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Dissertação de Mestrado
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
NATLIA LUIZA DA SILVA
AVALIAO FORMATIVA NO ENSINO SUPERIOR:
AVANOS E CONTRADIES
UBERLNDIA
2015
NATLIA LUIZA DA SILVA
AVALIAO FORMATIVA NO ENSINO SUPERIOR:
AVANOS E CONTRADIES
Trabalho apresentado Comisso Examinadora para Defesa de Dissertao de Mestrado no Programa de Ps-graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Uberlndia, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao. Linha de pesquisa: Saberes e Prticas Educativas Orientadora: Profa. Dra. Olenir Maria Mendes
UBERLNDIA
2015
Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)
(Maurcio Amormino Jnior, CRB6/2422)
Silva, Natlia Luiza da. S586a Avaliao formativa no ensino superior: avanos e contradies / Natlia
Luiza da Silva. Uberlndia (MG), 2015. 171 f. : il. Orientador: Olenir Maria Mendes. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Federal de
Uberlndia, Faculdade de Educao. 1. Avaliao educacional. 2. Ensino superior. 3. Prtica de ensino. 4.
Testes e medidas educacionais. I. Mendes, Olenir Maria. II. Universidade Federal de Uberlndia. Faculdade de Educao. III. Ttulo.
CDU: 378
NATLIA LUIZA DA SILVA
AVALIAO FORMATIVA NO ENSINO SUPERIOR:
AVANOS E CONTRADIES
Trabalho apresentado Comisso Examinadora para Defesa de Dissertao de Mestrado no Programa de Ps-graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Uberlndia, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao. Linha de pesquisa: Saberes e Prticas Educativas. Orientadora: Profa. Dra. Olenir Maria Mendes
Aprovada em: _____/ _____/ __________
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Profa. Dra. Olenir Maria Mendes (Orientadora)
Universidade Federal de Uberlndia (UFU)
___________________________________________________________
Profa. Dra. Mara Regina Lemes de Sordi
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
___________________________________________________________
Profa. Dra. Camila Lima Coimbra
Universidade Federal de Uberlndia (UFU)
minha famlia e, em especial, ao meu
companheiro Mrcio Augusto, que tambm foi
inspirao para este trabalho.
A todos(as) os(as) colegas professores(as) e
tcnicos(as) da Universidade Federal de
Uberlndia, que trabalham incansavelmente
por uma educao de qualidade.
A todos(as) os(as) estudantes que, assim como
eu, no s aproveitaram as oportunidades de
formao oferecidas pela Instituio, mas
tambm sonharam, em algum momento, em
torn-la melhor.
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, antes de tudo, por todas as oportunidades que me tem concedido.
Agradeo aos meus familiares, que sempre me incentivaram a prosseguir em busca de
novas conquistas. E por compreenderem, muitas vezes, minha ausncia e meu cansao.
Agradeo ao meu companheiro, Mrcio Augusto, que, mesmo nos momentos mais
difceis, esteve firme ao meu lado. Ouviu, pacientemente, sobre as minhas angstias,
procurando compreend-las, mas, ao mesmo tempo, dispunha sempre de palavras
encorajadoras, na tentativa de me auxiliar.
Agradeo ao meu padrinho, Gabriel Wellesley, que, mesmo no estando mais
fisicamente entre ns, se fez presente pelas lembranas das experincias partilhadas sobre a
vida acadmica. Incentivou-me a construir expectativas que jamais teria imaginado antes.
Agradeo professora Olenir, pela pacincia e pelo respeito que sempre teve por mim.
Aprendi a admir-la, a partir de nossa convivncia, por sua autenticidade, pelo compromisso
com a educao que emana de cada atitude sua, pela luta por uma sociedade melhor, pelo
modo amoroso como ensina e por estar sempre disposta a ajudar.
Agradeo s professoras Camila e Lcia, pelas valiosas contribuies durante o Exame
de Qualificao. Obrigada, sobretudo, pelo carinho com que fizeram a leitura do trabalho e se
dispuseram a auxiliar.
Agradeo a todos(as) os(as) colegas que compem o Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre Avaliao Educacional (GEPAE), com os quais aprendi muito durante o perodo do
mestrado, a partir das discusses provocativas que construmos em nossos encontros.
Agradeo tambm aos(s) colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didtica e em
Desenvolvimento Profissional dos Professores (GEPEDI), com os quais, mesmo antes de
ingressar no mestrado, pude me interar dos dilemas da formao do(a) professor(a)
universitrio(a). Agradeo, em especial, professora Geovana, que me acolheu calorosamente
no mbito do grupo e que, com sua paixo, despertou o desejo de estudar mais sobre a
docncia no ensino superior.
Agradeo s amigas Marly, Marlei, Naiara e Paloma, com as quais tive a felicidade de
conviver durante o curso de mestrado. Partilhamos no s as aflies prprias desse processo
formativo, mas tambm muitos momentos de alegria, que sero sempre recordados com muita
saudade.
Agradeo a todos(as) os(as) companheiros(as) de trabalho da Diretoria de Ensino da
Universidade Federal de Uberlndia (UFU), pelo apoio durante todo o perodo do mestrado.
Em especial, Aid, Anglica, ao Cinval, ao Edson, Jane, ao Jos Mariane, Iara,
Mrcia Cristina, Mrcia Guimares e ao Tiago. Jamais me esquecerei do cuidado, do
carinho e da pacincia que tiveram comigo nesse momento to importante para mim.
Agradeo a todos(as) os(as) amigos(as) que estiveram presentes nesses ltimos dois
anos. Em especial, Ludmila, por ler o trabalho, em primeira mo, com tanto cuidado,
auxiliando em sua reviso.
Better try and fail to worry and see life pass.
It is better to try, even in vain, to sit doing
nothing until the end.
I prefer walking in the rain, sad days in which
I hide at home.
I would rather be happy, but mad, according to
live.
(Martin Luther King)
RESUMO
Esta pesquisa trata da avaliao das aprendizagens em cursos de graduao da Universidade Federal de Uberlndia (UFU) que tm a avaliao formativa como diretriz em seus projetos poltico-pedaggicos. O objetivo foi analisar os processos de avaliao das aprendizagens nesses cursos e verificar em que medida constituem uma avaliao para as aprendizagens, cumprindo seu papel pedaggico. O estudo foi desenvolvido em trs etapas. A primeira consistiu na anlise documental dos projetos poltico-pedaggicos dos cursos em questo. Posteriormente, foram analisados os planos de ensino dos componentes curriculares ministrados nesses cursos. Na ltima fase da pesquisa foram feitas entrevistas com professores(as) que demonstraram em seu plano de ensino mais indcios de realizarem a avaliao formativa. Foi possvel verificar, com a investigao, que houve um avano, embora pequeno, no discurso da Instituio, por meio de seus documentos oficiais de planejamento. Alguns deles j explicitam a necessidade de a prtica avaliativa ocorrer numa perspectiva formativa. Por outro lado, tanto nos planos de ensino quanto nas entrevistas foram identificados elementos incoerentes com os princpios da avaliao formativa. Acreditamos que esta pesquisa ser importante para subsidiar a reflexo acerca das propostas e prticas avaliativas no mbito da Instituio pesquisada e de outras Instituies de Ensino Superior. Palavras-chave: Avaliao das aprendizagens. Avaliao formativa. Ensino superior.
ABSTRACT
This research deals with the evaluation of learning in undergraduate courses of Universidade Federal de Uberlndia (UFU) in which formative evaluation is a guideline in their political-pedagogical projects. The objective was to analyze the evaluation processes of learning in these courses and to check to what extent they are also part of learning, fulfilling their pedagogical role. The study was conducted in three stages. The first stage constituted the documentary analysis of political-pedagogical projects of the courses in question. Subsequently, the teaching plans of syllabus components taught in these courses were analyzed. The last stage of the research consisted of interviews with professors who showed in their teaching plans more indications of putting formative evaluation in practice. It was possible to check with this research that there was a breakthrough, though small, on the Institutions discourse, through its planning official documents. Some of them have already made explicit the need that the evaluating practice occurs in a formative perspective. On the other hand, incoherent elements with the principles of formative evaluation were identified both the teaching planes and the interviews. We believe this research will be important to promote the reflection on the proposals and evaluation practices in the scope of the institution researched and also other higher education institutions. Keywords: Learning evaluation. Formative evaluation. Higher education.
LISTA DE ILUSTRAES
Grfico 1. Quantidade de cursos da UFU em Uberlndia que propem a avaliao formativa
como diretriz nos seus PPCs................................................................................................. 62
Grfico 2. Concepes de avaliao formativa nos PPCs da UFU ........................................ 94
Grfico 3. Concepes de avaliao formativa nos PPCs da UFU sem projetos com texto
idntico ................................................................................................................................ 94
Grfico 4. Percentual aproximado de planos de ensino entregues por curso ........................ 104
Grfico 5. Ocorrncias de procedimentos de avaliao nos planos de ensino ...................... 111
Grfico 6. Procedimentos de avaliao ............................................................................... 111
Grfico 7. Diversidade dos procedimentos de avaliao ..................................................... 113
Grfico 8. Distribuio de notas ......................................................................................... 116
Grfico 9. Periodicidade das avaliaes.............................................................................. 120
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANDIFES Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino
Superior
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CONGRAD Conselho de Graduao
CONSUN Conselho Universitrio
CPA Comisso Permanente de Avaliao
CPDE Comisso Permanente de Desenvolvimento e Expanso
ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
FACIP Faculdade de Cincias Integradas do Pontal
FIES Fundo de Financiamento Estudantil
FMI Fundo Monetrio Internacional
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IFES Instituies Federais de Educao Superior
IES Instituies de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
LDBN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
OMC Organizao Mundial do Comrcio
PAAES Programa de Ao Afirmativa de Ingresso no Ensino Superior
PAIES Programa Alternativo de Ingresso no Ensino Superior
PDI Plano de Desenvolvimento Institucional
PIDE Plano Institucional de Desenvolvimento e Expanso
PPC Projeto Poltico-pedaggico do Curso
PROUNI Programa Universidade para Todos
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades
Federais
SINAES Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior
UFU Universidade Federal de Uberlndia
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................................. 15
CAPTULO 1 O ESTADO BRASILEIRO E A EDUCAO SUPERIOR: Tecendo
um contexto ........................................................................................................................ 23
1.1 Tendncias internacionais para as polticas pblicas e suas influncias no Brasil na
dcada de 1990 ........................................................................................................... 23
1.2 Reformas nas polticas educacionais brasileiras a partir dos anos 1990 e seus
rebatimentos na educao superior .............................................................................. 26
1.3 Expanso e democratizao do acesso ao ensino superior: uma ruptura com as
polticas neoliberais? ................................................................................................... 32
1.4 Afinal, que universidade queremos? Qual sua funo social? ................................ 38
1.5 Docncia no ensino superior: em foco os problemas da formao docente ............. 41
CAPTULO 2 O PLANEJAMENTO E A AVALIAO NA EDUCAO
SUPERIOR ........................................................................................................................ 45
2.1 O SINAES e seus desdobramentos para as IES ...................................................... 45
2.2 Algumas consideraes sobre o planejamento educacional .................................... 48
2.3 A elaborao do Plano Institucional de Desenvolvimento e Expanso (PIDE) e o
processo de construo dos PPCs na UFU ................................................................... 51
2.4 Ainda sobre o planejamento educacional: o sentido do plano de curso ................... 55
2.5 A avaliao formativa nos documentos oficiais de planejamento da UFU .............. 57
CAPTULO 3 A AVALIAO FORMATIVA NA PESQUISA EM EDUCAO .... 65
3.1 Avaliao formativa: perspectivas tericas ............................................................ 65
3.2 O campo terico da avaliao formativa no Brasil ................................................. 75
3.3 Avaliao formativa na educao superior............................................................. 79
3.4 A lgica que tem orientado a avaliao educacional .............................................. 84
CAPTULO 4 AVALIAO FORMATIVA NA UFU: Desencontros entre o discurso
institucional e a proposta pedaggica dos(as) professores(as) .......................................... 89
4.1 A Universidade Federal de Uberlndia .................................................................. 89
4.2 Os caminhos percorridos no desenvolvimento da pesquisa .................................... 91
4.3 O que dizem os projetos poltico-pedaggicos dos cursos de graduao da UFU
acerca da avaliao formativa? .................................................................................... 94
4.3.1 Os cursos que se aproximam de uma concepo de avaliao formativa ........ 96
4.3.2 Os cursos que se aproximam parcialmente de uma concepo de avaliao
formativa ................................................................................................................ 97
4.3.3 O curso que se distancia de uma concepo de avaliao formativa ............. 101
4.4 Os planos de ensino e a avaliao proposta.......................................................... 102
4.4.1 Os conceitos de avaliao expressos nos planos ........................................... 106
4.4.2 Os critrios de avaliao estabelecidos nos planos ....................................... 107
4.4.3 Os procedimentos de avaliao propostos .................................................... 110
4.4.4 A nota como medida .................................................................................... 117
4.4.5 A periodicidade das avaliaes .................................................................... 120
4.4.6 Os planos de ensino e a avaliao formativa ................................................ 121
CAPTULO 5 PARA QU SERVE A AVALIAO? COM A PALAVRA, OS(AS)
PROFESSORES(AS) ....................................................................................................... 123
5.1 Caracterizao dos sujeitos .................................................................................. 124
5.2 As bases da concepo de avaliao: a compreenso da educao e a funo social
da universidade ......................................................................................................... 125
5.3 Organizao do trabalho pedaggico: onde entra a avaliao? ............................. 132
5.4 Sobre o processo avaliativo e os procedimentos utilizados................................... 136
5.5 Algumas polmicas: a nota e a reprovao .......................................................... 149
5.6 A formao dos(as) professores(as) para a avaliao ........................................... 156
CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................... 158
REFERNCIAS ............................................................................................................... 163
APNDICE ...................................................................................................................... 169
15 INTRODUO
Antes de apresentar a pesquisa realizada, falarei1 um pouco sobre a minha trajetria.
Minha tentativa ser de expor os acontecimentos que, por causarem em mim certo incmodo,
me impulsionaram ao estudo da avaliao das aprendizagens no ensino superior. Justifico,
desde j, a utilizao do termo aprendizagens ao invs de aprendizagem, ao longo de todo
o trabalho, por compreender que as aprendizagens resultantes do trabalho educativo so
mltiplas e pertencentes a diversas dimenses.
Em minha famlia, incluindo tios(as) e primos(as), fui a primeira a conseguir ingressar
em um curso superior. Durante toda a minha vida escolar estudei em escolas pblicas e
sempre tirei boas notas. Quando cursava o primeiro ano do ensino mdio, comecei a participar
do Programa Alternativo de Ingresso no Ensino Superior (PAIES) da Universidade existente
na cidade onde moro, a Universidade Federal de Uberlndia (UFU). Era um programa de
seleo seriado: ao invs de fazermos apenas uma nica prova ao final do terceiro ano com
todo o contedo do ensino mdio, fazamos uma prova ao final de cada ano, com o contedo
previsto para aquela srie vale ressaltar que, atualmente, essa forma de ingresso j foi
extinta na Instituio supracitada. Ao final do terceiro ano, decidi que queria cursar
licenciatura em Letras e, ento, fui aprovada pelo PAIES.
Quando comecei o curso, no ano de 2004, havia acabado de completar 17 anos.
Percebi que as turmas eram divididas de acordo com a forma de ingresso. Assim, das 40
vagas ofertadas naquele semestre, 20 foram preenchidas por meio do vestibular e 20 pelo
PAIES. Para a maioria dos componentes curriculares havia duas turmas: uma composta
pelos(as) 20 estudantes ingressantes por meio do vestibular e outra formada pelos(as) 20
discentes ingressantes por meio PAIES. No demorou para que eu notasse que alguns(mas)
professores(as) tratavam as duas turmas de modos diferentes.
Lembro-me da fala de uma professora, que ministrava um componente bastante denso,
a meu ver, considerando que estvamos no primeiro perodo do curso, aps a primeira
avaliao da nossa turma. Ela afirmou discordar veementemente do fato de termos
ingressado to jovens na universidade. Segundo ela, alm do fato de no termos maturidade
suficiente, nossa escrita era pior que a de estudantes do ensino fundamental. E, para ela, no
1 Ao falar da minha histria de vida, bem como de minhas opes terico-poltico-filosficas, utilizarei a primeira pessoa do singular como pessoa discursiva. Entretanto, ao falar da pesquisa, dos caminhos percorridos e ao longo de todo o texto, ser utilizada a primeira pessoa do plural, por entender que o trabalho de pesquisa no de autoria individual, mas sim realizado sob orientao e, por isso mesmo, constitui resultado de uma parceria entre orientadora e orientanda.
16
fazia parte de suas atribuies nos ensinar a escrever. Muitas colegas minhas choraram nesse
dia, pelo modo desrespeitoso e pouco construtivo com o qual a professora exps sua opinio.
Em torno de 70% da nossa turma foi reprovada nesse componente. Eu me esforcei muito na
leitura dos textos propostos, que possuam uma linguagem bastante nova para mim e que
tratavam de uma temtica com a qual eu nunca havia tido contato. Consegui ser aprovada com
uma nota muito prxima da mnima necessria.
Um pouco mais adiante, no incio do semestre letivo, fui buscar meu comprovante de
matrcula na Secretaria da Coordenao de curso. Havia vrios colegas ali que tambm
haviam ido quele local pelo mesmo motivo. Foi quando chegou um dos nossos professores
daquele semestre. O secretrio aproveitou a oportunidade para dizer a ele que lamentava
muito, mas teria de matricular mais trs estudantes, oriundos(as) de transferncia externa, em
sua turma, que j estava bastante cheia, com mais de 40 estudantes. O professor, ento,
respondeu mais ou menos assim: No faz mal. Pode matricular. Depois da primeira prova,
mais da metade da turma vai desistir da disciplina. A a turma fica com um tamanho bom.
Aquela fala me chamou a ateno, mais do que pela afirmao em si, pelo tom do docente,
que parecia sentir muito orgulho do que estava dizendo.
Ao longo do semestre, acabou ficando claro para mim que aquele professor gostava de
ensinar. Em nossas discusses, ele tinha toda a pacincia para explicar novamente aquilo que
ainda no havamos conseguido compreender. Estava sempre disposto a auxiliar em nossas
aprendizagens, frequentemente falava dos temas abordados no mbito da disciplina de um
modo muito entusiasmado, muito apaixonado, e, apesar de exigente, foi bastante simptico
conosco. Ao final do semestre, a maioria da turma foi aprovada no componente ministrado
por ele. Depois de algum tempo, lembrava-me daquele dilogo entre ele e o secretrio,
instigada a compreender o sentido de sua fala, que a meu ver no condizia com sua postura
como docente. Conclu que estava, muito antes, relacionada a uma representao bastante
comum, infelizmente, do que ser um bom professor universitrio.
Apesar de ter comeado a cursar Letras no turno diurno, ainda no primeiro perodo me
dei conta de que precisaria trabalhar para custear meus estudos. Meus pais conseguiam pagar
apenas o meu transporte para a Universidade. Mas os gastos com os livros, fotocpias,
alimentao etc. comearam a aumentar, e logo no final do primeiro perodo eu pedi
transferncia para o noturno, para que pudesse trabalhar durante o dia. At o ltimo perodo
do curso trabalhei em reas distantes do campo profissional para o qual eu estava me
formando. Por isso, quando terminei a graduao, ao final de 2007, decidi que iria exercer a
17 profisso para a qual eu havia me preparado. Desse modo, pedi demisso do meu emprego e
comecei a estudar para prestar concursos na rea de educao.
Enquanto isso, comecei a atuar como professora de lngua portuguesa na rede estadual
de educao de Minas Gerais, na cidade de Uberlndia, por meio de contratao temporria.
Ao iniciar a carreira docente, comecei a perceber as minhas fragilidades formativas. Essa fase
inicial foi difcil: pude notar que muitos elementos bsicos da prtica profissional docente no
haviam sido devidamente contemplados em minha formao. No sabia por onde comear
meu planejamento, como lidar com as crianas com deficincia ou com necessidades
educacionais especiais inseridas em minhas turmas, e, ainda, como elaborar os instrumentos
de avaliao. Confesso que, a princpio, compreendia a avaliao como mera verificao das
aprendizagens.
Esse perodo, apesar das dificuldades enfrentadas, foi de muitas aprendizagens para
mim. Eu sabia da responsabilidade que havia assumido ao me colocar frente dos(as)
estudantes para ensinar lngua portuguesa. Por isso, comecei a estudar obras que pudessem me
auxiliar naquilo que eu ainda no dominava muito bem. Nesse sentido, os livros que estudava
para me preparar para os concursos tambm auxiliaram bastante. Um deles era sobre
avaliao educacional, intitulado Avaliao da aprendizagem escolar, do professor Carlos
Cipriano Luckesi. Ele trazia reflexes muito interessantes e que no haviam sido
oportunizadas ao longo do meu curso de graduao. Alis, fui me dando conta que toda a
literatura referente aos contedos pedaggicos cobrados nos concursos e que estava estudando
traziam discusses novas para mim, que havia acabado de concluir minha licenciatura.
Em 2009 prestei dois concursos: um para professora de lngua portuguesa da Rede
Municipal de Educao de Uberlndia e outro para tcnica em assuntos educacionais da UFU
Tive a felicidade de ser aprovada nos dois. Fui convocada primeiramente pela Prefeitura
Municipal de Uberlndia; assim, passei a ser professora efetiva. Cada dia aprimorava mais e
mais minhas prticas, e eu gostava bastante de ser professora. Relacionava-me bem com
os(as) estudantes e com a equipe pedaggica, que demonstrava respeito crescente pelo meu
trabalho. Todavia, enfrentava os percalos comuns maioria dos(as) professores(as) de
educao bsica no Brasil. As condies de trabalho, desde a infraestrutura da escola at a
escassez de materiais, deixavam a desejar. Alm disso, a remunerao era insatisfatria. Por
isso, em 2011, quando fui convocada pela UFU, deixei a docncia e assumi o cargo de tcnica
em assuntos educacionais, com remunerao trs vezes maior que tinha como professora da
educao bsica na poca.
18
Apesar de saber que sentiria falta da docncia, fiquei muito contente de retornar
Universidade que representava tanto para mim, dessa vez como servidora. Fiquei ainda mais
satisfeita ao saber que trabalharia na Diretoria de Ensino da referida Instituio. Isso
significava, para mim, manter o vnculo com as atividades de ensino, mesmo que no
exatamente no exerccio da docncia. Atualmente coordeno a Diviso de Formao Discente
dessa Diretoria, responsvel pelo estgio dos(as) estudantes e por programas de formao
acadmica complementar voltados para a melhoria do ensino de graduao. Nosso trabalho
vai desde o controle administrativo at a orientao e assessoria aos cursos e professores(as);
por isso, exige constante estudo e reflexo.
Preciso comentar tambm que a convivncia com meu companheiro e o fato de
compartilhar algumas de suas experincias me incitaram ainda mais a estudar a avaliao. Ele
cursava, at pouco tempo, uma graduao da rea de Tecnologia na UFU. Os episdios que
ele narrava, e que levaram evaso do curso, demonstravam como alguns professores fazem
terrorismo utilizando suas avaliaes como instrumento. Demonstravam, ainda, o modo
como expressam a defesa de um ensino seletivo, em que s os melhores devem chegar ao
final e obter o diploma. Junto disso, ao observar as estatsticas de evaso e de reprovao
nesse curso e em outros, me convenci de que era preciso, de alguma forma, buscar
compreender melhor os processos formativos dentro da UFU, em especial no que se refere
avaliao. Um entendimento mais aprofundado desses processos poderia contribuir para uma
reflexo, no mbito da Instituio, sobre a forma como tem sido conduzida a avaliao das
aprendizagens. Entendo que essa discusso ganha relevncia, sobretudo, ao considerar seu
contexto poltico-educacional.
Vivemos atualmente no Brasil um momento de reformas da educao superior.
Iniciativas como a Lei de Cotas constituem uma tentativa de democratizar o ingresso nesse
nvel de ensino e diminuir, gradativamente, a excluso social das camadas menos favorecidas
que tm se consolidado historicamente em nosso pas. Para que isso ocorra, est havendo (e
haver ainda mais) uma mudana do perfil dos(as) estudantes que ingressam nas Instituies
Federais de Educao Superior. Essas instituies esto passando a receber cada vez mais
estudantes oriundos(as) de escolas pblicas. Com todos os problemas j conhecidos do ensino
pblico no Brasil, isso significa receber um contingente significativo de discentes com muitas
lacunas formativas. As prticas didtico-pedaggicas desenvolvidas para as aprendizagens
desses(as) educandos(as), sobretudo no que se refere ao processo de avaliao das
aprendizagens, sero um dos fatores determinantes para que o objetivo de democratizao seja
alcanado.
19
Por um lado, os processos de avaliao das aprendizagens verdadeiramente
formativos, considerando o ponto de partida do(a) estudante (por mais aqum que esteja do
desejvel), podem contribuir para que ele(a) se desenvolva nos aspectos cognitivo,
profissional, pessoal, tico e crtico. Por outro lado, a avaliao das aprendizagens numa
abordagem tradicional, com influncia positivista, pode aumentar o nmero de reprovaes, o
represamento e at mesmo a evaso, substituindo a excluso por falta de acesso pela excluso
por carncia de condies de concluso do ensino superior.
Partimos da premissa de que o eventual fracasso no campo da avaliao das
aprendizagens, conforme destaca Sordi (2005), no pode ser, levianamente, imputado ao()
professor(a), que tem sofrido muita presso para solucionar problemas que no foram criados
por ele(a), mas que fruto de uma sociedade desigual em que educao tem sido atribuda a
funo de atender aos interesses do sistema produtivo. Para que haja mudanas nas prticas
didtico-pedaggicas, ser tambm necessria uma reviso das funes atribudas educao,
pois h muitos obstculos (e impedimentos), em decorrncia do projeto capitalista que tem
definido nossas instituies de ensino. Por isso, a autora defende um desvelamento
competente da realidade: ao assumir que nem tudo possvel, considerando-se as condies
limitantes do contexto histrico-social, so criadas condies polticas de se fazer o
historicamente possvel.
Acho importante explicitar aqui tambm, mesmo que de modo sucinto, meu
posicionamento terico-poltico-filosfico, j que a partir dele que foram feitas as escolhas e
as anlises no mbito da pesquisa. Do ponto de vista ontolgico, considero que o ser humano
est em constante mudana e desenvolvimento. Influenciado por aspectos biopsicossociais,
constitudo de mltiplas dimenses (cognitiva, social, afetiva, tica, poltica etc.) que, em uma
complexa teia de relaes entre si, compem a sua identidade. Em cada uma dessas
dimenses as pessoas se desenvolvem de maneira constante, mas no necessariamente dentro
do mesmo ritmo. Cumpre ressaltar que o ser humano, na verdade, ao buscar compreender a
sua existncia no mundo, transforma o mundo e si prprio.
No campo da epistemologia, visei pautar-me por uma abordagem crtico-dialtica,
apesar de reconhecer que nossa cultura ainda est to impregnada pelo positivismo que
inconscientemente nos influencia algumas vezes. Politicamente, defendo a luta por uma
sociedade democrtica, justa, participativa e com igualdade de oportunidades, em que
todos(as) possam ter garantidas dignas condies materiais de vida e de acesso ao
conhecimento socialmente construdo.
20
preciso justificar, ainda, uma peculiaridade que ser percebida na leitura do trabalho
no que diz respeito linguagem empregada. Buscamos utilizar o(a) professor(a), ao invs
de o professor, o(a) estudante, em vez de o estudante, entre outras formas semelhantes
para demonstrar que nos referimos s pessoas de ambos os gneros. Compreendemos que essa
opo pode tornar o texto visualmente mais sobrecarregado de caracteres e, por isso, talvez
cansativo em certos momentos. Mesmo assim, fizemos essa escolha poltica por compreender
a necessidade de ruptura com uma linguagem machista, como nos chama a ateno Freire
(1997), na obra Pedagogia da Esperana.
O autor relata que, a partir da crtica de algumas leitoras em relao s suas primeiras
obras, identificou uma contradio entre o que escrevia e o modo como escrevia. Apesar de
tratar da opresso e da libertao, utilizava uma linguagem em que no havia lugar para as
mulheres e, portanto, era discriminatria, como em: [...] aprofundando a tomada de
conscincia da situao, os homens se apropriam dela como realidade histrica.2 Apesar de
inicialmente justificar que a referncia a homens incluiria de modo subentendido as
mulheres, refletiu que o contrrio (utilizar mulheres e subentender que os homens estariam
includos) jamais seria plausvel. Por isso, reconheceu que sua forma de escrever exclua as
mulheres e optou pela modificao, justificando que recusar a ideologia machista faz parte da
luta pela mudana do mundo isso implica, necessariamente, na recriao da linguagem. Ele
assevera, ainda: No puro idealismo, acrescente-se no esperar que o mundo mude
radicalmente para que se v mudando a linguagem. Mudar a linguagem faz parte do processo
de mudar o mundo (FREIRE, 1997, p. 35), e a partir dessa perspectiva que fizemos
tambm nossa opo por uma linguagem que inclua as mulheres.
Apresentados os pressupostos, passarei a destacar a pesquisa. A UFU possui
atualmente 77 cursos de graduao, sendo seis na modalidade a distncia, 11 sediados no
Campus Pontal, na cidade de Ituiutaba, trs no Campus Monte Carmelo, trs no Campus
Patos de Minas e 54 distribudos entre os trs campi da cidade de Uberlndia estes iro
compor o universo do presente estudo.
Desses cursos, identificamos 24 que estabelecem em seus Projetos Poltico-
pedaggicos de Curso (PPCs) a avaliao formativa como diretriz para as prticas avaliativas.
A partir disso, a questo que norteou a investigao foi: Como desenvolvida a avaliao das
aprendizagens nesses cursos que tm como diretriz a avaliao formativa? Em que medida ela
constitui tambm avaliao para as aprendizagens, cumprindo seu papel pedaggico? Mais
2 Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 74.
21 especificamente, o que buscamos compreender : O que se entende, no mbito desses cursos,
por avaliao formativa? Qual a relao entre o que proposto nos PPCs e o que os(as)
professores(as) desses cursos comunicam quanto s suas prprias prticas avaliativas? Dentre
esses cursos, h alguma distino da cultura avaliativa predominante nas licenciaturas e nos
bacharelados?
Nosso objetivo foi analisar os processos de avaliao das aprendizagens desenvolvidos
nesses cursos e verificar se constituem uma avaliao para as aprendizagens. Buscamos, de
modo mais especfico: compreender as concepes acerca do processo de avaliao das
aprendizagens contidas nos PPCs e suas relaes com a teoria da avaliao formativa;
confrontar as propostas de avaliao inseridas nos planos de ensino dos(as) professores(as)
desses cursos e os seus discursos quanto s suas prprias prticas avaliativas com a teoria da
avaliao formativa e com as diretrizes traadas nos PPCs; e verificar se, no mbito desses
cursos, h alguma diferena entre a cultura avaliativa predominante nos bacharelados e nas
licenciaturas.
Para melhor compreenso, esclarecemos, com base nas ideias de Fernandes (2009), a
distino entre avaliao das aprendizagens e avaliao para as aprendizagens. A primeira
ocorre com o diagnstico acerca das aprendizagens conquistadas, isto , identifica-se o que foi
aprendido (e o que ainda no foi) dentre os conhecimentos, habilidades e atitudes
estabelecidos como meta a ser alcanada. Quando esse diagnstico utilizado em favor das
aprendizagens dos(as) estudantes, transforma-se tambm em avaliao para as aprendizagens.
Nesse caso, o(a) docente retomar, com cada grupo de estudantes, os contedos ainda no
aprendidos, propondo novas atividades e realizando novas discusses at que o objetivo do
trabalho educativo seja atingido. Assim, a avaliao passa a cumprir um papel pedaggico
fundamental: direcionar os prximos passos a serem dados e guiar o trabalho do(a)
professor(a) e do(a) discente.
Para alcanar os objetivos propostos, a pesquisa foi realizada em trs etapas.
Primeiramente, foi feita uma anlise documental dos 24 projetos poltico-pedaggicos que
apresentam a avaliao formativa como diretriz. O intuito foi identificar, de forma mais
detalhada, as bases tericas e as concepes de avaliao das aprendizagens assumidas nas
propostas. Posteriormente, dentre os 24 projetos, selecionamos uma amostra constituda de
seis cursos, sendo dois de cada grande rea (cincias exatas, humanas e biomdicas), um
bacharelado e uma licenciatura (articulada ou no com o bacharelado), para as etapas
seguintes. Na segunda etapa foi realizada anlise documental dos planos de ensino dos(as)
professores(as) que ministraram aulas nesses cursos no primeiro semestre letivo de 2014. Na
22
anlise dos planos observamos as propostas de avaliao das aprendizagens feitas pelos(as)
professores(as) do curso, comparando-as com a teoria da avaliao formativa. Alm disso,
tivemos o intuito de identificar os(as) professores(as) que apresentavam maiores indcios de
realizarem a avaliao de seus(as) estudantes em uma abordagem formativa, para seleo dos
que participariam da prxima fase da investigao, constituda de entrevistas reflexivas.
Nessas entrevistas, buscamos compreender melhor o entendimento desses(as) professores(as)
acerca da avaliao das aprendizagens de modo geral e de avaliao formativa, em especial.
Estruturamos a dissertao sobre a pesquisa com vistas a esboar, no primeiro
captulo, o contexto poltico que envolve o ensino superior brasileiro, sobretudo as
universidades. No segundo captulo, traamos a importncia do planejamento educacional em
seus diversos nveis e um histrico sucinto de como se deu o processo de construo dos
projetos poltico-pedaggicos institucionais e dos cursos de graduao na UFU, a fim de
problematizar o sentido das definies estabelecidas nesses documentos para a comunidade
acadmica envolvida. No terceiro captulo, explicitamos os referenciais tericos a partir dos
quais propomos a discusso acerca da avaliao formativa. No quarto captulo, comeamos a
apresentar os dados construdos e a anlise realizada, restringindo-nos s duas primeiras
etapas da pesquisa. Por fim, no ltimo captulo, destacamos os dados construdos por meio
das entrevistas reflexivas e nossa interpretao dessas informaes.
Com este trabalho tivemos a inteno de acrescentar mais um fio dgua para a
consolidao do debate acerca da avaliao das aprendizagens no ensino superior. Esperamos
que nesse debate seja possvel defender o uso da avaliao para a melhoria das aprendizagens,
e no para a punio e tortura de estudantes ou para a seletividade social, como muito
frequentemente temos observado.
23 CAPTULO 1 O ESTADO BRASILEIRO E A EDUCAO SUPERIOR: Tecendo
um contexto
A excluso escolar, em qualquer etapa, privao de algumas bases cognitivas, sociais e axiolgicas que todo indivduo necessita para edificar uma existncia humanamente significativa na sociedade contempornea.
(Jos Dias Sobrinho)
O nosso objetivo neste captulo ser descrever brevemente algumas mudanas e
reformas ocorridas nas ltimas dcadas que acabaram por compor o cenrio atual no contexto
do ensino superior brasileiro. Considerar esse quadro histrico fundamental para que
possamos discutir com criticidade qualquer assunto relacionado docncia, ao ensino e s
aprendizagens em tal mbito.
Por uma questo de foco, nos limitaremos s duas ltimas dcadas, quando
acreditamos ter-se iniciado o momento de transformaes mais profundas e que mais
fortemente esto impregnadas nas polticas atuais para esse nvel da educao. Buscaremos
aqui abordar sucintamente tendncias nacionais e internacionais que nesse perodo
influenciaram as reformas ocorridas na gesto pblica e no campo educacional como um todo.
A seguir, comentaremos sobre os impactos dessas mudanas no ensino superior brasileiro.
Nosso intuito esboar as relaes existentes entre as reformas ocorridas em trs mbitos
(gesto pblica, educao e ensino superior).
Pretendemos comentar tambm sobre os processos de expanso e de democratizao
da educao superior brasileira que se iniciaram a partir do ano de 2003 e que tm alterado
significativamente a realidade das Instituies Federais de Educao Superior (IFES).
Discutiremos, ainda, a partir do panorama histrico traado, a funo social defendida por ns
para as universidades e alguns aspectos relativos formao e s condies oferecidas para o
exerccio da docncia nesse contexto.
1.1 Tendncias internacionais para as polticas pblicas e suas influncias no Brasil na
dcada de 1990
Segundo Oliveira (1995), a Ditadura Militar (1964-1985) iniciou um processo de
dilapidao do Estado brasileiro, que teve continuidade no governo Jos Sarney (1985-1989)
24
e constituiu um clima favorvel apropriao da ideologia neoliberal,3 que j servia como
diretriz para a definio das polticas dos pases considerados desenvolvidos poca. Ao se
aproveitar desse clima de desespero social, Collor4 construiu um discurso de combate ao
Estado desperdiador, consubstanciado por meio de uma proposta de caa aos marajs, e foi
eleito, iniciando seu governo em 1990.
Dois anos depois, aps graves denncias de corrupo que envolviam o ento
presidente, a sociedade se organizaria e daria incio a um movimento que culminou com o
impeachment dele em 1992. Entretanto, no governo de Itamar Franco (1992-1994), substituto
de Collor, o aumento descontrolado da inflao criou novamente um terreno frtil para o
neoliberalismo. Surge assim, em 1994, a fim de estabilizar a economia, o Plano Real, com
caractersticas claramente neoliberais. O grande engodo, porm, reside no fato de essa
melhora da economia promovida com base nas ideias neoliberais acontecer custa de uma
piora no mbito social, j que se reforam as desigualdades, e alguns direitos sociais, como a
educao, passam a ser compreendidos como servios que s estaro acessveis aos que
puderem pagar por ele.
Em defesa da ideologia neoliberal, Pimenta (1998) argumenta que o conceito de
Estado e de gesto evolui conforme a sociedade e as cincias evoluem. Por esse motivo, como
temos no sculo XXI um novo paradigma para o modo de vida do ser humano, a sociedade, o
modo de produo e os processos de organizao do trabalho, haver tambm um novo
conceito de Estado. Basicamente, ele deixa de ser o produtor direto de bens e servios e passa
a ser o de regulador do desenvolvimento.
Segundo o autor, durante o sculo XVIII, prevaleceu na esfera mundial um Estado
liberal caracterizado por ser mnimo, em virtude da pouca participao do gasto pblico em
relao ao produto econmico de cada pas e por exercer apenas as funes tpicas do Estado, 3 De acordo com Anderson (1995), o neoliberalismo nasceu aps a Segunda Guerra Mundial na Europa e na Amrica do Norte. Seu texto de origem O Caminho da Servido, de Friedrich Hayek, produzido em 1944. O referido documento constitui um ataque limitao dos mecanismos de mercado por parte do Estado, j que esta ameaaria a liberdade no s econmica, mas tambm poltica. Em 1947, a partir de uma iniciativa de Hayek, foi fundada a Sociedade de Mont Plerin, que passou a se reunir periodicamente e cujo objetivo era combater o Keynesianismo e o solidarismo que predominavam poca, preparando para o futuro as bases de um novo capitalismo, duro e livre de regras. Segundo o posicionamento neoliberal, a desigualdade seria imprescindvel para as sociedades ocidentais, j que a concorrncia levaria prosperidade de todos. Apenas com a crise do modelo econmico do ps-guerra, em 1973, em que os pases apresentavam baixas taxas de crescimento e altas taxas de inflao, a ideologia neoliberal ganhou terreno. O governo de Thatcher, na Inglaterra, que teve incio em 1979, foi o primeiro a incorporar o neoliberalismo. Mas, a partir da, outros pases aderiram ideologia nas dcadas de 1980 e 1990. Suas principais recomendaes consistiam em manter uma disciplina oramentria, contendo gastos com o bem-estar social, restaurando a taxa natural de desemprego (a fim de constituir um exrcito de reserva de trabalho que reduziria o poder de luta dos sindicatos) e reduzindo impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. 4 Fernando Collor de Mello foi o primeiro presidente eleito por voto direto do povo aps o Regime Militar (1964/1985), tendo governado o Brasil no perodo de 1990 a 1992.
25 como a diplomacia, a defesa nacional e a arrecadao. A partir dos sculos XIX e XX, emerge
o Estado de bem-estar social. Essa nova concepo de Estado surgiu aps a devastao
causada pelas grandes guerras e pela necessidade de se amparar a populao que sofreu as
consequncias de tais eventos. Dessa forma, suas principais caractersticas so a atuao no
campo social e a interveno no domnio econmico. Por esse motivo, os gastos pblicos
passaram a ser cada vez maiores; at que, no final dos anos 1970 e incio dos anos 1980, a
economia comeou a sofrer forte crise, pois o gasto pblico havia atingido ndices elevados.
A partir dessa dcada surgiu o Estado social liberal (ou neoliberal) que consistiu numa
mistura dos dois anteriores (Estado liberal e Estado de bem-estar social).
O autor interpreta o surgimento do Estado social liberal como um modo de tentar
equilibrar dois extremos que j no eram possveis: o Estado liberal, que j no permitia a
legitimidade de governo perante uma populao que precisou ser escolarizada devido s
necessidades de formao profissional surgidas com a Revoluo Industrial e, depois disso,
passou a almejar a democracia; e o Estado de bem-estar social, que no se sustentava
economicamente num contexto capitalista.
No mesmo momento histrico em que surge o Estado social liberal, podemos destacar
mudanas na sociedade que tero influncia decisiva na constituio de uma nova forma de
gesto pblica: a consolidao do processo de globalizao, os progressos nas tecnologias da
informao e a emergncia da sociedade civil organizada. Enquanto a globalizao refora o
paradigma da competitividade e altera significativamente a forma de organizao do trabalho,
as novas tecnologias da informao reforam a integrao mundial, estimulando o comrcio
internacional e interligando cidados do mundo inteiro. J a emergncia da sociedade civil
organizada permite maior participao da sociedade no processo decisrio e na gesto dos
pases.
De acordo com Pimenta (1998), nesse novo contexto, o Estado se reconhece incapaz
de gerir o pas por si s; por isso, passa a almejar uma articulao entre mercado, comunidade
e Estado. E para a implantao desse novo conceito de Estado, surge a necessidade de
promover uma reforma gerencial na administrao pblica. Essa reforma, ocorrida no Brasil
no incio do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi conduzida a partir do
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado do Ministrio da Administrao Federal e
Reforma do Estado (MARE), dirigido pelo ento ministro Bresser Pereira, e consolidou no
pas a criao de polticas baseadas na ideologia neoliberal.
Alm disso, para Pimenta (1998), a reforma gerencial deveria contar com uma
delimitao da rea de atuao do Poder Executivo. Para isso, definiram-se reas de atuao
26
exclusiva do Estado e reas de atuao no exclusiva do Estado, entre as quais se incluem a
educao e a sade. Essas ltimas sofreriam processos de privatizao venda de ativos
pblicos; publicizao transformao de rgos estatais em entidades pblicas no estatais,
de direito privado e sem fins lucrativos, que recebem recursos do oramento pblico; e
terceirizao contratao externa de servios.
Em sntese:
[...] a insero do pas na lgica neoliberal, como coadjuvante no processo de globalizao em curso, sintonizado s premissas de liberalizao econmica, desregulao financeira, alteraes substantivas na legislao previdenciria e trabalhista e, fundamentalmente, na intensificao dos processos de privatizao da esfera pblica, tem sido apresentada pelos setores dirigentes como um claro indicador de modernizao do at ento Estado patrimonial. A perspectiva neoliberal , nesse contexto, ideologicamente difundida apenas como reformulao da gesto do desenvolvimento capitalista, na qual a desigualdade aceita como norma, e o desemprego, como contingncia necessria ao desenvolvimento do capital (DOURADO, 2002, p. 237).
Feito esse breve resumo, o que nos interessa mais particularmente, conforme os
objetivos do presente captulo, destacar que na administrao pblica brasileira, a partir da
dcada de 1990, com as influncias da filosofia neoliberal nas definies de polticas pblicas,
setores como a sade e a educao sofreram um processo de publicizao, isto , foram vistos
como no exclusivos do Estado. Dessa maneira, suas instituies passam a ser consideradas
privadas, sem fins lucrativos, que recebem recursos pblicos, mas que tambm podem buscar
outras fontes de financiamento; nesse entremeio, o neoliberalismo trouxe profundas
implicaes para a educao como um todo e, em particular, para o ensino superior, como
veremos a seguir.
1.2 Reformas nas polticas educacionais brasileiras a partir dos anos 1990 e seus
rebatimentos na educao superior
Conforme apresenta Melo (2004), nas dcadas de 1980 e 1990 o Banco Mundial, o
FMI e a UNESCO, definidos pelo autor como sujeitos coletivos internacionais, formularam
vrias diretrizes direcionadas aos pases devedores em desenvolvimento da Amrica Latina
que previam reformas estruturais na educao. Essas diretrizes, apresentadas e debatidas em
vrias conferncias realizadas nos pases latinos, originaram-se num processo de
mundializao do capital e faziam parte de um projeto neoliberal. Dessa forma, foram
27 fundamentais para a refuncionalizao dos Estados e dos seus processos de gesto pblica,
conforme a perspectiva neoliberal.
A ideologia neoliberal de gesto pblica influenciou profundamente o setor da
educao no Brasil, sobretudo a partir dos anos 1990. De acordo com Gentili (1996), para se
constituir como hegemonia, ela busca solues para a crise econmica capitalista e cria um
projeto de reforma de valores sociais, gerando um novo senso comum, baseado
principalmente na meritocracia. Trata-se da atribuio de responsabilidades s pessoas, de
maneira individual, que obtero xito ou fracasso de acordo com seu esforo e mrito,
independentemente de suas condies sociais.
Ainda segundo o autor, sob a perspectiva neoliberal, no mbito da educao os
problemas existentes podem ser compreendidos como uma crise de qualidade e eficincia,
causada pela incompetncia das pessoas que trabalham nas instituies escolares, bem como
pela ineficincia do Estado para gerenciar as polticas pblicas, o que se torna mais um
motivo para a defesa de uma reforma administrativa que prope a privatizao da educao.
Conforme essa viso, os culpados pela crise educacional seriam: o Estado, por intervir em
assuntos polticos, econmicos e sociais; os sindicatos, que defendem a coletividade e
diminuem a competitividade (elemento fundamental para a garantia de servios de qualidade);
e os prprios indivduos, pois aceitam a interveno estatal, acomodando-se a ela.
Colocados a situao de crise e os seus culpados, a proposta neoliberal para solucionar
os problemas seria relacionada a estratgias como o estabelecimento de mecanismos de
controle e avaliao da qualidade dos servios educacionais e a articulao entre a educao e
as necessidades estabelecidas pelo mercado de trabalho quanto formao profissional.
Assim, podemos observar, conforme Gentili (1996), um estmulo competitividade e a um
vnculo entre educao e mercado.
O conceito de qualidade utilizado no campo educacional, por exemplo, transferido
do campo empresarial. A escola passa a ser uma empresa de produo de estudantes, de
conhecimentos, responsvel pela promoo da empregabilidade. Nesses termos, o autor utiliza
a expresso a mcdonaldizao da escola para descrever tal processo, referindo-se grande
rede de fast-food, McDonalds. Os(as) estudantes devem ser produzidos de forma rpida,
seguindo rigorosas normas a serem definidas pelo mercado. A escola, por sua vez, precisa se
submeter a severos programas de controle de eficincia, qualidade e produtividade. E para que
tudo isso funcione, basta que se sigam as orientaes dos homens de negcios exitosos; assim,
as diretrizes para o setor educacional passam a ser traadas no por educadores, mas por
empresrios bem-sucedidos.
28
Para complementar o entendimento sobre a descrio feita por Gentili (1996), cabe
fazermos dois destaques. O primeiro diz respeito ao conceito neoliberal de qualidade da
educao. Conforme Freitas (2005), pode-se dizer que no Brasil h uma disputa entre dois
tipos de polticas pblicas: as neoliberais e as democrticas e participativas (chamadas
tambm de progressistas). Tanto a compreenso do que seja a qualidade da educao quanto
do seu modo de produo no mbito da escola sero distintos no mbito dessas duas vertentes,
isso porque [...] nas polticas neoliberais a mudana vista como parte de aes gerenciais
administradas desde um centro pensante, tcnico, ao passo que a tendncia das polticas
participativas gerar envolvimento na ponta do sistema (FREITAS, 2005, p. 914). Sendo
assim, a principal diferena entre as duas concepes de qualidade que, enquanto para as
polticas neoliberais a qualidade pautada por padres externos ao grupo avaliado, que so
normalmente importados do campo mercadolgico, nas polticas participativas defende-se
uma qualidade negociada. Dentro dessa abordagem:
A qualidade no um dado de fato, no um valor absoluto, no adequao a um padro ou a normas estabelecidas a priori e do alto. Qualidade transao, isto , debate entre indivduos e grupos que tm um interesse em relao rede educativa, que tm responsabilidade para com ela, com a qual esto envolvidos de algum modo e que trabalham para explicitar e definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades, ideias sobre como a rede [...] e sobre como deveria ou poderia ser (BONDIOLI, 2004, p. 14).
Nesse sentido, Bondioli (2004) destaca que os indicadores dessa qualidade so
significados compartilhados, ou seja, fundamental que sua produo seja coletiva, com a
participao de todos os envolvidos. Alm disso, para o alcance dessa qualidade, pressupe-se
a contribuio de cada um(a) dos(as) envolvidos(as) segundo seu nvel de responsabilidade.
Desse modo, de acordo com Freitas (2005), a regulao aqui toma um sentido muito mais
amplo do que aquele utilizado no discurso neoliberal: ao invs de implicar a
desresponsabilizao do Estado, que passa a agir como mero avaliador, a regulao tem por
objetivo o cumprimento dos direitos sociais, como o da apropriao dos conhecimentos
historicamente acumulados atravs dos processos escolares.
O segundo destaque refere-se utilizao do termo empregabilidade. Esse conceito
surge no mbito da ideologia neoliberal a partir do momento em que o dbito educacional
visto como o grande culpado por estrangular o crescimento econmico que, por sua vez,
responsvel pelo atraso, pela pobreza e pela marginalidade. Sendo assim, o investimento na
educao bsica torna-se, dentro desse discurso, elemento essencial das polticas para gerao
de emprego e renda. De fato, a palavra empregabilidade vem sendo usada para fazer
29 referncia [...] s condies subjetivas da integrao dos sujeitos realidade atual dos
mercados de trabalho e ao poder que possuem de negociar a prpria capacidade de trabalho,
considerando o que os empregadores definem por competncia (MACHADO, 1998, p. 18-
19) esta ltima entendida como as [...] condies subjetivas do desempenho dos sujeitos
na realidade atual dos processos de trabalho e ao poder que possuem de negociar sua prpria
capacidade de trabalho (MACHADO, 1998, p. 19).
Desse modo, programas como o Educao para Todos5 foram defendidos como
formas de alvio da pobreza, esta ltima entendida como consequncia da m conduo
poltica quanto ao gerenciamento do crescimento econmico e alocao de recursos. Assim, a
educao bsica priorizada nesse perodo como forma de melhorar a qualidade de vida das
pessoas, sobretudo dos pobres, e de promover a empregabilidade.
O problema nesse raciocnio, que atribui aos processos educacionais um papel
determinante para o aumento da produtividade e a gerao de emprego, deixar de considerar
que eles no esto descolados de outros determinantes macroeconmicos e sociais. Como
resultado, os indivduos no refletem sobre a totalidade concreta e passam a competir entre si
pelo sucesso individual, perdendo a possibilidade de uma mobilizao coletiva.
Mas, ao verificar o cenrio em que o Estado brasileiro adequado poltica
neoliberal, publicizando o setor da educao em que se passa a priorizar a educao bsica.
a qual se torna articulada com o mercado , o ensino superior sofre uma forte crise. Ao
mesmo tempo em que as polticas de financiamento s universidades se tornaram cada vez
mais escassas, a sociedade passa a atribuir a elas outras funes. De acordo com Santos
(1999), a crise das universidades atinge trs domnios, que podem ser definidos como: uma
crise de hegemonia, uma crise de legitimidade e uma crise institucional. Explicitaremos em
que consiste cada uma dessas crises para o autor.
Segundo Santos (1999), desde o incio, as universidades priorizaram a produo de
alta cultura, de conhecimentos exemplares responsveis pela formao das elites sociais.
Entretanto, chegou um momento em que se passou a cobrar dessas instituies que tambm
produzissem conhecimentos teis, responsveis pela formao de fora de trabalho
qualificada, necessria com o desenvolvimento industrial. Essa contradio gerou um conflito 5 O Programa Educao para Todos foi criado pela Resoluo do Conselho de Ministros n. 29/1991, tendo como principais objetivos: estimular o desenvolvimento de uma cultura de escolaridade prolongada; prevenir o abandono escolar precoce; divulgar o valor da escolarizao total e o custo social e econmico; diversificar e flexibilizar as estruturas de oferta de formao. O desenvolvimento do Programa foi organizado por meio dos seguintes projetos: Acompanhamento estatstico da escolarizao e do abandono escolar; Mobilizao social para a escolarizao ano 2000; Intervenes sociais para a escolarizao no ano 2000; Monitoramento dos fatores endgenos do sucesso escolar; Monitoramento dos fatores exgenos do sucesso escolar; e Centro de recursos para a escolarizao ano 2000.
30
de interesses e, devido impossibilidade de se suprir as necessidades de todos, temos uma
crise de hegemonia, que diz respeito perda de centralidade da universidade num momento
em que ela j no consegue atender s funes contraditrias que lhe foram atribudas.
Outro conflito surgido com o desenvolvimento industrial, conforme o autor,
decorrente das exigncias sociopolticas de democratizao e da igualdade de oportunidades.
Desde os primrdios, os saberes especializados produzidos pela universidade eram restritos a
uma elite social, ou seja, eram hierarquizados. Entretanto, com a ideia de democracia, essa
configurao passa a ser inadmissvel. Por tal motivo, essa instituio deixa de ser aceita
como um consenso, constituindo-se uma crise de legitimidade.
Quanto crise institucional, Santos (1999) explica que se ela refere a um conflito entre
a autonomia, que permitiria universidade definir seus prprios objetivos e valores, e a
necessidade de demonstrar produtividade social, o que submeteria a instituio universitria a
critrios de eficcia e produtividade de natureza empresarial. Dessa forma, modelos
organizativos de outras instituies passaram a lhe ser impostos como exemplo a ser seguido.
Ristoff (1999), referindo-se especificamente universidade brasileira, tambm define
trs dimenses da crise no ensino superior, que, em parte, coincidem com as explicitadas por
Santos (1999). Ele fala de uma crise financeira, uma crise de elitismo e uma crise de modelo,
as quais so caracterizadas pelo autor como matadores silenciosos. A crise financeira
refere-se escassez de financiamento que passa a sofrer a universidade; enquanto isso, a de
elitismo diz respeito elitizao do ensino superior no Brasil e necessidade de ampliao do
seu acesso. Nesse sentido, coincide com a crise de legitimidade, definida por Santos (1999).
Por ltimo, a crise de modelo coincidiria com o que Santos (1999) chama de crise
institucional, ligando-se questo da definio de funes do ensino superior.
Para fazer frente s crises do ensino superior, algumas estratgias foram adotadas
como mecanismos de disperso de seus conflitos geradores. No documento La enseanza
superior: Las lecciones derivadas de la experiencia,6 produzido pelo Banco Mundial,
encontramos um resumo dessas estratgias, que constituem uma proposta de reforma:
Fomentar la mayor diferenciacin de las instituciones, incluido el desarrollo de instituciones privadas Proporcionar incentivos para que las instituciones pblicas diversifiquen las fuentes de financiamiento, por ejemplo, la participacin de los
6 Documento produzido pelo Banco Mundial, publicado em 1995, com o objetivo de prestar assistncia tcnica e financeira para a formulao de polticas educacionais. Nele, faz-se uma anlise da crise da educao superior, que, segundo o organismo internacional, assola o mundo todo, mas se apresenta de modo mais intenso nos pases em desenvolvimento. Destaca-se que o enfoque dado dimenso econmica dessa crise e que as universidades so apresentadas como instituies que constituem a base do crescimento econmico de um pas.
31
estudiantes en los gastos y la estrecha vinculacin entre el financiamiento fiscal y los resultados Redefinir la funcin del gobierno en la enseanza superior Adoptar polticas que estn destinadas a otorgar prioridad a los objetivos de calidad y equidad (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 4).
Dentre os elementos destacados na citao acima, os mais importantes talvez sejam a
diferenciao interinstitucional e a diversificao das fontes de recursos. No Brasil,
particularmente, a diferenciao interinstitucional, isto , a existncia de modelos diferentes
de instituies priorizando o ensino (universidade de ensino), a pesquisa (universidade de
pesquisa) ou a formao profissional (como o caso mais recente dos cursos superiores
tecnolgicos e dos institutos federais tecnolgicos), tem sido utilizada para o atendimento de
pblicos diferentes, de forma a manter a legitimidade do ensino superior. Nesse contexto, a
iniciativa privada tambm tem sido estimulada pelo governo a partir dos anos 2000, por meio
de programas como o Programa Universidade para Todos (PROUNI)7 e o Fundo de
Financiamento Estudantil (FIES)8.
No que diz respeito diversificao das fontes de recurso, apesar de o Estado prever o
financiamento do ensino superior dentro dos gastos pblicos, os recursos disponibilizados so
insuficientes, de forma que se aconselha buscar fontes alternativas de recursos. Sendo assim,
criam-se as fundaes de apoio universitrio para que, entre outras coisas, a universidade
possa prestar servios para a iniciativa privada como forma de garantir a sua subsistncia.
Nesse ponto, mais uma vez, a ideologia neoliberal defende que isso auxilia na garantia da
qualidade, j que as instituies devem disputar entre si os recursos disponveis, vencendo
aquela considerada mais qualificada.
Outro marco importante para o estabelecimento de diretrizes para a educao superior
foi a Declarao Mundial sobre a Educao Superior no Sculo XXI, produzida a partir da
Conferncia Mundial sobre Educao Superior promovida pela UNESCO em Paris, no ano de
7 O Programa Universidade para Todos (PROUNI) foi criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei n. 11.096, em 13 de janeiro de 2005. Tem como finalidade conceder a estudantes de baixa renda bolsas integrais ou parciais de estudos em cursos de graduao ou sequenciais em instituies privadas de educao superior. Em contrapartida, oferece iseno de tributos quelas instituies que aderem ao Programa. Uma limitao considervel desse Programa que, por ser viabilizado por meio de instituies privadas, no oportuniza aos(s) estudantes, na maioria das vezes, a formao em pesquisa. 8 O Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) um Programa do Ministrio da Educao destinado a financiar cursos de graduao para estudantes matriculados em instituies no gratuitas. Institudo pela Lei n. 10.260, de 12 de julho de 2001, passou a ser operacionalizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE) em 2010, com juros de 3,4% ao ano. Durante a realizao do curso, o(a) estudante paga, a cada trs meses, apenas o valor referente aos juros incidentes sobre o financiamento, que no ultrapassa R$ 50,00. Aps a concluso do curso, ter 18 meses de carncia para recompor seu oramento e continua a pagar apenas o valor relativo aos juros a cada trs meses. Encerrado o perodo de carncia, o saldo devedor do(a) estudante ser parcelado em at trs vezes em relao ao perodo financiado do curso, acrescido de 12 meses.
32
1998. Apesar de encontrarmos distines entre os discursos do Banco Mundial e da
UNESCO, importante ressaltar que em alguns pontos eles so convergentes. Como exemplo
disso, tambm na Declarao da UNESCO a diversificao institucional aparece como meio
para reforar a igualdade de oportunidades, no ponderando a possibilidade de isso acarretar
em uma perda da qualidade, sobretudo para os(as) estudantes oriundos das camadas
populares, que so os que mais necessitam de uma educao superior qualitativamente forte.
Em sntese, pode-se dizer que:
Na verdade, trata-se de um documento de compromisso entre os modelos contemporneos, incorporando parcialmente o modelo emergente, ou seja, o neoliberal-globalista-plurimodal, tambm parcialmente o modelo estabelecido e em crise de hegemonia, o democrtico-nacional-participativo, tendo mesmo, em certas passagens, um tom que o aproxima do referencial crtico-cultural-popular. Este ltimo, por definio, a voz da resistncia excluso, da promoo da incluso, o discurso do no, um grito que sobe dos subterrneos da liberdade. O modelo estabelecido e em crise de hegemonia o discurso do talvez, que esconde o sim ao proclamar o no. E o modelo emergente, o neoliberal, o discurso do sim sem disfarces, da promoo ativa da excluso em nome da eficincia capitalista (CASTANHO, 2000, p. 166).
Alm disso, na Europa, em 1999, foi firmada tambm a Declarao de Bolonha, uma
proposta de reforma da educao superior do continente que teve a adeso inicial de 29
pases. Segundo a proposta, a educao superior passaria a constituir as bases da inovao, da
competitividade e da produtividade dos pases-membros. Segundo Dias Sobrinho (2007), o
acordo uma estratgia de fortalecimento da Unio Europeia no mercado global. Para tanto,
seria preciso adaptar os currculos s necessidades do mercado de trabalho (o que significa,
em muitos casos, aligeirar a formao profissional), estimular a mobilidade acadmica e
tornar a educao superior europeia atraente para o mercado global.
De acordo com essa nova viso emergente nos discursos internacionais, a educao, e
em particular o ensino superior, que antes era vista como um direito social, passa a ser
enxergada como um servio comercial a ser oferecido, alm de constituir elemento-chave para
o desenvolvimento econmico das naes. Por isso, conforme Dias (2002), no final da dcada
de 1990, aps algumas discusses de rgos internacionais, a Organizao Mundial do
Comrcio (OMC) passou a considerar, dentro da gama de servios que regulamenta, os
educacionais.
1.3 Expanso e democratizao do acesso ao ensino superior: uma ruptura com as
polticas neoliberais?
33
Em sintonia com as recomendaes neoliberais, em que a educao passa a ser uma
das reas de atuao no exclusiva do Estado e se torna um servio comercial a ser oferecido
preferencialmente pelas instituies privadas, no Brasil, no perodo do governo FHC (1995-
2002), houve, por um lado, a reduo considervel dos gastos pblicos com a educao
superior e, por outro, o incentivo para a oferta desse nvel de ensino pela via privada. O
resultado disso foi o sucateamento das Instituies Federais de Educao Superior (IFES) e
um aumento significativo da quantidade de instituies privadas que ofertavam um ensino de
qualidade questionvel.
Em 2003, com a eleio do presidente Lula, considerando seu partido, sua base de
apoio e o seu Plano de Governo para a Educao Superior, a expectativa era de algumas
mudanas nesse quadro. Entretanto, apesar de ter havido avanos, conforme Ferreira (2012, p.
465):
[...] a reforma da educao superior efetivada no governo Lula optou pela continuidade de vrias diretrizes adotadas pelo governo FHC, ao priorizar como papel fundamental das universidades a perspectiva do seu retorno econmico para a sociedade brasileira; ao incentivar a diferenciao e a competio das universidades federais por recursos e na gesto estratgica; ao apoiar parcerias pblico-privadas, inovao tecnolgica e venda de servios; ao conferir centralidade aos sistemas de avaliao e regulao.
Uma das mudanas mais importantes nas polticas para a educao superior, a partir
do governo Lula, foi um esforo para sua expanso e o aumento do nmero de vagas
ofertadas. Apesar de essa iniciativa constituir algo positivo para a sociedade brasileira como
um todo, no podemos nos esquecer de que:
Se a educao superior no Brasil nasce com a marca de um intocvel privilgio social, cuja democratizao comeava e terminava nas fronteiras da burguesia, com o desenvolvimento do capitalismo monopolista, a ampliao do acesso passa a ser uma exigncia do prprio capital, seja de qualificao da fora de trabalho para o atendimento das alteraes na esfera produtiva; seja para a difuso da concepo de mundo burguesa, sob a imagem de uma poltica inclusiva (LIMA, 2005, p. 322).
Esse processo de expanso teve incio com o Programa Expandir, ou Plano de
Expanso Fase 1, e posteriormente se intensificou com o Programa de Apoio a Planos de
Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (REUNI). Para que tal iniciativa fosse
viabilizada, houve investimentos considerveis por parte do Governo Federal.
O Programa Expandir foi proposto em 2003, no primeiro ano da gesto do presidente
Lula. Segundo Padim (2014), sua meta era a criao de 14 novas universidades e 64 novos
34
campi, focando no s a expanso, mas a interiorizao da rede federal de educao superior.
Para tanto, contou com um oramento de R$1,6 bilho distribudo no perodo de 2004 a 2008.
J o REUNI, institudo pelo Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007, oportunizou a
criao de novas instituies, a expanso fsica das instituies j existentes, alm da criao
de novos cursos e, at mesmo, de mais vagas para os cursos que j funcionavam
anteriormente. Conforme Padim (2014), R$ 415 milhes foram designados de oramento no
lanamento do plano e, at o final de 2012, seriam investidos R$3,5 bilhes ao todo.
A publicao do decreto que instituiu o REUNI gerou muito debate no mbito da
comunidade acadmica das universidades de todo o Brasil. A meta global estabelecida para o
Programa, que consistia na elevao gradual da taxa de concluso mdia para 90% e da
relao de estudantes por professor(a) para 18%, ao final de cinco anos, a contar do incio de
cada plano, nos cursos de graduao presenciais, foi objeto de discusso e houve bastante
resistncia. Alguns acadmicos posicionaram-se contra essas disposies com argumentos
como o que explicitamos a seguir:
[...] o aparentemente inquestionvel objetivo do REUNI de ampliar o acesso e a permanncia na educao superior se dar pelo muitssimo questionvel melhor aproveitamento da estrutura fsica e de recursos humanos existentes nas universidades federais. Duplicar a oferta de vagas e aumentar, pelo menos em 50%, o nmero de concluintes, a partir de um incremento de apenas 20% das atuais verbas de custeio e pessoal (excludos os inativos!) a indicao sub-reptcia de que a reestruturao proposta pelo Decreto n. 6.096 cobra uma subutilizao dos recursos existentes nas Universidades Federais e aponta somente dois caminhos para o cumprimento de sua meta global: a aprovao automtica ou a certificao por etapas de formao (MARIZ, 2007, [s.p.]).
Com relao Universidade Federal de Uberlndia (UFU), por exemplo, Instituio
que foi lcus dessa pesquisa, no mbito do Projeto Expandir foi criado, em 2006, o Campus
Pontal, na cidade de Ituiutaba, com oferta de nove cursos de graduao. E em 2007, apesar de
o decreto do REUNI ter sido aprovado em abril, o processo de anlise do plano e de
preparao de uma proposta de adeso da Universidade ao programa foi deflagrado depois do
dia 18 de setembro do mesmo ano, data em que a Associao Nacional dos Dirigentes das
Instituies Federais de Ensino Superior (ANDIFES) foi oficialmente comunicada sobre a
flexibilizao das metas do Programa pelo Secretrio de Educao Superior do Ministrio da
Educao, em documento enviado a todos os dirigentes. A proposta de adeso da UFU foi
aprovada pelo seu Conselho Universitrio, em reunio realizada no dia 7 de dezembro de
2007.
35
Na ocasio houve manifestao de estudantes e professores(as) contrrios adeso ao
Programa, que impediram a entrada no prdio onde seria realizada a reunio dos(as)
conselheiros(as), no intuito de impedir o trabalho deles(as); por isso, a reunio teve de ser
transferida de local. Os(as) manifestantes se opunham, sobretudo, ao aumento do nmero
relativo de estudantes por professor(a), que intensificaria um processo de precarizao do
trabalho docente e prejudicaria a qualidade do ensino ofertado. possvel perceber, ainda nos
registros existentes (como a ata da referida reunio) desse momento histrico para a
Universidade, a insegurana no s dos(as) manifestantes, mas tambm de muitos(as)
conselheiros(as), que temiam o no cumprimento por parte do Governo Federal dos
compromissos assumidos para viabilizao da expanso, como a liberao de recursos
suficientes para ampliao e manuteno da infraestrutura, alm da autorizao para contratar
professores(as) e tcnicos(as)-administrativos(as).
Apesar disso, ao determinar que, se existisse o recurso financeiro, o compromisso de
proceder expanso seria executado conforme planejado, mas, se no houvesse o recurso
financeiro, o compromisso estaria cancelado, o Plano de Expanso da UFU para o perodo de
2008 a 2012 foi aprovado com 42 votos favorveis, nenhum voto contrrio e cinco
abstenes. Ressaltamos aqui que uma das abstenes ocorreu por parte da conselheira
representante do Campus Pontal, que se justificou ressaltando as dificuldades encontradas na
implantao da Faculdade de Cincias Integradas do Pontal (FACIP) unidade acadmica do
novo campus , que impedia de vislumbrar a possibilidade de uma nova expanso.
Em decorrncia desse Plano de Expanso, houve ampliao substancial da oferta de
cursos de educao superior na UFU no perodo de 2009 a 2011, viabilizada pelo REUNI. No
mbito da graduao, em 2009 foram criados sete novos cursos, que ofertaram 440 vagas a
mais por ano, alm da implementao de 100 vagas em cursos j existentes e da gerao de
210 vagas pela abertura de novos turnos. Em 2010 foram criados mais oito cursos novos, que
resultaram em 420 vagas anualmente, alm da criao de 70 vagas a mais em cursos j
existentes e 50a em novos turnos. Em 2011, alm de dois cursos criados em campus j
existente, foram criados dois campi fora da sede: um em Monte Carmelo e outro em Patos de
Minas, com trs cursos cada um. Cada um desses campi passou a ofertar 180 vagas por ano.
Outra mudana, tambm muito importante, que ocorreu concomitantemente a essa
expanso da educao superior brasileira, a partir do governo Lula, foi a discusso acerca da
necessidade de democratizao do seu acesso. Ao abordarmos esse assunto, preciso
considerar, antes de tudo, conforme esclarece Dias Sobrinho (2010), que as transformaes
que vm ocorrendo na educao superior so resultantes de uma crise estrutural da sociedade
36
da economia global, que produz mudanas no cenrio geral da sociedade, da economia, do
mundo do trabalho e, particularmente, do conhecimento. Por isso, importante ressaltar que
os problemas da educao no sero resolvidos no mbito das instituies ou dos sistemas
educativos.
Ainda segundo o autor, contrariamente concepo de educao-mercadoria que tem
ganhado fora com as polticas neoliberais, s faz sentido falar de democratizao da
educao superior se partimos do princpio de que a educao um bem pblico e um direito
social. Sendo assim, dever do Estado garantir a oferta de educao de qualidade em todos os
nveis e a todas as camadas sociais.
Estamos de acordo com o autor, que esclarece que a efetiva democratizao no
ocorrer apenas por meio da ampliao das oportunidades de acesso e do aumento das vagas
no ensino superior. fundamental que tambm sejam asseguradas as condies de
permanncia com qualidade nesse nvel de ensino, sendo a qualidade entendida a partir [...]
das aes e dos compromissos que cada instituio instaura em seu mbito interno e em suas
vinculaes com o entorno mais prximo, com a sociedade nacional, com os contextos
internacionais do conhecimento e o Estado nacional (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 1228).
Desse modo, tal qualidade seria socialmente referenciada, e no um parmetro formulado por
agentes e organismos externos.
Alm disso, primordial destacar que a sociedade democrtica est fundada no
princpio tico da equidade, que se relaciona promoo da justia social. E esse princpio
justifica o empreendimento de aes mais emergenciais em favor das camadas menos
favorecidas, a fim de diminuir as assimetrias sociais, obviamente sem desconsiderar a
necessidade de aes mais amplas e de carter estrutural. Tais assimetrias se consolidam pela
privao de muitos aos bens materiais e aos bens espirituais e culturais, elementos que, apesar
de serem distintos, tm uma forte correlao.
No caso da educao superior brasileira, algumas polticas tm se fortalecido como
aes emergenciais para tentar democratizar o acesso a esse nvel de ensino o caso, por
exemplo, do FIES e do PROUNI, que j citamos anteriormente. Entretanto, uma limitao
considervel desses programas enquanto aes de democratizao da educao superior que,
por ocorrerem por meio de instituies privadas, cuja qualidade do ensino no se pode
garantir, no oportunizam aos(s) estudantes, na maioria das vezes, a formao em pesquisa e
em extenso.
Alm disso, tambm foram empreendidas aes de democratizao do acesso
educao superior que se inserem no mbito do que se tem chamado de aes afirmativas
37 ou discriminao positiva, visando ampliar a incluso social sem necessariamente criar
novas vagas. o caso da Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012, conhecida como Lei de
Cotas. Nela se estabelece que no mnimo 50% das vagas para ingresso nos cursos de
graduao das IFES devero ser preenchidas por estudantes que tenham cursado
integralmente o ensino mdio em escolas pblicas. Desse percentual, a metade dever ser
reservada aos(s) estudantes oriundos de famlias com renda igual ou inferior a 1,5 salrio-
mnimo per capita. Alm disso, as instituies devem assegurar que essas vagas sejam
preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados negros, pardos e indgenas, em proporo
no mnimo igual de negros, pardos e indgenas na populao da Unidade da Federao onde
est instalada a instituio, segundo o ltimo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica (IBGE).
J existia no mbito da UFU, desde 2008, o Programa de Ao Afirmativa de Ingresso
no Ensino Superior (PAAES), institudo pela Resoluo n. 20/2008, do Conselho
Universitrio. Durante o perodo de vigncia do Programa, a Universidade, visando ampliar
os nveis de incluso social, reservou o percentual de 25% das vagas de cada um de seus
cursos a estudantes que comprovadamente tivessem cursado os ltimos quatro anos do ensino
fundamental em instituio pblica e que estivessem cursando tambm o ensino mdio em
escola pblica. Por meio da Resoluo n. 25/2012, do Conselho Universitrio, a Universidade
extinguiu o PAAES, mas garantiu que em seus processos seletivos seria feita a reserva de
cotas, conforme estabelece a Lei n. 12.711/2012.
No Brasil, conforme explica Dias Sobrinho (2010), a excluso educacional engloba
uma srie de problemas, como o analfabetismo, a falta de vagas, a evaso, a repetncia, entre
outros. Mas h tambm aquela excluso que no retratada pelas estatsticas mais simples: a
que ocorre por dentro do sistema, por meio, principalmente, da oferta de ensino de baixa
qualidade e da autoexcluso.
No caso dos(as) estudantes universitrios, muitos, no contexto atual, esto em
desvantagem por conta de suas formaes anteriores, que deixaram diversas debilidades e so
escassas em informaes acerca do que seria uma vida universitria rica e de sua importncia
para os(as) futuros(as) profissionais e cidados(s). Ou ainda, muitos desses(as) jovens trazem
internalizada a ideologia de que a excluso natural, incluindo-se naturalmente entre os(as)
excludos(as) sociais. Acabam por acreditar que, na melhor das hipteses, teriam capacidade
intelectual e econmica ou mesmo direito de frequentarem os cursos mais acessveis,
menos seletivos e de baixo prestgio, nos quais tm possibilidade de aprovao, mas que
tambm no garantem empregos mais valorizados futuramente.
38
Apesar de constiturem iniciativas muito importantes e vlidas, conforme explica Dias
Sobrinho (2010), as aes destacadas possuem seus limites. Primeiramente, preciso
considerar que a oferta do acesso a uma educao de baixa qualidade no pode promover
justia social. As restries econmicas e as lacunas da formao precedente dos(as) jovens
que alcanam o ensino superior pela via desses Programas consistem em fortes desvantagens
em relao aos(s) demais. preciso assegurar igualdade de oportunidades, inclusive do
ponto de vista qualitativo, o que acarreta na necessidade de slida preparao dos(as) jovens
das camadas mais pobres para a competio voltada ao acesso a bons cursos e a carreiras
socialmente valorizadas.
Alm de no alterarem profundamente as relaes verticalizadas que constituem
caracterstica estrutural da sociedade, no alteram significativamente os modelos
institucionais e pedaggicos das instituies de educao superior nem quanto ao modelo
organizacional e administrativo, nem quanto aos currculos e mtodos de ensino. E
acreditamos que as prticas didtico-pedaggicas desenvolvidas para as aprendizagens dos(as)
estudantes sero um dos fatores determinantes para que o objetivo de democratizar a educao
superior seja alcanado. Trata-se de uma questo preocupante, sobretudo ao levar em conta
que, na formao de professores(as) para o exerccio da docncia no ensino superior, o foco
na competncia cientfica, desprovida da dimenso didtico-pedaggica. Discutiremos essa
questo um pouco mais adiante.
1.4 Afinal, que universidade queremos? Qual sua funo social?
Diante dos elementos destacados anteriormente, que nos do uma ideia do contexto
atual da educao superior brasileira, um questionamento que precisa ser feito diz respeito
funo social da universidade. Isso porque acreditamos que a anlise de qualquer temtica
relacionada ao ensino nessa instituio ter como premissa o nosso entendimento acerca de
qual a sua importncia para a sociedade.
Segundo Dias Sobrinho (2009), h 10 anos vivenciamos uma crise que atinge o
Estado, o trabalho e o sujeito. Consequentemente, ela desencadeia mudanas no ambiente
universitrio, sobretudo no que diz respeito aos valores e funes da profisso docente. Na
tentativa de descrever as caractersticas dessa crise, o autor explica que a economia global
aumentou, concentradamente, as riquezas. Alm disso, seus pilares centrais passaram a ser o
conhecimento e a informao. Junto disso, o desenvolvimento tecnolgico, em especial o da
39 tecnologia de comunicao e informao, contribuiu para a consolidao de uma volatilidade
epistmica.
Nesse contexto, segundo o autor, duas concepes de educao superior competiam.
Uma delas foi proposta pela UNESCO (na Conferncia Regional de La Habana, em 1996, e
na Conferncia Mundial sobre Educao Superior, Paris, em 1998) e entendia a educao
como bem pblico fundamental, direito social que tem de estar acessvel a todos, em todos os
nveis e com qualidade que, nessa viso, estava relacionada possibilidade de que, no
mnimo, todos aprendam em tempos considerados adequados a tudo que preciso para uma
vida digna e socialmente construtiva. A outra concepo de educao superior, difundida pelo
Banco Mundial, defendia a privatizao e a mercantilizao da educao superior. Essa
ltima, como j explicitamo
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