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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
EX.EX.MOMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE ##########
“Guia-me a só a razão.
Não me deram mais guia.
Alumia-me em vão ?
Só ela me alumia.”1
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS
GERAIS, por seu agente signatário, no uso de suas atribuições legais, por meio da 2ª
Promotoria de Justiça de ##########, com fundamento no disposto nos artigos 127,
caput e 129, inciso III da Constituição Federal c/c os artigos 1º, inciso I, 3º, 4º, 5º, 11 e
12 da Lei nº 7.347/1985 c/c art. 84 do CDC, com base nos elementos coligidos nos
autos do Inquérito Civil nº MPMG-0629.03.000001-8, vem a juízo propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
(com pedido de tutela antecipada)
contra
1) o ESTADO DE MINAS GERAIS, pessoa jurídica de direito
público interno, representado pelo Advogado-Geral do
Estado2, Senhor Marco Antônio Rebelo Romanelli, com 1 Fernando Pessoa - O Cancioneiro.2 Inciso III do art. 7º da Lei Complementar nº 30; alínea A do inciso I do art. 7º da Lei Complementar nº 35 e inciso I do art. 6º do Decreto 44.113.
1
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
endereço na Rua Espírito Santo, nº 495, centro, CEP 30.160-
030, Belo Horizonte – MG, (31) 3218-0700;
2) a FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE -
FEAM, órgão seccional de apoio do Conselho Estadual de
Política Ambiental (Copam), representada por sua
Presidente, a Senhora Zuleika Stela Chiacchio Torquetti,
com endereço na Cidade Administrativa do Estado de Minas
Gerais, Prédio Minas, 1º e 2º andar, Rodovia Prefeito
Américo Gianetti, s/nº, Bairro Serra Verde, CEP 31630-900,
Belo Horizonte, Minas Gerais, vinculada à SECRETARIA
DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL - SEMAD,
representada por seu Secretário, o Senhor Adriano
Magalhães Chaves, com endereço na Cidade Administrativa
do Estado de Minas Gerais, Rodovia Prefeito Américo
Gianetti, s/nº, Bairro Serra Verde, CEP 31630-900, Belo
Horizonte – MG,
INTRÓITO: SOBRE O ELEMENTO QUÍMICO
MERCÚRIO (Hg)
O mercúrio (Hg) é um metal com características sui generis.
Brancoprateado, pesado, denso e inodoro, é o único metal líquido à temperatura
ambiente, sendo de fácil volatilização. Na natureza, é encontrado em três formas:
mercúrio metálico, sais inorgânicos de mercúrio e mercúrio orgânico, que se diferem
pelos aspectos toxicológicos de absorção, transporte e excreção (do metal) e pelo
quadro clínico do paciente3.
3 LIMA, E. R. Z.; COLON, J. C.; SOUZA, M. T. Alterações auditivas em trabalhadores expostos ao mercúrio. Rev. CEFAC, V.11, Supl 1, 62-67, 2009.
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
Este singular metal é capaz de dissolver com facilidade o
chumbo, o ouro, a prata e metais alcalinos formando com estes ligas relativamente
consistentes conhecidas como amálgamas. Seu uso em processos de amalgamação do
ouro é antigo, sendo aplicado por fenícios e cartagineses há cerca de 2.700 anos a.C.
Com efeito, em sua Naturalis Historia o historiador e naturalista romano Gaius Plinius
Secundus, mais conhecido como Plínio, o Velho descreveu a técnica de mineração do
ouro e da prata com um processo de almagamação símile ao utilizado hoje nas minas de
ouro.
O principal mineral de mercúrio é o cinábrio (HgS), de onde o
metal é extraído e processado para variados usos. O Brasil não possui reservas
significativas de minerais de mercúrio, não o produzindo, importando a totalidade de
seu consumo.
A TOXIDADE DO MERCÚRIO
Nos Estados Unidos, a Agência para o Registro de Substâncias
Tóxicas e Doenças lista o mercúrio como a terceira substância mais tóxica4. Para
FARIAS5 o mercúrio é considerado um dos metais mais perigosos no que diz respeito à
contaminação ambiental e a saúde humana.
4 ATSDR – Agency for Toxic Substance and Disease Registry. (2007). Priority Hazardous Substances. [Acesso em 05 fev. 2009] Disponível em: http://www.atsdr.cdc.gov, apud GUEDES, Nívea Cristina de Carvalho. Protocolo de avaliação do mercúrio potencialmente tóxico em águas naturais. 2009. 144 f. Tese (Doutorado)- Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas/SP. 2009.5 FARIAS, Luciana Aparecida. Avaliação do conteúdo de mercúrio, metilmercúrio e outros elementos de interesse em peixes e em amostras de cabelos e dietas de pré-escolares da Região Amazônica: 2006. 233 f. Tese (Mestrado)- Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares: Autarquia associada à Universidade de São Paulo. 2006.
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
Segundo trabalho desenvolvido pelo CNPq – CONSELHO
NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO6, coordenado pelo Doutor em
Engenharia Química Rubens Martins Moreira:
“A toxicidade e forma de absorção dos compostos contendo
mercúrio também variam de acordo com a espécie absorvida. Assim, de
acordo com Nascimento e Chasin (2001)7, tem-se que:
• mercúrio metálico (Hg0) é pouco absorvido pelo trato digestivo. A
absorção pela pele também é muito pequena em relação à inalação. Cerca
de 80% do vapor inalado alcança rapidamente a corrente sanguínea;
• metilmercúrio (CH3Hg+) é pouco solúvel em água e é lipossolúvel, sendo
por isto facilmente transportado através das membranas celulares. Possui
grande afinidade com o grupo sulfidrila (SH-), abundante no protoplasma,
ligando-se às proteínas e bloqueando as atividades enzimáticas. Esses
compostos concentram-se no cérebro, e em menor extensão no fígado,
sendo que a maior parte acumula-se nos neurônios do cerebelo;
• dimetilmercúrio ((CH3)2Hg) é formada pela metilação bioquímica do
metilmercúrio. É um composto insolúvel em água e volátil. Por isto, transita
facilmente na atmosfera;
• compostos inorgânicos de mercúrio (HgCl2, Hg0 e Hg(OH)2) possuem
baixa solubilidade em meios apolares e polares. Dessa forma, são menos
absorvidos pelos organismos, se acumulando principalmente nos rins e no
córtex renal. Em menor intensidade, esses compostos podem atingir o
fígado, miocárdio, epitélio intestinal e testículos.
O que torna preocupante a contaminação ambiental por
espécies contendo mercúrio é que todos os seus compostos podem ser,
6 Áreas contaminadas por mercúrio em decorrência de atividades pretéritas de garimpo de ouro em minas gerais: desenvolvimento de metodologia de avaliação de passivo ambiental - Projeto CNPq 479867/2004-6 - Relatório Técnico Final - Janeiro de 2007.7 NASCIMENTO, E. S. e CHASIN, A. A. M., Série cadernos de referência ambiental. v. 1 - Ecotoxicologia do mercúrio e seus compostos. Salvador: CRA, 2001. p.176.
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direta ou indiretamente, convertidos dentro do organismo a metilmercúrio.
Além disto, estudos recentes sugerem que não pode ser excluída a
possibilidade de que compostos contendo mercúrio, mesmo em baixos
níveis, possam causar efeitos no sistema imunológico (WHO, 2000)8.”
O Hg e o seu radical metil-Hg provocam graves danos
comerciais (ex. Cooperativa dos Pescadores de Corumbá, Rio Paraguai) e,
principalmente, danos à saúde pública com a constatação de nascimentos em números
anormais de crianças com má formação genética (Porto Velho-RO, Rio Preto e
Paracatu-MG, etc). Marcante exemplo do perigo que o mercúrio encerra está gravado na
“Tragédia de Minamata”, onde morreram aproximadamente 1.200 pessoas:
“Em 1953 registrou-se na baía de Minamata, no Japão, uma
doença nos consumidores de peixe contaminado por mercúrio, proveniente
de uma fábrica de acetaldeído. O primeiro caso reconhecido da chamada
doença de Minamata foi feito em 1957 pela Universidade de Kumamoto
que estabeleceu de forma inequívoca a relação entre essa doença e os
níveis de mercúrio encontrados no cérebro dos indivíduos mortos devido ao
consumo de peixe da baía. Mais tarde, em 1959 em Niigata, também no
Japão, surgiu novo acidente, embora com conseqüências menos graves. Os
sintomas que as pessoas apresentavam eram essencialmente neurotóxicos:
lesões permanentes no cérebro (sobretudo no cerebelo), irritabilidade,
tremores, dificuldades de memória, perturbações visuais e auditivas para
além de problemas renais (insuficiência renal). Nas grávidas, o mercúrio
atravessa a placenta podendo provocar no feto lesões cerebrais graves,
produzir desorganização do posicionamento dos neurônios do córtex, o
que leva a paralisia cerebral, tônus muscular alterado e atraso no
desenvolvimento. São estes os efeitos mais gravosos que nos levam a
concluir que o mercúrio é teratogênico. As aberrações cromossômicas 8 WHO – World Health Organization. Air quality guideline – Mercury. Copenhagen, 2000. cap. 6.9. p. 15.
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observadas nas células sanguíneas das populações expostas a um consumo
freqüente de peixe contaminado demonstram também a genotoxicidade do
mercúrio.”9.
Saliente-se: os efeitos mutagênicos do metil-Hg são atuantes e
irreversíveis. E mais, composto é “... neurotóxico, causando danos cerebrais, e
teratogênico, ou seja, é transferido para o feto através da placenta”10.
O resultado da ingestão do mercúrio, mesmo que em níveis
ínfimos, é altamente nefasto, pois o metal se acumula no organismo. Possuindo alto
potencial tóxico (principalmente em sua forma orgânica metilada), o mercúrio
inorgânico introduzido pelos garimpeiros e minerações nos sistemas hídricos é
incorporado aos sedimentos de fundos de rios, lagos e represas. No meio hídrico se
mostra crucial e danoso pela passagem através da cadeia trófica, chegando ao homem
pelo consumo de peixes, principalmente os carnívoros. Especificamente em relação à
utilização do mercúrio em garimpos, insta consignar que:
9 http://www.acpo.org.br/campanhas/mercurio/baixada_1.htm.10 CASTILHOS, Zuleica Castilhos; RODRIGUES, Ana Paula de Castro. Avaliação da potencial acumulação de mercúrio em peixes dos reservatórios(previstos) de Jirau e Santo Antônio, rio Madeira, RO. Rio de Janeiro: CETEM/MCT, 2008. (Série Estudos e Documentos, 76), p. 07.
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Para cada 1 kg de ouro produzido, cerca de 1,3 kg de mercúrio são perdidos
para o meio ambiente.
55 a 65% são lançados à atmosfera e o restante se direciona aos rejeitos e rios11.
11 PFEIFFER, Wolfgang Christian; LACERDA, Luiz Drude de. Mercury inputs into the Amazon region, Brazil. Environ Technol Lett 1988; 9: 325–30.
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O GARIMPO EM DESCOBERTO-MG
Do já mencionado estudo levado a termo pelo CNPq –
CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO12, extrai-se um
breve e lapidar relato da atividade aurífera em Descoberto. Ei-lo, conforme descrito às
fls. 25, 29/31:
“Em meados do século XVII, por determinação governamental,
todo ouro, diamantes e mercadorias deveriam ser transportadas pelo
‘Caminho Novo’, que ligava a região das minas com o Rio de Janeiro. Essa
deliberação visava facilitar a fiscalização, garantindo o pagamento de
impostos e encargos. Assim, toda a região a leste do ‘Caminho Novo’,
compreendendo boa parte da atual zona da mata mineira, era conhecida
como ‘Áreas Proibidas’ ou ‘Sertões Proibidos do Leste’. Entretanto, com o
esgotamento das minas auríferas, os ‘Sertões Proibidos’ passaram a ser
cobiçados, tanto por suas terras virgens como na esperança de novas
descobertas de ouro. Conforme o regimento das Minas, o termo
‘descoberto’ era empregado para designar a ‘achada de ouro’ onde não
existia a concessão ou carta aberta (Silva, 2002).
[...]
O emprego do mercúrio na apuração do ouro não era um
procedimento de rotina adotado pelos mineiros no século XIX. Empregava-
se a amalgamação onde a apuração do ouro era mais difícil (Eschwege,
1979 e Ferrand, 1998). Entretanto, já em 1811 Mawe (1978) faz menção ao
emprego do mercúrio na apuração do ouro.
Dois métodos de amalgamação devem ter sido os mais
empregados no século XIX. O mais comum deles consistia na aplicação do 12 Áreas contaminadas por mercúrio em decorrência de atividades pretéritas de garimpo de ouro em minas gerais: desenvolvimento de metodologia de avaliação de passivo ambiental - Projeto CNPq 479867/2004-6 - Relatório Técnico Final - Janeiro de 2007.
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mercúrio na bateia contendo a lama já concentrada. A mistura era
amassada e posteriormente lavada para livrar o amálgama Hg-Au das
impurezas. Em seguida o amálgama era escorrido para um recipiente
recoberto com uma folha verde de figueira ou com outro material adequado
para recuperar o Hg. O recipiente era geralmente de cobre e assentado
sobre um braseiro. O mercúrio se evaporava e se condensava, em parte,
contra a folha, que era substituída de tempos em tempos por uma nova mais
fresca, recolhendo-se em um outro recipiente o mercúrio que aí se
depositava. Após a destilação completa, retirava-se do fogo o prato que
continha o ouro no fundo. ‘Esse procedimento de amalgamação era bem
rudimentar e ocasionava perdas elevadas de mercúrio’ (Ferrand, 1998).
O outro método foi descrito por Courcy (1997), durante sua
visita a Mina da Passagem em 1886. Segundo esse autor, a grande
quantidade de minério moído tratado na mina da Passagem, em Mariana-
MG, fez com que a apuração do ouro na bateia fosse abandonada. O
processo de amalgamação consistia ‘... em misturar mercúrio na água que
corre sobre as mesas de lavagem. Além da ação da água que arrasta, como
se sabe, as matérias leves, o mercúrio, com que é saturada, ajuda ainda na
operação, pela propriedade que tem de se ligar a tudo que é ouro, de o
absorver, de aderir a ele’.
O ouro em Descoberto/MG
Conforme mencionado por Langsdorff (Silva, 1997) a
descoberta de ouro em Descoberto ocorreu no início de 1824, sendo que as
extrações de ouro estavam localizadas numa região ‘bem mais abaixo do
que a serra de Antônio Velho’. Ainda segundo Langsdorff o ouro era
extraído nos barrancos situados nas margens dos cursos de água, e o
cascalho aurífero era lavado em canoas múltiplas, estruturas muito
empregadas na época (Ferrand, 1998 e Eschwege, 1979). Ao final da
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
lavação o ouro ficava no fundo das canoas e ‘... ali permanece, até que se
decida lavá-lo de forma especial...’. Langsdorff, em nenhum momento, faz
menção à utilização do mercúrio na apuração do ouro. No entanto, a
mencionada ‘lavação especial’ bem que poderia ser a apuração do ouro por
meio de bateia e amalgamação com mercúrio. Encontra-se na Carta da
Província de Minas Gerais, publicado em 1862 (Halfeld e Tschudi, 1998), o
símbolo indicativo de mina de ouro em atividade, posicionado
aproximadamente sobre onde está localizada a Área Contaminada por
mercúrio (Figura 4.4A).
Figura 4.4: Detalhe do mapa de 1862 com indicação de mina
de ouro nas proximidades de Descoberto e da Área
Contaminada por mercúrio [...]
De acordo com Ferreira (1885) ‘As minas de ouro existentes na
fazenda da Gramma, freguezia do Descoberto [...] são constituídas por
camadas de cascalhos [...] de desmonte bastante fáceis’. Ainda de acordo
com esse autor as principais ocorrências do cascalho aurífero estavam
situadas na bacia atualmente denominada de Grama, nos ‘...lugares
10
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
conhecidos pelos nomes Ribeirão de Descoberto, Serviço do Carlos,
Córrego do Antonio Ribeiro e Córrego de Antonio Maximiniano.’ As
entrevistas com moradores locais (item subseqüente) permitiram identificar
a localização aproximada dessas áreas mais promissoras no passado
(Figura 4.5).
Figura 4.5: Localização da Área Contaminada por mercúrio e de áreas na bacia
da Grama que provavelmente abrigaram garimpos de ouro no século XIX e
portanto com potencial de contaminação mercurial.
No local atualmente contaminado por mercúrio, acredita-se que
esteve em atividade em 1885 o garimpo ou Serviço do Carlos. Descreve-se
a seguir um resumo das entrevistas mais esclarecedoras realizadas com
moradores locais, assim como, quando presentes, relatos de observações
feitas nos locais das entrevistas.
[...]
11
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
A empresa de mineração inglesa, H Miliet, extraiu ouro na
bacia da Grama, pelo menos até 1892, quando as jazidas teriam se
exaurido (Lima, 2000). Os trabalhos de campo confirmaram informação
dos moradores locais de que o garimpo de ouro situado na Área
Contaminada buscava água do córrego Realengo por meio de um aqueduto,
com cerca de 2km de extensão (Figura 4.5). A água captada era empregada
no desmonte e lavação do cascalho aurífero.”
Segundo relatos históricos, foram apurados 1.410 kg de ouro!13, sendo o
mercúrio (azougue) adicionado na fase final de concentração. Naquela época, assim
como hoje, o Hg era queimado a céu aberto e usado de forma indiscriminada. A tradição
popular relata, ainda, que mais de 1.000 kg de mercúrio foram transportados e utilizados
no garimpo, sendo que, com o término do filão aurífero, grandes quantidades se viram
abandonadas ou enterradas14. Certo é que hoje, pelo decurso de tempo, é impossível
identificar quais garimpeiros ou empresas efetuaram a exploração predatória,
degradante, poluidora e danosa à saúde. Tem-se o problema, mas desconhece-se o
autor do problema.
O AFLORAMENTO DE MERCÚRIO EM DESCOBERTO
Necessário saber que o município de Descoberto é drenado por
inúmeros cursos de águas, sendo o mais relevante o Rio Novo, principal tributário da
margem direita do Rio Pomba e, portanto, um subafluente do Rio Paraíba do Sul.
Sobressaem, ainda, o ribeirão dos Mineiros, o ribeirão da Grama e, no seu limite com
o município de Itamarati de Minas, o ribeirão dos Pires. Os ribeirões da Grama, dos
Mineiros e dos Pires são afluentes da margem esquerda do rio Novo.
13 Relatório – Contaminação Mercurial – Grama – Desoberto/MG.14 A título de comparação, segundo dados do CETEM - Centro de Tecnologia Mineral do Rio de Janeiro “Nos últimos 20 anos já foram extraídas mais de 2 mil toneladas de ouro, deixando um rastro tóxico de cerca de mil (1000) toneladas de mercúrio.”
12
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
Em dezembro de 2002, numa encosta drenada pelo córrego
Rico, quando brincavam perto de sua morada, situada na Serra do Grama, os filhos de
Antônio Carlos da Silva (“SEU LOTT”) depararam com o afloramento de um líquido
prateado num local onde se havia realizado a correção de uma estrada rural, isto
aproximadamente a 15 metros do córrego Rico, um tributário do ribeirão da
Grama, que é um dos mananciais de abastecimento dos municípios de Descoberto e
########## , com evidências de contaminação do solo, de lençóis freáticos, e de
cursos d’água. Sublinhe-se: o sistema de captação de água para Descoberto e
########## , sob a responsabilidade da COPASA, está instalado à jusante da área
afetada. À época, moravam na região 74 famílias (aproximadamente 300 pessoas,
inclusive crianças). Para piorar a situação, tal contaminação ocorreu nas proximidades
da Reserva Biológica da Represa do Grama15, considerada de valor inestimável para
o ecossistema regional, ostentadora de densa cobertura vegetal característica do Bioma
Mata Atlântica, com fitofisionomia de Floresta Estacional Semidecidual Secundária.
Em suma o desastre deu-se em região dotada de mata natural, muitas nascentes,
cachoeiras e diversas espécies de fauna e flora.
15 A Reserva Biológica da Represa do Grama pertencente a ##########, mas encravada em terras do município de Descoberto; foi criada pela Lei Municipal ########## n.º 518, de 14/12/1971, e reavaliada pela Lei Municipal nº 2.776, de 09/11/2011.
13
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
Modelo Digital do Terreno da região de Descoberto. A seta indica
aproximadamente o local contaminado por mercúrio.
De modo perspicaz, reconhecendo tratar-se de mercúrio,
Antônio Carlos (“SEU LOTT”) prudentemente colheu e levou amostras para a
Prefeitura de Descoberto e para a COPASA. Foi inicialmente taxado de louco!
Quando a dimensão do problema, enfim, veio à lume, instaurou-
se um frenesi.
A contaminação descoberta por “SEU LOTT” obrigou a
COPASA a fazer um desvio para a água da enxurrada e um paredão de isolamento da
área visando impedir a contaminação do reservatório da mesma; em relação ao
abastecimento de água de Descoberto e ########## , como medida de segurança a
Companhia de Saneamento de Minas Gerais interrompeu a captação proveniente do
ribeirão da Grama , passando a recolhê-la do córrego da Matinha . Segundo relatório
14
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
técnico efetuado pela Prefeitura Municipal de Descoberto, “Quando chove o Hg escorre
em grande quantidade para um córrego localizado abaixo do ponto do afloramento,
que é afluente do Ribeirão do Grama...”. Posteriormente, através da DELIBERAÇÃO
COPAM Nº 127, de 27.08.2003, consumou-se a interdição de uma área equivalente a
8.000m2 (oito mil metros quadrados) no local (ACP – fls. 130/131 e 159); decretou-se
a interdição ante “a contaminação da área em questão e a possibilidade de risco à
saúde humana, à fauna e à flora”. O Relatório Técnico DIMOG 001/2003 da FEAM
informa que “As análises realizadas nas amostras de solo, com a contribuição da Cia
Brasileira de Alumínio – CBA, revelaram concentrações de mercúrio consideradas
elevadas, indicando que a região está contaminada e necessita de interdição como
medida de segurança contra eventual contato de pessoas ou animais com o metal”.
Área contaminada e medidas de controle executadas.
15
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
De acordo com trabalhos publicados16, a contaminação no solo e
cascalho perfaz cerca de 400m3, caracterizada por concentrações de mercúrio superiores
a meta de remediação (10mg/kg), estabelecida por análise de risco, apresentando, em
diversos pontos, valores acima 1000ppm - e background de 0,30mg/kg.
O “CONHECIMENTO” AMEALHADO SOBRE A
CONTAMINAÇÃO
O problema e o caminho para se obter uma solução definitiva
são mui bem conhecidos. A região contaminada foi estudada à exaustão e serviu para
teses, pesquisas e trabalhos científicos. À guisa de exemplos, podemos enumerar:
- CDTN - Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear - FLEMING, Peter
Marshall. TRINDADE, Mauro Campos. CARVALHO FILHO, Carlos Alberto.
BRANCO, Otávio Eurico de Aquino. MOREIRA, Rubens Martins. Relatório de
Progresso - Projeto Mercuriominas 3ª Campanha; CDTN/CNEN, Belo
Horizonte/MG, 2006 A.
- CDTN - Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear - FLEMING, Peter
Marshall. TRINDADE, Mauro Campos. CARVALHO FILHO, Carlos Alberto.
BRANCO, Otávio Eurico de Aquino. MOREIRA, Rubens Martins. Relatório de
Progresso - Projeto Mercuriominas 4ª Campanha; CDTN/CNEN, Belo
Horizonte/MG, 2006B.
16 FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente. CDTN - Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear et CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, Diagnóstico da contaminação ambiental em Descoberto, Minas Gerais, em decorrência do afloramento de mercúrio em dezembro de 2002. Relatório de Progresso, Belo Horizonte, julho/2005 # BRANCO, Otávio Eurico de Aquino. CARVALHO FILHO, Carlos Alberto et TRINDADE, Mauro Campos. Evaluation of Mercury Contamination In Soils: The Case of The Rural Area of The Municipality of Descoberto, State of Minas Gerais, Brazil. XIII Internatational Conference on Heavy Metals in The Environment (ICHMET), Rio de Janeiro – RJ, Brazil, 05-09 June 2005 # FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente. CDTN - Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear et CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, Diagnóstico da contaminação ambiental em Descoberto, Minas Gerais, em decorrência do afloramento de mercúrio em dezembro de 2002. Relatório Final, Belo Horizonte, 2006.
16
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
- CDTN, Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear - FLEMING, Peter
Marshall. TRINDADE, Mauro Campos. CARVALHO FILHO, Carlos Alberto.
BRANCO, Otávio Eurico de Aquino. MOREIRA, Rubens Martins. Relatório de
Progresso - Projeto Mercuriominas 5ª Campanha; CDTN/CNEN, Belo
Horizonte/MG, 2006C.
-CDTN - Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear - MOREIRA, Rubens
Martins. BRANCO, Otávio Eurico de Aquino. CARVALHO FILHO, Carlos Alberto.
FLEMING, Peter Marshall. TRINDADE, Mauro Campos. Relatório de Progresso -
Projeto Mercuriominas 6ª Campanha; CDTN/CNEN, Belo Horizonte/MG, 2007 A
-CDTN - Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear - MOREIRA, Rubens
Martins. BRANCO, Otávio Eurico de Aquino. CARVALHO FILHO, Carlos Alberto.
FLEMING, Peter Marshall. TRINDADE, Mauro Campos. Relatório de Progresso -
Projeto Mercuriominas 6ª Campanha; CDTN/CNEN, Belo Horizonte/MG, 2007 B
- CDTN - Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear - MOREIRA, Rubens
Martins. BRANCO, Otávio Eurico de Aquino. CARVALHO FILHO, Carlos Alberto.
FLEMING, Peter Marshall. TRINDADE, Mauro Campos. Relatório de Progresso -
Projeto Mercuriominas 6ª Campanha; CDTN/CNEN, Belo Horizonte/MG, 2007 C
- CDTN - Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear - Aquino, José Aury de et
alli Testes de flotação de mercúrio com uma amostra de rejeito de garimpo de ouro da
região de Descoberto- MG. RC-EC4-0/2006, CDTN/CNEN, Belo Horizonte/MG, 2006
D.
17
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
- FEAM et alii. Diagnóstico da contaminação ambiental em Descoberto, Minas
Gerais, em decorrência do afloramento de mercúrio em dezembro de 2002. Relatório
de Progresso, Belo Horizonte, 2005.
- FEAM e CDTN – Diagnóstico da contaminação ambiental em Descoberto, Minas
Gerais, em decorrência do afloramento de mercúrio em dezembro de 2002. Relatório
Final, Belo Horizonte, 2006.
- MIRANDA, C. F. J.; LISE, M. L. Z.; TRINDADE, M. C.; KANO, P. H.; JULIÃO, J.
L; SOUZA, L. F.; Monitoramento de Área Contaminada por mercúrio metálico no
solo, Descoberto, MG - 2003. Anais do VI congresso Brasileiro de Epidemiologia, EPI-
Recife 2004 – 19 a 23 de junho de 2004.
- BRANCO, Otávio Eurico de Aquino. CARVALHO FILHO, Carlos Alberto.
TRINDADE, Mauro Campos. Evaluation of Mercury Contamination In Soils: The
Case of The Rural Area of The Municipality of Descoberto, State of Minas Gerais,
Brazil. XIII Internatational Conference on Heavy Metals in The Environment
(ICHMET), Rio de Janeiro – RJ, Brazil, 05-09 June 2005, p. 237.
- CARVALHO FILHO, Carlos Alberto. BRANCO, Otávio Eurico de Aquino.
TRINDADE, Mauro Campos. Contamination by Mercury From Past Gold Mining
Activities at Descoberto, State of Minas Gerais, Brazil: Historical Reconstitution. XIII
Internatational Conference on Heavy Metals in The Environment (ICHMET), Rio de
Janeiro – RJ, Brazil, 05-09 June 2005, p. 192.
- DURÃO JÚNIOR, W. A. (PG-ICEx-UFMG); TRINDADE, Mauro C. (PQ-IGAM);
BRANCO, Otávio E. A.(CDTN), PALMIERI, Helena, E. L.(CDTN); CARVALHO
FILHO, Carlos A. (CDTN) Windmöller, Cláudia C. (PQ-ICEx-UFMG). Quantificação
de mercúrio em sólidos contaminados na zona rural do município de Descoberto
18
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
(MG). 14º Encontro de Química Analítica, 07-11 de outubro/2007, João Pessoa, PB.
28/09/2007.
- MARTINS, J.M. et BRANCO, Otávio Eurico de Aquino. Determinação do
coeficiente de distribuição do mercúrio em solos contaminados do município de
Descoberto/MG, iniciação científica, II Seminário Anual de Iniciação Científica do
CDTN, CDTN/CNEN, Belo Horizonte/MG, 8/nov/2007.
- MICELI, B.C. et BRANCO, O.E.A. Caracterização fisíco-química, avaliação da
biodisponibilidade e estudo dos fatores intervenientes do transporte de mercúrio na
região de Descoberto/MG. 2006. Relatório de Iniciação Científica. (Graduando em
Farmácia e Bioquímica) - Universidade Federal de Minas Gerais. Orientador: Otávio
Eurico de Aquino Branco.
- PALMIERI, H. E. L.; MOREIRA, R.; CARVALHO FILHO, C. A.; F.LEMING, P.
M.; BRANCO, O E. A.; WINDMÖLLER, C. C. The use of bioindicators for
environmental diagnosis of areas submitted to gold prospecting in the southeast of
Minas Gerais, Brazil. (Trabalho aceito para apresentação oral no 3rd
INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON ENVIRONMENT, Athens, Greece, 22-25 May
2008).
- PALMIERI, H. ; CARVALHINHO, C. ; TRINDADE, M. C. ; CARVALHO FILHO,
C. A. ; BRANCO, O. E. A. Distribuição e especiação de mercúrio em solos
contaminados da zona rural do município de Descoberto - MG. In: 29ª. Reunião Anual
da Sociedade Brasileira de Química, 2006, Águas de Lindóia, São Paulo: SBQ, 2006.
- TRINDADE, M. C. ; CARVALHO FILHO, C. A. ; BRANCO, O. E. A.
Contaminação mercurial de garimpos de ouro do século XIX: Diagnóstico da
contaminação ocorrida em Descoberto/Mg. In: VIII Simpósio Italo Brasileiro de
19
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
Engenharia Sanitária e Ambiental, 2006, Fortaleza. Mudanças Globais: Desafios para o
saneamento ambiental. Rio de Janeiro : ABES- Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária, 2006. v. único.
- ALEXANDRE, Susan de Cássia. 2006. Avaliação de Área Contaminada por
Mercúrio Total em Descoberto, Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em
Engenharia Civil, Universidade Federal de Viçosa, Dissertação de Mestrado.
Outros estudos e trabalhos podem ser compulsados diretamente
no ventre no Inquérito Civil Público que arrima esta ação, a saber:
- Impacto da contaminação de mercúrio na saúde da população residente no
município de Descoberto – MG. UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora,
coordenação local: profª. Drª. Nádia Rezende Barbosa (fls. 161 a 199 do ICP).
- Exames em amostras de sangue, cabelo e urina, realizados pelo Hospital Universitário
da UFJF (fls. 206 a 389 do ICP).
- Relatório de vistoria do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de
defesa do meio ambiente, patrimônio Público, urbanismo e habitação (fls. 417 a 452 do
ICP).
- Relatórios de campanhas realizadas conjuntamente pela Comissão Nacional de
Energia Nuclear (CNEN) e Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN)
(fls. 480 a 524 do ICP).
- Relatório de reunião entre técnicos do Ministério Público e da Fundação Estadual do
Meio Ambiente (fls. 527 a 531 do ICP).
20
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
- Relatórios de reuniões técnicas ocorridas na Secretaria de Estado da Saúde / Gerência
Regional de saúde de Juiz de Fora (fls. 533 a 558; 563 a 568; 592 a 597; 639 a 643; 667
a 675).
- Caracterização de área contaminada por mercúrio no Município de Descoberto
(MG). UFV – Universidade Federal de Viçosa (CD incluso à fl. 569 do ICP).
- Relatório de Vistoria da FEAM, realizada de 01 a 03/08/2005, com o objetivo de
verificar as ações de controle e monitoramento ambiental (fls. 598 a 608 do ICP).
- Relatório de Vistoria da FEAM, realizada de 24 a 28/10/2005, com o objetivo de
verificar as ações de controle e monitoramento ambiental (fls. 612 a 613 do ICP).
- Relatório de Vistoria da FEAM, realizada de 07 a 10/11/2005, com o objetivo de
verificar as ações de controle e monitoramento ambiental (fls. 598 a 608 do ICP).
- Relatório de Vistoria da FEAM, realizada de 13 a 23/02/2006, com o objetivo de
verificar as ações de controle e monitoramento ambiental (fls. 614 a 624 do ICP).
- Relatório de Vistoria da FEAM, realizada de 07 a 10/11/2006, com o objetivo de
verificar as ações de controle e monitoramento ambiental (fls. 570 a 585 do ICP).
- Relatório de Vistoria da FEAM, realizada de 17 a 20/04/2007 com o objetivo de
verificar as ações de controle e monitoramento ambiental (fls. 586 a 587 e 632 a 633 do
ICP).
- Ensaios em amostras de água, realizados pelo CETEC – Fundação Centro Tecnológico
de Minas Gerais (fls. 625 a 631 do ICP).
21
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
- Parecer Técnico da CEAT – Central de Apoio Técnico do Ministério Público (fls. 642
a 655 do ICP).
- Diagnóstico da contaminação ambiental em Descoberto, Minas Gerais, em
decorrência do afloramento de mercúrio em dezembro de 2002. Relatório de
progresso. Versão revisada. Belo Horizonte. Julho/2005. FEAM - Fundação Estadual
do Meio Ambiente; CDTN - Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear;
CPRM - Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais /Belo Horizonte: FEAM (CD
incluso à fl. 656 do IPC).
- Diagnóstico da contaminação ambiental em Descoberto, Minas Gerais, em
decorrência do afloramento de mercúrio em dezembro de 2002. Relatório Final. Belo
Horizonte. Julho/2006. FEAM - Fundação Estadual do Meio Ambiente; CDTN -
Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear; CPRM - Companhia de Pesquisa
de Recursos Minerais /Belo Horizonte: FEAM (CD incluso à fl. 656 do IPC).
- Parecer Técnico da CEAT – Central de Apoio Técnico do Ministério Público (fls. 680
a 684 do ICP).
- Parecer Técnico da CEAT – Central de Apoio Técnico do Ministério Público, em que
se analisa o Relatório Técnico GESOL (Gerência de Gestão de Qualidade do Solo) nº
001/2008 (fls. 688 a 691 do ICP).
- Relatório Técnico nº 001/2008 da GESOL - Gerência de Gestão de Qualidade do Solo
(fls. 684 a 726 do ICP).
- Laudos de Vistoria da CEAT – Central de Apoio Técnico do Ministério Público (fls.
776 a 742 e 744 a 752 do ICP).
22
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
- Parecer Técnico da CEAT – Central de Apoio Técnico do Ministério Público (fls. 774
a 782 do ICP).
- Relatório Técnico nº 011/2010 da GESOL - Gerência de Gestão de Qualidade do Solo
(fls. 809 a 813 e 835 a 839 do ICP).
- Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana, realizado pela empresa de
consultoria TECNOHIDRO – Projetos Ambientais Ltda., a pedido da FEAM (CDs
inclusos à fl. 814 e 853 do ICP).
- Parecer Técnico da CEAT – Central de Apoio Técnico do Ministério Público (fls. 841
a 852 do ICP).
Por conseguinte, não é por falta de conhecimento e estudos
que não se implementou a remediação/desimpactação. A Inércia é inexplicável.
Mais do que isto, inaceitável!!!!
A LEGITIMIDADE AD CAUSAM ATIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Estabelece o inciso III do artigo 129 da Constituição da
República entre as funções institucionais do MINISTÉRIO PÚBLICO a de “...
promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Nesta
toada, dispõe o § 1º do artigo 14 da Lei nº 6.938/1981 competir ao Ministério Público
promover ação judicial de responsabilidade civil por danos acarretados ao ambiente. Se
não bastasse, a Lei nº 7.347/1985 (LACP), em seu artigo 1º, incisos I e IV, também
23
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
legitima o Ministério Público para a defesa do meio ambiente e da generalidade dos
interesses difusos e coletivos.
Deste modo, é o Ministério Público órgão legitimado à defesa
dos interesses sociais e individuais indisponíveis e, especificamente, à tutela do
patrimônio ambiental, objetivando a ampla reparação dos danos eventualmente
ocorridos, a recomposição do meio ambiente lesado e, sobretudo, a prevenção de danos
ao ecossistema local e à sociedade.
A RESPONSABILIDADE DO ESTADO DE MINAS
GERAIS
Não se trata apenas de um problema ambiental, mas também de
saúde pública. Em verdade, o que há é uma bomba-relógio que cedo ou tarde irá
explodir sobre os municípios de Descoberto e ##########, afetando toda região. Não
custa rememorar que o córrego Rico (que corta a área contaminada e sofreu
contaminação) é afluente do ribeirão da Grama, que por sua vez é afluente da margem
esquerda do rio Novo, que é tributário da margem direita do rio Pomba, que é afluente
do rio Paraíba do Sul.
Ora, a saúde é um direito social; e, por consequência - segundo
a cátedra de José Joaquim Gomes Canotilho, “na qualidade de direitos fundamentais,
devem regressar ao espaço jurídico-constitucional, e ser considerados como elementos
constitucionais essenciais de uma comunidade jurídica bem ordenada”17. É um direito
fundamental, social e subjetivo (CF, artigo 6º) reconhecido como de eficácia plena18.
Não sem razão a Constituição da República em seu artigo 196, caput¸ assevera que “a 17 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 97.18 Vide, à guisa de exemplos, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 33 e seguintes. e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 26 e seguintes.
24
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
saúde é direito de todos e dever do Estado”, tratando-se, conforme assentado de alhures
na doutrina e na jurisprudência, de uma responsabilidade solidária.
No caso em concreto, o próprio Estado de Minas Gerais
louvavelmente assumiu para si o múnus. Basta ver as inúmeras diligências já efetuadas
pelo mesmo, principalmente por meio da FEAM – FUNDAÇÃO ESTADUAL DO
MEIO AMBIENTE, órgão seccional de apoio do Conselho Estadual de Política
Ambiental (COPAM), vinculada à SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – SEMAD.
Para acrisolar incertezas pode-se acrescer que a Deliberação
Normativa Conjunta COPAM/CERH nº 02, de 08/09/2010 instituiu o Programa
Estadual de Gestão de Áreas Contaminadas, que, por seu turno, estabeleceu as
diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento
ambiental de áreas contaminadas por substâncias químicas. No caso sub studio, a
contaminação por mercúrio configura sério risco à saúde pública e ao meio ambiente,
tendo a FEAM incluído a Serra do Grama na Lista de Áreas Contaminadas por
município – 2009, classificando-a como Área Contaminada sob Intervenção,
reconhecendo como meios impactados pelo mercúrio o “Solo, Água Subterrânea”.
Demais, o ESTADO DE MINAS GERAIS classificou a área
como “passivo órfão” (ou seja, cujo custo de recuperação não pode ser imputado à
entidade geradora, posto que não identificada), ressaltando o Relatório Técnico GESOL
nº 011/2010 ser “este é o primeiro caso de gerenciamento de área órfã do Estado”.
Certo é que a GERAC – Gerência de Áreas Contaminadas19, divisão da FEAM, é a
atual gestora desta área, segundo o recitado Relatório Técnico GESOL nº 011/2010.
Por fecho, como já mencionado, existem múltiplos estudos
coordenados pela FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente, desenvolvidos pelo 19 Sucessora da GESOL – Gerência de Qualidade dos Solos – GESOL.
25
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
CDTN – Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear, e pela CNEN – Comissão
Nacional de Energia Nuclear. Mais recentemente, o ESTADO DE MINAS GERAIS,
via FEAM, contratou a empresa de consultoria TECNOHIDRO – Projetos Ambientais
Ltda., que, para o mesmo, elaborou um Plano de Intervenção e Gerenciamento
Ambiental com Base no Risco fundamentado na metodologia Risk Assessment Guideline
for Superfund (RAGS), Human Health Evaluation Manual (EPA/540/1-89/002),
propondo medidas institucionais e medidas de engenharia.
CONCLUI-SE, por consectário lógico, ser dever e ônus do
ESTADO DE MINAS GERAIS - diretamente ou por meio da SEMAD ou da FEAM - a
contratação de empresa especializada para elaboração de projeto executivo de
intervenção e sua execução para reabilitação.
PRINCÍPIOS QUE REGEM A CAUSA
Inicialmente, é de se rememorar que o Brasil sediou a
Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO-92) e é signatário de vários
compromissos internacionais, como o Protocolo de Kyoto (ratificado posteriormente
por meio do Dec. Leg. nº 144/2002), a Carta da Terra, a Declaração de Princípios
sobre as Florestas, a Convenção da Biodiversidade, a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas, o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do
Mercosul, a Convenção da Biodiversidade (2010 foi o Ano Internacional da
Biodiversidade), entre outros. São compromissos internacionais firmados pelo Estado
brasileiro no exercício do treaty-making power. Some-se a isto o fato de que a proteção
do meio ambiente para as presentes e futuras gerações é princípio constitucional que
visa garantir a qualidade de vida essencial ao ser humano. Por conseguinte, hoje o
Direito Ambiental é matéria umbilicalmente afeta aos Direitos Humanos.
26
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
Deste modo, a presente ação civil pública se pauta por princípios
específicos, que regem o Direito Ambiental, a serem observados quando da prolação da
venerável sentença. Tais são o princípio da prevenção e o princípio da precaução. A
estes se somam, como consectários, a inversão do ônus da prova e o in dubio pro
natura. Vejamos os mesmos per se:
- Princípio da prevenção:
Quanto ao princípio da prevenção, ensina o Professor Édis
Milaré:
“Vale dizer, a incerteza científica milita em favor do ambiente,
carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções
pretendidas não trarão conseqüências indesejadas ao meio considerado.”.20
Na abalizada opinião do constitucionalista José Joaquim Gomes
Canotilho, o princípio da prevenção é essencial na preservação do meio ambiente, pois
“determina que, em vez de contabilizar os danos e tentar repará-los, se tente sobretudo
evitar a ocorrência de danos, antes de eles terem acontecido”21.
Sinteticamente, pode-se afirmar que em se tratando de meio
ambiente vige o princípio in dubio pro natura. Ou seja, em havendo dúvidas, a solução
deve ser a mais favorável ao meio ambiente. Por conseguinte,
“no Direito Ambiental vigora o princípio in dubio pro nature.
Trata-se de uma outra manifestação do princípio da prevenção que, por
defender que o mais importante é impedir que o dano ambiental aconteça,
entende que a legislação ambiental mais preservacionista deve ser a 20 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.21 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (Coord.). Introdução ao direito do ambiente. Lisboa: Universidade Aberta, 1998, p. 44.
27
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
acolhida porque essa é uma maneira de evitar possíveis degradações. A
finalidade do Direito, que é a de promover a dignidade da pessoa humana e
a paz social, no Direito Ambiental é traduzida como a proteção ao meio
ambiente e, por conseqüência, à vida e à qualidade de vida. Isso justifica a
adoção do princípio in dubio pro nature.”22.
Como bem sumariou Aurélio Virgílio Veiga Rios23, é melhor
errar procurando defender o meio ambiente do que correr riscos ambientais em favor de
interesses particulares.
- Princípio da precaução:
Em relação ao princípio da precaução (vorsorgeprinzip), o
Princípio 15 da “Declaração do Rio de Janeiro”, aprovada por unanimidade durante a
Convenção das Nações Unidades para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro em 1992 dispõe o seguinte:
“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da
precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com
suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis,
a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão
para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a
degradação ambiental”.
Segundo Paulo Affonso Leme Machado,
22 FARIAS, Talden. A Edificação Urbana à Margem de Rios e de Outros Reservatórios de Água em Face do Código Florestal. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico nº 10 - Fev-Mar/2007, p. 54.23 RIOS, Aurélio Virgílio Veiga. O Mercosul, os agrotóxicos e o princípio da precaução. Revista de Direito Ambiental, ano 7, n.° 28, out-dez de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 50.
28
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
“A implementação do princípio da precaução não tem por
finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que
tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da
precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações
humanas e à continuidade da natureza existente no planeta”.24
Na atualidade, a aplicação do princípio da precaução como
instrumento hermenêutico está pacificada no Superior Tribunal de Justiça, tendo sido
evidenciada em paradigmático julgamento da Segunda Turma (REsp 972.902/RS).
O princípio da precaução traz consigo a idéia da inversão do
ônus da prova em favor do meio ambiente.
- Inversão do ônus da prova:
Hoje é entendimento assente no Superior Tribunal de Justiça que
a inversão do ônus da prova marca nova racionalidade jurídica no julgamento de ações
ambientais. Além de firmar-se no princípio da precaução, lastreia a inversão do ônus da
prova nos seguintes dispositivos:
Código de Defesa do Consumidor
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a
critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,
segundo as regras ordinárias de experiências;”
24 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 8ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 47/48
29
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
Lei 7.347/1985
“Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos,
coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da
lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.”
Código Civil
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.” (sem grifos no original).
Transcrevendo entendimento do Ministério Público, anotou a
Ministra Eliana Calmon - em seu paradigmal voto exarado no Recurso Especial nº
972.902 - RS (2007/0175882-0), Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe
14/09/2009 – que, nas questões ambientais,
“A inversão do ônus da prova decorre diretamente da
transferência do risco para o potencial poluidor. Em virtude do
acolhimento da teoria do risco integral, defendida por Antônio Herman
Benjamin, José Afonso da Silva, Fábio Dutra Lucarelli, Nelson Nery Júnior
e Édis Milaré, dentre outros, transfere-se para o empreendedor todo o
encargo de provar que sua atividade não enseja riscos para o meio
ambiente, bem como a responsabilidade de indenizar os danos causados,
bastando que haja um nexo de causalidade provável entre a atividade
exercida e a degradação.
A transferência de riscos impõe, portanto, duas conseqüências
fundamentais. De um lado, a imposição do ônus da prevenção dos danos,
30
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
decorrência, ainda, da aplicação dos princípios da prevenção e da
precaução. De outro, a responsabilização civil objetiva quando já
consolidado o dano, objetivando-se a reparação integral da degradação.
A inversão do ônus da prova decorre, ainda, da redefinição de
alguns dos requisitos para a responsabilização civil objetiva, ante a
constatação da extrema relevância do objeto jurídico protegido e das
dificuldades inerentes às peculiaridades do dano ambiental (caráter fluido,
incerto, com projeções no futuro, de difícil mensuração e avaliação) e à
prova do nexo causal.
Neste voto-modelo, acolhido de modo unânime, invocou a
Ministra Eliana Calmon lição do eminente Ministro Herman Benjamin:
“Uma das justificativas para a constituição de um regime
diferenciado (= fragmentado) para a responsabilidade civil pelo dano
ambiental reside no fato de que a proteção do meio ambiente é informada
por uma série de princípios que a diferenciam na vala comum dos conflitos
humanos.
O primeiro deles, princípio da precaução, já escrevemos em
outro momento, responde a uma pergunta simples mas chave para o
sucesso ou insucesso de uma ação judicial ou política de proteção ao meio
ambiente: diante da incerteza científica quanto à periculosidade ambiental
de uma dada atividade, quem tem o ônus de provar sua inofensividade? O
proponente ou o órgão público/vítima? Em outras palavras, suspeitando
que a atividade traz riscos ao ambiente, devem o Poder Público e o
Judiciário assumir o pior e proibi-la (ou regulá-la, impondo-lhe padrões de
segurança rigorosos), ou, diversamente, deve a intervenção pública ocorrer
somente quando o potencial ofensivo tenha sido claramente demonstrado
pelo órgão regulador ou pelos representantes não-governamentais do
31
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
interesse ambiental, amparados num raciocínio de probabilidades, ou, nos
termos do Direito Civil codificado, num regime de previsibilidade
adequada?
(...)
Com isso, pode-se dizer que o princípio da precaução inaugura
uma nova fase para o próprio Direito Ambiental. Nela já não cabe aos
titulares de direitos ambientais provar efeitos negativos (= ofensividade) de
empreendimentos levados à apreciação do Poder Público ou do Poder
Judiciário, como é o caso dos instrumentos filiados ao regime de simples
prevenção (p. ex., o Estudo de Impacto Ambiental); por razões várias que
não podem aqui ser analisadas (a disponibilidade de informações cobertas
por segredo industrial nas mãos dos empreendedores é apenas uma delas),
impõe-se aos degradadores potenciais o ônus de corroborar a
inofensividade de sua atividade proposta, principalmente naqueles casos
em onde eventual dano possa ser irreversível, de difícil reversibilidade ou
de larga escala.
Noutro prisma, a precaução é o motor por trás da alteração
radical que o tratamento de atividades potencialmente degradadoras vem
sofrendo nos últimos anos. Firmando-se a tese – inclusive no plano
constitucional – de que há um dever genérico e abstrato de não-
degradação do meio ambiente, inverte-se, no campo dessas atividades, o
regime de ilicitude, já que, nas novas bases jurídicas, esta se presume até
prova em contrário. (in Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental,
Revista de Direito Ambiental , São Paulo, v. 9, ano 3, p. 17-18, jan/mar.
1998, grifei).”
E concluiu a festejada Ministra Eliana Calmon:
32
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
“Portanto, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei
8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio da
Precaução, justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o
empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar
a segurança do emprendimento.” (sem destaque no original).
Ainda sobre o tema inversão do ônus da prova, traz-se à baila o
seguinte julgado, versando, coincidentemente, sobre contaminação por mercúrio:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL.
CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE
APLICAÇÃO DOS ARTS. 6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. POSSIBILIDADE DE
INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL.
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA .
1. Em Ação Civil Pública proposta com o fito de reparar alegado
dano ambiental causado por grave contaminação com mercúrio, o Juízo de
1º grau, em acréscimo à imputação objetiva estatuída no art. 14, § 1º, da Lei
6.938/81, determinou a inversão do ônus da prova quanto a outros
elementos da responsabilidade civil, decisão mantida pelo Tribunal a quo.
2. O regime geral, ou comum, de distribuição da carga
probatória assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil. Trata-
se de modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por
isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo do
ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de corrigir eventuais
iniquidades práticas (a probatio diabólica, p. ex., a inviabilizar legítimas
pretensões, mormente dos sujeitos vulneráveis) e instituir um ambiente
33
Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
ético-processual virtuoso, em cumprimento ao espírito e letra da
Constituição de 1988 e das máximas do Estado Social de Direito.
3. No processo civil, a técnica do ônus dinâmico da prova
concretiza e aglutina os cânones da solidariedade, da facilitação do acesso à
Justiça, da efetividade da prestação jurisdicional e do combate às
desigualdades, bem como expressa um renovado due process, tudo a exigir
uma genuína e sincera cooperação entre os sujeitos na demanda.
4. O legislador, diretamente na lei (= ope legis), ou por meio de
poderes que atribui, específica ou genericamente, ao juiz (= ope judicis ),
modifica a incidência do onus probandi, transferindo-o para a parte em
melhores condições de suportá-lo ou cumpri-lo eficaz e eficientemente,
tanto mais em relações jurídicas nas quais ora claudiquem direitos
indisponíveis ou intergeracionais, ora as vítimas transitem no universo
movediço em que convergem incertezas tecnológicas, informações cobertas
por sigilo industrial, conhecimento especializado, redes de causalidade
complexa, bem como danos futuros, de manifestação diferida, protraída ou
prolongada.
5. No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova
é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se
manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução), como
também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim no caso de
hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou outras hipóteses
inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de
condutor e administrador do processo).
6. Como corolário do princípio in dubio pro natura, “Justifica-se
a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade
potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do
empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990
c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da
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Precaução” (REsp 972.902/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma,
DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele que supostamente gerou o dano
ambiental a comprovar “que não o causou ou que a substância lançada ao
meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva” (REsp 1.060.753/SP, Rel.
Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009).
7. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do
Código de Defesa do Consumidor, contém comando normativo estritamente
processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do mesmo
estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os domínios da Ação
Civil Pública, e não só nas relações de consumo (REsp 1049822/RS, Rel.
Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18.5.2009).
8. Destinatário da inversão do ônus da prova por
hipossuficiência – juízo perfeitamente compatível com a natureza coletiva
ou difusa das vítimas – não é apenas a parte em juízo (ou substituto
processual), mas, com maior razão, o sujeito-titular do bem jurídico
primário a ser protegido. 9. Ademais, e este o ponto mais relevante aqui,
importa salientar que, em Recurso Especial, no caso de inversão do ônus da
prova, eventual alteração do juízo de valor das instâncias ordinárias esbarra,
como regra, na Súmula 7 do STJ. “Aferir a hipossuficiência do recorrente
ou a verossimilhança das alegações lastreada no conjunto probatório dos
autos ou, mesmo, examinar a necessidade de prova pericial são providências
de todo incompatíveis com o recurso especial, que se presta,
exclusivamente, para tutelar o direito federal e conferir-lhe uniformidade”
(REsp 888.385/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de
27.11.2006. No mesmo sentido, REsp 927.727/MG, Primeira Turma, Rel.
Min. José Delgado, DJe de 4.6.2008).
10. Recurso Especial não provido. (STJ - Recurso especial nº
883.656 - RS [2006/0145139-9] - Segunda Turma - Relator Ministro
Herman Benjamin - DJe: 28/02/2012).
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
DESTE MODO, apesar do monolítico (senão monstruoso)
conjunto de provas que arrimam o pleito, este ainda se vê guarnecido pelo in dubio pro
natura (ou in dubio pro salute) e pela prerrogativa da inversão do ônus da prova.
A OMISSÃO DO ESTADO E A NECESSIDADE DA
TUTELA ANTECIPADA
Como já sublinhado, a existência da nefasta contaminação veio
à luz em dezembro de 2002. Já se vão, então, ONZE longos anos... Neste período, a par
dos muitos estudos, limitou-se o Estado de Minas Gerais a interditar a área, construir
caixas de sedimentação, canais de drenagem e barreira de contenção. Medidas
meramente paliativas que sequer tocaram o cerne do problema.
Pior, esqueceu de dar manutenção às parcas obras, razão pela
qual as caixas de sedimentação foram tomadas pelo mato, os tanques de tratamento
físico estão inoperantes, a barreira de contenção ruiu em diversas partes e a débil
cerca que delimitava a área simplesmente caiu, não mais existindo em diversos
trechos (confira Relatório de Vistoria de fls. 951/958). É O PERICULUM IN
MORA ESCULPIDO EM CARRARA!
À vera, o local da contaminação - pela inação, pela falta de
manutenção - regrediu a estado símile àquele em que se encontrava em dezembro de
2002, como se nunca tivesse existido!!!
Observe-se que por muito tempo buscou o Ministério Público
uma solução consensual, tendo participado de várias reuniões com a presidência da
FEAM, desde a época do saudoso Dr. Ilmar Bastos Santos.
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
Apresentou, inclusive, um TERMO DE COMPROMISSO DE
AJUSTE DE CONDUTA, sendo que para a confecção do mesmo sempre ouviu e
interagiu com a Fundação, tendo o Ministério Público discutido uma a uma suas
cláusulas, muitas das quais modificadas com base nas ponderações da FEAM (conf.
Correspondências a partir da fl. 854). Experts foram consultados, como a Doutora
Zuleica Carmen Castilhos (do CETEM - Centro de Tecnologia Mineral) e o Doutor
Jorge Antônio Barros de Macedo (do Núcleo de Análise Geo-Ambiental da UFJF).
Grife-se: ao longo dos anos diversas reuniões foram realizadas
para estudos e discussão do caso; focadas na elaboração do TAC foram pelo menos três,
todas realizadas na sede da Fundação Estadual do Meio Ambiente, a saber:
- em 25/04/2012, da qual participaram os promotores de
Justiça ########## e Luciano Badini, a geóloga/CEAT Marta Sawaya
Camelo, o pranteado Presidente da FEAM Ilmar Bastos Santos, sua então Vice-
Presidente Zuleika Stela Chiacchio Torquetti, e técnicos da referida fundação;
- em 10/09/2012, na qual se fizeram presentes os
promotores de Justiça ########## e Mauro da Fonseca Ellovitchi, a
Presidente da FEAM Zuleika Stela Chiacchio Torquetti, a Chefe de Gabinete da
FEAM Adriana Spagnol de Faria e técnicos da referida fundação;
- em 29/04/2013, que contou com a participação do
Promotor de Justiça ##########, do Procurador de Justiça Elias Paulo
Cordeiro, da Presidente da FEAM Zuleika Stela Chiacchio Torquetti, da Drª.
Cíntia Guimarães dos Santos, também da FEAM, e de técnicos da referida
fundação e representantes da Advocacia do Estado; neste encontro a última
versão do TAC foi repassada ao setor jurídico para apreciação e resposta no
prazo de duas semanas, o que não ocorreu.
Em verdade, segundo se extrai do OFÍCIO
PRE.FEAM.SISEMA Nº 120/2013, de 02/08/2013 (fls. 946/947), tudo está pronto e
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
engatilhado para a intervenção na área contaminada; só que “o Governo do Estado
sinalizou um significativo corte no orçamento da FEAM para o próximo ano de
2014...”.
Ora, a situação é emergencial, não só pelo risco que encerra,
mas pela degradação das pálidas providências tomadas anos atrás para tentar evitar o
espraiar do mercúrio. Por isto mesmo, o legislador, visando munir a Justiça de medidas
especiais para afastar os riscos e prejuízos advindos da demora na obtenção da tutela
jurisdicional, criou o gênero tutela de urgência, do qual são espécies: a) Tutela
Cautelar; b) Tutela Satisfativa Autônoma (Cautelar Satisfativa); e c) Antecipação dos
Efeitos da Tutela. É o que nos ensina Humberto Theodoro Júnior:
“Todas essas medidas formam o gênero ‘tutela de urgência’,
porque representam providências tomadas antes do desfecho natural e
definitivo do processo, para afastar situações graves de risco de dano à
efetividade do processo, prejuízos que decorrem da sua inevitável demora e
que ameaçam consumar-se antes da prestação jurisdicional definitiva.
Contra esse tipo de risco de dano, é inoperante o procedimento comum,
visto que tem, antes do provimento de mérito, de cumprir o contraditório e
propiciar ampla defesa”25.
Despiciendo dizer que a tutela de urgência usufrui assento
constitucional, pois “A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou
ameaça a direito” (CF, no artigo 5º, inciso XXXV).
Especificamente em relação à tutela antecipada, ensina
Humberto Theodoro Júnior:
25 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento de sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 650.
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
“Justifica-se a antecipação de tutela pelo princípio da
necessidade, a partir da constatação de que sem ela a espera pela sentença
de mérito importaria denegação de justiça, já que a efetividade da
prestação jurisdicional restaria gravemente comprometida. Reconhece-se,
assim, a existência de casos em que a tutela somente servirá ao demandante
se deferida de imediato”26.
Para coibir abusos estabeleceu o legislador requisitos precisos
para a antecipação da tutela, cinzelando-os no artigo 273 do Código de Processo Civil:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,
total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial,
desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da
alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação;”
Ou seja, a par do fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação (que já está demonstrado plenamente nos autos com fatos e
circunstâncias; afinal, se a “bomba-relógio” explodir, não haverá provimento judicial
que ressuscite o status quo ante), necessária a presença da prova inequívoca, da
verossimilhança da alegação, além da reversibilidade da medida concedida (CPC, §2º
do art. 273)
Prova inequívoca não é prova absoluta, mas sim aquela capaz
convencer o juiz que a parte é titular do direito material invocado. Consoante a melhor
doutrina,
26 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op cit., p. 650.
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
“Trata-se tão só de prova robusta, consistente, que conduza o
magistrado a um juízo de probabilidade, o que é perfeitamente viável no
contexto da cognição sumária”27.
Já a verossimilhança da alegação, esta nada mais é um fumus
boni iuris28 dotado de maior intensidade, isto porque, segundo a doutrina, a antecipação
da tutela implica num juízo cognitivo mais profundo do que se exigiria de uma cautelar.
Com efeito,
“[...] o juízo de verossimilhança repousa na forte convicção de
que tanto as quaestiones facti como as quaestiones iuris induzem a que o
autor, requerente da Antecipação de Tutela, merecerá prestação
jurisdicional a seu favor”29.
Ora, o cotejo das provas carreadas aos autos, aos quais se
somam múltiplos estudos, alguns com publicação internacional, conduzem, com
firmeza à conclusão da existência de prova inequívoca, à qual ombreia a
verossimilhança da alegação. Quanto ao pressuposto negativo afeto à reversibilidade
da medida concedida, este dispensa comentários. Querendo, num exercício de fantasia
apocalíptica, pode o Estado a qualquer tempo contaminar novamente a área.
Demais, sob a guarita de Hugo Nigro Mazzilli e José dos Santos
Carvalho Filho (entre outros), tem-se:
27 DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e antecipação dos efeitos da Tutela. 4ª ed. Bahia: Juspodvim, 2009, p. 488,28 “O convencimento de verossimilhança é correlato ao de cognição sumária ou superficial. Nestas hipóteses, o juiz tem uma razoável impressão de que o autor tem razão, mas não certeza absoluta, como ocorre na cognição exauriente. Trata-se da tradicional noção de fumus boni iuris.” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. Curso Avançado de Processo Civil. vol. 1. 10ª ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2008, p. 359)29 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação da tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 24.
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
“Sem dúvida é possível a tutela antecipada em ação civil
pública ou coletiva. Não bastasse a regra genérica do art. 273 do CPC,
ainda temos que o parágrafo 3º do art. 84 do CDC permite que o juiz
conceda a tutela liminarmente ou após justificação prévia; ora, esta regra
não vale apenas para ações coletivas do CDC, mas também se estende a
todo o sistema das ações civis públicas, por força do art. 21 da LACP”30.
“PEDIDO CONSTITUTIVO – Nos casos em que o autor
formular pedido de natureza constitutiva, que, como já visto, não representa
o que ocorre normalmente, será cabível a tutela antecipada, desde que, é
lógico, estejam presentes os requisitos que a lei processual exigiu para sua
configuração”31.
Por fim, do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais colhe-
se o seguinte acórdão:
TUTELA ANTECIPATÓRIA – Concessão antes da citação do
réu – Admissibilidade, pois não se trata de juízo finalístico no processo.
Ementa Oficial: “Quando a lei criou o instituto da antecipação
da tutela jurisdicional, à similitude das cautelares, não impediu que ela
fosse outorgada antes da formação da triangularidade processual,
bastando haver adminículos probatórios, de pronto, anexados ao exórdio.
Provas boas, firmes e formadoras de certa convicção bastam para o
deferimento da antecipação da tutela, mesmo porque não se trata de juízo
finalístico.” (TAMG – 7ª Câmara Cível – AI n. 241.169-4 julgamento
18/09/1997 – Rel. Juiz Quintino do Prado – RT 749/418 – sem grifo no
original).
30MAZZILLI, Hugro Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 231.31 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Ação Civil Pública: Comentários por Artigo (lei 7.347, de 24/7/85). 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 119/120.
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
Não há, portanto, discussão acerca da viabilidade da concessão
da tutela pleiteada inaudita altera parte.
PEDIDOS
1º. Tutela Antecipada:
Em face do exposto, e pelo que mais contém os documentos
anexos, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais requer a Vossa Excelência,
com fundamento no art. 12 da Lei nº 7.347/1985, art. 84, da Lei nº 8.078/1990 e no
poder geral de cautela deferido ao Juiz pelos arts. 273, 798 e 799, do Código de
Processo Civil, a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar aos demandados:
1) Que, no prazo de 60 (sessenta) dias, seja contratado projeto
executivo de intervenção para a área contaminada, identificada no Inquérito Civil nº
MPMG-0629.03.000001-8, com detalhado cronograma de execução, incluindo a
proposição, devendo o responsável pela elaboração do projeto usufruir comprovada
experiência na investigação de áreas contaminadas, na avaliação de risco, bem como na
elaboração de projetos de remediação.
2) Caso o projeto executivo do plano de intervenção já exista,
consoante dá a entender o OFÍCIO PRE.FEAM.SISEMA Nº 120/2013, de 02/08/2013
(fls. 946/947 do ICP), que cópias do mesmo - impressa e digitalizada - sejam acostadas
aos autos em sua íntegra.
3) Que cópias - impressa e digitalizada - do projeto executivo
sejam entregues ao Ministério Público pra que os técnicos da CEAT possam efetuar sua
análise.
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
4) Seja determinado que o projeto executivo apresente subsídios
para a execução dos serviços, as especificações de materiais, métodos de execução,
controles a serem implementados durante as obras, plano de saúde e segurança, plano
de manutenção e monitoramento, diretrizes gerias de contratação das obras, estimativa
de quantitativos e custos previstos, prevendo, ainda medidas institucionais referentes à
restrição de acesso e sinalização do local, instituindo uma “Zona de Restrição de Uso”,
observando-se que a área interditada pela FEAM por meio da Deliberação nº 127/2003,
de 27/08/2003 equivalente a 8.000 m2 (oito mil metros quadrados).
5) Quer na hipótese de confinamento, quer na hipótese de
retirada integral do solo contaminado do local, que as medidas de engenharia
(especialmente para as áreas de hotspots), adotem a filosofia aplicada para fechamento
de mina, ou seja, a solução de engenharia utilizada deverá garantir estabilidade química
(dimensão geoquímica) e estabilidade física (dimensão geotécnica), bem como a
reabilitação da área afetada (onde for possível).
6) Caso os demandados optem pelo confinamento/blindagem - e
não pela retirada do solo contaminado do local - que a estrutura empregada prime-se:
- pela impermeabilidade, procurando, na medida do possível, evitar a passagem
de água e oxigênio (responsáveis pela disseminação do mercúrio no meio
ambiente), devendo as medidas de engenharia almejarem impedir a infiltração
das águas que podem atingir os hotspots, especialmente aquelas à montante,
atentando, ainda, que o fluxo das águas no interior do solo não se restringe à
direção vertical, tendo também considerável componente na horizontal;
- pela grande durabilidade e alta resistência, observando com tento que, mesmo
para estruturas de concreto, a garantia de uma estrutura durável quanto aos
agentes de deterioração, “não passa por uma medida isolada. São várias e
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
passeiam desde a fase de concepção (arquitetura e estrutura), execução e
escolha de materiais até a sua a forma de utilização a qual foi projetada”;
- pela segurança;
- pela baixa ou nenhuma demanda de manutenção.
7) Caso os demandados optem pelo confinamento/blindagem - e
não pela retirada do solo contaminado do local - que o projeto de intervenção esmere-
se:
- na indicação dos critérios de manutenção em longo prazo;
- na indicação das ações de monitoramento ambiental;
- na estimativa dos custos para manutenção e monitoramento ambiental;
- no detalhamento das razões por que se escolheu determinado material (ex.: na
hipótese de se optar por revestimento mineral de alta resistência química à base
de cimento, como o sistema Penetron esclarecer seus prós e contras), a
espessura, as especificações técnicas, o modo como se dará a execução, os
parâmetros de eficiência esperados, o sistema de drenagem etc.
- na apresentação dos fundamentos e pesquisas científicas que amparam as
propostas e soluções escolhidas.
8) Que o projeto executivo seja integralmente implementado no
prazo máximo de 2 (DOIS) anos.
9) Que durante a execução do projeto sejam, a cada 6 (SEIS)
meses, realizadas avaliações clínico-epidemiológicas, para a população de Descoberto,
para investigar contaminação por mercúrio, apresentando-se relatórios.
2º. Pedido final:
In terminis, o Ministério Público requer:
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a) a citação do ESTADO DE MINAS GERAIS e da
FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE - FEAM, para que, querendo,
contestarem a presente demanda, sob pena de confissão quanto à matéria de fato e sob
os efeitos da revelia;
b) inversão, já no despacho inicial, do ônus da prova em
desfavor dos requeridos, ou se não se entender que o momento da inversão seja esse,
que se faça no despacho saneador, ou, ainda, na sentença;
c) a concessão dos benefícios dos artigos 172, § 2º, do CPC,
autorizando o Oficial de Justiça a realizar diligências após às vinte horas (20h00) e em
finais de semana e feriados;
d) ao final, seja julgado procedente a presente ação, tornando
definitiva a tutela antecipada requerida, determinando, ainda, a condenação dos
demandados em obrigações de fazer, consubstanciadas:
d.1) na confirmação, ao final, das decisões de
OBRIGAÇÃO DE FAZER, porventura concedidas em sede de antecipação de
tutela, em seus termos;
d.2) caso não concedidas em sede liminar, sejam, ao
final, julgadas PROCEDENTES as OBRIGAÇÕES DE FAZER apontadas
acima, como pedidos de tutela antecipada, tomando-as como pedidos finais;
e) seja fixada multa pecuniária diária, no valor de R$ 10.000,00
(dez mil reais) para cada dia de descumprimento de qualquer uma das obrigações ora
pleiteadas (tanto as concedidas em tutela antecipada como as concedidas em decisão
definitiva), importância atualizada monetariamente até o momento de seu pagamento
judicial ou extrajudicial, que deverá ser revertida ao Fundo Especial do Ministério
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
Público do Estado de Minas Gerais – FUNEMP (Banco do Brasil S/A, agência 1615-2,
conta corrente nº 6167-0 ou qualquer outra conta indicada para este fim),
f) seja fixada indenização por danos morais e materiais em favor
do Senhor Antônio Carlos da Silva (“SEU LOTT”), pessoa este que apesar de ter
descoberto a contaminação, por mais de uma década se viu ignorado e abandonado às
margens da área contaminada; sugere-se 2 (dois) salários-mínimos mensais, a partir de
dezembro de 2002 (data em que se descobriu a contaminação) até o fim da realização do
projeto executivo;
f) a juntada do Inquérito Civil nº MPMG-0629.03.000001-8,
instaurado e concluído pelo Ministério Público Estadual, como prova documental dos
fatos;
g) a condenação ao pagamento de honorários periciais, custas
processuais e demais despesas judiciais;
h) a intimação pessoal do Ministério Público em relação a
todos os atos e termos deste processo, mediante entrega e vista dos autos na sede das
Promotorias de Justiça em ##########;
i) a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros
encargos, em vista do preceituado no artigo 18 da Lei n° 7.347/1985.
Embora já tenha apresentado o Ministério Público Estadual
prova pré-constituída do alegado, requer, outrossim, produção de prova documental,
testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, caso ainda necessárias ao pleno
conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar
com a apresentação de contestação.
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Ministério Público do Estado de Minas GeraisComarca de ###########ª Promotoria de Justiça
O Ministério Público Estadual atribui à causa o valor de R$
2.7000.000,00 (dois milhões e setecentos mil reais).
##########, 15 de janeiro de 2014.
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Promotor de JustiçaPromotor de Justiça
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