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A escrita de resenha na universidade a partir de contextos distintos: a
importância de se ensinar os gêneros textuais
Taiana Grespan
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE)
Márcia Sipavicius Seide
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE)
Resumo: A tarefa de escrever é, para muitos estudantes, árdua. Além disso, o desconhecimento
a respeito de alguns gêneros textuais exclusivos da esfera acadêmica também se torna um
empecilho para a boa escrita desses textos. Mesmo assim, essas produções serem cobradas
como avaliação já se tornou uma prática comum entre professores universitários. Nessa
perspectiva de escrita, desconsidera-se que as práticas de letramento vivenciadas no Ensino
Médio (EM) são distintas das do Ensino Superior (ES), tanto no nível dos gêneros quanto no
da linguagem. Assim, a partir das concepções de letramento de Lea e Street (1998), este
trabalho busca apresentar e comparar duas práticas de produção de resenhas em um curso de
Secretariado Executivo de uma universidade pública do Paraná. Ressalta-se que esta é uma
continuação de uma pesquisa anterior, sendo que nesta serão analisadas resenhas produzidas
por uma turma de primeiro ano. Espera-se, com este trabalho, evidenciar a importância dos
letramentos acadêmicos na formação de profissionais mais instruídos e críticos.
Palavras-chave: Letramentos acadêmicos; escrita acadêmica; resenha.
Abstract: Writing textual genres typical of the university, for many professors, a habitual and
innate task of academics. From this conception, some texts are collected in an evaluative form,
and, many times, they have not been explained. In this context, we forget that literacy practices
experienced in Higher Education (MS) are completely different from those of Higher
Education (ES), both at the level of genders and in language. Thus, based on Lea and Street
(1998), this paper seeks to present and compare two practices for the production of reviews in
an Executive Secretariat Course at a public university of Paraná. We will analyze reviews
produced by two classes, and in one (second year) the genre was worked and in the other (first
year) simply charged, without previous study. It is hoped, with this work, to highlight the
importance of academic literacies in the formation of more educated and critical professionals.
Keywords: Academic literacy; academic writing; review.
Introdução
Conversar com o orientador, vender um produto, convencer alguém a alugar um
determinado imóvel, sair-se bem em uma entrevista de emprego, compreender um texto ou
escrever um artigo científico são ações praticadas – mais ou menos intensamente – pelas
pessoas, por vezes, com dificuldades. Konder (2003, apud ROJO; BARBOSA, 2015) define
tais atividades – praticadas pelos indivíduos os quais transformam o mundo circundante – como
“práxis”. Ainda nessa perspectiva, podemos entender que as práticas sociais se dão, em nossa
sociedade, de forma organizada a partir das esferas sociais a que pertencem e são praticadas.
Neste trabalho, parte-se da esfera acadêmica para compreender de que forma algumas práticas
– especificamente as de produção de texto – ocorrem e por que, muitas vezes, não atingem os
resultados esperados pelos sujeitos envolvidos (professores e alunos).
A prática de produção de textos na universidade tem ganhado um foco cada vez maior.
Não somente nas áreas de licenciatura tem-se percebido a necessidade de um olhar cada vez
mais cuidadoso para o texto acadêmico. Partindo dessa reflexão, questiona-se: a universidade
está tomando para si um papel que não deveria ser seu, o de ensinar o básico? Os jovens estão
preparados para o ensino superior? Houve uma aprendizagem eficaz no que tange a
interpretação de diversos textos? Até que ponto essa defasagem trará prejuízo para o aluno no
exercício de sua profissão? E até que ponto esse fator prejudica o ensino superior, tirando seu
foco real de ensino para o ensino básico?
Ainda questionando o foco da produção textual no ensino superior, percebe-se que, em
diversos momentos, textos característicos da esfera acadêmica têm sido cobrados pelos
professores como critério meramente avaliativo. Entretanto, nem sempre esses gêneros são
ensinados em sala, sendo que, diversas vezes, os professores acreditam que o aluno traga tal
conhecimento do ensino médio. Contudo há que se considerar que os textos produzidos nos
dois contextos de letramento (Ensino Médio e Ensino Superior) são distintos e, por isso, na
universidade, assim como no ensino básico, a produção de texto necessita de uma atenção
especial.
Considerando essa importância do ensino e atenção aos gêneros na universidade, este
trabalho objetiva demonstrar a importância do ensino dos tipos de textos – típicos da esfera
acadêmica – em sala de aula. Trata-se da ampliação de um trabalho publicado recentemente o
qual comparou os resultados da escrita de resenhas em primeira versão de duas turmas distintas,
cujas produções também ocorreram de formas diferentes – uma com orientação e outra sem.
Para este trabalho, analisou-se um corpus constituído por 32 resenhas (16 de primeira e 16 de
segunda versão) produzidas durante as aulas de Língua Portuguesa por acadêmicos do primeiro
de um curso de Secretariado Executivo de uma universidade pública do Paraná.
Para a melhor organização deste estudo, o trabalho conta, além desta introdução, com
uma seção específica sobre a escrita no ambiente acadêmico (A escrita acadêmica e suas
implicações: qual seu papel no ensino superior?), a qual está subdivida em um tópico que
tratará acerca do gênero resenha (Breves considerações sobre o gênero resenha). Na sequência,
será apresentado o procedimento metodológico (Procedimentos metodológicos) utilizado para
a realização desta pesquisa, seguido dos resultados da análise (Análise das resenhas) e, por
fim, as considerações finais.
1 A escrita acadêmica e suas implicações: qual seu papel no ensino superior?
O trabalho com a produção de textos dentro da universidade – uma das principais
produtoras de conhecimento – sempre foi muito intenso, principalmente com fins específicos.
Ao ingressarem no ensino superior, os acadêmicos se veem abarrotados de atividades de
produção textuais as quais vão desde simples relatórios de aula até trabalhos de conclusão de
curso. Essa é uma prática comum que visa desde ao compartilhamento de informações, até a
publicação de resultados de pesquisas. Independentemente do objetivo, sabe-se que os
estudantes universitários necessitam escrever diversos tipos de textos, contudo, nem sempre
conseguem fazê-lo.
No final da década de 70, devido a uma mudança no perfil das aulas de Língua
Portuguesa, as discussões acerca dos textos produzidos em contextos de aprendizagem
tomaram maiores proporções. Até então, a prioridade das análises linguísticas era a modalidade
oral da língua (PIETRI, 2012). As produções de texto começaram a se tornar um objeto de
estudo nos círculos acadêmicos na segunda metade da década de 70, quando passou a ser parte
de alguns exames vestibulares. De acordo com Pietri (2007), esses primeiros estudos, os quais
têm como corpus as redações de vestibular, foram patrocinados pela Fundação Carlos Chagas,
a qual os financiou e publicou em seus Cadernos de Pesquisa.
Ainda segundo Pietri (2007), nesses estudos estava presente uma relação entre os
estudos linguísticos de base mais gramatical e os estudos que assumem uma perspectiva menos
tradicional. É importante destacar o início do interesse pela escrita escolar como objeto
autêntico de análise no contexto acadêmico e os rumos que esse interesse foi tomando nas
décadas seguintes, até chegar às discussões atuais que envolvem o que tem sido denominado
letramento acadêmico.
Nessa perspectiva, vale ressaltar que o interesse pela escrita acadêmica, apesar de
instigante e necessário, ainda é muito recente. Contudo, nos últimos anos, no Brasil, alguns
pesquisadores (FISCHER, 2007; MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010; PETRI, 2007, 2012)
vêm demonstrando uma maior preocupação em relação à leitura e à escrita dos alunos que
ingressam na universidade.
Fiad (2011), ao considerar as práticas de letramento que ocorrem nos diversos âmbitos
sociais, salienta a importância de o professor considerar as habilidades trazidas pelos estudantes
para dentro da sala de aula:
Se, antes, era possivel ver o desempenho na escrita como habilidades
individuais de ler e escrever, adquiridas principalmente na escola, hoje e
necessário situar qualquer prática envolvendo a leitura e a escrita em um
contexto socio-historico-cultural especifico. Olhar para as habilidades
individuais reforca dicotomias conhecidas: alfabetizados X analfabetos;
letrados X iletrados e não considera outros tipos de letramento,
principalmente aqueles que acontecem fora do contexto escolar. (FIAD, p.
360, 2011).
A postura da autora corrobora com os novos estudos sobre letramento, os quais não
descartam o conhecimento prévio sobre escrita trazido pelos indivíduos, porém consideram
que as práticas de escrita são de contextos distintos e, por isso, é necessário ensinar os
estudantes:
Nesse contexto, e possivel falar em letramento academico: assume- se que
há usos especificos da escrita no contexto academico, usos que diferem de
outros contextos, inclusive de outros contextos de ensino. (FIAD, 2011, p.
36).
Santos (2017) analisou como se dá a prática da escrita entre ingressantes de Letras de
uma universidade pública do estado de Tocantins. Baseando-se nos novos estudos sobre
Letramento, o autor concluiu que a maioria desses estudantes apresenta dificuldades
relacionadas à escrita e aos gêneros textuais que integram a esfera acadêmica. Além disso,
constatou que tais defasagens provêm do ensino básico e são anteriores ao ingresso no ensino
superior. Ainda em relação à pesquisa, Santos (2017) constatou que, muitas vezes, na
universidade, os professores aplicam atividades textuais sem instruções, considerando que os
alunos já saibam as regras que regem a estrutura dos textos.
As dificuldades com a produção e compreensão de textos são notórias nos
alunos ingressantes, pois, como demonstrado na citação acima, elas são
pregressas ao ES. Diante desse panorama, a maioria dos docentes acaba
disseminando uma cultura equivocada de que os alunos não são letrados, por
não dominarem efetivamente as práticas linguageiras da academia.
(SANTOS, 2017, p.96).
A redação escolar como objeto de estudo de pesquisas acadêmicas começou a se
intensificar na segunda metade da década de 70, quando passou a ser parte de alguns exames
vestibulares. Conforme Petri (2007), esses primeiros estudos que tomam como corpus de
análise redações de vestibular, foram patrocinados pela Fundação Carlos Chagas, que os
financiou e publicou em seus Cadernos de Pesquisa. Ainda Pietri (2012), na mesma
perspectiva analítica de textos acadêmicos, observou a construção de dissertações e teses
elaboradas ao final da década de 70, a partir do viés da semântica no ensino de Língua
Portuguesa. Motta-Roth e Hendges (2010) ressaltam a importância da produção científica no
ambiente universitário, justificando que, neste cenário, a produtividade intelectual é medida
pela quantidade de publicações.
Em relação a essa produção escrita, tanto nas universidades quanto nas escolas,
percebe-se que são adotados modelos fechados de eduação e, por isso, esses espaços são
concebidos como ambientes artificiais, nos quais o aprendizado torna-se descontextualizado,
evidenciando a passividade do aluno. Em contraposição a esse modelo de letramento
impregnado nas escolas, Street (1984), a fim de propor alternativas para esses impasses que
envolvem as questões de escrita, propôs um modelo ideologico, destacando que “(...) todas as
práticas de letramento são aspectos não apenas da cultura, mas tambem das estruturas de poder
numa sociedade” (KLEIMAN, 1995, p. 38).
Infelizmente, a prática de leitura e escrita no contexto universitário apresenta diversas
lacunas, seja nos resultados ou no processo em que ocorrem. Pensando nisso, Lea e Street
(1998) abrem mão do julgamento de uma escrita boa ou ruim e lançam mão de uma análise
sobre as abordagens dos contextos de produção da escrita e leitura no contexto acadêmico. Para
os autores, há três modelos ou perspectivas de letramento, sendo que não há um melhor que o
outro: (1) modelo de habilidades de estudo, (2) modelo de socialização acadêmica e (3) modelo
de letramentos acadêmicos.
O primeiro modelo, habilidades de estudo, percebe a escrita e o letramento como uma
capacidade individual do estudante. Nessa perspectiva, acredita-se que a escrita é uma
habilidade, e, se o aluno a tem, é capaz de transferi-la de um contexto a outro. Essa é a
concepção mais difundida entre os professores, os quais subentendem que os alunos já
conhecem vários gêneros e, por isso, consideram que não se faz necessária uma nova
explicação a respeito.
A segunda perspectiva de letramento, denominada socialização acadêmica, refere-se ao
processo de “aculturamento de estudantes em discursos e generos baseados nos temas e nas
disciplinas” (LEA; STREET, 1998). Nesse sentido, admite-se que os alunos ingressam em
novos ambientes e precisam aprender tudo a respeito deste novo cenário e dos novos tipos de
textos. Nesse caso, desconsidera-se todo o aprendizado que o aluno teve durante sua vida
escolar e nos outros contextos de letramento. Desse modo, a partir do momento em que o
estudante aprende e compreende as regras dos novos gêneros, ele é capaz de reproduzi-los sem
nenhuma dificuldade.
No terceiro modelo, o de letramentos acadêmicos, existe uma relação com a produção
de texto e os sentidos provocados por ele. Nesse caso, a produção de texto não desconsidera o
que foi aprendido pelo estudante em outro contexto, porém não descarta a possibilidade de ele
ter que se familiarizar com os novos gêneros e compreender suas reais funções.
Para os autores, os três modelos não se excluem, ao contrário, eles se complementam.
Isso significa que em um contexto de produção de texto é necessário levar em consideração
todo o aprendizado do aluno, contudo sem esquecer de que ele precisa de orientações para a
sua escrita.
1.1 Breves considerações sobre o gênero resenha
Para compreendermos a importância do trabalho com os textos no ambiente acadêmico,
faz-se necessário compreender o que são esses gêneros e de que forma eles estão inseridos na
sociedade. Segundo Bakhtin, os sujeitos ocupam funções e papeis dentro da sociedade por
conta das situações de interação na qual estão envolvidos e isso ocorre, principalmente, por
conta da capacidade de linguagem. Para o estudioso, por meio dela, os indivíduos são capazes
de compreender as diversas relações existentes dentro de uma sociedade.
Além disso, ainda para Bakhtin, esses sujeitos produzem enunciados (considerados por
ele acontecimentos), os quais exigem uma situação histórica específica, a identificação dos
atores sociais, o compartilhamento de uma mesma cultura, e, por fim, o estabelecimento de um
diálogo.
Desse modo, os gêneros são compreendidos por Bakhtin como uma manifestação, a
qual materializa-se por meio de textos – chamados por ele de gêneros do discurso. Ademais, o
autor considera que esses textos são tipos relativamente estáveis de enunciado, os quais
mantêm determinadas características, seja no campo temático, estilístico ou na sua composição.
Para Bakhtin,
o estilo e indissociavelmente vinculado a unidades temáticas determinadas e,
o que e particularmente importante, a unidades composicionais: tipo de
estruturacão e de conclusão de um todo, tipo de relacão entre o locutor e os
outros parceiros da comunicacão verbal. (1997, p. 284)
Assim, esses enunciados relativamente estáveis são marcados por condições sociais e
históricas dos meios em que estão inseridos, uma vez que refletem as finalidades de cada
produção. Sendo assim, por mais que muitas vezes pareçam, eles não são totalmente iguais,
dependendo, sempre, de cada condição de inserção.
Essa reflexão demonstra que, quando tratamos de resenhas, é necessário que fique claro
tanto ao professor quanto ao aluno que as condições de produção durante o ensino médio se
diferenciam das condições durante o ensino superior, do mesmo modo que serão diferentes em
uma situação real de produção de resenha para uma revista, por exemplo.
Diversos autores já se debruçaram sobre esta temática, definindo e delimitando o
gênero. Outros apontaram as reais dificuldades dos acadêmicos em escrevê-lo. Sabe-se,
entretanto, que dentre os gêneros produzidos no ensino superior, a resenha está entre os mais
recorrentes. Segundo Motta-Roth e Hendges (2010), é por meio da resenha que um indivíduo
demonstra seu ponto de vista acerca de um livro, sendo que é necessária uma visão crítica da
obra para que o leitor tenha uma leitura distinta da obra original. As autoras ainda destacam
que há quatro etapas essenciais (chamadas de movimentos retóricos) para a construção de uma
resenha, sendo elas: 1) apresentação; 2) descrição; 3) avaliação; 4) recomendação – ou não –
da obra. As pesquisadoras informam, porém, que não é necessário que os movimentos
aconteçam nesta ordem obrigatoriamente. Neste trabalho consideraram-se essas etapas para
avaliação e explicação do gênero, contudo, optou-se, por conta do tempo, por resenhar um
artigo.
Souza e Silva (2017), em trabalho intitulado “A resenha como produto de
retextualizacão em (re)escrita academica”, analisaram o genero resenha no contexto
universitário. As pesquisadoras, por meio de um corpus de quarenta e seis resenhas, verificaram
as instruções dadas aos estudantes e os resultados obtidos com essas produções. As autoras
analisaram resenhas de primeira e segunda versões e verificaram compreensão, exposição do
conteúdo e apreciação do texto fonte. As autoras também concordam e afirmam que há
diferença entre uma resenha produzida em sala de aula e outra produzida especificamente para
publicação.
Em relação aos resultados, as autoras afirmam:
As quarenta e seis resenhas de livro coletadas nessa disciplina foram
desenvolvidas a partir de Koch e Elias (2009) ou de Antunes (2006), sendo a
metade delas de primeira versão e a outra de segunda. Das primeiras vinte e
três resenhas, seis demonstravam mais influência do contexto de produção,
com linguagem mais autônoma, acadêmica e, estruturalmente, organizada
para o gênero em questão; ao passo que dezessete não cumpriam as
expectativas para o contexto em que se encontravam. (SOUZA; SILVA,
2017, p. 62).
Dessa forma, as autoras afirmam que um trabalho de refacção mostra-se necessário caso
os alunos não atinjam o nível acadêmico esperado.
Outro trabalho sobre o gênero em questão no contexto universitário foi produzido por
Oliveira (2017). Também considerando os pressupostos de Lea e Street (1998) sobre os
modelos de letramento, a autora analisou uma aula sobre resenha de um professor de uma
universidade privada de São Paulo e avaliou as produções dos alunos a partir dos comandos
dados em sala de aula.
Como resultado, a autora percebeu que o professor deu muita ênfase na composição do
gênero e supôs que seus alunos já soubessem como escrever o texto solicitado. Por conta dessa
postura, Oliveira (2017) enfatiza que
(...) nas aulas do professor, a emergência dos modelos de socialização
acadêmica e de habilidades deu-se de maneira concomitante, pois, à medida
que o professor socializava com os alunos dois dos aspectos composicionais
do gênero, o seu conceito de resenha, a forma com a qual gostaria que os
comentários fossem feitos e as capacidades de leitura envolvidas na produção
da resenha, ocorria também a emergência do modelo das habilidades,
configurado na pressuposição de que os alunos eram leitores e escritores
proficientes”. (OLIVEIRA, 2017, p.138-139)
Assim como foi percebido por Oliveira (2017), muitos outros professores universitários
possuem a mesma postura quando se trata de produção escrita no contexto acadêmico. O nível
de exigência, muitas vezes, não é compatível com aquilo que foi ensinado e, por isso, os
resultados não atingem as expectativas dos professores. Não se trata, contudo, de baixar as
expectativas ou o nível de exigência das produções escritas, mas apenas de rever as práticas de
letramento praticadas nesses contextos.
2 Procedimentos metodológicos
Conforme dito anteriormente, este trabalho é uma ampliação de uma primeira versão
de um texto a qual contou com a análise de 33 textos de primeira versão – produzidos em
contextos distintos - de duas turmas diferentes. Para a viabilização dessa primeira etapa do
trabalho, realizou-se uma experiência com duas turmas (primeiro e segundo ano) de graduação
de um curso de Secretariado Executivo de uma universidade pública do Paraná. As atividades
foram aplicadas durante a disciplina de Língua Portuguesa I e II, em um mesmo período (maio
de 2017), porém empregando-se metodologias distintas. No total, foram 33 resenhas de
primeira versão analisadas, sendo 16 do primeiro ano (turma A) e 17 do segundo ano (turma
B). O texto que serviu de base para a atividade foi o artigo A formação do profissional em
secretariado executivo no mercado de trabalho globalizado, de autoria de Cibele Martins,
Penha Terra, Émerson Maccari e Ismar Vicente, publicado na revista GeSec.
Após a escrita das resenhas, os alunos enviaram-nas ao e-mail da professora, a qual
corrigiu-as de acordo com critérios estabelecidos sobre o gênero. Estes critérios foram
estabelecidos a partir do que afirmam Motta-Roth e Hendges (2010) a respeito da estrutura
retórica básica de uma resenha:
Quadro 1: de critério de avaliação
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DAS RESENHAS Movimento 1: APRESENTACAO
Subfuncão 1: Informar a referencia bibliográfica no cabeçalho
Subfuncão 2: Informar o tema do artigo
Subfuncão 3: Fornecer informacoes sobre os autores
Subfuncão 4: Inserir o local onde o artigo foi publicado
Movimento 2: DESCRICAO
Subfuncão 5: Descrever a organizacão geral do artigo
Subfuncão 6: Apresentar as informações, citando a fonte – utilização do discurso indireto.
Subfuncão 7: Especificar o conteudo de cada parte
Movimento 3: AVALIACAO
Subfuncão 8: Fazer uma avaliação do artigo lido
Fonte: autora.
Para Motta-Roth e Hendges (2010, p.29), “ essas ações tendem a aparecer nessa ordem
e podem variar em extensão, de acordo com o quê e o quanto o resenhador deseja enfatizar em
sua análise (...)”. Desse modo, buscaram-se tais elementos nos textos dos alunos a fim de
identificar as características do gênero solicitado. Entretanto, devido à restrição de extensão
para este trabalho, aqui o enfoque será dado ao primeiro movimento – apresentação.
Vale ressaltar que, neste trabalho, serão feitos apontamentos comparativos em relação
à evolução da escrita da versão primeira para a segunda versão da resenha produzida pelos
alunos da turma A, a qual, no momento de produção da versão 1, não recebeu nenhum tipo de
orientação em relação ao gênero, apenas a solicitação para escreverem uma resenha, depois da
leitura do artigo científico estudado em sala.
Na turma que nos diz respeito aqui (turma A) em um primeiro momento, foram
distribuídos os artigos para serem lidos em duplas ou trios. Inicialmente, a professora comentou
que se tratava de um artigo científico e explicou, de forma breve, o que era esse gênero. O
objetivo dessa atividade, primeiramente, era proporcionar o contato com o texto científico e
promover a discussão do assunto. Após a leitura, iniciou-se uma conversa a respeito do texto.
A atividade foi solicitada para ser feita em duplas, sendo que cada uma deveria fazer algum
comentário sobre o que havia lido e, em seguida, outra dupla deveria dar continuidade à
discussão. Ao término da aula, solicitou-se aos acadêmicos que produzissem uma resenha –
também em dupla - sobre o texto lido. A atividade deveria ser feita em casa e enviada ao e-
mail da professora no prazo de uma semana.
Nessa turma, propositalmente, não foi trabalhado o gênero resenha previamente.
Levou-se em consideração o conhecimento prévio dos alunos, considerando que parte dos
alunos já conhecesse o gênero, mesmo que isso não tenha sido questionado em nenhum
momento da aula. Essa prática tem se mostrado muito comum nas universidades e, por isso,
optou-se por testá-la com esse grupo de estudantes.
Para a avalição, elaborou-se um quadro considerando as características básicas de uma
resenha, conforme postulam Motta-Roth e Hendges (2010). Levou-se em consideração,
também, o contexto de produção dos textos – alunos no início da vida acadêmica, com pouco
ou nenhum contato com textos científicos.
Após a correção desta primeira versão e a devolução dos textos aos alunos, foi explicada
a situação (que se tratava de uma experiência de prática pedagógica) e solicitado que todos
refizessem os textos a partir dos apontamentos para uma nova correção. Além disso, em dois
encontros posteriores à devolução do texto de primeira versão, trabalhou-se o gênero resenha
em sala, a partir da conceituação e exemplificação.
3 Análise das resenhas de primeira versão da turma A
Das 16 resenhas produzidas pela turma A, nenhuma apresentou todos os critérios de
avaliação. A maioria dos textos apresentou alguns dos movimentos, porém de forma
superficial. Em relação ao primeiro movimento (apresentação), verificou-se que 10 textos
expuseram algumas tentativas de apresentação da referência, contudo apenas 4 trouxeram o
nome do artigo no corpo do texto.
Abaixo seguem recortes dos textos analisados, os quais apresentaram, de alguma forma,
a referência do texto.
TEXTO 1 – “Observa se que o artigo fala sobre pesquisas realizadas no meio de trabalho do
profissional de (...)”.
TEXTO 2 – “Diante do artigo “A formação do profissional em secretariado executivo no
mercado de trabalho globalizado”, é possível abordar como temas a educação do profissional
de secretariado executivo, a evolução da mulher na profissão, e os avanços com a
globalização.”.
TEXTO 3 – “O estudo publicado na revista GeSec trata sobre temas que envolvem a evolução
educacional que ocorreu na área e suas implicações em um contexto globalizado.”.
TEXTO 4 – “O estudo realizado pelos (as) Doutores (as) Cibele Barsalini Martins, Emerson
Macari e Ismar Vicente, junto com a Especialista em Administração Penha Mendes Terra,
(...)”.
TEXTO 5 - “A formação do profissional em secretariado executivo no mercado de trabalho
globalizado (Revista de Gestão e Secretariado, São Paulo, v. 1, p.69-89, jan./jun. 2010.)”.
TEXTO 6 – “O artigo “Formação do profissional de secretariado executivo” de Cibele
Barsaline Martins, Penha Mendes Terra, Émerson Macari e Ismar Vicente, (...)”.
TEXTO 7: “No texto, o autor começa criticando os estereótipos que marcaram a profissão de
secretariado, porém depois o mundo moderno se rendeu ao poder desses profissionais (...)”.
TEXTO 8: “O Artigo Científico “A formação do profissional em Secretariado Executivo no
mercado de trabalho globalizado”, escrito por Cibele Barsalini Martins, Penha Mendes Terra,
Émerson Maccari e Ismar Vicente, (...)”.
TEXTO 9: “Este artigo teve enfoque no profissional de Secretariado feminino, devido a sua
predominância na área, vale ressaltar que é um resultado de material já publicado”.
TEXTO 10: “O artigo mostra a constante luta das mulheres contra o preconceito e a
discriminação para serem reconhecidas profissionalmente tanto quanto o sexo oposto.”.
Percebe-se, contudo, que, dentre os dez textos, apenas cinco demonstraram tentativa de
citação indireta para a apresentação das ideias dos autores do artigo. Nesses casos, essa
apresentação da voz dos autores do texto original ocorreu em um único parágrafo e não no
texto inteiro. Nos outros cinco, não houve sequer tentativa de referência, mas sim uma
produção de um novo texto sobre o tema do artigo. Apesar da ausência da citação dos nomes
dos autores e da obra original, não se pode afirmar que esses dez textos não se caracterizaram
como resenhas, pois, segundo Motta-Roth e Hendges (2010, p.29)
É importante frisar que o uso dos quatro estágios textuais (...) foi uma
tendência verificada em pesquisas anteriores, junto a editores e autores de
resenhas em periódicos internacionais (Motta-Roth, 1996). Portanto, a
descrição do gênero nesses termos deve ser tomada como um constatação (...)
e não uma norma a ser seguida cegamente.
Isso significa que as resenhas podem adquirir formatos diferentes dependendo do
contexto de produção e do estilo do resenhados. Constata-se que, mesmo não apresentando um
dos elementos, não se pode afirmar que os alunos não produziram resenha. Entretanto, a
comparação entre os textos produzidos pelos alunos da turma B (aquela que recebeu orientação
a respeito do gênero) e os da turma A mostraram que os textos daquela estavam mais completos
e próximos ao esperado de uma resenha.
Para melhor representação, organizou-se uma tabela com os resultados dessa análise.
TABELA 1 – Resultados das análises das resenhas das duas turmas
TURMA A TURMA B
Sem nenhuma característica
do gênero
6 0
Com a apresentação da
referência
5 0
Com apresentação da
referência e um parágrafo de
discurso indireto
5 3
Com referência, discurso
indireto, organização do texto
original e opinião
0 14
TOTAL 16 17
Fonte: autores
Percebeu-se a nítida diferença entre os textos produzidos com instrução –
contextualizados e com significado para o aluno - e os produzidos como critério de avaliação,
sem nenhuma relação significativa para o aprendizado do aluno. Para Sercundes (2001), esse
tipo de producão revela textos “(..) que aparecem desvinculados do trabalho pedagogico
desenvolvido pelo professor, sem nenhuma ligacão com o trabalho anterior ou posterior, não
representando etapa de um processo mais amplo de construcão de conhecimento (...)”
(SERCUNDES, 2001, p. 75). Tais resultados espelham uma prática bastante comum no
contexto de sala de aula, seja no ensino básico ou superior.
Na próxima seção, serão apresentados os resultados dos textos de segunda versão.
4 Reescrita: as resenhas de segunda versão
Após dois encontros destinados ao estudo do gênero resenha, os alunos puderam
compreender com mais propriedade a função e as características das resenhas. Da mesma forma
como foi feito com a turma B, os alunos da turma A puderam ler resenhas e perceber os
movimentos retóricos presentes nesses textos.
Após a reescrita e a devolução da última versão, percebeu-se uma evolução dos textos,
cuja estrutura se aproximou mais do que se espera de resenhas.
TABELA 2 – Comparação das versões das resenhas da turma A
PRIMEIRA VERSÃO SEGUNDA VERSÃO
Sem nenhuma característica
do gênero
6 0
Com a apresentação da
referência
5 0
Com apresentação da
referência e ao menos um
parágrafo de discurso indireto
5 9
Com referência, discurso
indireto, organização do texto
original e opinião
0 6
TOTAL 16 17
Fonte: autores
Pode-se observar que, na segunda versão, nenhum texto deixou de apresentar as
características do gênero, sendo que o primeiro movimento – o da apresentação da obra – foi
encontrado nos 16 textos. Nota-se uma evolução em relação à primeira versão, em que seis não
tinham nenhuma das características. Além disso, em nove textos observaram-se a apresentação
da obra e dos autores e a tentativa de paráfrase, com a presença de discurso indireto; e em seis
foram encontradas todas as características postuladas por Motta-Roth e Hendges (2010),
resultados muito diferentes da primeira versão.
Acredita-se que esses resultados sejam reflexos da oportunização do conhecimento,
uma vez que, para a maioria, o gênero resenha era totalmente desconhecido por não ter feito
parte das produções textuais e das práticas de letramento anteriores.
Conforme postula Street (2014), para que os indivíduos possam se inserir nos diversos
contextos, é necessário transmitir-lhes o conhecimento. Consideramos aqui que as diversas
práticas de letramento escritas são degraus que permitirão os alunos circundarem em quaisquer
ambientes, visto que, hoje, dominar a escrita é um diferencial.
(...) a transferência de letramento de um grupo dominante para aqueles que
até então tinham pouca experiência com a leitura e a escrita implica muito
mais do que simplesmente transmitir algumas habilidades técnicas,
superficiais. Ao contrário, para aqueles que recebem o letramento novo, o
impacto da cultura e das estruturas político-econômicas daqueles que o
transferem tende a ser mais significativo do que o impacto das habilidades
técnicas associadas à leitura e à escrita (STREET, 2014, p. 30-31).
Essa análise prévia dos resultados denuncia a necessidade de trabalhar ou retrabalhar,
se for necessário, os gêneros textuais dentro da esfera acadêmica. Além disso os resultados
deixaram evidente que um trabalho detalhado com textos no ambiente acadêmico produz
efeitos mais positivos do que quando forem simplesmente cobrados como pré-requisitos para
a obtenção de notas. Além disso é necessário se considerar os reais objetivos de uma
universidade, que é, antes de mais nada, a produção de conhecimento. E sem dúvidas produzir
adequadamente textos é uma forma de conhecimento.
Considerações finais
Fica evidente, a partir da experiência com essa turma, que o ensino de gêneros dentro
da Universidade faz-se necessário e urgente, visto que não são somente os cursos de
licenciatura que exigem a formação de um profissional capaz de produzir e trabalhar com
diferentes textos. O profissional de secretariado executivo, por exemplo, precisa dar conta de
inúmeros gêneros dentro da esfera social de trabalho, sem considerar que hoje o fomento em
relação à pesquisa está cada vez mais intenso, o que exige dele esse domínio dos gêneros
textuais da esfera acadêmica.
Além disso, é notória a melhora da qualidade dos textos quando o professor se dispõe
a ensinar como se faz e para que servem tais gêneros, dando sentido ao conteúdo e valorizando
o conhecimento prévio do aluno.
Apesar disso, este trabalho limita-se, devido ao espaço destinado ao texto, em registrar
apenas trechos das produções, sendo que seria mais interessante esmiuçar mais cada texto,
relacionando-os às partes da resenha, além de analisá-los do ponto de vista argumentativo do
gênero. Assim, espera-se que, em outro momento, seja possível analisar em outras perspectivas
o corpus para trazer resultados ainda mais pontuais sobre a importância de se trabalhar os
gêneros na sala de aula no contexto universitário
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