente o termo
asthetairoi foi por vezes substituiacutedo por pezetairoi nas
traduccedilotildees ou ediccedilotildees modernas da Anaacutebasis de Arriano74 Da
mesma forma que hipaspistes satildeo termos distintos e
provavelmente natildeo foram usados com o mesmo propoacutesito
Bosworth75 entende que se tratava de um termo teacutecnico
usado para definir o contingente que ldquochegou
posteriormenterdquo isto eacute fruto das campanhas na Alta
Macedocircnia Assimilados posteriormente agrave formaccedilatildeo da falange
macedocircnica propriamente dita tais soldados precisavam de
um novo termo que os diferenciasse dos demais e o seu
desenvolvimento desde a palavra original manteve o
significado de ldquoproacuteximos aos Companheirosrdquo o que
concentrou tanto a condiccedilatildeo atual de macedocircnios quanto sua
independecircncia anterior agrave assimilaccedilatildeo pela monarquia76
73 AALG P134 74 As passagens satildeo Arr Anab 223 423 522 66 621 72 75 Opcit p247 76 Bosworth opcit p251
44
212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa
Sabemos que com Alexandre na Aacutesia a infantaria
macedocircnica era formada por ateacute seis batalhotildees (taxeis)
cada um deles compondo uma unidade taacutetica autocircnoma (que
poderia ser empregada em conjunto obviamente) Tal ponto
de partida permite que o foco do estudo sejam as
subdivisotildees dos batalhotildees as quais assegurariam maiores
niacuteveis de flexibilidade nas manobras A unidade baacutesica de
infantaria na falange era a syntagma formada por 16 lochoi
de 16 homens77 Sob o comando do syntagmatarches o batalhatildeo
era capaz de executar manobras que exigiam intensivo
treinamento militar a exemplo da formaccedilatildeo em linha reta
obliacutequa ou crescente em seta ou em quadrado Aleacutem disso eacute
ainda provaacutevel que o lochos seja uma criaccedilatildeo de Filipe jaacute
que suas primeiras apariccedilotildees ocorrem na fase inicial da
carreira de Alexandre78
Diante da organizaccedilatildeo militar da falange a sarissa
(com aproximados 5 metros) representou a inovaccedilatildeo material
macedocircnica mais importante a qual fez da falange uma forccedila
frontalmente imbatiacutevel ateacute o surgimento da legiatildeo romana
Para explicar o efeito que uma tropa armada com a sarissa
provocaria no inimigo Griffith79 utilizou o seguinte
exemplo ldquonuma escala mais proacutexima era como a embarcaccedilatildeo
que atacava um oponente forccedilando-o a correr grandes riscos
antes de conseguir se aproximar e revidarrdquo
Em companhia agrave poderosa sarissa o falangista contava
com a pelte suspensa ateacute o pescoccedilo contrastando a pesada
aspis do hoplita poliacuteada A eficiecircncia do equipamento do
falangista residia na vantagem do primeiro choque dada
pelo uso da sarissa Embora natildeo fosse um soldado
77 O syntagma era uma unidade autocircnoma fixa em oposiccedilatildeo agraves eventuais
apariccedilotildees na histoacuteria poliacuteada 78 Arr Anab 210 [] ldquoἀλλὰ καὶ ἰλάρχας καὶ λοχαγοὺς ὀνομαστὶ καὶ τν ξένων τν μισθοφόρων []rdquo 79 Nicholas Hammond e Guy Griffith A History of Macedonia 550-336
(V2) Oxford Oxford University Press 1979 P421
45
pesadamente armado tal vantagem concedia aos macedocircnios
certa superioridade taacutetica frente aos demais exeacutercitos
gregos Como consequumlecircncia do aumento no tamanho da lanccedila o
elmo macedocircnico tornou-se bastante diverso daquele usado
pelo hoplita conhecido como ldquocoriacutentiordquo Ao contraacuterio do
hopliacutetico o elmo do falangista era menos caro de fabricar
e aberto na face Por fim quanto agraves grevas estas eram
usadas apenas nas primeiras fileiras
Existe uma questatildeo delicada em relaccedilatildeo ao falangista
que natildeo pode ser ignorada aqui embora jaacute seja consenso
entre os historiadores Transformando numa interrogaccedilatildeo
seria o falangista macedocircnico uma derivaccedilatildeo simples e
direta do peltasta traacutecio De fato Best80 em 1969
afirmou que ldquoseu equipamento [o do peltasta] eacute
caracterizado pela longa lanccedila (sarissa) e a pelterdquo
sugerindo abertamente que natildeo havia diferenccedila alguma no
equipamento do peltasta e do falangista Entretanto
gostaria de apresentar duas observaccedilotildees sobre tal hipoacutetese
A primeira delas segue o que foi proposto por Lendon81
De modo geral a partir do seacutecIV aC o termo peltasta
passou a indicar a infantaria levemente armada (sem a
pesada aspis) tendendo a uma generalizaccedilatildeo mais do que
propriamente agrave definiccedilatildeo exclusiva do soldado que portava a
pelte Natildeo seriam portanto ldquopeltastas macedocircniosrdquo mas
algo proacuteximo de ldquosemi-hoplitasrdquo82
A segunda estaacute de acordo com uma diferenccedila apresentada
por Hammond83 em relaccedilatildeo agrave lanccedila do peltasta traacutecio e a
sarissa a uacuteltima natildeo era definitivamente empregada
apenas com uma das matildeos assim como natildeo era usada para
80 Jan Best Thracian Peltasts and their influence on Greek Warfare
Groningen Wolters-Noordhoff 1969 81 Jon Lendon Soldiers and Ghosts A History of Battle in Classical
Antiquity New HavenLondon Yale University Press 2005 pp412-413 82 Embora algumas vezes Arriano se refira a eles como hoplitas a
exemplo de 11 83 Nicholas Hammond ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in
Thebesrdquo in GRBS 38 355-372 1997
46
arremesso diferenciando-se totalmente portanto da lanccedila
do peltasta Similares aos peltastas quanto ao peso de seu
equipamento os falangistas macedocircnios atuavam em campo de
batalha como hoplitas
Outra questatildeo relevante quanto ao equipamento do
falangista macedocircnio eacute a ausecircncia do peitoral Tal questatildeo
reflete no entanto mais os aspectos sociais e econocircmicos
de sua condiccedilatildeo do que propriamente uma caracteriacutestica
taacutetica De fato a Macedocircnia parece ter se organizado em
torno do ethos e natildeo da poacutelis o que impossibilitou o
surgimento do ldquoideal militar hopliacuteticordquo Com Filipe ou
talvez um pouco antes observamos a intervenccedilatildeo monaacuterquica
na concessatildeo do armamento e sendo a Macedocircnia ainda um
pequeno reino - portanto sem grandes recursos para a
guerra - eacute plausiacutevel que a sarissa arma que compensava a
ausecircncia do peitoral e da aspis tenha sido produto deste
contexto Qualquer tentativa de hierarquizaccedilatildeo ou
atribuiccedilatildeo de uma causa uacutenica para a explicaccedilatildeo do por que
a sarissa foi introduzida entre os macedocircnios seria um
equiacutevoco Sabemos que natildeo se trata unicamente do produto de
uma concepccedilatildeo taacutetica assim como natildeo podemos reduzir esta
inovaccedilatildeo agrave deficiecircncia econocircmica do reino A criaccedilatildeo de um
exeacutercito nacional por Filipe no entanto conferiu uma
unidade agraves regiotildees de fronteira forccedilando os dinastas
independentes a se unirem aos macedocircnios servindo como
aliados e tendo seus filhos muitas vezes como a proacutexima
geraccedilatildeo de comandantes em treinamento84
Por uacuteltimo aleacutem dos macedocircnios propriamente ditos
temos outras etnias compondo a infantaria de Filipe e
Alexandre ora como aliados ora como mercenaacuterios Embora
existam ainda distinccedilotildees claras entre ambas as condiccedilotildees
estas tenderatildeo a desaparecer na guerra heleniacutestica
84 Duncan Head Armies of the Macedonian and Punic Wars 359 BC to 146
BC organization tactics dress and weapons Sussex Wargames
research group 1982 P11
47
conforme mostrarei no capiacutetulo seguinte Infelizmente as
informaccedilotildees que nos chegaram sobre as tropas auxiliares do
exeacutercito macedocircnico natildeo explicam praticamente nada sobre
sua atuaccedilatildeo na guerra ou mesmo acerca de sua disposiccedilatildeo
geral exceto por algumas menccedilotildees na Anaacutebasis de Alexandre
O maior nuacutemero de informaccedilotildees sobre o exeacutercito macedocircnico
incide sem duacutevida sobre seus dois alicerces taacuteticos a
falange da qual apresentei uma breve anaacutelise e a
ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo acerca da qual me ocuparei
mais agrave frente argumentando sobre a transformaccedilatildeo do papel
da cavalaria nas batalhas e de sua persistecircncia durante a
Guerra dos Diaacutedocos
48
22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo
Gostaria de iniciar este item com uma pequena mas
fundamental observaccedilatildeo sobre o ldquoEsquadratildeo Real dos
Companheirosrdquo (ἴλῃ βασιλικῆ ou algumas vezes ἄγημα85) Eacute
notaacutevel o acreacutescimo τν ἑταίρων a esta unidade de elite de
modo que a ldquoGuarda de Alexandrerdquo com exceccedilatildeo dos
hipaspistai passou a ser sinocircnimo de sua cavalaria
macedocircnica mesmo quando referida somente como ἄγημα mas
por que a condiccedilatildeo de cavaleiros lhes foi conferida
A resposta mais provaacutevel parece ser porque os reis
macedocircnios (e especialmente Alexandre) quase sempre
combatiam a cavalo como revela a insistecircncia de alguns
autores antigos em tentar posicionar Alexandre no comando
de sua cavalaria na batalha de Isso A ldquoGuarda Pessoalrdquo do
rei se tornou historicamente sinocircnimo de uma cavalaria de
elite a ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo Esta forccedila de elite
cresceu bastante apoacutes Alexandre cruzar o Helesponto quando
7 esquadrotildees (ἰλας) foram acrescentados ao primeiro
original distinto dos demais apenas por sua procedecircncia (o
esquadratildeo real par excellence)86 Sabemos que formavam oito
esquadrotildees na batalha de Gaugamela 87 sendo que o
esquadratildeo real estava sob comando de Cleito o Negro e os
demais sob o comando de Filotas filho de Parmecircniordquo88
85 Arr Anab 25 31 38 86 ALG2 p154 87 Arr Anab 311-12 88 Aleacutem dos Companheiros temos outros 4 esquadrotildees de cavalaria
ligeira os ldquoscoutsrdquo (πρόδομοι) ou lanceiros (σαρισοφόροι) Brunt
(ldquoAlexander‟s Macedonian cavalryrdquo JHS 83 27-46 1963 Pp27-8)
recorda o debate entre Berve e Tarn acerca da procedecircncia eacutetnica
(macedocircnia para o primeiro e traacutecia para o segundo) desses quatro
esquadrotildees de lanceiros Brunt parece estar correto ao escolher a
versatildeo de Berve uma vez que no relato de Arriano (Anab 112 141 e
146 29 312 182 201 212) apenas os hipaspistai e os
regimentos de falange natildeo satildeo descritos como ldquomacedocircniosrdquo em oposiccedilatildeo
aos demais ldquocuidadosamente classificados como peocircnios mercenaacuterios ou
agrianos no mesmo contextordquo Entretanto natildeo penso que seja possiacutevel
dizer se apoacutes 329 aC quando os lanceiros desaparecem dos relatos
foram enviados de volta para casa ou incorporados aos Companheiros
49
Sendo a elite da cavalaria macedocircnica a qual era
empregada em pontos decisivos das taacuteticas executadas em
campo de batalha natildeo poderia existir em grande nuacutemero mas
seu papel em contrapartida natildeo deveria ser de
coadjuvantes quando entrassem em accedilatildeo Assim qual era o
nuacutemero dos cavaleiros que integravam os Companheiros de
Alexandre
Uma vez mais Tarn89 recorda que a discussatildeo em torno
do nuacutemero de cavaleiros que Alexandre tomou quando de sua
partida para a Aacutesia foi travada pela historiografia a
partir dos dados obtidos no relato de Diodoro90 e que
algumas das fontes utilizadas pelo historiador siciliano
natildeo permitiram a precisatildeo desejada com relaccedilatildeo agraves tropas
macedocircnicas A equivalecircncia do contingente disponiacutevel a
Alexandre e a Antiacutepatro (que o rei havia deixado como
representante na Europa) ambos com 12000 soldados de
infantaria (3000 hipaspistai e 9000 falangistas) eacute
incorreta senatildeo absurda91 A contagem das tropas montadas
a partir de Arriano se faz portanto necessaacuteria
Outro questionamento importante diz respeito agrave
organizaccedilatildeo da Cavalaria dos Companheiros Originalmente
recorda Brunt92 os Companheiros estavam divididos em ilas
mas a partir de 331 aC em Susa Alexandre formou dois
lochoi com cada ile que consequumlentemente passou a ser
comandada por lochagoi Esta alteraccedilatildeo era ineacutedita
conforme nos relata Arriano93 e representou o inchaccedilo no
nuacutemero dos Companheiros jaacute que as ilas natildeo mais
satisfaziam como divisatildeo das unidades Em contrapartida
apoacutes a execuccedilatildeo de Cleito o Negro (330 aC) surgiram as
89 ALG2 p 153 90 Diod 1717 91 Especialmente devido agrave duplicaccedilatildeo do nuacutemero de hipaspistai 92 Brunt opcit p28 93 Arr Anab 316
50
ipparchias94 e segundo Tarn
95 o proacuteprio Alexandre teria
assumido aquela pertencente a Cleito somando 4 esquadrotildees
sob seu comando e outros 4 sob Hefesto No entanto Tarn
pode ter se equivocado com o fato de que Alexandre teria
assumido o comando de uma ipparchia96
De acordo com Tarn o termo foi empregado apenas a
partir de 326 aC no Indo quando novos contingentes ndash
orientais - passaram a compor o exeacutercito de Alexandre As
menccedilotildees anteriores de Arriano agraves ipparchias seriam entatildeo
confusotildees e anacronismos de seu proacuteprio tempo Brunt por
outro lado chama a atenccedilatildeo para a coincidecircncia de dois
fatores os quais permitiriam uma compreensatildeo modificada
das ipparchias a desconfianccedila de Alexandre com relaccedilatildeo aos
seus principais oficiais e a divisatildeo da ldquoCavalaria dos
Companheirosrdquo nas novas unidades o que amenizaria a
possibilidade de motins (jaacute que estavam divididos e com
poderes reduzidos) concedendo-lhes em contrapartida um
tiacutetulo de bastante prestiacutegio antes pertencente apenas a um
ou dois oficiais Se Brunt97 estiver correto o surgimento
das ipparchias foi possivelmente anterior ao que Tarn
propocircs (de 326 aC para 328 aC) e a inserccedilatildeo de
orientais na Cavalaria dos Companheiros um fator
independente para a organizaccedilatildeo das novas unidades98
Por uacuteltimo cabe indagar sobre a relevacircncia desta
preocupaccedilatildeo com o crescimento do contingente dos
Companheiros (de um esquadratildeo para oito ao cruzar o
Helesponto em nuacutemero de 2000 em Gaugamela e divididos em
94 As ipparchias podem ter sido um novo nome para as ilai modificadas
pelo contexto explicado a seguir ou algo totalmente novo uma vez que
o termo substituiu outro plenamente consolidado na praacutetica militar
grega 95 ALG2 p 164 96 Brunt opcit p29-30 97 Brunt opcit p45 98 Sua inserccedilatildeo na Cavalaria dos Companheiros (provavelmente em 324)
certamente posterior a criaccedilatildeo das ipparchias tem muito a dizer
tambeacutem sobre a poliacutetica que Alexandre adotou com relaccedilatildeo aos assuntos
orientais
51
ipparchias quando da campanha na Iacutendia)99 O que exatamente
pode significar esta ampliaccedilatildeo e quais seus desdobramentos
no mundo heleniacutestico
A resposta reside na transformaccedilatildeo das funccedilotildees da
cavalaria em campo de batalha isto eacute a partir de
Alexandre o Grande (e de seu exeacutercito reformado) as tropas
montadas passaram definitivamente a desferir o ataque
principal legando aos falangistas o papel de forccedila de
apoio necessaacuteria mas sem caraacuteter decisivo ou por
princiacutepio ofensivo Tal caracteriacutestica da cavalaria
macedocircnica pode ser observada por exemplo na batalha de
Gaugamela quando o nuacutemero dos Companheiros foi elevado ao
maacuteximo e a taacutetica remodelada a partir da tradiccedilatildeo grega
ilustra a relevacircncia da decisatildeo pelas manobras das tropas
montadas
A modificaccedilatildeo de sua funccedilatildeo taacutetica veio acompanhada de
duas grandes inovaccedilotildees A primeira delas eacute a ldquoformaccedilatildeo em
setardquo que facilitava o rompimento da formaccedilatildeo inimiga pela
ampliaccedilatildeo da carga desferida se comparada agravequela executada
pela ldquoformaccedilatildeo em quadradordquo Basicamente ao manter os
olhos fixos no liacuteder posicionado agrave frente da formaccedilatildeo
cavaleiros organizados em seta eram capazes de romper com
uma formaccedilatildeo defensiva desferindo assim o golpe
principal100
A segunda delas diz respeito agrave exploraccedilatildeo dos espaccedilos
entre os batalhotildees de falangistas Como salientou Tarn101
apresentar ao inimigo um bloco coeso com diversas pontas de
lanccedila e manter esta formaccedilatildeo sem espaccedilos entre os batalhotildees
eram coisas completamente distintas A partir do momento em
que a cavalaria passou a desferir o golpe principal a
questatildeo dos espaccedilos se tornou de maacutexima importacircncia como
99 Algo em torno de 200 homens 100 Griffith opcit p414 101 William W Tarn Hellenistic Military and Naval Developments
Cambridge Cambridge University Press 1930 P13
52
pode ser visto em Gaugamela e no periacuteodo heleniacutestico em
Paraitakene (Eumenes versus Antiacutegono) Por uacuteltimo ainda
que natildeo seja cotada como uma inovaccedilatildeo das taacuteticas de
cavalaria o envolvimento pelo uso de tropas montadas se
tornou praacutetica comum entre os macedocircnios Numa batalha em
que ambos os comandantes tivessem disposto a cavalaria nas
alas a vitoacuteria dependeria abertamente da capacidade do
exeacutercito em manter seus flancos protegidos do envolvimento
inimigo Ainda que esta fosse uma praacutetica comum entre os
persas foi com os macedocircnios que ocorreu a combinaccedilatildeo do
ataque montado com o avanccedilo da falange frontalmente
impenetraacutevel exceto pelos espaccedilos abertos durante o avanccedilo
ou o ataque
53
CAPIacuteTULO 2 ndash OS DESENVOLVIMENTOS DA GUERRA
HELENIacuteSTICA NO TEMPO DOS DIAacuteDOCOS
1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e
os tipos de mercenaacuterio
11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica
Em 334 aC onze anos antes da morte de Alexandre
havia cerca de 20000 mercenaacuterios a serviccedilo do Grande Rei
Em 329 aC cinco anos mais tarde podemos contar
praticamente 50000 somente no lado macedocircnico102
O periacuteodo
heleniacutestico assistiu na sequumlecircncia ao aumento ligeiro do
nuacutemero de mercenaacuterios recrutados acompanhando os
requisitos das guerras constantes e cada vez menos
decisivas
De acordo com Parke103 autoridades contemporacircneas
(primeira metade do seacutecXX) concluiacuteram que as pressotildees
econocircmicas levaram a tal situaccedilatildeo o colapso da concepccedilatildeo
de dever militar ciacutevico e a emergecircncia do grande nuacutemero de
mercenaacuterios disponiacuteveis teriam sido ambos provocados pela
pobreza iminente das poacuteleis fruto do desastre da guerra
entre gregos no seacutecV aC O argumento do desgaste
econocircmico no mundo grego toma como principal fonte
Isoacutecrates notadamente a partir do momento em que a sua
preocupaccedilatildeo com as razotildees poliacuteticas do mercenariato104 (o
grande nuacutemero de cidadatildeos em exiacutelio essa ldquomassa de
fugitivos e exilados que estavam mais do que dispostos a
oferecer seus serviccedilos como mercenaacuteriosrdquo105
) cede lugar ao
relato dos problemas econocircmicos gregos106
102 Parke p198 103 Parke p228 104 Isoc Pan 64 e 168 105 Chaniotis WHW p80 106 Isoc 24 e 44
54
Entretanto ainda que os conflitos poliacuteticos e a
pressatildeo econocircmica possam ter estimulado grande nuacutemero de
cidadatildeos sem perspectiva a oferecer seus serviccedilos
militares as guerras constantes produziram um dos
principais fatores para o outro lado da moeda isto eacute o
recrutamento de mercenaacuterios a equivalecircncia entre oferta e
procura por soldados temporariamente pagos e que estivessem
dispostos a combater durante todo o tempo que o confronto
levasse natildeo importando as razotildees ciacutevicas (quando existiam)
pelas quais o sangue havia sido derramado
Haacute que se considerar ainda as diversas realidades de
recrutamento das tropas que compuseram os exeacutercitos dos
Diaacutedocos nem sempre vinculadas diretamente ao cenaacuterio de
crise das poacuteleis Este eacute o caso basicamente do
recrutamento das tropas provinciais muito mais conectadas
aos direitos do governante local em formar um exeacutercito a
partir das possibilidades oferecidas por sua satrapia do
que propriamente agrave pobreza ou exiacutelio de cidadatildeos gregos
Por isso a crise econocircmica grega natildeo pode ser vista
como instrumento de anaacutelise universal na explicaccedilatildeo do
mercenariato heleniacutestico uma vez que exclui as
particularidades das condiccedilotildees de recrutamento
especialmente no que respeita agrave tradiccedilatildeo asiaacutetica e
oferece respostas somente em relaccedilatildeo ao aumento da oferta
do serviccedilo mercenaacuterio grego A guerra contudo foi uma
constante no periacuteodo natildeo importando a regiatildeo e consolidou
de modo irreversiacutevel apesar das especificidades do
mercenarismo a relaccedilatildeo oferta-procura107
De fato o mundo
heleniacutestico foi marcado por certa ldquoonipresenccedila da guerrardquo
do modo como chamou Chaniotis considerando-se que tanto a
sua gecircnese (323 aC) quanto o seu fim (31 aC) foram o
resultado de conflitos armados do mesmo modo que
dificilmente se encontra alguma aacuterea que natildeo estivesse
107 Chaniotis WHW p80
55
direta ou indiretamente como em tantos outros momentos na
Antiguidade afetada pela guerra
O cenaacuterio de crise explica ao lado das condiccedilotildees
especiacuteficas de recrutamento e da ampliaccedilatildeo do quadro geral
das guerras o porquecirc da relaccedilatildeo oferta-procura ter se
fixado como sendo de grande relevacircncia no estudo da
misthotikeacute heleniacutestica mas natildeo basta todavia para
explicar o estreitamento dos laccedilos entre o cenaacuterio de
profissionalizaccedilatildeo crescente da guerra e o uso de tropas
mercenaacuterias
Noutras palavras a progressiva profissionalizaccedilatildeo no
interior dos exeacutercitos ciacutevicos gregos deve tambeacutem ser um
fator considerado particularmente ateacute o momento em que a
combinaccedilatildeo da guerra como ofiacutecio a ser aprendido e o
mercenarismo como condiccedilatildeo geral dos exeacutercitos heleniacutesticos
minimizou o impacto do sentimento ciacutevico em grande parte
dos soldados
Tal mapeamento explicaria numa perspectiva histoacuterica
natildeo soacute a funccedilatildeo dos ieroi lochoi e hipaspistai na
profissionalizaccedilatildeo da arte da guerra grega e em seus
desdobramentos heleniacutesticos como tambeacutem forneceria as
razotildees pelas quais os mercenaacuterios tecircm que ser tipificados
na medida do possiacutevel de acordo com o trabalho executado
Basicamente havia aqueles que se colocavam sob o comando
de um monarca tirano general ou cidade num espaccedilo curto
de tempo (durante uma campanha por exemplo) e aqueles que
serviam nos grandes exeacutercitos reais muitas das vezes de
modo permanente108
O primeiro tipo de mercenaacuterio era formado por soldados
que serviram por exemplo na campanha de Eumenes contra
108 Chaniotis WHW p79 Note que segundo Parke (p209) e Griffith
(p42) a divisatildeo das tropas nos exeacutercitos dos Diaacutedocos eacute feita a
partir de trecircs tipos os quais seratildeo analisados detalhadamente em
seguida os macedocircnios os mercenaacuterios (xenoi e misthophoroi) e as
tropas recrutadas nas satrapias (por vezes sintetizadas como
pantodapoi)
56
Antiacutegono De acordo com Diodoro apoacutes ter sido expulso da
Capadoacutecia
Eumenes selecionou os mais capazes [τοὺς εθετωτάτους] entre os seus amigos e dando-lhes grandes recursos os
incumbiu de contratar mercenaacuterios estabelecendo uma
margem alta de pagamento Alguns deles dirigiram-se
para a Pisiacutedia Liacutecia e regiotildees adjacentes []
Outros viajaram atraveacutes da Ciliacutecia Siacuteria e Feniacutecia
aleacutem de cidades em Chipre Uma vez que a notiacutecia do
recrutamento havia se espalhado rapidamente e que o
pagamento oferecido era digno de consideraccedilatildeo muitos
se apresentaram voluntariamente inclusive vindos da
Greacutecia e juntaram-se agrave campanha109
Neste caso ocorrido em 318 aC Eumenes incumbiu
xenologoi classificados por Diodoro como os mais capazes
entre os seus amigos de recrutar mercenaacuterios para apenas
uma campanha aquela a ser realizada contra Antiacutegono Em
pouco tempo levando-se em consideraccedilatildeo somente os
mercenaacuterios Eumenes contava com cerca de 10000 soldados
de infantaria e 2000 cavaleiros sem mencionar os receacutem-
chegados arguraspides sob o comando de Eumenes por ordem
dos reis110
Outro caso interessante de mercenaacuterios recrutados de
diversas regiotildees por um periacuteodo relativamente curto de
tempo teve lugar na campanha africana de Agaacutetocles quando
aproximadamente 3000 samnitas etruscos e celtas
apresentaram-se ao lado dos 3000 mercenaacuterios gregos sob a
lideranccedila de Agaacutetocles111 Diodoro
112 relata a existecircncia de
motins entre os homens por falta do pagamento que lhes era
devido (ἀπῄτουν δὲ καὶ τοὺς μισθοὺς τοὺς ὀφειλομένους) assim como
109 Diod 1861 ldquoπροχειρισάμενος δὲ τν φίλων τοὺς εθετωτάτους καὶ δοὺς χρήματα δαψιλ πρὸς τὴν ξενολογίαν ἐξέπεμψεν ὁρίσας ἀξιολόγους μισθούς εθὺς δ οἱ μὲν εἰς τὴν Πισιδικὴν καὶ Λυκίαν καὶ τὴν πλησιόχωρον παρελθόντες ἐξενολόγουν ἐπιμελς οἱ δὲ τὴν Κιλικίαν ἐπεπορεύοντο ἄλλοι δὲ τὴν Κοίλην Συρίαν καὶ Φοινίκην τινὲς δὲ τὰς ἐν τῆ Κύπρῳ πόλεις διαβοηθείσης δὲ τς ξενολογίας καὶ τς μισθοφορᾶς ἀξιολόγου προκειμένης πολλοὶ καὶ ἐκ τν τς λλάδος πόλεων ἐθελοντὶ κατήντων καὶ πρὸς τὴν στρατείαν ἀπεγράφοντοrdquo 110 Diod 1859 111 Diod 2011 Ver Capiacutetulo 3 112 Diod 2034
57
possiacuteveis deserccedilotildees para o lado dos cartagineses o que
ilustra a dificuldade em manter coeso um grupo mercenaacuterio
em situaccedilatildeo de escassez ou mesmo irregularidade no
pagamento Em se tratando de tropas com as quais natildeo era
partilhado tempo consideraacutevel de vida militar as revoltas
deveriam ser ainda mais frequumlentes como ilustrado no
exemplo africano
O segundo tipo de mercenaacuterio era aquele desdobrado dos
grupos profissionais de elite surgidos no interior dos
exeacutercitos ciacutevicos gregos Antes da explosatildeo do serviccedilo
mercenaacuterio no fim da campanha de Alexandre o primeiro
passo quanto agrave profissionalizaccedilatildeo dos exeacutercitos gregos foi
dado com os espartanos ainda no periacuteodo claacutessico De fato
os hoplitas de Esparta formavam o uacutenico corpo ciacutevico
profissional de todo o mundo poliacuteada Seguindo o modelo
hopliacutetico profissional diversas outras cidades formaram
unidades profissionais de elite os ieroi lochoi que por
vezes desempenhavam funccedilatildeo taacutetica proeminente Um dos
melhores exemplos eacute o corpo de infantaria de elite tebano
cuja importacircncia na vitoacuteria sobre os espartanos em Leuctra
pode ser observada em mais detalhes no primeiro capiacutetulo
O exeacutercito reformado macedocircnico teve seu equivalente
com os hipaspistai tipo de versatildeo macedocircnica dos
ldquobatalhotildees sagradosrdquo poliacuteadas Nos primeiros anos do
periacuteodo heleniacutestico sob o nome de arguraspides estes
veteranos de Alexandre permaneceram vinculados agrave casa real
apesar de receberem propostas por parte de Ptolomeu e
depois Antiacutegono113 Tal recusa os levou ao campo de batalha
contra o general mais poderoso daquele tempo sob o comando
de Eumenes de Caacuterdia strategos pelo qual tinham pouco
apreccedilo talvez devido a sua origem eacutetnica114 Em seguida agrave
derrota de Eumenes Antiacutegono trucidou todos aqueles que
113 Diod 1862 114 Eumenes era o uacutenico general traacutecio do exeacutercito de Alexandre
58
haviam sido hostis a ele queimando vivo Antiacutegenes o
comandante dos arguraspides apoacutes tecirc-lo arremessado numa
fossa115
Apesar da histoacuteria de lealdade dos arguraspides agrave casa
real os mercenaacuterios ligados diretamente a certa dinastia
de modo mais ou menos permanente natildeo eram necessariamente
mais leais que os outros Esta natildeo deve ser sequer a
questatildeo central no estudo da misthotikeacute heleniacutestica Antes
de desdobrar este argumento note-se por exemplo o caso
dos egiacutepcios de Ptolomeu
Com sua primeira apariccedilatildeo no exeacutercito ptolomaico em 312
aC ao menos em expediccedilatildeo fora dos limites territoriais
do Egito os nativos africanos apresentaram-se armados e
aptos para a batalha (τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς μάχην χρήσιμον)116
ainda que no primeiro momento natildeo estivessem trajados como
macedocircnios117
Representavam claramente outro tipo de
mercenaacuterio diferente daquele recrutado temporariamente e
sem viacutenculos com o governante da regiatildeo de onde provinham
Estavam ligados ao seu contratante como no caso dos
arguraspides por um viacutenculo mais ou menos permanente e em
breve dinaacutestico Contudo obrigaccedilotildees de ofiacutecio e lealdade
incondicional eram coisas bem distintas apoacutes a vitoacuteria de
Demeacutetrio sobre Ptolomeu em Chipre em 307 aC
praticamente todo o exeacutercito de mercenaacuterios egiacutepcios (cerca
de 16000 soldados de infantaria e 600 cavaleiros) foi
incorporado agraves forccedilas antigocircnidas118 o que vincula os
mercenaacuterios deste tipo assim como os do primeiro tipo
mais agrave consolidaccedilatildeo da concepccedilatildeo de guerra como ofiacutecio a
115 Diod 1944 116 Diod 1980 117 O argumento encontra suporte no fato de que o termo ldquomacedocircniordquo
conforme seraacute explicado no item 31 passou a significar qualquer tipo
de infantaria armada com equipamento macedocircnico aleacutem do fato da
existecircncia do termo οἱ Μακεδόνες na mesma sentenccedila em que figura Αἰγυπτίων δὲ πλθος sugerir outro tipo de armamento e formaccedilatildeo para estes
ldquoegiacutepcios em grande nuacutemerordquo 118 Diod 2053
59
ser aprendido do que propriamente agrave lealdade devida a algum
general rei ou dinastia embora tropas com vida militar
partilhada tendam a incorporar valores como a obediecircncia
acentuada a certa lideranccedila (como no caso dos
arguraspides)
60
12 Mercenariato basileia e doriktetos chora
Conforme mencionado antes o poder monaacuterquico
heleniacutestico desempenhou papel central na promoccedilatildeo desta
nova concepccedilatildeo de guerra levada adiante pelo impulso
imperialista tiacutepico dos reis cujo poder natildeo era herdado
esquematicamente a basileia era algo a ser conquistado
Gruen119
e Chaniotis120 notaram o que podemos chamar de
inversatildeo da loacutegica hereditaacuteria na disposiccedilatildeo da monarquia
heleniacutestica se Alexandre Magno reivindicou seu direito ao
trono como direito de sangue seus generais de Antiacutegono a
Cassandro121
adotaram o tiacutetulo de rei baseados unicamente
em suas conquistas militares isto eacute fundamentados pelo
princiacutepio da doriktetos chora
Haacute dois documentos importantes que tratam deste
fundamento do poder real heleniacutestico O primeiro deles
pertence agrave compilaccedilatildeo bizantina Suda particularmente a
definiccedilatildeo de monarquia Seguindo a traduccedilatildeo feita por
Austin
Ascendecircncia (natureza) e legitimidade (justiccedila) natildeo datildeo
reinos aos homens mas sim a habilidade em comandar um
exeacutercito e em lidar com os problemas de modo
competente Este era o caso de Filipe e dos Sucessores
de Alexandre O filho bioloacutegico de Alexandre natildeo foi de
modo algum ajudado pela consanguumlinidade devido a sua
fraqueza de espiacuterito enquanto aqueles que natildeo tinham
ligaccedilatildeo alguma com Alexandre tornaram-se reis de quase
todo o mundo conhecido122
Do mesmo modo em resposta agrave proclamaccedilatildeo de Demeacutetrio
como basileu por seu pai123
previamente feito rei por seus
amigos (Ἀντίγονον μὲν οὖν εθὺς ἀνέδησαν οἱ φίλοι) os seguidores de
Ptolomeu I o igualaram aos dois primeiros em tiacutetulo na
119 Gruen op cit pp253-271 120 Chaniotis WHW p57 121 Nomeadamente Antiacutegono Demeacutetrio Ptolomeu Seleuco Lisiacutemaco e
Cassadro 122
Austin n 45 123 Plut Dem 18
61
tentativa de dispersar a impressatildeo de que sua derrota havia
abalado tambeacutem o seu poder Plutarco124 acrescenta ainda
que tal praacutetica natildeo significava meramente a mudanccedila de nome
(ὀνόματος) e aparecircncia (σχήματος) mas removia o espiacuterito dos
homens (τὰ φρονήματα τν ἀνδρν ἐκίνησε) e ampliava suas ambiccedilotildees
(τὰς γνώμας ἐπρε)125 cabe acrescentar ambiccedilotildees militares
Tanto a coroaccedilatildeo de Antiacutegono quanto a resposta de Ptolomeu
agrave extensatildeo do poder monaacuterquico a Demeacutetrio foram claramente
baseadas em conquistas militares Assim o convite agrave
conquista militar em maior ou menor escala era um dos
traccedilos da basileia de tipo heleniacutestico assim como a base a
partir da qual toda a sua estrutura fora erigida
Diferentemente da Macedocircnia de Filipe e Alexandre o
exeacutercito natildeo era mais a uacutenica fonte de confirmaccedilatildeo do poder
real do mesmo modo que a monarquia havia atingido
proporccedilotildees diferentes daquelas do tempo da batalha de
Queroneacuteia126
Contudo o exeacutercito continuou a ser o
instrumento pelo qual os monarcas construiacuteam o direito ao
uso do diadema estando as funccedilotildees de comando cada vez mais
ligadas agrave lideranccedila de hordas inteiras de mercenaacuterios
recrutados das mais variadas regiotildees do mundo e
didaticamente enquadrados nos dois tipos apresentados neste
capiacutetulo
O abandono de valores considerados inatos para os
gregos no periacuteodo claacutessico a exemplo da coragem (ἀνδρία) e
da excelecircncia (ἀρετή) ao lado da crescente significaccedilatildeo da
guerra como ofiacutecio (τέχνη) foi inicialmente proposto por
Lendon127 como explicaccedilatildeo para a existecircncia do grande nuacutemero
124 Plut Dem 18 125 Literalmente ldquoaumentava seus pensamentosrdquo 126 Ainda Austin n44 ldquo[] aqueles que natildeo tinham qualquer conexatildeo
com Alexandre se tornaram reis de quase todo o mundo habitadordquo 127 Jon Lendon ldquoWar and societyrdquo In Philip Sabin Hans Wees Michael
Whitby The Cambridge History of Greek and Roman Warfare Cambridge
Cambridge University Press 2007 Pp498-516
62
de mercenaacuterios que serviram nos exeacutercitos dos reis
heleniacutesticos
No periacuteodo claacutessico a condiccedilatildeo poliacutetica do soldado-
cidadatildeo assegurar-lhe-ia de acordo com o pensamento grego
certa superioridade em combate Como observado por
Sidebottom128
o contraste presente em Os Persas de
Eacutesquilo ilustra tal postura a partir da negaccedilatildeo dos
baacuterbaros como soldados que combatiam por sua liberdade
Note-se por exemplo o conhecido diaacutelogo entre a Rainha
Matildee Persa e o Coro de homens velhos
Rainha Eles tecircm um rico suprimento de homens
combativos
Coro Eles tecircm soldados que uma vez golpearam os
exeacutercitos persas com um terriacutevel ataque
Rainha Satildeo eles habilidosos em arqueria
Coro Natildeo de forma alguma eles carregam escudos
corpulentos e lutam ombro a ombro com lanccedilas
Rainha E quem os lidera A qual mestre suas fileiras
obedecem
Coro Mestre Eles natildeo satildeo conhecidos como servos
Rainha E eles podem sem mestre resistir agrave invasatildeo
Coro Sim O vasto e nobre exeacutercito de Dario foi por
eles destruiacutedo129
No periacuteodo heleniacutestico entretanto a exaltaccedilatildeo de
valores inatos ao hoplita poliacuteada masterless e capaz de
vencer os persas por duas vezes consecutivas (apesar da
inabilidade em arqueria) cedeu lugar agraves vantagens
oferecidas pelo treinamento militar profissional mesmo que
as tropas treinadas fossem formadas por homicidas
(ἀνδροφόνοι) mutiladores (παρασχίσται) ladrotildees (λωποδύται) e
arrombadores de casas (τοιχωρύχοι)130 Os exeacutercitos poliacuteadas
natildeo eram capazes de fornecer recursos humanos ilimitados
aleacutem disso a tiacutepica batalha decisiva do periacuteodo claacutessico
cedeu lugar aos conflitos constantes e de larga escala
128 Harry Sidebottom Ancient warfare a very short introduction
Oxford Oxford University Press 2004 P6 129 Traduccedilatildeo tomada de Sidebottom opcit Pp6-7 130 Poliacutebio 136 ldquoοὗτοι δ ἦσαν ἀνδροφόνοι καὶ παρασχίσται λωποδύται τοιχωρύχοιrdquo
63
travados ao longo da disputa pela partilha do impeacuterio A
passagem em Diodoro sobre as vantagens no uso dos
mercenaacuterios ilustra claramente esta mudanccedila principalmente
quando o historiador siciliano se refere ao fato de que ldquoos
empregadores trazem consigo sem grandes custos homens
para lutar em seu nomerdquo e que no caso dos mercenaacuterios
ldquoainda que sejam por muitas vezes derrotados os
empregadores manteacutem suas forccedilas intactas durante o tempo
que durar o dinheirordquo131
Levados adiante pelo impulso imperialista das
monarquias heleniacutesticas assim como pela elevaccedilatildeo da
techneacute os mercenaacuterios preencheram os exeacutercitos dos
Diaacutedocos de uma forma jamais vista dando suporte agrave
ideologia dos generais que passaram a usar o diadema como
um dos siacutembolos de sua realeza militar
131 Diod 296
64
2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos
Como observou Parke132
a permanecircncia dos mercenaacuterios
nos exeacutercitos heleniacutesticos dificultou sua identificaccedilatildeo
pelos historiadores uma vez que a reduccedilatildeo das tropas ao
tipo profissional fez com que os autores antigos
frequumlentemente deixassem de lado a distinccedilatildeo entre
mercenaacuterios e soldados recrutados por direito do
governante Pode-se dizer que as tropas advindas das
satrapias eram de outro tipo se comparadas agravequelas
recrutadas mediante pagamento mas esta suposiccedilatildeo estaacute
baseada apenas na praacutetica dos saacutetrapas persas durante o
periacuteodo claacutessico De fato as condiccedilotildees de oferta e procura
no mundo asiaacutetico natildeo eram nada parecidas com as do mundo
grego propriamente dito dadas as diferenccedilas das tradiccedilotildees
poliacuteticas mas a assimilaccedilatildeo de exeacutercitos inimigos inteiros
por parte de comandantes vitoriosos indica quanto ao
serviccedilo prestado uma distinccedilatildeo apenas no recrutamento
inicial133
Outra inovaccedilatildeo importante ocorrida no periacuteodo
heleniacutestico eacute a utilizaccedilatildeo dos elefantes de combate haacute
muito conhecidos pelos asiaacuteticos e introduzidos na arte da
guerra grega somente apoacutes a morte de Alexandre Apesar de
seu emprego tardio os paquidermes mostraram-se definitivos
ou ao menos desejaacuteveis nos exeacutercitos heleniacutesticos ateacute a
ascensatildeo da legiatildeo romana quando suas implicaccedilotildees
logiacutesticas fizeram-se mais presentes134 Se os generais
heleniacutesticos consideravam os elefantes decisivos num
confronto aberto eles o fizeram por um motivo razoaacutevel de
132 Parke p208 133 Por exemplo a ξενολογία (recrutamento de tropas mercenaacuterias)
executada por Eumenes tal qual relatada em Diod 1861 134 Por exemplo a dificuldade no emprego de elefantes na Siciacutelia
durante a campanha piacuterrica
65
modo que o seu emprego transformou significativamente a
arte da guerra heleniacutestica
66
21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi
Durante as Guerras dos Diaacutedocos ao lado dos mercenaacuterios
conhecidos desde a campanha de Alexandre (agrianos
traacutecios tessaacutelios cretenses entre outros) os macedocircnios
desempenharam uma funccedilatildeo de grande importacircncia na
composiccedilatildeo dos exeacutercitos heleniacutesticos A falange
representava a forccedila de apoio tornando-se responsaacutevel em
boa medida pela manutenccedilatildeo do centro da formaccedilatildeo ao passo
que a cavalaria e os elefantes de combate (quando
disponiacuteveis) realizavam a ofensiva nas alas e procuravam
decidir a peleja
Conforme veremos adiante apoacutes desferir um ataque
inesperado ao espaccedilo aberto pela marcha irregular da
infantaria de Eumenes Antiacutegono conseguiu na batalha de
Paraitacene (317 aC) alinhar novamente a sua falange ao
peacute do monte para onde os soldados haviam se retirado
reestruturando boa parte da linha defensiva de seu
exeacutercito Neste caso a reorganizaccedilatildeo da infantaria
macedocircnica em campo de batalha teria assegurado por um
lado a vitoacuteria do comandante aparentemente derrotado e
por outro devido agrave irregularidade da marcha dos infantes
inimigos a derrota daquele que pensava ter vencido o
confronto135
Sendo os macedocircnios de reconhecida importacircncia nos
primeiros 20 anos subsequentes agrave morte de Alexandre o
questionamento sobre a multiplicaccedilatildeo de suas apariccedilotildees no
relato de Diodoro se faz necessaacuterio Por que razatildeo as
referecircncias a eles aumentaram no periacuteodo de divisatildeo das
chamadas ldquotropas nacionaisrdquo entre os generais de Alexandre
o que forccedilosamente teria reduzido o seu nuacutemero em cada um
dos exeacutercitos que lutavam entre si pela supremacia militar
135 Diod 1930
67
Griffith136 e Launey
137 apresentam explicaccedilotildees idecircnticas
para tal evento Em primeiro lugar dada a impossibilidade
dos nuacutemeros apresentados por Diodoro138
para as tropas
macedocircnicas o ponto de partida se torna a valoraccedilatildeo
teacutecnica adquirida por makedon no seacutecIII aC
especialmente no Egito ou seja o termo deixou de ser ldquouma
garantia de proveniecircncia geograacuteficardquo139 e passou a designar
unicamente um ldquocavaleiro ou soldado de infantaria
pesadamente armados segundo as tradiccedilotildees macedocircnicasrdquo140
Notamos entatildeo a fusatildeo da referecircncia eacutetnica com a
valoraccedilatildeo teacutecnica do termo makedon o que por vezes torna
impossiacutevel a delimitaccedilatildeo dos batalhotildees formados unicamente
por veteranos de Alexandre ou novos macedocircnios exceto
quando os primeiros satildeo mencionados como arguraspides em
contraposiccedilatildeo agravequeles provenientes das satrapias e armados
com equipamento macedocircnico
Outras referecircncias relevantes nos exeacutercitos
heleniacutesticos satildeo os mercenaacuterios gregos propriamente ditos
conhecidos como xenoi os misthophoroi e as tropas
asiaacuteticas ou pantodapoi recrutadas nas proviacutencias e
listadas entre os demais soldados servindo ora como
cavaleiros e arqueiros ora como infantaria de pouca
utilidade se comparada agravequela dos mercenaacuterios gregos
Deve-se observar ainda que estas natildeo satildeo categorias
necessariamente excludentes uma vez que encontramos por
exemplo em Diodoro141
ldquopantodapoi armados com equipamento
macedocircnicordquo o que sugere uma possibilidade dupla de
tratamento Apenas os xenoi se diferenciam claramente dos
misthophoroi ambos podem ser traduzidos como mercenaacuterios
136 Griffith p41 137 Marcel Launey Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques Paris
Boccard 1949 2 vols Vol1 Pp290-93 138 Diod 1830 139 Launey opcit p290 140 Launey opcit p293 141 Diod 1914 ldquo[hellip] τοὺς δὲ εἰς τὴν Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς []rdquo
68
mas os primeiros satildeo quase sempre dispostos como infantaria
pesada (na linha de frente) enquanto os uacuteltimos fazem
referecircncia agraves tropas levemente armadas e constituiacutedas por
pantodapoi ou tropas asiaacuteticas com origem eacutetnica bem
definida
Vejamos a organizaccedilatildeo do exeacutercito de Antiacutegono em 317
aC de acordo com Diodoro142 num trecho esclarecedor
quanto agrave temaacutetica em questatildeo
Quanto agrave infantaria mais de nove mil mercenaacuterios [οἱ ξένοι] foram dispostos agrave frente proacuteximo a eles [foram dispostos] trecircs mil liacutecios e panfiacutelios e em seguida
mais de oito mil tropas mistas armadas com equipamento
macedocircnico [παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι] [] Agrave frente dos cavaleiros na ala direita adjacente agrave
falange eram 500 mercenaacuterios de origem mista [μισθοφόροι παντοδαποὶ] []
Haacute dois tipos de mercenaacuterios na passagem acima Os
primeiros em nuacutemero de 9000 eram claramente soldados de
infantaria pesadamente armados hoplitas mercenaacuterios Os
uacuteltimos dispostos como cavaleiros eram tambeacutem tropas
mercenaacuterias mas de uma categoria diferente natildeo soacute por
combaterem a cavalo mas por serem asiaacuteticos Noutras
palavras mercenaacuterios asiaacuteticos satildeo tatildeo mercenaacuterios quanto
os que advecircm da Greacutecia poreacutem a distinccedilatildeo estabelecida pelo
uso dos dois termos deve ser notada ainda que natildeo possamos
mensurar qualquer diferenccedila no tratamento dado a ambos por
parte do empregador
Os pantodapoi satildeo comumente citados por Diodoro como
exposto e em diversos momentos analisados ao longo do
capiacutetulo mas a sua participaccedilatildeo em batalha natildeo tem
destaque na narrativa do historiador siciliano da mesma
142 Diod 1929 ldquoτν δὲ πεζν πρτοι μὲν ἐτάχθησαν οἱ ξένοι πλείους ὄντες τν ἐννακισχιλίων μετὰ δὲ τούτους Λύκιοι καὶ Παμφύλιοι τρισχίλιοι παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι πλείους τν ὀκτακισχιλίων ἐπὶ πᾶσι δὲ Μακεδόνες ο πολὺ ἐλάττους τν ὀκτακισχιλίων []τν δ ἱππέων πρτοι μὲν ἦσαν ἐπὶ τοῦ δεξιοῦ κέρατος συνάπτοντες τῆ φάλαγγι μισθοφόροι παντοδαποὶ πεντακόσιοι []rdquo
69
forma que os mercenaacuterios no relato de Arriano sobre a
campanha de Alexandre As tropas de origem eacutetnica exata
por sua vez natildeo constituiacuteram uma exceccedilatildeo a essa regra a
natildeo ser por apariccedilotildees raacutepidas e escassas mas por vezes
determinantes como no caso dos capadoacutecios143
143 Notadamente no embate entre Eumenes e Craacutetero
70
22 Os elefantes de combate
Tomarei como ponto de partida para a investigaccedilatildeo
detalhada acerca dos elefantes de combate e de seu papel na
arte da guerra heleniacutestica o primeiro embate seacuterio entre os
paquidermes e a infantaria macedocircnica ainda que tal
encontro tenha ocorrido momentos antes do iniacutecio oficial da
eacutepoca heleniacutestica em 323 aC
Na batalha do Hidaspes (326 aC)144 Poro dispocircs seus
elefantes (cerca de 200) agrave frente da infantaria na
primeira linha de combate segundo Arriano145 com
intervalos de aproximados 30 metros (διέχοντα ἐλέφαντα ἐλέφαντος ο
μεῖον πλέθρου) impedindo que a cavalaria de Alexandre
aterrorizada pudesse se aproximar146 A infantaria indiana
(30000) seguia para as alas com tropas montadas
encerrando a formaccedilatildeo (2000) em ambos os flancos Por
uacuteltimo carros de guerra (300) estavam posicionados agrave
frente da cavalaria sendo esta a organizaccedilatildeo geral das
tropas de Poro para a batalha Em contrapartida Alexandre
concentrou a cavalaria (5500) na ala direita onde
normalmente os Companheiros combatiam com a intenccedilatildeo de
forccedilar uma alteraccedilatildeo na formaccedilatildeo da cavalaria indiana
assim como atacaacute-la por completo em sua ala esquerda As
duas iparquias sob o comando de Coeno foram enviadas sobre
a direita inimiga no momento em que esta realizou a
inversatildeo pela qual Alexandre esperava147 Aos soldados da
144 Os elefantes jaacute haviam sido utilizados pelos persas em Gaugamela
(Arr Anab 311 ldquoοἱ δὲ ἐλέφαντες ἔστησαν κατὰ τὴν Δαρείου ἴλην τὴν βασιλικὴν []rdquo mas natildeo despenharam papel relevante na batalha 145 Arr Anab 515 146 Arr Anab 515 ldquoὡς πρὸ πάσης τε τς φάλαγγος τν πεζν παραταθναι ατῶ τοὺς ἐλέφαντας ἐπὶ μετώπου καὶ φόβον πάντῃ παρέχειν τοῖς ἀμφ Ἀλέξανδρον ἱππεῦσινrdquo 147 Arr 516 ldquoΚοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν []rdquo Afinal ldquopara a direita de Alexandre ou contra a direita inimigardquo A questatildeo colocada por
Brunt tradutor de Arriano na ediccedilatildeo Loeb destaca uma grande confusatildeo
na interpretaccedilatildeo acerca do posicionamento das tropas em Hidaspes As
palavras iniciais (Κοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν) tecircm sido interpretadas na melhor discussatildeo sobre o assunto um artigo de Hamilton de trecircs
formas distintas (1) para a direita de Alexandre (2) em direccedilatildeo agrave
direita indiana como uma ldquofintardquo (3) contra a direita indiana em
forma de ataque Aqui adotei a segunda interpretaccedilatildeo devido agrave maneira
71
infantaria (15000)148
Alexandre ordenou que avanccedilassem
somente quando os cavaleiros indianos fossem postos em
confusatildeo contra seu proacuteprio exeacutercito149 Quanto aos
cavaleiros arqueiros estes foram uacuteteis para o ataque de
longa distacircncia causando baixas na ala esquerda inimiga
um pouco mais ao centro do local que Alexandre pretendia
atacar
Assim que a cavalaria indiana investiu contra os
Companheiros e o regimento de Dahae (recrutado na Aacutesia e
utilizado pela primeira vez no exeacutercito de Alexandre)
Coeno realizou o que lhe fora ordenado e atacou as tropas
montadas de Poro pelo flanco destruindo sua formaccedilatildeo numa
manobra compressora150 provavelmente apoacutes ter acompanhado a
inversatildeo das tropas de Poro Parte dos cavaleiros indianos
entatildeo partiu desordenada em direccedilatildeo aos elefantes
exatamente no momento em que a infantaria macedocircnica
iniciou o seu avanccedilo Segundo Arriano ldquoa proacutepria falange
macedocircnicardquo (ἡ φάλαγξ ατὴ τν Μακεδόνων) arremessou diversos
dardos contra os condutores dos elefantes e ldquoformando um
anel em torno dos animais descarregou dardos por todos os
ladosrdquo151
A partir deste ponto os paquidermes avanccedilaram em
direccedilatildeo agrave infantaria e comeccedilaram a devastar (ἐκεράϊζε) toda a
como a batalha se desenrolou isto eacute o caminho mais provaacutevel para uma
compressatildeo da cavalaria indiana por Alexandre e Coeno era a
perseguiccedilatildeo das tropas indianas durante uma inversatildeo da ala direita
para a esquerda Para uma discussatildeo completa a respeito da formaccedilatildeo
indiana consultar J R Hamilton ldquoThe Cavalry Battle at the
Hydaspesrdquo in JHS 76 27-28 1956 148 Richard D Milns Alexander the Great London Robert Hale 1968
P211 149 Arr Anab 516 150 Arr Anab 517 151 Arr Anab 517 ldquoἔς τε τοὺς ἐπιβάτας ατν ἀκοντίζοντες καὶ ατὰ τὰ θηρία περισταδὸν πάντοθεν βάλλοντεςrdquo Ora a falange natildeo possuiacutea mobilidade
suficiente para executar tal ldquoanelrdquo muito menos os falangistas
carregavam dardos Trata-se evidentemente de um equiacutevoco de Arriano
Cuacutercio (1424) refere-se aos agrianos e traacutecios o que soa mais
provaacutevel ainda que a reconstruccedilatildeo da formaccedilatildeo macedocircnica a partir
desta informaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel a menos que se admita apenas que
ambas as tropas levemente armadas estavam dispostas desde o iniacutecio do
embate agrave frente da falange
72
falange Os cavaleiros macedocircnios enquanto isso ocorria
formaram um soacute esquadratildeo e empurraram de volta o restante
da cavalaria indiana contra os elefantes o que ocasionou
uma verdadeira carnificina seja pela morte dos condutores
ou pela simples confusatildeo da situaccedilatildeo Boa parte dos
indianos recuou por entre os elefantes enquanto recebiam
os duros golpes de sua proacutepria maacutequina de guerra152
Alexandre entatildeo ordenou o avanccedilo da falange a qual
deveria adotar a formaccedilatildeo mais compacta possiacutevel Os
indianos jaacute natildeo contavam com sua cavalaria e a infantaria
era incapaz de deter o ataque das tropas montadas de
Alexandre que os cercaram por todos os lados
Como observou Milns a vitoacuteria sobre os indianos no
Hidaspes ldquofoi a uacuteltima grande batalha que Alexandre travou
e diriam alguns historiadores a sua melhorrdquo153 De fato
Alexandre reverteu o impacto ndash ou parte dele ndash causado pela
melhor arma do exeacutercito indiano o elefante Contudo
existe outra questatildeo que natildeo tem relaccedilatildeo direta com o
gecircnio militar do rei macedocircnio mas sim com a emergecircncia
desta nova ldquomaacutequina de guerrardquo como integrante (e por vezes
siacutembolo) dos exeacutercitos heleniacutesticos
De um lado a batalha do Hidaspes ilustra como o
ineditismo no combate aos elefantes (por parte dos
ocidentais) provocou um terriacutevel efeito psicoloacutegico nos
macedocircnios especialmente nos anos que se seguiram agrave
batalha De outro mostra que a emergecircncia do elefante na
guerra heleniacutestica foi acompanhada de um paradoxo advindo
do uso de uma arma poderosa mas incapaz de distinguir
aliados de inimigos aleacutem de ser bastante complicada do
ponto de vista logiacutestico
Noutras palavras considerar os fracassos e sucessos
dos elefantes em campos de batalha heleniacutesticos deve partir
152 Arr Anab 517 153 Milns opcit p215
73
de uma premissa baacutesica bem ou mal-sucedidos nos
confrontos os paquidermes constituiacuteram um ldquopesadelo
administrativordquo o que coloca as condiccedilotildees necessaacuterias ao
seu uso de um lado da balanccedila e os resultados obtidos caso
tais condiccedilotildees pudessem ser alcanccediladas do outro
Problemas relativos ao atraso da marcha do exeacutercito devido
agrave lentidatildeo dos elefantes devem ter sido uma constante no
rol dos inconvenientes quanto ao abastecimento das tropas
antigas Diodoro nos fornece um importante relato sobre
essa questatildeo quando menciona o afastamento dos paquidermes
em relaccedilatildeo aos demais homens de Eumenes o que resultou na
sua vulnerabilidade154 e consequumlente enfraquecimento parcial
do exeacutercito Fica evidente que natildeo fosse a manobra
executada pelo comandante dos elefantes que liderou os
paquidermes ldquoem quadradordquo (οἱ τν ἐλεφάντων ἡγεμόνες τάξαντες εἰς
πλινθίον τὰ θηρία προγον) dispondo o suprimento no centro da
formaccedilatildeo e o pequeno nuacutemero de cavaleiros que os
acompanhava na retaguarda155
os retardataacuterios teriam sido
todos facilmente aniquilados pela investida de Antiacutegono
Por uacuteltimo haacute ainda que se destacar as diferenccedilas
entre os elefantes africanos e indianos quanto aos seus
usos militares Durante bastante tempo acreditou-se que os
elefantes africanos eram inferiores aos indianos afirmaccedilatildeo
originada no relato de Cteacutesias em sua obra sobre uma Iacutendia
exoacutetica e de fartura156 O criteacuterio adotado por ele (e
reproduzido por diversos autores antigos) foi unicamente a
produccedilatildeo de alimentos o que insatisfatoriamente resume o
problema a uma uacutenica sentenccedila os africanos eram menores
porque viviam numa regiatildeo onde a comida era escassa isto
eacute o deserto Tal comparaccedilatildeo encontra eco em Poliacutebio157
154 Diod 1939 [] ldquoτοὺς δ ἐλέφαντας μέλλειν ἀναζευγνύειν ἐκ τς χειμασίας καὶ πλησίον εἶναι μεμονωμένους πάσης βοηθείας []rdquo 155 Diod 1939 156 FrGH 688 F9 157 Polib 584 ldquoτὰ δὲ πλεῖστα τν τοῦ Πτολεμαίου θηρίων ἀπεδειλία τὴν μάχην ὅπερ ἔθος ἐστὶ ποιεῖν τοῖς Λιβυκοῖς ἐλέφασι τὴν γὰρ ὀσμὴν καὶ φωνὴν ο μένουσιν ἀλλὰ καὶ
74
[] a maior parte dos elefantes de Ptolomeu evitou o
combate como normalmente ocorre com os elefantes
africanos pois sendo incapazes de suportar o odor e o
grito dos elefantes indianos e aterrorizados penso
eu com a estatura e a forccedila [τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν] dos mesmos eles voltam-lhes as costas imediatamente e
potildeem-se em fuga antes de sua aproximaccedilatildeo
Em 1926 Tarn apresentou uma questatildeo fundamental com
relaccedilatildeo agraves diferenccedilas entre os elefantes africanos e
indianos o que dificultou a repeticcedilatildeo do argumento pouco
fundamentado de Cteacutesias Filologicamente bem amparado Tarn
sustentou que tais autores nada sabiam sobre os elefantes
mas o seu heroacutei Alexandre havia empregado o elefante
indiano158 Natildeo existe nada definitivamente aleacutem da
tradiccedilatildeo literaacuteria originada da observaccedilatildeo pouco criteriosa
de Cteacutesias que possa sustentar a superioridade dos
elefantes indianos diante dos africanos em campo de
batalha
Vindos da Iacutendia ou recrutados na Aacutefrica os elefantes
mostraram-se decisivos nos campos de batalha heleniacutesticos
como veremos no item 33 e no capiacutetulo 4 Encontrados
terreno plano condiccedilotildees excelentes de abastecimento e
clima e um inimigo cuja forccedila primaacuteria fosse composta por
infantaria pesada disposta em formaccedilatildeo cerrada os
elefantes constituiacuteam uma das mais eficientes ndash senatildeo a
mais eficiente ndash arma empregada pelos comandantes
heleniacutesticos notadamente nas raras batalhas decisivas do
periacuteodo
καταπεπληγμένοι τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν ὥς γ ἐμοὶ δοκεῖ φεύγουσιν εθέως ἐξ ἀποστήματος τοὺς Ἰνδικοὺς ἐλέφανταςrdquo Cf Diod 216 e 235 158 William W Tarn ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ 20
98-100 1926 P100
75
3 As Guerras dos Diaacutedocos
31 Eumenes versus Craacutetero
No ano de 321 aC durante a realizaccedilatildeo da campanha de
Perdicas no Egito Eumenes fora enviado ao Helesponto por
Perdicas para evitar o avanccedilo de Craacutetero e Antiacutepatro159 Uma
das primeiras medidas do comandante grego foi o
recrutamento de um grande corpo de tropas montadas de sua
proacutepria satrapia isto eacute a Capadoacutecia Apoiado por Alcetas
submetido ao seu comando por ordem de Perdicas contava jaacute
com certo nuacutemero de macedocircnios insuficientes para a
ocasiatildeo os quais haviam sido incorporados apoacutes a vitoacuteria
sobre o exeacutercito de Neoptolemos160
De acordo com Diodoro161
ao saber do avanccedilo do exeacutercito
inimigo Eumenes coletou suas forccedilas particularmente sua
cavalaria de todos os lados (ἤθροισε πανταχόθεν τὰς δυνάμεις καὶ
μάλιστα τὴν ἱππικήν) Em relaccedilatildeo agrave infantaria sobre a qual natildeo
depositava muita esperanccedila contava com 20000 homens de
todas as raccedilas (παντοδαποὺς τοῖς γένεσιν) perfazendo um total de
25000 homens se somada a cavalaria adquirida Contra o
seu exeacutercito Craacutetero contava com macedocircnios conhecidos por
sua coragem (οἱ Μακεδόνες διαβεβοημένοι ταῖς ἀνδραγαθίαις) e dois mil
cavaleiros como auxiliares
Apoacutes a narraccedilatildeo de um duelo entre os comandantes
Diodoro menciona a derrota da cavalaria de Craacutetero sendo
que ao constatar a morte de ambos os liacutederes macedocircnios
Eumenes ordenou a retirada de seu exeacutercito privando-se do
aniquilamento completo do inimigo em prol da negociaccedilatildeo
cujo objetivo era a incorporaccedilatildeo da infantaria derrotada
Nas palavras do historiador siciliano
159 Diod 1829 160 Diod 1829 Arr FGrH 1569 Justino 138 Plutarco Eumenes 47 161 Diod 1830
76
Erigido o monumento que registrou a derrota do inimigo
[τρόπαιον] e feitos os ritos fuacutenebres [Eumenes] enviou agrave falange que havia se mostrado inferior [πρὸς τὴν τν ἡττημένων φάλαγγα] um convite de incorporaccedilatildeo agraves suas
tropas dando-lhes tambeacutem permissatildeo para recuar aos
lugares que desejassem
Este caso esclarece desde o iniacutecio a distinccedilatildeo entre
as tropas macedocircnias ldquoconhecidas por sua coragemrdquo e os
demais soldados de infantaria ldquohomens de todas as raccedilasrdquo
No entanto apoacutes a vitoacuteria sobre o exeacutercito inimigo
Eumenes abertamente escolhe negociar a incorporaccedilatildeo das
tropas inimigas honrando os mortos em combate ao inveacutes de
completar a manobra de envolvimento e provocar o
aniquilamento completo da falange a qual havia se mostrado
inferior em batalha Note-se que a taacutetica continuou a ser a
mesma empregada nos tempos de Alexandre mas a profusatildeo do
serviccedilo mercenaacuterio fez com que a praacutetica da incorporaccedilatildeo de
tropas profissionais fosse preferiacutevel ao aniquilamento do
inimigo Aleacutem disso natildeo haacute sequer uma menccedilatildeo de tratamento
diferenciado para as tropas macedocircnias por excelecircncia se
as considerarmos legitimamente macedocircnias em relaccedilatildeo agrave
infantaria asiaacutetica de Eumenes Eram mercenaacuterias como as
demais ainda que natildeo fique claro o pagamento ou tempo de
serviccedilo
Em seguida Eumenes voltou-se contra Antiacutegono
77
32 Antiacutegono versus Eumenes
Em seu primeiro confronto com Eumenes Antiacutegono
utilizando-se de um estratagema abriu matildeo inicialmente
de uma decisatildeo travada ao modelo alexandrino e decidiu
subornar certo Apolonides comandante da cavalaria de
Eumenes fazendo com que ele se tornasse um traidor e
desertasse em meio agrave batalha (ἔπεισε προδότην γενέσθαι καὶ κατὰ τὴν
μάχην ατομολσαι)162
Nesta ocasiatildeo entretanto notamos uma situaccedilatildeo
paradoxal quanto ao comportamento do comandante
heleniacutestico Na situaccedilatildeo anterior Eumenes optou por
incorporar as tropas inimigas ainda que sem sucesso ao
inveacutes de prosseguir com a manobra de envolvimento e
aniquilamento de boa parte do exeacutercito de Craacutetero Um ano
depois em 320 aC Antiacutegono apoacutes ter subornado o
comandante de cavalaria de Eumenes tendo a infantaria em
suas matildeos optou por concluir a manobra e aniquilar cerca
de 8000 inimigos Nas palavras de Diodoro
Quando a batalha se tornou violenta e Apolonides
desertou inesperadamente com sua cavalaria Antiacutegono
ganhou o dia e aniquilou cerca de 8000 inimigos Ele
tambeacutem se apoderou de todo o suprimento de modo que os
soldados de Eumenes ficaram abatidos pela derrota e sem
esperanccedila devido agrave perda de seus suprimentos163
Em momento algum Diodoro menciona o interesse de
Antiacutegono em incorporar as tropas de Eumenes durante a
batalha com exceccedilatildeo da cavalaria a qual havia previamente
subornado No entanto logo apoacutes relatar o refuacutegio do
comandante grego num forte armecircnio o que lhe foi garantido
162 Diod 1840 163 Diod 1840 ldquoγενομένης δὲ μάχης ἰσχυρᾶς καὶ τοῦ Ἀπολλωνίδου μετὰ τν περὶ ατὸν ἱππέων ποιήσαντος ἀλόγως ἀπὸ τν ἰδίων διάστασιν ἐνίκησεν ὁ Ἀντίγονος καὶ ἀνεῖλεν τν ἐναντίων εἰς ὀκτακισχιλίους ἐκυρίευσε δὲ καὶ τς ἀποσκευς ἁπάσης ὥστε τοὺς περὶ τὸν Εμεν στρατιώτας διὰ μὲν τὴν ἧτταν καταπλαγναι διὰ δὲ τὴν ἀπώλειαν τς ἀποσκευς ἀθυμσαιrdquo Nesta citaccedilatildeo com exceccedilatildeo de ἰσχυρᾶς traduzido aqui como ldquoviolentordquo seguindo o LSJ (ἰσχυρός) optei por utilizar a traduccedilatildeo de Geer
78
por uma alianccedila com os nativos o historiador siciliano faz
referecircncia agrave contrataccedilatildeo por parte de Antiacutegono dos homens
os quais haviam servido Eumenes Seguindo o exemplo
anterior a compreensatildeo da guerra como ofiacutecio serviu de
paracircmetro para a composiccedilatildeo de grandes exeacutercitos o
trampolim a partir do qual generais aspiravam agraves grandes
coisas exatamente como no caso de Antiacutegono Ao tornar-se
senhor de todas as posses que antes pertenciam a Eumenes
das quais se destacava o grande exeacutercito as ambiccedilotildees
poliacuteticas de Antiacutegono ganharam nova face
No momento em que Antiacutegono tomou para si a forccedila
militar de Eumenes tornou-se senhor das suas satrapias
e das suas propriedades levantou grande soma de
dinheiro e aspirou agraves grandes coisas [μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο] Nenhum comandante em toda a Aacutesia possuiacutea forccedila militar suficiente para lutar pela supremacia
164
O comando de um grande exeacutercito era sem duacutevida o
motor da basileia e um dos maiores estiacutemulos agrave realizaccedilatildeo
de campanhas militares e conquista de territoacuterios
A incorporaccedilatildeo das tropas natildeo era contudo o uacutenico
objetivo dos generais cujo pensamento encontrava-se marcado
pela condiccedilatildeo mercenaacuteria Historiadores tambeacutem entravam no
jogo mesmo que tivessem servido num primeiro momento ao
seu inimigo Note-se por exemplo na esteira do contexto
em destaque que Antiacutegono iraacute contratar os serviccedilos de
Hierocircnimo o historiador logo apoacutes a vitoacuteria sobre Eumenes
na Capadoacutecia tendo em seguida o enviado como mensageiro a
Eumenes exortando o uacuteltimo a esquecer a derradeira batalha
e a se tornar seu amigo e aliado165
Com a mudanccedila na poliacutetica externa adotada por Antiacutegono
levada a cabo a partir da aquisiccedilatildeo dos espoacutelios
164 Diod 1841 ldquoἈντίγονος δὲ παραλαβὼν τὴν μετ Εμενοῦς δύναμιν καὶ τν σατραπειν καὶ τν ἐν ταύταις προσόδων κύριος γενόμενος ἔτι δὲ παραλαβὼν πλθος χρημάτων μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο οκέτι γὰρ οδεὶς τν κατὰ τὴν Ἀσίαν ἡγεμόνων ἀξιόμαχον εἶχε δύναμιν διαγωνίσασθαι πρὸς ατὸν περὶ τν πρωτείωνrdquo 165 Diod 1850
79
provenientes da vitoacuteria sobre Eumenes o general macedocircnico
tratou de ir ao encontro de Alcetas irmatildeo de Perdicas
destruindo-o completamente Segundo Diodoro166
Antiacutegono
liderou 6000 cavaleiros numa carga violenta contra a
falange inimiga no intuito de cortar a linha de retirada de
Alcetas Em seguida os elefantes foram enviados
frontalmente contra a falange ao mesmo tempo em que os
cavaleiros envolveram o inimigo por todos os lados tendo a
infantaria permanecido somente como forccedila de apoio
Diodoro natildeo nos informa sobre a proveniecircncia eacutetnica da
cavalaria de Antiacutegono mas note que haacute pouco ele contava
com 2000 cavaleiros e rapidamente passou para cerca de
6000 um forte indiacutecio de que a renovaccedilatildeo de suas forccedilas
montadas foi liderada por capadoacutecios Em primeiro lugar
talvez esta seja a constataccedilatildeo mais oacutebvia mas ainda assim
digna de ser mencionada Antiacutegono marchou com sua forccedila
militar da Capadoacutecia para a Pisiacutedia (μετὰ [] ἐκ Καππαδοκίας
προγεν ἐπὶ τὴν Πισιδικήν)
Em segundo lugar sua cavalaria triplicou desde o
momento anterior agrave batalha contra Eumenes ocorrida havia
menos de um ano Uma vez na Capadoacutecia dado o curto tempo
para a ampliaccedilatildeo das suas forccedilas montadas e a
disponibilidade de recrutamento de cavaleiros pesadamente
armados na regiatildeo outra explicaccedilatildeo natildeo parece possiacutevel
Logo apoacutes a vitoacuteria sobre Alcetas Antiacutegono obteve a
rendiccedilatildeo de todo o resto do exeacutercito inimigo por negociaccedilatildeo
e o alistou em suas proacuteprias fileiras167 agregando
consideraacutevel forccedila ao seu poderio beacutelico
Ainda que a manobra de envolvimento fosse como neste
caso realizada ateacute o momento em que o inimigo batesse
desesperadamente em retirada a porccedilatildeo do exeacutercito que
166 Diod 1844 167 Diod 1845 ldquoὁ δ Ἀντίγονος τούτους μὲν καθ ὁμολογίαν παραλαβὼν τοὺς λοιποὺς εἰς τὰ ἴδια τάγματα κατέταξε []rdquo
80
pudesse ser submetida com vida e incorporada por negociaccedilatildeo
era sempre bem recebida aleacutem de se mostrar crucial na
estruturaccedilatildeo de trajetoacuterias poliacuteticas pautadas na conquista
militar
Na sequumlecircncia dos acontecimentos168 Eumenes jaacute na Aacutesia
Menor enviou cartas aos saacutetrapas do norte solicitando o
seu apoio em nome dos reis Basicamente as duas partes
deveriam se encontrar em Susa mas Fiacuteton a esta altura
saacutetrapa da Meacutedia obteve tambeacutem o controle das satrapias do
norte ordenando a morte de Filotas e substituindo o mesmo
por Eudamus seu irmatildeo Apoacutes travar batalha com o exeacutercito
dos saacutetrapas do sul Fiacuteton concentrou seu exeacutercito num soacute
lugar aguardando o apoio de Seleuco motivo pelo qual
Eumenes encontrou todas as tropas reunidas quando da sua
chegada a Susianecirc
De acordo com Diodoro169
as tropas que se juntaram a
Eumenes foram (1) 10000 arqueiros e fundibulaacuterios persas
3000 pantodapoi armados como macedocircnios (τοὺς δὲ εἰς τὴν
Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς) 600 cavaleiros gregos
e traacutecios e mais de 400 cavaleiros persas todos vindos
sob comando de Peucestes um dos antigos soldados da elite
de Alexandre (2) 1500 pezoi e 700 cavaleiros liderados
por Tlepolemus o macedocircnio feito saacutetrapa da Carmacircnia (3)
1000 pezoi e 610 cavaleiros trazidos por Sibyrtius
comandante da Arachosia (4) 1200 pezoi e 400 cavaleiros
despachados por Oxyartes (5) 1500 pezoi e 1000
cavaleiros vindos com Stasander e (6) 500 cavaleiros 300
pezoi e 120 elefantes todos trazidos por Eudamo Somados a
estes 18500 soldados de infantaria e 4210 cavaleiros
Geer170
lembra que devemos acrescentar as forccedilas trazidas
por Amfiacutemaco da Mesopotacircmia apresentado na batalha de
168 Diod 1913 169 Diod 1914 170 Russel M Geer tradutor de Diodoro na ediccedilatildeo da LOEB p 269
81
Gabienecirc171 com seus 600 cavaleiros e talvez alguma
infantaria natildeo mencionada
Antiacutegono em contrapartida recebeu tropas de Seleuco e
Fiacuteton nomeando Seleuco saacutetrapa de Susa e ordenando que
este conquistasse a cidade jaacute que Xenofilos o tesoureiro
se recusava a aceitar suas ordens172 Ao cruzar a Meacutedia por
um caminho alternativo agravequele que havia sido bloqueado por
Eumenes Antiacutegono ordenou a Fiacuteton que recrutasse quantos
cavaleiros e cavalos de guerra fosse possiacutevel assim como
animais de carga Ao retornar de sua missatildeo com cerca de
2000 cavaleiros 1000 cavalos 500 talentos do tesouro
real e uma quantia de mulas suficientes para todo o
exeacutercito173
Fiacutethon deu a Antiacutegono a chance de reerguer o
moral das tropas aleacutem de reforccedilar consideravelmente a
cavalaria de seu exeacutercito No total Antiacutegono contava com
28000 pezoi 8000 cavaleiros e 65 elefantes
Apoacutes o desentendimento entre Eumenes apoiado por
Antigenes e os saacutetrapas ansiosos para retornar aos seus
assuntos pessoais174
o general grego optou por atender agraves
vontades dos saacutetrapas temendo perder seu valioso apoio
Apoacutes dias de marcha rumo a Perseacutepolis ambos os exeacutercitos
inimigos acamparam a curta distacircncia e iniciaram os
preparativos para a batalha Antiacutegono entretanto procurou
subornar parte das tropas inimigas como nos relata
Diodoro175
No quinto dia Antiacutegono enviou mensageiros aos saacutetrapas
e aos macedocircnios instigando-os a natildeo obedecer Eumenes
e a confiar apenas no proacuteprio Antiacutegono Disse aos
171 Diod 1927 172 Diod 1918 173 Diod 1920 174 Diod1921 175 Diod 1925 ldquo[]τῆ πέμπτῃ δ Ἀντίγονος πρεσβευτὰς ἐξαπέστειλε πρός τε τοὺς σατράπας καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀξιν Εμενεῖ μὲν μὴ προσέχειν ἑαυτῶ δὲ πιστεύειν συγχωρήσειν γὰρ ἔφη τοῖς μὲν σατράπαις ἔχειν τὰς ἰδίας σατραπείας τν δὲ ἄλλων τοῖς μὲν χώραν πολλὴν δώσειν τοὺς δὲ εἰς τὰς πατρίδας ἀποστελεῖν μετὰ τιμς καὶ δωρεν τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξειςrdquo
82
saacutetrapas que permitiria a manutenccedilatildeo de suas proacuteprias
satrapias e aos macedocircnios que daria uma grande
extensatildeo de terra a alguns que enviaria os outros de
volta para casa com honra e presentes e que designaria
postos agravequeles que desejassem servir em seu exeacutercito
[τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξεις]
Tendo fracassado em sua tentativa de incorporaccedilatildeo das
tropas inimigas antes mesmo da batalha Antiacutegono findou por
enfrentar Eumenes numa ocasiatildeo decisiva conhecida como
batalha de Paraitacene (317 aC)
Iniciada a batalha vendo que sua ala direita estava
sendo esmagada pelos cavaleiros arqueiros de Antiacutegono
(graccedilas agraves taacuteticas de ciacuterculo cujo objetivo era o ataque
aos flancos pelo uso dos arcos176) Eumenes ordenou o apoio
de sua ala esquerda comandada por Eudamo Apoacutes o movimento
de flanqueamento executado por soldados ligeiros e pela
parte mais levemente armada de sua cavalaria (τὴν ὅλην τάξιν τοῖς
μὲν ψιλοῖς καὶ τοῖς ἐλαφροτάτοις τν ἱππέων) conseguiu derrotar a ala
direita de Antiacutegono comandada por Fiacutethon
Em seguida apoacutes consideraacutevel tempo de combate entre as
falanges os homens de Eumenes venceram devido agrave
experiecircncia dos arguraspides de modo que muitos dos
oficiais de Antiacutegono apoacutes a derrota de sua ala esquerda e
de toda a sua falange aconselharam a batida em retirada
Antiacutegono no entanto ao ver que a infantaria inimiga havia
avanccedilado vitoriosamente em direccedilatildeo agrave sua no intuito de
persegui-la ateacute proacuteximo aos montes e que a ala de Eudamo
natildeo esperava por um ataque desferiu um violento golpe
contra a ala esquerda de seu inimigo recobrando com isso o
moral e as condiccedilotildees combativas de sua infantaria
aparentemente derrotada Assim nos relata Diodoro177
176 Diod 1930 ldquo[] περιιππεύσαντες δὲ τὸ κέρας καὶ πλαγίοις ἐμβαλόντες πυκνοῖς τοῖς βέλεσι κατετίτρωσκον []rdquo 177 Diod 1930 ldquoταχὺ δὲ διὰ τὸ παράδοξον τρεψάμενος τοὺς ἐναντίους καὶ πολλοὺς ἀνελὼν διαπέστειλε τν ἱππέων τοὺς ἐλαφροτάτους καὶ διὰ τούτων ἀνεκαλέσατο τοὺς φεύγοντας καὶ παρὰ τὴν πωρίαν πάλιν εἰς τάξιν κατέστησενrdquo
83
Uma vez que seu ataque foi inesperado ele [Antiacutegono]
rapidamente derrotou aqueles que o enfrentaram
destruindo muitos deles Entatildeo enviou os mais raacutepidos
de seus cavaleiros e por meio deles reuniu os soldados
que haviam batido em retirada alinhando-os mais uma
vez ao peacute dos montes
Como os soldados encontravam-se todos exaustos a
batalha prosseguiu durante o tempo necessaacuterio para a
certeza de sua indefiniccedilatildeo Embora o resultado natildeo tenha
sido claro Antiacutegono usou de sua legitimidade como
comandante e forccedilou acampamento proacuteximo a batalha
relativamente distante das bagagens O motivo para este ato
era simples para os gregos aquele que detinha o controle
dos ritos fuacutenebres assim que encerrada a peleja possuiacutea o
direito de declarar-se vitorioso178
Em seguida Eumenes dirigiu suas tropas para Gabenecirc
com excelentes condiccedilotildees de abastecimento179
enquanto
Antiacutegono conduziu seu exeacutercito atraveacutes do deserto proacuteximo a
Gadamala180
Alguns dias apoacutes o ataque parcialmente
frustrado aos elefantes de Eumenes atrasados se comparados
ao restante das tropas ambos os exeacutercitos fizeram frente
um ao outro em Gabenecirc
Tendo disposto seus homens da maneira que consideravam
mais eficiente os generais deram iniacutecio ao confronto
sendo que Antiacutegono e Demeacutetrio posicionados na ala direita
desferiram um ataque agrave cavalaria de Eumenes que a esta
altura lhes fazia frente Antes do embate entretanto
Peucestes saacutetrapa da Peacutersia esquivou-se da batalha e
deixou Eumenes somente com parte de sua cavalaria181
Por
consequumlecircncia Eumenes natildeo suportou o choque com a cavalaria
inimiga a qual rodeou o corpo de infantaria e investiu
178 Diod 1931 ldquo[Antiacutegono] ἠμφισβήτει τς νίκης ἀποφαινόμενος προτερεῖν ἐν ταῖς μάχαις τὸ τν πεσόντων κυριεῦσαιrdquo Outros exemplos segundo Geer satildeo
encontrados em Xen Hel 75 e Justino 66 179 Diod 1934 180 Diod 1937 181 Diod1942
84
contra a cavalaria na outra ala completando um semiciacuterculo
pela retaguarda inimiga
Embora as manobras acima detalhadas tenham sido de
grande importacircncia no desenrolar da batalha a participaccedilatildeo
crucial se deu com os tarentinos e medos enviados com a
missatildeo de capturar os suprimentos inimigos aproveitando-se
da pouca visibilidade provocada pela poeira do terreno A
partir deste movimento Eumenes parcialmente derrotado se
viu forccedilado a recuar e contra atacar a investida sorrateira
dos tarentinos e medos enquanto Antiacutegono soube aproveitar
o momento de vulnerabilidade dos arguraspides sem a
proteccedilatildeo dos flancos e ordenou a investida da cavalaria de
Fiacutethon182
Os resultados da batalha natildeo foram nada agradaacuteveis para
os homens de Eumenes que tiveram seus suprimentos filhos
mulheres e muitos outros parentes capturados pelo inimigo
Com isso Antiacutegono exterminou completamente o espiacuterito
combativo dos macedocircnios induzindo um comportamento
tipicamente heleniacutestico no lugar do extermiacutenio dos refeacutens
e inimigos derrotados (mas preservados em suas habilidades
de combate) o general optou por alistaacute-los
[] os macedocircnios secretamente iniciaram negociaccedilotildees
com Antiacutegono capturando e entregando Eumenes
recobrando seus suprimentos e apoacutes receberem promessas
alistaram-se no exeacutercito acampado [καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον]183
Agora que Antiacutegono havia se tornado o mais poderoso dos
Diaacutedocos os seus rivais passaram a temer a consolidaccedilatildeo de
seu poder supremo abalado apenas por pequenas revoltas
182 Diod 1943 183 Diod 1943 [hellip] οἱ Μακεδόνες λάθρᾳ διαπρεσβευσάμενοι πρὸς Ἀντίγονον τὸν μὲν Εμεν συναρπάσαντες παρέδωκαν τὰς δ ἀποσκευὰς κομισάμενοι καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον
85
locais como a insurreiccedilatildeo fracassada liderada por Fiacutethon
na Meacutedia184
Encerrada as operaccedilotildees de Cassandro no Peloponeso e
apoacutes a fuga de Seleuco para o Egito185 a resposta imediata
agrave transformaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico heleniacutestico causada
pela emergecircncia de Antiacutegono como autoridade predominante na
lideranccedila dos exeacutercitos se deu com a alianccedila de Ptolomeu
Seleuco Cassandro e Lisiacutemaco
184 Diod 1946-48 185 Diod 1953 e Diod 1954 respectivamente
86
33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e
Lisiacutemaco
Assim que chegou ao Egito Seleuco tratou de convencer
Ptolomeu do risco que era deixar Antiacutegono ampliar suas
forccedilas sua arrogacircncia e suas ambiccedilotildees ao trono
macedocircnico186
Seleuco natildeo somente conseguiu estabelecer uma
alianccedila com o senhor do Egito mas tambeacutem alguns de seus
amigos obtiveram sucesso na cooptaccedilatildeo de Cassandro e
Lisiacutemaco Com isso apoacutes recusar a abordagem diplomaacutetica de
Antiacutegono que enviou mensageiros com o intuito de reforccedilar
sua amizade com os generais macedocircnicos em eacutepoca de crise
Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro exigiram de Antiacutegono (1) a
entrega da Capadoacutecia e da Liacutecia a Cassandro (2) da Friacutegia
a Lisiacutemaco (3) de toda a Siacuteria a Ptolomeu e (4) da
Babilocircnia a Seleuco sem mencionar a partilha dos tesouros
conquistados com a vitoacuteria sobre Eumenes187
Daiacute por diante uma seacuterie de embates subsequumlentes agrave
formalizaccedilatildeo do desentendimento dos Diaacutedocos dominaraacute a
cena poliacutetica pelos proacuteximos 15 anos e uma narrativa de
todos os pormenores do conflito natildeo seria eficaz na
apresentaccedilatildeo dos argumentos que estou a desenvolver neste
capiacutetulo Portanto tratarei da batalha de Ipso por ser
suficientemente documentada188
(se levarmos em consideraccedilatildeo
que as demais batalhas nos chegaram apenas em pouquiacutessimos
detalhes) e possibilitar interpretaccedilotildees razoavelmente
seguras sobre a arte da guerra heleniacutestica no tempo dos
Diaacutedocos
De acordo com Plutarco189 Demeacutetrio contava com mais de
70000 soldados de infantaria 10000 cavaleiros e 75
elefantes enquanto seus adversaacuterios haviam trazido cerca
186 Diod 1956 187 Diod 19 57 188 A principal fonte eacute Plut Dem 28-30 que provavelmente seguiu
Hierocircnimo de Caacuterdia 189 Plut Dem 28
87
de 65000 soldados de infantaria 10500 cavaleiros 120
carros de guerra e 400 elefantes
Tatildeo logo os exeacutercitos iniciaram a peleja Demeacutetrio
avanccedilou em direccedilatildeo a Antiacuteoco filho de Ptolomeu e ao
derrotaacute-lo facilmente e iniciar uma perseguiccedilatildeo para longe
do campo de batalha levou consigo a melhor e maior porccedilatildeo
da cavalaria (τοὺς πλείστους καὶ κρατίστους τν ἱππέων) do exeacutercito de
Antiacutegono Ao observar que a falange inimiga estava
desprotegida num dos flancos Seleuco ldquoos manteve em medo
de ataquerdquo rodeando os inimigos em ato ameaccedilador fazendo
com que muitos deles viessem a ele por sua proacutepria vontade
e com que os demais batessem em retirada190 Por fim
enquanto Antiacutegono aguardava pelo retorno de seu filho
impossibilitado de voltar ao combate devido ao avanccedilo
frontal dos elefantes inimigos (contra os 75 elefantes de
Antiacutegono e em seguida contra a proacutepria infantaria do
rei) sendo esta uma manobra que lanccedilava os paquidermes no
caminho de Demeacutetrio uma saraivada de projeacuteteis o atingiu
pondo fim a sua vida
Demeacutetrio ainda tentou com seus 5000 soldados de
infantaria e 4000 cavaleiros restantes da batalha
resistir em Atenas onde possuiacutea embarcaccedilotildees e recursos
diversos mas no caminho fora avisado por um mensageiro de
que os cidadatildeos de Atenas decidiram natildeo receber nenhum dos
reis
A batalha de Ipso provavelmente representou uma
tentativa de transformaccedilatildeo das funccedilotildees da cavalaria algo
ineacutedito na guerra heleniacutestica Certamente por influecircncia da
guerra encaminhada na porccedilatildeo mais oriental do impeacuterio
Seleuco tentou fazer com que os elefantes desferissem o
ataque principal enquanto a cavalaria comandada por seu
filho Antiacuteoco forccedilava uma retirada de Demeacutetrio Mas quais
190 Plut Dem 29
88
seriam no confronto que pocircs fim agrave hegemonia de Antiacutegono
as vantagens conferidas a Seleuco pelo uso dos elefantes
A primeira delas estava fixada pelo nuacutemero de elefantes
(400 no total contra apenas 75 de Antiacutegono) Seleuco
sabendo disso os fez avanccedilar frontalmente contra o corpo
principal do exeacutercito antigocircnida provavelmente ordenando
que seu filho Antiacuteoco batesse em retirada e levasse
consigo a maior e melhor parte da cavalaria inimiga sob o
comando de Demeacutetrio Ainda que Plutarco natildeo mencione tal
manobra por parte de Antiacuteoco afirmando pelo contraacuterio
que as tropas montadas antigocircnidas o haviam derrotado natildeo
parece provaacutevel que a cavalaria de Seleuco fugiria do campo
de batalha tatildeo rapidamente ou que Demeacutetrio a perseguiria
ateacute a batalha ser encerrada (a menos que a fuga de Antiacuteoco
fosse parte de um plano)
Tarn191 argumentou sobre esta possibilidade na deacutecada de
1930 salientando que iniciada a perseguiccedilatildeo da cavalaria
de Seleuco se Demeacutetrio desistisse cedo demais a cavalaria
inimiga poderia simplesmente retornar e atacar sua
retaguarda mas por outro lado se a perseguiccedilatildeo levasse
muito tempo a batalha central se tornaria
definitivamente um palco imaginaacuterio Aceita esta hipoacutetese
conclui-se que Seleuco pocircde desferir seu ataque principal
com os elefantes ao centro e com a cavalaria na ala inimiga
desprotegida enquanto Demeacutetrio ficou impossibilitado de
dar qualquer suporte a Antiacutegono devido ao sucesso da
possiacutevel manobra de Antiacuteoco uma vez que o avanccedilo dos
elefantes havia inviabilizado o caminho para as operaccedilotildees
de auxiacutelio
191 Tarn opcit p69
89
CAPIacuteTULO 3 ndash PODER MONAacuteRQUICO E ARTE DA GUERRA NA
MAGNA GREacuteCIA E NA SICIacuteLIA HELENIacuteSTICA
1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia
heleniacutestica
Diodoro nos relata que Agaacutetocles ldquoao saber que os
referidos priacutencipes tinham assumido o diadema e por natildeo se
considerar inferior a eles em poder territoacuterio e feitos
designou-se reirdquo192 Esta natildeo era uma monarquia siciliana
como as anteriores aleacutem do desejo de se igualar em poder
aos monarcas heleniacutesticos e de assumir caracteriacutesticas de
um ldquonovordquo tipo de realeza como veremos a seguir Agaacutetocles
mantinha com alguns dos Diaacutedocos relaccedilotildees diplomaacuteticas as
quais frequumlentemente ilustravam um posicionamento muito
semelhante agravequeles adotados pelos Sucessores de Alexandre
quanto ao direito de conquista amplamente baseado no
princiacutepio da doriktetos chora De forma similar agrave
distribuiccedilatildeo de territoacuterios liderada pelos generais
macedocircnicos apoacutes a morte de seu rei em 323 aC Agaacutetocles
pretendia negociar de acordo com Diodoro a distribuiccedilatildeo
do espaccedilo africano (ainda natildeo subjugado) e siciliano
(parcialmente hostil) com Ophellas em 309 aC por
ocasiatildeo de sua expediccedilatildeo cartaginesa
192 Diod 2054 ldquo[] γὰρ πυθόμενος τοὺς προειρημένους δυνάστας ἀνῃρημένους
διάδημα καὶ νομίζων μήτε δυνάμεσι μήτε χώρᾳ μήτε τοῖς πραχθεῖσι λείπεσθαι τούτων ἑαυτὸν ἀνηγόρευσε βασιλέαrdquo Sobre a basileia de Agaacutetocles consultar
principalmente Henry Julius Wetenhall Tillyard Agathocles Cambridge
The University Press 1908 Claude Mosseacute La tyrannie dans la Gregravece
Antique Paris Presses Universitaires de France 1969 PP 149-202
Klaus Meister CAH 7 1984 PP 384-411 Ricardo Vattuone Sapienza
d‟occidente Il pensiero storico di Timeo di Tauromenio Bologna
Pagravetron 1991 Pp 63-86 187-204 Lorenzo Braccesi I tiranni di
Sicilia Roma-Bari Laterza 1998 PP 101-113 Consolo Langher Efrem
Zambon ldquoFrom Agathocles to Hieratildeo II the birth and development of
basileia in Hellenistic Sicilyrdquo In Sian Lewis (org) Ancient
Tyranny Edinburgh The University Press 2006 PP 77-94 Sobre a
coroaccedilatildeo dos Diaacutedocos de maneira geral consultar os estudos e as
referecircncias apresentadas no cap2 desta tese
90
Apoacutes esta batalha Agaacutetocles ao examinar todas as
maneiras de subjugar os cartagineses enviou Orthon o
siracusano como mensageiro a Ophellas em Cirene
Ophellas havia sido um dos Companheiros de Alexandre em
sua expediccedilatildeo tendo assumido o controle da cidade de
Cirene e de um poderoso exeacutercito e aspirava a uma
dominaccedilatildeo mais ampla Este era o seu estado de espiacuterito
quando o mensageiro de Agaacutetocles chegou com o pedido de
auxiacutelio para a campanha contra os cartagineses Em
troca desse serviccedilo ele [o mensageiro] prometeu que
Agaacutetocles concederia a Ophellas liberdade total no
controle da Liacutebia Agaacutetocles disse-lhe o mensageiro
estava satisfeito com a Siciacutelia desde que estivesse
livre da ameaccedila cartaginesa e que pudesse governar sem
receio toda a ilha A Itaacutelia estava disponiacutevel e
proacutexima para ampliar o seu impeacuterio caso Agaacutetocles
ambicionasse mais poder193
Ao analisarmos o relato do historiador siciliano
torna-se evidente que o comandante siracusano queria
integrar o cenaacuterio poliacutetico internacional de seu tempo
orientado por criteacuterios de paridade com os Diaacutedocos e que
Ophellas seria sua melhor opccedilatildeo de alianccedila pois o mesmo
aspirava agrave conquista de mais territoacuterios Afinal tal
paridade em forccedila militar territoacuterios conquistados e
realizaccedilotildees seria o motor de sua monarquia autoproclamada
Quando Ophellas e seu exeacutercito se encontraram com
Agaacutetocles o mesmo colocou em praacutetica seu plano de traiccedilatildeo
o macedocircnio foi pego de surpresa e assassinado enquanto
tentava desesperadamente se defender o siracusano entatildeo
aproveitando-se da situaccedilatildeo recrutou o numeroso exeacutercito
193 Diod 2040 ldquoἈπὸ δὲ τς μάχης ταύτης γενόμενος καὶ πάντα τῆ διανοίᾳ σκοπούμενος
πρὸς τὸ λαβεῖν τοὺς Καρχηδονίους ποχειρίους ἐξέπεμψε πρεσβευτὴν Ὄρθωνα τὸν Συρακόσιον πρὸς φέλλαν εἰς Κυρήνην οὗτος δ ἦν μὲν τν φίλων τν συνεστρατευμένων Ἀλεξάνδρῳ κυριεύων δὲ τν περὶ Κυρήνην πόλεων καὶ δυνάμεως ἁδρᾶς περιεβάλετο ταῖς ἐλπίσι μείζονα δυναστείαν τοιαύτην οὖν ατοῦ διάνοιαν ἔχοντος ἧκεν ὁ παρ Ἀγαθοκλέους πρεσβευτής ἀξιν συγκαταπολεμσαι Καρχηδονίους ἀντὶ δὲ ταύτης τς χρείας ἐπηγγέλλετο τὸν Ἀγαθοκλέα συγχωρήσειν ατῶ τν ἐν Λιβύῃ πραγμάτων κυριεύειν εἶναι γὰρ ἱκανὴν ατῶ τὴν Σικελίαν ἵν ἐξῆ τν ἀπὸ τς Καρχηδόνος κινδύνων ἀπαλλαχθέντα μετ ἀδείας κρατεῖν ἁπάσης τς νήσου παρακεῖσθαι δὲ καὶ τὴν Ἰταλίαν ατῶ πρὸς ἐπαύξησιν τς ἀρχς ἐὰν κρίνῃ μειζόνων ὀρέγεσθαιrdquo Para esta passagem Austin (n90) eacute a traduccedilatildeo de referecircncia A
invasatildeo eacute vagamente mencionada por Polib 182 e a alianccedila por
Justino 226 Cf Consolo Langher pp 175-196
91
sem comandante para a guerra que jaacute estava preparado para
travar conseguindo com isso praticamente dobrar o nuacutemero
de seus homens194
Polieno contudo sequer menciona a intenccedilatildeo de
estabelecer qualquer alianccedila por parte de Agaacutetocles
Segundo Polieno195 Ophellas encontrava-se jaacute com numeroso
exeacutercito em postos avanccedilados contra Agaacutetocles ao que tudo
indica no iniacutecio da expediccedilatildeo africana liderada pelo
siracusano quando Agaacutetocles ciente da inclinaccedilatildeo de seu
inimigo por jovens rapazes enviou seu filho Heracleides
ldquoum rapaz de beleza extraordinaacuteriardquo com a missatildeo de
distraiacute-lo enquanto o exeacutercito siciliano revidava em
sigilo Ophellas apaixonado pelo rapaz mostrou-se incapaz
de prever a sua proacutepria morte e Agaacutetocles saiu vitorioso
resgatando seu filho com sucesso
O relato de Polieno eacute obviamente pouco criacutevel
considerando-se que dificilmente um comandante com a
experiecircncia de Ophellas ainda mais no comando de um
numeroso exeacutercito aacutevido pela guerra para a qual estavam
marchando desde Cirene se deixaria distrair tatildeo gravemente
pelo filho de seu inimigo ainda que tivesse as inclinaccedilotildees
sexuais mencionadas Parece igualmente improvaacutevel que
Ophellas natildeo tivesse sido cotado como aliado por Agaacutetocles
a julgar pela referecircncia tatildeo clara em Diodoro e pelo
desenrolar dos eventos na Aacutefrica O mais provaacutevel eacute que
Polieno natildeo tivesse conhecimento da alianccedila ou a tivesse
suprimido pela natureza didaacutetica de sua obra De qualquer
modo as relaccedilotildees diplomaacuteticas tiveram de acontecer mesmo
que unilateralmente em certo ponto e comprovam
preliminarmente a interaccedilatildeo (diplomaacutetica e beacutelica) entre
Agaacutetocles e o mundo heleniacutestico num niacutevel que para ele se
dava em grau de paridade Como nos lembra Braccesi a
194 Diod 2042
195 Polieno 53
92
Siciacutelia mostrou-se um espaccedilo imune agrave invasatildeo de Alexandre
mas natildeo ao seu projeto de conquista neste caso traduzido
pela ascensatildeo de Agaacutetocles agrave iminente realeza196 A
autoproclamaccedilatildeo de Agaacutetocles como rei simbolizava que o
siracusano via-se em condiccedilatildeo de reclamar territoacuterios nos
mesmos termos que os Diaacutedocos e as interaccedilotildees diversas com
alguns deles servem de evidecircncia para a postura de paridade
adotada pelo monarca
Parte da historiografia moderna no entanto tende a
classificar Agaacutetocles da mesma forma que os tiranos tardo-
claacutessicos ou ainda como os tiranos arcaicos de modo que
sua autoproclamaccedilatildeo representaria de fato apenas um traccedilo
de sua ambiccedilatildeo poliacutetica uma estrateacutegia de inserccedilatildeo sem
grandes resultados197 Veja-se por exemplo o que nos diz
Mosseacute para quem Agaacutetocles tirano popular198 teria se
transformado com a expediccedilatildeo africana numa figura
196 Braccesi op cit p101 Cf tambeacutem Lorenzo Braccesi L‟Alessandro
occidentale Il Macedone e Roma Roma ldquoL‟ermardquo di Bretschneider
2006 PP 54-67 Braccesi argumenta que apoacutes a morte de Alexandre o
problema puacutenico se confunde com a hereditariedade do poder monaacuterquico
produzindo uma ldquonascente sensibilidade heleniacutesticardquo a qual seria
direcionada agrave ameaccedila cartaginesa sob a forma de basileia justificada 197 Outra questatildeo recorrente na historiografia moderna eacute a classificaccedilatildeo
de Agaacutetocles como grande estadista ou como o mais cruel dos tiranos
discussatildeo que se arrasta desde a Antiguidade quando por exemplo
Caacutelias (FGrH 564T3) contemporacircneo de Agaacutetocles pinta uma aura de
piedade e humanidade para o siracusano ao passo que Timeu (FGrH
566F124) igualmente seu contemporacircneo diz que nenhum tirano mostrou-
se tatildeo cruel quanto ele Aleacutem da identificaccedilatildeo errocircnea da monarquia de
Agaacutetocles como sendo da mesma natureza que as tiranias tardo-
claacutessicas haacute que se considerar a interpretaccedilatildeo curiosa ndash e pouco
aceita ndash de Helmut Berve (Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen
Verlag 1953 Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967)
Segundo Berve Agaacutetocles manteve a sua magistratura em Siracusa tendo
criado ao mesmo tempo uma monarquia pessoal como maneira de combater
em nome da cidade e acumular territoacuterios em seu proacuteprio nome Como
desdobramento disso no final de sua vida Agaacutetocles teria devolvido a
democracia aos siracusanos sem abdicar da realeza o que de fato
carece de evidecircncias suficientes Para o assunto cf Meister CAH 7
pp 409-410 198 O que soa no fim das contas absurdo pois logo apoacutes a sua morte os
siracusanos confiscaram as suas propriedades derrubaram as suas
estaacutetuas e procederam a uma verdadeira damnatio memoriae Sobre a
criacutetica agrave classificaccedilatildeo da tirania de Agaacutetocles como ldquopopularrdquo cf
Meister CAH 7 p 410
93
tiracircnica tiacutepica do periacuteodo heleniacutestico o roy conqueacuterant199
embora seu comportamento indique no fim das contas uma
postura comum entre os tiranos que o precederam
Homem do povo pelo povo de Siracusa eacute que ele tentou
restaurar a supremacie da cidade que ele tentou
igualmente varrer o perigo que pesava sobre toda a
Siciacutelia o perigo cartaginecircs Homem de seu tempo []
imitador dos generais de Alexandre quanto ao tiacutetulo
reacutegio [] Ele natildeo liberou os escravos por princiacutepio
mas por que necessitava de homens para combater Nisso
ele se assemelhava aos tiranos do seacutecIV aC [] Ateacute
onde podemos conhececirc-lo ele continua a ser o tipo do
tirano popular mais proacuteximo no fim dos tiranos da
eacutepoca arcaica que dos condottieri do seacutecIV aC ou dos
ldquorevolucionaacuteriosrdquo da eacutepoca heleniacutestica200
Imitador dos Diaacutedocos Agaacutetocles agregaria em uacuteltima
instacircncia tanto os valores do tirano arcaico (devido ao
caraacuteter demagoacutegico de seu governo) quanto os costumes de
recrutamento do tirano claacutessico orientado pelo alistamento
massivo de exilados e mercenaacuterios Isso o torna peculiar
sem duacutevida mas o contexto eacute imperativo para o assunto e
como tal impotildee agrave monarquia adotada por Agaacutetocles um sentido
especialmente heleniacutestico Natildeo resta duacutevida que o
alistamento massivo de profissionais era uma praacutetica de
origens tardo-claacutessicas na Siciacutelia grega da mesma forma o
traccedilo popular dos governos autocraacuteticos remonta agrave eacutepoca
arcaica201 Poreacutem tais peculiaridades encontravam-se
inseridas no contexto de fragmentaccedilatildeo do impeacuterio de
Alexandre fazendo da Siciacutelia como dito anteriormente
parte do projeto de conquista macedocircnica (o que seria
executado obviamente pelos Diaacutedocos) e de Agaacutetocles o
homem capaz de liderar uma inovaccedilatildeo poliacutetica de
caracteriacutesticas heleniacutesticas
199 Claude Mosseacute op cit p 171 Sobre a identificaccedilatildeo de Agaacutetocles
com tiranos arcaicos e tardo-claacutessicos cf Zambon op cit p 77 200 Mosseacute op cit pp 176-177 Grifo nosso
201 Meister CAH 7 pp 409-410
94
Braccesi quase 30 anos apoacutes a publicaccedilatildeo do livro de
Mosseacute mostra-se um pouco mais otimista quanto agrave concretude
da monarquia de Agaacutetocles O contexto de interaccedilatildeo do
siracusano com os generais macedocircnicos aparece com mais
relevacircncia de modo a gerar uma interpretaccedilatildeo histoacuterica
acerca dos problemas de longevidade da basileia
agatocleana A natureza heleniacutestica da monarquia
introduzida na Siciacutelia por Agaacutetocles eacute inquestionaacutevel mas
trata-se no final das contas de uma monarchia mancata202
Recentemente Zambon203 sustentou que Agaacutetocles iniciou
uma mudanccedila constitucional ao introduzir a monarquia de
tipo heleniacutestico em Siracusa e que seu exemplo foi seguido
por diversos governantes posteriores (tais como Phintias
Pirro e Hieratildeo II) Considerado o niacutevel de sistematizaccedilatildeo
desenvolvido por Zambon podemos dizer que a sua
interpretaccedilatildeo soa demasiado otimista forccedilando
propositalmente (pela preservaccedilatildeo do argumento) uma
continuidade exagerada nas mudanccedilas institucionais
siciliotas apoacutes a morte de Agaacutetocles Naquele momento
contudo tentativas de retomada das formas constitucionais
perdidas com a ascensatildeo do monarca emergiram muitas delas
temporariamente bem-sucedidas Em defesa do otimismo
zamboniano podemos apenas dizer com certa razatildeo que o
cenaacuterio poliacutetico siciliota mostrou-se suficientemente
confuso e marcado como recorda Zambon por ldquoguerras civis
sangrentasrdquo bem como por ldquoconsequumlecircncias [soacutecio-econocircmicas]
de campanhas militares exaustivasrdquo e soluccedilotildees poliacuteticas
extremas adotadas pelas poacuteleis que agregavam poder de
lideranccedila na porccedilatildeo leste da ilha204 Diante de tamanha
complexidade e da evidecircncia para o surgimento da monarquia
de tipo heleniacutestico na ilha como parte do conjunto das
202 Braccesi op cit p 110
203 Zambon op cit pp 77-94 Zambon Hellenistic Sicily
204 Zambon Hellenistic Sicily p 267
95
inovaccedilotildees poliacuteticas siciliotas (momentaneamente fracassadas
e posteriormente retomadas) devemos a esta altura nos
perguntar como se deu a introduccedilatildeo da basileia por
Agaacutetocles e em quais aspectos ela representou uma imitatio
Alexandri O primeiro indiacutecio analisado eacute obviamente a
transformaccedilatildeo de ordem poliacutetica que deve ser compreendida
no decorrer da trajetoacuteria de Agaacutetocles cedendo espaccedilo em
seguida para o estudo dos indiacutecios de uma imitatio em
campo taacutetico a partir das tropas que a organizaccedilatildeo social
siciliana disponibilizou no contexto
Em 337 aC apoacutes a morte de Timoleatildeo frente ao
problema da sucessatildeo de um liacuteder que havia pacificado na
medida do possiacutevel a Siciacutelia grega e promovido em larga
escala um verdadeiro tiraniciacutedio diversas tiranias
reapareceram na porccedilatildeo leste da ilha e a ofensiva
cartaginesa novamente gerava resultados preocupantes para
os gregos A democracia siracusana havia sido a esta altura
substituiacuteda por uma oligarquia a qual era liderada por
Sosiacutestrato e Heracleides Com isso a velha guerra civil
retornou com forccedila total colocando cidadatildeos (democratas e
oligarcas) em lados opostos convivendo num grau de
desentendimento que se traduzia no derramamento contiacutenuo de
sangue
Os primeiros anos da vida poliacutetica de Agaacutetocles se
deram no exiacutelio quando o siracusano parece ter aproveitado
a puniccedilatildeo para angariar apoio noutras regiotildees e recrutar o
nuacutemero de mercenaacuterios que seu dinheiro pudesse pagar Apoacutes
o seu retorno a Siracusa em 319 aC jaacute em cenaacuterio
poliacutetico favoraacutevel Agaacutetocles apresentou-se como defensor
da democracia e segundo Diodoro conquistou o apoio
popular por sua abordagem demagoacutegica (δημαγωγήσας) Em
seguida Agaacutetocles teria sido eleito strategos e ldquoguardiatildeo
96
da pazrdquo (φύλαξ τς εἰρήνης)205 Meister e Zambon recordam que um
termo ligeiramente diferente aparece na Marmor Parium (FGrH
239F12) onde eacute sugerida jaacute no iniacutecio uma strategia
autocraacutetica206 o que altera sensivelmente a natureza da
magistratura de Agaacutetocles e sugere nesse caso o uso de
fontes favoraacuteveis ao tirano por Diodoro A strategia
autocraacutetica era um cargo extraordinaacuterio sendo o magistrado
eleito por tempo indeterminado e com objetivos de caraacuteter
urgente No caso em questatildeo a querela entre democratas e
oligarcas deveria ser mais uma vez solucionada mas com o
strategos agrave frente da poliacutetica externa Tratava-se
portanto de ldquouma excelente oportunidade para o golpe de
Estadordquo recorda o historiador italiano Aleacutem disso
Agaacutetocles natildeo era exatamente o homem mais indicado para
coordenar um equiliacutebrio muacutetuo entre as facccedilotildees como a sua
imediata ascensatildeo ao poder absoluto precedida pelo
extermiacutenio dos seus adversaacuterios poliacuteticos foi capaz de
mostrar207 A nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles tenha ela acontecido
nos termos postos por Diodoro ou da forma direta presente
na inscriccedilatildeo sugere uma legalidade no processo o que
dificilmente ocorreu A eleiccedilatildeo era apenas uma ldquopseudo-
legalidade formalrdquo diz Meister208 uma vez que (1) os
adversaacuterios poliacuteticos oligarcas haviam sido assassinados ou
exilados (2) a assembleacuteia era composta basicamente por
entusiastas da nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles e (3) um grande nuacutemero
de soldados dava cobertura armada para o golpe Parece
205 Diod 195 Eacute possiacutevel que Diodoro tenha usado neste caso uma
fonte favoraacutevel a Agaacutetocles de modo a alterar as caracteriacutesticas das
primeiras magistraturas que ele assumiu em Siracusa 206 Marmor Parium (FGrH 239F12) ldquoE naquele mesmo ano os siracusanos
escolheram Agaacutetocles como bdquostrategos autocrator‟ das defesas
siciliotasrdquo Meister CAH 7 p 389 Zambon op cit p 78 Marmor
Parium eacute uma famosa inscriccedilatildeo encontrada em Paros datada de 2643
aC e preservada em duas partes podendo ser consultadas
gratuitamente no website do Ashmoelan Museum
(httpwwwashmoleanorg) 207 Meister CAH 7 p 388
208 Meister CAH 7 p 389
97
incorreto portanto falar de uma eleiccedilatildeo livre e legal do
mesmo modo que pressupor uma participaccedilatildeo efetiva da
assembleacuteia nas decisotildees tomadas por Agaacutetocles o que
inviabiliza inclusive a sua interpretaccedilatildeo como ldquotirano
popularrdquo A sua abordagem demagoacutegica posta muitas vezes
numa entonaccedilatildeo positiva por Diodoro funcionava apenas como
princiacutepio ideoloacutegico para a manutenccedilatildeo de um poder
autocraacutetico e opressor em relaccedilatildeo ao funcionamento da
assembleacuteia o qual foi associado como recurso estrateacutegico
de compensaccedilatildeo ao cancelamento de diacutevidas redistribuiccedilatildeo
de terras construccedilatildeo de diversos preacutedios puacuteblicos e
expansatildeo da frota siracusana
De acordo com Zambon209 o primeiro indiacutecio da adoccedilatildeo da
basileia heleniacutestica por Agaacutetocles encontra-se numa accedilatildeo
especiacutefica durante a campanha africana (310-307 aC)
Nesta ocasiatildeo em 309 aC o tirano teria dado indiacutecios de
que pretendia mesmo adotar um novo tipo de realeza em
sintonia com a emergente ideologia advinda do mundo
heleniacutestico Zambon remonta o significante episoacutedio do
motim em Tuacutenis210 quando Agaacutetocles decidiu enfrentar o
problema pessoalmente diante dos soldados Apoacutes vestir uma
toga puacuterpura (τὴν πορφύραν)211 siacutembolo da realeza naquele
tempo Agaacutetocles foi ter com suas tropas rebeldes que
reconheceram seus trajes como roupas reais (τὴν βασιλικὴν
ἐσθτα) adequadas ou pertencentes ao seu comando (τὸν
προσήκοντα κόσμον) Embora seja improvaacutevel que Agaacutetocles
tivesse pensado em se autoproclamar basileu antes mesmo dos
209 Zambon op cit p 80
210 Diod 2034
211 Esta foi a primeira vez em que Agaacutetocles apareceu diante de suas
tropas trajando a toga puacuterpura A toga alaranjada no estilo tarentino
(κροκωτὸν ἐνδὺς) no entanto havia jaacute sido empregada por Agaacutetocles de acordo com informaccedilatildeo registrada em Polieno 53 Na ocasiatildeo Agaacutetocles
convidou quase 500 pessoas (hostis agrave sua autoridade em Siracusa) para
um banquete e momentos apoacutes ter cantado danccedilado e tocado harpa
vestido com sua toga alaranjada no estilo tarentino mandou executar
todos os convidados
98
Diaacutedocos o ponto aqui eacute que Agaacutetocles certamente modificou
a concepccedilatildeo de seu proacuteprio poder durante a campanha
africana e que estava inclinado a atingir uma nova escala
de influecircncia poliacutetica entre seus homens A vitoacuteria sobre
Ophellas vale lembrar um dos antigos Companheiros de
Alexandre certamente influenciou a referida postura
durante a expediccedilatildeo africana
Suporte para a orientaccedilatildeo heleniacutestica de Agaacutetocles pode
ser encontrado tambeacutem numa evidecircncia arqueoloacutegica que tem
se mostrado tatildeo decisiva quanto polecircmica um estater de
ouro de Agaacutetocles com apenas 3 exemplares conhecidos
(fig1)212 A moeda possui no anverso uma cabeccedila com um
escalpo de elefante e o chifre de Amon e no reverso a
imagem de uma Atena ldquomarchanterdquo equipada com elmo escudo
e lanccedila sendo precedida por uma coruja aos seus peacutes ave
frequumlentemente ligada agrave divindade e com a inscriccedilatildeo
AGATHOKLEOS (ldquode Agaacutetoclesrdquo) agraves suas costas Como nos
lembra Stewart o estater de ouro tem sido vinculado agrave
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles desde o seacutecXIX aleacutem de
parecer inquestionaacutevel que se trata de uma imitaccedilatildeo dos
tetradracmas de Ptolomeu especificamente aqueles dos anos
3143 aC (fig2)213 A primeira questatildeo analiacutetica pode ser
sugerida a partir da figura presente no anverso Noutras
palavras de quem seria a cabeccedila representada no estater
Claramente a Atena representada no reverso refere-se a uma
vitoacuteria militar (Athena Nikeacute) e deve tratar do iniacutecio da
expediccedilatildeo africana214 desdobrando-se portanto em algumas
212 Haacute outras evidecircncias para o impacto da expediccedilatildeo asiaacutetica de
Alexandre no mundo mediterracircnico ocidental tais como um vaso
apuliano cujo tema central eacute a batalha de Isso e um retrato no
templo de Melkart em Caacutedis Sobre a repercussatildeo que a anaacutebasis de
Alexandre teve no mundo ocidental antigo consultar Andrew Stewart
Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic Politics Berkeley
and Los Angeles University of California Press 1993 pp 150-157
263-289 213 Stewart op cit p 266
214 Uma vez que a expediccedilatildeo terminou em fracasso a cunhagem natildeo pode
ter se dado apoacutes 307 aC Aleacutem disso haacute que se considerar uma
99
interpretaccedilotildees possiacuteveis para a cabeccedila em questatildeo trata-
se dizem alguns da personificaccedilatildeo da Aacutefrica Liacutebia ou
Siciacutelia215 ao passo que outros sustentam uma identificaccedilatildeo
com Alexandre ou com o proacuteprio Agaacutetocles216 A mim parece
evidente que se trata de Agaacutetocles representado como
Alexandre pelos seguintes motivos 1) como notaram alguns
estudiosos a personificaccedilatildeo da Aacutefrica da Liacutebia ou mesmo
da Siciacutelia natildeo eacute seguramente documentada ateacute o periacuteodo
romano devendo ainda ser considerado o chifre de Amon e a
fronte masculina como evidecircncias da impossibilidade de uma
representaccedilatildeo feminina217 2) embora natildeo existissem
elefantes no exeacutercito de Agaacutetocles a sua ausecircncia mesmo
entre os cartagineses do periacuteodo de cunhagem do estater
indica que se tratava de algo puramente simboacutelico sem
referecircncia imediata ao exeacutercito do comandante siracusano
mostrando-se portanto como imitaccedilatildeo dos tetradracmas de
Ptolomeu (314-3 aC) como previamente sugerido e
visando em uacuteltima instacircncia o viacutenculo com o impeacuterio de
Alexandre o Grande (filho de Amon) a partir de um dos
siacutembolos poliacutetico-militares mais poderosos dos Diaacutedocos (o
referecircncia em Diod 2011 sobre a primeira vitoacuteria de Agaacutetocles na
Aacutefrica quando os soldados apoiados por corujas (animal ligado agrave
deusa Atena como dito acima) conseguiram derrotar os cartagineses
ldquoao perceber que os seus soldados estavam aterrorizados com o grande
nuacutemero da cavalaria e da infantaria baacuterbaras [Agaacutetocles] soltou
corujas entre o seu exeacutercito as quais ele tinha preparado como meio
de retirar o medo dos soldados comuns as corujas voando atraveacutes da
falange e pousando nos escudos e elmos encorajaram os soldados e
cada homem entendeu o ocorrido como um pressaacutegio uma vez que o
paacutessaro eacute consagrado a Atenardquo A referecircncia soa absurda do ponto de
vista taacutetico mas deve ter sido inspirada por algum evento relacionado
agraves corujas a julgar pelos dados cruzados tanto no estater quanto no
relato do historiador siciliano 215 Kuschel 1961 15 e Goukowsky 1978 207 sugeriram Aacutefrica e Liacutebia
sendo a Siciacutelia tambeacutem sugerida por Goukowsky 1978 356 216 Alexandre parece o mais provaacutevel para os estudiosos como encontrado
em Walther Giesecke (Sicilia numismaacutetica Leipzig K W Hiersemann
1923 P 91) e Ernest Babelon (ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1
95-107 1924 P 102) enquanto Agaacutetocles tem sido sugerido por
exemplo por Erick Sjoumlqvist (ldquoA portrait Head from Morgantina AJA 66
319-322 1962 P 320rdquo) Para um balanccedilo geral das diversas
interpretaccedilotildees cf Stewart op cit pp 266-268 217 Cf Stewart op cit p 268
100
elefante de combate) Pode-se dizer que a imagem faz
referecircncia estrita a Alexandre devido ao chifre de Amon
mas considerando-se cuidadosamente a inscriccedilatildeo no reverso e
o contexto de cunhagem chega-se agrave conclusatildeo de que a
cabeccedila sugere Agaacutetocles representado como Alexandre (o que
anularia inclusive a criacutetica feita por alguns estudiosos
de que a cabeccedila de Agaacutetocles havia sido representada
diferentemente noutras moedas)
101
2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo
poliacutetica da morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro
Entre 310 aC e 290 aC os tradicionais problemas
siciliotas haviam sido parcialmente controlados por meio da
centralizaccedilatildeo liderada por Agaacutetocles Submetidas ao
controle de Siracusa as poacuteleis da Siciacutelia experimentaram
uma reduccedilatildeo dos conflitos internos que quase sempre
resultavam em stasis (uma vez que natildeo possuiacuteam autonomia
para tanto) e o domiacutenio cartaginecircs manteve-se em boa parte
do tempo restrito agrave porccedilatildeo oeste da ilha (dado o caraacuteter
militarmente ofensivo da poliacutetica externa siracusana) Apoacutes
a morte de Agaacutetocles no entanto com a reconquista da
autonomia das cidades vieram todos os tradicionais
problemas siciliotas somando-se ao novo distuacuterbio
migratoacuterio que os gregos da Siciacutelia tiveram que enfrentar
os mercenaacuterios do exeacutercito do monarca218
De modo similar ao que ocorreu com os macedocircnios a
questatildeo mais delicada na Siciacutelia grega teve relaccedilatildeo com a
sucessatildeo do rei (heleniacutestico) Uma diferenccedila todavia deve
ser notada no caso siciliota os paracircmetros sucessoacuterios
nunca foram muito claros ou mesmo respeitados ainda que a
tendecircncia natural fosse a delegaccedilatildeo do poder real aos
filhos do monarca em exerciacutecio Nos uacuteltimos anos de sua
vida Agaacutetocles havia confiado o controle dos exeacutercitos a
Archagathus neto do rei e filho do tambeacutem nomeado
Archagathus ex-combatente morto na Liacutebia219 De acordo com
218 Para os problemas gerados pelos mercenaacuterios de Agaacutetocles apoacutes a sua
morte consultar Gianluca Tagliamonte ldquoRapporti tra societagrave di
immigrazione e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo
aCrdquo In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti Del
XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna Grecia Taranto
1999 PP 547-572 219 Diod 2116 Justino 232 Para uma distinccedilatildeo entre ambos ver
Niese ldquoArchagatusrdquo in RE 21 432-433 1895
102
Diodoro220 o plano de Agaacutetocles era que seu filho
Agaacutetocles juacutenior se tornasse o sucessor legiacutetimo tendo
com esse propoacutesito apresentado o jovem em Siracusa e o
enviado a Etna com uma carta de autorizaccedilatildeo para o comando
supremo das tropas Ao saber da deliberaccedilatildeo do rei
Archagathus teria decidido levar adiante um plano de
usurpaccedilatildeo Como primeira medida instigaria Menon um dos
amigos (philoi) de Agaacutetocles a envenenar o rei enquanto o
proacuteprio strategos levaria a cabo o assassinato do priacutencipe
apoacutes embebedaacute-lo durante uma festa organizada com esse
objetivo
Se aceitarmos o relato diodoreano a conclusatildeo imediata
eacute que Agaacutetocles desejava manter unidas strategia e
basileia no intuito de assegurar hereditariamente a
concentraccedilatildeo dos poderes poliacutetico e militar nas matildeos de um
soacute homem221 Ao seguir o formato monaacuterquico heleniacutestico
Agaacutetocles teria concedido plenos poderes poliacuteticos ao
general e ao mesmo tempo autoridade sobre os exeacutercitos ao
rei
Haacute contudo uma explicaccedilatildeo alternativa para a sucessatildeo
em Justino a qual natildeo pode ser negligenciada pelos
historiadores ldquoconforme a sua vida esvaiacutea uma guerra
nasceu entre seu filho e seu neto pelo direito agrave sucessatildeo
do reino como se ele jaacute estivesse morto apoacutes eliminar o
filho o neto tomou posse do poder reacutegiordquo222 De acordo com
Justino tanto Agaacutetocles juacutenior quanto Archagathus ao que
parece ainda no comando de consideraacutevel parte do exeacutercito
natildeo teriam sido escolhidos para suceder o rei Ao narrar
que Agaacutetocles teria enviado sua esposa ao Egito os dois
filhos que tivera com ela juntamente com seu tesouro
220 Diod 2116
221 Zambon Hellenistic Sicily pp19-20
222 Justino 232 Ex qua desperatione bellum inter filium nepotemque
eius regnum iam quasi mortui vindicantibus oritur occiso filio regnum
nepos occupavit
103
servos e mobiacutelia real Justino torna claro que o rei natildeo
havia pensado em nenhum dos rebeldes (filho e neto) como
seu sucessor legiacutetimo e que o conflito ter-se-ia iniciado
devido ao seu estado fraacutegil de sauacutede causado por uma
repentina e fatal doenccedila
Por uacuteltimo somente Diodoro menciona que Agaacutetocles
apoacutes ter sido envenenado por Menon a mando de Archagathus
ldquoconvocou a populaccedilatildeo denunciou Archagathus por sua
impiedade instigou a multidatildeo a se vingar e declarou que
devolveu a democracia ao corpo de cidadatildeosrdquo223 Certamente
o que verificamos logo apoacutes a morte de Agaacutetocles eacute a
retomada do governo proacuteprio de Siracusa que muito em breve
entraria em colapso para dar lugar a mais uma guerra civil
Diodoro224 menciona um evento importante sobre os soldados
pagos de Agaacutetocles chamados mamertinos225 os quais foram
obrigados apoacutes longa negociaccedilatildeo mediada pelos anciatildeos (οἱ
πρεσβῦται) a vender as suas propriedades e deixar a Siciacutelia
(τὰς ἑαυτν κτήσεις ἀποδομένους ἀπελθεῖν ἐκ Σικελίας)
Se aceitarmos o uacutenico fato em comum nos dois relatos
preservados sobre a sucessatildeo de Agaacutetocles isto eacute a luta
entre filho e neto pelo poder reacutegio haacute talvez uma forma de
unificar as divergecircncias nos testemunhos de Diodoro e
Justino Mesmo que Agaacutetocles natildeo tivesse escolhido seu
filho como sucessor podemos supor que o mesmo possuiacutea
direito ao trono uma vez que Archagathus o combateu com o
intuito de eliminaacute-lo da contenda sucessoacuteria226
Archagathus por outro lado possuiacutea o controle de boa
223 Diod 2116 [] ἐκκλησιάσας τὸν λαὸν κατηγόρησε τς ἀσεβείας Ἀρχαγάθου καὶ τὰ
μὲν πλήθη παρώξυνε πρὸς τὴν ατοῦ τιμωρίαν τῶ δὲ δήμῳ τὴν δημοκρατίαν ἔφησεν ἀποδιδόναι 224 Diod 2118
225 Diodoro 2118 nos informa que a cidade chamava-se Mamertina apoacutes
Ares que era conhecido ali pelo nome de Mamertos 226 Consolo Langher pp 320-321 tenta unificar as divergecircncias nos dois
relatos de modo muito similar exceto pelo fato de que toma como
incontestaacutevel a indicaccedilatildeo diodoreana com relaccedilatildeo agrave escolha do sucessor
e posterior revolta paterna diante da morte de seu primogecircnito O
problema aqui eacute a exclusatildeo intencional do que nos informa Justino que
natildeo faz qualquer menccedilatildeo agrave escolha de um sucessor por Agaacutetocles
104
parte dos exeacutercitos como atestado em ambas as fontes o
que lhe dava condiccedilotildees de reclamar o trono Se por um
lado Agaacutetocles natildeo escolheu seu filho como sucessor como
nos faz crer Justino por outro o rei natildeo desejava deixar
a heranccedila ao seu neto como nos indica tanto o despacho dos
seus tesouros ao Egito apoacutes a morte de Agaacutetocles juacutenior em
Justino227 como a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos
siracusanos instantes antes de sua morte em Diodoro228
Apesar da divergecircncia quanto agrave escolha sucessoacuteria para
a qual proponho a soluccedilatildeo apresentada229 os testemunhos de
Diodoro e Justino preservam algo muito interessante tendo
Agaacutetocles escolhido seu filho como herdeiro o que teria
provocado os planos de usurpaccedilatildeo do neto e a consequumlente
luta pelo trono ou tendo filho e neto lutado pela sucessatildeo
sem o consentimento do rei do que resultou a morte do
filho e a hostilidade de Agaacutetocles para com Archagathus
parece incontornaacutevel o fato de que a manutenccedilatildeo da uniatildeo
entre strategia e basileia tenha sido um dos motores do
conflito As monarquias sicilianas posteriores do mesmo
modo tenderatildeo a manter o formato inaugurado por Agaacutetocles
ora baseando-se no esquema de incorporaccedilatildeo definitiva da
strategia compulsoacuteria agrave esfera do poder monaacuterquico ora
desdobrando a monarquia de tipo heleniacutestico da strategia
autocraacutetica
227 Justino 232
228 Diod 2116
229 Consolo Langher p 321 e Zambon Hellenistic Sicily p 25
propuseram algo no mesmo sentido particularmente quanto agraves
providecircncias do rei para evitar que seu neto tomasse o poder Tal
interpretaccedilatildeo contraria abertamente a proposta de Helmut Berve op
cit que via a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos siracusanos por
Agaacutetocles como reconhecimento do fracasso institucional da basileia na
Siciacutelia
105
3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica230
Semelhante a Alexandre ldquoem aparecircncia velocidade e
movimentordquo231 Pirro tomou um caminho diferente daquele
assumido por Agaacutetocles Como o rei do Epiro clamava ser
descendente de Aquiles optou por se apresentar como a
proacutepria reencarnaccedilatildeo de Alexandre ao inveacutes de explorar a
memoacuteria do rei por exemplo por meio de cunhagem poacutestuma
(o que havia sido feito por Agaacuteocles)232 Diferentemente dos
planos de unificaccedilatildeo poliacutetica e cultural concebidos por
Alexandre a atuaccedilatildeo de Pirro findou por ser a de lideranccedila
em questotildees essencialmente praacuteticas na vida dos italiotas e
siciliotas Inicialmente apoacutes fracassar nos embates contra
Lisiacutemaco que havia subornado os macedocircnios de seu exeacutercito
ao questionar a quem deveriam ser leais se aos amigos e
companheiros de Alexandre ou ao estrangeiro que acolheram
como rei233 Pirro tomou o pedido de auxiacutelio dos tarentinos
em 281 aC (passados os quatro anos que Leacutevecircque Pirro
entende terem sido um ldquoperiacuteodo de reflexatildeordquo234) como a sua
melhor chance de realizar a conquista do ocidente com a
qual Alexandre havia provavelmente sonhado algumas deacutecadas
antes e concretizar uma monarquia de tipo heleniacutestico
O diaacutelogo entre Pirro e Cineas diplomata de origem
tessaacutelia a serviccedilo do rei ilustra claramente as intenccedilotildees
do epirota em se tornar um monarca de tipo heleniacutestico
(considerando como veremos a seguir que a monarquia
epirota era de um tipo peculiar permanecendo o rei
submetido agrave fiscalizaccedilatildeo constante dos molossianos) a
230 Leacutevecircque Pirro Zambon Hellenistic Sicily pp 97-175
231 Plut Pirro 81
232 Stewart (op cit p284) lembra que as suas moedas traziam imagens
de Aquiles Teacutetis Dione e Zeus 233 Plut Pirro 126 Leacutevecircque Pirro p 166 Leacutevecircque Pirro calcula
somente 3 anos para o governo da Macedocircnia e 2 anos para o governo da
Tessaacutelia antes de o epirota sofrer a derrota para Lisiacutemaco 234 Leacutevecircque Pirro p 168
106
reencarnaccedilatildeo de Alexandre em proporccedilotildees similares de
conquista
bdquoOs romanos oacute Pirro satildeo conhecidos como bons
combatentes e como governantes de muitos povos
belicosos se entatildeo a divindade nos permitir
prevalecer sobre esses homens como deveriacuteamos usar a
nossa vitoacuteria‟ E Pirro disse bdquoa questatildeo oacute Cineas
realmente natildeo necessita de resposta uma vez
conquistados os romanos natildeo haacute nem baacuterbaros nem gregos
que sejam paacutereo para noacutes mas noacutes devemos dominar de
uma vez toda a Itaacutelia cuja grandeza (μέγεθος) excelecircncia (ἀρετὴν) e forccedila (δύναμιν) nenhum homem conhece melhor que vocecirc‟ Apoacutes uma pequena pausa entatildeo Cineas
disse bdquoapoacutes tomar a Itaacutelia oacute Rei o que noacutes iremos
fazer‟ E Pirro sem perceber ainda a sua intenccedilatildeo
respondeu bdquoa Siciacutelia estaacute ao nosso alcance e estende-
nos as matildeos sendo uma ilha rica e populosa bem como
faacutecil de capturar pois tudo laacute oacute Cineas se resume a
stasis (στάσις γὰρ ὦ Κινέα πάντα νῦν ἐκεῖ[να]) suas cidades estatildeo anaacuterquicas (ἀναρχία πόλεων) e os demagogos agitados com Agaacutetocles morto (καὶ δημαγωγν ὀξύτης Ἀγαθοκλέους ἐκλελοιπότος)‟ bdquoO que vocecirc fala‟ respondeu Cineas bdquoparece oportuno
mas a nossa expediccedilatildeo iraacute se encerrar com a tomada da
Siciacutelia‟ bdquoA divindade‟ disse Pirro bdquonos concederaacute a
vitoacuteria e o sucesso da empreitada essas disputas seratildeo
usadas como preliminares de feitos grandiosos
(πραγμάτων μεγάλων) Ora quem se absteria da Liacutebia ou de Cartago tendo a cidade se tornado acessiacutevel uma
cidade que Agaacutetocles ao fugir de Siracusa secretamente
e cruzar o mar com poucas embarcaccedilotildees por pouco natildeo
conquistou E quando noacutes tivermos ali nos tornado
senhores nenhum dos inimigos que agora nos insultam
ofereceraacute resistecircncia eacute desnecessaacuterio dizer isso‟ 235
O rei do Epiro foi capaz de vencer duas batalhas (as
famosas ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo) que analisarei em maiores
detalhes mais agrave frente neste capiacutetulo e entatildeo partiu para
a Siciacutelia como o homem capaz de substituir Agaacutetocles na
luta contra os cartagineses No momento da travessia de
Pirro para a Siciacutelia a porccedilatildeo nordeste da ilha encontrava-
se sob lideranccedila dos mamertinos que apoacutes terem eliminado
os cidadatildeos de Messina assumiram o controle da cidade Com
235 Plut Pirro 142-5 Cf Chaniotis WHW p 57
107
a morte de Agaacutetocles e a ausecircncia de um sucessor imediato
que pudesse manter-se no poder de forma legiacutetima ou mesmo
suprimir os violentos embates civis de Siracusa (Hicetas
foi capaz de derrotar Menon e Phintias de Acragas mas natildeo
de sobreviver aos conflitos internos apoacutes nove anos de
tirania)236 o avanccedilo cartaginecircs tornou-se inevitaacutevel
somando-se ao fato de que as cidades gregas independentes
(tais como Tauromenium e Acragas) mostraram-se mais
preocupadas com a tributaccedilatildeo imposta pelos mamertinos do
que propriamente com a investida comandada por Cartago Tal
preocupaccedilatildeo natildeo era descabida A sua independecircncia estava
novamente ameaccedilada agora por soldados do antigo monarca
os quais haviam estabelecido uma alianccedila com os
cartagineses no intuito de barrar a travessia de Pirro
como nos informa Diodoro
Os mamertinos que massacraram os habitantes de
Messina estabeleceram uma alianccedila com os cartagineses
e decidiram juntos impedir a travessia de Pirro para a
Siciacutelia237
Pirro desfrutava de excelente reputaccedilatildeo entre os
siciliotas particularmente com os siracusanos (a esta
altura sitiados pelos cartagineses) devido agrave sua
experiecircncia militar na Peniacutensula ao longo de mais de dois
anos e havia decidido partir para a Siciacutelia como
libertador dos gregos O fracasso nas negociaccedilotildees de paz
com os romanos e os constantes apelos de Siracusa eram
elementos que precisavam ser ajustados quisesse o rei
partir para a Siciacutelia sem expor a sua retaguarda ao
provaacutevel avanccedilo das legiotildees na Magna Greacutecia e ainda contar
com o apoio logiacutestico das cidades siciliotas
236 Hicetas foi substituiacutedo por Thoenon (Ortiacutegia) e Sosiacutestrato
(Siracusa) ambos entusiastas da vinda de Pirro para a Siciacutelia
segundo Diod 227 237 Diod 227 Ὅτι Μαμερτῖνοι οἱ Μεσσηνίους δολοφονήσαντες συμμαχίαν μετὰ
Καρχηδονίων ποιήσαντες ἔκριναν κοινῆ διακωλύειν Πύρρον τὴν εἰς Σικελίαν διάβασιν
108
Este uacuteltimo cuidado o uacutenico que pocircde ser devidamente
acertado por Pirro dizia respeito agrave certeza do suporte
dado pelas cidades siciliotas e devia-se ao fato de Pirro
contar com exeacutercito reduzido no momento da travessia
Apiano relata que ldquoapoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia
com seus elefantes e oito mil cavaleirosrdquo (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ
τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων καὶ ὀκτακισχιλίων ἱππέων)238 O
fato de o texto natildeo mencionar tropas de infantaria seria
algo desconcertante natildeo fosse a natureza fragmentada da
obra de Apiano Como nos lembra Leacutevecircque nos dias de hoje
costuma-se aceitar o que foi proposto em 1853 por
Niebuhr239 isto eacute que o fragmento natildeo conservou nem a
referecircncia aos pezoi apoacutes a contagem dos oito mil nem a
numeraccedilatildeo dos cavaleiros antes de ἱππέων240 Assim o trecho
original seria apoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia com
seus elefantes oito mil soldados de infantaria e [vacat]
cavaleiros (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων
καὶ ὀκτακισχιλίων πεζν καὶ [vacat] ἱππέων) Exeacutercito reduzido como
se vecirc e que necessitava dos contingentes siciliotas para a
expediccedilatildeo contra os cartagineses
Na Siciacutelia o trabalho diplomaacutetico de Cineas mostrou-se
decisivo Plutarco nos informa que Pirro o enviou de
imediato para tratar preliminarmente como de costume com
as poacuteleis (μὲν εθὺς ἐξέπεμψε προδιαλεξόμενον ὥσπερ εἰώθει ταῖς πόλεσιν)
enquanto o rei movia-se com seu exeacutercito para Tarentum
cujos habitantes apesar da insatisfaccedilatildeo com a guarniccedilatildeo de
Pirro nada puderam fazer a respeito241 O fato de Tyndarium
de Tauromenium por exemplo ter assegurado a travessia e
feito os preparativos para receber as tropas de Pirro na
cidade eacute emblemaacutetico
238 Apiano Samn 116 Cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di Pirro in
Siciliardquo Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980 239 Barthold G Niebuhr Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer 1853
240 Leacutevecircque Pirro pp 455-456 Zambon Hellenistic Sicily p101
241 Plut Pirro 224
109
Levando-se em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees para a
expediccedilatildeo siciliana podemos jaacute nos perguntar qual era a
natureza de sua monarquia e do tiacutetulo que lhe foi conferido
na Siciacutelia Tratava-se uma monarquia de tipo heleniacutestico
estendida ao territoacuterio siciliota
Haacute duas passagens nas fontes sobre a natureza da
relaccedilatildeo estabelecida entre Pirro e os gregos da Siciacutelia
uma em Poliacutebio e outra em Justino A primeira delas diz
respeito agrave tentativa de assegurar a legitimidade do governo
de Hierocircnimo em 213 aC por ser o tirano neto do rei
Pirro ldquoo uacutenico que todos os siciliotas aceitaram por
preferecircncia e com benevolecircncia como hegemon e reirdquo242 A
segunda delas faz menccedilatildeo a dois tiacutetulos reacutegios Pirro
ldquoapoacutes sua chegada em Siracusa foi designado rei da Siciacutelia
e rei do Epirordquo243 Como trataacute-las de forma plausiacutevel
Alguns historiadores sugeriram que o tiacutetulo de hegemon
na Siciacutelia era equivalente ao de Filipe II especialmente
no que se refere ao tratamento dado agraves poacuteleis Portanto a
alianccedila dos gregos da Siciacutelia com Pirro teria a mesma
natureza da Liga de Corinto isto eacute ambas teriam surgido
de uma pressatildeo poliacutetica externa capaz de subjugar as
cidades e de fazecirc-las integrar forccedilosamente um acordo com o
monarca estrangeiro244 Haacute somente um problema com esta
interpretaccedilatildeo que a compromete seriamente os siciliotas
natildeo haviam sido subjugados por Pirro quando prepararam a
sua recepccedilatildeo na porccedilatildeo leste da Siciacutelia da mesma forma que
natildeo sofreram qualquer pressatildeo poliacutetica preacutevia como nos
indicam as fontes previamente analisadas Tratava-se de um
projeto poliacutetico livremente aceito pelos gregos
242 Polib 74 μόνον κατὰ προαίρεσιν καὶ κατ εὔνοιαν Σικελιται πάντες εδόκησαν σφν
ατν ἡγεμόν εἶναι καὶ βασιλέα 243 Justino 233 cum Syracusas venisset rex Siciliae sicut Epiri
appellatur 244 Ioannes Vartsos ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in Siciliardquo
Kokalos 16 89-97 1970
110
De acordo com Leacutevecircque Pirro era em primeiro lugar
hegemon de um koinon que se formou contra o inimigo
cartaginecircs assim como basileu ao estilo ldquohelecircnicordquo
tiacutetulos jaacute haacute muito tradicionais no mundo grego mas desta
vez ao contraacuterio do que aconteceu com Dioniacutesio e
Agaacutetocles os tiacutetulos foram concedidos ldquopela vontade
unacircnime de seus novos suacuteditosrdquo245
Leacutevecircque e Zambon recordam com razatildeo que os siciliotas
formaram sob o comando do rei do Epiro um reino da
Siciacutelia uma unidade poliacutetica criada para combater a ameaccedila
cartaginesa com a morte de Agaacutetocles Leacutevecircque eacute ainda
bastante otimista quanto agraves novas possibilidades
documentais que confirmariam algo nesse sentido apostando
numa possiacutevel descoberta de evidecircncias epigraacuteficas
reveladoras a esse respeito
O problema emerge quando Pirro que pode ser
considerado tanto rei do Epiro quanto rei da Siciacutelia
separadamente planejou unificar ambos os reinos e trataacute-
los ao modo heleniacutestico o que natildeo seria admitido nem entre
os molossianos que mantinham certo controle sobre a figura
do rei (a exemplo da cunhagem das moedas que foi aos
poucos sendo conquistada por Pirro) nem entre os
siciliotas (que no final da expediccedilatildeo enxergaram em seu
liacuteder um tirano) para quem Pirro era basileu com funccedilotildees
restritas de hegemon Pode-se dizer que os siciliotas
concederam a Pirro o poder de um monarca ldquohelecircnicordquo ao
passo que o epirota tentou se comportar como um monarca
ldquoheleniacutesticordquo postura que lhe rendeu da mesma forma que a
Agaacutetocles a classificaccedilatildeo negativa (tiacutepica do periacuteodo) de
ldquotiranordquo
245 Leacutevecircque Pirro p 462
111
4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em
campo de batalha
41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
Poliacutebio relata que Cipiatildeo o Africano responsaacutevel pela
reviravolta na Segunda Guerra Puacutenica ao inverter a
estrateacutegia de Aniacutebal Barca levando assim a guerra da
Itaacutelia para a Aacutefrica julgando que as cidades africanas natildeo
teriam condiccedilotildees logiacutesticas para suportar a investida
respondeu quando lhe perguntaram quais eram os maiores
estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e
Dioniacutesiordquo246 Essa resposta se veriacutedica jaacute bastaria para
argumentar que Agaacutetocles embora natildeo tenha sido bem-
sucedido em sua expediccedilatildeo africana era de fato um grande
estadista simplesmente por ter ascendido ao poder em
Siracusa amparado por sua riqueza (que lhe permitiu
recrutar mercenaacuterios) e eloquumlecircncia bem como adotado uma
estrateacutegia ofensiva contra os cartagineses a qual marcaraacute
profundamente a histoacuteria militar do mundo antigo
particularmente a decisatildeo de Cipiatildeo o Africano Embora
fracassada a uacutenica expediccedilatildeo grega em territoacuterio africano
serviu igualmente para ilustrar que Agaacutetocles mesmo antes
de se proclamar basileu havia possivelmente conduzido uma
imitatio Alexandri em campo de batalha Como argumentarei
em seguida ao retomar uma pista lanccedilada por Griffith em
1935 e que parece ter sido deixada de lado pela
historiografia talvez por seu otimismo excessivo poderei
argumentar a favor do uso de grupamentos taacuteticos em moldes
heleniacutesticos durante a expediccedilatildeo africana momentos antes
da autoproclamaccedilatildeo monaacuterquica do comandante siracusano
Antes disto contudo torna-se necessaacuterio precisar o
contexto de tal expediccedilatildeo
246 Polib 1535
112
Agaacutetocles estava provavelmente sem esperanccedilas de
receber auxiacutelio diante da ofensiva cartaginesa na ilha uma
vez que os poderes orientais natildeo haviam manifestado
interesse imediato nas questotildees do ocidente heleniacutestico
Diante disso bem como da presenccedila do inimigo Agaacutetocles
decidiu inverter a estrateacutegia e assolar o territoacuterio
africano numa estrateacutegia de ousadia sem precedentes para
os siciliotas apostando no apoio que poderia obter dos
liacutebios e no ldquoesfriamentordquo do espiacuterito combativo dos
cartagineses que ao depositarem a responsabilidade da
defesa de sua cidade nas matildeos de mercenaacuterios (estando os
mesmos ocupados em Siracusa) teriam perdido qualquer
possibilidade de aquisiccedilatildeo de experiecircncia militar e ldquoardor
combativordquo Os soldados cartagineses que viviam
luxuosamente numa paz prolongada (τετρυφηκότας ἐν εἰρήνῃ
πολυχρονίῳ) portanto sem qualquer experiecircncia nos perigos
da batalha seriam facilmente derrotados como nos lembra
Diodoro ldquopor aqueles que haviam sido treinados na escola
do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς δεινοῖς)247 Agaacutetocles entatildeo
reuniu cerca de 13500 mercenaacuterios preparou 60 embarcaccedilotildees
e aguardou um momento de distraccedilatildeo dos cartagineses para
navegar rumo ao norte da Aacutefrica provavelmente sem informar
os seus homens de seu plano Apoacutes uma semana de viagem o
siracusano desembarcou com as tropas num lugar a 110 km de
Cartago e decidiu atear fogo agraves embarcaccedilotildees por que natildeo
queria dividir as suas forccedilas (deixando um destacamento
para vigiar a frota estacionada) ou talvez como reforccedilo
psicoloacutegico para o objetivo final da empreitada deixar a
regiatildeo com os cartagineses subjugados tendo para isso o
apoio das divindades (Demeacuteter e Kore as divindades
patronas da Siciacutelia a quem Agaacutetocles havia oferecido o
ldquosacrifiacutecio dos naviosrdquo) Durante a sua marcha para
Cartago o exeacutercito deparou-se com regiotildees bastante
247 Diod 203 Meister CAH 7 p 394
113
feacuterteis tendo tomado por assalto as cidades de Megaloacutepolis
e Tuacutenis Em seguida os mercenaacuterios montaram acampamento
proacuteximo a Cartago onde aguardaram o embate decisivo com o
exeacutercito cartaginecircs na ocasiatildeo formado por seus proacuteprios
cidadatildeos
Apavorados e sem experiecircncia os cartagineses sofreram
uma derrota terriacutevel como analisarei no proacuteximo item
dando liberdade para o saque de diversas cidades (a exemplo
de Neapolis) pelos mercenaacuterios e para o estabelecimento de
uma alianccedila com Elimas rei dos liacutebios Durante a investida
na costa leste da atual Tuniacutesia os cartagineses tentaram
um contra-ataque apostando no corte das linhas de
abastecimento de Neapolis e na reaproximaccedilatildeo com os liacutebios
o que para azar de Agaacutetocles desdobrou-se na traiccedilatildeo de
Elimas248 O siracusano no entanto apressou-se no retorno
a Tuacutenis e conseguiu lidar com a situaccedilatildeo de forma
satisfatoacuteria para o sucesso inicial da expediccedilatildeo Mais de
2000 cartagineses foram mortos e o traidor o rei Elimas
executado como exemplo Esta foi a primeira fase da
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles seguida por uma seacuterie de
eventos que colocaratildeo fim agraves esperanccedilas de submissatildeo do
norte da Aacutefrica pelos gregos
De modo geral considera-se o periacuteodo posterior a 309
aC como sendo o de fracasso progressivo da expediccedilatildeo
Agaacutetocles enfrentaraacute motins entre seus homens e resolvecirc-
los-aacute com eficiecircncia249 Em seguida apoacutes uma extensatildeo da
guerra mais ao interior e a incorporaccedilatildeo do exeacutercito de
Ophellas de Cirene250 o siracusano tomou a guerra entre
cartagineses e numiacutedios como momento favoraacutevel para a
intensificaccedilatildeo da ofensiva Mas ele natildeo foi capaz de manter
o seu exeacutercito unido durante o seu retorno forccedilado a
248 P Oxyrhynchus 2399 Meister CAH 7 p 396
249 Diod 2033-34
250 Episoacutedio analisado no iniacutecio deste capiacutetulo
114
Siciacutelia Com Agaacutetocles de volta a Siracusa Arcagathus
deixado no comando das tropas de seu pai fracassou diante
dos cartagineses e perdeu boa parte do exeacutercito de
Agaacutetocles tentando sem sucesso recobraacute-lo em Tuacutenis A
uacuteltima esperanccedila de Agaacutetocles era induzir os cartagineses a
uma batalha decisiva contra os homens que havia trazido da
Siciacutelia mas eles aprenderam a liccedilatildeo um pouco antes
Permaneceram em seus fortes aguardando que o exeacutercito
mercenaacuterio grego se desfizesse em discoacuterdia ou tentasse um
ataque desesperado Apoacutes uma batalha mal sucedida
Agaacutetocles se viu novamente obrigado a deixar os seus planos
na Aacutefrica mas desta vez sem alimentar quaisquer
expectativas de retorno Para selar a desgraccedila final ao
perceber que natildeo dispunha de embarcaccedilotildees suficientes para
todo o exeacutercito o comandante siracusano optou por deixar o
continente africano secretamente251
251 Meister CAH 7 p 400
115
411 O exeacutercito de Agaacutetocles
Em primeiro lugar uma diferenccedila baacutesica deve ser
esclarecida quanto ao uso dos mercenaacuterios por Siracusa e
pelos chamados ldquotiranos siciliotasrdquo Os uacuteltimos natildeo
poderiam eacute claro contar com o suporte de tropas ciacutevicas
(ao menos com a maioria delas) uma vez que seus propoacutesitos
eram quase sempre inconstitucionais252 Da mesma forma a
cidade siciliota natildeo poderia contar unicamente com
soldados-cidadatildeos por trecircs motivos (1) a guerra contra os
cartagineses natildeo ocorria em caraacuteter sazonal jaacute que os
cartagineses empregavam mercenaacuterios em larga escala na
Siciacutelia (2) quando a cidade reagia ao poder militar de um
tirano precisava fazecirc-lo numa loacutegica semelhante agrave
periodicidade do combate contra os cartagineses e (3) o
exeacutercito altamente flexiacutevel dos tiranos constituiacutea uma arma
muito superior aos exeacutercitos ciacutevicos mal treinados Temos
entatildeo um ponto comum entre a poacutelis e os tiranos isto eacute o
uso de mercenaacuterios em larga escala por ambos mas esta
identificaccedilatildeo no estatuto de parte dos soldados recrutados
natildeo leva ao recrutamento de tropas mercenaacuterias com funccedilotildees
taacuteticas idecircnticas De fato ao passo que os democratas
confiavam basicamente nos mercenaacuterios de procedecircncia grega
os tiranos mostravam-se verdadeiros entusiastas do
ldquomercenariato sem fronteiras eacutetnicasrdquo provavelmente por
conta do sentimento de hostilidade agrave cidadania253 O uso
constante de tais tropas combinado agrave lideranccedila de um
general experiente (o que Cartago natildeo foi capaz de
fornecer como veremos no proacuteximo capiacutetulo) resultou na
porccedilatildeo grega da Siciacutelia no desenvolvimento de uma tradiccedilatildeo
militar peculiar atualizada do ponto de vista taacutetico e
252 Vendo o roacutetulo da tirania no seacutecIII aC como pertencente aos
politicos que desdobraram seu poder de uma situaccedilatildeo inconstitucional
(strategia autocraacutetica compulsoacuteria na maior parte das vezes) 253 Argumento desenvolvido por Duncan Head Armies of the Macedonian
and Punic Wars organization tactics dress and weapons Sussex
Wargames Research Group Publication 1982 P10
116
favoraacutevel sob a autoridade de um poliacutetico em sintonia com
o mundo heleniacutestico agraves inovaccedilotildees de natureza
institucional
Em 310 aC Agaacutetocles contava com 13500 mercenaacuterios
para a sua expediccedilatildeo africana dos quais contamos 1000
hoplitas 3000 gregos (distintos dos primeiros por que natildeo
integravam a guarda pessoal do siracusano) 3500
siracusanos 2500 soldados de infantaria de origem incerta
(talvez aliados sicilianos natildeo-gregos) 3000 mercenaacuterios
samnitas etruscos e celtas 500 arqueiros e fundeiros254
A
ausecircncia das referecircncias agrave cavalaria provavelmente indica a
esperanccedila de Agaacutetocles em recrutar cavaleiros localmente
assim que chegasse ao norte da Aacutefrica Passados os dois
primeiros anos da expediccedilatildeo Agaacutetocles pocircde dobrar as suas
forccedilas tendo incorporado o exeacutercito de Ophellas Amparados
por essa informaccedilatildeo em Diodoro podemos seguramente dizer
que a forccedila militar de Agaacutetocles passou a contar tambeacutem com
10000 soldados de infantaria 600 cavaleiros 100 carros
de guerra e 300 homens para lutar ao lado de tais carros255
As funccedilotildees ou origens eacutetnicas dos homens de Ophellas satildeo
incertas mas Agaacutetocles natildeo deve ter sido capaz de mantecirc-
los sob seu comando a julgar pelos nuacutemeros que Diodoro nos
apresenta para o ano de 307 aC apoacutes o siracusano ter
recebido reforccedilos da Siciacutelia Entre os ldquosobreviventesrdquo
Agaacutetocles contava com somente 6000 gregos 6000 samnitas
etruscos e celtas e 1500 cavaleiros256 Por uacuteltimo ainda
que Agaacutetocles tenha adquirido reforccedilos liacutebios os mesmos
natildeo se mantiveram leais ao tirano transferindo-se no final
das contas para o domiacutenio cartaginecircs
254 Diod 2011 Obviamente Diodoro aqui confunde unidades eacutetnicas com
unidades taacuteticas Cf Griffith pp 198-202 255 Diod 2041 256 Diod 2064
117
412 Agaacutetocles general como Alexandre
Em 1935 Griffith havia jaacute se posicionado a favor de
uma imitatio Alexandri por Agaacutetocles em campo de batalha257
Para ele as taacuteticas e formaccedilotildees usadas pelo siracusano
eram ocasionalmente reminiscentes daquelas empregadas por
Alexandre Em primeiro lugar apesar de lamentar a ausecircncia
de um relato preciso das campanhas de Agaacutetocles Griffith
pontua a existecircncia ao menos na Aacutefrica de um ldquobatalhatildeo de
infantaria especialmente forterdquo em nuacutemero de 1000 o
qual de acordo com o historiador corresponderia grosso
modo aos hipaspistai de Alexandre Em segundo lugar as
taacuteticas adotadas por Agaacutetocles na mesma batalha contra os
carros de guerra cartagineses corresponderiam exatamente ao
que Alexandre havia feito em Gaugamela contra Dario A
interpretaccedilatildeo das manobras siracusanas como adaptaccedilatildeo das
taacuteticas macedocircnicas poderia ser combatida pela carecircncia de
evidecircncias mais concretas mas a sua coincidecircncia com o
emprego de uma guarda pessoal a qual estava provavelmente
baseada no sistema de funcionamento taacutetico dos hipaspistai
de Alexandre fortalece o argumento A chave para a segunda
parte encontra-se portanto na defesa dos 1000 homens que
compunham a τς θεραπείας258 como uma versatildeo siciliota (ao
menos na expediccedilatildeo africana) dos hipaspistai de Alexandre
Diodoro faz referecircncia agrave existecircncia de um exeacutercito
(aparentemente regular) em Siracusa o qual teria sido
entregue a Hicetas eleito o novo strategos pelos
siracusanos com os problemas sucessoacuterios advindos da morte
de Agaacutetocles259 Tal evidecircncia como recorda Zambon indica
que Agaacutetocles natildeo havia deixado o poder sem um exeacutercito que
lhe fosse fiel e que o mesmo fora usado por Hicetas contra
257 Griffith pp 200-201
258 Literalmente ldquoguarda pessoalrdquo de Agaacutetocles como aparece em Diod
2011 259 Diod 2118
118
Menon260 Mas que exeacutercito era esse Qual era a sua
composiccedilatildeo Infelizmente natildeo temos nenhuma informaccedilatildeo
extra sobre os soldados leais a Agaacutetocles (agrave exceccedilatildeo dos
mamertinos) mas a julgar pela organizaccedilatildeo de uma guarda
pessoal durante a expediccedilatildeo africana a qual certamente natildeo
era desfeita com facilidade261 podemos dizer que a mesma
possivelmente compunha o exeacutercito regular herdado por
Hicetas em Siracusa cerca de vinte anos depois262
De acordo com Diodoro os cartagineses natildeo puderam
aguardar os reforccedilos vindos das regiotildees aliadas devido agrave
situaccedilatildeo alarmante provocada pela ofensiva grega e
decidiram dispor os seus soldados-cidadatildeos em campo de
batalha os quais segundo o historiador siciliano estavam
em nuacutemero aproximado de 40000 e eram acompanhados por
1000 cavaleiros provavelmente numiacutedios (embora a fonte
natildeo mencione a origem eacutetnica) e 2000 carros de guerra263
A ala esquerda era formada por soldados organizados em
260 Zambon Hellenistic Sicily p 30 Sebastiana Consolo Langher La
Sicilia dalla scomparsa di Timoleonte alla morte di Agatocle In
Emilio Gabba La Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo
alle guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli e della
Sicilia 1980 pp 289-342 261 Note-se por exemplo o caso dos arguraspides macedocircnicos
262 Diz-se que os arguraspides de Alexandre possuiacuteam mais de 60 anos
quando apoiaram Eumenes sendo ainda temidos por sua disciplina e
experiecircncia Na cronologia apresentada para a guarda pessoal de
Agaacutetocles os soldados teriam idade bem menor que a guarda Real de
Alexandre tornando o argumento plausiacutevel para a eacutepoca 263 Aqui o nuacutemero eacute claramente absurdo Talvez Diodoro (2010) quisesse
se referir a 200 carros de guerra o que seria aceitaacutevel com bastante
otimismo apoacutes reduzir as centenas e comparar os possiacuteveis nuacutemeros
desta batalha com aqueles apresentados por exemplo entre os persas
em Gaugamela (100 carros citas na ala esquerda ao lado da cavalaria
de mesma procedecircncia e de 1000 cavaleiros bactrianos em oposiccedilatildeo a
Alexandre como indica Arr 311) Justino (226) conta 30000 homens
no total (obvius ei fuit cum XXX milibus paganorum Hanatildeo sed proelio
commisso duo de Siculis tria milia de Poenis cum ipso duce cecidere)
da mesma forma que Paulo Oroacutesio Historiae Adversum Paganos 4625
(Hanatildeonem quendam cum triginta milibus Poenorum obuiam habuit) Entre
os historiadores modernos Consolo Langher (pp 139-143) aponta para
10000 cavaleiros certamente presumindo que Diodoro se equivocou ao
lanccedilar apenas 1000 cavaleiros (ἱππεῖς δὲ χιλίους) ao lado de 2000 carros de guerra (ἅρματα δὲ δισχίλια) Consideramos contudo que o erro tenha se dado precisamente na apresentaccedilatildeo dos carros de guerra pelos motivos
enumerados
119
grande profundidade (por induccedilatildeo do terreno) sob o comando
de Bomilcar na ala direita que estava sob o comando de
Hanatildeo encontrava-se o Batalhatildeo Sagrado Agrave frente de toda a
infantaria os cartagineses dispuseram os carros de guerra e
a cavalaria264 Agaacutetocles apoacutes tomar conhecimento da
formaccedilatildeo inimiga confiou a ala direita ao seu filho
Archagathus no comando de 25000 soldados Ao lado de
Archagathus seguiam-se 3500 siracusanos 3000
mercenaacuterios gregos e um grupamento misto de samnitas
etruscos e celtas tambeacutem em nuacutemero de 3000 Agaacutetocles
encontrava-se de frente para o ieros lochos cartaginecircs no
comando de sua guarda pessoal um total de 1000 soldados
pesadamente armados (ao menos equipados para o choque
frontal) Nas alas ele dispocircs os 500 arqueiros e
fundeiros265
Deve ser observado que Agaacutetocles liderou sua guarda
pessoal contra o Batalhatildeo Sagrado ou seu equivalente
cartaginecircs e que a mesma compunha um grupamento de 1000
soldados de infantaria pesadamente armada Sabemos que a
guarda pessoal em questatildeo natildeo se tratava de um ieros
lochos pois a sua lealdade como o termo grego indica
estava primeiramente ligada a Agaacutetocles depois
possivelmente agrave cidade de Siracusa Aleacutem disso os nuacutemeros
natildeo batem com o que nos eacute dado pelas fontes para os ieroi
lochoi De acordo com Plutarco o ieros lochos foi
inicialmente formado como eacute dito por Gorgias a partir de
300 homens selecionados (ἐξ ἀνδρν ἐπιλέκτων τριακοσίων) para os
quais a cidade fornecia treinamento e manutenccedilatildeo []rdquo266
Dadas as proporccedilotildees dos exeacutercitos gregos no tempo de
Peloacutepidas poderiacuteamos argumentar que a guarda pessoal de
Agaacutetocles representaria um inchaccedilo de um Batalhatildeo Sagrado
264 Diod 2010
265 Diod 2011
266 Plut Pelop 18
120
siracusano se houvesse referecircncia agrave existecircncia de tal
destacamento em Siracusa se o termo empregado pelas fontes
fosse ieros lochos ao inveacutes de therapeiacutea e se a expediccedilatildeo
africana tivesse demorado tempo suficiente para aumentar a
lealdade das tropas a Agaacutetocles em detrimento da cidade que
os teria formado e mantido no caso de possiacutevel a
argumentaccedilatildeo de um ieros lochos natildeo mencionado com os
termos apropriados267 Como dito acima natildeo haacute indiacutecios para
nenhum dos trecircs casos aleacutem de ter a lealdade da tropa sido
vinculada em sua uacutenica apariccedilatildeo em Diodoro estritamente
ao comandante siracusano Eacute provaacutevel que esta guarda
pessoal portanto tenha reconhecido a toga puacuterpura de
Agaacutetocles como adequada ao seu poder o que anula a
hipoacutetese de ter sido essa somente uma guarda pessoal de um
tirano como encontramos nos periacuteodos anteriores Aleacutem
disso o contexto de imitatio Alexandri no campo poliacutetico
bem documentado durante a expediccedilatildeo africana assim como a
interaccedilatildeo que Agaacutetocles mantinha com o mundo heleniacutestico
contribuem para uma provaacutevel resignificaccedilatildeo da guarda
pessoal em questatildeo Em uacuteltima instacircncia tratava-se da
guarda de algueacutem que jaacute se via com direitos a uma sucessatildeo
forjada ao trono macedocircnico sendo a identificaccedilatildeo com os
hipaspistai algo bastante plausiacutevel
Tratemos agora do posicionamento dos arqueiros e
fundeiros contra os carros de guerra e cavaleiros do
exeacutercito cartaginecircs Recordo que em Gaugamela Alexandre
havia disposto na ala direita agrianianos arqueiros e
soldados (levemente) armados provavelmente peltastas e na
ala esquerda juntamente com dois corpos de cavalaria
267 Diodoro 1680 em contrapartida emprega o termo ieros lochos para
um grupamento de cartagineses em nuacutemero de 2500 que haviam
combatido em Himera (480 aC) A designaccedilatildeo eacute obviamente
equivocada especialmente pelo nuacutemero excessivo de soldados e por sua
inexperiecircncia em campo de batalha Aleacutem disso essa parece ter sido
uma maneira grega de enquadrar parte das tropas citadinas cartaginesas
pesadamente armadas que raramente combatiam por sua cidade
121
arqueiros cretenses dardeiros traacutecios entre outros Em
331 aC agrianianos e dardeiros das ilhas Baleares
bloquearam o ataque dos carros de guerra citas enquanto os
falangistas ao centro (hipaspistai) natildeo se opuseram
frontalmente a eles deixando-os passar por meio de
manobras de evasatildeo sem causar portanto baixas na
infantaria macedocircnica268 Em 310 aC num campo aberto natildeo
muito distante de Cartago os soldados pesadamente armados
de Agaacutetocles realizaram idecircnticas manobras evasivas
permitindo-os passar (ἃ δ εἴασαν διεκπεσεῖν) abatendo
inicialmente alguns e em seguida forccedilando o retorno da
maior parte dos carros de guerra contra as suas proacuteprias
tropas269 Como Diodoro natildeo menciona forccedilas de cavalaria do
lado grego o que nos soa estranho a uacutenica reconstruccedilatildeo
possiacutevel para a vitoacuteria sobre os carros de guerra e
cavaleiros se daacute por meio do emprego dos arqueiros e
fundeiros (a exemplo do que ocorreu em Gaugamela) os quais
causaram de acordo com Diodoro muitas baixas nas tropas
acima referidas (mais um indiacutecio de que se tratava de
cavaleiros numiacutedios os quais natildeo eram paacutereo para dardos de
arremesso e projeacuteteis de modo geral desde que disparados
por infantaria levemente armada) Com o fracasso da
investida montada o campo de batalha transformou-se num
cenaacuterio praticamente claacutessico com dois corpos de
infantaria pesadamente armada em confronto direto Hanatildeo
foi incapaz de suportar o choque com os soldados liderados
pessoalmente por Agaacutetocles e Bomilcar no comando da ala
em profundidade ordenou um recuo taacutetico de seus homens
que em princiacutepio seria parte de um plano (inclusive
poliacutetico jaacute que ambicionava de acordo com Diodoro a
morte de seu rival Hanatildeo para entatildeo dar sequumlecircncia ao
268 Ver cap1
269 Diod 2012 προεμβαλόντων γὰρ εἰς ατοὺς τν ἁρμάτων ἃ μὲν κατηκόντισαν ἃ δ
εἴασαν διεκπεσεῖν τὰ δὲ πλεῖστα συνηνάγκασαν στρέψαι πρὸς τὴν τν πεζν τάξιν
122
golpe de Estado)270 A aparente inexperiecircncia dos soldados
nas realizaccedilotildees das manobras assim como a ordem prematura
de seu liacuteder fizeram com que a retirada se transformasse
num verdadeiro massacre obrigando boa parte dos soldados a
se refugiar nas muralhas de Cartago
270 Diod 2012 Meister CAH 7 p 395 Voltarei a tratar desse assunto
no cap4
123
42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro
Pirro natildeo iria para a Peniacutensula Itaacutelica sem tropas
como queriam os tarentinos embora seu exeacutercito fosse
sensivelmente menor que o de Alexandre o Grande quando do
iniacutecio de sua expediccedilatildeo asiaacutetica271 Plutarco nos informa
que Pirro contava com 20 elefantes 3000 cavaleiros
20000 soldados de infantaria 2000 arqueiros e 500
fundeiros272 Precedido pelo diplomata Cineas como de
costume Pirro se fez acompanhar por dois de seus filhos
nomeadamente Alexandre e Heleno ao passo que seu outro
filho Ptolomeu foi deixado como regente no Epiro Apoacutes
cumprir a rota mariacutetima para a Peniacutensula o que se deu com
inuacutemeros problemas como Plutarco narra com alto niacutevel
dramaacutetico273 o epirota deu iniacutecio ao entendimento pessoal
com seus aliados e agraves primeiras emissotildees monetaacuterias de sua
expediccedilatildeo a partir das quais ele pocircde reforccedilar os viacutenculos
com Alexandre e sua semelhanccedila com os Diaacutedocos assim como
celebrar a alianccedila274 Em seguida tendo alistado tarentinos
em seu exeacutercito o liacuteder da coalizatildeo contra os romanos
parecia estar pronto para a accedilatildeo a qual se transformaraacute ao
final num verdadeiro fiasco tal qual a expediccedilatildeo africana
de Agaacutetocles275 Ambas contudo servem para ilustrar como
as taacuteticas e as figuraccedilotildees do poder heleniacutestico se
apresentaram ao ocidente particularmente na Magna Greacutecia
Siciacutelia e norte da Aacutefrica no iniacutecio com contexto bastante
favoraacutevel aos monarcas
271 Griffith p 61 Leacutevecircque Pirro p297
272 Plut Pirro 152 Pausacircnias 112 sugere que Pirro obteve seus
elefantes apoacutes vencer uma batalha contra Demeacutetrio 273 Plut Pirro 153-8 Zonaras 82 Justino 181 Leacutevecircque Pirro p
297-298 274 Leacutevecircque Pirro p 299 Sobre a cunhagem na Magna Greacutecia e Siciacutelia
durante a expediccedilatildeo de Pirro cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di
Pirro in Siciliardquo MGR 7 179-254 1980 Zambon Hellenistic Sicily
pp121-129 275 Aceita-se comumente que a coalizatildeo era formada por samnitas
lucanianos brutianos messapianos e com incerteza apulianos
Leacutevecircque Pirro p 304
124
Do lado romano os preparativos tiveram de ser
iniciados em contexto bastante desfavoraacutevel considerando-
se os problemas com os etruscos e sua simultaneidade com a
formaccedilatildeo da alianccedila italiota conduzida por Pirro Seguindo
os costumes Roma dividiu o exeacutercito entre os cocircnsules
ficando Valeacuterio Levinus no comando das legiotildees contra Pirro
e Coruncanius no comando das legiotildees contra os etruscos
Os romanos haviam tirado jaacute grande proveito das guerras
precedentes como nos informa Poliacutebio [os romanos] se
tornaram verdadeiros mestres na arte da guerra por meio de
sua luta com os samnitas e os celtas (ἀθληταὶ γεγονότες ἀληθινοὶ
τν κατὰ τὸν πόλεμον ἔργων ἐκ τν πρὸς τοὺς Σαυνίτας καὶ Κελτοὺς ἀγώνων)276
Assim deve-se ter em conta que natildeo somente Pirro era um
comandante experiente e com tropas de alto niacutevel como
vimos acima mas tambeacutem os romanos possuiacuteam um niacutevel de
experiecircncia militar e ldquopotencial soldadescordquo adequados ao
seu inimigo Esse eacute um fator importante na medida em que
estabelece entre outros fatores os resultados da campanha
italiana Por potencial soldadesco entendo basicamente a
composiccedilatildeo de ambos os exeacutercitos e o que disso poderia ser
desdobrado em termos taacuteticos excetuando as legiotildees de Roma
e a falange macedocircnica sob Pirro (fundamental em
Heracleia) o restante das tropas (particularmente em
Aacutesculo) possuiacutea as mesmas origens eacutetnicas e portanto
armamento e estilo de combate similares Aleacutem disso a
flexibilidade das legiotildees da forma como explicado no cap4
desta tese contribuiu para o quadro desfavoraacutevel ao rei do
Epiro jaacute que puderam enfrentar a falange (em Heracleia)
com recursos taacuteticos superiores auxiliando no quadro
geral da campanha para o deslocamento do foco poliacutetico
mais a sudoeste precisamente na Siciacutelia grega
276 Polib 16
125
421 O exeacutercito de Pirro
Em 280 aC o exeacutercito que Pirro liderou em sua
expediccedilatildeo italiana estava claramente organizado em estilo
macedocircnico mas nada indica que essa organizaccedilatildeo era
conhecida pelos epirotas anteriormente Historiadores
tendem a apostar numa reforma iniciada cerca de 340 aC
por Alexandre do Epiro amigo e aliado de Filipe II tanto
por sua relaccedilatildeo com os macedocircnios quanto pela logiacutestica
necessaacuteria a uma expediccedilatildeo italiana (realizada em 334
aC) a qual somente seria viaacutevel com um exeacutercito
ldquonacionalmente unificadordquo277 mas natildeo haacute evidecircncias
suficientes para algo mais conclusivo aleacutem de tais
argumentos Talvez Alexandre do Epiro tenha de fato
reformado o exeacutercito epirota nos moldes do projeto de
Filipe da Macedocircnia mas o certo eacute que Pirro cerca de meio
seacuteculo mais tarde dispunha de tais condiccedilotildees
Como dito anteriormente Plutarco nos informa que o
exeacutercito de Pirro era composto por 20 elefantes 3000
cavaleiros 20000 soldados de infantaria (ou 23000 se
considerarmos os 3000 homens enviados juntamente com
Cineas) 2000 arqueiros e 500 fundeiros Curiosamente natildeo
haacute indiacutecios de algo similar aos hipaspistai no exeacutercito
epirota sendo o termo empregado para indicar oficiais
capazes de governar cidades (na Siciacutelia) e natildeo para fazer
referecircncia agraves tropas que compunham uma unidade de
combate278 Obviamente os 20000 soldados de infantaria natildeo
eram puramente epirotas Beloch foi capaz de mostrar a
esse respeito que os aproximados 300000 habitantes do
Epiro dos quais 100000 estariam possivelmente em idade
militar natildeo poderiam fornecer sequer os 20000 soldados de
infantaria do exeacutercito de Pirro levando em consideraccedilatildeo o
277 O argumento pode ser mapeado em Head op cit p 19 e Braccesi
op cit pp43-53 278 Head op cit p 19
126
estado economicamente atrasado da regiatildeo279
Daiacute resulta que
boa parte dos soldados de Pirro em sua expediccedilatildeo italiana
fosse formada por mercenaacuterios de acordo com os dados
obtidos acerca das tropas empregadas em Aacutesculo Aleacutem dos
tarentinos e demais aliados o rei epirota contava com uma
falange macedocircnica e alguns cavaleiros tessaacutelios cedidos
por Ptolomeu Keraunos rei da Macedocircnia uma infantaria
mercenaacuteria da Etoacutelia Acarnacircnia e Atamacircnia e um corpo de
cavaleiros mercenaacuterios gregos arcanianos etoacutelios e
atamanianos280 Sem duacutevida a reputaccedilatildeo de Pirro reforccedilou a
sua capacidade de recrutar novos soldados dispostos a
combater na condiccedilatildeo de profissionais
279 Julius Beloch apud Griffith p61 Poliacutebio (3015 fragmentos
preservados em Estrabatildeo Geografia 77 e Tito Liacutevio 4534) menciona
15000 epirotas escravizados por Emiacutelio Paulo em 168 aC Cf tambeacutem
Griffith p 61 280 Griffith p 62
127
422 O exeacutercito republicano romano
O exeacutercito romano em seus primoacuterdios parece natildeo ter
sido muito diferente daquele encontrado no restante das
cidades do Laacutecio sendo influenciado por seus vizinhos mais
poderosos os etruscos A confederaccedilatildeo etrusca estendeu sua
influecircncia a ponto de nomear a organizaccedilatildeo inicial das
forccedilas romanas ao estilo etrusco compondo trecircs tribos com
a responsabilidade de fornecer 1000 homens em idade
militar cada ficando os soldados sob o comando de um
tribunus As subdivisotildees de cada tribo forneciam uma
centuacuteria (nessa eacutepoca possivelmente contada como 100
homens) o que resultava numa forccedila modesta de 3000
homens a chamada legio A cavalaria (equites) era formada
por nobres e seus filhos totalizando 300 homens montados
(capazes de pagar a manutenccedilatildeo de um cavalo e equipamentos)
divididos entre as tribos De modo geral a historiografia
aceita que essa organizaccedilatildeo inicial somente seraacute modificada
com Seacutervio Tuacutelio aproximadamente entre 580-530 aC281 Ao
lado da criaccedilatildeo de muitas das instituiccedilotildees de Roma Seacutervio
Tuacutelio parece ter realizado o primeiro censo do povo romano
dividindo a populaccedilatildeo em classes obedecendo ao padratildeo de
riqueza Com objetivos claramente poliacuteticos e militares as
centuacuterias (como a populaccedilatildeo era dividida) teriam impacto na
organizaccedilatildeo das assembleacuteias e das tropas Em primeiro
lugar vinha a ordem equumlestre num total de 18 centuacuterias
em seguida a populaccedilatildeo restante aparecia dividida em 5
classes separadas a partir de sua riqueza e contadas da
seguinte maneira em casos de alistamento militar (a) a
primeira classe armada com lanccedila e espada e equipada com
281 Lawrence Keppie The making of the Roman army from republic to
empire London BT Batsford 1984 pp 16-17 Daly pp 48-52
Giovanni Brizzi Le guerrier de lantiquiteacute classique de lhoplite au
leacutegionnaire Monaco Rocher 2004 pp 43-51 John Rich ldquoWarfare and
the Army in Early Romerdquo In Paul Erdikamp A companion to the Roman
army Malden MA Oxford Blackwell 2007 pp 7-23 Para uma visatildeo
detalhada das fontes a respeito ver Michael M Sage The Republican
Army a Sourcebook New York London Routledge 2008 pp 4-41
128
couraccedila de bronze elmo escudo e grevas (b) a segunda
classe armada de forma idecircntica e equipada de maneira
similar excluindo a couraccedila (c) a terceira classe
idecircntica agrave segunda classe exceto pelas grevas (d) a
quarta classe armada com lanccedila e equipada somente com
escudo (e) a quinta e uacuteltima classe armada com fundas e
pedras Os seniores (oposto de iuniores isto eacute em idade
militar) eram empregados somente em caso de cerco
portanto para a defesa da cidade Abaixo da quinta classe
contava-se apenas o grupo de homens (em nuacutemero modesto) sem
propriedade alguma (capite censi ou registrados por
contagem de cabeccedila) os quais eram desqualificados para o
serviccedilo militar282
Terminado o periacuteodo das monarquias a primeira
modificaccedilatildeo no exeacutercito romano (entatildeo republicano) surgiu
em meio aos conflitos contra as comunidades adjacentes no
momento de enfraquecimento dos etruscos mediante a fixaccedilatildeo
dos celtas na regiatildeo dos Alpes e do fortalecimento da
posiccedilatildeo das colocircnias gregas no sul da Peniacutensula Itaacutelica
Nesse contexto precisamente em 406 aC os romanos
partiram para o uacuteltimo embate com a cidade etrusca de
Veios conflito que se encerrou 10 anos depois com a
captura da cidade pelos romanos Durante a guerra contra
Veios o exeacutercito cresceu (de cerca de 4000 para 6000
homens) e o escudo circular foi substituiacutedo pelo escudo
longo italiano o scutum Da mesma forma como parece
oacutebvio o nuacutemero de cavaleiros subiu totalizando as 18
centuacuterias previstas na ldquoreforma servianardquo Eacute nesse momento
(6 anos apoacutes a captura de Veios pelos romanos portanto em
390 aC) que Roma eacute tomada pelos celtas exceto por uma
pequena porccedilatildeo da cidade Capazes de expulsar os celtas de
282 Keppie (op cit p 17) recorda que nessa eacutepoca ldquoa defesa da cidade
era um dever uma responsabilidade e um privileacutegiordquo
129
sua cidade os romanos estavam a caminho do estabelecimento
de sua posiccedilatildeo na Peniacutensula
Alguns autores tecircm sugerido uma identificaccedilatildeo da legiatildeo
romana com os hoplitas gregos283 mas a forma cerrada de
luta dos romanos nos primeiros anos deve indicar mais uma
adaptaccedilatildeo etrusca (que natildeo era uma incorporaccedilatildeo de taacuteticas
gregas como alguns acham razoaacutevel deduzir) do que
propriamente uma forma similar de combate ombro-a-ombro De
qualquer forma logo as unidades manipulares (manipuli)
foram adotadas como resposta agraves exigecircncias de maior
flexibilidade taacutetica Cada maniacutepulo com aproximados 100-
120 homens exceto pelos triarii contava com dois
centuriotildees homens experientes dispostos no comando das
unidades taacuteticas Vale destacar o centuriatildeo secircnior da
legiatildeo disposto no comando no maniacutepulo da extrema direita
dos triarii que era depois incluiacutedo (ex officio) no
conselho geral do cocircnsul juntamente com os tribunos Jaacute no
final do seacutecIV aC basicamente no mesmo periacuteodo da
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles (310-307 aC) ou talvez um
ano antes o exeacutercito romano encontrava-se dividido em 4
legiotildees comandadas por dois cocircnsules e abaixo deles 6
tribunos militares
Durante a sua expansatildeo em direccedilatildeo ao sul do Laacutecio os
romanos foram capazes de subjugar os samnitas em quase 50
anos de conflito Devido agrave natureza montanhosa da regiatildeo
tem sido sugerido que os maniacutepulos seriam na verdade uma
modificaccedilatildeo ocorrida nesse momento o que se justificaria
com a necessidade de maior flexibilidade taacutetica do
terreno284 De acordo com Tito Liacutevio os maniacutepulos eram
parte de inovaccedilotildees tiacutepicas do periacuteodo da Primeira Guerra
283 Um excelente exemplo (mas natildeo o uacutenico) eacute Keppie op cit p 19 284 Keppie op cit pp18-19 Daly pp 56-63 Brizzi op cit p 47
Louis Rawlings ldquoArmy and Battle During the Conquest of Italyrdquo In
Erdkamp op cit pp 55-58 Sage op cit pp 63-66
130
Samnita285 Apoacutes a linha de tropas levemente armadas
(leves) vinham os maniacutepulos de hastati (os que portavam a
hasta ou lanccedila curta) seguidos pelos maniacutepulos de
principes e por uma terceira linha os maniacutepulos de triarii
(homens mais velhos ndash e experientes - que entravam em cena
no caso de desorganizaccedilatildeo das duas primeiras linhas) Por
fim Tito Liacutevio menciona rorarii (lit tropas levemente
armadas) e accensi (lit tropas reservas) grupos de
soldados levemente armados dispostos como uacuteltima forccedila de
reserva O relato de Tito Liacutevio contudo embora seja de
grande valor natildeo eacute normalmente visto com precisatildeo
histoacuterica desejaacutevel preferindo-se a narrativa do
historiador cuja autoridade nos assuntos militares eacute
inquestionaacutevel Poliacutebio286
De acordo com Poliacutebio em sua detalhada descriccedilatildeo da
organizaccedilatildeo do exeacutercito romano a legiatildeo romana (jaacute no
periacuteodo da Segunda Guerra Puacutenica isto eacute entre 218 e 201
aC) contava com 4200 homens podendo atingir o nuacutemero de
5000 em situaccedilotildees de emergecircncia O processo seletivo
(dilectus ou simplesmente ldquoseleccedilatildeordquo) incorporava homens
entre 17 e 46 anos com propriedade avaliada acima dos 400
denaacuterios apoacutes a avaliaccedilatildeo das habilidades necessaacuterias ao
serviccedilo Ao soldado de infantaria era pago um stipendium
criado para cobrir os prejuiacutezos que supunham o afastmento
de casa perfazendo no tempo de Poliacutebio um total de 120
denaacuterios por ano Os cavaleiros por sua vez recebiam
mais cerca de 365 denaacuterios por ano o que considerava
tanto a sua origem social quanto os custos com o cavalo
Feita a seleccedilatildeo a legiatildeo era dividida da seguinte maneira
(a) os velites formados pelos mais jovens e pobres (b) os
hastati formados pelos mais jovens e pobres depois dos
velites (c) os principes formados pelos ldquopreeminentesrdquo
285 Tito Liacutevio 88-10 286 A referecircncia eacute Polib 619-42
131
(d) os triarii os mais maduros e experientes dos soldados
Os hastati e os principes compunham 2400 homens no total
(10 maniacutepulos de 120 homens cada) acompanhados por 600
triarii (10 maniacutepulos de 60 homens cada) e por deduccedilatildeo
1200 velites Os velites prossegue Poliacutebio eram armados
com espadas lanccedilas de arremesso e um pequeno escudo
circular (parma) Os hastati e os principes encontravam-se
normalmente equipados com duas lanccedilas (pila) cada uma
espada curta (gladius) que era a principal arma do
legionaacuterio e equipados com escudo oval peitoral de
bronze elmo e grevas Os triarii eram equipados da mesma
forma exceto pelo armamento ao inveacutes do pilum o triarius
portava a hasta lanccedila perfurante que natildeo poderia ser usada
para arremesso e era portanto usada no combate corpo-a-
corpo
A cavalaria totalizava 300 homens divididos em 10
turmae de 30 homens cada uma sob o comando de 3 decuriotildees
e equipadas com longos escudos circulares lanccedilas longas e
couraccedila de tecido De modo geral a legiatildeo era disposta em
formato de ldquotabuleiro de xadrezrdquo com os velites agrave frente
de todos os legionaacuterios para a accedilatildeo de escaramuccedila tendo os
hastati principes e triarii organizados em trecircs linhas
subsequumlentes de maneira a permitir a substituiccedilatildeo dos
homens da frente pelos de traacutes devido aos pequenos espaccedilos
propiciados pela formaccedilatildeo A cavalaria como no caso grego
era colocada nas alas como proteccedilatildeo dos flancos
132
423 A batalha de Heracleia (280 aC)
Leacutevecircque sustentou que a postura ofensiva romana ao
reunir as tropas sob Valeacuterio Levinus e marchar
imediatamente contra Pirro tinha trecircs objetivos claros
(1) desferir um golpe decisivo antes que o epirota pudesse
coletar todo o apoio esperado (2) conter uma possiacutevel
revolta das cidades gregas de Regium Locres e Croton ldquoa
quem a chegada do rei podia fazer pesar sua adesatildeo agrave causa
romanardquo e (3) lanccedilar a guerra para longe das terras
submetidas pelos romanos o que natildeo comprometeria a
lealdade desses povos a Roma287 Plutarco nos diz algo
interessante a respeito da reaccedilatildeo de Pirro agrave investida
romana algo que evidencia ainda mais as suas intenccedilotildees
monaacuterquicas heleniacutesticas as quais podem ser encontradas
desde o iniacutecio da sua expediccedilatildeo mesmo antes de se decidir
pela Siciacutelia
Ao ser informado que Levinus o cocircnsul romano se
aproximava com numeroso exeacutercito tendo saqueado a
Lucacircnia no trajeto Pirro natildeo havia ainda se juntado
aos seus aliados mas por julgar ser algo intoleraacutevel
ter de aguardar enquanto seus inimigos avanccedilavam
partiu da cidade com suas tropas []288
A postura de Pirro indica ao menos nessa ocasiatildeo que
o ldquodeverrdquo de lideranccedila de um monarca heleniacutestico (mesmo que
ele somente ambicionasse a monarquia de tipo oriental) era
mais relevante que a uniatildeo completa das tropas pela qual
ele aguardava ou ainda que ele julgava ser possiacutevel vencer
os ldquobaacuterbarosrdquo sem ter reunido todas as suas forccedilas jaacute que
povos militarmente desorganizados por mais belicosos que
fossem natildeo eram paacutereo para os gregos como Alexandre havia
287 Leacutevecircque Pirro p 318
288 Plut Pirro 164 πεὶ δὲ Λαιβῖνος ὁ τν Ῥωμαίων ὕπατος ἠγγέλλετο πολλῆ στρατιᾷ
χωρεῖν ἐπ ατόν ἅμα τὴν Λευκανίαν διαπορθν οδέπω μὲν οἱ σύμμαχοι παρσαν ατῶ δεινὸν δὲ ποιούμενος ἀνασχέσθαι καὶ περιιδεῖν τοὺς πολεμίους ἐγγυτέρω προϊόντας ἐξλθε μετὰ τς δυνάμεως []
133
mostrado em sua expediccedilatildeo asiaacutetica Que essa ideacuteia tenha
ocorrido a Pirro parece plausiacutevel principalmente ao
analisarmos um evento imediatamente posterior de sua marcha
contra os romanos quando o rei observou admirado (ἐθαύμασε)
ldquoa disciplina as sentinelas a sua ordem e o arranjo de
seu acampamentordquo (τάξιν τε καὶ φυλακὰς καὶ κόσμον ατν καὶ τὸ σχμα τς
στρατοπεδείας) dizendo ao seu amigo mais proacuteximo em
conclusatildeo que ldquoa disciplina desses baacuterbaros natildeo eacute
baacuterbarardquo289
Acampamentos montados ambos os lados estavam prontos
para o combate Pirro contava de acordo com Justino com
exeacutercito inferior em nuacutemero ainda que natildeo saibamos os
efetivos concretos dos romanos290 Para o desenrolar da
batalha embora Justino forneccedila o referido indiacutecio sobre a
inferioridade numeacuterica de Pirro as principais fontes satildeo
Plutarco e Dioniacutesio de Halicarnasso291 ambos com acesso ao
que parece aos relatos de duas tradiccedilotildees bastante
distintas Tornou-se consenso haacute muito tempo entre os
historiadores que Plutarco para a batalha em questatildeo
empregou basicamente o relato de Hierocircnimo292 intercalando
o mesmo com anedotas originadas na tradiccedilatildeo analiacutestica as
quais Dioniacutesio utiliza com frequumlecircncia293 Isso explicaria
tanto a versatildeo inteligiacutevel da batalha (o que natildeo eacute um traccedilo
comum nas biografias de Plutarco) quanto a presenccedila de
algumas imagens bastante favoraacuteveis aos romanos e pouco
289 Plut Pirro 167
290 Justino 181 Nec rex tametsi numero militum inferior esset []
Gaetano De Sanctis Storia dei Romani Milan Fratelli Boca 1907 P
392 supotildee que tenham sido somente duas presumindo que ateacute 4 legiotildees
eram normalmente divididas entre os cocircnsules Leacutevecircque Pirro 1957
P322 em contrapartida eacute mais otimista quanto agrave extensatildeo das tropas
de Levinus acreditando que podem ter sido 8 em Heracleia Essas satildeo
contudo suposiccedilotildees baseadas num possiacutevel nuacutemero de legiotildees sob um
uacutenico cocircnsul durante a fase intermediaacuteria da Repuacuteblica uma vez que as
fontes silenciam sobre esse caso em particular 291 Plut Pirro 16-17 e Dioniacutesio 1911-12
292 Plut Pirro 174 Cf Rudolf Schubert Geschichte des Pyrrhus
Koumlnigsberg Wilh Koch 1894 P 176 293 Leacutevecircque Pirro p323
134
criacuteveis do ponto de vista histoacuterico Notemos por exemplo
o retrato pitoresco do episoacutedio de espionagem epirota o
qual precedeu a batalha propriamente dita da forma como
registrado em Dioniacutesio
Levinus o cocircnsul romano tendo capturado um espiatildeo de
Pirro armou e dispocircs todo o exeacutercito em formaccedilatildeo de
batalha (εἰς τάξιν καταστήσας) e apoacutes mostraacute-lo ao espiatildeo ordenou que ele contasse toda a verdade sobre o que
tinha visto [] informando que Lavinus o cocircnsul
romano solicitava que ele [Pirro] natildeo enviasse mais
homens secretamente como espiotildees mas que viesse em
pessoa abertamente (φανερς) para ver o poder dos
romanos (ἰδεῖν τε καὶ μαθεῖν τὴν Ῥωμαίων δύναμιν)294
Pirro decidiu aguardar os reforccedilos de seus aliados numa
das margens do Siris onde estacionou um destacamento grego
para assegurar que os romanos natildeo atravessassem o rio
Estes no entanto mandaram parte de sua infantaria
(provavelmente aliada) cruzar o Siris por um vau enquanto
a cavalaria avanccedilava por diversos outros pontos rasos
expondo os gregos ao risco do envolvimento completo o que
de acordo com Plutarco os fez recuar295 Ao ver que seus
homens bateram em retirada Pirro ordenou aos oficiais que
pusessem a falange em linha enquanto ele proacuteprio como
Alexandre no comando de seus 3000 cavaleiros investiu
contra os romanos na expectativa de que eles se
desordenassem com a ofensiva montada Nem os cavaleiros
puderam romper a ordem das legiotildees com sua ldquoteatralizaccedilatildeo
ofensivardquo (uma vez que natildeo entraram de fato em choque com
o centro da formaccedilatildeo romana) nem o subsequumlente choque com
a falange pocircs os legionaacuterios a correr diferentemente do
que Alexandre havia feito aos persas Relata-nos Plutarco
que foram sete as reviravoltas no desenrolar do confronto
entre as duas infantarias informaccedilatildeo que ele provavelmente
294 Dionisio 1911 Cf tambeacutem Zonaras 836 e Frontino 477
295 Plut Pirro 165
135
obteve de Hierocircnimo296 e que nos permite deduzir a
ocorrecircncia de quatro ataques de Pirro e de trecircs contra-
ataques de Levinus (presumindo que a primeira reviravolta
soacute pode ter sido favoraacutevel aos epirotas jaacute que ao final
eles saiacuteram vitoriosos) Numa das alas provavelmente a
direita o rei sofreu o ataque da cavalaria inimiga mas
venceu apoacutes penoso embate com as tropas montadas de
Oblacus297 Na outra ala Pirro fez avanccedilar os elefantes
que aterrorizaram natildeo somente a cavalaria romana mas
tambeacutem os legionaacuterios mais ao centro Com o moral abalado
e contando ainda com o descontrole dos cavalos inimigos
(que natildeo estavam acostumados aos elefantes) a cavalaria
tessaacutelia foi enviada para encerrar a resistecircncia nessa ala
provocando a exposiccedilatildeo dos dois flancos romanos e julgo
que no mesmo momento a fuga completa da infantaria ao
centro Parece bem provaacutevel por uacuteltimo que os legionaacuterios
tenham corrido exatamente no momento do avanccedilo dos
elefantes do contraacuterio com ambas as alas derrotadas o
exeacutercito ao centro teria sido facilmente esmagado ou
forccedilado a se entregar como vimos em diversos casos nas
batalhas dos Diaacutedocos
A tradiccedilatildeo analiacutestica inventou um termo ldquohistoacutericordquo
para a vitoacuteria de Pirro obtida com muito esforccedilo e sem
consequumlecircncias desastrosas para o derrotado tratava-se de
uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo ou como nos diz Diodoro cadmeacuteia298
De acordo com Caacutessio Dio Zonaras e Justino299 a fama
surgiu apoacutes Heracleia segundo Plutarco300 apoacutes a batalha
de Aacutesculo (o que representa um erro por parte do bioacutegrafo
296 Plut Pirro 171
297 Plutarco (Pirro 168) e Dioniacutesio (1912) mencionam um ataque de
caraacuteter pessoal liderado por Oblacus que estava decidido a abater o
rei em primeiro lugar Segundo a tradiccedilatildeo Leonnatus um dos
companheiros de Pirro percebeu a intenccedilatildeo de Oblacus e salvou seu rei
da morte em batalha 298 Diod 226
299 Dion Cassio 940 Zonaras 83 Justino 181
300 Plut Pirro 219
136
jaacute que o balanccedilo geral dos nuacutemeros que caracterizam uma
vitoacuteria piacuterrica eacute apresentado por ele apoacutes Heracleia)
Apesar das diferenccedilas na dataccedilatildeo precisa do termo atribuiacutedo
agrave vitoacuteria de Pirro todas as nossas fontes parecem
concordar com uma vitoacuteria relativa sobre os romanos Ora
como vimos na breve anaacutelise da batalha de Heracleia os
resultados foram bastante francos e decisivos de maneira
que somente uma explicaccedilatildeo soa-nos plausiacutevel para a
propagaccedilatildeo da ldquovitoacuteria piacuterricardquo entre os antigos todas as
fontes posteriores mencionadas empregaram a tradiccedilatildeo
analiacutestica para a mediccedilatildeo dos resultados da batalha sendo
que os autores romanos tinham por objetivo encobrir tamanha
desgraccedila para a sua memoacuteria Note-se por exemplo que
segundo Plutarco Dioniacutesio faz referecircncia a uma perda de
15000 homens para os romanos contra 13000 para Pirro ao
passo que Hierocircnimo autor de maior validade para o estudo
da batalha como vimos considerando-se a probabilidade de
ter acessado as Memoacuterias do rei indica uma perda de 7000
homens para Levinus contra 4000 para o epirota301 Aceitos
os nuacutemeros de Hierocircnimo pelos motivos mencionados natildeo haacute
razatildeo para crer que a vitoacuteria em Heracleia tenha sido de
fato uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo devendo-se essa expressatildeo agraves
intenccedilotildees de minimizar a vergonha romana por parte da
tradiccedilatildeo analiacutestica
301 Plut Pirro 174 Leacutevecircque Pirro p 328
137
424 A batalha de Aacutesculo (279 aC)
Eventos de ordem militar e diplomaacutetica seguiram-se agrave
batalha de Heracleia Motivado por uma tentativa de
submissatildeo dos romanos por vias diplomaacuteticas Pirro enviou
Cineas a Roma com autorizaccedilatildeo para estabelecer um acordo
possivelmente antes de sua marcha para os arredores da
cidade (aceitando-se um padratildeo de envio preacutevio do
diplomata como ocorreraacute na Siciacutelia dois anos depois) o
que pode ter ocorrido dependendo da tradiccedilatildeo adotada
antes ou depois do envio de sua embaixada302 Presentes
foram oferecidos e segundo Plutarco todos recusados
termos bastante razoaacuteveis foram propostos pautados
basicamente na ldquoamizade poliacuteticardquo e desistecircncia da
conquista de Tarento pelos romanos sendo todos eles mais
uma vez postos de lado303 Alguns senadores estavam
inclinados a aceitar a paz julgando que um exeacutercito ainda
mais numeroso (reforccedilado com os aliados receacutem-chegados de
Pirro) recairia sobre Roma e mesmo tendo momentaneamente
recusado o que lhes propunha Cineas comeccedilavam a considerar
os termos do acordo epirota quando decidiram finalmente
motivados pelo discurso de Aacutepio Claacuteudio pela continuaccedilatildeo
do embate e da negociaccedilatildeo de resgate dos prisioneiros
certamente por que julgavam ser capazes de vencer Pirro com
as forccedilas restantes (o que natildeo ocorreria se as legiotildees
302 Plutarco (Pirro 18-19) menciona os eventos na seguinte ordem
Heracleia ndash marcha para Roma ndash embaixada ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros
ndash Aacutesculo Apiano (Samn 10-11) apresenta uma versatildeo distinta
Heracleia ndash embaixada ndash marcha para Roma ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros
ndash Aacutesculo Justino (181 182) somente menciona Heracleia a
libertaccedilatildeo dos (200) prisioneiros e Aacutesculo exatamente nessa ordem
Note que a omissatildeo da marcha para Roma pode ter se dado devido ao uso
uacutenico da tradiccedilatildeo analiacutestica 303 Plut Pirro 182 Variaccedilotildees do que propocircs Cineas aos romanos satildeo
encontradas na tradiccedilatildeo liviana segundo a qual Pirro teria oferecido
a libertaccedilatildeo dos prisioneiros e exigido amizade e alianccedila dos romanos
bem como autonomia dos aliados gregos e baacuterbaros em Apiano Samn
101 para quem os termos do acordo resumiam-se ao seguinte
libertaccedilatildeo dos prisioneiros paz com o povo romano incluindo Tarento
no armistiacutecio autonomia das cidades italiotas e restituiccedilatildeo completa
dos territoacuterios aos lucanianos brutianos samnitas e daunianos (na
regiatildeo da Apulia) Ver o quadro geral em Leacutevecircque Pirro p 348
138
tivessem sido enviadas como normalmente faziam os
cartagineses com seu exeacutercito ateacute 307 aC de uma uacutenica
vez sem a formaccedilatildeo de forccedilas de reserva)
Com a decisatildeo inesperada dos romanos Pirro teria que
proceder agrave conquista sistemaacutetica de toda a Peniacutensula para
entatildeo forccedilar Roma aos seus termos que certamente natildeo
seriam tatildeo brandos quanto os primeiros O rei partiu para a
cidade de Aacutesculo situada numa regiatildeo (Apuacutelia) que
diferentemente daquela de Heracleia natildeo facilitaria o uso
das tropas montadas e obviamente dos elefantes Em
Aacutesculo Pirro contava jaacute com a infantaria e a cavalaria
samnita brutiana lucaniana e tarentina304 Aqui surgem
duas possibilidades para o desenvolvimento da batalha a
primeira delas seguindo o relato de Hierocircnimo (novamente
citado por Plutarco) menciona duas batalhas em Aacutesculo a
segunda de acordo com Dioniacutesio (igualmente citado pelo
bioacutegrafo) faz referecircncia a somente uma longa batalha305
Como anteriormente tambeacutem para a batalha de Aacutesculo parece-
nos mais apropriado o relato de Hierocircnimo dada a
quantidade de detalhes apresentados e a reputaccedilatildeo do
historiador em questatildeo Aleacutem disso a adequaccedilatildeo dos nuacutemeros
continua sendo tal como em Heracleia mais plausiacutevel na
tradiccedilatildeo grega Plutarco nos informa que apoacutes encerrado um
conflito inicial entre as duas infantarias (o que se deduz
pela inadequaccedilatildeo do terreno ao uso de cavaleiros) ambos os
exeacutercitos se retiraram do combate por um dia (ou cerca de
12 horas uma vez que abriram matildeo do combate segundo
Plutarco ao anoitecer) No dia seguinte contudo
intencionado a trazer a luta agrave parte nivelada do terreno
onde poderia empregar seus elefantes e cavaleiros Pirro
ocupou as porccedilotildees mais desniveladas com suas tropas
ligeiras (dardeiros e arqueiros) fazendo-as atirar
304 Leacutevecircque Pirro p 391
305 Plut Pirro 215-8
139
projeacuteteis na maior intensidade possiacutevel forccedilando com essa
manobra o deslocamento do combate para o local que lhe era
mais favoraacutevel Com o passar do tempo de combate frontal a
falange macedocircnica comeccedilou a empurrar as legiotildees ao menos
num dos pontos que Plutarco nos faz crer ser o local onde
estava situado o rei306 O momento decisivo da batalha
contudo se deu novamente durante a investida dos
elefantes que os romanos ainda natildeo haviam aprendido a
combater Apoacutes o avanccedilo dos paquidermes provavelmente em
ambas as alas os romanos natildeo puderam se manter em
formaccedilatildeo o que resultou uma vez mais na vitoacuteria do rei
do Epiro sobre Roma Hierocircnimo menciona de acordo com
Plutarco uma perda de 6000 homens para os romanos contra
3505 homens do lado epirota segundo os proacuteprios
comentaacuterios das Memoacuterias de Pirro (que o historiador de
Caacuterdia pocircde certamente consultar)307 Dioniacutesio em
contrapartida sequer admitiu uma derrota romana
mencionando natildeo somente que os suprimentos de Pirro havia
sido saqueada mas tambeacutem que as perdas foram equivalentes
perfazendo um total de 15000 mortos para cada lado
A partir desta batalha se seguirmos os eventos do modo
como apresentado pela tradiccedilatildeo grega podemos concluir sem
exagero que os convites recebidos tanto da Siciacutelia308 quanto
da Macedocircnia309 foram plenamente baseados em sua receacutem-
adquirida reputaccedilatildeo poliacutetica e militar Da mesma forma a
decisatildeo de partir para a Siciacutelia como o liacuteder pelo qual os
306 Uma reconstruccedilatildeo moderna sobre o possiacutevel ordenamento da batalha
encontra-se em Oswald Andreas Hamburger Untersuchungen uumlber den
pyrrhischen Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927 P 31 307 Plut Pirro 218
308 Como detalhado acima no item ldquoPirro e o problema da monarquia
heleniacutesticardquo 309 Alguns povos celtas encontravam-se novamente em processo migratoacuterio
a julgar pelos nuacutemeros apresentados por Diodoro (229) tendo
derrotado Ptolomeu Ceraunus filho de Ptolomeu I durante a invasatildeo da
Macedocircnia ldquoBreno o rei dos gauleses acompanhado por 150000
soldados de infantaria armados com escudo longo (θυρεοφόρων) e 10000 cavaleiros juntos com uma horda de seguidores mercadores e duas mil
carroccedilas invadiram a Macedocircnia []rdquo
140
siciliotas aguardavam desde a morte de Agaacutetocles configurou
o contexto peninsular de uma forma completamente diferente
do que seria se o epirota prosseguisse com as campanhas
contra os romanos Se no teacutermino das lutas Roma teria sido
subjugada nunca saberemos (isso nos seria possiacutevel somente
como exerciacutecio retoacuterico) mas parece niacutetido que as decisotildees
posteriores de Pirro tenham sido baseadas na sua reputaccedilatildeo
em suas vitoacuterias sobre os romanos e no que ele poderia
realizar em termos de feitos grandiosos (tais como a
helenizaccedilatildeo completa da Siciacutelia e a conquista de Cartago)
como monarca de aspiraccedilotildees heleniacutesticas e natildeo numa espeacutecie
de ato desesperado para salvar a expediccedilatildeo apoacutes duas
ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo durante as quais o espiacuterito militar
romano permaneceu inabalaacutevel como nos faz crer a tradiccedilatildeo
analiacutestica
141
CAPIacuteTULO 4 ndash AS DUAS FASES DAS INOVACcedilOtildeES MILITARES
EM CARTAGO
1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo
controle oligaacuterquico e fracasso da tirania em
Cartago 310-255 aC
A decisatildeo de transferir a guerra da Siciacutelia para a
Aacutefrica ainda que a porccedilatildeo grega da ilha estivesse em
condiccedilotildees bastante desfavoraacuteveis estava ancorada como
mostrei no capiacutetulo anterior no conhecimento de Agaacutetocles
sobre o despreparo do exeacutercito ciacutevico cartaginecircs o qual
teria forccedilosamente que entrar em combate com os experientes
mercenaacuterios do siracusano caso fossem pegos de surpresa em
sua proacutepria cidade ou nos arredores mas tambeacutem no
reconhecimento das tensotildees existentes entre a oligarquia
cartaginesa e seus generais As centenas de quilocircmetros que
separavam Cartago da porccedilatildeo oeste da Siciacutelia por vezes
tornavam os ldquorelatoacuteriosrdquo das accedilotildees cartaginesas na ilha
esporaacutedicos e imprecisos310
resultando na coexistecircncia de
dois fatores aparentemente excludentes
Em primeiro lugar destaca-se a autonomia dos generais
de exeacutercitos mercenaacuterios na Siciacutelia com liberdade para
realizar tratados de paz e formar alianccedilas ainda que elas
tivessem que ser confirmadas posteriormente pelo Conselho
de Anciatildeos311
Em segundo lugar encontra-se o controle de
seu poder poliacutetico e militar pela oligarquia o que
frequumlentemente findava em puniccedilotildees financeiras deposiccedilatildeo
do cargo ou ateacute mesmo privaccedilatildeo de direitos ciacutevicos no caso
de derrota assim como deposiccedilatildeo e crucificaccedilatildeo dos
comandantes se confirmada aspiraccedilatildeo tiracircnica mesmo que em
310 Miles pp 146-148 311 Dexter Hoyos ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-218 BCrdquo
Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274 1994 Miles p 146
142
potencial A existecircncia dessa tensatildeo aparece por exemplo
em Diodoro ao mencionar o tratamento hostil dado aos
generais cartagineses pelos seus compatriotas
A causa baacutesica desse problema era a severidade dos
cartagineses ao infligir puniccedilotildees Em suas guerras eles
dispotildeem seus homens mais nobres (τοὺς [] ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν) no comando julgando que esses deveriam ser os primeiros a enfrentar o perigo em nome de toda a
cidade mas quando eles conquistam a paz [os
oligarcas] condenam os mesmos homens em julgamento
trazendo injustamente acusaccedilotildees contra eles por inveja
e os depotildeem com penalidades Portanto alguns desses
homens dispostos em posiccedilotildees de comando desertam
temendo os julgamentos nas cortes ao passo que outros
se lanccedilam agrave tirania (τινὲς δἐπιτίθενται τυραννίσιν)312
Isoacutecrates alguns seacuteculos antes de Diodoro afirmou que
entre os cartagineses ldquoas cidades [eram] governadas por uma
oligarquia mas os assuntos militares por um reirdquo (οἴκοι μὲν
ὀλιγαρχουμένους περὶ δὲ τὸν πόλεμον βασιλευομένους)313 Com isso o
312 Diod 20102-4 αἰτία δὲ μάλιστα τούτων ἡ πρὸς τὰς τιμωρίας πικρία τν Καρχηδονίων τοὺς γὰρ ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν ἐν μὲν τοῖς πολέμοις προάγουσιν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας νομίζοντες δεῖν ατοὺς τν ὅλων προκινδυνεύειν ὅταν δὲ τύχωσι τς εἰρήνης τοὺς ατοὺς τούτους συκοφαντοῦσι καὶ κρίσεις ἀδίκους ἐπιφέροντες διὰ τὸν φθόνον τιμωρίαις περιβάλλουσι διὸ καὶ τν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας ταττομένων τινὲς μὲν φοβούμενοι τὰς ἐν τῶ δικαστηρίῳ κρίσεις ἀποστάται γίνονται [τς ἡγεμονίας] τινὲς δ ἐπιτίθενται τυραννίσιν Nigel Bagnall The Punic Wars New York St Martin 2005 pp 9-11 Miles
op cit p 147 Cabe mencionar aqui o caso relatado em Diod 2310
quando Aniacutebal (natildeo o Barca) apoacutes a derrota na batalha naval de Mylae
durante a Primeira Guerra Puacutenica temendo a puniccedilatildeo oligaacuterquica
decidiu enviar um mensageiro a Cartago para perguntar aos oligarcas se
ele no comando de 200 embarcaccedilotildees deveria entrar em confronto com os
romanos que contavam apenas com 120 embarcaccedilotildees com a resposta
positiva dos entusiasmados compatriotas o mensageiro entatildeo contou que
foi exatamente essa a decisatildeo de Aniacutebal tendo ele no entanto
perdido a batalha para os romanos Diante disso concluiu o
mensageiro o general natildeo deveria ser punido uma vez que agiu como
todos julgavam ser correto O caso serve para ilustrar o receio dos
comandantes cartagineses quanto agraves puniccedilotildees do Senado mais do que
propriamente a severidade dos castigos Sobre a puniccedilatildeo senatorial
podemos destacar a crucifixatildeo como no caso do comandante cartaginecircs
crucificado pelos compatriotas apoacutes desistir de Messina com a chegada
de Aacutepio Claacuteudio cocircnsul romano enviado para dar suporte militar aos
mamertinos (Polib 111) De acordo com Poliacutebio os cartagineses
puniram seu general por sua falta de bom juiacutezo sobre as coisas
(νομίσαντες ατὸν ἀβούλως) e por abandonar a cidadela covardemente
(ἀνάνδρως προέσθαι τὴν ἀκρόπολιν) 313 Isocrates Nicocles 24 Dexter Hoyos (Unplanned Wars The Origins
of the First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de
143
orador aacutetico pretendia evidenciar a tensatildeo referida entre
oligarquia e generais algo existente mesmo antes do iniacutecio
do periacuteodo heleniacutestico Se no seacutecIV aC os generais eram
escolhidos entre os membros da elite poliacutetica314 a partir
do seacutecIII aC os mesmos passaram a ser eleitos pela
assembleacuteia popular315 o que certamente contribuiu para a
degradaccedilatildeo das relaccedilotildees entre oligarquia e comandantes
nomeados Contudo a despeito da progressiva hostilidade
entre os dois lados os oligarcas foram ainda capazes de
punir seus generais com severidade ao longo dos cem
primeiros anos do periacuteodo heleniacutestico O poder que a
oligarquia mantinha sobre os comandantes eacute evidente em
diversas ocasiotildees como a deposiccedilatildeo do general Hanatildeo o
Velho apoacutes sua derrota em Acragas em 263 aC316 Poliacutebio
natildeo menciona o que ocorreu com Hanatildeo dando atenccedilatildeo ao
impacto que a vitoacuteria romana teve no Senado em Roma mas
Diodoro nos relata que ldquoos cartagineses puniram Hanatildeo em
6000 moedas de ouro privando-o de seus direitos ciacutevicosrdquo
(Ἄννωνα δὲ οἱ Καρχηδόνιοι ἐζημίωσαν χρυσοῖς ἑξακισχιλίοις ἀτιμάσαντες)317
A principal razatildeo para o controle efetivo por parte dos
oligarcas reside no excelente funcionamento das
instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais cujo vigor permaneceu
ateacute o iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica devido agraves matildeos
severas da oligarquia (nas ldquofiguras senatoriaisrdquo e dos
Gruyter 1998 P150) destaca que com a ascensatildeo Baacutercida (periacuteodo que
natildeo seraacute tratado nesta tese) a repuacuteblica cartaginesa havia se
tornado de fato uma monarquia militar uma vez que o poder dos
Baacutercidas natildeo se reduzia agrave nova colocircnia hispacircnica estendendo-se aos
assuntos poliacuteticos em Cartago Ainda que essa interpretaccedilatildeo natildeo seja
universal (haacute evidecircncias da oposiccedilatildeo dos cartagineses agrave expediccedilatildeo de
Amiacutelcar em Apiano Guerra Anibaacutelica 24 e Zonaras 817) os autores
modernos tendem a aceitar a influecircncia Baacutercida em Cartago ou o seu
governo independente na Hispacircnia 314 Robert Drews ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan Eunomiardquo AJA
100 1979 P 55 315 Bagnall op cit p 9 316 Polib 118-19 Diod239 Zonaras 810 A batalha seraacute analisada
neste capiacutetulo precisamente no uacuteltimo item 317 Diod 239 Aqui decidi seguir estritamente a traduccedilatildeo de
Goldfather tradutor da Loeb que sugeriu ἀτιμάω como privaccedilatildeo dos
direitos ciacutevicos
144
sufetas)318
O preccedilo a se pagar como veremos neste
capiacutetulo seraacute o impedimento da formaccedilatildeo de uma ldquoescola
militar atualizadardquo na primeira metade do seacutecIII aC o
que atrasaraacute em termos taacuteticos o pensamento militar
cartaginecircs sendo o problema solucionado somente diante de
outra ameaccedila nos arredores de Cartago a expediccedilatildeo romana
liderada por Reacutegulo durante a Primeira Guerra Puacutenica
Poliacutebio menciona que as razotildees para a decadecircncia da
constituiccedilatildeo cartaginesa notada somente a partir da
Segunda Guerra Puacutenica319
resumem-se ao progressivo
desequiliacutebrio das suas instituiccedilotildees diminuindo
sensivelmente a autoridade da oligarquia frente agraves
assembleacuteias populares tendo ldquoa multidatildeo jaacute adquirido a
palavra final nas deliberaccedilotildees ao passo que em Roma o
Senado ainda a detinhardquo (τὴν πλείστην δύναμιν ἐν τοῖς διαβουλίοις παρὰ μὲν
Καρχηδονίοις ὁ δμος ἤδη μετειλήφει παρὰ δὲ Ῥωμαίοις ἀκμὴν εἶχεν ἡ σύγκλητος)320
Ao que tudo indica o periacuteodo localizado entre os primeiros
anos do seacutecIII aC quando a assembleacuteia popular passou a
escolher os generais cartagineses e o iniacutecio da Segunda
Guerra Puacutenica em 218 aC apresentou os uacuteltimos esforccedilos
de controle efetivo dos oligarcas que progressivamente
perdiam espaccedilo para a participaccedilatildeo democraacutetica ainda que
tivessem poder sobre a deposiccedilatildeo dos generais e jaacute nas
duas uacuteltimas deacutecadas do seacutecIII aC para uma poliacutetica da
irracionalidade321
Haacute basicamente duas referecircncias antigas sobre a
constituiccedilatildeo dos cartagineses a respeito da qual pouco se
318 Bagnall op cit p 12 eacute ainda mais incisivo ao dizer que ldquoo
aspecto mais marcante da constituiccedilatildeo cartaginesa era a sua
estabilidaderdquo 319 Polib 651 ldquoMas no momento em que eles embarcaram na Guerra
Anibaacutelica a constituiccedilatildeo dos cartagineses se degenerou ao passo que
a dos romanos progrediurdquo (κατά γε μὴν τοὺς καιροὺς τούτους καθ οὓς εἰς τὸν Ἀννιβιακὸν ἐνέβαινε πόλεμον χεῖρον ἦν τὸ Καρχηδονίων ἄμεινον δὲ τὸ Ῥωμαίων) 320 Polib 651 321 Ver Craige Brian Champion Cultural Politics in Polybius‟
Histories Berkeley University of California Press 2004 pp 117-
121 Miles pp 353-354
145
sabe A primeira e mais esclarecedora delas encontra-se em
Aristoacuteteles (Pol 1272b) portanto temporalmente distante
dos eventos pelos quais demonstramos interesse322
Ainda
assim o entendimento aristoteacutelico do sistema poliacutetico
cartaginecircs no seacutecIV aC deve ser o principal documento
considerado dado o bom julgamento de Aristoacuteteles para o
assunto e as condiccedilotildees miacutenimas de acesso aos relatos
antigos sobre as instituiccedilotildees poliacuteticas cartaginesas A
segunda delas pode ser encontrada como jaacute indicado acima
em Poliacutebio ligeiramente mais proacuteximo dos referidos eventos
que Aristoacuteteles considerando as suas funccedilotildees no ciacuterculo
dos Cipiotildees323 O relato de Poliacutebio contudo carece de
informaccedilotildees baacutesicas resumindo-se agrave demonstraccedilatildeo de como o
desequiliacutebrio no funcionamento das instituiccedilotildees permite a
ascensatildeo de outro poder estrangeiro (Roma) o que daria
ferramentas aos poliacuteticos gregos vindouros para a
compreensatildeo das instituiccedilotildees romanas Afinal sua ldquohistoacuteria
pragmaacuteticardquo se dirigia a uma audiecircncia grega (mas natildeo
somente) forccedilada a conviver sob o domiacutenio romano324
De acordo com Aristoacuteteles os cartagineses viviam sob
uma constituiccedilatildeo boa (Πολιτεύεσθαι δὲ δοκοῦσι καὶ Καρχηδόνιοι καλς) e
superior em muitos aspectos a todas as outras (καὶ πολλὰ
περιττς πρὸς τοὺς ἄλλους) assemelhando-se agraves constituiccedilotildees de
Creta e Esparta (as quais detinham peculiaridade notaacutevel
aos olhos do grego)325 O valor de uma boa constituiccedilatildeo diz
Aristoacuteteles pode ser encontrado quando ldquoos cidadatildeos
permanecem leais ao sistema poliacutetico e nenhum conflito
civil emerge em qualquer escala que valha a pena mencionar
nem qualquer um obteacutem sucesso em se pronunciar tiranordquo (τὸ
τὸν δμον διαμένειν ἐν τῆ τάξει τς πολιτείας καὶ μήτε στάσιν ὅ τι καὶ ἄξιον εἰπεῖν
322 Arist Pol 1272b 323 Polib 644 324 Polib 11 Frank William Walbank Polybius Berkeley and Los
Angeles University of California Press 1972 Daly P 81 325 Arist Pol 1272b Poliacutebio (651) ressalta a semelhanccedila com as
constituiccedilotildees de Roma e Esparta Ver Bagnall op cit p 13 Consolo
Langher pp 127-129
146
γεγενσθαι μήτε τύραννον) Da mesma forma que os espartanos os
cartagineses conheciam as refeiccedilotildees coletivas possuindo um
conselho similar ao dos eacuteforos326 mas composto por 104
homens tendo a vantagem de escolhecirc-los por meacuterito pessoal
(τὴν ἀρχὴν ἀριστίνδην) ao passo que em Esparta a eleiccedilatildeo se
dava entre os cidadatildeos ordinaacuterios Quanto aos dois sufetas
(ou magistrados vistos como reis)327 ambos vinham da mesma
famiacutelia e deviam assumir o cargo por eleiccedilatildeo e natildeo por
senilidade Aparentemente as decisotildees eram sempre tomadas
pelo Senado e pelos sufetas e os assuntos que deveriam ir
agrave assembleacuteia popular eram por eles escolhidos Uma vez que
a votaccedilatildeo fosse encaminhada ao povo (δμος) o Senado abria
matildeo de sua primazia momentaneamente sendo a assembleacuteia
popular investida de poder natildeo somente para escutar as
resoluccedilotildees do governo mas tambeacutem para pronunciar
julgamento sobre elas ldquoum direito que natildeo existia noutras
constituiccedilotildeesrdquo ([] ὅπερ ἐν ταῖς ἑτέραις πολιτείαις οκ ἔστιν) A
poliacutetica cartaginesa seria entatildeo parcialmente
democraacutetica mas com fortes elementos oligaacuterquicos os
quais eram mantidos pela forma de controle institucional
aristocraacutetica As pentarquias por exemplo encarregadas da
326 Poliacutebio menciona a existecircncia de dois reis um conselho de anciatildeos
como forccedila aristocraacutetica e um povo supremo nos assuntos que lhes
cabia 327 Para alguns historiadores os sufetas cartagineses desempenhavam
precisamente as funccedilotildees de um ldquoreirdquo (basileu para os gregos rex para
os latinos) ao passo que para outros a apariccedilatildeo do termo ldquobasileurdquo
quando as fontes mencionam sufetas cartagineses indica unicamente uma
aproximaccedilatildeo ao se traduzir o puacutenico sufeta Como nos lembra Yann Le
Bohec Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions du
Rocher 1996 pp29-31 ldquose a monarquia existiu em Cartago esse
regime desapareceu antes do iniacutecio do seacutecIII aCrdquo Entre os autores
que consideram os sufetas com funccedilotildees idecircnticas agravequelas desempenhadas
pelos reis destaca-se Gilbert Charles-Picard ldquoLes Sufegravetes de Carthage
dans Tite-Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-280
1963 O principal autor a se posicionar a favor de uma mera
aproximaccedilatildeo semacircntica eacute Maurice Sznycer ldquoLe Problegraveme de la royauteacute
dans le monde puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296
1981 Outros autores preferem se posicionar entre as duas
interpretaccedilotildees como no caso de Dexter Hoyos op cit p6 que
defende a plausibilidade de ambas embora opte por traduzir sufetas
como juiacutezes ldquoo reirdquo diz Hoyos ldquoalgumas vezes mencionado nos relatos
gregos pode ter sido uma magistratura separada ou talvez um sufeta
sob outro nomerdquo
147
eleiccedilatildeo dos membros do ldquoconselho dos 104 homensrdquo (senadores
responsaacuteveis por vigiar e reprimir quaisquer abusos por
parte do proacuteprio Senado) eram magistraturas natildeo
remuneradas sendo tanto a riqueza (τὸν πλοῦτον) quanto o
meacuterito (τς ἀρετς) elementos considerados na escolha dos
magistrados o que limitava o exerciacutecio poliacutetico das
pentarquias aos bem-nascidos jaacute que era impossiacutevel ao
homem pobre desfrutar do tempo necessaacuterio para o desempenho
adequado de seus deveres poliacuteticos Assim a eleiccedilatildeo por
riqueza seria oligaacuterquica e a eleiccedilatildeo por meacuterito
aristocraacutetica o que mantinha (durante bastante tempo) o
equiliacutebrio institucional tatildeo valorizado por Poliacutebio para
quem a populaccedilatildeo de Atenas iacutecone do governo puramente
democraacutetico se assemelhava a ldquoum navio sem comandanterdquo
(τοῖς ἀδεσπότοις σκάφεσι)
O uacutenico caso heleniacutestico (entre 323-237 aC)
registrado nas fontes de aspiraccedilatildeo frustrada ao poder
tiracircnico em Cartago se daacute em 310 aC com Bomiacutelcar um dos
strategoi nomeados pelo conselho cartaginecircs frente ao
reconhecimento da inesperada expediccedilatildeo africana de
Agaacutetocles328
Ao eleger Bomiacutelcar juntamente com Hanatildeo o
outro strategos tendo ciecircncia de que ambos advinham de
famiacutelias rivais o conselho cartaginecircs pretendia de acordo
com Diodoro manter a seguranccedila da cidade (τς πόλεως
ἀσφάλειαν) isto eacute o perfeito funcionamento de suas
instituiccedilotildees tradicionais crendo que a desconfianccedila
pessoal e a inimizade muacutetua (τὴν ἰδίαν τούτοις ἀπιστίαν καὶ διαφορὰν
κοινὴν) dos generais inibiriam qualquer tentativa de
ascensatildeo ao poder tiracircnico pelo monopoacutelio dos exeacutercitos329
O conselho prossegue o historiador siciliano se equivocou
em sua decisatildeo uma vez que Bomiacutelcar aproveitou a
oportunidade de sua nomeaccedilatildeo ao cargo de strategos para
328 Diod 2010 Meister CAH 7 p395 Consolo Langher pp 139-141
Justino 226 menciona Hanatildeo como o uacutenico comandante dos cartagineses 329 Diod 2010
148
levar adiante um plano de instauraccedilatildeo da tirania o qual
havia sido como encontramos na fonte previamente
concebido Antes da chegada de Agaacutetocles na Aacutefrica faltava
ao cartaginecircs tanto autoridade (ἐξουσίαν) quanto ocasiatildeo
adequada (καιρὸν οἰκεῖον) uma vez nomeado um dos generais
responsaacuteveis pelo combate contra os gregos na Aacutefrica ambos
os preacute-requisitos lhe foram proporcionados Em primeiro
lugar de posse de parte do exeacutercito cartaginecircs bastava
eliminar seu colega e rival o que considerando o estado
das relaccedilotildees entre os dois seria feito sem grandes
impedimentos Em segundo lugar a presenccedila grega na Aacutefrica
serviria de justificativa para quaisquer acusaccedilotildees de mau
funcionamento das instituiccedilotildees tradicionais o que em
diversas ocasiotildees foi tomado como pontapeacute inicial para a
emergecircncia dos poderes tiracircnicos no mundo grego Em campo
de batalha apoacutes ouvir que seu rival havia sido derrotado
pelos siracusanos Bomiacutelcar tentou forccedilar um recuo
prematuro de sua ala o que induziria a retirada de todo o
exeacutercito acreditando que com isso teria natildeo somente o
controle das tropas mas tambeacutem o desentendimento e
consequumlente submissatildeo do conselho Essa loacutegica encontra
evidecircncia em Diodoro
Se o exeacutercito de Agaacutetocles fosse destruiacutedo ele natildeo
seria capaz de realizar o seu plano rumo agrave supremacia
uma vez que os cidadatildeos permaneceriam fortes mas se o
primeiro vencesse e destruiacutesse o orgulho dos
cartagineses os derrotados seriam faacuteceis de manipular
e ele [Bomiacutelcar] poderia derrotar Agaacutetocles prontamente
quando desejasse fazecirc-lo330
330 Diod 2012 [] εἰ μὲν ἡ μετὰ Ἀγαθοκλέους διαφθαρείη δύναμις μὴ δυνήσεσθαι τὴν ἐπίθεσιν ποιήσασθαι τῆ δυναστείᾳ τν πολιτν ἰσχυόντων εἰ δὲ ἐκεῖνος νικήσας τὰ φρονήματα παρέλοιτο τν Καρχηδονίων εχειρώτους μὲν ἑαυτῶ τοὺς προηττημένους ἔσεσθαι τὸν δ Ἀγαθοκλέα ῥᾳδίως καταπολεμήσειν ὅταν ατῶ δόξῃ
149
O recuo taacutetico de Bomiacutelcar se transformou no entanto
em massacre e destruiccedilatildeo numerosa de seu exeacutercito331 jaacute que
as manobras heleniacutesticas de Agaacutetocles findaram no
envolvimento aparentemente parcial dos cartagineses em
fuga Diodoro um pouco mais agrave frente menciona em detalhes
como os cartagineses conseguiram suprimir a tentativa
desesperada de ascensatildeo tiracircnica por parte de Bomiacutelcar
que apoacutes a derrota para Agaacutetocles selecionou alguns de
seus homens e tentou tomar a proacutepria cidade de Cartago
inesperadamente
[] quando Bomiacutelcar havia revisado o seu exeacutercito no
que era chamada Nova Cidade a qual estava localizada a
uma curta distacircncia da Velha Cartago ele dispensou o
restante mas manteve aqueles com os quais podia contar
em sua revolta cerca de 500 cidadatildeos e 1000
mercenaacuterios e declarou-se tirano (ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον)332
Ao dividir seus homens em cinco unidades Bomiacutelcar
invadiu a cidade (que ainda natildeo tinha conhecimento de seus
planos) e exterminou aqueles que se opuseram aos seus
propoacutesitos Diante da calamidade os cartagineses pegaram
em armas e se apressaram em suprimir a traiccedilatildeo ciacutevica que
haviam sofrido em momento tatildeo delicado para a sua poliacutetica
externa Bomiacutelcar se dirigiu ao centro mercantil (τὴν ἀγορὰν)
e assassinou ainda muitos cidadatildeos desarmados sendo essa
accedilatildeo desesperada seguida pela ocupaccedilatildeo de construccedilotildees
proacuteximas ao mercado por parte dos defensores os quais
foram capazes devido ao posicionamento mais alto e
portanto favoraacutevel agrave defesa interna da cidade contra os
331 Diod 2013 menciona 1000 homens mortos do lado cartaginecircs embora
reconheccedila que outros autores mencionem ateacute 6000 ao passo que Justino
226 nos indica 3000 mortos do lado cartaginecircs Oroacutesio 46 sugere que
2000 cartagineses pereceram em batalha 332 Diod 2044 δ οὖν Βορμίλκας ἐξετασμὸν τν στρατιωτν ποιησάμενος ἐν τῆ καλουμένῃ Νέᾳ πόλει μικρὸν ἔξω τς ἀρχαίας Καρχηδόνος οὔσῃ τοὺς μὲν ἄλλους διαφκε τοὺς δὲ συνειδότας περὶ τς ἐπιθέσεως ὄντας πολίτας μὲν πεντακοσίους μισθοφόρους δὲ περὶ χιλίους ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον
150
homens de Bomiacutelcar de por fim ao que poderia representar a
falecircncia (mesmo que momentacircnea) de suas instituiccedilotildees
poliacuteticas tradicionais Apoacutes a rendiccedilatildeo dos traidores os
cartagineses enviaram os seus cidadatildeos mais velhos (πρέσβεις)
para o estabelecimento de um acordo e decidiram perdoar os
traidores que tiveram que ldquopagarrdquo o perdatildeo com serviccedilo
militar contra Agaacutetocles mas torturaram e mataram o seu
liacuteder Bomiacutelcar preservando assim ldquoa constituiccedilatildeo de seus
paisrdquo (τὴν πατρῴαν πολιτείαν)
Parece seguro dizer que o uacutenico caso registrado de
tentativa de instauraccedilatildeo da tirania em Cartago durante o
primeiro seacuteculo do periacuteodo heleniacutestico tinha propoacutesitos
puramente claacutessicos primeiramente por que a sua
classificaccedilatildeo como ldquoheleniacutesticardquo cairia diante da acusaccedilatildeo
de anacronismo de fato natildeo vejo maneira de um cartaginecircs
ter concebido seu poder em imitaccedilatildeo agrave monarquia de
Alexandre antes mesmo da autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos como
reis333
Aleacutem disso a experiecircncia cartaginesa aponta para o
modelo tiracircnico siciliano tardo-claacutessico sem qualquer
vivecircncia direta (ao menos nas esferas oligaacuterquica e
popular) com os valores monaacuterquicos heleniacutesticos Ainda que
Agaacutetocles tenha desenvolvido os princiacutepios de sua basileia
durante a expediccedilatildeo cartaginesa a configuraccedilatildeo de seu
poder natildeo se dirigia nem aos cartagineses nem aos cidadatildeos
em Siracusa como sustentamos no capiacutetulo anterior mas sim
agraves suas tropas mercenaacuterias que reconheceram seu poder no
episoacutedio da toga puacuterpura e que tinham condiccedilotildees a julgar
pelo tracircnsito mediterracircnico inerente agrave sua profissatildeo de
saber do que se tratava o poder reacutegio assumido por
Agaacutetocles alguns anos apoacutes a batalha de Tuacutenis em 310 aC
Embora tivessem empregado mercenaacuterios em larga escala a
esfera de atuaccedilatildeo poliacutetica dos cartagineses incluindo seus
generais permaneceu estritamente ligada aos modelos
333 Esse eacute o mesmo argumento que utilizei no cap3
151
claacutessicos tendo o uacutenico caso fracassado de ascensatildeo
tiracircnica no periacuteodo heleniacutestico ocorrido em 310 aC antes
mesmo do surgimento das monarquias heleniacutesticas
Apoacutes o episoacutedio de Bomiacutelcar a oligarquia cartaginesa
manteve-se como de costume precavida quanto agraves possiacuteveis
chances da emergecircncia de tiranias em Cartago As fontes natildeo
mencionam outro caso declarado de aspiraccedilatildeo tiracircnica mas
penso que podemos tomar ao considerar uma sistematizaccedilatildeo
das evidecircncias disponiacuteveis a reaccedilatildeo dos cartagineses ao
sucesso militar de Xantipo (o qual seraacute analisado em
detalhes mais agrave frente) como indiacutecio de precauccedilatildeo quanto a
uma ldquotirania em potencialrdquo o que serve em igual medida
para o meu argumento
As fontes fornecem histoacuterias bastante distintas sobre o
desaparecimento do general mercenaacuterio apoacutes serviccedilo prestado
aos cartagineses Comecemos com Poliacutebio
Xantipo a quem essa revoluccedilatildeo e esse notaacutevel avanccedilo
nos eventos relacionados a Cartago foram devidos apoacutes
pouco tempo navegou mais uma vez a Esparta sendo esta
uma decisatildeo muito prudente e bem pensada de sua parte
uma vez que suas realizaccedilotildees brilhantes e excepcionais
cultivariam a inveja mais profunda [] Estrangeiros
quando expostos a tais situaccedilotildees rapidamente sucumbem
e potildeem-se em perigo Haacute outro relato sobre a partida de
Xantipo o qual procurarei apresentar numa ocasiatildeo mais
apropriada que a atual334
Mas qual seria esse segundo relato mencionado por
Poliacutebio Parece possiacutevel dizer a partir do que narram
outras fontes que Poliacutebio estivesse se referindo agrave versatildeo
que encontramos com mais clareza nos fragmentos do livro
23 de Diodoro
334 Polib 136 Ξάνθιππος δὲ τηλικαύτην ἐπίδοσιν καὶ ῥοπὴν ποιήσας τοῖς Καρχηδονίων πράγμασιν μετ ο πολὺν χρόνον ἀπέπλευσεν πάλιν φρονίμως καὶ συνετς βουλευσάμενος αἱ γὰρ ἐπιφανεῖς καὶ παράδοξοι πράξεις βαρεῖς μὲν τοὺς φθόνους ὀξείας δὲ τὰς διαβολὰς γεννσιν [hellip] οἱ δὲ ξένοι ταχέως ἐφ ἑκατέρων τούτων ἡττνται καὶ κινδυνεύουσι λέγεται δὲ καὶ ἕτερος πὲρ τς ἀπαλλαγς τς Ξανθίππου λόγος ὃν πειρασόμεθα διασαφεῖν οἰκειότερον λαβόντες τοῦ παρόντος καιρόν
152
Xantipo o Espartano tambeacutem pereceu nas matildeos dos
siciliotas335 Proacuteximo a Lilibeu uma cidade dos
siciliotas [cartagineses] houve uma guerra entre
romanos e siciliotas guerra essa que continuou por 24
anos Os siciliotas tendo sofrido derrota em batalha
por diversas vezes ofereceram a submissatildeo de sua
cidade aos romanos Xantipo o Espartano que havia
chegado de Esparta com 100 soldados (ou sozinho ou com
50 soldados de acordo com vaacuterios autores) se
aproximou dos siciliotas enquanto eles ainda estavam
indecisos e apoacutes conversar com eles por meio de um
inteacuterprete finalmente os encorajou a fazer frente aos
inimigos Ele entrou em batalha com os romanos e com a
ajuda dos siciliotas massacrou todo o exeacutercito inimigo
Por seu bom serviccedilo prestado [Xantipo] recebeu uma
recompensa merecida e apropriada agravequele povo perverso
uma vez que os moralmente abominaacuteveis o enviaram numa
embarcaccedilatildeo defeituosa e a naufragaram nas aacuteguas do
Adriaacutetico como expressatildeo de seu ressentimento para com
o heroacutei e sua nobreza336
Os relatos posteriores apresentam mais ou menos uma das
duas versotildees Apiano relata o retorno de Xantipo a Esparta
ainda que a viagem tenha sido propositalmente organizada
pelos cartagineses para o extermiacutenio do general durante o
percurso de volta o que se deu com o arremesso de Xantipo
e seus compatriotas da embarcaccedilatildeo em mar aberto337
Os
fragmentos do livro 11 de Caacutessio Dio os quais foram
parcialmente preservados em Zonaras informam duas versotildees
possiacuteveis que sua embarcaccedilatildeo foi atacada pelos proacuteprios
cartagineses e que a embarcaccedilatildeo cedida a ele pelos
335 Apoacutes analisar todo o fragmento fica evidente que Diodoro trocou
(talvez por confusatildeo) em toda a passagem cartagineses por
siciliotas 336 Diod 2316 τοῖς Σικελοῖς καὶ Ξάνθιππος ὁ Σπαρτιάτης θνήσκει περὶ γὰρ τὸ Λιλύβαιον τν Σικελν τὴν πόλιν Ῥωμαίοις τε καὶ Σικελοῖς πόλεμος ἐκροτεῖτο πρὸς εἴκοσι καὶ τέσσαρας τοὺς χρόνους ἐξαρκέσας οἱ Σικελοὶ ταῖς μάχαις δὲ πολλάκις ἡττημένοι Ῥωμαίοις ἐνεχείριζον τὴν πόλιν εἰς δουλείαν τν δὲ Ῥωμαίων μηδαμς μηδ οὕτω πειθομένων ἀλλὰ γυμνοὺς τοὺς Σικελοὺς λεγόντων ἐξιέναι ὁ Σπαρτιάτης Ξάνθιππος ἐλθὼν ἀπὸ τς Σπάρτης σὺν στρατιώταις ἑκατόν ἢ μόνος καθ ἑτέρους κατ ἄλλους δὲ πεντήκοντα τοὺς στρατιώτας ἔχων καὶ προσβαλὼν τοῖς Σικελοῖς οὖσιν ἐγκεκλεισμένοις δι ἑρμηνέως τε ατοῖς πολλὰ συνομιλήσας τέλος θαρρύνει κατ ἐχθρν καὶ συναράξας μάχῃ ἅπαν Ῥωμαίων στράτευμα σὺν τούτοις κατακόπτει τοῖς εηργετημένοις δὲ τὴν ἀμοιβὴν λαμβάνει ἀξίαν καὶ κατάλληλον τς τούτων δυστροπίας πλοίῳ
σαθρῶ τὸν ἄνδρα γὰρ οἱ μιαροὶ βαλόντες πὸ στροφαῖς βυθίζουσι πελάγει τοῦ Ἀδρίου βασκήναντες τὸν ἥρωα καὶ τούτου τὸ γενναῖον 337 Apiano 81
153
cartagineses era velha e por esse motivo naufragaria
inevitavelmente natildeo fosse a percepccedilatildeo de Xantipo acerca do
que estava a ocorrer e a subsequumlente troca da embarcaccedilatildeo
por uma nova338
A despeito de alguns elementos divergentes parece
possiacutevel unificar os relatos de um modo bastante aceitaacutevel
Se tomarmos a informaccedilatildeo encontrada em Poliacutebio Diodoro
Apiano e Caacutessio Dio concluiacutemos que Xantipo apoacutes liderar
vitoriosamente os cartagineses decidiu regressar para
Esparta (ainda que algumas fontes natildeo mencionem abertamente
Esparta mas somente a embarcaccedilatildeo e as honrarias preparadas
pelos cartagineses como forma de agradecer os bons serviccedilos
prestados o que sugere o fim do ldquocontratordquo e portanto o
retorno do mercenaacuterio ao mundo grego) Se os cartagineses
afundaram abertamente a embarcaccedilatildeo ou apenas assassinaram
Xantipo tendo preservado o navio se o mesmo naufragou
devido ao seu estado propositalmente defeituoso ou ainda
se Xantipo foi capaz de chegar satildeo e salvo em Esparta
apesar das armadilhas preparadas torna-se a essa altura
informaccedilatildeo irrelevante dado que em todos os cenaacuterios
possiacuteveis os cartagineses natildeo teriam demonstrado a menor
intenccedilatildeo de tornar a viagem de volta de Xantipo bem-
sucedida
Por que Xantipo decidiu navegar de volta para a Greacutecia
apoacutes tamanho sucesso contra os romanos Xantipo
provavelmente sabia que a ascensatildeo do poder pessoal em
Cartago era um processo muito complicado e por essa razatildeo
natildeo demonstrou qualquer intenccedilatildeo de expandir sua autoridade
entre os cartagineses Todavia os motivos que levaram
Cartago a assegurar que a viagem de Xantipo fosse
desastrosa parecem claros como nos casos anteriores os
cartagineses se esforccedilaram em impedir qualquer ascensatildeo de
poder pessoal dos strategoi possivelmente por conta do que
338 Zonaras 1113
154
estavam habituados a ver na Siciacutelia grega Apoacutes ter
concluiacutedo a segunda reforma do exeacutercito cartaginecircs como
veremos mais agrave frente neste capiacutetulo Xantipo eacute tirado de
cena pelos cartagineses direta ou indiretamente de
maneira a fortalecer o argumento sobre a preocupaccedilatildeo
cartaginesa no que respeita agrave possiacutevel ascensatildeo de tiranos
em Cartago o que representaria um desequiliacutebrio fatal das
instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais
155
2 O exeacutercito cartaginecircs
Ao fornecer uma explicaccedilatildeo para a superioridade do
exeacutercito romano frente ao cartaginecircs Poliacutebio argumenta
que
Os cartagineses satildeo naturalmente superiores no mar
tanto em eficiecircncia quanto em equipamento por que a
navegaccedilatildeo eacute desde os primoacuterdios o seu ofiacutecio nacional
([] Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην) e eles se ocuparam com o mar mais do que
qualquer outro povo mas com relaccedilatildeo ao serviccedilo militar
em terra firme os romanos satildeo muito mais eficientes
De fato eles direcionaram toda sua energia ao assunto
ao passo que os cartagineses negligenciaram
inteiramente sua infantaria (Καρχηδόνιοι δὲ τν μὲν πεζικν εἰς τέλος ὀλιγωροῦσι) ainda que tenham se dedicado
ligeiramente agrave sua cavalaria A razatildeo para isto eacute que
as tropas por eles empregadas satildeo estrangeiras e
mercenaacuterias (ξενικαῖς καὶ μισθοφόροις) ao passo que as dos
romanos satildeo nativas e ciacutevicas (ἐγχωρίοις καὶ πολιτικαῖς)339
Da passagem de Poliacutebio podemos destacar natildeo somente
alguns dos traccedilos centrais para o estudo das evidecircncias
sobre o exeacutercito cartaginecircs (nomeadamente seu caraacuteter
mercenaacuterio e portanto agrave parte do desenvolvimento de uma
cultura militar ciacutevica) mas tambeacutem a ausecircncia de qualquer
tentativa de padronizaccedilatildeo das tropas em unidades taacuteticas
(excetuando o pequeno corpo ciacutevico chamado pelos gregos de
ieros lochos) que pudessem ser reconhecidas e treinadas
pelos generais em situaccedilotildees previamente ldquoensaiadasrdquo De
forma similar ao que ocorria com os persas as tropas que
combatiam pelos cartagineses seguiam os padrotildees
(equipamentos e taacuteticas) de suas regiotildees de origem a
exemplo dos fundeiros das ilhas Baleares ou dos cavaleiros
339 Polib 652
156
numiacutedios Parece mais profiacutecuo portanto realizar uma
anaacutelise do exeacutercito a partir de suas origens eacutetnicas340
Da Numiacutedia os cartagineses contavam com a sua melhor
cavalaria tropas montadas sem sela armadas com lanccedila de
arremesso e capazes de combater tanto em regiotildees
acidentadas quanto planas surpreendendo o inimigo por sua
precisatildeo e movimentaccedilatildeo raacutepida recursos que por vezes
foram empregados como elemento surpresa pelos generais
cartagineses mais capazes a exemplo de Aniacutebal Barca341
As
taacuteticas empregadas pelos numiacutedios uma vez que eram
cavalaria levemente armada com lanccedilas de arremesso
repousavam naturalmente numa loacutegica distinta daquela
encontrada entre os cavaleiros macedocircnios pesadamente
armados apostando no ldquoarremesso perioacutedicordquo de suas lanccedilas
e em recuos taacuteticos que evitavam a todo custo o choque
frontal com o inimigo Talvez por esse motivo os numiacutedios
tenham sido classificados pelos romanos como covardes
traiccediloeiros e com ldquoapetites mais violentos que quaisquer
outros baacuterbarosrdquo342
Os cartagineses contavam aleacutem dos numiacutedios com os
fundeiros das ilhas Baleares De maneira geral esses
homens eram organizados em corpos de 2000 soldados armados
com dois tipos de funda uma empregada para desferir
ataques contra um inimigo compacto marchando em meacutedia
distacircncia e outra para alvos individuais obviamente mais
proacuteximos que os primeiros343
Embora sua arma caracteriacutestica
seja a funda durante o primeiro contato com os
cartagineses344 alguns dos soldados baleaacutericos estavam
340 Griffith pp 207-233 Peter Connolly Greece and Rome at War
London Macdonald 1981 pp 148-152 Bagnall op cit pp8-11 Daly
pp 84-112 341 Bagnall op cit p 8 Daly pp 92-93 342 Tito Liacutevio 2541 2844 2923 3012 Daly p92 343 Estrabatildeo 35 Bagnall op cit pp 8-9 Daly p 107 344 Diod 1380 faz referecircncia a soldados baleaacutericos no exeacutercito
cartaginecircs para os finais do seacutecV aC Cf Steacutephane Gsell Histoire
ancienne de lAfrique du Nord (vol2) Paris Hachette 1914-1930 P
374 Daly p 107
157
armados com lanccedila de arremesso como nos informa Estrabatildeo
sendo normalmente pagos de acordo com Diodoro em mulheres
e vinho345
O pagamento mencionado em Diodoro claramente
induz agrave sua caracterizaccedilatildeo como tropas mercenaacuterias aleacutem do
historiador siciliano Poliacutebio faz referecircncia ao pagamento
dos soldados baleaacutericos durante a Revolta Mercenaacuteria (241-
237 aC) e posteriormente na batalha de Zama (202
aC)346
Os iberos tambeacutem desempenhavam papel importante na
composiccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs desde tempos anteriores agrave
consolidaccedilatildeo dos Baacutercidas Antes da investida Baacutercida na
Ibeacuteria ou Hispacircnia a presenccedila cartaginesa na regiatildeo
resumia-se a acordos comerciais e alianccedilas sendo alguns
iberos recrutados portanto como mercenaacuterios a serviccedilo de
Cartago347 Durante a Segunda Guerra Puacutenica ou mesmo um
pouco antes os soldados iberos passaram a servir como
contingente aliado ainda que alguns possam ter sido
recrutados unicamente como mercenaacuterios348 De onde
precisamente eles afluiacuteam eacute algo difiacutecil de mapear uma vez
que mesmo Estrabatildeo encontrou dificuldade em delimitar
geograficamente a Ibeacuteria ou Hispacircnia349 de seu tempo Jaacute na
eacutepoca da invasatildeo anibaacutelica Poliacutebio350 indica seguramente
que as tropas ibeacutericas enviadas agrave Aacutefrica advinham das
seguintes regiotildees Tersitae Mastiani Oretes ibeacuterica e
Olcades Talvez tais regiotildees tenham sido previamente
conhecidas pelos cartagineses e seu contato aumentado com
a ascensatildeo Baacutercida subsequumlente agrave Primeira Guerra Puacutenica
mas essas satildeo apenas suposiccedilotildees sem evidecircncias diretas nas
fontes
345 Diod 517 346 Polib 167 1511 Daly p 107 347 Heroacutedoto faz referecircncia aos iberos no livro 7165 Trata-se aqui
dos iberos da Hispacircnia natildeo os da regiatildeo do Caacuteucaso 348 Griffith pp 225-226 Daly p 95 349 Estrabatildeo 34 350 Polib 333
158
A grande contribuiccedilatildeo dos iberos para a arte da guerra
mediterracircnica residia em sua espada peculiar a todos os
povos conhecidos da regiatildeo peninsular a espada falcata Os
iberos empregavam basicamente dois tipos de espada mas
Poliacutebio descreve a que provocou impacto nos usos do
armamento romano particularmente na adoccedilatildeo do gladius
hispaniensis (o qual se tornou a principal arma de combate
corpo-a-corpo dos legionaacuterios possuindo cerca de 60 cm de
comprimento com dois lados cortantes e uma ponta)351
Os escudos dos iberos e celtas eram muito similares
mas suas espadas eram completamente diferentes (τὰ δὲ ξίφη τὴν ἐναντίαν εἶχε διάθεσιν) sendo aquelas dos iberos
perfurantes com a mesma fatalidade de quando usadas no
corte ([] τὸ κέντημα τς καταφορᾶς ἴσχυε πρὸς τὸ βλάπτειν)352
O maior nuacutemero de mercenaacuterios usados pelos cartagineses
era contudo de liacutebios provenientes da regiatildeo da atual
Tuniacutesia Griffith recorda que no seacutecVI aC353
os
cartagineses passaram gradualmente a confiar a defesa de
sua cidade em tropas aliadas e mercenaacuterias em sua maioria
formada por liacutebios354 A historiografia mais recente tem
observado que os liacutebios referidos por Heroacutedoto em Himera
(480 aC)355 deveriam ter estatuto de tropas pagas
considerando-se que a subjugaccedilatildeo de territoacuterios africanos
vizinhos pelos cartagineses eacute posterior agrave batalha de
Himera356 Aleacutem disso que os liacutebios tenham sido recrutados
como forma de tributaccedilatildeo com o decorrer da expansatildeo
territorial cartaginesa parece improvaacutevel a julgar pela
identificaccedilatildeo polibiana dos liacutebios com as demais tropas
351 Connoly op cit p150 Daly p 97 352 Polib 3114 353 Precisar a data eacute impossiacutevel 354 Griffith pp 207-208 355 Hdt 7165 356 Brian H Warmington Carthage New York Praeger 1960 P 40
Serge Lancel Carthage a history Oxford Cambridge MA Blackwell
1995 P 257 Daly p 84
159
seguramente mercenaacuterias357 Por fim o seu armamento era
basicamente a lanccedila e o escudo (o formato eacute assunto
controverso) sendo ambos empregados por infantaria
disposta em boa ordem o que por vezes levou historiadores
a acreditarem numa similaridade com o modelo hopliacutetico
grego358
No entanto quando Poliacutebio e outros autores
antigos mencionam organizaccedilatildeo em falange para tropas natildeo-
gregas o termo frequumlentemente indica apenas infantaria
pesadamente armada ou ldquoem massardquo sem precisar um corpo de
soldados dispostos na mesma loacutegica que regia a falange
hopliacutetica Os liacutebios lutavam por vezes como infantaria
coesa a exemplo do que Plutarco narra em Crimiso (340
aC) ocasiatildeo em que 10000 homens (entre liacutebios e
cartagineses) surpreenderam pela marcha compassada e em boa
ordem (τῆ βραδυττι καὶ τάξει τς πορείας)359 mas dificilmente
combatiam como hoplitas
Quanto aos elefantes os mesmos foram introduzidos na
arte da guerra do ocidente heleniacutestico por Pirro do Epiro
Alguns anos depois os paquidermes passaram a ser usados
pelos cartagineses que os adquiriam basicamente nos
arredores de Cartago e na costa do atual Marrocos embora
Aniacutebal Barca tenha ldquoimportadordquo alguns do Egito
ptolomaico360
Como explicado ao longo do cap2 os
elefantes tinham efeito desproporcional se considerado o
seu pequeno nuacutemero mas dependiam largamente de condiccedilotildees
favoraacuteveis ao seu uso Sendo um traccedilo da arte da guerra
heleniacutestica seraacute possiacutevel observar uma modificaccedilatildeo taacutetica
crucial no emprego dos elefantes pelos cartagineses apoacutes
Xantipo uma vez que os generais de Cartago tendiam a
empregaacute-los como forccedila de apoio agrave cavalaria ou como
357 Um exemplo claro encontra-se em Polib 167 358 Um bom exemplo eacute Le Bohec op cit pp 39-40 que questiona ateacute se
os cartagineses uma vez que combatiam em falange (argumento de Le
Bohec) teriam adotado a lanccedila macedocircnica (sarissa) 359 Plut Tim 27 360 Bagnall op cit p 9
160
ldquoguardiotildees da bagagemrdquo sem ter considerado o seu uso ao
centro (contra uma infantaria massificada) de modo
integrado com a investida montada nas alas
161
3 As primeiras inovaccedilotildees militares na Cartago
heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave
ameaccedila grega 310-307 aC
A incorporaccedilatildeo dos homens de Ophellas ao exeacutercito de
Agaacutetocles foi acompanhada como visto anteriormente pela
tentativa desesperada de ascensatildeo do poder tiracircnico em
Cartago a qual havia sido liderada por Bomiacutelcar Ambos os
eventos contudo natildeo possuiacuteam conexatildeo direta mas
provocaram sem duacutevida abalo consideraacutevel no moral do
exeacutercito cartaginecircs o que pode justificar como enfatizou
Meister o grande sucesso de Agaacutetocles ao tomar portos e a
cidade de Uacutetica a mais importante depois de Cartago apoacutes
longa resistecircncia de seus cidadatildeos361 Isso permitiria a
Agaacutetocles o estabelecimento de uma linha de comunicaccedilatildeo
permanente com a Siciacutelia o que se traduziria em peacutessimas
notiacutecias para os cartagineses Diante de situaccedilatildeo tatildeo
favoraacutevel contudo o siracusano teve que retornar agrave
Siciacutelia urgentemente levando consigo 2000 homens e
nomeando Arcagatos para o comando das tropas na Aacutefrica362
Sua partida se transformaraacute no iniacutecio de uma reviravolta na
expediccedilatildeo africana Ainda que seus oficiais (nomeadamente
Eumachos) tenham conseguido capturar algumas cidades
(incluindo Hippo Acra e Acris) subjugando parcialmente
povos nocircmades uma uniatildeo desses povos em prol de sua
liberdade e as adversidades das regiotildees africanas
provocaram o recuo dos gregos363
De fato Eumachos havia
conquistado excelente reputaccedilatildeo entre os homens de
Agaacutetocles ao retornar vitorioso de sua primeira campanha
mas a resistecircncia combinada dos nocircmades provocou a baixa de
muitos homens bem como o recuo imediato dos demais sendo
361 Diod 2043 Meister CAH 7 p 398 362 Diod 2055 Justino 228 363 Consolo Langher pp 219-226
162
impossiacutevel avanccedilar sobre os territoacuterios devido a sua
inospicidade natural364 Essa primeira mudanccedila na
perspectiva geral da expediccedilatildeo africana seraacute acompanhada do
que sustento ter sido uma reforma logiacutestica no exeacutercito
cartaginecircs
De acordo com Diodoro seguindo a traduccedilatildeo da Loeb o
Senado em Cartago recebeu bom conselho sobre a guerra (τς
γερουσίας ἐν Καρχηδόνι βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου καλς) e os senadores
decidiram formar trecircs exeacutercitos e enviaacute-los da cidade cada
um com destino proacuteprio sendo o primeiro contra as cidades
costeiras o segundo contra as regiotildees intermediaacuterias e o
terceiro contra as cidades no interior365
A partir disso a
guerra tomou outros rumos privando os gregos da vantagem
ateacute entatildeo assegurada a qual foi devida principalmente agrave
inexperiecircncia dos cartagineses frente aos homens ldquoeducados
na escola do perigordquo Seria possiacutevel presumir que algum
general mercenaacuterio em particular concretizado como
personagem histoacuterica da mesma forma que Xantipo alguns
anos mais tarde teria aconselhado o Senado cartaginecircs sem
ter com isso assumido qualquer posiccedilatildeo de comando o que
seria plausiacutevel se tiveacutessemos evidecircncias mais concretas
(tais como nomes) Essa situaccedilatildeo hipoteacutetica asseguraria
inclusive a traduccedilatildeo acima mencionada Mas o verbo
βουλευσαμένης tal qual aparece na citaccedilatildeo natildeo eacute a forma
passiva de βουλεύω (normalmente ldquoreceber ou tomar conselho
sobre algordquo)366 Noutras palavras nesse caso especiacutefico o
mais correto seria traduzir βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου como
ldquodeliberou [o proacuteprio Senado] sobre a guerrardquo o que pode
gerar a ilusatildeo se considerada somente a sintaxe do texto
364 Diodoro (2058) menciona uma montanha cheia de gatos selvagens
(πλήρους δ ὄντος αἰλούρων) e mais adiante uma ldquoterra dos siacutemiosrdquo
(Πιθηκοῦσαι νσοι) sendo a primeira ldquoinoacutespita inclusive aos paacutessarosrdquo e a segunda com costumes muito diferentes dos gregos 365 Diod 2059 366 A forma passiva seria βουλευθείσης Sobre esse esclarecimento sou
grato a Nicolas Bertrand membro da Faculdade de Liacutenguas e culturas
antigas da Universidade Lille 3
163
de que o Senado teria deliberado a partir de uma discussatildeo
entre os senadores apenas homens idosos sem qualquer
experiecircncia militar ignorando portanto aconselhamentos
de a uma pessoa ou grupo aleacutem dos proacuteprios senadores As
informaccedilotildees contidas em Diodoro todavia apontam
claramente para orientaccedilotildees de algueacutem militarmente
experiente capaz de dar uma reviravolta estrateacutegica na
guerra ao dividir o exeacutercito cartaginecircs em trecircs unidades
De acordo com Diodoro os cartagineses pensaram em
primeiro lugar que o envio de 30000 soldados aliviaria a
cidade da obrigaccedilatildeo de tantas provisotildees as quais eram jaacute
escassas a essa altura do conflito e eliminaria o risco do
cerco uma vez que o inimigo estaria ocupado com os
exeacutercitos avanccedilados Em segundo lugar eles concluiacuteram que
a lealdade de seus aliados seria assegurada se os mesmos
pudessem contar com o apoio de tropas cartaginesas as
quais desencorajariam qualquer traiccedilatildeo aos gregos algo
historicamente usual quando cidades aliadas militarmente
fracas punham-se diante da presenccedila superior das tropas
inimigas e do descaso de seus aliados Por uacuteltimo a
terceira e a principal razatildeo para a nova organizaccedilatildeo
logiacutestica de seu exeacutercito ldquoacima de tudo eles esperavam
que os inimigos se vissem forccedilados a dividir as suas forccedilas
e a recuar para longe de Cartagordquo (τὸ δὲ μέγιστον ἤλπιζον καὶ τοὺς
πολεμίους ἀναγκασθήσεσθαι μερίζειν τὰς δυνάμεις καὶ μακρὰν ἀποσπᾶσθαι τς
Καρχηδόνος)367
Como podemos notar essas satildeo razotildees de ordem militar
(especialmente a uacuteltima e mais importante delas) as quais
natildeo poderiam ter sido concebidas por senadores sem
experiecircncia militar adequada ou mesmo por generais
igualmente inexperientes (uma constante em Cartago ao
menos ateacute a ascensatildeo Baacutercida) o que explica o envio uacutenico
e prematuro de todo o exeacutercito pelos generais cartagineses
367 Diod 2059 Consolo Langher pp 226-227
164
antes da referida reforma Portanto ainda que nenhuma
personagem histoacuterica possa ser precisada ou nomeada
diferentemente do que ocorreraacute mais tarde com Xantipo
parece seguro dizer que oficiais mercenaacuterios (os quais eram
encontrados em abundacircncia entre os cartagineses mas sempre
desempenhando funccedilotildees de oficiais de autoridade menor)
cuja experiecircncia militar eacute fator inegaacutevel teriam
aconselhado o Senado nessa ocasiatildeo O recrutamento
posterior de Xantipo ilustra que esse aconselhamento era
algo considerado pelos oligarcas em casos de perigo
extremo natildeo sendo absurda a ascensatildeo momentacircnea de
generais mercenaacuterios (gregos por deduccedilatildeo) ao comando do
exeacutercito mesmo que eles estivessem restritos ao niacutevel do
aconselhamento dos cartagineses por meio de inteacuterpretes368
O Senado enviou entatildeo cerca de 30000 homens em unidades
aproximadas de 10000 soldados deixando em Cartago apenas
os homens suficientes para a defesa da cidade Com isso os
defensores poderiam desfrutar das provisotildees necessaacuterias e
os grupamentos enviados assegurariam o apoio dos aliados ou
povos nocircmades neutros no conflito369
Ao ver que as regiotildees
que antes natildeo contavam com a presenccedila militar cartaginesa
agora tinham tropas enviadas por Cartago Arcagatos se viu
forccedilado a dividir tambeacutem as suas forccedilas pois soacute assim
poderia enfrentar a investida inimiga um primeiro
destacamento foi enviado para a regiatildeo costeira seguido
pelo envio de tropas sob o comando de Aeschrion
responsaacutevel pelo combate dos cartagineses localizados nas
regiotildees intermediaacuterias e da terceira parte (sob o comando
do proacuteprio Arcagatos) do exeacutercito para as cidades do
interior
Os resultados natildeo foram nada favoraacuteveis aos gregos
Aeschrion pereceu em batalha apoacutes uma emboscada preparada
368 Inteacuterpretes satildeo mencionados por Diod 2316 no caso de Xantipo 369 Diod 2059 Consolo Langher p 231
165
por Hanatildeo general cartaginecircs sobre o qual nada sabemos
aleacutem do plano para a morte do comandante grego Segundo
Diodoro os cartagineses avanccedilaram sobre eles de forma
inesperada contrariando todas as expectativas e abateram
mais de 4000 soldados de infantaria 200 cavaleiros e o
proacuteprio general ([] καὶ παραδόξως ἐπιθέμενος ἀνεῖλε πεζοὺς μὲν πλείους
τν τετρακισχιλίων ἱππεῖς δὲ περὶ διακοσίους ἐν οἷς ἦν καὶ ατὸς ὁ στρατηγός)
Diante disso sem ter como revidar as tropas sobreviventes
retiraram-se para o acamamento de Arcagathus distante
cerca de 90 quilocircmetros (500 estaacutedios gregos ἀπέχοντα σταδίους
πεντακοσίους)370 Himilco general cartaginecircs responsaacutevel pelas
tropas dirigidas ao interior aguardava em posiccedilatildeo
defensiva favoraacutevel numa cidade aparentemente bem
fortificada Os soldados de Eumachos retornavam de sua
campanha a marcha lenta por causa dos espoacutelios obtidos das
cidades capturadas quando se depararam com os cartagineses
de Himilco Desafiados para uma batalha decisiva os
cartagineses aceitaram o combate mas natildeo da forma como os
gregos esperavam Parte das tropas foi deixada escondida na
cidade e a outra parte se apresentou em campo aberto
simulando uma retirada apoacutes iniciada a batalha o que teria
provocado o avanccedilo precipitado e desordenado dos homens de
Eumachos provavelmente confiantes demais com o resultado
da campanha no interior Os gregos findaram por pressionar
em confusatildeo aqueles que estavam em recuo ([] καὶ
τεθορυβημένως τν ποχωρούντων ἐξήπτοντο) momento em que as ordens
de Himilco foram executadas pelas tropas que haviam sido
deixadas na cidade como forccedila de reserva
Himilco deixou parte de seu exeacutercito em armas na
cidade ordenando que no momento em que ele se
370 Diod 2060
166
retirasse em fuga simulada o exeacutercito castigasse os
seus perseguidores371
Envolvidos dessa maneira os gregos entraram em pacircnico
e bateram em retirada sendo impedidos de retornar ao seu
acampamento pelos cartagineses o que gerou a
impossibilidade da aquisiccedilatildeo de aacutegua e facilitou por
consequumlecircncia a finalizaccedilatildeo por parte dos cartagineses
Diodoro menciona que de um total de 8000 soldados
infantaria e 800 cavaleiros apenas 70 sobreviveram a essa
batalha Arcagato entatildeo reuniu os soldados sobreviventes
desses infortuacutenios e enviou um relatoacuterio a Agaacutetocles
solicitando a sua ajuda o mais raacutepido possiacutevel Os
cartagineses sendo vitoriosos conseguiram o apoio de
muitos desertores do exeacutercito grego que cercado por terra
e mar aguardava desesperadamente reforccedilo vindo da Siciacutelia
A chegada de Agaacutetocles natildeo modificou sensivelmente a
situaccedilatildeo desfavoraacutevel aos gregos Justino menciona uma
soluccedilatildeo momentacircnea para o motim dos mercenaacuterios os quais
natildeo deveriam pedir o pagamento de seu comandante ldquomas
tomaacute-lo do inimigordquo (sed ab hoste quaerenda) Ainda de
acordo com a forma que Justino via o discurso de Agaacutetocles
aos seus homens eles deveriam ldquoobter uma vitoacuteria e um
espoacutelio comunsrdquo (communem victoriam communem praedam
futuram)372
Mas o pagamento natildeo veio pois os inimigos natildeo
puderam ser derrotados Sabendo de sua condiccedilatildeo favoraacutevel
particularmente quanto ao terreno linhas de abastecimento
e moral das tropas os cartagineses aguardaram em seu
acampamento tendo assim forccedilado Agaacutetocles diante da
inquietaccedilatildeo de seus mercenaacuterios373 a arriscar uma batalha
371 Diod 2060 [] Ἰμίλκων μέρος μὲν τς στρατιᾶς κατέλιπε διεσκευασμένον ἐν τῆ πόλει διακελευσάμενος ὅταν ατὸς ἀναχωρῆ προσποιούμενος φεύγειν ἐπεξελθεῖν τοῖς ἐπιδιώκουσιν 372 Justino 228 373 Diod 2064 menciona desistecircncia por parte dos mercenaacuterios no curto
tempo que Agaacutetocles decidiu esperar por condiccedilotildees estrateacutegicas mais
favoraacuteveis
167
sem as vantagens baacutesicas exigidas para tanto Pressionado
por todos os lados seus homens natildeo puderam resistir e a
batalha logo estava completamente perdida
Ainda que natildeo tenhamos informaccedilotildees detalhadas sobre
essa uacuteltima derrota grega na Aacutefrica parece certo deduzir
que as taacuteticas cartaginesas natildeo eram a essa altura
ldquoheleniacutesticasrdquo apesar do contato direto com Agaacutetocles Se
tiveacutessemos maiores detalhes sobre as taacuteticas em campo
aberto as mesmas provavelmente confirmariam o
ldquodiagnoacutesticordquo de Xantipo cerca de 50 anos mais tarde
durante a Primeira Guerra Puacutenica que os cartagineses foram
derrotados naquele tempo pelos romanos devido agrave
inexperiecircncia de seus generais De modo geral as taacuteticas
heleniacutesticas representavam o que havia de mais atualizado e
eficiente na arte da guerra mediterracircnica pois
consideravam os diversos aspectos do confronto armado Os
generais cartagineses natildeo estavam capacitados para tais
modificaccedilotildees executando no fim do seacutecIV aC manobras
tiacutepicas do periacuteodo claacutessico nem tinham proximidade com a
figura de Alexandre ou conhecimento suficiente de sua
expediccedilatildeo asiaacutetica para a realizaccedilatildeo da referida tarefa
antes de Xantipo Mas algo mudou durante a expediccedilatildeo
africana de Agaacutetocles o envio das tropas a territoacuterio
africano obedeceu diante da ameaccedila estrangeira em seu
territoacuterio a criteacuterios logiacutesticos mais apurados o que
parece ter sido produto de aconselhamento por parte dos
mercenaacuterios
168
4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no
periacuteodo preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica
frente agrave ameaccedila romana 255 aC
41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC
411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa
contra os romanos
As Guerras Puacutenicas sempre atraiacuteram a atenccedilatildeo dos
historiadores particularmente aqueles interessados em
entender o momento em que os romanos iniciaram sua expansatildeo
para aleacutem da Peniacutensula Itaacutelica374
O primeiro desses
conflitos a chamada Primeira Guerra Puacutenica (264-241 aC)
foi a guerra contiacutenua mais longa da histoacuteria romana e
levando-se em consideraccedilatildeo o seu impacto sobre a formaccedilatildeo
das colocircnias romanas no Mediterracircneo a mais importante
delas Parece oacutebvio chegar a essa conclusatildeo quando se tem
em mente que durante o primeiro confronto entre Cartago e
Roma os soldados romanos lutaram na Siciacutelia Coacutersega
Sardenha e norte da Aacutefrica tendo nascido nesse momento a
justificativa romana para a intervenccedilatildeo nos assuntos
sicilianos e posteriormente cartagineses levando agrave
destruiccedilatildeo da cidade na Terceira Guerra Puacutenica (149-146
374 As referecircncias sobre as Guerras Puacutenicas satildeo quase incontaacuteveis Como
breve listagem das melhores obras sobre o tema sugiro Arnold J
Toynbee Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s effects on Roman
life London New York Oxford University Press 1965 Brian Caven
The Punic Wars London Weidenfeld and Nicolson 1980 Bagnall op
cit Basil Henry Liddell Hart Scipio Africanus greater than
Napoleon New York Da Capo Press 1994 Le Bohec op cit John
Francis Lazenby First Punic War e John F Lazenby Hannibal‟s war a
military history of the Second Punic War Norman University of
Oklahoma Press 1998 Dexter Hoyos Unplanned Wars The Origins of the
First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter
1998 Goldsworthy Punic Wars Daly Dexter Hoyos Hannibal‟s war
books twenty-one to thirty Livy translated by JC Yardley with an
introduction and notes by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford
University Press 2006 Miles
169
aC)375
Aleacutem disso na condiccedilatildeo de guerra primariamente
naval eacute normalmente dito por historiadores que a Primeira
Guerra Puacutenica agregou o maior nuacutemero de homens envolvidos
em batalhas no mar ao longo de toda a histoacuteria greco-
romana376
De modo geral a Primeira Guerra Puacutenica aparece apenas
como um capiacutetulo menor das Guerras Puacutenicas precisamente um
preluacutedio necessaacuterio ao estudo da bem documentada Guerra
Anibaacutelica377
Lazenby recorda que no livro de Caven sobre as
Guerras Puacutenicas por exemplo muitos detalhes (pormenores
relevantes ao estudo especializado) satildeo deixados de lado e
nenhuma referecircncia agraves evidecircncias antigas eacute feita378 O livro
de Bagnall The Punic Wars tambeacutem carece de detalhes
importantes ainda que apresente boas hipoacuteteses sobre
estrateacutegia379
Ateacute o estudo sistemaacutetico de Lazenby
portanto natildeo havia publicaccedilotildees detalhadas sobre o
conflito submetendo frequumlentemente a anaacutelise ao modo
criativo e inovador que caracterizou os caminhos pelos
quais os romanos venceram os ldquotraiccediloeiros cartaginesesrdquo
que tiveram por fim somente uma repentina e fugaz
reviravolta em sua fortuna sob o comando de Aniacutebal Barca
Tendo Lazenby como ponto de partida outras obras surgiram
mas a maioria delas preocupadas mais com a Segunda Guerra
Puacutenica ou com a caracterizaccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica
375 Ver Goldsworthy Punic Wars pp331-356 376 Lazenby First Punic War p1 Polib 163 caracteriza a guerra
como a mais longa mais intensa e maior (πολυχρονιώτατος καὶ συνεχέστατος καὶ μέγιστος) de todas as guerras 377 Haacute algumas obras dedicadas apenas agrave Primeira Guerra Puacutenica mas de
modo geral essas satildeo escassas se comparadas ao grande nuacutemero de
estudos sobre Aniacutebal Barca e sua guerra contra os romanos Sobre obras
dedicadas agrave Primeira Guerra Puacutenica em particular ver por exemplo
Lazenby First Punic War e Yann Le Bohec (org) Le Premiegravere Guerre
Punique Collection du Centre d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23
Lyon Paris De Boccard 2001 378 Lazenby First Punic War prefaacutecio A obra mencionada eacute a de Caven
(op cit) Caven eacute tambeacutem autor de Dionysius I war-lord of Sicily
New Haven Yale University Press 1990 379 Lazenby First Punic War prefaacutecio Bagnall op cit
170
como preluacutedio das demais380
Isso induz agraves anaacutelises gerais
que reduzem para o que mais interessa a esse respeito
nesta tese o impacto das inovaccedilotildees lideradas por
Xantipo381
O que teria entatildeo em primeiro lugar dado iniacutecio agrave
Primeira Guerra Puacutenica Antes de tratar do recrutamento de
Xantipo (e possivelmente outros mercenaacuterios gregos) como
indiacutecio da preocupaccedilatildeo cartaginesa com a invasatildeo de Reacutegulo
na Aacutefrica torna-se fundamental o entendimento da
construccedilatildeo gradual do direito de intervenccedilatildeo romana na
Siciacutelia e do modo como as relaccedilotildees entre Cartago e Roma
chegaram ao ponto da hostilidade poliacutetico-militar
De acordo com Poliacutebio trecircs foram os tratados entre
Cartago e Roma no periacuteodo anterior agrave deflagraccedilatildeo da
guerra382 O primeiro deles teria ocorrido 28 anos antes da
invasatildeo de Xerxes isto eacute entre 509-507 aC ocupando-se
com a restriccedilatildeo dos acordos comerciais de Roma com a Aacutefrica
e a Sardenha o que asseguraria tambeacutem a sua autoridade no
Laacutecio Traduzido por Poliacutebio do latim ldquoda forma mais exata
possiacutevelrdquo o tratado (versatildeo parcial) seria como se segue
bdquoHaveraacute amizade (φιλίαν) entre os romanos e seus
aliados e entre os cartagineses e seus aliados nos
seguintes termos
Nem os romanos nem seus aliados navegaratildeo aleacutem de sua
Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) a menos que levados por tempestade (χειμνος) ou por pressatildeo do
inimigo (πολεμίων)383 Se qualquer um desses for levado para terra firme o mesmo natildeo compraraacute ou tomaraacute
qualquer coisa que seja para si salvo o que for
necessaacuterio para o reparo de sua embarcaccedilatildeo (πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν) e para honrar os deuses (πρὸς ἱερά) devendo
380 Uma exceccedilatildeo eacute obviamente Le Bohec sobre a Primeira Guerra Puacutenica
(op cit) 381 Goldsworthy Punic Wars p10 admite que Lazenby First Punic War
eacute a referecircncia ldquomais acadecircmicardquo para o assunto 382 Polib 322 383 Polemiacuteon indica ldquorelativo agrave guerrardquo mas aqui deve ser traduzido
como ldquopor medo ou pressatildeo do inimigordquo jaacute que indica uma forccedila
externa no caso militar como fator para ultrapassar os limites
geograacuteficos estabelecidos
171
partir em cinco dias [] Aqueles que desembarcarem
para o comeacutercio natildeo devem fazecirc-lo salvo na presenccedila de
um oficial (κήρυκι) ou secretaacuterio (γραμματεῖ) O que quer que seja vendido na presenccedila desses deveraacute ter o preccedilo
assegurado com base no creacutedito do Estado contanto que
ocorra na Liacutebia ou na Sardenha Se um romano vier agrave
Siciacutelia aquela pertencente ao territoacuterio dos
cartagineses (ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν) o mesmo desfrutaraacute de todos os direitos comuns aos demais Os cartagineses
natildeo causaratildeo danos ao povo de Ardea Antium
Laurentium Circeii Terracina nem a qualquer um dos
Latinos desde que esses estejam submetidos [a Roma]
(μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι) [] Eles [os
cartagineses] natildeo construiratildeo forte no Laacutecio se
entrarem em armas no territoacuterio ali natildeo permaneceratildeo
nem mesmo para passar a noite (ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσαν)‟384
Como pode ser observado trata-se de um acordo
comercial com fins igualmente poliacuteticos dirigido agrave criaccedilatildeo
ou manutenccedilatildeo das boas relaccedilotildees entre Cartago e Roma Tem
sido sugerido que nessa passagem encontrariacuteamos a indicaccedilatildeo
de uma renovaccedilatildeo de um tratado jaacute existente entre Cartago e
os reis etruscos de Roma uma vez que haacute outras evidecircncias
para a existecircncia de termos amigaacuteveis entre os cartagineses
e os etruscos no seacutecVI aC Aleacutem disso a eacutepoca referida
por Poliacutebio condiz com o periacuteodo etrusco em Roma385
O segundo tratado ocorreu provavelmente em 348 aC se
for aceita a identificaccedilatildeo do tratado mencionado por Tito
384 Polib 322 ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίοις καὶ τοῖς Καρχηδονίων συμμάχοις μὴ πλεῖν Ῥωμαίους μηδὲ τοὺς Ῥωμαίων συμμάχους ἐπέκεινα τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου ἐὰν μὴ πὸ χειμνος ἢ πολεμίων ἀναγκασθσιν ἐὰν δέ τις βίᾳ κατενεχθῆ μὴ ἐξέστω ατῶ μηδὲν ἀγοράζειν μηδὲ λαμβάνειν πλὴν ὅσα πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν ἢ πρὸς ἱερά (ἐν πέντε δ ἡμέραις ἀποτρεχέτω) τοῖς δὲ κατ ἐμπορίαν παραγινομένοις μηδὲν ἔστω τέλος πλὴν ἐπὶ κήρυκι ἢ γραμματεῖ ὅσα δ ἂν τούτων παρόντων πραθῆ δημοσίᾳ πίστει ὀφειλέσθω τῶ ἀποδομένῳ ὅσα ἂν ἢ ἐν Λιβύῃ ἢ ἐν Σαρδόνι πραθῆ ἐὰν Ῥωμαίων τις εἰς Σικελίαν παραγίνηται ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ἴσα ἔστω τὰ Ῥωμαίων πάντα Καρχηδόνιοι δὲ μὴ ἀδικείτωσαν δμον Ἀρδεατν Ἀντιατν Λαρεντίνων Κιρκαιιτν Ταρρακινιτν μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι ἐὰν δέ τινες μὴ ὦσιν πήκοοι τν πόλεων ἀπεχέσθωσαν ἂν δὲ λάβωσι Ῥωμαίοις ἀποδιδότωσαν ἀκέραιον φρούριον μὴ ἐνοικοδομείτωσαν ἐν τῆ Λατίνῃ ἐὰν ὡς πολέμιοι εἰς τὴν χώραν εἰσέλθωσιν ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσανrdquo 385 Lazenby First Punic War p31 A evidecircncia citada eacute Hdt 1166 E
eles atacaram e pilharam todas as cidades vizinhas razatildeo pela qual os
etruscos e cartagineses (Τυρσηνοὶ καὶ Καρχηδόνιοι) se aliaram contra eles []
172
Liacutevio386
e Diodoro387
com aquele descrito por Poliacutebio388 como
o segundo dos acordos embora Tito Liacutevio e Diodoro anunciem
esse tratado como o primeiro a inaugurar as relaccedilotildees
diplomaacuteticas entre os dois Estados Basicamente o segundo
tratado asseguraria a posiccedilatildeo dos romanos no Laacutecio e a dos
cartagineses na Liacutebia e Sardenha exatamente como no
primeiro tratado referido por Poliacutebio mas acrescentava
Uacutetica ao domiacutenio cartaginecircs indicando o sul da Hispacircnia
como aacuterea proibida ao comeacutercio por parte de Roma Tito
Liacutevio e Diodoro nos informam apenas que um tratado havia
sido estabelecido entre Roma e os cartagineses389 ao passo
que Poliacutebio nos concede as maiores informaccedilotildees a respeito
apresentando uma traduccedilatildeo do tratado da seguinte maneira
bdquoHaveraacute amizade entre os romanos e seus aliados e
entre os cartagineses os habitantes de Tiro e o povo
de Uacutetica (Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ) nos seguintes termos Os romanos natildeo saquearatildeo (λῄζεσθαι) traficaratildeo
(ἐμπορεύεσθαι) ou fundaratildeo uma cidade (πόλιν κτίζειν) aleacutem de sua Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) Mastia e Tarsenium Se os cartagineses tomarem qualquer cidade
no Laacutecio que natildeo esteja submetida a Roma eles poderatildeo
fazer prisioneiros e confiscar bens (τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν) mas desistiratildeo da cidade (τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν) [] Na Sardenha e na Liacutebia nenhum romano traficaraacute ou fundaraacute cidade ele natildeo faraacute mais do que
pegar provisotildees ou reabastecer sua embarcaccedilatildeo (εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι) Se uma tempestade levaacute-lo a esses locais o mesmo partiraacute em cinco dias []‟
390
386 Tito Liacutevio 727 387 Diod 1669 388 Polib 324 ver Lazenby First Punic War pp 31-32 389 Tito Liacutevio 727 Et cum Carthaginiensibus legatis Romae foedus
ictum cum amicitiam ac societatem petentes uenissent Diod 1669 ἐπὶ δὲ τού των Ῥωμαίοις μὲν πρὸς Καρχηδονίους πρτον συνθκαι ἐγένοντο 390 Polib 324 A versatildeo completa do tratado aparece como se segue ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίων καὶ Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ καὶ τοῖς τούτων συμμάχοις τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου Μαστίας Ταρσηίου μὴ λῄζεσθαι ἐπέκεινα Ῥωμαίους μηδ ἐμπορεύεσθαι μηδὲ πόλιν κτίζειν ἐὰν δὲ Καρχηδόνιοι λάβωσιν ἐν τῆ Λατίνῃ πόλιν τινὰ μὴ οὖσαν πήκοον Ῥωμαίοις τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν ἐὰν δέ τινες Καρχηδονίων λάβωσί τινας πρὸς οὓς εἰρήνη μέν ἐστιν ἔγγραπτος Ῥωμαίοις μὴ ποτάττονται δέ τι ατοῖς μὴ καταγέτωσαν εἰς τοὺς Ῥωμαίων λιμένας ἐὰν δὲ καταχθέντος ἐπιλάβηται ὁ Ῥωμαῖος ἀφιέσθω ὡσαύτως δὲ μηδ οἱ Ῥωμαῖοι ποιείτωσαν ἂν ἔκ τινος χώρας ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ὕδωρ ἢ ἐφόδια λάβῃ ὁ Ῥωμαῖος μετὰ τούτων τν ἐφοδίων μὴ ἀδικείτω μηδένα πρὸς οὓς εἰρήνη καὶ φιλία ἐστὶ (Καρχηδονίοις ὡσαύ τως δὲ μηδ ὁ)
173
O terceiro tratado entre Cartago e Roma teve lugar
entre 279 e 278 aC isto eacute durante a expediccedilatildeo italiana
de Pirro do Epiro em socorro de Tarento391 Apoacutes as suas
duas vitoacuterias contra os romanos as chamadas ldquovitoacuterias
piacuterricasrdquo (em Heraclea e Aacutesculo) Pirro resolveu atender ao
pedido das cidades siciliotas e partiu rumo agrave ilha para
comandar a guerra dos gregos contra os cartagineses
Cartago por outro lado natildeo via a chegada de Pirro como
algo positivo em momento tatildeo crucial da guerra e
estabeleceu novo acordo com os romanos desta vez em termos
bastante favoraacuteveis aos uacuteltimos com o objetivo de
assegurar que o epirota permanecesse na peniacutensula
De acordo com Poliacutebio o terceiro tratado continha os
mesmos termos dos dois anteriores exceto pelos seguintes
elementos inseridos por conta da presenccedila de Pirro na
Peniacutensula e em seguida na Siciacutelia
bdquoSe um ou outro necessitar de auxiacutelio (ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας) os cartagineses forneceratildeo as
embarcaccedilotildees seja para transporte ou com fins
militares mas cada povo arcaraacute com o pagamento de seus
proacuteprios homens (τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι) Os
cartagineses tambeacutem daratildeo suporte mariacutetimo (κατὰ θάλατταν) se os romanos precisarem mas nenhum dos dois
Καρχηδόνιος ποιείτω εἰ δέ μὴ ἰδίᾳ μεταπορευέσθω ἐὰν δέ τις τοῦτο ποιήσῃ δημόσιον γινέσθω τὸ ἀδίκημα ἐν Σαρδόνι καὶ Λιβύῃ μηδεὶς Ῥωμαίων μήτ ἐμπορευέσθω μήτε πόλιν κτιζέτω [] εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι ἐὰν δὲ χειμὼν κατενέγκῃ ἐν πένθ ἡμέραις ἀποτρεχέτω ἐν Σικελίᾳ ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσι καὶ ἐν Καρχηδόνι πάντα καὶ ποιείτω καὶ πωλείτω ὅσα καὶ τῶ πολίτῃ ἔξεστιν ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ Καρχηδόνιος ποιείτω ἐν Ῥώμῃrdquo 391 A anaacutelise mais recente sobre o terceiro tratado pode ser encontrada
em Zambon Hellenistic Sicily pp 86-95 Zambon Hellenistic Sicily
divide as fontes para o terceiro tratado em (a) fontes sobre as
relaccedilotildees diplomaacuteticas (b) fontes sobre a assinatura do tratado e (c)
fontes para os eventos histoacutericos apoacutes a conclusatildeo da nova alianccedila
Como aqui pretendo apenas mostrar a degradaccedilatildeo das relaccedilotildees
diplomaacuteticas entre Cartago e Roma para entatildeo salientar razotildees mais
profundas para a deflagraccedilatildeo da guerra que a questatildeo dos mamertinos
temas mais especiacuteficos (como os que foram enumerados por Zambon
Hellenistic Sicily e trabalhados por um nuacutemero abundante de autores)
seratildeo propositalmente suprimidos Sobre o tratado aleacutem de Zambon
pode-se consultar Barbara Scardigli I Trattati romano-cartaginesi
Pisa Scuola Normale Superiore 1991 Hoyos op cit pp 7-11
174
obrigaraacute os tripulantes a desembarcar contra a sua
vontade‟ (versatildeo parcial)392
O tratado como podemos observar estabelece claramente
auxiacutelio militar muacutetuo393 estando Cartago disposta a se
ldquocomprometerrdquo com o auxiacutelio logiacutestico mais do que os
romanos (inclusive pela condiccedilatildeo de sua frota em comparaccedilatildeo
com aquela virtualmente inexistente dos romanos) o que
ilustra a insatisfaccedilatildeo com a possibilidade de ter que lidar
com Pirro na Siciacutelia Os resultados do tratado contudo
natildeo tiveram grande impacto de ordem praacutetica Ainda que seja
tentador identificar a referecircncia agraves 120 embarcaccedilotildees sob o
comando do cartaginecircs Mago em Justino no momento da
expediccedilatildeo italiana de Pirro como fruto do terceiro tratado
a referecircncia (na mesma passagem)394 a uma visita em segredo
de Mago ao epirota durante a qual certo tipo de alianccedila ou
amizade foi oferecido indica que Cartago natildeo estava
decidida quanto agrave hostilidade em direccedilatildeo a Pirro e
portanto parece mais correto dizer que o envio de Mago se
deu antes do tratado Lazenby ceacutetico diante da evidecircncia
acerca de outro evento como consequumlecircncia do terceiro acordo
entre Cartago e Roma agrave eacutepoca da expediccedilatildeo piacuterrica aponta
uma operaccedilatildeo ocorrida em Reggio separada da Siciacutelia apenas
pelo estreito de Messina como o uacutenico evento possivelmente
resultante do tratado em questatildeo395 Apoiado num fragmento
de Diodoro Lazenby sugere que os 500 homens enviados a
Reggio (ainda sob o domiacutenio romano) por Cartago
392 Polib 325 [] ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας τὰ πλοῖα παρεχέτωσαν Καρχηδόνιοι καὶ εἰς τὴν ὁδὸν καὶ εἰς τὴν ἄφοδον τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι Καρχηδόνιοι δὲ καὶ κατὰ θάλατταν Ῥωμαίοις βοηθείτωσαν ἂν χρεία ᾖ τὰ δὲ πληρώματα μηδεὶς ἀναγκαζέτω ἐκβαίνειν ἀκουσίωςrdquo 393 Lazenby First Punic War p 32 394 Justino 182 [] quasi pacificator Karthaginiensium Pyrrum
adiit speculaturus consilia eius de Sicilia [] Embora Justino
indique que as reais intenccedilotildees dos cartagineses eram especular o que
Pirro pensava sobre a Siciacutelia temos ainda uma duacutevida que parece mais
caracteriacutestica de um periacuteodo anterior mesmo que bastante proacuteximo da
data do terceiro tratado com Roma 395 Lazenby First Punic War p 33
175
corresponderiam ao contingente de apoio contra o invasor
epirota Aleacutem desse evento nenhum outro pode ser cotado
como relacionado ao tratado ldquonem mesmo quando somente
Lilibeu permaneceu sob domiacutenio de Cartago de todas as suas
posses na Siciacuteliardquo396 Terminada a expediccedilatildeo de Pirro
outros possiacuteveis eventos podem ser vistos ainda como parte
do acordo mas como resposta aos homens deixados pelo
rei397
Apoacutes a breve anaacutelise dos trecircs tratados entre Cartago e
Roma podemos notar portanto ao lado da construccedilatildeo de uma
relaccedilatildeo amistosa entre os dois poderes a consolidaccedilatildeo da
posiccedilatildeo cartaginesa na Siciacutelia por cerca de 300 anos
(apesar de algumas reviravoltas tais como a guerra contra
Agaacutetocles e em seguida Pirro) e a expansatildeo romana em
direccedilatildeo ao sul da Peniacutensula regiatildeo que teraacute durante a
expediccedilatildeo de Pirro e um pouco depois presenccedila constante de
legionaacuterios romanos a exemplo da cidade de Reggio (vale
ressaltar mais uma vez separada da Siciacutelia apenas pelo
estreito de Messina) Tendo Pirro saiacutedo de cena o choque
entre dois Estados com impulsos imperialistas seria com o
passar dos anos algo inevitaacutevel O problema com os
mamertinos daria entatildeo o motivo concreto para a
deflagraccedilatildeo do conflito
Como visto anteriormente os soldados campacircnios
inicialmente a serviccedilo de Agaacutetocles haviam subjugado a
regiatildeo nordeste da Siciacutelia alguns anos apoacutes a morte do
siracusano tirando proveito da situaccedilatildeo poliacutetica delicada
pela qual a ilha passava Com a ascensatildeo de Hiero de
Siracusa e a soluccedilatildeo dos conflitos em Reggio (que teve seus
campacircnios revoltosos exterminados pelos romanos) a
situaccedilatildeo dos mamertinos se modificaraacute principalmente
396 Lazenby First Punic War p 34 397 Uma frota cartaginesa enviada a Tarentum para dar suporte ao cerco
liderado pelos romanos contra Milo deixado na cidade por Pirro
aparece por exemplo em Zonaras 88 e Oroacutesio 43
176
devido ao combate sistemaacutetico por parte dos siracusanos
contra a seacuterie de pilhagens promovidas pelos mercenaacuterios
Os mamertinos sem ter muito o que fazer solicitaram apoio
dos cartagineses e em seguida dos romanos Poliacutebio eacute
esclarecedor a esse respeito
Alguns deles apelaram aos cartagineses propondo a
submissatildeo deles proacuteprios e da cidade ao passo que
outros enviaram uma embaixada a Roma oferecendo a
submissatildeo da cidade e implorando por assistecircncia como
povo de mesma origem (ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν)398
O principal elemento considerado pelos romanos em sua
avaliaccedilatildeo do pedido de auxiacutelio mamertino natildeo parece ter
sido contudo a identificaccedilatildeo eacutetnica De acordo com
Poliacutebio os romanos estavam cientes da grande expansatildeo do
territoacuterio cartaginecircs que jaacute incluiacutea a Liacutebia parte da
Hispacircnia a Sardenha e o Mar Tirreno restando somente a
conquista de parte da Siciacutelia para se tornarem ldquoos vizinhos
mais problemaacuteticos e perigosos (βαρεῖς καὶ φοβεροὶ γείτονες)rdquo
cercando Roma por todos os cantos da Peniacutensula No final
das contas possivelmente por pressatildeo popular (οἱ πολλοὶ) o
Senado decidiu nomear o cocircnsul Aacutepio Claacuteudio como general no
comando das tropas que atravessariam o mar em direccedilatildeo a
Siciacutelia sendo o cocircnsul vitorioso na primeira batalha
contra Hieratildeo (recentemente aliado de Cartago e vitorioso
num primeiro confronto contra os mamertinos) e os
cartagineses399 Derrotado pelos romanos Hieratildeo findou por
estabelecer alianccedila com os primeiros em 263 aC
mostrando-se leal a eles ateacute o fim de seu governo em 215
aC Os cartagineses em contrapartida frente agrave deserccedilatildeo
de Hieratildeo montaram seu novo quartel general na cidade de
Acragas devido a sua localizaccedilatildeo favoraacutevel como ponto de
398 Polib 110 [] οἱ μὲν ἐπὶ Καρχηδονίους κατέφευγον καὶ τούτοις ἐνεχείριζον σφᾶς ατοὺς καὶ τὴν ἄκραν οἱ δὲ πρὸς Ῥωμαίους ἐπρέσβευον παραδιδόντες τὴν πόλιν καὶ δεόμενοι βοηθήσειν σφίσιν ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν 399 Polib 111
177
apoio logiacutestico bem como ao faacutecil acesso que ela oferecia
agrave porccedilatildeo leste da Siciacutelia a qual estava sob domiacutenio do
inimigo400
Com seus primeiros movimentos na Siciacutelia a maior parte
da Primeira Guerra Puacutenica todavia foi travada no mar
ainda que uma anaacutelise das evidecircncias acerca da atuaccedilatildeo dos
exeacutercitos (particularmente na Aacutefrica) ilustre inovaccedilotildees
militares importantes em terra firme Os cartagineses eram
conhecidos por sua excelecircncia mariacutetima tendo a navegaccedilatildeo
se tornado como nos informa Poliacutebio o seu ofiacutecio
nacional401
Eacute de salientar o respeito dos antigos quanto agrave
frota cartaginesa em diversas ocasiotildees de tensatildeo militar
das quais destaco como exemplo algumas cidades sicilianas
(aliadas aos romanos) que ldquoaterrorizadas diante da frota
cartaginesardquo (καταπεπληγμέναι τὸν τν Καρχηδονίων στόλον)
desertaram antes mesmo de lutar402 Os aparatos tecnoloacutegicos
usados na guerra naval eram quase sempre inventados ou
aprimorados pelos cartagineses a exemplo da substituiccedilatildeo
das trirremes (dominantes na guerra naval por cerca de 200
anos) pelas quadrirremes e de sua consequumlente adaptaccedilatildeo
para as quinquerremes403
Por outro lado como nos faz crer
Poliacutebio os romanos natildeo haviam se dedicado agrave guerra naval
como os cartagineses sendo seus construtores navais
completamente inexperientes na montagem de quinquerremes
400 Polib 117 Miles op cit p 179 401 Polib 652 Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην Ver item sobre o exeacutercito cartaginecircs 402 Polib 120 403
Note-se que a quinquerreme (do latim quinque o nuacutemero de homens necessaacuterios para mover cada seccedilatildeo da embarcaccedilatildeo) foi criado por
Dioniacutesio de Siracusa mas o seu uso foi melhorado pelos cartagineses
John S Morrison e John F Coates (The Athenian trireme the history
and reconstruction of an ancient Greek warship Cambridge University
Press 1986 pp259-260 Miles pp 177-178) mostraram a partir de
evidecircncias iconograacuteficas que a quinquereme cartaginesa era
ligeiramente diferente do modelo grego com um formato tipicamente
feniacutecio para os espaccedilos onde eram dispostos os cinco remadores de cada
seccedilatildeo o que garantia no caso cartaginecircs uma proteccedilatildeo extra para os
remadores e para o casco do navio Este seria por consequumlecircncia o
modelo das quinquerremes romanas Para a marinha de guerra cartaginesa
em geral cf Le Bohec op cit pp 49-55
178
(τν δὲ ναυπηγν εἰς τέλος ἀπείρων ὄντων τς περὶ τὰς πεντήρεις ναυπηγίας)
quando da deflagraccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica404 A frota
de 100 quinquerremes e 20 trirremes construiacuteda em 261
aC teria sido a primeira formada pelos proacuteprios romanos
o que acentuaria na visatildeo de Poliacutebio quatildeo espirituosos
(μεγαλόψυχον) e extraordinaacuterios (παράβολον) eram os romanos ao
fazer algo405
Com a apreensatildeo de uma embarcaccedilatildeo cartaginesa (uma
quinquerreme) tomada como modelo Roma teria finalizado a
construccedilatildeo de sua frota (as 120 embarcaccedilotildees descritas por
Poliacutebio) em apenas 60 dias406 provavelmente por que a
disposiccedilatildeo das peccedilas das embarcaccedilotildees seguiu o meacutetodo de
organizaccedilatildeo por letras empregado por Cartago407 Frota
pronta natildeo significava contudo frota taticamente apta
Logo cerca de 17 embarcaccedilotildees romanas acabaram por ser
capturadas pelos cartagineses nas Ilhas Eoacutelias a noroeste
de Messina enquanto tentavam submeter a cidade de Lipara
tendo sua tripulaccedilatildeo e seu comandante Gneu Corneacutelio
Cipiatildeo sido capturados sem grande dificuldade408
404 Uma boa siacutentese das condiccedilotildees gerais da guerra naval no seacutecIII
aC pode ser encontrada em Goldsworthy Punic Wars pp 96-103 405 Polib 120 ἐξ ὧν καὶ μάλιστα συνίδοι τις ἂν τὸ μεγαλόψυχον καὶ παράβολον τς Ῥωμαίων αἱρέσεως Poliacutebio entende que a vitoacuteria romana em Acragas (261 aC) teria modificado sensivelmente os objetivos dos romanos com a
guerra ao inveacutes de simplesmente proteger os mamertinos agora Roma
havia se decidido pela expulsatildeo dos cartagineses da Siciacutelia Ver
Goldsworthy Punic Wars p 97 406 Polib 120 Bagnall op cit p 60 Le Bohec op cit pp75-77
Hoyos op cit p89 407 O meacutetodo ficou conhecido entre os estudiosos de Cartago apoacutes
escavaccedilatildeo dirigida por Honor Frost na deacutecada de 70 Restos de uma
embarcaccedilatildeo antiga haviam sido encontrados em 1969 por um capitatildeo de
navio mercante Diego Boninni durante uma viagem de trabalho Estudos
da escrita deixada pelos construtores da embarcaccedilatildeo mostraram que o
casco havia sido preconcebido ao passo que a existecircncia de letras
similares em direccedilotildees variadas indicava a presenccedila de muacuteltiplos
construtores Os resultados da escavaccedilatildeo foram publicados
primeiramente no The International Journal of Nautical Archaeology (a
partir de 1972) e assim que o trabalho de campo se deu por encerrado
um relato amplo foi publicado pela Accademia Nazionale dei Lincei
(Roma) como suplemento da Notizie degli Scavi di Antichitagrave 30 (1976) 408 Polib 121 Miles op cit p 181 observa que a carreira de
Cipiatildeo natildeo parece ter sido abalada em ambiente senatorial jaacute que o
mesmo foi eleito cocircnsul pela segunda vez em 254 aC mas entre a
populaccedilatildeo sua reputaccedilatildeo natildeo era mais cotada entre as mais intactas a
179
Taticamente inferiores no mar o que havia se tornado
evidente apoacutes a primeira derrota de sua frota para os
cartagineses em 260 aC os romanos desenvolveram uma arma
engenhosa com o objetivo de superar a falta de habilidade
(se comparada agrave dos cartagineses) ao manobrar as
embarcaccedilotildees o corvus409 Prancha de 11 m de comprimento e
120 m de largura o corvo possuiacutea um espeto na
extremidade o qual era usado para perfurar a embarcaccedilatildeo
inimiga durante a sua trajetoacuteria de cima para baixo
permitindo assim que as duas embarcaccedilotildees envolvidas se
mantivessem forccedilosamente conectadas o tempo necessaacuterio para
a travessia completa dos soldados romanos Esses por sua
vez atravessavam a prancha em numa coluna disposta em
pares de maneira que os dois primeiros protegiam a frente
com seus escudos erguidos enquanto os seguintes dividiam a
proteccedilatildeo dos flancos410
O melhor exemplo para a explicaccedilatildeo acerca do
funcionamento do corvo eacute a batalha de Mylae Segundo
Poliacutebio ansiosos para por agrave prova o novo equipamento
disposto na proa dos navios os romanos decidiram sob o
comando de Caio Duilio (que havia deixado as legiotildees sob
responsabilidade dos tribunos militares) atacar os
cartagineses que assolavam o territoacuterio de Mylae
Ao se aproximarem e verem os corvos (τοὺς κόρακας) subindo ao ponto mais alto da proa de cada navio os
cartagineses em princiacutepio ficaram confusos surpresos
com a construccedilatildeo das maacutequinas Contudo como eles davam
o inimigo inteiramente por derrotado as embarcaccedilotildees da
linha de frente atacaram bravamente Mas conforme as
julgar pelo apelido que lhe foi dado asina ou mula Ver Pliacutenio
8169 Lazenby First Punic War op cit pp 66-67 Ao lado de Cipiatildeo
estava o seu colega de magistratura Caio Duilio comandante das
tropas na Siciacutelia 409 Ainda que Poliacutebio use o termo korakes os estudiosos modernos
adotaram a forma latina corvus (corvi no plural) pois esse eacute de
acordo com Lazenby First Punic War (p 68) o termo latino
correspondente 410 Polib 122
180
embarcaccedilotildees que entravam em colisatildeo eram rapidamente
capturadas pelas maacutequinas e os tripulantes romanos
embarcavam por meio do corvo (τοῦ κόρακος) e atacavam os inimigos um a um na plataforma alguns dos cartagineses
eram eliminados e outros rendidos por desacircnimo diante
do que estava ocorrendo tendo a batalha se tornado
praticamente um combate em terra firme Os primeiros
trinta navios que entraram em combate foram capturados
por todos os tripulantes incluindo a embarcaccedilatildeo do
comandante sendo Aniacutebal capaz de escapar por um
milagre num bote salva-vidas O restante da forccedila
cartaginesa [] desistiu e bateu em retirada (τέλος ἐγκλίναντες ἔφυγον οἱ Καρχηδόνιοι) aterrorizada (καταπλαγέντες) por esta nova experiecircncia tendo perdido 50 navios
411
Embora Poliacutebio natildeo mencione nenhuma puniccedilatildeo fatal do
comandante cartaginecircs por sua derrota outras fontes narram
crucificaccedilatildeo ou apedrejamento de Aniacutebal (natildeo o Baacutercida) por
seus homens os quais estavam insatisfeitos com o resultado
da batalha412
A vitoacuteria romana em Mylae ainda que natildeo
tenha sido decisiva assegurou aos romanos a atuaccedilatildeo na
regiatildeo da Sardenha e Coacutersega territoacuterios antes sob domiacutenio
cartaginecircs Ao inveacutes de concentrar campanhas na Siciacutelia ou
na Sardenha e Coacutersega os romanos conduziram as duas
ofensivas ao mesmo tempo o envio dos dois cocircnsules o
primeiro (Corneacutelio Cipiatildeo) para Sardenha e Coacutersega e o
segundo (Corneacutelio Aquiacutelio) para a Siciacutelia comprovam o
pensamento estrateacutegico adotado por Roma413 Uma seacuterie de
batalhas navais tiveram lugar em seguida das quais se
destaca pela quantidade de homens envolvidos a batalha de
Ecnomus (256 aC) Segundo Poliacutebio do lado romano
contavam-se 100000 tripulantes (δέκα μυριάδας) caacutelculo
retirado dos 300 remadores e 120 soldados embarcados em
cada navio Do lado cartaginecircs o total dos soldados era
algo proacuteximo dos 150000 (πεντεκαίδεκα μυριάδας) a julgar pela
411 Polib 123 Cf Lazenby First Punic War pp67-73 Le Bohec op
cit pp 77-88 Bagnall op cit pp 62-63 Goldsworthy Punic Wars
pp105-109 Miles pp 182-184 412 Zonaras 812 Oroacutesio 44 413 Bagnall op cit p64
181
contagem de suas embarcaccedilotildees (κατὰ τὸν τν νεν λόγον)414 Apoacutes
violento embate proacuteximo ao sudoeste da Siciacutelia o qual foi
mais uma vez decidido pelo uso dos corvos (a despeito das
ateacute entatildeo eficientes taacuteticas cartaginesas) os romanos
comeccedilaram os preparativos para a invasatildeo da Aacutefrica415
414 Polib 126 415 Os pormenores da batalha de Ecnomus foram suprimidos
propositalmente uma vez que o principal interesse da tese natildeo recai
sobre a marinha de guerra cartaginesa Para a batalha de Ecnomus ver
Polib 126-28 Quanto aos estudos modernos a anaacutelise mais
esclarecedora eacute Goldsworthy Punic Wars pp 109-114
182
412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a
Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana de
Reacutegulo 256-255 aC
Poliacutebio nos informa que os cartagineses que haviam
escapado do confronto em Ecnomus navegaram diretamente para
Cartago e ldquoconvencidos de que os inimigos excitados por
seu sucesso fariam o ataque direto agrave proacutepria cidade de
Cartagordquo (πεπεισμένοι τοὺς πεναντίους ἐκ τοῦ γεγονότος προτερήματος
ἐπαρθέντας εθέως ποιήσεσθαι τὸν ἐπίπλουν ἐπ ατὴν τὴν Καρχηδόνα)
mantiveram-se atentos a todos os possiacuteveis pontos de
desembarque na aacuterea416 Os romanos contudo desembarcaram a
uma distacircncia segura (Cabo Bon no nordeste da atual
Tuniacutesia) certamente por terem conhecimento da dificuldade
que seria tomar Cartago sem uma linha de abastecimento
assegurada entre a Siciacutelia e a Aacutefrica e iniciaram uma
seacuterie de cercos a cidades menores sendo Aspis a primeira
delas417
O que os romanos pretendiam com isso Em princiacutepio
poder-se-ia dizer que a decisatildeo era unicamente de seguranccedila
para o desembarque mas alguns indiacutecios em Poliacutebio apontam
para uma ocupaccedilatildeo definitiva (ainda que por ser modelada)
a qual deve ter sido planejada logo apoacutes a vitoacuteria em
Ecnomus Em primeiro lugar antes de navegar em direccedilatildeo agrave
Liacutebia eles organizaram as suas provisotildees e repararam as
embarcaccedilotildees capturadas (προσεπισιτισάμενοι καὶ τὰς αἰχμαλώτους ναῦς
καταρτίσαντες) em seguida assim que a Aspis foi tomada
guarniccedilotildees (τὰς δυνάμεις) foram ali deixadas para assegurar a
cidade (τς πόλεως) e o territoacuterio (τς χώρας) por uacuteltimo
mensageiros foram enviados a Roma para informar o ocorrido
e obter instruccedilotildees sobre o que deveria ser feito no futuro
(περὶ τν μελλόντων τί δεῖ ποιεῖν) e como eles deveriam lidar com
416 Polib 129 417 Sobre o desembarque bem como para os eventos posteriores ver Le
Bohec opcit pp 87-89 Lazenby First Punic War pp 97-103
Goldsworthy Punic Wars pp 84-87 Bagnall op cit pp 70-75
Miles pp 185-187
183
toda a situaccedilatildeo (πς χρσθαι τοῖς πράγμασιν) Se Poliacutebio estiver
correto na ordenaccedilatildeo desses eventos (e natildeo vejo motivos
para natildeo estar) os romanos tinham em mente mesmo antes de
relatar os eventos ao Senado assegurar uma posiccedilatildeo forte
em territoacuterio inimigo restando apenas a autorizaccedilatildeo de
Roma para dar prosseguimento agrave expediccedilatildeo africana A forma
que essa expediccedilatildeo assumiria contudo estava nas matildeos do
Senado418 A resposta natildeo poderia ser diferente um dos
cocircnsules deveria permanecer na Aacutefrica com forccedila adequada
(δυνάμεις τὰς ἀρκούσας) enquanto o outro deveria retornar para
Roma com a frota419
Se a essa altura os romanos tinham em mente a
reproduccedilatildeo do que havia feito Agaacutetocles cerca de 50 anos
antes natildeo sabemos por evidecircncias diretas (como seria uma
afirmaccedilatildeo de Poliacutebio ou referecircncia a Agaacutetocles em alguma
reuniatildeo senatorial antes da deliberaccedilatildeo sobre o que deveria
ser feito pelas tropas na Aacutefrica) mas isso pode ser
proposto com certo grau de plausibilidade por evidecircncias
indiretas Como mostrei antes os elementos necessaacuterios
para a realizaccedilatildeo de uma expediccedilatildeo haviam sido pensados
apoacutes Ecnomus e uma vez na Aacutefrica com posiccedilatildeo militarmente
assegurada a pilhagem que se seguiu (em Aspis ou ldquoescudordquo
e nos arredores) tem aparecircncia exata ao que foi previamente
feito pelo siracusano
Aleacutem disso eacute bem verdade que Poliacutebio nos diz como
mencionado no cap3 desta tese que Cipiatildeo o Africano
aproximadamente 50 anos apoacutes a primeira invasatildeo romana da
Aacutefrica teria respondido quando questionado acerca dos
maiores estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e
Dioniacutesiordquo420 Eacute bem provaacutevel portanto que a expediccedilatildeo de
418 Aleacutem disso uma vez estabelecidos da maneira descrita em territoacuterio
inimigo uma possiacutevel decisatildeo de abandono seria improvaacutevel senatildeo
absurda 419
Mais agrave frente Poliacutebio nos daacute nuacutemeros 15000 soldados de infantaria e 500 cavaleiros 420 Polib 1535 Ver cap3 item 41
184
Agaacutetocles fosse jaacute conhecida pelos romanos no tempo da
Primeira Guerra Puacutenica
Outra evidecircncia pode ser encontrada do lado cartaginecircs
Os comandantes cartagineses natildeo queriam esperar o avanccedilo
impune dos romanos talvez por que tivessem em mente a
reproduccedilatildeo do que haviam enfrentado meio seacuteculo antes com
os gregos Essa reaccedilatildeo por parte de Cartago elucida ainda
algo fundamental quanto agrave preservaccedilatildeo das primeiras
inovaccedilotildees em seu pensamento militar heleniacutestico Cartago
natildeo estava disposta a esperar que seu territoacuterio fosse
ldquocorrompidordquo pelo inimigo o que ocasionaria problemas de
ordem logiacutestica (principalmente com a manutenccedilatildeo de seus
aliados) de maneira que os generais decidiram partir de
imediato para o embate com os invasores Na primeira fase
das inovaccedilotildees militares em Cartago um dos aspectos
estrateacutegicos que motivaram as inovaccedilotildees de ordem logiacutestica
entre os cartagineses foi a preservaccedilatildeo da lealdade das
cidades africanas uma vez que elas estavam debandando uma
a uma para o lado grego Aquela liccedilatildeo agora aplicada ao
caso romano havia sido definitivamente aprendida pelos
generais cartagineses Asdruacutebal e Bostar foram eleitos
generais Amiacutelcar foi trazido agraves pressas da Siciacutelia como
terceiro general juntamente com 500 cavaleiros e 5000
soldados de infantaria421
Como dito anteriormente os trecircs generais cartagineses
optaram pelo combate direto com o inimigo apoacutes terem assim
deliberado (ἐβουλεύετο) e encontraram Reacutegulo e seus soldados
proacuteximos agrave cidade de Adys na ocasiatildeo sitiada pelos
romanos Os cartagineses ocuparam um monte nos arredores e
ali montaram acampamento num local que Poliacutebio considerou
ser inapropriado ao seu exeacutercito (ἀφυ δὲ ταῖς ἑαυτν δυνάμεσιν)422
421 Polib 130 Sobre Amiacutelcar Barca particularmente a construccedilatildeo de
uma escola taacutetica em Cartago ateacute Aniacutebal Barca cf Brizzi op cit
aleacutem dos autores citados acima para a expediccedilatildeo de Reacutegulo 422 Polib 130
185
Os experientes generais romanos (οἱ τν Ῥωμαίων ἡγεμόνες ἐμπείρως)
teriam visto que o momento era adequado para o ataque
inesperado uma vez que o posicionamento do exeacutercito
cartaginecircs num terreno que tornava os elefantes e a
cavalaria inuacuteteis (ἠχρείωται) lhes era propiacutecio Ao atacar
por ambos os lados do monte os romanos tiveram a primeira
legiatildeo (τὸ πρτον στρατόπεδον) derrotada pela coragem (γενναίως)
e vigor (προθύμως) dos mercenaacuterios (μισθοφόροι) mas tendo
avanccedilado em busca dos legionaacuterios em fuga expuseram sua
retaguarda aos outros que atacavam no lado oposto Os
mercenaacuterios recuaram satildeos e salvos por fim graccedilas ao
ldquoescudordquo oferecido pelos elefantes e cavaleiros que
atingiram o niacutevel plano423
Apoacutes a vitoacuteria de Reacutegulo Tuacutenis caiu sob o domiacutenio
romano tendo a cidade sido transformada na nova base de
operaccedilotildees na Aacutefrica Poliacutebio menciona ainda uma revolta
por parte dos numiacutedios (certamente encorajados com a
presenccedila romana) e a fome dos refugiados em Cartago424 o
que levou Reacutegulo a tentar a submissatildeo completa dos
cartagineses Poliacutebio diz que os embaixadores estavam tatildeo
inclinados a aceitar o que Reacutegulo lhes propunha que eles
sequer conseguiam prestar atenccedilatildeo agrave severidade de suas
exigecircncias (τὸ βάρος τν ἐπιταγμάτων) Fragmentos de Diodoro
contudo mencionam que o Senado cartaginecircs enviou os homens
mais nobres (ἄνδρας τν ἐπιφανεστάτων) como embaixadores
(πρεσβευτὰς) a Atiacutelio (leia-se Reacutegulo) para discutir os
termos de paz (περὶ εἰρήνης) mas a paz proposta por ele natildeo
seria melhor que a escravidatildeo tamanha a dureza de seus
termos425 Na mesma linha de Diodoro outras fontes
apresentam a iniciativa por parte de Cartago recusando
portanto que Reacutegulo os tivesse intimado para propor os
423 Para a reconstruccedilatildeo da batalha cf principalmente Lazenby First
Punic War pp 100-101 Goldsworthy Punic Wars p86 Bagnall op
cit pp72-73 424 Polib 131 425 Diod 2312
186
termos de paz426
No fim das contas a despeito da natureza
oposta dos relatos sobre quem teria tomado a iniciativa
para a conclusatildeo da paz (se Cartago ou Roma) e da situaccedilatildeo
draacutestica em que Cartago se encontrava uma vez mais o
Senado cartaginecircs manteve a opccedilatildeo pela defesa armada como
no caso dos gregos a qual seria assegurada em princiacutepio
pelas muralhas de Cartago e em seguida pelo recrutamento
do nuacutemero de soldados mercenaacuterios que os seus recursos
permitissem pagar427
426 Eutroacutepio (221) Oroacutesio (49) e Zonaras (813) Cf Lazenby First
Punic War p101 427 Essa seria de acordo com Diod 296 a grande vantagem em se
recrutar mercenaacuterios ldquouma abundacircncia de forccedilas militares estrangeiras
(τς ξενικς δυνάμεως) eacute muito vantajosa para o lado que a emprega e
terriacutevel para o inimigo considerando que os empregadores trazem
consigo sem grandes custos homens para lutar em seu nome ao passo
que forccedilas citadinas (τν πολιτικν δυνάμεων) mesmo quando vitoriosas satildeo prontamente enfrentadas por um corpo de oponentes intactos No
caso dos exeacutercitos poliacuteadas uma simples derrota significa um desastre
completo ao passo que no caso dos mercenaacuterios ainda que sejam por
muitas vezes derrotados os empregadores manteacutem suas forccedilas intactas
durante o tempo que durar seus recursosrdquo
187
413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico heleniacutestico
255 aC
Vegeacutecio autor de um manual militar no seacutecIV dC
menciona natildeo somente que Xantipo teria liderado os
cartagineses na guerra contra os romanos ateacute o fim (o que eacute
claramente um equiacutevoco como nos mostram todas as outras
fontes) mas tambeacutem que Aniacutebal Barca durante a Segunda
Guerra Puacutenica havia recrutado um general mercenaacuterio
espartano para a sua campanha contra os romanos
() Na verdade o quanto a ciecircncia militar foi uacutetil
aos Lacedemoacutenios nos seus combates e para omitir
outros eacute confirmado pelo exemplo de Xantipo que com
exeacutercitos jaacute anteriormente derrotados capturou e
venceu Atiacutelio Reacutegulo e o exeacutercito romano muitas vezes
vencedor ao levar auxiacutelio aos Cartagineses natildeo soacute
pela coragem mas tambeacutem pela periacutecia triunfou num
uacutenico encontro e terminou toda a guerra E tambeacutem
Aniacutebal com a intenccedilatildeo de se dirigir para Itaacutelia
procurou um mestre de armas lacedemoacutenio com os
conselhos do qual destruiu tantos cocircnsules e legiotildees
sendo inferior em nuacutemero e em forccedilas428
A segunda informaccedilatildeo na passagem acima destacada (de
que haveria um conselheiro militar espartano a serviccedilo de
Aniacutebal Barca) pode ser com muito otimismo relacionada a
uma evidecircncia sobre um professor de grego (Soacutesilo) de
Aniacutebal em Corneacutelio Nepos429 Nenhuma outra fonte faz
referecircncia a mercenaacuterios espartanos em Cartago nessas
condiccedilotildees de serviccedilo (excetuando Xantipo) mas elas servem
para ilustrar ao lado das evidecircncias sobre o recrutamento
de homens de Esparta (ou simplesmente de ldquoeducaccedilatildeo
espartanardquo) como soldados ou oficiais de patente menor
(submetidos aos generais cartagineses) que essa era uma
praacutetica longe de absurda em cenaacuterio cartaginecircs mesmo que o
428 Vegeacutecio Compecircndio da Arte Militar Pref 3 Traduccedilatildeo inalterada de
Joatildeo Gouveia Monteiro e Joseacute Eduardo Braga (ediccedilatildeo em portuguecircs de
Portugal) 429 Corneacutelio Nepos Aniacutebal 133 [] atque hoc Sosylo Hannibal
litterarum Graecarum usus est doctore
188
caso mencionado por Vegeacutecio e Corneacutelio Nepote tenha sido
inventado ou unicamente produto de confusatildeo430
De volta agrave Primeira Guerra Puacutenica no momento seguinte
agrave derrota para Reacutegulo e ao fracasso das negociaccedilotildees de paz
(tenham elas sido lideradas por iniciativa dos cartagineses
ou pelo general romano) um dos oficiais de recrutamento
(ξενολόγος) que Cartago tinha previamente enviado agrave Greacutecia
retornava com um nuacutemero consideraacutevel de soldados entre
eles Xantipo de Esparta ldquoum homem que havia participado do
sistema de treinamento espartanordquo (ἄνδρα τς Λακωνικς ἀγωγς
μετεσχηκότα)431 Lazenby recorda que embora Diodoro se refira
a Xantipo como ldquoesparciatardquo (ὁ Σπαρτιάτης) a indicaccedilatildeo de
Poliacutebio (quase sempre mais preciso que Diodoro) sugere algo
mais proacuteximo dos μόθακες homens de famiacutelias pobres que eram
patrocinados por algueacutem mais rico e criado com seus
filhos432
Diante do que havia recentemente ocorrido aos
cartagineses Xantipo conclui ldquoapoacutes ter uma visatildeo ampla
dos recursos restantes dos cartagineses e de sua forccedila em
cavalaria e elefantesrdquo (συνθεωρήσας τάς τε λοιπὰς παρασκευὰς τν
Καρχηδονίων καὶ τὸ πλθος τν ἱππέων καὶ τν ἐλεφάντων παραυτίκα) que a
derrota para os romanos na Aacutefrica natildeo se devia aos romanos
mas aos proacuteprios cartagineses ldquopor meio da inexperiecircncia
de seus generaisrdquo (διὰ τὴν ἀπειρίαν τν ἡγουμένων) A conclusatildeo do
general mercenaacuterio teria sido em princiacutepio difundida
entre os seus amigos (τοὺς φίλους) mas logo chegado aos
430 Para o debate sobre a identificaccedilatildeo das referecircncias em Vegeacutecio e
Corneacutelio Nepote cf principalmente E L Wheeler The hoplomachoi
and Vegetius Spartan drillmasters Chiron 13 1-20 1983 P 16
John F Lazenby First Punic War The Spartan Army Warminster Aris amp
Phillips 1985 P 170 Daly p 88 431 Polib 132 De acordo com Diod 2316 Xantipo teria vindo da
Greacutecia com 50 ou 100 soldados ou mesmo sozinho dependendo da fonte
utilizada 432 Lazenby First Punic War pp 102-103 Numa versatildeo mais improvaacutevel
Oroacutesio 49 sugere que Xantipo seria ldquorei dos espartanosrdquo
(Lacedaemoniorum rex) Cf tambeacutem Giovanni Brizzi ldquoAmilcar e
Santippo storie di generalirdquo In Yann Le Bohec (org) La Premiegravere
Guerre Punique Lyon De Boccard 2001 pp 29-38
189
ouvidos dos liacutederes cartagineses que decidiram chamaacute-lo e
examinar a sua linha de raciociacutenio Apoacutes explicar como
Cartago poderia derrotar os romanos (ao inveacutes de assegurar
simplesmente a sua posiccedilatildeo) os generais cartagineses
ldquopersuadidosrdquo (πεισθέντες) ldquoconfiaram-lhe imediatamente as
suas forccedilasrdquo (ατῶ παραχρμα τὰς δυνάμεις ἐνεχείρισαν) Embora a
decisatildeo dos generais tenha gerado alguma reaccedilatildeo violenta
por parte da populaccedilatildeo quando Xantipo liderou o exeacutercito
para fora da cidade em ordem (ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν
κόσμῳ) e ali comeccedilou a ldquomanobrar algumas partes dele
corretamenterdquo (κινεῖν τν μερν ἐν τάξει) ldquodando comandos de
acordo com os costumesrdquo (παραγγέλλειν κατὰ νόμους)433 o que
havia sido feito pelos generais anteriores (cartagineses)
contrastou de tal maneira que os soldados tiveram seus
acircnimos revigorados sob o comando do general estrangeiro
Nessa situaccedilatildeo a empolgaccedilatildeo de Poliacutebio ao falar da
competecircncia de um general grego eacute evidente434 mas haacute algo
mais relevante a ser observado Se Xantipo realizou as
manobras que Poliacutebio indica uma possibilidade eacute que tenha
existido um periacuteodo de treinamento (possivelmente de alguns
meses) sob o espartano A outra possibilidade eacute que o
exeacutercito jaacute tivesse conhecimento dos termos militares
usuais na arte da guerra grega possivelmente devido ao seu
passado de lutas na Siciacutelia mas que os generais fossem
incapazes de executaacute-los da forma correta de onde
sobressairia o que Poliacutebio acreditou ser a sua (dos
cartagineses) incompetecircncia ou imperiacutecia (ἀπειρία) nos
assuntos militares Se o exeacutercito cartaginecircs que lutou na
Aacutefrica contra Reacutegulo fosse composto somente por mercenaacuterios
gregos a segunda explicaccedilatildeo seria a mais plausiacutevel das
duas jaacute que natildeo temos referecircncias diretas nas fontes ao
433 Isto eacute em termos militares ortodoxos Ver questatildeo na Introduccedilatildeo 434 Goldsworthy Punic Wars p 88 Segundo o autor as accedilotildees de
Xantipo refletiriam em Poliacutebio a profunda admiraccedilatildeo helecircnica pelo
sistema militar espartano
190
treinamento das tropas por Xantipo Mas esse natildeo parece ter
sido o caso do exeacutercito em questatildeo Poliacutebio natildeo menciona
origens eacutetnicas das tropas que lutaram em Adys no primeiro
encontro com Reacutegulo (e que eram ao menos parcialmente as
mesmas sob Xantipo) tampouco o faz para a batalha de
Tuacutenis Em todo caso a ldquofalange dos cartaginesesrdquo (τὴν
φάλαγγα τν Καρχηδονίων) mencionada por Poliacutebio em Tuacutenis em
contraste com os seus mercenaacuterios (τν μισθοφόρων) deve ter
sido cartaginesa ou de aliados liacutebios submetidos ao que os
gregos chamavam de symmachia Aleacutem disso um exeacutercito
cartaginecircs na Aacutefrica devia contar como na maioria dos
casos com grande nuacutemero de soldados liacutebios os quais
desconheciam como regra geral para comeccedilar a liacutengua
grega Para dar os comandos ainda que isso natildeo seja
mencionado no provaacutevel treinamento das tropas Xantipo
teria lanccedilado matildeo como jaacute havia feito em ocasiotildees
anteriores de um ou mais inteacuterpretes (ἑρμηνεύς)435
Passado certo tempo entatildeo os cartagineses comeccedilaram a
marchar em territoacuterios nivelados (τν ὁμαλν τόπων) e a
montar acampamento em locais planos (ἐν τοῖς ἐπιπέδοις τν χωρίων)
ateacute conseguirem avistar o inimigo436
Acampados proacuteximos aos
romanos (a uma distacircncia aproximada de 1800 metros ou 10
estaacutedios gregos) os cartagineses aguardaram a deliberaccedilatildeo
do Senado Aqui emerge uma questatildeo central para a
compreensatildeo do papel que Xantipo teria desempenhado na
batalha encerrado o treinamento das tropas Segundo
Poliacutebio o clamor das tropas por Xantipo aliado aos
pedidos do proacuteprio general espartano fizeram com que os
cartagineses revestissem Xantipo de autoridade (τὴν ἐξουσίαν)
para a conduccedilatildeo da batalha Daiacute se conclui que antes da
batalha de Tuacutenis Xantipo natildeo estava no comando do exeacutercito
sendo responsaacutevel apenas pelo treinamento das tropas (como
435 Diod 2316 436 Polib 133
191
sugeri antes) Na batalha contudo se Xantipo natildeo liderou
o exeacutercito como uacutenico general (como sugere toda a histoacuteria
preacutevia da arte da guerra cartaginesa) ele o fez como
ldquogeneral de suporterdquo dos comandantes cartagineses (que
Poliacutebio natildeo menciona) conduzindo um total de 12000
soldados de infantaria 4000 cavaleiros e praticamente 100
elefantes437
Apoacutes treinar a infantaria cartaginesa Xantipo teve a
oportunidade de liderar o exeacutercito cartaginecircs em campo de
batalha Em Tuacutenis as taacuteticas que puseram fim agraves legiotildees de
Reacutegulo apresentavam uma semelhanccedila incontornaacutevel com
aquelas empregadas pelos generais heleniacutesticos apoacutes
Alexandre Esse eacute um indiacutecio que natildeo pode ser ignorado ao
lado do treinamento da infantaria cartaginesa Xantipo
parece ter transformado o exeacutercito cartaginecircs numa
autecircntica arma heleniacutestica o que seraacute de acordo com
Brizzi incorporado por Amiacutelcar Barca438
Em Tuacutenis Xantipo dispocircs a falange de cartagineses ao
centro com um corpo de mercenaacuterios agrave sua direita (o lado
mais desprotegido do corpo de infantaria devido agrave ausecircncia
do escudo ao lado direito do uacuteltimo homem) Tendo dividido
a cavalaria nas alas (ligeiramente mais adiantada que a
infantaria ao centro) o restante dos mercenaacuterios
(provavelmente dardeiros ou fundeiros) foi lotado ali para
desempenhar claro papel de forccedila de apoio agraves tropas
montadas Os elefantes por sua vez encontravam-se
dispostos agrave frente da linha principal ao centro em
ldquodistacircncia segurardquo da infantaria Do lado romano apesar da
437 Sobre a condiccedilatildeo de Xantipo na batalha de Tuacutenis cf principalmente
Lazenby First Punic War pp 103-106 Goldsworthy Punic Wars pp
89-90 Daly p 88 Para uma discussatildeo sobre a data da batalha cf
Walbank op cit p91 Sobre a possiacutevel reduccedilatildeo dos nuacutemeros do
exeacutercito cartaginecircs (dados por Polib 133) o que se justificaria no
uso da tradiccedilatildeo proacute-cartaginesa (especialmente Philinus) por Poliacutebio
para narrar a batalha cf Caven op cit p38 438 Brizzi op cit A sistematizaccedilatildeo das evidecircncias natildeo eacute feita da
mesma forma pelo uacuteltimo
192
expressatildeo vaga usada por Poliacutebio para definir o modo no
qual as legiotildees foram organizadas por Reacutegulo439 o
posicionamento dos velites agrave frente da infantaria
(apostando no efeito que os dardos teriam nos paquidermes)
e a profundidade das unidades manipulares (algo incomum a
menos que fosse necessaacuterio dar maior coesatildeo e portanto
confianccedila aos homens nas linhas de frente) indicam que o
general romano estava preocupado com o impacto -
principalmente psicoloacutegico - que os elefantes teriam em
seus soldados440
Em primeiro lugar Xantipo ordenou que os elefantes
avanccedilassem contra os romanos ao centro e que a cavalaria em
ambas as alas fizesse um movimento em torno da infantaria
para atacaacute-la pelos flancos e retaguarda (apoacutes vencer a
cavalaria inimiga eacute claro) Os romanos em contrapartida
seguindo seus costumes comeccedilaram a bater as armas contra
seus escudos emitindo seu grito de guerra enquanto
avanccedilavam A cavalaria romana muito inferior em nuacutemero
logo bateu em retirada sem oferecer muita resistecircncia agrave
ofensiva inimiga A ala esquerda dos romanos normalmente
composta por aliados avanccedilou com sucesso contra os
mercenaacuterios dispostos agrave direita do exeacutercito cartaginecircs e
pondo-os em fuga perseguiram os vencidos ateacute o
acampamento A porccedilatildeo central da legiatildeo a qual estava de
frente para os elefantes inicialmente resistiu mas logo
cedeu ao avanccedilo dos paquidermes e toda a formaccedilatildeo foi
rompida no momento em que os cavaleiros cercaram os romanos
pelos lados e pela retaguarda Os que foram capazes de
passar pelos elefantes sem serem pisoteados por eles
acabaram por se deparar com a ldquofalange cartaginesardquo (ateacute
439 Polib 133 ldquo[] muitos maniacutepulos em profundidade []rdquo (πολλὰς ἐπἀλλήλαις [] σημείας) 440 Lazenby First Punic War pp 104-105 sugere uma organizaccedilatildeo em
seis linhas ao inveacutes das trecircs linhas tradicionais (hastati
principes triarii) Goldsworthy Punic Wars p 89 sugere as trecircs
linhas tradicionais com um nuacutemero maior de linhas
193
entatildeo intacta) disposta atraacutes dos animais em boa ordem
(συντεταγμένην [] τὴν τν Καρχηδονίων φάλαγγα)441 Quanto agraves
baixas Poliacutebio registrou somente 800 homens entre os
mercenaacuterios cartagineses (particularmente aqueles que
haviam enfrentado a ala esquerda romana) sem mencionar o
restante do exeacutercito Do lado romano excetuando os 2000
soldados que perseguiram os mercenaacuterios cartagineses em
fuga e alguns homens que escaparam com Reacutegulo todos
pereceram em batalha
Sob Xantipo os paquidermes passaram a ser empregados
como entre os generais heleniacutesticos Poliacutebio relata que
Xantipo antes de analisar os recursos logiacutesticos de
Cartago e portanto de ser nomeado general dos
cartagineses por tempo limitado tomou conhecimento do que
havia recentemente ocorrido e da maneira como havia
ocorrido442
Certamente o historiador estava se referindo agrave
derrota para Reacutegulo e ao fracasso em Acragas na Siciacutelia
evento que teria segundo Poliacutebio transformado a
estrateacutegia romana na guerra De Acragas para Tuacutenis
passando pelo fracasso no uso dos cavaleiros e elefantes em
Adys quando os trecircs generais cartagineses decidiram
enfrentar os romanos antes que esses prosseguissem com a
pilhagem de seu territoacuterio notamos uma mudanccedila notaacutevel no
emprego das tropas de Cartago tanto em seu treinamento (no
caso da infantaria) quanto em sua aplicaccedilatildeo (no caso dos
cavaleiros e elefantes) em campo de batalha
441 Polib 134 Narraccedilatildeo coincidente embora menos detalhada pode ser
encontrada tambeacutem em Zonaras 1113 Diod 2314 apresenta um relato
fantasioso acerca da batalha com Xantipo tendo que empurrar os
desistentes contra os romanos numa demonstraccedilatildeo de coragem e vigor 442 Polib 132 ldquo[] ao ouvir da reviravolta recente e da maneira
pela qual havia ocorrido []rdquo (ὃς διακούσας τὸ γεγονὸς ἐλάττωμα καὶ πς καὶ τίνι τρόπῳ γέγονεν)
194
CONCLUSAtildeO
Nesta tese atenccedilatildeo especial foi dirigida agrave histoacuteria da
Siciacutelia e de Cartago nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico
na expectativa de contribuir assim para o abandono da
ideia de um mundo mediterracircnico ocidental formado agrave sombra
da expansatildeo romana Interessou-me primeiramente o impacto
poliacutetico-militar da imitatio Alexandri no ocidente
heleniacutestico sob Agaacutetocles e Pirro da mesma forma que a
reaccedilatildeo dos cartagineses frente agraves duas invasotildees africanas
ocorridas respectivamente entre 310-307 aC e 256-255
aC mais do que propriamente como os romanos subjugaram
Cartago num processo iniciado com a questatildeo dos mamertinos
na porccedilatildeo nordeste da Siciacutelia A partir da anaacutelise
detalhada das liccedilotildees militares aprendidas pelos
cartagineses no periacuteodo heleniacutestico preacute-Baacutercida tornou-se
possiacutevel a compreensatildeo da atuaccedilatildeo social dos mercenaacuterios
cujo fluxo natildeo se encerrou ao menos ateacute a destruiccedilatildeo de
Cartago pelos romanos
Durante a fase inicial da Primeira Guerra Puacutenica
precisamente no ano de 255 aC o exeacutercito cartaginecircs
sofreu modificaccedilotildees sensiacuteveis no campo taacutetico e em seu
treinamento de maneira a transformar as forccedilas de Cartago
em verdadeiras armas heleniacutesticas Mas essa transformaccedilatildeo
natildeo se iniciou contrariando o que sugere Brizzi com
Xantipo443 Taticamente o exeacutercito cartaginecircs se modificou
em 255 aC mas a composiccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo no uso de
comandantes mercenaacuterios parece ter sido anterior
443 Natildeo se trata aqui de desmerecer as hipoacuteteses de Giovanni Brizzi
(op cit) pelo contraacuterio a partir do que foi por ele proposto para
o periacuteodo Baacutercida eacute que pude montar uma explicaccedilatildeo original acerca das
inovaccedilotildees militares anteriores a Amiacutelcar a Aniacutebal Barca e que
acredito ser mais coerente tendo recuado propositalmente no tempo da
anaacutelise de maneira a ilustrar igualmente a relevacircncia das inovaccedilotildees
militares ocorridas durante a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
195
remontando a outras inovaccedilotildees militares importantes durante
a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
De fato o siracusano pensou a invasatildeo africana como
inversatildeo da estrateacutegia vigente no conflito contra os
cartagineses levando a guerra para o territoacuterio inimigo
quando o mesmo encontrava-se em grande vantagem na Siciacutelia
nesse caso ao assediar os portos de Siracusa Confiante no
apoio que obteria dos liacutebios e na falta de espiacuterito
combativo dos cartagineses (se comparada agrave experiecircncia de
seus mercenaacuterios) Agaacutetocles provocou uma situaccedilatildeo
calamitosa nos arredores de Cartago e na proacutepria cidade
que apoacutes seacuterias derrotas para o siracusano e perda
consideraacutevel dos territoacuterios aliados ou previamente
submetidos decidiu tomar atitudes draacutesticas Quando um
plano completamente inovador (para os padrotildees cartagineses)
havia sido estabelecido o Senado se decidiu pelo
direcionamento da guerra de uma maneira pouco condizente
com o estatuto e a experiecircncia militar (quando havia) dos
homens que compunham o conselho A divisatildeo logisticamente
correta do exeacutercito em trecircs forccedilas de 10000 homens
organizadas com funccedilotildees especiacuteficas de correccedilatildeo dos erros
que ateacute entatildeo os comandantes cartagineses haviam cometido
sugere um aconselhamento externo possivelmente de um
(grupo) de mercenaacuterios natildeo mencionados pelas fontes
A invasatildeo africana por Agaacutetocles ainda que tenha
fracassado natildeo foi algo impensado ou sem motivaccedilotildees
poliacuteticas mais profundas Quando Agaacutetocles se declarou rei
ldquoem imitaccedilatildeo aos Diaacutedocosrdquo considerando-se equivalente a
eles em ldquopoder territoacuterios e feitosrdquo ele fecirc-lo com um
tiacutetulo propositalmente vago A ausecircncia de um viacutenculo a um
povo ou uma cidade transforma-se portanto num convite agrave
conquista444
donde a expediccedilatildeo africana foi pensada como
concretizaccedilatildeo desse projeto Que a monarquia de Agaacutetocles
444 Gruen op cit
196
possuiacutea uma natureza ldquoheleniacutesticardquo parece claro a partir da
sistematizaccedilatildeo das evidecircncias disponiacuteveis445 mas a quem ela
se dirigia mostrou-se uma questatildeo a ser respondida
Levando-se em conta uma das principais razotildees pelas quais
Agaacutetocles decidiu conduzir uma guerra na Aacutefrica (o
esfriamento do ardor combativo dos cartagineses contra a
experiecircncia militar dos homens ldquotreinados na escola do
perigordquo) mesmo diante da presenccedila inimiga agraves portas de
Siracusa tornou-se plausiacutevel sugerir ao combinar esse
fator com a formalidade de seu poder em Siracusa e os
eventos subsequumlentes agrave sua expediccedilatildeo em territoacuterio
cartaginecircs que a sua monarquia autoproclamada dirigia-se
aos seus homens Daiacute desdobra-se ainda o fato de a sua
imitatio Alexandri natildeo ter se restringido ao campo
poliacutetico com grandes chances de ter se estendido tambeacutem agrave
esfera militar nesse caso mediante a organizaccedilatildeo de um
corpo de elite em imitaccedilatildeo aos hipaspistas de Alexandre
Apoacutes Agaacutetocles com os mamertinos instalados na porccedilatildeo
nordeste da Siciacutelia e com Siracusa carente de um liacuteder que
comandasse os esforccedilos militares contra a ofensiva
cartaginesa espaccedilo foi aberto para Pirro do Epiro receacutem-
chegado na Peniacutensula Itaacutelica a pedido dos tarentinos A
reputaccedilatildeo de Pirro encontrava-se inabalada apoacutes as suas
duas vitoacuterias contra os romanos de maneira que os
siracusanos se decidiram pela sua convocaccedilatildeo como hegemon
dos gregos (contra os ldquobaacuterbarosrdquo) Tendo concordado
prontamente Pirro se mostrou capaz de fazer recuar os
cartagineses mas a tentativa de instauraccedilatildeo de uma
monarquia de tipo heleniacutestico entre os gregos da Siciacutelia
instigou um sentimento de hostilidade quanto agrave sua
presenccedila No final de sua expediccedilatildeo italiana tendo ainda
445 Ver Zambon Hellenistic Sicily e Cap3
197
travado mais uma batalha na Peniacutensula446
Pirro terminaria
por dar uma grande contribuiccedilatildeo agrave arte da guerra no
ocidente heleniacutestico deixando a ilha com o problema
mamertino pendente
Passados 10 anos da expediccedilatildeo epirota na Itaacutelia um
confronto entre os dois grandes poderes em expansatildeo do
mundo mediterracircnico ocidental ocorreraacute tendo como motor a
presenccedila mamertina na Siciacutelia A Primeira Guerra Puacutenica
como ficou conhecida pela historiografia acabou por ser um
conflito longo e basicamente travado no mar mas com um
periacuteodo crucial na Aacutefrica durante o qual os romanos
decidiram em possiacutevel imitaccedilatildeo ao que havia feito
Agaacutetocles cerca de 50 anos antes transportar a guerra para
o territoacuterio inimigo Ao analisar as evidecircncias disponiacuteveis
(particularmente Polib 129) conclui-se que os romanos
natildeo estavam planejando unicamente um desembarque seguro
apoacutes importante vitoacuteria naval mas que eles esperavam
permanecer na Aacutefrica ao menos ateacute obterem a submissatildeo de
Cartago Os cartagineses por outro lado embora tenham
sido infelizes em seus primeiros esforccedilos (a reproduccedilatildeo de
uma das medidas tomadas contra Agaacutetocles isto eacute ir de
encontro ao inimigo para impedir a desistecircncia dos aliados
por pressatildeo militar adversaacuteria direta) aceitaram os
conselhos propostos por um dos mercenaacuterios que os seus
recrutadores haviam trazido do Peloponeso Os conselhos de
Xantipo podem ter sido algo inesperado sem duacutevida mas o
interesse por parte dos cartagineses em ouvir o que esse
general submetido ao treinamento espartano e com grande
experiecircncia militar tinha a dizer era algo com precedentes
indiretos provaacuteveis
446 Beneventum em 275 aC Dessa vez os resultados parecem ter sido
realmente inconclusivos o que se deveu em boa medida agrave desistecircncia
por parte dos italiotas que a essa altura haviam debandado para o
lado romano
198
A reforma liderada por Xantipo por fim teve
repercussotildees interessantes Em primeiro lugar uma reforma
quanto ao treinamento das tropas parece ter ocorrido Se as
tropas cartaginesas agrave eacutepoca da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo
fossem compostas unicamente por gregos poder-se-ia
argumentar a favor de uma incompetecircncia dos generais
cartagineses ao manobrar as seccedilotildees do exeacutercito O que se
observa contudo aleacutem dessa ἀπειρία eacute a sua incontornaacutevel
composiccedilatildeo africana (cartaginesa ou liacutebia) indiacutecio para a
ocorrecircncia do treinamento da infantaria sob Xantipo antes
da reforma taacutetica em Tuacutenis447
Com a infantaria treinada Cartago decidiu pelo
confronto decisivo com os romanos tendo revestido Xantipo
de autoridade (τὴν ἐξουσίαν) temporaacuteria talvez como ldquogeneral
de suporterdquo aos comandantes cartagineses Na batalha de
Tuacutenis as manobras de cavalaria e o uso dos elefantes
propiciaram como argumentei ao longo do Cap4 a
observaccedilatildeo do momento decisivo na transformaccedilatildeo do exeacutercito
cartaginecircs numa verdadeira arma heleniacutestica algo sem
equivalecircncia nas batalhas anteriores mesmo naquelas que
sucederam a presenccedila de Pirro na Magna Greacutecia e na Siciacutelia
O exeacutercito cartaginecircs havia sido modificado por fim a
partir de inovaccedilotildees militares em momentos de invasatildeo do
territoacuterio africano por inimigos estrangeiros tanto em
niacutevel estrateacutegico quanto em niacutevel taacutetico (treinamento e
aplicaccedilatildeo em campo de batalha)
447 O exeacutercito cartaginecircs apoacutes o treinamento dado por Xantipo teria
comeccedilado a marchar em territoacuterios nivelados e a acampar em locais
planos como pode ser encontrado em Polib 133 Ver Cap 4
199
BIBLIOGRAFIA
FONTES
APIANO Guerras Estrangeiras Traduccedilatildeo de Horace White
Cambridge MA London Harvard University Press 1913
ARISTOacuteTELES Poliacutetica Traduccedilatildeo de H Rackham Cambridge Ma
London Harvard University Press 1932
ARRIANO Anabasis Alexandri Traduccedilatildeo de PA Brunt London
Heinemann 1929
DIODORO DA SICIacuteLIA Biblioteca Histoacuterica Traduccedilatildeo de Russel
Geer e Francis Walton Cambridge MALondon Harvard
University Press 2006
CAacuteSSIO DIO Histoacuteria Romana Traduccedilatildeo de Earnest Cary
Cambridge MALondon Harvard University Press 1914-27
DIONIacuteSIO DE HALICARNASSO Antiguidades Romanas Traduccedilatildeo de
Earnest Cary Cambridge MALondon Harvard University
Press 1937-50
ESTRABAtildeO Geografia Traduccedilatildeo de H L Jones Harvard
University Press 1917-1932
EUTROacutePIO O breviarum ab urbe condita de Eutroacutepio Traduccedilatildeo
de HW Bird Liverpool Liverpool University Press 1993
FRONTINUS STRATEGEMATA Traduccedilatildeo de Charles Bennett
Cambridge MALondon Harvard University Press 1925
HEROacuteDOTO As Guerras Persas (livros 8-9) Traduccedilatildeo de AD
Godley Cambridge MALondon Harvard University Press
1925
ISOacuteCRATES Isoacutecrates Vol3 Traduccedilatildeo de La Rue Van Hook
Cambridge MALondon Harvard University Press 1945
FGH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der
griechischen Historiker LeidenBerlin 1923-
JUSTINO Justino Corneacutelio Nepote e Eutroacutepio Traduccedilatildeo de
John S Watson London HG Bohn 1853
200
OROacuteSIO Os sete livros da histoacuteria contra os pagatildeos Traduccedilatildeo
de Roy J Deferrari Washington Catholic University of
America Press 1964
PAUSAcircNIAS Descriccedilatildeo da Greacutecia Traduccedilatildeo de W H S Jones
Cambridge MA London Harvard University Press 1933
PLUTARCO Vidas V (Agesilaus e Pompeu Peloacutepidas e Marcelo)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1917
______ Vidas VII (Demosteacutenes e Ciacutecero Alexandre e Ceacutesar)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1919
______ Vidas IX (Demeacutetrio e Antocircnio Pirro e Caio Maacuterio)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1920
______ Vidas VIII (Sertoacuterio e Eumenes Phocion e Cato o
Jovem) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA
London Harvard University Press 1919
POLIacuteBIO Histoacuterias Traduccedilatildeo de W R Paton Cambridge MA
London Harvard University Press 2005
POLIENO Estratagemas de Guerra Traduccedilatildeo de Peter Krentz e
Everett L Wheeler Chicago Ares 1994
QUINTO CUacuteRCIO Histoacuterias Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les
Belles Lettres 1947 2 vols
TITO LIacuteVIO Roma e o Mediterracircneo livros XXXI-XLV da
Histoacuteria de Rome desde a sua fundaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Henry
Bettenson New York Penguin 1976
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo de CF
Smith Cambridge MA London Harvard University Press
1919
XENOFONTE Helecircnica Traduccedilatildeo de Carleton L Brownson
Cambridge MA London Harvard University Press 1918
201
ESTUDOS MODERNOS
ADCOCK Franz The Greek and Macedonian Art of War Berkeley
and Los Angeles California University Press 1967
______ The Roman Art of War under the Republic New York
Barnes amp Noble 1960
AUBERT Jean-Jacques and VAacuteRHELYI Zsuzsanna A tall order
writing the social history of the ancient world essays in
honor of William V Harris Muumlnchen Saur 2005
AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander to the
Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in
Translation Cambridge MA Cambridge University Press
2008
AUSTIN NJE and RANKOV NB Exploratio military and
political intelligence in the Roman world from the second
Punic War to the Battle of Adrianople London New York
Routledge 1995
BABELON Ernest ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1 95-
107 1924
BAGNALL Nigel The Punic Wars New York St Martin 2005
BELL MJV ldquoTactical Reform in the Roman Republic Armyrdquo
Historia 14 1965
BERNSTEIN AH ldquoThe Strategy of a Warrior-State Rome and
the Wars against Carthage 264ndash201 BCrdquo In MURRAY
Williamson KNOX MacGregor BERNSTEIN Alvin The Making
of strategy rulers states and war Cambridge New York
Cambridge University Press 1994
BEST Jan Thracian Peltasts and their influence on Greek
Warfare Groningen Wolters-Noordhoff 1969
BERVE Helmut Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen
Verlag 1953
______ Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967
Birley E The Roman army Papers 1929-1986 Amsterdam JC
Gieben 1988
202
BISHOP MC and COULSTON JC Roman military equipment
London Batsford 1993
BILLOWS Richard Kings and Colonists Aspects of Macedonian
Imperialism LeidenNew YorkKoumlln Brill 1995
BOSWORTH Albert ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973
______ Conquest and empire the reign of Alexander the
Great Cambridge New York Cambridge University Press
1988
BRACCESI Lorenzo I tiranni di Sicilia Roma-Bari Laterza
1998
______ L‟Alessandro occidentale Il Macedone e Roma Roma
ldquoL‟ermardquo di Bretschneider 2006
BRIZZI Giovanni Le guerrier de lantiquiteacute classique de
lhoplite au leacutegionnaire Monaco Rocher 2004
BUCKLER John The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge
MALondon Harvard University Press 1980
CAMPBELL J B ldquoTeach Yourself How to be a Generalrdquo JRS 77
1987
CARTLEDGE Paul Agesilaos and the crisis of Sparta London
Duckworth 1987
CAVEN Brian The Punic Wars London Weidenfeld and
Nicolson 1980
______ Dionysius I war-lord of Sicily New Haven Yale
University Press 1990
CHAMPION Craige Brian Cultural Politics in Polybius‟
Histories Berkeley University of California Press 2004
CHANIOTIS WHW Angelos War in the Hellenistic World a
social and cultural history Malden MA Oxford (Eng)
Blackwell 2005
CHARLES-PICARD Gilbert ldquoLes Sufegravetes de Carthage dans Tite-
Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-
280 1963
______ Carthage London Elek Books 1964
203
______ The life and death of Carthage a survey of Punic
history and culture from its birth to its final tragedy
London Sidgwick amp Jackson 1968
CONNOLLY Peter Greece and Rome at War London Macdonald
1981
CONSOLO LANGHER Sebastiana ldquoLa Sicilia dalla scomparsa di
Timoleonte alla morte di Agatoclerdquo In Emilio Gabba La
Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo alle
guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli
e della Sicilia 1980 PP 289-342
______ Sebastiana Agathocle Da capoparte a monarca
fondatore di un regno tra Cartgagine e i Diadochi
Messina Pelorias 2000
CRAWFORD MH and LIGOTA CR Ancient history and the
antiquarian essays in memory of Arnaldo Momigliano
London Warburg Institute University of London 1995
DALY Gregory Cannae the experience of battle in the Second
Punic War London New York Routledge 2002
DAWSON D The origins of Western warfare Militarism and
morality in the Ancient World Boulder Westview Press
1996
DELBRUumlCK H History of the art of war (I) Lincoln
University of Nebraska Press 1990
DE SANCTIS Gaetano Storia dei Romani Milan Fratelli Boca
1907
DEVINE Andrew ldquoGrand Tactics at Gaugamelardquo in Phoenix 29
374-385 1975
DODGE Theodore A Hannibal Cambridge MA Da Capo Press
2004
DOREY TA Latin historians London Routledge amp K Paul
1966
DREWS Robert ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan
Eunomiardquo AJA 100 1979
204
DUCREY Pierre Warfare in Ancient Greece New York
Schocken 1985
ENGELS Donald Alexander the Great and the Logistics of the
Macedonian Army Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1978
ERDIKAMP Paul A companion to the Roman army Malden MA
Oxford Blackwell 2007
ERRINGTON RM ldquoRome and Spain Before the Second Punic Warrdquo
Latomus 29 1970
FERRILL Arther The origins of war from the Stone Age to
Alexander the Great New York Thames and Hudson 1985
FEUGEgraveRE M Les armes des Romains Paris Errance 2002
FINLEY Moses A History of Sicily London Chatto amp Windus
1979
FOX Robin L Alexander the Great London Allen Lane 1973
GABBA Emiacutelio Republican Rome the army and the allies
Berkeley University of California Press 1976
______ La Sicilia antica Palermo Ed del sole 1984
GARLAN Yvon La Guerre dans l‟Antiquite Paris F Nathan
1972
______ Recherches de poliorcetique grecque Athegravenes Ecole
franccedilaise d‟Athegravenes 1974
______ Guerre et economie en Grece ancienne Paris La
Deacutecouverte 1989
GAROUFALIAS Petros Pyrrhus King of Epirus London Stacey
International 1979
GIESECKE Walther Sicilia numismatica Leipzig K W
Hiersemann 1923
GOLDSWORTHY Adrian The Punic Wars London Cassell 2002
GOUKOWSKY Paul Essai sur les origines du mythe d‟Alexandre
336-270 av J C Nancy Universiteacute de Nancy II 1978
GREEN Peter (org) Hellenistic history and culture
Berkeley University of California Press 1993
205
GRIFFITH G T The Mercenaries of the Hellenistic World
Chicago Ares 1935
GRUEN Erich S The Hellenistic world and the coming of Rome
Berkeley University of California Press 1984
______ ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In EADIE John
William e OBER Josiah (orgs) Essays in honour of Chester
G Starr New YorkLondon Routledge 1985
______ Culture and national identity in Republican Rome
Ithaca NY Cornell University Press 1992
______ Cultural borrowings and ethnic appropriations in
antiquity Stuttgart F Steiner 2005
______(org) Cultural identity in the ancient Mediterranean
Los Angeles Getty Research Institute 2010
GSELL Steacutephane Histoire ancienne de lAfrique du Nord
(vol2) Paris Hachette 1914-1930
HAMBURGER Oswald A Untersuchungen uumlber den pyrrhischen
Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927
HAMILTON C D and KRENTZ P Polis and polemos essays on
politics war amp history in Ancient Greece in honor of
Donald Kagan Claremont Calif Regina Books 1997
HAMILTON J R ldquoThe Cavalry Battle at the Hydaspesrdquo in JHS
76 27-28 1956
HAMMOND Nicholas e GRIFFITH Guy A History of Macedonia
550-336 (V2) Oxford Oxford University Press 1979
______ ldquoAlexander‟s charge at the battle of Issus in 333
BCrdquo in Historia 41 395-406 1992
______ ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in Thebesrdquo
in GRBS 38 355-372 1997
HANSON Victor D ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371
BC) and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7
190-207 1988
______ The Western way of war infantry battle in classical
Greece New York Knopf Distributed by Random House 1989
206
______ (org) Makers of ancient strategy from the Persian
wars to the fall of Rome Princeton NJ Princeton
University Press 2010
HARRIS William V War and imperialism in Republican Rome
327-70 BC Oxford Clarendon Press New York Oxford
University Press 1979
______ (org) Rethinking the Mediterranean Oxford New York
Oxford University Press 2005
HEAD Duncan Armies of the Macedonian and Punic Wars
organization tactics dress and weapons Sussex Wargames
Research Group Publication 1982
HOYOS Dexter ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-
218 BCrdquo Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274
1994
______ Unplanned Wars The Origins of the First and Second
Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter 1998
______ Hannibals Dynasty Power and Politics in the Western
Mediterranean 247-183 BC Oxford Oxford University
Press 2005
______ Hannibal‟s war books twenty-one to thirty Livy
translated by JC Yardley with an introduction and notes
by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford University Press
2006
ISAAC Benjamin The Invention of Racism in Classical
Antiquity Princeton University Press 2004
KEEGAN John The face of battle New York Vintage Books
1977
______ A history of warfare London Hutchinson 1993
KEPPIE Lawrence The making of the Roman army from republic
to empire London BT Batsford 1984
KNIPFING John ldquoGerman Historians and Macedonian
Imperialismrdquo in AHR 26 (4) 657-671 1921
KUSCHEL B ldquoDie neuen Muumlnzbilder des Ptolemaios Soterrdquo JNG
11 9-18 1961
207
LA BUA Vincenzo ldquoLa spedizione di Pirro in Siciliardquo
Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980
LANCEL Serge Carthage Paris Fayard 1992
______ Hannibal Paris Fayard 1995
LAUNEY Marcel Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques
Paris Boccard 1949 2 vols
LAZENBY FIRST PUNIC WAR John F The Spartan army
Warminster England Aris amp Phillips 1985
______ The First Punic War a military history London UCL
Press 1996
______ Hannibal‟s War a Military History of the Second
Punic War Norman Oklahoma University Press 1998
LE BOHEC Yann Histoire militaire des guerres puniques
Monaco Editions du Rocher 1996
______ Le Premiegravere Guerre Punique Collection du Centre
d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23 Lyon Paris De
Boccard 2001
______ La marine romaine et la premieacutere guerre punique
Klio 85 57-69 2003
LENDON Jon Soldiers and Ghosts A History of Battle in
Classical Antiquity New HavenLondon Yale University
Press 2005
LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de Boccard 1957
Pyrrhus King of Epirus London Stacey International 1979
LEWIS Sian (org) Ancient Tyranny Edinburgh Edinburgh
University Press 2006
LIDDELL HART Basil Henry Scipio Africanus greater than
Napoleon New York Da Capo Press 1994
MILES Richard Carthage Must be Destroyed The Rise and Fall
of an Ancient Mediterranean Civilization London Allen
Lane 2010
MILNS Robert D Alexander the Great London Robert Hale
1968
208
______ ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in
Historia 20 186-195 1971
MOMIGLIANO Arnaldo Filippo il Macedone saggio sulla storia
greca Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934
______ Alien wisdom the limits of Hellenization Cambridge
New York Cambridge University Press 1975
______ Storia e storiografia antica Bologna Il Mulino
1987
______ The classical foundations of modern historiography
Berkeley University of California Press 1990
MORRISON John S amp COATES John F The Athenian trireme the
history and reconstruction of an ancient Greek warship
Cambridge University Press 1986
MOSSEacute Claude La tyrannie dans la Gregravece Antique Paris
Presses Universitaires de France 1969
NIEBUHR Barthold G Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer
1853
PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers Chicago Ares
1933
PRITCHETT William Ancient Greek Military Practices (I)
Berkeley Los Angeles London University of California
Press 1971
REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique
Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve
Fondation Hardt 1976
RICH JW Declaring war in the Roman Republic in the period
of transmarine expansion Bruxelles Latomus 1976
ROSENSTEIN NS Imperatores victi military defeat and
aristocratic competition in the middle and late Republic
Berkeley University of California Press 1990
______ Rome at war farms families and death in the Middle
Republic Chapel Hill University of North Carolina Press
2004
209
______ (org) A companion to the Roman Republic Malden MA
Oxford Blackwell Pub 2006
SABIN Philip WEES Hans Van WHITBY Michael The Cambridge
History of Greek and Roman Warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
SAGE Michael Warfare in ancient Greece a sourcebook
London New York Routledge 1996
______ The Republican Army a Sourcebook New York London
Routledge 2008
SCARDIGLI Barbara I Trattati romano-cartaginesi Pisa
Scuola Normale Superiore 1991
SCHEPENS G L‟Autopsie dans la methode des historiens
grecs du Ve siecle avant J-C Brussel AWLSK 1980
______ VERDIN H KEYSER E de Purposes of history
studies in Greek historiography from the 4th to the 2nd
centuries BC proceedings of the international
colloquium Leuven 24-26 May 1988 Lovanii [sn] 1990
SCHUBERT Rudolf Geschichte des Pyrrhus Koumlnigsberg Wilh
Koch 1894
SCULLARD HH The Etruscan cities and Rome Ithaca NY
Cornell University Press 1967
______ The elephant in the Greek and Roman world Ithaca
NY Cornell University Press 1974
______ Scipio Africanus soldier and politician Ithaca
NY Cornell University Press 1970
SEKUNDA Nicholas Hellenistic Infantry Reform in the 160‟s
BC Gdansk Gdansk University Press 2006
SIDEBOTTOM Harry Ancient warfare a very short
introduction Oxford Oxford University Press 2004
SJOQVIST Erick ldquoA portrait Head from Morgantinardquo AJA 66
319-322 1962
STERN Ernst von Geschichte der spartanischen und
thebanishen Hegemonie Tartu University of Tartu 1884
210
STEWART Andrew Faces of Power Alexander‟s Image and
Hellenistic Politics Berkeley and Los Angeles University
of California Press 1993
STRAUSS Barry The anatomy of error ancient military
disasters and their lessons for modern strategists New
York St Martin‟s Press 1990
SZNYCER Maurice ldquoLe Problegraveme de la royauteacute dans le monde
puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296
1981
TAGLIAMONTE Gianluca ldquoRapporti tra societagrave di immigrazione
e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo aCrdquo
In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti
Del XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna
Grecia Taranto 1999
TARN William W ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ
20 98-100 1926
______ Hellenistic Military and Naval Developments
Cambridge Cambridge University Press 1930
______ Alexander the Great Cambridge Cambridge University
Press 1950 2 vols
TILLYARD Henry Julius W Agathocles Cambridge The
University Press 1908
TOYNBEE Arnold J Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s
effects on Roman life London New York Oxford University
Press 1965
TUPLIN John ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding
problemsrdquo in Klio 69 72-107 1987
VARTSOS Ioannes ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in
Siciliardquo Kokalos 16 89-97 1970
VATTUONE Ricardo Sapienza d‟occidente Il pensiero storico
di Timeo di Tauromenio Bologna Pagravetron 1991
WALBANK Frank W A historical commentary on Polybius
Oxford Clarendon Press 1957-79
211
______ Polybius Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1972
______ The Hellenistic world Brighton Sussex Harvester
Press Atlantic Highlands NJ Humanities Press 1981
______ ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7
Cambridge University Press 1984
WARMINGTON Brian H Carthage New York Praeger 1960
ZAMBON Efrem Tradition and Innovation Sicily between
Hellenism and Rome Stuttgart Fraz Steiner Verlag 2008
212
ANEXOS
ANEXO 1 ndash UMA CRONOLOGIA DO MUNDO HELENIacuteSTICO
323-241 AC
323 ndash Morte de Alexandre o Grande Perdicas distribui as
satrapias Nascimento de Alexandre IV filho de Roxana
Guerra Lamiana (revolta dos gregos)
322 ndash Submissatildeo de Atenas morte de Aristoacuteteles Invasatildeo da
Capadoacutecia por Perdicas Ptolomeu se estabelece no Egito
Ophellas em Cirene
321 - Campanha de Antiacutepatro e Cratero contra os etoacutelios
Perdicas invade a Pisiacutedia
320 ndash Antiacutepatro feito regente Filipe Arrideu Roxana e
Alexandre IV em custoacutedia Invasatildeo da Aacutesia por Antiacutepatro e
Crateros Eumenes derrota Crateros Seleuco adentra a
Babilocircnia Derrota de Perdicas no Egito
319 ndash Morte de Antiacutepatro Polipercon feito regente
Ptolomeu conquista a Palestina Agaacutetocles ascende ao poder
em Siracusa
318 ndash Polipercon declara a liberdade dos gregos Eumenes
sai da Capadoacutecia para a Ciliacutecia Eudamos extermina Poro e
marcha para o oeste
317 ndash Campanhas de Polipercon na Greacutecia Invasatildeo da Siacuteria
por Eumenes Invasatildeo da Paacutertia por Eudamos e outros
saacutetrapas Invasatildeo da Siacuteria por Antiacutegono fuga de Eumenes
para a Babilocircnia
316 ndash Derrota de Polipercon para Cassandro Eumenes se
junta a Eudamos Batalha de Paraitacene
315 ndash Lisiacutemaco combate Antiacutegono Antiacutegono derrota Eumenes
em Gabene Morte de Eumenes Eudamos e Peiton Antiacutegono daacute
nova ordem agraves satrapias orientais Alianccedila formada contra
Antiacutegono Agaacutetocles eleito strategos autocrator ()
213
314 ndash Antiacutegono se recusa a se entregar
313 ndash Antiacutegono conquista Tiro
312 - Ptolomeu suprime revolta em Cirene e derrota Demeacutetrio
em Gaza
311 ndash Derrota de Agaacutetocles na Siciacutelia bloqueio do porto de
Siracusa Antiacutegono expulsa Seleuco da Feniacutecia Paz entre
Antiacutegono Cassandro Ptolomeu e Lisiacutemaco
310 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles Campanha
de Ptolomeu na Ciliacutecia contra Antiacutegono Anexaccedilatildeo de Cipro
309 ndash Alianccedila de Agaacutetocles com Ophellas Demeacutetrio abandona
a Babilocircnia
308 ndash Morte de Ophellas exeacutercito de Ophellas incorporado
por Agaacutetocles Antiacutegono expulso da Babilocircnia por Seleuco
307 ndash Agaacutetocles retorna a Siracusa Atenas tomada por
Demeacutetrio
306 ndash Antiacutegono e Demeacutetrio assumem o diadema Demeacutetrio
conquista Cipro Seleuco invade a Baacutectria
305 ndash Iniacutecio do cerco de Rodes Seleuco conquista a Baacutectria
304 ndash Seleuco Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro assumem o
diadema Agaacutetocles se declara rei Seleuco fracassa em sua
campanha contra Chandragupta na Iacutendia
303 ndash Demeacutetrio conquista Corinto e boa parte do Pelponeso
campanhas de Agaacutetocles na Itaacutelia acordo entre Seleuco e
Chandragupta
302 ndash Cassandro e Lisiacutemaco contra Antiacutegono Seleuco e
Ptolomeu se juntam agrave alianccedila contra Antiacutegono
301 ndash Batalha de Ipso morte de Antiacutegono fuga de Demeacutetrio
300 ndash Demeacutetrio contra Lisiacutemaco Alianccedila entre Ptolomeu e
Lisiacutemaco
299 ndash Pirro enviado a Ptolomeu como refeacutem
298 ndash Demeacutetrio conquista a Ciliacutecia
297 ndash Morte de Cassandro Ptolomeu lanccedila Pirro como rei do
Epiro Lisiacutemaco toma posses de Demeacutetrio na Aacutesia Menor
296 ndash Lisiacutemaco Seleuco e Ptolomeu contra Demeacutetrio
214
295 ndash Seleuco toma Ciliacutecia Ptolomeu toma posses de
Demeacutetrio no Cipro Demeacutetrio recupera Atenas
294 ndash Demeacutetrio feito rei na Macedocircnia
293 ndash Demeacutetrio na Tessaacutelia
292 ndash Revolta de Tebas Antiacuteoco inicia governo na Baacutectria
291 ndash Demeacutetrio sufoca revolta em Tebas e ataca Pirro
289 ndash Morte de Agaacutetocles
288 ndash Guerra naval de Ptolomeu contra Demeacutetrio Lisiacutemaco e
Pirro provocam fuga de Demeacutetrio para o Peloponeso
287 ndash Revolta de Atenas Ptolomeu conquista Tiro
286 ndash Demeacutetrio perde Iocircnia e Liacutedia para Lisiacutemaco
285 ndash Demeacutetrio invade a Siacuteria submissatildeo de Demeacutetrio a
Seleuco
284 ndash Pirro derrotado por Lisiacutemaco na Macedocircnia
283 ndash Morte de Demeacutetrio e Ptolomeu Ascensatildeo de Ptolomeu II
282 ndash Tarentinos pedem ajuda a Pirro
281 ndash Ptolomeu Cerauno feito rei da Macedocircnia Seleuco
invade a Anatoacutelia elimina Lisiacutemaco e eacute morto por Ptolomeu
Cerauno na Traacutecia
280 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo italiana de Pirro vitoacuteria em
Heraclea derrota de Antiacutegono Gonatas (filho de Demeacutetrio)
para Ptolomeu Cerauno invasatildeo da Macedocircnia pelos celtas
fundaccedilatildeo da Liga Aqueacuteia
279 ndash Derrota dos romanos em Aacutesculo pedido de auxiacutelio de
Siracusa morte de Cerauno em batalha contra os celtas
Tratado entre romanos e cartagineses contra Pirro
278 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo siciliana de Pirro
277 ndash Pirro derrota os cartagineses na Siciacutelia Antiacutegono
Gonatas derrota os celtas celtas ocupam a Galaacutecia
276 ndash Pirro parte para Tarento Antiacutegono Gonatas
reconquista a Tessaacutelia
275 - Batalha inconclusiva de Benevento
264 ndash Iniacutecio da Primeira Guerra Puacutenica
260 ndash Batalha de Mylae
215
256 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo
255 ndash Recrutamento de Xantipo Batalha de Tuacutenis derrota de
Reacutegulo
247 ndash Amiacutelcar Barca nomeado general na Siciacutelia nascimento
de Aniacutebal Barca
241 ndash Fim da Primeira Guerra Puacutenica Cartago perde a
Siciacutelia para os romanos
216
ANEXO 2 FIGURAS
FIGURA 1
217
FIGURA 2
(a)
(b)
218
FIGURA 3
219
FIGURA 4
Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )
Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemaacuteticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterinaacuteriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MuacutesicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuiacutemicaBaixar livros de Sauacutede ColetivaBaixar livros de Serviccedilo SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo
iv
Haacute somente duas fontes das quais qualquer vantagem pode ser
retirada os nossos proacuteprios infortuacutenios e aqueles de
outros homens
Poliacutebio 135
v
RESUMO
A histoacuteria poliacutetica do mundo heleniacutestico natildeo era
formada unicamente por comandantes secircniores do exeacutercito de
Alexandre o Grande sob os Diaacutedocos contava-se uma seacuterie
de ex-oficiais de poder menor ou aventureiros que
desempenhavam funccedilotildees importantes em regiotildees controladas
pelos ex-generais do rei macedocircnico ou mesmo em territoacuterios
que natildeo haviam sido previamente subjugados Juntamente com
os Diaacutedocos tais comandantes de poder menor moldaram a
poliacutetica do mundo heleniacutestico e transformaram de maneira
relevante a sociedade na qual estavam inseridos
contribuindo para a formaccedilatildeo da imitatio Alexandri e de seu
impacto na arte da guerra do periacuteodo heleniacutestico Este era
o caso de Agaacutetocles de Siracusa e em seguida Pirro do
Epiro (com poder obviamente maior que o de Agaacutetocles) que
a despeito das diferenccedilas na esfera de poder e do viacutenculo
com Alexandre tiveram papel fundamental na concretizaccedilatildeo
das inovaccedilotildees poliacuteticas e militares no ocidente
heleniacutestico
Esta tese de doutorado apresenta duas hipoacuteteses em
primeiro lugar que a monarquia de Agaacutetocles era de
natureza ldquoheleniacutesticardquo e que essa ldquoinovaccedilatildeordquo poliacutetica se
dirigiu agraves suas tropas mercenaacuterias e natildeo agrave cidade de
Siracusa onde sua magistratura compulsoacuteria era uma simples
formalidade em segundo lugar que a expediccedilatildeo africana de
Agaacutetocles e a experiecircncia militar de Pirro na Magna Greacutecia
e na Siciacutelia provocaram inovaccedilotildees militares em Cartago
primeiramente em niacutevel estrateacutegico e em seguida jaacute na
invasatildeo africana liderada pelos romanos em niacutevel taacutetico
Tais inovaccedilotildees por fim teriam transformado o exeacutercito
cartaginecircs numa autecircntica arma heleniacutestica
vi
ABSTRACT
The political history of the Hellenistic world was not
composed only of the senior commanders of Alexander the
Great under the Diadochi both a number of his minor
officers and adventurers played important roles They were
active both in territories ruled by former generals of
Alexander and even in territories which had not been
subdued by the Macedonian King With the Diadochi such
commanders with minor power molded the politics of the
Hellenistic world and shaped their society thus
contributing to the imitatio Alexandri as well as to its
impact on the art of war in Hellenistic period This was
the case of Agathocles of Syracuse and after him Pyrrhos
of Epirus both fundamental to the concretization of
political and military innovations in the western
Hellenistic world despite their differences in power and
their connection with Alexander
This DPhil thesis presents two hypotheses First of
all Agathocles‟ monarchy was of ldquoHellenisticrdquo nature and
such political ldquoinnovationrdquo was proposed to his mercenary
troops instead of the city of Syracuse where his power was
a mere formality Secondly the African expedition led by
Agathocles and the military experience of Pyrrhos in Magna
Graecia and Sicily fomented military innovations in
Carthage These innovations were in the first place at
the logistical level and after that during the African
invasion led by the Romans at the tactical level Such
innovations in the end would have changed the
Carthaginian army into an authentic Hellenistic weapon
vii
AGRADECIMENTOS
Primeiramente os agradecimentos de ordem
institucional Ao Professor Vicente Dobroruka pela
confianccedila inabalaacutevel e por toda dedicaccedilatildeo Ao Professor
Erich Gruen pelo comprometimento com o trabalho de co-
orientaccedilatildeo realizado em agradaacuteveis reuniotildees ao longo do
meu estaacutegio em Berkeley Aos Professores Celso Fonseca
Maria Filomena Carmen Liacutecia e Anderson Vargas por todas
as criacuteticas conselhos e auxiacutelio com o aprimoramento da
pesquisa Aos funcionaacuterios do PPGHIS da UnB e agrave coordenaccedilatildeo
do Programa pela seriedade com que trataram as minhas
frequumlentes solicitaccedilotildees Ao Projeto de Estudos Judaico-
Heleniacutesticos por tudo que ele representa na academia
brasileira Aos financiadores da minha pesquisa
nomeadamente CNPq (bolsa de doutorado no paiacutes) e Capes
(bolsa de doutorado no paiacutes com estaacutegio no exterior) por
terem me dado suporte financeiro em todo o doutoramento
Aos funcionaacuterios colegas e amigos que tive o prazer de
conhecer na Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra Aos funcionaacuterios e
colegas da Universidade da Califoacuternia Berkeley pela
receptividade e paciecircncia com o meu sotaque Aos
Professores Angelos Chaniotis Joe Manning Joatildeo Gouveia
Monteiro Delfim Leatildeo Barry Strauss e Gianluca
Tagliamonte pelos conselhos declaraccedilotildees e cartas de
recomendaccedilatildeo escritas
Por fim os agradecimentos pessoais Aos meus pais por
toda educaccedilatildeo que me deram Espero que eu tenha a essa
altura os deixado orgulhosos de alguma forma Agrave Carolina
my Bride to be por todo suporte emocional em momentos
difiacuteceis principalmente com o falecimento do meu pai Aos
meus amigos Neyller e Fabiacuteola que satildeo tambeacutem parte da
minha famiacutelia e ao meu afilhado Iacutecaro Aos outros amigos
colegas de profissatildeo ou das mais diversas origens luacutedicas
viii
SUMAacuteRIO
Agradecimentos vii
Abreviaturas xi
Lista de figuras xiv
Mapas xv
Introduccedilatildeo 17
Capiacutetulo 1 ndash Novas taacuteticas outra guerra as ldquoinovaccedilotildees
tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe II e Alexandre 27
1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra 29
2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre
transformaram a guerra grega 38
21 A infantaria macedocircnica 38
211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi 40
212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa 44
22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo 48
Capiacutetulo 2 ndash Os desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no
tempo dos Diaacutedocos 53
1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e os tipos
de mercenaacuterio 53
11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica
53
12 Mercenariato basileia e doriktetos chora 60
2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos 64
21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi 66
22 Os elefantes de combate 70
3 As Guerras dos Diaacutedocos 75
31 Eumenes versus Craacutetero 75
ix
32 Antiacutegono versus Eumenes 77
33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e
Lisiacutemaco 86
Capiacutetulo 3 ndash Poder monaacuterquico e arte da guerra na Magna
Greacutecia e na Siciacutelia heleniacutestica 89
1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia heleniacutestica 89
2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo poliacutetica da
morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro 101
3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica 105
4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em campo de
batalha 111
41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles 111
411 O exeacutercito de Agaacutetocles 115
412 Agaacutetocles general como Alexandre 117
42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro 123
421 O exeacutercito de Pirro 125
422 O exeacutercito republicano romano 127
423 A batalha de Heracleia (280 aC) 132
424 A batalha de Aacutesculo (279 aC) 137
Capiacutetulo 4 ndash As duas fases das inovaccedilotildees militares em
Cartago 141
1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo controle
oligaacuterquico e fracasso da tirania em Cartago 310-255
aC 141
2 O exeacutercito cartaginecircs 155
3 As primeiras inovaccedilotildees militares em Cartago
heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave ameaccedila
grega 310-307 aC 161
x
4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no periacuteodo
preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica frente agrave ameaccedila
romana 255 aC 168
41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC 168
411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa
contra os romanos 168
412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a
Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana
de Reacutegulo 256-255 aC 182
413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico
heleniacutestico 255 aC 187
Conclusatildeo 194
Bibliografia 199
Anexos 212
Anexo 1 ndash Uma cronologia do mundo heleniacutestico 323-241
aC 212
Anexo 2 Figuras 216
xi
ABREVIATURAS
AALG ndash MILNS Robert ldquoThe Army of Alexander the Greatrdquo in
REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique
Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve
Fondation Hardt 1976 pp87-136
AHR - The American Historical Review
AJA - American Journal of Archaeology
ALG1 - TARN William W Alexander the Great Cambridge
Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1
ALG2 ndash TARN William W Alexander the Great Cambridge
Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1
Apiano ndash Apiano Guerras Estrangeiras
Arist Pol ndash Aristoacuteteles Poliacutetica
Arr Anab ndash Arriano Anaacutebasis de Alexandre Magno
Austin AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander
to the Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in
Translation Cambridge MA Cambridge University Press
2008
CA ndash Classical Antiquity
Chaniotis WHW CHANIOTIS Angelos War in the Hellenistic
World Malden Oxford Blackwell 2005
Consolo Langher - Sebastiana Consolo Langher Agathocle Da
capoparte a monarca fondatore di un regno tra Cartgagine
e i Diadochi Messina Pelorias 2000
CQ ndash Classical Quarterly
Cuacutercio ndash Quinto Cuacutercio Histoacuteria de Alexandre Magno
Daly ndash DALY Gregory Cannae the experience of battle in
the Second Punic War London New York Routledge 2002
Diod ndash Diodoro Biblioteca Histoacuterica
Caacutessio Dio ndash Caacutessio Dio Histoacuteria Romana
Dioniacutesio ndash Dioniacutesio Antiguidades Romanas
Estrabatildeo ndash Estrabatildeo Geografia
Eutroacutepio ndash Eutroacutepio Breviaacuterio de Histoacuteria Romana
xii
Frontino Frontino Estratagemas
Goldsworthy Punic Wars ndash GOLDSWORTHY PUNIC WARS Adrian
The Punic Wars London Cassell 2000
GRBS - Greek Roman and Byzantine Studies
Griffith GRIFFITH Guy T The Mercenaries of the
Hellenistic World Chicago Ares 1935
Hdt ndash Heroacutedoto Histoacuterias
Isoc Pan Isoacutecrates Panegiacuterico
Isoc Isoacutecrates Da Paz
JHS ndash Journal of Hellenic Studies
JNG - Jahrbuch fuumlr Numismatik und Geldgeschichte
Justino ndash Justino Epiacutetome da Histoacuteria Filiacutepica de Pompeius
Trogus
Lazenby First Punic War ndash LAZENBY FIRST PUNIC WAR John
Francis The First Punic War a military history London
UCL Press 1996
Leacutevecircque Pirro - LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de
Boccard 1957
LSJ ndash Liddell-Scott-Jones Greek-English Lexicon
Meister CAH 7 ndash MEISTER K Agathocles WALBANK FW
ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7 (1)
Cambridge University Press 1984 PP384-411
Miles ndash MILES Richard Carthage Must be Destroyed The
Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization
London Allen Lane 2010
Oroacutesio ndash Oroacutesio Histoacuteria contra os pagatildeos
Parke PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers
Chicago Ares 1933
Plut Ages ndash Plutarco Vida de Agesilau
Plut Alex ndash Plutarco Vida de Alexandre
Plut Dem ndash Plutarco Vida de Demeacutetrio
Plut Eumenes ndash Plutarco Vida de Eumenes
Plut Pelop ndash Plutarco Vida de Peloacutepidas
Plut Tim ndash Plutarco Vida de Timoleatildeo
xiii
Polib ndash Poliacutebio Histoacuterias
Polieno ndash Polieno Estratagemas
Pliacutenio ndash Pliacutenio Histoacuteria Natural
Sil Pun ndash Siacutelio Itaacutelico Puacutenica
Tito Liacutevio ndash Tito Liacutevio A Histoacuteria de Roma (AB VRBE
CONDITA LIBRI)
TLG ndash Thesaurus Linguae Graecae
Tucid ndash Tuciacutedides Histoacuteria da Guerra do Peloponeso
Xen Hel ndash Xenofonte Helecircnica
Zambon Hellenistic Sicily - ZAMBON Efrem Tradition and
Innovation Sicily between Hellenism and Rome Stuttgart
Fraz Steiner Verlag 2008
Zonaras - Zonaras Epitome historiarum
xiv
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Estatueta de Alexandre o Grande Origem
Herculaneum (regiatildeo da Campacircnia) 330-320 aC In Andrew
Stewart Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic
Politics Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1993
Figura 2 (a) Tetradracma de prata de Ptolomeu I Soter do
Egito (315-305 aC) Previamente no mercado suiacuteccedilo (b)
Estater de ouro de Agaacutetocles de Siracusa (310-305 aC)
Vienna In Stewart op cit
Figura 3 Vista panoracircmica de Cartago reconstruccedilatildeo feita
pelo Museacutee Nacional Cartago In Richard Miles Carthage
Must be Destroyed the Rise and Fall of an Ancient
Civilization London Allen Lane 2010 P175
Figura 4 Batalha de Tuacutenis (255 aC) In Yann Le Bohec
Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions
du Rocher 1996 P90
xv
MAPAS
Siciacutelia agrave eacutepoca da Primeira Guerra Puacutenica In Nigel Bagnall The
Punic Wars Rome Carthage and the Struggle for the Mediterranean
London Hutchinson 1990 P 50
xvi
Mediterracircneo ocidental no iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica Note a
expansatildeo africana e hispacircnica dos cartagineses apoacutes a Primeira Guerra
Puacutenica e a hegemonia romana na Siciacutelia dois dos grandes resultados da
Primeira Guerra Puacutenica In Gregory Daly Cannae the experience of
battle in the Second Punic War London and New York Routledge 2002
P7
17
INTRODUCcedilAtildeO
Apoacutes a morte de Alexandre o Grande os seus generais
rapidamente trataram de dividir os territoacuterios imperiais na
Europa na Aacutesia e no Egito de maneira a produzir uma
configuraccedilatildeo poliacutetica completamente ineacutedita ao mundo
antigo Dois princiacutepios baacutesicos regeram a ascensatildeo dos
novos monarcas e a construccedilatildeo de suas dinastias a
apropriaccedilatildeo da imagem puacuteblica de Alexandre (imitatio
Alexandri) e o ldquodireito da lanccedilardquo ou doriktetos chora
Portanto para se tornar um reclamante digno dos
territoacuterios imperiais era preciso em primeiro lugar se
igualar a Alexandre em feitos copiando as suas realizaccedilotildees
militares (postura ofensiva taacuteticas movimentos e
velocidade) e ateacute a sua ligaccedilatildeo com as divindades o que
poderia ser sugerido em variadas oportunidades a exemplo
da cunhagem poacutestuma de moedas com a iconografia do monarca
Em segundo lugar como consequumlecircncia oacutebvia da imitatio
tornava-se necessaacuterio conquistar territoacuterios pela forccedila das
armas o que natildeo restringia o rei a apenas uma regiatildeo ou
povo mas o instigava a governar o que fosse capaz de
subjugar em campanhas militares Como observou Gruen o
fato de os reis heleniacutesticos natildeo portarem ldquotiacutetulos
eacutetnicosrdquo a exemplo de ldquorei dos macedocircniosrdquo indicava que
eles haviam se tornado reis do que pudessem conquistar1
Chaniotis WHW em seu recente livro sobre a guerra no
mundo heleniacutestico completa a interpretaccedilatildeo de Gruen ao
afirmar que ldquoesta vagueza era um convite agrave conquistardquo2
Torna-se evidente portanto que a guerra era parte
fundamental da ideologia do rei heleniacutestico caracterizando
1 Erich Gruen ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In J W Eadie and
Josiah Ober The Craft of the ancient historian essays in honor of
Chester G Starr Lanham MD University Press of America 1985 pp
253-271 2 Chaniotis WHW p57
18
natildeo somente suas funccedilotildees como general mas tambeacutem boa parte
de suas accedilotildees como poliacutetico
O cenaacuterio heleniacutestico em seus primoacuterdios natildeo era
contudo formado somente pelos comandantes secircniores do
exeacutercito de Alexandre ao lado dos Diaacutedocos contava-se uma
lista de ex-oficiais de poder menor e de ldquoaventureirosrdquo sem
qualquer ligaccedilatildeo direta com o rei macedocircnio mas que de
algum modo procuravam se inserir no cenaacuterio poliacutetico
heleniacutestico Este era o caso de Agaacutetocles de Siracusa
responsaacutevel por uma tentativa de introduccedilatildeo planejada da
monarquia de tipo heleniacutestico na Siciacutelia grega Como
veremos ao longo desta tese Agaacutetocles natildeo deve ser
considerado um tirano como seus antecessores siciliotas
ainda que mantivesse algumas das caracteriacutesticas poliacuteticas
tradicionais uma vez que as inovaccedilotildees por ele inicialmente
conduzidas durante a expediccedilatildeo africana podem ser cotadas
como verdadeiramente ldquoheleniacutesticasrdquo3
Diante de uma tentativa de encerramento da guerra pelos
cartagineses com o bloqueio dos portos de Siracusa e do
cerco agrave cidade Agaacutetocles liderou uma expediccedilatildeo inesperada
ao territoacuterio africano o que foi baseado de acordo com
Diodoro no perfeito conhecimento da situaccedilatildeo cartaginesa
na Aacutefrica4 De modo geral o siracusano pretendia inverter
a grande estrateacutegia da guerra e assolar o territoacuterio
inimigo decisatildeo estrategicamente ousada mas baseada na
dificuldade que Cartago teria para mobilizar ndash ou
simplesmente liderar ndash um exeacutercito capaz de derrotar homens
ldquotreinados na escola do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς
δεινοῖς)5 Durante a batalha de Tuacutenis em 310 aC Agaacutetocles
parece ter organizado uma guarda pessoal em imitaccedilatildeo aos
hipaspistas de Alexandre da mesma forma que utilizado
taacuteticas muito similares agravequelas adotadas pelo rei macedocircnio
3 A melhor abordagem para o assunto eacute Zambon Hellenistic Sicily 4 Diod 201-18 5 Diod 203
19
em Gaugamela em 331 aC Alguns anos depois encontramos
evidecircncia de Agaacutetocles representado como Alexandre na
iconografia de um estater de ouro cunhado entre 310-305
aC em imitaccedilatildeo aos tetradracmas de Ptolomeu I (314-313
aC) o qual fazia referecircncia agrave vitoacuteria obtida pelo
siracusano em Tuacutenis Em 307 aC proacuteximo agrave cunhagem do
referido estater registra-se a contenccedilatildeo de uma revolta do
exeacutercito mercenaacuterio devido agrave falta de pagamento ocasiatildeo em
que Agaacutetocles surgiu com toga puacuterpura (siacutembolo do poder
reacutegio) sendo as suas vestimentas consideradas pelas tropas
como ldquoadequadas ou pertencentes ao seu poderrdquo (τὸν προσήκοντα
κόσμον)6 Tais evidecircncias ilustram como sistematicamente
apresentado no capiacutetulo 3 a construccedilatildeo de uma monarquia
que teraacute logo apoacutes a autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos
caracteriacutesticas tipicamente heleniacutesticas natildeo se adequando
mais agraves exigecircncias ou agrave estrutura organizacional de uma
poacutelis Sob Agaacutetocles de Siracusa e depois sob Pirro do
Epiro as vitoacuterias de Alexandre no Oriente (assim como a
longa rivalidade entre gregos e persas a qual foi tomada
pelos macedocircnios como justificativa para a invasatildeo do
Impeacuterio Persa) ganharatildeo vida nova no conflito entre
Siracusa e Cartago7 A histoacuteria siciliana constituiacutea algo
peculiar natildeo sendo um apecircndice da histoacuteria grega
continental como observou Finley8 mas o sentimento grego
de hostilidade ao elemento ldquobaacuterbarordquo seja ele persa ou
cartaginecircs foi constantemente revisto primariamente sob a
lideranccedila poliacutetica de Siracusa A imitatio Alexandri a
partir da oposiccedilatildeo ao elemento ldquobaacuterbarordquo na Siciacutelia
heleniacutestica era portanto algo historicamente viaacutevel
desde que houvesse um homem capaz de forjar uma ligaccedilatildeo com
Alexandre bem como liderar os gregos da Siciacutelia contra seu
6 Diod 2034 7 Argumento desenvolvido por Richard Miles Carthage Must be Destroyed
The Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization London
Allen Lane 2010 P145 8 Moses Finley A History of Sicily London Chatto amp Windus 1979
20
inimigo estrangeiro tradicional Cartago Como sustento
nesta tese Agaacutetocles mostrou-se intencionalmente esse
homem ainda que seus planos de formaccedilatildeo dinaacutestica tenham
falhado e que a audiecircncia para a legitimaccedilatildeo de seu poder
natildeo fosse composta com exceccedilatildeo de Ophellas por
macedocircnios
O impacto do projeto monaacuterquico heleniacutestico de
Agaacutetocles no entanto natildeo se restringiu agrave Siciacutelia grega
Cartago encontrava-se envolvida diretamente com os
desdobramentos militares das inovaccedilotildees poliacuteticas lideradas
pelo siracusano de modo que seu exeacutercito sofreu
modificaccedilotildees consideraacuteveis frente agrave presenccedila grega em seu
territoacuterio Pouco tem sido dito sobre o exeacutercito cartaginecircs
antes da ascensatildeo dos Baacutercidas o que se justifica pela
natureza fragmentada das fontes para a histoacuteria
heleniacutestica mas uma anaacutelise cuidadosa desses fragmentos
deveraacute ilustrar alteraccedilotildees sensiacuteveis na disposiccedilatildeo do
exeacutercito em campo de batalha processo iniciado durante a
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles O tirano provocou
portanto a necessidade de inovaccedilotildees militares entre os
cartagineses o que corresponderia ao iniacutecio de um processo
formado por duas fases tendo o seu fim na transformaccedilatildeo
das tropas cartaginesas numa verdadeira forccedila heleniacutestica
cerca de 50 anos apoacutes a invasatildeo africana pelos gregos Ao
confiar a defesa dos territoacuterios sicilianos aos exeacutercitos
mercenaacuterios Cartago promoveu a falta de treinamento de
suas tropas ciacutevicas as quais eram empregadas somente em
casos extremos isto eacute de perigo para a proacutepria cidade
bem como manteve o baixo niacutevel de conhecimento logiacutestico no
norte da Aacutefrica talvez por que os cartagineses nunca
haviam sofrido ameaccedila similar a de 310 aC o que resultou
no envio completo dos soldados sem quaisquer forccedilas de
reserva (cruciais para a defesa da cidade no caso de uma
derrota decisiva em campo de batalha ou mesmo para a
21
reparticcedilatildeo das tropas no caso de um ataque simultacircneo) Do
mesmo modo o controle oligaacuterquico quanto aos generais
cartagineses dispostos no comando das tropas mercenaacuterias na
Siciacutelia impediu a formaccedilatildeo de uma ldquoescola taacutetica
atualizadardquo situaccedilatildeo que somente seraacute revertida em 255
aC com a contrataccedilatildeo de um general mercenaacuterio de formaccedilatildeo
espartana (Xantipo) e com o prosseguimento de sua reforma
por Amiacutelcar Barca
Entre a reforma provocada pela expediccedilatildeo de Agaacutetocles e
a reforma liderada por Xantipo haacute portanto um intervalo
de aproximadamente cinco deacutecadas o que pode ser
justificado pela carecircncia de evidecircncias mais detalhadas
sobre a histoacuteria poliacutetica e militar de Cartago Todavia
nada indica que entre 307 e 255 aC uma transformaccedilatildeo no
sistema de treinamento do exeacutercito tenha ocorrido a julgar
pela postura assumida por Xantipo em 255 aC
Ao liderar o exeacutercito para fora da cidade em boa ordem
e comeccedilar a manobrar algumas partes dele em falange e
dar as palavras de comando de acordo com os costumes
(ὡς δ ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν κόσμῳ παρενέβαλε καί τι καὶ κινεῖν τν μερν ἐν τάξει καὶ παραγγέλλειν κατὰ νόμους ἤρξατο)9
Feitas as consideraccedilotildees acima podemos nos perguntar o
que as duas fases de inovaccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs tecircm em
comum Preliminarmente cabe dizer que ambas ocorreram em
momentos de extremo perigo para os cartagineses quando o
inimigo (grego e sem seguida romano) encontrava-se jaacute em
territoacuterio africano saqueando cidades e com numeroso
exeacutercito a um passo de tomar a proacutepria cidade de Cartago
As referidas inovaccedilotildees do exeacutercito cartaginecircs (as quais
9 Polib 132 παραγγέλλειν κατὰ νόμους pode ser traduzido tambeacutem como ldquonos termos militares ortodoxosrdquo ἐν τάξει pode ser traduzido por ldquoda forma corretardquo como faz W R Paton tradutor da Loeb mas nesse caso a
expressatildeo parece mesmo indicar algo proacuteximo do modelo grego a julgar
pelo equipamento das infantarias cartaginesa e liacutebica (ver capiacutetulo 4
e figuras em anexo) podendo tambeacutem indicar algo como ldquoem marcha
ordenadardquo (no caso do uso da espada como primeira arma)
22
seratildeo sistematizadas ao longo do capiacutetulo 4 a partir das
evidecircncias disponiacuteveis) no primeiro seacuteculo de histoacuteria
heleniacutestica aparentam ter sido portanto respostas de
natureza distinta (uma logiacutestica e outra taacutetica) ao mesmo
problema tendo a primeira delas se mostrado uma
consequumlecircncia do projeto monaacuterquico de Agaacutetocles
Aleacutem de elucidar aspectos da histoacuteria siciliota e
cartaginesa o enfoque proposto contribui pontualmente para
a retirada da histoacuteria de Cartago da sombra da expansatildeo
romana de fato a derrota dos cartagineses para uma
confederaccedilatildeo latina em guerras traumaacuteticas para ambos os
lados somada ao eco da ldquogrande e justa vitoacuteria romanardquo em
sua tradiccedilatildeo literaacuteria10 resultou natildeo somente na
incorporaccedilatildeo posterior (irrefletida) da concepccedilatildeo de fides
Punica mas tambeacutem na reduccedilatildeo da histoacuteria cartaginesa a
apenas um capiacutetulo do chamado ldquoimperialismo defensivordquo
romano Ao aceitar uma unilateralidade da narraccedilatildeo de tais
eventos o que parece cocircmodo devido agrave natureza (favoraacutevel
aos romanos) dos relatos antigos sobre as Guerras Puacutenicas
o historiador finda por repetir um discurso que exclui uma
parte importante da histoacuteria do Mediterracircneo heleniacutestico
ou na melhor das hipoacuteteses submete tais histoacuterias agrave
cronologia da transformaccedilatildeo da Repuacuteblica Romana em Impeacuterio
Os romanos contudo natildeo foram os primeiros a rotular
os cartagineses com adjetivos desfavoraacuteveis (tais como
desleais crueacuteis mentirosos gananciosos e arrogantes)11
os gregos da Siciacutelia seacuteculos antes dos romanos haviam
engajado numa guerra sem fim com Cartago pela hegemonia da
ilha sendo a famosa caracterizaccedilatildeo do ldquooutrordquo como
ldquobaacuterbarordquo tambeacutem um traccedilo da cultura grega na Siciacutelia natildeo
10 Um caso ldquoclaacutessicordquo eacute o poema eacutepico de Siacutelio Itaacutelico (Pun 2395-
456) ldquoum rico senador romano com pretensotildees literaacuteriasrdquo (Miles op
cit p6) que no final do seacutec I dC via a fides Punica como causa
primordial das guerras anteriores com os cartagineses reduzindo
portanto o papel da ambiccedilatildeo romana como motor dos conflitos 11 Benjamin Isaac The Invention of Racism in Classical Antiquity
Princeton University Press 2004 pp 325-335 Miles op cit p7
23
se restringindo unicamente agrave experiecircncia grega nas guerras
contra os persas ao longo do seacutecV aC Os romanos no
entanto puderam varrer a presenccedila cartaginesa (e
posteriormente a grega) da Siciacutelia e fazer triunfar a sua
versatildeo da histoacuteria a qual deveria incluir
obrigatoriamente uma representaccedilatildeo factiacutevel de Cartago jaacute
que a autoridade e a credibilidade da historiografia romana
se iniciaram na eacutepoca das Guerras Puacutenicas
As duas hipoacuteteses desta pesquisa insinuam-se no
interior das questotildees apresentadas anteriormente Em
primeiro lugar sustento que a basileia de Agaacutetocles
dirigia-se agraves suas tropas e natildeo agrave cidade de Siracusa para
a qual o reconhecimento de seu poder natildeo parece ter sido
mais do que uma formalidade Durante a expediccedilatildeo africana
veremos natildeo somente a progressiva identificaccedilatildeo de seu
poder com uma monarquia de tiacutetulo intencionalmente vago
que seraacute em seguida comparada com a dos Diaacutedocos devido agrave
suposta paridade de suas forccedilas (ldquoem poder militar
territoacuterios e feitosrdquo) Aleacutem disso haacute que se notar tambeacutem
a constituiccedilatildeo de uma nova audiecircncia para o poder de
Agaacutetocles o qual estava cada vez menos baseado no
reconhecimento do demos de Siracusa e cada vez mais voltado
aos seus experientes mercenaacuterios12 A mudanccedila da audiecircncia
para o exeacutercito mercenaacuterio parece inclusive indicar a
tentativa de criaccedilatildeo de uma versatildeo dos hipaspistas de
Alexandre como parte da imitatio Alexandri em campo de
batalha
Em segundo lugar argumento a favor da existecircncia de
dois periacuteodos de inovaccedilatildeo militar de natureza distinta no
exeacutercito cartaginecircs sendo ambos provocados por situaccedilotildees
de perigo extremo para a cidade de Cartago O primeiro
deles se deu como dito antes contra os gregos entre 310-
12 Sou imensamente grato ao Professor Gruen pela sugestatildeo desta
hipoacutetese apoacutes ouvir e ponderar as minhas consideraccedilotildees por horas a
fio sempre com seriedade e gentileza
24
307 aC e parece ter tido caraacuteter logiacutestico assumindo
como ponto de partida o fiasco da batalha de Tuacutenis (310
aC) O segundo deles ocorreu num momento decisivo da
Primeira Guerra Puacutenica (255 aC) e apresentou mudanccedilas no
niacutevel de treinamento do exeacutercito ciacutevico e na atualizaccedilatildeo da
ldquoescola taacuteticardquo cartaginesa Em ambos os casos os
prejuiacutezos ao desenvolvimento militar cartaginecircs impostos
pelo vasto uso dos mercenaacuterios na Siciacutelia (o que inibia a
construccedilatildeo de uma cultura militar ciacutevica) e pelo controle
oligaacuterquico em Cartago (responsaacutevel pela ruptura das linhas
de desenvolvimento do generalato) parecem ter sido
ultrapassados o que poderaacute ser confirmado apoacutes anaacutelise
sistemaacutetica dos dispositivos taacuteticos cartagineses em 255
aC
Para isso a tese divide-se em quatro capiacutetulos O
primeiro capiacutetulo intitulado ldquoNovas taacuteticas outra guerra
as ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe e
Alexandrerdquo traz uma introduccedilatildeo aos antecedentes da arte da
guerra heleniacutestica apresentando uma anaacutelise das condiccedilotildees
de funcionamento do exeacutercito macedocircnico bem como dos
elementos adaptados das taacuteticas tebanas (particularmente a
coluna alongada) A arte da guerra heleniacutestica em seus
primoacuterdios e suas implicaccedilotildees poliacutetico-sociais
(nomeadamente a universalizaccedilatildeo do estatuto mercenaacuterio das
tropas e a construccedilatildeo de um novo tipo de monarquia)
dependem do entendimento correto sobre as unidades taacuteticas
do exeacutercito macedocircnico no caso dos generais que haviam
combatido com Filipe e de uma generalizaccedilatildeo do modelo
macedocircnico a partir do que se difundiu com a expediccedilatildeo
asiaacutetica de Alexandre O segundo capiacutetulo (ldquoOs
desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no tempo dos
Diaacutedocosrdquo) um desdobramento loacutegico e direto do primeiro
apresenta um estudo minucioso da situaccedilatildeo geral do
mercenariato nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico e da
25
arte da guerra tal qual experimentada pelos Diaacutedocos no
embate pela divisatildeo do Impeacuterio de Alexandre Aleacutem da
anaacutelise da manutenccedilatildeo das taacuteticas macedocircnicas de cavalaria
e das novas armas empregadas (inclusive como siacutembolo de
poder militar no caso dos elefantes) pelos Diaacutedocos o
capiacutetulo se ocupa com os eventos relacionados agraves Guerras
dos Sucessores dando atenccedilatildeo especial agrave alteraccedilatildeo do
princiacutepio de aniquilamento pelo envolvimento completo do
inimigo o que resultou no recrutamento massivo de tropas
de infantaria derrotadas (e por vezes intactas) apoacutes o
choque da cavalaria
Os dois uacuteltimos capiacutetulos deslocam o foco da tese para
o ocidente heleniacutestico e seus esforccedilos orientados sob
Agaacutetocles para uma imitatio Alexandri em campo poliacutetico e
militar e sob os cartagineses para duas fases de
inovaccedilotildees militares que se enquadram no formato da arte da
guerra heleniacutestica em seus primoacuterdios Em ambos os casos
contudo notamos um processo de integraccedilatildeo do ocidente
heleniacutestico ao mundo dos Diaacutedocos tenha ele ocorrido com
as inovaccedilotildees poliacuteticas do monarca siracusano ou com as duas
respostas dos cartagineses aos casos de maior perigo para a
cidade de Cartago nos primeiros 90 anos de histoacuteria
heleniacutestica momentos antes portanto do iniacutecio da guerra
com Aniacutebal Barca
No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoder monaacuterquico e arte da
guerra na Magna Greacutecia e Siciacutelia heleniacutesticardquo apresento
uma sistematizaccedilatildeo possiacutevel das evidecircncias favoraacuteveis agrave
caracterizaccedilatildeo do poder monaacuterquico de Agaacutetocles como
ldquoheleniacutesticordquo da mesma forma que desenvolvo argumentos
acerca de uma identificaccedilatildeo provaacutevel das tropas e taacuteticas
de Agaacutetocles durante a sua expediccedilatildeo africana com algumas
unidades e planos de batalha relacionados agrave expediccedilatildeo
asiaacutetica de Alexandre o Grande Devido agrave sensiacutevel queda do
nuacutemero de textos antigos que nos chegaram para o periacuteodo
26
bem como agrave natureza plural dos relatos (incompletos) sobre
Agaacutetocles evidecircncias de outra natureza (epigraacutefica e
numismaacutetica) satildeo tambeacutem consideradas numa perspectiva
instrumental de paridade metodoloacutegica procurando
estabelecer na medida do possiacutevel narrativas baseadas no
estudo comparado de tais fontes
O capiacutetulo 4 (ldquoAs duas fases da reforma militar em
Cartagordquo) traz uma anaacutelise das inovaccedilotildees militares
cartaginesas ocorridas entre 307 e 255 aC das alteraccedilotildees
de caraacuteter logiacutestico encaminhadas durante a expediccedilatildeo
africana de Agaacutetocles agraves modificaccedilotildees quanto ao treinamento
e agraves taacuteticas lideradas por Xantipo (255 aC) Um estudo
das relaccedilotildees entre a oligarquia em Cartago e seus generais
na Siciacutelia deveraacute elucidar em detalhes a repressatildeo
oligaacuterquica em direccedilatildeo ao desenvolvimento de uma ldquoescola
taacutetica atualizadardquo da mesma forma que uma mudanccedila
temporaacuteria nesse comportamento diante de duas ameaccedilas
potencialmente fatais agrave cidade
Os textos antigos usados nesta tese seguem quando
possiacutevel a ediccedilatildeo da Loeb Quando a ediccedilatildeo natildeo existe a
exemplo dos Estratagemas de Polieno emprega-se a ediccedilatildeo de
referecircncia (normalmente uma traduccedilatildeo para a liacutengua
inglesa) A leitura de tais textos deu-se inicialmente em
inglecircs sendo todos os trechos citados (ou de relevacircncia
pontual para a tese) lidos tambeacutem em grego ou latim usando
como recursos o TLG e o LSJ
27
CAPIacuteTULO 1 ndash NOVAS TAacuteTICAS OUTRA GUERRA AS
ldquoINOVACcedilOtildeES TEBANASrdquo E O EXEacuteRCITO REFORMADO DE
FILIPE II E ALEXANDRE
As influecircncias tebanas no pensamento militar macedocircnico
satildeo um dado haacute muito aceito na historiografia levando em
consideraccedilatildeo a aproximaccedilatildeo de Filipe com Epaminondas13
Todavia cabe perguntar quais seriam detalhadamente os
elementos desta relaccedilatildeo entre as taacuteticas tebanas e a
composiccedilatildeo do exeacutercito integrado macedocircnico Pode-se
postular ainda a existecircncia de inovaccedilotildees tipicamente
tebanas na guerra grega e em particular na reforma do
exeacutercito de Filipe e Alexandre
Conforme mostrarei neste capiacutetulo alguns princiacutepios
empregados na maior batalha travada entre Tebas e Esparta
em Leuctra (371 aC) quando a falange lacedemocircnia foi
derrotada num choque de hoplitas apresentaram-se
explicitamente no exeacutercito reformado macedocircnico mas
precisam ser cuidadosamente reavaliados Assim a batalha
de Leuctra eacute importante (1) por seu impacto histoacuterico - a
falecircncia da hegemonia espartana em campo de batalha e (2)
porque o uso da coluna alongada e da formaccedilatildeo obliacutequa (com
uma das alas hesitante) foi consolidado com a
profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito macedocircnico ocorrida a
partir do serviccedilo contiacutenuo e do estabelecimento de
treinamento superior (ambos caracteriacutesticos do soldado
profissional)
Aleacutem disso a partir da adoccedilatildeo das manobras de
cavalaria como etapa ofensiva principal das taacuteticas de
campo adotadas por Filipe II e Alexandre podemos notar na
guerra grega uma contribuiccedilatildeo estritamente macedocircnica natildeo
sendo possiacutevel atribuir a Epaminondas ou a outros tebanos
13 Plut Pelop 267
28
esta modificaccedilatildeo decisiva14 Por uacuteltimo como desdobramento
deste toacutepico a destruiccedilatildeo das defesas inimigas nas alas e
o consequumlente aniquilamento do inimigo por manobra de
envolvimento algo elaborado pelos macedocircnios no mundo
grego e comum aos persas ao menos desde a invasatildeo de
Alexandre teria sido tambeacutem a maior caracteriacutestica das
batalhas na Guerra dos Diaacutedocos15 natildeo fosse a incorporaccedilatildeo
das tropas vencidas ao contingente vitorioso praacutetica mais
condizente com a lideranccedila militar heleniacutestica Embora
novos fatores tenham emergido nas Guerras dos Diaacutedocos como
legado do impeacuterio de Alexandre (a exemplo do emprego dos
elefantes de guerra16) as manobras de cavalaria
permaneceram um dos traccedilos fundamentais aos primeiros
cinquumlenta anos da tradiccedilatildeo militar heleniacutestica primando
no entanto pela submissatildeo das tropas vencidas ao centro da
formaccedilatildeo
14 Ainda que os tessaacutelios fossem excelentes cavaleiros sua eficiecircncia
foi comprovada e difundida apenas sob o comando macedocircnico 15 Daiacute a relevacircncia deste mapeamento histoacuterico como etapa analiacutetica
anterior ao estudo da guerra heleniacutestica 16 Ambos seratildeo tratados no capiacutetulo dois desde sua ldquomatrizrdquo
macedocircnica
29
1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra
Desde o estabelecimento do ldquodilema tebanordquo isto eacute a
problemaacutetica em torno de suas intervenccedilotildees militares na
Beoacutecia e de sua inserccedilatildeo na Liga Ateniense como ldquotebanosrdquo
(e natildeo como ldquobeoacuteciosrdquo o que limitava seu raio de accedilatildeo na
regiatildeo) a situaccedilatildeo natildeo se manteve tranquumlila entre ambas as
poacuteleis (Atenas e Tebas) Apesar de um acordo de paz firmado
em 375 aC (que exigia respostas oficiais para qualquer
incidente de cunho militar e estabelecia diretrizes para a
relaccedilatildeo das cidades mencionadas os tebanos insistiam na
restauraccedilatildeo de Oropos cujo controle havia sido perdido17
Aleacutem disso a destruiccedilatildeo de Plateacuteia e Thespiai duas
cidades beoacutecias que haacute pouco haviam se aliado a Atenas
entrou no rol dos desentendimentos entre as cidades gregas
O grande problema estava justamente na recusa em reconhecer
a ldquoConfederaccedilatildeo beoacuteciardquo (na qual Tebas exercia funccedilatildeo de
comando) ainda que esta continuasse a funcionar
paralelamente
Como observa Buckler18 tal situaccedilatildeo indicou acima de
tudo uma ldquomudanccedila no balanccedilo do poder na Greacuteciardquo
Definitivamente os tebanos mostraram-se capazes de
defender seus proacuteprios interesses num contexto de restriccedilatildeo
econocircmica da lideranccedila poliacutetica ateniense e a construccedilatildeo
das embarcaccedilotildees de guerra bem como sua manutenccedilatildeo
inviabilizaram qualquer reaccedilatildeo ateniense frente ao
crescente poder tebano
Aleacutem disso os espartanos enfrentaram problemas ainda
mais seacuterios que os atenienses se pensarmos em termos mais
17 Xen Hel 63 18 John Buckler The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge
MALondon Harvard University Press 1980 P46
Importante lembrar que o uacuteltimo tratamento dado ao periacuteodo antes do
claacutessico escrito por Buckler foi dado por Ernst von Stern em sua
obra Geschichte der spartanischen und thebanishen Hegemonie (Tartu
University of Tartu 1884)
30
relacionados ao que estaacute sendo proposto nesta tese O
melhor exemplo da dificuldade espartana em manter seu poder
foi aleacutem da reduccedilatildeo de sua influecircncia na Jocircnia o fracasso
na tentativa de subjugar Tebas De fato os tebanos estavam
decididos a manter seu domiacutenio na Beoacutecia mesmo que para
isso fosse necessaacuteria a disposiccedilatildeo de seu exeacutercito em campo
de batalha seguindo o tradicional modelo grego do choque
de hoplitas bem como a tentativa de resolver o conflito
num choque decisivo
Para complementar a tensatildeo poliacutetica acima detalhada
Epaminondas dirigiu-se a Agesilau sobre sua delegaccedilatildeo em
termos aacutesperos ao niacutevel de aceitaccedilatildeo espartana
argumentando que Tebas possuiacutea tanto direito de intervenccedilatildeo
na Beoacutecia quanto Esparta na Lacocircnia Tratava-se da
imposiccedilatildeo da Confederaccedilatildeo beoacutecia e de sua caracterizaccedilatildeo
como a uacutenica unidade poliacutetica possiacutevel na regiatildeo
diferentemente da symmachia da Segunda Confederaccedilatildeo
Ateniense O isolamento de Tebas estava entatildeo
anunciado19 de modo que a batalha decisiva tornou-se o
caminho mais provaacutevel para a resoluccedilatildeo do desentendimento
entre as poacuteleis
Quanto agrave documentaccedilatildeo referente agrave batalha existe uma
tendecircncia por parte dos especialistas em recusar (ou ao
menos reduzir a relevacircncia) do relato de Xenofonte20 o
uacutenico contemporacircneo da batalha devido agrave falta de detalhes
e ao seu posicionamento excessivamente proacute-espartano Os
demais relatos embora posteriores fornecem informaccedilotildees
mais detalhadas e estatildeo apoiados noutras evidecircncias
contemporacircneas Como observa Hanson21 apesar das
diferenccedilas em muitos aspectos dos relatos sobre Leuctra
19 Xen Hel 63 Plut Ages 27 284 Diod 1550 20 Xen Hel 64 21 Victor D Hanson ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371 BC)
and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7 190-207 1988
P191
31
Plutarco22 e Diodoro
23 ldquopartilham dois princiacutepios
fundamentais que permanecem inquestionaacuteveisrdquo Primeiro a
inserccedilatildeo de algo totalmente novo em Leuctra por Epaminondas
e segundo o caraacuteter insatisfatoacuterio do relato de
Xenofonte especificamente em relaccedilatildeo a sua incompletude e
ao silecircncio (provavelmente intencional) no que respeita agraves
manobras tebanas
Uma vez decididos pela guerra Epaminondas eleito
comandante entre os boiotarchoi24 aguardou com seu
exeacutercito em Queroneacuteia onde poderia facilmente bloquear o
avanccedilo de Cleombroto desde Phokis25 Embora os outros
boiotarchoi com exceccedilatildeo de Peloacutepidas que apoiava
Epaminondas desde o iniacutecio de seu plano de batalha
estivessem receosos da decisatildeo em campo aberto optando
pela corrente estrateacutegia tebana (recuar ateacute uma
fortificaccedilatildeo e laacute oferecer resistecircncia) o temor em perder
o apoio das outras cidades beoacutecias os encorajaram a fazer
frente ao exeacutercito de Cleombroto26
Com aproximadamente 10000 soldados de infantaria e
1000 cavaleiros os espartanos dispuseram de acordo com
Xenofonte a cavalaria agrave frente dos hoplitas27 para que a
falange pudesse realizar seus movimentos secretamente fora
do campo de visatildeo do inimigo Cleombroto estava agrave direita
justamente com os demais espartanos sendo que o
contingente aliado a Esparta estava disposto agrave esquerda
Em resposta ao ataque inicial dos espartanos
Epaminondas enviou sua cavalaria provavelmente superior
agravequela do inimigo28 no intuito de fazer frente ao ataque
que abriu a batalha A formaccedilatildeo adotada pelos tebanos
22 Plut Pelop 2023 23 Plut Pelop 1552-56 24 Uma das principais magistraturas da Liga Beoacutecia segundo o LSJ 25 Plut Pelop 1552 26 Xen Hel 64 Diod 1553 Plut Pelop 203 27
Xen Hel 64 [] προετάξαντο μὲν τς ἑαυτν φάλαγγος οἱ Λακεδαιμόνιοι τοὺς ἱππέας [] 28 Xen Hel 64
32
estreita mas profunda era tambeacutem invertida Contrariando o
que comumente executavam os gregos o ataque principal
seria desferido pela ala esquerda liderada pelo ldquobatalhatildeo
sagradordquo operando na ocasiatildeo como unidade individual sob o
comando de Peloacutepidas O restante das tropas estava disposto
na ala direita fazendo frente ao contingente aliado
espartano
De acordo com Plutarco29 Cleombroto se viu forccedilado
quando observou que o ataque principal tebano seria
executado pela ala esquerda e natildeo pela direita a solicitar
que sua linha de frente agrave direita fosse estendida e
abaulada (τὸ δεξιὸν ἀνέπτυσσον καὶ περιγον) jaacute que assim poderia
envolver a coluna alongada dos tebanos e atacar o proacuteprio
Epaminondas O uacutenico problema eacute que existiria aiacute um espaccedilo
agrave esquerda do rei que deveria ser protegido de alguma
maneira provavelmente pela cavalaria Uma vez perdido o
combate pela cavalaria espartana Cleombroto teve que
enfrentar abertamente os tebanos sem chance de completar
sua manobra e ainda com um agravante a cavalaria em fuga
se chocou com a infantaria em avanccedilo causando grande
confusatildeo na formaccedilatildeo espartana30 Naquele momento o
Batalhatildeo Sagrado se destacou das demais unidades e desferiu
o principal ataque eliminando qualquer possibilidade de
reordenamento espartano Encerrada pelo rompimento da
formaccedilatildeo a batalha estava decidida
O episoacutedio de Leuctra assinala portanto para a maior
parte dos historiadores antes de Hanson de Buckler31 a
Ducrey32 ou Tuplin
33 uma revoluccedilatildeo no modo grego de fazer a
guerra34 Natildeo eacute sem razatildeo frente agrave tradiccedilatildeo
29 Plut Pelop 232 30 Xen Hel 6413 Plut Pelop 233 31 Buckler opcit 32 Pierre Ducrey Warfare in Ancient Greece New York Schocken 1985 33 John Tuplin ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding problemsrdquo in
Klio 69 72-107 1987 34 Paul Cartledge (Peace of Antalkidas to Battle of Leuktra In _____
Agesilaos and the crisis of Sparta London Duckworth 1987 P380)
33
historiograacutefica que Adcock afirmou em The Greek and
Macedonian Art of War que ldquodevido agraves suas inovaccedilotildees
[Epamonindas] havia vencido sua primeira grande batalha
Leuctra antes da mesma ser iniciadardquo35 Existe no
entanto um posicionamento tradicionalmente contraacuterio agraves
entatildeo chamadas inovaccedilotildees de Epaminondas trata-se da
tradiccedilatildeo historiograacutefica que remonta ao argumento
desenvolvido por Hanson em 1988 em seu provocativo artigo
sobre Epaminondas e a batalha de Leuctra36
Em primeiro lugar Hanson refere-se a uma lista de
casos anteriormente estudados por Pritchett37 nos quais a
coluna alongada havia sido empregada De fato aprofundar a
quantidade de hoplitas numa das alas aumentava a
autoconfianccedila e adicionava poder de choque agrave coluna
hopliacutetica mas reduzia a extensatildeo da linha de frente
expunha o flanco mais facilmente (facilitando o
envolvimento por parte do inimigo) e exigia mais da ala
desfavorecida devido ao deslocamento de homens para a outra
parte da formaccedilatildeo Os tebanos jaacute haviam se utilizado da
coluna alongada com 16 escudos38 (εἰς ἑκκαίδεκα βαθεῖαν)39 mas eacute
vaacutelido lembrar que existe com Epaminondas uma
radicalizaccedilatildeo deste princiacutepio jaacute conhecido pelos gregos
levando ao extremo o nuacutemero de soldados dispostos em
coluna
Em seguida a inversatildeo da coluna alongada da ala
direita para a esquerda40 onde os soldados inimigos natildeo
menciona que as taacuteticas de Epaminondas foram ldquobrilhantemente
inovadorasrdquo 35 Franz Adcock The Greek and Macedonian Art of War Berkeley and Los
Angeles California University Press 1967 P89 36 Hanson opcit 37 William Pritchett Ancient Greek Military Practices (I) Berkeley
Los Angeles London University of California Press 1971 P135 Os
casos satildeo detalhadamente Delion (424 aC Tucid 493) Siracusa
(415 aC Tucid 667) Peiraieus (403 aC Xen Hel 24) Rio
Nemeacuteia (394 aC Xen Hel 42) 38 Xen Hel 42 Plut Pelop 172 39 Xen Hel 42 40 Xen Hel 64 Diod 1555 Plut Pelop 231
34
contavam com a proteccedilatildeo dos escudos41 foi planejada por
Epaminondas com a intenccedilatildeo de destruir a tropa de elite
espartana o mais raacutepido possiacutevel Embora tal praacutetica - a da
inversatildeo da principal tropa de choque da direita para a
esquerda - jaacute fosse conhecida pelos gregos pelo menos desde
as Guerras Meacutedicas como nos lembra Hanson42
especificamente no episoacutedio da batalha contra o persa
Mardocircnio43 natildeo existe meio de saber precisamente porque
Epaminondas adotou tal formaccedilatildeo uma vez que o histoacuterico
desta inversatildeo taacutetica natildeo ilustra mais sucessos do que
fracassos quando aplicada Talvez Epaminondas tenha
ldquomeramente orquestrado uma colisatildeo brutal e decisivardquo44
como outros comandantes gregos jaacute o tinham tentado mas natildeo
haacute como saber quais motivos especiacuteficos o levaram a adotar
tal formaccedilatildeo ao inveacutes daquela tradicional Por fim ainda
com relaccedilatildeo agrave inversatildeo das alas basta dizer que a
eliminaccedilatildeo da hipoacutetese pautada na defesa da ldquogenialidade
taacuteticardquo de Epaminondas nos leva de acordo com o argumento
de Hanson a uma evidente reduccedilatildeo na sua capacidade de accedilatildeo
imediata mas ainda assim sem descartar uma questatildeo
importante a combinaccedilatildeo radical destes dois fatores (a
coluna alongada e invertida) foi indiscutivelmente decisiva
na derrota dos espartanos em Leuctra
Outra questatildeo fundamental diz respeito ao uso integrado
(ou mesmo a ausecircncia) da cavalaria especialmente na ala
direita tebana Apenas Xenofonte45 menciona a existecircncia de
tropas montadas em Leuctra sem fazer referecircncia sequer ao
movimento de flanqueamento por parte da cavalaria de
41 Deve-se lembrar que o hoplita da esquerda era protegido pelo escudo
do soldado agrave sua direita avanccedilando juntos ombro a ombro O soldado
situado agrave extrema direita contava entatildeo apenas com sua lanccedila jaacute que
seu escudo deveria proteger o lado direito do soldado situado agrave sua
proacutepria esquerda 42 Hanson opcit p194 43 Hdt946 44 Hanson opcit p194 45 Hel 64 [] οἱ τν Φωκέων πελτασταὶ καὶ τν ἱππέων Ἡρακλεται []
35
Epaminondas Pelo contraacuterio os espartanos eacute que teriam
iniciado a batalha enviando seus cavaleiros agrave frente dos
hoplitas Entatildeo os tebanos em resposta ao ataque
espartano teriam feito o mesmo Natildeo existe informaccedilatildeo
sobre um possiacutevel retorno agraves posiccedilotildees originais ou mesmo em
direccedilatildeo agraves alas o que poderia sugerir uma lacuna no relato
de Xenofonte no que se refere agraves manobras de cavalaria ao
longo de toda a batalha tanto pelo lado espartano quanto
pelo lado tebano
Buckler e Tuplin46 concordam que as manobras adotadas
por Cleombroto derivaram de uma accedilatildeo inesperada por parte
dos tebanos Ora se de fato os espartanos pretendiam
distrair Epaminondas com um ataque frontal e inicial da
cavalaria enquanto a ala direita comandada pelo proacuteprio
Cleombroto pudesse avanccedilar para aleacutem da ala esquerda
tebana e recobrar a proteccedilatildeo do flanco com o retorno das
tropas montadas que iniciaram a batalha entatildeo Epaminondas
provavelmente sabia o que fora realizado por seus inimigos
na batalha do rio Nemeacuteia47 quando um envolvimento se
tornou possiacutevel exatamente a partir de tais manobras
Poreacutem admitindo-se que Cleombroto iniciou mesmo a batalha
ordenando o avanccedilo da cavalaria estaria correto o relato
de Plutarco (no qual Buckler e Tuplin basearam sua anaacutelise)
com relaccedilatildeo agrave sequumlecircncia das manobras48 Noutras palavras a
uacutenica maneira de afirmar que Cleombroto teria modificado
46 Buckler opcit p64 47 Xen Hel 42 48 O questionamento parte tambeacutem da comparaccedilatildeo entre a reputaccedilatildeo de
Plutarco e Xenofonte O primeiro nunca teve pretensotildees a historiador
embora o relato de Leuctra tenha sido provavelmente baseado nos textos
de Eacuteforo (FGrH 70) enquanto o segundo aleacutem das intenccedilotildees de
prosseguimento da obra de Tuciacutedides tinha declarada experiecircncia
militar O fato de que Xenofonte seria parcial em sua anaacutelise digo
interessado apenas em sustentar que tudo teria dado errado para os
espartanos naquele dia em contraposiccedilatildeo agrave sorte dos tebanos fez com
que a historiografia ateacute o artigo escrito por Hanson sequer
atentasse para uma importante declaraccedilatildeo de Xenofonte (ldquoos espartanos
iniciaram a batalhardquo) o que definitivamente abre o leque de
possibilidades explicativas especialmente para o questionamento do
testemunho de Plutarco
36
sua formaccedilatildeo devido agrave ldquosurpresardquo em relaccedilatildeo agraves manobras de
Epaminondas eacute atraveacutes do relato de Plutarco Entretanto se
admitirmos que a cavalaria espartana (e natildeo a tebana)
iniciou o ataque como sugeriu Xenofonte eacute possiacutevel supor
tambeacutem que Cleombroto contava desde o iniacutecio com o retorno
de sua cavalaria para proteger o flanco aberto durante a
execuccedilatildeo da manobra (planejada antes mesmo de iniciada a
batalha) com a qual pretendia envolver a coluna alongada
dos tebanos Como sua cavalaria natildeo foi capaz de vencer a
tebana o proacuteprio rei teria permanecido agrave mercecirc do choque
comandado por Peloacutepidas consequumlecircncia da falha da cavalaria
espartana e natildeo fruto de um plano preacute-elaborado por
Epaminondas
A criacutetica de Hanson dirigida agraves interpretaccedilotildees da
batalha de Leuctra parece totalmente correta e de fato uma
reavaliaccedilatildeo das chamadas ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo constitui uma
etapa necessaacuteria a este estudo para que se torne evidente
que a inserccedilatildeo da cavalaria tal como empregada no exeacutercito
de Alexandre natildeo estava disponiacutevel na guerra grega antes
de Filipe49 Pelo contraacuterio o uso integrado das diversas
seccedilotildees do exeacutercito configurou em seu estaacutegio avanccedilado uma
contribuiccedilatildeo tipicamente macedocircnica Noutras palavras os
gregos jaacute haviam assimilado algumas taacuteticas cuja execuccedilatildeo
dependia de certo niacutevel de integraccedilatildeo entre as sessotildees do
exeacutercito como possivelmente ocorrera em Leuctra pelo lado
espartano mas o enraizamento do soldado-cidadatildeo como
principal figura dos exeacutercitos gregos dos seacutecsV e parte do
IV aC deixaram a consolidaccedilatildeo desta inovaccedilatildeo para um
reino de fronteira a Macedocircnia cuja aristocracia dava
grande importacircncia ao uso dos cavalos na guerra
49 A reforma do exeacutercito macedocircnico tornou-se um assunto por demais
polecircmico uma vez que as fontes satildeo bastante confusas a esse respeito
No entanto posiciono-me a favor de uma reforma iniciada com Alexandre
II e seguida por Filipe II de acordo com os argumentos que
apresentarei mais abaixo
37
A uacuteltima questatildeo acerca do que Epaminondas realizou em
Leuctra diz respeito ao ataque obliacutequo quando a falange
foi trazida sob formaccedilatildeo em crescente (μηνοειδὲς τὸ σχμα τς
φάλαγγος πεποιηκότες)50 Apoacutes 371 aC esta formaccedilatildeo foi
novamente empregada com grande sucesso em Gaugamela (331
aC) por Alexandre o Grande
Desse modo o argumento de Hanson acerca da suposta
revoluccedilatildeo nas taacuteticas gregas a partir de Epaminondas
precisa ser levado em consideraccedilatildeo na medida em que retira
a proeminecircncia de um uacutenico e genial comandante tebano
salientando a ligaccedilatildeo entre as transformaccedilotildees ocorridas na
guerra grega desde o conflito poliacuteada no Peloponeso e o
exeacutercito reformado de Filipe da Macedocircnia
50 Diod1555
38
2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre
transformaram a guerra grega
21 A infantaria macedocircnica
Dada a sua posiccedilatildeo de fronteira em relaccedilatildeo ao universo
poliacuteada e em particular apoacutes a esmagadora derrota para os
iliacuterios51 os esforccedilos militares dos reis macedocircnicos
direcionaram-se para a formulaccedilatildeo de uma nova maacutequina de
guerra a saber a combinaccedilatildeo equilibrada entre um tipo de
falange de piqueiros de excelente cavalaria e de um
aparato completo de maacutequinas de cerco a partir do qual
Alexandre obteve os recursos taacuteticos necessaacuterios para a
realizaccedilatildeo de sua campanha na Aacutesia Mas eacute possiacutevel dizer
precisamente em que momento tal reforma teve lugar na
histoacuteria da Macedocircnia antiga
Momigliano52 apoiado num trecho decisivo do fragmento
da Filiacutepica de Anaxiacutemenes de Lampsaco53 afirmou que esta
teria comeccedilado jaacute com Alexandre o Fileleno (498-454 aC)
devido agrave referecircncia a um novo grupo de soldados de
infantaria chamados pezetairoi os quais teriam sido
organizados em companhias (τοὺς πεζοὺς εἰς λόχους) por um certo
Alexandre considerado por Momigliano como sendo o primeiro
rei deste nome de que se tem notiacutecia
A referecircncia feita a Anaxiacutemenes tornou-se decisiva
desde entatildeo mas nesta tese opto pela hipoacutetese de
Bosworth54 que combinando o trecho de Anaxiacutemenes a uma
importante citaccedilatildeo de Tuciacutedides55 sobre a formaccedilatildeo
macedocircnica desloca a reforma do exeacutercito macedocircnico para
Alexandre II (370-368 aC) Ainda que o tempo de reinado
51 Diod 162 52 Arnaldo Momigliano Filippo il Macedone saggio sulla storia greca
Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934 53 FGrH 72 F4 54 Albert Bosworth ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973 P250 55 Tucid 4124 ldquomacedocircnios [] e outra multidatildeo de poderosos
baacuterbarosrdquo (Μακεδόνων []καὶ ἄλλος ὅμιλος τν βαρβάρων πολύς)
39
de Alexandre II tenha sido bastante curto se comparado aos
44 anos de governo do primeiro Alexandre a descriccedilatildeo de
Tuciacutedides deve ser considerada a partir do seguinte
criteacuterio se a formaccedilatildeo macedocircnica da forma como
apresentada pelo historiador ateniense foi fidedignamente
narrada cerca de trinta anos apoacutes Alexandre o Fileleno a
atribuiccedilatildeo da reforma como sendo uma accedilatildeo de seu governo eacute
incorreta Se de fato a reforma fora realizada por um
Alexandre este soacute pode ser por exclusatildeo o seguinte
Alexandre (II)
A reconstruccedilatildeo das origens do exeacutercito macedocircnico
reformado eacute entatildeo bastante polecircmica ainda que a
tendecircncia seja localizar o seu iniacutecio cerca de dez anos
antes do reinado de Filipe II Aleacutem disso a histoacuteria de
sua organizaccedilatildeo e accedilatildeo em campo de batalha nos eacute acessiacutevel
somente a partir da campanha de Alexandre quando o uso de
Arriano e de alguns fragmentos o mapeamento filoloacutegico de
termos condizentes agrave infantaria e o estudo das unidades
taacuteticas conhecidas (e de suas subdivisotildees) auxiliam na
tarefa de estabelecer as diretrizes para o entendimento de
parte do exeacutercito macedocircnico56
56 Breves reconstruccedilotildees como a elaborada por Billows (Kings and
Colonists Aspects of Macedonian Imperialism LeidenNew YorkKoumlln
Brill 1995 Pp11-20) natildeo satildeo satisfatoacuterias pois ignoram diversos
aspectos da reforma como por exemplo os problemas advindos do uso
de Diodoro para o estabelecimento do nuacutemero aproximado das tropas A
melhor introduccedilatildeo para o assunto eacute ainda Robert Milns AALG
40
211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi
Segundo Tarn57 e Milns
58 somente atraveacutes do relato de
Arriano podemos elaborar uma reconstruccedilatildeo segura da
terminologia e do desenvolvimento de parte das tropas
macedocircnicas Isso se deve ao fato de que por um lado
tanto Diodoro quanto Cuacutercio empregaram fontes apenas
indiretamente preocupadas com o exeacutercito macedocircnico Por
outro lado Ptolomeu a principal fonte de Arriano era
assim como seu leitor entendido nos assuntos militares e
conhecedor de sua terminologia Ainda que 500 anos
separassem os dois o relato de Arriano tornou-se o mais
apropriado para a anaacutelise das tropas macedocircnicas e de sua
aplicaccedilatildeo taacutetica em campo de batalha
Analisemos entatildeo os principais termos referentes agrave
organizaccedilatildeo do exeacutercito Pezetairoi que agrave primeira vista
indica a infantaria macedocircnica em sentido mais amplo em
Arriano ora faz referecircncia a toda a falange ora apenas a
parte dela59 Certamente trata-se de um termo anterior a
Filipe se aceitarmos as informaccedilotildees sobre os pezetairoi de
Alexandre II contidas no relato de Anaxiacutemenes de
Lampsaco60 podendo tambeacutem de acordo com Teopompo de
Quios61 fazer referecircncia unicamente agrave ldquoGuarda Realrdquo
(ἐδορυφόρουν τὸν βασιλέα) Apesar dessas divergecircncias uma
coisa permanece inquestionaacutevel o termo pezetairoi no tempo
de Alexandre referia-se essencialmente a toda a falange de
piqueiros
Existem aleacutem disso duas variaccedilotildees que devem ser
observadas pezoi por vezes indicando a falange62 ou mesmo
toda a infantaria e φάλαγξ que pode significar a falange
57 ALG2 P135 58 Robert D Milns ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in
Historia 20 186-195 1971 P88 59 Arr Anab 1283 2232 4231 5226 661 6213 7113 60 FGrH 72 61 FGrH 115 F348 62 A falange indica o conjunto de todos os batalhotildees ou brigadas dos
πεζέταιροι
41
propriamente dita ou apenas um uacutenico batalhatildeo da falange
bem como os hipaspistai e a formaccedilatildeo em linha de batalha
quando usado para fazer referecircncia a outras tropas (ἐπὶ
φάλαγγος em oposiccedilatildeo a κατὰ κέρας por exemplo)63
Com a ampliaccedilatildeo do termo para a definiccedilatildeo de toda a
falange (ou de sua parte em destaque) abre-se tambeacutem uma
nova questatildeo introduzida por Bosworth64 a partir de uma
releitura de Arriano qual seria a vinculaccedilatildeo dos
pezetairoi com os hipaspistai e os asthetairoi65
Em primeiro lugar o que jaacute se discute desde Tarn66
Muitas informaccedilotildees vitais acerca dos hipaspistai satildeo
impossiacuteveis de se obter basicamente por duas razotildees ambas
derivadas de problemas advindos das proacuteprias fontes Em
primeiro lugar os historiadores gregos natildeo estariam
interessados em ldquodetalhes militares teacutecnicosrdquo de uma tropa
macedocircnica mesmo quando esta desempenhava funccedilatildeo
importante na campanha Em seguida Ptolomeu provavelmente
por estar familiarizado com todos esses detalhes teacutecnicos
em seu dia-a-dia simplesmente natildeo desenvolveu nada a
respeito da disposiccedilatildeo e equipamentos desta tropa67
Sabemos que os hipaspistai foram uma forccedila criada a
partir de uma seleccedilatildeo dos pezetairoi sendo provavelmente a
primeira na histoacuteria da Macedocircnia de caraacuteter profissional
cujo serviccedilo era ininterrupto e cuja lealdade estava ligada
particularmente agrave figura do rei O termo aparece apenas em
Arriano tendo designaccedilatildeo equivalente em Diodoro
(δορυφόροις)68 o que sugere ter sido hipaspistai o termo
63 Esta discussatildeo encontra-se em detalhes em ALG2 p135-142 64 Bosworth opcit p245 65 Segundo Bosworth (opcit p246) existem ainda traduccedilotildees que
simplesmente substituem o termo asthetairoi por pezetairoi 66 ALG2 67 Milns opcit p186 68 Diod 1777 [] ἔπειτα τοὺς ἐπιφανεστάτους τν Ἀσιανν ἀνδρν δορυφορεῖν ἔταξεν []
42
empregado por Ptolomeu e por deduccedilatildeo pelos proacuteprios
macedocircnios69
Basicamente formavam um contingente de 3000 homens e
encontravam-se divididos em trecircs quiliarquias de
aproximadamente 1000 homens cada70 Diferentemente do
restante da falange os hipaspistai eram selecionados pelo
proacuteprio rei e integravam sua guarda pessoal
Qual seria por uacuteltimo o equipamento militar do
hipaspistes Existe uma tendecircncia geral em definir seu
equipamento como sendo mais leve que aquele dos demais
falangistas ou algo situado entre o equipamento do
falangista e do peltasta No que diz respeito a essas
suposiccedilotildees Tarn71 eacute incisivo
Em relaccedilatildeo ao armamento eles eram infantaria pesada
tatildeo pesadamente armada quanto a falange a diferenccedila
entre os dois corpos residia em sua histoacuteria
recrutamento e manutenccedilatildeo natildeo no armamento A crenccedila
de que eles eram armados como peltastas ou que seu
armamento era algo intermediaacuterio entre aquele do
falangista e do peltasta natildeo encontra evidecircncia para
lhes dar suporte e natildeo precisa ser informado
Haacute por outro lado suposiccedilotildees com relaccedilatildeo ao
equipamento do hipaspistes que podem sugerir uma
proximidade com o peltasta A melhor delas insinua-se a
partir de uma marcha forccedilada do exeacutercito macedocircnico na
qual Alexandre teria utilizado os hipaspistai juntamente
com a infantaria levemente armada dos agrianos Nesta
ocasiatildeo os demais soldados da falange teriam sido deixados
para traacutes72 o que poderia declarar uma diferenccedila entre o
equipamento dos hipaspistai e dos falangistas em geral
69 Embora Arriano empregue o mesmo termo que Plutarco algumas vezes
como em 317 ldquoατὸς δὲ ἀνα λαβὼν τοὺς σωματοφύλακας τοὺς βασιλικοὺς []rdquo 70 Arr Anab 430 71 ALG2 P153 72 Arr Anab 43 321 323 citado por Badian durante o debate da
conferecircncia de AALG p 134
43
Nesta ocasiatildeo de acordo com Badian73 quando podemos
observar soldados levemente armados (hipaspistai e agrianos)
em contraste com aqueles que os seguiram ἐν τάξει a deduccedilatildeo
mais correta eacute a de que se desfizeram dos armamentos para a
perseguiccedilatildeo e natildeo eram como comumente afirmado
regularmente armados como infantaria ligeira Poreacutem o que
temos de mais concreto parece ser mesmo uma semelhanccedila nos
armamentos dos hipaspistai e dos demais falangistas dado
que durante toda a campanha ambos partilharam as mesmas
funccedilotildees taacuteticas
Ainda no esforccedilo de distinguir os termos cruciais para
o entendimento da falange macedocircnica gostaria de encerrar
este toacutepico com uma breve anaacutelise dos asthetairoi cuja
apariccedilatildeo na historiografia se deu a partir da milimeacutetrica
observaccedilatildeo de Bosworth Como dito anteriormente o termo
asthetairoi foi por vezes substituiacutedo por pezetairoi nas
traduccedilotildees ou ediccedilotildees modernas da Anaacutebasis de Arriano74 Da
mesma forma que hipaspistes satildeo termos distintos e
provavelmente natildeo foram usados com o mesmo propoacutesito
Bosworth75 entende que se tratava de um termo teacutecnico
usado para definir o contingente que ldquochegou
posteriormenterdquo isto eacute fruto das campanhas na Alta
Macedocircnia Assimilados posteriormente agrave formaccedilatildeo da falange
macedocircnica propriamente dita tais soldados precisavam de
um novo termo que os diferenciasse dos demais e o seu
desenvolvimento desde a palavra original manteve o
significado de ldquoproacuteximos aos Companheirosrdquo o que
concentrou tanto a condiccedilatildeo atual de macedocircnios quanto sua
independecircncia anterior agrave assimilaccedilatildeo pela monarquia76
73 AALG P134 74 As passagens satildeo Arr Anab 223 423 522 66 621 72 75 Opcit p247 76 Bosworth opcit p251
44
212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa
Sabemos que com Alexandre na Aacutesia a infantaria
macedocircnica era formada por ateacute seis batalhotildees (taxeis)
cada um deles compondo uma unidade taacutetica autocircnoma (que
poderia ser empregada em conjunto obviamente) Tal ponto
de partida permite que o foco do estudo sejam as
subdivisotildees dos batalhotildees as quais assegurariam maiores
niacuteveis de flexibilidade nas manobras A unidade baacutesica de
infantaria na falange era a syntagma formada por 16 lochoi
de 16 homens77 Sob o comando do syntagmatarches o batalhatildeo
era capaz de executar manobras que exigiam intensivo
treinamento militar a exemplo da formaccedilatildeo em linha reta
obliacutequa ou crescente em seta ou em quadrado Aleacutem disso eacute
ainda provaacutevel que o lochos seja uma criaccedilatildeo de Filipe jaacute
que suas primeiras apariccedilotildees ocorrem na fase inicial da
carreira de Alexandre78
Diante da organizaccedilatildeo militar da falange a sarissa
(com aproximados 5 metros) representou a inovaccedilatildeo material
macedocircnica mais importante a qual fez da falange uma forccedila
frontalmente imbatiacutevel ateacute o surgimento da legiatildeo romana
Para explicar o efeito que uma tropa armada com a sarissa
provocaria no inimigo Griffith79 utilizou o seguinte
exemplo ldquonuma escala mais proacutexima era como a embarcaccedilatildeo
que atacava um oponente forccedilando-o a correr grandes riscos
antes de conseguir se aproximar e revidarrdquo
Em companhia agrave poderosa sarissa o falangista contava
com a pelte suspensa ateacute o pescoccedilo contrastando a pesada
aspis do hoplita poliacuteada A eficiecircncia do equipamento do
falangista residia na vantagem do primeiro choque dada
pelo uso da sarissa Embora natildeo fosse um soldado
77 O syntagma era uma unidade autocircnoma fixa em oposiccedilatildeo agraves eventuais
apariccedilotildees na histoacuteria poliacuteada 78 Arr Anab 210 [] ldquoἀλλὰ καὶ ἰλάρχας καὶ λοχαγοὺς ὀνομαστὶ καὶ τν ξένων τν μισθοφόρων []rdquo 79 Nicholas Hammond e Guy Griffith A History of Macedonia 550-336
(V2) Oxford Oxford University Press 1979 P421
45
pesadamente armado tal vantagem concedia aos macedocircnios
certa superioridade taacutetica frente aos demais exeacutercitos
gregos Como consequumlecircncia do aumento no tamanho da lanccedila o
elmo macedocircnico tornou-se bastante diverso daquele usado
pelo hoplita conhecido como ldquocoriacutentiordquo Ao contraacuterio do
hopliacutetico o elmo do falangista era menos caro de fabricar
e aberto na face Por fim quanto agraves grevas estas eram
usadas apenas nas primeiras fileiras
Existe uma questatildeo delicada em relaccedilatildeo ao falangista
que natildeo pode ser ignorada aqui embora jaacute seja consenso
entre os historiadores Transformando numa interrogaccedilatildeo
seria o falangista macedocircnico uma derivaccedilatildeo simples e
direta do peltasta traacutecio De fato Best80 em 1969
afirmou que ldquoseu equipamento [o do peltasta] eacute
caracterizado pela longa lanccedila (sarissa) e a pelterdquo
sugerindo abertamente que natildeo havia diferenccedila alguma no
equipamento do peltasta e do falangista Entretanto
gostaria de apresentar duas observaccedilotildees sobre tal hipoacutetese
A primeira delas segue o que foi proposto por Lendon81
De modo geral a partir do seacutecIV aC o termo peltasta
passou a indicar a infantaria levemente armada (sem a
pesada aspis) tendendo a uma generalizaccedilatildeo mais do que
propriamente agrave definiccedilatildeo exclusiva do soldado que portava a
pelte Natildeo seriam portanto ldquopeltastas macedocircniosrdquo mas
algo proacuteximo de ldquosemi-hoplitasrdquo82
A segunda estaacute de acordo com uma diferenccedila apresentada
por Hammond83 em relaccedilatildeo agrave lanccedila do peltasta traacutecio e a
sarissa a uacuteltima natildeo era definitivamente empregada
apenas com uma das matildeos assim como natildeo era usada para
80 Jan Best Thracian Peltasts and their influence on Greek Warfare
Groningen Wolters-Noordhoff 1969 81 Jon Lendon Soldiers and Ghosts A History of Battle in Classical
Antiquity New HavenLondon Yale University Press 2005 pp412-413 82 Embora algumas vezes Arriano se refira a eles como hoplitas a
exemplo de 11 83 Nicholas Hammond ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in
Thebesrdquo in GRBS 38 355-372 1997
46
arremesso diferenciando-se totalmente portanto da lanccedila
do peltasta Similares aos peltastas quanto ao peso de seu
equipamento os falangistas macedocircnios atuavam em campo de
batalha como hoplitas
Outra questatildeo relevante quanto ao equipamento do
falangista macedocircnio eacute a ausecircncia do peitoral Tal questatildeo
reflete no entanto mais os aspectos sociais e econocircmicos
de sua condiccedilatildeo do que propriamente uma caracteriacutestica
taacutetica De fato a Macedocircnia parece ter se organizado em
torno do ethos e natildeo da poacutelis o que impossibilitou o
surgimento do ldquoideal militar hopliacuteticordquo Com Filipe ou
talvez um pouco antes observamos a intervenccedilatildeo monaacuterquica
na concessatildeo do armamento e sendo a Macedocircnia ainda um
pequeno reino - portanto sem grandes recursos para a
guerra - eacute plausiacutevel que a sarissa arma que compensava a
ausecircncia do peitoral e da aspis tenha sido produto deste
contexto Qualquer tentativa de hierarquizaccedilatildeo ou
atribuiccedilatildeo de uma causa uacutenica para a explicaccedilatildeo do por que
a sarissa foi introduzida entre os macedocircnios seria um
equiacutevoco Sabemos que natildeo se trata unicamente do produto de
uma concepccedilatildeo taacutetica assim como natildeo podemos reduzir esta
inovaccedilatildeo agrave deficiecircncia econocircmica do reino A criaccedilatildeo de um
exeacutercito nacional por Filipe no entanto conferiu uma
unidade agraves regiotildees de fronteira forccedilando os dinastas
independentes a se unirem aos macedocircnios servindo como
aliados e tendo seus filhos muitas vezes como a proacutexima
geraccedilatildeo de comandantes em treinamento84
Por uacuteltimo aleacutem dos macedocircnios propriamente ditos
temos outras etnias compondo a infantaria de Filipe e
Alexandre ora como aliados ora como mercenaacuterios Embora
existam ainda distinccedilotildees claras entre ambas as condiccedilotildees
estas tenderatildeo a desaparecer na guerra heleniacutestica
84 Duncan Head Armies of the Macedonian and Punic Wars 359 BC to 146
BC organization tactics dress and weapons Sussex Wargames
research group 1982 P11
47
conforme mostrarei no capiacutetulo seguinte Infelizmente as
informaccedilotildees que nos chegaram sobre as tropas auxiliares do
exeacutercito macedocircnico natildeo explicam praticamente nada sobre
sua atuaccedilatildeo na guerra ou mesmo acerca de sua disposiccedilatildeo
geral exceto por algumas menccedilotildees na Anaacutebasis de Alexandre
O maior nuacutemero de informaccedilotildees sobre o exeacutercito macedocircnico
incide sem duacutevida sobre seus dois alicerces taacuteticos a
falange da qual apresentei uma breve anaacutelise e a
ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo acerca da qual me ocuparei
mais agrave frente argumentando sobre a transformaccedilatildeo do papel
da cavalaria nas batalhas e de sua persistecircncia durante a
Guerra dos Diaacutedocos
48
22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo
Gostaria de iniciar este item com uma pequena mas
fundamental observaccedilatildeo sobre o ldquoEsquadratildeo Real dos
Companheirosrdquo (ἴλῃ βασιλικῆ ou algumas vezes ἄγημα85) Eacute
notaacutevel o acreacutescimo τν ἑταίρων a esta unidade de elite de
modo que a ldquoGuarda de Alexandrerdquo com exceccedilatildeo dos
hipaspistai passou a ser sinocircnimo de sua cavalaria
macedocircnica mesmo quando referida somente como ἄγημα mas
por que a condiccedilatildeo de cavaleiros lhes foi conferida
A resposta mais provaacutevel parece ser porque os reis
macedocircnios (e especialmente Alexandre) quase sempre
combatiam a cavalo como revela a insistecircncia de alguns
autores antigos em tentar posicionar Alexandre no comando
de sua cavalaria na batalha de Isso A ldquoGuarda Pessoalrdquo do
rei se tornou historicamente sinocircnimo de uma cavalaria de
elite a ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo Esta forccedila de elite
cresceu bastante apoacutes Alexandre cruzar o Helesponto quando
7 esquadrotildees (ἰλας) foram acrescentados ao primeiro
original distinto dos demais apenas por sua procedecircncia (o
esquadratildeo real par excellence)86 Sabemos que formavam oito
esquadrotildees na batalha de Gaugamela 87 sendo que o
esquadratildeo real estava sob comando de Cleito o Negro e os
demais sob o comando de Filotas filho de Parmecircniordquo88
85 Arr Anab 25 31 38 86 ALG2 p154 87 Arr Anab 311-12 88 Aleacutem dos Companheiros temos outros 4 esquadrotildees de cavalaria
ligeira os ldquoscoutsrdquo (πρόδομοι) ou lanceiros (σαρισοφόροι) Brunt
(ldquoAlexander‟s Macedonian cavalryrdquo JHS 83 27-46 1963 Pp27-8)
recorda o debate entre Berve e Tarn acerca da procedecircncia eacutetnica
(macedocircnia para o primeiro e traacutecia para o segundo) desses quatro
esquadrotildees de lanceiros Brunt parece estar correto ao escolher a
versatildeo de Berve uma vez que no relato de Arriano (Anab 112 141 e
146 29 312 182 201 212) apenas os hipaspistai e os
regimentos de falange natildeo satildeo descritos como ldquomacedocircniosrdquo em oposiccedilatildeo
aos demais ldquocuidadosamente classificados como peocircnios mercenaacuterios ou
agrianos no mesmo contextordquo Entretanto natildeo penso que seja possiacutevel
dizer se apoacutes 329 aC quando os lanceiros desaparecem dos relatos
foram enviados de volta para casa ou incorporados aos Companheiros
49
Sendo a elite da cavalaria macedocircnica a qual era
empregada em pontos decisivos das taacuteticas executadas em
campo de batalha natildeo poderia existir em grande nuacutemero mas
seu papel em contrapartida natildeo deveria ser de
coadjuvantes quando entrassem em accedilatildeo Assim qual era o
nuacutemero dos cavaleiros que integravam os Companheiros de
Alexandre
Uma vez mais Tarn89 recorda que a discussatildeo em torno
do nuacutemero de cavaleiros que Alexandre tomou quando de sua
partida para a Aacutesia foi travada pela historiografia a
partir dos dados obtidos no relato de Diodoro90 e que
algumas das fontes utilizadas pelo historiador siciliano
natildeo permitiram a precisatildeo desejada com relaccedilatildeo agraves tropas
macedocircnicas A equivalecircncia do contingente disponiacutevel a
Alexandre e a Antiacutepatro (que o rei havia deixado como
representante na Europa) ambos com 12000 soldados de
infantaria (3000 hipaspistai e 9000 falangistas) eacute
incorreta senatildeo absurda91 A contagem das tropas montadas
a partir de Arriano se faz portanto necessaacuteria
Outro questionamento importante diz respeito agrave
organizaccedilatildeo da Cavalaria dos Companheiros Originalmente
recorda Brunt92 os Companheiros estavam divididos em ilas
mas a partir de 331 aC em Susa Alexandre formou dois
lochoi com cada ile que consequumlentemente passou a ser
comandada por lochagoi Esta alteraccedilatildeo era ineacutedita
conforme nos relata Arriano93 e representou o inchaccedilo no
nuacutemero dos Companheiros jaacute que as ilas natildeo mais
satisfaziam como divisatildeo das unidades Em contrapartida
apoacutes a execuccedilatildeo de Cleito o Negro (330 aC) surgiram as
89 ALG2 p 153 90 Diod 1717 91 Especialmente devido agrave duplicaccedilatildeo do nuacutemero de hipaspistai 92 Brunt opcit p28 93 Arr Anab 316
50
ipparchias94 e segundo Tarn
95 o proacuteprio Alexandre teria
assumido aquela pertencente a Cleito somando 4 esquadrotildees
sob seu comando e outros 4 sob Hefesto No entanto Tarn
pode ter se equivocado com o fato de que Alexandre teria
assumido o comando de uma ipparchia96
De acordo com Tarn o termo foi empregado apenas a
partir de 326 aC no Indo quando novos contingentes ndash
orientais - passaram a compor o exeacutercito de Alexandre As
menccedilotildees anteriores de Arriano agraves ipparchias seriam entatildeo
confusotildees e anacronismos de seu proacuteprio tempo Brunt por
outro lado chama a atenccedilatildeo para a coincidecircncia de dois
fatores os quais permitiriam uma compreensatildeo modificada
das ipparchias a desconfianccedila de Alexandre com relaccedilatildeo aos
seus principais oficiais e a divisatildeo da ldquoCavalaria dos
Companheirosrdquo nas novas unidades o que amenizaria a
possibilidade de motins (jaacute que estavam divididos e com
poderes reduzidos) concedendo-lhes em contrapartida um
tiacutetulo de bastante prestiacutegio antes pertencente apenas a um
ou dois oficiais Se Brunt97 estiver correto o surgimento
das ipparchias foi possivelmente anterior ao que Tarn
propocircs (de 326 aC para 328 aC) e a inserccedilatildeo de
orientais na Cavalaria dos Companheiros um fator
independente para a organizaccedilatildeo das novas unidades98
Por uacuteltimo cabe indagar sobre a relevacircncia desta
preocupaccedilatildeo com o crescimento do contingente dos
Companheiros (de um esquadratildeo para oito ao cruzar o
Helesponto em nuacutemero de 2000 em Gaugamela e divididos em
94 As ipparchias podem ter sido um novo nome para as ilai modificadas
pelo contexto explicado a seguir ou algo totalmente novo uma vez que
o termo substituiu outro plenamente consolidado na praacutetica militar
grega 95 ALG2 p 164 96 Brunt opcit p29-30 97 Brunt opcit p45 98 Sua inserccedilatildeo na Cavalaria dos Companheiros (provavelmente em 324)
certamente posterior a criaccedilatildeo das ipparchias tem muito a dizer
tambeacutem sobre a poliacutetica que Alexandre adotou com relaccedilatildeo aos assuntos
orientais
51
ipparchias quando da campanha na Iacutendia)99 O que exatamente
pode significar esta ampliaccedilatildeo e quais seus desdobramentos
no mundo heleniacutestico
A resposta reside na transformaccedilatildeo das funccedilotildees da
cavalaria em campo de batalha isto eacute a partir de
Alexandre o Grande (e de seu exeacutercito reformado) as tropas
montadas passaram definitivamente a desferir o ataque
principal legando aos falangistas o papel de forccedila de
apoio necessaacuteria mas sem caraacuteter decisivo ou por
princiacutepio ofensivo Tal caracteriacutestica da cavalaria
macedocircnica pode ser observada por exemplo na batalha de
Gaugamela quando o nuacutemero dos Companheiros foi elevado ao
maacuteximo e a taacutetica remodelada a partir da tradiccedilatildeo grega
ilustra a relevacircncia da decisatildeo pelas manobras das tropas
montadas
A modificaccedilatildeo de sua funccedilatildeo taacutetica veio acompanhada de
duas grandes inovaccedilotildees A primeira delas eacute a ldquoformaccedilatildeo em
setardquo que facilitava o rompimento da formaccedilatildeo inimiga pela
ampliaccedilatildeo da carga desferida se comparada agravequela executada
pela ldquoformaccedilatildeo em quadradordquo Basicamente ao manter os
olhos fixos no liacuteder posicionado agrave frente da formaccedilatildeo
cavaleiros organizados em seta eram capazes de romper com
uma formaccedilatildeo defensiva desferindo assim o golpe
principal100
A segunda delas diz respeito agrave exploraccedilatildeo dos espaccedilos
entre os batalhotildees de falangistas Como salientou Tarn101
apresentar ao inimigo um bloco coeso com diversas pontas de
lanccedila e manter esta formaccedilatildeo sem espaccedilos entre os batalhotildees
eram coisas completamente distintas A partir do momento em
que a cavalaria passou a desferir o golpe principal a
questatildeo dos espaccedilos se tornou de maacutexima importacircncia como
99 Algo em torno de 200 homens 100 Griffith opcit p414 101 William W Tarn Hellenistic Military and Naval Developments
Cambridge Cambridge University Press 1930 P13
52
pode ser visto em Gaugamela e no periacuteodo heleniacutestico em
Paraitakene (Eumenes versus Antiacutegono) Por uacuteltimo ainda
que natildeo seja cotada como uma inovaccedilatildeo das taacuteticas de
cavalaria o envolvimento pelo uso de tropas montadas se
tornou praacutetica comum entre os macedocircnios Numa batalha em
que ambos os comandantes tivessem disposto a cavalaria nas
alas a vitoacuteria dependeria abertamente da capacidade do
exeacutercito em manter seus flancos protegidos do envolvimento
inimigo Ainda que esta fosse uma praacutetica comum entre os
persas foi com os macedocircnios que ocorreu a combinaccedilatildeo do
ataque montado com o avanccedilo da falange frontalmente
impenetraacutevel exceto pelos espaccedilos abertos durante o avanccedilo
ou o ataque
53
CAPIacuteTULO 2 ndash OS DESENVOLVIMENTOS DA GUERRA
HELENIacuteSTICA NO TEMPO DOS DIAacuteDOCOS
1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e
os tipos de mercenaacuterio
11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica
Em 334 aC onze anos antes da morte de Alexandre
havia cerca de 20000 mercenaacuterios a serviccedilo do Grande Rei
Em 329 aC cinco anos mais tarde podemos contar
praticamente 50000 somente no lado macedocircnico102
O periacuteodo
heleniacutestico assistiu na sequumlecircncia ao aumento ligeiro do
nuacutemero de mercenaacuterios recrutados acompanhando os
requisitos das guerras constantes e cada vez menos
decisivas
De acordo com Parke103 autoridades contemporacircneas
(primeira metade do seacutecXX) concluiacuteram que as pressotildees
econocircmicas levaram a tal situaccedilatildeo o colapso da concepccedilatildeo
de dever militar ciacutevico e a emergecircncia do grande nuacutemero de
mercenaacuterios disponiacuteveis teriam sido ambos provocados pela
pobreza iminente das poacuteleis fruto do desastre da guerra
entre gregos no seacutecV aC O argumento do desgaste
econocircmico no mundo grego toma como principal fonte
Isoacutecrates notadamente a partir do momento em que a sua
preocupaccedilatildeo com as razotildees poliacuteticas do mercenariato104 (o
grande nuacutemero de cidadatildeos em exiacutelio essa ldquomassa de
fugitivos e exilados que estavam mais do que dispostos a
oferecer seus serviccedilos como mercenaacuteriosrdquo105
) cede lugar ao
relato dos problemas econocircmicos gregos106
102 Parke p198 103 Parke p228 104 Isoc Pan 64 e 168 105 Chaniotis WHW p80 106 Isoc 24 e 44
54
Entretanto ainda que os conflitos poliacuteticos e a
pressatildeo econocircmica possam ter estimulado grande nuacutemero de
cidadatildeos sem perspectiva a oferecer seus serviccedilos
militares as guerras constantes produziram um dos
principais fatores para o outro lado da moeda isto eacute o
recrutamento de mercenaacuterios a equivalecircncia entre oferta e
procura por soldados temporariamente pagos e que estivessem
dispostos a combater durante todo o tempo que o confronto
levasse natildeo importando as razotildees ciacutevicas (quando existiam)
pelas quais o sangue havia sido derramado
Haacute que se considerar ainda as diversas realidades de
recrutamento das tropas que compuseram os exeacutercitos dos
Diaacutedocos nem sempre vinculadas diretamente ao cenaacuterio de
crise das poacuteleis Este eacute o caso basicamente do
recrutamento das tropas provinciais muito mais conectadas
aos direitos do governante local em formar um exeacutercito a
partir das possibilidades oferecidas por sua satrapia do
que propriamente agrave pobreza ou exiacutelio de cidadatildeos gregos
Por isso a crise econocircmica grega natildeo pode ser vista
como instrumento de anaacutelise universal na explicaccedilatildeo do
mercenariato heleniacutestico uma vez que exclui as
particularidades das condiccedilotildees de recrutamento
especialmente no que respeita agrave tradiccedilatildeo asiaacutetica e
oferece respostas somente em relaccedilatildeo ao aumento da oferta
do serviccedilo mercenaacuterio grego A guerra contudo foi uma
constante no periacuteodo natildeo importando a regiatildeo e consolidou
de modo irreversiacutevel apesar das especificidades do
mercenarismo a relaccedilatildeo oferta-procura107
De fato o mundo
heleniacutestico foi marcado por certa ldquoonipresenccedila da guerrardquo
do modo como chamou Chaniotis considerando-se que tanto a
sua gecircnese (323 aC) quanto o seu fim (31 aC) foram o
resultado de conflitos armados do mesmo modo que
dificilmente se encontra alguma aacuterea que natildeo estivesse
107 Chaniotis WHW p80
55
direta ou indiretamente como em tantos outros momentos na
Antiguidade afetada pela guerra
O cenaacuterio de crise explica ao lado das condiccedilotildees
especiacuteficas de recrutamento e da ampliaccedilatildeo do quadro geral
das guerras o porquecirc da relaccedilatildeo oferta-procura ter se
fixado como sendo de grande relevacircncia no estudo da
misthotikeacute heleniacutestica mas natildeo basta todavia para
explicar o estreitamento dos laccedilos entre o cenaacuterio de
profissionalizaccedilatildeo crescente da guerra e o uso de tropas
mercenaacuterias
Noutras palavras a progressiva profissionalizaccedilatildeo no
interior dos exeacutercitos ciacutevicos gregos deve tambeacutem ser um
fator considerado particularmente ateacute o momento em que a
combinaccedilatildeo da guerra como ofiacutecio a ser aprendido e o
mercenarismo como condiccedilatildeo geral dos exeacutercitos heleniacutesticos
minimizou o impacto do sentimento ciacutevico em grande parte
dos soldados
Tal mapeamento explicaria numa perspectiva histoacuterica
natildeo soacute a funccedilatildeo dos ieroi lochoi e hipaspistai na
profissionalizaccedilatildeo da arte da guerra grega e em seus
desdobramentos heleniacutesticos como tambeacutem forneceria as
razotildees pelas quais os mercenaacuterios tecircm que ser tipificados
na medida do possiacutevel de acordo com o trabalho executado
Basicamente havia aqueles que se colocavam sob o comando
de um monarca tirano general ou cidade num espaccedilo curto
de tempo (durante uma campanha por exemplo) e aqueles que
serviam nos grandes exeacutercitos reais muitas das vezes de
modo permanente108
O primeiro tipo de mercenaacuterio era formado por soldados
que serviram por exemplo na campanha de Eumenes contra
108 Chaniotis WHW p79 Note que segundo Parke (p209) e Griffith
(p42) a divisatildeo das tropas nos exeacutercitos dos Diaacutedocos eacute feita a
partir de trecircs tipos os quais seratildeo analisados detalhadamente em
seguida os macedocircnios os mercenaacuterios (xenoi e misthophoroi) e as
tropas recrutadas nas satrapias (por vezes sintetizadas como
pantodapoi)
56
Antiacutegono De acordo com Diodoro apoacutes ter sido expulso da
Capadoacutecia
Eumenes selecionou os mais capazes [τοὺς εθετωτάτους] entre os seus amigos e dando-lhes grandes recursos os
incumbiu de contratar mercenaacuterios estabelecendo uma
margem alta de pagamento Alguns deles dirigiram-se
para a Pisiacutedia Liacutecia e regiotildees adjacentes []
Outros viajaram atraveacutes da Ciliacutecia Siacuteria e Feniacutecia
aleacutem de cidades em Chipre Uma vez que a notiacutecia do
recrutamento havia se espalhado rapidamente e que o
pagamento oferecido era digno de consideraccedilatildeo muitos
se apresentaram voluntariamente inclusive vindos da
Greacutecia e juntaram-se agrave campanha109
Neste caso ocorrido em 318 aC Eumenes incumbiu
xenologoi classificados por Diodoro como os mais capazes
entre os seus amigos de recrutar mercenaacuterios para apenas
uma campanha aquela a ser realizada contra Antiacutegono Em
pouco tempo levando-se em consideraccedilatildeo somente os
mercenaacuterios Eumenes contava com cerca de 10000 soldados
de infantaria e 2000 cavaleiros sem mencionar os receacutem-
chegados arguraspides sob o comando de Eumenes por ordem
dos reis110
Outro caso interessante de mercenaacuterios recrutados de
diversas regiotildees por um periacuteodo relativamente curto de
tempo teve lugar na campanha africana de Agaacutetocles quando
aproximadamente 3000 samnitas etruscos e celtas
apresentaram-se ao lado dos 3000 mercenaacuterios gregos sob a
lideranccedila de Agaacutetocles111 Diodoro
112 relata a existecircncia de
motins entre os homens por falta do pagamento que lhes era
devido (ἀπῄτουν δὲ καὶ τοὺς μισθοὺς τοὺς ὀφειλομένους) assim como
109 Diod 1861 ldquoπροχειρισάμενος δὲ τν φίλων τοὺς εθετωτάτους καὶ δοὺς χρήματα δαψιλ πρὸς τὴν ξενολογίαν ἐξέπεμψεν ὁρίσας ἀξιολόγους μισθούς εθὺς δ οἱ μὲν εἰς τὴν Πισιδικὴν καὶ Λυκίαν καὶ τὴν πλησιόχωρον παρελθόντες ἐξενολόγουν ἐπιμελς οἱ δὲ τὴν Κιλικίαν ἐπεπορεύοντο ἄλλοι δὲ τὴν Κοίλην Συρίαν καὶ Φοινίκην τινὲς δὲ τὰς ἐν τῆ Κύπρῳ πόλεις διαβοηθείσης δὲ τς ξενολογίας καὶ τς μισθοφορᾶς ἀξιολόγου προκειμένης πολλοὶ καὶ ἐκ τν τς λλάδος πόλεων ἐθελοντὶ κατήντων καὶ πρὸς τὴν στρατείαν ἀπεγράφοντοrdquo 110 Diod 1859 111 Diod 2011 Ver Capiacutetulo 3 112 Diod 2034
57
possiacuteveis deserccedilotildees para o lado dos cartagineses o que
ilustra a dificuldade em manter coeso um grupo mercenaacuterio
em situaccedilatildeo de escassez ou mesmo irregularidade no
pagamento Em se tratando de tropas com as quais natildeo era
partilhado tempo consideraacutevel de vida militar as revoltas
deveriam ser ainda mais frequumlentes como ilustrado no
exemplo africano
O segundo tipo de mercenaacuterio era aquele desdobrado dos
grupos profissionais de elite surgidos no interior dos
exeacutercitos ciacutevicos gregos Antes da explosatildeo do serviccedilo
mercenaacuterio no fim da campanha de Alexandre o primeiro
passo quanto agrave profissionalizaccedilatildeo dos exeacutercitos gregos foi
dado com os espartanos ainda no periacuteodo claacutessico De fato
os hoplitas de Esparta formavam o uacutenico corpo ciacutevico
profissional de todo o mundo poliacuteada Seguindo o modelo
hopliacutetico profissional diversas outras cidades formaram
unidades profissionais de elite os ieroi lochoi que por
vezes desempenhavam funccedilatildeo taacutetica proeminente Um dos
melhores exemplos eacute o corpo de infantaria de elite tebano
cuja importacircncia na vitoacuteria sobre os espartanos em Leuctra
pode ser observada em mais detalhes no primeiro capiacutetulo
O exeacutercito reformado macedocircnico teve seu equivalente
com os hipaspistai tipo de versatildeo macedocircnica dos
ldquobatalhotildees sagradosrdquo poliacuteadas Nos primeiros anos do
periacuteodo heleniacutestico sob o nome de arguraspides estes
veteranos de Alexandre permaneceram vinculados agrave casa real
apesar de receberem propostas por parte de Ptolomeu e
depois Antiacutegono113 Tal recusa os levou ao campo de batalha
contra o general mais poderoso daquele tempo sob o comando
de Eumenes de Caacuterdia strategos pelo qual tinham pouco
apreccedilo talvez devido a sua origem eacutetnica114 Em seguida agrave
derrota de Eumenes Antiacutegono trucidou todos aqueles que
113 Diod 1862 114 Eumenes era o uacutenico general traacutecio do exeacutercito de Alexandre
58
haviam sido hostis a ele queimando vivo Antiacutegenes o
comandante dos arguraspides apoacutes tecirc-lo arremessado numa
fossa115
Apesar da histoacuteria de lealdade dos arguraspides agrave casa
real os mercenaacuterios ligados diretamente a certa dinastia
de modo mais ou menos permanente natildeo eram necessariamente
mais leais que os outros Esta natildeo deve ser sequer a
questatildeo central no estudo da misthotikeacute heleniacutestica Antes
de desdobrar este argumento note-se por exemplo o caso
dos egiacutepcios de Ptolomeu
Com sua primeira apariccedilatildeo no exeacutercito ptolomaico em 312
aC ao menos em expediccedilatildeo fora dos limites territoriais
do Egito os nativos africanos apresentaram-se armados e
aptos para a batalha (τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς μάχην χρήσιμον)116
ainda que no primeiro momento natildeo estivessem trajados como
macedocircnios117
Representavam claramente outro tipo de
mercenaacuterio diferente daquele recrutado temporariamente e
sem viacutenculos com o governante da regiatildeo de onde provinham
Estavam ligados ao seu contratante como no caso dos
arguraspides por um viacutenculo mais ou menos permanente e em
breve dinaacutestico Contudo obrigaccedilotildees de ofiacutecio e lealdade
incondicional eram coisas bem distintas apoacutes a vitoacuteria de
Demeacutetrio sobre Ptolomeu em Chipre em 307 aC
praticamente todo o exeacutercito de mercenaacuterios egiacutepcios (cerca
de 16000 soldados de infantaria e 600 cavaleiros) foi
incorporado agraves forccedilas antigocircnidas118 o que vincula os
mercenaacuterios deste tipo assim como os do primeiro tipo
mais agrave consolidaccedilatildeo da concepccedilatildeo de guerra como ofiacutecio a
115 Diod 1944 116 Diod 1980 117 O argumento encontra suporte no fato de que o termo ldquomacedocircniordquo
conforme seraacute explicado no item 31 passou a significar qualquer tipo
de infantaria armada com equipamento macedocircnico aleacutem do fato da
existecircncia do termo οἱ Μακεδόνες na mesma sentenccedila em que figura Αἰγυπτίων δὲ πλθος sugerir outro tipo de armamento e formaccedilatildeo para estes
ldquoegiacutepcios em grande nuacutemerordquo 118 Diod 2053
59
ser aprendido do que propriamente agrave lealdade devida a algum
general rei ou dinastia embora tropas com vida militar
partilhada tendam a incorporar valores como a obediecircncia
acentuada a certa lideranccedila (como no caso dos
arguraspides)
60
12 Mercenariato basileia e doriktetos chora
Conforme mencionado antes o poder monaacuterquico
heleniacutestico desempenhou papel central na promoccedilatildeo desta
nova concepccedilatildeo de guerra levada adiante pelo impulso
imperialista tiacutepico dos reis cujo poder natildeo era herdado
esquematicamente a basileia era algo a ser conquistado
Gruen119
e Chaniotis120 notaram o que podemos chamar de
inversatildeo da loacutegica hereditaacuteria na disposiccedilatildeo da monarquia
heleniacutestica se Alexandre Magno reivindicou seu direito ao
trono como direito de sangue seus generais de Antiacutegono a
Cassandro121
adotaram o tiacutetulo de rei baseados unicamente
em suas conquistas militares isto eacute fundamentados pelo
princiacutepio da doriktetos chora
Haacute dois documentos importantes que tratam deste
fundamento do poder real heleniacutestico O primeiro deles
pertence agrave compilaccedilatildeo bizantina Suda particularmente a
definiccedilatildeo de monarquia Seguindo a traduccedilatildeo feita por
Austin
Ascendecircncia (natureza) e legitimidade (justiccedila) natildeo datildeo
reinos aos homens mas sim a habilidade em comandar um
exeacutercito e em lidar com os problemas de modo
competente Este era o caso de Filipe e dos Sucessores
de Alexandre O filho bioloacutegico de Alexandre natildeo foi de
modo algum ajudado pela consanguumlinidade devido a sua
fraqueza de espiacuterito enquanto aqueles que natildeo tinham
ligaccedilatildeo alguma com Alexandre tornaram-se reis de quase
todo o mundo conhecido122
Do mesmo modo em resposta agrave proclamaccedilatildeo de Demeacutetrio
como basileu por seu pai123
previamente feito rei por seus
amigos (Ἀντίγονον μὲν οὖν εθὺς ἀνέδησαν οἱ φίλοι) os seguidores de
Ptolomeu I o igualaram aos dois primeiros em tiacutetulo na
119 Gruen op cit pp253-271 120 Chaniotis WHW p57 121 Nomeadamente Antiacutegono Demeacutetrio Ptolomeu Seleuco Lisiacutemaco e
Cassadro 122
Austin n 45 123 Plut Dem 18
61
tentativa de dispersar a impressatildeo de que sua derrota havia
abalado tambeacutem o seu poder Plutarco124 acrescenta ainda
que tal praacutetica natildeo significava meramente a mudanccedila de nome
(ὀνόματος) e aparecircncia (σχήματος) mas removia o espiacuterito dos
homens (τὰ φρονήματα τν ἀνδρν ἐκίνησε) e ampliava suas ambiccedilotildees
(τὰς γνώμας ἐπρε)125 cabe acrescentar ambiccedilotildees militares
Tanto a coroaccedilatildeo de Antiacutegono quanto a resposta de Ptolomeu
agrave extensatildeo do poder monaacuterquico a Demeacutetrio foram claramente
baseadas em conquistas militares Assim o convite agrave
conquista militar em maior ou menor escala era um dos
traccedilos da basileia de tipo heleniacutestico assim como a base a
partir da qual toda a sua estrutura fora erigida
Diferentemente da Macedocircnia de Filipe e Alexandre o
exeacutercito natildeo era mais a uacutenica fonte de confirmaccedilatildeo do poder
real do mesmo modo que a monarquia havia atingido
proporccedilotildees diferentes daquelas do tempo da batalha de
Queroneacuteia126
Contudo o exeacutercito continuou a ser o
instrumento pelo qual os monarcas construiacuteam o direito ao
uso do diadema estando as funccedilotildees de comando cada vez mais
ligadas agrave lideranccedila de hordas inteiras de mercenaacuterios
recrutados das mais variadas regiotildees do mundo e
didaticamente enquadrados nos dois tipos apresentados neste
capiacutetulo
O abandono de valores considerados inatos para os
gregos no periacuteodo claacutessico a exemplo da coragem (ἀνδρία) e
da excelecircncia (ἀρετή) ao lado da crescente significaccedilatildeo da
guerra como ofiacutecio (τέχνη) foi inicialmente proposto por
Lendon127 como explicaccedilatildeo para a existecircncia do grande nuacutemero
124 Plut Dem 18 125 Literalmente ldquoaumentava seus pensamentosrdquo 126 Ainda Austin n44 ldquo[] aqueles que natildeo tinham qualquer conexatildeo
com Alexandre se tornaram reis de quase todo o mundo habitadordquo 127 Jon Lendon ldquoWar and societyrdquo In Philip Sabin Hans Wees Michael
Whitby The Cambridge History of Greek and Roman Warfare Cambridge
Cambridge University Press 2007 Pp498-516
62
de mercenaacuterios que serviram nos exeacutercitos dos reis
heleniacutesticos
No periacuteodo claacutessico a condiccedilatildeo poliacutetica do soldado-
cidadatildeo assegurar-lhe-ia de acordo com o pensamento grego
certa superioridade em combate Como observado por
Sidebottom128
o contraste presente em Os Persas de
Eacutesquilo ilustra tal postura a partir da negaccedilatildeo dos
baacuterbaros como soldados que combatiam por sua liberdade
Note-se por exemplo o conhecido diaacutelogo entre a Rainha
Matildee Persa e o Coro de homens velhos
Rainha Eles tecircm um rico suprimento de homens
combativos
Coro Eles tecircm soldados que uma vez golpearam os
exeacutercitos persas com um terriacutevel ataque
Rainha Satildeo eles habilidosos em arqueria
Coro Natildeo de forma alguma eles carregam escudos
corpulentos e lutam ombro a ombro com lanccedilas
Rainha E quem os lidera A qual mestre suas fileiras
obedecem
Coro Mestre Eles natildeo satildeo conhecidos como servos
Rainha E eles podem sem mestre resistir agrave invasatildeo
Coro Sim O vasto e nobre exeacutercito de Dario foi por
eles destruiacutedo129
No periacuteodo heleniacutestico entretanto a exaltaccedilatildeo de
valores inatos ao hoplita poliacuteada masterless e capaz de
vencer os persas por duas vezes consecutivas (apesar da
inabilidade em arqueria) cedeu lugar agraves vantagens
oferecidas pelo treinamento militar profissional mesmo que
as tropas treinadas fossem formadas por homicidas
(ἀνδροφόνοι) mutiladores (παρασχίσται) ladrotildees (λωποδύται) e
arrombadores de casas (τοιχωρύχοι)130 Os exeacutercitos poliacuteadas
natildeo eram capazes de fornecer recursos humanos ilimitados
aleacutem disso a tiacutepica batalha decisiva do periacuteodo claacutessico
cedeu lugar aos conflitos constantes e de larga escala
128 Harry Sidebottom Ancient warfare a very short introduction
Oxford Oxford University Press 2004 P6 129 Traduccedilatildeo tomada de Sidebottom opcit Pp6-7 130 Poliacutebio 136 ldquoοὗτοι δ ἦσαν ἀνδροφόνοι καὶ παρασχίσται λωποδύται τοιχωρύχοιrdquo
63
travados ao longo da disputa pela partilha do impeacuterio A
passagem em Diodoro sobre as vantagens no uso dos
mercenaacuterios ilustra claramente esta mudanccedila principalmente
quando o historiador siciliano se refere ao fato de que ldquoos
empregadores trazem consigo sem grandes custos homens
para lutar em seu nomerdquo e que no caso dos mercenaacuterios
ldquoainda que sejam por muitas vezes derrotados os
empregadores manteacutem suas forccedilas intactas durante o tempo
que durar o dinheirordquo131
Levados adiante pelo impulso imperialista das
monarquias heleniacutesticas assim como pela elevaccedilatildeo da
techneacute os mercenaacuterios preencheram os exeacutercitos dos
Diaacutedocos de uma forma jamais vista dando suporte agrave
ideologia dos generais que passaram a usar o diadema como
um dos siacutembolos de sua realeza militar
131 Diod 296
64
2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos
Como observou Parke132
a permanecircncia dos mercenaacuterios
nos exeacutercitos heleniacutesticos dificultou sua identificaccedilatildeo
pelos historiadores uma vez que a reduccedilatildeo das tropas ao
tipo profissional fez com que os autores antigos
frequumlentemente deixassem de lado a distinccedilatildeo entre
mercenaacuterios e soldados recrutados por direito do
governante Pode-se dizer que as tropas advindas das
satrapias eram de outro tipo se comparadas agravequelas
recrutadas mediante pagamento mas esta suposiccedilatildeo estaacute
baseada apenas na praacutetica dos saacutetrapas persas durante o
periacuteodo claacutessico De fato as condiccedilotildees de oferta e procura
no mundo asiaacutetico natildeo eram nada parecidas com as do mundo
grego propriamente dito dadas as diferenccedilas das tradiccedilotildees
poliacuteticas mas a assimilaccedilatildeo de exeacutercitos inimigos inteiros
por parte de comandantes vitoriosos indica quanto ao
serviccedilo prestado uma distinccedilatildeo apenas no recrutamento
inicial133
Outra inovaccedilatildeo importante ocorrida no periacuteodo
heleniacutestico eacute a utilizaccedilatildeo dos elefantes de combate haacute
muito conhecidos pelos asiaacuteticos e introduzidos na arte da
guerra grega somente apoacutes a morte de Alexandre Apesar de
seu emprego tardio os paquidermes mostraram-se definitivos
ou ao menos desejaacuteveis nos exeacutercitos heleniacutesticos ateacute a
ascensatildeo da legiatildeo romana quando suas implicaccedilotildees
logiacutesticas fizeram-se mais presentes134 Se os generais
heleniacutesticos consideravam os elefantes decisivos num
confronto aberto eles o fizeram por um motivo razoaacutevel de
132 Parke p208 133 Por exemplo a ξενολογία (recrutamento de tropas mercenaacuterias)
executada por Eumenes tal qual relatada em Diod 1861 134 Por exemplo a dificuldade no emprego de elefantes na Siciacutelia
durante a campanha piacuterrica
65
modo que o seu emprego transformou significativamente a
arte da guerra heleniacutestica
66
21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi
Durante as Guerras dos Diaacutedocos ao lado dos mercenaacuterios
conhecidos desde a campanha de Alexandre (agrianos
traacutecios tessaacutelios cretenses entre outros) os macedocircnios
desempenharam uma funccedilatildeo de grande importacircncia na
composiccedilatildeo dos exeacutercitos heleniacutesticos A falange
representava a forccedila de apoio tornando-se responsaacutevel em
boa medida pela manutenccedilatildeo do centro da formaccedilatildeo ao passo
que a cavalaria e os elefantes de combate (quando
disponiacuteveis) realizavam a ofensiva nas alas e procuravam
decidir a peleja
Conforme veremos adiante apoacutes desferir um ataque
inesperado ao espaccedilo aberto pela marcha irregular da
infantaria de Eumenes Antiacutegono conseguiu na batalha de
Paraitacene (317 aC) alinhar novamente a sua falange ao
peacute do monte para onde os soldados haviam se retirado
reestruturando boa parte da linha defensiva de seu
exeacutercito Neste caso a reorganizaccedilatildeo da infantaria
macedocircnica em campo de batalha teria assegurado por um
lado a vitoacuteria do comandante aparentemente derrotado e
por outro devido agrave irregularidade da marcha dos infantes
inimigos a derrota daquele que pensava ter vencido o
confronto135
Sendo os macedocircnios de reconhecida importacircncia nos
primeiros 20 anos subsequentes agrave morte de Alexandre o
questionamento sobre a multiplicaccedilatildeo de suas apariccedilotildees no
relato de Diodoro se faz necessaacuterio Por que razatildeo as
referecircncias a eles aumentaram no periacuteodo de divisatildeo das
chamadas ldquotropas nacionaisrdquo entre os generais de Alexandre
o que forccedilosamente teria reduzido o seu nuacutemero em cada um
dos exeacutercitos que lutavam entre si pela supremacia militar
135 Diod 1930
67
Griffith136 e Launey
137 apresentam explicaccedilotildees idecircnticas
para tal evento Em primeiro lugar dada a impossibilidade
dos nuacutemeros apresentados por Diodoro138
para as tropas
macedocircnicas o ponto de partida se torna a valoraccedilatildeo
teacutecnica adquirida por makedon no seacutecIII aC
especialmente no Egito ou seja o termo deixou de ser ldquouma
garantia de proveniecircncia geograacuteficardquo139 e passou a designar
unicamente um ldquocavaleiro ou soldado de infantaria
pesadamente armados segundo as tradiccedilotildees macedocircnicasrdquo140
Notamos entatildeo a fusatildeo da referecircncia eacutetnica com a
valoraccedilatildeo teacutecnica do termo makedon o que por vezes torna
impossiacutevel a delimitaccedilatildeo dos batalhotildees formados unicamente
por veteranos de Alexandre ou novos macedocircnios exceto
quando os primeiros satildeo mencionados como arguraspides em
contraposiccedilatildeo agravequeles provenientes das satrapias e armados
com equipamento macedocircnico
Outras referecircncias relevantes nos exeacutercitos
heleniacutesticos satildeo os mercenaacuterios gregos propriamente ditos
conhecidos como xenoi os misthophoroi e as tropas
asiaacuteticas ou pantodapoi recrutadas nas proviacutencias e
listadas entre os demais soldados servindo ora como
cavaleiros e arqueiros ora como infantaria de pouca
utilidade se comparada agravequela dos mercenaacuterios gregos
Deve-se observar ainda que estas natildeo satildeo categorias
necessariamente excludentes uma vez que encontramos por
exemplo em Diodoro141
ldquopantodapoi armados com equipamento
macedocircnicordquo o que sugere uma possibilidade dupla de
tratamento Apenas os xenoi se diferenciam claramente dos
misthophoroi ambos podem ser traduzidos como mercenaacuterios
136 Griffith p41 137 Marcel Launey Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques Paris
Boccard 1949 2 vols Vol1 Pp290-93 138 Diod 1830 139 Launey opcit p290 140 Launey opcit p293 141 Diod 1914 ldquo[hellip] τοὺς δὲ εἰς τὴν Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς []rdquo
68
mas os primeiros satildeo quase sempre dispostos como infantaria
pesada (na linha de frente) enquanto os uacuteltimos fazem
referecircncia agraves tropas levemente armadas e constituiacutedas por
pantodapoi ou tropas asiaacuteticas com origem eacutetnica bem
definida
Vejamos a organizaccedilatildeo do exeacutercito de Antiacutegono em 317
aC de acordo com Diodoro142 num trecho esclarecedor
quanto agrave temaacutetica em questatildeo
Quanto agrave infantaria mais de nove mil mercenaacuterios [οἱ ξένοι] foram dispostos agrave frente proacuteximo a eles [foram dispostos] trecircs mil liacutecios e panfiacutelios e em seguida
mais de oito mil tropas mistas armadas com equipamento
macedocircnico [παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι] [] Agrave frente dos cavaleiros na ala direita adjacente agrave
falange eram 500 mercenaacuterios de origem mista [μισθοφόροι παντοδαποὶ] []
Haacute dois tipos de mercenaacuterios na passagem acima Os
primeiros em nuacutemero de 9000 eram claramente soldados de
infantaria pesadamente armados hoplitas mercenaacuterios Os
uacuteltimos dispostos como cavaleiros eram tambeacutem tropas
mercenaacuterias mas de uma categoria diferente natildeo soacute por
combaterem a cavalo mas por serem asiaacuteticos Noutras
palavras mercenaacuterios asiaacuteticos satildeo tatildeo mercenaacuterios quanto
os que advecircm da Greacutecia poreacutem a distinccedilatildeo estabelecida pelo
uso dos dois termos deve ser notada ainda que natildeo possamos
mensurar qualquer diferenccedila no tratamento dado a ambos por
parte do empregador
Os pantodapoi satildeo comumente citados por Diodoro como
exposto e em diversos momentos analisados ao longo do
capiacutetulo mas a sua participaccedilatildeo em batalha natildeo tem
destaque na narrativa do historiador siciliano da mesma
142 Diod 1929 ldquoτν δὲ πεζν πρτοι μὲν ἐτάχθησαν οἱ ξένοι πλείους ὄντες τν ἐννακισχιλίων μετὰ δὲ τούτους Λύκιοι καὶ Παμφύλιοι τρισχίλιοι παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι πλείους τν ὀκτακισχιλίων ἐπὶ πᾶσι δὲ Μακεδόνες ο πολὺ ἐλάττους τν ὀκτακισχιλίων []τν δ ἱππέων πρτοι μὲν ἦσαν ἐπὶ τοῦ δεξιοῦ κέρατος συνάπτοντες τῆ φάλαγγι μισθοφόροι παντοδαποὶ πεντακόσιοι []rdquo
69
forma que os mercenaacuterios no relato de Arriano sobre a
campanha de Alexandre As tropas de origem eacutetnica exata
por sua vez natildeo constituiacuteram uma exceccedilatildeo a essa regra a
natildeo ser por apariccedilotildees raacutepidas e escassas mas por vezes
determinantes como no caso dos capadoacutecios143
143 Notadamente no embate entre Eumenes e Craacutetero
70
22 Os elefantes de combate
Tomarei como ponto de partida para a investigaccedilatildeo
detalhada acerca dos elefantes de combate e de seu papel na
arte da guerra heleniacutestica o primeiro embate seacuterio entre os
paquidermes e a infantaria macedocircnica ainda que tal
encontro tenha ocorrido momentos antes do iniacutecio oficial da
eacutepoca heleniacutestica em 323 aC
Na batalha do Hidaspes (326 aC)144 Poro dispocircs seus
elefantes (cerca de 200) agrave frente da infantaria na
primeira linha de combate segundo Arriano145 com
intervalos de aproximados 30 metros (διέχοντα ἐλέφαντα ἐλέφαντος ο
μεῖον πλέθρου) impedindo que a cavalaria de Alexandre
aterrorizada pudesse se aproximar146 A infantaria indiana
(30000) seguia para as alas com tropas montadas
encerrando a formaccedilatildeo (2000) em ambos os flancos Por
uacuteltimo carros de guerra (300) estavam posicionados agrave
frente da cavalaria sendo esta a organizaccedilatildeo geral das
tropas de Poro para a batalha Em contrapartida Alexandre
concentrou a cavalaria (5500) na ala direita onde
normalmente os Companheiros combatiam com a intenccedilatildeo de
forccedilar uma alteraccedilatildeo na formaccedilatildeo da cavalaria indiana
assim como atacaacute-la por completo em sua ala esquerda As
duas iparquias sob o comando de Coeno foram enviadas sobre
a direita inimiga no momento em que esta realizou a
inversatildeo pela qual Alexandre esperava147 Aos soldados da
144 Os elefantes jaacute haviam sido utilizados pelos persas em Gaugamela
(Arr Anab 311 ldquoοἱ δὲ ἐλέφαντες ἔστησαν κατὰ τὴν Δαρείου ἴλην τὴν βασιλικὴν []rdquo mas natildeo despenharam papel relevante na batalha 145 Arr Anab 515 146 Arr Anab 515 ldquoὡς πρὸ πάσης τε τς φάλαγγος τν πεζν παραταθναι ατῶ τοὺς ἐλέφαντας ἐπὶ μετώπου καὶ φόβον πάντῃ παρέχειν τοῖς ἀμφ Ἀλέξανδρον ἱππεῦσινrdquo 147 Arr 516 ldquoΚοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν []rdquo Afinal ldquopara a direita de Alexandre ou contra a direita inimigardquo A questatildeo colocada por
Brunt tradutor de Arriano na ediccedilatildeo Loeb destaca uma grande confusatildeo
na interpretaccedilatildeo acerca do posicionamento das tropas em Hidaspes As
palavras iniciais (Κοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν) tecircm sido interpretadas na melhor discussatildeo sobre o assunto um artigo de Hamilton de trecircs
formas distintas (1) para a direita de Alexandre (2) em direccedilatildeo agrave
direita indiana como uma ldquofintardquo (3) contra a direita indiana em
forma de ataque Aqui adotei a segunda interpretaccedilatildeo devido agrave maneira
71
infantaria (15000)148
Alexandre ordenou que avanccedilassem
somente quando os cavaleiros indianos fossem postos em
confusatildeo contra seu proacuteprio exeacutercito149 Quanto aos
cavaleiros arqueiros estes foram uacuteteis para o ataque de
longa distacircncia causando baixas na ala esquerda inimiga
um pouco mais ao centro do local que Alexandre pretendia
atacar
Assim que a cavalaria indiana investiu contra os
Companheiros e o regimento de Dahae (recrutado na Aacutesia e
utilizado pela primeira vez no exeacutercito de Alexandre)
Coeno realizou o que lhe fora ordenado e atacou as tropas
montadas de Poro pelo flanco destruindo sua formaccedilatildeo numa
manobra compressora150 provavelmente apoacutes ter acompanhado a
inversatildeo das tropas de Poro Parte dos cavaleiros indianos
entatildeo partiu desordenada em direccedilatildeo aos elefantes
exatamente no momento em que a infantaria macedocircnica
iniciou o seu avanccedilo Segundo Arriano ldquoa proacutepria falange
macedocircnicardquo (ἡ φάλαγξ ατὴ τν Μακεδόνων) arremessou diversos
dardos contra os condutores dos elefantes e ldquoformando um
anel em torno dos animais descarregou dardos por todos os
ladosrdquo151
A partir deste ponto os paquidermes avanccedilaram em
direccedilatildeo agrave infantaria e comeccedilaram a devastar (ἐκεράϊζε) toda a
como a batalha se desenrolou isto eacute o caminho mais provaacutevel para uma
compressatildeo da cavalaria indiana por Alexandre e Coeno era a
perseguiccedilatildeo das tropas indianas durante uma inversatildeo da ala direita
para a esquerda Para uma discussatildeo completa a respeito da formaccedilatildeo
indiana consultar J R Hamilton ldquoThe Cavalry Battle at the
Hydaspesrdquo in JHS 76 27-28 1956 148 Richard D Milns Alexander the Great London Robert Hale 1968
P211 149 Arr Anab 516 150 Arr Anab 517 151 Arr Anab 517 ldquoἔς τε τοὺς ἐπιβάτας ατν ἀκοντίζοντες καὶ ατὰ τὰ θηρία περισταδὸν πάντοθεν βάλλοντεςrdquo Ora a falange natildeo possuiacutea mobilidade
suficiente para executar tal ldquoanelrdquo muito menos os falangistas
carregavam dardos Trata-se evidentemente de um equiacutevoco de Arriano
Cuacutercio (1424) refere-se aos agrianos e traacutecios o que soa mais
provaacutevel ainda que a reconstruccedilatildeo da formaccedilatildeo macedocircnica a partir
desta informaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel a menos que se admita apenas que
ambas as tropas levemente armadas estavam dispostas desde o iniacutecio do
embate agrave frente da falange
72
falange Os cavaleiros macedocircnios enquanto isso ocorria
formaram um soacute esquadratildeo e empurraram de volta o restante
da cavalaria indiana contra os elefantes o que ocasionou
uma verdadeira carnificina seja pela morte dos condutores
ou pela simples confusatildeo da situaccedilatildeo Boa parte dos
indianos recuou por entre os elefantes enquanto recebiam
os duros golpes de sua proacutepria maacutequina de guerra152
Alexandre entatildeo ordenou o avanccedilo da falange a qual
deveria adotar a formaccedilatildeo mais compacta possiacutevel Os
indianos jaacute natildeo contavam com sua cavalaria e a infantaria
era incapaz de deter o ataque das tropas montadas de
Alexandre que os cercaram por todos os lados
Como observou Milns a vitoacuteria sobre os indianos no
Hidaspes ldquofoi a uacuteltima grande batalha que Alexandre travou
e diriam alguns historiadores a sua melhorrdquo153 De fato
Alexandre reverteu o impacto ndash ou parte dele ndash causado pela
melhor arma do exeacutercito indiano o elefante Contudo
existe outra questatildeo que natildeo tem relaccedilatildeo direta com o
gecircnio militar do rei macedocircnio mas sim com a emergecircncia
desta nova ldquomaacutequina de guerrardquo como integrante (e por vezes
siacutembolo) dos exeacutercitos heleniacutesticos
De um lado a batalha do Hidaspes ilustra como o
ineditismo no combate aos elefantes (por parte dos
ocidentais) provocou um terriacutevel efeito psicoloacutegico nos
macedocircnios especialmente nos anos que se seguiram agrave
batalha De outro mostra que a emergecircncia do elefante na
guerra heleniacutestica foi acompanhada de um paradoxo advindo
do uso de uma arma poderosa mas incapaz de distinguir
aliados de inimigos aleacutem de ser bastante complicada do
ponto de vista logiacutestico
Noutras palavras considerar os fracassos e sucessos
dos elefantes em campos de batalha heleniacutesticos deve partir
152 Arr Anab 517 153 Milns opcit p215
73
de uma premissa baacutesica bem ou mal-sucedidos nos
confrontos os paquidermes constituiacuteram um ldquopesadelo
administrativordquo o que coloca as condiccedilotildees necessaacuterias ao
seu uso de um lado da balanccedila e os resultados obtidos caso
tais condiccedilotildees pudessem ser alcanccediladas do outro
Problemas relativos ao atraso da marcha do exeacutercito devido
agrave lentidatildeo dos elefantes devem ter sido uma constante no
rol dos inconvenientes quanto ao abastecimento das tropas
antigas Diodoro nos fornece um importante relato sobre
essa questatildeo quando menciona o afastamento dos paquidermes
em relaccedilatildeo aos demais homens de Eumenes o que resultou na
sua vulnerabilidade154 e consequumlente enfraquecimento parcial
do exeacutercito Fica evidente que natildeo fosse a manobra
executada pelo comandante dos elefantes que liderou os
paquidermes ldquoem quadradordquo (οἱ τν ἐλεφάντων ἡγεμόνες τάξαντες εἰς
πλινθίον τὰ θηρία προγον) dispondo o suprimento no centro da
formaccedilatildeo e o pequeno nuacutemero de cavaleiros que os
acompanhava na retaguarda155
os retardataacuterios teriam sido
todos facilmente aniquilados pela investida de Antiacutegono
Por uacuteltimo haacute ainda que se destacar as diferenccedilas
entre os elefantes africanos e indianos quanto aos seus
usos militares Durante bastante tempo acreditou-se que os
elefantes africanos eram inferiores aos indianos afirmaccedilatildeo
originada no relato de Cteacutesias em sua obra sobre uma Iacutendia
exoacutetica e de fartura156 O criteacuterio adotado por ele (e
reproduzido por diversos autores antigos) foi unicamente a
produccedilatildeo de alimentos o que insatisfatoriamente resume o
problema a uma uacutenica sentenccedila os africanos eram menores
porque viviam numa regiatildeo onde a comida era escassa isto
eacute o deserto Tal comparaccedilatildeo encontra eco em Poliacutebio157
154 Diod 1939 [] ldquoτοὺς δ ἐλέφαντας μέλλειν ἀναζευγνύειν ἐκ τς χειμασίας καὶ πλησίον εἶναι μεμονωμένους πάσης βοηθείας []rdquo 155 Diod 1939 156 FrGH 688 F9 157 Polib 584 ldquoτὰ δὲ πλεῖστα τν τοῦ Πτολεμαίου θηρίων ἀπεδειλία τὴν μάχην ὅπερ ἔθος ἐστὶ ποιεῖν τοῖς Λιβυκοῖς ἐλέφασι τὴν γὰρ ὀσμὴν καὶ φωνὴν ο μένουσιν ἀλλὰ καὶ
74
[] a maior parte dos elefantes de Ptolomeu evitou o
combate como normalmente ocorre com os elefantes
africanos pois sendo incapazes de suportar o odor e o
grito dos elefantes indianos e aterrorizados penso
eu com a estatura e a forccedila [τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν] dos mesmos eles voltam-lhes as costas imediatamente e
potildeem-se em fuga antes de sua aproximaccedilatildeo
Em 1926 Tarn apresentou uma questatildeo fundamental com
relaccedilatildeo agraves diferenccedilas entre os elefantes africanos e
indianos o que dificultou a repeticcedilatildeo do argumento pouco
fundamentado de Cteacutesias Filologicamente bem amparado Tarn
sustentou que tais autores nada sabiam sobre os elefantes
mas o seu heroacutei Alexandre havia empregado o elefante
indiano158 Natildeo existe nada definitivamente aleacutem da
tradiccedilatildeo literaacuteria originada da observaccedilatildeo pouco criteriosa
de Cteacutesias que possa sustentar a superioridade dos
elefantes indianos diante dos africanos em campo de
batalha
Vindos da Iacutendia ou recrutados na Aacutefrica os elefantes
mostraram-se decisivos nos campos de batalha heleniacutesticos
como veremos no item 33 e no capiacutetulo 4 Encontrados
terreno plano condiccedilotildees excelentes de abastecimento e
clima e um inimigo cuja forccedila primaacuteria fosse composta por
infantaria pesada disposta em formaccedilatildeo cerrada os
elefantes constituiacuteam uma das mais eficientes ndash senatildeo a
mais eficiente ndash arma empregada pelos comandantes
heleniacutesticos notadamente nas raras batalhas decisivas do
periacuteodo
καταπεπληγμένοι τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν ὥς γ ἐμοὶ δοκεῖ φεύγουσιν εθέως ἐξ ἀποστήματος τοὺς Ἰνδικοὺς ἐλέφανταςrdquo Cf Diod 216 e 235 158 William W Tarn ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ 20
98-100 1926 P100
75
3 As Guerras dos Diaacutedocos
31 Eumenes versus Craacutetero
No ano de 321 aC durante a realizaccedilatildeo da campanha de
Perdicas no Egito Eumenes fora enviado ao Helesponto por
Perdicas para evitar o avanccedilo de Craacutetero e Antiacutepatro159 Uma
das primeiras medidas do comandante grego foi o
recrutamento de um grande corpo de tropas montadas de sua
proacutepria satrapia isto eacute a Capadoacutecia Apoiado por Alcetas
submetido ao seu comando por ordem de Perdicas contava jaacute
com certo nuacutemero de macedocircnios insuficientes para a
ocasiatildeo os quais haviam sido incorporados apoacutes a vitoacuteria
sobre o exeacutercito de Neoptolemos160
De acordo com Diodoro161
ao saber do avanccedilo do exeacutercito
inimigo Eumenes coletou suas forccedilas particularmente sua
cavalaria de todos os lados (ἤθροισε πανταχόθεν τὰς δυνάμεις καὶ
μάλιστα τὴν ἱππικήν) Em relaccedilatildeo agrave infantaria sobre a qual natildeo
depositava muita esperanccedila contava com 20000 homens de
todas as raccedilas (παντοδαποὺς τοῖς γένεσιν) perfazendo um total de
25000 homens se somada a cavalaria adquirida Contra o
seu exeacutercito Craacutetero contava com macedocircnios conhecidos por
sua coragem (οἱ Μακεδόνες διαβεβοημένοι ταῖς ἀνδραγαθίαις) e dois mil
cavaleiros como auxiliares
Apoacutes a narraccedilatildeo de um duelo entre os comandantes
Diodoro menciona a derrota da cavalaria de Craacutetero sendo
que ao constatar a morte de ambos os liacutederes macedocircnios
Eumenes ordenou a retirada de seu exeacutercito privando-se do
aniquilamento completo do inimigo em prol da negociaccedilatildeo
cujo objetivo era a incorporaccedilatildeo da infantaria derrotada
Nas palavras do historiador siciliano
159 Diod 1829 160 Diod 1829 Arr FGrH 1569 Justino 138 Plutarco Eumenes 47 161 Diod 1830
76
Erigido o monumento que registrou a derrota do inimigo
[τρόπαιον] e feitos os ritos fuacutenebres [Eumenes] enviou agrave falange que havia se mostrado inferior [πρὸς τὴν τν ἡττημένων φάλαγγα] um convite de incorporaccedilatildeo agraves suas
tropas dando-lhes tambeacutem permissatildeo para recuar aos
lugares que desejassem
Este caso esclarece desde o iniacutecio a distinccedilatildeo entre
as tropas macedocircnias ldquoconhecidas por sua coragemrdquo e os
demais soldados de infantaria ldquohomens de todas as raccedilasrdquo
No entanto apoacutes a vitoacuteria sobre o exeacutercito inimigo
Eumenes abertamente escolhe negociar a incorporaccedilatildeo das
tropas inimigas honrando os mortos em combate ao inveacutes de
completar a manobra de envolvimento e provocar o
aniquilamento completo da falange a qual havia se mostrado
inferior em batalha Note-se que a taacutetica continuou a ser a
mesma empregada nos tempos de Alexandre mas a profusatildeo do
serviccedilo mercenaacuterio fez com que a praacutetica da incorporaccedilatildeo de
tropas profissionais fosse preferiacutevel ao aniquilamento do
inimigo Aleacutem disso natildeo haacute sequer uma menccedilatildeo de tratamento
diferenciado para as tropas macedocircnias por excelecircncia se
as considerarmos legitimamente macedocircnias em relaccedilatildeo agrave
infantaria asiaacutetica de Eumenes Eram mercenaacuterias como as
demais ainda que natildeo fique claro o pagamento ou tempo de
serviccedilo
Em seguida Eumenes voltou-se contra Antiacutegono
77
32 Antiacutegono versus Eumenes
Em seu primeiro confronto com Eumenes Antiacutegono
utilizando-se de um estratagema abriu matildeo inicialmente
de uma decisatildeo travada ao modelo alexandrino e decidiu
subornar certo Apolonides comandante da cavalaria de
Eumenes fazendo com que ele se tornasse um traidor e
desertasse em meio agrave batalha (ἔπεισε προδότην γενέσθαι καὶ κατὰ τὴν
μάχην ατομολσαι)162
Nesta ocasiatildeo entretanto notamos uma situaccedilatildeo
paradoxal quanto ao comportamento do comandante
heleniacutestico Na situaccedilatildeo anterior Eumenes optou por
incorporar as tropas inimigas ainda que sem sucesso ao
inveacutes de prosseguir com a manobra de envolvimento e
aniquilamento de boa parte do exeacutercito de Craacutetero Um ano
depois em 320 aC Antiacutegono apoacutes ter subornado o
comandante de cavalaria de Eumenes tendo a infantaria em
suas matildeos optou por concluir a manobra e aniquilar cerca
de 8000 inimigos Nas palavras de Diodoro
Quando a batalha se tornou violenta e Apolonides
desertou inesperadamente com sua cavalaria Antiacutegono
ganhou o dia e aniquilou cerca de 8000 inimigos Ele
tambeacutem se apoderou de todo o suprimento de modo que os
soldados de Eumenes ficaram abatidos pela derrota e sem
esperanccedila devido agrave perda de seus suprimentos163
Em momento algum Diodoro menciona o interesse de
Antiacutegono em incorporar as tropas de Eumenes durante a
batalha com exceccedilatildeo da cavalaria a qual havia previamente
subornado No entanto logo apoacutes relatar o refuacutegio do
comandante grego num forte armecircnio o que lhe foi garantido
162 Diod 1840 163 Diod 1840 ldquoγενομένης δὲ μάχης ἰσχυρᾶς καὶ τοῦ Ἀπολλωνίδου μετὰ τν περὶ ατὸν ἱππέων ποιήσαντος ἀλόγως ἀπὸ τν ἰδίων διάστασιν ἐνίκησεν ὁ Ἀντίγονος καὶ ἀνεῖλεν τν ἐναντίων εἰς ὀκτακισχιλίους ἐκυρίευσε δὲ καὶ τς ἀποσκευς ἁπάσης ὥστε τοὺς περὶ τὸν Εμεν στρατιώτας διὰ μὲν τὴν ἧτταν καταπλαγναι διὰ δὲ τὴν ἀπώλειαν τς ἀποσκευς ἀθυμσαιrdquo Nesta citaccedilatildeo com exceccedilatildeo de ἰσχυρᾶς traduzido aqui como ldquoviolentordquo seguindo o LSJ (ἰσχυρός) optei por utilizar a traduccedilatildeo de Geer
78
por uma alianccedila com os nativos o historiador siciliano faz
referecircncia agrave contrataccedilatildeo por parte de Antiacutegono dos homens
os quais haviam servido Eumenes Seguindo o exemplo
anterior a compreensatildeo da guerra como ofiacutecio serviu de
paracircmetro para a composiccedilatildeo de grandes exeacutercitos o
trampolim a partir do qual generais aspiravam agraves grandes
coisas exatamente como no caso de Antiacutegono Ao tornar-se
senhor de todas as posses que antes pertenciam a Eumenes
das quais se destacava o grande exeacutercito as ambiccedilotildees
poliacuteticas de Antiacutegono ganharam nova face
No momento em que Antiacutegono tomou para si a forccedila
militar de Eumenes tornou-se senhor das suas satrapias
e das suas propriedades levantou grande soma de
dinheiro e aspirou agraves grandes coisas [μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο] Nenhum comandante em toda a Aacutesia possuiacutea forccedila militar suficiente para lutar pela supremacia
164
O comando de um grande exeacutercito era sem duacutevida o
motor da basileia e um dos maiores estiacutemulos agrave realizaccedilatildeo
de campanhas militares e conquista de territoacuterios
A incorporaccedilatildeo das tropas natildeo era contudo o uacutenico
objetivo dos generais cujo pensamento encontrava-se marcado
pela condiccedilatildeo mercenaacuteria Historiadores tambeacutem entravam no
jogo mesmo que tivessem servido num primeiro momento ao
seu inimigo Note-se por exemplo na esteira do contexto
em destaque que Antiacutegono iraacute contratar os serviccedilos de
Hierocircnimo o historiador logo apoacutes a vitoacuteria sobre Eumenes
na Capadoacutecia tendo em seguida o enviado como mensageiro a
Eumenes exortando o uacuteltimo a esquecer a derradeira batalha
e a se tornar seu amigo e aliado165
Com a mudanccedila na poliacutetica externa adotada por Antiacutegono
levada a cabo a partir da aquisiccedilatildeo dos espoacutelios
164 Diod 1841 ldquoἈντίγονος δὲ παραλαβὼν τὴν μετ Εμενοῦς δύναμιν καὶ τν σατραπειν καὶ τν ἐν ταύταις προσόδων κύριος γενόμενος ἔτι δὲ παραλαβὼν πλθος χρημάτων μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο οκέτι γὰρ οδεὶς τν κατὰ τὴν Ἀσίαν ἡγεμόνων ἀξιόμαχον εἶχε δύναμιν διαγωνίσασθαι πρὸς ατὸν περὶ τν πρωτείωνrdquo 165 Diod 1850
79
provenientes da vitoacuteria sobre Eumenes o general macedocircnico
tratou de ir ao encontro de Alcetas irmatildeo de Perdicas
destruindo-o completamente Segundo Diodoro166
Antiacutegono
liderou 6000 cavaleiros numa carga violenta contra a
falange inimiga no intuito de cortar a linha de retirada de
Alcetas Em seguida os elefantes foram enviados
frontalmente contra a falange ao mesmo tempo em que os
cavaleiros envolveram o inimigo por todos os lados tendo a
infantaria permanecido somente como forccedila de apoio
Diodoro natildeo nos informa sobre a proveniecircncia eacutetnica da
cavalaria de Antiacutegono mas note que haacute pouco ele contava
com 2000 cavaleiros e rapidamente passou para cerca de
6000 um forte indiacutecio de que a renovaccedilatildeo de suas forccedilas
montadas foi liderada por capadoacutecios Em primeiro lugar
talvez esta seja a constataccedilatildeo mais oacutebvia mas ainda assim
digna de ser mencionada Antiacutegono marchou com sua forccedila
militar da Capadoacutecia para a Pisiacutedia (μετὰ [] ἐκ Καππαδοκίας
προγεν ἐπὶ τὴν Πισιδικήν)
Em segundo lugar sua cavalaria triplicou desde o
momento anterior agrave batalha contra Eumenes ocorrida havia
menos de um ano Uma vez na Capadoacutecia dado o curto tempo
para a ampliaccedilatildeo das suas forccedilas montadas e a
disponibilidade de recrutamento de cavaleiros pesadamente
armados na regiatildeo outra explicaccedilatildeo natildeo parece possiacutevel
Logo apoacutes a vitoacuteria sobre Alcetas Antiacutegono obteve a
rendiccedilatildeo de todo o resto do exeacutercito inimigo por negociaccedilatildeo
e o alistou em suas proacuteprias fileiras167 agregando
consideraacutevel forccedila ao seu poderio beacutelico
Ainda que a manobra de envolvimento fosse como neste
caso realizada ateacute o momento em que o inimigo batesse
desesperadamente em retirada a porccedilatildeo do exeacutercito que
166 Diod 1844 167 Diod 1845 ldquoὁ δ Ἀντίγονος τούτους μὲν καθ ὁμολογίαν παραλαβὼν τοὺς λοιποὺς εἰς τὰ ἴδια τάγματα κατέταξε []rdquo
80
pudesse ser submetida com vida e incorporada por negociaccedilatildeo
era sempre bem recebida aleacutem de se mostrar crucial na
estruturaccedilatildeo de trajetoacuterias poliacuteticas pautadas na conquista
militar
Na sequumlecircncia dos acontecimentos168 Eumenes jaacute na Aacutesia
Menor enviou cartas aos saacutetrapas do norte solicitando o
seu apoio em nome dos reis Basicamente as duas partes
deveriam se encontrar em Susa mas Fiacuteton a esta altura
saacutetrapa da Meacutedia obteve tambeacutem o controle das satrapias do
norte ordenando a morte de Filotas e substituindo o mesmo
por Eudamus seu irmatildeo Apoacutes travar batalha com o exeacutercito
dos saacutetrapas do sul Fiacuteton concentrou seu exeacutercito num soacute
lugar aguardando o apoio de Seleuco motivo pelo qual
Eumenes encontrou todas as tropas reunidas quando da sua
chegada a Susianecirc
De acordo com Diodoro169
as tropas que se juntaram a
Eumenes foram (1) 10000 arqueiros e fundibulaacuterios persas
3000 pantodapoi armados como macedocircnios (τοὺς δὲ εἰς τὴν
Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς) 600 cavaleiros gregos
e traacutecios e mais de 400 cavaleiros persas todos vindos
sob comando de Peucestes um dos antigos soldados da elite
de Alexandre (2) 1500 pezoi e 700 cavaleiros liderados
por Tlepolemus o macedocircnio feito saacutetrapa da Carmacircnia (3)
1000 pezoi e 610 cavaleiros trazidos por Sibyrtius
comandante da Arachosia (4) 1200 pezoi e 400 cavaleiros
despachados por Oxyartes (5) 1500 pezoi e 1000
cavaleiros vindos com Stasander e (6) 500 cavaleiros 300
pezoi e 120 elefantes todos trazidos por Eudamo Somados a
estes 18500 soldados de infantaria e 4210 cavaleiros
Geer170
lembra que devemos acrescentar as forccedilas trazidas
por Amfiacutemaco da Mesopotacircmia apresentado na batalha de
168 Diod 1913 169 Diod 1914 170 Russel M Geer tradutor de Diodoro na ediccedilatildeo da LOEB p 269
81
Gabienecirc171 com seus 600 cavaleiros e talvez alguma
infantaria natildeo mencionada
Antiacutegono em contrapartida recebeu tropas de Seleuco e
Fiacuteton nomeando Seleuco saacutetrapa de Susa e ordenando que
este conquistasse a cidade jaacute que Xenofilos o tesoureiro
se recusava a aceitar suas ordens172 Ao cruzar a Meacutedia por
um caminho alternativo agravequele que havia sido bloqueado por
Eumenes Antiacutegono ordenou a Fiacuteton que recrutasse quantos
cavaleiros e cavalos de guerra fosse possiacutevel assim como
animais de carga Ao retornar de sua missatildeo com cerca de
2000 cavaleiros 1000 cavalos 500 talentos do tesouro
real e uma quantia de mulas suficientes para todo o
exeacutercito173
Fiacutethon deu a Antiacutegono a chance de reerguer o
moral das tropas aleacutem de reforccedilar consideravelmente a
cavalaria de seu exeacutercito No total Antiacutegono contava com
28000 pezoi 8000 cavaleiros e 65 elefantes
Apoacutes o desentendimento entre Eumenes apoiado por
Antigenes e os saacutetrapas ansiosos para retornar aos seus
assuntos pessoais174
o general grego optou por atender agraves
vontades dos saacutetrapas temendo perder seu valioso apoio
Apoacutes dias de marcha rumo a Perseacutepolis ambos os exeacutercitos
inimigos acamparam a curta distacircncia e iniciaram os
preparativos para a batalha Antiacutegono entretanto procurou
subornar parte das tropas inimigas como nos relata
Diodoro175
No quinto dia Antiacutegono enviou mensageiros aos saacutetrapas
e aos macedocircnios instigando-os a natildeo obedecer Eumenes
e a confiar apenas no proacuteprio Antiacutegono Disse aos
171 Diod 1927 172 Diod 1918 173 Diod 1920 174 Diod1921 175 Diod 1925 ldquo[]τῆ πέμπτῃ δ Ἀντίγονος πρεσβευτὰς ἐξαπέστειλε πρός τε τοὺς σατράπας καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀξιν Εμενεῖ μὲν μὴ προσέχειν ἑαυτῶ δὲ πιστεύειν συγχωρήσειν γὰρ ἔφη τοῖς μὲν σατράπαις ἔχειν τὰς ἰδίας σατραπείας τν δὲ ἄλλων τοῖς μὲν χώραν πολλὴν δώσειν τοὺς δὲ εἰς τὰς πατρίδας ἀποστελεῖν μετὰ τιμς καὶ δωρεν τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξειςrdquo
82
saacutetrapas que permitiria a manutenccedilatildeo de suas proacuteprias
satrapias e aos macedocircnios que daria uma grande
extensatildeo de terra a alguns que enviaria os outros de
volta para casa com honra e presentes e que designaria
postos agravequeles que desejassem servir em seu exeacutercito
[τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξεις]
Tendo fracassado em sua tentativa de incorporaccedilatildeo das
tropas inimigas antes mesmo da batalha Antiacutegono findou por
enfrentar Eumenes numa ocasiatildeo decisiva conhecida como
batalha de Paraitacene (317 aC)
Iniciada a batalha vendo que sua ala direita estava
sendo esmagada pelos cavaleiros arqueiros de Antiacutegono
(graccedilas agraves taacuteticas de ciacuterculo cujo objetivo era o ataque
aos flancos pelo uso dos arcos176) Eumenes ordenou o apoio
de sua ala esquerda comandada por Eudamo Apoacutes o movimento
de flanqueamento executado por soldados ligeiros e pela
parte mais levemente armada de sua cavalaria (τὴν ὅλην τάξιν τοῖς
μὲν ψιλοῖς καὶ τοῖς ἐλαφροτάτοις τν ἱππέων) conseguiu derrotar a ala
direita de Antiacutegono comandada por Fiacutethon
Em seguida apoacutes consideraacutevel tempo de combate entre as
falanges os homens de Eumenes venceram devido agrave
experiecircncia dos arguraspides de modo que muitos dos
oficiais de Antiacutegono apoacutes a derrota de sua ala esquerda e
de toda a sua falange aconselharam a batida em retirada
Antiacutegono no entanto ao ver que a infantaria inimiga havia
avanccedilado vitoriosamente em direccedilatildeo agrave sua no intuito de
persegui-la ateacute proacuteximo aos montes e que a ala de Eudamo
natildeo esperava por um ataque desferiu um violento golpe
contra a ala esquerda de seu inimigo recobrando com isso o
moral e as condiccedilotildees combativas de sua infantaria
aparentemente derrotada Assim nos relata Diodoro177
176 Diod 1930 ldquo[] περιιππεύσαντες δὲ τὸ κέρας καὶ πλαγίοις ἐμβαλόντες πυκνοῖς τοῖς βέλεσι κατετίτρωσκον []rdquo 177 Diod 1930 ldquoταχὺ δὲ διὰ τὸ παράδοξον τρεψάμενος τοὺς ἐναντίους καὶ πολλοὺς ἀνελὼν διαπέστειλε τν ἱππέων τοὺς ἐλαφροτάτους καὶ διὰ τούτων ἀνεκαλέσατο τοὺς φεύγοντας καὶ παρὰ τὴν πωρίαν πάλιν εἰς τάξιν κατέστησενrdquo
83
Uma vez que seu ataque foi inesperado ele [Antiacutegono]
rapidamente derrotou aqueles que o enfrentaram
destruindo muitos deles Entatildeo enviou os mais raacutepidos
de seus cavaleiros e por meio deles reuniu os soldados
que haviam batido em retirada alinhando-os mais uma
vez ao peacute dos montes
Como os soldados encontravam-se todos exaustos a
batalha prosseguiu durante o tempo necessaacuterio para a
certeza de sua indefiniccedilatildeo Embora o resultado natildeo tenha
sido claro Antiacutegono usou de sua legitimidade como
comandante e forccedilou acampamento proacuteximo a batalha
relativamente distante das bagagens O motivo para este ato
era simples para os gregos aquele que detinha o controle
dos ritos fuacutenebres assim que encerrada a peleja possuiacutea o
direito de declarar-se vitorioso178
Em seguida Eumenes dirigiu suas tropas para Gabenecirc
com excelentes condiccedilotildees de abastecimento179
enquanto
Antiacutegono conduziu seu exeacutercito atraveacutes do deserto proacuteximo a
Gadamala180
Alguns dias apoacutes o ataque parcialmente
frustrado aos elefantes de Eumenes atrasados se comparados
ao restante das tropas ambos os exeacutercitos fizeram frente
um ao outro em Gabenecirc
Tendo disposto seus homens da maneira que consideravam
mais eficiente os generais deram iniacutecio ao confronto
sendo que Antiacutegono e Demeacutetrio posicionados na ala direita
desferiram um ataque agrave cavalaria de Eumenes que a esta
altura lhes fazia frente Antes do embate entretanto
Peucestes saacutetrapa da Peacutersia esquivou-se da batalha e
deixou Eumenes somente com parte de sua cavalaria181
Por
consequumlecircncia Eumenes natildeo suportou o choque com a cavalaria
inimiga a qual rodeou o corpo de infantaria e investiu
178 Diod 1931 ldquo[Antiacutegono] ἠμφισβήτει τς νίκης ἀποφαινόμενος προτερεῖν ἐν ταῖς μάχαις τὸ τν πεσόντων κυριεῦσαιrdquo Outros exemplos segundo Geer satildeo
encontrados em Xen Hel 75 e Justino 66 179 Diod 1934 180 Diod 1937 181 Diod1942
84
contra a cavalaria na outra ala completando um semiciacuterculo
pela retaguarda inimiga
Embora as manobras acima detalhadas tenham sido de
grande importacircncia no desenrolar da batalha a participaccedilatildeo
crucial se deu com os tarentinos e medos enviados com a
missatildeo de capturar os suprimentos inimigos aproveitando-se
da pouca visibilidade provocada pela poeira do terreno A
partir deste movimento Eumenes parcialmente derrotado se
viu forccedilado a recuar e contra atacar a investida sorrateira
dos tarentinos e medos enquanto Antiacutegono soube aproveitar
o momento de vulnerabilidade dos arguraspides sem a
proteccedilatildeo dos flancos e ordenou a investida da cavalaria de
Fiacutethon182
Os resultados da batalha natildeo foram nada agradaacuteveis para
os homens de Eumenes que tiveram seus suprimentos filhos
mulheres e muitos outros parentes capturados pelo inimigo
Com isso Antiacutegono exterminou completamente o espiacuterito
combativo dos macedocircnios induzindo um comportamento
tipicamente heleniacutestico no lugar do extermiacutenio dos refeacutens
e inimigos derrotados (mas preservados em suas habilidades
de combate) o general optou por alistaacute-los
[] os macedocircnios secretamente iniciaram negociaccedilotildees
com Antiacutegono capturando e entregando Eumenes
recobrando seus suprimentos e apoacutes receberem promessas
alistaram-se no exeacutercito acampado [καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον]183
Agora que Antiacutegono havia se tornado o mais poderoso dos
Diaacutedocos os seus rivais passaram a temer a consolidaccedilatildeo de
seu poder supremo abalado apenas por pequenas revoltas
182 Diod 1943 183 Diod 1943 [hellip] οἱ Μακεδόνες λάθρᾳ διαπρεσβευσάμενοι πρὸς Ἀντίγονον τὸν μὲν Εμεν συναρπάσαντες παρέδωκαν τὰς δ ἀποσκευὰς κομισάμενοι καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον
85
locais como a insurreiccedilatildeo fracassada liderada por Fiacutethon
na Meacutedia184
Encerrada as operaccedilotildees de Cassandro no Peloponeso e
apoacutes a fuga de Seleuco para o Egito185 a resposta imediata
agrave transformaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico heleniacutestico causada
pela emergecircncia de Antiacutegono como autoridade predominante na
lideranccedila dos exeacutercitos se deu com a alianccedila de Ptolomeu
Seleuco Cassandro e Lisiacutemaco
184 Diod 1946-48 185 Diod 1953 e Diod 1954 respectivamente
86
33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e
Lisiacutemaco
Assim que chegou ao Egito Seleuco tratou de convencer
Ptolomeu do risco que era deixar Antiacutegono ampliar suas
forccedilas sua arrogacircncia e suas ambiccedilotildees ao trono
macedocircnico186
Seleuco natildeo somente conseguiu estabelecer uma
alianccedila com o senhor do Egito mas tambeacutem alguns de seus
amigos obtiveram sucesso na cooptaccedilatildeo de Cassandro e
Lisiacutemaco Com isso apoacutes recusar a abordagem diplomaacutetica de
Antiacutegono que enviou mensageiros com o intuito de reforccedilar
sua amizade com os generais macedocircnicos em eacutepoca de crise
Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro exigiram de Antiacutegono (1) a
entrega da Capadoacutecia e da Liacutecia a Cassandro (2) da Friacutegia
a Lisiacutemaco (3) de toda a Siacuteria a Ptolomeu e (4) da
Babilocircnia a Seleuco sem mencionar a partilha dos tesouros
conquistados com a vitoacuteria sobre Eumenes187
Daiacute por diante uma seacuterie de embates subsequumlentes agrave
formalizaccedilatildeo do desentendimento dos Diaacutedocos dominaraacute a
cena poliacutetica pelos proacuteximos 15 anos e uma narrativa de
todos os pormenores do conflito natildeo seria eficaz na
apresentaccedilatildeo dos argumentos que estou a desenvolver neste
capiacutetulo Portanto tratarei da batalha de Ipso por ser
suficientemente documentada188
(se levarmos em consideraccedilatildeo
que as demais batalhas nos chegaram apenas em pouquiacutessimos
detalhes) e possibilitar interpretaccedilotildees razoavelmente
seguras sobre a arte da guerra heleniacutestica no tempo dos
Diaacutedocos
De acordo com Plutarco189 Demeacutetrio contava com mais de
70000 soldados de infantaria 10000 cavaleiros e 75
elefantes enquanto seus adversaacuterios haviam trazido cerca
186 Diod 1956 187 Diod 19 57 188 A principal fonte eacute Plut Dem 28-30 que provavelmente seguiu
Hierocircnimo de Caacuterdia 189 Plut Dem 28
87
de 65000 soldados de infantaria 10500 cavaleiros 120
carros de guerra e 400 elefantes
Tatildeo logo os exeacutercitos iniciaram a peleja Demeacutetrio
avanccedilou em direccedilatildeo a Antiacuteoco filho de Ptolomeu e ao
derrotaacute-lo facilmente e iniciar uma perseguiccedilatildeo para longe
do campo de batalha levou consigo a melhor e maior porccedilatildeo
da cavalaria (τοὺς πλείστους καὶ κρατίστους τν ἱππέων) do exeacutercito de
Antiacutegono Ao observar que a falange inimiga estava
desprotegida num dos flancos Seleuco ldquoos manteve em medo
de ataquerdquo rodeando os inimigos em ato ameaccedilador fazendo
com que muitos deles viessem a ele por sua proacutepria vontade
e com que os demais batessem em retirada190 Por fim
enquanto Antiacutegono aguardava pelo retorno de seu filho
impossibilitado de voltar ao combate devido ao avanccedilo
frontal dos elefantes inimigos (contra os 75 elefantes de
Antiacutegono e em seguida contra a proacutepria infantaria do
rei) sendo esta uma manobra que lanccedilava os paquidermes no
caminho de Demeacutetrio uma saraivada de projeacuteteis o atingiu
pondo fim a sua vida
Demeacutetrio ainda tentou com seus 5000 soldados de
infantaria e 4000 cavaleiros restantes da batalha
resistir em Atenas onde possuiacutea embarcaccedilotildees e recursos
diversos mas no caminho fora avisado por um mensageiro de
que os cidadatildeos de Atenas decidiram natildeo receber nenhum dos
reis
A batalha de Ipso provavelmente representou uma
tentativa de transformaccedilatildeo das funccedilotildees da cavalaria algo
ineacutedito na guerra heleniacutestica Certamente por influecircncia da
guerra encaminhada na porccedilatildeo mais oriental do impeacuterio
Seleuco tentou fazer com que os elefantes desferissem o
ataque principal enquanto a cavalaria comandada por seu
filho Antiacuteoco forccedilava uma retirada de Demeacutetrio Mas quais
190 Plut Dem 29
88
seriam no confronto que pocircs fim agrave hegemonia de Antiacutegono
as vantagens conferidas a Seleuco pelo uso dos elefantes
A primeira delas estava fixada pelo nuacutemero de elefantes
(400 no total contra apenas 75 de Antiacutegono) Seleuco
sabendo disso os fez avanccedilar frontalmente contra o corpo
principal do exeacutercito antigocircnida provavelmente ordenando
que seu filho Antiacuteoco batesse em retirada e levasse
consigo a maior e melhor parte da cavalaria inimiga sob o
comando de Demeacutetrio Ainda que Plutarco natildeo mencione tal
manobra por parte de Antiacuteoco afirmando pelo contraacuterio
que as tropas montadas antigocircnidas o haviam derrotado natildeo
parece provaacutevel que a cavalaria de Seleuco fugiria do campo
de batalha tatildeo rapidamente ou que Demeacutetrio a perseguiria
ateacute a batalha ser encerrada (a menos que a fuga de Antiacuteoco
fosse parte de um plano)
Tarn191 argumentou sobre esta possibilidade na deacutecada de
1930 salientando que iniciada a perseguiccedilatildeo da cavalaria
de Seleuco se Demeacutetrio desistisse cedo demais a cavalaria
inimiga poderia simplesmente retornar e atacar sua
retaguarda mas por outro lado se a perseguiccedilatildeo levasse
muito tempo a batalha central se tornaria
definitivamente um palco imaginaacuterio Aceita esta hipoacutetese
conclui-se que Seleuco pocircde desferir seu ataque principal
com os elefantes ao centro e com a cavalaria na ala inimiga
desprotegida enquanto Demeacutetrio ficou impossibilitado de
dar qualquer suporte a Antiacutegono devido ao sucesso da
possiacutevel manobra de Antiacuteoco uma vez que o avanccedilo dos
elefantes havia inviabilizado o caminho para as operaccedilotildees
de auxiacutelio
191 Tarn opcit p69
89
CAPIacuteTULO 3 ndash PODER MONAacuteRQUICO E ARTE DA GUERRA NA
MAGNA GREacuteCIA E NA SICIacuteLIA HELENIacuteSTICA
1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia
heleniacutestica
Diodoro nos relata que Agaacutetocles ldquoao saber que os
referidos priacutencipes tinham assumido o diadema e por natildeo se
considerar inferior a eles em poder territoacuterio e feitos
designou-se reirdquo192 Esta natildeo era uma monarquia siciliana
como as anteriores aleacutem do desejo de se igualar em poder
aos monarcas heleniacutesticos e de assumir caracteriacutesticas de
um ldquonovordquo tipo de realeza como veremos a seguir Agaacutetocles
mantinha com alguns dos Diaacutedocos relaccedilotildees diplomaacuteticas as
quais frequumlentemente ilustravam um posicionamento muito
semelhante agravequeles adotados pelos Sucessores de Alexandre
quanto ao direito de conquista amplamente baseado no
princiacutepio da doriktetos chora De forma similar agrave
distribuiccedilatildeo de territoacuterios liderada pelos generais
macedocircnicos apoacutes a morte de seu rei em 323 aC Agaacutetocles
pretendia negociar de acordo com Diodoro a distribuiccedilatildeo
do espaccedilo africano (ainda natildeo subjugado) e siciliano
(parcialmente hostil) com Ophellas em 309 aC por
ocasiatildeo de sua expediccedilatildeo cartaginesa
192 Diod 2054 ldquo[] γὰρ πυθόμενος τοὺς προειρημένους δυνάστας ἀνῃρημένους
διάδημα καὶ νομίζων μήτε δυνάμεσι μήτε χώρᾳ μήτε τοῖς πραχθεῖσι λείπεσθαι τούτων ἑαυτὸν ἀνηγόρευσε βασιλέαrdquo Sobre a basileia de Agaacutetocles consultar
principalmente Henry Julius Wetenhall Tillyard Agathocles Cambridge
The University Press 1908 Claude Mosseacute La tyrannie dans la Gregravece
Antique Paris Presses Universitaires de France 1969 PP 149-202
Klaus Meister CAH 7 1984 PP 384-411 Ricardo Vattuone Sapienza
d‟occidente Il pensiero storico di Timeo di Tauromenio Bologna
Pagravetron 1991 Pp 63-86 187-204 Lorenzo Braccesi I tiranni di
Sicilia Roma-Bari Laterza 1998 PP 101-113 Consolo Langher Efrem
Zambon ldquoFrom Agathocles to Hieratildeo II the birth and development of
basileia in Hellenistic Sicilyrdquo In Sian Lewis (org) Ancient
Tyranny Edinburgh The University Press 2006 PP 77-94 Sobre a
coroaccedilatildeo dos Diaacutedocos de maneira geral consultar os estudos e as
referecircncias apresentadas no cap2 desta tese
90
Apoacutes esta batalha Agaacutetocles ao examinar todas as
maneiras de subjugar os cartagineses enviou Orthon o
siracusano como mensageiro a Ophellas em Cirene
Ophellas havia sido um dos Companheiros de Alexandre em
sua expediccedilatildeo tendo assumido o controle da cidade de
Cirene e de um poderoso exeacutercito e aspirava a uma
dominaccedilatildeo mais ampla Este era o seu estado de espiacuterito
quando o mensageiro de Agaacutetocles chegou com o pedido de
auxiacutelio para a campanha contra os cartagineses Em
troca desse serviccedilo ele [o mensageiro] prometeu que
Agaacutetocles concederia a Ophellas liberdade total no
controle da Liacutebia Agaacutetocles disse-lhe o mensageiro
estava satisfeito com a Siciacutelia desde que estivesse
livre da ameaccedila cartaginesa e que pudesse governar sem
receio toda a ilha A Itaacutelia estava disponiacutevel e
proacutexima para ampliar o seu impeacuterio caso Agaacutetocles
ambicionasse mais poder193
Ao analisarmos o relato do historiador siciliano
torna-se evidente que o comandante siracusano queria
integrar o cenaacuterio poliacutetico internacional de seu tempo
orientado por criteacuterios de paridade com os Diaacutedocos e que
Ophellas seria sua melhor opccedilatildeo de alianccedila pois o mesmo
aspirava agrave conquista de mais territoacuterios Afinal tal
paridade em forccedila militar territoacuterios conquistados e
realizaccedilotildees seria o motor de sua monarquia autoproclamada
Quando Ophellas e seu exeacutercito se encontraram com
Agaacutetocles o mesmo colocou em praacutetica seu plano de traiccedilatildeo
o macedocircnio foi pego de surpresa e assassinado enquanto
tentava desesperadamente se defender o siracusano entatildeo
aproveitando-se da situaccedilatildeo recrutou o numeroso exeacutercito
193 Diod 2040 ldquoἈπὸ δὲ τς μάχης ταύτης γενόμενος καὶ πάντα τῆ διανοίᾳ σκοπούμενος
πρὸς τὸ λαβεῖν τοὺς Καρχηδονίους ποχειρίους ἐξέπεμψε πρεσβευτὴν Ὄρθωνα τὸν Συρακόσιον πρὸς φέλλαν εἰς Κυρήνην οὗτος δ ἦν μὲν τν φίλων τν συνεστρατευμένων Ἀλεξάνδρῳ κυριεύων δὲ τν περὶ Κυρήνην πόλεων καὶ δυνάμεως ἁδρᾶς περιεβάλετο ταῖς ἐλπίσι μείζονα δυναστείαν τοιαύτην οὖν ατοῦ διάνοιαν ἔχοντος ἧκεν ὁ παρ Ἀγαθοκλέους πρεσβευτής ἀξιν συγκαταπολεμσαι Καρχηδονίους ἀντὶ δὲ ταύτης τς χρείας ἐπηγγέλλετο τὸν Ἀγαθοκλέα συγχωρήσειν ατῶ τν ἐν Λιβύῃ πραγμάτων κυριεύειν εἶναι γὰρ ἱκανὴν ατῶ τὴν Σικελίαν ἵν ἐξῆ τν ἀπὸ τς Καρχηδόνος κινδύνων ἀπαλλαχθέντα μετ ἀδείας κρατεῖν ἁπάσης τς νήσου παρακεῖσθαι δὲ καὶ τὴν Ἰταλίαν ατῶ πρὸς ἐπαύξησιν τς ἀρχς ἐὰν κρίνῃ μειζόνων ὀρέγεσθαιrdquo Para esta passagem Austin (n90) eacute a traduccedilatildeo de referecircncia A
invasatildeo eacute vagamente mencionada por Polib 182 e a alianccedila por
Justino 226 Cf Consolo Langher pp 175-196
91
sem comandante para a guerra que jaacute estava preparado para
travar conseguindo com isso praticamente dobrar o nuacutemero
de seus homens194
Polieno contudo sequer menciona a intenccedilatildeo de
estabelecer qualquer alianccedila por parte de Agaacutetocles
Segundo Polieno195 Ophellas encontrava-se jaacute com numeroso
exeacutercito em postos avanccedilados contra Agaacutetocles ao que tudo
indica no iniacutecio da expediccedilatildeo africana liderada pelo
siracusano quando Agaacutetocles ciente da inclinaccedilatildeo de seu
inimigo por jovens rapazes enviou seu filho Heracleides
ldquoum rapaz de beleza extraordinaacuteriardquo com a missatildeo de
distraiacute-lo enquanto o exeacutercito siciliano revidava em
sigilo Ophellas apaixonado pelo rapaz mostrou-se incapaz
de prever a sua proacutepria morte e Agaacutetocles saiu vitorioso
resgatando seu filho com sucesso
O relato de Polieno eacute obviamente pouco criacutevel
considerando-se que dificilmente um comandante com a
experiecircncia de Ophellas ainda mais no comando de um
numeroso exeacutercito aacutevido pela guerra para a qual estavam
marchando desde Cirene se deixaria distrair tatildeo gravemente
pelo filho de seu inimigo ainda que tivesse as inclinaccedilotildees
sexuais mencionadas Parece igualmente improvaacutevel que
Ophellas natildeo tivesse sido cotado como aliado por Agaacutetocles
a julgar pela referecircncia tatildeo clara em Diodoro e pelo
desenrolar dos eventos na Aacutefrica O mais provaacutevel eacute que
Polieno natildeo tivesse conhecimento da alianccedila ou a tivesse
suprimido pela natureza didaacutetica de sua obra De qualquer
modo as relaccedilotildees diplomaacuteticas tiveram de acontecer mesmo
que unilateralmente em certo ponto e comprovam
preliminarmente a interaccedilatildeo (diplomaacutetica e beacutelica) entre
Agaacutetocles e o mundo heleniacutestico num niacutevel que para ele se
dava em grau de paridade Como nos lembra Braccesi a
194 Diod 2042
195 Polieno 53
92
Siciacutelia mostrou-se um espaccedilo imune agrave invasatildeo de Alexandre
mas natildeo ao seu projeto de conquista neste caso traduzido
pela ascensatildeo de Agaacutetocles agrave iminente realeza196 A
autoproclamaccedilatildeo de Agaacutetocles como rei simbolizava que o
siracusano via-se em condiccedilatildeo de reclamar territoacuterios nos
mesmos termos que os Diaacutedocos e as interaccedilotildees diversas com
alguns deles servem de evidecircncia para a postura de paridade
adotada pelo monarca
Parte da historiografia moderna no entanto tende a
classificar Agaacutetocles da mesma forma que os tiranos tardo-
claacutessicos ou ainda como os tiranos arcaicos de modo que
sua autoproclamaccedilatildeo representaria de fato apenas um traccedilo
de sua ambiccedilatildeo poliacutetica uma estrateacutegia de inserccedilatildeo sem
grandes resultados197 Veja-se por exemplo o que nos diz
Mosseacute para quem Agaacutetocles tirano popular198 teria se
transformado com a expediccedilatildeo africana numa figura
196 Braccesi op cit p101 Cf tambeacutem Lorenzo Braccesi L‟Alessandro
occidentale Il Macedone e Roma Roma ldquoL‟ermardquo di Bretschneider
2006 PP 54-67 Braccesi argumenta que apoacutes a morte de Alexandre o
problema puacutenico se confunde com a hereditariedade do poder monaacuterquico
produzindo uma ldquonascente sensibilidade heleniacutesticardquo a qual seria
direcionada agrave ameaccedila cartaginesa sob a forma de basileia justificada 197 Outra questatildeo recorrente na historiografia moderna eacute a classificaccedilatildeo
de Agaacutetocles como grande estadista ou como o mais cruel dos tiranos
discussatildeo que se arrasta desde a Antiguidade quando por exemplo
Caacutelias (FGrH 564T3) contemporacircneo de Agaacutetocles pinta uma aura de
piedade e humanidade para o siracusano ao passo que Timeu (FGrH
566F124) igualmente seu contemporacircneo diz que nenhum tirano mostrou-
se tatildeo cruel quanto ele Aleacutem da identificaccedilatildeo errocircnea da monarquia de
Agaacutetocles como sendo da mesma natureza que as tiranias tardo-
claacutessicas haacute que se considerar a interpretaccedilatildeo curiosa ndash e pouco
aceita ndash de Helmut Berve (Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen
Verlag 1953 Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967)
Segundo Berve Agaacutetocles manteve a sua magistratura em Siracusa tendo
criado ao mesmo tempo uma monarquia pessoal como maneira de combater
em nome da cidade e acumular territoacuterios em seu proacuteprio nome Como
desdobramento disso no final de sua vida Agaacutetocles teria devolvido a
democracia aos siracusanos sem abdicar da realeza o que de fato
carece de evidecircncias suficientes Para o assunto cf Meister CAH 7
pp 409-410 198 O que soa no fim das contas absurdo pois logo apoacutes a sua morte os
siracusanos confiscaram as suas propriedades derrubaram as suas
estaacutetuas e procederam a uma verdadeira damnatio memoriae Sobre a
criacutetica agrave classificaccedilatildeo da tirania de Agaacutetocles como ldquopopularrdquo cf
Meister CAH 7 p 410
93
tiracircnica tiacutepica do periacuteodo heleniacutestico o roy conqueacuterant199
embora seu comportamento indique no fim das contas uma
postura comum entre os tiranos que o precederam
Homem do povo pelo povo de Siracusa eacute que ele tentou
restaurar a supremacie da cidade que ele tentou
igualmente varrer o perigo que pesava sobre toda a
Siciacutelia o perigo cartaginecircs Homem de seu tempo []
imitador dos generais de Alexandre quanto ao tiacutetulo
reacutegio [] Ele natildeo liberou os escravos por princiacutepio
mas por que necessitava de homens para combater Nisso
ele se assemelhava aos tiranos do seacutecIV aC [] Ateacute
onde podemos conhececirc-lo ele continua a ser o tipo do
tirano popular mais proacuteximo no fim dos tiranos da
eacutepoca arcaica que dos condottieri do seacutecIV aC ou dos
ldquorevolucionaacuteriosrdquo da eacutepoca heleniacutestica200
Imitador dos Diaacutedocos Agaacutetocles agregaria em uacuteltima
instacircncia tanto os valores do tirano arcaico (devido ao
caraacuteter demagoacutegico de seu governo) quanto os costumes de
recrutamento do tirano claacutessico orientado pelo alistamento
massivo de exilados e mercenaacuterios Isso o torna peculiar
sem duacutevida mas o contexto eacute imperativo para o assunto e
como tal impotildee agrave monarquia adotada por Agaacutetocles um sentido
especialmente heleniacutestico Natildeo resta duacutevida que o
alistamento massivo de profissionais era uma praacutetica de
origens tardo-claacutessicas na Siciacutelia grega da mesma forma o
traccedilo popular dos governos autocraacuteticos remonta agrave eacutepoca
arcaica201 Poreacutem tais peculiaridades encontravam-se
inseridas no contexto de fragmentaccedilatildeo do impeacuterio de
Alexandre fazendo da Siciacutelia como dito anteriormente
parte do projeto de conquista macedocircnica (o que seria
executado obviamente pelos Diaacutedocos) e de Agaacutetocles o
homem capaz de liderar uma inovaccedilatildeo poliacutetica de
caracteriacutesticas heleniacutesticas
199 Claude Mosseacute op cit p 171 Sobre a identificaccedilatildeo de Agaacutetocles
com tiranos arcaicos e tardo-claacutessicos cf Zambon op cit p 77 200 Mosseacute op cit pp 176-177 Grifo nosso
201 Meister CAH 7 pp 409-410
94
Braccesi quase 30 anos apoacutes a publicaccedilatildeo do livro de
Mosseacute mostra-se um pouco mais otimista quanto agrave concretude
da monarquia de Agaacutetocles O contexto de interaccedilatildeo do
siracusano com os generais macedocircnicos aparece com mais
relevacircncia de modo a gerar uma interpretaccedilatildeo histoacuterica
acerca dos problemas de longevidade da basileia
agatocleana A natureza heleniacutestica da monarquia
introduzida na Siciacutelia por Agaacutetocles eacute inquestionaacutevel mas
trata-se no final das contas de uma monarchia mancata202
Recentemente Zambon203 sustentou que Agaacutetocles iniciou
uma mudanccedila constitucional ao introduzir a monarquia de
tipo heleniacutestico em Siracusa e que seu exemplo foi seguido
por diversos governantes posteriores (tais como Phintias
Pirro e Hieratildeo II) Considerado o niacutevel de sistematizaccedilatildeo
desenvolvido por Zambon podemos dizer que a sua
interpretaccedilatildeo soa demasiado otimista forccedilando
propositalmente (pela preservaccedilatildeo do argumento) uma
continuidade exagerada nas mudanccedilas institucionais
siciliotas apoacutes a morte de Agaacutetocles Naquele momento
contudo tentativas de retomada das formas constitucionais
perdidas com a ascensatildeo do monarca emergiram muitas delas
temporariamente bem-sucedidas Em defesa do otimismo
zamboniano podemos apenas dizer com certa razatildeo que o
cenaacuterio poliacutetico siciliota mostrou-se suficientemente
confuso e marcado como recorda Zambon por ldquoguerras civis
sangrentasrdquo bem como por ldquoconsequumlecircncias [soacutecio-econocircmicas]
de campanhas militares exaustivasrdquo e soluccedilotildees poliacuteticas
extremas adotadas pelas poacuteleis que agregavam poder de
lideranccedila na porccedilatildeo leste da ilha204 Diante de tamanha
complexidade e da evidecircncia para o surgimento da monarquia
de tipo heleniacutestico na ilha como parte do conjunto das
202 Braccesi op cit p 110
203 Zambon op cit pp 77-94 Zambon Hellenistic Sicily
204 Zambon Hellenistic Sicily p 267
95
inovaccedilotildees poliacuteticas siciliotas (momentaneamente fracassadas
e posteriormente retomadas) devemos a esta altura nos
perguntar como se deu a introduccedilatildeo da basileia por
Agaacutetocles e em quais aspectos ela representou uma imitatio
Alexandri O primeiro indiacutecio analisado eacute obviamente a
transformaccedilatildeo de ordem poliacutetica que deve ser compreendida
no decorrer da trajetoacuteria de Agaacutetocles cedendo espaccedilo em
seguida para o estudo dos indiacutecios de uma imitatio em
campo taacutetico a partir das tropas que a organizaccedilatildeo social
siciliana disponibilizou no contexto
Em 337 aC apoacutes a morte de Timoleatildeo frente ao
problema da sucessatildeo de um liacuteder que havia pacificado na
medida do possiacutevel a Siciacutelia grega e promovido em larga
escala um verdadeiro tiraniciacutedio diversas tiranias
reapareceram na porccedilatildeo leste da ilha e a ofensiva
cartaginesa novamente gerava resultados preocupantes para
os gregos A democracia siracusana havia sido a esta altura
substituiacuteda por uma oligarquia a qual era liderada por
Sosiacutestrato e Heracleides Com isso a velha guerra civil
retornou com forccedila total colocando cidadatildeos (democratas e
oligarcas) em lados opostos convivendo num grau de
desentendimento que se traduzia no derramamento contiacutenuo de
sangue
Os primeiros anos da vida poliacutetica de Agaacutetocles se
deram no exiacutelio quando o siracusano parece ter aproveitado
a puniccedilatildeo para angariar apoio noutras regiotildees e recrutar o
nuacutemero de mercenaacuterios que seu dinheiro pudesse pagar Apoacutes
o seu retorno a Siracusa em 319 aC jaacute em cenaacuterio
poliacutetico favoraacutevel Agaacutetocles apresentou-se como defensor
da democracia e segundo Diodoro conquistou o apoio
popular por sua abordagem demagoacutegica (δημαγωγήσας) Em
seguida Agaacutetocles teria sido eleito strategos e ldquoguardiatildeo
96
da pazrdquo (φύλαξ τς εἰρήνης)205 Meister e Zambon recordam que um
termo ligeiramente diferente aparece na Marmor Parium (FGrH
239F12) onde eacute sugerida jaacute no iniacutecio uma strategia
autocraacutetica206 o que altera sensivelmente a natureza da
magistratura de Agaacutetocles e sugere nesse caso o uso de
fontes favoraacuteveis ao tirano por Diodoro A strategia
autocraacutetica era um cargo extraordinaacuterio sendo o magistrado
eleito por tempo indeterminado e com objetivos de caraacuteter
urgente No caso em questatildeo a querela entre democratas e
oligarcas deveria ser mais uma vez solucionada mas com o
strategos agrave frente da poliacutetica externa Tratava-se
portanto de ldquouma excelente oportunidade para o golpe de
Estadordquo recorda o historiador italiano Aleacutem disso
Agaacutetocles natildeo era exatamente o homem mais indicado para
coordenar um equiliacutebrio muacutetuo entre as facccedilotildees como a sua
imediata ascensatildeo ao poder absoluto precedida pelo
extermiacutenio dos seus adversaacuterios poliacuteticos foi capaz de
mostrar207 A nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles tenha ela acontecido
nos termos postos por Diodoro ou da forma direta presente
na inscriccedilatildeo sugere uma legalidade no processo o que
dificilmente ocorreu A eleiccedilatildeo era apenas uma ldquopseudo-
legalidade formalrdquo diz Meister208 uma vez que (1) os
adversaacuterios poliacuteticos oligarcas haviam sido assassinados ou
exilados (2) a assembleacuteia era composta basicamente por
entusiastas da nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles e (3) um grande nuacutemero
de soldados dava cobertura armada para o golpe Parece
205 Diod 195 Eacute possiacutevel que Diodoro tenha usado neste caso uma
fonte favoraacutevel a Agaacutetocles de modo a alterar as caracteriacutesticas das
primeiras magistraturas que ele assumiu em Siracusa 206 Marmor Parium (FGrH 239F12) ldquoE naquele mesmo ano os siracusanos
escolheram Agaacutetocles como bdquostrategos autocrator‟ das defesas
siciliotasrdquo Meister CAH 7 p 389 Zambon op cit p 78 Marmor
Parium eacute uma famosa inscriccedilatildeo encontrada em Paros datada de 2643
aC e preservada em duas partes podendo ser consultadas
gratuitamente no website do Ashmoelan Museum
(httpwwwashmoleanorg) 207 Meister CAH 7 p 388
208 Meister CAH 7 p 389
97
incorreto portanto falar de uma eleiccedilatildeo livre e legal do
mesmo modo que pressupor uma participaccedilatildeo efetiva da
assembleacuteia nas decisotildees tomadas por Agaacutetocles o que
inviabiliza inclusive a sua interpretaccedilatildeo como ldquotirano
popularrdquo A sua abordagem demagoacutegica posta muitas vezes
numa entonaccedilatildeo positiva por Diodoro funcionava apenas como
princiacutepio ideoloacutegico para a manutenccedilatildeo de um poder
autocraacutetico e opressor em relaccedilatildeo ao funcionamento da
assembleacuteia o qual foi associado como recurso estrateacutegico
de compensaccedilatildeo ao cancelamento de diacutevidas redistribuiccedilatildeo
de terras construccedilatildeo de diversos preacutedios puacuteblicos e
expansatildeo da frota siracusana
De acordo com Zambon209 o primeiro indiacutecio da adoccedilatildeo da
basileia heleniacutestica por Agaacutetocles encontra-se numa accedilatildeo
especiacutefica durante a campanha africana (310-307 aC)
Nesta ocasiatildeo em 309 aC o tirano teria dado indiacutecios de
que pretendia mesmo adotar um novo tipo de realeza em
sintonia com a emergente ideologia advinda do mundo
heleniacutestico Zambon remonta o significante episoacutedio do
motim em Tuacutenis210 quando Agaacutetocles decidiu enfrentar o
problema pessoalmente diante dos soldados Apoacutes vestir uma
toga puacuterpura (τὴν πορφύραν)211 siacutembolo da realeza naquele
tempo Agaacutetocles foi ter com suas tropas rebeldes que
reconheceram seus trajes como roupas reais (τὴν βασιλικὴν
ἐσθτα) adequadas ou pertencentes ao seu comando (τὸν
προσήκοντα κόσμον) Embora seja improvaacutevel que Agaacutetocles
tivesse pensado em se autoproclamar basileu antes mesmo dos
209 Zambon op cit p 80
210 Diod 2034
211 Esta foi a primeira vez em que Agaacutetocles apareceu diante de suas
tropas trajando a toga puacuterpura A toga alaranjada no estilo tarentino
(κροκωτὸν ἐνδὺς) no entanto havia jaacute sido empregada por Agaacutetocles de acordo com informaccedilatildeo registrada em Polieno 53 Na ocasiatildeo Agaacutetocles
convidou quase 500 pessoas (hostis agrave sua autoridade em Siracusa) para
um banquete e momentos apoacutes ter cantado danccedilado e tocado harpa
vestido com sua toga alaranjada no estilo tarentino mandou executar
todos os convidados
98
Diaacutedocos o ponto aqui eacute que Agaacutetocles certamente modificou
a concepccedilatildeo de seu proacuteprio poder durante a campanha
africana e que estava inclinado a atingir uma nova escala
de influecircncia poliacutetica entre seus homens A vitoacuteria sobre
Ophellas vale lembrar um dos antigos Companheiros de
Alexandre certamente influenciou a referida postura
durante a expediccedilatildeo africana
Suporte para a orientaccedilatildeo heleniacutestica de Agaacutetocles pode
ser encontrado tambeacutem numa evidecircncia arqueoloacutegica que tem
se mostrado tatildeo decisiva quanto polecircmica um estater de
ouro de Agaacutetocles com apenas 3 exemplares conhecidos
(fig1)212 A moeda possui no anverso uma cabeccedila com um
escalpo de elefante e o chifre de Amon e no reverso a
imagem de uma Atena ldquomarchanterdquo equipada com elmo escudo
e lanccedila sendo precedida por uma coruja aos seus peacutes ave
frequumlentemente ligada agrave divindade e com a inscriccedilatildeo
AGATHOKLEOS (ldquode Agaacutetoclesrdquo) agraves suas costas Como nos
lembra Stewart o estater de ouro tem sido vinculado agrave
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles desde o seacutecXIX aleacutem de
parecer inquestionaacutevel que se trata de uma imitaccedilatildeo dos
tetradracmas de Ptolomeu especificamente aqueles dos anos
3143 aC (fig2)213 A primeira questatildeo analiacutetica pode ser
sugerida a partir da figura presente no anverso Noutras
palavras de quem seria a cabeccedila representada no estater
Claramente a Atena representada no reverso refere-se a uma
vitoacuteria militar (Athena Nikeacute) e deve tratar do iniacutecio da
expediccedilatildeo africana214 desdobrando-se portanto em algumas
212 Haacute outras evidecircncias para o impacto da expediccedilatildeo asiaacutetica de
Alexandre no mundo mediterracircnico ocidental tais como um vaso
apuliano cujo tema central eacute a batalha de Isso e um retrato no
templo de Melkart em Caacutedis Sobre a repercussatildeo que a anaacutebasis de
Alexandre teve no mundo ocidental antigo consultar Andrew Stewart
Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic Politics Berkeley
and Los Angeles University of California Press 1993 pp 150-157
263-289 213 Stewart op cit p 266
214 Uma vez que a expediccedilatildeo terminou em fracasso a cunhagem natildeo pode
ter se dado apoacutes 307 aC Aleacutem disso haacute que se considerar uma
99
interpretaccedilotildees possiacuteveis para a cabeccedila em questatildeo trata-
se dizem alguns da personificaccedilatildeo da Aacutefrica Liacutebia ou
Siciacutelia215 ao passo que outros sustentam uma identificaccedilatildeo
com Alexandre ou com o proacuteprio Agaacutetocles216 A mim parece
evidente que se trata de Agaacutetocles representado como
Alexandre pelos seguintes motivos 1) como notaram alguns
estudiosos a personificaccedilatildeo da Aacutefrica da Liacutebia ou mesmo
da Siciacutelia natildeo eacute seguramente documentada ateacute o periacuteodo
romano devendo ainda ser considerado o chifre de Amon e a
fronte masculina como evidecircncias da impossibilidade de uma
representaccedilatildeo feminina217 2) embora natildeo existissem
elefantes no exeacutercito de Agaacutetocles a sua ausecircncia mesmo
entre os cartagineses do periacuteodo de cunhagem do estater
indica que se tratava de algo puramente simboacutelico sem
referecircncia imediata ao exeacutercito do comandante siracusano
mostrando-se portanto como imitaccedilatildeo dos tetradracmas de
Ptolomeu (314-3 aC) como previamente sugerido e
visando em uacuteltima instacircncia o viacutenculo com o impeacuterio de
Alexandre o Grande (filho de Amon) a partir de um dos
siacutembolos poliacutetico-militares mais poderosos dos Diaacutedocos (o
referecircncia em Diod 2011 sobre a primeira vitoacuteria de Agaacutetocles na
Aacutefrica quando os soldados apoiados por corujas (animal ligado agrave
deusa Atena como dito acima) conseguiram derrotar os cartagineses
ldquoao perceber que os seus soldados estavam aterrorizados com o grande
nuacutemero da cavalaria e da infantaria baacuterbaras [Agaacutetocles] soltou
corujas entre o seu exeacutercito as quais ele tinha preparado como meio
de retirar o medo dos soldados comuns as corujas voando atraveacutes da
falange e pousando nos escudos e elmos encorajaram os soldados e
cada homem entendeu o ocorrido como um pressaacutegio uma vez que o
paacutessaro eacute consagrado a Atenardquo A referecircncia soa absurda do ponto de
vista taacutetico mas deve ter sido inspirada por algum evento relacionado
agraves corujas a julgar pelos dados cruzados tanto no estater quanto no
relato do historiador siciliano 215 Kuschel 1961 15 e Goukowsky 1978 207 sugeriram Aacutefrica e Liacutebia
sendo a Siciacutelia tambeacutem sugerida por Goukowsky 1978 356 216 Alexandre parece o mais provaacutevel para os estudiosos como encontrado
em Walther Giesecke (Sicilia numismaacutetica Leipzig K W Hiersemann
1923 P 91) e Ernest Babelon (ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1
95-107 1924 P 102) enquanto Agaacutetocles tem sido sugerido por
exemplo por Erick Sjoumlqvist (ldquoA portrait Head from Morgantina AJA 66
319-322 1962 P 320rdquo) Para um balanccedilo geral das diversas
interpretaccedilotildees cf Stewart op cit pp 266-268 217 Cf Stewart op cit p 268
100
elefante de combate) Pode-se dizer que a imagem faz
referecircncia estrita a Alexandre devido ao chifre de Amon
mas considerando-se cuidadosamente a inscriccedilatildeo no reverso e
o contexto de cunhagem chega-se agrave conclusatildeo de que a
cabeccedila sugere Agaacutetocles representado como Alexandre (o que
anularia inclusive a criacutetica feita por alguns estudiosos
de que a cabeccedila de Agaacutetocles havia sido representada
diferentemente noutras moedas)
101
2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo
poliacutetica da morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro
Entre 310 aC e 290 aC os tradicionais problemas
siciliotas haviam sido parcialmente controlados por meio da
centralizaccedilatildeo liderada por Agaacutetocles Submetidas ao
controle de Siracusa as poacuteleis da Siciacutelia experimentaram
uma reduccedilatildeo dos conflitos internos que quase sempre
resultavam em stasis (uma vez que natildeo possuiacuteam autonomia
para tanto) e o domiacutenio cartaginecircs manteve-se em boa parte
do tempo restrito agrave porccedilatildeo oeste da ilha (dado o caraacuteter
militarmente ofensivo da poliacutetica externa siracusana) Apoacutes
a morte de Agaacutetocles no entanto com a reconquista da
autonomia das cidades vieram todos os tradicionais
problemas siciliotas somando-se ao novo distuacuterbio
migratoacuterio que os gregos da Siciacutelia tiveram que enfrentar
os mercenaacuterios do exeacutercito do monarca218
De modo similar ao que ocorreu com os macedocircnios a
questatildeo mais delicada na Siciacutelia grega teve relaccedilatildeo com a
sucessatildeo do rei (heleniacutestico) Uma diferenccedila todavia deve
ser notada no caso siciliota os paracircmetros sucessoacuterios
nunca foram muito claros ou mesmo respeitados ainda que a
tendecircncia natural fosse a delegaccedilatildeo do poder real aos
filhos do monarca em exerciacutecio Nos uacuteltimos anos de sua
vida Agaacutetocles havia confiado o controle dos exeacutercitos a
Archagathus neto do rei e filho do tambeacutem nomeado
Archagathus ex-combatente morto na Liacutebia219 De acordo com
218 Para os problemas gerados pelos mercenaacuterios de Agaacutetocles apoacutes a sua
morte consultar Gianluca Tagliamonte ldquoRapporti tra societagrave di
immigrazione e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo
aCrdquo In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti Del
XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna Grecia Taranto
1999 PP 547-572 219 Diod 2116 Justino 232 Para uma distinccedilatildeo entre ambos ver
Niese ldquoArchagatusrdquo in RE 21 432-433 1895
102
Diodoro220 o plano de Agaacutetocles era que seu filho
Agaacutetocles juacutenior se tornasse o sucessor legiacutetimo tendo
com esse propoacutesito apresentado o jovem em Siracusa e o
enviado a Etna com uma carta de autorizaccedilatildeo para o comando
supremo das tropas Ao saber da deliberaccedilatildeo do rei
Archagathus teria decidido levar adiante um plano de
usurpaccedilatildeo Como primeira medida instigaria Menon um dos
amigos (philoi) de Agaacutetocles a envenenar o rei enquanto o
proacuteprio strategos levaria a cabo o assassinato do priacutencipe
apoacutes embebedaacute-lo durante uma festa organizada com esse
objetivo
Se aceitarmos o relato diodoreano a conclusatildeo imediata
eacute que Agaacutetocles desejava manter unidas strategia e
basileia no intuito de assegurar hereditariamente a
concentraccedilatildeo dos poderes poliacutetico e militar nas matildeos de um
soacute homem221 Ao seguir o formato monaacuterquico heleniacutestico
Agaacutetocles teria concedido plenos poderes poliacuteticos ao
general e ao mesmo tempo autoridade sobre os exeacutercitos ao
rei
Haacute contudo uma explicaccedilatildeo alternativa para a sucessatildeo
em Justino a qual natildeo pode ser negligenciada pelos
historiadores ldquoconforme a sua vida esvaiacutea uma guerra
nasceu entre seu filho e seu neto pelo direito agrave sucessatildeo
do reino como se ele jaacute estivesse morto apoacutes eliminar o
filho o neto tomou posse do poder reacutegiordquo222 De acordo com
Justino tanto Agaacutetocles juacutenior quanto Archagathus ao que
parece ainda no comando de consideraacutevel parte do exeacutercito
natildeo teriam sido escolhidos para suceder o rei Ao narrar
que Agaacutetocles teria enviado sua esposa ao Egito os dois
filhos que tivera com ela juntamente com seu tesouro
220 Diod 2116
221 Zambon Hellenistic Sicily pp19-20
222 Justino 232 Ex qua desperatione bellum inter filium nepotemque
eius regnum iam quasi mortui vindicantibus oritur occiso filio regnum
nepos occupavit
103
servos e mobiacutelia real Justino torna claro que o rei natildeo
havia pensado em nenhum dos rebeldes (filho e neto) como
seu sucessor legiacutetimo e que o conflito ter-se-ia iniciado
devido ao seu estado fraacutegil de sauacutede causado por uma
repentina e fatal doenccedila
Por uacuteltimo somente Diodoro menciona que Agaacutetocles
apoacutes ter sido envenenado por Menon a mando de Archagathus
ldquoconvocou a populaccedilatildeo denunciou Archagathus por sua
impiedade instigou a multidatildeo a se vingar e declarou que
devolveu a democracia ao corpo de cidadatildeosrdquo223 Certamente
o que verificamos logo apoacutes a morte de Agaacutetocles eacute a
retomada do governo proacuteprio de Siracusa que muito em breve
entraria em colapso para dar lugar a mais uma guerra civil
Diodoro224 menciona um evento importante sobre os soldados
pagos de Agaacutetocles chamados mamertinos225 os quais foram
obrigados apoacutes longa negociaccedilatildeo mediada pelos anciatildeos (οἱ
πρεσβῦται) a vender as suas propriedades e deixar a Siciacutelia
(τὰς ἑαυτν κτήσεις ἀποδομένους ἀπελθεῖν ἐκ Σικελίας)
Se aceitarmos o uacutenico fato em comum nos dois relatos
preservados sobre a sucessatildeo de Agaacutetocles isto eacute a luta
entre filho e neto pelo poder reacutegio haacute talvez uma forma de
unificar as divergecircncias nos testemunhos de Diodoro e
Justino Mesmo que Agaacutetocles natildeo tivesse escolhido seu
filho como sucessor podemos supor que o mesmo possuiacutea
direito ao trono uma vez que Archagathus o combateu com o
intuito de eliminaacute-lo da contenda sucessoacuteria226
Archagathus por outro lado possuiacutea o controle de boa
223 Diod 2116 [] ἐκκλησιάσας τὸν λαὸν κατηγόρησε τς ἀσεβείας Ἀρχαγάθου καὶ τὰ
μὲν πλήθη παρώξυνε πρὸς τὴν ατοῦ τιμωρίαν τῶ δὲ δήμῳ τὴν δημοκρατίαν ἔφησεν ἀποδιδόναι 224 Diod 2118
225 Diodoro 2118 nos informa que a cidade chamava-se Mamertina apoacutes
Ares que era conhecido ali pelo nome de Mamertos 226 Consolo Langher pp 320-321 tenta unificar as divergecircncias nos dois
relatos de modo muito similar exceto pelo fato de que toma como
incontestaacutevel a indicaccedilatildeo diodoreana com relaccedilatildeo agrave escolha do sucessor
e posterior revolta paterna diante da morte de seu primogecircnito O
problema aqui eacute a exclusatildeo intencional do que nos informa Justino que
natildeo faz qualquer menccedilatildeo agrave escolha de um sucessor por Agaacutetocles
104
parte dos exeacutercitos como atestado em ambas as fontes o
que lhe dava condiccedilotildees de reclamar o trono Se por um
lado Agaacutetocles natildeo escolheu seu filho como sucessor como
nos faz crer Justino por outro o rei natildeo desejava deixar
a heranccedila ao seu neto como nos indica tanto o despacho dos
seus tesouros ao Egito apoacutes a morte de Agaacutetocles juacutenior em
Justino227 como a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos
siracusanos instantes antes de sua morte em Diodoro228
Apesar da divergecircncia quanto agrave escolha sucessoacuteria para
a qual proponho a soluccedilatildeo apresentada229 os testemunhos de
Diodoro e Justino preservam algo muito interessante tendo
Agaacutetocles escolhido seu filho como herdeiro o que teria
provocado os planos de usurpaccedilatildeo do neto e a consequumlente
luta pelo trono ou tendo filho e neto lutado pela sucessatildeo
sem o consentimento do rei do que resultou a morte do
filho e a hostilidade de Agaacutetocles para com Archagathus
parece incontornaacutevel o fato de que a manutenccedilatildeo da uniatildeo
entre strategia e basileia tenha sido um dos motores do
conflito As monarquias sicilianas posteriores do mesmo
modo tenderatildeo a manter o formato inaugurado por Agaacutetocles
ora baseando-se no esquema de incorporaccedilatildeo definitiva da
strategia compulsoacuteria agrave esfera do poder monaacuterquico ora
desdobrando a monarquia de tipo heleniacutestico da strategia
autocraacutetica
227 Justino 232
228 Diod 2116
229 Consolo Langher p 321 e Zambon Hellenistic Sicily p 25
propuseram algo no mesmo sentido particularmente quanto agraves
providecircncias do rei para evitar que seu neto tomasse o poder Tal
interpretaccedilatildeo contraria abertamente a proposta de Helmut Berve op
cit que via a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos siracusanos por
Agaacutetocles como reconhecimento do fracasso institucional da basileia na
Siciacutelia
105
3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica230
Semelhante a Alexandre ldquoem aparecircncia velocidade e
movimentordquo231 Pirro tomou um caminho diferente daquele
assumido por Agaacutetocles Como o rei do Epiro clamava ser
descendente de Aquiles optou por se apresentar como a
proacutepria reencarnaccedilatildeo de Alexandre ao inveacutes de explorar a
memoacuteria do rei por exemplo por meio de cunhagem poacutestuma
(o que havia sido feito por Agaacuteocles)232 Diferentemente dos
planos de unificaccedilatildeo poliacutetica e cultural concebidos por
Alexandre a atuaccedilatildeo de Pirro findou por ser a de lideranccedila
em questotildees essencialmente praacuteticas na vida dos italiotas e
siciliotas Inicialmente apoacutes fracassar nos embates contra
Lisiacutemaco que havia subornado os macedocircnios de seu exeacutercito
ao questionar a quem deveriam ser leais se aos amigos e
companheiros de Alexandre ou ao estrangeiro que acolheram
como rei233 Pirro tomou o pedido de auxiacutelio dos tarentinos
em 281 aC (passados os quatro anos que Leacutevecircque Pirro
entende terem sido um ldquoperiacuteodo de reflexatildeordquo234) como a sua
melhor chance de realizar a conquista do ocidente com a
qual Alexandre havia provavelmente sonhado algumas deacutecadas
antes e concretizar uma monarquia de tipo heleniacutestico
O diaacutelogo entre Pirro e Cineas diplomata de origem
tessaacutelia a serviccedilo do rei ilustra claramente as intenccedilotildees
do epirota em se tornar um monarca de tipo heleniacutestico
(considerando como veremos a seguir que a monarquia
epirota era de um tipo peculiar permanecendo o rei
submetido agrave fiscalizaccedilatildeo constante dos molossianos) a
230 Leacutevecircque Pirro Zambon Hellenistic Sicily pp 97-175
231 Plut Pirro 81
232 Stewart (op cit p284) lembra que as suas moedas traziam imagens
de Aquiles Teacutetis Dione e Zeus 233 Plut Pirro 126 Leacutevecircque Pirro p 166 Leacutevecircque Pirro calcula
somente 3 anos para o governo da Macedocircnia e 2 anos para o governo da
Tessaacutelia antes de o epirota sofrer a derrota para Lisiacutemaco 234 Leacutevecircque Pirro p 168
106
reencarnaccedilatildeo de Alexandre em proporccedilotildees similares de
conquista
bdquoOs romanos oacute Pirro satildeo conhecidos como bons
combatentes e como governantes de muitos povos
belicosos se entatildeo a divindade nos permitir
prevalecer sobre esses homens como deveriacuteamos usar a
nossa vitoacuteria‟ E Pirro disse bdquoa questatildeo oacute Cineas
realmente natildeo necessita de resposta uma vez
conquistados os romanos natildeo haacute nem baacuterbaros nem gregos
que sejam paacutereo para noacutes mas noacutes devemos dominar de
uma vez toda a Itaacutelia cuja grandeza (μέγεθος) excelecircncia (ἀρετὴν) e forccedila (δύναμιν) nenhum homem conhece melhor que vocecirc‟ Apoacutes uma pequena pausa entatildeo Cineas
disse bdquoapoacutes tomar a Itaacutelia oacute Rei o que noacutes iremos
fazer‟ E Pirro sem perceber ainda a sua intenccedilatildeo
respondeu bdquoa Siciacutelia estaacute ao nosso alcance e estende-
nos as matildeos sendo uma ilha rica e populosa bem como
faacutecil de capturar pois tudo laacute oacute Cineas se resume a
stasis (στάσις γὰρ ὦ Κινέα πάντα νῦν ἐκεῖ[να]) suas cidades estatildeo anaacuterquicas (ἀναρχία πόλεων) e os demagogos agitados com Agaacutetocles morto (καὶ δημαγωγν ὀξύτης Ἀγαθοκλέους ἐκλελοιπότος)‟ bdquoO que vocecirc fala‟ respondeu Cineas bdquoparece oportuno
mas a nossa expediccedilatildeo iraacute se encerrar com a tomada da
Siciacutelia‟ bdquoA divindade‟ disse Pirro bdquonos concederaacute a
vitoacuteria e o sucesso da empreitada essas disputas seratildeo
usadas como preliminares de feitos grandiosos
(πραγμάτων μεγάλων) Ora quem se absteria da Liacutebia ou de Cartago tendo a cidade se tornado acessiacutevel uma
cidade que Agaacutetocles ao fugir de Siracusa secretamente
e cruzar o mar com poucas embarcaccedilotildees por pouco natildeo
conquistou E quando noacutes tivermos ali nos tornado
senhores nenhum dos inimigos que agora nos insultam
ofereceraacute resistecircncia eacute desnecessaacuterio dizer isso‟ 235
O rei do Epiro foi capaz de vencer duas batalhas (as
famosas ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo) que analisarei em maiores
detalhes mais agrave frente neste capiacutetulo e entatildeo partiu para
a Siciacutelia como o homem capaz de substituir Agaacutetocles na
luta contra os cartagineses No momento da travessia de
Pirro para a Siciacutelia a porccedilatildeo nordeste da ilha encontrava-
se sob lideranccedila dos mamertinos que apoacutes terem eliminado
os cidadatildeos de Messina assumiram o controle da cidade Com
235 Plut Pirro 142-5 Cf Chaniotis WHW p 57
107
a morte de Agaacutetocles e a ausecircncia de um sucessor imediato
que pudesse manter-se no poder de forma legiacutetima ou mesmo
suprimir os violentos embates civis de Siracusa (Hicetas
foi capaz de derrotar Menon e Phintias de Acragas mas natildeo
de sobreviver aos conflitos internos apoacutes nove anos de
tirania)236 o avanccedilo cartaginecircs tornou-se inevitaacutevel
somando-se ao fato de que as cidades gregas independentes
(tais como Tauromenium e Acragas) mostraram-se mais
preocupadas com a tributaccedilatildeo imposta pelos mamertinos do
que propriamente com a investida comandada por Cartago Tal
preocupaccedilatildeo natildeo era descabida A sua independecircncia estava
novamente ameaccedilada agora por soldados do antigo monarca
os quais haviam estabelecido uma alianccedila com os
cartagineses no intuito de barrar a travessia de Pirro
como nos informa Diodoro
Os mamertinos que massacraram os habitantes de
Messina estabeleceram uma alianccedila com os cartagineses
e decidiram juntos impedir a travessia de Pirro para a
Siciacutelia237
Pirro desfrutava de excelente reputaccedilatildeo entre os
siciliotas particularmente com os siracusanos (a esta
altura sitiados pelos cartagineses) devido agrave sua
experiecircncia militar na Peniacutensula ao longo de mais de dois
anos e havia decidido partir para a Siciacutelia como
libertador dos gregos O fracasso nas negociaccedilotildees de paz
com os romanos e os constantes apelos de Siracusa eram
elementos que precisavam ser ajustados quisesse o rei
partir para a Siciacutelia sem expor a sua retaguarda ao
provaacutevel avanccedilo das legiotildees na Magna Greacutecia e ainda contar
com o apoio logiacutestico das cidades siciliotas
236 Hicetas foi substituiacutedo por Thoenon (Ortiacutegia) e Sosiacutestrato
(Siracusa) ambos entusiastas da vinda de Pirro para a Siciacutelia
segundo Diod 227 237 Diod 227 Ὅτι Μαμερτῖνοι οἱ Μεσσηνίους δολοφονήσαντες συμμαχίαν μετὰ
Καρχηδονίων ποιήσαντες ἔκριναν κοινῆ διακωλύειν Πύρρον τὴν εἰς Σικελίαν διάβασιν
108
Este uacuteltimo cuidado o uacutenico que pocircde ser devidamente
acertado por Pirro dizia respeito agrave certeza do suporte
dado pelas cidades siciliotas e devia-se ao fato de Pirro
contar com exeacutercito reduzido no momento da travessia
Apiano relata que ldquoapoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia
com seus elefantes e oito mil cavaleirosrdquo (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ
τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων καὶ ὀκτακισχιλίων ἱππέων)238 O
fato de o texto natildeo mencionar tropas de infantaria seria
algo desconcertante natildeo fosse a natureza fragmentada da
obra de Apiano Como nos lembra Leacutevecircque nos dias de hoje
costuma-se aceitar o que foi proposto em 1853 por
Niebuhr239 isto eacute que o fragmento natildeo conservou nem a
referecircncia aos pezoi apoacutes a contagem dos oito mil nem a
numeraccedilatildeo dos cavaleiros antes de ἱππέων240 Assim o trecho
original seria apoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia com
seus elefantes oito mil soldados de infantaria e [vacat]
cavaleiros (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων
καὶ ὀκτακισχιλίων πεζν καὶ [vacat] ἱππέων) Exeacutercito reduzido como
se vecirc e que necessitava dos contingentes siciliotas para a
expediccedilatildeo contra os cartagineses
Na Siciacutelia o trabalho diplomaacutetico de Cineas mostrou-se
decisivo Plutarco nos informa que Pirro o enviou de
imediato para tratar preliminarmente como de costume com
as poacuteleis (μὲν εθὺς ἐξέπεμψε προδιαλεξόμενον ὥσπερ εἰώθει ταῖς πόλεσιν)
enquanto o rei movia-se com seu exeacutercito para Tarentum
cujos habitantes apesar da insatisfaccedilatildeo com a guarniccedilatildeo de
Pirro nada puderam fazer a respeito241 O fato de Tyndarium
de Tauromenium por exemplo ter assegurado a travessia e
feito os preparativos para receber as tropas de Pirro na
cidade eacute emblemaacutetico
238 Apiano Samn 116 Cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di Pirro in
Siciliardquo Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980 239 Barthold G Niebuhr Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer 1853
240 Leacutevecircque Pirro pp 455-456 Zambon Hellenistic Sicily p101
241 Plut Pirro 224
109
Levando-se em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees para a
expediccedilatildeo siciliana podemos jaacute nos perguntar qual era a
natureza de sua monarquia e do tiacutetulo que lhe foi conferido
na Siciacutelia Tratava-se uma monarquia de tipo heleniacutestico
estendida ao territoacuterio siciliota
Haacute duas passagens nas fontes sobre a natureza da
relaccedilatildeo estabelecida entre Pirro e os gregos da Siciacutelia
uma em Poliacutebio e outra em Justino A primeira delas diz
respeito agrave tentativa de assegurar a legitimidade do governo
de Hierocircnimo em 213 aC por ser o tirano neto do rei
Pirro ldquoo uacutenico que todos os siciliotas aceitaram por
preferecircncia e com benevolecircncia como hegemon e reirdquo242 A
segunda delas faz menccedilatildeo a dois tiacutetulos reacutegios Pirro
ldquoapoacutes sua chegada em Siracusa foi designado rei da Siciacutelia
e rei do Epirordquo243 Como trataacute-las de forma plausiacutevel
Alguns historiadores sugeriram que o tiacutetulo de hegemon
na Siciacutelia era equivalente ao de Filipe II especialmente
no que se refere ao tratamento dado agraves poacuteleis Portanto a
alianccedila dos gregos da Siciacutelia com Pirro teria a mesma
natureza da Liga de Corinto isto eacute ambas teriam surgido
de uma pressatildeo poliacutetica externa capaz de subjugar as
cidades e de fazecirc-las integrar forccedilosamente um acordo com o
monarca estrangeiro244 Haacute somente um problema com esta
interpretaccedilatildeo que a compromete seriamente os siciliotas
natildeo haviam sido subjugados por Pirro quando prepararam a
sua recepccedilatildeo na porccedilatildeo leste da Siciacutelia da mesma forma que
natildeo sofreram qualquer pressatildeo poliacutetica preacutevia como nos
indicam as fontes previamente analisadas Tratava-se de um
projeto poliacutetico livremente aceito pelos gregos
242 Polib 74 μόνον κατὰ προαίρεσιν καὶ κατ εὔνοιαν Σικελιται πάντες εδόκησαν σφν
ατν ἡγεμόν εἶναι καὶ βασιλέα 243 Justino 233 cum Syracusas venisset rex Siciliae sicut Epiri
appellatur 244 Ioannes Vartsos ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in Siciliardquo
Kokalos 16 89-97 1970
110
De acordo com Leacutevecircque Pirro era em primeiro lugar
hegemon de um koinon que se formou contra o inimigo
cartaginecircs assim como basileu ao estilo ldquohelecircnicordquo
tiacutetulos jaacute haacute muito tradicionais no mundo grego mas desta
vez ao contraacuterio do que aconteceu com Dioniacutesio e
Agaacutetocles os tiacutetulos foram concedidos ldquopela vontade
unacircnime de seus novos suacuteditosrdquo245
Leacutevecircque e Zambon recordam com razatildeo que os siciliotas
formaram sob o comando do rei do Epiro um reino da
Siciacutelia uma unidade poliacutetica criada para combater a ameaccedila
cartaginesa com a morte de Agaacutetocles Leacutevecircque eacute ainda
bastante otimista quanto agraves novas possibilidades
documentais que confirmariam algo nesse sentido apostando
numa possiacutevel descoberta de evidecircncias epigraacuteficas
reveladoras a esse respeito
O problema emerge quando Pirro que pode ser
considerado tanto rei do Epiro quanto rei da Siciacutelia
separadamente planejou unificar ambos os reinos e trataacute-
los ao modo heleniacutestico o que natildeo seria admitido nem entre
os molossianos que mantinham certo controle sobre a figura
do rei (a exemplo da cunhagem das moedas que foi aos
poucos sendo conquistada por Pirro) nem entre os
siciliotas (que no final da expediccedilatildeo enxergaram em seu
liacuteder um tirano) para quem Pirro era basileu com funccedilotildees
restritas de hegemon Pode-se dizer que os siciliotas
concederam a Pirro o poder de um monarca ldquohelecircnicordquo ao
passo que o epirota tentou se comportar como um monarca
ldquoheleniacutesticordquo postura que lhe rendeu da mesma forma que a
Agaacutetocles a classificaccedilatildeo negativa (tiacutepica do periacuteodo) de
ldquotiranordquo
245 Leacutevecircque Pirro p 462
111
4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em
campo de batalha
41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
Poliacutebio relata que Cipiatildeo o Africano responsaacutevel pela
reviravolta na Segunda Guerra Puacutenica ao inverter a
estrateacutegia de Aniacutebal Barca levando assim a guerra da
Itaacutelia para a Aacutefrica julgando que as cidades africanas natildeo
teriam condiccedilotildees logiacutesticas para suportar a investida
respondeu quando lhe perguntaram quais eram os maiores
estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e
Dioniacutesiordquo246 Essa resposta se veriacutedica jaacute bastaria para
argumentar que Agaacutetocles embora natildeo tenha sido bem-
sucedido em sua expediccedilatildeo africana era de fato um grande
estadista simplesmente por ter ascendido ao poder em
Siracusa amparado por sua riqueza (que lhe permitiu
recrutar mercenaacuterios) e eloquumlecircncia bem como adotado uma
estrateacutegia ofensiva contra os cartagineses a qual marcaraacute
profundamente a histoacuteria militar do mundo antigo
particularmente a decisatildeo de Cipiatildeo o Africano Embora
fracassada a uacutenica expediccedilatildeo grega em territoacuterio africano
serviu igualmente para ilustrar que Agaacutetocles mesmo antes
de se proclamar basileu havia possivelmente conduzido uma
imitatio Alexandri em campo de batalha Como argumentarei
em seguida ao retomar uma pista lanccedilada por Griffith em
1935 e que parece ter sido deixada de lado pela
historiografia talvez por seu otimismo excessivo poderei
argumentar a favor do uso de grupamentos taacuteticos em moldes
heleniacutesticos durante a expediccedilatildeo africana momentos antes
da autoproclamaccedilatildeo monaacuterquica do comandante siracusano
Antes disto contudo torna-se necessaacuterio precisar o
contexto de tal expediccedilatildeo
246 Polib 1535
112
Agaacutetocles estava provavelmente sem esperanccedilas de
receber auxiacutelio diante da ofensiva cartaginesa na ilha uma
vez que os poderes orientais natildeo haviam manifestado
interesse imediato nas questotildees do ocidente heleniacutestico
Diante disso bem como da presenccedila do inimigo Agaacutetocles
decidiu inverter a estrateacutegia e assolar o territoacuterio
africano numa estrateacutegia de ousadia sem precedentes para
os siciliotas apostando no apoio que poderia obter dos
liacutebios e no ldquoesfriamentordquo do espiacuterito combativo dos
cartagineses que ao depositarem a responsabilidade da
defesa de sua cidade nas matildeos de mercenaacuterios (estando os
mesmos ocupados em Siracusa) teriam perdido qualquer
possibilidade de aquisiccedilatildeo de experiecircncia militar e ldquoardor
combativordquo Os soldados cartagineses que viviam
luxuosamente numa paz prolongada (τετρυφηκότας ἐν εἰρήνῃ
πολυχρονίῳ) portanto sem qualquer experiecircncia nos perigos
da batalha seriam facilmente derrotados como nos lembra
Diodoro ldquopor aqueles que haviam sido treinados na escola
do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς δεινοῖς)247 Agaacutetocles entatildeo
reuniu cerca de 13500 mercenaacuterios preparou 60 embarcaccedilotildees
e aguardou um momento de distraccedilatildeo dos cartagineses para
navegar rumo ao norte da Aacutefrica provavelmente sem informar
os seus homens de seu plano Apoacutes uma semana de viagem o
siracusano desembarcou com as tropas num lugar a 110 km de
Cartago e decidiu atear fogo agraves embarcaccedilotildees por que natildeo
queria dividir as suas forccedilas (deixando um destacamento
para vigiar a frota estacionada) ou talvez como reforccedilo
psicoloacutegico para o objetivo final da empreitada deixar a
regiatildeo com os cartagineses subjugados tendo para isso o
apoio das divindades (Demeacuteter e Kore as divindades
patronas da Siciacutelia a quem Agaacutetocles havia oferecido o
ldquosacrifiacutecio dos naviosrdquo) Durante a sua marcha para
Cartago o exeacutercito deparou-se com regiotildees bastante
247 Diod 203 Meister CAH 7 p 394
113
feacuterteis tendo tomado por assalto as cidades de Megaloacutepolis
e Tuacutenis Em seguida os mercenaacuterios montaram acampamento
proacuteximo a Cartago onde aguardaram o embate decisivo com o
exeacutercito cartaginecircs na ocasiatildeo formado por seus proacuteprios
cidadatildeos
Apavorados e sem experiecircncia os cartagineses sofreram
uma derrota terriacutevel como analisarei no proacuteximo item
dando liberdade para o saque de diversas cidades (a exemplo
de Neapolis) pelos mercenaacuterios e para o estabelecimento de
uma alianccedila com Elimas rei dos liacutebios Durante a investida
na costa leste da atual Tuniacutesia os cartagineses tentaram
um contra-ataque apostando no corte das linhas de
abastecimento de Neapolis e na reaproximaccedilatildeo com os liacutebios
o que para azar de Agaacutetocles desdobrou-se na traiccedilatildeo de
Elimas248 O siracusano no entanto apressou-se no retorno
a Tuacutenis e conseguiu lidar com a situaccedilatildeo de forma
satisfatoacuteria para o sucesso inicial da expediccedilatildeo Mais de
2000 cartagineses foram mortos e o traidor o rei Elimas
executado como exemplo Esta foi a primeira fase da
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles seguida por uma seacuterie de
eventos que colocaratildeo fim agraves esperanccedilas de submissatildeo do
norte da Aacutefrica pelos gregos
De modo geral considera-se o periacuteodo posterior a 309
aC como sendo o de fracasso progressivo da expediccedilatildeo
Agaacutetocles enfrentaraacute motins entre seus homens e resolvecirc-
los-aacute com eficiecircncia249 Em seguida apoacutes uma extensatildeo da
guerra mais ao interior e a incorporaccedilatildeo do exeacutercito de
Ophellas de Cirene250 o siracusano tomou a guerra entre
cartagineses e numiacutedios como momento favoraacutevel para a
intensificaccedilatildeo da ofensiva Mas ele natildeo foi capaz de manter
o seu exeacutercito unido durante o seu retorno forccedilado a
248 P Oxyrhynchus 2399 Meister CAH 7 p 396
249 Diod 2033-34
250 Episoacutedio analisado no iniacutecio deste capiacutetulo
114
Siciacutelia Com Agaacutetocles de volta a Siracusa Arcagathus
deixado no comando das tropas de seu pai fracassou diante
dos cartagineses e perdeu boa parte do exeacutercito de
Agaacutetocles tentando sem sucesso recobraacute-lo em Tuacutenis A
uacuteltima esperanccedila de Agaacutetocles era induzir os cartagineses a
uma batalha decisiva contra os homens que havia trazido da
Siciacutelia mas eles aprenderam a liccedilatildeo um pouco antes
Permaneceram em seus fortes aguardando que o exeacutercito
mercenaacuterio grego se desfizesse em discoacuterdia ou tentasse um
ataque desesperado Apoacutes uma batalha mal sucedida
Agaacutetocles se viu novamente obrigado a deixar os seus planos
na Aacutefrica mas desta vez sem alimentar quaisquer
expectativas de retorno Para selar a desgraccedila final ao
perceber que natildeo dispunha de embarcaccedilotildees suficientes para
todo o exeacutercito o comandante siracusano optou por deixar o
continente africano secretamente251
251 Meister CAH 7 p 400
115
411 O exeacutercito de Agaacutetocles
Em primeiro lugar uma diferenccedila baacutesica deve ser
esclarecida quanto ao uso dos mercenaacuterios por Siracusa e
pelos chamados ldquotiranos siciliotasrdquo Os uacuteltimos natildeo
poderiam eacute claro contar com o suporte de tropas ciacutevicas
(ao menos com a maioria delas) uma vez que seus propoacutesitos
eram quase sempre inconstitucionais252 Da mesma forma a
cidade siciliota natildeo poderia contar unicamente com
soldados-cidadatildeos por trecircs motivos (1) a guerra contra os
cartagineses natildeo ocorria em caraacuteter sazonal jaacute que os
cartagineses empregavam mercenaacuterios em larga escala na
Siciacutelia (2) quando a cidade reagia ao poder militar de um
tirano precisava fazecirc-lo numa loacutegica semelhante agrave
periodicidade do combate contra os cartagineses e (3) o
exeacutercito altamente flexiacutevel dos tiranos constituiacutea uma arma
muito superior aos exeacutercitos ciacutevicos mal treinados Temos
entatildeo um ponto comum entre a poacutelis e os tiranos isto eacute o
uso de mercenaacuterios em larga escala por ambos mas esta
identificaccedilatildeo no estatuto de parte dos soldados recrutados
natildeo leva ao recrutamento de tropas mercenaacuterias com funccedilotildees
taacuteticas idecircnticas De fato ao passo que os democratas
confiavam basicamente nos mercenaacuterios de procedecircncia grega
os tiranos mostravam-se verdadeiros entusiastas do
ldquomercenariato sem fronteiras eacutetnicasrdquo provavelmente por
conta do sentimento de hostilidade agrave cidadania253 O uso
constante de tais tropas combinado agrave lideranccedila de um
general experiente (o que Cartago natildeo foi capaz de
fornecer como veremos no proacuteximo capiacutetulo) resultou na
porccedilatildeo grega da Siciacutelia no desenvolvimento de uma tradiccedilatildeo
militar peculiar atualizada do ponto de vista taacutetico e
252 Vendo o roacutetulo da tirania no seacutecIII aC como pertencente aos
politicos que desdobraram seu poder de uma situaccedilatildeo inconstitucional
(strategia autocraacutetica compulsoacuteria na maior parte das vezes) 253 Argumento desenvolvido por Duncan Head Armies of the Macedonian
and Punic Wars organization tactics dress and weapons Sussex
Wargames Research Group Publication 1982 P10
116
favoraacutevel sob a autoridade de um poliacutetico em sintonia com
o mundo heleniacutestico agraves inovaccedilotildees de natureza
institucional
Em 310 aC Agaacutetocles contava com 13500 mercenaacuterios
para a sua expediccedilatildeo africana dos quais contamos 1000
hoplitas 3000 gregos (distintos dos primeiros por que natildeo
integravam a guarda pessoal do siracusano) 3500
siracusanos 2500 soldados de infantaria de origem incerta
(talvez aliados sicilianos natildeo-gregos) 3000 mercenaacuterios
samnitas etruscos e celtas 500 arqueiros e fundeiros254
A
ausecircncia das referecircncias agrave cavalaria provavelmente indica a
esperanccedila de Agaacutetocles em recrutar cavaleiros localmente
assim que chegasse ao norte da Aacutefrica Passados os dois
primeiros anos da expediccedilatildeo Agaacutetocles pocircde dobrar as suas
forccedilas tendo incorporado o exeacutercito de Ophellas Amparados
por essa informaccedilatildeo em Diodoro podemos seguramente dizer
que a forccedila militar de Agaacutetocles passou a contar tambeacutem com
10000 soldados de infantaria 600 cavaleiros 100 carros
de guerra e 300 homens para lutar ao lado de tais carros255
As funccedilotildees ou origens eacutetnicas dos homens de Ophellas satildeo
incertas mas Agaacutetocles natildeo deve ter sido capaz de mantecirc-
los sob seu comando a julgar pelos nuacutemeros que Diodoro nos
apresenta para o ano de 307 aC apoacutes o siracusano ter
recebido reforccedilos da Siciacutelia Entre os ldquosobreviventesrdquo
Agaacutetocles contava com somente 6000 gregos 6000 samnitas
etruscos e celtas e 1500 cavaleiros256 Por uacuteltimo ainda
que Agaacutetocles tenha adquirido reforccedilos liacutebios os mesmos
natildeo se mantiveram leais ao tirano transferindo-se no final
das contas para o domiacutenio cartaginecircs
254 Diod 2011 Obviamente Diodoro aqui confunde unidades eacutetnicas com
unidades taacuteticas Cf Griffith pp 198-202 255 Diod 2041 256 Diod 2064
117
412 Agaacutetocles general como Alexandre
Em 1935 Griffith havia jaacute se posicionado a favor de
uma imitatio Alexandri por Agaacutetocles em campo de batalha257
Para ele as taacuteticas e formaccedilotildees usadas pelo siracusano
eram ocasionalmente reminiscentes daquelas empregadas por
Alexandre Em primeiro lugar apesar de lamentar a ausecircncia
de um relato preciso das campanhas de Agaacutetocles Griffith
pontua a existecircncia ao menos na Aacutefrica de um ldquobatalhatildeo de
infantaria especialmente forterdquo em nuacutemero de 1000 o
qual de acordo com o historiador corresponderia grosso
modo aos hipaspistai de Alexandre Em segundo lugar as
taacuteticas adotadas por Agaacutetocles na mesma batalha contra os
carros de guerra cartagineses corresponderiam exatamente ao
que Alexandre havia feito em Gaugamela contra Dario A
interpretaccedilatildeo das manobras siracusanas como adaptaccedilatildeo das
taacuteticas macedocircnicas poderia ser combatida pela carecircncia de
evidecircncias mais concretas mas a sua coincidecircncia com o
emprego de uma guarda pessoal a qual estava provavelmente
baseada no sistema de funcionamento taacutetico dos hipaspistai
de Alexandre fortalece o argumento A chave para a segunda
parte encontra-se portanto na defesa dos 1000 homens que
compunham a τς θεραπείας258 como uma versatildeo siciliota (ao
menos na expediccedilatildeo africana) dos hipaspistai de Alexandre
Diodoro faz referecircncia agrave existecircncia de um exeacutercito
(aparentemente regular) em Siracusa o qual teria sido
entregue a Hicetas eleito o novo strategos pelos
siracusanos com os problemas sucessoacuterios advindos da morte
de Agaacutetocles259 Tal evidecircncia como recorda Zambon indica
que Agaacutetocles natildeo havia deixado o poder sem um exeacutercito que
lhe fosse fiel e que o mesmo fora usado por Hicetas contra
257 Griffith pp 200-201
258 Literalmente ldquoguarda pessoalrdquo de Agaacutetocles como aparece em Diod
2011 259 Diod 2118
118
Menon260 Mas que exeacutercito era esse Qual era a sua
composiccedilatildeo Infelizmente natildeo temos nenhuma informaccedilatildeo
extra sobre os soldados leais a Agaacutetocles (agrave exceccedilatildeo dos
mamertinos) mas a julgar pela organizaccedilatildeo de uma guarda
pessoal durante a expediccedilatildeo africana a qual certamente natildeo
era desfeita com facilidade261 podemos dizer que a mesma
possivelmente compunha o exeacutercito regular herdado por
Hicetas em Siracusa cerca de vinte anos depois262
De acordo com Diodoro os cartagineses natildeo puderam
aguardar os reforccedilos vindos das regiotildees aliadas devido agrave
situaccedilatildeo alarmante provocada pela ofensiva grega e
decidiram dispor os seus soldados-cidadatildeos em campo de
batalha os quais segundo o historiador siciliano estavam
em nuacutemero aproximado de 40000 e eram acompanhados por
1000 cavaleiros provavelmente numiacutedios (embora a fonte
natildeo mencione a origem eacutetnica) e 2000 carros de guerra263
A ala esquerda era formada por soldados organizados em
260 Zambon Hellenistic Sicily p 30 Sebastiana Consolo Langher La
Sicilia dalla scomparsa di Timoleonte alla morte di Agatocle In
Emilio Gabba La Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo
alle guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli e della
Sicilia 1980 pp 289-342 261 Note-se por exemplo o caso dos arguraspides macedocircnicos
262 Diz-se que os arguraspides de Alexandre possuiacuteam mais de 60 anos
quando apoiaram Eumenes sendo ainda temidos por sua disciplina e
experiecircncia Na cronologia apresentada para a guarda pessoal de
Agaacutetocles os soldados teriam idade bem menor que a guarda Real de
Alexandre tornando o argumento plausiacutevel para a eacutepoca 263 Aqui o nuacutemero eacute claramente absurdo Talvez Diodoro (2010) quisesse
se referir a 200 carros de guerra o que seria aceitaacutevel com bastante
otimismo apoacutes reduzir as centenas e comparar os possiacuteveis nuacutemeros
desta batalha com aqueles apresentados por exemplo entre os persas
em Gaugamela (100 carros citas na ala esquerda ao lado da cavalaria
de mesma procedecircncia e de 1000 cavaleiros bactrianos em oposiccedilatildeo a
Alexandre como indica Arr 311) Justino (226) conta 30000 homens
no total (obvius ei fuit cum XXX milibus paganorum Hanatildeo sed proelio
commisso duo de Siculis tria milia de Poenis cum ipso duce cecidere)
da mesma forma que Paulo Oroacutesio Historiae Adversum Paganos 4625
(Hanatildeonem quendam cum triginta milibus Poenorum obuiam habuit) Entre
os historiadores modernos Consolo Langher (pp 139-143) aponta para
10000 cavaleiros certamente presumindo que Diodoro se equivocou ao
lanccedilar apenas 1000 cavaleiros (ἱππεῖς δὲ χιλίους) ao lado de 2000 carros de guerra (ἅρματα δὲ δισχίλια) Consideramos contudo que o erro tenha se dado precisamente na apresentaccedilatildeo dos carros de guerra pelos motivos
enumerados
119
grande profundidade (por induccedilatildeo do terreno) sob o comando
de Bomilcar na ala direita que estava sob o comando de
Hanatildeo encontrava-se o Batalhatildeo Sagrado Agrave frente de toda a
infantaria os cartagineses dispuseram os carros de guerra e
a cavalaria264 Agaacutetocles apoacutes tomar conhecimento da
formaccedilatildeo inimiga confiou a ala direita ao seu filho
Archagathus no comando de 25000 soldados Ao lado de
Archagathus seguiam-se 3500 siracusanos 3000
mercenaacuterios gregos e um grupamento misto de samnitas
etruscos e celtas tambeacutem em nuacutemero de 3000 Agaacutetocles
encontrava-se de frente para o ieros lochos cartaginecircs no
comando de sua guarda pessoal um total de 1000 soldados
pesadamente armados (ao menos equipados para o choque
frontal) Nas alas ele dispocircs os 500 arqueiros e
fundeiros265
Deve ser observado que Agaacutetocles liderou sua guarda
pessoal contra o Batalhatildeo Sagrado ou seu equivalente
cartaginecircs e que a mesma compunha um grupamento de 1000
soldados de infantaria pesadamente armada Sabemos que a
guarda pessoal em questatildeo natildeo se tratava de um ieros
lochos pois a sua lealdade como o termo grego indica
estava primeiramente ligada a Agaacutetocles depois
possivelmente agrave cidade de Siracusa Aleacutem disso os nuacutemeros
natildeo batem com o que nos eacute dado pelas fontes para os ieroi
lochoi De acordo com Plutarco o ieros lochos foi
inicialmente formado como eacute dito por Gorgias a partir de
300 homens selecionados (ἐξ ἀνδρν ἐπιλέκτων τριακοσίων) para os
quais a cidade fornecia treinamento e manutenccedilatildeo []rdquo266
Dadas as proporccedilotildees dos exeacutercitos gregos no tempo de
Peloacutepidas poderiacuteamos argumentar que a guarda pessoal de
Agaacutetocles representaria um inchaccedilo de um Batalhatildeo Sagrado
264 Diod 2010
265 Diod 2011
266 Plut Pelop 18
120
siracusano se houvesse referecircncia agrave existecircncia de tal
destacamento em Siracusa se o termo empregado pelas fontes
fosse ieros lochos ao inveacutes de therapeiacutea e se a expediccedilatildeo
africana tivesse demorado tempo suficiente para aumentar a
lealdade das tropas a Agaacutetocles em detrimento da cidade que
os teria formado e mantido no caso de possiacutevel a
argumentaccedilatildeo de um ieros lochos natildeo mencionado com os
termos apropriados267 Como dito acima natildeo haacute indiacutecios para
nenhum dos trecircs casos aleacutem de ter a lealdade da tropa sido
vinculada em sua uacutenica apariccedilatildeo em Diodoro estritamente
ao comandante siracusano Eacute provaacutevel que esta guarda
pessoal portanto tenha reconhecido a toga puacuterpura de
Agaacutetocles como adequada ao seu poder o que anula a
hipoacutetese de ter sido essa somente uma guarda pessoal de um
tirano como encontramos nos periacuteodos anteriores Aleacutem
disso o contexto de imitatio Alexandri no campo poliacutetico
bem documentado durante a expediccedilatildeo africana assim como a
interaccedilatildeo que Agaacutetocles mantinha com o mundo heleniacutestico
contribuem para uma provaacutevel resignificaccedilatildeo da guarda
pessoal em questatildeo Em uacuteltima instacircncia tratava-se da
guarda de algueacutem que jaacute se via com direitos a uma sucessatildeo
forjada ao trono macedocircnico sendo a identificaccedilatildeo com os
hipaspistai algo bastante plausiacutevel
Tratemos agora do posicionamento dos arqueiros e
fundeiros contra os carros de guerra e cavaleiros do
exeacutercito cartaginecircs Recordo que em Gaugamela Alexandre
havia disposto na ala direita agrianianos arqueiros e
soldados (levemente) armados provavelmente peltastas e na
ala esquerda juntamente com dois corpos de cavalaria
267 Diodoro 1680 em contrapartida emprega o termo ieros lochos para
um grupamento de cartagineses em nuacutemero de 2500 que haviam
combatido em Himera (480 aC) A designaccedilatildeo eacute obviamente
equivocada especialmente pelo nuacutemero excessivo de soldados e por sua
inexperiecircncia em campo de batalha Aleacutem disso essa parece ter sido
uma maneira grega de enquadrar parte das tropas citadinas cartaginesas
pesadamente armadas que raramente combatiam por sua cidade
121
arqueiros cretenses dardeiros traacutecios entre outros Em
331 aC agrianianos e dardeiros das ilhas Baleares
bloquearam o ataque dos carros de guerra citas enquanto os
falangistas ao centro (hipaspistai) natildeo se opuseram
frontalmente a eles deixando-os passar por meio de
manobras de evasatildeo sem causar portanto baixas na
infantaria macedocircnica268 Em 310 aC num campo aberto natildeo
muito distante de Cartago os soldados pesadamente armados
de Agaacutetocles realizaram idecircnticas manobras evasivas
permitindo-os passar (ἃ δ εἴασαν διεκπεσεῖν) abatendo
inicialmente alguns e em seguida forccedilando o retorno da
maior parte dos carros de guerra contra as suas proacuteprias
tropas269 Como Diodoro natildeo menciona forccedilas de cavalaria do
lado grego o que nos soa estranho a uacutenica reconstruccedilatildeo
possiacutevel para a vitoacuteria sobre os carros de guerra e
cavaleiros se daacute por meio do emprego dos arqueiros e
fundeiros (a exemplo do que ocorreu em Gaugamela) os quais
causaram de acordo com Diodoro muitas baixas nas tropas
acima referidas (mais um indiacutecio de que se tratava de
cavaleiros numiacutedios os quais natildeo eram paacutereo para dardos de
arremesso e projeacuteteis de modo geral desde que disparados
por infantaria levemente armada) Com o fracasso da
investida montada o campo de batalha transformou-se num
cenaacuterio praticamente claacutessico com dois corpos de
infantaria pesadamente armada em confronto direto Hanatildeo
foi incapaz de suportar o choque com os soldados liderados
pessoalmente por Agaacutetocles e Bomilcar no comando da ala
em profundidade ordenou um recuo taacutetico de seus homens
que em princiacutepio seria parte de um plano (inclusive
poliacutetico jaacute que ambicionava de acordo com Diodoro a
morte de seu rival Hanatildeo para entatildeo dar sequumlecircncia ao
268 Ver cap1
269 Diod 2012 προεμβαλόντων γὰρ εἰς ατοὺς τν ἁρμάτων ἃ μὲν κατηκόντισαν ἃ δ
εἴασαν διεκπεσεῖν τὰ δὲ πλεῖστα συνηνάγκασαν στρέψαι πρὸς τὴν τν πεζν τάξιν
122
golpe de Estado)270 A aparente inexperiecircncia dos soldados
nas realizaccedilotildees das manobras assim como a ordem prematura
de seu liacuteder fizeram com que a retirada se transformasse
num verdadeiro massacre obrigando boa parte dos soldados a
se refugiar nas muralhas de Cartago
270 Diod 2012 Meister CAH 7 p 395 Voltarei a tratar desse assunto
no cap4
123
42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro
Pirro natildeo iria para a Peniacutensula Itaacutelica sem tropas
como queriam os tarentinos embora seu exeacutercito fosse
sensivelmente menor que o de Alexandre o Grande quando do
iniacutecio de sua expediccedilatildeo asiaacutetica271 Plutarco nos informa
que Pirro contava com 20 elefantes 3000 cavaleiros
20000 soldados de infantaria 2000 arqueiros e 500
fundeiros272 Precedido pelo diplomata Cineas como de
costume Pirro se fez acompanhar por dois de seus filhos
nomeadamente Alexandre e Heleno ao passo que seu outro
filho Ptolomeu foi deixado como regente no Epiro Apoacutes
cumprir a rota mariacutetima para a Peniacutensula o que se deu com
inuacutemeros problemas como Plutarco narra com alto niacutevel
dramaacutetico273 o epirota deu iniacutecio ao entendimento pessoal
com seus aliados e agraves primeiras emissotildees monetaacuterias de sua
expediccedilatildeo a partir das quais ele pocircde reforccedilar os viacutenculos
com Alexandre e sua semelhanccedila com os Diaacutedocos assim como
celebrar a alianccedila274 Em seguida tendo alistado tarentinos
em seu exeacutercito o liacuteder da coalizatildeo contra os romanos
parecia estar pronto para a accedilatildeo a qual se transformaraacute ao
final num verdadeiro fiasco tal qual a expediccedilatildeo africana
de Agaacutetocles275 Ambas contudo servem para ilustrar como
as taacuteticas e as figuraccedilotildees do poder heleniacutestico se
apresentaram ao ocidente particularmente na Magna Greacutecia
Siciacutelia e norte da Aacutefrica no iniacutecio com contexto bastante
favoraacutevel aos monarcas
271 Griffith p 61 Leacutevecircque Pirro p297
272 Plut Pirro 152 Pausacircnias 112 sugere que Pirro obteve seus
elefantes apoacutes vencer uma batalha contra Demeacutetrio 273 Plut Pirro 153-8 Zonaras 82 Justino 181 Leacutevecircque Pirro p
297-298 274 Leacutevecircque Pirro p 299 Sobre a cunhagem na Magna Greacutecia e Siciacutelia
durante a expediccedilatildeo de Pirro cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di
Pirro in Siciliardquo MGR 7 179-254 1980 Zambon Hellenistic Sicily
pp121-129 275 Aceita-se comumente que a coalizatildeo era formada por samnitas
lucanianos brutianos messapianos e com incerteza apulianos
Leacutevecircque Pirro p 304
124
Do lado romano os preparativos tiveram de ser
iniciados em contexto bastante desfavoraacutevel considerando-
se os problemas com os etruscos e sua simultaneidade com a
formaccedilatildeo da alianccedila italiota conduzida por Pirro Seguindo
os costumes Roma dividiu o exeacutercito entre os cocircnsules
ficando Valeacuterio Levinus no comando das legiotildees contra Pirro
e Coruncanius no comando das legiotildees contra os etruscos
Os romanos haviam tirado jaacute grande proveito das guerras
precedentes como nos informa Poliacutebio [os romanos] se
tornaram verdadeiros mestres na arte da guerra por meio de
sua luta com os samnitas e os celtas (ἀθληταὶ γεγονότες ἀληθινοὶ
τν κατὰ τὸν πόλεμον ἔργων ἐκ τν πρὸς τοὺς Σαυνίτας καὶ Κελτοὺς ἀγώνων)276
Assim deve-se ter em conta que natildeo somente Pirro era um
comandante experiente e com tropas de alto niacutevel como
vimos acima mas tambeacutem os romanos possuiacuteam um niacutevel de
experiecircncia militar e ldquopotencial soldadescordquo adequados ao
seu inimigo Esse eacute um fator importante na medida em que
estabelece entre outros fatores os resultados da campanha
italiana Por potencial soldadesco entendo basicamente a
composiccedilatildeo de ambos os exeacutercitos e o que disso poderia ser
desdobrado em termos taacuteticos excetuando as legiotildees de Roma
e a falange macedocircnica sob Pirro (fundamental em
Heracleia) o restante das tropas (particularmente em
Aacutesculo) possuiacutea as mesmas origens eacutetnicas e portanto
armamento e estilo de combate similares Aleacutem disso a
flexibilidade das legiotildees da forma como explicado no cap4
desta tese contribuiu para o quadro desfavoraacutevel ao rei do
Epiro jaacute que puderam enfrentar a falange (em Heracleia)
com recursos taacuteticos superiores auxiliando no quadro
geral da campanha para o deslocamento do foco poliacutetico
mais a sudoeste precisamente na Siciacutelia grega
276 Polib 16
125
421 O exeacutercito de Pirro
Em 280 aC o exeacutercito que Pirro liderou em sua
expediccedilatildeo italiana estava claramente organizado em estilo
macedocircnico mas nada indica que essa organizaccedilatildeo era
conhecida pelos epirotas anteriormente Historiadores
tendem a apostar numa reforma iniciada cerca de 340 aC
por Alexandre do Epiro amigo e aliado de Filipe II tanto
por sua relaccedilatildeo com os macedocircnios quanto pela logiacutestica
necessaacuteria a uma expediccedilatildeo italiana (realizada em 334
aC) a qual somente seria viaacutevel com um exeacutercito
ldquonacionalmente unificadordquo277 mas natildeo haacute evidecircncias
suficientes para algo mais conclusivo aleacutem de tais
argumentos Talvez Alexandre do Epiro tenha de fato
reformado o exeacutercito epirota nos moldes do projeto de
Filipe da Macedocircnia mas o certo eacute que Pirro cerca de meio
seacuteculo mais tarde dispunha de tais condiccedilotildees
Como dito anteriormente Plutarco nos informa que o
exeacutercito de Pirro era composto por 20 elefantes 3000
cavaleiros 20000 soldados de infantaria (ou 23000 se
considerarmos os 3000 homens enviados juntamente com
Cineas) 2000 arqueiros e 500 fundeiros Curiosamente natildeo
haacute indiacutecios de algo similar aos hipaspistai no exeacutercito
epirota sendo o termo empregado para indicar oficiais
capazes de governar cidades (na Siciacutelia) e natildeo para fazer
referecircncia agraves tropas que compunham uma unidade de
combate278 Obviamente os 20000 soldados de infantaria natildeo
eram puramente epirotas Beloch foi capaz de mostrar a
esse respeito que os aproximados 300000 habitantes do
Epiro dos quais 100000 estariam possivelmente em idade
militar natildeo poderiam fornecer sequer os 20000 soldados de
infantaria do exeacutercito de Pirro levando em consideraccedilatildeo o
277 O argumento pode ser mapeado em Head op cit p 19 e Braccesi
op cit pp43-53 278 Head op cit p 19
126
estado economicamente atrasado da regiatildeo279
Daiacute resulta que
boa parte dos soldados de Pirro em sua expediccedilatildeo italiana
fosse formada por mercenaacuterios de acordo com os dados
obtidos acerca das tropas empregadas em Aacutesculo Aleacutem dos
tarentinos e demais aliados o rei epirota contava com uma
falange macedocircnica e alguns cavaleiros tessaacutelios cedidos
por Ptolomeu Keraunos rei da Macedocircnia uma infantaria
mercenaacuteria da Etoacutelia Acarnacircnia e Atamacircnia e um corpo de
cavaleiros mercenaacuterios gregos arcanianos etoacutelios e
atamanianos280 Sem duacutevida a reputaccedilatildeo de Pirro reforccedilou a
sua capacidade de recrutar novos soldados dispostos a
combater na condiccedilatildeo de profissionais
279 Julius Beloch apud Griffith p61 Poliacutebio (3015 fragmentos
preservados em Estrabatildeo Geografia 77 e Tito Liacutevio 4534) menciona
15000 epirotas escravizados por Emiacutelio Paulo em 168 aC Cf tambeacutem
Griffith p 61 280 Griffith p 62
127
422 O exeacutercito republicano romano
O exeacutercito romano em seus primoacuterdios parece natildeo ter
sido muito diferente daquele encontrado no restante das
cidades do Laacutecio sendo influenciado por seus vizinhos mais
poderosos os etruscos A confederaccedilatildeo etrusca estendeu sua
influecircncia a ponto de nomear a organizaccedilatildeo inicial das
forccedilas romanas ao estilo etrusco compondo trecircs tribos com
a responsabilidade de fornecer 1000 homens em idade
militar cada ficando os soldados sob o comando de um
tribunus As subdivisotildees de cada tribo forneciam uma
centuacuteria (nessa eacutepoca possivelmente contada como 100
homens) o que resultava numa forccedila modesta de 3000
homens a chamada legio A cavalaria (equites) era formada
por nobres e seus filhos totalizando 300 homens montados
(capazes de pagar a manutenccedilatildeo de um cavalo e equipamentos)
divididos entre as tribos De modo geral a historiografia
aceita que essa organizaccedilatildeo inicial somente seraacute modificada
com Seacutervio Tuacutelio aproximadamente entre 580-530 aC281 Ao
lado da criaccedilatildeo de muitas das instituiccedilotildees de Roma Seacutervio
Tuacutelio parece ter realizado o primeiro censo do povo romano
dividindo a populaccedilatildeo em classes obedecendo ao padratildeo de
riqueza Com objetivos claramente poliacuteticos e militares as
centuacuterias (como a populaccedilatildeo era dividida) teriam impacto na
organizaccedilatildeo das assembleacuteias e das tropas Em primeiro
lugar vinha a ordem equumlestre num total de 18 centuacuterias
em seguida a populaccedilatildeo restante aparecia dividida em 5
classes separadas a partir de sua riqueza e contadas da
seguinte maneira em casos de alistamento militar (a) a
primeira classe armada com lanccedila e espada e equipada com
281 Lawrence Keppie The making of the Roman army from republic to
empire London BT Batsford 1984 pp 16-17 Daly pp 48-52
Giovanni Brizzi Le guerrier de lantiquiteacute classique de lhoplite au
leacutegionnaire Monaco Rocher 2004 pp 43-51 John Rich ldquoWarfare and
the Army in Early Romerdquo In Paul Erdikamp A companion to the Roman
army Malden MA Oxford Blackwell 2007 pp 7-23 Para uma visatildeo
detalhada das fontes a respeito ver Michael M Sage The Republican
Army a Sourcebook New York London Routledge 2008 pp 4-41
128
couraccedila de bronze elmo escudo e grevas (b) a segunda
classe armada de forma idecircntica e equipada de maneira
similar excluindo a couraccedila (c) a terceira classe
idecircntica agrave segunda classe exceto pelas grevas (d) a
quarta classe armada com lanccedila e equipada somente com
escudo (e) a quinta e uacuteltima classe armada com fundas e
pedras Os seniores (oposto de iuniores isto eacute em idade
militar) eram empregados somente em caso de cerco
portanto para a defesa da cidade Abaixo da quinta classe
contava-se apenas o grupo de homens (em nuacutemero modesto) sem
propriedade alguma (capite censi ou registrados por
contagem de cabeccedila) os quais eram desqualificados para o
serviccedilo militar282
Terminado o periacuteodo das monarquias a primeira
modificaccedilatildeo no exeacutercito romano (entatildeo republicano) surgiu
em meio aos conflitos contra as comunidades adjacentes no
momento de enfraquecimento dos etruscos mediante a fixaccedilatildeo
dos celtas na regiatildeo dos Alpes e do fortalecimento da
posiccedilatildeo das colocircnias gregas no sul da Peniacutensula Itaacutelica
Nesse contexto precisamente em 406 aC os romanos
partiram para o uacuteltimo embate com a cidade etrusca de
Veios conflito que se encerrou 10 anos depois com a
captura da cidade pelos romanos Durante a guerra contra
Veios o exeacutercito cresceu (de cerca de 4000 para 6000
homens) e o escudo circular foi substituiacutedo pelo escudo
longo italiano o scutum Da mesma forma como parece
oacutebvio o nuacutemero de cavaleiros subiu totalizando as 18
centuacuterias previstas na ldquoreforma servianardquo Eacute nesse momento
(6 anos apoacutes a captura de Veios pelos romanos portanto em
390 aC) que Roma eacute tomada pelos celtas exceto por uma
pequena porccedilatildeo da cidade Capazes de expulsar os celtas de
282 Keppie (op cit p 17) recorda que nessa eacutepoca ldquoa defesa da cidade
era um dever uma responsabilidade e um privileacutegiordquo
129
sua cidade os romanos estavam a caminho do estabelecimento
de sua posiccedilatildeo na Peniacutensula
Alguns autores tecircm sugerido uma identificaccedilatildeo da legiatildeo
romana com os hoplitas gregos283 mas a forma cerrada de
luta dos romanos nos primeiros anos deve indicar mais uma
adaptaccedilatildeo etrusca (que natildeo era uma incorporaccedilatildeo de taacuteticas
gregas como alguns acham razoaacutevel deduzir) do que
propriamente uma forma similar de combate ombro-a-ombro De
qualquer forma logo as unidades manipulares (manipuli)
foram adotadas como resposta agraves exigecircncias de maior
flexibilidade taacutetica Cada maniacutepulo com aproximados 100-
120 homens exceto pelos triarii contava com dois
centuriotildees homens experientes dispostos no comando das
unidades taacuteticas Vale destacar o centuriatildeo secircnior da
legiatildeo disposto no comando no maniacutepulo da extrema direita
dos triarii que era depois incluiacutedo (ex officio) no
conselho geral do cocircnsul juntamente com os tribunos Jaacute no
final do seacutecIV aC basicamente no mesmo periacuteodo da
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles (310-307 aC) ou talvez um
ano antes o exeacutercito romano encontrava-se dividido em 4
legiotildees comandadas por dois cocircnsules e abaixo deles 6
tribunos militares
Durante a sua expansatildeo em direccedilatildeo ao sul do Laacutecio os
romanos foram capazes de subjugar os samnitas em quase 50
anos de conflito Devido agrave natureza montanhosa da regiatildeo
tem sido sugerido que os maniacutepulos seriam na verdade uma
modificaccedilatildeo ocorrida nesse momento o que se justificaria
com a necessidade de maior flexibilidade taacutetica do
terreno284 De acordo com Tito Liacutevio os maniacutepulos eram
parte de inovaccedilotildees tiacutepicas do periacuteodo da Primeira Guerra
283 Um excelente exemplo (mas natildeo o uacutenico) eacute Keppie op cit p 19 284 Keppie op cit pp18-19 Daly pp 56-63 Brizzi op cit p 47
Louis Rawlings ldquoArmy and Battle During the Conquest of Italyrdquo In
Erdkamp op cit pp 55-58 Sage op cit pp 63-66
130
Samnita285 Apoacutes a linha de tropas levemente armadas
(leves) vinham os maniacutepulos de hastati (os que portavam a
hasta ou lanccedila curta) seguidos pelos maniacutepulos de
principes e por uma terceira linha os maniacutepulos de triarii
(homens mais velhos ndash e experientes - que entravam em cena
no caso de desorganizaccedilatildeo das duas primeiras linhas) Por
fim Tito Liacutevio menciona rorarii (lit tropas levemente
armadas) e accensi (lit tropas reservas) grupos de
soldados levemente armados dispostos como uacuteltima forccedila de
reserva O relato de Tito Liacutevio contudo embora seja de
grande valor natildeo eacute normalmente visto com precisatildeo
histoacuterica desejaacutevel preferindo-se a narrativa do
historiador cuja autoridade nos assuntos militares eacute
inquestionaacutevel Poliacutebio286
De acordo com Poliacutebio em sua detalhada descriccedilatildeo da
organizaccedilatildeo do exeacutercito romano a legiatildeo romana (jaacute no
periacuteodo da Segunda Guerra Puacutenica isto eacute entre 218 e 201
aC) contava com 4200 homens podendo atingir o nuacutemero de
5000 em situaccedilotildees de emergecircncia O processo seletivo
(dilectus ou simplesmente ldquoseleccedilatildeordquo) incorporava homens
entre 17 e 46 anos com propriedade avaliada acima dos 400
denaacuterios apoacutes a avaliaccedilatildeo das habilidades necessaacuterias ao
serviccedilo Ao soldado de infantaria era pago um stipendium
criado para cobrir os prejuiacutezos que supunham o afastmento
de casa perfazendo no tempo de Poliacutebio um total de 120
denaacuterios por ano Os cavaleiros por sua vez recebiam
mais cerca de 365 denaacuterios por ano o que considerava
tanto a sua origem social quanto os custos com o cavalo
Feita a seleccedilatildeo a legiatildeo era dividida da seguinte maneira
(a) os velites formados pelos mais jovens e pobres (b) os
hastati formados pelos mais jovens e pobres depois dos
velites (c) os principes formados pelos ldquopreeminentesrdquo
285 Tito Liacutevio 88-10 286 A referecircncia eacute Polib 619-42
131
(d) os triarii os mais maduros e experientes dos soldados
Os hastati e os principes compunham 2400 homens no total
(10 maniacutepulos de 120 homens cada) acompanhados por 600
triarii (10 maniacutepulos de 60 homens cada) e por deduccedilatildeo
1200 velites Os velites prossegue Poliacutebio eram armados
com espadas lanccedilas de arremesso e um pequeno escudo
circular (parma) Os hastati e os principes encontravam-se
normalmente equipados com duas lanccedilas (pila) cada uma
espada curta (gladius) que era a principal arma do
legionaacuterio e equipados com escudo oval peitoral de
bronze elmo e grevas Os triarii eram equipados da mesma
forma exceto pelo armamento ao inveacutes do pilum o triarius
portava a hasta lanccedila perfurante que natildeo poderia ser usada
para arremesso e era portanto usada no combate corpo-a-
corpo
A cavalaria totalizava 300 homens divididos em 10
turmae de 30 homens cada uma sob o comando de 3 decuriotildees
e equipadas com longos escudos circulares lanccedilas longas e
couraccedila de tecido De modo geral a legiatildeo era disposta em
formato de ldquotabuleiro de xadrezrdquo com os velites agrave frente
de todos os legionaacuterios para a accedilatildeo de escaramuccedila tendo os
hastati principes e triarii organizados em trecircs linhas
subsequumlentes de maneira a permitir a substituiccedilatildeo dos
homens da frente pelos de traacutes devido aos pequenos espaccedilos
propiciados pela formaccedilatildeo A cavalaria como no caso grego
era colocada nas alas como proteccedilatildeo dos flancos
132
423 A batalha de Heracleia (280 aC)
Leacutevecircque sustentou que a postura ofensiva romana ao
reunir as tropas sob Valeacuterio Levinus e marchar
imediatamente contra Pirro tinha trecircs objetivos claros
(1) desferir um golpe decisivo antes que o epirota pudesse
coletar todo o apoio esperado (2) conter uma possiacutevel
revolta das cidades gregas de Regium Locres e Croton ldquoa
quem a chegada do rei podia fazer pesar sua adesatildeo agrave causa
romanardquo e (3) lanccedilar a guerra para longe das terras
submetidas pelos romanos o que natildeo comprometeria a
lealdade desses povos a Roma287 Plutarco nos diz algo
interessante a respeito da reaccedilatildeo de Pirro agrave investida
romana algo que evidencia ainda mais as suas intenccedilotildees
monaacuterquicas heleniacutesticas as quais podem ser encontradas
desde o iniacutecio da sua expediccedilatildeo mesmo antes de se decidir
pela Siciacutelia
Ao ser informado que Levinus o cocircnsul romano se
aproximava com numeroso exeacutercito tendo saqueado a
Lucacircnia no trajeto Pirro natildeo havia ainda se juntado
aos seus aliados mas por julgar ser algo intoleraacutevel
ter de aguardar enquanto seus inimigos avanccedilavam
partiu da cidade com suas tropas []288
A postura de Pirro indica ao menos nessa ocasiatildeo que
o ldquodeverrdquo de lideranccedila de um monarca heleniacutestico (mesmo que
ele somente ambicionasse a monarquia de tipo oriental) era
mais relevante que a uniatildeo completa das tropas pela qual
ele aguardava ou ainda que ele julgava ser possiacutevel vencer
os ldquobaacuterbarosrdquo sem ter reunido todas as suas forccedilas jaacute que
povos militarmente desorganizados por mais belicosos que
fossem natildeo eram paacutereo para os gregos como Alexandre havia
287 Leacutevecircque Pirro p 318
288 Plut Pirro 164 πεὶ δὲ Λαιβῖνος ὁ τν Ῥωμαίων ὕπατος ἠγγέλλετο πολλῆ στρατιᾷ
χωρεῖν ἐπ ατόν ἅμα τὴν Λευκανίαν διαπορθν οδέπω μὲν οἱ σύμμαχοι παρσαν ατῶ δεινὸν δὲ ποιούμενος ἀνασχέσθαι καὶ περιιδεῖν τοὺς πολεμίους ἐγγυτέρω προϊόντας ἐξλθε μετὰ τς δυνάμεως []
133
mostrado em sua expediccedilatildeo asiaacutetica Que essa ideacuteia tenha
ocorrido a Pirro parece plausiacutevel principalmente ao
analisarmos um evento imediatamente posterior de sua marcha
contra os romanos quando o rei observou admirado (ἐθαύμασε)
ldquoa disciplina as sentinelas a sua ordem e o arranjo de
seu acampamentordquo (τάξιν τε καὶ φυλακὰς καὶ κόσμον ατν καὶ τὸ σχμα τς
στρατοπεδείας) dizendo ao seu amigo mais proacuteximo em
conclusatildeo que ldquoa disciplina desses baacuterbaros natildeo eacute
baacuterbarardquo289
Acampamentos montados ambos os lados estavam prontos
para o combate Pirro contava de acordo com Justino com
exeacutercito inferior em nuacutemero ainda que natildeo saibamos os
efetivos concretos dos romanos290 Para o desenrolar da
batalha embora Justino forneccedila o referido indiacutecio sobre a
inferioridade numeacuterica de Pirro as principais fontes satildeo
Plutarco e Dioniacutesio de Halicarnasso291 ambos com acesso ao
que parece aos relatos de duas tradiccedilotildees bastante
distintas Tornou-se consenso haacute muito tempo entre os
historiadores que Plutarco para a batalha em questatildeo
empregou basicamente o relato de Hierocircnimo292 intercalando
o mesmo com anedotas originadas na tradiccedilatildeo analiacutestica as
quais Dioniacutesio utiliza com frequumlecircncia293 Isso explicaria
tanto a versatildeo inteligiacutevel da batalha (o que natildeo eacute um traccedilo
comum nas biografias de Plutarco) quanto a presenccedila de
algumas imagens bastante favoraacuteveis aos romanos e pouco
289 Plut Pirro 167
290 Justino 181 Nec rex tametsi numero militum inferior esset []
Gaetano De Sanctis Storia dei Romani Milan Fratelli Boca 1907 P
392 supotildee que tenham sido somente duas presumindo que ateacute 4 legiotildees
eram normalmente divididas entre os cocircnsules Leacutevecircque Pirro 1957
P322 em contrapartida eacute mais otimista quanto agrave extensatildeo das tropas
de Levinus acreditando que podem ter sido 8 em Heracleia Essas satildeo
contudo suposiccedilotildees baseadas num possiacutevel nuacutemero de legiotildees sob um
uacutenico cocircnsul durante a fase intermediaacuteria da Repuacuteblica uma vez que as
fontes silenciam sobre esse caso em particular 291 Plut Pirro 16-17 e Dioniacutesio 1911-12
292 Plut Pirro 174 Cf Rudolf Schubert Geschichte des Pyrrhus
Koumlnigsberg Wilh Koch 1894 P 176 293 Leacutevecircque Pirro p323
134
criacuteveis do ponto de vista histoacuterico Notemos por exemplo
o retrato pitoresco do episoacutedio de espionagem epirota o
qual precedeu a batalha propriamente dita da forma como
registrado em Dioniacutesio
Levinus o cocircnsul romano tendo capturado um espiatildeo de
Pirro armou e dispocircs todo o exeacutercito em formaccedilatildeo de
batalha (εἰς τάξιν καταστήσας) e apoacutes mostraacute-lo ao espiatildeo ordenou que ele contasse toda a verdade sobre o que
tinha visto [] informando que Lavinus o cocircnsul
romano solicitava que ele [Pirro] natildeo enviasse mais
homens secretamente como espiotildees mas que viesse em
pessoa abertamente (φανερς) para ver o poder dos
romanos (ἰδεῖν τε καὶ μαθεῖν τὴν Ῥωμαίων δύναμιν)294
Pirro decidiu aguardar os reforccedilos de seus aliados numa
das margens do Siris onde estacionou um destacamento grego
para assegurar que os romanos natildeo atravessassem o rio
Estes no entanto mandaram parte de sua infantaria
(provavelmente aliada) cruzar o Siris por um vau enquanto
a cavalaria avanccedilava por diversos outros pontos rasos
expondo os gregos ao risco do envolvimento completo o que
de acordo com Plutarco os fez recuar295 Ao ver que seus
homens bateram em retirada Pirro ordenou aos oficiais que
pusessem a falange em linha enquanto ele proacuteprio como
Alexandre no comando de seus 3000 cavaleiros investiu
contra os romanos na expectativa de que eles se
desordenassem com a ofensiva montada Nem os cavaleiros
puderam romper a ordem das legiotildees com sua ldquoteatralizaccedilatildeo
ofensivardquo (uma vez que natildeo entraram de fato em choque com
o centro da formaccedilatildeo romana) nem o subsequumlente choque com
a falange pocircs os legionaacuterios a correr diferentemente do
que Alexandre havia feito aos persas Relata-nos Plutarco
que foram sete as reviravoltas no desenrolar do confronto
entre as duas infantarias informaccedilatildeo que ele provavelmente
294 Dionisio 1911 Cf tambeacutem Zonaras 836 e Frontino 477
295 Plut Pirro 165
135
obteve de Hierocircnimo296 e que nos permite deduzir a
ocorrecircncia de quatro ataques de Pirro e de trecircs contra-
ataques de Levinus (presumindo que a primeira reviravolta
soacute pode ter sido favoraacutevel aos epirotas jaacute que ao final
eles saiacuteram vitoriosos) Numa das alas provavelmente a
direita o rei sofreu o ataque da cavalaria inimiga mas
venceu apoacutes penoso embate com as tropas montadas de
Oblacus297 Na outra ala Pirro fez avanccedilar os elefantes
que aterrorizaram natildeo somente a cavalaria romana mas
tambeacutem os legionaacuterios mais ao centro Com o moral abalado
e contando ainda com o descontrole dos cavalos inimigos
(que natildeo estavam acostumados aos elefantes) a cavalaria
tessaacutelia foi enviada para encerrar a resistecircncia nessa ala
provocando a exposiccedilatildeo dos dois flancos romanos e julgo
que no mesmo momento a fuga completa da infantaria ao
centro Parece bem provaacutevel por uacuteltimo que os legionaacuterios
tenham corrido exatamente no momento do avanccedilo dos
elefantes do contraacuterio com ambas as alas derrotadas o
exeacutercito ao centro teria sido facilmente esmagado ou
forccedilado a se entregar como vimos em diversos casos nas
batalhas dos Diaacutedocos
A tradiccedilatildeo analiacutestica inventou um termo ldquohistoacutericordquo
para a vitoacuteria de Pirro obtida com muito esforccedilo e sem
consequumlecircncias desastrosas para o derrotado tratava-se de
uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo ou como nos diz Diodoro cadmeacuteia298
De acordo com Caacutessio Dio Zonaras e Justino299 a fama
surgiu apoacutes Heracleia segundo Plutarco300 apoacutes a batalha
de Aacutesculo (o que representa um erro por parte do bioacutegrafo
296 Plut Pirro 171
297 Plutarco (Pirro 168) e Dioniacutesio (1912) mencionam um ataque de
caraacuteter pessoal liderado por Oblacus que estava decidido a abater o
rei em primeiro lugar Segundo a tradiccedilatildeo Leonnatus um dos
companheiros de Pirro percebeu a intenccedilatildeo de Oblacus e salvou seu rei
da morte em batalha 298 Diod 226
299 Dion Cassio 940 Zonaras 83 Justino 181
300 Plut Pirro 219
136
jaacute que o balanccedilo geral dos nuacutemeros que caracterizam uma
vitoacuteria piacuterrica eacute apresentado por ele apoacutes Heracleia)
Apesar das diferenccedilas na dataccedilatildeo precisa do termo atribuiacutedo
agrave vitoacuteria de Pirro todas as nossas fontes parecem
concordar com uma vitoacuteria relativa sobre os romanos Ora
como vimos na breve anaacutelise da batalha de Heracleia os
resultados foram bastante francos e decisivos de maneira
que somente uma explicaccedilatildeo soa-nos plausiacutevel para a
propagaccedilatildeo da ldquovitoacuteria piacuterricardquo entre os antigos todas as
fontes posteriores mencionadas empregaram a tradiccedilatildeo
analiacutestica para a mediccedilatildeo dos resultados da batalha sendo
que os autores romanos tinham por objetivo encobrir tamanha
desgraccedila para a sua memoacuteria Note-se por exemplo que
segundo Plutarco Dioniacutesio faz referecircncia a uma perda de
15000 homens para os romanos contra 13000 para Pirro ao
passo que Hierocircnimo autor de maior validade para o estudo
da batalha como vimos considerando-se a probabilidade de
ter acessado as Memoacuterias do rei indica uma perda de 7000
homens para Levinus contra 4000 para o epirota301 Aceitos
os nuacutemeros de Hierocircnimo pelos motivos mencionados natildeo haacute
razatildeo para crer que a vitoacuteria em Heracleia tenha sido de
fato uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo devendo-se essa expressatildeo agraves
intenccedilotildees de minimizar a vergonha romana por parte da
tradiccedilatildeo analiacutestica
301 Plut Pirro 174 Leacutevecircque Pirro p 328
137
424 A batalha de Aacutesculo (279 aC)
Eventos de ordem militar e diplomaacutetica seguiram-se agrave
batalha de Heracleia Motivado por uma tentativa de
submissatildeo dos romanos por vias diplomaacuteticas Pirro enviou
Cineas a Roma com autorizaccedilatildeo para estabelecer um acordo
possivelmente antes de sua marcha para os arredores da
cidade (aceitando-se um padratildeo de envio preacutevio do
diplomata como ocorreraacute na Siciacutelia dois anos depois) o
que pode ter ocorrido dependendo da tradiccedilatildeo adotada
antes ou depois do envio de sua embaixada302 Presentes
foram oferecidos e segundo Plutarco todos recusados
termos bastante razoaacuteveis foram propostos pautados
basicamente na ldquoamizade poliacuteticardquo e desistecircncia da
conquista de Tarento pelos romanos sendo todos eles mais
uma vez postos de lado303 Alguns senadores estavam
inclinados a aceitar a paz julgando que um exeacutercito ainda
mais numeroso (reforccedilado com os aliados receacutem-chegados de
Pirro) recairia sobre Roma e mesmo tendo momentaneamente
recusado o que lhes propunha Cineas comeccedilavam a considerar
os termos do acordo epirota quando decidiram finalmente
motivados pelo discurso de Aacutepio Claacuteudio pela continuaccedilatildeo
do embate e da negociaccedilatildeo de resgate dos prisioneiros
certamente por que julgavam ser capazes de vencer Pirro com
as forccedilas restantes (o que natildeo ocorreria se as legiotildees
302 Plutarco (Pirro 18-19) menciona os eventos na seguinte ordem
Heracleia ndash marcha para Roma ndash embaixada ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros
ndash Aacutesculo Apiano (Samn 10-11) apresenta uma versatildeo distinta
Heracleia ndash embaixada ndash marcha para Roma ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros
ndash Aacutesculo Justino (181 182) somente menciona Heracleia a
libertaccedilatildeo dos (200) prisioneiros e Aacutesculo exatamente nessa ordem
Note que a omissatildeo da marcha para Roma pode ter se dado devido ao uso
uacutenico da tradiccedilatildeo analiacutestica 303 Plut Pirro 182 Variaccedilotildees do que propocircs Cineas aos romanos satildeo
encontradas na tradiccedilatildeo liviana segundo a qual Pirro teria oferecido
a libertaccedilatildeo dos prisioneiros e exigido amizade e alianccedila dos romanos
bem como autonomia dos aliados gregos e baacuterbaros em Apiano Samn
101 para quem os termos do acordo resumiam-se ao seguinte
libertaccedilatildeo dos prisioneiros paz com o povo romano incluindo Tarento
no armistiacutecio autonomia das cidades italiotas e restituiccedilatildeo completa
dos territoacuterios aos lucanianos brutianos samnitas e daunianos (na
regiatildeo da Apulia) Ver o quadro geral em Leacutevecircque Pirro p 348
138
tivessem sido enviadas como normalmente faziam os
cartagineses com seu exeacutercito ateacute 307 aC de uma uacutenica
vez sem a formaccedilatildeo de forccedilas de reserva)
Com a decisatildeo inesperada dos romanos Pirro teria que
proceder agrave conquista sistemaacutetica de toda a Peniacutensula para
entatildeo forccedilar Roma aos seus termos que certamente natildeo
seriam tatildeo brandos quanto os primeiros O rei partiu para a
cidade de Aacutesculo situada numa regiatildeo (Apuacutelia) que
diferentemente daquela de Heracleia natildeo facilitaria o uso
das tropas montadas e obviamente dos elefantes Em
Aacutesculo Pirro contava jaacute com a infantaria e a cavalaria
samnita brutiana lucaniana e tarentina304 Aqui surgem
duas possibilidades para o desenvolvimento da batalha a
primeira delas seguindo o relato de Hierocircnimo (novamente
citado por Plutarco) menciona duas batalhas em Aacutesculo a
segunda de acordo com Dioniacutesio (igualmente citado pelo
bioacutegrafo) faz referecircncia a somente uma longa batalha305
Como anteriormente tambeacutem para a batalha de Aacutesculo parece-
nos mais apropriado o relato de Hierocircnimo dada a
quantidade de detalhes apresentados e a reputaccedilatildeo do
historiador em questatildeo Aleacutem disso a adequaccedilatildeo dos nuacutemeros
continua sendo tal como em Heracleia mais plausiacutevel na
tradiccedilatildeo grega Plutarco nos informa que apoacutes encerrado um
conflito inicial entre as duas infantarias (o que se deduz
pela inadequaccedilatildeo do terreno ao uso de cavaleiros) ambos os
exeacutercitos se retiraram do combate por um dia (ou cerca de
12 horas uma vez que abriram matildeo do combate segundo
Plutarco ao anoitecer) No dia seguinte contudo
intencionado a trazer a luta agrave parte nivelada do terreno
onde poderia empregar seus elefantes e cavaleiros Pirro
ocupou as porccedilotildees mais desniveladas com suas tropas
ligeiras (dardeiros e arqueiros) fazendo-as atirar
304 Leacutevecircque Pirro p 391
305 Plut Pirro 215-8
139
projeacuteteis na maior intensidade possiacutevel forccedilando com essa
manobra o deslocamento do combate para o local que lhe era
mais favoraacutevel Com o passar do tempo de combate frontal a
falange macedocircnica comeccedilou a empurrar as legiotildees ao menos
num dos pontos que Plutarco nos faz crer ser o local onde
estava situado o rei306 O momento decisivo da batalha
contudo se deu novamente durante a investida dos
elefantes que os romanos ainda natildeo haviam aprendido a
combater Apoacutes o avanccedilo dos paquidermes provavelmente em
ambas as alas os romanos natildeo puderam se manter em
formaccedilatildeo o que resultou uma vez mais na vitoacuteria do rei
do Epiro sobre Roma Hierocircnimo menciona de acordo com
Plutarco uma perda de 6000 homens para os romanos contra
3505 homens do lado epirota segundo os proacuteprios
comentaacuterios das Memoacuterias de Pirro (que o historiador de
Caacuterdia pocircde certamente consultar)307 Dioniacutesio em
contrapartida sequer admitiu uma derrota romana
mencionando natildeo somente que os suprimentos de Pirro havia
sido saqueada mas tambeacutem que as perdas foram equivalentes
perfazendo um total de 15000 mortos para cada lado
A partir desta batalha se seguirmos os eventos do modo
como apresentado pela tradiccedilatildeo grega podemos concluir sem
exagero que os convites recebidos tanto da Siciacutelia308 quanto
da Macedocircnia309 foram plenamente baseados em sua receacutem-
adquirida reputaccedilatildeo poliacutetica e militar Da mesma forma a
decisatildeo de partir para a Siciacutelia como o liacuteder pelo qual os
306 Uma reconstruccedilatildeo moderna sobre o possiacutevel ordenamento da batalha
encontra-se em Oswald Andreas Hamburger Untersuchungen uumlber den
pyrrhischen Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927 P 31 307 Plut Pirro 218
308 Como detalhado acima no item ldquoPirro e o problema da monarquia
heleniacutesticardquo 309 Alguns povos celtas encontravam-se novamente em processo migratoacuterio
a julgar pelos nuacutemeros apresentados por Diodoro (229) tendo
derrotado Ptolomeu Ceraunus filho de Ptolomeu I durante a invasatildeo da
Macedocircnia ldquoBreno o rei dos gauleses acompanhado por 150000
soldados de infantaria armados com escudo longo (θυρεοφόρων) e 10000 cavaleiros juntos com uma horda de seguidores mercadores e duas mil
carroccedilas invadiram a Macedocircnia []rdquo
140
siciliotas aguardavam desde a morte de Agaacutetocles configurou
o contexto peninsular de uma forma completamente diferente
do que seria se o epirota prosseguisse com as campanhas
contra os romanos Se no teacutermino das lutas Roma teria sido
subjugada nunca saberemos (isso nos seria possiacutevel somente
como exerciacutecio retoacuterico) mas parece niacutetido que as decisotildees
posteriores de Pirro tenham sido baseadas na sua reputaccedilatildeo
em suas vitoacuterias sobre os romanos e no que ele poderia
realizar em termos de feitos grandiosos (tais como a
helenizaccedilatildeo completa da Siciacutelia e a conquista de Cartago)
como monarca de aspiraccedilotildees heleniacutesticas e natildeo numa espeacutecie
de ato desesperado para salvar a expediccedilatildeo apoacutes duas
ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo durante as quais o espiacuterito militar
romano permaneceu inabalaacutevel como nos faz crer a tradiccedilatildeo
analiacutestica
141
CAPIacuteTULO 4 ndash AS DUAS FASES DAS INOVACcedilOtildeES MILITARES
EM CARTAGO
1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo
controle oligaacuterquico e fracasso da tirania em
Cartago 310-255 aC
A decisatildeo de transferir a guerra da Siciacutelia para a
Aacutefrica ainda que a porccedilatildeo grega da ilha estivesse em
condiccedilotildees bastante desfavoraacuteveis estava ancorada como
mostrei no capiacutetulo anterior no conhecimento de Agaacutetocles
sobre o despreparo do exeacutercito ciacutevico cartaginecircs o qual
teria forccedilosamente que entrar em combate com os experientes
mercenaacuterios do siracusano caso fossem pegos de surpresa em
sua proacutepria cidade ou nos arredores mas tambeacutem no
reconhecimento das tensotildees existentes entre a oligarquia
cartaginesa e seus generais As centenas de quilocircmetros que
separavam Cartago da porccedilatildeo oeste da Siciacutelia por vezes
tornavam os ldquorelatoacuteriosrdquo das accedilotildees cartaginesas na ilha
esporaacutedicos e imprecisos310
resultando na coexistecircncia de
dois fatores aparentemente excludentes
Em primeiro lugar destaca-se a autonomia dos generais
de exeacutercitos mercenaacuterios na Siciacutelia com liberdade para
realizar tratados de paz e formar alianccedilas ainda que elas
tivessem que ser confirmadas posteriormente pelo Conselho
de Anciatildeos311
Em segundo lugar encontra-se o controle de
seu poder poliacutetico e militar pela oligarquia o que
frequumlentemente findava em puniccedilotildees financeiras deposiccedilatildeo
do cargo ou ateacute mesmo privaccedilatildeo de direitos ciacutevicos no caso
de derrota assim como deposiccedilatildeo e crucificaccedilatildeo dos
comandantes se confirmada aspiraccedilatildeo tiracircnica mesmo que em
310 Miles pp 146-148 311 Dexter Hoyos ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-218 BCrdquo
Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274 1994 Miles p 146
142
potencial A existecircncia dessa tensatildeo aparece por exemplo
em Diodoro ao mencionar o tratamento hostil dado aos
generais cartagineses pelos seus compatriotas
A causa baacutesica desse problema era a severidade dos
cartagineses ao infligir puniccedilotildees Em suas guerras eles
dispotildeem seus homens mais nobres (τοὺς [] ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν) no comando julgando que esses deveriam ser os primeiros a enfrentar o perigo em nome de toda a
cidade mas quando eles conquistam a paz [os
oligarcas] condenam os mesmos homens em julgamento
trazendo injustamente acusaccedilotildees contra eles por inveja
e os depotildeem com penalidades Portanto alguns desses
homens dispostos em posiccedilotildees de comando desertam
temendo os julgamentos nas cortes ao passo que outros
se lanccedilam agrave tirania (τινὲς δἐπιτίθενται τυραννίσιν)312
Isoacutecrates alguns seacuteculos antes de Diodoro afirmou que
entre os cartagineses ldquoas cidades [eram] governadas por uma
oligarquia mas os assuntos militares por um reirdquo (οἴκοι μὲν
ὀλιγαρχουμένους περὶ δὲ τὸν πόλεμον βασιλευομένους)313 Com isso o
312 Diod 20102-4 αἰτία δὲ μάλιστα τούτων ἡ πρὸς τὰς τιμωρίας πικρία τν Καρχηδονίων τοὺς γὰρ ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν ἐν μὲν τοῖς πολέμοις προάγουσιν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας νομίζοντες δεῖν ατοὺς τν ὅλων προκινδυνεύειν ὅταν δὲ τύχωσι τς εἰρήνης τοὺς ατοὺς τούτους συκοφαντοῦσι καὶ κρίσεις ἀδίκους ἐπιφέροντες διὰ τὸν φθόνον τιμωρίαις περιβάλλουσι διὸ καὶ τν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας ταττομένων τινὲς μὲν φοβούμενοι τὰς ἐν τῶ δικαστηρίῳ κρίσεις ἀποστάται γίνονται [τς ἡγεμονίας] τινὲς δ ἐπιτίθενται τυραννίσιν Nigel Bagnall The Punic Wars New York St Martin 2005 pp 9-11 Miles
op cit p 147 Cabe mencionar aqui o caso relatado em Diod 2310
quando Aniacutebal (natildeo o Barca) apoacutes a derrota na batalha naval de Mylae
durante a Primeira Guerra Puacutenica temendo a puniccedilatildeo oligaacuterquica
decidiu enviar um mensageiro a Cartago para perguntar aos oligarcas se
ele no comando de 200 embarcaccedilotildees deveria entrar em confronto com os
romanos que contavam apenas com 120 embarcaccedilotildees com a resposta
positiva dos entusiasmados compatriotas o mensageiro entatildeo contou que
foi exatamente essa a decisatildeo de Aniacutebal tendo ele no entanto
perdido a batalha para os romanos Diante disso concluiu o
mensageiro o general natildeo deveria ser punido uma vez que agiu como
todos julgavam ser correto O caso serve para ilustrar o receio dos
comandantes cartagineses quanto agraves puniccedilotildees do Senado mais do que
propriamente a severidade dos castigos Sobre a puniccedilatildeo senatorial
podemos destacar a crucifixatildeo como no caso do comandante cartaginecircs
crucificado pelos compatriotas apoacutes desistir de Messina com a chegada
de Aacutepio Claacuteudio cocircnsul romano enviado para dar suporte militar aos
mamertinos (Polib 111) De acordo com Poliacutebio os cartagineses
puniram seu general por sua falta de bom juiacutezo sobre as coisas
(νομίσαντες ατὸν ἀβούλως) e por abandonar a cidadela covardemente
(ἀνάνδρως προέσθαι τὴν ἀκρόπολιν) 313 Isocrates Nicocles 24 Dexter Hoyos (Unplanned Wars The Origins
of the First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de
143
orador aacutetico pretendia evidenciar a tensatildeo referida entre
oligarquia e generais algo existente mesmo antes do iniacutecio
do periacuteodo heleniacutestico Se no seacutecIV aC os generais eram
escolhidos entre os membros da elite poliacutetica314 a partir
do seacutecIII aC os mesmos passaram a ser eleitos pela
assembleacuteia popular315 o que certamente contribuiu para a
degradaccedilatildeo das relaccedilotildees entre oligarquia e comandantes
nomeados Contudo a despeito da progressiva hostilidade
entre os dois lados os oligarcas foram ainda capazes de
punir seus generais com severidade ao longo dos cem
primeiros anos do periacuteodo heleniacutestico O poder que a
oligarquia mantinha sobre os comandantes eacute evidente em
diversas ocasiotildees como a deposiccedilatildeo do general Hanatildeo o
Velho apoacutes sua derrota em Acragas em 263 aC316 Poliacutebio
natildeo menciona o que ocorreu com Hanatildeo dando atenccedilatildeo ao
impacto que a vitoacuteria romana teve no Senado em Roma mas
Diodoro nos relata que ldquoos cartagineses puniram Hanatildeo em
6000 moedas de ouro privando-o de seus direitos ciacutevicosrdquo
(Ἄννωνα δὲ οἱ Καρχηδόνιοι ἐζημίωσαν χρυσοῖς ἑξακισχιλίοις ἀτιμάσαντες)317
A principal razatildeo para o controle efetivo por parte dos
oligarcas reside no excelente funcionamento das
instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais cujo vigor permaneceu
ateacute o iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica devido agraves matildeos
severas da oligarquia (nas ldquofiguras senatoriaisrdquo e dos
Gruyter 1998 P150) destaca que com a ascensatildeo Baacutercida (periacuteodo que
natildeo seraacute tratado nesta tese) a repuacuteblica cartaginesa havia se
tornado de fato uma monarquia militar uma vez que o poder dos
Baacutercidas natildeo se reduzia agrave nova colocircnia hispacircnica estendendo-se aos
assuntos poliacuteticos em Cartago Ainda que essa interpretaccedilatildeo natildeo seja
universal (haacute evidecircncias da oposiccedilatildeo dos cartagineses agrave expediccedilatildeo de
Amiacutelcar em Apiano Guerra Anibaacutelica 24 e Zonaras 817) os autores
modernos tendem a aceitar a influecircncia Baacutercida em Cartago ou o seu
governo independente na Hispacircnia 314 Robert Drews ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan Eunomiardquo AJA
100 1979 P 55 315 Bagnall op cit p 9 316 Polib 118-19 Diod239 Zonaras 810 A batalha seraacute analisada
neste capiacutetulo precisamente no uacuteltimo item 317 Diod 239 Aqui decidi seguir estritamente a traduccedilatildeo de
Goldfather tradutor da Loeb que sugeriu ἀτιμάω como privaccedilatildeo dos
direitos ciacutevicos
144
sufetas)318
O preccedilo a se pagar como veremos neste
capiacutetulo seraacute o impedimento da formaccedilatildeo de uma ldquoescola
militar atualizadardquo na primeira metade do seacutecIII aC o
que atrasaraacute em termos taacuteticos o pensamento militar
cartaginecircs sendo o problema solucionado somente diante de
outra ameaccedila nos arredores de Cartago a expediccedilatildeo romana
liderada por Reacutegulo durante a Primeira Guerra Puacutenica
Poliacutebio menciona que as razotildees para a decadecircncia da
constituiccedilatildeo cartaginesa notada somente a partir da
Segunda Guerra Puacutenica319
resumem-se ao progressivo
desequiliacutebrio das suas instituiccedilotildees diminuindo
sensivelmente a autoridade da oligarquia frente agraves
assembleacuteias populares tendo ldquoa multidatildeo jaacute adquirido a
palavra final nas deliberaccedilotildees ao passo que em Roma o
Senado ainda a detinhardquo (τὴν πλείστην δύναμιν ἐν τοῖς διαβουλίοις παρὰ μὲν
Καρχηδονίοις ὁ δμος ἤδη μετειλήφει παρὰ δὲ Ῥωμαίοις ἀκμὴν εἶχεν ἡ σύγκλητος)320
Ao que tudo indica o periacuteodo localizado entre os primeiros
anos do seacutecIII aC quando a assembleacuteia popular passou a
escolher os generais cartagineses e o iniacutecio da Segunda
Guerra Puacutenica em 218 aC apresentou os uacuteltimos esforccedilos
de controle efetivo dos oligarcas que progressivamente
perdiam espaccedilo para a participaccedilatildeo democraacutetica ainda que
tivessem poder sobre a deposiccedilatildeo dos generais e jaacute nas
duas uacuteltimas deacutecadas do seacutecIII aC para uma poliacutetica da
irracionalidade321
Haacute basicamente duas referecircncias antigas sobre a
constituiccedilatildeo dos cartagineses a respeito da qual pouco se
318 Bagnall op cit p 12 eacute ainda mais incisivo ao dizer que ldquoo
aspecto mais marcante da constituiccedilatildeo cartaginesa era a sua
estabilidaderdquo 319 Polib 651 ldquoMas no momento em que eles embarcaram na Guerra
Anibaacutelica a constituiccedilatildeo dos cartagineses se degenerou ao passo que
a dos romanos progrediurdquo (κατά γε μὴν τοὺς καιροὺς τούτους καθ οὓς εἰς τὸν Ἀννιβιακὸν ἐνέβαινε πόλεμον χεῖρον ἦν τὸ Καρχηδονίων ἄμεινον δὲ τὸ Ῥωμαίων) 320 Polib 651 321 Ver Craige Brian Champion Cultural Politics in Polybius‟
Histories Berkeley University of California Press 2004 pp 117-
121 Miles pp 353-354
145
sabe A primeira e mais esclarecedora delas encontra-se em
Aristoacuteteles (Pol 1272b) portanto temporalmente distante
dos eventos pelos quais demonstramos interesse322
Ainda
assim o entendimento aristoteacutelico do sistema poliacutetico
cartaginecircs no seacutecIV aC deve ser o principal documento
considerado dado o bom julgamento de Aristoacuteteles para o
assunto e as condiccedilotildees miacutenimas de acesso aos relatos
antigos sobre as instituiccedilotildees poliacuteticas cartaginesas A
segunda delas pode ser encontrada como jaacute indicado acima
em Poliacutebio ligeiramente mais proacuteximo dos referidos eventos
que Aristoacuteteles considerando as suas funccedilotildees no ciacuterculo
dos Cipiotildees323 O relato de Poliacutebio contudo carece de
informaccedilotildees baacutesicas resumindo-se agrave demonstraccedilatildeo de como o
desequiliacutebrio no funcionamento das instituiccedilotildees permite a
ascensatildeo de outro poder estrangeiro (Roma) o que daria
ferramentas aos poliacuteticos gregos vindouros para a
compreensatildeo das instituiccedilotildees romanas Afinal sua ldquohistoacuteria
pragmaacuteticardquo se dirigia a uma audiecircncia grega (mas natildeo
somente) forccedilada a conviver sob o domiacutenio romano324
De acordo com Aristoacuteteles os cartagineses viviam sob
uma constituiccedilatildeo boa (Πολιτεύεσθαι δὲ δοκοῦσι καὶ Καρχηδόνιοι καλς) e
superior em muitos aspectos a todas as outras (καὶ πολλὰ
περιττς πρὸς τοὺς ἄλλους) assemelhando-se agraves constituiccedilotildees de
Creta e Esparta (as quais detinham peculiaridade notaacutevel
aos olhos do grego)325 O valor de uma boa constituiccedilatildeo diz
Aristoacuteteles pode ser encontrado quando ldquoos cidadatildeos
permanecem leais ao sistema poliacutetico e nenhum conflito
civil emerge em qualquer escala que valha a pena mencionar
nem qualquer um obteacutem sucesso em se pronunciar tiranordquo (τὸ
τὸν δμον διαμένειν ἐν τῆ τάξει τς πολιτείας καὶ μήτε στάσιν ὅ τι καὶ ἄξιον εἰπεῖν
322 Arist Pol 1272b 323 Polib 644 324 Polib 11 Frank William Walbank Polybius Berkeley and Los
Angeles University of California Press 1972 Daly P 81 325 Arist Pol 1272b Poliacutebio (651) ressalta a semelhanccedila com as
constituiccedilotildees de Roma e Esparta Ver Bagnall op cit p 13 Consolo
Langher pp 127-129
146
γεγενσθαι μήτε τύραννον) Da mesma forma que os espartanos os
cartagineses conheciam as refeiccedilotildees coletivas possuindo um
conselho similar ao dos eacuteforos326 mas composto por 104
homens tendo a vantagem de escolhecirc-los por meacuterito pessoal
(τὴν ἀρχὴν ἀριστίνδην) ao passo que em Esparta a eleiccedilatildeo se
dava entre os cidadatildeos ordinaacuterios Quanto aos dois sufetas
(ou magistrados vistos como reis)327 ambos vinham da mesma
famiacutelia e deviam assumir o cargo por eleiccedilatildeo e natildeo por
senilidade Aparentemente as decisotildees eram sempre tomadas
pelo Senado e pelos sufetas e os assuntos que deveriam ir
agrave assembleacuteia popular eram por eles escolhidos Uma vez que
a votaccedilatildeo fosse encaminhada ao povo (δμος) o Senado abria
matildeo de sua primazia momentaneamente sendo a assembleacuteia
popular investida de poder natildeo somente para escutar as
resoluccedilotildees do governo mas tambeacutem para pronunciar
julgamento sobre elas ldquoum direito que natildeo existia noutras
constituiccedilotildeesrdquo ([] ὅπερ ἐν ταῖς ἑτέραις πολιτείαις οκ ἔστιν) A
poliacutetica cartaginesa seria entatildeo parcialmente
democraacutetica mas com fortes elementos oligaacuterquicos os
quais eram mantidos pela forma de controle institucional
aristocraacutetica As pentarquias por exemplo encarregadas da
326 Poliacutebio menciona a existecircncia de dois reis um conselho de anciatildeos
como forccedila aristocraacutetica e um povo supremo nos assuntos que lhes
cabia 327 Para alguns historiadores os sufetas cartagineses desempenhavam
precisamente as funccedilotildees de um ldquoreirdquo (basileu para os gregos rex para
os latinos) ao passo que para outros a apariccedilatildeo do termo ldquobasileurdquo
quando as fontes mencionam sufetas cartagineses indica unicamente uma
aproximaccedilatildeo ao se traduzir o puacutenico sufeta Como nos lembra Yann Le
Bohec Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions du
Rocher 1996 pp29-31 ldquose a monarquia existiu em Cartago esse
regime desapareceu antes do iniacutecio do seacutecIII aCrdquo Entre os autores
que consideram os sufetas com funccedilotildees idecircnticas agravequelas desempenhadas
pelos reis destaca-se Gilbert Charles-Picard ldquoLes Sufegravetes de Carthage
dans Tite-Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-280
1963 O principal autor a se posicionar a favor de uma mera
aproximaccedilatildeo semacircntica eacute Maurice Sznycer ldquoLe Problegraveme de la royauteacute
dans le monde puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296
1981 Outros autores preferem se posicionar entre as duas
interpretaccedilotildees como no caso de Dexter Hoyos op cit p6 que
defende a plausibilidade de ambas embora opte por traduzir sufetas
como juiacutezes ldquoo reirdquo diz Hoyos ldquoalgumas vezes mencionado nos relatos
gregos pode ter sido uma magistratura separada ou talvez um sufeta
sob outro nomerdquo
147
eleiccedilatildeo dos membros do ldquoconselho dos 104 homensrdquo (senadores
responsaacuteveis por vigiar e reprimir quaisquer abusos por
parte do proacuteprio Senado) eram magistraturas natildeo
remuneradas sendo tanto a riqueza (τὸν πλοῦτον) quanto o
meacuterito (τς ἀρετς) elementos considerados na escolha dos
magistrados o que limitava o exerciacutecio poliacutetico das
pentarquias aos bem-nascidos jaacute que era impossiacutevel ao
homem pobre desfrutar do tempo necessaacuterio para o desempenho
adequado de seus deveres poliacuteticos Assim a eleiccedilatildeo por
riqueza seria oligaacuterquica e a eleiccedilatildeo por meacuterito
aristocraacutetica o que mantinha (durante bastante tempo) o
equiliacutebrio institucional tatildeo valorizado por Poliacutebio para
quem a populaccedilatildeo de Atenas iacutecone do governo puramente
democraacutetico se assemelhava a ldquoum navio sem comandanterdquo
(τοῖς ἀδεσπότοις σκάφεσι)
O uacutenico caso heleniacutestico (entre 323-237 aC)
registrado nas fontes de aspiraccedilatildeo frustrada ao poder
tiracircnico em Cartago se daacute em 310 aC com Bomiacutelcar um dos
strategoi nomeados pelo conselho cartaginecircs frente ao
reconhecimento da inesperada expediccedilatildeo africana de
Agaacutetocles328
Ao eleger Bomiacutelcar juntamente com Hanatildeo o
outro strategos tendo ciecircncia de que ambos advinham de
famiacutelias rivais o conselho cartaginecircs pretendia de acordo
com Diodoro manter a seguranccedila da cidade (τς πόλεως
ἀσφάλειαν) isto eacute o perfeito funcionamento de suas
instituiccedilotildees tradicionais crendo que a desconfianccedila
pessoal e a inimizade muacutetua (τὴν ἰδίαν τούτοις ἀπιστίαν καὶ διαφορὰν
κοινὴν) dos generais inibiriam qualquer tentativa de
ascensatildeo ao poder tiracircnico pelo monopoacutelio dos exeacutercitos329
O conselho prossegue o historiador siciliano se equivocou
em sua decisatildeo uma vez que Bomiacutelcar aproveitou a
oportunidade de sua nomeaccedilatildeo ao cargo de strategos para
328 Diod 2010 Meister CAH 7 p395 Consolo Langher pp 139-141
Justino 226 menciona Hanatildeo como o uacutenico comandante dos cartagineses 329 Diod 2010
148
levar adiante um plano de instauraccedilatildeo da tirania o qual
havia sido como encontramos na fonte previamente
concebido Antes da chegada de Agaacutetocles na Aacutefrica faltava
ao cartaginecircs tanto autoridade (ἐξουσίαν) quanto ocasiatildeo
adequada (καιρὸν οἰκεῖον) uma vez nomeado um dos generais
responsaacuteveis pelo combate contra os gregos na Aacutefrica ambos
os preacute-requisitos lhe foram proporcionados Em primeiro
lugar de posse de parte do exeacutercito cartaginecircs bastava
eliminar seu colega e rival o que considerando o estado
das relaccedilotildees entre os dois seria feito sem grandes
impedimentos Em segundo lugar a presenccedila grega na Aacutefrica
serviria de justificativa para quaisquer acusaccedilotildees de mau
funcionamento das instituiccedilotildees tradicionais o que em
diversas ocasiotildees foi tomado como pontapeacute inicial para a
emergecircncia dos poderes tiracircnicos no mundo grego Em campo
de batalha apoacutes ouvir que seu rival havia sido derrotado
pelos siracusanos Bomiacutelcar tentou forccedilar um recuo
prematuro de sua ala o que induziria a retirada de todo o
exeacutercito acreditando que com isso teria natildeo somente o
controle das tropas mas tambeacutem o desentendimento e
consequumlente submissatildeo do conselho Essa loacutegica encontra
evidecircncia em Diodoro
Se o exeacutercito de Agaacutetocles fosse destruiacutedo ele natildeo
seria capaz de realizar o seu plano rumo agrave supremacia
uma vez que os cidadatildeos permaneceriam fortes mas se o
primeiro vencesse e destruiacutesse o orgulho dos
cartagineses os derrotados seriam faacuteceis de manipular
e ele [Bomiacutelcar] poderia derrotar Agaacutetocles prontamente
quando desejasse fazecirc-lo330
330 Diod 2012 [] εἰ μὲν ἡ μετὰ Ἀγαθοκλέους διαφθαρείη δύναμις μὴ δυνήσεσθαι τὴν ἐπίθεσιν ποιήσασθαι τῆ δυναστείᾳ τν πολιτν ἰσχυόντων εἰ δὲ ἐκεῖνος νικήσας τὰ φρονήματα παρέλοιτο τν Καρχηδονίων εχειρώτους μὲν ἑαυτῶ τοὺς προηττημένους ἔσεσθαι τὸν δ Ἀγαθοκλέα ῥᾳδίως καταπολεμήσειν ὅταν ατῶ δόξῃ
149
O recuo taacutetico de Bomiacutelcar se transformou no entanto
em massacre e destruiccedilatildeo numerosa de seu exeacutercito331 jaacute que
as manobras heleniacutesticas de Agaacutetocles findaram no
envolvimento aparentemente parcial dos cartagineses em
fuga Diodoro um pouco mais agrave frente menciona em detalhes
como os cartagineses conseguiram suprimir a tentativa
desesperada de ascensatildeo tiracircnica por parte de Bomiacutelcar
que apoacutes a derrota para Agaacutetocles selecionou alguns de
seus homens e tentou tomar a proacutepria cidade de Cartago
inesperadamente
[] quando Bomiacutelcar havia revisado o seu exeacutercito no
que era chamada Nova Cidade a qual estava localizada a
uma curta distacircncia da Velha Cartago ele dispensou o
restante mas manteve aqueles com os quais podia contar
em sua revolta cerca de 500 cidadatildeos e 1000
mercenaacuterios e declarou-se tirano (ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον)332
Ao dividir seus homens em cinco unidades Bomiacutelcar
invadiu a cidade (que ainda natildeo tinha conhecimento de seus
planos) e exterminou aqueles que se opuseram aos seus
propoacutesitos Diante da calamidade os cartagineses pegaram
em armas e se apressaram em suprimir a traiccedilatildeo ciacutevica que
haviam sofrido em momento tatildeo delicado para a sua poliacutetica
externa Bomiacutelcar se dirigiu ao centro mercantil (τὴν ἀγορὰν)
e assassinou ainda muitos cidadatildeos desarmados sendo essa
accedilatildeo desesperada seguida pela ocupaccedilatildeo de construccedilotildees
proacuteximas ao mercado por parte dos defensores os quais
foram capazes devido ao posicionamento mais alto e
portanto favoraacutevel agrave defesa interna da cidade contra os
331 Diod 2013 menciona 1000 homens mortos do lado cartaginecircs embora
reconheccedila que outros autores mencionem ateacute 6000 ao passo que Justino
226 nos indica 3000 mortos do lado cartaginecircs Oroacutesio 46 sugere que
2000 cartagineses pereceram em batalha 332 Diod 2044 δ οὖν Βορμίλκας ἐξετασμὸν τν στρατιωτν ποιησάμενος ἐν τῆ καλουμένῃ Νέᾳ πόλει μικρὸν ἔξω τς ἀρχαίας Καρχηδόνος οὔσῃ τοὺς μὲν ἄλλους διαφκε τοὺς δὲ συνειδότας περὶ τς ἐπιθέσεως ὄντας πολίτας μὲν πεντακοσίους μισθοφόρους δὲ περὶ χιλίους ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον
150
homens de Bomiacutelcar de por fim ao que poderia representar a
falecircncia (mesmo que momentacircnea) de suas instituiccedilotildees
poliacuteticas tradicionais Apoacutes a rendiccedilatildeo dos traidores os
cartagineses enviaram os seus cidadatildeos mais velhos (πρέσβεις)
para o estabelecimento de um acordo e decidiram perdoar os
traidores que tiveram que ldquopagarrdquo o perdatildeo com serviccedilo
militar contra Agaacutetocles mas torturaram e mataram o seu
liacuteder Bomiacutelcar preservando assim ldquoa constituiccedilatildeo de seus
paisrdquo (τὴν πατρῴαν πολιτείαν)
Parece seguro dizer que o uacutenico caso registrado de
tentativa de instauraccedilatildeo da tirania em Cartago durante o
primeiro seacuteculo do periacuteodo heleniacutestico tinha propoacutesitos
puramente claacutessicos primeiramente por que a sua
classificaccedilatildeo como ldquoheleniacutesticardquo cairia diante da acusaccedilatildeo
de anacronismo de fato natildeo vejo maneira de um cartaginecircs
ter concebido seu poder em imitaccedilatildeo agrave monarquia de
Alexandre antes mesmo da autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos como
reis333
Aleacutem disso a experiecircncia cartaginesa aponta para o
modelo tiracircnico siciliano tardo-claacutessico sem qualquer
vivecircncia direta (ao menos nas esferas oligaacuterquica e
popular) com os valores monaacuterquicos heleniacutesticos Ainda que
Agaacutetocles tenha desenvolvido os princiacutepios de sua basileia
durante a expediccedilatildeo cartaginesa a configuraccedilatildeo de seu
poder natildeo se dirigia nem aos cartagineses nem aos cidadatildeos
em Siracusa como sustentamos no capiacutetulo anterior mas sim
agraves suas tropas mercenaacuterias que reconheceram seu poder no
episoacutedio da toga puacuterpura e que tinham condiccedilotildees a julgar
pelo tracircnsito mediterracircnico inerente agrave sua profissatildeo de
saber do que se tratava o poder reacutegio assumido por
Agaacutetocles alguns anos apoacutes a batalha de Tuacutenis em 310 aC
Embora tivessem empregado mercenaacuterios em larga escala a
esfera de atuaccedilatildeo poliacutetica dos cartagineses incluindo seus
generais permaneceu estritamente ligada aos modelos
333 Esse eacute o mesmo argumento que utilizei no cap3
151
claacutessicos tendo o uacutenico caso fracassado de ascensatildeo
tiracircnica no periacuteodo heleniacutestico ocorrido em 310 aC antes
mesmo do surgimento das monarquias heleniacutesticas
Apoacutes o episoacutedio de Bomiacutelcar a oligarquia cartaginesa
manteve-se como de costume precavida quanto agraves possiacuteveis
chances da emergecircncia de tiranias em Cartago As fontes natildeo
mencionam outro caso declarado de aspiraccedilatildeo tiracircnica mas
penso que podemos tomar ao considerar uma sistematizaccedilatildeo
das evidecircncias disponiacuteveis a reaccedilatildeo dos cartagineses ao
sucesso militar de Xantipo (o qual seraacute analisado em
detalhes mais agrave frente) como indiacutecio de precauccedilatildeo quanto a
uma ldquotirania em potencialrdquo o que serve em igual medida
para o meu argumento
As fontes fornecem histoacuterias bastante distintas sobre o
desaparecimento do general mercenaacuterio apoacutes serviccedilo prestado
aos cartagineses Comecemos com Poliacutebio
Xantipo a quem essa revoluccedilatildeo e esse notaacutevel avanccedilo
nos eventos relacionados a Cartago foram devidos apoacutes
pouco tempo navegou mais uma vez a Esparta sendo esta
uma decisatildeo muito prudente e bem pensada de sua parte
uma vez que suas realizaccedilotildees brilhantes e excepcionais
cultivariam a inveja mais profunda [] Estrangeiros
quando expostos a tais situaccedilotildees rapidamente sucumbem
e potildeem-se em perigo Haacute outro relato sobre a partida de
Xantipo o qual procurarei apresentar numa ocasiatildeo mais
apropriada que a atual334
Mas qual seria esse segundo relato mencionado por
Poliacutebio Parece possiacutevel dizer a partir do que narram
outras fontes que Poliacutebio estivesse se referindo agrave versatildeo
que encontramos com mais clareza nos fragmentos do livro
23 de Diodoro
334 Polib 136 Ξάνθιππος δὲ τηλικαύτην ἐπίδοσιν καὶ ῥοπὴν ποιήσας τοῖς Καρχηδονίων πράγμασιν μετ ο πολὺν χρόνον ἀπέπλευσεν πάλιν φρονίμως καὶ συνετς βουλευσάμενος αἱ γὰρ ἐπιφανεῖς καὶ παράδοξοι πράξεις βαρεῖς μὲν τοὺς φθόνους ὀξείας δὲ τὰς διαβολὰς γεννσιν [hellip] οἱ δὲ ξένοι ταχέως ἐφ ἑκατέρων τούτων ἡττνται καὶ κινδυνεύουσι λέγεται δὲ καὶ ἕτερος πὲρ τς ἀπαλλαγς τς Ξανθίππου λόγος ὃν πειρασόμεθα διασαφεῖν οἰκειότερον λαβόντες τοῦ παρόντος καιρόν
152
Xantipo o Espartano tambeacutem pereceu nas matildeos dos
siciliotas335 Proacuteximo a Lilibeu uma cidade dos
siciliotas [cartagineses] houve uma guerra entre
romanos e siciliotas guerra essa que continuou por 24
anos Os siciliotas tendo sofrido derrota em batalha
por diversas vezes ofereceram a submissatildeo de sua
cidade aos romanos Xantipo o Espartano que havia
chegado de Esparta com 100 soldados (ou sozinho ou com
50 soldados de acordo com vaacuterios autores) se
aproximou dos siciliotas enquanto eles ainda estavam
indecisos e apoacutes conversar com eles por meio de um
inteacuterprete finalmente os encorajou a fazer frente aos
inimigos Ele entrou em batalha com os romanos e com a
ajuda dos siciliotas massacrou todo o exeacutercito inimigo
Por seu bom serviccedilo prestado [Xantipo] recebeu uma
recompensa merecida e apropriada agravequele povo perverso
uma vez que os moralmente abominaacuteveis o enviaram numa
embarcaccedilatildeo defeituosa e a naufragaram nas aacuteguas do
Adriaacutetico como expressatildeo de seu ressentimento para com
o heroacutei e sua nobreza336
Os relatos posteriores apresentam mais ou menos uma das
duas versotildees Apiano relata o retorno de Xantipo a Esparta
ainda que a viagem tenha sido propositalmente organizada
pelos cartagineses para o extermiacutenio do general durante o
percurso de volta o que se deu com o arremesso de Xantipo
e seus compatriotas da embarcaccedilatildeo em mar aberto337
Os
fragmentos do livro 11 de Caacutessio Dio os quais foram
parcialmente preservados em Zonaras informam duas versotildees
possiacuteveis que sua embarcaccedilatildeo foi atacada pelos proacuteprios
cartagineses e que a embarcaccedilatildeo cedida a ele pelos
335 Apoacutes analisar todo o fragmento fica evidente que Diodoro trocou
(talvez por confusatildeo) em toda a passagem cartagineses por
siciliotas 336 Diod 2316 τοῖς Σικελοῖς καὶ Ξάνθιππος ὁ Σπαρτιάτης θνήσκει περὶ γὰρ τὸ Λιλύβαιον τν Σικελν τὴν πόλιν Ῥωμαίοις τε καὶ Σικελοῖς πόλεμος ἐκροτεῖτο πρὸς εἴκοσι καὶ τέσσαρας τοὺς χρόνους ἐξαρκέσας οἱ Σικελοὶ ταῖς μάχαις δὲ πολλάκις ἡττημένοι Ῥωμαίοις ἐνεχείριζον τὴν πόλιν εἰς δουλείαν τν δὲ Ῥωμαίων μηδαμς μηδ οὕτω πειθομένων ἀλλὰ γυμνοὺς τοὺς Σικελοὺς λεγόντων ἐξιέναι ὁ Σπαρτιάτης Ξάνθιππος ἐλθὼν ἀπὸ τς Σπάρτης σὺν στρατιώταις ἑκατόν ἢ μόνος καθ ἑτέρους κατ ἄλλους δὲ πεντήκοντα τοὺς στρατιώτας ἔχων καὶ προσβαλὼν τοῖς Σικελοῖς οὖσιν ἐγκεκλεισμένοις δι ἑρμηνέως τε ατοῖς πολλὰ συνομιλήσας τέλος θαρρύνει κατ ἐχθρν καὶ συναράξας μάχῃ ἅπαν Ῥωμαίων στράτευμα σὺν τούτοις κατακόπτει τοῖς εηργετημένοις δὲ τὴν ἀμοιβὴν λαμβάνει ἀξίαν καὶ κατάλληλον τς τούτων δυστροπίας πλοίῳ
σαθρῶ τὸν ἄνδρα γὰρ οἱ μιαροὶ βαλόντες πὸ στροφαῖς βυθίζουσι πελάγει τοῦ Ἀδρίου βασκήναντες τὸν ἥρωα καὶ τούτου τὸ γενναῖον 337 Apiano 81
153
cartagineses era velha e por esse motivo naufragaria
inevitavelmente natildeo fosse a percepccedilatildeo de Xantipo acerca do
que estava a ocorrer e a subsequumlente troca da embarcaccedilatildeo
por uma nova338
A despeito de alguns elementos divergentes parece
possiacutevel unificar os relatos de um modo bastante aceitaacutevel
Se tomarmos a informaccedilatildeo encontrada em Poliacutebio Diodoro
Apiano e Caacutessio Dio concluiacutemos que Xantipo apoacutes liderar
vitoriosamente os cartagineses decidiu regressar para
Esparta (ainda que algumas fontes natildeo mencionem abertamente
Esparta mas somente a embarcaccedilatildeo e as honrarias preparadas
pelos cartagineses como forma de agradecer os bons serviccedilos
prestados o que sugere o fim do ldquocontratordquo e portanto o
retorno do mercenaacuterio ao mundo grego) Se os cartagineses
afundaram abertamente a embarcaccedilatildeo ou apenas assassinaram
Xantipo tendo preservado o navio se o mesmo naufragou
devido ao seu estado propositalmente defeituoso ou ainda
se Xantipo foi capaz de chegar satildeo e salvo em Esparta
apesar das armadilhas preparadas torna-se a essa altura
informaccedilatildeo irrelevante dado que em todos os cenaacuterios
possiacuteveis os cartagineses natildeo teriam demonstrado a menor
intenccedilatildeo de tornar a viagem de volta de Xantipo bem-
sucedida
Por que Xantipo decidiu navegar de volta para a Greacutecia
apoacutes tamanho sucesso contra os romanos Xantipo
provavelmente sabia que a ascensatildeo do poder pessoal em
Cartago era um processo muito complicado e por essa razatildeo
natildeo demonstrou qualquer intenccedilatildeo de expandir sua autoridade
entre os cartagineses Todavia os motivos que levaram
Cartago a assegurar que a viagem de Xantipo fosse
desastrosa parecem claros como nos casos anteriores os
cartagineses se esforccedilaram em impedir qualquer ascensatildeo de
poder pessoal dos strategoi possivelmente por conta do que
338 Zonaras 1113
154
estavam habituados a ver na Siciacutelia grega Apoacutes ter
concluiacutedo a segunda reforma do exeacutercito cartaginecircs como
veremos mais agrave frente neste capiacutetulo Xantipo eacute tirado de
cena pelos cartagineses direta ou indiretamente de
maneira a fortalecer o argumento sobre a preocupaccedilatildeo
cartaginesa no que respeita agrave possiacutevel ascensatildeo de tiranos
em Cartago o que representaria um desequiliacutebrio fatal das
instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais
155
2 O exeacutercito cartaginecircs
Ao fornecer uma explicaccedilatildeo para a superioridade do
exeacutercito romano frente ao cartaginecircs Poliacutebio argumenta
que
Os cartagineses satildeo naturalmente superiores no mar
tanto em eficiecircncia quanto em equipamento por que a
navegaccedilatildeo eacute desde os primoacuterdios o seu ofiacutecio nacional
([] Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην) e eles se ocuparam com o mar mais do que
qualquer outro povo mas com relaccedilatildeo ao serviccedilo militar
em terra firme os romanos satildeo muito mais eficientes
De fato eles direcionaram toda sua energia ao assunto
ao passo que os cartagineses negligenciaram
inteiramente sua infantaria (Καρχηδόνιοι δὲ τν μὲν πεζικν εἰς τέλος ὀλιγωροῦσι) ainda que tenham se dedicado
ligeiramente agrave sua cavalaria A razatildeo para isto eacute que
as tropas por eles empregadas satildeo estrangeiras e
mercenaacuterias (ξενικαῖς καὶ μισθοφόροις) ao passo que as dos
romanos satildeo nativas e ciacutevicas (ἐγχωρίοις καὶ πολιτικαῖς)339
Da passagem de Poliacutebio podemos destacar natildeo somente
alguns dos traccedilos centrais para o estudo das evidecircncias
sobre o exeacutercito cartaginecircs (nomeadamente seu caraacuteter
mercenaacuterio e portanto agrave parte do desenvolvimento de uma
cultura militar ciacutevica) mas tambeacutem a ausecircncia de qualquer
tentativa de padronizaccedilatildeo das tropas em unidades taacuteticas
(excetuando o pequeno corpo ciacutevico chamado pelos gregos de
ieros lochos) que pudessem ser reconhecidas e treinadas
pelos generais em situaccedilotildees previamente ldquoensaiadasrdquo De
forma similar ao que ocorria com os persas as tropas que
combatiam pelos cartagineses seguiam os padrotildees
(equipamentos e taacuteticas) de suas regiotildees de origem a
exemplo dos fundeiros das ilhas Baleares ou dos cavaleiros
339 Polib 652
156
numiacutedios Parece mais profiacutecuo portanto realizar uma
anaacutelise do exeacutercito a partir de suas origens eacutetnicas340
Da Numiacutedia os cartagineses contavam com a sua melhor
cavalaria tropas montadas sem sela armadas com lanccedila de
arremesso e capazes de combater tanto em regiotildees
acidentadas quanto planas surpreendendo o inimigo por sua
precisatildeo e movimentaccedilatildeo raacutepida recursos que por vezes
foram empregados como elemento surpresa pelos generais
cartagineses mais capazes a exemplo de Aniacutebal Barca341
As
taacuteticas empregadas pelos numiacutedios uma vez que eram
cavalaria levemente armada com lanccedilas de arremesso
repousavam naturalmente numa loacutegica distinta daquela
encontrada entre os cavaleiros macedocircnios pesadamente
armados apostando no ldquoarremesso perioacutedicordquo de suas lanccedilas
e em recuos taacuteticos que evitavam a todo custo o choque
frontal com o inimigo Talvez por esse motivo os numiacutedios
tenham sido classificados pelos romanos como covardes
traiccediloeiros e com ldquoapetites mais violentos que quaisquer
outros baacuterbarosrdquo342
Os cartagineses contavam aleacutem dos numiacutedios com os
fundeiros das ilhas Baleares De maneira geral esses
homens eram organizados em corpos de 2000 soldados armados
com dois tipos de funda uma empregada para desferir
ataques contra um inimigo compacto marchando em meacutedia
distacircncia e outra para alvos individuais obviamente mais
proacuteximos que os primeiros343
Embora sua arma caracteriacutestica
seja a funda durante o primeiro contato com os
cartagineses344 alguns dos soldados baleaacutericos estavam
340 Griffith pp 207-233 Peter Connolly Greece and Rome at War
London Macdonald 1981 pp 148-152 Bagnall op cit pp8-11 Daly
pp 84-112 341 Bagnall op cit p 8 Daly pp 92-93 342 Tito Liacutevio 2541 2844 2923 3012 Daly p92 343 Estrabatildeo 35 Bagnall op cit pp 8-9 Daly p 107 344 Diod 1380 faz referecircncia a soldados baleaacutericos no exeacutercito
cartaginecircs para os finais do seacutecV aC Cf Steacutephane Gsell Histoire
ancienne de lAfrique du Nord (vol2) Paris Hachette 1914-1930 P
374 Daly p 107
157
armados com lanccedila de arremesso como nos informa Estrabatildeo
sendo normalmente pagos de acordo com Diodoro em mulheres
e vinho345
O pagamento mencionado em Diodoro claramente
induz agrave sua caracterizaccedilatildeo como tropas mercenaacuterias aleacutem do
historiador siciliano Poliacutebio faz referecircncia ao pagamento
dos soldados baleaacutericos durante a Revolta Mercenaacuteria (241-
237 aC) e posteriormente na batalha de Zama (202
aC)346
Os iberos tambeacutem desempenhavam papel importante na
composiccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs desde tempos anteriores agrave
consolidaccedilatildeo dos Baacutercidas Antes da investida Baacutercida na
Ibeacuteria ou Hispacircnia a presenccedila cartaginesa na regiatildeo
resumia-se a acordos comerciais e alianccedilas sendo alguns
iberos recrutados portanto como mercenaacuterios a serviccedilo de
Cartago347 Durante a Segunda Guerra Puacutenica ou mesmo um
pouco antes os soldados iberos passaram a servir como
contingente aliado ainda que alguns possam ter sido
recrutados unicamente como mercenaacuterios348 De onde
precisamente eles afluiacuteam eacute algo difiacutecil de mapear uma vez
que mesmo Estrabatildeo encontrou dificuldade em delimitar
geograficamente a Ibeacuteria ou Hispacircnia349 de seu tempo Jaacute na
eacutepoca da invasatildeo anibaacutelica Poliacutebio350 indica seguramente
que as tropas ibeacutericas enviadas agrave Aacutefrica advinham das
seguintes regiotildees Tersitae Mastiani Oretes ibeacuterica e
Olcades Talvez tais regiotildees tenham sido previamente
conhecidas pelos cartagineses e seu contato aumentado com
a ascensatildeo Baacutercida subsequumlente agrave Primeira Guerra Puacutenica
mas essas satildeo apenas suposiccedilotildees sem evidecircncias diretas nas
fontes
345 Diod 517 346 Polib 167 1511 Daly p 107 347 Heroacutedoto faz referecircncia aos iberos no livro 7165 Trata-se aqui
dos iberos da Hispacircnia natildeo os da regiatildeo do Caacuteucaso 348 Griffith pp 225-226 Daly p 95 349 Estrabatildeo 34 350 Polib 333
158
A grande contribuiccedilatildeo dos iberos para a arte da guerra
mediterracircnica residia em sua espada peculiar a todos os
povos conhecidos da regiatildeo peninsular a espada falcata Os
iberos empregavam basicamente dois tipos de espada mas
Poliacutebio descreve a que provocou impacto nos usos do
armamento romano particularmente na adoccedilatildeo do gladius
hispaniensis (o qual se tornou a principal arma de combate
corpo-a-corpo dos legionaacuterios possuindo cerca de 60 cm de
comprimento com dois lados cortantes e uma ponta)351
Os escudos dos iberos e celtas eram muito similares
mas suas espadas eram completamente diferentes (τὰ δὲ ξίφη τὴν ἐναντίαν εἶχε διάθεσιν) sendo aquelas dos iberos
perfurantes com a mesma fatalidade de quando usadas no
corte ([] τὸ κέντημα τς καταφορᾶς ἴσχυε πρὸς τὸ βλάπτειν)352
O maior nuacutemero de mercenaacuterios usados pelos cartagineses
era contudo de liacutebios provenientes da regiatildeo da atual
Tuniacutesia Griffith recorda que no seacutecVI aC353
os
cartagineses passaram gradualmente a confiar a defesa de
sua cidade em tropas aliadas e mercenaacuterias em sua maioria
formada por liacutebios354 A historiografia mais recente tem
observado que os liacutebios referidos por Heroacutedoto em Himera
(480 aC)355 deveriam ter estatuto de tropas pagas
considerando-se que a subjugaccedilatildeo de territoacuterios africanos
vizinhos pelos cartagineses eacute posterior agrave batalha de
Himera356 Aleacutem disso que os liacutebios tenham sido recrutados
como forma de tributaccedilatildeo com o decorrer da expansatildeo
territorial cartaginesa parece improvaacutevel a julgar pela
identificaccedilatildeo polibiana dos liacutebios com as demais tropas
351 Connoly op cit p150 Daly p 97 352 Polib 3114 353 Precisar a data eacute impossiacutevel 354 Griffith pp 207-208 355 Hdt 7165 356 Brian H Warmington Carthage New York Praeger 1960 P 40
Serge Lancel Carthage a history Oxford Cambridge MA Blackwell
1995 P 257 Daly p 84
159
seguramente mercenaacuterias357 Por fim o seu armamento era
basicamente a lanccedila e o escudo (o formato eacute assunto
controverso) sendo ambos empregados por infantaria
disposta em boa ordem o que por vezes levou historiadores
a acreditarem numa similaridade com o modelo hopliacutetico
grego358
No entanto quando Poliacutebio e outros autores
antigos mencionam organizaccedilatildeo em falange para tropas natildeo-
gregas o termo frequumlentemente indica apenas infantaria
pesadamente armada ou ldquoem massardquo sem precisar um corpo de
soldados dispostos na mesma loacutegica que regia a falange
hopliacutetica Os liacutebios lutavam por vezes como infantaria
coesa a exemplo do que Plutarco narra em Crimiso (340
aC) ocasiatildeo em que 10000 homens (entre liacutebios e
cartagineses) surpreenderam pela marcha compassada e em boa
ordem (τῆ βραδυττι καὶ τάξει τς πορείας)359 mas dificilmente
combatiam como hoplitas
Quanto aos elefantes os mesmos foram introduzidos na
arte da guerra do ocidente heleniacutestico por Pirro do Epiro
Alguns anos depois os paquidermes passaram a ser usados
pelos cartagineses que os adquiriam basicamente nos
arredores de Cartago e na costa do atual Marrocos embora
Aniacutebal Barca tenha ldquoimportadordquo alguns do Egito
ptolomaico360
Como explicado ao longo do cap2 os
elefantes tinham efeito desproporcional se considerado o
seu pequeno nuacutemero mas dependiam largamente de condiccedilotildees
favoraacuteveis ao seu uso Sendo um traccedilo da arte da guerra
heleniacutestica seraacute possiacutevel observar uma modificaccedilatildeo taacutetica
crucial no emprego dos elefantes pelos cartagineses apoacutes
Xantipo uma vez que os generais de Cartago tendiam a
empregaacute-los como forccedila de apoio agrave cavalaria ou como
357 Um exemplo claro encontra-se em Polib 167 358 Um bom exemplo eacute Le Bohec op cit pp 39-40 que questiona ateacute se
os cartagineses uma vez que combatiam em falange (argumento de Le
Bohec) teriam adotado a lanccedila macedocircnica (sarissa) 359 Plut Tim 27 360 Bagnall op cit p 9
160
ldquoguardiotildees da bagagemrdquo sem ter considerado o seu uso ao
centro (contra uma infantaria massificada) de modo
integrado com a investida montada nas alas
161
3 As primeiras inovaccedilotildees militares na Cartago
heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave
ameaccedila grega 310-307 aC
A incorporaccedilatildeo dos homens de Ophellas ao exeacutercito de
Agaacutetocles foi acompanhada como visto anteriormente pela
tentativa desesperada de ascensatildeo do poder tiracircnico em
Cartago a qual havia sido liderada por Bomiacutelcar Ambos os
eventos contudo natildeo possuiacuteam conexatildeo direta mas
provocaram sem duacutevida abalo consideraacutevel no moral do
exeacutercito cartaginecircs o que pode justificar como enfatizou
Meister o grande sucesso de Agaacutetocles ao tomar portos e a
cidade de Uacutetica a mais importante depois de Cartago apoacutes
longa resistecircncia de seus cidadatildeos361 Isso permitiria a
Agaacutetocles o estabelecimento de uma linha de comunicaccedilatildeo
permanente com a Siciacutelia o que se traduziria em peacutessimas
notiacutecias para os cartagineses Diante de situaccedilatildeo tatildeo
favoraacutevel contudo o siracusano teve que retornar agrave
Siciacutelia urgentemente levando consigo 2000 homens e
nomeando Arcagatos para o comando das tropas na Aacutefrica362
Sua partida se transformaraacute no iniacutecio de uma reviravolta na
expediccedilatildeo africana Ainda que seus oficiais (nomeadamente
Eumachos) tenham conseguido capturar algumas cidades
(incluindo Hippo Acra e Acris) subjugando parcialmente
povos nocircmades uma uniatildeo desses povos em prol de sua
liberdade e as adversidades das regiotildees africanas
provocaram o recuo dos gregos363
De fato Eumachos havia
conquistado excelente reputaccedilatildeo entre os homens de
Agaacutetocles ao retornar vitorioso de sua primeira campanha
mas a resistecircncia combinada dos nocircmades provocou a baixa de
muitos homens bem como o recuo imediato dos demais sendo
361 Diod 2043 Meister CAH 7 p 398 362 Diod 2055 Justino 228 363 Consolo Langher pp 219-226
162
impossiacutevel avanccedilar sobre os territoacuterios devido a sua
inospicidade natural364 Essa primeira mudanccedila na
perspectiva geral da expediccedilatildeo africana seraacute acompanhada do
que sustento ter sido uma reforma logiacutestica no exeacutercito
cartaginecircs
De acordo com Diodoro seguindo a traduccedilatildeo da Loeb o
Senado em Cartago recebeu bom conselho sobre a guerra (τς
γερουσίας ἐν Καρχηδόνι βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου καλς) e os senadores
decidiram formar trecircs exeacutercitos e enviaacute-los da cidade cada
um com destino proacuteprio sendo o primeiro contra as cidades
costeiras o segundo contra as regiotildees intermediaacuterias e o
terceiro contra as cidades no interior365
A partir disso a
guerra tomou outros rumos privando os gregos da vantagem
ateacute entatildeo assegurada a qual foi devida principalmente agrave
inexperiecircncia dos cartagineses frente aos homens ldquoeducados
na escola do perigordquo Seria possiacutevel presumir que algum
general mercenaacuterio em particular concretizado como
personagem histoacuterica da mesma forma que Xantipo alguns
anos mais tarde teria aconselhado o Senado cartaginecircs sem
ter com isso assumido qualquer posiccedilatildeo de comando o que
seria plausiacutevel se tiveacutessemos evidecircncias mais concretas
(tais como nomes) Essa situaccedilatildeo hipoteacutetica asseguraria
inclusive a traduccedilatildeo acima mencionada Mas o verbo
βουλευσαμένης tal qual aparece na citaccedilatildeo natildeo eacute a forma
passiva de βουλεύω (normalmente ldquoreceber ou tomar conselho
sobre algordquo)366 Noutras palavras nesse caso especiacutefico o
mais correto seria traduzir βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου como
ldquodeliberou [o proacuteprio Senado] sobre a guerrardquo o que pode
gerar a ilusatildeo se considerada somente a sintaxe do texto
364 Diodoro (2058) menciona uma montanha cheia de gatos selvagens
(πλήρους δ ὄντος αἰλούρων) e mais adiante uma ldquoterra dos siacutemiosrdquo
(Πιθηκοῦσαι νσοι) sendo a primeira ldquoinoacutespita inclusive aos paacutessarosrdquo e a segunda com costumes muito diferentes dos gregos 365 Diod 2059 366 A forma passiva seria βουλευθείσης Sobre esse esclarecimento sou
grato a Nicolas Bertrand membro da Faculdade de Liacutenguas e culturas
antigas da Universidade Lille 3
163
de que o Senado teria deliberado a partir de uma discussatildeo
entre os senadores apenas homens idosos sem qualquer
experiecircncia militar ignorando portanto aconselhamentos
de a uma pessoa ou grupo aleacutem dos proacuteprios senadores As
informaccedilotildees contidas em Diodoro todavia apontam
claramente para orientaccedilotildees de algueacutem militarmente
experiente capaz de dar uma reviravolta estrateacutegica na
guerra ao dividir o exeacutercito cartaginecircs em trecircs unidades
De acordo com Diodoro os cartagineses pensaram em
primeiro lugar que o envio de 30000 soldados aliviaria a
cidade da obrigaccedilatildeo de tantas provisotildees as quais eram jaacute
escassas a essa altura do conflito e eliminaria o risco do
cerco uma vez que o inimigo estaria ocupado com os
exeacutercitos avanccedilados Em segundo lugar eles concluiacuteram que
a lealdade de seus aliados seria assegurada se os mesmos
pudessem contar com o apoio de tropas cartaginesas as
quais desencorajariam qualquer traiccedilatildeo aos gregos algo
historicamente usual quando cidades aliadas militarmente
fracas punham-se diante da presenccedila superior das tropas
inimigas e do descaso de seus aliados Por uacuteltimo a
terceira e a principal razatildeo para a nova organizaccedilatildeo
logiacutestica de seu exeacutercito ldquoacima de tudo eles esperavam
que os inimigos se vissem forccedilados a dividir as suas forccedilas
e a recuar para longe de Cartagordquo (τὸ δὲ μέγιστον ἤλπιζον καὶ τοὺς
πολεμίους ἀναγκασθήσεσθαι μερίζειν τὰς δυνάμεις καὶ μακρὰν ἀποσπᾶσθαι τς
Καρχηδόνος)367
Como podemos notar essas satildeo razotildees de ordem militar
(especialmente a uacuteltima e mais importante delas) as quais
natildeo poderiam ter sido concebidas por senadores sem
experiecircncia militar adequada ou mesmo por generais
igualmente inexperientes (uma constante em Cartago ao
menos ateacute a ascensatildeo Baacutercida) o que explica o envio uacutenico
e prematuro de todo o exeacutercito pelos generais cartagineses
367 Diod 2059 Consolo Langher pp 226-227
164
antes da referida reforma Portanto ainda que nenhuma
personagem histoacuterica possa ser precisada ou nomeada
diferentemente do que ocorreraacute mais tarde com Xantipo
parece seguro dizer que oficiais mercenaacuterios (os quais eram
encontrados em abundacircncia entre os cartagineses mas sempre
desempenhando funccedilotildees de oficiais de autoridade menor)
cuja experiecircncia militar eacute fator inegaacutevel teriam
aconselhado o Senado nessa ocasiatildeo O recrutamento
posterior de Xantipo ilustra que esse aconselhamento era
algo considerado pelos oligarcas em casos de perigo
extremo natildeo sendo absurda a ascensatildeo momentacircnea de
generais mercenaacuterios (gregos por deduccedilatildeo) ao comando do
exeacutercito mesmo que eles estivessem restritos ao niacutevel do
aconselhamento dos cartagineses por meio de inteacuterpretes368
O Senado enviou entatildeo cerca de 30000 homens em unidades
aproximadas de 10000 soldados deixando em Cartago apenas
os homens suficientes para a defesa da cidade Com isso os
defensores poderiam desfrutar das provisotildees necessaacuterias e
os grupamentos enviados assegurariam o apoio dos aliados ou
povos nocircmades neutros no conflito369
Ao ver que as regiotildees
que antes natildeo contavam com a presenccedila militar cartaginesa
agora tinham tropas enviadas por Cartago Arcagatos se viu
forccedilado a dividir tambeacutem as suas forccedilas pois soacute assim
poderia enfrentar a investida inimiga um primeiro
destacamento foi enviado para a regiatildeo costeira seguido
pelo envio de tropas sob o comando de Aeschrion
responsaacutevel pelo combate dos cartagineses localizados nas
regiotildees intermediaacuterias e da terceira parte (sob o comando
do proacuteprio Arcagatos) do exeacutercito para as cidades do
interior
Os resultados natildeo foram nada favoraacuteveis aos gregos
Aeschrion pereceu em batalha apoacutes uma emboscada preparada
368 Inteacuterpretes satildeo mencionados por Diod 2316 no caso de Xantipo 369 Diod 2059 Consolo Langher p 231
165
por Hanatildeo general cartaginecircs sobre o qual nada sabemos
aleacutem do plano para a morte do comandante grego Segundo
Diodoro os cartagineses avanccedilaram sobre eles de forma
inesperada contrariando todas as expectativas e abateram
mais de 4000 soldados de infantaria 200 cavaleiros e o
proacuteprio general ([] καὶ παραδόξως ἐπιθέμενος ἀνεῖλε πεζοὺς μὲν πλείους
τν τετρακισχιλίων ἱππεῖς δὲ περὶ διακοσίους ἐν οἷς ἦν καὶ ατὸς ὁ στρατηγός)
Diante disso sem ter como revidar as tropas sobreviventes
retiraram-se para o acamamento de Arcagathus distante
cerca de 90 quilocircmetros (500 estaacutedios gregos ἀπέχοντα σταδίους
πεντακοσίους)370 Himilco general cartaginecircs responsaacutevel pelas
tropas dirigidas ao interior aguardava em posiccedilatildeo
defensiva favoraacutevel numa cidade aparentemente bem
fortificada Os soldados de Eumachos retornavam de sua
campanha a marcha lenta por causa dos espoacutelios obtidos das
cidades capturadas quando se depararam com os cartagineses
de Himilco Desafiados para uma batalha decisiva os
cartagineses aceitaram o combate mas natildeo da forma como os
gregos esperavam Parte das tropas foi deixada escondida na
cidade e a outra parte se apresentou em campo aberto
simulando uma retirada apoacutes iniciada a batalha o que teria
provocado o avanccedilo precipitado e desordenado dos homens de
Eumachos provavelmente confiantes demais com o resultado
da campanha no interior Os gregos findaram por pressionar
em confusatildeo aqueles que estavam em recuo ([] καὶ
τεθορυβημένως τν ποχωρούντων ἐξήπτοντο) momento em que as ordens
de Himilco foram executadas pelas tropas que haviam sido
deixadas na cidade como forccedila de reserva
Himilco deixou parte de seu exeacutercito em armas na
cidade ordenando que no momento em que ele se
370 Diod 2060
166
retirasse em fuga simulada o exeacutercito castigasse os
seus perseguidores371
Envolvidos dessa maneira os gregos entraram em pacircnico
e bateram em retirada sendo impedidos de retornar ao seu
acampamento pelos cartagineses o que gerou a
impossibilidade da aquisiccedilatildeo de aacutegua e facilitou por
consequumlecircncia a finalizaccedilatildeo por parte dos cartagineses
Diodoro menciona que de um total de 8000 soldados
infantaria e 800 cavaleiros apenas 70 sobreviveram a essa
batalha Arcagato entatildeo reuniu os soldados sobreviventes
desses infortuacutenios e enviou um relatoacuterio a Agaacutetocles
solicitando a sua ajuda o mais raacutepido possiacutevel Os
cartagineses sendo vitoriosos conseguiram o apoio de
muitos desertores do exeacutercito grego que cercado por terra
e mar aguardava desesperadamente reforccedilo vindo da Siciacutelia
A chegada de Agaacutetocles natildeo modificou sensivelmente a
situaccedilatildeo desfavoraacutevel aos gregos Justino menciona uma
soluccedilatildeo momentacircnea para o motim dos mercenaacuterios os quais
natildeo deveriam pedir o pagamento de seu comandante ldquomas
tomaacute-lo do inimigordquo (sed ab hoste quaerenda) Ainda de
acordo com a forma que Justino via o discurso de Agaacutetocles
aos seus homens eles deveriam ldquoobter uma vitoacuteria e um
espoacutelio comunsrdquo (communem victoriam communem praedam
futuram)372
Mas o pagamento natildeo veio pois os inimigos natildeo
puderam ser derrotados Sabendo de sua condiccedilatildeo favoraacutevel
particularmente quanto ao terreno linhas de abastecimento
e moral das tropas os cartagineses aguardaram em seu
acampamento tendo assim forccedilado Agaacutetocles diante da
inquietaccedilatildeo de seus mercenaacuterios373 a arriscar uma batalha
371 Diod 2060 [] Ἰμίλκων μέρος μὲν τς στρατιᾶς κατέλιπε διεσκευασμένον ἐν τῆ πόλει διακελευσάμενος ὅταν ατὸς ἀναχωρῆ προσποιούμενος φεύγειν ἐπεξελθεῖν τοῖς ἐπιδιώκουσιν 372 Justino 228 373 Diod 2064 menciona desistecircncia por parte dos mercenaacuterios no curto
tempo que Agaacutetocles decidiu esperar por condiccedilotildees estrateacutegicas mais
favoraacuteveis
167
sem as vantagens baacutesicas exigidas para tanto Pressionado
por todos os lados seus homens natildeo puderam resistir e a
batalha logo estava completamente perdida
Ainda que natildeo tenhamos informaccedilotildees detalhadas sobre
essa uacuteltima derrota grega na Aacutefrica parece certo deduzir
que as taacuteticas cartaginesas natildeo eram a essa altura
ldquoheleniacutesticasrdquo apesar do contato direto com Agaacutetocles Se
tiveacutessemos maiores detalhes sobre as taacuteticas em campo
aberto as mesmas provavelmente confirmariam o
ldquodiagnoacutesticordquo de Xantipo cerca de 50 anos mais tarde
durante a Primeira Guerra Puacutenica que os cartagineses foram
derrotados naquele tempo pelos romanos devido agrave
inexperiecircncia de seus generais De modo geral as taacuteticas
heleniacutesticas representavam o que havia de mais atualizado e
eficiente na arte da guerra mediterracircnica pois
consideravam os diversos aspectos do confronto armado Os
generais cartagineses natildeo estavam capacitados para tais
modificaccedilotildees executando no fim do seacutecIV aC manobras
tiacutepicas do periacuteodo claacutessico nem tinham proximidade com a
figura de Alexandre ou conhecimento suficiente de sua
expediccedilatildeo asiaacutetica para a realizaccedilatildeo da referida tarefa
antes de Xantipo Mas algo mudou durante a expediccedilatildeo
africana de Agaacutetocles o envio das tropas a territoacuterio
africano obedeceu diante da ameaccedila estrangeira em seu
territoacuterio a criteacuterios logiacutesticos mais apurados o que
parece ter sido produto de aconselhamento por parte dos
mercenaacuterios
168
4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no
periacuteodo preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica
frente agrave ameaccedila romana 255 aC
41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC
411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa
contra os romanos
As Guerras Puacutenicas sempre atraiacuteram a atenccedilatildeo dos
historiadores particularmente aqueles interessados em
entender o momento em que os romanos iniciaram sua expansatildeo
para aleacutem da Peniacutensula Itaacutelica374
O primeiro desses
conflitos a chamada Primeira Guerra Puacutenica (264-241 aC)
foi a guerra contiacutenua mais longa da histoacuteria romana e
levando-se em consideraccedilatildeo o seu impacto sobre a formaccedilatildeo
das colocircnias romanas no Mediterracircneo a mais importante
delas Parece oacutebvio chegar a essa conclusatildeo quando se tem
em mente que durante o primeiro confronto entre Cartago e
Roma os soldados romanos lutaram na Siciacutelia Coacutersega
Sardenha e norte da Aacutefrica tendo nascido nesse momento a
justificativa romana para a intervenccedilatildeo nos assuntos
sicilianos e posteriormente cartagineses levando agrave
destruiccedilatildeo da cidade na Terceira Guerra Puacutenica (149-146
374 As referecircncias sobre as Guerras Puacutenicas satildeo quase incontaacuteveis Como
breve listagem das melhores obras sobre o tema sugiro Arnold J
Toynbee Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s effects on Roman
life London New York Oxford University Press 1965 Brian Caven
The Punic Wars London Weidenfeld and Nicolson 1980 Bagnall op
cit Basil Henry Liddell Hart Scipio Africanus greater than
Napoleon New York Da Capo Press 1994 Le Bohec op cit John
Francis Lazenby First Punic War e John F Lazenby Hannibal‟s war a
military history of the Second Punic War Norman University of
Oklahoma Press 1998 Dexter Hoyos Unplanned Wars The Origins of the
First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter
1998 Goldsworthy Punic Wars Daly Dexter Hoyos Hannibal‟s war
books twenty-one to thirty Livy translated by JC Yardley with an
introduction and notes by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford
University Press 2006 Miles
169
aC)375
Aleacutem disso na condiccedilatildeo de guerra primariamente
naval eacute normalmente dito por historiadores que a Primeira
Guerra Puacutenica agregou o maior nuacutemero de homens envolvidos
em batalhas no mar ao longo de toda a histoacuteria greco-
romana376
De modo geral a Primeira Guerra Puacutenica aparece apenas
como um capiacutetulo menor das Guerras Puacutenicas precisamente um
preluacutedio necessaacuterio ao estudo da bem documentada Guerra
Anibaacutelica377
Lazenby recorda que no livro de Caven sobre as
Guerras Puacutenicas por exemplo muitos detalhes (pormenores
relevantes ao estudo especializado) satildeo deixados de lado e
nenhuma referecircncia agraves evidecircncias antigas eacute feita378 O livro
de Bagnall The Punic Wars tambeacutem carece de detalhes
importantes ainda que apresente boas hipoacuteteses sobre
estrateacutegia379
Ateacute o estudo sistemaacutetico de Lazenby
portanto natildeo havia publicaccedilotildees detalhadas sobre o
conflito submetendo frequumlentemente a anaacutelise ao modo
criativo e inovador que caracterizou os caminhos pelos
quais os romanos venceram os ldquotraiccediloeiros cartaginesesrdquo
que tiveram por fim somente uma repentina e fugaz
reviravolta em sua fortuna sob o comando de Aniacutebal Barca
Tendo Lazenby como ponto de partida outras obras surgiram
mas a maioria delas preocupadas mais com a Segunda Guerra
Puacutenica ou com a caracterizaccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica
375 Ver Goldsworthy Punic Wars pp331-356 376 Lazenby First Punic War p1 Polib 163 caracteriza a guerra
como a mais longa mais intensa e maior (πολυχρονιώτατος καὶ συνεχέστατος καὶ μέγιστος) de todas as guerras 377 Haacute algumas obras dedicadas apenas agrave Primeira Guerra Puacutenica mas de
modo geral essas satildeo escassas se comparadas ao grande nuacutemero de
estudos sobre Aniacutebal Barca e sua guerra contra os romanos Sobre obras
dedicadas agrave Primeira Guerra Puacutenica em particular ver por exemplo
Lazenby First Punic War e Yann Le Bohec (org) Le Premiegravere Guerre
Punique Collection du Centre d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23
Lyon Paris De Boccard 2001 378 Lazenby First Punic War prefaacutecio A obra mencionada eacute a de Caven
(op cit) Caven eacute tambeacutem autor de Dionysius I war-lord of Sicily
New Haven Yale University Press 1990 379 Lazenby First Punic War prefaacutecio Bagnall op cit
170
como preluacutedio das demais380
Isso induz agraves anaacutelises gerais
que reduzem para o que mais interessa a esse respeito
nesta tese o impacto das inovaccedilotildees lideradas por
Xantipo381
O que teria entatildeo em primeiro lugar dado iniacutecio agrave
Primeira Guerra Puacutenica Antes de tratar do recrutamento de
Xantipo (e possivelmente outros mercenaacuterios gregos) como
indiacutecio da preocupaccedilatildeo cartaginesa com a invasatildeo de Reacutegulo
na Aacutefrica torna-se fundamental o entendimento da
construccedilatildeo gradual do direito de intervenccedilatildeo romana na
Siciacutelia e do modo como as relaccedilotildees entre Cartago e Roma
chegaram ao ponto da hostilidade poliacutetico-militar
De acordo com Poliacutebio trecircs foram os tratados entre
Cartago e Roma no periacuteodo anterior agrave deflagraccedilatildeo da
guerra382 O primeiro deles teria ocorrido 28 anos antes da
invasatildeo de Xerxes isto eacute entre 509-507 aC ocupando-se
com a restriccedilatildeo dos acordos comerciais de Roma com a Aacutefrica
e a Sardenha o que asseguraria tambeacutem a sua autoridade no
Laacutecio Traduzido por Poliacutebio do latim ldquoda forma mais exata
possiacutevelrdquo o tratado (versatildeo parcial) seria como se segue
bdquoHaveraacute amizade (φιλίαν) entre os romanos e seus
aliados e entre os cartagineses e seus aliados nos
seguintes termos
Nem os romanos nem seus aliados navegaratildeo aleacutem de sua
Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) a menos que levados por tempestade (χειμνος) ou por pressatildeo do
inimigo (πολεμίων)383 Se qualquer um desses for levado para terra firme o mesmo natildeo compraraacute ou tomaraacute
qualquer coisa que seja para si salvo o que for
necessaacuterio para o reparo de sua embarcaccedilatildeo (πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν) e para honrar os deuses (πρὸς ἱερά) devendo
380 Uma exceccedilatildeo eacute obviamente Le Bohec sobre a Primeira Guerra Puacutenica
(op cit) 381 Goldsworthy Punic Wars p10 admite que Lazenby First Punic War
eacute a referecircncia ldquomais acadecircmicardquo para o assunto 382 Polib 322 383 Polemiacuteon indica ldquorelativo agrave guerrardquo mas aqui deve ser traduzido
como ldquopor medo ou pressatildeo do inimigordquo jaacute que indica uma forccedila
externa no caso militar como fator para ultrapassar os limites
geograacuteficos estabelecidos
171
partir em cinco dias [] Aqueles que desembarcarem
para o comeacutercio natildeo devem fazecirc-lo salvo na presenccedila de
um oficial (κήρυκι) ou secretaacuterio (γραμματεῖ) O que quer que seja vendido na presenccedila desses deveraacute ter o preccedilo
assegurado com base no creacutedito do Estado contanto que
ocorra na Liacutebia ou na Sardenha Se um romano vier agrave
Siciacutelia aquela pertencente ao territoacuterio dos
cartagineses (ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν) o mesmo desfrutaraacute de todos os direitos comuns aos demais Os cartagineses
natildeo causaratildeo danos ao povo de Ardea Antium
Laurentium Circeii Terracina nem a qualquer um dos
Latinos desde que esses estejam submetidos [a Roma]
(μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι) [] Eles [os
cartagineses] natildeo construiratildeo forte no Laacutecio se
entrarem em armas no territoacuterio ali natildeo permaneceratildeo
nem mesmo para passar a noite (ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσαν)‟384
Como pode ser observado trata-se de um acordo
comercial com fins igualmente poliacuteticos dirigido agrave criaccedilatildeo
ou manutenccedilatildeo das boas relaccedilotildees entre Cartago e Roma Tem
sido sugerido que nessa passagem encontrariacuteamos a indicaccedilatildeo
de uma renovaccedilatildeo de um tratado jaacute existente entre Cartago e
os reis etruscos de Roma uma vez que haacute outras evidecircncias
para a existecircncia de termos amigaacuteveis entre os cartagineses
e os etruscos no seacutecVI aC Aleacutem disso a eacutepoca referida
por Poliacutebio condiz com o periacuteodo etrusco em Roma385
O segundo tratado ocorreu provavelmente em 348 aC se
for aceita a identificaccedilatildeo do tratado mencionado por Tito
384 Polib 322 ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίοις καὶ τοῖς Καρχηδονίων συμμάχοις μὴ πλεῖν Ῥωμαίους μηδὲ τοὺς Ῥωμαίων συμμάχους ἐπέκεινα τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου ἐὰν μὴ πὸ χειμνος ἢ πολεμίων ἀναγκασθσιν ἐὰν δέ τις βίᾳ κατενεχθῆ μὴ ἐξέστω ατῶ μηδὲν ἀγοράζειν μηδὲ λαμβάνειν πλὴν ὅσα πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν ἢ πρὸς ἱερά (ἐν πέντε δ ἡμέραις ἀποτρεχέτω) τοῖς δὲ κατ ἐμπορίαν παραγινομένοις μηδὲν ἔστω τέλος πλὴν ἐπὶ κήρυκι ἢ γραμματεῖ ὅσα δ ἂν τούτων παρόντων πραθῆ δημοσίᾳ πίστει ὀφειλέσθω τῶ ἀποδομένῳ ὅσα ἂν ἢ ἐν Λιβύῃ ἢ ἐν Σαρδόνι πραθῆ ἐὰν Ῥωμαίων τις εἰς Σικελίαν παραγίνηται ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ἴσα ἔστω τὰ Ῥωμαίων πάντα Καρχηδόνιοι δὲ μὴ ἀδικείτωσαν δμον Ἀρδεατν Ἀντιατν Λαρεντίνων Κιρκαιιτν Ταρρακινιτν μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι ἐὰν δέ τινες μὴ ὦσιν πήκοοι τν πόλεων ἀπεχέσθωσαν ἂν δὲ λάβωσι Ῥωμαίοις ἀποδιδότωσαν ἀκέραιον φρούριον μὴ ἐνοικοδομείτωσαν ἐν τῆ Λατίνῃ ἐὰν ὡς πολέμιοι εἰς τὴν χώραν εἰσέλθωσιν ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσανrdquo 385 Lazenby First Punic War p31 A evidecircncia citada eacute Hdt 1166 E
eles atacaram e pilharam todas as cidades vizinhas razatildeo pela qual os
etruscos e cartagineses (Τυρσηνοὶ καὶ Καρχηδόνιοι) se aliaram contra eles []
172
Liacutevio386
e Diodoro387
com aquele descrito por Poliacutebio388 como
o segundo dos acordos embora Tito Liacutevio e Diodoro anunciem
esse tratado como o primeiro a inaugurar as relaccedilotildees
diplomaacuteticas entre os dois Estados Basicamente o segundo
tratado asseguraria a posiccedilatildeo dos romanos no Laacutecio e a dos
cartagineses na Liacutebia e Sardenha exatamente como no
primeiro tratado referido por Poliacutebio mas acrescentava
Uacutetica ao domiacutenio cartaginecircs indicando o sul da Hispacircnia
como aacuterea proibida ao comeacutercio por parte de Roma Tito
Liacutevio e Diodoro nos informam apenas que um tratado havia
sido estabelecido entre Roma e os cartagineses389 ao passo
que Poliacutebio nos concede as maiores informaccedilotildees a respeito
apresentando uma traduccedilatildeo do tratado da seguinte maneira
bdquoHaveraacute amizade entre os romanos e seus aliados e
entre os cartagineses os habitantes de Tiro e o povo
de Uacutetica (Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ) nos seguintes termos Os romanos natildeo saquearatildeo (λῄζεσθαι) traficaratildeo
(ἐμπορεύεσθαι) ou fundaratildeo uma cidade (πόλιν κτίζειν) aleacutem de sua Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) Mastia e Tarsenium Se os cartagineses tomarem qualquer cidade
no Laacutecio que natildeo esteja submetida a Roma eles poderatildeo
fazer prisioneiros e confiscar bens (τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν) mas desistiratildeo da cidade (τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν) [] Na Sardenha e na Liacutebia nenhum romano traficaraacute ou fundaraacute cidade ele natildeo faraacute mais do que
pegar provisotildees ou reabastecer sua embarcaccedilatildeo (εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι) Se uma tempestade levaacute-lo a esses locais o mesmo partiraacute em cinco dias []‟
390
386 Tito Liacutevio 727 387 Diod 1669 388 Polib 324 ver Lazenby First Punic War pp 31-32 389 Tito Liacutevio 727 Et cum Carthaginiensibus legatis Romae foedus
ictum cum amicitiam ac societatem petentes uenissent Diod 1669 ἐπὶ δὲ τού των Ῥωμαίοις μὲν πρὸς Καρχηδονίους πρτον συνθκαι ἐγένοντο 390 Polib 324 A versatildeo completa do tratado aparece como se segue ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίων καὶ Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ καὶ τοῖς τούτων συμμάχοις τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου Μαστίας Ταρσηίου μὴ λῄζεσθαι ἐπέκεινα Ῥωμαίους μηδ ἐμπορεύεσθαι μηδὲ πόλιν κτίζειν ἐὰν δὲ Καρχηδόνιοι λάβωσιν ἐν τῆ Λατίνῃ πόλιν τινὰ μὴ οὖσαν πήκοον Ῥωμαίοις τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν ἐὰν δέ τινες Καρχηδονίων λάβωσί τινας πρὸς οὓς εἰρήνη μέν ἐστιν ἔγγραπτος Ῥωμαίοις μὴ ποτάττονται δέ τι ατοῖς μὴ καταγέτωσαν εἰς τοὺς Ῥωμαίων λιμένας ἐὰν δὲ καταχθέντος ἐπιλάβηται ὁ Ῥωμαῖος ἀφιέσθω ὡσαύτως δὲ μηδ οἱ Ῥωμαῖοι ποιείτωσαν ἂν ἔκ τινος χώρας ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ὕδωρ ἢ ἐφόδια λάβῃ ὁ Ῥωμαῖος μετὰ τούτων τν ἐφοδίων μὴ ἀδικείτω μηδένα πρὸς οὓς εἰρήνη καὶ φιλία ἐστὶ (Καρχηδονίοις ὡσαύ τως δὲ μηδ ὁ)
173
O terceiro tratado entre Cartago e Roma teve lugar
entre 279 e 278 aC isto eacute durante a expediccedilatildeo italiana
de Pirro do Epiro em socorro de Tarento391 Apoacutes as suas
duas vitoacuterias contra os romanos as chamadas ldquovitoacuterias
piacuterricasrdquo (em Heraclea e Aacutesculo) Pirro resolveu atender ao
pedido das cidades siciliotas e partiu rumo agrave ilha para
comandar a guerra dos gregos contra os cartagineses
Cartago por outro lado natildeo via a chegada de Pirro como
algo positivo em momento tatildeo crucial da guerra e
estabeleceu novo acordo com os romanos desta vez em termos
bastante favoraacuteveis aos uacuteltimos com o objetivo de
assegurar que o epirota permanecesse na peniacutensula
De acordo com Poliacutebio o terceiro tratado continha os
mesmos termos dos dois anteriores exceto pelos seguintes
elementos inseridos por conta da presenccedila de Pirro na
Peniacutensula e em seguida na Siciacutelia
bdquoSe um ou outro necessitar de auxiacutelio (ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας) os cartagineses forneceratildeo as
embarcaccedilotildees seja para transporte ou com fins
militares mas cada povo arcaraacute com o pagamento de seus
proacuteprios homens (τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι) Os
cartagineses tambeacutem daratildeo suporte mariacutetimo (κατὰ θάλατταν) se os romanos precisarem mas nenhum dos dois
Καρχηδόνιος ποιείτω εἰ δέ μὴ ἰδίᾳ μεταπορευέσθω ἐὰν δέ τις τοῦτο ποιήσῃ δημόσιον γινέσθω τὸ ἀδίκημα ἐν Σαρδόνι καὶ Λιβύῃ μηδεὶς Ῥωμαίων μήτ ἐμπορευέσθω μήτε πόλιν κτιζέτω [] εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι ἐὰν δὲ χειμὼν κατενέγκῃ ἐν πένθ ἡμέραις ἀποτρεχέτω ἐν Σικελίᾳ ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσι καὶ ἐν Καρχηδόνι πάντα καὶ ποιείτω καὶ πωλείτω ὅσα καὶ τῶ πολίτῃ ἔξεστιν ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ Καρχηδόνιος ποιείτω ἐν Ῥώμῃrdquo 391 A anaacutelise mais recente sobre o terceiro tratado pode ser encontrada
em Zambon Hellenistic Sicily pp 86-95 Zambon Hellenistic Sicily
divide as fontes para o terceiro tratado em (a) fontes sobre as
relaccedilotildees diplomaacuteticas (b) fontes sobre a assinatura do tratado e (c)
fontes para os eventos histoacutericos apoacutes a conclusatildeo da nova alianccedila
Como aqui pretendo apenas mostrar a degradaccedilatildeo das relaccedilotildees
diplomaacuteticas entre Cartago e Roma para entatildeo salientar razotildees mais
profundas para a deflagraccedilatildeo da guerra que a questatildeo dos mamertinos
temas mais especiacuteficos (como os que foram enumerados por Zambon
Hellenistic Sicily e trabalhados por um nuacutemero abundante de autores)
seratildeo propositalmente suprimidos Sobre o tratado aleacutem de Zambon
pode-se consultar Barbara Scardigli I Trattati romano-cartaginesi
Pisa Scuola Normale Superiore 1991 Hoyos op cit pp 7-11
174
obrigaraacute os tripulantes a desembarcar contra a sua
vontade‟ (versatildeo parcial)392
O tratado como podemos observar estabelece claramente
auxiacutelio militar muacutetuo393 estando Cartago disposta a se
ldquocomprometerrdquo com o auxiacutelio logiacutestico mais do que os
romanos (inclusive pela condiccedilatildeo de sua frota em comparaccedilatildeo
com aquela virtualmente inexistente dos romanos) o que
ilustra a insatisfaccedilatildeo com a possibilidade de ter que lidar
com Pirro na Siciacutelia Os resultados do tratado contudo
natildeo tiveram grande impacto de ordem praacutetica Ainda que seja
tentador identificar a referecircncia agraves 120 embarcaccedilotildees sob o
comando do cartaginecircs Mago em Justino no momento da
expediccedilatildeo italiana de Pirro como fruto do terceiro tratado
a referecircncia (na mesma passagem)394 a uma visita em segredo
de Mago ao epirota durante a qual certo tipo de alianccedila ou
amizade foi oferecido indica que Cartago natildeo estava
decidida quanto agrave hostilidade em direccedilatildeo a Pirro e
portanto parece mais correto dizer que o envio de Mago se
deu antes do tratado Lazenby ceacutetico diante da evidecircncia
acerca de outro evento como consequumlecircncia do terceiro acordo
entre Cartago e Roma agrave eacutepoca da expediccedilatildeo piacuterrica aponta
uma operaccedilatildeo ocorrida em Reggio separada da Siciacutelia apenas
pelo estreito de Messina como o uacutenico evento possivelmente
resultante do tratado em questatildeo395 Apoiado num fragmento
de Diodoro Lazenby sugere que os 500 homens enviados a
Reggio (ainda sob o domiacutenio romano) por Cartago
392 Polib 325 [] ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας τὰ πλοῖα παρεχέτωσαν Καρχηδόνιοι καὶ εἰς τὴν ὁδὸν καὶ εἰς τὴν ἄφοδον τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι Καρχηδόνιοι δὲ καὶ κατὰ θάλατταν Ῥωμαίοις βοηθείτωσαν ἂν χρεία ᾖ τὰ δὲ πληρώματα μηδεὶς ἀναγκαζέτω ἐκβαίνειν ἀκουσίωςrdquo 393 Lazenby First Punic War p 32 394 Justino 182 [] quasi pacificator Karthaginiensium Pyrrum
adiit speculaturus consilia eius de Sicilia [] Embora Justino
indique que as reais intenccedilotildees dos cartagineses eram especular o que
Pirro pensava sobre a Siciacutelia temos ainda uma duacutevida que parece mais
caracteriacutestica de um periacuteodo anterior mesmo que bastante proacuteximo da
data do terceiro tratado com Roma 395 Lazenby First Punic War p 33
175
corresponderiam ao contingente de apoio contra o invasor
epirota Aleacutem desse evento nenhum outro pode ser cotado
como relacionado ao tratado ldquonem mesmo quando somente
Lilibeu permaneceu sob domiacutenio de Cartago de todas as suas
posses na Siciacuteliardquo396 Terminada a expediccedilatildeo de Pirro
outros possiacuteveis eventos podem ser vistos ainda como parte
do acordo mas como resposta aos homens deixados pelo
rei397
Apoacutes a breve anaacutelise dos trecircs tratados entre Cartago e
Roma podemos notar portanto ao lado da construccedilatildeo de uma
relaccedilatildeo amistosa entre os dois poderes a consolidaccedilatildeo da
posiccedilatildeo cartaginesa na Siciacutelia por cerca de 300 anos
(apesar de algumas reviravoltas tais como a guerra contra
Agaacutetocles e em seguida Pirro) e a expansatildeo romana em
direccedilatildeo ao sul da Peniacutensula regiatildeo que teraacute durante a
expediccedilatildeo de Pirro e um pouco depois presenccedila constante de
legionaacuterios romanos a exemplo da cidade de Reggio (vale
ressaltar mais uma vez separada da Siciacutelia apenas pelo
estreito de Messina) Tendo Pirro saiacutedo de cena o choque
entre dois Estados com impulsos imperialistas seria com o
passar dos anos algo inevitaacutevel O problema com os
mamertinos daria entatildeo o motivo concreto para a
deflagraccedilatildeo do conflito
Como visto anteriormente os soldados campacircnios
inicialmente a serviccedilo de Agaacutetocles haviam subjugado a
regiatildeo nordeste da Siciacutelia alguns anos apoacutes a morte do
siracusano tirando proveito da situaccedilatildeo poliacutetica delicada
pela qual a ilha passava Com a ascensatildeo de Hiero de
Siracusa e a soluccedilatildeo dos conflitos em Reggio (que teve seus
campacircnios revoltosos exterminados pelos romanos) a
situaccedilatildeo dos mamertinos se modificaraacute principalmente
396 Lazenby First Punic War p 34 397 Uma frota cartaginesa enviada a Tarentum para dar suporte ao cerco
liderado pelos romanos contra Milo deixado na cidade por Pirro
aparece por exemplo em Zonaras 88 e Oroacutesio 43
176
devido ao combate sistemaacutetico por parte dos siracusanos
contra a seacuterie de pilhagens promovidas pelos mercenaacuterios
Os mamertinos sem ter muito o que fazer solicitaram apoio
dos cartagineses e em seguida dos romanos Poliacutebio eacute
esclarecedor a esse respeito
Alguns deles apelaram aos cartagineses propondo a
submissatildeo deles proacuteprios e da cidade ao passo que
outros enviaram uma embaixada a Roma oferecendo a
submissatildeo da cidade e implorando por assistecircncia como
povo de mesma origem (ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν)398
O principal elemento considerado pelos romanos em sua
avaliaccedilatildeo do pedido de auxiacutelio mamertino natildeo parece ter
sido contudo a identificaccedilatildeo eacutetnica De acordo com
Poliacutebio os romanos estavam cientes da grande expansatildeo do
territoacuterio cartaginecircs que jaacute incluiacutea a Liacutebia parte da
Hispacircnia a Sardenha e o Mar Tirreno restando somente a
conquista de parte da Siciacutelia para se tornarem ldquoos vizinhos
mais problemaacuteticos e perigosos (βαρεῖς καὶ φοβεροὶ γείτονες)rdquo
cercando Roma por todos os cantos da Peniacutensula No final
das contas possivelmente por pressatildeo popular (οἱ πολλοὶ) o
Senado decidiu nomear o cocircnsul Aacutepio Claacuteudio como general no
comando das tropas que atravessariam o mar em direccedilatildeo a
Siciacutelia sendo o cocircnsul vitorioso na primeira batalha
contra Hieratildeo (recentemente aliado de Cartago e vitorioso
num primeiro confronto contra os mamertinos) e os
cartagineses399 Derrotado pelos romanos Hieratildeo findou por
estabelecer alianccedila com os primeiros em 263 aC
mostrando-se leal a eles ateacute o fim de seu governo em 215
aC Os cartagineses em contrapartida frente agrave deserccedilatildeo
de Hieratildeo montaram seu novo quartel general na cidade de
Acragas devido a sua localizaccedilatildeo favoraacutevel como ponto de
398 Polib 110 [] οἱ μὲν ἐπὶ Καρχηδονίους κατέφευγον καὶ τούτοις ἐνεχείριζον σφᾶς ατοὺς καὶ τὴν ἄκραν οἱ δὲ πρὸς Ῥωμαίους ἐπρέσβευον παραδιδόντες τὴν πόλιν καὶ δεόμενοι βοηθήσειν σφίσιν ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν 399 Polib 111
177
apoio logiacutestico bem como ao faacutecil acesso que ela oferecia
agrave porccedilatildeo leste da Siciacutelia a qual estava sob domiacutenio do
inimigo400
Com seus primeiros movimentos na Siciacutelia a maior parte
da Primeira Guerra Puacutenica todavia foi travada no mar
ainda que uma anaacutelise das evidecircncias acerca da atuaccedilatildeo dos
exeacutercitos (particularmente na Aacutefrica) ilustre inovaccedilotildees
militares importantes em terra firme Os cartagineses eram
conhecidos por sua excelecircncia mariacutetima tendo a navegaccedilatildeo
se tornado como nos informa Poliacutebio o seu ofiacutecio
nacional401
Eacute de salientar o respeito dos antigos quanto agrave
frota cartaginesa em diversas ocasiotildees de tensatildeo militar
das quais destaco como exemplo algumas cidades sicilianas
(aliadas aos romanos) que ldquoaterrorizadas diante da frota
cartaginesardquo (καταπεπληγμέναι τὸν τν Καρχηδονίων στόλον)
desertaram antes mesmo de lutar402 Os aparatos tecnoloacutegicos
usados na guerra naval eram quase sempre inventados ou
aprimorados pelos cartagineses a exemplo da substituiccedilatildeo
das trirremes (dominantes na guerra naval por cerca de 200
anos) pelas quadrirremes e de sua consequumlente adaptaccedilatildeo
para as quinquerremes403
Por outro lado como nos faz crer
Poliacutebio os romanos natildeo haviam se dedicado agrave guerra naval
como os cartagineses sendo seus construtores navais
completamente inexperientes na montagem de quinquerremes
400 Polib 117 Miles op cit p 179 401 Polib 652 Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην Ver item sobre o exeacutercito cartaginecircs 402 Polib 120 403
Note-se que a quinquerreme (do latim quinque o nuacutemero de homens necessaacuterios para mover cada seccedilatildeo da embarcaccedilatildeo) foi criado por
Dioniacutesio de Siracusa mas o seu uso foi melhorado pelos cartagineses
John S Morrison e John F Coates (The Athenian trireme the history
and reconstruction of an ancient Greek warship Cambridge University
Press 1986 pp259-260 Miles pp 177-178) mostraram a partir de
evidecircncias iconograacuteficas que a quinquereme cartaginesa era
ligeiramente diferente do modelo grego com um formato tipicamente
feniacutecio para os espaccedilos onde eram dispostos os cinco remadores de cada
seccedilatildeo o que garantia no caso cartaginecircs uma proteccedilatildeo extra para os
remadores e para o casco do navio Este seria por consequumlecircncia o
modelo das quinquerremes romanas Para a marinha de guerra cartaginesa
em geral cf Le Bohec op cit pp 49-55
178
(τν δὲ ναυπηγν εἰς τέλος ἀπείρων ὄντων τς περὶ τὰς πεντήρεις ναυπηγίας)
quando da deflagraccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica404 A frota
de 100 quinquerremes e 20 trirremes construiacuteda em 261
aC teria sido a primeira formada pelos proacuteprios romanos
o que acentuaria na visatildeo de Poliacutebio quatildeo espirituosos
(μεγαλόψυχον) e extraordinaacuterios (παράβολον) eram os romanos ao
fazer algo405
Com a apreensatildeo de uma embarcaccedilatildeo cartaginesa (uma
quinquerreme) tomada como modelo Roma teria finalizado a
construccedilatildeo de sua frota (as 120 embarcaccedilotildees descritas por
Poliacutebio) em apenas 60 dias406 provavelmente por que a
disposiccedilatildeo das peccedilas das embarcaccedilotildees seguiu o meacutetodo de
organizaccedilatildeo por letras empregado por Cartago407 Frota
pronta natildeo significava contudo frota taticamente apta
Logo cerca de 17 embarcaccedilotildees romanas acabaram por ser
capturadas pelos cartagineses nas Ilhas Eoacutelias a noroeste
de Messina enquanto tentavam submeter a cidade de Lipara
tendo sua tripulaccedilatildeo e seu comandante Gneu Corneacutelio
Cipiatildeo sido capturados sem grande dificuldade408
404 Uma boa siacutentese das condiccedilotildees gerais da guerra naval no seacutecIII
aC pode ser encontrada em Goldsworthy Punic Wars pp 96-103 405 Polib 120 ἐξ ὧν καὶ μάλιστα συνίδοι τις ἂν τὸ μεγαλόψυχον καὶ παράβολον τς Ῥωμαίων αἱρέσεως Poliacutebio entende que a vitoacuteria romana em Acragas (261 aC) teria modificado sensivelmente os objetivos dos romanos com a
guerra ao inveacutes de simplesmente proteger os mamertinos agora Roma
havia se decidido pela expulsatildeo dos cartagineses da Siciacutelia Ver
Goldsworthy Punic Wars p 97 406 Polib 120 Bagnall op cit p 60 Le Bohec op cit pp75-77
Hoyos op cit p89 407 O meacutetodo ficou conhecido entre os estudiosos de Cartago apoacutes
escavaccedilatildeo dirigida por Honor Frost na deacutecada de 70 Restos de uma
embarcaccedilatildeo antiga haviam sido encontrados em 1969 por um capitatildeo de
navio mercante Diego Boninni durante uma viagem de trabalho Estudos
da escrita deixada pelos construtores da embarcaccedilatildeo mostraram que o
casco havia sido preconcebido ao passo que a existecircncia de letras
similares em direccedilotildees variadas indicava a presenccedila de muacuteltiplos
construtores Os resultados da escavaccedilatildeo foram publicados
primeiramente no The International Journal of Nautical Archaeology (a
partir de 1972) e assim que o trabalho de campo se deu por encerrado
um relato amplo foi publicado pela Accademia Nazionale dei Lincei
(Roma) como suplemento da Notizie degli Scavi di Antichitagrave 30 (1976) 408 Polib 121 Miles op cit p 181 observa que a carreira de
Cipiatildeo natildeo parece ter sido abalada em ambiente senatorial jaacute que o
mesmo foi eleito cocircnsul pela segunda vez em 254 aC mas entre a
populaccedilatildeo sua reputaccedilatildeo natildeo era mais cotada entre as mais intactas a
179
Taticamente inferiores no mar o que havia se tornado
evidente apoacutes a primeira derrota de sua frota para os
cartagineses em 260 aC os romanos desenvolveram uma arma
engenhosa com o objetivo de superar a falta de habilidade
(se comparada agrave dos cartagineses) ao manobrar as
embarcaccedilotildees o corvus409 Prancha de 11 m de comprimento e
120 m de largura o corvo possuiacutea um espeto na
extremidade o qual era usado para perfurar a embarcaccedilatildeo
inimiga durante a sua trajetoacuteria de cima para baixo
permitindo assim que as duas embarcaccedilotildees envolvidas se
mantivessem forccedilosamente conectadas o tempo necessaacuterio para
a travessia completa dos soldados romanos Esses por sua
vez atravessavam a prancha em numa coluna disposta em
pares de maneira que os dois primeiros protegiam a frente
com seus escudos erguidos enquanto os seguintes dividiam a
proteccedilatildeo dos flancos410
O melhor exemplo para a explicaccedilatildeo acerca do
funcionamento do corvo eacute a batalha de Mylae Segundo
Poliacutebio ansiosos para por agrave prova o novo equipamento
disposto na proa dos navios os romanos decidiram sob o
comando de Caio Duilio (que havia deixado as legiotildees sob
responsabilidade dos tribunos militares) atacar os
cartagineses que assolavam o territoacuterio de Mylae
Ao se aproximarem e verem os corvos (τοὺς κόρακας) subindo ao ponto mais alto da proa de cada navio os
cartagineses em princiacutepio ficaram confusos surpresos
com a construccedilatildeo das maacutequinas Contudo como eles davam
o inimigo inteiramente por derrotado as embarcaccedilotildees da
linha de frente atacaram bravamente Mas conforme as
julgar pelo apelido que lhe foi dado asina ou mula Ver Pliacutenio
8169 Lazenby First Punic War op cit pp 66-67 Ao lado de Cipiatildeo
estava o seu colega de magistratura Caio Duilio comandante das
tropas na Siciacutelia 409 Ainda que Poliacutebio use o termo korakes os estudiosos modernos
adotaram a forma latina corvus (corvi no plural) pois esse eacute de
acordo com Lazenby First Punic War (p 68) o termo latino
correspondente 410 Polib 122
180
embarcaccedilotildees que entravam em colisatildeo eram rapidamente
capturadas pelas maacutequinas e os tripulantes romanos
embarcavam por meio do corvo (τοῦ κόρακος) e atacavam os inimigos um a um na plataforma alguns dos cartagineses
eram eliminados e outros rendidos por desacircnimo diante
do que estava ocorrendo tendo a batalha se tornado
praticamente um combate em terra firme Os primeiros
trinta navios que entraram em combate foram capturados
por todos os tripulantes incluindo a embarcaccedilatildeo do
comandante sendo Aniacutebal capaz de escapar por um
milagre num bote salva-vidas O restante da forccedila
cartaginesa [] desistiu e bateu em retirada (τέλος ἐγκλίναντες ἔφυγον οἱ Καρχηδόνιοι) aterrorizada (καταπλαγέντες) por esta nova experiecircncia tendo perdido 50 navios
411
Embora Poliacutebio natildeo mencione nenhuma puniccedilatildeo fatal do
comandante cartaginecircs por sua derrota outras fontes narram
crucificaccedilatildeo ou apedrejamento de Aniacutebal (natildeo o Baacutercida) por
seus homens os quais estavam insatisfeitos com o resultado
da batalha412
A vitoacuteria romana em Mylae ainda que natildeo
tenha sido decisiva assegurou aos romanos a atuaccedilatildeo na
regiatildeo da Sardenha e Coacutersega territoacuterios antes sob domiacutenio
cartaginecircs Ao inveacutes de concentrar campanhas na Siciacutelia ou
na Sardenha e Coacutersega os romanos conduziram as duas
ofensivas ao mesmo tempo o envio dos dois cocircnsules o
primeiro (Corneacutelio Cipiatildeo) para Sardenha e Coacutersega e o
segundo (Corneacutelio Aquiacutelio) para a Siciacutelia comprovam o
pensamento estrateacutegico adotado por Roma413 Uma seacuterie de
batalhas navais tiveram lugar em seguida das quais se
destaca pela quantidade de homens envolvidos a batalha de
Ecnomus (256 aC) Segundo Poliacutebio do lado romano
contavam-se 100000 tripulantes (δέκα μυριάδας) caacutelculo
retirado dos 300 remadores e 120 soldados embarcados em
cada navio Do lado cartaginecircs o total dos soldados era
algo proacuteximo dos 150000 (πεντεκαίδεκα μυριάδας) a julgar pela
411 Polib 123 Cf Lazenby First Punic War pp67-73 Le Bohec op
cit pp 77-88 Bagnall op cit pp 62-63 Goldsworthy Punic Wars
pp105-109 Miles pp 182-184 412 Zonaras 812 Oroacutesio 44 413 Bagnall op cit p64
181
contagem de suas embarcaccedilotildees (κατὰ τὸν τν νεν λόγον)414 Apoacutes
violento embate proacuteximo ao sudoeste da Siciacutelia o qual foi
mais uma vez decidido pelo uso dos corvos (a despeito das
ateacute entatildeo eficientes taacuteticas cartaginesas) os romanos
comeccedilaram os preparativos para a invasatildeo da Aacutefrica415
414 Polib 126 415 Os pormenores da batalha de Ecnomus foram suprimidos
propositalmente uma vez que o principal interesse da tese natildeo recai
sobre a marinha de guerra cartaginesa Para a batalha de Ecnomus ver
Polib 126-28 Quanto aos estudos modernos a anaacutelise mais
esclarecedora eacute Goldsworthy Punic Wars pp 109-114
182
412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a
Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana de
Reacutegulo 256-255 aC
Poliacutebio nos informa que os cartagineses que haviam
escapado do confronto em Ecnomus navegaram diretamente para
Cartago e ldquoconvencidos de que os inimigos excitados por
seu sucesso fariam o ataque direto agrave proacutepria cidade de
Cartagordquo (πεπεισμένοι τοὺς πεναντίους ἐκ τοῦ γεγονότος προτερήματος
ἐπαρθέντας εθέως ποιήσεσθαι τὸν ἐπίπλουν ἐπ ατὴν τὴν Καρχηδόνα)
mantiveram-se atentos a todos os possiacuteveis pontos de
desembarque na aacuterea416 Os romanos contudo desembarcaram a
uma distacircncia segura (Cabo Bon no nordeste da atual
Tuniacutesia) certamente por terem conhecimento da dificuldade
que seria tomar Cartago sem uma linha de abastecimento
assegurada entre a Siciacutelia e a Aacutefrica e iniciaram uma
seacuterie de cercos a cidades menores sendo Aspis a primeira
delas417
O que os romanos pretendiam com isso Em princiacutepio
poder-se-ia dizer que a decisatildeo era unicamente de seguranccedila
para o desembarque mas alguns indiacutecios em Poliacutebio apontam
para uma ocupaccedilatildeo definitiva (ainda que por ser modelada)
a qual deve ter sido planejada logo apoacutes a vitoacuteria em
Ecnomus Em primeiro lugar antes de navegar em direccedilatildeo agrave
Liacutebia eles organizaram as suas provisotildees e repararam as
embarcaccedilotildees capturadas (προσεπισιτισάμενοι καὶ τὰς αἰχμαλώτους ναῦς
καταρτίσαντες) em seguida assim que a Aspis foi tomada
guarniccedilotildees (τὰς δυνάμεις) foram ali deixadas para assegurar a
cidade (τς πόλεως) e o territoacuterio (τς χώρας) por uacuteltimo
mensageiros foram enviados a Roma para informar o ocorrido
e obter instruccedilotildees sobre o que deveria ser feito no futuro
(περὶ τν μελλόντων τί δεῖ ποιεῖν) e como eles deveriam lidar com
416 Polib 129 417 Sobre o desembarque bem como para os eventos posteriores ver Le
Bohec opcit pp 87-89 Lazenby First Punic War pp 97-103
Goldsworthy Punic Wars pp 84-87 Bagnall op cit pp 70-75
Miles pp 185-187
183
toda a situaccedilatildeo (πς χρσθαι τοῖς πράγμασιν) Se Poliacutebio estiver
correto na ordenaccedilatildeo desses eventos (e natildeo vejo motivos
para natildeo estar) os romanos tinham em mente mesmo antes de
relatar os eventos ao Senado assegurar uma posiccedilatildeo forte
em territoacuterio inimigo restando apenas a autorizaccedilatildeo de
Roma para dar prosseguimento agrave expediccedilatildeo africana A forma
que essa expediccedilatildeo assumiria contudo estava nas matildeos do
Senado418 A resposta natildeo poderia ser diferente um dos
cocircnsules deveria permanecer na Aacutefrica com forccedila adequada
(δυνάμεις τὰς ἀρκούσας) enquanto o outro deveria retornar para
Roma com a frota419
Se a essa altura os romanos tinham em mente a
reproduccedilatildeo do que havia feito Agaacutetocles cerca de 50 anos
antes natildeo sabemos por evidecircncias diretas (como seria uma
afirmaccedilatildeo de Poliacutebio ou referecircncia a Agaacutetocles em alguma
reuniatildeo senatorial antes da deliberaccedilatildeo sobre o que deveria
ser feito pelas tropas na Aacutefrica) mas isso pode ser
proposto com certo grau de plausibilidade por evidecircncias
indiretas Como mostrei antes os elementos necessaacuterios
para a realizaccedilatildeo de uma expediccedilatildeo haviam sido pensados
apoacutes Ecnomus e uma vez na Aacutefrica com posiccedilatildeo militarmente
assegurada a pilhagem que se seguiu (em Aspis ou ldquoescudordquo
e nos arredores) tem aparecircncia exata ao que foi previamente
feito pelo siracusano
Aleacutem disso eacute bem verdade que Poliacutebio nos diz como
mencionado no cap3 desta tese que Cipiatildeo o Africano
aproximadamente 50 anos apoacutes a primeira invasatildeo romana da
Aacutefrica teria respondido quando questionado acerca dos
maiores estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e
Dioniacutesiordquo420 Eacute bem provaacutevel portanto que a expediccedilatildeo de
418 Aleacutem disso uma vez estabelecidos da maneira descrita em territoacuterio
inimigo uma possiacutevel decisatildeo de abandono seria improvaacutevel senatildeo
absurda 419
Mais agrave frente Poliacutebio nos daacute nuacutemeros 15000 soldados de infantaria e 500 cavaleiros 420 Polib 1535 Ver cap3 item 41
184
Agaacutetocles fosse jaacute conhecida pelos romanos no tempo da
Primeira Guerra Puacutenica
Outra evidecircncia pode ser encontrada do lado cartaginecircs
Os comandantes cartagineses natildeo queriam esperar o avanccedilo
impune dos romanos talvez por que tivessem em mente a
reproduccedilatildeo do que haviam enfrentado meio seacuteculo antes com
os gregos Essa reaccedilatildeo por parte de Cartago elucida ainda
algo fundamental quanto agrave preservaccedilatildeo das primeiras
inovaccedilotildees em seu pensamento militar heleniacutestico Cartago
natildeo estava disposta a esperar que seu territoacuterio fosse
ldquocorrompidordquo pelo inimigo o que ocasionaria problemas de
ordem logiacutestica (principalmente com a manutenccedilatildeo de seus
aliados) de maneira que os generais decidiram partir de
imediato para o embate com os invasores Na primeira fase
das inovaccedilotildees militares em Cartago um dos aspectos
estrateacutegicos que motivaram as inovaccedilotildees de ordem logiacutestica
entre os cartagineses foi a preservaccedilatildeo da lealdade das
cidades africanas uma vez que elas estavam debandando uma
a uma para o lado grego Aquela liccedilatildeo agora aplicada ao
caso romano havia sido definitivamente aprendida pelos
generais cartagineses Asdruacutebal e Bostar foram eleitos
generais Amiacutelcar foi trazido agraves pressas da Siciacutelia como
terceiro general juntamente com 500 cavaleiros e 5000
soldados de infantaria421
Como dito anteriormente os trecircs generais cartagineses
optaram pelo combate direto com o inimigo apoacutes terem assim
deliberado (ἐβουλεύετο) e encontraram Reacutegulo e seus soldados
proacuteximos agrave cidade de Adys na ocasiatildeo sitiada pelos
romanos Os cartagineses ocuparam um monte nos arredores e
ali montaram acampamento num local que Poliacutebio considerou
ser inapropriado ao seu exeacutercito (ἀφυ δὲ ταῖς ἑαυτν δυνάμεσιν)422
421 Polib 130 Sobre Amiacutelcar Barca particularmente a construccedilatildeo de
uma escola taacutetica em Cartago ateacute Aniacutebal Barca cf Brizzi op cit
aleacutem dos autores citados acima para a expediccedilatildeo de Reacutegulo 422 Polib 130
185
Os experientes generais romanos (οἱ τν Ῥωμαίων ἡγεμόνες ἐμπείρως)
teriam visto que o momento era adequado para o ataque
inesperado uma vez que o posicionamento do exeacutercito
cartaginecircs num terreno que tornava os elefantes e a
cavalaria inuacuteteis (ἠχρείωται) lhes era propiacutecio Ao atacar
por ambos os lados do monte os romanos tiveram a primeira
legiatildeo (τὸ πρτον στρατόπεδον) derrotada pela coragem (γενναίως)
e vigor (προθύμως) dos mercenaacuterios (μισθοφόροι) mas tendo
avanccedilado em busca dos legionaacuterios em fuga expuseram sua
retaguarda aos outros que atacavam no lado oposto Os
mercenaacuterios recuaram satildeos e salvos por fim graccedilas ao
ldquoescudordquo oferecido pelos elefantes e cavaleiros que
atingiram o niacutevel plano423
Apoacutes a vitoacuteria de Reacutegulo Tuacutenis caiu sob o domiacutenio
romano tendo a cidade sido transformada na nova base de
operaccedilotildees na Aacutefrica Poliacutebio menciona ainda uma revolta
por parte dos numiacutedios (certamente encorajados com a
presenccedila romana) e a fome dos refugiados em Cartago424 o
que levou Reacutegulo a tentar a submissatildeo completa dos
cartagineses Poliacutebio diz que os embaixadores estavam tatildeo
inclinados a aceitar o que Reacutegulo lhes propunha que eles
sequer conseguiam prestar atenccedilatildeo agrave severidade de suas
exigecircncias (τὸ βάρος τν ἐπιταγμάτων) Fragmentos de Diodoro
contudo mencionam que o Senado cartaginecircs enviou os homens
mais nobres (ἄνδρας τν ἐπιφανεστάτων) como embaixadores
(πρεσβευτὰς) a Atiacutelio (leia-se Reacutegulo) para discutir os
termos de paz (περὶ εἰρήνης) mas a paz proposta por ele natildeo
seria melhor que a escravidatildeo tamanha a dureza de seus
termos425 Na mesma linha de Diodoro outras fontes
apresentam a iniciativa por parte de Cartago recusando
portanto que Reacutegulo os tivesse intimado para propor os
423 Para a reconstruccedilatildeo da batalha cf principalmente Lazenby First
Punic War pp 100-101 Goldsworthy Punic Wars p86 Bagnall op
cit pp72-73 424 Polib 131 425 Diod 2312
186
termos de paz426
No fim das contas a despeito da natureza
oposta dos relatos sobre quem teria tomado a iniciativa
para a conclusatildeo da paz (se Cartago ou Roma) e da situaccedilatildeo
draacutestica em que Cartago se encontrava uma vez mais o
Senado cartaginecircs manteve a opccedilatildeo pela defesa armada como
no caso dos gregos a qual seria assegurada em princiacutepio
pelas muralhas de Cartago e em seguida pelo recrutamento
do nuacutemero de soldados mercenaacuterios que os seus recursos
permitissem pagar427
426 Eutroacutepio (221) Oroacutesio (49) e Zonaras (813) Cf Lazenby First
Punic War p101 427 Essa seria de acordo com Diod 296 a grande vantagem em se
recrutar mercenaacuterios ldquouma abundacircncia de forccedilas militares estrangeiras
(τς ξενικς δυνάμεως) eacute muito vantajosa para o lado que a emprega e
terriacutevel para o inimigo considerando que os empregadores trazem
consigo sem grandes custos homens para lutar em seu nome ao passo
que forccedilas citadinas (τν πολιτικν δυνάμεων) mesmo quando vitoriosas satildeo prontamente enfrentadas por um corpo de oponentes intactos No
caso dos exeacutercitos poliacuteadas uma simples derrota significa um desastre
completo ao passo que no caso dos mercenaacuterios ainda que sejam por
muitas vezes derrotados os empregadores manteacutem suas forccedilas intactas
durante o tempo que durar seus recursosrdquo
187
413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico heleniacutestico
255 aC
Vegeacutecio autor de um manual militar no seacutecIV dC
menciona natildeo somente que Xantipo teria liderado os
cartagineses na guerra contra os romanos ateacute o fim (o que eacute
claramente um equiacutevoco como nos mostram todas as outras
fontes) mas tambeacutem que Aniacutebal Barca durante a Segunda
Guerra Puacutenica havia recrutado um general mercenaacuterio
espartano para a sua campanha contra os romanos
() Na verdade o quanto a ciecircncia militar foi uacutetil
aos Lacedemoacutenios nos seus combates e para omitir
outros eacute confirmado pelo exemplo de Xantipo que com
exeacutercitos jaacute anteriormente derrotados capturou e
venceu Atiacutelio Reacutegulo e o exeacutercito romano muitas vezes
vencedor ao levar auxiacutelio aos Cartagineses natildeo soacute
pela coragem mas tambeacutem pela periacutecia triunfou num
uacutenico encontro e terminou toda a guerra E tambeacutem
Aniacutebal com a intenccedilatildeo de se dirigir para Itaacutelia
procurou um mestre de armas lacedemoacutenio com os
conselhos do qual destruiu tantos cocircnsules e legiotildees
sendo inferior em nuacutemero e em forccedilas428
A segunda informaccedilatildeo na passagem acima destacada (de
que haveria um conselheiro militar espartano a serviccedilo de
Aniacutebal Barca) pode ser com muito otimismo relacionada a
uma evidecircncia sobre um professor de grego (Soacutesilo) de
Aniacutebal em Corneacutelio Nepos429 Nenhuma outra fonte faz
referecircncia a mercenaacuterios espartanos em Cartago nessas
condiccedilotildees de serviccedilo (excetuando Xantipo) mas elas servem
para ilustrar ao lado das evidecircncias sobre o recrutamento
de homens de Esparta (ou simplesmente de ldquoeducaccedilatildeo
espartanardquo) como soldados ou oficiais de patente menor
(submetidos aos generais cartagineses) que essa era uma
praacutetica longe de absurda em cenaacuterio cartaginecircs mesmo que o
428 Vegeacutecio Compecircndio da Arte Militar Pref 3 Traduccedilatildeo inalterada de
Joatildeo Gouveia Monteiro e Joseacute Eduardo Braga (ediccedilatildeo em portuguecircs de
Portugal) 429 Corneacutelio Nepos Aniacutebal 133 [] atque hoc Sosylo Hannibal
litterarum Graecarum usus est doctore
188
caso mencionado por Vegeacutecio e Corneacutelio Nepote tenha sido
inventado ou unicamente produto de confusatildeo430
De volta agrave Primeira Guerra Puacutenica no momento seguinte
agrave derrota para Reacutegulo e ao fracasso das negociaccedilotildees de paz
(tenham elas sido lideradas por iniciativa dos cartagineses
ou pelo general romano) um dos oficiais de recrutamento
(ξενολόγος) que Cartago tinha previamente enviado agrave Greacutecia
retornava com um nuacutemero consideraacutevel de soldados entre
eles Xantipo de Esparta ldquoum homem que havia participado do
sistema de treinamento espartanordquo (ἄνδρα τς Λακωνικς ἀγωγς
μετεσχηκότα)431 Lazenby recorda que embora Diodoro se refira
a Xantipo como ldquoesparciatardquo (ὁ Σπαρτιάτης) a indicaccedilatildeo de
Poliacutebio (quase sempre mais preciso que Diodoro) sugere algo
mais proacuteximo dos μόθακες homens de famiacutelias pobres que eram
patrocinados por algueacutem mais rico e criado com seus
filhos432
Diante do que havia recentemente ocorrido aos
cartagineses Xantipo conclui ldquoapoacutes ter uma visatildeo ampla
dos recursos restantes dos cartagineses e de sua forccedila em
cavalaria e elefantesrdquo (συνθεωρήσας τάς τε λοιπὰς παρασκευὰς τν
Καρχηδονίων καὶ τὸ πλθος τν ἱππέων καὶ τν ἐλεφάντων παραυτίκα) que a
derrota para os romanos na Aacutefrica natildeo se devia aos romanos
mas aos proacuteprios cartagineses ldquopor meio da inexperiecircncia
de seus generaisrdquo (διὰ τὴν ἀπειρίαν τν ἡγουμένων) A conclusatildeo do
general mercenaacuterio teria sido em princiacutepio difundida
entre os seus amigos (τοὺς φίλους) mas logo chegado aos
430 Para o debate sobre a identificaccedilatildeo das referecircncias em Vegeacutecio e
Corneacutelio Nepote cf principalmente E L Wheeler The hoplomachoi
and Vegetius Spartan drillmasters Chiron 13 1-20 1983 P 16
John F Lazenby First Punic War The Spartan Army Warminster Aris amp
Phillips 1985 P 170 Daly p 88 431 Polib 132 De acordo com Diod 2316 Xantipo teria vindo da
Greacutecia com 50 ou 100 soldados ou mesmo sozinho dependendo da fonte
utilizada 432 Lazenby First Punic War pp 102-103 Numa versatildeo mais improvaacutevel
Oroacutesio 49 sugere que Xantipo seria ldquorei dos espartanosrdquo
(Lacedaemoniorum rex) Cf tambeacutem Giovanni Brizzi ldquoAmilcar e
Santippo storie di generalirdquo In Yann Le Bohec (org) La Premiegravere
Guerre Punique Lyon De Boccard 2001 pp 29-38
189
ouvidos dos liacutederes cartagineses que decidiram chamaacute-lo e
examinar a sua linha de raciociacutenio Apoacutes explicar como
Cartago poderia derrotar os romanos (ao inveacutes de assegurar
simplesmente a sua posiccedilatildeo) os generais cartagineses
ldquopersuadidosrdquo (πεισθέντες) ldquoconfiaram-lhe imediatamente as
suas forccedilasrdquo (ατῶ παραχρμα τὰς δυνάμεις ἐνεχείρισαν) Embora a
decisatildeo dos generais tenha gerado alguma reaccedilatildeo violenta
por parte da populaccedilatildeo quando Xantipo liderou o exeacutercito
para fora da cidade em ordem (ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν
κόσμῳ) e ali comeccedilou a ldquomanobrar algumas partes dele
corretamenterdquo (κινεῖν τν μερν ἐν τάξει) ldquodando comandos de
acordo com os costumesrdquo (παραγγέλλειν κατὰ νόμους)433 o que
havia sido feito pelos generais anteriores (cartagineses)
contrastou de tal maneira que os soldados tiveram seus
acircnimos revigorados sob o comando do general estrangeiro
Nessa situaccedilatildeo a empolgaccedilatildeo de Poliacutebio ao falar da
competecircncia de um general grego eacute evidente434 mas haacute algo
mais relevante a ser observado Se Xantipo realizou as
manobras que Poliacutebio indica uma possibilidade eacute que tenha
existido um periacuteodo de treinamento (possivelmente de alguns
meses) sob o espartano A outra possibilidade eacute que o
exeacutercito jaacute tivesse conhecimento dos termos militares
usuais na arte da guerra grega possivelmente devido ao seu
passado de lutas na Siciacutelia mas que os generais fossem
incapazes de executaacute-los da forma correta de onde
sobressairia o que Poliacutebio acreditou ser a sua (dos
cartagineses) incompetecircncia ou imperiacutecia (ἀπειρία) nos
assuntos militares Se o exeacutercito cartaginecircs que lutou na
Aacutefrica contra Reacutegulo fosse composto somente por mercenaacuterios
gregos a segunda explicaccedilatildeo seria a mais plausiacutevel das
duas jaacute que natildeo temos referecircncias diretas nas fontes ao
433 Isto eacute em termos militares ortodoxos Ver questatildeo na Introduccedilatildeo 434 Goldsworthy Punic Wars p 88 Segundo o autor as accedilotildees de
Xantipo refletiriam em Poliacutebio a profunda admiraccedilatildeo helecircnica pelo
sistema militar espartano
190
treinamento das tropas por Xantipo Mas esse natildeo parece ter
sido o caso do exeacutercito em questatildeo Poliacutebio natildeo menciona
origens eacutetnicas das tropas que lutaram em Adys no primeiro
encontro com Reacutegulo (e que eram ao menos parcialmente as
mesmas sob Xantipo) tampouco o faz para a batalha de
Tuacutenis Em todo caso a ldquofalange dos cartaginesesrdquo (τὴν
φάλαγγα τν Καρχηδονίων) mencionada por Poliacutebio em Tuacutenis em
contraste com os seus mercenaacuterios (τν μισθοφόρων) deve ter
sido cartaginesa ou de aliados liacutebios submetidos ao que os
gregos chamavam de symmachia Aleacutem disso um exeacutercito
cartaginecircs na Aacutefrica devia contar como na maioria dos
casos com grande nuacutemero de soldados liacutebios os quais
desconheciam como regra geral para comeccedilar a liacutengua
grega Para dar os comandos ainda que isso natildeo seja
mencionado no provaacutevel treinamento das tropas Xantipo
teria lanccedilado matildeo como jaacute havia feito em ocasiotildees
anteriores de um ou mais inteacuterpretes (ἑρμηνεύς)435
Passado certo tempo entatildeo os cartagineses comeccedilaram a
marchar em territoacuterios nivelados (τν ὁμαλν τόπων) e a
montar acampamento em locais planos (ἐν τοῖς ἐπιπέδοις τν χωρίων)
ateacute conseguirem avistar o inimigo436
Acampados proacuteximos aos
romanos (a uma distacircncia aproximada de 1800 metros ou 10
estaacutedios gregos) os cartagineses aguardaram a deliberaccedilatildeo
do Senado Aqui emerge uma questatildeo central para a
compreensatildeo do papel que Xantipo teria desempenhado na
batalha encerrado o treinamento das tropas Segundo
Poliacutebio o clamor das tropas por Xantipo aliado aos
pedidos do proacuteprio general espartano fizeram com que os
cartagineses revestissem Xantipo de autoridade (τὴν ἐξουσίαν)
para a conduccedilatildeo da batalha Daiacute se conclui que antes da
batalha de Tuacutenis Xantipo natildeo estava no comando do exeacutercito
sendo responsaacutevel apenas pelo treinamento das tropas (como
435 Diod 2316 436 Polib 133
191
sugeri antes) Na batalha contudo se Xantipo natildeo liderou
o exeacutercito como uacutenico general (como sugere toda a histoacuteria
preacutevia da arte da guerra cartaginesa) ele o fez como
ldquogeneral de suporterdquo dos comandantes cartagineses (que
Poliacutebio natildeo menciona) conduzindo um total de 12000
soldados de infantaria 4000 cavaleiros e praticamente 100
elefantes437
Apoacutes treinar a infantaria cartaginesa Xantipo teve a
oportunidade de liderar o exeacutercito cartaginecircs em campo de
batalha Em Tuacutenis as taacuteticas que puseram fim agraves legiotildees de
Reacutegulo apresentavam uma semelhanccedila incontornaacutevel com
aquelas empregadas pelos generais heleniacutesticos apoacutes
Alexandre Esse eacute um indiacutecio que natildeo pode ser ignorado ao
lado do treinamento da infantaria cartaginesa Xantipo
parece ter transformado o exeacutercito cartaginecircs numa
autecircntica arma heleniacutestica o que seraacute de acordo com
Brizzi incorporado por Amiacutelcar Barca438
Em Tuacutenis Xantipo dispocircs a falange de cartagineses ao
centro com um corpo de mercenaacuterios agrave sua direita (o lado
mais desprotegido do corpo de infantaria devido agrave ausecircncia
do escudo ao lado direito do uacuteltimo homem) Tendo dividido
a cavalaria nas alas (ligeiramente mais adiantada que a
infantaria ao centro) o restante dos mercenaacuterios
(provavelmente dardeiros ou fundeiros) foi lotado ali para
desempenhar claro papel de forccedila de apoio agraves tropas
montadas Os elefantes por sua vez encontravam-se
dispostos agrave frente da linha principal ao centro em
ldquodistacircncia segurardquo da infantaria Do lado romano apesar da
437 Sobre a condiccedilatildeo de Xantipo na batalha de Tuacutenis cf principalmente
Lazenby First Punic War pp 103-106 Goldsworthy Punic Wars pp
89-90 Daly p 88 Para uma discussatildeo sobre a data da batalha cf
Walbank op cit p91 Sobre a possiacutevel reduccedilatildeo dos nuacutemeros do
exeacutercito cartaginecircs (dados por Polib 133) o que se justificaria no
uso da tradiccedilatildeo proacute-cartaginesa (especialmente Philinus) por Poliacutebio
para narrar a batalha cf Caven op cit p38 438 Brizzi op cit A sistematizaccedilatildeo das evidecircncias natildeo eacute feita da
mesma forma pelo uacuteltimo
192
expressatildeo vaga usada por Poliacutebio para definir o modo no
qual as legiotildees foram organizadas por Reacutegulo439 o
posicionamento dos velites agrave frente da infantaria
(apostando no efeito que os dardos teriam nos paquidermes)
e a profundidade das unidades manipulares (algo incomum a
menos que fosse necessaacuterio dar maior coesatildeo e portanto
confianccedila aos homens nas linhas de frente) indicam que o
general romano estava preocupado com o impacto -
principalmente psicoloacutegico - que os elefantes teriam em
seus soldados440
Em primeiro lugar Xantipo ordenou que os elefantes
avanccedilassem contra os romanos ao centro e que a cavalaria em
ambas as alas fizesse um movimento em torno da infantaria
para atacaacute-la pelos flancos e retaguarda (apoacutes vencer a
cavalaria inimiga eacute claro) Os romanos em contrapartida
seguindo seus costumes comeccedilaram a bater as armas contra
seus escudos emitindo seu grito de guerra enquanto
avanccedilavam A cavalaria romana muito inferior em nuacutemero
logo bateu em retirada sem oferecer muita resistecircncia agrave
ofensiva inimiga A ala esquerda dos romanos normalmente
composta por aliados avanccedilou com sucesso contra os
mercenaacuterios dispostos agrave direita do exeacutercito cartaginecircs e
pondo-os em fuga perseguiram os vencidos ateacute o
acampamento A porccedilatildeo central da legiatildeo a qual estava de
frente para os elefantes inicialmente resistiu mas logo
cedeu ao avanccedilo dos paquidermes e toda a formaccedilatildeo foi
rompida no momento em que os cavaleiros cercaram os romanos
pelos lados e pela retaguarda Os que foram capazes de
passar pelos elefantes sem serem pisoteados por eles
acabaram por se deparar com a ldquofalange cartaginesardquo (ateacute
439 Polib 133 ldquo[] muitos maniacutepulos em profundidade []rdquo (πολλὰς ἐπἀλλήλαις [] σημείας) 440 Lazenby First Punic War pp 104-105 sugere uma organizaccedilatildeo em
seis linhas ao inveacutes das trecircs linhas tradicionais (hastati
principes triarii) Goldsworthy Punic Wars p 89 sugere as trecircs
linhas tradicionais com um nuacutemero maior de linhas
193
entatildeo intacta) disposta atraacutes dos animais em boa ordem
(συντεταγμένην [] τὴν τν Καρχηδονίων φάλαγγα)441 Quanto agraves
baixas Poliacutebio registrou somente 800 homens entre os
mercenaacuterios cartagineses (particularmente aqueles que
haviam enfrentado a ala esquerda romana) sem mencionar o
restante do exeacutercito Do lado romano excetuando os 2000
soldados que perseguiram os mercenaacuterios cartagineses em
fuga e alguns homens que escaparam com Reacutegulo todos
pereceram em batalha
Sob Xantipo os paquidermes passaram a ser empregados
como entre os generais heleniacutesticos Poliacutebio relata que
Xantipo antes de analisar os recursos logiacutesticos de
Cartago e portanto de ser nomeado general dos
cartagineses por tempo limitado tomou conhecimento do que
havia recentemente ocorrido e da maneira como havia
ocorrido442
Certamente o historiador estava se referindo agrave
derrota para Reacutegulo e ao fracasso em Acragas na Siciacutelia
evento que teria segundo Poliacutebio transformado a
estrateacutegia romana na guerra De Acragas para Tuacutenis
passando pelo fracasso no uso dos cavaleiros e elefantes em
Adys quando os trecircs generais cartagineses decidiram
enfrentar os romanos antes que esses prosseguissem com a
pilhagem de seu territoacuterio notamos uma mudanccedila notaacutevel no
emprego das tropas de Cartago tanto em seu treinamento (no
caso da infantaria) quanto em sua aplicaccedilatildeo (no caso dos
cavaleiros e elefantes) em campo de batalha
441 Polib 134 Narraccedilatildeo coincidente embora menos detalhada pode ser
encontrada tambeacutem em Zonaras 1113 Diod 2314 apresenta um relato
fantasioso acerca da batalha com Xantipo tendo que empurrar os
desistentes contra os romanos numa demonstraccedilatildeo de coragem e vigor 442 Polib 132 ldquo[] ao ouvir da reviravolta recente e da maneira
pela qual havia ocorrido []rdquo (ὃς διακούσας τὸ γεγονὸς ἐλάττωμα καὶ πς καὶ τίνι τρόπῳ γέγονεν)
194
CONCLUSAtildeO
Nesta tese atenccedilatildeo especial foi dirigida agrave histoacuteria da
Siciacutelia e de Cartago nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico
na expectativa de contribuir assim para o abandono da
ideia de um mundo mediterracircnico ocidental formado agrave sombra
da expansatildeo romana Interessou-me primeiramente o impacto
poliacutetico-militar da imitatio Alexandri no ocidente
heleniacutestico sob Agaacutetocles e Pirro da mesma forma que a
reaccedilatildeo dos cartagineses frente agraves duas invasotildees africanas
ocorridas respectivamente entre 310-307 aC e 256-255
aC mais do que propriamente como os romanos subjugaram
Cartago num processo iniciado com a questatildeo dos mamertinos
na porccedilatildeo nordeste da Siciacutelia A partir da anaacutelise
detalhada das liccedilotildees militares aprendidas pelos
cartagineses no periacuteodo heleniacutestico preacute-Baacutercida tornou-se
possiacutevel a compreensatildeo da atuaccedilatildeo social dos mercenaacuterios
cujo fluxo natildeo se encerrou ao menos ateacute a destruiccedilatildeo de
Cartago pelos romanos
Durante a fase inicial da Primeira Guerra Puacutenica
precisamente no ano de 255 aC o exeacutercito cartaginecircs
sofreu modificaccedilotildees sensiacuteveis no campo taacutetico e em seu
treinamento de maneira a transformar as forccedilas de Cartago
em verdadeiras armas heleniacutesticas Mas essa transformaccedilatildeo
natildeo se iniciou contrariando o que sugere Brizzi com
Xantipo443 Taticamente o exeacutercito cartaginecircs se modificou
em 255 aC mas a composiccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo no uso de
comandantes mercenaacuterios parece ter sido anterior
443 Natildeo se trata aqui de desmerecer as hipoacuteteses de Giovanni Brizzi
(op cit) pelo contraacuterio a partir do que foi por ele proposto para
o periacuteodo Baacutercida eacute que pude montar uma explicaccedilatildeo original acerca das
inovaccedilotildees militares anteriores a Amiacutelcar a Aniacutebal Barca e que
acredito ser mais coerente tendo recuado propositalmente no tempo da
anaacutelise de maneira a ilustrar igualmente a relevacircncia das inovaccedilotildees
militares ocorridas durante a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
195
remontando a outras inovaccedilotildees militares importantes durante
a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
De fato o siracusano pensou a invasatildeo africana como
inversatildeo da estrateacutegia vigente no conflito contra os
cartagineses levando a guerra para o territoacuterio inimigo
quando o mesmo encontrava-se em grande vantagem na Siciacutelia
nesse caso ao assediar os portos de Siracusa Confiante no
apoio que obteria dos liacutebios e na falta de espiacuterito
combativo dos cartagineses (se comparada agrave experiecircncia de
seus mercenaacuterios) Agaacutetocles provocou uma situaccedilatildeo
calamitosa nos arredores de Cartago e na proacutepria cidade
que apoacutes seacuterias derrotas para o siracusano e perda
consideraacutevel dos territoacuterios aliados ou previamente
submetidos decidiu tomar atitudes draacutesticas Quando um
plano completamente inovador (para os padrotildees cartagineses)
havia sido estabelecido o Senado se decidiu pelo
direcionamento da guerra de uma maneira pouco condizente
com o estatuto e a experiecircncia militar (quando havia) dos
homens que compunham o conselho A divisatildeo logisticamente
correta do exeacutercito em trecircs forccedilas de 10000 homens
organizadas com funccedilotildees especiacuteficas de correccedilatildeo dos erros
que ateacute entatildeo os comandantes cartagineses haviam cometido
sugere um aconselhamento externo possivelmente de um
(grupo) de mercenaacuterios natildeo mencionados pelas fontes
A invasatildeo africana por Agaacutetocles ainda que tenha
fracassado natildeo foi algo impensado ou sem motivaccedilotildees
poliacuteticas mais profundas Quando Agaacutetocles se declarou rei
ldquoem imitaccedilatildeo aos Diaacutedocosrdquo considerando-se equivalente a
eles em ldquopoder territoacuterios e feitosrdquo ele fecirc-lo com um
tiacutetulo propositalmente vago A ausecircncia de um viacutenculo a um
povo ou uma cidade transforma-se portanto num convite agrave
conquista444
donde a expediccedilatildeo africana foi pensada como
concretizaccedilatildeo desse projeto Que a monarquia de Agaacutetocles
444 Gruen op cit
196
possuiacutea uma natureza ldquoheleniacutesticardquo parece claro a partir da
sistematizaccedilatildeo das evidecircncias disponiacuteveis445 mas a quem ela
se dirigia mostrou-se uma questatildeo a ser respondida
Levando-se em conta uma das principais razotildees pelas quais
Agaacutetocles decidiu conduzir uma guerra na Aacutefrica (o
esfriamento do ardor combativo dos cartagineses contra a
experiecircncia militar dos homens ldquotreinados na escola do
perigordquo) mesmo diante da presenccedila inimiga agraves portas de
Siracusa tornou-se plausiacutevel sugerir ao combinar esse
fator com a formalidade de seu poder em Siracusa e os
eventos subsequumlentes agrave sua expediccedilatildeo em territoacuterio
cartaginecircs que a sua monarquia autoproclamada dirigia-se
aos seus homens Daiacute desdobra-se ainda o fato de a sua
imitatio Alexandri natildeo ter se restringido ao campo
poliacutetico com grandes chances de ter se estendido tambeacutem agrave
esfera militar nesse caso mediante a organizaccedilatildeo de um
corpo de elite em imitaccedilatildeo aos hipaspistas de Alexandre
Apoacutes Agaacutetocles com os mamertinos instalados na porccedilatildeo
nordeste da Siciacutelia e com Siracusa carente de um liacuteder que
comandasse os esforccedilos militares contra a ofensiva
cartaginesa espaccedilo foi aberto para Pirro do Epiro receacutem-
chegado na Peniacutensula Itaacutelica a pedido dos tarentinos A
reputaccedilatildeo de Pirro encontrava-se inabalada apoacutes as suas
duas vitoacuterias contra os romanos de maneira que os
siracusanos se decidiram pela sua convocaccedilatildeo como hegemon
dos gregos (contra os ldquobaacuterbarosrdquo) Tendo concordado
prontamente Pirro se mostrou capaz de fazer recuar os
cartagineses mas a tentativa de instauraccedilatildeo de uma
monarquia de tipo heleniacutestico entre os gregos da Siciacutelia
instigou um sentimento de hostilidade quanto agrave sua
presenccedila No final de sua expediccedilatildeo italiana tendo ainda
445 Ver Zambon Hellenistic Sicily e Cap3
197
travado mais uma batalha na Peniacutensula446
Pirro terminaria
por dar uma grande contribuiccedilatildeo agrave arte da guerra no
ocidente heleniacutestico deixando a ilha com o problema
mamertino pendente
Passados 10 anos da expediccedilatildeo epirota na Itaacutelia um
confronto entre os dois grandes poderes em expansatildeo do
mundo mediterracircnico ocidental ocorreraacute tendo como motor a
presenccedila mamertina na Siciacutelia A Primeira Guerra Puacutenica
como ficou conhecida pela historiografia acabou por ser um
conflito longo e basicamente travado no mar mas com um
periacuteodo crucial na Aacutefrica durante o qual os romanos
decidiram em possiacutevel imitaccedilatildeo ao que havia feito
Agaacutetocles cerca de 50 anos antes transportar a guerra para
o territoacuterio inimigo Ao analisar as evidecircncias disponiacuteveis
(particularmente Polib 129) conclui-se que os romanos
natildeo estavam planejando unicamente um desembarque seguro
apoacutes importante vitoacuteria naval mas que eles esperavam
permanecer na Aacutefrica ao menos ateacute obterem a submissatildeo de
Cartago Os cartagineses por outro lado embora tenham
sido infelizes em seus primeiros esforccedilos (a reproduccedilatildeo de
uma das medidas tomadas contra Agaacutetocles isto eacute ir de
encontro ao inimigo para impedir a desistecircncia dos aliados
por pressatildeo militar adversaacuteria direta) aceitaram os
conselhos propostos por um dos mercenaacuterios que os seus
recrutadores haviam trazido do Peloponeso Os conselhos de
Xantipo podem ter sido algo inesperado sem duacutevida mas o
interesse por parte dos cartagineses em ouvir o que esse
general submetido ao treinamento espartano e com grande
experiecircncia militar tinha a dizer era algo com precedentes
indiretos provaacuteveis
446 Beneventum em 275 aC Dessa vez os resultados parecem ter sido
realmente inconclusivos o que se deveu em boa medida agrave desistecircncia
por parte dos italiotas que a essa altura haviam debandado para o
lado romano
198
A reforma liderada por Xantipo por fim teve
repercussotildees interessantes Em primeiro lugar uma reforma
quanto ao treinamento das tropas parece ter ocorrido Se as
tropas cartaginesas agrave eacutepoca da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo
fossem compostas unicamente por gregos poder-se-ia
argumentar a favor de uma incompetecircncia dos generais
cartagineses ao manobrar as seccedilotildees do exeacutercito O que se
observa contudo aleacutem dessa ἀπειρία eacute a sua incontornaacutevel
composiccedilatildeo africana (cartaginesa ou liacutebia) indiacutecio para a
ocorrecircncia do treinamento da infantaria sob Xantipo antes
da reforma taacutetica em Tuacutenis447
Com a infantaria treinada Cartago decidiu pelo
confronto decisivo com os romanos tendo revestido Xantipo
de autoridade (τὴν ἐξουσίαν) temporaacuteria talvez como ldquogeneral
de suporterdquo aos comandantes cartagineses Na batalha de
Tuacutenis as manobras de cavalaria e o uso dos elefantes
propiciaram como argumentei ao longo do Cap4 a
observaccedilatildeo do momento decisivo na transformaccedilatildeo do exeacutercito
cartaginecircs numa verdadeira arma heleniacutestica algo sem
equivalecircncia nas batalhas anteriores mesmo naquelas que
sucederam a presenccedila de Pirro na Magna Greacutecia e na Siciacutelia
O exeacutercito cartaginecircs havia sido modificado por fim a
partir de inovaccedilotildees militares em momentos de invasatildeo do
territoacuterio africano por inimigos estrangeiros tanto em
niacutevel estrateacutegico quanto em niacutevel taacutetico (treinamento e
aplicaccedilatildeo em campo de batalha)
447 O exeacutercito cartaginecircs apoacutes o treinamento dado por Xantipo teria
comeccedilado a marchar em territoacuterios nivelados e a acampar em locais
planos como pode ser encontrado em Polib 133 Ver Cap 4
199
BIBLIOGRAFIA
FONTES
APIANO Guerras Estrangeiras Traduccedilatildeo de Horace White
Cambridge MA London Harvard University Press 1913
ARISTOacuteTELES Poliacutetica Traduccedilatildeo de H Rackham Cambridge Ma
London Harvard University Press 1932
ARRIANO Anabasis Alexandri Traduccedilatildeo de PA Brunt London
Heinemann 1929
DIODORO DA SICIacuteLIA Biblioteca Histoacuterica Traduccedilatildeo de Russel
Geer e Francis Walton Cambridge MALondon Harvard
University Press 2006
CAacuteSSIO DIO Histoacuteria Romana Traduccedilatildeo de Earnest Cary
Cambridge MALondon Harvard University Press 1914-27
DIONIacuteSIO DE HALICARNASSO Antiguidades Romanas Traduccedilatildeo de
Earnest Cary Cambridge MALondon Harvard University
Press 1937-50
ESTRABAtildeO Geografia Traduccedilatildeo de H L Jones Harvard
University Press 1917-1932
EUTROacutePIO O breviarum ab urbe condita de Eutroacutepio Traduccedilatildeo
de HW Bird Liverpool Liverpool University Press 1993
FRONTINUS STRATEGEMATA Traduccedilatildeo de Charles Bennett
Cambridge MALondon Harvard University Press 1925
HEROacuteDOTO As Guerras Persas (livros 8-9) Traduccedilatildeo de AD
Godley Cambridge MALondon Harvard University Press
1925
ISOacuteCRATES Isoacutecrates Vol3 Traduccedilatildeo de La Rue Van Hook
Cambridge MALondon Harvard University Press 1945
FGH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der
griechischen Historiker LeidenBerlin 1923-
JUSTINO Justino Corneacutelio Nepote e Eutroacutepio Traduccedilatildeo de
John S Watson London HG Bohn 1853
200
OROacuteSIO Os sete livros da histoacuteria contra os pagatildeos Traduccedilatildeo
de Roy J Deferrari Washington Catholic University of
America Press 1964
PAUSAcircNIAS Descriccedilatildeo da Greacutecia Traduccedilatildeo de W H S Jones
Cambridge MA London Harvard University Press 1933
PLUTARCO Vidas V (Agesilaus e Pompeu Peloacutepidas e Marcelo)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1917
______ Vidas VII (Demosteacutenes e Ciacutecero Alexandre e Ceacutesar)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1919
______ Vidas IX (Demeacutetrio e Antocircnio Pirro e Caio Maacuterio)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1920
______ Vidas VIII (Sertoacuterio e Eumenes Phocion e Cato o
Jovem) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA
London Harvard University Press 1919
POLIacuteBIO Histoacuterias Traduccedilatildeo de W R Paton Cambridge MA
London Harvard University Press 2005
POLIENO Estratagemas de Guerra Traduccedilatildeo de Peter Krentz e
Everett L Wheeler Chicago Ares 1994
QUINTO CUacuteRCIO Histoacuterias Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les
Belles Lettres 1947 2 vols
TITO LIacuteVIO Roma e o Mediterracircneo livros XXXI-XLV da
Histoacuteria de Rome desde a sua fundaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Henry
Bettenson New York Penguin 1976
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo de CF
Smith Cambridge MA London Harvard University Press
1919
XENOFONTE Helecircnica Traduccedilatildeo de Carleton L Brownson
Cambridge MA London Harvard University Press 1918
201
ESTUDOS MODERNOS
ADCOCK Franz The Greek and Macedonian Art of War Berkeley
and Los Angeles California University Press 1967
______ The Roman Art of War under the Republic New York
Barnes amp Noble 1960
AUBERT Jean-Jacques and VAacuteRHELYI Zsuzsanna A tall order
writing the social history of the ancient world essays in
honor of William V Harris Muumlnchen Saur 2005
AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander to the
Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in
Translation Cambridge MA Cambridge University Press
2008
AUSTIN NJE and RANKOV NB Exploratio military and
political intelligence in the Roman world from the second
Punic War to the Battle of Adrianople London New York
Routledge 1995
BABELON Ernest ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1 95-
107 1924
BAGNALL Nigel The Punic Wars New York St Martin 2005
BELL MJV ldquoTactical Reform in the Roman Republic Armyrdquo
Historia 14 1965
BERNSTEIN AH ldquoThe Strategy of a Warrior-State Rome and
the Wars against Carthage 264ndash201 BCrdquo In MURRAY
Williamson KNOX MacGregor BERNSTEIN Alvin The Making
of strategy rulers states and war Cambridge New York
Cambridge University Press 1994
BEST Jan Thracian Peltasts and their influence on Greek
Warfare Groningen Wolters-Noordhoff 1969
BERVE Helmut Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen
Verlag 1953
______ Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967
Birley E The Roman army Papers 1929-1986 Amsterdam JC
Gieben 1988
202
BISHOP MC and COULSTON JC Roman military equipment
London Batsford 1993
BILLOWS Richard Kings and Colonists Aspects of Macedonian
Imperialism LeidenNew YorkKoumlln Brill 1995
BOSWORTH Albert ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973
______ Conquest and empire the reign of Alexander the
Great Cambridge New York Cambridge University Press
1988
BRACCESI Lorenzo I tiranni di Sicilia Roma-Bari Laterza
1998
______ L‟Alessandro occidentale Il Macedone e Roma Roma
ldquoL‟ermardquo di Bretschneider 2006
BRIZZI Giovanni Le guerrier de lantiquiteacute classique de
lhoplite au leacutegionnaire Monaco Rocher 2004
BUCKLER John The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge
MALondon Harvard University Press 1980
CAMPBELL J B ldquoTeach Yourself How to be a Generalrdquo JRS 77
1987
CARTLEDGE Paul Agesilaos and the crisis of Sparta London
Duckworth 1987
CAVEN Brian The Punic Wars London Weidenfeld and
Nicolson 1980
______ Dionysius I war-lord of Sicily New Haven Yale
University Press 1990
CHAMPION Craige Brian Cultural Politics in Polybius‟
Histories Berkeley University of California Press 2004
CHANIOTIS WHW Angelos War in the Hellenistic World a
social and cultural history Malden MA Oxford (Eng)
Blackwell 2005
CHARLES-PICARD Gilbert ldquoLes Sufegravetes de Carthage dans Tite-
Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-
280 1963
______ Carthage London Elek Books 1964
203
______ The life and death of Carthage a survey of Punic
history and culture from its birth to its final tragedy
London Sidgwick amp Jackson 1968
CONNOLLY Peter Greece and Rome at War London Macdonald
1981
CONSOLO LANGHER Sebastiana ldquoLa Sicilia dalla scomparsa di
Timoleonte alla morte di Agatoclerdquo In Emilio Gabba La
Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo alle
guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli
e della Sicilia 1980 PP 289-342
______ Sebastiana Agathocle Da capoparte a monarca
fondatore di un regno tra Cartgagine e i Diadochi
Messina Pelorias 2000
CRAWFORD MH and LIGOTA CR Ancient history and the
antiquarian essays in memory of Arnaldo Momigliano
London Warburg Institute University of London 1995
DALY Gregory Cannae the experience of battle in the Second
Punic War London New York Routledge 2002
DAWSON D The origins of Western warfare Militarism and
morality in the Ancient World Boulder Westview Press
1996
DELBRUumlCK H History of the art of war (I) Lincoln
University of Nebraska Press 1990
DE SANCTIS Gaetano Storia dei Romani Milan Fratelli Boca
1907
DEVINE Andrew ldquoGrand Tactics at Gaugamelardquo in Phoenix 29
374-385 1975
DODGE Theodore A Hannibal Cambridge MA Da Capo Press
2004
DOREY TA Latin historians London Routledge amp K Paul
1966
DREWS Robert ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan
Eunomiardquo AJA 100 1979
204
DUCREY Pierre Warfare in Ancient Greece New York
Schocken 1985
ENGELS Donald Alexander the Great and the Logistics of the
Macedonian Army Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1978
ERDIKAMP Paul A companion to the Roman army Malden MA
Oxford Blackwell 2007
ERRINGTON RM ldquoRome and Spain Before the Second Punic Warrdquo
Latomus 29 1970
FERRILL Arther The origins of war from the Stone Age to
Alexander the Great New York Thames and Hudson 1985
FEUGEgraveRE M Les armes des Romains Paris Errance 2002
FINLEY Moses A History of Sicily London Chatto amp Windus
1979
FOX Robin L Alexander the Great London Allen Lane 1973
GABBA Emiacutelio Republican Rome the army and the allies
Berkeley University of California Press 1976
______ La Sicilia antica Palermo Ed del sole 1984
GARLAN Yvon La Guerre dans l‟Antiquite Paris F Nathan
1972
______ Recherches de poliorcetique grecque Athegravenes Ecole
franccedilaise d‟Athegravenes 1974
______ Guerre et economie en Grece ancienne Paris La
Deacutecouverte 1989
GAROUFALIAS Petros Pyrrhus King of Epirus London Stacey
International 1979
GIESECKE Walther Sicilia numismatica Leipzig K W
Hiersemann 1923
GOLDSWORTHY Adrian The Punic Wars London Cassell 2002
GOUKOWSKY Paul Essai sur les origines du mythe d‟Alexandre
336-270 av J C Nancy Universiteacute de Nancy II 1978
GREEN Peter (org) Hellenistic history and culture
Berkeley University of California Press 1993
205
GRIFFITH G T The Mercenaries of the Hellenistic World
Chicago Ares 1935
GRUEN Erich S The Hellenistic world and the coming of Rome
Berkeley University of California Press 1984
______ ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In EADIE John
William e OBER Josiah (orgs) Essays in honour of Chester
G Starr New YorkLondon Routledge 1985
______ Culture and national identity in Republican Rome
Ithaca NY Cornell University Press 1992
______ Cultural borrowings and ethnic appropriations in
antiquity Stuttgart F Steiner 2005
______(org) Cultural identity in the ancient Mediterranean
Los Angeles Getty Research Institute 2010
GSELL Steacutephane Histoire ancienne de lAfrique du Nord
(vol2) Paris Hachette 1914-1930
HAMBURGER Oswald A Untersuchungen uumlber den pyrrhischen
Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927
HAMILTON C D and KRENTZ P Polis and polemos essays on
politics war amp history in Ancient Greece in honor of
Donald Kagan Claremont Calif Regina Books 1997
HAMILTON J R ldquoThe Cavalry Battle at the Hydaspesrdquo in JHS
76 27-28 1956
HAMMOND Nicholas e GRIFFITH Guy A History of Macedonia
550-336 (V2) Oxford Oxford University Press 1979
______ ldquoAlexander‟s charge at the battle of Issus in 333
BCrdquo in Historia 41 395-406 1992
______ ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in Thebesrdquo
in GRBS 38 355-372 1997
HANSON Victor D ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371
BC) and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7
190-207 1988
______ The Western way of war infantry battle in classical
Greece New York Knopf Distributed by Random House 1989
206
______ (org) Makers of ancient strategy from the Persian
wars to the fall of Rome Princeton NJ Princeton
University Press 2010
HARRIS William V War and imperialism in Republican Rome
327-70 BC Oxford Clarendon Press New York Oxford
University Press 1979
______ (org) Rethinking the Mediterranean Oxford New York
Oxford University Press 2005
HEAD Duncan Armies of the Macedonian and Punic Wars
organization tactics dress and weapons Sussex Wargames
Research Group Publication 1982
HOYOS Dexter ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-
218 BCrdquo Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274
1994
______ Unplanned Wars The Origins of the First and Second
Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter 1998
______ Hannibals Dynasty Power and Politics in the Western
Mediterranean 247-183 BC Oxford Oxford University
Press 2005
______ Hannibal‟s war books twenty-one to thirty Livy
translated by JC Yardley with an introduction and notes
by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford University Press
2006
ISAAC Benjamin The Invention of Racism in Classical
Antiquity Princeton University Press 2004
KEEGAN John The face of battle New York Vintage Books
1977
______ A history of warfare London Hutchinson 1993
KEPPIE Lawrence The making of the Roman army from republic
to empire London BT Batsford 1984
KNIPFING John ldquoGerman Historians and Macedonian
Imperialismrdquo in AHR 26 (4) 657-671 1921
KUSCHEL B ldquoDie neuen Muumlnzbilder des Ptolemaios Soterrdquo JNG
11 9-18 1961
207
LA BUA Vincenzo ldquoLa spedizione di Pirro in Siciliardquo
Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980
LANCEL Serge Carthage Paris Fayard 1992
______ Hannibal Paris Fayard 1995
LAUNEY Marcel Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques
Paris Boccard 1949 2 vols
LAZENBY FIRST PUNIC WAR John F The Spartan army
Warminster England Aris amp Phillips 1985
______ The First Punic War a military history London UCL
Press 1996
______ Hannibal‟s War a Military History of the Second
Punic War Norman Oklahoma University Press 1998
LE BOHEC Yann Histoire militaire des guerres puniques
Monaco Editions du Rocher 1996
______ Le Premiegravere Guerre Punique Collection du Centre
d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23 Lyon Paris De
Boccard 2001
______ La marine romaine et la premieacutere guerre punique
Klio 85 57-69 2003
LENDON Jon Soldiers and Ghosts A History of Battle in
Classical Antiquity New HavenLondon Yale University
Press 2005
LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de Boccard 1957
Pyrrhus King of Epirus London Stacey International 1979
LEWIS Sian (org) Ancient Tyranny Edinburgh Edinburgh
University Press 2006
LIDDELL HART Basil Henry Scipio Africanus greater than
Napoleon New York Da Capo Press 1994
MILES Richard Carthage Must be Destroyed The Rise and Fall
of an Ancient Mediterranean Civilization London Allen
Lane 2010
MILNS Robert D Alexander the Great London Robert Hale
1968
208
______ ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in
Historia 20 186-195 1971
MOMIGLIANO Arnaldo Filippo il Macedone saggio sulla storia
greca Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934
______ Alien wisdom the limits of Hellenization Cambridge
New York Cambridge University Press 1975
______ Storia e storiografia antica Bologna Il Mulino
1987
______ The classical foundations of modern historiography
Berkeley University of California Press 1990
MORRISON John S amp COATES John F The Athenian trireme the
history and reconstruction of an ancient Greek warship
Cambridge University Press 1986
MOSSEacute Claude La tyrannie dans la Gregravece Antique Paris
Presses Universitaires de France 1969
NIEBUHR Barthold G Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer
1853
PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers Chicago Ares
1933
PRITCHETT William Ancient Greek Military Practices (I)
Berkeley Los Angeles London University of California
Press 1971
REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique
Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve
Fondation Hardt 1976
RICH JW Declaring war in the Roman Republic in the period
of transmarine expansion Bruxelles Latomus 1976
ROSENSTEIN NS Imperatores victi military defeat and
aristocratic competition in the middle and late Republic
Berkeley University of California Press 1990
______ Rome at war farms families and death in the Middle
Republic Chapel Hill University of North Carolina Press
2004
209
______ (org) A companion to the Roman Republic Malden MA
Oxford Blackwell Pub 2006
SABIN Philip WEES Hans Van WHITBY Michael The Cambridge
History of Greek and Roman Warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
SAGE Michael Warfare in ancient Greece a sourcebook
London New York Routledge 1996
______ The Republican Army a Sourcebook New York London
Routledge 2008
SCARDIGLI Barbara I Trattati romano-cartaginesi Pisa
Scuola Normale Superiore 1991
SCHEPENS G L‟Autopsie dans la methode des historiens
grecs du Ve siecle avant J-C Brussel AWLSK 1980
______ VERDIN H KEYSER E de Purposes of history
studies in Greek historiography from the 4th to the 2nd
centuries BC proceedings of the international
colloquium Leuven 24-26 May 1988 Lovanii [sn] 1990
SCHUBERT Rudolf Geschichte des Pyrrhus Koumlnigsberg Wilh
Koch 1894
SCULLARD HH The Etruscan cities and Rome Ithaca NY
Cornell University Press 1967
______ The elephant in the Greek and Roman world Ithaca
NY Cornell University Press 1974
______ Scipio Africanus soldier and politician Ithaca
NY Cornell University Press 1970
SEKUNDA Nicholas Hellenistic Infantry Reform in the 160‟s
BC Gdansk Gdansk University Press 2006
SIDEBOTTOM Harry Ancient warfare a very short
introduction Oxford Oxford University Press 2004
SJOQVIST Erick ldquoA portrait Head from Morgantinardquo AJA 66
319-322 1962
STERN Ernst von Geschichte der spartanischen und
thebanishen Hegemonie Tartu University of Tartu 1884
210
STEWART Andrew Faces of Power Alexander‟s Image and
Hellenistic Politics Berkeley and Los Angeles University
of California Press 1993
STRAUSS Barry The anatomy of error ancient military
disasters and their lessons for modern strategists New
York St Martin‟s Press 1990
SZNYCER Maurice ldquoLe Problegraveme de la royauteacute dans le monde
puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296
1981
TAGLIAMONTE Gianluca ldquoRapporti tra societagrave di immigrazione
e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo aCrdquo
In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti
Del XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna
Grecia Taranto 1999
TARN William W ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ
20 98-100 1926
______ Hellenistic Military and Naval Developments
Cambridge Cambridge University Press 1930
______ Alexander the Great Cambridge Cambridge University
Press 1950 2 vols
TILLYARD Henry Julius W Agathocles Cambridge The
University Press 1908
TOYNBEE Arnold J Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s
effects on Roman life London New York Oxford University
Press 1965
TUPLIN John ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding
problemsrdquo in Klio 69 72-107 1987
VARTSOS Ioannes ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in
Siciliardquo Kokalos 16 89-97 1970
VATTUONE Ricardo Sapienza d‟occidente Il pensiero storico
di Timeo di Tauromenio Bologna Pagravetron 1991
WALBANK Frank W A historical commentary on Polybius
Oxford Clarendon Press 1957-79
211
______ Polybius Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1972
______ The Hellenistic world Brighton Sussex Harvester
Press Atlantic Highlands NJ Humanities Press 1981
______ ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7
Cambridge University Press 1984
WARMINGTON Brian H Carthage New York Praeger 1960
ZAMBON Efrem Tradition and Innovation Sicily between
Hellenism and Rome Stuttgart Fraz Steiner Verlag 2008
212
ANEXOS
ANEXO 1 ndash UMA CRONOLOGIA DO MUNDO HELENIacuteSTICO
323-241 AC
323 ndash Morte de Alexandre o Grande Perdicas distribui as
satrapias Nascimento de Alexandre IV filho de Roxana
Guerra Lamiana (revolta dos gregos)
322 ndash Submissatildeo de Atenas morte de Aristoacuteteles Invasatildeo da
Capadoacutecia por Perdicas Ptolomeu se estabelece no Egito
Ophellas em Cirene
321 - Campanha de Antiacutepatro e Cratero contra os etoacutelios
Perdicas invade a Pisiacutedia
320 ndash Antiacutepatro feito regente Filipe Arrideu Roxana e
Alexandre IV em custoacutedia Invasatildeo da Aacutesia por Antiacutepatro e
Crateros Eumenes derrota Crateros Seleuco adentra a
Babilocircnia Derrota de Perdicas no Egito
319 ndash Morte de Antiacutepatro Polipercon feito regente
Ptolomeu conquista a Palestina Agaacutetocles ascende ao poder
em Siracusa
318 ndash Polipercon declara a liberdade dos gregos Eumenes
sai da Capadoacutecia para a Ciliacutecia Eudamos extermina Poro e
marcha para o oeste
317 ndash Campanhas de Polipercon na Greacutecia Invasatildeo da Siacuteria
por Eumenes Invasatildeo da Paacutertia por Eudamos e outros
saacutetrapas Invasatildeo da Siacuteria por Antiacutegono fuga de Eumenes
para a Babilocircnia
316 ndash Derrota de Polipercon para Cassandro Eumenes se
junta a Eudamos Batalha de Paraitacene
315 ndash Lisiacutemaco combate Antiacutegono Antiacutegono derrota Eumenes
em Gabene Morte de Eumenes Eudamos e Peiton Antiacutegono daacute
nova ordem agraves satrapias orientais Alianccedila formada contra
Antiacutegono Agaacutetocles eleito strategos autocrator ()
213
314 ndash Antiacutegono se recusa a se entregar
313 ndash Antiacutegono conquista Tiro
312 - Ptolomeu suprime revolta em Cirene e derrota Demeacutetrio
em Gaza
311 ndash Derrota de Agaacutetocles na Siciacutelia bloqueio do porto de
Siracusa Antiacutegono expulsa Seleuco da Feniacutecia Paz entre
Antiacutegono Cassandro Ptolomeu e Lisiacutemaco
310 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles Campanha
de Ptolomeu na Ciliacutecia contra Antiacutegono Anexaccedilatildeo de Cipro
309 ndash Alianccedila de Agaacutetocles com Ophellas Demeacutetrio abandona
a Babilocircnia
308 ndash Morte de Ophellas exeacutercito de Ophellas incorporado
por Agaacutetocles Antiacutegono expulso da Babilocircnia por Seleuco
307 ndash Agaacutetocles retorna a Siracusa Atenas tomada por
Demeacutetrio
306 ndash Antiacutegono e Demeacutetrio assumem o diadema Demeacutetrio
conquista Cipro Seleuco invade a Baacutectria
305 ndash Iniacutecio do cerco de Rodes Seleuco conquista a Baacutectria
304 ndash Seleuco Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro assumem o
diadema Agaacutetocles se declara rei Seleuco fracassa em sua
campanha contra Chandragupta na Iacutendia
303 ndash Demeacutetrio conquista Corinto e boa parte do Pelponeso
campanhas de Agaacutetocles na Itaacutelia acordo entre Seleuco e
Chandragupta
302 ndash Cassandro e Lisiacutemaco contra Antiacutegono Seleuco e
Ptolomeu se juntam agrave alianccedila contra Antiacutegono
301 ndash Batalha de Ipso morte de Antiacutegono fuga de Demeacutetrio
300 ndash Demeacutetrio contra Lisiacutemaco Alianccedila entre Ptolomeu e
Lisiacutemaco
299 ndash Pirro enviado a Ptolomeu como refeacutem
298 ndash Demeacutetrio conquista a Ciliacutecia
297 ndash Morte de Cassandro Ptolomeu lanccedila Pirro como rei do
Epiro Lisiacutemaco toma posses de Demeacutetrio na Aacutesia Menor
296 ndash Lisiacutemaco Seleuco e Ptolomeu contra Demeacutetrio
214
295 ndash Seleuco toma Ciliacutecia Ptolomeu toma posses de
Demeacutetrio no Cipro Demeacutetrio recupera Atenas
294 ndash Demeacutetrio feito rei na Macedocircnia
293 ndash Demeacutetrio na Tessaacutelia
292 ndash Revolta de Tebas Antiacuteoco inicia governo na Baacutectria
291 ndash Demeacutetrio sufoca revolta em Tebas e ataca Pirro
289 ndash Morte de Agaacutetocles
288 ndash Guerra naval de Ptolomeu contra Demeacutetrio Lisiacutemaco e
Pirro provocam fuga de Demeacutetrio para o Peloponeso
287 ndash Revolta de Atenas Ptolomeu conquista Tiro
286 ndash Demeacutetrio perde Iocircnia e Liacutedia para Lisiacutemaco
285 ndash Demeacutetrio invade a Siacuteria submissatildeo de Demeacutetrio a
Seleuco
284 ndash Pirro derrotado por Lisiacutemaco na Macedocircnia
283 ndash Morte de Demeacutetrio e Ptolomeu Ascensatildeo de Ptolomeu II
282 ndash Tarentinos pedem ajuda a Pirro
281 ndash Ptolomeu Cerauno feito rei da Macedocircnia Seleuco
invade a Anatoacutelia elimina Lisiacutemaco e eacute morto por Ptolomeu
Cerauno na Traacutecia
280 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo italiana de Pirro vitoacuteria em
Heraclea derrota de Antiacutegono Gonatas (filho de Demeacutetrio)
para Ptolomeu Cerauno invasatildeo da Macedocircnia pelos celtas
fundaccedilatildeo da Liga Aqueacuteia
279 ndash Derrota dos romanos em Aacutesculo pedido de auxiacutelio de
Siracusa morte de Cerauno em batalha contra os celtas
Tratado entre romanos e cartagineses contra Pirro
278 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo siciliana de Pirro
277 ndash Pirro derrota os cartagineses na Siciacutelia Antiacutegono
Gonatas derrota os celtas celtas ocupam a Galaacutecia
276 ndash Pirro parte para Tarento Antiacutegono Gonatas
reconquista a Tessaacutelia
275 - Batalha inconclusiva de Benevento
264 ndash Iniacutecio da Primeira Guerra Puacutenica
260 ndash Batalha de Mylae
215
256 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo
255 ndash Recrutamento de Xantipo Batalha de Tuacutenis derrota de
Reacutegulo
247 ndash Amiacutelcar Barca nomeado general na Siciacutelia nascimento
de Aniacutebal Barca
241 ndash Fim da Primeira Guerra Puacutenica Cartago perde a
Siciacutelia para os romanos
216
ANEXO 2 FIGURAS
FIGURA 1
217
FIGURA 2
(a)
(b)
218
FIGURA 3
219
FIGURA 4
Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )
Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemaacuteticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterinaacuteriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MuacutesicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuiacutemicaBaixar livros de Sauacutede ColetivaBaixar livros de Serviccedilo SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo
v
RESUMO
A histoacuteria poliacutetica do mundo heleniacutestico natildeo era
formada unicamente por comandantes secircniores do exeacutercito de
Alexandre o Grande sob os Diaacutedocos contava-se uma seacuterie
de ex-oficiais de poder menor ou aventureiros que
desempenhavam funccedilotildees importantes em regiotildees controladas
pelos ex-generais do rei macedocircnico ou mesmo em territoacuterios
que natildeo haviam sido previamente subjugados Juntamente com
os Diaacutedocos tais comandantes de poder menor moldaram a
poliacutetica do mundo heleniacutestico e transformaram de maneira
relevante a sociedade na qual estavam inseridos
contribuindo para a formaccedilatildeo da imitatio Alexandri e de seu
impacto na arte da guerra do periacuteodo heleniacutestico Este era
o caso de Agaacutetocles de Siracusa e em seguida Pirro do
Epiro (com poder obviamente maior que o de Agaacutetocles) que
a despeito das diferenccedilas na esfera de poder e do viacutenculo
com Alexandre tiveram papel fundamental na concretizaccedilatildeo
das inovaccedilotildees poliacuteticas e militares no ocidente
heleniacutestico
Esta tese de doutorado apresenta duas hipoacuteteses em
primeiro lugar que a monarquia de Agaacutetocles era de
natureza ldquoheleniacutesticardquo e que essa ldquoinovaccedilatildeordquo poliacutetica se
dirigiu agraves suas tropas mercenaacuterias e natildeo agrave cidade de
Siracusa onde sua magistratura compulsoacuteria era uma simples
formalidade em segundo lugar que a expediccedilatildeo africana de
Agaacutetocles e a experiecircncia militar de Pirro na Magna Greacutecia
e na Siciacutelia provocaram inovaccedilotildees militares em Cartago
primeiramente em niacutevel estrateacutegico e em seguida jaacute na
invasatildeo africana liderada pelos romanos em niacutevel taacutetico
Tais inovaccedilotildees por fim teriam transformado o exeacutercito
cartaginecircs numa autecircntica arma heleniacutestica
vi
ABSTRACT
The political history of the Hellenistic world was not
composed only of the senior commanders of Alexander the
Great under the Diadochi both a number of his minor
officers and adventurers played important roles They were
active both in territories ruled by former generals of
Alexander and even in territories which had not been
subdued by the Macedonian King With the Diadochi such
commanders with minor power molded the politics of the
Hellenistic world and shaped their society thus
contributing to the imitatio Alexandri as well as to its
impact on the art of war in Hellenistic period This was
the case of Agathocles of Syracuse and after him Pyrrhos
of Epirus both fundamental to the concretization of
political and military innovations in the western
Hellenistic world despite their differences in power and
their connection with Alexander
This DPhil thesis presents two hypotheses First of
all Agathocles‟ monarchy was of ldquoHellenisticrdquo nature and
such political ldquoinnovationrdquo was proposed to his mercenary
troops instead of the city of Syracuse where his power was
a mere formality Secondly the African expedition led by
Agathocles and the military experience of Pyrrhos in Magna
Graecia and Sicily fomented military innovations in
Carthage These innovations were in the first place at
the logistical level and after that during the African
invasion led by the Romans at the tactical level Such
innovations in the end would have changed the
Carthaginian army into an authentic Hellenistic weapon
vii
AGRADECIMENTOS
Primeiramente os agradecimentos de ordem
institucional Ao Professor Vicente Dobroruka pela
confianccedila inabalaacutevel e por toda dedicaccedilatildeo Ao Professor
Erich Gruen pelo comprometimento com o trabalho de co-
orientaccedilatildeo realizado em agradaacuteveis reuniotildees ao longo do
meu estaacutegio em Berkeley Aos Professores Celso Fonseca
Maria Filomena Carmen Liacutecia e Anderson Vargas por todas
as criacuteticas conselhos e auxiacutelio com o aprimoramento da
pesquisa Aos funcionaacuterios do PPGHIS da UnB e agrave coordenaccedilatildeo
do Programa pela seriedade com que trataram as minhas
frequumlentes solicitaccedilotildees Ao Projeto de Estudos Judaico-
Heleniacutesticos por tudo que ele representa na academia
brasileira Aos financiadores da minha pesquisa
nomeadamente CNPq (bolsa de doutorado no paiacutes) e Capes
(bolsa de doutorado no paiacutes com estaacutegio no exterior) por
terem me dado suporte financeiro em todo o doutoramento
Aos funcionaacuterios colegas e amigos que tive o prazer de
conhecer na Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra Aos funcionaacuterios e
colegas da Universidade da Califoacuternia Berkeley pela
receptividade e paciecircncia com o meu sotaque Aos
Professores Angelos Chaniotis Joe Manning Joatildeo Gouveia
Monteiro Delfim Leatildeo Barry Strauss e Gianluca
Tagliamonte pelos conselhos declaraccedilotildees e cartas de
recomendaccedilatildeo escritas
Por fim os agradecimentos pessoais Aos meus pais por
toda educaccedilatildeo que me deram Espero que eu tenha a essa
altura os deixado orgulhosos de alguma forma Agrave Carolina
my Bride to be por todo suporte emocional em momentos
difiacuteceis principalmente com o falecimento do meu pai Aos
meus amigos Neyller e Fabiacuteola que satildeo tambeacutem parte da
minha famiacutelia e ao meu afilhado Iacutecaro Aos outros amigos
colegas de profissatildeo ou das mais diversas origens luacutedicas
viii
SUMAacuteRIO
Agradecimentos vii
Abreviaturas xi
Lista de figuras xiv
Mapas xv
Introduccedilatildeo 17
Capiacutetulo 1 ndash Novas taacuteticas outra guerra as ldquoinovaccedilotildees
tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe II e Alexandre 27
1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra 29
2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre
transformaram a guerra grega 38
21 A infantaria macedocircnica 38
211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi 40
212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa 44
22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo 48
Capiacutetulo 2 ndash Os desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no
tempo dos Diaacutedocos 53
1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e os tipos
de mercenaacuterio 53
11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica
53
12 Mercenariato basileia e doriktetos chora 60
2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos 64
21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi 66
22 Os elefantes de combate 70
3 As Guerras dos Diaacutedocos 75
31 Eumenes versus Craacutetero 75
ix
32 Antiacutegono versus Eumenes 77
33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e
Lisiacutemaco 86
Capiacutetulo 3 ndash Poder monaacuterquico e arte da guerra na Magna
Greacutecia e na Siciacutelia heleniacutestica 89
1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia heleniacutestica 89
2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo poliacutetica da
morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro 101
3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica 105
4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em campo de
batalha 111
41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles 111
411 O exeacutercito de Agaacutetocles 115
412 Agaacutetocles general como Alexandre 117
42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro 123
421 O exeacutercito de Pirro 125
422 O exeacutercito republicano romano 127
423 A batalha de Heracleia (280 aC) 132
424 A batalha de Aacutesculo (279 aC) 137
Capiacutetulo 4 ndash As duas fases das inovaccedilotildees militares em
Cartago 141
1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo controle
oligaacuterquico e fracasso da tirania em Cartago 310-255
aC 141
2 O exeacutercito cartaginecircs 155
3 As primeiras inovaccedilotildees militares em Cartago
heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave ameaccedila
grega 310-307 aC 161
x
4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no periacuteodo
preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica frente agrave ameaccedila
romana 255 aC 168
41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC 168
411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa
contra os romanos 168
412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a
Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana
de Reacutegulo 256-255 aC 182
413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico
heleniacutestico 255 aC 187
Conclusatildeo 194
Bibliografia 199
Anexos 212
Anexo 1 ndash Uma cronologia do mundo heleniacutestico 323-241
aC 212
Anexo 2 Figuras 216
xi
ABREVIATURAS
AALG ndash MILNS Robert ldquoThe Army of Alexander the Greatrdquo in
REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique
Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve
Fondation Hardt 1976 pp87-136
AHR - The American Historical Review
AJA - American Journal of Archaeology
ALG1 - TARN William W Alexander the Great Cambridge
Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1
ALG2 ndash TARN William W Alexander the Great Cambridge
Cambridge University Press 1950 2 vols Vol1
Apiano ndash Apiano Guerras Estrangeiras
Arist Pol ndash Aristoacuteteles Poliacutetica
Arr Anab ndash Arriano Anaacutebasis de Alexandre Magno
Austin AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander
to the Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in
Translation Cambridge MA Cambridge University Press
2008
CA ndash Classical Antiquity
Chaniotis WHW CHANIOTIS Angelos War in the Hellenistic
World Malden Oxford Blackwell 2005
Consolo Langher - Sebastiana Consolo Langher Agathocle Da
capoparte a monarca fondatore di un regno tra Cartgagine
e i Diadochi Messina Pelorias 2000
CQ ndash Classical Quarterly
Cuacutercio ndash Quinto Cuacutercio Histoacuteria de Alexandre Magno
Daly ndash DALY Gregory Cannae the experience of battle in
the Second Punic War London New York Routledge 2002
Diod ndash Diodoro Biblioteca Histoacuterica
Caacutessio Dio ndash Caacutessio Dio Histoacuteria Romana
Dioniacutesio ndash Dioniacutesio Antiguidades Romanas
Estrabatildeo ndash Estrabatildeo Geografia
Eutroacutepio ndash Eutroacutepio Breviaacuterio de Histoacuteria Romana
xii
Frontino Frontino Estratagemas
Goldsworthy Punic Wars ndash GOLDSWORTHY PUNIC WARS Adrian
The Punic Wars London Cassell 2000
GRBS - Greek Roman and Byzantine Studies
Griffith GRIFFITH Guy T The Mercenaries of the
Hellenistic World Chicago Ares 1935
Hdt ndash Heroacutedoto Histoacuterias
Isoc Pan Isoacutecrates Panegiacuterico
Isoc Isoacutecrates Da Paz
JHS ndash Journal of Hellenic Studies
JNG - Jahrbuch fuumlr Numismatik und Geldgeschichte
Justino ndash Justino Epiacutetome da Histoacuteria Filiacutepica de Pompeius
Trogus
Lazenby First Punic War ndash LAZENBY FIRST PUNIC WAR John
Francis The First Punic War a military history London
UCL Press 1996
Leacutevecircque Pirro - LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de
Boccard 1957
LSJ ndash Liddell-Scott-Jones Greek-English Lexicon
Meister CAH 7 ndash MEISTER K Agathocles WALBANK FW
ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7 (1)
Cambridge University Press 1984 PP384-411
Miles ndash MILES Richard Carthage Must be Destroyed The
Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization
London Allen Lane 2010
Oroacutesio ndash Oroacutesio Histoacuteria contra os pagatildeos
Parke PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers
Chicago Ares 1933
Plut Ages ndash Plutarco Vida de Agesilau
Plut Alex ndash Plutarco Vida de Alexandre
Plut Dem ndash Plutarco Vida de Demeacutetrio
Plut Eumenes ndash Plutarco Vida de Eumenes
Plut Pelop ndash Plutarco Vida de Peloacutepidas
Plut Tim ndash Plutarco Vida de Timoleatildeo
xiii
Polib ndash Poliacutebio Histoacuterias
Polieno ndash Polieno Estratagemas
Pliacutenio ndash Pliacutenio Histoacuteria Natural
Sil Pun ndash Siacutelio Itaacutelico Puacutenica
Tito Liacutevio ndash Tito Liacutevio A Histoacuteria de Roma (AB VRBE
CONDITA LIBRI)
TLG ndash Thesaurus Linguae Graecae
Tucid ndash Tuciacutedides Histoacuteria da Guerra do Peloponeso
Xen Hel ndash Xenofonte Helecircnica
Zambon Hellenistic Sicily - ZAMBON Efrem Tradition and
Innovation Sicily between Hellenism and Rome Stuttgart
Fraz Steiner Verlag 2008
Zonaras - Zonaras Epitome historiarum
xiv
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Estatueta de Alexandre o Grande Origem
Herculaneum (regiatildeo da Campacircnia) 330-320 aC In Andrew
Stewart Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic
Politics Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1993
Figura 2 (a) Tetradracma de prata de Ptolomeu I Soter do
Egito (315-305 aC) Previamente no mercado suiacuteccedilo (b)
Estater de ouro de Agaacutetocles de Siracusa (310-305 aC)
Vienna In Stewart op cit
Figura 3 Vista panoracircmica de Cartago reconstruccedilatildeo feita
pelo Museacutee Nacional Cartago In Richard Miles Carthage
Must be Destroyed the Rise and Fall of an Ancient
Civilization London Allen Lane 2010 P175
Figura 4 Batalha de Tuacutenis (255 aC) In Yann Le Bohec
Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions
du Rocher 1996 P90
xv
MAPAS
Siciacutelia agrave eacutepoca da Primeira Guerra Puacutenica In Nigel Bagnall The
Punic Wars Rome Carthage and the Struggle for the Mediterranean
London Hutchinson 1990 P 50
xvi
Mediterracircneo ocidental no iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica Note a
expansatildeo africana e hispacircnica dos cartagineses apoacutes a Primeira Guerra
Puacutenica e a hegemonia romana na Siciacutelia dois dos grandes resultados da
Primeira Guerra Puacutenica In Gregory Daly Cannae the experience of
battle in the Second Punic War London and New York Routledge 2002
P7
17
INTRODUCcedilAtildeO
Apoacutes a morte de Alexandre o Grande os seus generais
rapidamente trataram de dividir os territoacuterios imperiais na
Europa na Aacutesia e no Egito de maneira a produzir uma
configuraccedilatildeo poliacutetica completamente ineacutedita ao mundo
antigo Dois princiacutepios baacutesicos regeram a ascensatildeo dos
novos monarcas e a construccedilatildeo de suas dinastias a
apropriaccedilatildeo da imagem puacuteblica de Alexandre (imitatio
Alexandri) e o ldquodireito da lanccedilardquo ou doriktetos chora
Portanto para se tornar um reclamante digno dos
territoacuterios imperiais era preciso em primeiro lugar se
igualar a Alexandre em feitos copiando as suas realizaccedilotildees
militares (postura ofensiva taacuteticas movimentos e
velocidade) e ateacute a sua ligaccedilatildeo com as divindades o que
poderia ser sugerido em variadas oportunidades a exemplo
da cunhagem poacutestuma de moedas com a iconografia do monarca
Em segundo lugar como consequumlecircncia oacutebvia da imitatio
tornava-se necessaacuterio conquistar territoacuterios pela forccedila das
armas o que natildeo restringia o rei a apenas uma regiatildeo ou
povo mas o instigava a governar o que fosse capaz de
subjugar em campanhas militares Como observou Gruen o
fato de os reis heleniacutesticos natildeo portarem ldquotiacutetulos
eacutetnicosrdquo a exemplo de ldquorei dos macedocircniosrdquo indicava que
eles haviam se tornado reis do que pudessem conquistar1
Chaniotis WHW em seu recente livro sobre a guerra no
mundo heleniacutestico completa a interpretaccedilatildeo de Gruen ao
afirmar que ldquoesta vagueza era um convite agrave conquistardquo2
Torna-se evidente portanto que a guerra era parte
fundamental da ideologia do rei heleniacutestico caracterizando
1 Erich Gruen ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In J W Eadie and
Josiah Ober The Craft of the ancient historian essays in honor of
Chester G Starr Lanham MD University Press of America 1985 pp
253-271 2 Chaniotis WHW p57
18
natildeo somente suas funccedilotildees como general mas tambeacutem boa parte
de suas accedilotildees como poliacutetico
O cenaacuterio heleniacutestico em seus primoacuterdios natildeo era
contudo formado somente pelos comandantes secircniores do
exeacutercito de Alexandre ao lado dos Diaacutedocos contava-se uma
lista de ex-oficiais de poder menor e de ldquoaventureirosrdquo sem
qualquer ligaccedilatildeo direta com o rei macedocircnio mas que de
algum modo procuravam se inserir no cenaacuterio poliacutetico
heleniacutestico Este era o caso de Agaacutetocles de Siracusa
responsaacutevel por uma tentativa de introduccedilatildeo planejada da
monarquia de tipo heleniacutestico na Siciacutelia grega Como
veremos ao longo desta tese Agaacutetocles natildeo deve ser
considerado um tirano como seus antecessores siciliotas
ainda que mantivesse algumas das caracteriacutesticas poliacuteticas
tradicionais uma vez que as inovaccedilotildees por ele inicialmente
conduzidas durante a expediccedilatildeo africana podem ser cotadas
como verdadeiramente ldquoheleniacutesticasrdquo3
Diante de uma tentativa de encerramento da guerra pelos
cartagineses com o bloqueio dos portos de Siracusa e do
cerco agrave cidade Agaacutetocles liderou uma expediccedilatildeo inesperada
ao territoacuterio africano o que foi baseado de acordo com
Diodoro no perfeito conhecimento da situaccedilatildeo cartaginesa
na Aacutefrica4 De modo geral o siracusano pretendia inverter
a grande estrateacutegia da guerra e assolar o territoacuterio
inimigo decisatildeo estrategicamente ousada mas baseada na
dificuldade que Cartago teria para mobilizar ndash ou
simplesmente liderar ndash um exeacutercito capaz de derrotar homens
ldquotreinados na escola do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς
δεινοῖς)5 Durante a batalha de Tuacutenis em 310 aC Agaacutetocles
parece ter organizado uma guarda pessoal em imitaccedilatildeo aos
hipaspistas de Alexandre da mesma forma que utilizado
taacuteticas muito similares agravequelas adotadas pelo rei macedocircnio
3 A melhor abordagem para o assunto eacute Zambon Hellenistic Sicily 4 Diod 201-18 5 Diod 203
19
em Gaugamela em 331 aC Alguns anos depois encontramos
evidecircncia de Agaacutetocles representado como Alexandre na
iconografia de um estater de ouro cunhado entre 310-305
aC em imitaccedilatildeo aos tetradracmas de Ptolomeu I (314-313
aC) o qual fazia referecircncia agrave vitoacuteria obtida pelo
siracusano em Tuacutenis Em 307 aC proacuteximo agrave cunhagem do
referido estater registra-se a contenccedilatildeo de uma revolta do
exeacutercito mercenaacuterio devido agrave falta de pagamento ocasiatildeo em
que Agaacutetocles surgiu com toga puacuterpura (siacutembolo do poder
reacutegio) sendo as suas vestimentas consideradas pelas tropas
como ldquoadequadas ou pertencentes ao seu poderrdquo (τὸν προσήκοντα
κόσμον)6 Tais evidecircncias ilustram como sistematicamente
apresentado no capiacutetulo 3 a construccedilatildeo de uma monarquia
que teraacute logo apoacutes a autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos
caracteriacutesticas tipicamente heleniacutesticas natildeo se adequando
mais agraves exigecircncias ou agrave estrutura organizacional de uma
poacutelis Sob Agaacutetocles de Siracusa e depois sob Pirro do
Epiro as vitoacuterias de Alexandre no Oriente (assim como a
longa rivalidade entre gregos e persas a qual foi tomada
pelos macedocircnios como justificativa para a invasatildeo do
Impeacuterio Persa) ganharatildeo vida nova no conflito entre
Siracusa e Cartago7 A histoacuteria siciliana constituiacutea algo
peculiar natildeo sendo um apecircndice da histoacuteria grega
continental como observou Finley8 mas o sentimento grego
de hostilidade ao elemento ldquobaacuterbarordquo seja ele persa ou
cartaginecircs foi constantemente revisto primariamente sob a
lideranccedila poliacutetica de Siracusa A imitatio Alexandri a
partir da oposiccedilatildeo ao elemento ldquobaacuterbarordquo na Siciacutelia
heleniacutestica era portanto algo historicamente viaacutevel
desde que houvesse um homem capaz de forjar uma ligaccedilatildeo com
Alexandre bem como liderar os gregos da Siciacutelia contra seu
6 Diod 2034 7 Argumento desenvolvido por Richard Miles Carthage Must be Destroyed
The Rise and Fall of an Ancient Mediterranean Civilization London
Allen Lane 2010 P145 8 Moses Finley A History of Sicily London Chatto amp Windus 1979
20
inimigo estrangeiro tradicional Cartago Como sustento
nesta tese Agaacutetocles mostrou-se intencionalmente esse
homem ainda que seus planos de formaccedilatildeo dinaacutestica tenham
falhado e que a audiecircncia para a legitimaccedilatildeo de seu poder
natildeo fosse composta com exceccedilatildeo de Ophellas por
macedocircnios
O impacto do projeto monaacuterquico heleniacutestico de
Agaacutetocles no entanto natildeo se restringiu agrave Siciacutelia grega
Cartago encontrava-se envolvida diretamente com os
desdobramentos militares das inovaccedilotildees poliacuteticas lideradas
pelo siracusano de modo que seu exeacutercito sofreu
modificaccedilotildees consideraacuteveis frente agrave presenccedila grega em seu
territoacuterio Pouco tem sido dito sobre o exeacutercito cartaginecircs
antes da ascensatildeo dos Baacutercidas o que se justifica pela
natureza fragmentada das fontes para a histoacuteria
heleniacutestica mas uma anaacutelise cuidadosa desses fragmentos
deveraacute ilustrar alteraccedilotildees sensiacuteveis na disposiccedilatildeo do
exeacutercito em campo de batalha processo iniciado durante a
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles O tirano provocou
portanto a necessidade de inovaccedilotildees militares entre os
cartagineses o que corresponderia ao iniacutecio de um processo
formado por duas fases tendo o seu fim na transformaccedilatildeo
das tropas cartaginesas numa verdadeira forccedila heleniacutestica
cerca de 50 anos apoacutes a invasatildeo africana pelos gregos Ao
confiar a defesa dos territoacuterios sicilianos aos exeacutercitos
mercenaacuterios Cartago promoveu a falta de treinamento de
suas tropas ciacutevicas as quais eram empregadas somente em
casos extremos isto eacute de perigo para a proacutepria cidade
bem como manteve o baixo niacutevel de conhecimento logiacutestico no
norte da Aacutefrica talvez por que os cartagineses nunca
haviam sofrido ameaccedila similar a de 310 aC o que resultou
no envio completo dos soldados sem quaisquer forccedilas de
reserva (cruciais para a defesa da cidade no caso de uma
derrota decisiva em campo de batalha ou mesmo para a
21
reparticcedilatildeo das tropas no caso de um ataque simultacircneo) Do
mesmo modo o controle oligaacuterquico quanto aos generais
cartagineses dispostos no comando das tropas mercenaacuterias na
Siciacutelia impediu a formaccedilatildeo de uma ldquoescola taacutetica
atualizadardquo situaccedilatildeo que somente seraacute revertida em 255
aC com a contrataccedilatildeo de um general mercenaacuterio de formaccedilatildeo
espartana (Xantipo) e com o prosseguimento de sua reforma
por Amiacutelcar Barca
Entre a reforma provocada pela expediccedilatildeo de Agaacutetocles e
a reforma liderada por Xantipo haacute portanto um intervalo
de aproximadamente cinco deacutecadas o que pode ser
justificado pela carecircncia de evidecircncias mais detalhadas
sobre a histoacuteria poliacutetica e militar de Cartago Todavia
nada indica que entre 307 e 255 aC uma transformaccedilatildeo no
sistema de treinamento do exeacutercito tenha ocorrido a julgar
pela postura assumida por Xantipo em 255 aC
Ao liderar o exeacutercito para fora da cidade em boa ordem
e comeccedilar a manobrar algumas partes dele em falange e
dar as palavras de comando de acordo com os costumes
(ὡς δ ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν κόσμῳ παρενέβαλε καί τι καὶ κινεῖν τν μερν ἐν τάξει καὶ παραγγέλλειν κατὰ νόμους ἤρξατο)9
Feitas as consideraccedilotildees acima podemos nos perguntar o
que as duas fases de inovaccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs tecircm em
comum Preliminarmente cabe dizer que ambas ocorreram em
momentos de extremo perigo para os cartagineses quando o
inimigo (grego e sem seguida romano) encontrava-se jaacute em
territoacuterio africano saqueando cidades e com numeroso
exeacutercito a um passo de tomar a proacutepria cidade de Cartago
As referidas inovaccedilotildees do exeacutercito cartaginecircs (as quais
9 Polib 132 παραγγέλλειν κατὰ νόμους pode ser traduzido tambeacutem como ldquonos termos militares ortodoxosrdquo ἐν τάξει pode ser traduzido por ldquoda forma corretardquo como faz W R Paton tradutor da Loeb mas nesse caso a
expressatildeo parece mesmo indicar algo proacuteximo do modelo grego a julgar
pelo equipamento das infantarias cartaginesa e liacutebica (ver capiacutetulo 4
e figuras em anexo) podendo tambeacutem indicar algo como ldquoem marcha
ordenadardquo (no caso do uso da espada como primeira arma)
22
seratildeo sistematizadas ao longo do capiacutetulo 4 a partir das
evidecircncias disponiacuteveis) no primeiro seacuteculo de histoacuteria
heleniacutestica aparentam ter sido portanto respostas de
natureza distinta (uma logiacutestica e outra taacutetica) ao mesmo
problema tendo a primeira delas se mostrado uma
consequumlecircncia do projeto monaacuterquico de Agaacutetocles
Aleacutem de elucidar aspectos da histoacuteria siciliota e
cartaginesa o enfoque proposto contribui pontualmente para
a retirada da histoacuteria de Cartago da sombra da expansatildeo
romana de fato a derrota dos cartagineses para uma
confederaccedilatildeo latina em guerras traumaacuteticas para ambos os
lados somada ao eco da ldquogrande e justa vitoacuteria romanardquo em
sua tradiccedilatildeo literaacuteria10 resultou natildeo somente na
incorporaccedilatildeo posterior (irrefletida) da concepccedilatildeo de fides
Punica mas tambeacutem na reduccedilatildeo da histoacuteria cartaginesa a
apenas um capiacutetulo do chamado ldquoimperialismo defensivordquo
romano Ao aceitar uma unilateralidade da narraccedilatildeo de tais
eventos o que parece cocircmodo devido agrave natureza (favoraacutevel
aos romanos) dos relatos antigos sobre as Guerras Puacutenicas
o historiador finda por repetir um discurso que exclui uma
parte importante da histoacuteria do Mediterracircneo heleniacutestico
ou na melhor das hipoacuteteses submete tais histoacuterias agrave
cronologia da transformaccedilatildeo da Repuacuteblica Romana em Impeacuterio
Os romanos contudo natildeo foram os primeiros a rotular
os cartagineses com adjetivos desfavoraacuteveis (tais como
desleais crueacuteis mentirosos gananciosos e arrogantes)11
os gregos da Siciacutelia seacuteculos antes dos romanos haviam
engajado numa guerra sem fim com Cartago pela hegemonia da
ilha sendo a famosa caracterizaccedilatildeo do ldquooutrordquo como
ldquobaacuterbarordquo tambeacutem um traccedilo da cultura grega na Siciacutelia natildeo
10 Um caso ldquoclaacutessicordquo eacute o poema eacutepico de Siacutelio Itaacutelico (Pun 2395-
456) ldquoum rico senador romano com pretensotildees literaacuteriasrdquo (Miles op
cit p6) que no final do seacutec I dC via a fides Punica como causa
primordial das guerras anteriores com os cartagineses reduzindo
portanto o papel da ambiccedilatildeo romana como motor dos conflitos 11 Benjamin Isaac The Invention of Racism in Classical Antiquity
Princeton University Press 2004 pp 325-335 Miles op cit p7
23
se restringindo unicamente agrave experiecircncia grega nas guerras
contra os persas ao longo do seacutecV aC Os romanos no
entanto puderam varrer a presenccedila cartaginesa (e
posteriormente a grega) da Siciacutelia e fazer triunfar a sua
versatildeo da histoacuteria a qual deveria incluir
obrigatoriamente uma representaccedilatildeo factiacutevel de Cartago jaacute
que a autoridade e a credibilidade da historiografia romana
se iniciaram na eacutepoca das Guerras Puacutenicas
As duas hipoacuteteses desta pesquisa insinuam-se no
interior das questotildees apresentadas anteriormente Em
primeiro lugar sustento que a basileia de Agaacutetocles
dirigia-se agraves suas tropas e natildeo agrave cidade de Siracusa para
a qual o reconhecimento de seu poder natildeo parece ter sido
mais do que uma formalidade Durante a expediccedilatildeo africana
veremos natildeo somente a progressiva identificaccedilatildeo de seu
poder com uma monarquia de tiacutetulo intencionalmente vago
que seraacute em seguida comparada com a dos Diaacutedocos devido agrave
suposta paridade de suas forccedilas (ldquoem poder militar
territoacuterios e feitosrdquo) Aleacutem disso haacute que se notar tambeacutem
a constituiccedilatildeo de uma nova audiecircncia para o poder de
Agaacutetocles o qual estava cada vez menos baseado no
reconhecimento do demos de Siracusa e cada vez mais voltado
aos seus experientes mercenaacuterios12 A mudanccedila da audiecircncia
para o exeacutercito mercenaacuterio parece inclusive indicar a
tentativa de criaccedilatildeo de uma versatildeo dos hipaspistas de
Alexandre como parte da imitatio Alexandri em campo de
batalha
Em segundo lugar argumento a favor da existecircncia de
dois periacuteodos de inovaccedilatildeo militar de natureza distinta no
exeacutercito cartaginecircs sendo ambos provocados por situaccedilotildees
de perigo extremo para a cidade de Cartago O primeiro
deles se deu como dito antes contra os gregos entre 310-
12 Sou imensamente grato ao Professor Gruen pela sugestatildeo desta
hipoacutetese apoacutes ouvir e ponderar as minhas consideraccedilotildees por horas a
fio sempre com seriedade e gentileza
24
307 aC e parece ter tido caraacuteter logiacutestico assumindo
como ponto de partida o fiasco da batalha de Tuacutenis (310
aC) O segundo deles ocorreu num momento decisivo da
Primeira Guerra Puacutenica (255 aC) e apresentou mudanccedilas no
niacutevel de treinamento do exeacutercito ciacutevico e na atualizaccedilatildeo da
ldquoescola taacuteticardquo cartaginesa Em ambos os casos os
prejuiacutezos ao desenvolvimento militar cartaginecircs impostos
pelo vasto uso dos mercenaacuterios na Siciacutelia (o que inibia a
construccedilatildeo de uma cultura militar ciacutevica) e pelo controle
oligaacuterquico em Cartago (responsaacutevel pela ruptura das linhas
de desenvolvimento do generalato) parecem ter sido
ultrapassados o que poderaacute ser confirmado apoacutes anaacutelise
sistemaacutetica dos dispositivos taacuteticos cartagineses em 255
aC
Para isso a tese divide-se em quatro capiacutetulos O
primeiro capiacutetulo intitulado ldquoNovas taacuteticas outra guerra
as ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo e o exeacutercito reformado de Filipe e
Alexandrerdquo traz uma introduccedilatildeo aos antecedentes da arte da
guerra heleniacutestica apresentando uma anaacutelise das condiccedilotildees
de funcionamento do exeacutercito macedocircnico bem como dos
elementos adaptados das taacuteticas tebanas (particularmente a
coluna alongada) A arte da guerra heleniacutestica em seus
primoacuterdios e suas implicaccedilotildees poliacutetico-sociais
(nomeadamente a universalizaccedilatildeo do estatuto mercenaacuterio das
tropas e a construccedilatildeo de um novo tipo de monarquia)
dependem do entendimento correto sobre as unidades taacuteticas
do exeacutercito macedocircnico no caso dos generais que haviam
combatido com Filipe e de uma generalizaccedilatildeo do modelo
macedocircnico a partir do que se difundiu com a expediccedilatildeo
asiaacutetica de Alexandre O segundo capiacutetulo (ldquoOs
desenvolvimentos da guerra heleniacutestica no tempo dos
Diaacutedocosrdquo) um desdobramento loacutegico e direto do primeiro
apresenta um estudo minucioso da situaccedilatildeo geral do
mercenariato nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico e da
25
arte da guerra tal qual experimentada pelos Diaacutedocos no
embate pela divisatildeo do Impeacuterio de Alexandre Aleacutem da
anaacutelise da manutenccedilatildeo das taacuteticas macedocircnicas de cavalaria
e das novas armas empregadas (inclusive como siacutembolo de
poder militar no caso dos elefantes) pelos Diaacutedocos o
capiacutetulo se ocupa com os eventos relacionados agraves Guerras
dos Sucessores dando atenccedilatildeo especial agrave alteraccedilatildeo do
princiacutepio de aniquilamento pelo envolvimento completo do
inimigo o que resultou no recrutamento massivo de tropas
de infantaria derrotadas (e por vezes intactas) apoacutes o
choque da cavalaria
Os dois uacuteltimos capiacutetulos deslocam o foco da tese para
o ocidente heleniacutestico e seus esforccedilos orientados sob
Agaacutetocles para uma imitatio Alexandri em campo poliacutetico e
militar e sob os cartagineses para duas fases de
inovaccedilotildees militares que se enquadram no formato da arte da
guerra heleniacutestica em seus primoacuterdios Em ambos os casos
contudo notamos um processo de integraccedilatildeo do ocidente
heleniacutestico ao mundo dos Diaacutedocos tenha ele ocorrido com
as inovaccedilotildees poliacuteticas do monarca siracusano ou com as duas
respostas dos cartagineses aos casos de maior perigo para a
cidade de Cartago nos primeiros 90 anos de histoacuteria
heleniacutestica momentos antes portanto do iniacutecio da guerra
com Aniacutebal Barca
No capiacutetulo 3 intitulado ldquoPoder monaacuterquico e arte da
guerra na Magna Greacutecia e Siciacutelia heleniacutesticardquo apresento
uma sistematizaccedilatildeo possiacutevel das evidecircncias favoraacuteveis agrave
caracterizaccedilatildeo do poder monaacuterquico de Agaacutetocles como
ldquoheleniacutesticordquo da mesma forma que desenvolvo argumentos
acerca de uma identificaccedilatildeo provaacutevel das tropas e taacuteticas
de Agaacutetocles durante a sua expediccedilatildeo africana com algumas
unidades e planos de batalha relacionados agrave expediccedilatildeo
asiaacutetica de Alexandre o Grande Devido agrave sensiacutevel queda do
nuacutemero de textos antigos que nos chegaram para o periacuteodo
26
bem como agrave natureza plural dos relatos (incompletos) sobre
Agaacutetocles evidecircncias de outra natureza (epigraacutefica e
numismaacutetica) satildeo tambeacutem consideradas numa perspectiva
instrumental de paridade metodoloacutegica procurando
estabelecer na medida do possiacutevel narrativas baseadas no
estudo comparado de tais fontes
O capiacutetulo 4 (ldquoAs duas fases da reforma militar em
Cartagordquo) traz uma anaacutelise das inovaccedilotildees militares
cartaginesas ocorridas entre 307 e 255 aC das alteraccedilotildees
de caraacuteter logiacutestico encaminhadas durante a expediccedilatildeo
africana de Agaacutetocles agraves modificaccedilotildees quanto ao treinamento
e agraves taacuteticas lideradas por Xantipo (255 aC) Um estudo
das relaccedilotildees entre a oligarquia em Cartago e seus generais
na Siciacutelia deveraacute elucidar em detalhes a repressatildeo
oligaacuterquica em direccedilatildeo ao desenvolvimento de uma ldquoescola
taacutetica atualizadardquo da mesma forma que uma mudanccedila
temporaacuteria nesse comportamento diante de duas ameaccedilas
potencialmente fatais agrave cidade
Os textos antigos usados nesta tese seguem quando
possiacutevel a ediccedilatildeo da Loeb Quando a ediccedilatildeo natildeo existe a
exemplo dos Estratagemas de Polieno emprega-se a ediccedilatildeo de
referecircncia (normalmente uma traduccedilatildeo para a liacutengua
inglesa) A leitura de tais textos deu-se inicialmente em
inglecircs sendo todos os trechos citados (ou de relevacircncia
pontual para a tese) lidos tambeacutem em grego ou latim usando
como recursos o TLG e o LSJ
27
CAPIacuteTULO 1 ndash NOVAS TAacuteTICAS OUTRA GUERRA AS
ldquoINOVACcedilOtildeES TEBANASrdquo E O EXEacuteRCITO REFORMADO DE
FILIPE II E ALEXANDRE
As influecircncias tebanas no pensamento militar macedocircnico
satildeo um dado haacute muito aceito na historiografia levando em
consideraccedilatildeo a aproximaccedilatildeo de Filipe com Epaminondas13
Todavia cabe perguntar quais seriam detalhadamente os
elementos desta relaccedilatildeo entre as taacuteticas tebanas e a
composiccedilatildeo do exeacutercito integrado macedocircnico Pode-se
postular ainda a existecircncia de inovaccedilotildees tipicamente
tebanas na guerra grega e em particular na reforma do
exeacutercito de Filipe e Alexandre
Conforme mostrarei neste capiacutetulo alguns princiacutepios
empregados na maior batalha travada entre Tebas e Esparta
em Leuctra (371 aC) quando a falange lacedemocircnia foi
derrotada num choque de hoplitas apresentaram-se
explicitamente no exeacutercito reformado macedocircnico mas
precisam ser cuidadosamente reavaliados Assim a batalha
de Leuctra eacute importante (1) por seu impacto histoacuterico - a
falecircncia da hegemonia espartana em campo de batalha e (2)
porque o uso da coluna alongada e da formaccedilatildeo obliacutequa (com
uma das alas hesitante) foi consolidado com a
profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito macedocircnico ocorrida a
partir do serviccedilo contiacutenuo e do estabelecimento de
treinamento superior (ambos caracteriacutesticos do soldado
profissional)
Aleacutem disso a partir da adoccedilatildeo das manobras de
cavalaria como etapa ofensiva principal das taacuteticas de
campo adotadas por Filipe II e Alexandre podemos notar na
guerra grega uma contribuiccedilatildeo estritamente macedocircnica natildeo
sendo possiacutevel atribuir a Epaminondas ou a outros tebanos
13 Plut Pelop 267
28
esta modificaccedilatildeo decisiva14 Por uacuteltimo como desdobramento
deste toacutepico a destruiccedilatildeo das defesas inimigas nas alas e
o consequumlente aniquilamento do inimigo por manobra de
envolvimento algo elaborado pelos macedocircnios no mundo
grego e comum aos persas ao menos desde a invasatildeo de
Alexandre teria sido tambeacutem a maior caracteriacutestica das
batalhas na Guerra dos Diaacutedocos15 natildeo fosse a incorporaccedilatildeo
das tropas vencidas ao contingente vitorioso praacutetica mais
condizente com a lideranccedila militar heleniacutestica Embora
novos fatores tenham emergido nas Guerras dos Diaacutedocos como
legado do impeacuterio de Alexandre (a exemplo do emprego dos
elefantes de guerra16) as manobras de cavalaria
permaneceram um dos traccedilos fundamentais aos primeiros
cinquumlenta anos da tradiccedilatildeo militar heleniacutestica primando
no entanto pela submissatildeo das tropas vencidas ao centro da
formaccedilatildeo
14 Ainda que os tessaacutelios fossem excelentes cavaleiros sua eficiecircncia
foi comprovada e difundida apenas sob o comando macedocircnico 15 Daiacute a relevacircncia deste mapeamento histoacuterico como etapa analiacutetica
anterior ao estudo da guerra heleniacutestica 16 Ambos seratildeo tratados no capiacutetulo dois desde sua ldquomatrizrdquo
macedocircnica
29
1 Epaminondas e o princiacutepio da batalha de Leuctra
Desde o estabelecimento do ldquodilema tebanordquo isto eacute a
problemaacutetica em torno de suas intervenccedilotildees militares na
Beoacutecia e de sua inserccedilatildeo na Liga Ateniense como ldquotebanosrdquo
(e natildeo como ldquobeoacuteciosrdquo o que limitava seu raio de accedilatildeo na
regiatildeo) a situaccedilatildeo natildeo se manteve tranquumlila entre ambas as
poacuteleis (Atenas e Tebas) Apesar de um acordo de paz firmado
em 375 aC (que exigia respostas oficiais para qualquer
incidente de cunho militar e estabelecia diretrizes para a
relaccedilatildeo das cidades mencionadas os tebanos insistiam na
restauraccedilatildeo de Oropos cujo controle havia sido perdido17
Aleacutem disso a destruiccedilatildeo de Plateacuteia e Thespiai duas
cidades beoacutecias que haacute pouco haviam se aliado a Atenas
entrou no rol dos desentendimentos entre as cidades gregas
O grande problema estava justamente na recusa em reconhecer
a ldquoConfederaccedilatildeo beoacuteciardquo (na qual Tebas exercia funccedilatildeo de
comando) ainda que esta continuasse a funcionar
paralelamente
Como observa Buckler18 tal situaccedilatildeo indicou acima de
tudo uma ldquomudanccedila no balanccedilo do poder na Greacuteciardquo
Definitivamente os tebanos mostraram-se capazes de
defender seus proacuteprios interesses num contexto de restriccedilatildeo
econocircmica da lideranccedila poliacutetica ateniense e a construccedilatildeo
das embarcaccedilotildees de guerra bem como sua manutenccedilatildeo
inviabilizaram qualquer reaccedilatildeo ateniense frente ao
crescente poder tebano
Aleacutem disso os espartanos enfrentaram problemas ainda
mais seacuterios que os atenienses se pensarmos em termos mais
17 Xen Hel 63 18 John Buckler The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge
MALondon Harvard University Press 1980 P46
Importante lembrar que o uacuteltimo tratamento dado ao periacuteodo antes do
claacutessico escrito por Buckler foi dado por Ernst von Stern em sua
obra Geschichte der spartanischen und thebanishen Hegemonie (Tartu
University of Tartu 1884)
30
relacionados ao que estaacute sendo proposto nesta tese O
melhor exemplo da dificuldade espartana em manter seu poder
foi aleacutem da reduccedilatildeo de sua influecircncia na Jocircnia o fracasso
na tentativa de subjugar Tebas De fato os tebanos estavam
decididos a manter seu domiacutenio na Beoacutecia mesmo que para
isso fosse necessaacuteria a disposiccedilatildeo de seu exeacutercito em campo
de batalha seguindo o tradicional modelo grego do choque
de hoplitas bem como a tentativa de resolver o conflito
num choque decisivo
Para complementar a tensatildeo poliacutetica acima detalhada
Epaminondas dirigiu-se a Agesilau sobre sua delegaccedilatildeo em
termos aacutesperos ao niacutevel de aceitaccedilatildeo espartana
argumentando que Tebas possuiacutea tanto direito de intervenccedilatildeo
na Beoacutecia quanto Esparta na Lacocircnia Tratava-se da
imposiccedilatildeo da Confederaccedilatildeo beoacutecia e de sua caracterizaccedilatildeo
como a uacutenica unidade poliacutetica possiacutevel na regiatildeo
diferentemente da symmachia da Segunda Confederaccedilatildeo
Ateniense O isolamento de Tebas estava entatildeo
anunciado19 de modo que a batalha decisiva tornou-se o
caminho mais provaacutevel para a resoluccedilatildeo do desentendimento
entre as poacuteleis
Quanto agrave documentaccedilatildeo referente agrave batalha existe uma
tendecircncia por parte dos especialistas em recusar (ou ao
menos reduzir a relevacircncia) do relato de Xenofonte20 o
uacutenico contemporacircneo da batalha devido agrave falta de detalhes
e ao seu posicionamento excessivamente proacute-espartano Os
demais relatos embora posteriores fornecem informaccedilotildees
mais detalhadas e estatildeo apoiados noutras evidecircncias
contemporacircneas Como observa Hanson21 apesar das
diferenccedilas em muitos aspectos dos relatos sobre Leuctra
19 Xen Hel 63 Plut Ages 27 284 Diod 1550 20 Xen Hel 64 21 Victor D Hanson ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371 BC)
and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7 190-207 1988
P191
31
Plutarco22 e Diodoro
23 ldquopartilham dois princiacutepios
fundamentais que permanecem inquestionaacuteveisrdquo Primeiro a
inserccedilatildeo de algo totalmente novo em Leuctra por Epaminondas
e segundo o caraacuteter insatisfatoacuterio do relato de
Xenofonte especificamente em relaccedilatildeo a sua incompletude e
ao silecircncio (provavelmente intencional) no que respeita agraves
manobras tebanas
Uma vez decididos pela guerra Epaminondas eleito
comandante entre os boiotarchoi24 aguardou com seu
exeacutercito em Queroneacuteia onde poderia facilmente bloquear o
avanccedilo de Cleombroto desde Phokis25 Embora os outros
boiotarchoi com exceccedilatildeo de Peloacutepidas que apoiava
Epaminondas desde o iniacutecio de seu plano de batalha
estivessem receosos da decisatildeo em campo aberto optando
pela corrente estrateacutegia tebana (recuar ateacute uma
fortificaccedilatildeo e laacute oferecer resistecircncia) o temor em perder
o apoio das outras cidades beoacutecias os encorajaram a fazer
frente ao exeacutercito de Cleombroto26
Com aproximadamente 10000 soldados de infantaria e
1000 cavaleiros os espartanos dispuseram de acordo com
Xenofonte a cavalaria agrave frente dos hoplitas27 para que a
falange pudesse realizar seus movimentos secretamente fora
do campo de visatildeo do inimigo Cleombroto estava agrave direita
justamente com os demais espartanos sendo que o
contingente aliado a Esparta estava disposto agrave esquerda
Em resposta ao ataque inicial dos espartanos
Epaminondas enviou sua cavalaria provavelmente superior
agravequela do inimigo28 no intuito de fazer frente ao ataque
que abriu a batalha A formaccedilatildeo adotada pelos tebanos
22 Plut Pelop 2023 23 Plut Pelop 1552-56 24 Uma das principais magistraturas da Liga Beoacutecia segundo o LSJ 25 Plut Pelop 1552 26 Xen Hel 64 Diod 1553 Plut Pelop 203 27
Xen Hel 64 [] προετάξαντο μὲν τς ἑαυτν φάλαγγος οἱ Λακεδαιμόνιοι τοὺς ἱππέας [] 28 Xen Hel 64
32
estreita mas profunda era tambeacutem invertida Contrariando o
que comumente executavam os gregos o ataque principal
seria desferido pela ala esquerda liderada pelo ldquobatalhatildeo
sagradordquo operando na ocasiatildeo como unidade individual sob o
comando de Peloacutepidas O restante das tropas estava disposto
na ala direita fazendo frente ao contingente aliado
espartano
De acordo com Plutarco29 Cleombroto se viu forccedilado
quando observou que o ataque principal tebano seria
executado pela ala esquerda e natildeo pela direita a solicitar
que sua linha de frente agrave direita fosse estendida e
abaulada (τὸ δεξιὸν ἀνέπτυσσον καὶ περιγον) jaacute que assim poderia
envolver a coluna alongada dos tebanos e atacar o proacuteprio
Epaminondas O uacutenico problema eacute que existiria aiacute um espaccedilo
agrave esquerda do rei que deveria ser protegido de alguma
maneira provavelmente pela cavalaria Uma vez perdido o
combate pela cavalaria espartana Cleombroto teve que
enfrentar abertamente os tebanos sem chance de completar
sua manobra e ainda com um agravante a cavalaria em fuga
se chocou com a infantaria em avanccedilo causando grande
confusatildeo na formaccedilatildeo espartana30 Naquele momento o
Batalhatildeo Sagrado se destacou das demais unidades e desferiu
o principal ataque eliminando qualquer possibilidade de
reordenamento espartano Encerrada pelo rompimento da
formaccedilatildeo a batalha estava decidida
O episoacutedio de Leuctra assinala portanto para a maior
parte dos historiadores antes de Hanson de Buckler31 a
Ducrey32 ou Tuplin
33 uma revoluccedilatildeo no modo grego de fazer a
guerra34 Natildeo eacute sem razatildeo frente agrave tradiccedilatildeo
29 Plut Pelop 232 30 Xen Hel 6413 Plut Pelop 233 31 Buckler opcit 32 Pierre Ducrey Warfare in Ancient Greece New York Schocken 1985 33 John Tuplin ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding problemsrdquo in
Klio 69 72-107 1987 34 Paul Cartledge (Peace of Antalkidas to Battle of Leuktra In _____
Agesilaos and the crisis of Sparta London Duckworth 1987 P380)
33
historiograacutefica que Adcock afirmou em The Greek and
Macedonian Art of War que ldquodevido agraves suas inovaccedilotildees
[Epamonindas] havia vencido sua primeira grande batalha
Leuctra antes da mesma ser iniciadardquo35 Existe no
entanto um posicionamento tradicionalmente contraacuterio agraves
entatildeo chamadas inovaccedilotildees de Epaminondas trata-se da
tradiccedilatildeo historiograacutefica que remonta ao argumento
desenvolvido por Hanson em 1988 em seu provocativo artigo
sobre Epaminondas e a batalha de Leuctra36
Em primeiro lugar Hanson refere-se a uma lista de
casos anteriormente estudados por Pritchett37 nos quais a
coluna alongada havia sido empregada De fato aprofundar a
quantidade de hoplitas numa das alas aumentava a
autoconfianccedila e adicionava poder de choque agrave coluna
hopliacutetica mas reduzia a extensatildeo da linha de frente
expunha o flanco mais facilmente (facilitando o
envolvimento por parte do inimigo) e exigia mais da ala
desfavorecida devido ao deslocamento de homens para a outra
parte da formaccedilatildeo Os tebanos jaacute haviam se utilizado da
coluna alongada com 16 escudos38 (εἰς ἑκκαίδεκα βαθεῖαν)39 mas eacute
vaacutelido lembrar que existe com Epaminondas uma
radicalizaccedilatildeo deste princiacutepio jaacute conhecido pelos gregos
levando ao extremo o nuacutemero de soldados dispostos em
coluna
Em seguida a inversatildeo da coluna alongada da ala
direita para a esquerda40 onde os soldados inimigos natildeo
menciona que as taacuteticas de Epaminondas foram ldquobrilhantemente
inovadorasrdquo 35 Franz Adcock The Greek and Macedonian Art of War Berkeley and Los
Angeles California University Press 1967 P89 36 Hanson opcit 37 William Pritchett Ancient Greek Military Practices (I) Berkeley
Los Angeles London University of California Press 1971 P135 Os
casos satildeo detalhadamente Delion (424 aC Tucid 493) Siracusa
(415 aC Tucid 667) Peiraieus (403 aC Xen Hel 24) Rio
Nemeacuteia (394 aC Xen Hel 42) 38 Xen Hel 42 Plut Pelop 172 39 Xen Hel 42 40 Xen Hel 64 Diod 1555 Plut Pelop 231
34
contavam com a proteccedilatildeo dos escudos41 foi planejada por
Epaminondas com a intenccedilatildeo de destruir a tropa de elite
espartana o mais raacutepido possiacutevel Embora tal praacutetica - a da
inversatildeo da principal tropa de choque da direita para a
esquerda - jaacute fosse conhecida pelos gregos pelo menos desde
as Guerras Meacutedicas como nos lembra Hanson42
especificamente no episoacutedio da batalha contra o persa
Mardocircnio43 natildeo existe meio de saber precisamente porque
Epaminondas adotou tal formaccedilatildeo uma vez que o histoacuterico
desta inversatildeo taacutetica natildeo ilustra mais sucessos do que
fracassos quando aplicada Talvez Epaminondas tenha
ldquomeramente orquestrado uma colisatildeo brutal e decisivardquo44
como outros comandantes gregos jaacute o tinham tentado mas natildeo
haacute como saber quais motivos especiacuteficos o levaram a adotar
tal formaccedilatildeo ao inveacutes daquela tradicional Por fim ainda
com relaccedilatildeo agrave inversatildeo das alas basta dizer que a
eliminaccedilatildeo da hipoacutetese pautada na defesa da ldquogenialidade
taacuteticardquo de Epaminondas nos leva de acordo com o argumento
de Hanson a uma evidente reduccedilatildeo na sua capacidade de accedilatildeo
imediata mas ainda assim sem descartar uma questatildeo
importante a combinaccedilatildeo radical destes dois fatores (a
coluna alongada e invertida) foi indiscutivelmente decisiva
na derrota dos espartanos em Leuctra
Outra questatildeo fundamental diz respeito ao uso integrado
(ou mesmo a ausecircncia) da cavalaria especialmente na ala
direita tebana Apenas Xenofonte45 menciona a existecircncia de
tropas montadas em Leuctra sem fazer referecircncia sequer ao
movimento de flanqueamento por parte da cavalaria de
41 Deve-se lembrar que o hoplita da esquerda era protegido pelo escudo
do soldado agrave sua direita avanccedilando juntos ombro a ombro O soldado
situado agrave extrema direita contava entatildeo apenas com sua lanccedila jaacute que
seu escudo deveria proteger o lado direito do soldado situado agrave sua
proacutepria esquerda 42 Hanson opcit p194 43 Hdt946 44 Hanson opcit p194 45 Hel 64 [] οἱ τν Φωκέων πελτασταὶ καὶ τν ἱππέων Ἡρακλεται []
35
Epaminondas Pelo contraacuterio os espartanos eacute que teriam
iniciado a batalha enviando seus cavaleiros agrave frente dos
hoplitas Entatildeo os tebanos em resposta ao ataque
espartano teriam feito o mesmo Natildeo existe informaccedilatildeo
sobre um possiacutevel retorno agraves posiccedilotildees originais ou mesmo em
direccedilatildeo agraves alas o que poderia sugerir uma lacuna no relato
de Xenofonte no que se refere agraves manobras de cavalaria ao
longo de toda a batalha tanto pelo lado espartano quanto
pelo lado tebano
Buckler e Tuplin46 concordam que as manobras adotadas
por Cleombroto derivaram de uma accedilatildeo inesperada por parte
dos tebanos Ora se de fato os espartanos pretendiam
distrair Epaminondas com um ataque frontal e inicial da
cavalaria enquanto a ala direita comandada pelo proacuteprio
Cleombroto pudesse avanccedilar para aleacutem da ala esquerda
tebana e recobrar a proteccedilatildeo do flanco com o retorno das
tropas montadas que iniciaram a batalha entatildeo Epaminondas
provavelmente sabia o que fora realizado por seus inimigos
na batalha do rio Nemeacuteia47 quando um envolvimento se
tornou possiacutevel exatamente a partir de tais manobras
Poreacutem admitindo-se que Cleombroto iniciou mesmo a batalha
ordenando o avanccedilo da cavalaria estaria correto o relato
de Plutarco (no qual Buckler e Tuplin basearam sua anaacutelise)
com relaccedilatildeo agrave sequumlecircncia das manobras48 Noutras palavras a
uacutenica maneira de afirmar que Cleombroto teria modificado
46 Buckler opcit p64 47 Xen Hel 42 48 O questionamento parte tambeacutem da comparaccedilatildeo entre a reputaccedilatildeo de
Plutarco e Xenofonte O primeiro nunca teve pretensotildees a historiador
embora o relato de Leuctra tenha sido provavelmente baseado nos textos
de Eacuteforo (FGrH 70) enquanto o segundo aleacutem das intenccedilotildees de
prosseguimento da obra de Tuciacutedides tinha declarada experiecircncia
militar O fato de que Xenofonte seria parcial em sua anaacutelise digo
interessado apenas em sustentar que tudo teria dado errado para os
espartanos naquele dia em contraposiccedilatildeo agrave sorte dos tebanos fez com
que a historiografia ateacute o artigo escrito por Hanson sequer
atentasse para uma importante declaraccedilatildeo de Xenofonte (ldquoos espartanos
iniciaram a batalhardquo) o que definitivamente abre o leque de
possibilidades explicativas especialmente para o questionamento do
testemunho de Plutarco
36
sua formaccedilatildeo devido agrave ldquosurpresardquo em relaccedilatildeo agraves manobras de
Epaminondas eacute atraveacutes do relato de Plutarco Entretanto se
admitirmos que a cavalaria espartana (e natildeo a tebana)
iniciou o ataque como sugeriu Xenofonte eacute possiacutevel supor
tambeacutem que Cleombroto contava desde o iniacutecio com o retorno
de sua cavalaria para proteger o flanco aberto durante a
execuccedilatildeo da manobra (planejada antes mesmo de iniciada a
batalha) com a qual pretendia envolver a coluna alongada
dos tebanos Como sua cavalaria natildeo foi capaz de vencer a
tebana o proacuteprio rei teria permanecido agrave mercecirc do choque
comandado por Peloacutepidas consequumlecircncia da falha da cavalaria
espartana e natildeo fruto de um plano preacute-elaborado por
Epaminondas
A criacutetica de Hanson dirigida agraves interpretaccedilotildees da
batalha de Leuctra parece totalmente correta e de fato uma
reavaliaccedilatildeo das chamadas ldquoinovaccedilotildees tebanasrdquo constitui uma
etapa necessaacuteria a este estudo para que se torne evidente
que a inserccedilatildeo da cavalaria tal como empregada no exeacutercito
de Alexandre natildeo estava disponiacutevel na guerra grega antes
de Filipe49 Pelo contraacuterio o uso integrado das diversas
seccedilotildees do exeacutercito configurou em seu estaacutegio avanccedilado uma
contribuiccedilatildeo tipicamente macedocircnica Noutras palavras os
gregos jaacute haviam assimilado algumas taacuteticas cuja execuccedilatildeo
dependia de certo niacutevel de integraccedilatildeo entre as sessotildees do
exeacutercito como possivelmente ocorrera em Leuctra pelo lado
espartano mas o enraizamento do soldado-cidadatildeo como
principal figura dos exeacutercitos gregos dos seacutecsV e parte do
IV aC deixaram a consolidaccedilatildeo desta inovaccedilatildeo para um
reino de fronteira a Macedocircnia cuja aristocracia dava
grande importacircncia ao uso dos cavalos na guerra
49 A reforma do exeacutercito macedocircnico tornou-se um assunto por demais
polecircmico uma vez que as fontes satildeo bastante confusas a esse respeito
No entanto posiciono-me a favor de uma reforma iniciada com Alexandre
II e seguida por Filipe II de acordo com os argumentos que
apresentarei mais abaixo
37
A uacuteltima questatildeo acerca do que Epaminondas realizou em
Leuctra diz respeito ao ataque obliacutequo quando a falange
foi trazida sob formaccedilatildeo em crescente (μηνοειδὲς τὸ σχμα τς
φάλαγγος πεποιηκότες)50 Apoacutes 371 aC esta formaccedilatildeo foi
novamente empregada com grande sucesso em Gaugamela (331
aC) por Alexandre o Grande
Desse modo o argumento de Hanson acerca da suposta
revoluccedilatildeo nas taacuteticas gregas a partir de Epaminondas
precisa ser levado em consideraccedilatildeo na medida em que retira
a proeminecircncia de um uacutenico e genial comandante tebano
salientando a ligaccedilatildeo entre as transformaccedilotildees ocorridas na
guerra grega desde o conflito poliacuteada no Peloponeso e o
exeacutercito reformado de Filipe da Macedocircnia
50 Diod1555
38
2 ldquoNegoacutecios de famiacuteliardquo como Filipe e Alexandre
transformaram a guerra grega
21 A infantaria macedocircnica
Dada a sua posiccedilatildeo de fronteira em relaccedilatildeo ao universo
poliacuteada e em particular apoacutes a esmagadora derrota para os
iliacuterios51 os esforccedilos militares dos reis macedocircnicos
direcionaram-se para a formulaccedilatildeo de uma nova maacutequina de
guerra a saber a combinaccedilatildeo equilibrada entre um tipo de
falange de piqueiros de excelente cavalaria e de um
aparato completo de maacutequinas de cerco a partir do qual
Alexandre obteve os recursos taacuteticos necessaacuterios para a
realizaccedilatildeo de sua campanha na Aacutesia Mas eacute possiacutevel dizer
precisamente em que momento tal reforma teve lugar na
histoacuteria da Macedocircnia antiga
Momigliano52 apoiado num trecho decisivo do fragmento
da Filiacutepica de Anaxiacutemenes de Lampsaco53 afirmou que esta
teria comeccedilado jaacute com Alexandre o Fileleno (498-454 aC)
devido agrave referecircncia a um novo grupo de soldados de
infantaria chamados pezetairoi os quais teriam sido
organizados em companhias (τοὺς πεζοὺς εἰς λόχους) por um certo
Alexandre considerado por Momigliano como sendo o primeiro
rei deste nome de que se tem notiacutecia
A referecircncia feita a Anaxiacutemenes tornou-se decisiva
desde entatildeo mas nesta tese opto pela hipoacutetese de
Bosworth54 que combinando o trecho de Anaxiacutemenes a uma
importante citaccedilatildeo de Tuciacutedides55 sobre a formaccedilatildeo
macedocircnica desloca a reforma do exeacutercito macedocircnico para
Alexandre II (370-368 aC) Ainda que o tempo de reinado
51 Diod 162 52 Arnaldo Momigliano Filippo il Macedone saggio sulla storia greca
Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934 53 FGrH 72 F4 54 Albert Bosworth ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973 P250 55 Tucid 4124 ldquomacedocircnios [] e outra multidatildeo de poderosos
baacuterbarosrdquo (Μακεδόνων []καὶ ἄλλος ὅμιλος τν βαρβάρων πολύς)
39
de Alexandre II tenha sido bastante curto se comparado aos
44 anos de governo do primeiro Alexandre a descriccedilatildeo de
Tuciacutedides deve ser considerada a partir do seguinte
criteacuterio se a formaccedilatildeo macedocircnica da forma como
apresentada pelo historiador ateniense foi fidedignamente
narrada cerca de trinta anos apoacutes Alexandre o Fileleno a
atribuiccedilatildeo da reforma como sendo uma accedilatildeo de seu governo eacute
incorreta Se de fato a reforma fora realizada por um
Alexandre este soacute pode ser por exclusatildeo o seguinte
Alexandre (II)
A reconstruccedilatildeo das origens do exeacutercito macedocircnico
reformado eacute entatildeo bastante polecircmica ainda que a
tendecircncia seja localizar o seu iniacutecio cerca de dez anos
antes do reinado de Filipe II Aleacutem disso a histoacuteria de
sua organizaccedilatildeo e accedilatildeo em campo de batalha nos eacute acessiacutevel
somente a partir da campanha de Alexandre quando o uso de
Arriano e de alguns fragmentos o mapeamento filoloacutegico de
termos condizentes agrave infantaria e o estudo das unidades
taacuteticas conhecidas (e de suas subdivisotildees) auxiliam na
tarefa de estabelecer as diretrizes para o entendimento de
parte do exeacutercito macedocircnico56
56 Breves reconstruccedilotildees como a elaborada por Billows (Kings and
Colonists Aspects of Macedonian Imperialism LeidenNew YorkKoumlln
Brill 1995 Pp11-20) natildeo satildeo satisfatoacuterias pois ignoram diversos
aspectos da reforma como por exemplo os problemas advindos do uso
de Diodoro para o estabelecimento do nuacutemero aproximado das tropas A
melhor introduccedilatildeo para o assunto eacute ainda Robert Milns AALG
40
211 Hipaspistai pezetairoi e asthetairoi
Segundo Tarn57 e Milns
58 somente atraveacutes do relato de
Arriano podemos elaborar uma reconstruccedilatildeo segura da
terminologia e do desenvolvimento de parte das tropas
macedocircnicas Isso se deve ao fato de que por um lado
tanto Diodoro quanto Cuacutercio empregaram fontes apenas
indiretamente preocupadas com o exeacutercito macedocircnico Por
outro lado Ptolomeu a principal fonte de Arriano era
assim como seu leitor entendido nos assuntos militares e
conhecedor de sua terminologia Ainda que 500 anos
separassem os dois o relato de Arriano tornou-se o mais
apropriado para a anaacutelise das tropas macedocircnicas e de sua
aplicaccedilatildeo taacutetica em campo de batalha
Analisemos entatildeo os principais termos referentes agrave
organizaccedilatildeo do exeacutercito Pezetairoi que agrave primeira vista
indica a infantaria macedocircnica em sentido mais amplo em
Arriano ora faz referecircncia a toda a falange ora apenas a
parte dela59 Certamente trata-se de um termo anterior a
Filipe se aceitarmos as informaccedilotildees sobre os pezetairoi de
Alexandre II contidas no relato de Anaxiacutemenes de
Lampsaco60 podendo tambeacutem de acordo com Teopompo de
Quios61 fazer referecircncia unicamente agrave ldquoGuarda Realrdquo
(ἐδορυφόρουν τὸν βασιλέα) Apesar dessas divergecircncias uma
coisa permanece inquestionaacutevel o termo pezetairoi no tempo
de Alexandre referia-se essencialmente a toda a falange de
piqueiros
Existem aleacutem disso duas variaccedilotildees que devem ser
observadas pezoi por vezes indicando a falange62 ou mesmo
toda a infantaria e φάλαγξ que pode significar a falange
57 ALG2 P135 58 Robert D Milns ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in
Historia 20 186-195 1971 P88 59 Arr Anab 1283 2232 4231 5226 661 6213 7113 60 FGrH 72 61 FGrH 115 F348 62 A falange indica o conjunto de todos os batalhotildees ou brigadas dos
πεζέταιροι
41
propriamente dita ou apenas um uacutenico batalhatildeo da falange
bem como os hipaspistai e a formaccedilatildeo em linha de batalha
quando usado para fazer referecircncia a outras tropas (ἐπὶ
φάλαγγος em oposiccedilatildeo a κατὰ κέρας por exemplo)63
Com a ampliaccedilatildeo do termo para a definiccedilatildeo de toda a
falange (ou de sua parte em destaque) abre-se tambeacutem uma
nova questatildeo introduzida por Bosworth64 a partir de uma
releitura de Arriano qual seria a vinculaccedilatildeo dos
pezetairoi com os hipaspistai e os asthetairoi65
Em primeiro lugar o que jaacute se discute desde Tarn66
Muitas informaccedilotildees vitais acerca dos hipaspistai satildeo
impossiacuteveis de se obter basicamente por duas razotildees ambas
derivadas de problemas advindos das proacuteprias fontes Em
primeiro lugar os historiadores gregos natildeo estariam
interessados em ldquodetalhes militares teacutecnicosrdquo de uma tropa
macedocircnica mesmo quando esta desempenhava funccedilatildeo
importante na campanha Em seguida Ptolomeu provavelmente
por estar familiarizado com todos esses detalhes teacutecnicos
em seu dia-a-dia simplesmente natildeo desenvolveu nada a
respeito da disposiccedilatildeo e equipamentos desta tropa67
Sabemos que os hipaspistai foram uma forccedila criada a
partir de uma seleccedilatildeo dos pezetairoi sendo provavelmente a
primeira na histoacuteria da Macedocircnia de caraacuteter profissional
cujo serviccedilo era ininterrupto e cuja lealdade estava ligada
particularmente agrave figura do rei O termo aparece apenas em
Arriano tendo designaccedilatildeo equivalente em Diodoro
(δορυφόροις)68 o que sugere ter sido hipaspistai o termo
63 Esta discussatildeo encontra-se em detalhes em ALG2 p135-142 64 Bosworth opcit p245 65 Segundo Bosworth (opcit p246) existem ainda traduccedilotildees que
simplesmente substituem o termo asthetairoi por pezetairoi 66 ALG2 67 Milns opcit p186 68 Diod 1777 [] ἔπειτα τοὺς ἐπιφανεστάτους τν Ἀσιανν ἀνδρν δορυφορεῖν ἔταξεν []
42
empregado por Ptolomeu e por deduccedilatildeo pelos proacuteprios
macedocircnios69
Basicamente formavam um contingente de 3000 homens e
encontravam-se divididos em trecircs quiliarquias de
aproximadamente 1000 homens cada70 Diferentemente do
restante da falange os hipaspistai eram selecionados pelo
proacuteprio rei e integravam sua guarda pessoal
Qual seria por uacuteltimo o equipamento militar do
hipaspistes Existe uma tendecircncia geral em definir seu
equipamento como sendo mais leve que aquele dos demais
falangistas ou algo situado entre o equipamento do
falangista e do peltasta No que diz respeito a essas
suposiccedilotildees Tarn71 eacute incisivo
Em relaccedilatildeo ao armamento eles eram infantaria pesada
tatildeo pesadamente armada quanto a falange a diferenccedila
entre os dois corpos residia em sua histoacuteria
recrutamento e manutenccedilatildeo natildeo no armamento A crenccedila
de que eles eram armados como peltastas ou que seu
armamento era algo intermediaacuterio entre aquele do
falangista e do peltasta natildeo encontra evidecircncia para
lhes dar suporte e natildeo precisa ser informado
Haacute por outro lado suposiccedilotildees com relaccedilatildeo ao
equipamento do hipaspistes que podem sugerir uma
proximidade com o peltasta A melhor delas insinua-se a
partir de uma marcha forccedilada do exeacutercito macedocircnico na
qual Alexandre teria utilizado os hipaspistai juntamente
com a infantaria levemente armada dos agrianos Nesta
ocasiatildeo os demais soldados da falange teriam sido deixados
para traacutes72 o que poderia declarar uma diferenccedila entre o
equipamento dos hipaspistai e dos falangistas em geral
69 Embora Arriano empregue o mesmo termo que Plutarco algumas vezes
como em 317 ldquoατὸς δὲ ἀνα λαβὼν τοὺς σωματοφύλακας τοὺς βασιλικοὺς []rdquo 70 Arr Anab 430 71 ALG2 P153 72 Arr Anab 43 321 323 citado por Badian durante o debate da
conferecircncia de AALG p 134
43
Nesta ocasiatildeo de acordo com Badian73 quando podemos
observar soldados levemente armados (hipaspistai e agrianos)
em contraste com aqueles que os seguiram ἐν τάξει a deduccedilatildeo
mais correta eacute a de que se desfizeram dos armamentos para a
perseguiccedilatildeo e natildeo eram como comumente afirmado
regularmente armados como infantaria ligeira Poreacutem o que
temos de mais concreto parece ser mesmo uma semelhanccedila nos
armamentos dos hipaspistai e dos demais falangistas dado
que durante toda a campanha ambos partilharam as mesmas
funccedilotildees taacuteticas
Ainda no esforccedilo de distinguir os termos cruciais para
o entendimento da falange macedocircnica gostaria de encerrar
este toacutepico com uma breve anaacutelise dos asthetairoi cuja
apariccedilatildeo na historiografia se deu a partir da milimeacutetrica
observaccedilatildeo de Bosworth Como dito anteriormente o termo
asthetairoi foi por vezes substituiacutedo por pezetairoi nas
traduccedilotildees ou ediccedilotildees modernas da Anaacutebasis de Arriano74 Da
mesma forma que hipaspistes satildeo termos distintos e
provavelmente natildeo foram usados com o mesmo propoacutesito
Bosworth75 entende que se tratava de um termo teacutecnico
usado para definir o contingente que ldquochegou
posteriormenterdquo isto eacute fruto das campanhas na Alta
Macedocircnia Assimilados posteriormente agrave formaccedilatildeo da falange
macedocircnica propriamente dita tais soldados precisavam de
um novo termo que os diferenciasse dos demais e o seu
desenvolvimento desde a palavra original manteve o
significado de ldquoproacuteximos aos Companheirosrdquo o que
concentrou tanto a condiccedilatildeo atual de macedocircnios quanto sua
independecircncia anterior agrave assimilaccedilatildeo pela monarquia76
73 AALG P134 74 As passagens satildeo Arr Anab 223 423 522 66 621 72 75 Opcit p247 76 Bosworth opcit p251
44
212 Taxis syntagma lochos e uso da sarissa
Sabemos que com Alexandre na Aacutesia a infantaria
macedocircnica era formada por ateacute seis batalhotildees (taxeis)
cada um deles compondo uma unidade taacutetica autocircnoma (que
poderia ser empregada em conjunto obviamente) Tal ponto
de partida permite que o foco do estudo sejam as
subdivisotildees dos batalhotildees as quais assegurariam maiores
niacuteveis de flexibilidade nas manobras A unidade baacutesica de
infantaria na falange era a syntagma formada por 16 lochoi
de 16 homens77 Sob o comando do syntagmatarches o batalhatildeo
era capaz de executar manobras que exigiam intensivo
treinamento militar a exemplo da formaccedilatildeo em linha reta
obliacutequa ou crescente em seta ou em quadrado Aleacutem disso eacute
ainda provaacutevel que o lochos seja uma criaccedilatildeo de Filipe jaacute
que suas primeiras apariccedilotildees ocorrem na fase inicial da
carreira de Alexandre78
Diante da organizaccedilatildeo militar da falange a sarissa
(com aproximados 5 metros) representou a inovaccedilatildeo material
macedocircnica mais importante a qual fez da falange uma forccedila
frontalmente imbatiacutevel ateacute o surgimento da legiatildeo romana
Para explicar o efeito que uma tropa armada com a sarissa
provocaria no inimigo Griffith79 utilizou o seguinte
exemplo ldquonuma escala mais proacutexima era como a embarcaccedilatildeo
que atacava um oponente forccedilando-o a correr grandes riscos
antes de conseguir se aproximar e revidarrdquo
Em companhia agrave poderosa sarissa o falangista contava
com a pelte suspensa ateacute o pescoccedilo contrastando a pesada
aspis do hoplita poliacuteada A eficiecircncia do equipamento do
falangista residia na vantagem do primeiro choque dada
pelo uso da sarissa Embora natildeo fosse um soldado
77 O syntagma era uma unidade autocircnoma fixa em oposiccedilatildeo agraves eventuais
apariccedilotildees na histoacuteria poliacuteada 78 Arr Anab 210 [] ldquoἀλλὰ καὶ ἰλάρχας καὶ λοχαγοὺς ὀνομαστὶ καὶ τν ξένων τν μισθοφόρων []rdquo 79 Nicholas Hammond e Guy Griffith A History of Macedonia 550-336
(V2) Oxford Oxford University Press 1979 P421
45
pesadamente armado tal vantagem concedia aos macedocircnios
certa superioridade taacutetica frente aos demais exeacutercitos
gregos Como consequumlecircncia do aumento no tamanho da lanccedila o
elmo macedocircnico tornou-se bastante diverso daquele usado
pelo hoplita conhecido como ldquocoriacutentiordquo Ao contraacuterio do
hopliacutetico o elmo do falangista era menos caro de fabricar
e aberto na face Por fim quanto agraves grevas estas eram
usadas apenas nas primeiras fileiras
Existe uma questatildeo delicada em relaccedilatildeo ao falangista
que natildeo pode ser ignorada aqui embora jaacute seja consenso
entre os historiadores Transformando numa interrogaccedilatildeo
seria o falangista macedocircnico uma derivaccedilatildeo simples e
direta do peltasta traacutecio De fato Best80 em 1969
afirmou que ldquoseu equipamento [o do peltasta] eacute
caracterizado pela longa lanccedila (sarissa) e a pelterdquo
sugerindo abertamente que natildeo havia diferenccedila alguma no
equipamento do peltasta e do falangista Entretanto
gostaria de apresentar duas observaccedilotildees sobre tal hipoacutetese
A primeira delas segue o que foi proposto por Lendon81
De modo geral a partir do seacutecIV aC o termo peltasta
passou a indicar a infantaria levemente armada (sem a
pesada aspis) tendendo a uma generalizaccedilatildeo mais do que
propriamente agrave definiccedilatildeo exclusiva do soldado que portava a
pelte Natildeo seriam portanto ldquopeltastas macedocircniosrdquo mas
algo proacuteximo de ldquosemi-hoplitasrdquo82
A segunda estaacute de acordo com uma diferenccedila apresentada
por Hammond83 em relaccedilatildeo agrave lanccedila do peltasta traacutecio e a
sarissa a uacuteltima natildeo era definitivamente empregada
apenas com uma das matildeos assim como natildeo era usada para
80 Jan Best Thracian Peltasts and their influence on Greek Warfare
Groningen Wolters-Noordhoff 1969 81 Jon Lendon Soldiers and Ghosts A History of Battle in Classical
Antiquity New HavenLondon Yale University Press 2005 pp412-413 82 Embora algumas vezes Arriano se refira a eles como hoplitas a
exemplo de 11 83 Nicholas Hammond ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in
Thebesrdquo in GRBS 38 355-372 1997
46
arremesso diferenciando-se totalmente portanto da lanccedila
do peltasta Similares aos peltastas quanto ao peso de seu
equipamento os falangistas macedocircnios atuavam em campo de
batalha como hoplitas
Outra questatildeo relevante quanto ao equipamento do
falangista macedocircnio eacute a ausecircncia do peitoral Tal questatildeo
reflete no entanto mais os aspectos sociais e econocircmicos
de sua condiccedilatildeo do que propriamente uma caracteriacutestica
taacutetica De fato a Macedocircnia parece ter se organizado em
torno do ethos e natildeo da poacutelis o que impossibilitou o
surgimento do ldquoideal militar hopliacuteticordquo Com Filipe ou
talvez um pouco antes observamos a intervenccedilatildeo monaacuterquica
na concessatildeo do armamento e sendo a Macedocircnia ainda um
pequeno reino - portanto sem grandes recursos para a
guerra - eacute plausiacutevel que a sarissa arma que compensava a
ausecircncia do peitoral e da aspis tenha sido produto deste
contexto Qualquer tentativa de hierarquizaccedilatildeo ou
atribuiccedilatildeo de uma causa uacutenica para a explicaccedilatildeo do por que
a sarissa foi introduzida entre os macedocircnios seria um
equiacutevoco Sabemos que natildeo se trata unicamente do produto de
uma concepccedilatildeo taacutetica assim como natildeo podemos reduzir esta
inovaccedilatildeo agrave deficiecircncia econocircmica do reino A criaccedilatildeo de um
exeacutercito nacional por Filipe no entanto conferiu uma
unidade agraves regiotildees de fronteira forccedilando os dinastas
independentes a se unirem aos macedocircnios servindo como
aliados e tendo seus filhos muitas vezes como a proacutexima
geraccedilatildeo de comandantes em treinamento84
Por uacuteltimo aleacutem dos macedocircnios propriamente ditos
temos outras etnias compondo a infantaria de Filipe e
Alexandre ora como aliados ora como mercenaacuterios Embora
existam ainda distinccedilotildees claras entre ambas as condiccedilotildees
estas tenderatildeo a desaparecer na guerra heleniacutestica
84 Duncan Head Armies of the Macedonian and Punic Wars 359 BC to 146
BC organization tactics dress and weapons Sussex Wargames
research group 1982 P11
47
conforme mostrarei no capiacutetulo seguinte Infelizmente as
informaccedilotildees que nos chegaram sobre as tropas auxiliares do
exeacutercito macedocircnico natildeo explicam praticamente nada sobre
sua atuaccedilatildeo na guerra ou mesmo acerca de sua disposiccedilatildeo
geral exceto por algumas menccedilotildees na Anaacutebasis de Alexandre
O maior nuacutemero de informaccedilotildees sobre o exeacutercito macedocircnico
incide sem duacutevida sobre seus dois alicerces taacuteticos a
falange da qual apresentei uma breve anaacutelise e a
ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo acerca da qual me ocuparei
mais agrave frente argumentando sobre a transformaccedilatildeo do papel
da cavalaria nas batalhas e de sua persistecircncia durante a
Guerra dos Diaacutedocos
48
22 A ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo
Gostaria de iniciar este item com uma pequena mas
fundamental observaccedilatildeo sobre o ldquoEsquadratildeo Real dos
Companheirosrdquo (ἴλῃ βασιλικῆ ou algumas vezes ἄγημα85) Eacute
notaacutevel o acreacutescimo τν ἑταίρων a esta unidade de elite de
modo que a ldquoGuarda de Alexandrerdquo com exceccedilatildeo dos
hipaspistai passou a ser sinocircnimo de sua cavalaria
macedocircnica mesmo quando referida somente como ἄγημα mas
por que a condiccedilatildeo de cavaleiros lhes foi conferida
A resposta mais provaacutevel parece ser porque os reis
macedocircnios (e especialmente Alexandre) quase sempre
combatiam a cavalo como revela a insistecircncia de alguns
autores antigos em tentar posicionar Alexandre no comando
de sua cavalaria na batalha de Isso A ldquoGuarda Pessoalrdquo do
rei se tornou historicamente sinocircnimo de uma cavalaria de
elite a ldquoCavalaria dos Companheirosrdquo Esta forccedila de elite
cresceu bastante apoacutes Alexandre cruzar o Helesponto quando
7 esquadrotildees (ἰλας) foram acrescentados ao primeiro
original distinto dos demais apenas por sua procedecircncia (o
esquadratildeo real par excellence)86 Sabemos que formavam oito
esquadrotildees na batalha de Gaugamela 87 sendo que o
esquadratildeo real estava sob comando de Cleito o Negro e os
demais sob o comando de Filotas filho de Parmecircniordquo88
85 Arr Anab 25 31 38 86 ALG2 p154 87 Arr Anab 311-12 88 Aleacutem dos Companheiros temos outros 4 esquadrotildees de cavalaria
ligeira os ldquoscoutsrdquo (πρόδομοι) ou lanceiros (σαρισοφόροι) Brunt
(ldquoAlexander‟s Macedonian cavalryrdquo JHS 83 27-46 1963 Pp27-8)
recorda o debate entre Berve e Tarn acerca da procedecircncia eacutetnica
(macedocircnia para o primeiro e traacutecia para o segundo) desses quatro
esquadrotildees de lanceiros Brunt parece estar correto ao escolher a
versatildeo de Berve uma vez que no relato de Arriano (Anab 112 141 e
146 29 312 182 201 212) apenas os hipaspistai e os
regimentos de falange natildeo satildeo descritos como ldquomacedocircniosrdquo em oposiccedilatildeo
aos demais ldquocuidadosamente classificados como peocircnios mercenaacuterios ou
agrianos no mesmo contextordquo Entretanto natildeo penso que seja possiacutevel
dizer se apoacutes 329 aC quando os lanceiros desaparecem dos relatos
foram enviados de volta para casa ou incorporados aos Companheiros
49
Sendo a elite da cavalaria macedocircnica a qual era
empregada em pontos decisivos das taacuteticas executadas em
campo de batalha natildeo poderia existir em grande nuacutemero mas
seu papel em contrapartida natildeo deveria ser de
coadjuvantes quando entrassem em accedilatildeo Assim qual era o
nuacutemero dos cavaleiros que integravam os Companheiros de
Alexandre
Uma vez mais Tarn89 recorda que a discussatildeo em torno
do nuacutemero de cavaleiros que Alexandre tomou quando de sua
partida para a Aacutesia foi travada pela historiografia a
partir dos dados obtidos no relato de Diodoro90 e que
algumas das fontes utilizadas pelo historiador siciliano
natildeo permitiram a precisatildeo desejada com relaccedilatildeo agraves tropas
macedocircnicas A equivalecircncia do contingente disponiacutevel a
Alexandre e a Antiacutepatro (que o rei havia deixado como
representante na Europa) ambos com 12000 soldados de
infantaria (3000 hipaspistai e 9000 falangistas) eacute
incorreta senatildeo absurda91 A contagem das tropas montadas
a partir de Arriano se faz portanto necessaacuteria
Outro questionamento importante diz respeito agrave
organizaccedilatildeo da Cavalaria dos Companheiros Originalmente
recorda Brunt92 os Companheiros estavam divididos em ilas
mas a partir de 331 aC em Susa Alexandre formou dois
lochoi com cada ile que consequumlentemente passou a ser
comandada por lochagoi Esta alteraccedilatildeo era ineacutedita
conforme nos relata Arriano93 e representou o inchaccedilo no
nuacutemero dos Companheiros jaacute que as ilas natildeo mais
satisfaziam como divisatildeo das unidades Em contrapartida
apoacutes a execuccedilatildeo de Cleito o Negro (330 aC) surgiram as
89 ALG2 p 153 90 Diod 1717 91 Especialmente devido agrave duplicaccedilatildeo do nuacutemero de hipaspistai 92 Brunt opcit p28 93 Arr Anab 316
50
ipparchias94 e segundo Tarn
95 o proacuteprio Alexandre teria
assumido aquela pertencente a Cleito somando 4 esquadrotildees
sob seu comando e outros 4 sob Hefesto No entanto Tarn
pode ter se equivocado com o fato de que Alexandre teria
assumido o comando de uma ipparchia96
De acordo com Tarn o termo foi empregado apenas a
partir de 326 aC no Indo quando novos contingentes ndash
orientais - passaram a compor o exeacutercito de Alexandre As
menccedilotildees anteriores de Arriano agraves ipparchias seriam entatildeo
confusotildees e anacronismos de seu proacuteprio tempo Brunt por
outro lado chama a atenccedilatildeo para a coincidecircncia de dois
fatores os quais permitiriam uma compreensatildeo modificada
das ipparchias a desconfianccedila de Alexandre com relaccedilatildeo aos
seus principais oficiais e a divisatildeo da ldquoCavalaria dos
Companheirosrdquo nas novas unidades o que amenizaria a
possibilidade de motins (jaacute que estavam divididos e com
poderes reduzidos) concedendo-lhes em contrapartida um
tiacutetulo de bastante prestiacutegio antes pertencente apenas a um
ou dois oficiais Se Brunt97 estiver correto o surgimento
das ipparchias foi possivelmente anterior ao que Tarn
propocircs (de 326 aC para 328 aC) e a inserccedilatildeo de
orientais na Cavalaria dos Companheiros um fator
independente para a organizaccedilatildeo das novas unidades98
Por uacuteltimo cabe indagar sobre a relevacircncia desta
preocupaccedilatildeo com o crescimento do contingente dos
Companheiros (de um esquadratildeo para oito ao cruzar o
Helesponto em nuacutemero de 2000 em Gaugamela e divididos em
94 As ipparchias podem ter sido um novo nome para as ilai modificadas
pelo contexto explicado a seguir ou algo totalmente novo uma vez que
o termo substituiu outro plenamente consolidado na praacutetica militar
grega 95 ALG2 p 164 96 Brunt opcit p29-30 97 Brunt opcit p45 98 Sua inserccedilatildeo na Cavalaria dos Companheiros (provavelmente em 324)
certamente posterior a criaccedilatildeo das ipparchias tem muito a dizer
tambeacutem sobre a poliacutetica que Alexandre adotou com relaccedilatildeo aos assuntos
orientais
51
ipparchias quando da campanha na Iacutendia)99 O que exatamente
pode significar esta ampliaccedilatildeo e quais seus desdobramentos
no mundo heleniacutestico
A resposta reside na transformaccedilatildeo das funccedilotildees da
cavalaria em campo de batalha isto eacute a partir de
Alexandre o Grande (e de seu exeacutercito reformado) as tropas
montadas passaram definitivamente a desferir o ataque
principal legando aos falangistas o papel de forccedila de
apoio necessaacuteria mas sem caraacuteter decisivo ou por
princiacutepio ofensivo Tal caracteriacutestica da cavalaria
macedocircnica pode ser observada por exemplo na batalha de
Gaugamela quando o nuacutemero dos Companheiros foi elevado ao
maacuteximo e a taacutetica remodelada a partir da tradiccedilatildeo grega
ilustra a relevacircncia da decisatildeo pelas manobras das tropas
montadas
A modificaccedilatildeo de sua funccedilatildeo taacutetica veio acompanhada de
duas grandes inovaccedilotildees A primeira delas eacute a ldquoformaccedilatildeo em
setardquo que facilitava o rompimento da formaccedilatildeo inimiga pela
ampliaccedilatildeo da carga desferida se comparada agravequela executada
pela ldquoformaccedilatildeo em quadradordquo Basicamente ao manter os
olhos fixos no liacuteder posicionado agrave frente da formaccedilatildeo
cavaleiros organizados em seta eram capazes de romper com
uma formaccedilatildeo defensiva desferindo assim o golpe
principal100
A segunda delas diz respeito agrave exploraccedilatildeo dos espaccedilos
entre os batalhotildees de falangistas Como salientou Tarn101
apresentar ao inimigo um bloco coeso com diversas pontas de
lanccedila e manter esta formaccedilatildeo sem espaccedilos entre os batalhotildees
eram coisas completamente distintas A partir do momento em
que a cavalaria passou a desferir o golpe principal a
questatildeo dos espaccedilos se tornou de maacutexima importacircncia como
99 Algo em torno de 200 homens 100 Griffith opcit p414 101 William W Tarn Hellenistic Military and Naval Developments
Cambridge Cambridge University Press 1930 P13
52
pode ser visto em Gaugamela e no periacuteodo heleniacutestico em
Paraitakene (Eumenes versus Antiacutegono) Por uacuteltimo ainda
que natildeo seja cotada como uma inovaccedilatildeo das taacuteticas de
cavalaria o envolvimento pelo uso de tropas montadas se
tornou praacutetica comum entre os macedocircnios Numa batalha em
que ambos os comandantes tivessem disposto a cavalaria nas
alas a vitoacuteria dependeria abertamente da capacidade do
exeacutercito em manter seus flancos protegidos do envolvimento
inimigo Ainda que esta fosse uma praacutetica comum entre os
persas foi com os macedocircnios que ocorreu a combinaccedilatildeo do
ataque montado com o avanccedilo da falange frontalmente
impenetraacutevel exceto pelos espaccedilos abertos durante o avanccedilo
ou o ataque
53
CAPIacuteTULO 2 ndash OS DESENVOLVIMENTOS DA GUERRA
HELENIacuteSTICA NO TEMPO DOS DIAacuteDOCOS
1 Guerra como ofiacutecio as condiccedilotildees de serviccedilo e
os tipos de mercenaacuterio
11 Mercenariato profissionalizaccedilatildeo e crise econocircmica
Em 334 aC onze anos antes da morte de Alexandre
havia cerca de 20000 mercenaacuterios a serviccedilo do Grande Rei
Em 329 aC cinco anos mais tarde podemos contar
praticamente 50000 somente no lado macedocircnico102
O periacuteodo
heleniacutestico assistiu na sequumlecircncia ao aumento ligeiro do
nuacutemero de mercenaacuterios recrutados acompanhando os
requisitos das guerras constantes e cada vez menos
decisivas
De acordo com Parke103 autoridades contemporacircneas
(primeira metade do seacutecXX) concluiacuteram que as pressotildees
econocircmicas levaram a tal situaccedilatildeo o colapso da concepccedilatildeo
de dever militar ciacutevico e a emergecircncia do grande nuacutemero de
mercenaacuterios disponiacuteveis teriam sido ambos provocados pela
pobreza iminente das poacuteleis fruto do desastre da guerra
entre gregos no seacutecV aC O argumento do desgaste
econocircmico no mundo grego toma como principal fonte
Isoacutecrates notadamente a partir do momento em que a sua
preocupaccedilatildeo com as razotildees poliacuteticas do mercenariato104 (o
grande nuacutemero de cidadatildeos em exiacutelio essa ldquomassa de
fugitivos e exilados que estavam mais do que dispostos a
oferecer seus serviccedilos como mercenaacuteriosrdquo105
) cede lugar ao
relato dos problemas econocircmicos gregos106
102 Parke p198 103 Parke p228 104 Isoc Pan 64 e 168 105 Chaniotis WHW p80 106 Isoc 24 e 44
54
Entretanto ainda que os conflitos poliacuteticos e a
pressatildeo econocircmica possam ter estimulado grande nuacutemero de
cidadatildeos sem perspectiva a oferecer seus serviccedilos
militares as guerras constantes produziram um dos
principais fatores para o outro lado da moeda isto eacute o
recrutamento de mercenaacuterios a equivalecircncia entre oferta e
procura por soldados temporariamente pagos e que estivessem
dispostos a combater durante todo o tempo que o confronto
levasse natildeo importando as razotildees ciacutevicas (quando existiam)
pelas quais o sangue havia sido derramado
Haacute que se considerar ainda as diversas realidades de
recrutamento das tropas que compuseram os exeacutercitos dos
Diaacutedocos nem sempre vinculadas diretamente ao cenaacuterio de
crise das poacuteleis Este eacute o caso basicamente do
recrutamento das tropas provinciais muito mais conectadas
aos direitos do governante local em formar um exeacutercito a
partir das possibilidades oferecidas por sua satrapia do
que propriamente agrave pobreza ou exiacutelio de cidadatildeos gregos
Por isso a crise econocircmica grega natildeo pode ser vista
como instrumento de anaacutelise universal na explicaccedilatildeo do
mercenariato heleniacutestico uma vez que exclui as
particularidades das condiccedilotildees de recrutamento
especialmente no que respeita agrave tradiccedilatildeo asiaacutetica e
oferece respostas somente em relaccedilatildeo ao aumento da oferta
do serviccedilo mercenaacuterio grego A guerra contudo foi uma
constante no periacuteodo natildeo importando a regiatildeo e consolidou
de modo irreversiacutevel apesar das especificidades do
mercenarismo a relaccedilatildeo oferta-procura107
De fato o mundo
heleniacutestico foi marcado por certa ldquoonipresenccedila da guerrardquo
do modo como chamou Chaniotis considerando-se que tanto a
sua gecircnese (323 aC) quanto o seu fim (31 aC) foram o
resultado de conflitos armados do mesmo modo que
dificilmente se encontra alguma aacuterea que natildeo estivesse
107 Chaniotis WHW p80
55
direta ou indiretamente como em tantos outros momentos na
Antiguidade afetada pela guerra
O cenaacuterio de crise explica ao lado das condiccedilotildees
especiacuteficas de recrutamento e da ampliaccedilatildeo do quadro geral
das guerras o porquecirc da relaccedilatildeo oferta-procura ter se
fixado como sendo de grande relevacircncia no estudo da
misthotikeacute heleniacutestica mas natildeo basta todavia para
explicar o estreitamento dos laccedilos entre o cenaacuterio de
profissionalizaccedilatildeo crescente da guerra e o uso de tropas
mercenaacuterias
Noutras palavras a progressiva profissionalizaccedilatildeo no
interior dos exeacutercitos ciacutevicos gregos deve tambeacutem ser um
fator considerado particularmente ateacute o momento em que a
combinaccedilatildeo da guerra como ofiacutecio a ser aprendido e o
mercenarismo como condiccedilatildeo geral dos exeacutercitos heleniacutesticos
minimizou o impacto do sentimento ciacutevico em grande parte
dos soldados
Tal mapeamento explicaria numa perspectiva histoacuterica
natildeo soacute a funccedilatildeo dos ieroi lochoi e hipaspistai na
profissionalizaccedilatildeo da arte da guerra grega e em seus
desdobramentos heleniacutesticos como tambeacutem forneceria as
razotildees pelas quais os mercenaacuterios tecircm que ser tipificados
na medida do possiacutevel de acordo com o trabalho executado
Basicamente havia aqueles que se colocavam sob o comando
de um monarca tirano general ou cidade num espaccedilo curto
de tempo (durante uma campanha por exemplo) e aqueles que
serviam nos grandes exeacutercitos reais muitas das vezes de
modo permanente108
O primeiro tipo de mercenaacuterio era formado por soldados
que serviram por exemplo na campanha de Eumenes contra
108 Chaniotis WHW p79 Note que segundo Parke (p209) e Griffith
(p42) a divisatildeo das tropas nos exeacutercitos dos Diaacutedocos eacute feita a
partir de trecircs tipos os quais seratildeo analisados detalhadamente em
seguida os macedocircnios os mercenaacuterios (xenoi e misthophoroi) e as
tropas recrutadas nas satrapias (por vezes sintetizadas como
pantodapoi)
56
Antiacutegono De acordo com Diodoro apoacutes ter sido expulso da
Capadoacutecia
Eumenes selecionou os mais capazes [τοὺς εθετωτάτους] entre os seus amigos e dando-lhes grandes recursos os
incumbiu de contratar mercenaacuterios estabelecendo uma
margem alta de pagamento Alguns deles dirigiram-se
para a Pisiacutedia Liacutecia e regiotildees adjacentes []
Outros viajaram atraveacutes da Ciliacutecia Siacuteria e Feniacutecia
aleacutem de cidades em Chipre Uma vez que a notiacutecia do
recrutamento havia se espalhado rapidamente e que o
pagamento oferecido era digno de consideraccedilatildeo muitos
se apresentaram voluntariamente inclusive vindos da
Greacutecia e juntaram-se agrave campanha109
Neste caso ocorrido em 318 aC Eumenes incumbiu
xenologoi classificados por Diodoro como os mais capazes
entre os seus amigos de recrutar mercenaacuterios para apenas
uma campanha aquela a ser realizada contra Antiacutegono Em
pouco tempo levando-se em consideraccedilatildeo somente os
mercenaacuterios Eumenes contava com cerca de 10000 soldados
de infantaria e 2000 cavaleiros sem mencionar os receacutem-
chegados arguraspides sob o comando de Eumenes por ordem
dos reis110
Outro caso interessante de mercenaacuterios recrutados de
diversas regiotildees por um periacuteodo relativamente curto de
tempo teve lugar na campanha africana de Agaacutetocles quando
aproximadamente 3000 samnitas etruscos e celtas
apresentaram-se ao lado dos 3000 mercenaacuterios gregos sob a
lideranccedila de Agaacutetocles111 Diodoro
112 relata a existecircncia de
motins entre os homens por falta do pagamento que lhes era
devido (ἀπῄτουν δὲ καὶ τοὺς μισθοὺς τοὺς ὀφειλομένους) assim como
109 Diod 1861 ldquoπροχειρισάμενος δὲ τν φίλων τοὺς εθετωτάτους καὶ δοὺς χρήματα δαψιλ πρὸς τὴν ξενολογίαν ἐξέπεμψεν ὁρίσας ἀξιολόγους μισθούς εθὺς δ οἱ μὲν εἰς τὴν Πισιδικὴν καὶ Λυκίαν καὶ τὴν πλησιόχωρον παρελθόντες ἐξενολόγουν ἐπιμελς οἱ δὲ τὴν Κιλικίαν ἐπεπορεύοντο ἄλλοι δὲ τὴν Κοίλην Συρίαν καὶ Φοινίκην τινὲς δὲ τὰς ἐν τῆ Κύπρῳ πόλεις διαβοηθείσης δὲ τς ξενολογίας καὶ τς μισθοφορᾶς ἀξιολόγου προκειμένης πολλοὶ καὶ ἐκ τν τς λλάδος πόλεων ἐθελοντὶ κατήντων καὶ πρὸς τὴν στρατείαν ἀπεγράφοντοrdquo 110 Diod 1859 111 Diod 2011 Ver Capiacutetulo 3 112 Diod 2034
57
possiacuteveis deserccedilotildees para o lado dos cartagineses o que
ilustra a dificuldade em manter coeso um grupo mercenaacuterio
em situaccedilatildeo de escassez ou mesmo irregularidade no
pagamento Em se tratando de tropas com as quais natildeo era
partilhado tempo consideraacutevel de vida militar as revoltas
deveriam ser ainda mais frequumlentes como ilustrado no
exemplo africano
O segundo tipo de mercenaacuterio era aquele desdobrado dos
grupos profissionais de elite surgidos no interior dos
exeacutercitos ciacutevicos gregos Antes da explosatildeo do serviccedilo
mercenaacuterio no fim da campanha de Alexandre o primeiro
passo quanto agrave profissionalizaccedilatildeo dos exeacutercitos gregos foi
dado com os espartanos ainda no periacuteodo claacutessico De fato
os hoplitas de Esparta formavam o uacutenico corpo ciacutevico
profissional de todo o mundo poliacuteada Seguindo o modelo
hopliacutetico profissional diversas outras cidades formaram
unidades profissionais de elite os ieroi lochoi que por
vezes desempenhavam funccedilatildeo taacutetica proeminente Um dos
melhores exemplos eacute o corpo de infantaria de elite tebano
cuja importacircncia na vitoacuteria sobre os espartanos em Leuctra
pode ser observada em mais detalhes no primeiro capiacutetulo
O exeacutercito reformado macedocircnico teve seu equivalente
com os hipaspistai tipo de versatildeo macedocircnica dos
ldquobatalhotildees sagradosrdquo poliacuteadas Nos primeiros anos do
periacuteodo heleniacutestico sob o nome de arguraspides estes
veteranos de Alexandre permaneceram vinculados agrave casa real
apesar de receberem propostas por parte de Ptolomeu e
depois Antiacutegono113 Tal recusa os levou ao campo de batalha
contra o general mais poderoso daquele tempo sob o comando
de Eumenes de Caacuterdia strategos pelo qual tinham pouco
apreccedilo talvez devido a sua origem eacutetnica114 Em seguida agrave
derrota de Eumenes Antiacutegono trucidou todos aqueles que
113 Diod 1862 114 Eumenes era o uacutenico general traacutecio do exeacutercito de Alexandre
58
haviam sido hostis a ele queimando vivo Antiacutegenes o
comandante dos arguraspides apoacutes tecirc-lo arremessado numa
fossa115
Apesar da histoacuteria de lealdade dos arguraspides agrave casa
real os mercenaacuterios ligados diretamente a certa dinastia
de modo mais ou menos permanente natildeo eram necessariamente
mais leais que os outros Esta natildeo deve ser sequer a
questatildeo central no estudo da misthotikeacute heleniacutestica Antes
de desdobrar este argumento note-se por exemplo o caso
dos egiacutepcios de Ptolomeu
Com sua primeira apariccedilatildeo no exeacutercito ptolomaico em 312
aC ao menos em expediccedilatildeo fora dos limites territoriais
do Egito os nativos africanos apresentaram-se armados e
aptos para a batalha (τὸ δὲ καθωπλισμένον καὶ πρὸς μάχην χρήσιμον)116
ainda que no primeiro momento natildeo estivessem trajados como
macedocircnios117
Representavam claramente outro tipo de
mercenaacuterio diferente daquele recrutado temporariamente e
sem viacutenculos com o governante da regiatildeo de onde provinham
Estavam ligados ao seu contratante como no caso dos
arguraspides por um viacutenculo mais ou menos permanente e em
breve dinaacutestico Contudo obrigaccedilotildees de ofiacutecio e lealdade
incondicional eram coisas bem distintas apoacutes a vitoacuteria de
Demeacutetrio sobre Ptolomeu em Chipre em 307 aC
praticamente todo o exeacutercito de mercenaacuterios egiacutepcios (cerca
de 16000 soldados de infantaria e 600 cavaleiros) foi
incorporado agraves forccedilas antigocircnidas118 o que vincula os
mercenaacuterios deste tipo assim como os do primeiro tipo
mais agrave consolidaccedilatildeo da concepccedilatildeo de guerra como ofiacutecio a
115 Diod 1944 116 Diod 1980 117 O argumento encontra suporte no fato de que o termo ldquomacedocircniordquo
conforme seraacute explicado no item 31 passou a significar qualquer tipo
de infantaria armada com equipamento macedocircnico aleacutem do fato da
existecircncia do termo οἱ Μακεδόνες na mesma sentenccedila em que figura Αἰγυπτίων δὲ πλθος sugerir outro tipo de armamento e formaccedilatildeo para estes
ldquoegiacutepcios em grande nuacutemerordquo 118 Diod 2053
59
ser aprendido do que propriamente agrave lealdade devida a algum
general rei ou dinastia embora tropas com vida militar
partilhada tendam a incorporar valores como a obediecircncia
acentuada a certa lideranccedila (como no caso dos
arguraspides)
60
12 Mercenariato basileia e doriktetos chora
Conforme mencionado antes o poder monaacuterquico
heleniacutestico desempenhou papel central na promoccedilatildeo desta
nova concepccedilatildeo de guerra levada adiante pelo impulso
imperialista tiacutepico dos reis cujo poder natildeo era herdado
esquematicamente a basileia era algo a ser conquistado
Gruen119
e Chaniotis120 notaram o que podemos chamar de
inversatildeo da loacutegica hereditaacuteria na disposiccedilatildeo da monarquia
heleniacutestica se Alexandre Magno reivindicou seu direito ao
trono como direito de sangue seus generais de Antiacutegono a
Cassandro121
adotaram o tiacutetulo de rei baseados unicamente
em suas conquistas militares isto eacute fundamentados pelo
princiacutepio da doriktetos chora
Haacute dois documentos importantes que tratam deste
fundamento do poder real heleniacutestico O primeiro deles
pertence agrave compilaccedilatildeo bizantina Suda particularmente a
definiccedilatildeo de monarquia Seguindo a traduccedilatildeo feita por
Austin
Ascendecircncia (natureza) e legitimidade (justiccedila) natildeo datildeo
reinos aos homens mas sim a habilidade em comandar um
exeacutercito e em lidar com os problemas de modo
competente Este era o caso de Filipe e dos Sucessores
de Alexandre O filho bioloacutegico de Alexandre natildeo foi de
modo algum ajudado pela consanguumlinidade devido a sua
fraqueza de espiacuterito enquanto aqueles que natildeo tinham
ligaccedilatildeo alguma com Alexandre tornaram-se reis de quase
todo o mundo conhecido122
Do mesmo modo em resposta agrave proclamaccedilatildeo de Demeacutetrio
como basileu por seu pai123
previamente feito rei por seus
amigos (Ἀντίγονον μὲν οὖν εθὺς ἀνέδησαν οἱ φίλοι) os seguidores de
Ptolomeu I o igualaram aos dois primeiros em tiacutetulo na
119 Gruen op cit pp253-271 120 Chaniotis WHW p57 121 Nomeadamente Antiacutegono Demeacutetrio Ptolomeu Seleuco Lisiacutemaco e
Cassadro 122
Austin n 45 123 Plut Dem 18
61
tentativa de dispersar a impressatildeo de que sua derrota havia
abalado tambeacutem o seu poder Plutarco124 acrescenta ainda
que tal praacutetica natildeo significava meramente a mudanccedila de nome
(ὀνόματος) e aparecircncia (σχήματος) mas removia o espiacuterito dos
homens (τὰ φρονήματα τν ἀνδρν ἐκίνησε) e ampliava suas ambiccedilotildees
(τὰς γνώμας ἐπρε)125 cabe acrescentar ambiccedilotildees militares
Tanto a coroaccedilatildeo de Antiacutegono quanto a resposta de Ptolomeu
agrave extensatildeo do poder monaacuterquico a Demeacutetrio foram claramente
baseadas em conquistas militares Assim o convite agrave
conquista militar em maior ou menor escala era um dos
traccedilos da basileia de tipo heleniacutestico assim como a base a
partir da qual toda a sua estrutura fora erigida
Diferentemente da Macedocircnia de Filipe e Alexandre o
exeacutercito natildeo era mais a uacutenica fonte de confirmaccedilatildeo do poder
real do mesmo modo que a monarquia havia atingido
proporccedilotildees diferentes daquelas do tempo da batalha de
Queroneacuteia126
Contudo o exeacutercito continuou a ser o
instrumento pelo qual os monarcas construiacuteam o direito ao
uso do diadema estando as funccedilotildees de comando cada vez mais
ligadas agrave lideranccedila de hordas inteiras de mercenaacuterios
recrutados das mais variadas regiotildees do mundo e
didaticamente enquadrados nos dois tipos apresentados neste
capiacutetulo
O abandono de valores considerados inatos para os
gregos no periacuteodo claacutessico a exemplo da coragem (ἀνδρία) e
da excelecircncia (ἀρετή) ao lado da crescente significaccedilatildeo da
guerra como ofiacutecio (τέχνη) foi inicialmente proposto por
Lendon127 como explicaccedilatildeo para a existecircncia do grande nuacutemero
124 Plut Dem 18 125 Literalmente ldquoaumentava seus pensamentosrdquo 126 Ainda Austin n44 ldquo[] aqueles que natildeo tinham qualquer conexatildeo
com Alexandre se tornaram reis de quase todo o mundo habitadordquo 127 Jon Lendon ldquoWar and societyrdquo In Philip Sabin Hans Wees Michael
Whitby The Cambridge History of Greek and Roman Warfare Cambridge
Cambridge University Press 2007 Pp498-516
62
de mercenaacuterios que serviram nos exeacutercitos dos reis
heleniacutesticos
No periacuteodo claacutessico a condiccedilatildeo poliacutetica do soldado-
cidadatildeo assegurar-lhe-ia de acordo com o pensamento grego
certa superioridade em combate Como observado por
Sidebottom128
o contraste presente em Os Persas de
Eacutesquilo ilustra tal postura a partir da negaccedilatildeo dos
baacuterbaros como soldados que combatiam por sua liberdade
Note-se por exemplo o conhecido diaacutelogo entre a Rainha
Matildee Persa e o Coro de homens velhos
Rainha Eles tecircm um rico suprimento de homens
combativos
Coro Eles tecircm soldados que uma vez golpearam os
exeacutercitos persas com um terriacutevel ataque
Rainha Satildeo eles habilidosos em arqueria
Coro Natildeo de forma alguma eles carregam escudos
corpulentos e lutam ombro a ombro com lanccedilas
Rainha E quem os lidera A qual mestre suas fileiras
obedecem
Coro Mestre Eles natildeo satildeo conhecidos como servos
Rainha E eles podem sem mestre resistir agrave invasatildeo
Coro Sim O vasto e nobre exeacutercito de Dario foi por
eles destruiacutedo129
No periacuteodo heleniacutestico entretanto a exaltaccedilatildeo de
valores inatos ao hoplita poliacuteada masterless e capaz de
vencer os persas por duas vezes consecutivas (apesar da
inabilidade em arqueria) cedeu lugar agraves vantagens
oferecidas pelo treinamento militar profissional mesmo que
as tropas treinadas fossem formadas por homicidas
(ἀνδροφόνοι) mutiladores (παρασχίσται) ladrotildees (λωποδύται) e
arrombadores de casas (τοιχωρύχοι)130 Os exeacutercitos poliacuteadas
natildeo eram capazes de fornecer recursos humanos ilimitados
aleacutem disso a tiacutepica batalha decisiva do periacuteodo claacutessico
cedeu lugar aos conflitos constantes e de larga escala
128 Harry Sidebottom Ancient warfare a very short introduction
Oxford Oxford University Press 2004 P6 129 Traduccedilatildeo tomada de Sidebottom opcit Pp6-7 130 Poliacutebio 136 ldquoοὗτοι δ ἦσαν ἀνδροφόνοι καὶ παρασχίσται λωποδύται τοιχωρύχοιrdquo
63
travados ao longo da disputa pela partilha do impeacuterio A
passagem em Diodoro sobre as vantagens no uso dos
mercenaacuterios ilustra claramente esta mudanccedila principalmente
quando o historiador siciliano se refere ao fato de que ldquoos
empregadores trazem consigo sem grandes custos homens
para lutar em seu nomerdquo e que no caso dos mercenaacuterios
ldquoainda que sejam por muitas vezes derrotados os
empregadores manteacutem suas forccedilas intactas durante o tempo
que durar o dinheirordquo131
Levados adiante pelo impulso imperialista das
monarquias heleniacutesticas assim como pela elevaccedilatildeo da
techneacute os mercenaacuterios preencheram os exeacutercitos dos
Diaacutedocos de uma forma jamais vista dando suporte agrave
ideologia dos generais que passaram a usar o diadema como
um dos siacutembolos de sua realeza militar
131 Diod 296
64
2 Os exeacutercitos dos Diaacutedocos
Como observou Parke132
a permanecircncia dos mercenaacuterios
nos exeacutercitos heleniacutesticos dificultou sua identificaccedilatildeo
pelos historiadores uma vez que a reduccedilatildeo das tropas ao
tipo profissional fez com que os autores antigos
frequumlentemente deixassem de lado a distinccedilatildeo entre
mercenaacuterios e soldados recrutados por direito do
governante Pode-se dizer que as tropas advindas das
satrapias eram de outro tipo se comparadas agravequelas
recrutadas mediante pagamento mas esta suposiccedilatildeo estaacute
baseada apenas na praacutetica dos saacutetrapas persas durante o
periacuteodo claacutessico De fato as condiccedilotildees de oferta e procura
no mundo asiaacutetico natildeo eram nada parecidas com as do mundo
grego propriamente dito dadas as diferenccedilas das tradiccedilotildees
poliacuteticas mas a assimilaccedilatildeo de exeacutercitos inimigos inteiros
por parte de comandantes vitoriosos indica quanto ao
serviccedilo prestado uma distinccedilatildeo apenas no recrutamento
inicial133
Outra inovaccedilatildeo importante ocorrida no periacuteodo
heleniacutestico eacute a utilizaccedilatildeo dos elefantes de combate haacute
muito conhecidos pelos asiaacuteticos e introduzidos na arte da
guerra grega somente apoacutes a morte de Alexandre Apesar de
seu emprego tardio os paquidermes mostraram-se definitivos
ou ao menos desejaacuteveis nos exeacutercitos heleniacutesticos ateacute a
ascensatildeo da legiatildeo romana quando suas implicaccedilotildees
logiacutesticas fizeram-se mais presentes134 Se os generais
heleniacutesticos consideravam os elefantes decisivos num
confronto aberto eles o fizeram por um motivo razoaacutevel de
132 Parke p208 133 Por exemplo a ξενολογία (recrutamento de tropas mercenaacuterias)
executada por Eumenes tal qual relatada em Diod 1861 134 Por exemplo a dificuldade no emprego de elefantes na Siciacutelia
durante a campanha piacuterrica
65
modo que o seu emprego transformou significativamente a
arte da guerra heleniacutestica
66
21 Macedocircnios xenoi misthophoroi e pantodapoi
Durante as Guerras dos Diaacutedocos ao lado dos mercenaacuterios
conhecidos desde a campanha de Alexandre (agrianos
traacutecios tessaacutelios cretenses entre outros) os macedocircnios
desempenharam uma funccedilatildeo de grande importacircncia na
composiccedilatildeo dos exeacutercitos heleniacutesticos A falange
representava a forccedila de apoio tornando-se responsaacutevel em
boa medida pela manutenccedilatildeo do centro da formaccedilatildeo ao passo
que a cavalaria e os elefantes de combate (quando
disponiacuteveis) realizavam a ofensiva nas alas e procuravam
decidir a peleja
Conforme veremos adiante apoacutes desferir um ataque
inesperado ao espaccedilo aberto pela marcha irregular da
infantaria de Eumenes Antiacutegono conseguiu na batalha de
Paraitacene (317 aC) alinhar novamente a sua falange ao
peacute do monte para onde os soldados haviam se retirado
reestruturando boa parte da linha defensiva de seu
exeacutercito Neste caso a reorganizaccedilatildeo da infantaria
macedocircnica em campo de batalha teria assegurado por um
lado a vitoacuteria do comandante aparentemente derrotado e
por outro devido agrave irregularidade da marcha dos infantes
inimigos a derrota daquele que pensava ter vencido o
confronto135
Sendo os macedocircnios de reconhecida importacircncia nos
primeiros 20 anos subsequentes agrave morte de Alexandre o
questionamento sobre a multiplicaccedilatildeo de suas apariccedilotildees no
relato de Diodoro se faz necessaacuterio Por que razatildeo as
referecircncias a eles aumentaram no periacuteodo de divisatildeo das
chamadas ldquotropas nacionaisrdquo entre os generais de Alexandre
o que forccedilosamente teria reduzido o seu nuacutemero em cada um
dos exeacutercitos que lutavam entre si pela supremacia militar
135 Diod 1930
67
Griffith136 e Launey
137 apresentam explicaccedilotildees idecircnticas
para tal evento Em primeiro lugar dada a impossibilidade
dos nuacutemeros apresentados por Diodoro138
para as tropas
macedocircnicas o ponto de partida se torna a valoraccedilatildeo
teacutecnica adquirida por makedon no seacutecIII aC
especialmente no Egito ou seja o termo deixou de ser ldquouma
garantia de proveniecircncia geograacuteficardquo139 e passou a designar
unicamente um ldquocavaleiro ou soldado de infantaria
pesadamente armados segundo as tradiccedilotildees macedocircnicasrdquo140
Notamos entatildeo a fusatildeo da referecircncia eacutetnica com a
valoraccedilatildeo teacutecnica do termo makedon o que por vezes torna
impossiacutevel a delimitaccedilatildeo dos batalhotildees formados unicamente
por veteranos de Alexandre ou novos macedocircnios exceto
quando os primeiros satildeo mencionados como arguraspides em
contraposiccedilatildeo agravequeles provenientes das satrapias e armados
com equipamento macedocircnico
Outras referecircncias relevantes nos exeacutercitos
heleniacutesticos satildeo os mercenaacuterios gregos propriamente ditos
conhecidos como xenoi os misthophoroi e as tropas
asiaacuteticas ou pantodapoi recrutadas nas proviacutencias e
listadas entre os demais soldados servindo ora como
cavaleiros e arqueiros ora como infantaria de pouca
utilidade se comparada agravequela dos mercenaacuterios gregos
Deve-se observar ainda que estas natildeo satildeo categorias
necessariamente excludentes uma vez que encontramos por
exemplo em Diodoro141
ldquopantodapoi armados com equipamento
macedocircnicordquo o que sugere uma possibilidade dupla de
tratamento Apenas os xenoi se diferenciam claramente dos
misthophoroi ambos podem ser traduzidos como mercenaacuterios
136 Griffith p41 137 Marcel Launey Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques Paris
Boccard 1949 2 vols Vol1 Pp290-93 138 Diod 1830 139 Launey opcit p290 140 Launey opcit p293 141 Diod 1914 ldquo[hellip] τοὺς δὲ εἰς τὴν Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς []rdquo
68
mas os primeiros satildeo quase sempre dispostos como infantaria
pesada (na linha de frente) enquanto os uacuteltimos fazem
referecircncia agraves tropas levemente armadas e constituiacutedas por
pantodapoi ou tropas asiaacuteticas com origem eacutetnica bem
definida
Vejamos a organizaccedilatildeo do exeacutercito de Antiacutegono em 317
aC de acordo com Diodoro142 num trecho esclarecedor
quanto agrave temaacutetica em questatildeo
Quanto agrave infantaria mais de nove mil mercenaacuterios [οἱ ξένοι] foram dispostos agrave frente proacuteximo a eles [foram dispostos] trecircs mil liacutecios e panfiacutelios e em seguida
mais de oito mil tropas mistas armadas com equipamento
macedocircnico [παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι] [] Agrave frente dos cavaleiros na ala direita adjacente agrave
falange eram 500 mercenaacuterios de origem mista [μισθοφόροι παντοδαποὶ] []
Haacute dois tipos de mercenaacuterios na passagem acima Os
primeiros em nuacutemero de 9000 eram claramente soldados de
infantaria pesadamente armados hoplitas mercenaacuterios Os
uacuteltimos dispostos como cavaleiros eram tambeacutem tropas
mercenaacuterias mas de uma categoria diferente natildeo soacute por
combaterem a cavalo mas por serem asiaacuteticos Noutras
palavras mercenaacuterios asiaacuteticos satildeo tatildeo mercenaacuterios quanto
os que advecircm da Greacutecia poreacutem a distinccedilatildeo estabelecida pelo
uso dos dois termos deve ser notada ainda que natildeo possamos
mensurar qualquer diferenccedila no tratamento dado a ambos por
parte do empregador
Os pantodapoi satildeo comumente citados por Diodoro como
exposto e em diversos momentos analisados ao longo do
capiacutetulo mas a sua participaccedilatildeo em batalha natildeo tem
destaque na narrativa do historiador siciliano da mesma
142 Diod 1929 ldquoτν δὲ πεζν πρτοι μὲν ἐτάχθησαν οἱ ξένοι πλείους ὄντες τν ἐννακισχιλίων μετὰ δὲ τούτους Λύκιοι καὶ Παμφύλιοι τρισχίλιοι παντοδαποὶ δ εἰς τὰ Μακεδονικὰ καθωπλισμένοι πλείους τν ὀκτακισχιλίων ἐπὶ πᾶσι δὲ Μακεδόνες ο πολὺ ἐλάττους τν ὀκτακισχιλίων []τν δ ἱππέων πρτοι μὲν ἦσαν ἐπὶ τοῦ δεξιοῦ κέρατος συνάπτοντες τῆ φάλαγγι μισθοφόροι παντοδαποὶ πεντακόσιοι []rdquo
69
forma que os mercenaacuterios no relato de Arriano sobre a
campanha de Alexandre As tropas de origem eacutetnica exata
por sua vez natildeo constituiacuteram uma exceccedilatildeo a essa regra a
natildeo ser por apariccedilotildees raacutepidas e escassas mas por vezes
determinantes como no caso dos capadoacutecios143
143 Notadamente no embate entre Eumenes e Craacutetero
70
22 Os elefantes de combate
Tomarei como ponto de partida para a investigaccedilatildeo
detalhada acerca dos elefantes de combate e de seu papel na
arte da guerra heleniacutestica o primeiro embate seacuterio entre os
paquidermes e a infantaria macedocircnica ainda que tal
encontro tenha ocorrido momentos antes do iniacutecio oficial da
eacutepoca heleniacutestica em 323 aC
Na batalha do Hidaspes (326 aC)144 Poro dispocircs seus
elefantes (cerca de 200) agrave frente da infantaria na
primeira linha de combate segundo Arriano145 com
intervalos de aproximados 30 metros (διέχοντα ἐλέφαντα ἐλέφαντος ο
μεῖον πλέθρου) impedindo que a cavalaria de Alexandre
aterrorizada pudesse se aproximar146 A infantaria indiana
(30000) seguia para as alas com tropas montadas
encerrando a formaccedilatildeo (2000) em ambos os flancos Por
uacuteltimo carros de guerra (300) estavam posicionados agrave
frente da cavalaria sendo esta a organizaccedilatildeo geral das
tropas de Poro para a batalha Em contrapartida Alexandre
concentrou a cavalaria (5500) na ala direita onde
normalmente os Companheiros combatiam com a intenccedilatildeo de
forccedilar uma alteraccedilatildeo na formaccedilatildeo da cavalaria indiana
assim como atacaacute-la por completo em sua ala esquerda As
duas iparquias sob o comando de Coeno foram enviadas sobre
a direita inimiga no momento em que esta realizou a
inversatildeo pela qual Alexandre esperava147 Aos soldados da
144 Os elefantes jaacute haviam sido utilizados pelos persas em Gaugamela
(Arr Anab 311 ldquoοἱ δὲ ἐλέφαντες ἔστησαν κατὰ τὴν Δαρείου ἴλην τὴν βασιλικὴν []rdquo mas natildeo despenharam papel relevante na batalha 145 Arr Anab 515 146 Arr Anab 515 ldquoὡς πρὸ πάσης τε τς φάλαγγος τν πεζν παραταθναι ατῶ τοὺς ἐλέφαντας ἐπὶ μετώπου καὶ φόβον πάντῃ παρέχειν τοῖς ἀμφ Ἀλέξανδρον ἱππεῦσινrdquo 147 Arr 516 ldquoΚοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν []rdquo Afinal ldquopara a direita de Alexandre ou contra a direita inimigardquo A questatildeo colocada por
Brunt tradutor de Arriano na ediccedilatildeo Loeb destaca uma grande confusatildeo
na interpretaccedilatildeo acerca do posicionamento das tropas em Hidaspes As
palavras iniciais (Κοῖνον δὲ πέμπει ὡς ἐπὶ τὸ δεξιόν) tecircm sido interpretadas na melhor discussatildeo sobre o assunto um artigo de Hamilton de trecircs
formas distintas (1) para a direita de Alexandre (2) em direccedilatildeo agrave
direita indiana como uma ldquofintardquo (3) contra a direita indiana em
forma de ataque Aqui adotei a segunda interpretaccedilatildeo devido agrave maneira
71
infantaria (15000)148
Alexandre ordenou que avanccedilassem
somente quando os cavaleiros indianos fossem postos em
confusatildeo contra seu proacuteprio exeacutercito149 Quanto aos
cavaleiros arqueiros estes foram uacuteteis para o ataque de
longa distacircncia causando baixas na ala esquerda inimiga
um pouco mais ao centro do local que Alexandre pretendia
atacar
Assim que a cavalaria indiana investiu contra os
Companheiros e o regimento de Dahae (recrutado na Aacutesia e
utilizado pela primeira vez no exeacutercito de Alexandre)
Coeno realizou o que lhe fora ordenado e atacou as tropas
montadas de Poro pelo flanco destruindo sua formaccedilatildeo numa
manobra compressora150 provavelmente apoacutes ter acompanhado a
inversatildeo das tropas de Poro Parte dos cavaleiros indianos
entatildeo partiu desordenada em direccedilatildeo aos elefantes
exatamente no momento em que a infantaria macedocircnica
iniciou o seu avanccedilo Segundo Arriano ldquoa proacutepria falange
macedocircnicardquo (ἡ φάλαγξ ατὴ τν Μακεδόνων) arremessou diversos
dardos contra os condutores dos elefantes e ldquoformando um
anel em torno dos animais descarregou dardos por todos os
ladosrdquo151
A partir deste ponto os paquidermes avanccedilaram em
direccedilatildeo agrave infantaria e comeccedilaram a devastar (ἐκεράϊζε) toda a
como a batalha se desenrolou isto eacute o caminho mais provaacutevel para uma
compressatildeo da cavalaria indiana por Alexandre e Coeno era a
perseguiccedilatildeo das tropas indianas durante uma inversatildeo da ala direita
para a esquerda Para uma discussatildeo completa a respeito da formaccedilatildeo
indiana consultar J R Hamilton ldquoThe Cavalry Battle at the
Hydaspesrdquo in JHS 76 27-28 1956 148 Richard D Milns Alexander the Great London Robert Hale 1968
P211 149 Arr Anab 516 150 Arr Anab 517 151 Arr Anab 517 ldquoἔς τε τοὺς ἐπιβάτας ατν ἀκοντίζοντες καὶ ατὰ τὰ θηρία περισταδὸν πάντοθεν βάλλοντεςrdquo Ora a falange natildeo possuiacutea mobilidade
suficiente para executar tal ldquoanelrdquo muito menos os falangistas
carregavam dardos Trata-se evidentemente de um equiacutevoco de Arriano
Cuacutercio (1424) refere-se aos agrianos e traacutecios o que soa mais
provaacutevel ainda que a reconstruccedilatildeo da formaccedilatildeo macedocircnica a partir
desta informaccedilatildeo natildeo seja possiacutevel a menos que se admita apenas que
ambas as tropas levemente armadas estavam dispostas desde o iniacutecio do
embate agrave frente da falange
72
falange Os cavaleiros macedocircnios enquanto isso ocorria
formaram um soacute esquadratildeo e empurraram de volta o restante
da cavalaria indiana contra os elefantes o que ocasionou
uma verdadeira carnificina seja pela morte dos condutores
ou pela simples confusatildeo da situaccedilatildeo Boa parte dos
indianos recuou por entre os elefantes enquanto recebiam
os duros golpes de sua proacutepria maacutequina de guerra152
Alexandre entatildeo ordenou o avanccedilo da falange a qual
deveria adotar a formaccedilatildeo mais compacta possiacutevel Os
indianos jaacute natildeo contavam com sua cavalaria e a infantaria
era incapaz de deter o ataque das tropas montadas de
Alexandre que os cercaram por todos os lados
Como observou Milns a vitoacuteria sobre os indianos no
Hidaspes ldquofoi a uacuteltima grande batalha que Alexandre travou
e diriam alguns historiadores a sua melhorrdquo153 De fato
Alexandre reverteu o impacto ndash ou parte dele ndash causado pela
melhor arma do exeacutercito indiano o elefante Contudo
existe outra questatildeo que natildeo tem relaccedilatildeo direta com o
gecircnio militar do rei macedocircnio mas sim com a emergecircncia
desta nova ldquomaacutequina de guerrardquo como integrante (e por vezes
siacutembolo) dos exeacutercitos heleniacutesticos
De um lado a batalha do Hidaspes ilustra como o
ineditismo no combate aos elefantes (por parte dos
ocidentais) provocou um terriacutevel efeito psicoloacutegico nos
macedocircnios especialmente nos anos que se seguiram agrave
batalha De outro mostra que a emergecircncia do elefante na
guerra heleniacutestica foi acompanhada de um paradoxo advindo
do uso de uma arma poderosa mas incapaz de distinguir
aliados de inimigos aleacutem de ser bastante complicada do
ponto de vista logiacutestico
Noutras palavras considerar os fracassos e sucessos
dos elefantes em campos de batalha heleniacutesticos deve partir
152 Arr Anab 517 153 Milns opcit p215
73
de uma premissa baacutesica bem ou mal-sucedidos nos
confrontos os paquidermes constituiacuteram um ldquopesadelo
administrativordquo o que coloca as condiccedilotildees necessaacuterias ao
seu uso de um lado da balanccedila e os resultados obtidos caso
tais condiccedilotildees pudessem ser alcanccediladas do outro
Problemas relativos ao atraso da marcha do exeacutercito devido
agrave lentidatildeo dos elefantes devem ter sido uma constante no
rol dos inconvenientes quanto ao abastecimento das tropas
antigas Diodoro nos fornece um importante relato sobre
essa questatildeo quando menciona o afastamento dos paquidermes
em relaccedilatildeo aos demais homens de Eumenes o que resultou na
sua vulnerabilidade154 e consequumlente enfraquecimento parcial
do exeacutercito Fica evidente que natildeo fosse a manobra
executada pelo comandante dos elefantes que liderou os
paquidermes ldquoem quadradordquo (οἱ τν ἐλεφάντων ἡγεμόνες τάξαντες εἰς
πλινθίον τὰ θηρία προγον) dispondo o suprimento no centro da
formaccedilatildeo e o pequeno nuacutemero de cavaleiros que os
acompanhava na retaguarda155
os retardataacuterios teriam sido
todos facilmente aniquilados pela investida de Antiacutegono
Por uacuteltimo haacute ainda que se destacar as diferenccedilas
entre os elefantes africanos e indianos quanto aos seus
usos militares Durante bastante tempo acreditou-se que os
elefantes africanos eram inferiores aos indianos afirmaccedilatildeo
originada no relato de Cteacutesias em sua obra sobre uma Iacutendia
exoacutetica e de fartura156 O criteacuterio adotado por ele (e
reproduzido por diversos autores antigos) foi unicamente a
produccedilatildeo de alimentos o que insatisfatoriamente resume o
problema a uma uacutenica sentenccedila os africanos eram menores
porque viviam numa regiatildeo onde a comida era escassa isto
eacute o deserto Tal comparaccedilatildeo encontra eco em Poliacutebio157
154 Diod 1939 [] ldquoτοὺς δ ἐλέφαντας μέλλειν ἀναζευγνύειν ἐκ τς χειμασίας καὶ πλησίον εἶναι μεμονωμένους πάσης βοηθείας []rdquo 155 Diod 1939 156 FrGH 688 F9 157 Polib 584 ldquoτὰ δὲ πλεῖστα τν τοῦ Πτολεμαίου θηρίων ἀπεδειλία τὴν μάχην ὅπερ ἔθος ἐστὶ ποιεῖν τοῖς Λιβυκοῖς ἐλέφασι τὴν γὰρ ὀσμὴν καὶ φωνὴν ο μένουσιν ἀλλὰ καὶ
74
[] a maior parte dos elefantes de Ptolomeu evitou o
combate como normalmente ocorre com os elefantes
africanos pois sendo incapazes de suportar o odor e o
grito dos elefantes indianos e aterrorizados penso
eu com a estatura e a forccedila [τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν] dos mesmos eles voltam-lhes as costas imediatamente e
potildeem-se em fuga antes de sua aproximaccedilatildeo
Em 1926 Tarn apresentou uma questatildeo fundamental com
relaccedilatildeo agraves diferenccedilas entre os elefantes africanos e
indianos o que dificultou a repeticcedilatildeo do argumento pouco
fundamentado de Cteacutesias Filologicamente bem amparado Tarn
sustentou que tais autores nada sabiam sobre os elefantes
mas o seu heroacutei Alexandre havia empregado o elefante
indiano158 Natildeo existe nada definitivamente aleacutem da
tradiccedilatildeo literaacuteria originada da observaccedilatildeo pouco criteriosa
de Cteacutesias que possa sustentar a superioridade dos
elefantes indianos diante dos africanos em campo de
batalha
Vindos da Iacutendia ou recrutados na Aacutefrica os elefantes
mostraram-se decisivos nos campos de batalha heleniacutesticos
como veremos no item 33 e no capiacutetulo 4 Encontrados
terreno plano condiccedilotildees excelentes de abastecimento e
clima e um inimigo cuja forccedila primaacuteria fosse composta por
infantaria pesada disposta em formaccedilatildeo cerrada os
elefantes constituiacuteam uma das mais eficientes ndash senatildeo a
mais eficiente ndash arma empregada pelos comandantes
heleniacutesticos notadamente nas raras batalhas decisivas do
periacuteodo
καταπεπληγμένοι τὸ μέγεθος καὶ τὴν δύναμιν ὥς γ ἐμοὶ δοκεῖ φεύγουσιν εθέως ἐξ ἀποστήματος τοὺς Ἰνδικοὺς ἐλέφανταςrdquo Cf Diod 216 e 235 158 William W Tarn ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ 20
98-100 1926 P100
75
3 As Guerras dos Diaacutedocos
31 Eumenes versus Craacutetero
No ano de 321 aC durante a realizaccedilatildeo da campanha de
Perdicas no Egito Eumenes fora enviado ao Helesponto por
Perdicas para evitar o avanccedilo de Craacutetero e Antiacutepatro159 Uma
das primeiras medidas do comandante grego foi o
recrutamento de um grande corpo de tropas montadas de sua
proacutepria satrapia isto eacute a Capadoacutecia Apoiado por Alcetas
submetido ao seu comando por ordem de Perdicas contava jaacute
com certo nuacutemero de macedocircnios insuficientes para a
ocasiatildeo os quais haviam sido incorporados apoacutes a vitoacuteria
sobre o exeacutercito de Neoptolemos160
De acordo com Diodoro161
ao saber do avanccedilo do exeacutercito
inimigo Eumenes coletou suas forccedilas particularmente sua
cavalaria de todos os lados (ἤθροισε πανταχόθεν τὰς δυνάμεις καὶ
μάλιστα τὴν ἱππικήν) Em relaccedilatildeo agrave infantaria sobre a qual natildeo
depositava muita esperanccedila contava com 20000 homens de
todas as raccedilas (παντοδαποὺς τοῖς γένεσιν) perfazendo um total de
25000 homens se somada a cavalaria adquirida Contra o
seu exeacutercito Craacutetero contava com macedocircnios conhecidos por
sua coragem (οἱ Μακεδόνες διαβεβοημένοι ταῖς ἀνδραγαθίαις) e dois mil
cavaleiros como auxiliares
Apoacutes a narraccedilatildeo de um duelo entre os comandantes
Diodoro menciona a derrota da cavalaria de Craacutetero sendo
que ao constatar a morte de ambos os liacutederes macedocircnios
Eumenes ordenou a retirada de seu exeacutercito privando-se do
aniquilamento completo do inimigo em prol da negociaccedilatildeo
cujo objetivo era a incorporaccedilatildeo da infantaria derrotada
Nas palavras do historiador siciliano
159 Diod 1829 160 Diod 1829 Arr FGrH 1569 Justino 138 Plutarco Eumenes 47 161 Diod 1830
76
Erigido o monumento que registrou a derrota do inimigo
[τρόπαιον] e feitos os ritos fuacutenebres [Eumenes] enviou agrave falange que havia se mostrado inferior [πρὸς τὴν τν ἡττημένων φάλαγγα] um convite de incorporaccedilatildeo agraves suas
tropas dando-lhes tambeacutem permissatildeo para recuar aos
lugares que desejassem
Este caso esclarece desde o iniacutecio a distinccedilatildeo entre
as tropas macedocircnias ldquoconhecidas por sua coragemrdquo e os
demais soldados de infantaria ldquohomens de todas as raccedilasrdquo
No entanto apoacutes a vitoacuteria sobre o exeacutercito inimigo
Eumenes abertamente escolhe negociar a incorporaccedilatildeo das
tropas inimigas honrando os mortos em combate ao inveacutes de
completar a manobra de envolvimento e provocar o
aniquilamento completo da falange a qual havia se mostrado
inferior em batalha Note-se que a taacutetica continuou a ser a
mesma empregada nos tempos de Alexandre mas a profusatildeo do
serviccedilo mercenaacuterio fez com que a praacutetica da incorporaccedilatildeo de
tropas profissionais fosse preferiacutevel ao aniquilamento do
inimigo Aleacutem disso natildeo haacute sequer uma menccedilatildeo de tratamento
diferenciado para as tropas macedocircnias por excelecircncia se
as considerarmos legitimamente macedocircnias em relaccedilatildeo agrave
infantaria asiaacutetica de Eumenes Eram mercenaacuterias como as
demais ainda que natildeo fique claro o pagamento ou tempo de
serviccedilo
Em seguida Eumenes voltou-se contra Antiacutegono
77
32 Antiacutegono versus Eumenes
Em seu primeiro confronto com Eumenes Antiacutegono
utilizando-se de um estratagema abriu matildeo inicialmente
de uma decisatildeo travada ao modelo alexandrino e decidiu
subornar certo Apolonides comandante da cavalaria de
Eumenes fazendo com que ele se tornasse um traidor e
desertasse em meio agrave batalha (ἔπεισε προδότην γενέσθαι καὶ κατὰ τὴν
μάχην ατομολσαι)162
Nesta ocasiatildeo entretanto notamos uma situaccedilatildeo
paradoxal quanto ao comportamento do comandante
heleniacutestico Na situaccedilatildeo anterior Eumenes optou por
incorporar as tropas inimigas ainda que sem sucesso ao
inveacutes de prosseguir com a manobra de envolvimento e
aniquilamento de boa parte do exeacutercito de Craacutetero Um ano
depois em 320 aC Antiacutegono apoacutes ter subornado o
comandante de cavalaria de Eumenes tendo a infantaria em
suas matildeos optou por concluir a manobra e aniquilar cerca
de 8000 inimigos Nas palavras de Diodoro
Quando a batalha se tornou violenta e Apolonides
desertou inesperadamente com sua cavalaria Antiacutegono
ganhou o dia e aniquilou cerca de 8000 inimigos Ele
tambeacutem se apoderou de todo o suprimento de modo que os
soldados de Eumenes ficaram abatidos pela derrota e sem
esperanccedila devido agrave perda de seus suprimentos163
Em momento algum Diodoro menciona o interesse de
Antiacutegono em incorporar as tropas de Eumenes durante a
batalha com exceccedilatildeo da cavalaria a qual havia previamente
subornado No entanto logo apoacutes relatar o refuacutegio do
comandante grego num forte armecircnio o que lhe foi garantido
162 Diod 1840 163 Diod 1840 ldquoγενομένης δὲ μάχης ἰσχυρᾶς καὶ τοῦ Ἀπολλωνίδου μετὰ τν περὶ ατὸν ἱππέων ποιήσαντος ἀλόγως ἀπὸ τν ἰδίων διάστασιν ἐνίκησεν ὁ Ἀντίγονος καὶ ἀνεῖλεν τν ἐναντίων εἰς ὀκτακισχιλίους ἐκυρίευσε δὲ καὶ τς ἀποσκευς ἁπάσης ὥστε τοὺς περὶ τὸν Εμεν στρατιώτας διὰ μὲν τὴν ἧτταν καταπλαγναι διὰ δὲ τὴν ἀπώλειαν τς ἀποσκευς ἀθυμσαιrdquo Nesta citaccedilatildeo com exceccedilatildeo de ἰσχυρᾶς traduzido aqui como ldquoviolentordquo seguindo o LSJ (ἰσχυρός) optei por utilizar a traduccedilatildeo de Geer
78
por uma alianccedila com os nativos o historiador siciliano faz
referecircncia agrave contrataccedilatildeo por parte de Antiacutegono dos homens
os quais haviam servido Eumenes Seguindo o exemplo
anterior a compreensatildeo da guerra como ofiacutecio serviu de
paracircmetro para a composiccedilatildeo de grandes exeacutercitos o
trampolim a partir do qual generais aspiravam agraves grandes
coisas exatamente como no caso de Antiacutegono Ao tornar-se
senhor de todas as posses que antes pertenciam a Eumenes
das quais se destacava o grande exeacutercito as ambiccedilotildees
poliacuteticas de Antiacutegono ganharam nova face
No momento em que Antiacutegono tomou para si a forccedila
militar de Eumenes tornou-se senhor das suas satrapias
e das suas propriedades levantou grande soma de
dinheiro e aspirou agraves grandes coisas [μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο] Nenhum comandante em toda a Aacutesia possuiacutea forccedila militar suficiente para lutar pela supremacia
164
O comando de um grande exeacutercito era sem duacutevida o
motor da basileia e um dos maiores estiacutemulos agrave realizaccedilatildeo
de campanhas militares e conquista de territoacuterios
A incorporaccedilatildeo das tropas natildeo era contudo o uacutenico
objetivo dos generais cujo pensamento encontrava-se marcado
pela condiccedilatildeo mercenaacuteria Historiadores tambeacutem entravam no
jogo mesmo que tivessem servido num primeiro momento ao
seu inimigo Note-se por exemplo na esteira do contexto
em destaque que Antiacutegono iraacute contratar os serviccedilos de
Hierocircnimo o historiador logo apoacutes a vitoacuteria sobre Eumenes
na Capadoacutecia tendo em seguida o enviado como mensageiro a
Eumenes exortando o uacuteltimo a esquecer a derradeira batalha
e a se tornar seu amigo e aliado165
Com a mudanccedila na poliacutetica externa adotada por Antiacutegono
levada a cabo a partir da aquisiccedilatildeo dos espoacutelios
164 Diod 1841 ldquoἈντίγονος δὲ παραλαβὼν τὴν μετ Εμενοῦς δύναμιν καὶ τν σατραπειν καὶ τν ἐν ταύταις προσόδων κύριος γενόμενος ἔτι δὲ παραλαβὼν πλθος χρημάτων μειζόνων πραγμάτων ὠρέγετο οκέτι γὰρ οδεὶς τν κατὰ τὴν Ἀσίαν ἡγεμόνων ἀξιόμαχον εἶχε δύναμιν διαγωνίσασθαι πρὸς ατὸν περὶ τν πρωτείωνrdquo 165 Diod 1850
79
provenientes da vitoacuteria sobre Eumenes o general macedocircnico
tratou de ir ao encontro de Alcetas irmatildeo de Perdicas
destruindo-o completamente Segundo Diodoro166
Antiacutegono
liderou 6000 cavaleiros numa carga violenta contra a
falange inimiga no intuito de cortar a linha de retirada de
Alcetas Em seguida os elefantes foram enviados
frontalmente contra a falange ao mesmo tempo em que os
cavaleiros envolveram o inimigo por todos os lados tendo a
infantaria permanecido somente como forccedila de apoio
Diodoro natildeo nos informa sobre a proveniecircncia eacutetnica da
cavalaria de Antiacutegono mas note que haacute pouco ele contava
com 2000 cavaleiros e rapidamente passou para cerca de
6000 um forte indiacutecio de que a renovaccedilatildeo de suas forccedilas
montadas foi liderada por capadoacutecios Em primeiro lugar
talvez esta seja a constataccedilatildeo mais oacutebvia mas ainda assim
digna de ser mencionada Antiacutegono marchou com sua forccedila
militar da Capadoacutecia para a Pisiacutedia (μετὰ [] ἐκ Καππαδοκίας
προγεν ἐπὶ τὴν Πισιδικήν)
Em segundo lugar sua cavalaria triplicou desde o
momento anterior agrave batalha contra Eumenes ocorrida havia
menos de um ano Uma vez na Capadoacutecia dado o curto tempo
para a ampliaccedilatildeo das suas forccedilas montadas e a
disponibilidade de recrutamento de cavaleiros pesadamente
armados na regiatildeo outra explicaccedilatildeo natildeo parece possiacutevel
Logo apoacutes a vitoacuteria sobre Alcetas Antiacutegono obteve a
rendiccedilatildeo de todo o resto do exeacutercito inimigo por negociaccedilatildeo
e o alistou em suas proacuteprias fileiras167 agregando
consideraacutevel forccedila ao seu poderio beacutelico
Ainda que a manobra de envolvimento fosse como neste
caso realizada ateacute o momento em que o inimigo batesse
desesperadamente em retirada a porccedilatildeo do exeacutercito que
166 Diod 1844 167 Diod 1845 ldquoὁ δ Ἀντίγονος τούτους μὲν καθ ὁμολογίαν παραλαβὼν τοὺς λοιποὺς εἰς τὰ ἴδια τάγματα κατέταξε []rdquo
80
pudesse ser submetida com vida e incorporada por negociaccedilatildeo
era sempre bem recebida aleacutem de se mostrar crucial na
estruturaccedilatildeo de trajetoacuterias poliacuteticas pautadas na conquista
militar
Na sequumlecircncia dos acontecimentos168 Eumenes jaacute na Aacutesia
Menor enviou cartas aos saacutetrapas do norte solicitando o
seu apoio em nome dos reis Basicamente as duas partes
deveriam se encontrar em Susa mas Fiacuteton a esta altura
saacutetrapa da Meacutedia obteve tambeacutem o controle das satrapias do
norte ordenando a morte de Filotas e substituindo o mesmo
por Eudamus seu irmatildeo Apoacutes travar batalha com o exeacutercito
dos saacutetrapas do sul Fiacuteton concentrou seu exeacutercito num soacute
lugar aguardando o apoio de Seleuco motivo pelo qual
Eumenes encontrou todas as tropas reunidas quando da sua
chegada a Susianecirc
De acordo com Diodoro169
as tropas que se juntaram a
Eumenes foram (1) 10000 arqueiros e fundibulaacuterios persas
3000 pantodapoi armados como macedocircnios (τοὺς δὲ εἰς τὴν
Μακεδονικὴν τάξιν καθωπλισμένους παντοδαποὺς) 600 cavaleiros gregos
e traacutecios e mais de 400 cavaleiros persas todos vindos
sob comando de Peucestes um dos antigos soldados da elite
de Alexandre (2) 1500 pezoi e 700 cavaleiros liderados
por Tlepolemus o macedocircnio feito saacutetrapa da Carmacircnia (3)
1000 pezoi e 610 cavaleiros trazidos por Sibyrtius
comandante da Arachosia (4) 1200 pezoi e 400 cavaleiros
despachados por Oxyartes (5) 1500 pezoi e 1000
cavaleiros vindos com Stasander e (6) 500 cavaleiros 300
pezoi e 120 elefantes todos trazidos por Eudamo Somados a
estes 18500 soldados de infantaria e 4210 cavaleiros
Geer170
lembra que devemos acrescentar as forccedilas trazidas
por Amfiacutemaco da Mesopotacircmia apresentado na batalha de
168 Diod 1913 169 Diod 1914 170 Russel M Geer tradutor de Diodoro na ediccedilatildeo da LOEB p 269
81
Gabienecirc171 com seus 600 cavaleiros e talvez alguma
infantaria natildeo mencionada
Antiacutegono em contrapartida recebeu tropas de Seleuco e
Fiacuteton nomeando Seleuco saacutetrapa de Susa e ordenando que
este conquistasse a cidade jaacute que Xenofilos o tesoureiro
se recusava a aceitar suas ordens172 Ao cruzar a Meacutedia por
um caminho alternativo agravequele que havia sido bloqueado por
Eumenes Antiacutegono ordenou a Fiacuteton que recrutasse quantos
cavaleiros e cavalos de guerra fosse possiacutevel assim como
animais de carga Ao retornar de sua missatildeo com cerca de
2000 cavaleiros 1000 cavalos 500 talentos do tesouro
real e uma quantia de mulas suficientes para todo o
exeacutercito173
Fiacutethon deu a Antiacutegono a chance de reerguer o
moral das tropas aleacutem de reforccedilar consideravelmente a
cavalaria de seu exeacutercito No total Antiacutegono contava com
28000 pezoi 8000 cavaleiros e 65 elefantes
Apoacutes o desentendimento entre Eumenes apoiado por
Antigenes e os saacutetrapas ansiosos para retornar aos seus
assuntos pessoais174
o general grego optou por atender agraves
vontades dos saacutetrapas temendo perder seu valioso apoio
Apoacutes dias de marcha rumo a Perseacutepolis ambos os exeacutercitos
inimigos acamparam a curta distacircncia e iniciaram os
preparativos para a batalha Antiacutegono entretanto procurou
subornar parte das tropas inimigas como nos relata
Diodoro175
No quinto dia Antiacutegono enviou mensageiros aos saacutetrapas
e aos macedocircnios instigando-os a natildeo obedecer Eumenes
e a confiar apenas no proacuteprio Antiacutegono Disse aos
171 Diod 1927 172 Diod 1918 173 Diod 1920 174 Diod1921 175 Diod 1925 ldquo[]τῆ πέμπτῃ δ Ἀντίγονος πρεσβευτὰς ἐξαπέστειλε πρός τε τοὺς σατράπας καὶ τοὺς Μακεδόνας ἀξιν Εμενεῖ μὲν μὴ προσέχειν ἑαυτῶ δὲ πιστεύειν συγχωρήσειν γὰρ ἔφη τοῖς μὲν σατράπαις ἔχειν τὰς ἰδίας σατραπείας τν δὲ ἄλλων τοῖς μὲν χώραν πολλὴν δώσειν τοὺς δὲ εἰς τὰς πατρίδας ἀποστελεῖν μετὰ τιμς καὶ δωρεν τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξειςrdquo
82
saacutetrapas que permitiria a manutenccedilatildeo de suas proacuteprias
satrapias e aos macedocircnios que daria uma grande
extensatildeo de terra a alguns que enviaria os outros de
volta para casa com honra e presentes e que designaria
postos agravequeles que desejassem servir em seu exeacutercito
[τοὺς δὲ στρατεύεσθαι βουλομένους διανεμεῖν εἰς τὰς ἑκάστῳ καθηκούσας τάξεις]
Tendo fracassado em sua tentativa de incorporaccedilatildeo das
tropas inimigas antes mesmo da batalha Antiacutegono findou por
enfrentar Eumenes numa ocasiatildeo decisiva conhecida como
batalha de Paraitacene (317 aC)
Iniciada a batalha vendo que sua ala direita estava
sendo esmagada pelos cavaleiros arqueiros de Antiacutegono
(graccedilas agraves taacuteticas de ciacuterculo cujo objetivo era o ataque
aos flancos pelo uso dos arcos176) Eumenes ordenou o apoio
de sua ala esquerda comandada por Eudamo Apoacutes o movimento
de flanqueamento executado por soldados ligeiros e pela
parte mais levemente armada de sua cavalaria (τὴν ὅλην τάξιν τοῖς
μὲν ψιλοῖς καὶ τοῖς ἐλαφροτάτοις τν ἱππέων) conseguiu derrotar a ala
direita de Antiacutegono comandada por Fiacutethon
Em seguida apoacutes consideraacutevel tempo de combate entre as
falanges os homens de Eumenes venceram devido agrave
experiecircncia dos arguraspides de modo que muitos dos
oficiais de Antiacutegono apoacutes a derrota de sua ala esquerda e
de toda a sua falange aconselharam a batida em retirada
Antiacutegono no entanto ao ver que a infantaria inimiga havia
avanccedilado vitoriosamente em direccedilatildeo agrave sua no intuito de
persegui-la ateacute proacuteximo aos montes e que a ala de Eudamo
natildeo esperava por um ataque desferiu um violento golpe
contra a ala esquerda de seu inimigo recobrando com isso o
moral e as condiccedilotildees combativas de sua infantaria
aparentemente derrotada Assim nos relata Diodoro177
176 Diod 1930 ldquo[] περιιππεύσαντες δὲ τὸ κέρας καὶ πλαγίοις ἐμβαλόντες πυκνοῖς τοῖς βέλεσι κατετίτρωσκον []rdquo 177 Diod 1930 ldquoταχὺ δὲ διὰ τὸ παράδοξον τρεψάμενος τοὺς ἐναντίους καὶ πολλοὺς ἀνελὼν διαπέστειλε τν ἱππέων τοὺς ἐλαφροτάτους καὶ διὰ τούτων ἀνεκαλέσατο τοὺς φεύγοντας καὶ παρὰ τὴν πωρίαν πάλιν εἰς τάξιν κατέστησενrdquo
83
Uma vez que seu ataque foi inesperado ele [Antiacutegono]
rapidamente derrotou aqueles que o enfrentaram
destruindo muitos deles Entatildeo enviou os mais raacutepidos
de seus cavaleiros e por meio deles reuniu os soldados
que haviam batido em retirada alinhando-os mais uma
vez ao peacute dos montes
Como os soldados encontravam-se todos exaustos a
batalha prosseguiu durante o tempo necessaacuterio para a
certeza de sua indefiniccedilatildeo Embora o resultado natildeo tenha
sido claro Antiacutegono usou de sua legitimidade como
comandante e forccedilou acampamento proacuteximo a batalha
relativamente distante das bagagens O motivo para este ato
era simples para os gregos aquele que detinha o controle
dos ritos fuacutenebres assim que encerrada a peleja possuiacutea o
direito de declarar-se vitorioso178
Em seguida Eumenes dirigiu suas tropas para Gabenecirc
com excelentes condiccedilotildees de abastecimento179
enquanto
Antiacutegono conduziu seu exeacutercito atraveacutes do deserto proacuteximo a
Gadamala180
Alguns dias apoacutes o ataque parcialmente
frustrado aos elefantes de Eumenes atrasados se comparados
ao restante das tropas ambos os exeacutercitos fizeram frente
um ao outro em Gabenecirc
Tendo disposto seus homens da maneira que consideravam
mais eficiente os generais deram iniacutecio ao confronto
sendo que Antiacutegono e Demeacutetrio posicionados na ala direita
desferiram um ataque agrave cavalaria de Eumenes que a esta
altura lhes fazia frente Antes do embate entretanto
Peucestes saacutetrapa da Peacutersia esquivou-se da batalha e
deixou Eumenes somente com parte de sua cavalaria181
Por
consequumlecircncia Eumenes natildeo suportou o choque com a cavalaria
inimiga a qual rodeou o corpo de infantaria e investiu
178 Diod 1931 ldquo[Antiacutegono] ἠμφισβήτει τς νίκης ἀποφαινόμενος προτερεῖν ἐν ταῖς μάχαις τὸ τν πεσόντων κυριεῦσαιrdquo Outros exemplos segundo Geer satildeo
encontrados em Xen Hel 75 e Justino 66 179 Diod 1934 180 Diod 1937 181 Diod1942
84
contra a cavalaria na outra ala completando um semiciacuterculo
pela retaguarda inimiga
Embora as manobras acima detalhadas tenham sido de
grande importacircncia no desenrolar da batalha a participaccedilatildeo
crucial se deu com os tarentinos e medos enviados com a
missatildeo de capturar os suprimentos inimigos aproveitando-se
da pouca visibilidade provocada pela poeira do terreno A
partir deste movimento Eumenes parcialmente derrotado se
viu forccedilado a recuar e contra atacar a investida sorrateira
dos tarentinos e medos enquanto Antiacutegono soube aproveitar
o momento de vulnerabilidade dos arguraspides sem a
proteccedilatildeo dos flancos e ordenou a investida da cavalaria de
Fiacutethon182
Os resultados da batalha natildeo foram nada agradaacuteveis para
os homens de Eumenes que tiveram seus suprimentos filhos
mulheres e muitos outros parentes capturados pelo inimigo
Com isso Antiacutegono exterminou completamente o espiacuterito
combativo dos macedocircnios induzindo um comportamento
tipicamente heleniacutestico no lugar do extermiacutenio dos refeacutens
e inimigos derrotados (mas preservados em suas habilidades
de combate) o general optou por alistaacute-los
[] os macedocircnios secretamente iniciaram negociaccedilotildees
com Antiacutegono capturando e entregando Eumenes
recobrando seus suprimentos e apoacutes receberem promessas
alistaram-se no exeacutercito acampado [καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον]183
Agora que Antiacutegono havia se tornado o mais poderoso dos
Diaacutedocos os seus rivais passaram a temer a consolidaccedilatildeo de
seu poder supremo abalado apenas por pequenas revoltas
182 Diod 1943 183 Diod 1943 [hellip] οἱ Μακεδόνες λάθρᾳ διαπρεσβευσάμενοι πρὸς Ἀντίγονον τὸν μὲν Εμεν συναρπάσαντες παρέδωκαν τὰς δ ἀποσκευὰς κομισάμενοι καὶ πίστεις λαβόντες κατετάχθησαν εἰς τὸ στρατόπεδον
85
locais como a insurreiccedilatildeo fracassada liderada por Fiacutethon
na Meacutedia184
Encerrada as operaccedilotildees de Cassandro no Peloponeso e
apoacutes a fuga de Seleuco para o Egito185 a resposta imediata
agrave transformaccedilatildeo no cenaacuterio poliacutetico heleniacutestico causada
pela emergecircncia de Antiacutegono como autoridade predominante na
lideranccedila dos exeacutercitos se deu com a alianccedila de Ptolomeu
Seleuco Cassandro e Lisiacutemaco
184 Diod 1946-48 185 Diod 1953 e Diod 1954 respectivamente
86
33 Antiacutegono versus Ptolomeu Seleuco Cassandro e
Lisiacutemaco
Assim que chegou ao Egito Seleuco tratou de convencer
Ptolomeu do risco que era deixar Antiacutegono ampliar suas
forccedilas sua arrogacircncia e suas ambiccedilotildees ao trono
macedocircnico186
Seleuco natildeo somente conseguiu estabelecer uma
alianccedila com o senhor do Egito mas tambeacutem alguns de seus
amigos obtiveram sucesso na cooptaccedilatildeo de Cassandro e
Lisiacutemaco Com isso apoacutes recusar a abordagem diplomaacutetica de
Antiacutegono que enviou mensageiros com o intuito de reforccedilar
sua amizade com os generais macedocircnicos em eacutepoca de crise
Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro exigiram de Antiacutegono (1) a
entrega da Capadoacutecia e da Liacutecia a Cassandro (2) da Friacutegia
a Lisiacutemaco (3) de toda a Siacuteria a Ptolomeu e (4) da
Babilocircnia a Seleuco sem mencionar a partilha dos tesouros
conquistados com a vitoacuteria sobre Eumenes187
Daiacute por diante uma seacuterie de embates subsequumlentes agrave
formalizaccedilatildeo do desentendimento dos Diaacutedocos dominaraacute a
cena poliacutetica pelos proacuteximos 15 anos e uma narrativa de
todos os pormenores do conflito natildeo seria eficaz na
apresentaccedilatildeo dos argumentos que estou a desenvolver neste
capiacutetulo Portanto tratarei da batalha de Ipso por ser
suficientemente documentada188
(se levarmos em consideraccedilatildeo
que as demais batalhas nos chegaram apenas em pouquiacutessimos
detalhes) e possibilitar interpretaccedilotildees razoavelmente
seguras sobre a arte da guerra heleniacutestica no tempo dos
Diaacutedocos
De acordo com Plutarco189 Demeacutetrio contava com mais de
70000 soldados de infantaria 10000 cavaleiros e 75
elefantes enquanto seus adversaacuterios haviam trazido cerca
186 Diod 1956 187 Diod 19 57 188 A principal fonte eacute Plut Dem 28-30 que provavelmente seguiu
Hierocircnimo de Caacuterdia 189 Plut Dem 28
87
de 65000 soldados de infantaria 10500 cavaleiros 120
carros de guerra e 400 elefantes
Tatildeo logo os exeacutercitos iniciaram a peleja Demeacutetrio
avanccedilou em direccedilatildeo a Antiacuteoco filho de Ptolomeu e ao
derrotaacute-lo facilmente e iniciar uma perseguiccedilatildeo para longe
do campo de batalha levou consigo a melhor e maior porccedilatildeo
da cavalaria (τοὺς πλείστους καὶ κρατίστους τν ἱππέων) do exeacutercito de
Antiacutegono Ao observar que a falange inimiga estava
desprotegida num dos flancos Seleuco ldquoos manteve em medo
de ataquerdquo rodeando os inimigos em ato ameaccedilador fazendo
com que muitos deles viessem a ele por sua proacutepria vontade
e com que os demais batessem em retirada190 Por fim
enquanto Antiacutegono aguardava pelo retorno de seu filho
impossibilitado de voltar ao combate devido ao avanccedilo
frontal dos elefantes inimigos (contra os 75 elefantes de
Antiacutegono e em seguida contra a proacutepria infantaria do
rei) sendo esta uma manobra que lanccedilava os paquidermes no
caminho de Demeacutetrio uma saraivada de projeacuteteis o atingiu
pondo fim a sua vida
Demeacutetrio ainda tentou com seus 5000 soldados de
infantaria e 4000 cavaleiros restantes da batalha
resistir em Atenas onde possuiacutea embarcaccedilotildees e recursos
diversos mas no caminho fora avisado por um mensageiro de
que os cidadatildeos de Atenas decidiram natildeo receber nenhum dos
reis
A batalha de Ipso provavelmente representou uma
tentativa de transformaccedilatildeo das funccedilotildees da cavalaria algo
ineacutedito na guerra heleniacutestica Certamente por influecircncia da
guerra encaminhada na porccedilatildeo mais oriental do impeacuterio
Seleuco tentou fazer com que os elefantes desferissem o
ataque principal enquanto a cavalaria comandada por seu
filho Antiacuteoco forccedilava uma retirada de Demeacutetrio Mas quais
190 Plut Dem 29
88
seriam no confronto que pocircs fim agrave hegemonia de Antiacutegono
as vantagens conferidas a Seleuco pelo uso dos elefantes
A primeira delas estava fixada pelo nuacutemero de elefantes
(400 no total contra apenas 75 de Antiacutegono) Seleuco
sabendo disso os fez avanccedilar frontalmente contra o corpo
principal do exeacutercito antigocircnida provavelmente ordenando
que seu filho Antiacuteoco batesse em retirada e levasse
consigo a maior e melhor parte da cavalaria inimiga sob o
comando de Demeacutetrio Ainda que Plutarco natildeo mencione tal
manobra por parte de Antiacuteoco afirmando pelo contraacuterio
que as tropas montadas antigocircnidas o haviam derrotado natildeo
parece provaacutevel que a cavalaria de Seleuco fugiria do campo
de batalha tatildeo rapidamente ou que Demeacutetrio a perseguiria
ateacute a batalha ser encerrada (a menos que a fuga de Antiacuteoco
fosse parte de um plano)
Tarn191 argumentou sobre esta possibilidade na deacutecada de
1930 salientando que iniciada a perseguiccedilatildeo da cavalaria
de Seleuco se Demeacutetrio desistisse cedo demais a cavalaria
inimiga poderia simplesmente retornar e atacar sua
retaguarda mas por outro lado se a perseguiccedilatildeo levasse
muito tempo a batalha central se tornaria
definitivamente um palco imaginaacuterio Aceita esta hipoacutetese
conclui-se que Seleuco pocircde desferir seu ataque principal
com os elefantes ao centro e com a cavalaria na ala inimiga
desprotegida enquanto Demeacutetrio ficou impossibilitado de
dar qualquer suporte a Antiacutegono devido ao sucesso da
possiacutevel manobra de Antiacuteoco uma vez que o avanccedilo dos
elefantes havia inviabilizado o caminho para as operaccedilotildees
de auxiacutelio
191 Tarn opcit p69
89
CAPIacuteTULO 3 ndash PODER MONAacuteRQUICO E ARTE DA GUERRA NA
MAGNA GREacuteCIA E NA SICIacuteLIA HELENIacuteSTICA
1 Agaacutetocles e a introduccedilatildeo da basileia
heleniacutestica
Diodoro nos relata que Agaacutetocles ldquoao saber que os
referidos priacutencipes tinham assumido o diadema e por natildeo se
considerar inferior a eles em poder territoacuterio e feitos
designou-se reirdquo192 Esta natildeo era uma monarquia siciliana
como as anteriores aleacutem do desejo de se igualar em poder
aos monarcas heleniacutesticos e de assumir caracteriacutesticas de
um ldquonovordquo tipo de realeza como veremos a seguir Agaacutetocles
mantinha com alguns dos Diaacutedocos relaccedilotildees diplomaacuteticas as
quais frequumlentemente ilustravam um posicionamento muito
semelhante agravequeles adotados pelos Sucessores de Alexandre
quanto ao direito de conquista amplamente baseado no
princiacutepio da doriktetos chora De forma similar agrave
distribuiccedilatildeo de territoacuterios liderada pelos generais
macedocircnicos apoacutes a morte de seu rei em 323 aC Agaacutetocles
pretendia negociar de acordo com Diodoro a distribuiccedilatildeo
do espaccedilo africano (ainda natildeo subjugado) e siciliano
(parcialmente hostil) com Ophellas em 309 aC por
ocasiatildeo de sua expediccedilatildeo cartaginesa
192 Diod 2054 ldquo[] γὰρ πυθόμενος τοὺς προειρημένους δυνάστας ἀνῃρημένους
διάδημα καὶ νομίζων μήτε δυνάμεσι μήτε χώρᾳ μήτε τοῖς πραχθεῖσι λείπεσθαι τούτων ἑαυτὸν ἀνηγόρευσε βασιλέαrdquo Sobre a basileia de Agaacutetocles consultar
principalmente Henry Julius Wetenhall Tillyard Agathocles Cambridge
The University Press 1908 Claude Mosseacute La tyrannie dans la Gregravece
Antique Paris Presses Universitaires de France 1969 PP 149-202
Klaus Meister CAH 7 1984 PP 384-411 Ricardo Vattuone Sapienza
d‟occidente Il pensiero storico di Timeo di Tauromenio Bologna
Pagravetron 1991 Pp 63-86 187-204 Lorenzo Braccesi I tiranni di
Sicilia Roma-Bari Laterza 1998 PP 101-113 Consolo Langher Efrem
Zambon ldquoFrom Agathocles to Hieratildeo II the birth and development of
basileia in Hellenistic Sicilyrdquo In Sian Lewis (org) Ancient
Tyranny Edinburgh The University Press 2006 PP 77-94 Sobre a
coroaccedilatildeo dos Diaacutedocos de maneira geral consultar os estudos e as
referecircncias apresentadas no cap2 desta tese
90
Apoacutes esta batalha Agaacutetocles ao examinar todas as
maneiras de subjugar os cartagineses enviou Orthon o
siracusano como mensageiro a Ophellas em Cirene
Ophellas havia sido um dos Companheiros de Alexandre em
sua expediccedilatildeo tendo assumido o controle da cidade de
Cirene e de um poderoso exeacutercito e aspirava a uma
dominaccedilatildeo mais ampla Este era o seu estado de espiacuterito
quando o mensageiro de Agaacutetocles chegou com o pedido de
auxiacutelio para a campanha contra os cartagineses Em
troca desse serviccedilo ele [o mensageiro] prometeu que
Agaacutetocles concederia a Ophellas liberdade total no
controle da Liacutebia Agaacutetocles disse-lhe o mensageiro
estava satisfeito com a Siciacutelia desde que estivesse
livre da ameaccedila cartaginesa e que pudesse governar sem
receio toda a ilha A Itaacutelia estava disponiacutevel e
proacutexima para ampliar o seu impeacuterio caso Agaacutetocles
ambicionasse mais poder193
Ao analisarmos o relato do historiador siciliano
torna-se evidente que o comandante siracusano queria
integrar o cenaacuterio poliacutetico internacional de seu tempo
orientado por criteacuterios de paridade com os Diaacutedocos e que
Ophellas seria sua melhor opccedilatildeo de alianccedila pois o mesmo
aspirava agrave conquista de mais territoacuterios Afinal tal
paridade em forccedila militar territoacuterios conquistados e
realizaccedilotildees seria o motor de sua monarquia autoproclamada
Quando Ophellas e seu exeacutercito se encontraram com
Agaacutetocles o mesmo colocou em praacutetica seu plano de traiccedilatildeo
o macedocircnio foi pego de surpresa e assassinado enquanto
tentava desesperadamente se defender o siracusano entatildeo
aproveitando-se da situaccedilatildeo recrutou o numeroso exeacutercito
193 Diod 2040 ldquoἈπὸ δὲ τς μάχης ταύτης γενόμενος καὶ πάντα τῆ διανοίᾳ σκοπούμενος
πρὸς τὸ λαβεῖν τοὺς Καρχηδονίους ποχειρίους ἐξέπεμψε πρεσβευτὴν Ὄρθωνα τὸν Συρακόσιον πρὸς φέλλαν εἰς Κυρήνην οὗτος δ ἦν μὲν τν φίλων τν συνεστρατευμένων Ἀλεξάνδρῳ κυριεύων δὲ τν περὶ Κυρήνην πόλεων καὶ δυνάμεως ἁδρᾶς περιεβάλετο ταῖς ἐλπίσι μείζονα δυναστείαν τοιαύτην οὖν ατοῦ διάνοιαν ἔχοντος ἧκεν ὁ παρ Ἀγαθοκλέους πρεσβευτής ἀξιν συγκαταπολεμσαι Καρχηδονίους ἀντὶ δὲ ταύτης τς χρείας ἐπηγγέλλετο τὸν Ἀγαθοκλέα συγχωρήσειν ατῶ τν ἐν Λιβύῃ πραγμάτων κυριεύειν εἶναι γὰρ ἱκανὴν ατῶ τὴν Σικελίαν ἵν ἐξῆ τν ἀπὸ τς Καρχηδόνος κινδύνων ἀπαλλαχθέντα μετ ἀδείας κρατεῖν ἁπάσης τς νήσου παρακεῖσθαι δὲ καὶ τὴν Ἰταλίαν ατῶ πρὸς ἐπαύξησιν τς ἀρχς ἐὰν κρίνῃ μειζόνων ὀρέγεσθαιrdquo Para esta passagem Austin (n90) eacute a traduccedilatildeo de referecircncia A
invasatildeo eacute vagamente mencionada por Polib 182 e a alianccedila por
Justino 226 Cf Consolo Langher pp 175-196
91
sem comandante para a guerra que jaacute estava preparado para
travar conseguindo com isso praticamente dobrar o nuacutemero
de seus homens194
Polieno contudo sequer menciona a intenccedilatildeo de
estabelecer qualquer alianccedila por parte de Agaacutetocles
Segundo Polieno195 Ophellas encontrava-se jaacute com numeroso
exeacutercito em postos avanccedilados contra Agaacutetocles ao que tudo
indica no iniacutecio da expediccedilatildeo africana liderada pelo
siracusano quando Agaacutetocles ciente da inclinaccedilatildeo de seu
inimigo por jovens rapazes enviou seu filho Heracleides
ldquoum rapaz de beleza extraordinaacuteriardquo com a missatildeo de
distraiacute-lo enquanto o exeacutercito siciliano revidava em
sigilo Ophellas apaixonado pelo rapaz mostrou-se incapaz
de prever a sua proacutepria morte e Agaacutetocles saiu vitorioso
resgatando seu filho com sucesso
O relato de Polieno eacute obviamente pouco criacutevel
considerando-se que dificilmente um comandante com a
experiecircncia de Ophellas ainda mais no comando de um
numeroso exeacutercito aacutevido pela guerra para a qual estavam
marchando desde Cirene se deixaria distrair tatildeo gravemente
pelo filho de seu inimigo ainda que tivesse as inclinaccedilotildees
sexuais mencionadas Parece igualmente improvaacutevel que
Ophellas natildeo tivesse sido cotado como aliado por Agaacutetocles
a julgar pela referecircncia tatildeo clara em Diodoro e pelo
desenrolar dos eventos na Aacutefrica O mais provaacutevel eacute que
Polieno natildeo tivesse conhecimento da alianccedila ou a tivesse
suprimido pela natureza didaacutetica de sua obra De qualquer
modo as relaccedilotildees diplomaacuteticas tiveram de acontecer mesmo
que unilateralmente em certo ponto e comprovam
preliminarmente a interaccedilatildeo (diplomaacutetica e beacutelica) entre
Agaacutetocles e o mundo heleniacutestico num niacutevel que para ele se
dava em grau de paridade Como nos lembra Braccesi a
194 Diod 2042
195 Polieno 53
92
Siciacutelia mostrou-se um espaccedilo imune agrave invasatildeo de Alexandre
mas natildeo ao seu projeto de conquista neste caso traduzido
pela ascensatildeo de Agaacutetocles agrave iminente realeza196 A
autoproclamaccedilatildeo de Agaacutetocles como rei simbolizava que o
siracusano via-se em condiccedilatildeo de reclamar territoacuterios nos
mesmos termos que os Diaacutedocos e as interaccedilotildees diversas com
alguns deles servem de evidecircncia para a postura de paridade
adotada pelo monarca
Parte da historiografia moderna no entanto tende a
classificar Agaacutetocles da mesma forma que os tiranos tardo-
claacutessicos ou ainda como os tiranos arcaicos de modo que
sua autoproclamaccedilatildeo representaria de fato apenas um traccedilo
de sua ambiccedilatildeo poliacutetica uma estrateacutegia de inserccedilatildeo sem
grandes resultados197 Veja-se por exemplo o que nos diz
Mosseacute para quem Agaacutetocles tirano popular198 teria se
transformado com a expediccedilatildeo africana numa figura
196 Braccesi op cit p101 Cf tambeacutem Lorenzo Braccesi L‟Alessandro
occidentale Il Macedone e Roma Roma ldquoL‟ermardquo di Bretschneider
2006 PP 54-67 Braccesi argumenta que apoacutes a morte de Alexandre o
problema puacutenico se confunde com a hereditariedade do poder monaacuterquico
produzindo uma ldquonascente sensibilidade heleniacutesticardquo a qual seria
direcionada agrave ameaccedila cartaginesa sob a forma de basileia justificada 197 Outra questatildeo recorrente na historiografia moderna eacute a classificaccedilatildeo
de Agaacutetocles como grande estadista ou como o mais cruel dos tiranos
discussatildeo que se arrasta desde a Antiguidade quando por exemplo
Caacutelias (FGrH 564T3) contemporacircneo de Agaacutetocles pinta uma aura de
piedade e humanidade para o siracusano ao passo que Timeu (FGrH
566F124) igualmente seu contemporacircneo diz que nenhum tirano mostrou-
se tatildeo cruel quanto ele Aleacutem da identificaccedilatildeo errocircnea da monarquia de
Agaacutetocles como sendo da mesma natureza que as tiranias tardo-
claacutessicas haacute que se considerar a interpretaccedilatildeo curiosa ndash e pouco
aceita ndash de Helmut Berve (Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen
Verlag 1953 Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967)
Segundo Berve Agaacutetocles manteve a sua magistratura em Siracusa tendo
criado ao mesmo tempo uma monarquia pessoal como maneira de combater
em nome da cidade e acumular territoacuterios em seu proacuteprio nome Como
desdobramento disso no final de sua vida Agaacutetocles teria devolvido a
democracia aos siracusanos sem abdicar da realeza o que de fato
carece de evidecircncias suficientes Para o assunto cf Meister CAH 7
pp 409-410 198 O que soa no fim das contas absurdo pois logo apoacutes a sua morte os
siracusanos confiscaram as suas propriedades derrubaram as suas
estaacutetuas e procederam a uma verdadeira damnatio memoriae Sobre a
criacutetica agrave classificaccedilatildeo da tirania de Agaacutetocles como ldquopopularrdquo cf
Meister CAH 7 p 410
93
tiracircnica tiacutepica do periacuteodo heleniacutestico o roy conqueacuterant199
embora seu comportamento indique no fim das contas uma
postura comum entre os tiranos que o precederam
Homem do povo pelo povo de Siracusa eacute que ele tentou
restaurar a supremacie da cidade que ele tentou
igualmente varrer o perigo que pesava sobre toda a
Siciacutelia o perigo cartaginecircs Homem de seu tempo []
imitador dos generais de Alexandre quanto ao tiacutetulo
reacutegio [] Ele natildeo liberou os escravos por princiacutepio
mas por que necessitava de homens para combater Nisso
ele se assemelhava aos tiranos do seacutecIV aC [] Ateacute
onde podemos conhececirc-lo ele continua a ser o tipo do
tirano popular mais proacuteximo no fim dos tiranos da
eacutepoca arcaica que dos condottieri do seacutecIV aC ou dos
ldquorevolucionaacuteriosrdquo da eacutepoca heleniacutestica200
Imitador dos Diaacutedocos Agaacutetocles agregaria em uacuteltima
instacircncia tanto os valores do tirano arcaico (devido ao
caraacuteter demagoacutegico de seu governo) quanto os costumes de
recrutamento do tirano claacutessico orientado pelo alistamento
massivo de exilados e mercenaacuterios Isso o torna peculiar
sem duacutevida mas o contexto eacute imperativo para o assunto e
como tal impotildee agrave monarquia adotada por Agaacutetocles um sentido
especialmente heleniacutestico Natildeo resta duacutevida que o
alistamento massivo de profissionais era uma praacutetica de
origens tardo-claacutessicas na Siciacutelia grega da mesma forma o
traccedilo popular dos governos autocraacuteticos remonta agrave eacutepoca
arcaica201 Poreacutem tais peculiaridades encontravam-se
inseridas no contexto de fragmentaccedilatildeo do impeacuterio de
Alexandre fazendo da Siciacutelia como dito anteriormente
parte do projeto de conquista macedocircnica (o que seria
executado obviamente pelos Diaacutedocos) e de Agaacutetocles o
homem capaz de liderar uma inovaccedilatildeo poliacutetica de
caracteriacutesticas heleniacutesticas
199 Claude Mosseacute op cit p 171 Sobre a identificaccedilatildeo de Agaacutetocles
com tiranos arcaicos e tardo-claacutessicos cf Zambon op cit p 77 200 Mosseacute op cit pp 176-177 Grifo nosso
201 Meister CAH 7 pp 409-410
94
Braccesi quase 30 anos apoacutes a publicaccedilatildeo do livro de
Mosseacute mostra-se um pouco mais otimista quanto agrave concretude
da monarquia de Agaacutetocles O contexto de interaccedilatildeo do
siracusano com os generais macedocircnicos aparece com mais
relevacircncia de modo a gerar uma interpretaccedilatildeo histoacuterica
acerca dos problemas de longevidade da basileia
agatocleana A natureza heleniacutestica da monarquia
introduzida na Siciacutelia por Agaacutetocles eacute inquestionaacutevel mas
trata-se no final das contas de uma monarchia mancata202
Recentemente Zambon203 sustentou que Agaacutetocles iniciou
uma mudanccedila constitucional ao introduzir a monarquia de
tipo heleniacutestico em Siracusa e que seu exemplo foi seguido
por diversos governantes posteriores (tais como Phintias
Pirro e Hieratildeo II) Considerado o niacutevel de sistematizaccedilatildeo
desenvolvido por Zambon podemos dizer que a sua
interpretaccedilatildeo soa demasiado otimista forccedilando
propositalmente (pela preservaccedilatildeo do argumento) uma
continuidade exagerada nas mudanccedilas institucionais
siciliotas apoacutes a morte de Agaacutetocles Naquele momento
contudo tentativas de retomada das formas constitucionais
perdidas com a ascensatildeo do monarca emergiram muitas delas
temporariamente bem-sucedidas Em defesa do otimismo
zamboniano podemos apenas dizer com certa razatildeo que o
cenaacuterio poliacutetico siciliota mostrou-se suficientemente
confuso e marcado como recorda Zambon por ldquoguerras civis
sangrentasrdquo bem como por ldquoconsequumlecircncias [soacutecio-econocircmicas]
de campanhas militares exaustivasrdquo e soluccedilotildees poliacuteticas
extremas adotadas pelas poacuteleis que agregavam poder de
lideranccedila na porccedilatildeo leste da ilha204 Diante de tamanha
complexidade e da evidecircncia para o surgimento da monarquia
de tipo heleniacutestico na ilha como parte do conjunto das
202 Braccesi op cit p 110
203 Zambon op cit pp 77-94 Zambon Hellenistic Sicily
204 Zambon Hellenistic Sicily p 267
95
inovaccedilotildees poliacuteticas siciliotas (momentaneamente fracassadas
e posteriormente retomadas) devemos a esta altura nos
perguntar como se deu a introduccedilatildeo da basileia por
Agaacutetocles e em quais aspectos ela representou uma imitatio
Alexandri O primeiro indiacutecio analisado eacute obviamente a
transformaccedilatildeo de ordem poliacutetica que deve ser compreendida
no decorrer da trajetoacuteria de Agaacutetocles cedendo espaccedilo em
seguida para o estudo dos indiacutecios de uma imitatio em
campo taacutetico a partir das tropas que a organizaccedilatildeo social
siciliana disponibilizou no contexto
Em 337 aC apoacutes a morte de Timoleatildeo frente ao
problema da sucessatildeo de um liacuteder que havia pacificado na
medida do possiacutevel a Siciacutelia grega e promovido em larga
escala um verdadeiro tiraniciacutedio diversas tiranias
reapareceram na porccedilatildeo leste da ilha e a ofensiva
cartaginesa novamente gerava resultados preocupantes para
os gregos A democracia siracusana havia sido a esta altura
substituiacuteda por uma oligarquia a qual era liderada por
Sosiacutestrato e Heracleides Com isso a velha guerra civil
retornou com forccedila total colocando cidadatildeos (democratas e
oligarcas) em lados opostos convivendo num grau de
desentendimento que se traduzia no derramamento contiacutenuo de
sangue
Os primeiros anos da vida poliacutetica de Agaacutetocles se
deram no exiacutelio quando o siracusano parece ter aproveitado
a puniccedilatildeo para angariar apoio noutras regiotildees e recrutar o
nuacutemero de mercenaacuterios que seu dinheiro pudesse pagar Apoacutes
o seu retorno a Siracusa em 319 aC jaacute em cenaacuterio
poliacutetico favoraacutevel Agaacutetocles apresentou-se como defensor
da democracia e segundo Diodoro conquistou o apoio
popular por sua abordagem demagoacutegica (δημαγωγήσας) Em
seguida Agaacutetocles teria sido eleito strategos e ldquoguardiatildeo
96
da pazrdquo (φύλαξ τς εἰρήνης)205 Meister e Zambon recordam que um
termo ligeiramente diferente aparece na Marmor Parium (FGrH
239F12) onde eacute sugerida jaacute no iniacutecio uma strategia
autocraacutetica206 o que altera sensivelmente a natureza da
magistratura de Agaacutetocles e sugere nesse caso o uso de
fontes favoraacuteveis ao tirano por Diodoro A strategia
autocraacutetica era um cargo extraordinaacuterio sendo o magistrado
eleito por tempo indeterminado e com objetivos de caraacuteter
urgente No caso em questatildeo a querela entre democratas e
oligarcas deveria ser mais uma vez solucionada mas com o
strategos agrave frente da poliacutetica externa Tratava-se
portanto de ldquouma excelente oportunidade para o golpe de
Estadordquo recorda o historiador italiano Aleacutem disso
Agaacutetocles natildeo era exatamente o homem mais indicado para
coordenar um equiliacutebrio muacutetuo entre as facccedilotildees como a sua
imediata ascensatildeo ao poder absoluto precedida pelo
extermiacutenio dos seus adversaacuterios poliacuteticos foi capaz de
mostrar207 A nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles tenha ela acontecido
nos termos postos por Diodoro ou da forma direta presente
na inscriccedilatildeo sugere uma legalidade no processo o que
dificilmente ocorreu A eleiccedilatildeo era apenas uma ldquopseudo-
legalidade formalrdquo diz Meister208 uma vez que (1) os
adversaacuterios poliacuteticos oligarcas haviam sido assassinados ou
exilados (2) a assembleacuteia era composta basicamente por
entusiastas da nomeaccedilatildeo de Agaacutetocles e (3) um grande nuacutemero
de soldados dava cobertura armada para o golpe Parece
205 Diod 195 Eacute possiacutevel que Diodoro tenha usado neste caso uma
fonte favoraacutevel a Agaacutetocles de modo a alterar as caracteriacutesticas das
primeiras magistraturas que ele assumiu em Siracusa 206 Marmor Parium (FGrH 239F12) ldquoE naquele mesmo ano os siracusanos
escolheram Agaacutetocles como bdquostrategos autocrator‟ das defesas
siciliotasrdquo Meister CAH 7 p 389 Zambon op cit p 78 Marmor
Parium eacute uma famosa inscriccedilatildeo encontrada em Paros datada de 2643
aC e preservada em duas partes podendo ser consultadas
gratuitamente no website do Ashmoelan Museum
(httpwwwashmoleanorg) 207 Meister CAH 7 p 388
208 Meister CAH 7 p 389
97
incorreto portanto falar de uma eleiccedilatildeo livre e legal do
mesmo modo que pressupor uma participaccedilatildeo efetiva da
assembleacuteia nas decisotildees tomadas por Agaacutetocles o que
inviabiliza inclusive a sua interpretaccedilatildeo como ldquotirano
popularrdquo A sua abordagem demagoacutegica posta muitas vezes
numa entonaccedilatildeo positiva por Diodoro funcionava apenas como
princiacutepio ideoloacutegico para a manutenccedilatildeo de um poder
autocraacutetico e opressor em relaccedilatildeo ao funcionamento da
assembleacuteia o qual foi associado como recurso estrateacutegico
de compensaccedilatildeo ao cancelamento de diacutevidas redistribuiccedilatildeo
de terras construccedilatildeo de diversos preacutedios puacuteblicos e
expansatildeo da frota siracusana
De acordo com Zambon209 o primeiro indiacutecio da adoccedilatildeo da
basileia heleniacutestica por Agaacutetocles encontra-se numa accedilatildeo
especiacutefica durante a campanha africana (310-307 aC)
Nesta ocasiatildeo em 309 aC o tirano teria dado indiacutecios de
que pretendia mesmo adotar um novo tipo de realeza em
sintonia com a emergente ideologia advinda do mundo
heleniacutestico Zambon remonta o significante episoacutedio do
motim em Tuacutenis210 quando Agaacutetocles decidiu enfrentar o
problema pessoalmente diante dos soldados Apoacutes vestir uma
toga puacuterpura (τὴν πορφύραν)211 siacutembolo da realeza naquele
tempo Agaacutetocles foi ter com suas tropas rebeldes que
reconheceram seus trajes como roupas reais (τὴν βασιλικὴν
ἐσθτα) adequadas ou pertencentes ao seu comando (τὸν
προσήκοντα κόσμον) Embora seja improvaacutevel que Agaacutetocles
tivesse pensado em se autoproclamar basileu antes mesmo dos
209 Zambon op cit p 80
210 Diod 2034
211 Esta foi a primeira vez em que Agaacutetocles apareceu diante de suas
tropas trajando a toga puacuterpura A toga alaranjada no estilo tarentino
(κροκωτὸν ἐνδὺς) no entanto havia jaacute sido empregada por Agaacutetocles de acordo com informaccedilatildeo registrada em Polieno 53 Na ocasiatildeo Agaacutetocles
convidou quase 500 pessoas (hostis agrave sua autoridade em Siracusa) para
um banquete e momentos apoacutes ter cantado danccedilado e tocado harpa
vestido com sua toga alaranjada no estilo tarentino mandou executar
todos os convidados
98
Diaacutedocos o ponto aqui eacute que Agaacutetocles certamente modificou
a concepccedilatildeo de seu proacuteprio poder durante a campanha
africana e que estava inclinado a atingir uma nova escala
de influecircncia poliacutetica entre seus homens A vitoacuteria sobre
Ophellas vale lembrar um dos antigos Companheiros de
Alexandre certamente influenciou a referida postura
durante a expediccedilatildeo africana
Suporte para a orientaccedilatildeo heleniacutestica de Agaacutetocles pode
ser encontrado tambeacutem numa evidecircncia arqueoloacutegica que tem
se mostrado tatildeo decisiva quanto polecircmica um estater de
ouro de Agaacutetocles com apenas 3 exemplares conhecidos
(fig1)212 A moeda possui no anverso uma cabeccedila com um
escalpo de elefante e o chifre de Amon e no reverso a
imagem de uma Atena ldquomarchanterdquo equipada com elmo escudo
e lanccedila sendo precedida por uma coruja aos seus peacutes ave
frequumlentemente ligada agrave divindade e com a inscriccedilatildeo
AGATHOKLEOS (ldquode Agaacutetoclesrdquo) agraves suas costas Como nos
lembra Stewart o estater de ouro tem sido vinculado agrave
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles desde o seacutecXIX aleacutem de
parecer inquestionaacutevel que se trata de uma imitaccedilatildeo dos
tetradracmas de Ptolomeu especificamente aqueles dos anos
3143 aC (fig2)213 A primeira questatildeo analiacutetica pode ser
sugerida a partir da figura presente no anverso Noutras
palavras de quem seria a cabeccedila representada no estater
Claramente a Atena representada no reverso refere-se a uma
vitoacuteria militar (Athena Nikeacute) e deve tratar do iniacutecio da
expediccedilatildeo africana214 desdobrando-se portanto em algumas
212 Haacute outras evidecircncias para o impacto da expediccedilatildeo asiaacutetica de
Alexandre no mundo mediterracircnico ocidental tais como um vaso
apuliano cujo tema central eacute a batalha de Isso e um retrato no
templo de Melkart em Caacutedis Sobre a repercussatildeo que a anaacutebasis de
Alexandre teve no mundo ocidental antigo consultar Andrew Stewart
Faces of Power Alexander‟s Image and Hellenistic Politics Berkeley
and Los Angeles University of California Press 1993 pp 150-157
263-289 213 Stewart op cit p 266
214 Uma vez que a expediccedilatildeo terminou em fracasso a cunhagem natildeo pode
ter se dado apoacutes 307 aC Aleacutem disso haacute que se considerar uma
99
interpretaccedilotildees possiacuteveis para a cabeccedila em questatildeo trata-
se dizem alguns da personificaccedilatildeo da Aacutefrica Liacutebia ou
Siciacutelia215 ao passo que outros sustentam uma identificaccedilatildeo
com Alexandre ou com o proacuteprio Agaacutetocles216 A mim parece
evidente que se trata de Agaacutetocles representado como
Alexandre pelos seguintes motivos 1) como notaram alguns
estudiosos a personificaccedilatildeo da Aacutefrica da Liacutebia ou mesmo
da Siciacutelia natildeo eacute seguramente documentada ateacute o periacuteodo
romano devendo ainda ser considerado o chifre de Amon e a
fronte masculina como evidecircncias da impossibilidade de uma
representaccedilatildeo feminina217 2) embora natildeo existissem
elefantes no exeacutercito de Agaacutetocles a sua ausecircncia mesmo
entre os cartagineses do periacuteodo de cunhagem do estater
indica que se tratava de algo puramente simboacutelico sem
referecircncia imediata ao exeacutercito do comandante siracusano
mostrando-se portanto como imitaccedilatildeo dos tetradracmas de
Ptolomeu (314-3 aC) como previamente sugerido e
visando em uacuteltima instacircncia o viacutenculo com o impeacuterio de
Alexandre o Grande (filho de Amon) a partir de um dos
siacutembolos poliacutetico-militares mais poderosos dos Diaacutedocos (o
referecircncia em Diod 2011 sobre a primeira vitoacuteria de Agaacutetocles na
Aacutefrica quando os soldados apoiados por corujas (animal ligado agrave
deusa Atena como dito acima) conseguiram derrotar os cartagineses
ldquoao perceber que os seus soldados estavam aterrorizados com o grande
nuacutemero da cavalaria e da infantaria baacuterbaras [Agaacutetocles] soltou
corujas entre o seu exeacutercito as quais ele tinha preparado como meio
de retirar o medo dos soldados comuns as corujas voando atraveacutes da
falange e pousando nos escudos e elmos encorajaram os soldados e
cada homem entendeu o ocorrido como um pressaacutegio uma vez que o
paacutessaro eacute consagrado a Atenardquo A referecircncia soa absurda do ponto de
vista taacutetico mas deve ter sido inspirada por algum evento relacionado
agraves corujas a julgar pelos dados cruzados tanto no estater quanto no
relato do historiador siciliano 215 Kuschel 1961 15 e Goukowsky 1978 207 sugeriram Aacutefrica e Liacutebia
sendo a Siciacutelia tambeacutem sugerida por Goukowsky 1978 356 216 Alexandre parece o mais provaacutevel para os estudiosos como encontrado
em Walther Giesecke (Sicilia numismaacutetica Leipzig K W Hiersemann
1923 P 91) e Ernest Babelon (ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1
95-107 1924 P 102) enquanto Agaacutetocles tem sido sugerido por
exemplo por Erick Sjoumlqvist (ldquoA portrait Head from Morgantina AJA 66
319-322 1962 P 320rdquo) Para um balanccedilo geral das diversas
interpretaccedilotildees cf Stewart op cit pp 266-268 217 Cf Stewart op cit p 268
100
elefante de combate) Pode-se dizer que a imagem faz
referecircncia estrita a Alexandre devido ao chifre de Amon
mas considerando-se cuidadosamente a inscriccedilatildeo no reverso e
o contexto de cunhagem chega-se agrave conclusatildeo de que a
cabeccedila sugere Agaacutetocles representado como Alexandre (o que
anularia inclusive a criacutetica feita por alguns estudiosos
de que a cabeccedila de Agaacutetocles havia sido representada
diferentemente noutras moedas)
101
2 O embate pela preservaccedilatildeo da unificaccedilatildeo
poliacutetica da morte de Agaacutetocles a Pirro do Epiro
Entre 310 aC e 290 aC os tradicionais problemas
siciliotas haviam sido parcialmente controlados por meio da
centralizaccedilatildeo liderada por Agaacutetocles Submetidas ao
controle de Siracusa as poacuteleis da Siciacutelia experimentaram
uma reduccedilatildeo dos conflitos internos que quase sempre
resultavam em stasis (uma vez que natildeo possuiacuteam autonomia
para tanto) e o domiacutenio cartaginecircs manteve-se em boa parte
do tempo restrito agrave porccedilatildeo oeste da ilha (dado o caraacuteter
militarmente ofensivo da poliacutetica externa siracusana) Apoacutes
a morte de Agaacutetocles no entanto com a reconquista da
autonomia das cidades vieram todos os tradicionais
problemas siciliotas somando-se ao novo distuacuterbio
migratoacuterio que os gregos da Siciacutelia tiveram que enfrentar
os mercenaacuterios do exeacutercito do monarca218
De modo similar ao que ocorreu com os macedocircnios a
questatildeo mais delicada na Siciacutelia grega teve relaccedilatildeo com a
sucessatildeo do rei (heleniacutestico) Uma diferenccedila todavia deve
ser notada no caso siciliota os paracircmetros sucessoacuterios
nunca foram muito claros ou mesmo respeitados ainda que a
tendecircncia natural fosse a delegaccedilatildeo do poder real aos
filhos do monarca em exerciacutecio Nos uacuteltimos anos de sua
vida Agaacutetocles havia confiado o controle dos exeacutercitos a
Archagathus neto do rei e filho do tambeacutem nomeado
Archagathus ex-combatente morto na Liacutebia219 De acordo com
218 Para os problemas gerados pelos mercenaacuterios de Agaacutetocles apoacutes a sua
morte consultar Gianluca Tagliamonte ldquoRapporti tra societagrave di
immigrazione e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo
aCrdquo In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti Del
XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna Grecia Taranto
1999 PP 547-572 219 Diod 2116 Justino 232 Para uma distinccedilatildeo entre ambos ver
Niese ldquoArchagatusrdquo in RE 21 432-433 1895
102
Diodoro220 o plano de Agaacutetocles era que seu filho
Agaacutetocles juacutenior se tornasse o sucessor legiacutetimo tendo
com esse propoacutesito apresentado o jovem em Siracusa e o
enviado a Etna com uma carta de autorizaccedilatildeo para o comando
supremo das tropas Ao saber da deliberaccedilatildeo do rei
Archagathus teria decidido levar adiante um plano de
usurpaccedilatildeo Como primeira medida instigaria Menon um dos
amigos (philoi) de Agaacutetocles a envenenar o rei enquanto o
proacuteprio strategos levaria a cabo o assassinato do priacutencipe
apoacutes embebedaacute-lo durante uma festa organizada com esse
objetivo
Se aceitarmos o relato diodoreano a conclusatildeo imediata
eacute que Agaacutetocles desejava manter unidas strategia e
basileia no intuito de assegurar hereditariamente a
concentraccedilatildeo dos poderes poliacutetico e militar nas matildeos de um
soacute homem221 Ao seguir o formato monaacuterquico heleniacutestico
Agaacutetocles teria concedido plenos poderes poliacuteticos ao
general e ao mesmo tempo autoridade sobre os exeacutercitos ao
rei
Haacute contudo uma explicaccedilatildeo alternativa para a sucessatildeo
em Justino a qual natildeo pode ser negligenciada pelos
historiadores ldquoconforme a sua vida esvaiacutea uma guerra
nasceu entre seu filho e seu neto pelo direito agrave sucessatildeo
do reino como se ele jaacute estivesse morto apoacutes eliminar o
filho o neto tomou posse do poder reacutegiordquo222 De acordo com
Justino tanto Agaacutetocles juacutenior quanto Archagathus ao que
parece ainda no comando de consideraacutevel parte do exeacutercito
natildeo teriam sido escolhidos para suceder o rei Ao narrar
que Agaacutetocles teria enviado sua esposa ao Egito os dois
filhos que tivera com ela juntamente com seu tesouro
220 Diod 2116
221 Zambon Hellenistic Sicily pp19-20
222 Justino 232 Ex qua desperatione bellum inter filium nepotemque
eius regnum iam quasi mortui vindicantibus oritur occiso filio regnum
nepos occupavit
103
servos e mobiacutelia real Justino torna claro que o rei natildeo
havia pensado em nenhum dos rebeldes (filho e neto) como
seu sucessor legiacutetimo e que o conflito ter-se-ia iniciado
devido ao seu estado fraacutegil de sauacutede causado por uma
repentina e fatal doenccedila
Por uacuteltimo somente Diodoro menciona que Agaacutetocles
apoacutes ter sido envenenado por Menon a mando de Archagathus
ldquoconvocou a populaccedilatildeo denunciou Archagathus por sua
impiedade instigou a multidatildeo a se vingar e declarou que
devolveu a democracia ao corpo de cidadatildeosrdquo223 Certamente
o que verificamos logo apoacutes a morte de Agaacutetocles eacute a
retomada do governo proacuteprio de Siracusa que muito em breve
entraria em colapso para dar lugar a mais uma guerra civil
Diodoro224 menciona um evento importante sobre os soldados
pagos de Agaacutetocles chamados mamertinos225 os quais foram
obrigados apoacutes longa negociaccedilatildeo mediada pelos anciatildeos (οἱ
πρεσβῦται) a vender as suas propriedades e deixar a Siciacutelia
(τὰς ἑαυτν κτήσεις ἀποδομένους ἀπελθεῖν ἐκ Σικελίας)
Se aceitarmos o uacutenico fato em comum nos dois relatos
preservados sobre a sucessatildeo de Agaacutetocles isto eacute a luta
entre filho e neto pelo poder reacutegio haacute talvez uma forma de
unificar as divergecircncias nos testemunhos de Diodoro e
Justino Mesmo que Agaacutetocles natildeo tivesse escolhido seu
filho como sucessor podemos supor que o mesmo possuiacutea
direito ao trono uma vez que Archagathus o combateu com o
intuito de eliminaacute-lo da contenda sucessoacuteria226
Archagathus por outro lado possuiacutea o controle de boa
223 Diod 2116 [] ἐκκλησιάσας τὸν λαὸν κατηγόρησε τς ἀσεβείας Ἀρχαγάθου καὶ τὰ
μὲν πλήθη παρώξυνε πρὸς τὴν ατοῦ τιμωρίαν τῶ δὲ δήμῳ τὴν δημοκρατίαν ἔφησεν ἀποδιδόναι 224 Diod 2118
225 Diodoro 2118 nos informa que a cidade chamava-se Mamertina apoacutes
Ares que era conhecido ali pelo nome de Mamertos 226 Consolo Langher pp 320-321 tenta unificar as divergecircncias nos dois
relatos de modo muito similar exceto pelo fato de que toma como
incontestaacutevel a indicaccedilatildeo diodoreana com relaccedilatildeo agrave escolha do sucessor
e posterior revolta paterna diante da morte de seu primogecircnito O
problema aqui eacute a exclusatildeo intencional do que nos informa Justino que
natildeo faz qualquer menccedilatildeo agrave escolha de um sucessor por Agaacutetocles
104
parte dos exeacutercitos como atestado em ambas as fontes o
que lhe dava condiccedilotildees de reclamar o trono Se por um
lado Agaacutetocles natildeo escolheu seu filho como sucessor como
nos faz crer Justino por outro o rei natildeo desejava deixar
a heranccedila ao seu neto como nos indica tanto o despacho dos
seus tesouros ao Egito apoacutes a morte de Agaacutetocles juacutenior em
Justino227 como a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos
siracusanos instantes antes de sua morte em Diodoro228
Apesar da divergecircncia quanto agrave escolha sucessoacuteria para
a qual proponho a soluccedilatildeo apresentada229 os testemunhos de
Diodoro e Justino preservam algo muito interessante tendo
Agaacutetocles escolhido seu filho como herdeiro o que teria
provocado os planos de usurpaccedilatildeo do neto e a consequumlente
luta pelo trono ou tendo filho e neto lutado pela sucessatildeo
sem o consentimento do rei do que resultou a morte do
filho e a hostilidade de Agaacutetocles para com Archagathus
parece incontornaacutevel o fato de que a manutenccedilatildeo da uniatildeo
entre strategia e basileia tenha sido um dos motores do
conflito As monarquias sicilianas posteriores do mesmo
modo tenderatildeo a manter o formato inaugurado por Agaacutetocles
ora baseando-se no esquema de incorporaccedilatildeo definitiva da
strategia compulsoacuteria agrave esfera do poder monaacuterquico ora
desdobrando a monarquia de tipo heleniacutestico da strategia
autocraacutetica
227 Justino 232
228 Diod 2116
229 Consolo Langher p 321 e Zambon Hellenistic Sicily p 25
propuseram algo no mesmo sentido particularmente quanto agraves
providecircncias do rei para evitar que seu neto tomasse o poder Tal
interpretaccedilatildeo contraria abertamente a proposta de Helmut Berve op
cit que via a devoluccedilatildeo do governo proacuteprio aos siracusanos por
Agaacutetocles como reconhecimento do fracasso institucional da basileia na
Siciacutelia
105
3 Pirro e o problema da monarquia heleniacutestica230
Semelhante a Alexandre ldquoem aparecircncia velocidade e
movimentordquo231 Pirro tomou um caminho diferente daquele
assumido por Agaacutetocles Como o rei do Epiro clamava ser
descendente de Aquiles optou por se apresentar como a
proacutepria reencarnaccedilatildeo de Alexandre ao inveacutes de explorar a
memoacuteria do rei por exemplo por meio de cunhagem poacutestuma
(o que havia sido feito por Agaacuteocles)232 Diferentemente dos
planos de unificaccedilatildeo poliacutetica e cultural concebidos por
Alexandre a atuaccedilatildeo de Pirro findou por ser a de lideranccedila
em questotildees essencialmente praacuteticas na vida dos italiotas e
siciliotas Inicialmente apoacutes fracassar nos embates contra
Lisiacutemaco que havia subornado os macedocircnios de seu exeacutercito
ao questionar a quem deveriam ser leais se aos amigos e
companheiros de Alexandre ou ao estrangeiro que acolheram
como rei233 Pirro tomou o pedido de auxiacutelio dos tarentinos
em 281 aC (passados os quatro anos que Leacutevecircque Pirro
entende terem sido um ldquoperiacuteodo de reflexatildeordquo234) como a sua
melhor chance de realizar a conquista do ocidente com a
qual Alexandre havia provavelmente sonhado algumas deacutecadas
antes e concretizar uma monarquia de tipo heleniacutestico
O diaacutelogo entre Pirro e Cineas diplomata de origem
tessaacutelia a serviccedilo do rei ilustra claramente as intenccedilotildees
do epirota em se tornar um monarca de tipo heleniacutestico
(considerando como veremos a seguir que a monarquia
epirota era de um tipo peculiar permanecendo o rei
submetido agrave fiscalizaccedilatildeo constante dos molossianos) a
230 Leacutevecircque Pirro Zambon Hellenistic Sicily pp 97-175
231 Plut Pirro 81
232 Stewart (op cit p284) lembra que as suas moedas traziam imagens
de Aquiles Teacutetis Dione e Zeus 233 Plut Pirro 126 Leacutevecircque Pirro p 166 Leacutevecircque Pirro calcula
somente 3 anos para o governo da Macedocircnia e 2 anos para o governo da
Tessaacutelia antes de o epirota sofrer a derrota para Lisiacutemaco 234 Leacutevecircque Pirro p 168
106
reencarnaccedilatildeo de Alexandre em proporccedilotildees similares de
conquista
bdquoOs romanos oacute Pirro satildeo conhecidos como bons
combatentes e como governantes de muitos povos
belicosos se entatildeo a divindade nos permitir
prevalecer sobre esses homens como deveriacuteamos usar a
nossa vitoacuteria‟ E Pirro disse bdquoa questatildeo oacute Cineas
realmente natildeo necessita de resposta uma vez
conquistados os romanos natildeo haacute nem baacuterbaros nem gregos
que sejam paacutereo para noacutes mas noacutes devemos dominar de
uma vez toda a Itaacutelia cuja grandeza (μέγεθος) excelecircncia (ἀρετὴν) e forccedila (δύναμιν) nenhum homem conhece melhor que vocecirc‟ Apoacutes uma pequena pausa entatildeo Cineas
disse bdquoapoacutes tomar a Itaacutelia oacute Rei o que noacutes iremos
fazer‟ E Pirro sem perceber ainda a sua intenccedilatildeo
respondeu bdquoa Siciacutelia estaacute ao nosso alcance e estende-
nos as matildeos sendo uma ilha rica e populosa bem como
faacutecil de capturar pois tudo laacute oacute Cineas se resume a
stasis (στάσις γὰρ ὦ Κινέα πάντα νῦν ἐκεῖ[να]) suas cidades estatildeo anaacuterquicas (ἀναρχία πόλεων) e os demagogos agitados com Agaacutetocles morto (καὶ δημαγωγν ὀξύτης Ἀγαθοκλέους ἐκλελοιπότος)‟ bdquoO que vocecirc fala‟ respondeu Cineas bdquoparece oportuno
mas a nossa expediccedilatildeo iraacute se encerrar com a tomada da
Siciacutelia‟ bdquoA divindade‟ disse Pirro bdquonos concederaacute a
vitoacuteria e o sucesso da empreitada essas disputas seratildeo
usadas como preliminares de feitos grandiosos
(πραγμάτων μεγάλων) Ora quem se absteria da Liacutebia ou de Cartago tendo a cidade se tornado acessiacutevel uma
cidade que Agaacutetocles ao fugir de Siracusa secretamente
e cruzar o mar com poucas embarcaccedilotildees por pouco natildeo
conquistou E quando noacutes tivermos ali nos tornado
senhores nenhum dos inimigos que agora nos insultam
ofereceraacute resistecircncia eacute desnecessaacuterio dizer isso‟ 235
O rei do Epiro foi capaz de vencer duas batalhas (as
famosas ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo) que analisarei em maiores
detalhes mais agrave frente neste capiacutetulo e entatildeo partiu para
a Siciacutelia como o homem capaz de substituir Agaacutetocles na
luta contra os cartagineses No momento da travessia de
Pirro para a Siciacutelia a porccedilatildeo nordeste da ilha encontrava-
se sob lideranccedila dos mamertinos que apoacutes terem eliminado
os cidadatildeos de Messina assumiram o controle da cidade Com
235 Plut Pirro 142-5 Cf Chaniotis WHW p 57
107
a morte de Agaacutetocles e a ausecircncia de um sucessor imediato
que pudesse manter-se no poder de forma legiacutetima ou mesmo
suprimir os violentos embates civis de Siracusa (Hicetas
foi capaz de derrotar Menon e Phintias de Acragas mas natildeo
de sobreviver aos conflitos internos apoacutes nove anos de
tirania)236 o avanccedilo cartaginecircs tornou-se inevitaacutevel
somando-se ao fato de que as cidades gregas independentes
(tais como Tauromenium e Acragas) mostraram-se mais
preocupadas com a tributaccedilatildeo imposta pelos mamertinos do
que propriamente com a investida comandada por Cartago Tal
preocupaccedilatildeo natildeo era descabida A sua independecircncia estava
novamente ameaccedilada agora por soldados do antigo monarca
os quais haviam estabelecido uma alianccedila com os
cartagineses no intuito de barrar a travessia de Pirro
como nos informa Diodoro
Os mamertinos que massacraram os habitantes de
Messina estabeleceram uma alianccedila com os cartagineses
e decidiram juntos impedir a travessia de Pirro para a
Siciacutelia237
Pirro desfrutava de excelente reputaccedilatildeo entre os
siciliotas particularmente com os siracusanos (a esta
altura sitiados pelos cartagineses) devido agrave sua
experiecircncia militar na Peniacutensula ao longo de mais de dois
anos e havia decidido partir para a Siciacutelia como
libertador dos gregos O fracasso nas negociaccedilotildees de paz
com os romanos e os constantes apelos de Siracusa eram
elementos que precisavam ser ajustados quisesse o rei
partir para a Siciacutelia sem expor a sua retaguarda ao
provaacutevel avanccedilo das legiotildees na Magna Greacutecia e ainda contar
com o apoio logiacutestico das cidades siciliotas
236 Hicetas foi substituiacutedo por Thoenon (Ortiacutegia) e Sosiacutestrato
(Siracusa) ambos entusiastas da vinda de Pirro para a Siciacutelia
segundo Diod 227 237 Diod 227 Ὅτι Μαμερτῖνοι οἱ Μεσσηνίους δολοφονήσαντες συμμαχίαν μετὰ
Καρχηδονίων ποιήσαντες ἔκριναν κοινῆ διακωλύειν Πύρρον τὴν εἰς Σικελίαν διάβασιν
108
Este uacuteltimo cuidado o uacutenico que pocircde ser devidamente
acertado por Pirro dizia respeito agrave certeza do suporte
dado pelas cidades siciliotas e devia-se ao fato de Pirro
contar com exeacutercito reduzido no momento da travessia
Apiano relata que ldquoapoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia
com seus elefantes e oito mil cavaleirosrdquo (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ
τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων καὶ ὀκτακισχιλίων ἱππέων)238 O
fato de o texto natildeo mencionar tropas de infantaria seria
algo desconcertante natildeo fosse a natureza fragmentada da
obra de Apiano Como nos lembra Leacutevecircque nos dias de hoje
costuma-se aceitar o que foi proposto em 1853 por
Niebuhr239 isto eacute que o fragmento natildeo conservou nem a
referecircncia aos pezoi apoacutes a contagem dos oito mil nem a
numeraccedilatildeo dos cavaleiros antes de ἱππέων240 Assim o trecho
original seria apoacutes isso Pirro navegou para a Siciacutelia com
seus elefantes oito mil soldados de infantaria e [vacat]
cavaleiros (ὁ μὲν δὴ Πύρρος ἐπὶ τούτοις ἐς Σικελίαν διέπλει μετά τε τν ἐλεφάντων
καὶ ὀκτακισχιλίων πεζν καὶ [vacat] ἱππέων) Exeacutercito reduzido como
se vecirc e que necessitava dos contingentes siciliotas para a
expediccedilatildeo contra os cartagineses
Na Siciacutelia o trabalho diplomaacutetico de Cineas mostrou-se
decisivo Plutarco nos informa que Pirro o enviou de
imediato para tratar preliminarmente como de costume com
as poacuteleis (μὲν εθὺς ἐξέπεμψε προδιαλεξόμενον ὥσπερ εἰώθει ταῖς πόλεσιν)
enquanto o rei movia-se com seu exeacutercito para Tarentum
cujos habitantes apesar da insatisfaccedilatildeo com a guarniccedilatildeo de
Pirro nada puderam fazer a respeito241 O fato de Tyndarium
de Tauromenium por exemplo ter assegurado a travessia e
feito os preparativos para receber as tropas de Pirro na
cidade eacute emblemaacutetico
238 Apiano Samn 116 Cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di Pirro in
Siciliardquo Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980 239 Barthold G Niebuhr Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer 1853
240 Leacutevecircque Pirro pp 455-456 Zambon Hellenistic Sicily p101
241 Plut Pirro 224
109
Levando-se em consideraccedilatildeo as condiccedilotildees para a
expediccedilatildeo siciliana podemos jaacute nos perguntar qual era a
natureza de sua monarquia e do tiacutetulo que lhe foi conferido
na Siciacutelia Tratava-se uma monarquia de tipo heleniacutestico
estendida ao territoacuterio siciliota
Haacute duas passagens nas fontes sobre a natureza da
relaccedilatildeo estabelecida entre Pirro e os gregos da Siciacutelia
uma em Poliacutebio e outra em Justino A primeira delas diz
respeito agrave tentativa de assegurar a legitimidade do governo
de Hierocircnimo em 213 aC por ser o tirano neto do rei
Pirro ldquoo uacutenico que todos os siciliotas aceitaram por
preferecircncia e com benevolecircncia como hegemon e reirdquo242 A
segunda delas faz menccedilatildeo a dois tiacutetulos reacutegios Pirro
ldquoapoacutes sua chegada em Siracusa foi designado rei da Siciacutelia
e rei do Epirordquo243 Como trataacute-las de forma plausiacutevel
Alguns historiadores sugeriram que o tiacutetulo de hegemon
na Siciacutelia era equivalente ao de Filipe II especialmente
no que se refere ao tratamento dado agraves poacuteleis Portanto a
alianccedila dos gregos da Siciacutelia com Pirro teria a mesma
natureza da Liga de Corinto isto eacute ambas teriam surgido
de uma pressatildeo poliacutetica externa capaz de subjugar as
cidades e de fazecirc-las integrar forccedilosamente um acordo com o
monarca estrangeiro244 Haacute somente um problema com esta
interpretaccedilatildeo que a compromete seriamente os siciliotas
natildeo haviam sido subjugados por Pirro quando prepararam a
sua recepccedilatildeo na porccedilatildeo leste da Siciacutelia da mesma forma que
natildeo sofreram qualquer pressatildeo poliacutetica preacutevia como nos
indicam as fontes previamente analisadas Tratava-se de um
projeto poliacutetico livremente aceito pelos gregos
242 Polib 74 μόνον κατὰ προαίρεσιν καὶ κατ εὔνοιαν Σικελιται πάντες εδόκησαν σφν
ατν ἡγεμόν εἶναι καὶ βασιλέα 243 Justino 233 cum Syracusas venisset rex Siciliae sicut Epiri
appellatur 244 Ioannes Vartsos ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in Siciliardquo
Kokalos 16 89-97 1970
110
De acordo com Leacutevecircque Pirro era em primeiro lugar
hegemon de um koinon que se formou contra o inimigo
cartaginecircs assim como basileu ao estilo ldquohelecircnicordquo
tiacutetulos jaacute haacute muito tradicionais no mundo grego mas desta
vez ao contraacuterio do que aconteceu com Dioniacutesio e
Agaacutetocles os tiacutetulos foram concedidos ldquopela vontade
unacircnime de seus novos suacuteditosrdquo245
Leacutevecircque e Zambon recordam com razatildeo que os siciliotas
formaram sob o comando do rei do Epiro um reino da
Siciacutelia uma unidade poliacutetica criada para combater a ameaccedila
cartaginesa com a morte de Agaacutetocles Leacutevecircque eacute ainda
bastante otimista quanto agraves novas possibilidades
documentais que confirmariam algo nesse sentido apostando
numa possiacutevel descoberta de evidecircncias epigraacuteficas
reveladoras a esse respeito
O problema emerge quando Pirro que pode ser
considerado tanto rei do Epiro quanto rei da Siciacutelia
separadamente planejou unificar ambos os reinos e trataacute-
los ao modo heleniacutestico o que natildeo seria admitido nem entre
os molossianos que mantinham certo controle sobre a figura
do rei (a exemplo da cunhagem das moedas que foi aos
poucos sendo conquistada por Pirro) nem entre os
siciliotas (que no final da expediccedilatildeo enxergaram em seu
liacuteder um tirano) para quem Pirro era basileu com funccedilotildees
restritas de hegemon Pode-se dizer que os siciliotas
concederam a Pirro o poder de um monarca ldquohelecircnicordquo ao
passo que o epirota tentou se comportar como um monarca
ldquoheleniacutesticordquo postura que lhe rendeu da mesma forma que a
Agaacutetocles a classificaccedilatildeo negativa (tiacutepica do periacuteodo) de
ldquotiranordquo
245 Leacutevecircque Pirro p 462
111
4 Agaacutetocles Pirro e a imitatio Alexandri em
campo de batalha
41 A expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
Poliacutebio relata que Cipiatildeo o Africano responsaacutevel pela
reviravolta na Segunda Guerra Puacutenica ao inverter a
estrateacutegia de Aniacutebal Barca levando assim a guerra da
Itaacutelia para a Aacutefrica julgando que as cidades africanas natildeo
teriam condiccedilotildees logiacutesticas para suportar a investida
respondeu quando lhe perguntaram quais eram os maiores
estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e
Dioniacutesiordquo246 Essa resposta se veriacutedica jaacute bastaria para
argumentar que Agaacutetocles embora natildeo tenha sido bem-
sucedido em sua expediccedilatildeo africana era de fato um grande
estadista simplesmente por ter ascendido ao poder em
Siracusa amparado por sua riqueza (que lhe permitiu
recrutar mercenaacuterios) e eloquumlecircncia bem como adotado uma
estrateacutegia ofensiva contra os cartagineses a qual marcaraacute
profundamente a histoacuteria militar do mundo antigo
particularmente a decisatildeo de Cipiatildeo o Africano Embora
fracassada a uacutenica expediccedilatildeo grega em territoacuterio africano
serviu igualmente para ilustrar que Agaacutetocles mesmo antes
de se proclamar basileu havia possivelmente conduzido uma
imitatio Alexandri em campo de batalha Como argumentarei
em seguida ao retomar uma pista lanccedilada por Griffith em
1935 e que parece ter sido deixada de lado pela
historiografia talvez por seu otimismo excessivo poderei
argumentar a favor do uso de grupamentos taacuteticos em moldes
heleniacutesticos durante a expediccedilatildeo africana momentos antes
da autoproclamaccedilatildeo monaacuterquica do comandante siracusano
Antes disto contudo torna-se necessaacuterio precisar o
contexto de tal expediccedilatildeo
246 Polib 1535
112
Agaacutetocles estava provavelmente sem esperanccedilas de
receber auxiacutelio diante da ofensiva cartaginesa na ilha uma
vez que os poderes orientais natildeo haviam manifestado
interesse imediato nas questotildees do ocidente heleniacutestico
Diante disso bem como da presenccedila do inimigo Agaacutetocles
decidiu inverter a estrateacutegia e assolar o territoacuterio
africano numa estrateacutegia de ousadia sem precedentes para
os siciliotas apostando no apoio que poderia obter dos
liacutebios e no ldquoesfriamentordquo do espiacuterito combativo dos
cartagineses que ao depositarem a responsabilidade da
defesa de sua cidade nas matildeos de mercenaacuterios (estando os
mesmos ocupados em Siracusa) teriam perdido qualquer
possibilidade de aquisiccedilatildeo de experiecircncia militar e ldquoardor
combativordquo Os soldados cartagineses que viviam
luxuosamente numa paz prolongada (τετρυφηκότας ἐν εἰρήνῃ
πολυχρονίῳ) portanto sem qualquer experiecircncia nos perigos
da batalha seriam facilmente derrotados como nos lembra
Diodoro ldquopor aqueles que haviam sido treinados na escola
do perigordquo (πὸ τν ἐνηθληκότων τοῖς δεινοῖς)247 Agaacutetocles entatildeo
reuniu cerca de 13500 mercenaacuterios preparou 60 embarcaccedilotildees
e aguardou um momento de distraccedilatildeo dos cartagineses para
navegar rumo ao norte da Aacutefrica provavelmente sem informar
os seus homens de seu plano Apoacutes uma semana de viagem o
siracusano desembarcou com as tropas num lugar a 110 km de
Cartago e decidiu atear fogo agraves embarcaccedilotildees por que natildeo
queria dividir as suas forccedilas (deixando um destacamento
para vigiar a frota estacionada) ou talvez como reforccedilo
psicoloacutegico para o objetivo final da empreitada deixar a
regiatildeo com os cartagineses subjugados tendo para isso o
apoio das divindades (Demeacuteter e Kore as divindades
patronas da Siciacutelia a quem Agaacutetocles havia oferecido o
ldquosacrifiacutecio dos naviosrdquo) Durante a sua marcha para
Cartago o exeacutercito deparou-se com regiotildees bastante
247 Diod 203 Meister CAH 7 p 394
113
feacuterteis tendo tomado por assalto as cidades de Megaloacutepolis
e Tuacutenis Em seguida os mercenaacuterios montaram acampamento
proacuteximo a Cartago onde aguardaram o embate decisivo com o
exeacutercito cartaginecircs na ocasiatildeo formado por seus proacuteprios
cidadatildeos
Apavorados e sem experiecircncia os cartagineses sofreram
uma derrota terriacutevel como analisarei no proacuteximo item
dando liberdade para o saque de diversas cidades (a exemplo
de Neapolis) pelos mercenaacuterios e para o estabelecimento de
uma alianccedila com Elimas rei dos liacutebios Durante a investida
na costa leste da atual Tuniacutesia os cartagineses tentaram
um contra-ataque apostando no corte das linhas de
abastecimento de Neapolis e na reaproximaccedilatildeo com os liacutebios
o que para azar de Agaacutetocles desdobrou-se na traiccedilatildeo de
Elimas248 O siracusano no entanto apressou-se no retorno
a Tuacutenis e conseguiu lidar com a situaccedilatildeo de forma
satisfatoacuteria para o sucesso inicial da expediccedilatildeo Mais de
2000 cartagineses foram mortos e o traidor o rei Elimas
executado como exemplo Esta foi a primeira fase da
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles seguida por uma seacuterie de
eventos que colocaratildeo fim agraves esperanccedilas de submissatildeo do
norte da Aacutefrica pelos gregos
De modo geral considera-se o periacuteodo posterior a 309
aC como sendo o de fracasso progressivo da expediccedilatildeo
Agaacutetocles enfrentaraacute motins entre seus homens e resolvecirc-
los-aacute com eficiecircncia249 Em seguida apoacutes uma extensatildeo da
guerra mais ao interior e a incorporaccedilatildeo do exeacutercito de
Ophellas de Cirene250 o siracusano tomou a guerra entre
cartagineses e numiacutedios como momento favoraacutevel para a
intensificaccedilatildeo da ofensiva Mas ele natildeo foi capaz de manter
o seu exeacutercito unido durante o seu retorno forccedilado a
248 P Oxyrhynchus 2399 Meister CAH 7 p 396
249 Diod 2033-34
250 Episoacutedio analisado no iniacutecio deste capiacutetulo
114
Siciacutelia Com Agaacutetocles de volta a Siracusa Arcagathus
deixado no comando das tropas de seu pai fracassou diante
dos cartagineses e perdeu boa parte do exeacutercito de
Agaacutetocles tentando sem sucesso recobraacute-lo em Tuacutenis A
uacuteltima esperanccedila de Agaacutetocles era induzir os cartagineses a
uma batalha decisiva contra os homens que havia trazido da
Siciacutelia mas eles aprenderam a liccedilatildeo um pouco antes
Permaneceram em seus fortes aguardando que o exeacutercito
mercenaacuterio grego se desfizesse em discoacuterdia ou tentasse um
ataque desesperado Apoacutes uma batalha mal sucedida
Agaacutetocles se viu novamente obrigado a deixar os seus planos
na Aacutefrica mas desta vez sem alimentar quaisquer
expectativas de retorno Para selar a desgraccedila final ao
perceber que natildeo dispunha de embarcaccedilotildees suficientes para
todo o exeacutercito o comandante siracusano optou por deixar o
continente africano secretamente251
251 Meister CAH 7 p 400
115
411 O exeacutercito de Agaacutetocles
Em primeiro lugar uma diferenccedila baacutesica deve ser
esclarecida quanto ao uso dos mercenaacuterios por Siracusa e
pelos chamados ldquotiranos siciliotasrdquo Os uacuteltimos natildeo
poderiam eacute claro contar com o suporte de tropas ciacutevicas
(ao menos com a maioria delas) uma vez que seus propoacutesitos
eram quase sempre inconstitucionais252 Da mesma forma a
cidade siciliota natildeo poderia contar unicamente com
soldados-cidadatildeos por trecircs motivos (1) a guerra contra os
cartagineses natildeo ocorria em caraacuteter sazonal jaacute que os
cartagineses empregavam mercenaacuterios em larga escala na
Siciacutelia (2) quando a cidade reagia ao poder militar de um
tirano precisava fazecirc-lo numa loacutegica semelhante agrave
periodicidade do combate contra os cartagineses e (3) o
exeacutercito altamente flexiacutevel dos tiranos constituiacutea uma arma
muito superior aos exeacutercitos ciacutevicos mal treinados Temos
entatildeo um ponto comum entre a poacutelis e os tiranos isto eacute o
uso de mercenaacuterios em larga escala por ambos mas esta
identificaccedilatildeo no estatuto de parte dos soldados recrutados
natildeo leva ao recrutamento de tropas mercenaacuterias com funccedilotildees
taacuteticas idecircnticas De fato ao passo que os democratas
confiavam basicamente nos mercenaacuterios de procedecircncia grega
os tiranos mostravam-se verdadeiros entusiastas do
ldquomercenariato sem fronteiras eacutetnicasrdquo provavelmente por
conta do sentimento de hostilidade agrave cidadania253 O uso
constante de tais tropas combinado agrave lideranccedila de um
general experiente (o que Cartago natildeo foi capaz de
fornecer como veremos no proacuteximo capiacutetulo) resultou na
porccedilatildeo grega da Siciacutelia no desenvolvimento de uma tradiccedilatildeo
militar peculiar atualizada do ponto de vista taacutetico e
252 Vendo o roacutetulo da tirania no seacutecIII aC como pertencente aos
politicos que desdobraram seu poder de uma situaccedilatildeo inconstitucional
(strategia autocraacutetica compulsoacuteria na maior parte das vezes) 253 Argumento desenvolvido por Duncan Head Armies of the Macedonian
and Punic Wars organization tactics dress and weapons Sussex
Wargames Research Group Publication 1982 P10
116
favoraacutevel sob a autoridade de um poliacutetico em sintonia com
o mundo heleniacutestico agraves inovaccedilotildees de natureza
institucional
Em 310 aC Agaacutetocles contava com 13500 mercenaacuterios
para a sua expediccedilatildeo africana dos quais contamos 1000
hoplitas 3000 gregos (distintos dos primeiros por que natildeo
integravam a guarda pessoal do siracusano) 3500
siracusanos 2500 soldados de infantaria de origem incerta
(talvez aliados sicilianos natildeo-gregos) 3000 mercenaacuterios
samnitas etruscos e celtas 500 arqueiros e fundeiros254
A
ausecircncia das referecircncias agrave cavalaria provavelmente indica a
esperanccedila de Agaacutetocles em recrutar cavaleiros localmente
assim que chegasse ao norte da Aacutefrica Passados os dois
primeiros anos da expediccedilatildeo Agaacutetocles pocircde dobrar as suas
forccedilas tendo incorporado o exeacutercito de Ophellas Amparados
por essa informaccedilatildeo em Diodoro podemos seguramente dizer
que a forccedila militar de Agaacutetocles passou a contar tambeacutem com
10000 soldados de infantaria 600 cavaleiros 100 carros
de guerra e 300 homens para lutar ao lado de tais carros255
As funccedilotildees ou origens eacutetnicas dos homens de Ophellas satildeo
incertas mas Agaacutetocles natildeo deve ter sido capaz de mantecirc-
los sob seu comando a julgar pelos nuacutemeros que Diodoro nos
apresenta para o ano de 307 aC apoacutes o siracusano ter
recebido reforccedilos da Siciacutelia Entre os ldquosobreviventesrdquo
Agaacutetocles contava com somente 6000 gregos 6000 samnitas
etruscos e celtas e 1500 cavaleiros256 Por uacuteltimo ainda
que Agaacutetocles tenha adquirido reforccedilos liacutebios os mesmos
natildeo se mantiveram leais ao tirano transferindo-se no final
das contas para o domiacutenio cartaginecircs
254 Diod 2011 Obviamente Diodoro aqui confunde unidades eacutetnicas com
unidades taacuteticas Cf Griffith pp 198-202 255 Diod 2041 256 Diod 2064
117
412 Agaacutetocles general como Alexandre
Em 1935 Griffith havia jaacute se posicionado a favor de
uma imitatio Alexandri por Agaacutetocles em campo de batalha257
Para ele as taacuteticas e formaccedilotildees usadas pelo siracusano
eram ocasionalmente reminiscentes daquelas empregadas por
Alexandre Em primeiro lugar apesar de lamentar a ausecircncia
de um relato preciso das campanhas de Agaacutetocles Griffith
pontua a existecircncia ao menos na Aacutefrica de um ldquobatalhatildeo de
infantaria especialmente forterdquo em nuacutemero de 1000 o
qual de acordo com o historiador corresponderia grosso
modo aos hipaspistai de Alexandre Em segundo lugar as
taacuteticas adotadas por Agaacutetocles na mesma batalha contra os
carros de guerra cartagineses corresponderiam exatamente ao
que Alexandre havia feito em Gaugamela contra Dario A
interpretaccedilatildeo das manobras siracusanas como adaptaccedilatildeo das
taacuteticas macedocircnicas poderia ser combatida pela carecircncia de
evidecircncias mais concretas mas a sua coincidecircncia com o
emprego de uma guarda pessoal a qual estava provavelmente
baseada no sistema de funcionamento taacutetico dos hipaspistai
de Alexandre fortalece o argumento A chave para a segunda
parte encontra-se portanto na defesa dos 1000 homens que
compunham a τς θεραπείας258 como uma versatildeo siciliota (ao
menos na expediccedilatildeo africana) dos hipaspistai de Alexandre
Diodoro faz referecircncia agrave existecircncia de um exeacutercito
(aparentemente regular) em Siracusa o qual teria sido
entregue a Hicetas eleito o novo strategos pelos
siracusanos com os problemas sucessoacuterios advindos da morte
de Agaacutetocles259 Tal evidecircncia como recorda Zambon indica
que Agaacutetocles natildeo havia deixado o poder sem um exeacutercito que
lhe fosse fiel e que o mesmo fora usado por Hicetas contra
257 Griffith pp 200-201
258 Literalmente ldquoguarda pessoalrdquo de Agaacutetocles como aparece em Diod
2011 259 Diod 2118
118
Menon260 Mas que exeacutercito era esse Qual era a sua
composiccedilatildeo Infelizmente natildeo temos nenhuma informaccedilatildeo
extra sobre os soldados leais a Agaacutetocles (agrave exceccedilatildeo dos
mamertinos) mas a julgar pela organizaccedilatildeo de uma guarda
pessoal durante a expediccedilatildeo africana a qual certamente natildeo
era desfeita com facilidade261 podemos dizer que a mesma
possivelmente compunha o exeacutercito regular herdado por
Hicetas em Siracusa cerca de vinte anos depois262
De acordo com Diodoro os cartagineses natildeo puderam
aguardar os reforccedilos vindos das regiotildees aliadas devido agrave
situaccedilatildeo alarmante provocada pela ofensiva grega e
decidiram dispor os seus soldados-cidadatildeos em campo de
batalha os quais segundo o historiador siciliano estavam
em nuacutemero aproximado de 40000 e eram acompanhados por
1000 cavaleiros provavelmente numiacutedios (embora a fonte
natildeo mencione a origem eacutetnica) e 2000 carros de guerra263
A ala esquerda era formada por soldados organizados em
260 Zambon Hellenistic Sicily p 30 Sebastiana Consolo Langher La
Sicilia dalla scomparsa di Timoleonte alla morte di Agatocle In
Emilio Gabba La Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo
alle guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli e della
Sicilia 1980 pp 289-342 261 Note-se por exemplo o caso dos arguraspides macedocircnicos
262 Diz-se que os arguraspides de Alexandre possuiacuteam mais de 60 anos
quando apoiaram Eumenes sendo ainda temidos por sua disciplina e
experiecircncia Na cronologia apresentada para a guarda pessoal de
Agaacutetocles os soldados teriam idade bem menor que a guarda Real de
Alexandre tornando o argumento plausiacutevel para a eacutepoca 263 Aqui o nuacutemero eacute claramente absurdo Talvez Diodoro (2010) quisesse
se referir a 200 carros de guerra o que seria aceitaacutevel com bastante
otimismo apoacutes reduzir as centenas e comparar os possiacuteveis nuacutemeros
desta batalha com aqueles apresentados por exemplo entre os persas
em Gaugamela (100 carros citas na ala esquerda ao lado da cavalaria
de mesma procedecircncia e de 1000 cavaleiros bactrianos em oposiccedilatildeo a
Alexandre como indica Arr 311) Justino (226) conta 30000 homens
no total (obvius ei fuit cum XXX milibus paganorum Hanatildeo sed proelio
commisso duo de Siculis tria milia de Poenis cum ipso duce cecidere)
da mesma forma que Paulo Oroacutesio Historiae Adversum Paganos 4625
(Hanatildeonem quendam cum triginta milibus Poenorum obuiam habuit) Entre
os historiadores modernos Consolo Langher (pp 139-143) aponta para
10000 cavaleiros certamente presumindo que Diodoro se equivocou ao
lanccedilar apenas 1000 cavaleiros (ἱππεῖς δὲ χιλίους) ao lado de 2000 carros de guerra (ἅρματα δὲ δισχίλια) Consideramos contudo que o erro tenha se dado precisamente na apresentaccedilatildeo dos carros de guerra pelos motivos
enumerados
119
grande profundidade (por induccedilatildeo do terreno) sob o comando
de Bomilcar na ala direita que estava sob o comando de
Hanatildeo encontrava-se o Batalhatildeo Sagrado Agrave frente de toda a
infantaria os cartagineses dispuseram os carros de guerra e
a cavalaria264 Agaacutetocles apoacutes tomar conhecimento da
formaccedilatildeo inimiga confiou a ala direita ao seu filho
Archagathus no comando de 25000 soldados Ao lado de
Archagathus seguiam-se 3500 siracusanos 3000
mercenaacuterios gregos e um grupamento misto de samnitas
etruscos e celtas tambeacutem em nuacutemero de 3000 Agaacutetocles
encontrava-se de frente para o ieros lochos cartaginecircs no
comando de sua guarda pessoal um total de 1000 soldados
pesadamente armados (ao menos equipados para o choque
frontal) Nas alas ele dispocircs os 500 arqueiros e
fundeiros265
Deve ser observado que Agaacutetocles liderou sua guarda
pessoal contra o Batalhatildeo Sagrado ou seu equivalente
cartaginecircs e que a mesma compunha um grupamento de 1000
soldados de infantaria pesadamente armada Sabemos que a
guarda pessoal em questatildeo natildeo se tratava de um ieros
lochos pois a sua lealdade como o termo grego indica
estava primeiramente ligada a Agaacutetocles depois
possivelmente agrave cidade de Siracusa Aleacutem disso os nuacutemeros
natildeo batem com o que nos eacute dado pelas fontes para os ieroi
lochoi De acordo com Plutarco o ieros lochos foi
inicialmente formado como eacute dito por Gorgias a partir de
300 homens selecionados (ἐξ ἀνδρν ἐπιλέκτων τριακοσίων) para os
quais a cidade fornecia treinamento e manutenccedilatildeo []rdquo266
Dadas as proporccedilotildees dos exeacutercitos gregos no tempo de
Peloacutepidas poderiacuteamos argumentar que a guarda pessoal de
Agaacutetocles representaria um inchaccedilo de um Batalhatildeo Sagrado
264 Diod 2010
265 Diod 2011
266 Plut Pelop 18
120
siracusano se houvesse referecircncia agrave existecircncia de tal
destacamento em Siracusa se o termo empregado pelas fontes
fosse ieros lochos ao inveacutes de therapeiacutea e se a expediccedilatildeo
africana tivesse demorado tempo suficiente para aumentar a
lealdade das tropas a Agaacutetocles em detrimento da cidade que
os teria formado e mantido no caso de possiacutevel a
argumentaccedilatildeo de um ieros lochos natildeo mencionado com os
termos apropriados267 Como dito acima natildeo haacute indiacutecios para
nenhum dos trecircs casos aleacutem de ter a lealdade da tropa sido
vinculada em sua uacutenica apariccedilatildeo em Diodoro estritamente
ao comandante siracusano Eacute provaacutevel que esta guarda
pessoal portanto tenha reconhecido a toga puacuterpura de
Agaacutetocles como adequada ao seu poder o que anula a
hipoacutetese de ter sido essa somente uma guarda pessoal de um
tirano como encontramos nos periacuteodos anteriores Aleacutem
disso o contexto de imitatio Alexandri no campo poliacutetico
bem documentado durante a expediccedilatildeo africana assim como a
interaccedilatildeo que Agaacutetocles mantinha com o mundo heleniacutestico
contribuem para uma provaacutevel resignificaccedilatildeo da guarda
pessoal em questatildeo Em uacuteltima instacircncia tratava-se da
guarda de algueacutem que jaacute se via com direitos a uma sucessatildeo
forjada ao trono macedocircnico sendo a identificaccedilatildeo com os
hipaspistai algo bastante plausiacutevel
Tratemos agora do posicionamento dos arqueiros e
fundeiros contra os carros de guerra e cavaleiros do
exeacutercito cartaginecircs Recordo que em Gaugamela Alexandre
havia disposto na ala direita agrianianos arqueiros e
soldados (levemente) armados provavelmente peltastas e na
ala esquerda juntamente com dois corpos de cavalaria
267 Diodoro 1680 em contrapartida emprega o termo ieros lochos para
um grupamento de cartagineses em nuacutemero de 2500 que haviam
combatido em Himera (480 aC) A designaccedilatildeo eacute obviamente
equivocada especialmente pelo nuacutemero excessivo de soldados e por sua
inexperiecircncia em campo de batalha Aleacutem disso essa parece ter sido
uma maneira grega de enquadrar parte das tropas citadinas cartaginesas
pesadamente armadas que raramente combatiam por sua cidade
121
arqueiros cretenses dardeiros traacutecios entre outros Em
331 aC agrianianos e dardeiros das ilhas Baleares
bloquearam o ataque dos carros de guerra citas enquanto os
falangistas ao centro (hipaspistai) natildeo se opuseram
frontalmente a eles deixando-os passar por meio de
manobras de evasatildeo sem causar portanto baixas na
infantaria macedocircnica268 Em 310 aC num campo aberto natildeo
muito distante de Cartago os soldados pesadamente armados
de Agaacutetocles realizaram idecircnticas manobras evasivas
permitindo-os passar (ἃ δ εἴασαν διεκπεσεῖν) abatendo
inicialmente alguns e em seguida forccedilando o retorno da
maior parte dos carros de guerra contra as suas proacuteprias
tropas269 Como Diodoro natildeo menciona forccedilas de cavalaria do
lado grego o que nos soa estranho a uacutenica reconstruccedilatildeo
possiacutevel para a vitoacuteria sobre os carros de guerra e
cavaleiros se daacute por meio do emprego dos arqueiros e
fundeiros (a exemplo do que ocorreu em Gaugamela) os quais
causaram de acordo com Diodoro muitas baixas nas tropas
acima referidas (mais um indiacutecio de que se tratava de
cavaleiros numiacutedios os quais natildeo eram paacutereo para dardos de
arremesso e projeacuteteis de modo geral desde que disparados
por infantaria levemente armada) Com o fracasso da
investida montada o campo de batalha transformou-se num
cenaacuterio praticamente claacutessico com dois corpos de
infantaria pesadamente armada em confronto direto Hanatildeo
foi incapaz de suportar o choque com os soldados liderados
pessoalmente por Agaacutetocles e Bomilcar no comando da ala
em profundidade ordenou um recuo taacutetico de seus homens
que em princiacutepio seria parte de um plano (inclusive
poliacutetico jaacute que ambicionava de acordo com Diodoro a
morte de seu rival Hanatildeo para entatildeo dar sequumlecircncia ao
268 Ver cap1
269 Diod 2012 προεμβαλόντων γὰρ εἰς ατοὺς τν ἁρμάτων ἃ μὲν κατηκόντισαν ἃ δ
εἴασαν διεκπεσεῖν τὰ δὲ πλεῖστα συνηνάγκασαν στρέψαι πρὸς τὴν τν πεζν τάξιν
122
golpe de Estado)270 A aparente inexperiecircncia dos soldados
nas realizaccedilotildees das manobras assim como a ordem prematura
de seu liacuteder fizeram com que a retirada se transformasse
num verdadeiro massacre obrigando boa parte dos soldados a
se refugiar nas muralhas de Cartago
270 Diod 2012 Meister CAH 7 p 395 Voltarei a tratar desse assunto
no cap4
123
42 A expediccedilatildeo de Pirro do Epiro
Pirro natildeo iria para a Peniacutensula Itaacutelica sem tropas
como queriam os tarentinos embora seu exeacutercito fosse
sensivelmente menor que o de Alexandre o Grande quando do
iniacutecio de sua expediccedilatildeo asiaacutetica271 Plutarco nos informa
que Pirro contava com 20 elefantes 3000 cavaleiros
20000 soldados de infantaria 2000 arqueiros e 500
fundeiros272 Precedido pelo diplomata Cineas como de
costume Pirro se fez acompanhar por dois de seus filhos
nomeadamente Alexandre e Heleno ao passo que seu outro
filho Ptolomeu foi deixado como regente no Epiro Apoacutes
cumprir a rota mariacutetima para a Peniacutensula o que se deu com
inuacutemeros problemas como Plutarco narra com alto niacutevel
dramaacutetico273 o epirota deu iniacutecio ao entendimento pessoal
com seus aliados e agraves primeiras emissotildees monetaacuterias de sua
expediccedilatildeo a partir das quais ele pocircde reforccedilar os viacutenculos
com Alexandre e sua semelhanccedila com os Diaacutedocos assim como
celebrar a alianccedila274 Em seguida tendo alistado tarentinos
em seu exeacutercito o liacuteder da coalizatildeo contra os romanos
parecia estar pronto para a accedilatildeo a qual se transformaraacute ao
final num verdadeiro fiasco tal qual a expediccedilatildeo africana
de Agaacutetocles275 Ambas contudo servem para ilustrar como
as taacuteticas e as figuraccedilotildees do poder heleniacutestico se
apresentaram ao ocidente particularmente na Magna Greacutecia
Siciacutelia e norte da Aacutefrica no iniacutecio com contexto bastante
favoraacutevel aos monarcas
271 Griffith p 61 Leacutevecircque Pirro p297
272 Plut Pirro 152 Pausacircnias 112 sugere que Pirro obteve seus
elefantes apoacutes vencer uma batalha contra Demeacutetrio 273 Plut Pirro 153-8 Zonaras 82 Justino 181 Leacutevecircque Pirro p
297-298 274 Leacutevecircque Pirro p 299 Sobre a cunhagem na Magna Greacutecia e Siciacutelia
durante a expediccedilatildeo de Pirro cf Vincenzo La Bua ldquoLa spedizione di
Pirro in Siciliardquo MGR 7 179-254 1980 Zambon Hellenistic Sicily
pp121-129 275 Aceita-se comumente que a coalizatildeo era formada por samnitas
lucanianos brutianos messapianos e com incerteza apulianos
Leacutevecircque Pirro p 304
124
Do lado romano os preparativos tiveram de ser
iniciados em contexto bastante desfavoraacutevel considerando-
se os problemas com os etruscos e sua simultaneidade com a
formaccedilatildeo da alianccedila italiota conduzida por Pirro Seguindo
os costumes Roma dividiu o exeacutercito entre os cocircnsules
ficando Valeacuterio Levinus no comando das legiotildees contra Pirro
e Coruncanius no comando das legiotildees contra os etruscos
Os romanos haviam tirado jaacute grande proveito das guerras
precedentes como nos informa Poliacutebio [os romanos] se
tornaram verdadeiros mestres na arte da guerra por meio de
sua luta com os samnitas e os celtas (ἀθληταὶ γεγονότες ἀληθινοὶ
τν κατὰ τὸν πόλεμον ἔργων ἐκ τν πρὸς τοὺς Σαυνίτας καὶ Κελτοὺς ἀγώνων)276
Assim deve-se ter em conta que natildeo somente Pirro era um
comandante experiente e com tropas de alto niacutevel como
vimos acima mas tambeacutem os romanos possuiacuteam um niacutevel de
experiecircncia militar e ldquopotencial soldadescordquo adequados ao
seu inimigo Esse eacute um fator importante na medida em que
estabelece entre outros fatores os resultados da campanha
italiana Por potencial soldadesco entendo basicamente a
composiccedilatildeo de ambos os exeacutercitos e o que disso poderia ser
desdobrado em termos taacuteticos excetuando as legiotildees de Roma
e a falange macedocircnica sob Pirro (fundamental em
Heracleia) o restante das tropas (particularmente em
Aacutesculo) possuiacutea as mesmas origens eacutetnicas e portanto
armamento e estilo de combate similares Aleacutem disso a
flexibilidade das legiotildees da forma como explicado no cap4
desta tese contribuiu para o quadro desfavoraacutevel ao rei do
Epiro jaacute que puderam enfrentar a falange (em Heracleia)
com recursos taacuteticos superiores auxiliando no quadro
geral da campanha para o deslocamento do foco poliacutetico
mais a sudoeste precisamente na Siciacutelia grega
276 Polib 16
125
421 O exeacutercito de Pirro
Em 280 aC o exeacutercito que Pirro liderou em sua
expediccedilatildeo italiana estava claramente organizado em estilo
macedocircnico mas nada indica que essa organizaccedilatildeo era
conhecida pelos epirotas anteriormente Historiadores
tendem a apostar numa reforma iniciada cerca de 340 aC
por Alexandre do Epiro amigo e aliado de Filipe II tanto
por sua relaccedilatildeo com os macedocircnios quanto pela logiacutestica
necessaacuteria a uma expediccedilatildeo italiana (realizada em 334
aC) a qual somente seria viaacutevel com um exeacutercito
ldquonacionalmente unificadordquo277 mas natildeo haacute evidecircncias
suficientes para algo mais conclusivo aleacutem de tais
argumentos Talvez Alexandre do Epiro tenha de fato
reformado o exeacutercito epirota nos moldes do projeto de
Filipe da Macedocircnia mas o certo eacute que Pirro cerca de meio
seacuteculo mais tarde dispunha de tais condiccedilotildees
Como dito anteriormente Plutarco nos informa que o
exeacutercito de Pirro era composto por 20 elefantes 3000
cavaleiros 20000 soldados de infantaria (ou 23000 se
considerarmos os 3000 homens enviados juntamente com
Cineas) 2000 arqueiros e 500 fundeiros Curiosamente natildeo
haacute indiacutecios de algo similar aos hipaspistai no exeacutercito
epirota sendo o termo empregado para indicar oficiais
capazes de governar cidades (na Siciacutelia) e natildeo para fazer
referecircncia agraves tropas que compunham uma unidade de
combate278 Obviamente os 20000 soldados de infantaria natildeo
eram puramente epirotas Beloch foi capaz de mostrar a
esse respeito que os aproximados 300000 habitantes do
Epiro dos quais 100000 estariam possivelmente em idade
militar natildeo poderiam fornecer sequer os 20000 soldados de
infantaria do exeacutercito de Pirro levando em consideraccedilatildeo o
277 O argumento pode ser mapeado em Head op cit p 19 e Braccesi
op cit pp43-53 278 Head op cit p 19
126
estado economicamente atrasado da regiatildeo279
Daiacute resulta que
boa parte dos soldados de Pirro em sua expediccedilatildeo italiana
fosse formada por mercenaacuterios de acordo com os dados
obtidos acerca das tropas empregadas em Aacutesculo Aleacutem dos
tarentinos e demais aliados o rei epirota contava com uma
falange macedocircnica e alguns cavaleiros tessaacutelios cedidos
por Ptolomeu Keraunos rei da Macedocircnia uma infantaria
mercenaacuteria da Etoacutelia Acarnacircnia e Atamacircnia e um corpo de
cavaleiros mercenaacuterios gregos arcanianos etoacutelios e
atamanianos280 Sem duacutevida a reputaccedilatildeo de Pirro reforccedilou a
sua capacidade de recrutar novos soldados dispostos a
combater na condiccedilatildeo de profissionais
279 Julius Beloch apud Griffith p61 Poliacutebio (3015 fragmentos
preservados em Estrabatildeo Geografia 77 e Tito Liacutevio 4534) menciona
15000 epirotas escravizados por Emiacutelio Paulo em 168 aC Cf tambeacutem
Griffith p 61 280 Griffith p 62
127
422 O exeacutercito republicano romano
O exeacutercito romano em seus primoacuterdios parece natildeo ter
sido muito diferente daquele encontrado no restante das
cidades do Laacutecio sendo influenciado por seus vizinhos mais
poderosos os etruscos A confederaccedilatildeo etrusca estendeu sua
influecircncia a ponto de nomear a organizaccedilatildeo inicial das
forccedilas romanas ao estilo etrusco compondo trecircs tribos com
a responsabilidade de fornecer 1000 homens em idade
militar cada ficando os soldados sob o comando de um
tribunus As subdivisotildees de cada tribo forneciam uma
centuacuteria (nessa eacutepoca possivelmente contada como 100
homens) o que resultava numa forccedila modesta de 3000
homens a chamada legio A cavalaria (equites) era formada
por nobres e seus filhos totalizando 300 homens montados
(capazes de pagar a manutenccedilatildeo de um cavalo e equipamentos)
divididos entre as tribos De modo geral a historiografia
aceita que essa organizaccedilatildeo inicial somente seraacute modificada
com Seacutervio Tuacutelio aproximadamente entre 580-530 aC281 Ao
lado da criaccedilatildeo de muitas das instituiccedilotildees de Roma Seacutervio
Tuacutelio parece ter realizado o primeiro censo do povo romano
dividindo a populaccedilatildeo em classes obedecendo ao padratildeo de
riqueza Com objetivos claramente poliacuteticos e militares as
centuacuterias (como a populaccedilatildeo era dividida) teriam impacto na
organizaccedilatildeo das assembleacuteias e das tropas Em primeiro
lugar vinha a ordem equumlestre num total de 18 centuacuterias
em seguida a populaccedilatildeo restante aparecia dividida em 5
classes separadas a partir de sua riqueza e contadas da
seguinte maneira em casos de alistamento militar (a) a
primeira classe armada com lanccedila e espada e equipada com
281 Lawrence Keppie The making of the Roman army from republic to
empire London BT Batsford 1984 pp 16-17 Daly pp 48-52
Giovanni Brizzi Le guerrier de lantiquiteacute classique de lhoplite au
leacutegionnaire Monaco Rocher 2004 pp 43-51 John Rich ldquoWarfare and
the Army in Early Romerdquo In Paul Erdikamp A companion to the Roman
army Malden MA Oxford Blackwell 2007 pp 7-23 Para uma visatildeo
detalhada das fontes a respeito ver Michael M Sage The Republican
Army a Sourcebook New York London Routledge 2008 pp 4-41
128
couraccedila de bronze elmo escudo e grevas (b) a segunda
classe armada de forma idecircntica e equipada de maneira
similar excluindo a couraccedila (c) a terceira classe
idecircntica agrave segunda classe exceto pelas grevas (d) a
quarta classe armada com lanccedila e equipada somente com
escudo (e) a quinta e uacuteltima classe armada com fundas e
pedras Os seniores (oposto de iuniores isto eacute em idade
militar) eram empregados somente em caso de cerco
portanto para a defesa da cidade Abaixo da quinta classe
contava-se apenas o grupo de homens (em nuacutemero modesto) sem
propriedade alguma (capite censi ou registrados por
contagem de cabeccedila) os quais eram desqualificados para o
serviccedilo militar282
Terminado o periacuteodo das monarquias a primeira
modificaccedilatildeo no exeacutercito romano (entatildeo republicano) surgiu
em meio aos conflitos contra as comunidades adjacentes no
momento de enfraquecimento dos etruscos mediante a fixaccedilatildeo
dos celtas na regiatildeo dos Alpes e do fortalecimento da
posiccedilatildeo das colocircnias gregas no sul da Peniacutensula Itaacutelica
Nesse contexto precisamente em 406 aC os romanos
partiram para o uacuteltimo embate com a cidade etrusca de
Veios conflito que se encerrou 10 anos depois com a
captura da cidade pelos romanos Durante a guerra contra
Veios o exeacutercito cresceu (de cerca de 4000 para 6000
homens) e o escudo circular foi substituiacutedo pelo escudo
longo italiano o scutum Da mesma forma como parece
oacutebvio o nuacutemero de cavaleiros subiu totalizando as 18
centuacuterias previstas na ldquoreforma servianardquo Eacute nesse momento
(6 anos apoacutes a captura de Veios pelos romanos portanto em
390 aC) que Roma eacute tomada pelos celtas exceto por uma
pequena porccedilatildeo da cidade Capazes de expulsar os celtas de
282 Keppie (op cit p 17) recorda que nessa eacutepoca ldquoa defesa da cidade
era um dever uma responsabilidade e um privileacutegiordquo
129
sua cidade os romanos estavam a caminho do estabelecimento
de sua posiccedilatildeo na Peniacutensula
Alguns autores tecircm sugerido uma identificaccedilatildeo da legiatildeo
romana com os hoplitas gregos283 mas a forma cerrada de
luta dos romanos nos primeiros anos deve indicar mais uma
adaptaccedilatildeo etrusca (que natildeo era uma incorporaccedilatildeo de taacuteticas
gregas como alguns acham razoaacutevel deduzir) do que
propriamente uma forma similar de combate ombro-a-ombro De
qualquer forma logo as unidades manipulares (manipuli)
foram adotadas como resposta agraves exigecircncias de maior
flexibilidade taacutetica Cada maniacutepulo com aproximados 100-
120 homens exceto pelos triarii contava com dois
centuriotildees homens experientes dispostos no comando das
unidades taacuteticas Vale destacar o centuriatildeo secircnior da
legiatildeo disposto no comando no maniacutepulo da extrema direita
dos triarii que era depois incluiacutedo (ex officio) no
conselho geral do cocircnsul juntamente com os tribunos Jaacute no
final do seacutecIV aC basicamente no mesmo periacuteodo da
expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles (310-307 aC) ou talvez um
ano antes o exeacutercito romano encontrava-se dividido em 4
legiotildees comandadas por dois cocircnsules e abaixo deles 6
tribunos militares
Durante a sua expansatildeo em direccedilatildeo ao sul do Laacutecio os
romanos foram capazes de subjugar os samnitas em quase 50
anos de conflito Devido agrave natureza montanhosa da regiatildeo
tem sido sugerido que os maniacutepulos seriam na verdade uma
modificaccedilatildeo ocorrida nesse momento o que se justificaria
com a necessidade de maior flexibilidade taacutetica do
terreno284 De acordo com Tito Liacutevio os maniacutepulos eram
parte de inovaccedilotildees tiacutepicas do periacuteodo da Primeira Guerra
283 Um excelente exemplo (mas natildeo o uacutenico) eacute Keppie op cit p 19 284 Keppie op cit pp18-19 Daly pp 56-63 Brizzi op cit p 47
Louis Rawlings ldquoArmy and Battle During the Conquest of Italyrdquo In
Erdkamp op cit pp 55-58 Sage op cit pp 63-66
130
Samnita285 Apoacutes a linha de tropas levemente armadas
(leves) vinham os maniacutepulos de hastati (os que portavam a
hasta ou lanccedila curta) seguidos pelos maniacutepulos de
principes e por uma terceira linha os maniacutepulos de triarii
(homens mais velhos ndash e experientes - que entravam em cena
no caso de desorganizaccedilatildeo das duas primeiras linhas) Por
fim Tito Liacutevio menciona rorarii (lit tropas levemente
armadas) e accensi (lit tropas reservas) grupos de
soldados levemente armados dispostos como uacuteltima forccedila de
reserva O relato de Tito Liacutevio contudo embora seja de
grande valor natildeo eacute normalmente visto com precisatildeo
histoacuterica desejaacutevel preferindo-se a narrativa do
historiador cuja autoridade nos assuntos militares eacute
inquestionaacutevel Poliacutebio286
De acordo com Poliacutebio em sua detalhada descriccedilatildeo da
organizaccedilatildeo do exeacutercito romano a legiatildeo romana (jaacute no
periacuteodo da Segunda Guerra Puacutenica isto eacute entre 218 e 201
aC) contava com 4200 homens podendo atingir o nuacutemero de
5000 em situaccedilotildees de emergecircncia O processo seletivo
(dilectus ou simplesmente ldquoseleccedilatildeordquo) incorporava homens
entre 17 e 46 anos com propriedade avaliada acima dos 400
denaacuterios apoacutes a avaliaccedilatildeo das habilidades necessaacuterias ao
serviccedilo Ao soldado de infantaria era pago um stipendium
criado para cobrir os prejuiacutezos que supunham o afastmento
de casa perfazendo no tempo de Poliacutebio um total de 120
denaacuterios por ano Os cavaleiros por sua vez recebiam
mais cerca de 365 denaacuterios por ano o que considerava
tanto a sua origem social quanto os custos com o cavalo
Feita a seleccedilatildeo a legiatildeo era dividida da seguinte maneira
(a) os velites formados pelos mais jovens e pobres (b) os
hastati formados pelos mais jovens e pobres depois dos
velites (c) os principes formados pelos ldquopreeminentesrdquo
285 Tito Liacutevio 88-10 286 A referecircncia eacute Polib 619-42
131
(d) os triarii os mais maduros e experientes dos soldados
Os hastati e os principes compunham 2400 homens no total
(10 maniacutepulos de 120 homens cada) acompanhados por 600
triarii (10 maniacutepulos de 60 homens cada) e por deduccedilatildeo
1200 velites Os velites prossegue Poliacutebio eram armados
com espadas lanccedilas de arremesso e um pequeno escudo
circular (parma) Os hastati e os principes encontravam-se
normalmente equipados com duas lanccedilas (pila) cada uma
espada curta (gladius) que era a principal arma do
legionaacuterio e equipados com escudo oval peitoral de
bronze elmo e grevas Os triarii eram equipados da mesma
forma exceto pelo armamento ao inveacutes do pilum o triarius
portava a hasta lanccedila perfurante que natildeo poderia ser usada
para arremesso e era portanto usada no combate corpo-a-
corpo
A cavalaria totalizava 300 homens divididos em 10
turmae de 30 homens cada uma sob o comando de 3 decuriotildees
e equipadas com longos escudos circulares lanccedilas longas e
couraccedila de tecido De modo geral a legiatildeo era disposta em
formato de ldquotabuleiro de xadrezrdquo com os velites agrave frente
de todos os legionaacuterios para a accedilatildeo de escaramuccedila tendo os
hastati principes e triarii organizados em trecircs linhas
subsequumlentes de maneira a permitir a substituiccedilatildeo dos
homens da frente pelos de traacutes devido aos pequenos espaccedilos
propiciados pela formaccedilatildeo A cavalaria como no caso grego
era colocada nas alas como proteccedilatildeo dos flancos
132
423 A batalha de Heracleia (280 aC)
Leacutevecircque sustentou que a postura ofensiva romana ao
reunir as tropas sob Valeacuterio Levinus e marchar
imediatamente contra Pirro tinha trecircs objetivos claros
(1) desferir um golpe decisivo antes que o epirota pudesse
coletar todo o apoio esperado (2) conter uma possiacutevel
revolta das cidades gregas de Regium Locres e Croton ldquoa
quem a chegada do rei podia fazer pesar sua adesatildeo agrave causa
romanardquo e (3) lanccedilar a guerra para longe das terras
submetidas pelos romanos o que natildeo comprometeria a
lealdade desses povos a Roma287 Plutarco nos diz algo
interessante a respeito da reaccedilatildeo de Pirro agrave investida
romana algo que evidencia ainda mais as suas intenccedilotildees
monaacuterquicas heleniacutesticas as quais podem ser encontradas
desde o iniacutecio da sua expediccedilatildeo mesmo antes de se decidir
pela Siciacutelia
Ao ser informado que Levinus o cocircnsul romano se
aproximava com numeroso exeacutercito tendo saqueado a
Lucacircnia no trajeto Pirro natildeo havia ainda se juntado
aos seus aliados mas por julgar ser algo intoleraacutevel
ter de aguardar enquanto seus inimigos avanccedilavam
partiu da cidade com suas tropas []288
A postura de Pirro indica ao menos nessa ocasiatildeo que
o ldquodeverrdquo de lideranccedila de um monarca heleniacutestico (mesmo que
ele somente ambicionasse a monarquia de tipo oriental) era
mais relevante que a uniatildeo completa das tropas pela qual
ele aguardava ou ainda que ele julgava ser possiacutevel vencer
os ldquobaacuterbarosrdquo sem ter reunido todas as suas forccedilas jaacute que
povos militarmente desorganizados por mais belicosos que
fossem natildeo eram paacutereo para os gregos como Alexandre havia
287 Leacutevecircque Pirro p 318
288 Plut Pirro 164 πεὶ δὲ Λαιβῖνος ὁ τν Ῥωμαίων ὕπατος ἠγγέλλετο πολλῆ στρατιᾷ
χωρεῖν ἐπ ατόν ἅμα τὴν Λευκανίαν διαπορθν οδέπω μὲν οἱ σύμμαχοι παρσαν ατῶ δεινὸν δὲ ποιούμενος ἀνασχέσθαι καὶ περιιδεῖν τοὺς πολεμίους ἐγγυτέρω προϊόντας ἐξλθε μετὰ τς δυνάμεως []
133
mostrado em sua expediccedilatildeo asiaacutetica Que essa ideacuteia tenha
ocorrido a Pirro parece plausiacutevel principalmente ao
analisarmos um evento imediatamente posterior de sua marcha
contra os romanos quando o rei observou admirado (ἐθαύμασε)
ldquoa disciplina as sentinelas a sua ordem e o arranjo de
seu acampamentordquo (τάξιν τε καὶ φυλακὰς καὶ κόσμον ατν καὶ τὸ σχμα τς
στρατοπεδείας) dizendo ao seu amigo mais proacuteximo em
conclusatildeo que ldquoa disciplina desses baacuterbaros natildeo eacute
baacuterbarardquo289
Acampamentos montados ambos os lados estavam prontos
para o combate Pirro contava de acordo com Justino com
exeacutercito inferior em nuacutemero ainda que natildeo saibamos os
efetivos concretos dos romanos290 Para o desenrolar da
batalha embora Justino forneccedila o referido indiacutecio sobre a
inferioridade numeacuterica de Pirro as principais fontes satildeo
Plutarco e Dioniacutesio de Halicarnasso291 ambos com acesso ao
que parece aos relatos de duas tradiccedilotildees bastante
distintas Tornou-se consenso haacute muito tempo entre os
historiadores que Plutarco para a batalha em questatildeo
empregou basicamente o relato de Hierocircnimo292 intercalando
o mesmo com anedotas originadas na tradiccedilatildeo analiacutestica as
quais Dioniacutesio utiliza com frequumlecircncia293 Isso explicaria
tanto a versatildeo inteligiacutevel da batalha (o que natildeo eacute um traccedilo
comum nas biografias de Plutarco) quanto a presenccedila de
algumas imagens bastante favoraacuteveis aos romanos e pouco
289 Plut Pirro 167
290 Justino 181 Nec rex tametsi numero militum inferior esset []
Gaetano De Sanctis Storia dei Romani Milan Fratelli Boca 1907 P
392 supotildee que tenham sido somente duas presumindo que ateacute 4 legiotildees
eram normalmente divididas entre os cocircnsules Leacutevecircque Pirro 1957
P322 em contrapartida eacute mais otimista quanto agrave extensatildeo das tropas
de Levinus acreditando que podem ter sido 8 em Heracleia Essas satildeo
contudo suposiccedilotildees baseadas num possiacutevel nuacutemero de legiotildees sob um
uacutenico cocircnsul durante a fase intermediaacuteria da Repuacuteblica uma vez que as
fontes silenciam sobre esse caso em particular 291 Plut Pirro 16-17 e Dioniacutesio 1911-12
292 Plut Pirro 174 Cf Rudolf Schubert Geschichte des Pyrrhus
Koumlnigsberg Wilh Koch 1894 P 176 293 Leacutevecircque Pirro p323
134
criacuteveis do ponto de vista histoacuterico Notemos por exemplo
o retrato pitoresco do episoacutedio de espionagem epirota o
qual precedeu a batalha propriamente dita da forma como
registrado em Dioniacutesio
Levinus o cocircnsul romano tendo capturado um espiatildeo de
Pirro armou e dispocircs todo o exeacutercito em formaccedilatildeo de
batalha (εἰς τάξιν καταστήσας) e apoacutes mostraacute-lo ao espiatildeo ordenou que ele contasse toda a verdade sobre o que
tinha visto [] informando que Lavinus o cocircnsul
romano solicitava que ele [Pirro] natildeo enviasse mais
homens secretamente como espiotildees mas que viesse em
pessoa abertamente (φανερς) para ver o poder dos
romanos (ἰδεῖν τε καὶ μαθεῖν τὴν Ῥωμαίων δύναμιν)294
Pirro decidiu aguardar os reforccedilos de seus aliados numa
das margens do Siris onde estacionou um destacamento grego
para assegurar que os romanos natildeo atravessassem o rio
Estes no entanto mandaram parte de sua infantaria
(provavelmente aliada) cruzar o Siris por um vau enquanto
a cavalaria avanccedilava por diversos outros pontos rasos
expondo os gregos ao risco do envolvimento completo o que
de acordo com Plutarco os fez recuar295 Ao ver que seus
homens bateram em retirada Pirro ordenou aos oficiais que
pusessem a falange em linha enquanto ele proacuteprio como
Alexandre no comando de seus 3000 cavaleiros investiu
contra os romanos na expectativa de que eles se
desordenassem com a ofensiva montada Nem os cavaleiros
puderam romper a ordem das legiotildees com sua ldquoteatralizaccedilatildeo
ofensivardquo (uma vez que natildeo entraram de fato em choque com
o centro da formaccedilatildeo romana) nem o subsequumlente choque com
a falange pocircs os legionaacuterios a correr diferentemente do
que Alexandre havia feito aos persas Relata-nos Plutarco
que foram sete as reviravoltas no desenrolar do confronto
entre as duas infantarias informaccedilatildeo que ele provavelmente
294 Dionisio 1911 Cf tambeacutem Zonaras 836 e Frontino 477
295 Plut Pirro 165
135
obteve de Hierocircnimo296 e que nos permite deduzir a
ocorrecircncia de quatro ataques de Pirro e de trecircs contra-
ataques de Levinus (presumindo que a primeira reviravolta
soacute pode ter sido favoraacutevel aos epirotas jaacute que ao final
eles saiacuteram vitoriosos) Numa das alas provavelmente a
direita o rei sofreu o ataque da cavalaria inimiga mas
venceu apoacutes penoso embate com as tropas montadas de
Oblacus297 Na outra ala Pirro fez avanccedilar os elefantes
que aterrorizaram natildeo somente a cavalaria romana mas
tambeacutem os legionaacuterios mais ao centro Com o moral abalado
e contando ainda com o descontrole dos cavalos inimigos
(que natildeo estavam acostumados aos elefantes) a cavalaria
tessaacutelia foi enviada para encerrar a resistecircncia nessa ala
provocando a exposiccedilatildeo dos dois flancos romanos e julgo
que no mesmo momento a fuga completa da infantaria ao
centro Parece bem provaacutevel por uacuteltimo que os legionaacuterios
tenham corrido exatamente no momento do avanccedilo dos
elefantes do contraacuterio com ambas as alas derrotadas o
exeacutercito ao centro teria sido facilmente esmagado ou
forccedilado a se entregar como vimos em diversos casos nas
batalhas dos Diaacutedocos
A tradiccedilatildeo analiacutestica inventou um termo ldquohistoacutericordquo
para a vitoacuteria de Pirro obtida com muito esforccedilo e sem
consequumlecircncias desastrosas para o derrotado tratava-se de
uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo ou como nos diz Diodoro cadmeacuteia298
De acordo com Caacutessio Dio Zonaras e Justino299 a fama
surgiu apoacutes Heracleia segundo Plutarco300 apoacutes a batalha
de Aacutesculo (o que representa um erro por parte do bioacutegrafo
296 Plut Pirro 171
297 Plutarco (Pirro 168) e Dioniacutesio (1912) mencionam um ataque de
caraacuteter pessoal liderado por Oblacus que estava decidido a abater o
rei em primeiro lugar Segundo a tradiccedilatildeo Leonnatus um dos
companheiros de Pirro percebeu a intenccedilatildeo de Oblacus e salvou seu rei
da morte em batalha 298 Diod 226
299 Dion Cassio 940 Zonaras 83 Justino 181
300 Plut Pirro 219
136
jaacute que o balanccedilo geral dos nuacutemeros que caracterizam uma
vitoacuteria piacuterrica eacute apresentado por ele apoacutes Heracleia)
Apesar das diferenccedilas na dataccedilatildeo precisa do termo atribuiacutedo
agrave vitoacuteria de Pirro todas as nossas fontes parecem
concordar com uma vitoacuteria relativa sobre os romanos Ora
como vimos na breve anaacutelise da batalha de Heracleia os
resultados foram bastante francos e decisivos de maneira
que somente uma explicaccedilatildeo soa-nos plausiacutevel para a
propagaccedilatildeo da ldquovitoacuteria piacuterricardquo entre os antigos todas as
fontes posteriores mencionadas empregaram a tradiccedilatildeo
analiacutestica para a mediccedilatildeo dos resultados da batalha sendo
que os autores romanos tinham por objetivo encobrir tamanha
desgraccedila para a sua memoacuteria Note-se por exemplo que
segundo Plutarco Dioniacutesio faz referecircncia a uma perda de
15000 homens para os romanos contra 13000 para Pirro ao
passo que Hierocircnimo autor de maior validade para o estudo
da batalha como vimos considerando-se a probabilidade de
ter acessado as Memoacuterias do rei indica uma perda de 7000
homens para Levinus contra 4000 para o epirota301 Aceitos
os nuacutemeros de Hierocircnimo pelos motivos mencionados natildeo haacute
razatildeo para crer que a vitoacuteria em Heracleia tenha sido de
fato uma ldquovitoacuteria piacuterricardquo devendo-se essa expressatildeo agraves
intenccedilotildees de minimizar a vergonha romana por parte da
tradiccedilatildeo analiacutestica
301 Plut Pirro 174 Leacutevecircque Pirro p 328
137
424 A batalha de Aacutesculo (279 aC)
Eventos de ordem militar e diplomaacutetica seguiram-se agrave
batalha de Heracleia Motivado por uma tentativa de
submissatildeo dos romanos por vias diplomaacuteticas Pirro enviou
Cineas a Roma com autorizaccedilatildeo para estabelecer um acordo
possivelmente antes de sua marcha para os arredores da
cidade (aceitando-se um padratildeo de envio preacutevio do
diplomata como ocorreraacute na Siciacutelia dois anos depois) o
que pode ter ocorrido dependendo da tradiccedilatildeo adotada
antes ou depois do envio de sua embaixada302 Presentes
foram oferecidos e segundo Plutarco todos recusados
termos bastante razoaacuteveis foram propostos pautados
basicamente na ldquoamizade poliacuteticardquo e desistecircncia da
conquista de Tarento pelos romanos sendo todos eles mais
uma vez postos de lado303 Alguns senadores estavam
inclinados a aceitar a paz julgando que um exeacutercito ainda
mais numeroso (reforccedilado com os aliados receacutem-chegados de
Pirro) recairia sobre Roma e mesmo tendo momentaneamente
recusado o que lhes propunha Cineas comeccedilavam a considerar
os termos do acordo epirota quando decidiram finalmente
motivados pelo discurso de Aacutepio Claacuteudio pela continuaccedilatildeo
do embate e da negociaccedilatildeo de resgate dos prisioneiros
certamente por que julgavam ser capazes de vencer Pirro com
as forccedilas restantes (o que natildeo ocorreria se as legiotildees
302 Plutarco (Pirro 18-19) menciona os eventos na seguinte ordem
Heracleia ndash marcha para Roma ndash embaixada ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros
ndash Aacutesculo Apiano (Samn 10-11) apresenta uma versatildeo distinta
Heracleia ndash embaixada ndash marcha para Roma ndash libertaccedilatildeo dos prisioneiros
ndash Aacutesculo Justino (181 182) somente menciona Heracleia a
libertaccedilatildeo dos (200) prisioneiros e Aacutesculo exatamente nessa ordem
Note que a omissatildeo da marcha para Roma pode ter se dado devido ao uso
uacutenico da tradiccedilatildeo analiacutestica 303 Plut Pirro 182 Variaccedilotildees do que propocircs Cineas aos romanos satildeo
encontradas na tradiccedilatildeo liviana segundo a qual Pirro teria oferecido
a libertaccedilatildeo dos prisioneiros e exigido amizade e alianccedila dos romanos
bem como autonomia dos aliados gregos e baacuterbaros em Apiano Samn
101 para quem os termos do acordo resumiam-se ao seguinte
libertaccedilatildeo dos prisioneiros paz com o povo romano incluindo Tarento
no armistiacutecio autonomia das cidades italiotas e restituiccedilatildeo completa
dos territoacuterios aos lucanianos brutianos samnitas e daunianos (na
regiatildeo da Apulia) Ver o quadro geral em Leacutevecircque Pirro p 348
138
tivessem sido enviadas como normalmente faziam os
cartagineses com seu exeacutercito ateacute 307 aC de uma uacutenica
vez sem a formaccedilatildeo de forccedilas de reserva)
Com a decisatildeo inesperada dos romanos Pirro teria que
proceder agrave conquista sistemaacutetica de toda a Peniacutensula para
entatildeo forccedilar Roma aos seus termos que certamente natildeo
seriam tatildeo brandos quanto os primeiros O rei partiu para a
cidade de Aacutesculo situada numa regiatildeo (Apuacutelia) que
diferentemente daquela de Heracleia natildeo facilitaria o uso
das tropas montadas e obviamente dos elefantes Em
Aacutesculo Pirro contava jaacute com a infantaria e a cavalaria
samnita brutiana lucaniana e tarentina304 Aqui surgem
duas possibilidades para o desenvolvimento da batalha a
primeira delas seguindo o relato de Hierocircnimo (novamente
citado por Plutarco) menciona duas batalhas em Aacutesculo a
segunda de acordo com Dioniacutesio (igualmente citado pelo
bioacutegrafo) faz referecircncia a somente uma longa batalha305
Como anteriormente tambeacutem para a batalha de Aacutesculo parece-
nos mais apropriado o relato de Hierocircnimo dada a
quantidade de detalhes apresentados e a reputaccedilatildeo do
historiador em questatildeo Aleacutem disso a adequaccedilatildeo dos nuacutemeros
continua sendo tal como em Heracleia mais plausiacutevel na
tradiccedilatildeo grega Plutarco nos informa que apoacutes encerrado um
conflito inicial entre as duas infantarias (o que se deduz
pela inadequaccedilatildeo do terreno ao uso de cavaleiros) ambos os
exeacutercitos se retiraram do combate por um dia (ou cerca de
12 horas uma vez que abriram matildeo do combate segundo
Plutarco ao anoitecer) No dia seguinte contudo
intencionado a trazer a luta agrave parte nivelada do terreno
onde poderia empregar seus elefantes e cavaleiros Pirro
ocupou as porccedilotildees mais desniveladas com suas tropas
ligeiras (dardeiros e arqueiros) fazendo-as atirar
304 Leacutevecircque Pirro p 391
305 Plut Pirro 215-8
139
projeacuteteis na maior intensidade possiacutevel forccedilando com essa
manobra o deslocamento do combate para o local que lhe era
mais favoraacutevel Com o passar do tempo de combate frontal a
falange macedocircnica comeccedilou a empurrar as legiotildees ao menos
num dos pontos que Plutarco nos faz crer ser o local onde
estava situado o rei306 O momento decisivo da batalha
contudo se deu novamente durante a investida dos
elefantes que os romanos ainda natildeo haviam aprendido a
combater Apoacutes o avanccedilo dos paquidermes provavelmente em
ambas as alas os romanos natildeo puderam se manter em
formaccedilatildeo o que resultou uma vez mais na vitoacuteria do rei
do Epiro sobre Roma Hierocircnimo menciona de acordo com
Plutarco uma perda de 6000 homens para os romanos contra
3505 homens do lado epirota segundo os proacuteprios
comentaacuterios das Memoacuterias de Pirro (que o historiador de
Caacuterdia pocircde certamente consultar)307 Dioniacutesio em
contrapartida sequer admitiu uma derrota romana
mencionando natildeo somente que os suprimentos de Pirro havia
sido saqueada mas tambeacutem que as perdas foram equivalentes
perfazendo um total de 15000 mortos para cada lado
A partir desta batalha se seguirmos os eventos do modo
como apresentado pela tradiccedilatildeo grega podemos concluir sem
exagero que os convites recebidos tanto da Siciacutelia308 quanto
da Macedocircnia309 foram plenamente baseados em sua receacutem-
adquirida reputaccedilatildeo poliacutetica e militar Da mesma forma a
decisatildeo de partir para a Siciacutelia como o liacuteder pelo qual os
306 Uma reconstruccedilatildeo moderna sobre o possiacutevel ordenamento da batalha
encontra-se em Oswald Andreas Hamburger Untersuchungen uumlber den
pyrrhischen Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927 P 31 307 Plut Pirro 218
308 Como detalhado acima no item ldquoPirro e o problema da monarquia
heleniacutesticardquo 309 Alguns povos celtas encontravam-se novamente em processo migratoacuterio
a julgar pelos nuacutemeros apresentados por Diodoro (229) tendo
derrotado Ptolomeu Ceraunus filho de Ptolomeu I durante a invasatildeo da
Macedocircnia ldquoBreno o rei dos gauleses acompanhado por 150000
soldados de infantaria armados com escudo longo (θυρεοφόρων) e 10000 cavaleiros juntos com uma horda de seguidores mercadores e duas mil
carroccedilas invadiram a Macedocircnia []rdquo
140
siciliotas aguardavam desde a morte de Agaacutetocles configurou
o contexto peninsular de uma forma completamente diferente
do que seria se o epirota prosseguisse com as campanhas
contra os romanos Se no teacutermino das lutas Roma teria sido
subjugada nunca saberemos (isso nos seria possiacutevel somente
como exerciacutecio retoacuterico) mas parece niacutetido que as decisotildees
posteriores de Pirro tenham sido baseadas na sua reputaccedilatildeo
em suas vitoacuterias sobre os romanos e no que ele poderia
realizar em termos de feitos grandiosos (tais como a
helenizaccedilatildeo completa da Siciacutelia e a conquista de Cartago)
como monarca de aspiraccedilotildees heleniacutesticas e natildeo numa espeacutecie
de ato desesperado para salvar a expediccedilatildeo apoacutes duas
ldquovitoacuterias piacuterricasrdquo durante as quais o espiacuterito militar
romano permaneceu inabalaacutevel como nos faz crer a tradiccedilatildeo
analiacutestica
141
CAPIacuteTULO 4 ndash AS DUAS FASES DAS INOVACcedilOtildeES MILITARES
EM CARTAGO
1 ldquoNenhum tirano destruiraacute nossa cidaderdquo
controle oligaacuterquico e fracasso da tirania em
Cartago 310-255 aC
A decisatildeo de transferir a guerra da Siciacutelia para a
Aacutefrica ainda que a porccedilatildeo grega da ilha estivesse em
condiccedilotildees bastante desfavoraacuteveis estava ancorada como
mostrei no capiacutetulo anterior no conhecimento de Agaacutetocles
sobre o despreparo do exeacutercito ciacutevico cartaginecircs o qual
teria forccedilosamente que entrar em combate com os experientes
mercenaacuterios do siracusano caso fossem pegos de surpresa em
sua proacutepria cidade ou nos arredores mas tambeacutem no
reconhecimento das tensotildees existentes entre a oligarquia
cartaginesa e seus generais As centenas de quilocircmetros que
separavam Cartago da porccedilatildeo oeste da Siciacutelia por vezes
tornavam os ldquorelatoacuteriosrdquo das accedilotildees cartaginesas na ilha
esporaacutedicos e imprecisos310
resultando na coexistecircncia de
dois fatores aparentemente excludentes
Em primeiro lugar destaca-se a autonomia dos generais
de exeacutercitos mercenaacuterios na Siciacutelia com liberdade para
realizar tratados de paz e formar alianccedilas ainda que elas
tivessem que ser confirmadas posteriormente pelo Conselho
de Anciatildeos311
Em segundo lugar encontra-se o controle de
seu poder poliacutetico e militar pela oligarquia o que
frequumlentemente findava em puniccedilotildees financeiras deposiccedilatildeo
do cargo ou ateacute mesmo privaccedilatildeo de direitos ciacutevicos no caso
de derrota assim como deposiccedilatildeo e crucificaccedilatildeo dos
comandantes se confirmada aspiraccedilatildeo tiracircnica mesmo que em
310 Miles pp 146-148 311 Dexter Hoyos ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-218 BCrdquo
Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274 1994 Miles p 146
142
potencial A existecircncia dessa tensatildeo aparece por exemplo
em Diodoro ao mencionar o tratamento hostil dado aos
generais cartagineses pelos seus compatriotas
A causa baacutesica desse problema era a severidade dos
cartagineses ao infligir puniccedilotildees Em suas guerras eles
dispotildeem seus homens mais nobres (τοὺς [] ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν) no comando julgando que esses deveriam ser os primeiros a enfrentar o perigo em nome de toda a
cidade mas quando eles conquistam a paz [os
oligarcas] condenam os mesmos homens em julgamento
trazendo injustamente acusaccedilotildees contra eles por inveja
e os depotildeem com penalidades Portanto alguns desses
homens dispostos em posiccedilotildees de comando desertam
temendo os julgamentos nas cortes ao passo que outros
se lanccedilam agrave tirania (τινὲς δἐπιτίθενται τυραννίσιν)312
Isoacutecrates alguns seacuteculos antes de Diodoro afirmou que
entre os cartagineses ldquoas cidades [eram] governadas por uma
oligarquia mas os assuntos militares por um reirdquo (οἴκοι μὲν
ὀλιγαρχουμένους περὶ δὲ τὸν πόλεμον βασιλευομένους)313 Com isso o
312 Diod 20102-4 αἰτία δὲ μάλιστα τούτων ἡ πρὸς τὰς τιμωρίας πικρία τν Καρχηδονίων τοὺς γὰρ ἐπιφανεστάτους τν ἀνδρν ἐν μὲν τοῖς πολέμοις προάγουσιν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας νομίζοντες δεῖν ατοὺς τν ὅλων προκινδυνεύειν ὅταν δὲ τύχωσι τς εἰρήνης τοὺς ατοὺς τούτους συκοφαντοῦσι καὶ κρίσεις ἀδίκους ἐπιφέροντες διὰ τὸν φθόνον τιμωρίαις περιβάλλουσι διὸ καὶ τν ἐπὶ τὰς ἡγεμονίας ταττομένων τινὲς μὲν φοβούμενοι τὰς ἐν τῶ δικαστηρίῳ κρίσεις ἀποστάται γίνονται [τς ἡγεμονίας] τινὲς δ ἐπιτίθενται τυραννίσιν Nigel Bagnall The Punic Wars New York St Martin 2005 pp 9-11 Miles
op cit p 147 Cabe mencionar aqui o caso relatado em Diod 2310
quando Aniacutebal (natildeo o Barca) apoacutes a derrota na batalha naval de Mylae
durante a Primeira Guerra Puacutenica temendo a puniccedilatildeo oligaacuterquica
decidiu enviar um mensageiro a Cartago para perguntar aos oligarcas se
ele no comando de 200 embarcaccedilotildees deveria entrar em confronto com os
romanos que contavam apenas com 120 embarcaccedilotildees com a resposta
positiva dos entusiasmados compatriotas o mensageiro entatildeo contou que
foi exatamente essa a decisatildeo de Aniacutebal tendo ele no entanto
perdido a batalha para os romanos Diante disso concluiu o
mensageiro o general natildeo deveria ser punido uma vez que agiu como
todos julgavam ser correto O caso serve para ilustrar o receio dos
comandantes cartagineses quanto agraves puniccedilotildees do Senado mais do que
propriamente a severidade dos castigos Sobre a puniccedilatildeo senatorial
podemos destacar a crucifixatildeo como no caso do comandante cartaginecircs
crucificado pelos compatriotas apoacutes desistir de Messina com a chegada
de Aacutepio Claacuteudio cocircnsul romano enviado para dar suporte militar aos
mamertinos (Polib 111) De acordo com Poliacutebio os cartagineses
puniram seu general por sua falta de bom juiacutezo sobre as coisas
(νομίσαντες ατὸν ἀβούλως) e por abandonar a cidadela covardemente
(ἀνάνδρως προέσθαι τὴν ἀκρόπολιν) 313 Isocrates Nicocles 24 Dexter Hoyos (Unplanned Wars The Origins
of the First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de
143
orador aacutetico pretendia evidenciar a tensatildeo referida entre
oligarquia e generais algo existente mesmo antes do iniacutecio
do periacuteodo heleniacutestico Se no seacutecIV aC os generais eram
escolhidos entre os membros da elite poliacutetica314 a partir
do seacutecIII aC os mesmos passaram a ser eleitos pela
assembleacuteia popular315 o que certamente contribuiu para a
degradaccedilatildeo das relaccedilotildees entre oligarquia e comandantes
nomeados Contudo a despeito da progressiva hostilidade
entre os dois lados os oligarcas foram ainda capazes de
punir seus generais com severidade ao longo dos cem
primeiros anos do periacuteodo heleniacutestico O poder que a
oligarquia mantinha sobre os comandantes eacute evidente em
diversas ocasiotildees como a deposiccedilatildeo do general Hanatildeo o
Velho apoacutes sua derrota em Acragas em 263 aC316 Poliacutebio
natildeo menciona o que ocorreu com Hanatildeo dando atenccedilatildeo ao
impacto que a vitoacuteria romana teve no Senado em Roma mas
Diodoro nos relata que ldquoos cartagineses puniram Hanatildeo em
6000 moedas de ouro privando-o de seus direitos ciacutevicosrdquo
(Ἄννωνα δὲ οἱ Καρχηδόνιοι ἐζημίωσαν χρυσοῖς ἑξακισχιλίοις ἀτιμάσαντες)317
A principal razatildeo para o controle efetivo por parte dos
oligarcas reside no excelente funcionamento das
instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais cujo vigor permaneceu
ateacute o iniacutecio da Segunda Guerra Puacutenica devido agraves matildeos
severas da oligarquia (nas ldquofiguras senatoriaisrdquo e dos
Gruyter 1998 P150) destaca que com a ascensatildeo Baacutercida (periacuteodo que
natildeo seraacute tratado nesta tese) a repuacuteblica cartaginesa havia se
tornado de fato uma monarquia militar uma vez que o poder dos
Baacutercidas natildeo se reduzia agrave nova colocircnia hispacircnica estendendo-se aos
assuntos poliacuteticos em Cartago Ainda que essa interpretaccedilatildeo natildeo seja
universal (haacute evidecircncias da oposiccedilatildeo dos cartagineses agrave expediccedilatildeo de
Amiacutelcar em Apiano Guerra Anibaacutelica 24 e Zonaras 817) os autores
modernos tendem a aceitar a influecircncia Baacutercida em Cartago ou o seu
governo independente na Hispacircnia 314 Robert Drews ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan Eunomiardquo AJA
100 1979 P 55 315 Bagnall op cit p 9 316 Polib 118-19 Diod239 Zonaras 810 A batalha seraacute analisada
neste capiacutetulo precisamente no uacuteltimo item 317 Diod 239 Aqui decidi seguir estritamente a traduccedilatildeo de
Goldfather tradutor da Loeb que sugeriu ἀτιμάω como privaccedilatildeo dos
direitos ciacutevicos
144
sufetas)318
O preccedilo a se pagar como veremos neste
capiacutetulo seraacute o impedimento da formaccedilatildeo de uma ldquoescola
militar atualizadardquo na primeira metade do seacutecIII aC o
que atrasaraacute em termos taacuteticos o pensamento militar
cartaginecircs sendo o problema solucionado somente diante de
outra ameaccedila nos arredores de Cartago a expediccedilatildeo romana
liderada por Reacutegulo durante a Primeira Guerra Puacutenica
Poliacutebio menciona que as razotildees para a decadecircncia da
constituiccedilatildeo cartaginesa notada somente a partir da
Segunda Guerra Puacutenica319
resumem-se ao progressivo
desequiliacutebrio das suas instituiccedilotildees diminuindo
sensivelmente a autoridade da oligarquia frente agraves
assembleacuteias populares tendo ldquoa multidatildeo jaacute adquirido a
palavra final nas deliberaccedilotildees ao passo que em Roma o
Senado ainda a detinhardquo (τὴν πλείστην δύναμιν ἐν τοῖς διαβουλίοις παρὰ μὲν
Καρχηδονίοις ὁ δμος ἤδη μετειλήφει παρὰ δὲ Ῥωμαίοις ἀκμὴν εἶχεν ἡ σύγκλητος)320
Ao que tudo indica o periacuteodo localizado entre os primeiros
anos do seacutecIII aC quando a assembleacuteia popular passou a
escolher os generais cartagineses e o iniacutecio da Segunda
Guerra Puacutenica em 218 aC apresentou os uacuteltimos esforccedilos
de controle efetivo dos oligarcas que progressivamente
perdiam espaccedilo para a participaccedilatildeo democraacutetica ainda que
tivessem poder sobre a deposiccedilatildeo dos generais e jaacute nas
duas uacuteltimas deacutecadas do seacutecIII aC para uma poliacutetica da
irracionalidade321
Haacute basicamente duas referecircncias antigas sobre a
constituiccedilatildeo dos cartagineses a respeito da qual pouco se
318 Bagnall op cit p 12 eacute ainda mais incisivo ao dizer que ldquoo
aspecto mais marcante da constituiccedilatildeo cartaginesa era a sua
estabilidaderdquo 319 Polib 651 ldquoMas no momento em que eles embarcaram na Guerra
Anibaacutelica a constituiccedilatildeo dos cartagineses se degenerou ao passo que
a dos romanos progrediurdquo (κατά γε μὴν τοὺς καιροὺς τούτους καθ οὓς εἰς τὸν Ἀννιβιακὸν ἐνέβαινε πόλεμον χεῖρον ἦν τὸ Καρχηδονίων ἄμεινον δὲ τὸ Ῥωμαίων) 320 Polib 651 321 Ver Craige Brian Champion Cultural Politics in Polybius‟
Histories Berkeley University of California Press 2004 pp 117-
121 Miles pp 353-354
145
sabe A primeira e mais esclarecedora delas encontra-se em
Aristoacuteteles (Pol 1272b) portanto temporalmente distante
dos eventos pelos quais demonstramos interesse322
Ainda
assim o entendimento aristoteacutelico do sistema poliacutetico
cartaginecircs no seacutecIV aC deve ser o principal documento
considerado dado o bom julgamento de Aristoacuteteles para o
assunto e as condiccedilotildees miacutenimas de acesso aos relatos
antigos sobre as instituiccedilotildees poliacuteticas cartaginesas A
segunda delas pode ser encontrada como jaacute indicado acima
em Poliacutebio ligeiramente mais proacuteximo dos referidos eventos
que Aristoacuteteles considerando as suas funccedilotildees no ciacuterculo
dos Cipiotildees323 O relato de Poliacutebio contudo carece de
informaccedilotildees baacutesicas resumindo-se agrave demonstraccedilatildeo de como o
desequiliacutebrio no funcionamento das instituiccedilotildees permite a
ascensatildeo de outro poder estrangeiro (Roma) o que daria
ferramentas aos poliacuteticos gregos vindouros para a
compreensatildeo das instituiccedilotildees romanas Afinal sua ldquohistoacuteria
pragmaacuteticardquo se dirigia a uma audiecircncia grega (mas natildeo
somente) forccedilada a conviver sob o domiacutenio romano324
De acordo com Aristoacuteteles os cartagineses viviam sob
uma constituiccedilatildeo boa (Πολιτεύεσθαι δὲ δοκοῦσι καὶ Καρχηδόνιοι καλς) e
superior em muitos aspectos a todas as outras (καὶ πολλὰ
περιττς πρὸς τοὺς ἄλλους) assemelhando-se agraves constituiccedilotildees de
Creta e Esparta (as quais detinham peculiaridade notaacutevel
aos olhos do grego)325 O valor de uma boa constituiccedilatildeo diz
Aristoacuteteles pode ser encontrado quando ldquoos cidadatildeos
permanecem leais ao sistema poliacutetico e nenhum conflito
civil emerge em qualquer escala que valha a pena mencionar
nem qualquer um obteacutem sucesso em se pronunciar tiranordquo (τὸ
τὸν δμον διαμένειν ἐν τῆ τάξει τς πολιτείας καὶ μήτε στάσιν ὅ τι καὶ ἄξιον εἰπεῖν
322 Arist Pol 1272b 323 Polib 644 324 Polib 11 Frank William Walbank Polybius Berkeley and Los
Angeles University of California Press 1972 Daly P 81 325 Arist Pol 1272b Poliacutebio (651) ressalta a semelhanccedila com as
constituiccedilotildees de Roma e Esparta Ver Bagnall op cit p 13 Consolo
Langher pp 127-129
146
γεγενσθαι μήτε τύραννον) Da mesma forma que os espartanos os
cartagineses conheciam as refeiccedilotildees coletivas possuindo um
conselho similar ao dos eacuteforos326 mas composto por 104
homens tendo a vantagem de escolhecirc-los por meacuterito pessoal
(τὴν ἀρχὴν ἀριστίνδην) ao passo que em Esparta a eleiccedilatildeo se
dava entre os cidadatildeos ordinaacuterios Quanto aos dois sufetas
(ou magistrados vistos como reis)327 ambos vinham da mesma
famiacutelia e deviam assumir o cargo por eleiccedilatildeo e natildeo por
senilidade Aparentemente as decisotildees eram sempre tomadas
pelo Senado e pelos sufetas e os assuntos que deveriam ir
agrave assembleacuteia popular eram por eles escolhidos Uma vez que
a votaccedilatildeo fosse encaminhada ao povo (δμος) o Senado abria
matildeo de sua primazia momentaneamente sendo a assembleacuteia
popular investida de poder natildeo somente para escutar as
resoluccedilotildees do governo mas tambeacutem para pronunciar
julgamento sobre elas ldquoum direito que natildeo existia noutras
constituiccedilotildeesrdquo ([] ὅπερ ἐν ταῖς ἑτέραις πολιτείαις οκ ἔστιν) A
poliacutetica cartaginesa seria entatildeo parcialmente
democraacutetica mas com fortes elementos oligaacuterquicos os
quais eram mantidos pela forma de controle institucional
aristocraacutetica As pentarquias por exemplo encarregadas da
326 Poliacutebio menciona a existecircncia de dois reis um conselho de anciatildeos
como forccedila aristocraacutetica e um povo supremo nos assuntos que lhes
cabia 327 Para alguns historiadores os sufetas cartagineses desempenhavam
precisamente as funccedilotildees de um ldquoreirdquo (basileu para os gregos rex para
os latinos) ao passo que para outros a apariccedilatildeo do termo ldquobasileurdquo
quando as fontes mencionam sufetas cartagineses indica unicamente uma
aproximaccedilatildeo ao se traduzir o puacutenico sufeta Como nos lembra Yann Le
Bohec Histoire militaire des guerres puniques Monaco Editions du
Rocher 1996 pp29-31 ldquose a monarquia existiu em Cartago esse
regime desapareceu antes do iniacutecio do seacutecIII aCrdquo Entre os autores
que consideram os sufetas com funccedilotildees idecircnticas agravequelas desempenhadas
pelos reis destaca-se Gilbert Charles-Picard ldquoLes Sufegravetes de Carthage
dans Tite-Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-280
1963 O principal autor a se posicionar a favor de uma mera
aproximaccedilatildeo semacircntica eacute Maurice Sznycer ldquoLe Problegraveme de la royauteacute
dans le monde puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296
1981 Outros autores preferem se posicionar entre as duas
interpretaccedilotildees como no caso de Dexter Hoyos op cit p6 que
defende a plausibilidade de ambas embora opte por traduzir sufetas
como juiacutezes ldquoo reirdquo diz Hoyos ldquoalgumas vezes mencionado nos relatos
gregos pode ter sido uma magistratura separada ou talvez um sufeta
sob outro nomerdquo
147
eleiccedilatildeo dos membros do ldquoconselho dos 104 homensrdquo (senadores
responsaacuteveis por vigiar e reprimir quaisquer abusos por
parte do proacuteprio Senado) eram magistraturas natildeo
remuneradas sendo tanto a riqueza (τὸν πλοῦτον) quanto o
meacuterito (τς ἀρετς) elementos considerados na escolha dos
magistrados o que limitava o exerciacutecio poliacutetico das
pentarquias aos bem-nascidos jaacute que era impossiacutevel ao
homem pobre desfrutar do tempo necessaacuterio para o desempenho
adequado de seus deveres poliacuteticos Assim a eleiccedilatildeo por
riqueza seria oligaacuterquica e a eleiccedilatildeo por meacuterito
aristocraacutetica o que mantinha (durante bastante tempo) o
equiliacutebrio institucional tatildeo valorizado por Poliacutebio para
quem a populaccedilatildeo de Atenas iacutecone do governo puramente
democraacutetico se assemelhava a ldquoum navio sem comandanterdquo
(τοῖς ἀδεσπότοις σκάφεσι)
O uacutenico caso heleniacutestico (entre 323-237 aC)
registrado nas fontes de aspiraccedilatildeo frustrada ao poder
tiracircnico em Cartago se daacute em 310 aC com Bomiacutelcar um dos
strategoi nomeados pelo conselho cartaginecircs frente ao
reconhecimento da inesperada expediccedilatildeo africana de
Agaacutetocles328
Ao eleger Bomiacutelcar juntamente com Hanatildeo o
outro strategos tendo ciecircncia de que ambos advinham de
famiacutelias rivais o conselho cartaginecircs pretendia de acordo
com Diodoro manter a seguranccedila da cidade (τς πόλεως
ἀσφάλειαν) isto eacute o perfeito funcionamento de suas
instituiccedilotildees tradicionais crendo que a desconfianccedila
pessoal e a inimizade muacutetua (τὴν ἰδίαν τούτοις ἀπιστίαν καὶ διαφορὰν
κοινὴν) dos generais inibiriam qualquer tentativa de
ascensatildeo ao poder tiracircnico pelo monopoacutelio dos exeacutercitos329
O conselho prossegue o historiador siciliano se equivocou
em sua decisatildeo uma vez que Bomiacutelcar aproveitou a
oportunidade de sua nomeaccedilatildeo ao cargo de strategos para
328 Diod 2010 Meister CAH 7 p395 Consolo Langher pp 139-141
Justino 226 menciona Hanatildeo como o uacutenico comandante dos cartagineses 329 Diod 2010
148
levar adiante um plano de instauraccedilatildeo da tirania o qual
havia sido como encontramos na fonte previamente
concebido Antes da chegada de Agaacutetocles na Aacutefrica faltava
ao cartaginecircs tanto autoridade (ἐξουσίαν) quanto ocasiatildeo
adequada (καιρὸν οἰκεῖον) uma vez nomeado um dos generais
responsaacuteveis pelo combate contra os gregos na Aacutefrica ambos
os preacute-requisitos lhe foram proporcionados Em primeiro
lugar de posse de parte do exeacutercito cartaginecircs bastava
eliminar seu colega e rival o que considerando o estado
das relaccedilotildees entre os dois seria feito sem grandes
impedimentos Em segundo lugar a presenccedila grega na Aacutefrica
serviria de justificativa para quaisquer acusaccedilotildees de mau
funcionamento das instituiccedilotildees tradicionais o que em
diversas ocasiotildees foi tomado como pontapeacute inicial para a
emergecircncia dos poderes tiracircnicos no mundo grego Em campo
de batalha apoacutes ouvir que seu rival havia sido derrotado
pelos siracusanos Bomiacutelcar tentou forccedilar um recuo
prematuro de sua ala o que induziria a retirada de todo o
exeacutercito acreditando que com isso teria natildeo somente o
controle das tropas mas tambeacutem o desentendimento e
consequumlente submissatildeo do conselho Essa loacutegica encontra
evidecircncia em Diodoro
Se o exeacutercito de Agaacutetocles fosse destruiacutedo ele natildeo
seria capaz de realizar o seu plano rumo agrave supremacia
uma vez que os cidadatildeos permaneceriam fortes mas se o
primeiro vencesse e destruiacutesse o orgulho dos
cartagineses os derrotados seriam faacuteceis de manipular
e ele [Bomiacutelcar] poderia derrotar Agaacutetocles prontamente
quando desejasse fazecirc-lo330
330 Diod 2012 [] εἰ μὲν ἡ μετὰ Ἀγαθοκλέους διαφθαρείη δύναμις μὴ δυνήσεσθαι τὴν ἐπίθεσιν ποιήσασθαι τῆ δυναστείᾳ τν πολιτν ἰσχυόντων εἰ δὲ ἐκεῖνος νικήσας τὰ φρονήματα παρέλοιτο τν Καρχηδονίων εχειρώτους μὲν ἑαυτῶ τοὺς προηττημένους ἔσεσθαι τὸν δ Ἀγαθοκλέα ῥᾳδίως καταπολεμήσειν ὅταν ατῶ δόξῃ
149
O recuo taacutetico de Bomiacutelcar se transformou no entanto
em massacre e destruiccedilatildeo numerosa de seu exeacutercito331 jaacute que
as manobras heleniacutesticas de Agaacutetocles findaram no
envolvimento aparentemente parcial dos cartagineses em
fuga Diodoro um pouco mais agrave frente menciona em detalhes
como os cartagineses conseguiram suprimir a tentativa
desesperada de ascensatildeo tiracircnica por parte de Bomiacutelcar
que apoacutes a derrota para Agaacutetocles selecionou alguns de
seus homens e tentou tomar a proacutepria cidade de Cartago
inesperadamente
[] quando Bomiacutelcar havia revisado o seu exeacutercito no
que era chamada Nova Cidade a qual estava localizada a
uma curta distacircncia da Velha Cartago ele dispensou o
restante mas manteve aqueles com os quais podia contar
em sua revolta cerca de 500 cidadatildeos e 1000
mercenaacuterios e declarou-se tirano (ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον)332
Ao dividir seus homens em cinco unidades Bomiacutelcar
invadiu a cidade (que ainda natildeo tinha conhecimento de seus
planos) e exterminou aqueles que se opuseram aos seus
propoacutesitos Diante da calamidade os cartagineses pegaram
em armas e se apressaram em suprimir a traiccedilatildeo ciacutevica que
haviam sofrido em momento tatildeo delicado para a sua poliacutetica
externa Bomiacutelcar se dirigiu ao centro mercantil (τὴν ἀγορὰν)
e assassinou ainda muitos cidadatildeos desarmados sendo essa
accedilatildeo desesperada seguida pela ocupaccedilatildeo de construccedilotildees
proacuteximas ao mercado por parte dos defensores os quais
foram capazes devido ao posicionamento mais alto e
portanto favoraacutevel agrave defesa interna da cidade contra os
331 Diod 2013 menciona 1000 homens mortos do lado cartaginecircs embora
reconheccedila que outros autores mencionem ateacute 6000 ao passo que Justino
226 nos indica 3000 mortos do lado cartaginecircs Oroacutesio 46 sugere que
2000 cartagineses pereceram em batalha 332 Diod 2044 δ οὖν Βορμίλκας ἐξετασμὸν τν στρατιωτν ποιησάμενος ἐν τῆ καλουμένῃ Νέᾳ πόλει μικρὸν ἔξω τς ἀρχαίας Καρχηδόνος οὔσῃ τοὺς μὲν ἄλλους διαφκε τοὺς δὲ συνειδότας περὶ τς ἐπιθέσεως ὄντας πολίτας μὲν πεντακοσίους μισθοφόρους δὲ περὶ χιλίους ἀνέδειξεν ἑαυτὸν τύραννον
150
homens de Bomiacutelcar de por fim ao que poderia representar a
falecircncia (mesmo que momentacircnea) de suas instituiccedilotildees
poliacuteticas tradicionais Apoacutes a rendiccedilatildeo dos traidores os
cartagineses enviaram os seus cidadatildeos mais velhos (πρέσβεις)
para o estabelecimento de um acordo e decidiram perdoar os
traidores que tiveram que ldquopagarrdquo o perdatildeo com serviccedilo
militar contra Agaacutetocles mas torturaram e mataram o seu
liacuteder Bomiacutelcar preservando assim ldquoa constituiccedilatildeo de seus
paisrdquo (τὴν πατρῴαν πολιτείαν)
Parece seguro dizer que o uacutenico caso registrado de
tentativa de instauraccedilatildeo da tirania em Cartago durante o
primeiro seacuteculo do periacuteodo heleniacutestico tinha propoacutesitos
puramente claacutessicos primeiramente por que a sua
classificaccedilatildeo como ldquoheleniacutesticardquo cairia diante da acusaccedilatildeo
de anacronismo de fato natildeo vejo maneira de um cartaginecircs
ter concebido seu poder em imitaccedilatildeo agrave monarquia de
Alexandre antes mesmo da autoproclamaccedilatildeo dos Diaacutedocos como
reis333
Aleacutem disso a experiecircncia cartaginesa aponta para o
modelo tiracircnico siciliano tardo-claacutessico sem qualquer
vivecircncia direta (ao menos nas esferas oligaacuterquica e
popular) com os valores monaacuterquicos heleniacutesticos Ainda que
Agaacutetocles tenha desenvolvido os princiacutepios de sua basileia
durante a expediccedilatildeo cartaginesa a configuraccedilatildeo de seu
poder natildeo se dirigia nem aos cartagineses nem aos cidadatildeos
em Siracusa como sustentamos no capiacutetulo anterior mas sim
agraves suas tropas mercenaacuterias que reconheceram seu poder no
episoacutedio da toga puacuterpura e que tinham condiccedilotildees a julgar
pelo tracircnsito mediterracircnico inerente agrave sua profissatildeo de
saber do que se tratava o poder reacutegio assumido por
Agaacutetocles alguns anos apoacutes a batalha de Tuacutenis em 310 aC
Embora tivessem empregado mercenaacuterios em larga escala a
esfera de atuaccedilatildeo poliacutetica dos cartagineses incluindo seus
generais permaneceu estritamente ligada aos modelos
333 Esse eacute o mesmo argumento que utilizei no cap3
151
claacutessicos tendo o uacutenico caso fracassado de ascensatildeo
tiracircnica no periacuteodo heleniacutestico ocorrido em 310 aC antes
mesmo do surgimento das monarquias heleniacutesticas
Apoacutes o episoacutedio de Bomiacutelcar a oligarquia cartaginesa
manteve-se como de costume precavida quanto agraves possiacuteveis
chances da emergecircncia de tiranias em Cartago As fontes natildeo
mencionam outro caso declarado de aspiraccedilatildeo tiracircnica mas
penso que podemos tomar ao considerar uma sistematizaccedilatildeo
das evidecircncias disponiacuteveis a reaccedilatildeo dos cartagineses ao
sucesso militar de Xantipo (o qual seraacute analisado em
detalhes mais agrave frente) como indiacutecio de precauccedilatildeo quanto a
uma ldquotirania em potencialrdquo o que serve em igual medida
para o meu argumento
As fontes fornecem histoacuterias bastante distintas sobre o
desaparecimento do general mercenaacuterio apoacutes serviccedilo prestado
aos cartagineses Comecemos com Poliacutebio
Xantipo a quem essa revoluccedilatildeo e esse notaacutevel avanccedilo
nos eventos relacionados a Cartago foram devidos apoacutes
pouco tempo navegou mais uma vez a Esparta sendo esta
uma decisatildeo muito prudente e bem pensada de sua parte
uma vez que suas realizaccedilotildees brilhantes e excepcionais
cultivariam a inveja mais profunda [] Estrangeiros
quando expostos a tais situaccedilotildees rapidamente sucumbem
e potildeem-se em perigo Haacute outro relato sobre a partida de
Xantipo o qual procurarei apresentar numa ocasiatildeo mais
apropriada que a atual334
Mas qual seria esse segundo relato mencionado por
Poliacutebio Parece possiacutevel dizer a partir do que narram
outras fontes que Poliacutebio estivesse se referindo agrave versatildeo
que encontramos com mais clareza nos fragmentos do livro
23 de Diodoro
334 Polib 136 Ξάνθιππος δὲ τηλικαύτην ἐπίδοσιν καὶ ῥοπὴν ποιήσας τοῖς Καρχηδονίων πράγμασιν μετ ο πολὺν χρόνον ἀπέπλευσεν πάλιν φρονίμως καὶ συνετς βουλευσάμενος αἱ γὰρ ἐπιφανεῖς καὶ παράδοξοι πράξεις βαρεῖς μὲν τοὺς φθόνους ὀξείας δὲ τὰς διαβολὰς γεννσιν [hellip] οἱ δὲ ξένοι ταχέως ἐφ ἑκατέρων τούτων ἡττνται καὶ κινδυνεύουσι λέγεται δὲ καὶ ἕτερος πὲρ τς ἀπαλλαγς τς Ξανθίππου λόγος ὃν πειρασόμεθα διασαφεῖν οἰκειότερον λαβόντες τοῦ παρόντος καιρόν
152
Xantipo o Espartano tambeacutem pereceu nas matildeos dos
siciliotas335 Proacuteximo a Lilibeu uma cidade dos
siciliotas [cartagineses] houve uma guerra entre
romanos e siciliotas guerra essa que continuou por 24
anos Os siciliotas tendo sofrido derrota em batalha
por diversas vezes ofereceram a submissatildeo de sua
cidade aos romanos Xantipo o Espartano que havia
chegado de Esparta com 100 soldados (ou sozinho ou com
50 soldados de acordo com vaacuterios autores) se
aproximou dos siciliotas enquanto eles ainda estavam
indecisos e apoacutes conversar com eles por meio de um
inteacuterprete finalmente os encorajou a fazer frente aos
inimigos Ele entrou em batalha com os romanos e com a
ajuda dos siciliotas massacrou todo o exeacutercito inimigo
Por seu bom serviccedilo prestado [Xantipo] recebeu uma
recompensa merecida e apropriada agravequele povo perverso
uma vez que os moralmente abominaacuteveis o enviaram numa
embarcaccedilatildeo defeituosa e a naufragaram nas aacuteguas do
Adriaacutetico como expressatildeo de seu ressentimento para com
o heroacutei e sua nobreza336
Os relatos posteriores apresentam mais ou menos uma das
duas versotildees Apiano relata o retorno de Xantipo a Esparta
ainda que a viagem tenha sido propositalmente organizada
pelos cartagineses para o extermiacutenio do general durante o
percurso de volta o que se deu com o arremesso de Xantipo
e seus compatriotas da embarcaccedilatildeo em mar aberto337
Os
fragmentos do livro 11 de Caacutessio Dio os quais foram
parcialmente preservados em Zonaras informam duas versotildees
possiacuteveis que sua embarcaccedilatildeo foi atacada pelos proacuteprios
cartagineses e que a embarcaccedilatildeo cedida a ele pelos
335 Apoacutes analisar todo o fragmento fica evidente que Diodoro trocou
(talvez por confusatildeo) em toda a passagem cartagineses por
siciliotas 336 Diod 2316 τοῖς Σικελοῖς καὶ Ξάνθιππος ὁ Σπαρτιάτης θνήσκει περὶ γὰρ τὸ Λιλύβαιον τν Σικελν τὴν πόλιν Ῥωμαίοις τε καὶ Σικελοῖς πόλεμος ἐκροτεῖτο πρὸς εἴκοσι καὶ τέσσαρας τοὺς χρόνους ἐξαρκέσας οἱ Σικελοὶ ταῖς μάχαις δὲ πολλάκις ἡττημένοι Ῥωμαίοις ἐνεχείριζον τὴν πόλιν εἰς δουλείαν τν δὲ Ῥωμαίων μηδαμς μηδ οὕτω πειθομένων ἀλλὰ γυμνοὺς τοὺς Σικελοὺς λεγόντων ἐξιέναι ὁ Σπαρτιάτης Ξάνθιππος ἐλθὼν ἀπὸ τς Σπάρτης σὺν στρατιώταις ἑκατόν ἢ μόνος καθ ἑτέρους κατ ἄλλους δὲ πεντήκοντα τοὺς στρατιώτας ἔχων καὶ προσβαλὼν τοῖς Σικελοῖς οὖσιν ἐγκεκλεισμένοις δι ἑρμηνέως τε ατοῖς πολλὰ συνομιλήσας τέλος θαρρύνει κατ ἐχθρν καὶ συναράξας μάχῃ ἅπαν Ῥωμαίων στράτευμα σὺν τούτοις κατακόπτει τοῖς εηργετημένοις δὲ τὴν ἀμοιβὴν λαμβάνει ἀξίαν καὶ κατάλληλον τς τούτων δυστροπίας πλοίῳ
σαθρῶ τὸν ἄνδρα γὰρ οἱ μιαροὶ βαλόντες πὸ στροφαῖς βυθίζουσι πελάγει τοῦ Ἀδρίου βασκήναντες τὸν ἥρωα καὶ τούτου τὸ γενναῖον 337 Apiano 81
153
cartagineses era velha e por esse motivo naufragaria
inevitavelmente natildeo fosse a percepccedilatildeo de Xantipo acerca do
que estava a ocorrer e a subsequumlente troca da embarcaccedilatildeo
por uma nova338
A despeito de alguns elementos divergentes parece
possiacutevel unificar os relatos de um modo bastante aceitaacutevel
Se tomarmos a informaccedilatildeo encontrada em Poliacutebio Diodoro
Apiano e Caacutessio Dio concluiacutemos que Xantipo apoacutes liderar
vitoriosamente os cartagineses decidiu regressar para
Esparta (ainda que algumas fontes natildeo mencionem abertamente
Esparta mas somente a embarcaccedilatildeo e as honrarias preparadas
pelos cartagineses como forma de agradecer os bons serviccedilos
prestados o que sugere o fim do ldquocontratordquo e portanto o
retorno do mercenaacuterio ao mundo grego) Se os cartagineses
afundaram abertamente a embarcaccedilatildeo ou apenas assassinaram
Xantipo tendo preservado o navio se o mesmo naufragou
devido ao seu estado propositalmente defeituoso ou ainda
se Xantipo foi capaz de chegar satildeo e salvo em Esparta
apesar das armadilhas preparadas torna-se a essa altura
informaccedilatildeo irrelevante dado que em todos os cenaacuterios
possiacuteveis os cartagineses natildeo teriam demonstrado a menor
intenccedilatildeo de tornar a viagem de volta de Xantipo bem-
sucedida
Por que Xantipo decidiu navegar de volta para a Greacutecia
apoacutes tamanho sucesso contra os romanos Xantipo
provavelmente sabia que a ascensatildeo do poder pessoal em
Cartago era um processo muito complicado e por essa razatildeo
natildeo demonstrou qualquer intenccedilatildeo de expandir sua autoridade
entre os cartagineses Todavia os motivos que levaram
Cartago a assegurar que a viagem de Xantipo fosse
desastrosa parecem claros como nos casos anteriores os
cartagineses se esforccedilaram em impedir qualquer ascensatildeo de
poder pessoal dos strategoi possivelmente por conta do que
338 Zonaras 1113
154
estavam habituados a ver na Siciacutelia grega Apoacutes ter
concluiacutedo a segunda reforma do exeacutercito cartaginecircs como
veremos mais agrave frente neste capiacutetulo Xantipo eacute tirado de
cena pelos cartagineses direta ou indiretamente de
maneira a fortalecer o argumento sobre a preocupaccedilatildeo
cartaginesa no que respeita agrave possiacutevel ascensatildeo de tiranos
em Cartago o que representaria um desequiliacutebrio fatal das
instituiccedilotildees poliacuteticas tradicionais
155
2 O exeacutercito cartaginecircs
Ao fornecer uma explicaccedilatildeo para a superioridade do
exeacutercito romano frente ao cartaginecircs Poliacutebio argumenta
que
Os cartagineses satildeo naturalmente superiores no mar
tanto em eficiecircncia quanto em equipamento por que a
navegaccedilatildeo eacute desde os primoacuterdios o seu ofiacutecio nacional
([] Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην) e eles se ocuparam com o mar mais do que
qualquer outro povo mas com relaccedilatildeo ao serviccedilo militar
em terra firme os romanos satildeo muito mais eficientes
De fato eles direcionaram toda sua energia ao assunto
ao passo que os cartagineses negligenciaram
inteiramente sua infantaria (Καρχηδόνιοι δὲ τν μὲν πεζικν εἰς τέλος ὀλιγωροῦσι) ainda que tenham se dedicado
ligeiramente agrave sua cavalaria A razatildeo para isto eacute que
as tropas por eles empregadas satildeo estrangeiras e
mercenaacuterias (ξενικαῖς καὶ μισθοφόροις) ao passo que as dos
romanos satildeo nativas e ciacutevicas (ἐγχωρίοις καὶ πολιτικαῖς)339
Da passagem de Poliacutebio podemos destacar natildeo somente
alguns dos traccedilos centrais para o estudo das evidecircncias
sobre o exeacutercito cartaginecircs (nomeadamente seu caraacuteter
mercenaacuterio e portanto agrave parte do desenvolvimento de uma
cultura militar ciacutevica) mas tambeacutem a ausecircncia de qualquer
tentativa de padronizaccedilatildeo das tropas em unidades taacuteticas
(excetuando o pequeno corpo ciacutevico chamado pelos gregos de
ieros lochos) que pudessem ser reconhecidas e treinadas
pelos generais em situaccedilotildees previamente ldquoensaiadasrdquo De
forma similar ao que ocorria com os persas as tropas que
combatiam pelos cartagineses seguiam os padrotildees
(equipamentos e taacuteticas) de suas regiotildees de origem a
exemplo dos fundeiros das ilhas Baleares ou dos cavaleiros
339 Polib 652
156
numiacutedios Parece mais profiacutecuo portanto realizar uma
anaacutelise do exeacutercito a partir de suas origens eacutetnicas340
Da Numiacutedia os cartagineses contavam com a sua melhor
cavalaria tropas montadas sem sela armadas com lanccedila de
arremesso e capazes de combater tanto em regiotildees
acidentadas quanto planas surpreendendo o inimigo por sua
precisatildeo e movimentaccedilatildeo raacutepida recursos que por vezes
foram empregados como elemento surpresa pelos generais
cartagineses mais capazes a exemplo de Aniacutebal Barca341
As
taacuteticas empregadas pelos numiacutedios uma vez que eram
cavalaria levemente armada com lanccedilas de arremesso
repousavam naturalmente numa loacutegica distinta daquela
encontrada entre os cavaleiros macedocircnios pesadamente
armados apostando no ldquoarremesso perioacutedicordquo de suas lanccedilas
e em recuos taacuteticos que evitavam a todo custo o choque
frontal com o inimigo Talvez por esse motivo os numiacutedios
tenham sido classificados pelos romanos como covardes
traiccediloeiros e com ldquoapetites mais violentos que quaisquer
outros baacuterbarosrdquo342
Os cartagineses contavam aleacutem dos numiacutedios com os
fundeiros das ilhas Baleares De maneira geral esses
homens eram organizados em corpos de 2000 soldados armados
com dois tipos de funda uma empregada para desferir
ataques contra um inimigo compacto marchando em meacutedia
distacircncia e outra para alvos individuais obviamente mais
proacuteximos que os primeiros343
Embora sua arma caracteriacutestica
seja a funda durante o primeiro contato com os
cartagineses344 alguns dos soldados baleaacutericos estavam
340 Griffith pp 207-233 Peter Connolly Greece and Rome at War
London Macdonald 1981 pp 148-152 Bagnall op cit pp8-11 Daly
pp 84-112 341 Bagnall op cit p 8 Daly pp 92-93 342 Tito Liacutevio 2541 2844 2923 3012 Daly p92 343 Estrabatildeo 35 Bagnall op cit pp 8-9 Daly p 107 344 Diod 1380 faz referecircncia a soldados baleaacutericos no exeacutercito
cartaginecircs para os finais do seacutecV aC Cf Steacutephane Gsell Histoire
ancienne de lAfrique du Nord (vol2) Paris Hachette 1914-1930 P
374 Daly p 107
157
armados com lanccedila de arremesso como nos informa Estrabatildeo
sendo normalmente pagos de acordo com Diodoro em mulheres
e vinho345
O pagamento mencionado em Diodoro claramente
induz agrave sua caracterizaccedilatildeo como tropas mercenaacuterias aleacutem do
historiador siciliano Poliacutebio faz referecircncia ao pagamento
dos soldados baleaacutericos durante a Revolta Mercenaacuteria (241-
237 aC) e posteriormente na batalha de Zama (202
aC)346
Os iberos tambeacutem desempenhavam papel importante na
composiccedilatildeo do exeacutercito cartaginecircs desde tempos anteriores agrave
consolidaccedilatildeo dos Baacutercidas Antes da investida Baacutercida na
Ibeacuteria ou Hispacircnia a presenccedila cartaginesa na regiatildeo
resumia-se a acordos comerciais e alianccedilas sendo alguns
iberos recrutados portanto como mercenaacuterios a serviccedilo de
Cartago347 Durante a Segunda Guerra Puacutenica ou mesmo um
pouco antes os soldados iberos passaram a servir como
contingente aliado ainda que alguns possam ter sido
recrutados unicamente como mercenaacuterios348 De onde
precisamente eles afluiacuteam eacute algo difiacutecil de mapear uma vez
que mesmo Estrabatildeo encontrou dificuldade em delimitar
geograficamente a Ibeacuteria ou Hispacircnia349 de seu tempo Jaacute na
eacutepoca da invasatildeo anibaacutelica Poliacutebio350 indica seguramente
que as tropas ibeacutericas enviadas agrave Aacutefrica advinham das
seguintes regiotildees Tersitae Mastiani Oretes ibeacuterica e
Olcades Talvez tais regiotildees tenham sido previamente
conhecidas pelos cartagineses e seu contato aumentado com
a ascensatildeo Baacutercida subsequumlente agrave Primeira Guerra Puacutenica
mas essas satildeo apenas suposiccedilotildees sem evidecircncias diretas nas
fontes
345 Diod 517 346 Polib 167 1511 Daly p 107 347 Heroacutedoto faz referecircncia aos iberos no livro 7165 Trata-se aqui
dos iberos da Hispacircnia natildeo os da regiatildeo do Caacuteucaso 348 Griffith pp 225-226 Daly p 95 349 Estrabatildeo 34 350 Polib 333
158
A grande contribuiccedilatildeo dos iberos para a arte da guerra
mediterracircnica residia em sua espada peculiar a todos os
povos conhecidos da regiatildeo peninsular a espada falcata Os
iberos empregavam basicamente dois tipos de espada mas
Poliacutebio descreve a que provocou impacto nos usos do
armamento romano particularmente na adoccedilatildeo do gladius
hispaniensis (o qual se tornou a principal arma de combate
corpo-a-corpo dos legionaacuterios possuindo cerca de 60 cm de
comprimento com dois lados cortantes e uma ponta)351
Os escudos dos iberos e celtas eram muito similares
mas suas espadas eram completamente diferentes (τὰ δὲ ξίφη τὴν ἐναντίαν εἶχε διάθεσιν) sendo aquelas dos iberos
perfurantes com a mesma fatalidade de quando usadas no
corte ([] τὸ κέντημα τς καταφορᾶς ἴσχυε πρὸς τὸ βλάπτειν)352
O maior nuacutemero de mercenaacuterios usados pelos cartagineses
era contudo de liacutebios provenientes da regiatildeo da atual
Tuniacutesia Griffith recorda que no seacutecVI aC353
os
cartagineses passaram gradualmente a confiar a defesa de
sua cidade em tropas aliadas e mercenaacuterias em sua maioria
formada por liacutebios354 A historiografia mais recente tem
observado que os liacutebios referidos por Heroacutedoto em Himera
(480 aC)355 deveriam ter estatuto de tropas pagas
considerando-se que a subjugaccedilatildeo de territoacuterios africanos
vizinhos pelos cartagineses eacute posterior agrave batalha de
Himera356 Aleacutem disso que os liacutebios tenham sido recrutados
como forma de tributaccedilatildeo com o decorrer da expansatildeo
territorial cartaginesa parece improvaacutevel a julgar pela
identificaccedilatildeo polibiana dos liacutebios com as demais tropas
351 Connoly op cit p150 Daly p 97 352 Polib 3114 353 Precisar a data eacute impossiacutevel 354 Griffith pp 207-208 355 Hdt 7165 356 Brian H Warmington Carthage New York Praeger 1960 P 40
Serge Lancel Carthage a history Oxford Cambridge MA Blackwell
1995 P 257 Daly p 84
159
seguramente mercenaacuterias357 Por fim o seu armamento era
basicamente a lanccedila e o escudo (o formato eacute assunto
controverso) sendo ambos empregados por infantaria
disposta em boa ordem o que por vezes levou historiadores
a acreditarem numa similaridade com o modelo hopliacutetico
grego358
No entanto quando Poliacutebio e outros autores
antigos mencionam organizaccedilatildeo em falange para tropas natildeo-
gregas o termo frequumlentemente indica apenas infantaria
pesadamente armada ou ldquoem massardquo sem precisar um corpo de
soldados dispostos na mesma loacutegica que regia a falange
hopliacutetica Os liacutebios lutavam por vezes como infantaria
coesa a exemplo do que Plutarco narra em Crimiso (340
aC) ocasiatildeo em que 10000 homens (entre liacutebios e
cartagineses) surpreenderam pela marcha compassada e em boa
ordem (τῆ βραδυττι καὶ τάξει τς πορείας)359 mas dificilmente
combatiam como hoplitas
Quanto aos elefantes os mesmos foram introduzidos na
arte da guerra do ocidente heleniacutestico por Pirro do Epiro
Alguns anos depois os paquidermes passaram a ser usados
pelos cartagineses que os adquiriam basicamente nos
arredores de Cartago e na costa do atual Marrocos embora
Aniacutebal Barca tenha ldquoimportadordquo alguns do Egito
ptolomaico360
Como explicado ao longo do cap2 os
elefantes tinham efeito desproporcional se considerado o
seu pequeno nuacutemero mas dependiam largamente de condiccedilotildees
favoraacuteveis ao seu uso Sendo um traccedilo da arte da guerra
heleniacutestica seraacute possiacutevel observar uma modificaccedilatildeo taacutetica
crucial no emprego dos elefantes pelos cartagineses apoacutes
Xantipo uma vez que os generais de Cartago tendiam a
empregaacute-los como forccedila de apoio agrave cavalaria ou como
357 Um exemplo claro encontra-se em Polib 167 358 Um bom exemplo eacute Le Bohec op cit pp 39-40 que questiona ateacute se
os cartagineses uma vez que combatiam em falange (argumento de Le
Bohec) teriam adotado a lanccedila macedocircnica (sarissa) 359 Plut Tim 27 360 Bagnall op cit p 9
160
ldquoguardiotildees da bagagemrdquo sem ter considerado o seu uso ao
centro (contra uma infantaria massificada) de modo
integrado com a investida montada nas alas
161
3 As primeiras inovaccedilotildees militares na Cartago
heleniacutestica ou a transformaccedilatildeo logiacutestica frente agrave
ameaccedila grega 310-307 aC
A incorporaccedilatildeo dos homens de Ophellas ao exeacutercito de
Agaacutetocles foi acompanhada como visto anteriormente pela
tentativa desesperada de ascensatildeo do poder tiracircnico em
Cartago a qual havia sido liderada por Bomiacutelcar Ambos os
eventos contudo natildeo possuiacuteam conexatildeo direta mas
provocaram sem duacutevida abalo consideraacutevel no moral do
exeacutercito cartaginecircs o que pode justificar como enfatizou
Meister o grande sucesso de Agaacutetocles ao tomar portos e a
cidade de Uacutetica a mais importante depois de Cartago apoacutes
longa resistecircncia de seus cidadatildeos361 Isso permitiria a
Agaacutetocles o estabelecimento de uma linha de comunicaccedilatildeo
permanente com a Siciacutelia o que se traduziria em peacutessimas
notiacutecias para os cartagineses Diante de situaccedilatildeo tatildeo
favoraacutevel contudo o siracusano teve que retornar agrave
Siciacutelia urgentemente levando consigo 2000 homens e
nomeando Arcagatos para o comando das tropas na Aacutefrica362
Sua partida se transformaraacute no iniacutecio de uma reviravolta na
expediccedilatildeo africana Ainda que seus oficiais (nomeadamente
Eumachos) tenham conseguido capturar algumas cidades
(incluindo Hippo Acra e Acris) subjugando parcialmente
povos nocircmades uma uniatildeo desses povos em prol de sua
liberdade e as adversidades das regiotildees africanas
provocaram o recuo dos gregos363
De fato Eumachos havia
conquistado excelente reputaccedilatildeo entre os homens de
Agaacutetocles ao retornar vitorioso de sua primeira campanha
mas a resistecircncia combinada dos nocircmades provocou a baixa de
muitos homens bem como o recuo imediato dos demais sendo
361 Diod 2043 Meister CAH 7 p 398 362 Diod 2055 Justino 228 363 Consolo Langher pp 219-226
162
impossiacutevel avanccedilar sobre os territoacuterios devido a sua
inospicidade natural364 Essa primeira mudanccedila na
perspectiva geral da expediccedilatildeo africana seraacute acompanhada do
que sustento ter sido uma reforma logiacutestica no exeacutercito
cartaginecircs
De acordo com Diodoro seguindo a traduccedilatildeo da Loeb o
Senado em Cartago recebeu bom conselho sobre a guerra (τς
γερουσίας ἐν Καρχηδόνι βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου καλς) e os senadores
decidiram formar trecircs exeacutercitos e enviaacute-los da cidade cada
um com destino proacuteprio sendo o primeiro contra as cidades
costeiras o segundo contra as regiotildees intermediaacuterias e o
terceiro contra as cidades no interior365
A partir disso a
guerra tomou outros rumos privando os gregos da vantagem
ateacute entatildeo assegurada a qual foi devida principalmente agrave
inexperiecircncia dos cartagineses frente aos homens ldquoeducados
na escola do perigordquo Seria possiacutevel presumir que algum
general mercenaacuterio em particular concretizado como
personagem histoacuterica da mesma forma que Xantipo alguns
anos mais tarde teria aconselhado o Senado cartaginecircs sem
ter com isso assumido qualquer posiccedilatildeo de comando o que
seria plausiacutevel se tiveacutessemos evidecircncias mais concretas
(tais como nomes) Essa situaccedilatildeo hipoteacutetica asseguraria
inclusive a traduccedilatildeo acima mencionada Mas o verbo
βουλευσαμένης tal qual aparece na citaccedilatildeo natildeo eacute a forma
passiva de βουλεύω (normalmente ldquoreceber ou tomar conselho
sobre algordquo)366 Noutras palavras nesse caso especiacutefico o
mais correto seria traduzir βουλευσαμένης περὶ τοῦ πολέμου como
ldquodeliberou [o proacuteprio Senado] sobre a guerrardquo o que pode
gerar a ilusatildeo se considerada somente a sintaxe do texto
364 Diodoro (2058) menciona uma montanha cheia de gatos selvagens
(πλήρους δ ὄντος αἰλούρων) e mais adiante uma ldquoterra dos siacutemiosrdquo
(Πιθηκοῦσαι νσοι) sendo a primeira ldquoinoacutespita inclusive aos paacutessarosrdquo e a segunda com costumes muito diferentes dos gregos 365 Diod 2059 366 A forma passiva seria βουλευθείσης Sobre esse esclarecimento sou
grato a Nicolas Bertrand membro da Faculdade de Liacutenguas e culturas
antigas da Universidade Lille 3
163
de que o Senado teria deliberado a partir de uma discussatildeo
entre os senadores apenas homens idosos sem qualquer
experiecircncia militar ignorando portanto aconselhamentos
de a uma pessoa ou grupo aleacutem dos proacuteprios senadores As
informaccedilotildees contidas em Diodoro todavia apontam
claramente para orientaccedilotildees de algueacutem militarmente
experiente capaz de dar uma reviravolta estrateacutegica na
guerra ao dividir o exeacutercito cartaginecircs em trecircs unidades
De acordo com Diodoro os cartagineses pensaram em
primeiro lugar que o envio de 30000 soldados aliviaria a
cidade da obrigaccedilatildeo de tantas provisotildees as quais eram jaacute
escassas a essa altura do conflito e eliminaria o risco do
cerco uma vez que o inimigo estaria ocupado com os
exeacutercitos avanccedilados Em segundo lugar eles concluiacuteram que
a lealdade de seus aliados seria assegurada se os mesmos
pudessem contar com o apoio de tropas cartaginesas as
quais desencorajariam qualquer traiccedilatildeo aos gregos algo
historicamente usual quando cidades aliadas militarmente
fracas punham-se diante da presenccedila superior das tropas
inimigas e do descaso de seus aliados Por uacuteltimo a
terceira e a principal razatildeo para a nova organizaccedilatildeo
logiacutestica de seu exeacutercito ldquoacima de tudo eles esperavam
que os inimigos se vissem forccedilados a dividir as suas forccedilas
e a recuar para longe de Cartagordquo (τὸ δὲ μέγιστον ἤλπιζον καὶ τοὺς
πολεμίους ἀναγκασθήσεσθαι μερίζειν τὰς δυνάμεις καὶ μακρὰν ἀποσπᾶσθαι τς
Καρχηδόνος)367
Como podemos notar essas satildeo razotildees de ordem militar
(especialmente a uacuteltima e mais importante delas) as quais
natildeo poderiam ter sido concebidas por senadores sem
experiecircncia militar adequada ou mesmo por generais
igualmente inexperientes (uma constante em Cartago ao
menos ateacute a ascensatildeo Baacutercida) o que explica o envio uacutenico
e prematuro de todo o exeacutercito pelos generais cartagineses
367 Diod 2059 Consolo Langher pp 226-227
164
antes da referida reforma Portanto ainda que nenhuma
personagem histoacuterica possa ser precisada ou nomeada
diferentemente do que ocorreraacute mais tarde com Xantipo
parece seguro dizer que oficiais mercenaacuterios (os quais eram
encontrados em abundacircncia entre os cartagineses mas sempre
desempenhando funccedilotildees de oficiais de autoridade menor)
cuja experiecircncia militar eacute fator inegaacutevel teriam
aconselhado o Senado nessa ocasiatildeo O recrutamento
posterior de Xantipo ilustra que esse aconselhamento era
algo considerado pelos oligarcas em casos de perigo
extremo natildeo sendo absurda a ascensatildeo momentacircnea de
generais mercenaacuterios (gregos por deduccedilatildeo) ao comando do
exeacutercito mesmo que eles estivessem restritos ao niacutevel do
aconselhamento dos cartagineses por meio de inteacuterpretes368
O Senado enviou entatildeo cerca de 30000 homens em unidades
aproximadas de 10000 soldados deixando em Cartago apenas
os homens suficientes para a defesa da cidade Com isso os
defensores poderiam desfrutar das provisotildees necessaacuterias e
os grupamentos enviados assegurariam o apoio dos aliados ou
povos nocircmades neutros no conflito369
Ao ver que as regiotildees
que antes natildeo contavam com a presenccedila militar cartaginesa
agora tinham tropas enviadas por Cartago Arcagatos se viu
forccedilado a dividir tambeacutem as suas forccedilas pois soacute assim
poderia enfrentar a investida inimiga um primeiro
destacamento foi enviado para a regiatildeo costeira seguido
pelo envio de tropas sob o comando de Aeschrion
responsaacutevel pelo combate dos cartagineses localizados nas
regiotildees intermediaacuterias e da terceira parte (sob o comando
do proacuteprio Arcagatos) do exeacutercito para as cidades do
interior
Os resultados natildeo foram nada favoraacuteveis aos gregos
Aeschrion pereceu em batalha apoacutes uma emboscada preparada
368 Inteacuterpretes satildeo mencionados por Diod 2316 no caso de Xantipo 369 Diod 2059 Consolo Langher p 231
165
por Hanatildeo general cartaginecircs sobre o qual nada sabemos
aleacutem do plano para a morte do comandante grego Segundo
Diodoro os cartagineses avanccedilaram sobre eles de forma
inesperada contrariando todas as expectativas e abateram
mais de 4000 soldados de infantaria 200 cavaleiros e o
proacuteprio general ([] καὶ παραδόξως ἐπιθέμενος ἀνεῖλε πεζοὺς μὲν πλείους
τν τετρακισχιλίων ἱππεῖς δὲ περὶ διακοσίους ἐν οἷς ἦν καὶ ατὸς ὁ στρατηγός)
Diante disso sem ter como revidar as tropas sobreviventes
retiraram-se para o acamamento de Arcagathus distante
cerca de 90 quilocircmetros (500 estaacutedios gregos ἀπέχοντα σταδίους
πεντακοσίους)370 Himilco general cartaginecircs responsaacutevel pelas
tropas dirigidas ao interior aguardava em posiccedilatildeo
defensiva favoraacutevel numa cidade aparentemente bem
fortificada Os soldados de Eumachos retornavam de sua
campanha a marcha lenta por causa dos espoacutelios obtidos das
cidades capturadas quando se depararam com os cartagineses
de Himilco Desafiados para uma batalha decisiva os
cartagineses aceitaram o combate mas natildeo da forma como os
gregos esperavam Parte das tropas foi deixada escondida na
cidade e a outra parte se apresentou em campo aberto
simulando uma retirada apoacutes iniciada a batalha o que teria
provocado o avanccedilo precipitado e desordenado dos homens de
Eumachos provavelmente confiantes demais com o resultado
da campanha no interior Os gregos findaram por pressionar
em confusatildeo aqueles que estavam em recuo ([] καὶ
τεθορυβημένως τν ποχωρούντων ἐξήπτοντο) momento em que as ordens
de Himilco foram executadas pelas tropas que haviam sido
deixadas na cidade como forccedila de reserva
Himilco deixou parte de seu exeacutercito em armas na
cidade ordenando que no momento em que ele se
370 Diod 2060
166
retirasse em fuga simulada o exeacutercito castigasse os
seus perseguidores371
Envolvidos dessa maneira os gregos entraram em pacircnico
e bateram em retirada sendo impedidos de retornar ao seu
acampamento pelos cartagineses o que gerou a
impossibilidade da aquisiccedilatildeo de aacutegua e facilitou por
consequumlecircncia a finalizaccedilatildeo por parte dos cartagineses
Diodoro menciona que de um total de 8000 soldados
infantaria e 800 cavaleiros apenas 70 sobreviveram a essa
batalha Arcagato entatildeo reuniu os soldados sobreviventes
desses infortuacutenios e enviou um relatoacuterio a Agaacutetocles
solicitando a sua ajuda o mais raacutepido possiacutevel Os
cartagineses sendo vitoriosos conseguiram o apoio de
muitos desertores do exeacutercito grego que cercado por terra
e mar aguardava desesperadamente reforccedilo vindo da Siciacutelia
A chegada de Agaacutetocles natildeo modificou sensivelmente a
situaccedilatildeo desfavoraacutevel aos gregos Justino menciona uma
soluccedilatildeo momentacircnea para o motim dos mercenaacuterios os quais
natildeo deveriam pedir o pagamento de seu comandante ldquomas
tomaacute-lo do inimigordquo (sed ab hoste quaerenda) Ainda de
acordo com a forma que Justino via o discurso de Agaacutetocles
aos seus homens eles deveriam ldquoobter uma vitoacuteria e um
espoacutelio comunsrdquo (communem victoriam communem praedam
futuram)372
Mas o pagamento natildeo veio pois os inimigos natildeo
puderam ser derrotados Sabendo de sua condiccedilatildeo favoraacutevel
particularmente quanto ao terreno linhas de abastecimento
e moral das tropas os cartagineses aguardaram em seu
acampamento tendo assim forccedilado Agaacutetocles diante da
inquietaccedilatildeo de seus mercenaacuterios373 a arriscar uma batalha
371 Diod 2060 [] Ἰμίλκων μέρος μὲν τς στρατιᾶς κατέλιπε διεσκευασμένον ἐν τῆ πόλει διακελευσάμενος ὅταν ατὸς ἀναχωρῆ προσποιούμενος φεύγειν ἐπεξελθεῖν τοῖς ἐπιδιώκουσιν 372 Justino 228 373 Diod 2064 menciona desistecircncia por parte dos mercenaacuterios no curto
tempo que Agaacutetocles decidiu esperar por condiccedilotildees estrateacutegicas mais
favoraacuteveis
167
sem as vantagens baacutesicas exigidas para tanto Pressionado
por todos os lados seus homens natildeo puderam resistir e a
batalha logo estava completamente perdida
Ainda que natildeo tenhamos informaccedilotildees detalhadas sobre
essa uacuteltima derrota grega na Aacutefrica parece certo deduzir
que as taacuteticas cartaginesas natildeo eram a essa altura
ldquoheleniacutesticasrdquo apesar do contato direto com Agaacutetocles Se
tiveacutessemos maiores detalhes sobre as taacuteticas em campo
aberto as mesmas provavelmente confirmariam o
ldquodiagnoacutesticordquo de Xantipo cerca de 50 anos mais tarde
durante a Primeira Guerra Puacutenica que os cartagineses foram
derrotados naquele tempo pelos romanos devido agrave
inexperiecircncia de seus generais De modo geral as taacuteticas
heleniacutesticas representavam o que havia de mais atualizado e
eficiente na arte da guerra mediterracircnica pois
consideravam os diversos aspectos do confronto armado Os
generais cartagineses natildeo estavam capacitados para tais
modificaccedilotildees executando no fim do seacutecIV aC manobras
tiacutepicas do periacuteodo claacutessico nem tinham proximidade com a
figura de Alexandre ou conhecimento suficiente de sua
expediccedilatildeo asiaacutetica para a realizaccedilatildeo da referida tarefa
antes de Xantipo Mas algo mudou durante a expediccedilatildeo
africana de Agaacutetocles o envio das tropas a territoacuterio
africano obedeceu diante da ameaccedila estrangeira em seu
territoacuterio a criteacuterios logiacutesticos mais apurados o que
parece ter sido produto de aconselhamento por parte dos
mercenaacuterios
168
4 As uacuteltimas inovaccedilotildees militares em Cartago no
periacuteodo preacute-Baacutercida ou a transformaccedilatildeo taacutetica
frente agrave ameaccedila romana 255 aC
41 A Primeira Guerra Puacutenica 264-241 aC
411 A particularidade da primeira guerra cartaginesa
contra os romanos
As Guerras Puacutenicas sempre atraiacuteram a atenccedilatildeo dos
historiadores particularmente aqueles interessados em
entender o momento em que os romanos iniciaram sua expansatildeo
para aleacutem da Peniacutensula Itaacutelica374
O primeiro desses
conflitos a chamada Primeira Guerra Puacutenica (264-241 aC)
foi a guerra contiacutenua mais longa da histoacuteria romana e
levando-se em consideraccedilatildeo o seu impacto sobre a formaccedilatildeo
das colocircnias romanas no Mediterracircneo a mais importante
delas Parece oacutebvio chegar a essa conclusatildeo quando se tem
em mente que durante o primeiro confronto entre Cartago e
Roma os soldados romanos lutaram na Siciacutelia Coacutersega
Sardenha e norte da Aacutefrica tendo nascido nesse momento a
justificativa romana para a intervenccedilatildeo nos assuntos
sicilianos e posteriormente cartagineses levando agrave
destruiccedilatildeo da cidade na Terceira Guerra Puacutenica (149-146
374 As referecircncias sobre as Guerras Puacutenicas satildeo quase incontaacuteveis Como
breve listagem das melhores obras sobre o tema sugiro Arnold J
Toynbee Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s effects on Roman
life London New York Oxford University Press 1965 Brian Caven
The Punic Wars London Weidenfeld and Nicolson 1980 Bagnall op
cit Basil Henry Liddell Hart Scipio Africanus greater than
Napoleon New York Da Capo Press 1994 Le Bohec op cit John
Francis Lazenby First Punic War e John F Lazenby Hannibal‟s war a
military history of the Second Punic War Norman University of
Oklahoma Press 1998 Dexter Hoyos Unplanned Wars The Origins of the
First and Second Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter
1998 Goldsworthy Punic Wars Daly Dexter Hoyos Hannibal‟s war
books twenty-one to thirty Livy translated by JC Yardley with an
introduction and notes by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford
University Press 2006 Miles
169
aC)375
Aleacutem disso na condiccedilatildeo de guerra primariamente
naval eacute normalmente dito por historiadores que a Primeira
Guerra Puacutenica agregou o maior nuacutemero de homens envolvidos
em batalhas no mar ao longo de toda a histoacuteria greco-
romana376
De modo geral a Primeira Guerra Puacutenica aparece apenas
como um capiacutetulo menor das Guerras Puacutenicas precisamente um
preluacutedio necessaacuterio ao estudo da bem documentada Guerra
Anibaacutelica377
Lazenby recorda que no livro de Caven sobre as
Guerras Puacutenicas por exemplo muitos detalhes (pormenores
relevantes ao estudo especializado) satildeo deixados de lado e
nenhuma referecircncia agraves evidecircncias antigas eacute feita378 O livro
de Bagnall The Punic Wars tambeacutem carece de detalhes
importantes ainda que apresente boas hipoacuteteses sobre
estrateacutegia379
Ateacute o estudo sistemaacutetico de Lazenby
portanto natildeo havia publicaccedilotildees detalhadas sobre o
conflito submetendo frequumlentemente a anaacutelise ao modo
criativo e inovador que caracterizou os caminhos pelos
quais os romanos venceram os ldquotraiccediloeiros cartaginesesrdquo
que tiveram por fim somente uma repentina e fugaz
reviravolta em sua fortuna sob o comando de Aniacutebal Barca
Tendo Lazenby como ponto de partida outras obras surgiram
mas a maioria delas preocupadas mais com a Segunda Guerra
Puacutenica ou com a caracterizaccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica
375 Ver Goldsworthy Punic Wars pp331-356 376 Lazenby First Punic War p1 Polib 163 caracteriza a guerra
como a mais longa mais intensa e maior (πολυχρονιώτατος καὶ συνεχέστατος καὶ μέγιστος) de todas as guerras 377 Haacute algumas obras dedicadas apenas agrave Primeira Guerra Puacutenica mas de
modo geral essas satildeo escassas se comparadas ao grande nuacutemero de
estudos sobre Aniacutebal Barca e sua guerra contra os romanos Sobre obras
dedicadas agrave Primeira Guerra Puacutenica em particular ver por exemplo
Lazenby First Punic War e Yann Le Bohec (org) Le Premiegravere Guerre
Punique Collection du Centre d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23
Lyon Paris De Boccard 2001 378 Lazenby First Punic War prefaacutecio A obra mencionada eacute a de Caven
(op cit) Caven eacute tambeacutem autor de Dionysius I war-lord of Sicily
New Haven Yale University Press 1990 379 Lazenby First Punic War prefaacutecio Bagnall op cit
170
como preluacutedio das demais380
Isso induz agraves anaacutelises gerais
que reduzem para o que mais interessa a esse respeito
nesta tese o impacto das inovaccedilotildees lideradas por
Xantipo381
O que teria entatildeo em primeiro lugar dado iniacutecio agrave
Primeira Guerra Puacutenica Antes de tratar do recrutamento de
Xantipo (e possivelmente outros mercenaacuterios gregos) como
indiacutecio da preocupaccedilatildeo cartaginesa com a invasatildeo de Reacutegulo
na Aacutefrica torna-se fundamental o entendimento da
construccedilatildeo gradual do direito de intervenccedilatildeo romana na
Siciacutelia e do modo como as relaccedilotildees entre Cartago e Roma
chegaram ao ponto da hostilidade poliacutetico-militar
De acordo com Poliacutebio trecircs foram os tratados entre
Cartago e Roma no periacuteodo anterior agrave deflagraccedilatildeo da
guerra382 O primeiro deles teria ocorrido 28 anos antes da
invasatildeo de Xerxes isto eacute entre 509-507 aC ocupando-se
com a restriccedilatildeo dos acordos comerciais de Roma com a Aacutefrica
e a Sardenha o que asseguraria tambeacutem a sua autoridade no
Laacutecio Traduzido por Poliacutebio do latim ldquoda forma mais exata
possiacutevelrdquo o tratado (versatildeo parcial) seria como se segue
bdquoHaveraacute amizade (φιλίαν) entre os romanos e seus
aliados e entre os cartagineses e seus aliados nos
seguintes termos
Nem os romanos nem seus aliados navegaratildeo aleacutem de sua
Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) a menos que levados por tempestade (χειμνος) ou por pressatildeo do
inimigo (πολεμίων)383 Se qualquer um desses for levado para terra firme o mesmo natildeo compraraacute ou tomaraacute
qualquer coisa que seja para si salvo o que for
necessaacuterio para o reparo de sua embarcaccedilatildeo (πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν) e para honrar os deuses (πρὸς ἱερά) devendo
380 Uma exceccedilatildeo eacute obviamente Le Bohec sobre a Primeira Guerra Puacutenica
(op cit) 381 Goldsworthy Punic Wars p10 admite que Lazenby First Punic War
eacute a referecircncia ldquomais acadecircmicardquo para o assunto 382 Polib 322 383 Polemiacuteon indica ldquorelativo agrave guerrardquo mas aqui deve ser traduzido
como ldquopor medo ou pressatildeo do inimigordquo jaacute que indica uma forccedila
externa no caso militar como fator para ultrapassar os limites
geograacuteficos estabelecidos
171
partir em cinco dias [] Aqueles que desembarcarem
para o comeacutercio natildeo devem fazecirc-lo salvo na presenccedila de
um oficial (κήρυκι) ou secretaacuterio (γραμματεῖ) O que quer que seja vendido na presenccedila desses deveraacute ter o preccedilo
assegurado com base no creacutedito do Estado contanto que
ocorra na Liacutebia ou na Sardenha Se um romano vier agrave
Siciacutelia aquela pertencente ao territoacuterio dos
cartagineses (ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν) o mesmo desfrutaraacute de todos os direitos comuns aos demais Os cartagineses
natildeo causaratildeo danos ao povo de Ardea Antium
Laurentium Circeii Terracina nem a qualquer um dos
Latinos desde que esses estejam submetidos [a Roma]
(μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι) [] Eles [os
cartagineses] natildeo construiratildeo forte no Laacutecio se
entrarem em armas no territoacuterio ali natildeo permaneceratildeo
nem mesmo para passar a noite (ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσαν)‟384
Como pode ser observado trata-se de um acordo
comercial com fins igualmente poliacuteticos dirigido agrave criaccedilatildeo
ou manutenccedilatildeo das boas relaccedilotildees entre Cartago e Roma Tem
sido sugerido que nessa passagem encontrariacuteamos a indicaccedilatildeo
de uma renovaccedilatildeo de um tratado jaacute existente entre Cartago e
os reis etruscos de Roma uma vez que haacute outras evidecircncias
para a existecircncia de termos amigaacuteveis entre os cartagineses
e os etruscos no seacutecVI aC Aleacutem disso a eacutepoca referida
por Poliacutebio condiz com o periacuteodo etrusco em Roma385
O segundo tratado ocorreu provavelmente em 348 aC se
for aceita a identificaccedilatildeo do tratado mencionado por Tito
384 Polib 322 ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίοις καὶ τοῖς Καρχηδονίων συμμάχοις μὴ πλεῖν Ῥωμαίους μηδὲ τοὺς Ῥωμαίων συμμάχους ἐπέκεινα τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου ἐὰν μὴ πὸ χειμνος ἢ πολεμίων ἀναγκασθσιν ἐὰν δέ τις βίᾳ κατενεχθῆ μὴ ἐξέστω ατῶ μηδὲν ἀγοράζειν μηδὲ λαμβάνειν πλὴν ὅσα πρὸς πλοίου ἐπισκευὴν ἢ πρὸς ἱερά (ἐν πέντε δ ἡμέραις ἀποτρεχέτω) τοῖς δὲ κατ ἐμπορίαν παραγινομένοις μηδὲν ἔστω τέλος πλὴν ἐπὶ κήρυκι ἢ γραμματεῖ ὅσα δ ἂν τούτων παρόντων πραθῆ δημοσίᾳ πίστει ὀφειλέσθω τῶ ἀποδομένῳ ὅσα ἂν ἢ ἐν Λιβύῃ ἢ ἐν Σαρδόνι πραθῆ ἐὰν Ῥωμαίων τις εἰς Σικελίαν παραγίνηται ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ἴσα ἔστω τὰ Ῥωμαίων πάντα Καρχηδόνιοι δὲ μὴ ἀδικείτωσαν δμον Ἀρδεατν Ἀντιατν Λαρεντίνων Κιρκαιιτν Ταρρακινιτν μηδ ἄλλον μηδένα Λατίνων ὅσοι ἂν πήκοοι ἐὰν δέ τινες μὴ ὦσιν πήκοοι τν πόλεων ἀπεχέσθωσαν ἂν δὲ λάβωσι Ῥωμαίοις ἀποδιδότωσαν ἀκέραιον φρούριον μὴ ἐνοικοδομείτωσαν ἐν τῆ Λατίνῃ ἐὰν ὡς πολέμιοι εἰς τὴν χώραν εἰσέλθωσιν ἐν τῆ χώρᾳ μὴ ἐννυκτερευέτωσανrdquo 385 Lazenby First Punic War p31 A evidecircncia citada eacute Hdt 1166 E
eles atacaram e pilharam todas as cidades vizinhas razatildeo pela qual os
etruscos e cartagineses (Τυρσηνοὶ καὶ Καρχηδόνιοι) se aliaram contra eles []
172
Liacutevio386
e Diodoro387
com aquele descrito por Poliacutebio388 como
o segundo dos acordos embora Tito Liacutevio e Diodoro anunciem
esse tratado como o primeiro a inaugurar as relaccedilotildees
diplomaacuteticas entre os dois Estados Basicamente o segundo
tratado asseguraria a posiccedilatildeo dos romanos no Laacutecio e a dos
cartagineses na Liacutebia e Sardenha exatamente como no
primeiro tratado referido por Poliacutebio mas acrescentava
Uacutetica ao domiacutenio cartaginecircs indicando o sul da Hispacircnia
como aacuterea proibida ao comeacutercio por parte de Roma Tito
Liacutevio e Diodoro nos informam apenas que um tratado havia
sido estabelecido entre Roma e os cartagineses389 ao passo
que Poliacutebio nos concede as maiores informaccedilotildees a respeito
apresentando uma traduccedilatildeo do tratado da seguinte maneira
bdquoHaveraacute amizade entre os romanos e seus aliados e
entre os cartagineses os habitantes de Tiro e o povo
de Uacutetica (Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ) nos seguintes termos Os romanos natildeo saquearatildeo (λῄζεσθαι) traficaratildeo
(ἐμπορεύεσθαι) ou fundaratildeo uma cidade (πόλιν κτίζειν) aleacutem de sua Peniacutensula por direito (τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου) Mastia e Tarsenium Se os cartagineses tomarem qualquer cidade
no Laacutecio que natildeo esteja submetida a Roma eles poderatildeo
fazer prisioneiros e confiscar bens (τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν) mas desistiratildeo da cidade (τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν) [] Na Sardenha e na Liacutebia nenhum romano traficaraacute ou fundaraacute cidade ele natildeo faraacute mais do que
pegar provisotildees ou reabastecer sua embarcaccedilatildeo (εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι) Se uma tempestade levaacute-lo a esses locais o mesmo partiraacute em cinco dias []‟
390
386 Tito Liacutevio 727 387 Diod 1669 388 Polib 324 ver Lazenby First Punic War pp 31-32 389 Tito Liacutevio 727 Et cum Carthaginiensibus legatis Romae foedus
ictum cum amicitiam ac societatem petentes uenissent Diod 1669 ἐπὶ δὲ τού των Ῥωμαίοις μὲν πρὸς Καρχηδονίους πρτον συνθκαι ἐγένοντο 390 Polib 324 A versatildeo completa do tratado aparece como se segue ldquoἐπὶ τοῖσδε φιλίαν εἶναι Ῥωμαίοις καὶ τοῖς Ῥωμαίων συμμάχοις καὶ Καρχηδονίων καὶ Τυρίων καὶ Ἰτυκαίων δήμῳ καὶ τοῖς τούτων συμμάχοις τοῦ Καλοῦ ἀκρωτηρίου Μαστίας Ταρσηίου μὴ λῄζεσθαι ἐπέκεινα Ῥωμαίους μηδ ἐμπορεύεσθαι μηδὲ πόλιν κτίζειν ἐὰν δὲ Καρχηδόνιοι λάβωσιν ἐν τῆ Λατίνῃ πόλιν τινὰ μὴ οὖσαν πήκοον Ῥωμαίοις τὰ χρήματα καὶ τοὺς ἄνδρας ἐχέτωσαν τὴν δὲ πόλιν ἀποδιδότωσαν ἐὰν δέ τινες Καρχηδονίων λάβωσί τινας πρὸς οὓς εἰρήνη μέν ἐστιν ἔγγραπτος Ῥωμαίοις μὴ ποτάττονται δέ τι ατοῖς μὴ καταγέτωσαν εἰς τοὺς Ῥωμαίων λιμένας ἐὰν δὲ καταχθέντος ἐπιλάβηται ὁ Ῥωμαῖος ἀφιέσθω ὡσαύτως δὲ μηδ οἱ Ῥωμαῖοι ποιείτωσαν ἂν ἔκ τινος χώρας ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσιν ὕδωρ ἢ ἐφόδια λάβῃ ὁ Ῥωμαῖος μετὰ τούτων τν ἐφοδίων μὴ ἀδικείτω μηδένα πρὸς οὓς εἰρήνη καὶ φιλία ἐστὶ (Καρχηδονίοις ὡσαύ τως δὲ μηδ ὁ)
173
O terceiro tratado entre Cartago e Roma teve lugar
entre 279 e 278 aC isto eacute durante a expediccedilatildeo italiana
de Pirro do Epiro em socorro de Tarento391 Apoacutes as suas
duas vitoacuterias contra os romanos as chamadas ldquovitoacuterias
piacuterricasrdquo (em Heraclea e Aacutesculo) Pirro resolveu atender ao
pedido das cidades siciliotas e partiu rumo agrave ilha para
comandar a guerra dos gregos contra os cartagineses
Cartago por outro lado natildeo via a chegada de Pirro como
algo positivo em momento tatildeo crucial da guerra e
estabeleceu novo acordo com os romanos desta vez em termos
bastante favoraacuteveis aos uacuteltimos com o objetivo de
assegurar que o epirota permanecesse na peniacutensula
De acordo com Poliacutebio o terceiro tratado continha os
mesmos termos dos dois anteriores exceto pelos seguintes
elementos inseridos por conta da presenccedila de Pirro na
Peniacutensula e em seguida na Siciacutelia
bdquoSe um ou outro necessitar de auxiacutelio (ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας) os cartagineses forneceratildeo as
embarcaccedilotildees seja para transporte ou com fins
militares mas cada povo arcaraacute com o pagamento de seus
proacuteprios homens (τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι) Os
cartagineses tambeacutem daratildeo suporte mariacutetimo (κατὰ θάλατταν) se os romanos precisarem mas nenhum dos dois
Καρχηδόνιος ποιείτω εἰ δέ μὴ ἰδίᾳ μεταπορευέσθω ἐὰν δέ τις τοῦτο ποιήσῃ δημόσιον γινέσθω τὸ ἀδίκημα ἐν Σαρδόνι καὶ Λιβύῃ μηδεὶς Ῥωμαίων μήτ ἐμπορευέσθω μήτε πόλιν κτιζέτω [] εἰ μὴ ἕως τοῦ ἐφόδια λαβεῖν ἢ πλοῖον ἐπισκευάσαι ἐὰν δὲ χειμὼν κατενέγκῃ ἐν πένθ ἡμέραις ἀποτρεχέτω ἐν Σικελίᾳ ἧς Καρχηδόνιοι ἐπάρχουσι καὶ ἐν Καρχηδόνι πάντα καὶ ποιείτω καὶ πωλείτω ὅσα καὶ τῶ πολίτῃ ἔξεστιν ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ Καρχηδόνιος ποιείτω ἐν Ῥώμῃrdquo 391 A anaacutelise mais recente sobre o terceiro tratado pode ser encontrada
em Zambon Hellenistic Sicily pp 86-95 Zambon Hellenistic Sicily
divide as fontes para o terceiro tratado em (a) fontes sobre as
relaccedilotildees diplomaacuteticas (b) fontes sobre a assinatura do tratado e (c)
fontes para os eventos histoacutericos apoacutes a conclusatildeo da nova alianccedila
Como aqui pretendo apenas mostrar a degradaccedilatildeo das relaccedilotildees
diplomaacuteticas entre Cartago e Roma para entatildeo salientar razotildees mais
profundas para a deflagraccedilatildeo da guerra que a questatildeo dos mamertinos
temas mais especiacuteficos (como os que foram enumerados por Zambon
Hellenistic Sicily e trabalhados por um nuacutemero abundante de autores)
seratildeo propositalmente suprimidos Sobre o tratado aleacutem de Zambon
pode-se consultar Barbara Scardigli I Trattati romano-cartaginesi
Pisa Scuola Normale Superiore 1991 Hoyos op cit pp 7-11
174
obrigaraacute os tripulantes a desembarcar contra a sua
vontade‟ (versatildeo parcial)392
O tratado como podemos observar estabelece claramente
auxiacutelio militar muacutetuo393 estando Cartago disposta a se
ldquocomprometerrdquo com o auxiacutelio logiacutestico mais do que os
romanos (inclusive pela condiccedilatildeo de sua frota em comparaccedilatildeo
com aquela virtualmente inexistente dos romanos) o que
ilustra a insatisfaccedilatildeo com a possibilidade de ter que lidar
com Pirro na Siciacutelia Os resultados do tratado contudo
natildeo tiveram grande impacto de ordem praacutetica Ainda que seja
tentador identificar a referecircncia agraves 120 embarcaccedilotildees sob o
comando do cartaginecircs Mago em Justino no momento da
expediccedilatildeo italiana de Pirro como fruto do terceiro tratado
a referecircncia (na mesma passagem)394 a uma visita em segredo
de Mago ao epirota durante a qual certo tipo de alianccedila ou
amizade foi oferecido indica que Cartago natildeo estava
decidida quanto agrave hostilidade em direccedilatildeo a Pirro e
portanto parece mais correto dizer que o envio de Mago se
deu antes do tratado Lazenby ceacutetico diante da evidecircncia
acerca de outro evento como consequumlecircncia do terceiro acordo
entre Cartago e Roma agrave eacutepoca da expediccedilatildeo piacuterrica aponta
uma operaccedilatildeo ocorrida em Reggio separada da Siciacutelia apenas
pelo estreito de Messina como o uacutenico evento possivelmente
resultante do tratado em questatildeo395 Apoiado num fragmento
de Diodoro Lazenby sugere que os 500 homens enviados a
Reggio (ainda sob o domiacutenio romano) por Cartago
392 Polib 325 [] ὁπότεροι δ ἂν χρείαν ἔχωσι τς βοηθείας τὰ πλοῖα παρεχέτωσαν Καρχηδόνιοι καὶ εἰς τὴν ὁδὸν καὶ εἰς τὴν ἄφοδον τὰ δὲ ὀψώνια τοῖς ατν ἑκάτεροι Καρχηδόνιοι δὲ καὶ κατὰ θάλατταν Ῥωμαίοις βοηθείτωσαν ἂν χρεία ᾖ τὰ δὲ πληρώματα μηδεὶς ἀναγκαζέτω ἐκβαίνειν ἀκουσίωςrdquo 393 Lazenby First Punic War p 32 394 Justino 182 [] quasi pacificator Karthaginiensium Pyrrum
adiit speculaturus consilia eius de Sicilia [] Embora Justino
indique que as reais intenccedilotildees dos cartagineses eram especular o que
Pirro pensava sobre a Siciacutelia temos ainda uma duacutevida que parece mais
caracteriacutestica de um periacuteodo anterior mesmo que bastante proacuteximo da
data do terceiro tratado com Roma 395 Lazenby First Punic War p 33
175
corresponderiam ao contingente de apoio contra o invasor
epirota Aleacutem desse evento nenhum outro pode ser cotado
como relacionado ao tratado ldquonem mesmo quando somente
Lilibeu permaneceu sob domiacutenio de Cartago de todas as suas
posses na Siciacuteliardquo396 Terminada a expediccedilatildeo de Pirro
outros possiacuteveis eventos podem ser vistos ainda como parte
do acordo mas como resposta aos homens deixados pelo
rei397
Apoacutes a breve anaacutelise dos trecircs tratados entre Cartago e
Roma podemos notar portanto ao lado da construccedilatildeo de uma
relaccedilatildeo amistosa entre os dois poderes a consolidaccedilatildeo da
posiccedilatildeo cartaginesa na Siciacutelia por cerca de 300 anos
(apesar de algumas reviravoltas tais como a guerra contra
Agaacutetocles e em seguida Pirro) e a expansatildeo romana em
direccedilatildeo ao sul da Peniacutensula regiatildeo que teraacute durante a
expediccedilatildeo de Pirro e um pouco depois presenccedila constante de
legionaacuterios romanos a exemplo da cidade de Reggio (vale
ressaltar mais uma vez separada da Siciacutelia apenas pelo
estreito de Messina) Tendo Pirro saiacutedo de cena o choque
entre dois Estados com impulsos imperialistas seria com o
passar dos anos algo inevitaacutevel O problema com os
mamertinos daria entatildeo o motivo concreto para a
deflagraccedilatildeo do conflito
Como visto anteriormente os soldados campacircnios
inicialmente a serviccedilo de Agaacutetocles haviam subjugado a
regiatildeo nordeste da Siciacutelia alguns anos apoacutes a morte do
siracusano tirando proveito da situaccedilatildeo poliacutetica delicada
pela qual a ilha passava Com a ascensatildeo de Hiero de
Siracusa e a soluccedilatildeo dos conflitos em Reggio (que teve seus
campacircnios revoltosos exterminados pelos romanos) a
situaccedilatildeo dos mamertinos se modificaraacute principalmente
396 Lazenby First Punic War p 34 397 Uma frota cartaginesa enviada a Tarentum para dar suporte ao cerco
liderado pelos romanos contra Milo deixado na cidade por Pirro
aparece por exemplo em Zonaras 88 e Oroacutesio 43
176
devido ao combate sistemaacutetico por parte dos siracusanos
contra a seacuterie de pilhagens promovidas pelos mercenaacuterios
Os mamertinos sem ter muito o que fazer solicitaram apoio
dos cartagineses e em seguida dos romanos Poliacutebio eacute
esclarecedor a esse respeito
Alguns deles apelaram aos cartagineses propondo a
submissatildeo deles proacuteprios e da cidade ao passo que
outros enviaram uma embaixada a Roma oferecendo a
submissatildeo da cidade e implorando por assistecircncia como
povo de mesma origem (ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν)398
O principal elemento considerado pelos romanos em sua
avaliaccedilatildeo do pedido de auxiacutelio mamertino natildeo parece ter
sido contudo a identificaccedilatildeo eacutetnica De acordo com
Poliacutebio os romanos estavam cientes da grande expansatildeo do
territoacuterio cartaginecircs que jaacute incluiacutea a Liacutebia parte da
Hispacircnia a Sardenha e o Mar Tirreno restando somente a
conquista de parte da Siciacutelia para se tornarem ldquoos vizinhos
mais problemaacuteticos e perigosos (βαρεῖς καὶ φοβεροὶ γείτονες)rdquo
cercando Roma por todos os cantos da Peniacutensula No final
das contas possivelmente por pressatildeo popular (οἱ πολλοὶ) o
Senado decidiu nomear o cocircnsul Aacutepio Claacuteudio como general no
comando das tropas que atravessariam o mar em direccedilatildeo a
Siciacutelia sendo o cocircnsul vitorioso na primeira batalha
contra Hieratildeo (recentemente aliado de Cartago e vitorioso
num primeiro confronto contra os mamertinos) e os
cartagineses399 Derrotado pelos romanos Hieratildeo findou por
estabelecer alianccedila com os primeiros em 263 aC
mostrando-se leal a eles ateacute o fim de seu governo em 215
aC Os cartagineses em contrapartida frente agrave deserccedilatildeo
de Hieratildeo montaram seu novo quartel general na cidade de
Acragas devido a sua localizaccedilatildeo favoraacutevel como ponto de
398 Polib 110 [] οἱ μὲν ἐπὶ Καρχηδονίους κατέφευγον καὶ τούτοις ἐνεχείριζον σφᾶς ατοὺς καὶ τὴν ἄκραν οἱ δὲ πρὸς Ῥωμαίους ἐπρέσβευον παραδιδόντες τὴν πόλιν καὶ δεόμενοι βοηθήσειν σφίσιν ατοῖς ὁμοφύλοις πάρχουσιν 399 Polib 111
177
apoio logiacutestico bem como ao faacutecil acesso que ela oferecia
agrave porccedilatildeo leste da Siciacutelia a qual estava sob domiacutenio do
inimigo400
Com seus primeiros movimentos na Siciacutelia a maior parte
da Primeira Guerra Puacutenica todavia foi travada no mar
ainda que uma anaacutelise das evidecircncias acerca da atuaccedilatildeo dos
exeacutercitos (particularmente na Aacutefrica) ilustre inovaccedilotildees
militares importantes em terra firme Os cartagineses eram
conhecidos por sua excelecircncia mariacutetima tendo a navegaccedilatildeo
se tornado como nos informa Poliacutebio o seu ofiacutecio
nacional401
Eacute de salientar o respeito dos antigos quanto agrave
frota cartaginesa em diversas ocasiotildees de tensatildeo militar
das quais destaco como exemplo algumas cidades sicilianas
(aliadas aos romanos) que ldquoaterrorizadas diante da frota
cartaginesardquo (καταπεπληγμέναι τὸν τν Καρχηδονίων στόλον)
desertaram antes mesmo de lutar402 Os aparatos tecnoloacutegicos
usados na guerra naval eram quase sempre inventados ou
aprimorados pelos cartagineses a exemplo da substituiccedilatildeo
das trirremes (dominantes na guerra naval por cerca de 200
anos) pelas quadrirremes e de sua consequumlente adaptaccedilatildeo
para as quinquerremes403
Por outro lado como nos faz crer
Poliacutebio os romanos natildeo haviam se dedicado agrave guerra naval
como os cartagineses sendo seus construtores navais
completamente inexperientes na montagem de quinquerremes
400 Polib 117 Miles op cit p 179 401 Polib 652 Καρχηδόνιοι διὰ τὸ καὶ πάτριον ατοῖς [] τὴν ἐμπειρίαν ταύτην Ver item sobre o exeacutercito cartaginecircs 402 Polib 120 403
Note-se que a quinquerreme (do latim quinque o nuacutemero de homens necessaacuterios para mover cada seccedilatildeo da embarcaccedilatildeo) foi criado por
Dioniacutesio de Siracusa mas o seu uso foi melhorado pelos cartagineses
John S Morrison e John F Coates (The Athenian trireme the history
and reconstruction of an ancient Greek warship Cambridge University
Press 1986 pp259-260 Miles pp 177-178) mostraram a partir de
evidecircncias iconograacuteficas que a quinquereme cartaginesa era
ligeiramente diferente do modelo grego com um formato tipicamente
feniacutecio para os espaccedilos onde eram dispostos os cinco remadores de cada
seccedilatildeo o que garantia no caso cartaginecircs uma proteccedilatildeo extra para os
remadores e para o casco do navio Este seria por consequumlecircncia o
modelo das quinquerremes romanas Para a marinha de guerra cartaginesa
em geral cf Le Bohec op cit pp 49-55
178
(τν δὲ ναυπηγν εἰς τέλος ἀπείρων ὄντων τς περὶ τὰς πεντήρεις ναυπηγίας)
quando da deflagraccedilatildeo da Primeira Guerra Puacutenica404 A frota
de 100 quinquerremes e 20 trirremes construiacuteda em 261
aC teria sido a primeira formada pelos proacuteprios romanos
o que acentuaria na visatildeo de Poliacutebio quatildeo espirituosos
(μεγαλόψυχον) e extraordinaacuterios (παράβολον) eram os romanos ao
fazer algo405
Com a apreensatildeo de uma embarcaccedilatildeo cartaginesa (uma
quinquerreme) tomada como modelo Roma teria finalizado a
construccedilatildeo de sua frota (as 120 embarcaccedilotildees descritas por
Poliacutebio) em apenas 60 dias406 provavelmente por que a
disposiccedilatildeo das peccedilas das embarcaccedilotildees seguiu o meacutetodo de
organizaccedilatildeo por letras empregado por Cartago407 Frota
pronta natildeo significava contudo frota taticamente apta
Logo cerca de 17 embarcaccedilotildees romanas acabaram por ser
capturadas pelos cartagineses nas Ilhas Eoacutelias a noroeste
de Messina enquanto tentavam submeter a cidade de Lipara
tendo sua tripulaccedilatildeo e seu comandante Gneu Corneacutelio
Cipiatildeo sido capturados sem grande dificuldade408
404 Uma boa siacutentese das condiccedilotildees gerais da guerra naval no seacutecIII
aC pode ser encontrada em Goldsworthy Punic Wars pp 96-103 405 Polib 120 ἐξ ὧν καὶ μάλιστα συνίδοι τις ἂν τὸ μεγαλόψυχον καὶ παράβολον τς Ῥωμαίων αἱρέσεως Poliacutebio entende que a vitoacuteria romana em Acragas (261 aC) teria modificado sensivelmente os objetivos dos romanos com a
guerra ao inveacutes de simplesmente proteger os mamertinos agora Roma
havia se decidido pela expulsatildeo dos cartagineses da Siciacutelia Ver
Goldsworthy Punic Wars p 97 406 Polib 120 Bagnall op cit p 60 Le Bohec op cit pp75-77
Hoyos op cit p89 407 O meacutetodo ficou conhecido entre os estudiosos de Cartago apoacutes
escavaccedilatildeo dirigida por Honor Frost na deacutecada de 70 Restos de uma
embarcaccedilatildeo antiga haviam sido encontrados em 1969 por um capitatildeo de
navio mercante Diego Boninni durante uma viagem de trabalho Estudos
da escrita deixada pelos construtores da embarcaccedilatildeo mostraram que o
casco havia sido preconcebido ao passo que a existecircncia de letras
similares em direccedilotildees variadas indicava a presenccedila de muacuteltiplos
construtores Os resultados da escavaccedilatildeo foram publicados
primeiramente no The International Journal of Nautical Archaeology (a
partir de 1972) e assim que o trabalho de campo se deu por encerrado
um relato amplo foi publicado pela Accademia Nazionale dei Lincei
(Roma) como suplemento da Notizie degli Scavi di Antichitagrave 30 (1976) 408 Polib 121 Miles op cit p 181 observa que a carreira de
Cipiatildeo natildeo parece ter sido abalada em ambiente senatorial jaacute que o
mesmo foi eleito cocircnsul pela segunda vez em 254 aC mas entre a
populaccedilatildeo sua reputaccedilatildeo natildeo era mais cotada entre as mais intactas a
179
Taticamente inferiores no mar o que havia se tornado
evidente apoacutes a primeira derrota de sua frota para os
cartagineses em 260 aC os romanos desenvolveram uma arma
engenhosa com o objetivo de superar a falta de habilidade
(se comparada agrave dos cartagineses) ao manobrar as
embarcaccedilotildees o corvus409 Prancha de 11 m de comprimento e
120 m de largura o corvo possuiacutea um espeto na
extremidade o qual era usado para perfurar a embarcaccedilatildeo
inimiga durante a sua trajetoacuteria de cima para baixo
permitindo assim que as duas embarcaccedilotildees envolvidas se
mantivessem forccedilosamente conectadas o tempo necessaacuterio para
a travessia completa dos soldados romanos Esses por sua
vez atravessavam a prancha em numa coluna disposta em
pares de maneira que os dois primeiros protegiam a frente
com seus escudos erguidos enquanto os seguintes dividiam a
proteccedilatildeo dos flancos410
O melhor exemplo para a explicaccedilatildeo acerca do
funcionamento do corvo eacute a batalha de Mylae Segundo
Poliacutebio ansiosos para por agrave prova o novo equipamento
disposto na proa dos navios os romanos decidiram sob o
comando de Caio Duilio (que havia deixado as legiotildees sob
responsabilidade dos tribunos militares) atacar os
cartagineses que assolavam o territoacuterio de Mylae
Ao se aproximarem e verem os corvos (τοὺς κόρακας) subindo ao ponto mais alto da proa de cada navio os
cartagineses em princiacutepio ficaram confusos surpresos
com a construccedilatildeo das maacutequinas Contudo como eles davam
o inimigo inteiramente por derrotado as embarcaccedilotildees da
linha de frente atacaram bravamente Mas conforme as
julgar pelo apelido que lhe foi dado asina ou mula Ver Pliacutenio
8169 Lazenby First Punic War op cit pp 66-67 Ao lado de Cipiatildeo
estava o seu colega de magistratura Caio Duilio comandante das
tropas na Siciacutelia 409 Ainda que Poliacutebio use o termo korakes os estudiosos modernos
adotaram a forma latina corvus (corvi no plural) pois esse eacute de
acordo com Lazenby First Punic War (p 68) o termo latino
correspondente 410 Polib 122
180
embarcaccedilotildees que entravam em colisatildeo eram rapidamente
capturadas pelas maacutequinas e os tripulantes romanos
embarcavam por meio do corvo (τοῦ κόρακος) e atacavam os inimigos um a um na plataforma alguns dos cartagineses
eram eliminados e outros rendidos por desacircnimo diante
do que estava ocorrendo tendo a batalha se tornado
praticamente um combate em terra firme Os primeiros
trinta navios que entraram em combate foram capturados
por todos os tripulantes incluindo a embarcaccedilatildeo do
comandante sendo Aniacutebal capaz de escapar por um
milagre num bote salva-vidas O restante da forccedila
cartaginesa [] desistiu e bateu em retirada (τέλος ἐγκλίναντες ἔφυγον οἱ Καρχηδόνιοι) aterrorizada (καταπλαγέντες) por esta nova experiecircncia tendo perdido 50 navios
411
Embora Poliacutebio natildeo mencione nenhuma puniccedilatildeo fatal do
comandante cartaginecircs por sua derrota outras fontes narram
crucificaccedilatildeo ou apedrejamento de Aniacutebal (natildeo o Baacutercida) por
seus homens os quais estavam insatisfeitos com o resultado
da batalha412
A vitoacuteria romana em Mylae ainda que natildeo
tenha sido decisiva assegurou aos romanos a atuaccedilatildeo na
regiatildeo da Sardenha e Coacutersega territoacuterios antes sob domiacutenio
cartaginecircs Ao inveacutes de concentrar campanhas na Siciacutelia ou
na Sardenha e Coacutersega os romanos conduziram as duas
ofensivas ao mesmo tempo o envio dos dois cocircnsules o
primeiro (Corneacutelio Cipiatildeo) para Sardenha e Coacutersega e o
segundo (Corneacutelio Aquiacutelio) para a Siciacutelia comprovam o
pensamento estrateacutegico adotado por Roma413 Uma seacuterie de
batalhas navais tiveram lugar em seguida das quais se
destaca pela quantidade de homens envolvidos a batalha de
Ecnomus (256 aC) Segundo Poliacutebio do lado romano
contavam-se 100000 tripulantes (δέκα μυριάδας) caacutelculo
retirado dos 300 remadores e 120 soldados embarcados em
cada navio Do lado cartaginecircs o total dos soldados era
algo proacuteximo dos 150000 (πεντεκαίδεκα μυριάδας) a julgar pela
411 Polib 123 Cf Lazenby First Punic War pp67-73 Le Bohec op
cit pp 77-88 Bagnall op cit pp 62-63 Goldsworthy Punic Wars
pp105-109 Miles pp 182-184 412 Zonaras 812 Oroacutesio 44 413 Bagnall op cit p64
181
contagem de suas embarcaccedilotildees (κατὰ τὸν τν νεν λόγον)414 Apoacutes
violento embate proacuteximo ao sudoeste da Siciacutelia o qual foi
mais uma vez decidido pelo uso dos corvos (a despeito das
ateacute entatildeo eficientes taacuteticas cartaginesas) os romanos
comeccedilaram os preparativos para a invasatildeo da Aacutefrica415
414 Polib 126 415 Os pormenores da batalha de Ecnomus foram suprimidos
propositalmente uma vez que o principal interesse da tese natildeo recai
sobre a marinha de guerra cartaginesa Para a batalha de Ecnomus ver
Polib 126-28 Quanto aos estudos modernos a anaacutelise mais
esclarecedora eacute Goldsworthy Punic Wars pp 109-114
182
412 ldquoComo Aacutegatocles noacutes romanos devemos invadir a
Aacutefricardquo o princiacutepio estrateacutegico da expediccedilatildeo africana de
Reacutegulo 256-255 aC
Poliacutebio nos informa que os cartagineses que haviam
escapado do confronto em Ecnomus navegaram diretamente para
Cartago e ldquoconvencidos de que os inimigos excitados por
seu sucesso fariam o ataque direto agrave proacutepria cidade de
Cartagordquo (πεπεισμένοι τοὺς πεναντίους ἐκ τοῦ γεγονότος προτερήματος
ἐπαρθέντας εθέως ποιήσεσθαι τὸν ἐπίπλουν ἐπ ατὴν τὴν Καρχηδόνα)
mantiveram-se atentos a todos os possiacuteveis pontos de
desembarque na aacuterea416 Os romanos contudo desembarcaram a
uma distacircncia segura (Cabo Bon no nordeste da atual
Tuniacutesia) certamente por terem conhecimento da dificuldade
que seria tomar Cartago sem uma linha de abastecimento
assegurada entre a Siciacutelia e a Aacutefrica e iniciaram uma
seacuterie de cercos a cidades menores sendo Aspis a primeira
delas417
O que os romanos pretendiam com isso Em princiacutepio
poder-se-ia dizer que a decisatildeo era unicamente de seguranccedila
para o desembarque mas alguns indiacutecios em Poliacutebio apontam
para uma ocupaccedilatildeo definitiva (ainda que por ser modelada)
a qual deve ter sido planejada logo apoacutes a vitoacuteria em
Ecnomus Em primeiro lugar antes de navegar em direccedilatildeo agrave
Liacutebia eles organizaram as suas provisotildees e repararam as
embarcaccedilotildees capturadas (προσεπισιτισάμενοι καὶ τὰς αἰχμαλώτους ναῦς
καταρτίσαντες) em seguida assim que a Aspis foi tomada
guarniccedilotildees (τὰς δυνάμεις) foram ali deixadas para assegurar a
cidade (τς πόλεως) e o territoacuterio (τς χώρας) por uacuteltimo
mensageiros foram enviados a Roma para informar o ocorrido
e obter instruccedilotildees sobre o que deveria ser feito no futuro
(περὶ τν μελλόντων τί δεῖ ποιεῖν) e como eles deveriam lidar com
416 Polib 129 417 Sobre o desembarque bem como para os eventos posteriores ver Le
Bohec opcit pp 87-89 Lazenby First Punic War pp 97-103
Goldsworthy Punic Wars pp 84-87 Bagnall op cit pp 70-75
Miles pp 185-187
183
toda a situaccedilatildeo (πς χρσθαι τοῖς πράγμασιν) Se Poliacutebio estiver
correto na ordenaccedilatildeo desses eventos (e natildeo vejo motivos
para natildeo estar) os romanos tinham em mente mesmo antes de
relatar os eventos ao Senado assegurar uma posiccedilatildeo forte
em territoacuterio inimigo restando apenas a autorizaccedilatildeo de
Roma para dar prosseguimento agrave expediccedilatildeo africana A forma
que essa expediccedilatildeo assumiria contudo estava nas matildeos do
Senado418 A resposta natildeo poderia ser diferente um dos
cocircnsules deveria permanecer na Aacutefrica com forccedila adequada
(δυνάμεις τὰς ἀρκούσας) enquanto o outro deveria retornar para
Roma com a frota419
Se a essa altura os romanos tinham em mente a
reproduccedilatildeo do que havia feito Agaacutetocles cerca de 50 anos
antes natildeo sabemos por evidecircncias diretas (como seria uma
afirmaccedilatildeo de Poliacutebio ou referecircncia a Agaacutetocles em alguma
reuniatildeo senatorial antes da deliberaccedilatildeo sobre o que deveria
ser feito pelas tropas na Aacutefrica) mas isso pode ser
proposto com certo grau de plausibilidade por evidecircncias
indiretas Como mostrei antes os elementos necessaacuterios
para a realizaccedilatildeo de uma expediccedilatildeo haviam sido pensados
apoacutes Ecnomus e uma vez na Aacutefrica com posiccedilatildeo militarmente
assegurada a pilhagem que se seguiu (em Aspis ou ldquoescudordquo
e nos arredores) tem aparecircncia exata ao que foi previamente
feito pelo siracusano
Aleacutem disso eacute bem verdade que Poliacutebio nos diz como
mencionado no cap3 desta tese que Cipiatildeo o Africano
aproximadamente 50 anos apoacutes a primeira invasatildeo romana da
Aacutefrica teria respondido quando questionado acerca dos
maiores estadistas em coragem e sabedoria ldquoAgaacutetocles e
Dioniacutesiordquo420 Eacute bem provaacutevel portanto que a expediccedilatildeo de
418 Aleacutem disso uma vez estabelecidos da maneira descrita em territoacuterio
inimigo uma possiacutevel decisatildeo de abandono seria improvaacutevel senatildeo
absurda 419
Mais agrave frente Poliacutebio nos daacute nuacutemeros 15000 soldados de infantaria e 500 cavaleiros 420 Polib 1535 Ver cap3 item 41
184
Agaacutetocles fosse jaacute conhecida pelos romanos no tempo da
Primeira Guerra Puacutenica
Outra evidecircncia pode ser encontrada do lado cartaginecircs
Os comandantes cartagineses natildeo queriam esperar o avanccedilo
impune dos romanos talvez por que tivessem em mente a
reproduccedilatildeo do que haviam enfrentado meio seacuteculo antes com
os gregos Essa reaccedilatildeo por parte de Cartago elucida ainda
algo fundamental quanto agrave preservaccedilatildeo das primeiras
inovaccedilotildees em seu pensamento militar heleniacutestico Cartago
natildeo estava disposta a esperar que seu territoacuterio fosse
ldquocorrompidordquo pelo inimigo o que ocasionaria problemas de
ordem logiacutestica (principalmente com a manutenccedilatildeo de seus
aliados) de maneira que os generais decidiram partir de
imediato para o embate com os invasores Na primeira fase
das inovaccedilotildees militares em Cartago um dos aspectos
estrateacutegicos que motivaram as inovaccedilotildees de ordem logiacutestica
entre os cartagineses foi a preservaccedilatildeo da lealdade das
cidades africanas uma vez que elas estavam debandando uma
a uma para o lado grego Aquela liccedilatildeo agora aplicada ao
caso romano havia sido definitivamente aprendida pelos
generais cartagineses Asdruacutebal e Bostar foram eleitos
generais Amiacutelcar foi trazido agraves pressas da Siciacutelia como
terceiro general juntamente com 500 cavaleiros e 5000
soldados de infantaria421
Como dito anteriormente os trecircs generais cartagineses
optaram pelo combate direto com o inimigo apoacutes terem assim
deliberado (ἐβουλεύετο) e encontraram Reacutegulo e seus soldados
proacuteximos agrave cidade de Adys na ocasiatildeo sitiada pelos
romanos Os cartagineses ocuparam um monte nos arredores e
ali montaram acampamento num local que Poliacutebio considerou
ser inapropriado ao seu exeacutercito (ἀφυ δὲ ταῖς ἑαυτν δυνάμεσιν)422
421 Polib 130 Sobre Amiacutelcar Barca particularmente a construccedilatildeo de
uma escola taacutetica em Cartago ateacute Aniacutebal Barca cf Brizzi op cit
aleacutem dos autores citados acima para a expediccedilatildeo de Reacutegulo 422 Polib 130
185
Os experientes generais romanos (οἱ τν Ῥωμαίων ἡγεμόνες ἐμπείρως)
teriam visto que o momento era adequado para o ataque
inesperado uma vez que o posicionamento do exeacutercito
cartaginecircs num terreno que tornava os elefantes e a
cavalaria inuacuteteis (ἠχρείωται) lhes era propiacutecio Ao atacar
por ambos os lados do monte os romanos tiveram a primeira
legiatildeo (τὸ πρτον στρατόπεδον) derrotada pela coragem (γενναίως)
e vigor (προθύμως) dos mercenaacuterios (μισθοφόροι) mas tendo
avanccedilado em busca dos legionaacuterios em fuga expuseram sua
retaguarda aos outros que atacavam no lado oposto Os
mercenaacuterios recuaram satildeos e salvos por fim graccedilas ao
ldquoescudordquo oferecido pelos elefantes e cavaleiros que
atingiram o niacutevel plano423
Apoacutes a vitoacuteria de Reacutegulo Tuacutenis caiu sob o domiacutenio
romano tendo a cidade sido transformada na nova base de
operaccedilotildees na Aacutefrica Poliacutebio menciona ainda uma revolta
por parte dos numiacutedios (certamente encorajados com a
presenccedila romana) e a fome dos refugiados em Cartago424 o
que levou Reacutegulo a tentar a submissatildeo completa dos
cartagineses Poliacutebio diz que os embaixadores estavam tatildeo
inclinados a aceitar o que Reacutegulo lhes propunha que eles
sequer conseguiam prestar atenccedilatildeo agrave severidade de suas
exigecircncias (τὸ βάρος τν ἐπιταγμάτων) Fragmentos de Diodoro
contudo mencionam que o Senado cartaginecircs enviou os homens
mais nobres (ἄνδρας τν ἐπιφανεστάτων) como embaixadores
(πρεσβευτὰς) a Atiacutelio (leia-se Reacutegulo) para discutir os
termos de paz (περὶ εἰρήνης) mas a paz proposta por ele natildeo
seria melhor que a escravidatildeo tamanha a dureza de seus
termos425 Na mesma linha de Diodoro outras fontes
apresentam a iniciativa por parte de Cartago recusando
portanto que Reacutegulo os tivesse intimado para propor os
423 Para a reconstruccedilatildeo da batalha cf principalmente Lazenby First
Punic War pp 100-101 Goldsworthy Punic Wars p86 Bagnall op
cit pp72-73 424 Polib 131 425 Diod 2312
186
termos de paz426
No fim das contas a despeito da natureza
oposta dos relatos sobre quem teria tomado a iniciativa
para a conclusatildeo da paz (se Cartago ou Roma) e da situaccedilatildeo
draacutestica em que Cartago se encontrava uma vez mais o
Senado cartaginecircs manteve a opccedilatildeo pela defesa armada como
no caso dos gregos a qual seria assegurada em princiacutepio
pelas muralhas de Cartago e em seguida pelo recrutamento
do nuacutemero de soldados mercenaacuterios que os seus recursos
permitissem pagar427
426 Eutroacutepio (221) Oroacutesio (49) e Zonaras (813) Cf Lazenby First
Punic War p101 427 Essa seria de acordo com Diod 296 a grande vantagem em se
recrutar mercenaacuterios ldquouma abundacircncia de forccedilas militares estrangeiras
(τς ξενικς δυνάμεως) eacute muito vantajosa para o lado que a emprega e
terriacutevel para o inimigo considerando que os empregadores trazem
consigo sem grandes custos homens para lutar em seu nome ao passo
que forccedilas citadinas (τν πολιτικν δυνάμεων) mesmo quando vitoriosas satildeo prontamente enfrentadas por um corpo de oponentes intactos No
caso dos exeacutercitos poliacuteadas uma simples derrota significa um desastre
completo ao passo que no caso dos mercenaacuterios ainda que sejam por
muitas vezes derrotados os empregadores manteacutem suas forccedilas intactas
durante o tempo que durar seus recursosrdquo
187
413 Xantipo e a adoccedilatildeo do princiacutepio taacutetico heleniacutestico
255 aC
Vegeacutecio autor de um manual militar no seacutecIV dC
menciona natildeo somente que Xantipo teria liderado os
cartagineses na guerra contra os romanos ateacute o fim (o que eacute
claramente um equiacutevoco como nos mostram todas as outras
fontes) mas tambeacutem que Aniacutebal Barca durante a Segunda
Guerra Puacutenica havia recrutado um general mercenaacuterio
espartano para a sua campanha contra os romanos
() Na verdade o quanto a ciecircncia militar foi uacutetil
aos Lacedemoacutenios nos seus combates e para omitir
outros eacute confirmado pelo exemplo de Xantipo que com
exeacutercitos jaacute anteriormente derrotados capturou e
venceu Atiacutelio Reacutegulo e o exeacutercito romano muitas vezes
vencedor ao levar auxiacutelio aos Cartagineses natildeo soacute
pela coragem mas tambeacutem pela periacutecia triunfou num
uacutenico encontro e terminou toda a guerra E tambeacutem
Aniacutebal com a intenccedilatildeo de se dirigir para Itaacutelia
procurou um mestre de armas lacedemoacutenio com os
conselhos do qual destruiu tantos cocircnsules e legiotildees
sendo inferior em nuacutemero e em forccedilas428
A segunda informaccedilatildeo na passagem acima destacada (de
que haveria um conselheiro militar espartano a serviccedilo de
Aniacutebal Barca) pode ser com muito otimismo relacionada a
uma evidecircncia sobre um professor de grego (Soacutesilo) de
Aniacutebal em Corneacutelio Nepos429 Nenhuma outra fonte faz
referecircncia a mercenaacuterios espartanos em Cartago nessas
condiccedilotildees de serviccedilo (excetuando Xantipo) mas elas servem
para ilustrar ao lado das evidecircncias sobre o recrutamento
de homens de Esparta (ou simplesmente de ldquoeducaccedilatildeo
espartanardquo) como soldados ou oficiais de patente menor
(submetidos aos generais cartagineses) que essa era uma
praacutetica longe de absurda em cenaacuterio cartaginecircs mesmo que o
428 Vegeacutecio Compecircndio da Arte Militar Pref 3 Traduccedilatildeo inalterada de
Joatildeo Gouveia Monteiro e Joseacute Eduardo Braga (ediccedilatildeo em portuguecircs de
Portugal) 429 Corneacutelio Nepos Aniacutebal 133 [] atque hoc Sosylo Hannibal
litterarum Graecarum usus est doctore
188
caso mencionado por Vegeacutecio e Corneacutelio Nepote tenha sido
inventado ou unicamente produto de confusatildeo430
De volta agrave Primeira Guerra Puacutenica no momento seguinte
agrave derrota para Reacutegulo e ao fracasso das negociaccedilotildees de paz
(tenham elas sido lideradas por iniciativa dos cartagineses
ou pelo general romano) um dos oficiais de recrutamento
(ξενολόγος) que Cartago tinha previamente enviado agrave Greacutecia
retornava com um nuacutemero consideraacutevel de soldados entre
eles Xantipo de Esparta ldquoum homem que havia participado do
sistema de treinamento espartanordquo (ἄνδρα τς Λακωνικς ἀγωγς
μετεσχηκότα)431 Lazenby recorda que embora Diodoro se refira
a Xantipo como ldquoesparciatardquo (ὁ Σπαρτιάτης) a indicaccedilatildeo de
Poliacutebio (quase sempre mais preciso que Diodoro) sugere algo
mais proacuteximo dos μόθακες homens de famiacutelias pobres que eram
patrocinados por algueacutem mais rico e criado com seus
filhos432
Diante do que havia recentemente ocorrido aos
cartagineses Xantipo conclui ldquoapoacutes ter uma visatildeo ampla
dos recursos restantes dos cartagineses e de sua forccedila em
cavalaria e elefantesrdquo (συνθεωρήσας τάς τε λοιπὰς παρασκευὰς τν
Καρχηδονίων καὶ τὸ πλθος τν ἱππέων καὶ τν ἐλεφάντων παραυτίκα) que a
derrota para os romanos na Aacutefrica natildeo se devia aos romanos
mas aos proacuteprios cartagineses ldquopor meio da inexperiecircncia
de seus generaisrdquo (διὰ τὴν ἀπειρίαν τν ἡγουμένων) A conclusatildeo do
general mercenaacuterio teria sido em princiacutepio difundida
entre os seus amigos (τοὺς φίλους) mas logo chegado aos
430 Para o debate sobre a identificaccedilatildeo das referecircncias em Vegeacutecio e
Corneacutelio Nepote cf principalmente E L Wheeler The hoplomachoi
and Vegetius Spartan drillmasters Chiron 13 1-20 1983 P 16
John F Lazenby First Punic War The Spartan Army Warminster Aris amp
Phillips 1985 P 170 Daly p 88 431 Polib 132 De acordo com Diod 2316 Xantipo teria vindo da
Greacutecia com 50 ou 100 soldados ou mesmo sozinho dependendo da fonte
utilizada 432 Lazenby First Punic War pp 102-103 Numa versatildeo mais improvaacutevel
Oroacutesio 49 sugere que Xantipo seria ldquorei dos espartanosrdquo
(Lacedaemoniorum rex) Cf tambeacutem Giovanni Brizzi ldquoAmilcar e
Santippo storie di generalirdquo In Yann Le Bohec (org) La Premiegravere
Guerre Punique Lyon De Boccard 2001 pp 29-38
189
ouvidos dos liacutederes cartagineses que decidiram chamaacute-lo e
examinar a sua linha de raciociacutenio Apoacutes explicar como
Cartago poderia derrotar os romanos (ao inveacutes de assegurar
simplesmente a sua posiccedilatildeo) os generais cartagineses
ldquopersuadidosrdquo (πεισθέντες) ldquoconfiaram-lhe imediatamente as
suas forccedilasrdquo (ατῶ παραχρμα τὰς δυνάμεις ἐνεχείρισαν) Embora a
decisatildeo dos generais tenha gerado alguma reaccedilatildeo violenta
por parte da populaccedilatildeo quando Xantipo liderou o exeacutercito
para fora da cidade em ordem (ἐξαγαγὼν πρὸ τς πόλεως τὴν δύναμιν ἐν
κόσμῳ) e ali comeccedilou a ldquomanobrar algumas partes dele
corretamenterdquo (κινεῖν τν μερν ἐν τάξει) ldquodando comandos de
acordo com os costumesrdquo (παραγγέλλειν κατὰ νόμους)433 o que
havia sido feito pelos generais anteriores (cartagineses)
contrastou de tal maneira que os soldados tiveram seus
acircnimos revigorados sob o comando do general estrangeiro
Nessa situaccedilatildeo a empolgaccedilatildeo de Poliacutebio ao falar da
competecircncia de um general grego eacute evidente434 mas haacute algo
mais relevante a ser observado Se Xantipo realizou as
manobras que Poliacutebio indica uma possibilidade eacute que tenha
existido um periacuteodo de treinamento (possivelmente de alguns
meses) sob o espartano A outra possibilidade eacute que o
exeacutercito jaacute tivesse conhecimento dos termos militares
usuais na arte da guerra grega possivelmente devido ao seu
passado de lutas na Siciacutelia mas que os generais fossem
incapazes de executaacute-los da forma correta de onde
sobressairia o que Poliacutebio acreditou ser a sua (dos
cartagineses) incompetecircncia ou imperiacutecia (ἀπειρία) nos
assuntos militares Se o exeacutercito cartaginecircs que lutou na
Aacutefrica contra Reacutegulo fosse composto somente por mercenaacuterios
gregos a segunda explicaccedilatildeo seria a mais plausiacutevel das
duas jaacute que natildeo temos referecircncias diretas nas fontes ao
433 Isto eacute em termos militares ortodoxos Ver questatildeo na Introduccedilatildeo 434 Goldsworthy Punic Wars p 88 Segundo o autor as accedilotildees de
Xantipo refletiriam em Poliacutebio a profunda admiraccedilatildeo helecircnica pelo
sistema militar espartano
190
treinamento das tropas por Xantipo Mas esse natildeo parece ter
sido o caso do exeacutercito em questatildeo Poliacutebio natildeo menciona
origens eacutetnicas das tropas que lutaram em Adys no primeiro
encontro com Reacutegulo (e que eram ao menos parcialmente as
mesmas sob Xantipo) tampouco o faz para a batalha de
Tuacutenis Em todo caso a ldquofalange dos cartaginesesrdquo (τὴν
φάλαγγα τν Καρχηδονίων) mencionada por Poliacutebio em Tuacutenis em
contraste com os seus mercenaacuterios (τν μισθοφόρων) deve ter
sido cartaginesa ou de aliados liacutebios submetidos ao que os
gregos chamavam de symmachia Aleacutem disso um exeacutercito
cartaginecircs na Aacutefrica devia contar como na maioria dos
casos com grande nuacutemero de soldados liacutebios os quais
desconheciam como regra geral para comeccedilar a liacutengua
grega Para dar os comandos ainda que isso natildeo seja
mencionado no provaacutevel treinamento das tropas Xantipo
teria lanccedilado matildeo como jaacute havia feito em ocasiotildees
anteriores de um ou mais inteacuterpretes (ἑρμηνεύς)435
Passado certo tempo entatildeo os cartagineses comeccedilaram a
marchar em territoacuterios nivelados (τν ὁμαλν τόπων) e a
montar acampamento em locais planos (ἐν τοῖς ἐπιπέδοις τν χωρίων)
ateacute conseguirem avistar o inimigo436
Acampados proacuteximos aos
romanos (a uma distacircncia aproximada de 1800 metros ou 10
estaacutedios gregos) os cartagineses aguardaram a deliberaccedilatildeo
do Senado Aqui emerge uma questatildeo central para a
compreensatildeo do papel que Xantipo teria desempenhado na
batalha encerrado o treinamento das tropas Segundo
Poliacutebio o clamor das tropas por Xantipo aliado aos
pedidos do proacuteprio general espartano fizeram com que os
cartagineses revestissem Xantipo de autoridade (τὴν ἐξουσίαν)
para a conduccedilatildeo da batalha Daiacute se conclui que antes da
batalha de Tuacutenis Xantipo natildeo estava no comando do exeacutercito
sendo responsaacutevel apenas pelo treinamento das tropas (como
435 Diod 2316 436 Polib 133
191
sugeri antes) Na batalha contudo se Xantipo natildeo liderou
o exeacutercito como uacutenico general (como sugere toda a histoacuteria
preacutevia da arte da guerra cartaginesa) ele o fez como
ldquogeneral de suporterdquo dos comandantes cartagineses (que
Poliacutebio natildeo menciona) conduzindo um total de 12000
soldados de infantaria 4000 cavaleiros e praticamente 100
elefantes437
Apoacutes treinar a infantaria cartaginesa Xantipo teve a
oportunidade de liderar o exeacutercito cartaginecircs em campo de
batalha Em Tuacutenis as taacuteticas que puseram fim agraves legiotildees de
Reacutegulo apresentavam uma semelhanccedila incontornaacutevel com
aquelas empregadas pelos generais heleniacutesticos apoacutes
Alexandre Esse eacute um indiacutecio que natildeo pode ser ignorado ao
lado do treinamento da infantaria cartaginesa Xantipo
parece ter transformado o exeacutercito cartaginecircs numa
autecircntica arma heleniacutestica o que seraacute de acordo com
Brizzi incorporado por Amiacutelcar Barca438
Em Tuacutenis Xantipo dispocircs a falange de cartagineses ao
centro com um corpo de mercenaacuterios agrave sua direita (o lado
mais desprotegido do corpo de infantaria devido agrave ausecircncia
do escudo ao lado direito do uacuteltimo homem) Tendo dividido
a cavalaria nas alas (ligeiramente mais adiantada que a
infantaria ao centro) o restante dos mercenaacuterios
(provavelmente dardeiros ou fundeiros) foi lotado ali para
desempenhar claro papel de forccedila de apoio agraves tropas
montadas Os elefantes por sua vez encontravam-se
dispostos agrave frente da linha principal ao centro em
ldquodistacircncia segurardquo da infantaria Do lado romano apesar da
437 Sobre a condiccedilatildeo de Xantipo na batalha de Tuacutenis cf principalmente
Lazenby First Punic War pp 103-106 Goldsworthy Punic Wars pp
89-90 Daly p 88 Para uma discussatildeo sobre a data da batalha cf
Walbank op cit p91 Sobre a possiacutevel reduccedilatildeo dos nuacutemeros do
exeacutercito cartaginecircs (dados por Polib 133) o que se justificaria no
uso da tradiccedilatildeo proacute-cartaginesa (especialmente Philinus) por Poliacutebio
para narrar a batalha cf Caven op cit p38 438 Brizzi op cit A sistematizaccedilatildeo das evidecircncias natildeo eacute feita da
mesma forma pelo uacuteltimo
192
expressatildeo vaga usada por Poliacutebio para definir o modo no
qual as legiotildees foram organizadas por Reacutegulo439 o
posicionamento dos velites agrave frente da infantaria
(apostando no efeito que os dardos teriam nos paquidermes)
e a profundidade das unidades manipulares (algo incomum a
menos que fosse necessaacuterio dar maior coesatildeo e portanto
confianccedila aos homens nas linhas de frente) indicam que o
general romano estava preocupado com o impacto -
principalmente psicoloacutegico - que os elefantes teriam em
seus soldados440
Em primeiro lugar Xantipo ordenou que os elefantes
avanccedilassem contra os romanos ao centro e que a cavalaria em
ambas as alas fizesse um movimento em torno da infantaria
para atacaacute-la pelos flancos e retaguarda (apoacutes vencer a
cavalaria inimiga eacute claro) Os romanos em contrapartida
seguindo seus costumes comeccedilaram a bater as armas contra
seus escudos emitindo seu grito de guerra enquanto
avanccedilavam A cavalaria romana muito inferior em nuacutemero
logo bateu em retirada sem oferecer muita resistecircncia agrave
ofensiva inimiga A ala esquerda dos romanos normalmente
composta por aliados avanccedilou com sucesso contra os
mercenaacuterios dispostos agrave direita do exeacutercito cartaginecircs e
pondo-os em fuga perseguiram os vencidos ateacute o
acampamento A porccedilatildeo central da legiatildeo a qual estava de
frente para os elefantes inicialmente resistiu mas logo
cedeu ao avanccedilo dos paquidermes e toda a formaccedilatildeo foi
rompida no momento em que os cavaleiros cercaram os romanos
pelos lados e pela retaguarda Os que foram capazes de
passar pelos elefantes sem serem pisoteados por eles
acabaram por se deparar com a ldquofalange cartaginesardquo (ateacute
439 Polib 133 ldquo[] muitos maniacutepulos em profundidade []rdquo (πολλὰς ἐπἀλλήλαις [] σημείας) 440 Lazenby First Punic War pp 104-105 sugere uma organizaccedilatildeo em
seis linhas ao inveacutes das trecircs linhas tradicionais (hastati
principes triarii) Goldsworthy Punic Wars p 89 sugere as trecircs
linhas tradicionais com um nuacutemero maior de linhas
193
entatildeo intacta) disposta atraacutes dos animais em boa ordem
(συντεταγμένην [] τὴν τν Καρχηδονίων φάλαγγα)441 Quanto agraves
baixas Poliacutebio registrou somente 800 homens entre os
mercenaacuterios cartagineses (particularmente aqueles que
haviam enfrentado a ala esquerda romana) sem mencionar o
restante do exeacutercito Do lado romano excetuando os 2000
soldados que perseguiram os mercenaacuterios cartagineses em
fuga e alguns homens que escaparam com Reacutegulo todos
pereceram em batalha
Sob Xantipo os paquidermes passaram a ser empregados
como entre os generais heleniacutesticos Poliacutebio relata que
Xantipo antes de analisar os recursos logiacutesticos de
Cartago e portanto de ser nomeado general dos
cartagineses por tempo limitado tomou conhecimento do que
havia recentemente ocorrido e da maneira como havia
ocorrido442
Certamente o historiador estava se referindo agrave
derrota para Reacutegulo e ao fracasso em Acragas na Siciacutelia
evento que teria segundo Poliacutebio transformado a
estrateacutegia romana na guerra De Acragas para Tuacutenis
passando pelo fracasso no uso dos cavaleiros e elefantes em
Adys quando os trecircs generais cartagineses decidiram
enfrentar os romanos antes que esses prosseguissem com a
pilhagem de seu territoacuterio notamos uma mudanccedila notaacutevel no
emprego das tropas de Cartago tanto em seu treinamento (no
caso da infantaria) quanto em sua aplicaccedilatildeo (no caso dos
cavaleiros e elefantes) em campo de batalha
441 Polib 134 Narraccedilatildeo coincidente embora menos detalhada pode ser
encontrada tambeacutem em Zonaras 1113 Diod 2314 apresenta um relato
fantasioso acerca da batalha com Xantipo tendo que empurrar os
desistentes contra os romanos numa demonstraccedilatildeo de coragem e vigor 442 Polib 132 ldquo[] ao ouvir da reviravolta recente e da maneira
pela qual havia ocorrido []rdquo (ὃς διακούσας τὸ γεγονὸς ἐλάττωμα καὶ πς καὶ τίνι τρόπῳ γέγονεν)
194
CONCLUSAtildeO
Nesta tese atenccedilatildeo especial foi dirigida agrave histoacuteria da
Siciacutelia e de Cartago nos primoacuterdios do periacuteodo heleniacutestico
na expectativa de contribuir assim para o abandono da
ideia de um mundo mediterracircnico ocidental formado agrave sombra
da expansatildeo romana Interessou-me primeiramente o impacto
poliacutetico-militar da imitatio Alexandri no ocidente
heleniacutestico sob Agaacutetocles e Pirro da mesma forma que a
reaccedilatildeo dos cartagineses frente agraves duas invasotildees africanas
ocorridas respectivamente entre 310-307 aC e 256-255
aC mais do que propriamente como os romanos subjugaram
Cartago num processo iniciado com a questatildeo dos mamertinos
na porccedilatildeo nordeste da Siciacutelia A partir da anaacutelise
detalhada das liccedilotildees militares aprendidas pelos
cartagineses no periacuteodo heleniacutestico preacute-Baacutercida tornou-se
possiacutevel a compreensatildeo da atuaccedilatildeo social dos mercenaacuterios
cujo fluxo natildeo se encerrou ao menos ateacute a destruiccedilatildeo de
Cartago pelos romanos
Durante a fase inicial da Primeira Guerra Puacutenica
precisamente no ano de 255 aC o exeacutercito cartaginecircs
sofreu modificaccedilotildees sensiacuteveis no campo taacutetico e em seu
treinamento de maneira a transformar as forccedilas de Cartago
em verdadeiras armas heleniacutesticas Mas essa transformaccedilatildeo
natildeo se iniciou contrariando o que sugere Brizzi com
Xantipo443 Taticamente o exeacutercito cartaginecircs se modificou
em 255 aC mas a composiccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo no uso de
comandantes mercenaacuterios parece ter sido anterior
443 Natildeo se trata aqui de desmerecer as hipoacuteteses de Giovanni Brizzi
(op cit) pelo contraacuterio a partir do que foi por ele proposto para
o periacuteodo Baacutercida eacute que pude montar uma explicaccedilatildeo original acerca das
inovaccedilotildees militares anteriores a Amiacutelcar a Aniacutebal Barca e que
acredito ser mais coerente tendo recuado propositalmente no tempo da
anaacutelise de maneira a ilustrar igualmente a relevacircncia das inovaccedilotildees
militares ocorridas durante a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
195
remontando a outras inovaccedilotildees militares importantes durante
a expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles
De fato o siracusano pensou a invasatildeo africana como
inversatildeo da estrateacutegia vigente no conflito contra os
cartagineses levando a guerra para o territoacuterio inimigo
quando o mesmo encontrava-se em grande vantagem na Siciacutelia
nesse caso ao assediar os portos de Siracusa Confiante no
apoio que obteria dos liacutebios e na falta de espiacuterito
combativo dos cartagineses (se comparada agrave experiecircncia de
seus mercenaacuterios) Agaacutetocles provocou uma situaccedilatildeo
calamitosa nos arredores de Cartago e na proacutepria cidade
que apoacutes seacuterias derrotas para o siracusano e perda
consideraacutevel dos territoacuterios aliados ou previamente
submetidos decidiu tomar atitudes draacutesticas Quando um
plano completamente inovador (para os padrotildees cartagineses)
havia sido estabelecido o Senado se decidiu pelo
direcionamento da guerra de uma maneira pouco condizente
com o estatuto e a experiecircncia militar (quando havia) dos
homens que compunham o conselho A divisatildeo logisticamente
correta do exeacutercito em trecircs forccedilas de 10000 homens
organizadas com funccedilotildees especiacuteficas de correccedilatildeo dos erros
que ateacute entatildeo os comandantes cartagineses haviam cometido
sugere um aconselhamento externo possivelmente de um
(grupo) de mercenaacuterios natildeo mencionados pelas fontes
A invasatildeo africana por Agaacutetocles ainda que tenha
fracassado natildeo foi algo impensado ou sem motivaccedilotildees
poliacuteticas mais profundas Quando Agaacutetocles se declarou rei
ldquoem imitaccedilatildeo aos Diaacutedocosrdquo considerando-se equivalente a
eles em ldquopoder territoacuterios e feitosrdquo ele fecirc-lo com um
tiacutetulo propositalmente vago A ausecircncia de um viacutenculo a um
povo ou uma cidade transforma-se portanto num convite agrave
conquista444
donde a expediccedilatildeo africana foi pensada como
concretizaccedilatildeo desse projeto Que a monarquia de Agaacutetocles
444 Gruen op cit
196
possuiacutea uma natureza ldquoheleniacutesticardquo parece claro a partir da
sistematizaccedilatildeo das evidecircncias disponiacuteveis445 mas a quem ela
se dirigia mostrou-se uma questatildeo a ser respondida
Levando-se em conta uma das principais razotildees pelas quais
Agaacutetocles decidiu conduzir uma guerra na Aacutefrica (o
esfriamento do ardor combativo dos cartagineses contra a
experiecircncia militar dos homens ldquotreinados na escola do
perigordquo) mesmo diante da presenccedila inimiga agraves portas de
Siracusa tornou-se plausiacutevel sugerir ao combinar esse
fator com a formalidade de seu poder em Siracusa e os
eventos subsequumlentes agrave sua expediccedilatildeo em territoacuterio
cartaginecircs que a sua monarquia autoproclamada dirigia-se
aos seus homens Daiacute desdobra-se ainda o fato de a sua
imitatio Alexandri natildeo ter se restringido ao campo
poliacutetico com grandes chances de ter se estendido tambeacutem agrave
esfera militar nesse caso mediante a organizaccedilatildeo de um
corpo de elite em imitaccedilatildeo aos hipaspistas de Alexandre
Apoacutes Agaacutetocles com os mamertinos instalados na porccedilatildeo
nordeste da Siciacutelia e com Siracusa carente de um liacuteder que
comandasse os esforccedilos militares contra a ofensiva
cartaginesa espaccedilo foi aberto para Pirro do Epiro receacutem-
chegado na Peniacutensula Itaacutelica a pedido dos tarentinos A
reputaccedilatildeo de Pirro encontrava-se inabalada apoacutes as suas
duas vitoacuterias contra os romanos de maneira que os
siracusanos se decidiram pela sua convocaccedilatildeo como hegemon
dos gregos (contra os ldquobaacuterbarosrdquo) Tendo concordado
prontamente Pirro se mostrou capaz de fazer recuar os
cartagineses mas a tentativa de instauraccedilatildeo de uma
monarquia de tipo heleniacutestico entre os gregos da Siciacutelia
instigou um sentimento de hostilidade quanto agrave sua
presenccedila No final de sua expediccedilatildeo italiana tendo ainda
445 Ver Zambon Hellenistic Sicily e Cap3
197
travado mais uma batalha na Peniacutensula446
Pirro terminaria
por dar uma grande contribuiccedilatildeo agrave arte da guerra no
ocidente heleniacutestico deixando a ilha com o problema
mamertino pendente
Passados 10 anos da expediccedilatildeo epirota na Itaacutelia um
confronto entre os dois grandes poderes em expansatildeo do
mundo mediterracircnico ocidental ocorreraacute tendo como motor a
presenccedila mamertina na Siciacutelia A Primeira Guerra Puacutenica
como ficou conhecida pela historiografia acabou por ser um
conflito longo e basicamente travado no mar mas com um
periacuteodo crucial na Aacutefrica durante o qual os romanos
decidiram em possiacutevel imitaccedilatildeo ao que havia feito
Agaacutetocles cerca de 50 anos antes transportar a guerra para
o territoacuterio inimigo Ao analisar as evidecircncias disponiacuteveis
(particularmente Polib 129) conclui-se que os romanos
natildeo estavam planejando unicamente um desembarque seguro
apoacutes importante vitoacuteria naval mas que eles esperavam
permanecer na Aacutefrica ao menos ateacute obterem a submissatildeo de
Cartago Os cartagineses por outro lado embora tenham
sido infelizes em seus primeiros esforccedilos (a reproduccedilatildeo de
uma das medidas tomadas contra Agaacutetocles isto eacute ir de
encontro ao inimigo para impedir a desistecircncia dos aliados
por pressatildeo militar adversaacuteria direta) aceitaram os
conselhos propostos por um dos mercenaacuterios que os seus
recrutadores haviam trazido do Peloponeso Os conselhos de
Xantipo podem ter sido algo inesperado sem duacutevida mas o
interesse por parte dos cartagineses em ouvir o que esse
general submetido ao treinamento espartano e com grande
experiecircncia militar tinha a dizer era algo com precedentes
indiretos provaacuteveis
446 Beneventum em 275 aC Dessa vez os resultados parecem ter sido
realmente inconclusivos o que se deveu em boa medida agrave desistecircncia
por parte dos italiotas que a essa altura haviam debandado para o
lado romano
198
A reforma liderada por Xantipo por fim teve
repercussotildees interessantes Em primeiro lugar uma reforma
quanto ao treinamento das tropas parece ter ocorrido Se as
tropas cartaginesas agrave eacutepoca da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo
fossem compostas unicamente por gregos poder-se-ia
argumentar a favor de uma incompetecircncia dos generais
cartagineses ao manobrar as seccedilotildees do exeacutercito O que se
observa contudo aleacutem dessa ἀπειρία eacute a sua incontornaacutevel
composiccedilatildeo africana (cartaginesa ou liacutebia) indiacutecio para a
ocorrecircncia do treinamento da infantaria sob Xantipo antes
da reforma taacutetica em Tuacutenis447
Com a infantaria treinada Cartago decidiu pelo
confronto decisivo com os romanos tendo revestido Xantipo
de autoridade (τὴν ἐξουσίαν) temporaacuteria talvez como ldquogeneral
de suporterdquo aos comandantes cartagineses Na batalha de
Tuacutenis as manobras de cavalaria e o uso dos elefantes
propiciaram como argumentei ao longo do Cap4 a
observaccedilatildeo do momento decisivo na transformaccedilatildeo do exeacutercito
cartaginecircs numa verdadeira arma heleniacutestica algo sem
equivalecircncia nas batalhas anteriores mesmo naquelas que
sucederam a presenccedila de Pirro na Magna Greacutecia e na Siciacutelia
O exeacutercito cartaginecircs havia sido modificado por fim a
partir de inovaccedilotildees militares em momentos de invasatildeo do
territoacuterio africano por inimigos estrangeiros tanto em
niacutevel estrateacutegico quanto em niacutevel taacutetico (treinamento e
aplicaccedilatildeo em campo de batalha)
447 O exeacutercito cartaginecircs apoacutes o treinamento dado por Xantipo teria
comeccedilado a marchar em territoacuterios nivelados e a acampar em locais
planos como pode ser encontrado em Polib 133 Ver Cap 4
199
BIBLIOGRAFIA
FONTES
APIANO Guerras Estrangeiras Traduccedilatildeo de Horace White
Cambridge MA London Harvard University Press 1913
ARISTOacuteTELES Poliacutetica Traduccedilatildeo de H Rackham Cambridge Ma
London Harvard University Press 1932
ARRIANO Anabasis Alexandri Traduccedilatildeo de PA Brunt London
Heinemann 1929
DIODORO DA SICIacuteLIA Biblioteca Histoacuterica Traduccedilatildeo de Russel
Geer e Francis Walton Cambridge MALondon Harvard
University Press 2006
CAacuteSSIO DIO Histoacuteria Romana Traduccedilatildeo de Earnest Cary
Cambridge MALondon Harvard University Press 1914-27
DIONIacuteSIO DE HALICARNASSO Antiguidades Romanas Traduccedilatildeo de
Earnest Cary Cambridge MALondon Harvard University
Press 1937-50
ESTRABAtildeO Geografia Traduccedilatildeo de H L Jones Harvard
University Press 1917-1932
EUTROacutePIO O breviarum ab urbe condita de Eutroacutepio Traduccedilatildeo
de HW Bird Liverpool Liverpool University Press 1993
FRONTINUS STRATEGEMATA Traduccedilatildeo de Charles Bennett
Cambridge MALondon Harvard University Press 1925
HEROacuteDOTO As Guerras Persas (livros 8-9) Traduccedilatildeo de AD
Godley Cambridge MALondon Harvard University Press
1925
ISOacuteCRATES Isoacutecrates Vol3 Traduccedilatildeo de La Rue Van Hook
Cambridge MALondon Harvard University Press 1945
FGH = JACOBY Felix et al (orgs) Die Fragmente der
griechischen Historiker LeidenBerlin 1923-
JUSTINO Justino Corneacutelio Nepote e Eutroacutepio Traduccedilatildeo de
John S Watson London HG Bohn 1853
200
OROacuteSIO Os sete livros da histoacuteria contra os pagatildeos Traduccedilatildeo
de Roy J Deferrari Washington Catholic University of
America Press 1964
PAUSAcircNIAS Descriccedilatildeo da Greacutecia Traduccedilatildeo de W H S Jones
Cambridge MA London Harvard University Press 1933
PLUTARCO Vidas V (Agesilaus e Pompeu Peloacutepidas e Marcelo)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1917
______ Vidas VII (Demosteacutenes e Ciacutecero Alexandre e Ceacutesar)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1919
______ Vidas IX (Demeacutetrio e Antocircnio Pirro e Caio Maacuterio)
Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA London
Harvard University Press 1920
______ Vidas VIII (Sertoacuterio e Eumenes Phocion e Cato o
Jovem) Traduccedilatildeo de Bernadotte Perrin Cambridge MA
London Harvard University Press 1919
POLIacuteBIO Histoacuterias Traduccedilatildeo de W R Paton Cambridge MA
London Harvard University Press 2005
POLIENO Estratagemas de Guerra Traduccedilatildeo de Peter Krentz e
Everett L Wheeler Chicago Ares 1994
QUINTO CUacuteRCIO Histoacuterias Traduccedilatildeo de H Bardon Paris Les
Belles Lettres 1947 2 vols
TITO LIacuteVIO Roma e o Mediterracircneo livros XXXI-XLV da
Histoacuteria de Rome desde a sua fundaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Henry
Bettenson New York Penguin 1976
TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo de CF
Smith Cambridge MA London Harvard University Press
1919
XENOFONTE Helecircnica Traduccedilatildeo de Carleton L Brownson
Cambridge MA London Harvard University Press 1918
201
ESTUDOS MODERNOS
ADCOCK Franz The Greek and Macedonian Art of War Berkeley
and Los Angeles California University Press 1967
______ The Roman Art of War under the Republic New York
Barnes amp Noble 1960
AUBERT Jean-Jacques and VAacuteRHELYI Zsuzsanna A tall order
writing the social history of the ancient world essays in
honor of William V Harris Muumlnchen Saur 2005
AUSTIN Michel The Hellenistic World from Alexander to the
Roman Conquest A Selection of Ancient Sources in
Translation Cambridge MA Cambridge University Press
2008
AUSTIN NJE and RANKOV NB Exploratio military and
political intelligence in the Roman world from the second
Punic War to the Battle of Adrianople London New York
Routledge 1995
BABELON Ernest ldquoAlexandre ou l‟Afriquerdquo Areacutethuse 1 95-
107 1924
BAGNALL Nigel The Punic Wars New York St Martin 2005
BELL MJV ldquoTactical Reform in the Roman Republic Armyrdquo
Historia 14 1965
BERNSTEIN AH ldquoThe Strategy of a Warrior-State Rome and
the Wars against Carthage 264ndash201 BCrdquo In MURRAY
Williamson KNOX MacGregor BERNSTEIN Alvin The Making
of strategy rulers states and war Cambridge New York
Cambridge University Press 1994
BEST Jan Thracian Peltasts and their influence on Greek
Warfare Groningen Wolters-Noordhoff 1969
BERVE Helmut Die Herrschaft des Agathokles Muumlnchen
Verlag 1953
______ Die Tyrannis bei den Griechen Muumlnchen Verlag 1967
Birley E The Roman army Papers 1929-1986 Amsterdam JC
Gieben 1988
202
BISHOP MC and COULSTON JC Roman military equipment
London Batsford 1993
BILLOWS Richard Kings and Colonists Aspects of Macedonian
Imperialism LeidenNew YorkKoumlln Brill 1995
BOSWORTH Albert ldquoASTHETAIROIrdquo in CQ 23 245-253 1973
______ Conquest and empire the reign of Alexander the
Great Cambridge New York Cambridge University Press
1988
BRACCESI Lorenzo I tiranni di Sicilia Roma-Bari Laterza
1998
______ L‟Alessandro occidentale Il Macedone e Roma Roma
ldquoL‟ermardquo di Bretschneider 2006
BRIZZI Giovanni Le guerrier de lantiquiteacute classique de
lhoplite au leacutegionnaire Monaco Rocher 2004
BUCKLER John The Theban Hegemony 371-362 BC Cambridge
MALondon Harvard University Press 1980
CAMPBELL J B ldquoTeach Yourself How to be a Generalrdquo JRS 77
1987
CARTLEDGE Paul Agesilaos and the crisis of Sparta London
Duckworth 1987
CAVEN Brian The Punic Wars London Weidenfeld and
Nicolson 1980
______ Dionysius I war-lord of Sicily New Haven Yale
University Press 1990
CHAMPION Craige Brian Cultural Politics in Polybius‟
Histories Berkeley University of California Press 2004
CHANIOTIS WHW Angelos War in the Hellenistic World a
social and cultural history Malden MA Oxford (Eng)
Blackwell 2005
CHARLES-PICARD Gilbert ldquoLes Sufegravetes de Carthage dans Tite-
Live et Cornelius Neposrdquo Revue des Eacutetudes Lat 41 269-
280 1963
______ Carthage London Elek Books 1964
203
______ The life and death of Carthage a survey of Punic
history and culture from its birth to its final tragedy
London Sidgwick amp Jackson 1968
CONNOLLY Peter Greece and Rome at War London Macdonald
1981
CONSOLO LANGHER Sebastiana ldquoLa Sicilia dalla scomparsa di
Timoleonte alla morte di Agatoclerdquo In Emilio Gabba La
Sicilia Antica 2 1 La Sicilia greca dal IV secolo alle
guerre puniche Napoli Societagrave editrice storia di Napoli
e della Sicilia 1980 PP 289-342
______ Sebastiana Agathocle Da capoparte a monarca
fondatore di un regno tra Cartgagine e i Diadochi
Messina Pelorias 2000
CRAWFORD MH and LIGOTA CR Ancient history and the
antiquarian essays in memory of Arnaldo Momigliano
London Warburg Institute University of London 1995
DALY Gregory Cannae the experience of battle in the Second
Punic War London New York Routledge 2002
DAWSON D The origins of Western warfare Militarism and
morality in the Ancient World Boulder Westview Press
1996
DELBRUumlCK H History of the art of war (I) Lincoln
University of Nebraska Press 1990
DE SANCTIS Gaetano Storia dei Romani Milan Fratelli Boca
1907
DEVINE Andrew ldquoGrand Tactics at Gaugamelardquo in Phoenix 29
374-385 1975
DODGE Theodore A Hannibal Cambridge MA Da Capo Press
2004
DOREY TA Latin historians London Routledge amp K Paul
1966
DREWS Robert ldquoPhoenicians Carthage and the Spartan
Eunomiardquo AJA 100 1979
204
DUCREY Pierre Warfare in Ancient Greece New York
Schocken 1985
ENGELS Donald Alexander the Great and the Logistics of the
Macedonian Army Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1978
ERDIKAMP Paul A companion to the Roman army Malden MA
Oxford Blackwell 2007
ERRINGTON RM ldquoRome and Spain Before the Second Punic Warrdquo
Latomus 29 1970
FERRILL Arther The origins of war from the Stone Age to
Alexander the Great New York Thames and Hudson 1985
FEUGEgraveRE M Les armes des Romains Paris Errance 2002
FINLEY Moses A History of Sicily London Chatto amp Windus
1979
FOX Robin L Alexander the Great London Allen Lane 1973
GABBA Emiacutelio Republican Rome the army and the allies
Berkeley University of California Press 1976
______ La Sicilia antica Palermo Ed del sole 1984
GARLAN Yvon La Guerre dans l‟Antiquite Paris F Nathan
1972
______ Recherches de poliorcetique grecque Athegravenes Ecole
franccedilaise d‟Athegravenes 1974
______ Guerre et economie en Grece ancienne Paris La
Deacutecouverte 1989
GAROUFALIAS Petros Pyrrhus King of Epirus London Stacey
International 1979
GIESECKE Walther Sicilia numismatica Leipzig K W
Hiersemann 1923
GOLDSWORTHY Adrian The Punic Wars London Cassell 2002
GOUKOWSKY Paul Essai sur les origines du mythe d‟Alexandre
336-270 av J C Nancy Universiteacute de Nancy II 1978
GREEN Peter (org) Hellenistic history and culture
Berkeley University of California Press 1993
205
GRIFFITH G T The Mercenaries of the Hellenistic World
Chicago Ares 1935
GRUEN Erich S The Hellenistic world and the coming of Rome
Berkeley University of California Press 1984
______ ldquoThe Coronation of the Diadochoirdquo In EADIE John
William e OBER Josiah (orgs) Essays in honour of Chester
G Starr New YorkLondon Routledge 1985
______ Culture and national identity in Republican Rome
Ithaca NY Cornell University Press 1992
______ Cultural borrowings and ethnic appropriations in
antiquity Stuttgart F Steiner 2005
______(org) Cultural identity in the ancient Mediterranean
Los Angeles Getty Research Institute 2010
GSELL Steacutephane Histoire ancienne de lAfrique du Nord
(vol2) Paris Hachette 1914-1930
HAMBURGER Oswald A Untersuchungen uumlber den pyrrhischen
Krieg Wuumlrzburg Wolff 1927
HAMILTON C D and KRENTZ P Polis and polemos essays on
politics war amp history in Ancient Greece in honor of
Donald Kagan Claremont Calif Regina Books 1997
HAMILTON J R ldquoThe Cavalry Battle at the Hydaspesrdquo in JHS
76 27-28 1956
HAMMOND Nicholas e GRIFFITH Guy A History of Macedonia
550-336 (V2) Oxford Oxford University Press 1979
______ ldquoAlexander‟s charge at the battle of Issus in 333
BCrdquo in Historia 41 395-406 1992
______ ldquoWhat may Philip have learnt as a hostage in Thebesrdquo
in GRBS 38 355-372 1997
HANSON Victor D ldquoEpameinondas the Battle of Leuktra (371
BC) and the bdquoRevolution‟ in Greek Battle Tacticsrdquo CA 7
190-207 1988
______ The Western way of war infantry battle in classical
Greece New York Knopf Distributed by Random House 1989
206
______ (org) Makers of ancient strategy from the Persian
wars to the fall of Rome Princeton NJ Princeton
University Press 2010
HARRIS William V War and imperialism in Republican Rome
327-70 BC Oxford Clarendon Press New York Oxford
University Press 1979
______ (org) Rethinking the Mediterranean Oxford New York
Oxford University Press 2005
HEAD Duncan Armies of the Macedonian and Punic Wars
organization tactics dress and weapons Sussex Wargames
Research Group Publication 1982
HOYOS Dexter ldquoBarcid bdquoproconsuls‟ and Punic politics 237-
218 BCrdquo Rheinisches Museum fuumlr Philologie 137 246-274
1994
______ Unplanned Wars The Origins of the First and Second
Punic Wars Berlin New York Walter de Gruyter 1998
______ Hannibals Dynasty Power and Politics in the Western
Mediterranean 247-183 BC Oxford Oxford University
Press 2005
______ Hannibal‟s war books twenty-one to thirty Livy
translated by JC Yardley with an introduction and notes
by Dexter Hoyos Oxford New York Oxford University Press
2006
ISAAC Benjamin The Invention of Racism in Classical
Antiquity Princeton University Press 2004
KEEGAN John The face of battle New York Vintage Books
1977
______ A history of warfare London Hutchinson 1993
KEPPIE Lawrence The making of the Roman army from republic
to empire London BT Batsford 1984
KNIPFING John ldquoGerman Historians and Macedonian
Imperialismrdquo in AHR 26 (4) 657-671 1921
KUSCHEL B ldquoDie neuen Muumlnzbilder des Ptolemaios Soterrdquo JNG
11 9-18 1961
207
LA BUA Vincenzo ldquoLa spedizione di Pirro in Siciliardquo
Miscellanea Greco-romana (MGR) 179-254 1980
LANCEL Serge Carthage Paris Fayard 1992
______ Hannibal Paris Fayard 1995
LAUNEY Marcel Recherches sur les armeacutees helleacutenistiques
Paris Boccard 1949 2 vols
LAZENBY FIRST PUNIC WAR John F The Spartan army
Warminster England Aris amp Phillips 1985
______ The First Punic War a military history London UCL
Press 1996
______ Hannibal‟s War a Military History of the Second
Punic War Norman Oklahoma University Press 1998
LE BOHEC Yann Histoire militaire des guerres puniques
Monaco Editions du Rocher 1996
______ Le Premiegravere Guerre Punique Collection du Centre
d‟Eacutetudes Romaines et Gallo-Romaines 23 Lyon Paris De
Boccard 2001
______ La marine romaine et la premieacutere guerre punique
Klio 85 57-69 2003
LENDON Jon Soldiers and Ghosts A History of Battle in
Classical Antiquity New HavenLondon Yale University
Press 2005
LEacuteVEcircQUE Pierre Pyrrhos Paris E de Boccard 1957
Pyrrhus King of Epirus London Stacey International 1979
LEWIS Sian (org) Ancient Tyranny Edinburgh Edinburgh
University Press 2006
LIDDELL HART Basil Henry Scipio Africanus greater than
Napoleon New York Da Capo Press 1994
MILES Richard Carthage Must be Destroyed The Rise and Fall
of an Ancient Mediterranean Civilization London Allen
Lane 2010
MILNS Robert D Alexander the Great London Robert Hale
1968
208
______ ldquoThe hypaspists of Alexander some problemsrdquo in
Historia 20 186-195 1971
MOMIGLIANO Arnaldo Filippo il Macedone saggio sulla storia
greca Del IV secolo AC Firenze Felice Le Monnier 1934
______ Alien wisdom the limits of Hellenization Cambridge
New York Cambridge University Press 1975
______ Storia e storiografia antica Bologna Il Mulino
1987
______ The classical foundations of modern historiography
Berkeley University of California Press 1990
MORRISON John S amp COATES John F The Athenian trireme the
history and reconstruction of an ancient Greek warship
Cambridge University Press 1986
MOSSEacute Claude La tyrannie dans la Gregravece Antique Paris
Presses Universitaires de France 1969
NIEBUHR Barthold G Roumlmische Geschichte Berlin G Reimer
1853
PARKE Howard W Greek Mercenaries Soldiers Chicago Ares
1933
PRITCHETT William Ancient Greek Military Practices (I)
Berkeley Los Angeles London University of California
Press 1971
REVERDIN Oliver Entretiens sur l‟Antiquiteacute Classique
Alexandre le Grand image et realiteacute Vandoeuvres-Genegraveve
Fondation Hardt 1976
RICH JW Declaring war in the Roman Republic in the period
of transmarine expansion Bruxelles Latomus 1976
ROSENSTEIN NS Imperatores victi military defeat and
aristocratic competition in the middle and late Republic
Berkeley University of California Press 1990
______ Rome at war farms families and death in the Middle
Republic Chapel Hill University of North Carolina Press
2004
209
______ (org) A companion to the Roman Republic Malden MA
Oxford Blackwell Pub 2006
SABIN Philip WEES Hans Van WHITBY Michael The Cambridge
History of Greek and Roman Warfare Cambridge Cambridge
University Press 2007
SAGE Michael Warfare in ancient Greece a sourcebook
London New York Routledge 1996
______ The Republican Army a Sourcebook New York London
Routledge 2008
SCARDIGLI Barbara I Trattati romano-cartaginesi Pisa
Scuola Normale Superiore 1991
SCHEPENS G L‟Autopsie dans la methode des historiens
grecs du Ve siecle avant J-C Brussel AWLSK 1980
______ VERDIN H KEYSER E de Purposes of history
studies in Greek historiography from the 4th to the 2nd
centuries BC proceedings of the international
colloquium Leuven 24-26 May 1988 Lovanii [sn] 1990
SCHUBERT Rudolf Geschichte des Pyrrhus Koumlnigsberg Wilh
Koch 1894
SCULLARD HH The Etruscan cities and Rome Ithaca NY
Cornell University Press 1967
______ The elephant in the Greek and Roman world Ithaca
NY Cornell University Press 1974
______ Scipio Africanus soldier and politician Ithaca
NY Cornell University Press 1970
SEKUNDA Nicholas Hellenistic Infantry Reform in the 160‟s
BC Gdansk Gdansk University Press 2006
SIDEBOTTOM Harry Ancient warfare a very short
introduction Oxford Oxford University Press 2004
SJOQVIST Erick ldquoA portrait Head from Morgantinardquo AJA 66
319-322 1962
STERN Ernst von Geschichte der spartanischen und
thebanishen Hegemonie Tartu University of Tartu 1884
210
STEWART Andrew Faces of Power Alexander‟s Image and
Hellenistic Politics Berkeley and Los Angeles University
of California Press 1993
STRAUSS Barry The anatomy of error ancient military
disasters and their lessons for modern strategists New
York St Martin‟s Press 1990
SZNYCER Maurice ldquoLe Problegraveme de la royauteacute dans le monde
puniquerdquo Bulletin du Com des Trav Hist 17 291-296
1981
TAGLIAMONTE Gianluca ldquoRapporti tra societagrave di immigrazione
e mercenari italici nella Sicilia greca del IV secolo aCrdquo
In Confini e frontiera nella Grecitagrave d‟Occidente Atti
Del XXXVII Convegno Internazionale di Studi sulla Magna
Grecia Taranto 1999
TARN William W ldquoPolybius and a literary commonplacerdquo in CQ
20 98-100 1926
______ Hellenistic Military and Naval Developments
Cambridge Cambridge University Press 1930
______ Alexander the Great Cambridge Cambridge University
Press 1950 2 vols
TILLYARD Henry Julius W Agathocles Cambridge The
University Press 1908
TOYNBEE Arnold J Hannibal‟s legacy the Hannibalic War‟s
effects on Roman life London New York Oxford University
Press 1965
TUPLIN John ldquoThe Leuctra Campaign some outstanding
problemsrdquo in Klio 69 72-107 1987
VARTSOS Ioannes ldquoOsservazioni sulla campagna di Pirro in
Siciliardquo Kokalos 16 89-97 1970
VATTUONE Ricardo Sapienza d‟occidente Il pensiero storico
di Timeo di Tauromenio Bologna Pagravetron 1991
WALBANK Frank W A historical commentary on Polybius
Oxford Clarendon Press 1957-79
211
______ Polybius Berkeley and Los Angeles University of
California Press 1972
______ The Hellenistic world Brighton Sussex Harvester
Press Atlantic Highlands NJ Humanities Press 1981
______ ASTIN AE The Cambridge Ancient History Vol 7
Cambridge University Press 1984
WARMINGTON Brian H Carthage New York Praeger 1960
ZAMBON Efrem Tradition and Innovation Sicily between
Hellenism and Rome Stuttgart Fraz Steiner Verlag 2008
212
ANEXOS
ANEXO 1 ndash UMA CRONOLOGIA DO MUNDO HELENIacuteSTICO
323-241 AC
323 ndash Morte de Alexandre o Grande Perdicas distribui as
satrapias Nascimento de Alexandre IV filho de Roxana
Guerra Lamiana (revolta dos gregos)
322 ndash Submissatildeo de Atenas morte de Aristoacuteteles Invasatildeo da
Capadoacutecia por Perdicas Ptolomeu se estabelece no Egito
Ophellas em Cirene
321 - Campanha de Antiacutepatro e Cratero contra os etoacutelios
Perdicas invade a Pisiacutedia
320 ndash Antiacutepatro feito regente Filipe Arrideu Roxana e
Alexandre IV em custoacutedia Invasatildeo da Aacutesia por Antiacutepatro e
Crateros Eumenes derrota Crateros Seleuco adentra a
Babilocircnia Derrota de Perdicas no Egito
319 ndash Morte de Antiacutepatro Polipercon feito regente
Ptolomeu conquista a Palestina Agaacutetocles ascende ao poder
em Siracusa
318 ndash Polipercon declara a liberdade dos gregos Eumenes
sai da Capadoacutecia para a Ciliacutecia Eudamos extermina Poro e
marcha para o oeste
317 ndash Campanhas de Polipercon na Greacutecia Invasatildeo da Siacuteria
por Eumenes Invasatildeo da Paacutertia por Eudamos e outros
saacutetrapas Invasatildeo da Siacuteria por Antiacutegono fuga de Eumenes
para a Babilocircnia
316 ndash Derrota de Polipercon para Cassandro Eumenes se
junta a Eudamos Batalha de Paraitacene
315 ndash Lisiacutemaco combate Antiacutegono Antiacutegono derrota Eumenes
em Gabene Morte de Eumenes Eudamos e Peiton Antiacutegono daacute
nova ordem agraves satrapias orientais Alianccedila formada contra
Antiacutegono Agaacutetocles eleito strategos autocrator ()
213
314 ndash Antiacutegono se recusa a se entregar
313 ndash Antiacutegono conquista Tiro
312 - Ptolomeu suprime revolta em Cirene e derrota Demeacutetrio
em Gaza
311 ndash Derrota de Agaacutetocles na Siciacutelia bloqueio do porto de
Siracusa Antiacutegono expulsa Seleuco da Feniacutecia Paz entre
Antiacutegono Cassandro Ptolomeu e Lisiacutemaco
310 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Agaacutetocles Campanha
de Ptolomeu na Ciliacutecia contra Antiacutegono Anexaccedilatildeo de Cipro
309 ndash Alianccedila de Agaacutetocles com Ophellas Demeacutetrio abandona
a Babilocircnia
308 ndash Morte de Ophellas exeacutercito de Ophellas incorporado
por Agaacutetocles Antiacutegono expulso da Babilocircnia por Seleuco
307 ndash Agaacutetocles retorna a Siracusa Atenas tomada por
Demeacutetrio
306 ndash Antiacutegono e Demeacutetrio assumem o diadema Demeacutetrio
conquista Cipro Seleuco invade a Baacutectria
305 ndash Iniacutecio do cerco de Rodes Seleuco conquista a Baacutectria
304 ndash Seleuco Ptolomeu Lisiacutemaco e Cassandro assumem o
diadema Agaacutetocles se declara rei Seleuco fracassa em sua
campanha contra Chandragupta na Iacutendia
303 ndash Demeacutetrio conquista Corinto e boa parte do Pelponeso
campanhas de Agaacutetocles na Itaacutelia acordo entre Seleuco e
Chandragupta
302 ndash Cassandro e Lisiacutemaco contra Antiacutegono Seleuco e
Ptolomeu se juntam agrave alianccedila contra Antiacutegono
301 ndash Batalha de Ipso morte de Antiacutegono fuga de Demeacutetrio
300 ndash Demeacutetrio contra Lisiacutemaco Alianccedila entre Ptolomeu e
Lisiacutemaco
299 ndash Pirro enviado a Ptolomeu como refeacutem
298 ndash Demeacutetrio conquista a Ciliacutecia
297 ndash Morte de Cassandro Ptolomeu lanccedila Pirro como rei do
Epiro Lisiacutemaco toma posses de Demeacutetrio na Aacutesia Menor
296 ndash Lisiacutemaco Seleuco e Ptolomeu contra Demeacutetrio
214
295 ndash Seleuco toma Ciliacutecia Ptolomeu toma posses de
Demeacutetrio no Cipro Demeacutetrio recupera Atenas
294 ndash Demeacutetrio feito rei na Macedocircnia
293 ndash Demeacutetrio na Tessaacutelia
292 ndash Revolta de Tebas Antiacuteoco inicia governo na Baacutectria
291 ndash Demeacutetrio sufoca revolta em Tebas e ataca Pirro
289 ndash Morte de Agaacutetocles
288 ndash Guerra naval de Ptolomeu contra Demeacutetrio Lisiacutemaco e
Pirro provocam fuga de Demeacutetrio para o Peloponeso
287 ndash Revolta de Atenas Ptolomeu conquista Tiro
286 ndash Demeacutetrio perde Iocircnia e Liacutedia para Lisiacutemaco
285 ndash Demeacutetrio invade a Siacuteria submissatildeo de Demeacutetrio a
Seleuco
284 ndash Pirro derrotado por Lisiacutemaco na Macedocircnia
283 ndash Morte de Demeacutetrio e Ptolomeu Ascensatildeo de Ptolomeu II
282 ndash Tarentinos pedem ajuda a Pirro
281 ndash Ptolomeu Cerauno feito rei da Macedocircnia Seleuco
invade a Anatoacutelia elimina Lisiacutemaco e eacute morto por Ptolomeu
Cerauno na Traacutecia
280 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo italiana de Pirro vitoacuteria em
Heraclea derrota de Antiacutegono Gonatas (filho de Demeacutetrio)
para Ptolomeu Cerauno invasatildeo da Macedocircnia pelos celtas
fundaccedilatildeo da Liga Aqueacuteia
279 ndash Derrota dos romanos em Aacutesculo pedido de auxiacutelio de
Siracusa morte de Cerauno em batalha contra os celtas
Tratado entre romanos e cartagineses contra Pirro
278 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo siciliana de Pirro
277 ndash Pirro derrota os cartagineses na Siciacutelia Antiacutegono
Gonatas derrota os celtas celtas ocupam a Galaacutecia
276 ndash Pirro parte para Tarento Antiacutegono Gonatas
reconquista a Tessaacutelia
275 - Batalha inconclusiva de Benevento
264 ndash Iniacutecio da Primeira Guerra Puacutenica
260 ndash Batalha de Mylae
215
256 ndash Iniacutecio da expediccedilatildeo africana de Reacutegulo
255 ndash Recrutamento de Xantipo Batalha de Tuacutenis derrota de
Reacutegulo
247 ndash Amiacutelcar Barca nomeado general na Siciacutelia nascimento
de Aniacutebal Barca
241 ndash Fim da Primeira Guerra Puacutenica Cartago perde a
Siciacutelia para os romanos
216
ANEXO 2 FIGURAS
FIGURA 1
217
FIGURA 2
(a)
(b)
218
FIGURA 3
219
FIGURA 4
Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )
Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemaacuteticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterinaacuteriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MuacutesicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuiacutemicaBaixar livros de Sauacutede ColetivaBaixar livros de Serviccedilo SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo
Recommended