View
221
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL
Disciplina: Seminários Aplicados
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS, PERDA DE BIODIVERSIDADE E
SEUS IMPACTOS NA LEPTOSPIROSE HUMANA
Taiã Mairon Peixoto Ribeiro
Orientador (a): Prof. Dr. Valéria de Sá Jayme
GOIÂNIA
2013
TAIÃ MAIRON PEIXOTO RIBEIRO
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS, PERDA DE BIODIVERSIDADE E
SEUS IMPACTOS NA LEPTOSPIROSE HUMANA
Seminário apresentado à disciplina de
Seminários Aplicados do Programa de Pós-
Graduação em Ciência Animal da Escola de
Veterinária e Zootecnia da Universidade
Federal de Goiás
Nível: Mestrado
Área de Concentração:
Sanidade Animal, Higiene e Tecnologia de
Alimentos
Linha de Pesquisa:
Etiopatogenia, epidemiologia, diagnóstico e
controle das doenças infecciosas dos animais
Orientadora:
Prof. Dr. Valéria de Sá Jayme – EVZ/UFG
Comitê de Orientação:
Prof. Dr. Maria Clorinda Soares Fioravanti - EVZ/UFG
Prof. Dr. Guido Fontgalland Coelho Linhares – EVZ/UFG
GOIÂNIA
2013
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO............................................................................................... 01
2. REVISÃO DA LITERATURA......................................................................... 02
2.1 Etiologia e epidemiologia.......................................................................... 02
2.2 Alterações climáticas................................................................................. 06
2.2.1 Tendências dos efeitos do aquecimento mundial..................................... 09
2.2.2. Mudanças climáticas e epidemiologia da leptospirose no Brasil.............. 10
2.3 Perda da biodiversidade e impactos na epidemiologia da
leptospirose...................................................................................................... 11
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 14
4. REFERÊNCIAS.............................................................................................. 15
1
1. INTRODUÇÃO
A leptospirose é uma zoonose cosmopolita que infecta um número
variado de hospedeiros e seu comportamento epidemiológico é determinado
principalmente pelos fatores ambientais que por sua vez estão relacionados com
os aspectos epidemiológicos de seus sorovares. Portanto, são de suma
importância estudos em ecologia do processo saúde-doença da leptospirose, seja
na população humana, seja na população de outros animais.
De acordo com CAMPONOGARA et al. (2008), a abordagem do contexto
saúde-ecologia tem sido estimulada por proporcionar ferramentas de intervenção
no processo saúde doença. A ecologia das doenças baseia-se no estudo do
comportamento da relação patógeno-hospedeiro em seus diversos ambientes,
sendo, portanto, resultado da interação entre patógeno e hospedeiro (entre duas
ou mais espécies) (KARESH et al., 2012). A ecologia é dependente do ambiente
em que as espécies vivem, podendo ser modificada pelas alterações climáticas. O
desenvolvimento de estudos nesta temática é uma condição fundamental para a
melhoria da qualidade de vida da humanidade (CAMPONOGARA et al., 2008)
No contexto atual a leptospirose por ser uma antropozoonose de
distribuição mundial será afetada por alterações advindas da atividade humana
modificadora da natureza. As ações antrópicas causam fenômenos de alteração
climática (inundações e tempestades) e perda de biodiversidade, que são dois
impactos ambientais negativos relacionados com o aumento da incidência da
leptospirose (BARCELLOS & SABROZA, 2001; BRASIL, 2008). Todos os efeitos
antrópicos significam que o desenvolvimento insustentável globalizou-se, pois ao
generalizar e expandir métodos e práticas de desenvolvimento com bases que
não poderão ser perpetuadas amplia-se o risco da insustentabilidade (ROSA,
2011).
O impacto da leptospirose devido às alterações climáticas poderá ser
observado pelo incremento no aumento da doença em regiões que são afetadas
pelos efeitos do aquecimento global, principalmente naquelas regiões onde o
aumento das chuvas será maior ou naquelas cidades com menor nível do que o
do mar, pela sua característica inerente da associação desta enfermidade com as
condições pluviométricas (BRASIL, 2008). Já a perda de biodiversidade afeta os
2
efeitos ecológicos de biorregulação sobre a leptospirose (efeito diluitivo e/ou a
regulação de populações de ratos) (DERNE et al., 2011).
Considerando a relevância sanitária da zoonose, objetivou-se realizar
uma revisão sobre o tema, enfocando-se aspectos de maior relevância sobre as
alterações climáticas e a perda da biodiversidade e os efeitos que poderão
repercutir na epidemiologia da leptospirose humana.
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Etiologia e epidemiologia
A Leptospira spp., agente etiológico da leptospirose, é uma espiroqueta
aeróbica, Gram-negativa, que constitui um microrganismo de comportamento
saprófito ou patogênico, podendo ser observado por microscopia de campo
escuro ou colorações específicas (LEVETT, 2001; LINHARES et al., 2005).
A sua incidência anual varia de 0,1 a 1 caso para 100.000 habitantes em
climas temperados e maior do que 10 casos para cada 100.000 habitantes em
regiões tropicais (PICARDEAU, 2013). A incidência de leptospirose tem forte
associação com períodos de alta pluviosidade (PLAN & DEAN, 2000), com
ocorrência mais elevada de casos humanos nos trópicos do que em regiões
temperadas, ressaltando-se, porém, que a transmissão ocorre tanto em países
industrializados como países em desenvolvimento (BHARTI et al., 2003).
O gênero Leptospira é dividido em três grupos (patogênicas,
intermediárias e saprófitas) com mais de 300 sorovares identificados. As espécies
patogênicas são L. interrogans, L. kirschneri, L. noguchii, L. borgpetersenii, L.
weilii, L. santarosai, L. alexanderi, L. alstonii, L. kmetyi e as intermediárias são L.
wolffii, L. licerasiae, L. inadai, L. fainei e L. broomii. As saprófitas são constituídas
por L. wolbachii, L. meyeri, L. biflexa, L. vanthielii, L. terpstrae e L. yanagawae. As
espécies intermediárias são assim chamadas por possuírem distinção das
espécies patogênicas e saprófitas de acordo com a sequência do RNA ribossomal
16S e porque sua virulência não está demonstrada experimentalmente
(PICARDEAU, 2013).
3
As fontes de infecção da leptospirose são animais sinantrópicos,
domésticos e silvestres que eliminam excreções urinárias na água ou alimento,
tornado este contaminado (Figura 1). A penetração ocorre pela solução de
continuidade na pele e mucosas de hospedeiros susceptíveis acidentais ou de
manutenção (REZENDE et al., 1997). No entanto, há relatos de penetração por
pele ou mucosa íntegra, preferencialmente umedecida (LEVETT, 2001).
FIGURA 1 – Cadeia epidemiológica da leptospirose.
Fonte: Adaptado de REZENDE et al. (1997).
O ser humano não constitui importância do ponto de vista epidemiológico
da leptospirose, porque não tem adaptação para com nenhum sorovar, embora
seja susceptível a contrair a doença pela exposição à urina de animais infectados.
Portanto, as ações primárias de prevenção e controle da leptospirose devem
inicialmente levar em conta quais sorovares estão envolvidos na infecção. Ao se
estabelecer quais sorovares constituem o desafio sanitário, determinam-se então
ações sanitárias direcionadas aos reservatórios animais, uma vez que estes são a
Leptospira spp.
Animais sinantrópicos, domésticos e
silvestres
Urina de reservatórios ou enfermos
Água e alimentos
contaminados
Pele e mucosas
Homem e outros
animais
4
fonte de infecção para seres humanos e para os outros animais. A prevalência
para os diferentes sorovares de leptospirose na população humana depende dos
reservatórios animais presentes (Tabela 1), bem como condições ambientais e
ocupações agropecuárias (BARTHI et al., 2003; FAINE et al., 2000; KO et al.,
2009).
TABELA 1 – Reservatórios adaptados e sorovares de Leptospira spp.
Reservatórios Adaptados Sorovares
Bovinos Hardjo
Suínos Pomona, Tarassovi
Equinos Bratislava
Caninos Canicola
Ovinos Hardjo
Ratos Icterohaemorrhagiae, Copenhageni
Morcegos Cynopteri, Wolffi
Marsupiais Grippotyphosa
FONTE: BHARTI et al., 2003.
Os fatores que aumentam a incidência da leptospirose são o crescimento
desordenado de comunidades, permanência em área de risco, como países
tropicais, expedições militares, aumento do índice pluviométrico, disponibilidade
de comida e abrigo para roedores, aquecimento global e urbanização (áreas com
condição socioeconômica deficiente) e falta de legislação (políticas públicas) na
vigilância, notificação e controle/prevenção (HARTSKEERL et a., 2011).
A distribuição geográfica da leptospirose é fortemente favorecida pelas
condições de ambiente em regiões tropicais e subtropicais, pois a alta
temperatura e os períodos do ano com elevados índices pluviométricos favorecem
a ocorrência de surtos sazonais. O controle da leptospirose deve intervir sobre um
ou mais elos da cadeia epidemiológica de modo que possa ser interrompida. A
5
interação homem-ambiente é complexa e os métodos de intervenção devem ser
continuamente aprimorados ou substituídos a medida que novos conhecimentos
são agregados a epidemiologia da leptospirose (PAULA, 2005).
Para que os fatores antrópicos reflitam com uma condição mínima na
saúde humana sugere-se a adoção de um planejamento capaz de suprir as
necessidades dos espaços urbanos (em seus elementos bióticos e abióticos) face
à dinâmica e complexidade inerente às alterações climáticas, que seja aliada a
um conjunto de ações de educação em saúde que sensibilize a população para a
adoção de medidas higiênico-sanitárias adequadas (SÁ, 2012).
No Brasil é observado que a ocorrência da leptospirose acompanha o
regime pluviométrico, indicando perfeita relação, embora seja demonstrado que
esta variação não deve ser atribuída somente pelo regime de chuvas, mas por
outros fatores de ordem ambiental e social. A simples concentração de população
nos centros urbanos por si só não determina uma situação de risco, mas sim o
processo acelerado de urbanização destes centros. A desigualdade social
presente nestes grandes centros forçam os habitantes mais desfavorecidos a
ocuparem áreas irregulares, sujeitando-se a enchentes e problemas de
saneamento, elevando o risco de adoecimento. Os fenômenos como o El Niño
alteram a quantidade e distribuição das precipitações, portanto, a utilização de
previsões climáticas efetuadas com até três meses de antecedência pode auxiliar
no planejamento da alocação de recursos para as medidas de vigilância
epidemiológica da leptospirose (PAULA, 2005).
6
2.2 Alterações climáticas
O clima consiste das variações nas interações entre os componentes do
sistema climático, incluindo atmosfera, oceanos, gelo oceânico e características
da terra. Mudanças em um dos componentes do sistema climático sendo natural
ou induzida pela ação humana podem causar mudanças climáticas. A mudança
no clima resulta em aumento da temperatura, aumento do nível oceânico,
alterações extremas no ciclo hidrológico e potencialmente acelera a redução da
camada de ozônio (AGUIRRE et al., 2002).
A terra tem passado desde o início de sua história por ciclos naturais de
aquecimento e resfriamento. O aquecimento natural era formado por intensa
atividade geológica que lançavam à superfície terrestre grande quantidade de
gases que mantinham um efeito estufa natural. Entretanto, a atividade industrial e
tecnológica tem afetado o clima terrestre na sua variação natural, o que sugere
que a atividade humana é um fator determinante no aquecimento. Desde o início
da revolução industrial (1750) a concentração atmosférica de carbono aumentou
31% e mais da metade dessa elevação ocorreu nos últimas de décadas. De 1750
a 1960 a concentração de CO2 atmosférico passou de 277 partes por milhão
(ppm) para 317 ppm (aumento de 40 ppm). Já de 1960-2001 as concentrações de
CO2 aumentaram de 317 ppm para 371 ppm (aumento de 54 ppm). Estes gases
do efeito estufa absorvem parte da energia solar que atinge a terra, redistribuindo-
a em forma de calor (Figura 2) (MARENGO, 2007).
FIGURA 2 – Processo de
retenção da energia solar sob a
forma de calor provocada pelo
efeito estufa na Terra.
Fonte: VIEIRA (2010).
7
As mudanças climáticas ocorriam somente através de fenômenos
naturais, mas, como já citado, em décadas mais recentes as atividades humanas
também têm influenciado significativamente as mudanças climáticas. O uso de
combustíveis fósseis (óleo, carvão e gás), bem como os processos industriais e
queima de biomassa aumentaram a concentração de dióxido de carbono (CO2),
enquanto o desmatamento reduziu a capacidade de sua absorção das áreas
preservadas (Tabela 2) (AGUIRRE et al., 2002).
TABELA 2 – Gases do efeito estufa: características e contribuição para o efeito
estufa.
Gás do efeito estufa
Concentração Tempo médio
de vida Fontes antrópicas
Contribuição para o efeito estufa
H2O Variável 1-3% Alguns dias
Todas relacionadas abaixo
Não se aplica
CO2 370 ppm Variável 200-450
anos
Combustível fóssil (75%)
Desmatamento (24%) 52,5%
CH1 1750 ppb 12 anos
Extração de combustível (20%)
Reservatórios e represas (20%)
Digestão de animais (18%)
Plantações de arroz (17%)
Lixões e aterros (10%) Excrementos de
animais (7%)
17,3%
N2O 312 ppb 120 anos Solo (70%)
Transporte (14%) Indústria (7%)
5,4%
CFC 533 ppt 102 anos Gás refrigerante
Fabricação de espuma 12,2%
SF6 4,7 ppt 3200 anos Produção de Mg
Indústria de eletricidade
O3 troposfera 25-26 ppb semanas Processos industriais
Veículos 12,5%
Fonte: VIEIRA (2010).
Observa-se que a ocorrência de um processo de alterações climáticas foi
sinalizada pela primeira vez na década de 1950 dando-se ênfase naquelas
devidas ao aquecimento global em virtude das ações humanas. Contudo, o
pesquisador Svante Arrherius no final do século XIX já levantava a hipótese do
8
aumento da temperatura advir das emissões de dióxido de carbono (BARCELLOS
et al., 2009).
Entre todos os desastres naturais que ocorreram no período 1900-2006
destacam-se as inundações (35%) e tempestades (31%), o que demonstra que
66% dos desastres naturais mundiais são devido a instabilidades atmosféricas
severas (MARCELINO, 2007). Estas instabilidades e seus efeitos constituem dois
dos principais fatores de risco para a transmissão de leptospirose e são os mais
presentes em todos os continentes (Figura 3) (MARCELINO, 2007; BRASIL,
2009).
FIGURA 3 – Distribuição por continente dos desastres naturais ocorridos no globo
(1900-2006). Legenda: IN – inundação, ES – deslizamento, TE –
tempestade, SE – seca, TX – temperatura extrema, IF – incêndio
florestal, VU – vulcanismo, TR – terremoto e RE – ressaca.
Fonte: MARCELINO (2007).
9
2.2.1 Tendências dos efeitos do aquecimento mundial
De acordo com BARCELLOS et al. (2009), os efeitos do aquecimento
global no planeta serão evidenciados pela elevação da temperatura na terra,
aumento do nível dos oceanos, incremento de chuvas em algumas regiões e
secas em outras e o derretimento das calotas polares, em especial a do Polo
Norte.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (International Panel
on Climate Change - IPCC) indica que a temperatura global pode se elevar no
período 1900-2100 entre 1,4 a 5,8 ºC, o que pode representar um aquecimento
mais rápido do que aquele detectado no século XX e que não possui precedente
durante pelo menos os últimos 10.000 anos, existindo projeções de elevação de
até 6,4 ºC (MARENGO, 2007). Tal aumento da temperatura provocaria o
derretimento das camadas de gelo das montanhas e dos Polos Norte e Sul
elevando o nível dos oceanos de 18 a 59 centímetros até 2100. Com a mudança
no padrão do clima as chuvas poderão aumentar em cerca de 20%. Um fator
interessante é que o aquecimento da terra não será homogêneo. O hemisfério
norte será mais atingido do que o sul pelo aquecimento e os continentes serão
mais afetados do que o oceano (BARCELLOS et al., 2009).
A redução da refletividade que ocorre pelo gelo polar e a liberação de
metano pelo permafrost (solo congelado) contribuiriam para o aumento da
temperatura do planeta. Já as mudanças no ciclo hidrológico intensificariam os
extremos climáticos, enquanto o aumento na evaporação de água produziria mais
nuvens e aumentaria a umidade e diminuiria a duração de menores temperaturas
durante a noite (AGUIRRE et al., 2002).
Os cenários de mudanças climáticas no território brasileiro envolverão
seca nas regiões Norte e Nordeste e enchentes nas regiões Sul e Sudeste
(Eventos El niño-oscilação sul – ENSO), aumento da vazão de rios na região Sul,
redução de chuvas na região Nordeste e mudança significativas de ecossistemas
como os manguezais, Pantanal e Floresta Amazônica (MARENGO, 2007).Tais
mudanças, detectáveis com maior frequência nessas três regiões, poderão gerar
impactos significativos, pois apesar de abrangerem apenas 35,9% do espaço
nacional, estas áreas concentram 84,8% da população nacional (OPAS, 2009).
10
O significado desses extremos climáticos se torna mais importante pela
condição das cidades mais populosas nos diversos continentes estarem
construídas abaixo do nível do mar e 75% da população mundial viverem até 160
km da costa marítima (VIEIRA, 2010). As cidades com um planejamento urbano
deficiente e com maior presença dos extremos climáticos que poderão ocorrer
constituirão zonas de risco para a ocorrência de leptospirose decorrente dos
eventos de extremos climáticos, aumentando a incidência desta enfermidade
(HARTSKEERL et a., 2011).
2.2.2. Mudanças climáticas e epidemiologia da leptospirose no Brasil
No Brasil são registrados em média 4.000 casos anuais de leptospirose
humana, com maior participação da região Sudeste (37%) e Sul (32%). As outras
regiões, embora com menor participação, também registram inúmeros casos, a
exemplo da região Nordeste (19%), região Norte (10%) e Centro-oeste (2%). Os
condicionantes ambientais da leptospirose incluem o aumento de eventos
extremos que podem acarretar inundação; já os condicionantes socioeconômicos
envolvem a qualidade de higiene dos domicílios, presença de roedores, de
dejetos e resíduos e contato com urina de animais de estimação. Na área rural
não se evidencia a associação dos casos humanos com o aumento das chuvas,
mas sim com as atividades desempenhadas, demonstrando o caráter ocupacional
da zoonose (OPAS, 2009; PELISSARI et al., 2011).
As grandes cidades são caracterizadas pela geração de calor e a sua
cobertura por construções diminui a incorporação de água de chuva e aumenta o
fluxo ascendente de ventos, tornando-as vulneráveis para efeitos de aquecimento
e enchentes. Em resumo, mais que causar o aumento global de temperatura,
estes processos conjugados às alterações de uso da terra podem aumentar a
amplitude de variações de temperatura e precipitação (CAMPBELL-LENDRUM &
CORVALAN, 2007; BRASIL, 2008).
Assim, como já destacado, as mudanças do clima podem produzir
impactos sobre a saúde humana pela via direta e pela indireta. No caso da
leptospirose o impacto é indireto, pois o impacto direto é o próprio evento extremo
(enchentes e tempestades). O evento extremo provoca alterações de
11
ecossistemas e de ciclos biológicos, bioquímicos e geográficos, que podem
aumentar a incidência de doenças infecciosas, mas também doenças não-
transmissíveis. Por exemplo, a presença da Leptospira sp. e a contaminação
pelas águas residuais elevam o risco da transmissão da leptospirose (OPAS,
2009; SÁ, 2012).
Nesse contexto, a sinergia entre os processos sociais e os ecossistemas
sobre os quais eles se desenvolvem, relacionada á existência de condições
inadequadas de vida, possibilita a instalação e a disseminação de doenças
endêmicas em novos contextos. A leptospirose humana apresenta dois perfis
distintos de ocorrência. Na situação endêmica, os grupos populacionais atingidos
são os mais carentes, devido ao modo de transmissão baseado no contato com
urina de roedores, o que pressupõe condições de saneamento extremamente
precárias. No entanto, como as enchentes causadas por tempestades, ainda que
atinjam também populações carentes, afetam as mais diversas populações
humanas e animais, a doença ocorre uma ampliação de risco do ponto de vista
epidemiológico. Outro fator importante é que esta doença ampliará o aumento da
incidência em latitudes fora dos trópicos (BARCELLOS & SABROZA, 2001;
BRASIL, 2008).
2.3 Perda da biodiversidade e impactos na ecologia da leptospirose
A biodiversidade, também chamada diversidade biológica, é
compreendida como a riqueza de espécies existentes em uma determinada
região. Atualmente, perdas da biodiversidade vêm ocorrendo devido não só a
catástrofes naturais, mas a eventos antrópicos. A poluição, a introdução de
espécies exóticas, as alterações climáticas e a perda e fragmentação de habitat
são consideradas as mais relevantes ameaças atuais à biodiversidade. A redução
do número de espécies e o comprometimento de habitats alcançam níveis
preocupantes, em extensão e rapidez, o que compromete a capacidade de
recuperação. A crise biológica é mais claramente perceptível quando se considera
o grau de devastação dos biomas e de fragmentação dos ecossistemas,
especialmente nos países tropicais, onde a biodiversidade está mais concentrada
(GANEM, 2010).
12
A transmissão de doenças infecciosas é um processo inerentemente
ecológico envolvendo interações entre, pelo menos, duas, e, muitas vezes, muitas
espécies, o que implica na condição de que a diversidade de espécies das
comunidades ecológicas possa potencialmente afetar a prevalência de doenças
infecciosas (KEESING et al., 2006).
Doenças zoonóticas causadas por patógenos transmitidos para seres
humanos a partir de reservatórios vertebrados tem um enorme impacto na saúde
humana a nível mundial. Assim, uma melhor compreensão destas questões
ecológicas básicas se faz essencial para embasar as políticas ambientais e de
saúde (OSTFELD & HOLT, 2004).
A redução do risco de doença pela biodiversidade, particularmente da
diversidade de mamíferos, não é um conceito novo e tem sido observada em
diversas enfermidades, em especial na doença de Lyme e febres hemorrágicas
nas Américas. O já citado efeito de diluição também contribui para a relação
negativa observada entre a biodiversidade local e infecção dominante de
reservatórios para hantavirus (DERNE et al., 2011).
DERNE et al. (2011), aplicando em seu estudo um modelo multivariável,
incluindo o número total de espécies e número de mamíferos terrestres,
verificaram que apenas o número de mamíferos terrestres permaneceu
significativamente associado, de forma negativa, com a incidência de
leptospirose, sugerindo que a riqueza terrestre de espécies de mamíferos é a
mais importante. Embora a associação verificada na pesquisa não tenha
demonstrado necessariamente uma relação causal, os autores verificaram que
regiões como ilhas com maior número de espécies de mamíferos terrestres
parecem ter menor incidência de leptospirose. Esta relação negativa significativa
entre riqueza de espécies de mamíferos e a incidência de leptospirose sugere a
ocorrência do efeito da diluição e/ou a regulação de populações de roedores. A
manutenção da biodiversidade, um componente importante do funcionamento dos
ecossistemas, pode, portanto reduzir o risco de leptospirose e incidência em
populações humanas e mesmo em espécies animais domésticas.
Baixa riqueza de espécies são tipicamente associados com fragmentos
de hábitat pequenos e aumentam os números absolutos de roedores dentro da
comunidade. A abundância relativa alta de camundongos diminui o efeito de
13
diluição, onde hospedeiros menos competentes não conseguem eliminar
leptospiras pela urinas e quando a conseguem é por tempo com importância
reduzida do ponto de vista epidemiológico. A baixa diversidade de espécies
também diminui a probabilidade de que predador (particularmente sensível a
fragmentação de habitat) e espécies concorrentes (as espécies nativas podem ter
maior competência concorrente) estejam presentes para regular as populações de
roedores, permitindo um aumento na abundância absoluta de roedores infectados
e, consequentemente, a incidência de leptospirose (OSTFELD & KEESING, 2000;
DERNE et al.,2011)
Os modelos ecológicos já desenvolvidos em estudos diversos sugerem
que a redução do risco de doença com o aumento da diversidade de hospedeiros
é tem maior probabilidade de ocorrer quando a transmissão do patógeno é
dependente da frequência e quando a transmissão de patógenos é maior dentro
das espécies que entre as espécies (KEESING et al., 2006). A biodiversidade,
portanto, tem um papel significativo na epidemiologia leptospírica, pois a
Leptospira spp. possui alta prevalência, uma vez que esta bactéria possui baixa
viabilidade em condições ambientais desfavoráveis, ou seja, a alta frequência é
um mecanismo de sobrevivência da leptospira. A transmissão das leptospiras
intra-espécies constitui outro mecanismo adaptativo que decorre da infecção em
hospedeiros de manutenção.
Pelo exposto, observar-se-á que a leptospirose provavelmente aumentará
a latitude e altitude de sua distribuição no planeta pelo incremento de áreas
tropicais advindos da ação do aquecimento global e seus efeitos, além da perda
da biodiversidade, que pela fragmentação de habitat, caça ilegal e desmatamento
reduz o efeito de diluição e biorregulação sobre a incidência de leptospirose.
14
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As intervenções antrópicas têm provocado diversos efeitos diretos e
indiretos na saúde humana, na sanidade animal e na saúde ambiental. Muitas
destas ações não são percebidas adequadamente ou divulgadas para sociedade,
como é o caso da perda da biodiversidade. Nesta perspectiva, um aspecto
preocupante é que esta extensa cadeia de causas e consequências incide
significativamente no perfil de saúde humana, seja ela na forma da enfermidade
em si ou pelo impacto na alimentação humana, devido a alterações no perfil
produtivo animal e vegetal das regiões mais afetadas.
A alta dependência dos fatores ambientais das leptospiras deve ser mais
estudada para melhor compreensão do comportamento epidemiológico da
enfermidade. Tais informações sobre o comportamento epidemiológico da doença
nas populações, tanto animais como humanas, embasariam a implantação de
políticas de saúde pública e ambiental que se mostram importantes ferramentas
para o controle e prevenção da zoonose, diminuindo seus impactos sanitários,
sociais e econômicos. Portanto, preconiza-se a realização de maiores estudos
que auxiliem na identificação dos fatores que porventura poderão influenciar na
ampliação do risco da leptospirose, para que se possa desta forma realizar
processos de intervenção em saúde, preservando a saúde humana e animal.
15
4. REFERÊNCIAS
1. AGUIRRE, A.A.; OSTFELD, R.S.; TABOR, G.M.; HOUSE, C.; PEARL, M.C.
Conservation medicine: ecological health in practice. New York: Oxford, 2002.
407 p.
2. BARCELLOS, C.; SABROZA, P.C.T. The place behind the case: leptospirosis
risks associated environmental conditions in a flood-related outbreak in Rio de
Janeiro. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.17, suplemento, p.1-14,
2001.
3. BARCELLOS, C.; MONTEIRO, A.M.V.; CORVALÁN, C.; GURGEL, H.C.;
CARVALHO, M.S.; ARTAXO, P.; HACON, S.; RAGONI, V. Mudanças climáticas e
ambientais e as doenças infecciosas: cenários e incertezas para o Brasil.
Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v.18, n.3, p. 285-304, 2009.
4. BHARTI, A.R.; JARLATH, E.N.; RICALDI, J.N.; MATTHIAS, M.A.; DIAZ, M.M.;
LOVETT, M.A.; LEVETT, P.N.; GILMAN, R.H.; WILLIG, M.R.; GOTUZZO, E.;
VINETZ, J.M. Leptospirosis: a zoonotic disease of global importance. The Lancet
Infectious Diseases, London, v.3, p. 757-771, 2003.
5. BRASIL. Ministério da Saúde. Mudanças climáticas e ambientais e seus
efeitos na saúde: cenários e incertezas para o Brasil. Brasília: Organização
Pan-Americana da Saúde/Ministério da Saúde, 2008. 40p.
6. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de Vigilância Epidemiológica.
7ª edição. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 816 p.
7. CAMPBELL-LENDRUM, D.; CORVALAN, C. Climate Change and Developing-
Country Cities: Implications for Environmental Health and Equity. Journal of
Urban Health, New York, v. 84, n.1, p.109-117, 2007.
16
8. CAMPONOGARA, S.; KIRCHHOF, A.L.C.; RAMOS, F.R.S. Uma revisão
sistemática sobre a produção científica com ênfase na relação entre saúde e meio
ambiente. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.13, n.2, p.427-439, 2008.
9. DERNE, B.N.; FEARNLEY, E.J.; LAU, C.L.; PAYNTER, S.; WEINSTEIN, P.
Biodiversity and leptospirosis risk: A case of pathogen regulation? Medical
Hypotheses, New York, v.77, p.339–344, 2011.
10. FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and
leptospirosis. 2nd Ed. Melbourne: MedSci, 2000. 272 p.
11. GANEM, R.S. Conservação da biodiversidade: legislação e políticas
públicas. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2010. 437 p.
12. HARTSKEERL, R.A.; COLLARES-PEREIRA, M.; ELLIS, W.A. Emergence,
control and re-emerging leptospirosis: dynamics of infection in the changing world.
Clinical Microbiology and Infection, Paris, v.17, n.4, p. 494–501. 2011.
13. JASZCZERSKI, D.C.F.S. Cinética da Resposta Imune Humoral em Cães
Imunizados com Leptospira interrogans sorovares icterohaemorrhagiae,
canicola, pomona e grippotyphosa. 2005. 95 f. Dissertação (Mestrado em
Ciências Veterinárias) – Universidade Federal do Paraná.
14. KARESH, W.B.; DOBSON, A.; LLOYD-SMITH, J.O.; LUBROTH, J.; DIXON,
M.A.; BENNETT, M.; ALDRICH, S.; HARRINGTON, T.; FORMENTY, P. LOH,
E.H.; MACHALABA, C.C.; THOMAS, M.J.; HEYMANN, D.L. Ecology of zoonoses:
natural and unnatural histories. The Lancet, London, v. 380, p.1936-1945, 2012.
15. KEESING, F.; HOLT, R.D.; OSTFELD, R.S. Effects of species diversity on
disease risk. Ecology Letters, Oxford, v.9, p.485–498, 2006.
17
16. KO, A.I.; GOARANT, C.; PICARDEAU, M. Leptospira: the dawn of the
molecular genetics era for an emerging zoonotic pathogen. Nature Reviews
Microbiology, London, v. 7, n. 10, p. 736-747, 2009.
18. LEVETT, P.N. Leptospirosis. Clinical Microbiology Reviews, Washington,
v.14, n.2, p. 296-326, 2001.
19. LINHARES, G.F.C.; GIRIO, R.J.S.; LINHARES, D.C.L.; MONDEIRO, L.C.;
OLIVEIRA, A.P.A. Sorovares de Leptospira Interrogans e Respectivas
Prevalências em Cavalos da Microrregião de Goiânia, GO. Ciência Animal
Brasileira, Goiânia, v. 6, n. 4, p. 255-259, 2005.
20. MARCELINO, E.V. Desastres naturais e geotecnologias: conceitos
básicos. Santa Maria: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2007. 20 p.
21. MARENGO, J.A. Mudanças climáticas globais e seus efeitos sobre a
biodiversidade: caracterização do clima atual e definição das alterações
climáticas para o território brasileiro ao longo do século XXI. Brasília:
Ministério do Meio Ambiente, 2007. 212 p.
22. OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde. Mudança Climática e
Saúde: um perfil do Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde,
2009. 44 p.
23. OSTFELD, R.S.; KEESING, F. Biodiversity and disease risk: the case of Lyme
disease. Conservation Biology, Boston, v.14, n.3, p.722–728, 2000.
24. OSTFELD, R.S.; HOLT, R.D. Are predators good for your health? Evaluating
evidence for top-down regulation of zoonotic disease reservoirs. Frontiers In
Ecology And The Environment, Washington, v.2, n.1, p.13–20, 2004.
18
25. PAULA, E.V. Leptospirose Humana: uma análise climato-geográfica de sua
manifestação no Brasil, Paraná e Curitiba. In: XII Simpósio Brasileiro de
Sensoriamento Remoto, XII, 2005, Goiânia. Anais... Goiânia: 2005. p. 2301-2308.
26. PELISSARI, D.M.; MAIA-ELKHOURY, A.N.S.; ARSKY, M.L.N.S.; NUNES,
M.L. Revisão sistemática dos fatores associados à leptospirose no Brasil, 2000-
2009. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 20, n.4, p. 565-574, 2011.
27. PICARDEAU, M. Diagnosis and epidemiology of leptospirosis. Médecine et
maladies infectieuses, Paris, v.43, n.1, p.1-9, 2013.
28. PLAN, R.; DEAN,, D. Overview of the epidemiology, microbiology and
pathogenesis of Leptospira spp. in humans. Microbes and Infection, Paris, v.2,
p. 1265-1276, 2000.
29. REZENDE, M.B., LINS-LAINSON, Z.C., BICHARA, C.N.C., LEÃO, R.N.Q.,
COSTA, P.M.; JUNIOR, A.B.R. Leptospirose. In: LEÃO, R.N.Q. Doenças
Infecciosas e Parasitárias: Enfoque Amazônico. Belém: UEPA e Instituto
Evandro Chagas, 1997. cap. 32, p. 507-524.
30. ROSA, H. A política internacional para a biodiversidade em 2010. Ecologi@ -
Revista Online da Sociedade Portuguesa de Ecologia, Lisboa, v.1, p. 7-10,
2011.
31. SÁ, N.L. Alterações climáticas e saúde urbana. HYGEIA – Revista Brasileira
de Geografia Médica e da Saúde, Uberlândia, v.8, n.15, p. 213-221, 2012.
32. VIEIRA, F.R. Alterações climáticas e patologia infecciosa. Cadernos de
saúde, Lisboa, v.3, p. 47-52, 2010.
Recommended