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Autos n° 080.12.000682-0 Ação: Ação Civil Pública/Lei Especial Requerente: Ministério Público Requerido: Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN SENTENÇA Vistos, etc. Tratam os presentes autos de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA em face da COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO (CASAN). Pretende o Parquet que a ré seja impedida, nos municípios de Xanxerê, Faxinal dos Guedes e Bom Jesus, de efetuar novas ligações de água em construções que não possuam o "habite-se". Aduz que a concessão indiscriminada de ligações na rede de água favorece e facilita o aparecimento de construções clandestinas, as quais seriam prejudiciais ao desenvolvimento urbano e ao meio ambiente. Salienta, a título de exemplo, que diversas residências no município de Xanxerê foram construídas às margens do rio Xanxerê e sem sistema de esgotos, sendo que todas essas residências, apesar das irregularidades, possuiriam acesso às redes de água e energia elétrica. Juntou documentos e requereu a procedência. Indeferida a liminar (fls. 172/174), foi ela concedida em decisão monocrática em sede de agravo de instrumento (fls. 190/196). Citada, a apresentou contestação às fls. 205/268, alegando, preliminarmente, impossibilidade jurídica do pedido, falta de interesse de agir, ilegitimidade passiva da CASAN e litisconsórcio passivo necessário. No mérito, defendeu a legalidade das ligações de água que efetua, e que a Administração Pública já possui outros mecanismos para fiscalizar e impedir construções irregulares. Defendeu que a competência para estabelecer quais os requisitos a serem observados em novas ligações é do titular do serviço (municípios) e da agência reguladora. Aduz que a procedência da presente ação geraria tratamento desigual dentro do Estado de Santa Catarina, eis que a limitação atingiria apenas três municípios. Defendeu que o pedido não seria possível pois implicaria em indevida ingerência do Judiciário no Poder Executivo. Requereu a improcedência e juntou documentos. Réplica às fls. 270/297. À fl. 298 a ré foi intimada para dizer se desejava a produção de prova testemunhal, sob pena de julgamento antecipado. Restou silente. Vieram-me os autos conclusos. Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected]

Sentença habite-se para fornecimento de água

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Sentença atende a pedido do Ministério Público e exige habite-se para novas ligações de água na Comarca.

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Page 1: Sentença habite-se para fornecimento de água

Autos n° 080.12.000682-0Ação: Ação Civil Pública/Lei EspecialRequerente: Ministério PúblicoRequerido: Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN

SENTENÇA

Vistos, etc.

Tratam os presentes autos de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta peloMINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA em face da COMPANHIACATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO (CASAN).

Pretende o Parquet que a ré seja impedida, nos municípios de Xanxerê,Faxinal dos Guedes e Bom Jesus, de efetuar novas ligações de água em construções que nãopossuam o "habite-se". Aduz que a concessão indiscriminada de ligações na rede de águafavorece e facilita o aparecimento de construções clandestinas, as quais seriam prejudiciais aodesenvolvimento urbano e ao meio ambiente.

Salienta, a título de exemplo, que diversas residências no município deXanxerê foram construídas às margens do rio Xanxerê e sem sistema de esgotos, sendo quetodas essas residências, apesar das irregularidades, possuiriam acesso às redes de água eenergia elétrica. Juntou documentos e requereu a procedência.

Indeferida a liminar (fls. 172/174), foi ela concedida em decisão monocráticaem sede de agravo de instrumento (fls. 190/196).

Citada, a ré apresentou contestação às fls. 205/268, alegando,preliminarmente, impossibilidade jurídica do pedido, falta de interesse de agir, ilegitimidadepassiva da CASAN e litisconsórcio passivo necessário. No mérito, defendeu a legalidade dasligações de água que efetua, e que a Administração Pública já possui outros mecanismos parafiscalizar e impedir construções irregulares. Defendeu que a competência para estabelecer quaisos requisitos a serem observados em novas ligações é do titular do serviço (municípios) e daagência reguladora. Aduz que a procedência da presente ação geraria tratamento desigualdentro do Estado de Santa Catarina, eis que a limitação atingiria apenas três municípios.Defendeu que o pedido não seria possível pois implicaria em indevida ingerência do Judiciáriono Poder Executivo.

Requereu a improcedência e juntou documentos.

Réplica às fls. 270/297.

À fl. 298 a ré foi intimada para dizer se desejava a produção de provatestemunhal, sob pena de julgamento antecipado. Restou silente.

Vieram-me os autos conclusos.

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É o relatório.

DECIDO.

A presente demanda comporta julgamento antecipado, na forma do art. 330, I,CPC, eis que a matéria é eminentemente de direito, e os fatos relevantes estão suficientementedemonstrados, não havendo necessidade de produção de prova em audiência.

"Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, édever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder" (STJ-4ª Turma, Resp 2.832-RJ, Rel. Min.Sálvio de Figueiredo).

É desnecessária a produção de outras provas se as existentes nos autos sãosuficientes ao convencimento do julgador, não caracterizando cerceamento de defesa ojulgamento antecipado da lide, mormente ante a inércia da CASAN e o pedido do MP.

PRELIMINARMENTE

Rejeito a suscitada impossibilidade jurídica do pedido. Não vislumbrovedação legal ao pedido do autor. Ademais, os argumentos da ré confundem-se com o mérito eserão apreciados como tal.

Também rejeito a alegação de falta de interesse de agir. Se realmente nãohouvesse qualquer consequência prática a procedência da presente ação, como alega a ré,sequer faria oposição ao pedido do autor. Na verdade, as consequência práticas são nítidas, eisque se exigirá o "habite-se" antes de se efetuar uma nova ligação de água, o que alterará omodus operandi atual da ré.

Afasto, também, a ilegitimidade passiva suscitada. A ré é parte legítima poiscontra ela foram os pedidos direcionados e o Parquet está, in abstracto, buscando ocumprimento de normas que já existiriam, mas que a ré não estaria cumprindo.

Por fim, não é caso de litisconsórcio passivo necessário. Os pedidos foramfeitos apenas em face da ré CASAN, pois conforme o próprio Ministério Público afirmou emsua réplica, somente a ré estaria agindo em desconformidade com as normas, não havendonenhum desrespeito por parte dos municípios. Desnecessário que os municípios façam parte doprocesso, pois em caso de procedência somente a CASAN seria obrigada a fazer algo.

Preliminares superadas.

DO MÉRITO

A presente actio possui como busílis a possibilidade de se exigir o "habite-se"para, somente então, efetuar a ligação da construção à rede de abastecimento de água.

Primeiramente, há que se tecer algumas considerações, até mesmo repetindoo que já foi dito na decisão liminar de fls. 172/174, eis que a matéria é de enorme importância,pois versa, em ultima ratio, sobre aparente conflito de normas constitucionais.

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Em um primeiro plano, temos o direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado e o dever do Poder Público em garantir a proteção deste meio ambiente (art. 225 daConstituição da República).

De outro lado, paira o direito de acesso à rede de abastecimento de água, aqual é necessária à manutenção da vida e da dignidade da pessoa humana, fundamento de nossaRepública (art. 1º, inciso III, da Carta Política).

É notório que não há hierarquia entre princípios constitucionais. Em casos deaparente conflito de princípios a solução deve ser sempre baseada na análise do caso concreto,onde se aplicará com maior preponderância um princípio em detrimento do outro, sem nuncaexcluir, negar ou suprimir por completo o princípio menos aplicado.

O Magistrado, quando se encontrar diante de um caso de aparente colisão deprincípios, deverá utilizar-se da ponderação, da razoabilidade e da proporcionalidade,máximas que visam a otimização dos direitos e garantias fundamentais.

Analisando o caso concreto e melhor estudando a matéria, inclusive tomandocomo diretriz o julgamento do Agravo de Instrumento no TJSC (fls. 190/196), tenho que adefesa do meio ambiente se sobrepõe ao direito ao acesso à rede de água, pelos motivos efundamentação que passo a delinear na sequência.

Primeiro, que o pedido é para impedir NOVAS ligações à rede de água.Assim, não será afetada nenhuma pessoa que tenha tido a ligação efetivada antes daimplementação da liminar dada pelo TJSC.

Esse fato é essencial para se vislumbrar que não haverá impedimento deacesso à água (eis que ninguém vive sem água) por quem já a utiliza.

Apenas serão impedidas novas fontes de acesso à água em áreas irregulares,residências sem o "habite-se", áreas de preservação ambiental, moradias construídas em imóvelpertencente ao Poder Público, etc, justamente para estimular a regularização da ocupaçãourbana.

Assim sendo, em uma melhor análise do caso, não se está impedindo o acessoà água, mas apenas que esse acesso ocorra em área onde não deva ocorrer.

Impossibilitar que a rede de água seja instalada em áreas irregulares tambémserve como empecilho e desencoraja a criação de favelas, a invasão de áreas de preservaçãoambiental e a invasão de terrenos públicos.

Imóveis construídos em áreas irregulares normalmente não possuem umsistema de tratamento de esgoto e, como consequência, tais dejetos são lançados em localimpróprio, poluindo o meio ambiente, por vezes afetando rios ou lençois freáticos (águassubterrâneas).

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Portanto, há que prevalecer, no caso concreto, o direito coletivo de um meioambiente ecologicamente equilibrado, não havendo se falar em intromissão indevida do PoderJudiciário na esfera do Poder Executivo.

Ademais, a própria ligação à rede de água depende da existência de algunsrequisitos. Não basta que o cidadão apenas apresente o pedido. Há que observar as normasexistentes a respeito, para que seja analisado, caso a caso, a possibilidade da ligação à rede deágua.

A título de exemplo a ser seguido, possível citar a SABESP, concessionáriade serviço público de saneamento básico no Estado de São Paulo, onde, em seu site, na áreareferente à 1ª ligação de água, consta que "A Sabesp não poderá efetuar a ligação se a áreanão for legalizada ou for de preservação ambiental e se a UMA não estiver instalada deacordo com as orientações fornecidas." (www.sabesp.com.br).

A Lei 11.445/07, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamentobásico, estabele em seu art. 2º, in verbis:

"Art. 2o Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados combase nos seguintes princípios fundamentais:[...]III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana emanejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúdepública e à proteção do meio ambiente;"

É certo, portanto, que a água, ainda que essencial à pessoa humana, serágarantida em conformidade com as normas que visam proteger à saúde pública e ao meioambiente.

Cito nosso Tribunal:

"RESIDÊNCIA CONSTRUÍDA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI -RECUSA À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE DISTRIBUIÇÃODE ENERGIA ELÉTRICA, DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E DECOLETA DE ESGOTO [...] Aquele que constrói residência sem licença domunicípio, clandestinamente, não tem direito de vê-la atendida por serviçospúblicos - v.g. distribuição de energia elétrica, de abastecimento de água ede coleta de esgoto. A hipossuficiência dos infratores não justifica o desprezoà lei, a tolerância com o ato ilícito. A atuação do Estado em favor deles devese conformar com o ordenamento jurídico, com o interesse público." (TJSC -Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. 2007.034923-3, deAraranguá, rel. Des. Newton Trisotto, j. 23-09-2008)

E mais:

"[...] LIGAÇÃO À REDE - IMPOSSIBILIDADE - CONSTRUÇÃO EM ÁREADE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - FALTA DE AUTORIZAÇÃO EALVARÁ DE LICENÇA - DESOBEDIÊNCIA À LEGISLAÇÃO AMBIENTAL[...] Não é ilegal nem indevida a recusa da concessionária de ligar à sua rede

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de energia elétrica edificação clandestina realizada sem o necessário alvaráde licença do Município, em Área de Preservação Permanente e tambémporque restou proibida judicialmente de efetuar a instalação da energiaelétrica em imóveis irregulares." (TJSC - Apelação Cível em Mandado deSegurança n. 2007.053399-5, de Itajaí, rel. Des. Jaime Ramos, j. 22-10-2009)

Friso que a Resolução Normativa 01/2011 da ARIS (Agência ReguladoraIntermunicipal de Saneamento), responsável pela regulação e fiscalização da CASAN,estabelece que:

"Art. 45 – Salvo as situações excepcionadas nesta Resolução, todaconstrução permanente urbana com condições de habitabilidade situada emvia pública, beneficiada com redes públicas de abastecimento de água e/oude esgotamento sanitário deverá, obrigatoriamente, conectar-se à redepública, de acordo com o disposto no art. 45 da Lei Federal nº 11.445, de 5de janeiro de 2007, respeitadas as exigências técnicas do prestador deserviços."

Como se observa, a ligação de uma construção com a rede de água depende,entre outras coisas, de que esta possua condição de habitabilidade. E para o usuário fazer provade que a construção possui tal condição, deve ele apresentar o "habite-se" conferido pelomunicípio.

Assim, a exigência de que novas ligações somente sejam realizadas após aapresentação do "habite-se" mostra-se pertinente, razoável e com base normativa e legal, sendodescabida a alegação de quebra do princípio do tratamento igualitário aos demais municípios.Até porque eventual irregularidade verificada noutra cidade não legitima a adoção dessaspráticas nos municípios desta comarca.

Nos termos expostos, a procedência dos pedidos é medida que se impõe.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inaugural, fulcro noartigo 269, I do Código de Processo Civil para, via de consequência, determinar que a ré, nosmunicípios de Xanxerê, Faxinal dos Guedes e Bom Jesus, se abstenha de efetuar novas ligaçõesà rede de água sem a prévia apresentação do termo de "habite-se" concedido pelos municípios,sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada ligação.

Mantenho a liminar concedida em sede de agravo de instrumento nos seusexatos termos.

Custas pela ré. Sem honorários eis que "''Não sendo o parquet passível decondenação ao pagamento de honorários advocatícios, salvo verificada a má-fé, também, emsituação inversa, não há que se falar em percepção da citada verba, ainda que destinada aoFundo de Restituição de Bens Lesados' (AC nº 2008.020927-9, Des. Luiz Cézar Medeiros)"(AC n. 2007.006645-6, Des. Newton Trisotto)." (TJSC - Reexame Necessário n.2012.023341-7, Rel. Des. Newton Trisotto, j. 12-03-2013)

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Transitada em julgado, arquive-se.

P. R. I.

Oficie-se no agravo de instrumento, informando o teor desta decisão e apossível perda superveniente do objeto.

Xanxerê (SC), 11 de abril de 2013.

Giuseppe Battistotti BellaniJuiz de Direito

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