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CENTRO DE ESTUDO EM TERAPIA COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL
SHIRLEI FIGUEIREDO COSTA
A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO
TRATAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS
DE ABUSO SEXUAL
SÃO PAULO
2018
2
SHIRLEI FIGUEIREDO COSTA
A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO
TRATAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS
DE ABUSO SEXUAL
Monografia apresentada ao Centro de Estudo em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC) – Curso de Especialização, para a obtenção do título de Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. Orientadora: Profª. Drª. Renata Trigueirinho Alarcon Coorientadora: Profª. Msc. Eliana Melcher Martins
SÃO PAULO
2018
3
Fica autorizada a reprodução e divulgação deste trabalho, desde
que citada a fonte.
Figueiredo Costa, Shirlei.
A terapia cognitivo-comportamental no tratamento de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual / Shirlei Figueiredo Costa, Eliana Melcher Martins, Renata Trigueirinho Alarcon – São Paulo, 2018.
Número de folhas f + CD-ROM
Trabalho de Conclusão de Curso (especialização) – Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC). Orientação: Profª. Msc. Eliana Melcher Martins Coorientação: Profª. Dr
a. Renata Trigueirinho Alarcon
1. TCC. 2. Crianças e adolescentes. 3. Abuso sexual. I. Figueiredo Costa, Shirlei. II. Alarcon, Renata Trigueirinho. III. Martins, Eliana Melcher
4
Nome: Shirlei Figueiredo Costa
Título: A terapia cognitivo-comportamental no tratamento de crianças e
adolescentes vítimas de abuso sexual
Monografia apresentada ao Centro de Estudos em
Terapia Cognitivo-Comportamental como parte das
exigências para obtenção do título de Especialista em
Terapia Cognitivo Comportamental.
BANCA EXAMINADORA
Parecer: ____________________________________________________________ Prof: _______________________________________________________________ Parecer: ____________________________________________________________ Prof: _______________________________________________________________
São Paulo, ___ de __________________ de 2018.
5
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus filhos Matheus e
Júlia, que são a razão do meu viver e mesmo
muito pequenos me apoiam e me incentivam a
continuar.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Deus por me dar possibilidade de viver e poder desfrutar de
algo tão belo que é o conhecimento.
Agradeço aos meus pais que sempre me apoiaram desde as séries
escolares iniciais, me possibilitaram a formação superior e agora me
auxiliam no cuidado dos meus filhos para a conclusão deste trabalho.
Agradeço ao meu esposo que sempre me apoia em minhas escolhas,
cuidando com carinho de nossos filhos enquanto me dedico aos
estudos.
Agradeço a todos os mestres que passaram por minha vida e que de
alguma forma contribuíram para o meu crescimento pessoal e
profissional.
7
RESUMO
O abuso sexual é um tipo de violência e embora nos dias atuais, tenha sido amplamente divulgado, ainda assim, observamos números crescentes de crianças e adolescentes vítimas deste tipo de violência. Este é um tema que tem sido cada vez mais estudado, uma vez que desperta nos profissionais da saúde, grande interesse, mostrando-se estes preocupados com diagnóstico, prevenção e tratamento. OBJETIVO: verificar como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é aplicada no tratamento de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, bem como verificar quais técnicas e estratégias terapêuticas são utilizadas neste tipo de tratamento. METODOLOGIA: foi realizada uma pesquisa de revisão bibliográfica com as palavras-chave Cognitive behavioral therapy for children and adolescentes victims of sexual abuse nas bases de dados SCIELO, PUBMED e BVS. Foram selecionados três artigos. RESULTADOS: os resultados mostram que a TCC mostra-se mais efetiva na modalidade de grupoterapia, pois contribui para a redução dos sintomas de depressão, ansiedade e Transtorno de estresse pós traumático. As técnicas mais utilizadas nas intervenções foram: Psicoeducação, Inoculação do Estresse e Prevenção à Recaída. CONCLUSÃO: Assim, acredita-se que a TCC possa ser eficiente no tratamento de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.
Palavras-chave: Abuso sexual, crianças e adolescentes; terapia cognitivo-
comportamental.
8
ABSTRACT
Sexual abuse is a type of violence and although it has been widely publicized today, we are still seeing increasing numbers of children and adolescents who are victims of this type of violence. This is a topic that has been increasingly studied as it awakens in health professionals, great interest, showing themselves concerned about diagnosis, prevention and treatment. OBJECTIVE: To verify how Cognitive-Behavioral Therapy (CBT) is applied in the treatment of children and adolescents victims of sexual abuse, as well as to verify which techniques and therapeutic strategies are used in this type of treatment. METHODS: a bibliographic review was conducted with the keywords Cognitive behavioral therapy for children and adolescents victims of sexual abuse in the databases SCIELO, PUBMED and VHL. Three articles were selected. RESULTS: the results show that CBT is more effective in group therapy, since it contributes to the reduction of symptoms of depression, anxiety and post-traumatic stress disorder. The techniques most used in the interventions were: Psychoeducation, Inoculation of Stress and Relapse Prevention. CONCLUSION: Thus, it is believed that CBT can be effective in the treatment of children and adolescents victims of sexual abuse.
Keywords: Sexual abuse, children and adolescents; cognitive behavioral therapy.
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 8
2 OBJETIVOS 15
3 METODOLOGIA 16
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 17
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 27
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 28
ANEXO 31
8
1. INTRODUÇÃO
1.1 Abuso Sexual Contra Crianças e Adolescentes
Este é um tema que tem sido cada vez mais estudado, uma vez que desperta
nos profissionais da saúde, grande interesse, mostrando-se estes preocupados com
diagnóstico, prevenção e tratamento (CAMINHA et al, 2011 apud RANGE, 2011).
O abuso sexual é um tipo de violência e embora nos dias atuais, tenha sido
amplamente divulgado, ainda assim, observamos números crescentes de crianças e
adolescentes vítimas deste tipo de violência.
Com o advento do Estatuto da criança e do adolescente (ECA, Brasil, 1990),
no qual se dá ênfase na importância do papel da família, sociedade e Estado no
combate à violência e na defesa dos direitos da criança e do adolescente, diversos
mecanismos foram pensados no combate deste tipo de violência, contudo, não tem
como não considerarmos os efeitos deletérios do abuso sexual no desenvolvimento
biopsicossocial infanto-juvenil.
O abuso sexual implica em medidas urgentes protetivas para as vítimas, não
perdendo de vista que este é um fenômeno complexo que necessita,
obrigatoriamente, ser abordado a partir de diferentes perspectivas (CAMINHA et al,
2011 apud RANGE, 2011).
Segundo CAMINHA et al (2011 apud RANGE, 2011) este tipo de violência é
considerado um grave problema de saúde pública. Conforme propõem
POLANCZYCK et al (2003), embora alguns relatos clínicos de situações de violência
já possam ser encontrados desde o final do século XIX, foi somente a partir de 1960
que este assunto passa a ser considerado como uma questão de saúde e, nos anos
70, alguns países passam a reconhecê-lo como um sério problema de saúde
pública.
O abuso sexual é caracterizado por qualquer contato ou interação, seja
heterossexual ou homossexual, entre uma criança ou adolescente e alguém em
estágio psicossexual mais avançado do desenvolvimento, em que a vítima é
utilizada para a estimulação ou satisfação sexual do perpetrador (CAMINHA et al,
2011 apud, RANGE, 2011).
9
Tais práticas são impostas à criança ou ao adolescente através de ameaças,
uso da força física ou indução da sua vontade, e podem ser caracterizadas pela
presença de contato físico, como toques, caricias sexo oral ou relações com
penetração (digital, genital ou anal), como também por relações em que não há
contato, como voyeurismo, assédio, exibicionismo, pornografia e exploração sexual.
(CAMINHA et al, 2011 apud RANGE, 2011).
Embora haja um grande investimento em estudos epidemiológicos sobre
abuso sexual contra crianças e adolescentes, os números reais possivelmente
nunca serão conhecidos, uma vez que nem todos os casos deste tipo de violência
são reconhecidos ou relatados (JOHNSON, 2004).
Quanto as possíveis causas para tal advento, encontra-se o fato de crianças
pequenas ou deficientes não terem habilidades comunicativas adequadas para
relatar esse tipo de acontecimento ou, até mesmo, não reconhecerem as ações de
abuso como impróprias. Além disso, são frequentes os casos em que as vítimas têm
uma tentativa malsucedida de revelação interpretada como imaginação ou, ainda
pior, vista como mentira (COURTOIS E SPREI, 1998; KRISTENSEN et al., 2003).
1.2 Os efeitos do abuso sexual no desenvolvimento infanto-juvenil
A vivência de abuso sexual na infância ou adolescência pode acarretar sérios
prejuízos tanto ao desenvolvimento infanto-juvenil quanto para a vida adulta.
Conforme propõe LEE (et al., 2002), a vivência de agressões sexuais durante a
infância e a adolescência é um forte preditor para o desenvolvimento de
comportamentos sexualmente abusivos ou mesmo pedofilia na idade adulta.
Dentre os prejuízos do abuso sexual podemos citar repercussões cognitivas,
emocionais, comportamentais, físicas e sociais, que variam para cada indivíduo.
Entre essas alterações mais comumente presentes, destacam-se: disfunções na
memória, na atenção e nas funções executivas; tristeza; medo exagerado de
adultos; comportamento sexual inadequado; baixa autoestima; abuso de substâncias
químicas; enurese; encoprese; tiques e manias; isolamento social; dificuldades de
aprendizagem; irritabilidade; agressividade; ideações suicidas; depressão;
transtornos alimentares, transtornos dissociativos; transtorno de déficit de
Atenção/Hiperatividade e, inclusive, Transtorno Bordeline (CAMINHA et al, 2011
apud RANGE,2011).
10
Além de todas as alterações acima elencadas, destacam-se os transtornos de
ansiedade, entre os quais o Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT) é um
dos mais comuns (CAMINHA et al, 2011 apud RANGE,2011).
O TEPT caracteriza-se por uma resposta sintomática a um evento estressor
que envolve a revivência do episódio traumático, evitação e entorpecimento e
excitabilidade aumentada. Tal transtorno é presente no sujeito por mais de um mês e
acarreta prejuízos significativos na funcionalidade e/ou intenso sofrimento
psicológico ao paciente sendo, portanto, considerada invalidante (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2002).
O TEPT é um transtorno classificado entre os transtornos de ansiedade (APA,
2014), incluído como diagnóstico a partir do DSM-III (American Psychiatric
Association, 1980). Essa perturbação, advinda da exposição a um evento
traumático, apresenta prejuízos significativos na vida do indivíduo, impedindo-o, por
vezes, a realizar diversas atividades de seu cotidiano.
O TEPT é o quarto distúrbio psiquiátrico mais comum, atingindo uma média
de 10,3% dos homens e 18,3% das mulheres em algum momento da vida. A
prevalência na população geral é de 6,8%, de maneira que pode ser considerado um
problema de saúde pública. (YEHUDA e DAVIDSON, 2000).
Essa desordem já está sendo considerada uma das doenças que mais causa
prejuízo funcional na vida dos indivíduos, pois os impede de enfrentar locais e
situações que causam extremo medo e ansiedade (KRISTENSEN et al., 2006).
Relata-se que grande parte das pessoas vivenciou, vai vivenciar ou tem
contato com alguém que experenciou ao menos um evento traumático ao longo da
vida. De fato, há estudo que indica que entre 60 e 80% dos indivíduos na população
geral vai passar por alguma situação estressora potencialmente traumática
(KRISTENSEN et al., 2006).
1.3 A Terapia Cognitivo Comportamental
Na década de 1960, na Universidade da Pensilvânia Aaron Beck desenvolveu
a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), inicialmente para o tratamento da
depressão, no qual concebeu uma psicoterapia estruturada, de curta duração,
voltada para o presente, direcionada para a solução de problemas atuais e
11
modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais (BECK,1964 apud
BECK, 2013).
Desde então a TCC se expandiu rapidamente e passou a ser utilizada como
tratamento eletivo ou tratamento coadjuvante para um grande número de transtornos
mentais ou mesmo de condições clínicas, bem como para as mais diversas
populações e contextos (DOBSON, 2006).
As duas últimas décadas foram essenciais para a terapia cognitivo-
comportamental, pois com a explosão de novas pesquisas, a TCC se transformou no
tratamento de escolha para muitos transtornos, não somente porque reduz
rapidamente o sofrimento das pessoas e as encaminha para a remissão, como
também porque as auxilia a permanecer bem. (BECK, 2013). Assim, na atualidade,
pode-se considerar que a Terapia Cognitivo-Comportamental tem se apresentado
como abordagem terapêutica utilizada para o tratamento de diversas psicopatologias
e vem obtendo resultados positivos no que se refere à eficácia de suas técnicas.
Vale destacar que em todas as formas de TCC derivadas do modelo de Beck,
o tratamento está baseado em uma formulação cognitiva, na qual deve conter as
crenças e estratégias comportamentais que caracterizam o transtorno específico
(ALFORD e BECK, 1997 apud BECK, 2013).
Neste sentido, o tratamento engloba uma compreensão das crenças
específicas e padrões de comportamento de cada paciente, cabendo ao terapeuta
produzir de várias formas uma mudança cognitiva, isto é, modificar o pensamento e
o sistema de crenças do paciente, possibilitando concomitantemente uma mudança
emocional e comportamental duradoura (BECK, 2013). Assim, no transcorrer do
processo psicoterápico, quando o paciente aprende a avaliar seu pensamento de
forma mais realista e adaptativa, obtêm-se uma melhora em seu estado emocional e
no comportamento.
Em poucas palavras, segundo Beck (2013), a TCC propõe que o pensamento
disfuncional, que influencia o humor e o pensamento do paciente, é comum a todos
os transtornos psicológicos e, embora a terapia deva se adequar a cada paciente,
existem determinados princípios que estão presentes na TCC para todos os
pacientes.
Beck (2013) postula os princípios básicos da TCC:
12
A TCC está baseada em uma formulação em desenvolvimento contínuo dos problemas do paciente e em uma conceituação individual de cada paciente em termos cognitivos; requer uma aliança terapêutica sólida; enfatiza a colaboração e a participação ativa; é orientada para os objetivos e focada nos problemas; enfatiza inicialmente o presente; é educativa, uma vez que visa ensinar o paciente a ser seu próprio terapeuta, bem como enfatiza a prevenção de recaída; visa ser limitada no tempo; as sessões são estruturadas; ensina os pacientes a identificar, avaliar e responder aos seus pensamentos e crenças disfuncionais; usa uma variedade de técnicas para mudar o pensamento, o humor e o comportamento (BECK, 2013, p. 27-31)
1.3 A Terapia Cognitivo Comportamental aplicada à Crianças e
Adolescentes
Desde o seu surgimento nos anos de 1960, as psicoterapias cognitivas,
direcionaram seu foco de ação mais intensamente nas intervenções com o público
adulto. Dentro do próprio paradigma cognitivo, alguns críticos afirmavam que diante
da imaturidade cognitiva nas crianças, o paradigma cognitivo no estrito senso não
poderia ser transposto aos problemas infantis. Assim, a terapia mais indicada no
tratamento específico de crianças, seria a psicoterapia comportamental (CAMINHA,
et al., 2011 apud RANGE, 2011)
Essa ideia parte do pressuposto de que é a técnica utilizada que define o
modelo de terapia. De acordo com CAMINHA (et al., 2011 apud RANGE, 2011) o
que diferencia as terapias comportamentais das terapias cognitivo-comportamentais
é o modelo teórico, ontológico e epistemológico. Assim, uma intervenção focada no
comportamento do paciente faz parte do espectro das terapias cognitivo-
comportamentais quando o modelo teórico subjacente de entendimento do ser
humano é aquele da Psicologia Cognitiva e de suas áreas de interface (Psicologia
Evolucionista, Neuropsicologia, etc.).
Desta forma, segundo CAMINHA (et al., 2011 apud RANGE, 2011) uma
intervenção que estimule os pais de um bebê a aumentarem a quantidade de toque
com o filho e treiná-los para que fiquem mais sensíveis às demandas deste podem
ser intervenções cognitivo-comportamentais quando visam a formação de um estilo
atributivo mais saudável para este bebê no futuro, mesmo que o protocolo
terapêutico atue apenas no comportamento.
13
Além deste aspecto, tem havido considerável debate sobre a idade a partir da
qual a criança é capaz de participar da Terapia Cognitivo-Comportamental. Essa
discussão focaliza, essencialmente, a questão de a criança pequena possuir ou não
a maturidade cognitiva necessária para participar da TCC ou de a TCC ter sido ou
não suficientemente adaptada para que a criança tenha acesso a ela (STALLARD,
2007).
Contudo, conforme CAMINHA (et al., 2011 apud RANGE, 2011) é crescente a
evidência de que crianças menores de 12 anos já esboçam um funcionamento
cognitivo que pode ser alvo de intervenções.
SAFRAN (2002) demonstra que por volta dos 9 anos, grande parte do
delineamento da personalidade, ou estilo atribuitivo, já se encontra operante.
CAMINHA, SOARES e KREITCHMANN (2011) reforçam tal aspecto ao apontar que
crianças por volta dos 4 anos já apresentam alguns aspectos de processamento
cognitivo similares aos de adultos, logicamente com menos maturidade.
Assim sendo o modelo cognitivo é perfeitamente aplicável ao tratamento
infantil. Entretanto, tendo em vista que a maturidade das funções superiores das
crianças é limitada, muitas vezes os pontos de partida serão as emoções e o
comportamento, ao invés dos pensamentos automáticos e outros níveis superiores
de cognição (CAMINHA e CAMINHA, 2007).
Neste sentido, STALLARD (2007) salienta a necessidade de adaptar a TCC
utilizando mais técnicas não verbais. Dentre elas STALLARD (2007)
destaca:
JOGOS: são um meio com o qual a criança está familiarizada, e podem ser
usados para esclarecer alguns dos conceitos- chave da TCC, ou para ensinar e
praticar estratégias ou habilidades especificas de solução de problemas.
MARIONETES: são uma maneira segura e interessante de comunicação com a
criança pequena. Elas podem ser usadas para os propósitos de avaliação, para
esclarecer problemas comuns ou para dar o modelo de novas habilidades, e para
envolver a criança em dramatizações em que ela pode praticar o uso de
habilidades de enfrentamento mais úteis.
NARRAÇÂO DE HISTÒRIAS: é outra maneira conhecida de comunicação com a
criança e pode ser usada para diferentes propósitos. Histórias orientadas ou livres
podem ser usadas para avaliar pensamentos ou sentimentos potencialmente
importantes. Histórias terapêuticas podem ser usadas para ajudar a criança a
14
considerar e prestar atenção a novas informações que a ajudarão a reavaliar suas
cognições.
GERAÇÂO DE IMAGENS MENTAIS: também constituem um meio útil, com as
imagens sendo usadas para avaliação e psicoeducação. Fotos ou figuras, por
exemplo, podem ser usadas como deixas visuais para eliciar possíveis
pensamentos ou para salientar a conexão entre pensamentos e sentimentos. A
geração de imagens mentais também pode ser terapêutica quando a imagem
ajuda a modificar o conteúdo emocional de situações problemáticas. A geração de
imagens mentais emotivas ajuda a criança a desenvolver imagens incompatíveis
com raiva ou medo, como imagens tranquilizadoras ou engraçadas.
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E BALÔES DE PENSAMENTO: podem ser
usados para avaliar cognições e pensamentos; diagramas, para salientar as
formas de enfretamento úteis e as indesejáveis.
Enfim, observa-se que há divergências entre os autores, principalmente no
que tange a idade para início do trabalho cognitivo com crianças, sendo que alguns
consideram, independente da intervenção realizada, um trabalho cognitivo-
comportamental, outros afirmam que o trabalho com a criança pequena está
direcionado para intervenções somente comportamentais. Contudo, todos
concordam que o trabalho com este público deve ser diferenciado, sendo inúmeras
as possibilidades de realizar o trabalho pautado na terapia cognitivo-comportamental
com crianças e adolescentes (CAMINHA e CAMINHA, 2007). Neste espectro, ao
direcionarmos nossos olhares para crianças e adolescentes vítimas de abuso
sexual, indivíduos estes que vivenciaram situações traumáticas e de sofrimento, nos
remete a refletir acerca do trabalho terapêutico cognitivo-comportamental realizado
com este público.
Neste sentido, tem como propósito, o presente estudo, verificar como a
Terapia Cognitivo-Comportamental é aplicada no tratamento de crianças e
adolescentes vítimas de abuso sexual. Esse trabalho é relevante para a organização
do conhecimento já produzido sobre o assunto e, sobretudo, para apontar as
técnicas e estratégias que apresentam maior eficácia na TCC de modo a subsidiar a
construção de Protocolos de tratamento para esta população.
15
2. OBJETIVOS
Verificar, por meio de revisão bibliográfica, como a Terapia Cognitivo-
Comportamental é aplicada no tratamento de crianças e adolescentes vítimas de
abuso sexual, bem como verificar quais técnicas e estratégias terapêuticas são
utilizadas neste tipo de tratamento.
16
3. METODOLOGIA
A busca foi realizada nos bancos de dados da Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS), PUBMED e SCIELO. No Pubmed, a busca foi realizada em 07 de Julho de
2017 com as palavras-chave “Cognitive behavioral therapy for children and
adolescentes victims of sexual abuse”, foram usados como limites de busca estudos
realizados com humanos, nas línguas portuguesa e inglesa, com as palavras-chave
contidas no título e/ou resumo e publicados entre os anos de 2007 a 2017,
resultando em 15 artigos, dos quais 1 foi selecionado. No SCIELO a busca foi
realizada no mesmo dia e com os mesmos descritores, resultando em 2 artigos que
foram selecionados. Na BVS a busca não resultou em artigos publicados sobre o
tema.
Os critérios de inclusão foram: artigos publicados em inglês ou português
entre os anos de 2007 e 2017; ter como foco de pesquisa a TCC no tratamento de
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e ter acesso ao artigo na íntegra
após busca nas bases de dados acima informadas, site do Periódicos Capes e
acesso pela Bireme (Biblioteca Virtual em Saúde). Os critérios de exclusão foram: o
trabalho estar escrito em uma língua diferente do inglês ou português; artigos de
revisão bibliográfica, artigos com intervenção virtual, artigos sem intervenção
específica e aqueles que não foram conseguidos para leitura completa; o foco da
pesquisa ser prioritariamente algo em que a TCC é secundária ou pouco relevante; a
pesquisa tenha sido realizada com adultos, o foco da pesquisa está na avaliação
dos resultados pós tratamento, onde o processo propriamente dito com a TCC não é
descrito.
Após avaliação dos artigos, foram selecionados para o trabalho três estudos
que satisfizeram os critérios de inclusão e exclusão.
17
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram selecionados três artigos que satisfizeram os critérios de inclusão e
exclusão. Desses todos realizados no Brasil.
Todos os trabalhos pesquisados utilizaram a TCC prioritariamente como
intervenção para crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Foram
encontrados outros trabalhos realizados em outros países, contudo foram excluídos
pelos os seguintes critérios: não utilizar a TCC como método prioritário de
intervenção; não estar direcionado para o tratamento de crianças e adolescentes
vítimas de abuso sexual, mas sim estar focado no tratamento do Transtorno de
estresse Pós Traumático (TEPT) que é um dos sintomas do abuso sexual; propor
estratégias cognitivo-comportamentais voltadas para a prevenção do abuso sexual
infantil; avaliar o impacto da Terapia Cognitivo comportamental, mas não detalhar o
processo de intervenção que é o objetivo principal deste estudo.
A tabela 1 ilustra detalhadamente os objetivos dos estudos selecionados.
Tabela 1- Descrição dos objetivos da pesquisa
Referência Objetivo
HABIGZANG et al, 2006 Descrever um processo de grupoterapia
cognitivo comportamental desenvolvido
para casos de abuso sexual.
STROEHER et al, 2009 Descrever e avaliar os efeitos do
modelo de grupoterapia cognitivo-
comportamental para crianças e
adolescentes do sexo feminino vítimas
de abuso sexual.
HOHENDORF et al, 2014 Objetivou-se adaptar, aplicar e avaliar
um modelo de intervenção cognitivo-
comportamental para meninos vítimas
de Violência Sexual. Modelo adaptado
proposto por Stroeher et al ( 2009).
18
Tabela 2 – Descrição do número de pacientes, idade do público alvo, tipo de intervenção e número de sessões.
Referência
Número de
pacientes
Idade do
Público Alvo
Sexo do
Público Alvo
Tipo de
intervenção
HABIGZANG
et al, 2006
10 9-13 anos Feminino Grupo
STROEHER
et al, 2009
40 9-16 anos Feminino Grupo
HOHENDORF
et al, 2014
3 8-16 anos Masculino Individual
Na tabela 2, observa-se na maioria dos estudos que a faixa etária escolhida
do público alvo varia entre 8 e 16 anos. Há prevalência pela escolha do sexo
feminino, exceto em Hohendorf et al ( 2014) no qual o público alvo é masculino.
Conforme descrito em Hohendorf et al (2014) a escassez de publicações sobre
violência sexual masculina pode estar atrelada ao menor número de casos
notificados nessa população. Essa realidade pode ser explicada pela dificuldade
que meninos vítimas possuem em relatar a violência sexual devido, em parte, a
fatores culturais, como a maior visibilidade da violência sexual feminina.
Na maioria dos estudos utiliza-se a intervenção grupal, exceto em Hohendorf
et al (2014) no qual a intervenção foi individual. Segundo os autores o modelo foi
adaptado quanto ao seu formato, passando a ser individual, tendo em vista o
número escasso de casos notificados de violência sexual contra meninos.
Nos estudos apresentados, antes da inserção dos participantes na pesquisa,
foram seguidos alguns critérios de inclusão e exclusão, bem como os participantes
passaram por processo de avaliação inicial antes de inseridos no processo de
intervenção propriamente dito. Segue na tabela 3 abaixo os critérios utilizados para
a inserção e exclusão dos participantes no estudo e o processo de avaliação inicial
anterior às intervenções.
19
Tabela 3 – Descrição dos critérios de inclusão, exclusão e Processo de Avaliação Inicial
Referência Critérios de Inclusão
e Exclusão
Processo de Avalição Inicial
HABIGZANG
et al, 2006
Inclusão: Presença de
pelo menos um episódio
de abuso sexual
intrafamiliar, sexo e
idade.
Exclusão: Presença de
sintomas psicóticos e
retardo mental grave.
Três encontros individuais. Instrumento:
Entrevistas individuais que teve como
objetivos conhecer a história de abuso sexual,
identificar fatores de risco e proteção
relacionados às meninas e às suas famílias,
investigar sintomas de depressão, ansiedade,
TEPT e crenças disfuncionais relacionadas ao
abuso.
STROEHER
et al, 2009
Inclusão: Presença de
pelo menos um episódio
de abuso sexual intra ou
extra-familiar.
Exclusão: Presença de
sintomas psicóticos e
retardo mental
Três encontros individuais. Instrumentos:
1º encontro: Entrevista semi-estruturada
inicial.
2º encontro: Aplicação do CDI, IDATE-C e a
CAPS.
3ºencontro: Entrevista estruturada com base
no DSM-IV e a ESI.
HOHENDORF
et al, 2014
Inclusão: Presença de,
no mínimo, um episódio
de violência sexual intra
ou extrafamiliar, sexo
masculino e idade entre
oito e 16 anos.
Exclusão: Presença de
sintomas psicóticos e/ou
retardo mental
Três Encontros individuais: Objetivo avaliar
sintomas de depressão, estresse, ansiedade,
TEPT, Dependência/Abuso de substância,
TDAH, Transtorno de Conduta (TC) e
Transtorno Desafiador-Opositivo (TDO), além
de atribuições e percepções relacionadas à
Violência Sexual.
Instrumentos: Entrevista semi-estruturada
inicial; CAPS; CDI; Entrevista
Neuropsiquiátrica Internacional MINI para
Crianças e Adolescentes; ESI; IDATEC-C;
Entrevista Estruturada com Base no DSM IV.
A ordem de aplicação dos instrumentos foi
aleatória.
Legenda: TEPT- Transtorno de estresse pós- traumático; TDHA- Transtorno de déficit de atenção e Hiperatividade; CAPS- Escala de Atribuições e Percepções de Crianças; CDI-Inventário de Depressão Infantil; ESI- Escala de estresse Infantil; IDATEC-C – Inventário de ansiedade traço-estado para crianças.
20
Observa-se que nos estudos apresentados os critérios de inclusão são os
mesmos no que tange há pelo menos um episódio de abuso sexual, contudo
Stroeher et al (2009) e Hohendorf et al ( 2014) incluíram em seus estudos vítimas de
abuso sexual intra e extrafamiliar, sendo que em Habigzang et al (2006) optou-se
apenas por incluir vítimas de abuso intra-familiar. No que tange aos critérios de
exclusão os estudos mostraram-se unanimes no critério de excluir participantes com
presença de sintomas psicóticos e/ou retardo mental.
Quanto aos instrumentos utilizados somente em Habigzang et al ( 2006) foi
utilizada a entrevista inicial como um único instrumento de avaliação inicial. Nos
demais estudos foram utilizados outros instrumentos de avaliação psicológica.
Segue abaixo breve descrição dos instrumentos utilizados para avaliação
inicial em Stroeher et al (2009) e Hohendorf et al ( 2014):
Entrevista Semi-Estruturada Inicial. Na primeira parte objetivou-se
estabelecer vínculo terapêutico com os participantes. A segunda parte segue
um roteiro para investigação da história do abuso sexual, frequência e
dinâmica dos episódios abusivos (KRISTENSEN, 1996).
Escala de Atribuições e Percepções de Crianças (CAPS) (MANNARINO,
COHEN & BERMAN, 1994) traduzida por HABIGZANG (2006). Escala que
mensura crenças e atribuições distorcidas relacionadas à Violência Sexual em
crianças e adolescentes. Composta por 18 itens, respondidos por meio de
cinco pontos que variam entre Nunca (0) e Sempre (4), divididos em quatro
subescalas: sentimentos de diferença com relação aos pares; diminuição da
confiança nas pessoas; auto-atribuição dos eventos negativos; e percepção
de uma diminuição da credibilidade dos outros em si. Escores mais altos
equivalem a maiores indicadores de sentimento de diferença com relação aos
pares e de auto-atribuição por eventos negativos, além de menor percepção
de credibilidade e de confiança interpessoal.
Inventário de Depressão Infantil (CDI) (CUNHA, 2001). Composto por 27
itens de escolha múltipla com três alternativas correspondentes. A
criança/adolescente deve escolher a opção que melhor descreve o seu
estado nos últimos dias. As opções são pontuadas de zero a dois. O ponto de
corte do CDI foi estabelecido em 19 pontos.
21
Entrevista Neuropsiquiátrica Internacional MINI para Crianças e
Adolescentes (SHEEHAN, SHYTLE, MILO & JANAVS, 2009). Composta de
perguntas com possibilidade de respostas dicotômicas (sim e não).
Utilizaram-se as entrevistas para investigação de Dependência/Abuso de
substância, TDAH, TC e TDO.
Escala de Estresse Infantil (ESI) (LIPP & LUCARELLI, 1998). Composta por
35 itens, cujas respostas são feitas por meio de uma escala de cinco pontos,
na qual a criança ou adolescente pinta um círculo dividido em quatro partes,
conforme a frequência (Nunca, Um pouco, Às vezes, Quase sempre e
Sempre) com que experimentam os sintomas indicados nos itens. Pode-se
considerar que a criança/adolescente avaliada possui indicadores
significativos de estresse quando aparecem sete ou mais círculos
completamente cheios (pintados) da escala total ou o escore total é maior do
que 105 pontos ou, ainda, é igual ou superior a 27 pontos em qualquer uma
das três subescalas a seguir: reações físicas, reações psicológicas, reações
psicológicas com componente depressivo ou, ainda, quando o escore for igual
ou superior a 24 pontos na subescala reações psicofisiológicas.
Inventário de Ansiedade Traço-Estado para Crianças (IDATE-C);
(BIAGGIO & SPIELBERGER, 1983). Constituído de duas escalas, cada uma
com 20 itens, do tipo auto-avaliação, que visam a medir indicadores de dois
conceitos distintos de ansiedade: traço e estado. Cada item é composto por
três afirmações que representam diferentes intensidades do sintoma. Escores
mais altos indicam maior presença de ansiedade em ambas as escalas.
Entrevista Estruturada com Base no DSM IV (DEL BEM et al., 2001,
adaptada por HABIGZANG, 2006). Os critérios diagnósticos estabelecidos
pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV-
TR; AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION, 2002) são utilizados como
base para identificação da presença dos sintomas de Transtorno de Estresse
Pós-traumático.
Ao término das avaliações iniciais, em todos os estudos, iniciou-se o processo
de intervenção propriamente dito, conforme descrito na tabela 4 abaixo.
22
Tabela 4- Descrição do número de sessões, quantidade de sessões, quantidade de participantes por intervenção e descrição do processo Psicoterápico.
Referência
Nº de sessões,
duração e
quantidade de
participantes.
Descrição do Processo Psicoterápico
HABIGZANG et
al, 2006
Sessões: 20 semanais
Duração: 1h30m
2- Grupos:
5 Participantes em
cada um
O processo grupoterápico foi dividido em três
etapas:
1- Psicoeducação (sete sessões)
2- Treino de Inoculação do Estresse (cinco
sessões)
3- Prevenção à recaída (oito sessões)
STROEHER et
al, 2009
Sessões: 16 semanais
Duração: 1h30m
10 grupos:
4 a 6 participantes em
cada um
O processo grupoterápico foi divido em três
etapas:
1- Psicoeducação (seis sessões)
2- Treino de Inoculação de Estresse (quatro
sessões)
3- Prevenção à Recaída (seis sessões)
HOHENDORF
et al, 2014
Sessões:16 semanais
Duração: 1h30m
Intervenção Individual.
3 Participantes
O processo Psicoterápico individual foi divido
em três etapas:
1- Psicoeducação (seis sessões)
2- Treino de Inoculação de Estresse (quatro
sessões)
3- Prevenção à Recaída (seis sessões)
Nos estudos apresentados observa-se pouca diferença no número de
sessões realizadas, diferindo apenas em Habigzang et al (2006) no qual propôs 20
sessões, sendo este o número máximo de sessões.
Quanto a duração das intervenções também não houve diferença, sendo em
todos os estudos a duração das sessões de uma hora e trinta minutos, mesmo na
intervenção individual proposta por Hohendorf et al (2014). Contudo, já na
organização dos grupos propostos em Habigzang et al (2006) e Stroeher et al (2009)
observamos diferença significativa, já que no primeiro estudo citado foram
compostos somente dois grupos e no segundo foram compostos 10 grupos, fato que
23
se justifica pela diferença no número da amostra em cada estudo, uma vez que em
Habigzang et al (2006) apresentou amostra de 20 participantes e em Stroeher et al
(2014) o dobro de participantes, 40.
No que tange as intervenções realizadas, nos três, observa-se que as
técnicas utilizadas foram as mesmas, o que demonstra a efetividade destas no
tratamento de crianças e adolescentes vitimas de abuso sexual. Somente em
Habigzang et al (2006) houve uma variação no número de sessões para cada
técnica aplicada.
Em Habigzang et al (2006), Stroeher et al (2014) e em Hohendorf et al (2014)
foi unanime os objetivos propostos para cada técnica utilizada. A técnica de
psicoeducação teve como foco desenvolver a confiança entre os membros do grupo,
entre o participante e o terapeuta, além disso, estabelecer as metas terapêuticas,
discutir o que é abuso sexual, como este ocorre e quais as consequências para as
vitimas e as famílias, compartilhar o modelo cognitivo-comportamental, mapeando
pensamentos, emoções e comportamentos relacionados ao abuso e à percepção de
si, do perpetrador e das mudanças na configuração familiar.
Já na técnica de inoculação do estresse em todos os estudos foi utilizada
como dispositivo para ativar a memória traumática e detalhar os estímulos
desencadeantes de lembranças intrusivas, possibilitando aos participantes uma
sensação de controle de intensidade das emoções associadas.
Conforme (RANGÉ, 2001, p. 59) a técnica de prevenção à recaída é
composta por estratégias que visam minimizar processos de recaída, englobando a
reestruturação dos pensamentos disfuncionais sobre o problema e sobre a própria
recaída e técnicas de encorajamento. Nos estudos aqui descritos, a referida técnica
teve como objetivo construir e fortalecer medidas de autoproteção, bem como
retomar as técnicas e as estratégias aprendidas para lidar com sintomas,
pensamentos, emoções e comportamentos decorrentes do abuso sexual, em outras
etapas da intervenção.
Em Habigzang et al (2006) e em Stroher et al (2009) após as intervenções
descritas foi possível observar que o modelo de grupoterapia cognitiva-
comportamental reduziu sintomas de depressão, ansiedade e transtorno do estresse
pós-traumático (TEPT), bem como modificou a percepção de diferença em relação
aos pares, a culpa pela situação do abuso e pelas modificações na configuração
familiar.
24
Já em Hohendorf et al (2014) observou-se que somente o número de
sintomas de depressão e estresse foi menor para os três participantes. Os demais
sintomas apresentaram variabilidade. Neste ponto destaca-se que possivelmente o
histórico dos participantes pode ter influenciado nos resultados, não que nos demais
estudos os participantes também não tivessem histórias difíceis, mas no estudo
descrito dos três participantes selecionados: um foi abusado pelo irmão, o outro
(irmão abusador) também foi abusado e participou do estudo e encontrava-se em
acolhimento institucional, e o último participante ainda via o agressor que
permanecia morando em frente a sua residência, tais fatores podem estar
relacionados aos sintomas de ansiedade e demais sintomas que não apresentaram
redução como nos demais estudos.
Quanto aos sintomas do Transtorno de estresse pós-traumático, que é um
dos sintomas mais descritos nos estudos direcionados a vitimas de violência sexual,
observou-se que em Habigzang et al (2006) e Stroeher et al (2009) houve uma
redução significativa na quantidade de sintomas de TEPT nas três categorias de
sintomas: revivência do trauma, evitação e hipervigilância. As técnicas especificas
de reestruturação da memória traumática trabalhadas na segunda etapa da
intervenção contribuíram significativamente para a redução dos sintomas de
revivência e hipervigilância. Os sintomas de evitação sofreram redução desde a
primeira etapa da intervenção. Já em Hohendorf et al (2014) foi verificado aumento
dos sintomas de TEPT nos participantes.
Vale aqui destacar que talvez a modalidade de intervenção, no caso de
Hohendorf et al (2014) individual, não tenha contribuído para a eficácia da técnica de
inoculação do estresse que propunha a ativação da memória traumática e a
ressignificação destas memórias. Talvez a aplicação desta técnica em grupo surta
maior resultado do que na aplicação individual, uma vez que em grupo os
participantes tendem a se sentir mais seguros e acolhidos ao ouvirem as histórias
dos demais participantes conforme proposto em Habigzang et al (2006) e Stroeher et
al (2009) que descrevem que o grupo representou um espaço seguro, no qual
desenvolveram laços de confiança entre as participantes e as terapeutas, o que
oferece um modelo diferenciado de relacionamento interpessoal.
Outro aspecto a se considerar é que os resultados apontados em Hohendorf
et al (2014) podem indicar que meninos vítimas de violência sexual necessitam de
número maior de sessões destinadas ao trabalho com a memória traumática em um
25
formato individual de tratamento. Em Habigzang et al (2006) e Stroeher et al (2009)
foram utilizadas entre quatro e cinco sessões para inoculação do estresse e em
ambos os estudos foi possível observar a redução dos sintomas de TEPT, assim,
tendo em vista que as técnicas de exposição gradual às memórias traumáticas
consistem na recordação e no relato acerca da violência sexual, meninos vítimas de
violência sexual podem se sentir mais constrangidos em fazê-lo, necessitando neste
caso de maior número de sessões direcionadas para a inoculação do estresse e
consequente redução nos sintomas de TEPT.
Hohendorf et al (2014) descreve que o aumento no número de alguns
sintomas após a intervenção pode estar vinculado a uma possível inibição desses
sintomas no período pré-intervenção, avaliação inicial. Segundo este estudo os
participantes tenderam a inibir o processo psicológico que comumente ocorre após a
violência, ou seja, expressão de sentimentos, como tristeza, medo e abandono e
uma possível explicação fornecida pelos autores para essa inibição reside no fato de
que a vitimização masculina é percebida como antagônica aos estereótipos de
masculinidade. Assim, os participantes podem não ter demonstrado seus
sofrimentos, uma vez que isso não condiz com o que se espera socialmente de um
homem.
Diante disso, talvez as intervenções psicoterapêuticas com meninos vítimas
de violência sexual necessitem de um número maior de sessões, não só na etapa de
inoculação do estresse, mas também nas intervenções voltadas para a
psicoeducação nas quais se busque sensibilizar os participantes para os sintomas
que podem estar sendo inibidos e, após, intervir nesses aspectos.
Vale aqui também destacar que talvez a inclusão de um participante com
histórico de autoria de violência sexual além da vitimização em Hohendorf et al
(2014), pode ter influenciado os resultados. Porém, esse aspecto pode ser
considerado, também, como uma implicação para futuras pesquisas, uma vez que,
ao se planejar e avaliar intervenções para meninos vítimas de violência sexual,
deve-se cogitar a possibilidade de que vítimas encaminhadas para tratamento
possam ter histórico de autoria de violência sexual.
Considerando os resultados descritos nesta revisão, foi possível observar que
o modelo de grupoterapia Cognitivo-comportamental com meninas vitimas de abuso
sexual proposto em Habigzang et al (2006) e Stroeher et al (2009) mostrou-se mais
efetivo na redução de sintomas de depressão, ansiedade e TEPT, bem como na
26
reestruturação de crenças disfuncionais das participantes, em relação ao modelo
adaptado em Hohendorf et al (2014) no qual as intervenções foram individuais e
direcionadas para meninos vitimas de abuso sexual e não apresentaram redução
dos sintomas descritos, mas sim aumento, por exemplo, dos sintomas do Transtorno
de Estresse pós-traumático.
27
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da limitação quanto ao número de estudos encontrados, foi possível
perceber que a TCC pode ser uma ferramenta bastante eficaz no tratamento de
crianças e adolescentes vitimas de abuso sexual. Os estudos demonstraram que a
intervenção grupal mostrou-se mais efetiva do que a intervenção individual na
redução de sintomas de depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-
traumático. Além disso, a intervenção grupal contribuiu para a reestruturação de
crenças de culpa, baixa confiança e credibilidade, sendo efetiva para a redução de
sintomas psicológicos e alteração de crenças e percepções distorcidas sobre o
abuso.
Quanto às técnicas da TCC mais utilizadas no tratamento de crianças e
adolescentes vitimas de abuso sexual, tanto nas intervenções grupais quanto na
intervenção individual, foram: Psicoeducação, Inoculação do estresse e Prevenção à
recaída.
Vale aqui destacar as limitações apresentadas pelo estudo direcionado às
vitimas do sexo masculino, no que tange a questões culturais e de gênero, nos
direcionando a refletir sobre a possibilidade de estudos com este público na
modalidade grupal. Também, a limitação específica do estudo por incluir somente
artigos de acesso livre.
A quantidade de pesquisa sobre o assunto mostrou-se restrita, muitas vezes
relacionadas ao TEPT. Sugere-se uma revisão mais detalhada incluindo esse
assunto na descrição e mais pesquisas sobre o tratamento de crianças e
adolescentes vitimas de abuso sexual com a TCC visando todas as comorbidades
vivenciadas por essas vítimas.
28
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31
ANEXO
Termo de Responsabilidade Autoral
Eu SHIRLEI FIGUEIREDO COSTA, afirmo que o presente trabalho e suas
devidas partes são de minha autoria e que fui devidamente informado da
responsabilidade autoral sobre seu conteúdo.
Responsabilizo-me pela monografia apresentada como Trabalho de
Conclusão de Curso de Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental, sob
o título “A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL”, isentando,
mediante o presente termo, o Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-
Comportamental (CETCC), meu orientador e coorientador de quaisquer ônus
consequentes de ações atentatórias à "Propriedade Intelectual", por mim praticadas,
assumindo, assim, as responsabilidades civis e criminais decorrentes das ações
realizadas para a confecção da monografia.
São Paulo, __________de ___________________de______.
_______________________
Assinatura do (a) Aluno (a)
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