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FOTOGRAFIAS ESCOLARES: UMA LEITURA DA HEXIS CORPORAL DA
JUVENTUDE NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO SÉCULO XX
Luani de Liz Souza1
luani.liz.souza@gmail.com
UDESC/PPGE
Juçara Eller Coelho2
jeller@ifsc.edu.br
IFSC/SC
Palavras-Chave: Fotografias escolares; Educação profissional; Hexis corporal; Jovem.
INTRODUÇÃO
Sou hóspede do tempo
Da minha casa
Das minhas palavras
Das coisas que declaro minhas [...]
O que eu tenho é minha atitude
O que eu levo é minha atitude
O que pesa é minha atitude
Minha porção maior.
Zélia Duncan
A fotografia é um instante do tempo. Para Barthes (1984), inclassificável por si só.
Partindo-se dessa consideração, a história não está no objeto, mas no homem que a habita.
Nas imagens se faz presença uma atitude, uma perpetuação do corpus fotografado em sua
história para a História.
Trazer a fotografia para a empiria da história da educação é ir para além da técnica e
das proposições químicas do ato de revelar. Barthes (1984, p.16) afirma que “[...] uma foto é
sempre invisível: não é ela que vemos”, logo, lemos no invisível a história que se fabrica para
aquele instantâneo, ou seja, a história se conta pela metamorfose capitada pelas lentes.
Existe no instante da captura um jogo social, ora coincidindo com o “eu” indivíduo,
ora trazendo vestígios do momento histórico, social e cultural do indivíduo e das práticas
sociais que o circundam. Assim, é preciso, ao analisar a fotografia escolar, destruí-la (Barthes,
1984) em sua primeira aparência, isto é, na institucionalização do objeto histórico
representado.
Ao evidenciar para esta pesquisa a fotografia escolar, tem-se, nesse momento, uma
operação de organização daquilo que se espera observar, isto é, não se está diante da foto, mas
da composição do corpus fotografado, composto por hóspedes do “tempo escolar”, indivíduos
de/na instituição. Nesse sentido, há na fotografia uma linguagem, um discurso e um campo
simbólico.
Portanto, a fotografia é uma face da realidade, fabricada em um jogo social ou no
acaso do cotidiano, que por vezes representa uma ideia de um tempo e descreve algo a ser
símbolo para outro instante. Assim, pode-se dizer que não há uma única realidade na
fotografia, portanto, não se está próximo de algo definitivo, mas de evidências históricas
como afirma Burke (2004).
Certamente, ao deixar um testemunho, a imagem quer comunicar algo indicando
existir uma intenção, um sentido da ação humana a ser captada. Para Pesavento (2008, p. 100)
“Imagens, são, sobretudo, ações humanas que, através da história, empenham-se em criar um
mundo paralelo de sinais. São, pois representações da realidade que se colocam no lugar das
coisas, dos seres e dos acontecimentos”. Desse modo, o que se tem por intenção ou sentido
das/nas ações humanas a capturar imagens de jovens durante os percursos de formação, na
história da educação do Brasil? Quais são as propriedades discursivas que se traduzem das
fotografias escolares?
Neste estudo almeja-se uma observação mais detida das fotografias escolares que
retratam jovens em formação na educação profissional do Brasil, durante o século XX, por se
reconhecer essa experiência de captura de imagens como um conhecimento científico de
apreensão do mundo, tal como afirma Pesavento (2008): “[...] o conhecimento proporcionado
pela imagem pode ser tanto estético quanto epistêmico.”
Há, na fotografia, uma cristalização do tempo e espaço que é transmitida pela memória
social. Isso faz com que o testemunho, o hospede daquela imagem, se reatualize no tempo,
tornando-se uma imagética comum, Pesavento (2008). Ao se constituir uma imagética comum
na memória social, não se pode esquecer a fabricação, a metamorfose do indivíduo diante do
click, elementos que passam a identificar os jovens como imagem referência.
Nesse contexto, desafiador e fascinante que este estudo busca reconhecer, entre a
fabricação e a metamorfose diante do click, a composição de uma hexis corporal da juventude
escolar da educação profissional no Brasil, especificamente do Estado de Santa Catarina.
Destaca-se, que entre o click, o jovem e a sua instituição escolar, existe uma intenção de
comunicação. Bourdieu (2008) remete ao sistema escolar a condição de comunicação
pedagógica e de uma ação pedagógica de reprodução social, o que legitima a ideia de que
existe algo reproduzido nas imagens, sejam fabricadas apenas em poses pelos indivíduos, ou
pela inculcação agregada pela instituição em que o jovem está inserido.
Ao assinalar que a armazenagem dessas imagens são narrativas históricas da história
da educação, parte-se em busca das mensagens discursivas que compõem a imagética
conceitual da juventude da Educação profissional no Brasil.
A ALEGORIA
Parece dispensável ressaltar as disparidades sociais encontradas no sistema escolar,
pois são conhecidas na história da educação, as articulações dos projetos culturais a que toda
uma população escolar está condicionada. Todavia, os receptores desse projeto cultural
instalado no sistema escolar são múltiplos e a escola, como uma instituição de composição de
ordem e de produção de sentido informativo, precisa homogeneizar esses múltiplos sujeitos
em sujeitos escolares.
Retomando-se as características históricas da Educação profissional no Brasil
evidenciam-se, ainda mais, as disparidades de repertório cultural dos sujeitos “jovens” que
compõem esse tipo de escolarização.
Por meio desse enfoque já seria possível começar a constituir uma imagética da
juventude da educação profissional, pois a situação da origem dessa modalidade de ensino já
condiciona a um sujeito com carência social, emergência de sustentabilidade e com uma
marca histórica de necessidade de assistência.
Essa relação de condicionamento social à formação para o trabalho fica explícita no
principio da educação profissional instalada no país, uma vez que o processo de construção
social e política dessa modalidade de educação, já no período colonial, foi marcada pela
exploração de povos nativos e pela inserção de mão de obra escrava, caracterizando a
utilização da força física em diferentes ocupações, afastando, assim, os ditos homens livres
das referidas atividades.
Outro ponto histórico que denota a caracterização de um imagético da juventude na
educação profissional associado aos desfavorecidos social e economicamente refere-se à
própria criação da Rede de Escolas de Aprendizes Artífices, pelo Presidente Nilo Peçanha,
ano de 1909. Estas instituições escolares destinavam-se à oferta de ensino profissional
gratuito e de nível primário, considerado suficiente aos alunos egressos, tendo em vista suas
condições socioeconômicas e culturais, com idade entre 10 e 13 anos e “[...] preferidos os
desfavorecidos da fortuna [...]” (BRASIL, 1909).
Expressa-se, desse modo, a condição de aprendizagem de determinados ofícios à
crianças e jovens, órfãos ou desvalidos. Quanto a essa intervenção, não se trata de um mero
ato político visando atender a esses sujeitos, mas da escassez de mão-de-obra necessária a
algumas ocupações, para as quais os sujeitos de outros grupos sociais não aceitavam se
submeter, em função do atrelamento a condições hierárquicas destituídas de poder e de
reconhecimento social e que, anteriormente, eram realizadas por escravos.
Nota-se que a imagem do jovem que participava da educação profissional deveria
coadunar com toda a trajetória já definida entre sua educação e o posterior percurso de vida
para o trabalho após sua formação.
Segundo Santos (2010, p. 211), “[...] o ensino de ofícios, quer por parte do Estado quer
por iniciativa das sociedades civis, foi orientado basicamente por uma ideologia que se
fundamentava, dentre outros aspectos, em conter o desenvolvimento de ordens contrárias à
ordem política”, logo, convém assinalar que a formação profissional era de certo modo, um
controle político da população jovem.
Nessa composição da imagética de uma juventude que incorpora um modelo de
trajetória escolar e de trabalho, observa-se a vinculação direta com um discurso político que,
assumidamente, configura a educação para fundamentar o processo de
industrialização/desenvolvimento do país.
Dessa concepção emanada do conjunto histórico da educação profissional, pode-se
conceber a imagem como narrativa de um processo de incorporação da cultura escolar nos
jovens egressos da educação profissional, assim como é possível atinar o olhar para uma
fotografia escolar da educação profissional, pois, tal como afirma Pesavento (2008, p.109):
“[...] a imagem está para o espaço assim como o discurso está para o tempo, mas que, como
um remete ao outro, pode-se pensar a imagem como um lugar no tempo, e o texto como um
momento no espaço [...]”. Isto é, a fotografia que narra uma face daquela realidade confirma
ou transfigura o que delimita a imagem do jovem na educação profissional, pois se anunciam
entre os termos da legislação3 e da imagem, alguns códigos simbólicos que parecem como
regras e convenções nas imagens desses sujeitos escolares.
Porém, existem discrepâncias entre um imagético de juventude recortado através da
estrutura da instituição escolar e aquele que a memória social incorporou sobre a juventude de
outras décadas no país, por exemplo: a ideia de atitude, movimento, transgressão, liberdade e,
até mesmo, delinquência, em alguns momentos, dependendo do recorte histórico e do lugar
delimitados, muda esse imagético de juventude no Brasil, como nos movimentos políticos e
sociais com participação da juventude.
Nesse sentido, seria possível notar uma diferença de hexis corporal do jovem da
educação profissional e do imagético sobre a juventude da memória social? Seria possível
entender que a Educação profissional em sua ação pedagógica redimensiona uma hexis
corporal? Essas são algumas indagações que no decorrer da leitura das imagens pretende-se
elucidar.
Parece haver uma tendência de se incorporar ao imagético sobre a juventude
produções e atitudes da memória social, ou seja, através dessa memória herdada, passamos a
refletir sobre a identidade da juventude relacionada aos pontos e movimentos históricos e
sociais que destacaram essa categorial social em um determinado período do cotidiano e que
reverbera como expectativa para/sobre as novas gerações dessa categoria social.
Na medida em que fatores importantes e de destaque em sociedade produzem o que
Pollak (1992) diz sobre a identidade no sentido de imagem de si, para si e para os outros,
estruturam-se elementos constituintes de uma memória social da juventude, e de outro modo,
o jovem passa a ser dimensionado e reconstruído constantemente a partir desses elementos.
Pollak (1992, p. 5) afirma que a construção da identidade “[...] é um fenômeno que se
produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, da
admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com os outros
[...].” Isto é, na construção e reconstrução da hexis corporal da juventude não há isenção, tanto
por parte daquele que é o sujeito da história, como das instituições e outros sujeitos da
sociedade que produzem e têm por expectativa uma juventude configurada para responder os
anseios sociais.
Ocupa-se a instituição escolar, nesse momento, de constituir, construir e modelar o
jovem - sujeito social - legitimando as propostas e estruturas do projeto cultural de um país,
conforme as definições políticas em concordância com o momento histórico.
As instituições escolares da educação profissional reproduzem em sua cultura escolar
(Frago, 2000) formas, atitudes e pensamentos que os sujeitos ao desempenharem suas tarefas
assumem normativas e discursos, que interiorizados passam a integrar seu cotidiano, ou seja,
ritos e os modos de fazer daqueles que compõem esse tipo de instituição.
Quando o jovem integra-se a uma determinada instituição, como as da educação
profissional, pode-se entender que, como afirma Certeau (1982, p. 9), “[...] o conquistador irá
escrever o corpo do outro e nele traçar a sua própria história [...]”. Nessa escrita corporal
encontram-se similitudes com conceito de habitus que Bourdieu (1983) apud Nogueira (2006,
p. 27) denomina como um “[...] sistema de disposições duráveis estruturadas de acordo com o
meio social dos sujeitos e que seriam predispostas a funcionar como estruturas estruturantes,
isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações.” Assim, a
prática de socialização atribuída à instituição escolar, com suas normas e ordenamentos de um
projeto cultural estabelecido, legitima, além de uma proposta de educação para o jovem,
estruturas que devem ser por eles interiorizadas, bem como práticas sociais a serem
exteriorizadas a partir do campo da educação em que estão inseridos.
Na escrita corporal traçada pela educação no sujeito jovem, busca-se, na disposição da
hexis corporal, isto é, após o habitus incorporado, aquilo que está internalizado da prática
social cotidiana da educação profissional e que passa a estar exteriorizado no imagético da
juventude.
Para efeito de análise da leitura dessa escrita do corpo do jovem no clic da fotografia
escolar, busca-se observar se há uma mesma hexis corporal disposta no decorrer de períodos
históricos da educação profissional de algumas instituições escolares em Santa Catarina e se o
corpus fotografado anuncia gestos, movimentos, linguagens e corporeidades de um habitus
produzido pela educação profissional.
Não se pode esquecer, ao tecer as observações das imagens na leitura da hexis
corporal, de perceber a singularidade e questionar a sistematização do momento da fotografia
escolar, pois, tal como afirma Barthes (1984, p. 22) “[...] a partir do momento que me sinto
olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a “posar”, fabrico-me instantaneamente um outro
corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem.” Nesse sentido, o corpo fotografado
torna-se mecanicamente uma imagem de juventude na memória social, habitada e expressada
numa hexis corporal do habitus da educação profissional.
HOSPEDES DO TEMPO4
A seleção de um objeto histórico – a fotografia - direciona o olhar para aquilo que se
dá a ver e para o que fica na invisibilidade em cada momento da história da educação, através
da fotografia.
Para Aumont (1990) não há imagem pura e, partindo-se do princípio de que a
fotografia, assim como a ação pedagógica, tem uma intencionalidade de comunicação ao se
operacionalizar a seleção das fotografias escolares para este estudo5, não se esqueceu desses
elementos, tendo em vista o expressivo potencial representativo da fotografia em uma
pesquisa no campo da História da Educação. Segundo Bencostta e Meira,
Enquanto documentos, as fotografias escolares consistem em um testemunho
e representação das escolas em determinada época. Elas revelam um modo
de ser e de se conceber a escola, formas determinadas dos sujeitos se
comportarem e representarem seus papeis – professor, aluno, classe. Elas
trazem informações sobre a cultura material escolar, os arranjos espaciais
(arquitetura), as relações sociais, os contextos humanos (professores,
diretores, alunos e suas respectivas posturas) e práticas escolares [...] (2004,
s/p).
Levando-se em conta esse referencial, foram selecionadas cinco fotografias atinentes
às seguintes instituições escolares de educação profissional do Estado de Santa Catarina:
Escola Industrial de Santa Catarina (Pública - Federal), Escola de Aprendizes de Marinheiros
de Santa Catarina (Pública - Federal), Colégio Coração de Jesus Florianópolis (Particular),
Escola Técnica Tupy – Joinville (Particular) e Colégio Industrial de Lages (Pública –
Estadual).
Os evocativos que dimensionaram outro critério de seleção das fotografias escolares
são os desdobramentos da ação pedagógica das instituições escolares selecionadas. Não se
delimitou, aqui, a educação profissional somente à proposta de formação técnica, mas, à
formação para uma profissão, rompendo com a delimitação da educação profissional
diretamente à formação técnico-industrial, dessa forma, propõe-se observar as fotografias
escolares de aprendizes de marinheiros, normalistas, formação industrial e a própria formação
técnica.
Como último e não menos relevante critério, analisa-se os próprios hospedes do tempo
- os jovens, reconhecendo traços individualizantes desses sujeitos no coletivo e na história da
educação.
Essas são, a rigor, as etapas que direcionaram a cinco fotografias escolares que
parecem testemunhar indícios, formas e aparências da hexis corporal da juventude na
educação profissional no século XX. Elas podem estar próximas do imagético da juventude
presente na memória social, quando esse imagético transpõe a relação de jovem transgressor,
de atitude e de mobilização, em alguns movimentos da história, agregando aos jovens, as
características relacionadas a um projeto cultural legitimado pelo progresso social e pelo
desenvolvimento do país.
TESTEMUNHO VISUAL
[...] a imagem fotográfica apresenta-se como um
testemunho visual e como representação que requer,
pois, uma leitura específica. Como fonte de informação,
recordação e emoção, a imagem fotográfica associa-se
à memória e introduz uma nova dimensão no
conhecimento histórica [sic], obtida tradicionalmente,
através da linguagem escrita (BENCOSTTA; MEIRA,
2004, s/p).
O que está na fotografia escolar? Os hóspedes de tempos escolares distantes e
próximos em seu papel. Acerca dos sujeitos escolares, é dado a ver, quase sempre, sua
reprodução imagética segundo o seu papel social na instituição escolar – sujeito em devir.
Pela memória, sempre se busca reconhecer um imediato vestígio do que fomos enquanto
sujeitos escolares ou enquanto jovens nas fotografias.
Projetam-se, nesse hóspede do tempo escolar, elementos que Pollak (1992) afirma
construírem uma identidade social, mas, que conforme o tempo histórico da educação,
solicitam uma atitude por parte da juventude, um engajamento; em outro, busca a vigilância
desses sobre os atos morais e cívicos que deveriam compor sua identidade.
Finalmente, a fotografia escolar representa sempre um imagético sobre o sujeito
escolar, isto é, a repetição incansável do que se dá a ver nesse tipo de fotografia. Porém, ao se
buscar na imagem traços de elementos que constituem uma identidade social do jovem,
extrapola-se o referente universal dessas fotografias e, assim como uma tradução de práticas
sociais e escolares, passa-se a ver os discursos incorporados nesses hóspedes do tempo
escolar.
“Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta [...]
O tempo não para”.
Cazuza
Figura 1 – Aula na oficina de alfaiataria em 1939/Escola Industrial de Florianópolis.
Fonte: Laboratório de Imagem e Oralidade Franklin Cascaes/ IF-SC
A construção visual exposta na Figura 1 é portadora da comunicação pedagógica de
uma instituição, a formação pedagógica para o trabalho. Instiga o olhar a reconhecer na
juventude escolar, o traço de futuros trabalhadores. A vestimenta, que não é uniforme escolar,
mimetiza a função do docente em sujeitos escolares mais velhos, como o suspensório,
representando um diferencial daquele que se apresenta para a produção de roupas – alfaiate,
costureiro. Ao se fitar atenção nos sujeitos escolares à frente das máquinas de costura, nota-se
certa infância ao invés de juventude, nos moldes de definição que se conhece por juventude
na contemporaneidade, sujeitos entre 15 a 29 anos, em conformidade com a Lei Nº 11.129 de
2005, que criou o Conselho Nacional da Juventude e o Programa Nacional de Inclusão de
Jovens (Projovem).
Nesse caso, evidenciam-se questões do período histórico do país, assinalando uma
necessária qualificação profissional em atendimento às transformações e modernização do
setor industrial, como também de integração dos jovens à uma qualidade social útil que,
emanada da educação, passava pela questão da formação para o trabalho, o que é evidenciado
na Lei Orgânica do Ensino Industrial/Decreto Nº 4.073, de 1942:
Art. 4º O ensino industrial, no que respeita à preparação profissional do
trabalhador, tem as finalidades especiais seguintes: 1. Formar profissionais
aptos ao exercício de ofícios e técnicas nas atividades industriais. 2. Dar a
trabalhadores jovens e adultos da indústria, não diplomados ou habilitados,
uma qualificação profissional que lhes aumente a eficiência e a
produtividade. (BRASIL, 1942).
Assim, nas décadas de 50 e 60 do século XX considerava-se como possível
balizamento de juventude, a inserção no mundo do trabalho para maiores de 18 anos, mas,
também, sendo possível a inserção entre 14 a 18 anos como aprendiz, segundo a Consolidação
das Leis Trabalhistas, de 1943. Outro ponto que marca o jovem desse período está relacionado
ao Código Civil Brasileiro (1916), que determina como incapazes os menores de 16 anos.
Todavia, a imagem produzida a partir da legislação, determina um sentido de menor idade nos
sujeitos escolares, e, conforme a lei do ensino industrial poderia ingressar jovens nas
seguintes condições:
Art. 29. O candidato à matrícula na primeira série de qualquer dos cursos
industriais, de mestria ou técnicos, ou na única série dos cursos pedagógicos,
deverá desde logo apresentar prova de não ser portador de doenças
contagiosas e de estar vacinado.
Art. 30 Deverá o candidato satisfazer, além das condições gerais referidas
no artigo anterior, as seguintes condições especiais de admissão:
1. Para os cursos industriais:
a) ter doze anos feitos e ser menor de dezessete anos;
b) ter recebido educação primária completa;
c) possuir capacidade física e aptidão mental para os trabalhos escolares que
devam ser realizados [...] (BRASIL, 1942).
Assim, há certa distorção entre a legislação concernente à formação para o trabalho e a
viabilidade de contratação de sujeitos escolares egressos do ensino industrial, tendo em vista a
legislação trabalhista que determina quem é o trabalhador brasileiro. Outro elemento que se
agrega à conceituação do jovem escolar do período, está relacionado à questão da saúde. Isso
parece evidenciar que para se formar um trabalhador não é necessário somente o
desenvolvimento intelectual, mas, que a força corporal precisa ser demonstrada. Porém, na
imagem apresentada pela Figura 1, os jovens que compõem o quadro de sujeitos escolares à
frente das máquinas, são “miúdos”, aparentando certa fragilidade. Em vista disso, seria
possível dizer que é a característica de uma determinada classe social do país a quem se
destina a formação para o trabalho? Historicamente a educação profissional foi estruturada
visando proporcionar aos menores desfavorecidos social e economicamente o
desenvolvimento de outra formação educacional.
Como desdobramento da questão corpo e saúde6 na educação profissional do país,
duas imagens demonstram a representação da necessidade da incorporação de um corpo
“saudável” ou “forte” para esses jovens, diante de suas atividades pedagógicas em suas
instituições escolares.
“Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo. Tempo, tempo, tempo, tempo.”
Caetano Veloso
Figura 2 Escola de Aprendizes de Marinheiros Figura 3 Escola Técnica Federal de SC - 1966
Fonte: Acervo Turma QUEBEC - 1968 Fonte: Acervo Osvaldino Hoffmann - Blog ETEFESC
O impacto das imagens das Figuras 2 e 3 no imagético sobre a juventude, está
associado, diretamente, a uma hexis corporal de um sujeito potencialmente forte, capaz de
desempenhar atividades físicas. A condição apresentada pela Figura 2, de jovens na formação
de aprendizes de marinheiros, indica uma força necessária à defesa da pátria, e, na Figura 3,
está demonstrada a força para a atividade física associada ao desenvolvimento de jovens
capazes de ocupar trabalhos voltados a atividades práticas.
Ainda sobre essas fotografias, é possível observar o cenário da educação profissional
como um reduto do gênero masculino, marcadamente pela ausência feminina nas fotografias,
bem como pelo modelo de educação física proposto, que remonta, em ambas, uma ação
pedagógica indicando a intervenção do militarismo na educação. Tal intervenção, incorpora
no imagético da hexis corporal do jovem o ordenamento, a conduta moral, a postura sadia e a
disposição para o desenvolvimento do país através da força de trabalho ou pela mobilização
do jovem para a defesa da pátria. As duas imagens explicitam a cultura escolar da educação
profissional desenvolvida no país na década de 1960, demonstrando o valor simbólico
incorporado e exteriorizado pelos jovens.
Porém, como tratado anteriormente neste texto, na fotografia não há somente uma
realidade, os sujeitos se metamorfoseiam diante do clic. Desse modo, a fabricação de um
imagético da juventude pode ser reconhecida em outra formulação, traçada pelo rebuscamento
corporal dos jovens nos “topetes”, nos trajes e nas poses.
Demonstra-se, na próxima fotografia (Figura 4), a presença de uma “proposta” de
imagem de juventude moderna, associada a um mimetismo da juventude estadunidense,
indicando um rito de incorporação de postura exterior ao da cultura escolar.
“Eu tenho andado tão só
Quem me olha nem me vê
Silêncio em meu violão
Nem eu mesmo sei por que.
De repente ficou frio
Eu não vim aqui para ser feliz
Cadê o meu sol dourado?
Cadê as coisas do meu país?”
Paulo Diniz
Figura 4 – Estudantes Escola Técnica Federal de Santa Catarina (1964)
Fonte: Acervo Pessoal – Blog ETEFESC
O efeito real dessa composição fotográfica testemunha uma imagem visual de
juventude escolar moderna, mas também compõe registros de incorporação de um modelo de
juventude em destaque no mundo, naquele período.
Entretanto, mesmo composta na paisagem escolar, não se trata de uma fotografia
institucionalizada, correspondendo a uma prática social externa de um grupo de estudantes.
Nesse sentido, os cadernos na mão, o posicionamento em frente a instituição escolar, as pastas
escolares na lateral do corpo, enunciam que são os jovens da fotografia.
Nota-se que os objetos escolares, bem como o espaço escolar simbolizam o ideal
imagético sobre a juventude. Na memória social os sujeitos nessa faixa etária, carregando
esses objetos e diante da instituição devem ser estudantes. A rigor, mesmo na ausência de
uniforme ou mesmo não sendo uma fotografia clicada pela instituição, ela enuncia um sujeito
escolar e incorpora aspectos diferenciados à hexis corporal do imagético sobre a juventude.
“Linha linha de montagem
A cor a coragem
Cora coração
Abecê abecedário
Ópera operário
Pé no pé no chão”
Chico Buarque
Figura 5 – Estudantes Escola Tupy (1970)
Fonte: Acervo SOCIESC – Escola Tupy
Há, nessa fotografia escolar (Figura 5), um sentido peculiar referente ao discurso
pedagógico que anuncia uma educação imbuída de modernização, marcada diretamente pela
presença dos maquinários, revelando o jovem quase como o próprio trabalhador. O que
aponta essa incorporação explicita de trabalhador, por parte do jovem, está vinculado ao uso
do macacão e ao manuseio de máquinas grandes. Mas, o mais interessante está na figura do
possível professor ou orientador da turma, bem mais jovem que o estudante em destaque no
primeiro plano da fotografia, revelando uma diferenciação na faixa etária dos estudantes. Ao
se comparar as Figuras 1 e 5 percebe-se certo distanciamento, mostrando naquela imagem
(Figura 1) o menor na educação profissional, podendo-se constatar, também, uma distinção
referente ao atendimento da educação profissional somente aos desfavorecidos socialmente,
pois esse estabelecimento de ensino era particular e mantido por uma empresa privada da
cidade de Joinville.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalizando este breve estudo da composição da hexis corporal da juventude na
educação profissional, conclui-se que, ao incorporar o habitus pertinente à formação para o
trabalho o jovem passa a configurar-se no espaço da sociedade como um sujeito trabalhador.
Na memória social fica incorporada ao imagético do jovem a própria figura do
trabalhador. Essa imagem contribui para a difusão de que o jovem está, em sua trajetória
escolar, direcionado para o trabalho prático, correspondente à dinâmica industrial do país.
Outras formações podem apresentar uma hexis corporal amenizada de sentido de
trabalho, porém, agregam a cultura escolar a que o sujeito se integrou, ou seja, a boina dos
marinheiros, os shorts, a preocupação com a imagem corporal ou, no caso do ofício de
alfaiate, o traje que exterioriza a formação da qual esses sujeitos escolares são egressos.
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Figura 3: Escola Técnica Federal de SC - 1966
Fonte: Acervo Osvaldino Hoffmann - Blog ETEFESC. In: http://etefesc.blogspot.com.br/ (acesso em
10/11/2012)
Figura 4: Estudantes Escola Técnica Federal de Santa Catarina (1964)
Fonte: Acervo Pessoal – Blog ETEFESC. In: http://etefesc.blogspot.com.br/ (acesso em 10/11/2012)
Figura 5: Estudantes Escola Tupy (1970)
Fonte: Sociesc – Histórico. In: http://www.sociesc.org.br/pt/institucional/conteudo.php?&id=294&lng=2&mnu=307&top=0
(acesso em 15/10/2012)
1 Doutoranda em Educação – Linha de Pesquisa História e Historiografia da Educação na Universidade do
Estado de Santa Catarina, Bolsista Promop/UDESC.
2 Mestre em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Linha de Pesquisa História e
Historiografia da Educação.
3 Conforme Santos (2010) desde a Constituição promulgada em 1824 que não trata diretamente do ensino
profissional, mas influenciou esse ramo do ensino e posteriormente em 1826 no Projeto de Lei da Instrução
Pública no Império, já se organizava o ensino profissional para atender as necessidades da produção
manufatureira do século XIX e que, posteriormente, a partir do Decreto Nº 7.566 de 1909 incorpora até mesmo
profissionais provenientes das fábricas para lecionar alguns ofícios. Enfim, se apresenta, nesse contexto, uma
vinculação direta da formação do jovem da educação profissional à intervenção do setor produtivo.
4 Para entender, quem é esse hóspede do tempo a que se faz referência, para além da observação entre a
composição da imagética que se tem sobre juventude, foi necessário balizar a análise na legislação que organiza
o ensino da educação profissional, isto é, na contemporaneidade se tem por definição os termos da Lei Nº 11.129
de 2005, que delimita como jovem do país a população entre 15 a 29 anos de idade. No que tange a educação
pela obrigatoriedade de ensino, se encontra como sujeito jovem aquele entre 12 anos incompletos e 18 anos, em
conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Nº 8.069 de 1990, que coaduna com a
obrigatoriedade do ensino público e gratuito, e que, atualmente, incorpora o Ensino Médio como parte final da
Educação Básica. Em contraponto, a organização atual da juventude, conforme a exposição anterior, estabelece
diferentes faixas etárias para estar na educação profissional e ser parte da população jovem. De acordo com os
princípios estabelecidos nas legislações da educação profissional do início do século XX seria sujeito escolar do
ensino profissional, a população entre 10 e 13 anos; posteriormente, na Constituição Federal de 1937 encontra-se
a palavra “juventude” no capítulo intitulado Educação e Cultura, Art. 129; porém, não há uma conceituação de
faixa etária desses sujeitos, e sim, a afirmativa sobre a responsabilidade do Estado e União de assegurar a
educação para a juventude que não tivesse recursos necessários para ingressar nos diversos níveis de ensino.
Outro ponto que decorre como possibilidade de configuração de um perfil do jovem, está atrelado à Lei Orgânica
do Ensino Industrial, de 194de e a Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943, que vinculam o caráter
formativo à uma organização de ensino ritmado pelos anseios das indústrias e a partir da definição do homem
trabalhador no país. Pode-se associar que nesse período, o jovem era aquele vinculado ao ensino industrial,
preparado para o trabalho e que segundo a definição da Lei Nº 2.072, de 1940, que institui a organização
denominada “Juventude Brasileira”, estava entre a faixa etária de 11 a 18 anos de idade (Art. 10). Encontram-se
outras alterações intermediárias da juventude na legislação até o panorama atual que se apresenta, mas, para fins
deste estudo, há ainda que se destacar a Lei Nº 5.692, de 1971, que organiza o ensino público no Brasil em
ensino de 1º e 2º graus. É importante ressaltar que, nessa Lei, a educação profissional não tem um capítulo
destinado à sua organização, mas encontra-se como relevante dado a questão do ensino supletivo, delimitando o
fracasso escolar ou a inacessibilidade do jovem à educação em idade escolar em conformidade com a legislação
em vigente. Assim, jovens, naquele período, eram considerados aqueles que cursavam e concluíam o 2º grau, ou
que estavam aptos a prestar os exames no ensino supletivo, sendo necessário ter 18 anos para concluir o 1º grau e
maiores de 21 para concluir o 2º grau.
5 A escolha das fotografias escolares para a realização deste texto está imbricada na trajetória de pesquisa das
autoras, por se tratar de um desdobramento dos estudos realizados no Programa de Pós-Graduação em Educação
– Mestrado, da Universidade do Estado de Santa Catarina. As pesquisas cotejaram com a perspectiva da
formação nas instituições escolares da educação profissional e da juventude que recebe um determinado tipo de
formação e que parece explicitar tais estruturas nas práticas sociais.
6 Salienta-se que na história da educação, é perceptível essa preocupação com a boa saúde dos sujeitos escolares
e até mesmo com as condições do ambiente escolar; por isso, vale conferir o Projeto Higienista na educação,
como também o discurso médico que se estruturava na intervenção do espaço, corpo e leitura do sujeito escolar e
da instituição. Ver Gondra (2010).
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