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PRINCESAS AFRICANAS REVISTA DE (IN)FORMAÇÃO PARA AGENTES DE LEITURA | ANO 9 | FASCÍCULO 19 | PRINCESAS AFRICANAS | WWW.LEIABRASIL.ORG.BR | DISTRIBUIÇÃO DIRIGIDA

Princesas Africanas

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Leituras Compartilhadas - Março 2009

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PRINCESAS AFRICANAS

REVISTA DE (IN)FORMAÇÃO PARA AGENTES DE LEITURA | ANO 9 | FASCÍCULO 19 | PRINCESAS AFRICANAS | WWW.LEIABRASIL.ORG.BR | DISTRIBUIÇÃO DIRIGIDA

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PrincesasAfricanas

LEITURASCOMPARTILHADASREVISTA DE (IN)FORMAÇÃO PARA AGENTES DE LEITURA | ANO 9 | FASCÍCULO 19 | PRINCESAS AFRICANAS | WWW.LEIABRASIL.ORG.BR | DISTRIBUIÇÃO DIRIGIDA

Leituras CompartilhadasMarço/2009

Diretor Responsável: Jason Prado

Editor: Ana Claudia Maia

Conselho Editorial: Ana Lúcia Silva Souza e Sueli de Oliveira Rocha

Direção de Arte e Produção Gráfica: Suzana Lustosa da Fonseca

Ilustrações: Taisa Borges

Outras Ilustrações:

Montagens feitas por Suzana Lustosa da Fonseca a partir de ilustrações

de Taisa Borges (págs. 18, 19, 38, 39, 56, 57, 66, 71).

Banco de Imagens: Fotolia

Revisão: Sueli de Oliveira Rocha

Colaboração: Márcio Von Kriiger

Tiragem: 10.000 exemplares

Leituras Compartilhadas é uma publicação do Leia Brasil

distribuída gratuitamente às escolas conveniadas.

Todos os direitos foram cedidos pelos autores para os fins aqui descritos.

Quaisquer reproduções (parciais ou integrais) deverão ser autorizadas previamente.

Os artigos assinados refletem o pensamento de seus autores.

Leia Brasil e Leituras Compartilhadas são marcas registradas.

Impresso na Ediouro.

Visite www.leiabrasil.org.br e veja como utilizar

esta publicação em atividades de sala de aula.

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O potencial de sustentabilidadede todo e qualquer empreendimento é umdos fatores que confere excelência à inicia-tiva. E, para isso, a gestão participativa –processo em que as partes envolvidasexpõem suas possibilidades e necessidades– é fundamental na conquista dos bonsresultados. Assim é o Petrobras Programade Leitura Bacia de Campos, iniciativasocial apoiada pelas unidades de Negócioda Bacia de Campos e do Rio de Janeiroem 17 municípios da área de influência damaior província petrolífera do país.

Por seu constante alinhamento àsdemandas de seu público-alvo, alunos eprofessores da rede pública de ensino dascidades atendidas, o Petrobras Programa deLeitura Bacia de Campos vem contribuindopara a melhoria dos índices que mensurama educação. Exemplo disso, a pontuaçãoque as escolas e municípios atendidos con-quistaram na pesquisa que mediu o Índicede Desenvolvimento da Educação Básica, oIDEB, em 2007.

Em Macaé, onde o programa é desenvol-vido desde 1994, todas as 37 escolas atendi-das pelo caminhão-biblioteca atingirampontuação acima da média nacional, tendo oColégio Municipal do Sana obtido média 6,5,índice maior que a meta estipulada peloGoverno Federal (6) para o ano de 2021.

A nova edição do Leituras Compartilhadasmostra o desejo constante do Programa ematender as demandas de nossos maioresparceiros: os mais de nove mil professorese 300 mil alunos que constroem o sucessodesta ação nas 310 escolas onde o PetrobrasPrograma de Leitura Bacia de Campos édesenvolvido. As Princesas Africanas condu-zirão um estudo menos superficial da África,continente que esconde suas riquezas napluralidade de tradições que remontam àorigem da humanidade.

A sustentabilidade de nossas açõesdepende dessa disposição em aprofundaros conhecimentos, tanto no passado quantonos desafios impostos pelas novas eras quevirão. Assim a Petrobras conduz seus inves-timentos empresariais e sociais. Para quechegássemos ao imenso tesouro escondidona camada pré-sal, tivemos que buscar asregiões mais distantes, profundas. E paraque exploremos aquela riqueza, necessárioserá aprimorar o conhecimento adquiridoaté aqui.

Como o que ora é proposto pelo LeiturasCompartilhadas. Como a ostra que guarda otesouro dentro de si, a África será aquirevelada pelo que esconde de mais precio-so: sua dignidade, sua nobreza, mergulhoesse conduzido pelo mais rico dos univer-sos, o literário.

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Duas palavras, tantos sentidos.Quando ouvi a sugestão de publicar um

Caderno de Leituras Compartilhadas comeste tema, não me dei conta dos desvãos docaminho.

Era uma tarde fria de junho e eu estavana Refinaria do Paraná, fazendo o terceirode uma série de encontros sobre a participa-ção africana na formação cultural brasileira.

Foi quando Analu me desafiou: por quevocês não fazem um Caderno sobre as princesasnegras?

Ana Lúcia1 é uma dessas pessoas devontade forte, com formação e conteúdoinvejáveis, cheia de fé no que diz. É, elamesma, a própria imagem da guerreiraafricana.

Como se não bastasse, Rogério AndradeBarbosa tinha passado a manhã daquele diafalando de suas viagens pelas nações africa-nas, das culturas exóticas, de ritos tribais...

Nos subsolos da minha mente já se agi-tava a figura emblemática e saltitante deGrace Jones num filme trash dos anos 802,como a incentivar a empreitada. Não pudeevitar as armadilhas de minha própria ima-ginação: topei o desafio.

Aos poucos, como os animais que “mas-tigam” muito depois de engolir, fui medando conta dos conteúdos ali envolvidos.Logo de cara, uma bifurcação: princesas;portanto, mulheres.

Não apenas mulheres, em suas dimensõeshumanas: heroínas na luta pelo pão-nosso epela sobrevivência diária, frágeis diante da

morte, leoas no exercício da função mater-na, mulheres com vontades e desejos...

Para além disso, mulheres especiais, quese distinguem das outras em sua superiori-dade, seja em graça, beleza ou astúcia.Guerreiras, sensíveis, capazes de perceber umgrão de ervilha sob pilhas de colchões de plumas.Ungidas pelos deuses no nascimento edonas do direito divino de povoar as cabe-ças dos homens.

Princesas, qual promessa de flor, tambémà espera dos varões que as farão reinar emseus próprios castelos.

Mas também africanas. Em sua maioria,negras, exuberantes e fortes como a guer-reira que projetou a atriz jamaicana deConan, ou como tantas outras que conhe-cemos no dia-a-dia. Vindas – para a maioriade nós brasileiros, seus descendentes – deum universo desconhecido, povoado comimagens de animais ferozes, de lanças cru-zando os céus e tan-tans em frenesi, de cor-pos esguios e fome. Muita fome – somali,etíope, biafrense... Africanas, brancas enegras. Submetidas e espoliadas por sécu-los, como seu continente, até se perderemde si mesmas.

Para esta edição de Leituras Compartilhadas– em que o “eu” torna-se “nós”, no compar-tilhamento das minhas ponderações com aequipe da ONG Leia Brasil –, evoluímospara Princesas Africanas, curvando-nos nãosó à grandiosidade do continente mas tam-bém à Cleópatra, à Rainha de Sabá e atodas as mulheres que remontam à mais

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frustra nossas expectativas e subverte a civi-lidade, nos pilhamos dizendo: “isso é coisade preto”?

Isso posto, toquemos num ponto nevrál-gico: a questão africana.

Partindo de Lucy, somos todos afro-des-cendentes. Uns mais, outros menos. E oque é mais importante ainda, estamos jun-tos na humanidade.

Por que é tão difícil que a descendêncianegra ganhe cidadania no Brasil, a ponto deser necessária a criação de um movimentopela consciência negra e a promulgação deuma lei que obrigue as escolas a ensinar aHistória e a Cultura Africana7?

Mais uma vez, volto a particularizarminha fala e recorro aos significados.Embora não tenha autoridade para falar aesse respeito, vou me permitir ser opiniáti-co: não creio que o movimento tenha seconstituído apenas em decorrência da dorainda viva de nossos avós amarrados nopelourinho, muito menos pela imoralidadedo tráfico, que aniquilou milhões e, pelaescravidão, transformou outro tanto emmortos-vivos.

Embora sejam recentes, esses fatosremontam ao já longínquo século XIX. Épreciso falar deles porque somos um país

preconceituoso e o preconceito é rasteiro,imprevisível, dissimulado e elitista. E quan-do falo em elite, caio mais uma vez na pan-tanosa questão das classes sociais, dosdominantes e dominados, dos príncipes emendigos...

Voltando ao preconceito, o problema éque ele dói, mas nem é crime. Embora amanifestação do preconceito seja crime(tipificado pela Lei nº 7.716, de 05/01/89),seu sentimento não pode ser criminalizado.Ninguém pode ser punido por associar umnegro, numa rua deserta, à noite, a umasituação de iminente perigo. Mas devedoer (e revoltar) a qualquer jovem negroassistir a um estranho desviando de seucaminho.

Do outro lado desse comportamentoestá, por exemplo, a clara leitura quepodemos fazer da miséria a que as elitescondenaram os negros no Brasil. Miseráveisfamintos – como os escravos “libertos”pela Lei Áurea, sem teto e sem perspectivas– são marginais potenciais. Mas essa lógicanunca ocupou espaços na sociedade, que épreconceituosa (de certa forma, o senti-mento do preconceito exime e protege deculpa as pessoas). O preconceito só se des-monta com educação, com a lógica. E essadecorre de um pensamento arejado, da

compreensão de cada componentedo todo.

Com essas considera-ções, retomo o propó-

sito desta ediçãode Leituras

Compartilhadas:criada para ajudar

os professores a reconhecer e positivar asdiferenças, combater o racismo e o precon-ceito étnico-racial, ela não pode se propor

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ilustre e desconhecida de todas as prince-sas: Lucy3, a africana que todos temos nosangue.

Durante os meses necessários para queos artigos e textos fossem encomendados eescritos, para que essas belíssimas ilustra-ções fossem produzidas e a edição come-çasse a ganhar forma, muitas foram asdúvidas que, pouco a pouco, se materializa-ram como bolhas que levantam da fervura.A mais inquietante delas, talvez, seja relati-va à questão Princesa. Dúvidas não pro-priamente quanto às funções tribais da filhado chefe, mas quanto a esse conceito quepermeia nossa vida e nos faz chamar nossasfilhas de princesas, que permite às mulheresse atribuírem esse título, sempre tão impreg-nado de bondade.

No romance Peixe dourado4, um belíssi-mo livro sobre princesas africanas, Jean-Marie Clézio (Prêmio Nobel de Literaturade 2008) usa o termo princesa centenas devezes, a maior parte delas para se referir àsmoças de um prostíbulo marroquino, bus-cando assim suavizar o caráter do ganha-pão dessas mulheres.

Que mágica tem essa palavra? De ondevem sua força?

Deixando de lado as razões teosóficas(ou o pseudo “direito divino” de alguém sermelhor que os outros e, a partir dessa lógi-ca, praticar todas as vilanias possíveis con-tra a humanidade), em que pensamos quan-do empregamos essa palavra?

Em primeira e última instância, prince-sas são as herdeiras do rei. São elas queviabilizam a constituição de novos reinados(famílias), garantindo a transição entre umantigo e um novo regime. Se é verdade queas histórias tecem o terreno por onde cons-truímos nossas noções de mundo, as prin-

cesas são a matéria-prima de nossa organi-zação social.

Em meados do século XVI, surgiu naInglaterra uma expressão que se atribui aum jurista inglês5, e que se tornou a baseda Bill of Rights, expressivo nome de umcapítulo da Constituição norte-americana:a man’s home is his castle – a casa de umhomem é o seu castelo6.

Tudo bem que essa frase tenha servidopara assegurar a inviolabilidade do lar, masnão caberia perguntar: quem mora em cas-telos? E por que pessoas de todas as classessociais – inclusive nas sociedades de castas– se referem assim às suas herdeiras?

Será demais remeter o conteúdo ideoló-gico das princesas (e toda a sua entourage)às questões da família, da propriedade e doestado? Será puro maniqueísmo?

Por outro lado, por que valorizamostanto esse negócio de realeza, nobreza eoutras iniqüidades coroadas?

Há 16 anos – em 1993, na reta final doséculo XX – nosso Congresso promoveu, aum custo financeiro exorbitante, um plebis-cito (referendo popular) sobre a forma degoverno no Brasil. Nada menos que 6,8milhões de brasileiros votaram a favor damonarquia, pensando seriamente em entre-gar a coroa (e nós, as caras) aos portuguesesque exportaram nossas riquezas e importa-ram da África, como mercadoria, sereshumanos.

Por que, mesmo sabendo disso (davergonha e sofrimento que nos cau-sam os que se julgam acima do beme do mal; da podridão que alicerça aaristocracia), quando alguém tem umaatitude digna, elogiável, quase beata, dize-mos que foi um “gesto nobre”? E por que,no extremo oposto, quando algo inesperado

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Uma contribuição para o estudo da cultura afro-brasileira nas escolas públicas.

(De acordo com a Lei 10.639/2003)

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a oferecer respostas, mas a ajudar a instalarperguntas que desconstruam comportamen-tos e pré-julgamentos.

Sendo assim, com o excepcional conteúdoque se segue e que é oferecido às futurasgerações de brasileiros, deixo no ar umahomenagem a todas as princesas negras (e africanas) que nunca estiveram em nossoimaginário e às outras tantas que não pude-ram comparecer a esta edição.

Notas:

1 Ana Lúcia Silva Souza (Analu) é socióloga, dou-toranda em Lingüística Aplicada (Unicamp - Institutode Estudos da Linguagem), mestre em Ciências Sociaispela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Parti-cipa desta edição de Leituras Compartilhadas comoarticulista e conselheira editorial.

2 Conan, o destruidor, de 1984.

3 Lucy Dinqines (que significa você é maravilhosa) –nome do esqueleto da fêmea hominídea de 3,2 milhõesde anos encontrado na Etiópia; é a mais antiga ances-tral da humanidade.

4 Peixe dourado, de Jean-Marie Clézio, Companhiadas Letras, 2001.

5 Sir Edward Coke, Inglaterra, 1552-1634.

6 É curioso que esse respeito à privacidade e essereconhecimento à inviolabilidade do lar tenham seconsolidado duzentos anos depois, ao tempo da inde-pendência americana, que coincide com a RevoluçãoIndustrial e o fim do Feudalismo, no qual as pessoasserviam à nobreza e sequer possuíam a roupa do corpo,quanto mais uma casa.

7 Lei 10.639 / 2003 – altera a Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional (LDB) e estabelece a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana no Brasil.

JJaassoonn PPrraaddoo é jornalista, criador e DiretorExecutivo da Leia Brasil – ONG de promoçãoda leitura.

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• África dos meus sonhos - Petrobras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5• Princesas africanas - Jason Prado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7• O sonho de ser princesa - Andréa Bastos Tigre - Rossely Peres . . . . . . . . . . . . . . . .15• As princesas nos contos de fadas - Sonia Rodrigues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17• São outras as nossas princesas - Sueli de Oliveira Rocha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21• Que fada é essa? - Maria Clara Cavalcanti de Albuquerque . . . . . . . . . . . . . . . . . . .25• A donzela, o sapo e o filho do chefe - Maria Clara Cavalcanti de Albuquerque . . . . . .27• Rainhas negras na África e no Brasil - Luiz Geraldo Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31• As princesas africanas - Braulio Tavares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33• O casamento da princesa - Celso Sisto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37• Minha princesa africana - Márcio Vassalo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41

• Uma princesa em São Tomé e Príncipe - Ana Lúcia Silva Souza . . . . . . . . . . . . . . .43

• Princesa de África, o filme - Uma entrevista com Juan Laguna . . . . . . . . . . . . . . . .47

• Iya Ibeji, a mãe dos gêmeos - A leitura dos símbolos nagô - Marco Aurélio Luz . . . . . .51

• A lenda da princesa negra que incendiou o mar - Geraldo Maia . . . . . . . . . . . . . . .55

• Nas malhas das imagens e nas trilhas da resistência: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .heroínas negras de ontem e de hoje - Andréia Lisboa de Sousa . . . . . . . . . . . . . . .59

• Uma guerreira - Julio Emilio Braz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .63

• Princesa, não. Mas... - Marina Colasanti . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .65

• Os três cocos - Maria Clara Cavalcanti de Albuquerque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .69

• Uma princesa afrodescendente - Sueli de Oliveira Rocha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .73• Princesa descombinada - Janaína Michalski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .77• Princesas africanas e algumas histórias - Tiely Queen (Atiely Santos) . . . . . . . . . . . .79• Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83

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Taisa Borges tem formação em artes plásticas e estilis-mo. Ilustrou para a Folha de S. Paulo, Vogue, entre outros.É autora do livro de imagem O rouxinol e o imperador, ins-pirado no conto de Andersen do mesmo nome, lançadoem 2005, obra selecionada para o PNBE 2005 e para oPNLD SP/2006, merecedor do prêmio de o Melhor livro deimagens de 2005 pela Fundação Nacional do Livro Infantile Juvenil (FNLIJ). Em 2006, publicou na mesma coleçãoJoão e Maria, inspirado em um conto dos irmãos Grimm,também selecionado para o PNBE 2006 e para o PNLDSP/2007. O livro A bela adormecida, de Charles Perrault,lançado em 2007, fechou seu projeto de homenagens aoscontos de fadas.

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Pise macio porque você está pisando nosmeus sonhos.1

W. B. YeatsQ ue menina não sonhou, um dia,em ser ou vir a ser uma princesa? O apeloda beleza, da riqueza, do fausto das festas epalácios e do “viveram felizes para sempre”traz a magia da palavra, com seus sons eencantamentos, alimento da imaginaçãoinfantil.

A linguagem fantástica - a da poesia, doconto, das fábulas, com seus ritmos e ima-gens - permite à criança “viver outras vidas”e, assim, construir um arcabouço imaginá-rio necessário e fundamental para “viver aprópria vida”. Que lugar tem, na economiapsíquica de uma criança, histórias de prín-cipes e princesas?

As palavras apresentam o mundo, a coisanão existe sem elas, elas lhe dão existência.

... Digo “sol”, e a palavra brilha;Digo “pomba”, e a palavra voa;Digo “maçã”, e a palavra floresce.2

E podemos acrescentar: Digo “princesa”, e a vida brilha, a imagi-

nação voa, a felicidade floresce.São as histórias e os contos que, ao dar

nome, ao pôr em palavras, permitem darcontorno e limite a sentimentos obscuros eangustiantes que assombram crianças –medo da vida e da morte, do futuro incertodo quem sou e quem serei, da raiva e da

impotência frente aos mais fortes, da solidãoe do isolamento, dos segredos e sobressaltosde se ter um corpo. São legados que nosvêm de longe, de uma tradição oral que, nocorrer do tempo, vieram a ser escritas, numencontro de papel, pluma e desejo de umautor. Um longo caminho de “Era umavez...”, “Num certo país...”, “Há muitos emuitos anos atrás...”, para tentar responderaos enigmas: que mundo é esse? Comoviver nele? Quem sou eu?

As histórias e os contos tomam a angús-tia do existir a sério, dirigem-se a ela, àescura incerteza do que vai acontecer.Endereçam-se ao futuro guiando a criançaatravés de caminhos que ela pode aceitar ecompreender – princesas, cavaleiros e damas,animais falantes, duendes e anões conduzem-na, pela mão, a seu mundo dos sonhos.

A fantasia e poesia da linguagem nostransportam para um país onde tudo podeacontecer. A magia da palavra lida ou ouvi-da faz existir o sonho e, ao afastar-se doreal, permite a margem do mais além, dooutro, do impossível, do espelho com suasentradas e saídas secretas. Um texto que érecebido no nível intelectual, mas que tocatambém a sensibilidade, ganhando na escutada palavra significação afetiva e imaginativa.

O próprio da linguagem poética e fan-tástica é ser múltipla em sua essência. Oconvite a uma viagem ao país das palavrasabre a porta para a criança usufruir do usoda linguagem e, com ela, brincar, sonhar,rir, acariciar, girar, ir e retornar. Lá não há

O sonho de ser princesa...Andréa Bastos Tigre - Rossely Peres

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Princesa Desalento

Minh'alma é a Princesa Desalento, Como um Poeta lhe chamou, um dia.

É revoltada, trágica, sombria, Como galopes infernais de vento!

É frágil como o sonho dum momento, Soturna como preces de agonia,

Vive do riso duma boca fria! Minh'alma é a Princesa Desalento...

Altas horas da noite ela vagueia... E ao luar suavíssimo, que anseia,

Põe-se a falar de tanta coisa morta!

O luar ouve a minh'alma, ajoelhado, E vai traçar, fantástico e gelado,

A sombra duma cruz à tua porta...

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"

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Nos contos maravilhosos queaparecem na cultura ocidental, as princesascostumam ocupar dois papéis: o do prêmio,ou, mais raramente, o de herói. São contosde fantasia, freqüentemente chamados con-tos de fadas, em geral passados na IdadeMédia européia.

Autores importantes na nossa culturaleram esses contos com visões diferentesque podem contribuir para que nossa leitu-ra se enriqueça na concordância ou amplia-ção de suas opiniões.

Freud entendia o conto de fadas comouma forma atenuada dos mitos e essescomo deformações das fantasias de desejodas nações, da espécie humana como umtodo. O conto estaria ligado à socialização, à aquisição pela criança das normas morais,representadas pelo superego.

Para os freudianos, Bettelheim inclusive,as pulsões criam os contos populares portransformações análogas às do trabalho dosonho.

Para Jung e os junguianos, os contos defadas representam, além do materialinconsciente recalcado que mantém rela-ções com os sonhos e as fantasias, fenôme-nos arquetípicos e sugerem simbolicamentea necessidade de uma renovação interiorpela integração do inconsciente pessoal edo inconsciente coletivo à personalidade doindivíduo.

De acordo com esse ponto de vista, osarquétipos são dinamismos inconscientesligados a imagens primordiais ou símbolos

comuns a toda humanidade e fornecem abase das religiões, dos mitos e dos contosmaravilhosos.

Monteiro Lobato, fundador da literaturapara crianças no Brasil, teve em relaçãoaos contos de fadas, basicamente, três atitudes estéticas em seus livros: a críticaaos contos embolorados da Carochinhaou ao que Emília classificava como boba-gens do folclore; a admiração à produçãoliterária a partir deles feita pelos irmãosGrimm, Perrault, Andersen; e a incorpora-ção das princesas ao seu próprio universoficcional.

Vladimir Propp definiu como contomaravilhoso ou de magia toda narrativaque, partindo de uma carência ou dano epassando por um desenvolvimento interme-diário, termina com casamento, recompen-sa, obtenção do objeto procurado, repara-ção ou salvamento de uma perseguição(Propp: 85).

Propp está mais voltado para entendercomo se estruturam os contos de fadas doque para interpretá-los. Em Morfologia doconto maravilhoso, descreve como, no decor-rer da narrativa, o herói torna-se o possui-dor de um objeto ou auxiliar mágico “que outiliza ou que se serve dele.” A magia em sipode estar no auxiliar ou no objeto mágicoque é doado ao herói; nas características dopróprio; no antagonista-agressor que podeser um dragão, um bruxo, um ogre ououtras criaturas fantásticas na função de“antagonista”.

As princesas nos contos de fadasSonia Rodrigues

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de sugerir o desconhecido, o imprevisível,implicando o ouvinte-leitor no trabalho depreencher lacunas, absorver o intuído, asso-ciar som, imagem, textura, ritmo e cor. Se éuma trama proposta por um autor-narrador,cabe a cada ouvinte-leitor torná-la sua.

Longa vida aos contos de príncipes eprincesas!

Notas:

1 W. B. Yeats: He wishes for the cloths of heaven inThe Collected Poems. Nova York, Macmillan, 1956.

2 Alain Bosquet: Quatre testaments et autres poèmes.Paris, Gallimard.

AAnnddrrééaa BBaassttooss TTiiggrree e RRoosssseellyy PPeerreess sãopsicanalistas da Escola Letra Freudiana - RJ.

uso ridículo ou absurdo da linguagem, odesbloqueio do imaginário recria a fascina-ção da palavra e permite: “eu sou princesa”.

A vida não pára de se escrever; e a histó-ria, em sua letra, se conserva através dotempo. É a permanência do texto que sus-tenta a imortalidade das obras, e, entre elas,a de princesas que, nórdicas, africanas, asiá-ticas ou indígenas permitem à criança olharo cotidiano da vida de um jeito diferenteàquilo que se apresenta como igual, pois aprópria repetição num vir a ser inauguralganha novos sentidos. Não serão as lem-branças das histórias que nos permitemuma leitura singular de nosso mundo?

As palavras de todos os dias quando reu-nidas numa bela história adquirem o poder

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Propp enumera os papéis distribuídosentre as personagens concretas dos con-tos maravilhosos como: o herói, o antago-nista (ou agressor), o doador, o auxiliar, aprincesa ou seu pai, o mandante e o falsoherói.

Os contos poderiam ser chamados tam-bém de “contos dos sete personagens”, ape-sar de nem todos aparecerem em todos oscontos, claro. Porque existem contos maissimples, como o da Menina da CapinhaVermelha, e mais extensos, como o Veadoencantado.

A trama dos contos de fadas, de umamaneira geral, é enxuta, utilizando o míni-mo de idas e vindas, ao contrário de narra-tivas como a Odisséia.

Os enredos dos contos, ainda segundoPropp, não fogem muito da seguinte dispo-sição dos acontecimentos:

a. Situação inicial, que define espa-ço, tempo, personagens principais(fora o antagonista), seus atributos eantecedentes;

b. Parte preparatória, onde aparecealgum tipo de proibição e a transgres-são da proibição, o dano ou carência eo antagonista com seus embustes. EmRapunzel fica muito claro este par deelementos: proibição e transgressão.Em A Moura Torta, o dano ou carênciaestá no feitiço colocado pela usurpa-dora.

c. O nó da intriga: uma personagemse revela como herói ao reagir à açãodo antagonista que provocou o dano.

d. Aparece(m) o(s) auxiliar(es) doherói, com todas as particularidadesdele(s) e do(s) objeto(s) mágico(s),incluindo aí as provas necessárias aoherói;

e. Percurso do herói até sua desti-nação, vitória do herói. Aqui podeocorrer um desdobramento que pro-longue a narrativa: perseguição aoherói, aparecimento do falso herói,retorno do herói;

f. A seqüência f, é lógico, dependedo prolongamento da narrativa. Oherói chega incógnito, encontra aspretensões infundadas do falso herói,é submetido a uma tarefa difícil paraser distinguido do falso herói, realiza atarefa, é reconhecido e desmascara ooutro, que é castigado. O herói casa oué entronizado.

É interessante notar que o estudo dePropp se refere ao herói como aquele querepara o dano. Nos exemplos citados porele, o herói é um rapaz de origem simplesou príncipe, e a princesa é, quase sempre,prêmio. Quando a figura feminina ocupaum papel mais ativo, ela costuma não ser darealeza ou é da realeza, mas está disfarçada.É filha de mercador, em A Bela e a Fera,órfã pobre em O Veado Encantado, de ori-gem desconhecida e beleza estonteante emA Moura Torta ou uma princesa em trajespobres, como em A princesa e o grão de ervilha.

Apesar das críticas da boneca Emília,nos contos folclóricos narrados por TiaNastácia, aparecem várias princesas empapel de herói ou auxiliar de herói. É ocaso do Bicho Manjaléu. Aparecem tambémprincesas no papel de adversário, como noconto A Princesa Ladrona.

A princesa como adversário do heróitambém aparece em A Pequena Sereia, deAndersen, conto no qual a princesa é ausurpadora, inventa que salvou o príncipepara casar com ele e derrota, assim, apequena sereia.

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Aplicando os conceitos de Propp, consi-dero que um personagem é sempre um per-sonagem, mas os papéis variam segundo ainteração do personagem com a trama. Umaprincesa pode ser afilhada de fadas, comoem A Bela Adormecida ou Pele de Asno. Opapel a ser desempenhado dependerá decomo o enredo se articula.

No conto A Bela Adormecida, a princesase limita a furar o dedo – inadvertidamente,estimulada por uma fada rancorosa – numaroca. Em seguida, ela dorme – graças àintervenção de uma fada boa – junto comtodo o reino, até que um príncipe a salve.

Em Pele de Asno, a princesa é desejadapelo pai enlouquecido, resiste ao incestuosopedido de casamento e, com o auxílio dafada madrinha, foge para uma trajetória deagruras até conquistar o coração de umpríncipe.

No primeiro, o protagonista é o príncipee, no segundo, a princesa é herói, e o prín-cipe, prêmio.

No conto maravilhoso, nem sempre apa-rece o elemento mágico, mesmo quandoestão articulados princesa, prêmio e recom-pensas variadas. É o caso de A princesa e ogrão de ervilha, no qual não existe magia e,sim, reconhecimento da princesa comoherói de si mesma, porque ela, apesar dosfarrapos, é uma princesa real cuja pele seressente de um grão de ervilha sob 12 col-chões.

A articulação entre os papéis de herói eprêmio está presente nos contos de fadasem que a princesa faz parte do conjunto depersonagens que assumem o papel derepresentar o Bem. Vale a pena pensar umpouco sobre o significado de “Bem”, por-que, às vezes, acontece dos contos de fadasserem lidos como histórias de final feliz,

histórias que defendem a moral e os bonscostumes, histórias nas quais o mal é puni-do e o bem triunfa, histórias, enfim, queenganariam seus pequenos leitores levan-do-os a acreditar em um mundo irreal.

Contos de fadas são contos épicos, con-tos que tratam da jornada do herói, na qualeste repara a perda ou dano ocorrido noinício da narrativa. Esta reparação é quedistingue o conto de fadas da tragédia, naqual o herói é levado, por suas própriascaracterísticas, a cometer uma falha irreme-diável que o faz ultrapassar a medida e serarrastado para uma situação sem saída.

No conto de fadas, o final é feliz porqueaquela ou aquele que está envolvido nareparação da perda (a princesa, em muitosexemplos) se submete, temporariamente, àsintempéries. Em Os três cães, ela, por medode morrer, aceita dizer ao rei, seu pai, quefoi o cocheiro desonesto que a salvou dodragão. Aceita ser prometida em casamentoao impostor. O que ela faz é estabeleceruma resistência passiva, pela tristeza, paraadiar o casamento durante três anos.Tempo suficiente para o verdadeiro salva-dor voltar, com seus cães mágicos, para des-mascarar o falso pretendente. E casar com aprincesa, claro.

Pelo parentesco com a epopéia e nãopor moralismo ou irrealidade, o contomaravilhoso termina na reparação da perda,culmina no triunfo do herói. Odisséia, deHomero, é a matriz ocidental (ou o maisabrangente exemplo da cultura ocidental)desse triunfo. Na Odisséia, a princesa (rainha)está no papel de prêmio. Penélope faz amesma coisa que a princesa sem nome doconto Os três cães. Protela a escolha de umpretendente usurpador até o retorno deUlisses.

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São lindas, geralmente de pelemuito clara e de cabelos loiros. Algumasainda crianças, outras mal entradas na ado-lescência. Têm uma vida tranqüila e feliz,até que, em determinado momento, passampor provas e provações, mas são salvas porjovens príncipes, belos, educados e ricos,que por elas arriscam a própria vida e comos quais elas se casam, sendo, então, “feli-zes para sempre”. Pertencem aos contos defadas, são européias e suas histórias aconte-ceram há muito e muitos anos.

Mas nem todas as princesas são as doscontos de fadas da Europa, a bela, gloriosae deslumbrante irmã. A África, por exemplo,deu ao mundo princesas famosas, comoNefertiti, célebre por sua beleza, e Cleópa-tra, imortalizada nas telas do cinema porElizabeth Taylor, dona de lindos e famososolhos de cor azul-violeta.

Na África de nosso imaginário, fundem-se dois mundos. De um lado, a África daciência, do nascimento da geometria àsmargens do Nilo, da biblioteca de Alexan-dria, da opulência dos tesouros dos faraós,da imponência das pirâmides e do exotismodos safáris. De outro lado, a África da misé-ria, do fornecimento de mão-de-obra escra-va, da fome e desnutrição das crianças deBiafra, a África da diáspora, a África, irmãpobre.

Cleópatra e Nefertiti estão longe notempo. Na história mais recente, para ondeforam e onde estão as princesas africanas?No período em que durou o tráfico negreiro

do Atlântico, muitas famílias reais africanasforam escravizadas e enviadas para outroslugares do mundo, em especial para asAméricas. No mapa da diáspora africana1,o Brasil figura no primeiro lugar do mundo.Nosso país tem a maior população de ori-gem africana fora da África, ou seja, tem85.783.143 afrodescendentes. Esse númerorepresenta 44,7%2 da nossa população. Ouseja, quase metade da população brasileiraé formada por descendentes dos negrosafricanos que para cá vieram e trabalharamsob péssimas condições, formando a mão-de-obra escrava nos engenhos de açúcar enas minas de ouro, durante o período quefoi de 1530 a 1888. É aqui, portanto, emnosso país, que está a maioria dos descen-dentes das famílias africanas (da realeza ounão) trazidas como escravas na época doBrasil Colônia. Seus filhos - juntamentecom indígenas, europeus e asiáticos - com-põem a população brasileira e fazem partede diversas estatísticas.

As crianças e adolescentes com ascen-dência africana - príncipes e princesas ounão - aparecem no Censo Escolar, uma pes-quisa que abrange as diferentes etapas emodalidades da Educação Básica no Brasil.Realizado anualmente pelo Instituto Nacio-nal de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnísio Teixeira (Inep/MEC), o Censo Esco-lar pesquisa escolas públicas e privadas detodo o país, trazendo à tona alguns dadosinteressantes, merecedores de uma leituramais atenta.

São outras as nossas princesasSueli de Oliveira Rocha

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Não conheço, no entanto, nenhuma lei-tura criativa mais audaciosa do papel daprincesa nos contos de fadas do que aempreendida pelo autor inglês Neil Gaiman,no seu conto Neve. Neste, Branca de Nevedeixa de ser herói de si mesma, de ser prê-mio do príncipe que, ao final, a resgata.Não, a princesa é antagonista cruel da mãe,do pai e da madrasta.

Seria possível passar horas e horas aoredor da fogueira, dias e dias numa biblio-teca, muito tempo frente a um computadorouvindo, lendo, pensando e recriando apartir das princesas dos contos de fadas.

Porque a princesa é a jovem mulherconvivendo com o mundo, com o inevitável,com o transcendente. Lidando, portanto,com a vida e com todos nós.

Bibliografia:

BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos defadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos. Rio deJaneiro: José Olympio, 1988.

COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas. SãoPaulo: Ática. Série Princípios. 1987.

FRANZ, Marie Louise von. A interpretação dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981.

FREUD, Sigmund. Delírios e sonho na Gradiva deJensen. Rio de Janeiro: Imago (Coleção Standard, v.IV), 1968.

GAIMAN, Neil. Fumaça e espelhos. São Paulo: Conrad. 2000.

JUNG, Carl G. et alli. O homem e seus símbolos. Riode Janeiro: Nova Fronteira, s/d.

LOBATO, Monteiro. A barca de Gleyre. São Paulo:Brasiliense, s/d. Histórias de Tia Nastácia.

PROPP, Vladimir I. Morfologia do conto maravilhoso.Trad. Jasna Paravich Sarhan. Org. Boris Schnaider-man. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984.

SSoonniiaa RRooddrriigguueess, doutora em literatura eautora da Coleção Reconstruir, Formato Edito-rial. Para mais informações sobre a autora,consulte: www.autoria.com.br

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No Brasil: 10.661.197 = 51,2%Na Educação Infantil: 1.900.436 = 49,6%No Ensino Fundamental: 6.108.266 = 50,9%No Ensino Médio: 1.278.241 = 47,6%Ou seja, no total do ensino regular da

Educação Básica Brasileira, a distribuiçãocor/raça está equilibrada entre a branca,com 46,9%, e a negra/parda, com 51,2%. A maioria dos alunos brasileiros é de des-cendência africana e se declara de cor/raçanegra ou parda. Nesse contingente estão asprincesas afrodescendentes que, do Infantilao Ensino Médio, recebem uma educaçãobaseada em pressupostos europocêntricosque reproduzem relações sociais marcadaspor uma suposta superioridade branca.

Entretanto, mesmo com a tradiçãorepresada, a influência africana no Brasil sefaz presente na música (o ritmo), na dança(os movimentos assimétricos), na culinária(o vatapá), na medicina popular (as ervas,as simpatias, as benzeduras), na religião(umbanda e candomblé), na língua (angu,batuque, cachaça, fubá, miçanga, quitute,samba), na formação de população, apenaspara lembrar alguns exemplos.

Um caminho para mudar essa escolaque desconsidera a presença africana emnossa cultura é dotar os conteúdos por elaoferecidos de referenciais africanos positi-vos; é trabalhar com os alunos a valorizaçãode protagonistas negros, buscando produzirum efeito positivo na construção da identi-dade desses príncipes e princesas brasilei-ros afrodescendentes. Esse é um caminhopara podermos contar outras histórias,essas também com final feliz. E delas umdia se poderá dizer:

São lindas, geralmente de pele negra.Algumas ainda crianças, outras mal entradasna adolescência...

Notas:

1 Publicado em 1990, de autoria de Joseph Harris,um historiador norte-americano.

2 Esse número aumenta quando os critérios são aspesquisas genéticas, segundo as quais 86% dos brasilei-ros têm algum grau de ascendência africana. De acordocom esses estudos, os genes africanos variam de 10 a100% de ancestralidade no brasileiro, que pode ou nãoapresentar traços de fisionomia negra, devido ao altograu de miscigenação ocorrida em nosso país.

3 As variáveis branca, preta, parda, amarela e indíge-na, para aferir o quesito cor/raça, foram definidas peloInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).As respostas ao questionário para aferição desse itemsão obtidas por documento comprobatório, por auto-declaração do aluno quando maior de 18 anos, ou por

declaração do responsável.

SSuueellii ddee OOlliivveeiirraa RRoocchhaa é coordenadora, naBaixada Santista, do Programa de Leitura daPetrobras-RPBC pela Leia Brasil, ONG de pro-moção da leitura. Foi também membro da equi-pe pedagógica do Gruhbas Projetos Educacio-nais e Culturais e do conselho editorial dos jor-nais “Bolando Aula”, “Bolando Aula de Histó-ria” e “Subsídio”.

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Desde 2005, o Censo Escolar vem incluin-do em seu questionário o quesito cor/raça3.Em 2007, na modalidade ensino regular, oCenso Escolar revelou os seguintes núme-ros de alunos, para esse quesito:

Entre as várias ponderações que podemser desenvolvidas a partir da análise dasinformações produzidas pelo Censo Esco-lar, alguns dados chamam a atenção. Umdeles é que, à medida que a escolaridadeavança, aumenta o número dos que nãodesejam declarar sua cor/raça. É precisolembrar que durante o período da escravi-dão, os negros escravizados trabalhavamde sol a sol, recebendo uma alimentaçãode péssima qualidade, não podiam prati-car a própria religião nem a própria lín-gua; suas festas e rituais eram proibidos;

e, para que fossem impedidos de fugir,eram acorrentados. Nas reminiscênciasdessas humilhações pode estar embutidoo desconforto do adolescente do EnsinoMédio, que prefere não declarar a própria

cor/raça no questionário do censo Escolar,evitando qualquer possibilidade de discri-minação.

Outra constatação é que, no EnsinoMédio, enquanto a população brancaaumenta (50,7%), diminui a presençanegra/parda (47,6%). A pergunta que nãocala é: quantos conseguirão chegar ao Ensi-no Superior?

Outro fato importante é que, somandoos resultados referentes à raça/cor preta eparda, indicativa da afrodescendência,encontramos:

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NÚMERO DE ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL, POR RAÇA/COR EM 30/5/2007

ENSINO REGULAR

Total do Brasil Total da EducaçãoInfantil

Total do Ensino Fundamental

Total do EnsinoMédio

Total de matrículas 52.179.530 6.417.502 31.733.198 8.264.816

Raça/cor

Não declarada 8.264.81615,8%

2.549.84139,7%

19.801.73262.4%

5.583.35567,5%

Declarada 20.773.97684,2%

3.867.66160,3%

11.971.46637,6%

2.681.46132,5%

Branca 9.761.19046,9%

1.913.83149,4%

5.602.23646,7%

1.360.62050,7%

Preta 1.244.3195,9%

200.2475,7%

688.1295,7%

153.0315,7%

Parda 9.416.87845,3%

1.700.18943,9%

5.420.13745,2%

1.125.21041,9%

Amarela 179.0820,8%

31.8010,8%

105.1250,8%

25.1950,9%

Indígena 172.5070,8%

21.5930,5%

115.8390,9%

17.4050,6%

Fonte. http://inep.gov.br. Censo Escolar 2007, tabelas 1.2; 1.7; 1.19; e 1.31.Observação: Para efeito deste texto, apenas o ensino regular foi considerado. Ficaram, pois, fora dele a Educação de

Jovens e Adultos, a Educação Especial e a Educação Profissionalizante.

Page 14: Princesas Africanas

A costumados à imagem européiadas fadas que ilustram os contos desde oinício da literatura infantil, fica difícil nosdescolarmos da figura da fada sempre tãoloura, tão esguia e tão doce que nos foiimposta, e conseguirmos contextualizá-lanos contos das diferentes culturas.

Nas diferentes cidades em que dou ofici-nas de contadores de histórias, costumocontar uma história escrita por Gail Harley,chamada O Baú das Histórias. Trata-se deuma antiga história da cultura yorubá, quenos conta como Ananse, o homem aranha,conseguiu comprar de Nyame, o Deus doCéu, histórias que ficavam encerradas den-tro de um baú, para espalhá-las pelo mundo.Para tanto, o Deus lhe impõs três tarefas,entre elas, que ele lhe trouxesse Moatia, “afada que nenhum homem viu”.

Após contá-la, costumo passar o vídeo dahistória. A reação invariavelmente é a mesma:como, uma fada negra? “Como, uma fadatão diferente?...uma fada que se irrita?...que ameaça bater numa boneca de piche?”

Embora eu enfatize a procedência afri-cana da história enquanto a narro, emboraa narrativa esteja pontuada por palavrasestranhas e conserve as onomatopéiascaracterísticas dos contos yorubá, a apari-ção de Moatia - trajada com uma saia depalha, com um turbante na cabeça e desa-fiando uma boneca de piche que não res-ponde suas perguntas - sempre causa estra-nhamento. É como que se a imagem deuma fada humanizada, com características

de sua raça e capaz de sentimentos menosnobres, fosse uma espécie de traição a umaconcepção há muito enraizada em nossoimaginário.

No entanto, as histórias clássicas, osmitos gregos, as lendas dos mais variadospaíses nos falam o tempo todo das altera-ções físicas e de humor dessa figura atem-poral que habita nossa imaginação.

Não podemos nos esquecer que, no clás-sico A Bela Adormecida, foi uma fada, e nãouma bruxa, que lançou sobre uma recém-nascida uma sentença de morte por não tersido convidada para o banquete de seubatizado; que na história As fadas, recolhidapor Perrault, a mesma fada que deu a umamenina o dom de, ao falar, verter pela bocarosas e pérolas, condenou outra a cuspirsapos, escorpiões e toda sorte de animaispeçonhentos a cada vez que pronunciasseuma palavra. Melusina, que se transformavaem serpente a cada sábado, Morgana, orajovem, ora velha, as Moiras, implacáveisdonas do destino temidas até por Zeus, sãoapenas alguns exemplos das oscilações dehumor e das transformações das quais essascriaturas mágicas são capazes.

Antero de Quental, em seu poema Asfadas, nos fala sobre elas e nos adverte:

(...) Quem as ofende...cautela! A mais risonha, a mais bela, Torna-se logo tão má, Tão cruel, tão vingativa! É inimiga agressiva,

Que fada é essa?Maria Clara Cavalcanti de Albuquerque

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Havia uma vez um chefe africanoque tinha duas mulheres e com cada umadelas tinha uma filha.

Aconteceu que, um dia, a primeiramulher morreu, e sua filha teve de ir morarcom a segunda mulher, que não gostavanem um pouquinho dela e logo passou amaltratá-la de todas as maneiras.

Era ela quem cuidava dos animais, tiravaágua do poço, cortava lenha, e como setudo isso não bastasse, ainda tinha de moero tuwo1 e o fura2, e dar de comer a toda afamília. O pior, é que depois de todo o tra-balho feito, a madrasta só permitia que elacomesse as raspas queimadas que sobravamno fundo da panela.

Sem nada poder fazer, a menina sentava-se perto de um poço e comia o que conse-guia. O resto, jogava para os sapos quemoravam dentro d’água.

E assim aconteceu dia após dia, até queao lugar chegaram mensageiros de umaaldeia vizinha, anunciando que haveria umagrande festa no dia do Festival da Colheita.

Nesta tarde, quando ela foi para o poçocomer as raspas que a madrasta lhe dera,ela encontrou um enorme sapo, que foilogo dizendo:

– Donzela, amanhã é o dia do Festival.Venha até aqui assim que o sol raiar e nós aajudaremos.

Na manhã seguinte, porém, quando elaestava indo para o poço, a meia irmã lhe disse:

– Volte aqui, sua menina inútil! Vocênão mexeu o tuwo, nem moeu o fura, nem

pegou água no poço, nem lenha na floresta.Então ela voltou para fazer esses traba-

lhos e o sapo passou o dia inteiro esperan-do por ela.

Ao entardecer, assim que acabou todo oserviço, ela correu para o poço e lá estava ovelho sapo, que foi logo dizendo:

– Tsc, tsc. Esperei por você desde demanhã e você não veio.

– Velho amigo – respondeu a menina -eu sou uma escrava. Minha mãe morreu eeu me mudei para a cabana da outra mulherde meu pai. Ela me faz trabalhar sem parare só me dá restos de comida para comer.

O sapo, então, disse: – Menina, dê-me sua mão.Ela estendeu-lhe a mão e pularam jun-

tos para dentro d’água.Aí, ele a levantou, engoliu-a e depois a

vomitou. – Boa gente – disse ele para os outros

sapos - Olhem e digam-me. Ela está reta outorta?

Os sapos se entreolharam e responde-ram: “Ela está torta para a esquerda”.

Então ele novamente a levantou, engo-liu-a, vomitou-a e novamente perguntouaos outros sapos:

– Boa gente. Olhem e digam-me. Elaestá reta ou torta?

– Ela está bem reta agora – coaxaram ossapos.

Então ele vomitou roupas, pulseiras,anéis e um par de sapatos, um de prata eoutro de ouro, e disse:

A donzela, o sapo e o filho do chefeMaria Clara Cavalcanti de Albuquerque

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É serpente que ali está! E têm vinganças terríveis! Semeiam coisas horríveis, Que nascem logo do chão... Línguas de fogo que estalam! Sapos com asas, que falam! Um anão preto! Um dragão!

Ou deitam sortes na gente... O nariz faz-se serpente, A dar pulos, a crescer... É-se morcego ou veado... E anda-se assim encantado, Enquanto a fada quiser! (...)

Nesta revista, temos uma excelente opor-tunidade de refletir não só sobre a naturezadas fadas, mas também sobre o que faz comque essas histórias se espalhem, quase quepor magia, por todos os cantos do mundo,ganhando em cada canto um novo colorido,uma nova roupagem, um novo cenário, masfalando sempre, embora com os sotaquesmais variados, das necessidades e sentimen-tos mais básicos do ser humano.

MMaarriiaa CCllaarraa CCaavvaallccaannttii ddee AAllbbuuqquueerrqquuee épsicóloga, especialista em Literatura Infanto-juvenil (UFF) e Leitura (PUC-Rio) e contadorade histórias do Confabulando.

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do chefe, diga-lhe: “Viver na cabana dochefe é muito difícil, porque eles medem omilho com uma concha de Bambara4”.

Um dia, a madrasta foi com a filha visitar amenina e perguntou-lhe como era a sua vida.

Lembrando-se dos conselhos do sapo,ela respondeu:

– Oh! É muito difícil. Eles usam umaconcha de Bambara para medir o milho.Quando as outras mulheres do chefe vêmme cumprimentar, eu respondo com um”BAH!” de desprezo. Se as concubinas vêmme cumprimentar, eu cuspo nelas. E quan-do meu marido chega na cabana, eu gritocom ele.

A madrasta, na mesma hora, colocou aprópria filha na cabana e obrigou a órfã avoltar para casa com ela.

Na manhã seguinte quando as mulheresvieram cumprimentá-la, a filha da madrastagritou-lhes: “BAH!”. Quando as concubinasvieram visitá-la, ela cuspiu nelas. E quandocaiu a noite e o filho do chefe foi vê-la, elagritou com ele.

O filho do chefe achou aquilo muitoestranho.Saiu dacabana e

por dois diaspensou noassunto.

Depois,reuniu suas

mulheres e concubi-nas e disse para elas:

– Olhem! Chamei vocêspara perguntar-lhes: Como minha novaesposa trata vocês?

– Como nos trata?! exclamaram elas. -Cada manhã, quando íamos cumprimentá-la, ela nos dava duas cabaças de nozes e dez

mil cowries para comprar flores de tabaco.Depois dava a cada uma de nós uma cabaçade nozes, cinco mil cowries para comprar flo-res de tabaco, e um saco cheio de milho parafazer tuwo. Agora ela grita “Bah!” e nos cospe.

– Vê - disse ele. Antes, quando ia vê-la,eu sempre a encontrava ajoelhada e elase deitava comigo na cama de ouro, agoraela grita comigo. Acho que trocaram amenina.

O filho do chefe, então, chamou seusguerreiros. Eles entraram na cabana damoça e a cortaram em pedacinhos.

Depois, foram à casa da madrasta e láencontraram a pobre órfã deitada nas cin-zas da fogueira. Na mesma hora a levaramde volta para o marido.

Na manhã seguinte, ela contou ao mari-do como o sapo a havia ajudado e pediuque ele mandasse construir um poço próxi-mo à sua cabana para que o velho sapo etodos outros sapos, grandes ou pequenos,passassem a morar ali. E assim foi.

Notas:

1 Tuwo – uma espécie de mingau.

2 Fura – uma espécie de mistura de cereais.

3 Conchas usadas como dinheiro em várias tribosafricanas.

4 Expressão que significa “como as pessoas aqui são

‘pão-duras’, há pouco para comer”.

Tradução e adaptação de MMaarriiaa CCllaarraaCCaavvaallccaannttii de “The maiden, the frog & thechief’s son”, de William Bascom, e que fazparte do livro CINDERELLA, A FolkloreCasebook, de Alan Dundes Garland, da editoraPublishing, Inc. New York & London. 1982p.148. Este conto foi publicado no “Journal ofthe Folklore Institute”, em 1972.

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– Tome. Vista-se e vá ao Festival. Maspreste atenção. Quando a dança estiverquase no fim e os dançarinos já estiveremse dispersando, deixe seu sapato de ouro láe volte para casa.

A menina vestiu as lindas roupas, enfei-tou-se com as lindas jóias que o sapo lhedera e correu para o Festival.

Quando o filho do chefe a viu chegando,disse:

– Aí está uma donzela para mim. Nãome interessa de que casa ela vem. Tragam-na aqui!

Então os servos levaram a menina atéonde ele estava e juntos eles passaram anoite toda conversando. Mas quando os bai-larinos começaram a se dispersar, ela selevantou e, antes que o filho do chefepudesse impedi-la, saiu correndo, deixandoo sapato de ouro para trás.

Na beira do poço, já esperando por ela,estava o sapo. Mais do que depressa, elespularam dentro d’água, ele a engoliu evomitou-a: e lá estava ela, exatamente comoera antes, vestida com andrajos.

Enquanto isto, o filho do chefe dizia aopai:

– Pai, hoje conheci uma jovem que usavaum par de sapatos, um de ouro e outro deprata. Aqui está o de ouro, ela o esqueceuaqui. Ela é a menina com quem eu querome casar. Faça com que se reúnam todas asjovens, moças ou velhas dessa aldeia e daaldeia vizinha, para descobrir quem tem ode prata.

O chefe na mesma hora ordenou que sereunissem todas as donzelas e cada umaexperimentou o sapato, mas em nenhumaele serviu. Foi quando alguém disse:

– Espere um minuto! Ainda há aquelamoça órfã, que mora naquela casa.

Buscaram então a moça. Assim que ofilho do rei a viu, correu em direção a ela,calçou o sapato de ouro em seu pé e levou-a com ele para sua cabana.

Assim que ela partiu, o sapo chamoutodos os outros sapos, tanto os grandesquanto os pequenos, e lhes disse:

– Minha filha está se casando. Queroque cada um de vocês dê a ela um presente.

E cada um deles vomitou coisas para ela:cobertores coloridos, tapetes, esteiras, teci-dos, vasilhas, e o sapo velho, depois demuito esforço, vomitou uma cama de prata,uma cama de cobre e uma cama de ferro.

Na manhã seguinte, quando a meninaacordou, viu na soleira da porta o velhoamigo e os presentes. Ela ajoelhou-se res-peitosamente e ele lhe disse:

– Isto tudo é para você. Mas preste aten-ção. Quando seu coração estiver triste,deite-se na cama de bronze. Quando seucoração estiver tranqüilo, deite-sena cama de prata e quando o filhodo chefe vier visitá-la, deite-se comele na cama de ouro. Quando asoutras mulheres de seu esposo vieremcumprimentá-la, dê-lhes duas cabaçasde nozes e dez mil conchas de molusco3

para comprarem flores de tabaco. Quandoas concubinas vierem pegar milho parafazer o tuwo, deixem que se sirvam à vonta-de. Mas, se a mulher de seu paivier com sua filha e lhe per-guntar como éviver nacabana

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A história africana e a história doBrasil estão repletas de histórias de rainhasnegras. Talvez a mais célebre delas seja ade Jinga, ou Nzinga, como sepronunciava em mbundu. Nas-cida por volta de 1581, viveunum dos territórios tributáriosdo antigo reino do Congo,Ndongo. Sua trajetória é sur-preendente e fabulosa. Por voltade 1622, Jinga fora enviada aLuanda, cidade que sediava aadministração portuguesa emAngola. Ela se apresentou emLuanda como uma espécie deembaixadora de Ndongo, reinopara o qual os portugueses queriamexpandir seu comércio de escravos.Nessa circunstância, foi batizada com o nome católico de Ana.

Em 1624, o reino de Ndongo viveuuma crise de sucessão. Como nãohavia sistemas baseados na primoge-nitura, como na Europa, as regrasde sucessão na África previam aeleição de um rei entre membrosda nobreza e a conseqüente for-mação de partidos. Naquela cir-cunstância, estavam de lados opostosJinga e Ngola-a-Ari, o qual saiu vito-rioso. Jinga retirou-se com seu povo paraas regiões de Matamba, tornando-se rainhadesde então. Ngola-a-Ari, contudo, morreuenvenenado em 1627, permitindo o regres-so de Jinga, que passou a governar Ndongo.

Seu longo reinado durou até 1663, e tantoportugueses como, depois, holandesestiveram que negociar com ela, ou enfrentarsua resistência à penetração européia em

alguns territórios de Ndongo. Os por-tugueses, particularmente, reconhe-ciam-lhe a autoridade política, poisem outubro de 1641 uma ordem do

Conselho Ultramarino criticava Fernãode Souza, então governador em Angola,por este “ter tirado a realeza de Jinga”,reiterando que a ela, e só a ela,

“assistia o direito e a justiça” emNdongo.

Ao longo de seu reinado,Jinga enfrentou várias guerrascontra outros reis africanos ou

contra autoridades européias.Numa guerra travada em 1629pelo controle de Matamba, suasirmãs, Kambo e Funji, caíramnas mãos dos portugueses, aca-

bando presas em Luanda. Anosdepois, Jinga fez acordos com osholandeses, que ocuparam Luanda em agosto de 1641. Daí até 1643 viveuuma guerra dramática contra os

Imbagalas de Kassanji, queresistiam à presença batava. A

partir de 1644, os portugueses foramseus principais inimigos em sucessivasbatalhas que duraram até 1648. Em 1651,porém, a rainha Jinga e o governador deAngola, Salvador Correia de Sá e Benevides– que governara o Rio de Janeiro entre

Rainhas negras na África e no BrasilLuiz Geraldo Silva

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Conta a Lenda que Dormia

Conta a lenda que dormia Uma Princesa encantada A quem só despertaria Um Infante, que viria

De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado, Vencer o mal e o bem, Antes que, já libertado,

Deixasse o caminho errado Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida, Se espera, dormindo espera. Sonha em morte a sua vida,

E orna-lhe a fronte esquecida, Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado, Sem saber que intuito tem, Rompe o caminho fadado.

Ele dela é ignorado. Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino — Ela dormindo encantada, Ele buscando-a sem tino

Pelo processo divino Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro Tudo pela estrada fora, E falso, ele vem seguro,

E, vencendo estrada e muro, Chega onde em sono ela mora. E, inda tonto do que houvera,

A cabeça, em maresia, Ergue a mão, e encontra hera,

E vê que ele mesmo era A Princesa que dormia.

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Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

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R ainhas e princesas da África sãouma fonte de mitos e de fantasias para a culturaocidental. Elas reúnem poder e exotismo, atra-ção sexual e mistério histórico.

A Rainha de SabáTalvez a soberana africana cuja lenda é a

mais remota seja a Rainha de Sabá. Suavisita ao rei Salomão é descrita no I Livrodos Reis, no Antigo Testamento. Além debela e riquíssima, era uma mulher de gran-de sabedoria. A Bíblia não indica que tenhaocorrido nenhum caso amoroso entre osdois, mas dá a entender que eles travaramum desafio de inteligência e de adivinha-ções. Propor enigmas durante festas era umcostume em Israel (veja-se o enigma pro-posto por Sansão aos filisteus, em Juízes,14: 14: Do comedor saiu comida, e do forte saiudoçura).

E até a rainha de Sabá, ouvida afama de Salomão no nome do Senhor, veio fazer experiência nele por enigmas.E tendo entrado em Jerusalém com gran-de comitiva, e rica equipagem, comcamelos que traziam aromas, e infinitaquantidade de ouro, e pedras preciosas,se apresentou diante do rei Salomão, elhe descobriu tudo quanto trazia no seupeito. E Salomão a instruiu em todas ascoisas, que ela lhe tinha proposto: nãohouve nenhuma que o rei ignorasse, esobre a qual ele não lhe respondesse. (I Reis, 10: 1-3)

Reza a lenda, no entanto, que os doisforam amantes. A rainha teria pedido aorei, quando este a hospedou no palácio,que não a possuísse sem o seu consenti-mento. Salomão acedeu, pedindo apenasque ela não se apoderasse, sem o consenti-mento dele, de nenhuma riqueza que visseà sua volta. Tendo assim combinado, osdois foram jantar e o rei deu instruçõesveladas aos criados para que servissemcomida com muito sal e tempero. Durante a noite, a rainha acordou com sede e levan-tou-se para beber água. Salomão surgiudiante dela e disse que a maior riqueza dopovo de Israel era a água; se ela quebrasse a palavra dada, ele se sentiria no direito defazer o mesmo. E (diz a lenda) ambos acha-ram mais sensato liberar-se mutuamentedas promessas feitas e aproveitar a compa-nhia um do outro.

A Rainha de Sabá foi tema de dezenasde livros, poemas, filmes (foi interpretadano cinema, entre outras atrizes, por GinaLollobrigida em 1959 e Halle Berry em1994). William Butler Yeats dedicou a ela eSalomão um poema famoso, em que o Reidiz: “Não há homem ou mulher nascidossob o céu cujo saber se compare ao nosso, e durante este dia inteiro descobrimos quenão há nada como o amor para fazer o restodo mundo parecer um curral estreito”. Oromancista H. Rider Haggard, em As Minasde Salomão, criou a famosa imagem dos“Seios da Rainha de Sabá”, dois montesgêmeos que, num mapa do tesouro, indicam

As princesas africanasBraulio Tavares

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1637 e 1642 – firmaram a paz, bem comoacordos comerciais. Naquela ocasião,Salvador de Sá afirmara a Jinga que era“maior honra poder cooperar pelo aumen-to de sua grandeza, que ser servido portodos os escravos não da Matamba, mas detoda a África”. Em 1656, aos 75 anos deidade, Jinga permitiu a entrada de capu-chinhos em seu território, casou-se peloritual católico e manifestou clara vontadede praticar o catolicismo. Tudo isso faziaparte da política de alianças com os portu-gueses. Esses, graças a ela e aos acordoscomerciais antes firmados, incrementaramo tráfico de escravos a partir da ÁfricaCentro-Ocidental, o qual atingiu volumesem precedente. Em troca, Jinga controla-va na década de 1660 “o mais importanteespaço econômico da África Central Oci-dental alguma vez submetido a uma sóautoridade”, como afirma o africanistaportuguês Adriano Parreira.

Foi graças a rainhas como Jinga que ocomerciante francês Louis-François deTollenare conheceu, em dezembro de1816, outra rainha, chamada Tereza, umaescrava do engenho Sibiró, província dePernambuco. “Era uma bela mulher, de 27a 28 anos, muito alegre e faladeira”, escre-veu. Tereza fora rainha em Cabinda, naregião de Loango, também situada na Áfri-ca Centro-Ocidental. Pega em adultério,acabou convertida ao cativeiro. Ao chegarao Brasil, trazia anelões de cobre douradonas pernas e nos braços, e era altiva, recu-sando-se a trabalhar. Por volta de 1814,uma negra da moenda adoeceu. Tereza asubstituiu. Pouco afeita àquele trabalho,teve uma das mãos presa ao cilindro queesmagava cana de açúcar. Tentou livrar-secom a outra mão, mas esta também ficou

presa. Tereza perdera, assim, dois antebra-ços, amputados antes que gangrena a con-sumisse. “Vi a pobre Tereza neste lamentá-vel estado”, diz Tollenare em dezembro de1816. “Hoje não pode mais trabalhar”,continua o francês; “empregaram-na,porém, utilmente para vigiar as compa-nheiras, e sabe fazer-se temer e obedecer”.Uma vez rainha, sempre rainha.

Jinga e Tereza não apenas foram rai-nhas. Também possuem destinos entrela-çados. Uma favoreceu enormemente o trá-fico de escravos, o que permitiu a outra tervindo parar deste lado do Atlântico, e nocativeiro. Uma realizou um governo longoe bem sucedido, marcado por guerras ecrises, mas também por acordos de paz. Aoutra também guerreou a princípio contraseu senhor, mas acabou se submetendo aele, ao mesmo tempo em que viu seupoder reconhecido no engenho onde vivia.São histórias de mulheres que ligam aÁfrica e o Brasil. Mulheres rainhas que,mesmo em desgraça, jamais perderam arealeza.

Bibliografia recomendada:

PARREIRA, Adriano. Economia e sociedade emAngola na época da rainha Jinga, século XVII. Lisboa:Editorial Estampa, 1990.

THORNTON, John. A África e os africanos na for-mação do mundo atlântico (1400-1800). Rio de Janeiro:Editora Campus, 2004.

FAGE, J. D. História da África. Lisboa: Edições 70,1997.

LLuuiizz GGeerraallddoo SSiillvvaa - Professor do Departa-mento de História da Universidade Federal doParaná (UFPR); Bolsista-Pesquisador do Con-selho Nacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq).

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mais equilibrado da rainha, mostrando quesua força não residia apenas na beleza:

Sua formosura, assim nos disseram,não era de modo algum incomparável,nem de molde a impressionar os que aviam. Mas sua conversação tinha umencanto irresistível, e sua presença, combi-nada com o tom persuasivo de sua fala, ea personalidade que se imprimia em seurelacionamento com os demais, tinha algode estimulante. Também havia uma doçu-ra no seu tom de voz, e sua língua, comoum instrumento com muitas cordas, seamoldava a qualquer idioma da formaque melhor lhe convinha.

Cleópatra tinha cerca de vinte anos quan-do conheceu Júlio César, que tinha mais decinqüenta. Era provavelmente de pequenaestatura, a julgar pelo episódio de seu pri-meiro encontro com César, em que ela se fez

enrolar num tapete e entrou assim no palá-cio, surgindo aos pés de César quando otapete foi desenrolado diante do seu trono.

AyeshaNa literatura, há uma princesa africana

que reúne em si toda a mística de Cleópatrae da Rainha de Sabá, numa obra-primaobscura escrita pelo mesmo autor de Asminas de Salomão, H. Rider Haggard: Ela(Editora Record), um romance de 1887 emque um grupo de exploradores encontranum recanto perdido da África um reinonegro governado por uma rainha brancaque se diz ter mil anos de idade. Sua belezaé tal que ela precisa aparecer velada diantedos seus súditos, para que não enlouque-çam de paixão. Seu nome é Ayesha; seupovo a chama “Aquela-que-deve-ser-obede-cida”. Ayesha julga reencontrar no explora-dor inglês a reencarnação do seu amor per-dido, que ela esperava há séculos.

A princesa africana é um desses mitosnecessários, que parecem preencher umanecessidade coletiva de acreditar na possi-bilidade de existência de mulheres belas,irresistivelmente sedutoras, poderosas,capazes de mudar o curso da História comseus caprichos.

BBrrááuulliioo TTaavvaarreess é escritor, compositor, estu-dou cinema na Escola Superior de Cinema daUniversidade Católica de Minas Gerais. Tam-bém é pesquisador de literatura fantástica,compilou a primeira bibliografia do gênero naliteratura brasileira, o “Fantastic, Fantasy andScience Fiction Literature Catalog” (FundaçãoBiblioteca Nacional, Rio, 1992). Publicou “Amáquina voadora”, “A espinha dorsal damemória” e “Os martelos de Trupizupe”, entreoutros.

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a direção das famosas minas e do tesourofabuloso que lá se oculta.

Outra lenda sobre a rainha conta que,passeando por Jerusalém, ela teria se recu-sado um dia a atravessar uma ponte demadeira, sem dizer no entanto a razão. Alenda explica dizendo que ela percebeu,com sua clarividência, que da madeiradaquela ponte seria feita a cruz em queJesus Cristo viria a ser crucificado.

CleópatraCleópatra é a rainha africana mais famo-

sa. Sendo uma governante poderosa, e quese envolveu numa relação política e amoro-sa com dois generais romanos, ela passoupara a História como uma típica mulherfatal, aquela pela qual os homens estão dis-postos a sacrificar um império inteiro.Olavo Bilac, num soneto famoso, disse que

ela se suicidou porque temeu ser levadacomo prisioneira para Roma: “matou-a omedo de ser feia”. O carnavalesco JoãosinhoTrinta costumava afirmar que Hollywooddistorceu a verdade histórica ao escalar abranquíssima (e de olhos violeta) ElizabethTaylor para o papel da rainha egípcia, pois,segundo ele, “ela era uma neguinha”, comoa maioria dos egípcios de sua época.

Na verdade Cleópatra pertencia ao ramomacedônio (descendente de Alexandre, oGrande) que governou o Egito por váriasdinastias e, se não era alva como Liz Taylor,também não seria propriamente uma núbia.Celebrada pela literatura, pela poesia, pelocinema e teatro e, principalmente, pela tra-dição oral, Cleópatra entrou para a culturade massas como a mulher mais bela domundo em sua época. Plutarco, em sua bio-grafia de Marco Antônio, nos dá um retrato

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A beleza andava de mãos dadascom a princesa Abena, pois tinha reunidonuma só pessoa um harmonioso pescoçoalongado, um rosto arredondado e seiosgrandes.

O rei, seu pai, sorria para si e para omundo, cada vez que constatava, com ospróprios olhos, a formosura da filha. E porisso acreditava que seria fácil casá-la, quan-do chegasse a hora.

A sucessão dos anos só aumentava aperfeição dos traços de Abena. Além detudo, ela tinha ainda a ajuda dos magnífi-cos trajes que usava: sempre envolta nosmais belos tecidos e vestimentas; sempreadornada com os mais fulgurantes colarese brincos; sempre emergindo do coloridodas roupas, como a mais nobre visão dabeleza.

A notícia da suprema graça de Abenacirculou pelas tribos, atravessou os mares,subiu aos céus, correu por toda a Áfricatropical. Mas foi só quando os habitantesdos mais distantes povoados começaram achegar para ver com seus próprios olhos aprincesa mais linda do mundo, é que che-garam também os pedidos de casamento.

Os primeiros pretendentes à mão daprincesa foram o Fogo e a Chuva.

A Chuva surgiu de repente, meio àsescondidas, usando um kente2 único, feitoda mais pura seda, especialmente paraaquela ocasião. Pedir a mão daquela prince-sa exigia roupa adequada e padronagemnunca antes vista!

Nem é preciso dizer que Abena encan-tou-se logo com os modos de seu primeiropretendente. O olhar molhado, o corpoluzidio, as palavras que rolavam feito águacantante, ficaram ainda mais bonitas nosversos que ele chuviscou nos seus ouvidos:

- O olhar do amor fez passear o passari-nho que assim baixinho, trouxe água do seubico até seu ninho...

E o pretendente ofereceu ainda mais:- Linda Abena, olhe para adiante, olhe.

Daqui até as savanas de Burkina Fasso, atéas areias do Golfo da Guiné, até as planta-ções do Togo, até as florestas da Costa doMarfim, você não encontrará ninguém queseja mais poderoso que a Chuva. Com umsimples aceno das mãos, faço crescer asplantações e multiplico as colheitas e aservas para os rebanhos. Graças a mim, tere-mos sempre água pura para beber e rios elagos cristalinos, cheinhos de peixes, ondese pode nadar e pescar.

E as palavras da Chuva soaram tão musi-cais aos ouvidos de Abena, e seu coraçãosolitário ficou tão refrescado, que ela aca-bou prometendo-lhe casamento. E pediu-lhe que voltasse no outro dia para acertaros detalhes com o Rei.

Acontece que enquanto Abena secomprometia com a Chuva, o Rei, namesma hora, logo ali, em outro aposento,firmava acordo com o Fogo. Este segundopretendente tinha também ido pedir amão da princesa. E da mesma forma que aChuva, mostrou-se em trajes suntuosos e,

O casamento da princesa1

Celso Sisto

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faziam vibrar a pele do antílope negro querecobria cada tambor, os chifres e as trom-betas espalhavam no ar seus sons, ora esti-mulando as torcidas, ora impulsionando os

concorrentes. Tudo ao redorparecia cantar:

“Quero ouvir os tam-bores a tocar.

Quero sentir os pésdos que dançam.Quero sentir os tambo-

res a tocar.Quero ouvir os pés dos

que dançam...”O Fogo estava ganhando. Havia no

ar um vento que o ajudava a multipli-car as chamas e a alastrar-se rapida-mente. Por mais esforço que fizesse aChuva, suas gotas eram insuficientespara colocá-la na frente. Ao contrá-rio, quanto mais vertia água, maispesada ficava, e mais terreno perdia!

O Fogo foi avançando, deixandopara trás apenas as cinzas do que

tocava com todo o seu calor e potência. Jáera quase o vencedor...

Mas no momento da chegada, ali onde jáevoluíam as máscaras rituais e o povo seaglomerava, eis que o Céu lançou um imen-so rugido. Um trovão, que foi ouvido desdeas águas do golfo até as paredes das monta-nhas, ecoou no ar. E foi o suficiente para,em seguida, desabar o maior aguaceiro deque já se teve notícia. Uma cortina dechuva despencou com a força de uma imen-sa manada de elefantes correndo pelassavanas, impedindo qualquer um de ver umpalmo diante do nariz. Chuva da espessurado mundo, rápida, brilhante, quebrando-senas folhas, fustigando as pedras, martelan-do o chão.

O Fogo que avançava destemido apagou-se a poucos metros da linha de chegada. Ea Chuva enfim foi declarada vencedora!

A princesa Abena, mais feliz do quenunca, atirou-se de braços abertos sob aágua celeste e bailou como nunca ninguémvira. Seu corpo inteiro comemorava a vitó-ria da Chuva, inclusive seus olhos. O ritmodos tantãs, que então batiam mais forte,obrigou todos que ali estavam a entrar nadança, que se estendeu por incontáveisnoites.

Daquele dia em diante, o Fogo e aChuva tornaram-se inimigos mortais. Sóuma coisa não teve mais jeito: toda vez quechove forte, as pessoas param o que estãofazendo e põem-se a bailar debaixo da águaque cai do Céu, tudo, tudo ainda paracomemorar o casamento da princesa.

Notas:

1 Conto popular de Gana e países da África Oci-dental, recontado pelo autor.

2 Traje típico do povo ashanti.

CCeellssoo SSiissttoo é escritor, ilustrador, contadorde histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator,arte-educador, especialista em literaturainfantil e juvenil, pela UFRJ, Mestre em Lite-ratura Brasileira pela UFSC, Doutorando emTeoria da Literatura pela PUC-RS e responsá-vel pela formação de inúmeros grupos de con-tadores de histórias espalhados pelo país. Tem36 livros publicados para crianças e jovens erecebeu os prêmios de autor revelação do anode 1994 (com o livro “Ver-de-ver-meu-pai”,Editora Nova Fronteira) e ilustrador revelaçãodo ano de 1999 (com o livro “Francisco Gabi-roba Tabajara Tupã”, da editora EDC) pelaFNLIJ.

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com finíssimos modos, apregoou seupoder:

- Meu Rei, veja por si mesmo. Daqui atéas savanas de Burkina Fasso, até as areiasdo Golfo da Guiné, até as plantações doTogo, até as florestas da Costa do Marfim,não haverá ninguém com maior vigor que oFogo. Minhas chamas mantêm os animaisperigosos ao longe, cozinham a comida dia-riamente, iluminam as intermináveis noitesescuras e aquecem o corpo durante a rigo-rosa estação do frio. Que mais alguémpoderia oferecer à sua bela filha? Consintaque eu me case com ela!

O Rei ficou tão impressionado com talpretendente, e casar a filha durante acolheita do cacau era decisão tão antiga,que acabou por aceitar a proposta! Disseque ia comunicar o trato à princesa e man-dou que o Fogo voltasse no dia seguinte,para acertarem os detalhes.

Mais tarde o Rei chamou a filha e comu-nicou-lhe a decisão que havia tomado:

- Encontrei teu futuro marido!- Como assim, meu pai?- Prometi ao Fogo que te casarás com ele!- Com o Fogo? Mas eu prometi à Chuva

que me casaria com ela!Estava armada a confusão! O Rei, preo-

cupado, pôs-se a pensar numa solução paranão ter que faltar com sua palavra. A prince-sa, por sua vez, não queria trair seu coração.

- Não podemos quebrar nossas promes-sas! Sempre foi assim com nosso povo! Eassim será! – sentenciou o Rei.

Na manhã seguinte, mal a claridade dodia luziu no horizonte, lá estavam o Fogo ea Chuva nas terras do Rei. Vinham certosde que em breve também fariam partedaquilo tudo ali, casando-se com a princesaAbena. Mas um não sabia ainda do outro.

O Rei veio recebê-los, e, sem rodeios,disse que já havia decidido a data para ocasamento com sua filha.

- O meu casamento com ela? – pergun-taram o Fogo e a Chuva ao mesmo tempo!

Só então se deram conta de que algumacoisa estava errada. Mas o Rei apressou-seem dizer:

- A princesa Abena se casarácom o vencedor da corrida queorganizei para o dia do casamento!

A notícia espalhou-secomo chuva miúda. A notíciacorreu como um rastro de fogo.Em toda a África Ocidental nãose falava em outra coisa a não ser na tal disputa pela mão da princesa! Havia osque apostavam noFogo. Era grande onúmero dos quetorciam pela Chuva.

Só a princesaAbena conhecia de antemão o resultado, poisdizia para si mesma que fossequem fosse o ganhador da corrida,ela só se casaria com a Chuva. Assimela havia prometido desde o início,assim queria o seu enredado coração.Mas esse segredo, que não podia sercompartilhado com ninguém, fazia-asofrer, deixava-a triste, murchava suabeleza. Afinal, como ir contra a deci-são soberana do próprio pai?

Chegou finalmente o dia marcado.Era dia de festa e toda a aldeia estavaenfeitada para a corrida e para a ceri-mônia do casamento. Todos esperavamo resultado final.

O rei deu a partida e a Chuva e oFogo começaram a correr. Os tantãs

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Onome dela era Marinela. Ninguém acreditava que eu namorava

uma princesa africana. Algumas pessoas nem sabiam que existia

princesa na África.Mas a minha era de lá mesmo, de Luanda.A Marinela era branquela e tinha mais

sardas do que o céu de Angola. Quando elapegava sol, era o sol que pegava a Marinela.E a princesa ficava com a pele vermelhaque nem a areia do deserto de Kalahari.

Na realidade, a gente só tinha se vistouma vez na vida e todos os dias esperavapelo dia de se ver de novo.

Enquanto esse dia não chegava, a Mari-nela me telefonava todas as noites e nósconversávamos até ela dormir.

Botar uma princesa para dormir, pelotelefone, e escutar a voz dela se desmachan-do, no meio do escuro, me tirava o sono.

Com o seu sotaque português, a prince-sa me dizia que só conseguia dormir depoisde me ouvir. Ou será que era eu que sóconseguia dormir depois de falar no ouvidodela?

Sem nem saber dessa dúvida, no finaldo mês, a rainha e o rei ficavam desespera-dos com a paixão da filha e suas interminá-veis contas de telefone, mais altas que astorres do castelo, mais esticadas que beijo adistância. Todos os dias eu escrevia cartasde amor para a Marinela.

As minhas cartas eram ainda mais com-pridas do que as horas que a gente passavase ouvindo. E as horas que a gente passava

se ouvindo eram maiores que todas as sel-vas da África.

Eu passava o dia escrevendo para ela,mesmo quando nem me sentava para escre-ver, mesmo quando escrevia só na minhaidéia, sem passar para o papel.

E quando eu entrava na agência dos cor-reios, perto da minha casa, as moças dobalcão ficavam de riso exibido para mim.

Afinal, tinha tardes que eu chegava lácom mais que um bocado de envelopes decartas, todos endereçados para a mesmadona.

E se me desse naquela hora uma vonta-de de dizer para a Marinela a mesma coisaque eu dizia sempre, mas de uma formadiferente, eu escrevia telegramas que nãoacabavam nunca, sem nenhuma abreviaturae cheios de repetições.

Porque tem sentimento que não dá paraabreviar e quem ama é repetitivo mesmo.

Muitas cartas e muitos telefonemasdepois, para amansar o coração da filha epassear de carruagem nova, a rainha e o reisaíram do castelo com ela, lá do outro ladoda lonjura, e chegaram à minha cidade.

Então, a Marinela e eu nos reencontra-mos.

A primeira vez que a gente se viu denovo foi no calçadão de Ipanema.

Foi um susto ver que a minha princesaafricana existia mesmo.

E foi uma delícia ver que ela tambémnão acreditava que eu existia.

Depois, a gente continuou a se olhar

Minha princesa africanaMárcio Vassallo

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Versos de Orgulho

O mundo quer-me mal porque ninguém Tem asas como eu tenho! Porque Deus Me fez nascer Princesa entre plebeus Numa torre de orgulho e de desdém!

Porque o meu Reino fica para Além! Porque trago no olhar os vastos céus, E os oiros e os clarões são todos meus!

Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!

O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?! O jardim dos meus versos todo em flor,

A seara dos teus beijos, pão bendito,

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços... São os teus braços dentro dos meus braços:

Via Láctea fechando o Infinito!...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

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E ra uma vez... É assim que começam as histórias de princesas!

Era começo de noite em São Tomée Príncipe, um dos muitos países doimenso continente africano. Inde-pendente de Portugal desde 1975,é formado por duas ilhas, tempouco mais de 200 mil habitantese apresenta expectativa de vidaque se aproxima dos 70 anos de idade.Lá, o cotidiano começa seu agito porvolta de cinco horas da manhã. Chamaa atenção a grande quantidadede crianças e adolescentesque se deslocam na ida evinda para a escola e asmulheres, muitas emuitas, com suas crian-ças junto ao corpo, euma altivez admirável.

Na sala do hotel,aguardávamos a horade jantar. O dia detrabalho1 tinha sidointenso, juntando como calor, o barulho domar, a nossa alegria deestarmos em África.Acreditem, isso cansa.Agora é descanso! Umajovem nos atende, arrumaa mesa para nós e, aomesmo tempo, vai apresen-tando com simpatia o que“dá pra fazer” na cozinha.

Sorri, oferece pratos e sucos, opina sobreos sabores, vai e volta, com agilidade. É

perspicaz, tem voz melodiosa, gestos deli-cados e uma postura esguia, que sustentao corpo de uma linda mulher. Essa é

Iraiurdes! A televisão está ligada, olhos na

tela e no que podemos jantar embreve - é hora do noticiário e muito

nos interessa saber dos assuntos políticose econômicos, assuntos que colam nocotidiano do país. Intervalo na programa-

ção. Uma jovem aparece na TV,dizendo: “Proteja-se contra a

SIDA”. A voz é melodiosa,os gestos são delicados e apostura esguia sustenta ocorpo de uma inteligentemulher. Gente, parece aIraiurdes!!!

Tiramos os olhos datela, nos entreolhamos e,juntos, colocamos osolhos em Iraiurdes, a dasala de jantar, e queparecia a moça da impor-tante campanha publici-tária contra a SIDA, aAIDS, doença cujos sinto-mas por vezes sorrateirosaparecem já em fase adian-

tada da contaminação e que,na invisibilidade, afeta gran-

de parte da população africa-na, incluindo as crianças.

Uma princesa em São Tomé e PríncipeAna Lúcia Silva Souza

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com olho de primeira vez, durante umasemana.

É, a gente foi mesmo feliz para sempre,durante os sete dias que passou junto.

Mas a princesa teve que voltar paraAngola.

Assim, depois que nós nos despedimos,eu escrevi para ela mais cartas do que todosos homens já escreveram antes e ela meligou mais vezes do que todas as pessoas domundo já ligaram para alguém na vida.

Bem, um dia, a Marinela me telefonou,mas não foi para falar de amor, não.

Ela me ligou para me dizer que precisá-vamos terminar de namorar, porque havialonjura demais entre nós, para sustentartanto sentimento.

A gente não sabia que a lonjura era jus-tamente o que sempre tinha sustentadoaquela paixão toda.

- Sei que eu devo estar fazendo a maiorbobagem da minha vida - ela me disse, cho-rando sem parar. E começou a me falar deoutras coisas que atravessavam a pé o seucoração. Só que eu nem escutava mais oque a princesa me dizia, porque só pensavana frase em que ela falava sobre a tal da suamaior bobagem. Depois dessa frase, sóprestei atenção na música daquela voz, semouvir mais tanto a letra.

“Ai que cena bonita, ela me dizendo issocom esse sotaque”, eu pensava na hora, dechoro preso, me fazendo de forte.

No mesmo dia, de choro corrido comum riso no meio, contei para o meu maisvelho amigo o quanto eu tinha achado belaaquela cena. E ele me disse que eu estavamais doido do que nunca e que eu nãopodia achar beleza no meio de tanta tristeza.

- Isso é ainda mais estranho do quevocê ter namorado uma princesa africana,

durante tanto tempo, assim, por carta etelefone – o meu amigo concluiu.

Esta carta, que tu estás lendo agora, é aque eu nunca mandei para a princesa, eque ela provavelmente nunca lerá. Ou seráque lerá? Ah, só de imaginar... Ela, casadacom um homem que preste mais atençãona letra do que na música, mãe de ummenino, morando em alguma outra lonjurapor aí, com aqueles olhos, lendo a minhaúltima carta, e comentando a estranhezacom uma velha amiga, nem tão velha, nemtão amiga. E tudo isso com aquele sotaque.Ai que cena bonita, ai que cena bonita!

MMáárrcciioo VVaassssaalllloo nasceu no Rio de Janeiro,em 1967. Jornalista e escritor, há mais de dezanos realiza palestras e oficinas sobre a impor-tância do encantamento na vida da gente.Escreveu textos para “O Globo”, “Folha de S.Paulo”, “O Estado de S. Paulo” e “Jornal doBrasil”. É autor da biografia “Mario Quinta-na” (Moderna), do livro de entrevistas “Mães: oque elas têm a dizer sobre educação” (Guarda-chuva), e dos títulos “A princesa Tiana e o SapoGazé”, “O príncipe sem sonhos” (Brinque-Book);além de “A fada afilhada”, “O menino dachuva no cabelo”, e “Valentina” (Global). Todosesses títulos foram selecionados pela FundaçãoNacional do Livro Infantil e Juvenil, para oCatálogo de Autores Brasileiros da Feira doLivro de Bolonha, na Itália. “O Menino dachuva no cabelo” também foi selecionado para ocatálogo The White Ravens 2006, da BibliotecaInternacional de Munique, na Alemanha.

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sente que Iraiurdes sente: que tenha podere força essa campanha na TV, com a possibi-lidade de que os movimentos aconteçam emfunção de sua palavra, dita, eivada de sensa-ções e vivências, tornada coisa viva, germi-nando dentro de toda pessoa que a ouvir.

Notas:

1 Na ocasião, 2008, integrei a equipe de especialis-tas da Associação Alfabetização Solidária (Alfasol), noprojeto de cooperação técnica “Alfabetização Solidáriaem São Tomé e Príncipe”, produto de uma parceriaentre o governo desse país e o Ministério das RelaçõesExteriores do Brasil, por meio da Agência Brasileira deCooperação (ABC). Desenvolvido desde 2001, o projeto

realiza diversas ações na área da alfabetização dejovens e adultos e no planejamento, implementação e gestão da oferta de educação continuada.

AAnnaa LLúúcciiaa SSiillvvaa SSoouuzzaa é socióloga, douto-randa em Lingüística Aplicada - Unicamp -Instituto de Estudos da Linguagem, mestre emCiências Sociais pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo. Em seus estudos, buscaestabelecer interfaces entre letramento, relaçõesraciais e práticas juvenis de uso social da lingua-gem. Investiga práticas de letramento no movi-mento cultural hip-hop. Integra a AssociaçãoBrasileira dos Pesquisadores Negros - ABPN.

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Perguntamos a ela: - Ei, é você mesma? - Sim, eu mesma, responde ela. E nós: - Noooooossa! Que legal e interessante! Elasorri e diz que gosta muito de fazer essetrabalho, sente que contribui com umacausa importante; diz que já trabalhou emrádio, é angolana, tem uma filha, gosta de...E isso..., isso... e mais aquilo. É horário dojantar, não dá pra continuar. - Depois vocêconta sua história pra gente? E ela nos dizque sim, podíamos voltar no final do expe-diente que ela contaria mais coisas. E nósvoltamos com sede por ouvir um poucomais de toda aquela história, a de Iraiurdesda sala de jantar e da tela da televisão. Avoz é melodiosa, os gestos são delicados, apostura esguia sustenta o corpo deuma guerreira mulher, Iraiurdes.

Era uma vez uma menina quemorava em Luanda, Angola, emtempos de uma guerra que durouanos e envolveu todas as etnias dopaís. Mais uma das guerras prepara-das pelo colonizador europeu. Certo dia, amenina Iraiurdes estava com sua mãe na igreja.Rezavam pelas vidas em tempos de conflitos.Havia o desejo de paz. O coro em oração subi-tamente interrompido por barulhos, barulho degritos, barulho de tiros, barulho de medos,barulho de gente correndo.

Na sala de jantar do hotel em São Tomée Príncipe, a menina, agora mulher, fechaos olhos, coloca a mão em concha no ouvi-do e, sacudindo memórias, balança a cabeçapara um lado e outro - gesto semântico queimita sua vida -, num movimento que evocaa lembrança que vem e vai. Desse jeito,continua a falar de seu lugar de origem,Luanda, do momento em que correu e seperdeu da mãe. Conta que foi perseguidapelos homens e que, deitada no chão,

fingiu-se de morta para escapar da morte.Viveu. Na rua, depois, encontrou a mãe ecom ela seguiu um cotidiano tecido de mui-tas tramas. Talvez com poucas passagensdos clássicos textos de princesas, nos quaissempre tudo acaba bem, mas com trechosrepletos de histórias das muitas princesasque estão nas áreas de conflitos – tanto noBrasil como em muitos países -, algunsmais explícitos outros nem tanto, mas nempor isso mais brandos ou menos violentos.

Os fios tanto tecem e destecem que aca-bam por levar a angolana para outros paí-ses. A guerra de ontem em Luanda ainda éparte de sua vida, mas o que se vê em seusolhos é sorriso que carrega força, muitaforça! Estuda, é apaixonada por comunica-ção e gostaria de fazer carreira nessa área.Não dá, ainda não dá. Tem de sobreviver,

fazendo outros trabalhos, como agorano hotel. Quando na televisãodiz “Proteja-se contra a SIDA”,

sente-se feliz por ser portadorade uma história que proclama

“Viva a vida e seus itinerários. Proteja-se!Fique vivo!”. Acho que isso tem bem maissentido para quem um dia viu a morte deperto. E não apenas uma vez.

Na vida vivida de todo dia, a princesase casou, descasou, namora e tem umafilha: “Ela é bonita como eu e para elaquero um futuro de vida e de brilho. Vidade princesa!” Iraiurdes, princesa, guerrei-ra, presenteou-nos com fragmentos devida densos, complexos, e repletos dehumanidade. A nossa escuta ainda estáagradecida por suas palavras.

Como nos diz o africano AmadouHampâ Tá Bé, a fala humana anima, colocaem movimento e suscita as forças que estãoestáticas nas coisas. É assim que a gente

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Pesquisando para a edição destarevista me deparei com um filme espanholchamado PRINCESA DE ÁFRICA. Lógicoque logo quis saber mais sobre alguém que,em outro continente, tinha se debruçadosobre os mesmos interesses que eu. Assim,cheguei ao diretor Juan Laguna.

Em seu primeiro filme, Laguna procurafugir de todos os estereótipos sobre gêneroscinematográficos: mulheres, arte e, princi-palmente, a África e choques culturais. Elepenetra no universo dos griots do Senegal,artistas detentores da tradição milenar deseu povo, o que lhes confere um poder euma responsabilidade de verdadeiros reis.

Misturando o real e a animação, o filmeé conduzido pela adolescente africanaMaren e pela terceira mulher de seu pai, abailarina espanhola Sonia. A sedução e asdificuldades de dois mundos tão diferentesestão nas palavras, gestos e olhares de duasmulheres que usam a dança como meio deexpressão e compreensão do mundo.

LC. A História que conhecemos da África foicontada pelas fontes escritas pelos europeus, ouseja, sob o ponto de vista europeu. Geralmenteela fala de um continente subjugado pela escra-vatura e colonialismo. Mas os griots, preservan-do a cultura ancestral através da oralidade, dadança e da música, podem trazer esta históriade uma maneira diferente, do ponto de vistaafricano. Você observou isso durante a realiza-ção de seu filme? E sua perspectiva em relação àÁfrica mudou, após “Princesa de África”?

O fato de que a história “escrita” daÁfrica contenha somente fatos ocorridos nosúltimos séculos nos permite supor que existamuito mais que os ocidentais, por mais quetentem estudar, podem chegar a compreen-der, mesmo que sejam detalhes muito pre-sentes na sociedade africana até hoje.

Nesse sentido, através da música, da poe-sia, da dança, o griot nos aponta uma infor-mação muito interessante do legado familiar,do que se passava há seis ou sete gerações.Pois bem, sempre quem tem a informaçãotem também o poder de manipulá-la. Assimé que devemos estar sempre atentos ao quecontam os griots.

Durante os quase quatro anos que leveipara produzir o filme, minha perspectivasobre a África mudou completamente. Pri-meiro você se aproxima com desconheci-mento e preconceito, mas logo se deixaimpressionar pela magia. E, pouco a pouco,essa magia de alguma forma desaparece.Você passa a ter um distanciamento quenão lhe permite envolver-se excessivamente,mesmo sendo uma relação muito intensa.

LC. A narradora de seu filme é jovem, afri-cana e mulher, os grupos geralmente considera-dos com menos “voz”. Isso foi proposital? O queo fez escolher Maren, 14 anos, como a narradorade seu filme?

No princípio não tínhamos intenção deque fosse assim, mas logo percebemos que oespectador poderia acompanhar a mudançade uma menina de 12 anos em uma atraente

Princesa de África, o filmeUma entrevista com Juan Laguna

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Divulgação

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Os meios de comunicação tentam fazerque acreditemos que esses imigrantes vêmporque nosso país é melhor, e o seu, umam. Está tudo dirigido: fazem-nos acreditarsuperiores ao negro que arrisca a vida parachegar à Europa em uma embarcação, inte-ressa-lhes que o tratamento não seja depessoa a pessoa, mas de superior a inferior,como tem sido sempre.

LC. Li que você não gosta que classifiquemseu filme como documentário. E ele se utiliza delindíssimas imagens de animação, além dasgravações “reais”. Mas a ficção também não éuma maneira de se mostrar e pensar a realidade?

Creio que se deve chamar simplesmentefilme ou filme documentário, porquemesmo que as personagens sejam reais, oobjetivo da história não é documentar, éemocionar. Muitas vezes a pessoa sai docinema e me pergunta incrédula: éverdade? São reais? Não pareceum documentário! As defini-ções que utilizamos no cinemacomo gênero estão obsoletas.Porém, claro, as pessoas necessi-tam delas.

LC. Existe a previsão da estréia de“Princesa de África” no Brasil?

Espero poder lançá-lo no Brasil.Gostaria muito. Farei todo o possí-vel para lançá-lo antes de um ano.Mas hoje não temos nenhum distri-buidor no Brasil.

LC. Nossa revista se chama “Princesas Afri-canas” porque queríamos, através da imagemque a princesa tem dentro do imaginário dasculturas eurocentristas, mostrar a África comoespaço de uma importante cultura e tradição, já

que geralmente a África é contada sob o pontode vista da devastação e do subdesenvolvimento.Por que o seu título “Princesa de África”?Quem é, ou são, as princesas de África?

Coincidimos em muitas coisas. A prince-sa, para mim, representa também falar dafantasia, do imaginário, dos sonhos. E fugirdo real, o que, nos dias de hoje, já não seimuito bem o que é.

Supunha falar da mulher, que é o futuroda África; e o passado, que sustentou essecontinente. Era mostrar uma imagem daÁfrica que fugia da visão ocidental, misturade pobreza, exotismo e caos. Na África exis-te isso, mas a África é muito grande, muitodiversa e muito rica em outras coisas. Que-ria falar de duas personagens que se encon-tram em realidades diferentes. Maren, sene-galesa, 14 anos, sonhando ir para a Europa(como quase todos seus compatriotas) e serbailarina. Sonia, 34 anos, espanhola, baila-rina, atraída pela magia da África. Em

comum, Pap Ndiaye, percussionista,senegalês, pai de Maren e marido de

Sonia. A Europa não é como Maren sonha.

Também tem pobreza, as pessoas nãodançam nas ruas, é muito difícil para umafricano.

E Sonia tem que aceitar que na África,Pap Ndiaye, seu marido, tenha mais duasmulheres, Fama e Kine.

Logo os sonhos são os motores de nos-sos atos, mas quando se fazem realidade

nunca são como havíamos pensado.Mas, pelo menos, nos fazem viver

coisas que ninguém viveu. Valea pena? Eu creio que sim.

Entrevista: Ana Claudia MaiaTradução: Maurício Rúbio

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mulher de 15. Além disso, eu não tinha odireito de colocar um ponto final na históriade Sonia e de Pap (já que é uma história realque persiste e não uma ficção). Mas Maren éuma visão do futuro, é a mudança da socie-dade africana na figura de uma mulher, amistura da tradição com a modernidade. Elaé uma personagem com a qual o públicotem empatia, pois ela não toma parte dasdecisões dos mais velhos. Só observa a reali-dade adulta, mas até o fim do filme não par-ticipa dela.

LC. Pesquisando a origem da palavra griot,descobri que ela vem do francês, por sua vezoriginado do português “criado”, serviçal. Masparece que a figura do griot dentro da socieda-de senegalesa é quase real. Uma realeza dadanão pelo poder divino, mas pelo conheci-mento da tradição. É assim mesmo?

Sim, é isso, possivelmente nomomento da colonização os francesesutilizaram os griots como animadores, comobufões (como muitas vezes ainda hoje setratam os músicos e artistas em nossa socie-dade). Na África, os griots são os portadoresda tradição.

LC. Seu filme trata de choque cultural tam-bém. Não por uma perspectiva política ou eco-nômica, mas pela perspectiva dos laços defamília e dos sentimentos, mas que também temsuas relações de poder estabelecidas. Na verda-de, você fala de dois mundos paralelos que setocam. Mas eles têm a possibilidade de se fun-dir? É possível a criação de um terceiro espaço?Quando pergunto isso, não posso deixar depensar na bela animação que cria um beijoentre os dois continentes, mas também na ques-tão da imigração que acontece atualmente naEuropa.

O choque cultural existe, faz parte domundo de hoje. No filme, quisemos fazercom que as pessoas não vissem as grandesações dos políticos, nem dos formadores deopinião, que vivem a vários quilômetros darealidade. Trazemos uma pequena história,cada vez mais comum, que por um lado falade coisas lindas, mas por outro, mostra adureza e a dificuldade da mistura. Histori-camente o ser humano tem se mesclado,primeiro pela força e depois por vontadeprópria. A mescla não é fácil. Quando duasculturas são muito diferentes, tem quehaver muita paciência para chegar a umponto comum.

Sou “cético”, não creio que seja possível aformação de um

terceiroespaço. A

fusão em artepode acontecer,

masde

pessoa a pessoa semprehaverá alguém que vai

renegar parte de suas raízes.É muito difícil que dois mun-dos reneguem parte de suaidentidade. Isso acontece com

Sonia e Pap, os prota-gonistas, por isso eles

me parecem tão especiais em sua história. Osque tratam ou vivem esses temas são seresmarginalizados e diferentes. Logo, não creioque a sociedade tenha vontade de assimilar amistura. As costas espanholas estão invadidaspor alemães e ingleses, que são diferentes denós e a quem não entendemos, mas aceita-mos e potenciamos. Por outro lado, não acei-tamos que venham africanos, que não dãodinheiro, vêm trabalhar. É tudo estúpido!

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A tradição nagô-yorubá ocupapapel destacado na cultura brasileira.

Para uma adequada aproximação eentendimento da cultura africano-brasilei-ra, temos de estar preparados para uma lei-tura de símbolos. Para tanto, é preciso com-preender o valor da estética como parteintrínseca de uma comunicação de partici-pação direta, interdinâmica e intergrupal,que exige a presença de seus integrantesnum aqui e agora, e a maneira como a arteprocede a elaboração de conhecimentos. Anoção de odara, em língua yorubá expressauma dimensão em que o bom e o belo sãouma coisa só, o técnico e o estético sãoinseparáveis.

Na civilização tradicional africana, espe-cificamente na cultura nagô, o sagrado estáintegrado nas ações cotidianas. A religiãoacompanha a vida; o aiyê, esse mundo, e oorun, o além, estão inter-relacionados pelanoção de axé, força circulante entre essesmundos de que trata a liturgia e que movi-menta a existência e garante o existir.

A forma de vinculação humana, a socia-bilidade nesse contexto, se constitui pelalinguagem estética que o mais das vezesmagnifica o sagrado, pois a religião, o reli-gare, a pulsão ou o desejo de estar juntos,fortalecidos num corpo comunitário, formao egbe, a comunidade envolvida pelos valo-res sagrados transcendentes. Assim, nessecontexto os códigos e repertórios compõeme expressam uma visão sagrada de mundo.Por exemplo, quando nas relações hierár-

quicas o mais novo pede bênção ao maisantigo, ele diz “otun ba mi”, o mais antigopode responder, “eleda mi gbe iin o”, o meuorixá criador o proteja. Portanto, o poderindividual do mais antigo, o seu axé, carac-teriza-se por sua dimensão sagrada, trans-cendente, o seu eleda, fortalecido ao longode sua trajetória sacerdotal.

Da mesma forma que a literatura — ositans, as histórias ou contos em geral per-tencem ao sacerdócio oracular de ifá, ouerindinlogun; os orikis, poemas, e korin, ascantigas, são combinação de versos commúsica percussiva em que os toques ou rit-mos classificam, significam e acompanhamas ações rituais —, a dança é composta degestos que simbolizam os poderes e princí-pios das entidades, bem como seus trajes,paramentos e emblemas. A culinária litúr-gica também simboliza as características dedeterminada entidade, executada através daiya bassê, sacerdotisa que está preparadapela elaboração da comida ritual, iyanlé,conforme as regras da tradição. Nesse con-texto, cor, odor, sabor, textura e composiçãoou apresentação simbolizam; e, paraapreender os significados, são chamados aatuar os cinco sentidos, tato, paladar, olfato,visão e audição.

Na tradição religiosa nagô dois cultos secomplementam: o culto aos ancestres eancestrais, e o culto aos orixás, as forçascósmicas que governam a natureza do uni-verso no qual nos integramos.

Iya Ibeji, a mãe dos gêmeos - A leitura dos símbolos nagôMarco Aurélio Luz

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uma à direita, outra à esquerda. Seus bra-ços se estendem às crianças em atitude deapoio. As crianças, por sua vez — umacom a mão direita, outra com a mãoesquerda — seguram os seios pronun-ciados, representação da propriedadedo poder feminino de transformarseu corpo em alimento e alentoaos recém-nascidos. Com aoutra mão, cada criança seguraum abebe, emblema em formaovalada, parecendo um lequecom espelho, simbolizando a vaidade feminina, mas queexpressa, sobretudo, opoder de fertilidadefeminina, útero, ventrefecundado.

Outro abebe se desta-ca também na imagemesculpida de um ovo-ventre fecundado,caracterizando acontinuidade dasgestações. Contor-nando esse abebe,pequenas partículasde luminescênciasdouradas aludem aoouro, metal de infin-da durabilidade, e decor característica daentidade.

Abaixo, contor-nando a escultura, aimagem de águas cor-rentes, símbolo do poder dafertilidade feminina, alusão ao corrimentosanguíneo dos ciclos menstruais queconotam o insondável mistério da femini-lidade.

A audição do som ritmado das águascorrentes indica que Oxun é a entidadepatrona da música. O ijexá é seu ritmo porexcelência. Uma célebre história narra acompetição entre Oxun e Obá pala predile-

ção de Xangô, envolvendo a orelhacomo símbolo de feminilidade, aqui

combinada com a culinária. Naescultura, brincos pendentes nasorelhas ressaltam esse aspecto.

Na parte de trás da escultura,destaca-se a figura de dois pássa-ros. Os pássaros e os grandes

pássaros, assim como os pei-xes, fazem parte da simbolo-gia das Iya-mi, nossas mãesancestrais. Penas ou esca-mas representam filhosdescendentes desprendi-dos do corpo do pássaromítico.

Uma história contaque no início dos tem-

pos, Olorun, Deus, enviousete pássaros ao mundo.Três pousaram na árvoredo bem, três na árvore domal, e um costuma voarde uma para outra árvore.

Na escultura, os pássa-ros ancestrais volta-dos para o poentesão guardiões domistério e do poderfeminino.

MMaarrccoo AAuurréélliioo LLuuzz é Doutor em Comunica-ção, escultor e escritor, autor do livro “Agadá:dinâmica da civilização africana brasileira”,dentre outros.

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EsculturasJá houve quem aludisse à cultura tradi-

cional africana como “floresta dos símbo-los”. A própria noção de floresta, ibo, serefere a um espaço sagrado onde habitamespíritos, inclusive ancestrais, e onde ocor-rem diversos ritos iniciáticos.

As esculturas obedecem às delimitaçõesdos valores estéticos da arte, isto é, elassão símbolos, representação de idéias,noções ou conceitos da tradição cultural.Elas estão presentes na decoração de palá-cios ou fazem parte das instituições reli-giosas. Nesse caso elas têm uma dimensãotranscendente, pois se destacam do planomaterial para atuar no espiritual. As escul-turas podem estar presentes nos altares,ojubo, ou como parte dos paramentos quecompõem as entidades nos festivais rituais.

A leitura dos símbolos se caracterizapor vários planos. O primeiro, que já sig-nifica, diz respeito à qualidade da matéria,ou substância, da escultura. Nós nos refe-riremos à madeira, que faz parte do atribu-to de determinados orixás. Basta dizer que,de acordo com a tradição, para cada serhumano que criava, Oxalá, orixá que repre-senta o princípio masculino mais antigo dacriação, criava uma árvore. Assim as árvoresestão relacionadas à ancestralidade mascu-lina.

As árvores ocupam uma presençaimportante no mundo sagrado: ramos efolhas podem representar filhos, descen-dência, ancestralidade masculina quegarante a continuidade da vida por infindasgerações. Algumas são relacionadas ao cultoaos ancestrais masculinos, e também estãopresentes na simbologia do orixá Xangô.

As esculturas componentes do panteãodo orixá Xangô são de madeira. Ele é o

alaafin, o senhor do palácio, o rei, patronodas dinastias, da realeza de Oyó, capitalpolítica da tradição, que protege as comuni-dades e garante sua expansão, com muitosfilhos em sucessivas gerações.

Convém dizer ainda da importância dogrupo de escultores. Alguns são de famíliasdedicadas a essa atividade por várias gera-ções e, portanto, muito respeitados nassociedades tradicionais, não só pela técnicae estética adquirida ao longo dos anos, mastambém pelo conhecimento da simbologia.

Iya Ibeji, a Mãe dos Gêmeos e opoder feminino

Os poderes e princípios femininos natradição cultural nagô só se realizam peloprocesso de interação e complementaçãocom os princípios masculinos. Devemosacrescentar que o inverso também ocorre.O mistério da continuidade ininterruptada vida nesse mundo se processa pela con-cepção e gestação.

Os Ibeji, os gêmeos, literalmente nasci-dos dois, ibi+eji, e mais os da gestação sub-seqüente, denominados Taiyo ou Tayewo,Kehinde e Dou ou Eta-Òkò, fazem parteda constelação de entidades do panteão doorixá Xangô e de sua relação com o orixáOxun.

Oxun é Iya mi akoko, Mãe ancestralsuprema, que representa os poderes defecundidade e fertilidade feminina.

Na escultura Iya Ibeji, temos umarecriação da simbologia da tradição refe-rente ao mistério e poder feminino que,através da maternidade, garantem a conti-nuidade da vida.

A escultura de nossa autoria destaca aimagem de uma jovem mãe sentada, comduas crianças apoiadas em suas coxas,

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Maria Felipa é uma heroína negraA poderosa Princesa da BicaUma Iabá guerreira pela liberdadeQue pôs fogo no mar de ItaparicaIncendiou os navios da escravidão

Era uma princesa negra poderosaE simples como o mar e a liberdadeA mesma liberdade arrancada de seu povoA mesma liberdade que brigava na baíaO mar de Kirimurê era o cais da liberdade

Kirimurê tingida de sangue negroFez-se resoluta pela Rua do CaisAté os confins da África MãeOnde viviam livres em suas tribosCom seus Reis e Rainhas e Guerreiros

E Príncipes e Princesas os mais belos E livres antes do veneno da cizâniaAtiçada pelos invasores de além-marFoi lançado povo contra povoE alimentada a cobiça pelo ouro negro

As cortes de além-mar estavam famintasSua cupidez arrasava os horizontesEm busca de ouro de todas as coresO cobiçado ouro negro feito de sangueDe negros e negras escravizados

Traficados como peças de um negócioSeres humanos foram reduzidos A uma mercadoria de alto lucroA África foi transformada em celeiroE seu povo negociado nos mercados

Lançaram reinos contra reinosIrmãos contra irmãosPela força da mentira e da desídiaCaíram os mais fracos nos porõesOs súditos da Rainha África dizimados

Pela febre da escravidão arrancadosDa história de suas famílias e terrasEngolidos pelo mar da escravidãoEsquecidos nos navios infectadosMas mantidos na memória de suas lendas

Dos guerreiros e princesas reis e orixásDas danças e cantigas dos parentesAgora presos nos ferros dos pelourinhosUivam nos troncos na chibata na senzalaGemem nas prisões embrutecidas

Mas no culto de seus antepassadosA união de povos desunidosPelas mentiras dos comerciantes Descobrem que a união é o poderQue precisam para voltar à liberdade

Reúnem-se nos cantos dos xirêsE assentados nas pedras invisíveisCultivam seus deuses e deusasFirmam a memória de liberdadeE fincam a rebeldia nos gestos

E a voz da liberdade se faz ouvirDe um grito onde ecoa independênciaE esse grito ressoa além da falaÉ a luta que se trava aguerridaÉ o sonho em sua plena possibilidade

A lenda da princesa negra que incendiou o marGeraldo Maia

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Tomar Itaparica outra vezDepois de a terem desdenhadoO plano era abastecer homens e nausE rumar fortalecidos sobre o recôncavo Onde esperavam manter a opressão

Mas na fazenda trinta e sete Maria FelipaCostumava ficar bem lá no altoVigiando os barcos que chegavamE à noite em romaria pela praiaCom seu grupo de mulheres guerreiras

Invadia os navios com suas tochasPara atear fogo no mar de KirimurêEssa é a história da corageme da força de uma princesa negraUma mulher guerreira vitoriosa

Uma linda princesa negra Iabá baianaHeroína das lutas da independênciaImpôs aos invasores cruel derrotaSeus navios incendiados e afundadosComo os corpos negros jogados ao mar

Pela força da cobiça e da usuraAgora ardiam os navios da exploraçãoE o povo triunfante inicia sua marchaDesde Santo Amaro, Cachoeira, PirajáOnde o corneteiro ao invés de recuar

Tocou “avançar cavalaria degolando”Estava consolidada a independência doBrasilA força do grito tornou necessária a lutaO povo é o responsável pela vitóriado Brasil em terra de todos nós

“Cresce, oh filho de minh´almaPara a pátria defenderO Brasil já tem juradoIndependência ou morrer”

Terra da princesa africana Maria FelipaA guerreira que tocou fogo nos naviosPara garantir a independência do paísE contribuir decisivamenteNa luta pela liberdade do seu povo

GGeerraallddoo MMaaiiaa é poeta.Contribuem: Hino ao “Dois de Julho”, de

Ladislau dos Santos Titara e José dos SantosBarreto, e uma canção de domínio público.

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A batalha se faz ouvir na voz do povoCom suas cores e vestes destroçadasMas decidido a deixar “nossa pátria hoje livre dos tiranos não será” Espoca a independência encarniçada

E as lutas travadas em terra e marPelas mãos heróicas do povoGarantem que “nunca mais o despotismo Regerá nossas ações, com tiranos não combinam brasileiros corações”

E lá na praia do convento em Itaparica surge Felipa a princesa negra e suacoragem Em seu coração o sangue de liberdadeluta feito vulcão quando perde a paciênciaÉ Maria Felipa e sua força guerreira

“Nasce o sol a 2 de julhoBrilha mais que no primeiro É sinal que neste diaAté o sol é brasileiro”

Seu nome para que todos saibamÉ Maria Felipa de OliveiraA heroína negra da independência daBahiaA heroína negra da independência doBrasilNegra alta forte e desaforada

Contra a opressão dos invasoresDe saia rodada, bata, torço e chinelaA princesa negra que tocou fogo no marAuxiliada por um grupo de mulheresnegrasIncendiou quarenta e dois naviosportuguesesNa lendária Batalha de Itaparica

Ocorrida na praia do convento Em sete de janeiro de mil oitocentos e vinte e trêsNa Ilha de Itaparica que fica na baía de KirimurêA baía de todos os santos na Bahia Onde o povo negro, índio, caboclo e sertanejo

Lutou para garantir a vitória da inde-pendência“havemos de comer/marotos com pão/dar-lhe uma surra/de bem cansanção/fazendo as marotas/morrer de paixão/português, bicho danado/arrenegado,arrenegado”

E o mar foi incendiado com vitóriasO povo negro, índio, caboclo, sertanejoChamou para si a luta nas ruasOnde se fez vitorioso e obrigouA fuga dos portugueses que pensaram

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Você saberia dizer quais princesasnegras brasileiras ou africanas você conhe-ceu? Com quantas brincou ou, até mesmo,quantas sonhou ser um dia? Quantas histó-rias de heroínas negras você ouviu ou con-tou em sala de aula, em casa ou em rodasde bate-papo? Pare e pense: quais delasvocê viu ou vê na TV brasileira hoje? Aquais apresentadoras negras você assistenas telinhas da TV, em programas paracrianças e jovens? Perguntas instigantes echeias de significados...

No Brasil, notoriamente os meios decomunicação ainda mantêm forte investi-mento no “ideal” branco europeu. O padrãode beleza ainda é o de um corpo esguio,etnocentricamente1 valorizado, a ser olhado,desejado e comprado. Trata-se de modelosmagérrimas, altas, de pele clara e, na maio-ria das vezes, de cabelos lisos. São essas asheroínas modernas. Quando eu era criança,essa imposição de um padrão colonialistaparecia algo “normal”, “natural”. Esse para-digma da brancura também se estendiapara as páginas dos livros escolares, fazen-do-se presente nas histórias das princesas eheroínas brancas.

Esse modelo ocidental deixa marcas nasimagens e conteúdos que povoam os livrosdidáticos e paradidáticos, contribuindopara a manutenção de um currículo euro-cêntrico que ainda pouco considera anecessidade de pretejar as páginas com adiversidade. Diante desse contexto, caberelembrar que as imagens ainda hoje pre-

dominantes e que povoam as mídias e tam-bém o imaginário brasileiro são as dasfamosas heroínas européias. Não é novida-de que as narrativas de heroínas brasileirassão marcadas por um investimento na invi-sibilidade ou na estereotipia das heroínasnegras brasileiras.

Onde estão as nossas Nzingas, Acotire-nes, Mahins, Lélias, Beatrizes, Marias, Bene-ditas, Silvas, Souzas, Carmozinas, Neides,Dinhas, Nininhas e assim por diante? Afigura da heroína ainda é permeada poraquela imagem ocidentalizada, sub-repre-sentando as guerreiras negras, sejam elashistóricas, reais, fictícias e/ou mitológicas.2

Uma dessas figuras, a rainha Nzinga(Ngola Ana Nzinga Mbande), liderou os rei-nos do Ndongo e de Matamba (regiãosudoeste africana no século XVII). Viveudurante um período em que o tráfico deescravos africanos e a consolidação dopoder dos portugueses na região cresciamrapidamente. Ela negociava e conversava deigual para igual com a colônia portuguesa e,em sua trajetória, liderou um império mili-tar, venceu várias batalhas e defendeu o ter-ritório angolano de invasões. Ainda hoje étratada com o respeito devido a uma rainhae seu nome se faz presente na história ememória afro-brasileira, seja em livrosinfantis e juvenis, em nomes de ONGs,grupo de capoeira, canções, peças de teatroetc. São as reminiscências de uma guerreiraafricana que inspira a luta anti-racista eanti-sexista no Brasil e na diáspora.

Nas malhas das imagens e nas trilhas da resistência:heroínas negras de ontem e de hoje - Andréia Lisboa de Sousa

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força vital e a palavra formam um elementoprimordial imprescindível para a composi-ção das relações individuais e grupais. Oslegados de inúmeras civilizações africanasestão presentes no jeito de ser e de viverbrasileiro, por meio da história das popula-ções africanas escravizadas, que, comosábias guardiãs, mantiveram a tradição orale recriaram novas rotas e alternativas devida após a colonização. Mulheres, heroínasde ontem e de hoje, reinventam a memóriados fatos e feitos dos antepassados.

Faltam ainda, em nossa literatura, his-tórias que enfatizem a força motriz deresistência e re-existência da cosmovisãoafro-brasileira que estão, por exemplo,com as nossas sábias yalorixás, guardiãs da memória e do axé afro-brasileiro. Ashistórias estão voando por aí, de porta emporta, de chão em chão, de esquina emesquina, de multidão em multidão, deperiferia em periferia. Repletas de magia,cheias de encantos, trancadas nos fios decontas, nas tramas e nas malhas do cotidiano.

É hora de abrir as cabaças da existência,deixar as palavras negrejadas viraremverbo e atitude, incrustando em nossamemória, contando velhas, novas e outrasexperiências Afro-Diaspóricas.

Notas:

1 Termo utilizado quando um grupo, povo ounação vê e interage com o outro, o diferente (o negro,indígena ou o não-branco), a partir do ponto de vistapróprio. Isto é, levando em consideração somente osmodelos e explicações que vêm das idéias formuladas,criadas e veiculadas por esse mesmo grupo. No casodeste texto, refiro-me ao branco europeu.

2 A título de informação, no Dicionário Mulheres doBrasil, de 1500 até a atualidade. Schuma Schumaher eÉrico Vital Brazil. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2000,raras mulheres negras foram incorporadas na obra. Oque isso quiz dizer? Na história brasileira e na da diás-pora africana não existiram figuras negras para seremlembradas, louvadas e exemplos de história de luta?Somente em 2007, o silêncio foi quebrado e os mes-mos autores publicaram a obra: Mulheres Negras doBrasil foi lançado pela Redeh - Rede de Desenvolvi-mento Humano e Senac Editoras. A obra apresentauma retrospectiva sobre mulheres negras na sociedadebrasileira desde o período colonial até a atualidade.No entanto, com a obra é notório ver a ausência damulher negra na esfera de política, nos espaços dedecisão de poder, fruto da herança patriarcal e sexista(entenda-se branca) da sociedade brasileira.

AAnnddrrééiiaa LLiissbbooaa ddee SSoouussaa é doutoranda emEducação na Universidade do Texas/Austin/USA.Mestre em Educação pela Faculdade de Edu-cação da USP (FEUSP). Integra a AssociaçãoBrasileira dos Pesquisadores Negros - ABPN. Fellow do Fundo Riochi Sasakaua/USP. Ex-Sub-Coordenadora de Políticas Educacionaisda CGDIE/SECAD/MEC. Fellow do Pro-grama Internacional de Bolsa da FundaçãoFord. Atualmente, realiza pesquisa sobrediáspora africana em materiais didático-pedagógicos. ([email protected]).

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Outra figura que merece destaque é aescritora negra Maria Firmina dos Reis, queescreveu a obra Úrsula (1859), num momen-to em que nem escritoras brancas tinhamespaço para isso. A obra é considerada oprimeiro romance de autoria feminina noBrasil. Quantos cursos de Letras analisamobras como essa ou como as de CarolinaMaria de Jesus? Quantas Carolinas das fave-las atuais têm sua voz e experiência periféri-ca transformadas em verso, filme ou livro?Mais ainda: quantas negras das favelaspodem ser lidas em 14 idiomas em mais de40 países, como foi o caso de Carolina deJesus? Por que os contos sem fada, semmadrinha, sem varinha, mas com luta,resistência, ginga e sabedoria das mulheresnegras da periferia não têm voz nem vez?Por que são tão raras as exceções, como asque começam a ter vez em vozes como as deConceição Evaristo e Esmeralda Ribeiro?

Considerando a produção de livrosinfantis e juvenis propriamente dita: quaisimagens negras a literatura infanto-juveniltem valorizado? Podemos afirmar quehouve um crescimento de obras narrandofatos e feitos da tradição oral africana. Damesma forma, a cultura e a mitologia afro-brasileira demarcam uma nova fase, aindaem consolidação. Sem dúvida, mais narra-tivas orais e mitológicas, sejam africanasou afro-brasileiras, disparam nas pratelei-ras das editoras, desde meados de 1990.São narrativas de orixás femininas, taiscomo Iansã, Oxum, Iemanjá, Nanã e Obá.No entanto, cabe ressaltar que as nossasheroínas da atualidade ainda não têmespaço nas tramas das histórias infantis ejuvenis. Quando teremos obras para opúblico juvenil narrando a vida de heroí-nas atuais, como as intelectuais Lélia de

Almeida Gonzalez, Maria Beatriz Nascimen-to e, mais recentemente, Neusa SantosSouza?

Lélia foi antropóloga, militante negra efeminista do Nzinga Coletivo de MulheresNegras (RJ) e do Movimento Negro Unifica-do (MNU), dentre outras instituições. Vozdissonante no branco segmento acadêmicobrasileiro, tornou-se referência dentro efora do país. Beatriz, outra pensadora dadiáspora africana, historiadora, poeta e pes-quisadora, contribuiu para a dinâmica dosestudos negros. Neusa Santos Souza, com aobra Tornar-se Negro, corajosamente reali-zou pesquisa psicanalítica, na década de1980, desvendando a complexidade doracismo à brasileira e sua dinâmica internae externa na vida dos negros. Esses sãoexemplos de heroínas que ficam inscritasna memória, no corpo e na história. Essasheroínas foram as griottes, cujo ofício foi ode guardar e ensinar a memória culturalda/na comunidade. Vivenciar e enfrentar asadversidades de um cotidiano de discrimi-nações, preconceitos, sexismos e desigual-dades já é um ato heróico em si mesmo.Inúmeras mulheres negras sejam em ONG’sde mulheres negras, nos movimentos desaúde, moradia, educação dentre outros sãoas guerreiras e feministas negras que for-jam, quando sobrevivem ao cotidiano vio-lento e genocida em que vivemos, novaspráticas e formas de saberes na DiásporaAfricana no Brasil.

Vale salientar que, na cultura tradicionalafricana, a palavra tem o poder de garantire preservar ensinamentos da tradição afro,fazendo circular energia vital, uma vez queé transmissora de força mística transforma-dora do mundo, revelando uma dimensãocriadora e ancestral. As conjunções entre a

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Uma guerreira.Na vastidão finalmente tranqüila do ver-

dejante campo de batalha, seu corpo aindase ergue, orgulhoso e beligerante, mas antesde tudo, imponente, como se, sendo neces-sário, ainda estivesse disposta e preparadapara se entregar à nova refrega.

O corpo formiga de dor, alfinetado semdó nem piedade pelo prolongado combate.Esforço inaudito, as vestes têm rasgão aqui,outro ali. O suor abundante as torna maispesadas.

Não se importa. A leveza produzida peloalívio recente que vem com a certeza dodever cumprido a impele finalmente parafora, de volta a um breve instante de pazantes da próxima batalha. Ofega, narinasdilatadas em buscar do ar para inflar ospulmões exauridos. Há sangue na testa. Umpouco mais escorre de um dos joelhos. Oolhar triunfante passeia pelo verde que seesvazia. Ao cumprimento e ao entusiasmodas companheiras, responde com o silênciode quem tem a nítida consciência de quetoda aquela mansidão em meio ao calorsufocante do entardecer em terra estranhaesconde apenas outro combate, a incertezade novo triunfo.

Não há destino. Não há futuro, pois opresente é precário e o passado reservapoucos momentos que mereçam ser lem-brados.

Olhei-a a distância. Senti-me vingadoapenas por contemplá-la. Eu e minhanacionalidade tantas vezes ignorada, tantas

vezes vilipendiada por aqueles que não aconcebem e, portanto, não a compreendem,até porque como boa parte do mundo esco-lheu a superficialidade como sentido de vidae a ignorância como refúgio seguro nãoentende a sua real profundidade e impor-tância. Aquela guerreira é parte de nós atéporque é em tudo semelhante à imagemque não queremos ter de nós mesmos.

Ela é comum. Não é uma amazona grega.Não tem a estatura física de uma deusa nór-dica, mas tem igual estatura moral e psico-lógica. É estóica, porém orgulhosa. A bata-lha é o seu alimento diário. A esperança, ocombustível do corpo mirrado, feito sólidoe poderoso na fonte espúria do dia-a-dia edas dificuldades cotidianas tão comuns aosdespossuídos.

Ali, na linha de frente de suas convic-ções muitas vezes mais instintivas, atéinconsciente, vejo Tereza do Quariterê àfrente de seu quilombo em Mato Grosso oua guerreira Felipa, no quilombo Alcobaça,no Pará; a princesa Luiza Mahim, nascidana África, engrandecida na revolta dosMalês. Vejo outras tantas princesas, orgulhoe força d’África, que lutaram com unhas edentes por sua liberdade e pela dignidadeem seus quilombos, mas a sua luta é outra,como o é a luta de tantas como ela, nas tri-lhas traiçoeiras do asfalto, nos desfiladeirosde concreto armado das grandes cidades, aovolante do ônibus, no cabo da enxada, àmercê de um longo cabedal de incom-preensões, na precariedade das favelas

Uma guerreiraJulio Emilio Braz

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Princesa não sou. Africana, semdúvida.

Dorme num baú, de onde o tiro em oca-siões especiais, o albornoz de lã preta bor-dado de seda que meu pai jogava sobre osombros por cima do smoking, para ir àsfestas da colônia. O da minha mãe, de lãbranca bordada com fios de prata, a envol-veu como um casulo quando se foi parasempre de toda e qualquer festa.

Setembro de 1937. Ao entardecer do dia26, em Asmara, meu pai vai assistir a umaluta de boxe. Em casa, minha mãe entra emtrabalho de parto, amigos a levam ao hospi-tal. Meu pai só ficaria sabendo à noite, ter-minada a luta - o celular ainda demorariamuito para ser inventado. Assim, a Áfricase imprimiu em mim.

Minha África chamava-se Abissínia,depois se chamou Etiópia, hoje é Eritréia.Minha cidade é fresca, deitada sobre o pla-nalto de Kebessa, a mais de dois mil eduzentos metros de altitude. Diz-se que alia Rainha de Sabá deu à luz Menelik I, filhodo Rei Salomão. Crescem flores em Asma-ra, o pôr-do-sol é um deslumbramento, asruas são largas e a arquitetura tem um sur-preendente sabor art-déco. Morávamos emapartamento, que era mais moderno, e naúnica foto que tenho dessa época, comescrito atrás “o quarto das crianças”, vejouma nursery européia, com minha mãe elegante e jovem, pronta para ir a algumafesta, posando de perfil à luz do abajuraceso.

Festas, encontros, caçadas, a vida nacolônia que o fascismo queria transformarem capital do novo império escorria comprazer temperado de exotismo. Meus paisme contariam mais tarde das luxuosas fes-tas do Governador, que aconteciam porvezes debaixo de tendas, com o chão todocoberto de tapetes, as luzes pendentes,tochas do lado de fora. E os “ascari”, vigi-lantes, ao redor. Ascari eram os soldadosnativos que formavam parte do exércitocolonial italiano, não só na Eritréia, mastambém na Líbia e na Somália. Usavamuniforme branco, uma faixa vermelha nacintura. Guardo até hoje uma dessas faixase, quando a lã macia me envolve em suasespirais, me sinto, sim, uma princesa, umaguardiã do tempo. Os anos, tantos, nadapuderam contra a intensidade daquela cor.

Descíamos às vezes até Massawa para irnadar no Mar Vermelho. Não que fizessedemasiado calor, nunca faz calor excessivoem Asmara. Era a saudade do mar que noslevava, nós irremediavelmente peninsulares.A Itália havia construído uma estrada deferro ligando as duas cidades, obra de enge-nharia colossal que coleava encosta abaixo,misto de serpente e dragão. Gosto de pen-sar que viajei naquele trem, mas creio nãoser verdade, íamos de carro.

De carro também meus pais iam, comamigos, caçar. De jeep, mais precisamente.Ponho à minha frente as poucas fotos quetenho. O grupo está sentado no chão àsombra de árvores ralas, na savana, meu pai

Princesa, não. Mas...Marina Colasanti

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onde a violência arranca filhos dos braçosmas obriga a ser forte para criar e defenderoutros filhos. Sempre à beira da grandeza ea dois passos do fracasso e da desilusão.

Nossa, chorei emocionado, ao vê-la nomeio de tanto entusiasmo, serena e orgu-lhosa em seu anonimato. À celebração deoutras respondia com aquele longo olhardos que sabem o que fizeram e indepen-dem do reconhecimento e da aprovação dosoutros. Ela foi. Ela é. Ela será. Se não paratodos, pelo menos para mim. Naquele diade calor sufocante e de grandes expectativasnum campo de futebol na China, duranteas Olimpíadas de 2008, depois de um aca-chapante 4 a 1 nas imbatíveis alemãs. Dri-blando o pouco caso e montanhas de difi-culdades. Naquele dia eu não vi a jogadoracansada que fazia jus ao ape-lido – Formiga1. Vi uma ver-dadeira guerreira. Uma prin-cesa africana a sós com asavana e seu destino. À espe-ra. Sempre à espera. Minhaguerreira. Tão forte quantooutras tantas. Tão comumquanto outras tantas. Tãoigual a todos nós, filhos deÁfrica, vitimados por umacerta miopia social que confi-na muitos a uma invisibilida-de implacável, parte dessegigante chamado Brasil.

Sabe, Formiga, a medalha de ouro nãoimporta mais. Será, como disse um antigotreinador, um mero detalhe. Um importantedetalhe, mas ainda assim, um detalhe. Eu jáa carrego no peito desde aquele jogo. Orgu-lho de vê-la se multiplicando como umaleoa no campo enquanto outros tinhamolhos para a beleza passageira de belos e por

vezes inúteis dribles. Orgulho de saber queo que realmente importa é a epopéia docaminho trilhado e não o destino. Que a ver-dadeira felicidade é persegui-la e muitasvezes não alcançá-la. Que vencedor não équem ganha, mas antes, quem acredita sem-pre que é possível ganhar, que pode ganhar.

“Ave Form¥ca!”Os que vão te ver, ainda por muito

tempo, te saúdam.

Notas:

1 Formiga é Miraildes Maciel Mota, meio-campistada seleção brasileira de futebol feminino, que conquis-tou medalha de prata nas Olimpíadas de 2008. Elanasceu em Salvador, BA, e desde 1995 faz parte daSeleção. É uma lutadora fora de campo também e umade suas batalhas é melhorar as condições do futebolfeminino no Brasil.

JJuulliioo EEmmiilliioo BBrraazz é escritor. Autodidata, setornou escritor profissional escrevendo roteirospara histórias em quadrinhos nas revistas deterror da Editora Vecchi, do Rio de Janeiro.Muitas de suas histórias foram publicadas emvárias editoras no Brasil, em Portugal, Bélgica,França, Holanda, Cuba e EUA. Tem mais de134 livros publicados e vários prêmios nacionaise internacionais.

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MMaarriinnaa CCoollaassaannttii nasceu em Asmara, Etió-pia, morou 11 anos na Itália e desde então viveno Brasil. É escritora, jornalista e artista plás-tica. Publicou vários livros de contos, crônicas,poemas e histórias infantis. Recebeu diversos

prêmios nacionais e internacionais. Dentreoutros, escreveu “E por falar em amor”,“Contos de amor rasgados”, “A morada do ser”,“A nova mulher”, “O leopardo é um animaldelicado” e “Uma idéia toda azul”.

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de botas altas e calças de montaria, minhamãe de short e sapatinhos brancos, a seuspés os capacetes de cortiça forrados, o delacom duas pequenas plumas. Pareceriamfantasiados de caçadores, não fosse o cansa-ço e o calor que transparecem na postura,nos rostos sem sorriso.

Perguntei a minha mãe se ela tambémmatava animais nessas caçadas. Me contouque, depois de uma noite inteira de vigíliajunto a um bebedouro, havia feito barulho,de propósito, para espantar as gazelas. Euera criança, queria ouvir de ações heróicascom leões ou leopardos, mas essas gazelasem fuga e salvas nunca mais esqueci.

Fugiu também um macaco curioso, emoutra ocasião, mas não conseguiu salvar-se.No jardim vazio, onde me haviam deixadono berço para tomar sol, o macaco aproxi-mou-se atraído. Do alto da janela meu paio viu subir no berço, estender a pata, talvezpara pegar alguma coisa que eu comia, tal-vez para me tocar. Não sei se meu pai gritouprimeiro para espantá-lo, sei que atirou deonde estava e o atingiu no peito. De certaforma, meu pai também se atingiu, porquetodas as vezes que me contou essa históriaimitou com tristeza o gesto do macacolevando a mão ao peito, e dobrou-se comose sentisse dor.

Você falava africano?, sempre me per-guntam, como se houvesse africano. Da lín-gua que se falava fora da minha casa sóguardei uma palavra, Zemba.

Zemba foi o nome dado por meu pai aonosso galgo italiano, pequeno e magérrimo,trêmulo como se sempre com frio. Amagreza e sua alma gentil custaram-lhe avida. Um amigo da família criava um leãono jardim, não solto, evidentemente, masna jaula. E uma tarde, durante uma visita

ou almoço, o doce Zemba, aproveitando suaanatomia esguia para socializar, meteu-seentre as grades da jaula. Zemba significamosca. Aquela pequena mosca pálida nãoteve nem tempo de pousar-se no leão.

Em casa, falávamos italiano. E continua-mos falando italiano quando saímos deAsmara e fomos viver em Trípoli. Que belacasa tínhamos em Trípoli, com um muroalto ao redor do jardim, e um cacto enormeencostado no muro, e um cachorro que nãochegava perto do cacto, e um poço. Tudoisso eu lembro, embora não tivesse aindaquatro anos.

Mas da cidade além do muro, daquelaTrípoli absolutamente mediterrânea, cheiade arcadas brancas e palmeiras, que vejoatrás da minha mãe na foto tirada em maiode 1940 quando já a Itália havia entrado naSegunda Grande Guerra, a única imagemque levaria comigo seria a da partida.

Deixamos a África de hidroavião, moder-nos até nisso. Eu o conservo em minhamemória, anguloso e escuro como um inse-to pousado sobre a água. E conservo omedo que cristalizou aquele embarque,para sempre sentada no bote de madeiraque nos levaria até ele, e que meu irmãobalançava propositadamente, para que meumedo visível encobrisse aquele, secreto, queele escondia no peito.

A África, para onde meus pais haviam setransferido cheios de projetos e de entu-siasmo, dispostos a viver uma nova vida ecomeçar a minha, já nada lhes oferecia, anão ser perigo. Nunca mais voltariam a ela.Mas uma parte de mim nunca a deixou.

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Havia uma mulher que tinha umafilha e uma enteada. A mulher não gostavanem um pouquinho da enteada e a faziatrabalhar como escrava, enquanto que ela ea filha passavam os dias passeando e des-cansando. Todos os dias ela obrigava a pobremenina a levar vários potes de azeite paravender no mercado e ela só podia voltarpara casa depois que todos fossem vendidos.

Um dia, já quase noite, a menina estavaainda no mercado sem saber o que fazer.Não conseguira vender nem metade dospotes e certamente a madrasta a castigaria.Foi quando apareceu Iwin, a rainha dasfadas, e deu-lhe dez conchas, que era odinheiro daquele país, por todos os cestos.Ela ficou muito contente, mas quando con-tou as conchas, viu que uma delas estavaquebrada, e correu atrás da fada gritando:

Iwin! Por favor, me dê outra concha!Minha madrasta me baterá se eu chegar emcasa com uma concha quebrada!

Vá embora, menina, não tenho outraconcha - respondeu a fada.

Mas a órfã continuou a segui-la insistindo:Iwin! Por favor, me dê outra concha!

Não posso chegar em casa com uma conchaquebrada!

Volte pra casa, menina, pare de meseguir! Somente fadas podem entrar naterra das fadas, e é para lá que eu vou.

Pois eu irei aonde você for até que medê outra concha - respondeu a menina.

E assim foi. Andaram, andaram, até quechegaram a uma floresta muito escura.

Volte, menina - disse Iwin - somentefadas entram nesta floresta.

Mas a menina repetiu: Irei aonde vocêfor até que você me dê outra concha.

A floresta era escura e quente e ouviam-se uivos e urros de animais por toda a parte,mas a menina seguiu a fada como uma som-bra, pisando em seus passos. Mais adiante,chegaram aos pés de uma alta montanha.

Volte, menina, somente fadas sobem estamontanha - insistiu Iwin.

Mas a órfã repetiu: – Irei aonde você for, até que me dê

outra concha. A montanha era gelada e as pedras cor-

tavam seus pés, mas ela seguiu Iwin até oalto. Depois de muito andar, chegaram àbeira de um grande rio.

Volte, menina, somente fadas atravessameste rio.

Mas a menina sabia bem o que queria einsistiu:

– Irei aonde você for, até que você me dêoutra concha.

As águas do rio eram rápidas e traiçoei-ras, mas ela segurou a ponta da túnica darainha das fadas e seguiu-a até o outro lado.

Chegaram, enfim, à terra das fadas.Pois bem, já que você chegou até aqui,

dê-me de comer - disse a fada. Pegue aque-las bananas, coma-as e me dê as cascas.

A menina colheu as bananas, mas nãoteve coragem de dar as cascas para Iwin,afinal ela era uma fada. Preferiu comê-lasela mesma e dar-lhe as frutas.

Os três cocosMaria Clara Cavalcanti de Albuquerque

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Menina, vá até aquela árvore e cate trêscocos. Mas cuidado, não colha aqueles quepedirem para serem colhidos, colha os queficarem calados, depois volte para sua casa.No meio do caminho, abra um dos cocos;ao avistar sua casa, abra o segundo; e quan-do encontrar sua mãe, abra o terceiro.

A menina correu até o coqueiro, mascomo os cocos que gritavam para seremcolhidos estavam já caídos no chão, pegou-os e voltou correndo para casa.

No meio do caminho, abriu o primeiro.De lá saiu um enxame de abelhas que ateriam matado a ferroadas, se ela não mer-gulhasse no rio.

Ao avistar sua casa, a menina abriu osegundo e de lá saíram centenas de animaispeçonhentos: sapos, lagartos, escorpiões,baratas e ratos, que invadiram o quintal.

E quando a mãe correu ao seu encontro,ela abriu o terceiro coco. De lá saíramtigres e leopardos que correram atrás delase as devoraram.

Adaptação de MMaarriiaa CCllaarraa CCaavvaallccaannttii deum conto oriundo da Costa dos Escravos, dolivro “Os africanos no Brasil”, de Nina Rodri-gues, publicado pela Editora UnB, p.236. Nomesmo livro, à página 239, existe uma variantedesse conto, contada pelos escravos de origemNagô na Bahia. Esse conto pode ser considera-do uma variante africana do conto “As Fadas”,compilado por Perrault. Encontramos, também,nele, elementos da “Moura Torta”.

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Agora me dê de beber - continuou Iwin.Colha aquelas laranjas, chupe-as e dê-me obagaço.

Mas a menina novamente fez o contrá-rio. Deu o caldo da laranja para a fada econtentou-se com o bagaço.

Agora cate meus cabelos – ordenou a fada.Os cabelos de Iwin estavam cheios de

alfinetes que feriam seus dedos, mas amenina os tirou um a um sem soltar umúnico gemido. Então a fada falou:

Menina, vá até aquela árvore e cate trêscocos. Mas cuidado, não colha aqueles quepedirem para serem colhidos, colha os queficarem calados. Depois, volte para sua casae nada de mal lhe acontecerá. No meio docaminho, abra o primeiro coco; quandoavistar a sua casa, abra o segundo; e quan-do encontrar sua madrasta, abra o terceiro.

A órfã fez exatamente como a fada lhemandara. Embora muitos cocos no chãogritassem: “Colha-me! Colha-me!”, elasubiu no coqueiro, colheu três que nadadiziam e levou-os com ela.

No meio do caminho, abriu o primeiro. Dedentro dele saiu um cavalo negro como anoite que se abaixou para que ela o montasse.

Quando avistou ao longe sua casa, abriuo segundo, e de lá saíram ovelhas, cabras evacas que encheram os estábulos e o quin-tal. E quando ela entrou em casa e abriu oterceiro coco, a casa ficou cheia de conchase de pedras preciosas que transbordavampela porta e pelas janelas.

A madrasta, vendo tanta riqueza, ficoumorta de inveja, e fez com que a meninacontasse onde conseguira tudo aquilo paraque sua filha tivesse a mesma sorte.

A menina contou tudo à madrasta: comoencontrara Iwin, a rainha das fadas, nomercado, como a seguira etc., etc.

Ah! Na mesma hora, a madrasta, semdar ouvidos às reclamações da filha, obri-gou-a a ir ao mercado vender azeite.

Aconteceu tudo igualzinho como acon-tecera à irmã. A fada comprou-lhe o azeitee pagou-lhe com dez conchas, sendo umaquebrada. A menina pôs-se a segui-la. Pas-saram pela floresta quente e úmida e amenina seguiu-a reclamando aos gritos quenão agüentava tanto calor. Subiram a mon-tanha gelada e Iwin teve que suportar asqueixas da menina, que a cada passo recla-mava do frio. Quando atravessaram o rio, amenina agarrou-se de tal forma à túnica dafada, que quase as duas caíram dentrod’água. No entanto, apesar de todos os res-mungos e reclamações, sempre que Iwintentava se livrar dela e a mandava embora,ela respondia como a irmã lhe ensinara:

– Irei onde você for até que me dêminha concha.

Quando, enfim, chegaram ao reino dasfadas, Iwin falou:

Dê-me de comer. Pegue aquelas bana-nas, coma-as e me dê as cascas.

E o que você pensou que eu faria? - res-pondeu a menina com maus modos. Acha,por acaso, que comeria as cascas para vocêficar com as bananas?

A fada pegou as cascas e disse:Agora me dê de beber. Colha aquelas

laranjas, chupa-as e dê-me o bagaço.A menina chupou todas as laranjas e ati-

rou os bagaços para a fada dizendo: – Tome a sua parte.Agora cate meus cabelos - disse a fada.E você acha que eu vou ferir meus

dedos em seus cabelos, sua bruxa? - per-guntou a menina, assim que viu os alfinetesna cabeça de Iwin.

A fada olhou-a com desprezo e falou:70

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Nasci princesa. Certamente antesdisso vivi embalada nos sonhos de meuspais, que tanto queriam uma filha mulher.Os sonhos viraram traços fortes de brejeiramorenice. O nome, Rosa Luanda, surgiude dupla homenagem: à minha mãe (talvezpor ela nunca ter desistido de ter umafilha mulher) e à capital de Angola, terrade origem dos meus familiares mais anti-gos. Uma África que não conheço, miste-riosa e distante, se instalou em mim desdeantes do meu nascimento, entranhada napele e encarapinhada nos cabelos.

Nasci numa casa simples, primeira filhade um casal que já tinha quatro filhoshomens. Meu nascimento foi comemoradocom muita festa. O que não era de estra-nhar numa família festeira como a minha.Meu pai, um caminhoneiro que rodava oBrasil todo, sempre voltava carregado degrande saudade e pequenas lembranças:doces, revistas para colorir, fivelas, contase fitas para o cabelo, além de algum brin-quedo.

Com meu pai chegava também muitamúsica. Nossa casa era pequena, acabandonum gostoso quintal de terra, ou melhor,num pequeno terreno de forma irregular,onde imperava uma jabuticabeira. Eradebaixo daquela árvore que tudo aconte-cia, sobretudo a cantoria dos sábados.Com um violão e algumas cervejas, meupai soltava a voz. Rosa, minha mãe, suaeterna “rainha das flores” era a primeirahomenageada: “Rosa, Morena, aonde vais

morena Rosa, com essa rosa no cabelo eesse andar de moça prosa1”. Para mim,Rosa Luanda, a sua “Princesinha de Angola”,ele inventava: “Rosa Luanda, Princesa deAngola, entra na banda e pega a viola, óPrincesa de Angola, vem pra roda, vemcantar que a dança vai começar” - as rimassubitamente enriquecidas pelos acordesque tomavam conta do quintal. Meus doisirmãos mais velhos dançavam com suasnamoradas; os dois mais novos revezavam-se na dança com minha mãe, Vovó e a Bisa.E quando me tiravam para dançar, eu subianos sapatos deles e rodava feliz, por entreos espaços permitidos pelas raízes da jabu-ticabeira.

A música e a dança corriam em nossosangue. Com minha avó aprendi a cantar ea dançar. Ela era alegre, cantava o tempotodo e me fazia decorar seu vasto repertório,que ia das cantigas de ninar até as suasprediletas, as que exaltavam a presença donegro no Brasil. Eu não entendia muito oque cantava, mas fazia coro com ela: “Glóriaa todas as lutas inglórias, que através danossa história, não esquecemos jamais!Salve, o almirante negro que tem ummonumento nas pedras pisadas do cais!2”.Ela me dizia que um dia a escola ia meensinar o que tinha sido a Revolta daChibata e que, então, eu compreenderia oque estava cantando. Mas para Vovó, eunão era só a princesa de Angola, das brin-cadeiras do meu pai. Era também a sua“Morena de Angola3”, música que ela me

Uma princesa afrodescendenteSueli de Oliveira Rocha

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num momento em que, de cansaço, Vovótenha cochilado sobre suas costuras.

Eu não conhecia ninguém em minhanova escola. Os alunos estavam juntosdesde o começo do ano, eram amigos unsdos outros. Eu me percebia uma estranhanaquele espaço. A cada dia eu me encolhiamais, longe da proteção do meu castelo. As crianças também me estranhavam.Eram perversas em suas brincadeiras,feriam-me, ironizando meu nome. Erra-ram seu nome, Rosa Luanda? Era RosaLuana que você ia se chamar? Eu tinha von-tade de gritar que eu me chamava RosaLuanda sim, Rosa Luanda, princesa deAngola. Queria gritar que Luanda existia,que ficava na África, que era a capital deAngola, a terra dos antepassados do meupai. Mas eu não falava nada. O olho ardia,o nó na garganta me impedia de dizeralguma coisa e eu me calava, sofrida.Nessa hora, essa África que marcava terri-tório em meu nome e em minha pele mesufocava com correntes tão fortes como asque prendiam os pés e o pescoço dosmeus antepassados escravizados. Sentia opeso da cor da minha pele. Queria fugirdaquele lugar, onde, nas festas, as prince-sas que cantavam e dançavam eram outras,lindas e loiras. Eu me sentia feia, desajei-tada e sem graça. Pensava em Dandalun-da. Por que ela não vinha me ajudar?

Naquela escola, a África era apenas umceleiro de negros e embrutecidos escravos.Em nada se parecia com a África das his-tórias da Bisa. Aquela África ia ficandocada vez mais distante. Para não me sentirexcluída do grupo, aos poucos fui encon-trando meios de anular a minha descen-dência africana. Defendia-me do isola-mento buscando identificar-me com o res-

tante da turma. Passei a pedir a Vovó quepenteasse meu cabelo esticando-o bem eprendendo-o num rabo-de-cavalo que ter-minava em uma trança única, num desejoinconfessado de conter a rebeldia dosgrossos fios. Ficava distante a princesa deAngola, o carinhoso apelido de família. O nome Rosa Luanda também esteve per-dido naquela escola. Quando aprendi aescrever, passei a assinar Rosa L. Raraspessoas perguntavam o que esse L. abre-viava. Estavam me ensinando a me defen-der da exclusão, de uma forma perversa,negando minha origem africana.

Quando Vovó se aposentou, senti o alí-vio de poder deixar aquele lugar e voltarpara minha antiga escola. Dandalunda,sorrindo, soprou em meus ouvidos quesempre era possível mudar o que não iabem. Rosa Luanda renascia, consciente desua afrodescendência e de sua brasilidade.Princesa de Angola e do Brasil.

Notas:

1 Rosa Morena (1960): composição de DorivalCaymmi.

2 Mestre-sala dos Mares (1975): composição deJoão Bosco e Aldir Blanc.

3 Morena de Angola (1980): composição de ChicoBuarque de Hollanda.

SSuueellii ddee OOlliivveeiirraa RRoocchhaa é coordenadora, naBaixada Santista, do Programa de Leitura daPetrobras-RPBC pela Leia Brasil, ONG de pro-moção da leitura. É também membro da equipepedagógica do Gruhbas Projetos Educacionaise Culturais e do conselho editorial dos jornais“Bolando Aula”, “Bolando Aula de História” e“Subsídio”.

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fazia dançar, rodando e requebrando,enquanto ela cantava, batendo palmas.

A África também me chegava, dia apósdia, pelas histórias de minha bisavó.Quando todos saíam para trabalhar, eraela quem cuidava de mim. E me conta-va histórias lindas. A lenda da galinhad’angola era a minha preferida:aquela kerere, gritando “tôfraco, tô fraco” porque seachava feia, e sendo ajudadapor Dandalunda para se tor-nar bonita, me dizia que sem-pre era possível mudar algu-ma coisa que não ia bem. ABisa me contava histórias quevinham de muito tempo e demuito longe, contadas e reconta-das por gerações, ligando-mea uma África de lendas egriots com um elo tão tênuecomo nuvens de algodão.Essas histórias já eram afro-brasileiras, pois a Bisa preen-chia com fatos lidos nos jornaisas lacunas que a memória ia furtivamenteconstruindo. E ela dava um jeito de mefazer entrar nas aventuras que contava.Eu era, então, Rosa Luanda, princesade Angola. De uma Angola que a Bisasó conheceu pelas históriascontadas pelos parentes maisvelhos que ela, mas da qualela sentia imensa saudade.Banzo - brincava meu pai,quando a via triste - Isso ébanzo! E em seguida, ele dis-sertava sobre o tempo em queos negros escravizados noBrasil morriam de saudade daÁfrica.

Uma noite, sem avisar, a Bisa foi para océu de Angola. Papai pediu a mim quenão chorasse. “A Bisa foi embora feliz.Dandalunda a levou para conhecer Luanda e a ilha de Mussulo com suas

areias douradas”, - contou meu pai, meconsolando.

A verdade é que sem a Bisa emcasa, eu me tornei um proble-

ma, pois ninguém podia lar-gar o emprego para ficarcomigo. Resolveram, então,que eu iria para uma escolaque ficava perto de ondeVovó trabalhava. Ficaria nela

o dia inteiro, até completar opouco tempo que faltava para

Vovó se aposentar. Ela traba-lhava numa oficina de cos-tura, onde o trabalho eratanto que ela trazia serviçopara terminar em casa, ànoite. Lembro das muitasvezes em que, após a partidada Bisa, eu acordava com o

renc-renc-renc da velha máquina decostura. Vovó então me dizia que dormisse, que ela ficaria acordadatomando conta do meu sono. Dizia-me também que sossegasse, que tudo

daria certo na nova escola. Ela percebia o meu medo doescuro misturando-se ao meumedo de enfrentar a novasituação, e procurava me acal-mar. Nada lhe escapava, elaestava em todos os lugares,

sempre cuidando para que tudoestivesse bem. Imagino que aBisa deva ter aproveitado paraescapulir para o céu de Angola

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Oguntê, MarabôCaiala e SobáOloxum, Ynaê

Janaína e YemanjáSão rainhas do mar...

Lenda das Sereias, letra de Marisa Monte

A h, o mar! Quanto mistério hánessa imensidão de generosas águas...

Para mim o mar nunca significou sepa-ração, mas união. Foi ele quem construiuessa terra hoje chamada Brasil, ao trazerpara cá mais de dez milhões de africanos naera colonial e quase seis milhões de imi-grantes de vários países do mundo, a partirdo século XIX.

Mas em 1956 foi que o mar trouxe parao Brasil a pessoa mais importante de todasas pessoas importantes trazidas por ele.Minha mãe. Ela e a família embarcaram noprimeiro navio possível, após o ultimato deum governo nazista do Egito. Foi uma via-gem longa, com uma parada de um mês naItália, por causa de doença na família, emais um mês a navegar. Metade dessetempo, a menina de 11 anos levou paraenxugar as lágrimas e se conformar com asraízes arrancadas. Na outra metade da via-gem, ela se dedicou a estudar a língua dopaís no qual chegaria. Passou dias e noitesmergulhada no único livro em língua portu-guesa que havia no navio. Uma gramáticade português de Portugal.

No porto de Santos, sem ainda imaginarque estava sendo abençoada por todos ossantos, minha mãe, aquela menina, fez umapromessa. Sem nem saber o que era pro-messa ainda. Inconformada por não conse-guir pronunciar um “a” na língua daqui,numa rasgada necessidade de se recons-truir, fazer laços e criar novas raízes elajurou: dominaria o português.

Depois que ela se formou em Letras evirou mestre em Literatura Brasileira, eunasci. No Rio Grande do Sul, durante asfestas juninas, minha mãe me vestia deprenda gauchesca. Depois, quando fomosmorar em Rondônia, porque ela foi lecio-nar na universidade de lá, descobrimos osvestidos de lese, que me transformavamnuma princesinha caipira. Mais tarde, emBrasília, nas apresentações de balé clássico,ela dizia que a única diferença entre mim eas bonecas russas das caixas de música éque eu sorria.

Cresci indo às praias, aos igarapés, àsserras e às cachoeiras de todo o Brasil.Festejávamos Pessach, Natal, Hosh Hashaná,São João. Comíamos acarajé, mousse decupuaçu, feijoada, caldeirada de tucunaré,tabule com quibe cru. Eu estava sempre nomeio das feiras, das capoeiras, dos sambas edas óperas que ela adorava ouvir especial-mente enquanto limpava a casa.

Eu já era quase uma professora, quandouma zombação me tirou o rumo. “JanaínaDidio Michalski! Que nome esquisito, nadacombina com nada!”, gargalharam minhas

Princesa descombinada Janaína Michalski

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Não te arrependas (fragmento)

Rhea Sílvia, a virgem princesa, vai descuidosa Buscar água ao Tibre, e o Deus dela se apossa.

Assim Marte gerou os seus filhos! — Uma loba amamenta

Os Gêmeos, e Roma nomeia-se princesa do mundo.

Johann Wolfgang von Goethe, in "Elegias Romanas"

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Como a luta só termina quando existe umvencedor

Yansã virou rainha da coroa de XangôMas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar

Yansã, cadê Ogum? Foi pro marA Deusa dos Orixás (Romildo/Toninho),

intérprete: Clara Nunes.

Há séculos, rainhas e reis, prínci-pes e princesas da grande mãe África marca-ram presença na história de seus países emesmo na de outros, seja trazidos(as) acor-rentados(as) em grandes navios negreiros,seja marcando seus espaços de direito nasterras que sempre lhe pertenceram.

A diversidade étnica sempre esteve pre-sente na representatividade desses gruposmonárquicos espalhados por todo o conti-nente africano. A pluralidade e o formatodessas famílias reais “temperaram” a históriamundial de várias maneiras. Decisões políti-cas e religiosas foram estabelecidas, partindode influências e/ou colaborações dos africa-nos que se fizeram presentes como subjuga-dos ou como chefes de seus estados. Muitasdessas personalidades reais viraram mitos ousantas que servem de exemplo, ou que sãocitadas em situações diversas.

Para dar início à viagem, entre rainhas eprincesas, recorremos a uma das mais conhe-cidas na história mundial, Cleópatra VII, quenasceu no ano de 69 a.C., em Alexandria,cidade fundada por Alexandre, numa regiãopantanosa onde ficava o baixo império

egípcio e que desempenhou o papel demetrópole cultural, artística e econômica doMediterrâneo Oriental. Ela era egípcia denascimento, mas de dinastia macedônica.Sua família estabelecera-se no Egito em 305a.C., quando o general macedônio Ptolomeutomou o título de rei. Filha do rei PtolomeuXII Auleta e da rainha Cleópatra V, ela che-gou ao poder do trono egípcio quando o pai,antes de falecer, nomeou-a e ao irmão comoos novos soberanos do Egito. Mulher de umainteligência incomparável, teve a vida trans-formada em história que foi contada pordiversos escritores e apresentada ao públicosob vários formatos, de livros a filmes. A con-vite de César e a contragosto dos romanos,passou um tempo em Roma, onde Césarmandou fazer-lhe uma estátua de ouro, quefoi colocada no templo da deusa Vênus.Após o assassinato de César, Cleópatra voltoupara o Egito onde seu marido morre miste-riosamente. Assim, ela chegou ao poder,tendo o filho como co-regente. Em 30 a.C.,em Alexandria, Cleópatra morre vítima deuma picada de serpente. Com sua morte, oEgito torna-se província de Roma.

A princesa de origem bantu, Anastácia,que teve sua existência colocada em dúvidapor falta de provas e documentos a seu res-peito, é outro exemplo. Mas, para o povo epara alguns historiadores(as) sobre o tema, a escrava Anastácia existiu sim. Conta-se quechegou ao Brasil em uma caravela de nome“Galanga”, junto com uma família real africa-na e mais 120 negros. Nesse navio negreiro

Princesas africanas e algumas históriasTiely Queen (Atiely Santos)

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colegas da escola de normalistas no Rio deJaneiro. Concordei com elas e achei quedeveria me chamar Sarah, Veruska ouNatasha. Tive uma crise de identidade queparecia não ter fim: Sou judia? Cristã?Espírita? Não tenho sotaque, não tenhocara de estrangeira, não me pareço comuma brasileira... Janaína não combina comDidio que não combina com Michalski! “Eu não sou daqui”, gritou meu coração.

E com um enorme pacote de tudo o queeu tinha sido e achava que não era mais oudo que eu ainda era e achava ser um com-pleto absurdo, bati à porta de minha mãe.Reclamei da descombinância do nome, daincoerência das escolhas, das múltiplascidades, do singular sincretismo de reli-giões, da falta de centro no meu interior.

Com uma calma de maré baixa, a douto-ra em Ciências da Linguagem me disse queeu era apenas Janaína, uma princesa. Eprincesas não precisam ser de lugar nenhumporque são de todos os lugares ao mesmo

tempo. Àquela confusão empacotada demim mesma ela disse ser brasilidade: uminfinito de cores, pessoas, lugares, formas,sons. Dentro desse infinito, não haveria apossibilidade de me centrar. Infinitos nãotêm centro. E são belos porque são umamistura e não uma combinação de coisas. Etambém não têm explicação porque a bele-za nem sempre se traduz em palavras.

Sentindo-me enlaçada no balanço dasondas do mesmo mar que a trouxe para oBrasil, ouvi de minha mãe que eu era suapromessa cumprida: sua Janaína, sua brasi-lidade, sua raiz aqui. E que isso era mesmomuito difícil de explicar. Mas que se eumesma ou outro alguém insistisse em que-rer saber, era para eu simplificar dizendoque ela veio do Egito, na África. E que souJanaína, uma princesa africana.

JJaannaaíínnaa MMiicchhaallsskkii é jornalista e escritora. Éautora de “Onde o Sol não Alcança”, livro queserá lançado em breve pela editora Nova Fronteira.

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fugiu para um quilombo e foi viver juntodas pessoas que não aceitavam a escravidãoe lutavam contra aquela opressão e sofri-mento. No quilombo que tinha seu nome,todos e todas a queriam bem. Além de seruma grande guerreira que defendia o qui-lombo e ajudava na fuga e libertação deescravos, Alafiá era uma grande contadorade histórias. Sempre que podia, ela reuniaas crianças do quilombo para contar histó-rias da sua terra, Daomé, e da criação domundo através das histórias dos Orixás.

Outro momento interessante relacionan-do a história de princesas africanas e nossadiversidade cultural é o das princesas mar-roquinas, mulheres e concubinas de MuleyAbdessalam, príncipe herdeiro do trono doMarrocos. Muley era o quinto filho deMohamed III, que reinou de 1757 a 1790 etomou Mazagão, uma possessão portuguesano norte da África. Por contingências deuma viagem por mar, a comitiva do príncipeMuley Abdessalan formada por 221 pessoas,entre elas a esposa - a princesa Laila Amina -,príncipes e princesas filhos do casal, escra-vos, eunucos etc. aportou em Portugal.Padre Frei João de Sousa relata de formadetalhada várias situações passadas pelacomitiva do príncipe em terras portuguesas.

Essas princesas, que se tornaram rainhasde seu povo, fazem parte de um espaçoexistente em nossa história onde desfilammuitas personalidades reais, não somente naatualidade, mas nos tempos passados, quan-do tiveram grande força e atuação. Na reli-gião, por exemplo, existe a Gelede, original-mente uma forma de sociedade secreta femi-

nina de caráter religioso, existente nas socie-dades tradicionais yorubás. Expressam opoder feminino sobre a fertilidade da terra,a procriação e o bem-estar da comunidade.Essas mulheres fazem um papel importantís-simo na sociedade em que vivem.

Na atualidade, há também as histórias quesão contadas ou cantadas pelos nossos artis-tas populares, nas quais as princesas são cita-das de forma muito interessante, como foi ocaso da Escola de Samba Salgueiro (Rio deJaneiro) e de outra escola no Espírito Santo.

E como não poderia deixar de citar, hátambém as rappers, guerreiras da culturaHip Hop que, em suas composições, con-templam variados assuntos ligados à MãeÁfrica. Auto-intituladas rainhas e princesasnegras, algumas nem são negras na pele,mas em seus antecedentes familiares a pre-sença do negro é muito forte. Hoje em dia,são essas mulheres que evocam em seus tra-balhos - dança, grafite ou produção musical- a ancestralidade do povo africano e dosantepassados, dando continuidade à histó-ria, mantendo-a viva e sempre presente.

Notas:

Outras rainhas que não tiveram seu histórico cita-do, mas que podem ser pesquisadas pelos leitores(as):

• Rainha Hatshepsut, que governou o Egito, viven-do no século XV a.C.;

• Rainha Makeba Oubsheba de Axum, Etiópia, 960 a.C.;

• Rainha Candace, do Sudão, que enfrentou o

exército de Augusto César.

TTiieellyy QQuueeeenn ((AAttiieellyy SSaannttooss)) é atriz, arte-edu-cadora e desenvolve atividades na cultura HipHop. Coordena o Projeto “Mulheres do Hip Hopcantam as realidades” e o Setor de Audiovisualda CUFA/SP (Central Única das Favelas, comsede no Rio de Janeiro). www.hiphopmulher.com.br

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estava outra figura importante de nossa his-tória: um negro que ficou conhecido comoChico Rei no Ciclo do Ouro da Região deOuro Preto. Delmira foi arrematada por 1000réis. Foi violentada por um homem branco,assim que desceu do navio. Desse ato de vio-lência foi que nasceu Anastácia, em Pompeu,Minas Gerais. Com olhos azuis e muito bela,Anastácia resistiu como pôde às insistênciasdo senhor da fazenda em que era escrava,mas acabou sendo violentada pelos filhosdele. Devido ao ciúme das mulheres e filhasdo senhor da fazenda, recebeu no rosto umamáscara de ferro, cuja manutenção era feitapor suas opressoras, que só permitiam a reti-rada da máscara para que ela se alimentasse.Muito debilitada, vítima das feridas causadaspela máscara e pela coleira que carregara poranos, Anastácia faleceu no Rio de Janeiro.Devido à sua resistência contra o povo bran-co que a sacrificava, Anastácia é consideradasanta e mártir pela população.

Como estamos falando de princesas,peço licença para citar uma grande persona-lidade africana, figura que marcou vários paí-ses na sua época: Nzinga Mbandi Ngola, rai-nha de Matamba e Angola nos séculos XVI-XVII (1587-1663), foi uma das mulheres eheroínas africanas cuja memória mais temdesafiado o processo diluidor da amnésia,dando origem a um imaginário cultural nãosó na diáspora, mas também no folclore bra-sileiro, com o nome de Ginga. Nzinga é cul-tuada pelos modernos movimentos naciona-listas de Angola como a heroína angolanadas primeiras resistências. Despertou umcrescente interesse dos historiadores e

antropólogos que buscavam a compreensãodaquele momento histórico que caracterizoua destreza política e de armas dessa rainhaafricana que lutou a favor da resistência àocupação dos portugueses do território ango-lano e contra o tráfico de escravos. Contem-porânea de Zumbi dos Palmares, este outroherói afro-brasileiro (?-1695), ambos parecemcompartilhar de um tempo e de um espaçocomum de resistência: o quilombo. Namesma época em que Nzinga lutava no terri-tório angolano por seu país, Zumbi lutava noterritório brasileiro pela liberdade dos negrosescravizados. A Rainha Nzinga já foi tema doCarnaval do Bloco Afro Ilú Obá de Min, deSão Paulo, formado somente por mulherespercussionistas.

Além de Anastácia, tivemos no Brasil aprincesa Alafiá, que veio para nosso país emum navio negreiro junto com sua família emuitos irmãos negros, seqüestrados do reinode Daomé, um reino africano situado ondeagora é o Benin. Naquela época, ela tinhaapenas doze anos de idade. No Brasil, foiviver numa fazenda, onde foi mucama deuma sinhazinha. Sempre quando conseguia,Alafiá ia à senzala ver se algum de seusirmãos negros necessitava ajuda, mas a liber-dade era tudo o que seu povo mais queria(Isso não nos faz lembrar de “A Escrava Isaura”,o romance de Bernardo Guimarães que viroutelenovela?). Alafiá vivia na casa grande, masnão se achava melhor que os escravizadosque ficavam na senzala; ela também sabiaque era uma escrava e o fato de estar na casagrande, comendo e dormindo melhor, não atornava diferente. Ao completar 19 anos,

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A África - estamos tão acostuma-dos a nos referirmos ao mais antigo conti-nente no singular, que muitas vezes nosesquecemos de como ela é plural. O cha-mado berço da humanidade é também acasa de ricas e diversas culturas. Parte delaschegou ao Brasil no triste balanço dosporões negreiros, mas aqui estasemente floresceu sua exuberân-cia, lutando contra todas asadversidades. E hoje, todobrasileiro, independente-mente de sua carga genética,carrega dentro de si umaparte da magia da África.

E as princesas, mais doque ficcionais ou reais, sãomeninas e mulheres com quem asbrasileiras de todas as idades podemencontrar semelhanças e diferenças. E nãosão justamente as semelhanças e diferençasque nos ajudam a sermos nós mesmos?

Aqui tentamos reunir uma parte do que,felizmente, tem chegado cada vez mais àslivrarias e bibliotecas. Com certeza deixa-mos de fora muitos livros, mas esse é o pro-blema das listas. Então, que esta bibliogra-fia seja um começo e não um fim.

Fechamos com uma pequena filmogra-fia. Infelizmente pequena, pois apesar dosucesso do cinema brasileiro dentro efora do Brasil, ainda são poucos os filmesque retratam essa parte de nossa históriae cultura. Bem, por falta de boas históriasé que não é.

África

ÁFRICA, de Ilan Brenman, editora Moderna.Este volume contempla contos populares africa-nos de diversas regiões da imensa mãe África.“Ananse acordou um dia decidida: - Quero ser acontadora de histórias oficial da África. Naquelaépoca, o dono das histórias era Nyankonpon, o

deus do céu. Ananse pediu uma audiênciacom o todo-poderoso detentor das

narrativas africanas.”

A ÁFRICA EXPLICADA AMEUS FILHOS, de Alberto daCosta e Silva, editora Agir. AÁfrica sempre serviu de inspira-ção para filmes e livros que fica-

ram na memória de várias gera-ções. Mas ainda há muito que

dizer – e que aprender – sobre essecontinente. Neste livro, o historiador

Alberto da Costa e Silva nos mostra não somen-te por que a África é fascinante, mas tambémpor que nossa trajetória está intimamente ligadaao seu povo.

A ÁFRICA, MEU PEQUENO CHAKA…, deRosa Freire Aguiar, editora Companhia das Letri-nhas. Vovô Dembo é um africano muito alto emuito sábio. E ele quem conta ao neto Chaka ahistória da sua África: a infância pobre numafamília de catorze irmãos, o pastoreio das cabras,as pescarias no rio barrento, as festas, as comi-das, as plantações de amendoim e batata-doce.

AGBALA, UM LUGAR CONTINENTE, deMarilda Castanha, editora Cosac Naify. A autoratraça um novo olhar sobre a trajetória dos negrosdesde a chegada ao Brasil, durante a escravidão, e

BibliografiaÁfrica e princesas: livros e filmes

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muitos anos. Algumas delas podem ser encon-tradas em outras partes do mundo, em diferen-tes versões. Gcina Mhlophe é uma das maispopulares contadoras de história da África do Sul.

IFÁ – O ADIVINHO/ XANGÔ, O TROVÃO/OXUMARÉ, O ARCO-ÍRIS, de Reginaldo Pran-di, editora Companhia das Letras. Emborafazendo parte de uma trilogia, esses livros sãoindependentes e contam os principais mitos dosorixás pertencentes às tradições afro-brasileiras:Exu, Ogum, Oxóssi, Erinlé, Logum Edé,Ossaim, Nanã, Omulu, Oxumarê, Eua, Iroco,Xangô, Obá, Iansã, Oxum, Iemanjá, Ibejis, Ajalá,Ifá, Odudua, Oxaguiã e Oxalá. Histórias que oBrasil herdou da África e que hoje fazem partede nosso patrimônio cultural.

LENDAS DA ÁFRICA, de Julio Emilio Braz,editora Bertrand Brasil. Com adaptação de váriashistórias do “tempo em que os animais aindafalavam”, o livro é uma mistura de aventura comhumor e traz as lições de sabedoria característi-cas desse folclore.

LENDAS E FÁBULAS (Vol. I, II, III e IV),de Rogério de Andrade Barbosa, editora Melho-ramentos. Nas sociedades africanas que aindanão têm escrita, a tradição e a história dessespovos são transmitidas em belas narrativas porvelhos sábios, chamados griots. Debaixo de umaárvore ou em volta de uma fogueira, homens,mulheres e crianças se reúnem para ouvir essasnarrativas envolventes, que divertem e, aomesmo tempo, transmitem costumes e valoresmorais.

MADE IN ÁFRICA, de Luís da Câmara Cas-cudo, editora Global. No início da década de1960, Luís da Câmara Cascudo empreendeuuma longa viagem de estudos pela África Oci-dental e Oriental. Em convívio com o cotidianoda vida africana, o pesquisador teve oportunida-de de constatar as imensas afinidades espirituais,culturais e mágicas que unem Brasil e África.

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descobre que seu pêlo, antes amarelo com pinti-nhas, está preto como a noite, e fica apavorado.

A GÊNESE AFRICANA – CONTOS, MITOSE LENDAS, de Leo Frobenius e Douglas C.

Fox, editora Landy. A origem dohomem, à maneira como os primei-ros africanos a conceberam. As pin-turas rupestres da África pré-histó-rica integram os mitos, lendas e

fábulas. A mesma força criativa des-ponta na expressividade de seus traços e de

seus conteúdos. Essas pinturas também escre-vem as histórias que as lendas contam.

GOSTO DE ÁFRICA – HISTÓRIASDAQUI E DE LÁ, de Joel Rufino dos Santos,editora Global. Histórias daqui e da África con-tam mitos, lendas e tradições negras. Com um

olhar crítico e afetuoso, o autor fala tambémde personagens da história do Brasile de um tempo de escravidão, luta eliberdade, ajudando-nos a com-preender melhor nossa cultura.

O HERÓI COM ROSTO AFRI-CANO - MITOS DA ÁFRICA, de Clyde W.

Ford. Editora Summus / Selo Negro. Uma longaviagem pela sabedoria africana, e em especialpela rica mitologia do grande continente negro.Clyde W. Ford faz distinção entre as lendaspopulares e os mitos africanos. As lendas,segundo ele, são essencialmente histórias paradivertir. Os mitos, não. Esses contêm símbolos

universalmente reconhecíveis, com significa-ção psicológica e espiritual. Os mitosapresentados no livro, que é ilustra-do com um mapa detalhado dospovos e dos mitos da África, provêmde muitas fontes.

HISTÓRIAS DA ÁFRICA, de GcinaMhlophe, editora Paulinas. Esse livro reúnealgumas histórias africanas bastante tradicionais,que têm em comum a característica de seremcontadas de geração em geração, há muitos e

convida o leitor a adentrar na cultura dessespovos tão importantes para a formação da identi-dade do nosso país. O livro expõe singularidadescomo: por que os negros eram obrigados a darvoltas ao redor de árvores antes de deixar o con-tinente africano rumo à escravidão no Brasil?

BICHOS DA ÁFRICA, de Rogério de Andra-de Barbosa, editora Melhoramentos. São quatrovolumes que trazem lendas sobre diversos ani-mais de diferentes partes do continente africano.

BOM DIA, CAMARADAS, de Ondjaki, edi-tora Agir. Um menino, filho de um alto funcio-nário do governo angolano, tem uma vida privi-legiada e tem contato com as idéias do povo, porintermédio de seu pajem, “o camarada Antonio”.

O CHAMADO DE SOSU, de MeshackAsare, editora SM. Sosu percebe que sua aldeiacorre perigo com a chegada de uma grande tem-pestade. Sem poder andar, ele utiliza seu tamborpara dar o importante aviso.

OS CHIFRES DA HIENA E OUTRAS HIS-TÓRIAS DA ÁFRICA OCIDENTAL, de Mama-dou Diallo, editora SM. Diversas histórias da tra-dição oral africana reunidas em um livro em queos traços humanos estão presentes nos animais.

CRIANÇAS – OLHAR A ÁFRICA E VER OBRASIL, de Pierre Verger, editora IBEP. Asfotos de Pierre Verger revelam a beleza da cultu-ra africana e a força de sua influência na música,na dança, na comida, nas roupas, nas artes e emmuitos outros costumes brasileiros. O título, porsi mesmo, explica a importância deste livro.

O DIA EM QUE ZUMBI TOMOU O RIO, deEduardo Agualusa, editora Gryphus. Os morrosdo Rio de Janeiro estão ardendo. Aproxima-se odia em que a guerra descerá sobre os bairrosricos da cidade. Um jornalista - anão, negro ehomossexual - mergulha no incêndio dos mor-ros cariocas em busca de respostas a perguntasque poucos se atrevem a colocar.

ELEGUÁ, de Carolina Cunha, editora SM.O mais poderoso orixá entre a Terra e o Céu é omenor de todos os heróis iorubás. Mesmo sendocriança, é o primeiro da família a ser saudado, oprimeiro que recebe oferendas. Essa históriaconta por que sua fama corre tãolonge.

A ENXADA E A LANÇA - AÁFRICA ANTES DOS PORTU-GUESES, de Alberto da Costa e Silva,editora Nova Fronteira. O autor apóia-se emvastíssimo material arqueológico, antropológicoe histórico desconhecido no Brasil e em sua pró-pria vivência pessoal, pois trabalhara durantemuitos anos na África, como diplomata. O livrotrata de povos que deixaram poucos documentosescritos; trata também de territórios imensos,quase não pesquisados.

FILHOS DA PÁTRIA, de João deMelo, editora Record. Uma reflexãoprofunda e cuidada sobre os filhosdo território angolano e seus com-plexos destinos é o ponto central decada um dos dez contos de Filhos daPátria.

ESPELHO DOURADO, de Heloisa PiresLima, Editora Peirópolis. A história se passa porvolta do ano de 700 d.C., no reino medieval deGana, território localizado na curva do rio Niger.Espelho Dourado remete o leitor à crençaachanti de que os mortos habitam um mundoque é a imagem espelhada do mundo dosvivos. Os dois mundos encontram-senos sonhos.

O GATO E O ESCURO, de MiaCouto, editora Companhia dasLetrinhas. Pintalgato vive sendo aler-tado pela mãe para que não ultrapasse a fron-teira do dia. Mas ele, louco para descobrir o quese esconde sob a sombra da noite, decide seaventurar e acaba tendo um encontro inusitadocom o escuro. Quando volta para a luz do dia,

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ALMA DA ÁFRICA (A CASA DA ÁGUA/ OREI DE KETO/ TRONO DE VIDRO), de Antonio

Olinto, editora Bertrand Brasil. A trilogiacomeça com o retorno da família dajovem Mariana à África. Neta deuma escrava, mas nascida no Brasil,a menina vai descobrir suas raízesem uma terra ainda estranha a ela.

ANA E ANA, de Celia Godoy, editora DCL.Ana Carolina e Ana Beatriz eram gêmeas idênti-cas... mas eram iguais só por fora! Esta históriaencanta pela delicadeza com que aborda a“igualdade” e as diferenças entre gêmeos idênti-cos e os sentimentos que acabam esquecidos.

UM ANO NOVO DANADO DE BOM, deAngela Lago, editora Moderna. Quatro

irmãs, princesas africanas, são feitasescravas. Em uma noite, três delasescapam, mas deixam para trás amais nova, ainda um bebê. Oremorso das mais velhas com o

abandono da irmãzinha vai desenca-dear uma história mágica.

ANTÔNIO E CLEÓPATRA, de William Shakespeare, várias editoras. Produzida em 1607,esta tragédia tem como tema a relação entre omilitar romano Marco Antônio e Cleópatra, acélebre rainha do Egito. O casal sonhava com oestabelecimento de um grandioso império no

oriente, mas seus planos são interrompi-dos por Otávio Augusto, um doslíderes do Império Romano.

BIA NA ÁFRICA, de RicardoDregher, editora Moderna. Bia é

filha de uma diplomata e viaja com amãe por diferentes partes do mundo: África,

Europa, Ásia... Nessas viagens, ela conhece mui-tas das influências que outros países trouxerampara o Brasil. Prepare suas malas e viaje com aBia para a África. Conheça o Egito e o Quênia e

more com ela em Angola! Lá você encontrarámuitas das raízes do Brasil e dos brasileiros.

A BONEQUINHA PRETA, de Alaide Lisboade Oliveira, editora Lê. A bonequinha preta é amelhor amiga da menina Mariazinha, mas tam-bém é muito levada e apronta muita confusão.

BRUNA E A GALINHA D’ANGOLA, deGercilga S. de Almeida, editora Pallas. Narracomo a terra ficou segura, e como Bruna e suasamiguinhas da grande aldeia chamada Terra seafeiçoaram a Conquém, na beleza de sua peleescura pintada de pequenas bolas brancas.

CARMEN / AÍDA, de Adèle Geras, editoraSalamandra. A ópera Aída narra a história deuma princesa etíope feita escrava pelos egípcios.Ninguém sabe sua identidade, mas mesmoassim ela desperta o amor de um valoroso guer-reiro. Essa série traz o libreto em linguagemacessível às crianças. A edição traz também aópera Carmen.

CHICA QUE MANDA, de Agripa Vasconce-los, editora Itatiaia. Mais que um romance bio-gráfico, Chica que Manda vale por um completoestudo da vida, dos costumes e da política desua época.

CONTOS E LENDAS AFRO-BRASILEI-RAS, de Reginaldo Prandi, editora Companhiadas Letras. Adetutu, uma jovem mãe africana, éaprisionada por caçadores de escravos e trans-portada ao Brasil em um navio negreiro. Duran-te a viagem, ela sonha com a criação do mundopelos orixás, deuses de seu povo. Os contos elendas mostrados em seus sonhos fazem partedo patrimônio mitológico iorubá, que o Brasilherdou da África e que aqui se preservou aolongo de mais de um século, contado de bocaem boca, transmitido de geração a geração.

A COR DA VIDA, de Semíramis Palermo,editora Lê. O livro de imagens narra o encontrode uma menina negra e um menino branco em

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MÃE ÁFRICA – MITOS, LENDAS, FÁBU-LAS E CONTOS, de Celso Sisto, editora Paulus.Uma rica coletânea de histórias africanas feitacom base em ampla pesquisa, com o objetivo deressaltar a diversidade de etnias do continenteafricano. O autor selecionou 29 histórias originá-rias de diversos lugares da África, procurandoprivilegiar histórias ainda não publicadas emportuguês. Os leitores encontrarão aqui umafesta plural de cores, nomes, belezas, sabores,feitos e fantasias africanas, os quais exercemmuita influência na cultura brasileira.

NAÇÃO CRIOULA, de Jose Eduardo Agualu-sa, editora Gryphus. Nos finais do século XIX, amisteriosa ligação entre o aventureiro portuguêsCarlos Fradique Mendes, cuja correspondênciaEça de Queirós recolheu, e Ana Olímpia Vaz deCaminha, que, tendo nascido escrava, foi uma daspessoas mais ricas e poderosas de Angola.

UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASACHAMADA TERRA, de Mia Couto, editoraCompanhia das Letras. O estudante universitá-rio Marianinho volta à ilha de Luar-do-Chãodepois de anos de ausência: Ele fora incumbidode comandar as cerimônias fúnebres do avô DitoMariano, de quem recebera o nome. Marianinhologo descobre que o falecimento do avô haviapermanecido estranhamente incompleto, escon-dendo desígnios que escapavam à força doshomens. Nesse romance, a situação de conflitoentre a deriva da África pós-colonial e o arraiga-mento das tradições ganha retrato exemplarnuma saga familiar poética e fantástica.

SABORES DA ÁFRICA, de Dorinda Hafner,editora Selo Negro. Receitas deliciosas e históriasapimentadas da vida da autora, que reúne segre-dos de culinária, lendas, cantigas e provérbios.Mais do que a rica mistura, o tempero caprichano humor irreverente das mulheres africanas.

O SEGREDO DAS TRANÇAS E OUTRASHISTÓRIAS AFRICANAS, de Rogério deAndrade Barbosa, editora Scipione. Os contos

reunidos neste livro vêm de cinco países de lín-gua portuguesa, situados em distantes pontos daÁfrica: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,Moçambique e São Tomé e Príncipe.

A SEMENTE QUE VEIO DAÁFRICA, de Heloisa Pires Lima,editora Salamandra. O baobá (adansonia) é considerado na África“a árvore da palavra”. De belezarara e tamanho descomunal, ele se tor-nou um símbolo da África em sua luta paramanter a integridade cultural de seus povos.Diz-se que dele se colhem histórias.

TERRA SONÂMBULA, de Mia Couto, editoraCompanhia das Letras. Um ônibus incendiado emuma estrada poeirenta serve de abrigo ao velhoTuahir e ao menino Muidinga, em fuga da guerracivil devastadora que grassa por toda parte emMoçambique. O veículo está cheio decorpos carbonizados. Mas há tambémum outro corpo à beira da estrada,junto a uma mala que abriga os“cadernos de Kindzu”, o longo diáriodo morto em questão. A partir daí, asduas histórias são narradas paralelamente.

TUMBU, de Marconi Leal, editora 34. Umgaroto africano atravessa o Oceano Atlânticoescondido em um navio para tentar encontrar ospais, raptados e vendidos a traficantes negreirospor uma tribo rival. Inocente, mas inteligente eaudacioso, Tumbu não fazia idéia dos sofrimentose das aventuras que viveria em solo brasileiro.

O VENDEDOR DE PASSA-DOS, de Jose Eduardo Agualusa,editora Gryphus. Esta é a históriade um albino que mora em Luanda,Angola, e que traça árvores genealógi-cas em troca de dinheiro. Estranho ofício,estranho o personagem principal - Félix Ventu-ra, o vendedor de passados falsos - e mais estra-nho ainda o narrador: uma osga, um tipo delagartixa.

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A OVELHA NEGRA, de Bernardo Aibe,editora Mercury. Tita era uma ovelha diferen-te... Ela queria ser igual às suas amigas. Queria,mas não era.... Será que ser igual a todo mundo

é tão bom assim?

PARA CONHECER CHICA DASILVA, de Keila Grimberg, LuciaGrimberg e Anita Correia Lima deAlmeida, editora Jorge Zahar. Em

estilo leve e agradável, usandorecursos ficcionais, as autoras narram a vida

de Chica da Silva, uma das mulheres maisconhecidas na história do Brasil. O livroreconstitui os eventos históricos da época, aslegislações, as formas de escravização, o tráficode escravos e o trabalho negro nas minas.

PEIXE DOURADO, de Jean-Marie GustaveLe Clezio, editora Cia. das Letras. A vida de

Laila, raptada aos seis anos deidade e vendida no Marrocos aLalla Asma, velha judia de origemespanhola. A compradora se tornapara ela, ao mesmo tempo, suadona e sua avó. Quando a avó

morre, oito anos depois, Laila pode voltarpara casa, mas um par de brincos em forma demeia-lua é tudo o que a liga a seu povo. Abusca a leva à França, aos Estados Unidos e devolta à África, o ponto de partida, onde a vidapode então recomeçar.

PRETINHA, EU?, de Julio Emilio Braz, edi-tora Scipione. Uma menina negra ganha uma

bolsa de estudos em um colégioonde nunca havia entrado umaluno negro. A partir daí começauma história de preconceitos, mastambém de descobertas.

A PRINCESA ALAFIÁ, de Sinara Rúbia,Grupo Cultural Vozes da África. Era uma vezuma princesa chamada Alafiá, que morava noreino de Daomé no continente africano. Certodia, durante uma festa na cidade da princesa,

seu reino foi invadido por homens que possuíamarmas de fogo. A menina, seus pais, que eramrei e rainha da cidade e muitos de seus irmãosforam seqüestrados e escravizados em umaterra muito distante.

A PRINCESA ANÁSTACIA, de Elma Neves,editora DCL (Difusão Cultural). Quando Anas-tácia era pequena, lhe deram um mundo empreto-e-branco. Desde então, ela vive entre tonsacinzentados, mas sabe que existe uma grandediversidade de cores e até tem uma predileta,que vê apenas quando fecha os olhos. Para nãoperder de vista seu tom de cor preferido, eladesceu as escadarias do castelo, atravessoumuralhas e portões de ferro para alcançá-la.Agora Anastácia quer misturá-la no mundotodo!

PRINCESA ARABELA, MIMADA QUE SÓELA, de Mylo Freeman, editora Ática. O quedar de presente para uma princesinha mimadaque tem muito mais do que precisa? A rainhapergunta a Arabela o que ela quer ganhar deaniversário. Ora, simplesmente um elefante deverdade! Assim, os pais da pequena tiranamovem mundos e fundos para atender talcapricho.

PRINCESAS ESQUECIDAS OU DESCO-NHECIDAS, de Philippe Lechermeier, editoraSalamandra. Uma galeria de diferentes tipos deprincesas e suas peculiaridades desfila pelapoesia feita de palavras e imagens. Essas prin-cesas podem estar no oriente, nos desertos ebem perto de você.

QUARTO DE DESPEJO, de Carolina Mariade Jesus, editora Ática. Os cadernos dessa cata-dora de lixo foram publicados em diversos idio-mas e emocionaram milhares de pessoas pelomundo. No relato de sua luta cotidiana, Caroli-na demonstra uma dignidade admirável.

O TESOURO DA CHICA DA SILVA, deAntonio Callado, editora Nova Fronteira. Minas

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um shopping center. Através do olhar das duascrianças se aprende o respeito às diferenças.

DOCE PRINCESA NEGRA, de Solange deAzevedo Cianni, editora LGE. Este é um dostítulos da série Orgulho da Raça, dedicada aoprazer de oferecer livros que auxiliem o traba-lho de educador, para a construção da identida-de negra, principalmente na infância.

DÚVIDAS, SEGREDOS E DESCOBER-TAS, de Helena Carolina, editora Saraiva. Umolhar poético sobre os pequenos e grandesmomentos, sobre as tristezas e alegrias, poisquem tem arte e amor no coração enxerga, numolhar pela janela, mais do que ruas, carros epessoas. Enxerga amores e desamores, alegrias,fantasias, poemas e versos.

ELA / AYESHA, A VOLTA DE ELA, deHenry Rider Haggard, ed. Record. O autor deAs Minas do Rei Salomão narra a busca de doisexploradores ingleses pela misteriosa e imortalrainha branca africana em dois livros que setornaram clássicos da literatura de aventura.

A FILHA DO REI, de Telma GuimarãesCastro de Andrade, editora SM. Raquel nãoconhece o pai. Sua mãe diz que ela é filha deum rei que lhe faz todas as vontades. Só que delonge. Até que um dia Raquel decide conhecerde verdade este rei. Já que ele pode tudo, quemsabe não pode ajudar nas contas do mês? Oucomprar o remédio que a mãe precisa? Ou,quem sabe, só ser um pai normal por algumtempo?

HISTÓRIAS DA PRETA, de Heloisa PiresLima, editora Cia das Letrinhas. Reunindoinformações históricas, reflexão intelectual,estímulos ao exercício da cidadania e histori-nhas propriamente ditas (tiradas da mitologiaafricana), a autora fala sobre a população negrano Brasil, com a experiência de quem já foialvo de racismo.

LUANA – A MENINA QUE VIU O BRASILNENÉM, de Aroldo Macedo e Oswaldo Faustino,editora FTD. Luana é uma heroína afro-brasi-leira. Ela tem oito anos, corpinho ágil e gracio-so, sorriso doce e adora lutar capoeira. Comseu berimbau mágico, ela se trans-porta para outras épocas e lugares,levando o leitor a descobertas ina-creditáveis.

LUANA – CAPOEIRA E LIBER-DADE, de Aroldo Macedo e Oswaldo Faustino,editora FTD. Desta vez Luana nos mostra quemais que uma dança, mais que uma luta, acapoeira é uma expressão de liberdade.

MENINA BONITA DO LAÇO DE FITA, deAna Maria Machado, editora Ática. Este livro jáé um clássico. É irresistível o coelhinho brancoque quer se tornar negro como a meninalinda do laço de fita.

NA TERRA DOS GORILAS,de Rogério de Andrade Barbosa,editora Melhoramentos. Helenaganha um prêmio da ONU e visita aÁfrica juntamente com um grupo de jovensde outros países. Chegando lá, enfrenta proble-mas que envolvem questões sociais e ecológicasda região. Vive fortes emoções entre estranhoscostumes tribais, guerrilhas de fronteira e pig-meus caçadores, antes de encontrar o amor.

NEGRINHA, de Monteiro Lobato, editoraGlobo. O conto que dá título ao livro narra atriste história de uma menina quesempre foi tratada como coisa, masque se descobre gente ao aprendera brincar com uma boneca. Comesse livro, Lobato denuncia e des-nuda os bastidores de uma sociedadepatriarcal que deixa entrever os vestígios deuma persistente mentalidade escravocrata,mesmo décadas após a abolição.

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Foi conhecido por usar seu talento de poeta eorador a serviço da causa abolicionista. A obra“Os Escravos” é um livro póstumo, conjunto decomposições tendo como núcleo temático o

problema da escravidão.

IRMÃO NEGRO, de WalcyrCarrasco, editora Moderna, 1995. Onarrador da história, Leo, é filhoúnico e sempre desejou ter irmãos.

A mãe dele recebe uma carta, pormeio da qual, chocada, fica sabendo que sua

irmã falecera, deixando um filho, Sérgio, queestá abandonado, vivendo nas ruas. A mãe deLeo viaja para Salvador e de lá traz o sobrinho,que deverá ser incorporado à família como“irmão” de Leo. Sérgio é negro e a convivênciase mostra difícil: o menino é faminto e calado.Assusta-se com facilidade. Desconhece vida de

classe média. É discriminado pelos amigosde Leo e sofre preconceito quandosai a passear com ele. O meninonegro possui também um segredo.Só quando Leo consegue descobrirseu afeto pelo irmão negro o misté-rio é revelado.

JOSÉ MOÇAMBIQUE E A CAPOEIRA, deJoaquim de Almeida, Cia das Letrinhas. Oautor parte de um pequeno conto para falar dasorigens, da evolução e dos fundamentos dacapoeira, que hoje não se restringe ao Brasil,mas é estudada e praticada em pontos distantesdo planeta, como Dinamarca, Israel e Japão,

entre outros.

LUIZ GAMA, de Myriam Fraga,editora Callis. A história do extraor-dinário mulato baiano que, commuita determinação e inteligência,venceu os obstáculos da escravidão,

defendeu os seus direitos e batalhou pelaliberdade.

MENINO MARROM, de Ziraldo, editoraMelhoramentos. Esta é a história de um meni-

no marrom, mas fala também de um meninocor-de-rosa. Eles são dois perguntadores inve-terados e vão descobrir juntos os mistérios dascores.

O MENINO NITO, de Sonia Rosa, editoraPallas. Nito é um menino muito querido, masmuito chorão. Até que, um dia, o pai lhe diz quehomem não chora. O menino passa a engolir ochoro, mas ele acaba adoecendo.

MESTRE BIMBA, CORPO DE MANDINGA,de Muniz Sodré, editora Manati. Segundo o autor,semiólogo e pensador, mas também capoeirista eamigo de Bimba, “Mestre Bimba e sua capoeiraforam, no conjunto, uma expressão da ironia obje-tiva do negro na Bahia, do negro no Brasil”.

O MULATO, de Aluísio Azevedo (várias edi-toras). O amor entre o jovem Raimundo e suaprima Ana Rosa é impedido pela origem dorapaz. Ele na verdade é filho de uma escravacom seu senhor. Mesmo uma educação européiae um futuro promissor não são o bastante paraacabar com o preconceito contra o rapaz.

NA VENDA DA VERA, de Hebe Coimbra,editora Manati. Na venda da simpática Vera ven-diam-se vidros de vento, mas o menino Ivan des-confia dessa história.

NINGUÉM É IGUAL A NINGUÉM, de Regi-na Otero, Editora do Brasil. Que ninguém é iguala ninguém todo mundo já sabe. A novidade dotexto é que ele mostra como é gostoso a gente sero que é, sentir o que sente e viver como vive, ape-sar da opinião dos outros. Além disso, o persona-gem Tim traz uma proposta lúdica muito especial.

POEMAS NEGROS, de Jorge de Lima, edi-tora Record. Num único volume quatro obraspoéticas de Jorge de Lima: Novos poemas (1929),Poemas escolhidos (1932), Poemas negros (1947)e Livro de sonetos (1949), que revelam a versati-lidade e a verve lírica do poeta.

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Gerais, ciclo do ouro. Chica da Silva, ex-escrava,vive cercada de suas mucamas e do luxo patroci-nado pelo seu amante. A chegada de um repre-sentante do reino de Portugal ao arraial do Tiju-co põe todo esse fausto em perigo. A obra fazparte do chamado Teatro Negro, do dramaturgoe romancista Antonio Callado.

AS TRANÇAS DE BINTOU, de Sylviane A.Diouf, editora Cosac & Naïf. O sonho de Bintou,uma menina africana, é ter tranças como todasas mulheres mais velhas de sua aldeia. Mas,como ainda é criança, tem de se contentar comos birotes.

VALENTINA, de Márcio Vassalo, editoraGlobal. “Valentina morava num castelo, na beirado longe, lá depois do bem alto.” Assim começaa encantadora história dessa princesa bem dife-rente daquelas dos contos de fadas, mas igual amilhões de princesinhas brasileiras.

Nosso Brasil africano

O ANJO NEGRO, de Nelson Rodrigues, edi-tora Nova Fronteira. A peça, que esteve sob cen-sura durante dois anos, narra a polêmica históriade Ismael - negro que renega a própria cor - ede sua mulher, Virgínia, branca filicida que nãoaceita a prole mestiça gerada na relação com omarido.

BERIMBAU MANDOU TE CHAMAR, de BiaHetzel, editora Manati. Vários versos e cantigasde capoeira que, de maneira alegre, estimulamos menores a conhecer uma rica parte da culturabrasileira.

BRUNO ZUMBI, de Angela Cristina Mar-ques, editora Lê. Diário de um adolescentecomum e ao mesmo tempo especial. Bruno,rapaz negro, convive com a dubiedade da socie-dade, disfarçadamente racista. Ele é um jovemherói do cotidiano, como tantos que passam des-percebidos e podem até ser destruídos pelo pre-conceito e pela incompreensão.

CHICO REI, de Agripa Vasconcelos, editoraItatiaia. História ou lenda, a saga de Chico Rei,que foi rei na África e escravo em Vila Rica; e,liberto, lutou pela alforria de seus conterrâneos.

DE ONDE VOCÊ VEIO, deLiliana Iacocca, editora Ática. Quaissão as origens do povo brasileiro?Seus avós e bisavós são negros,índios, portugueses, alemães, árabes,japoneses...? Diversas nacionalidades,costumes, religiões, línguas e histórias contri-buíram para a formação do povo do nosso país.

DOM OBÁ II D’ÁFRICA, O PRÍNCIPE DOPOVO, de Eduardo Silva, editora Cia das Letras.Original, divertido e erudito, este livro narra asaga verídica de Cândido da Fonseca Galvão,filho de africano forro, aclamado pelos morado-res da “África Pequena” - os populosos bair-ros negros do Rio de Janeiro - comoDom Obá II d’ África, o príncipedo povo, que, de fraque, cartola epince-nez, freqüentava assidua-mente as audiências públicas de D. Pedro II.

ENTRE EUROPA E ÁFRICA: A INVEN-ÇÃO DO CARIOCA, organizado por AntonioHerculano Lopes, editora Topbooks. Este livronão é de literatura, mas uma obra de referência,contendo o resultado de um seminário realiza-do pela Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janei-ro, reunindo especialistas em diversas áreas dacultura. O carnaval carioca, a música, adança, o teatro, o circo, a literatura, afotografia, o cinema, os monumen-tos, a vida boêmia e a repressão nacidade são alguns dos temas trata-dos por autores como Isabel Lusto-sa, José Ramos Tinhorão e RobertoMoura.

OS ESCRAVOS, de Castro Alves, editorasL&PM e Martin Claret. Castro Alves é a maiorfigura literária da terceira geração romântica.

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IGUALDADE DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA, de Ana Lucia SilvaSouza e Camilla Croso (coord.), ed. Peiropolis.Reconhecendo o potencial da Lei nº 10.639/03, a

Ação Educativa, o Ceert e o Ceafro, em parce-ria com o Movimento Interfóruns deEducação Infantil do Brasil (Mieib)e o Núcleo de Relações Étnico-Raciais e de Gênero da SecretariaMunicipal de Educação de Belo

Horizonte, uniram forças para ideali-zar e aplicar uma consulta em escolas públicas

que pudesse assinalar as possibilidades e osdesafios para a implatanção da referida Lei.

IMAGINÁRIO, COTIDIANO E PODER, deVagner Gonçalves da Silva (Org.). ColeçãoMemória Afro-brasileira. Vol. III, São Paulo:Summus /Selo Negro, 2007. Terceiro livro da

coleção Memória Afro-brasileira, a obra trazartigos com a história de figuras len-dárias que deram importante contri-buição para a formação da identida-de das comunidades afro-brasileiras.Entre as histórias está a de GabrielJoaquim dos Santos, nascido em

1892 e morto em 1985, referência para apopulação negra do Brasil. Homem de muitosdons, construiu uma das mais belas obras dearquitetura espontânea do país, feita com restosde materiais e refugos domésticos. A Casa daFlor, tombada como patrimônio cultural, éponto turístico da cidade de São Pedro da Aldeia,no Rio de Janeiro.

NEGRITUDE, CINEMA EEDUCAÇÃO: caminhos para aimplementação da Lei 10639/2003,organizado por Edileuza Penha deSouza, Mazza Edições, 2007. (vol. 1e 2). Como o cinema pode introdu-

zir debates interessantes nas salas de aula?Os livros apresentam um rol de filmes quepodem ajudar os professores nessa tarefa, poistraz uma espécie de roteiro de leitura dos fil-mes, com sugestões de encaminhamento dos

debates e trabalhos didáticos. Os autores (maisde trinta), foram escolhidos pela sua atuaçãoprofissional e afinidade com as questões étni-co-raciais, com o cinema, ou com ambas as coi-sas. São profissionais de áreas bem diferentes,de diferentes locais do país, o que dá à publi-cação um colorido muito peculiar.

NEGROS E POLÍTICA (1888-1937), deFlávio Gomes, Jorge Zahar Editora, 2005. Nar-rativas historiográficas cristalizaram a imagemdo negro como personagem social pouco mobi-lizado e excluído dos processos de participaçãopolítica. Esse livro, ao contrário, apresentavárias organizações negras que propuserampolíticas públicas e inserção institucional, dia-logaram com setores da elite e com visões decidadania e nação nas primeiras décadas doséculo XX.

UM OLHAR NEGRO SOBRE O BRASIL,de Edson França, José Carlos Ruy, ManoelJulião Vieira. Editora Anita Garibaldi, 2007. Oracismo brasileiro tem singularidades próprias,decorrentes da formação histórica do país e dopovo, e que negam a existência, aqui, de umaalegada “democracia racial”. Um olhar negrosobre o Brasil discute o tema de forma avança-da e moderna, abrangendo diferentes aspectosda questão. Ele traz um conjunto de ensaios decaráter sociológico, histórico, político e cientí-fico que compõe um rico mosaico de idéiaspara que possamos entender o papel da lutacontra o racismo no Brasil e intensificá-la.

O SORTILÉGIO DA COR, de Elisa LarkinNascimento, editora Selo Negro, 2003. Colo-cando o problema da identidade no centro desua análise, a autora mostra que a identidadenão é apenas um conceito teórico, mas semanifesta concretamente na realidade socialbrasileira. O livro descreve a recusa dos afro-descendentes em ver sua identidade diluída emuma homogeneidade cultural ditada pela bran-quitude e pelo universalismo europeu.

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UMA REDE PARA IEMANJÁ, de AntonioCallado, editora Nova Fronteira. Grávida eabandonada pelo marido, Jacira está à procurade uma rede onde deitar e dar à luz. Vagandopela praia, encontra um senhor que faz precesa Iemanjá, rogando à Rainha do Mar que lhetraga de volta o filho desaparecido. Da relaçãoentre Jacira e o velho homem nasce uma belahistória, um verdadeiro auto de Natal de inspi-ração afro-brasileira. Escrita em 1961, “Umarede para Iemanjá” compõe, juntamente com“A revolta da cachaça”, “O tesouro de Chica daSilva” e “Pedro Mico”, o teatro negro de Anto-nio Callado.

ZUMBI, de Joel Rufino dos Santos, editoraGlobal. Neste livro, Joel Rufino nos oferece,mais do que a biografia de um personagem quelutou pela liberdade dos negros no Brasil escra-vocrata, uma verdadeira radiografia do mundoocidental. Ao analisar a estrutura dessa socieda-de, examinando o núcleo familiar, a hierarquiade classes e a noção de riqueza então vigente,desvenda para o leitor a ideologia que criou efundamentou, durante séculos, o mais cruel sis-tema de escravidão que a história do Ocidente járegistrou.

Para saber mais

ALFABETO NEGRO, de Cristina Agostinhoe Rosa Margarida de Carvalho Rocha. EditoraMazza, 56p. Manual, 20p. O alfabeto negro é uminstrumento concreto de valorização da diversi-dade ética e cultural do país em consonânciacom os objetivos dos Novos Parâmetros Curri-culares do MEC, no que tange aos seus temastransversais. O alfabeto negro municia, emespecial, professores e alunos, e leitores emgeral, para o combate às idéias preconceituosasque secularmente produzem e reproduzemvisões estereotipadas sobre os negros, e quelegitimam práticas discriminatórias que conspi-ram contra a democracia e a igualdade de direi-tos e oportunidades em nossa sociedade.

ÁFRICA E BRASIL AFRICANO. Marina deMello e Souza, São Paulo: Editora: Ática, 2007,2ª edição. A autora traça um amplo panoramado continente africano, com suas diversassociedades locais, sua história e cultura,antes e depois da escravidão. Retrataas conseqüências da importação dequase 5 milhões de escravos africa-nos ao longo de mais de 300 anosde história do Brasil, mostrando asmarcas de um legado cultural que atéhoje exerce grande influência em nossasociedade.

DICIONÁRIO LITERÁRIO AFRO-BRASI-LEIRO, de Nei Lopes, editora Pallas, 2007. Aobra trata de elementos vários vinculados à pre-sença do negro na arte literária do Brasil. Nãoconstitui, entretanto, […] “um dicionário deLiteratura brasileira”. Vai além. Relaciona eidentifica, em função dela, autores,obras, manifestações paraliterárias,instituições, figuras e fatos históri-cos, personagens marcantes, ismose estudiosos de questões ligadas àafrodescendência.

HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASI-LEIRA, de Regiane Augusto de Mattos, editoraContexto, 2007. A Lei nº 10.639 tornou obriga-tório o ensino da história e cultura afro-brasi-leira nas escolas. Esse fato foi considerado umimportante passo pelos movimentos de luta dosnegros em todo o país. Guia esclarecedor eabrangente, pensado e elaborado de formadidática tanto para professores quantopara alunos, este livro vem preen-cher justamente essa lacuna. Aobra mostra que, apesar dos obstá-culos impostos pela escravidão noBrasil, os africanos e seus descen-dentes encontraram meios para se organizare manifestar suas culturas e, assim, influencia-ram profundamente a sociedade brasileiracomo um todo.

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HOTEL RUANDA (Hotel Rwanda), direçãode Terry George, EUA/Itália/África do Sul, 2004.Durante a guerra civil de Ruanda, um gerentede hotel tenta salvar pessoas de um massacre em

meio à indiferença da ONU e da comunidadeinternacional.

KIARA, CORPO DE RAINHA,produção da ONG Djumbay, 2001.O curta-metragem aborda a cons-

trução de uma identidade racial nãonegra por crianças negras, levando em consi-

deração os programas infantis.

KIRIKU E A FEITICEIRA (Kirikou et la sor-cière), direção de Michel Ocelot, (Franca/Bélgica/Luxemburgo), 1998. Kiriku, um menino quenasceu para lutar e combater o mal, enfrenta opoder da Karabá, a feiticeira maldosa e seus

guardiões. Kiriku aprende em sua luta que aorigem de tanta maldade é o sofri-mento e só a verdade, o amor, agenerosidade e a tolerância, aliadosà inteligência, são capazes de vencera dor e as diferenças.

A NEGAÇÃO DO BRASIL, direção deJoel Zito Araújo, 2000. O documentário traçaum painel da participação do negro como atore personagem das telenovelas brasileiras, desde“O direito de nascer” até o fim do século XX.Ele traz entrevistas com importantes atoresnegros que refletem sobre seus próprios papéis,dentro e fora da TV.

PRINCESA DE ÁFRICA, direçãode Juan Laguna, Espanha, 2008.Este belo documentário infelizmen-te ainda não tem previsão de distri-buição no Brasil. Ele acompanhauma família de griots e a bailarina

espanhola Sonia, que muda seu destino ao setornar a terceira esposa do chefe do clã de artis-tas senegaleses.

QUANTO VALE OU É POR QUILO, direçãode Sergio Bianchi, 2005. A partir do conto “Paicontra mãe”, de Machado de Assis, e de registrosjudiciais da época da escravidão, o cineasta traçauma crítica à herança da escravatura e a indús-tria da miséria na sociedade brasileira contem-porânea.

QUASE DOIS IRMÃOS, direção de LúciaMurat, 2005. Miguel é um senador da Repúblicaque visita seu amigo de infância Jorge, que setornou um poderoso traficante de drogas do Riode Janeiro, para lhe propor um projeto socialnas favelas. Apesar de suas origens diferentes,eles se tornaram amigos nos anos 50, pois o paide Miguel tinha paixão pela cultura negra e o paide Jorge era compositor de sambas. Nos anos 70,eles se encontram novamente, na prisão de IlhaGrande. Ali as diferenças raciais eram mais evi-dentes: enquanto a maior parte dos prisioneirosbrancos estava lá por motivos políticos, a maioriados prisioneiros negros era de criminosos comuns.

QUILOMBO, direção de Cacá Diegues, 1984.Em torno de 1650, um grupo de escravos serebela num engenho de Pernambuco e ruma aoQuilombo dos Palmares, onde uma nação de ex-escravos fugidos resiste ao cerco colonial. Entreeles, está Ganga Zumba, príncipe africano efuturo líder de Palmares.

O XADREZ DAS CORES, direção de MarcoSchiavon, 2004. Curta metragem. Cida, umamulher negra de quarenta anos, vai trabalharcom uma velha de oitenta anos, viúva e semfilhos, que é extremamente racista. Mas um jogode xadrez pode mudar a relação entre as duas.Disponível no site www.portacurtas.com.br

XICA DA SILVA, direção de Cacá Diegues,1976. Escrava que, durante o ciclo de ouro, naatual e rica cidade de Diamantina, viveu umgrande amor com o homem mais importante daregião, ganhou sua alforria e se tornou uma dasfiguras mais conhecidas do Brasil.

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Filmes

AMISTAD, direção de Steven Spielberg,EUA, 1997. Dezenas de escravos negros selibertam das correntes e assumem o comandodo navio negreiro La Amistad. Eles sonhamretornar para a África, mas desconhecem nave-gação e se vêem obrigados a confiar em doistripulantes sobreviventes, que os enganam efazem com que, após dois meses, sejam captu-rados por um navio americano, quando desor-denadamente navegaram até a costa de Con-necticut. Os africanos são inicialmente julgadospelo assassinato da tripulação, mas o caso tomavulto e o presidente americano, que sonha serreeleito, tenta a condenação dos escravos. Osabolicionistas vencem, no entanto o governoapela e a causa chega à suprema corte america-na. Este quadro faz o ex-presidente John Quin-cy Adams, um abolicionista não-assumido, sairda sua aposentadoria voluntária, para defenderos africanos.

ANTÔNIA – O FILME, direção de TataAmaral, 2006. Originado de uma minissérietelevisiva, o filme se passa na periferia de SãoPaulo, onde quatro jovens mulheres negrasbatalham pelo sonho de viver de sua música, ohip-hop. Mas quando o sonho de fazer algo davida parece tomar corpo, as viradas de um coti-diano marcado pela pobreza, pela violência epelo machismo ameaçam o grupo.

CAFUNDÓ, direção de Paulo Betti e ClóvisBueno, Brasil, 2005. João de Camargo viveu nassenzalas em pleno século XIX. Após deixar deser escravo, fica deslumbrado com o mundo emtransformação ao seu redor e desesperado paraviver nele. O choque é tanto que faz com queJoão tenha alucinações, acreditando ser capaz dever Deus. Misturando suas raízes negras com aglória da civilização judaico-cristã, João passa aacreditar que é capaz de curar e realmente acabacurando. Ele torna-se então uma das lendas bra-sileiras, popularizando-se como o Preto Velho.

CHICO REI, direção de Walter Lima Jr.,1985. Em meados do século XVIII, Galanga,rei do Congo, é aprisionado e vendido comoescravo. Trazido da África num navio negreiro,recebe o cognome de Chico Rei e vai traba-lhar nas minas de ouro de um desa-feto do governador de Vila Rica.Escondendo pepitas no corpo enos cabelos, Galanga habilita-se acomprar sua alforria e, após a des-graça do seu ex-senhor, adquire amina Encardideira, tornando-se o primeironegro proprietário. Ele associa-se a umairmandade para ajudar outros negros a com-prarem sua liberdade.

UM GRITO DE LIBERDADE (Cry Freedom),direção de Richard Attenborough, Inglaterra,1987. A história real de Steve Biko, jovem lídernegro em luta contra o apartheid na Áfricado Sul. A história é contada sob aótica de um jornalista branco queaos poucos se conscientiza dasituação e também é perseguido.Drama biográfico e épico grandilo-qüente bem ao gosto do diretor,sobre racismo e violência. Baseado em doislivros do jornalista Donald Woods.

A HORA DO SHOW (Bamboozled), direçãode Spike Lee, EUA, 2000. Pierre Delacroix éum escritor de séries de TV que não agüentamais a tirania de seu chefe. Sendo o únicoempregado negro da companhia, Delacroixresolve propor a idéia mais absurda que con-seguira imaginar: um programa deTV estrelado por dois mendigosnegros que denunciariam o este-reótipo e o preconceito do negrona televisão americana, exatamentecom o intuito de ser demitido. Mas asurpresa é que o programa em questão nãoapenas se torna realidade como passa a ser umgrande sucesso entre o público americano.

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