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Espiritualidade e Satisfação no Trabalho em Organizações Religiosas Neopentecostais e Tradicionais
Rogério Rodrigues da Silva Deis Elucy Siqueira
Título pleno em português
Espiritualidade e Satisfação no Trabalho em Organizações Religiosas Neopentecostais e
Tradicionais
Sugestão de título abreviado
Espiritualidade e Satisfação no Trabalho
Título pleno em inglês
Spirituality and Work Satisfaction in Neopentecostals and Traditionals Religious
Organizations
Nome dos autores
1. Rogério Rodrigues da Silva – Universidade de Brasília1
2. Deis Elucy Siqueira – Universidade de Brasília
Este trabalho é derivado da dissertação “Profissão Pastor: prazer e sofrimento. Uma
análise psicodinâmica do trabalho de líderes religiosos neopentecostais e
tradicionais” apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília para a
obtenção do grau de mestre em Psicologia Social e do Trabalho de Rogério Rodrigues
da Silva, realizada no dia 18 de novembro de 2004. O autor principal também é
especialista em Recursos Humanos e professor de Psicologia do Trabalho e
Comportamento Organizacional em instituições de ensino superior de Brasília/DF.
1 Email: psicologo007@gmail.com
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Espiritualidade e Satisfação no Trabalho em Organizações Religiosas Neopentecostais e Tradicionais
Rogério Rodrigues da Silva Deis Elucy Siqueira
RESUMO
Este estudo objetivou identificar o impacto da espiritualidade sobre a satisfação do trabalhador. Participaram 100 líderes de uma organização religiosa neopentecostal e 100 de uma tradicional, com idade média de 42 anos (DP = 8,77), com escolaridade predominante equivalente ao superior completo (42,5%). Realizaram-se entrevistas individuais semi-estruturadas e aplicaram-se a Escala de Avaliação das Condições, Organização e Relações Sociais no Trabalho e a Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho para avaliação do contexto de produção e do nível de prazer-sofrimento. Os resultados apontaram para uma comunicação insatisfatória, grande desgaste físico e mental, ritmo excessivo de trabalho, forte cobrança por resultados e ainda uma forte vivência de prazer, atribuída a uma forte realização, liberdade e sentido no trabalho. A fraca vivência de sofrimento, ligada à desvalorização e desgaste, é superada pela espiritualização dos problemas. Assim, sugere-se que há um impacto positivo da espiritualidade sobre a satisfação do trabalhador.
Palavras-chave: espiritualidade; neopentecostais; protestantes tradicionais;
satisfação.
ABSTRACT
This study intended to identify the impact of the spirituality over the worker’s satisfaction. One hundred leaders of a neopentecostal religious organization and 100 leaders of a traditional one participated, with an average age of 42 years (SD = 8,77), predominantly college students (42,5%). Individual semi-structured interviews were done, the Condition, Organization and Social Relationship at Work Evaluation Scale and the Pleasure and Suffering at Work Indicators Scale were applied to evaluate the production context and pleasure and suffering levels. The results pointed to unsatisfactory communication, high level of mental and physical wastage, excessive work rhythm, strong demand for results and a high level of pleasure, attributed to a strong feeling of realization, freedom and work sense. The weak suffering experience, connected to devaluation and wastage is overcome by the spiritualization of the problems. Therefore, it is suggested that there is a positive impact of spirituality over the worker’s satisfaction.
key words: spirituality; neopentecostals; traditional protestants; satisfaction.
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Espiritualidade e Satisfação no Trabalho em Organizações Religiosas Neopentecostais e Tradicionais
Rogério Rodrigues da Silva Deis Elucy Siqueira
Espiritualidade e Contexto de Trabalho
Identifica-se, na atualidade, uma preocupação com o impasse gerado pelo vácuo
de referência baseada na fé cristã. Para Nash e MacLennan (2003), a partir de pesquisa
realizada com empresários e com o clero norte-americano, há uma incapacidade da
Igreja em lidar com o mundo do trabalho e com a crescente busca por orientações
religiosas não-convencionais, ou alternativas – tudo em torno da espiritualidade, mas se
observa nas uma aceitação cada vez maior no ambiente de trabalho, atitudes e conceitos
ditos religiosos. Para Siqueira (2003b), ainda que pontualizando os limites desta nova
espiritualidade, as orientações religiosas afirmam-se como uma contribuição legítima
para o ambiente de trabalho, sugerindo que as igrejas deveriam acessar seu dinamismo.
E, de fato, grandes organizações, tais como Xerox, Mary Kay Cosmetics,
Southwest Airlines, Banco Mundial, segundo Bell e Taylor (2004), podem ser hoje
chamadas, em boa medida, de quase religiosas, ou bastante espiritualizadas. Isso porque
têm proporcionado a seus funcionários treinamentos que trazem para o ambiente de
trabalho uma nova perspectiva de auto-realização, autoconhecimento e
autodesenvolvimento espiritual.
Outras empresas, tais como a Ford Motor Co, Boeing, Lótus Development,
AT&T e Du Pont têm trabalhado junto a seus gerentes e CEOs uma nova visão de
busca de paz interior, verdade, não-violência e amor, segundo Cavanagh (1999), pontos
essenciais da espiritualidade no trabalho.
A expansão desta busca por espiritualidade no ambiente de trabalho, insere–se
em um movimento mais amplo que vem ocorrendo de maneira crescente, sobretudo a
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Rogério Rodrigues da Silva Deis Elucy Siqueira
partir da década de sessenta, nas sociedades ocidentais, em torno de uma busca por
novas formas de religiosidade: práticas místico-esotéricas (meditação, viagem astral), as
quais se articulam com práticas não convencionais ou alternativas (homeopatia, florais,
fitoterapia, acupuntura, cromoterapia, I-ching) (Siqueira, 2003a; Siqueira & Lima,
2003). Trata-se de um processo de psicologização das religiões, segundo Berger (1985).
É dentro desta perspectiva mais ampla de religiosidade que espiritualidade está
aqui sendo considerada como a busca por valores, conexões, vivências, com uma
dimensão que transcende à materialidade. Uma postura de vida que busca sentido,
significado para o estar no mundo (família, trabalho) e equilíbrio entre as diversas
esferas da vida (racional, afetiva, social). Ela não envolve, necessariamente, rituais,
doutrinas, crenças ligadas a religiões, ainda que carregue valores comuns à maioria das
religiões, mas a uma postura humanista diante do mundo, tais como amor, igualdade,
respeito ao próximo, liberdade, fraternidade. Contudo, não se pode deixar de considerar
o aspecto da religiosidade neste conceito, visto que se remete tanto a valores, normas e
crenças ligadas a religiões institucionais, quanto a outros mais relacionados à dimensão
místico-esotérica (não propriamente religiosa-institucional) e universal.
No mundo organizacional, em particular, essa expansão do movimento de
espiritualidade no ambiente de trabalho se insere numa nova perspectiva paradigmática
que busca, atreladas à produtividade e a novas oportunidades de negócios, uma maior
criatividade, sinergia, satisfação pessoal dos trabalhadores, segundo Cavanagh (1999).
A espiritualidade no ambiente de trabalho é, além de uma reação aos processos
recentes de downsizing, rígida subdivisão de papéis no trabalho, reengenharia,
enxugamento dos cargos e instabilidade da economia global, uma aliança de valores
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corporativos de produtividade a valores individuais de crescimento e maturidade
(Cavanagh, 1999; Bell & Taylor, 2004). Seria, dessa forma, uma re-embalagem de
conceitos de religião, psicologia e terapia adaptados às condições da sociedade pós-
industrial.
Para Korac-Kakabadse, Kouzmin e Kakabadse (2002) as empresas, dentro
dessa nova perspectiva paradigmática, estão mais suscetíveis aos valores individuais de
seus empregados, possibilitando a integração de outros valores como a sustentabilidade,
igualdade social e espiritualidade. Esses valores possibilitariam uma transcendência
individualista em direção a uma consciência mais coletivista e organizacional, a partir
de um novo estilo de gerenciamento e liderança, voltados para o capital humano. Essa
compartilhamento entre objetivos e valores organizacionais e individuais tornar-se-ia
fundamental para o engajamento no trabalho, possibilitando até mesmo uma maior
identificação com a atividade (Dehler & Welsh, 1994; Robbins, 2002). Para se ter uma
idéia do impacto positivo desta aliança, segundo Kouzer e Posner (2003) empresas que
têm uma cultura forte baseada em valores compartilhados tiveram suas ações
valorizadas 12 vezes mais rápido, uma taxa de criação de empregos até 7 vezes maior e
uma lucratividade 750% maior que os concorrentes.
Assumir um sentido compartilhado e claro pode tornar a organização uma
comunidade em que o trabalho permite satisfação e sentido profundos (Fox, 1994;
Cavanagh, 1999). Assim, o trabalho passaria a ser não apenas uma atividade, mas pode
assumir um sentido vocacional, transcendendo interesses e conflitos pessoais e
assumindo uma ideologia de ação divinizada ou transcendental.
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Espiritualidade e Satisfação no Trabalho em Organizações Religiosas Neopentecostais e Tradicionais
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Para Ashar e Lane-Maher (2004) quando o trabalho é orientado para além do
senso individual e não está centrado em si mesmo, pode ser visto como vocação,
experimentando significado e satisfação no trabalho. Sob essa perspectiva, tanto o
trabalho quanto a organização poderiam se tornar fontes de desenvolvimento inter-
pessoal e espiritual.
Dentro desse novo paradigma organizacional em que há a incorporação da
espiritualidade no trabalho, a nova ordem econômica global não mais está baseada no
controle, na hierarquia, no individualismo, na obediência e na competição, mas tende a
se basear na inovação, no conhecimento tácito, na intuição, na criatividade, na
cooperação, no trabalho em equipes (Korac-Kakabadse et al., 2002; Ashar & Lane-
Maher, 2004).
Estaríamos passando de uma era individualista para uma outra mais relacional,
ancorada na conectividade e na cooperação, abrindo, portanto, largamente a
oportunidade de se trabalhar a espiritualidade no ambiente de trabalho. Conceitos como
sucesso na carreira e satisfação pessoal tendem a ser, crescentemente, ligados a
equilíbrio, totalidade, conectividade e não mais a status na organização, aumento da
renda, poder de controle. Para Neal (1997), essas mudanças refletem uma busca por
outros significados na vida pessoal e profissional, onde a espiritualidade se tornaria
fundamental como ferramenta para seu desenvolvimento.
A espiritualidade no trabalho pode ser também compreendida a partir da busca
inerente e universal por um significado e propósito maiores de vida no trabalho (Neck &
Milliman, 1994; Cavanagh, 1999; Mitroff & Denton, 1999, Ashmos & Duchon, 2000;
Ashar & Lane-Maher, 2004). Para estes autores, uma das perguntas norteadoras que
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subsidiaria esse crescimento da espiritualidade no ambiente de trabalho é a própria
busca de significado da vivência, seja na família, na organização ou no círculo social.
De maneira geral, espiritualidade no trabalho pode ser considerada a partir de
três componentes: 1. expressão no ambiente de trabalho de valores essenciais como
integridade, saúde, felicidade, paz interior, verdade, boa conduta, bem-estar e amor; 2.
trabalho com significado e; 3. estabelecimento de uma relação de comunidade e não
simplesmente, de relações profissionais.
Estudos (Neck & Millliman, 1994; Mitroff, & Denton, 1999) apontam para um
grande impacto positivo da espiritualidade sobre o empregado no trabalho e sobre a
performance organizacional. Isto porque, segundo estes autores, haveria um maior
desenvolvimento da intuição, da criatividade, do desenvolvimento pessoal, do
entusiasmo, da participação na visão organizacional, do comprometimento pessoal com
a organização e até mesmo com o trabalho em equipe. Parece que, numa era
globalizante e cada vez mais competitiva, as novas organizações passam a integrar a
seus valores e visões a uma nova ideologia paradigmática de realização pessoal e
abertura ao gerenciamento emocional, dentro de um ambiente em que a espiritualidade
se encontra.
É dentro desse novo contexto organizacional que este texto se ancora. Seu
objetivo básico é avançar a reflexão sobre a questão do impacto, no contexto de
trabalho, da promoção de espiritualidade e religiosidade sobre a vivência de prazer e
sofrimento no trabalho. Haveria, de fato, influência da espiritualidade sobre o
desenvolvimento do trabalho e da forma como este trabalho é visto pelos trabalhadores?
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Espiritualidade e Satisfação no Trabalho em Organizações Religiosas Neopentecostais e Tradicionais
Rogério Rodrigues da Silva Deis Elucy Siqueira
Haveria mesmo uma maior satisfação nos trabalhadores em um ambiente em que a
espiritualidade é desenvolvida?
Líderes de Organizações Religiosas
Com os objetivos acima indicados, o trabalho de líderes de duas denominações
protestantes foi analisado: uma neopentecostal e outra tradicional. O intuito era
verificar a influência de um contexto específico de produção em que a espiritualidade é
praticada sobre o modo de vivenciar o trabalho e, além disso, como esse contexto de
espiritualidade-religiosidade poderia influenciar a vivência de prazer e sofrimento
desses trabalhadores.
Não inertes às mudanças do novo contexto econômico global, essas
organizações religiosas se mostraram objetos pertinentes e viáveis ao estudo visto o
processo de transformação em que se encontram e, além disso, por promoverem
maciçamente essa nova paradigmática de espiritualidade no trabalho.
Segundo Silva (2004), o processo de secularização dessas organizações vem
se dando, sobretudo, a partir de uma crescente burocratização que se traduz, por sua vez,
em transformações que atingem suas estruturas organizacionais. Uma delas é a
tendência a serem inseridas em um mercado religioso, onde produtos religiosos são
comprados e vendidos (Berger, 1985; Pieurucci & Prandi, 2000). Ademais, seus
trabalhadores também são pressionados, crescentemente, a constantes mudanças e à
necessidade de contínuo aumento da produtividade. Uma busca cada vez maior por
novos consumidores estaria pressionando essas organizações a se adequarem à
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Espiritualidade e Satisfação no Trabalho em Organizações Religiosas Neopentecostais e Tradicionais
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estruturação mercadológica secular, ou seja, devem ter, cada vez mais, as mesmas
iniciativas que alteram os processos críticos que influenciariam comportamentos
individuais e que têm impacto sobre as saídas organizacionais quanto à qualidade,
eficiência e produtividade. Daí tomarmos como objeto de investigação essas
organizações religiosas como exemplo de utilização de espiritualidade no trabalho,
considerando: a) em princípio, seu vínculo constituinte com esta dimensão e b) que elas
sofrem pressões semelhantes às outras organizações não religiosas.
De maneira geral, segundo Silva (2004), a organização neopentecostal se
caracterizaria por uma liderança carismática, centralização das decisões, modelos de
gerenciamento e marketing modernos, com uso intensivo da mídia e uma estruturação
empresarial. Já a organização tradicional tem um modelo mais autônomo de trabalho,
descentralizado, regras de trabalho mais flexíveis e autonomia da igreja local.
O Contexto de Produção e os Indicadores de Satisfação
Com o intuito de facilitar a análise da espiritualidade e da satisfação sobre o
contexto de trabalho foram utilizadas três variáveis que, segundo Ferreira e Mendes
(2003), possibilitariam uma articulação mais dinâmica da organização. A primeira delas
é organização do trabalho, definida aqui como os elementos representativos das
concepções e práticas de gestão de pessoas condições de trabalho e relações sociais no
trabalho.
A segunda variável analisada foi condições de trabalho, definido aqui como
sendo a infra-estrutura oferecida aos trabalhadores e, por fim, as relações sócio-
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profissionais consideradas aqui como sendo a percepção das relações intra e
intergrupais. Essa análise proporcionou uma avaliação mais global das organizações e a
partir daí se avaliou como esse contexto espiritual-religioso influenciaria na satisfação,
tomada a partir das vivências de prazer, daqueles trabalhadores.
A vivência de prazer foi relacionada a experiências de gratificação
provenientes da satisfação dos desejos e necessidades do trabalhador, a partir de uma
mediação bem sucedida dos conflitos e contradições gerados no contexto de produção
de bens e serviços, segundo Ferreira e Mendes (2003). Neste trabalho o prazer está
relacionado apenas aos sentimentos de liberdade, quais sejam, o de pensar, falar e agir
sobre o trabalho e também o de realização, definido a partir de sentimentos como
realização, gratificação e orgulho no trabalho.
Já o sofrimento foi aqui considerado como uma vivência individual ou
compartilhada de experiências dolorosas, como angústia, medo e insegurança,
provenientes do confronto entre desejo e necessidades do trabalhador, resultantes da
impossibilidade de uma negociação bem sucedida entre os desejos e anseios individuais
e os organizacionais. No presente estudo foram adotados os seguintes indicadores: a)
desgaste - representado por stress, cansaço, desânimo e, b) desvalorização - definida a
partir de sentimentos insegurança no tocante à produtividade e desempenho.
Em que medida o fato de se trabalhar em uma organização na qual a
espiritualidade é uma realidade cotidiana, poderia auxiliar na solução de conflitos que
geram sofrimento e partir daí possibilitar uma maior satisfação no trabalho? Os
trabalhadores teriam com essa vivência de espiritualidade em um contexto de produção
avaliado, no geral, positivamente gerando uma vivência maior de prazer? Essas são
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Espiritualidade e Satisfação no Trabalho em Organizações Religiosas Neopentecostais e Tradicionais
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perguntas norteadoras desse artigo, o qual procura subsidiar, com a experiência de
líderes espirituais de organizações religiosas evangélicas, novas reflexões sobre essa
variável de análise no trabalho.
METODOLOGIA
Participantes
A pesquisa foi realizada em duas grandes organizações religiosas do Brasil,
uma pertencente ao grupo protestante tradicional e outra do grupo neopentecostal2.
Participaram 100 líderes de cada uma destas organizações, provenientes de
representações de todo o Brasil principalmente dos estados do Centro-Oeste, Sudeste e
Sul do Brasil devido principalmente à dificuldade em acessar sujeitos das outras regiões
brasileiras.
Esses líderes foram selecionados aleatoriamente a partir do contato com as
organizações no Distrito Federal. Todos eram líderes em suas organizações religiosas.
Cerca de 96% dos participantes eram do sexo masculino e com idade média de 42 anos
(DP = 8,77). O grau de instrução de 42,5% dos participantes era o superior completo e,
além disso, já trabalhavam há cerca 9,20 anos (DP=8,63) na mesma organização.
Ademais, os participantes trabalhavam em média 51,35 horas semanais (DP = 38,30).
Instrumentos
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2 O grupo tradicional é representado no Brasil por igrejas como Batista, Presbiteriana, Metodista, Luterana. Já o grupo neopentecostal é representado por igrejas como: Igreja Universal do Reino de Deus, Sara Nossa Terra, Renascer em Crista, Nova Vida.
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Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados entrevistas semi-
estruturadas individuais e um questionário composto por duas escalas.
As 10 entrevistas foram conduzidas de forma flexível e dirigidas com questões
abertas referentes a temas previamente definidos, quais sejam: descrição do trabalho,
condições de trabalho, sentimentos em relação ao trabalho, relação sócio-profissional,
relação entre espiritualidade e trabalho, satisfação no trabalho, estratégias para lidar
com as dificuldades nele encontradas.
A primeira escala chamada EIPST - Escala de Indicadores de Prazer e
Sofrimento no Trabalho (Mendes, prelo) - é uma escala do tipo Likert de cinco pontos,
composta por 29 itens distribuídos em 4 fatores: realização (por exemplo: Sinto
satisfação em executar minhas tarefas) e liberdade (por exemplo: Tenho liberdade para
dizer o que penso sobre meu trabalho), ligados ao prazer e; desvalorização (por
exemplo: Sinto-me incompetente quando não correspondo às exigências em relação ao
meu trabalho) e desgaste (por exemplo: Meu trabalho me causa estresse), ligados ao
sofrimento. Ressalta-se aqui que quanto mais próxima de 5, mais intensa é a vivência do
fator.
A segunda escala chamada ECORT - Escala de Avaliação das Condições,
Organização e Relações Sociais no Trabalho (Mendes, Ferreira & Rego, 2004) - é um
instrumento composto por 37 itens e 03 fatores conceituais de análise, com KMO de
0,91 e variância total de 39,2%. Os itens visam avaliar organização do trabalho (por
exemplo: O ritmo de trabalho é excessivo), condições de trabalho (por exemplo: Falta
apoio institucional para realizar as tarefas) e relações sócio-profissionais (por exemplo:
Existem conflitos interpessoais no ambiente de trabalho).
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Procedimentos
Essas organizações religiosas foram escolhidas por conta de sua
expressividade em número de fiéis em nível nacional, bem como pelo fato de que no
Distrito Federal se concentra a hierarquia mais alta das duas organizações, o que
facilitaria a coleta de dados.
Os sujeitos foram selecionados de forma aleatória a partir da autorização do
presidente de cada uma das organizações. Os questionários foram remetidos via postal,
por meio eletrônico e ainda aplicados em duas reuniões realizadas em Brasília (uma de
cada organização), em que estavam presentes líderes de todo o país.
Já as entrevistas semi-estruturadas foram conduzidas com os que se
dispuseram a participar e que já haviam respondido aos questionários. Essas entrevistas
tiveram a duração entre oitenta a noventa minutos e foram realizadas no próprio
ambiente de trabalho do líder.
Análise dos dados
Para a consecução dos objetivos da pesquisa foram combinados métodos de
análise quantitativos e qualitativos em razão da natureza dos dados e do objeto de
estudo. Os dados dos questionários foram analisados com a utilização de uma estatística
não-paramétrica com o uso do software SPSS. A análise qualitativa das entrevistas teve
como princípio a análise de conteúdo (Bardin, 1977) tomando co-ocorrências a partir da
representatividade das falas, da homogeneidade do material e da exaustividade na
análise. Tais entrevistas foram julgadas e interpretadas por três juízes independentes.
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RESULTADOS
A análise das variáveis constituintes do contexto de produção desses líderes, ou
seja, organização do trabalho, condições do trabalho e relações sócio-profissionais,
indica que este pode ser considerado como relativamente bom. As médias apresentadas
na Tabela 1 apontam para o fato de que, a partir do teste t de Student e o teste F para a
verificação da possibilidade de diferença entre as médias dos três itens apresentados (p<
0,05), apenas o fator relações sócio-profissionais tenha médias diferentes, para ambos os
grupos, indicando que não há diferença na percepção da organização e das condições de
trabalho.
Essas médias, contudo, podem ser consideradas relativamente baixas (quanto
mais próximo de zero, melhor a percepção do fator) indicando uma boa percepção do
contexto de produção.
Tabela 1
Tabela 1: Escores médios da Escala de Avaliação das Condições, Organização e
Relações Sociais no Trabalho - ECORT
Tradicionais Neopentecostais Fatores
Média Média
Organização do trabalho 2,44 (DP = 0,58) 2,55 (DP = 0,49)
Relações sócio-profissionais 2,47 (DP = 0,69) 2,20 (DP = 0,63)
Condições de trabalho 2,45 (DP = 0,75) 2,26 (DP = 0,69)
N=100 para cada grupo
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A análise dos itens da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no
Trabalho (Mendes, prelo), revelou as seguintes médias, considerando que o prazer está
ligado aos sentimentos de realização e liberdade e o sofrimento aos sentimentos de
desgaste e desvalorização.
Tabela 2
Tabela 2 – Escores médios da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no
Trabalho = EIPST
Tradicionais Neopentecostais
Fatores Média Média
Realização 4,41 (DP = 0,45) 4,40 (DP = 0,44)
Liberdade 3,80 (DP = 0,62) 4,00 (DP = 0,56)
Desgaste 2,83 (DP = 0,66) 2,62 (DP = 0,55)
Desvalorização 2,25 (DP = 0,63) 2,27 (DP = 0,65)
N = 100 para cada grupo
Os resultados apresentados na Tabela 2 apontaram para uma forte de vivência
dos sentimentos ligados ao prazer e uma fraca vivência de sentimentos ligados ao
sofrimento. Realizando-se o test t de Student para a verificação das diferenças entre as
médias dos dois grupos apresentados (p<0,05), há indicações de que as médias do fator
liberdade sejam as que mais se diferenciam entre os grupos e que para o fator realização
não haja diferença significativa entre os grupos.
A análise de conteúdo das entrevistas contribui para uma melhor visualização
da percepção individual do líder frente ao seu contexto de trabalho, do conteúdo
simbólico suscitado e das estratégias de enfrentamento da atividade do líder.
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As entrevistas foram analisadas por meio indutivo, levando em consideração os
seguintes aspectos: caracterização da atividade pastoral, do seu contexto de produção,
dos sentimentos de prazer ou sofrimento vivenciados na atividade.
Na Tabela 3 são apresentadas categorias síntese resultantes da análise do
conteúdo das 5 entrevistas de cada um dos grupos.
Tabela 3
Tabela 3: Categorias das entrevistas com o grupo dos tradicionais e neopentecostais
Grupo Categorias
Ser líder é muito cobrado
O líder está completamente desamparado
Somos muito menos unidos do que deveríamos
O que a igreja decidir para ela é lei
O primeiro pensamento é de angústia pelas coisas que tem que
fazer
Tradicionais
Não faria outra coisa a não ser, ser pastor
Temos metas de células, quanto mais tivermos, mais forte fica o
corpo
O ministério tem isso muito forte, protege o líder
Não temos uma estrutura para estarmos mais perto das pessoas,
estamos mais perto de nossos líderes
É o conselho de bispos, eles estabelecem qual vai ser o andamento
O desgaste natural, físico mental e psicológico? Tudo isso acontece
mesmo!
Neopentecostais
É um sentimento de realização muito grande
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De maneira geral, as entrevistas apontaram para uma forte cobrança por
resultados, uma comunicação insatisfatória, um grande desgaste físico e mental, mas
principalmente um forte sentimento de realização.
DISCUSSÃO
Para Berger (1985), a situação de competição das organizações religiosas,
própria da economia de mercado, inflaciona a importância dos resultados a serem
alcançados. Essas instituições não estão alijadas do processo mercadológico de
superação e produtividade que domina o mercado não religioso. Conquista de um
número cada vez maior de “fiéis-consumidores”, ritmo de trabalho excessivo, forte
cobrança por resultados, denota uma racionalização do trabalho e uma secularização
cada vez maior dessas estruturas de produção religiosas, o que poderia acarretar também
uma vivência maior de sofrimento. Isso pode, segundo Berger, ser atribuído também à
competição com outras estruturas de significação da vida como grupos filosóficos,
sociais, clubes, sociedades alternativas.
Além disso, Silva (2004) aponta também que as transformações atuais do
mercado de trabalho, principalmente baseadas numa ideologia neoliberal acabam se
refletindo nas organizações religiosas. A nova cara do mercado de trabalho e das
relações profissionais seja ele religioso ou não, impõe uma série de instrumentos, como
apontam Antunes (1999) e Heloani (2003), que ora são também refletidos no âmbito
dessas organizações religiosas, a fim de maximizar uma relação ideal entre qualidade,
produtividade e eficiência. Alguns deles poderiam ser:
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Espiritualidade e Satisfação no Trabalho em Organizações Religiosas Neopentecostais e Tradicionais
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• Flexibilidade dos processos: os serviços e produtos oferecidos aos fiéis são
cada vez mais diversificados. Não basta oferecer apenas um tipo de culto, faz-se
necessário atender às diversas camadas que compõe a organização: empresários, jovens,
casais, libertação, “sessões de descarrego” etc.
• Inovação comercial, tecnológica e organizacional: a fim de adequar a
produção à demanda, há mudanças constantes na organização, mas principalmente na
tecnologia que disponibiliza os produtos aos fiéis. O uso cada vez mais intensivo da
mídia é sua prova.
• Polivalência do trabalhador: o líder não é simplesmente o líder espiritual, é
também um líder comunitário, político, social. Suas atividades são cada vez mais
diversas: advogado, psicólogo, deputado, assistente social, etc
• Salários dependentes de produtividade: entre os neopentecostais, por
exemplo, os resultados das entrevistas apontaram que a partir de uma avaliação de
desempenho positiva, há promoção funciona, incluída aí o aumento de salário.
• Compressão do espaço-tempo, impondo um tempo cada vez menor para a
tomada de decisões, essas organizações se transformam muito rapidamente, adotando
práticas de marketing e gerenciamento modernos.
Esses fatores de pressão no trabalho associados ao grande desgaste, apontadas
nas entrevistas, levariam esses líderes a apresentarem uma forte vivência de stress,
burnout e outras doenças relacionadas ao trabalho (Stacciarini & Trócoli, 2002).
Todavia, os resultados das entrevistas apontaram para uma forma específica de se lidar
com o sofrimento surgido, diminuindo sua intensidade: espiritualizar os problemas
enfrentados. 18
Espiritualidade e Satisfação no Trabalho em Organizações Religiosas Neopentecostais e Tradicionais
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Segundo Silva (2004), essa busca por amenizar o sofrimento por meio da
espiritualização dos problemas se mostra como uma saída eficiente para lidar com o
sofrimento enfrentado no trabalho em geral. Para Paiva (1998), esse tipo de
enfrentamento, por meio da religião, poderia gerar um repertório de novas atividades de
enfrentamento no campo das relações pessoais, da espiritualidade, da emoção e do
comportamento individual ou social. Daí a possibilidade de que, por meio da
espiritualidade, esses líderes terem maiores estratégias para enfrentar o sofrimento,
encontrando um sentido mais claro na vida e a partir daí uma vivência mais intensa de
prazer.
Não apenas como saída para o sofrimento, mas também como uma
possibilidade de dar um sentido ao trabalho e à vida, a espiritualização se mostra como
uma forma eficiente de fugir do desprazer para encontrar o prazer, segundo Silva
(2004). Esse comportamento evitaria conflitos e contradições na dimensão de foro
interno (Siqueira, 2003a). A espiritualidade erige-se para estes líderes como uma via
para lidar com as frustrações, os desgastes, os medos, as angústias da própria vida
laboral, subsidiando uma maior integridade física, psíquica e social.
Hadaway e Roof (1978) apontam que tanto os que atribuíam importância à sua
religião e à espiritualidade no trabalho como fontes de sentido à vida, quanto os que a
praticavam, avaliaram suas vidas como valendo à pena, encontrando um sentido, um
propósito na vida e no trabalho. Assim, a utilização da espiritualidade no ambiente de
trabalho parece evitar mais eficazmente o sofrimento, resultando numa maior
intensidade de satisfação.
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Embora apresentem uma vivência de sofrimento, não menos importante, há
indicações claras de sofrimento entre esses líderes por meio do desgaste físico e
psíquico e da desvalorização no trabalho. Contudo, os dados apresentados na tabela 2 e
apontam, de maneira geral, para uma forte vivência de prazer no trabalho.
Além de uma forte experiência de realização e liberdade, sentimentos
eminentemente ligados à satisfação no trabalho, os resultados das entrevistas apontam
ainda para fortes sentimentos de identificação e de orgulho pela atividade. Tal fato pode
ser atribuído principalmente a dois aspectos: a) uma estruturação gerencial que permite
uma relativa liberdade de ação; b) sentido vocacional atrelado a valores organizacionais
compartilhados.
Para Bell e Taylor (2004), a espiritualidade no ambiente de trabalho assegura
que a procura de significado seja atrelada também a fins organizacionais, levando
perguntas existenciais acerca do propósito da vida, do trabalho e do próprio sofrimento
a serem resolvidas por meio de técnicas de Administração, da própria pessoa e da
organização. Para os líderes estudados, segundo Silva (2004), as organizações
proporcionariam uma estrutura que mobiliza seus membros a agirem não somente a
partir de um alinhamento entre objetivos, mas também entre valores organizacionais e
pessoais. Ter liberdade para expressar dentro da organização valores pessoais como
amor, igualdade, respeito ao próximo, fraternidade, realizar-se pessoal e
financeiramente por meio da organização, ter orgulho e identificar-se com ela são
elementos essenciais apontados por esses líderes para uma relação mais estreita entre
comunidade, organização e indivíduo.
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O alto valor de realização, ligada à gratificação, orgulho e identificação;
apontado na tabela 2, coaduna-se com o sentido claro que a atividade de liderança
proporciona. As entrevistas apontaram que esse grande senso de realização está
relacionado principalmente à possibilidade de ser útil e de se sentir parte de uma
comunidade. Essa ligação se estabelece a partir de atividades de liderança comunitária,
ensino, orientação às pessoas, suporte psicológico etc.
Esse senso de servir é apontado como um dos pilares para encontrar um
sentido e um propósito de viver no trabalho (Fox, 1994; Mitroff & Denton, 1999). A
espiritualidade no trabalho possibilitaria, por sua interconectividade a outras pessoas e
principalmente pela transcendência dos propósitos individuais, conquistas coletivas
(Ashar & Lane-Maher, 2004). Uma necessidade de um trabalho com um propósito que
sirva não apenas a si mesmo, mas também a outrem torna o trabalho não apenas uma
atividade de simples transformação sobre a natureza, mas um lugar de significação
psíquica e construção social.
Estudos apontam ainda que esse serviço à comunidade e a sensação de
pertença possibilitariam o desenvolvimento de valores como integridade, honestidade,
liberdade, justiça e igualdade possibilitando uma maior identificação e realização
pessoal na atividade (Fairholm, 1996; Korac-Kakabadse et al., 2002). Além disso, essa
relação de servir criaria para o trabalhador não somente uma relação cliente-
consumidor, mas a transcenderia no sentido de uma aprendizagem contínua de
desenvolvimento pessoal, de valores compartilhados sejam eles organizacionais,
pessoais ou mesmo da comunidade a que se serve.
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Para Neck e Milliman (1994), a espiritualidade no trabalho pode ser vista
ainda como capaz de desenvolver o potencial dos trabalhadores, desenvolver atitudes e
relacionamentos positivos no trabalho. A análise dos questionários e entrevistas apontou
uma relação positiva e estreita com a comunidade, considerada como boa, calorosa e
afetuosa. Essa relação, segundo Silva (2004), seria ainda fonte de reconhecimento e de
identificação no trabalho, principalmente quando se observa a procura das pessoas da
comunidade por orientação e ajuda.
Permitir que os trabalhadores alcancem seu potencial e realização tem se
tornado uma necessidade competitiva da contemporaneidade. Trabalhadores mais
satisfeitos e motivados tenderiam a produzir mais e melhor. Assim, o nível de satisfação
identificado nesses líderes, tal como apontado por Silva (2004), por meio dos altos
índices de valorização, orgulho, reconhecimento, liberdade e realização, coaduna-se
com outros estudos (Mitroff & Denton, 1999; Ashmos & Duchon, 2000) que também
apontam para uma alta satisfação, eficiência e criatividade em trabalhadores que vivem
sua espiritualidade no ambiente de trabalho. Em comparação com outros grupos de
trabalhadores, como gerentes, coordenadores, bancários, feirantes, trabalhadores do
setor hoteleiro, cujas organizações não utilizam os valores de espiritualidade no
ambiente de trabalho, os escores médios de gratificação, realização e liberdade foram
significativamente inferiores, todos igualmente medidos a partir da escala EIPST
(Morrone, 2001; Pereira, 2003; Rezende, 2003; Macedo, Mendes, Oliveira, Rossi &
Rego, no prelo). Isso indica, que a utilização da espiritualidade, principalmente por
conta de um sentido mais claro no trabalho e o alinhamento entre valores individuais e
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organizacionais, pode ser uma variável importante a ser considerada para uma avaliação
do gerenciamento dos Recursos Humanos nas empresas modernas.
Dessa forma, a verificação da espiritualidade no trabalho mostra-se como um
novo pilar de análise a ser considerado no ambiente de trabalho. Contudo não pode
pensada como uma solução para todos os problemas da organização. Como verificado
nas organizações aqui analisadas, mesmo com sua base espiritual religiosa constituinte,
os trabalhadores também vivenciam sofrimento, mas, certamente, numa intensidade
menor que de outras organizações sem essa orientação. Há de se avaliar, dessa forma,
as reais possibilidades de se implementar uma nova cultura organizacional em que haja
a busca de outros valores organizacionais que não os ligados a poder, status, coerção.
Desvelariam-se como elementos essenciais na possibilidade de uma maior realização
pessoal, maior conexão entre trabalhadores, sinergia, disposição e, principalmente,
propósito e sentido de vida.
CONCLUSÃO
O presente estudo apontou, de maneira geral, que o trabalho para esses líderes
protestantes tem um sentido transcendente e vocacional maiores. A organização e
atividade, pautadas num exercício da espiritualidade no ambiente de trabalho, tornam-se
essenciais para o desenvolvimento pessoal, a realização profissional, o reconhecimento
no trabalho, uma relação de interconectividade em que as relações no trabalho
transcendem simples relações profissionais, acarretando um impacto positivo sobre o
contexto de trabalho e sobre a satisfação do trabalhador.
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Os dados aqui apresentados, embora limitados por conta do número de
participantes e entrevistas realizadas, coadunam-se com outros estudos (Fox, 1994;
Mitroff & Denton, 1999, Ashmos & Duchon, 2000; Ashar & Lane-Maher, 2004) em
que a espiritualidade no trabalho é apontada como um fator essencial para um maior
significado, performance e satisfação profissional e pessoal dos trabalhadores. Para
estes autores, a cultura da espiritualidade no trabalho não se baseia apenas no
autoconhecimento, no autodesenvolvimento ou na auto-realização com uma orientação
ligada a preceitos e dogmas religiosos, mas se firma como um modo eficaz de fornecer
um maior sentido ao trabalho, aliando valores e objetivos pessoais nas organizações.
Vivemos numa nova perspectiva paradigmática em que as organizações se tornam mais
flexíveis e orgânicas, onde o gerenciamento se firma também a partir de valores como
conscienciosidade, colaboração, aprendizagem contínua, sustentabilidade e
espiritualidade.
O presente estudo contribui para a discussão sobre o significado do trabalho
sob a influência de ambiente espiritual-reliogioso e ainda sobre quais variáveis seriam
fundamentais para uma situação de maior satisfação na atividade. Descortina-se aí a
importância da utilização da espiritualidade como ferramenta competitiva para o
mercado organizacional, principalmente pelas vantagens de uma grande satisfação dos
trabalhadores daí advinda.
Pelas transformações organizacionais globalizantes, rápidas e com exigências
cada vez maiores por eficiência, eficácia e efetividade, pode-se dizer que urge a
necessidade de um gerenciamento orientado para atingir situações com uma atitude de
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maior discernimento, aceitação, escuta, flexibilidade, capacidade de aprendizagem,
reflexão por parte dos trabalhadores, elementos próprias da espiritualidade no trabalho.
Esse discurso reflete ainda mudanças sociais mais amplas em termos de
atitudes e valores, permitindo um exame mais profundo da intuição, do emocional e do
espiritual nas organizações, colocando num patamar mais integrado, ou holístico, a
importância de objetivos individuais, espirituais e econômicos. O que estaria mais
harmonizado com os elementos fundamentais do novo paradigma em construção.
Ademais, esta investigação ilumina a reflexão sobre uma questão fundamental,
principalmente no Ocidente: uma busca por novas formas de religiosidade. Uma busca
caracterizada por uma postura antiinstitucional, anticlerical, antidogmática. Prova disso
é perda de um número cada vez maior de fiéis pelo catolicismo, seja para as
denominações protestantes, seja para as Novas Religiosidades (Budismo, Hare Krisnha,
por exemplo), segundo Siqueira (2003a) e Siqueira e Lima (2003). Essa busca se remete
a uma busca de individual, marca principal da modernidade, de auto-aperfeiçoamento,
autodesenvolvimento e autoconhecimento, segundo Siqueira (prelo).
Por fim, o presente estudo colabora para a discussão da problemática da
relação da espiritualidade, centrada no autocrescimento (auto-aperfeiçoamento,
autodesenvolvimento, autoconhecimento) e da relação do Eu com o coletivo (o Outro),
nas religiões tradicionais, em seus movimentos de transformação e adaptação ao mundo
contemporâneo, num processo de globalização. Tal discussão pode trazer também
muitas luzes sobre o que está ocorrendo na relação indivíduo-sociedade, indivíduo-
organização, fundamentais para o desenvolvimento de novos conhecimentos gerenciais
e organizacionais.
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