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Fundado em 13 de maio de 1915, “O Estado” transformou-se, ao
longo de quase um século, em referência cotidiana dos principais
fatos e das grandes causas estaduais. Nesta edição especial, com 80
páginas divididas em dez cadernos, o Notícias do Dia relembra a
história do jornal e de Santa Catarina por meio da memória daqueles
que atuaram diretamente na criação de um ícone da imprensa.
SANTA CATARINA
Quarta-feira, 13 de maio de 2015
EDIÇÃO COMEMORATIVA
EDITORIAL
O ESTADOESPECIAL
Luís Meneghim DIRETOR DE REDAÇÃO
Adriana FerronattoEDITORA-CHEFE
Lauro Cordeiro GERENTE COMERCIAL
Hannah Mattos GERENTE DE OPERAÇÕES
Carlos Damião, Paulo Clóvis Schmitz, Edson Rosa, Stefani Ceolla
TEXTOS
Joyce ReinertEDIÇÃO DE IMAGENS
Flávio Tin, Eduardo Valente, Bruno Ropelato, Marco Santiago, Arquivo pessoal Marco Cezar, Arquivo pessoal Rogério Junkes e Acervo OE
FOTOGRAFIA
Cristiane Severino PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Marcelo Santos REVISÃO
Con ra a edição multimídia
em www.ndonline.com.br
CADERNO ESPECIAL
O ESTADO
anos100
O Grupo RIC, por meio do jornal Notícias
do Dia, recupera, neste caderno espe-cial, a longa e excepcional trajetória de
“O Estado”, fundado em 13 de maio de 1915,
portanto, há 100 anos.
O jornal não foi apenas um veículo de co-municação impressa. Muito mais do que isso,
transformou-se, ao longo de décadas, numa re-ferência cotidiana dos principais fatos, das gran-des causas, comprometido com o progresso e a
transformação socioeconômica catarinense.
Aquilo que o Grupo RIC defende como uma
de suas bandeiras atuais – os diferenciais de Santa
Catarina no contexto brasileiro – esteve presen-te nas páginas de “O Estado”, com a valorização
do povo catarinense, da nossa indústria, da nossa
agricultura, das artes, dos esportes, do nosso mo-delo de desenvolvimento humano e econômico.
“O Estado” talvez tenha surgido como só “mais
um jornal”, num tempo em que a comunicação era
muito restrita aos veículos impressos,
o rádio ainda não tinha sido implan-tado no país, a televisão e a internet
não eram nem sonhos futuristas, não
estavam presentes sequer nas obras
de ficção científica. A notícia, a opi-nião, os reclames – nome que se dava
à publicidade – formavam o univer-so do jornal, da leitura, naquela pro-víncia isolada que era Florianópolis,
cuja ligação com o Continente ainda
se dava por intermédio do transporte
marítimo. A ponte Hercílio Luz só
seria inaugurada em 1926.
O jornal atravessou o século 20
trazendo em suas páginas o que se
considerava mais relevante para
a apreciação dos leitores. Da pri-meira guerra mundial à virada do milênio, “O
Estado” cumpriu seu papel de maneira apaixo-nada e, às vezes, até engajada. Foi um jornal
político-partidário, quando isso no Brasil era
comum. Foi impresso em linotipo, quando essa
era a tecnologia mais acessível. Ingressou na
era offset quando, numa visão inovadora do
diretor José Matusalém de Carvalho Comelli,
entendeu que era chegada a hora de viver uma
grande transformação, dando continuidade ao
projeto de Aderbal Ramos da Silva.
Lá se vão 43 anos desde que “O Estado” pas-sou a ser impresso em offset. E foi apenas a pri-meira das revoluções gráficas e editoriais que
o jornal encamparia nos anos seguintes, com
uma nova e moderna impressora – uma verda-deira “locomotiva” gráfica – instalada na nova
sede, um parque industrial na SC-401. Tem-pos depois, em 1996, e de novo devido à visão
inovadora de seus diretores, ganhou completa
Uma instituição de Santa CatarinaM
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informatização, adequando-se às novas carac-terísticas da mídia impressa mundial.
Tudo isso foi fruto de muito trabalho e per-severança, qualidades indiscutíveis daqueles
que acreditaram na força de “O Estado” como o
jornal-síntese da alma catarinense, circulando
em quase todos os municípios, com uma tira-gem recorde para a época, chegando a empre-gar diretamente 500 trabalhadores e, indireta-mente, mais de 2.000 pessoas.
Esta edição especial alusiva aos 100 anos de
fundação de “O Estado” é uma homenagem do
Grupo RIC aos empreendedores que constru-íram essa rica história. Comprometidos com
Santa Catarina, com os ideais da livre iniciativa,
com o desenvolvimento socioeconômico, com
a informação correta e isenta, com o posicio-namento editorial firme e sintonizado com as
imensas demandas da sociedade, os dirigentes
de “O Estado” legaram à história catarinense um
extraordinário exemplo empresarial.
Não apenas um negócio, do ponto de vista eco-nômico, mas, em especial, um instrumento de co-municação que ajudou a formar gerações, a formar
opinião e a engrandecer Santa Catarina.
O Grupo RIC entende que a comunicação re-gional é o desafio a se enfrentar e realizar todos
os dias. Pratica essa política editorial tanto nos
veículos eletrônicos – a RICTV Record, a Record
News e os portais RIC Mais e NDonline – quanto
no veículo impresso, o nosso Notícias do Dia.
O Estado fez isso durante décadas, valorizan-do o noticiário catarinense. E essa proximida-de de propósitos nos dá a certeza do acerto em
optarmos pelo foco regional. Portanto, neste 13
de maio, homenageamos o centenário do jornal,
resgatando as grandes coberturas, os persona-gens que atuaram na redação e na administra-ção, os temas mais destacados, os exemplos de
garra, determinação e superação que marcaram
a sua longa trajetória.
Esta história só pode ser contada agora pela
destacada atuação de centenas de profissionais
sob o comando de José Matusalém Comelli, que
levou o jornal à era moderna, alguns retratados
nesta edição especial. Mas também graças ao
apoio de anunciantes, das lideranças empresariais
e políticas catarinenses e dos milhares de assinan-tes que acompanharam “O Estado” por décadas.
As páginas de um jornal retratam a história
de uma sociedade. E aqui está a nossa modesta
contribuição, para que não se percam essas im-portantes referências que “O Estado” legou aos
catarinenses.
Marcello Corrêa Petrelli
Presidente executivo do
Grupo RIC em Santa Catarina
Marcello Corrêa PetrelliPRESIDENTE EXECUTIVO RIC SC
Albertino Zamarco Jr.DIRETOR ADMINISTRATIVO E
FINANCEIRO
Reynaldo Ramos DIRETOR SUPERINTENDENTE
Mário J. Gonzaga Petrelli FUNDADOR E PRESIDENTE EMÉRITO
Angela Muniz EDIÇÃO
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 2/3
Quase 45 anos à frente da
direção de “O Estado”,
uma vida dedicada ao jor-
nal. Ele tinha 27 anos de
idade quando recebeu a
missão, dada pelo sogro,
Aderbal Ramos da Silva.
Assumiu a administração
quando a empresa tinha apenas oito funcio-
nários, redação deficiente, circulação restri-
ta, maquinário antiquado. Nas três décadas
seguintes, o jornal chegaria a quase 500 fun-
cionários e dispunha de uma das mais moder-
nas impressoras do mundo, capaz de imprimir
40 mil cadernos por hora.
José Matusalém de Carvalho Comelli nun-
ca imaginou, na sua juventude, que pudesse
chegar tão longe, tornar-se o comandante de
um império empresarial, do qual “O Estado”
era apenas uma parte. Nascido em São José
em 1938, teve uma vida de cigano na infância,
porque o pai era coletor de impostos e muda-
va com frequência de cidade. Morou em Tu-
barão, Araranguá, Piratuba, Videira, Lages.
Nesta, fez o ensino médio, o antigo cientí!co,
no Colégio Diocesano. Buscou qualificação,
ao mesmo tempo, como técnico em contabi-
lidade.
Deixou Lages para cursar direito em Flo-
rianópolis, onde chegou em 1957. Aqui cum-
priu sua trajetória do ensino superior e aca-
bou sendo destacado para cargos executivos
no Grupo Hoepcke, presidido pelo sogro.
“Foram experiências muito ricas em minha
vida, ‘O Estado’ foi uma parte importante
disso, o jornal ganhou minha extrema dedi-
cação”, conta nesta entrevista, concedida em
seu apartamento, no Centro de Florianópolis,
no dia 4 deste mês.
O senhor veio para Florianópolis em 1957
para cursar direito. Como é que foram os
primeiros tempos de vida na Capital?
Vim estudar, escolhi a carreira de advoga-
do. Ao mesmo tempo, comecei a trabalhar no
Senai, por indicação de Celso Ramos (funda-
dor e presidente da Fiesc – Federação das In-
dústrias do Estado de Santa Catarina), que meu
pai conhecia. Lá fui subordinado de Alcides
Abreu, que era também meu professor no curso
de direito.
Além de Alcides Abreu, quem foram os
outros professores que marcaram sua pas-
sagem pela faculdade?
Pedro Moura Ferro, Henrique Fontes, Fer-
reira Bastos, Osmundo Wanderlei da Nóbrega,
Alves Pedrosa, Telmo Ribeiro, Othon Gama
d’Eça, Aldo Luz, Edmundo Acácio Moreira,
Paulo Blasi, Valdemiro Cascaes, José do Pa-
trocínio Gallotti e João Baptista Bonnassis são
alguns dos quais me lembro agora. Eram pro-
fessores do mais alto gabarito, alguns fundado-
res da faculdade, que estava sendo federalizada
e deu origem à UFSC (Universidade Federal de
Santa Catarina).
Como começou o seu envolvimento com a
política estudantil?
Entrei para o Centro Acadêmico 11 de Fe-
vereiro e acabei eleito presidente. Isso entre
1959 e 1960. Fui redator da Folha Acadêmi-
ca, aceitando convite de Márcio Collaço. Acho
que porque já tinha uma experiência com jor-
nal estudantil em Lages, “O Planalto”, que era
um jornal diferente, ousado.
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O/N
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Advogado por formação, Comelli comandou, modernizou e transformou o jornal numa instituição de Santa Catarina
“O Estado” foi uma grande
escola, uma universidade aberta
Entrevista. José Matusalém de Carvalho Comelli
Cursei direito,
z política
estudantil
e fui vice-
presidente da
UNE entre
1960 e 1961.
A militância em Santa Catarina foi um
passo para chegar à direção da UNE
(União Nacional dos Estudantes)?
De fato, participei de um encontro
nacional de estudantes e acabei ingres-
sando na chapa que tinha Oliveiros
Guanais Aguiar como candidato a presidente. O pai do
atual senador Lindbergh Farias (que também foi presi-
dente da UNE nos anos 1990), Luiz Lindbergh Farias,
era um dos vices. Fui eleito como outro vice-presiden-
te, mas acabei exercendo a presidência durante grande
parte do mandato, porque os dois eram estudantes de
medicina e não tinham tempo para cuidar da entidade.
Eu estudava direito, era mais fácil para mim. Nosso
mandato foi exercido entre os anos de 1960 e 1961.
O senhor foi um estudante de es-
querda?
Claro, se não fosse de esquerda, não
entrava no movimento estudantil.
Chegou a se vincular ao PCB, então
na clandestinidade?
Tinha simpatia pelo partido, ou eles
tinham por mim, não sei. [Nota: a cha-
pa da UNE resultou de um acordo entre
estudantes ligados ao Partido Comunis-
ta Brasileiro, à Juventude Universitária
Católica e esquerdistas independentes,
entre os quais, Comelli.
Quando estava na direção da UNE
chegou a ir à União Soviética (hoje
Rússia). Qual foi o evento lá?
Fui a um congresso sobre Democra-
tização do ensino superior. Durou uma
semana. Era uma programação muito intensa, nunca
tinha visto daquilo. Depois viajamos pelo Cáucaso.
Quando estávamos na Europa, soubemos da renún-
cia do presidente Jânio Quadros [em agosto de 1961].
Jango [João Goulart, o vice-presidente] estava em Pa-
ris, foi uma confusão.
Quando o senhor conheceu a filha de Aderbal
Ramos da Silva, Sílvia?
Eu estava engajado na campanha de Celso Ramos
ao governo do Estado (1960), participava dos comí-
cios, discursava como líder estudantil. Nos conhece-
mos num desses encontros. Inclusive discursei num
comício do Marechal Lott [Henrique Teixeira Lott],
candidato da coligação PSD-PTB à presidência, der-
rotado em 1960 por Jânio Quadros.
O senhor se formou e já partiu para a advocacia?
Sim, me formei em 1961 e em janeiro de 1962
fui para Campos Novos advogar. Fiquei lá até 1964.
Casei em 1964 com a Sílvia.
Aderbal Ramos da Silva era um político mo-
derno para a época?
Ele era um político liberal, progressista, um ho-
mem muito culto. Lia muito, tinha uma excelente
biblioteca, preferia os livros de história e as biogra-
fias, estava sempre estudando, se informando.
Dizem que depois de casar com a !lha dele,
ele lhe tinha como um !lho.
Dizem. Realmente ele me tratava com muito ca-
rinho, respeito e con!ança. Até na ve-
lhice, quando estava doente, sempre me
procurava para conversar. Estava prati-
camente cego nos últimos anos de vida,
ia todos os domingos na minha casa,
conversávamos muito.
Um ano depois do casamento o
senhor assumia a direção de “O Es-
tado”. Como foi esse processo?
Rubens de Arruda Ramos, o dire-
tor desde a década de 1950, morreu
em 1964. Em 1965, Aderbal me pediu
para cuidar do jornal. Mas eu não as-
sumi logo, não coloquei meu nome no
expediente, era uma forma de prestigiar
o Dominguinhos (Domingos Fernandes
de Aquino), que também era muito liga-
do ao doutor Aderbal e ficou até 1967
exercendo o cargo. Mas eu trabalhava
em “O Estado”, ia aprendendo e obser-
vando, me preparando para assumir a direção geral.
Quando o senhor assumiu de fato?
Em 1967. Era um jornal pequeno, quase todos
os funcionários trabalhavam na gráfica, ainda era o
processo de linotipo. Convidei alguns amigos para
incrementar a redação, levei Marcílio Medeiros
Filho, Luiz Henrique Tancredo, Raul Caldas Fi-
lho, Flávio Amorim, Amaral e Silva, Jair Francis-
co Hamms, Carlos Alberto Silveira Lenzi. Era um
time, que contou com a participação do Amarelo
[Osmar Schlindwein], ele já estava lá, era uma es-
pécie de “faz tudo”. No início, a equipe trabalhou
sem remuneração, o objetivo era dar uma nova
cara ao jornal, eles acreditavam no projeto e eu ti-
nha ido com carta branca do doutor Aderbal.
Me engajei na
campanha de
Celso Ramos
ao governo
e de Lott à
Presidência,
em 1960.
Doutor
Aderbal era
um homem
muito culto, um
político liberal,
progressista,
lia muito.
Assumi a
direção de
“O Estado”
em 1967, era
um jornal
pequeno,
ainda tinha a
linotipo.
O ESTADOESPECIAL
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O/N
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Entrevista. José Matusalém de Carvalho Comelli
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 4/5
Levei um grupo
de amigos para
me ajudar
no jornal.
Ninguém era
remunerado,
tínhamos um
projeto.
Além do jornal o senhor atuava no Grupo
Hoepcke?
O doutor Aderbal quis me colocar como dire-
tor quando era noivo da Sílvia, mas eu não quis.
Queria atuar como advogado e fui advogado do
grupo. Mas acabei, por insistência dele, sendo
vice-presidente da fábrica de bordados. Mais tarde (1978), assumi
a presidência do grupo, um período de forte expansão, construímos
o Centro Comercial ARS, a nova fábrica de bordados no Roçado,
uma fábrica de gelo e farinha de peixe em Governador Celso Ra-
mos, a nova sede de “O Estado” na SC-401.
A nova proposta do jornal “O Estado” levou quanto
tempo para aparecer?
Era um processo, fazia parte da expansão do próprio Grupo
Hoepcke, o jornal era parte do crescimento do grupo. Já tínha-
mos o propósito de modernizá-lo não apenas quanto ao conteú-
do, mas com nova tecnologia, a impressão offset, que era muito
mais dinâmica, limpa, possibilitava uma apresentação gráfica
melhor. Fomos avançando nesse objetivo, até 1972, quando fi-
nalmente o jornal mudou de forma radical.
Aquele ano marcou a entrada na fase de offset e a mu-
dança para a Felipe Schmidt. Qual a sua avaliação da expe-
riência?
Foi muito boa. Nós estávamos certos, optamos pelo melhor
caminho para transformar o jornal, torná-lo grande. Trou-
xemos jornalistas do Rio Grande do Sul, todos experientes,
acostumados a produzir jornais modernos. Em pouco tempo
– cerca de cinco anos – a sede da rua Felipe Schmidt tornou-
se pequena, não havia espaço su!ciente para o que planeja-
mos. Precisávamos de mais espaço, um parque industrial.
O Dr. Aderbal acompanhava essas mudanças de perto?
Ele era ouvido, mas eu tocava, era o que eu mais gostava de
fazer. O doutor Aderbal estava sempre presente, contribuindo,
dando opiniões. A sede da Felipe Schmidt era muito próxima
do escritório dele, ficava fácil esse contato.
O parque industrial no Saco Grande correspondeu ao
que os diretores e funcionários esperavam?
O jornal deu um salto. A expansão que imaginávamos
quando chegamos, em 1967, ocorreu a partir do momen-
to em que nos transferimos para a SC-401, mais de dez
anos depois. “O Estado” cresceu muito, tornou-se defi-
nitivamente estadual, circulava em todo o território ca-
tarinense, tinha sucursais nas cidades-polo, tinha muitos
anunciantes e assinantes. Foi o auge, realmente o auge,
entre o fim da década de 1970 e o fim da década seguinte.
Virou realmente um jornal grande.
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Detalhe da tapeçaria do artista Tirelli: sede da João Pinto
O ESTADOESPECIAL
A antiga sede da João Pinto
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A TATIANA EMAGRECEU 30KG PARA DOARPARTE DO SEU FÍGADO E SALVAR UMA CRIANÇA
QUE NÃO CONHECIA. SAIBA MAIS EM:GENTEQUEFAZADIFERENCA.SC.GOV.BR
Entrevista. José Matusalém de Carvalho Comelli
Mudança para a sede da SC-401 marcou a história do jornal
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 6/7
Voltando um pouco no tempo: “O Es-
tado” era conhecido como “jornal do
PSD”. Como vocês, os jovens que as-
sumiram em 1967, lidaram com isso?
Quando assumi a direção de fato em 1967, tinha como meta, como proposta de
inovação, a desvinculação da questão político-partidária. Precisávamos mudar conceitos. Até aconteceu um episódio interessante. Naquela época, houve um incidente com um ônibus e, por causa do transtorno causado, aquilo acabou vi-rando notícia. O dono da empresa de ônibus foi se queixar: “Mas esse jornal não é nosso [do PSD]?”. Chamado para me explicar, eu respondi: “É nosso. E de muita gente”.
Eram vínculos (ou vícios) difíceis de vencer, mas o
senhor levou esse propósito adiante?
Claro que não se poderia desconsi-derar a história do doutor Aderbal, do PSD e de “O Estado”, tudo isso estava muito vivo na cidade. Mas era preci-so seguir adiante. Na inauguração da sede de “O Estado” na Felipe Schmidt, com a presença do governador Colom-bo Salles, eu citei uma frase clássica de Rui Barbosa durante meu discurso: “A pátria não é ninguém; são todos”. Completei: “Um jornal também”. Era isso que eu defendia, embora respeitas-se a história de “O Estado”, do PSD, do próprio doutor Aderbal.
No seu auge, o jornal chegou a ter
500 funcionários, confere?
É verdade. Mas aquilo era um exa-gero, havia gente demais, não precisava tanta gente. Ao longo do tempo fomos ajustando e chegamos ao número ideal para o nosso tamanho: 300 funcionários.
Vivendo o auge na década de 1980, “O Estado” viu
diante de si um concorrente forte, o “Diário Catarinense”,
lançado em 1986. Que tipo de abalo o jornal sofreu?
O abalo não estava no concorrente em si, mas no que ele trouxe por trás, a Globo. Era uma retaguarda impor-tante, uma artilharia por trás. E eles vieram com muita sede de expansão, muita agressividade, tentaram com-prar “O Estado” várias vezes, mas nós resistimos, aguen-tamos, procuramos inovar na tecnologia, na redação, fi-zemos a nossa parte.
A informatização em 1996 foi um passo importan-
te dessa resistência?
Sem dúvida. O Fábio Comelli (filho), que era diretor executivo do jornal, abraçou essa missão. Foi uma luta dele, com apoio dos diretores, mas ele se empenhou, ele correu atrás, ele tornou possível. O jornal teve a sua quar-ta revolução, se contarmos o offset em 1972, a mudança para a SC-401 em 1977 e a compra da rotativa Uniman em 1983. Foi uma das maiores transformações pelas quais passamos, com um sistema de ponta (McIntosh, da Apple), o mais moderno daquela época.
O que mais lhe marcou na trajetória no jornal?
Do jornal em si, o seu comprometimento com as grandes causas de Santa Catarina. Tenho certeza que deixamos esse legado, algo marcante, importante para Florianópolis e para o Estado. Adotamos bandeiras para a sociedade, derrubamos tabus. Das pessoas,
aquele contato com os funcionários, que fazia parte da minha formação. Eu orientava, estimulava, estava jun-to. Nunca ofendi um funcionário, não repreendi ninguém na frente dos ou-tros. Tinha uma relação de respeito, afinal, eram eles que faziam o jornal chegar às bancas e aos assinantes; da limpeza à redação, do comercial ao industrial, todos eram importantes.
Houve alguns contratempos nes-
sa trajetória. Poderia falar dessas
dificuldades?
Realmente, alguns erros foram co-metidos. Faltou readequação, faltou capital para corrigir as deficiências.
Alguma mágoa?
Nenhuma. Não guardo mágoas.
Saudade do jornal?
Naturalmente que sim. Saudade da rotina, dos empre-gados, do pessoal mais simples ao pessoal da redação, dos bons papos, das histórias. Sempre convivi muito bem com os funcionários. E saudade também da nossa presença diária nas bancas e nas casas dos assinantes. Das grandes reportagens que marcaram época, as co-berturas das enchentes (Tubarão, Videira, Vale do Ita-jaí), da cobertura do acidente da Transbrasil, campanha das diretas, eleições municipais ou nacionais, eleição de Tancredo, coberturas esportivas. Nós fizemos parte da história, nós fomos a história, nós somos a história. Para os jornalistas, o jornal foi uma grande escola, sempre foi uma universidade aberta.
Claro que tenho
saudade do
jornal, do seu
comprometimento
com Santa
Catarina. Sinto
falta da rotina
dos funcionários.
Nossa proposta, entre
1967 e 1972, era
modernizar o jornal,
inclusive implantar
o offset.
A ADMIRAÇÃO DOS
CATARINENSES
PELO JORNAL O ESTADO
É COMO ENERGIA RENOVÁVEL:
NUNCA ACABA.
Uma homenagem
da Tractebel ao jornal
que estará para sempre
no coração de Santa Catarina.
www.tractebelenergia.com.br
Entrevista. José Matusalém de Carvalho Comelli
O dia começava cedo para Nilton da Silva, os irmãos Jucélio e Jair Carlos Pereira, vizinhos no morro da Igreja, no Maciço da Costeira do Pirajubaé, e tantos outros me-ninos entre 8 e 15 anos, que taga-relavam baixinho para romper o silêncio da madrugada, encolhi-
dinhos sobre jornais velhos amontoados num dos cantos da parede. Apertada, era a única sala iluminada no galpão retangular que funcionava como garagem para diaristas e mensalistas em um dos primeiros estacionamentos priva-dos do centro histórico da cidade, na hoje supervalorizada esquina das ruas Antônio Luz e João Pinto com a avenida Hercílio Luz.
Para Nilton, a lida na rua começou em 1979, quando completara nove anos. O menino precisava trabalhar para ajudar pai e mãe nas contas da casa, e a rotina de jor-
naleiro lhe pareceu uma boa profissão. “Pouco ou muito, entrava dinheiro todos os dias. Foi vendendo jornal que ganhei meu primeiro dinheirinho. A vantagem era fazer freguesia fiel, o que garantia quase sempre o mesmo valor”, diz Nil-ton, que durante vários anos manteve a média de 40 a 50 exemplares vendidos por dia. “Na época, dava para faturar uma féria aproximada de 18 mil cruzei-ros no final da manhã”, diz.
Na época, o jovem jornaleiro já se di-ferenciava dos demais por uma característica incomum e que mais tarde passou a ser copiada pelos demais. Apa-rentemente frágil, a voz final de adolescente em formação ganhou amplitude e o que no começo soava como um gri-tinho, aos poucos se avolumou e ainda hoje ecoa na me-mória de milhares de leitores da época. Surgia, assim, O
Estadooooo, a marca de uma época que parecia próspera, mas que antecedeu as décadas de decadência e insolvência do “mais antigo” e, durante muitas décadas, mais impor-tante jornal diário de Santa Catarina.
Em 1986, o grito O Estadooooo virou, definitiva-mente, marca e marketing. Aos 16 anos, Nilton dos San-tos foi levado pelo então gerente industrial Valmir Pires Lagoa à sala da direção do jornal, na sede da SC-401, e lá assinou contrato para trabalhar durante um ano como garoto-propaganda em campanha publicitária encomen-dada à agência AS Propague.
O mote da campanha era fortalecer a marca do jornal na cidade e região e nas principais cidades do Estado, para fazer frente à concorrência que começava a se es-tabelecer em Santa Catarina. “Eu nunca tinha entrado em um estúdio antes. Mas deu certo, o grito O Estadooo pegou, e acabei conhecendo várias cidades do Estado nas viagens para divulgar a campanha publicitária”, diz. Nilton não se recorda exatamente quanto lhe rendeu o
O Estadoooooo!!!
Aos 16 anos, Nilton
dos Santos assinou
contrato para
trabalhar durante
um ano como garoto-
propaganda
BRUNO ROPELATO//ND
O grito do jornaleiro ecoa na memória de uma época
Nilton começou a trabalhar como jornaleiro aos nove anos para ajudar os pais nas contas da casa
contrato de garoto-propaganda, mas garante que corres-pondia, na época, a cem jornais vendidos por dia.
“Foi um dinheiro importante”, diz Nilton da Silva, que nunca quis ser pescador, já foi dono da própria empresa e hoje presta serviços terceirizados na área da construção civil. É especialista em colocação de pisos, forros e ou-tras obras em gesso. Filho de família pobre, mas honesta, o menino que cresceu nos morros da Costeira e conheceu cada uma das ruas a cidade velha, teve em “O Estado” o primeiro ganha-pão, seu primeiro emprego informal, sua primeira escola da vida. E não esconde que sente um aperto no peito sempre que trafega pela SC-401 e passa diante da antiga sede do jornal.
Rotina de jornaleiro
Era diante da antiga ponte do Vinagre, no canalizado rio do Bulha, e ao lado da sede da Capitania dos Portos de San-ta Catarina que os meninos esperavam, ansiosos, a chegada da primeira Kombi abarrotada de jornais ainda com resquí-cios do calor da impressora e cheiro forte de tinta. Invisíveis para a cidade adormecida, um a um eles saíam abraçados aos fardos de “O Estado” e, mesmo aqueles que mal sabiam ler, eram treinados para gritar a manchete e atrair, assim, o leitor das notícias do dia.
Os pontos mais disputados de venda avulsa de “O Es-tado”, na época, estavam localizados exatamente no atu-al Centro Histórico, na praça 15 de Novembro e ruas do entorno. Nilton, Jucélio, Jair, Pedrinho, Gustavo e colegas percorriam as ruas João Pinto, Tiradentes, Saldanha Mari-nho, Felipe Schmidt, Conselheiro Mafra, Tenente Silveira, Francisco Tolentino, Mercado Público...
Ninguém conhecia a cidade melhor que aqueles meninos, entre eles Nilton, Jucélio e, um pouco mais velho, Jair Carlos Pereira. Outros, equipados com bicicletas reforçadas com ba-gageiros dianteiros e traseiros, saíam pedalando para a entrega domiciliar aos assinantes do “mais antigo”.
Para o corretor de seguros Jair Carlos Pereira, 55, o primei-ro emprego informal como jornaleiro de “O Estado”, aos oito anos, não representou apenas o primeiro dinheiro que “botou em casa”. Serviu para conhecer desde cedo a cidade onde nasceu e a exercitar as relações interpessoais.
“Muito importante, também, aprender a conversar, me re-lacionar com as pessoas”, diz Jair, que vendeu jornais de 1969 a 1976, e começou quando a sede ainda era na Conselheiro Mafra e acompanhou a mudança para a Felipe Schmidt.
Jucélio, irmão seis anos mais novo de Jair, seguiu os mesmos passos do irmão mais velho, mas, como Nilton, aprendeu a soletrar as manchetes no galpão da João Pinto, onde durante muito tempo também funcio-nou a “redacinha”, base da reportagem na área central quando o jornal funcionava na até então remota SC-401, no Saco Grande.
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 9
Mudanças de dono e endereço
A primeira edição do jornal fundado por
Henrique Rupp Junior e Ulisses Costa,
em 13 de maio de 1915, foi montada e
impressa na tipografia ao lado da reda-
ção e da direção, no número 8 da rua
Jerônimo Coelho, a caminho da zona
portuária da cidade. Eram quatro pági-
nas em tamanho standard compostas na
linotipo, enorme máquina de ferro com teclado mecânico man-
tido em caixa de fontes de onde as letras caíam, uma a uma, em
pequenas formas de chumbo efervescente e derretido para
formar, uma a uma, as linhas que viravam parágrafos de ex-
tensas matérias e artigos. Na época, era a tecnologia mais
moderna na indústria gráfica, e o jornal ain-
da não utilizava fotografias.
O primeiro repórter foi Osvaldo Mello, que
teve como redatores Oscar de Oliveira Ramos
e Joe Collaço, que valorizavam o noticiário
local. Uma das primeiras bandeiras editoriais
de “O Estado” foi a defesa da manutenção da
Capital em Florianópolis, combatendo mo-
vimentos que naquela época já defendiam a
transferência para uma das cidades do interior
com maior potencial econômico. O gerente
era João Câncio de Oliveira.
Ao lado da impressora alemã Kleo, utiliza-
da pelo jornal até o início da década de 1970,
títulos de tamanhos que variavam de acordo
com a importância da matéria, eram compos-
tos a mão. Sobrepostas pelo grá!co encarregado da montagem
da página na bandeja de metal, as linhas de chumbo e tipos
de ferro eram amarradas nas bordas com barbante escurecido
pelas mãos sujas de tinta, antes de receberem calços de ferro e
serem afixadas na mesa de impressão.
O empreendimento durou apenas três anos e meio nas
mãos de Rupp e Costa, que negociaram com o comerciante
Augusto Lopes da Silva. As razões da venda nunca foram
esclarecidas, mas o novo dono assumiu em 15 de novembro
de 1918, com várias mudanças.
Primeira edição do
standard com quatro
páginas foi montada
e impressa na rua
Jerônimo Coelho, a
caminho da região
portuária da cidade.
A primeira foi a mudança da própria sede, da Jerônimo para
a rua João Pinto 13, ao lado do mar. A gráfica foi modernizada
com novas caixas tipográficas, a circulação passou de matutina
para vespertina e o noticiário local !cou em segundo plano.
Seis anos e cinco meses depois, em março de 1925, a primeira
mudança de direção com objetivos políticos. Victor Konder, mi-
nistro da Viação do governo Washington Luís, comprou “O Esta-
do” e o entregou para ser administrado pelo professor e intelectual
Altino Flores, avô do economista e vereador Afrânio Boppré.
Tem início uma nova fase do jornal, que manteve-se com
quatro páginas e passou a priorizar o setor comercial. A
capa, por exemplo, começou a ser usada também para publi-
cação de anúncios classificados, numa clara desvalorização
do noticiário jornalístico.
Cinco anos depois, a grá!ca ganhou o reforço da clicheria,
sistema de gravação de imagens e gravuras em placas de zin-
co, e começam a ser utilizadas as fotogra!as. O jornalismo ga-
nhou mais espaço, tendo como redatores Othon d’Eça e Cássio
Abreu. O gerente era João Medeiros.
Foi um período conturbado da política nacional. “O Estado”
combatia abertamente as ideias de Getúlio Vargas, candidato
à Presidência da República pela Aliança Liberal, e apoiava o
governista Júlio Prestes, do Partido Republicano, que ganha a
eleição mas é deposto por Vargas.
Victor Konder vai para o exílio e Altino Flores assume, de
vez, a direção de “O Estado”, que segue fazendo oposição a
Getúlio Vargas até 1937, quando ocorre o golpe do Estado
Novo, e resiste sob a ditadura e censura getulista até 1945.
Em junho de 1945, nova mudança. Nas mãos de Moacir
Iguatemy da Silveira, o jornal dobra o número de páginas, de
quatro para oito, e começa a dar destaque aos noticiários nacio-
nal e internacional.
Em março de 1946, Sidnei Nocetti, então testa de ferro do
político Aderbal Ramos da Silva, é o quinto proprietário de “O
Estado”. Este período de transição marca também a mudança
da redação e da o!cina grá!ca para o casarão colonial da rua
Conselheiro Mafra, velho pardieiro da antiga boca do lixo da
cidade, com o professor Barreiros Filho na direção e Damasce-
no da Silva na redação.
O ESTADOESPECIAL
Muito antes dos processos
modernos de diagramação,
composição e impressão, os
jornais adotavam um sistema
industrial bastante rudimen-
tar, mas que, em seu tempo,
foi a melhor solução grá!ca, sucessora da tipogra-
!a. Enquanto nesta o trabalho era exaustivo, pois o tipógrafo montava as chapas de impressão uti-
lizando tipo a tipo – algo impensável do ponto de
vista econômico atualmente –, com a impressão a
quente, os jornais e as editoras de livros e revistas
ganharam velocidade de produção.Foi assim durante muitos anos, das primeiras dé-
cadas do século 20 até, no caso de “O Estado”, 1972. “Quando cheguei ao jornal, trabalhei primeiro
como linotipista, o encarregado da digitação das
matérias e dos anúncios de linha. Era, de fato, algo muito arcaico, mas era assim que os jornais
ganhavam forma”, conta Hadilson Savi, que co-
meçou como grá!co e chegou a diretor industrial do “mais antigo”.
Ele lembra que a linotipo teve o seu valor, como parte do esquema de produção do jornal.
“Era demorado, trabalhávamos por turnos. Havia três máquinas dessas e mais a rotoplana (impressora). As matérias e os anúncios de linha eram compostos em blocos, de acordo com a dia-
gramação; depois esses blocos eram montados na
rama, um painel de metal, ajustados nos espaços
corretos. As fotos e ilustrações eram produzidas em clichê, numa chapa de zinco, coladas numa base de madeira, com a altura certa para serem
encaixadas nos locais próprios. A manchete e os títulos das páginas eram montados de forma tipo-
grá!ca (tipo a tipo), porque não tínhamos a má-
quina especial para isso.”Hadilson guarda como “recordação” daquele
tempo uma cicatriz, no pulso direito, resultado de
um derramamento acidental de chumbo quente e
a!rma: “Aquilo era muito perigoso, tínhamos que tomar muito cuidado. Um dia me distraí e aconte-
ceu, !quei com a marca para o resto da vida”.
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No tempo da linotipo, a composição a quente
Máquina
inventada
em 1890 deu
velocidade
a editoras e
jornais, mas
tornou-se
obsoleta na
década de 1970
Uma linotipo que resistiu ao tempo está na Imprensa O!cial do Estado
Como funcionaA linotipo é um aparelho de composição
mecânica, com teclado muito semelhante ao
de uma máquina de escrever. A composição é feita pela fundição dos caracteres que formam
linhas inteiras (linhas tipográ!cas). O termo deriva da expressão “a line of
type”, dita por seu criador, Mergenthaler, que patenteou a máquina em 1890. Posteriormente, surgiram outras compositoras mecânicas simi-
lares, mas o termo “linotipo” se tornou genérico para designar todas as máquinas semelhantes.
O “Dicionário de Comunicação”, de Car-los Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa, assim descreve o funcionamento: “O linotipista acio-
na o teclado (com cerca de 90 teclas de letras,
números e sinais especiais), fazendo deslizar
o magazine (um depósito situado na parte su-
perior da máquina), as matrizes desejadas, que
passam a ocupar o seu lugar na linha, ao lado
das anteriores. Formada uma linha, no tamanho previamente estipulado, esses tipos são levados
a uma caldeira com chumbo derretido, onde a
linha de matriz é fundida em uma só barra”. “Um distribuidor automático leva de volta
aos seus compartimentos as matrizes utiliza-
das, onde poderão voltar a servir como moldes
na fundição de novas linhas tipográ!cas. A li-nha fundida, já resfriada, desce e se reúne às
demais, em uma bandeja colocada ao alcance
do linotipista (galé).
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Projeto arquitetônico do novo prédio interligava redação, diagramação, arte nal e grá ca para facilitar o "uxo da produção diária
Em maio de 1977, “O Estado” inaugurou sua sede
de nitiva, no km 2 da SC-401 na época ainda
não duplicada. O prédio horizontal, com jardim
de inverno ao centro, foi projetado em forma de
cruzeiro, ou trevo de quatro folhas, cada bloco
abrigando setores interligados do jornal.
Redação, diagramação, arte final e gráfica, por exem-
plo, estavam dispostos em corredores contínuos, para faci-
litar o fluxo da produção diária. Em dois outros blocos, os
setores administrativo e financeiro estavam bem próximos
do comercial, onde eram faturados anúncios, vendas avul-
sas e assinaturas.
Para compensar a distância, praticamente 10 quilôme-
tros em direção ao Norte da Ilha, foi man-
tida uma estrutura de apoio na área central
da cidade. A “redacinha”, como era chama-
da, funcionava junto ao galpão do estacio-
namento particular em terreno da família
Hoepecke, na esquina da avenida Hercílio
Luz com as ruas João Pinto e Antônio Luz,
defronte à antiga Capitania dos Portos da
Marinha do Brasil.
Lá, em meio ao entra e sai de veículos,
era mantida também estrutura de apoio para
A “redacinha”,
estrutura montada
no Centro de
Florianópolis, dava
apoio para equipe
de reportagem
com máquinas de
escrever e telex
circulação e departamento comercial. Antes de seguirem
para a sede do Saco Grande, os repórteres passavam na
redacinha, recebiam as pautas da chefia de reportagem e
saíam para as entrevistas. Lá, dispunham de máquinas de
escrever e aparelho de telex para elaboração e transmis-
são dos textos, ganhando tempo precioso na produção,
antes da edição e processo industrial na nova gráfica.
Pela redação de “O Estado” no Saco Grande passaram
várias gerações de jornalistas, alguns ainda em plena ati-
vidade e que testemunharam a transição dos períodos ro-
mânticos do jornalismo, misturado à boemia e consumo
excessivo de álcool e tabagismo.
Em meados da década de 1990, às vésperas do ano 2000,
a informatização da redação e demais processos produtivos,
novidade tecnológica que parecia chegar para consolidar o
“mais antigo”, também como o melhor e mais abrangente
jornal catarinense, representou exatamente o oposto.
Encurralado pelas dívidas trabalhistas e fiscais e pela
concorrência que começava a ganhar espaço no território
até então exclusivo, “O Estado” dá início a doloroso pro-
cesso falimentar e de fragmentação administrativa. Cai em
descrédito com fornecedores, anunciantes e leitores, até
fechar as portas, definitivamente.
Sede moderna às margens da SC-401
A inauguração da era offset criou um novo mercado para
“O Estado”, o primeiro diário de Santa Catarina a terceirizar
os serviços da própria gráfica. A iniciativa foi fundamen-
tal para viabilização do Zero, o jornal laboratório da UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina).
Na época, o departamento de comunicação e expressão
da universidade começava a reestruturar o curso de jor-
nalismo, mas não dispunha de toda a estrutura necessária
para viabilizar o processo industrial e materializar a teoria
ensinada na academia.
“O professor [Ricardo Barreto] levava os alunos, lá eles
tinham as aulas de diagramação, acabavam de produzir suas
matérias, edição e revisão do jornal. Acompanhavam todo
o processo posterior na gráfica, como arte-finalização, im-
pressão e encarte”, conta Valmir Pires Lagoa, na época ge-
rente industrial do “mais antigo”.
Lagoa lembra que a terceirização foi importante fonte de
faturamento da empresa. Lá eram feitos pequenos jornais de
cidades do interior, mas principalmente panfletos, informa-
tivos e periódicos de sindicatos da Grande Florianópolis.
Em época de movimento sindical efervescente, com greves
pipocando em setores públicos e privados, não faltava trabalho.
“Assim, criei minha carteira de clientes. Até hoje os sindicatos
são meus principais parceiros”, diz Lagoa, que soube aproveitar
as amizades e a clientela feitas na época que administrava a grá-
ca e criou a própria carteira de anunciantes.
Serviços para terceiros
Pioneiro, jornal usou seu parque gráfico para imprimir produtos externos
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Como as demais empresas do Grupo Hoepcke, “O Estado” foi o primeiro emprego formal de muita gente em Florianópo-lis, responsável pela manuten-ção de famílias inteiras. Não
foi diferente para o publicitário Valmir Pires, 56 anos, que teve a carteira assinada no dia 10 de fevereiro de 1984, na função de auxiliar administrativo, já na sede da SC-401, no bair-ro Saco Grande.
Ele era o responsável pela emissão das fatu-ras e as notas fiscais do setor financeiro. “No fim dos anos 1980, fui promovido a gerente e transferido para a rua Conselheiro Mafra para
administrar a recém-comprada “A Gazeta”, o maior concor-rente de “O Estado”, fundada por Jairo Callado e na época pertencente à empresária Ma-ria Ináz Vaz.
Com o fechamento de “A Gazeta”, ainda no sistema ti-pográfico, Lagoa voltou para o Saco Grande para gerenciar o industrial. Foi quando implan-tou a terceirização da oficina gráfica e passou a produzir tabloides sindicais ou periódi-cos de cidades do interior.
Foi nesta época que o ma-nezinho, filho de rendeira e
pescador da Lagoa da Conceição, ganhou o apelido que virou sobrenome no meio pu-blicitário e de jornais impressos na Grande Florianópolis. Quem o batizou informal-mente foi o então gerente administrativo, Valmir Martins, para evitar confusão no atendimento das ligações telefônicas.
Apelido virou marca
“As pessoas telefonavam para o jornal, pe-dindo para falar com o Valmir. Às vezes era para o Martins, mas a telefonista repassava a ligação para mim, e, às vezes, era para mim e repassada para ele”, lembra Pires. Até que um dia, Valmir Martins fez uma reunião entre ambos e as telefonistas e decretou: “A partir de agora, ele será o Lagoa, o Valmir Lagoa. Nunca mais houve confusão”, lembra.
O apelido virou marca profissional e pes-soal. “Hoje, eu agradeço ao Valmir Martins, porque Lagoa virou meu sobrenome, agre-guei na minha identidade informal o nome de um dos cartões-postais de nossa cidade, um dos principais ecossistemas da Ilha. É assim que meus amigos me chamam e fiquei conhecido no mercado”, diz o publicitário, que na juventude trabalhou também na Ho-epcke Veículos e Datafar, outras duas im-portantes empresas do grupo.
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Passagens folclóricas dos tempos do “mais antigo” dariam para preencher as páginas de um livro
Primeiro emprego deu rumo à vida profissional
Valmir Pires, o
Lagoa, teve sua
carteira assinada
pela primeira vez em
1984, quando assumiu
o cargo de auxiliar
administrativo do
jornal “O Estado”.
De lá, guarda
lembranças e a
carteira de clientes.
Suplemento só para crianças
O Estadinho, suplemento infantil de quatro páginas, foi um dos marcos do jornal. Circulava aos domingos, com histórias em quadrinhos e jogui-nhos de colorir. Um dos destaques era a publicação de fotogra!as de crian-ças, pequenos leitores, em que os editores novatos se revezavam. “Não havia um editor fixo, era fácil de ser editado”, conta Chico Faganello, que se revezou na função, por exemplo, com Fábio Brüggemann e Fifo Lima.
Na editoria de Variedades, aliás, todos faziam tudo na hora do fecha-mento. “Muitas vezes, a agência não enviava o horóscopo oficial do dia por um problema ou outro, e tínha-mos de improvisar para resolver o problema”, conta. Neste caso, a so-lução mais rápida era recorrer a uma edição antiga, recortar e misturar os signos do zodíaco.
Se parar para recordar passagens folclóricas dos tempos de “O Estado”, Valmir Lagoa garante ter matéria-prima para a edição de um livro. Uma delas, ele faz questão de lembrar.
Lauro Cordeiro, atual gerente comercial do Notícias do Dia, começava a despontar no mer-cado publicitário e a formar carteira com bons anunciantes para o antigo “Jornal de Santa Ca-tarina”, com sede em Blumenau e circulação do Médio Vale para baixo, até Itajaí, no Litoral Norte do Estado. O “Santa” na época brigava com “A Notícia”, de Joinville, pelo posto de se-gundo maior jornal catarinense. Sem fazer ba-rulho, Lauro Cordeiro começou a incomodar a área comercial de “O Estado”.
Perspicaz, o diretor Osmar Schlindwein, ao lado do gerente comercial Adriano Kalil, teve a sacada. Chamou Valmir Lagoa à sala da direção e lhe deu uma missão: convencer Lauro Cordeiro a trocar o “Santa” pelo “mais antigo”.
A compra do passe de Lauro envolveu uma grande negociação, mantida sob absoluto sigilo
Publicitário tem “passe comprado” com promessa jamais cumprida
para não despertar a reação da direção do “Jornal de Santa Catarina”, principalmente na sucursal de Florianópolis, na época dirigida por Silva Junior.
Para a compra do passe, Osmar orientou Lagoa a oferecer um ótimo salário, comissões e transpor-te gratuito (carro e moroista) para levar e trazer os !lhos de Lauro à escola. “O baixinho relutou um
pouco, mas depois percebeu que seria um bom ne-gócio também para ele. E aceitou o desa!o”, sorri
Lagoa. Lauro está até hoje à espera dos benefícios prometidos na época da contratação.
Hoje no Notícias do Dia, Cordeiro se diverte com a artimanha de Osmar e Lagoa. “Eles me levaram no Restaurante Lindacap, o mais caro da cidade na época. Serviram camarão pistola, dos maiores, prometeram uma tiragem fantásti-ca, mas não cumpriram nada”, se diverte. Lauro entrou em “O Estado” em 1992 e foi o respon-sável pela criação da sucursal do Kobrasol, em São José. Orgulha-se também de ter emplacado o primeiro anúncio de capa colorido. “Era um caderno especial da Casas da Água”, diz.
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O ESTADO
ANOS
1001915 1917 1918
uGrif th lma O
Nascimento de Uma Nação,
primeiro longa-metragem
com características
modernas (cultura)
uComeça a
Revolução Russa
uGreve operária
para São Paulo
uFim da Primeira
Guerra Mundial, com a
derrota da Alemanha e
seus aliados
F ormado em história pela UFSC (Universidade Federal de
Santa Catarina), ativista político de esquerda durante a re-
sistência à ditadura militar, Sérgio Luiz de Castro Bonson
foi um excelente aluno de desenho durante o ensino médio, à
época chamado de curso clássico. Seu traço voltado ao humor
levou-o às páginas de “O Estado” como o mais célebre char-
gista que o jornal teve em toda a sua história.
“Charge vem do francês, que quer dizer ‘carga’. Ou seja, o chargista ‘car-
rega nas tintas’, tem que ser corrosivo no traço e na piada”, disse o artista uma
vez, em entrevista a Carlos Damião.
Qualquer autoridade constituída acabava submetida à irreverência de Bonson:
ele não perdoava nenhuma situação que pudesse render a charge do dia. Quando
chegava à redação, logo procurava os editores para saber “o que está rolando”,
o assunto do dia. Seu foco era, quase sempre, voltado à política, em tempos não
muito diferentes dos atuais, porque a atividade dos políticos também era sofrível.
O chargista chegou a “O Estado” em 1974, permanecendo no “mais antigo” por
cerca de 25 anos. Seu traço se confundiu com a própria história da modernidade
do jornal, pela presença sempre constante e pela identi!cação imediata dos tipos
e situações que retratava nas charges e também nas tiras, publicadas no Caderno
2, depois Magazine. Tornaram-se lendários os personagens Soiza (“Tudo
pelo Soizial”) e Waldirene AM, entre outros. Suas tiras acabaram
sendo reproduzidas em livros.
Ele protagonizou inúmeras situações difíceis para o jor-
nal, como a charge, em pleno regime militar, retratando um
“sorridente” cavalo, de rabo empinado, com quatro estrelas
estampadas no lombo. Era o tempo do general-presidente
João Figueiredo, o!cial da Cavalaria do Exército, que che-
gara a confessar, numa rápida entrevista, que “preferia o
cheiro de cavalo ao cheiro de povo”.
Militância estudantil e prisão
Não foi a única complicação
que Bonson enfrentou com os mi-
litares no poder. Em 1967, quan-
do Costa e Silva era o marechal-
presidente do país, Bonson presidia
o Grêmio Estudantil Professor José
Brasilício, no Instituto Estadual de
Educação. Costa e Silva tinha uma
visita programada a Florianópolis,
e Bonson, muito gentilmente, pi-
chou muros da cidade repudian-
do a presença do severo oficial.
Foi preso, junto a outros estu-
dantes, e só liberado depois
que o presidente deixou a Ca-
pital.
Muitos anos depois, em
entrevista à edição comemora-
tiva dos 80 anos de “OE”, Bon-
Uma vida marcada por humor e irreverência
son não se confessava um homem de esquerda, mas um artista atento a qualquer
movimento político, da direita à esquerda, do centro ao in!nito. Entendia que a
função da charge era ser, na essência, um “editorial” visual e crítico do jornal.
Quem conviveu muito com ele sabe que o chargista era muito mais um
anarquista, na concepção ideológica do termo, do que um militante de qual-
quer causa de ocasião.
Colecionando as chargesAutoridades retratadas nas charges apressavam-se em adquirir os originais, para
o prazer do artista, que também atuava como free-lance para incrementar o orça-
mento doméstico. Alguns, como Bulcão Viana, que foi prefeito (1990-1992), e
Paulo Afonso Vieira, governador entre 1995 e 1998, compraram lotes das charges
para guardar em seus acervos particulares. Outras autoridades e políticos agiam
com desdém ou mau humor. Alguns processaram o jornal por causa de charges pu-
blicadas. Outros pressionavam os diretores para que exercessem uma vigilância di-
reta sobre o trabalho do artista. Houve períodos de repreensões objetivas, e Bonson
tinha que refazer a charge do dia. Esse papel, do relacionamento com o chargista,
era exercido em geral pelo editor-chefe ou pelo editor de opinião.
Os desenhos eram rascunhados a lápis e depois Bonson aplicava
nanquim com um bico-de-pena, de!nindo bem seus traços mui-
to peculiares. No !m da vida, atuando como free-lance em
“A Notícia” e outros jornais, aprendeu a desenhar no
computador, usando programas apropriados para
isso. Mas não era sua praia, como dizia. Prefe-
ria mesmo o gra!te, o papel e o nanquim.
Aquarelas urbanasAlém de chargista, Bonson foi um
excelente e reconhecido artista plástico.
Tão reconhecido que o prefeito da cida-
de francesa de Bonson convidou-o na
década de 1980 para passar um período
lá, desenhando e pintando suas belíssi-
mas aquarelas, em geral de paisagens e
casarios. No fim da década de 1990, des-
cobriu outra forma de trabalhar com artes
plásticas em Florianópolis. Com uma cadeira
de praia desmontável, uma prancheta, lapi-
seiras e borrachas, instalava-se nas esqui-
nas da Capital, desenhando a paisagem
urbana, não apenas o patrimônio histó-
rico, mas as características “puras” da
cidade que via. Depois coloria esses
desenhos com a técnica de aquare-
la. Produziu uma série de ca-
misetas com as estampas,
que eram vendidas nas
bancas de jornais e re-
vistas. Ele morreu em
2005, vítima de cân-
cer, aos 56 anos.
Bonson
dedicou quase
25 anos de
sua vida a “O
Estado”, onde
foi chargista,
cartunista e
ilustrador
O artista no traço de outro artista, Clóvis Medeiros
Capa de um dos livros do cartunista, com um de seus personagens populares
O ESTADOESPECIAL Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 16
Os primeiros anos da Repúbli-
ca em Santa Catarina foram
confusos do ponto de vista da
política. Entre 1889 e 1902,
o Estado teve governadores
provisórios, de mandatos cur-
tos, como Lauro Müller (oito
meses da primeira vez, pouco
mais de dois meses da segunda vez), re!etindo o clima de instabilidade entre as diferentes correntes
que derrubaram a monarquia no golpe de Estado de
15 de novembro de 1889.
O governador que pela primeira vez "cou mais de três anos no cargo foi Hercílio Luz, entre 6 de ja-
neiro de 1895 e 28 de setembro de
1898. Depois veio Felipe Schmidt,
entre 28 de setembro de 1898 e 28
de setembro de 1902. Na sequên-
cia, uma sucessão de interinos, com
poucos dias ou meses no exercício
do cargo. É aí que surge a "gura de Vidal Ramos (1866-1954), o
patriarca de uma linhagem de po-
líticos que dominaria grande parte
da cena catarinense durante pelo
menos oito décadas do século 20.
Vidal José de Oliveira Ramos Jú-
nior nasceu em Lages, casou-se com Tereza Fiúza Ra-
mos, com quem teve 14 "lhos. Rachel, a mais velha, casou-se com Pedro Silva, desembargador, e morava
com os pais no Palácio dos Despachos – que à época
era também residencial –, hoje Palácio Cruz e Sousa.
Ali nasceu, em 1911, o neto de Vidal, Aderbal Ramos
da Silva, que igualmente viria a exercer o cargo de
governador, entre 1947 e 1951, e foi o proprietário de
“O Estado” até sua morte, em 1985.
Mas Rachel não foi a única a participar direta-
mente da política catarinense, gerando um dos lí-
deres mais influentes do século 20 em Santa Ca-
tarina. Seus irmãos Nereu Ramos, Celso Ramos,
Mauro Ramos, Vidal Ramos Júnior e Joaquim Fiú-
za Ramos exerceram cargos políticos em diferentes
ocasiões. Os que mais se destacaram foram Nereu
Ramos, que, além de governador e senador, foi pre-
sidente da República por dois meses e 21 dias (en-
tre novembro de 1955 e janeiro de 1956), e Celso
Ramos, governador entre 1961 e 1966.
No início do século, antes da Revolução de
1930, durante a chamada República Velha, os Ra-
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Nereu Ramos,
na foto o!cial de presidente da República: tio de Aderbal, o dono de “O Estado”
Mudanças políticas depois da Proclamação da República
História da política
catarinense se
confunde com a do
jornal “O Estado”,
que teve comando
de personagens
importantes do
poder público
mos pertenciam ao Partido Liberal Catarinense, pelo
qual Nereu se elegeu deputado federal. Governador
eleito em 1935, tornou-se interventor durante todo o
período do Estado Novo (1937-1945).
De olho no poder
Durante a República Velha, as famílias Ramos e
Konder chegaram a ser aliadas em determinadas situ-
ações históricas e políticas. Mas a rivalidade natural
pelo exercício do poder acabou afastando os líderes,
que ao longo das primeiras décadas do século 20 bus-
caram rumos diferentes. Adolfo Konder governou o
Estado por pouco mais de um ano, entre 1926 e 1927.
Na sequência, em 1930, Fúlvio Aducci venceu a dis-
puta pelo governo, mas ficou três semanas no cargo e
foi deposto pela Revolução de 1930. Em 1935, Nereu
Ramos foi eleito e sua família continuou no poder até
1951. Neste ano, os Konder voltaram ao governo com
Irineu Bornhausen, casado com Marieta Konder, sobri-
nha de Adolfo Konder.
Da República Velha a 1982
A família Ramos, de Aderbal Ramos da Silva, dividiu
o poder com os Konder em Santa Catarina na Repúbli-
ca Velha (até 1930). Durante o Estado Novo, os Ramos
mandaram no Estado. Com a redemocratização, conti-
nuaram no poder ao eleger Aderbal (1946). Os Konder
seriam representados por Irineu Bornhausen (eleito em
1951), Jorge Lacerda (apoio), eleito em 1955, e Heriberto
Hülse, vice de Lacerda que terminou o mandato.
Os Ramos voltaram em 1961, com Celso no gover-
no, e se mantiveram na eleição de 1965, com a vitória
do candidato do PSD, Ivo Silveira. Exceto no período
de Colombo Salles (1971-1975), seguiram influencian-
do a política até a primeira eleição direta para gover-
nador durante o período ditatorial, em 1982. A família
apoiou o candidato vitorioso, Esperidião Amin.
“O Estado”, que em seus primeiros anos de circu-
lação tinha sido vinculado à família Konder, passou
a ser o jornal do PSD após 1946. Era um jornal de
partido, sem nenhum tipo de disfarce. Depois da ex-
tinção de PSD e UDN, passou a apoiar a Arena, sigla
governista que sustentava o regime civil-militar ins-
taurado em 1964. Curiosamente, em seus primeiros
anos de circulação, o jornal tinha sido aliado da fa-
mília Konder.
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 17O ESTADOESPECIAL
Aderbal Ramos da Silva nasceu no Palá-
cio do Governo em 1911. Neto do go-
vernador Vidal Ramos, era natural que
crescesse num ambiente propício à ati-
vidade política. Cursou direito, traba-
lhou no escritório do tio, Nereu Ramos,
e com 23 anos elegeu-se deputado estadual constituinte.
O mandato seria interrompido, como todos os outros,
em 1937, com o golpe do Estado Novo, que fechou to-
das as assembleias legislativas.
Em 1936, o jovem deputado casou-se com Ruth Ho-
epcke, herdeira do poderoso conglomerado Hoepcke,
fundado em 1884 por Carl Hoepcke, imigrante alemão,
de quem era neta. Aderbal não participava diretamente
da administração das empresas, que era
tocada desde 1921 pelo barão Dietrich
von Wangenheim, nascido na Alema-
nha, mas naturalizado brasileiro.
Com a entrada do Brasil na 2a Guer-
ra Mundial, em 1942, o governo de
Getúlio Vargas implantou uma políti-
ca de terror e perseguição aos alemães
e seus descendentes que moravam no
país. Aderbal, que continuava traba-
lhando como advogado, cedeu aos
apelos da esposa e outros familiares e
assumiu a presidência do grupo Hoepcke em outubro
daquele ano. O conglomerado era poderoso, com diver-
sas indústrias, rede de lojas, companhia de navegação,
entre outros negócios. Com Aderbal à frente da admi-
nistração, continuou expandindo as atividades e incluiu,
entre seus objetivos, a aquisição do jornal “O Estado”,
então de propriedade do professor Altino Flores. Valeu-
se de um artifício, hoje conhecido como a utilização de
“laranjas”, para comprar o matutino, que, sob a gestão
de Altino, mantinha-se distante de discussões político-
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A família Ramos em Lages, com quatro ex-governadores: o patriarca Vidal Ramos (ao centro, sentado), Nereu (o primeiro à esquerda), Celso (o antepenúltimo da !la de cima) e
Aderbal (o primeiro à direita da !la de
crianças)
Imprensa e rádioeram estratégicos
Aderbal Ramos da Silva
comprou “O Estado”,
“A Notícia” e a Rádio
Guarujá para fortalecer
a Hoepcke e sua
carreira política
partidárias. Moacir Iguatemy da Silveira e Sidney
Nocetti fecharam o negócio com o professor, e “O
Estado” passou ao controle indireto de Aderbal. Isso
foi em 4 de junho de 1945, após o fim da guerra.
A fundação do PSD
Político de nascença, advogado por formação,
empresário por opção, Aderbal Ramos da Silva ti-
nha pretensões de voltar à política como o quar-
to dos Ramos a se destacar no cenário estadual. A
aquisição de “OE” fez parte de seu planejamento
com esse objetivo, assim como a compra do jornal
joinvilense “A Notícia”, do qual foi dono durante
alguns anos, de 1945 a 1956.
Os dois jornais, junto com a Rádio Guaru-
já, que Aderbal adquirira em 1948, viriam a ser
porta-vozes oficiais do PSD (Partido Social De-
mocrático), uma das siglas fundadas durante a
redemocratização do Brasil.
O PSD surgiu em maio de 1945, tendo o empre-
sário como um dos líderes de sua criação em Santa
Catarina, ao lado do tio, o ex-governador e ex-in-
terventor Nereu Ramos. No mesmo mês, outro gru-
po político fundaria a UDN (União Democrática
Nacional) em Santa Catarina, partido francamente
adversário do PSD, que juntou os rivais da família
Ramos, os Konder.
A redemocratização nacional, depois de 15 anos
de Getúlio Vargas no poder central, com oito anos de
ditadura, produziram evidentes reflexos em Santa Ca-
tarina e seriam fundamentais para os anos seguintes,
com a clara de!nição das disputas políticas entre as
duas famílias mais tradicionais da política estadual.
Pretensão a
voos mais altos“O Estado”, “A Notícia” e a Rádio Guarujá formaram
o segmento de comunicação do Grupo Hoepcke, muito
mais pela vontade do seu presidente, do que dos acionis-
tas das empresas. Aderbal tinha pretensão a voos mais
altos em sua carreira. O primeiro passo era ser eleito para
a Assembleia Nacional Constituinte de 1946. Foi vitorio-
so, depois de uma campanha exaustiva. “Corri o Estado
todo, em três automóveis. Carros particulares”, contou
certa vez numa entrevista, concedida em 1981. Sua par-
ticipação na Constituinte era um passo para ampliar sua
liderança no PSD e, ato contínuo, candidatar-se ao go-
verno do Estado, 12 anos depois da última eleição direta,
vencida por seu tio Nereu – que exerceu a administração
do Estado até 1945.
Aderbal e Ruth: com a perseguição
aos descendentes de alemães em Santa
Catarina, ela pediu para o
marido assumir o Grupo Hoepcke
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 18/19
Aderbal Ramos da Silva (1911-1985) assumiu o controle de “O Estado” em 1946, mesmo ano em que se elegeu governador de Santa Catari-na. A posse de “O Estado” era uma forma de garantir um jornal para seu
partido político, o PSD (Partido Social Democráti-co), criado no processo de redemocratização do Bra-sil, iniciado em 1945, depois de 15 anos de Getúlio Vargas no poder – oito dos quais como o ditador do Estado Novo. Naquele tempo, os jornais em geral ti-nham vínculo com bandeiras político-partidárias. Em Florianópolis, o outro diário – A Gazeta – vinculou-se à UDN (União Democrática Nacional), partido de oposição ao PSD.
A estratégia de Aderbal no ramo da comunica-ção incluía também a propriedade da Rádio Guaru-já, emissora fundada em 1943 por Ivo Serrão Vieira como um serviço de alto-falantes. Sob sua adminis-tração, a Guarujá foi modernizada e ganhou uma estrutura semelhante às grandes rádios do eixo Rio-São Paulo, inclusive com programas de auditório e radionovelas produzidas na Capital.
A resposta da UDN à força do PSD na área de comunicação viria apenas em 1955, com a funda-ção da Rádio Diário da Manhã (hoje CBN Diário), que se tornou conhecida como “emissora udenista”, em apoio ao governador Irineu Bornhausen, um dos fundadores da sigla, e, depois, a Jorge Lacerda, eleito com apoio da UDN.
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O ex-governador, na redação de
“O Estado”, com Osmar Schlindwein
(esquerda), Luiz Henrique Tancredo (centro) e Marcílio
Medeiros Filho (direita), jornalistas e gestores do jornal
Aderbal Ramos da Silva: “O jornal é uma arma”
Jornal, jornalismo e políticaCon ra trechos de entrevistas concedidas por
Aderbal Ramos da Silva nas quais o ex-gover-
nador menciona sua relação com os meios de
comunicação (“O Estado” e Rádio Guarujá) e
suas opiniões sobre o trabalho da imprensa:
u Também foi nesta época (1936, quando co-meçou seu envolvimento com a política) que comecei a participar de um jornal – A Repú-blica – do qual fui diretor. Mais tarde adquiri “O Estado” e a Rádio Guarujá. (“O Estado”,
15/3/1975).
u Há o jornaleiro, o que vende; há o jornalista, o que faz; e há o diretor do jornal, que sempre é jornalista. E há o dono do jornal. Já fui diretor de jornal. Fui um mau cronista. Muito moço ainda prestei meus serviços ao jornal “A República”. Fui então levado pela vida política, pois o jornal é uma arma. Naquele tempo, era o melhor meio
Quando
adquiriu “O
Estado”, ARS
considerava o
jornal impresso
o melhor meio
de comunicação.
E utilizou-o
politicamente
de comunicação. O rádio ainda era precário. Jornal talvez seja o meio mais e!ciente, é o que
grava melhor. (A Notícia, 18/10/1981).
u O jornal [“O Estado”] não passou diretamente para mim. O jornal foi originariamente de Vitor Konder (na verdade, Adolfo Konder), que passou para o Altino [Flores]. De repente, Altino cansou, mas o jornal tinha que evoluir. Dois amigos meus procuraram o Altino e ele passou o jornal. Acon-tece que atrás desses dois amigos estava eu. Foi a maneira que encontrei para comprar e melhorar o jornal. Não foi desonestidade. Foi um ato necessá-rio, porque se eu aparecesse talvez ele não vendes-se. (“O Estado”, 5/5/1982).
u Num jornal é preciso distinguir a notícia da opinião. Tem que noticiar, não pode escamotear o fato, não deve esconder as notícias. Dar opinião é diferente. (“O Estado”, 5/5/1982).
Embora tenha sido um instrumento político ao longo das décadas de 1920 a 1940, operado por outros perso-nagens da vida pública catarinense, “O Estado” ganhou força empresarial a partir de Aderbal Ramos da Silva, sem que ele nunca tenha participado da administração direta do veículo. Moacir Iguatemy da Silveira – pai do senador Luiz Henrique da Silveira – foi diretor do jornal, sendo substituído posteriormente por Rubens de Arruda Ramos, que comandou a publicação até sua morte, em 1964. Em seu lugar, assumiu José Matusalém Comelli, genro de Aderbal, que foi presidente de “O Estado” até 2009.
O poder de Aderbal sobre o jornal e sobre a Guaru-já (AM e FM, hoje com a denominação de Antena 1) prolongou-se até sua morte, em 1985. O ex-governador presidia o Grupo Hoepcke, complexo empresarial que incluía os veículos de comunicação e teve inegável in"u-ência nos rumos políticos catarinenses de 1946 a 1985. Esteve presente nas campanhas vitoriosas de Celso Ra-mos (1961-1965) e Ivo Silveira (1966-1971) e nas esco-lhas dos governadores indiretos Antônio Carlos Konder Reis (1975-1979) e Jorge Bornhausen (1979-1983).
A ascensão do jovem político Esperidião Amin He-lou Filho, prefeito nomeado de Florianópolis em 1975, também resultou do trabalho político de Aderbal. Ele atuou diretamente nas campanhas pela eleição de Amin à Câmara dos Deputados (1978) e ao governo catari-nense (1982), sempre com apoio direto das emissoras de rádio e de O Estado, fato nunca negado pelo ex-go-vernador.
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 20/21
O jornal “O Estado” é lembrado ainda hoje pela proximidade com a sociedade. O leitor se via em suas páginas, o cotidiano era retratado. Era um jornal feito para as pessoas. Mas fazia, além
disso, com que outras questões chegassem até elas de forma clara. Por isso a importância da conexão do jornal com o poder público. Notí-cias sobre política, ações que tramitavam nos
tribunais, funções dos órgãos fis-calizadores eram constantes fon-tes de pauta para “O Estado”. O jornal levava aos leitores notícias que, se não fosse através dele, não sairiam dos meandros do poder e chegariam ao cidadão.
O presidente do TRE-SC (Tri-bunal Regional Eleitoral de San-ta Catarina), Sérgio Baasch Luz, lembra que “o jornal ‘O Estado’ sempre representou a linha de pensamento político de Santa Ca-tarina”. “Na parte de editoriais,
pessoas conhecidas davam a linha do pensa-mento político dominante. Dessa forma o jor-nal sempre teve um papel na evolução política de Santa Catarina”, comenta. Ele avalia ainda
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Conexões com o poder público
Notícias sobre
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órgãos fiscalizadores
eram constantes
fontes de pauta
para “O Estado”
Sérgio Baasch Luz: “‘O Estado’ tinha um papel na evolução política de Santa Catarina”
Luiz Roberto Herbst: “o jornal teve uma grande
importância scalizadora”
que “O Estado” “auxiliou o TRE catarinense no controle dos partidos políticos”. Para o presi-dente, esse papel desempenhado pela imprensa é de grande importância. “É peça fundamental na atuação dos tribunais. Divulga as atividades e dá transparência aos atos”, avalia.
Luiz Roberto Herbst, presidente do TCE-SC (Tribunal de Contas do Estado de Santa Catari-na), morou em Mafra, na região Norte do Estado, até o ano 2000. O jornal “O Estado” não chegava lá. Mas, em sua experiência como deputado es-tadual, em 1995, conheceu o periódico. “Lembro bastante das matérias políticas”, afirma. Para ele, “o jornal teve uma grande importância fiscaliza-dora”. Por meio de matérias como as apuradas por “O Estado”, surgem auditorias que resultam numa melhor aplicação dos recursos públicos.
Ele lembra que era uma época em que o aces-so a jornais era restrito, não chegava a todos os leitores, e que muitos se sentiam privilegiados por poder chegar àquelas informações. Para Her-bst, mais que informar, o jornalismo tem a obri-gação de ser um agente fiscalizador. “Os jornais colaboram muito para o controle externo. Quase que diariamente vemos irregularidades denun-ciadas nos jornais e as fiscalizamos”, avalia. E esta tendência que surgiu em Santa Catarina com “O Estado” perdura nos dias de hoje. Denúncias feitas por jornais, não raras vezes, resultam em ações investigadas por corpos técnicos dentro dos tribunais.
Além disso, para o presidente do TCE, a área política também é diretamente afetada pelo bom jornalismo. “Faz com que políticos se sintam fiscalizados. Os jornais orientam suas condu-tas”, analisa. Herbst acredita que, se não fosse a imprensa, casos de corrupção, por exemplo, não seriam investigados da forma como são atual-mente. É por isso que o Tribunal busca se apro-ximar constantemente da área. Em março deste ano, um encontro com jornalistas foi realizado na Capital em que as funções do TCE foram ex-plicadas, assim como ações desempenhadas pelo órgão. “A população e até a própria imprensa muitas vezes não sabe como o tribunal funciona. É preciso aproximar”, acredita.
Para facilitar o acesso ao trabalho do órgão, o TCE-SC vem utilizando vários instrumentos para dar mais transparência às atividades, como a transmissão das sessões do Pleno pela TV As-sembleia Legislativa (TVAL) e pelo site do Tri-bunal, o próprio Portal da Instituição, com vários serviços e informações em diversas mídias, e o Diário Oficial Eletrônico, que agiliza a publica-ção das decisões e dos atos administrativos do TCE. “Controlar a gestão de recursos públicos em benefício da sociedade catarinense” é a mis-são do Tribunal.
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 22/23
O jornal “O Estado” também teve uma rela-ção muito próxima de entidades criadas para discutir o futuro de Santa Catarina. Uma delas é a Acif (Associação Comer-cial e Industrial de Florianópolis), criada no mesmo ano que o jornal por empre-
sários preocupados com o desenvolvimento da Capital. Outra é o Sinduscon (Sindicato das Indústrias da Cons-trução Civil), criado em 1980, na época de ouro do jor-nal, também com a missão de participar ativamente da discussão em torno do crescimento da cidade.
De 1915, quando a Acif foi fundada, até 2015 – ano do centenário – Florianópolis mudou muito. A entidade sem-pre esteve presente, atuando com protagonismo: incorpo-rou diversas bandeiras de interesse público, participou de lutas importantes e honrou o compromisso de dar voz ao setor produtivo da capital catarinense. Na sede da entidade, um quadro de Hassis mostra as origens econômicas da Ca-pital. Engenho, produção de farinha, pesca e rendas de bilro
dividem espaço com a ponte Hercílio Luz, ao fundo – símbolo do progresso. A história da entidade se assemelha à do jornal.
Para o presidente da Acif, Sander de Mira, “o jornal “O Estado” conseguia con-ter uma empatia maior com as coisas locais. Era um jornal manezinho”. Também ma-nezinho, Sander conta uma história curiosa sobre sua relação com o jornal. “‘O Estado’ tinha um encarte e uma publicação tinha na capa bebês, e eu fui capa desse encar-te”, conta. Depois de um telefonema para a mãe, con!rmou a data: 1974. Para ele,
sua imagem nas páginas de “O Estado” re"etem o per!l do
jornal. “Meus pais vieram para Florianópolis pouco tempo antes do meu nascimento. Não éramos uma família da ci-dade, não tínhamos nenhum tipo de tradição ou in"uência,
e eu fui capa. O que mostra o quanto o jornal era acessível, representava todos”, avalia.
Hoje ele preside a entidade criada no mesmo dia, mês e ano que “O Estado”. Em função das comemorações da Acif, um amplo resgate histórico foi feito. “Levan-tando algumas coisas da história da entidade, acabaram vindo referências ao jornal. Nas edições iniciais do jor-nal foram noticiadas as primeiras reuniões da entidade”, explica. “A Florianópolis de 1915 usava bonde, não ti-nha rádio, não tinha TV. As principais fontes de notícias eram o banco da praça e ‘O Estado’”, compara. Sander conseguiu fazer um mergulho na história avaliando estes registros. “A impressão que nos dá é de que o maqui-nário que veio para a criação do jornal era algo muito moderno para a Florianópolis da época, que tinha 40 mil
habitantes no !nal da década de 1920”, concluiu. Essa
relação da Acif com a imprensa perdura de forma es-treita ainda hoje, o que, para o presidente, é fundamental para a ligação com a sociedade.
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Sander de Mira: “‘O
Estado’ conseguia conter
uma empatia maior com
as coisas locais. Era um
jornal manezinho”
Parceria com entidades para o desenvolvimento
Com objetivos
comuns, jornal e
entidades mantinham
estreita relação
em benefício do
desenvolvimento
da economia
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Helio Bairros: “a
juventude
era muito crítica,
e o jornal,
formador de
opinião
O ESTADOESPECIAL Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 24
Já o Sinduscon foi criado décadas depois, em 1980, por Olavo Fontana Arantes, então presidente da Associação Pro!ssional da Indústria da Construção Civil da Grande
Florianópolis. Com uma sala cedida no edifício Hércules, no Centro de Florianópolis, a diretoria da época tinha o objetivo de ser porta-voz dos empresários do setor. A en-tidade começou com seis empresas que se uniram. A atual gestão, liderada por Helio Bairros, presidente do Sindus-con desde 2006, tem atuado em prol do associado, além de desenvolver programas voltados à saúde do trabalhador da construção civil.
Bairros milita no sindicato desde o ano 2000, mas sem-pre teve uma relação muito próxima com Florianópolis, desde que chegou para cursar o ensino superior. Foi nesta época que conheceu o jornal “O Estado”. “Era aquele jor-nal grandão, como todos eram. Soltava a tinta com facili-dade. Tinha uma abrangência grande. Era o veículo de co-municação que a gente via diariamente”, lembra. “Eu era acadêmico quando vim a Florianópolis e conheci o jornal. Sou de uma época em que estudante lia muito, e lia mui-to jornal. E naquela época a juventude também era muito crítica, e o jornal era formador de opinião. Se fosse muito tendencioso, era queimado. “O Estado” sempre foi referên-cia em noticiar”, acrescenta.
Como pro!ssão, Bairros escolheu uma área profun-damente ligada ao desenvolvimento da cidade. “Quem puxou verdadeiramente o crescimento de Florianópolis a partir da década de 1980 foi a construção civil, impulsio-nada, principalmente, pelos argentinos que começaram a investir muito aqui”, ele a!rma. Um dos atrativos da época
era o preço baixo dos imóveis. “Foi nesse período que as construtoras começaram a surgir, crescer, se consolidar”, recorda. O setor gerou muito emprego, o que fez com que
Construção da sociedade
muita gente viesse para a Capital. E o bom desempenho teve re"exo em outras áreas. “O comércio também era
pequeno, se resumia ao centro antigo. Mas aí surgiram rodovias, shoppings. Tudo isso modificou a cidade, veio gente nova, oportunidades”, avalia. “O sindicato nasceu nesse boom, em 1980, porque empresários per-ceberam que podiam contribuir com o processo de dis-cussão e planejamento da cidade”, conta Bairros.
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 25
O jornal “O Estado” nasceu na Capital catarinense. Florianó-polis sempre teve vocação para crescer. Os índios, primeiros habitantes, tinham como ati-vidade principal a agricultura, mas tiravam também da pes-ca e coleta de moluscos sua
subsistência. No início do século 16, embarcações já chegavam à ilha, onde se abasteciam. A povoa-ção pelo homem branco começou em 1675, quando Francisco Dias Velho, junto com sua família e agre-
gados, deu início à povoação da ilha com a fundação de Nossa Senhora do Desterro. Era o segundo núcleo de povoamento do Estado, e ainda fazia parte da região de Laguna.
Com o povoamento, foi intensi- cado o "uxo de paulistas e vicen-tistas, que ocuparam vários outros pontos do litoral. Em 1726, Nossa Senhora do Desterro foi elevada à categoria de vila, desmembrada de Laguna. Outro passo que resultou na ocupação foi a construção de fortes
pelos militares, na década seguinte, o que tornou a ilha ponto importante de defesa do território.
A partir de então, outras atividades, além da agri-cultura, prosperavam, e teve início a industrialização do local. A cidade ainda guarda registros dos antigos engenhos que eram responsáveis pela produção de farinha, além de outras atividades tradicionais, como a fabricação das rendas de bilro. Cresceu também a indústria manufatureira de algodão e linho. A pesca permaneceu, e permanece, forte.
Capital da província
Foi no século 19 que a vila virou cidade, e em 1823 se tornou capital da província de Santa Cata-rina. Com investimentos federais, o porto que havia na ilha passou por melhorias, prédios públicos foram construídos e tiveram início obras de urbanismo.
Firmada como o centro administrativo do Esta-do, no século 20 a cidade só cresceu. A construção civil passou por incrementos, luz e água chegaram à população e foi construída a ponte Hercílio Luz, marco do processo de desenvolvimento da Capital e do Estado. A economia, desde então, passou a ser alicerçada pelo comércio, prestação de serviços pú-blicos, indústria de transformação e turismo.
Foi nesse cenário que, em 1915, “O Estado” sur-giu. O prefeito Cesar Souza Júnior guarda lembran-ças do jornal. “Comecei a ler jornal com “O Estado”, todo dia pela manhã. Tive a oportunidade de visitar a redação ainda criança, pelo colégio, e fiquei fascina-do com aquilo”, conta. Para ele, “O Estado” tem um valor na formação da identidade de Florianópolis. “Teve uma ligação muito forte com a cidade, colu-nistas identi cados, matérias de grande relevância.
Tinha colunistas nacionais, lembro muito do Paulo Francis, mas conciliava bem a aproximação com as
O berço do
“mais antigo”
“O Estado” nasceu
quando Florianópolis
se !rmava como
centro administrativo
de Santa Catarina
e passava por
transformações
e crescimento
ACERVO AE/ND
Florianópolis cresceu com qualidade. Recentemente, foi eleita a melhor cidade do Brasil para criar !lhos
Construção da ponte Hercílio Luz foi marco do processo de
desenvolvimento da Capital e
do Estado
coisas da cidade”, completa. Foi paralelamente ao surgimento do jornal “O Es-
tado” que nasceu a Acif (Associação Comercial e In-dustrial de Florianópolis), que também completa um século em 2015. Em 21 de abril de 1915, uma comis-são composta por comerciantes tradicionais reuniu-se na sede do Clube Doze de Agosto para criar a enti-dade. O associativismo mostrou que tinha força e era capaz de conseguir investimentos, obras e benefícios para o município. Até hoje, a Acif encampa iniciati-vas que visam não apenas atingir os empresários, mas toda a comunidade, como ações de revitalização dos fortes e luta por impostos mais justos.
Economia em desenvolvimento
Em 1960, um grupo de comerciantes de Florianó-polis reuniu-se na sede da Federação do Comércio e iniciou um importante capítulo na história do movi-mento empresarial catarinense. A criação do então CDL (Clube de Diretores Lojistas), que nasceu com o slogan “Unidos Serviremos Melhor” representou um marco para organização do setor no Estado. Foi a primeira entidade do gênero de Santa Catarina e sua fundação transformou-se em incentivo para a criação de CDLs nos principais municípios do Estado, forta-lecendo o espírito associativista neste segmento tão importante para a vida econômica do país. Hoje, meio século depois, a maior associação de base do varejo catarinense tem mais de 4 mil associados.
Ainda na década de 1960, a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) foi criada, com atividades que se iniciaram no Centro. Hoje a sede é dividida em 11 centros de ensino e foi responsável pelo cresci-mento dos bairros que ficam ao redor, como Trinda-de, Carvoeira, Serrinha, Pantanal, Córrego Grande e Itacorubi. Estava firmada, também, a vocação educa-cional da cidade. A universidade foi responsável pela vinda de estudantes de todo o país, o que aumentou signi cativamente a população de Florianópolis, re-sultando também no crescimento da região.
E a cidade cresceu com qualidade. “Fomos recen-temente eleitos pela revista ‘Exame’ como a melhor
cidade do Brasil para criar seus filhos. Isso se deve aos nossos índices em saúde, educação, renda, assistência social, segurança. Recebemos também do Ministério da Saúde o prêmio como a primeira capital brasileira a atingir 100% de cobertura do programa Saúde da Fa-mília. Outras premiações que havíamos recebido são de melhor saúde pública entre as capitais brasileiras, o melhor Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educa-ção Básica) nas séries iniciais, a maior cobertura em educação infantil entre todas as capitais brasileiras, a melhor capital do Brasil para se empreender”, destaca o prefeito Cesar Souza Júnior. Os índices atuais refle-tem na projeção de um futuro promissor. “Somos ine-gavelmente a melhor cidade do Brasil para empreen-der, criar os lhos. Que a gente siga avançando nesse
aspecto e também na mobilidade urbana. Que a gente
crie um sistema que faça o trabalhador deixar o carro
em casa e usar o ônibus para trabalhar. Que se desen-volva com qualidade”, almeja o prefeito.
Teve ligação
muito forte
com a cidade.
Colunistas
identi!cados,
matérias
de grande
relevância.
Cesar Souza
Júnior,
prefeito
EDUARDO VALENTE/ND
O ESTADOESPECIAL
As histórias de uma cidade que hoje atinge mais de meio milhão de ha-bitantes, movida pela força de sua indústria e pelo trabalho árduo tra-zido por seus fundadores, também foram contadas nas linhas do jor-
nal “O Estado”. Segunda maior riqueza de Santa Catarina, com um PIB (Produto Interno Bruto) de R$ 18,2 bilhões, Joinville tem no setor de serviços e no comércio suas principais atividades econômi-cas, acompanhadas pela indústria de transformação e pela crescente ascensão do trabalhador autônomo – reflexo da manutenção de vagas de trabalho e do empreendedorismo. Foi sempre assim. Colonizada por imigrantes europeus, a cidade de 164 anos co-meçou sua expansão econômica a partir de 1920 – período em que “O Estado” já atuava em Santa Ca-tarina. Nos anos 1950, já estava consolidada como a principal cidade empresarial do Estado. Estavam estabelecidas empresas das área metalúrgica e têx-til, além de madeireiras de grande porte.
A história da Tupy, por exemplo, segue de perto os passos da industrialização do Brasil e da cidade de Joinville. Albano Schmidt, Hermann Metz e Arno Schwarz, que fundaram a empresa em 9 de março de 1938, descendiam dos primeiros imigrantes que che-garam ao local. Albano era um homem de negócios, e os sócios, pessoas que já se dedicavam a fabricar artefatos de ferro, utilizando conhecimentos rudi-mentares de fundição. Na década de 1940, as peças fabricadas por eles já eram consideradas semelhantes às estrangeiras. Com isso, a empresa conquistava o
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No mais importante polo econômico de SC
mercado. O crescimento fez com que se instalasse no que mais tarde se tornou o Parque Industrial do Boa Vista. Na década de 1950, a empresa começou a fabricar peças para a Volkswagen, além de criar uma escola técnica para preparar mão de obra. Na década seguinte, deu início ao processo de interna-cionalização.
Outra empresa de destaque na cidade é a Tigre, que em 1950 iniciou a produção de tubos e cone-xões. Bastante ligada à área da comunicação, em 1959 a empresa foi pioneira no investimento em publicidade e propaganda. Em 1977, deu o primei-ro passo rumo à internacionalização, com a insta-lação de uma unidade no Paraguai. A empresa não parou de crescer.
Na área têxtil, a Döhler acompanhou o desen-volvimento de Joinville. Aos 133 anos, a empresa é destaque na área, com 3,2 mil colaboradores e uma produção de 1,4 mil toneladas por mês. Em-presário de sucesso, Udo Döhler, hoje prefeito de Joinville, recorda as relações da cidade com o jor-nal O Estado. “O jornal “O Estado” desempenhou um trabalho de grande importância e de credibili-dade na divulgação das informações de Joinville e da região Norte para toda Santa Catarina”, afirma.
Em 1911, foi criada a Acij (Associação Empre-sarial de Joinville), quando a cidade contabilizava 25 mil habitantes. As reuniões aconteciam na casa de Hermann August Lepper, tradicional comer-ciante e primeiro presidente da entidade. Como hoje, discutia-se muito especialmente a questão dos impostos, que sofriam alterações constantes.
Tendência de crescimento continuaAlém do espírito empreendedor de seu povo, o
município encontrou outras questões estratégicas para seu desenvolvimento. Uma delas é a localiza-ção, perto de portos, aeroportos e rodovias impor-tantes que ligam o país. Com a instalação de empre-sas, que ajudaram a fortalecer o cenário econômico, o crescimento foi constante.
Entre 2012 e 2013, por exemplo, aumentou em 52% o número de empresas do setor de serviços, de acordo com o estudo Cidade em Dados 2014, fei-to pela Prefeitura de Joinville. Os índices também subiram em relação ao comércio, indústria e profis-sionais autônomos e liberais. O número de postos de trabalho também sobe anualmente, atingindo um índice de 3,5% em 2013. E a tendência ainda é de crescimento. Em 2013, a norte-americana General
Joinville começou sua expansão econômica a
partir de 1920
Rua do Príncipe, em 1913, dois anos antes de o “O Estado” circular na cidade
O jornal
‘O Estado’
desempenhou
um trabalho
de grande
importância e de
credibilidade na
divulgação das
informações
de Joinville.
Udo Döhler,
prefeito de
JoinvilleMotors instalou sua fábrica de cabeçotes e mo-tores em Joinville. A alemã BMW implantou a primeira fábrica da América Latina em Araqua-ri, cidade vizinha. Estes destaques mostram que mais que uma cidade isolada, Joinville integra uma região em plena expansão.
Hoje, a cidade tem o maior parque fabril do es-tado, com 1,6 mil indústrias e 13,4 mil comércios. O PIB per capita é de R$ 35,8 mil. O município é destaque no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), ficando em 2013 como a 13a melhor do país, além de ser apontada como a sexta cidade que mais cresceu no Brasil em dez anos. Tem liderado o número de exportações e importações no Estado e acumula mais de 200 mil trabalhadores com car-teira assinada.
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 26/27
O jornal sempre
foi destaque
em coberturas
regionalizadas,
contribuindo
para o
desenvolvimento
socioeconômico
e o crescimento
demográ co dos
municípios do
interior.
José Caramori,
prefeito de
Chapecó
A história de Chapecó coincide em muitos pontos com a história de “O Estado”. O município foi criado em 1917, dois anos depois do jornal. O auge econômico também se deu no mesmo período – entre as décadas
de 1970 e 1980. A transformação que a cidade, principal polo econômico do Oeste catarinense, viveu naquela época é responsável pelos avanços colhidos ainda hoje. Foi naquele período que Cha-pecó se consolidou pelo agronegócio, setor que continua responsável pela movimentação financei-ra da região e evolução técnica e científica. E, gra-
ças às necessidades de adaptação, o desenvolvimento econômico não para. Colonizada no século anterior por companhias e doações de terras do governo, a região foi habitada por pessoas vindas do Rio Grande do Sul. A terra fértil foi a principal fonte de riquezas. A produção da área ganhou mercado com o trans-porte feito por meio de balsas pelos rios que cortam o Oeste. Já havia uma matriz econômica consolida-da, fortemente ligada à terra. Mas era pouco.
As companhias colonizadoras foram responsá-veis pelo desenvolvimento. Uma delas, a empresa Colonizadora Bertaso, construiu estradas e instalou colonos nas terras. O extrativismo era uma impor-tante atividade na época. A cidade cresceu ligada a isso. O desenvolvimento da indústria, setor de serviços e comércio foi consequência da força eco-nômica que a cidade conquistou.
Em 1940, um grupo de empresários decidiu ins-talar uma associação que os representasse política, econômica e socialmente. Fundada em 10 de maio de 1947, a Acic (Associação Empresarial de Cha-pecó) representa os setores da indústria, comércio, prestação de serviços e agronegócio e está filiada à Federação das Associações Empresariais de SC.
O cooperativismo também teve importância. Na década de 1960, foi criada a Cooperativa Tritícola Oeste Catarinense Ltda, a primeira organização co-operativista em Chapecó. Mas seus trabalhos datam apenas do período de 1961 a 1964. Em 29 de outu-bro de 1967, é criada a Cooperchapecó – Coopera-tiva Mista Agropastoril de Chapecó Ltda, que em 1969 reativou as atividades da Incomasa, forman-do a Cooperativa Central Oeste Catarinense. Em 1974, a Cooperchapecó uniu-se à Cooperxaxiense, formando a Cooperalfa – Cooperativa Agroindus-trial Alfa. Todo esse processo foi motivado por Aury Luiz Bodanese, Setembrino Zanchet e ou-tros 35 agricultores. O principal ideal na criação da Cooperalfa deu-se em função das incertezas do mercado de grãos e, em seguida, do avanço da pro-dução animal em Santa Catarina. Com o passar do tempo e a eminente expansão, a Cooperalfa passou a desdobrar inúmeras atividades e serviu de pilar para a eclosão de outras cooperativas e sociedades do mesmo gênero.
Associativismo como marca
O associativismo resultou no crescimento, que teve seu auge nos anos 1970. Neste período, com incentivos vindos do governo e iniciativas dos em-presários, a agroindústria se consolidou na cidade, representando uma revolução econômica na região. Este setor foi o grande responsável pelo desenvol-vimento econômico e pelo processo de urbaniza-ção do município. Em uma década, a população da cidade triplicou. As agroindústrias conquistaram mercado e cresceram de maneira muito rápida, o
A força do interiorARQUIVO HISTÓRICO DE CHAPECÓ/ND
Auge econômico
de Chapecó se deu
entre as décadas de
1970 e 1980, mesmo
período em que o
jornal “O Estado”
teve expressivo
crescimento
Lembranças de “O Estado”O prefeito de Chapecó, José Caramori, avalia que a
cidade se transformou em uma referência para Santa Ca-tarina, especialmente na última década. “Ao aproximar-se dos cem anos de história, o cenário nos mostra uma cidade em plena sintonia entre capital e social, oferecen-do melhor qualidade de vida e confiança aos chapeco-enses”, analisa.
Os números representam a pujança da Capital do Oes-te. Segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Munici-pal, é a cidade número 1 entre os municípios acima de 100 mil habitantes em Santa Catarina, e ocupa o 18o lugar no Brasil. Entre 0 e 1, Chapecó ostenta alto desenvolvimento – 0,8766, sustentado por elevados índices em emprego e renda, educação e saúde.
Ele destaca também o aeroporto Sera!m Enoss Bertaso,
que tornou necessária a busca por mão de obra. Na década de 1990, a expansão dessas empresas se tornou efetiva. Nascidas ali, elas se instalaram em outras regiões do Estado e do Brasil.
A agricultura, fonte primária de renda na cidade, nunca perdeu força. O município continuou cres-cendo, tanto na área urbana quanto na área rural. E a população continua lutando por ações do poder público, como melhores rodovias e ferrovias, para escoar a produção.
Os empresários também perceberam a necessi-dade de se adaptar às constantes mudanças do mer-cado. A Acic tem buscado parcerias com foco na geração de negócios. Exemplo disso são as mis-sões internacionais promovidas pela entidade em parceria com o poder público municipal e com as universidades. Essas missões começam a dar re-sultados palpáveis para a diversificação da matriz econômica local, como a instalação de empresas na área de tecnologia.
A agricultura, fonte primária de renda
na cidade, nunca perdeu força
Companhias colonizadoras foram responsáveis pelo desenvolvimento da cidade e região
um dos que mais cresceram no interior do país. “Estamos na lista de prioridades da Secretaria Nacional de Aviação Civil para receber novos investimentos. Vamos construir um novo terminal de cargas e passageiros e buscar a in-ternacionalização”, adianta. Chapecó investe também em uma nova matriz econômica com a consecução do Parque Cientí!co e Tecnológico Chapecó. “Comemoramos, mas
o trabalho continua”, ele a!rma.
Caramori era um entusiasta do jornal “O Estado”. “Foi durante muito tempo uma referência da mídia impressa em Santa Catarina, com circulação em Chapecó. O jornal ‘O Estado’ sempre foi destaque em coberturas regionalizadas, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico e o crescimento demográfico dos municípios do interior”, re-corda o prefeito.
PREFEITURA DE CHAPECÓ/DIVULGAÇÃO/ND
O jornal “O Estado” também atuou em Criciúma, no Sul de San-ta Catarina. Criada em 1880, a cidade se consolidou como a maior produtora nacional e se-gunda maior produtora mundial
de pisos e azulejos. Criciúma é conhecida por ser rica em cultura e recursos naturais. E não se prendeu a uma única matriz econômica. É tam-bém o terceiro maior polo nacional na produção de jeans e uma das principais áreas de confec-ções de Santa Catarina.
Mas foi de suas profundezas que brotou o desenvolvimento econômico da cidade. Criciúma recebeu a de-nominação de Capital Brasileira do Carvão e do Revestimento Ce-râmico e abriga uma das maiores reservas minerais do país em seu subsolo.
As atividades ligadas à mine-ração surgiram junto com a fun-dação da cidade. No fim do sécu-lo 19, uma companhia britânica construiu uma ferrovia e explo-rava as minas na região. Cruzou
diferentes partes do Sul até chegar a Criciúma. Sem mercado fora do país, a concessão para a exploração do carvão foi passada para indús-trias cariocas, que desenvolveram a atividade.
A exploração do carvão passou por diferen-tes fases e pontos altos. O primeiro deles veio ao fim da Primeira Guerra Mundial, quando o carvão importado se tornou muito caro e o pro-duto daqui passou a ser procurado. As linhas ferroviárias aumentaram e novas mineradoras surgiram na época. Segundo o Cedric (Centro de Documentação e Rede de Informação do Carvão), em 1917 entrou em operação a Com-panhia Brasileira Carbonífera Araranguá e, em 1918, a Companhia Carbonífera Urussanga. Na década seguinte, em 1921, surgiram a Compa-nhia Carbonífera Próspera e a Companhia Car-bonífera Ítalo-Brasileira, e, em 1922, a Compa-nhia Nacional Mineração Barro Branco.
Auge do crescimento
O segundo ciclo do carvão aconteceu no go-verno de Getúlio Vargas, com o decreto deter-minando o consumo do carvão nacional e com a construção da Companhia Siderúrgica Nacio-nal. A obrigatoriedade da utilização do carvão nacional foi estabelecida em 10% em 1931, au-mentando esta cota para 20% em 1940. A CSN foi construída em 1946.
O auge do setor em Criciúma se deu entre 1940 e 1950. Na década de 1970 o número de mineradoras já havia caído, e o mercado ficou basicamente na mão de empresários locais. Neste período, a área chegou a ter um novo boom, com a crise no petróleo, que fez com que o mundo voltasse os olhos novamente ao car-vão. O mercado já estava consolidado e, apesar das crises, não deixou de ser forte na cidade.
Em meio à expansão do setor, na década de 1940, um grupo de empresários de Criciúma reuniu-se para criar uma entidade que os repre-sentasse. A exemplo do que já vinha aconte-cendo em algumas capitais do Brasil, Criciúma queria ter uma associação comercial, com o pa-pel de buscar novos horizontes e perspectivas econômicas para uma cidade que crescia pela demanda do carvão produzido na região.
Foi ao redor da praça Nereu Ramos que a associação nasceu. O comércio girava em torno da praça, onde em 1917 fora edificada a igreja São José. Em 1932, foi criado o Hospital São José, no mesmo ano o primeiro grupo escolar. A comarca da cidade data de 1944.
Os empresários da cidade, que movimentava sua economia pela extração do carvão, busca-vam agências bancárias e necessitavam de uma estrutura comercial para que as empresas ins-taladas tivessem força para crescer. Então, no dia 18 de junho de 1944, lideranças políticas, empresariais e convidados assinaram a ata de fundação da Associação Comercial de Cresciú-ma, nome da cidade até então. A assembleia foi presidida pelo então prefeito, Elias Angeloni, e o local escolhido foi o cine Rovaris.
Em 21 de janeiro de 1952, a entidade trans-
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O auge da mineração foi entre 1940 e 1950. Na década de 1970, o número de
mineradoras já havia caído
Hoje, Criciúma é a quinta maior
economia do Estado
Mineração transforma economia do Sul
Ao !m da Primeira Guerra Mundial,
quando o “O Estado” começava a ter visibilidade, a
exploração do carvão ganhou força em Criciúma
formou seu nome para Associação Comercial e Industrial de Criciúma. Aquele adendo garantia a entrada outros setores, além do carvão, que começavam a ganhar força no setor produtivo, em especial a cerâmica.
O prefeito Márcio Búrigo recorda que o pe-ríodo de ouro do jornal “O Estado” acompa-nhou o desenvolvimento da economia local. “Lembro muito bem do jornal. Meu pai assina-va e eu era leitor. Era o jornal mais importante de Santa Catarina”, lembra. “Tinha o maior nú-mero de assuntos e repercutia muito na vida da população. Era um grande jornal. É uma pena que não exista mais”, lamenta.
Búrigo enaltece também a capacidade pro-dutiva e empreendedora da população criciu-mense. “Graças ao trabalho, é a quinta maior economia do Estado atualmente”, exemplifica. Conta ainda que empresários estão investindo fortemente na ampliação do parque fabril. Em Criciúma, para ele, a crise não chegou.
Tinha o maior número de assuntos e repercutia muito na vida da população. Era um grande jornal. É uma pena que não exista mais.
Márcio Búrigo,
prefeito de
Criciúma
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Na década de 1950, a Cia. de Cigarros Souza Cruz se instalou em Tubarão, o que incrementou a agricultura e a economia da região
Além de Criciúma, no Sul catari-nense, o jornal “O Estado” tam-bém atuou em Tubarão, cidade que faz parte da região carboní-fera e cresceu impulsionada pela indústria, comércio e serviços. A
cidade surgiu em 1774, nas margens do rio que leva seu nome, com a doação de terras ao capitão João da Costa Moreira, seu fundador. O local era ponto de parada para os tropeiros que desciam da região serrana com mulas carregadas de queijo, charque e outros produtos. Na região, a carga era trocada por produtos como o sal, peixe seco, fa-rinhas e tecidos transportados pelos navios que partiam do porto de Laguna. Tubarão !cava na
rota entre Lages e a área portuária. Foi às margens do rio que Tubarão se origi-
nou e cresceu focada no comércio, sendo que as mercadorias eram transportadas, inicialmente, em barcos. Em 27 de maio de 1870, o territó-rio foi desmembrado de Laguna, e o município, criado. A partir disso, foram para o local os primeiros imigrantes portugueses, seguidos por italianos e alemães. A interferência estrangeira também resultou no desenvolvimento econômi-co da cidade e região.
Em 1875, foi criada a Cia Inglesa The Donna Thereza Cristina Railway Co Ld. A ferrovia foi o primeiro e principal agente de mudanças econô-micas e sociais no município, junto com a explo-ração do carvão e a imigração europeia.
O historiador Amadio Vettoretti conta que três empresas foram fatores básicos nas trans-formações econômicas e sociais no município e região Carbonífera: a Estrada de Ferro Dona Te-resa Cristina, condição única para viabilizar a ex-ploração do carvão (inaugurada em l884); a Cia. Siderúrgica Nacional, que instalou em Capivari a Usina de Bene!ciamento de Carvão (conhecida
por Lavador do Capivari); e a Usina Termelétrica que entraram em operação em l945. O Lavador encerrou suas atividades em l99l. Da Termelétrica originou-se a Usina Jorge Lacerda Sotelca (l957) depois Eletrosul, hoje Gerasul. “Este empreen-dimento mobilizou a região carbonífera, sacudiu as estruturas econômicas e culturais. Além de polpudos salários, oferecia aos seus empregados uma assistência social invejável. Qualquer cargo funcional nesta estatal transmitia ao seu detentor grau de status muito valorizado pelos tubaronen-ses”, conta Vettoretti, em artigo sobre a cidade.
A cidade de Tubarão foi beneficiada por estar instalada no entroncamento principal de onde partiam ramais para o sul catarinense, fa-tor que incrementava o comércio. Pesava, a par-
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Além da indústria, comércio e serviços,
Tubarão investe na instalação de polo tecnológico
Tubarão cresce às margens do rio
tir da década de l940, a qualidade e quantidade de empregos.
Na década de 1950, a Cia. de Cigarros Souza Cruz se instalou ali, o que incrementou a agricul-tura e economia da região. A empresa exerceu forte in"uência na melhoria das técnicas agrícolas
dos lavradores. Atualmente, além da indústria, comércio e ser-
viços, Tubarão investe na instalação de um polo tecnológico. A cidade aposta na capacidade de quali!car mão de obra, já que conta com o Insti-tuto Federal de Santa Catarina e é sede da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina).
No ano passado, tiveram início as obras do Centro de Inovação, o inova@SC, na cidade. O empreendimento custa mais de R$ 7 milhões. O centro faz parte do Programa Catarinense de Inovação. O objetivo é promover ações que tra-gam melhorias à economia do Estado, com a ca-pacitação de pessoas e empresas, para aumentar a competitividade. O edifício ficará na rua Espa-nha, no Bairro Revoredo, próximo à BR-101, e terá 3.800 metros quadrados de área construída. O poder público também tem investido em ações que fomentam o empreendedorismo.
Tubarão teve
crescimento
expressivo nos
anos 1940, quando
o jornal “O
Estado” já estava
consolidado
Se Blumenau
fosse um Estado,
hoje ocuparia a
sétima colocação
na geração
de empregos,
o que mostra
que a cidade
parece andar na
contramão da crise.
Edson Kestering,
diretor de
Desenvolvimento
Econômico do
município
Em Blumenau, o desenvolvimento econô-mico passou por várias vertentes ao lon-go de sua história. Criada em 1850, com a chegada do filósofo alemão Hermann Bruno Otto Blumenau, que obteve terras para instalar uma colônia agrícola, a ci-
dade evoluiu rapidamente. Ainda neste ano, chega-ram os primeiros imigrantes que tornaram Blumenau um dos maiores empreendimentos colonizadores da América do Sul, com importante centro agrícola. Em 1880, o cenário industrial já começava a crescer ali, quando a colônia foi elevada à categoria de municí-pio. Blumenau tornou-se cidade em 1928, quando o jornal “O Estado” já estava em atividade em Santa Catarina e passou a contar também sua história, mar-cada por altos e baixos.
Os registros destacam enchentes na cidade desde 1880. Um dos desastres adiou inclusive a instalação do município. Desde lá, a superação é símbolo de seu povo. Na década de 1930, o território de Blume-nau chegava a 10 mil quilômetros quadrados. Regiões passaram, no entanto, a se desmembrar, até que a cidade de tornasse uma estrutu-ra única, com atuais 519 quilôme-tros quadrados.
O associativismo se iniciou na cidade motivado ainda pela agri-cultura. No final do século 19, a entidade associativa mais forte de Blumenau levava o nome de Kul-
turverein e reunia agricultores preocupados com a qualidade dos produtos cultivados na região. Com o crescimento da cidade, o comércio e a indústria ganhavam importância no desenvolvi-mento econômico, social e político. Por isso um grupo de comerciantes e empresários fundou, em 5 de novembro de 1901, a Associação Comercial do Vale do Itajaí, atual Associação Empresarial de Blumenau (Acib).
Desde o início da industrialização, produtos manufaturados e a indústria têxtil mostraram for-ça na cidade. A segunda é, ainda hoje, sua prin-cipal atividade econômica, responsável por 70% da arrecadação do município. As maiores compa-nhias mantêm fábricas na cidade, como a Hering, a Karsten e a Teka. Há ainda a Cremer, a Artex e a Sul Fabril, além de outras indústrias de te-cidos. Elas são reconhecidas internacionalmente pela qualidade dos materiais e pela inovação dos produtos, com artigos de cama, mesa e banho.
Criada como Tricotwaren Fabrik Gerbruder
Da colônia agrícola à forte indústria têxtil
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Rua XV na década de 1930, época em que o território de Blumenau chegava a 10 mil quilômetros quadrados
Economia blumenauense ganha força no mercado de
desenvolvimento de programas e sistemas da
informação
Hering, a trajetória desta empresa mescla-se com a saga dos irmãos Hermann e Bruno Hering. In-tegrantes de uma tradicional família de tecelões da Alemanha, eles decidiram encarar o desafio de empreender no Brasil. O primeiro a tomar a decisão foi Hermann, que deixou família no país natal e veio para a colônia desconhecida recém-criada na América do Sul. Em 1880, a empre-sa já atuava e a família seguiu para Blumenau. Na década de 1990, consolidada na área fabril, a Hering inovou ao abranger o varejo. Hoje são 827 lojas no Brasil e no exterior e cerca de 8 mil colaboradores.
Economia ganha força
A criação da Karsten se deu na mesma época, com uma pequena fiação e teares adquiridos na Alemanha. Era um negócio familiar que se es-pecializou na fabricação de toalhas de mesa. Na década de 1940, com o fim da Segunda Guerra Mundial, houve um salto tecnológico, impulsio-nado pela aquisição de novos teares importados. Em 1970, começou a abertura para o mercado internacional. Desde então, a inovação na linha de produtos foi constante.
Mas a economia blumenauense não ficou res-trita à área têxtil. Recentemente, ganhou força o mercado de desenvolvimento de programas e sistemas da informação. São cerca de 80 empre-sas que atuam na área, criadas nos últimos 15 anos. Mais uma vez, tornaram a cidade referên-cia no assunto.
As belezas naturais também movem Blume-nau, aliadas a sua cultura. A cidade abriga a maior festa alemã do Brasil, a Oktoberfest, e im-portantes cervejarias artesanais que já conquis-taram o mercado nacional.
A cidade segue bem ranqueada quando o as-sunto é geração de empregos. Após os dados di-vulgados pelo Caged (Cadastro Geral de Empre-gados e Desempregados) apontarem a liderança blumenauense no ranking catarinense e quarta colocação no ranking nacional, um levantamento feito pela Secretaria de Desenvolvimento Eco-nômico mostrou que, dentre as primeiras coloca-das, Blumenau vence em algumas áreas.
Blumenau lidera a geração de emprego em setores como a construção civil, por exemplo, com saldo de 218 vagas. Além disso, pula da quarta para a segunda colocação nas áreas de comércio, com saldo de 119 e setor de servi-ços, com 1.174 vagas.
Blumenau tornou-
se cidade em 1928,
quando o jornal “O
Estado” já estava em
atividade em Santa
Catarina e passou a
contar também sua
história, marcada por
altos e baixos
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 30/31
O povo lageano é considerado “em-preendedor por natureza”. Teve na agropecuária sua principal atividade econômica, mas aprendeu a diversi-ficar suas matrizes. Tem também na madeira e no comércio, setores res-
ponsáveis pelo surgimento do povoado que deu ori-gem ao município, suas grandes fontes de renda. Na maior cidade da Serra Catarinense, “O Estado” tam-bém atuou e fez parte de seu crescimento.
O prefeito Toni Duarte recorda a atuação do jornal. “O Estado deixou sua marca registrada nos anais da his-
tória de Santa Catarina. O jornal cobriu acontecimentos importantes e por muitos anos levou a informação diária e precisa a muitos lares do nosso estado. Desem-penhou com pro!ssionalismo e ética,
deixando impresso o seu papel junto à sociedade catarinense”, comenta.
Habitada até o século 18 por índios caingangues e xoclengues, começou seu desenvolvimento econômico com a construção da estrada ligando as provín-
cias do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Em seguida, alguns colonos iniciaram fazendas de gado e de explo-ração de erva-mate e madeira. Isso fez surgir con"itos
entre índios e colonos ocasionados pela disputa dos pi-nheirais. Os pinhões de araucária e animais eram a fonte básica de alimento dos índios.
A localidade, fundada em 1766 pelo bandeirante paulista Antônio Correia Pinto de Macedo, servia ini-cialmente como estalagem para a rota comercial entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, principalmente na pas-sagem do gado dos campos gaúchos para abastecer os
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Nas décadas de 1970
e 1980, Lages ganhou
teatros, cinemas e
novos hotéis
Entre as muitas riquezas da Serra
“O Estado” acompanhou
e fez parte do crescimento
de Lages e região, que teve
seu auge econômico nas
décadas de 1970 e 1980
trabalhadores da extração de ouro em Minas Gerais, o que mostra sua ligação com a história do país.
Em 1860, o povoado foi elevado à categoria de cidade. A araucária, descoberta como fonte de ma-deira de alta qualidade, impulsionou uma grande ex-pansão da construção civil no local e abriu comércio, já que era preferida por empresas que se instalavam no país.
Essa conexão melhorou quando o governo federal construiu uma estrada de rodagem entre Porto Alegre e São Paulo, a BR-2. Então, Lages, mais uma vez, privilegiada por sua posição geográ!ca, foi escolhi-da para sediar o 1o Batalhão Ferroviário do Exército, encarregado de construir esta estrada.
A construção de Brasília também impulsionou a economia da cidade, que fornecia madeira para a obra. Nesta época, a BR-116, antiga BR-2, ficou pronta. O município já era forte economicamente, o que atraiu ainda mais investimentos. Lages tornou-se um polo de imigração de descendentes italianos radi-cados no Rio Grande do Sul, que fundaram serrarias e criaram grandes empresas.
Nas décadas de 1970 e 1980, Lages ganhou tea-tros, cinemas e novos hotéis. Nesta onda de progres-so, instalaram-se as empresas Papel e Celulose Cata-rinense e a Olinkraft, fabricantes de papel e celulose. Atualmente, ambas formam a Klabin S.A, e geram muitos empregos na cidade.
Estes foram os anos dourados e, também, os anos de desperdício de Lages, pois, os pinheirais não eram intermináveis. Em consequência, muita gente deixou a cidade, as estradas do interior foram abandonadas, e o Batalhão do Exército também foi embora, agra-vando a taxa de desemprego.
Atividades diversificadasA Lages dos anos 1970 não era diferente das demais
cidades do seu porte, faltavam investimentos, sobravam problemas. Chegaram os anos 1980, desmembraram-se de Lages os distritos de Correia Pinto e Otacílio Costa. Como resultado, perdeu-se também, a significativa arre-cadação de impostos dessas papeleiras.
Desde então, ela aposta na diversi!cação como al-ternativa. Metalmecânica, autopeças, polo petrolífero, produção de alimentos e desenvolvimento de software são alguns segmentos que ganham espaço e importância no contexto atual. A economia em Lages tem um cresci-mento 3% maior que a taxa de crescimento do Estado, e a cidade é detentora de US$ 95 milhões, em média, em exportações ao ano.
É conhecida pelo trabalho do homem do campo, mas não se restringiu a isso. A indústria corresponde hoje a 60% do movimento econômico do município, com des-taque para as indústrias alimentícias e o crescimento do setor metalmecânico.
Na pecuária, a região de Lages é uma das maiores produtoras de gado do Sul do país. Uma parcela consi-
derável dos produtores tem dado ênfase no melho-ramento genético para a produção de leite e carne. O turismo também ganhou força. Um exemplo é a Festa do Pinhão, realizada no inverno, que atrai visi-tantes de todo o país.
A cidade também incentiva o empreendedorismo. O Programa Empreender Lages, da Secretaria de De-senvolvimento Econômico, Trabalho e Renda, auxi-liou os contribuintes com a abertura de 706 empresas na modalidade Microempreendedor Individual no segundo semestre de 2013, e realizou, gratuitamente, 28 declarações do Imposto de Renda neste mesmo período, com atendimento total somado em 1.626.
Em 2014, de janeiro a maio, houve 430 aber-turas de negócios pelo MEI, 2.853 declarações de Imposto de Renda e 3.630 atendimentos no total. Somando as aberturas de empresas nestes dois pe-ríodos, chega-se a 1.136. Atualmente, 3.280 em-presas estão enquadradas no programa, beneficia-das com a isenção de impostos, taxas de vistorias, expedição de alvarás e declarações de IR.
O Estado deixou sua
marca registrada
nos anais da história
de Santa Catarina.
Desempenhou com
pro ssionalismo e ética,
deixando impresso o seu
papel junto à sociedade
catarinense.
Toni Duarte,
prefeito de Lages
A indústria corresponde
hoje a 60% do
movimento econômico
do municípioP
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Os primeiros homens brancos a se instalarem nas terras às margens do Rio Itajaí foram ao local em busca de ouro e outro metais preciosos. Mas a extração de madeiras tornou-se outro negócio bastante promis-
sor. Foi um dos motivos para ali, nas margens do rio, ter surgido o porto. As madeireiras eram, como conta o historiador Edison D’Ávila, movidas por es-cravos. A exploração, no entanto, foi desenfreada, o que prejudicou a região. Mas as riquezas naturais, além da pesca e da terra fértil, continuavam moti-vando as pessoas a seguirem para aquela área, o que
proporcionou seu crescimento. No começo do século 19, como con-
ta o historiador, intensificou-se o co-mércio que os moradores de Itajaí fa-ziam com comerciantes de várias vilas do litoral catarinense. Foi numa des-sas viagens de negócio que Agostinho Alves Ramos pela primeira vez veio à Foz do Itajaí-Açu. Ele é considera-do o fundador da cidade. Comercian-te conhecido da região do Desterro, o português identificou um bom ponto para expandir seus negócios e fundou o povoado ao conseguir a criação de
um Curato, em 1824. Com a criação do Curato do Santíssimo Sacramento, estava fundada Itajaí.
A posição geográfica, o porto que já existia e a instalação da vila chamaram ainda mais moradores de outras regiões do país. Ao mesmo tempo, além dos açorianos, também alemães, italianos e polo-neses se instalaram ali. A assembleia Provincial de Santa Catarina, pela Resolução no 464, de 4 de abril de 1859, criou o Município de Itajaí, que só foi ins-talado em 15 de junho de 1860.
Importância desde o século 19
Relatos históricos mencionam a importância do Porto de Itajaí desde o século 19, não somente no que se refere ao ingresso de colonizadores estran-geiros, mas também ao forte comércio fluvial que acontecia em Itajaí. Segundo estudiosos, o porto “mobilizava os sujeitos ao redor do comércio infor-mal, havendo daí a evolução para atividades de ex-portação e importação”.
Em 1938, quando a cidade já estava consolidada como uma das maiores de Santa Catarina – e o jor-nal “O Estado” já atuava – o porto passou por obras com a construção do primeiro trecho de cais. Em 1950, foi ampliado. Em 1956, teve início a edifica-ção do primeiro armazém frigorífico do porto.
O empresário Jandir Bellini, atual prefeito de Ita-jaí, lembra da atuação de “O Estado” na cidade. “Era um jornal muito lido. Nós tínhamos dois jornais na nossa região, que traziam as notícias do Estado. Era um deles. “O Estado” era um jornal mais tradicio-nal, de credibilidade, e deixou saudade. Era uma época em que as notícias chegavam apenas através da mídia escrita”, recorda.
O crescimento da cidade foi constante. Em 1996, o Porto de Itajaí foi considerado porto organizado. Na década seguinte, foi erguido o prédio adminis-trativo do porto. As operações nesta época eram alavancadas pelas cargas de madeira, trazidas das regiões Oeste, Meio-Oeste e Planalto de Santa Ca-tarina e exportadas por Itajaí. Na década de 1960, o comércio deste material teve queda. Mas em 1970, a movimentação recomeçou, com a grande indústria catarinense se preparando para conquistar e ampliar sua participação no mercado externo.
Economia se diversifica
A partir de então, o Porto de Itajaí passou a diver-sificar suas operações. Começou a operar cargas de açúcar, de produtos congelados e, logo em seguida, os contêineres, que hoje são o carro-chefe da movi-mentação. Na década de 1990, o município assumiu a gestão do porto. Isso possibilitou o recebimento de investimentos em equipamentos e modernização.
Muitos problemas foram enfrentados. O porto so-freu duas grandes crises, provocadas pela destruição parcial de sua estrutura por duas grandes enchentes, uma em 1983 e outra em 2008.
Mas a recuperação ocorreu. Na história recente, as principais mercadorias movimentadas pelo Porto de Itajaí foram: madeira e derivados; frangos conge-lados (maior porto exportador do Brasil); cerâmicos; papel kraft; máquinas e acessórios; tabacos; veícu-los, têxteis; açúcar e carne congelada. Merece des-taque a movimentação de contêineres, que coloca o Complexo Portuário de Itajaí na segunda posição do ranking nacional, atrás apenas do Porto de Santos.
Hoje, Itajaí tem o 29o PIB (Produto Interno Bru-
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Exploração da madeira foi o primeiro grande impulso
econômico de Itajaí
Cidade tem hoje o 29o PIB (Produto
Interno Bruto) nacional e o 1o no
Estado de Santa Catarina
Em torno do porto
Em 1938,
quando o jornal
“O Estado”já
atuava, o porto
passou por obras com
a construção
do primeiro
trecho de cais
to) nacional e o 1o no Estado de Santa Catarina. “A economia de Itajaí está bastante diversificada. É cla-ro que a atividade portuária é o setor principal, mas temos a logística, a indústria, turismo, prestação de serviço também fortes”, pontua o prefeito. “Na construção civil, estamos entre as principais cidades do Estado. A pesca, o comércio e a universidade, também são muito importantes”, completa. Para ele, “o potencial de Itajaí está na sua localização geo-gráfica, acompanhado de sua atividade portuária”.
‘O Estado’
era um
jornal mais
tradicional, de
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saudade.
Jandir Bellini,
prefeito de Itajaí
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O ESTADOESPECIAL Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 32
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 33
O jornal “O Estado” foi o início do jornalismo impresso catarinense. Nele eram publicadas as primeiras reportagens, as primeiras fotos. Era nele que a sociedade se via. Mas foi mais do que isso. Abriu mercado e foi também o berço da publicidade catarinense. Para as empresas, era
importante ter seu anúncio veiculado no jornal. A relação com “O Estado” era sinônimo de qualidade.
Presidente da Abap-SC (Associação Brasileira de Agên-cias de Publicidade de Santa Catarina), o publicitário Daniel Araújo, 50 anos, tem sua história estreitamente ligada com a de “O Estado”. Aos 18 anos, o jovem que sonhava se tornar jogador de futebol entrou na faculdade de administração, ca-sou e começou a procurar um emprego mais estável. Foi nos classificados de “O Estado” que encontrou uma vaga de con-tato comercial para trabalhar em uma agência de propagan-da. “Me apaixonei pelo que estava fazendo e achei que podia começar meu próprio negócio. Comecei como ‘eu agência’. Eu era o criativo, o atendimento, o produtor, e aos poucos
fui crescendo, de forma gradativa, sustentável, sempre com os pés no chão”, conta Daniel.
Foi também em “O Estado” que estreou na mídia impressa. “Tem um pouco de nostal-gia da minha parte, porque a minha primeira mídia paga foi no jornal ‘O Estado’. Era um anúncio de compra e venda de ouro”, ele lem-bra. E narra a história em detalhes: “Eu esta-va caminhando pela rua Felipe Schmidt, em 1983, e me deparei com uma menina entre-gando folhetinho de ‘vendo e compro ouro’. Nem sei se existe essa atividade ainda na pra-ça. Aí pensei que a pessoa estava limitando essa atividade a quem passava por ali, que se anunciasse no jornal atingiria muito mais gen-
te. Fui até o endereço, conversei com o proprietário e fiz a proposta”. O anúncio, recorda Daniel, fez muito sucesso. “Ele chegou a pedir para tirar o anúncio porque não estava dando mais conta. Era uma sala pequena, ele tinha uma secretária. Se mudou, foi para um espaço maior e montou uma espécie de joalheria. Foi o primeiro momento que eu percebi a força da comunicação”, a!rma o publicitário.
Desde então, sua relação com “O Estado” foi bastante próxi-ma. “Peguei o auge do jornal e acompanhei todo o processo de desativação. Trabalhei muito forte para que se mantivesse, mas eram muitas di!culdades. O jornal !cou muito desgastado. A
marca ficou desgastada”, lamenta. Mas guarda lembranças dos bons tempos: “Era um jornal que retratava muito o dia a dia da cidade. As pessoas se identi!cavam ao ler o jornal. Embora fos-se estadual, ele sempre foi identi!cado como local. Você abria
o jornal e via as pessoas daqui. Em termos de matéria, de con-teúdo, não existe mais essa relação que havia com ‘O Estado’. Perdeu aquele charme de ser aquele jornal bem local, de você ver as fotos e reconhecer as pessoas”.
A existência de “O Estado” se tornou importante para o mercado publicitário. “A gente gostava de impressionar os clientes e os levava até a sede do jornal. Eles ficavam encan-tados, aquilo animava os próprios anunciantes. Viam a reda-ção, a sala de revelação das fotos, as chapas. Era um trabalho muito artístico, muito artesanal”, narra.
Na época, cerca de 30 anos atrás, o meio de comuni-cação mais popular era o rádio. Os anúncios eram mais baratos, o alcance quase que garantido. Mas o jornal sur-gia como uma aposta forte. “Jornais são formadores de opinião. Quando você queria passar a imagem de marca
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Publicidade ganhou força no “O Estado”
consolidada, forte, tinha que anunciar no “Estado”. Era fundamental ter sua marca ligada ao nome do jornal”, afirma o publicitário. Com saudosismo, Daniel lembra que “o jornal era lindo de ver”. “Todo aquele processo, muita gente trabalhando. Ele marcou uma época e vai ficar na memória de todos que iniciaram seus negócios e tiveram a oportunidade de anunciar lá”, garante.
“O Estado” fez parte da história da publicidade catari-nense, mercado que se modi!cou muito nas últimas déca-das. “Eu lembro como eram os anúncios, era muito diferen-te. Usava ‘letra 7’, fotocomposição. Era uma arte preparar um anúncio”. Guarda lembranças de árduos trabalhos rea-lizados em uma época em que a tecnologia ainda não havia avançado. “Teve um aniversário do Mercado Público que !zemos um anúncio com uma poesia. Levou muito tempo.
Mas quando foi publicado no jornal “O Estado”, as pessoas queriam fazer quadros daquilo”, recorda.
Estilo “barriga no balcão”
Na época em que começou na área, Daniel conta que havia cinco agências fortes na Capital e outras duas surgindo – en-tre elas a D’Araújo, da qual é proprietário. Destas, ele a!rma,
restaram três. “É um mercado difícil de manter”, analisa. Mas muitas outras continuam surgindo e se profissionalizando.
Daniel aprendeu ao estilo “barriga no balcão”, como de-!ne. Aos 18 anos, quando não havia faculdade de publici-dade e propaganda, aprendia-se fazendo. Estudou adminis-tração, fez especializações e foi se adaptando ao mercado. “Quando queríamos qualificar um pouco o departamento, tínhamos que importar do Rio Grande do Sul, de São Paulo. Principalmente do Rio Grande do Sul veio uma turma gran-de, mas veio gente de todo o Brasil, até do exterior”, conta. Foi a partir dos anos 2000 que os cursos na área passaram a ser oferecidos. Com isso, o mercado ganhou quali!cação e
se consolidou no país.Em Santa Catarina, isso também ocorreu. Aliado com o
empreendedorismo e iniciativa de empresários de se manter no Estado, ganhou força. “Minha identidade com Florianó-polis é muito grande. Tanto que ao longo desse período eu recebi três convites muito grandes para ir para São Paulo, mas decidi !car, não queria me separar de Florianópolis, e
não me arrependo de nada. Conseguimos nos consolidar no mercado nacional estando aqui”, ressalta.
Há três décadas na área, Daniel percebe que não só a Capital conseguiu vencer as di!culdades e garantir um
mercado publicitário forte. “A publicidade sempre acom-panhou os grandes centros, então eram as metrópoles que concentravam mais agências. Mas a partir dos anos 2000, os pro!ssionais começaram a ir também para outros mercados.
Em Chapecó, Criciúma, Joinville, Blumenau, temos bons centros. É o retrato da economia do nosso Estado”, opina o publicitário. Para ele, essa descentralização dos negócios é um diferencial de Santa Catarina.
E o mercado continua em constante evolução. “O mo-mento é outro, temos que ter olhos para essa nova forma de se comunicar com o consumidor”, a!rma, ao citar a internet.
“Essa coisa de criar só para as mídias tradicionais não existe mais. Nas agências, os tradicionais tiveram que se adaptar, e a gente não pode deixar de contratar essas pessoas que já nasceram com um tablet na mão. Temos jovens na agência que sabem muito bem lidar com esses meios. Talvez não saibam como nós, jurássicos, o que falar através deles. Há uma união de conhecimentos para ter um melhor resultado”, exempli!ca.
Aos 18 anos, o jovem que sonhava
se tornar jogador de futebol encontrou
emprego nos classificados de
“O Estado”
Estreia na mídia
impressa aconteceu
com um anúncio
de compra e
venda de ouro
Era um jornal
que retratava
muito o dia
a dia da
cidade. As
pessoas se
identificavam
ao ler o
jornal.
Daniel Araújo,
publicitário
O ESTADOESPECIAL
O ESTADOESPECIAL
Presidente do Sinapro-SC (Sindicato das Agên-cias de Propaganda de Santa Catarina), a pu-blicitária Rosa Estrella, 44 anos, do Grupo Fór-mula, chegou a Santa Catarina 22 anos atrás, quando o jornal “O Estado” vivia um outro momento. “Não era mais uma referência como
tinha sido durante muitas décadas. Apesar disso, ainda era muito respeitado, o nome tinha muito peso, os pro!ssionais
tinham orgulho de ter passado por lá. Sei das tentativas de empresários locais de fazer com que o jornal retomasse seus melhores anos”, conta. O mercado publicitário se consolidava em Santa Catarina, já havia outros jornais impressos e a tec-nologia estava em formação.
Natural do Espírito Santo, a profissional com formação em jornalismo já veio para o Sul impulsionada por oportunidades de
trabalho. Lembra que o método de criação era muito diferente naquela época. “Quando comecei a trabalhar em agência, toda a criação era feita manualmente. Os layouts eram todos feitos a mão, ilustrados. Todas as agências tinham que ter obrigatoriamente um bom ilus-trador. E a partir do momento que o cliente aprovava, o processo era muito complexo”, recorda. Sobre os anún-cios em jornais impressos, eram sempre uma surpresa. “Ninguém sabia ao certo o que ia sair no jornal”, diz. Apesar dos avanços tecnológicos, o fundamental não mudou. “Hoje deixou de ser artesanal, mas a essência continua a mesma: ter boas ideias”, enfatiza a publici-tária.
Rosa recorda que quando chegou ao Estado, o mercado era bem diferente do de hoje. Havia poucas agências, poucos anun-ciantes. “Mas já existia um esforço do mercado para manter as grandes contas aqui em Santa Catarina”, lembra. Nestes 20 anos, o cenário mudou e o mercado se consolidou. “É muito mais pro-fissional, estruturado pela condição que a tecnologia nos propicia. Hoje a gente pode ter agências em qualquer lugar. No Oeste, re-gião de Chapecó, temos agências maravilhosas, bem estruturadas. No Vale do Itajaí, Joinville, Sul também. Em todo o Estado temos agências com profissionais qualificados, com formação”, ela ana-lisa. Uma di!culdade era a qualificação, já que não havia cursos
na área. Hoje, segundo Rosa, há bons cursos, com bons professo-res e conteúdo adequado. “Além disso, somos um mercado mui-to atraente para pro!ssionais de Estados vizinhos, em função da
qualidade de vida. A economia também favorece – Santa Catarina continua em uma curva ascendente, diferente do Rio Grande do Sul e Paraná. Santa Catarina vive um momento muito bom, temos uma realidade diferenciada. Isso acaba refletindo em todos os ne-gócios, na publicidade também”, opina.
Mas o setor precisa se adaptar às constantes mudanças. “A publicidade está vivendo um momento de muitas mudanças, porque não temos mais como pensar a marca do cliente sem estar onde o consumidor está hoje. E o consumidor continua consumindo televisão, que tem grande alcance, o rádio, que em Santa Catarina tem uma importância muito grande. O que mais mudou foram as mídias impressas, que tiveram que se adaptar e
Passado, presente e futuro
Há 22 anos,
quando chegou a
Florianópolis, Rosa
Estrella encontrou
um mercado pouco
quali cado. Hoje,
está consolidado
estão se adaptando a um meio eletrônico, que é mais barato, mais rápido, mais completo”, pontua. “Não vejo como algo ruim, vejo como algo natural. A evolução é assim. As agências também precisam se adaptar, como as empresas de todos os segmentos”, completa.
Com duas décadas de experiência no mercado publicitário catarinense, Rosa consegue traçar um panorama entre passado e presente. “Quando cheguei, o desafio era conseguir se tornar um mercado maduro em termos de capacidade de produção, de atendimento aos clientes. Hoje, a gente continua tendo como desafio quali!car a ponta, que é o cliente. Conseguir fazer o
cliente entender a importância da comunicação é um desafio nosso. Porque Santa Catarina é um Estado extremamente de-senvolvido economicamente, tem um PIB (Produto Interno Bruto) muito alto, e como investimento publicitário, ainda so-mos um Estado pequeno. O nosso maior desafio é esse: crescer em representatividade.”
Para ela, as facilidades tecnológicas de hoje favorecem o crescimento do setor. “Hoje, um pro!ssional recém-formado
reúne quatro ou cinco amigos, cada um com um tipo de talento, e com a tecnologia que a gente tem hoje ele pode atender clien-tes de qualquer lugar do mundo. Isso facilitou demais a vida das empresas. E, além disso, a gente tem uma economia crescen-do, uma formação em crescimento, e a tendência é que a gente cresça em quantidade e qualidade”, projeta. “A propaganda, a publicidade, tem mercado em qualquer tamanho de cidade. O mundo mudou muito, e a comunicação sem dúvida nenhuma foi uma das áreas desse novo mundo que mais se modifica-ram, e vai continuar se modi!cando porque ela é um retrato da
sociedade”, pondera. Para Rosa, “é um mercado que continua oferecendo muitas oportunidades”.
O jornal era
respeitado,
o nome tinha
muito peso, os
pro ssionais
tinham orgulho
de ter passado
por lá. Sei das
tentativas de
empresários
locais de fazer
com que o jornal
retomasse seus
melhores anos.
Rosa Estrella, publicitária
Não existe tecnologia e inovação sem pessoas. É a capacidade de transformar dos trabalhadores da indústria que a torna mais competitiva e preparada para o futuro.
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Publicitária destaca os avanços tecnológicos e o papel das agências
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 34/35
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Os jornais sempre foram um poderoso instrumento de difusão da produ-ção cultural. “O Estado” passou do simples registro de eventos em Flo-rianópolis à divulgação das ideias e das artes de vanguarda, quando elas
se impuseram, dobrando o conservadorismo carac-terístico da cidade. Tanto a literatura quanto as artes visuais custaram a abandonar a tradição acadêmica – tarefa facilitada pelo advento do Grupo Sul, em 1947, que trouxe os conceitos que mais de 20 anos antes haviam dado vida à Semana de Arte Moder-na, em São Paulo. De lá para cá, tudo mudou, e a Capital catarinense abriga hoje tanto os pintores de paisagens e os poetas de rima pobre quanto artistas afinados com a contemporaneidade e escritores re-conhecidos fora de Santa Catarina.
Por meio de “O Estado”, Salim Miguel, Eglê Ma-lheiros, Aníbal Nunes Pires e Silveira de Souza, entre outros, começaram a forçar as barricadas que jorna-listas apegados ao passado, incluindo o polêmico Al-tino Flores, construíram e defendiam a todo custo. Com o respaldo do ex-governador Jorge Lacerda e uma determinação sem precedentes, eles chacoalha-ram certezas tidas como inabaláveis. A Revista Sul foi a primeira oportunidade de levar a uma ampla gama de leitores poemas e contos para gente como o próprio Salim e Nunes Pires, mas ali também havia
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Nos anos 1940,
Eglê Malheiros
e Salim Miguel
já lutavam
pela qualidade
da cultura
Cultura em pauta
Destaque à produção de artistasUm espaço fixo para as coisas da cultura veio com o
Caderno 2, criado nos tempos da rua Conselheiro Mafra. Editado por Luiz Henrique Tancredo, trazia crônicas de Jair Hamms, Holdemar Meenzes e Raul Caldas Fo, e arti-gos e ensaios de Salim Miguel e Péricles Prade. Também comparecia Rodrigo de Haro, com desenhos e poemas. Ainda na base da linotipo, o caderno incluía uma página com a programação cultural da cidade.
Depois, já na rua Felipe Schmidt, e com o sistema offset, a cultura passou a ser editada por Paulo da Costa Ramos, contando com três a quatro páginas diárias de informações, crônicas, colunas de variedades e repor-tagens especiais de Raul Caldas, que já se ocupava do planejamento urbano de Florianópolis e de !guras im-portantes da cidade. “Fiz uma entrevista com o arquite-to Luiz Felipe Gama d’Eça que preconizava a ‘cidade moderna’, com uma ligação com o continente pelo Sul da Ilha”, recorda Caldas.
Se o plano diretor de Gama d’Eça nunca saiu, uma re-portagem sobre o abandono das esculturas de Franklin Cas-caes num galpão da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) tirou o folclorista do ostracismo e permitiu, por via indireta, o resgate de sua obra e o reconhecimento que merecia. Depois da matéria de duas páginas no Caderno 2, a universidade editou obras a seu respeito, desenhos e textos que havia escrito, recuperando um legado que corria o risco de ser lamentavelmente esquecido.
Raul Caldas Fo era um dos mais ativos jornalistas daquele período, e com Marcílio Medeiros, Paulo e Sérgio da Costa Ramos, entre outros, acompanhou e divulgou a produção lo-cal na literatura e nas artes em geral.
Os anos 1960 e 1970, em plena ditadura, foram marcados pela vinda de grandes espetáculos do Teatro O!cina e pela
realização do filme “Prata Palomares” na Ilha. As presenças de José Celso Martinez Corrêa e de um elenco que incluía Ítala Nandi e Renato Borghi mexeram com a cidade. A ir-reverência dessa trupe estremeceu a pacata e conservadora Florianópolis daqueles anos.
Os anos 1970 foram de transformações técnicas im-portantes na imprensa escrita de Santa Catarina, mas as mudanças também se fizeram sentir na relação dos jornais com o mundo. O escritor Nei Duclós ajudou a criar o “Jor-nal de Santa Catarina”, em Blumenau, e chegou a fazer parte, por quatro meses, da equipe de “O Estado”, em Flo-rianópolis, como editor de Nacional e Internacional, quan-do o offset foi implantado. Ele diz, contudo, que muitos jornalistas vieram de fora – foi também o seu caso – por-que já se fugia de centros como Porto Alegre e São Paulo, onde “a barra era mais pesada por causa do regime”.
Nei morou com outros jornalistas no Bairro Itaguaçu, um recanto isolado e de belo visual, tendo o cantor Luiz Henri-que Rosa como vizinho e amigo. Depois voltou a São Paulo, de onde viera, porque lá o mercado de trabalho era mais far-to. Trabalhou nas áreas de economia e política, em grandes veículos da imprensa brasileira, mas acabou voltando nos anos 1990, quando viu que Santa Catarina era um destino mais seguro – ainda que ingrato para um escritor como ele.
O jornal “O Estado” era uma referência, um ponto de discussão das tendências da arte e da política num momento de intolerância e de repressão das ideias li-bertárias. “A gente escrevia e conversava muito, mas não tinha como publicar”, diz Nei Duclós. O jeito era mandar os textos – poemas, contos, resenhas – para as revistas alternativas de outros Estados. A produção era meio marginal, típica da província, que não vivia a efer-vescência dos grandes centros, mais preparados para afrontar os limites impostos pela ditadura.
Naquele tempo, migrantes como Nei se integraram à “república do Itaguaçu”, que reunia jornalistas, escritores, músicos e artistas dispostos mais a curtir a natureza do que polemizar e desafiar o regime. Faziam isso por meio da arte, que, contudo, não repercutia como desejavam, pelo isolamento de Ilha e do Estado. “Ainda hoje me chamam de escritor gaúcho”, reclama Nei, que não renega suas ori-gens, mas que traz e replica por meio da literatura a baga-gem de quem andou pelo mundo.
“O Estado”
passou do
simples registro
de eventos em
Florianópolis
à divulgação
das ideias e
das artes de
vanguarda
textos de autores de outros Estados e países – alguns dos quais chegaram ao topo, em prestígio e vendas, anos depois.
Em “O Estado” de 4 de abril de 1950 pode-se ob-servar a temperatura da polêmica entre os “novos” (Grupo Sul) e os “velhos” (a chamada Geração da Academia). Para Altino Flores, os novatos cultivam a “arte moderna” por serem incapazes de compreender e praticar a “verdadeira” arte. A resposta é demolido-ra: “O Sr. Flores, por mais copioso e arguto que seja, vive em 1900. Por isso não vale a pena discutir com ele as correntes literárias posteriores a esta data”. As estocadas vêm de um lado e de outro. “A ironia de Al-tino Flores encontra a irreverência dos moços de Sul e do choque resultam agressões mútuas, verbalmente violentas”, escreveu a professora Lina Leal Sabino no ensaio “O Grupo Sul na literatura catarinense”.
Com o Grupo Litoral, já próximo da virada para os anos 60, foi parecido. O jornal criou um caderno semanal cuja parte cultural era coordenada pelo fu-turo presidente da Academia Catarinense de Letras Paschoal Apóstolo Pitsica. Carlos Ronald Schmidt, Iaponan Soares, Manoelito de Ornellas, Pedro Pau-lo Vichietti, Franklin Cascaes, Rodrigo de Haro e Paulo Lago puderam mostrar ali as suas criações. Naqueles tempos, artistas como Ernesto Meyer Fi-lho, Martinho de Haro e Hassis já se impunham como a vanguarda local.
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O tempo era de glórias para os aman-tes da boa música. A Pró-Música de Florianópolis, comandada por Darcy Brasiliano dos Santos, trazia grandes instrumentistas do mundo inteiro e atrações como a Orquestra
Sinfônica de Moscou para o Teatro do CIC, depois batizado de Ademir Rosa. O grupo Engenho surgiu como uma revelação que tinha admiradores em todo o Sul do país, e o Expresso Rural, depois apenas Ex-presso, também chacoalhou os palcos catarinenses. E lá estava “O Estado” dando páginas inteiras, em formato standard, para quem era novidade, desde que houvesse talento, criatividade e inspiração.
Era a primeira metade dos anos 1980, e o grupo Armação trouxe o diretor paranaense Oraci Gemba para comandar “Zumbi”, um espetáculo de proporções gigantescas para os padrões de Florianópolis. O jornal deu páginas e páginas à peça, acompanhando a prepa-ração dos cenários, os ensaios e a estreia, com pompa e circunstância, no Teatro Álvaro de Carvalho. “Tí-nhamos boa cobertura e um excelente retorno das re-portagens publicadas”, diz Édio Nunes de Souza, ator do Armação, que depois estreou “Os órfãos de Jânio”, apresentada em diferentes espaços cênicos da cidade.
No 2o Caderno, editado por Paulo Clóvis Schmitz, estavam os repórteres Everson Faganello, Fifo Lima,
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Tempo de glóriasZeca Pires: “O
Estado” reproduzia as reivindicações e noticiava
as conquistas que tornaram o cinema um
porta-voz dos sonhos de uma nova geração
Período de
grande atividade
cultural de Santa
Catarina teve
espaço generoso
nas páginas de
“O Estado”
Raquel Wandelli, Joca Wolff, Monique Vandres-sen, entre outros que, nos anos 1980, passaram pela editoria. E críticos de música, teatro, cinema, artes plásticas e literatura. E cronistas como Flávio José Cardozo, Silveira de Souza, Sérgio da Costa Ramos, Holdemar Menezes e Márcio Camargo Costa. E co-lunistas como Beto Stodieck, Cacau Menezes, Miro, Zury Machado e Urbano Salles.
Essa equipe, e as que se seguiram, ajudaram a viabilizar, por exemplo, a Cinemateca Catarinen-se e o Funcine (Fundo Municipal de Cinema de Florianópolis), ao dar voz aos produtores, direto-res, técnicos e atores que se reuniam para pedir mudanças na forma como o Estado e o município tratavam a produção cinematográfica. “Uma boa geração de cineastas colocou a cidade no mapa do cinema nacional”, diz Zeca Pires, o mais des-tacado membro dessa constelação. E “O Estado” reproduzia as reivindicações e noticiava as con-quistas que tornaram o cinema um porta-voz dos sonhos de uma nova geração.
Gisa Franz, editora do caderno Magazine en-tre 1991 e 2004, destaca que os tempos não eram, como ocorre hoje, de culto às celebridades, que a mídia impõe para depois esquecer. Em todos os fins de semana, o encarte trazia 12 páginas de arte, literatura, gastronomia, moda e coisas da cidade.
Conquistas por meio do jornalO poeta Alcides Buss ainda morava em Joinville
quando “O Estado” começou a expandir o número de sucursais e ganhar o status de um jornal estadualizado de verdade. Depois, quando veio para Florianópolis, no início da década de 1980, e passou a lecionar no curso de Letras da UFSC, muitos dos livros que lan-çou foram objetos de pautas do periódico. Ainda mais recorrentes eram as reportagens sobre o Varal Literá-rio, instrumento que criou para levar a poesia para as ruas e praças e abrir espaço aos novos autores.
A mesma receptividade ele encontrou quando diri-giu a Editora da UFSC, a partir de 1991, em substitui-ção a Salim Miguel. Como chegava a todo o Estado, ter uma matéria publicada no jornal era certeza de que haveria repercussão. Um dos eventos de que Alcides se lembra é o 2o Congresso Nacional de Escritores, em São Paulo, em 1985, tema que “O Estado” ex-plorou falando das contribuições que Santa Catarina levaria para a discussão de melhores políticas para o livro no país. “Hoje, os escritores estão mais distantes dos cadernos, e o fenômeno ocorre no Brasil inteiro”, avalia. O aprofundamento que o formato standard permitia pode ser uma explicação, mas ele também acha que os leitores passaram a buscar outros tipos de informação no dias de hoje.
No teatro, além da cobertura farta, também havia a crítica, papel que durante vários anos coube a Mário Alves Neto. Ele fez isso entre 1969 e 1971, transferiu-se para o Rio de Janeiro e retornou em 1981, retoman-do e mantendo a atividade até 1992. Além das artes
cênicas, escrevia sobre cinema, balizando o gosto de muitas pessoas. “Os textos eram bem recebidos, para a minha surpresa, não só na área do teatro, mas também por pessoas que me abordavam co-mentando as opiniões que dava no jornal”, conta.
O ator e diretor Édio Nunes também destaca a importância e a isenção das críticas publicadas em “O Estado”. E cita um episódio que o marcou: “Um dia, folheando rapidamente o jornal, vi por alto a citação de ‘Os órfãos de Jânio’. Olhei com mais atenção e vi que era um texto de Eliane Lisboa, a quem não conhecia. Foi uma das críticas mais elogiosas que o grupo Armação já recebeu”. A pro-fessora Eliane Lisboa escrevia sobre teatro com re-gularidade no Caderno 2 do jornal.
O cineasta Zeca Pires, diretor de “Manhã”, “Procuradas” e “A Antropóloga”, entre outros fil-mes, destaca as “matérias consistentes” que o jor-nal publicava sobre cinema. E ressalta que seu pai, o professor e escritor Aníbal Nunes Pires, foi privi-legiado pelo espaço editorial concedido por “O Es-tado” ao Grupo Sul e aos seus membros, nos anos 1940 e 1950. No caso do cinema, houve uma luta, especialmente a partir dos anos de 1990, por recur-sos destinados pelo governo do Estado à produção audiovisual, que é cara e sofre com os problemas de distribuição no Brasil. “Os editais e as leis de cultura são resultado dessas batalhas, e a imprensa foi importante para tornar públicos os nossos plei-tos”, diz Zeca Pires.
Um dos principais animadores cultu-rais da Ilha, o pintor João Otávio Neves Filho, o Janga, sempre con-ciliou a criação com a luta por mais espaço e valorização dos artistas locais. Nessa missão, tinha portas
abertas em “O Estado”, em reportagens e por meio de textos críticos, para dizer o que pensava. E, como o jornal tinha circulação estadual e era lido em todas as regiões, chegou a se tornar um baliza-dor das artes visuais catarinenses. “Chegaram a me pedir autógrafos em eventos realizados no interior, em função das críticas e opiniões emitidas nas pá-ginas do jornal”, conta.
O protagonismo nesta área fez com que Janga fosse conduzido à presidência da Acap (Associação Catarinense dos Artistas Plásticos), que promovia
exposições e eventos concorridos no espaço da antiga Alfândega. E aí também a cobertura era genero-sa, porque a associação utilizava critérios rigorosos para definir sua programação e as mostras que rea-lizava. A Acap promovia mostras itinerantes que repercutiam bas-tante num Estado que lutava por se integrar, dada a existência de “ilhas” econômicas e culturais que mais rivalizavam do que comple-mentavam umas às outras.
Janga também tinha um espaço semanal de crítica que era lido com avidez por ar-tistas, colecionadores e galeristas – e também por gente que não era do ramo, mas que apreciava a postura exigente do autor. Ao mesmo tempo, a as-sociação apoiava as reivindicações de suas congê-neres do teatro e da música, por exemplo, porque a luta era contra as políticas oficiais equivocadas para a área da cultura. Certa vez, todas as corren-tes se levantaram contra a colocação de painéis de Rodrigo de Haro nas paredes do Teatro Álvaro de Carvalho, sob os auspícios do governo do Estado. As páginas de cultura, mais uma vez, deram ao episódio uma repercussão tão grande que o projeto foi abortado.
O jornal afirmou, no título da matéria, que “o acontecimento cultural não foi no palco, mas no foyer do teatro”, se reportando ao protesto dos artistas em forma de performance contra a falta de critérios cla-ros para o apoio a este ou aquele projeto cultural. Em outra ocasião, o tapeceiro Pedro Paulo Vecchietti questionou a escolha das obras de um escritor – que também pintava – pelo governador Antônio Carlos Konder Reis. Com o passar dos anos, o próprio “Es-tado” foi arrefecendo as críticas e dirigindo o foco, sobretudo, para a produção artística. “Na época, esse trabalho relativo à política cultural !cou mais com o
Anexo, o caderno cultural de ‘A Notícia’”, afirma a ex-editora Gisa Franz.
FLAVIO TIN/ND
Janga: “Chegaram a me pedir
autógrafos em função das críticas e opiniões emitidas
nas páginas do jornal”
Mais espaço e valorização para os nomes locais
Como o jornal tinha
circulação estadual e
era lido em todas as
regiões, chegou a se
tornar um balizador
das artes visuais
catarinenses
“Caderno 2” fez históriaNos anos 1980, o Caderno 2 de “O Estado” tra-
zia uma reportagem de capa, crônicas de autores já consagrados e com livros publicados, colunas so-ciais, programação cultural e informações menores acerca de eventos na Capital e região. As pautas iam das novidades na música e na literatura a matérias de comportamento, passando pelo acompanhamento dos movimentos e pressões que a classe artística fa-zia, porque os governos, com raras exceções, nunca tiveram uma política cultural clara, criteriosa, bem planejada. Ainda não haviam surgido em Santa Cata-rina as leis de incentivo, baseadas na renúncia fiscal, e era comum diretores de teatro, músicos e escritores baterem à porta dos governantes para pleitear recur-sos para seus projetos. Às vezes, tinham êxito, dei-xando os outros para trás.
A edição do caderno, depois de 1987, passou por Zeny Rates, Liliana Reales, Monique Vandresen e Giza Franz. Com Giza, as edições de fim de semana passa-ram a merecer destaque especial, com as 12 páginas do caderno Magazine, que “inspirou muita gente no cir-cuito da arte”, segundo suas palavras. Ela própria virou repórter e crítica de gastronomia, e se realizava vendo pessoas consultando o encarte antes de escolher um bom lugar para jantar.
Na equipe estavam, entre outros, Martha Scherer e Carlos Hee, que depois seguiu carreira em São Paulo, na imprensa e na literatura. O editor Mário Pereira, es-
critor com afinado gosto artístico, dava força para as novas ideias que a equipe levantava. “Sempre presente, ele era nosso guru”, lembra Giza.
“Em ‘O Estado’ tive meu melhor emprego e minha melhor experiência jornalística”, afirma Giza. O Ma-gazine incorporou O Estadinho, voltado para o público infantil e ao incentivo à leitura desde cedo. A equipe também produziu cadernos especiais sobre literatura, atendendo a um público letrado que pedia esse tipo de conteúdo.
Revelações dos anos 1980
Foi nesse período que a música revelou a banda Dazaranha, e a dança catarinense se projetou nacio-nalmente a partir das coreografias do grupo Cena 11. Nas artes, Juarez Machado ganhou Paris e o mundo. A produção cinematográ!ca catarinense cresceu, em-bora nem sempre o dinheiro dos editais fosse repas-sado nos prazos, atrasando as produções e estreias e exasperando diretores, técnicos e elencos. A Pró-Mú-sica trazia instrumentistas geniais, cantores, óperas e orquestras de ponta do Brasil e do mundo, lotando o Teatro do CIC a cada sessão. Ao mesmo tempo, foi se impondo a qualidade da Camerata Florianópolis, com concertos em diferentes palcos da Capital e fora dela. Rejane Wilke, jornalista especializada em mú-sica clássica, dava o toque erudito ao caderno.
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 38/39
T udo começou na escuridão do labora-
tório. Em meio aos químicos indispen-
sáveis para a revelação fotográfica e
ao lado de profissionais como Tarcísio
Mattos, Marco Cezar, Lourival Bento,
Alcebíades Muniz e Rivaldo Souza,
entre outros tantos perdidos na memória traiçoeira
do quase cinquentão. Na época, o cineasta Everson
José Faganello, 48, ainda era o Chico da vovó, o
menino sonhador que aos 17 anos partiu de Seara,
no velho oeste, cheio de coragem para estudar jor-
nalismo na UFSC (Universidade Federal de Santa
Catarina).
Quem o levou para “O Estado”, nos anos 1980, na
redação da SC-401, foi o fotógrafo Tar-
císio Mattos, com quem Faganello ha-
via trabalhado na edição de revista es-
pecializada em bicicross e motocross.
Já cursava o primeiro semestre do cur-
so de jornalismo, e passava o resto do
tempo “socado no laboratório, aquele
quartinho escuro com cheiro dos pro-
FO
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Aula prática no escuro do laboratório
dutos químicos no ar”. Entre as tarefas diárias, ele e
Carlinhos, o outro laboratorista, preparavam e dis-
tribuíam os rolinhos de filmes aos fotógrafos.
Na volta das pautas, já no fim do dia, come-
çava a corrida contra o tempo. “Eles chegavam
com uma montanha de filmes para revelar e fazer
o contato (amostra em miniatura dos fotogramas
revelados) que era repassado aos editores”, ex-
plica. Para acelerar o processo e não atrasar tra-
balho de edição e diagramação, aprendeu alguns
truques com fotógrafos mais experientes. Um dos
segredos era soprar e apressar a secagem do filme,
sem a mínima noção dos riscos que representava
a falta de equipamentos de segurança no ambiente
insalubre do laboratório.
“Era preciso pressa na revelação”, diz. Neste
caso, era comum enfiarem as mãos na bacia com a
mistura química para esfregar o filme. “Sem luvas
ou máscara”, completa ele, que se lembra de outro
detalhe curioso na trajetória fotográfica do jornal.
“Cada fotógrafo tinha direito a um filme para a
publicação de uma foto colorida por semana.”
Foca e veteranos lado a lado na redaçãoA experiência com fotos e fotógrafos experientes no labora-
tório foi fundamental para Chico Faganello conhecer de perto
os meandros operacionais da redação de “O Estado”. Aprendeu,
por exemplo, a ter paciência para receber material internacional
enviado por agências do exterior, como France Press.
Eram dois aparelhos, um de radiofoto e outro de telefoto,
e muitas vezes a linha caía. O noticiário nacional e internacio-
nal era transmitido pelas agências pelos velhos aparelhos de
telex. O arquivo fotográ!co, segundo Chico Faganello, não
era dos mais organizados, mas tinha conteúdo.
Logo o garoto que chegou do Oeste disfarçando a timidez vi-
rou repórter, com passagem obrigatória pelas editorias de Polícia
e Geral antes de escrever sobre política e para a extinta editoria
de Justiça. Faganello era um dos coringas e aprendeu a editar na
página do noticiário internacional, até ser promovido a assistente
no caderno de Cultura e Variedades – as oito páginas editadas na
época por Paulo Clóvis Schmitz, o PC.
Aos 48 anos e com prioridade pessoal à produção de cinema,
Faganello aponta uma diferença básica entre o jornalismo atual
e o que era feito em sua época de redação. “Sinto, basicamente,
falta de amor pela notícia, não vejo mais vontade de investigar e
de apurar. Hoje, falta jornalismo de denúncia”, avalia.
Na redação, Faganello conviveu com nomes importantes
na trajetória de “O Estado” e do jornalismo local. Cita, por
exemplo, Antoninho Kowalski, Wilson Libório, Laudelino
Sardá, Mário Pereira, o diagramador Eron Domingues e o de-
senhista Fábio Veiga, hoje um dos publicitários mais impor-
tantes de Santa Catarina. Em seus últimos anos na redação da
SC-401, já a caminho dos anos 1990, teve como editor-chefe
um baiano que lhe chamou atenção por uma peculiaridade:
mascava alho o dia inteiro e impregnava a redação com o
cheiro nem sempre agradável.
Nos anos 1980, Chico
Faganello passava seus
dias cercado de produtos
químicos, revelando
lmes fotográ cos
Aos 17 anos,
Faganello deixou
o Oeste de Santa
Catarina para
estudar jornalismo
em Florianópolis
Grandes reportagens
e parceria com
joirnalistas de peso
O ESTADOESPECIAL Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 40
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 40/41
Jornal político por excelência desde que Aderbal Ramos da Silva assumiu o con-trole da publicação, em 1945, “O Estado” também se destacou, ao longo do tempo, pela cobertura esportiva. Não só porque o esporte sempre esteve entre as prefe-rências nacionais no século 20, mas por-que o próprio dono era apaixonado pelo
tema. Torcedor e sócio benemérito, foi presidente do Avaí Futebol Clube e da Federação Catarinense de Desportos (hoje Federação Catarinense de Fute-bol), e sempre esteve envolvido com o futebol. E não apenas: Aderbal valorizou também o remo (seu clube era o Aldo Luz) e a vela. Tinha cadeira cativa no Iate Clube Veleiros da Ilha.
No livro “Doutor Deba – Poder e Generosidade”, o jornalista Luiz Henrique Tancredo assinala: “Aderbal gostava de futebol desde criança. Quando garoto, chegou a adquirir alguma intimidade com a bola, participando de peladas de fundo de quintal. Mais tarde, no Ginásio Catarinense, continuou praticando o esporte. Jamais, en-tretanto, demonstrou qualquer brilho capaz de chamar a atenção de quem quer que seja. Em momento algum re-velou um futuro promissor nessa área”.
A paixão pelo Avaí era tão intensa que Aderbal participou diretamente não só da administração do clube, mas até da montagem de times competitivos. Foi o caso da esquadra de 1944, também referida no livro de Tancredo, que teve ajuda direta do presi-dente do Grupo Hoepcke e de seu tio, o pecuarista (e depois governador) Celso Ramos, também avaia-no fanático. Aderbal levou sua paixão pelo futebol adiante. Apesar de declaradamente avaiano, quando governador (1947-1951) ajudou outros times catari-nenses – o próprio Figueirense, adversário clássico do Avaí, recebeu ajuda pessoal dele. O Palmeiras, de Blumenau, foi outro auxiliado pelo político e em-presário. Em retribuição, o estádio levou seu nome.
Claro que as paixões declaradas de Aderbal pelo futebol, remo e vela refletiram-se nas coberturas de “O Estado”, com a valorização do noticiário a partir do momento em que o empresário assumiu o contro-le da publicação. Muito antes da profissionalização das redações, os jornais tinham poucos redatores e editores. Havia os mais dedicados à política, à lite-ratura e à sociedade; outros, à economia, vida ban-cária, ciências, polícia, religião, assuntos femininos; e, claro, aqueles que se empenhavam em atualizar o noticiário esportivo. Era o caso, nos primórdios da gestão de Aderbal, de Pedro Paulo Machado, o úni-co que não era um jornalista “genérico” ou eclético. Sua missão era cuidar exclusivamente do esporte, em especial o futebol. Morto em 2013, aos 92 anos,
Uma intensa e apaixonada
cobertura esportivaSe o jornal é o reflexo do dono, “O Estado” correspondeu
ao intenso amor de Aderbal Ramos da Silva pelos esportes
Desde sempre, Aderbal foi um apaixonado pelo futebol e pelos esportes náuticos
ACERVO INSTITUTO CARL HOEPCKE/DIVULGAÇÃO/ND
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Pedro Paulo foi um dos pioneiros da crônica espor-tiva em Santa Catarina, tanto que ajudou a fundar a Acesc, associação que, desde a década de 1950, reúne os cronistas esportivos do Estado.
Com apenas 23 anos, foi editor-chefe de “O Es-tado Esportivo”. Surdo desde a infância, trabalhou como alfaiate e sapateiro, depois atuou na Imprensa Oficial e, enfim, chegou a “O Estado”, onde se dedi-cou durante décadas a cuidar da missão que lhe foi confiada pelo dono do jornal. E ele não apenas es-crevia sobre esportes, como também jogava futebol amador e acompanhava de perto as disputas dos três clubes náuticos da Capital – Aldo Luz, Riachuelo e Martinelli –, nuns tempos em que o remo era uma paixão tão forte quanto o futebol em Florianópolis.
Pedro Paulo Machado confundiu sua história de vida com a história de “O Estado” em todo o perí-odo em que esteve lá, dedicando-se integral e apai-xonadamente à cobertura esportiva. Costumava di-zer que aqueles eram tempos heroicos, de recursos escassos, pouca gente para trabalhar, mas o jornal cumpria sua missão de informar as torcidas e os afi-cionados do remo e da vela.
Não havia serviços fotográficos. Quem escrevia tinha que “se virar nos 30”, caprichar na descrição de um gol, no clima das partidas, quase sempre dis-putadas no Campo da Liga (Estádio Adolfo Konder), na região da Praia de Fora, onde hoje é o Beiramar Shopping. Mas foi inegável o esforço de Aderbal Ramos da Silva e do jornal para valorizar prática de esportes, noticiando e estimulando as torcidas.
Pedro Paulo Machado:
uma lenda da cobertura esportiva
catarinense, começou em “O
Estado” em 1946
O ESTADOESPECIAL
Pedro Paulo Machado fez história na cobertura esportiva de
“O Estado” ao longo de quase 30 anos. “Era um sujeito for-
te, tinha um físico impressionante, porque além de jornalista
era remador”, lembra o ex-diretor-presidente do jornal, José
Matusalém de Carvalho Comelli, que conviveu mais de cinco
anos com Pedro Paulo na redação da Conselheiro Mafra. “Fa-
zia tudo na área esportiva, era um pro!ssional completo, o único que tinha uma editoria especí!ca”, completa Comelli.
Mas Pedro Paulo era um personagem da era da linotipo. Seu estilo foi
vencido pela modernização do jornal, implantada em 1972. Quando recebeu
o título de Comendador do Esporte, em 2009, um reconhecimento ao seu
papel nas coberturas esportivas e na fundação da Acesc (Associação dos
Cronistas Esportivos de Santa Catarina), disse que sentiu, em 1972, que era
hora de se aposentar. “Os alegres rapazes que chegaram mudaram tudo para
melhor”, disse, referindo-se à turma de gaúchos convocada para produzir o novo “O Estado”. Na equipe que chegava, o destaque era Mário Medaglia,
que passara pelo Jornal de Santa Catarina entre 1971 e 1972 e vinha para
participar do processo de implantação do sistema offset, com uma nova con-
cepção de cobertura esportiva. Junto com ele, o lendário Bodinho, como era
conhecido Mauro Pires, "orianopolitano, já enturmado na turma formada por Comelli.
Uma nova era
A mudança radical de 1972 representou o ingresso de “O Estado” em
uma nova era, um salto de qualidade e modernidade. Avaí e Figueirense,
que já tinham cobertura nos tempos de Pedro Paulo Machado, ganharam
setoristas, pro!ssionais dedicados a cada um dos times, especi!camente. Ao longo do tempo, integraram a equipe nomes como os de Evory Pedro Sch-
midt – hoje assessor parlamentar – e Nelson Rolim de Moura, atualmente
diretor da editora Insular.
Foram dezenas de jornalistas convivendo com o novo formato do es-
porte, que não focalizava só o futebol. Havia coberturas especiais dos Jogos
Abertos de Santa Catarina em quase todos os anos entre as décadas de 1970
e 1990; futebol de salão, automobilismo (com Wilson Libório de Medeiros
cobrindo inclusive as provas de Fórmula 1 no Brasil); remo, vela, ciclismo,
vôlei, tudo ganhava espaço reforçado nas páginas esportivas de “O Estado”.
Em determinado período, nos anos 1980, o jornal saía às segundas-feiras
com edições totalmente dedicadas ao esporte. Só mais tarde é que passou a
circular com edições normais no primeiro dia útil da semana (antes, circula-
va de terça aos domingos).
Qualificação da editoria de Esportes
A força da imagem esportiva
Carinho especial com
os Jogos Abertos
Grandes profis-
sionais da fotogra-
fia ganharam força
com a ampliação
da cobertura de es-
portes, porque as
atividades – não
apenas o futebol
– proporcionavam
imagens muito
bonitas, plásticas,
diferenciadas. Por
causa disso, lembra
José Matusalém de
Carvalho Comelli,
“o esporte estava
sempre destacado
nas capas. A boa
imagem reforçava a chamada, despertava a atenção do lei-
tor”. Orestes Araújo, Rivaldo Souza, Paulo Dutra, Sérgio Rosário, Lourival Bento, Tarcísio Mattos, Marco Cezar
e Hermínio Nunes, foram alguns dos fotojornalistas que
atuaram ao longo dos anos nas coberturas esportivas, dos
clássicos de Avaí x Figueirense às provas de Fórmula 1, do
remo às competições de vela ou dos Jogos Abertos.
Na entrevista que concedeu no dia 4 deste mês, o ex-
presidente do jornal observou que “O Estado”, depois que
foi modernizado, concentrou – ou valorizou mais – suas
coberturas com base nas editorias de Esporte, Política e
Geral. “Eram as mais lidas, que despertavam mais interes-
se”, disse Comelli, sem menosprezar os assuntos sociais,
de economia ou cultura.
Os Jogos Abertos de Santa Catarina, que começaram em
1960, sob a coordenação de Arthur Schlösser, foram um ca-
pítulo à parte na história de “O Estado”, que passou a dar
atenção mais ampliada à competição a partir da entrada na
era offset.
Com o tempo, os Jasc mereceram um tratamento ainda mais
especial: o jornal formava equipes, com repórteres, fotojornalis-
tas e editores, para a cobertura do grande evento esportivo anual
de Santa Catarina. Hadilson Savi, ex-diretor industrial, lembra
que o material era impresso em formato tabloide, com oito ou 16
páginas – dependendo da quantidade de anúncios –, era rodado e enviado para a cidade onde se realizavam os jogos. “Era uma
grande logística, mobilizava muita gente, mas era importante e
recompensava o esforço. Hoje, com a internet, não teríamos tan-
to trabalho, e os custos certamente seriam menores”, conclui.
Equipe de cobertura dos jogos abertos de
Criciúma
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O ESTADOESPECIAL
Equipe de cobertura dos Jogos Abertos de Joaçaba, em 1988
Rogério Junkes, como motorista,
e Marco César preparados para cobrir a disputa de ciclismo nos
Jogos Abertos em Joaçaba, em 1988
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 42/43
Evory Pedro Câmara Schmitt, ou simplesmente Pedrinho, 60 anos, coordenador de imprensa da ban-cada do PMDB na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, en-trou na redação do “mais antigo”
em junho de 1976, ainda no prédio da Felipe Schmidt. Só saiu em dezembro de 1984, quan-do o jornal já funcionava na SC-401.
Trabalhou sempre na editoria de Esportes, formada pelo editor Mário Medaglia, o sube-ditor Mauro Pires, o repórter Aldírio Simões,
setorista do Figueirense. Pe-drinho era setorista do Avaí e cobriu treinos e jogos no Pasto do Bode, como era conhecido o velho estádio Adolfo Konder, na esquina da avenida Mauro Ramos com a rua Bocaiúva, onde hoje funciona o Beiramar Shopping.
Nos oito anos de reporta-gem, Pedrinho teve a oportu-nidade de ver de perto grandes jogadores e grandes jogos. Tes-
temunhou a consolidação do novo endereço do Figueirense, o estádio Orlando Scarpelli, no Estreito, a construção do estádio Aderbal Ramos da Silva e a transferência do Avaí para a Ressacada, a ascensão dos times do interior, principalmente do JEC e do Criciúma. Cobriu jogos em Joaçaba, São Miguel do Oeste e Pal-mitos, por exemplo.
Como a cobertura, a circulação de “O Es-tado” também abrangia praticamente todas as principais cidades catarinenses. O jornal che-gava todos os dias a bancas e setores estraté-gicos da administração pública, no litoral, no Sul, no Norte, no Planalto e até em São Miguel do Oeste. Para esta viagem de 800 quilôme-tros de ida e mais 800 de volta, o jornal dis-ponibilizava duas caminhonetes para levar o jornal, que só chegava à tarde ao destino. As caminhonetes se revezam – uma delas saía de madrugada da Capital e só voltava à tarde, en-quanto a outra fazia o caminho inverso.
Permuta garantia
passagens aéreas
No campeonato Nacional, Pedrinho Schmitt cobriu jogos de Avaí, Figueirense e, é claro, o JEC durante seu longo período de hegemonia. “Foi um período de transição. Houve um tempo de vacas magras para o futebol da Capital”, diz. A cobertura esportiva, lembra Pedrinho, fez de “O Estado” referência em todo o território ca-tarinense, e nas principais cidades onde havia times do Campeonato Brasileiro.
“Nossa cobertura era no campo. Conheci praticamente todo o Estado com as viagens com a equipe do jornal. Certa vez fomos re-cepcionados com churrascada pelo prefeito de Palmitos, no Oeste. Também trocávamos figurinhas com os colegas de jornais de ou-tros Estados, durante o Brasileiro”, conta. As passagens aéreas eram bancadas por permuta entre o setor comercial e a Transbrasil. “Era publicidade em troca das viagens. Isso, por si só, explica a influência do jornal”, reforça.
Comprometida e renovada, a redação mantinha-se integrada, com reuniões de pau-ta dentro e fora do jornal. O trabalho ia noite adentro e, quando saíam, jornalistas emen-davam a conversa regada a cervejas e conha-ques nas mesas do Kibelândia e outros bares da cidade, de onde saíram muitas ideias para
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Pedro Schmitt:
“Nossa cobertura
era no campo.
Conheci
praticamente
todo o Estado
com as viagens
com a equipe
do jornal”
Em campo com os principais clubes
Em oito anos de reportagem,
Pedro Schmitt testemunhou
a consolidação do estádio
Orlando Scarpelli, a
transferência do Avaí para a
Ressacada e a ascensão dos
times do interior
grandes reportagens.Praticamente três décadas depois de sua pas-
sagem pela editoria de Esportes, Pedro Schmitt não tem dúvidas de que a inércia administrati-va e a falta de visão empresarial e jornalística foram fatores preponderantes para a derrocada de “O Estado”. “O jornal parou no tempo, foi engolido pela concorrência”, avalia, sem deixar de lamentar a falta que o jornal faz ao mercado de trabalho e ao jornalismo catarinense.
Bate e volta para jogos no interiorSouza, o Macarrão, motorista da reportagem, que
em 1987 viu seu Figueirense cair para a segunda divi-são do Campeonato Catarinense, também conheceu várias cidades de Santa Catarina graças à cobertura esportiva de “O Estado”, sempre ao lado do Alvi-negro. E, obviamente, do Avaí, time de coração de Aderbal Ramos da Silva e do último presidente do jornal, José Matusalém Comeli, que chegou a presi-dir, também, o Conselho Deliberativo do clube.
Souza diz que em determinada época, quando
a BR-101 era de pista simples em todo o trajeto, em jogos em Criciúma, no Sul do Estado, o fotó-grafo de “O Estado” !cava apenas os primeiros 15
minutos. “Era preciso garantir as fotos no começo, e voltar correndo com o !lme para Florianópolis,
para revelar a tempo de ir para edição e impres-são”, conta. Em Tubarão, também no Sul, e Itajaí, no Litoral Norte, cidades próximas da Capital, era possível fotografar todo o primeiro tempo, com retorno no intervalo.
Sob o rigor do AI-5, o ato institucional que
suspendeu as garantias constitucionais e
a liberdade de imprensa, a redação de
“O Estado”, ainda no casarão dos altos
da rua Conselheiro Mafra, era um sonho
para o jovem idealista. Foi lá, em meio a
informes que chegavam dando conta da violência e
atentados praticados contra os jornalistas no Brasil e
no restante da América Latina, mas com o entusias-
mo do jovem repórter, que Aldo Granjeiro, 64 anos,
deu os primeiros passos na “guerra
surda contra a censura imposta pela
ditadura militar”.
Aos 46 anos de profissão e com a
serenidade de sempre, ao olhar para
trás neste momento em que “O Esta-
do” completaria um século de circu-
lação, Granjeiro reafirma uma con-
vicção pessoal. Segundo o veterano,
a combinação das circunstâncias,
para quem, como ele, era iniciante
na vida profissional naqueles tem-
pos bicudos, assume uma dimensão
especial. “O jornalismo em ‘O Esta-
do’ não foi, para mim, uma questão de teoria, mas de
opção de vida, uma questão de estilo. Nenhum outro
período revelou tão bem esse ponto de vista. A!nal,
como nos recorda esse centenário de “O Estado”, a
polêmica continua: a liberdade de expressão é ou não
um valor universal e absoluto?”.
Foi um tempo de arbitrariedades e muita violên-
cia, com perseguições, torturas e assassinatos dentro
e fora das redações. Era tempo, também, de reação
dos profissionais engajados na missão de informar
ao resto da população o que realmente estava aconte-
cendo nas ruas e nos porões da política nacional.
“Para que se tenha uma ideia mais clara das di!-
culdades à época, desde a década de 1970 até 1993,
quando começamos a vislumbrar a liberdade durante
o processo de impeachment de Fernando Collor de
Mello, muitos pro!ssionais foram retirados de com-
Sob o rigor do AI-5, Santa Catarina era quali cada como uma região de alto risco para o trabalho dos jornalistas
Repórter cresce com reação à ditadura
Em meio à violência
contra jornalistas,
Aldo Granjeiro deu os
primeiros passos na
“guerra surda contra
a censura imposta
pela ditadura militar” bate”, diz. Com base nos números apresentados em
janeiro de 1993 no 1o Fórum de Jornalistas sobre
Direitos Humanos, em San José da Costa Rica,
Granjeiro lembra que pelo menos 360 colegas fo-
ram assassinados e 149 estavam desaparecidos na
América Latina e no Caribe.
“Naquele período, a nossa região era qualifica-
da como a de mais alto risco para o trabalho dos
jornalistas”, ressalta. Era o tempo do “nada a de-
clarar”, recorda Granjeiro, que participou da rea-
ção que começou a fazer diferença nas redações
em Santa Catarina.
“O jornalismo do qual participei viu-se for-
çado a sair da sua confortável cápsula de assep-
sia e neutralidade, de poucas trocas, de poucas
problematizações do presente, para se dirigir à
população de maneira mais clara. No exercício
da cólera contra a ditadura, éramos obrigados
a negociar, brigar e ocupar os meios de comu-
nicação disponíveis para fazer chegar a melhor
informação possível ao leitor”, avalia.
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uAssinatura do Tratado
de Versalhes
uFundação das Ligas
das Nações
uMussolini chega ao poder na Itália
uRealização da Semana de Arte
Moderna em São Paulo (foto)
O ESTADOESPECIAL
“O jornalismo
do qual participei
viu-se forçado a se dirigir à população de maneira
mais clara”
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Em “O Estado”, o jovem Aldo Gran-jeiro compartilhou a velha Olivetti com vários outros novatos e um time respeitado de jornalistas experientes. Ele recorda das reuniões de pauta pela manhã, regadas a café, onde a
pergunta comum era “o que temos para hoje?”. Foi numa dessas ocasiões que, após a leitura do mate-rial que o jovem repórter trazia à redação, o editor Sérgio da Costa Ramos, com os olhos arregalados, disparou “essa é bomba”, “é nitroglicerina pura”. Tratava-se da divulgação de um documento do go-verno Colombo Salles – que era uma manifesta-ção do regime militar contra as oligarquias – que determinava ampla reforma na estrutura política e mudava os personagens da política local.
Aliás, era um dos tantos assuntos que não podia frequentar a pauta política, conforme determinava a censura vigente. “Tudo preci-sava ser feito na surdina, longe dos olhos do povo. Pois o jornal “O Estado”, propriedade do poderoso ‘doutor Aderbal’ (ex-governador Aderbal Ramos da Silva), um dos oligarcas que o ‘governo técnico’ declarava guerra, de-cidiu não apenas publicar a reportagem, como se dedicar a repercutir o caso.
“Hoje, quando busco explicações para os motivos que me levaram ao meu primeiro gran-de furo de reportagem, a conclusão é a mesma que tem pautado meu trabalho de jornalista há quase cinco décadas: o objetivo de um repórter é conseguir uma notícia antes dos outros, para publicá-la em primeira mão”, diz.
A época sob censura vivenciada por Gran-jeiro na redação de “O Estado” foi de inten-sa monotonia política e absoluta escassez de informações, submetendo jornalistas a longas jornadas de espera em antessalas de gabinetes e órgãos públicos em busca de declarações das autoridades, sempre muito cuidadosas e reti-centes no uso das palavras com a imprensa.
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Aldo Granjeiro foi o primeiro
repórter a mostrar o trabalho de
Franklin Cascaes
Temas proibidos eram como bombas
Época de censura foi de intensa monotonia
política e absoluta escassez
de informações
O ESTADO
ANOS
1001924 1926 1927
uSão Paulo sofre bombardeamento aéreo durante a revolta tenentista de 1924 uComeça a Coluna Prestes
uHirohito torna-se imperador do Japão
uLindenberg realiza a primeira travessia aérea do AtlânticouStálin assume o poder na União Soviética
Primeira experiência em jornal grandeDa nova geração de repórteres com passagem
pela ampla redação da SC-401, a itajaiense Re-nata Rosa também guarda momentos memorá-veis. Graduada pela UFSC (Universidade Fede-ral de Santa Catarina), a jornalista – que lançou, recentemente, na Lagoa da Conceição, o livro “Alfredo Pescador”, de crônicas de Alfredo J. Rosa (in memoriam) – trabalhou em “O Estado” entre 1993 e 1996.
Renata atuou nas editorias de Geral e Economia e conheceu, por exemplo, a Costeira do Pirajubaé antes do aterro da Via Expressa Sul, onde apare-ce em foto de Hermínio Nunes. “Naquela época, o mar batia no muro da Avenida Jorge Lacerda”.
Na editoria de economia, cobriu a inauguração do McDonald’s em Florianópolis. A chegada da principal marca americana do lanche rápido, o sím-bolo da suposta supremacia dos Estados Unidos, foi tratada como um grande evento na cidade na época da consolidação da abertura democrática.
Renata reconhece que, apesar das di!culdades es-truturais, a passagem pela redação de “O Estado” foi fundamental para seu amadurecimento profissional. Dela e de diversos novos repórteres formados entre os anos 1980 e 2000 em Santa Catarina, e tantos ou-tros que chegaram do interior e de outros Estados.
“Vivíamos ainda sob o golpe de 1964, regime que submeteu o Brasil a ditadura militar até 1985”. O repórter competente, contudo, ante-vê a notícia e sabe superar os obstáculos para contá-la com isenção.
Em sua carreira de jornalista em “O Estado”, Aldo Granjeiro recorda como foi o primeiro repórter a mostrar o trabalho de Franklin Cascaes. “De algu-ma forma descobri e mostrei Cascaes para a comuni-dade. Ele era uma pessoa modesta, professor da Es-cola Técnica Federal, que fazia da sua reclusão um espaço criativo com seus bonecos, seus desenhos.”
Ele destaca ainda outra reportagem que !cou na his-tória: a dos “Brasiguaios” – agricultores brasileiros que invadiam terras do Paraguai em busca de melhor sorte.
Renata Rosa: “Apesar das dificuldades estruturais, a passagem pela redação foi fundamental para seu amadurecimento pro ssional
FOTO DIVULGAÇÃO/ND
Chovia forte no dia 16 de junho de 1958, uma
segunda-feira. O senador Nereu Ramos, o
governador catarinense Jorge Lacerda e o de-
putado federal Leoberto Leal, todos do PSD
(Partido Social Democrático), embarcaram às
15h30min no Convair PP-CEP, no voo 412 da
Cruzeiro do Sul, para o Rio de Janeiro. Uma das mais moder-
nas e seguras da época, a aeronave tentou aterrissar em Curitiba,
apesar do mau tempo, mas espatifou-se no chão. Morreram 23
dos 30 passageiros, entre eles, os três políticos catarinenses do
partido defendido editorialmente por “O Estado”.
Ligado umbilicalmente ao PSD, o “mais antigo” deu co-
bertura de capa, na edição de 17 de junho,
que tinha o número 13.364. Diante da co-
moção, “O Estado” tirou duas edições extras
no dia seguinte, 18, com os números 13.365
e 13.366. A primeira repetiu o noticiário de
capa, mas ampliou a cobertura para as pá-
ginas subsequentes; a segunda edição teve
outra capa, com destaque para a chegada dos
corpos de Jorge Lacerda e Leoberto Leal à
Capital. O senador Nereu Ramos foi enterra-
do no Rio de Janeiro.
Curiosamente, a edição do dia 17, que
noticiou o acidente aéreo e a morte dos po-
líticos, trouxe na última página, 12, as infor-
mações sobre a convenção do PSD, realizada
no sábado anterior, no auditório do Cine Ritz, na época um
dos mais confortáveis da cidade, no Largo da Catedral Me-
tropolitana de Florianópolis. Nereu, que veio a Santa Catari-
na exatamente para participar do encontro partidário, aparece
em fotos saudando correligionários.
Na primeira edição extra do dia 18, “O Estado” publi-
cou na página 2 fotos de Nereu Ramos, Jorge Lacerda e
Leoberto Leal no momento do embarque no Convair da
Cruzeiro do Sul. Ainda sem a objetividade das cobertu-
ras modernas, o noticiário detalhava as circunstâncias do
acidente e as biografias de cada um deles, mais os textos
apaixonados de políticos e correligionários lamentando a
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Morreram 23 dos 30
passageiros, entre
eles, os três políticos
catarinenses do
partido defendido
editorialmente por
“O Estado”
Acidente mata políticos
Tragédia há 35 anos tem tiragem recordeUma das maiores coberturas de “O Estado” mobi-
lizou 45 profissionais, há 35 anos. A queda do Boeing
727 da Transbrasil na encosta Oeste do Morro da Vir-
gínia, entre Ratones e Saco Grande, causou a morte
de 54 pessoas, por volta das 21h no dia 12 de abril de
1980. Ouvido a quilômetros de distância, na localidade
do Canto do Moreira, de onde partiram as equipes de
resgate da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros e da
FAB (Força Aérea Brasileira), o estrondo foi seguido de
uma bola de fogo e aterrorizou moradores do bairro.
“Parecia uma bomba”, lembra o agricultor Dilvo da Silva,
76 anos, um dos moradores que mostraram aos socorristas
os melhores pontos para abertura de trilhas até o local do
acidente. Foi, também, um dos primeiros a chegar à clareira
aberta entre árvores da mata atlântica e rochas de granizo, en-
tre pedaços retorcidos de fuselagem, bagagens chamuscadas
e corpos carbonizados, alguns despedaçados.
Foi este cenário que fotógrafos e repórteres de “O Esta-
do”, entre eles Celso Martins, mostraram nas reportagens
publicadas na segunda-feira, 14 de abril, e edições seguin-
tes. A cidade comoveu a cidade, e moradores da região fi-
caram o resto daquela noite de sábado e o domingo inteiro
acompanhando o resgate de feridos e corpos, de helicópte-
ro, até uma base montada no aterro da baía sul.
“O Estado” realizou naquele fim de semana uma das
maiores coberturas jornalísticas de suas oito décadas. En-
tre jornalistas e pessoal de apoio, 45 profissionais traba-
lharam incansavelmente, e três edições foram impressas
no curto intervalo de 15 horas – a edição regular de domin-
go, que já estava pronta e nada trouxe sobre o acidente;
outra edição dominical, com cobertura apenas na capa; e
uma terceira, que circulou na segunda-feira, dedicada ex-
clusivamente ao acidente.
Foram retirados da impressora 35 mil exemplares,
recorde de tiragem na época e de vendas avulsas na Ca-
pital e nas principais cidades do interior. Leitores for-
maram filas diante das bancas de jornais e revistas de
Florianópolis. A tragédia com o Boeing da Transbrasil,
que comoveu Santa Catarina, 35 anos depois, ainda dei-
Avião que caiu levava
o senador Nereu
Ramos, governador
catarinense Jorge
Lacerda e o deputado
federal Leoberto Leal
xa algumas questões obscuras. Uma de-
las é o paradeiro de lote de joias recolhi-
das junto ao cadáver do empresário João
Nascimento, desaparecida após ser reco-
lhida à sala de um delegado da Polícia
Civil. Lacradas em uma caixa de isopor,
as peças preciosas foram substituídas
por macadames, e o jornal “O Estado”
também noticiou o mistério.
A cobertura colocou em prova, tam-
bém, a agilidade da redação. Pouco
mais de 15 minutos depois de o aciden-
te ser confirmado por uma rádio local,
o editor Antônio Kowalski tratou de
organizar a distribuição da reportagem
e fez os primeiros contatos com São
Paulo. Enquanto isso, o chefe de reda-
ção Laudelino Sardá, o editor Wilson
Libório e os fotógrafos Orestes Araújo
e Lourival Bento se embrenharam na
marta atlântica, na encosta do Morro
da Virgínia, ao lado da primeira equi-
pe de salvamento, ainda em busca dos
destroços do aparelho.
A caminhada foi longa e dolorosa,
com a trilha sendo aberta a facão pelos
militares, com ajuda de agricultores de Ratones. Vários
curiosos se misturaram aos voluntários e não faltaram
casos de quedas, algumas graves, como a que causou fe-
rimentos em Miriam Schmidt, na época uma das jovens
que tentaram desafiar as armadilhas da natureza para
ver de perto a enorme clareira e os restos de fuselagem
e corpos mutilados.
Por alguns momentos, Orestes Araújo deixou de lado
o equipamento fotográfico e virou um dos heróis da tra-
gédia. Ao perceber que a moça não resistiria à noite na
mata, ele a pegou nos braços e a carregou pela trilha até
um local onde o helicóptero da FAB pôde içá-la para
um lugar seguro.
perda das lideranças do PSD. O assunto teve destaque nas
edições seguintes, com repercussão política do desastre
que mudou a história de Santa Catarina.
BR-101: luta antiga
nas páginas de “O Estado”
Desde a construção do primeiro trecho, ainda na década
de 1960, a BR-101 e, mais tarde, a necessidade de sua dupli-
cação foram temas de destaque nas reuniões de pauta de “O
Estado”. A presença editorial do “mais antigo” na mobiliza-
ção nacional por mais segurança não só para motoristas, mas
também para moradores das comunidades que se desenvol-
veram às suas margens, é marcada por meio de reportagens
especiais e pela cobertura de acidentes e suas consequências,
obras de recuperação, manifestações da sociedade e ações
políticas – principalmente nas etapas que antecederam a du-
plicação, a partir dos anos 1970, quando a rodovia começou
a dar os primeiros sinais de que saturação para o trânsito
cada vez mais crescente de carros e caminhões.
Neste período, muitas tragédias foram retratadas nas pá-
ginas de “O Estado”. No dia 21 de agosto de 1989, por exem-
plo, entre os destaques da capa estava a chamada, com foto,
de acidente envolvendo carreta e um ônibus de romeiros que
retornava da festa religiosa de Azambuja, na cidade de Brus-
que, no Vale do Itajaí. Entre as vítimas presas às ferragens
retorcidas, 19 pessoas estavam mortas.
“O Estado” deu ampla cobertura, também, às mobiliza-
ções de parlamentares – deputados federais e senadores – ca-
tarinenses junto ao governo federal, em Brasília. Tratativas
de entidades de classe, como Fiesc (Federação das Indústrias
do Estado de Santa Catarina), Aemflo (Associação Empre-
sarial da Grande Florianópolis) e Fecomércio/SC (Federação
do Comércio de Santa Catarina) também tiveram abrigo nas
páginas de “O Estado”. Mobilização que garantiu o anda-
mento da obra, hoje nas etapas finais do trecho Sul – entre
Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 46/47
Cercada pela cavalaria da Polícia Militar, a
Praça 15 de Novembro parecia uma praça de
guerra. A confusão se estendia pelas ruas do
entorno, principalmente nos primeiros quar-
teirões da Felipe Schmidt, até a esquina com
a Trajano e nos fundos do atual Museu Cruz e
Sousa, o antigo Palácio Rosado do Governo de Santa Catarina,
ponto de partida para a “Novembrada”. Os desdobramentos
do movimento popular que desafiou a arrogância do general
João Baptista Figueiredo, o último presidente militar do Brasil
depois do golpe de 1964, e apressou o processo de redemocra-
tização da política nacional, também foram estampados com
destaque nas páginas de política de “O Estado”.
A cobertura foi a manchete de 1o de dezembro de 1979.
Vivia-se o período da “abertura” e cogitava-se
que o general Figueiredo seria sucedido na pre-
sidência por um civil escolhido pela via indire-
ta. No dia anterior, ou seja, 30 de novembro, o
general Figueiredo visitou Florianópolis para
participar de solenidades oficiais, como o des-
cerramento de uma placa em homenagem ao
Marechal Floriano Peixoto na praça 15. Além
disso, conheceria o projeto de criação de uma
indústria siderúrgica com recursos financeiros
do governo federal para posterior implantação.
Um dos fatos mais marcantes na história con-
temporânea da política nacional, curiosamente,
a Novembrada ocorreu depois da promulgação
da anistia aos perseguidos políticos do regime de 1964.
A comitiva presidencial contava também com o ministro
das Minas e Energia, César Cals. Foi traçado um paralelo entre
o regime militar de Figueiredo e as prática arbitrárias de Flo-
riano Peixoto. Embora a placa em homenagem ao marechal
tenha sido o estopim da revolta, manifestantes deixaram claro
na época que o descontentamento era mesmo contra a ditadura
e os constantes aumentos do custo de vida, em especial dos
combustíveis e dos alimentos.
Após a recepção no Palácio, onde apareceu na sacada e fez
um gesto ofensivo à multidão que protestava na praça 15, Fi-
gueiredo, Bornhausen, César Cals e assessores foram para o
“Senadinho”, no Ponto Chic, tradicional ponto de encontro na
esquina da Felipe Schmidt com a Trajano.
Na praça, Figueiredo e comitiva foram recepcionados por
uma manifestação estudantil, com cerca de 4 mil pessoas, orga-
nizada pelo DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UFSC
Praça 15 em guerra
Movimento popular
desafiou a arrogância
do general João
Baptista Figueiredo,
o último presidente
militar do Brasil
depois do golpe
de 1964
(Universidade Federal de Santa Catarina). A manifestação
foi abafada pela Polícia Militar, resultando em muita con-
fusão e violência e na prisão de sete estudantes, indiciados
na Lei de Segurança Nacional, mais tarde absolvidos em
julgamento realizado na 5a Região Militar, com sede em
Curitiba, no Paraná.
A cobertura de “O Estado” seguiu nas semanas seguin-
tes, quando várias manifestações foram organizadas exi-
gindo a libertação dos estudantes presos. Alguns protestos
no Centro de Florianópolis reuniram mais de 10 mil pes-
soas, número relevante na época, e emissoras de televisão
[Cultura e Barriga Verde] tiveram material apreendido e
coberturas censuradas. A Novembrada virou curta-metra-
gem nas mãos do cineasta Eduardo Paredes, que também
foi repórter e editor de “O Estado”.
Episódio conhecido como Novembrada
apressou o processo de
redemocratização da política nacional
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O ESTADOESPECIAL Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 48
Imagens que marcaram épocaDurante quase um século, as páginas do jornal “O
Estado” mostraram, acompanharam e fizeram parte de
acontecimentos que mudaram a vida dos catarinenses
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Em 1983, a enchente de Blumenau deixou 100 mil pessoas em risco
Lançamento do Opala, em 1968, mostrava os avanços da indústria automobilística
Conquista da Lua. Uma odisseia quase irreal, surpreendeu o mundo em 1969
Em 1983, Avaí foi campeão da Taça Governador do Estado
1979 !cou marcado como o ano em
que os catarinenses mostraram sua revolta contra a ditadura. Ao visitar Florianópolis, o então presidente João Figueiredo e comitiva foram recepcionados por uma manifestação estudantil, com cerca de 4.000 pessoas
Enchente de Tubarão, em 1974, transformou a Cidade
Azul em lugar de dor e desespero. Mais de 10 mil
desabrigados e cinco mortos
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 49
Se há alguém que podia se orgulhar da condição de funcionário mais antigo do jornal “O Estado”, esse alguém era Zury Machado, nascido em 7 de setembro de 1922 e morto em 21 de agosto de 2014, aos 91 anos de idade. Zury trabalhou 60 anos no “mais antigo”, mantendo uma coluna social diária, em que
comentava assuntos e publicava fotos de acontecimen-tos relacionados ao high society de Santa Catarina.
Homem de sorriso tímido, solteiro, natural de Tijucas, Zury teve sua trajetória pessoal confundida com a própria história do jornal, acompanhando todos os processos de mu-danças editoriais e grá!cas. Educado, fino, elegante, de voz
pausada e suave, tinha traços de extraordinária humildade, es-pírito solidário e sempre jovem. Morreu no interior do Impe-rial Hospital de Caridade, onde prestava serviços há décadas, como voluntário. Depois que largou as atividades jornalísticas passou a se dedicar diariamente às atividades no IHC, cuidan-do de setores do hospital e confortando doentes e familiares.
Baile Branco
marcou época
Sua estreia como colunista foi em “A Gazeta”, con-corrente de “O Estado”, mas ficou pouco tempo nesse jornal, aceitando o convite de Aderbal Ramos da Silva, em 1946, para dedicar-se a uma nova missão profissio-nal.
Em 1949 criou o lendário Baile Branco, baile de de-butantes do Clube 12 de Agosto que tornou-se o sonho de todas as meninas de 15 anos da sociedade floriano-politana.
Paralelamente à coluna, trabalhava na Assembleia Legislativa, onde atuou durante muitos anos como che-fe do cerimonial. Em 2009, o jornalista Luiz Henrique
Tancredo lançou o livro “Zury Machado – Em Socie-dade Tudo Se Sabe”, contando a história de vida e de jornalismo do colunista.
Em 2012, amigos realizaram uma grande festa em
homenagem aos 90 anos do jornalista, completados em 7 de setembro daquele ano. Foi sua última festa, ele que, apesar de modesto, viveu sempre rodeado de amigos e admiradores em eventos sociais.
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Mais badalado
colunista
social de Santa
Catarina
começou em
“O Estado” no
ano de 1946
Homem de sorriso tímido, solteiro, natural de Tijucas, Zury teve sua trajetória pessoal confundida com a própria história de “O Estado”
Zury reinou nas páginas do jornal por 60 anos
Homenagem. Zury Machado
Entrevista aos 90 anosCon ra alguns trechos da entrevista que Zury Machado con-
cedeu ao jornalista Carlos Damião, publicada pelo Notícias do
Dia, quando completou 90 anos, em 2012:
Paralelamente ao emprego na Assembleia Legislativa, você
desenvolvia atividades de colunismo social em O Estado...
Zury – Não só em “O Estado”. Eu também !z TV, na TV Cul-tura, com Marisa Ramos, tendo na equipe o Mauro Júlio Amorim e o César Struwe. O programa “Eles & Elas” era apresentado aos sábados, com entrevistas, desfiles e decoração (Gerber).
E a rotina no jornal?
Zury – Nunca !z a coluna no jornal. Sempre escrevi no meu
gabinete, na Assembleia. Mandava datilografar e enviava para o jornal, onde alguém organizava as fotos e a diagramação.
A quem você deve a sua revelação como colunista social?
Zury – Meus amigos Sálvio de Olveira e Layla Freyesleben incentivaram para começar a coluna no jornal “A Gazeta”. Tomei
gosto e !quei dois anos no jornal, onde a coluna era semanal. De-pois fui para “O Estado”. A coluna passou a ser diária. Nunca mais trabalhei em outro jornal, só em “O Estado”, onde me aposentei.
Qual seu maior orgulho?
Zury – Sou de origem muito humilde. Meu pai foi sapatei-ro, mas frequentava a sociedade. Minha mãe nasceu no Brasil, mas viveu em Nápoles, na Itália, depois voltou para Tijucas. Meu avô paterno tinha um engenho de farinha. Meu avô ma-terno era alfaiate. Éramos uma família simples. Cheguei muito longe, tendo apenas cinco anos de estudo. Imagine ser chefe do cerimonial da Assembleia!
O que é elegância?
Zury – Elegância é momento. Há pessoas que já nascem ele-gantes, mas é o momento.
Um exemplo de elegância?
Zury – Dona Ruth Hoepcke da Silva, esposa do governador Aderbal Ramos da Silva, já falecida. Ela foi um modelo de elegân-cia para Santa Catarina.
E você, qual o segredo de sua elegância?
Zury – Nunca vesti uma camisa vermelha, nunca usei meia branca, nunca usei calça jeans desbotada. Posso achar bonito nos outros, mas nunca usei. E isso tem muita relação com os cargos que ocupei, em especial na Assembleia.
O ESTADOESPECIAL
Culto, delicado, dono de texto irrepa-
rável, escritor com assento na cadeira
número oito da ACL (Academia Ca-
tarinense de Letras). Ao mesmo tem-
po, o editor que entendia as agruras e
vaidades dos repórteres e lidava como
ninguém com as virtudes e as limitações de cada um,
tratava de forma igual novatos e profissionais expe-
rientes. Este foi Mário Pereira, literato e jornalista, que
transmitia vibração e encorajava com espaços generosos
a boa cobertura do cotidiano da cidade. Em especial, da
editoria de Polícia, carro-chefe da reportagem a partir
da década de 1990, quando assumiu a chefia da redação
com a missão de manter e ampliar as vendas avulsas
para enfrentar a concorrência que se estabelecia.
Mário Pereira costumava dizer que jornalismo é
profissão para quem não teme desafios, não permite
acomodações nem rotina no dia a dia. Uma cachaça,
para alguns, mais do que vício, para Mário Pereira, ser
jornalista é ter a capacidade de transformar o cotidiano
em palavras. O papel do repórter, costumava repetir, é
investigar, perseguir o inusitado, o que está escondido,
seja para produzir uma nota de pé de página, seja para
uma grande reportagem.
“Profissão extenuante, em que se trabalha sempre
no limite, em interminável corrida contra relógio”, es-
creveu em artigo para o Caderno Especial dos 80 anos
de “O Estado”, em maio de 1995. “Compartilhar o am-
biente de uma redação é mergulhar em uma aventura
que se renova sempre”, disse naquela ocasião.
Acreditava que entre os maus hábitos que cultivam,
os jornalistas têm um especialmente persistente: falar
mal da própria pro!ssão enquanto fazem planos para
abandoná-la de vez. “Raros são os que passam de inten-
ção à ação. Embora esta seja uma pro!ssão extenuante,
ela tem um facínio especial, algo inde!nível, que só os
que estão imersos são capazes de descrever.”
Mário Pereira desembarcou em Santa Catarina em
1989, depois de trabalhar em diversos jornais e reda-
ções de televisão do país. Era um momento difícil, ou
mais um entre tantos momentos de instabilidade nos
anos derradeiros de circulação do “mais antigo”. “O
Estado”, na visão dele, chegou aos 80 anos porque sou-
be manter a identi!cação com a cidade e a região, sem
deixar de ver o que estava acontecendo no mundo.
Valorização das
novas gerações
“O Estado” foi, acima de tudo, escola. Mário costu-
mava valorizar as novas gerações, os jovens repórteres,
alguns ainda tímidos, recém-saídos da UFSC ou, mais
tarde, das outras três universidades da região, todas pri-
vadas. Participou das últimas etapas de mudanças grá-
!cas e editoriais, deixando o jornal apto a enfrentar o
mercado cada vez mais competitivo, do ponto de vista
editorial.
No artigo que escreveu na edição em comemoração
às oito décadas do periódico, Mário afirmou que, des-
de sua chegada, sabia que o “O Estado” era diferente.
“Ninguém chega impunimente aos 80 anos, nem conse-
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Editor que
entendia as
agruras e
vaidades dos
repórteres e
lidava como
ninguém com
as virtudes e
as limitações
de cada um.
Mário a!rmava que jornalismo
é pro!ssão para quem não teme
desafios, pois não permite
acomodações nem rotina no
dia a dia
Incentivo à cobertura do cotidiano das cidades
Homenagem. Mário Pereira
gue tamanho grau de identi!cação com sua terra se não
cultivar algumas saudáveis diferenças que destacam
dos demais. E são essas diferenças que tornam “O Esta-
do” um jornal tão atraente para os que nele trabalham e,
tenho certeza, para os seus fiéis leitores.”
Na gestão de Mário Pereira, “O Estado” criou novos
produtos, como os suplementos Domingo Magazine,
verdadeira revista cultural; e Carro e Mercado, este com
a importante participação do também falecido Vilson
Libório de Medeiros. Para consolidar sua presença jun-
to a leitores, assinantes e mercado publicitário, conven-
ceu a direção a retomar a circulação às segundas-feiras,
e se manteve fiel às características editoriais com ênfa-
se na cobertura local.
“Não foi fácil. Aliás, nada é fácil quando se trata de
mexer em um jornal com tanta tradição e credibilidade,
dois patrimônios que só o tempo e a dedicação cons-
troem. Para não falar nas di!culdades materiais enfren-
tadas. Mas todos os obstáculos foram superados, com
muito esforço, mas também com muito bom humor.”
Aos jovens que começavam na editoria de Polícia,
ensinou, por exemplo, a destrinchar casos polêmicos de
polícia, os crimes insolúveis. Sem banalizar a violência
urbana que crescia na cidade.
O ESTADOESPECIAL
O ESTADO
ANOS
1001933 1936
uNew Deal tem início
nos EUA
uHitler torna-se o 1°
ministro alemão (foto)
uGuerra Civil Espanhola
uRoosevelt é reeleito
uPrimeira transmissão
televisiva, na Inglaterra
(foto)
Mulheres bonitas, em belas imagens regis-
tradas nas praias ou nas rodas sociais por
Marco Cezar ou Paulo Dutra, frequenta-
ram a coluna do Miro durante cerca de 17
anos. Miro era o apelido de Cláudio Hahn
da Silva, um homem alto e bonito, de por-
te atlético, ex-modelo de passarela, divertido e bon vivant.
Miro chegou a “O Estado” com a saída do colunista Cacau
Menezes, convocado para trabalhar no “Diário Catarinense”,
em 1986. Filho do ex-vereador Lúcio Freitas da Silva, criado na
Avenida Trompowsky, a mais aristocrática de Florianópolis, o
novo colunista foi “inventado” pela direção de “OE” para suprir
a ausência de Cacau. Contribuiu para isso o fato de que Miro
tinha ótimos relacionamentos, conhecia bem a sociedade e a ci-
dade. Sabia quem poderia ser colunável ou não.
Não fez apenas uma coluna social, mas sociológica, como
dizia seu parceiro de colunismo em “OE”, Beto Stodieck. Ou
seja, muito além de promover beldades ou socialites, Miro cutu-
cava autoridades, órgãos públicos, casas noturnas, divulgava in-
formações exclusivas e, claro, notas “maldosas”, provocativas,
também chamadas de fofocas.
Em depoimento publicado na edição comemorativa dos 80
anos do jornal, ele observou: “Os informantes fazem parte do
dia a dia do colunismo e devem estar in!ltrados nos mais diver-
sos lugares, principalmente órgãos públicos. Uma boa informa-
ção pode valer um furo nos concorrentes, mas uma informação
duvidosa pode dar muitas dores de cabeça, pedidos de desculpas
e até processos”.
“E, por falar em processos, só para vocês terem uma ideia,
nos últimos três anos (1992-1995) eu respondi a 13, e todos fo-
ram arquivados, depois de con!rmadas as informações publica-
das. Mas o sufoco foi grande”.
Boas fotos, a base de tudo
Miro enfatizou também que não era muito fácil fazer a co-
luna de meia página todos os dias, o que lhe exigia muito jogo
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Cláudio Hahn
da Silva (Miro)
entrou para
“OE” em 1986,
substituindo
outro Cláudio,
o Cacau
Menezes
O colunista na
Joaquina, um
de seus lugares
favoritos em
Florianópolis
Das passarelas para uma coluna “sociológica”
Homenagem. Cláudio Hahn da Silva (Miro)
de cintura e disposição, “mas acaba se tornando uma cachaça,
um vício. O mais engraçado acaba ficando por conta das fotos
publicadas, o que gera uma disputa entre os fotógrafos da cida-
de. Todos querem porque querem emplacar as suas fotos nas
colunas. Bom para o colunista, porque se vê sempre abastecido
de boas e variadas fotos. A disputa maior fica entre o irreveren-
te Paulo Dutra e Marco Cezar, que possuem os estúdios mais
requisitados da cidade”.
O prestígio de ser colunista
Sobre os critérios para publicação das imagens, Miro ex-
plicou: “Difícil é recusar os pedidos diários, por telefone, de
velhos amigos que querem ver suas pimpolhas nos jornais.
Quando dá sorte de ser uma menina bonita e a foto estar boa,
tudo bem; agora, quando pinta aquela ‘feinha’, é de lascar.
Haja paciência”.
Miro frequentava a sociedade, saía praticamente todos os
dias, ia às festas, o que lhe dava a certeza de fazer uma coluna
sempre atual, com informações quentes para os leitores. “Posso
dizer que realmente a coluna dá um prestígio muito grande, e
tem sempre aqueles que gostam de aparecer. Esses paparicam
mesmo, causando algumas situações constrangedoras. Mas o
tempo e a experiência nos fazem tirar isso de letra”, disse.
A morte aos 46 anos
De espírito sempre jovem e disposto, Miro morreu em
janeiro de 2004, aos 46 anos de idade, vítima de câncer.
Querido pela cidade, fez parte das turmas do Kioski e da
Chácara do Espanha, dois grupos de amigos que se diver-
tiam até altas horas, curtiam muito rock e pop, iam à praia
e às festas juntos, davam um astral descolado à cidade nos
severos tempos do regime militar.
Além de colunista em “OE”, foi também funcionário
público do governo do Estado, trabalhando durante muitos
anos na Casa Civil.
Bem apessoado,
simpático, sempre
sorridente, uma
imagem que ficou
para a cidade
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 50/51
O ESTADO
ANOS
1001937 1939 1940
uJaponeses ocupam
Pequim, Xangai e Nanquim
uPicasso pinta
Guernica (foto)
uInstalação do Estado
Novo
uHitler invade a
Polônia: começa
a Segunda Guerra
Mundial
uParis é ocupada
pelos alemães
In uente intelectual, homem ligado às letras e
servidor público, o professor Altino Flores foi
diretor entre 1925 e 1930, e proprietário de “O
Estado” até 1945. Longevo e polêmico, morreu
em 1982.
Ao lado do escritor regionalista Tito Carva-
lho, defendeu a valorização da cultura local e entrou em
polêmica com grupo de artistas ligados ao Grupo Sul, o
Círculo de Arte Moderna, responsável pela implantação
do modernismo em Santa Catarina duas décadas depois
da eclosão do movimento em São Paulo.
Assim como Altino Flores, o centenário de criação da
marca “O Estado” remete à história escrita por homens
da importância de Adolfo Konder, um dos primeiros po-
líticos a comprar o jornal; ou Rubens de Arruda Ramos,
irreverente e corajoso defensor das causas do PSD. A lis-
ta segue com Moacir Iguatemi da Silveira, pai de Luiz
Henrique da Silveira, dono “laranja” que representava os
interesses do poderoso Aderbal Ramos da Silva.
Marcas da irreverência
Nome o"cial da principal avenida de Florianópolis,
a Beira-Mar Norte, Rubens de Arruda Ramos deixou
uma das principais marcas de “O Estado”: o jovem ar-
queiro, herdado da coluna “Frechando”, espaço para
enaltecer os ideais do antigo PSD (Partido Social De-
mocrático) e, principalmente, criticar os adversários
da UDN (União Democrática Nacional) e trocar farpas
com o irmão Jaime de Arruda Ramos, udenista que es-
crevia em “A Gazeta”, o concorrente de Jairo Callado.
Irreverente e polêmico, Ju, como era chamado pe-
los amigos, criou o pseudônimo Guilherme de Tal para
al"netar políticos adversários e lidar a política com hu-
mor. A coluna “Frechando” fez história e, mais tarde, o
bonequinho arqueiro foi imortalizado como a principal
marca do jornalismo de “O Estado”.
Lageano, Rubens de Arruda Ramos começou em “O
Estado” nos anos 1940, quando Aderbal Ramos da Silva,
eleito governador do Estado, levou o professor Barrei-
ros Filho, que era diretor do jornal, para sua assessoria
no palácio. Em 1947, assumiu a direção com a missão
de consolidar a linha editorial e conciliar os interesses
comerciais, mesmo sendo porta voz do PSD, na Ilha pro-
vinciana que só engatinhava à condição de cidade.
No fim da década de 1950, foi ele quem iniciou a
fase de pro"ssionalização de “O Estado”, transformado
em veículo de comunicação estadual. Levou à redação
nomes como Silveira Lenzi, Jair Francisco Hamms,
Antônio Fernando do Amaral e Silva, Flávio Amorim,
Péricles Prade, entre outros intelectuais da época. Ru-
bens morreu em 17 janeiro de 1965, mas deixou seu
legado e sua marca para “O Estado”.
Outra marca inconfundível foi o grito “O Esta-
doooo”, repetido incansavelmente pelos jornaleiros ao
amanhecer, a partir da década de 1980, nas ruas centrais
e, principalmente, na praça 15 de Novembro. Compra-
do o jornal, a leitura normalmente era feita em um dos
bancos do entorno da "gueira, como cantou o poeta Zi-
ninho em um dos versos do Rancho de Amor à Ilha.
O criador do grito, segundo o ex-funcionário Valmir
Pires Lagoa, 57, foi um jornaleiro chamado Nilton, mora-
dor da Costeira do Pirajubaé. “Foi uma campanha publici-
tária, e nós fomos os garotos propaganda. Durante a grava-
ção, o Nilton soltou ‘O Estadoooo’, e não parou mais”.
AC
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OE
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“O Estado”
teve sua história
escrita por
homens como
Adolfo Konder,
Rubens de
Arruda Ramos e
Moacir Iguatemi
da Silveira
Altino Flores foi diretor entre
1925 e 30, e proprietário de “O Estado”
até 1945
Rubens de Arruda Ramos deixou uma das principais marcas de “O Estado”: o jovem arqueiro, herdado da coluna “Frechando”, espaço para enaltecer os ideais do antigo PSD
Intelectuais e políticos assumem a direção
RuArdedama“Oo arheda“Fesenosan
Homenagem
Adolpho Konder
O ex-governador Adolpho Konder (1884-1956),
foi um dos primeiros donos do jornal, que o adqui-
riu por razões políticas. Formado em Direito em São
Paulo, em 1908, era filho do professor e comercian-
te Marcus Konder, imigrante alemão que se fixou
no Vale do Itajaí. Muito ligado a Hercílio Luz, ele
assumiu o governo do Estado em 1926 e procurou
integrar o Estado, até então formado por regiões es-
tanques, sem ligações entre si.
Promoveu melhorias nos portos catarinenses, es-
timulou a produção do trigo e da erva-mate e cons-
truiu a Penitenciária do Estado, na Capital. Em Santa
Catarina, muitas ruas, praças e avenidas foram ba-
tizadas com o seu nome. Também o antigo estádio
do Avaí F.C., em Florianópolis (localizado onde fica
hoje o Beiramar Shopping), tinha o nome de Adolpho
Konder. A partir de seu governo criou-se a linhagem
dos Konder-Bornhausen, de grande importância na
política catarinense do século 20.
Moacir Iguatemy
Moacir Iguatemy da Silveira, pai do ex-gover-
nador Luiz Henrique da Silveira, foi informalmente
dono de “O Estado” antes que Aderbal Ramos da Sil-
va, então impedido, pudesse adquirir o veículo. Esse
episódio, no entanto, foi eventual e não interferiu na
carreira de jornalista de Iguatemy, que também se
destacou como timoneiro do Clube de Regatas Aldo
Luz. Em seu currículo como atleta, se destacam as
participações, entre 1951 e 1954, no Campeonato Ca-
tarinense de Remo, na Regata das Forças Armadas do
Brasil, da 34a Regata Internacional de Montevideo,
no 41o Campeonato Brasileiro de Remo e no 3o Cam-
peonato Sul-americano de Remo.
Bento Silvério
Assim como Sérgio Lopes, um dos mais desta-
cados comentaristas políticos da história do jorna-
lismo impresso em Santa Catarina, Bento Silvério
também exerceu com destaque a função de analista
dos fatos e da vida política no Estado. Todos os pro-
fissionais que passaram pela editoria reafirmam a
importância do jornalista, que morreu precocemen-
te, mas deixou um legado relevante para os repór-
teres da área e para os demais colegas da redação
de “O Estado”. O comentarista sempre defendeu a
liberdade de expressão e incentivava os repórteres a
não abrirem mão de suas ideias na hora de escrever.
Trabalhou no jornal num período marcado pela vol-
ta da democracia ao país, após mais de duas décadas
de predomínio da ditadura.
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 52/53
Homenagem. Beto Stodieck
Nascido em 1946, o colunis-
ta Beto Stodieck viveu uma
Florianópolis que ficou para
trás, pacata e provinciana,
que ele amava, mas que que-
ria mais cosmopolita como
Nova York e São Paulo, cidades que frequen-
tava com assiduidade e desenvoltura. Com
amigos como Luiz Paulo Peixoto, Rômulo
Coutinho de Azevedo, Max Moura e Valdir
Agostinho, agitou o ambiente acanhado da
urbe, estimulou a renovação nas artes e trouxe
ideias e conceitos mais afinados com a moder-
nidade para o dia a dia ilhéu.
Foi em “O Estado” e no “Jornal de Santa
Catarina” que Beto Stodieck exercitou um co-
lunismo inquieto, inteligente, provocador. A
coluna que fazia era um espaço de crítica que
não poupava nem os amigos quando uma boa
nota se mostrava mais importante que as rela-
ções sociais. Políticos, autoridades de todos os
calibres, burocratas, gente com visão limitada
das coisas – todos eram vítimas de sua ironia
rebuscada. Ele combateu muitas transforma-
ções urbanas que descaracterizam a Capital
e, certa vez, lamentou que imigrantes do Sul
“amarrassem o cavalo” na ponte Hercílio Luz
e começassem a dar ordens na cidade.
O começo da carreira foi em 1971, em “O
Estado”, depois que o colunista se formou em
Direito e ensaiou os primeiros passos como jor-
nalista no Rio de Janeiro. Em 1983, ele criou o
“Jornal do Beto” e, um ano depois, foi para o
“Santa”, com sede em Blumenau. De lá, voltou
ao “Estado”, onde teve uma fase brilhante, em-
bora já acossado por problemas de saúde.
Figura humana ímpar
A morte do jornalista, em 6 de agosto de
1990, deixou Florianópolis órfã de um obser-
vador acurado de suas glórias e mazelas. Para
muitos leitores, nunca mais o colunismo ca-
tarinense gestou um protagonista tão ardiloso
e inteligente. Nos anos em que desempenhou
essa tarefa, e antes ainda, agitando a vida cul-
tural da cidade com o Studio A2, galeria de
arte caracterizada pela ousadia e pelo pionei-
rismo, Beto demolia as certezas de um lugar
muito dado a conveniências e compadrios.
O jornalista Mário Pereira, que o conheceu
ainda no Rio de Janeiro, em meados dos anos
1970, escreveu sobre Beto no encarte publica-
do quando “O Estado” completou 80 anos, em
maio de 1995: “Além de uma figura humana
ímpar e calorosa, Beto Stodieck foi dono de
um dos melhores e mais inteligentes textos que
já conheci. Digo, sem medo de errar, que ele
criou um estilo. E tanto assim foi que muitos
tentaram imitá-lo sem êxito. Por um motivo
muito simples: Beto era extremamente bem in-
formado, lia muito e sabia escrever. Manejava
o português como poucos, era quase obsessivo
em relação à correção. Ia à loucura com os er-
ros de revisão em sua coluna. Não hesitava em
telefonar para dissipar dúvidas quanto à grafia
de certas palavras ou à construção de algumas
frases. (...) Seu estilo irônico, seu humor feri-
no, seu jeito de ressaltar detalhes que aos ou-
tros costumam passar despercebidos, a rapidez
do seu raciocínio transformaram sua coluna
num ‘must’ do jornalismo catarinense”.
Em texto publicado na revista “Mural”, do
fotógrafo Marco Cezar, Cacau Menezes defi-
niu Beto Stodieck como mais que um colunista:
“Era o guru da Ilha. Influenciava seu séquito a
MA
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A/N
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Por cultivar
vínculos com
metrópoles onde
a vanguarda
pulsava na
arte e nos
comportamentos,
sempre esteve à
frente da maioria.
A morte do
jornalista deixou
Florianópolis
órfã de um
observador
acurado de suas
glórias e mazelas
Irreverência cosmopolita
ser mais ousado nas roupas e no comportamen-
to. Odiava caretas. Ninguém tinha mais impor-
tância na quebra de preconceitos do que esse
cara. (...) Sacava tudo, por todos os lados. E não
abria mão de dizer com quem queria andar, com
quem queria namorar, com quem queria sair ou
viajar. Elitista assumido, oriundo de família no-
bre, sempre cultivou o bom gosto, tanto à mesa
quanto no guarda-roupa. Era chique e, ao mes-
mo tempo, jovem e relaxado, podendo chegar
nas festas com calça jeans e camiseta Hering,
ou com um Armani ou Gualtier. Gostava de gri-
fes, de bons restaurantes, de gente bonita por
perto e casa grande. Era mesmo classe A e não
fazia nenhum esforço para ser popular”.
MA
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A/N
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A A mortrte dodo
O ESTADO
ANOS
1001941 1942 1944
uAtaque japonês a
Pearl Harbour precipita
a entrada dos EUA na
Guerra
uBrasil entra na
Segunda Guerra
uDesembarque aliado
na Normandia
O atual presidente da Fiesc (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina), Glauco José Côrte, foi um dos mais respeitados colaboradores de “O Estado”. Desde os anos 1980, ele publica artigos sobre a con-juntura econômica do país, os desa!os do setor indus-trial brasileiro e os problemas que afetam a indústria
catarinense. De maneira propositiva, Côrte vem fazendo ainda hoje, em outros veículos, e sempre com equilíbrio, análises baseadas no contato com seus pares e na observação das tendências da economia. Nos últi-mos anos, a educação tem merecido sua especial atenção, por acreditar que com ela será possível queimar etapas rumo ao desenvolvimento na-cional.
Glauco Côrte diz que desde o início da carreira pro!ssional, como funcionário do grupo Sotelca, em
Tubarão, vem colaborando com a imprensa escrita dentro e fora do Estado. Quando morou no Rio de Janeiro, os artigos eram mais esparsos, mas ele nun-ca perdeu o vínculo com os espaços de opinião dos jornais catarinenses. Em “O Estado”, os textos eram datilografados em máquina de escrever e entregues semanalmente, em laudas, na portaria do jornal, to-das as sextas-feiras à tarde. Com o advento do fax, as coisas !caram mais fáceis, e mesmo de férias ou em
viagem, as colaborações chegavam à redação. “Só parei quando ‘O Estado’ encerrou as atividades”, conta.
“Aquele foi um período rico, embora corrido, e ao terminar um texto já começava a pensar no próximo”, relata Côrte. Ligado ao setor privado, como funcioná-
rio do grupo Portobello e membro da diretoria da Fiesc, ele diz que guarda grandes recordações dos primeiros textos e que chegou a guardar o material publicado, quem sabe pensando numa coletânea a ser lançada no futuro. O fato de haver sido colega de turma do superintendente do jornal, Marcílio Medeiros Filho, no curso de Direito, abriu-lhe as portas de “O Estado”.
Sucessão de planos econômicos
O período em que Glauco Côrte escrevia semanalmente foi marcado pela sucessão de planos econômicos, pela in"ação elevada e por ins-tabilidades de todos os tipos, incluindo as incertezas quanto à retirada efetiva dos militares da cena política brasileira. Seus artigos re"etiam as
ações, os acontecimentos e receitas das áreas econômica e tributária para o crescimento do país. Sem a quantidade de jornais locais de hoje em dia, “O Estado” era lido em todas as regiões catarinenses e tudo o que saía tinha repercussão superlativa, pela credibilidade e respeito que conquis-tou. “Era o grande jornal estadual, e os colunistas tinham boa leitura em todos os lugares”, a!rma.
Atualmente, as grandes questões no âmbito da economia são a com-petitividade, a produtividade e o tema da educação. “Se fosse recomeçar hoje, elegeria a educação como fator de transformação da sociedade”, ressalta. A própria Fiesc criou o movimento A Indústria pela Educação, voltado para a transformação estrutural do setor, a partir de parceria entre a iniciativa privada e o poder público. “Estou cada vez mais convencido de que acertamos na escolha do tema”, diz Côrte, ciente de que se houver investimentos, Santa Catarina sairá na frente na corrida pela competitivi-dade. As di!culdades de sintonia com o setor público decorrem, muitas
vezes, das diferenças de ritmo na comparação com a área privada. A indústria tem pressa em eliminar os gargalos de infraestrutura –
transporte, energia, logística –, ao passo que os governos nem sempre têm essa visão de curto prazo. “Negociar com eles exige muita determi-nação”, informa Côrte, a!rmando que alguns avanços vêm sendo alcan-çados. “Somos ouvidos em muitas tomadas de decisão, mas nós temos mais urgências do que o governo”.
O pastor Anísio Chagas alinha-se entre os cola-boradores mais assíduos das últimas décadas de vida de “O Estado”. Mais do que temas de ordem religiosa, ele sempre procurou tratar de assuntos de interesse das pessoas, do povo, da comunidade. “Como pastor, tenho a mente vol-
tada para as coisas espirituais, mas também abordei temáticas que sugerissem uma vida melhor e a superação das crises que afetam os seres humanos”, afirma. Até pessoas sem religião davam-lhe o retorno esperado: aprovaram o que escrevia e pediam para que não parasse de publicar seus textos no jornal impresso.
Leitor contumaz de jornais, o pastor continua mandando seus artigos para as redações, já não mais com as lau-das do passado, mas via internet. E mantém há 30 anos o programa Gotas de Fé na TV Barriga Verde, todos os dias, além de um espaço (Aná-lise do Fato) na rádio Novo Tempo FM, basea-do nas ideias que prega e nos preceitos da Igreja Adventista. Ao lado de um padre católico, esteve no lançamento e abençoou o surgimento do jornal Notícias do Dia, em março de 2006, na rua Deo-doro, Centro de Florianópolis.
Desde “O Estado”, os artigos do pastor ten-diam para a exortação da justiça, o bem-estar comunitário e a crítica à violência – que cres-ceu de lá para cá. “O mundo está cada vez mais complexo, e as agressões, os furtos, os assaltos, as guerras crescem a olhos vistos”, pondera. Por isso, nos textos e nos programas que co-
manda, fala da atenção que é preciso dar às mulheres, às crianças e aos idosos, sempre mais vulneráveis à violência urbana no Bra-sil. Membro do Conselho Estadual do Idoso, como representante da comunidade evangélica, ele sempre toca na questão da terceira idade no programa da rádio Novo Tempo. É pelas ondas do rádio que espalha suas mensagens, muitas vezes repercutindo o que lê nos jornais diários.
Um militante do jornalismo
Aos 87 anos, o pastor Anísio Chagas também escreve para perió-dicos de outros Estados e confessa que desejou cursar jornalismo, mas a teologia era no mesmo horário na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, onde estudou. Vindo do interior de Minas Gerais, depois de concluir o ensino superior, ele !xou-se, 33 anos atrás, na Grande Flo-rianópolis, onde aos poucos se tornou conhecido e passou a encami-nhar artigos para as redações locais. Por isso – e por apreciar o campo das relações públicas –, diz que se sente um militante do jornalismo, ainda que de maneira informal. Nas frases que constrói, nas opiniões e entrevistas, sempre embute capítulos e versículos de um profeta, como o que diz: “E o conhecimento se multiplicará” (Daniel, 12, 4). O co-nhecimento, a!rma, passa pelo jornalismo.
A sua esperança é que exortações como as que faz nos textos e programas levem a uma redução dos problemas sociais e da violência, que existem desde Noé, mas que recrudescem no mundo. Menos mal, diz ele, que a própria sociedade cria barreiras legais, como a Lei Maria da Penha, para refrear as agressões contra as mulheres, por exemplo.
De sua parte, faz o que pode para “construir um mundo melhor” – e a comunicação pode ser um valioso instrumento nesta dire-ção. “Deus quer que as comunidades se comuniquem”, ressalta. “O mundo é grande, mas se torna pequeno pela tecnologia, viran-do uma aldeia global. Trabalho por outra realidade, que melhore a vida de todos. Neste sentido, o jornal é algo importante, algo do qual ninguém deveria abrir mão”.
Evolução da economia
Interessesda população
Aquele foi um período
rico. Ao terminar um
texto já começava a
pensar no próximo.
O jornal é algo
importante, algo do
qual ninguém deveria
abrir mão.
Desde os anos 1980, o atual presidente da Fiesc publica artigos sobre a conjuntura econômica Pastor foi um dos colaboradores mais assíduos das últimas décadas de vida de “O Estado”
Glauco José Côrte Pastor Anísio Chagas
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O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 54/55
Ter trabalhado durante cinco anos e meio em “O
Estado” foi o su!ciente para que Celso Vicenzi admita ter sido essa uma de suas mais prodigio-
sas experiências de vida. Entre 1980 e 1985, ele atuou na área de Geral, sempre como repórter, excetuando a edição de alguns cadernos espe-
ciais. “Foi um período de grande aprendizado e, ao mesmo tem-
po, de muitas experimentações, na maneira de escrever e editar as notícias”, a!rma. “Época em que se escrevia muito, em que os espaços editoriais eram fartos, sobretudo num jornal standard”. Celso era um aglutinador que mais tarde assumiu a presidência do Sindicato dos Jornalistas Pro!ssionais de Santa Catarina e mudou radicalmente a relação da entidade com a classe patronal na área da comunicação no Estado.
Para ele, não é possível falar sobre o que aconteceu no século 20 em Santa Catarina sem mencionar com destaque “O Estado”. Entre maio de 1915 e dezembro de 2008 (na verdade, no !nal, como era um semanário, a última edição foi de 29 de dezembro de 2008 a 4 de janeiro de 2009), atuou ali um grupo destacado de pro!ssionais que também trabalhou em importantes veículos de comunicação de outros Estados, vários deles como correspon-
dentes dos principais jornais e revistas do país.É por isso que existe quase uma unanimidade: antes da cria-
ção do curso de Jornalismo da UFSC, “O Estado” foi a escola de muitos jornalistas. O jornal passou por várias mudanças tecno-
lógicas ao longo de nove décadas, e sua coleção completa, ainda que mal conservada em algumas bibliotecas públicas, é fonte de consulta obrigatória para entender a história de Santa Catarina e do Brasil, e também a história do jornalismo catarinense. “Os anos 1970 e 1980, sobretudo, foram muito produtivos, com a elaboração de grandes reportagens”, ressalta Vicenzi. O jornal chegou a ter sucursais em todas as principais cidades do territó-
rio catarinense, 32 mil assinantes e venda avulsa de mais 10 mil jornais em bancas.
Liberdade aos pro!ssionais
Celso Vicenzi trabalhou nas sucursais de “O Estado” em Brus-que, inicialmente, e depois em Blumenau, de maio de 1978 a abril de 1979. Morava em Blumenau e se deslocava diariamente para Brusque de ônibus, no período da manhã, retornando ao meio-dia. Chegou a Florianópolis em fevereiro de 1980 e durante um bre-
ve período também publicou uma frase de humor diária, intitulada “Seção Sem Sal”. Antes de “O Estado”, foi redator de humor na rádio Blumenau, onde começou aos 16 anos, e mais tarde foi trans-ferido para o Departamento de Jornalismo da emissora. Foram dois períodos: de março de 1974 a março de 1976 e de março de 1977 a janeiro de 1978. No intervalo entre os dois contratos, trabalhou no Departamento de Jornalismo da rádio Nereu Ramos, também em Blumenau, de março de 1976 a março de 1977.
Reportando-se aos anos de “O Estado”, ele destaca que o jornal dava muita liberdade aos pro!ssionais e era onde se podia propor muitas pautas e viajar com frequência ao interior para fa-
zer reportagens especiais. “Apesar de meios mais precários, em todas as áreas, principalmente tecnológica – quando comparado com os dias de hoje –, havia uma equipe muito unida e disposta a fazer jornalismo de qualidade”, diz ele. Neste sentido, o jornal foi um difusor de informações relevantes para todo o Estado, ajudando a integrar e a divulgar as diferentes regiões. “Esse in-
tercâmbio permitiu aos leitores conhecer um pouco mais sobre a nossa gente, seus hábitos, sua cultura, sua força econômica, suas atividades esportivas e as belezas naturais, entre outros assuntos constantemente em pauta”.
Em sua carreira, Celso conquistou vários prêmios de jorna-
lismo. O mais importante deles, o Prêmio Esso de Informação Cientí!ca ou Tecnológica, em 1985, foi resultado de uma série de reportagens sobre espécies raras ou peculiares existentes na Ilha de Santa Catarina. Foi a primeira vez, em 30 anos, que o mais importante prêmio jornalístico do país concedeu uma pre-
miação na categoria nacional para um jornalista de um veículo de comunicação fora do eixo Rio-São Paulo. No mesmo ano, ele ganhou o Prêmio Região Sul do 4o Concurso Nacional de Reportagens da Associação Brasileira dos Fabricantes de Moto-
cicletas, Ciclomotores, Motonetas e Bicicletas. Em 1984, havia obtido o primeiro lugar no Prêmio Jerônimo Coelho de Repor-tagem, sobre os 150 anos do Poder Legislativo em Santa Ca-
tarina. Em 1983, venceu o Prêmio de Reportagem sobre a Ilha de Anhatomirim, promovido pela UFSC. Antes disso, em 1981, !cou com o primeiro lugar num concurso de reportagens sobre a ponte Hercílio Luz.
Em “O Estado”, Celso publicou muitas matérias sobre a luta do movimento feminista. Numa delas, em 1983, debruçou-se sobre os chamados “crimes passionais”. Um homem matara a mulher, com quem teve cinco !lhos em sete anos de casamento. A alegação do homicida era de que ela se negava a manter re-
lações sexuais e não o queria mais porque tinha outro homem. “Acompanhei o julgamento no Tribunal do Júri de Palhoça para destacar quais argumentos eram utilizados pelos advogados de defesa ou pela promotoria para julgar o que seria um compor-tamento adequado ou inadequado para uma mulher”, recorda.
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É impossível falar sobre o que
aconteceu no século 20 em
Santa Catarina sem mencionar
com destaque “O Estado”
Difusor de informações relevantes
Entrevista. Celso Vicenzi
Título da matéria: “Em julgamento, os papéis do homem e da mulher na sociedade”. Ainda quando estudante de Jornalismo, o seu TCC foi sobre o machismo na Igreja Católica.
Tão logo entrou, Celso viu-se envolvido naquela que seria, talvez, a maior cobertura feita pelo jornal: o acidente com o voo 303 da Transbrasil, que caiu no topo do Morro da Virgínia quando se preparava para aterrissar no aeroporto de Florianó-
polis, em abril de 1980. Dos 58 ocupantes da aeronave, ape-
nas três sobreviveram. Lembra que na data de seu aniversário foi escalado para acompanhar a chegada dos corpos a Instituto Médico Legal e a intensa movimentação de familiares naquele local. Foi a primeira e única vez em que todos os funcionários que participaram, de todos os setores do jornal, tiveram seus nomes publicados num expediente na capa.
Mas há também as histórias engraçadas, os fatos inusitados. Ele conta um dos casos: “Certa vez um gato, não se sabe como, entrou no forro do jornal. Ninguém percebeu, até que uma das placas cedeu e ele caiu em cima de uma máquina da compo-
sição. A moça que estava digitando se assustou e o gato !cou ainda mais assustado. Saltava pelas paredes, tentando fugir da sala, até que alguém abriu a porta e ele desapareceu, sem enten-
der bem o que tinha acontecido”.
Comentário politicamente incorreto
No tempo em que as notícias eram encaminhadas por telex, era comum, após o envio, o jornalista fazer algum comentário, geral-mente para passar alguma instrução ao editor. Certa vez um deles fez um comentário politicamente incorreto sobre um governador catarinense, em pleno exercício do cargo. Por descuido, a com-
posição redigiu isso junto com a notícia e assim foi publicado, no dia seguinte, para desespero do repórter e do jornal. O governador !cou quieto, fez de conta que não era com ele e tudo terminou bem. Passado o susto, rendeu boas risadas. Ele mesmo leu com espanto, certa vez, ao !nal de uma notícia que enviara, um “muito obrigado!”
As premiações que obteve e a capacidade de articulação e liderança deram a Celso Vicenzi o respaldo para assumir a candidatura à presidência e levar o Movimento de Oposição Sindical dos Jornalistas de Santa Catarina à sua primeira vitória na disputa pelo sindicato da categoria. Na primeira tentativa, em 1984, liderada pelo professor Ayrton Kanitz, a categoria foi derrotada. Mais organizada, a oposição venceu em 1987, e Celso foi reconduzido três anos depois, organizando intensos debates sobre a pro!ssão, realizando eventos e levando o piso salarial do Estado, então o segundo pior do país, a um patamar bem mais aceitável. Havia reuniões, assembleias e até greves na luta por melhores salários e condições de trabalho.
“Com o curso de Jornalismo e as mudanças implementadas no sindicato, cresceu a consciência política, debateu-se o papel do jor-nalismo e dos pro!ssionais de comunicação, exigiu-se o cumpri-mento da legislação, lutou-se por trabalho decente e bons salários, os jornalistas se solidarizaram e apoiaram movimentos reivindi-catórios de outras categorias de trabalhadores, en!m, tornaram-se protagonistas de uma ideia de sociedade mais plural, mais crítica, mais democrática, mais justa e menos desigual”, diz Celso.
Hoje, ele lamenta que do ponto de vista simbólico os veículos de comunicação “governam” o Brasil, têm mais in#uência que a própria religião, ditam estilos de vida e são uma ameaça à demo-
cracia, na medida em que estão concentrados em poucas mãos e impõem a agenda política, econômica e social do país.
Os anos 1970 e
1980 foram muito
produtivos, com
a elaboração
de grandes
reportagens.
Ao falar dos 100 anos de “O Esta-do”, o empresário Mário Gon-zaga Petrelli ressalta a figura do ex-governador Aderbal Ra-mos da Silva, responsável pela compra do jornal no período
conturbado do Estado Novo, durante o governo de Getúlio Vargas. A administração do diário, na época, coube a Sidney Nocetti, com Barreiros Filho como diretor e A. Damasceno da Silva na tarefa de comandar a redação. Mais tarde, elei-to para o governo, Aderbal colocou Rubens de Arruda Ramos na chefia do jornal. Foi Ju, como Rubens era chamado, quem deu peso ao veículo, de cores assumidamente pessedistas.
“Aderbal impulsionou o jornal, e Rubens de Arruda Ramos cercou-se de moços competentes que seguiram na redação até os anos 1980”, afir-ma Petrelli, fundador do Grupo RIC. Ele desta-ca que o político, neto de Vidal Ramos, foi um homem público e empresário desbravador que adquiriu o jornal para que ele não deixasse de existir, transformando-o num ativo porta-voz do PSD. Já “A Gazeta”, que apoiava a UDN, tinha no jornalista Jairo Callado o seu sustentáculo. E o “Diário da Tarde”, de propriedade de Adolpho Konder, era o periódico que circulava todos os dias após o almoço. No rádio, o PSD contava com o respaldo da Guarujá, enquanto a UDN ti-nha a seu favor as ondas da Diário da Manhã.
No início dos anos 60, “O Estado” adquiriu uma rotoplana e montou uma equipe que tinha figuras importantes do jornalismo como Gusta-vo Neves, Osvaldo Melo, Ilmar Carvalho, Pedro Paulo Machado, Fernando Souto Maior, Paulo da Costa Ramos, Silveira Lenzi, Lázaro Bar-tolomeu e Zury Machado. Com a morte de Ar-ruda Ramos, José Matusalém Comelli assumiu a direção do jornal e investiu o que pôde para modernizá-lo. Aí entraram mais profissionais, como Marcílio Medeiros Filho, Luiz Henrique Tancredo, Sérgio da Costa Ramos, Jair Hamms e Osmar Schlindwein.
Outra fase de grandes progressos foi a dos anos 1970, no governo de Colombo Machado Salles, quando o sistema passou a offset, e a redação foi novamente ampliada, em instala-ções mais adequadas, na rua Felipe Schmidt. Hoje, diz Mário Petrelli, “O Estado” deve ser homenageado porque marcou época e impediu, durante anos, que a mídia impressa dependesse de apenas um veículo. “O monopólio é sempre negativo para a sociedade”, justifica ele. Neste sentido, o surgimento do Notícias do Dia, do Grupo RIC, assume idêntica importância. “Te-mos orgulho de haver substituído ‘O Estado’ nesse papel”, ressalta.
Além desse particular, os dois grupos – o comandado pela família Petrelli e o capitanea-do por José Matusalém Comelli – mantiveram uma parceria por meio da TV O Estado, que foi desfeita na prática, mas garantida no campo do respeito e das afinidades. Mário destaca que seu filho Marcello Petrelli também é contra o mo-nopólio e por isso criou o ND, que atende, so-bretudo, as regiões da Grande Florianópolis e de Joinville. “A pluralidade existe para a defesa da sociedade, assegurando a dualidade de opiniões, na política e fora dela”.
O fim de “O Estado” pode ser explicado, en-tre outros fatores, pela redução do número de jornais em todas as capitais e grandes cidades do país. É só observar, salienta Petrelli, o fenômeno da sobrevivência de dois ou três grandes perió-dicos nas capitais e o aumento deles no interior, atendendo à demanda crescente por informações locais. José Matusalém Comelli saiu da TV O
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impulsionou o jornal, e Rubens
de Arruda Ramos cercou-
se de moços competentes que
seguiram na redação até os
anos 1980.
Homenagem ao
“O Estado”, que
marcou época e
impediu, durante
anos, que a
mídia impressa
dependesse
de apenas
um veículo
O valor do contrapontoEntrevista. Mário Petrelli
Estado para salvar o jornal, mas não conseguiu. Para Petrelli, esse gesto é digno de louvores, por-que ele tentou manter a empresa e a competição entre concorrentes na área da comunicação.
Nem o surgimento de outras plataformas de comunicação impedirá a sobrevida do jornal im-presso, mesmo sendo operacionalmente uma ati-vidade de baixos resultados, entende o empresá-rio. “Ainda que sem o volume de antigamente, ele existe e existirá por muitas décadas, no mundo inteiro”, vaticina. Uma das razões é a multipli-cação de pequenos jornais nas cidades de menor porte; outra é mostrada pela permanência das revistas semanais, com a sua força e influência. “Nos Estados Unidos, por exemplo, há alguns poucos grandes veículos e milhares de periódicos de menor porte em cidades de tamanho médio e pequeno”, afirma.
O ESTADOESPECIAL Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 56
O ESTADO
ANOS
1001945 1946 1947
uMorte de Roosevelt coloca Truman na presidência uFim da guerra na EuropauEUA explodem bombas atômicas no JapãouVargas renuncia à presidência
uJuan Domingo Perón é eleito na Argentina
uEUA lançam o Plano Marshall Independência da Índia e Paquistão
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 57
Para Luiz Henrique Tan-credo, editor-chefe na fase mais importante de “O Estado”, a história do jornalismo impresso de Santa Catarina divide-se entre o antes e o depois do diário que completa-
ria, hoje, 100 anos. A partir dos anos 1970, sobretudo, ele foi um divisor de águas, por-que pôs !m a um jornalismo provinciano,
absolutamente partidário, feito por idealistas, “muitos dos quais verdadeiros talentos cuja história de vida merece ser reverenciada”, como Rubens de Arruda Ramos, Altino Flo-res e Barreiros Filho. A época áurea começou a ser gestada na primeira metade da década de 1960, quando José Matusalém Comelli assumiu o comando do jornal e, aos poucos, formou uma equipe que viria a se tornar a mais talentosa que passou pelo veículo.
Vencida essa etapa de transição, “O Es-tado” passou por uma sucessão de melhorias técnicas e, aí sim, consolidou um quadro de jornalistas de primeira linha. Foi quando o periódico se !rmou como um jornal inova-dor, independente, avançado. “Tenho plena convicção de que, levando-se em conta as diferenças tecnológicas entre o passado refe-rido e os últimos anos de vida do jornal, ‘O Estado’ não encontrou substituto à altura em Santa Catarina”, a!rma Tancredo.
Para chegar a esse patamar, o jornal ins-talou sucursais nas cidades-polo do Estado, permitindo uma cobertura completa e e!-ciente dos fatos mais marcantes que ocor-riam em todas as regiões. Isso ajudou a inte-grar um território eivado de disparidades de toda ordem. Antes do jornal se interiorizar, os habitantes do Oeste e Meio-Oeste, espe-cialmente, só eram servidos pelo “Correio do Povo”, de Porto Alegre. Isso reforçava ainda mais os usos e costumes trazidos pela colo-nização gaúcha e pela proximidade com o Rio Grande do Sul. “Essa situação começou a mudar com a penetração de um jornal ge-nuinamente catarinense em todos os cantos do nosso Estado”, diz ele.
No ritmo das grandes coberturas
Foi nesse ritmo que “O Estado” passou a fazer grandes co-berturas dos Jogos Abertos de Santa Catarina. Esse evento anu-al mobilizava a atenção de todos, e o jornal instalava na cidade-sede uma equipe que cobria todas as modalidades em disputa. Para fazer os cadernos diários com resultados e a performance dos melhores atletas em cada categoria, o jornal superava as di!culdades da época, porque o material vinha por via rodo-viária, na maioria das vezes, ou por telex, e precisava ser dia-gramado, digitado e revisado antes de ir para as páginas e para a impressão final. Contudo, a repercussão e o retorno que esse trabalho dava ao jornal compensavam todo o esforço.
Uma cobertura que Luiz Henrique Tancredo nunca esque-ceu foi a do prédio que ruiu em Balneário Camboriú, porque o jornal acompanhou as horas de angústia que marcaram a retira-da das pessoas presas aos escombros, algumas delas sem vida. “Estive no local com alguns colegas e constatei o drama vivido por todos que, como eu, presenciaram cenas chocantes, sentin-do-nos como se fôssemos as vítimas do desastre”. O curioso é que quando a equipe voltava de Camboriú, a capela do Colégio Catarinense pegou fogo. “Em termos de desgraças, a edição do dia seguinte de ‘O Estado’ foi pródiga”, ressalta.
Apesar da tradição do vínculo partidário, algo que acometia todos os jornais até o início dos anos 1960, a transição para um novo modelo marcado por maior independência foi pací!ca
em “O Estado”. Não houve ingerências externas e o presiden-te José Comelli manteve sua prática de não interferir na linha editorial. “Naturalmente que alguns membros da redação, entre os quais me incluo, conheciam o pensamento político de Ader-bal Ramos da Silva e, assim sendo, procuravam acompanhá-lo, sem, contudo, deixar de noticiar fatos que nem sempre se coa-dunavam com os seus pontos de vista”, explica o jornalista.
Ex-governador passava diariamente no jornal
Nesse ponto, Tancredo faz questão de externar um fato que sempre manteve sob reservas. “No ocaso de sua vida, pratica-mente todos os !nais de dias úteis o ex-governador dava uma
passada no jornal. Por enfrentar sérios problemas de visão, per-manecia no automóvel e Zininho, seu motorista, entrava para informar que ‘o chefe’ chegara. Na maioria das vezes, era a
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“O Estado”
passou por
uma sucessão
de melhorias
técnicas e, aí
sim, consolidou
um quadro de
jornalistas de
primeira linha.
Conversas com
“o patrão” antes
de fechar a edição
durante a ditadura
O fim do provincianismoEntrevista. Luiz Henrique Tancredo
mim que ele esperava para um papo descontraído. Mal eu saía da redação, algumas vozes diziam que o ‘patrão-mor’ me cha-mava para pautar a edição do dia seguinte. Na verdade, ele po-deria sugerir o que bem entendesse para ser publicado. Poderia, igualmente, dar alguma orientação quando fatos de maior rele-vância, principalmente de natureza política, estivessem na or-dem do dia. Acontece que nunca, em nenhum momento, partiu de sua boca qualquer determinação nesse sentido. Falávamos sobre o que estava acontecendo e eu, muitas vezes, sabendo da sua memória privilegiada, puxava conversa sobre episódios pretéritos, pedindo-lhe detalhes sobre os mesmos. Dessas con-versas, aliás, extraí muitas preciosidades para a biografia que escrevi, da qual ele foi o personagem central”.
Mesmo sem ter em seus quadros militâncias ideológicas capazes de provocar perseguições por parte dos censores, “O Estado” não passou incólume o período em que vários assuntos não podiam estampar as páginas dos jornais brasileiros. Houve casos em que a edição já estava fechada e um militar aparecia com a ordem de que determinada matéria não poderia ser pu-blicada. Até a demissão de um ministro da Agricultura (Cirne Lima) e o surgimento de um surto de meningite no Rio de Ja-neiro tiveram a divulgação vetada.
Ainda em relação ao regime, Tancredo recorda de um epi-sódio ocorrido na segunda metade dos anos 1960. “Certo dia, um representante da maior unidade militar da região Sul do país apareceu com uma nota para ser publicada, com destaque, intitulada ‘Terceiro Exército comunica’. Não se sabe se por co-chilo ou por maldade de alguém, na edição do dia seguinte a nota saiu com o texto correto, mas tendo por título ‘Terceiro Exército comunista’. A censura ainda não havia mostrado suas garras. O que existia era uma liberdade vigiada, o su!ciente
para que a cautela fosse companheira de todos. O episódio não teve maiores consequências”.
No !nal das contas, o saldo da passagem por “O Estado” foi
positivo. Havia um grande entusiasmo que envolvia a equipe e facilitava a produção de um jornal de qualidade. “Tínhamos orgulho de ser parte dessa história e todos estávamos imbuídos dos esforços para melhorar sempre”, ressalta o jornalista.
Para Tancredo, que entrou em 1965, apenas com a experi-ência de uma passagem pelo setor de imprensa do Gabinete de Relações Públicas do governo Celso Ramos, ter permanecido durante 26 anos, até 1991, foi um diferencial. Diz que o jornal foi uma grande escola que moldou sua vida pro!ssional, assim
como a de centenas de outras pessoas que passaram por ali.
O ESTADOESPECIAL
Redator-chefe na melhor fase de “O Estado”, Laudelino José Sardá testemunhou os grandes momentos pelos quais passou o jornal nos anos 1970 e 1980. E guarda na memória todos os epi-sódios, as coberturas espetaculares e detalhes do processo que transformou o veículo numa refe-
rência do jornalismo impresso de Santa Catarina. Não foi pouca coisa, num período em que as comunicações eram mais precárias, e raras eram as rodovias asfaltadas, o jornal ter mil assinantes em Chapecó e em Tubarão, por exemplo, e 600 em Nova Trento, pequena cidade do Vale do Rio Tijucas. “Foi o último jornal de caráter estadual que tivemos”, aponta ele.
A estadualização foi uma empreitada que teve o suporte do diretor comercial Osmar Schlindwein. Foi quando a cobertura do que acontecia em São Miguel do Oeste se equiparava, em termos de importância, aos fatos que mexiam com os municípios da Grande Florianópolis. É desse tempo a rede de sucursais que tinha em seus quadros figuras como Marcos Bedin (Chapecó), Nei Manique, Adelor Lessa (Criciúma), Arthur Monteiro (Blu-menau), Olivetti Salmória, Ionice Lorenzoni (Lages) e outros que traziam as notícias de Itajaí, Joinville e Tubarão, além dos correspondentes em municípios de médio porte.
A implantação e a estruturação das sucursais levaram quatro anos para serem concluídas. O material chegava por telex à mesa da editora Maristela Wagner, durante vários anos a responsável pela página de Interior. “Só o ‘Jornal de Santa Catarina’ e ‘A No-tícia’ tinham dimensão parecida, porque também eram estaduais”, ressalta Sardá. Blumenau, que sempre alimentou uma forte rivali-dade com a Capital, era onde “O Estado” tinha milhares de leito-res. O fato de existirem bons jornais em Joinville e Blumenau não impedia de haver ali um grande número de assinaturas e acentuada venda avulsa. “Os empresários do Vale tinham raiva de Floria-nópolis, assim como os do Norte”, relembra Sardá. “Hoje, essas cidades são mais cosmopolitas”.
Um episódio que demonstra o peso de “O Estado” foi o sal-seiro provocado pela denúncia de que o ex-prefeito Pedro Ivo Campos havia fretado um ônibus e pagado a dezenas de morado-res de rua de Joinville para que se mudassem para Florianópolis. O jornal estampou uma manchete falando da transferência dos indigentes, e a repercussão, pela importância e circulação que ti-nha à época, foi estrondosa. Pedro Ivo ligou para Sardá, xingou-o de todos os jeitos e ameaçou processá-lo, mas nunca chegou a fazer isso.
Outra matéria de denúncia foi a da pneumoconiose que aco-metia e matava os mineiros de Criciúma e dos municípios vizi-nhos que extraíam carvão do subsolo. Empresários e sindicatos do setor foram para cima do jornal, mas este estava muito bem calçado, e as informações haviam sido exemplarmente apuradas. A Sidersul, siderúrgica de Imbituba que nunca chegou a funcio-nar, também foi objeto de várias reportagens do jornal. “Era um jornalismo diferenciado, fundamentado, profundo”, diz Sardá. “Os repórteres incomodavam tudo mundo, inclusive o dono do jornal”.
Um dia, pediram a Gervásio Luz, repórter em Blumenau, que fizesse uma matéria sobre como os descendentes de alemães brin-cavam o Carnaval. Ele mostrou os casais dançando polca, numa reportagem divertidíssima. Nas enchentes de Tubarão, em 1974, e Blumenau, em 1983 e 1984, o jornal não apenas cobriu, como fez campanhas de doações para socorrer a população desalojada de suas casas. “‘O Estado’ quebrou o gelo com todas as regiões de Santa Catarina”, atesta Sardá. “O Oeste era muito afastado e se identi!ca-va mais com Porto Alegre e Curitiba. Um caminhão ia todos os dias até o Extremo-Oeste para levar os jornais, e isso mudou aos poucos o quadro vigente”.
O acidente com o avião da Transbrasil, em 20 de abril de 1980, no morro da Virgínia, foi a maior tragédia aérea da história de Santa Catarina, porque matou 55 pessoas, incluindo empresários,
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assinantes em
Chapecó e em
Tubarão, por
exemplo, e 600
em Nova Trento.
Jornalista participou de período
importante do periódico
Incentivador da integração
Entrevista. Laudelino José Sardá
autoridades, sindicalistas e !guras de destaque na sociedade. Sardá
!cou sabendo do ocorrido às 19h do sábado, dia da queda, por meio
do colega Antônio Kowalski Sobrinho. Saiu de casa meia hora de-pois e chegou ao morro, próximo a Ratones, às 22h, junto com bom-beiros e policiais. O fotógrafo Orestes Araújo ia junto, e ao toparem com a cena do acidente, outro fotógrafo da casa, Lourival Bento, também estava chegando.
O avião ainda estava queimando, havia corpos espalhados, cabeças e braços jogados para todo lado. “Políticos, empresários, médicos, todos estavam queimados da mesma maneira, sem distin-ção de posse e classe”, fala o jornalista. Ele desceu depois das 14h de domingo, mas enquanto esteve no morro a equipe de redação abortou a edição do !m de semana e fez outra já trazendo a notícia
e fotos da tragédia. “Todo mundo correu para ajudar”, recorda Sar-dá. “O jornal não tinha a edição de segunda-feira, mas naquele dia saiu recheado de fotos e matérias sobre o acidente. Não sei se hoje se faria isso de novo”.
Na ocasião, o antigo DAC (Departamento de Aviação Civil) subiu com seus homens de terno, e Sardá se in!ltrou entre eles,
descobrindo que quem estava no comando da aeronave era um te-nente-coronel da Aeronáutica que não fez a rota correta para descer no aeroporto Hercílio Luz. Se estivesse 80 metros acima, o avião não teria colidido com o morro. Por causa dessa informação, o jor-nal foi posteriormente processado pelo Ministério da Aeronáutica.
Cobertura das enchentes
Entre as grandes coberturas, ele cita a da enchente de Tubarão, que deixou 199 mortos, e as cheias de Blumenau, nas quais, além da informação, o jornal trouxe o drama das pessoas, histórias humanas e a dramática situação das famílias que perderam tudo o que tinham pela força das águas. No caso de Tubarão, foi alugado um helicóp-tero para dar conta da cobertura, porque as duas pontes da cidade ruíram e tudo !cou embaixo d’água. “O Estado” também fez um
grande trabalho na Novembrada, outro episódio que demonstrou a capacidade de mobilização da equipe. Essa cobertura rendeu ao jor-nal o reconhecimento e prêmios nacionais de jornalismo.
Aos 19 anos, Laudelino José Sardá já era editor-chefe do “Di-ário Catarinense”, jornal do grupo Diários Associados che!ado
por Alírio Bossle e que funcionava na esquina das ruas Jerônimo Coelho e Vidal Ramos, no Centro de Florianópolis. Sua precocida-de, no entanto, fez com que aos 14 anos começasse a trabalhar no jornal “Comércio”, no bairro Estreito, para ajudar a família, já que seu pai teve a aposentadoria cassada pelos militares.
No “mais antigo”, Sardá começou na rádio-escuta, na sede da rua Conselheiro Mafra, em 1971. Um ano depois, a empresa se mudou para os altos da rua Felipe Schmidt, e com isso também chegaram o offset e uma nova leva de jornalistas que mudaram para sempre a história do jornal. Nesse ínterim, formou-se em Le-tras pela UFSC.
As edições de fim de semana de “O Estado” saíam com até 130 páginas standard e pelo menos cinco grandes reportagens – sendo que, assinadas, só as melhores. Em seus anos de jornal, Sardá fez a última entrevista com o sociólogo Paulo Freyre, em Genebra, antes deste retornar do exílio, e da conversa extraiu uma manchete provocadora, com base em frase do entrevista-do: “O povo brasileiro é autoritário por natureza”. Ele também viabilizou a vinda do jornalista e escritor Salim Miguel, que estava no Rio de Janeiro, para a Editora da UFSC – e para as páginas de “O Estado”, como o único colaborador remunerado do jornal.
Uma vez, saiu o nome do Nobel de Literatura lá pelas 20h – um poeta grego cujo nome era impronunciável para a maioria. Por telefone, Salim passou a ficha do escritor. “O Estado” foi um dos poucos jornais do Brasil a dar uma matéria completa no dia seguin-te. “Salim mobilizou a cultura de Florianópolis”, relembra Sardá.
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 58/59
Marcílio Medeiros Filho tem um longo vínculo com o jornalismo, que começou com a idade de 12 a 13 anos, quando ia de bicicleta comprar a “Folha de S. Pau-lo” para o pai, juiz de direito, na banca da rua 15 de Novembro, em Blumenau.
Na Capital, onde passou a residir quando entrou na universi-dade, foi redator do serviço de imprensa do gabinete de Rela-ções Públicas do governo do Estado e teve a oportunidade de escrever uma coluna – Política & Desenvolvimento – para o jornal “A Nação”, dos Diários Associados. Este fato levou-o a “O Estado”, onde manteve uma coluna por três anos. Depois, como funcionário, permaneceu por outros 24.
Ter passado tanto tempo no velho periódico dá a Marcílio a condição de discorrer sobre suas diferentes fases com desen-voltura. Ele lembra muito bem do chamado “pardieiro” da rua Conselheiro Mafra, da mudança para os altos da rua Felipe Schmidt, onde a estrutura já era melhor, e da transferência de!-nitiva para a SC-401, em 1977. A produção artesanal do diário foi dando lugar a um jornal tecnologicamente afinado com os novos tempos e preocupado em cobrir todos os fatos relevantes no Estado, independente da região onde ocorressem.
“Se os anos de ouro do jornalismo brasileiro foram as déca-das de 1940 e 1950, com a ‘Última Hora’, ‘O Globo’, o ‘Jornal do Brasil’, o ‘Correio da Manhã’, a ‘Folha’, a ‘Gazeta Esporti-va’ e o ‘Correio do Povo’, por aqui o melhor período foi após a mudança de ‘O Estado’ para o bairro Saco Grande”, a!rma
Marcílio. Ele também trabalhou como correspondente do “JB” e das agências United Press International e Associated Press.
“Foi um período que marcou profundamente minha vida e minha personalidade”, diz o jornalista acerca do tempo em que !cou no “Estado”. No começo, sobretudo, o jornalismo
era feito de maneira artesanal e não constituía um meio de vida, uma atividade pro!ssional à qual alguém pudesse se dedicar
integralmente. Foi com “O Estado” que isso se tornou possí-vel, pelo menos em Florianópolis – porque o “Jornal de Santa Catarina” já nasceu moderno, com offset, em 1972. Mas foi na Ilha que Marcílio conheceu “o melhor time que o jornalismo catarinense viu entrar em campo”.
Nos tempos de Blumenau, recorda Marcílio Medeiros Filho, ele também teve contato com a “Última Hora”, do Rio de Janeiro. Foi no jornal de Samuel Wainer que aprendeu a ler e admirar Nelson Rodrigues, Sérgio Porto (o Stanislau Ponte Preta), João Saldanha, o cronista Antônio Maria, o colunista social Jacinto de Thormes e o jornalista Maneco Müller, neto do ex-governador catarinense Lauro Müller. No Vale, Marcílio publicou suas primeiras linhas no jornal “A Nação”, a convite do jornalista Nagel Milton de Mello. Eram notas sobre a música e os artistas da Jovem Guarda que abasteciam a coluna de Nagel.
Da burocracia à redação
A mudança para Florianópolis, em 1961, para estudar Di-reito e servir o Exército, marcou a entrada – após um período de trabalho burocrático numa repartição pública – no meio jor-nalístico, a começar pelo já citado gabinete do governo esta-dual, onde havia !guras como Salim Miguel, Ilmar Carvalho,
Hélio Kersten da Silva, Jorge Cherem e Iara Pedrosa, e mais tarde Raul Caldas Filho e Luiz Henrique Tancredo. O ambiente era propício para a troca de ideias e para o debate intelectual, porque esse grupo tinha amigos que iam ali para conversar so-bre cultura, literatura e artes em geral.
Já enturmado, ele passou a frequentar a redação de “O Estado”, na sede que !cava na esquina das ruas Conselheiro
Mafra e Pedro Ivo. As lembranças dali incluem os acordes da Sociedade Musical Filarmônica Comercial, instalada numa casa em frente. Os ensaios e a a!nação dos instrumen-tos no cair da tarde coincidiam com o horário de fechamento do jornal. “Lá pelas tantas a a!nação terminava, dando lugar
ao ensaio musical às veras”, conta o jornalista, admitindo
que a saída do “pardieiro” deixou todos sentidos, pela perda do contato diário com a banda.
Em “O Estado”, cujo redator-chefe era o futuro desembar-gador Antônio Fernando do Amaral e Silva, Marcílio Medeiros Filho e Raul Caldas criaram uma coluna de crônicas apelidada de Vitral, que tinha a arte feita pelo pintor Rodrigo de Haro. Depois, ele foi convidado para ser o o!cial de gabinete de Cel-so Ramos, função que desempenhou ao longo dos quatro anos de mandato do governador. Formou-se em Direito, ingressou nos quadros da OAB e em seguida retomou as lides de jornalis-ta, ao mesmo tempo em que exercia a atividade de advogado.
Com a morte de Rubens de Arruda Ramos, então no coman-do de “O Estado”, a redação passou a ser che!ada pelo gerente
Domingos Fernandes de Aquino, o Dominguinhos, ainda no tempo da linotipo. Ali, os funcionários bebiam muito leite para se desintoxicar, porque “a fumaça de chumbo das linotipos fa-zia a o!cina envolver-se num fog ensombrecido diretamente
absorvido pelos pulmões do pessoal grá!co”, conta Marcílio.
Logo depois disso, o gerente comprou uma impressora rotopla-
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No começo,
sobretudo, o
jornalismo era
feito de maneira
artesanal e não
constituía um
meio de vida. Foi
com “O Estado”
que isso se
tornou possível.
Produção artesanal do diário foi dando
lugar a um jornal tecnologicamente
afinado com os novos tempos
Vínculo com o jornalismo começou cedo
Entrevista. Marcílio Medeiros Filho
na que, embora usada, representou um salto tecnológico e um ganho signi!cativo de qualidade para o jornal.
Atendendo a anseio do governador Aderbal Ramos da Sil-va, o advogado José Matusalém Comelli, então seu genro, as-sumiu a direção do jornal e se encarregou da tarefa de torná-lo um veículo de circulação estadual. A redação foi aumentando a ponto de já não haver máquinas de datilogra!a para todos os
jornalistas da casa – o que forçava um revezamento no uso das Olivetti disponíveis.
Em 1971, Medeiros tornou-se correspondente do “Jor-nal do Brasil” em Florianópolis – e a paixão pela “Última Hora”, que já havia fechado as portas, mudou para o diá-rio carioca, que tinha em seu quadro ícones como Arman-do Nogueira, Zózimo Barroso do Amaral e Carlos Castelo Branco, o Castelinho, além do grande cronista José Carlos de Oliveira. Na época, o “JB” tinha como diretor de redação ninguém menos do que Alberto Dines.
Em 1972, “O Estado” foi transferido para os altos de rua Felipe Schmidt, num galpão construído para acomodar melhor a equipe e a estrutura administrativa e de redação. Foi então que José Comelli comprou uma máquina rotativa off-set que representou um novo avanço nas operações do “mais antigo”. Aquele foi o período em que ao pessoal que veio da Conse-lheiro Mafra se juntaram os jornalistas gaúchos que ajudaram o periódico, então com quase seis décadas de vida, a se tornar um nome estadual. O crescimento da empresa foi rápido, assim como os custos, mas a circulação aumentou muito e em pouco tempo o jornal passou a chegar até a fronteira com a Argentina, ajudando a integrar um Estado formado por diversas ilhas eco-nômicas e culturais.
A mudança para a SC-401, em maio de 1977, represen-tou a consolidação de!nitiva do jornal como produto in-formativo de longo alcance. Ali, José Matusalém Comelli construiu um prédio confortável e instalou todos os setores de maneira e!ciente e funcional. A impressora Uniman,
importada da Alemanha, ocupou um amplo salão e impres-sionava até os mais experientes pro!ssionais técnicos e os
jornalistas veteranos. O advento do telex foi outro salto que permitiu conexão direta com as agências e a possibilidade de dar notícias nacionais e internacionais que nos velhos tempos saíam com alguns dias de atraso.
O jornalista também destaca que pelas páginas de “O Es-tado” passaram grandes colunistas. O mais revolucionário de todos foi Beto Stodieck, que no começo morava no Rio de Ja-neiro e mandava seus textos – que saíam eventualmente – por avião. Depois, ele passou a escrever diariamente e se tornou um sucesso sem precedentes no colunismo catarinense. Outro nome importante foi o de Cacau Menezes, que começou timi-damente e evoluiu a ponto de se transformar no colunista mais lido do Estado. Miro, que o substituiu, também gozou de pres-tígio entre os leitores de “O Estado”.
Falando dos “anos dourados” do jornal, Marcílio Medeiros Filho lamenta que a esse período rico e criativo se sucederam a decadência e o encerramento das atividades de “O Estado”. Mas ele prefere lembrar da fase áurea, quando estava por lá e atuou ao lado do “melhor time de pro!ssionais da história do
jornalismo catarinense”.
Na primeira metade dos anos 1970, os torce-
dores de Avaí e Figueirense iam ver os jogos
de seus times, nos estádios Adolpho Konder
e Orlando Scarpelli, vestidos com camisas
dos clubes do Rio de Janeiro e São Paulo.
Ver as arquibancadas manchadas pelas co-
res do Flamengo, Fluminense, Santos e Palmeiras incomodava
o recém-chegado Mário Medaglia, que acabara de implantar,
com outros gaúchos em início de carreira, o “Jornal de Santa
Catarina”, em Blumenau. O mesmo fenômeno acontecia nas
rádios de Florianópolis, que dedicavam a maior parte do espa-
ço ao futebol de outros Estados.
Essa condição de !lial carioca, contudo, extrapolava o es-
porte. “Os periódicos mais lidos na cidade eram ‘O Globo’ e o
‘Jornal do Brasil’”, conta o jornalista. Ao assumir a editoria de
Esportes de “O Estado”, Medaglia tratou de mudar esse qua-
dro. O jornal ainda não era estadual, como se tornou depois,
e era preciso valorizar as coisas de Santa Catarina. Com base
na experiência de repórter na “Zero Hora”, em Porto Alegre,
onde cobrira os times do Cruzeiro e do São José, de menor ex-
pressão, com algumas incursões na rotina da dupla Grenal, ele
passou a mandar uma equipe acompanhar os treinos da dupla
da Capital. “Não criei, mas implantei aqui a !gura do setorista,
que cobria diariamente as atividades dos times locais”, conta.
Foi um choque, porque as rádios, em vez de fazer o mesmo,
preferiam desmentir o noticiário do jornal – até que não tive-
ram outra saída que não a de adotar prática idêntica.
Para executar a contento o que planejara, Medaglia conta-
va com um repórter de primeira linha. Mauro Pires, vascaíno
doente, era do tipo que subia em árvores, ficava atrás de portas
e espiava pelo buraco da fechadura para apurar a melhor infor-
mação. “Foi um dos melhores repórteres com quem trabalhei”,
a!rma o jornalista. Pires morreu num acidente de carro, na
década de 1990, em Florianópolis. “O Estado” também abriu
espaço para modalidades como o remo e o ciclismo, então re-
legadas à condição de “esporte amador”, mas que rivalizavam
com o futebol na preferência dos "orianopolitanos.
Formado na PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica),
em Porto Alegre, a vinda de Mário Medaglia para Florianópo-
lis foi uma obra do acaso. Ele trabalhava no “Santa” (que saíra
às ruas pela primeira vez em setembro de 1971), em Blumenau,
e veio passar um fim de semana na Capital, cidade que não co-
nhecia, a convite de um amigo, o jornalista Ayrton Kanitz. Um
passeio no iate do também jornalista Adolfo Ziguelli mudou os
rumos de sua carreira. “Me encantei com a cidade, com seu céu
de brigadeiro, com os camarões em balde oferecidos no barco,
em frente ao Tritão, hoje Trintão, em Coqueiros”, recorda.
Ficou sabendo que “O Estado” estava implantando o sis-
tema offset e procurou seus diretores atrás de uma vaga. Deu
certo, e ele chegou em março de 1972, deixando para trás o
Vale do Itajaí, onde tinha sido até paginador. No mesmo ano,
o jornal fez a primeira grande cobertura dos Jogos Abertos de
Santa Catarina, em Itajaí. Com Jorge Escosteguy (então chefe
de reportagem) como editor, repórter e diagramador, a equipe
cobriu todas as modalidades – e Medaglia e o fotógrafo Ores-
tes Araújo tinham a responsabilidade de produzir um tabloide
diário de oito páginas. O material vinha de carro, diagramado e
com as fotos dentro das laudas, para Florianópolis.
“O Estado” também implantou a cultura das grandes cober-
turas. Quando o Figueirense se tornou o primeiro clube cata-
rinense a participar do Campeonato Brasileiro, em 1973, uma
equipe do jornal acompanhou o elenco em todos os jogos – o
que se repetiu nos anos seguintes com o Avaí e a Chapecoen-
se. Medaglia, inclusive, chegou a morar durante três meses em
Chapecó para cobrir os treinos e viajar com o time da cidade no
Brasileiro, no final dos anos 70. “Isso foi possível porque Os-
mar Schlindwein, o diretor comercial, tinha essa compreensão
e nos dava cobertura”, a!rma. “Ele conseguia passagens e ho-
téis e dava respaldo para as viagens e também para a cobertura
dos Jogos Abertos, durante vários anos”.
Um episódio inusitado marcou a cobertura que “O Esta-
do” fez da !nal do Campeonato Catarinense de 1977 entre
Chapecoense e Avaí. O repórter Luiz Lanzetta, hoje radi-
cado em Brasília, precisou se esconder e saiu da cidade do
Oeste sentado no fundo de um fusca, no dia seguinte à de-
cisão, vencida pelo time da casa por 1 a 0, dada a rivalidade
entre os dois clubes. Naquela partida, o fotógrafo Orestes
BR
UN
O R
OP
EL
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O/N
DNão criei,
mas implantei
aqui a !gura
do setorista,
que cobria
diariamente as
atividades dos
times locais.
Esporte catarinense
passou a ser
valorizado
De amador a profissional
Entrevista. Mário Medaglia
Araújo foi atingido com um rojão na cabeça e, mesmo san-
grando, levou sua tarefa até o fim.
O que gerou a fuga desabalada do repórter foi o fato de
haver descrito em detalhes a batalha que foi o jogo, que deu o
primeiro título estadual à equipe do Oeste. Além dos lances da
partida, a edição do avaiano Mauro Pires destacou os foguetes
e garrafas voando em direção a quem parecesse ser da Capital,
embora não tivessem poupado nem a arbitragem de Alvir Ren-
zi, morador de Blumenau. Ao lerem o jornal, os torcedores se
enfureceram e foram para cima de Lanzetta, que não teve outra
reação a não ser se jogar no fusca e pedir ao motorista para sair
dali o quanto antes. Ele nunca soube que estradas percorreu,
nem quantos quilômetros rodou – sabe apenas que o fundo do
carro foi sua redenção.
Um fato ocorrido dois anos antes já havia ameaçado a
integridade da equipe de esportes de “O Estado”. Cobrin-
do os Jogos Abertos de 1975, o repórter Aldírio Simões
mostrou as precárias condições do alojamento da delega-
ção de São Joaquim, no pavilhão da Efapi. Com o título
“São Joaquim está abrigada num estábulo”, a reportagem
repercutiu muito mal em Chapecó, a ponto de o pessoal do
jornal – que incluía Ubaldo Balthazar e J.B. Telles – preci-
sar pedir garantias de vida às autoridades da polícia local.
A compensação foi ter como sede, para a cobertura, a casa
do empresário Heitor Pasqualotto, que depois foi presidente
da Chapecoense e vice-presidente da Federação Catarinense
de Futebol, com estrutura completa de telex, telefoto e todo
o conforto para realizar o melhor trabalho possível. Medaglia
chegou a trabalhar ao mesmo tempo no “Estado”, na sucursal
da Caldas Júnior e como correspondente da revista “Placar”.
Sempre produziu muito, e por isso acredita que o jornalismo
atual, dominado pela tecnologia, tornou os pro!ssionais mais
preguiçosos e menos envolvidos com o métier. “Acho que falta
curiosidade aos repórteres, que costumam aceitar a versão o!-
cial dos fatos”, dispara.
O ESTADO
ANOS
1001948 1949 1950
uCriação
do Estado de
Israel
uSoviéticos explodem sua primeira bomba
atômica (foto)
uChina torna-se comunista
uSimone de Beauvoir lança O Segundo Sexo
uAssinado o Tratado do Atlântico Norte
(Otan)
uComeça a Guerra
da Coréia
uGetúlio Vargas é
eleito presidente
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 60/61
Um dos pro!ssionais que conheceram o pro-
cesso de linotipo, acompanhando a extraor-dinária transformação grá!ca que viria em 1972, o fotojornalista Orestes Araújo traba-
lhou quase 20 anos em “O Estado”. Entrou em 1968, quando o jornal ainda era impresso
no sistema a quente. “O Paulo Dutra já estava lá, atuávamos como fotógrafos free-lance, com a missão de produzir a foto do dia, sempre publicada na capa. Era algum fato do cotidiano, um "agrante”, lembra Orestes, conhecido no meio como “Velho”.
Havia imensas di!culdades técnicas, por causa da linotipo, que era um meio muito rudimentar de impressão de jornais. Mas já havia sinais de que “O Estado” participaria da revolu-
ção da imprensa brasileira nos anos seguintes. “Foi uma coisa natural. Todos os grandes jornais evoluíram tecnologicamente, migrando para o offset”, diz.
Orestes recorda que a empresa já vinha investindo em pro-
!ssionais de conteúdo, jornalistas que se formaram dentro da redação (a faculdade surgiria muito tempo depois, na UFSC). Trabalhavam na redação nomes como Sérgio e Paulo da Costa Ramos, Marcílio Medeiros Filho, Laudelino Sardá, Sérgio Lo-
pes, entre outros. Eles formavam o “time” escalado pelo diretor José Matusalém de Carvalho Comelli, que assumira o coman-
do da publicação em 1965.“Havia uma preocupação em se fazer um jornal sério,
voltado aos interesses da cidade e de Santa Catarina. Esse grupo preparou a chamada pro!ssionalização de “O Esta-
do”, que ganhou força com a mudança para o offset, em 1972”, a!rma Orestes.
Um aprendizado constante
Editor de fotografia de “O Estado” durante muitos anos, Orestes Araújo teve formação autodidata, o que era muito co-
mum à época. “Lia muito sobre fotogra!a, estudava, buscava orientação, !z cursos em São Paulo e Porto Alegre. A capital gaúcha tinha os melhores jornais do Sul na época, uma verda-
deira escola, aprendi muito lá.”O primeiro grupo de fotógrafos de “O Estado”, já na fase de
offset, era formado por Orestes, Paulo Dutra, Gastão Gugliel-mi, Lourival Bento e Sérgio Rosário. “Uma equipe de peso, o jornal precisava caprichar na sua apresentação grá!ca, com a
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IN/N
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Atuávamos
como fotógrafos
free-lance, com
a missão de
produzir a foto
do dia, sempre
publicada na
capa. Era algum
fato do cotidiano,
um !agrante.
Fotojornalista atuou em “O Estado” por quase 20 anos, desde a linotipo. Sua melhor lembrança: o companheirismo na redação
Flagrantes para a capa
Entrevista. Orestes Araújo
boa utilização da informação fotográ!ca.”Depois vieram outros bons nomes, como Marco Cezar,
Rivaldo Souza e Tarcísio Mattos, sempre com a preocupa-
ção de fazer uma cobertura competente e profissional dos principais fatos. Cobertura que não se restringia à Capital. Orestes trabalhou, com a equipe, cobrindo grandes aconte-
cimentos, como a enchente de Tubarão (1974), as enchentes do Vale do Itajaí e Norte do Estado (1983-1984), a Novem-
brada (1979), o acidente da Transbrasil (1981), a campanha das diretas (1984), entre outros.
“Sem falar no cotidiano, o noticiário de Geral, Polícia e Es-portes. Escalado para cobrir a Fórmula 1 em duas ocasiões, em Interlagos (SP) e Buenos Aires (Argentina), acompanhando o repórter Wilson Libório de Medeiros, Orestes não gostou das experiências, “do ronco dos motores e do cheiro de óleo. Não era meu chão”, diz.
“Hoje escrevo mais
do que fotografo”
Além de “O Estado”, Orestes Araújo atuou como fotojorna-
lista correspondente da “Veja” e da “Placar” durante 12 anos, entre as décadas de 1970 e 1980. Descontente com os rumos do jornal, deixou “O Estado” em 1985, sendo um dos primeiros a sair naquele ano, quando houve um grande processo interno de reformulação pro!ssional e editorial.
Com o gosto pelo jornalismo sempre presente em sua vida, fundou em 1991 o “Jornal de Barreiros”, publicação mensal que, nos três primeiros anos, foi impressa nas ofi-cinas de “O Estado”. O “JB”, como é conhecido, continua circulando normalmente no bairro de mesmo nome, em São José.
“Nunca parei, nem estou parado. E hoje escrevo mais do que fotografo”, diz o veterano jornalista.
Quanto a “O Estado”, ele diz que é apenas uma boa lem-
brança em sua vida:“O companheirismo de redação é algo que me marcou
profundamente, em especial nos anos 1970. Nós éramos uma grande família, uma redação unida. Não existe mais esse clima nas redações modernas. E “O Estado” foi uma nuvem que pas-sou e o vento Sul levou”, conclui.
1951 1954 1955
uPrimeiro computador
comercial, UNIVAC I, é
lançado nos EUA
uGetúlio
Vargas
comete
suicídio
uComeça a
Guerra do Vietnã
Uma história pro!ssional resumida a dois empregos, os dois em jornal. Ha-dilson Savi, conhecido no meio como Padre (porque foi seminarista), acom-
panhou toda a evolução tecnológica de “O Estado” entre 1971, último ano da
linotipo, até o ano 2000, quando se desligou de!nitiva-mente. Antes havia trabalhado no Correio Riograndense, de Caxias do Sul, publicado pela Associação Antoniana (católica) e que chegou a ter, na década de 1960, uma tiragem superior a 50 mil exemplares diários.
“Eu vim para Florianópolis para trabalhar na Impren-
sa O!cial, como linotipista, mas acabei sendo chamado para o jornal “O Estado”, que ainda tinha oficina e reda-ção na Rua Conselheiro Mafra”, recorda.
Ele participou de todo o processo de migração da li-notipo para o offset.
“Ajudei a montar a rotativa, uma Goss Comunnity, depois passamos um longo período fazendo testes antes da inauguração o!cial. Cheguei a passar 72 horas se-guidas no jornal, era preciso deixar tudo bem ajeitado”, conta Hadilson, que cumpriu praticamente todas as fun-
ções do setor grá!co, de impressor a diretor industrial, nos 30 anos de “O Estado”.
A rotativa foi ativada pelo então governador Colom-
bo Machado Salles, uma das autoridades presentes à so-
lenidade que marcou o início da era offset, em 1972. “Era tudo novo no jornal, era na verdade um novo jor-
nal, moderno, bonito, a rotativa só parava aos domingos, rodávamos até no sábado à noite”, observa, lembrando que desde o início a empresa investia em inovação, com as tecnologias mais avançadas para a época. Havia coi-sas, como o PMT (Process Machine Transfence), que jornais grandes, de outros Estados, ainda não tinham.
Em Santa Catarina, “O Estado” foi pioneiro tam-
bém na utilização de radiofoto, durante a Copa da Alemanha de 1974. “Imagina só o jornal trazer na capa uma foto do jogo do dia anterior: foi um gran-
de feito, uma grande novidade. Eram esses avanços que colocavam “O Estado” muito à frente de outras publicações.”
A chegada da concorrência
Das várias fases do jornal, Hadilson destaca em es-pecial a transformação da linotipo para offset, poste-riormente a mudança para a SC-401, onde se instalou num grande parque industrial; e a nova rotativa – uma Unniman/2 alemã – comprada em 1983, capaz de impri-mir 40 mil cadernos por hora.
“Chegamos a rodar 33 mil exemplares das edições de domingo na década de 1980, que foi a melhor década do jornal, com as contas em dia, recheado de anúncios. A chegada do concorrente [DC] mudou esse panorama, não estávamos mais sozinhos no mercado”, diz.
Jornal teve o seu tempo
Depois de sair do jornal em 2000, Hadilson Savi pas-sou por um período emocionalmente difícil, porque tinha
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IN/N
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Tive apenas
dois empregos
na vida:
os dois em
jornal.
Contratado em 1971, ainda na fase
linotipo, Hadilson Savi !cou 30 anos
no jornal: de operário a diretor
industrial
Gráfico acompanhou todas as transformações
Entrevista. Hadilson Savi
que superar a perda, uma fase da vida que se encerrava.“Dediquei minha vida a “O Estado”. Era natural que
sentisse um pouco de tristeza, aquilo era a minha segunda casa, passava mais tempo no jornal do que com a família. Em 2000, já havia sinais muito claros de que a empresa não resistiria por muito tempo. Uma pena, para um jornal que chegou a circular na Argentina, tinha assinantes em Brasília, no Rio, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba. Foi mesmo uma potência.”
O ex-diretor industrial guarda ótimas lembranças de toda a sua trajetória.
“Minha vida foi marcada pela vivência em “O Esta-do”, com grandes companheiros na área industrial, na re-dação, no administrativo e na circulação. Passou, teve o seu tempo.”
O ESTADO
ANOS
1001957 1959 1960
uUnião Soviética dá
largada à corrida espacial,
lançando o Sputnik
uCastro lidera a
Revolução Cubana
uJuscelino Kubitschek
inaugura Brasília
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 62/63
Rogério Junkes testemunhou uma das mui-tas transformações de “O Estado”. Aos 21 anos, bancário, sem nenhuma experiência na área gráfica, atendeu a um chamado publicado na capa do jornal em fevereiro de 1972. “OE” estava selecionando fun-
cionários para compor a equipe que atuaria na migração do sistema de impressão a quente para a impressão a frio, o sonhado offset, muito mais moderno, ágil e bonito.
Ele conta que chegou atrasado, as inscrições estavam terminando, mas fez as duas provas, de datilografia e co-nhecimentos gerais. Foi o primeiro colocado. Desistiu da vida de bancário, porque, muito jovem, estava disposto a vivenciar novas aventuras. Logo em seguida começou, junto com outros classificados, o treinamento dado por técnicos da IBM, em máquinas MT72, que seriam utili-zadas no novo processo industrial.
Tudo era novo na vida de todos, inclusive dos que ficaram da era da linotipo. Redação pequena e um cro-nograma de trabalho muito rígido, porque a preocupação com a qualidade do conteúdo tinha que caminhar junto com a agilidade: o jornal ampliava sua circulação para os lugares mais distantes do Estado.
“Nas primeiras semanas, o trabalho era muito exaus-tivo, cheguei a ficar 72 horas dentro do jornal, tínhamos que dar conta de tudo”, lembra Rogério, que desde o iní-cio envolveu-se com a área de diagramação, ensinado pe-los gaúchos – a turma de jornalistas que “OE” trouxe de Porto Alegre para profissionalizar o trabalho.
“Foi um período de muita entrega, de grandes difi-culdades, mas queríamos que tudo funcionasse de acordo com os esquemas industriais. Isso tudo na sede da empre-sa que ficava na rua Felipe Schmidt.”
Fora as dificuldades internas, o jornal ainda convivia com um problema grave: a falta de seriedade das trans-portadoras de papel. Os caminhões demoravam a chegar
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“Fiz de tudo na
área grá!ca, da
diagramação
ao conserto de
máquinas.
Ex-bancário, Rogério Junkes
entrou para “O Estado”
no processo de transformação
para o offset, há 43 anos
Tempos heróicos em uma nova fase
Entrevista. Rogério Junkes
e, muitas vezes, Rogério e o diretor Osmar Schlindwein (o Amarelo) tinham que sair pela BR-101 à procura das cargas, brigando com os motoristas para que fossem mais ágeis na entrega.
“Foram tempos heróicos, ‘OE’ entrara numa nova fase, era preciso garantir o jornal nas bancas da região, na casa dos assinantes, no interior do Estado”, lembra.
Conhecia de jornal como poucos
O jornal cresceu muito rapidamente, a sede da rua Fe-lipe Schmidt ficou pequena. Logo – 1977/1978 – teve que se mudar para um novo prédio, na SC-401, um verdadei-ro parque industrial, espaçoso, com melhor logística para todos os processos de trabalho, da redação ao despacho dos pacotes para o interior.
Nesse tempo, Rogério Junkes fez de tudo. Não era só diagramador, entendia e consertava as máquinas quando pifavam, redigia e revisava matérias, ajudava no past-up (processo de colagem dos textos e anúncios nas páginas, antes da impressão), se virava “nos trinta”, sempre pre-sente a tudo. “Até cobertura de esportes eu fiz”, recorda. Conhecia de jornal como poucos.
Sua relação com “OE” durou 20 anos e oito meses, acompanhando novas mudanças tecnológicas, ao mesmo tempo em que trabalhava também (entre 1982 e 1992) na EBN (Empresa Brasileira de Notícias), antiga Agência Nacional, como redator. Foi convidado para atuar no “Di-ário Catarinense” e em “A Notícia”. Recusou o primeiro convite e, e no segundo, chegou a prestar assessoria na área gráfica durante quase um ano. “Foi uma fase muito rica da minha vida, mas senti, em 1992, que estava na hora de mudar”, diz. Montou uma empresa (Estúdio 4) e passou a dedicar-se a serviços gráficos em geral. “Conti-nuo no ramo, hoje menor, mas com clientes fixos e muito trabalho”, finaliza.
1961 1962 1963
uJânio
Quadros
renuncia à
presidência
uCrise dos mísseis
envolve EUA, União
Soviética e Cuba
uJohn
Kennedy é
assassinado
nos EUA
Quando Cláudio Prisco Paraíso chegou à “redacinha”, posto avançado do jornal na Avenida Hercílio Luz, era um jovem introspectivo que destoava da maioria – repórteres e fotógrafos um tanto ne-gligentes no vestir – pelos ternos impe-
cáveis que trajava. Em Florianópolis, ao contrário da maioria das capitais no país, para não falar dos grandes veículos pelo mundo afora, usar roupas sociais nunca foi praxe nas redações. Prisco entrou em 1980 e ficou cinco anos na reportagem, a maior parte do tempo na editoria de Política. Depois, teve uma segunda passa-gem por “O Estado”, entre 1999 e 2003.
Ele entrou no jornal pelas mãos do jornalista Mauro Bento Pires, que era subeditor de Esportes e fazia parte da equipe de Mário Medaglia. “Trabalhávamos juntos na antiga Fundação Catarinense do Trabalho, pilotada pelo ex-deputado Orlando Bértoli”, conta Prisco Paraí-so. Na fundação, Mauro era assessor de imprensa e ele atuava como chefe de gabinete.
Como convinha a um iniciante, Prisco começou como repórter de Geral, ou Cidade, dependendo da época e de cada redação. “Tive como chefe de repor-tagem Luiz Fernando Arzua Bond, profissional com-petente”, recorda. Depois, passou a atuar como seto-rista do governo do Estado, na administração de Jorge Konder Bornhausen. “Tive o privilégio de integrar a editoria de Política, convivendo com profissionais de alto gabarito como Sérgio Lopes, Aluízio Amorim e Bonifácio Thiesen”, destaca.
Àquela altura, o Brasil ensaiava uma abertura, após 21 anos de uma ditadura ferrenha. Alguns meses antes, Florianópolis fora palco da Novembrada, episódio em que o presidente João Baptista Figueiredo se envol-veu numa confusão nas ruas centrais da cidade, junto com alguns de seus ministros. Para muitos analistas, o evento apressou o desembarque dos militares do poder no país. Prisco não pegou a pior fase, em que a mídia sofria com a censura e com os limites de manifestação impostos pelo regime.
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Jornalista começou como repórter de geral,
mas a identi!cação
maior foi com a política
Repórter de terno e gravata
Entrevista. Cláudio Prisco Paraíso
No entanto, na rotina da redação, ficou sabendo que o ex-governador Aderbal Ramos da Silva cos-tumava passar todas as tardes no jornal, ficando no seu próprio carro, onde conversava com dirigentes e editores do “mais antigo”. Um dos jornalistas que costumavam falar com Aderbal era Luiz Henrique Tancredo, que neste caderno, em depoimento, nega ter alguma vez ouvido do ex-governador pedidos para censurar qualquer tipo de matéria.
Sobre o período de “O Estado”, Prisco Paraíso faz questão de ressaltar, além de Sérgio Lopes e Aluízio Amorim, que muito o ensinaram, o aprendizado fa-cultado pela convivência com Laudelino José Sardá, o redator-chefe (com funções de editor-chefe). Não me-nos experientes, considera “mestres” também Antônio Kowalski Sobrinho e Mário Medaglia, que estavam na redação desde a década anterior.
Outro fator que o faz ter boas lembranças do jornal era o ambiente saudável e de amizade, “sem essa his-tória de hierarquia ou arrogância”. Marcílio Medeiros Filho, Luiz Henrique Tancredo e Osmar Schlindwein, além do próprio Sardá, interagiam com muita naturali-dade, diz ele. Não menos significativa era a convivên-cia fora da redação, porque o grupo realizava encontros informais após o expediente ou em ocasiões especiais, “quase sempre abrilhantados pelo atilado repórter Car-los de Carvalho Neto”, destaca.
Mesmo que as principais coberturas de “O Estado” tenham sido das tragédias climáticas que castigaram Santa Catarina nos anos 1980, Cláudio Prisco Paraíso se lembra especialmente de fatos que envolveram a sua editoria. “Destaco o restabelecimento das eleições dire-tas para os governos estaduais e a primeira eleição nas capitais depois que a Revolução aboliu o voto direto, respectivamente em 1982 e 1985”.
Atualmente, ele mantém o Blog do Prisco, onde publica informações, artigos, entrevistas, áudios e ví-deos do programa que apresenta no programa “SBT Meio-Dia”. O blog tem a participação do também jor-nalista Fabian Lemos.
O ESTADO
ANOS
1001964 1966 1968
uJoão Goulart é
deposto do poder
pelos militares
uComeça a
Revolução Cultural
na China
uProtestos estudantis
em vários países
O ESTADOESPECIAL Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 64
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 65
Formado em jornalismo e direito, João dos Passos Martins Neto, atual pro-curador-geral do Estado, começou sua vida profissional nas redações. Primeiro no “Diário Catarinense”, na fase de implantação do jornal em Santa Catarina, entre 1986 e 1989. Migrou para “O Estado” neste últi-
mo ano, a convite de Mário Pereira, que deixou o “DC” para ser o editor-chefe do “mais antigo”.
“Foi uma experiência muito rica, um novo desafio para minha carreira, assumindo o posto de chefe de re-dação. Mário fora chamado por José Matusalém Comelli para promover uma reformulação total em “O Estado”, tornando o jornal mais popular, com foco no noticiário policial e comunitário”, conta João dos Passos.
A mudança incluiu uma reforma gráfica importante, com a implantação da diagramação “em bloco”, ou seja, com as matérias alinhadas geometricamente, proporcio-nando uma apresentação mais leve para a leitura.
“Chegamos a escrever um manual de diagramação com 60 artigos, orientando os diagramadores quanto a essa nova sistemática”, lembra o procurador-geral.
Ele destaca também a criação do Domingo Magazine, suplemento especial que circulava nos fins de semana, com matérias de fundo cultural e também de entreteni-mento e comportamento. O projeto gráfico diferenciado foi desenvolvido por Fábio Veiga, hoje empresário do ramo publicitário (Neovox).
“Tínhamos também uma coluna chamada Janela In-discreta, cujo propósito era revelar por inteiro o pensa-mento e o estilo de vida de algumas celebridades locais. A primeira entrevista foi feita pelo Beto Stodieck com a modelo Roberta Pereira”, diz João dos Passos.
Ele recorda também o acompanhamento, passo a pas-so, das investigações em torno do assassinato do colunis-ta social Norton Batista da Silva, ocorrido em 15 de julho de 1989. O Caso Norton, como ficou conhecido, nunca foi solucionado.
De olho no telex
Outro fato de repercussão – este, no plano internacio-nal – foi a Guerra do Golfo, que estourou em 2 de agosto de 1990. João dos Passos e o editor-executivo, Toninho Kowalsky, acompanhavam as agências de notícias e ti-nham a percepção de que, naquela noite de 2 de agosto, começaria o conflito entre os Estados Unidos e o Iraque. Ficaram de plantão no jornal até o início da madruga-da, esperando a chegada de um telex (não havia inter-net) anunciando a guerra. Não deu outra: por volta das 2 horas da madrugada, uma das máquinas – “O Estado” tinha uma sala com cinco aparelhos de telex – começou a funcionar.
“Era um texto curto, basicamente um lead (o início de uma matéria), confirmando a guerra. Foi a manchete do jornal – e essa era a nossa intenção, bater de frente com a concorrência (DC). Como não tínhamos foto, op-tamos por reproduzir a mensagem da agência de notícias na capa. Não tenho dúvida que fizemos uma edição his-tórica”, observa.
A morte de Beto Stodieck
João dos Passos Martins Neto desistiu do jornalismo em 1992.
“Já tinha aprendido bastante. “O Estado” tinha de!ciên-cias crônicas em sua estrutura, percebi que aquilo não me serviria mais, mas foi uma experiência muito rica, ao lado do Mário Pereira, da Ludmila Souza, Deborah Almada, João Carlos Mendonça Santos, Ângelo Medeiros, Moacir Perei-ra, Fábio Veiga, Bonson, Janine Koneski, entre outros.”
O jornalista acompanhou a agonia do colunista Beto Stodieck, em 1990, que morreu vítima de AIDS.
“Muito doente, sem condições de trabalhar, ele insis-tia em fazer a coluna, que era praticamente a sua vida.
MA
RC
O SA
NT
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O/N
DMinha passagem
pelo jornal foi
uma experiência
muito rica,
transformadora.
Atual procurador-geral do Estado, João dos Passos
Martins Neto começou a vida
pro ssional como
repórter
Entre o jornalismo e o direitoEntrevista. João dos Passos Martins Neto
Mas não resistiu e acabou nos deixando um vazio, abrin-do uma grande questão: como substituí-lo?”
Foi nessa ocasião que “O Estado” buscou o jornalista Urbano Salles, transformando-o em colunista.
“Foi a estreia do Urbano como colunista, ficou muitos anos na função. Hoje atua em assessoria de imprensa e tem uma coluna no jornal ‘Imagem da Ilha’”.
Deixando “O Estado” em 1992, João dos Passos fez concurso para a Procuradoria-Geral do Estado e para a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), onde leciona, entre outras, a disciplina de Liberdade de Ex-pressão, no curso de Direito.
“É lecionando essa disciplina que ainda me sinto um pouco jornalista”, finaliza.
O ESTADO
ANOS
1001969 1973 1974
uHomem chega
à Lua
uAllende é
derrubado por
Pinochet no Chile
uRichard Nixon
renuncia
O ESTADOESPECIAL
Cem anos... Seu diretor, Rubens de Arruda Ra-
mos, esteve à frente da redação desde os anos
40 até sua prematura morte, em 1965. Era meu
pai. Jamais o vi escrever à máquina. Só à mão.
Tinha uma letra delicada, !rme, com que pre-
enchia diariamente as resmas de papel em que
manifestava sua opinião, seja através de artigos de fundo, sueltos
ou brincadeiras como o ‘Buscapé’. Mas sua grande criação foi o
“Frechando”, onde assinava como “Guilherme Tal”.
Ali cabia tudo. Desde a última fofoca política até a pesada criti-
ca de teor político. Nunca li nenhuma ofensa nas suas linhas. Lem-
bro-me de uma ocasião em que o principal artigo, publicado na
primeira página, abordava um aspecto qualquer da administração
vigente, a de Irineu Bornhausen. Pois nesse dia quiseram os fados
que meu pai sentisse forte dor de dentes e logo corresse ao Dr.
Moenick. Lá chegando, encontrou um cliente na sala de espera,
lendo avidamente o seu artigo, que desdenhava a estrada do Rio do
Rastro ou a preferência de Cabeçudas pela Capital, coisa assim.
Terminada a leitura, o cliente voltou-se e deu de cara com seu
algoz. Tratava-se de ninguém menos do que o governador, tam-
bém a"igido por uma crise dentária. A saia justa demorou uma
meia hora, perpassada por um silêncio tumular.
Meu pai dava pouca importância à administração física do jor-
nal, que !cava a encargo de Domingos Fernandes de Aquino, o
“Dominguinhos” – mas não abria mão do controle editorial. Os
colaboradores eram da melhor estirpe. Barreiros Filho, Othon
Gama D’Eça, Renato Barbosa, Oswaldo Cabral (que escrevia es-
condido pelo pseudônimo de Egas Godinho) e tantos...
Gama D’Eça era, sobretudo, um colaborador divertido. Subia
as rangentes escada do prédio da Conselheiro Mafra escandindo o
seu bordão: “Mataram um homem no mercado”. A quem desejas-
se detalhes, era cruel: “ Doze facadas”.
Um jovem repórter, vindo do Nordeste, era um tipo peculiar.
Sempre de terno e gravata, Fernando Souto Maior jamais perce-
bia a “boutade” do escritor e desabalava para o Mercado Público
à procura do cadáver. Voltava decepcionado. Ia chorar a mágoa
com o gerente: “Mas seu Domingos, esse escritor não é um ho-
mem sério, tão conceituado, como pode fazer uma coisa des-
sas...”. Nunca aprendeu a lição: dez vezes Gama D’Eça ia a jornal,
dez vezes Fernando corria para o mercado esperando encontrar o
morto esfaqueado...
Getúlio e o Anjo Negro
Quando acordei para o mundo, “O Estado” encontrava-se
em frente ao Clube Doze de Agosto, na rua João Pinto. Era então
um “jovem” de 35 anos. Depois mudou-se para a Praça 15, nos
altos do Restaurante Rosa. Ali, com 10 anos de idade, presenciei
da sacada o prenúncio de uma cena que iria se repetir, quatro
anos depois, com o presidente Getúlio Vargas, com contornos
profundamente dramáticos. Era a visita do candidato a Santa
Catarina, que tanta confusão provocou no mundo político – mas
eu queria me referir à confusão que ocorreu debaixo das minhas
vistas.
Getúlio vinha num carro aberto, praticamente empurrado
pela multidão, subindo a praça em direção ao Palácio do Gover-
no. Nesse momento, apareceu um homem a cavalo, de botas e
bombachas, tentando se aproximar do carro, distribuindo chico-
tadas em quem estivesse pela frente.
O “Anjo Negro”, que seguia o cortejo, deu-se conta da
ameaça e partiu para cima do cavaleiro. Embora a diferença de
porte, Gregório tomou o bridão do animal, segurou seu condu-
tor e puxou-o para o chão, onde o entregou aos agredidos, que
praticamente o lincharam. Tenho a impressão de que Getúlio
nem notou – assim como quatro anos mais tarde não observou a
atuação do seu guarda-costas, que acabou lhe custando mais do
que o mandato – custou-lhe a própria vida.
Dá pena que tenha morrido
Comecei a trabalhar no “Estado” aos 16 anos. Antes tinha
feito uma cobertura esportiva singular, apenas para agradar o
meu professor de latim, o Padre Ernesto. O Colegial, time ama-
dor do Colégio Catarinense, jogava uma vez por semana. E lá
estava o jovem repórter, aos 14anos, para registrar e melhorar
sua nota de latim... Ainda bem que o time ajudava — pra come-
çar, o goleiro, imbatível, era Marcio Collaço.
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DAli cabia tudo.
Desde a última
fofoca política
até a pesada
critica de teor
político.
Em 1972, quando o jornal passou a ser impresso em offset, veio a geração dos
melhores jornalistas de Santa Catarina
Crítica política, sem ofensasDepoimento. Paulo da Costa Ramos (*)
Depois, nas eleições de 1958 e de 1960, já alçado ao posto de
editor, !z a cobertura [evidentemente tendenciosa} das eleições –
ocasião em que inventei o clichê de duas folhas de zinco.
Para desespero de Doralécio Soares, arrendatário da clicheria,
programei uma bela foto de um comício do candidato Celso Ramos
a governador. Ordenei que a foto fosse ampliada. Daí a necessidade
de duas folhas.
A capa de “O Estado” foi o ponto de virada do pleito. A impren-
sa do governo !cou duas semanas tentando desquali!cá-la, ora era
falsa, ora era um truque fotográ!co. O comício de Tubarão acabou
entrando na história da eleição de 60, em que Celso Ramos derro-
tou Irineu Bornhausen.
Afastei-me do jornal em 1961, para voltar em 1972, quando
o jornal passou a ser impresso em offset. Veio daí uma geração
dos melhores jornalistas de Santa Catarina, começando por Marci-
lio Medeiros Filho, seu editor-chefe, e continuando com Sergio da
Costa Ramos, Luiz Henrique Tancredo, Sergio Lopes, Paulo Dutra,
Orestes Araujo – todos debaixo da supervisão de Osmar Schlin-
dwein, o “Amarelo”.
Dá pena que tenha morrido.
(*) Jornalista, foi repórter, editor, cronista e colunista de “O Estado”
O ESTADO
ANOS
1001981 1983 1985
uCientistas isolam o
vírus da AIDS
uInternet é
criada
uTancredo
Neves morre
após eleição
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 66/67
Quando alguém diz que Sérgio da Costa Ra-
mos começou de calças curtas em “O Es-
tado”, não está sendo cínico ou exagerado.
Antes dos 17 anos, !lho de Rubens de Ar-
ruda Ramos, diretor do jornal, ele já estava
na redação, primeiro como curioso, depois
na condição de revisor, e só não passou a escrever crônicas
porque o pai, cauteloso, achava que ainda era cedo para
voo tão ousado. Aquele era o tempo da rádio-escuta e do
gillette-press, jargão do jornalismo que pode ser entendido
como a cópia – ou melhor, o recorte escancarado – de notí-
cias de outros veículos para publicação não autorizada, no
caso, num jornal local.
Hoje, aos 67 anos, ele ri dos tempos em que, quando os
aviões não desciam no Hercílio Luz por causa do mau tempo,
o gillette-press dava vez à rádio-escuta: os técnicos ouviam a
Nacional, a Mayrink Veiga, a Globo, a Tupi e a Bandeirantes,
com toda a atenção possível, para produzir os noticiários. Na
Guarujá, eles cortavam textos dos jornais cariocas, os preferi-
dos dos leitores da Ilha, e mandavam o material para o outro
lado da praça, mais precisamente o “pardieiro” da rua Conse-
lheiro Mafra. Quando não havia jornais, as emissoras de fora é
que salvavam os redatores de plantão.
A primeira grande inovação foi o advento do telex, já
no início dos anos 70. A UFSC (Universidade Federal de
Santa Catarina) foi a responsável pela novidade. Levados
por Moacir Pereira, assessor da instituição, Sérgio e alguns
colegas foram ver, na antiga reitoria da rua Bocaiúva, o
“novo milagre da instantaneidade”, com teclas que “traba-
lhavam” sozinhas a partir de impulsos vindos de longe. Os
textos das agências de notícias chegavam prontinhos, orga-
nizados, dentro dos padrões, com lead e todas as regras do
jornalismo objetivo, que ganhava corpo.
“Era uma época romântica, de gente amadora, mas com
talento, de homens de letras e estudantes de !loso!a, socio-
logia e direito que circulavam nas redações”, conta Sérgio.
Neste sentido, “‘O Estado’ foi uma grande universidade de
jornalismo”. A manufatura era a arqueologia, feita na linotipo,
com as páginas chumbadas a quente. Como revisor, ele lia tí-
tulos, anúncios e matérias de cabeça para baixo nas provas, e
também se submetia à toxicidade do chumbo, que obrigava os
operadores a tomarem muito leite para não !carem doentes.
“Os jornais eram
uma espécie de Senadinho”
O jornal “O Estado” foi comprado por Aderbal Ramos
da Silva no !nal da década de 1940 e se tornou o porta-voz
do PSD (Partido Social Democrático). Não havia tantas
agremiações partidárias assim, e elas se serviam do jorna-
lismo para difundir suas ideias. Rubens de Arruda Ramos,
a!nado com Aderbal, !cou até junho de 1964, concorrendo
com “A Gazeta”, que respaldava a UDN (União Democrá-
tica Nacional). “Os jornais eram uma representação popu-
lar, uma espécie de Senadinho”, a!rma Sérgio. Até ali, os
periódicos continham mais notas internacionais, informa-
ções de serviço e algumas notícias da cidade.
Com o golpe de 1964, veio a censura. O jornal era visita-
do pelos agentes da Polícia Federal e o Ministério da Justiça
arrolava os assuntos proibidos, uma lista negra de temas – em
suma, um “index”. Por causa disso, um dia a página de Polí-
tica saiu em branco, uma forma de protesto contra a ação dos
censores. Na manhã seguinte, a cidade inteira queria saber o
que acontecera, opinava sobre as razões daquele espaço vazio,
fazia conjecturas e especulações. Não demorou para todos sa-
berem que os agentes da PF andaram visitando a redação.
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Na época, a
política era
exercida por
gente mais digna
e a atmosfera
era de respeito,
embora houvesse
o banditismo e
as fraudes.
Um menino curioso na redação
Entrevista. Sérgio da Costa Ramos
Com o offset, que também veio com os anos 70, o jornal
tinha um horário mais rígido para o fechamento. “Apagáva-
mos as luzes do saguão para dar a entender que a edição esta-
va fechada”, conta Sérgio. “A PF não gostou daquele espaço
em branco, mas realmente tínhamos um horário, pelos limites
da rotoplana. Mudamos a rotina dos agentes”. Mesmo assim,
lamenta o jornalista, a pressão sobre as redações se estenderia
por muito tempo: “A ditadura era para terminar em seis me-
ses e durou 21 anos”.
Em sua passagem pelo “mais antigo”, Sérgio também fez
esporte e trabalhou no Caderno 2, com Marcílio Medeiros
Filho e Raul Caldas Filho, colegas que depois o acompanha-
ram no “Jornal da Semana”. Trabalhou ainda no “Jornal de
Santa Catarina” e foi correspondente da “Veja” no Estado.
Quando morou na Inglaterra, cobriu para revistas semanais
o casamento do príncipe Charles e Diana. E, já no “Diário
Catarinense”, acompanhou as duas posses de Bill Clinton nos
Estados Unidos e a Copa da França, em 1998.
Revisar publicações legais e a programação de cinema às
avessas estava longe da provação que seria a relação proble-
mática de Sérgio da Costa Ramos com a Polícia Federal. Por
causa de três crônicas – “Por que morre Edson Luís?”, sobre
o estudante morto no restaurante Calabouço, no Rio de Janei-
ro; “Por quem os sinos dobram?”, sobre o enterro do mesmo
estudante; e “Arthur e eu na calada da noite”, referência do
general-presidente Arthur da Costa e Silva – cujo teor foi in-
formado ao SNI (Sistema Nacional de Informações), em Bra-
sília, ele foi considerado subversivo e !cou preso durante seis
meses em Florianópolis e outros seis em Curitiba.
A prisão ocorreu em 8 de dezembro de 1968, poucos dias antes
da edição do AI-5, quando a linha dura dos militares conseguiu im-
por um recrudescimento do regime. Até então havia uma relativa
liberdade de imprensa, mas o afrouxamento durou pouco e o Ato
Institucional revogou a Constituição e as garantias e direitos indivi-
duais. “Perdi um ano na faculdade de Direito por causa da prisão, e
depois mais um ano porque não me deixaram sair para fazer a pro-
va”, relata Sérgio. “E ninguém quis ser meu advogado de defesa”.
Quando sua ex-mulher, professora da UFSC, foi fazer um
curso em Londres, Sérgio aproveitou para sair de cena, por-
que a atmosfera aqui era adversa para o exercício do jornalis-
mo. Havia uma nova ordem, e os jornalistas foram vítimas de
perseguições e ameaças.
Tempos áureos da política
Falando dos tempos românticos do jornalismo, Sérgio res-
salta que havia muitas questiúnculas partidárias que coloca-
vam amigos e até irmãos uns contra os outros. Foi o caso das
disputas entre os irmãos Rubens e Jaime de Arruda Ramos,
um no PSD, outro na UDN. Contudo, à parte das diferenças
políticas, eles se davam bem. Mesmo assim, os pessedistas
não reconheciam as obras de Irineu Bornhausen, o gover-
nador da UDN. Quando este pavimentou a serra do Rio do
Rastro, “O Estado” dizia que a obra era uma !cção udenista.
Depois, falando da “caravana da vitória” do PSD, disse que
ela passou pela estrada – já não mais uma ficção, porque pal-
milhada pelos próceres do partido!
“A política era exercida por gente mais digna, correta, e a atmos-
fera era de respeito”, destaca Sérgio. Já o bom jornalismo deu um
exemplo no episódio da Novembrada, a que o “Jornal da Semana”
batizou de “batalha do calçadão”. Com os fotógrafos Orestes Araújo
e Paulo Dutra nas ruas, o semanário não só mudou a capa e fez “uma
edição espetacular” (com dez páginas sobre o evento), como, por
telefone, abasteceu o repórter Luiz Mir, catarinense que estava no
“El País”, da Espanha. O jornal madrilenho trazia na manchete a in-
formação bombástica de que o presidente João Baptista Figueiredo
havia levado um tapa em praça pública.
Política, censura, esporte e Caderno 2 foram alguns dos desa!os enfrentados
Estudantes catarinenses das últi-mas duas décadas com certeza ti-veram que aprender muito com (e sobre) Raul Caldas Filho. O vete-rano jornalista teve seu livro “Oh Que Delícia de Ilha” incluído no
vestibular da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) como leitura obrigatória. Obra de crônicas, best-seller indiscutível do autor, com cinco edições, mais de 7.000 exemplares vendidos, uma proeza em se tratando de litera-tura do Estado.
Mas não é só isso: Raul é autor de outros dez livros, desde “Delirante Desterro” (1980) até “A Ilha dos Ventos Volúveis” (2011), e prepara o lançamento do 12o, “Assassinato ao Luar”, para julho deste ano.
Jornalismo e literatura se confundem perma-nentemente na trajetória de vida desse escritor inquieto, nascido em São Francisco do Sul há 74 anos, mas radicado em Florianópolis desde a adolescência. Raul é de uma geração que, nas redações, vivia em constante ebulição criativa. As reportagens eram vividas e escritas com pai-xão, os repórteres tinham o que se pode chamar de “imaginação literária”, caprichando muito na estruturação dos textos.
Ele conheceu um período intenso do jornal “O Estado”, de seu ingresso como free-lance, ainda nas fase da linotipo, em 1963, até a saída definitiva em 1995, “com idas e vindas que leva-ram o diretor Osmar Schlindwein a dizer, certa vez: ‘não assino mais a tua carteira’”. Raul nem lembra quantas vezes foi admitido e, depois, se demitiu em busca de outros projetos – como um período de dois anos no Rio de Janeiro, onde foi redator e repórter da célebre revista Manchete.
Grandes reportagens
Além das grandes reportagens – algumas de-las incluídas no livro “O Solitário das Galés” –, Raul Caldas Filho foi também repórter político e de Geral de “O Estado”, nuns tempos de es-cassa mão de obra especializada, muito antes da profissionalização que viria com a fase offset (1972) do jornal.
Mas ele confessa que se realizava com as grandes reportagens, matérias especiais sobre temas e personagens bacanas de Santa Catari-na, um tipo de jornalismo diferenciado dos anos 1960 a 1980 e mais raro hoje em dia. Era o re-pórter transformando boas pautas em textos de imensa riqueza literária e jornalística, muitos deles atemporais, outros, muito assemelhados ao gênero da crônica.
A crônica, a propósito, esteve presente quase sempre na carreira de Raul em “O Estado”, com publicações semanais ou, às vezes, esporádicas. Em geral, tratando de temas muito caros a Flo-rianópolis e ao litoral catarinense: personagens típicos, histórias engraçadas ou tragicômicas, tudo aquilo que acabou despertando o gosto do leitor médio. Isso explica por que, ao longo de mais de 30 anos, os livros do jornalista e escritor alcançaram tanto sucesso de público.
Dedicação à literatura
“Fiz de tudo em “O Estado”, do copidesque (função de reescrever textos), à reportagem, à redação, à edição, colunas, crônicas. Fui editor do Caderno 2, que circulou entre as décadas de 1970 e 1980, com grandes reportagens e muitas matérias e colunas culturais. Somando todas as idas e vindas, fiquei mais de 30 anos no jornal,
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O veterano
jornalista
como leitura
obrigatória.
O escritor e jornalista
prepara seu 12o livro, de contos
Riqueza intelectual no OE
Entrevista. Raul Caldas Filho
tínhamos uma relação de muito carinho e proxi-midade, “O Estado” era o jornal de Florianópolis, uma instituição da cidade, desde os tempos do Velho Pardieiro (casarão onde funcionava na rua Conselheiro Mafra) à sede definitiva na SC-401”, lembra Raul.
Em sua memória, conserva momentos extraor-dinários vividos dentro da redação, como a ago-nia de Tancredo Neves, em 1985.
“Naquele ano, estava como free-lance na edi-toria política, justamente a que acompanhava o caso de Tancredo. Passamos madrugadas inteiras à espera do desenlace, era raro sairmos cedo da redação”, conta.
Depois que saiu de “O Estado” em 1995, Raul passou a dedicar-se apenas à literatura. Que con-tinua sendo a maior paixão, para alegria da sua imensa legião de fãs.
O ESTADO
ANOS
1001989 1991 1992
uQueda do muro
de Berlim
uFernando Collor de
Mello é eleito presidente
uFim
da União
Soviética
uFernando
Collor de Mello
renuncia
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 68/69
Quando Marco Cezar chegou a Florianópolis, em
meados de 1980, precisou de força de vontade
e muito amor próprio para vencer a resistência
dos colegas de pro!ssão, que dominavam a área e o chamavam de “fotógrafo de madames”. Mas
foi essa recepção hostil que alimentou seu de-
sejo de provar que era bom e que poderia passar por cima de qualquer obstáculo. “Fiquei mordido”, admite hoje, e pouco tempo depois já inspirava a admiração dos pares e o temor dos concorrentes, fosse no fotojornalismo, fosse com quem tam-
bém clicava madames para colocá-las nas colunas sociais. Aos 68 anos, mas aparentando bem menos, ele e o !lho Caio Cezar mantêm na Ilha um estúdio que ainda produz muitas fotos e a revista “Mural”, já na 66a edição, com tiragem de 5.000 exem-
plares.
Foi também com descon!ança que os pro!ssionais da foto-
gra!a de “O Estado” o receberam, porque chegou com os me-
lhores equipamentos, dinheiro e ousadia para fazer a diferença. O fato de não saber o que era um “boneco” (jargão jornalístico que designa a foto de uma pessoa em que aparecem apenas o rosto e parte do tronco) e a inexperiência com o dia a dia de re-
dação custaram-lhe caro, mas logo o forasteiro que ainda hoje fala “entendeu, mano?”, com sotaque paulistano, deu a volta por cima. Sem falsa modéstia, diz que “em seis meses já tinha passado por todos eles”.
A primeira cobertura marcante foi a da enchente de 1983 em Rio do Sul, onde chegou de helicóptero, acompanhado pelo
jornalista Aluízio Amorim, cujos parentes moravam na região. “Fomos jogados num morro da cidade e andamos a pé, de car-roça e de barco para chegar onde o cenário era de devastação”, conta Marco Cezar. “Fomos a única equipe de jornal que des-ceu no município. O equipamento era pesado e usávamos !l-mes, que tivemos de trazer dias depois para Navegantes, pelo ar, e daí por terra para Florianópolis. As fotos foram para o mundo inteiro, mas Aluízio, com problemas de ouvido, sofreu muito com o barulho do helicóptero, chorando copiosamente a viagem inteira”.
A ideia inicial de Marco Cezar era conhecer algumas capi-tais brasileiras para depois, dependendo do que encontrasse, se estabelecer numa delas. Seu pai era um fotógrafo bem-suce-
dido em São Paulo, onde atendia grandes empresas e clientes de outros Estados, ganhando o su!ciente para comprar cinco carros de cada vez, quando fosse a hora de renovar a frota. De-
pois, com um sócio, Marco trabalhou em Curitiba, onde tam-
bém fez capital e pensava até em comprar um avião. Ao chegar à Ilha, encantou-se com a paisagem, com o barulho das tábuas das pistas de rolamento da ponte Hercílio Luz e com o vão do Mercado Público, onde ainda passavam carros e havia uma loja com dezenas de gaiolas de passarinhos.
Depois de cobrir as festividades do centenário de Criciúma, evento que lhe rendeu bom dinheiro por causa dos álbuns que vendeu, foi atrás de trabalho na Capital, procurando “O Esta-
do”, “A Gazeta”, “A Ponte”, “A Ilha”, o “Jornal da Semana” e as sucursais de “A Notícia” e “Jornal de Santa Catarina”, en-
tre outros periódicos. Eram muitos jornais para uma cidade só, mas custou para surgir uma vaga. Começou a concorrer com
os fotógrafos de eventos sociais, área também loteada, onde pontuavam Paulo Dutra, Walmor Oliveira, Édio Mello e Ale-
mão Bayer. Alugou um estúdio na avenida Beira-Mar Norte, pagando seis meses adiantado, mas ninguém procurava seus serviços. Quando passou a circular com o colunista Beto Sto-
dieck, a quem já conhecia dos tempos de São Paulo, sua sorte começou a mudar.
Outro amigo, Cacau Menezes, entrou em “O Estado” no lu-
gar de Beto, mas a oportunidade foi concretizada quando o pre-
miado fotógrafo Renato Souza espatifou a máquina que usava, num ato de protesto, no piso da redação, e saiu da empresa. A vaga estava prometida a outro pro!ssional, mas Marco foi chamado pelo diretor presidente do jornal, José Matusalém Co-
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Com os melhores
equipamentos,
dinheiro e
ousadia para
fazer a diferença.
Considerado um “fotógrafo de madames”, Marco enfrentou o preconceito e elevou o nível do fotojornalismo
Forasteiro de peso
Entrevista. Marco Cezar
melli, para fazer uma foto alusiva ao Dia dos Pais, junto com o filho Fábio e a filha Luciana – e aí o jogo virou. Bem depois dos 30, arranjou seu primeiro emprego com carteira assinada.
Uma vez admitido, Marco Cezar foi para as ruas atrás de fotos que ainda não havia tentado fazer. Na primeira semana, foram várias capas com suas imagens, para surpresa geral. Num clássico entre Avaí e Figueirense, quis ir sozinho, cumprindo o plantão, sob o temor dos colegas de que não daria conta das ar-madilhas que as partidas noturnas reservam para os fotógrafos. Depois de 20 anos fazendo fotos de debutantes, usando sempre o recurso dos jogos de luz, e munido de uma lente especial,
pegou o pontapé inicial e o gol mais rápido do campeonato, numa sequência que após 15 minutos de bola rolando chegou à redação. O !lme parou nas mãos do revelador Carlos Silva e o resultado eliminou qualquer dúvida sobre a capacidade do fotógrafo.
Outro desa!o foi cobrir a farra do boi em Governador Cel-so Ramos, sem ser avisado de que máquinas fotográ!cas não são bem-vindas por aqueles lados. Com a repórter Beth Ka-
ram, Marco correu atrás do boi ao lado dos farristas, até que uma chuva de limões deu o primeiro alerta. Em seguida, ele descobriu um caranguejo e areia da praia dentro de sua bolsa de trabalho. E quase desmaiou quando alguém avisou a turba de que seu Fiat 147 estava à beira da praia e que poderia ser empurrado para o mar.
Por !m, o chamado “caso Norton” envolveu-o até a medula num episódio marcante da cidade. Pelo telebip, ancestral do te-
lefone celular, foi avisado, enquanto fotografava um casamen-
to no clube Doze de Agosto, que o colunista Norton Batista da Silva sofrera um acidente na avenida Hercílio Luz, a 50 metros dali. Correu e chegou na hora em que os policiais isolavam a área para a perícia. Ainda assim, fez algumas imagens e depois registrou a chegada do corpo sem vida ao hospital. “Ele estava todo furado pelos tiros”, relembra. Marco chegou a ser arrolado no processo como suspeito, porque chegou logo depois que o crime (supostamente um latrocínio) aconteceu, mas o relatório da central de telebip o isentou de culpa. E ele ainda saiu por cima, com imagens exclusivas.
Defesa da categoria
O inconformismo com as condições de trabalho fez com que Marco Cezar brigasse pela criação de um setor de trans-porte no jornal “O Estado” – até então, os fotógrafos recebiam o equivalente a 600 litros de gasolina por mês e entravam com carro e equipamentos. Ele mostrou aos colegas e à direção que aquilo era um mau negócio para todos, e conseguiu que a em-
presa comprasse cinco Gol “chaleira” que resolveram, pelo menos por um tempo, a situação. Também lutou pelo direito de os fotógrafos terem sua imagem creditada não apenas na capa, mas em todas as páginas do jornal. Nas coberturas diá-
rias, quando os carros atrasavam, ele aproveitava o tempo para ler. “Adorava chá de banco, porque lia pelo menos um livro por semana”, brinca.
Quando os salários começaram a atrasar, o fotógrafo – dono de um dos melhores vencimentos da redação – achou que não deveria !car para apagar as luzes e foi embora. Ainda manteve a coluna Foto Legenda em “O Estado”, de página inteira e com liberdade para publicar o que quisesse, mas depois de um ano desistiu e foi tocar o estúdio, sempre com muito trabalho.
“Fascinante” é o adjetivo usado por Marco Cezar para de!-
nir os anos que passou por lá. “Um dia andava de carro, outro de barco, outro de avião, outro a pé, outro de carroça”, recor-da. “Um dia estava no Palácio do Governo, e outro, na favela. Era uma surpresa atrás de outra. Não queria outra coisa, outro mundo. Tornei-me amigo de políticos, deputados, vereadores. Conheci gente como Paulo Dutra e Orestes Araújo, que logo reconheceram meu potencial. ‘O Estado’ foi a melhor escola da minha vida”.
A formação humanística devo à família na
infância e aos padres jesuítas durante a
adolescência no Colégio Catarinense. A
educação em Direito e Ciência Política
veio da Faculdade de Direito da UFSC.
A consciência crítica se aprimorou na
presidência do Sindicato dos Jornalistas durante o regime
militar. Mas o aprimoramento profissional, com injeções
de energia na paixão pelo jornalismo aconteceu na reda-
ção do “O Estado”.
Vivi fases distintas na redação do “mais antigo”.
Na primeira, com apenas 21 anos, subindo as escadas
de madeira do velho casarão da rua Conselheiro Mafra
para assinar a coluna “Grande Florianópolis”. Imaturo
e inexperiente, arrisquei-me demais e fui convidado a
“passar na tesouraria”. O talentoso Marcilio Medeiros
Filho, o editor-chefe, recebia-me com o título de “Pe-
reira, o sutil”.
A segunda registrou-se já depois de alguma experiên-
cia no jornalismo impresso. Marcilio convidou-me para
a série “Moacir Pereira entrevista”. Todos os domingos
o jornal publicava uma ou duas páginas tamanho “stan-
dard” com as principais celebridades nacionais e estadu-
ais. Nesta época, o jornal funcionava na rua Felipe Sch-
midt, ao lado da Assembleia de Deus.
E a terceira, mantida durante décadas, a coluna na
página 2, seguindo o modelo da “Coluna do Castelo”,
no “Jornal do Brasil”: um comentário de abertura, 10
a 12 notas e algumas telegrá!cas. Aí, já na moderna
sede da SC-401.
Um período efervescente, em que repórteres, re-
datores e colunistas suavam a camisa para enfrentar
o “Jornal de Santa Catarina”, pioneiro em offset e o
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Imaturo e
inexperiente,
arrisquei-me
demais e fui
convidado a
‘passar na
Tesouraria.
Nas décadas de 1980
e 1990, “O Estado”
se transformou
numa usina
de ideiasMemória de um período efervescente
Entrevista. Moacir Pereira
principal concorrente. Uma saudável disputa, em
que o leitor era sempre o maior beneficiado. Entre-
vistas, reportagens, edições primorosas, muita cria-
tividade e o resultado final de um trabalho coletivo
marcado pelo profissionalismo e pela solidariedade.
Com uma retaguarda técnica e logística, formáva-
mos todos uma grande família, em clima de amizade
e companheirismo.
Nenhuma sugestão de pauta era desprezada, e todas as
idéias eram avaliadas e discutidas pelo grupo. A palavra
de ordem era “surpreender” sempre... e todo dia. Repór-
teres, editores e colunistas desdobravam-se em matérias,
temas, personagens da Capital e do Estado para produzir
as melhores matérias. Uma redação irriquieta que procu-
rava se superar todos os dias, questionando e inovando
sempre. Tudo ainda muito distante da era digital, com
máquina de datilografia, radiofoto, depois telex, mais
tarde a revolução do fax. Mas ainda sem as maravilhas
da internet. As únicas ferramentas que ficaram: a caneta
e o bloquinho de anotações.
Um período em que jornalista trabalhava 24 horas
por dia, dormia pensando nas reportagens do dia seguin-
te, aprimorava o trabalho no contato direto com as fon-
tes, testemunhava os fatos, pesquisava nas bibliotecas
e arquivos, estudava a pauta das entrevistas, reescrevia
o texto várias vezes e, dicionário Aurélio ao lado, sele-
cionava com precisão as melhores palavras para mostrar
a realidade.
Nas décadas de 1980 e 1990, “O Estado” não se
projetou apenas com o melhor jornal de Santa Catarina.
Transformou-se numa usina de ideias e fermentador de
ideais, formando na prática os melhores pro!ssionais de
jornalismo impresso na história.
O ESTADO
ANOS
1001994 1999 2000
uFernando
Henrique
Cardoso
é eleito
presidente
uCientistas
escoceses
produzem
clone de
uma ovelha
uBug do milênio
uGeorge W. Bush é
eleito presidente dos
Estados Unidos
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 70/71
Claudio de Menezes, o Cacau, filho
do jornalista e ex-deputado estadual
Manoel de Menezes, figura polêmica
na Ilha, aos 13 anos de idade foi o
mais jovem locutor esportivo do país.
Narrava para a rádio Jornal A Ver-
dade, do seu pai, que teve que pedir uma audiência
especial no Rio de Janeiro ao juiz de Menores Ari Ca-
vallieri. Ele autorizou Cacau, por ser menor, a trans-
mitir naquela noite, no Maracanã, o jogo Botafogo x
Metropol, de Criciúma, pela Copa do Brasil, fato que
repercutiu na mídia carioca e nacional.
Depois, aos 17 anos, já em outra, mudou a caracterís-
tica: de criança para adolescente, do futebol para o rock,
apresentando programas de rádio, promovendo festas,
grandes eventos musicais, esportivos e sociais.
Entrou para a TV em 1979, e até hoje, 36 anos de-
pois, continua no mesmo horário, canal e programa, o
Jornal do Almoço, apresentando um quadro que tem “de
tudo um pouco”, nome do seu programa com a filha Ma-
ria Claudia na TV COM.
Na juventude, criou, com Ricardinho Machado, o
primeiro jornal alternativo da cidade, “Rock, Surfe e
Brotos”, com tiragem de 5.000 exemplares. Era o início
das mulheres de biquínis nos jornais e da revolução de
usos e costumes na cidade, que trocava de nome: Floria-
nópolis passou a ser Floripa. E o Kioski passou a ser a
Bahia. “Crazy People: foi a minha melhor época, dos 17
aos 30. A cidade era simplesmente nossa, sensacional,
ia dormir ao som de Bob Marley, Black Sabbath, Steve
Miller Band, Jim Morrison, Jethro Tull, Peter Framp-
ton... Rolling Stones”, conta Cacau.
Crazy
People: foi
a minha
melhor
época, dos
17 aos 30.
Polêmica e irreverência
Entrevista. Cacau Menezes
“Sorte rapeize. E boa tarde”
Testado no rádio e tevê – e colhendo os louros do jor-
nal underground –, Cacau acabou colunista. Começou
no “Jornal de Santa Catarina”, passou pelo “Jornal da
Semana”, de Paulo da Costa Ramos, e chegou a “O Esta-
do” com a responsabilidade de substituir Beto Stodieck
num ambiente que ele aprendeu a conhecer e a gostar, o
mundo da cultura pop: !ores, sorrisos e guitarras eram
as armas daquela geração de cores e atitudes.
“Minha época no jornal “O Estado” foi inesquecí-
vel. Você chega para substituir o melhor, cheio de fãs?
E agora? Encarei. Precisava e gostava daquele empre-
go. Eu estava na TV, já era o mais conhecido da cidade,
o ‘sorte rapeize e boa tarde’ virou mania estadual. Deu
tudo certo, graças a Deus, até hoje. E muito agradeço
ao Comelli, Marcílio, seu Osmar (o Amarelo), e a todos
os colegas, a verdadeira nata do jornalismo catarinense,
com quem trabalhei naqueles anos dourados. Eu jamais
os esquecerei. Muitos já se foram”.
Depois de “O Estado”, em 1986, Cacau foi para o
“Diário Catarinense”, onde está até hoje, com duas pá-
ginas diárias.
Já não se lembra de muita coisa, mas centenas de
jornalistas se recordam dele – e com carinho. Os
22 anos de Zurildo Luiz Ferreira em “O Estado”
dariam um livro, pelas histórias que ouviu, tes-
temunhou ou protagonizou. Afinal, tanto tempo
carregando repórteres e fotógrafos, viajando por
estradas de todos os tipos, entregando jornais nas bancas
e, depois, servindo de motorista ao diretor presidente José
Matusalém Comelli é matéria-prima suficiente para isso.
Nascido na Colônia Santana, em São José, há 65 anos, ele
está aposentado, mas segue trabalhando e continua brin-
calhão, falando alto e pronunciando frases tão atropeladas
que só quem o conhece bem pode entender.
Zurildo começou conduzindo uma Kombi, depois
pegou uma Toyota Bandeirante, cortou o Estado com
um Gol “chaleira” e com um Fiat Uno de cor branca. A
memória o trai bastante, mas se lembra de colegas como
Zé Rios, Jairo, Evair e Adelaido (sempre só o primei-
ro nome), com quem se revezava nas maratonas que a
chefia de reportagem inventava para manter a qualida-
de e a cobertura estadual do jornal. E cita "guras que o
ajudaram, como Osmar Schlindwein, Edmundo Comelli
e Marcílio Medeiros Filho. E boas-praças como Mário
Cesar, Carlos Neto, Cláudio Prisco Paraíso, Antônio
Kowalski Sobrinho e Mauro Pires. Ao sair, tentou, sem
sucesso, a atividade de servente de pedreiro. Hoje, com-
plementa a renda como motorista particular.
As viagens pelo Estado eram mais frequentes em tem-
pos de Jogos Abertos e de partidas de Avaí e Figueirense
pelo Campeonato Catarinense. Ia a Itajaí, Blumenau, Brus-
que e Criciúma, de onde às vezes voltava no intervalo para
trazer o filme com as imagens da primeira metade do jogo.
Lourival Bento, Sérgio Rosário e J. Müller eram os fotó-
grafos mais escalados para essas jornadas.
Em tanto tempo na empresa, Zurildo diz que nunca
sofreu um acidente, mas que cansou de dirigir carros ve-
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Os 22 anos
em “Estado”
dariam um livro,
pelas histórias
que ouviu,
testemunhou ou
protagonizou.
As viagens pelo
Estado eram
mais frequentes
em tempos de
Jogos Abertos e
de partidas de
Avaí e Figueirense
pelo Campeonato
Catarinense
Condutor da equipe de reportagem
Entrevista. Zurildo Luiz Ferreira
lhos, com pneus carecas e pouco combustível no tanque.
Atendeu também a circulação do jornal e chegou a chefe
do transporte. “Sempre trabalhei muito, ia do meio-dia até
a madrugada”, relata. Apesar disso, diz que foi bom ter
trabalhado no jornal, ocupação que lhe permitiu ter uma
vida digna e criar dois "lhos.
Um momento dramático da “carreira” de Zurildo Ferreira
foram os três dias que passou embarcado num navio da Mari-
nha na costa de Laguna. Com o repórter Carlos Steggemann e
o fotógrafo J. Müller, acompanhou a soltura de golfinhos vin-
dos da Antártica e que foram recolhidos pouco tempo antes.
O mau tempo impediu a volta, e a embarcação ficou à deriva,
com um dos motores avariados, sendo jogada para os lados,
para cima e para baixo, inapelavelmente, como uma canoa de
madeira. Só um sargento e o fotógrafo de “O Estado” passa-
ram incólumes. Os demais o"ciais e os jornalistas de outros
veículos ficaram mais de 70 horas sem comer e dormir – e
vomitando até o que não tinham ingerido.
“Nunca mais quero passar por aquilo”, a"rma Zurildo,
quando perguntado sobre o episódio. O navio estava cada vez
mais longe da terra e todos pediam clemência ao comandante,
que nada podia fazer por eles. Quando o tempo melhorou e
eles puderam pisar em terra "rme, foi um alívio geral. “Gra-
ças a Deus, estou no céu!”, foi o que disse o motorista.
Outro problema que ele enfrentou foi numa reporta-
gem com a repórter Lena Obst e o fotógrafo Marco Cezar
no Sertão do Valongo, município de Porto Belo. Marco
e Zurildo têm versões antagônicas acerca de quem quis
botar o carro no atoleiro e ir em frente: o fotógrafo diz
que o motorista insistiu em seguir adiante, e este culpa o
outro por querer passar no lamaçal. Afinal, eles já estavam
retornando e queriam chegar o quanto antes na redação.
“A junta homocinética do Gol quebrou ali e Lena voltou
numa carroça cheia de bananas, enquanto nós andamos 13
quilômetros a pé até o primeiro ponto de ônibus”, conta o
motorista. O carro só foi guinchado três dias depois.
Cacau chegou ao
“O Estado” com a
responsabilidade
de substituir Beto
Stodieck
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A aparência sempre calma disfar-çava a adrenalina que corria nas veias do jovem repórter, ávido por casos polêmicos, crimes insolúveis e boas histórias para contar. Ângelo Medeiros, 50, atual chefe da Comunicação Social do Tribunal de Justiça
de Santa Catarina, trabalhou em “O Estado” entre 1988 e 1992. Foi repórter de Geral/Cidade e teve passagem marcante na Edipol, a Editoria de Polícia, ao lado de João Carlos Mendonça e Paulão Vieira.
Mais tarde, com a saída de Luiz Henrique Tancredo, assumiu a titularidade da coluna Informação Geral, uma das mais importantes da época. Algum tempo depois, com a saída de João dos Passos, atual procurador-geral do Estado, Ângelo Medeiros foi guindado ao cargo de chefe de redação, período em que passou a trabalhar di-retamente com Mário Pereira. Manezinho com orgulho, Ângelo destaca uma característica singular de “O Esta-do”. O jornal, segundo ele, mantinha ligação umbilical com parcela considerável da sociedade catarinense e se relacionava com os ilhéus, em particular.
“Esta lacuna, difícil de ser preenchida, foi conquis-tada ao longo de décadas de bons serviços prestados por profissionais daqui e d’alhures – estes últimos já devida-mente catequizados na doutrina mané”, enfatiza. Para o ex-chefe de redação, o desaparecimento de “O Estado”
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O jornal
mantinha ligação
umbilical
com parcela
considerável
da sociedade
catarinense.
Saudade dos tempos do tilintar da
máquina de escrever e das velhas laudas
rasuradasDe repórter policiala chefe da redação
Entrevista. Ângelo Medeiros
representa perda para o jornalismo e para a sociedade. “Perdemos todos. Evidentemente que vivemos o mundo globalizado e restam outros sotaques na praça. Porém, sem dúvida, o ‘mais antigo’ ainda tinha seu espaço na nossa aldeia”, sorri, com saudade dos tempos do tilintar da máquina de escrever e das velhas laudas rasuradas.
Lado a lado com a cultura evibração de Mário Pereira
Ainda jovem, Ângelo Medeiros teve a oportunidade de
trabalhar com grandes nomes do jornalismo catarinense. Entre eles, Mário Pereira, imortal da cadeira número 8 da Academia Catarinense de Letras. “Foi um grande privilégio e diferencial em minha carreira pro!ssional. Culto, expe-riente, sagaz. Aprendi muito com ele”, conta.
Ângelo Medeiros lembra que, na fase em que “O Estado” buscava leitores diretamente nas bancas, para incrementar vendagens, Mário Pereira apostou seriamente na cobertura policial. “Tanto garantia a necessária infraestrutura, como abria espaços generosos para a editoria, a qual também tive o prazer de integrar”, afirma. Entre as principais caracterís-ticas de Mário Pereira, Medeiros destaca a vibração com a cobertura dos casos mais polêmicos. “Orientava a linha edi-torial, apontava fontes. Enfim, ‘O Estado’ me proporcionou também a companhia de um grande jornalista, um profissio-nal que marcou sua passagem por Santa Catarina.”
O ESTADOESPECIAL
O ESTADO
ANOS
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uAtaque terrorista ao World Trade
Center, em Nova York; ao Pentágono,
em Washington; e à Pensilvânia
uEUA e o Reino Unido iniciam ataques
aéreos à capital do Afeganistão, Cabul,
e aos redutos do Taleban Candahar
e Jalalabad; A TV Al Jazeera, do
Qatar, divulga vídeo em que Bin Laden
convoca muçulmanos à “guerra santa”
contra os EUA
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 72
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 73
Muito jovem, chamado
pelo pai para apren-
der os ofícios básicos
da administração do
jornal, Fábio da Silva
Comelli acabou fican-
do 14 anos em “O Es-
tado”, desde o primeiro
cargo – encarregado de planejamento e controle –
até a direção executiva.
“Cresci no jornal, foi meu primeiro emprego,
meu primeiro desafio profissional”, conta Fábio, que
hoje continua vinculado à área de comunicação, mas
em rádio (Guarujá/Antena 1).
Fábio Comelli considera a experiência como ge-
rente industrial a mais enriquecedora de sua vida no
periódico. “Foi o melhor aprendizado, tanto na área
técnica quanto no relacionamento com as pessoas,
trabalhadores simples, que, em geral, tinham a ativi-
dade no jornal como um bico noturno.”
Em sua vivência, sem querer parecer apenas o
“filho do diretor”, o jovem empresário dedicou-se
com determinação a todas as tarefas que encarou
internamente. Uma delas, com a participação dos
outros diretores, foi a implantação do sistema de in-
formática de “O Estado”, em 1996.
“Optamos pelo que havia de mais moderno no
mercado, a linha específica desenvolvida pela Ap-
ple, que tinha a marca McIntosh, com programas
adequados a todos os processos do jornal, da re-
dação das reportagens ao setor industrial. Foi uma
experiência riquíssima. Até a chegada do sistema,
trabalhávamos com máquinas de escrever e proces-
sos antiquados de confecção industrial. Vivemos
uma verdadeira revolução, com ganhos em termos
de custos e agilidade.”
Ele observa que a informatização era o “caminho
natural”, que não tinha volta, a grande revolução
do jornal na passagem de seus 80 anos. “Interna-
mente, todos sentiram, porque foi uma mudança
muito radical, superando tudo aquilo que se torna-
ra arcaico. Participei de tudo, porque precisávamos
estimular a modernização, junto com a qualifica-
ção das pessoas e do conteúdo. Era uma tecnolo-
gia diferente e isso mexeu com a equipe. Muitos
resistiram durante algum tempo, mas cederam”.
Uma nova realidade
empresarial
Hoje, quando os processos digitais indicam novos ru-
mos para os jornais em todo o mundo, “O Estado” certa-
mente estaria adaptado a essa nova realidade, observa Fá-
bio Comelli. “Nós conhecemos diversas situações que, ao
longo dos anos, foram sendo substituídas por processos
mais fáceis ou dinâmicos do ponto de vista tecnológico.
Dois exemplos: o telex, a telefoto e a radiofoto. Eram tec-
nologias muito antigas. No caso da telefoto (transmissão
de imagens por meio de ondas, via telefone) era algo caro
e complicadíssimo, porque dependia até das condições
meteorológicas”, lembra.
O empresário conta que pegou esse tempo e conheceu
essas tecnologias, superadas com os processos de infor-
matização dos jornais, que ocorreram muito rapidamente
durante a década de 1990.
“O ‘Diário Catarinense’ e ‘A Notícia’ também inves-
tiram na informática, não havia alternativa para os jornais.
O que era antigo, defasado, logo foi superado. Em pouco
tempo, logo após a mudança de 1996, ‘O Estado’ já assi-
nava agências de notícias via internet, recebendo imagens
diretamente. Foi realmente uma revolução”, enfatiza.
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A história de
“O Estado” se
confunde com
a história de
Santa Catarina.
Fábio Comelli cresceu dentro
do jornal e participou da
grande revolução interna que foi
a informatização, em 1996
Momento de investir na modernização
Entrevista. Fábio da Silva Comelli
Trabalho sério e de
credibilidade
Sobre o centenário do jornal, neste 13 de maio, Fábio
Comelli a!rma que esta é uma data muito especial, porque
“O Estado” se confunde com a própria história de Santa
Catarina. “Foi um dos pilares do jornalismo catarinense,
uma escola para muita gente, por lá passaram alguns dos
nomes mais importantes da comunicação. Esses nomes
ajudaram a tornar o jornal o que acabou sendo: uma refe-
rência de jornalismo sério, com credibilidade”.
O ESTADO
ANOS
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uBrasil é
pentacampeão na
Copa do Mundo de
futebol no Japão e
Coreia do Sul
uLuiz Inácio Lula
da Silva é eleito
presidente do
Brasil
O ESTADOESPECIAL
Um crime no Centro de Convivência da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), em 1986, no qual os ladrões vestiram-se de garis para assaltar a agên-cia bancária que funcionava no térreo do prédio, foi uma espécie de batismo de
fogo para o jornalista João Carlos Mendonça Santos. Ele es-tava no chamado Básico, sede dos cursos da área de comuni-cação e expressão, quando soube do caso e, munido de caneta e papel, levantou os dados e ligou para Carlos de Freitas, o já então veterano chefe de redação de “A Gazeta”, informando sobre o que tinha apurado. No diário da rua Conselheiro Ma-fra, aquela seria sua primeira reportagem de polícia recebeu elogios do chefe e marcou o início de uma trajetória que teve várias fases, ali e em outros jornais catarinenses.
João Carlos, o Cachorrão, como é mais conhecido, passou pela sucursal de Florianópolis do “Jornal de Santa Catarina”, para onde foi levado por Osmar Schlindwein, antes de chegar a “O Estado”. Na sede do “Santa”, na avenida Rio Branco, co-nheceu e dividiu máquinas, mesas e cadeiras – incluindo as do bar – com a diagramadora Jucélia Fernandes e com os jornalistas Fátima Mafra, Rosimery Laurindo, Bonifácio Thiesen, Ângelo Medeiros e Bonifácio Bertholdo, além do colunista Beto Stodie-ck. Ficou no jornal até 1987.
Na sequência, João Carlos passou a integrar a equipe de reportagem do “O Estado”. Teve Cesar Valente e Mário Pereira como superiores na hierarquia da redação, e quando entrou na editoria de Polícia, a equipe era comandada por Paulo Goeth. Além da formatura em jornalismo, outro so-nho se concretizava – trabalhar no principal diário impresso catarinense. “A criminalidade era outra”, lembra, hoje, ao referir-se à cobertura policial dos anos 1980 e 1990. “Quan-do se apreendia um quilo de maconha, dava capa. Hoje, uma tonelada rende uma nota de pé de página”.
Cachorrão teve duas passagens por “O Estado”. A pri-meira, mais longa, entre 1987 e 1994, foi interrompida quan-do o jornalista transferiu-se para a sucursal de “A Notícia” na Capital. A segunda temporada foi de 1996 a 1999, com Mário Pereira como editor-chefe. Foi ali que ele consolidou a carreira iniciada em 1982, aos 18 anos, período em que a cidade vivia o boom dos jornais alternativos. Num deles, o “Galera da Ilha”, onde trabalhou com o fotógrafo Bido Mu-niz (que depois também passou por “O Estado”), Cachorrão deu os primeiros passos como repórter.
Era a experiência de que precisava antes de alçar voos maiores. Ele havia feito o curso de redator auxiliar no Insti-tuto Estadual de Educação, tendo Paulo Brito entre os pro-fessores. O pequeno jornal tinha colaboradores como Túlio Carpes, Luiz Henrique Rosa e Abigail Barreto, figuras tradi-cionais da cidade, e trazia como diferencial um encarte com desenhos de artistas da Ilha de Santa Catarina.
Carreira na área segurança
Em 1985, Cachorrão foi para “A Gazeta”, onde seu pai havia trabalhado. Ele entrou como revisor no veículo, que até ser fechado usava a composição a linotipo. Ali esta-vam a diretora Maria Iná Vaz, o editor Carlos de Farias e o cronista Jairo Callado, que também escrevia e publicava uma coluna de esportes. A tentativa de fazer jornalismo fracassou porque João Carlos não passou no primeiro ves-tibular da UFSC, em 1978, e abraçou a segunda opção, Letras português/francês.
Em janeiro de 1992, entrou como comissionado na SSP (Secretaria de Segurança Pública), onde imaginava !car seis
meses – e está há 23 anos. Após sair de “O Estado”, João Carlos ainda passou algum tempo no Notícias do Dia, convi-dado por Hélio Costa para ajudá-lo a escrever a coluna diária e editar as notícias policiais. Ali trabalhou até sair e abando-nar de!nitivamente a rotina de redação.
Como repórter e, depois, na função de editor, a cobertu-
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“O aumento da
violência foi mais
evidente quando
a cocaína chegou
à cidade e pegou
os filhos de
gente rica.
Comparado a um cão de guarda, que
não abandonava a porta do
gabinete atrás de informações diferenciadas,
jornalista ganhou apelido de Cachorrão
Roubo a banco como batismo
Entrevista. João Carlos Mendonça Santos, o Cachorrão
ra policial de “O Estado” sempre foi generosa, lembra João Carlos. O dia a dia era de cobertura factual, e nos !ns de se-mana saíam as matérias especiais de duas páginas. A coluna Vias de Fato, cheia de humor, fazia muito sucesso.
“O aumento da violência foi mais evidente quando a co-caína chegou à cidade e pegou os !lhos de gente rica”, lem-bra João Carlos. Depois, surgiram as primeiras organizações criminosas, e chegou um tempo em que sair à noite passou a !car perigoso. “Até então, a gente andava muito a pé, porque
não tinha dinheiro para o táxi”, conta. Esse tempo de bares após a jornada na redação foi ficando para trás.
Há mais de uma versão para o apelido Cachorrão. Uma delas dá conta de que o editor Paulo Goeth inventou a alcu-nha. Outra fala do delegado Renato Hendges, o Renatão, que o comparou a um cão de guarda que não abandonava a porta do gabinete atrás de informações diferenciadas.
Rumoroso foi o “caso Norton”, que chacoalhou a Ca-pital. Norton Batista da Silva era um colunista muito co-nhecido, lido e citado em todas as rodas da sociedade "o-rianopolitana. Ele foi morto em 15 de julho de 1989, aos 43 anos, na avenida Hercílio Luz, dentro do Escort con-versível que dirigia, supostamente por alguém que estava atrás de drogas ou dinheiro. “A cobertura de ‘O Estado’ foi diferenciada”, assegura João Carlos. A começar pelo registro da cena do crime, pelo fotógrafo Marco Cezar, que estava numa festa no clube Doze de Agosto e chegou ao local poucos minutos depois do disparo contra o colu-nista. “Norton trabalhava em tevê, rádio, tinha coluna em jornal e foi o nosso primeiro multimídia”, conta Cachor-rão. Também o fotógrafo Olívio Lamas acompanhou parte do processo relativo a esse crime.
Aos 51 anos, Cachorrão diz que hoje há pouca infor-mação de qualidade e que as redes sociais substituíram em parte o jornalismo impresso. O espaço para as notícias po-liciais foi reduzido e o nível geral da cobertura piorou. “Os jornais estão mais bonitos que nos anos 1970 e 1980, mas têm pouco conteúdo”, declara. Perguntado se faria tudo de novo, ele a!rma que sim. “Principalmente por causa de ‘O
Estado’, que foi uma escola para muita gente”.
O ESTADO
ANOS
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uEUA
prendem
Saddam
Hussien
uGeorge W. Bush é reeleito nos EUA
uSonda Mars Express detecta presença
de água congelada e de gelo de dióxido de
carbono na superfície do planeta Marte
uNave
Columbia
explode e mata
sete astronautas
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 74/75
Repórter por excelência, Celso Martins da Silveira Júnior conta nos dedos para saber quantas vezes entrou e saiu de “O Estado” – e não arrisca-se a er-rar a soma. Junto com o “AN Capital”, as passagens pelo “mais antigo” cons-
tituem o eixo de sua carreira, embora nos últimos anos o blog “Daqui na Rede” tenha se tornado sua razão de vida e seu ganha-pão. “A gente trabalhava com gosto e vontade, mais do que pelo salário”, chega a dizer. Foi no diário que faria 100 anos agora que ele apren-deu, “com ética e técnica”, a fazer jornalismo. “Fui um privilegiado, porque a gente não só cobria os fatos, mas interferia”, destaca, ressaltando que esse quadro se tornou possível após a abertura democrática.
Estava no jornal quando aconteceu a Novembrada, e acompanhou tanto os fatos no Centro de Florianópolis quanto o ato público que ocorreu dias depois, em 4 de dezembro, em protesto contra a prisão de cinco acusa-dos de incitar a manifestação contra o ex-presidente João Baptista Figueiredo. “O Estado” recebeu prêmios pela cobertura do episódio, cuja dimensão foi tão grande que não havia como ocultar os fatos. Os anos de chumbo ain-da vigiam, mas o jornal cumpriu bem o seu papel.
Desses anos, ele lembra da equipe de fotogra!a mon-tada por Orestes Araújo, que tinha !guras como Lourival
Bento, Rivaldo Souza e Sérgio Rosário. E de pro!ssio-nais que marcaram os anos de ouro de “O Estado”, como Laudelino José Sardá, Mário Medaglia, Antônio Kowal-ski, Luiz Henrique Tancredo, Mauro Pires, Carlos Ady
Vieira, Orlando Tambosi, Marcos Heise, Pedro Schmitt,
entre tantos outros. Na editoria de Polícia, trabalhou com
Luiz Carlos “Baby” Espíndola. “Saí e voltei tantas vezes
que nunca dei baixa na carteira pro!ssional”, conta.
Fora da mídia impressa, Celso passou pela TV Bar-riga Verde e pela produção da rádio Guarujá. Em 1992, estava em “O Estado” outra vez. E, em 1997, voltou para o “AN Capital”, onde encerrou seu período de repórter do dia a dia em jornais impressos.
Currículo valorizado
Nascido em Laguna e radicado em Florianópolis
desde os três anos de idade, os primeiros passos de Celso Martins no jornalismo foram em fevereiro de 1976 nos Diários Associados, que mantinham na cida-de o “Diário Catarinense”. Depois, ele passou pelo “Jor-nal de Santa Catarina”, sucursal de Florianópolis, por “A Gazeta”, com o veterano editor Carlos de Freitas, e pelo semanário “Bom Dia, Domingo”. Um fato impor-tante foi a ida para Joinville, em 1980, quando, recém-casado, apostou numa nova empreitada pro!ssional.
No entanto, !cou só um mês no jornal, mudando
para a sucursal de Joinville de “O Estado”. No Norte catarinense, também trabalhou no jornal “Extra” du-rante quatro anos. Ao voltar para a Capital, fez muitas matérias especiais, já com a bagagem trazida do curso de História que fez na Udesc.
Mas foi antes, em “O Estado”, que a carreira deco-lou, porque o jornal já era estadual e contava com a melhor equipe de redação de Santa Catarina. Ali, pas-sou por várias editorias e chegou a cobrir as ativida-des da Assembleia Legislativa e do Palácio do gover-no. De 1992 a 1997, foi chefe de reportagem e editor e também fez matérias para a Geral. Quando chegou a informatização, esforço derradeiro para dar sobrevida ao jornal, acabou se mudando para o “AN”, período em que conheceu ainda melhor a cidade onde cresceu, acompanhou o crescimento e a balbúrdia urbana e as questões ambientais que se mostravam cada vez mais prementes. Ali também trabalhou com Edson Rosa, a quem considera “um baita chefe de reportagem”. An-tes de sair, participou de uma paralisação da redação de “O Estado” por causa da falta de pagamento do 13o salário, que deixou toda a equipe sem dinheiro antes do Natal. “Era chefe de reportagem de manhã e editor à tarde, o pessoal ameaçou parar e eu apoiei”, conta.
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DFui um
privilegiado,
porque a gente
não só cobria
os fatos, mas
interferia.
De mergulho
na Joaquina a
invasão da
TV Cultura
Aprendizado de ética e técnica
Entrevista. Celso Martins da Silveira Júnior
De repórter a autor de grandes reportagens
Mergulho na profissão
Entre 2003 e 2007, para suprir a falta de formação aca-dêmica, Celso Martins fez o curso de História na Udesc.
Tinha em mente, também, escrever livros de memória
e história. Com formação marxista, ele chegou a militar clandestinamente e foi !liado ao PCB (Partido Comunis-ta Brasileiro), que pregava a luta sindical e ajudou a for-mar o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), atual
PMDB. A academia deu-lhe a possibilidade de transfor-mar seu interesse pela história em livros importantes, que modestamente chama de grandes reportagens.
Publicou “Os quatro cantos do sol” e “Aninha virou
Anita”, já com os critérios e a metodologia que apren-deu no curso. Seu trabalho de conclusão foi sobre o coronelismo, focado na !gura de José Fabrício das Ne-ves – o homem que matou o coronel João Gualberto, que veio do Paraná para enfrentar os revoltosos – e no
combate do Irani, um dos capítulos não suficientemen-te explorados da Guerra do Contestado.
O start foi o chamado “processo do Irani”, documen-to de 518 páginas que lhe foi fornecido pelo professor
Paulo Pinheiro Machado, da UFSC, que estava na banca
de seu TCC. Os CDs incluíam o inquérito e o julgamento
dos envolvidos. A partir deles, Celso tornou-se o primeiro historiador a trabalhar em cima do valioso documento. “Fabrício das Neves é uma !gura nula na historiogra!a ca-tarinense”, lamenta o jornalista, que lembra de ter visto o processo citado apenas pelo historiador Maurício Vinhas de Queiroz, com base em anotações de Joaquim Ribas, de Porto União. O material estava no fórum de Palmas, no Pa-raná, que nunca o liberou para pesquisa e consulta.
Esse tema resultou no livro “O mato do tigre e o cam-po do gato – José Fabrício das Neves e o combate do Irani”, obra que deu vida aos personagens do episódio, entre eles antigos maragatos que haviam fugido do Rio Grande do Sul no fim da Revolução Federalista. Outros livros de sua autoria são “Os Comunas – Álvaro Ventura e o PCB catarinense”, “Farol de Santa Marta – A esquina
do Atlântico”, “Tabuleiro das águas – Resgate histórico
e cultural de Santo Amaro da Imperatriz” e “Os quatro cantos do sol – Operação Barriga Verde”.
Para entrar no jornal “O Estado”, Celso Martins passou
por um teste. O editor Carlos Ady Vieira mandou-o fazer
uma matéria sobre os salva-vidas na Praia da Joaquina. Ele
se atirou no costão, atraiu os agentes e conseguiu, com essa estratégia, as melhores imagens para Rivaldo Souza, o fotó-grafo que o acompanhava. A Joaquina parou e a edição do dia seguinte trouxe uma página inteira com imagens sobre o trabalho dos salva-vidas.
Outra situação inusitada foi a invasão da TV Cultura,
em 1986, por um soldado que, armado, interrompeu um debate esportivo da emissora. O caso gerou uma tensão sem precedentes, porque ninguém sabia o que poderia acontecer com os jornalistas que participavam do progra-ma. Celso e o fotógrafo Marco Cezar estavam na Lagoa da
Conceição para fazer uma reportagem sobre a passagem do cometa Halley. De lá, voltaram de madrugada para a
redação, onde seriam descarregadas as fotos. Souberam do problema na TV, correram para lá e conseguiram em-placar a matéria no dia seguinte.
Hoje, Celso Martins mantém o portal de notícias “Da-qui na Rede”, que cobre tudo o que acontece no Sambaqui, Santo Antônio de Lisboa, Barra do Sambaqui e Cacupé, e
também coisas de fora (incluindo artigos), quando for do in-teresse dos moradores desta parte do Norte da Ilha de Santa Catarina. Ali, pratica o chamado microjornalismo, que tem a vantagem de abarcar um universo especí!co e a desvan-tagem de mexer com comunidades onde quatro ou cinco famílias tradicionais ainda dão as cartas, como no passado.
Clemente Paulo Dutra. Ou só Paulo
Dutra – ele não gostava muito do
primeiro nome. Ou Negão, o apeli-
do que o acompanhou a vida inteira.
Pouco importa como o conhecemos,
mas sim o seu incrível talento para
a fotografia e para cultivar amigos. Talento que fre-
quentou as páginas de “O Estado” desde os tempos
da linotipo, quando o jornal em geral publicava ape-
nas uma foto – a “foto do dia”, sempre na capa.
Paulo Dutra foi descoberto por Salim Miguel,
na década de 1950, durante as filmagens de “O
Preço da Ilusão”, projeto cinematográfico do sau-
doso Grupo Sul, que acabou fracassando porque
sua montagem nunca foi concluída.
O filme era bem ruim, mas um grande desafio
para o grupo de jovens modernistas catarinenses,
um marco histórico. Retratava a Florianópolis da
época, suas paisagens e personagens, com um en-
redo fraco e sem muito apelo. Paulo Dutra era um
moleque, criado no Morro do Céu, de onde saía
todos os dias para acompanhar o movimento das
filmagens. Sua presença constante e sua curiosi-
dade pela logística cinematográfica despertaram a
atenção de Salim. Nasceu ali um companheirismo
e uma amizade que perdurou por toda a vida, até a
morte de Paulo, em 2012, aos 72 anos.
O fotógrafo aprendiz acabou chegando a “O Es-
tado”, onde, segundo consta, foi o primeiro profis-
sional do gênero a prestar serviços constantes (o
jornal também utilizava material dos fotógrafos co-
merciais, como Anacleto e Cid Junkes, este do Foto
B). Orestes Araújo, que trabalhou com Paulo Dutra
em “O Estado”, acredita que ele tenha sido o primei-
ro a ter a carteira profissional assinada.
Causos divertidos
contados nas mesas de bar
Divertido, atento e sempre curioso, como qualquer
bom repórter, Paulo Dutra protagonizou inúmeras
histórias que entraram para o anedotário da imprensa
catarinense. O primeiro topless na Praia da Joaquina,
por exemplo. Há quem diga que o flagrante na ver-
dade foi produzido por Paulo, que teria contratado
duas moçoilas da sociedade local para posarem meio
de lado, com parte dos seios à mostra, na praia vazia.
Ele nunca confirmou, mas ria muito quando alguém,
numa mesa de bar, lembrava o caso.
Outro episódio foi relacionado a um suposto disco
voador que teria aparecido no interior do Estado. De
novo, reza a lenda, Paulo Dutra recorreu à produção:
arranjou uma tampa de panela de alumínio, atirou-a
no ar e fotografou-a como se fosse o tal disco voador.
Não se sabe se a foto chegou a ser publicada, mas é
outra história com a qual ele se divertia.
O apelido de Pasto do Bode dado ao Campo da
Liga – o estádio Adolfo Konder, no quarteirão entre
a Mauro Ramos, Germano Wendhausen, Altamiro
Guimarães e Bocaiúva, onde hoje é o Beiramar Sho-
pping – foi obra de Paulo da Costa Ramos, editor do
jornal na década de 1970. O campo andava maltrata-
do, o mato crescia a olhos vistos. PCR encomendou
a Paulo Dutra uma imagem para a capa do jornal.
Criativo, o fotógrafo foi ao Morro do Céu, onde mo-
ravam seus pais, “alugou” uns bodes e levou-os para
pastar no estádio. E a foto ganhou destaque merecido
em “O Estado”.
Da província para
o Rio de Janeiro
A carreira de Paulo Dutra ganhou força com a
entrada de “O Estado” na fase offset, em 1972. Foto-
grafava tanto para o noticiário geral quanto para o
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DDivertido,
atento e curioso,
Paulo Dutra
protagonizou
inúmeras
histórias que
entraram para
o anedotário
da imprensa
catarinense.
Acredita-se que
ele tenha sido
o primeiro a
ter a carteira
pro ssional
assinada em
“O Estado”
Fotógrafo que fez história
Entrevista. Paulo Dutra
esporte e as colunas sociais. Foi um dos fotógrafos
favoritos de Zury Machado e Beto Stodieck, depois
Cacau Menezes, Miro e Urbano Salles.
Na década de 1970, foi para o Rio de Janeiro, a
convite de Salim Miguel, e trabalhou durante algum
tempo para a revista Manchete, a mais importante
do país à época. De volta a Florianópolis, atuou na
Agência Nacional (hoje EBC) e, depois, foi transferi-
do para a assessoria de comunicação da UFSC (Uni-
versidade Federal de Santa Catarina), de novo sob
o comando de Salim.
Gostava da noite e seu drinque favorito era o
Cuba Libre, que bebia moderadamente, sempre na
companhia de uma legião de amigos. A praia pre-
ferida, claro, era a da moda, e que nunca saiu de
moda para várias gerações, a Joaquina. Era um bon
vivant assumido.
O ESTADO
ANOS
1002005
uCirurgiões
franceses realizam o
primeiro transplante
parcial de rosto
uMorre o papa João Paulo II e Joseph
Ratzinger é eleito o 265º papa da história
da Igreja Católica e tornou-se Bento XVI
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 76/77
Por mais que tenhamos lido e escrito sobre o jornal “O Estado”, muito ainda falta dizer. Traumatizados com seu !m melancólico e,
apesar da idade, precoce, talvez tenhamos passado muito tempo tentando entender como isso foi possível e buscando causas, esquecen-
do-nos de outros temas igualmente importantes.Há vários momentos importantes, na história do jornal,
sobre os quais se tem falado pouco. Um deles, que foi funda-mental, a meu ver, para que todo o restante da história se des-se da forma como ocorreu, é a chegada dos jovens bacharéis à redação na década de 1960. Quando o também jovem José Matusalém Comelli assumiu a direção do jornal, conseguiu convencer alguns amigos e conhecidos a fazer parte da equi-pe. O time principal era composto por Marcílio Medeiros Fi-lho, Luiz Henrique Tancredo e Sérgio da Costa Ramos. Na área operacional, trazido pelo diretor anterior, Domingos de Aquino, outro estreante, Osmar Schlindwein.
Impresso precariamente, numa velha rotoplana, e com-posto em linotipo, a aparência do jornal “O Estado” não era das melhores. Mas a vitalidade dos jornais dos centros maiores, como o então inovador “Jornal do Brasil”, parecia estimular os novos jornalistas de “O Estado”. Mas sabemos muito pouco sobre o que aconteceu no jornal durante os anos que antecederam a grande reforma de 1972. Seria muito útil, para a construção de uma história da imprensa catarinense
melhor contada, ouvi-los sobre aquele período.
Agilização da reforma grá!ca
Quando foi surpreendido pelo lançamento do “Jornal de Santa Catarina”, impresso em offset e com um nível de pro!ssionalização que ainda não tinha sido visto por aqui,
Comelli teve que acelerar o passo e implantar “pra ontem” as mudanças que talvez estivesse pensando para depois de amanhã. E essa operação, que foi o grande marco da história
de “O Estado”, foi conduzida por aquele quarteto, reforçado pelo Paulo da Costa Ramos, o PCR.
A ligação de “O Estado” com a imprensa dos grandes centros não !cava apenas na admiração. Marcílio Medeiros
Filho foi correspondente do “Jornal do Brasil”, Sérgio da Costa Ramos, da “Veja”, e Tancredo e PCR acompanhavam tudo o que se publicava no Brasil e no exterior. Quando sur-giu a oportunidade de liderar a reforma do jornal, eles esta-
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Impresso
precariamente,
a aparência do
“O Estado”
não era das
melhores. Mas
a vitalidade
dos jornais
dos centros
maiores parecia
estimular os
jornalistas
daqui.
Muito antes da
faculdade, o jornal recrutava
estudantes
de Letras
ou Direito, que eram treinados
e atuavam na redação
A grande escola
de “O Estado”
Entrevista. Cesar Valente
vam prontos. Com seus diplomas de Direito deixados mo-mentaneamente de lado, compunham, sem querer, a primeira turma formada pela grande escola de jornalismo em que “O Estado” se transformaria a partir dali.
Talentosos convocados à redação
Osmar Schlindwein chegou a registrar essa impressão, em depoimento de 2011, incorporado à tese de doutorado da Leani Budde (Jornadas Impressas: “O Estado” e Florianópolis – 1985
a 2009). Osmar conta que quando o jornal começou a se pro-!ssionalizar, em 1972, “não tinha o curso de Jornalismo, e o
jornal precisou formar uma redação. Tanto na rua Conselheiro Mafra como depois, na sede da rua Felipe Schmidt. Pegava-se pessoas com talento, em geral estudantes de Direito ou Letras, dava treinamento e ele virava repórter.”
O que no início era feito por necessidade, pela escassez da mão de obra, depois acabou sendo incorporado ao dia a dia. Não como uma característica especial de “O Estado”, mas porque, na década de 1970, as redações da maioria dos jor-nais eram assim. Aprendia-se muito nas redações. E em “O Estado” não foi diferente. Há uma geração de jornalistas que lembra com gratidão e saudade da vivência que teve quando passou por lá. E é provavelmente essa troca de experiências, essa sensação de que, mais do que um local de trabalho, “O Estado” foi um local de aprendizado, que faz com que, há cinco anos, um grupo grande de ex-funcionários se reúna periodicamente, para confraternizar e se divertir. Os jornais passam, mas o que a gente aprende fica para sempre.
* Cesar Valente iniciou no jornalismo em 1970, no jornal
“O Estado”. Em 1979, fez parte da comissão que criou o Curso
de Jornalismo da UFSC. Durante os 45 anos de carreira, foi
repórter, redator, cronista, ilustrador, cartunista, designer grá-
co, professor universitário, coordenador de curso universitá-
rio, editor, chefe de redação, webmaster, secretário de redação,
consultor e sócio-proprietário de empresa jornalística. Atuou
em Florianópolis (Governo do Estado, jornal “O Estado”,
UFSC e revista “Empreendedor”), Porto Alegre (TV Gaúcha,
Rádio Gaúcha e “Diário do Sul”), Brasília (EBN do Ministé-
rio da Justiça e “Gazeta Mercantil”) e São Paulo (Companhia
de Notícias e “Gazeta Mercantil”). Atualmente, presta serviços
de design grá co, consultoria editorial e de comunicação.
Na trajetória da redação de “O Estado” é preciso separar seis momentos básicos: os primeiros tempos da era Aderbal Ra-mos da Silva, a partir de 1946; a pre-sença de Rubens de Arruda Ramos na direção, até 1965; a nova gestão, com
José Matusalém de Carvalho Comelli, a partir de 1967; a fase offset, que trouxe os jornalistas gaúchos a partir de 1972; a mudança para o parque industrial da SC-401, em 1977; a informatização total, a partir de 1996.
Entre 1946 e 1972, os profissionais que atuavam na redação eram geralmente estudantes universitários ou recém-formados em Letras ou Direito, convocados pe-los gestores do jornal. Depois, vieram os “de fora”, em geral gaúchos, formados e experientes. A faculdade de Jornalismo da UFSC só seria fundada em 1979.
No contexto geral da pro!ssionalização do jornal,
que teve início sob a supervisão de Comelli, destaca-ram-se vários tipos de jornalistas: os que tinham o jornal como “bico” e os que, apesar do pouco tempo passado na redação, se transformaram em verdadeiras feras da redação, entendendo e praticando todos os processos – da reportagem ao copidesque, do copidesque à edição e revisão. Nem todos tinham esse gabarito, de profissio-nais completos, capazes – se fosse necessário – de fazer um jornal inteiro, sem ajuda de ninguém.
Um nome se destacou entre os pro!ssionais que atu-aram no primeiro período de Comelli como gestor, justa-mente entre 1967 e o ingresso na era do offset, em 1972. Admitido no quadro de “O Estado” em 1969, Antônio Ko-walski Sobrinho era um polaco alto, nascido e criado na rua Conselheiro Mafra, bem perto do jornal, bonachão e divertido, sempre solidário com os colegas menos expe-rientes, de uma competência indiscutível. Fábio Comelli, que foi diretor de “O Estado”, não chegou a conviver muito tempo com Toninho na redação da SC-401, mas resume numa frase o que pensava: “Toninho era a alma do jornal”.
Visão técnica e rigorosa
Rigoroso com a língua portuguesa e com as regras gerais do jornalismo, que aprendeu na prática (era for-
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No contexto
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destacaram-se
os jornalistas
que tinham o
jornal como
“bico” e os que,
apesar do pouco
tempo passado
na redação, se
transformaram em
verdadeiras feras.
O jornalista,
na visão bem-
humorada do
artista Fossari
Mestre jornalista, profissional completo
Homenagem. Toninho Kowalski
mado em Direito, carreira que nunca seguiu), Toninho Kowalski dominava a redação como poucos. Acompa-nhou quase todas as transformações do jornal, só per-deu a última, a informatização integral, porque morreu cinco anos antes (28 de junho de 1991), deixando in-consoláveis os familiares e uma legião de amigos e co-legas de pro!ssão.
Ele tinha a visão técnica do jornal, não se envolvia com as questões institucionais ou políticas, cumpria os ritos internos que interessavam para que o leitor tives-se à sua disposição, no dia seguinte, um bom produto, com conteúdo de qualidade. Atuou em várias frentes, da reportagem à edição, contribuindo em praticamen-te todas as áreas (editorias), embora durante a maior parte de sua carreira tenha sido um pro!ssional “de
cozinha”, como eram conhecidos aqueles que !cavam
mais na redação, a retaguarda do jornal. Quando mor-reu, era o editor-executivo do jornal, faltava um degrau apenas para alcançar o posto de editor-chefe.
Wilson Libório de Medeiros, que conheceu Toninho na Conselheiro Mafra e trabalhou com ele em todas as fases até a mudança para a sede da SC-401, lembrou na edição de 80 anos do jornal “O Estado”, em 1995: “Sou daque-les que conheceram o Toninho pouco mais que menino, o adolescente inquieto, sempre polemista e extremamente gozador. Vivia jornalismo 24 horas ao dia. En!m, convivi
com ele, brinquei e também briguei com ele, enfrentamos boas paradas juntos, umas perdidas, outras vencidas. Toni-nho foi um grande amigo e um grande exemplo”.
Profissional premiado
Além da redação de “O Estado”, Toninho atuou tam-bém na área de comunicação do governo do Estado e foi o mais jovem presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, com apenas 27 anos de idade.
Foi ainda correspondente de “O Globo” em Santa Catarina e participou do primeiro grupo de trabalho da UFSC para a criação do curso de jornalismo, em 1973. Em 1977, recebeu um dos prêmios mais importantes da comunicação catarinense, o “Prêmio Jerônimo Coelho de Jornalismo”.
Fontes: História do Brasil (Bóris Fausto), Brazil (Thomas Skidmore), Brasil História - Texto e Consulta (Antonio Mendes Jr et. al.), Dicionário Ilustrado Folha,
Encyclopaedia Britannica, Oxford Encyclopedia of World History, The Timetables of History (Bernard Grun), http://www.hyperhistory.com.
O ESTADO
ANOS
1002006 2009
uPCC cria onda de
violência em São
Paulo (foto)
uLula vence Alckmin
no segundo turno
uMichael Jackson morre
aos 50 anos (foto)
uBarack Obama, o
primeiro presidente negro
dos EUA, toma posse
O ESTADOESPECIAL
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 78/79
Na redação de “O Estado”, Raul Sartori
tinha a fama de andar pela cidade sem
pautas e voltar com uma ou duas maté-
rias dignas de abrir uma página standard
do jornal. Ou de sair com um tema pré-
de nido e trazer outros dois a mais do que o chefe de redação havia determinado. Se isso causava
algum ciúme entre os colegas, obrigando-o a fazer tudo com a máxima discrição possível, deixava feliz da vida o chefe de reportagem, Aldo Grangeiro, que fazia questão de falar isso aos seus superiores. Com humildade, Raul atribui essa virtu-
de à educação que recebeu, voltada para o trabalho correto e
e ciente. Já fazia isso na roça, em Nova Trento, manuseando a enxada várias horas por dia. “Depois, tinha a certeza de que seria a pro ssão da minha vida e precisava dela para me manter, pelo menos naqueles anos”, explica.
Há 40 anos, os recursos eram menos pródigos do que hoje,
embora re"etissem o que era visto como “moderno” na épo-
ca. As máquinas de escrever Remington e Olivetti, manuais
e depois elétricas, eram o que são os atuais computadores.
“Peguei o tempo em que a modernidade nas comunicações
era o telex”, relembra. A lentidão era compensada pelo fun-
cionamento perfeito da redação e pelo êxito nos resultados.
Na editoria de Cidade, onde atuou, existia pouca ingerência
externa. “Só havia um cuidado especial para não ferir susce-
tibilidades, ou seja, abordar assuntos que envolvessem ne-
gócios (e eram muitos) do dono do jornal, o ex-governador
Aderbal Ramos da Silva”, diz.Um fato relevante é que o jornal não media esforços para
fazer grandes coberturas. Um dos momentos marcantes foi a enchente de Tubarão, em 1974, que matou quase 200 pes-
soas. Uma equipe ficou semanas na cidade do Sul do Estado
para registrar os desdobramentos da tragédia. Outra cobertura
inesquecível foi a das enchentes em diversas regiões do Esta-
do em 1983, que num determinado momento deixou mais de
1,5 milhão de pessoas fora de suas casas.
Sartori entrou em “O Estado” em 1973, dois anos após
vir de Nova Trento para fazer o curso de Ciências Sociais na UFSC. Tinha o projeto de ser pesquisador na área de opinião pública e de mercado, algo que começava na épo-
ca, e se sustentava dando aulas numa escola pública da Ca-
pital. Também trabalhou como técnico de raio-X, durante três meses, no hospital Celso Ramos, mas não se adaptou
à rotina de lidar com pessoas acidentadas. Foi quando o
jornal criou um concurso para universitários destinado a
preencher vagas de “jornalista”. Ele era um dos 144 candi-
datos e acabou sendo um dos 12 pré-selecionados após res-
ponder a 100 perguntas de conhecimentos gerais. Alguns
dias depois, o jornal chamou o grupo para uma entrevista.
De repórter a editor-chefe
A redação cava na Felipe Schmidt e, dez dias após a conversa, ele foi chamado, com mais três pessoas, para tra-
balhar como repórter. “Comecei no dia 2 de maio de 1973 e
permaneci até 1986”, conta ele. De repórter passou a repórter
especial, coordenador do Interior (onde o jornal chegou a ter
23 sucursais e correspondentes), editor de várias áreas e, por
cinco anos, editor-chefe da edição de segunda-feira.
“‘O Estado’ não só foi meu primeiro emprego de fato
como foi ele que me abriu caminhos para outros empreendi-
mentos”, conta Raul. A experiência adquirida no “mais anti-
go” o transformou em um colunista respeitado, muito ajuda-
do pelas fontes de informação conquistadas durante anos.
Fazendo um balanço de sua passagem pelo “Estado”, Raul Sartori chega a dizer que o jornal salvou sua vida. “Cer-tamente não teria encontrado pro ssão melhor. Caiu do céu por acaso e representou uma espécie de prêmio, uma vez que desde criança, morando no meio do mato, literalmente, em
Nova Trento, tinha um grande interesse por informação. Ou-
via, com outros irmãos, noticiários de todo tipo – o Repórter
Esso era um dos preferidos –, de emissoras de rádios brasi-
leiras e estrangeiras. A rádio Voz da América era outra sin-
tonizada, e sobre o que os jornais brasileiros publicavam de mais importante, “ouvíamos” críticas e comentários logo de
manhã cedo, no programa “O Trabuco”, com Vicente Lepo-
race, nas ondas da rádio Bandeirantes de SP.
Hoje, 42 anos após o primeiro dia de trabalho em “O Es-
tado”, Raul se ocupa de uma coluna diária para vários jornais
do interior e da edição do semanário “O Trentino”, em Nova Trento. Acredita que o jornalismo impresso, se tomar como
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Tinha a certeza
de que seria a
pro ssão da
minha vida e
precisava dela
para me manter,
pelo menos
naqueles anos.
“O Estado” tinha
uma postura
político-partidária
clara, expressa nos
seus editoriais
Um bloco na mão e muitas pautas na rua
Entrevista. Raul Sartori
parâmetro o seu jornal, ainda vai sobreviver por muitos anos.
“A estratégia que uso no semanário é dar total cobertura a
assuntos locais, cobertura esta que nem rádio, TV e redes sociais fazem”, a rma. Para isso, prioriza a absoluta isenção e a independência.
Com tantos anos de casa, Raul Sartori também lembra de
episódios marcantes, ainda que nem sempre com nal feliz. Um exemplo foi a cobertura da Festa Nacional da Maçã,
em São Joaquim, no nal dos anos 1970. Deslocado para a Serra, ele topou com o prefeito da cidade, Rogério Tarzan da Silva, uma espécie de Odorico Paraguaçu, da novela “O
Bem Amado”. Sempre metido em confusões administrati-
vas, ele era alvo permanente de matérias no jornal. Naquele
ano, quem esteve lá era o então presidente João Figueiredo.Raul foi cedo à prefeitura para esclarecer algumas de-
núncias contra Tarzan. Quando entrou no gabinete, este dis-
se que não falaria nada, e trancou-se lá dentro, com chave
– e mais, foi embora, deixando lá o repórter sem ninguém
mais, já que ele havia decretado feriado. “Como não havia
telefonista, tive que abrir a janela e gritar para as pessoas
que passavam me tirarem dali”. Meia hora depois, antes
do general chegar, apareceu um rapaz dizendo: “o prefeito agora mandou soltar o senhor”.
Naqueles anos, “O Estado” tinha uma postura político-
partidária clara, expressa nos seus editoriais. No noticiário
cotidiano isso pouco aparecia ou era discretamente disfar-
çado. “Havia uns bate-bocas entre repórteres esquerdistas e
editores de política de vez em quando, mas todos se sentiam respeitados”, recorda o jornalista. “Esse engajamento, hoje,
seria muito difícil pelo grau de informação das pessoas, com
acesso amplo às redes sociais. O jornal não teria mais cre-
dibilidade, a não ser que zesse sua opção política de forma claríssima”.
No caso de “O Estado”, a maior diferença estava no con-
teúdo e na aposta em grandes reportagens. Eram tão comple-
tas e extensas que ocupavam páginas numa única edição ou
eram distribuídas nas edições seguintes.
Santa Catarina - 13 de maio de 2015. 80O ESTADOESPECIAL
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