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14 Novembro 2010 * www.revdesportiva.pt
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Actividade física em ambiente frio
Introdução
O aproximar do Inverno significa que a
temperatura ambiente vai baixar, mas
nem por isso a prática desportiva é in-
terrompida. Apesar de as temperaturas
não baixarem tanto como noutros países,
importa tomar medidas preventivas para
evitar complicações médicas, potencial-
mente fatais, já que os sujeitos com pro-
blemas cardiovasculares estão mais vul-
neráveis [1], pois as baixas temperaturas
tornam o tecido cardíaco mais “irritável”
e predisposto a arritmias fatais [2].
Considerações fisiológicas
O corpo humano mantém a homeostasia
térmica através da regulação das perdas e
ganhos de calor que acontecem através da
radiação, condução e conveção, Quando a
temperatura corporal (TC) sobe e estes me-
canismos são relativamente insuficientes,
surge o processo sudação / evaporação, que
é fundamental no contexto da hipertermia.
O calor metabólico, aquele que é produzido
principalmente na contracção muscular, é
fundamental para o aquecimento do corpo.
A prática de exercício físico em ambiente
frio pode ser boa pela produção adicional
de calor [1] no músculo, o que permite a
manutenção da TC. Os arrepios (de frio)
são contracções musculares espontâneas
adicionais que acontecem para produzir
mais calor metabólico [1]. A maior ou me-
nor influência ou predomínio dos factores
referidos será responsável pela TC.
Definições
Quando a TC é inferior 35ºC existe HIP,
que se classifica em ligeira (35 a 32ºC), mo-
derada (35 a 32ºC) ou grave, quando a TC é
inferior a 30ºC[5]. O frosbite (congelamento)
ocorre quando a temperatura tecidular é
inferior a -0,6 ºC [2] ou a 0ºC [3]. É classifica-
do como sendo superficial, intermédio ou
profundo [2] ou em superficial (sem perda
de tecido) e em profundo (com perda de
tecido) [3]. Ocorre com mais frequência nas
extremidades e apêndices menos prote-
gidos (pés e mãos) e/ou mais expostos ao
frio (orelhas, nariz). Para além da exposição
ao frio severo, estas áreas recebem menos
calor interno, devido à forte vasoconstrição
abstract
A prática desportiva em ambientes frios pode ser causadora de hipotermia, definida como temperatura corporal inferior a 35,0ºC. A temperatura ambiente e o vento, assim como al-guns factores de risco intrínsecos, podem contribuir para esta situação. O tratamento deve ser imediato, mas a prevenção é fundamental. Deve ser usada roupa adequada, fina, com várias camadas, sendo a exterior isoladora e repelente da água e vento. A velocidade de corrida e a hidratação devem ser acauteladas.
Sports activity on cold environments can cause hypothermia, defined as body temperature lower than 35,0ºC. The environment temperature and the wind, and also some intrinsic fac-tors, predispose to this condition. There must be an immediate treatment, but prevention is fundamental. It should be worn proper, thin and several layers of cloth and the outside layer should be waterproof and water and wind repellent. The speed of the workout and hydration should be considered.
Hipotermia, Ambiente frio, Congelamento;(Hypothermia, Cold environment, Frostbite)
Dr. basil ribeiro, especialista em Medicina Desportiva. Médico coordenador da Federação Portuguesa de Basquetebol
palavras-chavekeyworDs
» Rev Medicina Desp in forma, 1 (6), pp.14-16, 2010
15revista de Medicina desportiva in forma * Novembro 2010
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periférica, com consequente desvio e diminuição para a periferia do
fluxo sanguíneo [1], para preservar a temperatura central [4]. Embora
raro, pode acontecer entre nós na prática desportiva na neve ou no
gelo, especialmente nos portadores de Doença de Raynaud, que so-
frem grave vasoconstrição perante o frio [1].
Factores de risco
De um modo geral, os idosos ou os recém-nascidos, as pessoas ex-
postas a ambiente frio (profissionais ao ar livre ou atletas), os por-
tadores de patologias (hipotiroidismo, insuficiência da supra-renal,
história de AVC, doença de Parkinson, malnutrição, insuficiência
hepática ou renal e outras), os que tomam medicamentos (feno-
tiazinas, barbitúricos, anestésicos e outros) ou que ingerem álcool
são as pessoas que perdem mais calor ou o produzem em menor
quantidade / taxa, pelo que têm maior risco de HIP [3]. A ingestão de
álcool, drogas, a doença, a lesão e a negligência são factores de risco
para a HIP [5]. A acção vasodilatadora do álcool favorece a perda de
calor interno [1], e a sensação de rubor cutâneo, embora agradável
no momento, tem consequência nefasta, pois facilita o desenvol-
vimento da HIP. A magreza (falta de gordura isoladora), o uso de
tabaco e de cafeína (vasoconstrição) e a fome são factores de risco
intrínsecos a considerar [1]. A prática desportiva em ambientes com
temperaturas baixas, menor que 18ºC [2], especialmente se a pes-
soa estiver molhada (pelo suor, chuva ou neve) ou imersa em água
fria, é um factor de risco importante. A condutividade térmica na
água é 32 vezes superior na água que no ar [2], o que provoca grande
perda calorífica e arrefecimento rápido [4]. Os eventos de resistência
prolongados (especialmente a maratona e a meia maratona), em
ambientes adversos, devem merecer atenção, pois a exaustão física,
com depleção do glicogénio muscular, diminui a taxa metabólica
e a produção de calor. Nestes eventos importa estar mais atento
aos atletas mais lentos [1], que demoram 4, 5 e 6 horas a percorrer
os cerca de 42 km, pois a taxa de produção de calor é mais baixa
(velocidade de corrida mais lenta), insuficiente para compensar o
ambiente mais frio. Também o atleta diabético pode ser vítima de
hipoglicemia [2], com consequente menor distribuição de glicose
para a contracção muscular. O deficiente equipamento ou a roupa
inadequada são factores que favorecem a HIP [6].
Ter atenção à humidade do ambiente (que não é importante com
temperaturas abaixo de 0ºC) e à velocidade do vento [2] (ou do atle-
ta). O vento é um factor de risco e causa bastante a perda de calor
corporal pela radiação, conveção e evaporação [2]. A velocidade de
deslocamento do atleta também é importante e este efeito do vento
faz-se sentir mais no ciclista que rola a 40 km/h que o marchador a
5 km/h. Existe mesmo uma tabela (Índice vento-frio) que classifica
o risco de HIP em risco mínimo, aumentado ou muito elevado, de
acordo com a conjugação dos valores destas duas variáveis [1].
Diagnóstico
No frosbite (congelamento) a região afectada está branca, fria e rija ao
toque [2], enquanto no atingimento profundo o tecido “pode parecer
cera, mosqueado, amarelado ou branco-violáceo” [3]. Os sintomas in-
cluem o défice sensorial (tacto, dor e temperatura) [3], as parestesias
ou adormecimento dos dedos dos pés e das mãos, e a sensação de
queimor no nariz e nas orelhas [6].
A exposição súbita ao frio causa aumento da frequência e do débito
cardíaco, vasoconstrição periférica, aumento da resistência vascular
periférica [3] e aumento da pressão arterial. As primeiras indicações
de HIP incluem o comportamento irracional [6] e outras alterações
do estado de consciência, com confusão, más decisões tomadas pelo
atleta, alteração da coordenação, com evolução para a apatia e o coma [2]. Num contexto de ambiente frio, o aparecimento de alterações das
funções cerebral e muscular deve levantar a suspeita de início da HIP [6]. Reparar nas alterações do padrão da marcha e da fala, que se torna
lenta e “presa” [6]. O aumento do volume intravascular é eliminado
pela acção renal, o que origina desidratação, característica dos esta-
dos hipotérmicos [2] [3]. Com a temperatura corporal a baixar dos 32ºC
a viscosidade sanguínea aumenta, existe coagulopatia, trombocito-
penia, etc [3]. O ritmo sinusal cardíaco dá lugar a fibrilhação auricular,
seguida de fibrilhação ventricular (FV) e assistolia. Todas as arritmias
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tendem a reverter com o aquecimento corporal, com excepção da
FV [5]. A HIP é confirmada através da medição da TC em dois locais,
com termómetro de baixa temperatura (até -20ºC) [1], já que os tradi-
cionais apenas medem até cerca de 34,4ºC [3]. Se possível, devem ser
escolhidas as temperaturas rectal e esofágica, que dão valores mais
fidedignos que as temperaturas axilar ou mesmo a do ouvido.
Tratamento da hiotermia
O tratamento no local consiste em impedir mais perdas caloríficas
e o aparecimento de arritmias fatais [2]. Remove-se a vítima para
um local abrigado, mais quente, removem-se as roupas molhadas,
que são substituídas por vestuário seco e aquecido [1]. A HIP ligei-
ra deve ser tratada com reaquecimento externo passivo, enquanto
na moderada e na grave o reaquecimento deve ser activo: externo
(fornecimento de calor, que pode ser em imersão em água aquecida
a 44-45ºC); ou interno (soros, lavagem peroteneal, oxigénio aque-
cido, etc.) [2] [3]. Se a vítima estiver consciente deve ser estimulada
a ingerir líquidos quentes [1] ou então coloca-se um acesso venoso
para infusão de soro quente (40-42ºC) [3], mas sem lactato, porque
o fígado frio não metaboliza o lactato [2]. A monitorização cardía-
ca com ECG deve ser iniciada logo que possível [2] [3]. As arritmias
fatais, taquicardia ventricular sem pulso e a fibrilhação ventricular,
são tratadas seguindo os algoritmos dos Suportes Básico e Avança-
do de Vida [5]. Outros cuidados e monitorizações mais diferenciadas
devem ser instituídos já em ambiente hospitalar [2] [3].
Prevenção
A exposição ao frio é o elemento essencial para o aparecimen-
to da HIP. Assim sendo, várias medidas preventivas devem ser
tomadas [1] [2] [3] [4] [6]:
a) Obter aconselhamento médico no sentido de averiguar se
existem patologias (cardíacas, endócrinas, etc.) compro-
metedoras da prática de exercício físico em ambiente frio;
b) Antes de iniciar o exercício no exterior confirmar a tempe-
ratura ambiente e a velocidade e direcção do vento. Correr
com vendo pelas costas ou pela frente tem custos metabó-
licos muito distintos. A possibilidade de arrefecer é menor
se no regresso do treino o vento bater nas costas, para além
de se prevenir / suportar melhor a eventual fadiga;
c) Usar roupa adequada significa usar várias camadas / peças de
roupa leve, de espessura fina em vez de uma ou duas muito
grossas. Tal permitirá a acumulação de ar quente entre as
várias camadas de roupa e melhorar o isolamento térmico.
Contudo, deve-se evitar roupa em excesso, pois tal causará
sudação abundante. No momento em que o suor começa a
ser evaporado haverá criação de frio junto da pele e, assim,
favorecer a HIP. A roupa junto à pele deve ser feita de sin-
tético leve, tipo polipropileno, pois remove rapidamente o
suor da superfície cutânea e seca também rapidamente. O
algodão e outras fibras naturais tendem a ficar ensopadas,
o que dá a sensação desagradável junto à pele, e perdem
cerca de 90% das suas propriedades isoladoras. A peça
de fora deve ser leve, isoladora e repelente da água (para
protecção da chuva e da neve), respirável e ter fecho, para
que possa ser aberta quando o corpo está sobreaquecido.
As outras peças devem ser facilmente removidas quando
tal acontece, assim como devem ser facilmente vestidas se
entretanto ocorrer arrefecimento corporal;
d) Perde-se muito calor pelas extremidades. Pela cabeça per-
de-se cerca de 30 a 40% do calor corporal. Usar então gor-
ros e luvas (um par fino sob outro mais grosso se neces-
sário). Por vezes pode ser necessário calçado de tamanho
superior para poder acomodar par(es) de meia(s) extra.
Nas situações com mais frio ou em asmáticos, considerar
a utilização de lenço ou máscara sobre a boca e nariz;
e) A nutrição e principalmente a hidratação são muito im-
portantes, mesmo neste contexto de prática desportiva
em ambiente frio. Perde-se muita água pela sudação,
que rapidamente se evapora e não permite a percep-
ção desta perda de líquido. Os eventos longos exigem
o fornecimento periódico de carbohidratos;
f ) Controlar a passada a de corrida nos eventos longos
(meia maratona e maratona), de modo a que se man-
tenha sempre a mesma intensidade de esforço, isto é,
a mesma taxa de produção de calor, e se evite a dimi-
nuição drástica do ritmo de corrida nas fases finais da
prova por fadiga e menor produção de calor corporal;
g) Estar atento aos sintomas e sinais de HIP e ter disponível
o (pedido) socorro.
Regresso à prática desportiva
Após a resolução da HIP, isto é, o corpo está normotérmico
e todos os órgãos funcionam normalmente, não há restrições
à prática [2]. Deve, contudo, haver aconselhamento para evitar
novo evento. O risco de novo episódio de congelamento é duas
vezes superior após a ocorrência do primeiro [1].
Bibliografia
1. Peter Raven. Environmental physiology and medicine. In: ACSM’s Guidelines for the
Team Physician, Lea & Febiger, Philadelphia, 1991.
2. William O. Roberts. Environmental Concerns. In: ACSM’s Handbook for the Team Phy-
sician, Williams & Wilkins, Baltimore, 1996.
3. Eugene Braunwald et al. HIP e Congelação. In Harrison Manual de Medicina, 15ª ed,
Lisboa, 2004.
4. Mayo Clinic Staff. Exercise and cold weather: Stay motivated, fit and safe. http://www.
mayoclinic.com/health/fitness/HQ01681
5. European Resuscitation Council. New guidelines for resuscitation (CPR). Elsevier, Oxford, 2005.
6. Jon Gestl. Winter Weather workouts. http://www.topendsports.com/medicine/cold.htm.
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