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Anais do II Simpsio de Violo da Embap, 2008
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Anlise retrico-musical das rias Flow my tearse Come,heavy sleep, de John Dowland (1563-1626)1
Haroldo Roger Benghi Burmester2
Resumo: O presente trabalho se prope a investigar a possvel existncia de figurasretrico-musicais nas rias Come, heavy Sleep, e Flow my tears, do compositor JohnDowland (1563-1626), editadas respectivamente nos seus The First Booke of Songesor Ayres(1597) e The Second Booke of Songs or Ayres(1600). O objetivo verificarde que forma estas figuras ressaltam o afeto contido em determinados trechos dotexto das canes. O reconhecimento destes artifcios retricos trar subsdios para
uma performance que privilegie a persuaso e o mover dos afetos do ouvinte.
Palavras chave: Retrica; rias; John Dowland;Prticas Interpretativas
O COMPOSITOR
John Dowland foi um dos mais importantes compositores que a Gr-
Bretanha produziu durante o sculo XVII, e foi um dos poucos cuja famaextrapolou as fronteiras do seu territrio de origem. Provavelmente ingls,
nasceu em 1563 e veio a falecer em Londres em 1626.
Apesar de sua fama como compositor, cantor e alaudista, teve seu
primeiro emprego na corte inglesa apenas em 1612 no reinado de James I
(1566-1625). Aps tentar sem sucesso um cargo na corte da rainha Elizabeth I
(1533-1603), em 1594, partiu para uma longa viagem que o levou para vrios
pases europeus, entre eles, Itlia, onde esteve em Roma com o intuito de teraulas com o madrigalista Luca Marenzio (1553? 1599). Serviu como msico
da corte na Dinamarca, para o Rei Christiano IV (1577-1648), entre 1598 e
1606, quando retornou para a Inglaterra.
O prprio Dowland acreditava que seu insucesso na conquista de um
cargo na corte elisabetana se devia ao fato de que, durante seu perodo em
Paris, ter se convertido ao catolicismo, tendo em vista a condio protestante
1 Trabalho apresentado ao II Simpsio Acadmico de Violo da Embap, de 6 a 11 de outubro de 2008.2 Graduado pelo curso Superior de Instrumento (violo clssico) pela Embap, mestrando pela UFPR.
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da corte inglesa. Entretanto, sua converso no foi de conhecimento pblico e
a condio catlica no era impedimento para contratao de msicos na
corte.
A obra de Dowland foi bastante difundida em todo o continente europeu
em sua poca, considerando as fontes tanto impressas quanto manuscritas
existentes. Na carta ao leitor, do seu ltimo livro de canes para alade, A
Pilgrime Solace, de 1612, Dowland nos informa que ... de alguma parte meu
pobre trabalho encontrou favorecimento nas melhores partes da Europa, e foi
publicado em oito mais famosas cidades alm-mar: Paris, Anturpia, Colnia,
Nurembergue, Frankfurt, Leipzig, Amsterdam e Hamburgo....3
Provavelmente Dowland se referia em boa parte msica para alade
solo, particularmente nas publicaes de Antoine Francisque, Trsor DOrphe
(Paris, 1600) e de Jean-Baptiste Besard, Thesaurus Harmonicus (Colnia,
1603).4
Vale lembrar que ainda persiste a incerteza, em alguns casos, da real
autoria de algumas obras para alade solo atribudas a John Dowland, pois
este no chegou a publicar o seu greater Worke, touching the Art of Lute-
playing5, mencionado no prefcio da antologia publicada por seu filho Robert
Dowland, Varietie of Lute-Lessons(Londres, 1610).
A RIA
A ria um estilo de cano que esteve muito em voga tanto na
Inglaterra quanto na Frana, nesta poca. Sem dvida, com sua edio de
1597, John Dowland iniciou o movimento na Inglaterra e foi um dos seusmaiores expoentes. A poesia geralmente era estrfica e o acompanhamento
poderia ser tanto uma leve textura homofnica quanto uma polifonia mais
elaborada, com alades ou violas da gamba.
3 Since some part my poore labours have found fauour in the greatest part of Europes, and have beeneprinted in eight most famous Cities beyound the Seas. viz: Paris, Antwerpe, Collien [Cologne],Nurenburge, Franckfort, Leipzig, Amsterdam, and Hamburge...
4 TAYLER, David. The solo lute music of John Dowland. Dissertao, U.C. Berkeley, 1992.5 Maior obra, sobre a arte de tocar alade trad. livre. ODETTE, Paul e HOLMAN, Peter. John Dowland.
In:SADIE, Stanley (Ed.). New Grove Dictionary of Music and Musicians. London; Macmillian, 2001.
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A versatilidade era um ponto marcante neste tipo de cano, pois na
edio de Dowland de 1597, evidente a possibilidade de a performanceser
feita com uma voz acompanhada por alade ou consortinstrumental; o fato de
apresentar verso do acompanhamento instrumental rearranjada para trs
vozes pressupe a possvel realizao com quarteto vocal e acompanhamento
de alade ou consort instrumental - misto ou homogneo - ou existe ainda a
possibilidade de as partes das vozes contralto, tenor e baixo serem realizadas
por instrumentos.
AS FONTES RETRICAS INGLESAS
Embora a maioria das fontes relacionando msica e retrica tenham sido
elaboradas por tericos alemes, no podemos esquecer que esta forte
relao entre potica e msica era comum em toda a Europa, e bastante
comum na Inglaterra no incio do sc. XVII. As fontes inglesas que ligam
elementos retricos e msica no aparecem em tratados de msica e sim, em
vrias fontes no musicais. Provavelmente isto explique a falta de
conhecimento, com poucas excees, destas fontes por parte dos
musiclogos.
Um nome a ser referido o de Henry Peacham the elder, que em sua
primeira edio do The Garden of Eloquence (1577), faz aluso no prprio
ttulo a um dos cinco ramos da retrica, o da eloqncia. Na edio expandida,
de 1593, Peacham apresenta cerca de 140 figuras retricas, dentre elas
symploce, epizeuxis, traductio e articulus, relacionando-as com vrias outras
artes, inclusive com as marciais. At onde se sabe, esta a mais antiga fonte
Inglesa ligando msica e retrica.Outro nome a ser destacado o do filho homnimo de Henry Peacham.
Henry Peacham the younger publicou sua primeira edio do The
Compleat Gentlemanem 1622, que teve reedies em 1626 e 1627. Peacham
the younger tinha como amigos vrios compositores ingleses, dentre eles o
prprio John Dowland. Em seu livro, mostra que tinha conhecimento do que
ocorria musicalmente no s na Inglaterra, mas tambm em outros pases do
continente europeu, pelos quais viajou entre 1613 e 1614. De forma bastante
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significante, inicia sua discusso sobre msica com as palavras Music, a sister
to Poetrye mais para frente afirma:
Sim, na minha opinio, nenhuma retrica persuade melhor outem maior poder sobre a mente do que a msica; No teria amsica, figuras, as mesmas que a retrica? O que a retrogradao, mas sua antstrofe? Suas reafirmaes, mas docesanforas? Suas transposies de pontos, antimetboles? Suasrias de afeto, mas prosopopias? Com infinitas outras damesma natureza. 6
Peacham the younger discute figuras como antistrophe(hypallage),
anaphora, antimetabole(commutatio) entre outras.
O filsofo Francis Bacon tambm fonte importante para este tipo deestudo, pois na seo que trata de musica em seu trabalho enciclopdico Sylva
Sylvarumde 1626, faz referncia a procedimentos composicionais aplicados
msica. Bacon traa um interessante paralelo entre a cadncia evasiva e a
figura retrica praeter expectatum, principalmente pelo efeito psicolgico desta
figura no ouvinte.
A ltima fonte a ser considerada o tratado de Charles Butler, The
Principles of Music, de 1636, no qual faz referncias a figuras como clmax,
syncopee fugae tambm ao dispositio, ao qual apresenta uma diviso tripartite
constituda de entrance, progresse close.
Um tema interessante no estudo da retrica aplicada msica, e muito
pouco abordado e experimentado o gesto como auxlio na explicitao dos
afetos contidos no texto potico-musical. Na Inglaterra Elisabetana, as crianas
aprendiam na escola alm de outras disciplinas, potica e retrica. Portanto
estavam hbeis a reconhecer cada figura, cada tropo, tanto em palavras como
em sentenas, e tambm aprendiam a pronncia retrica e gestual que cabia
para cada palavra, figura ou afeto. Era a prosopopeia que estes garotos
usavam para imitar e reconhecer as paixes humanas. A importncia desta
abordagem para cantores foi afirmada em 1600 por Emilio de Cavalieri:
6Yea, in my opinion no rhetoric more persuadeth or hath grater power over the mind [than music]; nay,hath not music the figures, the same with rhetoric? What is revert but her antistrophe? Her reports, butsweet anaphoras? Her counterchange of points, antimetaboles? Her passionate airs, but prosopopeias?
with infinite other of the same nature. BUTLER, Gergory G. Music and Rhetoric in Early Seventheenth-Century English Sources. The Musical Quarterly, Vol. 66, n.1, p 53-64, jan/1980.
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Que tenha o cantor uma bela voz com boa entoao, e bemsuportada, e que cante com expresso, suave e forte, e semescalas rpidas; em particular ele deve expressar bem aspalavras, de tal forma a serem bem entendidas, eacompanhando com gestos e movimentos, no apenas dasmos, mas outros gestos que so meios eficazes para moveros afetos.7
Entre os tericos da retrica, os que mais descreveram as figuras
retricas, as partes do discurso retrico e sua funo vinculada composio
musical, foram os alemes.
Estes tericos aparentemente no entraram em acordo a respeito do uso dos
termos ou nomes das figuras retricas, e como conseqncia disso em alguns
casos, o mesmo termo utilizado para definir uma determinada figura muitas
vezes pressupe um especial cuidado na sua aplicao, devido a esta
desconformidade.8
Podemos citar como alguns dos principais tericos e suas respectivas
obras:
Joachim Burmeister, Musica poetica, (Rostok, 1606);
Johannes Lippius, Synopsis musicae, (Strasbourgo, 1612);
Johannes Nucius, Musices practicae, (Neisse, 1613);
Joachim Thuringus, Opusculum bipartitum, (Berlim, 1624);
J. A. Herbst, Musica moderna prattica, (Frankfurt, 1653);
Athanasius Kircher, Musurgia universalis, (Roma, 1650);
Christoph Bernhard, Tractatus compositionis augmentatus(1660?);
Mauritius Johann Vogt, Conclave thesauri artis musicae(Praga, 1719)
Johannes Mathesson, Der vollkommene Kapellmeister, (Hamburgo,
1739).
7Let the singer have a beautiful voice with good intonation, and well supported, and let him sing withexpression, soft and loud, and without passagework; and in particular he should express the words well,so that they may be understood, and accompany them with gestures and movements, not only of thehands but of other gestures that are efficacious aids in moving the affections. TOFT, Robert. Musicke aSister to Poetrie: Rhetorical Artifice in the Passionate Airs of John Dowland.. Early Music, vol. 12, n.2, p.
190-197+199 , mai/1984.8BUELOW, George J. Rhetoric in:SADIE, Stanley (Ed.). New Grove Dictionary of Music and Musicians.London; Macmillian, 2001. p. 262-275.
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Neste trabalho, usaremos as definies e nomenclaturas para as figuras
retricas sugeridas por diversos tericos, citando o autor e a definio da
figura, quando necessrio.
A edio usada para fins de anlise (anexo I e II) a editada por
Edmund Fellowes, revisada por Thurnston Dart e publicada pela editora
Stainer&Bell (Londres, 1965).
Flow my tears O texto
Flow, my tears
Flow, my tears, fall from your springs!Exiled for ever, let me mourn;
Where night's black bird her sad infamy sings,
There let me live forlorn.
Down vain lights, shine you no more!
No nights are dark enough for those
That in despair their lost fortunes deplore.
Light doth but shame disclose.
Never may my woes be relieved,
Since pity is fled;
And tears and sighs and groans my weary days
Of all joys have deprived.
From the highest spire of contentment
My fortune is thrown;
And fear, and grief, and pain for my deserts,
Are my hopes, since hope is gone.
Hark you shadows that in darkness dwell,
Learn to contemn light,
Happy, happy they that in hell
feel not the world's despite.
Fluam, minhas lgrimas
Escorram, minhas lgrimas, caiam de suas fontes!Exilado para sempre, deixe-me lamentar (ficar de luto);
Onde o pssaro negro da noite sua triste desonra canta,
L me deixe viver abandonado.
No mais vs luzes sobre ti cairo!
As noites no so escuras o bastante para aqueles que,
em desespero, seus destinos perdidos lamentam.
A luz somente revela a vergonha.
Nunca mais meus sofrimentos sero aliviados, pois a
compaixo se foi;
E lgrimas, e suspiros e gemidos, meus dias tristes
De toda a alegria privaram.
Do mais alto espiral do meu contentamento,
Minha sorte lanada;
E medo, e sofrimento, e dor como punio,So minhas esperanas, desde que a esperana se foi.
Ouam vocs sombras, que na escurido habitam,
Aprendam a menosprezar a luz,
Felizes, felizes os que no inferno no sentem o desprezo
do mundo.
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A ria Flow my tearspossui poesia de cinco estrofes e constitui-se de
uma Pavana vocal, portanto uma dana lenta. O terico da retrica musical,
Athanasius Kirscher em 1650 estabelece relao entre elementos musicais e
afetos, e informa que afetos como compaixo (pity) e lamento ou Lachrimae
possuem caractersticas como tempo lento, o uso de semitons e intervalos
irregulares, suspenses e harmonias dissonantes, o que confere perfeitamente
com o observado na presente anlise. A obra apresenta em sua temtica
literria um tpico elemento de oposio, caracterstico do homem barroco: luz
e sombra. O terico Ingls Peacham the younger faz um paralelo das rias
deste perodo com a figura retrica da prosopopeia. Prosopopeia um tipo de
personificao vvida na qual os pensamentos e sentimentos de um sujeito
fictcio ou ausente so apresentados de uma forma to convincente que os
ouvintes so levados a crer que esta pessoa est presente na pessoa do
orador, cantor.
A ria, em L Menor, dividida em trs sees claramente demarcadas
por cadncias, a saber: compassos 1-7, movimento final V-I; compassos 8-15,
movimento III-V; compassos 16-21, movimento V-I.
Estas sees, suas cadncias e repeties, e tambm o texto, delimitam
a forma AABBC(C). interessante notar que, para a seo C, o autor
apresenta apenas um texto, nos levando a crer que esta ltima seo no seria
repetida necessariamente. O tema desta ria tambm conhecido como
Lachrimae Pavan, em sua forma instrumental, para alade solo, consort de
violas ou consortmisto. O autor da poesia desconhecido, entretanto, como
era muito comum nesta poca, muitos alaudistas eram tambm poetas (como o
caso de Thomas Campion), bem provvel que este poema seja do prprio
compositor9. Podemos especular sobre a temtica de esta ria ser reflexo dasituao de John Dowland, morando na Dinamarca, exilado da sua terra
natal.
O esquema retrico global da obra se enquadra no proposto por Joaquim
Burmeister (Musica poetica, 1606) e Gallus Dessler (Preacepta Musicae
Peticae, 1563), sendo subdividido como exordium, medium e finis. Observamos
9 MANNING, Rosemary J. Lachrymae: A Study of Dowland. Music & Letters, Vol. 25, n.1, p 45-53,jan/1944.
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um exordiumdo tipo principium, pois o afeto apresentado de forma direta, e
no insinuado aos poucos.
Compassos 1 a 7:
A pavana inicia-se com uma catabasis10 de mbito de 4 justa,
desenhando a figura da lgrima caindo, onde acompanha o texto caiam
minhas lgrimas, caracterizando o que se entende por word painting ou
madrigalismo. Esta idia seria derivada do conceito aristotlico de mimesis,
com o intuito de criar densidade psicolgica s palavras.11Este intervalo de 4
descendente, conforme tericos da retrica, possui carter triste,
desconsolado. Este tipo de madrigalismo, ou word painting, faz parte de uma
classe de figuras retricas chamada de hypotiposis12, onde o foco a
representao pictrica de uma idia musical.
Segundo Silvana Scarinci, em uma abordagem numerolgica, familiar
ao perodo, o nmero quatro simbolizava diversas coisas: quatro estaes,
quatro elementos, quatro humores, etc. Dizia-se que a quarta tambm
expressava a condio terrena do homem, sua condio incerta, frgil. 13
Logo aps, um saltus duriusculus14ascendente de 6 menor (lamentoso)
destaca a palavra fall, cuja nota que a acompanha em figura de semibreve,
a nota mais longa deste compasso. Este saltus duriusculusanuncia o incio da
segunda catabasis, ainda dentro do compasso 1, agora num mbito de 4
diminuta, acompanhado pelo texto fall from your springs, desenhando
novamente a idia proposta na poesia. O acompanhamento possui textura
polifnica, na tonalidade de L Menor, que, conforme Mathesson, possui
carter calmo, e conforme Charpentier, lamentoso.No compasso 2, inicia-se a segunda frase da poesia: Exilado para
sempre, deixe me ficar de luto lamentar. Um salto descendente de 4 justa
10Catabasis: Descrita por Kircher, como passagem descendente, melodicamente ou em sequnciasharmnicas, representando sofrimento, tristeza ou a condio terrena do homem.
11 SCARINCI, Silvana. Elementos para interpretao da obra de John Dowland para alade. 1998. 207p.Dissertao (Mestrado em artes) UNICAMP, 1998.
12Hypotiposis:Conforme Burmeister, uma larga classe de figuras retrico-musicais, todas servindo parailustrar palavras ou idias poticas e freqentemente ressaltando a natureza pictrica das palavras. Otermo retrico mais apropriado do que os comuns word paintingou Madrigalismo.
13 SCARINCI, Silvana. Elementos para interpretao da obra de John Dowland para alade. 1998. 207p.Dissertao (Mestrado em artes) UNICAMP, 1998.14Saltus duriusculus: Segundo Bernhard, caracterizado por um salto meldico dissonante.
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sobre a palavra exilado d o carter triste, desconsolado, demonstrado pelo
compositor. Concomitantemente a esta 4 justa descendente na voz, no
acompanhamento ocorre um transgressio15, ou seja, a voz do soprano, no
acompanhamento, cruza temporariamente a voz da melodia. No compasso 3,
uma catabasisde mbito de 5 diminuta como notas de passagem na voz do
tenor no acompanhamento, forma dissonncias de 7 menor e 4 aumentada
com a voz do baixo, que enfatiza o carter dolente desta frase, atingindo a
palavra mourn(lamentar-se, estar de luto), cadenciando sobre o acorde de Mi
Maior(c.3). A tonalidade de Mi Maior considerada por Mathesson como uma
tonalidade que caracteriza tristeza fatal, completamente condizente com o
afeto proposto pelo compositor.
O compasso 4 apresenta epizeuxis16 de elemento meldico de 3 menor
descendente em mnimas, salienta o texto onde o pssaro negro da noite.
Estes epizeuxis, observados como um todo neste compasso, formam uma
catabasis de mbito de 4 diminuta. Observa-se a figura de parrhesia17 no
compasso 4, entre o sol no canto e o sol no baixo do acompanhamento. No
compasso 5, um salto semplice18 de 3 menor, forma uma syncopena silaba
in, e uma catabasisde 4 diminuta conclui a frase infamy sings, cadenciando
suspensivamente em Mi Maior. Mais uma parrhesiaaparece, entre o sol na
voz cantada no compasso 5 e o soldo soprano no acompanhamento.
No compasso 6 comea o movimento meldico conclusivo da primeira
estrofe, onde a catabasisde mbito de 5 diminuta como notas de passagem
na voz do tenor forma dissonncias de 7 menor e 4 aumentada com a voz do
baixo. Podemos classificar esta cadncia como cadentiae duriusculae19,
auxiliando a caracterizao do afeto de melancolia e dor exigido pela frase lme deixe viver abandonado, que cadencia em L Maior, com tera de picardia,
no compasso 7.
15Metabasis ou Transgressio: Segundo Vogt, representado pelo cruzamento de vozes.
16Epizeuxis:Para Mathesson, se caracteriza pela repetio imediata de um fragmento musical dentro damesma unidade. Segundo Henry Peacham (1593), seria a repetio veemente de uma palavra, o quegera tenso impactante no ouvinte.
17Parrhesia:segundo Kircher, uma falsa relao, uma forte dissonncia ou trtono.18Salto semplice:salto consonante.19Cadentiae duriusculae:Conforme Bernhard, so as dissonncias fortes e incomuns que ocorrem das
notas finais de uma cadncia.
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A seo central da obra inicia-se no compasso 8, na tonalidade de D
Maior. Nesta seo, iniciada pelo texto nunca mais meus sofrimentos sero
aliviados, pois a compaixo se foi, observamos uma preponderncia no mbito
meldico de 4 justa descendente, que reforam o carter doloroso desta
primeira frase. Ainda como forma de enfatizar a tristeza contida no texto,
observamos duas catabasis, a primeira no compasso 8, e a segunda do
compasso 9 para 10, e tambm uma metabasis/transgressioque ocorre entre a
voz do soprano no acompanhamento em relao com a voz da melodia
cantada, no compasso 10, sobre a palavra fled.
nos compassos 11 e 12 que ocorrem as figuras de maior interesse
persuasivo nesta obra, caracterizado por uma complexa sucesso, em
anabasis20, de anaphoras21, epizeuxis, suspiratios22 epolyptoton23entre a voz
cantada e as vozes do acompanhamento, que ressaltam e geram tenso,
sublinhando o texto e lgrimas, e suspiros e gemidos. Em seguida, o texto
meus dias tristes expandido em relao poesia (epizeuxis literria),
procedimento muito comum nas rias de Dowland, cujo interesse reside em
enfatizar o texto por meio da sua repetio (comp. 12 e 13). Entre a voz
cantada e o baixo do acompanhamento, observamos a ocorrncia da figura de
repetio polyptoton, entre a voz cantada e a voz do baixo no
acompanhamento. Esta seo encerra-se no compasso 15, na tonalidade de
Mi Maior.
A terceira e ltima seo desta ria se inicia no compasso 16, ainda na
tonalidade de Mi Maior, mas agora com uma textura mais homofnica, de notas
mais longas, que acompanham o texto Ouam, vs sombras que na escurido
habitam....
Na anacruse do compasso 18 para 19, percebe-se a interveno doalade solo apresentando motivo na voz do contralto, a ser repetido pelo baixo
em forma de polyptoton, mas com pequena expanso na figura rtmica.
20Anabasis: Descrito por Kircher, Bernhard e Vogt como uma passagem ascendente, melodicamente ouem sequncias harmnicas, representando triunfo, felicidade, misericrdia ou clemncia.
21Anaphora(Kircher) ou Repetitio(Nucius): A repetio de uma afirmao meldica em notas diferentesem partes diferentes. Thuringus, por sua vez, limita este conceito repetio meldica na voz do baixo,apenas.
22Suspiratio:Para Kircher, caracterizado pela quebra de uma melodia por pausas para ilustrar o texto,geralmente acompanhado por motivos musicais repetidos. Possui efeito afetivo semelhante ao suspiro.
Na pena do prprio Kircher, expressam afetos de uma alma penosa e sofredora.23Polyptoton:Segundo Vogt, se caracteriza pela repetio de uma idia meldica em registro diferente,ou parte diferente.
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Esta primeira semifrase concluda com o texto ... aqueles que no
inferno... representada melodicamente com a figura de uma catabasis de
mbito de 4 diminuta. Neste contexto, a catabasisfunciona como uma figura
da classe das hypotiposis, pois descreve inclusive graficamente, a direo do
inferno. Esta direo reforada pela catabasisque ocorre paralelamente no
acompanhamento, na voz do baixo. A ltima semifrase, no compasso 20,
apresenta um anticipatio24na nota fundamental da tnica da ria, preparando a
cadncia final em L Maior, com tera de picardia.
24Anticipatio notae: Antecipao, geralmente associado com sentimento de ansiedade.
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Come, heavy sleep O texto
Come, Heavy Sleep
1
Come, heavy Sleep the image of true Death;
And close up these my weary weeping eyes:Whose spring of tears doth stop my vital breath,
And tears my heart with Sorrow's sigh-swoll'n cries:
Come and possess my tired thought-worn soul,
That living dies, till thou on me be stole.
2
Come shadow of my end, and shape of rest,Allied to Death, child to (his) black-fac'd Night:
Come thou and charm these rebels in my breast,
Whose waking fancies do my mind affright.
O come sweet Sleep; come or I die for ever:
Come ere my last sleep comes, or come never.
Venha, sono profundo
1
Venha sono profundo, a imagem da real morte;
E feche esses meus olhos cansados de chorar:
Cuja fonte de lgrimas pra meu sopro vital,
E dilacera meu corao com gemidos e suspiros de
tristeza:
Venha e possua minha alma cansada de tanto pensar,
Que vivendo morre, at que venhas e me roubes o sono.
2
Venha, sombra do meu fim, e forma de descanso,Aliado morte, filha da noite escura:
Venha tu e encante estes rebeldes em meu peito, cujas
vs imaginaes me amedrontam.
venha, doce sono; venha ou eu morro para sempre:
Venha antes do meu ltimo sono ou no venha nunca.
A ria Come, heavy sleep, conforme descrio de Peacham, tambm
possui carter de prosopopeia. A poesia possui duas estrofes a serem
cantadas sobre o mesmo texto musical. A temtica da poesia informa que a
morte e o sono aliviam a dor. A tonalidade Sol Maior, que conforme
Rousseau tem carter de ternura e para Mattheson, persuasivo, srio e jovial.
O que torna a obra com este carter de tristeza e ternura, apesar da tonalidade
maior, pode ser melhor compreendido com a observao de Athanasius
Kirscher sobre o carter de compaixo e lamento e o andamento lento, que
confere obra tal caracterstica. Estas podem ser bem aplicadas neste
exemplo, bem como o uso de semitons e intervalos irregulares, suspenses e
harmonias dissonantes.25
So observadas claramente duas grandes sees, sendo que a primeira
gira tonalmente entre Sol Maiore L Menor (cc. 1 a 8). A segunda seo se
inicia em Si Maior e concluda em Sol Maior (c. 9 a 14). Estas sees
25 Ver pgina 6.
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determinam a forma ABB da ria. As figuras retricas mais interessantes se
encontram na seo B.
O esquema retrico global da obra tambm se enquadra no proposto por
Joaquim Burmeister (Musica poetica, 1606) e Gallus Dessler (Preacepta
musicae peticae, 1563), sendo subdividido como exordium, medium e finis.
Observamos um exordiumdo tipo principium, pois o afeto apresentado
de forma direta.
Compassos 1 a 5:
A melodia da voz, que lembra uma cano de ninar, se inicia com
movimento meldico de 3 menor ascendente em figuras de semibreve, e logo
um movimento de 4 justa descendente prepara a concluso da idia principal,
atingindo a nota da tnica. Estas figuras rtmicas lentas chamam ateno para
o texto venha sono profundo. O acompanhamento apresenta catabasisna voz
do contralto, at que o baixo atinge o V grau e a cadncia V4-3 com 7 conclui a
primeira idia na tnica.
No compasso 2, na tonalidade de D Maior, o baixo no
acompanhamento apresenta movimento de anabasis, em oposio melodia
que apresenta uma breve catabasis em figuras de semnimas, seguida de
anabasis em mnimas, at concluir a idia meldica atingindo a nota r, no
compasso 3, primeiro tempo, na tonalidade da dominante. O texto e feche
esses meus olhos cansados de chorar expresso com uma melodia que
privilegia notas longas em suspenso, syncopes, anabasise catabasis. Este
trecho possui acompanhamento na tonalidade de Sol Maior, cadenciando
suspensivamente no compasso 5 em R Maior.
Compassos 5 a 8:
Na tonalidade de L Menor, o texto cuja fonte de lgrimas pra o meu
sopro vital expresso por uma melodia que comea com uma catabasisde
mbito de 4 justa, seguido por anabasis de 5 justa, cuja ultima nota
suspensa, salientando a palavra vital. Este texto concludo com movimento
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meldico de catabasis de 3 menor, cujo carter de ternura. Este texto
cadenciado no compasso 7 em Mi Maior, com carter suspensivo.
No compasso 8 e na tonalidade agora de Sol Maior, o texto e dilacera
meu corao apresenta um motivo meldico que ser desenvolvido mais
tarde, esse motivo uma anabasisde mbito de 5 justa. Em contrapartida, o
alade apresenta tambm um motivo a ser desenvolvido posteriormente, mas
em movimento de catabasisde 5 justa, em figuras rtmicas menores. Iniciado
com passus duriusculus, o texto com gemidos e suspiros de tristeza conclui
esta afirmao onde o acompanhamento usa o V grau de Sol Maior, com
movimento V4-3 e 7., concluindo em Sol Maior.
Compassos 9 a 14:
Uma mudana inesperada, tanto na tonalidade quanto na textura,
anuncia a segunda seo. O texto venha e possua minha alma cansada de
tanto pensar, possui um carter suplicante, desesperado, cuja tonalidade de Si
Maior confirma tal sentimento.26 Agora a textura homofnica em
contraposio aos compassos anteriores, onde a textura era claramente
polifnica. Este contraste, cujo intuito chamar a ateno para o sentimento
contido no texto, pode ser melhor explicado com a figura do antitheton.27
Notamos tambm que existe uma concordncia rtmica entre a melodia na voz
e o acompanhamento do alade que proporciona a textura homofnica,
caracterizando o consentus, ou seja, a combinao vertical de notas soando
juntas.
Nos compassos 11 e 12, o compositor usa novamente o persuasivo
artifcio da expanso da estrutura bsica do texto atravs da figura de epizeuxisliterrias e musicais, repetindo o texto que vivendo se morre. Tal
procedimento ajuda a tornar mais elcito para o ouvinte o estado mental
associado a certa palavra ou frase. O motivo meldico em epizeuxis neste
texto o mesmo apresentando na primeira metade do compasso 8. O
acompanhamento tambm usa o motivo de catabasis apresentado no
26Mathesson caracteriza a tonalidade de Si Maior como desesperada.27Antitheton:segundo Kircher e Vogt, a expresso de idias contrrias ou opostas por meio deelementos musicais contrastantes que ocorrem simultnea ou sucessivamente.
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compasso 8, mas agora usa a figura da epizeuxis, repetindo o motivo em
distncias de 4 justa, at cadenciar em Mi Maior, no compasso 12. Desta
forma, A anttese contida no texto que vivendo se morre pode tambm ser
representada pelo movimento meldico contrrio (Moto contrario) entre o
motivo no canto e o motivo do acompanhamento. A soma destes fatores,
epizeuxis literrias e musicais com movimento contrrio, gera tenso,
promovendo um forte poder persuasivo e afetivo neste momento.
O texto ... at que venhas e me roubes o sono representado
melodicamente com um salto semplice de 4 justa em forma de anacruse,
salientando a figura da semibreve em suspenso, cadenciando no compasso
14 na tonalidade de sol maior com melodia de mbito de 2 maior. O
acompanhamento continua a epizeuxisdo motivo de catabasisrealizado pelo
baixo, e cadncia sobre V4-3 e 7 sobre Sol Maior.
CONCLUSO
Como podemos observar, Dowland era um conhecedor de artifcios que
pudessem dar a sua obra um maior poder afetivo. No se trata apenas de
conhecer os artifcios, mas sim de saber us-los de forma eficaz, e neste ponto,
o compositor demonstra perfeito domnio da combinao texto/msica. O
reconhecimento das figuras retricas associadas inteno potica do texto
por parte dos intrpretes deve trazer performance subsdios para uma maior
clareza e coerncia no discurso musical.
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transgressio
catabasis
Hypotiposis="word painting"
epizeuxis epizeuxis
catabasis
parrhesia
parrhesia anticipatio
4 justa
catabasis
cadentiae duriusculae
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transgressioepizeuxis epizeuxis
epizeuxis
epizeuxis literriae musical
anabasis
epizeuxis epizeuxis
epizeuxis epizeuxis
suspiratiosuspiratio suspiratio
polyptotonpolyptoton
polyptoton
anaphora anaphora
polyptoton
anticipatio
polyptoton
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epizeuxis epizeuxis
catabasis - hypotiposis anticipatio
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syncope
syncope
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Antitheton: homofonia, contraste de textura com sees imediatamente anterior e posteriorepizeuxis literria e musical
epizeuxis literria e musical
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movimento contrrio
movimento contrrio
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