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MARINA VIEGAS SATHLER PAVÃO
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EM AMBIENTES DIGITAIS
São Paulo
2011
MARINA VIEGAS SATHLER PAVÃO
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EM AMBIENTES DIGITAIS:
Uma análise da Esquizofrenia Digital no Twitter Monografia apresentada ao Departamento de
Relações Públicas, Propaganda e Turismo da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade
de São Paulo, em cumprimento às exigências do
Curso de Pós Graduação Latu Sensu, para
obtenção do título de Especialista em Gestão
Integrada da Comunicação Digital para Ambientes
Corporativos.
Orientador: Profª. Drª. Elizabeth Saad Corrêa
São Paulo
2011
Dedico este trabalho à minha família, pelo apoio incondicional.
E aos #digicopos, pelo suporte acadêmico, técnico, emocional e emocionante.
Não sois máquinas! Homens é que sois!
Charles Chaplin
RESUMO
SATHLER, M. V. P. A construção da identidade em ambientes digitais: Uma
análise da Esquizofrenia Digital no Twitter 2011. 63 f. Monografia – Escola de
Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
O presente estudo aborda a identidade conforme concebida pelos estudiosos
Bauman (2001) e Castells (2008). A partir do conceito de pós-modernidade proposto
por Bauman e do recorte investigativo em elementos da teoria da Esquizofrenia
Digital analisamos manifestações da identidade na ferramenta de microbloging
Twitter. Partindo de critérios estabelecidos por meio de elementos da fragmentação de
identidade e de traços de Esquizofrenia Digital foram selecionados seis perfis cujos
conteúdos foram analisados e categorizados em quatro grupos: Fragmentação,
Linguagem, Interação e Publicidade. Conforme os subitens de cada categoria foram
realçados os comportamentos dos analisados, o que resultou em uma escala dos tipos
de Esquizofrenia Digital, com a descrição das caraterísticas principais de cada tipo
proposto. Assim, concluímos que a identidade também se modifica por meio dos usos
que são feitos das ferramentas de interação digitais e que a Teoria da Esquizofrenia
Digital, portanto, está diretamente relacionada com a manifestação e a construção da
identidade no tempo pós-moderno, o que é uma forma de entender também o
momento que vivemos.
Palavras-chave: pós-modernidade, identidade, esquizofrenia digital
ABSTRACT
SATHLER, M. V. P. The identity construction in digital environments: a digital
schizophrenia analysis on Twitter. 2011. 63 f. Monografia – Escola de
Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
This study focuses on identity as conceived by the authors Bauman (2001) and
Castells (2008). From the concept of post-modernity proposed by Bauman and the
investigative approach on elements of the theory of Digital schizophrenia we analyze
manifestations of identity in the microbloging tool Twitter. Based on criteria
established by elements of identity fragmentation and symptoms of Digital
Schizophrenia we selected six profiles whose contents were analyzed and categorized
in four groups: Fragmentation, Language, Interaction and Advertising. The sub-items
in each category were highlighted according to the subjects‟ behavior, which resulted
in a range of types of Digital Schizophrenia, with description to the main elements of
each type proposed. Thus, we conclude that the identity also changes through the uses
that people do of digital and interactive tools and also, that the Theory of Digital
Schizophrenia, therefore, is directly related to the identity construction and its
appearance in the post-modernity, which is also a way to understand the ages we live
today.
Palavras-chave: post-modernity, identity, digital schizophrenia
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8
2. IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE ........................................................... 11
3. MULTIPLICIDADE DIGITAL .............................................................................. 15
4. ESQUIZOFRENIA DIGITAL ................................................................................. 20
5. METODOLOGIA DE PESQUISA ......................................................................... 24
5.1 Método e Abordagem ..................................................................................... 24
5.2 Ambiente de Estudo ........................................................................................ 25
5.3 Perfis selecionados .......................................................................................... 27
6. ESQUIZOFRENIA DIGITAL NO TWITTER ....................................................... 29
6.1 Descrição dos Perfis ........................................................................................ 29
6.2 Aspectos da Análise ........................................................................................ 35
6.3 Interpretação dos aspectos de análise ............................................................. 40
6.3.1 Fragmentação ................................................................................... 40
6.3.2 Linguagem ....................................................................................... 46
6.3.3 Interação ........................................................................................... 53
6.3.4 Propaganda ....................................................................................... 54
7. CONCLUSÃO ........................................................................................................... 58
8. BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 61
9. ANEXOS .................................................................................................................... 63
8
Introdução
O presente estudo tem como objetivo investigar as formas de construção da identidade
em ambientes digitais, por meio de um recorte de perfis da ferramenta de microblogging
Twitter, que apresentam traços de esquizofrenia digital.
A esquizofrenia digital é um termo inspirado na medicina para representar uma forma
de fragmentação de identidade que as pessoas apresentam em ambientes digitais. Não se
refere somente ao fato de uma mesma pessoa utilizar diversos perfis em ferramentas distintas
ou utilizar algumas ferramentas para determinados fins – como o trabalho, enquanto utiliza
outra para fins de lazer, por exemplo. A esquizofrenia digital está mais relacionada à
construção de um simulacro do “eu” e dos significados que o indivíduo deseja atribuir ao
perfil do que necessariamente ao uso que é feito da ferramenta. Esse recorte de estudo, é,
portanto, uma das formas de se analisar como a identidade se constrói e se manifesta nos dias
de hoje.
Os estudiosos da pós-modernidade1, como Zygmunt Bauman, Manuel Castells e Stuart
Hall concordam que a identidade se tornou um dos temas centrais na
pós-modernidade, principalmente porque as mudanças sociais, políticas e econômicas que o
advento da internet proporcionou em nossa era foram impactantes o bastante para alterar, não
somente o cotidiano das pessoas através da tecnologia, mas também para transformar os
1 Não há até o momento presente um consenso sobre a definição e o período que a pós-modernidade se refere.
Alguns autores consideram que o período está mais relacionado com a mudança da estética na arte enquanto
outros consideram que a mudança do período moderno para o pós-moderno está mais relacionada com as esferas
sociais e políticas. Neste estudo o termo pós-moderno será utilizado em referência ao conceito empregado por
Bauman (2001), que o utiliza para representar o período cujo as mudanças observadas no presente são relevantes
o suficiente a ponto de transformar os modos que a sociedade se relaciona com elementos do passado, no sentido
que os comportamentos humanos são modificados a partir da interação da sociedade com elementos novos, por
exemplo, a Internet e as novas Tecnologias de Interação e Comunicação - as TICs. Bauman não delimita o tempo
da pós-modernidade, mas utiliza o termo para referir-se ao período de mudanças e transformações constantes,
que são possibilitados e potencializados pelas TICs.
9
modos de interação e a própria noção de identidade em praticamente todos os povos e em
todas as partes do globo.
Bauman (2001) defende que o momento em que vivemos – a pós-modernidade - é de
liquidez. O autor nomeia a pós-modernidade em seus estudos de Modernidade Líquida, como
uma maneira de mostrar que esta era se caracteriza pela possibilidade de constante mudança,
em contraponto aos períodos anteriores, o período sólido, em que as instituições de poder
controlavam mais fortemente determinados setores da vida pública e privada, inclusive a
identidade. Retrocedendo alguns séculos, podemos rapidamente estabelecer um paralelo de
oposição entre a era atual com a Idade Média, em que a igreja controlava todos os setores,
incluindo a vida privada, os lucros, a divisão do trabalho e a identidade que as pessoas
deveriam exercer durante a vida – em devoção a Deus e ao trabalho. Hoje vivemos um
momento em que as instituições já não possuem uma atuação centralizadora e controladora.
Também observamos que através da internet e do que Castells (2010) chama de sociedade em
rede, o que existe na verdade é uma descentralização do poder: através das redes podemos
identificar diversos centros de poder onde as pessoas se agrupam, por interesse ou por
qualquer outro motivo. Também vivemos um momento em que a Indústria de Massa está se
reinventando, exatamente porque o modelo de centralização unificada não tem funcionado
como antes.
A Modernidade Líquida, portanto, trouxe consigo uma série de mudanças que estão
em curso e continuam se modificando enquanto acontecem. Neste momento é que o estudo da
identidade se torna relevante, para que possamos compreender de que maneira este ambiente
novo tem afetado as relações pessoais e empresariais, e vice versa, como as práticas de
comunicação podem e devem se reinventar com base nestas transformações. Hobsbawm
(apud Bauman, 2001) comenta: “Exatamente quando a comunidade entra em colapso,
inventa-se a identidade.” Bauman (op.cit) também defende que a identidade é líquida, e não
10
pode ser definida em um conceito delimitador. A identidade é algo que existe há muito tempo
entre os homens, e que ao longo dos anos, foi adquirindo novos sentidos, novos significados,
acompanhando as transformações históricas pelas quais a sociedade passou.
A Modernidade Líquida é, portanto, o momento em que mais experimentamos
identidades líquidas, uma vez que as mudanças acontecem rapidamente. Este ambiente de
constante alteração tem trazido aos indivíduos um estado contínuo de ansiedade: “Estar
inacabado, incompleto e subdeterminado é um estado cheio de riscos e ansiedade, mas seu
contrário também não traz um prazer pleno, pois fecha antecipadamente o que a liberdade
precisa manter aberto.” (BAUMAN, 2001, p.74). Trata-se, portanto, do momento em que os
indivíduos experimentam uma grande liberdade de expressão, e estão munidos de tecnologia
que lhes permite acesso rápido e praticamente constante a ferramentas que possibilitam
expressar-se de maneiras infinitas – com textos, fotos, vídeos, voz, etc. - entre as mais
diversas formas de arte e cultura.
Para efetivar o estudo desta proliferação de identidades utilizaremos o método da
Teoria Fundada, conforme proposto por Fragoso, Recuero e Amaral (2011) em uma análise de
conteúdo de perfis selecionados no Twitter. O objetivo do estudo será identificar categorias de
construção da identidade em ambientes digitais que possibilitem uma tipificação de graus de
esquizofrenia digital, através dos elementos extraídos dos conteúdos publicados pelos autores
dos perfis.
11
2. Identidade na Pós-Modernidade
As transformações sociais, culturais, políticas e econômicas que o advento da internet
operou em nossa sociedade são notáveis. Ao mesmo tempo em que vivenciamos estas
transformações também passamos por um momento no qual as instituições de poder que
serviram de base para a estrutura da sociedade ao longo da História estão sofrendo um
processo de total ressignificação. Novos mecanismos e modelos de poder e influência surgem,
através da rede ou suportados pela rede, de modo que, este conglomerado de acontecimentos
culminam em uma crise generalizada. Stuart Hall defende:
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades
modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens
culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no
passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais.
(HALL, 2006, p. 9)
Essa fragmentação citada por Hall como parte do resultado da crise que vivemos tem
implicações diretas na definição pós-moderna da identidade. Se tomarmos a narrativa de
Bauman sobre a variação histórica da identidade será possível vislumbrar como a
fragmentação faz parte de seu conceito. Para o autor, a identidade não existia como um
conceito em si e somente passou a existir dado o momento em que a noção de pertencimento
começou a habitar o pensamento coletivo. Pertencer e ser tornaram-se temas necessários e
relevantes. Bauman explica que essa necessidade de identificar-se surgiu no período entre
guerras, quando as pessoas foram obrigadas a sair de suas terras “originais”, passando a
habitar lugares diferentes e se estabelecendo em novos territórios. Antes disso, as pessoas
simplesmente nasciam, viviam e morriam no mesmo lugar, sem necessidade de questionar
suas origens. Depois, com as mudanças que as Grandes Guerras trouxeram, a nação e a língua
passaram a ser os conceitos relacionados à identidade – de onde eu vim e o que eu sou
estavam relacionados ao lugar ao qual se pertence. A identidade, portanto, neste momento
histórico, estava diretamente relacionada aos fatores humanos como língua e região, e se
12
remetia a um conceito fixo e final, ao qual Bauman se refere como identidade sólida. Com o
tempo, neste conceito fixo de identidade foram agregados novas formas de poder e controle,
exercidas pelas instituições – igreja, governo, escola, economia, modos de produção, modos
de consumo etc. Tempos depois, mais uma vez, a noção de identidade se transformou,
passando a designar diretamente o papel exercido na sociedade, ou seja, o trabalho. Bauman
explica:
Houve um tempo que a identidade humana de uma pessoa era determinada
fundamentalmente pelo papel produtivo desempenhado na divisão social do
trabalho, quando o Estado garantia (se não na prática, ao menos nas
intenções e promessas) a solidez e a durabilidade desse papel... (BAUMAN,
2005, p. 51)
Novamente, com o passar do tempo, esta abordagem deixou de englobar os conceitos
que definiam a identidade humana. O momento que estamos agora é justamente o de percorrer
os novos caminhos que determinam o que as pessoas entendem por identidade. A era da
Modernidade Líquida trouxe à tona diversas situações que colocam em xeque as definições
que, até então, pareciam remeter a uma ideia unificada de identidade. A fragmentação, como
uma realidade presente em nosso dia-a-dia, é uma forma de entender a liquidez que Bauman
defende. Para o autor, a possibilidade de uma noção unificada e sólida de identidade nos dias
atuais é nula:
As identidades parecem fixas e sólidas apenas quando vistas de relance, de
fora. A eventual solidez que podem ter quando contempladas de dentro da
própria experiência bibliográfica parece frágil, vulnerável e constantemente
dilacerada por forças que expõem sua fluidez e por contracorrentes que
ameaçam fazê-la em pedaços e desmanchar qualquer forma que possa ter
adquirido.” (BAUMAN, 2001, p. 98)
Deste modo, o espaço que vivemos adquire uma função fundamental sobre o que
entendemos por identidade hoje, uma vez que não há mais um símbolo ou tampouco uma
determinação ideológica detentora da identidade. O período que vivemos se caracteriza
pela mudança constante e veloz dos valores da sociedade, o que generaliza a sensação de
fragmentação neste período que Bauman denomina “nova ordem”. As formas com que
13
esta nova ordem afeta os indivíduos são muitas, inclusive através da produção e distribuição
da cultura, o que também está refletido na atuação da mídia. A mídia se tornou cada vez mais
presente na vida das pessoas e sua atuação se propaga de forma exponencial, através da
tecnologia e das novas mídias. Mark Deuze, Peter Blank e Laura Speers comentam:
No momento em que a mídia se torna invisível, nosso senso de identidade e
mesmo nossa experiência da própria realidade se tornam irreversivelmente
modificados, no sentido de que toda a nossa identidade não é centrada e
racional, mas subvertida e dispersada através do espaço social (DEUZE;
BLANK; SPEERS. 2010 p. 142)
Sendo assim, as diversas possibilidades de interação que obtemos hoje através das
plataformas digitais elevam a potência das nossas formas de expressão, e possibilitam um
espaço social sem fronteiras. Com das novas tecnologias experimentamos uma nova ordem
social, com barreiras geográficas reduzidas e uma possibilidade de liberdade de expressão
individual e coletiva que ainda não havia sido experimentada. Neste sentido, o que
percebemos é que aquilo que sabemos de nós mesmos, e que percebemos de nós mesmos, está
agora mais visível, mais exposto por todos e para todos e, ao mesmo tempo, se transformando
muito rapidamente. A fluidez que percebemos no dia a dia, a velocidade com que as
transformações afetam nosso ambiente e a fragmentação que está presente em praticamente
todas as áreas nos levam a questionar constantemente Quem sou eu? Isto é, as convicções
pessoais também se tornaram líquidas, em contraponto à identidade sólida comentada por
Bauman.
Assim sendo, a definição de identidade nos dias de hoje não é algo fixo. Assim como
os valores, a identidade é algo volátil, que está em constante transformação, como um reflexo
do que vivenciamos através das novas tecnologias e da mídia digital. Quando afirmamos que
a tecnologia possibilitou novas formas de interação midiática, é importante frisar também que
as pessoas passaram a lidar com a cultura e a mídia de novas maneiras, incorporando este
elemento em suas vidas. MARTINO comenta:
14
O que vemos hoje é uma diluição das fronteiras entre os dois: é cada vez
mais fácil para as pessoas deixarem de ser ordinary people e se tornarem
media people, sobretudo quando se pensa nas ferramentas de produção
caseira de imagens prontas para serem distribuídas na internet. (MARTINO,
2010, p. 192)
As novas tecnologias e a mídia digital, portanto, possibilitam ao indivíduo uma nova
posição na sociedade – ele deixa de ser um receptáculo de informações emitidas pelas mídias
de massa (TV, por exemplo) e adquire também um papel atuante, uma voz e uma nova
percepção de si mesmo através desta nova ordem. Sua capacidade de expressar-se adquire um
novo patamar, suas possibilidades são diversas, atribuindo ao indivíduo novas possibilidades
de atuação na sociedade.
15
3. Multiplicidade Digital
A fragmentação é algo que está presente em nossas vidas no dia a dia e está fortemente
relacionada ao uso das tecnologias. Temos em mãos o poder de agilizar ou postergar nossas
atividades, além de convergir informações e diversos tipos de dados em um único aparelho. A
vida se tornou mais rápida e multitarefada ao mesmo tempo em que o mundo está colhendo os
frutos do processo de globalização que se iniciou anos atrás. As cidades estão cada vez
maiores e com mais pessoas enquanto o campo está cada vez mais restrito. Esse fenômeno
desencadeia uma série de eventos, como por exemplo, a homogeneização cultural, comentada
por Stuart Hall (2005, p.76). A homogeneização cultural é responsável pela existência da
cultura universal: uma cultura abrangente e sem local específico, que pode ser vivenciada em
qualquer lugar do globo, independente de sua origem. Esta homogeneização se torna mais
potente através da tecnologia, que vem possibilitando acesso para cada vez mais pessoas, de
forma que a cultura universal receberá novos elementos e se difundirá gradativamente.
Da mesma maneira que a globalização vem acontecendo ao longo dos anos e vem
transformando o mundo em uma aldeia global, há também a cultura da convergência, que é
algo que já estamos vivenciando, mesmo que o acesso à internet ainda seja restrito a uma
parte da população mundial. Jenkins argumenta:
A convergência não é algo que vai acontecer um dia, quando tivermos banda
larga suficiente ou quando descobrirmos a configuração correta dos
aparelhos. Prontos ou não, já estamos vivendo numa cultura de
convergência. (JENKINS, 2009, p. 43).
De acordo com a visão de Jenkins, a convergência é algo que já está alterando
profundamente todos os setores da sociedade, desde a produção da cultura até o
comportamento das pessoas. Não há, de momento, um controle individual do uso das redes.
As legislações digitais e os códigos de boas práticas e conduta estão em construção, o que
determina ao usuário total responsabilidade pelo uso que faz das ferramentas. A convergência
16
mencionada por Jenkins é responsável também pela liberdade proporcionada ao indivíduo de
se manifestar e se relacionar. É notável que a tecnologia facilitou nossas vidas em
determinados aspectos e está incorporada em nosso dia a dia, além de estar incorporada em
nossa cultura. Castells argumenta:
É claro que a tecnologia não determina a sociedade. (...) Na verdade, o
dilema do determinismo tecnológico é, provavelmente, um problema
infundado, dado que a tecnologia é a sociedade, a sociedade não pode ser
entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas. (CASTELLS,
2010, p. 43)
Portanto, o que se destaca neste momento não são as tecnologias que estão em uso,
mas sim a forma como são utilizadas pelas pessoas e o que seu uso proporciona a elas. Se a
identidade é “uma fonte de significados e experiência de um povo” (CASTELLS, 2008, p.
22), então sua presença será percebida nas redes. Da mesma forma, as manifestações
individuais revelarão elementos da identidade individual.
Bauman (2001) defende que as pessoas tentam fazer de suas vidas uma obra de arte,
através da contínua tentativa de unificar a identidade. Entretanto, a dificuldade que se
encontra em realizar esta tarefa no mundo pós-moderno é tremenda, com a fragmentação e a
fluidez que vivenciamos a cada dia. O exercício de tornar a identidade algo sólido, em
contraponto à liquidez da modernidade, é algo que traz consequências emocionais: ansiedade,
agonia, hesitação, angústia, impaciência entre outras emoções que são resultados deste
constante processo de convivência com a fragmentação e tentativa de “dar forma ao disforme”
(op.cit). E além da questão emocional, o ambiente digital também influencia a formação da
identidade. Diversos “locais” estão disponíveis para serem “habitados” pelas pessoas,
proporcionando uma liberdade de presença que ainda não havia sido experimentada. A
separação entre real e virtual é algo que deixa de existir enquanto falamos, uma vez que a
cultura de convergência possibilita uma interação contínua entre os dois momentos. A
separação, portanto, não existe, pois o que acontece no ambiente virtual é uma extensão do
que acontece no ambiente real. Temos, portanto, uma convergência de espaços que possibilita
17
às pessoas extensões de suas identidades, que antes estavam restritas aos papéis sociais – ser
um estudante, um filho e um jogador de futebol ao mesmo tempo, por exemplo. Da mesma
maneira, possuir diversas contas de email, Twitter ou Facebook, por exemplo, são formas de
se fazer presente em diversos espaços ao mesmo tempo e são novas maneiras de exercer
papéis sociais. Portanto, manter diversos perfis em redes sociais, para finalidades distintas ou
com personalidades distintas não é necessariamente um problema nos dias de hoje, são novas
possibilidades de manifestação da identidade e de interação:
“Chegou a vez da liquefação dos padrões de dependência e interação. Eles
são agora maleáveis a um ponto que as gerações passadas não
experimentaram e nem poderiam imaginar; mas, como todos os fluidos, eles
não mantêm a forma por muito tempo.” (BAUMAN, 2001, p. 14)
As pessoas se tornaram ávidas por estarem conectadas e cientes dos acontecimentos do
mundo a maior parte do tempo, e o importante papel que o consumo da tecnologia vem
exercendo em nossas vidas é um exemplo de como a sua presença é relevante:
Como diz Christopher Lasch: “A vida moderna é tão completamente
mediada por imagens eletrônicas que não podemos deixar de responder aos
outros como se suas ações – e as nossas – estivessem sendo gravadas e
transmitidas simultaneamente para uma audiência escondida, ou guardada
para serem assistidas mais tarde” (apud Bauman, 2001, p. 99)
O ser humano, como um ser social, quer se comunicar e se expressar. O fato de a
tecnologia proporcionar um ambiente e um aparelho para potencializar este desejo, faz
aumentar as oportunidades e possibilita a exposição de uma vida pública que é criada pelo
próprio indivíduo. Ou seja, o ambiente digital possibilita que o indivíduo manifeste sua
identidade da forma a ser mais conveniente.
Existem pessoas que preferem diferenciar o perfil profissional e o particular, criando
dois perfis na mesma rede, ou utilizando redes distintas para cada fim. Mesmo que já existam
redes específicas para conexões de trabalho, como o LinkedIn, as pessoas fazem uso das
ferramentas da maneira que lhes pareça mais confortável, e não existem regras. A duplicidade
de perfis ou a criação de perfis que simulam personalidades distintas é algo comum na
18
internet desde o tempo em que as salas de bate-papo começaram a se propagar. O ambiente
digital é propício à simulação, uma vez que está mediado por um equipamento. Algumas
ferramentas de interação restringem o cadastro ao registro de documentos, a fim de evitar a
duplicidade de perfis, porém este controle não impede que sejam criados perfis fake2. Os
perfis fake são perfis de pessoas que não revelam sua verdadeira identidade, ou que revelam
partes dela, e se utilizam de características genéricas ou de outras pessoas. Os perfis fake
podem ser usados para fins de pirataria, crimes e spams e, nestes casos, observamos que a
legislação de crimes online ainda está em construção, mas intervém quando acionada. Podem
ser usados também, e neste sentido que nos interessa neste estudo, para representar
identidades alternativas, ocultas, disfarçadas ou até mesmo inventadas, que podem ser
identidades engraçadas ou depressivas, caricatas ou que apenas revelam características
pessoais de forma anônima. Os motivos que levam uma pessoa a criar um perfil fake são
diversos, mas o que se observa é que estes perfis são carregados de uma linguagem e uma
manifestação específicos ao contexto em que se inserem, e que, portanto, fazem sentido
naquele contexto. A comunidade que participa da rede desses perfis é também coadjuvante
desse contexto, onde se cria uma cultura comum de aceitação do perfil fake. Também se
observa que a identidade pessoal ou coletiva se faz presente nesses perfis, através da
linguagem, da manifestação de opiniões e emoções etc.
A manifestação da identidade através do perfil fake é uma representação da
fragmentação que se vive na pós-modernidade. O fake é a manifestação de uma identidade
que se descolou do todo, em um indivíduo ou comunidade, que luta por manter suas
identidades estruturadas em uma só. Contudo, a cisão desta identidade é inevitável, pois como
vimos, a identidade é flutuante. Bauman argumenta:
2 Fake, do inglês: falso, falsificado, cópia, falsificação, disfarçado. É um termo utilizado para se referir a perfis
falsos em sites de relacionamento ou interação na Internet. De uma forma mais abrangente, também se refere a
perfis em que não se pode identificar a verdadeira identidade do autor ou autora.
19
“Estar inacabado, incompleto e subdeterminado é um estado cheio de riscos
e ansiedade, mas seu contrário também não traz um prazer pleno, pois fecha
antecipadamente o que a liberdade precisa manter em aberto. (BAUMAN,
2001, p. 74)
A ansiedade de unificar aspectos de uma identidade fragmentada acompanha, portanto,
a sociedade pós-moderna. Neste sentido é que vivemos uma multiplicidade digital, através da
cultura da convergência e das diversas formas de manifestação em ambientes digitais, que nos
permitem a exposição de fragmentos de nossa identidade, que se tornam também nossa vida
pública. É, portanto, uma forma de vida que experimentamos nos dias de hoje, e que afeta
diretamente a formação e reformação da identidade.
A fragmentação que se faz presente em diversos aspectos da nossa vida e que também
se replica nos ambientes digitais é um aspecto do comportamento humano que pode ser
identificado através das manifestações individuais e coletivas em ambientes digitais. A esta
manifestação de fragmentos de identidade está associada à esquizofrenia digital, que não se
trata de uma doença clínica replicada aos ambientes digitais, mas do resultado de um processo
de transformação que a pós-modernidade trouxe consigo, que vem causando alterações na
subjetividade e nas formas de interação das pessoas, modificando, portanto, a formação da
identidade individual e coletiva através das redes.
Este estudo está relacionado às formas de manifestação da esquizofrenia digital
em ambientes digitais como uma possível maneira de obter uma visão parcial de como a
identidade tem se manifestado em ambientes digitais nos dias de hoje.
20
4. Esquizofrenia Digital
A esquizofrenia é uma doença do grupo das psicoses, que causa desde alucinações,
distúrbios da personalidade e alterações na formação do raciocínio lógico até a desenvoltura
da linguagem. A sua causa ainda não está identificada pela medicina, mas, para alguns casos,
existem tratamentos que podem proporcionar aos pacientes uma vida em sociedade, através
do controle dos efeitos da doença. Os médicos indicam que as áreas que são mais comumente
afetadas na vida dos esquizofrênicos são a cognitiva, sensoperceptivas e afetivas
(COSTA;CALAIS, 2010, p. 3), e que levam o paciente a uma percepção fragmentada de si
mesmo. Ou seja, o indivíduo possui dificuldade em processar uma síntese do eu
(GENEROSO, 2008, p. 3), e esta dificuldade pode se manifestar de formas físicas, por
exemplo, na fala.
De acordo com STERIAN (2001), a etimologia da palavra é “composta de dois termos
de origem grega: „skhizein‟, que significa fender, rasgar, dividir, separar e „phrên‟, „phrênos‟,
que quer dizer pensamento.” O termo esquizofrenia foi registrado pela primeira vez em 1906,
mas a compreensão atual da doença se formou na modernidade, com a influência dos estudos
de Freud sobre o inconsciente.
É importante ressaltar que ao longo da história da humanidade os tratamentos
dispensados aos doentes foram diversos. Foucault escreveu sobre a História da loucura e o
desenvolvimento deste conceito até a idade moderna. Em História da Loucura na Idade
Clássica, o autor relata as diversas formas que a loucura foi entendida ao longo dos séculos,
mostrando que o conceito moderno da loucura contém em si as descobertas modernas da
medicina, e que conforme ocorreram foram atribuindo novos significados à loucura, além de
colocar em questionamento o próprio conceito da loucura e dos loucos perante a sociedade.
21
Foucault (2008) também comenta que o lugar que pertence aos loucos na sociedade se
manteve indefinido aos longo dos séculos, embora na idade clássica se tenha registros de que
eram cuidados em casa. A partir da Idade Média surgiram os hospícios, que exerciam a
função de isolar os doentes do convívio social e estudar uma forma de reintegração destas
pessoas à sociedade. Ainda hoje a prática da exclusão e da reclusão se mantém recomendada
em alguns casos clínicos; não cabe a este estudo questionar os métodos da medicina, mas esta
convenção que leva tais pessoas ao afastamento da sociedade resulta em uma falta de espaço
para a loucura no cenário da sociedade atual. Esta realidade pode indicar uma forma de
esquizofrenia coletiva, na qual a sociedade não reconhece esta parte de si como
formadora de um todo. Deste modo, os loucos habitam uma parte marginal da sociedade,
que se torna na prática um mecanismo de preconceito e exclusão. Conforme comenta
Foucault:
(...) esse retiro da loucura, essa separação essencial entre sua presença e sua
manifestação, não significa que ela se retira, sem nenhuma evidência, para
um domínio inacessível onde sua verdade permanecerá oculta. O fato de não
ter nem signo certo nem presença positiva faz com que se ofereça,
paradoxalmente numa imediaticidade sem inquietações, totalmente estendida
em sua superfície, sem retorno possível para a dúvida. Mas nesse caso ela
não se oferece como loucura; ela se apresenta sob os traços irrecusáveis do
louco (...) (FOUCAULT, 2008, p. 181)
Mesmo que a sociedade não reconheça, ainda nos dias de hoje, que os loucos fazem
parte do todo, a presença deles habita o inconsciente coletivo, deixando marcas na identidade
social, Foucault explica: “O louco é o outro em relação aos outros: o outro – no sentido da
exceção – entre os outros – no sentido do universal” (2008, p. 183). Ou seja, é a existência do
louco que faz com que exista o são, o que é uma maneira de manifestação e definição de
identidade: através da diferença.
Neste sentido, o que chamamos de esquizofrenia digital vem de encontro com a
concepção do termo e da medicina. Esquizofrenia é uma separação e uma divisão do
pensamento; é a cisão de uma identidade em fragmentos. A diferença entre o indivíduo
22
louco e o são reside justamente na forma como administram as múltiplas identidades
que cada um carrega. Uma pessoa sã consegue administrar que sua identidade é composta
de elementos variados, maleáveis e mutantes, mas que fazem parte de um todo, que é o
individuo. Já o esquizofrênico não tem a percepção do todo: para ele, cada faceta de sua
personalidade compõe um novo indivíduo. Suas identidades variadas não são, portanto,
fragmentos de si mesmo, mas são para o esquizofrênico, manifestações de um outro, de
um terceiro, diferente de si.
Outra semelhança entre o conceito médico e o conceito da esquizofrenia digital é a
alteridade3. Se o louco é aquele que se comporta de maneira diferente dos demais, seu
comportamento é facilmente identificado pelos demais como diferente. A alteridade e a cisão
do indivíduo em fragmentos definem a esquizofrenia digital: ela é composta de um eu e um
outro, diferente do eu. Tanto o eu quanto o outro fazem parte de um mesmo elemento, a
identidade, que se refere a um mesmo corpo, um indivíduo. Este conceito de esquizofrenia
digital nos remete à ideia da representação e do simulacro: a manifestação da esquizofrenia
digital acontece através da representação de uma identidade, que provavelmente está
relacionada com a imagem que tal indivíduo possui de si mesmo ou está relacionada a
uma imagem criada para determinado fim, mas que da mesma maneira, é a simulação
de uma identidade. Neste sentido, a esquizofrenia digital nos ambientes digitais é uma forma
de manifestação de um fragmento de identidade, que se revela através de uma representação
terceira de si mesmo.
A diferença entre a esquizofrenia digital e os papéis sociais reside principalmente no
significado de seus usos para os indivíduos. A esquizofrenia digital, apesar do empréstimo do
termo médico, está mais relacionada a uma emoção ou necessidade de expressar-se através de
3 Alteridade: Qualidade ou natureza do que é outro, diferente. Fato de ser um outro ou qualidade de uma coisa
ser outra [F.: Do latim alter, 'outro', + -(i)dade]. Disponível em:
<http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital&op=loadVerbete&pesquisa=1&palavra=alteridade&x=10
&y=7>. Acesso em 26 de junho 2011.
23
uma representação simulada enquanto o papel social tem relação direta com uma função
exercida pelo indivíduo: “Em temos mais genéricos, pode-se dizer que identidades organizam
significados, enquanto papéis organizam funções” (BAUMAN, 2008, p. 23). O estudo da
esquizofrenia digital, como um fragmento da identidade, tem relevância para os estudos de
comunicação digital porque reflete um comportamento social e individual, que tem relação
direta com os efeitos da pós-modernidade em nosso tempo. O conjunto de transformações que
resultam do desenvolvimento da cultura de convergência e da multiplicidade digital acarretam
em mudanças importantes e estruturais, que implicam também mudanças nas formas de
comunicação, produção e distribuição de cultura em todo o mundo. Portanto, entender o
indivíduo com o qual se pretende comunicar é de extrema relevância para a atuação das áreas
da comunicação, pois, mesmo que de novas formas, a comunicação se baseia ainda na relação
entre emissor e receptor. O estudo da identidade é, portanto, uma forma de compreender as
novas maneiras de posicionar-se nesta relação, conforme defende Bauman:
Avento aqui a hipótese de que em linhas gerais, quem constrói a identidade
coletiva, e para quê essa identidade é construída, são em grande medida os
determinantes do conteúdo simbólico dessa identidade, bem como seu
significado para que aqueles que com ela se identificam ou dela se excluem.
(BAUMAN, 2008, p. 23-4)
Desta maneira, entendemos que compreender os elementos da construção da
identidade nos dias de hoje está fortemente relacionado com a responsabilidade que o
comunicólogo possui em conhecer e entender a sociedade em que atua, e a esquizofrenia
digital, como parte desse processo, pode indicar comportamentos e tendências relevantes
para a representação da identidade em ambientes digitais.
24
5. Metodologia de Pesquisa
Neste capítulo serão descritos o método e a abordagem utilizada para análise do
corpus, bem como os caminhos que levaram à escolha dos analisados e tipo de análise a ser
aplicada na pesquisa.
5.1 Método e Abordagem
A esquizofrenia digital, enquanto teoria, pode ser verificada em ambientes digitais
através da análise de conteúdo e do acompanhamento de casos que apresentam determinados
elementos relacionados a esta teoria. Para tanto, recorremos ao método da Teoria Fundada,
comentado pelas autoras Fragoso, Recuero e Amaral (2011), em que o pesquisador se lança
ao estudo dos dados com uma pergunta inicial, porém sem uma hipótese fundamentada
teoricamente. Através da observação dos dados, do background do pesquisador e do suporte
teórico recolhido ao longo da observação, surge uma teoria a respeito do fenômeno
observado:
A análise dos dados vai, assim, auxiliando a refinar o próprio processo de
coleta dos mesmos. Trata-se de um processo de retroalimentação constante
entre o empírico e a análise do mesmo. O campo, assim, oferece pistas não
apenas a respeito da relevância das questões da pesquisa mas, igualmente,
auxilia a construir essas questões e confronta, também, o pesquisador com
novas questões. (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 92)
Inicialmente, o presente estudo almejava identificar mecanismos de construção da
identidade em ambientes digitais como uma maneira de traçar os novos modos de
manifestação da identidade no mundo pós-moderno. Porém, em suas primeiras observações,
esse objeto revelou-se muito amplo, sendo necessário um recorte para uma análise mais
aprofundada. Entre os tipos de recorte – criação de personas, atores sociais e esquizofrenia
digital, o terceiro se mostrou interessante para a problematização de uma questão inicial que
pautava o estudo: Por que a sociedade convive com a presença dos atores sociais, aceita a
25
existência das personas, mas não aceita e em certos casos não convive bem com os perfis
fake? E em contrapartida, por que determinados perfis que são declaradamente fake, ou até
mesmo perfis de publicidade, são muitas vezes aceitos? Seriam eles uma manifestação de
identidade coletiva que ainda não está incorporada na cultura? Seria uma forma de detenção
de poder de certas pessoas em detrimento das demais? Estas perguntas resultaram em um
recorte na esquizofrenia digital uma vez que o interesse principal da pesquisa estava
relacionado a uma percepção de significados culturais e de identidade, enquanto o
estudo de personas e atores sociais estaria mais relacionado ao estudo de funções,
conforme defendeu Bauman (2008).
O estudo se constitui, portanto, da observação de determinados perfis em uma rede
social (Twitter), cujos conteúdos serão posteriormente avaliados e categorizados através de
uma análise qualitativa. O objetivo final será determinar possíveis graus de esquizofrenia
digital nos perfis analisados.
5.2 Ambiente de Estudo
Para verificar a manifestação da esquizofrenia digital como um elemento de formação
de identidade em ambientes digitais utilizamos como amostra determinados perfis da rede
social Twitter, que foram selecionados segundo alguns elementos de recorte preestabelecidos
que serão descritos adiantes.
O Twitter é uma ferramenta que permite a publicação de mensagens de texto de até
140 caracteres, chamadas tweets. É denominado microblog, por sua semelhança ao uso de
blog e também por ser uma ferramenta para uso rápido, que pode ser utilizada tanto em
computadores como em celulares e tablets. Embora existam ferramentas que aumentem o
número de caracteres, as mensagens curtas são a maioria, uma vez que a ferramenta surgiu
com o propósito de trocar mensagens rápidas, objetivas e em tempo real. O Twitter foi
26
lançado em julho de 2006, e rapidamente se espalhou pelo mundo. A última pesquisa do
ComScore, divulgada em fevereiro de 2011, “The Brazilian online audience” afirmou que o
Brasil é o segundo maior mercado do Twitter, com 22% da audiência da ferramenta em todo o
mundo. Uma pesquisa da agência Bullet divulgada em 2009 estimou mais de 110 mil usuários
no Brasil, com um perfil de heavy-users – usuários com alta intensidade de consumo de
internet, que utilizam a ferramenta para saber o que as pessoas estão falando e utilizam
também a maioria das ferramentas 2.0 como: Facebook, YouTube, Orkut etc. A criação dos
perfis é gratuita e sua identificação nas redes é precedida do sinal @, que foi posteriormente
incorporado ao Facebook, com a finalidade de taguear os usuários.
A incorporação do Twitter na cultura mundial é notável. Já existem estudos que
procuram identificar como esta ferramenta vem influenciando as formas de comunicação, por
exemplo, a exibição do “@”, endereço do perfil, em transmissões da TV indica a preocupação
do veículo offline em atingir também audiência que se encontra conectada à internet enquanto
assiste ao programa. Fragoso, Recuero e Amaral comentam:
A perspectiva da internet como artefato cultural observa a inserção da
tecnologia na vida cotidiana. Assim, favorece a percepção da rede como um
elemento da cultura e não como uma entidade à parte, em uma perspectiva
que se diferencia da anterior, entre outras coisas, pela integração dos âmbitos
online e offline. (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL 2011, p. 42)
Sua relevância se comprova, portanto, como elemento da formação de uma cultura
pós-moderna e de construção de identidades.
A escolha do Twitter como ambiente de estudo ocorreu por sua característica principal
estar atrelada a uma interação rápida, passageira e constante. Isto é, o Twitter é um ambiente
favorável a manifestações e representações de identidade, porque não pressupõe um grande
esforço para engarja-se ou para ser utilizado, visto que é possível acessá-lo de qualquer
aparelho com conexão à internet e em qualquer lugar. Sua dinâmica favorece a divulgação de
muitas mensagens em pouco tempo, o que leva o usuário a sentir uma sensação de liberdade,
27
em que permite que qualquer coisa seja dita e, teoricamente, esquecida rapidamente (embora
o registro fique gravado caso não seja apagado).
Alguns critérios básicos foram definidos para selecionar os perfis a serem analisados.
Foram eles:
a) perfis brasileiros e em língua portuguesa;
b) perfis que não requerem o follow para ver o conteúdo, ou seja, perfis públicos;
c) perfis cujo discurso revelem traços da identidade do indivíduo que fala;
d) perfis: fakes declarados, personagens declarados, para fins de propagada ou
representação de uma pessoa pública.
A partir do recorte dos perfis, foi observado o conteúdo dos mesmos (tweets), através
do acompanhamento da conta entre os dias 28 de abril de 2011 e 15 de junho de 2011 – 50
dias. Utilizou-se a captura da tela para armazenamento dos históricos dos perfis.
5.3 Perfis selecionados
A pergunta inicial, conforme sugere a prática da Teoria Fundada, foi por que certos
perfis são aceitos socialmente ainda que sejam claramente fake e outros perfis são criticados
por não revelarem o nome de uma pessoa. Então, a partir dos requisitos expostos acima,
foram selecionados três pares de perfis com características semelhantes entre si e entre os
pares. O critério foi baseado principalmente na presença de linguagem que indicasse
manifestações de identidade no discurso do autor, de modo a possibilitar uma visão parcial
sobre como a identidade tem se manifestado em ambientes digitais nos dias de hoje e,
ainda, de que maneira a esquizofrenia digital se faz presente nestes perfis:
@oqoshpensam @princesa_kate @claroronaldo
@depressiveguy @pergunteaourso @rafinhabastos
Tabela 1: Perfis selecionados para análise
28
Propositadamente, foram selecionados os perfis @claroronaldo e @rafinhabastos,
pessoas públicas e vastamente conhecidas no Brasil, e também internacionalmente. Além de
apresentarem traços de manifestação de identidade em seus discursos, ambos os perfis
estiveram sob grande exposição na mídia durante o período da análise, o que elevou os
índices de interação a atualizações dos mesmos. Da mesma maneira, o perfil @princesa_kate
esteve em pontual e larga exposição midiática durante o período analisado, por sua relação
com o casamento real, que foi transmitido ao vivo em diversos canais de televisão do Brasil e
do mundo, além de transmissão ao vivo pelo canal de vídeos online YouTube. O casamento
real foi considerado até o momento o evento do ano, e foi assistido por mais de 2 bilhões de
pessoas em todo o mundo4. Também o perfil @oqoshpensam atuou de forma ativa no período
de 10 a 14 de junho, data próxima ao Dia dos Namorados no Brasil, e o autor do perfil
@pergunteaourso, também durante o mês de junho, esteve presente em um evento de Mídia
Social no Brasil, o que também movimentou de forma atípica sua atividade. Já o perfil
@depressiveguy não passou por datas ou eventos que alterassem a rotina de sua atividade, o
que não anulou sua presença entre os analisados, uma vez que o foco da análise reside no
conteúdo dos perfis. Contudo, os eventos descritos foram relevantes durante o período da
análise e convém citá-los.
Portanto, através da análise do conteúdo destes perfis, esperamos determinar
possíveis graus de esquizofrenia digital, o que possivelmente poderá indicar uma visão
parcial da construção da identidade nos dias atuais.
4 BBC Brasil: < http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/04/110429_vestido_mostra_pu.shtml>. Acesso
em: 10 de jun 2011.
29
6. Esquizofrenia Digital no Twitter
6.1 Descrição dos Perfis
Um dos principais critérios levado em conta para a escolha dos perfis desta análise foi
a presença de discursos que revelassem traços da identidade do indivíduo que fala. Sabemos
que o ambiente analisado, o digital, não é composto apenas de pessoas que estão dispostas a
revelar informações sobre si mesmas, porém é inevitável manifestar pontos de vista e opiniões
que revelam algo sobre si, mesmo quando o objetivo é simular uma personagem. A mecânica
do Twitter em formato de blog – com uma linha do tempo claramente estabelecida favorece a
leitura dos perfis como se fossem uma história, como sugere o próprio nome usado para se
referir ao conjunto dos tweets a timeline. Pensando a timeline como uma história, seria como
analisar a história da vida destes perfis, através dos fragmentos que foram postados.
THOMPSON (1995, p. 10) comenta que contar sobre nós mesmos é reconstruir uma
narrativa, que se modifica enquanto é contada, sobre como chegamos onde estamos e para
onde vamos em seguida. Isto vem de encontro com o que observamos nas timelines, que são
também pequenos recortes do que acontece na vida das pessoas, e que em conjunto constroem
um todo uno, que faz sentido em si mesmo e revela traços da identidade do autor.
Foram selecionados, ao total, seis perfis, agrupados em pares que contêm alguma
semelhança. Os perfis @oqoshpensam e @depressiveguy possuem em comum o fato de
pertencerem a pessoas que se utilizam desta conta para falar sobre assuntos que não falariam
em suas contas públicas. Utilizam o artefato fake para se manifestarem livremente, sem
preocupação com as consequências que suas ideias podem trazer em suas vidas pessoais e
profissionais. Enquanto @oqoshpensam aborda conteúdos relacionados a namoro e sexo,
@depressiveguy se concentra em assuntos que causam aborrecimento ou, como o nome
sugere, que o deixam depressivo. O perfil @oqoshpensam se concentra em interagir
30
especialmente com as mulheres, postando dicas e conteúdos relacionados a sexo, como
conseguir um namorado, como se comportar em um encontro etc. Conta, até este momento,
com 1.369 seguidores, que costumam interagir com o perfil, enviando perguntas ou
manifestando opiniões sobre os temas comentados. O autor ou autora também estimula a
interação, com perguntas e provocações. A descrição que apresenta de si mesmo é
“PROIBIDO PARA MENORES DE 25 ANOS. O Twitter é apenas umas forma de dividir
meus pensamentos e as coisas q acontecem cmg. oqoshpensam@gmail.com. Desde 09/04/10”
(sic). A foto que utiliza no perfil não é a foto da pessoa que o atualiza, mas uma foto genérica
e que não contém o rosto de uma pessoa:
Imagem 1: @oqoshpensam
Já o perfil @depressive_guy é utilizado a maior parte do tempo para publicar frases
em tom de desabafo, que falam do próprio dia a dia ou de acontecimentos do mundo. A
interação é baixa em comparação com os demais perfis, muitas vezes menor do que 1 tweet
por dia, apesar dos 215 seguidores que acompanham o perfil. A maior parte das frases não
estimula respostas ou comentários, é puramente descritiva, e a quantidade de atualizações é
baixa, com cerca de um post por dia e com intervalos de alguns dias. A descrição do perfil e a
foto também revelam pouco sobre a pessoa que o atualiza: “@depressiveguy – São Paulo –
Questione-se” diz a descrição, e a foto é do escritor Charles Bukowski, um alemão radicado
31
nos Estados Unidos, reconhecido como um dos maiores escritores de língua inglesa da
modernidade:
“Sua obra obscena e estilo coloquial, com descrições de trabalhos braçais,
porres e relacionamentos baratos, fascinaram gerações de jovens à procura
de uma obra com a qual pudessem se identificar.” 5
Imagem 2: @depressiveguy
Ambos utilizam o fake porque preferem manifestar estas opiniões sem comprometer a
imagem que possuem em seus perfis e preferem que as pessoas de seu convívio não saibam
que são os responsáveis pelos mesmos. O Twitter é, portanto, para estas duas pessoas, uma
válvula de escape para uma manifestação de um fragmento de si mesmos que preferem não
compartilhar de forma pública.
A segunda classe de perfis selecionados corresponde a perfis com uma grande
quantidade de seguidores, que se tornaram famosos no universo do Twitter e também em
outras mídias. O perfil @princesa_kate surgiu em ocasião do casamento do Príncipe William
e Kate Middleton, em 29 de abril de 2011 no Reino Unido. Em seu blog, @princesa_kate
divulgou que, em cerca de uma semana que o perfil estava criado, contava com 7.000 mil
seguidores e 80.000 mil visitas ao blog. Durante a semana do Casamento Real, período em
que foi analisado, o criador do perfil cedeu entrevistas a revistas, jornais e diversos sites que
comentaram o sucesso que o perfil obteve em tão pouco tempo. As publicações foram
relacionadas ao tema do casamento, através de uma abordagem cômica. Foi construída uma
5 Disponível no site: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Bukowski>. Acesso em: 10 de jun 2011.
32
nova personagem, com base na noiva Kate Middleton, com a ambientação do subúrbio do Rio
de Janeiro – Saquarema. As piadas rapidamente se espalharam, e o perfil começou a se tornar
mais ativo, tendo feito cobertura em tempo real do casamento no dia 29 de abril. Poucos dias
depois do casamento, em 3 de maio, seu criador, João Márcio Dias, publicou no blog um
manifesto sobre a personagem @princesa_kate, no qual identifica-se como o autor do perfil e
explica os motivos que o levaram a criá-la e por que, daquele dia em diante, se tornaria menos
ativo:
Em uma semana dei umas 10 entrevistas pra jornais, blogs, revistas… isso
sem contar as citações e sites diversos como na Revista Época. Curti bem a
brincadeira, mas sejamos francos: acabou a graça. 6
E complementa, com sua opinião sobre os perfis fake semelhantes ao
@princesa_kate:
Acho que muito o que falta pros fakes é perceber que chega uma hora que
cansamos das mesmas piadas. Eu, como crítico ferrenho da PraçaNossísmo
do humor, não seria coerente continuar ad infinitum com piadas de
dobradinha, rabada e frituras.7
Desde então, a atividade no blog e no perfil se tornaram bastante reduzidas, inclusive o
número de seguidores caiu de 7.000 mil para 5.431 mil. Sua descrição no Twitter é alusiva às
piadas que publica: “@princesa_kate – Saquarema - Princesa do Povo (me add:
contato.princesakate@gmail.com) http://princesakate.wordpress.com”
Imagem 3: @princesa_kate
6 Disponível no blog: <http://princesakate.wordpress.com/2011/05/03/ultimo-post-lua-de-mel-mais-perfeita-de-
todas/>. Acesso em: 03 de mai 2011. 7 Op. cit.
33
De forma semelhante, o perfil @pergunteaourso lança mão de um personagem, neste
caso fictício, para representar o criador do perfil. Aqui encontramos uma diferença
importante: este perfil não é um fake declarado, pois seu autor, além de utilizar uma foto de si
mesmo, expõe no blog www.pergunteaourso.com.br que é o autor do perfil e explica o motivo
da criação do mesmo:
“O blog teve diversas motivações, os amigos me incentivaram bastante, a
falta de humor no dia a dia também, mas creio que precisava descarregar um
pouco a tensão gerada pelas perguntas que não posso responder
pessoalmente. Confesso que ficou divertido poder responder questões sem
filtro, na lata, doa a quem doer.8
Neste caso, portanto, @pergunteaourso é um personagem criado por Marcelo
Vitorino, “publicitário e especialista em mídias digitais” @mvitorino_. A mesma informação
se encontra também na descrição do Twitter: “@pergunteaourso ‒ São Paulo- Marcelo
Vitorino. Twitter oficial do blog Pergunte ao Urso e também meu por tabela sobre coisas não
oficiais! O meu pessoal é @mvitorino_ http://pergunteaourso.com.br/”.
Imagem 4: @pergunteaourso
Os dois últimos perfis escolhidos, conforme supracitado, foram selecionados também
por se tratarem de pessoas públicas, que utilizam o Twitter como uma ferramenta de
comunicação para os assuntos relacionados a trabalho, carreira, diversão, entre outros temas.
São pessoas conhecidas internacionalmente e consideradas influenciadores importantes. O
perfil @claroronado é o perfil oficial da companhia de telecomunicações Claro, e é também
8 Disponível no site: < http://www.pergunteaourso.com.br/faq/>. Acesso em: 10 de jun 2011.
34
o perfil do jogador Ronaldo (Luis Nazário de Lima). A empresa o contratou como garoto-
propaganda há cerca de 1 ano e anteriormente, Ronaldo também havia sido garoto-
propaganda da companhia Tim. O uso que é feito deste perfil é um mix entre um perfil
particular do jogador e um perfil oficial da operadora de celular, que se utiliza deste meio para
publicar promoções, comunicados etc. O que se torna interessante neste perfil é que o jogador
também o utiliza para comentar assuntos de sua vida profissional e particular, além de
interagir com os seguidores de todas as partes do mundo, lançar desafios e promoções
relacionadas às marcas com as quais trabalha, além da oficial Claro. O volume de seguidores
1.867.018 milhão – um dos maiores em números de seguidores no Brasil indica uma aceitação
por parte do público deste perfil, de modo a se incluir na investigação da pergunta inicial
deste estudo. Ainda que se proponha a ser o perfil do jogador em si, traz também uma marca
agregada, como uma espécie de pílula dourada para o contato com o jogador. O período
analisado compreendeu também a semana em que aconteceu seu último jogo pela Seleção
Brasileira, no estádio Pacaembu, em São Paulo, 7 de junho de 2011. A apresentação do perfil
e a foto são também um mescla da marca com o jogador: “@ClaroRonaldo – Brasil - O
twitter oficial da Claro eh o twitter oficial do fenomeno. Siga e acompanhe seus comentários
e as novidades da Claro. http://www.claro.com.br - http://www.claro.com.br”.
Imagem 5: @claroronaldo
O último perfil analisado, mas não menos importante, foi do comediante e
apresentador @rafinhabastos. Seu perfil foi considerado o mais influente do Twitter, pela
35
ferramenta Twitalyzer, em pesquisa publicada em 24 de março de 2011.9 Rafinha Bastos
contém, até o momento, mais de 2,3 milhões de seguidores e é um dos perfis com mais
seguidores do Brasil, segundo a pesquisa da ferramenta TweetRank. O conteúdo de suas
publicações é diversificado, e transita entre matérias do programa que apresenta o CQC, sobre
política, economia, entretenimento, entre outros. Apesar de o programa CQC ser patrocinado
por diversas marcas, o comediante Rafinha não representa oficialmente nenhuma delas em seu
perfil do Twitter, o que nos leva a crer que o conteúdo que publica está basicamente
relacionado a opiniões e ideias próprias. Diferente do também influenciador @claroronaldo,
Rafinha não tem o compromisso de representar uma marca, apesar de ser adepto à prática do
tweet patrocinado, em que uma marca pode pagar para que seja feita uma publicação que a
mencione. Sendo assim, o discurso de Rafinha também indica um compromisso com sua
imagem pública, e também expressa opiniões a respeito do seguimento em que atua, assim
como @claroronaldo. A descrição e a foto do perfil de Rafinha remetem a seu perfil
irreverente e cômico: “@rafinhabastos – Brasil - Funileiro e atriz.
http://www.rafinhabastos.com.br”.
Imagem 6: @rafinhabastos
6.2 Aspectos da Análise
A partir da análise do conteúdo dos perfis foram observados aspectos da comunicação
que permitissem um recorte sobre a manifestação da identidade e os graus de esquizofrenia
presentes.
9 Fonte: < http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,rafinha-bastos-e-o-mais-influente-no-twitter-diz-
pesquisa,697194,0.htm>
36
Os aspectos foram agrupados em grandes categorias de significação, de modo a
permitir uma visão qualitativa dos elementos do corpus:
Categorias de aspectos analisados
1) Fragmentação: a fragmentação, como característica correspondente à
esquizofrenia digital, é a principal categoria de análise do estudo. Ela é
determinante para definir se o perfil contém ou não os principais aspectos
da esquizofrenia digital, que não possui até o momento presente, uma
definição específica que se possa identificar facilmente. Por este motivo,
através da análise do conteúdo, foram selecionados aspectos que indiquem
uma fragmentação do sujeito, tais como:
i. declara-se um fake ou um personagem: indica em sua descrição
ou durante o texto;
ii. mescla discurso profissional e particular: fala de vida pessoal e
também do trabalho;
iii. discurso fragmentado, assuntos desconexos: mistura diversos
temas, não se retém em um único assunto;
iv. discurso em primeira pessoa do singular e também na primeira
pessoa do plural: se identifica tanto como um representante de um
conjunto de pessoas como a si mesmo;
v. indica localidade física local ou regional: declara sua origem ou
procura estabelecer um característica “universal”;
37
2) Linguagem: A análise da linguagem utilizada pelos analisados permite
traçar um perfil do interlocutor. Através da linguagem são manifestados
traços da personalidade, marcas regionais, além de permitirem manifestar
sentimentos com símbolos característicos de registro da Internet, que
foram considerados parte da categoria linguagem por se enquadrarem em
uma seção de finalidade comunicacional. A importância desta categoria é
que ela permite uma visão ampla do comportamento do analisado, porque
informa dados relevantes de sua relação com o meio e com o seu
posicionamento em relação ao item anterior, a fragmentação.
i. usa ironia: seu discurso é irônico, sarcástico com objetivo de
produzir humor ou crítica;
ii. manifesta opinião: declara seu posicionamento sobre assuntos seja
por meio da ironia ou de comentário;
iii. cria expressões próprias: cria hashtags ou procura utilizar
expressões que lhe atribuam uma característica própria;
iv. usa expressões próprias do Twitter: adere hashtags (#) com
objetivo de se encaixar no contexto de conversação do Twitter ou
para situar seu perfil em determinado assunto. Cria-se hashtags
intencionalmente, classificaremos na categoria interação, porque
possui o objetivo de gerar uma conversa em torno de si mesmo;
v. usa elementos históricos e sociais para contextualizar sua fala:
se utiliza de elementos que acontecem no Brasil e no mundo para
interação ou se mantém em seu próprio contexto.
38
3) Interação: neste estudo, o elemento interação corresponderá a todas as
formas explícitas permitidas pela ferramenta para conversar com as
pessoas, mediante análise do contexto em que a conversa ocorre (ou não
ocorre como uma conversa, de modo a não ser considerado na análise).
Desta forma, estão incluídos o tweets que contém o @ de outro perfil,
considerando inclusive os retweets – RTs – quando o autor encaminha ou
responde um tweet e os replys, que são simplesmente uma resposta . E
também são levados em consideração o uso das hashtags (#) que visam
categorizar os assuntos.
i. usa RTs e replys: faz menção a outros usuários por motivo de
conversa ou “retwita” algo para gerar uma conversa sobre o
assunto;
ii. usa hashtags: usa marcação # das hashtags com intenção de
categorizar um assunto, com o propósito de gerar uma conversa
sobre o tema;
iii. posta fotos e vídeos: se utiliza de fotos e vídeos para interagir com
os seguidores, demonstrar ou atrair conversas sobre o tema;
iv. responde a críticas: preocupa-se em interagir com pessoas que
eventualmente façam críticas à pessoa, o perfil ou a temas
publicados. Este fator é relevante para verificar se o perfil está
interessado em obter aceitação do público ou não.
v. incita resposta e manifestação com chamadas: faz-se perguntas
aos usuários esperando uma resposta para um contexto de conversa,
ou mantém sua fala mais no nível da descrição, sem preocupar-se
com a opinião dos seguidores.
39
4) Publicidade: este fator se revelou importante para esta análise uma vez
que está relacionado com a pergunta inicial do estudo: Por que certos
perfis são mais aceitos que outros? A presença ou ausência de elementos
de publicidade no perfil podem influenciar no sucesso ou fracasso de um
perfil fragmentado? Isso teria alguma relação direta com a esquizofrenia
digital? Este recorte é também interessante para uma posterior aplicação
prática do estudo em planejamento de mídia social para fins comercias e
corporativos.
i. faz publicidade abertamente: cita marcas e utiliza slogans,
merchandising, promoções, etc;
ii. faz menção direta à marcas: publica nome de marcas, porém, sem
marcar a propaganda com o texto publicitário. Cita a marca como
se fosse uma manifestação espontânea;
iii. cita marcas indiretamente: comenta sobre elas mas não
necessariamente com objetivo de divulgação. Aqui também serão
consideradas menções negativas, irônicos ou meramente
ilustrativas.
iv. é patrocinado por alguma marca: seu perfil está explicitamente
relacionado a uma marca;
v. contém tweets enviados por terceiros: por meio da análise
contínua dos tweets é possível verificar quando uma mensagem não
foi escrita pela pessoa que mais atualiza, seja pela marcação de uma
linguagem diferente ou por marcação de uma ferramenta que faz
atualização automática (ex. Hootsuite).
40
Essas quatro categorias principais reúnem 20 fatores de análise, que por meio de uma
tabela, indicarão uma escala para cada categoria. Desta maneira, as categorias agrupadas
indicarão uma escala entre forte e fraco para o grau da esquizofrenia digital do perfil
analisado.
6.3 Interpretação dos aspectos de análise
A partir das quatro categorias de análise do conteúdo, faremos um recorte de tweets
relacionados aos itens, na tentativa de verificar o grau da esquizofrenia digital de cada perfil.
6.3.1 Fragmentação
A fragmentação, como elemento principal da esquizofrenia digital, é o elemento mais
importante desta análise. A partir deste item será possível determinar se os perfis possuem
traços fortes ou fracos de esquizofrenia.
Partindo da descrição que o autor ou autora faz de si mesmo já encontramos elementos
importantes para este recorte. Embora todos os selecionados tenham marcas de uma
fragmentação em seu discurso, nem todos o manifestam claramente. Os perfis
@depressiveguy e @oqoshpensam são declaradamente fragmentos de uma identidade oculta
sob o perfil analisado:
@depressiveguy Sou uma pessoa super famosa escondida nesse alterego! Meu nome
real? Bukowski, Charles Bukowski!
@oqoshpensam Esse lance de Twitter fake faz bem pro ego, as pessoas não me
conhecem e me chamam de lindo, anjo, delicia (sic) .... É uma beleza! Rsrs
De maneira distinta se posiciona o perfil @princesa_kate, pois seu objetivo principal é
manter a personagem criada:
41
@princesa_kate estão me informando que eu tenho mais seguidores que aquela fake
recalcada da @KateEMiddleton. SAQUABEACH É NÓIS!
@princesa_kate AGORA EU SOU PRINCESA E NINGUÉM VAI ME SEGURAR
DAQUELE JEITO!
@princesa_kate GENTE EU NÃO SOU FAKE! PODE PERGUNTAR PRA
@FIOMATTHEIS!
Já o perfil @pergunteaourso se declara um personagem, porém revela a identidade do
autor do perfil, e utiliza ambos para se manifestar. Em sua própria descrição no Twitter já
procura deixar claro:
@pergunteaourso Marcelo Vitorino. Twitter oficial do blog Pergunte ao Urso e
também meu por tabela sobre coisas não oficiais! O meu pessoal é o @mvitorino_
Aparentemente este perfil comporta duas identidades diferentes. Seria uma forma de
esquizofrenia digital em que o autor não utiliza do perfil fake, mas exercita uma identidade
fragmentada de forma explícita, e sem ocultar sua verdadeira identidade. É interessante notar
que, embora o @pergunteaourso desde a criação do blog e dos perfis tenha utilizado ambos
@pergunteaourso e @mvitorino_ para dialogar com seus seguidores sobre os temas de ambos
os perfis, no último período da análise o autor tomou a decisão de separar os temas entre os
dois perfis, de modo a manter os temas do Blog Pergunte ao Urso estritamente neste perfil e
utilizar o @mvitorino_ para temas profissionais, como palestras, participações do autor em
eventos, entre outros:
@pergunteaourso amigos e amigas, hoje termina um processo de transição do uso
deste perfil de twitter e também do meu perfil no facebook
@pergunteaourso a partir de hoje o @pergunteaourso fica focado nos assuntos
tratados no blog. Divulgação de posts e diálogo com leitores do P.a.U
@pergunteaourso Mídias sociais, eventos, corporativo ou qualquer tema sem relação
com o Pergunte ao Urso, siga o perfil @mvitorino_
@pergunteaourso Na prática, gosta do blog? siga o @pergunteaourso. gosta do
autor? siga mvitorino_. Se curtir os 2, siga ambos
@pergunteaourso Antes meu perfil no facebook era alimentado pelo
@pergunteaourso, agora passará a ser alimentado pelo @mvitorino_
42
Nota-se, portanto, que este autor tem uma preocupação em utilizar os perfis para
dialogar com seu público, que até o momento estava acostumado com a fragmentação do
autor em dois perfis. Entretanto, esta mecânica deixou de atender as necessidades do autor,
que optou por uma cisão mais forte, com total separação de temas, perfis e identidades. Deste
momento em diante, Marcelo Vitorino se tornou exclusivamente um profissional de
Publicidade e especialista em Mídias Sociais, enquanto Pergunte ao Urso se mantém como
uma parte de sua identidade, porém sem referência direta à sua pessoa.
Os perfis de Rafinha Bastos e Ronaldo, por se tratarem de pessoas públicas, procuram
manter certa coerência com a imagem já conhecida do público. Mesmo assim, de algumas
maneiras, marcam por meio da linguagem o fragmento de identidade que estão expostos nos
perfis:
@rafinhabastos Oi, meu nome é Rafinha Bastos. Eu sou comediante. Comediante faz
piada. Obrigado.
@ClaroRonaldo O twitter oficial da Claro eh (sic) o twitter oficial do fenomeno (sic).
No caso destes dois perfis, é importante ressaltar que a mídia influencia muito o quê
está sendo dito. Portanto, para todos os tipos de conversa e manifestações publicados, é
necessário observar que os fatores comerciais estão presentes, por exemplo, quando o jogador
Ronaldo utiliza o tema de seu último jogo pela seleção para divulgar o novo cliente de sua
agência 9ine – a Duracell. Inicialmente o jogador comenta sobre o vídeo que seus filhos
fizeram durante o jogo – em teoria um assunto de sua vida privada – mas que nesta situação
havia sido utilizado como parte de uma ação de marketing:
@claroronaldo vces (sic) viram meus filhos me filmando? lidos (sic) demais deem
uma olhada www.facebook.com/duracellbrasil
Da mesma maneira cita a marca Nike, relacionado ao jogo:
@claroronaldo Vces (sic) viram o video (sic) q a Nike fez pra mim?
http://www.youtube.com/nikefutebol#p/u/0/s1SEQh2lg6U
43
Ronaldo utiliza a primeira pessoa na maior parte do tempo, mas também aparecem
tweets de propaganda, que utilizam chamadas para promoções e novidades da Claro, em que a
marcação da pessoa que fala é oculta:
@claroronaldo O Xperia Arc com Android 2.3 chega primeiro na Claro com uma
oferta super bacana: R$ 349 a partir do Sob Medida R$270.http://t.co/9
Algumas vezes também aparece a marcação da terceira pessoa, onde entendemos que
está sendo utilizado o perfil do jogador para a fala de um terceiro, no caso a Claro:
@claroronaldo Já viram o novo iPhone4 Branco? A Claro oferece variedade de
iPhones para vc escolher. Aproveite a oferta de lançamento http://t.co/L
Assim, a fragmentação deste perfil se confirma, tanto pelo uso de várias formas de
marcação da pessoa que fala, quanto pela forma que são abordados os temas da vida particular
e profissional. Esta forma de fragmentação já não ocorre no perfil de Rafinha Bastos, que se
posiciona a maior parte do tempo como um comediante, falando em primeira pessoa, e
principalmente sobre os temas relacionados ao seu universo de atuação profissional – o
humor:
@rafinhabastos Já q a Globo mostrou o casamento de Willian e Kate, aguardo
amanhã na BBC o casório de Ivanilde e Wanderson.
@rafinhabastos Os Brasil tudo (sic) assistindo aos programa (sic) CQC. Na sua
tevelisão(sic).
@rafinhabastos Visitei o Orkut de vários amigos. Pelo que notei, a maioria morreu
em 2004.
A fragmentação dos perfis também se manifesta por meio dos assuntos que são
tratados nos perfis. Todos eles procuram estabelecer uma coerência em suas postagens, porém
os assuntos são diversos. A mecânica de funcionamento do Twitter também facilita uma troca
assuntos muito rápida, que também está relacionado com o diálogo que os seguidores
estabelecem. Dos perfis observados, notamos que aquele que menos se preocupa em manter
uma coerência dos tweets é o @depressiveguy. Uma pequena sequência de tweets podem
mostrar a variedade de temas, que não estão necessariamente relacionados:
44
@depressiveguy Sabe o que eu não queria? Me dar mal!
@depressiveguy Se você não consegue resolver os problemas, aprenda a livrar-se
deles!
@depressiveguy “Serumanos” (sic), quando vamos nos tocar que 8 horas de trabalho
por dia é ridiculamente muito?
@depressiveguy O estado normal das coisas nunca é bom! Você sempre tem que se
esforçar e muito para que pareçam ao menos razoáveis!
O tom altamente pessoal deste perfil se sobressai na maior parte dos tweets analisados,
que demonstram principalmente os sentimentos do autor em relação à vida e ao trabalho, de
uma forma melancólica. Seu interesse mais claro é utilizar-se do perfil fake como uma forma
de desabafo para estes sentimentos, e o tom confessional de seu texto é uma forma de
manifestar seus pensamentos conforme lhe ocorrem, sem um compromisso de transmitir uma
mensagem específica para seus seguidores. Também por este motivo, notamos que sua fala é
praticamente 100% do tempo em primeira pessoa.
De uma maneira parecida se posiciona o @oqoshpensam. Sua fala está na maior parte
do tempo em primeira pessoa, e grande parte dos tweets falam de sua vida privada, sem
mencionar nome de pessoas ou qualquer elemento que possa ser relacionado à sua identidade
verdadeira. Este perfil também possui tom confessional, como @depressiveguy, porém, se
posiciona de uma forma diferente diante dos seguidores, pois tem um interesse maior em
interagir com os usuários que os seguem – a maioria composta de mulheres. Por este motivo,
suas publicações mesclam pensamentos e emoções relacionados à sua vida, como trabalho,
namorada, vida sexual e também temas que possam gerar uma conversa com suas seguidoras,
perguntado a opinião delas em certo assunto, postando fotos e vídeos, ou também fazendo
perguntas diretas.
@oqoshpensam Agora veio o eu te amo...Atrasado, mas veio! Hahahaha
@oqoshpensam Pq precisamos trabalhar hein (sic)? O dinheiro não pode
simplesmente cair na nossa conta?
45
@oqueoshpensam MULHERADA ME AJUDEM!!! o q (sic) devo dar de presente
para minha namorada dia 12?
De uma forma semelhante se posiciona @princesa_kate, porém, como já dito, seu
interesse é dar vida a uma personagem. A maioria dos seus tweets fala sobre o casamento,
preparativos e sentimentos relacionados ao eventos, sempre de forma cômica e irônica. Existe
uma coesão de tema, mas também notamos uma fragmentação das postagens, que não seguem
necessariamente uma linha do tempo, ou um assunto somente. Em meio a descrições dos
preparativos (fictícios) aparecem pedaços de música, piadas e interações com seguidores. De
certa forma, se estabelece um discurso que mescla aspectos da vida pessoal e profissional da
personagem, sempre em primeira pessoa.
@princesa_kate Os súditos fofos da @OnLine_RBTV estão me entrevistando. Só
não posso demorar porque senão a rabada vai queimar.
@princesa_kate Súditos que quiserem mandar perguntas para que eu responda no
@OnLine_RBTV podem fazer isso agora ou vão conhecer a masmorra.
E na sequência destes posts comentando uma entrevista do autor do perfil, aparece
uma publicação cômica:
@princesa_kate Xuxa Rainha, Kate Princesinha
O uso da primeira pessoa aparece de forma semelhante ao @princesa_kate no perfil
@pergunteaourso. O autor comenta fatos de sua vida pessoal em meio aos post relacionados
ao Blog:
@pergunteaourso Finalmente em solo brasileiro...Após 3 horas a bordo de uma
aeronave com a família inspiração para os Simpsons, estou bem
E na sequência, ele publica:
@pergunteaourso The Urso Daily is out: http://bit.ly/fjemZO > Top stories today via
@empreendemia @silviatanaka @thiagocia @revistaestilo
A forma como os perfis marcam ou não marcam sua localização geográfica também
pode indicar uma forma de fragmentação do perfil. Todos publicam na descrição do perfil a
localização, com exceção de @oqoshpensam, que pelo que foi analisado, é o perfil que mais
46
preocupa em ocultar a verdadeira identidade do autor. Em conformidade com o
posicionamento de seus discursos, @claroronaldo e @rafinhabastos utilizam a localidade
“Brasil” – lhes interessa que o perfil seja o mais abrangente possível, uma vez que utilizam
também como uma forma de gerar negócios. Em contrapartida, com uma intenção de
comunicar-se com públicos regionais ou simplesmente sem intenção de atingir um público
nacional, @depressiveguy e @pergunteaourso utilizam “São Paulo” como local. E
finalmente, o perfil em que se verifica uma maior manipulação do discurso com objetivo de
simular uma identidade, @princesa_kate utiliza a cidade carioca Saquarema como local. Esta
cidade serve de ambientação para suas piadas, com utilização de gírias e expressões que se
relacionem com o local que o autor deseja relacionar à personagem:
@princesa_kate Agora só posso comer com a Dona Beth. Sorte que eu trouxe uns
pacotes de Fofura lá de Saquarema, então fico beliscando enquanto vejo TV.
O último aspecto importante sobre a fragmentação do perfil é o gênero e o número dos
autores. Nos perfis @depressiveguy e @oqoshpensam não é possível identificar a pessoa que
escreve, o que resulta em uma indefinição do gênero do autor ou autora. Apesar dos demais
perfis possuírem um indivíduo que se declara o autor, não se deve excluir a possibilidade de
existirem colaboradores, homens e mulheres, o que culmina na existência de autores e
autoras. O único caso em que podemos afirmar que existem outros autores é @claroronaldo,
porém, neste estudo, faremos referência ao jogador Ronaldo como autor principal dos tweets
analisados. Quando necessário faremos referência e exemplificação dos tweets enviados por
terceiros.
Nesta categoria concluímos que existem graus variados de esquizofrenia digital, que
se manifestam por meio da fragmentação do discurso e do posicionamento do autor em
relação ao seu ambiente e contexto. Para exemplificar esses diferentes graus, utilizamos uma
escala com base nas respostas sim e não aos subitens da análise:
47
6.3.2 Linguagem
Através desta categoria se pretende verificar se o grau de esquizofrenia digital também
se reflete na linguagem utilizada pelos analisados. Castells defende que:
A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela
história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela
memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e
revelações de cunho religioso. (CASTELLS, 2008, p. 22)
Deste modo, além dos aspectos de fragmentação, consideramos que a linguagem irá
refletirá posicionamentos e intenções do autor que irão de encontro com o grau da
esquizofrenia digital que seu perfil apresenta. Isto quer dizer que, quanto mais esquizofrênica
sua postura, mais seu discurso estará carregado da identidade que deseja simular.
Embora tenha se apresentado com o perfil com menor índice de fragmentação, e,
portanto, com um grau de esquizofrenia digital menor, a linguagem utilizada por
@rafinhabastos se apresentou fortemente característica e de acordo com a postura que utiliza.
O conteúdo de seus tweets está altamente relacionado ao tema de sua profissão – o humor.
Mesmo quando ele comenta sobre temas de sua vida pessoal, o faz de maneira irônica. Deste
modo, fica claro que o autor deseja manter seu discurso alinhado com seu posicionamento no
Twitter e com a identidade que deseja manifestar neste espaço. Rafinha deseja se posicionar
de forma humorística em temas de diversas áreas, porém, sua intenção não é necessariamente
48
gerar um debate político, social ou econômico sobre os assuntos, mas está mais relacionado
sobre manifestar-se ironicamente. Neste sentido, notamos que a linguagem que utiliza é
altamente irônica e sarcástica, além de fazer relações não somente com temas de sua vida
particular, como também com acontecimentos do dia a dia do Brasil e do mundo. Ele também
se utiliza muitas vezes de assuntos do momento, que estão aparecendo nos Trending Topics
(um ranking que o Twitter publica com os dez assuntos mais comentados no momento),
utilizando hashtags ou fazendo referências aos vídeos.
Alguns exemplos dos tweets da linguagem @rafinhabastos:
@rafinhabastos Um assunto polêmico http://twitpic.com/4qrluj
A imagem faz referência ao vídeo abaixo, que contém um garoto falando sobre
mamilos. O título do vídeo é “um assunto polêmico” e obteve milhões de acessos em poucos
dias após sua publicação. O vídeo original não se encontra mais publicado no YouTube,
porém existem diversas cópias disponíveis.
10
10
Disponível no site: <http://www.youtube.com/watch?v=PORknrd-cv8>. Acesso em: 19 de jun 2011
49
Outro exemplo de como Rafinha “pega carona” nos temas do momento seria em o
vídeo da Banda Mais Bonita da Cidade – “oração”11
, que obteve mais de 5 milhões de
visualizações em uma semana. Além de produzir uma sátira do filme em parceria com a
banda, Rafinha Bastos publicou o link de outras paródias que foram produzidas, e continuou
falando do assunto durante algum tempo depois que o vídeo foi lançado, em 21 de maio de
2011:
Em 25 de maio publica sua paródia:
@rafinhabastos Eu, @naosalvo, @jbanguela, @muyloco e cia em A Banda Mais
Bonita da Internet:http://youtu.be/cpvy0YVlOmE
Em 27 de maio publica um novo post sobre o mesmo assunto, com o link de uma
oração religiosa:
@rafinhabastos Mais uma incrível versão de “Oração”
http://www.youtube.com/watch?v=lmwtm57SjX4
E ainda, em 8 de junho, publica uma nova paródia:
@rafinhabastos Porra reitor! A banda mais bonita da universidade [UFPB]
http://on.fb.me/mJriET (8 de junho)
No caso de Rafinha, portanto, a análise do conteúdo revela que a marcação da sua
identidade está mais fortemente relacionada a seus propósitos na rede do que com uma
fragmentação de sua personalidade. Isto quer dizer que dentro do que se propõe há uma
coerência do discurso, que indica que de fato seu perfil é um manifestação fragmentada da
identidade do comediante Rafinha Bastos, mas que não necessariamente se qualifica como
uma esquizofrenia digital.
Uma segunda subcategoria surgiu durante a análise do conteúdo, e diz respeito aos
perfis que marcam fortemente a fragmentação por meio da linguagem. Assim como no caso
de @rafinhabastos os autores procuram interagir com o contexto local em que estão, e se
utilizam das hashtags para participar de conversas. Deste modo, todos os demais perfis estão
11
Disponível em: <http://www.youtube.com/user/vini83#p/a/f/1/QW0i1U4u0KE>. Acessado em: 15 de jun
2011
50
carregados de manifestações espontâneas de opinião sobre os assuntos que circulam no
Twitter, e o que diferencia a maneira como o fazer é o tom da linguagem utilizada.
Observamos que os perfis que desejam marcar mais fortemente o fragmento de
identidade que fazem um forte uso da ironia, de modo a manifestarem a opinião por meio
dela. Diferente do humorista Rafinha Bastos que utiliza a linguagem como uma extensão de
sua profissão no ambiente digital, estes perfis usam a linguagem para marcar traços de suas
identidades. O perfil @princesa_kate é um dos que mais utiliza esta forma de expressão para
produzir uma identidade. Seu propósito é dar vida ao personagem, que é uma espécie de
paródia da Duquesa Catherine Middleton antes do casamento com o príncipe inglês William,
enquanto ainda era conhecida como Kate Middleton. Para produzir o humor o autor se
utilizou de elementos do contexto do casamento real, como os pais do noivo e da noiva e
inclusive a própria rainha da Inglaterra. Atribuiu a eles características humanas que fazem
contraponto ao requinte e extremo formalismo utilizado tanto pela mídia quanto pelo povo
inglês para tratar os representantes da Monarquia. Desta maneira, a combinação do humor
com a reversão dos padrões formais utilizados no tratamento da família real britânica resultou
em um novo conjunto, como se fosse a história de outras pessoas, sem relação com o
personagens que inspiraram o cenário deste perfil.
Alguns tweets ilustram uma narrativa de família real que subverte a imagem que a
mídia transmite atualmente:
@princesa_kate Hoje eu tenho tanta coisa pra fazer. Não quero nem saber, hoje é o
mozão (sic) [Príncipe William] quem vai pra cozinha. É só colocar a lasanha
congelada no forno.
@princesa_kate Amanhã eu tenho chá de panela. Podem trazer peneira, espumadeira,
colher de pau e pano de prato que eu tô (sic)precisando!
@princesa_kate Vendo Jequiti – Pronta entrega (10% de desconto pra pagamento a
vista) http://wp.me/p1wqHH-1p
E aqui encontramos alguns exemplos de como a linguagem pode simular uma nova
imagem dos próprios personagens envolvidos no contexto do casamento real:
51
@princesa_kate PESSOAL EU NAO (sic) PAGUEI PRA #ROYALWEDDING
ESTAR NO TT, OK? ISSO É COISA DO MEU CUNHADO QUERENDO
CHAMAR AS NOVINHAS PRA FESTA E PASSAR O RODO.
@princesa_kate Ontem mamãe estava com uma unha encravada que tava (sic)
machucando o pé dela. Ainda bem que a Suellen sabe é pedicure e resolveu o
problema.
@princesa_kate Espero que a dona beth tenha varrido bem esse Palácio de
Buckingham pq (sic) nao (sic) to afim (sic) de comprar vanish pra lavar meu vestido
hein (sic)
A linguagem foi especialmente importante para este perfil atingir seu objetivo na
criação de uma princesa ambientada na cidade de Saquarema no Rio de Janeiro e moradora do
subúrbio:
Tweet inspirado em uma letra de funk:
@princesa_kate Dance potranca, d-dance com emoção! Eu sou a princesa da nova
geração!
Cobertura no Twitter em tempo real:
@princesa_kate Como saber quem é de Saquarema: estão tomando banho na fonte
Em contrapartida ao perfil @princesa_kate, em que a ironia e o humor foram cruciais
para uma melhor simulação da identidade representada, o perfil de @claroronaldo faz pouco
uso da linguagem para marcar sua presença a manifestar sua identidade na rede. A atuação de
Ronaldo está mais relacionada à interação com os seguidores – que analisaremos na categoria
seguinte – do que a um traço forte de identidade que se manifesta por meio da linguagem.
Também de maneira distinta aos demais analisados, o perfil @depressiveguy se mantém mais
centrado em si mesmo, faz pouco uso de hashtags e não participa de movimentos pontuais,
como foi o caso do comediante Rafinha Bastos, como os filmes “um assunto polêmico” e
“oração”. O @depressiveguy se mostrou um perfil mais descritivo do que atuante e
participativo, o que não diminuiu o caráter esquizofrênico de sua presença digital. Seu
interesse maior está em falar de si mesmo do que em interagir com demais usuários, de modo
que ele mesmo comenta sobre isto:
52
@depressiveguy Tem como vcs me darem uns RTs aí pra eu me sentir popular?
@depressiveguy A minha ideia não é deixar ninguém triste. Só queria que as pessoas
pensassem sobre as coisas. Se isso resulta em tristeza, não tenho culpa
@depressiveguy Estou aqui exercitando o prazer erótico exibicionista. Mas sou tão
incompetente que faço isso sozinho.
@depressiveguy Eu não me conheço. Vc me conhece, mas nem sabe disso. Eu te
conheço vagamente e tô satisfeito assim.
Os perfis @pergunteaourso e @oqoshpensam se aproximam mais da forma de
linguagem utilizada por @princesa_kate do que @rafinhabastos, @claroronaldo e
@depressiveguy. A ironia e a participação em interação também são marcantes para marcar a
relação que desejam estabelecer com seguidores, de modo a produzir conversas e manifestar
opiniões.
@oqoshpensam Processo natural de seleção, obrigado! RT @daianammello: Não sei
pq (sic) eu estava seguindo um otário desses... @oqoshpensam #unfollow
Com este tweet o autor deixou claro que não está preocupado em agradar todos os seus
seguidores, respondendo com humor, como um modo de se mostrar alheio à crítica. Um
exemplo de tweet do @pergunteaourso que funciona de maneira parecida. O autor está
interessado em se aproximar de seus seguidores, solicitando a atenção deles e agindo com
humor:
@pergunteaourso Amigos, se ouvirem alguém falar por mim ou de mim na minha
ausência, perguntem onde está a procuração
Deste modo, observamos que a linguagem é um fator relevante na manifestação e na
construção da identidade em ambientes digitais. Ainda que em alguns casos o grau de
esquizofrenia digital não tenha se mostrado tão intenso partindo do recorte da fragmentação e
da linguagem que reitera este recorte é possível afirmar que por meio de um estudo do
conteúdo dos perfis podem surgir outras formas de manifestações de identidade, como por
exemplo, os “atores sociais” e as “personas”. Ou seja, afirmar que um perfil contém traços de
53
esquizofrenia digital observando apenas as características de fragmentação seria uma forma
incompleta de análise.
6.3.3 Interação
A partir das análises prévias de fragmentação e linguagem foi possível obter uma
visão parcial dos perfis que mais se enquadram na Teoria da Esquizofrenia Digital. A
categoria de a interação objetiva verificar se os perfis são ativamente participativos no
ambiente em que se inserem o que supostamente determina se o fragmento de identidade que
manifesta por meio do perfil possui uma característica mais privada do que pública. Neste
sentido, o que podemos inferir é que os perfis de pessoas públicas serão mais participativos, e
que os perfis que apresentarem um grau de esquizofrenia digital mais alto serão menos
participativos. Para uma análise cruzada, observamos o seguinte gráfico:
Notamos que, em conformidade com as análises de linguagem, os perfis que procuram
estabelecer um traço forte de identidade por meio da comunicação com seguidores ou
manifestação de opiniões são aqueles com índices de interação mais elevados:
@oqoshpensam e @princesa_kate. Na sequência @pergunteaourso e @claroronaldo
participam ativamente de conversas e estão engajados em responder seus seguidores, além de
incitar a interação com perguntas, chamadas e postagem de fotos e vídeos.
80% 80% 80% 80% 80%
40%
0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%100%
0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%
100%
Esquizofrenia vs. Interação
54
Em contra partida, @rafinhabastos que tem um índice de fragmentação mais baixo
possui um nível de interação mais alto – o que também observamos no recorte da linguagem.
E finalmente, o perfil @depressiveguy mostrou-se pouco participativo em relação aos demais,
também em conformidade com o que foi observado por meio do uso da linguagem em seu
perfil. O @depressiveguy não é um perfil criado para gerar interações, não possui intenções
comerciais, o que resultando em um nível de interação mais baixo, uso de uma linguagem
mais descritiva do que engajadora e um índice de fragmentação mais elevado.
Alguns exemplos de tweets que foram considerados engajadores e incitadores de
conversas:
@pergunteaourso quando alguém fala nas eleições de 2010, qual a primeira coisa
que vem a (sic) sua mente? #pesquisa
@princesa_kate gostei do meu título “Duquesa de Cambridge”. Ficou fino, parece
nome de queijo chique, né?
@claroronaldo Galera sigam o Sheik, o novo atacante do Timão @10emerson10
@rafinhabastos Pq (sic) o símbolo da páscoa é um coelho? Use a tag
#RafinhaBastos. Os 5 + criativos levam DVD do meu solo A Arte do Insulto (mande
até hoje 0h).
@oqoshpensam Quanto mais vocês fumam mais ficam distantes de uma aliança!
6.3.4 Propaganda
A importância de se analisar este item está em identificar se o perfil analisado possui
interesses comerciais, o que pode ser um fator de influência sobre todos os demais. Conforme
comentado no início da análise, alguns fatores foram considerados de antemão,
principalmente no caso dos perfis @rafinhabastos e @claroronaldo, por se tratarem de
pessoas públicas. Neste sentido, faz-se necessário considerar que o número de seguidores e o
nível de interação também sofrerão influência da exposição destas pessoas na mídia e dos
55
interesses comerciais que residem nas relações que as marcas desejam estabelecer com
consumidores.
Dentre os perfis analisados, no quesito publicidade, se destaca o @claroronaldo, que é
patrocinado pela marca Claro. Observamos que seu perfil estabelece traços de uma identidade
que representa o jogador Ronaldo, mas que também recebe atualizações de terceiros, para
enviar promoções e novidades da marca. A separação do discurso é bem marcada, uma vez
que os tweets promocionais se descolam da linguagem utilizada pelo jogador:
@claroronaldo Já viram o novo iPhone4 branco? A Claro oferece variedade de
iPhones para vc (sic) escolher. Aproveite a oferta de lançamento http://t.co/LKkEGpg
Convém considerar que, mesmo patrocinado pela marca que aparece tanto no nome do
perfil quanto na imagem de fundo, Ronaldo utiliza a ferramenta para falar diretamente com
seus fãs, que parecem pouco se importar com a presença da marca. Isto sugere que a aceitação
do público para com um perfil comercial está relacionado também com a relação que o perfil
e o garoto propaganda em questão estabelecem com os seguidores. Também há de se
considerar o alto nível de interação que o jogador apresenta, respondendo tweets de torcedores
nacionais e internacionais, chegando a atender pedidos de publicações em outros idiomas para
facilitar o acompanhamento de seu perfil, entre pedidos de RT e feliz aniversário.
@claroronaldo Sure, happy birthday RT @chappie46 @ClaroRonaldo Your my idol,
its my bday today any chance of happy bday for biggest fan in Dublin Ireland
Neste sentido, observamos que este perfil é o que estabelece uma relação mais aberta
com a propaganda. Tanto a Claro como Ronaldo demonstram que estão abertos para a
interação no Twitter, e se posicionam de maneira que a propaganda não se torna invasiva para
o seguidor, que está na realidade, acompanhando o perfil do jogador – que vem com uma
marca embutida, não o contrário. Esta marcação já não ocorre no perfil de @rafinhabastos,
que não é patrocinado por nenhuma marca mas faz uso do tweet promovido em seu perfil, isto
é, as empresas podem pagar por um post em que Rafinha Bastos comenta algo sobre a marca,
indicando um serviço, um link ou uma hashtag. A maneira como são esses tweets aparecerão
56
é apresentada pelo comediante e difere da forma utilizada por Ronaldo no sentido que, ao
aparecer um tweet patrocinado dentre os demais tweets de Rafinha, claramente percebemos a
troca de registro no perfil. A linguagem e a postura utilizadas se modificam e fica explícito o
caráter publicitário da mensagem. Não pretendemos aqui analisar se a prática é eficiente ou
não, mas em relação à influência que a propaganda pode exercer na formação de identidade
do perfil @rafinhabastos é possível afirmar que há implicações para o nível de sua
fragmentação por meio da mudança da linguagem. O que também se observa em Rafinha é
que, apesar de se posicionar de forma aberta à propaganda em seu perfil, muitas vezes o
comediante faz críticas e sátiras a outras marcas, o que de certa maneira torna seu discurso
incoerente. Nos tweets abaixo observamos a menção a marcas em contexto de ironia:
@rafinhabastos Todo cliente da Nextel q (sic) usa o viva-voz, é obrigado a levar uma
catarrada no pescoço. Lei 152 art 7 (telefonia)
@rafinhabastos Respeito quem facilita a minha vida. Obrigado Microsoft, obrigado
Itaú, obrigado KY.
@rafinhabastos Kinder Ovo sempre me frustrou. Maldito otimismo.
E no tweet abaixo observamos uma menção à marca que Vivo que difere da
abordagem usual:
@rafinhabastos O vídeo Eduardo e Mônica da @vivoemrede é sensacional.
Excelente trabalho da @o2filmes. http://bit.ly/mhRCeo
Notamos uma alteração na linguagem utilizada por Rafinha, que indica, portanto, uma
fragmentação em sua forma de manifestar-se, mesmo que não seja possível provar que o tweet
da Vivo seja patrocinado.
De forma distinta observamos a presença de marcas no perfil @princesa_kate, que
também não é patrocinado por nenhuma empresa específica. O que observamos de mais
característico neste perfil foi o uso das marcas para uma ambientação da personagem, e
também para construção do humor. Não há um uso publicitário do perfil, durante o período
57
analisado encontramos apenas um tweet que poderia ser classificado como publicitário,
indicando um blog que promoveu a cobertura em tempo real do casamento:
@princesa_kate Cobertura ao vivo com os súditos do “Te Dou um Dado?”
http://wp.me/p1wq/HH-1U
Todas as demais menções a marcas foram utilizadas para demarcar uma linguagem e
uma ambientação, da mesma maneira que foi observado na categoria linguagem:
@princesa_kate @elviocotrim meu casamento só entra Itaipava, lindo.
@princesa_kate Pessoal que tá (sic) com fome ai (sic) na igreja, fala com a Lucia que
descola uns pastéis e um Dolly pra vocês.
@princesa_kate @bru_karol jequiti. Esqueceu que sou revendendora? Quero
participar do Roda a Roda.
@princesa_kate @Vall_lo Itaipava, lógico! é a cerveja da terra da familia real
brasileira.
No caso deste perfil, portanto, podemos considerar que o uso das marcas não pode ser
qualificado como uma propaganda, mas é um elemento que auxilia a construção da identidade
do perfil, na construção de um registro próprio.
Nos perfis em que não foram observadas ocorrências diretas ou indiretas de menção a
marcas ou patrocinadoras consideramos que os demais itens – fragmentação, linguagem e
interação – possuem uma relevância maior na sua construção da identidade. Não possuir um
uso comercial não desvaloriza a interação que os autores estabelecem com seu uso, conforme
observamos no caso do perfil @princesa_kate. A publicidade se torna, portanto, um elemento
a mais de construção de identidade e fragmentação quando ocorre, e sua análise deve partir
não apenas da presença ou ausência, mas também do uso que é feito e o contexto em que
aparece. Da mesma maneira, para os anunciantes, se torna relevante considerar os demais
elementos presentes no perfil, com o objetivo de verificar se a publicidade fará sentido para os
seguidores, ou se soará falsa, forjada ou até mesmo irrelevante.
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7. Conclusão
Concluímos que a análise do conteúdo é uma forma importante de observar a
construção da identidade de perfis em ambientes digitais, e que a esquizofrenia digital, como
um elemento da identidade, pode ocorrer de diversas formas e se manifestar em graus
distintos. Mais do que observar se há ou não a presença de uma forma de esquizofrenia este
estudo procurou mostrar que este elemento é, na realidade, um elemento presente na vida pós-
moderna, e que de maneiras mais acentuadas e menos acentuadas, estará presente no digital.
A fragmentação, como parte da cultura pós-moderna, é algo que encontramos em
todos os perfis analisados, em escalas mais fortes e mais fracas. É importante observar que,
mesmo que o termo esquizofrenia digital faça uma referência à medicina, para o ambiente
digital o único ponto de convergência é de fato a fragmentação. A forma como as pessoas tem
utilizado as redes digitais torna esta realidade mais próxima aos nossos olhos, uma vez que
cisão do indivíduo em diversos fragmentos se torna mais aparente, tanto pelo uso que se faz
das ferramentas em si, como pela possibilidade de criar novas identidades. Isso não quer dizer
que a esquizofrenia digital é essencialmente uma consequência maligna da cultura de
convergência, mas que é realidade com a qual convivemos desde já. Conforme Castells
(2010) comenta, a Internet possibilitou novas formas de interação social, que levaram os
indivíduos a se manifestarem na rede de maneiras distintas, causando inclusive um
questionamento sobre as novas fronteiras entre o ambiente público e privado, uma vez na pós-
modernidade estamos em contato com os acontecimentos do dia a dia dos outros a todo o
momento.
Deste modo, o que concluímos desta análise é que é possível dividir a manifestação da
esquizofrenia digital em alguns tipos – do mais forte (tipo 1)ao mais fraco (tipo 4).
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Tipo 1: o autor não declara sua identidade verdadeira, utiliza um fake ou um
personagem para manifestar suas ideias. Sua atuação se restringe basicamente aos temas
relacionados a sua vida pessoal, e seu interesse maior está em falar de si mesmo. O nível de
interação com seguidores e demais perfis é baixo – não há presença de conversa ou incitação
à participação. Não faz promoção de marcas ou publicidade (@depressiveguy).
Tipo 2: o autor não declara sua identidade verdadeira, utiliza um fake ou personagem
para manifestar suas ideias, mas procura construir uma identidade específica a este perfil, que
possivelmente remetem a elementos de si mesmo. Publica assuntos relacionados tanto a sua
vida pessoal quanto profissional. Tem um alto índice de conversação com seus seguidores, e
está aberto a promover marcas (@oqoshpensam, @pergunteaourso).
Tipo 3: o autor não se declara um fake, mas utiliza um personagem/papel social para
manifestar suas ideias. A linguagem que utiliza e a forma como emprega os elementos do
contexto social e histórico que se inserem indicam que a construção do personagem é o
principal elemento do perfil. O emprego de publicidade ou promoção de marcas pode ser
feito, desde que analisada a relevância da marca na narrativa criada pelo perfil (princesa_kate,
@pergunteaourso, @rafinhabastos).
Tipo 4: o autor não se declara um fake, mas utiliza o perfil para manifestar suas ideias
relacionadas a tema específicos do ambiente em que atua. A fragmentação do perfil é explícita
mas o grau de aceitação é alto, o que pode indicar que este tipo de fragmentação se tornou
socialmente aceito. Sua atuação é interativa, e seu objetivo maior é gerar conversas, atraindo
novos seguidores e se posicionando com um influenciador na rede. Altamente compatível
com a promoção de marcas e publicidade (@claroronaldo).
Mais do que categorizar os perfis analisados em tipos, notamos que as suas
características podem variar entre um tipo e outro, da mesma forma que a identidade não pode
ser definida de apenas uma maneira, pois se transforma o tempo todo, os graus de
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esquizofrenia dos perfis também são flutuantes. Neste estudo ressaltamos as características
mais frequentes durante o período analisado, e objetivamos problematizar a relevância de uma
percepção de tipos de esquizofrenia para a construção da identidade em ambientes digitais.
Retomando a pergunta que motivou este estudo: Por que alguns perfis declaradamente
fake parecem ser mais aceitos do que outros? Bem, o que o estudo demonstrou é que a
aceitação não depende exclusivamente do fato de ser ou não um perfil fake, mas que depende
também de outros elementos, como a linguagem e principalmente a interação. O que se nota é
que os seguidores – e os usuários – aderem perfis que se mostram coerentes com o que
desejam mostrar de si mesmos, como acontece com @claroronaldo, que é declaradamente um
garoto propaganda. Desta forma, quando um tweet promocional aparece, isto não choca o
seguidores, pois eles já sabem que estão sujeitos a isto. O que o seguidor não deseja é ser
enganado, como se pôde verificar com @princesa_kate, que após o casamento real deixou de
atualizar o perfil, revelou a verdadeira identidade do autor, e perdeu seguidores. Ou seja,
quando o posicionamento do perfil é autêntico e contém uma proposta clara, nossa análise
indica que há maiores chances de ocorrer aceitação.
Concluímos que os tipos de esquizofrenia digital podem sim servir como um
parâmetro para entender melhor a construção da identidade em ambientes digitais, de modo a
revelar formas de atuação dos usuários, posicionamentos, opiniões, intenções e os desejos das
pessoas quando em ambientes interativos digitais. A relevância deste estudo, como afirma
Castells (2008), está em compreender que não apenas a cultura de convergência está
transformando as pessoas, mas que também as mudanças estão acontecendo em todos os
setores – na memória coletiva, nas religiões, nas ciências, na política, na economia e nas
interações – e que estas mudanças estão influenciando o homem pós-moderno a se comportar
de novas maneiras, tanto em ambientes digitais, conforme vimos neste estudo, como também
em seu cotidiano.
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8. Anexos
Anexo 1: Tabela de Análise do Conteúdo
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