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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
Antonio Almerico Biondi Lima
AS MUTAES DO CAMPO QUALIFICAO: TRABALHO, EDUCAO E SUJEITOS COLETIVOS NO BRASIL
CONTEMPORNEO
Salvador 2006
Antonio Almerico Biondi Lima
AS MUTAES DO CAMPO QUALIFICAO: TRABALHO, EDUCAO E SUJEITOS COLETIVOS NO BRASIL
CONTEMPORNEO
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao, Faculdade de Educao, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em Educao Orientador: Prof. Dr. Antnio Virglio Bittencourt Bastos
Salvador 2006
SIBI/UFBA/Faculdade de Educao Biblioteca Ansio Teixeira Lima, Antonio Almerico Biondi. As mutaes do campo qualificao : trabalho, educao e sujeitos coletivos no Brasil contemporneo / Antonio Almerico Biondi Lima. 2006. 375 f. Orientador: Prof. Dr. Antnio Virglio Bittencourt Bastos. Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educao, Salvador, 2006. 1. Educao para o trabalho. 2. Qualificaes profissionais. 3. Poltica de emprego. 4. Hegemonia. I. Bastos, Antnio Virglio Bittencourt. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educao. III. Ttulo. CDD 370.113 22. ed.
TERMO DE APROVAO
Antonio Almerico Biondi Lima
AS MUTAES DO CAMPO QUALIFICAO: TRABALHO, EDUCAO E SUJEITOS COLETIVOS NO BRASIL CONTEMPORNEO
Tese aprovada como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em Educao, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:
AFRNIO MENDES CATANI
Doutor em Sociologia, Universidade de So Paulo (USP). Universidade de So Paulo (USP).
ANTNIO VIRGLIO BITTENCOURT BASTOS (orientador) Doutor em Psicologia. Universidade de Braslia (UNB). Universidade Federal da Bahia (UFBA).
MARIA CLARA BUENO FISCHER Doutora em Educao, University of Nottingham, Inglaterra. Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
ROBERTO SIDNEI MACEDO Doutor em Cincias da Educao, Universit de Paris VIII, Frana. Universidade Federal da Bahia (UFBA)
SILVIA MARIA MANFREDI Livre Docente, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
A meus queridos pai e me Antonio Jos Batista Lima (in memorian) e Alda Biondi Lima (presente, com orgulho de me na defesa desta tese), que me ensinaram a ser, a aprender e a questionar;
Aos sujeitos coletivos populares, institucionalizados ou no, que na luta me ensinaram a ser um com outro;
A minha querida filha, Ana Lusa Fares Biondi Lima, que trilha, com seus prprios ps, o caminho do conhecimento e a cada dia me faz aprender e ensinar com suas descobertas;
A todos e todas que com uma sugesto, crtica, observao fizeram meu pensamento mudar de direo, naquele momento se igualando a Antonio Gramsci, Pierre Bourdieu, Paulo Freire e Milton Santos;
A todos aqueles e aquelas, daqui e de l, de ontem e hoje, que ajudaram na construo desta tese.
AGRADECIMENTOS
Ao amigo e orientador Prof. Dr. Antonio Virglio B. Bastos, inclusive pela pacincia com a megalomania original (e por vezes recorrente) desta tese.
Aos componentes da banca examinadora, pelo rigor e generosidade com que trataram este trabalho, cada um/a na sua especialidade e forma de ser, tornando a defesa um ato prazeroso de construo de conhecimento: Prof. Dr. Afrnio Mendes Catani, especialista no pensamento de Pierre Bourdieu, que conferiu legitimidade s abordagens quase herticas da tese, sem deixar a crtica necessria ao pensamento bourdieusiano; Profa. Dra. Maria Clara Bueno Fischer, especialista em educao popular e construo do conhecimento, cujo olhar implicado para as questes tericas e prticas da educao dos trabalhadores deram pistas para pesquisas futuras; Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo, especialista em metodologias de pesquisa, aberto s novidades do mtodo construdo e disposto a percorrer os caminhos que os mapas tentaram traar; Profa. Dra. Silvia Maria Manfredi, especialista na histria, mtodo e prtica da educao dos/as trabalhadores/as, pela leitura minuciosa, pelo olhar crtico recheado de afetividade e pelo entusiasmo e reconhecimento das inovaes desta tese, que me deram a segurana necessria ao defend-la.
Aos parceiros e amigos de sempre Roberto Veras, que leu e resenhou esta tese; Sebastio Neto, responsvel pela minha paixo pela educao profissional; Cludio Nascimento, pelas ideias e subversividade nordestina, Misael Goyos de Oliveira pelo apoio e incentivo geogrfico; Nadya Arajo Guimares, que me ensinou o rigor e a beleza da pesquisa acadmica, Luclia Machado, pelas reiteraes e novidades no campo marxista, sempre instigantes, desafiadores e produtivos, Silvia Manfredi, que a partir daqui considero, alm de uma parceira intelectual que me ensinou a humildade a aprender com o estudo da histria, uma irm mais velha.
Ao PPGAdm/EA/UFBA - Programa de Ps-Graduao em Administrao da Escola de Administrao da Universidade Federal da Bahia Prof. Dr. Francisco Teixeira, Profa. Dra. Elizabeth Loyola.
Ao PPGEdu/FACED/UFBA - Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia: Prof. Dr. Robert E. Verhine, Profa. Dra. Vera Fartes, Prof. Lus Felipe Perret Serpa, Profa Msc. Iraci Picano, Profa. Dra. Uilma Amazonas; a seus Funcionrios Ndia e Graa. Aos colegas do doutorado (turma de 2000).
s equipes gestoras e educadoras das escolas sindicais da Central nica dos Trabalhadores (CUT): Escola Chico Mendes, Escola Amaznia, Escola Centro Oeste, Escola Nordeste Marize Paiva de Morais. A Tino, Martinho e toda a equipe da Secretaria Nacional de Formao da CUT.
equipe do Ministrio do Trabalho e Emprego (Remgio Todeschini, Marco Antonio Oliveira e tantos outros). Equipe do Departamento de Qualificao-DEQ (Maringela Coelho, Tatiana Scalco, Eunice La, Bia Pinori, Marcia da Mota Pinto,. Marcelo Souza e tantos outros). Aos Ministros Jaques Wagner, Ricardo Berzoini, Lus Marinho. Equipe do Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica, Ivone Moreyra, Getlio Marques e Lizete Kagami.
equipe do Dieese (Clemente Gans Lcio Nelson Karam, Francisco de Oliveira Filho) e da Unitrabalho (Francisco Mazzeo, Ana Maria Saul e Pedro Pontual). equipe do IIEP (Carmen Sylvia Vidigal Moraes) e a Miguel Arroyo. amiga Edneide Arruda que com olhar de jornalista, fez a reviso ortogrfica e de estilo.
companheira daqueles tempos, Francisca Elenir Alves, pela ajuda nos momentos difceis. Rosa, Eliane e Valria Fares, e a meus irmos (Jota, Marcus e Neli), que mesmo distantes, torceram por mim.
A muitos, muitos outros e outras, no citados/as aqui por esquecimento e falta de espao. A Deus, que me deu a luz e a perseverana necessrias para continuar e continuar!
Tinha eu 14 anos de idade
Quando meu pai me chamou Perguntou-me se eu queria
Estudar Filosofia Medicina ou Engenharia Tinha eu que ser doutor
Mas a minha aspirao
Era ter um violo Para me tornar sambista
Ele ento me aconselhou Sambista no tem valor
Nesta terra de doutor E seu doutor
O meu pai tinha razo
Vejo um samba ser vendido E o sambista esquecido E seu verdadeiro autor Eu estou necessitado
Mas meu samba encabulado Eu no vendo no senhor
14 Anos: samba de Paulinho da Viola
RESUMO
A tese analisa as relaes entre trabalho e educao e a qualificao profissional no Brasil contemporneo por meio da descrio, em bases relacionais, do espao social onde sujeitos coletivos desenvolvem prticas e relaes relativas qualificao, sendo que tal espao constitui, segundo o autor, um campo social bourdieusiano, denominada na tese de campo Qualificao. A anlise feita por meio da descrio dos elementos do campo - sujeitos coletivos, estrutura e estratgias - e da reconstituio, ainda provisria, de sua histria social e dos seus processos de (re) produo. A anlise privilegia o estudo das mutaes e da trajetria conflituosa do campo; bem como suas interaes com trs campos considerados suas vertentes sociais: Produo, Educao e Estado. A nfase foi dada compreenso do funcionamento do campo, em particular nas suas conexes com as transformaes sociais recentes, seja pela reflexo das questes mais gerais da sociedade no seu interior, seja pela extrapolao dos seus limites, com a qualificao contribuindo para a legitimao hegemnica mais geral. Tambm se tentou compreender a possibilidade de processos contra hegemnicos, em termos da construo de estratgias de resistncia e reelaborao, voltadas para a emancipao, pelos sujeitos sociais no dominantes. Para tanto, a tese apresenta cenrios, a partir de trs grandes processos que se intercruzam: a globalizao, a reestruturao produtiva e a reforma do Estado e procura utilizar criticamente por meio da reelaborao e/ou apropriao de bases conceituais amplas, como o conceito de hegemonia e Estado de Antonio Gramsci; os conceitos e noes desenvolvidos pela sociologia de Pierre Bourdieu, pela geografia de Milton Santos e pela pedagogia de Paulo Freire. A tese tambm introduz novas noes operatrias no mbito da Teoria do Campo Social vertentes sociais, linhas de fora e tensores e resignifica outras terrenos e polos. Tanto quanto a procura de respostas questes elencadas anteriormente, configurou-se um importante objetivo da pesquisa realizada iniciar o desenvolvimento de uma metodologia de anlise de campo, que permita no apenas uma rpida e precisa compreenso do papel e dos interesses dos sujeitos coletivos e das relaes j estabelecidas, mas, sobretudo da compreenso da dinmica do campo, permitindo o acompanhamento posterior do desenvolvimento das suas relaes externas e internas. Ao mesmo tempo tal metodologia poder potencializar as possibilidades de socializao deste conhecimento para os sujeitos do polo no hegemnico. Entretanto, se alcanar os objetivos especficos da pesquisa foi factvel, no se tm dvida de que seu objetivo mais geral est alm do tempo e espao do doutorado, e pavimentam uma estrada para novas pesquisas, a serem trilhadas por aqueles e aquelas que s compreendem a construo de conhecimento como um processo coletivo e quando ele contribui para resolver problemas concretos dos excludos e da maioria que vive do trabalho. Palavras-chave: Trabalho e Educao; Qualificao Profissional; Sujeitos Coletivos; Campos Sociais; Hegemonia.
ABSTRACT
The thesis analyzes the relations between work and education and the vocational training in the contemporary Brazil by means of the description, in relational bases, of the social space where collective subjects develop practicals and relations relative to the qualification, being that such space constitutes, according to author, a bourdieusian social field, called, in the thesis, of field Qualification. The analysis is made by means of the description of the elements of the field collective subjects, structure and strategies and of the reconstitution, still provisory, of its social history and of its processes of (re) production. The analysis privileges the study of the mutations and the conflictuous trajectory of the field, as well as its interactions with three fields considered its social slopes: Production, Education and State. The emphasis was given to the understanding of the functioning of the field, in particular in its connections with the recent social transformations, either for the reflection of the questions most general of the society in its interior, and either for the surpassing of its limits, with the qualification contributing for the more general hegemonic legitimation. Also it was tried to understand the possibility of process against hegemonic, in terms of the construction of strategies of resistance and re elaboration, come back toward the emancipation, for not dominant social subjects. For in such a way, the theses presents scenes, from three greats processes that they intercross: the globalization, the productive restructuration and reform of the State and look for criticizing to use by means of the re elaboration and/or appropriation of ample conceptual bases, as the concept of hegemony and State of Antonio Gramsci, the concepts and notions developed for the sociology of Pierre Bourdieu, the geography of Milton Santos the pedagogy of Paulo Freire. The theses also introduces new operatory notions in the scope of the Theory of Social Field social slope, lines of force and tensors and resignificant others terrain and pole. As much how much the search of answers to the mentioned questions previously, configured an important objective of the carried through research to initiate the development of a methodology of field analysis. This in the direction to allow not only a fast and precise understanding the paper and the interests of the collective subjects and the established relations already, but, over all of the understanding of the dynamics of the field, allowing the posterior accompaniment of the development of its external and internal relations. At the same time such methodology will be able to potentially the possibilities of socialization of this knowledge for the subjects of the not-hegemonic pole. However, if to reach the specific objectives of the research was feasible, they do not have doubt of that its more general objective is beyond the time and space of the doctorate. However, they pave a road for new research, to be trod for all that only understand the knowledge construction as a collective process and when it contributes to resolve concrete problems of the excluded ones and of the majority that-lives-of-the-work. Keywords-: Vocational Training; Qualification; Collective Subjects; Social Fields; Hegemony
RSUM
La thse examine la relation entre le travail et l'ducation et la qualification professionnelle au Brsil contemporain travers la description dans bases relationnelles, de l'espace social o les sujets collectifs de dvelopper des relations et des pratiques relatives la qualification tant que cet espace est, selon l'auteur , un champ sociale bourdieusienne appel champ Qualification dans la thse . L'analyse est effectue travers la description des lments de champ - des sujets collectifs , les structures et les stratgies - et reconstitution , mme provisoire, de son histoire sociale, et ses processus de (re) production. L'analyse favorise le tude de mutations et de trajectoire contradictoires du champ, ainsi que leurs interactions avec les trois champs considrs comme leurs versant sociaux: la production, de l'ducation et de l'tat. L'accent a t donne l'intelligibilit du fonctionnement du champ , en particulier dans ses relations avec les rcents changements sociaux , soit par la rflexion des problmes de socit plus larges l'intrieur, ou par extrapolation de ses limites, avec la qualification de contribuer la lgitimit hgmonique plus gnralement . Aussi essay de comprendre la possibilit de poursuites contre hgmonique en termes de renforcement de la rsilience et de retravailler des stratgies , visant l'mancipation , pas les sujets sociaux nom dominants. Par consquent, la thse prsente des scnarios de trois processus majeurs qui se croisent : la mondialisation , la restructuration productive et de la rforme de l'Etat et le regard critique utilis en remaniement et/ou la appropriation de grandes bases conceptuelles, comme le concept d'hgmonie et l'tat d'Antonio Gramsci , les concepts et les notions dveloppes par la sociologie de Pierre Bourdieu , la gographie de Milton Santos et la pdagogie de Paulo Freire. La thse introduit galement de nouveaux concepts opratoires dans la Thorie du Champ Social - versant sociaux, des lignes de force et des tendeurs - et resignifyng autres - le terrain et des poles. Quant trouver rponses aux questions numres ci-dessus, mettre en place un objectif majeur de l'enqute entreprendre l'laboration d' une mthodologie d'analyse de champ, qui non seulement permet de comprendre rapidement et prcisment le rle et les intrts des sujets collectifs et les relations dj tabli , mais surtout la comprhension de la dynamique du champ, ce qui permet le suivi ultrieur de l'volution de leurs relations internes et externes. Bien que cette mthode peut amliorer les possibilits de socialisation de ces connaissances pour les sujets de ple non - hgmonique. Toutefois, si la ralisation des objectifs spcifiques de la recherche tait possible, ne pas avoir de doute que son objectif plus gnral est hors du temps et de l'espace doctorat , et d'ouvrir une route de nouvelles recherches, pour tre battu par ceux et seulement ceux qui comprennent la construction de la connaissance en tant que collectif, quand il contribue rsoudre des problmes concrets des exclus et de la majorit ceux qui vivre de travail.
Mots-cls: travail et l'ducation; la formation professionnelle; des sujets collectifs; champs sociaux; Hegemony.
RESUMEN
La tesis analiza la relacin entre el trabajo y la educacin y la cualificacin profesional en el Brasil contemporneo a travs de la descripcin en bases relacionales, del espacio social donde los sujetos colectivos desarrollan relaciones y prcticas relativos a la calificacin de ser que este espacio es , segn el autor, un campo sociales bourdieusiano, llamado en la tesis del campo Calificacin. El anlisis se realiza a travs de la descripcin de los elementos de campo - sujetos colectivos, estructuras y estrategias - y la reconstitucin, aunque sea provisional, su historia social y sus procesos de (re) produccin. El anlisis favorece estudio de mutaciones y trayectoria en conflicto del campo, as como sus interacciones con los tres mbitos considerados sus pendientes sociales: Produccin, Educacin y Estado. Se hizo hincapi en la comprensibilidad del funcionamiento del campo , especialmente en sus relaciones con los recientes cambios sociales, ya sea por la reflexin de los problemas sociales ms amplios en el mismo, o por extrapolacin de sus lmites, con la salvedad de que contribuye a la legitimidad hegemnica ms en general. Tambin trat de entender la posibilidad de demandas contra hegemnico en trminos de construccin de la resiliencia y la reelaboracin de estrategias, dirigidas a la emancipacin, no los sujetos sociales dominantes. Por lo tanto, la tesis presenta escenarios de tres procesos principales que se cruzan : la globalizacin , la reestructuracin productiva y la reforma del Estado y mirando utilizado crticamente por redisear y/o por la apropracin de las bases conceptuales amplios, tales como el concepto de hegemona y Estado de Antonio Gramsci, los conceptos y las nociones desarrolladas por la sociologa de Pierre Bourdieu, la geografa de Milton Santos y la pedagoga de Paulo Freire. La tesis tambin introduce nuevos conceptos operativos dentro de la Teora del Campo Social - pendientes sociales, lneas de forza y tensores - y de resignificacin a otras - de lo terreno y los polos. Ambos cuanto a encontrar respuestas a las preguntas anteriores, un objetivo principal de la encuesta es iniciar el desarrollo de una metodologa para el anlisis de los campos, que no slo permite la comprensin rpida y precisa de la funcin y los intereses de los sujetos colectivos y las relaciones ya establecido, pero especialmente la comprensin de la dinmica del campo, lo que permite el posterior seguimiento de la evolucin de sus relaciones internas y externas. Ao mismo tiempo esta metodologa puede mejorar las posibilidades de socializacin de este conocimiento en las materias de polo no hegemnica. Sin embargo, si la consecucin de los objetivos especficos de la investigacin era viable y que no tena duda de que su objetivo ms general es ms all del tiempo y el espacio de doctorado, y allanar el camino hacia una nueva investigacin, para ser trillado por aquellos y slo aquellos que entienden el construccin del conocimiento como un colectivo, cuando contribuye a resolver los problemas concretos de los excluidos y de la mayoria que vive del trabajo.
Palabras clave: Trabajo y Educacin; formacin professional; sujetos colectivos; campos sociales; Hegemona.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Fatores selecionados que conformam o Local de Trabalho (LT) ....................................................................................................................................95
Figura 2 - Estratgias dos Sujeitos em relao Qualificao: 1 aproximao ..................................................................................................................................108
Figura 3 - Mapa semntico ...................................................................................182
Figura 4 - Mapa conceitual sobre mapas conceituais .......................................184
Figura 5 - Mapa mental sobre mapas mentais ....................................................188
Figura 6 - Mapa cognitivo Processo decisrio ................................................193
Figura 7 - Mapa cognitivo Processo decisrio usando Decision Explorer ...194
Figura 8 - Campo Qualificao: Sujeitos, Terrenos e Relaes ......................240
Figura 9 - Vertentes Sociais do Campo Qualificao ........................................279
Figura 10 Mapa do Campo Qualificao no Brasil - 1 perodo (1975-1988) ..................................................................................................................................315 Figura 11 Mapa do Campo Qualificao no Brasil -2 perodo (1989-2002) Polo Hegemnico) ..................................................................................................................................316 Figura 12 - Mapa do Campo Qualificao no Brasil -2 perodo (1989-2002) Polo Contra Hegemnico) ..................................................................................................................................317 Figura 13 Mapa do Campo Qualificao no Brasil -3 perodo (2003-2005) Polo Hegemnico) ..................................................................................................................................318 Figura 14 - Mapa do Campo Qualificao no Brasil -3 perodo (2003-2005) Polo Contra Hegemnico) ..................................................................................................................................319
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Propriedades dos sujeitos no campo e instrumentos da pesquisa ..................................................................................................................................156
Quadro 2 - Propriedades do campo e instrumentos da pesquisa ....................157
Quadro 3- Critrios de seleo de sujeitos sociais/ instituies .....................160
Quadro 4 Elementos derivados das propriedades dos sujeitos no campo utilizadas na construo da matriz scio cognitiva Agenda do sujeito no campo Qualificao .............................................................................................201
Quadro 5 Elementos derivados das propriedades do campo utilizadas na construo da matriz scio cognitiva Agenda geral do campo Qualificao - elementos centrais ..............................................................................................202
Quadro 6 Elementos topolgicos e grficos para a construo dos mapas do campo Qualificao...............................................................................................205
Quadro 7 - Co-relaes entre dimenses e propriedades gerais dos campos ..................................................................................................................................219
Quadro 8 - Propriedades dos campos reveladas nos discursos dos sujeitos 220
Quadro 9 - Propriedades gerais do campo Qualificao reveladas nos discursos dos sujeitos ..........................................................................................221
Quadro 10 - Polos, Linhas de Fora e Tensores do campo Qualificao: as relaes observadas ou possveis ......................................................................227
QUADRO 11 Elementos conceituais e relacionais do campo Qualificao (tabuleiro, peas, regras do jogo e sinopse das partidas j jogadas) .............228
Quadro 12 - Sujeitos coletivos, terrenos e nveis do campo Qualificao no Brasil: primeira aproximao ...............................................................................239
Quadro 13 Chave para classificao de sujeitos sociais coadjuvantes e figurantes em nveis espaciais e plos................................................................274
Quadro 14 - Estratgias e Prticas Genricas em relao Qualificao .................................................................................................................................276
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Evoluo do nmero absoluto de pessoas analfabetas maiores de 15 anos e da taxa de Analfabetismo Total (%) - Brasil - 1900-2004............................42 Tabela 2 - Taxas de Analfabetismo (%), segundo faixas etrias, sexo e local de moradia, em reas geogrficas selecionadas 2004...........................................42 Tabela 3 - Taxas de Analfabetismo Funcional, (%) para maiores de 10 anos por local de moradia em reas geogrficas selecionadas -2004...............................42
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGU Advocacia Geral da Unio Art. Artigo BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Mundial BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
Caged Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
Capes Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CEB Cmara de Educao Bsica / Conselho Nacional de Educao CEF Caixa Econmica Federal
Cefet Centro Federal de Educao Tecnolgica CGT Central Geral dos Trabalhadores
CLT Consolidao das Leis do Trabalho
CNA Confederao Nacional da Agricultura
Cnae Classificao Nacional de Atividades Econmicas
CNC Confederao Nacional do Comrcio
CNDRS Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel CNE Conselho Nacional de Educao
CNI Confederao Nacional da Indstria
CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNT Confederao Nacional do Transporte
CNTE Confederao Nacional de Tcnicos em Educao
Codefat Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador Cofins Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social
Contag Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPT Comisso Pastoral da Terra CUT Central nica dos Trabalhadores
D.O.U. Dirio Oficial da Unio Dcnem Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Mdio Dec. Decreto Dec-Lei Decreto Lei DIEESE Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Scio Econmicos EC Emenda Constitucional
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
EJA Educao de Jovens e Adultos Enem Exame Nacional do Ensino Mdio
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador FCO Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Centro-Oeste
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio
FHC Fernando Henrique Cardoso Fies Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior
Fiesp Federao das Indstrias do Estado de So Paulo
Finep Financiadora de Estudos e Projetos FMI - Fundo Monetrio Internacional
FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional FNE Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste
FNO Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Norte
FS Fora Sindical Fundeb Fundo de Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica
Fundef Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio
Funproger Fundo de Aval do Programa de Gerao de Emprego e Renda Funrural Fundo de Assistncia e Previdncia do Trabalhador Rural
Fust Fundo de Universalizao dos Servios de Telecomunicaes
Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renovveis Ibase Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDH ndice de Desenvolvimento Humano IFET Instituto Federal de Educao Cincia e Tecnjologia
IES Instituies de Ensino Superior
Ifes Instituies Federais de Ensino Superior Incra Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
INPC ndice Nacional de Preos ao Consumidor INSS Instituto Nacional do Seguro Social
LC Lei Complementar
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDO Lei de Diretrizes Oramentrias
LOA Lei Oramentria Anual
LRF Lei de Responsabilidade Fiscal MA Ministrio da Agricultura MCT Ministrio da Cincia e Tecnologia MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio MDIC Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior
MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome MEC Ministrio da Educao
Mercosul Mercado Comum do Sul
Minc Ministrio da Cultura MJ Ministrio da Justia
MMA Ministrio do Meio Ambiente
MME Ministrio de Minas e Energia MP Medida Provisria
MP Ministrio Pblico
MPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia Social MPOG Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto
MRE Ministrio das Relaes Exteriores MS Ministrio da Sade MST Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
MTE Ministrio do Trabalho e Emprego
OCDE Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico
OIT Organizao Internacional do Trabalho
OMC Organizao Mundial do Comrcio
OMS Organizao Mundial da Sade ONG Organizao No-Governamental
ONU - Organizao das Naes Unidas
Oscip Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico Pasep Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico
PBPQ Programa Brasileiro de Produtividade e Qualidade
PCN Parmetros Curriculares Nacionais PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola
PEA Populao Economicamente Ativa
PEC Proposta de Emenda Constitucional PED Pesquisa de Emprego e Desemprego
PEQ Planos Estaduais de Qualificao
Peti Programa de Erradicao do Trabalho Infantil PIA Populao em Idade Ativa
PIB Produto Interno Bruto
PIS Programa de Integrao Social Pisa Programa Internacional de Avaliao de Alunos
Planfor Plano Nacional de Qualificao do Trabalhador
PLC Projeto de Lei Complementar PME Pesquisa Mensal de Emprego
Pnad Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios PNDRS Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel
PNE Plano Nacional de Educao
PNQ Plano Nacional de Qualificao Pnud Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
PPA Plano Plurianual
PPGAdm/EA/UFBA - Programa de Ps-Graduao em Administrao da Escola de Administrao da Universidade Federal da Bahia PPGEdu/FACED/UFBA - Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia
Proemprego Programa de Expanso do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador
Proep Programa de Expanso da Educao Profissional Profae Projeto de Formao de Trabalhadores da rea de Enfermagem
Proger Programa de Gerao de Emprego e Renda
Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Prouni Programa Universidade para Todos PSF Programa de Sade da Famlia
Res. Resoluo RJU Regime Jurdico nico
Saeb Sistema de Avaliao da Educao Bsica
Seade Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados Sebrae Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
Senac Servio Nacional de Aprendizagem do Comrcio
Senai Servio Nacional de Aprendizagem da Indstria SESC Servio Social do Comrcio SESI Servio Social da Industria SEST Servio Social do Transporte SFH Sistema Financeiro da Habitao
Simples Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuies das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte
Sine Sistema Nacional de Emprego SPE Sistema Pblico de Emprego
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justia STN Secretaria do Tesouro Nacional
SUS Sistema nico de Sade
TCU Tribunal de Contas da Unio Undime Unio Nacional de Dirigentes Municipais de Educao
Unesco Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
UE Unio Europeia USP Universidade de So Paul
SUMRIO
1. INTRODUO .................................................................................................................................. 18
2. CENRIOS........................................................................................................................................ 22
2.1 O GLOBAL, O REGIONAL E O LOCAL ................................................................................................. 22 2.2 O ESTADO NAS SOCIEDADES CONTEMPORNEAS ............................................................................ 29 2.3 EDUCAO, ESTADO E LUTAS SOCIAIS ........................................................................................... 36 2.4 A REESTRUTURAO PRODUTIVA .................................................................................................... 43 2.5 POLTICAS PBLICAS DE EMPREGO E QUALIFICAO PROFISSIONAL .................................................. 53 2.6 INDSTRIA, LOCAL DE TRABALHO, QUALIFICAO E EDUCAO PROFISSIONAL................................... 58
3. BASES CONCEITUAIS .................................................................................................................... 69
3.1 TRABALHO E EDUCAO ................................................................................................................ 70 3.2 SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE ........................................................................................................ 77 3.3 PROCESSO DE TRABALHO E SUBJETIVIDADE ................................................................................... 86 3.4 QUALIFICAO E EDUCAO PROFISSIONAL ................................................................................... 96 3.5 HEGEMONIA E EDUCAO ............................................................................................................ 109 3.6 TEORIA DO CAMPO SOCIAL .......................................................................................................... 117
3.6.1 Introduo: a sociologia de Pierre Bourdieu ................................................................ 118 3.6.2 O campo social bourdieusiano ...................................................................................... 125 3.6.3 Possibilidades e limites da Teoria do Campo Social................................................... 134
4. O PROBLEMA ................................................................................................................................ 139
5. METODOLOGIA ............................................................................................................................. 149
5.1 DIRETRIZES METODOLGICAS ...................................................................................................... 149 5.1.1 Diretrizes Gerais .............................................................................................................. 149 5.1.2 Diretrizes derivadas da teoria do campo social ........................................................... 152
5.2 O ESPAO, O TEMPO E OS SUJEITOS DA PESQUISA ........................................................................ 157 5.3 PESQUISA BIBLIOGRFICA, PESQUISA DOCUMENTAL E ANLISE DOCUMENTAL ............................... 160
5.3.1 Pesquisa Bibliogrfica .................................................................................................... 160 5.3.2 Pesquisa Documental ..................................................................................................... 161 5.3.3 Construo do Corpus de Documentos ....................................................................... 164 5.3.4 Anlise Documental: procedimentos ............................................................................ 166
5.4 MAPAS E MAPAS SCIO-COGNITIVOS............................................................................................. 171 5.4.1. Mapas, Cartografia e Topologia .................................................................................... 171 5.4.2. Mapas Scio-cognitivos e outros mapas ..................................................................... 176
5.5 OS PROCESSOS DE ANLISE E OS PRODUTOS DA PESQUISA ........................................................... 197 5.5.1 Construo das matrizes e mapas scio-cognitivos do campo Qualificao .......... 197 5.5.2 Construo dos mapas do campo Qualificao .......................................................... 202 5.5.3 Sntese, Prospeco e Socializao .............................................................................. 202
6. O CAMPO QUALIFICAO: DESCRIO SINCRNICA, HISTRIA SOCIAL E (RE) PRODUO ........................................................................................................................................ 207
6.1 O CAMPO QUALIFICAO: ABORDAGENS TERICAS ....................................................................... 208 6.1.1 Teoria do Campo Social e campo Qualificao: uma aplicao prtica ................... 209 6.1.2. Construindo noes operatrias no mbito da Teoria do Campo Social ................ 220 6.1.3. Anlise do campo Qualificao: um primeiro esboo................................................ 235
6.2 AFINAL, O QUE EST EM JOGO NO CAMPO QUALIFICAO? ............................................................. 241 6.3 OS SUJEITOS DO CAMPO QUALIFICAO ....................................................................................... 243
6.3.1 Os protagonistas ............................................................................................................. 244 6.3.2 Os coadjuvantes e os figurantes ................................................................................... 274
6.4 OS PLOS DO CAMPO QUALIFICAO ........................................................................................... 275 6.5 AS VERTENTES SOCIAIS DO CAMPO QUALIFICAO ........................................................................ 277 6.6 OS TERRENOS DO CAMPO QUALIFICAO ..................................................................................... 280
6.6.1 Educao profissional .................................................................................................... 281 6.6.2 Certificao Profissional ................................................................................................ 288 6.6.3 Outros terrenos ................................................................................................................ 295
6.7 ESTRATGIAS E ALIANAS: AS LINHAS DE FORA DO CAMPO........................................................... 301 6.7.1 Linhas de fora na matriz scio-cognitiva .................................................................... 301 6.7.2 Principais Linhas de fora no campo Qualificao ..................................................... 302 6.7.3 Alianas inter sujeitos da mesma natureza e inter sujeitos de outra natureza ........ 304
6.8 MUTAES: OS TENSORES DO CAMPO .......................................................................................... 305 6.8.1 Tensores na matriz scio-cognitiva .............................................................................. 305 6.8.2 Principais tensores do campo Qualificao ................................................................. 305
6.11 UM NOVO ESBOO DE ANLISE: OS MAPAS DO CAMPO QUALIFICAO........................................... 314
7. O FUTURO DO CAMPO QUALIFICAO ................................................................................... 321
7.1 CENRIOS: FORTALECIMENTO DO PLO HEGEMNICO OU DO PLO NO-HEGEMNICO? ............... 321 7.2: CONCLUSO: NOVAS PRTICAS E NOVAS INVESTIGAES NO CAMPO QUALIFICAO ..................... 322
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................................... 324
APNDICES ................................................................................................................................... 351 APNDICE A - LISTA DOS CONJUNTOS DE DOCUMENTOS .................................................................. 351 APNDICE B AMOSTRAS DE FICHAS DE ANLISE DOCUMENTAL ....................................................... 366 APNDICE C - QUADRO DE TERMOS CHAVE PARA ANLISE DE DOCUMENTOS DO CAMPO QUALIFICAO ........................................................................................................................................................ 369 APNDICE D MAPOTECA MATRIZES SCIO-COGNITIVAS E MAPAS SCIO-COGNITIVOS ................... 371
18
1. INTRODUO
O trabalho ainda tem ainda isto de excelente: divertir a nossa vaidade, enganar a
nossa impotncia e comunicarmo-nos a esperana de um bom evento.
Anatole France
S o tempo pode tornar os povos capazes de se governarem a si mesmos. A sua
educao se faz atravs de suas revolues.
Lamartine
A presente tese resultante da pesquisa sobre qualificao social e
profissional, sujeitos coletivos e campos sociais, necessria como requisito parcial
para a obteno do grau de doutor no Programa de Ps-Graduao em Educao
da Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia
PPGEdu/FACED/UFBA.
A escolha de trabalhar conjuntamente temas como trabalho, educao e
qualificao, em bases relacionais e na perspectiva dos sujeitos sociais coletivos,
alm das justificativas tericas e sociais apresentadas no texto, representa uma
continuidade (e uma retomada) do trabalho de investigao desenvolvido durante o
curso de mestrado em educao. Naquele trabalho, foi observada a superficialidade
da percepo de diversos sujeitos sociais coletivos sobre a sua ao. Em especial,
tal percepo tem relegado a subjetividade a um plano inferior, embora os processos
vivenciados estivessem sempre (como todo processo em que os seres humanos se
envolvem) carregados de emoes, de motivaes profundas, mesclando o
individual e o coletivo (Lima,1999) 1.
O projeto original do mestrado em educao consistia em compreender a
subjetividade envolvida na construo de uma nova qualificao, que permitisse aos
sujeitos individuais continuar inseridos no contexto produtivo. Entretanto, por razes
alheias vontade pessoal2, este impulso inicial no se materializou em uma
pesquisa neste sentido. A pesquisa efetivamente realizada durante o mestrado,
dirigida para a ao coletiva em qualificao profissional, embora sob a tica de um
1 A ausncia de uma percepo autntica, vivenciada de modo semelhante ao sujeito individual, abriu caminho,,
para uma profunda crise dos projetos coletivos: cada vez mais afastados dos projetos de cada um, passou a se
constituir em projetos de ningum. Com a chegada da reestruturao produtiva, esta crise se aguou, tanto pelo
desemprego quanto pela crescente possibilidade de adeso a outros projetos mais palpveis, oferecidos pelas
empresas, pelo governo e outras instituies (Lima,1999). 2 Estes fatores tantos se referem viabilidade (na poca) da pesquisa, quanto maturidade cientfica do
pesquisador. Por outro lado, a rpida apropriao, pelos sujeitos coletivos, da temtica da qualificao
profissional, tornava extremamente atraente e vivel uma pesquisa voltada para ao coletiva.
19
nico sujeito coletivo ligado aos trabalhadores, contribuiu para confirmar a
emergncia da temtica ligada ao local de trabalho. Isto aconteceu na medida em
que o campo3 Produo se apresenta, para os sujeitos coletivos, como uma das
vertentes sociais4 da qualificao. Entretanto, a pesquisa tambm esteve sintonizada
com a importncia crescente do campo Estado nas anlises sobre hegemonia e
qualificao, principalmente porque influenciam (e so influenciadas) pelas decises
tomadas no local de trabalho.
A conscincia da importncia da inter-relao entre os campos contribuiu para
definir uma questo mais ampla, que resultou, no processo de seleo para o
doutorado, na apresentao de uma proposta de pesquisa envolvendo as relaes
entre as aes em qualificao profissional dos diversos sujeitos sociais nos campos
Produo e Estado, circunscrita ao seu aspecto mais evidente: a negociao
coletiva. Entretanto, as diversas disciplinas cursadas durante a obteno de crditos
do doutorado5 e as reflexes crticas sobre as prticas desenvolvidas pelo autor em:
i) projetos de educao de adultos trabalhadores e ii) gesto de polticas pblicas de
qualificao social e profissional, levaram ampliao da abordagem e
modificao do escopo da anlise. A mais significativa delas se refere imerso na
Teoria do Campo Social de Pierre Bourdieu, utilizada criticamente por meio da
reelaborao e/ou apropriao conceitual, embora isto no represente a nica matriz
terica deste trabalho, vez que esto presentes, entre outros, o conceito de
hegemonia e Estado de Antonio Gramsci e os conceitos e noes desenvolvidos
pela geografia de Milton Santos e pela pedagogia de Paulo Freire.
De modo geral, o esforo da pesquisa se voltou a analise sobre as relaes
entre trabalho e educao e a qualificao profissional no Brasil contemporneo por
meio da descrio, em bases relacionais, do espao social onde sujeitos coletivos
desenvolvem prticas e relaes relativas qualificao, sendo que tal espao
constitui, segundo o autor, um campo social bourdieusiano, denominada na tese de
3 Utiliza-se aqui o conceito bourdieusiano de campo, enquanto descrio do espao social onde as relaes entre
agentes sociais se do e se estabelecem. Para uma definio deste conceito e o seu carter heurstico, ver o item
3.6., desta tese. 4 Elaborada durante o curso de mestrado, a definio da noo operatria vertente social pode ser encontrada no
Captulo 6, desta tese.. 5 Entre elas destacam-se, no PPGAdm/EA/UFBA: Tpicos Especiais em Administrao e Produo (Prof. Dr.
Francisco Teixeira) , Indivduo e Organizao (Prof. Dr. Antonio Virglio B. Bastos).e, no
PPGEdu/FACED/UFBA, as disciplinas Currculo / Etnopesquisa Crtica (Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo),
Economia e Educao (Prof. Dr. Robert E. Verhine) , Ensino Profissional e Ensino Mdio (Profa. Dra Vera
Fartes) e Educao e Territorialidade (Prof. Lus Felipe Perret Serpa).
20
campo Qualificao. A anlise feita por meio da descrio dos elementos do
campo - sujeitos coletivos, estrutura e estratgias - e da reconstituio, ainda
provisria, de sua histria social e dos seus processos de (re) produo.
A anlise privilegia o estudo das mutaes e da trajetria conflituosa do
campo Qualificao; bem como suas interaes com trs campos considerados
suas vertentes sociais: Produo, Educao e Estado. A nfase foi dada
compreenso do funcionamento do campo, em particular nas suas conexes com as
transformaes sociais recentes, seja pela reflexo das questes mais gerais da
sociedade no seu interior, seja pela extrapolao dos seus limites, com a
qualificao contribuindo para a legitimao hegemnica mais geral. Tambm se
tentou compreender a possibilidade de processos contra hegemnicos, em termos
da construo de estratgias de resistncia e reelaborao, voltadas para a
emancipao, pelos sujeitos sociais no dominantes.
Tanto quanto a procura de respostas a tais questes, configurou-se como um
importante objetivo da pesquisa iniciar o desenvolvimento de uma metodologia de
anlise de campo, que permita no apenas uma rpida e precisa compreenso
sobre o papel e os interesses dos agentes e das relaes j estabelecidas, mas,
sobretudo sobre a dinmica do campo, permitindo o acompanhamento posterior do
desenvolvimento das suas relaes externas e internas. Para tanto, a pesquisa
tambm produziu novas noes operatrias no mbito da Teoria do Campo Social
vertentes sociais, linhas de fora e tensores e ressignificou outras terrenos e
polos. Ao mesmo tempo, a metodologia desenvolvida poder potencializar as
possibilidades de socializao deste conhecimento para os sujeitos do polo no
hegemnico.
Na perseguio destes objetivos, o presente trabalho, aps esta introduo,
apresenta a seguinte estrutura: i) a apresentao dos cenrios, analisados a partir
de trs grandes processos que se intercruzam: a globalizao, a reestruturao
produtiva e a reforma do Estado; ii) as bases conceituais, onde so problematizadas
e contextualizadas categorias, conceitos e noes reelaboradas e/ou apropriadas; iii)
a delimitao do problema da pesquisa; iv) a metodologia, contendo as diretrizes
metodolgicas; a descrio dos espaos, processos, mtodos e instrumentos
propostos para realizar a pesquisa; v) os achados da pesquisa, a saber, a descrio
do campo qualificao e suas mutaes, a partir de seus sujeitos sociais, suas
21
estratgias comuns ou antagnicas e os terrenos onde se enfrentam; vi) guisa de
concluso, um exerccio de prospectar o futuro do campo qualificao.
Entretanto, se alcanar os objetivos especficos da pesquisa foram factveis,
no se tm dvida de que seu objetivo mais geral est alm do tempo e do espao
do doutorado; antes, pavimentam uma estrada para novas pesquisas, que o autor,
na condio de pesquisador e cidado, pretende seguir na carreira acadmica,
entendendo, porm, que este necessariamente um trabalho a ser trilhado por
aqueles e aquelas que s compreendem a construo do conhecimento como um
processo coletivo e como uma contribuio para resolver problemas concretos dos
excludos e da maioria que vive do trabalho.
22
2. CENRIOS
A grande sorte dos que desejam pensar a nossa poca a existncia de uma tcnica planetria, direta ou indiretamente presente em todos os lugares, e de uma poltica planetria, que une e norteia os objetos tcnicos. Juntas elas autorizam uma leitura ao mesmo tempo geral e especfica, filosfica e prtica, de cada ponto da Terra.
Milton Santos
Este captulo tem a pretenso de apresentar aos leitores, de forma breve, os
grandes processos que marcam a nossa poca e as questes que eles levantam
para os seres humanos. Tambm pretende apresentar algumas das solues
imaginadas por diversos sujeitos sociais, na tentativa de compreender a articulao
das aes no campo macro (o Estado e as polticas pblicas) e no campo micro
(local de trabalho e outros espaos de socializao). Sempre perseguindo o objetivo
de desvelar as estratgias e as prticas que fundamentam e d sentido s
estratgias dos sujeitos individuais e coletivos, a apresentao parte do nvel
internacional e prossegue at os nveis nacional, estadual e, quando pertinente,
local.
O ponto de partida o processo de globalizao excludente e suas
implicaes na hierarquizao e redefinio dos espaos nacional, regional e
local (item 2.1). Em seguida (item 2.2), discorre-se sobre o Estado nas sociedades
ocidentais contemporneas, sua reforma e os conflitos dela decorrentes. Esta
discusso pavimenta o entendimento do papel relevante desempenhado pela
educao, envolvendo a sua universalizao, gratuidade e qualidade, descritas a
partir das aes do Estado e das lutas sociais, no item 2.3.
O item 2.4 introduz a discusso sobre a reestruturao produtiva e seus
impactos sobre o trabalho e a qualificao. J no item 2.5, particular ateno dada
s polticas pblicas de emprego, envolvendo seguro desemprego, intermediao de
mo de obra, qualificao profissional e gerao de emprego e renda. Encerrando o
captulo, descrita no item 2.5 a ao da indstria sobre a qualificao no plano
estadual (Bahia) enquanto que no item 2.6 apresentada sua ao no local de
trabalho.
2.1 O global, o regional e o local
Os processos que levaram a constituir o mundo globalizado, sob a hegemonia
dos pases ocidentais desenvolvidos, no prescindem, como nos processos
23
anteriores, de fortes incurses nos terrenos ideolgico e cultural. Ao contrrio, na
poca atual estas incurses, verdadeiras bandeiras, vm condenando extino
culturas milenares, alm de estabelecer o front ideolgico como fundamental para o
prprio estabelecimento e sobrevivncia da nova ordem.
Porm, velhas prticas, aparentemente contraditrias com uma suposta viso
supranacional, no apenas ressurgem, como se sofisticam. As elites
socioeconmicas precisam, agora mais do que nunca, do consenso e reivindicam,
para o seu projeto, um carter mais amplo e abrangente, envolvendo, inclusive, as
classes subalternas. Assim, os saberes, valores e comportamentos da elite passam
a ser considerados modelos a serem imitados ou perseguidos.
Tal abordagem no se restringe apenas s classes e camadas sociais,
podendo tambm ser verificada nas relaes centro-periferia, desde o bairro at
regies inteiras. Ela se espraia, como metodologia, hierarquizando espaos, sejam
eles geogrficos ou sociais. Esta transposio acrtica e autoritria, sem a
adaptao ou reelaborao necessrias, apresenta grande responsabilidade pelo
fracasso nas definies de questes estratgicas, como por exemplo: padro de
desenvolvimento, produo e consumo, polticas pblicas, educao, etc..
O final do sculo XX assistiu, no bojo dos processos de globalizao
excludente, a emerso das questes regionais, ou seja, de questes circunscritas
a um determinado territrio, seja ele definido por elementos fsicos e simblicos6.
Tais elementos, aparentemente amparados em bases cientficas, traduzem a
necessidade do capitalismo de definir os territrios de acordo com os suas
estratgias, ou seja, longe de ser uma imagem neutra, ela parte de um processo
ideolgico, que tenta se instalar como dominante sobre as outras vises e como tal,
se apresenta como totalizante ou sintetizadora das vises precedentes7.
Obviamente, este no um processo isento de contradies, com resistncia
dos sujeitos sociais em preservar ou construir a sua prpria viso, tambm segundo
as suas estratgias especficas. Trata-se de uma luta simblica, associada
inequivocamente s lutas sociais, como processos de transformao da realidade
6 Como, entre outros, sua geografia, histria, cultura, ecologia e biodiversidade, composio tnica,
potencialidade econmica, estratgias e interesses polticos, lutas sociais e pelo imaginrio coletivo gerado a
partir destes elementos. 7No Brasil, em parte suscitado por interesses internacionais, mas tambm por interesses desenvolvimentistas internos, a bola da vez parece ser a Amaznia, onde todos os elementos citados comparecem, moldando, a partir de vrias vises de amaznia, uma imagem da regio adequada ao sculo que se inicia.
24
que apresentam amplitudes variadas, seja no tempo, no espao ou nos diversos
aspectos da vida social.
O processo contemporneo de globalizao, segundo a viso de Torres
(1998), torna imprecisos os limites nacionais, deslocando as solidariedades dentro
de cada um e entre os vrios estados-nao, e afetando profundamente a
constituio das identidades nacionais e dos grupos de interesse. Entretanto, pelo
menos trs elementos requerem maiores investigaes:
a) o nacional morreu? Ele no tem sobrevivido sob formas conservadoras
de nacionalismo ou atravs do carter de articulao nacional assumido
pelas instituies ligadas aos movimentos sociais?
b) existiriam de fato projetos nacionais em estados-naes subalternos e
perifricos? As classes dominantes no teriam o seu projeto
indissoluvelmente ligado a projetos transnacionais? As esquerdas tambm
no tm sido pouco competentes, neste sentido, na medida em que
tambm privilegiam modelos e/ou no do a ateno devida s
diversidades internas do pas?
c) seria possvel um projeto nacional, hoje, que no se voltasse para
dentro, contemplando as diversidades regionais e at locais, ao mesmo
tempo em que se articula para fora, com outros estados-naes em
situao semelhante?
Um exemplo de prtica - utilizada ontem e hoje - a representao do
nacional, como forma de se alcanar a legitimidade. Assim foi durante a revoluo
de 30, a ditadura militar iniciada em 1964, o governo Collor e o os governos FHC,
embora, obviamente, os termos da equao coao-consenso no sejam iguais em
cada um dos casos citados. Na esquerda, mais recentemente, a tentativa de
elaborar um projeto que transcenda uma crtica ao projeto das elites tem levado
determinados setores a considerarem, na elaborao de suas estratgias, a
diversidade de elementos, culturas, interesses que muitas vezes se entrechocam,
mas que constituem a essncia de um projeto verdadeiramente nacional.
No plano analtico torna-se necessrio, entender, como Ianni (2000) que:
Ao longo da histria do Brasil, intrpretes brasileiros e estrangeiros interrogam continuamente a sociedade nacional, construindo e reconstruindo problemas histricos e tericos. Este diversificado conjunto de interpretaes pode ser visto como uma complexa narrativa ficcional que combina a busca de esclarecimento e a criao de significados.
25
Nesta perspectiva, entender os diferentes significados tambm construir um
significado especfico, no caso da opo crtica, necessariamente mais afinada com
as demandas da maioria da populao. O debate sobre o conceito de regio, neste
sentido, exemplar, tanto pelas possibilidades analticas quanto pelas possveis
repercusses prticas da adoo de um determinado conceito pelos movimentos
sociais.
A abordagem da questo regional, na perspectiva adotada neste trabalho,
visa sublinhar a compreenso do Brasil como espao regional, no isolado dos que
o cercam, mas dotado de uma especificidade que necessariamente deve ser
considerada. Ao mesmo tempo, apreender e utilizar o conceito de regio adotado
neste trabalho obriga a uma reflexo para dentro do pas, ou seja, para as suas
regionalidades. Deste ponto de vista, a presente pesquisa poderia contribuir para
futuras investigaes, da mesma natureza nos espaos amaznicos, nordestinos,
etc., contribuindo para refinar a compreenso do campo Qualificao do pas.
O conceito de regio adotado no considera exclusivamente as formulaes
de cunho eminentemente econmico ou geogrfico, embora esta ltima, na sua
vertente crtica, oferea subsdios importantes para uma concepo de carter
marcadamente interdisciplinar. Como foi ressaltado, as polissemias em torno de um
conceito revelam uma intensa disputa no campo simblico (BOURDIEU, 1992), at
pouco tempo negligenciada pelos movimentos sociais. Neste sentido, a discusso
sobre o conceito de regio, as especificidades regionais e as perspectivas
regionais/locais de luta social no interessam apenas aos habitantes de determinada
regio, e sim configuram toda uma pliade de questes a serem incorporadas no
projeto nacional e na agenda de uma outra globalizao (SANTOS,1999).
Estas afirmaes, que se adequam perfeitamente s diversas questes
regionais, no significam apenas constataes, mas devem se tornar elementos de
uma pauta poltica a ser enfrentada, ao mesmo tempo enquanto demanda de
formulao e enquanto prtica cotidiana. Visto desta maneira, a regio no um
dado a priori, mas definida e redefinida no bojo da dinmica social e, deste modo,
tornam-se necessrias anlises crticas sobre os conceitos de regio em disputa,
passo necessrio para a construo de uma viso de Brasil que corresponda aos
interesses da maioria da populao.
Ora, esta populao possui uma histria e uma cultura, claramente
conformadas pelo espao biofsico, porm transcendendo a ele. Interessa, pois, um
26
conceito de regio que no apenas se ocupe da reproduo do capital, mas tambm
das formas de reproduo social, sejam elas consequncias da forma assumida pelo
capitalismo na regio ou os remanescentes de formas anteriores, que, na maioria
das vezes, se colocam como resistncia ao processo capitalista.
Assim, definir uma regio exclusivamente em funo do espao, da
economia, da interveno do Estado ou dos seus aspectos ecolgicos, no o
bastante. Devem ser considerados, como j assinalado anteriormente, os elementos
geogrficos, histricos, culturais, ambientais, composio tnica, potencialidade
econmica, estratgias e interesses polticos, lutas sociais e o imaginrio coletivo,
dentre outros. Ao mesmo tempo, uma regio no pode ser definida por seus
prprios aspectos, posto que no so sistemas isolados; os aspectos s adquirem
fora explicativa, quando so vistos de forma relacional, seja com as regies
adjacentes, seja com as que possuem aspectos semelhantes.
No caso especfico dos trabalhadores, trata-se tambm de diferenciar a sua
concepo das enunciadas pelas classes dominantes e se procurar pontos comuns
com as formuladas por outros setores explorados. Em outras palavras, assumindo
explicitamente que a apropriao do conceito reflete delimitaes claramente
pautadas em aspectos convenientes aos interesses em jogo (BARROS, 1999),
trata-se de elaborar um conceito de regio que poder contribuir para a
emancipao dos setores explorados.
Assim, define-se regio como mais do que uma categoria espacial que
expressa uma especificidade, uma singularidade, dentro de uma totalidade
(AMADO, 1990 apud BARROS, op.cit.), e aproxima-se do interessante conceito
enunciado por SRGIO BUARQUE (1998 apud BARROS, op.cit.): a regio um
espao particular que sintetiza e cristaliza um processo social, ecolgico ou cultural
complexo, em interao com outros espaos diferenciados.
Neste sentido, parece fundamental vincular discusso sobre espao e
sociedade, na medida em que se considera que o prprio processo de produo o
controle do tempo e do espao pelo trabalho social (SANTOS, M., 1997).
Entretanto, a diviso do trabalho, utilizado como um dos conceitos chave para a
discusso do conceito de regio (cf. CARLEAL, 1993), deve ser aplicado com
cuidado e de forma no exclusiva no que se refere s diversas regies, pois, como
afirma Corra da Silva (2000):
27
Constata-se a inexistncia de parmetros que permitam configurar o perfil dos trabalhadores da Amaznia. A inadequao dos trabalhadores aos conceitos e s tipologias predominantes na estrutura ocupacional nacional reveladora da diversidade de trabalho na regio. Na verdade, uma das indicaes de que a generalizao de modelos no contempla diferenas fundamentais do desenvolvimento do trabalho, no plano regional.
Esta abordagem implica, alm dos estudos sobre as formas de explorao do
trabalho, em se considerar outros aspectos, tais como:
a necessidade de investigar e (re) conhecer a(s) histria(s) e a(s)
cultura(s) da regio, principalmente dos grupos no hegemnicos, que
constituem a maioria da populao;
abandonar a concepo eurocntrica de hierarquia entre as culturas,
sendo a civilizao uma ddiva outorgada aos selvagens;
do mesmo modo, abandonar a concepo que divide o Brasil em dois: o
desenvolvido (centro-sul) e o atrasado(norte-nordeste), com a
imposio dos padres de desenvolvimento do primeiro para o outro;
compreender que a dinmica do capitalismo contemporneo, mais do que
homogeneizadora dos contextos sociais, parece ser um veculo de
heterogeneizao destes mesmos contextos;
deixar de imaginar a sociedade sob um aspecto evolucionista-teleolgico,
com as relaes sociais capitalistas sendo a antessala necessria do
socialismo, portanto etapa a ser almejada e atingida, uniformemente, por
todas as culturas.
As possibilidades mais bvias deste processo para os atores sociais
populares so de carter objetivo: suprir a falta de dados e propiciar a formao
simultnea e articulada de quadros em todo o pas e na regio, alm de aumentar a
clareza e preciso das propostas de interveno, dentre outras. Entretanto, a maior
vantagem parece ser a de evitar o estrago de ordem subjetiva: a (des) motivao/
(des) identificao dos sujeitos locais com as propostas e aes, sobretudo,
contribuindo para a internalizao - na falta de uma poltica mais ampla- de uma
espcie de corporativismo de novo tipo, hoje em vias de se tornar hegemnico: o
liberal-corporativismo (cf. COUTINHO, 2000) ou neocorporativismo.
O processo de delimitar a regio se configura, deste modo, em sistematizao
do conhecimento sobre a regio, contribuindo para que se evite, no que se refere s
lutas sociais:
28
respostas prvias assumidas, mesmo quando o (s) problema(s) ainda
no foi (ram) devidamente formulado(s);
diagnstico(s) incompleto(s) e/ou parcial (is), que leva generalizao
e ao reducionismo, tomando-se a parte pelo todo;
adoo de experincias exitosas como modelos, sem a necessria
compreenso do processo histrico-cultural do seu desenvolvimento;
esquecimento das experincias localizadas como fonte de
aprendizado, divulgando-se quase exclusivamente as experincias aladas
modelo;
elaborao e tomada de decises restritas e/ou influenciadas pelo
contexto da poltica interna (superpolitizao das decises);
difuso das decises por meio da organizao de aes articuladas
pelos organismos centrais, embora no contextualizadas regional ou localmente
(subpolitizao das aes);
Em resumo, evita-se a dificuldade de implementao posterior das resolues
na regio, com consequente impacto negativo na efetividade social das aes e,
principalmente, na impossibilidade de se fechar satisfatoriamente o ciclo: estmulo
da base-elaborao de estratgias nacionais-aes unitrias na base.
A ttulo de contribuio para o debate, elenca-se a seguir, algumas questes
que merecem ser aprofundadas:
as relaes entre trabalho, conhecimento e meio ambiente;
a biodiversidade e a sociodiversidade, nas suas dimenses scio-polticas,
cientficas, econmicas e ticas;
as relaes entre ao local, regional, nacional e internacional e as suas
possibilidades;
o conceito de sustentabilidade como disputa poltica e simblica (cf.
MOREIRA, 1999), incluindo aqui a superao da dicotomia entre conservao e
preservao;
a ressignificao dos conceitos da economia poltica voltadas para o
entendimento do valor da natureza (de preservao, de uso, de troca, no material,
etc.) (cf. MOREIRA, op.cit.);
a politizao da natureza no capitalismo contemporneo, tanto no seu vis
econmico, tecnolgico, geopoltico, ecolgico e social (cf. BECKER, 1997);
29
a sinergia e a complementaridade entre capitalismo informacional e
desenvolvimento sustentvel;
as noes de conscincia ecolgica, utopia ecolgica e ideologia ecolgica;
os grandes problemas ambientais do Brasil e os limites do desenvolvimento
sustentvel e solidrio em cada regio;
as solues propostas como novos problemas: ecoturismo,
neoextrativismo, sistemas agroflorestais, agroecologia, agricultura sustentvel, etc.;
os fundamentos, lgica e objetivos dos diversos atores sociais, em
particular o Estado brasileiro.
Em resumo, a complexidade e emergncia simultnea de questes polticas,
sociais, econmicas e ambientais exige uma sria e profunda articulao entre
produo de conhecimento e ao sociopoltica, desde a localidade at o globo,
passando pelo espao regional. Em decorrncia, tornam-se indispensveis polticas
de comunicao, informao e formao ousadas e geis, utilizando, inclusive, as
novas tecnologias.
A presente pesquisa centra seu estudo no territrio brasileiro, embora sem
perder de vista as articulaes regionais, nacionais e internacionais. Isto relativo ao
onde (a regio) e o que se conhece (os processos especficos) e quem
conhece, na medida em que se pretende devolver aos sujeitos individuais e coletivos
do polo no hegemnico os conhecimentos sistematizados, resultantes da
pesquisa8.
2.2 O Estado nas sociedades contemporneas
Parte-se do pressuposto de que o Estado, na forma que vem se assumindo
nas sociedades capitalistas contemporneas, no pode ser analisado
exclusivamente pelo seu aspecto instrumental, ou seja, a servio de quais interesses
e estratgias (de classes, segmentos, camadas, etc.) o Estado se coloca.
Conquanto esta vertente de anlise continue tendo a sua validade, esta relativa,
diante da complexidade que o aparelho estatal vem ostentando - contraditoriamente-
mesmo em tempos de neoliberalismo.
Segundo Bocayuva & Veiga (1992), no se pode correr o risco de perceber
outros aspectos fundamentais, como:
8 Sob a forma de textos, publicaes, palestras, cursos, etc.
30
a) o carter ampliado do Estado, que impe polticas e compromissos
pblicos;
b) a representao de interesses, que muitas vezes se d com a formao de
rede de alianas, com alto grau de transitoriedade e no restrito a classes ou
segmentos determinados;
c) o aparato estatal, transformado em campo de luta de interesses, grupos e
classes, tanto pela complexidade dos processos sociais, quanto pela sua prpria
dinmica interna;
Assim, o Estado se apresenta como uma instituio autnoma, ainda que
determinada em ltima instncia, pela luta na base da sociedade. Esta autonomia
assume maior ou menor grau, dependendo da fase histrica do desenvolvimento da
sociedade, dando origem a formas de estado liberal (capitalismo competitivo),
estado do bem-estar-social (capitalismo monopolista), etc. Entretanto, no se pode
eliminar a importncia das caractersticas da formao social (entre outras
questes), que modifica, mesmo em fases semelhantes, a forma do Estado, como
o caso das ditaduras fascistas na Europa, ou os estados nos pases dependentes ou
neocoloniais.
O caso brasileiro tpico. O Estado brasileiro no conseguiu ser totalmente
liberal, nem de bem-estar, como no consegue ser totalmente neoliberal, conquanto
os esforos de sucessivos governos com esta orientao, desde o governo Sarney
(1985-1989). O patrimonialismo das elites brasileiras impe a existncia de um
estado protetor, no plano econmico e poltico, sendo que as polticas de proteo
social se transformam em algo secundrio. Entretanto, as elites no jogam o jogo
sozinhas. A crescente participao de setores populares da sociedade civil, se no
conseguiu, at o momento, o mando-de-campo, pelo menos tenta estabelecer
regras e normas, para que o jogo continue e possa, adiante, se inclinar a seu favor.
Entretanto, para que os setores populares possam aumentar a sua torcida,
ou seja, a sua influncia nos destinos do pas, torna-se necessrio a existncia de
um projeto de sociedade, que d sentido a esta mobilizao. A esquerda brasileira
tem tradicionalmente tratado este problema como questo consumada, vez que o
projeto o socialismo - estaria pronto, necessitando, apenas de adaptao das
estratgias gerais conjuntura. Mais recentemente, a ascenso dos movimentos
sociais tem demonstrado que as formulaes genricas no so suficientes para
mobilizar amplas camadas populares e assim, transformar a realidade. Torna-se
31
necessrio formular um novo projeto, no no sentido do objetivo final (uma
sociedade socialista), que continua, no nosso entender, vlido; mas de imaginar
novas estratgias e processos de incluso, para que as mudanas sejam objeto de
ao consciente, no de massas conduzidas por um sujeito coletivo (o partido), mas
de sujeitos (individuais e coletivos) com interesses plurais, embora convergentes.
Ladislau Dowbor (1998) alerta que, alm de se estudar, para a construo
deste projeto, a reproduo do capital, deve-se compreender, em dada formao
social, como se processa a reproduo social, que inclui aspectos econmicos,
socioculturais e ambientais, relacionando-os com uma concepo integrada de
desenvolvimento. Uma implicao importante desta viso a de que as estratgias
elaboradas pelos setores sociais para a sua sobrevivncia, em outras palavras, os
seus projetos especficos, tem de estar contemplados no projeto geral de sociedade.
Os movimentos sociais brasileiros vm, h dcadas, experimentando e
propondo formas alternativas de desenvolvimento. Estas alternativas, muitas vezes
de forma no consciente se baseiam em dois princpios: a sustentabilidade e a
solidariedade. A sustentabilidade, antes bandeira exclusiva dos verdes hoje um
conceito adotado pela Organizao das Naes Unidas (ONU) 9, como a
possibilidade de formao de microssistemas (de carter local) capazes de
reproduzir-se com a mnima interferncia externa e capaz de efetuar trocas justas
com os outros microssistemas, que se organizariam em escala regional e nacional.
A solidariedade um acrscimo necessrio, no apenas para distinguir esta
alternativa de outras, estimuladas por rgos governamentais, mas para reafirmar
que o objetivo central do desenvolvimento o ser humano e no o mercado10.
Outra questo, que a perspectiva de Dowbor implica, uma mudana na
concepo de Estado, posto que este assume um papel importante (mas no
exclusivo) na promoo do desenvolvimento. O Estado visto como um campo de
lutas, na medida em que uma estrutura que deve estar a servio da sociedade,
embora administrado por parte dela. Mais do que isso, o conceito de pblico supera
o estatal: o Estado precisa ser controlado e fiscalizado e, na prpria elaborao das
9 Ver a este respeito a Agenda 21, que estabelece parmetros mnimos de desenvolvimento sustentvel escala
dos estados-naes. Curiosamente, a verso brasileira no prioriza (ou quase ignora) o captulo 37 que trata da
educao e qualificao para a sustentabilidade. 10
A produo em cooperativas, as associaes de pequenos produtores rurais, as empresas autogestionrias so
exemplos de economia solidria que apontam para modelos alternativos de desenvolvimento. Apesar de muito
importantes, pois demonstram a existncia de outras formas de produzir, menos dependentes e mais solidrias,
elas por si s no podem superar as determinaes do sistema capitalista.
32
polticas imprescindvel participao popular. Deste modo, as polticas sociais
devem estar sob o controle pblico11.
As mltiplas abordagens das polticas sociais12 so alvo de intenso debate
entre administradores pblicos, economistas, cientistas polticos, socilogos e
assistentes sociais. Mesmo com a posio, de origem neoliberal, de minimizar o
Estado, nunca este debate esteve to presente no Brasil, devido ao agravamento
das condies de misria e pobreza da maioria da populao e, no centro do
debate, o carter necessariamente pblico que estas polticas devem assumir bem
como o conceito de cidadania indispensvel para que este carter seja permanente.
Entretanto, a histria do Estado brasileiro nos mostra que ainda se tem muito
caminhos a percorrer, at a sua democratizao, mesmo nos marcos da sociedade
capitalista. A passagem de colnia de Portugal ao Imprio se deu sob o signo da
escravido, e tampouco os trabalhadores livres eram cidados. A prpria Repblica
comea com uma ditadura militar e os poucos direitos conseguidos nos perodos
democrticos so atenuados ou suprimidos pelas sucessivas ditaduras (1937-1945 e
1964-1984).
A ditadura militar instalada a partir de 1o de abril de 1964 sufocou no
nascedouro um projeto de reformas populares, que poderia democratizar o Estado.
No perodo que se seguiu, foram suprimidas as liberdades individuais e coletivas.
Sem a presso das organizaes populares, perseguidas pelos militares, um Estado
autoritrio cresceu de forma assustadora, garantindo os privilgios de banqueiros,
industriais e latifundirios, alm de formar uma nova elite poltica, capaz de
barganhar estes privilgios. Devido a esta histria, sobrevive no Brasil uma cultura
autoritria, individualista, corporativa e corrupta, que impede a construo de um
Estado mais avanado e democrtico. Remover o entulho autoritrio, acumulado
durante dcadas, tem se transformado em tarefa fundamental dos movimentos
sociais, os mais interessados em manter e ampliar a democracia.
Parte deste processo, a Constituio de 1988 abriu brechas que poderiam
promover um avano considervel para a democratizao do Estado, no que diz
respeitos s polticas pblicas, ao estabelecer a necessidade de serem criados
11
Desta forma, no existiria uma separao (tradicionalmente aceita) entre polticas pblicas (aquelas que so
financiadas por fundos pblicos) e polticas sociais (que afetem diretamente a qualidade de vida da populao),
pois todas as polticas deveriam ser controladas pelo pblico.
33
conselhos, vinculados a estas polticas. Estes espaos pblicos de elaborao,
discusso, implementao e avaliao de polticas pblicas. Os conselhos se
proliferaram e assumiram diferentes formatos e papis13. Pode-se citar, entre outros:
as comisses do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) e Fundo Constitucional do
Norte (FNO); os conselhos: de educao, de sade, de desenvolvimento rural,
ligados ao Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF), da criana e
adolescente, da previdncia social, da assistncia social e as comisses estaduais e
municipais de emprego14.
Embora os conselhos sejam importantes canais de interveno nas polticas
pblicas, eles no so os nicos. No se pode esquecer, tambm, que nos
conselhos as solues so negociadas (mas no consensuais). Isto quer dizer que,
no seu interior, existe disputa permanente entre projetos e, por isso a mobilizao
popular fundamental. Os conselhos somente sero eficazes na medida em que a)
atenderem aos anseios da populao, mobilizadas para isso; b) os conselheiros
representarem de fato suas entidades e c) seja produzidas alternativas viveis,
dentro do campo de ao do conselho.
Entretanto, as possibilidades da democratizao do Estado brasileiro
encontraram no apenas a dura resistncia das elites patrimonialistas, mas
principalmente, enfrentaram o ascendente neoliberalismo. Travestida de
modernizao, a onda neoliberal, ainda em curso, tenta eliminar os vestgios do
estado de bem-estar-social que nunca se concluiu inteiramente no pas.
Diversos autores (ANDERSON, 1995; THERBORN, 1995,1999; SALAMA,
1995; BORON, 1995 e 1999) afirmam que o sucesso do neoliberalismo muito
maior como ideologia, do que no cumprimento das suas metas macroeconmicas.
12
Por exemplo, Coimbra (1998) sistematiza sete abordagens possveis: a perspectiva do servio social, a teoria da cidadania, o marxismo, o funcionalismo, a teoria da convergncia, o pluralismo, as teorias econmicas da
poltica social (entre as quais se situa o neoliberalismo). 13
Estes formatos e papis foram definidos pela correlao de foras estabelecida entre os grupos interessados na
poltica pblica, mas tem sofrido alteraes, determinadas pela capacidade de interveno, mobilizao e
presso de cada grupo, bem como pelo interesses dos sucessivos governos de promover as polticas e a
participao destes grupos nas decises concernentes a ela. 14
Os movimentos sociais tm defendido conselhos (cf. DIEESE, 1998; CUT, 1998) que sejam: i) permanentes,
no desaparecendo depois que problema foi resolvido ou contornado (o caso das comisses municipais da seca,
por exemplo); ii) deliberativos, tendo poder de deciso sobre a sua rea de atuao e iii) paritrios, com o
nmero de conselheiros deve ser o mesmo para todos os setores que o compe. Eles podem ser bipartites
(trabalhadores e governo, por exemplo), tripartites (trabalhadores, governo, empresrios) e multipartites
(podendo incluir organizaes no-governamentais, a igreja, etc.). O ideal, baseado em uma noo de
desenvolvimento, seria uma integrao e interdependncia dos diversos conselhos, para que as aes se
multipliquem.
34
Com efeito, nos pases centrais a verso original do neoliberalismo nunca conseguiu
implantar todo o receiturio da Sociedade Mont Pelrin15.
Ao mesmo tempo, no se pode desconhecer o papel do aparato estatal
supranacional na difuso e implantao das teses neoliberais16, sejam eles de
financiamento (Fundo Monetrio Internacional, Banco Mundial, Banco
Interamericano de Desenvolvimento, etc.); de regulao de mercado (Organizao
Mundial do Comrcio, MERCOSUL, Unio Europeia, etc.) ou de desenvolvimento e
cooperao (Sistema ONU, entre outros). Este talvez tenha sido o grande sucesso
do neoliberalismo: a adoo de medidas que enfraqueceram os Estados-nao,
garantindo o modelo centralizado e perverso de globalizao.
Fernandes (1995) aponta trs importantes feitos da concepo neoliberal: a
privatizao; a desregulamentao das atividades econmicas e sociais pelo Estado
e a reverso dos padres universais de proteo social. Pode-se afirmar que a
primeira garante a globalizao do capital industrial e de servios; a segunda, a
globalizao do capital financeiro e comercial e a terceira a globalizao do trabalho.
Considerando-os como centrais, pode-se, para cada formao social, entender
como cada um destes elementos compareceu em doses diferenciadas, tornando o
remdio, mais ou menos amargo, ou seja, compreender como as especificidades
nacionais17 influenciaram (e foram influenciadas) na adoo das medidas
neoliberais18.
Apresentando-se como a nica alternativa para o desenvolvimento - este
visto apenas como competitividade frente aos mercados internacionais - o
neoliberalismo brasileira desestatizou, desregulamentou e desuniversalizou, no
sem a resistncia dos movimentos sociais, mesmo em tempos de descenso. A
capacidade dos sucessivos governos, em particular nos dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso, de arrebatar muitas das bandeiras dos movimentos sociais, por
15
Um dos pilares que estes autores se apoiam o comportamento do investimento no estado de bem estar social
na Europa e Estados Unidos, que, contraditoriamente aos ideais neoliberais no diminuiu, e sim aumentou! 16
Todavia, coerente com a concepo de Estado apresentada, estes espaos tambm se configuram como campo
de lutas, difundindo tambm direitos e polticas sociais adequadas. 17
Estes mesmos parmetros podem contribuir, embora no sejam suficientes para explicitar como os processos
ocorreram no mbito estadual, mesmo em pases como o Brasil, cujos estados tem uma autonomia reduzida. A
histria poltica do Estado e a orientao poltica dos governadores atuais poderiam explicar, por exemplo, as
tenses entre patrimonialismo e neoliberalismo na Bahia e a tentativa de ampliao de direitos sociais no Rio
Grande do Sul. 18
Um balano parcial aponta que o estrago maior, parece ser nos pases dependentes. Tomando a Amrica
Latina como exemplo, parece evidente o choque destas medidas na diminuio dos direitos sociais e no aumento
da misria, ou seja, na cidadania e, consequentemente, na democracia.
35
um lado ajudou a desarticular os movimentos, e, por outro, obrigou-os (tanto ao
governo, quanto aos movimentos) a aprofundar e detalhar suas propostas,
diferenciando-as. Duas destas bandeiras so a educao e as polticas pblicas de
emprego, cuja problemtica ser aprofundada nos itens 2.3 e 2.5, respectivamente.
Por outro lado, trata-se de travar o confronto no campo inimigo, ou seja, na
esfera do Estado, o que no pode se dar de maneira tradicional, nem est isento de
tenso19. Ora, exatamente onde estas mudanas se apresentam com maior
profundidade e a tenso se mostra com maior fora na ao da Central nica dos
Trabalhadores - CUT (LIMA, 1999). Isto porque, a interveno nas polticas pblicas
(e a qualificao profissional uma delas) pressupe, como j foi afirmado, um
intenso dilogo com o Estado, e um grande problema para uma central sindical com
uma trajetria de autonomia frente ao Estado, assim como de confronto frente ao
patronato, no sentido de retrabalh-las para reafirmar de seu projeto poltico.
Estes elementos, somados s modificaes na esfera poltica e econmica20,
fragilidade das centrais sindicais e suas entidade filiadas21 e sobrevivncia do
modelo corporativista de organizao sindical22, tm enfraquecido o poder de fogo
do sindicalismo brasileiro. Tal debilidade estaria motivando uma mudana acentuada
nos padres de atuao do movimento sindical na virada da dcada de 90,
particularmente naquelas organizaes que balizavam sua ao em mobilizaes
massivas, cuja meta era a conquista de acordos coletivos vantajosos. Tambm
parece evidente que as estratgias sindicais de ao coletiva tm se mostrado
pouco eficazes no contexto da reestruturao produtiva, principalmente com as
19
Comin (1994) acentua o reforo do carter negocial da representao sindical e, consequentemente, para a valorizao dos espaos institucionais de representao de interesses. Guimares, (1994) assinala, entretanto, ao analisar a experincia das cmaras setoriais, que tais mudanas, da atitude de conflito para o de confronto propositivo ... no significa uma guinada de direo, mas um avano sobre uma estratgia em vigor. 20
Estas modificaes podem ser caracterizadas (cf. COMIN,1994 e NORONHA,1994): pela legitimao do
ncleo central do poder pblico; pelo agravamento da crise econmica, combinado com privatizaes e abertura
comercial, alm da revitalizao da concorrncia no seio do prprio movimento sindical, com o surgimento da
Fora Sindical. 21
Tambm tem se tornado senso comum na literatura brasileira a constatao da contradio entre crescimento
do movimento sindical nos anos 70 e 80 (expresso particularmente no surgimento e evoluo das centrais
sindicais) e sua fragilidade organizativa. Tal contradio explicada por uns como resultado da permanncia,
inclume, do modelo fascista de organizao sindical (BOITO JR,1991), por outros pelo afastamento de um
projeto popular, anticapitalista e socialista (ANTUNES,1995) e ainda por alguns que tentam relativizar os
avanos, recuos e debilidades do movimento sindical sob uma tica mais abrangente, algumas vezes
obscurecidas por simpatias ou
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