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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA - UNICURITIBA
ANA CAROLINA ZANETTE DA SILVA
ARTE, ESTADO E IDENTIDADES NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX: AS PINTURAS DE DIEGO RIVERA NO
MÉXICO E CANDIDO PORTINARI NO BRASIL
CURITIBA
2019
ANA CAROLINA ZANETTE DA SILVA
ARTE, ESTADO E IDENTIDADES NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX: AS PINTURAS DE DIEGO RIVERA NO
MÉXICO E CANDIDO PORTINARI NO BRASIL
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba. Orientador: Eduardo Teixeira de Carvalho Junior
CURITIBA
2019
ANA CAROLINA ZANETTE DA SILVA
ARTE, ESTADO E IDENTIDADES NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX: AS PINTURAS DE DIEGO RIVERA NO
MÉXICO E CANDIDO PORTINARI NO BRASIL
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba, pela banca Examinadora
formada pelos professores:
Orientadora: _______________________________
_______________________________
Prof. Membro da Banca
_______________________________
Prof. Membro da Banca
Curitiba, de de 2019
AGRADECIMENTOS
O trabalho de pesquisa é solitário, mas não se concretizaria sem o apoio das
pessoas me ajudaram a chegar até aqui. Agradeço à Nona Mafalda e à Vó Dalva,
mulheres que são meus grandes exemplos de força. Agradeço à minha mãe e ao
meu pai, pelo amor incondicional à nossa família, e por nunca medirem esforços
para que eu concretize meus sonhos. Helena, Sofia e Joaquim, vocês são a razão
da minha esperança. Agradeço à madrinha Tatiana, que sempre acreditou em mim,
e me apresentou ao curso de Relações Internacionais. Agradeço ao padrinho Juarez
e sua família, por me acolherem na cidade grande. Agradeço aos amigos de perto e
de longe, que me auxiliaram durante a graduação e me motivaram a perseverar nos
estudos, em especial à Alinne Ross, Amanda Cavalli, Bruna Kipper, Daniel Silva,
Gabriela Opuchkevich, Giovanni Diniz, Letícia Laíze, Mariana Carvalho, Pedro
Kammer, Thalia Pasetto e Thyffanny Paiva.
Agradeço a todos os professores que contribuíram para a minha formação
acadêmica, em especial ao professor e orientador Eduardo, pela confiança
depositada em mim. Sem a sua paciência, atenção e cuidado, esse trabalho jamais
se realizaria.
Gratidão.
Se me der vontade de ir embora
Vida adentro mundo afora
Meu amor não vá chorar
Ao ver que o Cajueiro anda aflorando
Saiba que estarei voltando
Princesa do meu lugar
Belchior
RESUMO
O presente trabalho problematiza o processo de construção de identidades nacionais na América Latina discutindo a relação entre arte e política no início do século XX e analisando a relação entre Diego Rivera e o Estado mexicano, e Portinari e o Estado brasileiro. Inicialmente, contextualiza-se as transformações políticas e econômicas da América Latina no século XX, por meio da análise da Revolução Mexicana, Primeira Guerra Mundial e Crise de 1929; três eventos que foram determinantes para as mudanças conjunturais das nações latino-americanas. A partir desses eventos observa-se a construção da política de massas, conhecida como "populismo", que regimentou os Estados latino-americanos por meio medidas modernizantes as quais legitimaram o controle social. Logo, discute-se como as identidades nacionais se modificaram entre o século XIX e XX na América Latina por meio da revisão do pensamento intelectual da época, e como o movimento modernista fez parte do processo de construção dessas identidades. Por fim, define-se o que é o “modernismo de Estado” e como ele foi utilizado no caso mexicano e brasileiro como uma ferramenta de diplomacia cultural no século XX, através da análise das trajetórias de Diego Rivera e Candido Portinari.
Palavras-chave: Arte, Política, Identidade Nacional, América Latina
ABSTRACT
The present work questions the process of construction of national identities in Latin America discussing the relationship between art and politics in the early twentieth century and analyzing the relationship between Diego Rivera and the Mexican State, and Portinari and the Brazilian State. Initially, it contextualizes the political and economic transformations of Latin America in the 20th century, through the analysis of the Mexican Revolution, World War I and the Great Depression; three events that were decisive for the structural changes of the Latin American nations. From these events one can observe the construction of mass politics, known as "populism", which regimented the Latin American states through modernizing measures that legitimized social control. Therefore, it is discussed how national identities changed between the nineteenth and twentieth century in Latin America, by reviewing the intellectual thinking of the time, and how the modernist movement was part of the process of constructing these identities. Finally, the concept of "state modernism" is defined, as well as how it was used in the Mexican and Brazilian cases as a tool of cultural diplomacy in the twentieth century, through the analysis of the trajectories of Diego Rivera and Candido Portinari.
Keywords: Art, Politics, National Identity, Latin America
LISTA DE PINTURAS
Pintura 1 – Paisagem Zapatista - O Guerrilheiro, 1915 ................................... 55
Pintura 2 – A Criação, 1922-1923 .................................................................... 57
Pintura 3 – No Arsenal, 1928 ........................................................................... 59
Pintura 4 – O Homem Controlador do Universo (detalhe), 1934 ..................... 61
Pintura 5 - O México Pré-Hispânico - O Antigo Mundo Indígena, 1929 .......... 62
Pintura 6 - Mestiço, 1934 ................................................................................. 64
Pintura 7 - Café, 1935 ...................................................................................... 66
Pintura 8 - Fumo, 1938 .................................................................................... 68
Pintura 9 - Descobrimento, 1941 ..................................................................... 70
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO …………………………………………………………………………... 9
2 OS ESTADOS NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX ............... 13
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO LATINO-AMERICANO NO INÍCIO DO SÉCULO XX.13
2.1.1 Revolução Mexicana ....................................................................................... 14
2.1.2 Primeira Guerra Mundial e Crise de 1929 ....................................................... 20
2.2 POLÍTICA DE MASSAS NA AMÉRICA LATINA PÓS-1930 .............................. 24
2.2.1 Populismo: um conceito em debate ................................................................ 25
2.2.2 Varguismo ....................................................................................................... 26
2.2.3 Cardenismo ..................................................................................................... 30
3 IDENTIDADE NACIONAL E MODERNISMO NA AMÉRICA LATINA DO
SÉCULO XX ............................................................................................................. 34
3.1 IDENTIDADE NACIONAL NA AMÉRICA LATINA ............................................. 34
3.2 MODERNISMO LATINO-AMERICANO ............................................................. 41
4 MODERNISMO DE ESTADO E DIPLOMACIA CULTURAL NA
AMÉRICA LATINA: DIEGO RIVERA NO MÉXICO E CANDIDO PORTINARI
NO BRASIL .............................................................................................................. 50
4.1 DIEGO RIVERA E A REVOLUÇÃO PERMANENTE ......................................... 53
4.2 CÂNDIDO PORTINARI E A CONSTRUÇÃO DA BRASILIDADE ...................... 63
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 75
6 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 78
9
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre artista e Estado na
construção de identidades nacionais na América Latina, tendo como marco temporal
a primeira metade do século XX. Serão analisadas especificamente as trajetórias e
obras de Diego Rivera no México e Candido Portinari no Brasil, como forma de
demonstrar exemplos bem sucedidos do chamado “modernismo de Estado”, que
além de construir identidades nacionais correspondentes aos projetos políticos e
econômicos dos respectivos Estados, também transformou os artistas em agentes
de diplomacia cultural.
A intersecção entre arte e política é uma novidade na pesquisa histórica
latino-americana, e a diplomacia cultural é uma ferramenta ainda pouco analisada
nas Relações Internacionais. O interesse pelo tema surgiu através de algumas
pesquisas iniciais sobre diplomacia cultural na Era Vargas, nas quais ficou clara a
íntima relação entre Portinari e o Estado brasileiro. Aprofundando a pesquisa e
partindo de interrogações sobre a arte modernista na América Latina, foi verificado
que em outros países ocorria uma relação semelhante àquela de Portinari no Brasil.
Ao alargar os parâmetros, foi possível perceber que existia um fenômeno de
construção de identidades nacionais no século XX, no qual os Estados nacionais
financiavam uma arte politicamente engajada. A partir daí, surgiram as indagações
sobre o contexto histórico que teria levado à essas relações bem sucedidas entre
Estados e artistas, e quais seriam os resultado observados nas identidades
nacionais criadas através dessas relações. Dessa forma, o estudo procura explorar
através de pesquisa bibliográfica e iconográfica como se deu essa interação entre
artistas e Estados, e quais os resultados dessas construções identitárias na América
Latina.
No primeiro capítulo será discutida a conjuntura política e econômica dos
Estados latino-americanos na primeira metade do século XX. Dessa forma, é
necessária uma contextualização histórica de eventos que ocorreram no início do
século e que foram fundamentais para impulsionar as profundas mudanças pelas
quais as nações latino-americanas passariam nos anos seguintes. O primeiro evento
a ser abordado é a Revolução Mexicana, uma rebelião popular latino-americana que
demonstrou o poder das massas, em que tanto camponeses quanto operários
10
lutaram por direitos sociais do trabalho e a defesa da terra. O segundo
acontecimento a ser analisado é a Primeira Guerra Mundial, que embora tenha
ocorrido em território europeu, foi fundamental para o despertar nacionalista da
América Latina, além de incentivar a busca por novos modelos de civilização. A
Crise de 1929, como será demonstrada, foi crucial para as mudanças econômicas
no subcontinente, com o abandono do liberalismo econômico e uma nova fase de
modernização e industrialização nacional.
A partir desses marcos, serão analisadas as construções dos chamados
“populismos” latino-americanos, através das experiências de Getúlio Vargas no
Brasil e Lázaro Cárdenas no México. Além de ser discutida a validade do termo
“populismo” para classificar governos que se utilizam de política de massas, a breve
análise dos regimes conhecidos como Varguismo e Cardenismo nos será útil para
verificar a institucionalização política do período. Características como a
centralização do poder do Estado, as políticas econômicas para o desenvolvimento
nacional, e as políticas educacionais e culturais servirão de panorama para a
compreensão do nacionalismo, que ganhava força na América Latina no período
entreguerras.
O segundo capítulo discorrerá sobre as identidades nacionais latino-
americanas e como elas foram redesenhadas no século XX, através do modernismo.
Dessa forma, será necessário definir o surgimento da “nação” como comunidade
imaginada. Depois, será feita a análise das mudanças de identidade nacional na
América Latina entre o século XIX – quando os Estados-nação se consolidam
através da independência das colônias ibéricas – e o século XX, em que crises
políticas, sociais e econômicas desafiaram as antigas noções de identidade
nacional, as quais tiveram de ser reconstruídas. Nesse contexto, a discussão sobre
raça e miscigenação será de extrema importância para a recomposição nas nações,
pois se afastando de ideais civilizatórios europeus, os intelectuais latino-americanos
procurarão definir-se como povo nacional, definindo quem são os brasileiros,
mexicanos, argentinos, e peruanos. Para construir essa ideia de povo, os
intelectuais e artistas terão o trabalho de imaginar e retratar a nação, através da
apropriação de elementos da cultura popular de seus países e de técnicas de
vanguarda europeias. Esse processo híbrido, conhecido como modernismo, será
analisado na América Latina de forma ampla, ressaltando os principais artistas e
11
revistas que criaram e divulgaram as novas ideias estéticas e políticas as quais
definiriam as nações a partir dali.
Por fim, o terceiro capítulo se ocupa de definir brevemente os conceitos de
“modernismo de Estado” e “diplomacia cultural”, para se voltar às trajetórias de
Diego Rivera e Candido Portinari, e analisar através de suas biografias e produções
artísticas, como os pintores construíram identidades nacionais brasileira e mexicana
– também conhecidas como brasilidade e mexicanidad – através do apoio e
financiamento estatal. Além de reforçar as construções identitárias de raça
discutidas no segundo capítulo, o terceiro capítulo dialoga com o primeiro, ao
demonstrar como as ideologias populistas se encaixavam na estética realizada pelos
dois artistas no Brasil e no México.
A escolha de pinturas como forma de analisar as identidades nacionais do
Brasil e do México se deve a alguns fatores a serem esclarecidos. O primeiro deles é
o fato de serem pinturas murais, de grandes dimensões e inseridas em espaços
públicos. Dessa forma, elas têm um apelo popular inegável, pois dialogam com as
populações de uma forma mais íntima do que qualquer obra escrita, basta pensar na
quantidade de analfabetos nas sociedades latino-americanas no início do século XX.
Segundo Renato Ortiz1, em 1920 a taxa de analfabetos no Brasil era de 75%. Sendo
assim, a pintura mural era uma ferramenta de propaganda e educação
extremamente eficiente. Além disso, ao representarem o povo mestiço e trabalhador,
as pinturas estabeleciam uma relação com o observador, que se sentia parte da
nação.
É inegável o fato de que a política de massas se desenvolveu com muita força
através de propagandas no rádio e na televisão, mas é importante ressaltar que
mesmo tendo disso criadas por uma elite intelectual, as pinturas murais foram
construídas como tão representativas das identidades nacionais no Brasil e no
México, que continuam sendo utilizadas como referencia à brasilidade e
mexicanidad, basta observar as ilustrações nos livros de História e materiais
didáticos nos dois países.
Sendo assim, espera-se que a partir do diálogo entre fontes bibliográficas
consolidadas sobre a História da América Latina, novos artigos científicos e a
análise inconográfica, seja possível identificar as identidades nacionais criadas na 1 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 23-28.
12
América Latina através do trabalho artístisco dos pintores modernistas, e a
instrumentalização dessas obras pelos Estados-nação.
13
2 OS ESTADOS NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX
Na primeira metade do século XX, a América Latina passou por mudanças
significativas. Estados-nação consolidados foram tragados pelo turbilhão de
acontecimentos internos e externos ao continente, e adaptaram suas estruturas
políticas e econômicas para garantir a estabilidade e desenvolvimento de seus
países.
A primeira parte deste capítulo procura analisar três eventos históricos a fim
de contextualizar o momento de rupturas e transições na América Latina: a
Revolução Mexicana, a Primeira Guerra Mundial, e a Crise de 1929. Esses
acontecimentos foram fundamentais para expor a crise do liberalismo político e
econômico, que no período entreguerras seria substituído por outras formas de
organização das sociedades.
A segunda parte do capítulo explica as limitações do termo “populismo” e
demonstra um breve histórico de dois projetos políticos considerados “populismos
clássicos”, os quais foram estabelecidos na América Latina pós-1930: os governos
de Getúlio Vargas no Brasil e de Lázaro Cárdenas no México. Dessa forma,
pretende-se apontar como esses governos, por meio de ideais nacionalistas,
buscaram modernizar seus países e homogeinezar suas sociedades na primeira
metade do século XX.
As análises da reestrutuação dos Estados-nação latino-americanos através
de uma contextualização histórica serão imprescindíveis para que se possa
compreender as necessidades de reconfiguração das identidades nacionais latino-
americanas no século XX.
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO LATINO-AMERICANO NO INÍCIO DO SÉCULO XX
O século XX é um marco temporal importante para a análise das mudanças
na forma como a América Latina se apresenta ao mundo, e como participa do
Sistema Internacional. Segundo Olivier Compagnon2,
2 COMPAGNON, Olivier. O adeus à Europa: A América Latina e a Grande Guerra (Argentina e Brasil, 1914-1939). 1 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. n.p.
14
Nas quatro primeiras décadas do século XX, a América Latina vive uma profunda mudança intelectual. Ela se caracteriza por uma crise de identidade e por reflexões renovadas sobre o destino da nação ou do subcontinente, as quais levam ao surgimento de um nacionalismo político e cultural particularmente acentuado no período entre as duas guerras. Enquanto as elites latino-americanas se nutriam quase exclusivamente de referentes europeus desde as Independências e haviam atravessado a Belle Époque convencidas de que o coração da civilização se encontrava em alguma parte entre Paris, Londres e Berlim, elas questionam a cultura cosmopolita de que eram depositárias e desenvolvem uma reflexão duradoura, destinada a constituir uma nova identidade nacional ou continental, emancipada de “modelos” europeus, agora considerados obsoletos e inadaptados às realidades sociológicas da América Latina.
É possível afirmar que três acontecimentos do início do século XX foram
essenciais para transformar os Estados latino-americanos e moldar seus governos a
partir de 1930: a Revolução Mexicana, a Primeira Guerra Mundial e a Crise de 1929.
Esses eventos deixaram algumas marcas no subcontinente, levando grande parte
da América Latina à política de massas – marcada pela industrialização,
nacionalismo, autoritarismo e a vontade de modernização das nações. Uma breve e
cuidadosa análise dos fatos e seus desdobramentos será essencial para elucidar de
que forma os Estados passaram a se organizar posteriormente.
2.1.1 Revolução Mexicana
A Revolução Mexicana foi a primeira revolução social do século XX, e causou
uma ruptura na história do México, influenciando a vida política, econômica e cultural
do continente americano durante todo o século que se seguiu3. Segundo Maria Lígia
Prado e Gabriela Pellegrini4, a Revolução Mexicana pôs em xeque importantes
questões latino-americanas, como o autoritarismo político, os conflitos agrários e
conflitos étnicos, além das disputas de construção da cultura nacional.
A importância da Revolução é verificada também pelo modo como reverberou
na América Latina, desde o seu início até a conflagração da Primeira Guerra
Mundial. A cobertura jornalística dos acontecimentos nos principais veículos de
informação argentinos e brasileiros, além de conter diferentes análises dos fatos que
se desenrolaram no México dependendo da via editorial dos veículos de imprensa, 3 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A Revolução Mexicana. São Paulo: Editora UNESP, 2010. p 17-18. 4 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2016. p.101.
15
também serviu para que governos locais tomassem como “lição” as rebeliões
camponesas mexicanas5. Ou seja, a Revolução Mexicana foi por vezes veiculada
como uma propaganda política negativa, na qual as elites políticas de outros países
tentavam combater suas próprias insurreições populares.
À época da revolução, o México era uma república liberal comandada por
Porfírio Díaz. Díaz havia chegado ao poder em 1876, por meio de um levante militar
contra o presidente anterior – Sebastián Lerdo de Tejada – e ficou fora do cargo
apenas por um breve período entre 1880 e 1884, até a sua destituição pela
revolução em 19116.
Sob o Porfiriato, o México passou por uma modernização econômica
acelerada. Foi implementado o Código Mineiro de 1884, e o setor minerador foi
inundado pelo capital estadunidense7. Investimentos estrangeiros também
garantiram uma malha ferroviária com quase 20 mil quilômetros de ferrovias8. Assim,
sob grande influência dos Estados Unidos, o México se integrou ao mercado
externo, tendo entre 1893 e 1907, um crescimento de seis vezes nas exportações9.
A Revolução, segundo Camín e Meyer10, não foi causada por estagnação
econômica, mas sim pelo caos que o crescimento desordenado gerou na sociedade
mexicana. A região norte, por exemplo, contava com uma economia industrializada e
diversificada devido à influência estadunidense, o que revelava disparidade de
desenvolvimento entre as regiões mexicanas, principalmente no sul e sudeste, onde
haviam apenas um ou dois produtos primários de exportação11. Em nome do
progresso, em uma sociedade com população crescente, camponeses e
trabalhadores foram oprimidos12, e indígenas perderam suas terras. Operários eram
duramente reprimidos em greves contra a pobreza e as péssimas condições de
trabalho13.
5 DIAS, Vieira Natally. O México como “lição”: a revolução mexicana nos grandes jornais brasileiros e argentinos (1910-1915). Dissertação (Mestrado em História) – UMG. Minas Gerais, 219f. 2009. 6 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.102. 7 Ibid. p. 102. 8 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. À Sombra da Revolução Mexicana: História Mexicana Contemporânea, 1910-1989. São Paulo: Edusp, 2000. p. 14. 9 Ibid. p. 15. 10 Ibid. p. 15. 11 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit.p.43. 12 Ibid., p.33. 13 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.103.
16
Porfírio Diaz manteve a Lei Lerdo de 1856, que proibia a propriedade coletiva
da terra14. Calcula-se que cerca de 5 mil aldeias indígenas perderam suas terras sob
o Porfiriato, e o senso de 1910 apontou grande concentração de terra, visto que que
1% da população mexicana possuía 96% de toda a terra do país15. No mesmo ano,
o México tinha uma população de 15 milhões de pessoas, das quais 6 milhões eram
indígenas16.
A expulsão dos camponeses de suas terras não gerou somente a diminuição
da agricultura de subsistência, mas também empurrou essas comunidades para o
trabalho em grandes fazendas voltadas para a agroexportação, nas quais os
trabalhadores eram explorados e viviam em uma espécie de servidão por dívida17.
Toda essa tensão social sobre o direito à terra, que se escalonava, foi decisiva para
levar os indígenas e camponeses à revolução.
Porfírio Diaz se preparava para mais uma reeleição, quando Francisco
Madero se colocou na disputa da presidência pelo partido Antireeleicionista18.
Madero era membro de uma família de latifundiários, mas saiu em viagem pela
República tendo como um de seus lemas “o povo não quer pão, mas liberdade”19, e
angariou o apoio de diversas classes, incluindo operários e camponeses20.
Madero foi detido em 1910 em San Luis Potosí, por “tentativas de rebelião e
insulto às autoridades”21, e graças à prisão de seu opositor, Porfírio Díaz alcançou a
reeleição. Francisco Madero foi posto em liberdade condicional uma semana depois,
e fugiu para os EUA. No Texas, começou a organizar a insurreição contra o
Porfiriato, divulgando o Plano de San Luis Potosí, que incitava uma rebelião armada
com data e hora marcada: 20 de novembro de 1910, às seis horas da tarde22.
14 Ibid. p.103. 15 BEYHAUT, Gustavo e Hélène. América Latina III: de la independência a la segunda guerra mundial. México: Siglo Veintiuno, 1983. p. 258. 16 NOCETTI, María Antonieta Gallart, Política indigenista em México (1910-2012): um repaso de objetivos y acciones. In: PAREDES, Beatriz (Coord.), DAMIANI, Gerson, PEREIRA, Wagner P., NOCETTI, María A. G. (Orgs.) O mundo indígena na América Latina: Olhares e Perspectivas. 1ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. p. 242. 17 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.103-104. 18 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p.60. 19 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 30-31. 20 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p. 59. 21 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 33. 22 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p. 60-62.
17
Em 25 de maio de 1911, o Porfiriato chegava oficialmente ao fim, com a
renúncia de Diaz, que se exiliou na Europa e lá morreu alguns anos depois23. Novas
eleições foram anunciadas e Madero se tornou presidente do México, depois de
meses de lutas envolvendo diversos grupos revolucionários24.
Ao assumir o comando do país, Madero declarou encerrada a revolução, e
decretou que os revolucionários depusessem suas armas. Emiliano Zapata, um
camponês que liderava o Exército Libertador do Sul, recusou-se a aceitar que a
revolução tivesse um fim ali, já que não havia sido feita uma reforma agrária capaz
de devolver as terras aos camponeses25. Dessa forma, a política de desmobilização
promovida por Madero, e sua incapacidade de promover reformas sociais na
sociedade mexicana, causaram reação de muitos revolucionários, principalmente os
zapatistas, que foram duramente reprimidos pelas forças maderistas26.
Para os zapatistas, o governo de Madero era uma nova roupagem para a
velha política. Dessa forma, criaram um documento chamado Plano de Ayala,
assinado em 25 de novembro de 1911, que demonstrava os significados e metas da
luta que travariam contra aquele sistema estabelecido:
O chefe da revolução libertadora do México, Francisco I. Madero [...] não conduziu a um desfecho feliz a revolução que ele gloriosamente iniciou com a ajuda de Deus e do povo, pois deixou de pé a maioria dos poderes governamentais e elementos corruptos de opressão do governo ditatorial de Porfírio Díaz [que] está provocando a inquietação do país e abrindo novas feridas... [Madero] tenta evitar o cumprimento das promessas que ele fez à nação no Plano de San Luis Potosí.27
Além da oposição da esquerda através dos zapatistas e trabalhadores,
Madero enfrentava oposição pela direita, de entusiastas do Porfiriato28. Victoriano
Huerta, comandante do Exército Nacional, conspirou um golpe durante meses,
juntamente com o embaixador estadunidense Henry Lane Wilson, e acabou por
prender e fuzilar Francisco Madero em fevereiro de 1913, pondo fim à primeira fase
da Revolução Mexicana29.
23 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.105. 24 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p. 66-69. 25 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 105-106. 26 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 41-42. 27 Plano de Ayala. In: CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 44 28 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p.70. 29 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 106-107.
18
Huerta iniciou um governo contrarrevolucionário, mas logo enfrentou
resistência30. Os zapatistas se organizavam ao sul, enquanto no norte um exército
popular, a Divisão do Norte, era liderado por Pancho Villa, ex-combatente
maderista31. Venustiano Carranza, governador de uma província do norte, também
lutava contra Huerta, através do Exército Constitucionalista e ao lado de Álvaro
Obregón, da província de Sonora. Em 14 de agosto de 1914, o Exército
Constitucionalista venceu definitivamente Huerta, que se rendeu e fugiu para os
EUA, morrendo lá anos depois32. O Exército Constitucionalista tomou o lugar do
Exército Nacional, e Carranza assumiu como presidente interino33.
A partir desse momento, os grupos que estavam unidos contra um inimigo em
comum se dividiram e passaram à disputa de poder. Emiliano Zapata e Pancho Villa
eram radicais em seus objetivos revolucionários, e se uniram em prol das demandas
por terra34. Carranza e Obregón, e as forças constitucionalistas no Norte e Nordeste
eram reformistas, com ampla agenda política e temiam que os agraristas pusessem
tudo a perder35. Depois de um acordo frustrado, essas forças entraram em conflito,
adentrando uma Guerra Civil, da qual os exércitos zapatistas e viilistas
vislumbrariam sua derrota a partir de 191536.
Em 1916, Carranza iniciou uma restauração da república mexicana, tentando
promover uma estabilidade política após a vitória militar. Mesmo tendo sancionado a
Lei Agrária do ano anterior, as haciendas37 eram devolvidas a latifundiários, e não
aos camponeses, e tinham o objetivo de pacificar e eliminar a rebelião zapatista
remanescente38. A “pacificação” seria concluída com o assassinato de Emiliano
Zapata em 1919, em uma emboscada “onde as tropas gonzalistas o crivaram de
balas depois de o saudar”39. O governo carrancista também arquitetou manobras
políticas com o operariado, aproximando-se da Casa do Operário Mundial, e mais
tarde reprimindo violentamente greves e protestos dos trabalhadores40.
30 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p.71. 31 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 107. 32 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 66 33 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p.75 34 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 69-72. 35 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 108. 36 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p 70-72. 37 Grandes fazendas (tradução nossa). 38 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p 88-89. 39 Ibid. p. 90 40 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 110.
19
Em setembro de 1916, Carranza convocou um Congresso Constituinte, que
resultaria na promulgação da Constituição de 1917, assinada em 5 de fevereiro
daquele ano. A Constituição de 1917 foi considerada não apenas uma Constituição
política, mas principalmente social, constando no artigo 3 a educação obrigatória e
laica, no artigo 123 os direitos trabalhistas, e no artigo 27 as leis agrárias, sujeitando
a propriedade da terra à condições determinadas pelo interesse público41. A inclusão
deses artigos de direitos sociais só foi possível graças à pressão e resistência
camponesa e operária durante a revolução, que pressionou a burguesia a
estabelecer uma Constituição ampla, capaz de pacificar o país42. A Constitução de
1917 é considerada por muitos como o marco final da Revolução Mexicana.
De todo modo, as disputas políticas não cessaram. Obregón, aliado de
Carranza durante a Revolução, rompeu com o presidente e renunciou ao cargo de
ministro da Guerra43. Carranza foi se isolando politicamente, até ser assassinado em
192044. Adolfo de la Huerta assumiu o cargo até as eleições presidências do mesmo
ano, em que Álvaro Obregón tornou-se presidente do México45.
Obregón indicou José Vasconcelos para a Secretaria de Educação e Saúde
Pública, a fim de promover uma unidade nacional por meio da da educação. Além de
estabelecer campanhas contra o analfabetismo e organização uma coleção livros
clássicos a serem traduzidos e lidos nas escolas, Vasconcelos criou o Departamento
de Belas-Artes, que lhe rendeu grande visibilidade internacional46. Através desse
departamento, José Vasconcelos encomendou diversas obras dos três muralistas –
Diego Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siquieros – que exaltavam o
nacionalismo mexicano a partir de pinturas didáticas, as quais ilustravam a história e
os personagens da Revolução47.
Nos anos seguintes, a Revolução Mexicana se consolidaria através da
hegemonia de governos de Sonora, até 1934, com a ascensão de Lázaro Cárdenas
à presidência do país48. Carlos Alberto Sampaio Barbosa49 sustenta que a violenta e
41 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p 86. 42 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p 92. 43 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 110. 44 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p 95. 45 Ibid. 100-101. 46 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.113. 47 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p 104. 48 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p 97. 49 Ibid. p. 127.
20
contundente participação popular no processo revolucionário garantiu que ao longo
dos anos seguintes, a política de massas executada no México fosse
significativamente mais à esquerda do que em qualquer outro Estado latino-
americano no mesmo período.
Por fim, é possível afirmar que a Revolução Mexicana foi um processo interno
vivido na América Latina, no início do século XX o qual impactou profundamente o
México e todo o continente nos anos seguintes. A ampla e intensa participação
popular de camponeses e operários, a luta por direitos sociais da terra e do trabalho,
e a consolidação de uma Constituição fiel aos preceitos revolucionários, inspiraram
tanto a identidade nacional e nacionalismo mexicano, quanto a construção de outros
governos latino-americanos que tivessem no povo e no trabalhador, símbolos
necessários para a legitimação do poder do Estado.
Embora alguns considerem que a Revolução terminou com a Constituição de
1917, muitos sustentam que o processo revolucionário no México nunca teve fim.
Nos anos de 1990, um grupo guerrilheiro chamado Exército Zapatista de Libertação
Nacional surgiu ao sul do país, declarando-se herdeiro dos ideias revolucionários de
Zapata50, e demonstrando a força da Revolução Mexicana durante todo o século XX
até os dias atuais.
2.1.2 Primeira Guerra Mundial e Crise de 1929
A Primeira Guerra Mundial – que surgiu na Europa logo depois do iníco da
Revolução Mexicana – e a Crise de 1929 com a quebra da bolsa de Nova York,
foram dois eventos históricos apartentemente externos à América Latina tiveram
impactos profundos e quase imediatos ao subcontinente. Enquanto a Primeira
Guerra Mundial demonstrou a fragilidade da civilização ocidental, o crecimento do
nacionalismo e alguns desafios do sistema capitalista, a Crise de 1929 coroou o
colapso do liberalismo no século XX, transformando radicalmente a política e a
economia dos Estados latino-americanos.
A Primeira Guerra Mundial teve início em 1914 e é considerada um marco do
século XX, por ter envolvido todas as grandes potências mundiais em um mesmo
50 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p 19.
21
conflito51. Contudo, por mais que seja constantemente citada como um evento
crucial para as mudanças econômicas e políticas na América Latina do século XX,
as influências da Primeira Guerra Mundial no subcontinente nem sempre são
examinadas.
Inicialmente, os países latino-americanos se declararam neutros na guerra. A
neutralidade se deu pois não havia qualquer obrigação entre algum país da América
Latina que exigisse apoiar oficialmente um país beligerante, e era importante aos
Estados manterem comércio com países de ambas as partes do conflito52. Entre
1914 e 1915, porém, já foi sendo constatada a dependência dos países latino-
americanos à Europa, principalmente em decorrência das imediatas consequências
econômicas da guerra53. Dessa forma, os investimentos de capital europeu e
importações vindas do velho continente diminuíram drasticamente, e os Estados
Unidos se tornaram o mais importante parceiro comercial da América Latina54.
Essa relação influente e crescente dos EUA com a América Latina contribuiu
para o fim da neutralidade de diversos países latino-americanos no conflito, já que a
partir de 1917, com a entrada do país norte-americano na guerra, vários outros
Estados passaram a apoiar os Aliados55.
Em “O adeus à Europa”56, Olivier Compagnon, além de demonstrar aspectos
econômicos e políticos da Grande Guerra que afetaram a América Latina, defende
que a Primeira Guerra Mundial pode ser considerada uma das causas das
redefinições de identidade nacional na América Latina. Na perspectiva do autor, a
partir dos horrores que o conflito exacerbou, os países latino-americanos foram
criando uma autonomia cultural e política que os distinguisse das nações europeias:
[A Grande Guerra] desacreditando a Europa como referência universal da modernidade e produtora de modelos destinados a suas periferias, convida na verdade a um sobressalto identitário de que a cristalização política da nação é a expressão mais manifesta — a mais tradicional do ponto de vista
51 HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 1941-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 31. 52 RINKE, Stefan, KRIEGESMANN, Karina. Latin America. In: 1914-1918-online. International Encyclopedia of the First World War. Disponível em: <https://encyclopedia.1914-1918-online.net/article/latin_america> Acesso em: 18 mar 2019. 53COMPAGNON, Olivier. O adeus à Europa: A América Latina e a Grande Guerra (Argentina e Brasil, 1914-1939). 1 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. n.p. 54RINKE, Stefan, KRIEGESMANN, Karina. n.p. 55Ibid. 56COMPAGNON, Olivier. Op. cit. n.p.
22
historiográfico, poderíamos dizer também — e a análise das produções culturais um observatório igualmente privilegiado.57
Maria Helena Capelato58 confirma essa teoria, afirmando que, pelo fim da
Primeira Guerra Mundial, o “novo mundo” latino-americano passou a ser associado
ao futuro, e o “velho mundo” europeu se tornou sinônimo de decadência. Capelato
conclui também, em sua obra sobre propaganda e política de massas no Varguismo
e Peronismo, que “o período entreguerras foi marcado por uma profunda crise do
sistema liberal no plano internacional, e a América Latina não ficou alheia a esse
processo”59. Logo, diversos Estados passaram a rever o seu papel com a sociedade,
e experimentaram outras soluções políticas para a questão social, a questão das
massas60.
Como se sabe, os conflitos bélicos entre grandes potências não cessaram
com a chamada Grande Guerra, ou seja, a “Era da Catástrofe” – assim definida por
Hobsbawm61 – só teria fim com os resultados da Segunda Guerra Mundial. De todo
modo, é inegável que a Primeira Guerra Mundial foi importante para a construção de
nacionalismos na América Latina, presentes em diversos governos do subcontinente
a partir dali, como o México, a Argentina e o Brasil.
Ao fim da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos passaram a ser o
maior centro financeiro do mundo, a maior economia do planeta, e no ano de 1929 já
representavam cerca de 42% da produção mundial62. Contudo, em outubro do
mesmo ano, a bolsa de Nova York quebrou. A partir daquele momento, o sistema
capitalista afundou em uma crise global, a Grande Depressão. O comércio
internacional e os fluxos de capital entraram em colapso, deixando extremamente
vulneráveis países subdesenvolvidos, como os latino-americanos63.
57Ibid., n.p. 58CAPELATO, Maria Helena Rolim. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005, p. 258. 59 ______. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p. 145. 60Ibid. p. 143. 61HOBSBAWN, Eric. Op. cit. p. 15-16. 62CORSI, Francisco Luiz. Estado novo: política externa e projeto nacional. 1997. 457f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: < http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/279390 > Acesso em: 14 mar 2019. p. 29-30. 63 BULMER-THOMAS, Victor. As Economias Latino-Americanas, 1929-1939. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Economia e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2005. p. 20.
23
Em 1929, o destino de 38% das exportações latino-americanas era os EUA, e
o capital estadunidense representava 38% dos investimentos estrangeiros na
região64. Como consequência, imediatamente após o crash65 da bolsa de Nova York,
as economias da América Latina desmoronaram, principalmente porque muitas
delas já estavam em excesso de oferta desde os anos de 192066.
A queda vertiginosa nas exportações levou a uma parte desses países a
iniciarem políticas de intervenção na economia, em um processo de seleção de
importações, além de moratória da dívida externa67.
O PIB argentino, entre 1929 e 1932, caiu 13,8%, sendo de 17,8% a retração do setor industrial e de 8,5% a do agrícola. O crescimento foi retomado em 1934. No ano seguinte, o PIB ultrapassaria o de 1929. No Brasil, a crise, embora grave, foi aparentemente menos profunda. O PIB retrocedeu 4,5% em 1930, e no ano seguinte, 3,3%. A economia brasileira voltaria a crescer um pouco antes da economia argentina, em 1933, puxada pelo setor industrial.68
A Crise de 29 foi determinante para uma importante transição econômica no
Brasil: o modelo primário exportador foi substituído pelo processo de substituição de
importações que alavancou a industrialização do país. Até então, o café era o
principal produto de exportação brasileiro, mas já apresentava sinais de
esgotamento devido a oferta excessiva no mercado internacional. O preço do café
era garantido por uma política de Estado financiada com capital estrangeiro, porém a
crise expôs a superprodução cafeeira e a diminuição da liquidez internacional
impediu que o Estado brasileiro continuasse subsidiando sua produção69.
A partir de 1930, com o fim da República Velha e da “política do café com
leite”, iniciou-se a transição para o processo de substituição de importações, no qual
o vetor da economia era a produção industrial para consumo interno. Esse novo
modelo econômico era conduzido pelo Estado, através de diversas políticas
macroeconômicas, incluindo o controle cambial por meio de constantes 64 CANO, Wilson. Soberania e política econômica na América Latina. 1 ed. São Paulo: Editora UNESP, 2000. p.12. 65 Quebra. (tradução nossa) 66 CORSI, Francisco Luiz. Op. cit. p. 32. 67 CANO, Wilson. Op. cit. p. 18. 68 CORSI, Francisco Luiz. Brasil e Argentina: uma análise comparativa das políticas públicas econômicas no contexto da Grande Depressão dos anos 1930. In: BEIRED, José Bendicho e BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio (Orgs.). Política e identidade cultural na América Latina. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. p. 180. 69 CANO Wilson. Op. cit. p. 162.
24
desvalorizações e o controle de importações, com o objetivo de possibilitar o
desenvolvimento econômico nacional70.
O processo de substituição de importações também foi aplicado por outras
economias latino-americanas após a crise de 1929. As análises econômicas, no
entanto, apontam tanto para a denominação ISI – industrialização para substituição
de importações – que foi a principal estratégia do Brasil, Argentina, Chile e Peru,
quanto ASI – agricultura para substituição de importações – dinâmica de
crescimento econômico de Cuba e Guatemala71. O México se utilizou da substituição
de importações tanto via industrialização quanto via agricultura72, demonstrando que
mesmo com o impulso dado à industrialização a partir da Crise de 29, a agricultura
manteve um papel de relevância na economia da região.
De todo modo, é possível afirmar que as transformações nos modelos de
desenvolvimento nacional de determinados países ocorreram sim graças às
consequências da Crise de 1929, que expôs a dependência latino-americana ao
capital estrangeiro, e levou os Estados latino-americanos a se apoiarem em teorias e
práticas econômicas específicas, com o objetivo de superar essa dinâmica.
Ademais, a crise significou uma crise do capitalismo mundial, e levou a uma
reação ao liberalismo no mundo todo. O antiliberalismo não resultou apenas na
intervenção dos Estados em suas economias, mas em uma reorganização das
sociedades como um todo, gerando governos autoritários voltados à política de
massas, não somente na Europa – com o nazismo e fascismo – como também na
América Latina, através de governos intitulados “populistas”.
2.2 POLÍTICA DE MASSAS NA AMÉRICA LATINA PÓS-1930
Os Estados latino-americanos foram transformados no século XX,
principalmente entre o período entreguerras, e seus governos adquiriram
características peculiares, que por vezes os coloca em algumas denominações,
como “populistas”. Por isso, faz-se necessária a discussão da relevância do uso do
termo “populismo” para designar os governos formados na América Latina a partir de
70 Ibid., p. 168. 71 BULMER-THOMAS, Victor. Op. cit. p. 46-49. 72 Ibid. p. 48-49.
25
1930, e os limites desta denominação. Além disso, é importante analisar alguns dos
principais governos latino-americanos desse período, seus líderes e suas políticas, a
fim de compreender a implementação de políticas culturais e a utilização de artistas
nacionais para construção de identidades coletivas e representações sociais.
2.2.1 Populismo: um conceito em debate
Devido ao seu caráter polissêmico, o “populismo” é disputado nas Ciências
Sociais, e diversos teóricos conceitualizam o termo a partir de epistemologias e
análises distintas. No senso comum, “populista” costuma ser um adjetivo pejorativo,
para designar tanto governos autoritários e personalistas, quanto práticas que vão
para além do aspecto necessariamente político73. Devido a ampla aplicação do
termo, alguns consideram “populistas” governos que vão desde o início do século
XX até a atualidade.
Na América Latina, o populismo teve como um de seus primeiros teóricos o
italiano Gino Germani, que se dedicou a estudar o peronismo. A partir da teoria da
modernização, Germani classificou como populista o regime político no qual as
sociedades latino-americanas estariam em transição de sociedades tradicionais para
sociedades modernas74. Ou seja, o populismo é considerado pelo teórico como uma
etapa a ser superada para que as sociedades sejam finalmente desenvolvidas. Essa
perspectiva é usualmente criticada pelo caráter progressista que apresenta, ao
sugerir uma “evolução” das sociedades75.
Ao longo do tempo, as interpretações se ampliaram e aprofundaram através
de muitos outros teóricos, como Octavio Ianni76 e Ernesto Laclau77, porém o
conceito “populismo” tornou-se amplo e genérico. Segundo Maria Helena Capelato78,
apesar de determinados governos apresentarem algumas características gerais
73 FERRERAS, Norberto O. A sociedade de massas: os populismos In: AZEVEDO, Cecilia e RAMINELLI, Ronald (Orgs.) História das Américas. Novas perspectivas Rio de Janeiro, FGV, 2011. p. 217. 74 CAPELATO, Maria Helena. Populismo latino-americano em questão. In: FERREIRA, J. (Org.). O populismo e sua história (debate e crítica). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 136-137. 75 ______. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. 1 ed. São Paulo: Papirus, 1998. p. 22. 76 IANNI, Octavio. A Formação do Estado populista na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1975. 77 LACLAU, Ernesto. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas, 2013. 384p. 78 CAPELATO, Maria Helena. Op. cit. p. 132-135.
26
comuns, esses exigem análises específicas, pois enquadrá-los apenas como
populistas acaba por homogeneizar políticas muito distintas em aspectos nacionais e
conjunturais.
Capelato afirma que “a ampla lista de líderes, movimentos e governos
definidos como populistas, ou a divisão do populismo por tempos distintos, permite
constatar como é problemática a aplicação desse conceito para situações históricas
bem diversas”79. Maria Lígia Prado e Gabriela Pellegrino80 também evitam o termo
populismo, concordando com as críticas propostas por Capelato.
Os governos de Getúlio Vargas no Brasil, Lázaro Cárdenas no México e Juan
Domingo Perón na Argentina, são usualmente enquadrados no “populismo
clássico”81. Ainda assim, existem especificidades consideráveis em cada uma das
realidades históricas vividas nesses países, que torna o uso do termo “populismo”
insuficiente para compreendê-las.
Portanto, a seguir, serão discutidos brevemente dois governos considerados
“populistas” no Brasil e no México, a fim de identificar as políticas construídas para
que os Estados latino-americanos dessem conta dos desafios apresentados no
início do século XX, tanto pela crise do liberalismo quanto pela ascensão do
nacionalismo.
2.2.2 Varguismo
A Era Vargas, também conhecida como Getulismo82 ou Varguismo, teve início
em 1930 através de um governo provisório pós-Revolução de 1930, que pôs fim à
Primeira República83, introduzindo um conjunto de políticas econômicas e sociais
que marcaram o novo processo de organização da sociedade brasileira84. Boris
Fausto afirma que o novo Estado que se formou a partir da Revolução de 30 foi um
Estado de Compromisso, visto que nenhuma classe teria condições de governar
79 Ibid., p. 133-134. 80 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2016. p. 131. 81 FERRERAS, Norberto O. Op. cit. p. 219. 82 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,1995. p. 331. 83 Ibid. p. 319 84 D'ARAÚJO, Maria Celina. A era Vargas. 1 ed. São Paulo: Moderna, 1997. p. 7
27
sozinha. Dessa forma a burguesia, a oligarquia e os militares passaram a negociar
espaços de poder com Vargas85.
Iniciando o governo provisório pondo fim à “política do café com leite”, através
de uma centralização do poder e intervencionismo, Vargas fechou o Congresso
Nacional e as assembleias estaduais e municipais, depôs governadores e revogou a
Constituição de 189186. Passou a nomear interventores para os cargos de governo
estadual no país, proibindo que esses contraíssem dividas estrangeiras sem
autorização federal, além de limitar o poder das segurança pública local87.
No plano econômico, a política do café foi federalizada, com o Estado
brasileiro tendo total controle sob o setor cafeeiro. Mesmo logo após a Crise de
1929, a política era de queimar parte do café produzido para controlar o excesso de
oferta do produto e manter o seu preço. Porém em 1931, os custos financeiros
desse modelo se tornaram insustentáveis e a política de valorização do café foi
sendo abandonada88, dando lugar a uma política de industrialização nacional, com
foco na modernização do país e na da soberania nacional.
Ainda no governo provisório, em 1930, foi criado o Ministério do Trabalho, e
foram instituídos direitos trabalhistas como a regulamentação de férias e da jornada
diária, além da carteira de trabalho89. Getúlio Vargas atraiu a organização sindical
para dentro do Estado, para que se pudesse ter controle sobre a classe
trabalhadora. Dessa forma, em 1931, os sindicatos foram regulamentados, sendo
que apenas poderia existir um sindicato para cada categoria profissional e as
assembleias seriam supervisionadas por funcionários do Ministério do Trabalho,
sendo que os sindicatos poderiam ser fechados se não respeitassem normas
específicas90.
A educação seguiu a lógica centralizadora do governo, com a criação do
Ministério da Educação e Saúde ainda em 193091. Os livros didáticos passaram a
85 FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e história. 16 ed. São Paulo: Companhia das Letras. p.136. 86 PANDOLFI, Dulce Chaves. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 2: O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p.17-18. 87 FAUSTO, Boris. Op. cit. p. 333. 88 Ibid. p. 334. 89 PANDOLFI, Dulce Chaves. Op. cit. p. 19. 90 FAUSTO, Boris. Op. cit. p. 335. 91 Ibid. p. 337.
28
apresentar uma narrativa que pudesse constituir uma História unificada para o
Brasil92.
Após a Revolução Constitucionalista de 1932, Vargas convocou uma nova
Constituinte que resultaria na Constituição de 1934, a qual o garantiu mais um
mandato. Em 1937, impôs o Estado Novo, através de um golpe, consolidando a
política de massas para a qual seu governo era voltado desde 1930, através do
autoritarismo e controle social93. O projeto de desenvolvimento econômico que
guiaria o progresso do Brasil, era utilizado como justificativa para a ausência de
liberdades individuais e sugeria a necessidade de um “esforço nacional” para a sua
consolidação94.
A partir do Estado Novo, a propaganda política se intensificou, principalmente
através do Departamento de Imprensa e Política, o DIP95, cuja criação significou a
ampliação do poder do Estado na cultura, e tinha como um de seus objetivos
alcançar a unidade nacional96.
Vinculado diretamente à Presidência da República, o DIP produzia e divulgava o discurso destinado a construir uma certa imagem do regime, das instituições e do chefe do governo, identificando‑os com o país e o povo. Nesse sentido, foram produzidos livros, revistas, folhetos, cartazes, programas de rádio com noticiários e números musicais, além de radionovelas, fotografias, cinejornais, documentários cinematográficos.97
Além disso, outro aspecto nacionalista e autoritário no Estado Novo, foi a
proibição do uso de línguas estrangeiras em espaços públicos, incluindo a proibição
do ensino de línguas estrangeiras nas escolas. Essa medida, que buscava a
integração nacional, foi tomada para coibir imigrantes europeus e japoneses de
manterem suas línguas originárias. Giralda Seyferth aponta que a questão da
educação nacionalista foi além dos limites da escola, já que a população adulta
também deveria exaltar os símbolos nacionais:
92 CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p. 232-233. 93 ______. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 2: O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 109. 94 CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p. 146-147. 95 FAUSTO, Boris. p .376. 96 Ibid. p. 81. 97 CAPELATO, Maria Helena. Op. cit. p. 81.
29
O estímulo ao patriotismo, o uso de símbolos nacionais e a comemoração das datas nacionais também são pontos destacados na legislação federal. Militares que participaram da campanha deram especial atenção ao civismo como instrumento da assimilação e meio de formação de uma “consciência nacional”.98
No âmbito no Ministério da Educação, sob a égide do Estado Novo, também
foi criado o SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – através
de um projeto idealizado por Mário de Andrade, um dos muitos intelectuais que
compunham o aparelho estatal.
A partir da Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939, Vargas estava
determinado a alcançar a autonomia industrial através da produção siderúrgica
nacional, portanto passou a barganhar com as principais duas grandes potências
envolvidas no conflito: Estados Unidos e Alemanha. Com a garantia de
investimentos norte-americanos para a instalação da Companhia Siderúrgica
Nacional, o Brasil declarou guerra ao Eixo em 1942 e se uniu aos Aliados, que
venceria o conflito em 194599.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo perdeu forças. Ainda
assim, ao convocar eleições presidenciais, conseguiu eleger seu candidato, o
general Dutra e se eleger como senador100. Em 1951, Getúlio Vargas voltou à
presidência por meio do voto popular, “aos braços do povo”. Em 1954, enfrentando
escândalos políticos e grande dificuldade de manter o apoio e equilibrar os
interesses dos militares, da burguesia e dos trabalhadores, Getúlio Vargas se
suicidou com um tiro no peito. Como herança política, Vargas deixou um país
industrializado, pautado no nacional-desenvolvimentismo e frustrado pela tentativa
de conciliação de classes. Como figura da História brasileira, “o mito de Vargas
tornou-se, com o tempo, independente do regime que o criou”101.
98 SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999 .p. 220. 99 D’ARAÚJO, Maria Celina. A Era Vargas. São Paulo: Moderna, 1997. p. 54-56. 100 CAPELATO, Maria Helena. Op. cit.. p. 399. 101 D’ARAÚJO, Maria Celina. Op. cit. p. 93.
30
2.2.3 Cardenismo
Lázaro Cárdenas chegou à presidência do México em 1934 pelo Partido
Nacional Revolucionário (PNR) através de eleições presidências. O seu governo é
considerado um marco na institucionalização da Revolução Mexicana.
Logo nos primeiros anos de mandato, rompeu com Plutarco Elías Calles –
principal herdeiro da Revolução após a morte de Álvaro Obregón102 – e direcionou
seu governo às massas populares, na tentativa de construção de um “socialismo
mexicano”.
Ao pensar no tipo de desenvolvimento econômico que aspirava aplicar no
México, Lázaro Cárdenas optou por um modelo que possibilitasse tanto o
crescimento produtivo quanto resultados sociais103. Cárdenas estimulou a economia
ao mesmo tempo em que buscava dar respostas às aspirações operárias e
camponesas, através da efetivação dos direitos estabelecidos pela Constituição de
1917.
Cárdenas se comprometeu a adotar o plano econômico elaborado pelo seu
partido em 1933, o “Plano Sexenal”, no qual o Estado passava a ser um ator efetivo
na elaboração e execução de políticas econômicas do país104. O aumento do
desemprego, êxodo rural, queda do preço dos minérios e produtos agrícolas
começaram a ser superados com as reforma sociais conduzidas pelo governo
cardenista105.
A tolerância a grandes latifundiários, que os governos anteriores haviam
sustentado, finalmente teve fim106, e Cárdenas patrocinou a reforma agrária entre
1934 e 1940, expropriando terras de grandes latifúndios e doando terras de
pequenas dimensões aos ejidatários107. Nesse período foram concedidos cerca de
102 FERRERAS, Norberto O. A sociedade de massas: os populismos In: AZEVEDO, Cecilia e RAMINELLI, Ronald (Orgs.) História das Américas. Novas perspectivas. Rio de Janeiro, FGV, 2011. p. 223. 103 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. À Sombra da Revolução Mexicana: História Mexicana Contemporânea, 1910-1989. São Paulo: Edusp, 2000. p. 177. 104 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2016. p. 137. 105 Ibid. p. 137. 106 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 175. 107 Ejidatário deriva do termo ejido, o qual a partir da Revolução Mexicana e da Constituição de 1917 passou a ser utilizado para se referir às terras do Estado cedidas aos camponeses, chamados de hejidatários, para uso permanente e hereditário. PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2016. p.138.
31
18 milhões de hectares a 772 mil ejidatários108, e as haciendas diminuíram
drasticamente. Em 1935 foi gerada a CNC – Confederação Nacional Camponesa – e
os camponeses seguiram como uma base central de sustentação do governo.
Os direitos trabalhistas que estavam presentes da Constituição de 1917 foram
garantidos, incluindo o direito a greve. Dessa forma, houveram diversas greves
durante o mandato de Cárdenas, sem que houvesse intervenção ou repressão às
manifestações. Em 1936, foi criada a Confederação de Trabalhadores do México –
CTM – acelerando o processo de unificação do operariado, que passou a ser mais
um dos pilares do cardenismo109. Em 1936, houveram 674 greves com 113.885
trabalhadores envolvidos110.
Através de um “Estado ativo”111, Cárdenas também estabeleceu um programa
para construção de obras públicas e criou diversos bancos de investimento, como o
Banco de Fomento Industrial em 1936 e o Banco de Comércio Exterior em 1937112.
Em 1937 as ferrovias mexicanas foram nacionalizadas. Essa decisão afetou
interesses estadunidenses, visto que as estradas de ferro haviam sido construídas
com capital daquele país e eram utilizadas para escoar produção mexicana,
principalmente minérios, para além fronteira113.
A criação da Pemex – Petroleos de Mexico – e a nacionalização do petróleo
que antes era explorado por empresas dos EUA, Inglaterra e Holanda em 1938
tiveram repercussão internacional, principalmente por ter sido uma ação pioneira na
América Latina. A nacionalização se deu pela interferência do Estado para garantir
os direitos dos trabalhadores que exigiam melhores condições salariais e não eram
atendidos pelas multinacionais114. Porém, o fato de Cárdenas ficar ao lado dos
trabalhadores nesse momento, rendeu como consequência o fechamento dos
mercados internacionais, com boicotes das companhias afetadas e dos próprios
países envolvidos no conflito petroleiro115.
108 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.138. 109 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 176. 110 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 138. 111 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 178. 112 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 139. 113 Ibid. p. 139. 114 Ibid. p. 140. 115 FERRERAS, Norberto O. A sociedade de massas: os populismos In: AZEVEDO, Cecilia e RAMINELLI, Ronald (Orgs.) História das Américas. Novas perspectivas Rio de Janeiro, FGV, 2011. p. 225.
32
Contrariando os intentos de Cárdenas de desenvolver o México a partir de
ejidos e pequenas indústrias, o setor manufatureiro industrial continuou crescendo e
diversas montadoras estrangeiras adentraram em solo mexicano116. Assim, a utopia
cardenista foi sendo paulatinamente substituída pela realidade burguesa de
desenvolvimento econômico.
Cárdenas fundou o Partido Revolucionário Mexicano, em 1938, o qual
agregava os setores camponês, operário, militar e popular117. Em 1938 criou o
Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH). O Instituto teve um significativo
papel na valorização cultural e histórica dos indígenas, e foi ao encontro da
construção do nacionalismo mexicano, que estava fortemente pautado no
indigenismo118.
Contudo, em 1940, ao fim de seu mandato, Cárdenas enfrentava uma crise
derivada tanto de conflitos políticos quanto econômicos, que desaceleraram as
propostas socialistas de seu governo. Para muitos, a Revolução Mexicana terminava
ali119.
Neste capítulo, partido-se do contexto histórico dos Estados latino-americanos
no inícios do século XX, e das mudanças políticas e econômicas na região, foi
possível perceber como se deu a criação de novos regimes políticos, que foram
pautados pelo política de massas e o nacionalismo. A Revolução Mexicana, como
primeira grande revolução do século, acabou reverberando no resto da América
Latina, por disseminar uma problemática tipicamente latino-americana: a luta do
povo pela terra. Os horrores da Grande Guerra influenciaram as nações latino-
americanas a buscarem outros parâmetros culturais, que não estivessem
diretamente ligados à civilização europeia. A Crise de 1929 significou uma ruptura
com o modelo liberal de economia agroexportadora, fazendo com que os Estados
latino-americanos se voltassem para a sua própria industrialização, contribuindo
para o projeto de modernização das nações latino-americanas, e a consequente
defesa da soberania nacional através do discurso nacionalista.
116 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 176. 117 MEDIN, Tziv. Ideologia y práxis política de Lázaro Cárdenas. México: Siglo XXI, 1997. p.106. 118 MCGUIRE, Randall H.. Archaeology as political action. 1 ed. California: California University, 2008. p. 158. 119 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 210.
33
través observação dos governos de Getúlio Vargas no Brasil e Lázaro
Cárdenas no México, foi possível constatar algumas características que são
coincidentes e expressam bem o caráter “populista” de seus mandatos. Ambos se
sustentaram através do apoio das camadas populares, para as quais concederam
direitos sociais importantes. Também houve a valorização institucionalizada da
cultura, através da criação órgãos como o INAH, no caso mexicano, e o SPHAN, no
caso brasileiro. Algumas diferenciações, porém devem ser consideradas. Getúlio
Vargas teve um período total de governo muito mais longo do que Cárdenas,
incluindo um regime claramente ditatorial – o Estado Novo, o que fez com que
Vargas tenha sido mais bem sucedido ao implementar medidas nacionalistas e por
vezes autoritárias, criando uma forte política de propaganda através do DIP, e se
imortalizando como mito nacional.
A partir dos próximos capítulos, será possível acompanhar como o
nacionalismo político e econômico, que tomou força a partir de 1930, foi
acompanhado de novas visões estéticas sobre a composição social e racial das
nações latino-americanas, e como os intelectuais e artistas se alinharam aos
desejos de modernização dos Estados.
34
3 IDENTIDADE NACIONAL E MODERNISMO NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO
XX
Maria Helena Capelato120 aponta que os nacionalismos nos países latino-
americanos, principalmente Brasil e Argentina, surgiram como resultado da crise do
liberalismo dado em grande parte pela Crise de 1929. É evidente que no caso do
México, o ponto de inflexão para o nacionalismo foi a Revolução Mexicana, a qual
teve início antes mesmo da Primeira Guerra Mundial.
Os novos modelos políticos criados na América Latina, partindo de um ponto
de vista antiliberal e nacionalista, necessitavam de uma nova identidade nacional
que os legitimasse.
Na América Latina, a Nação parece encontrar-se sempre em formação. Não está no começo, avançou muito, mas continua a articular-se e rearticular-se, buscando o seu lugar. Quase todos os países contam com várias, ou muitas, constituições em sua história. Tiveram que começar de novo, recomeçar muita coisa, ou tudo. Os golpes, os surtos de autoritarismo, as ditaduras perpétuas povoam a história. A democracia floresce e fenece. O povo continua a formar-se, se compreendemos que povo é uma coletividade de cidadãos.121
Este capítulo, portanto, fará uma breve exposição sobre as ideias de nação e
de construção de identidade nacional, questionando a experiência latino-americana
e suas mudanças de construção do século XIX para o século XX. Depois, serão
analisados alguns aspectos movimentos modernistas que ocorreram na América
Latina, buscando-se perceber em que medida os movimentos locais procuraram
discutir as questões de nacionalidade através de expressões artísticas.
3.1 IDENTIDADE NACIONAL NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX
Para construir uma nação é preciso que haja uma cultura que lhe dê suporte e, portanto, é preciso que haja intelectuais que ajudem a formulá-la.
Ruben George Oliven122
120 ______. Multidões em cena: Propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p. 145. 121 IANNI, O. A questão nacional na América Latina. Estudos Avançados, v. 2, n. 1, p. 5-40, 1 mar. 1988. p. 33. 122 OLIVEN, Ruben. Cultura Brasileira e identidade nacional: (o eterno retorno). In: O que ler na ciência social brasileira: 1970-2002, Brasília, Editora Sumaré, 2002. p. 16.
35
A questão da identidade nacional na América Latina é dada por Ruben
George Oliven como “o eterno retorno”123, visto que é constantemente debatida,
reconstruída e reeditada através de produções intelectuais que tentam explicar o
que são as nações latino-americanas. Para discutir a criação de uma identidade
nacional, portanto, é necessário entender primeiramente a ideia de “nação”.
Para Octavio Ianni124,
A Nação pode ser vista como uma configuração histórica, em que se organizam, sintetizam e desenvolvem forças sociais, atividades econômicas, arranjos políticos, produções culturais, diversidades regionais, multiplicidades raciais. Tanto o hino, a bandeira, o idioma, os heróis e os santos, como a moeda, o mercado, o território e a população adquirem sentido no contexto das relações e forças que configuram a Nação. A Nação pode ser uma formação social em movimento; pode desenvolver-se, transformar-se, romper-se.
A nação, segundo Benedict Anderson125, é uma “comunidade política
imaginada”. Criada na Europa a partir do século XVIII, a nação esboça uma noção
de pertencimento através de compartilhamento de valores e símbolos, que muitas
vezes não se pode precisar a origem temporal126. No mesmo sentido, Lúcia Lippi
afirma que:
A ideia de nação faz parte do universo simbólico. Sua valorização visa proporcionar sentimentos de identidade e de alteridade a uma população que vive ou que se originou em um mesmo território. Trata-se de um símbolo que pretende organizar o espaço público, referindo-se, portanto, à dimensão politica127.
A nação é uma comunidade pois, apesar existirem diversas desigualdades
entre as pessoas que a compõem, existe sempre o sentido simbólico de
horizontalidade e até uma certa homogeneidade em sua concepção. Além de
imaginada, pois é criada coletivamente, a nação é também simultaneamente limitada
e soberana128.
123 Ibid. p. 15-43. 124 IANNI, O. A questão nacional na América Latina . Estudos Avançados, v. 2, n. 1, p. 5-40, 1 mar. 1988. p. 5. 125 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: Reflexões sobre a origem e a expansão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das letras, 2008. p. 31-34. 126 Idem. 127 OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense; Brasília: CNPq, 1990. p. 14. 128 ANDERSON, Benedict. Op. cit. p. 32.
36
A comunidade imaginada é limitada, pois como descreveu Lippi129, as nações
se constituem tanto na semelhança entre seus pares, quanto na diferença em
relação ao outro. Ou seja, é preciso haver a fronteira, “uma dimensão externa”130. A
nação também é soberana, pois seu surgimento foi marcado pela ascensão do
Iluminismo, e o consequente declínio dos modos de pensar religioso na Europa.
Assim caíram as dinastias, que eram legitimadas através de um “poder divino”,
abrindo espaço para o poder do Estado como soberano131.
Dessa forma, é possível afirmar que a criação da nação faz parte de um
movimento que, mesmo inconscientemente, significou também o surgimento de um
novo sistema cultural132. O advento do jornal, uma das primeiras mercadorias
produzidas em série, foi parte dessa mudança, pois era necessário uma língua em
comum e fatos dentro de limites geográficos comuns para que o jornal fosse
relevante. Dessa forma, os leitores dos jornais – e também dos romances – tinham
além da língua, imaginários em comum.
Esse imaginários também são construídos e traduzidos por artistas que
expressam, através da sensibilidade, a realidade nacional em que vive. Movimentos
artísticos como o modernismo, para além da incorporação de novas técnicas
artísticas, passaram a traduzir o popular em arte. As visões e discursos difundidos
seriam, com o passar do tempo, instrumentalizados pelo Estado para a concepção
dos nacionalismos.
Na América Latina, o Estado-nação surgiu através dos movimentos de
independência das colônias ibéricas, e da institucionalização de uma burguesia
nacional – também chamadas de oligarquias – por meio da internacionalização do
modo de produção capitalista133.
As oligarquias, que assumiram os Estados latino-americanos depois de
disputas de poder, dominaram a América Latina durante praticamente todo o século
XIX, e a internacionalização do modo de produção capitalista se deu através de um
modelo de desenvolvimento econômico que tinha como foco central a exportação de
produtos primários, o que implicava no controle sobre a terra através de grandes
129 OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Op. cit. p. 11-12 130 Ibid., p. 12. 131 ANDERSON, Benedict. Op. cit. p. 34. 132 Ibid., p. 39. 133 WASSERMAN, Claudia. História da América Latina: Cinco Séculos. 4 ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010. p. 176
37
latifúndios134. O controle da terra – ou seja, do poder econômico – e do poder
político por uma minoria, foi um fator preponderante para as grandes revoltas do
século XX no subcontinente, em especial a Revolução Mexicana, mas também a
Revolução de 1930 no Brasil, entre muitas outras.
Outro problema o qual deve ser considerado na formação das nações latino-
americanas e na construção de suas respectivas identidades nacionais é a questão
de raça e mestiçagem, que é resultado do violento processo de colonização que
ocorreu no continente135. Essa questão apresentou mudanças de perspectiva na
América Latina, do século XIX para o século XX. É necessário, portanto, perceber
como as noções de identidade nacional do século XIX eram insuficientes para
traduzir as nações latino-americanas – por de partirem de pressupostos
eurocêntricos, e representarem uma elite branca – e como se ajustaram no século
XX para conferir às nações um caráter popular e homogêneo.
No Brasil, por exemplo, os escritores do romantismo do século XIX
procuravam retratar os indígenas como heróis nacionais a partir de uma perspectiva
ufanista que os retratava como “civilizados”, e ignoravam completamente a figura do
negro na composição das identidades nacionais. A partir da abolição da escravidão,
é possível verificar que se impôs a necessidade de incluir os negros na composição
de uma nacionalidade, pois eram considerados pessoas – de segunda classe – e
não mais mercadoria136. Desse forma, iniciou-se a tentativa de construção do Brasil
por meio da afirmação da existência de três raças, colocando a raça branca numa
posição de superioridade, já que o negro e o índio representariam um atraso no
processo civilizatório137.
Apesar de identificarem diferenças étnicas na composições das nações, a
mistura dessas três raças era vista como algo negativo na América Latina do século
XIX. Diversos intelectuais como Domingo F. Sarmiento, Raimundo Nina Rodrigues,
José Ingenieros, Carlos Octavio Bunge, Manuel Zeno Gandía, Euclides da Cunha,
134 KAPLAN, Marcos T. Formação do Estado Nacional na América Latina. 1 ed. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca, 1974. p. 151- 161. 135 MARTÍNEZ-ECHAZÁBAL, Lourdes. Mestizaje and the Discourse of National/Cultural Identity in Latin America, 1845-1959. Latin American Perspectives, University of California, v. 25, n. 3, p. 21-42, mai. 1998. Disponível em: <https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0094582X9802500302? journalCode=lapa>. Acesso em: 29 mai. 2019. p. 21. 136 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. p. 19 137 ibid. p. 20.
38
Alcides Arguedas produziram obras argumentando através de ideologias
evolucionistas, eugenistas e racistas que a mestiçagem de brancos com raças
consideradas “inferiores” seriam uma ameaça ao progresso dos países latino-
americanos, e significaria a degeneração das sociedades138.
No início do século XX, porém, foram surgindo novas teorias que indicavam
uma mudança de paradigma, sugerindo a miscigenação como prática positiva para
as sociedades. No México, um dos precursores dessa ideia foi José Vasconcelos,
que além de ter sido secretário de Educação e Saúde Pública do país, foi também
filósofo e escritor, publicando a obra “A Raça Cósmica”, em 1925. Nela, Vasconcelos
defende que a miscigenação criaria um “novo tipo humano” ou uma “nova
civilização” mais desenvolvida, por esse motivo seria incentivada. Contudo, o filósofo
rechaçava a miscigenação entre pessoas de raças muito distintas, ou seja, ele
valorizava o branqueamento das raças inferiores através da miscigenação139.
Segundo Renato Ortiz140, o mito das três raças, do ponto de vista cultural, se
consolidou no Brasil através da Revolução de 1930, no qual a realidade social
necessitava de uma mudança de interpretação que fugisse das teorias raciológicas.
A obra “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freyre cristaliza a nova noção de povo
brasileiro, tornando a miscigenação algo positivo. Enquanto no século XIX, os
mestiços eram considerados “preguiçosos”, a partir de sua obra passam a
representar o “trabalhador”141. Segundo Ortiz,
a ideologia da mestiçagem, que estava aprisionada nas ambiguidades das teorias racistas, ao ser reelaborada pode difundir-se socialmente e se tornar senso comum, ritualmente celebrado nas relações do cotidiano, ou nos grandes eventos como o carnaval e o futebol. O que era mestiço torna-se nacional.142
Outro intelectual que discutiu a identidade nacional no século XX foi Sérgio
Buarque de Holanda, que a partir de sua obra “Raízes do Brasil” enfatizou o aspecto
do “homem cordial”, de afabilidade, que os brasileiros teriam herdado da colonização
portuguesa143.
138 MARTÍNEZ-ECHAZÁBAL, Lourdes. Op. cit. p. 24. 139 Ibid. 33-25. 140 ORTIZ, Renato. Op. cit.. p. 41. 141 Ibid. p. 42. 142Ibid. p. 41. 143 SKIDMORE, Thomas. O Brasil visto de fora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. p. 86-87.
39
A partir dessas discussões, e das questões econômicos e políticas que os
Estado latino-americanos enfrentavam – discutidas no primeiro capítulo – ocorreu
uma mudança significativa na composição das identidades nacionais.
No Brasil, com o fim da República Velha após a Crise de 1929, a ruptura
política criou a necessidade de uma nova ideia de nação baseada na integração
entre elite e o povo, a cultura popular foi sendo valorizada e institucionalizada pelo
Estado, para que a população fosse uma massa integrada, e sob o seu controle. As
novas ideologias de política de massas procuravam valorizar discursivamente as
massas, o povo, mas colocavam o Estado como única instituição capaz de fazê-lo.
Desse modo, o Estado buscava os intelectuais para que projetassem as
classes populares nas identidades nacionais, sempre dentro de um projeto político
específico de poder144. Assim como artistas plásticos, que desenvolveram projetos
de identidade nacional através de pinturas, esculturas, arquitetura e música,
diversos cientistas sociais se dispuseram a discutir sobre quem era o “povo” que
constituía a nação. Um dos veículos que indicam essa construção discursiva é a
Cultura Política, revista oficial do governo Vargas, que deixava clara a inexistência
de povo brasileiro, e a necessidade de cria-lo a partir da homogeneização da
sociedade145.
Rachel Soihet146 defende que o processo de incorporação de práticas
culturais populares na identidade nacional brasileira é também um processo de luta
– e por que não de antropofagia? – no qual o modelo de civilização europeia é
engolido e se transforma em brasileiro, popular, do povo, das massas. Exemplo
dessa mudança pode ser observado até mesmo no futebol no Brasil, antes e depois
de 1930. No final do século XIX, quando chegou ao país, o esporte era praticado
principalmente por uma elite branca que relacionava o futebol a valores da
civilização europeia, e fazia questão de proibir a participação de jogadores negros
em suas ligas147.
144 ______. Multidões em cena: Propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p. 141. 145 CAVALCANTI, Lauro. Modernistas, arquitetura e patrimônio. In: PALDOLFI, Dulce (Org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999. p. 180. 146 SOIHET, Rachel. O povo na rua: manifestações culturais como expressão de cidadania. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 2: O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 319. 147 Ibid p. 292.
40
O futebol se tornou popular mesmo assim, com negros atuando em ligas
menores e alcançando pouco a pouco posições de destaque nos times de futebol.
Até 1930, pessoas negras ainda era impedidas de jogarem na seleção brasileira
para competições internacionais, pois dentro da ideia de nação aos moldes da
civilização branca europeia, passava longe a possibilidade de ter um jogador negro
ocupando lugar no time148. Porém, com o advento do rádio, a narração futebolística
popularizou ainda mais o esporte, e a inclusão de jogadores negros na seleção
brasileira ocorreu definitivamente em 1932 com Leônidas Silva no time, que foi
ovacionado junto à sua equipe por milhares de pessoas. O time também foi saudado
por Getúlio Vargas em, que em 1937 – ano do golpe do Estado Novo – tornou o
futebol um esporte profissional149.
Com o passar do tempo o futebol brasileiro foi se tornando notório adquirindo
estilo próprio, e a presença de jogadores negros contribuiu para uma nova
percepção da identidade nacional do país. Processo semelhante acorreu com o
samba, que também saiu da periferia e conquistou o acesso ao espaço público, e
passou a ser considerado no governo Vargas como símbolo da nação brasileira150.
Gilberto Freyre defendeu em 1938, quando o Brasil foi para o Campeonato
Mundial com uma seleção composta por muitos jogadores negros, que o futebol
fazia parte da nacionalidade brasileira, por incorporar um certo estilo de movimentos
da cultura afro-brasileira, e elogiou a escolha multirracial do time151.
Dessa forma, pode-se dizer que o século XX foi marcado por mudanças na
percepção das identidades nacionais latino-americanas a partir de uma visão de que
a mestiçagem seria não mais um obstáculo para o progresso das nações do
subcontinente, mas uma vantagem. Além disso, as identidades nacionais passaram
ser definidas através de manifestações culturais populares, já que o povo seria a
alma da nação. Assim, os discursos intelectuais foram utilizados para construir
narrativas que produzissem a coesão social necessária aos Estados nacionalistas. O
mesmo ocorreu com os movimentos de vanguarda no século XX na América Latina,
que discutiam formas de construir legítimas identidades nacionais populares.
148 Ibid. p. 296. 149 Ibid. p. 299. 150 VIANNA, 1995, p. 151 apud SOIHET, Rachel. Op. cit. p. 318. 151 SOIHET, Rachel. Op. cit.. p. 300.
41
3.2. MODERNISMO LATINO-AMERICANO
O modernismo é uma ideia fora de lugar que se expressa como projeto Renato Ortiz152
Modernismo153 é um termo genérico, muito utilizado para se referir a correntes
artísticas de vanguarda que surgiram em meados do século XIX na Europa, e se
expandiram internacionalmente no início do século XX. O contexto político-
econômico da época era marcado pelo processo de crescimento urbano-industrial,
que refletia também uma mudança de percepção das sociedades154. Esse
sentimento de mutação foi expresso por meio da pintura, escultura, arquitetura,
cinema, fotografia, literatura e outras formas de expressão.
No modernismo europeu, é possível nomear também as várias vanguardas
que surgiram de forma radical e explosiva, como o fauvismo, cubismo, futurismo,
dadaísmo, surrealismo, construtivismo e expressionismo155. Essas correntes
artísticas buscavam romper com concepções clássicas de arte, e baseavam o fazer
artístico em novas experimentações estéticas, mas diferiam entre si tanto em termos
de composição, quanto no que tange à função social das obras156.
O modernismo ganhou força a partir do século XX graças a uma crise
européia quanto às transformações daquele continente, não apenas no que diz
respeito à aceleração da capacidade produtiva impulsionada pela industrialização,
como também à crescente violência vivenciada na Primeira Guerra Mundial, a qual
foi determinante para impactar o cenário artístico latino-americano157.
152 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 34-36. 153 Será utilizado o termo “modernismo” por ser essa a expressão mais utilizada no Brasil e na Europa. Porém, nos países latino-americanos de língua espanhola, o termo costuma ser “vanguardismo”. MORSE, Richard W. O Multiverso da Identidade Latino-americana, c. 1920- c. 1970. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Ideias, Cultura e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. p. 26, 35-36. 154 VELLOSO, Monica Pimenta. O modernismo e a questão nacional In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 1: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 353-354. 155 STANGOS, Nikos (Org.). Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. 343p. 156 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005, p. 256-257. 157 ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997. p. 125.
42
Sendo assim, através do contato com as novas linguagens europeias, os
artistas latino-americanos passaram a traduzir motivações de valorização da cultura
popular de seus países para as telas – já que a pintura era o principal foco dos
artistas da época, juntamente com a literatura158.
Maria Helena Capelato159 afirma que os modernistas latino-americanos foram
simultaneamente nacionalistas e cosmopolitas, pois ao mesmo tempo em que
buscavam construir e representar identidades nacionais em suas obras, se
inspiravam em técnicas europeias e mantinham contato com artistas e movimentos
do velho continente.
A partir dessa análise, é possível afirmar que o modernismo latino-americano
é um exemplo de hibridação cultural, a qual é definida por Canclini160 como um
processo sociocultural no qual estruturas ou práticas separadas se combinam para
formar novas estruturas e práticas. O modernismo na América Latina se realizou,
portanto, através de um complexo arranjo de construção de identidade, já que
significou tanto uma atualização quanto ao que era produzido artisticamente no
exterior, quanto uma busca pelas raízes nacionais. Segundo Canclini,
a primeira fase do modernismo latino-americano foi promovida por artistas e escritores que regressavam a seus países logo depois de uma temporada na Europa. Não foi tanto a influência direta, transplantada, das vanguardas europeias o que suscitou a veia modernizadora nas artes plásticas do continente, mas as perguntas dos próprios latino-americanos sobre como tornar compatível sua experiência internacional com as tarefas que lhes apresentavam sociedades em desenvolvimento e, em um caso, o mexicano, em plena revolução.161
No início do século XX, a cidade de São Paulo já era uma metrópole urbano-
industrial, e foi escolhida como espaço para a realização do evento fundador do
movimento modernista latino-americano162. São Paulo representava o ideal de
158 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005. p. 252, 255-256. 159 Ibid. p. 260-261. 160 CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015. p. XIX 161 Ibid. p. 78 162 MORSE, Richard W. O Multiverso da Identidade Latino-americana, c. 1920- c. 1970. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Ideias, Cultura e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. p. 37-38.
43
modernidade da época, “cosmopolita e vibrante”163, e era o centro das elites
econômicas do país – cafeeira e industrial. Além disso, São Paulo tinha uma grande
população de imigrantes europeus e asiáticos que aportavam no Brasil, e conferiam
à cidade uma diversidade caótica.
Em uma coluna no jornal A Gazeta, às vésperas do evento, Mário de Andrade
– um dos artistas intelectuais organizadores da agitação modernista da época –
expôs suas expectativas quanto à realização da Semana de 22: “queremos ser
atuais, livres de cânones gastos, incapazes de objetivar com exatidão o ímpeto feliz
da modernidade”164. Mario de Andrade procurava desvincular o movimento
modernista brasileiro do movimento futurista italiano, demonstrando a vocação dos
artistas brasileiros de construírem seus próprios paradigmas.
No Teatro Municipal da cidade, por vários dias, ocorreram exposições de
obras de pintura e escultura, concertos, conferências e recitais de poesia165. O
evento gerou agitação e protestos contra as propostas radicais que os artistas
propunham. Para Ruben Oliven, a Semana de 22 foi “redescoberta do Brasil pelos
brasileiros”166.
Logo após a Semana de 22 foi criada a revista Klaxon, em São Paulo, que era
futurista, e desse modo exaltava a industrialização expansão no Brasil e no
mundo167. Porém, diferentemente de correntes artísticas europeias que se apoiavam
radicalmente na negação do passado – como o dadaísmo e o futurismo – grande
parte dos modernistas latino-americanos buscavam ressignificar o passado,
rejeitando o colonialismo e buscando valorizar o passado indígena do continente168.
Para Maria Helena Capelato,
a preocupação predominante dos que se propuseram, a partir de diferentes óticas, a repensar a realidade brasileira, passou a ser a falta de integração nacional (territorial, racial, social e cultural). Foi nesse contexto que a
163 Adjetivos de Oswald de Andrade a São Paulo, às vésperas da Semana de 22. ANDRADE, Oswald de. Jornal do Commercio. São Paulo: 8 de fevereiro de 1922, p. 2. In: Boaventura, Maria Eugenia (Org.). 22 por 22: a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. p. 46. 164 ANDRADE, Mário de. A Gazeta. São Paulo: 4 de fevereiro de 1922, p. 1. In: Boaventura, Maria Eugenia (Org.). 22 por 22: a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. p. 39-40. 165 ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997. p. 132. 166 OLIVEN, Ruben. Op. cit. p. 23. 167 ADES, Dawn. Op. cit. p. 132. 168 Ibid. p. 126.
44
mestiçagem e seus componentes – índios e negros – começaram a ser valorizados; o “tipo nacional” até então depreciado frente ao estrangeiro, tornou-se alvo de interesse e sua incorporação à sociedade, vinculada à proposta de construção de uma nova forma de identidade nacional, se insere nos debates sobre a nacionalidade169.
Assim, o “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” de Oswald de Andrade, foi criado
numa perspectiva diversa da revista Klaxon, já que continha um aspecto de
preocupação anticolonial, e não restrito à questionamentos estéticos. Segundo
Capelato,
Oswald exaltava a formação étnica do país composta por índios, negros e brancos. Segundo Jorge Schwartz, ele percebera, em Paris, que aquilo que os cubistas europeus procuravam na África e na Polinésia como suporte estético-exótico da arte moderna, sempre fez parte de seu cotidiano nos trópicos: o índio e o negro. Assim, descobriu o primitivo em sua própria terra, mas, além disso, valorizou a natureza, a história e elementos da cultura popular como o carnaval, a cozinha, mesclando referências a símbolos da modernização como a fotografia, a técnica, a máquina. Condenou a cópia, a imitação, privilegiando a criatividade.170
No Manifesto Antropofágico, publicado em 1928 na Revista de Antropofagia,
Oswald de Andrade reforçou essa ideia, colocando em oposição as contradições
brasileiras do período, como a relação da Europa com a América Latina, e a relação
entre modernidade e tradição171.
As revistas tiveram um importante papel na divulgação de manifestos, artistas
e obras modernistas na América Latina. Além das brasileiras Klaxon (1922) e
Revista de Antropofagia (1928) no Brasil, destacam-se as revistas El Machete no
México (1924), Martin Ferrero em Buenos Aires (1924) e Amauta (1926) no Peru172.
Essas revistas revelam, assim como assinalado por João Luiz Lafetá173, que foram
desenvolvidos dois tipos de projeto no modernismo: o estético e o idelógico.
Enquanto o projeto estético estava voltado a um rompimento com as antigas formas
de expressão artística, o projeto ideológico estava relacionado à necessidade de
produzir uma determinada essência nacional. Muitas vezes esses processos se
169 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005. p. 264. 170 Ibid., p. 264. 171 ADES, Dawn. Op. cit. p. 132-133. 172 Ibid., p. 125. 173 LAFETÁ, João Luíz. 1930 : a crítica e o modernismo. 2. ed. São Paulo, SP: Duas Cidades, Ed. 34, 2000. p. 19-21.
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interseccionavam, e várias das revistas e obras artísticas observavam tanto
características estéticas inovadoras, quanto uma preocupação político-social.
Amauta e El Machete demonstram claramente o caráter e importância política
da arte, a qual era considerada uma ferramenta na revolução social. Mariátegui,
dirigente da Amauta e fundador do Partido Socialista Peruano, defendia que a arte
não poderia se limitar a contribuir para novas técnicas, mas deveria se comprometer
com uma mudança política que fosse anti-burguesa174. Dentre os colaboradores da
Amauta estavam intelectuais de outros países latino-americanos, como José
Vasconcelos, que fundaria o programa de murais no México através do Ministério da
Educação. Na revista mexicana El Machete, fundada pelo sindicato dos Escultores,
Pintores e Trabalhadores Técnicos, havia tanto a divulgação do muralismo mexicano
quanto as experiências com xilogravura na revista, sempre com um viés político
atrelado às obras175. Dessa forma, percebe-se como na América Latina a produção
artística modernista estava estava constantemente e diretamente ligada à ação
política.
O modernismo mexicano teve características específicas que valem ser
mencionadas. Diferindo do modernismo brasileiro – o qual era caracterizado por sua
mediação entre o nacionalismo e o cosmopolitismo – o modernismo mexicano é
considerado nacionalista-americanista176. A Revolução Mexicana, que ocorreu
concomitante às renovações estéticas do movimento modernista no resto do mundo,
exigia que a arte se voltasse para dentro do México, retratando e interpretando a
revolução.
Dentro do modernismo mexicano, o muralismo foi o movimento artístico de
maior expressão tanto no México quanto internacionalmente, e foi o que melhor
exprimiu a relação entre a arte radical e a política revolucionária na América
Latina177. Através do apoio estatal, os pintores muralistas foram capazes de difundir
um nacionalismo cultural a partir das interpretações acerca da Revolução Mexicana.
Como aponta Damián Bayón178, para além do México “[o muralismo] tornou-se um
174 ADES, Dawn. Op. cit. p. 130. 175 Ibid., 132. 176 AMARAL, Aracy A.. Artes Plásticas na Semana de 22. 5 ed. São Paulo: editora 34, 2010. p. 21. 177 ADES, Dawn. Op. cit, p. 125. 178 BAYÓN, Damián. A arte e a arquitetura latino-americanas, c. 1920-c. 1990. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Ideias, Cultura e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. p. 559
46
dos principais veículos para a ocupação obsessiva com a identidade – um conceito
que parece deixar os latino-americanos muito ansiosos”.
Os muralistas partiam de uma visão anti-burguesa, e defendiam a erradicação
da “pintura de cavalete”179. A arte, portanto, deveria estar nas ruas para o povo, ser
grandiosa e vista do espaço público. Na revista El Machete, em 1922, foi publicada a
“Declaração dos Princípios Sociais, Políticos e Estéticos” do Sindicato dos
Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores, a qual trazia questões pertinentes
quanto à estética que buscavam enquanto movimento:
Não só nosso povo (especialmente os índios) é a fonte de todo trabalho nobre, de todas as virtudes, como também [...] é nele que encontramos a faculdade de criar o belo, a mais admirável e peculiar de suas características. [...] Ela é grande precisamente porque, sendo popular, é coletiva, e é por essa razão que nosso principal objetivo estético consiste em socializar as manifestações artísticas que contribuirão para o total desaparecimento do individualismo burguês [...] enaltecemos as manifestações da arte monumental por ser ela de utilidade pública180
Segundo Canclini181, essa ideologia dos muralistas ia ao encontro do esforço
que havia sido criado – principalmente a partir de Vasconcelos a frente da Secretaria
de Educação e Saúde Pública – para a formação de uma sociedade nacional pós-
revolucionária, através da tentativa de superação de contradições como a arte culta
e popular, o trabalho e a cultura, a estética vanguardista e a função social da arte:
Rivera, Siqueiros e Orozco182 propuseram sínteses iconográficas da identidade nacional inspiradas ao mesmo tempo nas obras de maias e astecas, nos retábulos de igreja, nas decorações de botecos, no desenhos e cores da cerâmica típica dos povoados, nas lacas de Michoacán e nos avanços experimentais de vanguardas europeias.
O muralismo mexicano pode ser compreendido, portanto, como uma
ferramenta de politização e educação das massas, ao retratar de forma crítica a
própria realidade histórica e presente, fazendo o povo se enxergar como sujeito
dentro da identidade nacional proposta.
179 ADES, Dawn. Op. cit., p. 153. 180 ADES, Dawn. Op. cit. p. 324. 181 CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015. p. 81. 182 Quando fala de “Rivera Siqueiros e Orozco”, Canclini se refere aos muralistas considerados “Os Três Grandes” do movimento. CANCLINI, Néstor García. Op. cit. p. 81.
47
Diferentemente do modernismo nacionalista e revolucionário mexicano, que
continha em si uma exaltação dos camponeses e comunidades tradicionais, o
modernismo argentino se colocou de forma mais cosmopolita e ligada à ideia de
modernidade urbano-industrial. Buenos Aires era considerada a capital mais
moderna da América Latina nos anos 1920, com muitos imigrantes, crescimento
urbano acelerado, e um aumento educacional significativo que proporcionava
acesso amplificado à cultura183.
Dessa forma, diversas revistas culturais foram criadas no período, e Martin
Fierro é considerada a mais importante delas. Depois de estabelecer um manifesto,
a revista derivou o grupo martinfierrista, composto de artistas e escritores dos mais
variados pensamentos. Participaram da revista Martin Fierro intelectuais e artistas
com preocupações muito díspares como Jorge Luis Borges, Manuel Lugones,
Leopoldo Marechal. Os pintores Pedro Figari e Xul Solar também se integraram a
esse grupo de modernistas argentinos.
A revista argentina Martin Fierro é considerada uma revista cosmopolita, com
grande influência do modernismo europeu,e por vezes classificada como
conservadora. A revista defendia
(...) choque mais frontal com aquelas posições das quais se poderia derivar uma estética associada à “cor local” – algumas de suas polêmicas tornam explícito o repúdio tanto às versões do nacionalismo que, já desde o centenário (1910), propunham um retorno à tradição hispânica ou indigenista, como também à exploração temática do mundo popular imigrante que os jovens escritores esquerdistas associados ao “grupo de Boedo” defendiam184
Dessa forma é possível notar que apesar do mesmo sentimento de
renovação que os movimentos modernistas latino-americanos propunham, cada
lugar adaptou as vanguardas às suas realidades e aspirações específicas.
Embora o modernismo como movimento artístico e cultural tenha dado
impulso e tenha sido instrumento da construção de identidades nacionais na
América Latina185, a longo prazo ele se mostrou incapaz de levar o subcontinente à
183 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005, p. 267. 184 VASQUEZ, Karina R.. Redes intelectuais hispano-americanas na Argentina de 1920,. Tempo Social, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 55-80, jun. 2005. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12454/14231>. Acesso em: 26 mai. 2019. p. 57. 185 CANCLINI, Néstor García. Op. cit. p. 81
48
modernidade almejada, pois, embora fossem retratadas questões sociais nas obras,
a realidade latino-americana continuava incapaz de se igualar ao progresso material
europeu. Confome aponta Canclini,
A modernidade é vista então como uma máscara. Um simulacro urdido pelas elites e pelos aparelhos estatais, sobretudo os que se ocupam da arte e da cultura, mas que por isso mesmo os torna irrepresentativos e inverossímeis. As oligarquias liberais do final do século XIX e início do século XX teriam feito de conta que constituíam Estados, mas apenas organizaram algumas áreas da sociedade para promover um desenvolvimento subordinado e inconsistente; fizeram de conta que formavam culturas nacionais e mal construíram culturas de elite, deixando de fora enormes populações indígenas e camponesas que evidenciam sua exclusão em mil revoltas e na migração que “transtorna” as cidades. Os populismos fizeram de conta que incorporavam esses setores excluídos, mas sua política igualitária na economia e na cultura, sem mudanças estruturais, foi revertida em poucos anos ou se diluiu em clientelismos demagógicos186.
Pode-se dizer, portanto, que os modernismos latino-americanos, postularam
modernidade através de manifestos e manifestações artísticas, como cartas de
intenções que nunca se concretizaram em mudança social efetiva. Ainda assim,
serviu de ferramenta para os Estados latino-americanos propagarem seus
nacionalismos mundo afora.
Como vimos neste capítulo, as identidades nacionais são construídas a partir
da ideia de nação, que funciona como uma comunidade política imaginada.
Enquanto no século XIX as nações se espelhavam no modelo civilizatório europeu
para compor suas identidades nacionais, os eventos do século XX, analisados no
primeiro capítulo, impulsionaram o questionamento das identidades nacionais
estabelecidas e a necessidade da nação representar o povo, as massas. Dessa
forma, passou-se a valorizar a miscigenação, através de uma reflexão intelectual
que coincidiu com a ideia nacionalista dos Estados latino-americanos de coesão
nacional. Da mesma maneira, os artistas latino-americanos, através do contato com
vanguardas europeias, passaram a questionar a estética nacional, buscando as
raízes de suas próprias nacionalidades, e criando novos símbolos com bases em
seus projetos ideológicos.
A seguir, será possível compreender a união de artistas e Estado em torno da
mesma ideia de identidade nacional, na qual arte e política se unem para
186 Ibid., p. 25.
49
representar o povo e sua cultura. Será possível compreender também a importância
da identidade nacional para a autoafirmação dos Estados no Sistema Internaciona,
por meio da diplomacia cultural.
50
4 MODERNISMO DE ESTADO E DIPLOMACIA CULTURAL NA AMÉRICA
LATINA: DIEGO RIVERA NO MÉXICO E CANDIDO PORTINARI NO BRASIL
As relações entre arte e política nos Estados da América Latina podem ser
identificadas ainda no século XIX, quando os artistas participaram dos projetos de
construção de identidades nacionais após a independência das metrópoles
europeias187. Contudo, naquele momento, os artistas simplesmente adaptavam a
arte europeia ao local latino-americano.
O modernismo surgiu como parte do movimento de mudanças nas
sociedades do início do século XX, o que produziu mudanças também no papel dos
artistas na construção das identidades nacionais. Na América Latina, o movimento
trouxe à tona as incongruências existentes no antigo modelo de fazer arte, que até
então partia de um referencial exclusivamente eurocêntrico188. Logo, os artistas
passaram a se questionar sobre a função social da arte, e se engajaram em obras
que mediassem aspectos eruditos e populares das nações latino-americanas,
formulando novas identidades nacionais.
Na busca da modernidade, os intelectuais engajados passaram a propor reformas conduzidas, principalmente, através de projetos educacionais e estéticos, num duplo objetivo: tutelar a reforma cultural das elites e elevar a cultura das classes populares189.
Esse projeto de modernização da cultura nacional nunca foi concluído, mas
teve momentos históricos importantes. A partir de 1930, principalmente, ocorreu um
fenômeno que pode ser denominado de “reforma pelo alto”190 ou “modernismo de
Estado”191: os artistas eram chamados pelo Estado para colaborarem com o projeto
de modernização nacionalista, construindo juntos uma identidade nacional oficial por
187 NAPOLITANO, Marcos. Arte e Política no Brasil: História e Historiografia. In: GG, André; FREITAS, Artur; KAMINSKI, Rosane (Orgs.). Arte e política no Brasil: Modernidades. 1 ed. São Paulo: Perspectiva, 2014. (Estudos 331). p. XV. 188 Ibid. p. XVI-XVII. 189 Ibid. p. VXII. 190Ibid. p. XVIII. 191 NICODEMO, Thiago Lima. O “modernismo de estado” e a política cultural brasileira na década de 1940: Candido Portinari e Gilberto Freyre nos EUA. Revista Landa, Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 320-349, 2016. Disponível em: <http://www.revistalanda.ufsc.br/vol-5-no-1-2016/>. Acesso em: 26 mai. 2019.
51
meio da arte engajada. É interessante notar que esse processo se deu não somente
na América Latina, mas também na Itália fascista. O futurismo foi integrado e
oficializado no governo de Mussolini, mas com a derrocada do fascismo na Segunda
Guerra Mundial a estética futurista seria abandonada192.
Segundo Renato Ortiz193, os intelectuais são mediadores simbólicos, na
medida em que confeccionam relações entre o particular e o universal, o popular e o
nacional. Nesse cenário, faz-se necessário perceber as políticas culturais dos
Estados latino-americanos para além de suas fronteiras, através da diplomacia
cultural.
A diplomacia cultural pode ser compreendida como um instrumento de política
externa destinado a contribuir para consolidar os objetivos da política nacional e a
inserção de determinado país no cenário internacional, através da difusão de seus
aspectos culturais. Esse é um instrumento que permite um intercâmbio entre os
ganhos de cunho político, econômico e de cooperação194.
Para Ribeiro195, a diplomacia cultural pode ser definida em temas gerais que
são mais ou menos instrumentalizados pelos Estados, conforme suas prioridades e
recursos disponíveis: intercâmbio de pessoas, promoção da arte e dos artistas,
ensino de língua (como veículo de valores), distribuição integrada de material de
divulgação, apoio a projetos de cooperação intelectual, apoio a projetos de
cooperação técnica, e integração e mutualidade na programação. Existem diversas
formas de ação na diplomacia cultural: com execução direta do Estado, através da
criação de agências independentes ou em um modelo misto com participação estatal
e privada, como ocorre nos EUA196 .
A França foi um dos primeiros países a instrumentalizar a cultura nacional em
sua política externa, difundindo a língua francesa mesmo antes do século XIX197.
Outros países passaram a utilizar da diplomacia cultural após a segunda metade do
século XX, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Um dos exemplos mais exitosos
192 Ibid. p. 321. 193 ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. p. 139 194 BIJOS, Leia; ARRUDA, Verônica. A diplomacia cultural como instrumento da política externa brasileira. Revista Diálogos: a cultura como dispositivo de inclusão, Brasília, v. 13, n. 1, p. 33-53, ago. 2010. 195 RIBEIRO, Edgard Telles. Diplomacia Cultural: Seu Papel na Política Externa Brasileira. 2 ed. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. 196 BIJOS, Leia; ARRUDA, Verônica. Op. cit. 197 Ibid.
52
de uso da cultura como parte da política externa é certamente o caso dos Estados
Unidos, que propagou o “American Way of Life” como parte de sua estratégia
político-ideológica-militar desde a Guerra Fria até os dias atuais. No entanto, países
da América Latina também fizeram parte desse processo, com menos intensidade.
No Brasil, a diplomacia cultural passou a ser parte da agenda da política
externa de maneira esparsa a partir da independência, mas se consolidou de forma
sistemática e institucionalizada a partir do período entre guerras do século XX198. Em
1934, por exemplo, foi criado o Serviço de Expansão Intelectual, com o objetivo de
propagar a imagem do Brasil de maneira positiva, mas evitando um caráter de
“propaganda oficial”. Essa propaganda se daria através da promoção de encontros
entre intelectuais brasileiros e estrangeiros, gerando relações que sustentassem a
propaganda nacional no exterior199. Em 1937, o órgão mudou para Serviço de
Cooperação Intelectual, e em 1938 para Divisão de Cooperação Intelectual.
A ação da Divisão de Cooperação Intelectual (DCI) e do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP) geraram algumas contradições: enquanto um era
tomado por intelectuais e artistas – muitas vezes de esquerda, como Portinari – que
promoviam a diversidade da cultura e identidade brasileira no exterior, o outro
censurava qualquer membro da sociedade que se opusesse ao regime. Assim, a
cooptação de intelectuais de esquerda pode ser entendida como uma negociação do
Estado Novo em prol de um bem maior: a identidade brasileira e o nacionalismo.
No México, é possível perceber que a diplomacia cultural foi bem mais
limitada e menos institucionalizada. As políticas culturais eram voltadas não a
governos específicos, mas a uma tentativa de unificação e integração nacional
através da disputa de ideias pós-Revolução Mexicana. Dessa forma, artistas
mexicanos que se tornaram famosos no exterior, como Diego Rivera, se
consolidaram nacionalmente graças ao apoio estatal, mas foram internacionalizados
através de empresários.
Sendo os intelectuais “artíficies do jogo de construção simbólica”200 que são
as identidades nacionais, pode-se apontar dois dos casos mais bem sucedidos da
198 DUMONT, Juliette; FLÉCHET, Anaïs. "Pelo que é nosso!": a diplomacia cultural brasileira no século XX. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 34, n. 67, p. 203-221, 2014. 199 Ibid. 200 ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. p. 142.
53
relação entre artista e Estado na pintura modernista latino-americana. Cândido
Portinari no Brasil, e Diego Rivera no México, construíram identidades nacionais na
pintura através do apoio estatal, e tiveram carreiras sólidas no exterior, atuando
também como agentes de diplomacia cultural em uma certa medida.
Parte do sucesso desses artistas se deve às características conjunturais dos
Estados no período entreguerras do século XX, exposto no primeiro capítulo, em
que o nacionalismo cresceu exponencialmente. Outra característica relacionada a
essa, que explica também a imortalização de ambos os pintores como guardiões das
identidades nacionais brasileira e mexicana, é o fato de pintarem murais. Como foi
exposto brevemente no capítulo dois, o muralismo parte de uma estética de
valorização e educação das massas, e suas dimensões avantajadas no espaço
público garante que a mensagem se espalhe com rapidez a todos.
A seguir, serão analisadas as trajetórias desses dois pintores, como parte do
“modernismo de Estado” do Brasil e do México, revelando as nuances da relação
entre arte e Estado, e examinando algumas pinturas que demonstram a criação de
novas identidades nacionais a partir dessas interações.
4.1. DIEGO RIVERA E A REVOLUÇÃO PERMANENTE
Diego Rivera foi um célebre pintor muralista e intelectual militante mexicano
do século XX. Junto de Orozco e Siqueiros, fundou o movimento modernista, e foi
além dos companheiros, tornando-se conhecido e admirado internacionalmente, e
sendo o artista hispano-americano mais citado no exterior201. Rivera desenvolveu
seu estilo artístico através de vanguardas europeias e a partir da inspiração
mexicana, que preenchia suas obras através da história e da revolução. Por meio
dos murais de afresco, o artista propagou diversos temas do seu ponto de vista
marxista: o passado pré-Colombiano do México, camponeses e indígenas na luta
pela terra, desigualdade social, industrialização e tecnologia. Figura controversa,
continua sendo fundamental analisarmos sua trajetória para compreendermos as
201 KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. p. 7.
54
políticas culturais do México pós-Revolução e os elementos que compõe a
identidade nacional mexicana.
Diego María Rivera Barrientos nasceu em Guanajuato, em 1886. Filho de pais
professores – a mãe mais tarde se tornaria parteira – Rivera se mudou com a família
para a Cidade do México ainda na infância, por causa dos ideias liberais contra o
Porfiriato que seu pai propagava no jornal El Demócrata202.
Em 1898, Diego se inscreveu no curso de arte da renomada Academia de
San Carlos, na qual estudou até 1905, e onde sua paixão pela pintura se
concretizou, ao ser mentorado por diversos pintores importantes do México. Entre
eles estava Geraldo Murillo – mais tarde conhecido como Dr. Atl – considerado
pioneiro na revolução cultural do país, por suas teorias de valorização da cultura
mexicana e do artesanato indígena203.
A partir de relatos de Dr. Atl sobre sua estadia na Europa e as vanguardas
que lá surgiam, o jovem Rivera decidiu conhecer de perto a arte modernista
europeia204. Diego Rivera viajou para a Espanha em 1907, anos antes da Revolução
Mexicana, com o auxílio de uma bolsa de estudos financiada pelo governo de
Veracruz205. Na Europa, o pintor foi exposto a diversas vanguardas e conheceu
alguns artistas proeminentes como Pablo Picasso e Piet Mondrian, incorporando o
cubismo em suas obras a partir dali.
Ao ouvir relatos de companheiros mexicanos sobre a situação do país em
meio à Revolução – que teve início em 1910 – Diego se entusiasmou com a luta
camponesa, e assim passou a remeter às próprias origens em suas obras, como
pode ser observada na pintura Paisagem Zapatista – O Guerrilheiro (pintura 1).
A pintura assemelha uma colagem, e apresenta elementos típicos mexicanos
como o chapéu dos zapatistas, o sarape206 e as armas revolucionárias com a
cartucheira. Além disso, é evidente a influência cubista na obra.
202 Ibid. p. 7-8. 203 Ibid. p. 9. 204 Ibid. p. 11. 205 ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997, p. 127 206 Xale com cores vivas, tipicamente utilizado por homens no México. SARAPE. In: Merriam-Webster Dictionary. Disponível em: <https://www.merriam-webster.com/dictionary/sarape>. Acesso em: 21 mai. 2019.
55
Fonte: KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte
moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. p. 17.
Em 1920, recebeu do reitor da Universidade da Cidade do México, José
Vasconcelos, uma viagem de estudos para a Itália. Lá, Diego Rivera se deparou
com os murais de pintores do Renascimento italiano, como Giotto, e passou a refletir
sobre as possibilidades de uma pintura de afresco que fosse monumental e
pública207. José Vasconcelos se tornaria secretário de Educação Pública do governo
de Álvaro Obregón ainda em 1920, e o retorno de Rivera ao México em 1921 os
levaria a trabalharem juntos em um ambicioso projeto.
José Vasconcelos tinha um projeto inovador de educação e cultura para um
México que se recuperava lentamente dos efeitos da revolução208. Baseado nas
ideias de modernidade e nacionalismo, um de seus primeiros feitos foi unificar o
currículo educacional do país. A Secretaria de Educação Pública tinha três
departamentos: escolas, bibliotecas e belas artes, que funcionavam juntos desde a
207 KETTENMANN, Andrea. Op. cit.. p. 20. 208 CRESPO, Regina. O projeto educativo de José Vasconcelos no México pós-revolucionário: nacionalismo e modernidade. Intellèctus, Rio de janeiro, v. 15, n. 2, p. 122-144, 2016. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intellectus/article/view/26666/19049>.Acesso em: 26 mai. 2019. p. 123.
Pintura 1 – Paisagem Zapatista - O Guerrilheiro, 1915
56
educação básica para dar total suporte aos alunos e contribuir para uma formação
cultural completa da sociedade mexicana.
No departamento de Belas Artes foi concebida a ideia da arte mural como
parte do projeto de educar as massas mexicanas. Segundo Regina Crespo,
a ideia de Vasconcelos, ao oferecer aos pintores as paredes de grandes edifícios públicos, era transformar os espaços de circulação social em lugares para a contemplação estética, até então privilégio das elites ou, no máximo, limitada aos museus. A iniciativa se uniu ao estímulo às escolas de pintura ao ar livre, com a colaboração de pintores que se dispuseram a trabalhar como professores, e à valorização das artes decorativas populares209.
Mais tarde foi criado também o Departamento de Cultura Indígena, que
funcionava como parte do projeto de integração nacional. Devido às contradições
entre a valorização da cultura indígena e a proposta de homogeneização e
modernização da cultura nacional, o ensino por meio de línguas indígenas foi
proibido, o que dificultou o acesso dessas populações à educação formal210.
Em 1922, Diego Rivera começou a pintura do seu primeiro mural, A Criação
(pintura 2) na Escola Nacional Preparatória, encomendado pela Secretaria de
Educação. Nessa obra realizada com a técnica de encáustica, as figuras são
vestidas em trajes mexicanos e retratadas através de simplificações cubistas e
inspirações clássicas renascentistas211. O tema entretanto, segue a ideologia
proposta por Vasconcelos: a miscigenação, as virtudes judaico-cristãs, e a
valorização da ciência212.
209 Ibid. p. 128 210 NOCETTI, María Antonieta Gallart, Política indigenista em México (1910-2012): um repaso de objetivos y acciones. In: PAREDES, Beatriz (Coord.), DAMIANI, Gerson, PEREIRA, Wagner P., NOCETTI, María A. G. (Orgs.) O mundo indígena na América Latina: Olhares e Perspectivas. 1ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. p. 242. 211 ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997, p. 154. 212 KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. p. 24.
57
Pintura 2 – A Criação, 1922-1923
Fonte: KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. p. 25.
Ao mesmo tempo em que pintava na Escola Nacional, Rivera se organizava
com os outros dois grandes muralistas, José Clemente Orozco e David Alfaro
Siqueiros, fundando o Sindicato dos Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores
e o jornal El Machete. Nessas organizações militou pelas causa comunista, e se
filiou ao Partido Comunista Mexicano.
Ainda em 1922, Diego Rivera foi convidado a pintar murais nas paredes do
novo edifício da Secretaria de Educação Pública. Esse projeto seria concluído
apenas em 1928, e seria também o marco da criação de uma iconografia
revolucionária da história mexicana213. Foram realizados um total de 117 afrescos
nas arcadas dos pátios interiores do edifício, que tinham três andares.
213 KETTENMANN, Andrea. Op. cit.. p. 26
58
Rivera propõe em seus murais uma visão crítica do presente e do passado,
além de imaginar utopias para o futuro – dentro de uma visão marxista. No caso das
pinturas realizadas para a Secretaria de Educação Pública, o artista o homenageia a
herança indígena, o povo mexicano e o seu trabalho – no campo, na indústria e o
artesanato – e a revolução214.
Em um dos andares do edifício, Rivera realizou os murais através de um ciclo
narrativo denominado Corrido da Revolução, que foi dividido em duas zonas:
Revolução Agrária e Revolução Proletária. Corrido é um tipo de canção popular
mexicana que conta uma história, e era muito utilizada para dar notícias e educar a
população analfabeta durante a revolução. A letra da canção foi pintada em fitas por
Rivera, e deixa claro o caráter educativo dos murais, transformando o Corrido em
uma manifestação artística radical215.
Na pintura No Arsenal (pintura 3), que representa o início da Revolução
Proletária, Diego Rivera pintou diversos companheiros de partido, como Frida Kahlo
– com quem se casaria em 1929 – e Siqueiros, todos empunhando armas
preparados para lutar na Revolução. Sua viagem à União Soviética em 1927, que o
pôs em contato direto com o grupo “Outubro” – formado por artistas de Moscou –
certamente o influenciou em pinturas como essa, na qual é possível perceber as
estrelas vermelhas nos uniformes e a foice e martelo nas bandeiras.
214 Ibid. p. 27. 215 Ibid. p. 32.
59
Fonte: SECRETARIA DE EDUCACION PÚBLICA. En el arsenal. Disponível em: <https://murales.sep.gob.mx/swb/demo/pf_2n>. Acesso em: 25 mai 2019.
Por causa de desavenças com o presidente Álvaro Obregón, José
Vasconcelos acabou pedindo demissão da Secretaria de Educação e Saúde
Pública, em 1924. O programa de murais de Vasconcelos foi interrompido, e muitos
muralistas perderam seus empregos. Diego Rivera, por outro lado, convenceu o
novo secretário, José María Puig Casauranc, a manter-se no projeto dos murais
para a sede da Secretaria216. Essa coleção de murais é considerada por muitos
como uma de suas melhores obras, e representou a consolidação de sua relação
com o Estado Mexicano.
Em 1929, Diego Rivera foi nomeado diretor da Academia de Belas Artes de
San Carlos, porém sofreu represálias de conservadores e também de comunistas, e
216 Ibid. p. 32
Pintura 3 – No Arsenal, 1928
60
acabou saindo do cargo em 1930. Os conservadores eram contra as reformas de
ensino da arte que Rivera defendia. Já os colegas de partido o criticavam por aceitar
encomendas do governo e de membros da elite, como o estadunidense Dwight W.
Morrow, de quem Rivera recebeu doze mil dólares para pintar murais no antigo
Palácio de Cortés217.
Além de ignorar as críticas e deixar o Partido Comunista Mexicano, Diego
Rivera acabou aceitando um convite de viagem aos Estados Unidos, financiado por
Morrow e grandes empresários, para pintar murais em diversas cidades, como São
Franscisco, e Nova York. Apesar dos ideais comunistas, Rivera sempre pintou telas
para membros da elite mexicana e norte-americana, ganhando a amizade de muitos
que se dispunham a financiar o seu trabalho.
O pintor mexicano foi convidado a participar de uma exposição individual no
MoMa – Museu de Arte Moderna de Nova York – que atraiu mais de cinquenta mil
pessoas para visitá-la. Em Detroit, pintou A Indústria de Detroit, financiado pela
família Ford. De volta a Nova York, colocou-se em uma enorme polêmica. Em 1932,
Rivera fora contratado pela família Rockefeller para executar um mural no
Rockefeller Center, porém o artista resolveu incluir a figura de Lênin em sua obra O
Homem Controlador do Universo (pintura 4).
O mural sofria ataques da imprensa nova-iorquina, ao mesmo tempo em que
manifestantes progressistas da cidade louvavam Rivera. Os Rockefeller exigiram
que o pintor retirasse Lenin da obra, e quando Rivera recusou, a família pagou o
artista e destruiu o mural. Na volta ao México, Diego reproduziria o mural no Palácio
de Bellas Artes do México, em 1934, e incluiu as figuras de Trotsky e Karl Marx.
217 Ibid. p. 42-43.
61
Fonte: WIKIART. Man at the Crossroads/Man, Controller of the Universe. Disponível em: <https://www.wikiart.org/en/diego-rivera/man-controller-of-the-universe-1934>. Acesso em: 27 mai. 2019
Diego também havida sido foi convidado a pintar, ainda em 1929, o Palácio
Nacional da Cidade do México, concluindo o trabalho em 1935218. O conjunto de
murais é chamado de Epopeia do Povo Mexicano, contendo três murais que contam
a história do país: O México Pré-Hispânico – O Antigo Mundo Indígena (pintura 5), A
História do México desde a Conquista até 1930, e O México, Hoje e Amanhã. Dessa
forma, através das pinturas Rivera revela uma construção iconográfica da História
mexicana. Na História pré-Colombiana, os murais são dominados pelos indígenas,
na História mexicana até 1930 os murais se enchem de violência da conquista
espanhola, passam pela oligarquia mexicana e narram a revolução. Nos últimos
murais, são pintadas as utopias de Rivera para o futuro, sempre com um viés
marxista, com direito à figura de Marx pintada no painel219.
218 Ibid. p. 42-43. 219 Ibid. p. 57-59.
Pintura 4 – O Homem Controlador do Universo (detalhe), 1934
62
Fonte: KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte
moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. p. 25
Em 1936, Diego Rivera pediu a Lázaro Cardenas que concedesse asilo a
Leon Trotsky, que havia fugido da União Soviética. Cardenas atendeu ao pedido de
Rivera e Trotsky se hospedeu com sua esposa na casa azul de Diego e Frida. Em
1940 Rivera voltou aos Estados Unidos para pintar o mural União Panamericana em
São Francisco, que continha uma narrativa antifascista e de tentativa de união de
valores pan-americanos.
Rivera morreu de insuficiência cardíaca em 1957. Seu corpo foi velado com
honras oficiais no Palacio de Bellas Artes, e enterrado na Rotunda dos Homens
Ilustres, contra a sua vontade220. Através do projeto estatal de José Vasconcelos e
da política cultural de legitimação e homogeinização nacional, Diego Rivera foi
capaz de criar uma iconografia para representar o México e os mexicanos221.
220 WOLFE, Betram D. The Fabulous Life of Diego Rivera. 1963. p. 413. 221 MANDEL, Claudia. Muralismo Mexicano: arte público / identidad / memoria colectiva. Revista Escena, p. 37-54, 2007. p. 39.
Pintura 5 – O México Pré-Hispânico - O Antigo Mundo Indígena, 1929
63
Camponeses, operários, indígenas, mestiços, foram retratados como parte do
processo revolucionário de construção da nação mexicana. Além disso, a sua
posição política influenciou a realização de trabalhos críticos à sociedade capitalista,
ao mesmo tempo em que elogiou o progresso industrial estadunidense.
4.2. CANDIDO PORTINARI E A CONSTRUÇÃO DA BRASILIDADE
Portinari foi o artista brasileiro mais reconhecido internacionalmente na
primeira metade do século XX. É necessário analisar a trajetória de Portinari
levando-se em consideração sua relação com o Estado brasileiro e o governo
Varguista, reconhecendo as contradições existentes entre suas pintura e a arte
oficial no Estado brasileiro, além de ressaltar a importância de seu trabalho para a
construção da brasilidade e de uma diplomacia cultural brasileira.
Candido Portinari nasceu em uma fazenda de café, a Fazenda Santa Rosa,
em 1903. Filho de imigrantes italianos comerciantes, Candinho222 assistia desde
pequeno a pobreza que chegava na cidade de Brodósqui em forma de retirantes,
que procuravam trabalho nas lavouras de café223. A infância de Candido Portinari se
tornaria mais tarde uma de suas maiores inspirações.
Em 1918, Candido foi ajudante de um grupo de pintores itinerantes que
decoravam a igreja da cidade. Esse episódio o fez perceber sua paixão pela pintura,
estimulando o jovem a se matricular no Liceu de Artes e Ofícios, e mais tarde na
Escola Nacional de Belas Artes, ambas no Rio de Janeiro224.
Durante a Semana de 22, Portinari ainda estava na Escola Nacional de Belas
Artes, que era conhecida por seu anacronismo e lentidão em termos de inovação
estética225, por esse motivo não foi diretamente influenciado pela semana, a priori.
No ano de 1928, recebeu do Salão Nacional de Belas Artes uma viagem à
Europa como prêmio por um retrato que pintou do poeta Olegário Mariano226. Desde
a década de 1920 e durante grande parte de sua carreira, Portinari produziria muitos
222 Apelido dado pela família a Candido Portinari. BENTO, Antonio. Portinari. 1 ed. Rio de Janeiro: Léo Christiano, 2003. p. 29. 223 PROJETO PORTINARI (Org.). Candido Portinari: o lavrador de quadros. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 2003. p. 57. 224Ibid. p. 57-58. 225 Ibid. p. 59. 226 ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997, p. 353-354.
64
retratos para a elite brasileira. O estudo desses retratos é feito por Sérgio Miceli em
Imagens Negociadas – retratos da elite brasileira (1920-40), no qual se analisou a
grande produção de retratos feitos por Portinari, e a legitimação visual e social que
elite atribuía às pinturas.
Entre 1928 e 1930, enquanto passava por diversos países europeus, Portinari
se deparou com duas correntes artísticas que marcariam o seu trabalho no futuro: a
pintura renascentista italiana – em trabalhos como de Giotto – e as novas
vanguardas que surgiam – sobretudo nas obras de Matisse, Picasso e Modigliani227.
Não produziu muitas obras em viagem, mas voltou para o Brasil inspirado a pintar a
sua própria terra228.
Fonte: PROJETO PORTINARI. Mestiço. Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/ 2581/detalhes>. Acesso em: 27 mai. 2019.
De volta ao Brasil, passou a circular nos novos grupos de artistas
modernistas. Em 1931, ao expor algumas de suas novas obras no Salão Nacional –
227 FABRIS, Annateresa. Portinari, Pintor Social. 1 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1990. p. 6. 228 ZANINI, Walter. A obra de Portinari. In: PROJETO PORTINARI (Org.). Candido Portinari: o lavrador de quadros. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 2003. p. 33-34.
Pintura 6 – Mestiço, 1934
65
Manuel Bandeira era diretor – Portinari foi notado por Mário de Andrade, um dos
grandes líderes intelectuais no modernismo brasileiro229.
Em 1934, junto de artistas como Di Cavalcanti, Manuel Bandeira, e Lúcio
Costa, publicou pelo Clube de Arte Moderna um manifesto expressando a
necessidade de uma arte crítica, e não apenas estética230. No mesmo ano, em São
Paulo, abriu a Exposição Portinari com 50 obras, entre elas Mestiço (pintura 6),
primeira obra a ser adquirida por uma instituição pública, a Pinacoteca de São
Paulo.
Portinari foi escolhido como o pintor central e mais importante do
modernismo, por causa de sua experiencia acadêmica – que o dava legitimidade
frente aos críticos do movimento – e por sua descoberta novas técnicas a partir de
aprendizados junto às vanguardas europeias. Depois das aspirações da Semana de
1922, é finalmente com Portinari na década de 1930 que a modernização do
pensamento nacional se concretiza:
“(...) desenvolvera-se entre os jovens intelectuais e artistas a consciência da construção. Construção não só de uma nova arte, mas de uma nova mentalidade, em consonância com a realidade de um novo Brasil. De um Brasil que, de agrário, entrava a largos passos no caminho da industrialização com todos os problemas e as contradições que tal mudança acarretaria. Se o primeiro Modernismo tivera que atacar, polemizar, destruir a fim de introduzir uma nova arte no Brasil, caberia ao segundo Modernismo consolidar suas conquistas, pôr em prática seus propósitos.”231
Em 1935, quando já era elogiado pela crítica brasileira, Portinari ganhou a
segunda menção honrosa no Instituto Carnegie de Pittsburgh com Café (pintura7).
229 FABRIS, Annateresa. Op. cit.. p. 7. 230 PROJETO PORTINARI (Org.). Candido Portinari: o lavrador de quadros. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 2003. p. 79. 231 FABRIS, Annateresa. Op. cit. p. 74.
66
Fonte: PROJETO PORTINARI. Café. Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/ 1191/detalhes>. Acesso em: 25 mai 2019.
Café é uma pintura que apresenta características que Portinari levaria para
suas próximas obras, como a deformação nas mãos e nos pés dos escravos
retratados, simbolizando o trabalho. Muitas das figuras dessa pintura foram
reutilizadas em obras futuras232. O trabalho de Portinari foi muito elogiado nos
Estados Unidos, e no jornal Pittsburgh Sun Telegraph, Dotothy Kauntner escreveu:
Candido Portinari, pintor brasileiro que obteve a segunda menção honrosa, conhece o valor das deformações para conseguir efeitos picturais. O seu quadro premiado, Café, é excelentemente desenhado e rico em tons pardacentos e suaves verdes acinzentados. Os trabalhos da colheita do café apresentam a força e avigora a pintura. Poderia ser realizada com o tema uma interessante composição mural.(–) O Café, de Candido Portinari, é a aparição espetacular do Brasil.233
Com a consagração de Café (figura 7), percebe-se o potencial de Portinari
para a construção da “brasilidade”, em consonância com o projeto de modernização
nacionalista do Varguismo. Além disso, verificam-se as possibilidades de atrelar a
obra portinariana à própria imagem do Brasil no exterior, utilizando Portinari como
agente de diplomacia cultural. Como bem colocou Fabris, a arte de Portinari era
“arte moderna para um país moderno. Arte reconhecida internacionalmente para um
país em busca de reconhecimento internacional”234.
232 Ibid. p. 47. 233 apud MOREIRA, Marcos. Candido Portinari. 1 ed. São Paulo: Editora Três, 2001. p. 74-75. 234 FABRIS, Annateresa. Op. cit. p. 31.
Pintura 7 – Café, 1935
67
Dessa forma, a boa recepção do trabalho de Portinari internacionalmente, e a
sua estreita relação com artistas-intelectuais brasileiros – em especial Mário de
Andrade – levaram Gustavo Capanema, então Ministro de Educação do governo
Vargas, a convidar Portinari para a realização de uma série de murais em afresco
para a nova sede do Ministério da Educação (atual Palácio do Capanema), no Rio
de Janeiro. O prédio havia sido desenhado pelo arquiteto modernista Corbusier,
finalizado por arquitetos brasileiros e é um dos grandes marcos da arquitetura
modernista no Brasil235.
O projeto de construção do Ministério da Educação, também conhecido como Palácio da Cultura, tinha como objetivo expressar os ideais revolucionários do Modernismo e consagrar a obra educacional e cultural do ministro Capanema236.
É a partir da encomenda dos murais para o Ministério da Educação que se
inicia a relação entre artista e Estado. Portinari chamaria essas pinturas de “obra
patriótica”237 em uma de suas cartas a Capanema, e sua obra passaria a ser uma
referência oficial de identidade nacional brasileira.
A série de murais foi encomendada para retratar os ciclos econômicos do
Brasil, partindo da ideia de Capanema de que a educação deveria ser voltada para o
trabalho. Portinari, ao pintar os murais, fez mais do que retratar ciclos econômicos
por meio de uma perspectiva puramente histórica, e trouxe o tema do trabalho para
a contemporaneidade238. Em afrescos de cores terrosas e frias, Portinari retratou
através de figuras de negros índios e mestiços o desenvolvimento nacional do
Brasil239: Na obra Fumo (pintura 8), é possível identificar trabalhadores e
trabalhadoras negros e mestiços, com diferentes tons de pele. A deformação nos
pés dos personagens está presente mais uma vez no mural, representando o
esforço físico do trabalho.
235 MOREIRA, Marcos. Candido Portinari. 1 ed. São Paulo: Editora Três, 2001. p. 81 236 CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p.117. 237 ARÊDES, Ana Carolina Machado. Arte e Estado: Portinari e sua correspondência como um espaço de “sociabilidade intelectual” (1920-1945) . 217 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2015. p. 39. 238 Ibid. p. 50 239 ARÊDES, Ana Carolina Machado. Op.cit. p. 194.
68
Fonte: PROJETO PORTINARI. Fumo. Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/ 49/detalhes>. Acesso em: 27 mai 2019.
Analisando a estética dos murais e como se desenrolou a sua encomenda, é
possível perceber que Estado brasileiro atuava como mecenas dos artistas, já que
não havia um mercado de arte independente e consolidado. Os artistas desejavam
criar, e o Estado necessitava de símbolos para compor a “brasilidade”. Portanto,
ambos se beneficiavam mutuamente nessa relação.
Portinari também foi convidado, em 1939, a pintar três painéis para a Feira
Mundial de Nova York, com os nomes de Nordeste, Sul, e Centro-Oeste. É possível
perceber que nessas obras são acentuados aspectos do tipo brasileiro considerados
“exóticos”240. Além de receber novamente críticas positivas, seu trabalho foi
comparado ao muralismo de Diego Rivera241.
240 FABRIS, Annateresa. Op. cit. p. 50. 241 Ibid. p. 11-13.
Pintura 8 – Fumo, 1938
69
Ainda em 1939, Portinari expôs 269 obras em uma exposição individual no
Museu de Belas Artes com apoio estatal, e Getúlio Vargas compareceu na
abertura242. No ano seguinte, a Revista Acadêmica fez uma homenagem ao pintor,
na qual Genolino Amado escreveu:
Portinari não é apenas um artista vitorioso. É também a expressão atual da vitória do artista no Brasil, considerada impessoalmente, como uma força criadora, apta a representar no mundo o sinal da nossa presença entre as inspirações modernas da vida. Depois que Portinari triunfou já é possível acreditar-se que triunfe uma arte brasileira com projeção internacional, sem perder o seu cunho de originalidade nativa243.
A exposição individual do artista no MoMa (Museu de Arte Moderna) de Nova
York em 1940 é também um importante marco na carreira de Portinari. O título de
sua exposição, Portinari of Brazil, denota como o sucesso de sua carreira estava
intimamente ligado à sua relação com o Estado brasileiro – que estava no auge no
Estado Novo – e à própria ideia de Brasil. O catálogo da exposição ressalta os
murais realizados por Portinari no Minstério da Educação, e a escolha do artista ao
pintar “mestiços” e “mulatos”, como forma de mostrar o “verdadeiro Brasil”.
Em 1941 foi convidado a executar quatro painéis em têmpera para a
Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso, em Washington. Grande parte do
projeto foi custeado pelo governo brasileiro244, demontrando mais uma vez a
atuação de Portinari como agente de diplomacia cultural do governo varguista. Os
murais eram Descobrimento, Desbravamento da Mata, Catequese dos índios, e
Descoberta do Ouro245, e foram encomendados para retratarem o início da história e
cultura da América Latina.
Segundo Fabris246, a dimensão humana nessas obras é mais importante do
que os fatos históricos. Os murais não pretendem ser épicos, mas mostrar o povo, o
homem comum. É interessante notar que mesmo no mural Descobrimento
242 MOREIRA, Marcos. Candido Portinari. 1 ed. São Paulo: Editora Três, 2001. p. 83. 243 Ibid, p. 84. 244 NICODEMO, Thiago Lima. O “modernismo de estado” e a política cultural brasileira na década de 1940: Candido Portinari e Gilberto Freyre nos EUA. Revista Landa, Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 320-349, 2016. Disponível em: <http://www.revistalanda.ufsc.br/vol-5-no-1-2016/>. Acesso em: 26 mai. 2019. p. 321. 245 Há divergências sobre o título dessa obra, optamos por utilizar o título que consta no site do Projeto Portinari. PROJETO PORTINARI . Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/acervo/ obra/3768/detalhes>. Acesso em: 25 mai. 2019. 246 FABRIS, Annateresa. Op. cit. p. 51.
70
(pintura 9) se percebe a presença de figuras negras, indicando desde o início da
formação da América Latina a presenças de múltiplas raças – tudo isso em um
contexto simbólico já que os escravos africanos não foram levados para o continente
no exato momento do “descobrimento”, mas alguns anos mais tarde.
Pintura 9 – Descobrimento, 1941
Fonte: PROJETO PORTINARI. Descobrimento . Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/ acervo/obra/3765/detalhes>. Acesso em: 25 mai. 2019.
Ao voltar para o Brasil, Portinari produziu uma série de telas para a Rádio
Tupi, retratando a música popular brasileira. Em 1943, voltou a trabalhar no
Ministério da Educação, para executar mais um mural para a série dos ciclos
econômicos – a exploração da carnaúba – além de desenhar azulejos para o
exterior do Ministério e pintar o mural Jogos Infantis para a sala de espera247.
247 Ibid. p. 18.
71
Em 1944, junto com outros artistas brasileiros, Candido Portinari participou da
primeira exposição coletiva de arte brasileira no continente europeu248. A exposição
realizada no Reino Unido que contou com 168 pinturas de 70 artista brasileiros, não
tinha como objetivo restrito a divulgação de obras de artistas modernistas do Brasil.
O objetivo maior era financiar o esforço de guerra britânico contra os nazistas, já que
todo o lucro gerado pela venda de obras seria destinado à Força Aérea Real. No
período em que acontecia a exposição, 25 mil pracinhas da Força Expedicionária
Brasileira combatiam os nazistas em solo italiano.
Em 2018, a mostra “A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro pintado para
a Guerra” expôs na embaixada brasileira em Londres parte das obras exibidas em
1944. Um dos objetivos da exposição era, segundo Santiago Irazabal Mourão,
subsecretário-geral de Cooperação Internacional, Promoção Comercial e Temas
Culturais do Itamaraty, revisitar “uma das primeiras tentativas de projeção
internacional do Brasil por meio da cultura”249
Segundo Annateresa Fabris250, as obras de Portinari têm uma preocupação
específica: o homem. Para a autora, o enfoque no homem comum, trabalhador,
significaria que Portinari não poderia ser chamado de “pintor oficial”, já que na arte
oficial estariam presentes os “heróis”.
Por outro lado, é possível afirmar que Portinari é sim um “pintor oficial”, à
medida em que sua arte, ao ser financiada e incorporada pelo aparelho estatal,
transforma em heróis os homens “comuns”. A escolha de Portinari ao retratar esses
arquétipos, como o Mestiço, com traços negroides e indígenas, as mãos
avantajadas e sujas, pode ter sido uma questão pessoal que envolve uma crítica
social, mas a sua obra vai ao encontro da ideologia trabalhista da Era Vargas, além
da teoria da democracia racial propagada por Gilberto Freyre.
Assim como Portinari havia pintado, Freyre procurava explicar ao público estrangeiro que o principal vetor da colonização havia sido homem comum,
248 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro pintado para a Guerra - Santiago Irazabal Mourão. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-br/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/outras-autoridades-artigos/18593-a-arte-da-diplomacia-modernismo-brasileiro-pintado-para-a-guerra-santiago-irazabal-mourao>. Acesso em: 18 set. 2018. 249 Idem. 250 FABRIS, Annateresa. Op. cit. p. 47.
72
pobre e miscigenado desde sua origem, e não a figura cristalizada historicamente do colonizador.251
Além disso, partindo-se da premissa de que Portinari pintava “o homem”, ele
estaria em total consonância com a proposta do governo populista de Vargas, e
consequentemente com a proposta de Capanema para o Ministério da Educação e
Saúde: “O Ministério da Educação e Saúde se destina a preparar, a compor, a
afeiçoar o homem do Brasil. Ele é verdadeiramente o Ministério do Homem.”252
Em 1945, pouco antes do fim do Estado Novo, Portinari finalmente entregou
todos os murais do Ministério da Educação. No mesmo ano, entrou para o Partido
Comunista253. Tentou a carreira política, mas nunca foi eleito.
Em 1952, Portinari foi escolhido para realizar dois murais para a sede da ONU
em Nova York. Intitulados Guerra e Paz, os murais foram expostos no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro antes de serem enviados aos EUA. Em 1957, foi
realizada uma cerimônia oficial na sede da ONU para doação dos painéis, mas
Portinari não pôde comparecer devido à sua ligação com o Partido Comunista254.
Portinari morreu em 1962, em decorrência de uma intoxicação por chumbo,
elemento químico que continha nas tintas que utilizava para pintar255.
Ao analisar as trajetórias de Diego Rivera e Candido Portinari é possível
traçar alguns paralelos entre as suas carreiras artísticas e a relação dos pintores
com seus respectivos Estados, a partir do contexto nacionalista latino-americano na
primeira metade do século XX.
A primeira semelhança a ser evidenciada é que ambos estudaram na Europa,
onde entraram em contato com vanguardas artísticas, como o cubismo. Também na
Europa conheceram de perto os murais do Renascimento iltaiano, que os levou à
escolha do mural como meio de expressão artística. As dimensões dos murais nas
251 NICODEMO, Thiago Lima. O “modernismo de estado” e a política cultural brasileira na década de 1940: Candido Portinari e Gilberto Freyre nos EUA. Revista Landa, Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 320-349, dez./201. undefined. Disponível em: <http://www.revistalanda.ufsc.br/vol-5-no-1-2016/>. Acesso em: 26 mai. 2019. p. 321 252 Carta do ministro Capanema ao Presidente Vargas, datada de 14 de junho de 1937. Apud CAVALCANTI, Lauro. Preocupações do Belo. Rio de Janeiro: Taurus Editora, 1995. p.55. 253 ARÊDES, Ana Carolina Machado. Arte e Estado: Portinari e sua correspondência como um espaço de “sociabilidade intelectual” (1920-1945) . 217 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2015. p. 208. 254 PROJETO PORTINARI (Org.). Candido Portinari: o lavrador de quadros. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 2003. p. 206. 255 MOREIRA, Marcos. Candido Portinari. 1 ed. São Paulo: Editora Três, 2001. p. 127-128.
73
paredes de edifícios públicos conferem uma sensação de grandeza que corresponde
às necessidades de comunicar símbolos, valores por meio de histórias que estejam
ao alcance de todos. É possível afirmar, portanto, que o mural é o meio ideal de
propagação de uma nova narrativa oficial, retratando o povo como protagonista da
História nacional.
Outra semelhança é a postura crítica de ambos os artistas, que expuseram a
desigualdade social e a pobreza da população latino-americana, e também militaram
em partidos comunistas. Portinari, ao mesmo tempo em que pintava para o Estado
Novo, era amigo de Graciliano Ramos, escritor comunista preso pelo regime
varguista. Rivera é criticado por Octavio Paz por pintar a Revolução Mexicana do
ponto de vista marxista:
Essas obras que se dizem revolucionárias e que, nos casos de Rivera e Siqueiros, expressam simples marxismo maniqueísta, eram encomendadas, patrocinadas e pagas por um governo que jamais foi marxista e havia deixado de ser revolucionário (...) essa pintura ajudou a dar-lhe uma feição que, gradativamente, se foi tornando revolucionária.256
Dessa forma pode-se dizer que graças às pinturas dos muralistas mexicanos,
a Revolução Mexicana incorporou-se de forma quase mítica na sociedade, retratada
de uma maneira idealizada, que não correspondia à realidade social mexicana – já
que o México ainda apresentava grandes desigualdades mesmo pós-Revolução. O
mesmo pode-se dizer dos murais de Portinari, que expunha figuras negras,
indígenas e mestiços, sem que o Estado brasileiro se preocupasse efetivamente
com essas minorias.
Outra questão relacionada à visão do política dos pintores, e que é percebida
principalmente no caso de Rivera, é a contradição existente ao defender e executar
uma pintura revolucionária, e vendê-la para capitalistas norte-americanos. Rivera
admirava a industrialização norte-americana, e talvez a colocasse dentro do sonho
de modernização mexicano. Suas viagens aos Estados Unidos lhe renderam
algumas polêmicas, mas também geraram uma certa admiração e identificação de
aspectos culturais mexicanos por parte dos vizinhos estadunidenses. Portinari,
entretanto, ao ser financiado pelo governo brasileiro para realizar trabalhos no 256 PAZ, Octavio, 1979/1980, p. 56. apud ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997, p. 165.
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exterior, mostrou-se ser um agente de diplomacia cultural de forma mais
institucionalizada do que Rivera.
O fato é que, mesmo em meio a essas contradições, tanto Diego Rivera
quanto Candido Portinari não foram meros instrumentos dos Estados para os quais
produziram suas obras artísticas, pois ao mesmo tempo em que os Estados
necessitavam de representações inconográficas que educassem o povo e gerassem
coesão nacional, os artistas almejavam realizar seus projetos, pintar a realidade
sensível aos seus olhos e necessitavam de mecenas para financiá-los. Dessa forma,
a relação entre artistas e Estados em busca de seus próprios interesses acabou
gerando a construção de identidades nacionais na América Latina.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir deste trabalho foi possível analisar o processo de construção das
identidades nacionais latino-americanas no século XX, através da relação entre
artistas e Estados-nação, tomando como estudos de caso as trajetórias de Candido
Portinari no Brasil e Diego Rivera no México.
Investigando o contexto histórico dos Estados latino-americanos no inícios do
século XX, e das mudanças políticas e econômicas na região, foi possível perceber
como se deu a criação de novos regimes políticos, os quais foram profundamente
influenciados pelo nacionalismo. A Revolução Mexicana teve grande importância
nesse processo, por ser a primeira revolução social do século e por reverberar a luta
pela terra por toda a América Latina. A Constituição de 1917, fruto da revolução,
também indicou os caminhos de consolidação de direitos sociais e trabalhistas no
resto do subcontinente. A Primeira Guerra Mundial despertou as nações latino-
americanas para buscarem se definir culturalmente a partir de parâmetros que não
estivessem diretamente ligados à civilização europeia, e a Crise de 1929, no período
entreguerras, levou a uma ruptura com o modelo liberal de economia
agroexportadora, fazendo com que os Estados latino-americanos percebessem sua
dependência econômica às grandes potências.
Dessa forma, as nações latino-americanas passaram a se desenvolver
voltados e ao desejo de modernização, através da defesa da soberania nacional,
pelo discurso e práticas nacionalistas. O projeto de desenvolvimento econômico
através da estabilidade política e união nacional foi chamado de “populismo”, e
nesse contexto políticas culturais também foram executas, na tentativa de
estabelecer relações entre a cultura popular e o Estado nacional. As definições de
raça e mestiçagem foram revisadas por intelectuais, buscando-se fugir do modelo
civilizatório europeu e moldar as nacionalidades partindo da mistura de raças que
compunham as nações. O modernismo, como movimento artístico, revolucionou nas
técnicas artísticas e nos temas, que passaram a focar no povo e na cultura popular.
Alguns desses artistas modernistas se sobressaíram e foram financiados
pelos Estados, atuando também como propagadores da cultura nacional no exterior.
Os casos analisados no trabalho foram de Diego Rivera e Candido Portinari, que
tiveram sólidas carreiras pintando o povo mexicano e brasileiro, e construindo a
partir de seus murais a iconografia dessas nações.
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A partir da pesquisa realizada sobre Portinari e Rivera, pode-se perceber que
os artistas se aliaram aos Estados e juntos construíram identidades nacionais, as
quais tiveram de ser recriadas no século XX devido às necessidades políticas e
econômicas de modificação das estruturas, e à tentativa de desenvolvimento e
modernização das nações latino-americanas. Essa interação entre artista e Estado
gerou as diversas pinturas que tomaram o povo como protagonista da História,
aliando símbolos iconográficos a discursos populistas e nacionalistas.
Uma questão levantada pelo trabalho é se os artistas teriam sido cooptados
pelo Estado para construir uma “arte oficial”, ou se teriam sido críticos do Estado por
criarem pinturas a partir de questões sociais contemporâneas. Essa é uma pergunta
difícil, mas as pesquisas indicaram que a relação se deu em mútuo benefício. Os
artistas precisavam de espaço e ferramentas para criar, além de público para assistir
suas obras. O Estado fornecia esses instrumentos, e ao mesmo tempo aproveitava
para incluir as pinturas no repertório discursivo dos nacionalismos. Além disso, o
caráter social e político das obras se justifica pelo fato de que todo artista está
inserido em um determinado contexto político e social, então é difícil – talvez
impossível – encontrar uma arte que seja neutra. O próprio Portinari afirmou: “estou
com os que acham que não há arte neutra. Mesmo sem nenhuma intenção do
pintor, o quadro indica sempre um sentido social.257”
É claro que essa relação não se firmou sem paradoxos, como se pode
observar no fato do governo Vargas perseguir comunistas, e ao mesmo tempo ter
um comunista pintando quadros para o seu regime. Outro paradoxo é o caso de
Rivera, que pintava a Revolução Mexicana através de símbolos comunistas para
governos que jamais haviam sido comunistas e que há muito tempo não estavam
mais em revolução. Não é certo, porém, se essas contradições seriam superáveis,
pois em se tratando de arte e política, elas parecem estar sempre presentes.
Outra questão que pode ser levantada a partir do trabalho é se os artistas
nacionais atuaram como agentes de diplomacia cultural na América Latina no início
do século XX. Embora tenham sido feitas considerações importantes sobre o papel
de Portinari na propagação da cultura brasileira no exterior, e tenha ficado evidente
o papel do Estado brasileiro nesse processo, no caso de Rivera isso não ficou tão
257 PORTINARI, paulista de Brodowski, vae mostrar a S. Paulo os seus últimos trabalhos. Folha da Noite, São Paulo, 20 nov. 1934.
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claro, visto que o artista era mais financiado por empresários no exterior. Por esse
motivo, percebe-se que o tema da diplomacia cultural poderá ser mais explorado em
trabalhos futuros, pois se mostra cada vez mais importante para as Relações
Internacionais. Neste ano, o Ministério de Relações Exteriores do Brasil anunciou a
criação do Instituto Guimarães Rosa, que servirá como meio de divulgação da
cultura brasileira no exterior, e terá sede em cinco cidades pelo mundo: Nova York,
Londres, Tel Aviv, Luanda e Lima. Dessa forma, o tema da diplomacia cultural torna-
se ainda mais atual, principalmente no contexto brasileiro.
Outra possibilidade para novas pesquisas é profundar as trajetórias de outros
artistas que contribuíram para a construções dos imaginários de identidade nacional
na América Latina, pois percebe-se que é preciso lançar luz sobre as relações entre
arte e política, já que esse tema ainda é pouco explorado na História.
Uma outra questão ainda não apontada neste trabalho, e que merece ser feita
em pesquisas futuras é: qual a relevância dessas identidades nacionais construídas
no século XX para as nações latino-americanas no século XXI? Embora as pinturas
de Portinari e Rivera permaneçam em espaços públicos, sejam visitadas e
reproduzidas em livros e materiais didáticos, é possível afirmar que elas são
suficientes para inspirar no público o sentimento de pertencimento e identificação à
nação? O presente trabalho procurou responder às perguntas a que se propôs
investigar, e as próximas pesquisas poderão dar vazão aos novos questionamentos
que surgiram no caminho.
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