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EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM ESCOLAS MULTISSERIADAS DO CAMPO
NA AMAZÔNIA: UM OLHAR PARA AS PRÁTICAS DOS PROFESSORES
Resumo: Neste artigo tecemos algumas reflexões sobre como está sendo efetivada a política de educação inclusiva em escolas multisseriadas do campo na Amazônia. No contexto das classes multisseriadas do campo, as políticas do ensino fundamental e da inclusão na educação especial se entrecruzam. Como estão sendo atendidas as crianças com necessidades educacionais especiais nas classes multisseriadas do ensino fundamental no campo da Amazônia? Este estudo tem como base dados de uma pesquisa concluída em 2011, financiada pela CAPES e realizada em 21 escolas multisseriadas do ensino fundamental em dois municípios do Estado do Pará. Envolveu 21 docentes como sujeitos. O foco neste artigo é para os 10 professores que possuem em suas classes multisseriadas alunos com necessidades educacionais especiais. O levantamento dos dados constou de visitas à Secretaria de Educação e às escolas; entrevistas semi-estruturadas com os docentes; levantamento bibliográfico sobre temas sobre educação do campo, classes multisseriadas, educação na Amazônia e educação inclusiva. A sistematização e análise dos dados foram realizadas conforme categorias analíticas e temáticas construídas no desenvolvimento da pesquisa. Entre os resultados deste estudo destaca-se que nas escolas multisseriadas pesquisadas não existe acessibilidade nem condições de trabalho pedagógico para atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais. Não há salas de recursos multifuncionais com materiais específicos e os professores se ressentem da falta da formação continuada. Apesar de existir por parte dos professores um acolhimento dos alunos com necessidades educacionais especiais em suas classes multisseriadas, há casos de alunos ainda fora da escola o que evidencia a ausência de política de educação inclusiva no campo. Palavras-chave: Educação Inclusiva. Escolas multisseriadas. Educação do Campo. Práticas de Professores.
Introdução
O Movimento de Educação do Campo vem desde a 1ª Conferencia Nacional por
uma Educação Básica do Campo, de 1998, efetivando uma luta pela garantia de uma
educação que considere as especificidades históricas, sociais, políticas e culturais da
população do campo. Este Movimento, constituído por atores de diversos segmentos
sociais, defende uma educação no campo, considerando que “o povo tem direito a ser
educado no lugar onde vive” e do campo, porque “o povo tem direito a uma educação
pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas
necessidades humanas e sociais” (CALDART, 2002, p.26. Grifo da autora).
A educação do campo se configura em um projeto de desenvolvimento que
expressa a cultura do povo do campo, que pressupõe o respeito ao local e suas tradições
culturais, bem como valoriza as experiências educacionais vivenciadas pelos sujeitos do
campo no sentido de firmar sua identidade. Conforme Oliveira (2011, p. 2): “é preciso
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Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001806
Ivanilde Apoluceno De Oliveira
considerar-se os sujeitos do campo como seres construtores de sua história e não
alienados ao modo de viver e saberes da cidade. Como seres pensantes do seu modo de
ser e de viver em sociedade”.
A educação do campo se dimensiona como uma luta política demarcada pela
afirmação dos sujeitos do campo e de sua identidade cultural. As Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo prevê no Inciso II do Art.
13, a criação de propostas pedagógicas que: valorizem, na organização do ensino, a diversidade cultural e os processos de interação e transformação do campo, a gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico e respectivas contribuições para a melhoria das condições de vida e a finalidade aos princípios éticos que norteiam a convivência solidária e colaborativa nas sociedades democráticas (BRASIL, 2002, p. 41).
O Movimento de educação do campo, portanto, anuncia uma educação engajada
politicamente com as populações do campo, buscando construir uma educação que
supere sua condição de marginalidade e de apêndice da educação da cidade. Na
Amazônia, há a compreensão de que a realidade do campo é de exclusão, seja pela
precariedade de suas condições sociais quanto educacionais. Não há saneamento básico,
a energia, quando existe, é transmitida por geradores a óleo ou bateria, as estradas e os
transportes são precários. Existe um alto índice de analfabetismo e a educação escolar
ofertada é da 1ª a 4ª séries do ensino fundamental em classes multisseriadas (CORRÊA,
2008).
Neste cenário das classes multisseriadas do campo, as políticas do ensino
fundamental e da inclusão na educação especial se entrecruzam. Como estão sendo
atendidas as crianças com necessidades educacionais especiais nas classes
multisseriadas no campo da Amazônia? Essa educação atende aos princípios da
educação inclusiva? Atende às diretrizes da educação do campo?
O movimento de educação inclusiva constitui uma luta pelo direito à igualdade
de oportunidades educacionais e sociais das pessoas que apresentam necessidades
educacionais especiais, tendo-se consciência de sua exclusão histórica do acesso à
educação e de outros direitos sociais. A Declaração de Salamanca (1994) estabelece que
a escola deve acolher a todas as crianças independentemente de suas condições físicas,
intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras, respeitando as suas
características e necessidades individuais. Neste sentido, a educação inclusiva objetiva a
democratização do espaço escolar superando a dicotomia existente entre o ensino
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regular comum e o ensino da educação especial, cabendo à escola conviver com a
diversidade cultural e as diferenças individuais. Essa convivência com a diferença no
âmbito da escola pressupõe mudanças estruturais e pedagógicas visando atender às
necessidades específicas dos alunos especiais. Assim, os educandos com necessidades
educacionais especiais que vivem e frequentam as escolas do campo precisam ser
atendidos em suas especificidades de sujeitos especiais e do campo, devendo ser
articuladas as políticas de educação do campo e da educação inclusiva.
Neste artigo tecemos algumas reflexões sobre como está sendo efetivada a
política de educação inclusiva em escolas multisseriadas do campo na Amazônia, tendo
como base dados de uma pesquisa concluída em 2011 e financiada pela CAPES. Esta
pesquisa foi realizada em 21 escolas multisseriadas do ensino fundamental em dois
municípios do Estado do Pará, sendo 09 no MA e 12 no MB. Envolveu 21 docentes
como sujeitos. No Município A foram entrevistadas 10 professoras. Destas 05 possuem
em suas turmas alunos com necessidades educacionais especiais, sendo 06 alunos: 03
deficientes auditivos, 01 hiperativo e 02 deficientes intelectuais. No Município B dos 11
professores entrevistados, 05 possuem em suas turmas alunos com necessidades
educacionais especiais, sendo 04 mulheres e 01 homem. Neste município também foi
entrevistada uma diretora de escola. No total são 08 educandos, sendo 04 com
deficiência intelectual, 02 com deficiência auditiva e 02 identificados como crianças que
apresentavam lentidão na aprendizagem. Entre os educandos encontramos 02 jovens,
um adolescente de 15 anos e uma moça de 18 anos. O foco neste artigo é para os 10
professores que possuem em suas classes multisseriadas alunos com necessidades
educacionais especiais
O levantamento dos dados constou de visitas à Secretaria de Educação e às
escolas; entrevistas semi-estruturadas com os docentes utilizando-se roteiro;
levantamento bibliográfico sobre temas sobre educação do campo, classes
multisseriadas, educação na Amazônia e educação inclusiva, tendo base autores como
Caldart (2006), Hage (2006), Oliveira (2005) entre outros. A sistematização e análise
dos dados foram realizadas conforme categorias analíticas e temáticas construídas no
desenvolvimento da pesquisa.
1. Prática Pedagógica com alunos com necessidades educacionais especiais em salas
multisseriadas
1.1. O contexto das classes multisseriadas
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As escolas apresentam um modelo padrão em relação à estrutura física, sendo
constituídas, de modo geral, por uma ou duas salas, a secretaria, copa e dois banheiros.
Entretanto, no MB há distinção em termos de construção da escola. Na região do
planalto a maioria das escolas é de alvenaria e cobertas com telhas de barro e na região
da Várzea, devido às cheias periódicas dos rios da Amazônia, prevalecem as de
madeira, construídas três metros acima da superfície.
Nas escolas existe precariedade em termos de saneamento e condições de
trabalho. Os professores se ressentem da falta de biblioteca, de área para atividades de
recreação, de equipamentos e de mobiliários adequados. Em algumas escolas não há
abastecimento de água. Estas situações de infraestrutura repercutem de forma negativa
no trabalho pedagógico realizado pelos professores em sala de aula. Os docentes não
têm condições de realizar com qualidade atividades de leitura, recreação e ludicidade.
Algumas escolas por falta de água não possuem merenda escolar, cabendo aos alunos
trazerem de casa água para beber e o lanche. Atividades que precisam de equipamentos
não são realizadas e algumas cadeiras não são adequadas para crianças na educação
infantil prejudicando a sua participação nas atividades em classe.
Existem escolas inseridas na comunidade e outras isoladas. O fato de estarem
isoladas interfere nas práticas dos professores, na medida em que estes não têm ajuda
dos pais na elaboração da merenda, no atendimento aos alunos em caso de acidentes,
entre outras situações, além de dependerem do ônibus escolar, do barco ou de outros
meios de transportes para deslocamento até a escola.
Os professores criam estratégias de organização das salas para desenvolver suas
atividades com as multisséries, mas mantêm a lógica da seriação. Essa organização
geralmente é feita por carteiras enfileiradas, sendo a classe dividida por séries. Há
também o uso das carteiras círculo ou semicírculo, tanto na educação infantil quanto no
ensino fundamental.
O modelo das escolas multisseriadas é “urbanocêntrica”, estando alheio ao
contexto real das escolas do campo. Os professores buscam cumprir a exigência legal de
matrícula de idade mínima de 06 anos para o ensino fundamental, mas extra-
oficialmente, em função da ausência da oferta de turmas de educação infantil, recebem
crianças menores de 06 anos, a quem chamam de “encostados/as”, bem como jovens
com mais de 14 anos.
Na escola multisseriada, o prefixo multi designa não apenas várias séries juntas,
mas também crianças com várias idades e apesar do multi sugerir diversidade,
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pluralidade, variedade, a organização do trabalho pedagógico é efetivado a partir do
modelo disciplinar e seriado das escolas urbanas, o que prevalece é a lógica do “todos
juntos, porém separados”.
1.2. Estratégias de trabalho pedagógico com alunos com necessidades educacionais
especiais
Os docentes dos dois municípios não foram preparados para receber alunos com
necessidades especiais em suas turmas, nem possuem acompanhamento pedagógico
especializado, mas os acolheram em suas salas, mesmo com alguns receios, e vêem
criando estratégias pedagógicas para poderem ensiná-los, mesmo sem certezas sobre o
caminho percorrido.
A professora do MA que possui aluna hiperativa a diferencia dos demais alunos
com deficiência, mas a vê como uma aluna problema. Como estratégia pedagógica a
coloca em sala junto a um aluno ativo, com o objetivo de minimizar a sua
hiperatividade. O fato de a professora colocar a aluna hiperativa junto a um aluno ativo,
como estratégia pedagógica, revela que compreende a hiperatividade como uma relação
interpessoal que envolve disputa e poder. Pressupõe que aluna em contato próximo com
outro aluno mais agitado se retraísse na sua hiperatividade e em contato com um aluno
mais quieto ficasse mais agitada. Assim, a compreensão da docente sobre a
hiperatividade é superficial e o trabalho pedagógico é baseado em suposições, o que
evidencia a falta de formação continuada.
Uma professora do MA tem uma aluna surda recém chegada em sua turma. Ela
teve receio ao receber a aluna porque não sabia como lidar nem como comunicar-se
com ela. Informou que logo após a chegada da aluna à sala tentou se comunicar na
“linguagem do surdo-mudo”, mas a aluna não respondeu; tem conseguido se comunicar
com a aluna surda, porque a irmã dela que estuda na mesma sala, a tem ensinado como
se comunicar.
As informações dessa professora evidenciam três questões: a falta de
conhecimento sobre a língua de sinais; a não preparação para receber em sala um aluno
com necessidades educacionais especiais e a busca de estratégias para superar o
problema da falta de conhecimento. Neste caso, conta com a ajuda da família, da irmã e
do pai da aluna surda, usando a mímica como forma de comunicação.
Uma professora do MB explicou que teve uma aluna surda, que se mudou para
outro estado. Considerava esta aluna excelente e que “estava lendo que era uma beleza”.
A forma como se comunicava com esta aluna era por meio da leitura labial. “Quando eu
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estava explicando o assunto, todas as disciplinas, eu tinha que olhar diretamente pra ela,
ela ia lendo os lábios [...], ficava sempre olhando pra mim, nunca de costas”.
Uma professora do MA que tem em sua turma, na 3ª série, um aluno “um pouco
surdo e um pouco mudo” afirmou ter feito um curso de educação especial, mas nele não
foi orientada sobre como trabalhar com esse aluno. Informou, ainda, que este aluno não
tem nenhum apoio especializado na escola.
No caso do atendimento ao aluno surdo identificamos a presença de duas
práticas diferenciadas. Na primeira, a professora tenta utilizar a língua de sinais, como
forma de comunicação com a aluna surda e a segunda, trabalha com o oralismo, por
meio da leitura labial. Estas práticas presentes nas classes multisseriadas apontam para a
complexidade da educação de surdos, por envolver concepções diferentes no trato
pedagógico, bem como a necessidade de apropriação pelo professor da Língua
Brasileira de Sinais - LIBRAS, que requer um processo de formação permanente. Além
disso, as poucas formações ofertadas não estão conseguindo atender às demandas das
escolas nem as necessidades de formação dos professores, bem como não há nas escolas
pesquisadas atendimento educacional especializado para os alunos com necessidades
educacionais especiais.
Uma professora do MA tem dois alunos com deficiência intelectual, sendo que
um apresenta dificuldade de leitura e o outro tem mais dificuldade na aprendizagem. Ela
desenvolve com estes alunos as mesmas atividades que os demais, só que observa serem
mais lentos. A professora do MB explicou que trabalha com a aluna de 16 anos com
deficiência intelectual, “às vezes com jogos, com desenhos, que ela gosta de pintar
também”. E o professor do MB não prestou informação sobre o seu aluno com
deficiência intelectual alegando que o contato com o aluno foi muito recente, de apenas
de um dia. Por isso, não sabe ainda como vai desenvolver atividades pedagógicas com
ele. Apesar de informar que teve pouco contato com o aluno, ao ressaltar que não sabe
ainda como vai trabalhar pedagogicamente com o educando, pode ser um indicador de
desconhecimento sobre a prática educativa com este aluno.
Um aspecto evidenciado na conversa com os docentes é o não aproveitamento
escolar dos educandos com deficiência intelectual.
Uma professora do MB informou que o seu aluno “já está a quase seis anos na
escola, mas ele não desenvolve quase nada”. Ela tem dois educandos com necessidades
educacionais na 4ª série, uma jovem de 18 anos e um adolescente de 15 anos, com DI,
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mas destacou que “mesmo estando na quarta série eles não sabem ler [...] Uma conhece
as letras, o outro não”.
Machado (2008) explica que o ponto de partida para uma educação inclusiva é
compreender que todo aluno é capaz de aprender e que o ensino deve ser democrático,
considerando as diferenças, interesses, necessidades, idéias e escolhas dos diferentes
sujeitos.
A Gestora do MB confirmou existir crianças com necessidades educacionais em
uma das escolas, mas expressou “os professores já perceberam que a criança, ela é lenta,
ela não acompanha, ela não tem a sua criatividade própria, ela só repete, não produz
nada”.
A afirmação de que os educandos não aprendem, reforça o imaginário
construído que o problema de não aprendizagem tem como causa o aluno e suas
limitações. Além disso, o fato de ter um aluno de 15 anos e uma aluna de 18 anos na 4ª
série do ensino fundamental evidencia a não progressão escolar deste alunado nas
escolas multisseriadas do campo na rede de ensino de MB. Como não há turma de
educação de jovens e adultos, os jovens são inseridos nas classes multisseriadas com as
crianças.
A professora do MB explicou que tenta desenvolver as atividades pedagógicas
com o adolescente com DI, mas ele não aceita, fica logo zangado. Além de destacar o
comportamento agressivo, explica a professora que esse aluno está no período da
puberdade e que se masturba no banheiro, causando problemas aos professores e alunos
na escola. Ela associa as atitudes agressivas e agitadas do aluno com deficiência
intelectual à doença mental, por meio da representação de que em noite de lua o aluno
fica mais agitado. Esta representação é corroborada pela mãe do aluno. Segundo a
professora: “quando chega a força da lua, até isso afeta realmente nele [...] a mãe dele
mesmo já disse pra mim, “olha, A., presta atenção que quando está na lua cheia, ele fica
muito agitado”.
Oliveira (2005, p. 173) explica que há representações negativas em torno de
alunos/as com necessidades educacionais nas escolas e uma dessas representações é a
deficiência estar associada à doença mental, ao ser feita referência da interferência da
lua no comportamento destes alunos. O imaginário social construído em torno da
associação do deficiente mental com o doente mental por meio da representação de que
a lua provoca mudanças comportamentais reforça o olhar discriminador para o
comportamento e as atitudes do aluno.
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A professora do MB trabalha com os alunos com DI com música, visando
desenvolver a coordenação motora através dos gestos, com brincadeiras, e usa muito a
massa de modelar, porque considera que “eles têm dificuldades”. Explicou que precisa
adaptar o conteúdo, mas não disse como.
Uma professora do MB informou que possui dois alunos com lentidão na
aprendizagem, “que precisam de carinho e cuidado”, mas que no seu modo de ver estão
inclusos, por não estarem separados em classe. A perspectiva de inclusão da professora
é de estarem convivendo juntos, realizando as mesmas atividades, mesmo com ritmos
diferenciados na aprendizagem, já que não trabalha com as duas crianças de forma
diferenciada das demais da sala. Entretanto, a professora destacou que não houve
aproveitamento escolar por parte destes alunos, que estão na faixa etária de 07 e 08 anos
e na terceira série. Para esta professora eles estão nesta série sem condições de
aprendizagem. “Eu coloquei eles para uma terceira, mas eu estou trabalhando
novamente todo processo porque eles já esqueceram [...] aí estou alfabetizando de
novo”.
Assim, além dessas crianças não terem aproveitamento escolar, sendo vista
como causa a lentidão na aprendizagem, a professora as considera serem
superprotegidas pela família, porque choram muito na sala de aula e em suas casas.
Essa situação narrada pela professora evidencia o não conhecimento por parte
dos professores de como identificar problemas de aprendizagem dos alunos, sendo feita
a progressão automática sem terem as crianças aproveitamento nos estudos. Desta
forma, o problema vai sendo transferido para o ano seguinte. Como não há
acompanhamento pedagógico especializado nas classes multisseriadas, os docentes vão
encaminhando os problemas de aprendizagem dos educandos com necessidades
educacionais especiais conforme seus valores e vivência de sala de aula.
1.3. Dificuldades na prática pedagógica
Uma professora do MA aponta como dificuldade para trabalhar aluno com
necessidades educacionais especiais, as limitações dos próprios alunos. O olhar para o
aluno e suas limitações como culpabilidade do seu fracasso tem sido o discurso
predominante, tendo como base o modelo médico e que não problematiza a escola e sua
estrutura, concepções e práticas pedagógicas. Beyer (2006, p. 22) destaca que “é
característica do modelo médico a projeção do fracasso sobre a própria criança, ou seja,
ela não seria supostamente capaz de aprender na escola regular por causa de sua
deficiência ou da sua limitação individual”, por isso, considera necessária “a análise das
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demais conjunturas – presentes, na maioria das vezes, na escola e na família – ligadas
ao fracasso escolar”.
As dificuldades que outra professora do MA encontra para realizar o trabalho
com alunos com Deficiência Intelectual são: a falta de apoio da Secretaria de Educação
e a falta de informação/formação. Apesar de ter feito o curso de magistério afirmou não
saber lidar com esses alunos. Uma professora do MB encontra dificuldades em
desenvolver atividades educacionais com os dois alunos com deficiência auditiva,
porque não participou de nenhum curso de libras. Mas, explicou que: “para tudo a gente
dá um jeitinho”.
A principal dificuldade encontrada por uma professora do MB é o fato dos
alunos serem lentos na aquisição da aprendizagem interferindo no desenvolvimento das
atividades em sala de aula, já que os alunos apresentam ritmos de aprendizagens
diferenciados. Assim, os culpados pelo não desenvolvimento das atividades dos
adiantados são os alunos com lentidão na aprendizagem, que se atrasam na realização da
principal ação escolar, a cópia no quadro de giz.
Outra professora do MB expressa que a maior dificuldade em desenvolver
atividades pedagógicas com os alunos da educação especial está relacionada à sua
formação inicial e continuada, bem como à falta de experiência.
Assim, os docentes têm de aprender fazendo, no ensaio e erro, porque não
obtiveram informações no seu curso de formação e com isso, sentem-se inseguros.
Conforme Carvalho (2004, p. 122): “os professores se sentem tão ameaçados e mais
resistentes, quando encontram alunos com dificuldades de aprendizagem por diversas
causas e manifestações e não sabem como lidar com elas”.
1.4. Acompanhamento Pedagógico Especializado
Entre os municípios pesquisados, somente 02 docentes do MB informaram
existir acompanhamento pedagógico especializado e professores da educação especial
na rede de ensino fazem o diagnóstico dos alunos com necessidades educacionais
especiais.
Uma professora do MB informou que os educandos com necessidades especiais
têm acompanhamento pedagógico especializado, mas não especificou como se dá este
acompanhamento. Esta professora informou que não tem contato com o diagnóstico dos
alunos, a professora de educação especial da escola pólo é que tem o controle do
diagnóstico e acompanha os alunos, fato confirmado também pelo professor do MB.
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Desta forma não há conhecimento por parte do professor da sala comum sobre
as especificidades das necessidades educacionais dos educandos nem tampouco uma
interação com o professor da educação especial em torno de planejamento pedagógico
para atendimento educacional ao educando especial.
Batista (2008, p. 127) destaca que o esforço de entendimento entre o professor
do atendimento especializado e o da sala comum deve ser feito na “busca de soluções
que venham a beneficiar o aluno de todas as maneiras possíveis e não apenas para
avançar no conteúdo escolar”.
A conversa com a professora da educação especial se realiza por iniciativa e por
necessidade do docente da sala comum, conforme explicou uma professora do MB,
porque às vezes o aluno é agressivo. Esta professora explicou que tem acompanhamento
pedagógico do setor da educação especial “duas vezes na semana, mas também é bem
precário ainda”. Essa precariedade é ressaltada por ela pelos resultados na prática
escolar: “o aluno, esse aí, ele só faz cobrir, não adianta eu passar outra coisa [...]. Ele é
muito agressivo, ele chama muito nome, [...] a outra não, a outra já tão carinhosa, tão
amorosa, ela não, ela já copia do quadro, só que ela não consegue ler”.
Assim, há comparação por parte da professora entre os comportamentos dos dois
alunos com necessidades educacionais especiais, um agressivo e a outra carinhosa e a
compreensão de que não há muito que fazer em termos de ensino-aprendizagem, porque
não há aproveitamento escolar por parte dos educandos.
A reprodução na prática pedagógica das classes multisseriadas do modelo
tradicional meritocrático e classificatório de ensino urbanocêntrico é uma questão a ser
problematizada no âmbito da educação inclusiva do campo, que requer outro tipo de
ensino, centrado na criança e na diversidade cultural de seus sujeitos e que trabalhe com
uma pluralidade de estratégias metodológicas de acordo com o ritmo de aprendizagem
dos educandos.
Para Mantoan (2003, p 19 e 20): “se o que pretendemos é que a escola seja
inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para uma educação voltada para uma
cidadania global, plena, livre de preconceitos e que reconhece e valoriza as diferenças”.
2. Formação para a inclusão
Uma professora do MA expressou sobre sua formação inicial que teve
conhecimentos superficiais sobre educação especial, por isso buscou aprofundar seus
conhecimentos na Especialização em LIBRAS. Neste curso informou ter aprendido que
“o surdo-mudo é a deficiência mais difícil de lidar porque você se comunica com ele só
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através das costas [...] você não pode chegar e ter contato pela frente, você só se
comunica com ele pelas costas”. Entretanto, apesar de ter feito curso de educação
especial, a fala da professora apresenta indícios de desconhecimento sobre o
atendimento pedagógico de aluno surdo. Isto evidencia o problema da formação
docente. Como as informações pedagógicas estão chegando ao professor? Com base em
que concepções de educação?
Miranda (2011, p. 137) em relação à formação docente afirma que “não há um
plano sistemático para o desenvolvimento profissional dos professores. O que existem
são estratégias pontuais, sem uma discussão aprofundada sobre o que deve ser
contemplado na prática pedagógica”. Com isso, os professores quando recebem
formações nem sempre se sentem contemplados de informações necessárias à sua
prática educacional.
Além disso, as formações precisam também ser diferenciadas do paradigma
tradicional e estarem direcionadas para o processo de inclusão escolar, tal como destaca
Machado (2008).
Pietro (2006, p. 58), em relação à formação docente, explica que “os
conhecimentos sobre o ensino de alunos com necessidades educacionais especiais não
podem ser de domínio apenas de alguns “especialistas”, e sim apropriados pelo maior
número possível de profissionais da educação, idealmente por todos”. Mas, segundo
Mantoan (2006), é preciso preparar professores para o atendimento educacional
especializado.
Neste sentido, ambas as formações, para os profissionais da educação, em geral,
e para o atendimento especializado, precisam ser contempladas nos cursos de formação
de professores no âmbito da educação especial.
3. Casos de exclusão escolar
Uma questão apresentada na conversa com as professoras foi o fato de que
existem crianças com necessidades educacionais especiais na comunidade, mas que
estas não estão tendo acesso à escola pela não aceitação dos pais. O fato de crianças
ainda estarem fora da escola reflete a ausência de política de educação inclusiva para o
campo, que garanta o direito de todos à educação. Nas escolas multisseriadas da rede de
ensino do MB o processo de conscientização da comunidade em relação ao direito da
criança com necessidades especiais à escolarização está sendo feita por iniciativa de
alguns poucos professores.
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Considera Mantoan (2008, p. 35) que: “o desafio maior que temos hoje é
convencer os pais, especialmente os que têm filhos excluídos das escolas comuns, de
que precisam fazer cumprir o que nosso ordenamento jurídico prescreve quando se trata
de direito à educação”.
Considerações Finais
Nas escolas multisseriadas pesquisadas não existe acessibilidade nem condições
de trabalho pedagógico para atendimento de alunos com necessidades educacionais
especiais. Nelas as políticas para a educação infantil, a Educação de Jovens e Adultos e
a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais e de educação do campo
ainda não chegaram, na medida em que somente uma das escolas pesquisadas possui
acompanhamento pedagógico especializado e os professores não possuem condições
necessárias para atender um aluno com necessidades educacionais especiais, por não
terem salas de recursos multifuncionais com materiais específicos e formação
continuada.
Os professores recebem os “encostados” da educação infantil e da educação de
jovens e adultos para que os mesmos tenham acesso à escola, assumindo uma
responsabilidade que seria da rede de ensino. Mas, por não terem formação específica
nem acompanhamento pedagógico especializado ou terem tido uma formação precária,
que não atendeu as suas demandas e necessidades, criam estratégias pedagógicas que
nem sempre estão adequadas.
Na prática dos docentes há laços estreitos de amizade e solidariedade com os
alunos, mas a carência de formação técnico-especializada faz com que os
condicionantes empíricos sejam os condutores da prática pedagógica, ressentindo-se a
ausência de formação teórica que viabilize aos docentes repensar a sua ação educacional
nas classes multisseriadas e o atendimento aos alunos com necessidades educacionais
especializadas.
Apesar de existir por parte dos professores um acolhimento dos alunos com
necessidades educacionais especiais em suas classes multisseriadas, há casos de alunos
ainda fora da escola o que evidencia a ausência de política de educação inclusiva no
campo.
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