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Dissertação UHB
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC - UFABC
Centro de Engenharias, Modelagem e Cincias Sociais Aplicadas
Curso de Ps-Graduao em Energia
Usina Parque: Aproveitamento e Valorizao do Patrimnio Energtico,
Ambiental e Histrico da Usina Hidreltrica Henry Borden
Santo Andr
2011
ii
Usina Parque: Aproveitamento e Valorizao do Patrimnio Energtico,
Ambiental e Histrico da Usina Hidreltrica Henry Borden
Edson Fernando Escames
Dissertao apresentada Universidade Federal do
ABC, como parte dos requisitos para a obteno do
ttulo de Mestre em Energia.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo de Sousa Moretti
Coorientador: Prof. Dr. Sinclair Mallet Guy Guerra
Santo Andr
2011
iii
iv
v
DEDICATRIA
minha esposa Vera Maria Ribeiro Escames
e aos meus filhos Fernanda Ribeiro Escames
e Felipe Ribeiro Escames.
vi
AGRADECIMENTOS
A Deus por permitir que eu tenha sade para poder aproveitar mais esta oportunidade em
minha vida.
Aos meus pais pelo incentivo constante, apesar das privaes, em todos os anos de estudos.
Este momento tambm mrito de vocs dois.
minha esposa e filhos, que apesar dos momentos de renncia, sempre tiveram compreenso
e me apoiaram neste desafio. Que essa conquista tambm contribua para a formao de vocs.
Ao meu orientador Professor Dr. Ricardo de Sousa Moretti pelos valiosos ensinamentos e
dedicao durante o meu mestrado: expresso, com a maior gratido, que o considero um
grande amigo.
Aos Professores Dr. Sinclair Mallet Guy Guerra e Dra. Slvia Helena Facciola Passareli, da
Universidade Federal do ABC e Dr. Wilson Ribeiro dos Santos Junior, da Pontifcia
Universidade Catlica de Campinas, pelas crticas construtivas e sugestes, durante a minha
qualificao e defesa de mestrado, que muito contriburam para a realizao deste trabalho.
Professora Dra. Ligia Cristina Gonalves Siqueira, que mostrou a oportunidade e me
incentivou para que eu realizasse este mestrado.
Aos meus amigos de trabalho da Empresa Metropolitana de guas e Energia, EMAE, pelo
apoio e incentivo.
Aos meus amigos da Fundao Energia e Saneamento, pelo atendimento e apoio que me
possibilitou usufruir do enorme tesouro que aquela instituio possui.
vii
SUMRIO
RESUMO .................................................................................................................................. ix
ABSTRACT ............................................................................................................................... x
NDICE DE FIGURAS ............................................................................................................. xi
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .............................................................................. xii
INTRODUO .......................................................................................................................... 1
1.1 - Os primrdios e a descoberta das propriedades da eletricidade ...................................................3
1.2 - O gerador qumico de eletricidade ...............................................................................................4
1.3 - Eletricidade e Magnetismo ..........................................................................................................5
1.4 - A induo eletromagntica e a corrente alternada .......................................................................6
1.5 - A eletricidade e as telecomunicaes...........................................................................................7
1.6 - O aproveitamento econmico da eletricidade ..............................................................................8
1.7 - As cataratas do Nigara e o aproveitamento hidroeltrico .........................................................10
1.8 - A histria da eletricidade no Brasil ............................................................................................11
1.9 - A histria da eletricidade em So Paulo ....................................................................................14
1.10 - As hidreltricas do interior Paulista e a Amforp ......................................................................15
CAPTULO 2 USINA HIDRELTRICA HENRY BORDEN ............................................. 17
2.1 - O incio dos servios de eletricidade em So Paulo e o surgimento da Light ............................17
2.1.1 - O Projeto Serra ....................................................................................................................26
2.2 - Apresentao da realidade fsica e operacional da UHB ...........................................................50
CAPTULO 3 USINAS PARQUE EXISTENTES ............................................................... 60
Introduo ..........................................................................................................................................60
3.1 Caracterizao das usinas ..........................................................................................................60
3.1.1 Levantamento preliminar e definio do conceito de usina parque ................................60
3.1.2 Museu da Energia de Rio Claro .........................................................................................66
3.1.3 Museu da Energia de Salespolis .......................................................................................72
viii
3.1.4 Usina Parque do Jacar ......................................................................................................76
3.1.5 Usina Parque So Valentim ................................................................................................78
3.1.6 Usina Parque Luiz Dias ......................................................................................................80
3.2 Potenciais e dificuldades associadas implantao e gesto das usinas parque .......................84
3.2.1 Procedimentos metodolgicos para levantamento das informaes ..................................84
3.2.2 Aspectos positivos ..............................................................................................................84
3.2.3 Principais dificuldades para a transformao em usinas parque ........................................85
3.2.4 Principais dificuldades na gesto de usinas parque ............................................................86
3.2.5 Prioridade de aplicao de recursos na implantao e gesto de usinas parque .................88
3.2.6 Estratgia para a atrao de visitantes ................................................................................89
3.2.7 O modelo gestor de usinas parque ......................................................................................91
CAPTULO 4 USINA PARQUE HENRY BORDEN .......................................................... 94
4.1 Caracterizao da visitao na UHB e seu entorno ...................................................................94
4.2 Anlise do potencial da UHB para ser transformada em usina parque ...................................103
4.3 Anlise dos desafios para que a UHB se torne uma usina parque ...........................................106
4.4 Reflexes para a viabilizao da implantao da usina parque UHB .....................................107
CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................. 110
ANEXO I ................................................................................................................................ 114
ANEXO II .............................................................................................................................. 115
ANEXO III ............................................................................................................................. 116
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 117
ix
RESUMO
Esse estudo trata das usinas parque e inclui anlise das possibilidades de implantao desse
conceito na Usina Hidreltrica Henry Borden, em Cubato, Estado de So Paulo,
considerando o seu patrimnio energtico, histrico e ambiental. Entende-se como usina
parque aquela que associa gerao de energia eltrica, a funo de parque com visitao
pblica de seu patrimnio ambiental e cultural.
Apresenta-se estudo sobre a histria da eletricidade, detalhando fatos, principalmente, entre
meados dos sculos XIX e XX, no Estado de So Paulo. Usinas parque j existentes sero
analisadas como forma de identificar o potencial e os principais desafios relacionados sua
implantao, operao, manuteno e gesto.
Palavras chave: histria da eletricidade, usina hidreltrica, usina parque, Usina Hidreltrica
Henry Borden.
x
ABSTRACT
This study is related to Power Plant Theme Parks and includes the implementation possibility
analysis of this concept in Henry Borden Power Plant, in Cubato, So Paulo State,
considering its environmental and historical energy patrimony. Power Plants Theme Parks are
places that join the electric generation with the facilities of a park, wich means that they are
open to public visitation.
This paper includes the History of Electricity in So Paulo State, detailing facts mainly
between XIX and XX centuries. Existing Power Plant Theme Parks will be analyzed to
identify the potential and the main challenges related to its implementation, operation,
maintenance and management.
Keywords: history of electricity, hydroelectric power plant, power plant theme park, Henry
Borden Hydroelectric Power Plant.
xi
NDICE DE FIGURAS
Figura 1 - Experincia realizada por Benjamin Franklin ........................................................... 3 Figura 2 Como funcionam as baterias ..................................................................................... 4 Figura 3 - Experincia realizada por Christian ersted ............................................................. 5 Figura 4 - Experincia de Michael Faraday................................................................................ 6
Figura 5 - Guglielmo Marconi .................................................................................................... 8 Figura 6 - A historic photograph of the Mill District in Niagara Falls New York in 1886 . 10 Figura 7 Tabela: as quatro fases da histria do setor eltrico brasileiro ............................... 12 Figura 8 - Usina Marmelos ....................................................................................................... 14
Figura 9 - Linha para a Penha, no Largo do Tesouro, 1901 ..................................................... 20 Figura 10 - Bondes da Light no Largo da S em 1916 ............................................................. 21 Figura 11 - Construo da barragem do Reservatrio Guarapiranga ....................................... 24 Figura 12 - Usina de Rasgo..................................................................................................... 29
Figura 13 Barragem do Reservatrio Rio das Pedras ............................................................ 35 Figura 14 - Montagem da primeira tubulao da Usina de Cubato ........................................ 36 Figura 15 Construo da Barragem no curso do Rio Grande ou Jurubatuba, 1928 .............. 37 Figura 16 Bacia hidrogrfica do Reservatrio Billings e limites municipais ........................ 38 Figura 17 Perspectiva esquemtica da Bacia do Tiet e esquema de reverses associadas .. 39 Figura 18 - Vista da Ponte de Pinheiros durante a enchente de 1929 ...................................... 40
Figura 19 - Seco subterrnea da Usina de Cubato .............................................................. 44 Figura 20 Tabela: quantidades relativas construo da UHB Subterrnea ......................... 46 Figura 21 Bacia Hidrogrfica do Alto Tiet .......................................................................... 49 Figura 22 - Avano da urbanizao na rea de proteo aos mananciais ................................. 52
Figura 23 - Ocupao urbana desordenada s margens do Reservatrio Billings ................... 54 Figura 24 - Sala de Controle da UHB, em 22/10/1955 ............................................................ 58 Figura 25 Tabela: usinas parque estudadas .......................................................................... 65 Figura 26 Mapa: localizao das usinas parque analisadas ................................................... 65 Figura 27 - Usina de Corumbata ............................................................................................. 68
Figura 28 - Museu da Energia de Salespolis - em primeiro plano, a casa de mquinas ......... 73
Figura 29 - Museu da Energia de Salespolis - vista do Vale do Tiet, a partir da barragem . 74 Figura 30 - Barragem da Usina do Jacar................................................................................. 77
Figura 31 - Primeira barragem da Usina de So Valentim ....................................................... 79 Figura 32 - Barragem da Usina Luiz Dias ................................................................................ 81
Figura 33 - Casa de mquinas da Usina Luiz Dias ................................................................... 83 Figura 34 Tabela: quantidade de pblico nas usinas parque da FES..................................... 89 Figura 35 - Representao planialtimtrica da implantao do Complexo UHB..................... 94
Figura 36 - Imagem de satlite da implantao do Complexo UHB ........................................ 95 Figura 37 Tabela: nmero de visitantes na UHB, de 2004 at abril de 2011 ........................ 97 Figura 38 - Vila operria da UHB, sem data ............................................................................ 98 Figura 39 - Representao planialtimtrica da vila residencial da UHB .................................. 99 Figura 40 - Imagem de satlite da vila residencial da UHB ................................................... 100
Figura 41 - Monumento do Pico, Casa de Vlvulas e Serra do Mar ..................................... 101 Figura 42 - Vista geral da Usina de Cubato ......................................................................... 104
Figura 43 - Vista area da UHB externa e imediaes ........................................................... 107
xii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Amforp American & Foreign Power Company
CEMIG Companhia Energtica de Minas Gerais
CESP Companhia Energtica de So Paulo
CETESB Companhia Ambiental do Estado de So Paulo
CHERP Companhia Hidreltrica do Rio Pardo
CLT Consolidao das Leis Trabalhistas
CONDEPHAAT Conselho de Defesa do Patrimnio Histrico, Arqueolgico, Artstico e
Turstico
Eletropaulo Eletropaulo Eletricidade de So Paulo
ELETROBRAS Centrais Eltricas Brasileiras
EMAE Empresa Metropolitana de guas e Energia
EPIs Equipamentos de Proteo Individual
FAPEPE Fundao de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extenso de Itajub
FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
FAUUSP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo
FES Fundao Energia e Saneamento
FPHESP Fundao Patrimnio Histrico da Energia de So Paulo
Light The So Paulo Tramway, Light and Power Company
PAEDA Parque de Alternativas Energticas para o Desenvolvimento
Autossustentvel
PCH Pequena Central Hidreltrica
PROINFA Programa de Incentivo s Fontes Alternativas de Energia Eltrica
RMSP Regio Metropolitana de So Paulo
SABESP Companhia de Saneamento Bsico do Estado de So Paulo
SACERC Sociedade Annima Central Eltrica de Rio Claro
SIN Sistema Interligado Nacional
UHB Usina Hidreltrica Henry Borden
UNERJ Centro Universitrio de Jaragu do Sul
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNIFEI Universidade Federal de Itajub
1
INTRODUO
A eletricidade faz parte do cotidiano contemporneo. A mdia diariamente aborda o tema
energia e sustentabilidade: os combustveis fsseis e renovveis, os problemas de escassez,
viabilidade econmica e o desequilbrio por causa do impacto ambiental de cada tipo de fonte
de energia. A eletricidade foi o tipo de energia mais importante para a concretizao da
industrializao brasileira e, ainda hoje, nas imediaes ou inseridos nos meios urbanos,
existem as usinas hidreltricas, algumas ainda em atividade, muitas vezes ignoradas pela
maior parte da populao.
O conhecimento sobre a histria da eletricidade pode ser uma maneira de desenvolver a
sensibilizao e conscientizao, especialmente em relao s questes ambientais. As usinas
hidreltricas podem ter um papel de destaque nesse processo por causa da importncia que
apresentam no desenvolvimento da indstria e, alm do mais, da nossa nao. A valorizao
do patrimnio energtico, histrico e ambiental das usinas hidreltricas uma importante
possibilidade de resgate da memria de nossa sociedade. A Usina Hidreltrica Henry Borden
(UHB), objeto desta investigao, foi selecionada face ao seu papel nos primrdios da histria
da eletricidade e da industrializao no Estado de So Paulo. Tambm, por ter sido construda
pela empresa que representou o modelo de truste e cartel internacional, que se estabeleceu em
nosso pas e prevaleceu do incio at a stima dcada do sculo XX. Essa usina possui
requisitos importantes para a anlise de viabilidade, gesto e implantao de uma usina
parque.
Parte-se do pressuposto de que a UHB constitui importante patrimnio energtico, ambiental
e histrico, e que atravs de projetos integrados, pode ser possvel compatibilizar a
valorizao do patrimnio com as atividades econmicas. Pretende-se investigar as
potencialidades e dificuldades encontradas nos projetos de usinas parque j implantadas e,
atravs dessa anlise, avaliar a possibilidade de transformao da UHB em usina parque. Para
tanto, a presente dissertao est organizada em cinco captulos. No primeiro captulo
apresentada a evoluo do uso da eletricidade, desde os primrdios, na antiguidade, com a
descoberta de suas propriedades e os experimentos iniciais, a descoberta do gerador qumico,
a relao entre eletricidade e eletromagnetismo, o desenvolvimento das telecomunicaes e o
2
aproveitamento econmico da eletricidade, j no sculo XIX. A partir desse ponto, visto que
as primeiras iniciativas nacionais de gerao hidreltrica estavam acompanhando a vanguarda
mundial, abordada a histria da eletricidade no Brasil considerando quatro etapas bsicas.
Por fim, estudada a histria da eletricidade no Estado de So Paulo at o surgimento da The
So Paulo Tramway, Light and Power Company (Light), em 1899.
O segundo captulo est dividido em duas partes. Primeiro so apresentados elementos da
histria da Light e da UHB. Depois apresentada a atual realidade fsica e operacional do
Sistema Hidrenergtico da Empresa Metropolitana de guas e Energia (EMAE), sucessora da
antiga Light.
No terceiro captulo so apresentadas duas partes. Na primeira, debatido o conceito de usina
parque e, em seguida, apresentados os resultados da anlise de usinas existentes no interior do
Estado de So Paulo e de Minas Gerais. Esse captulo resultado de pesquisas bibliogrficas
e entrevistas com pessoas que participaram e atuam na implantao e operao de usinas
parque na Fundao Energia e Saneamento (FES) e Universidade Federal de Itajub
(UNIFEI).
Por fim, no quarto captulo so analisadas as possibilidades, o potencial e os desafios para a
implantao e operao de uma usina parque no Complexo UHB. O primeiro tpico desse
captulo foi realizado por meio de entrevistas com funcionrios da usina.
O trinmio energia-ambiente-histria a chave para se compreender o potencial e a
viabilidade da transformao da UHB em usina parque. Este estudo se prope a analisar essa
possibilidade.
3
CAPTULO 1 - HISTRIA DA ELETRICIDADE
1.1 - Os primrdios e a descoberta das propriedades da eletricidade
Para apresentar a histria da descoberta e do uso da eletricidade pelo homem preciso voltar
antiguidade. O primeiro registro sobre a descoberta da eletricidade remonta Grcia Antiga,
quando o filsofo Thales de Mileto, conseguiu atrair fiapos de algodo friccionando mbar,
resina fssil semelhante ao plstico. O atrito da superfcie do mbar faz com que haja o
acmulo de cargas positivas. Quando da proximidade do mbar com o algodo, estas cargas
positivas passam a atrair os eltrons das fibras de algodo. A palavra grega para designar o
mbar o electron origem do nome eletricidade. (ASSIS, 2000, p. 19)
Figura 1 - Experincia realizada por Benjamin Franklin
Fonte:
Acesso em 15 jul. 2010
Em 1708, William Wall, desconfia que os raios sejam um fenmeno eltrico. Cinquenta anos
depois, Benjamim Franklin comprovou essa hiptese na prtica, empinando uma pipa, com
um pedao de metal, para o interior de uma nuvem negra. Ele notou que saltavam fascas do
4
fio de seda que prendia a pipa, ou seja, um pouco de corrente eltrica captada pelo metal da
pipa que flutuava no interior da nuvem carregada de eltrons (CROPANI, 1987, p. 12).
(figura 1)
1.2 - O gerador qumico de eletricidade
Figura 2 Como funcionam as baterias
Fonte:
Acesso em 15 jul. 2010
Em 1800, depois de anos de experimentao, o italiano Alessandro Volta descobriu que
empilhando discos de metais diversos entremeados com flanelas ensopadas com gua e sal ou
vinagre, era obtida a produo de eletricidade. O meio lquido possibilita reaes qumicas
distintas em metais de vrios tipos. Dessa forma, por exemplo, h o acmulo de eltrons em
uma placa de zinco, criando uma diferena de potencial em relao placa de cobre. O
contato entre ambas as placas faz com que haja o fluxo de eltrons do zinco para o cobre,
atrados por sua carga de prtons. Por causa dessa descoberta, os geradores qumicos de
eletricidade passaram a ser denominados pilhas. Hoje em dia, as pilhas midas foram
substitudas por pilhas secas, mais prticas e leves. Por aproximadamente meio sculo, as
5
pilhas midas de Volta foram a forma mais eficiente de produo de eletricidade de forma
contnua e constante, sendo superadas mais tarde somente pela descoberta da corrente
alternada (GALLI, 2003). (figura 2)
1.3 - Eletricidade e Magnetismo
Em 1813, Christian ersted, cientista dinamarqus, descobriu que a corrente eltrica produz
magnetismo. A partir da passagem de corrente eltrica por um fio disposto sobre uma
bssola, ele desviava o sentido da agulha, que estava inicialmente apontada para o norte, de
acordo com o fluxo de eletricidade desse fio, ou seja, a passagem de corrente eltrica pelo fio
gerava um forte campo magntico capaz de desviar a agulha da bssola. Essa descoberta deu
origem aos ims artificiais temporrios ou eletromagnetos, que passaram a ter inmeros usos
industriais em aparelhos como telefones, campainhas, motores e geradores de eletricidade
(BASSO, 2003). (figura 3)
Figura 3 - Experincia realizada por Christian ersted
Fonte: preparada pelo prprio autor a partir de
Acesso em 15 jul. 2010
6
1.4 - A induo eletromagntica e a corrente alternada
Michael Faraday, em 1831, descobre a induo eletromagntica: um im sendo
movimentado no interior de uma bobina cilndrica (solenoide) induz formao de corrente
eltrica no fio metlico. Dessa forma, ele descobre a forma de produzir eletricidade a partir do
magnetismo. Alm disso, percebeu que quando o im era deslocado de um lado para o outro
ou girando dentro do solenoide, o sentido da corrente eltrica mudava alternadamente. Ao
contrrio dos geradores qumicos, que produzem corrente contnua (num mesmo sentido)
os geradores eletromagnticos, advindos da descoberta de Faraday, produzem a corrente
eltrica alternada. (figura 4)
Figura 4 - Experincia de Michael Faraday
Fonte: Acesso em 15 jul. 2010
A partir de 1860, mudanas no processo de industrializao, graas ao surgimento da
eletricidade, que teve importante contribuio de Faraday, o advento do petrleo, a produo
em srie nas linhas de montagem e o mtodo de administrao baseada nos estudos de Taylor,
todos estes fatos juntos, desencadeiam o que considerada a segunda revoluo industrial,
que se estendeu at a Primeira Guerra Mundial.
7
A descoberta de Faraday considerada uma das origens da segunda revoluo industrial: a
partir de 1873 comeou a ser produzido o dnamo industrial. Dessa forma, a eletricidade
passou a substituir o vapor como energia industrial:
Logo aps a I Guerra Mundial (1914), mais de dois teros da energia
gasta nos pases industrializados Inglaterra, Alemanha, Frana e Estados
Unidos j eram de energia eltrica alternada produzida por
dnamos.(CROPANI, 1987, p.35).
Assim que surgiram os geradores industriais comearam a ser desenvolvidos os primeiros
motores eltricos, capazes de utilizar a energia oriunda dos geradores. Toda essa revoluo foi
decorrente da aplicao do princpio descoberto por ersted, de que era possvel mover um
im com a corrente eltrica. (CROPANI, 1987, p.30).
1.5 - A eletricidade e as telecomunicaes
Graas s possibilidades advindas da eletricidade, a partir de meados do sculo XIX, o mundo
econmico e poltico afetado pelo telgrafo de Morse e pelo telefone de Graham Bell.
Especial relevncia para o desenvolvimento da civilizao industrial teve a descoberta, em
1873 por meio de deduo matemtica, do fsico escocs James Clerk Maxwell: as ondas
eletromagnticas. Vinte anos aps, entre outros pesquisadores, o alemo Heinrich Hertz
descobriu as ondas hertzianas, ou ondas rdio. Graas a essas descobertas foi possvel
descobrir o que denominado espectro eletromagntico, que comea com as ondas rdio e
acaba nos raios gama. Em 1898, o inventor italiano Guglielmo Marconi, utilizando as
experincias de Heinrich Hertz, conseguiu produzir o telgrafo sem fio. Estas descobertas
possibilitaram a aplicao das ondas eletromagnticas s telecomunicaes sem fio (rdio,
TV, telefone sem fio) e orientao espacial (radar). (figura 5)
8
Figura 5 - Guglielmo Marconi
Fonte: Acesso em 15 jul. 2010
1.6 - O aproveitamento econmico da eletricidade
Para o estudo, necessrio realizao deste trabalho, importa a maneira como foi
desenvolvida a produo de energia eltrica barata e em larga escala a partir do princpio do
dnamo de Faraday. Ao longo da segunda metade do sculo XIX, enquanto as
telecomunicaes eram revolucionadas, a engenharia mundial era colocada a prova para o
desenvolvimento de dnamos cada vez mais eficientes, que permitissem a produo de
eletricidade em larga escala a preos cada vez mais acessveis.
Dessa forma, foram desenvolvidos enormes geradores, que continham um eixo dotado de
eletroms que se movia, por meio da aplicao da energia cintica, no interior de uma bobina
de fios. Dessa forma h a transformao de energia cintica (movimento, energia mecnica)
em energia eltrica.
A produo de eletricidade pode ter origem em diversas fontes de energia. Em pases onde h
maior disponibilidade de fontes fsseis, como carvo, petrleo ou gs natural, possvel
9
recorrer s termoeltricas. As termoeltricas transformam a energia qumica contida no
combustvel fssil em energia mecnica e, por fim, em energia eltrica. Podem fazer uso do
ciclo Rankine1, Braiton
2 ou a composio de ambos, o chamado ciclo combinado
3.
Existe tambm a usina termoeltrica que gera energia eltrica a partir da fisso nuclear, as
chamadas usinas nucleares. uma opo para pases onde no h uma boa disponibilidade de
outras fontes primrias. vantajosa considerando o incomparvel teor energtico do
combustvel nuclear. No entanto, possui caractersticas prprias para o armazenamento do
rejeito nuclear depois da gerao de energia. Alm disso, existe a discusso mundial de que
esses rejeitos devam ficar disponveis para a reutilizao.
Alguns pases j fazem uso da energia advinda do mar. Por meio do represamento da gua do
mar, em perodos de mar cheia, h a criao de energia potencial, quando a mar baixa.
Dessa forma possvel transformar a energia potencial gravitacional em energia do
movimento (cintica), de origem mecnica e, por fim, em energia eltrica.
Alguns pases como os Estados Unidos, Canad, Japo e Brasil, que possuem grande
disponibilidade de gua doce combinada com terrenos com grandes desnveis, possuem a
vantagem de poder realizar as hidreltricas. O rio interrompido por uma barragem de forma
a ficar represado. Dessa forma criada uma reserva hdrica utilizada como reserva energtica.
Quanto mais gua represada e quanto maior o desnvel, mais energia potencial para a
transformao em energia cintica, mecnica e, no final, em energia eltrica.
1O Ciclo Rankine um ciclo termodinmico que se baseia na obteno de vapor dgua em uma caldeira
alimentada por um combustvel fssil. O vapor a alta presso direcionado para a p do gerador eltrico. Aps a
utilizao para a gerao de eletricidade o vapor, depois de condensado, encaminhado novamente para a
caldeira, ou seja, o ciclo trmico fechado. Neste ciclo o rendimento de aproximadamente 30% (energia
primria contida no combustvel fssil transformada em energia eltrica). 2O Ciclo Brayton um ciclo termodinmico no qual a adio de calor ocorre presso constante, utilizado no
estudo das turbinas a gs tambm utilizado para gerar eletricidade. O combustvel usualmente gs natural, mas
pode ser de outros tipos fsseis gasosos ou lquidos. O gs submetido combusto, depois de receber a adio
de ar por meio de um compressor; a expanso de gases resultantes proporciona o movimento das ps da turbina
para a gerao de eletricidade. Este ciclo aberto, ou seja, o fluido de trabalho (ar) colhido na atmosfera e os
gases de escape, no final do processo, so devolvidos atmosfera. Este ciclo apresenta um rendimento
aproximado de 35%. 3O Ciclo Combinado consiste na associao do Ciclo Brayton com o Ciclo Rankine. Depois da gerao de
eletricidade no Ciclo Brayton, os gases de exausto, com temperaturas superiores a 500C, so encaminhados
para uma caldeira de recuperao para a gerao de vapor iniciando o Ciclo de Rankine e, dessa forma,
novamente a gerao de eletricidade. Essa configurao permite um aumento significativo do uso da energia
primria contida no gs natural para a produo de energia eltrica: por volta de 50%.
10
O Brasil apresenta vocao para a gerao de hidroeletricidade, devido s suas boas condies
geogrficas e climticas, dotado de boas redes hidrogrficas e terrenos em desnvel.
1.7 - As cataratas do Nigara e o aproveitamento hidroeltrico
O primeiro registro de uma hidreltrica foi a instalada, em 1882, no Rio Fox, em Appleton,
Wisconsin, Estados Unidos. Ela tinha capacidade instalada de 12,5 KW e fornecia eletricidade
suficiente para abastecer duas fbricas de papel e uma residncia (ELECTROVENT, 2010).
Figura 6 - A historic photograph of the Mill District in Niagara Falls New York in 1886 Fonte: Acesso em 15 jul. 2010
Merecem meno tambm as realizaes na regio das Cataratas do Nigara, que fica situada
na fronteira entre os Estados Unidos e o Canad. O desnvel existente na regio significa uma
fonte de energia potencial, que ao longo do tempo tambm foi utilizada para transformao
em energia eltrica.
11
As guas do Nigara foram utilizadas como fonte de energia para um moinho desde 1759. A
partir de 1853 foi realizado o aproveitamento hidroeltrico por meio da implantao de uma
usina da Niagara Falls Hydraulic Power and Mining Company. Em 1881 era gerada
eletricidade na forma de corrente contnua para abastecimento da vila de Nigara Falls, no
Estado de Nova Iorque. (figura 6)
A Niagara Falls Power Company, a sucessora da Niagara Falls Hydraulic Power and Mining
Company, ofereceu U$ 100.000 a quem desenvolvesse um mtodo de transmisso de
eletricidade a longa distncia. Esse prmio foi recebido por Nicola Tesla (1856 1943). Em
1883, George Westinghouse implantou o sistema de iluminao das cachoeiras do Nigara
utilizando corrente alternada, desenvolvido a partir do sistema criado por Tesla. Em 1893, a
Cataract Construction Company decidiu adotar a gerao e transmisso por meio de corrente
alternada. (NIAGARA FALLS HISTORY OF POWER, 2010).
1.8 - A histria da eletricidade no Brasil
Antes de realizar a descrio dos fatos histricos sobre a eletricidade em nosso pas,
importante apresentar a diviso por fases demonstrada pela arquiteta Mariana de Souza
Rolim, da FES (ROLIM, 2010). Ela cita que o setor eltrico brasileiro passou por quatro
grandes fases. (figura 7)
A anlise que ser realizada neste tpico limita-se ao perodo abrangido pelas duas primeiras
fases, portanto, entre aproximadamente 1872 at 1940.
Em 1872, houve o incio da histria da eletricidade em nosso pas, quando Irineu Evangelista
de Souza, o Baro de Mau, realizou o assentamento do cabo telegrfico submarino entre o
Brasil e a Europa, inaugurado pelos cumprimentos entre o imperador Dom Pedro II e o Papa.
Logo aps, o engenheiro Aaro Reis construiu uma linha telefnica entre o Rio de Janeiro e
Juiz de Fora. Apesar desse pioneirismo, a eletricidade demorou a se firmar em nosso pas, que
na poca era predominantemente rural e escravocrata (CROPANI, 1987, p. 64).
Os primeiros registros descrevem a concesso, em 1879, de Dom Pedro II a Thomas Alva
Edison do servio de iluminao pblica do interior da Estao Central da Estrada de Ferro
Dom Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro (ELETROBRAS, 2010). A gerao de energia era
12
advinda de locomoveis, uma mquina a vapor utilizada tambm para gerar energia eltrica
(FMTSP, 2010).
Em 1881 a Diretoria Geral dos Correios inaugurou a iluminao pblica do Jardim do Campo
da Aclamao, atual Praa da Repblica, no Rio de Janeiro (ELETROBRAS, 2010).
Fase Perodo Tipos de empresas Caractersticas
Primeira Duas ltimas
dcadas do
sculo XIX.
Pequenas empresas
privadas.
Ligada economia cafeeira, no sudeste do
pas.
Segunda Primeira
metade do
sculo XX.
Grandes empresas
estrangeiras.
Incio da urbanizao e industrializao que
impulsiona o mercado eltrico dominado por
duas empresas: a Light e a American
&Foreign Power Company (Amforp).
Terceira A partir da
segunda
guerra
mundial.
Empresas estatais. Concessionrias estrangeiras param de
investir e so criadas grandes empresas
estatais que realizam obras monumentais e
usinas de grande porte.
Quarta A partir do
final do
sculo XX.
Grupos privados
nacionais e
internacionais.
Desverticalizao e privatizao do setor
eltrico.
Figura 7 Tabela: as quatro fases da histria do setor eltrico brasileiro Fonte: preparada pelo prprio autor a partir da obra de ROLIM (2010)
Em 1883, h o registro do incio da operao da primeira usina hidreltrica no Brasil. Ela era
localizada no Ribeiro do Inferno, contribuinte do Rio Jequitinhonha, para fornecimento de
energia aos servios de minerao em Diamantina, Minas Gerais. Essa realizao foi possvel
graas ao engenheiro francs Armand de Fovt, contratado pelo Imperador para fundar a
Escola de Minas de Ouro Preto. Segundo CROPANI (1987, p. 64): cabe notar que esta
tentativa foi contempornea das mais antigas usinas europeias e norte americanas.
Ainda em 1883, na cidade de Campos, Rio de Janeiro, Dom Pedro II inaugurou o primeiro
servio pblico municipal de iluminao eltrica do Brasil e da Amrica do Sul, com trinta e
nove lmpadas de rua (CROPANI, 1987, p. 64).
13
Em 1885, h o incio da operao da Usina Hidreltrica da Companhia Fiao e Tecidos So
Silvestre, em Viosa, Minas Gerais (FUSP, 2010).
Em 1887, so implantados diversos empreendimentos de energia eltrica:
Usina Hidreltrica Ribeiro dos Macacos, em Minas Gerais (FUSP, 2010);
Usina Hidreltrica da Companie ds Mines dOr Du Faria, em Nova Lima, Minas Gerais
(GOMES, 2010);
Usina termoeltrica Velha, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (FUSP, 2010);
Companhia de Fora e Luz que fornecia iluminao pblica no centro da cidade do Rio de
Janeiro, por meio de uma pequena central Termoeltrica (GOMES, 2010);
Servio de fornecimento de luz por meio de uma termoeltrica da Companhia Fiat Lux,
em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (GOMES, 2010);
Em 1888, em Juiz de Fora, Minas Gerais, criada a Companhia Mineira de Eletricidade, de
propriedade de Bernardo Mascarenhas, para o fornecimento de iluminao pblica e
particular e tambm para a sua fbrica e outras da regio (CEMIG, 2010). Essa mesma
companhia inaugura, em 1889, a Usina Hidreltrica Marmelos, a primeira de maior porte do
Brasil, com 0,25 MW, ampliada para 0,375 MW, em 1892. (figura 8)
Nas duas ltimas dcadas do sculo XIX, ocorreu a disputa denominada guerra das
correntes. De um lado a General Electric Company, organizada por Thomas Alva Edison,
defendia o uso da corrente contnua e do outro lado a companhia liderada por George
Westinghouse defendia a corrente alternada. A partir de 1902, acabou prevalecendo a corrente
alternada devido s inmeras vantagens ligadas principalmente transmisso de energia por
longas distncias. Antes disso, porm, Mascarenhas j havia optado pela corrente alternada,
justamente pela possibilidade de rebaixamento e elevao da tenso eltrica, por meio de
transformadores, de forma a permitir a vantagem da transmisso de eletricidade por trechos
distantes (CROPANI, 1987, p. 65). notvel essa escolha acertada, visto que somente alguns
anos antes, em 1893, a Cataract Construction Company foi a pioneira na adoo da gerao e
transmisso por meio de corrente alternada, sistema criado por Nicola Tesla e desenvolvido
por Westinghouse.
14
Figura 8 - Usina Marmelos
Fonte: Acesso em 15 jul. 2010
1.9 - A histria da eletricidade em So Paulo
No Estado de So Paulo, a histria da eletricidade tambm tem incio no final do sculo XIX,
mais precisamente em 1884 com a inaugurao da iluminao da cidade de Rio Claro por
meio de dez lmpadas de arco voltaico de 2.000 velas cada uma (PIEDADE, MORAIS,
2006).
Em 1893, no dia dois de julho, houve a inaugurao da Usina Hidreltrica Monjolinho, em
Salto Grande, para fornecimento de iluminao eltrica ao municpio de So Carlos. Foi
construda pela Companhia de Luz Eltrica de So Carlos e foi a primeira hidreltrica do
Estado de So Paulo. Em 1908 a usina de Monjolinho d lugar a uma nova usina de 600 kW,
hoje denominada Alois Partel. Nesse mesmo ano, o agrnomo Luiz de Queirz inaugura uma
hidreltrica no municpio de Piracicaba (MEMORIAL PIRACICABA, 2006).
15
Por meio da utilizao das guas dos rios Corumbata e Claro, no municpio de Rio Claro, em
1895 ocorre a construo da Usina Hidreltrica de Corumbata. Tinha potncia instalada de
1.600 kW, mas apresentou problemas tcnicos no segundo dia de funcionamento, ficou parada
e voltou a funcionar, depois de uma reforma, somente em 1900.
Uma importante caracterstica cabe registrar conforme a citao de MAGALHES (2000, p.
51):
Inicialmente a energia era gerada termicamente, at a virada do sculo,
quando a entrada de uma empresa multinacional reverteu a situao em
favor da hidroeletricidade. Tratava-se da So Paulo Railway, Light and
Power (ou simplesmente Light), constituda em 1889 no Canad com
capitais anglo-americanos...
A histria detalhada dessa companhia descrita no captulo 2 Usina Hidreltrica Henry
Borden.
1.10 - As hidreltricas do interior Paulista e a Amforp
No interior do Estado de So Paulo, entre 1905 e 1920, foram construdas vrias hidreltricas:
Santa Alice (1907), So Valentim (1911), San Juan (1911), Sodr (1912), Turvinho (1912),
Esmeril (1912), Salespolis (1913), Boa Vista (1913), Isabel (1915), alm de outras.
Em 1909, foi fundada a Companhia Luz e Fora Santa Cruz, que construiu uma pequena usina
no Rio Pardo. Em 1925 comprou, da Prefeitura de Piraju, a hidreltrica Boa Vista e construiu
uma importante barragem e hidreltrica no Rio Paranapanema, junto a essa cidade. Essa
companhia est em atividade at hoje.
Outro fato nessa poca, de grande repercusso no futuro do panorama da eletricidade no
Estado de So Paulo, foi a fundao, em 1912, da Companhia Paulista de Fora e Luz
CPFL, que incorporou a gerao e distribuio de diversas pequenas empresas no interior:
Empresa Fora e Luz de Botucatu, Fora e Luz de Agudos e Pederneiras, Fora e Luz So
Manoel e Companhia Eltrica do Oeste de So Paulo, de Dois Crregos.
16
A partir de 1927, a CPFL foi adquirida pela norte americana Amforp, e passou a ter forte
atuao no interior de So Paulo. Alm dela, a Amforp comprou tambm empresas j
existentes em outras capitais brasileiras como Natal, Recife, Macei, Salvador, Belo
Horizonte, Vitria, Curitiba, Porto Alegre, entre outras cidades importantes.
No interior de So Paulo a Amforp construiu a Usina Hidreltrica de Marimbondo que entrou
em operao em 1929, no Rio Grande, divisa dos Estados de So Paulo e Minas Gerais. Na
dcada de 1940 comeou a construo da hidreltrica de Avanhandava, no Rio Tiet, que foi
inaugurada em 1946. Em seguida comeou os estudos para implantar uma hidreltrica e
termoeltrica (Carioba) em Americana. Em 1957, comea a funcionar a Usina Hidreltrica
Marechal Mascarenhas de Morais, na ocasio uma das maiores do mundo, que aumentou a
capacidade de gerao da CPFL em 65%.
A partir dos anos 1950 ficou cada vez mais acentuada a falta de recursos para o setor eltrico,
que provocou a lentido do crescimento da capacidade instalada e reduo da oferta de
eletricidade. Contribuiu para isso o desenvolvimento industrial aps a segunda guerra mundial
que agravou a situao e obrigou a implantao de racionamentos obrigatrios. Esse cenrio
colaborou com o surgimento das manifestaes nacionalistas, que se espalharam por todo o
pas e que desembocaram na nacionalizao das empresas do grupo Amforp (PIEDADE;
MORAIS, 2006).
Essa fase de transio, que culminou com a criao de empresas pblicas e, entre outras,
tambm da Centrais Eltricas Brasileiras (ELETROBRAS), em 1961, muito bem descrita na
obra de Ricardo Maranho: Projeto ELETROBRAS - a luta pela nacionalizao do setor
eltrico (MARANHO, 1989).
17
CAPTULO 2 USINA HIDRELTRICA HENRY BORDEN
2.1 - O incio dos servios de eletricidade em So Paulo e o surgimento da Light
Graas produo e exportao de caf, em 1867, foi inaugurada a estrada de ferro Santos
Jundia4, a primeira do Estado de So Paulo. As ferrovias provocaram a reordenao espacial
das cidades e tambm a criao de novos empregos. Comeou a haver a transferncia dos
fazendeiros para a capital, alm da vinda da mo de obra imigrante. Por isso, graas riqueza
advinda desta cultura agrcola, a partir de 1870, a cidade de So Paulo cresceu muito: de 1872
1900, a sua populao aumentou de 31.385 para 239.820 habitantes. A economia cafeeira
proporcionou o crescimento econmico com a diversificao do comrcio, servios e o incio
da industrializao a partir da substituio dos artigos importados, que se intensificou
sobremaneira graas a Primeira Grande Guerra, entre 1914 e 1918 (FARIA, 2000, p. 1).
Todo esse contexto propiciou o desejo de modernizao que era liderado pela pequena e
influente classe mdia urbana brasileira, que via os exemplos de modernidade urbana, com
sistemas de gua e esgotos, companhias de transporte urbano, usinas de gs e eletricidade, que
existiam em menor ou maior grau nas cidades europeias, da Amrica do Norte e at em
Buenos Aires, na Argentina (MC DOWALL, 2008, p. 41- 47).
Os servios de eletricidade na cidade de So Paulo j haviam sido iniciados com a fundao
da Empresa Paulista de Eletricidade, em 1886, que comeou a operar somente em dezembro
de 1888. Operava com um gerador termeltrico a carvo do entardecer at a noite fornecendo
eletricidade para o tringulo comercial da capital, na poca a regio mais importante da
cidade. Essa empresa no conseguiu sobreviver necessidade de grandes investimentos e foi
absorvida pela Companhia gua e Luz de So Paulo, aproximadamente em 1891 (RICARDI,
2008, p. 93).
4 A The So Paulo Railway Company era uma empresa criada a partir da concesso obtida, no final da dcada de
1850, por Irineu Evangelista de Souza, mais tarde Baro de Mau, que vendeu os seus direitos a um consrcio
ingls, responsvel pela construo, em 1867, da estrada de ferro Santos-Jundia, conhecida poca como a
Ingleza. Mais informaes a respeito do esprito desse empreendedor brasileiro podem ser obtidas em MC
DOWALL, 2008, p.39 e 40.
18
Desde 1872, a cidade de So Paulo era servida de iluminao pblica, provida por lampies a
gs, graas a uma concesso firmada a San Paulo Gas Company, empresa de propriedade
inglesa. No entanto, o servio era alvo de crticas da populao e quando da renovao do
contrato, em 1897, a nova concesso foi feita sem o estabelecimento do monoplio absoluto,
que pautava o contrato anterior. A inteno do governo era permitir a concorrncia com o
intuito de que a companhia inglesa fornecesse um servio de melhor qualidade (MC
DOWALL, 2008, p. 126-127).
Concomitantemente nova concesso, foi criada uma nova legislao regulamentando a
distribuio de energia e luz eltrica, no municpio de So Paulo. Foi graas nova
concesso estabelecida, que Francisco Antnio Gualco e Antnio Augusto de Souza
conquistaram, em 1899, um contrato para transmisso, explorao ou venda de luz eltrica
e energia, que depois foi repassada para a The So Paulo Railway, Light and Power
Company Ltd.5 (MC DOWALL, 2008, p. 127 e 128).
Francisco Antnio Gualco e Antnio Augusto de Souza j haviam se conhecido em 1896. Em
viagem Amrica do Norte, Amrico de Campos, parente de Souza, levou a ideia de
implantao de servios de transportes a partir de eletricidade para um oficial da Marinha
Real Italiana, Gualco, que atuava como empreiteiro de ferrovias. Nesse mesmo ano, Gualco
foi a So Paulo e, em 1897, juntamente com Souza, conquistaram o monoplio dos servios
de bonde por trao eltrica, na cidade de So Paulo. Faltavam, no entanto, o capital
necessrio para a implantao dos servios. Depois de tentativas frustradas junto a
investidores em Nova York e Europa, Gualco obteve xito, entre 1898 e 1899, junto ao
promotor de ferrovias no oeste canadense e companhia de bondes em Toronto, William
Mackenzie6 (MC DOWALL, 2008, p. 49-55).
Depois de assegurado quanto s perspectivas de prosperidade nos negcios graas ao cenrio
de crescimento favorvel e aps gestes para apoio financeiro, jurdico e tcnico, a Light, foi
instalada em So Paulo (MC DOWALL, 2008, p. 55-69). No dia sete de abril de 1899, a
rainha inglesa Vitria assina a carta patente para que essa empresa de Toronto, Canad, ento
5 A pedido da The So Paulo Railway Company, em 25/06/1900 a Light and Power teve a sua razo social
mudada de The So Paulo Railway, Light and Power Company para The So Paulo Tramway, Light and Power
Company a fim de evitar conflitos jurdicos (SOUZA, 1982, p.40). 6 William Mackenzie, canadense natural de Ontario, empreendedor capitalista ligado principalmente
construo de estradas de ferro e que foi o principal lder articulador para a organizao da Light em So Paulo
(MC DOWWALL, 2008, p.56-57, 62-68).
19
domnio ingls, fosse autorizada a explorar os servios de transportes urbanos e eletricidade
na capital paulista (SOUZA, 1982, p. 27). A transferncia da concesso de Gualco e Souza
para a Light ocorreu em 28 de setembro de 1899 (MC DOWALL, 2008, p. 67). Nessas
tratativas tcnicas e jurdicas teve papel importante o engenheiro eletricista e empreendedor
Frederick Stark Pearson7. Depois de aprovados os relatrios preliminares sobre a viabilidade
do negcio, Pearson indicou para vir ao Brasil, Alexander Mackenzie8, Robert Calthrop
Brown9 e Hugh Lincoln Cooper
10 (SOUZA, 1982, p. 27-28).
Ao longo dos primeiros meses de 1900, a Light adquiriu o controle acionrio da Companhia
gua e Luz, eliminando a competio pela iluminao de origem eltrica. Alm disso, foi a
energia dos geradores termoeltricos que eram dessa companhia, instalados na Rua So
Caetano, que possibilitou, em maio de 1900, a inaugurao do servio de transporte por
bondes (MC DOWALL, 2008, p. 128). No entanto, existe tambm o registro de que foi a
Light que construiu um pequeno e provisrio gerador termoeltrico a vapor instalado na Rua
So Caetano, constitudo por dois geradores, cada um com cerca de 500 kW (SOUZA, 1982,
p. 49).
A viagem inaugural de bonde ocorreu no dia 7 de maio de 1900 e teve como motorneiro o
superintendente da companhia, Robert C. Brown, alm da presena de autoridades polticas
importantes da poca como o presidente do estado, Rodrigues Alves, o vice-presidente,
Domingos de Moraes, o prefeito do municpio, Antnio Prado e representantes polticos, do
comrcio e indstria de So Paulo. Foi percorrido o trecho de ida e volta desde a Alameda
Baro de Limeira at o Largo So Bento (SOUZA, 1982, p. 51). Nos nove meses que se
seguiram, foram instaladas linhas para os bairros de Bom Retiro, Vila Buarque, Brs, Penha
(figura 9), gua Branca, alm da linha circular pela Avenida Paulista com dois itinerrios
7 Frederick Stark Pearson, engenheiro eletricista e empreendedor que organizou e contribuiu para as indstrias de
servios pblicos dos Estados Unidos, Canad, Mxico, Espanha, Caribe e Brasil. Teve um fim trgico com o
naufrgio do navio Lusitnia, torpedeado em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial (MC DOWALL, 2008,
p.86 e 295). 8 Alexander Mackenzie, jovem advogado da firma de Toronto, Blake, Lash and Cassels, consultores legais da
nova companhia. A princpio veio ao Brasil para fazer a gesto legal da concesso obtida por Gualco e Souza.
Apesar de, inicialmente ter planejado ficar aqui somente por trs meses, ficou quase trs dcadas e foi uma das
personalidades mais importantes na formao e desenvolvimento da empresa (MC DOWWALL, 2008, p.154 a
156). 9 Robert Calthrop Brown, engenheiro e administrador no posto de Superintendente da Light. Anteriormente fora
diretor de companhias de bondes eltricos em Boston, Montreal, Halifax e Brooklyn, entre outras. Foi convidado
para se juntar ao grupo Light por Frederick Stark Pearson (MC DOWWALL, 2008, p.56 a 59). 10
Hugh Lincoln Cooper, engenheiro especializado em instalaes hidrulicas, foi autor do projeto e construtor
da Usina Hidreltrica de Parnaba. Mais tarde, projetou e construiu, empreendimentos nos rios Nilo, no Egito,
Tennessee, nos Estados Unidos, e Dnieper, na Rssia Sovitica (MC DOWWALL, 2008, p.111).
20
opostos: o que partia em direo Rua Consolao e o que seguia pela Avenida Brigadeiro
Lus Antonio (SOUZA, 1982, p. 52-53). A tarifa inicial e que perdurou at 1909 era de 200
ris por trajeto, o que limitava o servio classe mdia e alta. Aps essa data foi firmada nova
concesso para oferecer tambm bondes especficos para operrios com o bilhete no valor de
100 ris (MC DOWALL, 2008, p. 124).
Figura 9 - Linha para a Penha, no Largo do Tesouro, 1901
Fonte: JATOB, 1992, p. 41
Na ocasio, j existia o servio de bonde puxado por mula operado pela Companhia Viao
Paulista, que era advinda da consolidao, em 1889, de vrias companhias de bonde menores.
Seja pela natureza do servio ou por sua m administrao, apresentava vrios
inconvenientes, poucas vantagens e servio irregular (MC DOWALL, 2008, p. 48-49). Com a
concorrncia estabelecida pelos bondes eltricos, a Viao foi forada liquidao e apesar
da sua compra, pela Light em abril de 1901, houve uma disputa jurdica por indenizaes que
perdurou at 1906 (SOUZA, 1982, p. 30-35 e MC DOWALL, 2008, p. 116-118). Quando
assumiu a concesso da Viao Paulista, no havia outra sada para a Light a no ser cumprir
os trajetos por meio da trao animal. No entanto, em seguida foi realizada a poltica de
substituio pelos bondes eletrificados e, em 1903, foi retirado o ltimo animal de circulao.
21
Antes mesmo da primeira viagem de bonde eltrico a Light j havia assumido, em maro de
1900, a Companhia Carris de Ferro de So Paulo e Santo Amaro que, na ocasio, era
municpio independente de So Paulo. Essa empresa era proprietria de uma linha frrea de
dezenove quilmetros, em um subrbio em expanso, percorrida, trs vezes ao dia, por um
pequeno trem movido a vapor. Por isso, era o nico concorrente em potencial para a Light
(SOUZA, 1982, p. 26 e MC DOWALL, 2008, p. 119).
Figura 10 - Bondes da Light no Largo da S em 1916
Fonte: STIEL, 1986, p. 36
Em 1909, a Light viu ameaada a sua exclusividade no fornecimento de eletricidade e
iluminao urbana em So Paulo, quando os proprietrios da Usina Hidreltrica de Itatinga e
das Docas de Santos, a empresa carioca Guinle and Company, conseguiram uma concesso de
fornecimento de energia junto prefeitura de So Paulo (MC DOWALL, 2008, p. 130-131).
Para manter o seu privilgio, a empresa foi forada a fazer um acordo estabelecendo a
reduo, unificao e congelamento de tarifas dos bondes. Dessa forma, apesar de manter o
seu monoplio do fornecimento de energia, esse acordo teve como efeito colateral a
22
decadncia dos sistemas de transportes, pelo desinteresse da empresa em continuar a investir
nesse setor. Foi o comeo de um relacionamento conflituoso entre a empresa e a populao
que passou a reclamar pelos maus servios prestados. Alm disso, a empresa usou do seu
poder poltico para impedir a implantao de outras iniciativas que pudessem ameaar a
concesso de transportes como a estrada de ferro circular ao centro de So Paulo, a
metropolitana de Felipe Gonalves, de 1906. Foi nessa poca que a empresa foi comparada a
um polvo canadense, que mantinha sem opes a cidade entre seus tentculos
(GORDINHO, 1986, p. 16-21).
A prpria Light mais tardiamente, na dcada de 1920, apresentou o Plano Integrado de
Transportes, que contemplava tambm o metr subterrneo, na tentativa de resolver o
transporte de bondes diante do trnsito catico e saturado, provocado pelo aumento do
nmero de nibus e automveis (MC DOWALL, 2008, p. 330-331). Tambm foi uma
tentativa da empresa para aumentar as tarifas, congeladas desde 1909. As circunstncias
polticas no foram favorveis, o plano no foi aprovado e deu lugar ao Plano de Avenidas,
proposto por Prestes Maia, que privilegiava o transporte individual e coletivo motorizado, em
detrimento do transporte por trilhos. Em 1947, a Light acabou entregando o seu servio de
viao urbana para o municpio de So Paulo (STIEL, 1986, p. 52-62).
Se no incio, o domnio sobre o servio de viao urbana foi importante e se tornou a
atividade principal para o estabelecimento da Light, por outro lado, o servio de distribuio
da eletricidade foi um subproduto desse primeiro servio. Essa hiptese foi levantada por
Flavio Saes, a partir dos dados referentes receita do grupo, em So Paulo. Apesar das
imprecises, possvel confirmar que a receita dos servios com transporte era de trs a cinco
vezes superior obtida com o fornecimento de eletricidade. Com o tempo, graas ao consumo
de energia, devido ao crescimento de estabelecimentos industriais e pela progressiva
substituio do vapor por energia nas indstrias, o fornecimento de energia eltrica ganhou
importncia decisiva na poltica de longo prazo da empresa. Os dados censitrios parecem
confirmar essa tendncia: houve o crescimento da proporo de uso de energia eltrica na
indstria de 4,29%, em 1907, para 47,3%, em 1920 (SAES, 1986, p. 28-29 apud FARIA,
2000, p. 2).
Concomitantemente instalao do primeiro gerador termeltrico, a partir de janeiro de 1900,
foi iniciada a construo da usina de Parnaba, na Cachoeira do Inferno, no Rio Tiet,
territrio do municpio de Santana de Parnaba. A implantao de uma hidreltrica de porte,
23
para as condies da poca, era necessria para permitir no s a expanso dos servios de
transporte coletivos com tambm para gerar eletricidade destinada aos potencias
consumidores industriais, comerciais e residenciais. Dessa forma, no dia 23 de setembro de
1901, a Usina de Parnaba comeava a operar com duas turbinas de um megawatt cada uma.
Foram realizados sucessivos acrscimos na capacidade instalada at 1912, quando atingiu a
gerao mxima de dezesseis megawatts (PONTES, 1991, p. 29).
Na implantao dessa usina foi importante a participao do engenheiro hidrulico norte
americano Hugh L. Cooper. As obras em Parnaba, constitudas pela barragem, aqueduto, casa
de mquinas e linha de transmisso foram cumpridas em pouco mais de vinte meses. A usina
de Parnaba disponibilizou para a companhia uma energia permanente e relativamente barata,
que possibilitou aliviar a demanda sobre a pequena termoeltrica de So Caetano. Alm disso,
possibilitou o fortalecimento do negcio da empresa, pois era uma grande reserva de
eletricidade em detrimento dos concorrentes, que no possuam capacidade geradora que
possibilitasse alguma ameaa (MC DOWALL, 2008, p. 115). Em 1901, participou nos
trabalhos finais da usina de Parnaba, o jovem engenheiro eletricista Edgard de Souza11
, que
mais tarde, em 1949, passaria a emprestar o seu prprio nome para a referida usina
(MARANHO, 1982, p. 6 e PONTES, 1991, p. 31).
Concomitantemente construo da usina de Parnaba, em 1901, a Light comeou a promover
desapropriaes na regio de Santo Amaro. A posterior ampliao da usina, com a instalao
de sucessivas turbinas, imps a necessidade de regularizao da vazo da gua do Rio Tiet,
principalmente em pocas de estiagem. Para isso, a empresa resolveu construir um grande
reservatrio de regularizao. O local escolhido para a implantao da barragem foi no Rio
Guarapiranga, prximo sua foz no encontro com o Rio Jurubatuba onde nasce o Rio
Pinheiros. Dessa forma, obtida a concesso, em 1906, dois anos depois, em 1908, foi
concluda a obra que deu origem represa Velha de Santo Amaro, mais tarde denominada
represa do Guarapiranga (SEGATO, 1995, p. 18).
O represamento de grandes propores, de aproximadamente duzentos milhes de metros
cbicos, ocupou uma rea enorme, onde estavam instaladas propriedades rurais que
11
Edgard Egydio de Souza, natural de Campinas, So Paulo, diplomou-se em Engenharia de Eletricidade em
1899, na Blgica. Retornou ao Brasil e ingressou na Light em 1900. Foi o primeiro brasileiro a conquistar os
cargos mais importantes at ser diretor e vice-presidente da companhia a partir de 1928. Permaneceu na empresa
por mais de cinquenta anos (MARANHO, 1982, p.3 a 12).
24
produziam alimentos para Santo Amaro e para a cidade de So Paulo. Houve muito
descontentamento pois, alm da desapropriao de propriedades de sitiantes e chacareiros,
houve a interrupo e desvio de estradas e caminhos de ligao, aumentando
significativamente as distncias a serem percorridas (SEGATO, 1995, p. 18). A partir de
1928, o reservatrio passou a ser o principal fornecedor de gua para o abastecimento de gua
para a cidade de So Paulo, com o suprimento de um metro cbico por segundo at a estao
de tratamento de Teodoro Ramos. Essa contribuio foi aumentando ao longo dos anos
(GUERRA; FRANA, 1986, p. 160).
Figura 11 - Construo da barragem do Reservatrio Guarapiranga
Fonte: GUERRA; FRANA, 1986, p. 225
A Light optou, na construo da barragem do Guarapiranga, em sua primeira obra de terra de
grande porte e praticamente em todas as outras que se seguiram, pela hidromecanizao12
, que
12
Hidromecanizao envolve um conjunto de tcnicas relacionadas com a extrao, transporte e deposio de
qualquer material slido em uma rea predeterminada, com o auxlio de gua ou outro tipo de fluido. Ou ainda:
Em linhas gerais, pode-se conceituar que esta uma tcnica, na qual so envolvidos servios de desmonte e/ou dragagem de materiais (solos), transporte e lanamento da
mistura ao longo das sees da estrutura prevista e eliminao do excesso de gua
(atualmente recomenda-se tambm a eliminao das fraes mais finas do solo). (GUERRA; FRANA, 1986, p. 10).
25
na poca era utilizada com frequncia e sucesso na Amrica do Norte. Os macios construdos
dessa forma so chamados de aterros hidrulicos. A economia e rapidez de execuo foram,
sem dvida, os principais fatores que levaram escolha desse mtodo (GUERRA; FRANA,
1986, p. 159). A figura 11 um registro da utilizao dessa tcnica durante a montagem dessa
barragem.
Ao longo da dcada de 1900, as progressivas ampliaes da Usina Hidreltrica de Parnaba
ofereceram a disponibilidade permanente de excedente de energia, que permitiram Light
sempre manter vantagem diante da ameaa de possveis concorrentes. Foi assim que foi
conquistado o uso da iluminao pblica eltrica, superando a iluminao a gs, o espao
junto aos consumidores residenciais, apesar do preo da tarifa relativamente alto, e,
principalmente, junto aos consumidores industriais. A grande oferta de eletricidade influiu
diretamente na forte expanso da indstria de So Paulo nos quinze primeiros anos do sculo
vinte de forma que, em 1914, esse estado respondia por aproximadamente trinta por cento da
produo industrial brasileira (MC DOWALL, 2008, p. 129-134).
Esse cenrio fez com que a demanda de eletricidade aumentasse de tal forma que, em 1912, a
Light foi obrigada a restringir o fornecimento de eletricidade por alguns dias. O suprimento de
energia somente voltou ao normal depois da inaugurao de outra usina termoeltrica a vapor,
na Rua Paula Souza, com duas mquinas cada de dois megawatts. Essa usina tambm foi
importante para atender ao aumento dirio de consumo nos momentos de ponta de carga, em
auxlio gerao da usina de Parnaba (SOUZA, 1982, p. 75).
Apesar de importante, a construo da usina a vapor foi somente uma soluo temporria e
emergencial. A resposta definitiva seria a construo de outra hidreltrica, pelo fato da
capacidade de suprimento da usina de Parnaba j estar no limite. A Light j havia adquirido
uma rea propcia a essa finalidade junto localidade de Pau DAlho, no municpio de Itu. No
entanto, as obras seriam demoradas. A Light optou por adquirir uma pequena usina instalada
no Rio Sorocoba, e propriedades no entorno, para construir uma nova hidreltrica de maior
porte jusante da pequena hidreltrica. Ela teria um reservatrio de acumulao maior do que
a opo em Pau DAlho e teria uma queda dgua de duzentos e trinta metros. Para a
realizao desse empreendimento foi constituda, em 1911, a terceira empresa da Light, a So
26
Paulo Electric Company13
. Dessa forma, em 1914, a Light inaugura uma usina com trs
geradores de doze e meio megawatts para aproveitar o salto de Itupararanga, no Rio Sorocaba,
com o intuito de aliviar a demanda por eletricidade que pressionava a usina de Parnaba.
2.1.1 - O Projeto Serra
Aps a Primeira Guerra Mundial, ficou mais visvel a presena da classe mdia urbana na
cena poltica brasileira, graas industrializao e ao crescimento urbano favorecido pela
restrio aos artigos importados (FAUSTO, 2010, p. 171).
Na dcada de 1920, o presidente Artur Bernardes (19221926) tomou posse aps o governo
de Epitcio Pessoa (19191922). Desde a sua posse e durante todo o seu mandato, o pas
permaneceu sob estado de stio. Enfrentou com forte represso a revolta do Forte de
Copacabana, em 1922, no Rio de Janeiro, a revoluo de 1924, em So Paulo, e o movimento
que se seguiu: a coluna Miguel Costa-Lus Carlos Prestes (FAUSTO, 2010, p. 171-176).
No plano econmico, o seu governo encontrou o pas com o cmbio desvalorizado e pela
inflao, graas s macias emisses de moedas feitas por Epitcio Pessoa entre 1921 e 1923,
para a realizao da valorizao do caf, principal produto de exportao nacional. O cmbio
baixo estimulava bastante a indstria nacional, favorecendo a urbanizao e intensificando a
demanda pelos servios de bonde e de energia eltrica. Por outro lado, o cmbio em baixa
corroa gravemente os ganhos em moeda forte da Brazilian Traction14
(MC DOWALL, 2008,
p. 305-310).
Dessa forma, na dcada de 1920, a Brazilian Traction estava pressionada entre o cmbio
desfavorvel e o consumo de energia em expanso. No expandir a capacidade instalada para
atender demanda poderia colocar as concesses em risco e abrir brecha para possveis
concorrentes. Por outro lado, essa mesma expanso seria muito cara diante dos poucos
recursos disponveis no exterior. De qualquer maneira, no havia outra opo a ser seguida
que no fosse a expanso do sistema de gerao, em vista dos novos clientes que surgiam,
como as empresas de ferrovias brasileiras, a Central e a Paulista, que estavam eletrificando as
13
A segunda empresa do grupo Light foi a Rio Light, criada em 1905. 14
Em 1912, as companhias do Rio e de So Paulo se fundiram sob a superviso de uma empresa holding sediada em Toronto, a Brazilian Traction, Light and Power Company Limited (MC DOWALL, 2008, p.16).
27
linhas de trens. Se essa demanda no fosse atendida seria aberta uma oportunidade s
companhias estrangeiras (MC DOWALL, 2008, p. 310-311).
Alm do aumento da demanda de energia uma grande estiagem, que comeou em 1923 e se
agravou no ano seguinte, provocaram uma crise de abastecimento de energia eltrica sem
precedentes na histria da Light. Com a diminuio hdrica dos reservatrios e a reduo da
gerao, a empresa foi obrigada a implantar o racionamento de energia na regio. Para
solucionar esse problema a Light enfrentava agora um impasse indito: anteriormente, ela j
havia contado com engenheiros hidroeltricos notveis como Hugh Cooper e Kearny15
,
responsveis pelos empreendimentos de Parnaba e Ribeiro das Lajes, respectivamente.
Alm disso, estava sempre presente Pearson que, apesar de no ser especialista em
hidroenergia, tinha uma capacidade enorme em engenharia e havia concretizado grandiosas
obras de gerao de energia. Como Pearson havia morrido no naufrgio do Lusitnia, em
1915, era urgente que a Light encontrasse um engenheiro que honrasse a tradio de
engenheiros da empresa com a capacidade de concretizar as obras de expanso da gerao
necessrias (MC DOWALL, 2008, p. 311).
Asa White Kenney Billings, engenheiro hidroeltrico americano, foi contratado em 1922 para
a direo de empreendimentos e na coordenao das obras realizadas a partir de ento pela
Light. Nascido em 1876, em Omaha, nos Estados Unidos, desde a infncia decidiu se tornar
engenheiro. Enquanto Billings crescia, estava havendo o comeo da utilizao comercial da
eletricidade: quando ele tinha trs anos, Thomas Alva Edison aperfeioou a primeira lmpada
incandescente e, quando completou o dcimo primeiro aniversrio, geradores de corrente
alternada comearam a ser usados em larga escala, enquanto cidades como Boston e Nova
York planejavam substituir as mulas pela eletricidade, em seus bondes (BILLINGS &
BORDEN, 2010). Com essa idade, quando no estava na escola, se dedicava a limpar graxa
na usina eltrica de Omaha (MC DOWALL, 2008, p. 312).
Em 1897, formou-se pela Universidade de Harvard. Enquanto estava na universidade
estudava espanhol, aprendia esgrima com colegas cubanos e retribua ensinando matemtica.
Nas frias, trabalhava para empresas de eletricidade para pagar os estudos. Quando se formou,
foi trabalhar em Pittsburgh para supervisionar uma usina a vapor e a instalao de linhas de
15
C. H. Kearny, jovem engenheiro americano, foi contratado por Mackenzie, 1904, para supervisionar o projeto
de Ribeiro das Lajes que era o suprimento de eletricidade a Rio Light at o incio da dcada de 1920.
28
bondes eltricos. A sua amizade com cubanos foi til quando, em 1899, foi supervisionar a
eletrificao da estrada de ferro de Havana. Com vinte e cinco anos, em 1901, voltou
Pittsburgh, onde montou um escritrio de engenharia. Em seguida, retornou Havana para
gerenciar os servios municipais de trao eltrica. Em 1906, abriu um escritrio que realizou
obras de importncia e, mais tarde, supervisionou a construo do sistema de trao eltrica
na cidade de Santiago de Cuba. Nessa ocasio, inventou equipamentos de medio para usinas
a vapor e chegou a registrar quatro patentes, mas os seus negcios eram tantos que no
chegou a se aprofundar em suas criaes para obter a aplicao comercial (BILLINGS &
BORDEN, 2010).
Billings estava em Nova York, em 1911, coordenando projetos de hidreltricas e de irrigao
em uma empresa, quando conheceu Fred Pearson, que possua um escritrio de engenharia e
j era famoso por ter promovido hidreltricas em diversos locais do mundo, alm de ter
organizado a Light So Paulo, Light Rio e ser um dos fundadores da Brazilian Traction.
Pearson procurava um assistente que pudesse orientar a construo de companhias no Texas,
Estados Unidos e na Espanha (BILLINGS & BORDEN, 2010). Billings, alm de haver
adquirido experincia na superviso de servios de eletricidade, tambm dominava o uso
inovador de concreto reforado na construo de barragens, o que o levou a ser contratado
como assistente para a organizao de Pearson. Na Primeira Guerra Mundial, serviu como
oficial da reserva da Marinha Americana responsvel por construes navais na Europa. Aps
o trmino da guerra, depois de cinco anos como consultor, ele foi contratado pela Light para
investigar a situao da energia no Brasil (MC DOWALL, 2008, p. 311-312).
Quando Billings chegou ao Brasil, em 1922, no Rio de Janeiro existia a usina das Fontes, no
Ribeiro das Lajes, com capacidade de quarenta e seis megawatts. Em So Paulo, o parque
gerador da Light era composto pelas Usinas Hidreltricas de Santana do Parnaba,
Itupararanga, em Sorocaba, e pela Usina Trmica de Paula Souza, totalizando cinquenta
megawatts de potncia instalada (BILLINGS & BORDEN, 2010). O diagnstico do
levantamento realizado por Billings era de que a Brazilian Traction estava perigosamente
beirando os limites de sua capacidade geradora no Rio e em So Paulo. Ele props um
programa em duas etapas: uma de curto prazo, por meio de solues provisrias e temporrias
para contornar a crise de energia, com instalaes de unidades geradoras adicionais nas
Usinas de Sorocaba e Lajes, esta ltima no Rio, e de termoeltricas para operar nos perodos
de estiagem (MC DOWALL, 2008, p. 313). Conforme a proposta de curto prazo, em 1925, a
29
usina Itupararanga, em Sorocaba, ampliada em mais dezenove megawatts (SOUZA, 1982, p.
76-79). Nesse mesmo ano, a usina termoeltrica de Paula Souza teve aumento da capacidade
instalada em mais quatro megawatts. (SOUZA, 1982, p. 75).
A outra etapa da proposta, com solues mais abrangentes e definitivas, seria a construo de
uma hidreltrica no Rio Paraba, para atender o Rio de Janeiro e o estudo de um novo
aproveitamento hidrenergtico para trabalhar em conjunto com as usinas que serviam So
Paulo. Dessa forma, Billings primeiro realizou a superviso da construo da Usina da Ilha
dos Pombos, que iria completar o abastecimento de eletricidade da Capital Federal, cujo
consumo j dava mostras de ser maior do que a energia eltrica ento produzida (MC
DOWALL, 2008, p. 312).
Figura 12 - Usina de Rasgo
Fonte: EMAE
Em seguida, Billings, voltou a sua ateno para So Paulo. Ficou satisfeito que Alexander
Mackenzie j havia adquirido as propriedades necessrias para realizao de transmisso de
30
energia baseado em um levantamento realizado por F. S. Hyde16
, um gelogo freelance
americano. Billings chegou concluso de que deveria ser realizada a construo,
rapidamente, de uma usina de baixo custo para dar apoio ao esforo de atendimento
demanda de energia realizada por meio da usina de Parnaba. A seca no perodo estava
restringindo a gerao de energia de forma que at o servio de bondes estava sendo limitado
(MC DOWALL, 2008, p. 315). Dessa forma, a Light inaugurou, em 1925, a Usina de Rasgo
(figura 12), construda s pressas em apenas onze meses, perto da cidade de Itu, interior do
Estado. (DIAS, 1989, p. 40). Essa usina entra em operao com dois geradores, em setembro
e novembro, perfazendo um total de vinte e dois megawatts (SOUZA, 1982, p. 96-98).
Mesmo assim, permanecia o aumento de demanda acelerada por energia eltrica. A soluo
complementar deveria ser ainda mais definitiva e abrangente.
A crise energtica provocada pela demanda crescente e agravada pela grande estiagem
ocorrida em So Paulo, em 1924, embora atenuada com a construo relmpago, por Billings,
da Usina de Rasgo, demonstrou a vulnerabilidade s condies de secadas usinas a "fio
d'gua", ou seja, usinas que no tem um reservatrio de acumulao e utilizam toda a gua
que chegam s suas comportas. Era o caso, por exemplo, das usinas de Parnaba, Sorocaba e
Rasgo. A contnua presso por mais eletricidade cobrava uma soluo diferente da utilizada
at o momento. Era necessria a concretizao de um complexo que utilizasse barragens com
reservatrio que fornecesse para a usina um abastecimento contnuo de energia mecnica para
movimentar os seus geradores, mesmo em pocas de seca (MC DOWALL, 2008, p. 316).
O grande obstculo, no entanto, eram as caractersticas da topografia brasileira, que permitiam
somente o aproveitamento hidroeltrico a partir dos rios que fluam com quedas graduais no
sentido do interior brasileiro, em direo bacia do Rio Paran. O grande territrio do Brasil
tem um formato topogrfico semelhante a uma bacia enorme e rasa, para cujo centro flui uma
imensa rede de rios que convergem e se juntam para formar bacias hidrogrficas maiores
como a do Rio Amazonas, So Francisco e Paran. A borda dessa bacia gigantesca formada
pela Serra do Mar, a cadeia acidentada e contnua de montanhas que se ergue prxima
plancie litornea, inclinando toda a superfcie do territrio brasileiro para dentro. Por
dedicarem a ateno somente aos rios vagarosos que fluem para o interior do Brasil, os
16
F. S. Hyde, gelogo freelance norte americano, anteriormente j havia sugerido a construo da usina da Ilha
dos Pombos e j havia percorrido a cavalo, a pedido de Alexander Mackenzie, vales ribeirinhos no Estado de
So Paulo, procura de pontos promissores para a hidroeletricidade.
31
engenheiros da So Paulo Light haviam deixado de lado a tremenda oportunidade, para o
desenvolvimento da gerao de energia eltrica, existente a partir da cumeeira da Serra do
Mar. A pouca distncia do litoral, a serra se eleva a uma altitude de pouco mais de setecentos
metros. Entre a base e o topo dessa escarpa, o volume de precipitao das chuvas apresenta
uma diferena impressionante. Na plancie litornea, o ndice pluviomtrico fica entre 1.800 a
2.400 milmetros por ano, mas, medida que o ar quente e mido, vindo do mar, esfria na
subida da serra, as nuvens carregadas provocam uma precipitao que atinge at 6.800
milmetros anualmente. Alm disso, apesar de inferior Serra do Mar, a precipitao tambm
elevada em toda a rea de planalto: decresce do alto da serra, onde registrada uma das
mais altas precipitaes mdias anuais do Brasil que de at 4.500 mm, em direo Capital
com um valor de 1.700 mm por ano. Esse excepcional padro pluviomtrico numa estreita
faixa de territrio ao longo da cumeeira da serra era um dos maiores do mundo. A constante
inundao na borda da serra, junto ao planalto, oferecia aos engenheiros eletricistas um
volume de gua inigualvel que poderia ser utilizado na gerao de energia (MC DOWALL,
2008, p. 316-317). Mais tarde, Billings realizou o seguinte depoimento:
rara, nesta parte do Brasil a combinao entre ndice pluviomtrico
mdio elevado, quedas altas, topografia favorvel, pontos esparsos para a
formao de reservatrios e a proximidade do mar e de um mercado em
crescimento acelerado (BILLINGS, 1930 apud MC DOWALL, 2008, p.
318).
No entanto, a topografia da Serra do Mar no favorece o acmulo de privilegiada quantidade
de gua. Elas escoam por rios com fluxos velozes pela escarpa inclinada da serra ou fluem
mais lentamente em busca do Tiet por meio de vales largos e de pequena declividade. O
segredo para o aproveitamento era encontrar uma forma de recolher, armazenar e conduzir as
gua abundantes para a beira do topo da serra. O aproveitamento hidrenergtico poderia ser
ainda maior se as guas do Rio Tiet, que o principal da regio do planalto, fossem
desviadas, conduzidas e somadas a esse sistema por meio de bombeamento para superar o
desnvel at o topo da serra. A partir desse ponto, as guas seriam levadas, por gravidade, pela
abrupta encosta at o nvel da plancie litornea (MC DOWALL, 2008, p. 318).
J em 1911, portanto, antes mesmo da construo da Usina Hidreltrica de Itupararanga, em
Sorocaba, existia o interesse da Light num ambicioso projeto de aproveitamento das guas do
planalto o que a levou inclusive a fazer aquisio de terras envoltrias cachoeira do
32
Itapanha, na vertente martima da Serra do Mar, prximo a Mogi das Cruzes. A proposta
baseada no anteprojeto do grupo de engenheiros, liderados por Walter Charnley, era inverter
as guas do Rio Tiet atravs de um canal de mil e setecentos metros, para o Ribeiro Grande,
um dos formadores do Rio Itapanha e aproveitar uma queda de seiscentos e quarenta metros
para a gerao de energia eltrica. Em 1923, diante das circunstncias da crise de eletricidade,
reiniciou-se a reviso do plano ambicioso de aproveitamento das guas do planalto, iniciado
em 1911. Ao examinar o projeto, Billings no ficou satisfeito com as suas condies, pelos
inmeros problemas encontrados e, o maior deles, a dificuldade do transporte de material para
a futura usina (SOUZA, 1982, p. 101).
Para auxili-lo, Billings solicitou novamente o apoio de Hyde, que tambm j conhecia a
regio da Serra do Mar. Ele percorreu durante meses o planalto ao longo da borda da Serra do
Mar, ento quase desabitada, com poucas estradas de acesso, somente com um mapa da
regio, da Comisso Geogrfica e Geolgica do Estado de So Paulo, enfrentando a mata
densa cheia de cobras, a umidade e as chuvas contnuas. Sua misso era procurar outros locais
apropriados construo de represas com a possibilidade de inverso de suas guas para a
vertente martima, assim como acontecia com o Itapanha (SOUZA, 1982, p. 101-102).
Na poca em que foi iniciado o levantamento, era sabido que a Light estava para iniciar um
novo projeto hidroeltrico. Portanto, era necessria muita discrio para no alertar e
estimular possveis concorrentes ou especuladores contra os interesses da Empresa. Os
trabalhos de Hyde foram ento, propositalmente mantidos em sigilo. Ele e sua equipe
utilizaram uma pequena frota de caminhes Ford T, equipados com redes para captura de
borboletas, na inteno de convencer os eventuais curiosos de que se tratava apenas de uma
expedio botnica americana. A estratgia de dissimulao quase foi descoberta quando um
dos caminhes atropelou um fazendeiro da regio. A cobertura jornalstica do acidente
somente no foi realizada graas a um acordo informal negociado por Alexander Mackenzie
(MC DOWALL, 2008, p. 319).
Hyde era extremamente cuidadoso com o seu segredo: mantinha apenas um simples rascunho
a lpis dos seus desenhos e clculos, limitando toda a comunicao escrita a informaes
elementares, sem jamais mencionar localizaes especficas e detalhadas. Em meados de
1923, depois de alguns meses permanecendo na serra, munido apenas com seu mapa, Hyde
descobriu o que procurava: a uma distncia de cerca mil metros a oeste da rodovia Santos So
Paulo, tambm conhecida como Caminho do Mar, Hyde encontrou o vale do Rio das Pedras
33
que era um crrego que se precipitava sobre a borda formada pela Serra do Mar em um
desnvel de mais de setecentos metros de altura (MC DOWALL, 2008, p. 319-320). Hyde
registrou em seu relatrio:
"... A soluo simples e original. A formao geolgica da Serra do Mar
mostra que ela se ergueu em um perodo recente, depois da formao do
planalto paulista. Foi um levantamento lento e pouco acentuado, porquanto
os rios no tiveram tempo suficiente para escavar seus leitos atravs da
serra, e passaram a correr para o interior, com exceo, apenas, do Ribeiro
de Iguape e do Paraba. O que se pode fazer, portanto, inverter o curso
dos rios dos planaltos e jog-los serra abaixo, aproveitando a energia
assim produzida" (BILLINGS & BORDEN, 2010).
Hyde props que fossem represadas as guas dos rios antes que elas desaguassem para o mar
e para o interior. Alm disso, que se aproveitasse a energia potencial dessas guas em um
grande desnvel alimentado pela represa, inclusive durante o perodo de estiagem. Para
transformar as pequenas bacias em grandes reservatrios, Hyde sugeriu barrar os Rios das
Pedras e o Perequ, outro importante rio da regio, por meio de diques. Dessa forma, seria
possvel reservar um grande volume de gua construindo-se pequenas represas nos fundos de
vales. Garantida a vazo normal dos rios, o restante das guas armazenadas teria a sua
trajetria invertida: ao invs de flurem para o interior do continente desaguariam para o
Atlntico, aproveitando a bacia do Rio das Pedras como canal natural. O trecho de planalto
por trs do pequeno rio oferecia amplo espao para um grande reservatrio que poderia ter um
nvel mximo de 746 metros. O vale estreito cortado pelo Rio das Pedras apresentava espao
para outro pequeno reservatrio, a uma elevao de 728 metros, que funcionaria como uma
rolha de garrafa para regular o fluxo das guas em direo ao cume da serra. Na crista da
serra, seriam construdos tneis por onde passariam as guas em direo s tubulaes ao
longo da encosta ngreme, superando a queda de setecentos e cinquenta metros, at as turbinas
instaladas no sop da serra, onde ficaria a usina. (DIAS, 1989, p. 41 e MC DOWALL, 2008,
p. 320).
Arriscando uma estimativa pouco precisa, Hyde previu que o projeto poderia produzir
aproximadamente cento e cinquenta megawatts, de forma contnua (MC DOWALL, 2008, p.
320). Segundo Edgard de Souza, o denominado Projeto Serra apresentava quatro vantagens
maiores do que a opo anterior, que era o aproveitamento do Itapanha: maior altura de
34
queda, grande descarga, maior armazenamento de gua e melhor localizao estratgica com
menor distncia de transmisso de energia entre as duas maiores cidades do Estado de So
Paulo, a capital e o porto de Santos (SOUZA, 1982, p. 103).
Aproveitando o momento de grande visibilidade e importncia por causa das limitaes
impostas pela crise energtica, Billings solicitou a aprovao do Projeto Serra ao Governo
Federal, em maro de 1925, que foi conquistada em apenas dez dias, apesar do esquema de
reverses de vazes entre diferentes bacias e sub-bacias. O projeto foi autorizado pelo
Decreto Federal n 16.844, de 27 de Maro de 192517
. O plano previa, alm da construo de
uma usina hidreltrica na raiz da Serra de Cubato, a formao de reservatrios no Rio Tiet,
acima de Ponte Nova, e em seus afluentes, Grande, Parelheiros, MBoy Guau, Taiaupeba,
Au e Mirim, Balainho, Jundia e Biritiba, os quais seriam interligados entre si, por meio de
tneis e canais.
Depois de iniciadas as obras, o projeto foi desenvolvido em maiores detalhes e a nova
autorizao foi solicitada em julho de 1925, junto ao Governo de So Paulo, para evitar, no
futuro, questes a respeito do domnio superior das guas aproveitadas. Fazia referncias ao
aproveitamento das guas dos rios das Pedras, So Loureno, Laranjeiras, Perequ, Ribeiro
Grande e Monos, alm do Tiet. Justificava a Light, nessa solicitao, que as usinas e
reservatrios ento existentes tornaram-se insuficientes, a saber: a usina e o Reservatrio de
Santana de Parnaba, o reservatrio do Guarapiranga, em Santo Amaro, a usina de Rasgo, em
Pirapora e a usina e o reservatrio de Itupararanga, estes dois ltimos da So Paulo Electric
Company, que tambm forneciam energia para o sistema da Light. Dessa forma, rapidamente
foi obtida a sua aprovao tambm por meio de Lei Estadual n 2109, de 29 de dezembro de
192518
. Em 27 de maio de 1926, com o Decreto Estadual n 4056, foram aprovadas as
17
Em 27/03/25, foi baixado o Decreto Federal n 16.844, aprovando o plano de obras proposto pela LIGHT; de
acordo com o nico do art. 1 desse Decreto, a LIGHT ficava obrigada a:
a) No prejudicar o abastecimento de gua das populaes que seriam naturalmente serv
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