A Sabedoria Do Caipira - Folha de Londrina - O Jornal Do Paraná - Brasil

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18/04/2015 ­­ 00h00

A sabedoria do caipiraNós brasileiros muitas vezes tomamos como novo e verdadeiro tudo o que vem doexterior e deixamos de valorizar coisas boas que temos por aqui

Em meados dos anos oitenta, fui secretário do Planejamento do município de Londrina,quando era prefeito o dr. Wilson Moreira. O "velho", como era chamado, tornou­se umafigura lendária na região. Mineiro, formado em Engenharia, empresário comercial, agricultore pecuarista, era homem de moral irretocável e de grande sabedoria, apesar de ele mesmo sedizer um caipira. 

Muitas ideias que hoje leio em autores norte­americanos, eu já tinha ouvido do dr. Wilson.Lá em seu mundo de interior, longe dos holofotes e da fama, com sua fala mansa e modossimples, ele dizia coisas que, se tivessem sido publicadas, não ficariam nada a dever a certosgurus de administração. 

Lembro que, quando um secretário começava a falar sobre a solução para algum problema,ele pegava uma folha, anotava quatro perguntas e dizia: "Volte a seu gabinete, estude essasquatro perguntas e só retorne aqui quando tiver as respostas e suas justificativas". Asperguntas eram: a) Qual é concretamente o problema? b) O que precisa ser feito? c) Qual é oplano de ação? d) Quanto vai custar? 

As perguntas acima faziam parte do método de planejamento do "velho", e elas dizemrespeito ao foco da situação (qual é concretamente o problema), às decisões (o que precisaser feito), às soluções (qual o plano de ação) e aos recursos (quanto vai custar). Muitosautores inventam frases rebuscadas para dizerem a mesma coisa. O dr. Wilson era umestudioso e vivia ensinando a nós todos, seus secretários. Por onde andasse, ele tinha ohábito de ensinar, e dizia que sua frustração era não ser professor. 

Os que falavam demais, ele costumava censurar dizendo: "Falatório comprido é bom parasessão de brainstorming. Mas frente a um problema específico, precisamos ter foco, serobjetivos e pragmáticos". Quando alguém queria dar uma opinião, ele perguntava: "Vocêconhece esse problema ou, pelo menos, se dedicou a estudá­lo?". Se a resposta fosse "não",ele dispensava o palpite. 

Falando sobre gestão para estudantes do ensino médio, abandonei os gurus estrangeiros denomes pomposos e lhes contei a história do dr. Wilson: um menino pobre e franzino, que setornou empresário bem­sucedido e prefeito aplaudido. Falei das ideias e teorias dele, muitasdas quais estão por aí, ditas por gurus como se fossem novas e revolucionárias. 

Os americanos são especialistas em usar expressões novas para embalar ideias velhas eteorias antigas ditas por algum filósofo ou algum escriba do passado. Respaldados por teremnascido nos Estados Unidos – nação admirável quando se trata de ciência, tecnologia esucesso empresarial –, eles nos oferecem livros fantásticos, mas também nos enfiam obras

requentadas e de baixa qualidade. 

Nós brasileiros muitas vezes agimos como colonizados mentais, não conseguimos fazerdistinção entre pérolas e lixo, tomamos como novo e verdadeiro tudo o que vem do exterior edeixamos de valorizar coisas boas que temos por aqui. Uma das razões é que o Brasil – naçãofantástica, mas recheada de pobreza e maus exemplos – dificulta a credibilidade dos nativosdaqui. 

O dr. Wilson faleceu em 2008, aos 84 anos, e deixou um exemplo de sabedoria e de retidãomoral. Para quem se autoproclamava um caipira, ele era, na verdade, um homem notável.Pena que suas ideias não tenham sido registradas em livro. 

JOSÉ PIO MARTINS é economista e reitor da Universidade Positivo em Curitiba