View
2
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
ISSN 1982 - 0283
DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Ano XXIII - Boletim 10 - JUNHO 2013
DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
SUMÁRIO
Apresentação .......................................................................................................................... 3
Rosa Helena Mendonça
Introdução .............................................................................................................................. 4
Lívia Fraga Vieira
Texto 1 - A profissão docente na Educação Infantil ................................................................ 8
Dalila Andrade Oliveira
Texto 2 - O perfil das professoras e educadoras da Educação Infantil no Brasil .................... 16
Lívia Maria Fraga Vieira
Texto 3: Professoras da Educação Infantil: formação, identidade e profissionalização .........28
Isabel de Oliveira e Silva
3
ApresentAção
DocênciA nA eDucAção infAntil
1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC).
A publicação Salto para o Futuro comple-
menta as edições televisivas do programa
de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este
aspecto não significa, no entanto, uma sim-
ples dependência entre as duas versões. Ao
contrário, os leitores e os telespectadores
– professores e gestores da Educação Bási-
ca, em sua maioria, além de estudantes de
cursos de formação de professores, de Fa-
culdades de Pedagogia e de diferentes licen-
ciaturas – poderão perceber que existe uma
interlocução entre textos e programas, pre-
servadas as especificidades dessas formas
distintas de apresentar e debater temáticas
variadas no campo da educação. Na página
eletrônica do programa, encontrarão ainda
outras funcionalidades que compõem uma
rede de conhecimentos e significados que se
efetiva nos diversos usos desses recursos nas
escolas e nas instituições de formação. Os
textos que integram cada edição temática,
além de constituírem material de pesquisa e
estudo para professores, servem também de
base para a produção dos programas.
A edição 10 de 2013 traz como tema Docên-
cia na Educação Infantil e conta com a con-
sultoria de Lívia Fraga Vieira, professora da
graduação e pós-graduação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais - UFMG.
Os textos que integram essa publicação são:
1. A profissão docente na Educação Infan-
til
2. O perfil das professoras e educadoras
da Educação Infantil no Brasil
3. Professoras da Educação Infantil: for-
mação, identidade e profissionaliza-
ção
Boa Leitura!
Rosa Helena Mendonça1
4
A estruturação da força de trabalho na Edu-
cação Infantil reflete a estruturação histó-
rica dos serviços voltados para o cuidado e
a educação da criança pequena, os quais se
relacionam com as tradições e as inovações
socioculturais e com os modelos de orga-
nização das políticas sociais. Tais modelos
estabelecem relação com as concepções do
papel do Estado, da família e da sociedade na
provisão de serviços de atenção à infância,
no âmbito das políticas educacionais e as-
sistenciais. Assim é que o entendimento da
docência na Educação Infantil requer uma
abordagem histórica das políticas de aten-
dimento e das legislações concernentes. No
Brasil, as políticas que visaram à expansão
da oferta de creches e pré-escolas iniciadas
no final dos anos 1970, articuladas com as
mudanças sociodemográficas das famílias,
com a crescente inserção das mulheres no
mercado de trabalho e com as demandas so-
ciais por atendimento, conformaram deter-
minado padrão dominante de organização
dos serviços voltados para as crianças pe-
quenas, baseado em precárias condições de
trabalho e precário profissionalismo (VIEI-
RA, 1999; ROSEMBERG, 1999; 2002).
Em estudo comparado entre os 30 países2
vinculados à Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômicos - OCDE,
Peter Moss (2006) mostrou que os modelos
de organização dos serviços e do trabalho,
a sua dependência administrativa e as suas
origens históricas acarretam implicações
em relação à formação, aos salários, às con-
dições de trabalho e ao status profissional
dos trabalhadores envolvidos. O autor ar-
gumenta que a formação dos trabalhadores
e a estrutura da força de trabalho na área
não estão separadas dos entendimentos,
das concepções sobre o trabalho e sobre os
trabalhadores que se ocupam diretamente
do cuidado e educação nas instituições de
Educação Infantil. Em última instância, isso
também não está separado das concepções
1 Professora da graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da UFMG. Consultora da edição temática.
2 Austrália, Áustria, Bélgica (comunidade flamenga), Brasil, Bulgária, Coreia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estônia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Lituânia, Malásia, Malta, México, Noruega, Polônia, Portugal, República Eslovaca, Turquia.
DocênciA nA eDucAção infAntil
INTRODUÇÃO
Lívia Fraga Vieira 1
5
sobre a pequena infância e sobre as próprias
instituições de Educação Infantil, onde o tra-
balho exercido se aproxima do trabalho no
âmbito privado do domicílio familiar.
A descentralização da gestão das políticas
educativas no Brasil, por meio da munici-
palização, enseja enorme diversidade na or-
ganização dos sistemas e redes municipais
de ensino. Os diferentes arranjos das polí-
ticas municipais observados evidenciam a
existência de uma multiplicidade de profis-
sionais com status e formação/qualificação
diferenciados, bem como variadas moda-
lidades de relações de emprego e trabalho.
No setor público municipal, é possível veri-
ficar a criação de novos postos de trabalho
fora da carreira do magistério público, com
salários menores e menores oportunidades
de progressão pelas características da carrei-
ra pública (VIEIRA e SOUZA, 2010).
De forma mais acentuada que nas demais
etapas da educação básica, a Educação In-
fantil constitui-se como um locus por exce-
lência de diversidade de formas de compo-
sição e organização do trabalho docente.
Colaboram para isso os processos e origens
históricas das instituições de Educação In-
fantil, o legado das políticas de assistência
social e de educação, a composição nos mu-
nicípios de instituições públicas e privadas
(organizações comunitárias, filantrópicas
etc.), a presença, em muitas redes, de uma
estrutura dual na composição do corpo do-
cente – professores pertencentes à carreira
do magistério e auxiliares de sala vinculados
aos chamados quadros da carreira civil –,
além da diversidade de terminologias e de-
nominações dos grupos e profissionais que
atuam na Educação Infantil (VIEIRA & SILVA,
2009).
Estudos baseados em estatísticas produzidas
por órgãos oficiais também mostraram que,
no contexto da educação básica, é na Educa-
ção Infantil que estão concentradas as maio-
res proporções dos docentes que recebem
os salários mais baixos e os que praticam as
mais extensas jornadas de trabalho sema-
nais na unidade educacional (BRASIL, 2007;
GATTI & BARRETO, 2009; VIEIRA & SOUZA,
2010; OLIVEIRA & VIEIRA, 2010; VIEIRA & OLI-
VEIRA, 2011).
TEXTOS DA EDIÇÃO TEMÁTICA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL3
Esta edição temática tem por objetivo discutir aspectos históricos da constituição do campo profis-
sional da Educação Infantil no Brasil: creches, escolas maternais e jardins de infância; políticas de
3 Os textos desta publicação eletrônica são referenciais para o desenvolvimento dos assuntos abordados na edição temática Docência na Educação Infantil, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola nos dias 10 e 12 de junho de 2013.
6
assistência social; políticas de educação; legislação e políticas públicas: o dever do Estado, o direito
da criança e o município; os profissionais da Educação Infantil no Brasil: heterogeneidade e desi-
gualdades, perfil sociodemográfico, formação inicial e continuada, ingresso, carreira, remuneração,
emprego e condições de trabalho, participação e organização dos sujeitos; as especificidades da do-
cência na Educação Infantil; características do trabalho docente: cuidar e educar; condição docente
e identidades; principais tensões no campo educacional e perspectivas.
TEXTO 1: A PROFISSÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
No primeiro texto da edição temática, são apresentados e discutidos os desafios que se colo-
cam para o atendimento à Educação Infantil que deve ser ofertada em creches e pré-escolas,
em especial no que se refere à definição de qual é o profissional que atuará nesta etapa da
educação, qual deve ser a sua formação e em que condições ele deverá trabalhar.
TEXTO 2: O PERFIL DAS PROFESSORAS E EDUCADORAS DA EDUCAÇÃO
INFANTIL NO BRASIL
O segundo texto da edição temática apresenta o perfil e alguns aspectos das condições de tra-
balho dos sujeitos docentes na Educação Infantil no Brasil, baseados em informações do Censo
Escolar de 2011 e na pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil – TDEBB.
TEXTO 3: PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL: FORMAÇÃO,
IDENTIDADE E PROFISSIONALIZAÇÃO
O terceiro texto da edição temática analisa a formação profissional e a construção das identi-
dades dos professores e professoras da Educação Infantil, que devem ser elementos centrais
das políticas e práticas em Educação Infantil.
REFERÊNCIAS
BRASIL. INEP. Sinopse Estatística do Professor
da Educação Básica. Brasília, 2009. Disponível
em: <http//www.inep.gov.br>
CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar:
questões sobre o perfil do profissional da
educação infantil. In: BRASIL. Ministério da
Educação e do Desporto. SEF/DPE/COEDI. Por
uma política de formação do profissional de
educação infantil. Brasília, 1994.
CAMPOS, Roselane. Trabalho docente e for-
mação de professores da educação infantil.
VII Seminário da REDESTRADO “Nuevas regu-
7
laciones en América Latina”, Buenos Aires,
2008. Anais... (CD-ROM).
GATTI, B. A. (coord.); BARRETO, E. S. Profes-
sores do Brasil: impasses e desafios. Brasilia:
UNESCO, 2009.
MOSS, Peter. Structures, understandings and
discourses: possibilities for re-envisioning
the early childhood worker. Contemporary
issues in early childhood, v. 7, n. 1, 2006.
OLIVEIRA, Dalila A.; VIEIRA, Lívia M. F. Tra-
balho docente na educação básica no Brasil.
Belo Horizonte: GESTRADO/UFMG, 2010. 80
p. (Relatório de pesquisa). Disponível em:
<http://www.trabalhodocente.net.br>
PINTO, Mércia F. N. O trabalho docente na
educação infantil pública em Belo Horizonte.
Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: Fa-
culdade de Educação, UFMG, 2009.
ROSEMBERG, Fúlvia. Expansão da educação
infantil e processos de exclusão. Cadernos de
Pesquisa, São Paulo, n. 107, p. 7-40, jul. 1999.
SILVA, Isabel O. Profissionais da educação in-
fantil: formação e construção de identida-
des. São Paulo: Cortez Ed., 2001.
SOUZA, Ângelo R.; GOUVEIA, Andréa B.;
SOUZA, Gizele. Os professores da Educação
Infantil no Brasil: perfil e demandas. Anais
do XV ENDIPE. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
TARDIF, M. e LESSARD, C. O trabalho docen-
te: elementos para uma teoria da docência
como profissão. 3ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes,
2007.
VIEIRA, Lívia M. F.; OLIVEIRA, Dalila A. Os su-
jeitos docentes da educação infantil no Brasil:
formação, carreira e condições de trabalho.
Belo Horizonte: GESTRADO/UFMG, 2011. 30
p. (Relatório de pesquisa).
VIEIRA, Lívia Fraga e SOUZA, Gizele de. Tra-
balho e emprego na educação infantil no
Brasil: segmentações e desigualdades. Edu-
car em Revista. Curitiba/PR, n. especial, p.
119-139, 2010.
8
TEXTO 1
A profissão Docente nA eDucAção infAntil Dalila Andrade Oliveira1
A Educação Infantil, compreendendo o aten-
dimento às crianças de 0 a 5 anos em cre-
ches e pré-escolas, como parte constitutiva
da educação básica, tem se tornado, cada
vez mais, um desafio a ser enfrentado pelo
Estado como um todo e pelos gestores mu-
nicipais, especialmente. Com as alterações
recentes sofridas pela Constituição Federal
no seu artigo 208, resultantes da nova re-
dação dada pela Emenda Constitucional n.
59/2009, a educação ofertada em creches e
pré-escolas teve sua inclusão entre os deve-
res do Estado, estabelecendo a obrigatorie-
dade escolar entre 4 e 17 anos. A partir dessa
mudança, novos desafios se colocam para o
atendimento a essa etapa da educação bási-
ca, de responsabilidade primeira dos muni-
cípios, considerando a ampliação do direito
à educação da infância. Dentre esses, a de-
finição de qual é o profissional que atuará
na Educação Infantil e em que condições ele
deverá trabalhar e como deve ser formado.
Desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional (Lei nº 9.394/96) que a Educa-
ção Infantil, abrangendo o atendimento em
creches e pré-escolas, foi incluída ao siste-
ma escolar como primeira etapa da Educa-
ção Básica. Tal inclusão representou uma
mudança radical na compreensão do atendi-
mento à infância, que passou a ser caracteri-
zado como educacional, devendo, portanto,
seguir as diretrizes e normas da educação.
Essa mesma Lei estabeleceu o prazo de três
anos, a partir de sua publicação, para que
as creches e pré-escolas se integrassem ao
sistema de ensino.
Dez anos depois, a Emenda Constitucional
nº 53/2006 e sua consequente regulamenta-
ção, por meio da Lei nº 11.494/2007, amplia-
ram para todas as etapas da Educação Básica
a sistemática de financiamento, antes restri-
ta ao Ensino Fundamental, criando o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Edu-
cação Básica e de Valorização dos Profissio-
nais da Educação (FUNDEB), que passou a
contemplar essa etapa da educação básica,
portanto, garantindo o financiamento da
educação de 0 a 5 anos.
1 Professora do Programa de Pós-Graduação e da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora da Rede Latino-americana de Estudos Sobre Trabalho Docente (RedEstrado). Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd. Pesquisadora do CNPq e da FAPEMIG (PPM).
9
A ampliação desse direito tem resultado em
maior atenção das políticas educacionais à
Educação Infantil, fato recente na história
do país. Concebida como assistência por
longo período, a Educação Infantil se de-
senvolveu de forma periférica ao sistema
escolar, como lugar de guarda, ou mesmo
relegada à informalidade, à filantropia, ao
voluntariado e a arranjos domésticos. Essa
experiência marcou profundamente esta
etapa da educação básica, imprimindo de-
terminadas identidades a esse trabalho que,
ainda hoje, mais de 15 anos depois de essa
etapa ser incluída no sistema educacional,
ainda persistem. A Educação Infantil sofre
de indefinição em relação a importantes
aspectos de sua organização, de seus obje-
tivos e de suas funções. O debate é comple-
xo, envolvendo concepções de infância e de
educação que permitem pensar esta etapa
da educação básica para além do arremedo
da forma escolar clássica, do currículo disci-
plinar e da educação como ensino e apren-
dizagem.
Muitas têm sido as iniciativas nessa direção.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil e as Diretrizes Curricula-
res Nacionais Gerais para a Educação Básica
são exemplos de esforços no sentido de se
definirem os objetivos e a função desta eta-
pa da educação básica. Contudo, são muitas
as imprecisões que persistem na Educação
Infantil, sob as quais residem desigualdades
e injustiças que precisam ser corrigidas.
Recentemente, a Câmara de Educação Bási-
ca do Conselho Nacional de Educação ela-
borou o Parecer nº 17/2012, com a finalida-
de de “orientar os sistemas de ensino e as
instituições de Educação Infantil quanto aos
aspectos fundamentais para a organização
e funcionamento dessa etapa educacional,
entre os quais se destacam: a carga horá-
ria, a jornada de atendimento, a organiza-
ção e enturmação, o material pedagógico, a
avaliação e a formação dos profissionais da
Educação Infantil” (Brasil, 2012).
É afirmado, no referido parecer: “Alguns sis-
temas de ensino defendem que na creche
podem trabalhar profissionais não docentes
coordenando os grupos infantis – auxiliares
de desenvolvimento infantil, técnicos em
desenvolvimento infantil, recreacionistas,
monitores, pajens e outras denominações –,
dado que a função desses profissionais não
seria a de ensinar para crianças, mas a de
socializá-las, garantir seu bem-estar”.
A pesquisa Trabalho Docente na Educação
Básica no Brasil realizou um survey2 entre
2 Pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, que contou com apoio do Ministério da Educação – MEC, em projeto institucional de cooperação técnica com a Secretaria de Educação Básica – SEB. O trabalho foi realizado em conjunto com oito grupos de pesquisa dos sete estados pesquisados, a saber: GESTRADO/UFMG, GESTRADO/UFPA, GETEPE/UFRN, NEDESC/UFG, NEPE/UFES, NUPE/UFPR, GEDUC/UEM-PR, GEPETO/UFSC.
10
os anos 2009 e 2010, em sete estados bra-
sileiros, sendo eles: Minas Gerais, Espírito
Santo, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Pará e
Rio Grande do Norte, em que pela primei-
ra vez se buscou realizar um estudo sobre
a docência na educação básica, compreen-
dendo suas três etapas. Foram considera-
dos sujeitos docentes, nessa pesquisa, os
trabalhadores que realizam atividades que
se relacionam diretamente com o processo
de ensino, sendo compreendidos aí os pro-
fessores e outros profissionais que exercem
atividade de docência. Por meio desta pes-
quisa, buscou-se conhecer uma diversidade
de sujeitos que atuam na educação básica,
realizando a docência, e que muitas vezes
não aparecem nas estatísticas educacionais,
nos planos de cargos e carreira e nas polí-
ticas públicas educacionais. Foi encontrada,
sobretudo na Educação Infantil, uma varia-
da lista de nomenclaturas para designar o
profissional que atua na educação das crian-
ças pequenas.
O objetivo da pesquisa foi analisar o traba-
lho docente nas suas dimensões constituti-
vas, identificando seus atores, o que fazem e
em que condições é realizado o trabalho nas
instituições de Educação Básica de redes pú-
blicas municipais e estaduais e, no caso da
Educação Infantil, em instituições convenia-
das com o poder público. Os resultados do
survey referentes às condições de realização
da docência na Educação Infantil permitem
considerá-las como bastante preocupantes
no conjunto do magistério público, em que
já não são satisfatórias no geral.
A partir de 8.795 entrevistas com docentes
em unidades educacionais nos sete men-
cionados estados brasileiros, utilizando-se
de um questionário com 85 questões e que
contém 319 variáveis, foi traçado o perfil so-
cioeconômico e cultural dos docentes em
exercício na Educação Básica no Brasil. Bus-
cou-se conhecer a divisão técnica do traba-
lho nas unidades educacionais, a emergên-
cia de postos, cargos e funções derivados de
novas exigências e atribuições, bem como
as atividades desenvolvidas pelos docentes.
Procurou-se, ainda, conhecer as condições
de trabalho dos docentes: os meios físicos,
os equipamentos disponíveis, os recursos
pedagógicos, entre outros fatores que inter-
ferem diretamente na realização do traba-
lho docente. Foram coletadas informações
sobre a formação inicial e continuada dos
docentes, o acesso à literatura específica
das áreas de atuação, às tecnologias e a ou-
tros bens culturais para o desenvolvimento
de seu trabalho. As formas de contratação,
as condições salariais e de carreira nas dife-
rentes redes de ensino foram também obje-
to de investigação.
Os dados do survey informam que os piores
vínculos empregatícios (contratos vulnerá-
veis, falta de estabilidade), os mais baixos
salários e as mais precárias condições de
trabalho encontram-se na Educação Infan-
11
til. Além disso, é também na Educação In-
fantil que se observa o maior percentual de
profissionais que não detêm habilitação em
nível superior. Merece destaque, ainda, a
observação de que tais condições são ainda
menos favoráveis nas instituições educacio-
nais conveniadas.
OS DESAFIOS PARA A
PROFISSIONALIZAÇÃO DA
DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Esses dados de realidade evidenciam alguns
desafios presentes para o exercício da do-
cência na Educação Infantil em creches e
pré-escolas públicas ou conveniadas pelo
poder público que necessitam ser urgen-
temente enfrentados para que o direito à
educação de qualidade seja efetivado. A já
referida Emenda Constitucional n. 53, que
incluiu a Educação Infantil como um direi-
to, inserindo-a como etapa da educação bá-
sica com financiamento pelo Fundeb, o que
podemos considerar um avanço, por outro
lado, resultou em mudanças, no que se refe-
re aos profissionais da educação básica, que
pouco contribuem na direção de maior pro-
fissionalização.
O artigo 61 da LDB no 9.394/96, que na sua
primeira redação estabelecia a exigência de
formação em nível superior para atuação
docente na educação básica, sofreu altera-
ção a partir da Lei no 12.014/2009 que, com
a finalidade de discriminar as categorias de
trabalhadores que devem ser considerados
profissionais da educação, modifica o referi-
do artigo, estabelecendo:
Art. 1o: O art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, passa a vigorar com a
seguinte redação:
Art. 61: Consideram-se profissionais da
educação escolar básica os que, nela es-
tando em efetivo exercício e tendo sido
formados em cursos reconhecidos, são:
I – professores habilitados em nível mé-
dio ou superior para a docência na edu-
cação infantil e nos ensinos fundamen-
tal e médio (BRASIL, 2009).
Dessa forma, a legislação brasileira passou a
considerar que, para atuar na educação bá-
sica, incluindo aí a educação infantil como
sua primeira etapa, pode-se obter formação
em nível médio, sendo dispensável a forma-
ção superior. Essa medida reforça o que tem
sido a prática de muitos gestores munici-
pais: a de optarem por contratarem profis-
sionais de formação de nível médio, com sa-
lários inferiores aos que são pleiteados pelos
profissionais de nível superior. Essa prática
assenta-se, em geral, na justificativa de que
para cuidar de criança pequena não é neces-
sária a formação de nível superior, contri-
buindo para uma ideia de que a Educação
Infantil pode ser exercida de forma amado-
ra, por qualquer pessoa que se disponha a
12
fazê-lo, sem a necessidade de uma prepara-
ção específica. Em última instância, não pre-
cisa ser profissional para atuar na educação
da infância.
Se a discussão sobre a profissionalização do-
cente já é complexa quando se refere à edu-
cação escolar propriamente dita, mais ainda
se torna quando se trata da Educação Infan-
til. É que a noção de profissionalização apli-
cada à educação sempre foi ambígua, o uso
do termo profissionalização na educação
sempre esteve vinculado ao quadro concei-
tual da sociologia americana das profissões,
onde a profissionalização supõe não somen-
te a prática do ofício em tempo pleno, mas
também um estatuto legal que reconhece a
qualificação dos seus membros como uma
formação específica e a existência de asso-
ciações profissionais (Savoie, 2009).
O que constitui o grupo ou corpo profissio-
nal é justamente o sentimento de perten-
cimento comum, que começa mesmo an-
tes do ingresso no local de trabalho, já no
processo de formação, sendo então a pro-
fissionalização dependente da formação.
Esse sentimento de pertencimento comum
encontra alguns obstáculos no domínio da
educação, por exemplo, a fisionomia dos do-
centes do Ensino Médio é bastante distinta
daquela dos que atuam nos anos iniciais do
Ensino Fundamental e mais ainda na Educa-
ção Infantil e, mesmo na Educação Infantil,
entre os que trabalham em creches e os que
atuam na pré-escola.
Esta questão nuclear na discussão da pro-
fissão docente, que se refere aos aspectos
relativos à identidade desses profissionais,
aparece com maior evidência na Educação
Infantil e tem relação com a concepção de
infância e de educação vigentes. A identida-
de docente tem sido amplamente discutida
na atualidade, em razão das mudanças ocor-
ridas na educação a partir das últimas déca-
das do século XX. São muitos os estudos que
tratam desse tema em distintas realidades2.
No Brasil, são muitos os fatores que têm le-
vado à discussão de uma identidade docen-
te engendrada pelos recentes processos de
reforma educacional que trouxeram a des-
centralização administrativa, pedagógica e
financeira para o âmbito escolar. A ênfase
no trabalho coletivo, a instituição legal da
gestão democrática nas escolas públicas e a
flexibilidade curricular foram fatores que re-
sultaram em maior autonomia docente, ao
mesmo tempo em que têm levado à intensi-
ficação do trabalho e maior responsabiliza-
ção pelo sucesso e fracasso escolar (Oliveira,
2004; Assunção e Oliveira, 2009).
Contudo, é a partir da inclusão da Educação
Infantil definitivamente como uma etapa da
educação básica, compreendendo inclusive
3 Arroyo (1985); Apple (1995); Costa (1995); Hypolito (1997); Hargreaves (1998); Nóvoa (2000); Contreras (2002); Tardif e Lessard (2004); Tenti Fanfani (2007), entre outros.
13
as creches, ou seja, a educação das crianças
de 0 a 3 anos, que a questão da identidade
docente passa a ser uma discussão de pri-
meira ordem e que conduz à luta por maior
profissionalização. Tal medida obriga a que
se pense o profissional da educação básica
em um contexto mais complexo de ativida-
des, responsabilidades e competências, que
envolvem desde o cuidado e a atenção no
processo educativo presentes na Educação
Infantil até a fragmentação da grade disci-
plinar própria do Ensi-
no Médio. O contraste
entre essas duas pon-
tas da educação básica
é tão grande que difi-
culta pensar a possi-
bilidade de um grupo
homogêneo que possa
constituir-se um corpo
profissional. Tais difi-
culdades refletem-se na
definição dos currícu-
los e diretrizes para a formação de profes-
sores. Contudo, se a formação é compreen-
dida como base do processo constitutivo da
profissionalização, é necessário considerar
esses aspectos na redefinição dos cursos e
projetos de formação docente.
Os desafios para a formação inicial docen-
te para atuar na educação básica são mui-
tos e exigentes, o que requer discutir pro-
fundamente e reconhecer as identidades
presentes nesse suposto grupo homogêneo
que, na realidade, apresenta complexidades
muitas vezes ignoradas. Conhecer as distin-
ções entre esses profissionais, seus saberes
e fazeres, seus vínculos e sentimentos de
pertencimento institucional, as exigências
que lhes são postas, as responsabilidades e
os constrangimentos aos quais estão expos-
tos são condições essenciais para se pensar
a adequação curricular da formação, que
deverá promover a porta de entrada para o
exercício docente. Porém, a formação não
é suficiente para defi-
nir a profissionalização
docente, é necessário
considerar outros fato-
res que interferem na
identidade profissional
dos que atuam na edu-
cação básica.
A formação dos profis-
sionais que atuam na
Educação Infantil apre-
senta-se como o mais urgente e polêmico
dos desafios a serem enfrentados. As espe-
cificidades da Educação Infantil, envolvendo
no processo educativo o cuidado e a aten-
ção, conforme já mencionado, acrescidas
ainda à informalidade e aos arranjos presen-
tes nos processos de trabalho nas creches e
pré-escolas, fruto do descaso de séculos com
que essa etapa da educação conviveu, obri-
gam a revisão dos padrões usuais de forma-
ção docente, que têm na figura tradicional
do professor que ministra uma disciplina,
A formação dos
profissionais que
atuam na Educação
Infantil apresenta-se
como o mais urgente e
polêmico dos desafios a
serem enfrentados.
14
com seus conteúdos distribuídos em aulas
de 50 minutos, o modelo de profissional a
ser perseguido.
Como afirma o Parecer nº 17/2012: “Igual-
mente as instituições incumbidas da forma-
ção inicial e continuada dos professores de
Educação Infantil devem rever os currículos
dos cursos de preparação para o magistério,
para atender aos requisitos colocados pelo
ordenamento legal e pela concepção técni-
ca que tem se consolidado a partir de pes-
quisas sobre o desenvolvimento e a aprendi-
zagem de bebês e crianças menores de seis
anos em ambientes de educação coletiva”
(Brasil, 2012).
É necessário enfrentar as resistências e con-
ceber a atuação docente distinta da tradi-
cional grade de disciplinas, romper com a
ideia de que para cuidar das crianças peque-
nas não é necessário ter formação específi-
ca, sendo algo natural da gênese feminina o
cuidado e a atenção. Não é sem razão que
a feminização do magistério é muito mais
presente na Educação Infantil e que, à me-
dida que se avança na educação básica, au-
menta a presença do sexo masculino entre
os profissionais, ou seja, os homens estão
mais presentes na segunda fase do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio como pro-
fessores.
A profissionalização do magistério pode ser
compreendida como um processo de cons-
trução histórica, que varia com o contexto
socioeconômico e cultural ao qual está sub-
metida. Definir os tipos de formação e es-
pecialização, de carreira e de remuneração
para um determinado grupo social que vem
crescendo e consolidando-se, com a entra-
da da Educação Infantil como uma etapa da
educação básica e um direito conquistado,
é uma tarefa presente da qual não podemos
fugir.
REFERÊNCIAS
ASSUNÇÃO, A. A. & OLIVEIRA, D. A. Intensi-
ficação do trabalho e saúde dos professores.
Revista Educação & Sociedade, Campinas, CE-
DES/UNICAMP, v. 30, n.107, maio/ago. 2009.
APPLE, M. W. Trabalho docente e textos: eco-
nomia política das relações de classe e de
gênero em educação. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1995.
ARROYO, M. Mestre, educador e trabalhador:
organização do trabalho e profissionaliza-
ção. Belo Horizonte: FAE/UFMG, 1985. (Tese,
concurso de professor titular).
BRASIL. Constituição da República Federati-
va do Brasil. 18. ed., atualizada e ampliada.
São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Lei nº 9.394 de 20 dez.1996.
BRASIL. Lei nº 12.014 de 20 de agosto de 2009.
15
BRASIL. CNE. Parecer nº 17. Junho, 2012.
CONTRERAS, J. Autonomia de professores. São
Paulo: Cortez, 2002.
COSTA, M. C. V. Trabalho docente e profissio-
nalismo. Porto Alegre: Sulina, 1995.
HARGREAVES, A. Os professores em tempos
de mudança: o trabalho e a cultura na Ida-
de Pós-Moderna. Alfragide-Portugal: Editora
McGraw-Hill de Portugal, 1998.
HYPÓLITO, A. L. M. Trabalho Docente, Classe
Social e Relações de Gênero. Campinas: Papi-
rus, 1997.
LESSARD, C. & TARDIF, M. Les transforma-
tions actuelles de l’enseignement: trois
scénarios possibles dans l’évolution de la
profession enseignante? In: LESSARD, C.
& TARDIF, M. La profession d’enseignant
aujourd’hui: évolutions, perspectives et en-
jeux internationaux. Montréal (Canadá): La
Presses de L’Université Laval, 2004.
NÓVOA, A. Os professores e a história da sua
vida. In: NÓVOA, A. (Org.). Vida de professo-
res. 2ª. ed. Porto: Porto Editora, 2000.
OLIVEIRA, D. A. A reestruturação do trabalho
docente: precarização e flexibilização. Educ.
Soc., v. 25, n. 89, p.1.127-1.144, dez. 2004.
OLIVEIRA, D. A. e VIEIRA, L. F. Trabalho Do-
cente na Educação Básica no Brasil. Relató-
rio de Pesquisa. GESTRADO/FAE/UFMG, 2010.
(Disponível em: www.trabalhodocente.net.
br)
SAVOIE, P. Aux origines de la professionna-
lisation? La gênese du corps enseignant se-
condaire français. In: Education & Sociétés,
Paris, Bruxelles, De Boeck & Larcier, n. 23, p.
5-13, 2009.
TENTI FANFANI, E. Consideraciones sociolo-
gicas sobre profesionalización docente. Re-
vista Educação & Sociedade, Campinas, v. 28,
n. 99, maio/ago. 2007.
16
texto 2
o perfil DAs professorAs e eDucADorAs DA eDucA-ção infAntil no BrAsil
Lívia Maria Fraga Vieira1
Para o melhor entendimento sobre os desa-
fios da formação e do trabalho docente na
Educação Infantil, é necessário considerar a
história mais recente da expansão da oferta
dessas instituições e seu processo de inte-
gração no sistema educacional.
De modo geral, a expansão da Educação
Infantil no Brasil, ocorrida a partir do final
dos anos 1970, acompanhou as tendências
dos grandes municípios brasileiros no pe-
ríodo. Ao lado das classes pré-escolares e
de alguns jardins de infância que se mul-
tiplicaram ao longo da década de 1960 sob
responsabilidade das Secretarias de Estado
da Educação (Vieira, 2010), outras modali-
dades de oferta de pré-escolas foram sendo
criadas a partir de meados dos anos 1970,
por meio de programas apoiados pelo Mi-
nistério da Educação1 e pela antiga Legião
Brasileira de Assistência Social – LBA, órgão
do Ministério da Previdência e Assistência
Social, que existiu até 1995. Impulsionados
pelos movimentos sociais por creches que
emergiam nos centros urbanos, no contexto
das lutas pelas liberdades democráticas em
um Brasil que ainda vivia sob a égide de um
regime político autoritário, esses programas
tinham o propósito de atender às crianças
dos meios populares, cujo acesso à Educa-
ção Infantil era extremamente deficitário.
Ao lado da atuação tradicional das Secreta-
rias de Educação, esses novos programas fo-
ram implantados em espaços improvisados,
emprestados de igrejas, de obras sociais, de
clubes esportivos, ou alugados, e em cre-
ches comunitárias. As mulheres que se ocu-
pavam da educação dessas crianças quase
sempre não possuíam formação pedagógi-
ca, e no caso das creches/pré-escolas comu-
nitárias, conveniadas com a LBA ou outros
órgãos públicos da assistência social das di-
ferentes esferas federativas, apresentavam
baixa escolaridade, de ensino fundamental
1 Professora da graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da UFMG. Consultora da edição temática.
2 Criado em 1981, o Programa Nacional de Educação Pré-Escolar, do Ministério da Educação, contou com a atuação decisiva do antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização, o MOBRAL, para a implantação de classes pré-escolares em parceria com as prefeituras municipais, nas quais trabalhavam as “monitoras”, professoras ou estagiárias, sem vínculos formais de trabalho.
17
completo ou incompleto. Eram chamadas
de “monitoras”, “pajens”, “crecheiras”. Os
vínculos de trabalho eram precários, prati-
camente inexistentes, e a remuneração era
incerta. Essa realidade foi estudada nas in-
vestigações que começavam a surgir nos pro-
gramas de pós-graduação na década de 1980,
sobretudo da região do Sudeste brasileiro, e
em alguns estudos empreendidos no âmbito
de algumas administrações municipais.
A partir de meados da década de 19903,
acentua-se o processo de municipalização
da educação pré-escolar, cuja oferta era
principalmente organizada pelas Secretarias
de Estado de Educação. Observou-se, desde
então, o crescimento das pré-escolas a car-
go dos municípios, sendo que a presença
do atendimento às crianças de 0 a 3 anos
predominava nas creches conveniadas com
o poder público das diferentes instâncias fe-
derativas. Contávamos, nesse período, com
informações muito frágeis sobre o perfil, a
formação e as condições de trabalho das
professoras e outros sujeitos que se ocupa-
vam diretamente da gestão das unidades e
da educação das crianças, seja na oferta pú-
blica, seja na privada.
O quadro histórico brevemente descrito
vem sofrendo modificações relevantes nas
duas últimas décadas, com avanços que se
refletem na legislação educacional. Obser-
vamos um processo de profissionalização
da Educação Infantil, exigência das socie-
dades contemporâneas, pois cada vez mais
temos a presença de crianças pequenas que
são cuidadas e educadas em espaços não do-
mésticos e que precisam contar com adul-
tos especializados, o que condiciona novos
modos de socialização da infância, trazidos
pelas mudanças na organização das famílias
e nas próprias concepções da criança, como
sujeito de direitos (Dandurand, 1994; Mollo-
Bouvier, 2005).
Esse campo de trabalho – educar e cuidar de
crianças pequenas em instituições educa-
cionais coletivas fora do espaço doméstico
– apresenta algumas características que de-
vem ser consideradas no processo de cons-
trução da profissão docente na área:
• é um campo de trabalho de mulheres, onde
mais recentemente começamos a observar
a presença de alguns homens ocupando
funções de professores ou educadores. No
Brasil, 97% das funções docentes que atu-
am nessa etapa do ensino são exercidas
por mulheres (Brasil, INEP, 2011). Na cre-
che, são 98%, e na pré-escola 96%. Já na
educação básica, a presença de mulheres
responde pelo percentual de 81%.
• sofre a influência de fatores econômico-
culturais da divisão sexual do trabalho
3 Na região Nordeste esse processo se inicia nos anos 1980.
18
na esfera pública e privada, que tendem
a “naturalizar” o trabalho no contexto da
Educação Infantil, sobretudo nas creches,
e a emprestar-lhe menor valor no merca-
do de empregos, pois a criação, o cuida-
do e a educação das crianças é histórica e
culturalmente tarefa de mulheres, ligada
à reprodução da vida;
• alimenta-se do conhecimento e dos dis-
cursos relativos à socialização, à educa-
ção e ao desenvolvimento infantil que evi-
denciam, por um lado, a complexidade da
formação requerida e do trabalho na área
e, por outro lado, conflitam com o senso
comum da naturalização, cuja adoção é
conveniente para empregadores públicos
e privados, no sentido de baratear o custo
do trab alho.
Temos que considerar, igualmente, o papel
das instituições de formação de professores/
as, bem como da pesquisa e dos movimen-
tos sociais na construção das identidades
profissionais e na difusão de conhecimentos
sistematizados sobre o cuidado e a educa-
ção de crianças pequenas nas instituições
educacionais. A organização social e sin-
dical das trabalhadoras na área é também
elemento que condiciona a construção da
profissão docente na Educação Infantil.
Tais elementos, brevemente citados, con-
correm para engendrar um perfil da docên-
cia na Educação Infantil brasileira nos dias
atuais, que carrega consigo as característi-
cas sociais e as desigualdades da inserção
feminina nas atividades econômicas (Brus-
chini, 2007).
A legislação brasileira sobre a educação na-
cional estabeleceu elementos que definem
algumas características do/a trabalhador/a e
do trabalho na área, que deveriam ser aten-
didas. Ao definir que os docentes na educa-
ção básica devem ter formação superior em
cursos de licenciatura, sendo que a forma-
ção mínima para os que atuam na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Funda-
mental é a de nível médio, na modalidade
Normal (art. 62, LDB, 1996), ensejou a inter-
pretação de que o profissional da Educação
Infantil é o docente, o professor.
A Constituição Federal, ao reconhecer a
autonomia dos municípios para organizar
sistemas próprios de ensino, e ao definir
a prioridade municipal para com a oferta
de Educação Infantil e Ensino Fundamen-
tal, instaurou a necessidade de atuação de
Conselhos Municipais de Educação na regu-
lamentação da oferta pública e privada de
Educação Infantil, ao lado dos Conselhos
Estaduais, em consonância com a legisla-
ção nacional e as diretrizes normativas do
Conselho Nacional. Com isso, algumas con-
dições e critérios de atendimento foram es-
tabelecidos, visando ao bem-estar das crian-
ças, das famílias e dos profissionais, sob o
19
impulso de parâmetros e indicadores de
qualidade, de padrões mínimos da educação
básica, bem como de diretrizes curriculares
emanadas do Governo Federal (Brasil, PNE,
2001; Brasil/MEC, 1995, 2006 e 2009; Brasil/
CNE, 2009a, 2009b e 2010).
Mesmo com tais definições, que resulta-
ram de embates e negociações, envolvendo
governos, conselhos de educação, o Mi-
nistério Público, movimentos sociais, or-
ganismos internacionais e especialistas, a
realidade nos mostra que estamos diante
de muitos desafios para a valorização pro-
fissional na área.
A oferta de Educação Infantil cresceu signi-
ficativamente nos últimos 20 anos no Brasil,
configurando um locus de trabalho em ex-
pansão, a cargo, principalmente, das secre-
tarias municipais de educação. O Censo Es-
colar de 2011 informou o total de 6.980.052
matrículas, sendo 2.298.707 em creches
(63,6% municipais) e 4.681.345 em pré-esco-
las (74,6% municipais).
O perfil e alguns aspectos das condições de
trabalho dos sujeitos docentes na Educação
Infantil no Brasil são apresentados a seguir,
baseados em informações do Censo Escolar
de 2011, produzido pelo Instituto de Estu-
dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixei-
ra – INEP, do Ministério da Educação, e em
informações da pesquisa Trabalho Docente
na Educação Básica no Brasil - TDEBB4 (2010),
coordenada pelo Grupo de Estudos sobre
Política Educacional e Trabalho Docente -
GESTRADO/UFMG.
Um estudo divulgado recentemente sobre
professores no Brasil (Gatti e Barreto, 2009)
mostrou que, no âmbito da educação bási-
ca, a Educação Infantil concentra os profes-
sores mais jovens, mulheres, não brancas e
com menor escolaridade. A pesquisa TDEBB
(2010) e as informações sobre professores do
INEP (2011) evidenciaram, também, que nes-
sa etapa da educação básica concentram-se
as maiores frequências dos que trabalham
em uma única unidade educacional e que
cumprem mais longas jornadas de trabalho
diárias em uma mesma unidade. É nela que
são encontradas as maiores frequências dos
que auferem remuneração mais baixa, na
faixa de 1 a 2 salários mínimos mensais, em
relação aos docentes das outras etapas da
educação básica, cruzando-se as variáveis:
formação, vínculo de trabalho e jornada se-
manal.
4 Na amostra de 35 municípios de sete estados brasileiros – Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina – foram entrevistados, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2009, 8.795 sujeitos docentes, sendo 1.838 da educação infantil: 1.544 das redes municipais, 283 das unidades educacionais conveniadas, 11 da rede estadual. Aos sujeitos docentes foi solicitado que respondessem às perguntas sempre em referência à unidade educacional em que foram entrevistados, caso trabalhassem em mais de uma unidade.
20
O INEP informou a presença de 408.739 pessoas
ocupando funções docentes5 em creches e pré-
escolas brasileiras em 2011, nas instituições de
ensino públicas e privadas – particulares, filan-
trópicas, comunitárias e confessionais.
As redes pú blicas e privadas de educação
básica no Brasil somaram 2.045.350 funções
docentes e, desse total, 20% encontravam-
se na Educação Infantil: creches com 163.148
funções docentes e pré-escolas com 265.000.
Na Tabela 1, podemos visualizar a distri-
buição percentual das funções docentes na
Educação Infantil, de acordo com algumas
variáveis.
5 Não estão incluídos os auxiliares de Educação Infantil. O Censo Escolar 2010 apresentou três categorias de função docente: regência de classe (docente), apoio à Educação Infantil (auxiliar) e responsabilidade por desenvolver atividades complementares (monitor/a). As/os auxiliares correspondem a 28% do corpo docente da Educação Infantil, sendo 45% da creche e 13% da pré-escola. Apresentam uma distribuição etária semelhante à das/os docentes, mas concentram um maior número nas faixas de idade menores: 20% das/os auxiliares têm até 24 anos. Cor/raça é uma característica que exige um tratamento diferenciado, pois a comparação entre funções é distorcida pelo alto número de ‘não declaração’, todavia, constatamos que 47% se declararam brancas, 22%, pardas e 25% não declararam. Quase metade (45%) das/os auxiliares possui apenas o Ensino Médio regular e 31% têm a formação em Ensino Médio Normal/magistério. 13% têm formação em curso superior, sendo que metade (50%) não é formada na área educacional voltada para as crianças pequenas. Em instituições de Educação Infantil privadas, são 27% do corpo docente, enquanto que nas instituições municipais são 29%. Nas comunitárias, confessionais e filantrópicas, o percentual de auxiliares fica em torno dos 35%, percentual maior do que o das particulares (23%). Nas unidades da zona urbana, formam 30% do conjunto de sujeitos docentes, enquanto que, nas unidades da zona rural, formam apenas 11%.
Fonte: INEP, Sinopse estatística da educação básica, 2011.*O percentual se refere ao total dos que possuem curso superior.
Tabela 1 - Funções docentes na educação básica e na Educação Infantil (creche e pré-escola)
no Brasil e respectiva distribuição percentual segundo sexo, idade, raça/cor e formação, 2011.
21
Veja-se, conforme a Tabela 1, que em rela-
ção à educação básica, na Educação Infan-
til e, sobretudo, nas creches, temos maior
presença de professorado mais jovem, o que
pode indicar também que são profissionais
em início de carreira: 58% com as idades
que variam de 24 a 40 anos.
Embora não sejam significativas as dife-
renças em relação à raça/cor, encontramos
maiores frequências de pessoas que se de-
claram pretas/pardas na Educação Infantil,
sobretudo na pré-escola. É alto o percentual
dos que não declararam raça/cor.
Quanto à formação, na creche encontramos
menor frequência de respondentes com en-
sino superior (56%), menos 3% em relação
às respondentes da pré-escola.
É preocupante notar que do percentual
que possui formação superior na Educação
Infantil (57%), 15% possui curso superior
sem licenciatura. Destaca-se também, nas
creches, a presença significativa (9%) de
profissionais que possuem apenas a forma-
ção inicial de nível médio, sem formação
pedagógica em Magistério, e mais 2% com
apenas Ensino Fundamental. Isto indica a
necessidade de que os municípios não recru-
tem, por meio de concursos ou contratos,
pessoas sem formação pedagógica, descum-
prindo assim a legislação educacional con-
cernente. No cômputo da Educação Infantil,
somando-se a situação das profissionais que
possuem formação superior sem licenciatu-
ra, temos ainda no Brasil percentual elevado
de professoras leigas (24%), realidade que
exige políticas corretivas.
Mas a formação na Educação Infantil apre-
sentou importantes avanços, quando com-
parada à situação encontrada dez anos an-
tes. Em 2001, de acordo com o Censo Escolar,
apenas 12,7% das profissionais que atuavam
nas creches e 24,7% em pré-escolas possu-
íam formação superior. Havia percentual
expressivo nas creches, 18%, com formação
em nível de Ensino Fundamental completo
ou incompleto.
Em relação à formação continuada, chama
atenção o baixo percentual de respondentes
que realizaram algum curso específico para
trabalhar em creches ou pré-escolas. O Cen-
so Escolar de 2011 solicitou que o/a respon-
dente informasse somente a realização de
cursos específicos com carga horária míni-
ma de 40 horas.
As informações coletadas na pesquisa TDE-
BB agregam outras dimensões que nos per-
mitem, de forma inédita, conhecer melhor
o perfil dos sujeitos docentes na Educação
Infantil no Brasil, como também comparar
situações de trabalho em creches/pré-esco-
las municipais e conveniadas com o poder
público, revelando um quadro de importan-
tes disparidades.
Dos respondentes da Educação Infantil que
participaram desta pesquisa, em 2009, 98%
22
são mulheres, com idade média de 38 anos.
Metade delas (51%) se considera branca. A
maioria (52%) é casada e 69% possuem fi-
lhos, sendo que, entre estas, 44% têm 2
filhos. A média da renda familiar informa-
da foi de R$ 2.178,00, sendo que 35% de-
clararam ter como renda familiar de 2 a 4
salários mínimos. Nesse período, o salário
mínino tinha o valor de R$ 465,00. Entre as
respondentes, 37% declararam ser o princi-
pal provedor da ren-
da familiar.
Em relação à escola-
ridade, observam-se
diferenças acentua-
das entre as docentes
que atuam em insti-
tuições de Educação
Infantil conveniadas
com o poder público
municipal e aquelas
que trabalham em
instituições públicas municipais. Nessas úl-
timas estão as docentes com níveis de es-
colaridade mais elevados. Na rede munici-
pal, 57% dos sujeitos docentes das creches e
70% da pré-escola possuem curso superior.
Em ambas as modalidades, 36% informaram
ter feito algum curso de pós-graduação. Na
rede conveniada, o percentual de docentes
com formação superior é significativamen-
te menor: 32% e 47%, respectivamente. Nes-
sa rede, apenas 15% das professoras da pré-
escola possuem curso de pós-graduação.
Ressalte-se que entre todas as respondentes
com formação em pós-graduação, mais de
90% realizaram curso de especialização,
pós-graduação lato sensu, o que se deu pre-
dominantemente em instituições de ensino
superior privadas. Em relação à formação
superior inicial, 61% frequentaram institui-
ções de ensino particulares.
O percentual ainda elevado de docentes na
Educação Infantil que
não possuem forma-
ção superior reforça
as desigualdades nas
situações de trabalho
e emprego, pois a for-
mação agrega valor à
remuneração.
Os dados da pesquisa
TDEBB demonstram
também diferenças
expressivas entre as
condições de trabalho e emprego na rede
pública municipal e conveniada. Registra-
se, na rede municipal, percentual de 66%
de respondentes que fazem parte do regime
estatutário e que ingressaram no trabalho
por meio de concurso público. Nas conve-
niadas, prevalece o vínculo celetista, como
mostrado na Tabela 2, onde se visualiza si-
tuação dos docentes conforme vínculo tra-
balhista. Observa-se, também, percentual
significativo de temporários atuando na
Educação Infantil.
O percentual ainda elevado
de docentes na Educação
Infantil que não possuem
formação superior reforça
as desigualdades nas
situações de trabalho
e emprego, pois a
formação agrega valor à
remuneração.
23
Tabela 2 – Percentual de tipo de vínculo empregatício ou contrato de trabalho dos sujeitos do-
centes da Educação Infantil, municipal e conveniada, 2009
É preocupante o fato de 50% das pessoas
que trabalham nas redes municipais afirma-
rem não estar contempladas em um plano
de cargos e salários, e não pertencer a uma
carreira profissional pública.
No que tange à jornada de trabalho, verifi-
ca-se que a maioria das docentes que traba-
lham na rede conveniada, 93% em creches
e 89% em pré-escolas, atua em apenas uma
unidade educacional. Isso se explica em fun-
ção da carga horária semanal de trabalho
mais frequentemente informada, compre-
endida entre 30 e 40 horas. Para essa carga
horária, o rendimento bruto mensal das res-
pondentes é de 1 a 2 salários mínimos (R$
465,01 a R$ 930,00, no período da pesquisa).
Na rede municipal, um número significati-
vo de docentes afirma trabalhar em mais
de uma instituição, 21% em creches e 38%
em pré-escolas. A carga horária semanal in-
formada, relativa à unidade educacional em
que foram entrevistadas, foi de 20 a 25 horas
e o salário mensal referente de até 2 salários
mínimos.
As condições de trabalho na Educação In-
fantil parecem gerar problemas de saúde,
pois quase um terço (27%) das respondentes
declararam ter-se afastado das atividades
docentes por motivo de licença médica nos
últimos 24 meses. Entre os motivos para tal
destacam-se o estresse (9%) e depressão, an-
siedade e nervosismo (13%).
Não é sem razão que, ao serem inquiridas
sobre “o que seria importante para melho-
rar o trabalho docente”, são três as respos-
tas que sobressaíram. Em primeiro lugar,
com a maior frequência, foi a de “receber
melhor remuneração”, tal como os respon-
dentes das outras etapas da educação básica
participantes da pesquisa TDEBB. Em segui-
da, destacam-se “receber mais capacitação
para as atividades que exerce” e “diminuir o
número de alunos/crianças por turma”. Tais
respostas denotam que a formação inicial é
insuficiente ou inadequada para o trabalho,
sobretudo em creches, onde se observou
maior frequência dessa resposta. E sugerem
o desejo de vir a desenvolver um trabalho de
Tipo de vínculo ou contrato de trabalho
24
melhor qualidade com as crianças, em gru-
pos menores, o que permitiria uma atenção
mais individualizada e melhores condições
de trabalho. Tais respostas indicam forte de-
manda por formação continuada.
Um aspecto a ser considerado na constitui-
ção da profissão e da identidade docente
na Educação Infantil é a participação nas
associações sindicais. Apurou-se que 38%
das respondentes são filiadas a sindicatos,
e dentre estas 20% afirmaram participar ati-
vamente das reuniões, movimentos e even-
tos promovidos pela entidade sindical. A fi-
liação sindical é diferenciada se se trata de
creches/pré-escola conveniada, municipal
ou particular. Vieira e Souza (2010), a par-
tir de pesquisa realizada em Belo Horizonte,
mostraram que as docentes da rede muni-
cipal se reportam ao Sindicato de Trabalha-
dores da Educação; na rede conveniada, a
relação é com o sindicato que reúne cate-
gorias de trabalhadores que atuam na área
da assistência social, sendo que os da rede
particular se relacionam com sindicato pró-
prio de professores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Moss (2006) argumenta que a formação
das trabalhadoras e a estrutura da força de
trabalho não estão separadas dos entendi-
mentos, das concepções sobre o trabalho e
sobre as trabalhadoras que se ocupam dire-
tamente do cuidado e educação nas insti-
tuições de Educação Infantil. Sendo majori-
tariamente trabalhadoras, as hierarquias de
gênero presentes no mercado de trabalho,
bem como as características e objetivos do
trabalho na Educação Infantil, são elemen-
tos na constituição da posição e do status
profissional na área. Nesse sentido, concor-
damos com Emílio Tenti Fanfani (2011), para
quem a profissão docente é uma construção
histórica, depende da sociedade, das con-
cepções vigentes sobre a escola e o trabalho
docente, do protagonismo dos trabalhado-
res da educação.
No Brasil, nós observamos que existem situ-
ações diversificadas e desiguais de trabalho
e emprego, em redes municipais e privadas
de Educação Infantil. As situações são tam-
bém desiguais se se trata da creche ou da
pré-escola. O surgimento de novos sujeitos
e de novos cargos/funções, em razão, sobre-
tudo, da inserção de crianças de 0 a 3 anos
nas creches, nos sistemas de ensino, contri-
buem para um quadro de fragmentação, o
que reitera a precarização e desigualdades.
As informações da pesquisa TDEBB relativas
ao cargo/função ocupado na unidade educa-
cional ilustram essa fragmentação. Os car-
gos e funções mais frequentes se referiram
a educador infantil e professor, conforme a
Tabela 3.
25
Tabela 3 – Percentual de sujeitos docentes em relação ao cargo/função que ocupam nas cre-
ches e pré-escolas, municipais e conveniadas, 2009.
Outros cargos/funções foram citados, tais
como: assistente de Educação Infantil, auxi-
liar, babá, cuidador.
Estamos, portanto, diante de uma realida-
de fortemente segmentada em relação aos
cargos e funções existentes, em relação à
remuneração, às carreiras, aos vínculos tra-
balhistas e condições de trabalho.
Por outro lado, deve-se compreender que o
campo profissional é dinâmico e nele se as-
sistem a mudanças significativas relativas à
formação dos sujeitos docentes, à organiza-
ção dos trabalhadores na área, à construção
de novas identidades docentes, em busca de
reconhecimento e valorização.
Diante de políticas municipais que insistem
na criação de novas/os “profissionais” como
as/os auxiliares de Educação Infantil, por
exemplo, recrutados e/ou concursados sem
exigência de formação pedagógica, em car-
reiras paralelas desvalorizadas, defendemos
que se deve insistir na concepção constitu-
cional da Educação Infantil, que inclui não
somente o direito de acesso, mas a garan-
tia de uma educação de qualidade, na qual
deve ser considerada a existência de infra-
estrutura adequada, de proposta pedagógi-
ca de acordo com as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil, com a
presença de profissional docente tendo for-
mação inicial e oportunidades de formação
continuada. E na qual a remuneração deve
ser o piso nacional salarial profissional (BRA-
SIL, 2008), no âmbito da carreira do magisté-
rio público (BRASIL/CNE, 2009b).
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Critérios de
qualidade em creches que respeitem os direi-
tos da criança. Brasília: MEC, 1995.
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu-
cação nacional. Diário Oficial da União, Bra-
sília, 23 dez. 1996.
______. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001.
Aprova o Plano Nacional de Educação e dá
outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, 10 jan. 2001.
26
______. Ministério da Educação. Parâmetros
nacionais de qualidade para a educação infan-
til. Brasília: MEC, 2006. v. 1.
______. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008.
Regulamenta a alínea “e” do inciso III do ca-
put do art. 60 do Ato das Disposições Cons-
titucionais Transitórias, para instituir o piso
salarial profissional nacional para os profis-
sionais do magistério público da educação
básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
17 jul. 2008.
______. Ministério da Educação. Conselho
Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB
nº 05, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as
Diretrizes Curriculares para a Educação In-
fantil. Diário Oficial da União, Brasília, 18 dez.
2009a.
______. Ministério da Educação. Conselho
Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB
nº 2, de 28 de maio de 2009. Fixa as Diretri-
zes Nacionais para os Planos de Carreira e
Remuneração dos Profissionais do Magisté-
rio da Educação Básica Pública, em confor-
midade com o artigo 6º da Lei nº 11.738, de
16 de julho de 2008, e com base nos artigos
206 e 211 da Constituição Federal, nos arti-
gos 8º, § 1º, e 67 da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, e no artigo 40 da Lei nº
11.494, de 20 de junho de 2007. Diário Oficial
da União, Brasília, 29 maio 2009b.
______. Ministério da Educação. Indicadores
de qualidade da educação infantil. Brasília:
MEC, 2009.
______. Ministério da Educação. Conselho
Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº
8, de 5 de maio de 2010. Estabelece normas
para a aplicação do inciso IX do artigo 4º da
Lei nº 9.394/96 (LDB), que trata dos padrões
mínimos de qualidade de ensino para a Edu-
cação Básica pública. Brasília: MEC/CNE,
2010.
BRASIL. Ministério da Educação. INEP. Si-
nopse estatística da educação básica. Brasília,
2001. Disponível em: <http://www.inep.gov.
br>. Acesso em: 21 out. 2012.
______. INEP. Sinopse estatística da educação
básica. Brasília, 2011. Disponível em: <http://
www.inep.gov.br>. Acesso em: 21 out. 2012.
BRUSCHINI, M. C. A. Trabalho e gênero no
Brasil nos últimos dez anos. Cadernos de
Pesquisa, v. 37, n. 132, pp. 537-572, set./dez.
2007.
DANDURAND, R. Pour une définition sociolo-
gique de l’enfance contemporaine: une concep-
tion élargi du parentage, Cahiers Québécois de
Demographie, v. 23, n. 2, pp. 341-357, auton-
me 1994 (Disponível em http//:www.erudit.
org).
FANFANI, E. T. Notas sobre la construcción
social del trabajo docente. In: CUNHA, C.;
27
SOUSA, J. V.; SILVA, M. A. (orgs.). Políticas pú-
blicas de educação na América Latina: lições
aprendidas e desafios. Campinas/SP: Auto-
res Associados, 2011. pp. 253-277.
GATTI, Bernardete Angelina e BARRETO, Elba
Siqueira de Sá (coords.). Professores do Brasil:
impasses e desafios. Brasília: Unesco, 2009.
MOLLO-BOUVIER, S. Transformação dos mo-
dos de socialização das crianças: uma abor-
dagem sociológica, Educação & Sociedade,
Campinas, v. 26, n. 91, pp.391-403, maio/ago.
2005.
MOSS, Peter. Structures, understandings and
discourses: possibilities for re-envisioning
the early childhood worker, Contemporary
Issues in Early Childhood, v. 7, n. 1, pp.30-41,
2006.
OLIVEIRA, D. A.; VIEIRA, L. M. F. Trabalho do-
cente na educação básica no Brasil. Base de
Dados TDEBB/GESTRADO. Belo Horizonte:
Faculdade de Educação/UFMG, 2010. Apoio
SEB/MEC.
VIEIRA, L. F.; SOUZA, G. “Trabalho e empre-
go na educação infantil no Brasil: segmen-
tações e desigualdades”, Educar em Revista,
Curitiba, n. especial 1, pp. 119-139, 2010.
VIEIRA, L. F. Políticas de educação infantil no
Brasil no século XX. In: SOUZA, G. (org.). Edu-
car na infância: perspectivas histórico-so-
ciais. São Paulo: Contexto, 2010. pp.141-153.
28
texto 3
professorAs DA eDucAção infAntil: formAção, iDentiDADe e profissionAlizAção
Isabel de Oliveira e Silva 1
A implementação das políticas públicas para
assegurar a Educação Infantil em creches
e pré-escolas para a maioria das crianças
constitui-se ainda em desafio para toda a
sociedade. No enfrentamento deste desafio,
tanto no que se refere às políticas quanto
às práticas dos professores e professoras,
as pesquisas têm sido importantes, contri-
buindo para um maior entendimento dos
diversos aspectos relacionados ao tema.
Dentre os aspectos mais relevantes para a
implementação de políticas que incorporem
os avanços dos conhecimentos científicos
produzidos sobre a criança, a infância e a
Educação Infantil no Brasil e no mundo, está
a questão da formação dos professores(as)
para esta etapa da educação básica. É por
isto que procuraremos refletir a respeito da
formação e identidade profissionais na Edu-
cação Infantil, consideradas elementos fun-
damentais para o desenvolvimento de uma
educação de qualidade.
O DEBATE SOBRE A
PROFISSIONALIZAÇÃO NA ÁREA
DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Os estudos sobre a Educação Infantil, mais
especificamente aqueles que tratam dos
(as) profissionais que atuam ou que virão
a atuar nessa etapa da educação básica,
têm ressaltado a especificidade do traba-
lho com crianças de zero até seis anos de
idade em instituições educativas. Enfatiza-
se a necessidade de construir um projeto
educativo, entendido como um conjunto de
ações, situações e experiências com e para
as crianças pequenas, que favoreça o seu
desenvolvimento global e sua participação
na cultura. Assim, a brincadeira, a explora-
ção do mundo à sua volta, a interação com
adultos e crianças em um ambiente seguro
e aconchegante configuram um complexo
espaço/lugar-tempo de experiências e rela-
ções a serem coordenadas pela professora
ou professor (OLIVEIRA, 1995). Os estudos da
1 Doutora em Educação e professora da Universidade Federal de Minas Gerais.
29
área vêm perseguindo uma maior compre-
ensão da natureza das ações de cuidado e
educação de crianças pequenas em institui-
ções educacionais, de seus objetivos e das
formas de organização e funcionamento
que melhor atendam aos interesses e ne-
cessidades das crianças e de suas famílias.
Tem-se buscado superar a separação que,
historicamente, marcou o atendimento à
criança pequena no Brasil entre, por um
lado, a creche, concebida como espaço de
cuidados, e, por outro, a pré-escola, vista
como espaço de educação e de preparação
para o Ensino Fundamental. Especialmente
no trabalho com os bebês e crianças até os
3 anos de idade e nas instituições de aten-
dimento em período integral, identificava-
se a predominância da ideia de que a cre-
che e suas profissionais exerciam a função
de substitutas da família e da mãe. Em boa
parte dos casos, as pessoas responsáveis
pelas crianças nas creches e também em
pré-escolas não contavam com formação
profissional adequada para a função que de-
veriam exercer: cuidar e educar crianças em
espaços coletivos (HADDAD, 1991).
Os estudos e pesquisas sobre a criança de 0
até os 6 anos de idade e sobre a Educação
Infantil têm procurado demonstrar a impor-
tância de se considerar esse período da vida
como um tempo de vivências e de desen-
volvimento contínuo. Assim, as propostas
de atendimento para as crianças dessa faixa
etária em instituições educacionais devem
seguir um eixo que articule cuidado e edu-
cação como práticas integradas na atuação
dos (as) professores (as) e nas experiências
das crianças, onde se enfatizam as intera-
ções e as brincadeiras (Brasil, 2009).
A definição do(a) professor(a) como o(a)
profissional adequado(a) para atuar com
bebês e crianças pequenas é uma etapa
importante no processo de constituição da
identidade da Educação Infantil, mas não é
suficiente. É preciso dar conteúdo ao que se
entende por professor ou professora de bebês
e crianças pequenas. As referências a esse
respeito estão em construção e estão base-
adas na ideia de que esse trabalho é uma
atividade educacional. No entanto, o aten-
dimento à faixa etária de 0 a 3 anos e em
período integral ainda é associado, dentro
e fora dos círculos educacionais, à dimen-
são de assistência, embora, em geral, se
reconheça o caráter educativo das relações
entre os adultos e as crianças em qualquer
situação ou contexto.
A literatura da área e os instrumentos nor-
mativos (BRASIL, 2009) são claros quanto
à necessidade de não haver separação en-
tre cuidado e educação, mesmo que, ainda
hoje, permaneçam representações e práti-
cas que tratam de forma segmentada essas
ações. Em algumas creches e pré-escolas
encontram-se ainda práticas que atribuem
à professora ou professor a função de pla-
30
nejamento e desenvolvimento das ativida-
des pedagógicas e a outro(a) profissional
– os auxiliares –, na maioria dos casos sem
formação como professor(a), os cuidados fí-
sicos, como banho e troca de fraldas, dentre
outros.
Outra forma de tratar separadamente essas
dimensões do atendimento às crianças pe-
quenas é a existência, ainda atualmente, de
instituições que não construíram propostas
pedagógicas adequadas para as crianças pe-
quenas, estruturando as rotinas das crian-
ças a partir das necessidades de cuidados
físicos, deixando de oportunizar a elas as
múltiplas experiências que podem favorecer
seu desenvolvimento, bem-estar e vivência
plena do tempo de infância.
Além disso, encontramos práticas de Educa-
ção Infantil – especialmente com as crianças
maiores, entre 4 e 5 anos – que se dedicam
a realizar atividades tidas como preparató-
rias para o Ensino Fundamental, constituin-
do-se, muitas vezes, de situações pouco ou
nada significativas para as crianças. Essas
práticas fundamentam-se em uma visão da
Educação Infantil e do trabalho do profes-
sor ou professora restritos às funções de
construção/transmissão de conhecimentos.
Além disso, evidenciam uma concepção de
criança que pouco a considera em seu mo-
mento atual, com suas necessidades e capa-
cidades de participação e expressão.
No processo de constituição da área da Edu-
cação Infantil como um segmento da edu-
cação básica, tem-se procurado construir
outras referências que indicam a comple-
xidade das ações de cuidado onde quer que
elas aconteçam, na medida em que o desen-
volvimento físico, cognitivo, afetivo, social e
cultural das crianças é percebido como um
processo único, marcado por diferentes di-
mensões que acontecem no interior das re-
lações entre os adultos e as crianças e entre
as crianças. Nessa perspectiva, cuidado pas-
sa a ser considerado como a ajuda à criança
para que ela possa desenvolver-se como ser hu-
mano (MARANHÃO, 2000), integrando, por-
tanto, o conjunto de relações das quais as
crianças participam, sob a responsabilidade
de adultos familiares ou profissionais.
IDENTIDADES PROFISSIONAIS
E FORMAÇÃO DOS(AS)
PROFESSORES (AS) DA EDUCAÇÃO
INFANTIL
No processo de construção do atendimento
às crianças desde os primeiros meses de vida
até os seis anos de idade como uma prática
educacional, constitui-se não apenas a iden-
tidade da própria instituição, mas também a
identidade da criança que a frequüenta e a
dos(as) adultos(as) que dela se ocupam nes-
se espaço (HADDAD, 1991; SILVA, 2004).
31
A formação profissional e a construção das
identidades dos professores e professoras
da Educação Infantil constituem-se em ele-
mentos centrais das políticas e práticas em
Educação Infantil. Essa questão envolve tan-
to a formação e a habilitação profissional
quanto as condições de trabalho e a carreira
profissional nas redes de ensino que ofere-
cem essa etapa da educação.
Na medida em que
houve uma amplia-
ção das matrículas e
que os debates e os
estudos sobre a Edu-
cação Infantil foram
se aprofundando, a
integração entre as
funções de cuidar e
educar consolidou-
se, no plano teórico
e legal, como o eixo
sobre o qual a prá-
tica de professores
e professoras deve
estruturar-se. No entanto, sabemos que, em
geral, a profissão professor(a) estruturou-se
com maior ênfase nos aspectos cognitivos
e de construção/transmissão de conheci-
mentos para crianças a partir dos 7 anos de
idade. Portanto, tem-se procurado pensar a
formação de um novo perfil profissional que
incorpore essas novas concepções sobre a
qualidade do atendimento à criança peque-
na (CAMPOS, 1994). Ou seja, uma compreen-
são alargada das funções da instituição de
Educação Infantil que compreenda o tempo
da infância como um tempo de participação
e de produção de cultura e as crianças como
capazes de se expressarem por meio de dife-
rentes linguagens.
As identidades profissionais, no en-
tanto, não se alteram de uma hora para
outra. Elas são construídas nas relações so-
ciais, em um proces-
so de identificação,
de diferenciação e
de reconhecimento
recíproco entre os
diversos segmentos
que atuam na área.
Nessa direção, so-
bretudo quando se
trata da identidade
coletiva – no caso,
a profissional – as
relações internas e
externas às institui-
ções em que se tra-
balha exercem importante papel na cons-
trução das formas pelas quais as pessoas
concebem suas funções, se reconhecem e se
valorizam. Por conseguinte, tais percepções
se refletem também, em alguma medida, na
forma pela qual os (as) profissionais são vis-
tos (as) por outros grupos e indivíduos.
Assim, não se pode falar em identidades
prontas e acabadas. Os contextos e as rela-
Os contextos e as relações
dos quais os/as profissionais
da Educação Infantil
participam são dinâmicos
e sofrem transformações
decorrentes de mudanças
sociais, culturais, históricas
e também no plano das
normas que regem as
relações de trabalho.
32
ções dos quais os/as profissionais da Edu-
cação Infantil participam são dinâmicos e
sofrem transformações decorrentes de mu-
danças sociais, culturais, históricas e tam-
bém no plano das normas que regem as re-
lações de trabalho. Além disso, os processos
de construção de identidades ocorrem em
um universo marcado por relações de na-
turezas distintas: as relações adulto-criança
na sociedade como um todo, as relações
adulto-criança na família, as relações adul-
to-criança no contexto institucional, as rela-
ções entre profissional da Educação Infantil
e as famílias/mães das crianças, as relações
entre profissional da Educação Infantil e
professores e professoras dos demais níveis
de ensino, bem como com o Poder Público.
No desempenho de suas funções, as(os) pro-
fissionais que atuam com crianças muito
pequenas, especialmente com os bebês, mo-
bilizam saberes e habilidades pessoais e pro-
fissionais para a realização de sua prática.
No entanto, ao longo de nossa história, tais
saberes e práticas não foram reconhecidos
como parte de uma prática profissional, o
que torna difícil a delimitação de uma iden-
tidade profissional. Como fatores que difi-
cultam essa delimitação destaca-se o fato de
ser recente na nossa cultura a ideia de que
é possível compartilhar com instituições
educacionais a educação e os cuidados da
criança dessa faixa de idade. Além disso, por
tratar-se de crianças ainda muito pequenas,
as atividades desenvolvidas na instituição de
Educação Infantil em muito se assemelham
àquelas desenvolvidas na família, tornando
tênues os limites entre esses dois ambientes
(CERISARA, 1996; SILVA, 2004, 2007).
No espaço coletivo, as relações entre pro-
fessoras (es) e crianças, embora fortemente
marcadas por conteúdo afetivo e também
orientadas por valores, não expressam rela-
ções de parentesco, mas constituem a prá-
tica profissional dos adultos que cuidam e
educam crianças oriundas de diferentes
contextos familiares.
O FAZER PROFISSIONAL NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
O aprofundamento dos estudos sobre as
especificidades da condição humana nos
primeiros anos de vida e também sobre a
complexidade das ações que envolvem o cui-
dado e educação das crianças em ambientes
coletivos indicam a necessidade de melhor
definição sobre o que caracteriza a prática
profissional na Educação Infantil.
Por um lado, ser professor ou professora da
Educação Infantil significa estar ao lado do
conjunto dos professores e professoras dos
nossos sistemas de ensino como categoria
profissional única. Por outro, cada etapa da
educação escolar exigirá de seus profissio-
nais a mobilização de saberes, competências,
habilidades e disponibilidades específicas.
As práticas profissionais caracterizam-se
33
pela articulação entre as finalidades sociais
da etapa da educação a que se referem com
as necessidades e demandas dos sujeitos –
crianças, adolescentes ou adultos atendidos.
No caso da Educação Infantil, sua finalidade
é o compartilhamento do cuidado e da edu-
cação das crianças até os 6 anos de idade
com as famílias e a comunidade. Isso impli-
ca o desenvolvimento de ações fundamenta-
das em conhecimento aprofundado sobre a
criança e seu meio, sobre a sociedade, sobre
o papel das interações entre adultos e crian-
ças, entre as crianças e entre estas e o am-
biente natural e social, para o seu bem-estar,
desenvolvimento e participação na cultura.
A dimensão de cuidados físicos presentes na
prática com as crianças pequenas deman-
dará dos professores e professoras o desen-
volvimento de habilidades para lidar com o
corpo da criança, para assegurar a higiene,
o bem-estar, uma percepção positiva de si
mesma, além de condições adequadas para
a alimentação e a segurança. Com os bem
pequenos, isto implica em trocar fraldas,
dar banho quando este estiver previsto na
rotina da instituição, oferecer e criar condi-
ções para a alimentação saudável, cuidar do
espaço físico para que as crianças estejam
em segurança, dentre outros aspectos.
A realização de tais ações envolve uma in-
tensa relação afetiva entre os adultos e as
crianças. Nessas interações, professores e
professoras devem proporcionar às crianças
oportunidade de autoconhecimento, seja
em relação ao próprio corpo, seja no que se
refere a suas preferências em termos estéti-
cos e de conforto e bem-estar. Essas ações
supõem que os professores e professoras
aprendam a melhor maneira de cuidar do
corpo da criança e, além disso, disponham-
se pessoalmente a esse contato próximo e
delicado com bebês, meninos e meninas.
Como forma privilegiada de as crianças cria-
rem e participarem da cultura, bem como
de proporcionar um desenvolvimento so-
cioafetivo saudável, a brincadeira integra as
experiências na Educação Infantil como um
eixo estruturante do trabalho de professores
e professoras. É preciso conhecer os fun-
damentos históricos, psicológicos, sociais
e culturais do brincar e da brincadeira nas
diferentes culturas. Envolver-se nas brinca-
deiras com as crianças exige dos professores
e professoras uma disponibilidade para co-
locar-se em interação por meio dessa lingua-
gem, que envolve o próprio corpo, a mobili-
zação de energia e abertura para entrar na
referência das crianças. Como educador ou
educadora, compete a esse (a) profissional
organizar o espaço, o tempo e os recursos
para que a brincadeira aconteça no ambien-
te da instituição de Educação Infantil.
O cuidado e a educação das crianças peque-
nas envolvem também a ampliação das ex-
periências e conhecimentos das crianças a
respeito de si mesmas, do seu grupo social,
34
das possibilidades de explicação da realida-
de próxima e distante, o desenvolvimento do
desejo de aprender, de conhecer, de indagar
sobre o mundo, das capacidades de criação
e apreciação artísticas. Tudo isto envolve
conhecimentos gerais e específicos, habili-
dades e disponibilidades para aprender tam-
bém por parte dos professores e professoras
ao longo de sua vida profissional.
Outro importante elemento da prática pro-
fissional na Educação Infantil refere-se à
relação entre as instituições de Educação
Infantil e as famílias das crianças. No plano
legal e da produção teórica, não há dúvidas
sobre o reconhecimento de que a Educação
Infantil é direito da criança e deve se orga-
nizar como um atendimento educacional.
Essa concepção, no entanto, não deixa de
considerar o benefício que o atendimento
em creches significa para as famílias, espe-
cialmente para as mães, que podem com-
partilhar o cuidado e educação dos filhos
pequenos com a instituição educacional
(CAMPOS et al., 1995). Esta observação é
importante porque é frequente a oposição
entre direito da criança e necessidades da
família. As famílias – pais, mães e outros
responsáveis pelas crianças – fazem parte
do universo de relações dos professores e
professoras, na medida em que cada um(a)
assume responsabilidades específicas que
devem ser complementares.
É recente em nossa cultura o entendimento
de que é legítimo que as famílias comparti-
lhem com instituições educacionais o cui-
dado e a educação das crianças desde bem
pequenas. Ainda prevalece um imaginário
de que somente a família e a mãe devem
ocupar-se dos cuidados e educação dos be-
bês e crianças nos primeiros anos de vida.
Essa forma de entender os papéis dos pais
e, especialmente das mães, costuma gerar
conflitos internos à família e, não raro, des-
ta em relação à instituição e às/aos profis-
sionais da Educação Infantil.
É importante que os professores e professo-
ras sejam capazes de mediar essa passagem
da criança de uma vivência exclusiva no
ambiente familiar, para um espaço coletivo.
Essa mediação deve ocupar-se tanto dos sig-
nificados dessa ampliação de experiências
para as crianças quanto para as famílias, es-
pecialmente as mães, que costumam sentir-
se culpadas por não dedicarem atenção em
tempo integral aos filhos e filhas pequenos.
Os professores e professoras que cotidiana-
mente estarão em contato com as crianças
e com seus responsáveis podem contribuir
para que essa vivência torne-se um momen-
to positivo na vida da criança, o que inclui
ajudar seus responsáveis a construírem re-
ferências positivas a respeito da instituição
de Educação Infantil e das experiências que
as crianças vivenciarão nesse espaço.
Além disso, o cuidado e a educação crian-
ças nos primeiros anos de vida envolvem
ações fortemente enraizadas nas práti-
cas culturais das famílias – e também dos
35
professores e professoras – orientadas por
valores que definem o que é melhor para a
criança, tanto em termos de cuidados físicos
quanto no que se refere aos comportamen-
tos, ao acesso a informações, dentre outros
aspectos. Essa diversidade de formas de agir
se fará presente no cotidiano da Educação
Infantil. Reconhecer, respeitar as diferenças
e encontrar soluções compartilhadas com
as famílias fazem parte das atribuições dos
professores e das professoras que trabalham
com bebês e crianças pequenas.
Finalmente, é importante destacar a dispo-
nibilidade requerida do(a) profissional da
Educação Infantil em colocar-se nesse am-
biente também como sujeito de aprendiza-
gens. Cumpre desenvolver aguçado senso
de observação e capacidade de escuta das
crianças, cujo conhecimento é condição sem
a qual não será possível atender aos interes-
ses, necessidades e capacidades dos bebês,
dos meninos e das meninas que cotidiana-
mente se encontram na instituição de Edu-
cação Infantil.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho
Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB
nº 05, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as
Diretrizes Curriculares para a Educação In-
fantil. Diário Oficial da União, Brasília, 18 dez.
2009.
CAMPOS, M. M., ROSEMBERG, F. e FERREIRA,
I. M. Creches e pré-escolas no Brasil. São Pau-
lo: Cortez/Fundação Carlos Chagas, 1995 (2ª
edição).
CERISARA, A. B. A construção da identidade
das profissionais da educação infantil: entre
o feminino e o profissional, São Paulo: USP/
Faculdade de Educação, 1996 (Tese de Dou-
torado).
HADDAD, L.. A creche em busca de identidade.
São Paulo: Loyola, 1991.
MARANHÃO, D. G. O cuidado como elo entre
saúde e educação. Cadernos de Pesquisa, São
Paulo, n. 111, dez. 2000.
OLIVEIRA, Z. M. R. (org.). Educação Infantil:
muitos olhares. São Paulo: Cortez, 1995.
SILVA, I. O. Profissionais de creche no coração
da cidade: a luta pelo reconhecimento pro-
fissional em Belo Horizonte. Belo Horizonte:
Faculdade de Educação da UFMG, 2004 (Tese
de doutorado).
SILVA, I. O. Trabalho docente na educação in-
fantil: dilemas e tensões. In: Anais da 30ª Reu-
nião Anual da Anped, 2007, Caxambu - MG.
Anais da 30ª Reunião Anual da Anped, 2007.
p. 1-18.
36
Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica
TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTUROSupervisão Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento pedagógico
Soraia Bruno
Coordenação de Utilização e Avaliação
Mônica MufarrejFernanda Braga
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV Brasil Gerência de Criação e Produção de Arte
Consultora especialmente convidada
Lívia Fraga Vieira
E-mail: salto@mec.gov.brHome page: www.tvbrasil.org.br/saltoRua da Relação, 18, 4o andar – Centro.CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)Junho 2013
Recommended