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Ficha catalográficaUniversidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação - CRB
Fernando Costa Cordovio, 1969-
FerMúsica, educação e sociedade : uma história de jovens instrumentistas emCampinas (SP) / Fernando Costa Cordovio. – Campinas, SP : [s.n.], 2013.
FerOrientador: Dirce Djanira Pacheco e Zan. FerDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Educação. Fer1. juventudes. 2. educação não formal. 3. música instrumental. 4. história oral.
I. Dirce Djanira Pacheco e Zan. II. Universidade Estadual de Campinas.Faculdade de Educação. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Music, education and society : a story of young instrumentalists inCampinas (SP)Palavras-chave em inglês:youthseducation not formalinstrumental musicoral historyÁrea de concentração: Ensino e Práticas CulturaisTitulação: Mestre em EducaçãoBanca examinadora:Dirce Djanira Pacheco e Zan [Orientador]Áurea Maria GuimarãesSamuel AraújoData de defesa: 27-11-2013Programa de Pós-Graduação: Educação
iv
RESUMO
O presente trabalho versa sobre sentidos e significados relativos aos processos educativos
experenciados por jovens músicos instrumentistas na trajetória do Instituto Anelo, na cidade de
Campinas, São Paulo. Articula as possibilidades da perspectiva da música instrumental como
construção contra hegemônica e as relações com o campo da Educação Não Formal. A
metodologia utilizada na pesquisa foi a História Oral. Fundamentou-se nas narrativas de quatorze
jovens que participaram em diferentes momentos do projeto aqui estudado. Buscou-se a
compreensão daqueles significados a partir das narrativas (co)construídas com os colaboradores
durante a pesquisa. As conclusões apontam para uma multiplicidade de sentidos relacionados
tanto ao gênero música instrumental, quanto aquele campo educativo. Destacam-se: a constante
atuação dos jovens pela garantia de acesso a bens culturais e simbólicos; o sentido de uma
construção coletiva, bem como as contradições presentes nos significados expressos por eles em
seu intento de combate à exclusão social imposta pela hegemonia neoliberal e a existência e
circunscrição das ONGs como parte dessa ideologia.
Palavras chaves: juventudes - educação não formal - música instrumental - história oral.
ABSTRACT
The present work deals with meanings related to educational processes experiment by
young musicians instrumentalists in the trajectory of Anelo Institute in Campinas city, São Paulo.
Articulates the possibilities from the perspective of instrumental music as against hegemonic
construction and relations with the field of education not formal. The methodology used in this
research was the oral history. It was based on the narratives of fourteen young people who
participated at different times of the project studied here. We sought to understand those
meanings from the narratives built between us with employees during the search. The findings
point to a multiplicity of meanings related to both the genre instrumental music, as that field of
education. Among them: the constant action of the youth by ensuring access to cultural and
symbolic, the meaning of a collective, as well as the contradictions present in the meanings
expressed by them in their attempt to combat social exclusion imposed by neoliberal hegemony
and existence and constituency of NGOs as part of this ideology.
Keywords: youths - education not formal - instrumental music - oral history.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................p. 01
CAPÍTULO 1
1. PERCURSO METODOLÓGICO...........................................................................p. 05
1.1 - Por que história oral? História oral de quem?.........................................p. 05
1.2 - Gênero de história oral - adiantando alguns passos do caminho............p. 10
1.3 - Objetivos.....................................................................................................p. 18
1.3.1 - Objetivo geral..............................................................................p. 18
1.3.2 - Objetivos Específicos..................................................................p. 18
1.4 - Enfim, como? A pesquisa de campo.........................................................p. 19
1.4.1 - Colaboradores.............................................................................p. 24
1.4.2 - Formas de captação das entrevistas e materiais
utilizados.................................................................................................p. 31
CAPÍTULO 2
2. POLIFONIA DE VOZES: UMA HISTÓRIA ORAL DO INSTITUTO
ANELO......................................................................................................................... p. 43
CAPÍTULO 3
3. EDUCACÃO NÃO FORMAL, TEMPO LIVRE, JUVENTUDES E
MÚSICA........................................................................................................................p. 81
3.1 - Campos que se tangenciam.......................................................................p. 82
3.2 - Momento histórico, paradoxo das ONGs e Educação Não
Formal................................................................................................................p. 86
3.3 - Origem social e juventudes........................................................................p. 93
3.4 - Tempo livre..............................................................................................p. 103
3.4.1 - Violência e suspeita..................................................................p. 114
3.4.2 - Acesso........................................................................................p. 122
3.5 - Religião, música e moralidade................................................................p. 125
3.6 - Outros aspectos relativos ao campo da Educação Não Formal............p. 127
CAPÍTULO 4
4. MÚSICA INSTRUMENTAL - MÚLTIPLOS SENTIDOS................................p. 133
4.1 - Performance.............................................................................................p. 133
4.2 - Novos espaços..........................................................................................p. 144
4.3 - Ser é ser percebido?.................................................................................p. 152
4.4 - Captação, voluntariado e profissionalização..........................................p. 161
4.5 - Paisagem sonora: múltiplos sentidos da música instrumental..............p. 167
4.5.1 – Música Instrumental e Jazz.....................................................p. 167
4.5.2 - Intersubjetividade.....................................................................p. 171
4.5.3 - Aproximando diferenças..........................................................p. 172
4.5.4 - Música instrumental e gênero feminino.................................p. 177
4.5.5 - Arte versus mercado..................................................................p. 179
CONCLUSÃO.............................................................................................................p. 181
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................p. 185
ANEXOS......................................................................................................................p. 201
Para Lori, com amor.
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, Adalgisa Cordovio, maior incentivadora e apoiadora de meu percurso
escolar;
À Lori Affonso, com quem venho dividindo boa parte desse trabalho. Obrigado por tudo...
À minha família, principalmente aos meus irmãos Felipe e Fernanda Cordovio e meu
padrasto Feliz Galvão;
À profa. Dra. Dirce Djanira Pacheco e Zan, pelo apoio e contribuições durante todo esse
caminho, pela forma assertiva, carinhosa e precisa de tecer suas considerações sobre o trabalho;
Ao prof. Dr. Samuel Araújo e à Profa. Dra. Áurea Maria Guimarães, pelo frutífero diálogo
no Exame de Qualificação e na Defesa dessa dissertação;
Ao prof. Dr. Jorge Luiz Schroeder e à profa. Livre Docente Agueda B. Bittencourt, pela
composição da banca de suplentes.
A todos os integrantes do grupo Violar, pelos inúmeros momentos de companheirismo e
colaboração com ideias e críticas produtivas. Em especial, à Beatriz Cristina Possato, pela leitura
e comentários no projeto inicial; à Cátia Alvisi, Claudio Gomes da Victoria e Karina Santos, pela
generosa amizade;
Ao Instituto Anelo e a todos os colaboradores desta pesquisa, pela oportunidade de
aprender e, sem os quais, nada seria possível: Luccas Soares, Marciele, Leandro, Hernani,
Guilherme Ribeiro, Audrey Caroline, Jaqueline, Daniel, Josimar, Gabriela, Rómulo, Dorival
Oliveira, Michel Leme e Levi. À Jéssica, pelo apoio logístico;
A todos os funcionários da Faculdade de Educação da Unicamp;
À Cláudia Doná, secretária da Clínica Crescente, pelas inúmeras colaborações,
principalmente, com minha agenda;
Aos mantenedores do Colégio Conectado – em Moji Mirim, pelo apoio e compreensão
nos momentos precisos;
E, se por acaso me esqueci de alguém, perdoe-me, mas sinta-se agradecido.
A causa a que devotei boa parte da
minha vida não prosperou. Eu espero que isso
me tenha transformado em um historiador
melhor; já que a melhor história é escrita por
aqueles que perderam algo. Os vencedores
pensam que a história terminou bem porque
eles estavam certos, ao passo que os
perdedores perguntam porque tudo foi
diferente, e esta é uma questão muito mais
relevante.
Eric Hobsbawn
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura I: “Rômulo e seu primeiro saxofone”. Foto utilizada como muleta da memória.
Figura II: “Sede do Instituto Anelo”.
Figura III: “Linha de trem nos arredores do Jardim Florence”.
Figura IV: “Guilherme Ribeiro e parte do primeiro grupo de alunos do Instituto Anelo”.
Figura V: Matéria sobre o Instituto Anelo.
Figura VI: “Alunos do Instituto Anelo recebendo brinquedos de instituição financeira por
ocasião do Natal”.
Figura VII: “Trecho de Cantaloup Island, de Herbie Hancok” retirado do Repertório
Encadernado.
Figura VIII: “Alunos e professores do Instituto em visita à Expomusic no ano de 2007”.
Figura IX: “Audrey Caroline e seus alunos”.
Figura X: “Marciele e Alê Petrônio, seu professor no instituto”.
Figura XI: Professores do Instituto - Paulinho (bateria), Dorival (contrabaixo), Levi e Alê
(guitarras), Michel Leme (de costas, na guitarra) e Tércio (saxofone), em jam session na sede do
Instituto Anelo em 17 de dezembro de 2010.
Figura XII: “Professores do Instituto em gravação no Estúdio Visual em Campinas – SP
em 19 de setembro de 2013”.
Figura XIII: “Terreno próximo à invasão onde a família de Luccas ‘conseguiu’ um pedaço
de terra para construir sua moradia.”
Figura XIV: “Jovens tocando na sede do Instituto Anelo.”
Figura XV: “Hernani com sua aluna em um dos recitais da instituição.”
Figura XVI: “Jovens componentes do Instituto Anelo tocando na Estação Santa Fé em
Campinas.”
LISTA DE SIGLAS
CEDAP – Centro de Educação e Assessoria Popular.
CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social.
CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
CENUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92, ou Rio-92.
EAD – Educação à Distância.
FICC – Fundo de Investimentos Culturais de Campinas.
INCOR/ UNINCOR - Universidade Vale do Rio Verde, antigo Instituto Superior de
Ciências, Letras e Artes de Três Corações – MG.
MBA - Master Busniness Administration: curso de Pós-Graduação Lato Sensu equivalente
aos cursos de Especialização no Brasil.
ONG – Organização Não Governamental.
RMC – Região Metropolitana de Campinas.
INTRODUÇÃO
Nesta investigação preocupei-me em investigar sentidos e significados que jovens
atribuem aos processos educativos por eles vivenciados ao longo do percurso histórico de uma
instituição calcada na música instrumental como gênero de principal referência para o ensino de
música ali proposto. Concomitantemente à pesquisa, desenvolvi outras atividades profissionais,
dentre elas, as ações como psicólogo escolar em uma instituição de ensino privada, e meu
trabalho como psicoterapeuta.
Meu interesse em estudar as juventudes é decorrente de minhas inserções profissionais em
diversas instituições dedicadas à Educação Básica ao longo de minha carreira. A junção desse
tema com a música, elemento presente em minha vida desde muito cedo, ofereceram os
contornos que resultaram na elaboração desta pesquisa.
Situado no Jardim Florence I, periferia do município de Campinas – SP, o Instituto Anelo
vem se dedicando a práticas musicais desde meados do ano 2000, objetivando “prover acesso à
cultura, através do ensino da música, proporcionando conhecimento, integração social e
desenvolvimento humano para crianças e adolescentes” (INSTITUTO ANELO, 2010).
Desenvolver a criatividade, a ética, a sensibilidade e o conhecimento da arte são outros de seus
objetivos, além da possibilidade dos alunos desenvolverem habilidades que resultariam em
alternativas de profissionalização e autonomia.
Atualmente a instituição atende aproximadamente duzentos alunos na faixa etária dos sete
aos dezesseis anos e que compõem parte da população economicamente carente daquela
metrópole. Sua localização, nesse sentido, é estratégica.
Suas ações concentram-se em três projetos: Musicalização (iniciação musical),
Instrumentos Musicais/Canto (aulas de diversos instrumentos musicais) e Prática de Bandas
(encontros de alunos que já dominam seus instrumentos musicais, podendo assim, exercitar sua
prática e o trabalho em equipe).
Uma particularidade dos sujeitos que a compõe é seu envolvimento com a música
instrumental, procurando estimular o desenvolvimento da mesma ao longo da história
institucional.
Durante o caminho percorrido na investigação notei consideráveis mudanças em meu
modo de perceber as ações implementadas pelos jovens da instituição estudada. Meu olhar sobre
o mundo e minhas próprias atuações vêm sofrendo alterações da mesma espécie, influenciado
que estou pelas leituras e outras atividades acadêmicas desenvolvidas no Programa de Mestrado.
Se num primeiro momento me percebia encantado pelas ações institucionais,
provavelmente pela identificação e pela afeição ao gênero música instrumental, cuja dimensão foi
ampliada pela leitura do artigo de Camila Iwasaki (2007) a respeito de jovens instrumentistas de
São Paulo e que me impulsionou para a realização desta pesquisa, após o exame de qualificação
percebi-me no extremo oposto, como que sofrendo um choque de realidade em função das
diversas leituras efetivadas, num movimento que posso denominar de “teoria da curvatura da
vara.”
Creio que hoje seja possível afirmar que a vara não pende nem para um lado, nem para o
outro, mas oscila dentro de um espectro de frequência que se relativiza, dependendo dos critérios
a partir dos quais as ações e as narrativas (co)construídas durante, e mesmo após a investigação
vão sendo observadas. Todavia, também não pretendo me ver refém de um pobre maniqueísmo,
visto que a complexidade que me foi sendo apresentada por meus interlocutores é considerável,
aumentando em magnitude a cada leitura e reflexão realizadas. Desta forma, este trabalho procura
refletir minhas preocupações com minhas atuações e posicionamentos de forma autocrítica
(ARAÚJO et alli, 2006). Ainda que não pretenda retirar de todo o encanto inicial, o problema
seria ficar imerso nele, sem enxergar os inúmeros vieses apresentados neste percurso.
Minha expectativa é que este trabalho possa ser um elemento a mais a contribuir com os
campos de estudo que nele se entremeiam e, particularmente, com as pessoas envolvidas em suas
lutas diárias em busca de condições equânimes de viver, tais como os jovens dedicados ao
Instituto Anelo, com os quais continuo aprendendo.
Assim, apresento os capítulos, frutos do trabalho desenvolvido.
Os aspectos relativos ao percurso metodológico desenvolvido na pesquisa e suas relações
com a prática efetivada no trabalho em campo são objetos tratados no primeiro capítulo.
No capítulo seguinte, procurando uma aproximação com a história oral pura, exponho
parte da história institucional a partir de uma costura entre as textualizações de todos os
colaboradores entrevistados. Esta narrativa pretende contextualizar o leitor a respeito de alguns
dos principais elementos observados na trajetória da instituição.
O terceiro capítulo diz respeito à tangência entre vários campos emergentes a partir do
tema pesquisado: a educação, a antropologia, a filosofia e a etnomusicologia. Inicia-se a análise
dos dados coletados na pesquisa com a retomada do momento histórico de proliferação das
ONGs no Brasil e do posicionamento de autores que se dedicam ao campo da Educação Não
Formal. Na sequência, o foco recai sobre a origem social dos colaboradores da investigação,
sendo que as luzes que lhes são lançadas refletem parte do diálogo acadêmico que vem se
construindo sobre a temática das juventudes e o uso do tempo livre nos campos do lazer e da
cultura, em articulação com as narrativas colhidas e a compreensão acerca do imaginário social
(TEVES, 1992) do grupo pesquisado.
No quarto capítulo a análise é voltada para o campo musical e, dentro desse, o alvo são as
práticas musicais relacionadas ao gênero música instrumental. Nesse percurso, destacam-se
elementos, tais como a performance e a circulação dos jovens colaboradores por novos espaços a
partir do vínculo institucional. A premente necessidade de sobrevivência desses sujeitos, bem
como da instituição, conduz a análise para o vínculo estabelecido entre esta e a mídia, a captação
de verbas, o voluntariado e a profissionalização. Por fim, detém-se de forma pormenorizada sobre
alguns elementos contidos na paisagem sonora (SHAFER, 2011) pesquisada.
A conclusão se encontra na sequência.
CAPÍTULO 1
1. PERCURSO METODOLÓGICO
Percurso, do latim, percursus. Variação de percurrere: ‘correr ou andar por’. (CUNHA,
1986, p. 595).
Metodológico, do francês méthodologie, derivado do latim methodologia. Do latim tardio
meth dus e, este, do grego méthodos, de meta - e hodós ‘via, caminho’, já no sentido de
investigação científica. (Ibid., p. 517).
Amparado pela etimologia dos verbetes que dão título a este capítulo, debruço-me sobre a
tarefa de descrever o caminho andado, percorrido na presente investigação. E já adianto, não só
por mim, mas por todos os colaboradores da mesma, dado que não caminhei, nem percorri este
caminho sozinho.
1.1 - Por que história oral? História oral de quem?
Para narrar essa história, considero necessário voltar aos primeiros passos do referido
caminho, e por que não, ao que hoje pondero ser o primeiro deles: o momento em que esboço a
ideia de desenvolver tal empreita.
Precisamente, o germe deste projeto é o contato que tenho com o texto de Camila Iwasaki
(2007) a respeito do “improviso de todo dia e de toda noite” de jovens músicos instrumentistas do
município de São Paulo estudados por ela. Essa leitura imediatamente me remete ao trabalho
desenvolvido pelo Instituto Anelo, situado na periferia de Campinas. Assim, inicio a reflexão
acerca da história de difícil sobrevivência que ele tem ao longo de seus dez anos de existência na
época, treze hoje.
A interlocução entre a obra de Iwasaki e o projeto desenvolvido pelo referido Instituto é
considerável e os posicionamentos e questionamentos elencados pela autora me põem em
movimento. Um deles, em particular, instiga-me: “como é possível haver jovens dedicados à
música instrumental, uma modalidade ‘erudita’, uma ‘música de velhos?” (Iwasaki, 2007, p.
167).
As provocações da autora ao utilizar-se desses estigmas acerca da música instrumental
têm efeito, no mínimo, de inquietação quando apresentadas a alguém como eu que tem em sua
trajetória pessoal e profissional um considerável contato com dois dos elementos que a compõe: a
música e os jovens. À guisa de esclarecimento, uma observação: os últimos se vinculam mais ao
desenvolvimento de minha carreira profissional, enquanto a primeira está atrelada ao âmbito de
minha vida particular.
O que considero determinante para a elaboração de um anteprojeto de pesquisa é a
justaposição de ambos com outros dois elementos cruciais presentes no trabalho desenvolvido
pela Organização Não Governamental que viria a se tornar objeto da discussão aqui apresentada:
a carência de recursos econômicos e sua localização às margens dos aparelhos culturais existentes
no município de Campinas.
O então ‘anteprojeto’ começa a ser organizado e posteriormente recebe status de projeto
propriamente dito. Contudo, é ainda em sua etapa germinal que ele ganha contornos que, para
mim, são fundamentais, visto que é em função dos mesmos que a pesquisa se desenvolve.
Exemplo disso é a reunião agendada com Luccas, idealizador da instituição, momento em
que lhe apresento a ideia de nesse ambiente desenvolver uma pesquisa e ele, de muito bom grado,
aceita a sugestão. Minha proposta inicial: relatar a história institucional a partir das experiências e
narrativas dos sujeitos que ali passaram e passam, dando continuidade à sua trajetória, levando
em conta o ensino de música oferecido no local, compreendido por mim naquele momento como
calcado, principalmente, no gênero música instrumental. Argumento ainda que minha curiosidade
acerca dessa história seja aguçada pelos dois elementos há pouco expostos: as dificuldades por
mim conhecidas para que a organização se mantivesse viva até então, como, por exemplo, sua
fragilidade econômica, bem como sua localização periférica.
Muito antes, portanto, de sua entrevista ser considerada ‘ponto zero’, que em história oral
é considerada “a entrevista básica ou as entrevistas iniciais [...] que animam a sequência
pretendida” (MEIHY, 2007, p. 49), este encontro nos vincula de uma nova forma, bem como a
mim com a instituição e principia o desenvolvimento de aspectos que viriam se mostrar bastante
fecundos, tal como a futura composição das ‘redes’. O conceito de rede diz respeito à menor
parcela pesquisada da comunidade de destino, objeto da investigação (MEIHY, 2007).
Até aquele momento eu era apenas um admirador do trabalho ali desenvolvido. O
primeiro contato com a instituição ocorrera em meados de 2006, quando fui até lá a convite de
um amigo. Desde então, desempenho ali alguns papéis sociais1 que considero hoje de grande
valia na construção deste projeto de pesquisa: passo a ser amigo de alguns de seus professores,
sou um espectador relativamente assíduo nos recitais e outras apresentações da instituição e
consigo uma vaga para que meu irmão estude contrabaixo na mesma. Inclusive, num dado
momento chego a ser convidado pelo próprio Luccas a compor o quadro de professores
voluntários da instituição, mas declino do convite em função de priorizar outras atividades.
Hoje percebo que aqueles papéis me aproximaram do cotidiano institucional, de seus
eventos, notícias e dificuldades, despertando minha atenção e curiosidade acerca daquele espaço
e das atividades ali desenvolvidas, particularmente no que tange à sua precariedade: a falta de
financiamento para sua manutenção e a movimentação de alguns de seus integrantes nesse
sentido, escrevendo projetos culturais vinculados às leis de incentivo fiscal; as campanhas para
arrecadar instrumentos musicais para uso dos alunos carentes (a imensa maioria); a realização de
jantares e “pizzadas” com o intuito de angariar fundos para compor sua renda; o fato do corpo
docente ser formado exclusivamente por professores voluntários (pelo menos até o momento da
elaboração do projeto de pesquisa); a doação de instrumentos musicais e verba por parte de uma
grande construtora do município; o auxílio na aquisição de instrumentos musicais e equipamentos
advindos dos proprietários de uma loja desse segmento, sensibilizados com sua “causa”; o apoio
de outras escolas de música (Conservatórios Carlos Gomes e Chorus Music em Campinas e
1 Aqui me refiro ao conceito de papel social de acordo como o Sociopsicodrama desenvolvido pelo romeno Jacob Levy Moreno (1889-1974). De acordo com ele o “papel é a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica, na qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos.” (MORENO, 1987, p. 27).
Souza Lima em São Paulo) que oferecem bolsas de estudos para os professores e alunos que se
destacam no Anelo e, por fim, doações esporádicas de quantias em dinheiro oriundas de pessoas
físicas e jurídicas (comerciantes da região).
É, portanto, nesta etapa prévia à construção do projeto propriamente dito, que elementos
fundamentais já se insinuam na presente trajetória, tais como minha motivação pessoal, o
encontro com referências teóricas e autores que me aproximam do tema e a nova forma de me
vincular com a instituição.
Assim, a situação de vulnerabilidade do Instituto Anelo e o fato de seus componentes e
participantes serem jovens configura este espaço como propício para um estudo sobre sua
história. Nesse sentido, a importância dessa investigação se evidencia por se voltar a um grupo
social que tem vivenciado condições precárias e violentas, segundo dados de pesquisas como a
desenvolvida por Zan (2010) e que, segundo ela, “tem atingido a maior parte da população na
faixa etária dos 15 a 24 anos no nosso país”. (p. 151).
Não uma História, baseada em documentos tidos e ditos como “oficiais”, mas uma
história no sentido apontado por Benjamim (1994) ao afirmar que “a tradição dos oprimidos nos
ensina que o ‘estado de exceção’ em que vivemos é na verdade a regra geral”. De acordo com
esse autor, “precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade.” (p.
226).
Nessa mesma direção, pesquisadoras como Guedes Pinto e Zan (2003), também apoiadas
em autores como Benjamim, Bergson, e Bosi, valorizam a reconstrução da memória e da história
através da narrativa, argumentando que a última evidencia a complexidade do acontecimento
histórico em contraposição à unilateralidade de um documento ‘oficial’, enaltecendo o aspecto
descontínuo das pequenas histórias, superando, assim, um ponto de vista determinista e,
geralmente, dominante.
Baseada em tais pressupostos, a presente investigação pretende oferecer a possibilidade
para que esse grupo, como minoria cultural, encontre espaço que valide e registre sua experiência
(MEIHY, 2007), o que conduz sua aproximação ao conceito de história oral.
Como visto, trata-se de uma investigação que vislumbra relatar o caráter histórico de uma
instituição e dos atores que fizeram e fazem a sua história. Aspira compreender seu nascimento e
sobrevivência a partir dos olhares desses agentes, pertencentes a um grupo socialmente excluído,
sem perder de vista os significados atribuídos ao gênero musical que ali é aprofundado e
difundido: a música instrumental.
Desta forma, ao ancorar-se nas narrativas desses sujeitos, o caráter subjetivo torna-se o
foco central das atenções, justamente pelo fato da história oral nos contar “menos sobre eventos
que sobre significados” (PORTELLI, 1997, p. 31).
Ao endossar o valor da biografia para a “micro-história”, Adriana Rosa Cruz dos Santos
(2008, pp. 132-133) enfatiza a “cintilância dos apagados” como história efetiva. Apoiada em
Michel Foucault (1979, p. 28), a autora destaca a singularidade do acontecimento, tomando este
fenômeno como “uma relação de forças que se inverte” e que irrompe no campo de lutas que é o
cotidiano. Segundo ela, é na emersão do acontecimento que ocorre a proliferação de sentidos
inusitados.
O destaque de Portelli em relação à oralidade reside na importância desses sentidos. Para
ele, “fontes orais contam-nos não apenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que
acreditava estar fazendo e o que agora pensa que fez.” (1997, p. 31).
A memória, longe de ser considerada “um depositário passivo de fatos”, é tida como
“processo ativo de criação de significações”. Suas mutações expressam parte do esforço dos
colaboradores na busca pelos sentidos do passado e a procura por dar forma às suas vidas ao
mesmo tempo em que as contextualizam no momento da entrevista (PORTELLI, 1997, p. 33).
Considerando tais aspectos, a escolha pela história oral como metodologia de pesquisa na
presente investigação se aproxima, de modo geral 2, da concepção explicitada por Meihy (1994)
ao situá-la como ramo da História Pública. De acordo com o autor, este é “um gênero que se
2 Apesar de, no computo geral, me valer das ideias e pressupostos de Meihy (2007), em momentos oportunos faço referência às contribuições de outros autores que também se alinham à minha compreensão acerca da metodologia da história oral.
compromete com a comunidade que gera e consome a própria História. História Oral 3, portanto
tem um fundamento político exposto em sua razão de ser” (MEIHY, 1994, p.05).
Fundamento político compreendido aqui como o compromisso desta investigação e meu,
portanto, com esta comunidade específica, seus integrantes, sua luta cotidiana, as condições
vividas e expressas por eles mesmos em busca de sobrevivência e melhores condições de atuação
e de vida.
O resultado deste processo é considerado o produto de meu encontro com cada
colaborador e a totalidade das narrativas coletadas e (co)construídas. Portelli (1997) ilustra esta
ponderação ao afirmar que “os documentos de história oral são sempre o resultado de um
relacionamento, de um projeto compartilhado no qual ambos, entrevistador e entrevistado, são
envolvidos, mesmo se não harmoniosamente” (Ibid., p. 35).
Consideradas tais premissas, pretendo ter respondido às duas questões iniciais, elencadas
como condições essenciais, segundo Meihy (2007), para que se norteie e se componha um
projeto de história oral: por que história oral? E, história oral de quem? Com o mesmo propósito,
a terceira condição essencial estipulada por este autor - como (?), será respondida adiante, quando
desdobrados os passos subsequentes da pesquisa. Antes disso, porém, é preciso investir em
esclarecimentos a respeito do gênero de história oral aqui empregado.
1.2 - Gênero de história oral - adiantando alguns passos do caminho
À guisa de introduzir este tópico, retomo o questionamento disparador da presente
investigação calcado na problemática já exposta:
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Quais os sentidos e significados que os jovens participantes do projeto desenvolvido pelo
Instituto Anelo, cuja principal referência é a música instrumental, atribuem aos processos
educativos por eles ali vivenciados?
A consideração de Meihy de que “as entrevistas em história oral sugerem gêneros que se
distinguem fundamentalmente” (2007, p. 33) é bastante clara em relação à diferenciação entre os
mesmos, principalmente quando tenta distinguir os gêneros história oral de vida (HOV) e história
oral temática (HOT). Segundo o autor, o pressuposto que delimita tal distinção é “modo de
condução das entrevistas”, consideradas por ele como “epicentro” da pesquisa, sobre o qual “os
resultados são efetivados”.
Além disso, o questionamento disparador descrito acima também sugere que se remeta a
um tipo específico, ou melhor, a um gênero de história oral, já que abarca em si, um tema em
particular.
Com base nessa prerrogativa, ao propor a investigação dos sentidos e significados
atribuídos aos processos educativos vivenciados pelos jovens vinculados à história do Instituto
Anelo e sua aproximação com a música instrumental, delimito o tema, ou a característica objetiva
da pesquisa, configurando com isso o gênero história oral temática, segundo a proposta de Meihy.
De acordo com ele, ao “partir de um assunto específico e previamente estabelecido, a história oral
temática se compromete com o esclarecimento ou a opinião do entrevistador sobre algum evento
definido. A objetividade portanto é direta.” (MEIHY, 2005, p. 162).
Meihy afirma também que um diferencial decisivo entre história oral de vida e história
oral temática é a existência, no caso desta, de um questionário que facilite o acesso ao tema. O
que, em última análise, determinaria o modo de condução supra exposto. Segundo ele, “o recorte
do tema deve ficar de tal maneira explícito que conste das perguntas a serem feitas ao
colaborador.” (2005, p. 162). Na presente investigação é efetivo o uso de um instrumento, não
exatamente um questionário, já que em minhas idas a campo estou de posse de um roteiro de
questões4, ou simples tópicos que me servem para balizar subtemas pré-estabelecidos a serem
levantados com cada colaborador no momento de realizar a entrevista.
Todavia, além de minhas preocupações com o tema, também procuro compreender quem
são os sujeitos que construíram e constroem a história institucional e, com isso, vislumbro
destacar aspectos de suas origens sociais ou outros elementos de suas vidas que eles julguem
importantes serem narrados.
Há ainda outro aspecto a ser ponderado nesta investigação: também pretendo que o
colaborador traga para a entrevista seu próprio eixo narrativo e sua temporalidade pessoal
(CALDAS, 1999), elementos próprios da subjetividade. Assim, logo após explicar os objetivos
do projeto5, proponho a cada colaborador que se apresente, diga quem é. Desta forma, geralmente
a primeira incursão realizada na entrevista é sobre a vida do colaborador.
Assim, compreendo que em minha empreita investigativa exista uma aproximação
também com o gênero história oral de vida, pois, em minha compreensão, ela coaduna-se com a
proposição de Meihy de que:
Uma história de vida deve contemplar alguns aspectos gerais do comportamento social dos colaboradores. Questões como vida social, cultura, situação econômica, política e religião devem compor a história de quem é entrevistado. De igual relevância é o alcance possível de ser feito em termos de vida privada e vida pública. (2005, p. 151).
De acordo com Leite (2008), apesar de Meihy estabelecer distinção entre ambos os
gêneros, como já afirmado, ele faz referência, mesmo que “num pequeno parágrafo”, a uma
possível combinação das duas abordagens (HOV e HOT), mas ressalva que para este as propostas
são excludentes. Possivelmente Leite se remete ao seguinte trecho de sua obra:
Há projetos temáticos que combinam algo de história oral de vida. Nestes casos o que se busca é o enquadramento de dados objetivos do depoente com as informações colhidas. Essa forma de história oral tem sido muito apreciada porque com a mescla de situações vivenciais a informação ganha mais vivacidade e sugere características do narrador. (MEIHY, 2005, p. 165).
4 Anexo IV. Os roteiros pré-estabelecidos seguem a ordem de execução das entrevistas.
5 Em termos gerais, antes de cada entrevista retomo meu papel de pesquisador relatando meus interesses acerca da história do Instituto Anelo ao longo de sua existência, já me remetendo nesse momento ao desenvolvimento da música instrumental em seus projetos. Após esta apresentação vem a proposta para que o colaborador se apresente.
Ora, ao analisar meu modo de condução das entrevistas, recolhendo inicialmente material
acerca das vidas dos colaboradores para, num segundo momento, me valer do roteiro
preestabelecido para cada um deles levando em conta o tema proposto, inclino-me a considerar
que, efetivamente, o projeto aqui desenvolvido se aproxima da combinação das abordagens
história oral de vida e história oral temática, ainda que Meihy pouco tenha desenvolvido
teoricamente esta proposta, ou que as considere excludentes.
De fato, as informações colhidas a respeito de cada entrevistado, colaboram para enfatizar
o tema investigado. Por exemplo: ao contemplar aspectos relativos à origem social desses
sujeitos, as narrativas auxiliam a compreender a vinculação dos mesmos ao projeto desenvolvido
pelo Instituto Anelo de forma que esse pressuposto auxilia na compreensão relativa à conexão
institucional com a música, particularmente com o gênero instrumental e seus significados para
este coletivo. Com isso, a gama de matizes acerca desta trajetória é ampliada.
Cabe ainda esclarecer o critério relativo à subjetividade exposto por Meihy em seu intento
de diferenciar os gêneros de história oral de vida e temática. Ao observar variações entre os
mesmos, ele argumenta que na “história oral de vida a questão subjetiva se mostra essencial”, já
que a narrativa “dependente da memória, dos ajeites, contornos, derivações, imprecisões e até
contradições naturais da fala” (2007, p. 34). Na sequência de seu texto, ele considera que a
história oral temática abriga “índices de subjetividade” (2007, p. 38).
Apesar de compreender a caracterização que distingue as propostas, considero de difícil
precisão o caráter qualitativo da proposição de Meihy, tanto em relação à especificidade da
subjetividade como essencial, para história oral de vida, quanto à afirmação relativa aos índices
de subjetividade que comporiam a história oral temática.
Ainda que conceba o uso efetivo de uma combinação entre os referidos gêneros na
presente pesquisa, ou ao menos uma aproximação dos mesmos, considero complexo precisar o
que seriam os “índices de subjetividade” propostos pelo pesquisador neste empreendimento. Isso
face aos inúmeros elementos subjetivos que emanam a partir da proposta “objetiva” pertinente à
história oral temática aqui caracterizada pela utilização, durante as entrevistas, dos roteiros de
tópicos elaborados já mencionados, e que auxiliam a definir o tema deste estudo.
Posto isso, verifico que os contornos dos significados atribuídos pelos jovens pesquisados,
objetos de discussão nos próximos capítulos, relativos aos processos educativos vivenciados por
eles na trajetória do Instituto Anelo, bem como a investigação em sua história das acepções
desses sujeitos em torno da música instrumental, estão recheados, senão imersos, de múltiplos
elementos subjetivos. Nesse sentido, suas narrativas, em minha compreensão, continuam
propensas e “dependentes da memória, suas derivações, imprecisões e contradições naturais da
fala”, de maneira muito próxima aos argumentos utilizados por Meihy para caracterizar a história
oral de vida.
Em pesquisa sobre a literatura específica a respeito da discussão em torno da distinção
entre os gêneros história oral de vida e história oral temática encontro também posicionamentos
de pesquisadores como Leite (2008) e Guimarães (2010): ambos consideram as duas
caracterizações propostas como idealizações. Para Leite (2008, p. 72), toda entrevista de história
oral de vida já é “recortada por um ou mais temas específicos trazidos pelo pesquisador”, bem
como “pela própria definição [...] dos critérios de seleção de entrevistados”; para Guimarães
(2010), a existência de uma pergunta de corte6 reafirma aquela proposição.
Considero contundentes os argumentos desses autores em relação à compreensão das
caracterizações dos gêneros HOV e HOT como idealizações, ainda que tais pesquisadores não
advoguem a favor de uma combinação entre os mesmos7. Tais considerações, inclusive, induzem-
me a ponderar a respeito da própria proposição combinatória como nova idealização.
Também é necessário afirmar neste escopo, que não articulo os discursos construídos com
os colaboradores a outros documentos, tal qual a proposta de Meihy (2005, p. 162) ao considerar
o uso da história oral temática como técnica.
6 Segundo Meihy, (1996, p. 53) pergunta de corte é a que deve estar presente em todas as entrevistas. Na presente investigação utilizo variações em torno do tema da música instrumental e não uma pergunta que se repete. A título de exemplos, em dada entrevista, solicito ao colaborador que relate que significados têm para ele a música instrumental; em outra, simplesmente convido o narrador a descrever do que é composta a música instrumental, ou questiono o seguinte: para você, o que tem nessa música?
7 Apesar de instigante o aprofundamento deste conceito, não é essa a prioridade da presente investigação.
Outrossim, agora em consonância com este autor no que tange à história oral temática,
insisto frequentemente em testar a hipótese aqui formulada acerca dos significados de resistência
atribuídos pelos colaboradores em relação à vinculação do projeto do Instituto Anelo com a
música instrumental, face ao atual caráter hegemônico das relações de produção capitalísticas sob
o invólucro denominado globalização.
Isso posto, transito entre os vários elementos que compõem as histórias de vida dos jovens
aqui pesquisados e da instituição como um todo, atrelando suas narrativas a um foco, ou ponto de
convergência, o qual é localizado a partir de meu interesse, ou seja, os processos educativos e os
sentidos e significados atribuídos aos mesmos por aqueles sujeitos e os possíveis atravessamentos
da música instrumental contidos na construção da história institucional.
Este trânsito determina o modo de condução de minhas entrevistas desde seu início e
estou longe de considerar que meu interesse pelo referido gênero musical depositado nas
entrevistas, tenha levado à possíveis objetividades, a não ser considerando-as como análogas ao
tema proposto, tal qual compreendo a proposta de Meihy.
Além da subjetividade, considero o caráter intersubjetivo desta pesquisa, pois vislumbro a
aproximação das entrevistas realizadas com o que Daphne Patai (1989), citada por Caldas (1999,
p. 89), denominou de “um vasto diálogo, construção de subjetividades”, visto que, no conjunto,
meus roteiros estão longe de serem considerados questionários objetivos estilo “pergunta-
resposta”, já que na elaboração dos mesmos me ative mais em elencar tópicos, ou temas a serem
objetos de diálogo e construção dialógica, do que em procurar por respostas supostamente
“verdadeiras”. Ressalto, também, que trabalhei com os mesmos a partir do que minha memória
registrou acerca deles, caminhando de acordo com o eixo narrativo de cada colaborador, sendo
que apenas ao final de cada entrevista realizava uma breve conferência dos tópicos no caderno
que me acompanhava.
Já a afirmação de Meihy de que as construções dos roteiros de entrevista devem ser
baseadas em conhecimento anterior a respeito de “versões opostas” e de “detalhes menos
revelados” (2007, p. 39) no projeto de pesquisa de história oral temática é relativa no presente
caso: meu conhecimento de “versões opostas” não era anterior à investigação. Estas óticas, em
relação a alguns aspectos, foram sendo apresentadas-me ao longo do percurso investigativo.
Assim, avalio que meu preparo como entrevistador acerca do assunto abordado constitui-
se ao munir-me de informações prévias sobre o tema, tanto quantitativa, quanto qualitativamente
como indica o autor, procurando preservar o encadeamento das narrativas ao longo da pesquisa,
vislumbrando, com isso, questionamentos mais enriquecedores.
Nesse sentido é curiosa a forma em que hoje me situo na presente investigação, já que
minha história com o tema desta pesquisa antecede ao desenvolvimento deste projeto. Está
circunscrita, tanto em minha história de vida, quanto em meu trajeto no relacionamento junto à
instituição, bem como aos relacionamentos interpessoais daí advindos. Muitos desses elementos
acabaram me servindo como uma espécie de base “etnográfica”, dado o considerável número de
informações e experiências que hoje classifico facilitadoras na construção dos referidos roteiros e
no desenvolvimento das entrevistas. Avalio ainda que o encadeamento dos diálogos com cada
colaborador e a subsequente formação das redes colaboraram imensamente na elaboração das
questões e tópicos a serem investigados.
Muitas das informações prévias à esta investigação, considero agora, foram-me
transmitidas de forma despretensiosa em função de amizades e de meu vínculo como admirador
do projeto e da música, através de conversas informais das quais participei, tanto na própria
instituição em seus eventos públicos, quanto em outras circunstâncias sociais nas quais estes
vínculos se estabeleciam.
Além disso, ainda que não constem da metodologia utilizada na pesquisa, muitas
ponderações e reflexões sobre a história institucional se deram em função de observações
realizadas durante o processo de investigação extra-entrevistas; ou seja, por ocasião de recitais,
devolutivas e visitas à instituição, ou ainda em situações sociais em que a mesma emergia como
tema de diálogos.
Saliento que o intuito intersubjetivo de transcriar as narrativas como uma “grande
ficcionalidade viva”, tal como propõe Caldas (1999), descrito mais adiante, não será atingido
neste percurso em razão do exíguo tempo disponível para sua execução. Assim, trabalho com as
narrativas textualizadas, o que para mim também compreende algum grau de intersubjetividade:
alguns dos recortes e emendas efetivados no processo de textualização ocorreram em função de
sentidos observados no momento de captura das narrativas. Visualizados posteriormente, os
vídeos com as entrevistas foram tomados como base para tentar conferir ao narrador a
aproximação com suas intenções naquele momento. Entretanto, minhas intervenções aqui são
consideradas.
Assim, longe de me furtar de minha interferência nesta pesquisa, mas atento à linha tênue
entre esta e o afastamento necessário para ponderar eticamente sobre a mesma, pretendo, então,
aproximar-me do conceito de colaboração proposto pela história oral, mas considerando-o como
meta, tal como pondera Leite e não como pressuposto, dadas as inúmeras facetas passíveis de
serem desenvolvidas na relação entrevistador-colaborador,
Exatamente pelo fato de que – seja pelo receio de não ter o poder, seja pela impotência de não ter o saber, seja pelo próprio desejo de se abster – o depoente [colaborador] possa dar um aval que não seja representativo de suas crenças e visões, o cuidado do pesquisador para não assumir o texto final como o texto do colaborador deveria ser redobrado. (LEITE, 2008, p. 70).
Assim, observo algumas ressalvas dos colaboradores quando do momento de devolutiva
das textualizações a eles. No cômputo geral, apesar de haver ampla gama de confirmações das
narrativas textualizadas, muitos estranhamentos me foram apresentados por eles, principalmente
em relação à forma da escrita, denotando excesso de formalidade, ou seu oposto, calcado,
principalmente nos “erros de Português” inerentes à fala em comparação com a escrita, ou ainda
fundamentados na empolgação desencadeada no e pelo momento da entrevista. Em três casos
houve um processo de negociação relativo ao texto final utilizado: um dos colaboradores
reescreveu pequenos trechos de sua entrevista sem comprometer o que eu julguei essencial na
textualização, mas mesmo assim, só me enviou metade de sua revisão; outra agendou um
encontro comigo no qual combinou de retirar os aspectos que se repetiam, sem de fato ter levado
a cabo sua proposta; e, por fim, outro solicitou que apenas os aspectos referentes à instituição
fossem considerados para a pesquisa.
Com base nestes posicionamentos e em minha participação na construção tanto dos
diálogos, quanto das transcrições e textualizações, reafirmo o cuidado redobrado, sugerido por
Leite, ao não tomar os textos finais como de exclusividade do colaborador atentando-me, assim, à
proposta dialógica da metodologia da história oral.
Esclarecido este tópico, passo ao próximo, destacando os objetivos da pesquisa.
1.3 - Objetivos
Segundo Meihy (2007), em função do caráter público da história oral o objetivo geral é o
que “dá uma dimensão mais ampla ao que se quer estudar, a comunidade como um todo, sem
especificações”. (p. 50).
Nesse sentido, estudar a história do Instituto Anelo ofereceria a dimensão proposta por tal
autor e o objetivo geral, outrora proposto no anteprojeto de pesquisa, que visava compreender a
singularidade do modo de vida de jovens instrumentistas, a partir da reconstrução e recuperação
da identidade e memória coletivas dos jovens que frequentam essa instituição e sua
sobrevivência ao longo dos anos se coadunaria, a meu ver, de forma mais próxima à ausência de
especificações.
À esta altura do empreendimento proposto e desenvolvido fica clara e evidente a
interlocução que procuro entre a história da instituição, o desenvolvimento da música
instrumental ali circunscrito e os processos educativos daí decorrentes. É nesse sentido que
vislumbro o estabelecimento de um objetivo geral que seja capaz de abarcá-lo, preservando sua
dimensão mais ampla. Desta forma estipulo nesta pesquisa o seguinte:
1.3.1 - Objetivo geral
Compreender os sentidos e significados que jovens participantes do projeto
desenvolvido pelo Instituto Anelo ao longo de sua história atribuem aos processos
educativos vivenciados por eles, particularmente no que tange ao desenvolvimento
da música instrumental nesse percurso.
1.3.2 - Objetivos Específicos
Compreender os sentidos desta paisagem sonora como construção contra
hegemônica;
Ponderar a respeito das interlocuções possíveis entre a experiência narrada pelos
colaboradores e o campo da Educação Não Formal.
1.4 - Enfim, como?A pesquisa de campo.
Chega, então, o momento de responder ao terceiro e último questionamento que Meihy
(2007) estipula como condição de um projeto em história oral: o como (?), compreendendo que a
resposta a esta questão se refere à descrição das ações realizadas no campo de pesquisa, desde a
construção e elaboração dos procedimentos e técnicas, até sua aplicação junto aos colaboradores,
bem como a exposição dos critérios de escolha dos mesmos, além de um breve resumo de
algumas de suas características. Por fim, ainda que já tenha descrito a etapa relativa às
devolutivas das textualizações, é pertinente tecer algumas considerações a respeito do retorno da
pesquisa à comunidade de destino como um todo.
Antes de mais nada é necessário considerar a articulação dos procedimentos utilizados
com a problemática investigada, concordando com Zago (2003) que aqueles só ganham sentido a
partir desta vinculação.
O princípio de construir um conjunto de dados que facilite às compreensões objetivadas
há pouco, decorre do estabelecimento e execução, em primeiro lugar, de entrevistas individuais.
Ou seja, a entrevista é o recurso utilizado na construção da documentação oral para, num segundo
momento, ser possível sua transposição para o formato escrito.
A entrevista individual já é concebida levando-se em conta o respeito à experiência de
cada entrevistado, sendo o mesmo valorizado na medida em que se valida no conjunto das
enquetes os aspectos que se repetem, ou mesmo os que contrastem do conjunto. Desta forma, o
que se pretende é iluminar o conjunto das individualidades, visando à construção e o
estabelecimento de um corpus documental (MEIHY, 2007).
Nesse sentido, as entrevistas passam por duas fases 8: a primeira, denominada transcrição
“literal”, ou absoluta, na qual as palavras são transpostas para a escrita em sua forma bruta, as
perguntas e respostas de entrevistador e entrevistado permanecem "tal e qual” no momento da
entrevista. Todavia, apesar do esforço nesta empreita, dificilmente ele pode ser considerado
“exato” (PORTELLI, 2001, p. 27). Onomatopeias e sons do ambiente também são reproduzidos
na escrita.
Na segunda fase, denominada textualização, são eliminadas as perguntas e retirados os
erros gramaticais, procurando-se reordenar o texto a partir do “tom vital”, a frase guia que é
utilizada pelo pesquisador nesta tarefa (MEIHY, 2007).
Assim, os textos estabelecidos ganham um novo formato, já que inicialmente são
construídos pelo pesquisador e levados, posteriormente à apreciação de cada colaborador. Em
função da supressão dos posicionamentos, verbalizações e questionamentos do primeiro, pode-se
supor que a narrativa em seu formato final depende, ou dependeu, exclusivamente do segundo,
desconectada da circunstância de sua cocriação. Em meu entendimento, a efetivação de tais
procedimentos convoca a reflexão de Portelli a respeito dos mesmos. Em suas palavras:
as entrevistas, como é frequentemente o caso, são arrumadas para a publicação, omitindo inteiramente a voz do entrevistador, uma sutil distorção tem lugar: o texto dá as respostas sem as questões, dando a impressão que determinado narrador dirá as mesmas coisas, não importando as circunstâncias. (1997, p. 36).
Considerando então, que o corte da voz do pesquisador distorce automaticamente a voz do
narrador, o passo subsequente neste processo é constituído pelo retorno das narrativas aos
colaboradores para sua conferência e validação.
Lembro que é a partir das entrevistas textualizadas que a pesquisa será desdobrada, ou
seja, é neste momento em que ocorrerá a análise das mesmas.
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Passo então à descrição do primeiro movimento efetivo para a entrada em campo: o
agendamento de uma entrevista a ser realizada com o próprio Luccas, idealizador e fundador do
Instituto Anelo em meados de 2000.
Mas, por que novamente Luccas? De acordo com Zago9 (2003, p. 293) é necessário
“entrar em contato com pessoas que, pela posição que ocupam ou conhecimento que detêm do
local estudado, podem auxiliar no mapeamento do campo e das pessoas-chave para o estudo e,
quando possível, intermediar contatos para facilitar a entrada no campo”.
Nesse sentido, a entrevista com Luccas é estratégica. Desde o início, sempre foi ele quem
esteve à frente da instituição tendo sido, além de seu idealizador, ex-aluno, presidente e professor
voluntário. Ex-morador do bairro, sempre acompanhou a evolução do projeto ali desenvolvido,
realizando contatos, fazendo convites aos professores voluntários e participando da coordenação
de suas ações.
A entrevista por ele concedida acaba por fornecer aspectos importantes acerca da
problematização já descrita, tais como o relato sobre circunstâncias de sua vida os quais o
motivaram para a instauração do projeto, as primeiras pessoas aí envolvidas e a inserção da
música instrumental no mesmo, elemento perseguido durante toda a investigação. Em função de
tantos elementos estratégicos, é possível caracterizá-la como entrevista ponto zero.
Além desse encontro, insisto em salientar a importância daquele primeiro contato com ele
quando da proposta de desenvolver a pesquisa. Este momento já fora rico o suficiente para que
houvesse um mapeamento inicial das tais “pessoas-chave”. Ainda não havia formação de
nenhuma colônia ou rede, conceitos a serem desenvolvidos mais adiante, mas dos oito nomes
indicados naquele momento para serem entrevistados, sete deles viriam a se confirmar como
colaboradores da investigação. Mesmo que intuitivamente, tais indicações colaborariam na
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constituição de uma gama diversificada de sujeitos, um dos propósitos estipulados na pesquisa
qualitativa, como se veria na sequência das ações.
Por outro lado, a futura inclusão de outros colaboradores como em breve ficará evidente,
além de ampliar a pretendida diversificação, viria a se tornar medida preventiva em relação às
possíveis “indicações tendenciosas”, advindas do próprio Luccas.
A noção de indicações tendenciosas é tomada de Nadir Zago (2003). A preferência por
pessoas-chave para serem entrevistadas em seus estudos, tem o intuito de evitar o enveredamento
por escolhas estereotipadas quando advindas da própria instituição escolar, objeto de suas
pesquisas. No presente caso, esta inclinação adviria de sujeitos muito próximos ao projeto,
indicados pelo fundador da instituição. O problema aqui é a possível sobreposição de Luccas
como “indicador tendencioso”, ao mesmo tempo em que seria “pessoa-chave”, fator que
enviesaria deveras os rumos da pesquisa.
Se por um lado, observo uma gama diversificada de colaboradores indicados por ele,
levando-se em conta critérios tais como gênero; ou o fato do entrevistado não participar do
projeto na atualidade; ou ainda, não trabalhar mais com música; por outro, suas indicações
compõem uma gama de sujeitos fortemente vinculados ao Instituto ao longo de sua existência,
dentre os quais, ex-alunos, músicos profissionais e professores da instituição. Em alguns casos,
inclusive, ocorre a sobreposição desses papéis sociais, fatores que, supostamente comporiam as
indicações tendenciosas.
Hoje já é possível afirmar que a escolha de alguns colaboradores para além daquela
primeira lista recomendada por ele, viria a se constituir em um posicionamento mais crítico em
relação à história da instituição. Possivelmente a constituição das redes por sujeitos mais
periféricos ao projeto abarcaria elementos tão mais diversos que os coletados.
Nesse sentido, considero Dorival outra pessoa-chave, cujas indicações suponho estar
menos sujeitas àquela tendência. Além de sua própria entrevista revelar aspectos delicados no
que tange ao funcionamento e desenvolvimento da instituição, é ele quem também sugere outros
dois colaboradores para a pesquisa: Leandro, um de seus atuais alunos, e Josimar, músico
colaborador, professor do instituto que teve participação em seus momentos remotos, compondo
um de seus primeiros grupos e que, na opinião de Dorival, poderia colaborar com elementos
diferentes daqueles narrados por Luccas.
Uma curiosidade é o fato de Luccas continuar a me indicar outros possíveis colaboradores
durante boa parte do trabalho desenvolvido em campo, mesmo depois de eu ter concluído a etapa
de realização das entrevistas. Uma hipótese para estas sugestões é que talvez, em sua
compreensão, a quantidade de entrevistados favoreceria um estudo com mais informações e
pontos de vista.
Em busca de nuances e matizes, parto do pressuposto de que os métodos qualitativos têm
como maior função compreender os fenômenos estudados que descrevê-los ou medi-los e de que
a riqueza do material é o que interessa (ZAGO, 2003). Assim, o estabelecimento de critérios de
escolha dos colaboradores é fundamental, pretendendo-se, antes de mais nada, ampla
diversidade10 de opiniões.
Desta feita, reafirmo a concepção de Leite (2008) acerca do recorte do tema pesquisado
ocorrer também em função da seleção dos entrevistados. No presente caso eles são os jovens que
participam/participaram do projeto de construção do Instituto Anelo, bem como seus
colaboradores que de alguma forma idealizam/idealizaram, transmitem e transmitiram o teor do
que denominam música instrumental ao longo de sua história.
Objetivando a referida diversidade, acabo por estipular colaboradores de acordo com os
seguintes critérios:
Tempo de participação no projeto (próximo à sua fundação, intermediários e mais
recentes);
Gênero do colaborador;
10 Empresto esta noção de Zago (Ibid., p. 296) a respeito da entrevista compreensiva. Segundo ela, estipulada a compreensão dos aspectos sociais como objetivo da investigação “o que interessa ao pesquisador é a riqueza do material”.
Diversidade de papéis sociais desempenhados na instituição: alunos, ex-alunos,
professores e desempenho em cargos burocráticos, tais como diretores, presidente
e conselheiros fiscais;
Dentre os ex-alunos, procuro também aqueles que hoje atuam profissionalmente
em outra área que não a música, ou ainda aqueles não estejam vinculados a ela de
forma sistemática.
Considerando o pressuposto de base material que define comunidade de destino (MEIHY,
2007) e que vincula pessoas dando a elas unidade, considero a própria instituição como tal, sendo
assim o todo, o grupo maior.
Os critérios acima descritos passam a facilitar a composição das colônias, compreendidas
como primeiras subdivisões da comunidade de destino. Neste caso, existem uma colônia de
alunos, outra de ex-alunos, outra de papéis burocráticos (diretor, presidente) e ainda, uma de
músicos colaboradores.
Por sua vez, a sobreposição de critérios é que passa a ser determinante na composição das
redes, ou seja, as menores parcelas da dita comunidade, “onde a comunidade de interesses é dada
pela indicação sequencial dos participantes.” (MEIHY, 1991, p. 23). A título de exemplo,
compõe-se uma rede com a sobreposição dos seguintes critérios: ser ex-aluno do sexo masculino
e que atualmente não trabalha com música, ou que não esteja mais vinculado oficialmente ao
projeto.
Desta forma, chego, por fim, à eleição de quinze colaboradores. Todavia, em função do
declínio ao convite por parte de uma ex-participante do projeto, são realizadas, de fato, quatorze
entrevistas.
1.4.1 - Colaboradores
Luccas
Aos trinta anos é o idealizador do Instituto Anelo e seu fundador, tendo sido membro de
sua diretoria, presidente, além de professor e também aluno nos primórdios da instituição.
Músico profissional e professor, estudou no Conservatório Souza Lima, em São Paulo, através de
convênio entre as instituições, bem como no Conservatório de Tatuí, no mesmo estado.
Atualmente ministra aulas de piano, teclado e escaleta no próprio instituto e também em
Valinhos. Filho de comerciante e doméstica, reside em bairro próximo ao centro de Campinas
com sua esposa, depois de ter morado por muitos anos no Jardim Florence I, bairro onde se situa
a instituição.
Guilherme Ribeiro
Aos trinta e quatro anos é músico profissional, pianista e acordeonista formado pela
Unicamp – Universidade Estadual de Campinas. Apesar de ingressar em regência, migra para o
curso de Música Popular nesta mesma instituição, onde se titula. À mesma época, inicia sua
incursão pelo Instituto Anelo como professor e coorganizador das ações ali realizadas, tendo
permanecido vinculado por aproximadamente três anos, sendo considerado, ainda, o precursor da
música instrumental em suas dependências. Atualmente reside em São Paulo com a esposa e a
filha. Leciona música no Conservatório Souza Lima e na Escola Municipal do Estado de São
Paulo, antiga ULM – Universidade Livre de Música, ambas naquele mesmo município. Também
acompanha músicos do show bizz nacional. É filho de família oriunda da classe média do interior
paulista.
Jaqueline
Aos vinte e dois anos é ex-aluna do Instituto Anelo e uma das atuais professoras
voluntárias de piano na instituição. Estudou nos Conservatórios Chorus Music School em
Campinas e Souza Lima, em São Paulo, sendo bolsista de ambos através de convênio firmado
entre estas instituições e o Anelo. Filha de enfermeira e operador de máquina, reside na região do
Campo Grande com a família, tendo lecionado música em escolas de Educação Infantil, também
em Campinas. Sua família tem ampla participação no projeto: suas duas irmãs foram alunas de
Música, sendo que uma delas também ocupou o cargo de auxiliar administrativa da instituição.
Sua mãe atualmente é aluna de flauta transversal e colaboradora. Pretende seguir a carreira de
técnica em Enfermagem, assim como muitas das mulheres de sua família.
Audrey Caroline
Como Jaqueline, é ex-aluna do Instituto Anelo e uma das atuais professoras voluntárias de
musicalização na instituição. Filha de comerciantes, vive com a família na Região do Campo
Grande. Atualmente estuda Pedagogia na Faculdade de Educação da Unicamp, onde ingressou
em 2012. Pretende cursar Licenciatura em Música nesta mesma universidade.
Levi
Ex-aluno do Instituto Anelo, atua como professor voluntário de música em suas
dependências, bem como em outras duas instituições em Campinas, onde é remunerado. Também
estudou nos Conservatórios Chorus Music School em Campinas e Souza Lima, em São Paulo,
sendo bolsista de ambos através de convênio firmado entre estas instituições e o Anelo. Filho de
pedreiro e mãe do lar tem quatro irmãos e reside com a família na mesma região que Audrey
Caroline. Completou o Ensino Médio e pretende cursar Pedagogia como forma de aprimorar o
ensino de música. Tem vinte anos.
Rômulo
Ex-aluno do Instituto Anelo atua como professor voluntário de Música em suas
dependências e no Centro Cultural do município de Valinhos - SP, além de ministrar aulas
particulares em sua residência. Atua como músico profissional em casamentos, casas noturnas e
cerimônias. Foi aluno ouvinte do Conservatório de Tatuí - SP, tendo estudado também no
Conservatório Souza Lima através de convênio firmado com o Anelo. Atualmente é aluno do
curso de EAD11 de Licenciatura em Música no INCOR12, município de Três Corações – MG. Seu
pai é músico profissional e sua mãe, do lar. Tem vinte e cinco anos.
Dorival
11 Educação à Distância.
D$+/L 0D D$+/ 0 ) ) H , ) / H ) ! 6 . %.3 ) $ < ! F ; )J < $ > I#
Técnico em eletrotécnica pelo COTUCA – Colégio Técnico de Campinas, trabalha em
empresa multinacional do ramo de telecomunicações, tendo se graduado na área de Tecnologia
da Informação. Atualmente cursa Licenciatura em Música da Unicamp. Seu falecido pai era
boiadeiro no interior de São Paulo e sua mãe é do lar. Leciona Música no Instituto Anelo desde
2006 como voluntário. Foi aluno do Conservatório Souza Lima através de convênio firmado com
o Anelo. É um dos responsáveis pela elaboração dos novos documentos da instituição, tais como
o estatuto e os projetos vinculados às políticas públicas. Tem quarenta e dois anos e é pai de dois
filhos, ambos ex-alunos do instituto, residindo com eles e a esposa próximo ao centro de
Campinas.
Marciele
Aos quinze anos é aluna da primeira série do Ensino Médio na EE Elvira de Pardo Meo
Muraro, situada em frente ao Instituto Anelo, onde aprende variados instrumentos musicais desde
os oito anos de idade. Seu pai é motorista e mecânico e sua mãe “funcionária de creche”, sendo a
terceira de quatro filhos. Foi aluna do Conservatório Carlos Gomes no Cambuí em Campinas,
através de convênio firmado com o Anelo. Pretende ingressar no curso médio de Tecnologia de
Alimentos.
Daniel
Aos vinte e sete anos é ex-aluno e ex-professor voluntário do Instituto Anelo, tendo
também estudado no Conservatório Souza Lima através de convênio firmado com aquele.
Atualmente é cabeleireiro profissional nas imediações da instituição, onde também reside com a
esposa. É filho de zelador aposentado e cabeleireira.
Hernani
Ex-aluno e ex-professor voluntário do Instituto, Anelo compõe o Conselho Fiscal da
instituição, tendo também estudado no Conservatório Souza Lima através de convênio firmado
com aquele. Chegou a ministrar aulas de Música em escolas de Campinas, além de atuar em
diversas bandas. Tem vinte e oito anos e é filho de mãe doméstica e pai mestre de obras.
Atualmente é casado e cursa faculdade na área de Tecnologia da Informação.
Michel Leme
Aos quarenta anos, é músico profissional, guitarrista autodidata. Leciona música no
Conservatório Souza Lima e no IMT – Instituto Tecnológico de Música em São Paulo. É músico
colaborador do Instituto Anelo desde 2008, onde se apresenta com frequência intermitente.
Nestas ocasiões costuma levar consigo um grupo de músicos com os quais toca e abre uma roda
de conversa com os presentes. Filho de oficial de justiça e mãe aposentada, é casado e vive em
São Paulo com a esposa e a filha.
Leandro
Aos treze anos é aluno de violão no Instituto Anelo. Cursa o sétimo ano do Ensino
Fundamental e reside com os pais na Região do Campo Grande. É filho de montador de móveis e
administradora.
Gabriela
Filha de engenheiro e professora, graduou-se em Engenheira Química, obtendo título de
mestre em sua área pela UNICAMP. Também é jornalista com MBA 13 em business.
Colaboradora do Instituto Anelo desde os meados de sua fundação, recebe o convite de
Guilherme Ribeiro para participar do projeto com a missão de organizá-lo administrativa e
burocraticamente. Em inúmeras ocasiões, chega a contribuir com quantias em dinheiro para
auxiliar a sobrevivência do mesmo. Sua família atua de forma similar. Atualmente é presidente
da instituição. Admiradora de música e ex-aluna de piano reside na França, onde atua na área
comercial e de marketing de uma empresa multinacional. Tem trinta e seis anos.
Josimar
Aos trinta e cinco anos é ex-aluno do Instituto Anelo onde atualmente é professor
voluntário de Prática de Banda. Músico profissional, toca em bandas diversas em Campinas e São
Paulo. Leciona Música nas dependências de sua residência e em uma escola desta última cidade.
13 Master Busniness Administration: curso de Pós-Graduação Lato Sensu equivalente aos cursos de Especialização no Brasil.
Compôs o grupo inicial da formação da instituição e estudou no Conservatório de Tatuí. É
titulado Técnico em Música pelo Conservatório Souza Lima, tendo sido contemplado com bolsa
de estudos por méritos próprios, em conjunto com outros ex-alunos do instituto, e não através de
convênio com o Anelo. Filho de pai ex-camponês e mãe do lar, reside no Jardim Florence I, com
a esposa e a filha.
A tabela14 abaixo oferece uma visão panorâmica acerca dos colaboradores da pesquisa, os
papéis desempenhados por eles na instituição ao longo do tempo, além da descrição de gênero,
faixa etária e seu grau de escolaridade. Inclui ainda a referência a outros critérios para a escolha
de colaboradores da pesquisa, tais como o fato de não trabalharem mais com música.
Dados gerais dos colaboradores da pesquisa.
Nome Idade Papéis sociais Sexo Escolaridade
1 Luccas 30 anos Fundador/Professor/Ex-aluno/Coordenador
Masculino Ensino Médio completo e Técnico incompleto
2 Guilherme 34 anos Ex-professor Masculino Ensino Superior completo
3 Jaqueline 22 anos Ex-aluna/Professora Feminino Ensino Médio completo
4 Audrey 20 anos Ex-aluna/Professora Feminino Ensino Superior incompleto
5 Levi 20 anos Ex-aluno/Professor Masculino Ensino Médio completo
6 Rômulo 25 anos Ex-aluno/Professor Masculino Ensino Superior incompleto
7 Dorival 42 anos Professor/Ex-diretor/Pai de ex-aluno
Masculino Ensino Superior completo
8 Marciele 15 anos Aluna Feminino Ensino Médio incompleto
9 Daniel 26 anos Ex-aluno/Ex-professor (não trabalha com música)
Masculino Ensino Médio completo
10 Hernani 28 anos Ex-aluno/Ex- Masculino Ensino Superior
14 Tabela I – Dados gerais dos colaboradores da pesquisa.
professor/Conselheiro Fiscal
incompleto
11 Michel 40 anos Músico colaborador Masculino Ensino Médio completo
12 Leandro 13 anos Aluno Masculino Ensino Fundamental incompleto
13 Gabriela 36 anos Presidente Feminino Pós-graduada
14 Josimar 35 anos Professor/Ex-aluno Masculino Ensino Médio Técnico completo
Esclareço que, apesar da tentativa de elucidar os papéis desempenhados pelos
colaboradores, há que se ressaltar que a trajetória da instituição é narrada por estes sujeitos cujos
papéis sociais se mesclam: ora não são tão claros, ora são justapostos e muitas vezes se
confundem ao longo da história reconstruída. A título de exemplo, Luccas era aluno, fundador
que sempre foi, bem como professor e presidente; atualmente é coordenador geral e docente.
Desta forma, apesar da arbitrariedade na composição das colônias apresentada por Meihy
(2007, p. 53), encontro muita dificuldade em estabelecer a clara delimitação de como são
constituídas as mesmas, assim como as redes neste empreendimento, ainda que tenha
experimentado distingui-las tal qual a descrição acima, e que, aos meus olhos se exprime mais
como função didática ao leitor.
Em minha compreensão as delimitações tênues acerca dos papéis sociais jogados pelos
colaboradores expõe a restrição dos conceitos divisórios de comunidade de destino e colônia
estipulados por Meihy (CALDAS, 1999), mesmo no sentido operacional desta investigação. De
acordo com Caldas (1999), tais conceitos:
afastam-nos de uma mais bem apurada criação interpretativa do mundo social, aproximando-nos dos campos de força do individual, do acadêmico e do científico, fazendo-nos perder dimensões não somente dessas próprias individualidades, mas do próprio social. O social que podemos apreender não advém, inicialmente, nem desses conceitos aplicados, nem de um trabalho específico de criação de individualidades, suas vozes e suas vidas, mas de uma reflexão e de uma atuação mais amplas, além desse diálogo de individualidades teoricamente reunidas. (CALDAS, 1999, p. 91).
Fundamentado por tais considerações, Caldas (1999) propõe outro tratamento ao
constructo de rede, ao estabelecer seu entrelaçamento com o conceito de trilhas virtuais,
compreendendo esta última como “simples narrativas” que para nós, pesquisadores, e para a
comunidade, “são pessoas que podem falar porque viveram e possuem autoridade e o respeito por
terem vivido, por terem comungado e criado a identidade comunitária.” (Ibid., p. 94).
Tal qual a proposta de uma transcriação ficcional e seu fluxo intersubjetivo, as trilhas
virtuais se propõem polifônicas e nelas está “um momento da identidade, da consciência, da
historicidade e do presente da comunidade. São realidades sociais, ficcionalidades polifônicas
que abarcam os viveres da comunidade”. (CALDAS, 1999, p. 94).
Assim, parto deste pressuposto para construir a história da instituição aqui pesquisada
compreendendo que os colaboradores escolhidos são as pessoas que podem falar, pois viveram,
vivem, criaram e criam esta identidade comunitária, compondo esta ficcionalidade polifônica,
seus viveres e saberes, ainda que, conforme esclarecimento anterior, não cheguem a ser
desenvolvidas as transcriações das narrativas, tal como propõe Caldas.
A seguir, descrevo as formas de captação das entrevistas e os diversos materiais utilizados
durante a investigação.
1.4.2 - Formas de captação das entrevistas e materiais utilizados
Inicialmente, as narrativas são trazidas à tona na circunstância de cada entrevista
realizada. É necessário, portanto, descrever as formas de captação das mesmas e os materiais
utilizados para tal.
Nesse sentido, o principal recurso utilizado é uma filmadora SONY Handycam AVCHD,
bem como um tripé FANCIER WT – 3730, que funciona como seu suporte. Além de recurso de
gravação, aquela serve como instrumento que facilita o trabalho de transposição das narrativas do
oral para o escrito, baseado no pressuposto de que a eletrônica e seus aparatos da “modernidade”,
segundo Meihy (2007), são considerados meio essencial e condição para a realização da história
oral e auxiliam a diferi-la de outras histórias.
Entretanto, esses não são os únicos materiais que lanço mão para me auxiliar na
composição das entrevistas. Antes de me remeter ao campo, procuro estar munido do que Von
Simson (1998) denominou de muletas da memória. Também empregadas por Guedes Pinto
(2002), são definidas como recursos que auxiliam “na ativação da memória das pessoas
entrevistadas a partir do uso e manipulação de objetos que possam ser portadores de lembranças e
recordações antigas” (Ibid., p. 123).
Assim, utilizo fotografias15 que compõem o acervo da própria instituição e que são
recolhidas pela secretária da mesma, ou ainda com o auxílio de Luccas quando, aleatoriamente,
encontro-me com ele no instituto e solicito sua ajuda para encontrar imagens dos futuros
entrevistados que vão sendo indicados e escolhidos ao longo do trabalho de campo. Outra forma
de recolher este material é através de imagens fotográficas retratadas por mim mesmo ao longo
de minha trajetória acompanhando o projeto. Desta forma, disponho hoje de um pequeno acervo
pessoal sobre a instituição composto também por alguns filmes, um dos quais também utilizo
como muleta da memória nesta construção.
Para cada colaborador o número médio de fotos utilizadas são seis, variando de uma a
nove, sendo que é a existência ou não de arquivos de cada um deles que determina, ao menos, o
número mínimo de uma fotografia para cada entrevista16.
Nesta investigação, o uso destas imagens se aproxima do intuito descrito por Zan (2010)
em seu estudo vinculando os temas do currículo e do cotidiano escolar. Segundo ela “a foto passa
a ser reconhecida como reveladora de uma verdade interior, de aspectos culturais que passam a
ser traduzidos a partir da imagem fotográfica” (p. 150). Apoiada em Martins (2002) a autora
assume o entendimento de que a fotografia pode ser “meio de compreensão imaginária da
sociedade”.
15 O anexo VI traz “Vídeos e imagens utilizados com cada colaborador.”
16 Exceções às entrevistas realizadas com Luccas e Leandro, nas quais não utilizo nenhuma fotografia. No caso do primeiro seu uso não foi possível por se tratar de entrevista ponto zero. Em relação ao segundo ainda não havia nenhuma imagem disponível em virtude de seu curto tempo de permanência no projeto.
Com isso, procuro facilitar o trabalho de reconstrução de lembranças e o acesso às
memórias dos colaboradores, além de identificar nuances de cunho subjetivo, dos aspectos,
significados e sentidos atribuídos por cada um deles no aqui e agora de cada entrevista a partir
deste material para, num futuro breve, compor os sentidos coletivos e sociais acerca da história da
instituição. A título de exemplo, eis um trecho da narrativa de Rômulo e da utilização de uma
fotografia no decorrer de sua entrevista:
Esse instrumento ele foi o mais importante que eu já tive assim. Por que é... foi ele que me possibilitou é aprender a fazer coisas que eu resolvo hoje muito rápido no palco, por exemplo... Então, se eu não tivesse esse instrumento eu não saberia fazer esse tipo de coisa. (Rômulo, professor, p. 206 da transcrição).
Figura I: “Rômulo e seu primeiro saxofone”. Foto utilizada como muleta da memória. Fonte: acervo Instituto Anelo.
Além das imagens citadas, componho parte deste material de apoio de muletas da
memória com um repertório encadernado17 contendo partituras. Trata-se de uma apostila utilizada
na instituição com diversas músicas instrumentadas e que me foi emprestada por Dorival, um dos
professores da instituição, em função de meu interesse particular pelo gênero música
instrumental. Futuramente, ele também viria a se tornar um dos colaboradores desta pesquisa.
Fotocopio este material na íntegra para ser exibido a cada colaborador durante a
entrevista. Uma ressalva: das trinta e seis músicas que o compõem, três são anexadas por mim 18,
pois, naquele momento, tinha a intenção de estudá-las para tocá-las, e não utilizá-las em uma
pesquisa acadêmica.
Imagino, todavia, que o material musical impresso possa ser incrementado por sua faceta
acústica, em função de supor o terreno pesquisado como propício a isso, ou seja, o ensino de
música óbvia e diretamente ligado à sua audição. Assim, compilo via Internet um repertório 19 em
versões MP3 com o intuito de propiciar um momento não só de fruição na investigação, mas,
principalmente, que ele funcione também como muleta da memória nos moldes propostos por
Olga Von Simson. Assim, o uso dos referidos materiais é simultâneo: os colaboradores folheiam
o repertório encadernado durante a execução dos arquivos em MP3.
17 Anexo VII: Repertório Encadernado.
18As músicas que anexo são: Tombo in 7/4 de José Neto, Flora Purim & Diana Moreira, Take Five, de Paul Desmond e Linha de Passe, de João Bosco, Aldir Blanc & Paulo Emílio. Fato curioso é que em nenhum momento ocorre algum estranhamento acerca da inclusão destas obras ao repertório. Pelo contrário, um dos colaboradores chega até a cantarolar Take Five, citando-a como parte de suas lembranças quando era aluno do Instituto.
19 Anexo VIII. Apesar de realizar uma pesquisa na rede mundial de computadores, a Internet, objetivando recolher todas as composições para o referido uso do repertório em versões MP3, consigo apenas treze delas para utilizar na pesquisa. Esqueço, inclusive, de anexar os arquivos das três músicas que incluí por conta própria e que já faziam parte de minha coleção de música particular, bem como outras que já tinha arquivadas. As músicas que compõem o arquivo auditivo da pesquisa e seus respectivos intérpretes são: The chicken - Jaco Pastorius; Affirmation - George Benson; Black Orpheus - Luiz Bonfá; Blue Bossa - George Benson; Cantalupe Island & Dolphin Dance - Herbie Hancock; Goodbye Pork Pie Hat – versão de Jeff Beck; Equinox - John Coltrane; Autum Leaves - Miles Davis & John Coltrane; All Blues - Miles Devis; Stella By Starlight - Tommy Flanagan & Kenny Barron e Tune Up - Wes Montgomery.
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Para minha surpresa o uso deste material apresenta resultados consideravelmente
importantes no que tange às histórias relatadas pelos colaboradores já que, a partir de sua escuta,
eles passam a incorporar diversos sentidos às narrativas, evidenciando 20 o contato com
sentimentos diversos, tais como alegria, saudades, entusiasmo, observados em suas expressões
faciais, corporais, além de onomatopeias e versões das músicas simultaneamente cantaroladas por
eles.
Com isso, reafirmo o caráter subjetivo composto pelos elementos trazidos à tona na
pesquisa em história oral temática.
Com a utilização do recurso auditivo, vislumbro aproximação ao “lembrar-cantando”
como detonador da memória de um dos entrevistados pela pesquisadora Olga Von Simson (2005)
em sua investida acerca da memória de velhos dirigentes do carnaval paulistano. Segundo a
autora:
Muitas vezes ele se utilizava do recurso de lembrar-cantando o samba enredo de determinado ano para, em seguida, reconstituir as lutas e dificuldades para “colocar na rua” o carnaval daquele ano. A utilização do recurso da música como detonador da memória deveria ser para ele uma experiência já vivenciada anteriormente, pois esse entrevistado não dispensava a companhia do seu pandeiro para realizar a tomada dos depoimentos orais. (VON SIMSON, 2005, p. 22).
A proximidade do relato de Von Simson com a entrevista realizada com Michel Leme é,
no mínimo curiosa, já que, mesmo antes de iniciarmos a conversa, ele me pergunta se fará uso da
guitarra, ao que respondo que possivelmente não. Ainda assim, ele pluga o instrumento e fica
com ela no colo durante todo o tempo do encontro.
Outros fatos importantes, a meu ver, decorrem desta proposta metodológica: apesar de
serem executadas em médio quatro ou cinco músicas em cada entrevista, a resposta despertada
por elas é quase que instantânea, visto que os colaboradores quase que imediatamente após o
primeiro acorde da música inicial já passam a se manifestar a respeito, indicando o despertar dos
20 Uma das “questões” consideradas importantes por Zago (2003, p. 298) na pesquisa qualitativa é a relação inseparável entre entrevista e observação. Em sua opinião, a entrevista é apoiada por outros recursos “cuja função é complementar informações e ampliar os ângulos de observação e a condição de produção dos dados”. Para mim, esta inseparabilidade é intrinsecamente importante, haja visto sua simultaneidade de ocorrência. Mais ainda, observo enquanto entrevisto e me retroapoio no primeiro ato para dar sequência ao segundo.
elementos supracitados, evidenciando seu caráter de “detonador da memória”. Por sua vez, o
número de músicas executadas fica submetido ao próprio andamento da entrevista e às
manifestações da cada colaborador.
Uma variável considerada quando destas execuções diz respeito ao nível de concorrência
entre os volumes da música tocada e da voz do colaborador, sendo priorizada sempre a última.
Ao se mostrarem fortemente aquecidos para falar a partir da proposta, a diminuição do volume do
dispositivo eletrônico utilizado facilita a audição de nossas vozes, bem como a continuidade da
entrevista.
Desta feita, identifico o momento de audição das músicas em conjunto com o repertório
encadernado como elementos que vão ao encontro dos propósitos da presente investigação, já que
se mostram facilitadores na emissão de sentidos e significados acerca dos processos educativos
vivenciados pelos colaboradores ao longo da história da instituição a partir do trabalho
mnemônico de cada um deles no momento da entrevista.
Outro material utilizado durante os encontros é um notebook Itautec N8320, tanto para a
reprodução do repertório em MP3 quanto dos vídeos 21 que também funcionam como muletas da
memória, como anunciado.
Todavia, na ocasião da entrevista realizada com Levi ocorre um problema técnico: o
superaquecimento do notebook. Em função disso, não consigo reproduzir o vídeo (Op. cit.)
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recolhido para este fim, tampouco o repertório auditivo. A partir daí, abandono o uso desse
dispositivo devido ao ocorrido e passo a utilizar um tablet IPAD 1 - 32 Gb da APPLE, também
mais fácil de transportar por ser mais leve e menor que o primeiro. Além de reprodutor de vídeo e
áudio, ele também funciona como meio de mostrar as fotografias digitalizadas de meu arquivo
pessoal para os colaboradores durante as entrevistas, condensando as três mídias em um só
dispositivo. Alguns dos roteiros elaborados para as entrevistas também são acessados neste
aparelho.
Já o telefone celular SAMSUNG B7320 Omnia Pro 3G é utilizado em uma única
entrevista, na qual reproduzo uma música em MP3 como exemplo de música instrumental. Nesta
ocasião, por um lapso de memória, não efetuo devidamente um chec list dos materiais
necessários para a realização daquela, me furtando, assim, de levar um dispositivo para
reproduzir o repertório auditivo.
Neste mesmo encontro, o colaborador22, em virtude de minha solicitação, toca em seu
violão um trecho da versão instrumental de Asa Branca, composição de Humberto Teixeira e
Luiz Gonzaga, mas não a identifica como tal, tampouco reconhece este gênero. Valho-me, então,
de minha habilidade de tocar o referido instrumento com a intenção de diferenciar a melodia e
harmonia para ele, indicando que o que acabara de tocar, era a respectiva música em uma
variante instrumentalizada.
Outro material que sempre levo comigo por ocasião das entrevistas é uma câmera
fotográfica KODAK EasyShare Z1012 IS, empregada na captura de imagens durante a trajetória
da pesquisa, principalmente dos lugares transitados por mim. A captura do itinerário da pesquisa,
bem como a composição de uma paisagem visual sobre a mesma e seus diversos territórios é a
principal intenção desta coleta. Previamente arquitetada como uma das formas de futuramente
difundir os resultados desta investigação, visa ainda, servir como mais um elemento utilizado na
análise da mesma.
22 Ressalto que Leandro é o mais jovem de todos os colaboradores da pesquisa, ao mesmo tempo em que é aluno do Instituto há poucos meses.
O último material que também emprego como muleta da memória é uma reportagem do
Correio Popular23, nas entrevistas com Hernani e Daniel, em função de ambos os colaboradores
estarem retratados nesta publicação. Aproveito também estas ocasiões para tentar compreender
quais os sentidos atribuídos pelos colaboradores na relação da instituição
com a mídia local campineira, dado o número considerável de reportagens 24 realizadas desde sua
instauração.
Outro destaque que julgo pertinente do ponto de vista da metodologia se refere ao
encadeamento das entrevistas e aos conteúdos emergidos através delas, que passam a servir de
base para incrementar novos roteiros a serem utilizados com futuros colaboradores a partir da
composição das redes, objetivando outros pontos de vista sobre um mesmo fato, ou mesmo
elementos originais a serem investigados. Todavia, a ordem de realização das entrevistas é
determinada em parte pelos critérios estabelecidos para escolher os colaboradores e, em parte,
pela disponibilidade dos mesmos em consonância com a minha.
Quanto aos locais de realização das enquetes obedeço à prerrogativa de escolha de cada
colaborador (MEIHY, 2007). Nesse sentido, os mesmos são os mais variados possíveis, tendo
ocorrido encontros em duas cidades: Campinas e São Paulo.
Algo que desperta minha atenção é a escolha de cinco colaboradores pela própria
instituição como lócus da entrevista, sendo que metade de uma delas ocorreu nas ruas do próprio
bairro (com Luccas). Hipotetizo aí, algum estranhamento em relação à minha presença na
intimidade de suas vidas, evitando suas residências como locais das entrevistas, presumindo
haver, por outro lado, uma situação de conforto ou mesmo segurança por estarem no próprio
instituto para conceder as narrativas. Outros cinco encontros são realizados nas respectivas
residências dos colaboradores, dois em locais de trabalho (um salão de beleza – com Daniel, e
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24 No site www.youtube.com constam sete reportagens realizadas por diversos canais de televisão locais no momento da pesquisa. Nas paredes do Instituto Anelo encontram-se emolduradas e expostas várias reportagens sobre a instituição veiculadas em jornais locais.
uma escola de música – com Michel Leme), um em minha própria casa (com Gabriela, via Skipe)
e outro em uma igreja (com Levi).
Diante da prerrogativa estabelecida, procuro de antemão estabelecer uma relação de
confiança com cada colaborador (ZAGO, 2003), já observando esta premissa mesmo nos
contatos telefônicos com todos. O caso de Leandro é peculiar nesse sentido. Sendo o mais jovem
de todos os colaboradores com seus treze anos de idade, necessito estabelecer um vínculo
satisfatório também com sua família, dado que o contato com o mesmo se firma através de seu
pai, sendo que ambos, pai e mãe, também acompanham o desenrolar da entrevista. Nesse sentido,
considero que cada entrevista é tratada como uma relação social singular e que:
o grau de implicação do informante depende muito da confiança que ele deposita na pessoa do pesquisador e, evidentemente, de como se sente na situação de entrevista. Garantir essa qualidade tão necessária não é tarefa simples, uma vez que em seu desenvolvimento vários fatores estão implicados, parte deles relacionados à pessoa do pesquisador (curiosidade, criatividade, discrição, simplicidade etc.) e outros que extrapolam sua atuação. Por outro lado, a relação de confiança não está dada desde o início da conversação, mas vai sendo pouco a pouco construída. (Ibid., pp. 302-303).
As palavras de Zago (2003) oferecem margem para que sejam detalhadas peculiaridades
acerca das condições e da relação estabelecida em cada entrevista realizada. A título de exemplo
cito a primeira delas, realizada com Luccas, em que durante a maior parte do tempo “passeamos”
pelas ruas do Jardim Florence I, conversando sobre sua história de vida extremamente
precarizada do ponto de vista econômico.
Não obstante, a situação que me remete ao grau de implicação mais delicado é a entrevista
realizada com Gabriela, presidente do instituto. Além de seu envolvimento com a instituição ser
recheado de nuances afetivas, relacionais e, inclusive econômicas, nós não nos conhecemos
pessoalmente, como é o caso em relação a alguns dos colaboradores. O que agrava a situação é o
fato de ambos estarmos em continentes diferentes, sendo que sua pertinência como colaboradora
da pesquisa é de extrema relevância, dado seu envolvimento histórico com a instituição.
O recurso utilizado para viabilizar este encontro é contrário às premissas estipuladas por
Meihy (2007), já que o uso do programa Skipe, via computador, é a única maneira encontrada
para a efetivação do mesmo. Segundo o autor “não se produz, contudo, história oral por vias
indiretas, como por telefone ou internet, por exemplo”. (p. 19).
Apesar de concordar com ele que “o contato direto, de pessoa a pessoa, interfere de
maneira absoluta nas formas de exposição das narrações” (Ibid.), ressalto que, no caso
explicitado, alguns elementos se mostram bastante satisfatórios no estabelecimento de uma
relação de cumplicidade com a colaboradora. O encontro é marcado com alguma antecedência
via e-mail, e assim que abrimos as câmeras dos computadores para iniciarmos a interlocução,
apresento-me e logo exponho meus objetivos, mas sou inquerido por ela a respeito de meu
vínculo com o instituto. Curiosa, antes de mais nada, ela demonstra o desejo de conhecer minha
história e os porquês de ali realizar uma pesquisa.
Passo então a detalhar meu envolvimento tanto com a música, inicialmente, quanto com a
instituição e meus interesses neste empreendimento. Aos poucos percebo que ela se satisfaz com
minha narrativa e damos prosseguimento ao diálogo. Tamanha é a aproximação estabelecida
nestas condições, que ao final da entrevista ela passa a demonstrar interesse nos objetivos e
futuros resultados que adviriam desta pesquisa, como por exemplo, se eu também investigaria os
aspectos pedagógicos do ensino de música ali estabelecido.
Diante disso, incluo sua entrevista no cômputo geral da investigação compreendendo que,
apesar de se tratar de uma exceção, sua narrativa virtual expressa informações preciosas acerca da
história que aqui pretendo registrar, sendo discorrida a partir da construção dialógica por nós
estabelecida, dadas as condições descritas e se mostrando como exemplo da fundamental
cumplicidade há pouco descrita na citação de Zago (2003).
Destaco ainda, a única recusa aos convites realizados para as entrevistas, já mencionada.
Uma ex-aluna não aceita participar da pesquisa sem maiores justificativas, ficando difícil inferir
sobre tal fato. Além de ser do sexo feminino, o único dado de que disponho sobre sua pessoa é o
fato de estar casada há pouco tempo, mas não arrisco sustentar uma hipótese para seu declínio ao
convite somente a partir destes elementos. O que lamento é o fato de se tratar de alguém que
compunha vários critérios que talvez deixem lacunas na pesquisa: ex-aluna que não está mais
vinculada à música profissionalmente, ou mesmo de forma sistemática. A falta de um banco de
dados da instituição relativo aos ex-alunos prejudica encontrar outra colaboradora para substituí-
la.
Também remeto aos colaboradores uma carta 25 , cuja intenção é informá-los dos
desdobramentos da pesquisa após a entrevista, enviar-lhes a narrativa textualizada de sua
entrevista para seu conhecimento, bem como obter o “reconhecimento do texto procedido pela
conferência e pela autorização” dos mesmos. (MEIHY, 2007, p. 139).
Na sequência, apresento o capítulo referente a uma história institucional possível a partir
das textualizações construídas. Com isso pretendo aproximar o conjunto de narrativas à
concepção de história oral pura, procurando com que as vozes dos narradores se cruzem “entre si
de maneira a promover uma discussão polifônica” (MEIHY, 2007, p. 128) acerca da trajetória do
Instituto Anelo. Este autor argumenta que esse tipo de construção compreende versões de
narrativas distintas, conflituosas ou mesmo opostas, visando valorizar justamente a polifonia,
reafirmando “que a história oral é social na medida que junta vozes dissonantes” (Ibid. p. 129).
Assim, o que procuro valorizar é tanto o discurso como fonte peculiar, quanto à
construção do percurso narrativo, não pretendendo nesse momento analisá-lo. E apesar de ser
desejável que a história toda seja relatada (Ibid. p. 130), minha pretensão é tecer a referida
polifonia para que o leitor a aprecie com seus próprios olhos.
Construo ainda, a análise do material coletado com base em pesquisas, reflexões e
conceitos cunhados por estudiosos das áreas interdisciplinares que compõe este estudo. Este
espaço será ocupado pelos dois últimos capítulos, aproximando-se, desta forma, da concepção de
história oral híbrida, posto que procura dialogar “com outros documentos, sejam iconográficos
ou escritos como historiográficos, filosóficos ou literários” (MEIHY, 2007, p. 129).
Meihy afirma, além disso, que no caso da história oral híbrida, o que vale mais é a
objetividade temática e o “recorte sempre revelador das intenções de quem vai usar a entrevista
para fins elucidativos de estudos que dispensem o enfoque subjetivo” (2005, p. 130). Uma vez
mais, afirmo que, apesar da objetividade temática pleiteada neste empreendimento, não
compreendo que posso dispensar o referido enfoque. Pelo contrário, como já procurei sustentar
anteriormente, vislumbro elementos subjetivos na história oral temática alinhada, neste momento,
à composição de uma história oral híbrida.
25 Anexo V – Carta aos colaboradores.
Como última aspiração neste processo, vislumbro iniciar o processo de devolução à
comunidade, dado que:
O que se pretende em estudos de história oral, e nesse em particular, é possibilitar ao entrevistado registrar a sua história de vida, como os fatos foram sentidos, compreendidos e mesmo reinterpretados por aquele que os viveu. Pretende-se não só reviver a experiência cotidiana, mas também analisar como essa foi sentida em relação aos acontecimentos econômicos, sociais, culturais e religiosos em que estiveram inseridos. (Meihy, 2007, p. 163).
Cabe oferecer à coletividade a possibilidade de conhecer o produto final, resultado desta
pesquisa, tanto no que tange ao seu registro, como afirma Meihy, quanto em relação aos aspectos
analisados em função das contingências históricas, políticas, sociais e econômicas no momento
de sua construção, a partir de reflexões com foco similar realizadas por outros pesquisadores.
Assim, já está em curso a organização de um encontro com a coletividade que compõe a
instituição para apresentar os resultados da pesquisa. O mesmo não deve ser restrito aos
colaboradores da mesma, para que assim continuemos o processo dialógico com a comunidade de
destino ampliada. Neste momento, também pretendo apresentar os dois vídeos construídos a
partir desta experiência, apresentados em atividades científicas e no exame de qualificação desta
investigação.
CAPÍTULO 2
2. POLIFONIA DE VOZES: UMA HISTÓRIA ORAL DO INSTITUTO
ANELO.
“O caos é uma ordem por decifrar”
José Saramago
Figura II: “Sede do Instituto Anelo”. Fonte: Fernando Cordovio – arquivo pessoal, 11 de novembro de 2011.
Neste capítulo exponho parte da história do Instituto Anelo narrada pelos colaboradores
desta pesquisa a partir das textualizações das entrevistas concedidas pelos mesmos utilizando a
metodologia da história oral, visando uma construção polifônica, ora entoando no mesmo
diapasão, ora em dissonância.
Não pretendo linearidade (talvez alguma), nem individualidades, ou organicidade, mas
simplesmente explanar a multiplicidade relativa ao coletivo narrado, oferecendo portas de acesso
a essa história diante da fluidez das narrativas dos trechos escolhidos, dos acontecimentos, em
uma costura possível, diante de muitas.
Antes do desafio de decifrar o “aparente caos em que a vida cotidiana decorre”, pretendo,
primeiramente, “apresentar [parte dos] elementos definidores de sentidos partilhados,
configuradores de uma ‘ordem’ precária e plural para os actores intervenientes” (SARMENTO,
2003, p. 91) deste coletivo: algumas de suas múltiplas cenas.
Ciente das limitações desta construção, procuro delinear aspectos gerais desde os
primeiros passos do percurso institucional, até os dias de hoje, tanto em seu sentido constitutivo,
ou melhor, ideológico, imaginário, administrativo, legal, burocrático, econômico e político
pedagógico, quanto à íntima relação, neste processo, do enfoque musical ali proposto, estimulado
e difundido; ou seja, a música instrumental.
Neste percurso são utilizados trechos das narrativas (co)construídas com todos os
colaboradores desta pesquisa, ou seja, desde os integrantes mais antigos até as gerações mais
recentes de alunos, professores e outros cooperadores da instituição.
O Instituto Anelo existe há treze anos e está localizado no Jardim Florence I, Zona
Noroeste do município de Campinas - SP, a aproximadamente, onze quilômetros do centro da
cidade. Esta área também é conhecida como Região do Campo Grande. De acordo com o Senso
201026, nela vivem cerca de 123.484 pessoas.
Inicialmente, como se verá, a linha divisória entre a história da instituição e a de seu
fundador, Luccas Soares, é bastante sutil. Posto isso, as narrativas dos outros colaboradores
ganham espaço na medida em que a história coletiva vai se desenvolvendo.
Ao longo da entrevista com Luccas, ele expõe alguns dos elementos relativos à sua
origem social:
Quando eu tinha mais ou menos três anos meus pais se separaram e eu e meus irmãos éramos muito novos para decidir com quem iríamos ficar, e ficamos meio em dúvida. A
26 IBGE, tabulações do Senso Demográfico. Prefeitura Municipal de Campinas. Disponível em <http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/publicacoes/censo-2010.php>. Acesso em 30 de outubro de 2012.
princípio fomos morar com meu pai... [que] tinha uma visão de que as pessoas tinham que trabalhar, não importava a idade. Lembro que aos seis, sete anos ele colocava a gente pra vender vassouras e sabão na rua, tirando da gente o nosso direito de escola... O direito da criança é claro, estudar, fazer os deveres, as tarefas, o direito de brincar, de ser criança, não é? Então, esse direito foi meio que tirado, tanto de mim, quanto das minhas irmãs. (Entrevista com Luccas, fundador, p. 1 da textualização).
Como as informações sobre sua mãe sempre lhe foram negadas, a descoberta da genitora
é recheada de esperança em ter uma vida melhor. Todavia, a repetição, particularmente relativa à
precariedade econômica se evidenciaria, tal qual aquela vivida ao lado do pai:
Certo dia minha mãe aparece no portão e diz: “Eu sou a mãe de vocês!”... e falou: “Poxa, eu quero ficar com eles!”. [...] fui morar com a minha mãe, e pra gente, morar com a minha mãe, era a salvação... Quando a gente chega é um barraco, um cômodo de tábua, uma cama só pra cinco pessoas dormirem... Ficamos ali por volta de uns dois, três anos. Até que surgiu uma oportunidade, na mesma rua, em uma área da prefeitura, a possibilidade de uma invasão... E a gente foi tentando conseguir uma área ali, um pedaço de terra pra construção. Conseguimos e foi onde eu morei durante onze anos. (Entrevista com Luccas, fundador, pp. 2-3 da textualização).
As dificuldades também se comprovariam em outros campos de sua vida:
A gente já passou literalmente fome mesmo. Descrever o que é passar fome é meio difícil... Então, muitas vezes, no terminal de ônibus Viaduto Vicente Cury, eu e minhas irmãs fomos pegar restos de frutas, verduras... como a gente já tinha acostumado a trabalhar desde a época do meu pai, fomos morar com a minha mãe, isso teve continuidade... Eu, na época, com nove, dez anos, junto com outra irmã que tinha doze, um pouquinho mais velha, vendíamos salgado e sorvete na rua. Fora que isso prejudicava na escola. A autoestima prejudicava muito. Eu ia pra escola já pensando que tinha que conseguir um sustento. Isso atrapalhava muito a aprendizagem. Fora isso, a vergonha dos colegas, da situação (Entrevista com Luccas, fundador, pp. 3-4 da textualização). Várias vezes questionei minha mãe: “Porque que eu não tenho tênis?”, “Porque eu num posso comprar”, e esse “num posso” era revoltante... “Mas como se a outra pessoa tem?” (Entrevista com Luccas, fundador, p. 6 da textualização).
Sua narrativa vai revelando outros aspectos:
na época era uma aprendizagem totalmente defasada devido às interrupções [...] Pra minha mãe era muito simples eu falar assim: “Olha, eu não vou mais pra escola, eu vou trabalhar”. Ela dizia: “Não, tudo bem, normal”. Não era uma necessidade. Mesmo porque meus pais não tiveram isso. Para eles era normal. A vida que eles levavam era considerada uma vida normal: “A gente tem o arroz, tem o feijão. É isso que nós temos que ter.” (Entrevista com Luccas, fundador, p. 5 da textualização).
Diante do exposto ele passa a se questionar:
mas poxa, será que eu vou fazer isso até quando? ... Minha preocupação dos doze anos, até os dezessete anos foi o que fazer pra ter autoestima, porque a autoestima era destruída. (Entrevista com Luccas, fundador, p. 4 da textualização).
E inicia uma busca:
Durante todo esse tempo fiquei em busca de algo prazeroso pra fazer e que também resultasse numa melhora de vida. [...] tive uma oportunidade que achei única e pensei que mudaria a minha vida. Eu tinha doze anos mais ou menos, e os donos de uma pequena empresa, com cerca de dez funcionários, se sensibilizaram porque eu vendia salgado todo dia naquela firma. Eles pensaram: “Vamos contratar esse menino, pois ele é tão esforçado. Vamos contratá-lo e ele para de ficar vendendo as coisas pela rua e vem trabalhar aqui com a gente de serviços gerais”. (Entrevista com Luccas, fundador, p. 4 da textualização).
Mas essa procura se mostraria nada fácil:
Para mim, serviços gerais era o máximo. Só depois fui entender e descobrir o que era [...] Com doze, treze anos, eu fazia café, varria chão, fazia faxina na firma e esse era meu trabalho ali. Mas pra mim era o máximo, porque eu trabalhava numa firma. Minha autoestima estava se levantando ali. Mas depois, passado um tempo patinando e não vendo oportunidades possíveis pra sair daquilo, aos poucos a ficha foi caindo... Faltava muito ainda pra percorrer... (Entrevista com Luccas, fundador, pp. 4-5 da textualização).
A precariedade por ele relatada também assola o bairro onde vive com a família, assim
como a vida de seus amigos, atingindo também o campo do lazer. Assim, ele descreve a procura
por distração e entretenimento:
Nesse período dos onze aos dezessete anos, de altos e baixos, uma época tinha emprego, outra época tinha que vender as coisas na rua, outra época ficava na rua, com colegas, começaram a surgir oportunidades... “Pô, a gente quer joga fliperama. O que nós vamos fazer? Vamos roubar garrafa!” (Entrevista com Luccas, fundador, pp. 5-6 da textualização).
A “oportunidade” mencionada se refere à possibilidade de Luccas e seus colegas
conseguirem dinheiro através da venda de garrafas furtadas em quintais alheios em função da
ausência de recursos econômicos para poderem se divertir. Desta forma, a proximidade com a
violência física aumenta. No episódio narrado abaixo, ele e um grupo de amigos encontram um
freezer cheio de sorvetes em um clube social próximo ao bairro onde moram. Passam a saborear a
guloseima até a intervenção do pessoal do clube.
“O freezer ali de sorvete, tá abandonado”. Nisso, todo mundo foi tomar sorvete... mas apareceram os dirigentes do clube e disseram: “Vocês estão roubando!”... a polícia foi chamada. Eu olhei, e como eu era novo, pois tinham meninos mais velhos de dezessete, dezoito anos no meio, e vi a polícia batendo naquele pessoal... Eu falei: “O que é isso? Não, não, não! Isso eu não quero pra mim não.” (Entrevista com Luccas, fundador, p. 7 da textualização).
Em sua narrativa o ápice de violência envolvendo seu círculo de amizades, bem como os
riscos a que estão expostos estes sujeitos em dado momento da história relatada, se dá quando um
trem que passa nos arredores do instituto onde a entrevista é realizada apita, indicando sua
passagem:
Figura III: “Linha de trem nos arredores do Jardim Florence”. Fonte: Fernando Cordovio – arquivo pessoal. Fotografia que compõe o percurso da pesquisa em 2011.
E esse trem aí que está passando... tem muitas histórias sobre ele... Muitos amigos meus morreram nessa linha de trem... Eles acabaram envolvidos com droga, com a violência no geral e teve um amigo meu que foi amarrado na linha... (Entrevista com Luccas, fundador, p. 5 da textualização).
Questionando o “básico” oferecido pela família através de alimentação e moradia, sua
busca por uma mudança de perspectiva passa pela influência da religião como proposta de
atividade que daria lugar ao ócio, de acordo com a concepção de suas irmãs. Esses elementos
comporiam a entrada da música em sua vida. Em suas palavras:
minhas irmãs, que frequentavam uma igreja das Assembleias Pentecostais de Jesus Cristo, me convidaram: “Nossa, você não quer ir? Você não faz nada mesmo. Vamos lá tal...” E eu com alguns amigos, porque onde eu ia, tinha que ir um amigo junto, falei: “Vamos, vamos conhecer, já que era tudo desconhecido.” Chegando lá, vendo a equipe de músicos tocando, deparei com o teclado, e fiquei apaixonado pelo som! E falei: “Eu quero ser isso daí! Eu quero tocar esse negócio aí...” (Entrevista com Luccas, fundador, p. 7 da textualização).
Suas reflexões sobre este momento são descritas da seguinte forma:
Então, [minha família] não tinha uma ambição. Mas eu tinha essa ambição. Eu falava: “Quero fazer alguma coisa que me deixe feliz, da qual eu não vá te vergonha de falar... Eu sou músico!”. Porque eu tinha vergonha de falar “Olha, eu vendo salgado na rua, eu lavo carro”. (Entrevista com Luccas, fundador, p. 5 da textualização).
E inicia um investimento nessa área:
na mesma semana em que decidi me dedicar à música, tive a chance de ser mandado embora desse trabalho. Com o dinheiro da rescisão eu comprei meu primeiro instrumento e minha família se revoltou completamente. Lembro como se fosse ontem, eu comprando o teclado... um Yamaha PSR 320. Peguei todo o dinheiro da rescisão e paguei o instrumento. (Entrevista com Luccas, fundador, p. 8 da textualização).
Assim, ele passa a estudar a partir de suas condições naquele momento:
Então, comecei a estudar música como autodidata, aprendendo sozinho, mas com muita dificuldade. Não tinha um lugar. Eu queria muito poder pagar uma escola. Às vezes eu juntava uma grana e pagava um mês pra fazer aula particular com uma pessoa e depois o dinheiro acabava. Aí eu não aparecia mais na aula. Eu falava “quanto é difícil esse negócio de num ter o dinheiro pra pagar o curso.” (Entrevista com Luccas, fundador, p. 8 da textualização).
Desta forma, seu envolvimento com a música, apesar das adversidades, também continua.
Ele envereda-se a ministrar aulas com o pouco conhecimento adquirido e se aproxima de amigos
que têm esse interesse em comum, desenvolvendo com eles trabalhos comunitários de “levar
música pras escolas”. Este grupo, entretanto, declina do sonho inicial de viver de música,
deixando Luccas solitário em sua jornada. A herança deste período e deste grupo é evidenciada
simbolicamente no nome dado à sua banda e, em breve, à instituição que fundaria:
Tinha uma música que nós tocávamos na época que se chamava Em meu coração não há canção. E a letra da música falava “tu és o anelo na minha vida... e o desejo no meu coração!” Anelo significa desejo, anseio, vontade... Só que é um desejo verdadeiro! Não é, “Ha, eu quero...” Não! É: “Eu quero e eu vou atrás!”. Eu quero realmente aquilo! Eu to afirmando que quero, eu acredito, eu quero, eu vou atrás! O nome da banda foi até escolhido de uma forma inocente... e a gente achou bonito e ficou “Banda Anelo.” (Entrevista com Luccas, fundador, pp. 8-9 da textualização).
A recusa em continuar com a banda é iminente por parte de seus colegas, até o momento
em que ele antevê uma alternativa e funda o instituto:
Nessa saída dos meninos fiquei meio sem chão e andando pelo bairro, meio sem saber o que fazer, me despertou o olhar um salão no bairro, onde a Anelo existe até hoje... era um bar... Nisso, eu estava completando vinte anos, em 7 de março de 2000. Fiquei trabalhando, porque tinha que pintar o salão, conseguir tinta, conseguir doação, pintar o salão pra conseguir inaugurar, e a inauguração foi dia 10 de maio de 2000. Aí começou toda a história da Anelo. A minha ideia era ter nesse espaço uma escola particular de
música pra quem não pudesse pagar. (Entrevista com Luccas, fundador, p. 9 da textualização).
Anos mais tarde, Dorival, professor da instituição, teria seu primeiro contato com a
mesma quando de sua busca por um professor de música para seu filho mais velho. Assim, ele
descreve o espaço com o qual se depara naquele momento:
“olha, lá no Jardim Florence tem um cara lá professor de piano. Ele tem um projeto lá, tal. É um baita professor assim, um nível técnico muito alto...” Não sabia que era um projeto social... Fui lá conhecer, procurar aula de piano pro Pedro... encontrei lá duas portinhas. Dois salõezinhos minúsculos que eram um bar antes, se não me engano... Falei “quê que é isso? Que lugar é esse?” (Entrevista com Dorival, professor, p. 6 da textualização).
Todavia, apesar da aparente solidão inicial de Luccas, um primeiro grupo de jovens
começa a se formar, ainda que em torno de algo não exatamente sabido. Josimar alude a essa
passagem exemplificando uma das formas de aproximação de alguns desses componentes:
Eu conhecia o Luccas. Num tinha muita amizade assim com o Luccas. O bairro é pequeno, a gente conhece todo mundo no bairro. Bairro de periferia e você conhece todo mundo do bairro, só que às vezes tem pessoas que cê num conversa. O Luccas é um cara que eu não conversava muito, mas eu sempre via ele.
E aí eu vi ele lá no espaço da Anelo mesmo. Eu via ele com um tecladinho, passava, voltava, aí teve um dia que eu vi ele com o teclado lá e falei ‘ah, vou ali conversar com esse cara. Nunca tinha conversado, mas sempre via. Mas vou conversar com esse rapaz. Aí fui lá conversei com ele ‘ah, eu sou o Luccas e tal’, ‘Luccas, Josimar, Josimar, tal, toco violão’, ‘ah, toco piano’. Aí, esse papo, foi daí que eu me envolvi mais com a Anelo.
Essa época foi o nascimento da Anelo. Num sei nem se existia Anelo nessa época, mas existia o Luccas lá dando aula pra molecada. E foi aí que eu entrei. Foi aí que foi meu primeiro contato com a Anelo. (Josimar, professor, p. 4 da textualização).
Rômulo, que também compõe o grupo inicial, descreve sua vinculação com a instituição
apresentando outros participantes naquele momento, bem como os primeiros contatos com a
música instrumental e as influências da mesma entre esses integrantes:
O Toni sempre ele que na verdade me levou pra essa onda do jazz e vamo tocar jazz e escuta isso aqui. Ele e meu irmão. Meu irmão sempre foi muito próximo de música instrumental, mas a gente só foi saber, a gente só foi se comunicar musicalmente falando depois de um tempo [...]
Ele foi logo que a Anelo começou na verdade. Aí, começou a ir pra lá. (Rômulo, professor, pp. 2-3 da textualização).
E completa:
comecei a estudar música na verdade aos quinze anos, pra dezesseis anos e foi meio que por culpa do meu primo e do Luccas, que já tavam estudando. Meu primo já tocava saxofone, o Toni, e o Luccas me viu logo que eu peguei o primeiro instrumento.
O instrumento era todo remendado. Um saxofone alto. E era muito estragado, muito judiado mesmo. E eu insisti. Num entendia nada. Então eu ia tentando tirar som dali e aí até consegui tocar uma coisinha ou outra, mas com o instrumento todo zuado.
Aí o Luccas achou legal e meu primo já tinha me levado pra conhecer a Anelo e veio uma ideia de faze com quê esse instrumento fosse recuperado. (Rômulo, professor, p. 1 da textualização).
As experiências musicais desses sujeitos anteriores à criação da instituição também são
narradas por Josimar:
Foi aí então que apareceu a Anelo. A ONG do Luccas. Aí a gente começou a fazer as aula de prática de banda. Isso foi muito legal. A gente começou a pegar... até então eu só tinha tocado música, samba e pagode. Aí, depois da Anelo assim que... eu gostava dos outro gêneros. Sempre gostei, mas tocar mesmo, tocava mais samba. (Josimar, professor, p. 3 da textualização).
Daniel, que viria a compor a segunda geração de jovens aglutinados em torno do projeto,
exibe seu ponto de vista acerca daquele momento histórico:
Conheci o Luccas desde molecão, desde uns dez, onze anos já conhecia ele. Porque o Luccas começou a tocar já tem um bom tempo assim, tocando dentro da igreja aquela coisa toda. [...] foi caminhando até o ponto em que ele começou com o projeto com outros, com outro pessoal. Eu era bem mais menino, ainda. Mas sempre vendo. Ele passava. Porque tem uma escola próxima ali da Anelo. Então cê vê, era, molecada. Descia ficava olhando, observava. E eu por gostar de música sempre dei uma sapeada em cima. (Daniel, ex-aluno, p. 3 da textualização).
Nesses primeiros momentos, algumas práticas institucionais já são desenvolvidas, como a
já citada ideia de “levar música pras escolas”, pautada em determinado repertório. Essa
experiência é assim recordada:
Que eu me lembro, que logo no começo eu tava, quando eu tava começando a aprender, uma das coisas que eu fazia é, junto com o Luccas, a gente ia caminhando de escola em escola. Eu ia com o saxofone todo remendado e ele comigo, a gente ia de sala em sala falar um pouquinho do que a Anelo fazia e aí eu tocava uma musiquinha. Aí o pessoal gostava, tal... alguns iam lá na Anelo pra querer fazer aula, mas a maioria tirava sarro. Porque a proposta de música que a gente levava num é muito respeitada aqui. E isso é uma coisa que me chateia bastante. Pessoal num procura é, ‘vamo lá conhecer esse espaço, vamo saber o que tá acontecendo lá.’ E só tira sarro.
Eu apresentava, tocava Garota de Ipanema. Tocava é O Bêbado e a equilibrista. A gente tocava Desafinado. Fazia alguma coisinha assim. E aí o pessoal meio que... às vezes tocava um Kenny Gee... E aí era uma das coisas que era um pouco mais aceitas assim, eu diria. (Rômulo, professor, p. 4 da textualização).
Este primeiro grupo e suas atividades despertam sentimentos, ideias e reflexões diversos
nos integrantes da instituição oriundos da classe média 27 , que acabariam por intervir
consideravelmente em seu projeto e em suas práticas. Nesses primórdios é que se dá a
aproximação de Guilherme Ribeiro, então estudante de música 28, na instituição. Rômulo traduz
esse momento:
[meu irmão] tocava com o Luccas, fazia casamento essas coisas e aí quando o Guilherme foi pra lá [para o Instituto Anelo] ele já tava lá. E aí ele me levou. Fui atrás desse instrumento. Foi logo quando tava começando tudo assim. (Rômulo, professor, p. 3 da textualização).
O próprio Guilherme descreve seu interesse e visão sobre aquele grupo e suas atividades:
Minha história com a Anelo eu num lembro exatamente o ano. Dois mil... nesse período eu já tava com uma atividade intensa em Campinas, trabalhando, tocando... Teve um bar lá num determinado período que foi muito importante pra mim [...] o Santa Fé 29 . Inclusive eu conheci o Luccas no Santa Fé [...] eu fui falar com ele e ele me contou rapidamente a história da Anelo. “Ah, a gente tem lá uma escola, um espaço”. Ele nem sabia direito o que era [...] quero conhecer [...] aí eu cheguei lá e fiquei de cara assim, espantado, porque era realmente um espaço dedicado ao ensino, a ensinar as crianças, ensinar música pras crianças, e ali tinha ali um corpo docente, digamos assim, todo a fim de estudar, de tocar. (Entrevista com Guilherme, músico colaborador, pp. 4-5 da textualização).
Futuramente, no momento da realização da entrevista para esta pesquisa, Guilherme
Ribeiro assim narraria os rumos tomados por alguns daqueles sujeitos a partir da imagem abaixo,
utilizada como muleta da memória:
com exceção do Virso aqui, todos os outros se tornaram músicos profissionais. Então aqui o Luccas; o Paulinho que hoje mora aqui em São Paulo, tá aí envolvido com o Souza Lima; o Toni que é um saxofonista, ficou lá também, acho que toca nas bandas lá; o Rômulo até pouco tempo fazia aula aqui também e também já toca profissionalmente e
27 Considerando os colaboradores da pesquisa, num primeiro momento são eles Guilherme e Gabriela e, posteriormente, já tendo ascendido de classe social, Dorival. Michel Leme viria a se juntar a eles futuramente.
28 Como já descrito na metodologia, ele cursava Música Popular no Instituto de Artes da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas.
29 Estação Santa Fé Pizza Bar, situado no Distrito Barão Geraldo, em Campinas, já com suas atividades encerradas. O espaço era tido como referência em relação à música instrumental naquele município.
o Josimar que já tocava, já tinha uma atividade e acabou vindo aqui pra São Paulo pra estudar. Estudou aqui no Souza Lima também uns dois anos, e deve tá tocando aí. (Guilherme, músico colaborador, p. 11 da textualização).
Figura IV: “Guilherme Ribeiro e parte do primeiro grupo de alunos do Instituto Anelo”. Fonte: Acervo do Instituto Anelo.
Dorival identifica alguns desses sujeitos para os quais Guilherme lecionava:
ele dava aula pra essa turma aí: Prince, o Toni, esse caras. O Thiaguinho do teclado [...] Todos eles! Paulinho da bateria. Todos aquele caras que estavam no início da Anelo. (Entrevista com Dorival, músico colaborador, pp. 11-12 da textualização).
O interesse desse grupo acerca da música instrumental alia-se à proposta disseminada a
partir da inserção de Guilherme Ribeiro no projeto. Luccas explana como se deu essa mútua
apresentação, também retomando o saxofonista já citado por Rômulo quando das apresentações
da dupla nas escolas da região:
Até então, para mim, [a música instrumental] era um gênero musical desconhecido. Quando o Guilherme Ribeiro chegou, me pediu pra que tocasse para ele ouvir. A primeira coisa que eu toquei, não deixou de ser um instrumental, mas um instrumental muito menos rico... Lembro que eu com o saxofonista tocamos Kenny G... (Entrevista com Luccas, fundador, p. 10 da textualização).
Ao ouvir a música tocada pela dupla, Guilherme esboça outro caminho que viria a ser
tomado. Luccas explica:
Ele disse: “Poxa, eu tenho uma outra coisa a oferecer... já que vocês já fazem isso, não deixem de fazer, mas eu vou mostrar um outro lado.” E aí começou essa abertura para se
ingressar na música instrumental. (Entrevista com Luccas, fundador, p. 10 da textualização).
Josimar expõe seu ponto de vista sobre esse momento, continuando a descrever algumas
das práticas desenvolvidas na instituição:
A partir da Anelo a gente começou, pintou aula, comecei dar aula pra molecada. A gente dava aula pras crianças e aí rolou uma aula pra gente também. Rolava a nossa aula. Vinha o Guilherme Ribeiro e dava aula de prática de banda pra gente. Isso aí foi muito legal. (Entrevista com Josimar, professor, p. 2 da textualização).
O então estudante de música da Unicamp explica suas propostas iniciais:
olha, vamo fazer o seguinte: eu venho aqui uma vez por semana dar um treinamento pros professores. Acho que essa é a melhor maneira de’u ajudar né? Já monta uma banda: guitarra, baixo, bateria, o que tiver. Junta a formação e eu venho aqui dar uma aula de prática de banda”. Aí começou oficialmente, digamos assim, meu envolvimento lá com a Anelo [...] sempre enxerguei um potencial muito grande na Anelo. (Entrevista com Guilherme, músico colaborador, pp. 5-7 da textualização).
Em sua tentativa de evitar ser a única referência musical do grupo, e já antecipando a
continuidade dos projetos institucionais, Guilherme propõe ampliar o número de músicos
colaboradores:
algo que me chamou atenção é que eu num podia ser o referencial deles, então eu comecei a trazer amigos músicos. Referencial musical porque, eu não gosto dessa ideia de você ter lá a comunidade carente, socioeconomicamente deficitária, enfim, e você vai lá, oferece uma atividade cultural, mas aquilo morre ali. Como se você ficasse sustentando. [...] E eu levei muita gente! Todos meus amigos. Muitos deles se envolveram também com a Anelo e tão até hoje, tem uma relação com o Luccas, com a Anelo. (Entrevista com Guilherme, músico colaborador, p. 6 da textualização).
Posteriormente, na contramão de suas pretensões, ele acabaria firmando-se como ícone,
tal como ilustram vários colaboradores nesta pesquisa em seus discursos, tanto no que se refere à
modalidade pedagógica proposta por ele e que se tornaria, inclusive, um dos projetos
desenvolvidos pela instituição, a Prática de Bandas, quanto no que tange ao gênero musical mais
evidenciado em seu trabalho inicial com aquele grupo de alunos: a música instrumental.
Existem ainda algumas peculiaridades narradas por Dorival a respeito do grupo que se
formou ao lado de Luccas nos primórdios da instituição, já sob a orientação de Guilherme,
indicando outro olhar sobre aquele momento. Inclusive, em relação aos propósitos de montar uma
“escola para quem não pudesse pagar”, explicitados pelo então fundador da instituição. Suas
colocações também se referem à forma de organização ali trilhada, dando continuidade àquela
iniciativa:
era uma reunião de amigos. E de como começou de uma maneira muito informal. Depois, sempre vem na minha cabeça que eles começaram pra eles mesmos. O objetivo não era ajudar as pessoas. O objetivo era ajudar eles mesmos... eles precisavam ser ajudados também. Tavam trabalhando pra isso. Só que com o passar do tempo eles começaram a se envolver. Eu acredito muito que foi inconsciente isso. Não foi uma coisa planejada. Eles começaram a dar aulas pra eles mesmos e pra quem pudesse estar junto e a coisa foi crescendo, foi crescendo e eles visualizaram e ideia de ter uma escola de música. Chamava Anelo Music antes [...] a primeira ideia deles era cobrar aula. Cobrar até poder gerar renda pros caras que estavam nessa primeira turma. Pra quem tava dando aula. Então, esses caras tinham aula e davam aula. (Entrevista com Dorival, professor, p. 9 da textualização).
A avaliação de Guilherme sobre esse grupo é assim complementada:
na minha cabeça eu via que alguns deles queriam se tornar músicos. Eu via que alguns não iam ser músicos, mas, poderiam ter a música como um hobby e poderiam ainda assim dar aulas pras crianças lá. Mas eu vi que alguns tinham potencial. Então a primeira coisa que eu pensei foi a seguinte: eles precisam ver qual é a real! (Entrevista com Guilherme, músico colaborador, p. 6 da textualização).
Desta forma, Guilherme passa a ter alguns cuidados e visar determinados objetivos,
explicitando a inserção e apreensão do gênero música instrumental por aqueles jovens:
E por isso que eu falo do referencial: eu não poderia ser a única referência pra eles. Então eu tinha que apresentar a realidade musical.
Eu sempre, então, tentei assim, fazer com que eles criassem, que eles conseguissem adquirir um hábito de foco no estudo, no desenvolvimento como instrumentista, como músico, e claro, nessa época eu tava muito voltado, tava levantando a bandeira da música instrumental e aí eu acabei transmitindo isso pra eles... Só que isso meio que ficou lá na Anelo. Isso permaneceu lá na cabeça deles. (Entrevista com Guilherme, músico colaborador, pp. 6-7 da textualização).
E completa a esse respeito:
quando digo que eu não queria me tornar a referência deles é na verdade contaminá-los com aquilo que eu sou, ou seja, eu sou um músico, eu gosto disso, eu toco isso, mas eu não queria levar somente isso pra eles, mas inevitavelmente eles acabaram recebendo isso. Então, nessa fase que eu tava lá na Anelo eu tocava muito essa minha referência musical: muito a bossa nova, o samba jazz, o jazz americano e essa música que eu chamo de música popular contemporânea, música criativa contemporânea. Que tem a ver um pouco com a improvisação livre, com a fusão até de linguagens, ou seja, um músico que tem uma formação jazzista, o músico que tem uma formação mais tradicional, por exemplo dentro da música regional brasileira, entendeu? Mas tem um momento que eles conseguem juntar essas linguagens. Então, músicos, ou compositores, enfim, artistas como Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal. A própria nova geração de músicos, a turma de Brasília, o Daniel Santiago, o Lamar Ribas, o Gabriel Ros, com quem eu toco ainda
hoje. Esses músicos eu levava. Não levei o Hermeto claro, mas esses músicos da minha geração que são lá de Brasília eu levei alguns deles lá. Então tinha um certo ambiente assim, uma aura em torno dessa música chamada, que a gente chamava de música instrumental. (Entrevista com Guilherme, músico colaborador, p. 7 da textualização).
A absorção dessa musicalidade pela instituição é narrada por Luccas da seguinte forma:
Ele [Guilherme] estudava na Unicamp e acreditava nessa música. Estudava música instrumental popular brasileira com influência no jazz e tinha essa ideia. Era um sonho dele ensinar música de qualidade na periferia e mostrar pra gente o quanto a música pode aproximar pessoas. Ela pode, como atividade em si, interligar e aproximar pessoas com realidades sociais diferentes. E isso fez muito sentido pra mim, porque a música instrumental também ajudou em minha mudança, no meu ganho de autoestima. A música instrumental foi um alicerce pro Instituto. (Entrevista com Luccas, fundador, p. 10 da textualização).
Josimar, componente daquele primeiro grupo, oferece mais um ângulo de visão sobre esse
aspecto:
Porque aí a gente começou, foi meu primeiro contato com a música instrumental. Isso aí foi muito bacana e aí já comecei a pegar mais firme, falei ‘opa! Aqui tem que estudar mais, né? Aí tem que pegar as escalas pôr na mão, tem que pegar todos os tipos de acorde, dissonância e tal’ aí eu comecei a estudar mais. (Entrevista com Josimar, professor, p. 3 da textualização).
Ele incrementa sua narrativa com outras passagens, ainda a partir da chegada de
Guilherme:
nossa quando ele [Guilherme Ribeiro] tocava o piano a gente pirava. Aquela coisa mais bonita que tem de som! Muito bom. E foi aí que caiu a ficha. Pô a gente tem que estudar de verdade, né bicho? Estudar pra valer. ‘Cê quer ser músico?’ ‘Quero.’ ‘Então, né? Pegar firme, né?’ Aí rolava as aula dele. Ele trazia música pra gente tocar as músicas próprias dele. Aí ele fazia os arranjos com a gente tocando. Era tudo bem prático assim mesmo. E... foi bom essa época. Foi um ano, acho que foi um ano assim fazendo aula de repertório com ele. E a gente ia sempre vê tocar nos lugares que ele tocava. [...] A gente ia no Santa Fé. A gente ia pra São Paulo, a gente foi ver show do Hermeto, foi ver show do Guilherme mesmo, próprio Guilherme com o Nenê batera. Eles tinha um trio. Esse vale a pena pesquisar. Nenê Silva. Nenê é fantástico, cara! Um cara da música instrumental brasileira que eu sou fã número um dele! (Entrevista com Josimar, professor, p. 6 da textualização) .
O próprio Guilherme narra algumas das ações implementadas por ele na instituição,
incluindo sua perspectiva sobre alguns daqueles sujeitos e aquela realidade:
Eu fiz muitas coisas lá [...] lembro que num determinado período houve aquele Prêmio Visa [...] E [...] acho que era gratuito. Você podia assistir. Eu lembro que a gente organizava umas carreatas e ia lá ver. Era o que tinha de mais fresco e novo na música instrumental brasileira.
Eu lembro também que nesse período o Conservatório de Tatuí organizava os festivais. Eu dava um jeito deles participarem ou como alunos, ou como ouvinte, ou só assistia os shows. Então a minha preocupação era essa: eu num ia me sentir bem só indo e sabe, “ah vamos fazer uma aula aqui...” Falei: “olha, cês querem a música como profissão, então precisa saber a realidade”, porque a realidade ali já era difícil. A universidade, o curso, compra dos instrumentos era uma, coisa um pouco distante pra eles. Mas a realidade musical não era. (Guilherme Ribeiro, músico colaborador, p. 6 da textualização).
O contato desse grupo com instituições e eventos ligados à música é lembrado por outros
colaboradores da pesquisa. Gabriela explica:
eu sempre falo do Guilherme: eu acho que o que ele mudou muito ali é fazer o pessoal acreditar que podia. Quando o Guilherme forçou, do mesmo jeito que eu forcei o Luccas a ir lá no negócio [curso de desenvolvimento pessoal], ele mais ou menos forçou o pessoal a fazer a prova [...] do Conservatório de Tatuí. E isso pra mim foi uma mudança muito grande. Aí eu acho pra eles, sei lá se chama autoestima, mas o pessoal percebeu que tocava bem mesmo. Que num era só pra mim [que eles tocavam bem]. E vi desse jeito. Não é que o Guilherme falava. Eles foram num super conservatório do Brasil e passaram! Vários passaram! Não foi um, foram vários! (Gabriela, presidente, p.11 da textualização).
Alguns deles, todavia, narram suas trajetórias explicitando peculiaridades a esse respeito.
Em relação ao Conservatório de Tatuí Josimar relata:
eu fui pra Tatuí. [...] Fui reprovado na primeira vez, primeiro teste. Aí, no ano seguinte eu fiz o teste de novo e consegui entrar. Fiquei estudando lá um ano. Foi muito bom assim pra minha música, pra minha carreira musical e pro conhecimento de música instrumental. (Josimar, professor, p. 6 da textualização).
Rômulo é outro a apresentar como se deu sua passagem por lá:
em Tatuí eu fui clandestino. Na verdade o pessoal da primeira prática de banda fez isso, foi estudar lá. Era o Paulinho, o Toni, o Luccas, o Prince, Josimar e mais uma galera. E aí eles iam pra lá de carro e aí um belo dia falei ‘vou com vocês pra conhecer e tudo’. Aí fui, entrei, fiz uma aula e vi que dava pra ficar. Num pediu carteirinha, num pediu nada. Então dava pra ficar como clandestino ali. E ficava, acompanhava as aulas e fiz isso durante uns cinco meses ali. (Rômulo, professor, p. 9 da textualização).
Episódios ímpares também compõem a trama relativa à aproximação de alguns membros
da instituição com o Conservatório Souza Lima, em São Paulo:
O Guilherme já tinha ido pra São Paulo pro Souza Lima e aí o Paulinho batera, Paulinho veio ‘ah, vamo lá pra São Paulo, vamo fazer teste lá pra gente entrar e tal’. Aí eu falei ‘vamo, vamo fazer.’ Aí a gente montou, era a mesma rapaziada que tocava aqui na Anelo assim: Thiago, teclado, Danielzinho no baixo, eu na guitarra, Paulinho batera, aí tinha o Toni também no sax. Só que aí foi só o quarteto.
A gente foi pra São Paulo só nós quatro: Thiago, é Daniel baixista, Paulinho e eu de guitarra. A gente fez o teste lá pro Souza Lima. A gente fez o teste e a gente passou. Aí rolou. O interessante foi que assim: a gente passou só que a gente num tinha grana pra pagar o curso.
‘Quê que a gente vai fazer?’ Eu devo muito isso ao Paulinho. Porque o Paulinho foi o cara que tinha mais talento pra se expressar, de nós. [...] ‘Ah, vamo, vamo lá, vamo falar com o dono e vamo falar que a gente num tem dinheiro mesmo e se rola bolsa pra gente fazer o curso.’ [...] E aí o cara gostou da gente. [...] Acho que pô, a gente tocou bem! A gente num tinha tanta informação, mas a gente tinha muita vontade e um pouco de talento. E acho que eles viram isso na gente, acredito eu. E aí eles deram bolsa pra gente, pra nós. Deram a bolsa pra nós quatro. Foi bacana. A gente ficou muito, eu fiquei muito feliz de ter conseguido conquistar. (Josimar, professor, p. 8 da textualização).
Daniel, ex-aluno da instituição, expõe outra forma de vinculação entre as mesmas
instituições:
Depois de um tempo já surgiu a história do Souza Lima o acho que através do Guilherme que foi o professor. Que foi um, um voluntário da Anelo também, já dava aula no Souza Lima, eu acho mais ou menos assim a história. Que fez uma ponte, e depois fizeram uma parceria. (Daniel, ex-aluno, p. 4 da textualização).
Futuramente, outros vínculos com escolas de música de Campinas também se formariam,
tal como descreve Jaqueline. Compondo outra geração de jovens que acompanham o projeto, ela
narra parte dessa experiência:
a gente conseguiu uma bolsa pra estudar na Chorus, conservatório aqui de Campinas. Fica lá no Cambuí. E assim foi uma novidade. Olha eu vou estudar num conservatório! Ninguém da minha família estudou em conservatório.
Aí eu falei, eu vou nessa. E aí a gente começou a ir lá, era de graça, era um convênio que a Anelo começou a ter com alguns professores de lá. Não com a própria escola, mas com professor que disponibilizava algum período e num cobrava. (Jaqueline, professora, p. 7 da textualização).
Levi, ex-aluno e atual professor da instituição, descreve outras práticas relacionadas à
aprendizagem musical a partir de sua vinculação com o projeto:
fui fazer aula na casa de um... eu lembro que era duas opção pra mim escolher: era o Fernando Baeta, que tinha um trabalho na Anelo um pouco antes, e o outro era o Marcelo Modesto. As aulas com Marcelo Modesto, Fernando Baeta, tudo isso foi através da Anelo. Eles eram voluntários.
Aí eu acabei conseguindo contato com o Fernando Baeta. Eu falava ‘puxa, me dá um horário aí.’ Como o Luccas conhecia, o Luccas tinha uma influência. Ele já conhecia o projeto e me dava uma aula grátis. Comecei a fazer aula com ele na casa dele, depois acabei parando de fazer aula com ele. Fiz aula acho que um mês de aula só com o Prince e depois eu comecei a fazer aula no Souza Lima. (Levi, professor, p. 8 da textualização).
Aquele início ainda seria composto por outros ingredientes no cotidiano institucional. A
rápida repercussão que a iniciativa de Luccas provocara na comunidade local derivaria numa
série de problemas administrativos que se estenderiam até os dias de hoje. Lembrados por outros
colaboradores desta investigação, estes aspectos serão retomados adiante, mas num primeiro
momento são expressos da seguinte maneira:
o número de pessoas que não podia pagar procurava muito mais do que aqueles que podiam. Eu comecei a ficar perdido, porque no primeiro ano já tinham 526 alunos. (Entrevista com Luccas, fundador, p. 9 da textualização).
Outras dificuldades também compunham aquele momento:
Mas acho que o que me chamou a atenção foi esse choque cultural também sabe? Aos poucos eu fui entendendo a dificuldade que eles tinham de se comunicar. Eu pedia pra alguns assim, “ah, vamo escrever, vamo, vamo registrar, vamo começar a registrar a história da Anelo. Alguém vai precisar”... um dia a gente vai precisar fazer um folder. Um dia a gente vai precisar colocar uma informação na Internet... então eu fui percebendo que as pessoas num tinham essa fluência, ah, vamo escrever um texto... Aí, eu comecei a ver que o buraco era mais embaixo... A formação era sempre formação precária, da educação formal. (Guilherme, músico colaborador, pp. 8-9 da textualização).
Desta forma, muitos desses elementos contribuem para gerar uma dinâmica
organizacional que, segundo Guilherme, podem ser assim descritas:
minha formação é a música. Então, a única ajuda que eu poderia oferecer era dar algumas ideias e tentar de alguma forma organizar. Lá tinha uma desorganização muito crônica assim, vamos dizer administrativa, financeira. Tudo era muito bagunçado. Mais por conta da realidade que eles enfrentavam. As relações, por exemplo, o aluguel do espaço não tinha contrato: era um acordo. Aí pagava de um jeito, pagava de outro, aí a relação com os professores que deveriam receber algum tipo de dinheiro também não era uma relação... então tinha uma coisa meio nebulosa... administrativa, financeira, da gestão, do planejamento, sabe, era muito, muito desorganizado. Enfim, aos poucos eu fui tentando, da minha maneira, também organizar e aí tem uma outra pessoa chave, que é a Gabi. (Entrevista com Guilherme, músico colaborador, p. 7 da textualização).
Gabi, ou melhor, Gabriela, então amiga de Guilherme, dispõe-se a conhecer o projeto.
Movida por sua curiosidade, lá chega e se entusiasma. Sua participação tem cunho mais
administrativo, organizacional e, particularmente, econômico, como será mostrado. Ela descreve
como ocorre e de que forma se mantém sua aproximação:
você vê que tem futuro, que consegue mudar alguma coisa... ali na Anelo você vê que consegue trocar bastante. Acho que você convive com uma realidade que não é a sua e começa a entender um pouco mais das coisas do mundo. E é por isso que eu continuo vinculada. Nisso não mudou nada. Eu acredito nessa troca... Faz bem pra mim, eu acho
que eu faço bem pras pessoas da Anelo, da região. É isso: e me faz bem também. Saber que existe essa diferença e ao mesmo tempo que pessoas como um monte de gente ali da Anelo fazem as coisas acontecerem com pouca coisa e com criatividade e mais, com determinação, acreditando. Fazem as coisas acontecerem... uma coisa que logo de cara eu percebi, eu nunca tinha convivido esse tipo de bairro: é que não tem nada pra fazer. Não tem nada. Tem só as casas, um botequinho... não tem um lazer. (Entrevista com Gabriela, presidente, p. 4 da textualização).
Apesar da potencialidade do projeto observada por Guilherme e Gabriela, outras
necessidades daquele coletivo são contempladas na narrativa de Dorival. A identidade do grupo
anuncia evidências em sua própria dinâmica, bem como em seus propósitos. O foco institucional
em direção aos “ares sociais” começa a ganhar terreno em função da mudança de rumos
principiada:
Num dado momento, o Luccas começa a dar aula de graça ali. Ele vê que precisava dar aula de graça ali e aquilo vai começar acontecer. Pede ajuda de custo pra manter a escola, mas tem muito aluno que tá dando aula de graça. Muitos desses caras saem fora. Muitos desses primeiros alunos. Isso é o que o Luccas conta. Eu num vivi isso. Essa primeira turma vai embora porque, acho que muita gente tava ali com o Luccas pensando que aquilo ia ser uma profissão. Uma maneira de ganhar dinheiro. E aquilo começa a tomar ares sociais que não dá dinheiro. Então, tipo, começou a abandonar o Luccas e ele acabou ficando sozinho. o que ele me conta que é da história que tá ali que a primeira turma saiu e ele acabou [...] responsável por tudo. Muitas vezes a gente sabe que ele tirou dinheiro do bolso, pôs ali. (Entrevista com Dorival, professor, p. 10 da textualização).
Guilherme expõe seu ponto de vista a respeito desse período:
É claro que muitos não ficaram. Alguns professores tinham um envolvimento muito maior do que outros, então saía. Então no final das contas foram ficando aqueles que realmente tavam a fim de levar a música como profissão, ou de ajudar a Anelo.(Guilherme Ribeiro, músico colaborador, p. 5 da textualização).
ele [Lucas] carregou aquela Anelo nas costas. Ele foi a pessoa que nunca abandonou o barco, porque muita gente... essa coisa, esse conflito de interesse também acontecia...
Claro, tinha gente que se aproximava ali por minha causa, ou por que num determinado momento a gente tava pagando as aulas, ou porque queria estar ali, mas também na hora do vamo vê, na hora de ajudar, porque quando eu tava lá eu tentava envolver todo mundo em todas as atividades: “olha a gente precisa limpar o espaço, a gente num pode pagar uma faxina, então vamo fazer”. “Ah, a gente ganhou uma televisão, então vamo fazer uma rifa pra conseguir dinheiro pra pagar o aluguel...
Então na hora de por a mão na massa muita gente caía fora. E o Luccas era o cara que tava ali (Guilherme Ribeiro, músico colaborador, p. 16 da textualização).
Outro teor de conflito nas relações entre os integrantes do projeto naquele momento é
expresso por Dorival. Sua narrativa diz respeito a um dos pretendentes a aluno da instituição na
mesma época:
Ele quis aprender aqui, ele tocava cavaquinho só. Aí ele queria aprender saxofone, só que os caras não davam aula pra ele. Não queriam dar aula pra ele. Os caras tavam num nível muito top e ele tava lá embaixo no chão. Aí ele sai da Anelo e vai pra Unicamp. Ele entrou na Unibanda por méritos próprios e acabou estudando saxofone. Estudou dez anos sax alto na Unibanda. E ele não conseguiu ter aula lá com os caras que tavam ali do lado dele! E mesmo assim ele volta pra Anelo e tá lá até hoje dando aula. (Dorival, professor, p. 10 da textualização).
A solidão de Luccas após o desmantelamento daquele primeiro grupo traz alterações à
imagem da instituição. Referindo-se aquele momento, Dorival relata:
eu acho que desde então, a Anelo é o Luccas. Desde esse momento a Anelo é ele. Ele faz tudo. Muitas vezes a gente sabe que ele tirou dinheiro do bolso, pôs ali. E vai pra TV. E só ele conseguiu mexer muito aquilo. Conseguiu envolver televisão, tem reportagem em jornal e televisão ali desde sempre. (Entrevista com Dorival, professor, p. 10 da textualização).
Figura V: Matéria sobre o Instituto Anelo. Imagem utilizada como muleta da memória nas entrevistas com Hernani e Daniel.
Fonte: Correio Popular. Instituto Anelo começa a exportar talentos musicais – Caderno C - 04 de março de
2006.
Essa relação da instituição com a mídia local é apresentada sob a perspectiva de Hernani:
Quando saiu a primeira matéria da Anelo, poxa, ninguém conhecia o Instituto. A gente tava aqui com dificuldade de pagar o aluguel e ninguém sabia, ou quem sabia não dava tanto valor. [...] A mídia de uma forma positiva ajudou a mostrar pra Campinas que a gente existe e que a gente tá com trabalho sério. Abriu portas pra parcerias. Parcerias como o Souza 30, como a Timbres 31, como alguns lugares que colaboram com o Instituto, então é legal cê chegar num lugar, fala assim: olha, a gente participa duma ONG, tal. É diferente lá você chegar e mostrar uma mídia. Poxa a pessoa realmente passou tal dia na televisão. Quer dizer, as pessoas veem com mais bons olhos. Infelizmente tem disso também. A pessoa ela num quer vim aqui e saber e passar o ciclo do cotidiano, ver as partes positivas, ver as dificuldades. Ela num quer ver, mas quando ela tá em casa, assiste um jornal, a Anelo tá ali na esquina (Entrevista com Hernani, conselheiro fiscal, p. 13 da textualização).
A participação de Luccas no processo de aproximação da instituição com a mídia local
alinhava os discursos de Dorival e Gabriela em torno do fundador do instituto. Se o primeiro
evidencia sua iniciativa, a segunda ratifica suas posturas e habilidades como contribuintes para
continuidade do projeto, inclusive no que tange à vinculação de novos colaboradores:
Quando eu acredito eu tento fazer, e o Luccas vende. E o Luccas é muito bom nisso: ele vende muito bem a história, a ideia e porque é bom mesmo. Ele convence a gente no começo a ficar. (Gabriela, presidente, p. 4 da textualização).
Os processos relativos ao desenvolvimento de algumas dessas aptidões ao longo de sua
vida, e que em sua ótica o auxiliaram em empreendimentos como os narrados acima, também são
descritos em sua própria narrativa:
Então essa venda ambulante, estar num lugar, estar em outro, sempre me atraiu. Achei interessante, ser menos controlado... e me ajudou muito na comunicação. O pouco que eu me comunico hoje devo muito a essa experiência. Poderia ser diferente? Poderia ser diferente. Poderia ter aprendido isso em sala de aula? Sim. Talvez não. Mas eu devo muito a isso... conseguir conversar, mesmo sem muita instrução, pois na época era uma aprendizagem totalmente defasada devido às interrupções (Entrevista com Luccas, fundador, p. 5 da textualização).
Por sua vez, a entrada de Gabriela no projeto, como anunciado, estaria longe de se reduzir
às ações em torno da problemática forma de organização institucional, mesmo anos após sua
fundação. Em função da constante dificuldade econômica ali experimentada, ela viria a se tornar
referência também através desta lacuna.
A respeito das agruras financeiras da instituição, a voz de Guilherme insere um ponto de
vista:
30 Conservatório Souza Lima, em São Paulo.
31 Timbres – Instrumentos Musicais. Loja deste segmento, situada em Campinas.
E o que eu mais admiro e acho que é surpreendente é que sempre foi com as próprias pernas. Até pouquíssimo tempo eles não tinham apoio de nenhum órgão do governo municipal. E é muito difícil uma instituição sobreviver desse jeito. (Guilherme, músico colaborador, p. 15 da textualização).
Enquanto a de Dorival elege outro ângulo de observação:
É, às vezes você fala assim “como que aquilo sobreviveu tanto tempo, cara? Num é possível!” É, bom, o possível que eu sei até da história, a resposta se chama Gabriela. Gabriela catou aquilo e sustentou aquilo. Se num fosse a Gabriela aquilo já tinha morrido há muito tempo. (Entrevista com Dorival, professor, p. 10 da textualização).
Apesar das iniciativas econômicas de Gabriela, tudo leva a crer que seu trabalho estaria,
assim como parece que ainda hoje está, circunscrito aos bastidores institucionais. Na coxia, suas
ações acabariam por repercutir de forma endógena, contribuindo para alterações lentas e
gradativas no funcionamento da organização. Um trecho de sua narrativa alude à essas inserções:
A primeira coisa há muito tempo atrás foi, estava falando com o Guilherme e a gente percebeu que tinha que pôr uma secretária, por exemplo. Pra organizar a casa. Pra abrir, fechar, pra ver fazer lista de chamada, pra fazer matrícula. Tinha que ter alguém o dia inteiro ali. Então, mais importante do que qualquer outra pessoa, a gente achou que era essa pessoa, daí começou a fazer alguma diferença. Agora a minha ideia pro Luccas era a Anelo não ia mais crescer do jeito que tava porque todo mundo sai muito. Tem aqueles que ficam, mas muita gente flutuante como todo mundo é voluntário eu acho, num dá pra cobrar tanto. Você num pode cobrar, mas acho que a gente tem um potencial muito grande pra fazer muito mais do que a gente faz. Então eu queria profissionalizar. (Entrevista com Gabriela, presidente, p. 4 da textualização).
Apesar do incremento na dinâmica institucional propiciado com a entrada desta
colaboradora, anos mais tarde Dorival ainda observaria outros elementos a respeito do tema:
Aí, quando eu cheguei lá dois mil e cinco, que eu vi, dois mil e seis, aquilo era uma desorganização total. Acho que em um ano trocou quatro vezes de secretária ali, por exemplo. Não tinha a menor condição.[...] administrativamente não existe. (Dorival, professor, pp. 10-11 textualização).
A já mencionada solidão de Luccas, ainda aos olhos de Dorival, acabaria por contribuir
com um funcionamento específico de liderança incidindo diretamente sobre o modus operandi da
organização:
Eu sentia que essa questão mais democrática, com essas propostas que sempre eram colocadas, eu via que ele não se empolgava com aquilo. Não tinha muito interesse em mudar o estado das coisas. Nunca disse “a Anelo é minha”, mas era isso que eu sentia... eu vi que o Luccas tinha muita, muita restrição, muita resistência pra aceitar novas ideias. Antes ele era um líder ditatorial (Entrevista com Dorival, professor, p. 12 da textualização).
Uma das práticas da instituição, qual seja, a de referendar destacados alunos para estudar
em escolas conveniadas a ela, tais como o renomado Conservatório Souza Lima, em São Paulo, é
objeto desse tipo de gerenciamento. A título de exemplificá-lo, eis um trecho narrado:
Coisa que me que pegava muito era critério. Porque não existia uma regra muito definida e o critério sempre era ele [Luccas]. Ele falava “não, essa pessoa vai fazer o curso porque eu acredito mais nessa pessoa”. Por exemplo pra estudar no Souza Lima. Porquê que foi essa pessoa, não foi aquela? É muito do critério dele. Sempre foi assim. (Entrevista com Dorival, professor, p. 12 da textualização).
A solidão do então fundador da instituição, o suposto gerenciamento unilateral e a
imagem refletida a partir de tais circunstâncias, revelariam também outras marcas:
E eu sempre achei também que a Anelo só ia crescer quando ela deixasse de ser o Luccas. Ela só vai crescer, se tornar um negócio realmente forte quando você olhar pra Anelo e não ver o Luccas. As pessoas falam “a Anelo, o Luccas”. Quem conhece sabe que é isso. Hoje ainda tem essa... é um sinônimo. Ainda tá muito ligado... Eu acho que hoje tem indícios de mudança. Quem fala da história da Anelo conta a história do Luccas. É justamente essa história: o Luccas e a Anelo hoje são uma coisa só. (Entrevista com Dorival, professor, p. 12 da textualização).
A esse respeito, Guilherme Ribeiro também expõe seu ponto de vista:
Acho que o Luccas é um cara especialmente criativo. Se você analisar a história de vida dele, as oportunidades que ele teve e aonde ele chegou, uma história fantástica. Sou super fã, admiro muito o Luccas, acho que ele vai longe ainda, e ele carregou aquela Anelo nas costas. (Entrevista com Guilherme, músico colaborador, p. 16 da textualização).
Paralelamente a este movimento, no complexo emaranhado de situações mencionadas,
Gabriela continua sua empreita por uma mudança nos formatos e rumos da instituição, calcada
em valores nos quais acredita:
Já cheguei a tirar do meu bolso pra ajudar a Anelo um monte de vezes. Minha mãe ajuda. Minha mãe, comigo e meu pai. O que a gente fazia, sempre faz, a sacolinha no final do ano na minha família. Com os meus amigos fazia: adote um aluno. Aí eu falava: “cada aluno era R$ 30,00 por mês. Então um aluno dá R$ 350,00 por ano”. Assim eu vendia no final do ano alguns alunos e isso já dava alguma coisa. E várias vezes eu já dei dinheiro, mas às vezes me pagava de volta. Às vezes era em troca de uma organização maior. Eu falo: “eu pago, desde de que a gente agora, a partir de agora faça desse jeito” [...] Eu aprendi a tomar medidas radicais. (Gabriela, presidente, p. 7 da textualização).
Assim, ela vai traçando objetivos para a instituição:
Eu acredito muito em formação e um amigo meu que tem uma ONG [...] falou que o melhor amigo dele lá de Socorro ministrava um curso [...] voltado exatamente pro
pessoal do terceiro setor. [...] E eu acho que pra profissionalizar tem que abrir a cabeça. Esse tipo de troca eu acho que abre bem a cabeça. Você convive com outras pessoas do Terceiro Setor. (Gabriela, presidente, p. 8 da textualização).
Todavia, ela observa movimentos como os descritos abaixo quando de sua tentativa de
implementar tais ações:
Na época eu me propus, fui na Anelo, fiz uma reunião... propus... trazer o Thiago pra Anelo pra ele dar o curso pra todo mundo... ele ia fazer tipo um plano estratégico pra Anelo e aí não consegui convencer o pessoal que era importante. Era caro. Era R$ 4.000,00. Mas eu falei “então eu vou arrumar o dinheiro, vocês topam investir nisso?” Foi aquilo: “não, num sei que...” (Gabriela, p.7 da textualização).
Persistente, Gabriela muda o tema do curso pleiteado, bem como o público alvo,
utilizando estratégia semelhante:
Não consegui convencer, aí parti pra outra: o Thiago falou que também tinha esse curso de liderança. Eu falei: isso é bom pro Luccas. E aí era o curso pra uma pessoa e não era muito caro. E mesmo assim ele não queria ir... Aí eu falei: “eu vou arcar três meses. Eu pago o primeiro a gente arruma mais daqui três meses. Arruma dinheiro e você vai”. “Não, não vou que eu não gosto de estudar”. Eu fiz a inscrição. Preenchi a ficha de inscrição, mandei pro Luccas “aqui ó Luccas o que você vai fazer”. Aí foi o trato, e foi ideia dele o trato: “eu vou, tudo bem, mas você para de me encher o saco. Eu vou no primeiro módulo, você paga e se eu não gostar eu num vou mais e pronto. Se eu gostar eu pago o resto, ou a Anelo paga, mas não você”. Falei “então tá”. Aí ele foi e amou. (Gabriela, pp. 7-8 da textualização).
Por sua vez, esta intervenção de Gabriela repercute em notória alteração na dinâmica
institucional, bem como na imagem de Luccas. De fato, por ocasião da entrevista realizada com
ele, assim que adentramos no carro para o passeio pelo bairro no qual ele crescera, a primeira
menção durante o trajeto seria a respeito do já mencionado curso, os elogios e as mudanças
desencadeadas por ele em sua vida.
Gabriela e Dorival expressam suas observações a esse respeito:
E ele realmente mudou. Depois que ele comprou, que ele gostou, realmente, acho que teve um impacto muito grande no jeito dele organizar a Anelo. (Gabriela, presidente, p. 8 da textualização).
E ele [Luccas], com palavras dele, me disse que aquilo mudou muito a vida dele. Mudou a vida dele isso saí. Tanto que, agora, esse mês, ele, a Anelo tá patrocinando o curso Germinar pra algumas pessoas ali. E agora ele vê que isso é uma coisa assim essencial pro crescimento.
O que eu vejo que é bacana nele é que ele cresceu pra caramba de lá pra cá. Dois mil e sete pra dois mil e doze tem uns cinco anos, uma outra pessoa. Hoje é uma pessoa que
consegue delegar, que consegue abrir, que consegue falar “não, quê que cê acha?” Que respeita a opinião do outro. (Dorival, professor, pp. 11-12 da textualização).
Dorival ainda tece observações evidenciando a participação de outros integrantes da
instituição no referido curso:
Era pra eu fazer. Eu fiz a entrevista com o cara, conheci o cara. É em Socorro o lugar. Aí o cara veio pra cá, fez uma entrevista. Ele passou um sábado e um domingo aqui com o pessoal em Campinas. Eu num pude ir, tava trabalhando. Depois a Anelo pagou metade do curso pro pessoal ficar no hotel lá em Socorro. Eu também não fui, mas foi o Levi, o Alê, a Jaqueline foi? Não. A Jéssica, que é a secretária atual e a mãe da Jéssica também, que ela ajuda lá também. Tem mais gente que foi agora eu não lembro. Mais uns dois ou três. Acho que foram seis pessoas da Anelo. A Anelo pagou. (Dorival, professor, p. 14 da textualização).
Crítico da dinâmica institucional anterior e já desgastado por ela, Dorival também antevia
a entrada de Gabriela na presidência como mera formalidade, suspeitando da efetividade de sua
participação nesse novo papel. Todavia, ele mesmo apontaria outro desfecho, destacando a
proposta da então presidente:
eu pensei que ela [Gabriela] ia ser um espantalho, sei lá, rainha da Inglaterra, mas não é não. Ela atuou bastante e uma das coisas mais importantes que ela fez foi chamar o Luccas e falou assim: “cê vai fazer um curso chamado Germinar”. E ela pagou pra ele fazer e foi fazer. (Dorival, professor, pp. 12-13 textualização).
Outras iniciativas continuariam sendo tomadas pelo conjunto de participantes do projeto
visando colaborar na implementação de outro movimento institucional:
Em dois mil e sete o Luccas trabalhava muito com instituições. [...] Aí tem uma ONG chamada CEDAP 32 [...] é uma ONG que ajuda outras ONGs, que oferece consultoria e apoio pra todo mundo crescer. [...] e o CEDAP convidou a Anelo pra fazer um curso de liderança. “A gente quer ajudar vocês a andar pra frente sozinhos, com as próprias pernas.” Então, é um curso chamado Geração de Liderança [...] Então, o Luccas veio pra mim e pra Sônia e falo “ó, cês dois que tão aqui, cês não querem participar? Duma maneira, vocês são mais esclarecidos e tal, não sei. Não querem participar?” A gente aceitou ir numa reunião. Foi eu, a Sônia, a Geisa, na época, era noiva do Luccas, a secretária lá, Ana Paula e tinha mais um casal que ajudava lá: era Sônia também e um japonês, não lembro. Esses dois nem chegaram a ir. Falaram que iam depois da reunião, não foram. Ficou só a gente: os cinco ali, o grupo. E eu conheci a Madalena, assistente social, lá no CEDAP. E aí adorei o curso, a palestra, a ideia: era a Carol Signori, psicóloga, quem tava dando o curso. E a Madalena tava dando apoio pra Carol. Então foi quando eu conheci as duas. (Dorival, professor, p. 11 da textualização).
O mesmo Dorival tece observações pertinentes a esse respeito:
32 Centro de Educação e Assessoria Popular, situado em Campinas.
Então, a partir do CEDAP, dois mil e sete o que a Madalena chamou a atenção era, primeiro buscar esse autoconhecimento, saber o que era. E, segundo, pra acertar a documentação. Tem um parênteses aí: o Luccas procurou o CEDAP porque o estatuto tava vencido. Tinha o estatuto, mas o estatuto estava vencido e totalmente fora de padrão. E aí o CEDAP fala “tudo bem, mas vamos fazer o curso primeiro.” (Dorival, professor, p. 12 da textualização).
E assim avalia a iniciativa, mencionando aspectos próximos aos que já observara:
Não era um curso, era uma vivência pra você se conhecer. Eu gostei bastante. Me agregou bastante. Achei que eu podia ajudar muito mais do que eu tava fazendo ali na Anelo. E comecei a ver um monte de coisa que é errado que já tava ali. Na época eu vi que o Luccas tinha muita, muita restrição, muita resistência pra aceitar novas ideias. “Nossa, tão querendo mexer na minha onguizinha aqui.” (Dorival, professor, p. 12 da textualização).
As incisivas de Madalena, então assistente social do CEDAP, são descritas por ele da
seguinte forma:
“podia ter feito o estatuto no primeiro dia lá pra vocês. Pegava um modelo aqui, dava pra vocês e pronto. Mas não era isso que eu queria. Queria que vocês buscassem entender o que é a Anelo e formassem e escrevessem o estatuto a partir da história real da Anelo, a partir do que ela significa”.até pra saber que a Anelo não é uma escola de música. Ela falou nas primeiras reuniões assim: “cês não tão percebendo o básico”. A Anelo não é uma escola de música. Cês têm um alcance muito maior que isso”. (Dorival, professor, p. 14 da textualização).
Ele descreve um novo olhar sobre a instituição:
Acho que ninguém sabia disso até a Madalena pôr o dedo nisso. Ninguém tinha noção disso. Eu não tinha noção disso. De como mexe com o outros. Como uma pessoa que tá ali tendo aula comigo e que vem de casa lá que tem terra e pé no chão e o menininho que vinha, o Luís Fernando, que me vem na cabeça, menininho de nove anos, pé no chão. Andava dois quilômetros pra chegar na Anelo. Lá de estradinha de terra, lá no meio, com a vó... Tá longe de ser só música. Exatamente. Mexe com a vida com a vida da criança. Uma palavra mal falada ali, sei lá, mal dita ali, pode quebrar tudo... mágica. A convivência dos alunos... (Dorival, professor, p. 14 da textualização).
Daniel, ex-aluno, é outro que enfatiza observações que se aproximam dessa:
Não só a questão da música, têm muito mais coisas envolvidas ali: uma ação social. Hoje num sei se eles continuam, mas acho que continua no bazar, era bem vivo isso. Bazar que eles tinham de vender roupa, de outras coisas. Dali já fazia uma renda mesmo. O pessoal doava, já ajudava ali a tá pagando os aluguel, aquelas coisa toda. Então, assim, eu sempre tive envolvido. E a Anelo não é só música. Por mais que seja a música o principal, mas tinha outras funções assim, voltada à comunidade também. Acabou depois de um tempo virando uma referência na região. (Daniel, ex-aluno, pp. 3-4 da textualização).
Com a elaboração do novo estatuto, veio o incremento das documentações necessárias
para pleitear verbas estatais nos âmbitos municipal e federal, mas isso não ocorreria de forma
simples. Entre idas e vindas do grupo envolvido com o CEDAP, muitas horas de trabalho com
reuniões, deslocamentos, debates e incursões solitárias de Dorival na árdua tarefa de redigir o
material. As contribuições da assistente social na elaboração do novo estatuto acabariam por
indicar dois caminhos possíveis a trilhar: o da assistência e o da cultura. Dorival expõe esse
momento:
Acho que ela [Madalena] tava falando muito mais uma questão de autoconhecimento, não de distinção de onde viria a verba... Na verdade, depois eu acho que ficou muito claro que não são excludentes. Pode trilhar os dois, junto tranquilamente. (Dorival, professor, p. 17 da textualização).
Antes disso, todavia, alguns contratempos compunham aquele mesmo momento
institucional:
Então a gente fez o estatuto e começou a requerer junto ao CMDCA: Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Depois tinha o CMAS que era o Municipal da Assistência. O primeiro, segundo a Madalena, era isso aí. No meio do trâmite a gente tentou uma vez, duas, três vezes e sempre tinha alguma coisa errada. Tem que mudar isso, mudar aquilo. Não conseguia... Não conseguiu registrar no CMDCA. Não conseguiu. Eles sempre falavam não. Eles indeferiam nosso pedido... só com a Madalena indo atrás é que a coisa andou porque os caras indeferem e não falam porque. Só com apoio dela é que conseguiu descobrir o texto, abrir o botão errado e aí conseguiu. O CMDCA tem, eu acho, que é mais marcante, que ela foi primordial pra tudo isso. (Dorival, professor, pp. 16 da textualização).
Noutro momento, ele descreve mais dificuldades, agora atreladas ao projeto desenvolvido
para que a instituição se tornasse um dos Pontos de Cultura do município:
fiquei decepcionado porque eu acreditava bastante nesse projeto que eu escrevi. Achei que tinha chance, tal. Acho que foram só dois projetos em Campinas selecionados desses trezentos aí. Um daquele da escola de homossexuais... eles conseguiram, a gente não. Eu fiquei tão revoltado aquela época. Não é nada contra os caras, mas acho que a gente tinha um projeto tão mais forte. Aí é que entra uma questão política também porque falar das minorias, como os homossexuais, era bom pro governo, por isso, na minha cabeça vem muito mais isso. A escolha veio porque os caras tão falando isso. O outro era um afro num sei o quê e tal. Que é legal também, nada contra, adoro esse tipo de trabalho, mas aí a escolha é política. O Ponto de Cultura vai ser porque esse fala do afro, esse fala dos homossexuais. Se tivesse um de homossexuais negros então, seria ótimo, né? Seria escolhido, porque hoje faz bem pra política fala dos excluídos. Agora a gente num tem ninguém que é excluído: a gente dá aula pra pobre só e pronto, né? Todo mundo é pobre. Então, sei lá. (Dorival professor, p. 17 da textualização).
Gabriela discorre a respeito de outras formas de captação econômica desenvolvidas pela
instituição na atualidade:
Fazendo se pagar do jeito que a gente é hoje já está bom, que é o que a gente conseguiu fazer esse ano. Foi o primeiro ano que a gente teve recurso, aprendeu a escrever projeto agora em 2011. Foi o primeiro ano que a gente aprendeu a conseguir recursos, fazer esses projetos. Principalmente o que a gente fez foi via CMDCA.
Aí já aprendeu a captar recursos, a escrever, aprendeu a captar, depois prestar conta, então como é que tem que ser, como é que esse tipo de coisa funciona pra fazer direitinho. A gente conseguiu escrever um projeto pra Lei Rouanet, foi aprovado. A gente não sabe captar com a Lei Rouanet, então, tá nesse impasse. Mas, no aprendizado. (Gabriela, presidente, p. 6 da textualização).
A trajetória de aprendizagem do grupo relacionada à captação de verbas, bem como ao
seu manejo e planejamento continua em processo:
Esse ano a gente conseguiu que num fosse só minha família a fazer doação via imposto de renda: pessoa física fazendo doação do imposto de renda. Estamos no começo também. (Gabriela, presidente, p. 6 da textualização).
A instituição acabaria ainda por estabelecer novos vínculos e parcerias no momento em
que Dorival não estava mais à frente do desenvolvimento de projetos. A esse respeito, ele narra:
A coisa tá andando bem. [...] a Anelo tem agora um outro projeto que eu fui chamado pra participar que tem um grupo em Campinas chamado Grupo Primavera, do São Marcos. Um grupo que tem acho uns [...] vinte anos tem esse Grupo Primavera. Trabalha só com meninas.[...] E eles têm de tudo, não é só música: teatro, música. É profissionalizante. Um monte de coisa. Corte costura [...] O Luccas me chamou. Eu já tava fora da Anelo e ele falou “vai ter uma apresentação assim de fim de ano do Primavera, eles querem conhecer a Anelo, fazer uma parceria, é uma outra entidade. Vamo participar?” Falei “vamo”. “O pessoal vai tocar lá. Vamo”. Fomo lá, levamos as crianças e alguns professores tocaram. A gente apresentou alguma coisa. Toquei com alguns alunos. Foi divertido e o fruto disso é que o Primavera adorou essa parte musical da Anelo. (Dorival, professor, p. 21 da textualização).
Depois vem a história da L. 33 que eu não sei, também não tava lá, não sei como aconteceu, como ocorreu. Sei que a L. entrou na Anelo e fez uma doação de uma grana imensa e de instrumento musical. Eu fiquei sabendo porque o Luccas me pediu que ajudasse a transportar. [...] tinha televisão lá esperando, pessoal da L., foi uma coisa legal. Pô, o cubo que tem lá é um cubo Hartke, né? O outro, o de guitarra é Fender. Bacana. Uma bateria nova. A L. fez uma doação. Toma aí. E vamo vê o que acontece. Agora tem essa parceria com a L. Agora com a Anelo já com a Rouanet na mão aprovada, e já com o CMDCA, agora fica muito mais fácil pra L. (Dorival, professor, p. 19 da textualização).
33 Empresa do ramo da construção civil radicada no município de Campinas – SP.
E complementa sobre esse tema:
Outro parceiro grande é a C. 34 que veio através da Gabriela. Gabriela trabalha na R. 35, se num em engano, e ela tem muito contato. Ela que tá na França, trabalhando na R. Acho que foi formação em bioquímica, uma coisa assim, não sei bem. E ela tem contato com a C. Trouxe a C. pra Anelo. A mesma história. Os caras fizeram também uma doação grande. E hoje tem a parceria com a Anelo. Algumas, não sei como é que tá andando. (Dorival, professor, p. 20 da textualização).
No momento de sua entrevista, Gabriela revela interesses relativos aos aspectos
pedagógicos desenvolvidos pela instituição, supondo que também fossem objetos a serem
investigados na presente pesquisa:
Gostaria de saber se em algum momento, na tua pesquisa, vai pensar sobre o lado pedagógico da Anelo. Se fazer uma análise do que é. Porque isso eu acho que a gente peca lá, na pedagogia.
[...] acho que a gente peca na metodologia, na pedagogia. Por ignorância. Talvez com algum apoio a gente pudesse fazer melhor.
Se não falam muito disso na pesquisa é porque num deve ter muito. Tenho a impressão que é meio experimental assim: cada um vai ensinando do jeito que acha e talvez seja assim mesmo. Não é que tá errado. Os professores são todos autodidatas. (Gabriela, presidente, p. 11 da textualização).
E esclarece a vinculação destes aspectos a outras formas de captação de verbas:
isso é uma coisa que quando a gente vai fazer entrevista, conversar com as empresas, por exemplo com a C. 36 onde a gente foi, eles querem saber. Qual o impacto da Anelo na sociedade? Mas gente de empresa é tipo engenheiro. Quer dados. Não quer “ah, que é super legal...”. Quer dados. (Gabriela, presidente, p. 8 da textualização).
Concomitantemente a esses movimentos pela continuidade do projeto, os caminhos
calcados pela referência semeada com a música instrumental permanecem na lida institucional
desde a sua aproximação com este gênero.
tem lá uma banda, sempre teve. De tempos em tempos forma-se essa banda pra tocar esse repertório como uma necessidade da própria instituição. Uma necessidade deles ter esse contato com esse repertório. E acho também que isso se reforça porque muitos dos músicos que se tornaram parceiros desde o período em que eu estava lá, a grande
34 Empresa do ramo de pagamentos eletrônicos.
35 Multinacional do ramo químico.
36 A já citada empresa do ramo de pagamentos eletrônicos.
maioria, são músicos que se dedicam a essa música instrumental. Então hoje eu sei que o Arismar tem uma relação próxima a Anelo, o Michel Leme, o Alex Bucchi, o Beto lá da Timbres 37 que dá esse apoio logístico... (Guilherme, músico colaborador, p. 12 da textualização).
A relação que muitos desses músicos estabelecem com o instituto pode ser exemplificada
através do trecho abaixo:
Então, eu vou também inventando eventos e projetos pra tocar e lugares pra tocar. Então, eu mantenho uma agenda tocando em lugares que não são tradicionais de jazz, como auditórios de escola, como um salão de beleza. Na frente do salão da minha mulher a gente toca a cada dois domingos do mês. Assim como eu toquei na rua durante sei lá, dez anos no Matic. [...] Então, eu quero tocar onde é possível tocar música. Onde você num precise fazer fundo musical.
Então, a Anelo é outro lugar pra isso. Eu vou lá pra tocar. Só que também eu faço uma prática de conjunto com os caras. [...] Eu vou lá e provavelmente e vou levar alguma cantora que tá tocando comigo ou algum grupo de malucos que queiram fazer um som. Então eu venho fazendo isso. Objetivando tocar porque é daí que vem tudo. (Michel Leme, músico colaborador, p. 4 da textualização).
o artista ele tem um ó, ele tem uma sensibilidade a mais. Ele sente o cheiro de que alguma coisa tá errada. Então, talvez isso tenha me levado ao convívio com várias pessoas. E talvez isso tenha me levado a algumas atividades não mercantis como, por exemplo, me envolver com o Instituto Anelo. (Michel Leme, músico colaborador, p. 6 da textualização).
Outras minúcias relativas aos processos de identificação entre músicos e instituição
podem ser observadas nesse trecho:
Talvez a identificação que eu tenha com Instituto Anelo venha do fato deu vir duma família também muito modesta. Eu sei o valor da informação. Quando você busca a informação e não é possível ter onde você tá, move o mundo pra isso. Você muda sua vida pra pegar essa informação. (Michel Leme, músico colaborador, p. 1 da textualização).
A análise deste músico a respeito da ausência da informação e a necessidade de buscá-la
não para por aí.
Não adianta você ter um discurso quando você não tá fazendo. Então, acho que a junção dessas duas coisas trouxe uma identificação muito grande com quem tava indo lá [no Anelo] e eu me identifiquei muito com esse lance que eu te falei de ensinar música pra quem não tem grana! Pra quem tá excluído da sociedade. Na verdade não é exatamente excluído como os mendigos, mas proibido de ter acesso à informação que é o que o sistema faz pra continuar imperando o domínio de meia dúzia de caras. E é
37 Beto, um dos proprietários desta loja, além de facilitar o acesso do instituto à compras de instrumentos e equipamentos musicais comercializados em seus domínios, “adota” alunos para suas aulas de bateria.
importantíssimo pra eles que a massa permaneça ignorante. Então pra isso, como se dá isso? Através da opressão econômica. Que o cara num vai ter tempo pra lazer, nem nada. (Michel Leme, músico colaborador, p.5 da textualização).
Em um dos eventos do instituto, próximo às festas de final de ano de 2010, no qual
ambos, eu e Michel Leme, estamos presentes, surge uma placa de uma instituição financeira
divulgando seu nome em função da distribuição de brinquedos às crianças que estão aprendendo
música. Assim que Michel retoma a palavra, antes de reiniciar sua apresentação musical, não
ignora o fato e tece alguns comentários. No momento de sua entrevista, procuro suscitar sua
memória com uma das fotos retratadas durante o episódio.
Ao observar a imagem, ele diz:
Quê que eu falei a respeito, deve ter sido muito jocoso meu comentário. Se fosse por eles essas crianças seriam colocadas num caminhão e colocadas em algum lugar pra fazer trabalhos forçados pra eles, né? Eles, os bancos, são donos de países, desde o final do século XIX. Então, eles não são bonzinhos. Eles, eles não merecem estar no meio dessas crianças aqui. (Michel, músico colaborador, p. 13 da textualização).
Figura VI: “Alunos do Instituto Anelo recebendo brinquedos de instituição financeira por ocasião do Natal”. Fonte: Fernando Cordovio – arquivo pessoal, 2010.
Assim, as práticas desenvolvidas pela instituição relacionadas ao gênero instrumental vão
compondo um cenário multifacetado de significados que são associados pelos integrantes do
projeto.
Então, que se faz no Instituto Anelo? É uma ONG, é algo que é completamente contra o sistema. Que é informar, que é pôr os caras pra fazer arte coletivamente... Ora, a hora que você tá fazendo a arte coletiva cê tá olhando o outro. Na hora que você passa a olhar o outro você tá saindo da tua casca, a tua condição imposta de individualista. Porque a gente deve ser individualista pra num reagir. (Michel Leme, músico colaborador, p. 6 da textualização).
Outros sentidos a esse respeito também compõem as narrativas:
eu gosto nessa música é de ouvir ela e ver os músicos se divertindo, conversando, só com os instrumentos... por mais que eu... saiba que eles têm muito ensaio..., mas normalmente esses músicos que são bons é porque eles estudam demais. E aí eles vão ficando cada vez melhores. Mas é isso que eu gosto: é uma coisa extremamente complexa, eu acho. (Gabriela, presidente, pp. 8-9 da textualização).
Na ótica dos colaboradores, o repertório musical utilizado na pesquisa como muleta da
memória também é recheado de significados:
Figura VII: “Trecho de Cantaloup Island, de Herbie Hancok 38” retirado do Repertório Encadernado utilizado na pesquisa como muleta da memória.
é um repertório grande já. Só que têm caras que sabem o dobro disso, então eu tenho que sempre tá reciclando pra poder tocar com esses caras cada vez mais de igual pra igual, mas não como disputa, mas sim pra eu dar condição pro cara tocar... Estudar é em casa. E aí o cara vai afinando a expressão dele, como se fosse uma sintonia fina. A vida
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inteira, saca? Eu hoje to sempre ouvindo as coisas que eu gravo e sacando “ah, preciso melhorar isso”. Então é um processo de uma vida inteira. Então, trazer os caras pra isso num tem preço. É vida. (Michel, músico colaborador, p. 15 da textualização).
A participação de músicos como Michel Leme evidencia novas formas de contribuição
com o projeto. Ao observar a fotografia abaixo por ocasião de sua narrativa, Dorival exemplifica
esse tipo de iniciativa:
O Michel Leme é um cara fantástico! Aí ele foi pra Anelo pra fazer uma participaçãozinha, se apaixonou por aquele negócio também e começou a ir direto lá e trouxe quinze convites pra Anelo e pra Expomusic39 e falou “vão!” A gente teve até dificuldade de conseguir alunos pra ir, porque muitos eram alunos pequenos, os pais não deixaram ir, acharam que não era importante, sei lá. A gente pegou os alunos mais adolescentes mesmo que é mais fácil levar e até pra professoras como as três irmãs aqui: a Jaqueline, a Jéssica, a Thaís nunca tinham tido oportunidade de ir num negócio desse, numa feira de música. Então, foi uma experiência muito legal assim. (Dorival, professor, p. 22 da textualização).
Figura VIII: “Alunos e professores do Instituto em visita à Expomusic no ano de 2007”. Fotografia utilizada como muleta da memória na entrevista com Dorival.
Fonte: Arquivo Instituto Anelo.
Assim, o apoio de músicos profissionais no projeto tem se mostrado constante.
Por sua vez, tal como retrata esta mesma imagem de 2007, novas gerações de jovens no
projeto institucional também são evidenciadas com regularidade. Desta forma, o quadro de
39 Feira Internacional da Música.
integrantes é bastante heterogêneo em rel
componentes mais recentes também são convidados a e
reconstrução desta trajetória, desde seus primórdio
Audrey Caroline, uma destas jovens,
docentes da instituição. A imagem a seguir expõe um
um dos três desenvolvidos pela ONG.
Figura IX: “Audrey Caroline e seus alunos”. Fotogra
A respeito de instantes como esse e seus significad
Como eu falei: eu me misturo com as crianças. A últcom elas. Realmente eu me sinto partenem elas. Eu num vejo tão estabelecido, tão concretvejo como parte delas e sou alguém que sabe um pouqaquilo. Então, é muito engraçado. Eu me sincrianças. [...] os meus alunos, eu realmente tenho com eles. [...] quase todos eu reconheço pelo nome.reconhecer na rua, querer que eles me reconheçam. T(Audrey, professora, p. 12 da textualização).
E completa:
integrantes é bastante heterogêneo em relação a esse critério. Com base nisso, alguns dos
componentes mais recentes também são convidados a expor suas narrativas, auxiliando na
reconstrução desta trajetória, desde seus primórdios, chegando até os dias de hoje.
Audrey Caroline, uma destas jovens, outrora aluna, atualmente compõe o quadro de
docentes da instituição. A imagem a seguir expõe uma de suas aulas no projeto de Musicalização,
um dos três desenvolvidos pela ONG.
Figura IX: “Audrey Caroline e seus alunos”. Fotografia utilizada como muleta da memória na entrevista comAudrey.
Fonte: Arquivo Instituto Anelo.
A respeito de instantes como esse e seus significados, ela narra:
Como eu falei: eu me misturo com as crianças. A última foto eu to sentada brincando com elas. Realmente eu me sinto parte delas, eu me sinto como elas. Falo às vezes que nem elas. Eu num vejo tão estabelecido, tão concreto essa figura de professor. Eu me vejo como parte delas e sou alguém que sabe um pouquinho mais que quer ensinar aquilo. Então, é muito engraçado. Eu me sinto muito mais à vontade com as minhas crianças. [...] os meus alunos, eu realmente tenho um xodó, eu tenho todo um ciúmes com eles. [...] quase todos eu reconheço pelo nome. Eu procuro ter esse laço de reconhecer na rua, querer que eles me reconheçam. Ter (Audrey, professora, p. 12 da textualização).
ação a esse critério. Com base nisso, alguns dos
xpor suas narrativas, auxiliando na
s, chegando até os dias de hoje.
outrora aluna, atualmente compõe o quadro de
a de suas aulas no projeto de Musicalização,
da memória na entrevista com
Como eu falei: eu me misturo com as crianças. A última foto eu to sentada brincando delas, eu me sinto como elas. Falo às vezes que
nem elas. Eu num vejo tão estabelecido, tão concreto essa figura de professor. Eu me vejo como parte delas e sou alguém que sabe um pouquinho mais que quer ensinar
to muito mais à vontade com as minhas crianças. [...] os meus alunos, eu realmente tenho um xodó, eu tenho todo um ciúmes com eles. [...] quase todos eu reconheço pelo nome. Eu procuro ter esse laço de reconhecer na rua, querer que eles me reconheçam. Ter todo um carinho com eles.
E procurar sair também dos padrões. Ter aula num é só aquilo, professor lá na frente, as crianças sentadas, ouvindo, aprendendo e reproduzindo. Tem também todo uma questão de lazer, como é no caso da última foto que a gente tá brincando, que a gente tá tendo o dia da criança. Eles tão tendo o momento deles, de diversão deles e eu poder participar daquilo, assim como os pais participam da vida das crianças em todos os níveis, escola, vida social, penso que o professor também tem que participar um pouquinho da vida da criança, brincando, conversando. Se for necessário participando dos problemas, tendo contato com a família, conhecendo o laço familiar, a casa como é que é, o convívio, o sentimento, tudo. (Audrey, professora, p. 12 da textualização).
Levi, integrante da mesma geração de Audrey e professor do instituto, ao ouvir o
repertório musical utilizado na pesquisa e folhear as partituras, também contribui com alguns
sentidos a respeito de sua participação no percurso institucional:
Take Five. Essa música aqui eu lembro que o Dorival mostrou ela várias vezes pra gente. Ela é em cinco. Ele falava da caixa ‘olha a caixa do baterista como é que fica! Tem que mudar’.
Autum Leaves toquei bastante... pam, pam, pam, pam... ts, ts, ts, ts, pam, pam, pam, pam... ts, ts, ts, ts. Eu sinto falta! Principalmente do Janílson da molecada que tocava junto. Principalmente quando era os meninos. A gente tocava sem compromisso. Num tinha a pretensão de ganhar dinheiro com isso. Então era uma coisa muito, muito natural assim. Tocava porque a gente gostava. A gente num tocava por que ‘puxa, vamo tocar porque mais pra frente vai rolar um trampo e a gente precisa tirar uma grana’. Não, a gente tocava mesmo porque uma coisa que a gente gostava. (Levi, professor, pp. 14-15 da textualização).
Parte de outra geração de alunos, Marciele, discente do instituo há aproximadamente sete
anos, exprime seu ponto de vista a respeito da música em sua vida:
Na verdade, música é mais um hobby. Porque eu num queria seguir carreira na parte da música. Minha irmã quer. Eu já sei o que eu vou fazer mesmo, já to fazendo um curso. Pretendo fazer uma faculdade mais pra frente. É que eu num tenho idade. É a parte de gastronomia. (Marciele, aluna, pp. 5-6 da textualização).
Suscitada pela imagem abaixo no decorrer de sua entrevista, sua narrativa evidencia
alguns sentidos relativos aos recitais40 vivenciados por ela ao longo dos anos.
Essa foto é do meu primeiro recital de piano. De piano não, de violão. [...] Nossa, eu tava mega nervosa. Ainda bem que uma amiga minha que foi ver. [...] Quando eu era pequena, sempre errava alguma coisa nos recitais. Aí eu errava ‘ai, errei!’ Saía chorando de lá. Agora eu acostumei. Se eu errar já falo ‘errar todo mundo erra’ tudo bem, mas talvez se eu tivesse estudado mais agora num teria errado, tocaria a música perfeita, ou
40 Os recitais da instituição geralmente ocorrem semestralmente, tanto em suas dependências, quanto na EE Elvira de Meo Muraro, situada bem à frente da sede do Instituto Anelo. Nestas oportunidades, os alunos vão a público expor parte do aprendizado musical.
tocaria uma música mais difícil... teria tocado. Jáporque, fora o motivo de doença, (Marciele, aluna, pp. 7
Figura X: “Marciele e Alê Petrônio, seu professor n
Trecho da narrativa de Leandro, o mais novo dos col
oferece também sua contribuição. Ao lhe apresentar
decorrer de sua entrevista, ele relata o seguinte:
A gente tá aprendendnotas com pestana... daí, por enquanto a gente tá aGonzaga. Asa Branca. Por enquanto a gente tá fazendtocando em harmonia e nas no outro vai fazendo, vai tocando, vai tocando nas nO professor ele canta um pouco pra gente. Daí quandcasa, quando vem como linós vamos lá e cantamos pra ele tocando. (Leandro,
Assim, a polifonia de vozes que compõe este texto p
multifacetada de sentidos e signific
o trânsito de muitos desses jovens é variado. Vário
enquanto outros, entre idas e vindas, têm participa
encontro de alguns dos primeiros integrantes com outros q
tocaria uma música mais difícil... teria tocado. Já cheguei a não participar de um recital porque, fora o motivo de doença, porque eu não tava conseguindo tocar a música. (Marciele, aluna, pp. 7-8 da textualização).
Figura X: “Marciele e Alê Petrônio, seu professor no instituto”. Fotografia utilizada como muleta da mentrevista com Marciele.
Fonte: Arquivo Instituto Anelo.
Trecho da narrativa de Leandro, o mais novo dos colaboradores desta investigação, o qual
oferece também sua contribuição. Ao lhe apresentar o áudio de uma música instrumental no
decorrer de sua entrevista, ele relata o seguinte:
A gente tá aprendendo a fazer as notas por enquanto. Daí nós vamos comenotas com pestana... daí, por enquanto a gente tá aprendendo a fazer a música do Gonzaga. Asa Branca. Por enquanto a gente tá fazendo de tudo um pouco: a gente tá tocando em harmonia e nas notas mesmo. A gente por enquanto um vai fazendo o ro outro vai fazendo, vai tocando, vai tocando nas notas e o outro vai fazendo a harmonia. O professor ele canta um pouco pra gente. Daí quando que é música pra gente pegar em casa, quando vem como lição de casa nós pegamos aqui e cantando, daí a gentnós vamos lá e cantamos pra ele tocando. (Leandro, aluno, p. 2 da textualização).
Assim, a polifonia de vozes que compõe este texto pretende oferecer uma gama
multifacetada de sentidos e significados acerca da trajetória institucional. Com o pass
o trânsito de muitos desses jovens é variado. Vários deles permanecem ali assiduamente,
enquanto outros, entre idas e vindas, têm participações intermitentes. A próxima imagem retrata o
ro de alguns dos primeiros integrantes com outros que lá chegaram há menos tempo.
tocaria uma música mais difícil... teria tocado. Já cheguei a não participar de um recital porque eu não tava conseguindo tocar a música.
o instituto”. Fotografia utilizada como muleta da memória na
aboradores desta investigação, o qual
o áudio de uma música instrumental no
o a fazer as notas por enquanto. Daí nós vamos começar a fazer as notas com pestana... daí, por enquanto a gente tá aprendendo a fazer a música do Gonzaga. Asa Branca. Por enquanto a gente tá fazendo de tudo um pouco: a gente tá
otas mesmo. A gente por enquanto um vai fazendo o ritmo, o outro vai fazendo, vai tocando, vai tocando nas notas e o outro vai fazendo a harmonia. O professor ele canta um pouco pra gente. Daí quando que é música pra gente pegar em
ção de casa nós pegamos aqui e cantando, daí a gente vai lá, nós vamos lá e cantamos pra ele tocando. (Leandro, aluno, p. 2 da textualização).
Assim, a polifonia de vozes que compõe este texto pretende oferecer uma gama
ados acerca da trajetória institucional. Com o passar dos anos,
s deles permanecem ali assiduamente,
ções intermitentes. A próxima imagem retrata o
ue lá chegaram há menos tempo.
Figura XI: Professores do Instituto - Paulinho (bateria), Dorival (contrabaixo), Levi e Alê (guitarras), Michel Leme (de costas, na guitarra) e Tércio (saxofone), em jam session na sede do Instituto Anelo, em 17 de dezembro de 2010.
Fonte: Fernando Cordovio – arquivo pessoal.
Utilizada na entrevista realizada com Dorival, suas considerações a respeito do momento
retratado são as seguintes:
Uma das vindas do Michel Leme pra cá que a gente participou em alguma coisa. O que eu posso ver disso aqui é boa música. Tocar com o Paulinho foi difícil aquele dia, um baita batera e ele que tem uma história fantástica. Outra pessoa pra entrevistar. Ele foi um daqueles primeiros. E hoje ele faz faculdade no Souza Lima. Tem uma bolsa no Souza Lima, não pela Anelo. A bolsa que ele tem de faculdade por mérito próprio. Um músico fantástico e do Jardim Florence. Do Jardim Florence. Michel tá aqui de costas. Michel é um ídolo, um cara que era top e hoje eu olho de frente. Ele tem isso, né? Horizonta. Fala com você de uma maneira muito horizontal. Alê e Tércio são companheiros mais do que nunca. Andamos tocando junto. Sempre um prazer muito grande tocar com o Alê e com o Tércio. Sempre. E o Levi é aquele filhinho nosso. Ele num deixou de ser filhinho. (Dorival, professor, p. 21da textualização).
Assim como exposto, a circulação de alguns desses jovens pela história do instituto é
recheada de significados que, possivelmente, vão deixando suas marcas. Alguns deles, como
Paulinho, jovem integrante daquele primeiro grupo da instituição, tornaram-se referência nas
narrativas colhidas. Com isso, compõem o percurso institucional ao mesmo tempo em que
possivelmente geram sentidos nesse trajeto.
Outra menção ao ex-aluno acontece na ocasião da entrevista realizada com Gabriela. A
respeito de um inusitado encontro entre ambos em um ônibus urbano em São Paulo, anos após a
iniciativa do grupo formado por ele, Josimar, Thiago e Daniel em estudar no Conservatório
Souza Lima, ela narra:
Eu olhei pra ele e ele: “Gabi!”, “Nossa, Paulinho!” Ele falou: “Tô aqui no Souza Lima”. Ele já tinha feito Tatuí, foi pro Souza Lima e aí ele tava morando escondido no Souza Lima. Pra poder estudar lá. E no ônibus ele fez um depoimento por si só que era que ele acreditou em Tatuí, acreditou no Souza Lima e... o que ele me falou lá, ele ainda num fez, mas vai saber, mas que, agora ele ia estudar para a Berklee, que é a faculdade, americana... [ele disse] que falta “aprender a falar inglês pra eu ir pra Berklee, que de música eu sei que eu consigo, sei lá, música eu sei que eu posso!” (Entrevista com Gabriela, presidente, p. 12 da textualização).
Outro caso é o de Levi, também mencionado na narrativa de Daniel, integrante da
segunda geração de jovens alunos, tendo posteriormente se tornado professor da instituição.
E teve alunos que virou professor, que eu dei aula e viro professor e hoje vive de música!! O Levi! Levi foi um dos primeiro aluno, foi um dos primeiro aluno! Hoje ele tá à toda prova. Tá! Show de bola! Cê fala ‘pô, legal!’ Tem alguns, maior parte talvez num viveu, mas tem a música dentro! Isso daí ninguém roba. Alguns conseguiram viver de música, então tá legal, é isso. O resultado é esse. (Daniel, ex-aluno, p. 8 da textualização).
Como se observa, a quantidade e qualidade de aspectos que emergem nas narrativas são
consideráveis. Sem negar sua complexidade, o recorte deste texto objetiva, como exposto
inicialmente, apenas oferecer ao leitor algumas possibilidades de acesso à história institucional,
ainda que tantas outras informações e histórias poderiam compô-lo.
Há que se lembrar, todavia, que o projeto desenvolvido pela instituição continua enquanto
esta pesquisa é realizada, assim como sua lida de luta pela sobrevivência. Diante desta
constatação, a narrativa abaixo alude à essa continuidade baseada em determinadas ações que
objetivam:
poder crescer... não pra ficar rica, mas pra poder ficar investindo o tempo inteiro pra poder ter mais aluno. Aí sonhando mais alto, ter uma sede...
Eu acho que a Anelo é legal pra ensinar música, mas, mais do que isso, ela é uma opção cultural pra dar lazer pras pessoas aí. Eu acho que isso faz parte da vivência, do convívio da comunidade e eu acho que esse convívio é muito importante. Se você não tem nada que force um pouquinho a ter esse convívio acho que fica cada vez mais uma sociedade individualista. (Gabriela, presidente, p. 5 da textualização).
Para finalizar, ainda que por ora, vale lembrar a existência de indícios que insinuam a
atualização do vínculo institucional com a música instrumental. Nesse sentido, a exposição de
Luccas é esclarecedora:
[a música instrumental] hoje é uma paixão não só minha, mas de muitos, que procuram a Anelo e passam a entender que isso não é um bicho de sete cabeças, não é uma coisa que só o sujeito da classe média alta, que mora num lugar bacana possa curtir. Pelo contrário. E os alunos já tem um reconhecimento desse gênero e nos procuram por isso. Querem tocar o jazz, querem tocar bossa nova. Acreditam que isso pode mudar uma situação.
Mas há um contexto por trás: não é só o ensinar música. Hoje a gente tem a seguinte visão: a Anelo não só ensina música. Porque senão a gente não vai se diferenciar de uma escola de música. Nossa ideia não é ser uma escola de música: é ser um Instituto que trabalha cidadania através da música. (Luccas, fundador, p. 10 da textualização).
Quando do encerramento dessa dissertação, tendo em mente a conclusão do Programa de
Mestrado, os eventos mais recentes na história institucional dizem respeito à aprovação do
projeto de gravação de CD inédito, em função da participação da instituição no FICC 41. Com a
incumbência de efetivar este intento, parte dos professores do instituto entram em estúdio durante
o segundo semestre de 2013.
A imagem abaixo retrata os integrantes em mais esse momento no percurso institucional.
O material audiovisual gerado em uma das gravações será utilizado para compor uma página no
site de relacionamentos Face book com o intuito de angariar mais recursos para a gravação
mencionada, dada a insuficiência dos mesmos para viabilizar a obra.
41 Fundo de Investimentos Culturais de Campinas.
Figura XII: “Professores do Instituto em gravação no estúdio Visual em Campinas – SP, em 19 de setembro de 2013”.
Fonte: Fernando Cordovio – arquivo pessoal.
Na sequência, apresento os dois capítulos contendo a análise do material construído em
campo.
CAPÍTULO 3
3. EDUCACÃO NÃO FORMAL, TEMPO LIVRE, JUVENTUDES E
MÚSICA
À guisa de introduzir os próximos capítulos nos quais a análise aqui proposta será
apresentada, retomo, primeiramente, o problema central desta investigação. Antes, porém, faz-se
necessário dimensionar o caráter multidisciplinar do tema estudado, ressaltando o diálogo
pretendido com estudiosos e teóricos vinculados às áreas que se aproximam ou tangenciam a
problemática ora investigada, tais como a Educação, a Antropologia, a Filosofia, e a
Etnomusicologia. Desta forma, alguns dos conceitos cunhados por estes estudiosos auxiliarão na
reflexão almejada.
Como visto anteriormente, alguns elementos observados a partir de minha aproximação
com o Instituto Anelo colaboraram na constituição das inquietações que me orientaram no
desenvolvimento da presente investigação. De modo sucinto, eles podem ser apresentados da
seguinte maneira: os jovens que ali desenvolvem ações que compõem a trajetória institucional; a
música instrumental como gênero que atravessa a existência da instituição; sua localização, às
margens dos aparelhos culturais existentes no município de Campinas e, por fim, a carência de
recursos econômicos desde seus primórdios.
Desta feita, a partir da problemática apresentada, objetivo compreender sentidos e
significados que estes jovens atribuem aos processos educativos por eles vivenciados ao longo do
percurso histórico da instituição, calcada que está na música instrumental como gênero de
principal referência para o ensino de música ali proposto.
Isso posto, inicio a reflexão.
3.1 – Campos que se tangenciam
Ao investigar a juventude e seus vínculos de aprendizagem desenvolvidos na cidade de
Angra dos Reis, Carrano (1999) compreende que as práticas sociais se incorporam ao conceito de
educação, considerando que em suas dinâmicas culturais elas propiciam a formação de valores,
troca de saberes, além da própria subjetividade social. Apoiado em Trilla (1993), o autor:
considera o universo educativo como sendo formado pelo conjunto de fatos, sucessos, fenômenos ou efeitos educativos – formativos e ou instrutivos – e, por extensão, o conjunto de instituições meios, âmbitos, situações, relações, processos, agentes e fatores suscetíveis de gerá-los. (p. 20).
Nesse sentido, entendo que o Instituto Anelo e as práticas sociais relatadas pelos
colaboradores desta pesquisa ao longo de sua história a partir das relações aí estabelecidas,
contribuem para compreendermos a complexidade dos processos e práticas educativas por eles
vivenciadas.
Em seu estudo, Carrano (1999) lembra, ao mesmo tempo em que questiona, a escola como
não sendo mais o lócus privilegiado do saber, dadas as circunstâncias históricas em que a
formação da subjetividade está diluída na complexidade de agências educativas e nos
relacionamentos sociais. Desta forma, reafirma a importância da ampliação do campo
educacional e sua abertura nos múltiplos contextos da cidade. Em função disso, fundamenta-se na
afirmação de Arroyo (1994) de que:
Há novas dimensões na formação humana recolocadas hoje como direitos à educação. A estreita concepção de educação está sendo alargada. [...]. A escola está fechada em si mesma em seus rituais de transformação, promoção-retenção, enquanto a cidade cria novos espaços-tempos, e rituais públicos de vivências culturais. Uma das demandas é por espaços públicos culturais. (Arroyo, 1994, apud CARRANO, 1997, p. 25).
Conhecer e aprofundar o olhar a respeito dos sentidos dos processos educativos
experimentados pelos jovens que construíram/constroem a história do Instituto Anelo oferece
margem à referida ampliação do campo educacional no município de Campinas – SP. Em função
da demanda por espaços públicos culturais anunciada por Arroyo, é pertinente conhecê-lo como
espaço de vivência cultural e as possíveis nuances relativas ao espectro, muitas vezes difuso e
confuso entre o público e o privado implícito nas denominadas Organizações Não
Governamentais.
A ênfase, então, recai sobre as experiências sociais vivenciadas por aqueles sujeitos em
diferentes espaços sociais (DAYRELL, 1996) dadas as suas origens, mas, mais especificamente
àquelas que marcam a trajetória institucional, ou que a ela se vinculam. De forma análoga à
proposta deste autor ao analisar a escola, pretende-se que este olhar possibilite a ampliação das
ponderações acerca dos processos educativos ao resgatar o papel ativo dos sujeitos na vida social,
considerando não apenas sua passividade diante das estruturas sociais, mas também como autores
que as determinam, “em uma relação contínua, de conflitos e negociações em função das
circunstâncias determinadas.” (DAYRELL, 1996, p. 137). Em suma, é como sujeitos
socioculturais que se busca apreendê-los, considerando sua “experiência vivida”. Fundamentado
em Thompson (1984), Dayrell afirma que:
é a experiência vivida que permite apreender a história como fruto da ação dos sujeitos. Estes experimentam suas situações e relações produtivas como necessidades, interesses e antagonismos e elaboram essa experiência em sua consciência e cultura, agindo conforme a situação determinada. (1996, p. 140).
Assim, consideram-se, de um lado as condições históricas constituintes de cada sujeito em
um momento específico da experiência humana, bem como os condicionantes aos quais está
subordinado, tais como as macroestruturas, a sociedade na qual nasce e está inserido, o gênero, a
etnia, o grau de escolaridade e as condições socioeconômicas; de outro, suas interações na vida
social e nos grupos dos quais faz parte, relaciona-se e também se apropria, compondo um
imaginário social (TEVES, 1992). Segundo esta autora, investigar uma realidade social
pressupõe contar com um conjunto coordenado de representações, uma estrutura de sentidos, de significados que circulam entre seus membros, mediante diferentes formas de linguagem: esse conjunto é o imaginário social, como quadro cultural que matricia a produção imaginativa do grupo. (TEVES 1992, p. 17).
Segundo a autora, inúmeras são as formas a partir da quais a realidade se dá a conhecer:
“discursivas, escrita, gestual, imagética, enfim, modos simbólicos de dizer o mundo” (Ibid., p.
14).
Desta forma, a música é considerada uma delas, mas são muitos os sons que compõem a
paisagem sonora da instituição pesquisada. De acordo com Guerra (2003), “povos e culturas
diversos apresentam paisagens sonoras diferentes. A paisagem sonora na qual vivemos nos traz o
sentimento de pertencimento, de fazer parte daquele ambiente”. Para Schafer (2011) a paisagem
sonora é considerada uma nova orquestra “o universo sônico. E os novos músicos: qualquer um e
qualquer coisa que soe” (p. 109).
Em outras palavras, a apropriação de significados no grupo estudado ocorre a partir dos
intercâmbios vividos pelos sujeitos nele contidos, seus papéis sociais e sua escala de valores,
mediados por uma paisagem sonora. “Esses jovens [...] são o resultado de um processo educativo
amplo, que ocorre no cotidiano das relações sociais, quando os sujeitos fazem-se uns aos outros,
com os elementos e com as estruturas sociais onde se inserem e as suas contradições”.
(DAYRELL, 1996, p. 142).
Suas vivências são exemplo de como se evidenciam sentidos e significados do amplo
processo educativo a que estão sujeitos os colaboradores desta investigação e de como, ao mesmo
tempo em que são resultado e produto dos mesmos, também se assumem produtores de novos ou
repetitivos processos no âmbito de suas relações num determinado momento histórico.
Assim, vão se constituindo esses sujeitos. Suas narrativas oferecem margem para que se
conheçam suas singularidades, bem como a polifonia de suas vozes construída na pesquisa tece o
complexo enredo institucional por eles estabelecido, cuja história se pronuncia como elemento de
aprendizagem.
Nesse sentido, pretende-se amplificar o debate acerca da temática das juventudes,
vinculada aos processos educativos ali vivenciados e significados por aqueles sujeitos, não sem
ressaltar a íntima e fundante relação da instituição com a música. Diante desse contexto, tomando
como base o percurso descrito por Araújo (2011), evidenciam-se o potencial das contribuições
acadêmicas oriundas do campo etnomusicológico, as possibilidades de compreensão acerca dos
processos de significação de base sonora e a virtualidade em adentrar na discussão mais ampla
sobre as relações sociais que lhes são próprias. Etnomusicologia, segundo Jeff Titon (1992, apud,
Hikiji, 2005), é “the study of people making music”. Diante do exposto, alinho-me com a
proposta de Araújo (2011) ao:
analisar a música como eixo de discussões sobre aspectos da vida social a ela relacionados, [a] política em seus diversos âmbitos, formas de sociabilidade, o mundo do trabalho, ou a hierarquização de diferenças sob critérios os mais diversos (raça, gênero, idade, opção sexual, origem social e outras). (p. 6).
Posto isso, e já correndo o risco da redundância, penso ser prudente esclarecer que, ainda
que um dos objetivos específicos propostos nesta empreita vislumbre o tangenciamento entre as
experiências narradas pelos colaboradores a aspectos relativos à educação não formal, aqui, o
foco central, alinhado ao objetivo geral estipulado, ambiciona mais compreender os sentidos e
significados que alguns dos jovens participantes do projeto desenvolvido ao longo da história do
Instituto Anelo atribuem aos processos educativos vivenciados por eles, particularmente no que
tange ao desenvolvimento da música instrumental nesse trajeto.
Assim, as situações de aprendizagem recordadas pelos colaboradores no momento da
entrevista (co)construída e posteriormente textualizada, estão carregadas de possíveis
significados relativos aos processos culturais vividos ali, cujas dimensões educativas têm
prioridade de importância no contexto desta pesquisa. Na tentativa de abarcar, pelo menos em
parte, essa complexidade, volto-me para a adoção das categorias de educação formal, não formal
e informal.
Desta forma, procuro ater-me, sempre que possível, aos elementos que vêm sendo
utilizados por estudiosos do tema com o intuito de aprofundar as reflexões acerca do referido
campo educacional. Entretanto, também observo os questionamentos levantados por alguns deles
que criticam e apontam para as fragilidades na construção desses conceitos.
Historicamente os autores que se debruçam sobre o tema da educação não formal
comumente tratam de diferenciá-la tanto da educação formal, quanto da informal. Ao leitor
interessado, considero importantes trabalhos a esse respeito, o levantamento histórico realizado
por Garcia (2009), bem como uma espécie de compilação desenvolvida por Gohn (2006). A título
de esclarecimento e para não correr o risco de furtar-me de um delineamento e diferenciação
entre as respectivas categorias, utilizo a sucinta, porém didática descrição de Gohn (2006),
segundo a qual:
a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização – na família, no bairro, clube, amigos, etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados: e a educação não-formal é aquela que se aprende no “mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas. (p. 28).
Dentre os interesses que têm constituído o campo da educação não formal até o momento,
considero importante ressaltar, sobretudo, aqueles que a situam como “lugar de referência da
educação popular, da alfabetização crítica e de muitos outros processos e experiências de
educação empenhada e envolvida nas dinâmicas mais amplas de mudança social 42” (AFONSO,
2001, p. 32).
Amparado por estes postulados, considero as experiências narradas pelos colaboradores
desta investigação, a partir das práticas cultivadas por eles no decorrer da história institucional
alinhadas aos denominados compartilhamentos de experiências desenvolvidos no “mundo da
vida”, em “espaços e ações coletivos”, “envolvidos com dinâmicas mais amplas de mudança
social”.
Entre os aspectos que enfraquecem a tipologia referente aos contextos educação formal,
não formal e informal, soa bastante pertinente o entendimento de Carrano (1999) ao considerá-los
muito rígidos diante da mobilidade dos processos sociais.
Especificamente em relação à educação não formal, um dos questionamentos levantados
pelo autor (CARRANO, 1999) se refere à possibilidade desta ser constituída por eventos que
combinem formalidade e informalidade educativa.
Todavia, como área de conhecimento, as observações dirigidas à educação não formal são
relevantes na medida em que consideradas “ainda em construção” (GOHN, 2006), em virtude de
seu recente reconhecimento como modalidade educacional (GARCIA, 2009), seja no Brasil, ou
mesmo no exterior. Na sequência do texto apresento o momento histórico relativo aos primórdios
de sua edificação.
3.2 - Momento histórico, paradoxo das ONGs e Educação Não Formal
Então, que se faz no Instituto Anelo? É uma ONG, é algo que é completamente contra o sistema. Que é informar, que é pôr os caras pra fazer arte coletivamente... Ora, a hora que você tá fazendo a arte coletiva cê tá olhando o outro. Na hora que você passa a olhar
42 Grifo meu.
o outro você tá saindo da tua casca, a tua condição imposta de individualista. Porque a gente deve ser individualista pra num reagir. Você individualmente num tem força nenhuma. (Michel Leme, músico colaborador, p. 6 da textualização).
A compreensão e o sentido apontado por este colaborador a respeito da instituição
pesquisada sugere que as ações propostas e tomadas por seus integrantes têm função contra
hegemônica. Desta forma, os sentidos dos processos educativos elencados por ele, tais como
“informar” e “pôr os caras pra fazer arte coletivamente” funcionariam como uma espécie de
contraponto ao “sistema”, já que enfatizam aspectos regidos por uma ordem que prioriza o
encontro com o outro, bem como a troca de bens simbólicos e culturais a partir das relações
estabelecidas naquele contexto. Assim, vão de encontro à tendência individualista e aos
pressupostos de que o sujeito deve se responsabilizar por sua própria vida e seu destino, à revelia
de quaisquer interferências socioeconômicas relacionadas à sua origem social e outros contextos
e situações existentes em sua trajetória, tal como quer fazer crer o ideário neoliberal. Todavia, há
que se refletir se, de fato, o espaço aqui pesquisado, bem como as ações tomadas pelos sujeitos
que o constituem ao longo de sua história, são e estão mesmo “completamente contra o sistema”.
Para iniciar esta reflexão, faz-se necessária uma incursão através do contexto sócio-
histórico em que emergem e se disseminam instituições como as ONGs, tal como o caso aqui
investigado. Este cenário remota aos idos de 1990, quando se deflagra a hegemonia das políticas
neoliberais e as ações implementadas por um Estado em crise; quadro que tem continuidade no
século há pouco iniciado (SPOSITO e CARRANO, 2003).
Segundo Alves (2012), este processo seria oriundo da efervescência de mobilizações
sociais ocorridas nas décadas de 1970 e 1980 durante a vigência do Regime Militar no Brasil,
iniciado em 1964. A autora relembra que:
Durante esse período muitos movimentos foram violentamente sufocados e calados pela ditadura. Entretanto, a partir, principalmente, do fim dos anos 1970, com o Regime Militar perdendo legitimidade, o crescimento econômico desacelerando, o aumento do desemprego, entre outros fatores, deu-se a emergência de inúmeros movimentos e organizações sociais, pelo enfrentamento e resistência ao regime. (ALVES, 2012, p. 46).
Apoiada em Dagnino, Alves (2012) indica, como resultado desse enfrentamento, a
confluência de “dois processos distintos” que têm início na década de 1990: a democratização,
fruto daqueles movimentos, na qual se aposta na ação conjunta entre sociedade civil e Estado,
cujo poder há de ser compartilhado; e “a emergência de um projeto neoliberal, onde se tem um
Estado mínimo isentando-se da responsabilidade de garantir direitos e transferindo essa função
para a sociedade”. (p. 62).
É nesse contexto que ocorre a propagação das denominadas OSCs e ONGs 43. De acordo
com Araújo (2006), com o processo de redemocratização “multiplicaram-se no Brasil ONGs com
focos bem mais diversificados (ecologia, auto-sustentabilidade, sobrevivência cultural, ensino de
música)”. (p. 13).
Em artigo que visa, dentre outros objetivos, esclarecer o leitor a respeito de termos como
ONGs, OSCs e Terceiro Setor, Oliveira e Haddad (2001) afirmam que “a alcunha ONG provém
do sistema ONU, e foi incorporada pelo Bando Mundial para designar praticamente toda entidade
que não pertença ao aparelho de Estado”. Explicam ainda que, após a ECO - 92 44, o termo foi
assimilado pela imprensa “como sinônimo de entidades sem fins lucrativos” (p. 63), e que numa
concepção mais atualizada:
sociedade civil organizada e OSCs confundem-se para designar o multifacetado universo das organizações constituídas livremente por cidadãos que atuam diante da carência de produtos e serviços que o Estado não atende de modo satisfatório e o mercado não tem interesse em atender. (OLIVEIRA E HADDAD, 2001, p. 62).
Logo, ou o Estado não atende de modo satisfatório à referida carência, ou isenta-se mesmo
da responsabilidade de garantir direitos à sociedade como um todo, tal como apontado há pouco.
De acordo com Kleber (2006), tais lacunas vêm sendo preenchidas pelo denominado
Terceiro Setor, termo que se refere à Sociedade Civil Organizada e que faz contraponto
simultâneo ao primeiro e segundo setores, subsequentemente, o Estado e o mercado. Essa autora
afirma que é nesta dimensão da sociedade que “proliferam os movimentos sociais organizados,
43 Apoiado em José Murilo de Carvalho, Araújo (2006, p. 13) afirma que “a partir da Segunda Guerra Mundial [...] várias organizações sediadas no Brasil seguem um modelo de sociedade filantrópica sem fins lucrativos centrada na assistência às carências dos mais pobres setores da sociedade, definidas a partir de percepções vigentes entre as próprias organizações (habitação, saúde, educação profissional)”. Este padrão serviria de modelo para as atuais ONGs.
44 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como ECO-92, ou Rio-92.
ONGs e projetos sociais onde se observa significativa oferta de práticas musicais ligadas ao
trabalho com jovens em situação de exclusão ou risco social”. (p. 20).
Em pesquisa que focaliza ONGs destinadas ao ensino musical, Kleber (2006) observa
que, em virtude da multiplicação desse tipo de iniciativa e de seu caráter emergente, cresce
simultaneamente o número de estudos que pretendem melhor compreender sua natureza e os
impactos sobre as comunidades em que atuam. Em seu entendimento, destas publicações emana
uma pluralidade de olhares e discursos, “por vezes, antagônicos, de natureza conceitual,
ideológica e ética, incidindo na própria construção de identidade do campo que identifica esse
segmento da sociedade contemporânea” (p. 21), enfatizando, com isso, o mar de controvérsias a
que está sujeito.
A ampla gama de considerações que daí emerge, pode contribuir na discussão aqui
proposta acerca dos processos educativos significativos aos colaboradores desta pesquisa. A
proposta é apresentá-los após esse tópico. Neste escopo, a autora evidencia proposições como as
de Montaño (2002, apud Kleber, 2006, p. 22) a partir de perspectiva teórica e ideológica
neomarxista do pensamento neoliberal. Em sua análise crítica, este autor compreende o Terceiro
Setor como “fenômeno real na e produto da reestruturação do capital, pautado nos princípios
neoliberais: um novo padrão [...] para a função social de respostas às sequelas da “questão
social, seguindo os valores da sociedade voluntária e local, da auto-ajuda e da ajuda-mútua 45.”
Inúmeros são os trechos narrados na pesquisa cuja perspectiva transita no sentido
apontado por esse autor. Dentre eles, destaco os seguintes:
Pra mim significa muito ter passado pelo projeto da Anelo. Significa muito! Muito! Anelo me deu a oportunidade assim de tá crescendo entendendo de música. A Anelo pra mim eu acho que foi um pouco de experiência não só na música, em relação à música. Tive a oportunidade de viver um pouco essa ação social. A Anelo vive isso também. De lidar com pessoas carente, lida com pessoas que também não são tão carente, porque a Anelo num tem um público fechado. Ela, ela ensina música independente da sua situação financeira.
Na época era bem assim, mais novo, dezessete, dezoito ano, mas consegui entender um pouquinho como que é trabalhar numa ONG. O que isso significa? Pra mim foi muito bom. Não só a música, mas ter um pouco esse lado de ajudar pessoas. De talvez ajudar uma criança que tem conflitos em casa. E a gente vivencia muito isso. Quer dizer, aquela
45 Grifos do autor.
criança muito tímida, muito quieta. Então cê começa a trabalhar, vai observando. Depois com o tempo cê vai vendo a pessoa mudar, a pessoa ficando, entrando na verdade, no clima do grupo. (Daniel, ex-aluno, p. 6 da textualização).
Evidenciam-se aqui inúmeras motivações desse colaborador em relação ao pertencimento
ao projeto. Muitos dos sentidos elencados por ele ao participar “dessa ação social” dizem respeito
à ajuda voluntária e local “independentemente da situação financeira” de quem a recebe e das
mudanças por ele observadas advindas da participação nas atividades ali desenvolvidas. Estas
ações são relativas ao compartilhamento tanto de informações, quanto de situações até mesmo
exteriores à instituição como, por exemplo, “ajudar uma criança que tem conflitos em casa”. E
isso para ele “significa muito! Muito!”
Em outro trecho a ênfase recai sobre o que Montaño denomina ajuda mútua, já nos
primórdios institucionais:
Bom, vou voltar um pouco do que eu não vivi. O Luccas me disse, há muito tempo que eu to lá, desde ter me contado a história da Anelo, de como ela começou, que era uma reunião de amigos. E de como começou de uma maneira muito informal. Depois, sempre vem na minha cabeça que eles começaram pra eles mesmos. O objetivo não era ajudar as pessoas. O objetivo era ajudar eles mesmos.
A ideia que eu tenho em minha cabeça pelo que eu vivo na Anelo pra mim é isso. Eu acho que não vivi, mas eles estavam ali. Até porque eles precisavam ser ajudados também. Tavam trabalhando pra isso. Só que com o passar do tempo eles começaram a se envolver. Eu acredito muito que foi inconsciente isso. Não foi uma coisa planejada. Não teve planejamento nenhum. Eles começaram a dar aulas pra eles mesmos e pra quem pudesse estar junto e a coisa foi crescendo, foi crescendo e eles visualizaram e ideia de ter uma escola de música. Chamava Anelo Music antes. Era outro nome. (Dorival, professor, p. 9 da textualização).
De acordo com a percepção desse colaborador, os jovens constituintes do primeiro grupo
da instituição “estavam ali porque eles precisavam ser ajudados também”. É possível presumir
que vários sentidos podem estar contidos nesta conjectura, dentre os quais: encontrar uma
alternativa às agruras socioeconômicas advindas de sua origem social; desenvolver o interesse
pelo aprendizado musical independentemente da fluidez de seus objetivos - se pelo desejo,
prazer, diversão, lazer, “fazer arte coletivamente”, “entender um pouco mais de música” ou em
busca de “melhorar a autoestima”, ou ainda com o intuito de se profissionalizar, e ser solidário
em um processo de identificação coletivo. A superposição de dois ou mais desses elementos
também é passível de ser considerada.
Dessa peculiaridade relativa aos primeiros educadores da instituição resulta a articulação
em torno da tarefa de se autoeducar. Maria da Glória Gohn (2006) afirma que no campo da
educação não formal “o grande educador é o outro, aquele com quem interagimos ou nos
integramos” (p. 29); ou seja, se eles “começaram a dar aulas pra eles mesmos e pra quem pudesse
estar junto”, o próprio grupo que educa é também o agente de construção do saber, ainda que
meio à deriva, em função da falta de clareza de seus componentes em relação a seus objetivos
naquele momento.
É possível afirmar que de lá para cá, foram sendo desenvolvidos ali os princípios nos
quais se assentam os espaços de educação não formal. De acordo com Simson, Park e Fernandes
(2001), sua tendência é:
apresentar caráter voluntário, proporcionar elementos para a socialização e a solidariedade, visar ao desenvolvimento social, evitar formalidades e hierarquias, favorecer a participação coletiva, proporcionar a investigação e, sobretudo, proporcionar a participação dos membros do grupo de forma descentralizada (p. 11).
Todavia, ainda que as ações institucionais tenham o caráter de “informar a partir da arte
construída coletivamente”, com todos os atributos discorridos por Michel Leme a respeito desse
empreendimento, o narrador não se furta em considerar que se trata de “uma ONG”. Ao retomar
o posicionamento de Montaño, verifica-se que ele não deixa qualquer margem de dúvida a
respeito da inserção do Terceiro Setor, no qual estão compreendidas as instituições como as
ONGs, como parte do fenômeno de reestruturação do capital pautado nos princípios criticados
pela afirmativa daquele colaborador: “a condição imposta de individualista pra num reagir, pra
não ter força nenhuma”.
Desta feita, já é possível problematizar a afirmação de que “o que se faz no Instituto
Anelo é algo completamente contra o sistema, que é informar e fazer arte coletivamente”, visto
que se trata sim de um fenômeno que compõe e é composto pelo sistema ao qual pretende se
contrapor. E esse sentido é que parece bastante significativo para aquele corpo coletivo, não só
em relação ao modelo de instituição que lhe referencia – a ONG, mas também ao significado
relativo ao ensino de música ali proposto pautado, principalmente, no gênero instrumental.
A oposição ao sistema sugerida reflete um aspecto bastante conflitante em sua gênese,
dado que não escapa à sua inscrição no mesmo, sendo por ele agenciado, ao mesmo tempo em
que dele também ambiciona um rompimento, ou, no mínimo, uma contraposição.
Confirma-se aí, a ambiguidade “existente entre o conceito de sociedade civil como uma
arena privilegiada de luta de classe e o próprio conceito de Terceiro Setor como algo,
pretensamente, situado para além do Estado e do mercado” (KLEBER, 2006, p. 22), visto que,
nesse caso, é a própria sociedade civil que se responsabiliza pelas sequelas a ela dirigidas pela
“questão social”, tal como afirma Montaño. Assim, a “nova modalidade, fundamento e
responsabilidades” vinculados ao “novo padrão” estipulado pela reestruturação do capital,
podem ocultar da própria sociedade a responsabilidade que ela mesma assume em caráter
“voluntário, local, de autoajuda e ajuda mútua”, tal como anunciam os trechos ora destacados das
textualizações.
Nessa conjuntura, ainda é possível afirmar que, se a própria constituição dessas
instituições é parte e compõe o referido sistema, é dentro e a partir delas que se tornam possíveis
experiências coletivas cujos significados de inquietação, rompimento e contraposição são
aprendidos e difundidos, abrindo novas possibilidades de vivência aos seus componentes nos
espaços onde se travam estas relações, tais como as experiências narradas. Nesse sentido, o
próprio sistema propicia pequenas linhas de fuga que a ele se contrapõe, mesmo que, no todo, não
rompam efetivamente com ele.
Desta forma, algumas das ações institucionais podem ser compreendidas como
modalidades de ação desviacionistas: como táticas. As táticas se referem a um conjunto de
práticas frente às ações ou representações que são impostas pelos dominadores, as estratégias.
(CERTEAU, 1994).
Segundo Certeau (1994), “a tática é determinada pela ausência de poder assim como a
estratégia é organizada pelo postulado de um poder.” (Ibid., p. 101). Enquanto “a estratégia
postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio”, a tática é “a ação determinada
pela ausência de um próprio [...] dentro do campo do inimigo e por ele controlado.” (Ibid, p.
100).
Assim, frente ao poder hegemônico neoliberal que se impõe, a instituição e seus agentes
utilizam uma gama de ações dentro desse terreno, ainda que nele continuem circunscritos. Desta
forma, estas ações podem ser percebidas como efeitos de astúcia. De acordo com o pensador
francês, a tática
opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as “ocasiões e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O que ela ganha não se conserva. Este não lugar lhe permite sem dúvida mobilidade, mas numa docilidade aos azares do tempo, para captar no voo as possibilidades oferecidas por um instante. Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia. (CERTEAU, 1994, p. 100).
Esta perspectiva se mostrará fecunda para a análise que se inicia.
O próximo tópico pretende aprofundar o conhecimento sobre os colaboradores desta
pesquisa.
3.3 - Origem social e juventudes
Eu tive um mega de um pai. Assim, era um contexto de tá presente, de tentar fazer o máximo possível pra mim, nas condições que ele tinha. Primeiro ele num teve uma condição muito boa. Meu padrasto ele trabalhava de mestre de obra quando era mais novo, assim, os seus trinta, trinta e poucos anos, mas aí com quarenta e pouco ele ficou desempregado, num conseguiu ficar mais na profissão. [...] Ele trabalhou bastante tempo de pedreiro. [...] Aí minha mãe ela trabalha como doméstica. (Hernani, conselheiro fiscal, pp. 4-5 da textualização).
Meu pai é motorista e mecânico, minha mãe trabalha em creche, cuidando de criança. O sonho dela era fazer Pedagogia, mas ela num teve oportunidade ainda. (Marciele, aluna, p. 1 da textualização).
As experiências dos sujeitos constituintes desta pesquisa ocorrem a partir de contextos nos
quais estão inseridos, vinculados a determinados espaços e relações sociais. Compreendê-los,
bem como suas histórias, é vislumbrar aspectos relativos à sua origem social e de que forma tais
circunstâncias se relacionam com a trajetória da instituição. Da mesma forma, é importante
ressaltar o sentido inverso desta proposição, ou seja, como a inserção no projeto institucional
tangencia suas vidas.
Tidos como exceção no percurso desta pesquisa, quatro dos colaboradores não cresceram
no entorno da instituição, tendo se aproximado desta em função de algum tipo de identificação
com seus projetos, e também quando da busca por uma escola de música para sua prole46. É
significativo lembrar que, qualitativamente, a importância desses sujeitos no caminho percorrido
por aquele coletivo tem se mostrado fundamental, tal como vem se evidenciando ao longo da
investigação. Suas influências são marcadas por inserções multifacetadas nesse percurso, objetos
de interesse desta análise. São eles: Guilherme Ribeiro, Gabriela, Michel Leme e Dorival.
Em relação às profissões dos genitores desse grupo, há um boiadeiro, um engenheiro, um
oficial de justiça e outro com duas profissões: bancário e músico. Dentre as mães, duas são “do
lar” e uma é professora. A profissão de outra delas não consta dos dados coletados. Em relação ao
nível de escolaridade atingido, tem-se: um pai com Nível Superior e outros três não identificados;
entre as genitoras, há uma com Ensino Fundamental Completo, uma com Nível Médio Completo,
sendo este correspondente à antiga Escola Normal e consequentemente, à formação de
Magistério. As outras duas mães não tiveram seu nível escolar identificado nas narrativas.
Todas as famílias desse grupo são originárias de estados da Região Sudeste brasileira:
Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo. Deste último, duas são do interior e uma da capital.
A aproximação do projeto por parte de outros integrantes cuja origem social se assemelha
às desse grupo, especificado por alguns deles como “classe média”, não é incomum e tem
atravessado a trajetória da instituição. Essa constatação evidencia a preocupação desta outra
camada de sujeitos melhor situada socioeconomicamente e seu envolvimento com as já referidas
“dinâmicas mais amplas de mudança social”, relativas ao campo da educação não formal. Outros
aspectos a respeito dessas participações serão objeto de aprofundamento neste texto em momento
oportuno.
Já os demais jovens participantes desta pesquisa pertencem às denominadas camadas
populares. São todos, portanto, filhos de trabalhadores com baixa qualificação ou cujo labor se
apresenta com menor prestígio social. As citações de Hernani e Marciele no início deste tópico
pretendem servir de exemplo do panorama profissional desses genitores.
46 É o caso de Dorival.
Dentre as diversas profissões dos pais há pedreiros, operador de máquina, comerciantes,
músico, motorista, camponeses, trabalhador de serviços gerais e montador de móveis. Entre as
genitoras há secretária de escola, uma “funcionária de creche”, auxiliar administrativa,
cabeleireira, duas empregadas domésticas e três delas são “do lar”.
Em relação à escolaridade, a grande maioria dos genitores do sexo masculino,
precisamente seis deles, cursou apenas a metade do Ensino Fundamental. Outro completou este
mesmo nível. Um deles chegou a ingressar na universidade, tendo abandonado o curso
posteriormente. Neste grupo também há um semianalfabeto. Existe uma diferença significativa
entre o nível atingido por eles em comparação ao de suas esposas: apesar de duas das mães terem
completado o mesmo grau de ensino que a maioria dos cônjuges, o Ensino Fundamental
incompleto, três delas chegaram a concluir o Ensino Médio, inclusive uma delas com formação
técnica. Outra é a única dentre todo o grupo de genitores a ter concluído o Ensino Superior.
Boa parte dessas famílias tem suas origens em outros Estados das Regiões Sudeste e
Nordeste da Federação, ou em cidades de pequeno porte também localizadas no Estado de São
Paulo. Os colaboradores da pesquisa narram que seus pais migraram para o município de
Campinas – SP em busca de melhores oportunidades. A maior parte dessas famílias ainda reside
na Região do Campo Grande, muito próximas ou mesmo no próprio Jardim Florence I, bairro
onde se encontra o Instituto Anelo desde sua fundação em meados de 2000. Um número pequeno
delas mudou-se para outros bairros da mesma cidade.
Audrey, professora da instituição, narra a esse respeito:
Eu venho de uma família que teve suas origens no campo. Meus pais vieram de fazendas. Minha mãe aqui no estado de São Paulo mesmo, meu pai da Bahia. Veio pra cá e tinha seus doze anos também. Veio ele e toda a família dele, meus avós, meus tios. É bem que uma mistura, num digo de culturas diferentes, mas de costumes diferentes. Meu pai é católico, minha mãe é protestante. [...] Eles são muito trabalhadores também. A gente sempre levou uma vida humilde, bem simples, não pobre. Num digo que a gente foi pobre a ponto de conhecer a miséria, de conhecer realmente a pobreza que é mais, em maior quantidade aqui no Brasil. (Audrey, professora, p. 1 da textualização).
Algumas das particularidades do grupo descritas anteriormente podem ser observadas
nessa fala. Além disso, destaca-se aí a forte relação que estes jovens têm com as religiões de suas
famílias. Sobressaem-se as protestantes, em número consideravelmente maior que o catolicismo,
ou outras crenças. A esse respeito serão tecidas algumas considerações mais adiante.
A referência de Audrey aos pais “muito trabalhadores”, apesar de sua “humildade e
simplicidade”, insinua-se pertinente no que tange aos valores desses genitores, também
transmitidos a essa geração. Ela não é a única dos jovens entrevistados a tecer comentários com o
mesmo sentido.
A alusão à miséria no discurso da colaboradora, apesar de inexistir em sua experiência,
não deixa de ser esclarecedora em relação ao marco que entremeia sua fala, podendo também ser
útil para evidenciar que este tipo de vivência, a miséria, ou mesmo a fome, vem à tona no relato
de vida de outros colaboradores da pesquisa. Apesar de atrelada às suas biografias, tais episódios
são fortemente vinculados ao sentido de compartilhamento dos parcos recursos existentes a todos
os membros dessas famílias, evidenciando-se aí, outro valor difundido nesses grupos.
A imagem abaixo, retratada durante a entrevista realizada com o fundador da instituição,
oferece um pequeno panorama do entorno da instituição, conferindo meu interlocutor, os
significados nela contidos em função de sua origem social: a luta pela terra e pela moradia, as
dificuldades socioeconômicas e o descaso do poder público em relação às precárias condições de
saneamento básico a que estavam sujeitos os moradores daquela região da cidade.
O trecho narrado especifica alguns dos pormenores daquele momento:
fui morar com a minha mãe [...] Quando a gente chega é um barraco, um cômodo de tábua, uma cama só pra cinco pessoas dormirem... [...] Ficamos ali por volta de uns dois, três anos. Até que surgiu uma oportunidade, na mesma rua, em uma área da prefeitura, a possibilidade de uma invasão... E a gente foi tentando conseguir uma área ali, um pedaço de terra pra construção. Conseguimos e foi onde eu morei durante onze anos. (Luccas, fundador, p. 3 da textualização).
Figura XIII: “Terreno próximo à invasão onde a família de Luccas ‘conseguiu’ um pedaço de terra para construir sua moradia.” Na ocasião de sua entrevista, ele me mostra que bem próximo dali, uma empresa
multinacional despejava dejetos químicos a céu aberto. Fonte: Fernando Cordovio.
Parte das experiências descritas pelos jovens ao longo de suas histórias também dizem
respeito a experiências ricas em ludicidade vividas no mesmo entorno. Brincadeiras de rua,
incluindo-se aí os reveses possíveis de serem experimentados, oferecem ricas imagens, agora
ilustradas por este interlocutor:
Então assim, eu acho que tive uma infância tranquila. Apesar assim, como toda criança aquela coisa toda de apronta, coisa de moleque. Brincar, ir em bairro correr atrás de pipa. É uma fase boa que talvez hoje não sei se a molecada talvez aproveita tanto isso: essa fase das brincadeiras ali, aquela época de pipa, de burquinha, de tantas outras brincadeiras. Carrinho de rolimã. É, caí muito, machuquei muito o pé, mas faz parte da infância. (Daniel, ex-aluno, p. 1 da textualização).
Outros, tais como Luccas em referência ao trabalho ambulante, descrevem o início
precoce na vida laboral. A narrativa de Hernani também evidencia a precariedade dos vínculos
empregatícios, comum a muitos deles:
Porque eu tive uma juventude de famílias não tão bem de vida assim, classe média baixa. Comecei a trabalhar mais ou menos com uns onze anos de idade. Bem cedo, mas sem registro. (Hernani, conselheiro fiscal, p. 1 da textualização).
Apesar dos “consensos que vêm sendo construídos no atual processo de debates sobre a
necessidade de políticas de juventude”, dentre os quais, o “especialmente oportuno: de que os
jovens têm de ser considerados como sujeitos de direitos” (ABRAMO e BRANCO, 2005, p. 12),
o que se observa a partir dos elementos emergidos das narrativas é a ausência, ao menos em
parte, de possibilidades dos jovens colaboradores desta pesquisa viverem ou cultivarem a
denominada moratória social, ou seja, “a possibilidade de se manter[em] afastado[s] das
obrigações da inserção produtiva e dedicado[s] à formação escolar”. (ABRAMO, 2005, p. 50).
A moratória, tal qual estipulada por esta referência, diz respeito à concepção consolidada
no pensamento sociológico de que a juventude “nasce na sociedade moderna ocidental [...] como
um tempo a mais de preparação para a complexidade das tarefas de produção e sofisticação das
relações sociais que a sociedade industrial trouxe”, ainda que esta noção seja considerada como a
imposição do padrão burguês contra outras anteriormente existentes. (ABRAMO, 2005, p. 41).
Segundo a autora, sugere “um período de interregno, de transição, de ambiguidade”. Isso em
virtude, principalmente, de fatores socioeconômicos que potencializam seu significado social. A
moratória, então, é “compreendida como esse adiamento dos deveres e direitos da produção,
reprodução e participação, um tempo socialmente legitimado para a dedicação exclusiva à
formação para o exercício futuro dessas dimensões da cidadania” (Ibid., p. 41.).
Críticos do conceito de moratória social, por considerá-lo demasiadamente vinculado aos
setores médio e alto da sociedade, justamente por compreendê-lo como condição de privilégio
supostamente intrínseco aos recortes classistas especificados, Margulis e Urresti (2008, p. 4)
pretendem “recuper algunos aspectos aparentemente olvidados por alguna literatura reciente. Uno
de ellos, [...] es de la moratória vital.”47.
Segundo os autores, considerada como conceito complementar ao de moratória social, a
moratória vital é compreendida como a “posse de um excedente temporal, de um crédito ou de
um plus, [...] algo que se tem a mais do qual se possa dispor e que nos não jovens é mais
47 Recuperar alguns aspectos aparentemente esquecidos por alguma literatura recente. Um deles [...] é o de moratória social. Tradução minha.
reduzido48” (MARGULIS e URRESTI, 2008, p. 4). Neste sentido, a juventude pode ser pensada
como um período da vida em que se prevê a existência de um crédito temporal, um “capital
temporal” como condição geral, antes ainda de recortes de classe ou gênero. Desta forma, a
juventude tem um lado de promessa e esperança e “um espectro de opções aberto”. De acordo
com os mesmos autores, é sobre este crédito temporal, sobre esta moratória vital que “aparecerão
as diferenças sociais e culturais no modo de ser jovem.”
A referência ao conceito de moratória vital evidencia-se importante, pois permite também
que se desloque a condição de ser jovem para um componente objetivo, físico, pressocial,
composto resultante de um corpo jovem (MARGULIS e URRESTI, 2008, p. 6). Segundo estes
autores:
De esta manera, gracias a este critério, se puede distinguir - sin confundir - a los jóvenes de los no jóvenes por medio de la moratoria vital, y a los social y culturalmente juveniles de los no juveniles, por medio de la moratoria social. En consecuencia, se puede reconocer la existencia de jóvenes no juveniles - como es, por ejemplo, el caso de muchos jóvenes de sectores populares que no gozan de la moratoria social y no portan los signos que caracterizan hegemónicamente a la juventud -, y no jóvenes juveniles - como es el caso de ciertos integrantes de sectores medios y altos que ven disminuido su crédito vital excedente pero son capaces de incorporar tales signos49. (MARGULIS e URRESTI, 2008, p. 6).
Como esta, surgem outras críticas à restrição do conceito de juventude desde Bourdieu
(1983), considerando-o mero signo se desvinculado das condições sócio-históricas e estruturais,
privilegiadas em outras análises, o que o destituiria de significação social. Assim, a pertinência
em se falar de juventudes, suas diferenças e singularidades está apoiada na distinção entre o modo
como dada sociedade significa esse momento do ciclo de vida em um período histórico específico
– a condição; e a maneira como esta é vivida a partir das especificidades dadas pelos recortes de
gênero, etnia, classe – denominada de situação. (ABRAMO, 2005. p. 42). Este alerta serve:
48 Tradução minha para “posesión de un excedente temporal, de un crédito o de un plus, [...] algo que se tiene de más del que puede disponerse, que en los nos jóvenes es más reducido”.
49 Desta maneira, graças a este critério, pode-se distinguir – sem confundir, os jovens dos não jovens por meio da moratória vital, e aos sociais e culturalmente juvenis dos não juvenis, por meio da moratória social. Em consequência, pode se reconhecer a existência de jovens não juvenis – como é, por exemplo, o caso de muitos jovens de setores populares que não gozam da moratória social e não portam os signos que caracterizam hegemonicamente a juventude – e não jovens juvenis – como é o caso de certos integrantes de setores médios e altos que vêm diminuindo seu crédito vital excedente, mas são capazes de incorporar tais signos. Tradução minha.
para não esquecer as diferenças e desigualdades que atravessam esta condição. Esta mudança [...] revela uma transformação importante na própria noção social: a juventude,mesmo que não explicitamente, é reconhecida como condição válida, que faz sentido, para todos os grupos sociais, embora apoiada sobre situações e significações diferentes. Agora a pergunta é menos sobre a possibilidade ou impossibilidade de viver a juventude e, mais sobre modos como tal condição é ou pode ser vivida. (ABRAMO, 2005, p. 44).
Assim, o que importa aqui é compreender os modos específicos como os jovens
constituintes da trajetória institucional vivem suas juventudes.
Como se verifica nas narrativas acima, algumas pistas são dadas a respeito das
características de tais especificidades: se por um lado, num dado momento as brincadeiras de rua
são valorizadas dando o tom de uma fase “boa” e “tranquila”, gerando inclusive o
questionamento daquele colaborador à possibilidade de sua efetivação pela geração atual, por
outro, a precoce vinculação ao mundo do trabalho e a interdição da moratória social se evidencia
em função das condições sociais a que estão sujeitos a maioria dos jovens entrevistados da
pesquisa.
Assim, o suposto tempo de preparo vinculado apenas ao estudo nem sempre é
prerrogativa na vida destes jovens. Pelo contrário, em muitas das narrativas o que se verifica é a
interrupção daqueles, ou sua inevitável concomitância com a precoce vida laboral, denunciando
as desigualdades relacionadas à denominada situação de como a condição de ser jovem, nos
presentes casos, pode, ou é vivenciada. Todavia, como já anunciado, este não é o único critério
utilizado nesta análise.
Levi, um deles, narra duas passagens que também contribuem com esta discussão. Na
primeira, reafirma o caráter precário das condições supra expostas por outros colaboradores,
apontando as desigualdades sociais e, novamente, o caráter de luta coletivo, presente há pouco:
O bairro asfaltou acho faz dois, três anos. Um bairro carente, saneamento muito ruim. Nossa casa pra você ter uma ideia ela tá uns vinte, trinta metros do córrego. Então, inclusive, teve até uma época que o córrego foi aumentando. A erosão foi aumentando. Minha casa tava cada vez mais perto, vamo dizer assim, do buracão que a gente fala, do brejo, do córrego. Aí foi passando o tempo. O pessoal lutando por melhorias. O bairro acabou sendo asfaltado, acabou conseguindo dar uma melhorada. (Levi, professor, p. 1 da textualização).
Na segunda, alude à forma encontrada para concretizar suas ambições em relação à
possibilidade de viver o tempo de sua juventude de outra forma que não vinculado ao trabalho:
Eu mudei de escola justamente pra estudar de manhã. Foi engraçado o que eu fiz. Tava no segundo ano, tinha dezesseis. Então, na escola onde eu estudava que era aqui no bairro mesmo só tinha o terceiro ano à noite, então pra mim num trabalhar, pra mim num ter que estudar à noite e trabalhar à tarde, porque minha mãe com certeza ia me obrigar, o quê que eu fiz: eu dei um jeito de mudar de escola pra estudar de manhã.
Então, no ano retrasado eu estudei de manhã e nas segundas-feiras eu ia pro Souza Lima, nos outros dias eu dava aula pras pessoas. Foi interessante que eu consegui, vamo dizer assim, dá um balão na minha mãe, porque ela cobrava muito. Falava ‘ah, dezoito anos cê vai trabalhar, cê vai trabalhar... tem que arrumar um emprego’. Eu até brinco com as pessoas falo assim: puxa, cheguei pra minha mãe falei assim: ‘mãe, vou ser músico’ e ela disse pra mim assim ‘tudo bem, desde que você arrume um emprego’. (Levi, professor, p. 9 da textualização).
O trecho da narrativa deste colaborador pode incrementar não apenas o debate relativo às
desigualdades e injustiças pertinentes às diferentes situações da condição de ser jovem, mas
também, de acordo com Abramo (2005), dar-lhe mais
concretude justamente porque os jovens dos setores mais desfavorecidos podem, agora, se pronunciar a respeito de sua experiência como jovens e expressar aquilo que lhes faz falta, que desejam e almejam para viver de forma digna e satisfatória sua juventude, em vez de se verem apenas no registro da negação de tal identidade. (p. 44).
Apoiada em Vera Telles (1996), a mesma autora afirma em nota que esse pronunciamento
“é condição mínima para que se possam alcançar formulação no plano de direitos”. (ABRAMO,
2005, p. 44).
Ao expressar a necessidade de “dar balão” em sua mãe, Levi dribla o caminho que lhe é
destinado pela família de origem em função de suas condições socioeconômicas, abrindo espaço
para aquela experiência. Assim, ao mesmo tempo em que expressa suas faltas e desejos, dentre
eles o anseio de aprender (estudar em São Paulo no Conservatório Souza Lima) e ensinar Música,
bem como preservar o tempo destinado à sua escolaridade, sua narrativa possibilita o exame mais
próximo da situação que marca a singularidade relativa à sua condição de jovem e a busca por
aqueles direitos. O tom humorado, ao expor seu projeto de vida, não omite o contraste com a
tentativa de interdição do mesmo pela genitora. A continuidade de sua fala evidencia as
dificuldades a que está propensa sua família, e a compreensível proposta materna.
Desta forma é sobre o “espectro de opções em aberto” de sua condição de jovem, da
moratória vital, que aparecem as diferenças sociais e culturais que lhes são pertinentes. Um modo
muito peculiar de garantir um escape de um suposto destino herdado aos setores populares é
então construído, descaracterizando uma leitura socioeconômica parcial. Essa fissura irrompe ao
que parecia antecipadamente dominado como condição imposta, fazendo emergir o que Margulis
e Urresti (2008) denominam de “rasgos positivos”50, anunciando-se com isso, uma maneira de ser
jovem distinta e portanto, sem que sua juventude lhe fosse negada.
É pertinente mencionar neste tópico que, apesar de não ter recolhido em nenhuma
narrativa dados relativos às rendas dos colaboradores ou de suas famílias, é possível presumir, a
partir dos dados expostos, que as mesmas sejam bastante modestas, ainda que haja discrepâncias
entre elas.
As informações descritas no quadro referente aos colaboradores exprimem com clareza a
escolaridade dos mesmos, suas idades e papéis sociais desempenhados por eles na instituição ao
longo do tempo. Todavia, também é necessário descrever suas ocupações. Dentre os quatro
colaboradores do primeiro grupo descrito neste tópico, dois são músicos profissionais, uma é
engenheira química e um é técnico em eletrotécnica. Dentre os dez colaboradores do segundo
grupo, quatro são músicos profissionais, um é cabeleireiro, uma está desempregada, outro
trabalha na área de TI (Tecnologia da Informação) e outros três são estudantes, sendo que uma
destas jovens também trabalha no comércio de sua família.
O que ainda se observa no cômputo geral relativo à origem social dos jovens entrevistados
é um cenário de violência física a que eles e suas famílias estão sujeitos em função de sua
estagnação econômica e que talvez possam servir de forma análoga ao entorno da instituição,
ainda que nesse sentido, venham ocorrendo melhorias ao longo do tempo.
Desta forma, tais condicionantes auxiliam a alinhavar os contornos de luta a que estão
predispostos estes sujeitos ao pretenderem realizar os desejos que almejam para viver com
dignidade o tempo de sua juventude.
O próximo tópico foca o uso do tempo livre por estes sujeitos.
50 Traços positivos. Tradução minha.
3.4 - Tempo livre
Autum Leaves toquei bastante... pam, pam, pam, pam...ts, ts, ts, ts, pam, pam, pam, pam...ts, ts, ts, ts. Eu sinto falta! Principalmente do Janílson da molecada que tocava junto. Principalmente quando era os meninos. A gente tocava sem compromisso. Num tinha a pretensão de ganhar dinheiro com isso. Então era uma coisa muito, muito natural assim. Tocava porque a gente gostava. A gente num tocava porque ‘puxa, vamo tocar porque mais pra frente vai rolar um trampo e a gente precisa tirar uma grana’. Não, a gente tocava mesmo porque uma coisa que a gente gostava. (Levi, professor, p. 15 da textualização).
Em função de mudanças históricas impressas à condição da juventude, as concepções
atuais para sua análise são múltiplas. Assim, outros fatores ampliam o foco que ora lhe é
pertinente, dentre os quais: o plano simbólico; a duração desta etapa do ciclo de vida; a
abrangência do fenômeno para outros setores sociais e não mais restrito aos “rapazes da
burguesia”; e outros elementos constitutivos da experiência juvenil. (ABRAMO, 2005).
Destacam-se ainda, as múltiplas instâncias de socialização e “a importância dos campos
do lazer e da cultura, principalmente na constituição da sociabilidade, das identidades e da
formação de valores” (ABRAMO, 2005, p.43) das juventudes.
Nesse sentido, compreende-se o Instituto Anelo como uma das múltiplas instâncias na
vida dos jovens que ali circulam e constroem sua história, realçando-se assim sua importância nos
campos assinalados – lazer e cultura. Desta feita, urge o exame desta condição na vida dos
mesmos, enaltecendo-se o que Abad (2003 apud ABRAMO, 2005, p. 45) denomina de
“processos que marcam a juventude como singularidade, abrindo para os jovens dificuldades e
possibilidades específicas”.
Isso posto, ao observar as narrativas construídas na pesquisa, fica patente a importância da
instituição como constituinte da sociabilidade desses jovens, bem como de suas identidades e,
principalmente, na formação de seus valores e subjetividade. A partir de tais noções é que serão
observados os elementos emergidos nas entrevistas e textualizações, particularmente os processos
educativos que lhes são significativos, os valores atrelados à forma como vivem e utilizam o
tempo livre, desenvolvendo as atividades e ações propostas pela instituição e construindo
sentidos a partir delas. Neste ponto, detenho-me inicialmente no trecho citado, recolhido junto a
um de seus professores, o já mencionado Levi.
A sequência de onomatopeias cantaroladas pelo jovem docente no momento de sua
entrevista, em concomitância ao som de Autum Leaves, música que emana do dispositivo
eletrônico enquanto conversamos, sugere um vínculo considerável com o grupo do qual o jovem
fazia parte anos antes, nos primórdios de sua entrada na instituição. A saudade expressa evoca o
clima do grupo de meninos que tocava “junto” seus instrumentos, aparentemente sem maiores
pretensões, “sem compromisso”.
Emana desta forma, um dos sentidos relativos ao próprio tempo de sua juventude, dessa
juventude, situando-o no âmbito do prazer e da sociabilidade vivida consideravelmente
desvinculada do universo do trabalho, ressaltado pela entonação divertida despertada em sua
memória. Afinal, “num tocava porque puxa, vamo tocar porque mais pra frente vai rolar um
trampo e a gente precisa tirar uma grana”, mas sim, “porque a gente gostava”.
Esse sentido não é o único oriundo da polifonia de vozes na realidade pesquisada.
Descrições semelhantes podem ser observadas nas entrevistas de outros colaboradores que
encorpam o coro da fruição relativa ao divertimento em inúmeras situações experienciadas a
partir do vínculo institucional. A título de exemplificar essa dinâmica, exponho outros dois
trechos que atravessam a história daquele coletivo: o primeiro, recolhido da geração mais recente
de jovens que ali estão inseridos – Leandro, o mais jovem colaborador desta pesquisa, com seus
treze anos de idade.
A gente faz muita coisa lá. A gente aprende, até brinca um pouco quando tem tempo, a gente conversa, a gente faz de tudo um pouco. E é legal fazer lá, é bom. É em grupo. São em... acho que cinco pessoas. (Leandro, aluno, p. 2 da textualização).
O segundo, relativo a um dos colaboradores que compunha a primeira geração de jovens
da instituição. Ao lhe mostrar a imagem reproduzida abaixo, utilizada como muleta da memória,
ele se expressa:
Figura XIV: “Jovens tocando na sede do Instituto Anelo.” Fonte: Acervo Instituto Anelo.
É, sou eu. Olha cara, e o Guilherme Ribeiro aqui do lado! Nossa! Toni... Cara, isso aqui é, faz lembrar dos tempos antigos cara. Pô, faz lembrar da época da Anelo. Olha! O Osmário, cara! Nossa! A Gabi... Thiago, Rômulo, Tércio, Toni... a bicho, nossa, muito bom! Faz lembrar do som que a gente tava tirando aqui no dia. Delícia! A gente tocava com o coração memo bicho, manja? A gente toca pelo som assim. Pela música mesmo. E pra mim isso tem um valor muito grande! (Josimar, professor, pp. 11-12 da textualização).
A experiência divertida relativa às brincadeiras coletivas contida no primeiro trecho, e os
sentidos expressos pelas assertivas relativas ao “som que a gente tirava junto”, “com o coração”,
“pela música mesmo” do segundo, apontam em direção à significação do lazer como espaço
destinado a processos educativos “das relações sociais em contexto de liberdade de
experimentação”. (BRENNER, DAYRELL e CARRANO, 2005, p. 176.). Desta forma,
corrobora-se a necessidade expressa por esses autores ao considerarem o lazer como campo
sociológico em que a liberdade de escolha é fundamental como constituinte da juventude “como
campo potencial de construção de identidades, descoberta de potencialidades humanas e
exercício de inserção efetiva nas relações sociais”. (Ibid.).
Ao relembrar “os tempos antigos” e nomear um a um os amigos e colegas com os quais se
divertia naqueles momentos, o jovem também oferece margem à compreensão do sentido de
pertencimento àquele grupo e ao espaço que foi escolhido por ele mesmo, auxiliando na
composição de relações de confiança: “desse modo, a aprendizagem das relações sociais serve
também de espelho para a construção de identidades coletivas e individuais”. (BRENNER,
DAYRELL E CARRANO, 2005, p. 177).
O conteúdo mnemônico emanado a partir da visualização da fotografia “faz lembrar da
época da Anelo”, e, para ele, “isso tem um valor muito grande”. A “Anelo”, desta forma, pode ser
compreendida a partir da noção de pedaço, como “espaço intermediário entre o privado (a casa) e
o público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços
familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e individualizadas
impostas pela sociedade” (MAGNANI, 2007, p. 20)
O sentido de identidade que se consolida a partir dos relacionamentos aí efetivados é
considerável. Além disso, as formas como são narradas as lembranças evocadas, tanto pelas
imagens, quanto pelas músicas utilizadas como “muleta da memória”, evidenciam conotações
significativas relativas ao amplo universo do sentir – “Delícia!”. Assim, operam em consonância
à descrição de Brenner, Dayrell e Carrano (2005) acerca das práticas de lazer, pois nelas:
os indivíduos buscam realizar atividades que proporcionem formas agradáveis de excitação, expressão e realização individual. [...] criam uma certa consciência de liberdade ao permitir uma fuga temporária à rotina cotidiana de trabalho e obrigações sociais. As denominadas atividades de pura sociabilidade podem ser definidas como geradoras de tensões emocionais agradáveis e de formas descomprometidas de integração social. (p. 177). (Grifo dos autores).
Esta citação evidencia ao menos dois aspectos importantes: o primeiro se refere aos
momentos de “pura sociabilidade”. Os trechos citados abaixo pretendem exemplificar o que os
autores acima denominam “tensões emocionais agradáveis”. Vividas no tempo livre desses
sujeitos, podem ser consideradas como formas “descomprometidas de integração social”:
Eu tinha um colega na igreja que fazia curso aqui. Agora é professor: Leandro. Aí eu quase num conversava com ele. Aí, de uns tempos pra cá a gente meio que começou a falar mais. Se fala mais, fiz amigos aqui, só que agora se eu ver eu conheço, num sei se eles vão lembrar de mim, mas eu fiz, principalmente na época de musicalização e do Carlos Gomes. (Marciele, aluna, p. 7 da textualização).
comecei fazendo aulas em grupo com a Fernanda que depois veio a ser minha colega de escola. [...] Depois a gente fez uma amizade muito grande com o Rodrigo que também até hoje a gente mantém um laço de amizade, e com a Alaíde [...]. Eu lembro até hoje. Me marcou muito. E a Alaíde era a mais nova, mas mesmo assim a gente conversava muito. Acho que até demais nas aulas. E o professor tinha até uma certa dificuldade. (Audrey, professora, p. 6 da textualização).
são os alunos que eu falei. Tem bastante gente bacana aqui. O Janílson. O Janílson é quase meu filho. Clayton é outro também que me deu muito, carinho muito grande. O irmão dele, o Rodrigo o Lucas diz que é cria minha. O Rodrigo começou a dar aula de violão comigo. O que eu falei, o Rodrigo, a Fernanda e a Carol. O Levi... o Levi é difícil não se apaixonar por ele. O Everson, baterista. A Juliana pequenininha, minha filha. A Sara. (Dorival, professor, p. 22 da textualização).
Assim, as narrativas expostas ilustram a formação de vínculos de amizade entre os
participantes do projeto. Mais que isso, os laços descritos sugerem, além de qualidade, uma
expansão que vai além dos momentos vividos na instituição. Todavia, esse desenvolvimento não
se restringe aos alunos. As relações dos mesmos com seus mestres também sugerem forte
proximidade e conteúdo afetivo. Ocorrem em vínculos assimétricos, tal qual o trecho narrado por
Dorival, professor, e uma espécie de recíproca abaixo reproduzida, advinda de Audrey, ou
“Carol”, a aluna por ele mencionada:
eu passei a ter aula com o Dorival, que foi meu professor, meu pai, meu amigo. Nossa! Eu tive aula com ele pelo menos dos quinze aos dezessete, uns dois anos seguidos com o mesmo professor, coisa que aqui no Instituto era muito raro. De violão. E querendo ou não nesses dois anos foram criando laços muito forte eu e ele, assim como eu e a família dele. Tanto é que eu já fui na casa dele algumas vezes. Trato a Sônia, esposa dele, como uma mãezona. (Audrey, professora, p. 6 da textualização).
O segundo aspecto destacado, ainda que relacionado ao primeiro, diz respeito ao que os
autores denominam “fuga temporária”. Afinal, a permissão para vivê-la em decorrência das
escapadelas da rotina de trabalho e obrigações sociais não aparenta ocorrer de forma homogênea
entre os sujeitos constituintes da história do Instituto Anelo.
A existência de condições bastante distintas de vivências da juventude entre os próprios
jovens da instituição parece emergir das narrativas colhidas. Enquanto alguns deles estão
completamente fora do universo do trabalho, “chegam em carrões” para assistir às aulas, outros
precisam reinventar seu cotidiano e driblar a imposição das obrigações sociais para que existam
os momentos de fuga, como no caso de Levi, citado há pouco. Outros ainda conseguem
permanecer nesse universo por um tempo, todavia enfrentando inúmeras dificuldades, para
depois o abandonarem.
É como se pudéssemos distinguir outras juventudes dentro dessa, em função da
diversidade anunciada. Todavia, fica difícil levantar uma hipótese em torno de categorias como
gênero, ou etnia. Até o recorte etário não se sustenta para fundamentar um posicionamento mais
claro. Por exemplo, Leandro aos treze anos, sexo masculino, ainda está fora do universo laboral,
mas Audrey, do gênero oposto, está inserida no mesmo desde os onze anos. Levy, aos dezessete,
para escapar do trabalho e poder estudar música, precisa alterar seu horário na escola como forma
de garantir esse espaço. Marciele, aos quatorze, do sexo feminino, tal como Leandro, não
trabalha, mas estuda. Jaqueline, aos vinte e dois, não está trabalhando, nem estudando.
Essa distinção urge, ao que tudo indica, em função de aspectos socioeconômicos em uma
aparente homogeneidade dentro do grupo pesquisado. Um trecho narrado por Luccas, quando
vivenciava sua infância no entorno onde hoje se localiza a instituição, pode auxiliar a elucidar
este ponto:
Tinha uma discriminação da parte dos outros alunos que tinham realidade um pouco melhor... Várias vezes meus colegas perguntavam “Onde você mora?”, “Eu moro no Florence”, “Mas onde você mora?”, “Eu moro ali na Rua 149”. Mas eu não levava meus colegas pra minha casa. (Luccas, fundador, p. 4 da textualização).
Desta forma, não é em vão que muito cedo ele e suas irmãs têm que trabalhar para ajudar
a compor a renda familiar. A “realidade um pouco melhor” de seus colegas de escola sugere o
clareamento da distinção que vem se evidenciando para que se viva ou não a fuga temporária
indicada por aqueles autores. A “discriminação” dos colegas denunciada por ele aponta para
distinções e estigmas presentes nesse grupo relativas à posse, ou ausência de bens simbólicos em
suas vidas.
Ainda assim, as práticas institucionais ali desenvolvidas nos âmbitos da cultura e do lazer
podem ser consideradas “verdadeiros laboratórios onde se processam experiências e se produzem
subjetividades”. (BRENNER, DAYRELL E CARRANO, 2005, p. 177). A polifonia de vozes
indica outras vicissitudes em relação às subjetividades que ali vão se formando, ou se
evidenciando à medida em que se propõe um olhar analítico sobre elas. Desta forma, verificam-se
outros sentidos nos processos educativos ali vivenciados em relação ao uso do tempo livre.
Exemplo disso segue no trecho de um dos conselheiros ficais da instituição:
Então, é um momento dedicado com muito carinho e passamo junto esse aprendizado, pra desenvolver isso aí [...] é importante olhar, poxa! Foi plantada uma semente positiva. De uma forma positiva. O tempo foi muito bem gasto. Foi um tempo da adolescência deles, como eu na minha adolescência, como eu disse os meus dezesseis, dezessete anos, o tempo que eu tava vago eu tava aqui, que era legal tanto pra treinar, como pra aprender pra dar as aulas, que eu dava aula. Então, quer dizer, é um tempo muito bem gasto. É um
tempo da adolescência que eu olho e poxa, o tempo que eu tava na Anelo eu tava fazendo uma coisa positiva. Aí amigos meus na mesma idade, com o mesmo tempo, como num tinha condições de talvez tá fazendo uma escola particular em outros lugares, a pessoa tava passando o tempo de uma forma negativa, passando na rua sem fazer nada, gastando o tempo parado em frente à televisão, num ganhava nada. (Hernani, conselheiro fiscal, pp. 12-13 da textualização).
Podem-se observar aqui elementos com sentidos aproximados aos trechos descritos acima.
Verificam-se aspectos afetivos, tais como a “dedicação” e o “carinho” que permeiam as relações
ali estabelecidas que logo se destacam do conjunto da narrativa, reivindicando sua importância na
forma como são constituídos e constituintes daqueles laços, e experimentados nos momentos de
“aprendizado”, afinal, esse tempo “foi muito bem gasto.”
O jovem narrador resgata sua própria experiência quando adolescente e aluno da
instituição, utilizando-a como parâmetro; antes de ocupar o cargo burocrático a que se dedica
hoje, também se propôs a lecionar música. Estava ali “pra treinar, pra aprender, pra dar aulas”, e
esta gama de vivências parece ter contribuído efetivamente para que as significasse nos ditames
do tempo “bem gasto”, já que estava “fazendo uma coisa positiva”: ou seja, as práticas musicais
desenvolvidas a partir do vínculo institucional.
Ora, se o tempo estava sendo ocupado com algo cujo valor era significado como positivo,
roga-se desnecessária qualquer suposição acerca do que para ele seria “negativo” devido às
observações que seguem na própria narrativa ao comparar os “usos do tempo” com os amigos de
sua geração e que não tinham condições de pagar uma escola particular, suponho que de música,
em razão da falta de condições econômicas, semelhantes às dele.
Assim, a conjectura “valor positivo” atrelada à música e suas práticas, logo emerge acima
de qualquer suspeita. Em contrapartida, em função da ausência de tal perspectiva, restaria à
pessoa “passar o tempo de forma negativa, passando na rua sem fazer nada” ou “em frente à TV,
sem nada ganhar”.
É possível observar aí o lugar suspeito que o ócio pode ocupar na vida daqueles jovens. A
música e as práticas à ela atreladas ganhariam, assim, a dimensão de ocupá-los de forma
“positiva”. Mas, afinal, o que seria isso? Existiriam riscos em potencial em não fazer nada? O que
de fato seria evitado com a contribuição da música? O “fazer nada” necessariamente implicaria
em passar o tempo de forma negativa?
Face aos inúmeros questionamentos passíveis de serem aqui levantados, recorrer à
polifonia de vozes narradas talvez auxilie em seu aprofundamento, bem como na construção de
suas respostas, dada a problematização exposta. O trecho que segue indica algumas pistas que
podem ser trilhadas nessa direção:
Eu acho que se eu num fizesse curso na Anelo eu ia ficar o dia inteiro sem fazer nada e só Deus sabe o quê que os jovens hoje quando fica sem fazer nada vai procurar. Pode desde os caminhos das drogas até começar a, por exemplo, ter depressão por que ficou o dia inteiro em casa. Como uma amiga minha. Só vai pra escola e volta. Só fica em casa. Ela num sai pra canto nenhum. Ela só vai pra escola, volta, fica o dia inteiro assistindo TV, num faz nada. Aí ela tá lá desde, às vezes eu viajo pra lá, por que ela tá mal. Num é depressão assim é o médico falou que ela tem que começar a sair. É tédio. Fica só dentro de casa e isso. Come, assiste TV no outro dia levanta aí vai pra escola. Num faz mais nada. Pelo menos ela em casa num vai procurar outras coisas, vamo dizer assim, drogas mexer com outras coisas assim. (Marciele, aluna, p. 6 da textualização).
À principio, também observa-se aqui a suspeita depositada sobre o ócio, tamanha a
semelhança dos pontos de vista entre os dois narradores. Entretanto, à medida que a narrativa é
desenvolvida, novos sentidos são trazidos à luz, pois “só Deus sabe o que os jovens de hoje vão
procurar” quando ficam sem fazer nada: ou trilhar “os caminhos das drogas”, “ter tédio”, ou
“depressão”.
Tais significados em relação ao uso do tempo livre oferecem elementos que dimensionam
os riscos expressos anteriormente em relação ao jovem “não fazer nada”. Uma espécie de
“patologização do tempo livre juvenil” emerge da relação estabelecida no imaginário dos
colaboradores, em função dos significados estarem atrelados às psicopatologias. Na melhor das
hipóteses, seria melhor ficar em casa do que “mexer com drogas”, como se não existissem outras
possibilidades para os jovens: eis o conteúdo generalizante a partir do exemplo citado.
Todavia, ainda a partir do mesmo trecho, associado ao desgosto e à inércia do tédio, bem
como à depressão, também mencionada, pode se supor um estreitamento das possibilidades do
jovem vir a desenvolver potencialidades e diversas habilidades em decorrência do
enclausuramento vivido, ou da restrição do leque de opções, restando assim, “ficar o dia inteiro
assistindo TV.”
Em contraposição a tais estados, a colaboradora alude ao potencial das experiências
vividas a partir do vínculo estabelecido com a instituição e as práticas musicais: “eu acho que se
eu num fizesse curso na Anelo eu ia ficar o dia inteiro sem fazer nada.” Nesse sentido, pode estar
implícito o potencial dessas atividades como “verdadeiros laboratórios” onde se processam
experiências de criação e produção sonoras, relacionamentos e interações sociais e o
desenvolvimento de subjetividades próprios do campo da educação não formal.
Todavia, é necessário que estas potencialidades atuem em oposição ao “pressuposto de
que a aprendizagem que conta é aquela guiada pela maximização da sua utilidade econômica”
(AFONSO, 2001, p. 35). O viés apontado por Afonso (2001) pretende alertar educadores e
investigadores deste campo educacional em função do mesmo “ser hoje disputado por diferentes
racionalidades políticas e pedagógicas”. Desta forma, é necessária “uma vigilância redobrada,
para que aqueles que a esse campo referenciam as suas práticas e reflexões possam ajudar a
constituí-lo e a consolidá-lo como lugar de referência de uma educação crítica e emancipatória”
(pp. 35-36).
Além disso, outras narrativas oferecem mais elementos que possibilitam incrementar os
contornos do que vem sendo discutindo neste tópico. Este colaborador afirma que:
Devia ter cada região de Campinas devia ter um projeto desse. Não só música, outros projetos também. E que funcionassem. Que recriassem, que mudasse a cabeça. Principalmente da criança. Criança hoje é o adulto de amanhã, a cultura de amanhã. Então nossa cultura tá pobre, provavelmente nosso futuro vai ser muito pobre. Então é pegar a criança que vai ser diferencial amanhã. E é a música, esporte, enfim ela tem esse poder de ajuizar mais. Introduzir outras culturas boas também. (Daniel, ex-aluno, p. 10 da textualização).
A ampliação da proposta institucional para cada região do município expressa aí, realça o
valor que lhe é atrelado em relação não só ao acesso proposto através de sua existência, mas
também ao seu funcionamento.
Por sua vez, já correndo o risco da redundância, a introdução de “culturas boas” para
crianças e jovens através da música e do esporte, “que recriasse, que mudasse a cabeça”, se por
um lado, pode significar a ampliação do repertório cultural para que no futuro tenhamos adultos
“diferenciados”, por outro, também pode estar diretamente ligada à suposta capacidade que tais
práticas teriam em “ajuizá-los”. Suponho notória a expressão “tenha juízo”, de cunho tão
familiar, e que pressupõe que se tomem atitudes relacionadas ao que o próprio termo indica, ou
seja, ao julgamento; ao certo em oposição ao errado. Sob tal perspectiva, tanto a música, quanto o
esporte, ou mesmo o quadro mais ampliado de cultura a que se refere este interlocutor, poderiam
ajuizar os jovens, suspeitando-se deles, uma vez mais.
O positivo versus o negativo, a cultura pobre versus a cultura rica, e o “ajuizamento”
propostos por este colaborador, se por um lado, insinuam a ampliação do escopo cultural para os
jovens, por outro, também vêm recheados de conteúdo moralizador. Afinal, o que seriam de fato,
culturas pobres ou ruins?
Assim, a gama de significados expressos pelos colaboradores relativos ao uso do tempo
livre, ora se dirige às experiências vividas a partir do vínculo estabelecido com a instituição,
cujos sentidos tendem a ser amplos, caminhando em direção à descoberta de suas
potencialidades, ora designam sobre os jovens conteúdos que asseveram dúvidas e propensões de
cunho estigmatizante que recairiam sobre a própria população que assim as afirmam.
Se por um lado, evidencia-se o premente esforço dos proponentes da instituição em
direção à formas mais igualitárias da experiência humana em busca da informação e do
conhecimento em relação ao uso do tempo, sendo possível apreender das narrativas significados
relacionados ao acesso a estes bens culturais; por outro, é possível observar, embutidos nas
mesmas, elementos constitutivos pertencentes a discursos dominantes que também comporiam a
subjetividade desses jovens.
Ao discutirem as políticas públicas no Brasil destinadas à juventude, Sposito e Carrano
(2003, p. 20) deslocam a discussão para a sociedade civil e para os próprios segmentos juvenis, e
evidenciam um “campo de disputas que opera com significados heterogêneos”, ressaltando nele
que:
Os próprios jovens são protagonistas ativos dessas disputas em torno dos sentidos que emprestam ao tema da juventude, pois como atores impõem significados que traduzem modos diversos de pensar a si mesmos e a seus pares, perfilam diferentemente suas demandas e estabelecem projetos pessoais ou coletivos muitas vezes reproduzindo discursos adultos dominantes no âmbito social. (Ibid. pp. 20-21).
Desta forma, se, com as práticas ali desenvolvidas, reivindicam o acesso aos bens
culturais, ao tempo de fruição, de experimentação, de possibilidade de desenvolvimento dos
inúmeros aspectos já mencionados através das relações ali estabelecidas, em consonância com a
tradução referente aos modos de pensar a si mesmos e a seus pares a que se referem, Sposito e
Carrano (2003) também estão propensos a reproduzir discursos adultos que, em tese, deporiam
contra seus próprios pares e, em última instância, contra si mesmos. Uma espécie de
autoestigmatização e porque não uma violência que se imporiam contra si mesmos.
Assim, longe se vai o tempo de conclamar o direito à preguiça, de dedicação ao ócio e à
contemplação como propôs Lafargue (2012, p. 20) ao denunciar o trabalho como “freio para as
nobres paixões do homem”, lembrando o dizer de Napoleão que entoava “quanto mais os meus
homens trabalharem, menos vícios existirão”.
Na contramão desta perspectiva, em posição favorável ao posicionamento de Lafargue e
ao uso do tempo livre proposto por ele, emerge outra opinião da polifonia de vozes. Ao discorrer
a respeito de seu processo de aproximação com o Instituto Anelo, Michel Leme narra:
E aí eu comecei a expor o meu ponto de vista e não adianta você expor seu ponto de vista se você não tá fazendo nada. Não adianta você ter um discurso quando você não tá fazendo. [...] eu me identifiquei muito com esse lance que eu te falei de ensinar música pra quem não tem grana! Pra quem tá excluído da sociedade. Na verdade não é exatamente excluído como os mendigos, mas proibido de ter acesso à informação que é o que o sistema faz pra continuar imperando o domínio de meia dúzia de caras. E é importantíssimo pra eles que a massa permaneça ignorante. Então pra isso, como se dá isso? Através da opressão econômica. Que o cara num vai ter tempo pra lazer, nem nada. Tem vários dados que comprovam isso, por exemplo: o trabalhador nunca mora perto do trabalho. Por quê? Porque ele num pode ter tempo pra lazer; ele num pode ter tempo pra conversar com o vizinho porque ele vai começar a as sacar as coisas e vai começar a se organizar. E aí ferrou. Então, cê vê, os prédios do centro aqui de São Paulo são vazios. Não tem gente morando lá. Por quê? Pra isso. (Michel Leme, músico colaborador, p. 5 da textualização).
Sob este espectro, o tempo dedicado ao lazer é associado ao desenvolvimento da
sociabilidade, engajamento e organização coletiva em torno do acesso à informações, pois, com
isso, o sujeito pode começar a “sacar as coisas” e caminhar em direção à ruptura do que lhe é
proibido saber ou viver, indo de encontro ao domínio de “meia dúzia de caras” que oprimem as
massas economicamente. É através dessa mesma opressão que se dispõe sobre elas, que se lhes
nega aquele tempo e a possibilidade de seu uso, confirmando-se, assim, a restrição “às nobres
paixões do homem” já associadas aos vícios, em oposição à sua dedicação ao trabalho e à geração
de lucros à outrem, inclusive ao se deslocar até ele, de preferência demorando muito neste
percurso.
Ao descrever que “expõe seu ponto de vista”, Michel Leme se remete aos encontros
esporádicos em que se dirige à instituição para tocar e conversar com as pessoas que lá estão, já
construindo com isso o próprio tempo de dedicação ao lazer, o encontro coletivo e as
possibilidades aí intrínsecas, expostas há pouco. Nesse sentido, o posicionamento deste
colaborador aproxima o campo da educação não formal da concepção de Afonso (2001), como
“lugar de referência de uma educação crítica e emancipatória.”
Passo agora a algumas possibilidades de compreensão em relação às situações de
violência e conflito emergidas na pesquisa, firmadas pelas percepções dos colaboradores nas
entrevistas e textualizações.
3.4.1 - Violência e suspeita
Nesse período dos onze aos dezessete anos, de altos e baixos, uma época tinha emprego, outra época tinha que vender as coisas na rua, outra época ficava na rua, com colegas, começaram a surgir oportunidades. Então o colega dizia: “Pô, a gente quer joga fliperama. O que nós vamos fazer? Vamos roubar garrafa!” Então, eu e os colegas, fazíamos muito isso: trocávamos garrafa vazia por ficha de fliperama. Começou a se tornar um vício isso.
[...] Então, hoje eu percebo a importância da Anelo como um trabalho preventivo. Porque se eu tivesse uma oportunidade dessas na época, como essas crianças que estão, digamos que, passeando pela Anelo tem hoje, eu não teria vivenciado situações como essa. Não teria sido convidado, porque, começa assim! Nenhum ladrão começa roubando banco. Tem um processo antes. Nenhum usuário começa fumando maconha... ele começa ali num cigarrinho de papel, numa bituca que tava no chão. (Luccas, fundador, p. 6 da textualização).
As situações aqui expostas também se relacionam com a forma como o tempo livre pode
ser ocupado pelos jovens, particularmente os que vivem na região onde está localizada a
instituição e que supostamente têm potencial para vivê-las de maneira semelhante. A equação
nela exposta sugere momentos de “altos e baixos” relativos ao contexto econômico
experimentado pelo narrador, diretamente ligado ao precário universo empregatício, à premente
necessidade de diversão junto à ausência de recursos daí advinda e, por fim, ao surgimento das
denominadas “oportunidades” para satisfazê-la. A “solução”? Desponta na continuidade do
trecho narrado com a “importância do trabalho preventivo” desenvolvido pela instituição, que
agora evitaria, além do ócio e o não fazer nada, a emergente exposição às situações violentas a
que estariam sujeitos os jovens da região, tais como a iniciação à escalada criminal através de
pequenos furtos descrita.
Assim, começam a emanar algumas possibilidades de respostas aos questionamentos
expostos há pouco: a relação intrínseca à valoração maniqueísta significada pelo positivo versus
negativo relativa ao uso do tempo livre pelo jovem e o que se suporia para cada uma destas
facetas.
Opõem-se, desta forma, às benesses oferecidas a partir das ações “preventivas”
desenvolvidas pela instituição, todos os males a que estariam sujeitos os jovens residentes em seu
entorno diante dos supostos riscos aí implícitos, e que, de alguma forma se entrelaçariam à sua
localização geográfica, ou seja, às margens da cidade, resignada como área propensa ao conflito e
à violência.
Todavia, derivam daí outras questões: estariam todas as crianças ou jovens do entorno, ou
que “hoje estão passeando pela Anelo”, sujeitas à gama de riscos aludidos pelo narrador, tais
como virem a ser convidadas por colegas para aventuras relacionadas a pequenos delitos, tais
“como roubar garrafa para jogar fliperama”, e à propensa ascensão destes em uma carreira
vinculada ao crime? Supondo aqui uma resposta afirmativa, o “trabalho preventivo” da
instituição com o uso do tempo pelos jovens vinculado às práticas musicais nela desenvolvidas
evitaria, de fato, os ditos “convites” e os riscos a eles associados?
A associação direta da música e suas práticas à situações criminosas e violentas, tais como
a prevenção a roubos e o uso de drogas ilícitas mencionados por este colaborador, delineia-se
propícia como ponto de entrada para uma interlocução mais aprofundada entre estes termos e
seus usos, para além do suposto aspecto salvacionista que dimensiona a música em oposição à
violência física, visivelmente mais óbvia de ser verificada, “afinal, em tal perspectiva, o que
poderia haver, além da música, de mais exemplar da não-violência, de sociabilidade pacífica e,
portanto, de seu presumido reconhecimento universal como valor positivo”? (ARAÚJO et alli,
2006, p. 3).
A partir do questionamento exposto, Araújo et alli (2006) propõem uma discussão que
pretende “situar reciprocamente formas de violência socialmente exercida em processos musicais
ou em que a música desempenhe um papel-chave.” (p. 3).
Em estudos de cunho etnomusicológicos, Araújo (2011, 2013) e Araújo et alli (2006) vêm
destacando o uso dos conceitos de violência e conflito além de sua instrumentação explicativa,
mas como categorias relevantes na história recente brasileira. Tais incursões, segundo os autores,
distinguem-se dos frequentes empregos dos mesmos em referência aos distúrbios sociais ou
individuais. Nesse sentido, o caminho sugerido por esses estudiosos é bastante divergente, já que
permite “que se tome o conflito e, até certo ponto, a violência como condições centrais à
produção de conhecimento incluindo aí o conhecimento especificamente musical e análises
culturais de práticas musicais” (ARAÚJO et alli, 2006, p. 5), tais como as que vêm sendo
desenvolvidas pela instituição foco desta investigação.
Desta feita, faz-se necessário o deslocamento da violência e do conflito como condições
para a análise da prática musical no presente caso e, particularmente, o que se pode denominar
violência simbólica através da música, semelhante ao que aponta a investigação realizada por
aqueles pesquisadores. (ARAÚJO et alli, 2006).
Embasados nos estudos de Balandier (1997) em direção à uma teoria do movimento e da
incerteza, bem como em sua eleição pela violência como um dos temas caros para a
reconfiguração das ciências sociais, Araújo et alli, (2006, p. 7) afirmam que “a violência não
deveria [...] ser mais entendida como acidente em relações de qualquer tipo, mas como um
elemento estruturante poderoso, e tão mais assim quanto for capaz de aparecer eufemizado nas
práticas individuais e sociais cotidianas”, sendo necessário, portanto, identificar e lidar com suas
formas simbólicas. Tarefa complexa, ainda mais se considerado o “caráter exponencialmente
assimétrico e muito mais eficaz do ponto de vista político”, geralmente “sublimado em
percepções de ‘carência’ dos excluídos” (ARAÚJO et alli, 2006, p. 3).
Estas noções, ainda que apresentadas de forma bastante sintética, talvez já sejam
suficientes para principiarem a compreensão aqui pretendida. Cabe, então, aproximá-las do
objeto desta análise.
Retomando os aspectos ora elencados, temos, inicialmente, a percepção acima destacada
da narrativa de um dos colaboradores desta pesquisa, relativa ao trabalho preventivo
desenvolvido pela instituição a partir das práticas musicais nela desenvolvidas; o deslocamento
da categoria violência, de um estado de exceção, para uma dimensão estruturante nas sociedades
contemporâneas e a empreita de identificar e lidar com suas formas simbólicas, considerando
neste escopo, o ponto de vista político que ora lhe é pertinente.
Na sociedade contemporânea, têm sido comum à associação de projetos que desenvolvem
práticas musicais ao enfrentamento de violências e vulnerabilidades sociais que a atingem,
particularmente em suas camadas populares, devido ao acirramento do processo de exclusão
social provocado pelo neoliberalismo (GUAZINA, 2011).
Esta associação parece bastante evidente na compreensão do fundador da instituição ao
articular a importância de suas ações à prevenção de experiências violentas por parte das crianças
e jovens que a frequentam atualmente. Por sua vez, os dados coletados que dizem respeito à
origem social dos colaboradores desta pesquisa também permitem a inclusão do Instituto Anelo
no conjunto populacional indicado por Guazina.
Assim, a situação narrada enfatiza a virtualidade dos danos decorrentes oriundos do
neoliberalismo virem a acometer os residentes do entorno institucional: “ainda que esta
conjuntura atinja todo o corpo social, as populações das chamadas favelas e periferias estão mais
expostas a estes processos” (GUAZINA, 2011, p. 4).
Diante de tais constatações, soa pertinente a leitura do colaborador a respeito das ações
institucionais serem “preventivas”. Afinal, a oportunidade por ele referida pode dizer respeito a
vários fatores. No intuito de complementar esta proposição, recorro à polifonia de vozes
pesquisadas:
Tá desenvolvendo técnica, musicalização, proporcionando pra muitos um hobby, um conhecimento, pra outros, uma oportunidade de emprego, que é que você vê em alguns alunos, uma oportunidade de trabalho e saber que de uma forma ou outra, hoje olhando os vídeos em si, eu vejo e lembro aquela pessoa ali, seguiu carreira, tá tocando, aquela outra ali migrou pra instrumento, a outra pessoa num tá profissionalmente tocando, mas poxa ela, ela tem um conhecimento, utiliza pra isso, pra aquilo. [...] Ela tava aprendendo cultura, ela tava aprendendo. É como trabalhar em grupo, como ter um bom relacionamento em grupo. (Hernani, conselheiro fiscal, p. 12 da textualização).
Porque essa idade de dezesseis anos mais ou menos, dezessete anos é uma idade um pouco turbulenta. [...] Isso também gerou amadurecimento, também a filosofia da Anelo, a intenção da Anelo em trazer música é trazer uma condição pra pessoa não ficar tão exposta. A pessoa tá aprendendo não só um instrumento, mas pra muitos uma profissão. Ajuda bastante. (Hernani, conselheiro fiscal, pp. 1-2 da textualização).
Nesse trecho é possível observar o delineamento do que vem sendo denominado
“oportunidade” no imaginário social do grupo pesquisado. Compreende-se aqui desde práticas
vinculadas ao lazer, como já destacado, até a possibilidade de desenvolvimento de “cultura”,
relacionamento em grupo, aquisição de conhecimento e, por fim, “pra muitos, uma profissão”.
Desta feita, também é possível deduzir daí, alternativas às precariedades supra expostas,
provenientes do neoliberalismo, o que, em tese, auxiliaria a população atingida pelo projeto a
desviar-se dos rumos violentos a que está sujeita.
Entretanto, faz-se necessário um exame mais detalhado sobre as relações destas
“oportunidades” com o primeiro trecho narrado e os exemplos iminentes de sujeição à violência
daquela população, tais como o roubo de garrafas, à suposta escalada no crime, ou ao uso de
drogas, à guisa de observar aí outros processos, cujas dimensões podem estar associadas à
possíveis formas de violência simbolicamente exercidas.
Em estudos de cunho etnomusicológicos desenvolvidos em projetos semelhantes ao
concebido pela instituição foco deste estudo, Araújo et alli (2006) se referem ao objetivo de
iniciativas como esta, sejam elas governamentais ou criadas por organizações filantrópicas. De
acordo com eles, seu principal intuito é “criar para os jovens alternativas aos caminhos da
marginalidade. Normalmente esses projetos atuam em áreas favelizadas da cidade, já que esses
locais, supostamente excluídos da sociedade formal, são vistos como o grande foco de ações
criminosas” (p. 17).
Diante de contextos periféricos como esses, incluindo-se aqui a região onde se localiza o
Instituto Anelo no município de Campinas:
É preciso afastar o jovem de qualquer possibilidade de envolvimento com práticas ilegais. Neste sentido, a ocupação do tempo livre torna-se essencial, uma vez que, como afirma o ditado famoso: “mente vazia é oficina do diabo”, isto é, ócio disponível para o favelado é sempre sinal de perigo. Para esse personagem, “tão coitado ou potencialmente perigoso” torna-se imprescindível um emprego ou um projeto social” (ARAÚJO et alli, 2006, p. 17).
Araújo et alli (2006) denunciam a perversidade intrínseca a esta lógica, já que a partir dela
se depositaria, sobre os moradores dessas áreas, o caráter de criminosos em potencial, quiçá
colaborando para a segurança pública ao supostamente afastá-los da criminalidade. Assim, ao
propor como objetivo um “trabalho preventivo”, a própria instituição pesquisada pode estar
colaborando para que essa predisposição conjecturada recaia sobre a população que atende, em
um movimento aproximado à necessidade de “ajuizamento” exposta no tópico anterior,
reforçando, com isso, esse tipo de estigma. Desta forma, é possível observar “mecanismos de
violência simbólica que lhes impõem visões de mundo conservadoras, e a eles próprios
contrárias” (ARAÚJO et alli, 2006, p. 23).
Apoiada em Silva (2005), Guazina (2011) reafirma a urgência de problematizarmos esse
tipo de naturalização. Segundo ela “é necessário reconhecer o pertencimento legítimo das
camadas populares ao espaço social e garantir seus direitos sociais, vencendo o estigma.” (p. 26).
Outros pesquisadores deste campo também têm observado que “a afirmação das práticas
musicais como meio de enfrentamento das violências e das vulnerabilidades possui contornos de
naturalização – como se ‘a música’ ‘naturalmente’ produzisse (sempre) resultados
eminentemente positivos de transformação social” (GUAZINA, 2011, p. 5). Incluem-se neste
escopo, a elevação da autoestima e o desenvolvimento da cidadania (ARAÚJO et alli, 2006).
Com base nestas constatações é possível dialogar com outros dados recolhidos nesta
pesquisa, já que alguns deles vão ao encontro das reflexões propostas por estes estudiosos.
Enquanto algumas das narrativas dizem respeito à naturalização da música, incluindo o gênero
instrumental, como produtora de efeitos “positivos” e de “transformação”, outras se referem à
melhora da autoestima e ao desenvolvimento da cidadania. Vejamos:
Se aquela pessoa é aquela criança muito tímida, muito... às vezes isso é decorrência de muitas coisas dentro de casa. Então, a música ela tem esse poder de mudar, de deixar a pessoa, aquela emoção de tá tocando. A pessoa se sente importante. [...] Se pegar a molecada quando tá tocando é euforia! Aquela distorção! E tal, né! Isso muda é, o sentimento daquela pessoa, ela expõe tudo aquilo, aquela parte da alegria, da tristeza, tudo, ela consegue é passar música. [...] Por que através da música a pessoa ela pode ser um bom músico, ela pode ser, mas ela ter isso enraizado. A música transforma qualquer situação. Emoção, seu lado melancólico, seu lado alegre. Ela trabalha muito essa questão. (Daniel, ex-aluno, p. 6 da textualização).
a música pode aproximar pessoas. Ela pode, como atividade em si, interligar e aproximar pessoas com realidades sociais diferentes. E isso fez muito sentido pra mim, porque a música instrumental também ajudou em minha mudança, no meu ganho de autoestima. Houve mudanças, o foco se ampliou. Não deixamos a música instrumental e nem ensinamos só ela, mas a nossa ideia é trabalhar cidadania através da música. (Luccas, fundador, p. 10 da textualização).
No primeiro desses trechos, a concepção relativa a “ser um bom músico” aparece
diretamente associada a algo supostamente “enraizado”, ou seja, biologicamente natural, cujas
raízes já estariam previamente dadas, sendo que, “através” da própria música seria possível
chegar àquele nível de qualificação musical.
O que também se nota na narrativa deste colaborador extrapola, inclusive o sentido de
“transformação social” exposto por Laize Guazina (2011), em função da elevação da música à
uma pretensa condição onipotente, já que “a música transforma qualquer situação”, inclusive os
estados emocionais. Trecho da narrativa de outro colaborador tende a confirmar tais mudanças:
Questão da timidez também, eu era muito tímido, muito tímido mesmo. Eu consegui trabalhar isso por causa da música, porque de certa forma eu tava sempre me expondo tocando, então dava pra pensar ‘se eu to me expondo tocando, por que eu num vou chegar na pessoa e tal...? Podia. A música tem esse poder de transformar mesmo. (Levi, professor, pp. 10-11 da textualização).
Assim, os efeitos observados pelos colaboradores em suas entrevistas, a partir de suas
experiências relacionadas às práticas musicais no decorrer da trajetória institucional, acenam com
algumas virtualidades “positivas”. Ao se referirem às suas próprias mudanças a partir das
percepções narradas, indicam sentidos e significados relacionados aos processos educativos
vivenciados naquele âmbito, cuja eficácia lhes parece cara, visto que “a pessoa se sente
importante através da música”, pois “ela tem esse poder de transformar mesmo”, “interligar e
aproximar pessoas com realidades sociais diferentes”, sendo possível “trabalhar cidadania através
da música” e ainda “melhorar a autoestima”.
Ao analisar os significados das práticas musicais para jovens e crianças de baixa renda, os
estudos de Hikiji (2005) vêm demonstrando que diversos elementos, tais como autoimagens,
sensibilidade, criatividade, relacionamentos interpessoais e ampliação de horizontes sociais
tendem a ser construídos. Apoiada nesta autora, Guazina (2011) afirma que:
a autoestima é pensada em termos de ‘despertar da sensibilidade, ‘criatividade’, ‘se valorizar’ e podem ter associação com a apresentação do belo e dos cuidados corporais,
o que incluem tanto cuidados médicos quanto estéticos. Também há o sentido de ‘organização do indivíduo’ em construções que comumente remetem a uma associação com a noção de cidadania. (Guazina, 2011, p. 46).
Nota-se, com isso, grande proximidade entre os sentidos narrados pelos colaboradores
desta pesquisa com os compreendidos nesses estudos.
Desta forma, as narrativas tendem a confirmar os “contornos positivos” elencados pelos
estudiosos citados, todavia, reafirmando sua naturalização, em função do tom generalizante que
lhes é aplicado, sem que antes lhes sejam desenvolvidas maiores problematizações.
Inicialmente, como já observado, é necessário lembrar que as ONGs “estão inseridas
dentro de um projeto político neoliberal que atende a ação do Estado como idealmente
descentralizada sob as rédeas da iniciativa privada” (ARAÚJO et alli, 2006, p. 25), ainda que esta
seja tomada por proponentes que residam no entorno no qual a instituição está inserida, como o
caso aqui estudado. Este dado se anuncia importante já que está relacionado ao profundo
conhecimento que estes sujeitos evidenciam ter sobre a região, suas dinâmicas próprias, sua
cultura e suas necessidades.
Nestes casos, o risco para o qual alertam esses estudiosos (ARAÚJO et alli, 2006) está
relacionado diretamente à possibilidade da ausência estatal e sua substituição contribuir para
compor “uma rede de produtos culturais mercadológicos”, CDs, grupos musicais, etc., que em
última análise retroalimentariam proposições salvacionistas e assistenciais num “círculo vicioso
perverso que pouco toca em questões de transformação de fato e concepção de um novo mundo”
(Ibid., p. 25).
Diante do exposto, os autores questionam: “por que afinal, grandes quantias de recursos
que muitas vezes partem do próprio Estado acabam indo diretamente para as ONGs e não para a
escola enquanto instituição?” (ARAÚJO et alli, 2006, p. 25). Ainda que não equacionem uma
resposta a esta indagação, o crescente sucateamento das instituições escolares evidenciado por
eles ecoa também no cuidado necessário apontado por Afonso (2001). Ao apoiar-se em
constatações a respeito do agravamento da crise da educação escolar e dos mandatos que lhe
continuam a ser depositados, sem que nela se invista de forma satisfatória, ele propõe:
Cumpre-nos, por isso, estar criticamente precavidos para o facto de a recente valorização do campo da educação não-formal poder significar ou implicar a desvalorização da educação não escolar. Por essa razão, a justificação da educação não-escolar não pode ser construída contra a escola, nem servir a quaisquer estratégias de destruição dos sistemas públicos de ensino, como parecem pretender alguns arautos da ideologia neoliberal. (p. 31).
Todavia, além de alertar para os perigos em situar a música como apaziguadora da
violência, há que se observar outros sentidos que emanam do contexto estudado.
3.4.2 - Acesso
Lá na Anelo admiro o Luccas porque se não fosse por ele eu não estaria lá. Daí a gente ia tá, a gente taria correndo até hoje achando lugar pra gente, pra mim poder fazer escola de música. Eu num sei falar que taria até hoje, mas a gente ia ter um... ter uma luta por aí. (Leandro, aluno, p. 4 da textualização). Desde pequeno já tinha um interesse pela música também. Sempre por a família tocar, influência assim, mas, às vezes a falta de oportunidade por morar num bairro carente. [...] pelo bairro que a gente mora a gente num tem contato com pessoas, com músicos que podem ensinar a gente, que indica um lugar. Então eu aprendi algumas coisas com meu irmão também, só que o meu irmão num me ensinava, eu ficava olhando ele, mas eu num conseguia. Chegou uma hora que eu fiquei uma pilha de nervos. Como se eu tivesse com as mãos amarradas. Eu num conseguia andar pra frente. Eu num conseguia tocar as músicas que eu queria porque era muito difícil. (Levi, professor, pp. 3-4 da textualização).
Ela tinha um sonho de aprender música. Tinha vontade de conhecer música e muitos deles num tinham acesso a isso. Num tinham condições de tá numa escola particular de fazer uma aula particular, então, achei legal pra caramba cê olhar assim, pô, essa pessoa tá tocando hoje bem, super bem, ou se ela continua, mas ela tem um conhecimento talvez não tão como ela poderia tá tendo, mas ela tem um conhecimento musical que é super legal saber que você contribui pra isso. E é o foco do Instituto. (Hernani, conselheiro fiscal, p. 11 da textualização).
Talvez a identificação que eu tenha com o Instituto Anelo venha de uma família também muito modesta. Eu sei o valor da informação. Quando você busca a informação e não é possível tê-la onde você está, você move o mundo pra isso. Você muda sua vida pra pegar essa informação. (Michel Leme, músico colaborador, p. 1 da textualização).
Os trechos cima aludem às dificuldades desses jovens em encontrar espaços onde possam
satisfazer seus desejos e operá-los na realidade social em função das circunstâncias que vêm
sendo expostas ao longo desta análise.
Sobressai das narrativas o interesse nessa aprendizagem, muitas vezes despertado através
de influências familiares, incluindo-se, neste âmbito, algumas das limitações relativas ao
desenvolvimento das habilidades aí implícitas: “o meu irmão num me ensinava, eu ficava
olhando ele, mas eu num conseguia”. Decorrente deste processo emergem elementos que indicam
frustração: “eu fiquei uma pilha de nervos”.
É possível observar, neste conjunto, a compreensão dos colaboradores relativa ao espaço
social onde residem e à possibilidade de acesso à aprendizagem musical como bem cultural. “A
falta de oportunidade por morar num bairro carente” associado ao fato de “num ter condições de
pagar uma escola particular de música” auxiliam a compor o tom de “luta” que dimensiona a
valorização do vínculo com a instituição.
Elementos, tais como “o sonho e a vontade de aprender música”, contracenam com a
“busca pela informação” e a necessidade de “mover o mundo para isso”. Do trecho narrado por
Michel Leme referente a um dos aspectos de sua identificação com o projeto desenvolvido,
podem ser apreendidos tantos os sentidos de valorização da informação, quanto o caráter de
aproximar os jovens de um direito que lhes é garantido por lei, ainda que não seja efetivamente
cumprido.
Nesse sentido, a contribuição das reflexões de Hikiji (2006) a partir do contato com a obra
de Zaluar (1994) soam pertinentes:
Alba Zaluar (1994), em uma pesquisa sobre projetos de prática esportiva com jovens de escolas públicas nos anos 80, comentou a tendência de classificação do esporte como atividade elitista, já que associada ao lazer e ao ócio. O ócio — e sua associação com o lazer, o esporte e as artes — é “permitido às classes abastadas”, mas o acesso aos bens culturais e artísticos não é visto ainda como direito de todo cidadão, apesar de garantido legalmente em nosso país. (HIKIJI, 2006, p. 171).
Essa “tendência de classificação”, apesar de identificada nos idos anos de 1980, ressoa e
evidencia sua continuidade no escopo pesquisado, trinta anos depois. Não só como tendência
classificatória, mas sim como efetivação da ausência do cumprimento de direitos. Assim, a
iniciativa de Luccas ao fundar a instituição é referência constante na polifonia de vozes. Afinal,
“se não fosse por ele...”.
O ócio e “sua associação com o lazer, o esporte e as artes” é autorizado em função do
pertencimento de um grupo de pessoas a um recorte socioeconômico que lhe garante acesso,
restando, aos excluídos desse bocado, justamente os sentidos e significados já expostos. Esta
contraposição tende não somente a confirmar a negação desses direitos à essa parcela da
população, mas também reforçar os status atribuídos a cada um dos setores da sociedade aqui
referidos, cuja significação é dupla e inversamente perversa.
Assim, o interesse dos jovens colaboradores pela música emergido nas narrativas, bem
como a constante luta pela sobrevivência institucional a ele associada, podem contribuir para que
se questione a concepção implícita no imaginário da população “de que o ócio, no sentido de uma
relação desinteressada e não utilitária com as artes, é uma atividade para as elites” (GUAZINA,
2011, p. 48), necessitando, antes de mais nada, ser levada ao plano de direitos.
Desta forma, a indignação de Dorival quando do frustrado pleito em levar a instituição à
condição de “ponto de cultura” 51 merece espaço. Em tom irônico, ele dispara que “hoje faz bem
pra política fala dos excluídos. Agora a gente num tem ninguém que é excluído: a gente dá aula
pra pobre só e pronto, né? Todo mundo é pobre. Então, sei lá.” (p. 18 da textualização).
Assim, a não inclusão da instituição no almejado posto em razão de sua classificação no
pleito, tende a reforçar a dinâmica de exclusão explicitada e o distanciamento no cumprimento
dos direitos de todos os cidadãos garantidos por lei.
Ainda que a iniciativa da instituição favoreça o acesso aos bens simbólicos e culturais à
população atendida, essa continua refém de um sistema que também a precariza.
Estes elementos contribuem para que se conduza a reflexão ao próximo ponto emergente
na pesquisa: o vínculo dos colaboradores com as religiões e a música.
51 “O Ponto de Cultura é a ação prioritária do Programa Cultura Viva. Ele é a referência de uma rede horizontal de articulação, recepção e disseminação de iniciativas culturais. Como um parceiro na relação entre estado e sociedade, e dentro da rede, o Ponto de Cultura agrega agentes culturais que articulam e impulsionam um conjunto de ações em suas comunidades, e destas entre si.” (BRASIL, Ponto de Cultura. In: <http://www2.cultura.gov.br/culturaviva/ponto-de-cultura>. Acesso em 1 de outubro de 2013).
3.5 - Religião, música e moralidade
Na verdade eu não tinha muito envolvimento com música, porque eu escutava mais música de igreja. Não tinha muito fora as de igreja. Música pra fora assim eu quase num conhecia muito. Eu sempre fui bastante em igreja. Bastante música de igreja. (Marciele, aluna, p.3 da textualização).
Gostava, ia na igreja, sempre fui na igreja. E a igreja ela tem essa questão de ter a música bem próxima assim, bem viva. Eu sou da igreja do Nazareno. Mas na época era da Igreja Batista. E a igreja lá sempre gostou de música, sempre incentivou, então a gente acaba se influenciando. (Daniel, ex-aluno, p. 3 da textualização).
Graças a Deus eu tava na igreja, tava com um pessoal legal, uma galera legal. Depois comecei a aprender música comecei a tocar na igreja o que já envolveu o ministério, uma responsabilidade a mais, podemos dizer assim. Que quando você tá fazendo alguma coisa pra Deus você tá envolvido em alguma coisa, cê cria certas responsabilidades. (Hernani, conselheiro fiscal, pp. 1-2 da textualização).
Um tempo de crescimento: musicalmente, profissionalmente e também como pessoa também. Porque, puxa, uma galera do bem, uma galera positiva, uma galera pra cima que a gente num tinha no Souza lá na nossa época. Poxa, a galera super pra cima, divertido numa questão sadia. Então, quer dizer, eu deixei, por exemplo, se eu num tivesse lá eu num sei. E também se eu num tivesse na igreja talvez eu taria, sei lá, saindo aos finais de semana e indo pro barzinho beber. Nada contra. (Hernani, conselheiro fiscal, p. 10 da textualização).
Nota-se, a partir dos trechos selecionados, que muito do interesse dos jovens
colaboradores da pesquisa pela música sofre forte influência da vinculação dos mesmo com “a
igreja”, independentemente da religião por eles seguida. Sua participação nos círculos religiosos
é consequência, principalmente, do vínculo preexistente entre estes e seus genitores.
Como se nota, decorrem daí, parte, tanto do incentivo para tocar um instrumento, quanto
do gosto musical dessa população. Dessa forma, este contato com “música de igreja” e os espaços
gerados para tocar, podem ser vistos como portas de iniciação e entrada da música na vida desses
jovens.
Guilherme Ribeiro, músico colaborador nos primórdios da instituição, destaca alguns
aspectos relacionados a este ponto:
Aí, outra coisa que eu aprendi a respeitar e tentei embutir neles lá, o respeito mútuo é, a coisa das religiões. Assim: eu não sou nada religioso, muito embora eu tenha sido criado lá na religião, na religião católica bem tradicional e tal, mas eu não sou um cara praticante. Só que nas comunidades tem uma gama de religiões. Cada esquina tem uma igreja. Eu num tô menosprezando, mas tem e é muito variado. E ali naquele grupo você tinha essa palheta de opções. Você tinha um cara que era lá da Assembleia de Deus, aí cê tinha as religiões espiritualistas lá, os espíritas, um era do candomblé. Aí, era difícil
fazer com que eles conseguissem ficar juntos, porque existe uma certa, um certo... era pessoal... transcendia a música... (Guilherme Ribeiro, músico colaborador, pp. 9-10 da textualização).
Sua narrativa, além de auxiliar a identificar a complexa gama de religiões existentes no
entorno institucional, contribui para que, naquele momento, efetivem-se ações de cunho
comunitário e coletivo que pressupõem a superação das diferenças apontadas por ele.
Ao me deparar com esta informação no começo da pesquisa, imprimo insistente procura
em melhor compreender a situação de conflito narrada nas entrevistas que estavam por vir.
Todavia, sou frustrado em cem por cento das vezes, em função da negativa desse tipo de conflito
por parte dos demais colaboradores da pesquisa. Hipotetizo a superação almejada, a negação, ou
mesmo uma lembrança pouco significativa para eles. Fato é que o músico, na continuidade de sua
narrativa, expõe outro viés:
E aí, eu lembro que eu tive que chegar e falar, “cara vamo... aqui a coisa num é essa... vamo, tenta abstrair senão a gente não vai progredir, né, com a música e tal...” Então, ao mesmo tempo que vi, que tinha essa dificuldade, eu também entendi que algumas religiões tiveram o papel muito importante, porque elas foram o único, elas proporcionaram o único contato que esses músicos tiveram na infância, na adolescência. “Então, aonde cê aprendeu?” “Ah, aprendi na igreja.” Se não tivesse a igreja, num ia ter mais nada. Então eu acabei entendendo o valor, social talvez, o papel social que essas igrejas têm aí numa comunidade como aquela. (Guilherme Ribeiro, músico colaborador, pp. 9-10 da textualização).
A partir de suas considerações, é possível reafirmar o caráter anunciado nos trechos
expostos acima em relação a mais uma via de acesso ao interesse pela aprendizagem musical
construída através dos vínculos religiosos. Em seu ponto de vista “se não tivesse a igreja, num ia
ter mais nada.” Deriva daí sua compreensão a respeito do “valor social” das igrejas “numa
comunidade como aquela”, referindo-se, possivelmente, às mazelas sociais a que está sujeita,
incluindo-se a precariedade relativa ao acesso aos bens culturais artísticos, como a aprendizagem
musical também denunciada pelos jovens.
Diante do cenário exposto, confirma-se a afirmação de Novaes (2005) a respeito da
pesquisa “Perfil da juventude brasileira”. Em sua análise, “as instituições religiosas continuam
produzindo espaços para jovens, onde são construídos lugares de agregação social, identidades e
formação de grupos que podem ser contabilizados na composição do cenário da sociedade civil.”
(p. 289). Incluem-se aqui, tanto a identidade musical, quanto a formação de grupos “com um
pessoal legal, uma galera legal”, como narra um dos colaboradores.
No entanto, também é importante atermo-nos para o trecho narrado que associa as
atividades desenvolvidas a partir do vínculo religioso em oposição a “ir pro barzinho beber”,
ainda que não haja “nada contra”, de cunho supostamente conservador e moralizante. Ao concluir
sua análise sobre os dados da pesquisa mencionada, Regina Novaes afirma que ”eles nos
permitem perceber [e] apreender os efeitos sociais das crenças e pertencimentos religiosos dos
jovens”. Nesse sentido, o alerta da pesquisadora recai sobre a “força proselitista de certas
religiões [...] que – não se submetendo a circunstâncias e contextos – teria o poder de [...]
esconder outros tantos preconceitos” (p. 290).
Assim, se a forte vinculação dos jovens da instituição com as religiões pode ser
reconhecida como oportunidade de acesso à bens culturais como os relacionados à música,
também é necessário um alerta que recaia sobre possíveis posicionamentos doutrinários
conservadores e preconceituosos como constitutivos dos processos educativos ali experenciados.
Para finalizar este capítulo exponho, a partir dos dados coletados na pesquisa, discussão
em torno de alguns pormenores do campo da Educação Não Formal.
3.6 - Outros aspectos relativos ao campo da Educação Não Formal
Faz bem pra mim, eu acho que eu faço bem pras pessoas da Anelo, da região. É isso: e me faz bem também. Saber que existe essa diferença e ao mesmo tempo que pessoas como um monte de gente ali da Anelo fazem as coisas acontecerem com pouca coisa e com criatividade e mais, com determinação, acreditando. Fazem as coisas acontecerem. (Gabriela, presidente, p. 4 da textualização).
O estudo desenvolvido por Kleber (2006, p.21) é embasado em publicações relacionadas a
aspectos relacionados ao Terceiro Setor e às ONGs. Segundo a autora, elas “têm o propósito de
exemplificar que as ações que acontecem nessa nova dimensão da sociedade podem ser vistas de
forma diversas”, apontando aspectos no mínimo ambivalentes em relação a este setor. Dentre
estes, destaca o enfoque observado por Roche (2002, apud Kleber, 2006) a respeito do impacto
dos trabalhos desenvolvidos por esse tipo de instituições. Segundo ele, seus resultados, por um
lado, evidenciam “falta de normatividade e de padrões mais profissionais”, e, por outro, ressaltam
a importância de se “compreender [o impacto] como uma diferença positiva... na vida das
pessoas”.
A partir destas considerações, é possível observar que a afirmativa da colaboradora
exposta acima, potencializa “o bem que a instituição faz para ela e para as pessoas da região”. A
perspicácia da assertiva, além de substancial, é constantemente corroborada pela polifonia de
vozes recolhida ao longo da pesquisa em relação ao impacto institucional como “diferença
positiva” na vida dessas pessoas, tal como destaca Roche. Assim, o significado de construção
coletiva inerente à sua fala, evidencia-se de forma contundente e com considerável frequência nas
narrativas.
Todavia, ao recorrer novamente à polifonia de vozes, é possível verificar a “falta de
normatividade e de padrões mais profissionais” ao longo da trajetória da instituição pesquisada,
tal como a observação de Roche.
Durante entrevista realizada com Gabriela, sou inquirido a respeito da investigação
relativa aos aspectos pedagógicos presentes no ensino de música desenvolvido pela instituição, já
que, de acordo com ela, “cada um faz do seu jeito”. Para minha surpresa, constato que até aquele
momento ninguém havia tocado nesse tema, exceto para mencionar as inserções de alguns
docentes da instituição em cursos superiores de licenciatura em Música. Como sua questão não
trata de objetivo específico por mim pesquisado, e diante de minha resposta negativa em relação
aos discursos colhidos até ali, ela mesma põe em pauta sua inquietação, depositando em um
suposto talento institucional, o sucesso do ensino ali desenvolvido, vinculado ao autodidatismo
dos professores:
Acho que ele [o Instituto] tem um talento enorme, mas acho que a gente peca na metodologia, na pedagogia. Por ignorância. Talvez com algum apoio a gente pudesse fazer melhor. Se não falam muito disso na pesquisa é porque num deve ter muito. Tenho a impressão que é meio experimental assim: cada um vai ensinando do jeito que acha e talvez seja assim mesmo. Não é que tá errado. Os professores são todos autodidatas. Isso eu acho uma coisa que legal discutir, pra começar a botar na cabeça e pra ver mesmo. Não tenho certeza se teria que ter uma metodologia. (Gabriela, presidente, p. 7 da textualização).
Assim, a preocupação de Gabriela com a falta de profissionalização dos educadores do
Instituto Anelo se aproxima das observações de Roche, ao mesmo tempo em que vai ao encontro
do demarcador que trata da sistematização das metodologias utilizadas no trabalho cotidiano no
campo da educação não formal. De acordo com Maria da Glória Gohn (2006), esse é um dos
pontos fracos deste campo educacional em comparação com outras modalidades educativas. Até
porque, segundo ela:
na educação não formal, as metodologias operadas no processo de aprendizagem parte da cultura dos indivíduos e dos grupos. O método nasce a partir da problematização da vida cotidiana; os conteúdos emergem a partir dos temas que se colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou ações empreendedoras a serem realizadas; os conteúdos não são dados a priori. São constituídos no processo. (pp. 31-32).
A incerteza enunciada pela colaboradora relativa à metodologia e à pedagogia nas práticas
institucionais corroboram a compreensão de Araújo (2006, p. 14) a respeito desse aspecto no
âmbito das ONGs, ao afirmar que, “rotineiramente, inexiste integração curricular ou mesmo
informal” entre seus programas ou projetos artísticos. A consideração deste pesquisador confirma
o reflexo da “dificuldade das ONGs em acompanhar os diversos projetos em andamento sob sua
tutela”.
Se por um lado, essas considerações se confirmam nas narrativas dos colaboradores,
evidenciando com isso algumas fragilidades desse campo, por outro, a constituição dos métodos
através dos processos vividos pelos integrantes da instituição vai sendo sistematizada a partir
“dos modos de agir e de pensar o mundo que circunda as pessoas” (GOHN, 2006, p. 32). Desta
forma, completa a autora:
penetra-se portanto no campo simbólico, das orientações e representações que conferem sentido e significado às ações humanas. Supõe a existência da motivação das pessoas que participam. Ela não se subordina às estruturas burocráticas. É dinâmica. Visa à formação integral dos indivíduos. Neste sentido tem um caráter humanista.” (Ibid.).
Assim, a dúvida de Gabriela a respeito da metodologia experimental utilizada a partir do
autodidatismo dos professores da instituição podem ganhar sentido humanizante nas ações ali
desenvolvidas. A união dos modos de fazer e aprender a lecionar à intencionalidade da
proposição deste colaborador pode ser observada na narrativa de Audrey, professora da
instituição, ao afirmar que pode ter “o papel de influenciar no comportamento da criança, não só
dando a matéria, mas influenciar a pessoa, assim como eu fui muito influenciada pelo meu
professor, em crescer como cidadão, crescer como pessoa.” (p. 8 da textualização).
Logo, os caminhos metodológicos percorridos, ainda que precários ou em constante
construção, estão vinculados, necessariamente, às visões de mundo e ideologias dos proponentes
e facilitadores presentes neste campo, visto que “eles são fundamentais na marcação de
referenciais no ato de aprendizagem”, ocupando posições de destaque nos processos educativos
ali vivenciados. Desta forma, é possível conhecer o projeto político do grupo (GOHN, 2006, p.
32), que pode ser sintetizado no trecho narrado por Luccas: ”Não deixamos a música instrumental
e nem ensinamos só ela, mas a nossa ideia é trabalhar cidadania através da música.”
Posto isso, é importante observar outro aspecto considerado relevante na perspectiva de
Araújo et alli (2006) a respeito de pesquisas desenvolvidas em instituições do Terceiro Setor
dedicadas ao ensino musical. Em sua perspectiva, esses projetos artísticos “são tipicamente
propostos à ONG comunitária por artistas ou coletivos externos à comunidade (i.e., não-
residentes em seus limites espaciais).” (Ibid., p. 13). De acordo com essa ótica:
A credibilidade dos proponentes, seja quais forem os critérios que a avaliem, constitui fator capital na captação de recursos, mas eventualmente a projeção social do artista-proponente também terá uma influência muito grande, ou talvez ainda maior que a da própria ONG, sobre a abertura de determinadas portas. (ARAÚJO et alli, 2006, p. 14).
Saliento esse aspecto na presente pesquisa não só em relação à instauração da instituição,
efetivada por um residente de seu entorno, tal como evidenciado no item dedicado à origem
social dos colaboradores, mas também no que tange à forma curiosa como ocorrem à inserção e o
desenvolvimento da música instrumental como gênero de referência no ensino musical ali
proposto, elementos que auxiliam a compreender sua história.
Se por um lado, Luccas e aquele primeiro grupo de jovens se aglutinam para ensinar
Música às crianças e outros jovens da região do Jardim Florence I, em Campinas, contrariando
inicialmente o aspecto destacado como “típico” por Araújo, já que na implantação desse projeto
inexistem “agentes externos à comunidade”, pois todos aqueles sujeitos residem no entorno da
instituição; por outro, o vínculo com a música instrumental seria efetivado, de fato, a partir da
vinda e das contribuições de Guilherme Ribeiro, este sim, um estrangeiro àquela região. Face a
isso, é importante considerar os interesses musicais daqueles jovens antes de sua chegada, o que
pode ser parcialmente identificado no trecho que segue:
Até então, para mim, [a música instrumental] era um gênero musical desconhecido. Quando o Guilherme Ribeiro chegou, me pediu pra que tocasse para ele ouvir. A primeira coisa que eu toquei, não deixou de ser um instrumental, mas um instrumental muito menos rico... Lembro que eu com o saxofonista tocamos Kenny G... (Luccas, fundador, p. 11 da textualização).
Assim, concretiza-se a aproximação institucional com o referido gênero musical. Dessa
forma, a função do então aluno de música da Unicamp seria de colaborador, ainda que sua
permanência no projeto ao longo de três anos seja considerada de suma importância por aquela
coletividade sob diversos vetores, particularmente em relação aos sentidos e significados
vinculados ao gênero musical apresentados por ele.
Nesse sentido, Guilherme não figura exatamente como “artista proponente” nos moldes
que sugere a afirmação de Araújo et alli (2006), visto que sua influência reside “parcialmente”
sobre a proposta institucional: o gênero música instrumental.
Entretanto, é possível afirmar, a partir dos dados coletados, que sua “credibilidade e
projeção social”, seu conhecimento de mundo e seus relacionamentos sociais sejam elementos
inegáveis em relação à abertura de determinadas portas à instituição, tal como afirmam aqueles
pesquisadores. Afinal, a aproximação dos jovens músicos do Instituto Anelo com renomadas
escolas de música situadas em outros municípios, o trânsito desse grupo em círculos de músicos
diversos, shows e apresentações têm muito de sua colaboração.
Também não há indicativos de que a participação de Guilherme Ribeiro tenha sido
significativa em relação à captação de recursos propriamente dita, pelo menos durante o tempo de
sua permanência no projeto, nos primórdios dessa história. Nesse ínterim, suas ações são
concomitantes à exclusão da instituição das agências de fomento e/ou políticas públicas
destinadas aos programas cujos enfoques são os jovens, a cultura, ou mesmo a assistência social.
Esta inclusão tardaria a acontecer e a credibilidade institucional não estaria mais propensa a ser
avaliada em função da presença de Guilherme, mas sim em relação aos elementos que ela própria
já teria consolidado até então, sendo necessário, para tanto, fundamentá-los em documentos com
formatos específicos, tal como figura no tópico desta análise destinado a analisar as formas de
captação e os processos educativos vinculados às mesmas.
Por fim, é possível afirmar que, ao enveredar por caminhos específicos, a discussão em
torno do gênero musical desenvolvido num projeto de educação não formal, pretende enriquecer
o debate acerca deste campo, bem como a compreensão das instituições do Terceiro Setor, tal
qual a pesquisa desenvolvida por Souza (2001) sobre musicalização.
No próximo capítulo apresento a análise dos sentidos expressos em torno dos diversos
processos educativos vinculados ao gênero música instrumental vivenciados pelos jovens
colaboradores da pesquisa.
CAPÍTULO 4
4. MÚSICA INSTRUMENTAL - MÚLTIPLOS SENTIDOS
E até pra saber que a Anelo não é uma escola de música. [...] Tá longe de ser só música. Exatamente. Mexe com a vida da criança. Uma palavra mal falada ali, sei lá, mal dita ali, pode quebrar tudo... mágica. A convivência dos alunos... (Dorival, professor, p. 15 da textualização).
Nossa ideia não é ser uma escola de música: é ser um Instituto que trabalha cidadania através da música. (Luccas, fundador, p. 11 da textualização).
4.1 - Performance
Ao pesquisar jovens de baixa renda inseridos em projeto de ensino musical, Hikiji (2005)
utiliza o conceito de performance. Segundo ela, a performance é central em projetos que visam a
intervenção social por meio da música, tais quais as afirmativas acima a respeito do Instituto
Anelo e de como suas ações “mexem” com as crianças que por ali passam, ao mesmo tempo em
que o que se faz por lá é considerado pelos colaboradores como “não sendo só música”. É central,
pois evidencia atores e instituição.
O conceito vem sendo utilizado por etnógrafos que pensam a música como processo de
significação social que vai além dos aspectos meramente sonoros (HIKIJI, 2005, p. 159). Desta
forma, a ênfase da análise proposta recai sobre a dinâmica da vida social, afirmativa de Türner
(1970) na qual se fundamenta Hikiji (2005). Nesse sentido, esta proposição pode auxiliar a
compreender o processo histórico da instituição pesquisada e os significados atribuídos a ele por
seus precursores. Conceito denso, performance
É espaço de transformação. É concebida como auge do processo pedagógico, lócus de exibição do que foi aprendido, ensaiado, incorporado. É oportunidade de conhecer novos lugares, pessoas, é saída para o mundo. (HIKIJI, 2005, p.158).
Como se nota, sua amplitude também é considerável. Inicio sua articulação com os dados
coletados na pesquisa a partir do trecho expresso por Hernani ao observar a imagem abaixo
utilizada no momento de sua entrevista como muleta da memória:
Essa imagem. Ah, legal! Se eu num me engano, se numrecital. Num recital. Quando eu vejo aqui é bastantvê um aluno se apresentando pela primeir‘calma, vai, vamo tocando aqui’, vamo mostrando a pvai assim, com aquele friozinho, mas é muito gostospais tão vendo, tão tirando foto, tão aprendendo. Aqui é uma aluna iniciando, tocando comela tá muito nervosa. Mas é legal. Cada recital quenovos vão ficando mais experientes, vai seconselheiro fiscal, p. 8 da textualização).
Figura XV: “Hernani com sua aluna em um dos recitai
Os recitais são práticas comuns no Instituto Anelo.
geralmente em sua própria sede, ou na Escola Estadu
sua frente. Este momento geralmente é vivenciado co
ali envolvida, tal como já pude observar em diversa
presente. Como menciona este interlocutor, estão pr
pares, colegas e amigos que também estudam música n
professores, músicos e demais colaborador
Ao mencionar o desenvolvimento da experiência adqui
o decorrer das apresentações, Hernani alude, assim,
Essa imagem. Ah, legal! Se eu num me engano, se num me falhe a memória foi num recital. Num recital. Quando eu vejo aqui é bastante emocionante num sentido assim: cê vê um aluno se apresentando pela primeira vez. Frio na barriga. Aí você juntinho ali, ‘calma, vai, vamo tocando aqui’, vamo mostrando a partitura parte por parte, e o aluno vai assim, com aquele friozinho, mas é muito gostoso porque é um aprendizado. Ali os pais tão vendo, tão tirando foto, tão super feliz porque o filho tá crescendo, tá aprendendo. Aqui é uma aluna iniciando, tocando com uma mão só. Então, quer dizer, ela tá muito nervosa. Mas é legal. Cada recital que vai se passando na Anelo os alunos novos vão ficando mais experientes, vai sendo uma rotina de apresentação. (Hernani, conselheiro fiscal, p. 8 da textualização).
Figura XV: “Hernani com sua aluna em um dos recitais da instituição.”Fonte: Acervo Instituto Anelo.
Os recitais são práticas comuns no Instituto Anelo. Ocorrem uma ve
geralmente em sua própria sede, ou na Escola Estadual Elvira de Meo Muraro, localizada bem à
sua frente. Este momento geralmente é vivenciado com grande excitação por toda a comunidade
ali envolvida, tal como já pude observar em diversas ocasiões como esta nas quais estive
presente. Como menciona este interlocutor, estão presentes a família dos jovens alunos, seus
pares, colegas e amigos que também estudam música na instituição, moradores do entorno,
professores, músicos e demais colaboradores da mesma.
Ao mencionar o desenvolvimento da experiência adquirida pelos alunos mais novos com
o decorrer das apresentações, Hernani alude, assim, ao componente transformador via
Essa imagem. Ah, legal! Se eu num me engano, se num me falhe a memória foi num recital. Num recital. Quando eu vejo aqui é bastante emocionante num sentido assim: cê
a vez. Frio na barriga. Aí você juntinho ali, ‘calma, vai, vamo tocando aqui’, vamo mostrando a partitura parte por parte, e o aluno vai assim, com aquele friozinho, mas é muito gostoso porque é um aprendizado. Ali os
super feliz porque o filho tá crescendo, tá aprendendo. Aqui é uma aluna iniciando, tocando com uma mão só. Então, quer dizer, ela tá muito nervosa. Mas é legal. Cada recital que vai se passando na Anelo os alunos
ndo uma rotina de apresentação. (Hernani,
Figura XV: “Hernani com sua aluna em um dos recitais da instituição.”
Os recitais são práticas comuns no Instituto Anelo. Ocorrem uma vez por semestre,
al Elvira de Meo Muraro, localizada bem à
m grande excitação por toda a comunidade
asiões como esta nas quais estive
esentes a família dos jovens alunos, seus
a instituição, moradores do entorno,
Ao mencionar o desenvolvimento da experiência adquirida pelos alunos mais novos com
ao componente transformador via
performance: “cê vê um aluno se apresentando pela primeira vez”; “é uma aluna iniciando,
tocando com uma mão só”, mas, com o passar do tempo, “os alunos novos vão ficando mais
experientes, vai sendo uma rotina de apresentação.” As apresentações ocorridas nos recitais, de
acordo com a narrativa, funcionam como “lócus de exibição do que foi aprendido, ensaiado,
incorporado” (HIKIJI, 2005, p. 158).
As expressões “vamo tocando aqui, mostrando a partitura parte por parte” e o aluno com
“aquele friozinho na barriga”, da “emoção”, do “nervoso” parecem equacionar em si o que
Türner (1987, apud HIKIJI, 2005, p. 159) denomina de “paradigma do processo” ao se referir à
performance. Processo, já que “arte aberta, indeterminada, descentralizada, liminar”: afinal, ele
“tá crescendo, tá aprendendo”. Um gerúndio que envolve a exposição do sujeito, pois o coloca
em evidência.
Schechner (1988, apud HIKIJI, 2005) também destaca o caráter transformador como
pertencente à experiência da performance. O autor concebe que a mesma ocorre no performer,
em seu corpo e em sua mente, principalmente no caso de rituais, quando a transformação pode
ser permanente. Assim, os recitais podem ser concebidos como rituais de iniciação dos alunos
nos palcos, já que ali geralmente ocorre a primeira apresentação pública de suas vidas vinculada à
música.
Talvez o exemplo mais incisivo que emerja das narrativas a respeito dessa ritualidade via
recital, articulada ao caráter de transformação que ocorre no corpo e na mente, tal qual a proposta
de Shechner, possa ser considerado o de Rômulo. Ele descreve a seguinte experiência ao observar
uma das fotografias utilizadas durante sua entrevista:
Essa aqui foi minha primeira apresentação na vida. Eu nunca tinha me apresentado antes. Eu desmaiei nesse dia. Passei malzaço no palco, minha pressão baixou aí eu saí do palco. Foi a minha primeira vez tocando. Nervoso, sei lá eu tava... nossa! Daí saí, fiquei mal e eu disse pro meu primo ‘vou precisar sair’. Aqui é o Toni aqui do lado. Aí saí. Não toquei mais. Só fiquei ouvindo de fora depois.
Depois disso eu vi que na verdade eu precisei passar por isso por que agora eu num fico mais nervoso em lugar nenhum, por que o pior já passou, quase desmaiei no palco. Acho que num dá pra ficar pior que isso. Só se alguém me jogar um troço de repente. (Rômulo, professor, pp. 11-12 da textualização).
Hikiji (2005, p. 169) considera que ”a performance é também uma experiência sensível
única, que mobiliza sensações independentemente de estarem sobre o palco amadores,
profissionais, estudantes ou participantes de um projeto de intervenção social”. Todos os trechos
acima narrados sugerem a descrição deste tipo de experiência, podendo assim corresponder a
uma parte dos processos educativos significativos aos sujeitos que compõem a história
institucional relacionados a um “intenso aprendizado emocional”, tal como formula Hikiji a partir
da concepção de educação sentimental de Dawsey52.
Ainda que recheados de aspectos complexos e supostamente delicados de serem
vivenciados, tais como a sucessão de emoções e sintomas que acometem Rômulo antes de sua
apresentação, a manipulação e efeitos dos mesmos sugerem o referido aprendizado e o efeito
didático posterior por ocasiões de futuras apresentações, afinal, “o pior já passou”.
De acordo com Hikiji (2005), “o medo do palco e o frio da barriga são comuns a músicos
experientes ou iniciantes, conforme diversos relatos, e por isso podem ser pensados como
constituintes da experiência da performance”. (p. 169).
Experiência de ampla magnitude, compreendo que a performance possa ter efeitos
múltiplos e imprevisíveis, tal qual o desmaio descrito há pouco, ou mesmo o desenvolvimento de
posturas e significados outros, assim como sugere a narrativa de Audrey, jovem professora da
instituição:
Eu tremia que nem vara verde. Nossa!!! E sem conta que assim, acho que até hoje eu tenho um pouco disso. Quando você, pelo menos pra mim, dar aulas é muito mais espontâneo, muito... eu me identifico muito mais do que tocar em público. Quando fala que eu vou te que tocar, que eu vou te que cantar em público me dá uma vergonha! Nossa, eu fico completamente envergonhada, constrangida, incomodada, me dá muita ansiedade, coisa que falar na frente das crianças eu não tenho, eu não tenho! Justamente por isso que eu me identifico tanto com dar aulas. Porque pra mim já é algo natural. É algo que pra mim soa natural, já faz parte do meu corpo se junta nessa execução. Então eu num tenho assim, num meço tanto as palavras assim pra falar. Elas saem naturalmente, a aula soa mais naturalmente do que quando eu vou cantar em público.
52 Hikiji (2005), não tece maiores explicações a respeito do conceito em seu texto. Apenas retoma a lembrança de John Dawsey (1999), segundo a qual “a educação sentimental é um dos efeitos didáticos do teatro da vida social balinesa ressaltados por Clifford Geertz.” (HIKIJI, 2005, p. 170).
Eu sempre me preparo melhor pra dar aulas, e penso que quando eu vou me apresentar diante de um público, geralmente eu não estou preparada. Então acho que por isso que também tem essa ansiedade. (Audrey, professora, p. 10 da textualização).
Diante do exposto, os significados atribuídos e constituintes das experiências de
performance da colaboradora, tais como a vergonha, o constrangimento e a ansiedade, parecem
colaborar para que a jovem, em contraposição a tais efeitos, naturalize suas ações como docente.
Desta forma, ela considera o corpo e a espontaneidade alinhadas ao momento de dar aula como
algo que já “fazem parte” de sua execução. Todavia, compreender este posicionamento em
oposição às apresentações públicas e sua percepção acerca das ações vinculadas à docência,
implica ainda considerar que, para as primeiras, ela afirma “geralmente não estar preparada”, ao
mesmo tempo em que para as segundas, suas aulas, “sempre se prepara melhor”. Vista por esse
ângulo, a experiência da performance parece contribuir, inclusive, na tomada de rumos e nos
processos de escolha vinculados às possibilidades do campo musical: habilidades e interesses vão
se alinhando numa mesma direção.
Schechner (2006) afirma que “performances – de arte, rituais, ou da vida cotidiana – são
‘comportamentos restaurados’, ‘comportamentos duas vezes experenciados’, ações realizadas
para as quais as pessoas treinam e ensaiam” (Ibid., p. 29), ou seja, comportamentos restaurados
“são ações físicas, verbais ou virtuais, que não são pela primeira vez, que são preparadas ou
ensaiadas” (Ibid., p. 30).
A partir desta proposição é possível questionar o caráter naturalizador atribuído pela
jovem à suas atividades docentes, dado que seu melhor preparo para as mesmas pode, ou deve
implicar outra qualidade nos comportamentos restaurados por ela no momento de ministrar suas
aulas.
Hikiji (2005) também destaca outro elemento importante a respeito do conceito de
performance: a experiência da coletividade. Em sua análise, “a prática em conjunto favorece a
criação de vínculos afetivos entre os participantes e acentua redes de sociabilidade”. (p. 163).
O componente afetivo pode ser observado tanto na imagem acima (figura XV, p. 146),
quanto na expressão usada por Hernani: “aí você juntinho ali, ‘calma, vai, vamo tocando aqui’,
vamo mostrando a partitura parte por parte”. É comum professores e alunos dividirem o palco
nestas ocasiões: além do apoio emocional por parte dos mestres, a execução das músicas também
fica a cargo de ambos. Desta forma, a dinâmica das apresentações pode contribuir para a
ampliação do horizonte social do jovem e sugerir o exercício da alteridade.
É importante ressaltar as experiências de cunho coletivo narradas por alguns
colaboradores cujas pretensões sugerem, inclusive, o desenvolvimento de habilidades sociais:
Aí, com jeitinho a gente vai conversando, vai se soltando, vai vindo os recitais, as crianças vão se apresentando [...] Acho que um dos maiores exemplos era o Levi que tinha um pouco de dificuldade de conversar, se comunicar. Bastante tímido. Então agora você vê: é uma pessoa mais dinâmica, conversando, tomando atitude de uma forma positiva, uma forma boa, é show de bola. [...] Pra ajudar alguns alunos meus, por exemplo, catei alguns alunos, coloquei dois teclados, o aluno meu de teclado, aí fiz uma participação de Levi, na batera um outro aluno, aí você vê a interação dos alunos ali. Então, quer dizer, você vê a criança desenvolvendo. (Hernani, conselheiro fiscal, p. 9 da textualização).
Por um lado, é valorizado o significado do aprendizado de habilidades como as descritas
pelos jovens colaboradores, tais como a comunicação e o dinamismo, a timidez que agora fica no
passado, vinculadas à possibilidade de transformação via música desenvolvida nas situações
coletivas vividas na instituição, ou em outras em que a exposição é necessária, sendo tais aptidões
qualificadas como “atitudes positivas” e em “formas boas”. Por outro, há que se perguntar em
que dimensão a música, ou as ações desenvolvidas em torno dela podem colaborar para o referido
desenvolvimento sem considerar outras inúmeras situações vividas pelos próprios jovens que
também poderiam interferir nesse processo. Outro questionamento que pode ser levantado sobre
o mesmo aspecto se refere à gama de sujeitos que virtualmente poderiam ser atingidos de forma
similar à descrita na narrativa.
Uma vez mais os adjetivos “positivos e bons”, apesar de sugerirem uma dimensão
interessante ao possível desenvolvimento de atitudes a partir das práticas musicais, tais como
“conversar e se comunicar de forma mais dinâmica”, também podem oferecer margem para uma
compreensão moralizadora destas ações, ou ainda, expressar que a música em si pode levar as
pessoas a desenvolver atitudes “boas”, o que lhe conferiria um suposto poder passível de ser
questionado: teria mesmo a música todo esse poder?
No que concerne a presente investigação, a experiência do coletivo também pode ser
dimensionada a partir de um horizonte para além dos aspectos já destacados no capítulo anterior
relativos à sociabilidade, tais como a ampliação desse tipo de rede e os elementos afetivos
passíveis de comporem tais vínculos. A título de desenvolver esta proposta, valho-me do seguinte
trecho retirado de uma das narrativas a respeito das ações desenvolvidas na instituição:
O que o Instituto Anelo faz é um veneno pro sistema. E nos papos que eu tenho tido lá, rola muito som lá. Uma vez fiquei com o Arismar três horas no palco, depois com o Djalma a mesma coisa. Depois fui tocar com outra rapaziada duas horas e meia. Tocando e depois tem os papos. O que acontece? As mães, na primeira vez que eu comecei a levar esse papo uma mãe levantou e a veia dela saltando! Eu falei ‘opa! Essas pessoas têm coisa pra dizer. Só que num encontra nunca a oportunidade!’ Num tem interlocutor. Então, eu desejo vida longa ao Instituo Anelo porque ele é um gueto! Saca? Ele tá completamente fora do centro de Campinas, as pessoas têm medo de ir lá pra esse bairro e ele é um gueto também. (Michel, músico colaborador, p. 6 da textualização).
Os episódios descritos se referem às incursões realizadas por Michel Leme na instituição,
ao se dirigir para lá com um grupo de músicos formado por ele e vir de São Paulo
esporadicamente para “tocar e conversar”. As incisivas deste colaborador a respeito da
experiência artística desenvolvida coletivamente oferecem a possibilidade de um ângulo ainda
maior no que tange ao seu alcance. Ocupam o terreno do campo político ideológico, indo em
direção oposta aos pressupostos neoliberais de esvaziamento do espaço público. Estão inseridas
numa ótica que segundo Hikiji (2005), ainda apoiada em Shechner e na teoria antropológica da
performance, “implica [em] não isolar esferas da vida social como estética, ética, politica,
religião, etc.” (p. 160). Nesse sentido, o trecho narrado sugere que muitas dimensões estão em
jogo: a político-ideológica, a estética, a ética, a afetiva e ainda a educativa, afinal, estão postas
também a formação e a informação no mesmo momento daquele processo. Para este colaborador,
o fazer música é estipulado como prática que estabelece relação direta com possibilidades de
intervenção social.
A experiência narrada também pode ser compreendida a partir do conceito de
performance cunhado por Goffman (1959). De acordo com o autor,
Uma performance pode ser definida como toda e qualquer atividade de um determinado participante em uma certa ocasião, e que serve para influenciar de qualquer maneira qualquer dos participantes. Tomando um participante em especial e sua atuação como ponto básico de referência, podemos nos referir a aqueles que contribuem para as outras performances como o público, os observadores, os outros participantes. (GOFFMAN, 1959, apud SCHECHNER, 2006, p. 3).
Assim, ao retomar a narrativa de Michel é possível observar não só a “atividade de um
participante em certa ocasião e sua influência sobre os demais”, como também uma dimensão
dinâmica do conceito de performance em função da mudança do ponto de referência na
circunstância construída. Primeiro os músicos tocam e aqui já ocorre variação dos pontos de
referência e contribuição para suas novas performances. Depois, Michel expõe temas
multifacetados, envolvendo múltiplas esferas da vida social, tal como exposto, e “o que acontece?
As mães, na primeira vez que eu comecei a levar esse papo, uma mãe levantou e a veia dela
saltando!” (p. 7 da textualização). Assim, outras performances e novas contribuições são
retroalimentadas num continuum de influências decorrentes daquele encontro, daquela
coletividade, envolvendo plateia, músicos e outros observadores.
Nesse sentido, o trecho narrado pelo músico é passível de ser tomado como exemplo de
encontro com o outro na plateia, também considerado constituinte da performance (HIKIJI,
2005). Desta forma, a experiência da performance funciona como “palco de um amplo jogo de
espelhos, lugar de exibição de identidade e construção de auto-imagens” (HIKIJI, 2005, p. 158)
para os diversos sujeitos implicados em sua construção.
Segundo Novaes (1993, apud HIKIJI 2005) a autoimagem é com “conceito relacional
[que] se constitui, historicamente, a partir de relações concretas muito específicas que uma
sociedade ou grupo social estabelece com os outros” e que implica características “extremamente
dinâmicas e multifacetadas, dependendo de quem é o outro que se toma como referência para a
constituição da imagem de si” (p. 166).
Outras duas narrativas são utilizadas como referência para desenvolver esta proposição:
Aqui já era tocar ao vivo. Também... tinha um pouco de vergonha. Principalmente... tinha vergonha, mas era gostoso, principalmente quando tinha recital. Os pais estavam ali... então, era a hora que a gente mostrava o projeto mesmo. Os pais vendo os alunos tocarem, vendo o resultado final. Não só o filho saí pra ir pra escola ali na Anelo, o Instituto, mas vendo o resultado, vendo os professores. Eu acho que era uma forma também de expressar isso. Mostrar que o trabalho era sério. Que funcionava. Mas era muito prazeroso. Todo recital era atenção! Porque prepara aqui, aluno toca certo, aluno vem, mas ao mesmo tempo que era, tinha essa preparação de tá ali com os alunos, era gostoso também. Porque era o resultado final que os pais tá vendo o crescimento musical do aluno. E também, é o resultado do professor. Cê tá vendo ali seu aluno toca! Pô, bacana! Ou fala ‘Não, tá legal! Fiz direitinho, né? Tá tocando, né?! Bacana! Funcionou, né? (Daniel, ex-aluno, pp. 7-8 da textualização).
Neste trecho, verifica-se que, dependendo de quem é o outro, podem ocorrer mudanças na
autoimagem construída: “ao tocar ao vivo tinha vergonha, mas era gostoso”; ou então “é o
resultado do professor que os pais estão vendo”, ou ainda “cê tá ve
Funcionou!”
O próximo é recolhido a partir da rememoração de um
imagem abaixo no momento de sua entrevista:
Esse é o Santa Fé. Essa aí acho que foi uDaniel aqui no contrabaixo, que massa! Prince, Toniprimeiras vezes mesmo que a gente tocou lá e foi inmelhores. E aí é complicado. Ser confutebol na rua.. E aí jogando pelada ali no meio datravezinhas de chinelo e aí um belo dia o cara te cDali, entende? Então, pra milá. (Rômulo, professor, p. 12 da textualização).
Figura XVI: “Jovens componentes do Instituto Anelo
Rico em analogias, o t
via desejo e admiração, como num espelho do futuro:
mas “jogava pelada no meio da rua com as travezinha
o cara te chama pra jogar na seleção brasileira”. A
referência exprime a constituição da imagem que o s
espelhos a partir do encontro com o outro no palco
fessor que os pais estão vendo”, ou ainda “cê tá vendo ali seu aluno toca!
O próximo é recolhido a partir da rememoração de um dos colaboradores ao observar a
imagem abaixo no momento de sua entrevista:
Esse é o Santa Fé. Essa aí acho que foi uma das primeiras vezes que a gente tocou lá. Daniel aqui no contrabaixo, que massa! Prince, Toni, Paulinho. Acho que foi uma das primeiras vezes mesmo que a gente tocou lá e foi incrível, porque eu ia lá pra assistir os melhores. E aí é complicado. Ser convocado um belo dia pra jogar futebol... cê joga futebol na rua.. E aí jogando pelada ali no meio da rua, os golzinhos de chinelo... né, as travezinhas de chinelo e aí um belo dia o cara te chama pra jogar na seleção brasileira. Dali, entende? Então, pra mim foi praticamente isso assim. Depois toquei váriaslá. (Rômulo, professor, p. 12 da textualização).
Figura XVI: “Jovens componentes do Instituto Anelo tocando na Estação Santa Fé em Campinas.”Fonte: Acervo Instituto Anelo.
Rico em analogias, o trecho evidencia que, num primeiro momento, a identi
via desejo e admiração, como num espelho do futuro: “porque eu ia lá pra assistir os melhores”,
mas “jogava pelada no meio da rua com as travezinhas de chinelo”; posteriormente, “um belo dia
o cara te chama pra jogar na seleção brasileira”. Assim, a retomada desta imagem como
referência exprime a constituição da imagem que o sujeito tem de si agora, retratando o jogo de
espelhos a partir do encontro com o outro no palco e na plateia, do palco
fessor que os pais estão vendo”, ou ainda “cê tá vendo ali seu aluno toca!
O próximo é recolhido a partir da rememoração de um dos colaboradores ao observar a
ma das primeiras vezes que a gente tocou lá. Daniel aqui no contrabaixo, que massa! Prince, Toni, Paulinho. Acho que foi uma das primeiras vezes mesmo que a gente tocou lá e foi incrível, porque eu ia lá pra assistir os
vocado um belo dia pra jogar futebol... cê joga futebol na rua.. E aí jogando pelada ali no meio da rua, os golzinhos de chinelo... né, as travezinhas de chinelo e aí um belo dia o cara te chama pra jogar na seleção brasileira.
m foi praticamente isso assim. Depois toquei várias vezes
tocando na Estação Santa Fé em Campinas.”
recho evidencia que, num primeiro momento, a identificação ocorre
“porque eu ia lá pra assistir os melhores”,
s de chinelo”; posteriormente, “um belo dia
ssim, a retomada desta imagem como
ujeito tem de si agora, retratando o jogo de
e na plateia, do palco e da plateia.
As apresentações também podem vividas como momentos que auxiliem a compor
identidade, “conceito que fixa atributos”, sendo evocada quando da “criação de um nós coletivo”
(NOVAES, 1993, apud HIKIJI, 2005, p. 166). Nesse sentido, o nós se refere à instituição
considerada comunidade de destino, a “comunidade fundida por ideias”, “comunidade de
indivíduos que acreditam” (BAUMAN, 2005, p. 17). Os pais vendo “o Instituto que funciona”
com seus professores e alunos.
O mesmo trecho ainda pode servir para aproximar o conceito de performance a seu caráter
de completude, “de finalização de uma experiência, sem a qual esta não se completa” (HIKIJI,
2005, p. 159), ou seja, como auge do processo pedagógico.
Os significados expressos pelo colaborador aludem que as experiências vividas nos
recitais funcionam como uma espécie de ápice do projeto, tanto para alunos e professores, quanto
para a plateia mais ampla ali presente, composta, inclusive, pelos pais dos primeiros. Chegou a
hora de “mostrar o projeto mesmo” e, além de revelar que ele “funciona”, todos estão assistindo
“o resultado final”, “vendo o crescimento musical dos alunos”.
Por sua vez, Hikiji (2005) afirma que é importante “pensar a performance como uma
sequência total, tal como proposto por Richard Schechner (1985)”. Para este “autor, a
performance deve ser pensada como uma sequência de sete partes: treinamento, workshops,
ensaios, aquecimentos, performance, esfriamento, consequências”. (p. 171).
Este trecho evidencia ao menos duas dessas partes: os treinamentos e os ensaios:
Por mais [...] que eu saiba que ele tem muito ensaio, músico num nasceu sabendo tocar, num acredito muito, acho que tem talento, gente que tem mais, gente que tem menos, mas normalmente esses músicos que são bons é porque eles estudam demais. E aí eles vão ficando cada vez melhores (Gabriela, presidente, p. 9 da textualização).
A ênfase dada pela colaboradora, apesar de sugerir a existência de algum talento por parte
dos colaboradores, não se furta em observar que suas habilidades, demonstradas ao executarem a
música instrumental, vêm sendo desenvolvidas através de estudos e treinamentos, provavelmente
realizados com razoável grau de disciplina.
A amplificação do conceito bem como sua aplicação podem auxiliar na continuidade da
compreensão relativa aos sentidos dos processos educativos manifestados pelos jovens
colaboradores desta pesquisa. O trecho abaixo diz respeito aos eventos inseridos pelas iniciativas
de Guilherme:
Então se eu armasse um som lá no Santa Fé eu já falava: “olha, vamo lá fazer uma visita pros caras”. Aí marcava, ao invés da aula uma coisa meio workshop, levava o músico lá pra tocar com eles, pra dar umas dicas, pra fazer uma troca musical. E eu levei muita gente! Todos meus amigos. Muitos deles se envolveram também com a Anelo e tão até hoje, tem uma relação com o Luccas, com a Anelo. (Guilherme Ribeiro, músico colaborador, p. 6 da textualização).
Além do envolvimento de muitos músicos com a instituição desde então, tal como a
menção do jovem músico, os workshops, aqui compreendidos como mais uma das partes que
compõe a performance, têm efeitos diversos na relação com o outro no palco, assim como no
próprio processo de gestão das informações que vão se propagando na continuidade da história
institucional, reconhecidos ali via processos de troca.
Os processos de identificação com os elementos estrangeiros à instituição também
ocorrem pela vertente geracional. Trecho que remete a esta possibilidade de entendimento pode
ser observado na narrativa abaixo:
Ah, é tudo muito legal quando vêm esses caras aqui, por que é sempre muita informação que gente vai absorvendo, principalmente da vivência dos caras. Michel mesmo é um cara que, pô tocou já pra tudo que é canto, com tudo que é gente, tipo de gente e tocou todo que é tipo de som também. Ele tem muito disso pra passar. Então é muito legal até conversar com ele. E ver tocar num precisa nem falar.
Agora, o mais legal é que de vez em quando ele trazia uma galera que tinha a mesma idade que eu! Ou mais jovens. Os caras tocando no mesmo nível dele! Isso é uma coisa que eu ficava muito impressionado assim de ver. Que tem gente que pô, o cara desde pequeno estudando e já direcionado pro lado certo ali e ouvindo as coisas boas. Muito legal mesmo! Um incentivo, opa! (Rômulo, professor, p. 12 da textualização).
Michel Leme, o músico mencionado por Rômulo, é um dos colaboradores que mantém
forte relação com a instituição, seguindo a trilha iniciada por Guilherme. Sua participação é
considerada importante em função da ampla experiência profissional construída a partir de sua
vivência, sendo assimilada por professores e alunos da instituição a partir da absorção das mais
variadas informações advindas dos encontros realizados na sede da mesma, ou fora dela.
Todavia, o destaque no trecho narrado pelo jovem colaborador se refere ao fato de ver no palco
pessoas de sua idade cujo desempenho se assemelha ao nível técnico apresentado por Michel,
chegando a impressioná-lo. Em sua avaliação, por trás dessa amostra, ocorre muito estudo e
dedicação há muito tempo, servindo-lhe de motivação aqui retratada como “incentivo”,
apontando, possivelmente para a direção, ou desejo de como ser futuramente.
Ao mencionar a “direção certa” tomada por aqueles jovens, geralmente paulistanos, ao
ouvirem “as coisas boas” desde muito cedo, o colaborador faz entrever seu posicionamento frente
ao modelo apresentado como “certo”, deixando em aberto o que seria o “errado”, emitindo com
isso, um sentido de juízo atribuído ao gênero musical apresentado: a música instrumental. Nesse
sentido, os workshops podem ser compreendidos como parte importante da sequência
apresentada por Schechner: além de poder envolver aspectos relativos a processos de
identificação, também podem ser desenvolvidos elementos que possibilitem avaliação estética,
ainda que impregnados de parâmetros construídos dentro dos mesmos grupos e associados à
disputa simbólica em torno dos gêneros musicais (FRITH, 1998, apud, JANOTTI Jr. 2003).
A sequência de workshops narrados pelos colaboradores da pesquisa é ampla e repleta de
sentidos e significados vinculados aos processos educativos vivenciados por eles. Também
compõem esse tipo de experiência as diversas trajetórias percorridas pelos jovens no trânsito a
inúmeros espaços onde elas ocorrem, ou ainda, onde outras vivências são desenvolvidas também
em decorrência dos laços estabelecidos com a instituição. O próximo tópico contempla este
assunto.
4.2 - Novos espaços
Aqui eu tava com vinte, vinte e um... Tava com vinte. Ah, isso aqui foi quando a gente tava vendo a bolsa do Souza Lima, foi essa fase... Ah, foi muito bom! É uma emoção. De conhecer um conservatório, saber como que é... vê guitarrista conhecido. Vê músico conhecido. Então misturava a emoção de ver ali aqueles músicos, de entrar nesse mundo, de conhecer pessoas ali tão renomadas. Então eu lembro que nessa época eu tava à toda! Empolgadíssimo! Tava vivendo aquela fase boa. Emoção ali e eu lembro quando eu fui as primeiras vezes lá nossa, ficava encantado vê tudo aquilo, né? Aqueles músico, aquele pessoal tudo doido, cabeludo. Mas é aquela emoção de conhecer um, um espaço tão renomado. Que o conservatório ele é um conservatório bem renomado. Então foi uma fase muito boa que eu vivi aqui. Demais! (Daniel, ex-aluno, p. 7 da textualização).
Se a pesquisa de Hikiji (2005) aponta diversos caminhos percorridos pelos jovens
vinculados ao projeto Guri e à experiência da performance em outros espaços distantes de suas
moradias, principalmente nos palcos onde vão para tocar, desenvolvendo com isso sua educação
sentimental (p. 174), a trajetória dos colaboradores na presente pesquisa insinua caminhos ora
semelhantes, ora distintos àquela.
É possível que o mais distinto deles diga respeito ao conhecimento de outros espaços, mas
não vinculados à experiência da performance pública 53, tal qual a reflexão proposta pela autora,
mas sim aqueles experimentados em outras partes da sequência elaborada por Schechner no
desenvolvimento daquele conceito: o treinamento e os ensaios, ou mesmo os formatos próximos
a workshops, tais como os descritos por Michel Leme, quando de suas visitas ao Instituto.
Os vínculos estabelecidos com experiências ocorridas em outros espaços narrados pelos
colaboradores, remetem-se, inclusive, aos primórdios institucionais antes mesmo da acentuação
das ações em torno da música instrumental, ocorrida a partir da aproximação de Guilherme
Ribeiro.
A analogia de Rômulo sobre o futebol descrita por há pouco oferece a perspectiva de
trânsito desses jovens pelo Santa Fé naquele momento. Aliás, é a partir de tais incursões que se
desenvolve a relação do jovem músico formado pela Unicamp com a instituição:
Minha história com a Anelo eu num lembro exatamente o ano. Dois mil. [...] Inclusive eu conheci o Luccas no Santa Fé. [...] Num desses eventos, dessas noites que a gente organizava pintou o Luccas lá. Aí, toquei, fui trocar uma ideia. Até teve um evento engraçado: que eu usava um teclado naquele dia, quebrou o conector da fonte. O Luccas me ajudou. (Guilherme, músico colaborador, pp. 4-5 da textualização).
Ao que tudo indica, a presença de Guilherme marca o incremento tanto em relação à
diversidade, quanto à frequência dessas experiências. Nesse sentido é possível recorrer aos
exemplos abaixo:
Aí eu lembro que num determinado período houve aquele Prêmio Visa. [...] acho que era gratuito. Você podia assistir. Eu lembro que a gente organizava umas carreatas e ia lá ver. Era o que tinha de mais fresco e novo na música instrumental brasileira.
53 A autora não conceitua performance pública. Subtende-se, de seu texto, que seja aquela desenvolvida em exibições com plateia: ”suas habilidades são exibidas para um público amplo”. (HIKIJI, 2005, p. 163).
Eu lembro também que nesse período o conservatório de Tatuí organizava os festivais. Eu dava um jeito deles participarem ou como alunos, ou como ouvinte, ou só assistia os shows. (Guilherme, músico colaborador, p. 6 da textualização).
Se a inserção desse grupo de jovens no circuito da música instrumental já ocorria quando
de sua frequência no Santa Fé, em Campinas, com a aproximação de Guilherme, ocorre sua
ampliação: os jovens passam a frequentar o circuito paulistano de música instrumental. De
acordo com Magnani (2007), circuito de refere à
categoria que descreve o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantém entre si uma relação de contiguidade espacial, sendo reconhecido em seu conjunto pelos seus usuários habituais [...] designa também um uso do espaço e de equipamentos urbanos – possibilitando, por conseguinte, o exercício da sociabilidade por meio de encontros, comunicação, manejo de códigos (p. 21).
Este acesso ampliado é constantemente referido pelos jovens entrevistados, denotando
significados de valorização tanto em relação aos serviços oferecidos pelos estabelecimentos e
práticas que o compõem, como também pelas relações interpessoais que eles passam a travar com
os outros frequentadores: músicos, professores, alunos, interessados e aficcionados no gênero
instrumental.
Além do aumento e variedade, é no quesito intensidade que tais experiências ganham
corpo nas narrativas dos colaboradores, como se vê no trecho descrito por Daniel no início deste
tópico referente ao primeiro vínculo institucional com o Conservatório Souza Lima, em São
Paulo.
Ter “contato com pessoas tão renomadas”, “conhecer um conservatório” com esse mesmo
qualitativo, propicia uma sucessão de variadas emoções que sugerem a valorização desta
experiência. “Entrar nesse mundo”, e o sentido de pertença que daí se deduz em função do estado
de empolgação descrito pelo jovem, pode indicar também elementos de identificação que
auxiliam na composição de sua identidade. Ao adentrar naquele espaço, o outro passa também a
sê-lo, pois ao mesmo tempo em que descreve, também compõe o grupo ao qual se refere.
Assim, a inserção dos jovens músicos nessa teia de relacionamentos interpessoais pode ser
compreendida como um “conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de
uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-
reconhecimento”: o capital social. (BOURDIEU, 2011, p. 67). Desta forma, tanto as propriedades
comuns das quais são dotados os agentes desses grupos, bem como as próprias ligações aí
estabelecidas “são fundadas em trocas inseparavelmente simbólicas cuja instauração e
perpetuação supõem o reconhecimento dessa proximidade.” (Ibid.).
O impacto relativo aos incentivos iniciais de Guilherme à primeira geração de jovens
participantes do projeto, no que tange às experiências vividas por eles em outros espaços
destinados ao ensino ou fruição musical, pode ser dimensionado no fragmento da entrevista
realizada com esta colaboradora ao descrever a inserção de alguns daqueles sujeitos no
Conservatório de Tatuí:
Tem uma coisa, não sei se o Guilherme fala, mas eu sempre falo do Guilherme: eu acho que o que ele mudou muito ali é fazer o pessoal acreditar que podia. Quando o Guilherme [...] ele mais ou menos forçou o pessoal a fazer a prova, não do Souza Lima, do Conservatório de Tatuí. E isso pra mim foi uma mudança muito grande. Aí eu acho pra eles, sei lá se chama autoestima, mas o pessoal percebeu que tocava bem mesmo. Que num era só pra mim. E vi desse jeito. Não é que o Guilherme falava. Eles foram num super conservatório do Brasil e passaram! Vários passaram! Não foi um, foram vários! E depois foram pro Souza Lima. (Gabriela, presidente, p. 12 da textualização).
O entusiasmo das palavras de Gabriela em relação ao desempenho musical de alguns dos
primeiros integrantes da instituição é de grande valia em relação às “mudanças” que podem
sugerir, particularmente naquilo que ela denomina de autoestima dos mesmos. De acordo com
seu ponto de vista, a inserção dos jovens na nova instituição parece contribuir para uma
autovalorização considerável. Isso derivaria do fato dos mesmos comporem o corpo discente do
conservatório, comumente tido como referência dos aficionados da música instrumental, seja pela
constituição de seu corpo docente, ou mesmo pela participação de “grandes nomes” do gênero
que por lá transitam. Josimar, um daqueles jovens, descreve alguns pormenores dessa
experiência:
E eu consegui ver ele lá em Tatuí. Consegui conhecê-lo. Fiz aula, até algumas aulas assim de improvisação. Lá em Tatuí eu também conheci o Paulo Flores, Paulo Braga. São caras assim da música instrumental referência. Lá em Tatuí eu vi o Guinga! Nossa, o Guinga, fenomenal! Nossa! Eu consegui ver o Lula Galvão que é outro guitarrista que pra mim também é um dos melhores. Nossa, eu vi Teco Cardoso. São todos nomes da música instrumental brasileira. O Itiberê, eu vi o Hermeto Também. A escola de Tatuí é bem nesse estilo. É o estilo dos caras. Esse brazuca, brazuca baião. Brazuca samba Hermeto mesmo. (Josimar, professor, pp.7-8 da textualização).
Tal descrição sugere um misto, ou mesmo sobreposição das partes sequenciadas por
Shechner (1985) relativas à performance: workshops, ensaios e treinamentos, vinculados a outros
momentos, tais como as aulas propriamente ditas, ou ainda a já explorada experiência de ver o
outro no palco. Refletem ainda a importância relativa tanto ao espaço (HIJIKI, 2005, p. 174) e os
efeitos do trânsito sobre ele daqueles inúmeros músicos, quanto à sua própria inserção e
pertencimento a este clã: “era bem concorrido. E a gente conseguiu passar.” (Josimar, professor,
p. 7 da textualização).
A assimilação de valores do grupo por parte do indivíduo (HIJIKI, 2005) também pode
ser observada em outro trecho da narrativa deste colaborador ao se referir àquele conservatório:
“É um curso de MPB e jazz. Lá num tem diploma não. Só tem o diploma de que você concluiu o
curso. Num tem valor nenhum assim de escola formal. Mas tem valor muito grande musical.”
(Josimar, professor, p. 7 da textualização).
Aqui podem ser observados dois aspectos valorativos: o primeiro deles diz respeito ao
valor simbólico relativo ao diploma de conclusão de curso naquela instituição, considerado objeto
de distinção em função de seu “grande valor musical”, refletindo o ganho de capital cultural
(BOURDIEU, 2011) associado a ele, ainda que seu efeito não se refira à educação formal, ou,
nos termos do pensador francês, ao estado institucionalizado desse mesmo capital. Refere-se,
sim, ao seu estado incorporado, reflexo do “trabalho do sujeito sobre si mesmo” (p. 74). O
segundo se refere à aproximação com os gêneros que tangenciam, ou compõem a música
instrumental, igualmente vinculados à valoração atribuída aos seus propositores e executores,
com grau semelhante ao do diploma mencionado.
O ganho de capital cultural adquirido a partir das experiências narradas pelos
colaboradores é repetido veementemente ao longo da pesquisa. Em alguns momentos ele é
pormenorizado, destacando-se desses discursos a apropriação e o aprofundamento em
conhecimentos musicais, o contato com o gênero musical referido como “de qualidade”, o
contato com equipamentos e aparelhagens significativos:
Era diferente ir pra São Paulo. Era legal. Muito show na época porque a gente tava tendo uma oportunidade de ouro. De ter contato com mega músicos, de ouvir música de qualidade, música instrumental de qualidade, ter contato com boas aparelhagens. Tanto que o teatro do Souza tem uma aparelhagem excelente, ótimos músicos, uma qualidade
de ensino dez. Do meu ponto de vista inquestionável. Então, nessa abrangência a gente nunca teve isso aqui. [...] Show de bola! Dinâmica de banda, aula de teoria, aula prática, História da Música. Então, quer dizer, foi show de bola. Aula de percepção, então, são conhecimentos que você adquire que é seu. Independente de talvez a gente num ter ficado até hoje lá, mas são conhecimentos que vou levar pra vida inteira. (Hernani, conselheiro fiscal, pp. 5-6 da textualização).
Apesar de poder “perceber que tocavam bem”, o acesso por parte desse grupo às
instituições de ensino musical também ocorre por pistas sinuosas: alguns se efetivam de forma
não institucionalizada, ou mesmo individualizada, ainda que o apoio e a presença de um coletivo
pareçam estar quase sempre presentes.
A comemoração do acesso há pouco narrada por Gabriela, contrasta com o trecho descrito
por Josimar e os contratempos a que estão sujeitos meus interlocutores em suas trajetórias:
Antes, antes do Souza Lima eu fui pra Tatuí. Eu fiz duas. Fui reprovado na primeira vez, primeiro teste. Aí, no ano seguinte eu fiz o teste de novo e consegui entrar. Fiquei estudando lá um ano. Foi muito bom assim pra minha música, pra minha carreira musical e pro conhecimento de música instrumental. (Josimar, professor, p. 6 da textualização).
Ainda que confirmem os ganhos há pouco mencionados relativos à profissionalização e ao
conhecimento musical, a reprovação no processo seletivo daquele conservatório ressalta que
neste caminho nem tudo são flores. Aliás, outros elementos discutidos adiante podem
redimensionar o tamanho do jardim aqui observado.
Outra forma de inserção no mesmo circuito é narrada por Rômulo:
a gente entrou em Tatuí eu continuei dando aula na Anelo. Eu era meio clandestino lá em Tatuí. Eu num tinha feito prova nem nada, mas o pessoal já tava indo lá. Aí, um belo dia eu fui pra conhecer e entrei na sala e fiz aula. Aí falei ‘peraí, eu vou começar a fazer isso sempre!’ Aí fique um semestre inteiro fazendo isso. (Rômulo, professor, p. 7 da textualização).
A clandestinidade descrita pode estar vinculada ao estímulo dado por Guilherme ao grupo,
ao mesmo tempo em que pode se referir, novamente, à importância simbólica descrita há pouco,
apesar do formato desinstitucionalizado encontrado por esse jovem para acessar os bens culturais
disponíveis naquele conservatório musical: outro exemplo de tática.
O acesso deste mesmo grupo ao Conservatório Souza Lima, em São Paulo, retrata outras
diversidades, desta vez de cunho socioeconômico, inerentes às condições vinculadas à sua origem
social. Após estudarem em Tatuí, quatro desses jovens decidem participar do processo seletivo
desta outra escola. Esta passagem é assim descrita:
A gente foi na fé e na coragem. A gente passou, passamo no teste, mas num tinha grana. ‘Quê que a gente vai fazer?’ Eu devo muito isso ao Paulinho. Porque o Paulinho foi o cara que tinha mais talento pra se expressar, de nós. Ele é um cara super comunicativo e a gente deve tudo isso pra ele, eu acho. Porque quê que a gente fez? ‘Ah, quê que a gente vai fazer cara?’ ‘Ah, vamo, vamo lá, vamo falar com o dono e vamo falar que a gente num tem dinheiro mesmo e se rola bolsa pra gente fazer o curso.’ Falei ‘tá bom.’ Mas fiquei assim, mas se rolar bolsa cara, a gente vai morar aonde? Porque o curso era todo dia.E aí ‘ah, vamo lá’, ‘ah, então vamo, né, beleza.’ Aí o Paulinho foi o cara que, que mais falou assim, no papo. Ele desenrolou bem a conversa. O cara fala muito bem, bicho. Ele fala muito bem e a gente só concordava ‘é isso aí, é isso aí, é isso aí’. E aí o cara gostou da gente. Gostou mais do Paulinho, acho, né, acredito eu. Acho que ele gostou da gente também. Acho que pô, a gente tocou bem! A gente num tinha tanta informação, mas a gente tinha muita vontade e um pouco de talento. E acho que eles viram isso na gente, acredito eu. E aí eles deram bolsa pra gente, pra nós. Deram a bolsa pra nós quatro. Foi bacana. A gente ficou muito, eu fiquei muito feliz de ter conseguido conquistar. (Josimar, professor, p. 8 da textualização).
Acho que o Guilherme num teve nenhuma participação na nossa entrada lá. A única participação dele foi que ele que avisou a gente que ia rolar uma prova. Falou que era legal a gente fazer e tal. E nem do Luccas. Acho que o primeiro contato da Anelo com o Souza Lima foi a gente mesmo. Foi a gente. E aí depois que a gente entrou aí sim o Luccas conseguiu vim também. Acho que ele conseguiu desenvolver umas parcerias. (Josimar, professor, p. 8 da textualização).
Astúcias. Apesar das adversidades, o acesso é novamente comemorado. Desta forma, eles
observam o status desse espaço e os significados a ele atribuídos. Concomitantemente, eles
também passam a fazer parte dessa composição.
As dificuldades econômicas, todavia, não parariam por aí. Tampouco bastaria o talento e a
vontade descritos na narrativa. E, ainda que as habilidades de comunicação favorecessem na
conquista da bolsa de estudos por parte desse grupo, isso não seria suficiente para que todos ali
dessem continuidade aos estudos.
Posteriormente, os jovens iriam se dirigir a mais espaços destinados ao ensino de música
localizados tanto em Campinas, quanto em São Paulo.
a gente recebeu a proposta do Luccas de estudar no Souza Lima, em São Paulo.
Melhor ainda! Ninguém da minha família estudou em São Paulo!!! É, foi muito legal!!! Aí a gente continuou fazendo a parte prática no instrumento, aqui mesmo em Campinas ali na Chorus, e a parte teórica, a gente começou a fazer lá no Souza Lima. Ainda num
tinha uma bolsa pra estudar o piano mesmo lá, porque as aulas particular do instrumento é mais caro. A gente conseguiu as bolsas da parte teórica só que era em grupo. Mas, foi legal, a gente começou, ficamos um semestre indo, eu a Thaís, o Luccas, o Hernani e o Daniel. Até então os dois ainda estudavam e dava aula aqui também. Aí a gente ficou indo um semestre junto, no segundo semestre de dois mil e sete a gente começou a ir sozinha, só eu e a Thaís, porque as aulas batia no mesmo dia. Então a gente era outro dia que a gente tava indo. Eles iam segunda a gente ia de terça-feira estudar. E ficava o dia inteiro lá. Saía de manhãzinha, num tinha condições nenhuma. Nem condições de pagar o transporte... era muito complicado. (Jaqueline, professora, p. 8 da textualização).
Teve um tempo que a gente conseguiu entrar no Conservatório Carlos Gomes, que eles abriu bolsa pra gente. Passou eu e minha irmã. Só que, como levantava cedo minha irmã desistiu. Eu num queria desistir. Porque era cedo, lá no Cambuí. De casa até o Cambuí era longe. É longe até hoje. Tinha que levantar bem cedo pra gente ir. Aí a gente já voltava na hora, voltava do conservatório e já ficava na escola, até três horas da tarde. Depois da escola a gente ia embora. E era cansativo por que a gente era bem novinha. (Marciele, p. 4 da textualização).
O contato com novos espaços passaria, então, a compor roteiros e itinerários de muitos
daqueles jovens em função de novos vínculos que tais experiências lhes proporcionariam,
reincidindo na tônica das apresentações em torno da música instrumental, só que agora, com
parte dos colaboradores imersos em outras instituições de ensino de Música, cujos vínculos
seriam compostos das mais variadas formas.
Decorre desta forma, a ampliação do trajeto desempenhado por esse grupo. Segundo
Magnani (2007), a categoria trajeto “aplica-se a fluxos recorrentes no espaço mais abrangente da
cidade [...] é a extensão e [...] diversidade do espaço urbano para além do bairro, que impõe a
necessidade de deslocamentos por regiões distantes e não contíguas” (p. 20).
Assim, o desempenho nesses trajetos passaria a compor um elemento de distinção do
grupo de origem, tal como expresso por Jaqueline: “ninguém da minha família estudou em São
Paulo.”
Todavia, fatores semelhantes aos narrados pelo primeiro grupo continuariam a ser
observados pelas gerações mais novas dos integrantes do Instituto Anelo, quase sempre
vinculados às condições socioeconômicas decorrentes de suas origens sociais.
Por que no começo, eu fui assim porque era uma oportunidade, mas num tinha condições, minha família num tinha condições de ajudar todo mês com o transporte. Nessa época, dois mil e seis... sete.. minha mãe tava trabalhando, mas ainda assim ficava complicado dos meus pais ajudar, banca os estudos. Então a gente ia lá, gastava uns trinta e cinco reais toda semana. A gente ia uma vez por semana. Era passagem de ônibus, daqui até a rodoviária, da rodoviária até o Tietê. Metrô e andava a pé ainda, mas
sem contar a alimentação. A gente tomava café, saía, depois jantava a hora que chegava em casa. Não almoçava. Quando a gente tinha dinheiro comia alguma coisa no meio do caminho. Levava alguma coisa pra comer também. (Jaqueline, professora, p. 8 da textualização).
Mas é marcante porque foi quando eu comecei a ir pro Souza Lima. O Luccas, o Daniel e eu. Várias vezes a gente ia duas vezes na semana. Era puxado até a questão da grana, então nos outros dias que num ia pra lá tinha que dar aula... tá tocando pra tá catando uma grana pra poder tá mesmo indo pra lá. Então, o dinheiro era assim: você acabava de trabalhar, ganhava uma grana pra poder conseguir porque era mal ou bem, era o certo pra gente. Era um dinheiro considerável assim tá pagando. (Hernani, conselheiro fiscal, p. 10 da textualização).
Observa-se, a partir desses trechos, a dimensão destes fatores na vida desses jovens e a
necessidade de criarem alternativas para manterem o acesso aos bens simbólicos e culturais
conquistados. O próximo tópico explicita melhor a construção de um desses recursos.
4.3 - “Ser é ser percebido”?
Voltei pra rua pra vender, porque eu queria essa liberdade. Eu gostava e não gostava dessa liberdade, de não ter que prestar conta pra ninguém. Era bom e ruim ao mesmo tempo... não ter que ficar dando satisfação. Então essa venda ambulante, estar num lugar, estar em outro, sempre me atraiu. Achei interessante, ser menos controlado... e me ajudou muito na comunicação. O pouco que eu me comunico hoje devo muito a essa experiência. Poderia ser diferente? Poderia ser diferente. Poderia ter aprendido isso em sala de aula? Sim. Talvez não. Mas eu devo muito a isso... conseguir conversar, mesmo sem muita instrução, pois na época era uma aprendizagem totalmente defasada devido às interrupções (Luccas, fundador, p. 5 da textualização).
As dúvidas relativas aos processos educativos contidos nesse trecho da narrativa de
Luccas oferecem margem à especulações e inferências quanto as possibilidades de serem
vislumbrados e analisados em torno de categorias preestabelecidas. Pode-se questionar se os
mesmos dizem respeito à educação formal e a suposta precariedade com que esta foi vivenciada
por ele em razão de suas ausências em um cotidiano escolar; ou se podem ser compreendidos
como processos que ocorreram no campo da educação informal dada à imprecisão com que ele
discorre a respeito de suas experiências e as possibilidades de aprendizagem vinculadas ao dia-a-
dia de vendas ambulantes nas ruas, à “liberdade” ali encontrada, tal qual atribui sua “pouca
comunicação”; ou ainda, se, alude às trilhas invisíveis de aprendizagem (BRANDÃO, 1984 apud
CARRANO, p. 24) que confirmam a educação como “amplo processo social.”
Todavia, é importante aproveitá-lo como objeto de análise, vinculando a história deste
narrador à trajetória institucional e às necessidades vivenciadas por este coletivo. Necessidades
estas extremamente articuladas às condições sócio-históricas a que estão propensos os sujeitos
oriundos das camadas populares brasileiras, tais como os jovens colaboradores desta
investigação.
“O pouco que eu me comunico hoje” narrado, se observado com mais cuidado, e em
proximidade à polifonia das narrativas recolhidas, sugere, inicialmente, um eufemismo por parte
deste interlocutor. Afinal de contas, se lhe parece suficiente “conseguir conversar, mesmo sem
muita instrução”, aos olhos de outros entrevistados, Luccas e sua comunicabilidade são
responsáveis por ações consideráveis nos rumos institucionais.
Exemplo disso pode ser observado em trecho narrado por outro colaborador ao se referir
aos primórdios da instituição, mencionando o desmantelamento do primeiro grupo de jovens que
ali se aglutinava em torno de um projeto cujos objetivos pareciam um tanto vagos:
a primeira turma saiu e ele acabou ficando meio que sozinho, responsável por tudo. E eu acho que desde então, a Anelo é o Luccas. Desde esse momento a Anelo é ele. Ele faz tudo. Muitas vezes a gente sabe que ele tirou dinheiro do bolso, pôs ali. E vai pra TV. E só ele conseguiu mexer muito aquilo. Conseguiu envolver televisão, tem reportagem em jornal e televisão ali desde sempre. Desde dois mil, dois mil e um. (Dorival, professor, p. 10 da textualização).
A “pouca comunicabilidade” exposta por Luccas, ao que tudo indica, não parece ser tão
pequena, nem de baixa intensidade, visto que consegue “mexer muito naquilo”, mas não só, pois
consegue também, ou principalmente, “comunicar aquilo”, ou ao menos lograr os meios para
comunicá-lo e fazê-lo percebido.
Os recursos empregados por ele para levar a instituição a ser percebida também são
sentidos “na pele” pelos próprios colaboradores da pesquisa: ao entrar em contato com seu
cotidiano e, principalmente, com Luccas, grande parte deles resolve permanecer por ali.
Durante a entrevista realizada com o jovem fundador do Instituto Anelo nesta
investigação tive uma sensação aproximada a essa: diria quase “propagandística”. Apesar das
cenas por ele descritas serem um tanto impactantes, “seu relato não evidenciou grandes emoções,
já que um tom monolítico se manteve durante toda a fala”. (Caderno de campo, p. 4).
Exemplo dessa influência na permanência de colaboradores na instituição pode ser
observado no relato de outra entrevistada. A menção de Gabriela diz respeito ao engajamento
vivenciado por ela a partir do vínculo estabelecido com Luccas:
Aí quando o Guilherme me chamou e falou que era muito legal, contou a história também [...]. Aí depois que eu comecei a ir e não parei mais, porque eu, eu me engajo, sou uma pessoa engajada. Quando eu acredito eu tento fazer, e o Luccas vende. E o Luccas é muito bom nisso: ele vende muito bem a história, a ideia e porque é bom mesmo. Ele convence a gente no começo a ficar. É isso: você vê que tem futuro, que consegue mudar alguma coisa. (Gabriela, presidente, p. 4 da textualização).
“Ele vende muito bem a história, a ideia e porque é bom mesmo”, e “ele convence a gente
no começo a ficar”. Eis as afirmativas que mesclam as habilidades desenvolvidas por Luccas ao
longo de sua vida em função de sua origem social, das necessidades daí advindas e da articulação
destas com a semelhante história de sobrevivência do Instituto Anelo.
O denominado “convencimento”, ou a “venda da ideia”, tal qual expõe minha
interlocutora, passa a operar, como mencionado há pouco na narrativa de Dorival, em alguns
veículos midiáticos situados no município de Campinas, tanto na mídia impressa, quanto na
televisiva, oferecendo outros elementos que contribuem na compreensão dos fenômenos que vêm
se desenvolvendo ao longo da trajetória institucional.
Questionado a respeito dessas inserções, o trecho descrito por outro colaborador é repleto
de conteúdo:
A mídia é muito positiva na minha opinião. Porque no começo, eu lembro quando a gente começou poxa, era maior difícil pra pagar o aluguel, era bem complicado. O espaço hoje ele é pequeno, mas a gente já teve circunstâncias, digamos, piores, sem ajuda, sem patrocínio. Hoje a Timbres colabora, assim a gente vai fazer alguma coisa sempre alguém tá colaborando, a gente vai e consegue de uma certa forma uma ajuda, consegue os projetos. Isso ajudou muito com as mídias, com a televisão. Quando saiu a primeira matéria da Anelo, poxa, ninguém conhecia o Instituto. A gente tava aqui com dificuldade de pagar o aluguel e ninguém sabia, ou quem sabia não dava tanto valor. (Hernani, conselheiro fiscal, p. 12 da textualização).
Sua narrativa retrata aspectos significativos sobre a relação que a instituição vem
desenvolvendo com a mídia campineira. Verifica-se a considerável visibilidade oferecida pela
inserção de matérias a seu respeito, contribuindo para facilitar o conhecimento de suas ações
tanto pela comunidade residente em seu entorno, quanto pela sociedade em geral. Fato que,
diante da precariedade de recursos que subsidiem suas ações, favorece e contribui para que se
efetivem parcerias.
Em razão do percurso aqui observado, é possível compreender tais ações no escopo
descrito por Türcke (2010) a respeito do werbung, o significado mais antigo da palavra
“propaganda”. De acordo com ele:
O werben do alemão arcaico é definido no Deutshem Worterbuch dos irmãos Grimm como “girar-se” – mais especificamente, girar em torno de algo. [...] Werben – rodar em torno de algo, ou cuidar de algo, procurar saber, lidar com ou com alguém, comerciar, negociar – tinha na Alta Idade Média uma gama de significados similarmente vasta ao que se chama hoje ação comunicativa. (Ibid., p. 24).
Desta forma, é notável a articulação das narrativas acima em torno das “ações
comunicativas” desenvolvidas por Luccas e que funcionariam como propaganda institucional,
cujas funções seriam inúmeras: dar visibilidade ao projeto, favorecer sua imagem no que tange ao
reconhecimento social e, quiçá, obter parcerias que viriam a colaborar com subsídios para a
sobrevivência e ampliação do mesmo.
O verbete alemão e seus significados se aproximam em demasia com a trajetória descrita
por Luccas a respeito dos processos educativos vinculados à sua sobrevivência nas ruas, ao “lidar
com alguém, comerciar, negociar”, condensados em sua descrição de “pouca comunicabilidade”
e que, futuramente, viria a contribuir com as ações descritas a respeito do vínculo institucional
com as mídias.
Se na Idade Média o significado de werbung era amplo, Türcke (2010) ressalta que “a
restrição do sentido da palavra ao campo comercial, a nada mais do que à preconização astuta de
mercadorias, corresponde a um estreitamento do século XIX, e principalmente do XX” (Ibid., p.
24). A partir dessa compreensão, a aprendizagem de Luccas pode tanto ser dimensionada de
forma amplificada, quanto restrita, se aprisionada ao mandato neoliberal.
Em seu discurso, Hernani intensifica os significados relativos aos resultados obtidos com
a aproximação da imprensa, detalhando os mesmos:
e muitos não conheciam o Instituto. Então abriu porta na divulgação do Instituto, abriu porta no crescimento do Instituto. Hoje nós podemos dizer que a gente cresceu muito. A mídia de uma forma positiva ajudou a mostrar pra Campinas que a gente existe e que a
gente tá com trabalho sério. A ideia do Instituto é séria. Como tem sido até hoje, porque se não fosse séria não conseguiria tá de pé até hoje da forma que a gente tá. Da forma voluntária, com os professores voluntários. Então, quer dizer, eu vejo de uma forma muito positiva. A gente agradece de uma forma bem positiva a mídia que conseguiu mostrar pra Campinas o Instituto.
Abriu portas pra parcerias. Parcerias como o Souza, como a Timbres, como alguns lugares que colaboram com o Instituto, então é legal cê chegar num lugar, fala assim: olha, a gente participa duma ONG, tal. É diferente lá você chegar e mostrar uma mídia. Poxa a pessoa realmente passou tal dia na televisão. Quer dizer, as pessoas veem com mais bons olhos. Infelizmente tem disso também. A pessoa ela num quer vim aqui e saber e passar o ciclo do cotidiano, ver as partes positivas, ver as dificuldades. Ela num quer ver, mas quando ela tá em casa, assiste um jornal, a Anelo tá ali na esquina, ela tá, tá séria. Então ajudou bastante na divulgação, no crescimento da Anelo, a mostrar quem realmente nós somos (Hernani, conselheiro fiscal, pp. 13-14 da textualização).
O elemento “seriedade” vinculado à imagem institucional através dos veículos de
comunicação é particularmente importante na opinião deste colaborador para que a sociedade
vislumbre suas ações “com bons olhos”, o que favoreceria e facilitaria tanto em sua divulgação,
quanto em seu consequente crescimento. Evidencia-se assim, o “girar em torno de”, descrito por
Türcke, e a função propagandística das inserções e as negociações advindas daquelas aparições.
A quase inevitável associação propaganda-capital já emergira no trecho anterior, descrito
pelo mesmo colaborador ao mencionar as dificuldades da instituição em arcar com suas despesas,
em “pagar o aluguel”, já que “ninguém sabia”, ou “não [lhe] dava tanto valor” e as consequentes
parcerias oriundas das reportagens que possivelmente auxiliariam a subsidiá-las. Colocar em foco
essa associação pode auxiliar a compreender sua pertinência no contexto estudado.
Nesse sentido, é elucidativa a semelhança entre a instituição aqui estudada e o projeto
desenvolvido pelo Afroreggae, no Rio de Janeiro. Em obra dedicada a relatar parte da história da
instituição carioca, Platt e Neate (2008) aludem a alguns aspectos que venho procurando destacar,
a partir, por exemplo, de referência ao economista peruano Fernando de Soto. De acordo com ele,
“o capital nasce através da representação – em um título, seguro, contrato ou outro registro
semelhante - das qualidades social e economicamente mais úteis de um bem.” (SOTO, 2001,
apud PLATT e NEATE, p. 211). Desta forma, os autores da obra afirmam que:
Pode-se argumentar que as mais importantes representações por escrito do trabalho do Afroreggae são as inúmeras matérias publicadas sobre eles pela imprensa (local e internacional), que lhe permitem uma espécie de “base de ativos culturais” que, em parcerias com os mais variados tipos de empresas, podem ser transformados em dinheiro. (Op. cit., pp. 219-220).
A expressão utilizada pelo jovem colaborador “a gente agradece de uma forma bem
positiva a mídia que conseguiu mostrar pra Campinas o Instituto” decorre dos resultados
observados por ele sobre o crescimento institucional sugerindo, com isso, a constituição de ativos
culturais da mesma espécie apresentada pelos autores acima em relação à trajetória da instituição
carioca.
Todavia, apesar dos benefícios ressaltados, há que se notar que a introdução de Türcke
(2010) a respeito do werbung, ao analisar o que ele mesmo denomina de Sociedade Excitada,
deriva, inicialmente, do processo de desregulamentação como parte das políticas neoliberais,
desencadeadas mundialmente em meados de 1980.
A esse respeito cito um trecho longo, porém esclarecedor. De acordo com ele:
assim começava, já no governo Carter, e depois com mais vigor sob o Reagan, o processo global de “desregulamentação”: a privatização de firmas estatais; o afrouxamento de contratos fixos de trabalho; o declínio dos benefícios de seguridade social; a substituição de grupos inteiros de secretárias, telefonistas, tipógrafos, impressores, engenheiros, especialistas até os níveis médios da administração, por softwares inteligentes; a redução de uma parte considerável da classe média de empregados de curta duração, ou mal remunerados no setor de serviços; a expulsão de indivíduos há muito ativos até então para o desemprego de longa duração, o trafico de drogas e a criminalidade – e uma bela recompensa para o quarto ou quinto grupos na parte de cima, que conseguiriam galgar à posição de “realizadores” de uma nova economia, cujo truque é prosperar, apesar do desemprego em massa, ou por causa dele. Sua formula mágica: jobless growth. (TÜRCKE, 2010, p. 22).
Segundo o autor, a aceleração do sentido final do werbung, (propaganda) e seu taxativo
fazer as mercadorias falarem um “compre-me irresistível” (p. 24), só seria possível por completo
na época (e a partir) da desregulamentação. Desta feita, a “competência comunicativa” e seus
efeitos “tornar-se um item cada vez mais imperativo da qualificação profissional – e com isso, em
um fator central do comportamento social geral”. (p. 23).
Assim, por trás da afirmativa “positiva” de Hernani, relativa aos fatores descritos a partir
da comunicação desenvolvida e estabelecida na relação institucional com a mídia, emerge a
contradição que inclui, neste processo, o próprio surgimento de instituições como as ONGs,
dentre elas a aqui estudada, decorrente do processo pormenorizado por Türcke (2010).
A já mencionada afirmativa de outro colaborador a respeito dos primórdios institucionais
sugere uma faceta que vai ao encontro da “fórmula mágica” - o jobless growth (crescente
desemprego) do processo de desregulamentação, bem como a precarização dos vínculos
trabalhistas, mencionados pelo pensador alemão, tão necessários para seu florescimento, e que
supostamente atingiria, vinte anos após seu início nos Estados Unidos, parte dos jovens
brasileiros. Dentre eles, os sujeitos que iniciariam o projeto ao lado de Luccas. Diz ele:
A ideia que eu tenho em minha cabeça pelo que eu vivo na Anelo pra mim é isso. Eu acho que não vivi, mas eles estavam ali. Até porque eles precisavam ser ajudados também. Tavam trabalhando pra isso. Só que com o passar do tempo eles começaram a se envolver. Eu acredito muito que foi inconsciente isso. Não foi uma coisa planejada. Não teve planejamento nenhum. Eles começaram a dar aulas pra eles mesmos e pra quem pudesse estar junto e a coisa foi crescendo, foi crescendo e eles visualizaram a ideia de ter uma escola de música. [...] Era outro nome. Era Anelo Music [...] E a primeira ideia deles era cobrar aula. Cobrar até poder gerar renda pros caras que estavam nessa primeira turma. Pra quem tava dando aula. Então, esses caras tinham aula e davam aula. (Dorival, professor, pp. 9-10 da textualização).
E completa ao mencionar a saída de parte desses jovens do projeto:
Essa primeira turma vai embora porque, acho que muita gente tava ali com o Luccas pensando que aquilo ia ser uma profissão. Uma maneira de ganhar dinheiro. E aquilo começa a tomar ares sociais que não dá dinheiro. Então, tipo, começou a abandonar o Luccas e ele acabou ficando sozinho. (Dorival, professor, p. 10 da textualização).
Este trecho pode ser esclarecedor em relação à dupla possibilidade dos primórdios
institucionais: alude à constituição de uma escola de música com “ares sociais“, ou, nas palavras
do próprio Luccas, “ter nesse espaço uma escola particular de Música pra quem não pudesse
pagar” (p. 10 da textualização), ao mesmo tempo que vincula o ensino de Música ao
desenvolvimento de uma profissão para aqueles jovens, “até porque eles precisavam ser ajudados
também”, sendo que “eles tavam trabalhando pra isso”. Desta forma, seria possível “gerar renda
pros caras que estavam nessa primeira turma”, ainda que com pouco, ou nenhum planejamento.
É na solidão de Luccas que a narrativa de Dorival vai em direção às inserções midiáticas
descritas pouco antes. Mesmo “sem muita instrução”, o então fundador da instituição, de alguma
forma, apreende as novas necessidades mercadológicas inerentes ao desenvolvimento do
neoliberalismo, lançando mão de ações em busca de visibilidade e patrocínio necessários ao
projeto, a partir de habilidades desenvolvidas no cenário do amplo processo social, ele próprio
educativo. (BRANDÃO, 2007). Entretanto, sua aplicabilidade passaria a ocorrer num campo
especifico: o da educação não formal.
Outro aspecto que pode ser observado nesse percurso é a cisão entre o “ciclo cotidiano
institucional que ninguém quer ver” e a construção de uma imagem, sobretudo confiável. Ao
identificar que “infelizmente também tem disso”, Hernani contrapõe o esforço e a luta diária dos
sujeitos ali vinculados e sua tentativa de erigir uma história nada fácil, à sua própria aparição e
aos supostos significados daí derivados, recebidos e decodificados tanto pelo leitor de jornal,
quanto pelo telespectador: sua história agora é considerada “séria”.
A emissão de estímulos em direção a uma plateia que confirme não só sua existência,
como também o valor institucional, parece consonante com uma espécie de necessidade premente
nas relações contemporâneas. De acordo com Türcke (2010), a magnitude da propaganda vem
sendo convertida em um “comportamento comunicacional generalizado” em função da
necessidade de sobrevivência financeira das instituições: “faz com que a estridente mensagem
econômica seja ouvida junto com outro tom, de cunho existencial, no preponderante “compre-
me”, a suave súplica do “receba-me, perceba-me, reconheça-me, para que possa simplesmente
ser.” (Ibid., p. 39).
Esse est percepi. Ser é ser percebido? A proposição filosófica, cunhada pelo teólogo
anglicano do século XVIII George Berkeley, “insustentável, [mas que] começa a ser verdadeira”,
segundo Türcke (2010), aqui posta de forma interrogativa, talvez auxilie no aprofundamento dos
vínculos que vêm sendo desenhados a partir das narrativas colhidas.
Claro que a existência da instituição estudada independe da percepção alheia, inclusive a
midiática. Contudo, ficaria ela confinada a subsistir em condições economicamente desfavoráveis
sem a percepção alcançada face às ações comunicativas empreendidas em prol de sua
continuidade e melhoria daquelas mesmas condições? Possivelmente.
A argumentação de Türcke (2010) sugere que, a partir da desregulamentação, tanto as
empresas públicas, quanto as privadas, sofrem em função do acirramento da concorrência no
capitalismo tardio. Segundo ele, sob o ponto de vista da desregulamentação, “nenhuma
instituição, nenhuma firma, nenhum grupo tem direito à existência se não estiver em condições
de se manter economicamente”. (p. 23).
Diante desse quadro, o que dizer das denominadas ONGs? Estariam elas também sujeitas
a um novo paradigma? O paradigma das firmas? De acordo com este, “nenhuma instituição
escaparia de análises administrativas”. Türcke (2010) esclarece ainda que, “não que com isso
todas as instituições sociais se tornem firmas, mas deixa-se bem claro a todas que a firma é o
modelo que doravante devem seguir e o padrão pelo qual serão medidas”. (p. 23). Desta forma,
”cada instituição sofre a pressão para converte-se em uma verdadeira empresa, se quiser
sobreviver economicamente, [...] cada firma sofre a pressão para tornar-se uma emissora, se
quiser ser percebida”. (p. 42).
Exemplo das articulações descritas, a matéria, “Instituto Anelo começa a exportar talentos
musicais”54 (CORREIO POPULAR, 2006), destaca alguns aspectos do projeto desenvolvido pela
instituição, dentre eles, o fato de três jovens serem contemplados com bolsas de estudo na
Faculdade Souza Lima – Berklee em função de parceria firmada entre as instituições. Também
faz menção ao número de alunos beneficiados por ela. Segue um trecho da publicação: “o que era
para ser apenas hobby de adolescente se transformou em um projeto social que hoje abrange 150
jovens por ano e já beneficiou mais de 1,5 mil pessoas ao longo de sua existência.” (Ibid.).
Assim, se matérias como essa oferecem a tão almejada visibilidade à instituição,
resultando em inúmeros elementos que lhe propiciam melhores condições de sobrevivência, bem
como a seus integrantes a partir desta “base de ativos culturais” que vão compondo, também
podem ocultar a face perversa de competitividade que lhes é intrínseca, a partir da lógica de
mercado que se lhes impõe.
De acordo com afirmação de Guazina, (2011), as ONGs:
ligadas aos movimentos sociais e lutas por direitos e justiça social no contexto brasileiro [...] passaram a fazer parte do enfrentamento dos efeitos dos conflitos sociais gerados e/ou acirrados pelo neoliberalismo. Porém, hoje, também se tornaram úteis ao mesmo neoliberalismo como estratégia político-econômico-social. (GUAZINA, 2011, pp. 8-9).
O que se observa a partir da reflexão proposta relativa à esta complexidade, é a
emergência de um outro componente da contradição das ONGs: a propaganda. Se por um lado,
ela também pode ser compreendida como ação tática (CERTEAU, 1994) dos sujeitos da
54 Ver no capítulo 2 a imagem referente a esta matéria, utilizada como muleta da memória em duas entrevistas da pesquisa.
instituição pesquisada, como prática de astúcia dentro do território inimigo que ocorre “onde
ninguém espera”, também pode ser útil à estratégia (Ibid.) neoliberal que confinaria instituições
como esta aos dissabores do mercado em razão de sua política-econômica-social, tal como afirma
Guazina (2011).
Outros elementos desse mesmo quadro são objetos de reflexão na sequência desse texto.
4.4 - Captação, voluntariado e profissionalização
Fazendo se pagar do jeito que a gente é hoje já está bom, que é o que a gente conseguiu fazer esse ano. Foi o primeiro ano que a gente teve recurso, aprendeu a escrever projeto agora em 2011. Foi o primeiro ano que a gente aprendeu a conseguir recursos, fazer esses projetos. Principalmente o que a gente fez foi via CMDCA.
Aí já aprendeu a captar recursos, a escrever, aprendeu a captar, depois prestar conta, então como é que tem que ser, como é que esse tipo de coisa funciona pra fazer direitinho. A gente conseguiu escrever um projeto pra Lei Rouanet, foi aprovado. A gente não sabe captar com a Lei Rouanet, então, tá nesse impasse. Mas, no aprendizado. (Gabriela, presidente, p. 6 da textualização).
Apesar do considerável número de inserções da instituição na mídia, a sina em busca de
financiamento para as ações do projeto parece continuar, fato que uma vez mais denuncia as
disparidades socioeconômicas vividas em nosso país. Enquanto escrevo estas palavras, mais um
convite para uma “pizzada”, realizada pela ONG estudada, chega-me via e-mail. Desde o início
de sua história, ainda que algumas das questões relativas à situação econômica da instituição
tenham mudado, as dificuldades neste âmbito persistem.
O trecho acima, extraído da narrativa de Gabriela, corresponde a um momento em que já
transcorriam onze anos do trajeto ali percorrido. Remete ao tempo em que o grupo gestor,
também composto por ela, ocupou-se num tipo especifico de aprendizagem, qual seja, o de
construir documentos que facilitassem o acesso à verbas disponíveis nos vários âmbitos estatais
como parte de políticas públicas destinadas ora aos empreendimentos culturais, ora à juventude
(cultura ou assistência social), particularmente desenvolvidos por instituições não públicas.
Os processos educativos desenvolvidos e necessários para que se chegasse ao momento
em que a instituição conseguisse “se pagar” parecem bastante significativos para a
implementação dessas práticas. Dizem respeito a habilidades de escrita, compreensão do modus
operandi deste tipo de política, captação de recursos propriamente dita e prestação de contas.
Inclui, apesar do avanço aparente, dificuldades de captação específicas e sua íntima relação com
panorama neoliberal exibido.
Outro trecho da polifonia de vozes da pesquisa descreve alguns desses pormenores:
[A] Madalena, que era só uma colaboradora lá de fora do CEDAP, veio pra Anelo. E aí as coisas começaram a andar mesmo. Acho que é, é fruto de tudo que eu também tinha feito junto com eles em cima daqueles projetos todos.
Teve uma alteração num dispositivo de uma lei, num sei das quantas que era isso que tava fazendo indeferir os projetos do CMDCA, os requerimentos do CMDCA. Então, só com a Madalena indo atrás é que a coisa andou porque os caras indeferem e não falam por que. Só com apoio dela é que conseguiu descobrir o texto, abrir o botão errado e aí conseguiu. O CMDCA tem, eu acho, que é mais marcante, que ela foi primordial pra tudo isso. (Dorival, professor, p. 19 da textualização).
A dificuldade com a documentação relatada pelo colaborador e o desenvolvimento das
habilidades necessárias para sua superação descritos tanto por ele, quanto por Gabriela, se
aproxima-se ao funcionamento observado por outros estudiosos das práticas musicais no campo
da educação não formal.
Segundo Guazina (2011), esses projetos precisam seguir “as linhas de ações dos editais,
seus prazos de concorrência e financiamento”, permitindo, assim, a sustentação das ONGs. Para
isso, é necessário desenvolver um “traquejo da escrita de projetos para obtenção de
financiamentos” e conhecer os “pormenores desse processo” (Ibid., p. 116), tal qual a descrição
de Dorival em relação aos efeitos da inserção de Madalena, assistente social, no quadro
institucional: “só com seu apoio é que foi possível abrir o botão errado” da documentação e
viabilizar o acesso da instituição à verba destinada pelo CMDCA, “fazendo ela se pagar do jeito
que é hoje.” A qualificação de Gabriela de que “do jeito que a gente é hoje já está bom” é
bastante compreensível em função da precariedade econômica histórica relatada.
Todavia, alerta Guazina (2011), os projetos ficam subordinados à “corrida dos editais e
suas determinações”. De acordo com a pesquisadora, “essa instalação na precariedade [inclui] o
fato de os trabalhadores das ONGs serem terceirizados e [terem] pouca perspectiva de renda
estável a longo prazo.” (Ibid., p. 116).
Essa dinâmica também pode ser observada na instituição pesquisada a partir das
narrativas colhidas. Todavia, os dados coletados não oferecem clareza se também dizem respeito
à terceirização de trabalhadores, mas, com efeito, permitem referência aos vínculos de ajuda
mútua que ocorrem via voluntariado. Dois trechos são suficientes para compreender alguns de
seus significados no presente caso:
por mais que seja legal todo mundo ser voluntário na Anelo eu não acho que isso deixaria a Anelo ser perene, porque as pessoas precisam de dinheiro, afinal a gente tá num mundo que precisa de dinheiro, não existe viver sem um tostão. Não existe. [...] a Anelo não ia mais crescer do jeito que tava porque todo mundo sai muito. Têm aqueles que ficam, mas muita gente flutuante como todo mundo é voluntário eu acho, num dá pra cobrar tanto. (Gabriela, presidente, p. 4 da textualização).
Se o Instituto tivesse condição de manter os seus professores pagando aí seria bom pra gente, seria bom pros alunos. Dessa forma positiva de dizer sempre que vai poder tá contando com aquela pessoa aqui. O voluntariado é uma benção porque a gente, graças a Deus, temos voluntários, mas a gente poderia tá, digamos, melhor. Assim como também a gente poderia tá com um espaço maior também aqui na Anelo. Uma coisa bastante precária. Evoluímos bastante em alguns aspectos, mas é uma coisa que demanda dinheiro, demanda bastante coisa por trás, assim como também demanda a gente poder pagar pro professor pra tá trabalhando aqui no Instituto. [...] O trabalho voluntário é o que a gente tem de melhor porque é o que nós temos. (Hernani, conselheiro fiscal, pp. 14-15).
O trecho narrado por Hernani vai ao encontro daqueles descritos por Gabriela e Dorival
no que tange à construção de documentos que auxiliem na captação de verbas para subsidiar as
ações institucionais. A precariedade exposta se estende ao conjunto de pessoas ali presentes, cujo
caráter de vinculação é voluntário. Tal qual ele afirma, “é uma coisa que demanda dinheiro”.
Da “positividade” afirmada e confirmada pelo colaborador ao mencionar que o “trabalho
voluntário é o que a gente tem de melhor porque é o que nós temos”, é possível inferir “o
melhor” como sinônimo de “possível”, dada a ausência de recursos frequentes nos cofres
institucionais, ou, na melhor das hipóteses, à sua ainda frágil saúde econômica. Afinal, “não
existe viver sem um tostão por mais legal que seja todo mundo ser voluntário na Anelo.” Logo, o
que é “legal no voluntariado” como disposição em ajudar o próximo, pode também ocultar a
perversa instalação da precariedade na vida laboral de muitos dos jovens ali presentes, ainda que
muitos deles se orgulhem de suas ações, ou mesmo se remetam às ações voluntárias como uma
espécie de retribuição à instituição:
eu devo tudo hoje à Anelo. Tanto é que quando perguntam onde eu trabalho eu falo ‘eu trabalho na Anelo’. [...] perguntaram ‘onde você trabalha?’, ‘trabalho no Instituto
Anelo’. [...] eu considero mais o Instituto Anelo porque foi lá, eles, ele que abriu as portas pra mim’. (Levi, professor, pp 9-10 da textualização).
Efetivamente, somente a partir de 2011, conforme o relato de Gabriela, é que a instituição
tem conseguido arcar com seus custos. Dentre eles, o pagamento de alguns professores que
outrora eram voluntários, ou que podem voltar a sê-los. Dados, como esse eventual pagamento de
docentes na atualidade, foram recolhidos na pesquisa como fruto de observações e conversas com
colaboradores em situações de encontros sociais.
Assim, a amálgama de diversos elementos, na qual está inserida a instituição, é composta,
ao mesmo tempo, pela valorização do voluntariado e pelas constatações que lhe são inerentes:
“não dá pra cobrar tanto”, “todo mundo sai muito”, pois têm “muita gente flutuante.”
O atravessamento desse tema na trajetória institucional é frequente e compõe o tecido
social que auxilia a compreender sua história: a origem social dos colaboradores, o entorno, a
captação de verbas, bem como o acirramento dos efeitos do neoliberalismo. Mistura-se a esse
enredo, outro deles: a profissionalização.
Você num pode cobrar, mas acho que a gente tem um potencial muito grande pra fazer muito mais do que a gente faz. Então eu queria profissionalizar. (Gabriela, presidente, p. 5 da textualização).
A alternativa proposta por Gabriela nesse trecho pode ser vista como uma saída à
precariedade apresentada, particularmente no que diz respeito ao voluntariado. A preocupação da
presidente em “profissionalizar“ a instituição abrange tanto seu funcionamento e logística, quanto
às práticas musicais, à formação dos professores e à pedagogia ali desenvolvidas. Ao que tudo
indica, ela se baseia no “potencial” ali vislumbrado para poder “crescer e fazer muito mais.”
A profissionalização é tema recorrente na pesquisa e remonta aos primeiros movimentos
institucionais, desde a época da entrada de Guilherme Ribeiro, ainda que naquele momento
existissem outros projetos simultâneos: “na minha cabeça eu via que alguns deles queriam se
tornar músicos. Eu via que alguns não iam ser músicos, mas, poderiam ter a música como um
hobby e poderiam ainda assim dar aulas pras crianças lá.” (p. 6 da textualização).
Josimar, atualmente professor da instituição, relembra aquela época: “Foi aí que veio o
Guilherme. [...] foi aí que caiu a ficha. Pô a gente tem que estudar de verdade, né bicho? Estudar
pra valer. ‘Cê quer ser músico?’ ‘Quero.’ ‘Então, né? Pegar firme, né?’ [...] Foi aí o contato
mesmo com a música instrumental. Foi através dele.” (p. 6 da textualização).
Como já demonstrado, hoje, muitos daqueles jovens são músicos profissionais, dentre os
quais, o próprio Josimar. Sem querer enfadar o leitor com excessivos exemplos, a frase de
Rômulo é deveras significativa nesse sentido: “eu até costumo dizer que sem a Anelo eu
certamente não seria músico, ou sei lá, ia fazer outra coisa da vida e nunca ia saber que eu tinha
essa vocação pra música.” (p. 4 da textualização).
Percebe-se, a partir destas narrativas, o sentido desencadeador que a instituição pode ter
propiciado a parte desses jovens a direção à tais descobertas, ao incentivo, à escolha e ao
direcionamento para a carreira musical.
Um dos propósitos de Gabriela com a profissionalização, como visto, refere-se à
possibilidade de obtenção de recursos tão almejados para garantir a continuidade do projeto.
Pode-se perceber que, de certa forma, isso vem acontecendo ao longo do tempo. Muitos dos
jovens, que por ali passam, desenvolvem sua musicalidade a ponto de se profissionalizar: alguns,
através dos meios articulados pela própria instituição, conseguem se matricular em escolas e
conservatórios diversos dentro do estado de São Paulo; outros recorrem à vias individualizadas
para esse acesso e, outros ainda, galgam os mesmos passos pelas vias da educação formal. Dentre
esses, dois são técnicos em música e outros três cursam licenciatura em Música em universidades
situadas em Campinas e Três Corações - MG. Dos entrevistados, uma ainda deseja seguir este
caminho e outro pretende cursar Pedagogia como forma de aprimorar sua docência no ramo
musical.
Observa-se, com isso, a crescente qualificação profissional do quadro de professores
vinculados à instituição, ainda que em sua maioria sejam voluntários. Essa constatação se alinha
aos dados apontados na pesquisa de Guazina (2011) sobre as práticas musicais em ONGs nas
regiões Sul e Sudeste do país. De acordo com os integrantes dessas organizações, esse foi
considerado um dos maiores ganhos nesse tipo de projeto.
Vários dos jovens colaboradores da instituição pesquisada atuam também no mercado da
música, seja no ensino, em apresentações diversas, gravações, ou mesmo fazendo parte de bandas
diversas e de gêneros musicais variados. Alguns chegam a obter relativo sucesso no meio
musical.
As avaliações que se fazem deles são consideráveis, principalmente em função dos
aspectos técnicos desenvolvidos ao longo do tempo em suas carreiras, do acesso obtido em
instituições de ensino de Música renomadas e do contato com professores considerados de
altíssimo gabarito no meio da música instrumental brasileira. O que se pode notar é que a
referência aos jovens, que se destacam, serve de exemplo do trabalho institucional, como se
fossem seus ícones. Cito dois exemplos para dar continuidade à análise. No primeiro, Gabriela
relata parte de seu encontro com Paulinho em um ônibus urbano em São Paulo, componente do
primeiro grupo de alunos:
“To aqui no Souza Lima”. Ele já tinha feito Tatuí, foi pro Souza Lima e aí ele tava morando escondido no Souza Lima. Pra poder estudar lá. E no ônibus ele fez um depoimento por si só que era que ele acreditou em Tatuí, acreditou no Souza Lima e... o que ele me falou lá, ele ainda num fez, mas vai saber, mas que, agora ele ia estudar para a Berklee, que é a faculdade, americana e que tem alguma coisa a ver com o Souza Lima, alguma parceria. E que falta “ó aprender a falar inglês pra eu ir pra Berklee, que de música eu sei que eu consigo, sei lá, música eu sei que eu posso!” (Gabriela, presidente, p. 12 da textualização).
No segundo, a menção é de Daniel sobre Levi, hoje professor da instituição: “e teve
alunos que virou professor, que eu dei aula e viro professor e hoje vive de música!! O Levi! Levi
foi um dos primeiro aluno” (p. 8 da textualização). Seu diferencial, no entanto, diz respeito ao
vínculo empregatício consolidado no mercado de trabalho formal: “carteira assinada e registrada
tudo bonitinho” (Levi, professor, p. 9 da textualização).
Ainda que indiquem ascensão social desses sujeitos, seja em relação aos espaços por eles
transitados, à própria formação musical ou ao status atingido no mercado de trabalho, os casos
citados também podem ser vislumbrados como exemplos de vitórias individuais (ARAÚJO et
alli, 2006) que invisibilizam “a necessidade de se oportunizar essas ‘vitórias’ ao conjunto da
população, em uma lógica coletiva” (GUAZINA, 2011, p. 256). Além disso, podem estar
relacionados à “ilusão de que todos têm aptidão para arte, farão sucesso e ganharão muito
dinheiro desta maneira [...] sem questionar se há tanto espaço assim, no meio artístico, para todos
os artistas e grupos formados.” (ARAÚJO et alli, 2006, p. 26).
Por outro lado, o que também é passível de ser verificado na polifonia de vozes da
presente pesquisa é um deslocamento do sentido de “vitória individual” vinculado a um status,
para uma direção de cunho transformador a partir das práticas musicais e habilidades
desenvolvidas através delas. Esse movimento pode ser esclarecido com um trecho da narrativa do
próprio Levi:
eu mudei de curso. Pra melhorar minha parte de canto, a parte, a parte teórica, a parte de planejamento de projeto, porque lá no Souza Lima num tinha isso. Não desmerecendo lá, porque lá eles formam músicos. E eu num queria de certa forma ser só músico. Queria ser um ser humano melhor. Fazer com que as pessoas sejam melhores também através da música, passando a música pra garotada, que eu acho legal pra caramba. [...] Posso transmitir meu conhecimento pras pessoas. Por que eu acho que é prazeroso a gente tocar, subir no palco, ser aplaudido, mas é mais prazeroso ainda acompanhar uma pessoa desde o início, desde quando ela num sabe fazer aquele acorde, depois ver tocando e todo mundo aplaudindo ela! Acho que isso pra mim é mais gratificante. (Levi, professor, p. 11 da textualização).
Assim, o caráter humanitário, observado no posicionamento deste colaborador, em
detrimento de suas vitórias individuais como músico, revela-se como outro componente que atua
nas fissuras do território hegemônico.
Encaminho esta reflexão ao seu final, considerando outros elementos contidos na
paisagem sonora estudada.
4.5 - Paisagem sonora: múltiplos sentidos da música instrumental
4.5.1 - Música Instrumental e Jazz
Como é possível haver jovens dedicados à música instrumental, uma modalidade “erudita”, uma “música de velhos”? (IWASAKI, 2007, p. 167).
Ao discutir a importância do gênero musical para a análise da música massiva, Janotti Jr.
(2003) afirma que “os gêneros musicais não descrevem somente quem são os consumidores
potenciais, mas o que esses produtos significam para eles” (p. 34). Essa proposição se alinha aos
objetivos da presente investigação, posto que ainda se faz necessário determo-nos melhor sobre
alguns dos sentidos expressos pelos jovens entrevistados em relação ao gênero música
instrumental e que não foram tratados até agora. Convém lembrar que, ao tomarem contato com
esse e outros gêneros através das relações institucionais, esses sujeitos também se tornam
“consumidores potenciais.” De acordo com Frith (1998, apud JANOTTI Jr., p. 32) gênero é “um
modo de definição da música em relação ao mercado, do potencial presente na música.”
A atualidade da discussão sobre gêneros musicais também se faz presente na pesquisa
desenvolvida por OCHOA (2009). A autora vem se preocupando em pensar esta categoria a partir
das novas práticas de intercâmbio sonoro e da existência de inúmeras brechas de criação de
objetos artísticos no momento histórico atual. Em sua perspectiva, análises, que privilegiam o
produto e a forma de consumo, desconsideram criação e circulação de uma obra como processos
que se sobrepõem. Esse deslocamento na discussão decorre da posição ocupada pela “escucha
como um lugar de intercâmbio que se inscreve en las prácticas productivas y creativas de lo
sonoro”, e pela primazia das redes de relacionamento que se formam em torno da categoria
gênero musical (Ibid.), argumentos a serem retomados em momento oportuno.
Antes, porém, impõe-se a complexa tarefa de definir música instrumental, dada sua
proximidade com o jazz. Apesar de poderem ser tratados em alguns contextos como sinônimos,
tal qual evidenciado inclusive por alguns dados coletados na pesquisa de campo, sugerindo
suposta obviedade, a aproximação entre esses gêneros merece algumas considerações.
A dificuldade dessa distinção pode ser traduzida pelo título do trabalho em que Bastos e
Piedade (2006) procuram mostrar as relações entre estes gêneros: “O desenvolvimento histórico
da música instrumental, o jazz brasileiro”. Nota-se aí a ramificação abrasileirada dessa música.
Segundo os autores, “o termo “música instrumental aponta para uma música tocada
exclusivamente por instrumentos, ou seja, sem texto ou letra.” (BASTOS e PIEDADE, 2006,
p.931).
Por sua vez, Eric Hobsbawn (1989) afirma que:
não existe uma definição precisa ou adequada de jazz, a não ser em termos muito genéricos ou não musicais, que de nada ajuda quando o objetivo é reconhecer a música escutada. [...] jazz não é um gênero autocontido ou imutável. Não é uma linha divisória, mas uma vasta zona fronteiriça que o separa da música popular comum, em grande parte marcada pelo jazz e a ele misturada em vários níveis. Não há um limite fixo que o separa de tipos anteriores de música folclórica, das quais emergiu. (HOBSBAWN, 1989, p. 47).
O autor acrescenta que, mesmo em relação à música erudita ortodoxa, tais limites são
imprecisos desde a última guerra, em função de investidas advindas de ambos os lados. Ele ainda
enfatiza a considerável mutação do jazz em função de seu curto período de existência, bem como
a ausência de garantias de que este processo irá estancar. Como se nota, o “diálogo” deste com
outros gêneros e sua propensão a estar situado em uma ‘zona fronteiriça’, tanto com a música
popular, quanto com a erudita, amplifica e parece dificultar sua definição.
Nesse sentido, quando questionado sobre o que significavam o jazz, a bossa nova e a
música instrumental, um dos colaboradores da pesquisa contribui para aproximar sua narrativa da
proposição de Hobsbawn. Como mencionado, no capítulo destinado à metodologia aqui
empregada, utilizo uma pergunta de corte dirigida a todas as pessoas entrevistadas neste percurso.
A própria enquete, apesar de pretender, como o próprio nome diz, um “corte” em referência à
identidade que marca a comunidade de destino pesquisada (MEIHY, 1996), já se revela
imprecisa, abarcando uma gama de gêneros musicais. Assim, obtenho a seguinte resposta daquele
músico:
Quando gente fala de música instrumental assim é muito ampla. [...] nessa fase que eu tava lá na Anelo eu tocava muito essa minha referência musical: muito a bossa nova, o samba jazz, o jazz americano e essa música que eu chamo de música popular contemporânea, música criativa contemporânea. Que tem a ver um pouco com a improvisação livre, com a fusão até de linguagens, ou seja, um músico que tem uma formação jazzista, o músico que tem uma formação mais tradicional, por exemplo, dentro da música regional brasileira, entendeu? Mas tem um momento que eles conseguem juntar essas linguagens. [...] Então tinha um certo ambiente assim, uma aura em torno dessa música chamada, que a gente chamava de música instrumental. (Guilherme Ribeiro, músico colaborador, pp. 7-8 da textualização).
Assim, a “aura” em torno da música instrumental que vai se constituindo na trajetória
institucional apresenta a complexidade relativa à composição deste gênero, algumas
possibilidades de tangência, imbricação e fusão em relação ao jazz e também relativas a ele. O
colaborador qualifica a música instrumental abarcando o próprio jazz, dentre outros gêneros, ou
as várias “linguagens” e sua junção. Também é possível destacar de sua narrativa um elemento
que pode auxiliar nesta compreensão: a improvisação, cuja forma se aproxima ao jazz.
Isso posto, passo a me referir a alguns dos sentidos expressos pelos colaboradores em
relação aos processos educativos experenciados na instituição pesquisada ainda não analisados. O
primeiro deles se dirige à citação de Iwasaki (2007), no início deste tópico. O trecho destacado de
seu texto é construído a partir de reportagens presentes em jornais paulistas que, segundo ela,
rendem uma boa pauta ao combinarem jovens e música instrumental: algo supostamente
contraditório. A retomada dessa citação tem o propósito de inserir e contrapor alguns significados
que circulam na concepção do grupo investigado acerca do gênero música instrumental:
Essa música é muito poderosa. Nós não estamos falando de música sinfônica, nem nada. Nós tamo falando de música improvisada. Você pega Maracangalha, põe bons músicos pra tocar e que tenham sintonia e empatia. Não precisa de muita coisa: Maracangalha já tá bom. Então, essa música está banida da sociedade. Banida e as pessoas, antes de ouvir as pessoas já concordam que “ah, não!” Por que já foi colocado na cabeça delas: “é música pra músico!”, “É um som hermético”, “É um som difícil”. É uma puta mentira isso aí! Isso é o racismo incutido na cabeça das pessoas. Então quê que é bom pra você? “É isso aqui”. Aí o cara te mostra esse lixo todo. Acho que dá pra dizer que tem um racismo musical imposto na forma de ideologia. Junto com toda ideologia. Junto com o sonho da casa própria. Tá na ideologia que fala que a música instrumental é difícil. Então eu respondi outro dia pra um cara no Fórum Spring “Michel, quê que é música pra músico?” Eu falei “isso aí é um termo predominantemente preconceituoso que é mais um braço da ideologia dominante. A mesma ideologia que fala “ah, eu detesto política!”aí o cara fala “é mesmo, eu odeio política, num quero saber de política!”Ah, por isso que você num vai pra rua! Por isso que você num vai pro pau! (Michel Leme, músico colaborador, p. 10 da textualização).
O trecho narrado por este colaborador poderia muito bem servir de resposta ao
questionamento que inicia este tópico. Música erudita? Música de velhos? Música pra músico? O
posicionamento dimensionado por ele em relação à “música improvisada” é amplo e tem
endereço certo: a ideologia dominante.
Depreende-se, de sua concepção, que esta música está restrita a alguns segmentos da
sociedade em razão dos próprios rótulos que se lhe impõem e que provocam o afastamento
“através do racismo incutido na cabeça das pessoas”. Afinal, “é um som hermético”, “erudito”,
“difícil”, dirigido aos “velhos”.
Em outro momento de sua entrevista, Michel Leme descreve que a música improvisada,
tocada por músicos que tenham afinidade, sintonia e empatia, é compreendida como “algo
construído coletivamente”, “olhando o outro”, “esse é o impacto da música viva”, “que traz uma
surpresa” em contraposição à “superficialidade que todo mundo quer manter. É o gado. Eles
foram ensinados assim.” (p. 9 da textualização).
Sua narrativa direciona a discussão para outros rumos.
4.5.2 – Intersubjetividade
Os sentidos expressos por Michel Leme podem ser melhor analisados a partir da
proposição de Cook (2007) ao tomar como ponto de partida a abordagem de teóricos a respeito
da interação passível de ser experimentada no jazz, indo “em direção a um modelo mais geral de
música enquanto atividade social”, valorizando, assim, “qualquer música – enquanto instrumento
por meio do qual aprendemos a trabalhar com os outros, a negociar caminhos compartilhados” (p.
07).
A alegação de Cook (2007) se baseia na ênfase dada por Alfred Schutz à dimensão social
da música e “sobre as dinâmicas das relações sociais e, particularmente, sobre a ideia da inter-
subjetividade”. (p. 07).
Segundo Cook (2007), o argumento de Schutz parte do princípio de que toda
comunicação é baseada no que ele denomina de “relação mútua de ajuste, e que significa um tipo
de engajamento direto e interpessoal que acontece quando marchamos juntos, dançamos juntos,
fazemos amor juntos – e, é claro, fazemos música juntos” (SCHUTZ, 1964, apud, COOK, 2007,
p. 07). Assim, a definição de relação mútua de ajuste diz respeito ao performer, ou ao ouvinte
estar engajado “no que Schutz denomina de tempo interno, a durée de Bergson, uma
temporalidade subjetiva não ligada ao tempo externo mostrado pelo relógio.” (COOK, 2007, p.
08).
Ora, a prerrogativa de “fazer arte coletiva, olhar o outro e sair da própria casca da
condição imposta de individualista” (Michel Leme, músico colaborador, p. 6 da textualização)
pode ser vista, de acordo com a proposição de Schutz, como exemplo de temporalidade interna
compartilhada, servindo tanto como experiência vivenciada pelos jovens participantes do projeto
como performers, quanto pela plateia.
Desta forma, esse tipo de experiência alinha-se aos processos educativos vivenciados por
aqueles sujeitos a partir da gama de significados que lhes são atribuídos, aludindo à complexa
rede de aspectos aí intrínsecos, sendo comunicados a partir das relações ali estabelecidas. A
narrativa insinua uma possível “comunhão do fluxo de experiências do tempo interno do outro,
este vivenciar de um presente vivido comum, constituindo a relação mútua de ajuste, a
experiência do Nós, que está na base de qualquer possível comunicação”. (SCHUTZ, 1964, apud,
COOK, 2007, p. 08).
4.5.3 - Aproximando diferenças
Por sua vez, ainda que semelhantes aos sentidos expressos por Michel, outros deles são
apontados por Luccas ao discorrer sobre a entrada de Guilherme Ribeiro no projeto: “era um
sonho dele ensinar música de qualidade na periferia e mostrar pra gente o quanto a música pode
aproximar pessoas. Ela pode, como atividade em si, interligar e aproximar pessoas com
realidades sociais diferentes.” (p. 10 da textualização).
Ao atribuir à música instrumental a capacidade de aproximar pessoas com realidades
sociais distintas, Luccas se coaduna ao pensamento de Michel em relação ao hermetismo
depositado sobre o gênero instrumental. No mesmo trecho, o fundador do Instituto Anelo não se
furta em admitir que se trata de “música de qualidade.” Mas quais seriam suas qualidades?
Em seu estudo a respeitos de jovens músicos instrumentistas do município de São Paulo,
Iwasaki (2007), aponta os critérios utilizados por eles para avaliar a qualidade musical, tanto da
música, quanto dos músicos. Segundo ela,
na visão desses instrumentistas, as modalidades musicais encontram-se dispostas em uma ordem hierárquica de qualidade de acordo com os atributos que apresenta. O primeiro lugar, portanto, é único exclusivo da música instrumental.” [Já] “os músicos, são classificados de acordo com suas aptidões técnicas e criativas.” (p. 170).
Assim, o critério dominante da posição diferenciada da música instrumental “é a
complexa estrutura formada pelos elementos musicais, como harmonia, melodia e ritmo [...]
culminando em uma forma visivelmente difícil e complexa” (IWASAKI, 2007, p. 170).
Ainda que dos dados coletados na presente pesquisa não conste referência específica aos
componentes da música instrumental tal qual os evidenciados pela autora, ao estipular a
“qualidade” que lhe é pertinente, os sentidos expostos pelos colaboradores entrevistados,
assemelham-se aos dos jovens paulistanos. Um adendo: Michel Leme participa das duas
investigações.
A valorização da música instrumental para os jovens do presente estudo, então, remete à
dimensões como as mencionadas por Michel Leme, Luccas e Guilherme Ribeiro, cujo sentido soa
mais humanizante e menos mercadológico, pois, de acordo com essa concepção, é possível “olhar
o outro”, “interligar e aproximar pessoas” com origens e realidades sociais diferentes. E ainda é
possível “sair da superfície” apresentada pela indústria cultural. De acordo com Luccas, os alunos
procuram a Anelo e passam a entender que isso não é um bicho de sete cabeças, não é uma coisa que só o sujeito da classe média alta, que mora num lugar bacana possa curtir. Pelo contrário. E os alunos já tem um reconhecimento desse gênero e nos procuram por isso. Querem tocar o jazz, querem tocar bossa nova. (Luccas, fundador, p. 11 da textualização).
Todavia, ao recorrer à polifonia de vozes, também é possível encontrar, inerentes aos
sentidos de luta explicitados, conteúdos de cunho moralizante os quais se alinhariam ao gênero
musical ali difundido, em detrimento de outros, ainda que essa perspectiva seja dirigida à
indústria cultural:
Questão de cultura, educação que, principalmente nos bairros carentes a gente precisa muito disso. Poxa, ensinar música pro menino, imagino que a música tem uma mensagem de você falar pra ele, mostra pra ele. Pede pra ele colocar na balança: música boa, música ruim, atitudes boas, atitudes ruins. (Levi, professor, p. 10 da textualização).
Nesse sentido, é plausível compreender a existência de um esforço desse coletivo ao
eleger o referido gênero como linha de fuga às imposições do mercado de consumo advindas da
mídia, como outra possibilidade estética para “ser curtida.” O trecho abaixo auxilia nessa
compreensão.
Eu falo sempre pros meus alunos que a gente acaba virando aqueles cavalos que fica com o rosto assim, com aquele negócio assim, onde a mídia é o charreteiro que puxa a gente pra onde eles querem. Então com isso a gente acabava fugindo e acaba curtindo outras coisa. Então eu questiono muito hoje meus alunos. (Levi, professor, p. 16 da textualização).
Por sua vez, a classificação referente aos músicos, dedicados ao gênero instrumental,
descrita no estudo de Iwasaki (2007) a partir de critérios técnicos e criativos, tem grande
semelhança com alguns sentidos narrados pelos colaboradores desta pesquisa. Aliás, a gama de
menções ao estudo necessário para desenvolver as habilidades indispensáveis para sua execução,
bem como a criatividade, são consideráveis. Cito três trechos a título de exemplo:
É um diálogo musical. Cê tá tocando é a improvisação, é como se cê tivesse contando uma história. Cê num pode chegar e tocar simplesmente escala. (Josimar, professor, p. 14 da textualização).
O legal é você poder criar ali. E assim, cê precisa estudar pra criar um negócio legal. E precisa conhecer o tema e às vezes é em razão desse estudo, graças a esse estudo você, consegue também é fazer um solo legal numa música que você desconhece. Cê deu uma olhada ali praticamente na hora e o mais legal é justamente você poder criar, você poder colocar coisas suas naquela música que já existe. E a música tá lá. Muita gente já fez coisas, muita gente já tocou ela e você pode dar sua contribuição ali num determinado momento ali na música. E isso é muito legal. Pra mim é importante isso. Eu, eu acho que o espaço da Anelo possibilitou pra muita gente ter acesso a isso, à música instrumental [....] A música instrumental era vista só como é erudito. (Rômulo, professor, pp. 14-15 da textualização).
E a música instrumental, o jazz, o estilo que me foi apresentado aí na Anelo. Não, num foi apresentado, mas que explodiu de uma maneira mais forte é a chance de estudar. É a chance estudar não, é a chance de... Num é chance... é uma oportunidade de crescer como músico. Hoje eu toco Iron Maiden lá com os meninos, ACDC que eu toquei sábado, mas quando eu toco o quartetinho de jazz lá com o Alê eu me sinto muito mais músico, sabe? Porque é a oportunidade de crescer musicalmente mesmo, de colocar sua criatividade em prática. (Dorival, professor, pp. 24-25 da textualização).
Além de novamente valorizar o acesso ao gênero, alguns sentidos expressam que através
dele ocorre o rompimento de uma barreira invisível, tal como a expressão “a música instrumental
era vista só como erudito.”
Como se observa, a improvisação é constantemente valorizada e associada à criatividade,
à possibilidade de colocar “coisas suas naquela música que já existe” e assim “dar sua
contribuição.” Não é meu objetivo aqui aprofundar o tema da criatividade. Apenas pretendo
ressaltar o aspecto simbólico destacado pelos jovens pesquisados ao lhe atribuir tamanha
valorização nas performances de música instrumental, e a partir delas “se sentirem mais
músicos”.
Contudo, para poderem criar, é necessário estudar, “conhecer o tema”. Dessa forma, é
possível aumentar os próprios limites. Afinal, o músico não pode “simplesmente tocar uma
escala”, já que o número de possibilidades de “criação” se refere ao sentido de ampliação
intrínsecos ao gênero. Estas perspectivas oferecem contraponto à uma suposta criatividade
advinda “do nada”. Nesse caso, o estudo a que os jovens se referem pode dizer respeito aos
comportamentos restaurados, preparados, ensaiados e reproduzidos na performance
(SCHECNER, 2006). Com isso, de fato podem ampliar seu repertório. Ainda que instigante, não
é possível neste texto aprofundar a discussão a respeito dos inúmeros elementos contidos na
performance do jazz e outro gêneros. Nesse sentido, considero válida a menção ao artigo de Cook
(2007), do qual consta vasta e aprofundada literatura em torno do tema.
Já as referências musicais dos jovens colaboradores desta pesquisa também se
assemelham àquelas dos músicos estudados por Iwasaki (2007). Segundo a autora, eles “baseiam
sua concepção musical nas obras de músicos como Hermeto Pascoal, Arismar do Espírito Santo,
Nenê, Airto Moreira e também em grandes nomes do jazz norte americano” (p. 170).
Entretanto, é possível apontar na polifonia de vozes a existência de uma tendência não
classificatória em torno desses músicos na luta pela validação de seus direitos em oposição à
visão mercadológica. Essa postura pode ser identificada no seguinte trecho: “eu não falo que eu
sou músico de jazz, nem porra... eu não quero me colocar em nenhuma prateleira. Eu sou um ser
humano que no papel, tenho direito a várias coisas. Só que na prática a gente não tá tendo
direito.” (Michel Leme, p. 9 da textualização).
Diante do panorama exposto acerca do gênero música instrumental na trajetória
institucional, soa pertinente a assertiva de Janotti Jr. (2003) sobre o significado do gênero musical
como produto a ser consumido. A essa altura, entretanto, já é possível retomar a argumentação de
OCHOA (2009) em torno dessa categoria. Segundo a autora, essa discussão é indissociável dos
processos de audição e das redes de relações sociais que se formam nas diferentes dimensões do
trabalho musical, como bem notamos nos significados expressos pelos colaboradores desta
pesquisa.
OCHOA (2009) se apoia em David Novak ao afirmar que a audição “é uma forma de
circulação claramente virtuosa e é uma prática criativa... ouvir não é o último elo de uma cadeia
de transmissão de música, é o centro de inovação musical... a escuta em si é o cerne da produção
criativa, tanto o som musical como seu significado social." 55 (2008, apud OCHOA, 2009). Este
mesmo processo, a audição, é considerado chave para formulações de teorias sobre a música
(MORENO, apud OCHOA, 2009) e, nesse sentido, o ouvinte é fundamental tanto em relação às
55 Tradução minha para "es una forma de circulación claramente virtuosa y es una práctica creativa... escuchar no es el último eslabón de una cadena de transmisión de música, sino que es el eje de la innovación musical... la escucha por sí misma está en el corazón de la producción creativa, tanto del sonido musical como de significado social,"
formas de se trocar música, como também constitui a base para podermos explicá-la. (OCHOA,
2009).
Assim, os significados, que vão sendo tecidos pelos constituintes do Instituto Anelo, são
construídos através do processo de audição; esse, responsável, ao mesmo tempo, pelo sentido de
troca de sons musicais e pela ampla gama de significados que lhes são depositados a partir da
rede de relações que se aglutina em torno do gênero música instrumental.
OCHOA (2009) considera que a ideia de combinação de sons, que envolve todos os
gêneros, “é melhor explicada como uma prática de trabalho em rede através de múltiplas relações
e associações, do que como resultado de uma mistura de elementos discretos, ainda que esta, em
última instância, continue sendo verdade”56. O que a autora pretende destacar é
que os músicos se movem através de redes de relações que se articulam em e através de múltiplas relações espaço-temporais e que o crucial é precisamente as práticas de articulação que levam a cabo e consolidam. Assim, estamos enfatizando a necessidade de se pensar o gênero musical como um problema de categorização, ou seja, como um núcleo com um centro e os limites fixos (assim os têm e isso ainda é verdade, pois os gêneros não desaparecem), e mais como um nucleador redes 57 (OCHOA, 2009).
A proposição de nucleador de redes se refere à articulação de conjuntos de possibilidades
para o estabelecimento de vários tipos e modos de relações entre e através das redes e objetos
musicais (OCHOA, 2009).
A partir dessa perspectiva, é possível ampliar a dimensão dos significados em torno do
gênero música instrumental para os jovens do Instituto Anelo em favor de múltiplas articulações.
Dentre elas, podem ser incluídas desde as relações mais remotas entre o primeiro grupo de jovens
e Guilherme Ribeiro, passando por suas inserções em diversos circuitos de música instrumental e
56 Tradução minha para “está mejor explicada como una práctica de trabajo en red a través de múltiples relaciones y asociaciones que como producto de una mezcla de elementos discretos, así en última instancia esto continúe siendo verdade”
57 Tradução minha para “que los músicos se mueven a través de redes de relación que se articulan en y a través de múltiples relaciones espacio-temporales y que lo crucial es precisamente las prácticas de articulación que llevan a cabo y consolidan. Con ello estamos enfatizando la necesidad de pensar el género musical como un problema de categorización, es decir como un núcleo con un centro y límites fijos (así los tenga y esto sigue siendo cierto porque los géneros no desaparecen), y más como un nucleador de redes.
chegando até os dias de hoje, com novas configurações. Sempre presentes, nesses processos de
criação de significados, a audição e as redes de relações estabelecidas.
Segundo Ochoa (2009), “essa reconfiguração de sons como conjuntos constituídos por
meio de redes não é apenas um elemento estético, mas a chave para entender as ideologias
econômicas e sociais enraizadas em práticas estéticas e na reconfiguração de práticas de trabalho
para músicos.”58
Assim, a reconfiguração dos sons, como conjuntos constituídos por meio da rede de
relacionamentos formada por aqueles jovens, auxilia a compreender o gênero musical não apenas
como elemento estético, mas sobreposto à ideologia econômica daquele grupo, compondo seu
imaginário social com elementos que sugerem rompimento com os valores hegemônicos.
Entretanto, ainda de acordo com o conjunto de narrativas, é possível observar que nem
todos os jovens, que por ali transitam, apropriam-se dos mesmos significados. Ou ainda, é
possível supor que haja um tempo necessário para esta construção. Assim, um dos colaboradores
sequer chega a reconhecer o gênero música instrumental, ainda que componha essa rede. Essa
constatação pode estar atrelada à idade dos colaboradores, supondo-se que quanto mais jovens,
menor o (re)conhecimento do gênero e daqueles significados. Nesse sentido, é importante
vislumbrar outras especificidades e outros modos de relação através das redes e objetos musicais
que se articulam ao gênero instrumental como nucleador.
4.5.4 - Música instrumental e gênero feminino
Alguns sentidos e significados dos processos educativos vividos pelos jovens da
instituição pesquisada dizem respeito à relação entre as categorias gênero sexual e gênero
musical.
58 Tradução minha para “esa reconfiguración de sonidos como conjuntos constituidos a través de las redes no es sólo un elemento estético, sino la clave para la comprensión de las ideologías económicas y sociales arraigadas en prácticas estéticas y en la reconfiguración de las prácticas laborales para los músicos en el marco del actual cambio en los regímenes de intercambio.”
A primeira constatação se refere ao dado observado no estudo de Iwasaki (2007) em
relação “a sensível ausência de instrumentistas do sexo feminino” (2007, p. 170). Dentre os
quatorze colaboradores entrevistados no presente estudo, apenas quatro são do sexo feminino 59.
Todavia, há que se ressaltar que a própria Gabriela, hoje presidente da instituição, toca piano. Das
outras três jovens, duas são professoras e uma é aluna da instituição. Seguem trechos de suas
narrativas a respeito da música instrumental:
Não cheguei a participar desse projeto de prática de banda aqui. Porque sei lá, eu num sou muito assim pra trabalhar em grupo, vamo dizer assim. Agora eu to no coral. Agora sim, pode ser que mais pra frente eu entre. Mas, por enquanto, nunca surgiu o convite, ou algo assim. Eu num sei também se eu tenho tanta capacidade assim pra entrar, que eu demoro pra pegar a música. Só consigo tocar se eu tiver decorado. [...] Não improviso. Ah, num sou muito de criar não. Eu sou mais tocar do que inventar assim, eu num sou muito não. (Marciele, aluna, p. 10 da textualização).
Só que aí mudou pra mim o estilo de música, porque na minha igreja é música gospel, mas, voltada pra música cifrada. Coisas, mais atual, MPB, eu sempre gostei, mas eu nunca fui de tocar muito. Eu nunca consegui me empenhar muito nisso. Improvisar, essas coisas desse tipo. [...] e por num ser uma coisa que me chama muita atenção aí eu num gostava muito. [...] num era o tipo de música que eu consigo me empenhar muito. (Jaqueline, professora, pp. 7-11 da textualização).continuo achando que ainda faz pouca parte da minha vida. Eu ainda ouço pouco, isso eu assumo. Sinto falta, mas foi aqui mesmo que eu comecei a ter o gosto e acho muito legal. Falta de ouvir. (Audrey, p. 13 da textualização).
O que se evidencia comum nos discursos das colaboradoras é uma espécie de afastamento
do gênero música instrumental, ainda que demonstrem certo interesse. A frágil vinculação é
observável desde sua audição: “falta ouvir”. Ao que tudo indica, disso decorre o baixo
investimento das jovens no estudo e disciplina necessários ao desenvolvimento de um dos
principais elementos desse gênero: a improvisação.
A compreensão de que “faltaria capacidade em desempenhar esse tipo de música”,
associada a uma suposta “baixa criatividade”, contrapostas à prática da memorização das
músicas, destacam-se no discurso de Marciele: “só toco se tiver decorado”. Como se esse recurso
não fosse necessário também à prática da improvisação. Todavia, nesse caso ainda não houve um
convite para o projeto desenvolvido pela instituição que mais estimula o desenvolvimento destas
habilidades: a prática de banda. A jovem se depara ainda com sua dificuldade em trabalhar em
grupo, elemento indispensável nesse tipo de projeto.
59 A dificuldade em encontrar as jovens para entrevistar já foi discutida no capítulo sobre a metodologia.
Há que se salientar também a preferência pelas atividades vinculadas à docência por parte
de uma dessas jovens em contraposição às performances públicas: “dar aulas é muito mais
espontâneo, muito... eu me identifico muito mais do que tocar em público” (Audrey, professora,
p. 10 da textualização).
Diante do exposto, é possível afirmar que, quantitativamente, os elementos coletados
podem ser aproximados da análise dos dados da pesquisa Perfil da Juventude Brasileira realizada
por Brenner, Dayrell e Carrano (2005). De acordo com eles, a participação dos jovens em
atividades culturais é desigual, quando considerada a variável gênero sexual. Essa constatação se
refere à
tradicional divisão sociespacial brasileira, na qual os homens possuem maior mobilidade sociocomunitária no espaço público, enquanto as mulheres estão mais circunscritas ao espaço doméstico e têm menos mobilidade para praticar atividades extrafamiliares. (p. 184).
De forma análoga, é possível inferir, a partir dos significados expressos pelas jovens em
suas narrativas, uma menor propensão ao se exporem nas performances públicas, particularmente
àquelas relacionadas ao gênero música instrumental e à habilidade de improvisação geralmente
exigida nesses contextos.
4.5.5 - Arte versus mercado
A discussão que ora se finda expressa parte das convenções que atravessam um
determinado grupo acerca do gênero música instrumental, compondo seu imaginário social.
Assim, os jovens do Instituto Anelo compõem performances, sonoridades, audições, julgamentos
estéticos, competências diferenciadas, valores e ideologias em torno do mesmo, em detrimento,
inclusive, e quiçá propositadamente, da convenção midiática exposta na citação de Iwasaki
(2007). O debate entre a concepção de arte versus mercado é outro elemento que compõe os
sentidos dos processos educativos vividos por esses jovens.
De um lado, temos a assertiva “na verdade o artista é quem faz arte, não quem faz
comércio” (Michel Leme, p. 3 da textualização); de outro, o aparente antagonismo com o aspecto
de materialidade que se lhes impõe severo emerge da expressão “não existe viver sem um tostão.
Não existe.” (Gabriela, p. 4 da textualização). Para apreender tanto o elemento estético, quanto a
ideologia econômica e a social (OCHOA, 2009), que implicam ambas em sentido único, é
essencial compreender o tipo de relação que constitui a rede de relacionamentos institucionais
que os produz em torno do gênero música instrumental. A história narrada também tem essa
pretensão. Ainda que ali se proponha fazer “arte”, faz-se necessária a sustentação, mesmo que
apoiada em uma economia de troca.
Tais assertivas podem ser inseridas na discussão proposta por Durant (2001) em artigo
que versa especificamente sobre arte e sua articulação com recursos econômicos, particularmente
aqueles oriundos de políticas públicas. De acordo com o autor, urge o entendimento de que “arte
e cultura dependem de sustentação econômica e institucional como qualquer outra atividade
humana” (p. 66), embora não seja para “fazer comércio”.
Ainda sobre essa discussão, é digna de nota a menção de alguns dos colaboradores a
respeito da suposta dicotomia, e não uma interdependência, existente entre as atividades de
docência e aquelas relativas a “escolher” e “tocar o que quiser”. O trecho abaixo explicita esta
relação:
E aí eu comecei a entender isso por que eu vi que assim ele dava aula. Ele dava ali as aulinhas dele, tudo, mas à noite, quando ele ia tocar mesmo, por mais que ele, ele ganhasse sei lá, setenta reais, era pra tocar jazz, pra tocar coisa boa, pra tocar o que ele queria. Então ele podia escolher o que ele queria tocar já que ele já tinha uma fonte de renda. (Rômulo, professor, pp. 9-10 da textualização).
Assim, na luta travada diariamente pelos atores da instituição também está compreendida
sua intenção em não submeter-se ao mercado: “é um lugar possível de você não estar dentro da
lógica da mercadoria.” (Michel Leme, p. 11 da textualização). Como visto, isso não é de todo
possível, ainda que, nesse sentido, linhas de fuga sejam constantemente construídas por esse
coletivo.
Passo agora, à conclusão da pesquisa.
CONCLUSÃO
Neste trabalho procurei investigar os sentidos e significados dos processos educativos
vivenciados pelos jovens do Instituto Anelo, em Campinas, ao longo de sua história,
considerando, neste percurso, o atravessamento do gênero música instrumental. Para tanto,
utilizei a metodologia da história oral. Além disso, busquei compreender os sentidos desta
paisagem sonora como construção contra-hegemônica, bem como articular a experiência narrada
com o campo da Educação Não Formal.
Em relação à metodologia utilizada é possível afirmar que a história oral mostrou-se de
grande valia no propósito de registar a trajetória institucional. A partir desse intento, tornou-se
possível aprender com a história de um grupo propenso à exclusão social. Quando do intuito de
identificar sentidos e significados dos sujeitos aí implicados, as técnicas de registro também se
mostraram bastante eficientes, auxiliando na composição de um corpo documental vasto, denso e
instigante, ainda que complexo.
Penso que o material audiovisual construído durante a pesquisa mereça ainda tratamento
diferenciado, caso considerada a possibilidade de transcriar as narrativas, principalmente se o uso
deste recurso ocorrer em colaboração com os jovens entrevistados. Todavia, há necessidade de
tempo disponível para essa elaboração. O material produzido a partir das escolhas narradas no
capítulo metodológico desta dissertação apresenta possibilidades significativas e bastante
profícuas para os estudos com juventude.
Quanto à perspectiva teórica relativa aos gêneros de história oral, considero importante
empreender investimento em relação à aproximação da história oral de vida com a história oral
temática.
O uso de muletas da memória mostrou-se bastante funcional e efetivo na busca de
sentidos e significados nas histórias relatadas pelos jovens. Além das fotografias utilizadas, tanto
os vídeos, quanto o material musical auditivo podem ser considerados de suma importância nesta
pesquisa. Esse último mostrou-se particularmente propício, provavelmente por seu uso ser
efetivado em pesquisa relacionada ao campo musical.
A pesquisa evidenciou uma gama complexa e diversa de sentidos e significados relativos
aos processos educativos vividos pelos jovens ao longo da história do Instituto Anelo,
confirmando a pertinência do objetivo de compreender o gênero música instrumental, ali
difundido e estudado. Ainda que esta paisagem sonora se anuncie mais ampla, os contornos da
história, relatada em torno deste gênero, revelaram-se muitos e profundos, particularmente se
compreendidos a partir das relações ali estabelecidas.
Destaca-se, deste conjunto, o esforço coletivo dos jovens ali implicados na luta pelo
direito ao acesso a bens culturais e simbólicos garantidos por lei à toda população, todavia não
cumpridos efetivamente pelo Estado. A criação e manutenção deste espaço são consideradas
muito significativas pelos colaboradores ao proporcionar opções de lazer, cultura e sociabilidade
aos residentes do entorno institucional.
Nesse sentido, o uso do tempo livre por parte desses sujeitos, a partir das práticas
musicais propiciadas pela instituição, é vivido com relativa desvinculação do universo produtivo.
Relativa, pois experenciado de forma diferenciada por parte dessa juventude, cuja necessidade
em vincular-se àquele universo é premente, considerando que, no quadro de ampla precariedade
da realidade socioeconômica ali presente, há os que têm maior carência. Com isso, a própria
instituição se revela um dos caminhos proporcionadores de desenvolvimento de habilidades
necessárias à vida laboral, ou se constitui ela mesma em fonte de renda para alguns, ainda que se
revele inconstante.
De forma desinteressada, o universo performático que daí decorre, oferece considerável
possibilidade de desenvolvimento de relações sociais permeadas por confiança e afetividade, em
um contexto de experimentação que tende a propiciar a construção de identidades. Além disso, as
atividades de produção sonora desenvolvidas pelos jovens são percebidas como geradoras de
emoções agradáveis e ludicidade.
Todavia, a destinação desse tempo àquelas mesmas práticas, também tende a ser
significada com conteúdos conservadores e moralizantes, anunciando a perversidade da violência
simbólica que atinge esse grupo em perspectivas contrárias a si mesmo, evidenciando sua
dificuldade em encontrar alternativas profícuas em direção a um posicionamento mais sólido
neste terreno.
Ao ponderar sobre o objetivo de compreender esta paisagem sonora como construção
contra-hegemônica, releva-se notável o movimento destes jovens na disputa simbólica em torno
da categoria gênero musical. Tanto discursos quanto práticas sinalizam como vêm sendo
construídos os sentidos contidos no imaginário social desse grupo em relação a este componente.
Tais posicionamentos são erigidos como forma de contrapor o domínio da ideologia neoliberal a
qual se alastra em várias esferas que se mesclam. Assim, a contrapartida institucional também é
constituída por várias delas: a estética, a ética, a política, a econômica, a social.
As práticas musicais em torno do gênero música instrumental são significativas,
principalmente em função da performance propiciada pela prática do improviso: além dos
aspectos já mencionados em relação à sociabilidade e ao prazer proporcionados, este momento é
considerado por seus contornos de construção coletiva, de necessidade de atenção a si e ao outro,
concomitantemente, resultando em um movimento de fruição que, na perspectiva apresentada
pelos jovens, tende a diminuir as desigualdades ao aproximar sujeitos com realidades sociais
diferentes. Todas essas são compreendidas como formas de se contraporem aos estereótipos
massificados dos produtos culturais difundidos amplamente pelas mídias. Neste conjunto, ainda
pode ser destacado o trânsito desses jovens por espaços dedicados a esse tipo de performance,
ampliando-se, com isso, suas inserções na vida pública, a aquisição de conhecimentos e sua rede
de relacionamentos.
Entretanto, também emergem das narrativas inúmeras contradições que não se articulam
nesta direção, mas sim, de forma favorável àquela mesma hegemonia que o coletivo pretende
combater. Por exemplo, ao oferecer destaques às transformações ocorridas na vida dos sujeitos
individualmente, a partir das ações institucionais, tais como inserções em circuitos de música
instrumental em grandes metrópoles, como Campinas e São Paulo, seja na docência em Música,
ou como performers. Com isso, pode ser alimentada a fantasia de que há espaço para todos no
cenário da música, ou da música instrumental, sem questionarem se isso pode levar à
transformações sociais mais profundas.
Por sua vez, o objetivo de articular as narrativas ao campo da Educação Não Formal
remete a resultados que também aludem ao sentido contra-hegemônico. Assim, as relações ali
estabelecidas vêm se transformando historicamente em direção às formas mais humanizadas,
constituídas pela horizontalidade nos vínculos entres os sujeitos no contexto estudado. Os
métodos empreendidos pela instituição também podem operar de forma mais livre, já que
desregulados e sujeitos às necessidades locais. Por não se subordinarem às exigências
burocráticas, tanto práticas quanto discursos são empreendidos por um dinamismo próprio,
sujeitos aos sentidos e significados que lhes são depositados pelo grupo que os institui.
Em contrapartida, os dados coletados permitem inferir que esta articulação traz, no bojo, a
inscrição desse tipo de instituição, a ONG, à mercê de políticas públicas sazonais, ou então
àquelas cuja disputa necessariamente deixará parte delas lançadas à própria sorte em sua busca
pela sobrevivência, aproximando-se de uma concorrência mercadológica. A adequação das ações
institucionais a padrões determinados por editais imprime a necessidade de um aprendizado
específico, cujo sentido parece encerrar-se na captação econômica. Diante disso, práticas, como
as propagandísticas, podem contribuir para a manutenção de suas ações, mas, por outro lado, a
ausência de domínio sobre elas, pode configurar a exclusão da instituição do fomento oriundo de
fontes financiadoras as mais variadas.
Em busca de alternativas financeiras, a ONG pesquisada vem procurando parcerias
diversas. Algumas delas têm se revelado fortemente imbricadas à ideologia neoliberal,
requerendo, em troca do amparo econômico, dados meramente meritocráticos sobre o
desempenho dos jovens em situação escolar. Tais perspectivas tendem a aproximar ONGs como
essa da dinâmica capitalista: o funcionamento da firma, do qual também seria necessário escapar
para que se configure e garanta uma educação cujo caráter seja efetivamente emancipatório.
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ANEXOS
Anexo I – E-mail de 18 de dezembro de 2012: “Destine parte de seu imposto de renda para o Instituto Anelo”
Boa tarde, Meu nome é Luccas Soares Fundador do Instituto Anelo e gostaria de convidar você a destinar até 6% do seu imposto de renda devido em prol do Instituto. Lembrando que de qualquer forma o imposto devido sairá do seu bolso. Neste ano de 2012 foi um ano de muitas conquistas para o Instituto Anelo todos os nossos projetos foram aprovados com louvor pelo CMDCA (Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente) e maior ainda pelas famílias e alunos assistidos pelo Projeto, ou seja, sua destinação foi muito bem aplicada. O procedimento é muito simples clique e veja como é fácil http://fmdca.campinas.sp.gov.br/. Quem não deduz o imposto de renda pode fazer uma doação para o Instituto através da Conta do Instituto Anelo, mas lembrando que este tipo de doação não tem restituição financeira. Banco do Brasil Instituto Anelo CNPJ: 05.896.161/0001-29 Agencia: 3551-3 Conta Corrente: 11.379-4 Entre em nosso Site e acompanhe os projetos do Instituto Anelo. Em nome do Instituto Anelo desejo a todos um feliz natal e um ano novo com muita paz e saúde. Instituto Anelo Instituto AneloCultura, Arte e Educaçãosite: www.anelo.org.br
Anexo II – E-mail de 5 de dezembro de 2012: “Campanha de venda de pizzas”
Caros amigos, Iniciamos uma campanha de venda de pizzas. O valor arrecado será investido nos projetos do Instituto Anelo. O valor de cada pizza é: R$ 15,00Pagamento até o dia 14/12,quemrealizar o pagamento através de depósito bancário, deve informar ao Instituto Anelo através de e-mail e retirar a pizza na própria Instituição. Entrega: as pizzas podem ser retiradas no Instituto Anelo dia 15/12 das 08:30 as 12:00hrs, Rua: ProfªElizabeth Serafim de Oliveira Leite, nº 78,Jd. Florence I, Campinas/SP. Telefone: (19) 3227-6778.Sabores de pizzas:- Mussarela C/ tomate( massa,molho de tomate, mussarela,azeitonas e tomate). - Frango (massa,molho de tomate,mussarela, frango, requeijão e azeitonas) - Calabresa C/ cebola( massa,molho de tomate,apresentado,mussarela,calabresa,cebola e azeitonas) - Lombo C/ tomate( massa,molho de tomate,apresentado,mussarela,lombo defumado,tomate e azeitonas) - Moda da vó (massa,molho de tomate,apresentado,mussarela,milho,lombo defumado,tomate e azeitonas). Se houver interesse, responda esse e-mail informando o sabor escolhido.Instituto AneloBanco do Brasil Agência: 3551-3 Conta corrente: 11379-4 Contamos com o apoio de vocês.
Instituto AneloCultura, Arte e Educaçãosite: www.anelo.org.br
Anexo III - E-mail “Conselho de Pais e Amigos” de 13 de outubro de 2012
Prezados Pais e Amigos do instituto Anelo, O Instituto Anelo convida você para participar do conselho de Pais e Amigos. O objetivo desse conselho é de acrescentar novas ideias, críticas e soluções. Sua participação é muito importante, para o futuro do nosso Instituto. A próxima reunião será no dia 20/10/2012 Horário: 15hrsLocal:Instituto AneloRua: Professora Elizabeth S. de Oliveira Leite n.º 78 Jd. Florence I - Campinas/SP Pedimos a confirmação da presença.Atenciosamente, JéssicaAuxiliar Administrativa
Instituto AneloCultura, Arte e EducaçãoRua: Professora Elizabeth S. de Oliveira Leite n.º 78 Jd. Florence I - Campinas/SP Fone: (19) 3227-6778 / 3729-0880
e-mail: institutoanelo@yahoo.com.brsite: www.anelo.org.br
Anexo IV - Roteiros de entrevista
Lucas
Como foi a fundação do Instituto Anelo?
Quais foram suas principais motivações?
Existem relações especiais de sua vida com a fundação do Anelo?
Conseguir dados detalhados sobre o momento da instalação da instituição;
Como e por que foi tomada a decisão da instalação do projeto nesta comunidade, neste
bairro, o Jardim Florence II?
Como o projeto se sustenta?
Por que o ensino de música é calcado no repertório jazzístico? Existem motivos especiais
para isso?
Guilherme
Relatar objetivos da pesquisa;
Por onde você quer começar?
Investigar jazz;
Investigar sua formação instrumental e suas influências a respeito dela;
O que o motivou a desenvolver o trabalho no Instituto Anelo? Como foi isso? Quanto
tempo durou? Por que parou?
Como era e como é a relação com a atual presidente da instituição? Ela é importante para
a pesquisa?
Frutos do trabalho desenvolvido; conhece, ou acompanha os resultados do Instituto?
Por que a escolha pelo jazz? No que ele se diferencia? Qual seu potencial?
Apresento fotos de Guilherme relacionadas à sua história no Anelo;
Apresento o repertório encadernado e em MP3.
Jaqueline
Conte um pouco sobre você, apresente-se. Quem é a Jaqueline?
Como se deu seu envolvimento com o Anelo?
Significado do projeto;
Tornou-se professora;
Experiência no Conservatório Souza Lima;
Música erudita;
Jazz;
Música instrumental;
Família vinculada ao Anelo;
Uso dos vídeos: Matéria PUC- Campinas - Instituto e Homenagem - Profª Jaqueline -
Instituto Anelo;
Apresento o repertório encadernado e em MP3;
Apresento uma foto com Jaqueline.
Audrey Caroline
Relatar objetivos da pesquisa
Fale sobre você. Quem é a Carol?
Como se envolveu com o Anelo?
Significado do projeto;
Tornou-se professora;
Estudou em mais lugares?
Jazz;
Música instrumental;
Unicamp (atualmente ela é aluna do curso de Pedagogia desta universidade);
Apresento repertório encadernado e em MP3;
Apresento fotos de Carol vinculadas ao Anelo.
Levy
Relatar objetivos da pesquisa.
Fale-me sobre você. Quem é você?
Como se envolveu com o projeto?
Significados do projeto;
Aula com Fernando Baeta;
Estudos em outras escolas;
Jazz;
Música instrumental;
Vídeo com Levy Instituto Anelo falhou.
Apresento fotos de Levy relacionadas ao Anelo. O uso do vídeo “Instituto Anelo“ é
impossibilitado por problemas técnicos de reprodução;
Apresento o repertório encadernado e em MP3.
Rômulo
Relatar objetivos da pesquisa;
Fale-me sobre você. Quem é você?
Como se envolveu com o projeto?
Frequentou outras escolas?
Jazz;
Música instrumental;
Significados do projeto;
Experiência como professor;
Apresento fotos de Rômulo relacionadas ao Anelo;
Apresento o repertório encadernado e em MP3.
Dorival de Oliveira
Relatar objetivos da pesquisa;
Fale-me de você. Quem é o Dorival?
Como foi sua aproximação com o Anelo?
Para você quais os significados do projeto?
Como foi sua experiência no Conservatório Souza Lima?
A sua história passa pela entrada no curso de Licenciatura em Música na Unicamp;
Por que chegou a sair do Anelo? Por que retornou?
Conte sobre a organização do material burocrático, sobre os estatutos? Como foi a
consolidação como ONG?
Como é tratado o vínculo dos alunos com o Instituto?
Você trouxe sua família para participar do projeto. Como foi isso?
Você pode falar sobre as críticas que tem em relação ao Anelo, ou aos seus integrantes?
Jazz e a música instrumental;
Experiência como professor;
Apresento fotos de Dorival relacionadas ao Anelo;
Apresento o repertório encadernado e em MP3.
Marciele
Observar os objetivos da pesquisa;
Questionar sobre ciência dos pais e autorização para realizar a entrevista. Contatar pais;
Fale sobre você. Quem é a Marciele?
Fale sobre seu envolvimento com a música;
Fale sobre seu envolvimento com o Anelo. Como tem sido essa história?
Seus projetos com a música;
Houve mudança de professores? Como foi?
Significados do projeto;
Tem contato com música instrumental? Jazz?
Apresento uma foto de Marciele relacionada ao Anelo;
Apresento o repertório encadernado e em MP3.
Daniel
Relatar os objetivos da pesquisa;
Fale sobre você. Apresente-se;
Fale sobre a música em sua vida;
Significados do projeto Anelo; relate sua história;
Outras escolas de música além do Anelo?
Chegou a dar aulas no Anelo?
Como anda a música em sua vida?
Outra profissão;
Música instrumental?
Apresento fotos de Daniel relacionadas ao Anelo, além de uma reportagem de jornal
impresso;
Apresento o repertório encadernado e em MP3.
Hernani
Relatar os objetivos da pesquisa;
Que é você? Apresente-se;
Envolvimento com a música;
Envolvimento com o Anelo;
Significados do projeto para você;
Estudos em outros lugares;
Experiência como professor;
Música instrumental;
Jazz;
Apresento fotos de Hernani relacionadas ao Anelo, bem como um vídeo e uma
reportagem de jornal impresso;
Apresento o repertório encadernado e em MP3.
Michel Leme
Relatar os objetivos da pesquisa;
Fale sobre você. Apresente-se. Quem é o Michel Leme?
Envolvimento com a música;
Origem social;
Envolvimento com o Instituto Anelo;
Como vê sua contribuição/ visitas ao Anelo/ convite a outros músicos para tocar lá?
Como é esta experiência?
Relate a história de chamar o Anelo de “gueto”, de vir tocar no “gueto” em Campinas.
Apresento fotos e um vídeo de Michel relacionadas ao Anelo.
Apresento o repertório encadernado e em MP3.
Leandro
Relatar objetivos da pesquisa.
Quem é você. Apresente-se. Quem é o Leandro?
Como se deu seu envolvimento com a música?
Como foi seu envolvimento com o Anelo?
Como estão as aulas? Como é sua rotina de estudo?
Quais são seus desejos, sonhos com a música? Tem ídolos?
Fale sobre suas origens;
Como é seu relacionamento com outros alunos?
Apresento uma música instrumental em MP3.
Gabriela
Retomar objetivos da pesquisa.
Quem é você? Apresente-se quem é a Gabriela?
Origem social;
Formação;
Vínculo com a música;
Opinião sobre música instrumental;
Como aconteceu seu vínculo com o Anelo?
Em função de quê seu vínculo continuou?
O que a sensibilizou?
De que forma contribui/ contribuiu com o projeto?
Relate sua história de ser presidente do Instituto.
Apresento uma foto Gabriela relacionada ao Anelo.
Josimar
Retomar objetivos da pesquisa;
Quem é você? Apresente-se quem é o Josimar?
Origem social;
Envolvimento com a música;
Envolvimento com o Anelo;
Expectativas no início do projeto;
Conflitos?
Conflitos de ordem religiosa?
Como foi a presença de Guilherme Ribeiro?
Experiência no Conservatório Souza Lima. Fez Ensino Médio Técnico de Música lá?
Chegou a deixar o Anelo? Como foi isso?
Voltou quando? Como foi?
Fale sobre a experiência com o projeto de Prática de bandas.
Apresento fotos de Josimar relacionadas ao Anelo.
Apresento o repertório encadernado e em MP3.
Anexo V – Carta aos colaboradores
Prezado (a) colaborador (a)
Venho por meio desta comunicá-lo do andamento e prosseguimento da pesquisa
JOVENS MÚSICOS INSTRUMENTISTAS, IDENTIDADE E MEMÓRIA COLETIVA:
PROCESSOS EDUCATIVOS NA HISTÓRIA DO INSTITUTO ANELO EM CAMPINAS
– SP.
Até o presente momento todos os dados necessários para serem analisados já foram
coletados e transcritos, dentre os quais a entrevista concedida por você. Ou seja, sua entrevista,
originalmente filmada, passou para o formato escrito, contendo tanto sua narrativa, quanto meus
questionamentos e comentários.
Num segundo momento o texto foi transformado em uma narrativa sem minhas
interferências, como se sua fala fosse um texto contínuo. Para conseguir este efeito precisei
reconstruir o mesmo, chegando a um resultado que na metodologia utilizada denominamos
textualização.
A narrativa textualizada segue em anexo. Solicito que você a leia com atenção e
verifique se concorda com a mesma. Caso haja discordância ou alguma sugestão de
alteração do texto, solicito do que me comunique. Se for possível, agendaremos um encontro
para conversarmos sobre o assunto, caso contrário, continuaremos nos comunicando
virtualmente.
No topo da entrevista há uma frase denominada Tom Vital, ou seja, a frase guia do texto
narrado, segundo minha percepção.
Informo ainda que a pesquisa já foi submetida ao Exame de Qualificação, ou seja, uma
banca examinadora composta por estudiosos do tema aprovou o que foi produzido até agora e
propôs sugestões para sua continuidade. Os dados agora serão analisados por mim para a
composição do texto final e defesa da dissertação de mestrado.
Também gostaria de saber se tenho autorização para utilizar seu nome no decorrer
da análise quando citar trechos de sua entrevista, ou se existe a preferência pelo uso de um
codinome que preserve sua identificação.
Por ora, agradeço imensamente sua participação na pesquisa na esperança de contribuir de
forma reflexiva e crítica tanto no que se refere ao registro de parte da história do Instituto Anelo,
quanto na construção de conhecimento no campo interdisciplinar da Educação e das Práticas
Musicais ao qual a pesquisa se refere.
Forte abraço,
Fernando Cordovio
Mestrando - Faculdade de Educação da Unicamp
Anexo VI em CD-ROM - Vídeos e Imagens utilizados com cada colaborador.
Anexo VII em CD-ROM - Repertório Encadernado.
Anexo VIII em CD-ROM - Repertório em MP3.
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