UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU (USJT)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO-SENSU
MESTRADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR EM
JUNDIAÍ- SP (1964-1985)
AUTOR: WESLEY BATISTA ARAÚJO
ORIENTADORA: PROFa. DRa. SHEILA AP. PEREIRA DOS SANTOS SILVA
SÃO PAULO
2011
1
WESLEY BATISTA ARAÚJO
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR EM
JUNDIAÍ- SP (1964-1985)
Dissertação apresentada à banca examinadora
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação Física pela Universidade São
Judas Tadeu, sob orientação da Profa. Dra. Sheila
Aparecida Pereira dos Santos Silva.
SÃO PAULO
2011
2
Araújo, Wesley Batista
Educação física escolar no período da ditadura militar em Jundiaí-SP / Wesley Batista Araújo. - São Paulo, 2011.
135 f. ; 30 cm
Orientador: Sheila Aparecida Pereira dos Santos Silva Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2011.
1. Educação fisica para crianças. 2. Professores. 3. Ditadura e ditadores. I.
Silva, Sheila Aparecida Pereira dos Santos. II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física. III. Título CDD – 613.7042
Ficha catalográfica: Elizangela L. de Almeida Ribeiro - CRB 8/6878
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos professores que compartilharam comigo suas experiências
pedagógicas e contribuíram muito para a concepção deste trabalho.
Aos professores da Universidade São Judas que contribuíram para que os meus
horizontes fossem ampliados.
Ao professor Edivaldo que começou comigo esse estudo.
Aos professores e professoras por mim entrevistados, que além do excelente
acolhimento, compartilharam de forma intensa suas experiências do cotidiano
pedagógico.
Aos professores Hugo Lovisolo e Sheila Ap. Pereira dos Santos Silva pelas
imensas contribuições no exame de qualificação.
A minha professora-orientadora Sheila que soube como poucos administrar
minhas angústias no final dessa caminhada e contribuir imensamente na construção
deste trabalho.
Aos meus colegas que estiveram comigo no curso. Sem dúvida as nuances deste
trabalho não seriam possíveis sem as discussões, tensões e conflitos surgidos durante os
estudos.
À Roberta, amiga que fiz no mestrado e companheira de trabalho pedagógico no
serviço público.
À Simone, muito mais que amiga, uma incansável guerreira, que com sua
incandescente sapiência soube partilhar conosco um pouco de suas experiências.
Ao Hugo, meu grande parceiro intelectual. Graças a ele nossas refeições foram
recheadas de muitas questões filosóficas.
À minha querida amiga Carina, parceira incansável de luta por legitimidade da
Educação Física escolar, pelo prazer das nossas discussões.
Ao grande pai que tenho, que mesmo não sabendo ao certo do que se tratavam as
minhas escolhas, apoiou com afinco aquilo que me propus a fazer. Sem dúvida este
trabalho só foi possível graças a ele.
Agradeço a minha amada mãe, sempre atenciosa e preocupada com tudo aquilo
que me afligia, soube com sábias palavras, atitudes de carinho e respeito fazer dessa
dura caminhada algo mais ameno. Tenho orgulho de ser seu filho minha mãe!
Agradeço a minha eterna companheira Mariana, que soube como ninguém ouvir
e confortar-me, mesmo quando discordava das minhas atitudes e pontos de vista ela
4
soube com muita sutileza me indicar os caminhos a serem percorridos. Sou grato por tê-
la conhecido!
E por fim agradeço a minha princesinha Nicole, que em meados de 2010 veio a
abrilhantar a família que tanto amo, e tudo devo.
5
“DEDICO ESSES ESCRITOS AOS
MILHARES DE PROFESSORES DAS
ESCOLAS PÚBLICAS DESTE PAÍS, QUE
LUTAM DENTRO DAQUILO QUE É
POSSÍVEL, PARA MUDAR O CENÁRIO DA
EDUCAÇÃO”
6
RESUMO
Diante das nossas experiências vividas e duma história contada pela literatura
especializada, que concebe a Educação Física (EF) em diferentes momentos históricos
como preponderante nos planos do Estado e da classe dominante na concepção de
sociedade vislumbrada, nos propusemos a investigar as nuances dessa história que
comumente ignora os professores de EF como agente do processo de construção desta
área do conhecimento. A forma determinista como tal literatura aborda o período em
questão, como se o modo de produção fosse capaz de determinar todas as ações
daqueles indivíduos, enquadrando-os num sistema causa-efeito em que o sujeito pouco
pode controlar os rumos de seus atos, nos levou a erigir uma hipótese alicerçada na
vivencia pedagógica dos professores, ou seja, a EF, como área profissional,
aproximava-se, e ao mesmo tempo, afastava-se da visão estatal. Suas posições eram
determinadas não por forças exclusivas de um governo autoritário, mas também pela
perspectiva individual dos professores pela mudança de cenário da Educação Física
escolar (EFE). Diante disso, para alcançarmos o objetivo do estudo nos valemos da
metodologia proposta pelo historiador Paul Thompson, a história oral. Além disso,
também nos propusemos a analisar as leis e decretos promulgados na época, além do
currículo formal da única Faculdade de EF criada no período na cidade de Jundiaí, haja
vista o contexto das nossas investigações e o diálogo continuo que procuramos manter
com a literatura especializada. Sendo assim, apoiamos a análise dos depoimentos no
conceito de experiência de E.P. Thompson, e pudemos perceber o quanto a história é
mais nuançada, e apesar de, o esporte ter sido conteúdo hegemônico dos professores por
nós entrevistados, não podemos confirmar que isso se deu por uma imposição cultural
que tinha a EFE o cerne das aspirações estatais. Isso porque como evidenciamos, os
professores procuraram no fenômeno esportivo uma forma de legitimidade social. Além
disso, as singularidades no trato pedagógico dado pelos professores nos mostraram
como cada sujeito, a seu modo, lida com aquilo que lhe é determinado e às vezes age
sobre a determinação, dentro de certos limites. Por fim, podemos afirmar que a prática
pedagógica desses professores não foi determinada por um governo mancomunado com
a classe dominante a fim de incutir os valores que os interessavam. Apesar de
admitirmos as ações ideológicas no período, pensamos que o professor diante de seus
condicionantes históricos agia perante aquilo que lhe foi proposto e foi ativo no
processo de consolidação da EFE.
Palavras chave: educação física escolar; professores; ditadura militar.
7
ABSTRACT
Given our past experiences and a story told by the specialized literature, which sees the
Physical Education (PE) at different times as prevalent in the plans of state and ruling
class of society envisioned in the design, we decided to investigate the nuances of the
story that often ignores teachers PE as agents of the construction of this knowledge area.
The deterministic manner such as literature deals with the period in question, as if the
mode of production were able to determine all the actions of those individuals, fitting
them into a system of cause and effect in which the little guy can control the direction of
their acts, in led to erect a hypothesis based on teachers' educational experiences, or PE,
as a professional area, approached, and at the same time, distanced himself from the
view state. Their positions were not determined by unique strengths of an authoritarian
government, but also from the viewpoint of individual teachers for the changing
landscape of School Physical education (SPE). Before that, to achieve the goal of the
study we use the methodology proposed by the historian Paul Thompson, oral history.
In addition, we also proposed to examine the laws and decrees issued in the period
beyond the formal curriculum of the School of PE only created in the period in Jundiaí,
given the context of our investigations and we seek to maintain continuous dialogue
with the literature. Therefore, we support the analysis of statements on the concept of
experience of EP Thompson, and we could see how the story is more nuanced, and
although the sport has been hegemonic content of teachers we interviewed, we can not
confirm that this occurred by a cultural imposition that was in the heart of the
aspirations SPE state. That's because as we noted, the professors looked at the
phenomenon of sports a way of seeking social legitimacy. Moreover, the peculiarities in
the pedagogic treatment given by the teachers showed us how each subject in its own
way, deals with what is given him and sometimes acts on the determination, within
certain limits. Finally, we can say that the pedagogical practice of teachers has not been
determined by a government allied with the ruling class in order to instill the values that
interest them. Although we admit the ideological actions in the period, I think the
teacher in front of their historical conditions acted on what it was proposed and was
active in the process of consolidating the SPE.
Keywords: physical education; teachers; military dictatorship.
8
APÊNDICES
APÊNDICE 1- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.....................................146
APÊNDICE 2- Roteiro de Entrevistas...........................................................................148
9
ANEXO
ANEXO I – Transcrição das Entrevistas realizadas......................................................150
10
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................................07
ABSTRACT....................................................................................................................08
LISTA DE ANEXO.........................................................................................................09
LISTA DE APÊNDICES.................................................................................................10
1-INTRODUÇÃO...........................................................................................................13
2- REVISÃO E ANÁLISE DA LITERATURA.............................................................20
2.1- Sobre a Ditadura militar no Brasil................................................................20
2.2- A Educação no período da Ditadura militar no Brasil: a história que nos é
contada.................................................................................................................23
2.2.1- A Educação no período militar......................................................24
2.2.2- As reformas educacionais no período da Ditadura........................29
2.3- A história da EF no Brasil: o que conta a literatura especializada dos anos
80 e 90..................................................................................................................41
2.4- Crítica a literatura especializada...................................................................54
2.4.1 Para uma visão distante da linearidade...........................................54
3- MÉTODO DA PESQUISA.........................................................................................73
3.1- A natureza da pesquisa.................................................................................73
3.2- As técnicas e instrumentos de pesquisa........................................................74
3.2.1- As análises documentais................................................................74
3.2.2- As análises das entrevistas.............................................................75
3.3 – A seleção de inquérito e dos sujeitos pesquisados......................................78
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................................83
4.1- Formação acadêmica em EF na cidade de Jundiaí.......................................83
4.2- Os professores de EF como agentes do processo de educar por meio do
esporte..................................................................................................................91
4.2.1- Primeiro fator de análise: O esporte e a formação profissional em
EF.............................................................................................................93
4.2.2- Segundo fator de análise: A prática pedagógica dos professores de
EF na escola.............................................................................................95
11
4.2.3- Terceiro fator de análise: Autonomia em relação ao
governo...................................................................................................114
4.3- A compreensão dos professores sobre a EF do “passado” e do
“presente”......................................................................................................................126
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................138
12
1. INTRODUÇÃO
Entre as muitas horas a fio decorando tabuadas e escrevendo em um caderno de
caligrafia, exercício justificado inúmeras vezes pela falácia de que, fazendo aquilo,
seríamos alguém na vida, em alguns momentos subvertíamos a ordem instituída,
dávamos um jeitinho e corríamos para o campinho, para a rua ou mesmo para qualquer
espaço que pudéssemos desfrutar da nossa prática corporal preferida: o futebol.
Mesmo com os incansáveis cerceamentos feitos era impossível abnegar daqueles
momentos, discussões, brigas, diversão, enfim, aquele era o nosso tempo, o nosso
espaço. Ali a hora “voava”, mal dava tempo de extravasar todo o sentimento de
liberdade, e lá vinha ele, o baixar do sol, que muitas vezes impossibilitava o andamento
do jogo, ou ela, minha mãe, chamando para o jantar ou para verificar a lição.
Com o tempo, a cidade onde residíamos – Jundiaí- SP, foi crescendo, o
campinho de terra batida desapareceu, o asfalto chegou e com isso o movimento de
carros aumentou assustadoramente, entretanto continuávamos lá, esfolando os pés
descalços naquele asfalto, que em dias muito quentes fervia, parando a bola para os
carros passarem e às vezes, correndo da vizinha quando acertávamos a bola no seu
precioso portão de ferro. Bem, lá continuávamos nós! Na verdade tudo isso não
importava, fazíamos o que gostávamos, evidentemente dentro de certos limites, se
expressava ali o agir humano.
Foi trilhando por esses caminhos, entre uma tabuada e outra, ou uma
escapadinha para uma pelada com os amigos, que com o passar dos anos as
responsabilidades foram surgindo, e começamos a construir nossa trajetória
profissional. Enfim, havia chegado o momento de darmos uma resposta social
recorrente à pergunta que permeou nossa infância: O que gostaríamos de ser quando
crescêssemos? Ou: O que seríamos quando fôssemos adultos?
Como dissemos, o futebol sempre esteve presente na nossa vida, assim sendo
boa parte dos nossos amigos ambicionavam ser jogadores profissionais, e nós não
pensávamos diferente, também na infância e parte da nossa adolescência almejamos o
sucesso no e pelo futebol. Entretanto, com o passar dos anos, entre sucessos e fracassos,
notamos que isso não seria possível, dessa forma o que fazer então?
13
Bem, o que mais se aproximava daquilo que realmente gostávamos de fazer era
o curso de Educação Física (EF) por pensarmos que estava ligado diretamente à prática
esportiva. Sendo assim, optamos por ingressar neste curso como uma forma de atender
nossas expectativas.
Como residíamos na cidade de Jundiaí e na época a única faculdade na cidade
era a Escola Superior de Educação Física (ESEFJ), prestamos o vestibular nesta
instituição, fomos aprovados e ingressamos no curso em 2002, sempre tendo como mote
de nossos anseios o esporte.
No início de nossas atividades acadêmicas, como boa parte dos nossos colegas
de turma, mesmo no curso de Graduação em EF, queríamos jogar... “fazer a prática”...
talvez apenas nos divertirmos. Mas como todo ato de aprender exige algum esforço,
logo vimos que o curso era muito mais que isso e muitos daqueles que iniciaram
conosco acabaram “ficando pelo caminho”. Nós, entretanto, nos mantivemos firmes até
o final do curso e, apesar de termos ingressado com a intenção de atuar no meio
esportivo, mais especificamente com o futebol, as oportunidades e as questões
econômicas nos direcionaram para outro caminho: a Educação Física Escolar (EFE).
Se no início não passara pela nossa cabeça a opção de trabalharmos como
professores de EFE, no último ano de curso, surgiu a oportunidade de prestarmos um
concurso público para a rede pública do Estado de São Paulo. Mesmo com as nossas
profundas limitações de conhecimento sobre a bibliografia exigida no concurso,
conseguimos aprovação.
Deste modo, ingressamos no serviço público numa cidade afastada de onde
residíamos, abarrotada de problemas sociais, e, com o passar do tempo, fez com que
percebêssemos que tais problemas colaboravam para agravar a evasão de professores
que ali ingressavam o que culminava na constante falta de professores com uma
consequente defasagem educacional sofrida pelos alunos da região.
Mesmo com inúmeros problemas (indubitavelmente, para nós, a distância era o
maior deles), continuamos nessa unidade escolar por dois anos. Na época em que
cursamos a graduação, como não tínhamos como objetivo atuar como professores de EF
escolar, não nos ativemos tanto às disciplinas de cunho pedagógico, e agora, ao
ingressar como professores de escola, percebemos como isso nos levou, nessa etapa
profissional, a desenvolver um trabalho no qual faltava coerência.
Tendo consciência das nossas diversas limitações atreladas às dificuldades do
espaço escolar, optamos por nos aprofundar um pouco mais na literatura referente às
14
questões educacionais na tentativa de resolver ou, ao menos, esclarecer alguns
problemas que nos afligiam.
Os dias foram passando, alguns problemas foram se resolvendo, outros
apareceram, mais leituras começaram a permear e a nos subsidiar em nossas tarefas
pedagógicas, enfim, começávamos a vislumbrar um caminho coerente com a visão de
mundo que tínhamos na época.
Apesar de termos clareza a respeito de como poderíamos contribuir para a tão
propalada cidadania do aluno que, quiçá, pudesse erigir o que acreditávamos ser uma
verdadeira justiça social, no início de 2008, a Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo implantou para toda rede estadual uma proposta pedagógica unificada. Foi a partir
deste episódio que começou a se constituir o cerne do nosso problema de pesquisa.
No início nos causava espanto, porque não dizer inconformismo, observar
professores acatarem a tal proposta sem aparentes objeções. Entretanto, com o passar
dos meses, percebemos que esse processo não acontecia de forma tão serena.
Notávamos que havia, dentro de certos limites, contraposições acerca da proposta que
eram refletidas na prática pedagógica cotidiana do professor.
Tal proposta acendeu a inquietação de especularmos até que ponto o indivíduo,
no caso o professor de EF, pode ser formatado e enquadrado numa proposta
educacional que, em princípio, não teve sua participação durante o processo de
elaboração.
Essa proposta teve como mentores alguns dos principais intelectuais ligados à
EFE do país e foi organizada em forma de “cadernos do professor”. Dessa forma, o
professor recebia um caderno (para cada série com a qual atuava) por bimestre com os
conteúdos a desenvolver, as habilidades e competências a serem adquiridas pelos
alunos, os objetivos gerais e específicos a alcançar e a forma de avaliar e reavaliar as
situações de aprendizagens.
De acordo com Maria Inês Fini (SEE, 2008), coordenadora geral da Proposta
Curricular para o Ensino Fundamental – Ciclo II e Ensino Médio, a proposta se
justificava pela exigência da sociedade acerca das competências e habilidades
específicas que devem ser desenvolvidas pela escola. Segundo a coordenadora, essa
Proposta Curricular tem como princípios centrais: a) a escola que aprende, b) o
currículo como espaço de cultura, c) as competências como eixo de aprendizagem, d) a
prioridade da competência de leitura e escrita, e) a articulação das competências para
aprender, e f) a contextualização no mundo do trabalho.
15
Apesar de a proposta abrir espaço para adaptações de acordo com a realidade de
cada escola, os conteúdos eram ofertados a priori baseados nas competências
formuladas pelo referencial teórico do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio),
entendidas como desdobramentos da competência leitora e escritora.
Sendo as notas do ENEM um pré-requisito para solicitação de bolsa no PROUNI
(Programa Universidade para Todos) de até 100% para alunos de universidades
privadas, podemos considerar este exame de seleção uma espécie de “porta de entrada”
para o Ensino Superior, o que nos leva a crer que os demais níveis de ensino que o
antecedem convirjam no desenvolvimento das mesmas competências exigidas. Pode-se
interpretar que a unificação de objetivos, conteúdos e formas de avaliar colaborem para
enquadrar o professor numa lógica funcionalista de educação. Por esse prisma, o
professor se vê imerso num contexto em que a cultura local, se considerada não
importante para a formação de competências para o mercado de trabalho, não adentre os
espaços escolares, contribuindo para que as vozes dos grupos minoritários sejam
silenciadas, hierarquizando os diferentes saberes.
Esse enquadramento ao qual o professor é submetido pode ocorrer, ainda, por
meio do mecanismo dos ajustes salariais por meio de bônus que dependem do
desempenho dos alunos nos exames promovidos pelo governo para verificação da
assimilação dos conteúdos.
Esses sutis cerceamentos que denominamos de formatação e enquadramento
fizeram com que nos debruçássemos sobre a literatura para compreender um pouco mais
como tem ocorrido a atuação, conformação, resistência, enfim, como os professores de
EF efetivaram suas práticas pedagógicas em períodos históricos nos quais o
autoritarismo foi corrente e explícito.
Diante disso, se por um lado encontramos uma vasta literatura nos contando
como foi concebida a EFE em diferentes períodos históricos, literatura esta composta,
hegemonicamente de leis, decretos e das vozes oficiais, notamos a ínfima quantidade de
obras que desse voz e mostrasse a ação daqueles que estavam na linha de frente do
processo: os professores. Das poucas obras encontradas e que tiveram como foco de
pesquisa a prática pedagógica dos professores, faziam uma releitura das atividades
docentes a partir da própria experiência dos sujeitos. Bem, é a partir do confronto dessas
diferentes leituras sobre a área, coadunados com aquilo que compreendíamos no nosso
cotidiano pedagógico, que erigimos os seguintes questionamentos:
16
Estaríamos vivendo um período de autoritarismo, apesar dos discursos atuais
serem democráticos?
Teria o professor de Educação Física, ao longo do tempo, aprendido e
introjetado posturas imobilistas e acríticas quando se trata de currículo escolar e de
práticas pedagógicas?
Será que o professor de Educação Física com o qual nos deparamos, hoje, nas
escolas, se diferenciam, de alguma forma, daqueles que viveram os períodos mais
autoritários da sociedade brasileira pós-república?
Esses questionamentos aguçaram nossa curiosidade no sentido de conhecer
melhor o período da ditadura militar no Brasil, buscando identificar os mecanismos de
acomodação e de resistência dos professores de Educação Física escolar nesse período.
Além disso, o fato de nos deparamos com uma abundante literatura que aborda o
período da ditadura militar no Brasil (1964-1985) colaborou para acender em nós o
anseio de nos debruçarmos e compreendermos um pouco mais sobre a EFE naquele
momento.
Sendo assim, o problema de pesquisa identificado por nós consistiu em
questionar como os professores de EFE, rodeados por um forte regime opressor,
efetivaram suas práticas pedagógicas durante o período da Ditadura militar no Brasil?
O caminho para identificação desse problema de pesquisa deve-se ao fato de
almejarmos compreender como os indivíduos agem e reagem diante das dificuldades do
cotidiano e das influências estruturais. No caso dos professores, como eles reagiram à
norma legal, mais especificamente a reforma educacional de 1971 (Lei 5.692 e Decreto
69.450), as especificidades que pairavam sobre a área, e os possíveis cerceamentos tão
propalados durante a ditadura no Brasil.
Para tanto, partimos da hipótese que a EF, como área profissional, composta por
diversos atores sociais, aproximava-se, e ao mesmo tempo, afastava-se da visão estatal.
Suas posições eram determinadas não por forças exclusivas de um governo autoritário,
mas também pela perspectiva individual dos professores pela mudança de cenário da
EFE.
Diante do objeto de estudo, do problema, e da hipótese levantada, nos valemos
da metodologia proposta pelo historiador inglês Paul Thompson, a história oral. Essa
opção é pautada na compreensão de que os documentos oficiais e a literatura
17
especializada1 que interpretaram determinado período relatam apenas um lado da
história, ou ainda “partes” de uma história, com isso, pretendemos contar como
efetivamente aconteciam as aulas de EF na cidade de Jundiaí, no que se refere aos
sujeitos entrevistados.
A escolha da cidade de Jundiaí, não é fortuita, deve-se ao fato de termos vivido
nossa infância e adolescência nas escolas públicas da cidade, conhecendo alguns
professores que, mesmo adotando uma concepção tecnicista e excludente de educação,
nos encantaram com sua paixão e entusiasmo pelo que faziam. Sem dúvida, esses
sujeitos contribuíram para que mais à frente escolhêssemos construir uma vida
profissional ligada a EFE.
Sendo assim, optamos por realizar nossa formação acadêmica na Escola
Superior de Educação Física de Jundiaí – ESEFJ- inaugurada em regime de autarquia
municipal no período compreendido por este estudo, fator que também contribuiu para
que optássemos pela cidade de Jundiaí, em nossas investigações.
Visto isso, na primeira parte deste trabalho o leitor encontrará uma revisão de
literatura sobre o campo educacional da época além de um diálogo com a literatura
especializada na história da EF no período militar (1964-1985).
Isso se fez necessário à medida que buscamos expor como a história da EFE
contada pela literatura especializada dos anos de 1980 e início dos anos 90 é erigida de
forma determinista, como se o modo de produção fosse capaz de determinar todas as
ações dos sujeitos pertencentes aquele processo, enquadrando-os num sistema de causa
e efeito em que a pessoa pouco pode controlar os rumos de seus atos.
A esse respeito Thompson (1981) afirma:
O absurdo de Althusser está no modo idealista de suas construções teóricas.
Seu pensamento é filho do determinismo econômico fascinado pelo idealismo
teórico. Postula (mas não procura “provar ou “garantir”) a existência da
realidade material: aceitaremos esse ponto. Postula também a existência de
um mundo (“externo”) material da realidade social, cuja organização
determinada é sempre, em última instância, “econômica” (p.21).
1 Termo cunhado em 2001 por Marcus Aurélio Taborda de Oliveira em sua obra A Revista Brasileira de Educação Física e
Desportos (1968-1984) e a experiência cotidiana de professores da Rede municipal de ensino de Curitiba: entre a adesão e a
resistência. Com isso entendemos por literatura especializada aqueles autores de forte acento crítico (CASTELLANI FILHO, 1988;
GHIRALDELI, 1988; BETTI, 1991; SOARES et al., 1992 ) que se propuseram a estudar profundamente a legislação do período
militar que contemplou a Educação Física. Portanto, adotaremos esse termo a fim de facilitarmos o decorrer da leitura.
18
Com a contextualização do período educacional, na segunda parte deste estudo
nos propusemos a tecer algumas críticas sobre a forma linear e determinista como
costuma ser contada a história da EF, levantando proposições sobre como o processo
histórico pode ser erigido por outras vertentes, enveredando nossas reflexões trilhando
caminhos diferentes daqueles que nos são contados.
Além disso, o leitor também encontrará considerações a respeito do currículo da
única Escola Superior de Educação Física de Jundiaí em funcionamento na época. Isso
se justifica à medida que todos os sujeitos de nossa pesquisa tiveram vínculo direto com
a instituição, e, procuramos desvendar até que ponto os professores seguiram o que era
preconizado pela Faculdade.
Por fim, buscando fazer uma releitura das ações pedagógicas dos professores,
nos propusemos a contar a história pelas próprias vozes daqueles sujeitos que
vivenciaram o cotidiano pedagógico, entretecendo suas falas com os discursos correntes
adotados pela literatura exposta na primeira parte deste estudo junto às críticas
realizadas.
Para fundamentar os nossos posicionamentos nos valemos dos escritos do
historiador inglês Edward Palmer Thompson, especificamente o conceito de experiência
desenvolvido pelo autor em suas investigações sobre A formação da classe operária
inglesa e esmiuçado mais à frente na obra A miséria da teoria ou um planetário de
erros, no que tange análise dos depoimentos coletados.
Acreditamos que com este arcabouço teórico, erigimos um trabalho sobre a
história da EFE construída por sujeitos que sentem, sofrem, experimentam e agem sobre
determinadas situações. Portanto não se trata aqui de contar uma história da área “atrás
de gabinetes” e sim voltar ao passado por meio de nossos depoentes e compreender
como o processo histórico é mais nuançado do que um determinismo econômico, pois
no cerne deste, encontram-se os professores de EF.
Em suma, o objetivo desta pesquisa foi direcionado a questionar como os
professores de EFE efetivaram suas práticas pedagógicas durante o período da Ditadura
militar no Brasil no sentido de identificar se e como a ditadura militar interferiu nelas.
19
2- REVISÃO E ANÁLISE DA LITERATURA
2.1. Sobre a Ditadura militar no Brasil
A ditadura militar no Brasil durou vinte e um anos e ficou marcada na história
recente do Brasil como um período de medo, repressão e ausência do estado de direito.
` Com uma democracia que buscava consolidação pós Estado Novo (1946) e um
governo fragilizado por uma crise econômica que assombrava o país, em 31 de Março
de 1964, o Brasil adentrava, por força do exército nacional, em um regime ditatorial que
permaneceria até 1985 com a eleição do primeiro Presidente civil pós ditadura – 64.
O regime militar veio por meio de um golpe de estado 2 sofrido contra o então
Presidente João Goulart (Jango), que assumiu a Presidência em 1961 após renúncia
repentina de Janio Quadros.
Segundo Toledo (2004), por conta da instabilidade econômica que permeava o
país, o golpe era permanentemente reivindicado por diversos setores da sociedade civil
que apoiaram os militares na sua tomada de poder.
Ghiraldelli (2008) acrescenta que, no entanto, a partir de 1968, o grupo militar
mais conservador do regime cassou os direitos políticos de várias dessas lideranças que
apoiaram o golpe, concentrou-se o poder na Escola Superior de Guerra, extirpando as
ideias (ao menos explicitamente) daqueles que se opunham ao governo.
Uma das causas muito propaladas sobre o golpe vem da análise marxista de
Jacob Gorender (apud Fico, 2004) que afirma que a crise econômica de 1962 e as
propostas de reformulação estrutural do governo vigente poderiam ameaçar a classe
dominante e o imperialismo. O período 1960-1964 marca o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores
brasileiros neste século [XX]. O auge da luta de classes, em que se pôs em
xeque a estabilidade institucional da ordem burguesa sob os aspectos do
direito de propriedade e da força coercitiva do Estado. Nos primeiros meses
de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se
definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo. A
classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes
que o caldo entornasse. (p.66-7 apud Fico, 2004, p.49.)
2 É comum encontrarmos na literatura termos como: revolução, intervenção do exército ou golpe de Estado. No entanto, optamos
por colocar como golpe de estado a intervenção do exército na política do país.
20
Além disso, o fantasma da revolução Cubana na América Latina também fez
com que diversos setores da sociedade brasileira, coadunados com o governo norte-
americano, apressassem a “restauração da ordem”
... a revolução socialista de Cuba afetou o poder e o prestígio dos Estados
Unidos no continente e concorreu decisivamente para o desenvolvimento de
uma ofensiva anticomunista na América Latina, que fez ressurgir os valores
da guerra fria. Na verdade, a experiência cubana fascinou os oprimidos de
vários países e os Estados Unidos empenharam-se em evitar o surgimento de
algo semelhante em outro ponto das Américas. Em conseqüência foi criado
um programa de “cooperação” econômica denominado “Aliança para o
Progresso”, os exércitos continentais foram conclamados a travarem uma
prolongada luta anti-subversiva e, em alguns casos, ocorreu uma
intervenção inequívoca dos Estados Unidos em favor das forças
antidemocráticas e golpistas como se verificou no Brasil, em São Domingos
e no Chile (GERMANO,1994, p. 50-51).
Já Fico (2004) avalia que as causas do golpe foram decorrentes de vários fatores
e não apenas por uma causa econômica.
As transformações estruturais do capitalismo brasileiro, a fragilidade
institucional do país, as incertezas que marcaram o governo de João
Goulart, a propaganda política do Ipes, a índole golpista dos conspiradores,
especialmente dos militares – todas são causas, macroestruturais ou
micrológicas, que devem ser levadas em conta, não havendo nenhuma
fragilidade teórica em considerarmos como razões do golpe tanto os
condicionantes estruturais quanto os processos conjunturais ou os episódios
imediatos. Que uma tal conjunção de fatores adversos – esperamos todos –
jamais se repita (FICO, 2004, p.56).
Diante dessa configuração, em 31 de Março de 1964 o golpe contra a incipiente
democracia no Brasil é consolidado, fazendo com que o governo militar “rompesse”
com o nacionalismo populista (ideologia política que buscava a consolidação da
identidade do povo brasileiro e sua independência) que permeava o país, e optasse pelo
aproveitamento do capital estrangeiro.
Hilsdorf (2003) afirma que
21
Começava o período do governo militar, com seu regime centralizado e
coercitivo e sua política de desenvolvimento associado, isto é, a etapa da
economia embasada na indústria e dependente do capital estrangeiro. Essa
orientação pode ser sintetizada na seguinte frase de um governante da
época: “O povo vai mal, mas a economia brasileira vai bem”, indicando que
em decorrência da política dos militares e empresários em favor do
monopólio econômico, ocorreria o desenvolvimento do país (o chamado
“milagre econômico”), mas com base no crescimento das taxas de
concentração de renda e na contenção dos movimentos sociais populares
que haviam marcado a década anterior (HILSDORF, 2003, p.122, grifo do
autor).
De acordo com Mendes (2010), a ditadura militar, segundo os próprios militares,
seria uma transição rápida e gradual para o retorno à democracia e aos direitos que
haviam sido caçados. Germano (1994) corrobora afirmando que
Castelo Branco não queria implantar uma verdadeira ditadura, mas
“salvar” a ordem constitucional democrática do “comunismo” e da
“demagogia populista”. Esse projeto, contudo, mostrou-se inviável, em
virtude da resistência de uma parte do Congresso e de partidos políticos, das
pressões da “linha dura” militar, da insatisfação popular com o modelo
econômico e político e dos fracassos eleitorais em 1965, etc
(GERMANO,1994, p.53).
Nas análises de Ferreira Jr e Bittar (2006b) dos artigos escritos sobre a ditadura
militar pelo ex ministro Jarbas Passarinho, este afirma que a luta armada dos comunistas
impedia que o governo militar restabelecesse a democracia, pois havia a necessidade de
se manter a ordem. Para o ex-ministro, o regime militar só se tornou ditatorial depois
das intentadas comunistas que levaram o governo a editar o AI-5, período conhecido
como anos de chumbo.
Com isso, se consolidaria a completa supressão da democracia e ficaria aberta a
alavancada econômica do Brasil e sua consequente segmentação social entre aqueles
que tinham e acumulavam, cada vez mais, o capital, e aqueles que possuíam apenas a
força de trabalho.
Sendo amparada por leis, decretos, imposições explícitas (Atos Institucionais) e
veladas, a ditadura militar permaneceria até 1985. Em síntese, nos dizeres de Ferreira Jr
e Bittar (2006a), “o golpe de Estado de 1964 impediu a “revolução comunista” e, ao
22
mesmo tempo, possibilitou ao regime militar “modernizar” o capitalismo
brasileiro”(p.22). Essa motivação economicista do golpe, consubstanciado a outros
fatores citados por Fico (2004), imergiram o país num dos períodos mais autoritários da
contemporaneidade.
Segmentando o período militar, Codato (2005) analisa essa história em cinco
grande fases
Uma primeira fase, de constituição do regime político ditatorial-militar,
corresponde, a grosso modo, aos governos Castello Branco e Costa e Silva
(de março de 1964 a dezembro de 1968); uma segunda fase, de consolidação
do regime ditatorial-militar (que coincide com o governo Medici: 1969-
1974); uma terceira fase, de transformação do regime ditatorial-militar (o
governo Geisel: 1974-1979); uma quarta fase, de desagregação do regime
ditatorial-militar (o governo Figueiredo: 1979-1985); e por último, a fase de
transição do regime ditatorial-militar para um regime liberal-democrático (o
governo Sarney: 1985-1989) (CODATO, 2004, s/p.).
Para fins desse estudo, nos ateremos às quatro primeiras fases - 1964 a 1985-,
tendo em vista que, no campo da educação, grandes reformas foram elaboradas durante
a primeira fase, implantadas na segunda, reiteradas e modificadas através de decretos-
leis na terceira e contestadas na quarta, já com o governo ditatorial-militar bastante
enfraquecido.
Assim sendo, faremos no próximo capítulo desse trabalho, uma incursão na
história da educação no período militar, a fim de contextualizarmos a EF como uma
área de conhecimento que começava a adentrar as escolas públicas brasileiras,
respaldada por uma nova legislação e equiparada a outras disciplinas do currículo.
2.2. A Educação no período da Ditadura militar no Brasil: a história que
nos é contada.
Antes de começarmos discorrer sobre a educação no período compreendido por
este estudo, é importante pontuarmos que a história que nos é contada é um
posicionamento dos autores citados durante o decurso do trabalho. Portanto, por
compactuarmos com as considerações menos deterministas que Edward Palmer
Thompson faz da história, justamente por levar em conta as ações dos sujeitos na
23
construção do processo histórico, tentaremos expor os posicionamentos da literatura,
mas sempre com o distanciamento necessário para não perdermos de vista o mote de
nossa pesquisa, ou seja, os sujeitos como agentes do processo.
2.2.1- A Educação no período militar
Após o golpe militar de 1964, o Brasil optou pelo aproveitamento do capital
estrangeiro em detrimento ao movimento nacional-desenvolvimentista que permeava o
contexto do país até então.
Diante dessa nova visão política, a educação, até então pautada pela LDB 4.024
de 1961, que havia sido construída nas bases de um país em processo de
industrialização, começou a ser alterada de acordo com o ideário militar e em
concomitância com o desabrochamento do sistema capitalista no Brasil.
Segundo Saviani (1982) essas alterações não apareceram explicitamente nos
textos das leis. Não obstante, o autor salienta que, por mais que os objetivos
proclamados com a LDB 4.024 não tenham sido revogados pelas leis 5.540 e 5.692
dando a entender que não houve mudanças, não se pode inferir que essas leis estivessem
impregnadas do mesmo espírito.
Para o autor, com a ruptura da política nacional desenvolvimentista em prol da
continuidade sócio-econômica, houve alteração no espírito das leis, isso porque a
inspiração liberalista da primeira LDB cedeu lugar às tendências tecnicistas das leis
5.540 e 5.692.
Sendo assim, desenhava-se uma educação planejada como instrumento da
racionalidade tecnocrática com o objetivo de se viabilizar o slogan “Brasil Grande
Potência” (Ferreira Jr e Bittar, 2008).
Diante disso, o governo pós 64, que era formado basicamente por militares e
tecnocratas, consubstanciado com a forte influência burguesa e do governo norte-
americano, firmou, entre junho de 1964 e janeiro de 1968, doze acordos entre o
Ministério da Educação e Cultura e a Agency for International Development (MEC-
USAID).
De acordo com Ghiraldelli Jr. (2008), os acordos comprometeram a política
educacional do nosso país às determinações de um grupo específico de técnicos norte-
24
americanos não simpatizantes dos posicionamentos de John Dewey3 e de filósofos da
educação democrata, que os Estados Unidos haviam produzido em larga escala.
Desta forma começava-se a se construir uma proposta educacional concebida
numa tendência tecnicista, cujos pressupostos teóricos podem ser encontrados na
filosofia positivista e na psicologia behaviorista, com a tentativa de aplicar na escola o
modelo empresarial, baseado na “racionalização”, própria do sistema de produção
capitalista.
Aranha (2006) afirma que um dos objetivos dessa linha era adequar a educação
às exigências da sociedade industrial e tecnológica, evidentemente com economia de
tempo, esforços e custos. Vale lembrar que os anos que antecederam o golpe militar
foram de crescente desenvolvimento industrial vindos do exterior. Sendo assim, para
inserir o Brasil no sistema do capitalismo internacional, seria preciso tratar a educação
como capital humano.
Hilsdorf (2003) define o capital humano como uma teoria importada dos Estados
Unidos, desenvolvida pelo norte-americano Theodor W. Schultz, professor de economia
da Universidade de Chicago e que funcionou como diretriz de política social para
países em desenvolvimento. A teoria propõe que o processo de educação escolar seja
considerado como um investimento que redunda em maior produtividade e,
consequentemente, em melhores condições de vida para os trabalhadores e a sociedade
em geral.
A autora afirma que
As habilidades e os conhecimentos obtidos com a escolarização formal
representam o ‘capital humano’ de que cada trabalhador se apropria: a
teoria propõe que basta investir nesse capital para que o desenvolvimento
pessoal e social aconteça (HILSDORF, 2003, p.123, grifos nossos).
A respeito do capital humano, teoria implantada no período ditatorial, Ferreira Jr
e Bittar (2008) afirmam
Durante a ditadura militar, as relações que se estabeleceram entre
planejamento econômico, modernização acelerada das relações capitalistas
3 Dewey foi um dos idealizadores do escolanovismo, movimento com o objetivo de democratizar e de transformar a sociedade por
meio da escola que teve início na década de vinte. Anísio Teixeira foi um dos principais responsáveis pela disseminação da proposta
no Brasil, após uma de suas viagens aos Estados Unidos.
25
de produção, tecnocracia e educação tinham na “teoria do capital humano”
o seu elemento vital, a seiva ideológica que alimentava o projeto societário
materializado no slogan “Brasil Grande Potência” (FERREIRA Jr. e
BITTAR, 2008, p.344).
Navegando nessa esteira, Saviani (2008) afirma que
...configurou-se, a partir daí, a orientação que estou chamando de
concepção produtivista de educação. Essa concepção adquiriu força
impositiva ao ser incorporada à legislação do ensino no período militar, na
forma dos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, com os
corolários do "máximo resultado com o mínimo dispêndio" e "não
duplicação de meios para fins idênticos" (SAVIANI, 2008, s/p)
Mais à frente, os preceitos da teoria do capital humano ficaram mais explícitos
com a reforma educacional dos 1º e 2º graus, com a defesa da terminalidade com
profissionalização. Consubstanciada com essa teoria, a tendência tecnicista de
Educação, respaldada pela legislação passou a ser o ideário educacional de todo o
território nacional.
De acordo com Aranha (2006), essa tendência prejudicou, sobretudo, as escolas
públicas, uma vez que as exigências de pessoal e de infraestrutura impostas foram
contornadas nas escolas particulares. Uma das consequências dessa tendência foi a
excessiva burocratização do ensino uma vez que, para o controle das atividades, havia
inúmeras exigências de preenchimento de papéis.
Aranha (2006) afirma que
evidentemente, essa tendência ignorava que o processo pedagógico tem sua
própria especificidade e jamais permite a rígida separação entre concepção
e execução do trabalho, além do que [...] não tem sentido reduzir o professor
a mero executor de tarefas organizadas pelo setor de planejamento,
tampouco é possível imaginar que a excelência dos meios técnicos possa
tornar a sua função secundária (p.315).
Além disso, muitos autores afirmam que esses acordos MEC-USAID, que
adotaram essa tendência tecnicista de educação, beneficiaram mais aqueles que tinham
como discurso “ajudar” os países em desenvolvimento do que aqueles que careciam de
ajuda.
26
Romanelli (2007), por exemplo, tece considerações afirmando que, para que haja
essa ajuda, considera-se o contexto interno das sociedades beneficiárias, já que a ajuda
quase sempre se faz sentir justamente onde e quando são perceptíveis condições
mínimas de integração das populações na esfera de influência do capitalismo.
A autora continua, afirmando que a estratégia geral da ajuda para o
desenvolvimento da educação segue as seguintes fases: a) em primeiro lugar, quando a ajuda é feita à base de inversão
de capital (construção de escolas), todo o circuito que vai da
elaboração dos estudos, transporte de material, até o
fornecimento de pessoal, favorece o país assistente, porque
apenas uma pequena parte da ajuda aproveita mão-de-obra
local;
b) a ajuda vinculada obriga os países beneficiários a pagarem
preços superiores aos preços mundiais e a se responsabilizarem
por fretes de transporte e seguro junto às empresas dos países
de origem;
c) quanto à manutenção do pessoal de cooperação que
representa 70% da ajuda à educação, os recursos não são
inteiramente gastos localmente. Pelo menos a metade, talvez até
dois terços são conservados no país de origem ou para ele
voltam sob a forma de poupança. Até mesmo as despesas com
consumo do pessoal se fazem sempre com importação de
produtos manufaturados e até alimentares oriundos dos países
industrializados. Assim, apenas uma pequena parte da renda
favorece a economia local (aluguel, serviços domésticos,
alimentação de base);
d) além disso, para o país que recebe um técnico é diferente o
“valor” de sua remuneração paga pelo país que o envia, em
confronto com o custo de um técnico local para o país
beneficiário;
e) na maior parte das vezes, a ajuda exterior acarreta encargos
decorrentes de alojamento, transporte, etc., que podem atingir
ou ultrapassar a despesa que o país beneficiário suportaria, se
ele empregasse técnicos nacionais. (ROMANELLI, 2007, p.
187).
Além disso, havia também a ajuda oferecida na forma de bolsas de estudo, que
promoveu muitas vezes a “evasão de cérebros” para esses países.
27
Como nos indica Romanelli (2007), a ajuda não chegava como filantropia e sim
com interesses mercadológicos e dominadores que permeavam a relação entre aqueles
que necessitavam de melhorias no sistema educacional e aqueles que pretendiam, ora de
forma sutil, ora não, transplantar para o país beneficiário sua cultura de acordo com seus
interesses.
Em síntese, Germano (1994) afirma que a política educacional durante a
ditadura militar se desenvolveu em torno de quatro eixos
1) Controle político e ideológico da educação escolar, em todos os níveis.
Tal controle, no entanto, não ocorre de forma linear, porém é
estabelecido conforme a correlação de forças existentes nas diferentes
conjunturas históricas da época. Em decorrência, o Estado militar e
ditatorial não consegue exercer o controle total e completo da educação.
A perda de controle acontece, sobretudo, em conjunturas em que as
forças oposicionistas conseguem ampliar o seu espaço de atuação
política. Daí os elementos de “restauração” e de “renovação” contidos
nas reformas educacionais; a passagem da centralização das decisões e
do planejamento, com base no saber da tecnocracia, aos apelos
“participacionistas” das classes subalternas;
2) Estabelecimento de uma relação direta e imediata, segundo a “teoria
do capital humano”, entre educação e produção capitalista e que
aparece de forma mais evidente na reforma do ensino do 2º grau,
através da pretensa profissionalização;
3) Incentivo à pesquisa vinculada à acumulação de capital;
4) Descomprometimento com o financiamento da educação pública e
gratuita, negando na prática, o discurso de valorização da educação
escolar e concorrendo decisivamente para a corrupção e privatização
do ensino, transformando em negócio rendoso e subsidiado pelo Estado.
Dessa forma, o regime delega e incentiva a participação do setor
privado na expansão do sistema educacional e desqualifica e a escola
pública de 1º e 2º graus, sobretudo. (GERMANO, 1994, p.106).
Diante desse sustentáculo ideológico, os acordos entre MEC–USAID
culminaram na promulgação da Lei nº 5.540/68 e na Lei 5692/71, ambas visando atrelar
o sistema educacional ao modelo econômico dependente, imposto pela política norte-
americana para a América Latina, como discutiremos a seguir.
28
2.2.2. As reformas educacionais no período da Ditadura
O período da ditadura militar foi marcado por duas grandes e impactantes
reformas educacionais, a Lei nº 5.540/68 e a Lei nº 5.692/71. Essas reformas integraram
as mudanças sociais da época, mas também as feições políticas do regime de governo
que vigorava no período, em sua caracterização militar e ditatorial.
Saviani (1982) tece considerações sobre a ruptura política em prol da
continuidade econômica, o que desencadeou mudanças legislativo-educacionais
consubstanciadas com os interesses do governo e de seu parceiro internacional. De
acordo com Saviani (2008), a Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, reorganizou o
funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média. Já a Lei nº
5.692, de 11 de agosto de 1971, reestruturou os antigos primário e ginásio, criando o
ensino de 1º e 2º graus. Em outras palavras: da junção dos quatro anos do ensino
primário com os quatro do ginásio foi criado um único ciclo de oito anos, o chamado 1º
grau de ensino, que passou a ser obrigatório. Quanto aos três anos do antigo ensino
colegial, passaram a constituir o 2º grau.
Diferentemente do que aconteceu com a LDB de 1961, fruto de um profundo
debate em torno das diretrizes da educação nacional, a Lei nº 5.540, de 28 de novembro
de 1968, conhecida como lei da reforma universitária, foi implementada de forma
centralizada e introduziu diversas modificações na LDB de 1961, sempre em
consonância com os interesses políticos do período.
Um dos fatores desencadeadores da promulgação da reforma universitária foi a
ampliação do mercado de trabalho, fato que começara a ocorrer com o processo de
industrialização nacional a partir da década de 30.
Com a exigência industrial por uma mão-de-obra mais qualificada, a crença que
a via escolar poderia fornecer tais habilidades aumentou assustadoramente a demanda.
A classe média urbana foi a grande alavanca dos movimentos estudantis que advogavam
por reformas educacionais, pois tinha como meta ascender economicamente no seio da
sociedade. Para outros, os mais abastados, as reformas, especificamente as que se
referiam ao ensino superior, representavam a manutenção do status quo.
Diante dessas necessidades, a antiga universidade não tinha mais condições de
atender ao aumento da procura por vagas no ensino superior.
Com isso começam a se instaurar no Brasil, mais incisivamente no início da
década de 60, movimentos estudantis organizados reivindicando reformas educacionais
29
que pudessem suprir as necessidades sociais que emergiam em meio àquele cenário de
efervescência econômica.
A esse respeito, Freitag (1980) pondera
A causa fundamental para o engajamento político do estudante era a sua
insegurança de classe. Não vendo possibilidade de êxito e participação na
estrutura de classe vigente, o estudante se torna o porta-voz ideológico de
uma luta de classes a favor dos oprimidos. Abandona essa ideologia no
momento em que consegue inserir-se, com êxito, no mercado de trabalho e
assegurar seu lugar privilegiado na sociedade estratificada (FREITAG,
1980, p.87).
Não obstante os movimentos estudantis tenham se intensificado pós 64, foram
reprimidos violentamente pelo governo vigente. As contestações tinham como alvo o
direito à liberdade de expressão, além de serem radicalmente contra os acordos entre
MEC- USAID, bem como contra a privatização do ensino. As reivindicações exigiam
mais verba para a educação e a sua expansão, tendo em vista que aqueles que eram
aprovados nos vestibulares não conseguiam o ingresso por falta de vagas, os chamados
excedentes.
Diante disso, configura-se uma situação em que o governo, pressionado pelos
estudantes que ambicionavam o ingresso no ensino superior, “cede” aos anseios
estudantis e cria um Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU), com a
incumbência de amadurecer as reformas educacionais para que atendessem a exigência
social, mas coadunadas com as políticas que vigoravam até então.
Contudo, esse processo não aconteceu com tanta assepsia.
Romanelli (2007) afirma que
... a modernização da universidade ocorreu menos por pressão da rebelião
estudantil do que pela descoberta de que a inovação poderá ser manipulada
sem ameaças à estrutura de poder, ao mesmo tempo em que se ajustaria mais
a um certo padrão de desenvolvimento econômico, apontado este aspecto
pelas forças internas e externas interessadas nessa modernização. Assim,
pois, o Governo não só cedeu às pressões, como assumiu a responsabilidade
da inovação (ROMANELLI, 2007, p.231).
30
Como nos alerta Cunha (2009), com o golpe pós 64 as discussões sobre a
reforma no ensino superior que ocorreram por meio de Seminários promovidos pela
União Nacional dos Estudantes - UNE em 1961, 62 e 63 foram modificadas para que se
adaptassem à política educacional do governo autoritário. Para a autora, com a ascensão
ao poder dos militares “A questão universitária passava a ser encarada como um
problema técnico, não mais como uma questão social, como era considerada antes de
1964” (CUNHA, 2007, p.3).
Entretanto, Germano (1994) diz que é importante relativizarmos até que ponto o
governo militar foi o responsável pela reestruturação do ensino superior no Brasil.
Segundo o autor, mesmo antes do golpe, a UNE propunha diversas modificações no
sistema de ensino superior, algumas delas atrelando a universidade ao mercado de
trabalho. Além disso, grandes universidades como a Universidade de Brasília - UNB, já
tinham em suas estruturas mecanismos de “modernização” muito parecidos com os
quais foram adotados pós reforma.
O autor afirma que
Na verdade, a reforma universitária de 1968 assimilou, em grande parte, a
experiência acumulada no âmbito de instituições do próprio Estado, bem
como as demandas estudantis. Mas a assimilação não significa continuidade
do projeto anterior; na verdade, como vimos, ela representou a sua
liquidação. A reforma incorporou a estrutura e tentou inviabilizar, a todo o
custo, um projeto de universidade crítica e democrática ao reprimir e
despolitizar o espaço acadêmico. Afinal, não se trata de um contexto de
“democracia populista”, mas da implantação de um Estado de Segurança
Nacional de cunho ditatorial (GERMANO, 1994, p.123)
Por esse prisma, a ideia de um processo histórico linear de dominação
arquitetado pelo governo militar é contestada, haja vista que o autor relativiza o papel
estatal na reforma. Mesmo assim não absolve o estado de suas intenções de controle
social por meio da reforma
Nessa mesma esteira, Oliveira (2003) nos provoca construindo a possibilidade
histórica de que as políticas públicas gestadas podem não ser uma imposição autoritária
do governo, mas sim um consórcio entre os diversos segmentos para a organização de
demandas sociais.
31
Veja o que o autor afirma: “procurei (...) mostrar que a dominação, em
qualquer de suas formas, é uma via de mão dupla. Os grupos no poder podem impor,
mas podem propor. Podem ordenar, mas podem acatar. Essa é a dinâmica do conflito”
(p.173).
Sobre a organização de demandas, Saviani (2005) afirma
No ensino superior a lei aprovada resultou de duas demandas
contraditórias: a dos estudantes e professores e aquela dos grupos ligados
ao regime instalado com o golpe militar. Respondendo à primeira pressão, a
lei nº 5.540 proclamou a autonomia universitária e a indissociabilidade entre
ensino e pesquisa, aboliu a cátedra e elegeu a instituição universitária como
forma prioritária de organização do ensino superior. Atendendo à segunda
demanda, institui o regime de crédito, matrícula por disciplina, os cursos
semestrais, os cursos de curta duração e a organização fundacional
(SAVIANI, 2005,p.36).
Desta forma, imbricados por intenções ideológicas, como podemos ver nas
afirmações de Romanelli (2007), coadunado com interesses de outros agentes sociais
com nos afirma Germano (1994) e Oliveira (2003), e atendendo às demandas
emergentes em meio àquele contexto sócio-político como esclarece Saviani (2005) o
governo militar, em 28 de Novembro de 1968, promulga a reforma universitária que,
alguns meses depois, receberia ajustes feitos pelo Decreto nº 464, de 11 de fevereiro de
1969. Lembremos ainda que, em 1965, havia sido promulgado o Parecer CFE nº 977,
que regulamentou a implantação da pós-graduação4 no Brasil seguindo os moldes norte-
americanos5.
Para Veiga (2007) as diretrizes principais dessa reforma definiram para as
instituições de ensino superior
a) regime jurídico e administrativo: autarquia, fundação ou
associação; autonomia universitária particularmente no que se
refere às atividades acadêmicas.
b) Estrutura: unidade de patrimônio e administração; organização
de departamentos e racionalização no uso de equipamentos
4 Todavia o incentivo a pesquisadores formados no Brasil só recebeu apoio significativo a partir da década de 70, por fundamentar
os ideários de desenvolvimento do governo militar. 5 Para maior aprofundamento sobre a pós-graduação no Brasil e a influência norteamericana, ver Santos, C.M. Tradições e
contradições da pós-graduação no Brasil
32
evitando-se duplicação de recursos; normas de nomeação de
reitores, vice-reitores, diretores e vice-diretores; ensino
associado à pesquisa.
c) Corpo docente: extinção da cátedra; plano de carreira docente;
política de capacitação em pós-graduação.
d) Corpo discente: representação estudantil por eleições indiretas;
criação da monitoria; incentivo a atividades de Educação
Física, desportivas e cívicas. Posteriormente foi regulamentada
a obrigatoriedade da disciplina Estudos dos Problemas
Brasileiros (EPB) para todos os cursos e, para os alunos
diurnos, a Educação Física.
e) Outros: unificação do vestibular por universidades e região;
habilitação de curta duração (curso de dois anos); organização
de normas gerais da pós-graduação e avaliação por conceito a
ser efetuado pelo Conselho Federal de Educação;
estabelecimento pelo mesmo órgão dos currículos mínimos dos
cursos superiores; disciplinas semestrais e matrícula pelo
sistema de créditos (VEIGA, 2007, p. 311).
De acordo com as diretrizes principais apontadas pela autora, ressaltamos a
intenção explícita do governo de implantar no sistema educacional a mentalidade
empresarial dentro do âmbito universitário, além de um cerceamento das ações de
docentes e discentes, o que é próprio de um governo ditatorial.
Entretanto, mesmo com a reforma universitária, o problema dos excedentes não
foi resolvido, uma vez que a nova lei apenas usurpou o direito de matrícula dos
estudantes já aprovados no vestibular. De acordo com Ghiraldelli (2008), esse problema
só foi resolvido com a privatização do ensino, iniciada e incentivada pelo governo na
década de 70.
A respeito da privatização, Saviani (2008) afirma que
...o aumento da participação privada na oferta de ensino, principalmente no
ensino superior, foi possível pelo incentivo governamental assumido
deliberadamente como política educacional. O grande instrumento dessa
política foi o Conselho Federal de Educação (CFE), que, mediante
constantes e sucessivas autorizações seguidas de reconhecimento, viabilizou
a consolidação de uma extensa rede de escolas privadas em operação no
país. O Conselho, mediante nomeações dos presidentes da República, por
indicação dos ministros da Educação, nunca deixou de ter representantes
33
das escolas particulares em sua composição. Além disso, o lobby das
instituições privadas sempre foi muito ativo, intenso e agressivo, chegando a
ultrapassar os limites do decoro e da ética, o que conduziu ao fechamento do
CFE pelo ministro Murilio Hingel, em 1994. Em seu lugar foi instituído o
Conselho Nacional de Educação (CNE), regulado pela Lei nº 9.131, de 24 de
novembro de 1995(SAVIANI, 2008, s/p).
Apesar dessas implicações, para Germano (1994), a reforma universitária, com a
implantação da pós-graduação e o incentivo à pesquisa, em grande parte as de cunho
tecnológico, alavancou o segmento científico no país e as intenções estatais, mas,
contraditoriamente, possibilitou o surgimento de críticas ao governo e ao modo de
produção vigente.
Em suma, apesar dos golpes desferidos na educação pelo Regime Militar, a
reforma universitária contém, sem dúvida, elementos de renovação,
sobretudo na pós-graduação. Ao mesmo tempo que o Estado exercia o mais
severo controle político-ideológico da educação, possibilitava,
contraditoriamente, o exercício da crítica social e política, não somente do
regime político vigente no país, mas também do próprio capitalismo no
âmbito universitário. Estamos nos referindo, evidentemente, à pós-
graduação na área das Ciências Humanas. Por sua vez, isso revela que o
aspecto restaurador não elimina a possibilidade de ocorrerem mudanças
efetivas, que se tornam matrizes de novas modificações, segundo Gramsci
(1977:1.767) (GERMANO, 1994, p.148).
Diante disso, com essa primeira grande reforma educacional, o governo
começava a implantar no âmbito escolar uma mentalidade empresarial que tomava
conta do país na forma dos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade.
A segunda grande reforma que completaria os planos governamentais para a
educação nacional foi aprovada em 11 de agosto de 1971, com a Lei nº 5.692/71,
unificando o antigo primário com o antigo ginásio, criando o curso de 1º grau com 8
anos e o de 2º grau com três anos, este incumbido, principalmente, de atender as
necessidades de mercado formando mão-de-obra qualificada.
Assim como aconteceu com a reforma universitária, a Lei nº 5.692 foi definida
em tempo bastante curto, tendo em vista que o governo reuniu um grupo de trabalho
para a elaboração do projeto de reforma pouco mais de um ano antes da promulgação
oficial da reforma dos 1º e 2º graus. Entretanto, os acontecimentos que desencadearam
34
tal reforma não vinham de movimentos reivindicatórios de diversos setores da
sociedade como aconteceu com a reforma universitária. Desta vez o Estado se antecipou
a qualquer manifestação social e advogou em prol das massas populares.
No entanto, segundo Germano (1994), isso não aconteceu sem que houvesse
intenções subjacentes que permeassem as ações daqueles governantes. Para o autor, a
estratégia do Estado em promover reformas educacionais voltadas para as massas
populares consistia em um processo de legitimação do Estado perante a sociedade, ou
seja, a busca do apoio e do reconhecimento dos cidadãos.
Para isso, o Estado tinha que se manter neutro e oferecer oportunidades iguais
(ao menos em termos de discurso) para todos os cidadãos. Entretanto, nos dizeres de
Offe (1990),
...as relações de poder e as desigualdades surgidas fora da esfera da
dominação política tendem a permitir que esta condição de igualdade, que é
o fundamento da organização da dominação estatal, apresente-se como
fictícia. (p.47)
Seguindo por essa linha de pensamento, para que essa neutralidade não fosse
desmascarada, e o Estado não fosse combatido como parte da classe dominante, ele agiu
no sentido de conter as evidencias que deflagram as desigualdades de oportunidades,
contudo sem tocar nos mecanismos que as geram. Nessa perspectiva,
(...) a política educacional é, entre todas as outras políticas setoriais, talvez
o exemplo mais patente de como o Estado procura produzir uma aparência
de igualdade de oportunidades e com isso de uma neutralidade em relação
às classes no que concerne às suas próprias funções, quando na verdade o
status social e as oportunidades de vida dos indivíduos estão ligados ao
movimento de uma economia regulada pelo lucro. (GERMANO, 1994.
p.165-166)
Por esse prisma a educação, por meio da reforma de 1º e 2º graus, vinha ao
encontro desses princípios, isso porque promoveu-se uma ampliação da escolaridade
obrigatória já que os antigos 4 anos obrigatórios do antigo ensino primário foram
substituídos pelo ensino de 1º grau, com 8 anos obrigatórios.
Sendo assim a ampliação da escolaridade, associada à modificação do curso
colegial que agora passa a se denominar de 2º grau e, obrigatoriamente, formar o aluno
35
para o mercado de trabalho, satisfaria a massa popular e reiteraria os princípios de
neutralidade e igualdade de oportunidades, proferidos pelo governo.
De fato, para manter a legitimidade, o Estado aparenta manter a igualdade entre
os cidadãos e, ao mesmo tempo, defender-se efetivamente da responsabilidade pelas
exigências de desprivilegiamento e exploração que o sistema capitalista ao qual ele
tende a servir, permanentemente cria.
Navegando pelo conceito de hegemonia de Gramsci, Germano (1994) afirma
que Em síntese, o que está em jogo, na política educacional em apreço, é
primeiramente uma questão de hegemonia, posta por um Estado em que a
função de domínio, conforme foi dito, é claramente predominante em virtude
da forma de ditadura militar que ele assumiu nessa quadra da nossa história
(GERMANO, 1994, p.167).
Por essa vertente o governo militar ditatorial trataria de oprimir, quando
necessário, mas isso não seria suficiente para exercer a hegemonia, haveria, também, a
necessidade do consentimento, ou seja, dentro de certos limites era necessário satisfazer
aos interesses das massas. Portanto, a ampliação da obrigatoriedade escolar e o ensino
de 2º grau incumbido do ensino profissionalizante, consubstanciados com a alavancada
econômica pela qual atravessava o país, foram ferramentas utilizadas para a manutenção
da direção política e ideológica da sociedade.
Sobre o texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1971, o
governo tratou de deixar claros os objetivos pretendidos, sendo que vinham ao encontro
dos ideários político e econômico que vigoravam no país, amparando legalmente o norte
ideológico da sociedade pretendida.
De acordo com a Lei,
Art.1º - O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao
educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas
potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o
trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania (LDB- 5692/71,
MEC, s/p.).
Diante de tal objetivo evidencia-se a intenção do governo em atrelar a educação
ao mercado de trabalho, dotando o 2º grau com um caráter terminal, que abasteceria de
36
forma rápida a expansão industrial do país, impulsionada pelo crescimento econômico.
Além disso, municiando a massa popular de um ensino profissionalizante que fizesse
com que esta classe “ascendesse socialmente”, poderia estar aliviando a pressão por
vagas no ensino superior.
Entretanto, sabe-se que a ascensão social prometida pela visão estatal serviu para
dividir ainda mais a sociedade, de um lado aqueles que, por força da situação
econômica, tinham que ingressar precocemente no mercado de trabalho acabavam
encerrando os estudos ao concluir o curso de 2º grau pela terminalidade que conferia e,
de outro lado, aqueles mais abastados economicamente que podiam adiar seu ingresso
no mercado de trabalho e tinham a oportunidade de cursar o ensino superior, e assim,
ocupar postos mais altos na sociedade.
A respeito do ensino profissionalizante, Aranha (2006) considera que
(...) A criação da escola única profissionalizante representou a tentativa de
extinguir a separação entre escola secundária e técnica, uma vez que,
terminado o ensino médio, o aluno teria uma profissão (p.318).
Na verdade, apesar do grande entusiasmo do governo com o ensino de 2º grau
profissionalizante, a falta de recursos destinados ao setor; a discrepância entre o que era
ensinado nas escolas e o que o mercado exigia; a demanda para o ensino superior que
não foi estancada de acordo com as expectativas do governo, entre outros motivos,
desencadearam o fracasso da tão propalada profissionalização. Mais à frente, ainda no
governo militar, a profissionalização do ensino foi revogada em 1982 pela Lei nº7. 044.
Entretanto, como nos elucida Salm (1986),
(...) tal Lei deixou suas sequelas, como colocar na vala comum as velhas e
boas escolas técnicas, ao lado de outras que não tinham condições para tal,
o enfraquecimento da formação do magistério, transformado em mera
habilitação de 2º grau e numa proliferação de escolas técnicas de baixíssimo
nível e desempenho fraquíssimo, criando, assim, muitas ilusões, muitos
problemas (p.74-75).
Junto a isso outro ponto que merece destaque na análise da Lei 5.692/71, foi
uma espécie de extinção da disciplina de Filosofia do currículo de 2º grau, já que a
ideologia tecnocrática implantada colaborou para que essa área perdesse seu prestígio
37
social por não tratar de um conhecimento imediatamente aplicável. Outra modificação
curricular no ensino de 1º grau da época foi a aglutinação das disciplinas de História e
Geografia que passaram a constituir os Estudos Sociais. No preenchimento do currículo
foram incluídas Educação Física, Educação Moral e Cívica, Educação Artística,
Programas de Saúde e Religião (obrigatória para o estabelecimento e optativa para o
aluno).
Ainda que nenhuma legislação tenha sido publicada a respeito da retirada da
disciplina de Filosofia do currículo, podemos inferir que havia uma intenção velada dos
responsáveis pelos currículos no sentido de não incentivar o desenvolvimento do
pensamento crítico e reflexivo, e, indiretamente, colaborar para desmobilizar qualquer
manifestação de consciência política, o que não seria surpreendente, uma vez que o
regime militar, principalmente durante o governo Médici, foi considerado o mais
repressivo da ditadura.
Evocando o conceito de ideologia do filósofo francês marxista Louis Althusser,
podemos inferir que muito mais que uma arquitetada despolitização, o governo
pretendia com esta alteração curricular, transmitir para os alunos que as estruturas
sociais que se configuravam eram boas e desejáveis.
A escola como um Aparelho Ideológico Central6, segundo Althusser (1983),
atua ideologicamente através de seu currículo e das matérias que o compõem. As
ciências humanas atuariam de forma mais direta explicitando ideias e crenças sobre a
desejabilidade das estruturas sociais existentes, enquanto as matérias de cunho técnico
atuariam de forma mais indireta para esta função.
Por essa vertente, a modificação do currículo escolar pensada pelo governo
militar, tinha a incumbência de contribuir para a reprodução da sociedade capitalista, já
que a ideologia atua também de forma discriminatória, fazendo com que a classe
subordinada aprenda a obedecer, e as classes dominantes aprendam a controlar e
mandar. Isso ocorre pelos mecanismos seletivos que fazem com que as crianças das
classes dominadas sejam expurgadas da escola antes que cheguem aos níveis em que se
aprendem os hábitos da classe dominante. Ou seja, a mudança na grade curricular com a
reforma de 1º e 2º graus, mais que uma medida paliativa para atender os anseios
militares de contenção e despolitização, agiu para que o status quo não fosse contestado.
6 A escola é considerada um Aparelho Ideológico Central por atingir toda a população por um longo período. Tal conceito é
desenvolvido em Althusser, L. Aparelhos Ideológicos do Estado (1983).
38
É importante salientarmos que a disciplina de Filosofia não foi proibida7 pela
reforma, ela poderia ser incluída na parte diversificada do currículo de 2º grau,
entretanto isso não aconteceu, talvez porque como nos elucida Silva (1997) “... a
filosofia perdeu seu espaço (...) muito mais em função da ideologia técnico-
desenvolvimentista que conquistou hegemonia entre os educadores, no final da década
de sessenta e durante a de setenta (p.83).
Silva (1997) continua afirmando que “sequer foi necessário um dispositivo legal
que proibisse a permanência da disciplina de Filosofia. A persuasão e a coerção
ideológicas revelaram-se muito mais eficazes e legítimas (p.83).
De forma explícita, com a alteração das teorias e grades curriculares que
sustentavam o âmbito escolar, e implícita, com a transmissão da ideologia que legitima
as estruturas sociais, o fomento legal trilhava caminhos para que o projeto de sociedade
arquitetado pelo governo se consolidasse.
Tanto a valorização esportiva, através da obrigatoriedade da prática de EF nas
escolas, com a clara intenção de alavancar esse segmento no país e fazer dele um
sustentáculo ideológico; quanto a Educação Moral e Cívica voltada para a construção de
uma consciência estudantil que não fugisse dos propósitos econômicos, políticos e
ideológicos da ditadura militar, foram medidas curriculares que permearam a reforma de
1º e 2º graus. Além disso, a Lei 5.692/71 também regulamentou o ensino supletivo, com
o objetivo de criar condições para reposição da escolarização regular.
Com o passar dos anos, o que em princípio parecia positivo na reforma, como o
ensino obrigatório de oito anos, acabou não se concretizando, uma vez que não havia
recursos materiais e humanos que atendessem à demanda.
As implantações preconizadas pela reforma, não levadas a cabo pelo próprio
governo que a concebera, deixaram como legado um enfraquecimento das escolas
públicas, com um currículo profissionalizante que nem preparava para o mercado,
tampouco para o ingresso no ensino superior, e o fortalecimento das escolas privadas,
que assumiram efetivamente a preparação para os vestibulares. Ou seja, diante disso, a
reforma educacional de 1º e 2º graus contribuiu, ainda mais, para acentuar a divisão da
sociedade em classes, entre aqueles que conseguiam atingir o ensino superior que
normalmente conseguiam posições de maior destaque no seio da sociedade e aqueles
7 Entretanto, segundo Chauí (2001) em 1978 a secretaria de Educação do Estado de São Paulo determinou a grade curricular,
extinguindo o ensino da Filosofia no 2º grau.
39
que possuíam uma formação técnica aligeirada que, por sua vez, ocupavam posições
mais servis na sociedade.
Sendo assim, no final dos anos 70 e início dos 80, com o regime militar já se
mostrando enfraquecido, os sinais desastrosos das reformas educacionais começaram a
ganhar notoriedade social.
Desse modo, com a abertura política promovida no governo do general-
presidente Figueiredo, e com a anistia concedida aos exilados políticos, entre eles
importantes intelectuais ligados à educação, inicia-se um debate sobre os novos rumos
da educação nacional.
Em 1982, os primeiros passos começam a ser dados em direção a mudanças na
LDB nº 5.692/71. O primeiro foi a promulgação da Lei nº 7044/82 que, como já
mencionamos, dispensava as escolas da obrigatoriedade da profissionalização,
retomando a ênfase na formação geral, seguido do parecer nº 342/82, que recolocava a
disciplina de Filosofia no currículo, porém como optativa.
Por fim, os últimos anos da ditadura militar e os primeiros do regime
democrático foram de crescente aumento da literatura educacional, destacando-se as
críticas contundentes ao tecnicismo e à ideologia subjacente aos processo de ensino
norteados por essa lógica. Isso, sem dúvida provocou uma maior qualidade nas
discussões posteriores sobre a temática e norteou novos rumos para a educação
nacional, culminando na LDB nº 9.394/96.
Mesmo com a nova LDB norteando a educação nacional, há uma corrente de
autores, entre eles Amarilio Ferreira Jr e Marisa Bittar que delegam ao governo militar
de 1964-1985 parte da responsabilidade pelos sérios problemas educacionais sofridos
atualmente pelo país. Segundo eles,
(...) vários elementos que estrangulam, por exemplo, a qualidade de ensino
da escola pública são remanescentes das reformas educacionais executadas
pelos governos dos generais-presidentes. Destacamos, a título de ilustração,
dois aspectos significativos da condição de ser professor do ensino básico,
na atual realidade brasileira, que deitam liames profundos na política
educacional legada pelo regime militar: o processo aligeirado de formação
científico-pedagógico e a política de arrocho salarial a que são submetidos.
A combinação desses dois elementos constitutivos da vida cotidiana dos
professores brasileiros representa, até hoje, um nó górdio que estrangula a
qualidade de ensino da escola pública brasileira. E esse nó tem uma origem:
40
a política educacional herdada da ditadura militar (FERREIRA Jr e
BITTAR, 2008, p.351).
Por esse prisma, o governo do período buscou e alcançou com relativo sucesso,
adequar a sociedade brasileira para a organização capitalista mundial que buscava
consolidação no cenário nacional. Organização e controle social em prol de uma
dinâmica economicista permearam as grandes reformas educacionais do período, e mais
à frente, trouxeram consigo críticas contundentes sobre as intenções subjacentes que
atravessavam seus princípios.
Assim sendo, seguindo pelas trilhas da literatura que apresentamos, podemos
atribuir ao governo militar um marco na história educacional deste país, já que os
legados dos seus projetos educacionais ainda permeiam a educação nacional. Entretanto,
o grande sustentáculo teórico do período, a teoria do capital humano, se reveste agora de
outras roupagens, e, utilizando as palavras de Dermeval Saviani, o espírito dessas outras
teorias ainda serve, e está engajado para o mesmo fim: educar para o mercado de
trabalho.
Diante do exposto, pensamos ser necessário empreender, futuramente,
investigações a respeito dos governos eleitos nos moldes democráticos, no que tange às
continuidades e rupturas da educação nacional, tendo como norte o olhar cuidadoso para
aqueles governos intitulados de esquerda, que comumente advogam pela mudança de
cenário social. Cabe responder se tais governos realmente erigiram políticas
educacionais divergentes das realizadas pelos governos de direita.
2.3. A história da EF no Brasil: o que conta a literatura especializada dos
anos 80 e 90
Inicialmente, neste capítulo, descreveremos as interpretações da historiografia da
EF nos anos 80 e início dos anos 908 sobre o período estudado. Expor esses
posicionamentos se faz necessário à medida que, mais à frente, nos proporemos a
8 Neste estudo, como já explanado no corpo deste trabalho, procuramos nos ater à literatura de forte acento crítico que se propôs a
tecer considerações sobre a legislação promulgada no período. Contudo, a abrangência de correntes de pensamentos, além das vozes
que podem ter sido silenciadas, nos permitem pensar que havia uma vasta gama de professores que vão além dos autores
compreendidos por este estudo. A esse respeito Betti (1991), em sua obra Educação Física e Sociedade, afirma que as conclusões
expostas no II Congresso Estadual de Educação em 1983, enveredam para uma EF usada historicamente a fim de atender as
ideologias da classe dominante, discurso este convergente com aquele que dialogamos no decorrer deste trabalho.
41
dialogar com alguns conceitos que tal literatura arraigou no imaginário social por meio
da suas fortes investidas acadêmicas.
Com o golpe militar proferido em 31 de Março de 1964, os reflexos de um
governo autoritário, que optara pelo aproveitamento do capital estrangeiro, começam a
repercutir na educação nacional.
O primeiro passo foram os acordos firmados entre MEC e USAID, que
culminaram nas duas grandes reformas educacionais no período militar. Como já
afirmamos no capítulo anterior, ambas as reformas tinham a incumbência de atender aos
ideários governamentais, tanto do Brasil quanto ao do governo norte-americano, ao qual
a AID (Agency for International Development) pertencia.
Diante disso, a EF adentra esse cenário de interesses subjacentes, mais
precisamente com a reforma do ensino superior 5.540 em 1968, isso porque a prática de
atividades desportivas já era estimulada como demonstra o artigo 40 do Decreto-lei nº
464, de 1969 em suas alíneas b e c e c:
Art. 40 As instituições de ensino superior:
b) assegurarão ao corpo discente meios para a realização dos programas
culturais, artísticos, cívicos e desportivos;
c) estimularão as atividades de educação cívica e de desportos, mantendo,
para o cumprimento desta norma, orientação adequada e instalações
especiais;
c) estimularão as atividades de educação física e de desportos, mantendo,
para o cumprimento desta norma, orientação adequada e instalações
especiais. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 464, de 1969)
Não obstante, a obrigatoriedade da prática de EF nos cursos de ensino superior
só viria com o Decreto-lei nº 705 de 25 de Julho de 1969, cujo artigo primeiro explicita
que será obrigatória a prática da EF em todos os níveis e ramos de escolarização, com
predominância esportiva no ensino superior”(s/p).
Em relação a isso, Castellani Filho (1988) afirma que
(...) coube a EF o papel de, entrando no ensino superior, por conta do
Decreto-lei nº 705/69, colaborar, através de seu caráter lúdico esportivo,
com o esvaziamento de qualquer tentativa de rearticulação política do
42
movimento estudantil. Evidenciava-se, dessa forma, os traços alienados e
alienantes absorvidos pela “personagem” vivida pela EF (p. 121).
Por esse prisma, a EF tratada no ensino superior agiria como uma espécie de
circo imbuído de entreter a ociosidade das cabeças subversivas e de seus simpatizantes,
fato que foi corroborado pela LDB 5.692/71 em seu Decreto nº 69.450, capítulo III,
artigo 13:
Art . 13. A prática da Educação Física no ensino superior será realizada por
meio de clubes universitários, criados segundo modalidades desportivas ou
atividades físicas afins, na conformidade das instalações disponíveis, os
quais se filiarão à Associação Atlética da respectiva instituição..
Sendo assim, a prática de atividades desportivas nas aulas de EF dentro do
âmbito universitário estaria relacionada à tentativa de auxiliar a desmobilizar
manifestações contra o governo militar. Diante disso é latente, mas não menos
perniciosa, a intenção do governo de conduzir as ações sociais no período militar.
Lembremos ainda que os movimentos estudantis foram preocupações constantes do
governo, portanto é perfeitamente plausível pensarmos, como Castellani Filho (1988),
que o governo militar concebeu uma EF no ensino superior com intenções
domesticadoras.
Apesar da reforma do ensino superior de 1968 ter usado a EF por meio das
atividades desportivas para incutir as ideologias dominantes em concomitância com o
ideário militar, segundo a literatura especializada é com a reforma do ensino de 1º e 2º
graus isso fica mais evidente.
Embora a EF brasileira estivesse prevista na LDB da Educação Nacional de
1961, ratificada sua obrigatoriedade no ensino primário e médio em seu artigo 22,
comumente afirma-se que sua presença no currículo escolar em âmbito nacional só
ocorreu efetivamente a partir da promulgação da LDB nº 5692/71 e do Decreto nº
69.450/71.
A Lei 5.692/71, reserva, em seu artigo 7, um espaço de obrigatoriedade nos
currículos escolares. Essa obrigatoriedade foi regulamentada com o Decreto 69.450/71 e
justificada segundo os pressupostos que a EF, despertaria, desenvolveria e aprimoraria
as forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando, constituindo um dos
43
fatores básicos para a conquista das finalidades da educação nacional. Segundo o
documento, a EF se caracterizava como atividade9, e não como uma disciplina escolar.
No Decreto 69.450/71, promulgado em 1º de Novembro, contempla-se a visão
higienista, corrente no final do século XIX e início do século XX10; a visão da
promoção do rendimento físico referente ao período marcado pelo surgimento da
ideologia nacionalista-desenvolvimentista; e a perspectiva desportiva, visto que o
esporte moderno afirmava-se como fenômeno cultural de massa contemporâneo e
universal, podendo vir a ser uma possibilidade educacional privilegiada.
Pelo Decreto 69.450/71, a aptidão física foi definida como referência
fundamental para orientar o planejamento, controle e avaliação da EF, desportiva e
recreativa, no nível dos estabelecimentos de ensino. A partir da 5ª série do 1º grau as
atividades desportivas deveriam ser incluídas no currículo. No 2º grau, no entanto, a
ênfase deveria recair sobre a conservação da saúde, atrelando aos interesses do mercado
de trabalho os conhecimentos que poderiam ser adquiridos através do desporto, como,
por exemplo, a liderança e a competitividade.
Para Castellani Filho (1998), esse Decreto reforçou o plano utilitarista que o
governo militar arquitetava para a EFE. Para ele, o decreto, nas suas entrelinhas,
pressupunha que a EF tinha como função a formação de um corpo produtivo, portanto
forte e saudável, que pudesse suprir as necessidades de uma nação em desenvolvimento.
Segundo o autor, no artigo 6, ao tornar a prática da EF facultativa nas escolas
aos alunos trabalhadores, às mulheres com prole, aos acima de 30 anos e aos deficientes
físicos e clínicos, denotou-se que aqueles que já estavam prontos para se submeter ao
trabalho fabril não havia necessidade de tomarem parte das atividades de EF nas
escolas. Alegava-se, na época, que os alunos trabalhadores já chegavam com suas
energias desgastadas pela jornada de trabalho diária e deles não se poderiam exigir mais
esforços nas aulas de EF.
Nessas duas intervenções legislativo-educacionais do governo, denota-se o
dualismo entre corpo e mente presente nas intenções subjacentes dos militares, visto que
com a reforma do ensino superior a EF é utilizada como ferramenta de entretenimento
para as cabeças subversivas e na reforma do 1º e 2º graus a função da EF passa a ser, 9 Alguns autores afirmam que a não caracterização da Educação Física como disciplina escolar contribuiu para o baixo status que a
disciplina atualmente goza no âmbito escolar. 10 Em um estudo realizado pelo Prof. Dr. Edivaldo Góis Jr. junto com o Prof. Dr. Hugo Lovisolo em 2003 concluiu-se que o
movimento higienista corrente no final do século XIX e início do século XX ainda prossegue com seus ideais heterogêneos até o fim
do século XX.
44
também, a preparação de corpos fortes e saudáveis, tendo em vista que o ensino de 2º
grau profissionalizante inseria os menos abastados no mercado de trabalho
precocemente. Contudo, aqueles que conseguiam alcançar o ensino superior precisavam
ser cerceados de outra forma. O desporto, junto com as atividades de educação moral e
cívica, também “sugeridas” pelo governo, tornaram-se uma saída considerável.
É claro que o desporto no Brasil não aparece apenas a partir da ditadura militar
pós 64. Estudos de Ferreira e Lucena (2009) mostram que o esporte adentra ao cenário
nacional já no final do século XIX, emaranhado com a ginástica, sem, no entanto, estar
amparado pela legislação, medida que só ocorre no início do século XX.
O esporte responderia, portanto, de forma satisfatória aos anseios dos
governantes, pois atuaria como ópio do povo no sentido de anestesiar a consciência e
dissipar a participação popular nos processos reivindicatórios e decisórios, além de
educar fisicamente indivíduos para o mercado de trabalho. Desta forma, a perspectiva
desportiva, contemplada no Decreto 69.450/71, operaria também como uma forma de
controle social.
A esse respeito Ghiraldelli Jr (1988) corrobora:
(...) a Educação Física Competitivista é um aríete das classes dirigentes na
tarefa de desmobilização da organização popular. Tanto o “desporto de alto
nível”, que é o “desporto-espetáculo”, é oferecido em doses exageradas
pelos meios de comunicação à população, como, explicitamente, é
introduzido no meio popular através de ação governamental. O objetivo de
“dirigir e canalizar energias” nem sempre é dissimulado. A Educação Física
Competitivista faz parte, como as outras concepções que precederam esta
exposição, daquilo que podemos chamar de arcabouço da ideologia
dominante (p.20).
Nessa esteira Bracht (1986) endossa:
(...) A socialização através do esporte escolar pode ser considerada uma
forma de controle social, pela adaptação do praticante aos valores e normas
dominantes, como condição alegada para funcionalidade e desenvolvimento
das sociedades. Um dos papéis que cumpre o esporte escolar em nosso País,
então, é o de reproduzir e reforçar a ideologia capitalista, que por sua vez
visa fazer com que os valores e normas nele inseridos se apresentem como
normais e desejáveis. Ou seja, dominação e a exploração devem ser
45
assumidos e consentidos por todos, explorados e exploradores, como
natural (p.64).
Para tal literatura, concomitante ao exposto, o esporte atendia ainda diretamente
aos interesses industriais, pois além preparar o indivíduo fisicamente para produzir mais
e melhor, também atuaria compensando as tensões do trabalho e, consequentemente,
aumentar-se-ia a produção. Desta forma, o esporte corresponderia às expectativas do
empregador que lucrava mais com um trabalhador mais satisfeito, e também do governo
que satisfazia os anseios do povo por mais emprego, renda e entretenimento. Nesse caso
o entretenimento que compensava as exigências do trabalho vinha com o desporto, ora
praticado efetivamente, ora contemplado passivamente por meio dos espetáculos
transmitidos pelos meios de comunicação em massa.
A despeito da possível compensação que o esporte traria para os trabalhadores
do setor industrial, Proni (2002), em sua análise da obra de Jean Marie Brohm,
Sociologie politique du sport, explica que o autor afirma que o fundamental é entender o
motivo do esporte atuar como válvula de segurança e, para isso, Brohm recorre às
teorias freudianas.
Seguindo por esse caminho, o autor afirma que o esporte é um espaço que se
permite, através de regras pré-estabelecidas, que se descarregue a agressividade humana
de maneira controlada. No plano coletivo, o espetáculo esportivo permite que as paixões
e os instintos inibidos se liberem sem perigo e nem remorso. É uma espécie de
terapêutica social ancorada na identificação entre atleta e espectador e que permite que
o último, mesmo sem vivenciar efetivamente as emoções esportivas, consiga
experimentar emoções fortes e elementares proporcionadas pelos atletas com os quais se
identificam.
O grande problema, segundo Brohm, é que o esporte procurado pelos indivíduos
para compensar as atividades industriais segue os princípios da produção capitalista, o
que acaba por não compensar inteiramente as tensões provocadas pelo trabalho. Deste
modo, o espetáculo esportivo induz à regressão emocional da massa de espectadores e
produz uma regressão intelectual, além de induzir ou representar uma intensa sessão de
mimetismo social.
Diante dessa visão, podemos inferir que o desporto apropriado pelo setor
industrial durante o regime militar, podia estar carregado de intenções subjacentes. Não
obstante, o governo legalizou, por meio dos decretos, a prática esportiva no âmbito
46
escolar, e incentivou sua continuidade como atividades de lazer. Talvez essa relação
entre as Leis e Decretos promulgadas pelo governo e os interesses industriais não tenha
acontecido de forma tão asséptica.
Para Castellani Filho (1988), o governo militar, através de decreto, arquitetou
uma EFE esportivizada com o intuito de que os valores implícitos à prática esportiva,
como, por exemplo, a competição, atenderiam as necessidades de um sistema
econômico que buscava consolidação no Brasil - o capitalismo – e, em concomitância
com as políticas educacionais norte-americana, que exerceram forte influência na forma
de concebermos a educação nacional.
Betti (1991) sintetiza bem o que é corrente na literatura especializada a respeito
da apropriação e tentativa de legitimação esportiva pela via estatal. Para ele,
o esporte pareceu também vir ao encontro da ideologia propagada pelos
condutores da revolução de 1964: aptidão física como sustentáculo do
desenvolvimento, espírito de competição, coesão nacional e social,
promoção externa do país, senso moral e cívico, senso de ordem e disciplina
(p.161).
Diante desses interesses explícitos e subjacentes do governo militar e do setor
industrial nas abundantes possibilidades desportivas, tratou-se logo de encomendar, em
1969, ao Departamento de EF do MEC um documento intitulado Diagnóstico da EF e
dos Desportos que veio a ser realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas
Avançadas do Ministério do Planejamento e da Coordenação Geral), onde foram
retratadas as condições da EF e dos Desportos no país.
O diagnóstico encomendado colaborou para que a Divisão de Educação Física
(DEF) fosse substituída pelo Departamento de Educação Física (DED), sendo essa
medida adotada pela conclusão que a DEF era altamente desorganizada. Segundo
Oliveira (2001), não demorou para que fosse criado o Departamento de EF e Desporto
pelo Decreto 66.967 em 27 de julho de 1970, com a incumbência de coordenar o
desenvolvimento da EF, dos desportos estudantis e da recreação no país, em
consonância com as diretrizes para o setor.
47
De acordo com Betti (1991), é nesse período que as políticas nacionais para o
setor começam a ser concebidas dentro de um sistema piramidal11 para a EF no Brasil.
Não obstante, a intenção da massificação esportiva só seria explicitada em 8 de Outubro
de 1975, com a lei 6.251, que definiu os objetivos da Política Nacional de EF e
Desportos e encarregou o MEC de elaborar o Plano Nacional de EF e Desportos
convergindo com a LDB 5.692/71 e Decreto 69.450/71, culminando na comumente
propalada esportivização da EFE brasileira.
A Política Nacional de EF e Desportos foi definida com os seguintes objetivos
básicos: I – Aprimoramento da aptidão física da população;
II- Elevação do nível dos desportos em todas as áreas;
III- Implantação e intensificação da prática dos desportos de massa;
IV- Elevação do nível técnico-esportivo das representações nacionais;.
V- Difusão dos desportos como forma de utilização do tempo de lazer.
(BRASIL, 1975)
Já o Plano Nacional de EF e Desportos (PNED), segundo Pinto et al (2009),
tinha 26 objetivos gerais que deveriam ser cumpridos por três programas: o PRODED
(Programa de Desenvolvimento da EF e Desportos); o PATEF (Programa de
Assistência Técnica e Financeira a Programas de EF); e o PIDIC (Programa de
Intercâmbio e Difusão Cultural).
Mais à frente, o PNED tratou de enaltecer as qualidades provenientes da prática
esportiva, não só relacionadas ao bem estar físico, como também social. A intenção do
governo se estendeu a convencer a sociedade dos benefícios da prática esportiva em
consonância com sua massificação. Desta forma, estar-se-ia descobrindo e preparando
futuros atletas que representariam o Brasil no cenário nacional e elevando o nome do
país internacionalmente através do desporto.
Nessa perspectiva, o eixo da massificação esportiva estaria nas quadras das
escolas, consequentemente nas aulas de EF, isso porque a escola gozava de certo
prestígio social o que colaboraria para que o esporte praticado em suas estruturas se
legitimasse por meio de valores educacionais. Mais que isso, advogou-se pelos valores
11 Segundo Krawczyk et alii, citado por Betti (1991), a origem filosófica do modelo piramidal pode ser encontrada na máxima
atribuída ao Barão de Coubertin, segundo a qual é necessário que 100 pessoas façam exercícios físicos para que 50 cheguem a
praticar esporte e que são necessários 20 especialistas para alcançar 5 recordes.
48
sociais que o esporte poderia trazer em seu bojo, ajudando a legitimar sua presença no
sistema educacional. Isso culminou numa influência do ideário do rendimento esportivo
no âmbito escolar, já que a intenção do governo, segundo a literatura especializada, era,
explicitamente, a descoberta de atletas de alto nível.
Betti (1991) é enfático ao tecer considerações sobre esta política e o plano para
a área decorrente disso: “Na verdade, o principal efeito da Política Nacional de
Educação Física e Desportos e do PNED foi elevar o esporte ao primeiro posto nas
preocupações nacionais, e esportivizar definitivamente a Educação Física Escolar.
Pinto et al. (2009) afirmam que nesse arcabouço de intenções gastou-se 4 bilhões
de cruzeiros, reajustados até 1985, com 11.600 peças gráficas, além da produção de
filmes técnicos, filmetes de divulgação em TV, exposições, frases veiculadas em rádios
e televisão e palestras. No Brasil, não há conhecimento de investimento em uma política
de tal envergadura para a EF e o esporte antes desta.
De acordo com a investigação desses autores, uma das formas bastante efetivas
do DED/MEC convencer a sociedade dos benefícios da prática esportiva foi a criação e
difusão de impressos pedagógicos, como a revista de história em quadrinhos Dedinho,
que induzia alunos de 7 a 14 anos, por meio de estórias infantis, a praticar esportes.
Segundo Pinto et al. (2009), a revista trazia estórias infantis que atrelavam as
brincadeiras tradicionais aos conteúdos esportivos. Os personagens da revista
enalteciam os valores das práticas esportivas e incitavam os leitores às competições
esportivas escolares.
Veja o que Pinto et al. (2009) tecem a respeito da Revista Dedinho:
(...) Tais aspectos são bastante significativos. Primeiro, porque dão mostras
da materialidade da intenção do Governo Federal em atingir o público
infantil, procurando com isso produzir, desde a infância, a pretendida
“mentalidade desportiva” e, com ela, os princípios desejados de ordem e de
disciplina, fundamentos do tão propagado progresso que o governo militar
defendia. Segundo, porque a revista, sendo um potente veículo de circulação
de múltiplas representações de esporte, configurou-se como dispositivo de
prescrição e tentativa de conformação das práticas de esporte na
comunidade em geral e dentro dela a escola (e nela a Educação Física e os
sujeitos com ela envolvidos). É neste sentido, que ela é aqui considerada
central para potencializar o pretendido movimento de escolarização do
esporte, e de esportivização da Educação Física, naquele momento (p. 6-7).
49
Apesar da Revista Dedinho ser direcionada ao público infantil, segundo os
autores, a prática de esportes por esse público também poderia influenciar a prática
desportiva em adultos. Além do mais, a revista também direcionava os professores de
EF que eram orientados a elucidar questões sobre o material distribuído gratuitamente.
Por esse caminho de imposição cultural, através dos mais diferentes
mecanismos, alguns navegando entre a opressão e o consentimento, como é o caso da
promulgação de leis e decretos e a Revista Dedinho, o modelo piramidal de
democratização do esporte, que concebe a EF e o Esporte a partir de um modelo
hierárquico caracterizado pela dependência dos níveis mais altos com relação aos níveis
mais baixos, adentra os espaços da EFE por atender aos anseios dos governantes em ver
o Brasil se tornar uma potência olímpica, além de outros fatores já citados.
Segundo a literatura especializada a política do esporte escolar no Brasil, desde
sua origem, teve como intenções subjacentes atender ao desporto de alto nível, trazendo
prestígio internacional para a nação, e não, propriamente, inserir o desporto como
instrumento de socialização e apropriação desse patrimônio no âmbito escolar.
A esse respeito Betti (1991) é categórico
Embora não haja disponível uma avaliação documentada do PNED, a
observação da realidade evidencia que muito pouco foi feito quanto à
Educação Física escolar, o que será admitido em documentos posteriores do
MEC, elaborados após 1980. Na verdade, o principal efeito da Política
Nacional de EF e Desportos e do PNED foi elevar o esporte ao primeiro
posto nas preocupações nacionais, e esportivizar definitivamente a Educação
Física escolar. (p.111)
Para o autor, a EF no período entre 1969 a 1979 assinalou a ascensão do esporte
à razão de Estado e a inclusão do binômio EF/Esporte na planificação estratégica do
governo. Nesse período ocorreram profundas mudanças na política nacional e na EF,
que se subordinou ao sistema esportivo, bem como ocorreu a expansão e sedimentação
do sistema formador de recursos humanos para a EF e o esporte.
Diante dessa pirotecnia que o governo realizou pelo desporto na escola,
comumente se afirma pela literatura especializada que, com o palco12 montado, os
12 “Palco” é um termo cunhado por nós a fim de caracterizar as possíveis manobras legislativas proferidas pelo governo ditatorial
com a finalidade de impor as suas ideologias.
50
professores de EF transformaram suas práticas pedagógicas em práticas
hegemonicamente desportivas visando ao esporte de alto nível.
Soares et al. (1992) afirma que, no período compreendido por este estudo, o
esporte passou a ser o conteúdo hegemônico nas aulas de EFE e estabeleceu novas
relações entre professor e aluno, passando da relação professor-instrutor e aluno-recruta
à de professor-treinador e aluno-atleta.
Veja o que Darido e Rangel (2005) nos dizem a respeito da hegemonia dos
conteúdos esportivos na EFE
O sucesso da Seleção Brasileira de Futebol em duas copas do mundo (1958
e1962) levou à associação da Educação Física escolar com o esporte,
especialmente o futebol. O terceiro título na copa de 1970 foi o auge da
política “pão e circo”, contribuindo para manter o predomínio dos
conteúdos esportivos nas aulas de Educação Física. Essa política consistia
em prover as necessidades básicas da população, assim como os meios para
seu entretenimento (p.3).
Bracht (1992) relembra que, no Brasil os elementos da cultura
corporal/movimento predominantes na Educação Física foram, num primeiro momento,
a ginástica e, num segundo - e esta é a situação atual - o esporte “(p.57).
Por esse prisma apresentado, o governo militar conseguira incutir nas quadras de
aula seus ideários arquitetados, pois no cerne do desporto praticado na EFE estariam as
pretensões subjacentes que convergiam com os interesses do governo militar, do setor
industrial e de seu parceiro estrangeiro.
Dentro desse processo de esportivização da EFE, os métodos adotados para o
ensino das destrezas esportivas também estavam em consonância com os métodos
adotados por outras disciplinas, ou seja, a EFE “começa13” a ser concebida numa
tendência tecnicista de educação, calcada no cientificismo, que também era parte
integrante da proposta educacional pensada nos princípios da racionalidade, eficiência e
produtividade.
As afirmações de Darido e Rangel (2005) fornecem um panorama do que
comumente a literatura especializada proferiu sobre o modelo tecnicista na EFE 13 “Começa” aparece entre aspas justamente por entendermos que a Educação Física dentro do âmbito escolar pode não ter
acontecido como comumente é difundido pela literatura. Desta forma, não podemos afirmar que a Educação Física escolar a partir
do aparato legislativo começou a ser concebida dentro de uma proposta tecnicista. Portanto apesar dos documentos nos levarem a tal
direção, talvez somente os professores que atuaram no período possam nos desvendar como era sua prática pedagógica.
51
É nessa fase da história que o rendimento, a seleção dos mais habilidosos, o
fim justificando os meios estão mais presentes no contexto da EF na escola.
Os procedimentos empregados são extremamente diretivos, o papel do
professor é bastante centralizador e a prática, uma repetição mecânica dos
movimentos esportivos (p.4).
Segundo a literatura especializada o tecnicismo pautou as práticas pedagógicas
dos professores de EFE no período militar, visto que a reforma tecnicista foi empregada
em todo o sistema educacional, e a EF amparada pela legislação, não ficaria fora dessa
nova forma de conceber a educação no Brasil.
Neira e Nunes (2009) afirmam que
(...) Pela sua peculiaridade de atividade física regrada, com regulamentos,
especialização de papeis, competição, meritocracia e por apresentar
condições de medir, quantificar e comparar resultados, além da crescente
valorização de sua espetacularização fomentada pelos meios de
comunicação, o esporte tornou-se o meio reconhecidamente eficaz de
preparar o homem para um sistema de hierarquização, em que os melhores –
aqueles que alcançam o topo da pirâmide- deveriam comandar as camadas
subsequentes e subalternas, compostas por aqueles que não conseguiam
apresentar resultados similares. A EF, em íntima consonância com a
pedagogia da época funcionou como processo de seleção natural (p.74).
E continuam, O ensino dos esportes, pautado por uma metodologia da divisão e repetição
de fundamentos, prevaleceu no Brasil por um longo tempo. A política
educacional dos anos da ditadura militar contribuiu para tamanha presença
por causa das preocupações com a ocupação útil do tempo livre, com a
educação integral dos alunos e com os valores morais de um mundo em
crise. Em razão disso, fez-se a apologia da técnica e da ciência em nome de
um desenvolvimento aceito como legitimo e desejado ao espírito nacional
(p.75).
Desenhava-se, então, uma EFE esportivizada, pautada nos conceitos do
modernismo, como panacéia para todos os males da humanidade. Ora veladamente, ora
não, atribuía o sucesso ou o fracasso exclusivamente ao indivíduo, isentando o Estado
das suas atribuições e acobertando a dinâmica social presente no contexto educacional,
52
configurando uma prática utilitarista, tendo o conteúdo esportivo hegemônico, como
meio e fim em si mesmo, e o tecnicismo como concepção pedagógica adotada
oficialmente.
Para além desses fatores, os cerceamentos do governo em relação às práticas
pedagógicas viriam também através da publicação da Revista Brasileira de EF e
Desportos14 publicada a partir de 1968. Neste documento oficial, o governo deixava
clara suas pretensões em relação à EFE ao optar pelo esporte numa tendência
pragmática em detrimento de uma tendência dogmática.
Segundo Oliveira (2001), a tendência pragmática se pautava na teoria de que o
homem é de natureza competitiva e isso geraria uma sociedade competitiva, orientada
por um contínuo processo de seleção. Neste caso, o indivíduo é orientado para o
resultado e para a competição. Para muitos teóricos pragmatistas, o esporte era
sinônimo de EF. Já a tendência dogmática pautava-se por uma preocupação com a
humanização da sociedade a partir de práticas corporais, ou seja, a EF contribuiria para
a educação integral dos indivíduos.
É importante abrirmos um parêntese a esse respeito. Oliveira (2001) ao analisar
os 53 volumes da Revista, concluiu que havia um profundo embate entre pragmáticos e
dogmáticos. Segundo o autor, é apenas em meados da década de 70, que a perspectiva
pragmática ganha força e se torna hegemônica dentro do periódico. Isso denota que,
mesmo num documento produzido pelo governo, as concepções sobre qual perspectiva
adotar sobre o fenômeno esportivo dentro dos espaços escolares não eram convergentes.
A Revista Brasileira de EF e Desportos perdurou como posição oficial até 1984,
no entanto já enfraquecida pelo proximidade do fim do governo que a concebera. Além
disso, com o período de redemocratização que adentrava no final da década de 70, a
exemplo do que acontecera com toda a educação, começam a surgir novas concepções
pedagógicas15 para a EFE com o intuito de rescindir com método esportivista e seletivo
adotado até então, o que mais à frente culminaria com a tão propalada crise de
identidade pedagógica da EF, assunto que ainda hoje permeia os nichos acadêmicos da
área.
14 No início a Revista de Educação Física e Desportos denominava-se Boletim Técnico e Informativo de Educação Física. Depois,
seu nome foi alterado para Revista Brasileira de Educação Física e Desportiva (1970), Revista Brasileira de Educação Física (1971)
e, finalmente, Revista Brasileira de Educação Física e Desportos (1975). 15 A psicomotricidade é o primeiro movimento mais articulado surgido a partir da década de 70, em contraposição ao modelo
esportivista adotado até então. O autor que mais influenciou esse pensamento em nosso país foi o francês Jean Le Boulch (Darido e
Rangel, 2005, p.7).
53
Diante dessa história que nos é contada, navegamos por uma EF utilitarista que,
segundo a literatura aqui exposta, tinha a incumbência de satisfazer diretamente aos
interesses do setor industrial, do governo e de seu parceiro estrangeiro por meio do
desporto.
A concepção pedagógica adotada para tal intento foi o tecnicismo, baseado em
conceitos científicos coadunados com uma política e uma concepção filosófica de
massificação esportiva. Dentro dessa arquitetura, a EF era a peça chave na consolidação
da ideologia estatal, pois era por meio dela que o desporto adentraria os espaços
escolares com as finalidades já citadas por este estudo.
Feita essa síntese do que comumente a literatura nos conta, cabe aqui uma
questão: Qual foi o papel do professor de EFE atuante em meio a todo esse processo de
imposição da ideologia estatal?
Ainda sem a resposta para tal questionamento, no capítulo subsequente nos
propusemos a analisar algumas contradições e linearidades históricas proferidas pela
literatura, o que, esperamos, nos ajudará a atingir o propósito deste estudo.
2.4. Crítica à literatura especializada
Antes de começarmos nossa crítica em relação às interpretações da literatura
especializada, é importante ponderarmos que boa parte dessa história contada emergiu
nas décadas de 80 e início da de 90, imersos num período de efervescência política e
acadêmica pelo qual passava o país, e no qual, muito provavelmente, a censura ditatorial
(medida comum no período) tenha fomentado mecanismos de resistência expressados
nas obras estudadas por este trabalho, no período pós-ditadura. Por isso é importante
que façamos tal análise olhando para trás com os olhos de hoje, mas não
desconsiderando o contexto vivido no passado por aqueles autores que, com certeza,
foram e continuam sendo marcos para a análise da EFE brasileira.
2.4.1- Para uma visão distante da linearidade
Diante deste levantamento bibliográfico que fizemos para traçar o decurso
histórico da EF durante o regime militar, notamos que a literatura especializada fez suas
análises baseadas em leis, decretos e periódicos promulgados no período, além de um
referencial teórico de forte acento crítico, no qual os autores concebem seus
posicionamentos.
54
Concordamos com o discurso que concebe a EF no âmbito escolar carregada das
mais diversas intenções, muitas delas em consonância com o ideário estatal. Sem
dúvida, no plano das teorias, o governo contribuiu com as propostas educacionais
elaboradas para a esportivização da EF.
A atenção em diagnosticar como estava a EF no cenário nacional, as referências
ao esporte nas leis educacionais, a criação da política e do plano nacional de EF e
Desportos e a consequente implementação das suas propostas nos levam a crer que a
partir da década de 70 houve um grande alvoroço no cenário nacional com o potencial
esportivo.
Nas duas grandes reformas educacionais e em outros muitos decretos
promulgados durante a ditadura militar, enalteceu-se e procurou-se legitimar
socialmente os valores advindos da EF e do esporte, como pontuamos neste trabalho.
De acordo com as nossas investigações não houve em nenhum outro regime político
brasileiro uma atenção tão minuciosa para com o fenômeno esportivo antes do período
militar. Por um lado, isso denota certa preocupação que havia em torno do desporto
naquele período, porém não quer dizer que não houve uma demanda deflagrada naquele
momento, ocultada pela literatura para a elaboração de legislações e decretos
educacionais esportivos.
Betti (1991) não discorre sobre tal demanda, mas deixa nas entrelinhas o que
acabamos de inferir: “A regulamentação estabelecida pelo Decreto 69.450 foi recebida
com euforia pela categoria dos professores de Educação Física, em especial a
determinação de três aulas semanais no ensino médio” (p.105).
O decreto veio, portanto, satisfazer a uma classe de docentes que passara a
coabitar nos espaços escolares com professores de disciplinas que já tinham
legitimidade social. Assim sendo, podemos pensar que as três aulas por semana não
contentaram os professores apenas por aumentar a quantidade de docentes
contratados16, mas também por estar contemplando por meio disso, uma tradição
histórica, regulamentada por lei, a aptidão física. Por esse prisma a “euforia” citada por
Betti (1991) só aconteceu porque os professores viram contemplados no decreto, suas
expectativas, necessidades e interesses entremeados com as tradições da área.
Endossando o que acabamos de inferir, Oliveira (2003) comenta que
16 Com a efetividade da EF nas escolas em todo o território nacional e com as três aulas atribuídas a área, consequentemente
aumentariam as vagas para professores de EFE no ensino público.
55
(...) políticas públicas para a EF brasileira nos anos da ditadura militar
teriam sido pensadas, gestadas e implementadas, não só a partir dos
interesses, como com a colaboração ativa dos profissionais da área, a partir
de uma acirrada luta de representações – luta cultural se preferirmos (p.172)
Ainda no que tange à força da lei, Betti (1991) ao afirmar que o efeito da Política
Nacional de Educação Física e Desportos foi a definitiva esportivização da EFE, acaba
por colocar sob a égide da ciência positivista as ações de políticas públicas e dos
diversos agentes envolvidos na sua construção, numa relação de causa e efeito que
empobrece a história por não levar em conta a dinâmica social e a luta de representações
que havia no período. É bem verdade que nesse emaranhado de conflitos podem ter
havido, momento sim, momento não, resultados que atendessem mais a um grupo do
que a outro, contudo, não podemos admitir que isso suprima todas as ações dos sujeitos,
que fizeram parte da construção da EFE.
Diante disso, essas proposições nos levam a conjecturar se através de todo esse
aparato legislativo e de seus possíveis cerceamentos, coadunados ou não com diversos
agentes sociais, a EFE se esportivizou apenas a partir da instauração do governo militar
pós 64.
Para esclarecermos um pouco esse questionamento recorremos a um estudo feito
por Ferreira e Lucena (2009) onde apontam que o esporte 17 adentra ao cenário nacional
nas escolas já no final do século XIX emaranhado com a ginástica. Entretanto, foi a
partir do início do século XX que o fenômeno esportivo recebeu um forte respaldo
legislativo e começou a ganhar notoriedade nacional.
As fortes investidas legislativas, que ocorreram principalmente durante o Estado
Novo, aliadas à criação da Escola Nacional de EF e Desportos em 1939 (já a partir daí o
termo desporto era atrelado à EF) e do Conselho Nacional de Desportos, a
industrialização, urbanização e os meios de comunicação, crescentes a partir da segunda
metade do século XX, o crescimento do esporte como espetáculo na esfera global,
apresentam-se como outros fatores que impulsionam o esporte a constituir hegemonia
17 É importante ressaltarmos que quando nos propusemos a analisar alguns discursos correntes propalados pela literatura, o fazemos
sempre tendo como escopo a Educação Física escolar. Sendo assim, quando citamos o Esporte, estamos nos referindo ao esporte
tido como conteúdo da Educação Física escolar e não a outros programas como, por exemplo, o Esporte para Todos, apesar de
termos ciência das suas inter-relações. Para mais a esse respeito ver Esporte para todos: “Popularização” do lazer e da recreação
de Sérgio Teixeira publicado em 2009.
56
na EF, atribuindo a este um símbolo da modernidade, do desenvolvimento (FERREIRA
e LUCENA, 2009, p. 4543).
VAGO (2002), ao analisar a implantação da EF nos recém construídos grupos
escolares de Belo Horizonte no início do século passado, mostra que EF, via ginástica,
coadunavam com o projeto de higienização social e domesticação dos corpos.
Entretanto, revela como os alunos traziam da rua para a escola a prática proibida do
futebol que, aos poucos, passou a ser assumida pela escola como um conteúdo.
De acordo com os estudos desses autores, nota-se que o esporte havia penetrado
na sociedade brasileira desde o fim do século XIX, e, à medida que esse fenômeno foi
ganhando espaço na sociedade também foi adentrando os espaços escolares como um
conteúdo possível.
No trabalho de Oliveira (2001) o autor também questiona sobre a esportivização
da EF imposta pela ação estatal durante o regime militar. Para ele, se a esportivização
ocorreu, e em muitos casos isso aconteceu e atingiu seu ápice na década de 70, isso se
deu por uma tentativa dos professores de EF de legitimar e nortear uma área sem
respaldo social, que antes da LDB 5692/71 não acontecia efetivamente no interior das
escolas. Além disso, os estudos desse autor mostram que o esporte aparecia nas práticas
de aula e na Bíblia - Programas da Prefeitura Municipal de Curitiba para a área de
EF- mesmo antes das leis e decretos terem sido promulgados durante o regime militar.
Além disso, é importante atentarmos à proposição erigida por Oliveira (2004)
(...) o esporte ganhava destaque na preferência dos professores escolares
pela sua fácil didatização. Ou seja, aquilo que viria a ser denominado de
progressão pedagógica, pelo que o esporte é decomposto nos seus elementos
constitutivos, e sequenciado segundo a seriação escolar, teria significado um
grande facilitador do trabalho diário dos professores, uma vez que a
premissa daquele modelo é que existem fases de desenvolvimento físico-
motor consoantes com determinado grau de dificuldade dos elementos
esportivos a serem aprendidos. Daí as progressões pedagógicas poderem
prescrever o que deveria ser ensinado desde as séries iniciais até os últimos
anos da escolarização, sempre partindo do pressuposto da hierarquia do
conhecimento e, consequente, pré-requisito (s/p.)
Pensando por esse prisma, talvez a ditadura militar tenha sido menos
significativa em relação à esportivização do que realmente se propaga pela literatura.
Talvez, independentemente do governo e de suas políticas, o esporte que emergia como
57
um fenômeno mundial, e não local, se tornaria conteúdo hegemônico nas quadras de
aula de qualquer forma. Bem, como demonstram os estudos citados, o esporte sempre
esteve presente na EFE, ainda que não hegemonicamente.
Sendo assim, como nos elucidam Oliveira (2001), Vago (2002), Ferreira e
Lucena (2009), houve uma configuração de fatores que convergiram e alavancaram o
esporte como conteúdo hegemônico. Entre eles podemos destacar uma ufanista pressão
estatal, mas também um pacto entre diversos agentes sociais – no cerne disso os
professores de EF- para que isso ocorresse.
A esse respeito, apesar de certo determinismo exposto por Betti (1991) é
importante levarmos em conta as considerações feitas pelo autor
... A falta de reflexão teórica e de atitude científica que caracterizou a
Educação Física como um todo até um tempo atrás, e ainda é traço marcante
da atuação de seus profissionais, sempre facilitou a rápida e entusiástica
adesão aos discursos oficiais, principalmente porque eles tenderam a
ressaltar as “funções positivas da Educação Física e a dar-lhe uma função
concreta, e assim os profissionais sentem-se reconhecidos e valorizados no
Estado, malgrado queixem-se da existência deste reconhecimento e
valorização nos círculos sociais mais próximos e em outras áreas
profissionais (p.164).
Não podemos admitir a hipótese que tenha havido uma adesão irrefletida pelos
professores de EF ao discurso oficial como nos afirma Betti nessa citação acima, pois
acreditamos num consórcio entre os diversos interesses para que determinada prática
seja efetivada no cotidiano pedagógico. Entretanto é importante que tenhamos claro o
poder do discurso oficial atrelado aos princípios científicos, o que sem dúvida, para uma
classe de docentes que adentrava efetivamente aos espaços escolares foi um dos grandes
sustentáculos para a área. Porém isso não quer dizer que os professores tenham acatado
tal aporte estatal/científico sem uma reflexão teórica, talvez, ao contrário, os professores
só adotaram os princípios científicos por refletirem18 que enveredando sua prática por
determinados caminhos, conseguiriam justificar sua presença no âmbito escolar. Por
18 Por defendermos a capacidade dos professores em refletir sobre suas práticas, independentemente de buscar referências
científicas a todo momento, somos levados a não concordar com Betti (1991, ao afirmar que a falta de reflexão teórica caracterizou
a Educação Física como um todo, pois nos parece que ele acaba por dicotomizar prática e teoria, como se fossem independentes.
58
esse prisma, muito distante de uma falta de reflexão teórica afirmada por Betti (1991)
esses professores souberam com muita destreza se valer da ciência como forma de
legitimação social, e, por mais que os discursos oficiais estivessem coadunados com os
princípios científicos, não podemos afirmar que os professores acataram tais discursos
em sua plenitude, e se adotaram, podemos inferir que estes estavam carregados dos
diversos interesses, inclusive dos professores de EF.
Ainda, a respeito da hegemonia esportiva e a luta por representações, podemos
considerar que os esportes que predominaram e ainda predominam nos espaços
escolares são aqueles advindos do seio da burguesia européia, e sua apropriação pela
classe subalterna pode ter acontecido pela tentativa de imposição cultural. Não
queremos ser simplistas em dizer que isso aconteceu em uma situação verticalizada e
que não houve conflito e resistência nesse processo. Acreditamos que houve conflitos e
resistências e sempre haverá, entretanto, dentro dos espaços escolares, muito do que se é
valorizado e legitimado são práticas corporais euro-estadunidenses, talvez porque, como
nos adverte Oliveira (2001),
(...) parece-me claro que a busca de hegemonia pressupõe a conformação
social. E esta se dá pela conformação cultural. Dentro das tendências em
oposição e luta na história, dentro das possibilidades históricas manifestas
em cada período específico, o grupo (ou grupos) que exercem o poder
político, necessariamente procuram conformar práticas culturais capazes de
contribuir para a manutenção e perpetuação desse poder. A Educação Física
não escapou, historicamente, a essa dinâmica. Porém a luta cultural
pressupõe que uma das tendências em conflito na história se sobreponha às
demais, a partir dos interesses daqueles grupos detentores, naquele momento
preciso, do poder político. Com isso, as tendências que não lograram vingar
são obscurecidas pela própria dinâmica cultural, até que novas condições
apareçam para o seu afloramento. Mas esse é um movimento afeito a todas
as dimensões da cultura, ou se preferirmos, práticas culturais. (p. 206 e
207).
Perante isso, nosso pensamento caracteriza-se imerso a uma situação
ponderativa, pois, por mais que concordemos que no período ditatorial o processo de
esportivização da EFE atingiu seu ápice respaldado pela legislação, coadunado com os
ideários do governo militar pós 64, somos céticos que isso tenha acontecido apenas por
uma imposição maquiavélica e desenfreada impulsionada pela ação estatal. E mesmo
59
que tenha havido diversos cerceamentos, no que tange à efetiva prática pedagógica do
professor atuante, quem garante que este agiria de forma submissa e não criaria, mesmo
desprovido de uma consciência crítica, seus mecanismos de resistência? Ou seja, talvez
as necessidades individuais, as expectativas e os interesses daqueles sujeitos, formados
a partir de uma perspectiva de classe, fossem supridos pela apropriação e ensino da
prática esportiva.
Ainda sem contornos conclusivos, nos parece um tanto açodado atribuir ao
governo militar a responsabilidade por ter esportivizado a EFE. Se, por um lado,
aqueles governantes ancoraram a área com uma enxurrada de leis e decretos, por outro
isso pôde ter acontecido pela exigência das camadas sociais em desfrutar de um
fenômeno social que tomava conta do cenário mundial. Como nos adverte Maia (2006):
Algumas iniciativas encontradas em países da Europa a partir de 1967 vão
também definindo esta tendência da democratização da atividade esportiva
através da aplicação concreta dos novos ideais em torno do esporte. O
primeiro país a implementar uma campanha para massificar o esporte foi a
Noruega, sendo seguido por outros países europeus e na América, como os
EUA e o Canadá. Vale lembrar o paralelo com campanha similar feita na
Suécia em 1912 em relação à Educação Física de mesma denominação:
“Educação Física para Todos”. Ambas tinham a intenção de fazer com que
a população incorporasse como prática cotidiana o exercício físico, seja
através da Educação Física no início do século XX, seja com o esporte a
partir da década de 60 deste mesmo século até o momento atual (p.2).
A criação do Jogos Escolares Brasileiros - JEB’s - em 1969, a campanha
midiática denominada Mexa-se19, o Plano Nacional de EF e Desportos - PNED, o
projeto Esporte para Todos foram ações que advogaram pelo potencial esportivo e
foram tomando conta do cenário nacional no período ditatorial entremeados com a EF
escolar. Entretanto, não podemos inferir que isso seja marca deste governo.
A percepção do “esporte para todos” se dá no âmbito internacional. Pode-se
dizer que o Brasil é influenciado por um movimento que vai se consolidando
internacionalmente. Em 1978, a UNESCO publica a “Carta Internacional de
19 Campanha realizada pela Rede Globo de televisão a fim de alavancar o segmento esportivo no país, advogando pelos benefícios
advindos do esporte.
60
Educação Física e Esporte”, reafirmando o pressuposto do direito de todos
ao esporte já contido na Carta do Conselho da Europa (MAIA, 2006, p.4).
Mesmo quando nos referimos ao programa Esporte para Todos, segundo
Valente e Almeida Filho [200?], a emancipação social pela livre iniciativa explicaria
também o aparecimento de programas recreativos de livre acesso a qualquer pessoa em
época bem anterior às propostas da Carta Européia do Esporte para Todos do início da
década de 1970. A campanha EPT foi um exemplo típico disso.
A ênfase nas iniciativas locais, com suas próprias denominações, dissolveu a
expressão “Esporte para Todos” e consolidou o uso da categorização
“esporte não formal” de sentido mais técnico. Efetivamente, o EPT
brasileiro, enquanto proposta sobreviveu, mas retornou às suas origens,
confundindo-se com a recreação e o lazer. [VALENTE e ALMEIDA
FILHO, 200?, s/p].
Não se trata de absolver o Estado ou condená-lo por isso ou aquilo, e sim
apontar para possíveis exageros quando se delega a responsabilidade ao governo militar
por ter esportivizado a EFE. Talvez seja mais prudente pensarmos que o esporte é um
fenômeno que, por diversos fatores, ganhou notoriedade no cenário mundial e,
independentemente das políticas ou do sistema econômico adotado, se fez muito
presente. Os países socialistas e a consequente Guerra fria são emblemáticos a esse
respeito.
Outro ponto que merece atenção é o poder de controle social que teria o esporte
apropriado pelo governo e incutido na sociedade. Aqui, outra vez, a literatura
especializada faz suas análises pautadas em um verticalismo ideológico imposto pela
visão estatal.
Neste aspecto, mais uma vez, nos posicionamos de forma ponderativa porque
compactuamos com as ideias daqueles que defendem que o esporte, numa perspectiva
pragmática, poderia estar em consonância com os interesses do governo militar na
construção de uma nova sociedade. Contudo, se pensarmos nesse poder alienante do
esporte e que poderia ser arquitetado para anestesiar a consciência do indivíduo
controlando suas ações, também podemos pensar que o esporte, por meio de suas ações
sociabilizantes, poderia atuar como rearticulador de movimentos políticos contrários aos
que vigoravam até então.
61
Desta forma, o esporte atuaria como meio para uma ação transformadora das
políticas ditatoriais, o que iria de encontro com o discurso proferido pela literatura
especializada. Assim sendo, por mais que consideremos a intenção do governo de se
apropriar do fenômeno esportivo para anestesiar a consciência do indivíduo, como nos
adverte Ghiraldelli (1988), na prática pedagógica as coisas podem não ter saído como
comumente se propala, ou seja, o esporte ao invés de exercer controle social estaria
atuando, aí, como revés das intenções do governo. Aqui surge outro questionamento:
Será que os burocratas estatais, que haviam planejado o golpe militar e arquitetado um
modelo de desenvolvimento em consonância com o governo norte-americano, foram tão
ingênuos a ponto de não pensar nesse possível revés do papel exercido pelo esporte? Ou
ainda: Será que a literatura especializada fez uma leitura demasiadamente crítica, a fim
de encontrar a qualquer preço um culpado para a atual situação da EFE? Talvez, como
nos alertam Melo e Nascimento (2010), deveríamos aprofundar o sentido da crítica e
reconhecer que médicos e militares foram importantes por emprestar prestígio e
fundamentação à uma área de conhecimento em construção e pioneiros na defesa e na
consideração de suas possibilidades.
Bracht (1986) nas considerações que tece a respeito dos valores e normas
convergentes entre o esporte e a estrutura social desejável, flexibiliza a ação alienante
desse fenômeno ponderando que o esporte é aquilo que fazemos dele, enfatizando a
ação docente no seu trato pedagógico. Contudo, suas análises são feitas como se o
esporte seguisse certa lógica de inculcação ideológica nas sociedades capitalistas e outra
naquelas tidas como socialistas, ou seja, o esporte adotado pelas políticas públicas no
Brasil seria convergente com o modo de produção vigente, mas o esporte adotado pelos
países socialistas seguiriam por outras diretrizes.
Bem, nos cabe aqui questionar se a busca pelo rendimento (muitas vezes a
qualquer custo), as competições sob a égide de regras e valores universais impostos
verticalmente, o espírito de competição, entre outras normas e valores apontados pelo
autor, contribuíram para fortalecer o sentimento coletivo em detrimento do individual
nos países socialistas, haja vista que o esporte olímpico era disputado com afinco por
ambas às correntes econômicas. Ou será que, independentemente do sistema
econômico, o esporte se fez presente sob os mesmos princípios?
Ao que nos parece, por mais que Bracht (1986) advogue por um esporte
“socialista” nem mesmo os países com esta diretriz econômica o fizeram dessa forma.
As disputas por medalhas olímpicas durante a guerra fria podem nos oferecer um
62
panorama de como o esporte foi apropriado por ambas as vertentes ideológicas,
enveredando por caminhos muitos parecidos, ou seja, a vitória a qualquer preço.
Entremeado ainda pelo propalado controle social através do esporte, Dantas Jr
(2008), apropriando-se do conceito de alienação de Karl Marx, tece as seguintes
considerações
Entendo que o conceito de alienação é larga e proficuamente utilizado na
relação homem-trabalho material, todavia não é tão simples espraiá-lo para
todas as relações e esferas sociais. Tomando por verdade que o ato de
praticar esporte, ensinar esporte ou lidar com qualquer produto cultural de massa, inclusive a educação, reflete nosso grau de alienação, torna-se
impossível reagir à história que nos conduz como autômatos a um destino
que não nos é factível conhecer. Por este raciocínio, acreditar que o esporte
só aliena nas sociedades capitalistas por estar subsumido à sua lógica
predatória é fechar os olhos à direção esportiva promovida nos países do
socialismo existente, ao longo do século passado. De igual modo, se
acreditar que é na prática política, no movimento contestatório e de ação
que não nos alienamos, sobra-nos muito pouco tempo para desfrutarmos de
caracteres culturais que desvelam a imensa criatividade humana, dentre eles
o esporte. Em assim fazendo, alienamo-nos enquanto homens, negando nossa
capacidade de mediação com a cultura (p.225).
Linhales (1996) corrobora tal perspectiva afirmando que o esporte não é uma
prática de anulação das consciências, e a adesão das massas ao esporte não significou
submissão e aceitação das práticas autoritárias que davam sustentação à ditadura. Fato
concreto foi a derrota que o povo impingiu à Aliança Renovadora Nacional - ARENA,
partido oficial, nas eleições de 1974, alçando o Movimento Democrático Brasileiro -
MDB - à imensa maioria das cadeiras do parlamento nacional.
Seguindo nesta direção, podemos inferir que o esporte, nem anestesiava, nem
subvencionava os indivíduos, ele apenas era praticado, contemplado, adorado. Atribuir
tal dimensão a esse fenômeno acaba, portanto, por abrandar a importância do agir
humano, ou melhor, é como não reconhecer a atuação dos sujeitos com um certo grau
de autonomia em relação aos ditames da economia. Ver a história por essa vertente
acaba por engessá-la, minimizá-la, empobrecê-la, enfim, acaba por desdenhar a
experiência do sujeito na sua construção. Lembremos ainda que o esporte nada mais é
que uma prática da cultura corporal construída por indivíduos de carne e osso que
63
sentem, sofrem, experimentam, agem e que procuraram e continuaram a procurar meios
para satisfazer suas necessidades.
Ainda para efeito desta análise, podemos levar em conta as afirmações que
Castellani Filho (1988) fez a respeito do artigo 6 do Decreto 69.450/71 em consideração
à facultatividade nas aulas dos alunos trabalhadores. O primeiro ponto é que isso não foi
exclusividade do regime militar, mesmo depois da nova legislação educacional
promulgada em 1996 (LDB 9394/96) nos moldes democráticos, a EFE continuou sendo
facultativa para os alunos que estudavam no período noturno e que comprovassem o
exercício do trabalho no horário regular das aulas de EF. Outro ponto é que a EF, por ter
historicamente menos status no âmbito escolar em relação a outras disciplinas, poderia
sim, ser perfeitamente dispensável. Não porque ela já houvesse inserido e preparado o
aluno para o mercado de trabalho, mas talvez porque a dicotomia tão presente entre
corpo e mente -como ainda acontece- favorecesse o segundo, ou seja, a EFE
encarregada de educar o corpo (sic) podia ser descartada.
Em relação às mulheres com prole, outra observação se faz necessária. Apesar
de trabalhos recentes, a exemplo de Sarti (2004)20, enfatizarem o papel da mulher em
diversos movimentos sociais, e também as mudanças efetivas na situação da mulher no
Brasil a partir dos anos 1960 propiciadas pela modernização pela qual vinha passando o
país, comumente boa parte da sociedade brasileira semeava a concepção dos papéis
frágil, dócil, do lar e maternal à mulher, que foram historicamente construídos pelas
relações de poder imbricadas entre os gêneros. Assim sendo, as prioridades das
mulheres com prole giravam em torno do zelar pela família e mais incisivamente no
vínculo entre mãe e filho21.
Fazer esse recorte histórico, como propõe Castellani Filho (1988), é não
considerar a história como fruto de relações sociais, enveredados pelos modos de
produção, que geram relações conflituosas entre os indivíduos e que os mesmos se
20 A presença das mulheres na luta armada, no Brasil dos anos 1960 e 1970, implicava não apenas se insurgir contra a ordem política
vigente, mas representou uma profunda transgressão ao que era designado à época como próprio das mulheres. Sem uma proposta
feminista deliberada, as militantes negavam o lugar tradicionalmente atribuído à mulher ao assumirem um comportamento sexual
que punha em questão a virgindade e a instituição do casamento, ‘comportando-se como homens’, pegando em armas e tendo êxito
nesse comportamento, o que, como apontou Garcia, “transformou-se em um instrumento sui generis de emancipação, na medida em
que a igualdade com os homens é reconhecida, pelo menos retoricamente (SARTI, 2004, p.37).
21 Segundo Sarti (2004) no período da ditadura militar as mulheres militantes não sofreram “apenas” tortura física, mas também a
manipulação do vínculo entre mãe e filho, já que, segundo a autora, esse vínculo torna a mulher particularmente vulnerável e
suscetível à dor.
64
encarregam de resolver. Neste caso, não se trata de facultar à mulher com prole o
trabalho fabril e, sim, situá-la em meio às suas prioridades que foram construídas
historicamente.
Já no que diz respeito aos deficientes físicos, é de suma a importância que
consideremos que essas pessoas eram, em boa parte, alijados do sistema normal de
ensino devido às suas necessidades especiais. A EF, por se tratar de uma atividade que
envolve práticas corporais, além da incipiência dos conhecimentos científicos que
sustentavam a área, permitem compreender a facultatividade da frequência às aulas para
os deficientes físicos. A aptidão física tida como referência para os planos de ensino,
vinha ao encontro das raízes históricas que sustentaram a área em diferentes períodos,
mesmo antes do modo de produção vigente. Parece-nos que o que vigorava no artigo 6
do Decreto 69.450/71 é resultado de uma construção histórica que foi posta em forma
de lei pelo governo com o objetivo de organizar a incipiente área e uma cultura corporal
que pululava no cenário internacional, coadunado, obviamente, com os preceitos
científicos. Não se trata, portanto de excluir aqueles que não serviam para o trabalho
fabril excluindo-os das aulas de EFE, e sim de compreender que naquela época havia,
como ainda acontece atualmente, dificuldades no trato pedagógico para com aqueles
indivíduos, mesmo porque os planos pedagógicos tinham como referência a aptidão
física.
Além disso, consideremos ainda, que a EFE pode não ter sido excludente apenas
para os deficientes físicos, haja vista que as competições escolares promovidas pelo
governo poderiam privilegiar, através dos mecanismos de seleção, os mais habilidosos,
excluindo sutilmente ou não, os que tinham menos habilidade na participação das aulas.
Contudo, temos que levar em conta que essa forma excludente de pensar a prática
pedagógica, não foi exclusividade da EFE, pois a escola calcada numa concepção
produtivista de educação, sob os princípios da racionalidade, eficiência e produtividade,
também foi extremamente excludente. Os altos índices de reprovação no período são
emblemáticos a esse respeito22.
Além disso, não podemos admitir a tese de que o esporte é excludente na sua
essência, haja vista que esse fenômeno da cultura corporal é nada mais nada menos do
22 Para mais ver os indicadores fornecidos pela Secretaria de Desenvolvimento e Avaliação Educacional (Sediae), do Ministério da
Educação e do Desporto em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf.
65
que uma construção humana, erigida para satisfazer as necessidades dos sujeitos, ou
seja, o esporte é aquilo que fazemos e queremos dele, se ele é excludente é porque assim
o queremos. Sendo assim, não negamos a possibilidade de o esporte, sob o discurso da
igualdade de oportunidades, coadunar também com o capitalismo, se tornando
excludente. Porém, os fatores de tal coesão – esporte e capitalismo- fogem ao escopo
deste trabalho, mas podemos inferir que em meio a esse processo histórico nuançado
que envolvem economia, poder, cultura, enfim, estão os sujeitos de diferentes classes
sociais, inclusive aqueles que pelos mecanismos de exclusão acabam sendo silenciados,
entretanto este mesmo silêncio se faz ecoar no discurso dominante, fazendo do esporte,
excludente ou não, uma construção com a participação de diversos agentes sociais.
Dentre as afirmações feitas por Castellani Filho (1988) a que mais nos intriga é a
facultatividade da prática de EF aos alunos maiores de 30 anos. Seguindo pelo caminho
proposto pelo autor, para esses alunos a EF não se justificaria, pois estes já estariam
inseridos no mercado de trabalho (preparados fisicamente ou não). Desta forma, cabe
aqui pontuarmos uma questão: De onde vem a necessidade de facultar a EFE para os
alunos acima de 30 anos? Do fardo histórico, dos princípios científicos ou endossando a
tese inferida por Castellani Filho (1988) sobre a preparação para o mercado de trabalho?
Prontamente podemos refutar a tese do autor, enfatizando que a forma de produção
fordista pouco necessitava de um corpo fisicamente preparado, já que, com o
desenvolvimento da maquinaria no século XIX, até mesmo crianças apresentavam
condição física para a execução das tarefas e eram contratadas para o trabalho fabril.
Contudo, não podemos desconsiderar que, desde os preceitos escolanovistas, a EF não
era vista apenas como uma educação do físico, enfatizava-se também a formação dos
valores morais do indivíduo. Sendo assim, quais eram os valores morais que o governo
pretendia incutir na sociedade vislumbrada?
Pensamos que, nesse ponto, Castellani Filho (1988) tenha razão, ou seja, em
meio às profundas mudanças sociais que permeavam o contexto brasileiro, o governo
não só organizou as demandas mas também tratou de direcioná-las de acordo com a
sociedade que pretendia construir. Não obstante, não creditamos ao governo militar tal
função maquiavélica como levantado por Castellani Filho (1988). Ou seja, havia a
emergência de preparar o sujeito físico/moral para a sociedade urbano-industrial, para
que este pudesse vender sua força de trabalho, e, desse modo, sustentar a si e à sua
família. Mas isso não satisfazia apenas os anseios governamentais e/ou às classes
dominantes, satisfazia também à classe trabalhadora. Não porque fossem alienados e
66
incapazes de perceber as contradições do sistema, mas talvez porque muitos dos que
migraram do campo para a cidade a fim de ascenderem socialmente, encontraram na
vida urbana uma condição de existência que os satisfazia mais, mesmo que se leve em
conta as diferenças sociais e a evidente concentração de renda nas mãos de poucos que
já ocorria nesse período. Por esse prisma, a EFE com as referências nos padrões de
aptidão física e nos valores morais trazidos no cerne do esporte também contentava os
de baixo.
Por fim, as afirmações correntes de que a política do pão e circo teve seu auge
com a vitória da seleção brasileira de futebol em 1970, é questionável. Não que o
presidente General Emílio Garrastazu Médici não tivesse aproveitado o momento
vitorioso atrelando-o às políticas adotadas, mas tal forma de agir não foi exclusividade
do período militar. Vários chefes de estado, mesmo no Brasil gozando de regime
democrático, fizeram e ainda fazem apologia ufanista utilizando as vitórias esportivas e
atrelando-as à melhoria da condição de vida do povo, supostamente consequentes das
conquistas políticas. Ratificando tal assertiva, num estudo realizado por Almeida (2010)
buscou-se compreender como se dá a relação do campo político e esportivo, no que
tange ao financiamento oferecido pelo Ministério dos Esportes ao Comitê Olímpico
Brasileiro - COB entre 2005 e 2008. Baseada no referencial teórico de Pierre Bourdieu,
que afirma que o esporte é um meio potencial de conquista simbólica com possibilidade
de conversão em capital político, Almeida (2010) afirma que, tanto o governo necessita
do COB como meio de promover um sistema político, com investimentos no esporte de
rendimento e em megaeventos, como também o COB precisa do governo, tanto do
subsídio financeiro, quanto apoiando os seus projetos.
Além disso, muito se diz sobre a tendência em atribuir à EF um papel
preponderante durante o regime militar. O estudo de Castellani Filho (1988) nos parece
ser o mais emblemático a esse respeito, porque o autor concebe a Personagem EF
atendendo às necessidades e interesses das classes dominantes em diferentes momentos
históricos.
Mais uma vez recorreremos ao trabalho de Oliveira (2001) para tentarmos
elucidar um pouco mais essa questão. Indaga o autor: Como a EF poderia ser
considerada fundamental nas pretensões de imposição da ideologia estatal sendo que no
periódico publicado pelo próprio governo (Revista Brasileira de EF e Desportos) até
meados da década de 70 não havia consenso sobre qual perspectiva de esporte a EF
deveria seguir?
67
Para fundamentar tal hipótese, Lamartine Pereira da Costa, editor chefe da
Revista, entrevistado por Oliveira (2001), é categórico em afirmar que os profissionais
que compunham o Departamento de EF, responsável pela edição da Revista, eram, em
sua maioria, militares de baixas patentes e pouco comprometidos com os ideários
estatais. Mesmo que consideremos a importância e a influência que esse periódico
exercia na incipiente EFE, quem garante que esse documento chegava de fato à maior
parte dos professores num país com dimensões continentais?
Nesta direção, Ferreira e Lucena (2009) afirmam
Devemos ratificar que a essência do Esporte, na perspectiva de Política
Esportiva, vem do Estado Novo, que a Ditadura Militar acreditando que a
mesma “serviria” poderia então permanecer inalterada pelo menos por mais
ou menos dez anos. E se durante esse tempo não foi revista é porque além de
dar conta do que se pretendia a Educação Física e/ou o Esporte não eram
prioritariamente importantes como comumente é afirmado, pois política por
demais importante logo seria revisada e alterada (p.4544).
Num estudo realizado por Oliveira e Chaves Junior (2009), alguns professores
entrevistados são categóricos em afirmar a falta de espaços disponíveis para o trato
pedagógico esportivo, o que fazia com que eles adaptassem a prática pedagógica e a
realizassem, muitas vezes, fora dos muros escolares, desviando assim das preconizações
legais para o ensino do esporte
(...) Ainda que a escola em questão gozasse de fartura de material, o que é
confirmado pelo depoimento da professora Hermínia, a disponibilidade de
espaço adequado era sofrível. Vários elementos expostos nesse depoimento
nos ajudam a questionar em que medida as postulações oficiais poderiam ser
cumpridas. Primeiramente, é sabido que a prática esportiva, modelo previsto
no ideário oficial e, como mostramos na primeira parte deste trabalho,
prevalecente desde pelos menos os anos 1950, implica disponibilidade de
material e espaço adequados. Pode parecer óbvio, mas não é possível
desenvolver o esporte, seja o voleibol, o basquetebol, a ginástica ou qualquer
outro, sem um local adequado para essa prática. Ao indicar que as aulas se
davam nas ruas, em terrenos baldios etc., a professora Hermínia nos oferece
elementos para afirmar que, no máximo, poderia acontecer nessas aulas uma
aproximação do que seriam os esportes... (p.50).
68
Visto isso, portanto, como é possível afirmar que a EF tinha uma função
preponderante nas concepções estatais se nem ao menos se subsidiava o professor com
espaço adequado para o ensino e a prática com fins esportivos23?
(...) A falta do espaço adequado ao desenvolvimento de uma determinada
prática é um indicativo poderoso de que ela não poderia ter se desenvolvido
como era desejável pelo formulador da política pública. Ou seja, ao
professor restaria a improvisação. E a improvisação, além de ter sido
denunciada desde os primeiros anos do Programa, é justamente um dos
elementos que a tecnologia educacional tenta combater, o que mostra como
a realidade é rebelde à lógica tecnocrática propugnada pelos militares e
seus seguidores. Neste sentido, aquilo que estava expresso na lei e nos
programas simplesmente não podia ser desenvolvido na realidade daquela
escola, uma vez que havia um abismo entre a formulação legal e a condição
real da escola (p.50).
Por mais que levemos em conta que a pesquisa realizada se deu num
determinado contexto, não cabendo generalizações, também não podemos dizer que
esse desleixo com a EFE e seus preceitos esportivistas não tenham acontecido em outras
esferas educacionais. Sendo assim, por mais que houvesse todo um aparato legislativo
para a área, na prática pedagógica as coisas não saíram como o predeterminado pelo
Estado. Desta forma, por mais autoritário que tenha sido o período, parece-nos, com
base nesses estudos, que a EFE não estava no cerne dos planos governamentais a fim de
que a área pudesse ser um dos mais importantes veículos para que fossem alcançadas as
aspirações estatais.
Mesmo podendo não ser o principal veículo para o alcance de metas dos planos
governamentais, os investimentos feitos com a EF no período ditatorial nos levam a crer
que não houve total desdém com a evolução da EF. De acordo com dados coletados por
Betti (1991), as verbas destinadas ao setor aumentaram verticalmente a partir de 1975,
ultrapassando os recursos destinados a todo o ensino superior.
Analisando o contexto, os investimentos na área vieram depois do governo criar
a Política e o Plano Nacional para a EF e Desportos, provavelmente como forma de
implementá-los. Bem, apesar de tardia, como afirmam Ferreira e Lucena (2009), as
políticas foram alteradas e com elas incisivos investimentos foram feitos para trilhar os 23 De acordo com o Decreto 69.450/71 os espaços destinados às atividades de educação física deveriam compreender dois metros
quadrados de área por aluno, no ensino primário, e três metros quadrados por aluno, no ensino secundário e no superior.
69
caminhos marcados pela política destinada ao setor. Ora, se não havia a preocupação
com a EF e o Desporto, quais seriam os motivos de tanto investimento em tão curto
espaço de tempo?
Se pensarmos a partir da hipótese de uma EF esportivizada e no potencial
alienante desse fenômeno, como comumente se propala, os dados referentes aos
investimentos feitos com a área ratificam que havia, principalmente após a promulgação
do PNED, uma atenção mais incisiva para com a EFE. O curioso é que, como apontam
os dados coletados por Betti (1991), apenas a partir da década de 80, com o regime
militar já enfraquecido, é que os investimentos ganharam níveis significativos. Assim
sendo, podemos erigir duas hipóteses: A primeira é que o governo enfraquecido tentaria,
por meio do desporto, justificar algumas de suas ações nefastas durante o regime, pois
com a abertura política e as inevitáveis críticas à gestão, o esporte não continuaria sendo
apenas uma forma de controle social, mas também poderia ser uma forma de
argumentar em prol das políticas públicas adotadas, e defendidas, quiçá, pelos atletas de
alto rendimento descobertos na época. Por esse prisma, o legado esportivo para a EFE
seria atribuído ao governo militar pós 64 que, analisado de forma crítica ou não, mostra
por meio da quase unanimidade na literatura que a esportivização da EFE atingiu seu
ápice na década de 70. Contudo, pensar desta forma talvez seja dar uma dimensão um
tanto exagerada para o fenômeno esportivo.
Outra hipótese é a da existência de um conflito de interesses dentro do próprio
governo, ou seja, aqueles que acreditavam que a EF, através da via esportiva, resolveria
boa parte das aspirações estatais e, consequentemente, requeria atenção e investimentos
significativos e, por outro lado, aqueles que tratavam a área apenas como mais um
segmento educacional; além de uma provável terceira posição retratada por aqueles que
tinham um apreço pela área devido aos seus enraizamentos históricos. Talvez o governo
não tenha sido tão habilidoso ou cuidadoso ao empreender suas ações voltadas à
implantação de um modelo esportivizado na EFE, exemplos dessa inabilidade e
ineficácia podem ser atribuídos a fatos como a Revista de EF e Desportos ter sido
composta por militares (boa parte de baixas patentes) que não compactuavam
plenamente com os ideários do governo; que o PNDE só foi proposto depois de mais
dez anos do golpe militar; que os espaços destinados para as práticas corporais eram
precários, e que os investimentos só chegaram já com o governo em decadência.
70
Essas idas e vindas do que deveria ser ou não ser, deixaram estruturas
educacionais deficientes para o desporto, que não atendem nem ao esporte como
pseudo-controle social, e tampouco à sua possibilidade educacional plena.
Diante dessas ponderações sobre a história contada da EFE brasileira durante a
ditadura militar, nos cabe aqui retomar a questão que justifica este estudo: Qual o papel
e a atuação do professor de EFE naquele cenário de mudanças (pelo menos no que tange
à legislação) educacionais?
Por meio deste levantamento bibliográfico, percebemos que a literatura
especializada levou em consideração apenas as formulações teóricas concebidas pelo
governo e as analisou num contexto economicista e, a partir disso, não considerou os
professores de EF como agentes participantes daquele processo. Inferimos que, com
isso, ignorou-se uma parte fundamental da história da EF no Brasil.
Seguramente, a literatura especializada nos permite pensar que deixou de
considerar o professor como um ser capaz de fazer opções, entendendo-se que ele foi
refém das mais diversas formas de dominação e controle, ou mesmo devido à sua
própria herança histórica e cultural.
O discurso da literatura especializada que expusemos deixa latente que os
professores de EF eram passivos, perante os ditames do governo militar, que havia uma
verticalização no processo de consolidação da EF nas escolas brasileiras, e que as leis e
decretos eram imposições seguida à risca24. Por este prisma, o governo ditava as ordens
e os professores, passivos e sem força de reação, acatavam.
Por essa perspectiva, os professores de EF não teriam qualquer possibilidade de
mover-se com autonomia diante das rígidas estruturas ideológicas determinadas pelo
Estado, ou seja, advoga-se por uma vitimização dos professores de EF pertencentes
àquele processo.
Assim sendo, pensamos que o Estado, com suas políticas educacionais pautadas
no sistema econômico vigente, contribuiu para o direcionamento das ações dos
professores, porém isso não significa dizer que o Estado tivesse ou tem a capacidade de
engessar os indivíduos de forma a conseguir controlar todas as suas ações cotidianas.
Talvez as necessidades, expectativas e os interesses vividos pelos professores que
24 Vale a pena ressaltarmos que Betti (1991) ao contar a história da EF levando essencialmente leis e decretos em suas
considerações, pondera no final de sua obra que apesar de os professores terem sua liberdade diminuída, muitas decisões cabem
ainda ao próprio docente, ou seja, ele pode ou não acatar as sinalizações dos níveis superiores.
71
atuaram naquele período, não possam ser simplificados numa dada definição de base
que determina a superestrutura. Enredo
Pensamos que, embora as determinações estruturais sejam ferrenhas na tentativa
de imposições ideológicas, não podemos afirmar que isso seja capaz de suprimir as
contradições do próprio sistema, levando a uma ação transformadora.
Desta forma, acreditamos que os sujeitos – no nosso caso os professores de EF-
são providos de certa autonomia, pelo menos no que tange às suas efetivas práticas
pedagógicas. Pensando assim, a EF dentro das escolas pode ter acontecido de forma
diferente daquilo que preconizavam os documentos oficiais, ou mesmo, que comumente
se afirma na literatura especializada.
Por isso, refutamos o discurso da literatura que atribui aos professores de EF
uma posição de vítima perante os ditames de um governo autoritário. Não considerar as
subjetividades dos sujeitos em questão, nos forneceu uma visão unilateral da história da
EFE no Brasil.
Deste modo, para que se tenha uma visão mais abrangente do que foi a EF
durante o regime militar, se faz necessário olhar para dentro dos muros escolares a fim
de desvendar como foram concebidas as aulas de EF na ditadura, não com o intuito de
absolver ou condenar os professores pertencentes aquele processo, mas sim situá-los no
contexto e compreender o papel que exerceram na história.
Objetiva-se, portanto, recontar as ações da prática pedagógica dos professores de
EFE, sujeitos desta pesquisa, que fizeram parte daquele momento histórico no Brasil
proporcionando uma releitura da história até então contada a partir de leis e decretos de
uma forma determinista. Talvez, as experiências individuais desses professores possam
contribuir para desmistificar a relação causa-efeito – leis e decretos = ações coerentes
dos professores - tão propalada pela literatura especializada.
Olhando para esses sujeitos pretendemos compreender como os professores
rodeados de influências autoritárias conceberam suas práticas pedagógicas, e quais as
razões que os levaram a optar por rebelar-se ou, pelo contrário, trabalhar em prol das
políticas públicas que vigoravam.
No próximo capítulo expusemos os caminhos trilhados em busca do objetivo
deste trabalho.
72
3. MÉTODO DA PESQUISA
3.1 A natureza da pesquisa
A nossa opção pela história oral se deu por entendermos que os documentos
oficiais promulgados no governo militar abarcados pelo nosso estudo relatam apenas
um lado da história. Além disso, como já nos referimos anteriormente, habitualmente a
literatura especializada que interpretou as políticas públicas do período, não levou em
conta o professor como um ser capaz de fazer opções, por conseguinte, fez uma leitura
determinista da EFE na ditadura militar.
Sendo assim, acreditamos que, por meio da história oral, ouvindo os agentes
daquele processo educacional, conseguimos conceber um cenário singular e, por que
não, diferente do que comumente se propala para a EFE na ditadura militar.
Thompson (1992) afirma que
A história oral possibilita novas versões da história ao dar voz a múltiplos e
diferentes narradores. Esse tipo de projeto propicia sobretudo fazer da
história uma atividade mais democrática, a cargo das próprias comunidades,
já que permite construir a história a partir das próprias palavras daqueles
que vivenciaram e participaram de um determinado período, mediante suas
referências e também seu imaginário. O método da história oral
possibilidade o registro de reminiscências das memórias individuais; enfim,
a reinterpretação do passado, pois, segundo Walter Benjamim, qualquer um
de nós é uma personagem histórica (p.19).
Ao darmos voz àqueles sujeitos procuramos desvendar uma EFE que também foi
construída pelas experiências dos professores, por suas decisões cotidianas em fazer isso
e não aquilo, enfim, por suas necessidades, expectativas e interesses construídos durante
sua história de vida.
Procuramos, por meio da história oral, ouvir aqueles que não se fizeram
presentes nos escritos acadêmicos da literatura analisada por este trabalho. Diante dos
diferentes diálogos que nos foram oferecidos, pudemos perceber a multiplicidade de
pontos de vista sobre o mesmo assunto, assim como as convergências.
73
A esse respeito, Thompson (1992) considera que “... nessa tarefa, a história oral
desempenhará papel fundamental. A evidência que utiliza associa intrinsecamente o
objetivo com o subjetivo, e nos conduz por entre os mundos público e privado” (p. 333).
Sendo assim, apesar de nossa preocupação em expor as singularidades dos
indivíduos, temos que considerar na condução do nosso processo de pesquisa a
articulação entre o particular e o geral, entre aquilo que é próprio do sujeito e aquilo que
faz parte do contexto sócio-histórico no qual está inserido.
Portanto, seguindo as palavras de Thompson (1992) na obra A Voz do Passado, a
idéia é a História Oral democratize a própria história, num processo de devolvê-la ao
povo. No nosso caso devolvê-la aos professores de EFE.
3.2 As técnicas e instrumentos da pesquisa
3.2.1. As análises documentais
Para atender ao objetivo deste trabalho analisamos os seguintes documentos: as
leis sobre EFE promulgadas em âmbito nacional no período; as leis municipais que
justificaram a criação da Escola Superior de Educação Física de Jundiaí e o seu
referencial curricular.
Emergiu a necessidade de analisarmos as leis à medida que buscamos
compreender como foram engendradas as políticas públicas para a EFE no período
abarcado por este estudo, e, posteriormente, verificar como essas preconizações legais
foram ou não levadas a cabo pelos professores.
Com a análise do projeto de lei e sua promulgação para a criação da ESEFJ,
procuramos compreender quais foram os motivos explícitos e subjacentes na concepção
deste curso na cidade, haja vista que a faculdade foi inaugurada no período em que
houve grande incentivo estatal em prol da privatização do ensino superior. Desse modo
buscamos compreender em que medida a faculdade foi criada a fim de disseminar o que
era apregoado pelo governo militar, ou se sua construção foi fruto de vários fatores,
inclusive de uma demanda que emergia.
Já a escolha do referencial curricular da ESEFJ se deu por dois motivos: o
primeiro diz respeito ao critério de seleção dos sujeitos, ou seja, todos tiveram vínculo
direto com a instituição; e o segundo motivo se deu por buscarmos compreender como
os professores levaram para o trato pedagógico os conteúdos aprendidos na Faculdade.
74
3.2.2. As análises das entrevistas
As entrevistas foram individuais, contando apenas com a presença do
pesquisador e do entrevistado, realizadas em lugar, dia e horário determinados por eles,
variando entre o local de trabalho e a residência dos mesmos.
Antes das entrevistas, que foram gravadas em áudio por meio de um aparelho
digital, disponibilizamos aos depoentes um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Apêndice I), aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade
São Judas Tadeu (número 087/2009 aprovado em 10/02/2010) para que eles pudessem
conhecer o objetivo e procedimentos da pesquisa e nos autorizando a expor suas falas
para fins acadêmicos. Além disso, a fim de preservar ao máximo a identidade dos
sujeitos de nossa pesquisa, optamos por identificá-los com as letras do alfabeto,
sequenciais, de acordo com a data da entrevista.
Tivemos a preocupação adicional de evitar ao máximo o clima formal de uma
entrevista para trabalho acadêmico, o que poderia vir a inibir a espontaneidade do
depoimento dos sujeitos entrevistados. Para isso, procuramos, num primeiro momento,
sem o uso do gravador, entabular uma conversa informal e conhecer um pouco sobre a
vida dos professores e junto a isso fomos inserindo os objetivos da pesquisa em questão.
Toda a coleta do material foi executada por nós, entretanto a transcrição das
entrevistas na íntegra, (Anexo I, em CD), devido ao grande dispêndio de tempo que uma
tarefa dessas exige, optamos pela contratação de um transcritor profissional. Apesar
disso, conferimos minuciosamente a transcrição das quase 8 (oito) horas de
depoimentos gravadas.
No que tange ao conteúdo e roteiro das entrevistas semi-estruturadas (Apêndice
II), optamos por dividir em quatro momentos: contexto familiar; formação intelectual;
aspectos ligados a políticas públicas; e, por fim, questões sobre EFE. Levamos em
consideração para a formulação das questões as afirmações de Thompson (1992) no
sentido de que as perguntas deveriam ser simples, diretas e em linguagem comum.
Perguntas complexas e de duplo sentido conduzem a meias respostas ou a respostas
inadequadas; deve-se evitar perguntas com caráter assertivo que expressam as próprias
opiniões do pesquisador/entrevistador e influenciando as respostas do entrevistado. As
perguntas devem ser elaboradas com cuidado, de tal forma que se evite sugerir
respostas; devem também ser evitadas perguntas que levem o narrador/entrevistado a
pensar do mesmo modo que o pesquisador/entrevistador pensa, e não do modo deles.
75
Enveredados por esse caminho buscamos, nos primeiro e segundo momentos,
adentrar ao contexto familiar vivido pelo professor, abarcando questões mais
abrangentes que permitissem e facilitassem ao entrevistado voltar ao passado e se sentir
à vontade diante do entrevistador ao relatar suas memórias, seus sentimentos, enfim, nos
permitir enveredar pelo caminho que foi percorrido do seu ingresso até a conclusão do
curso superior em EF.
Ainda nessa parte da entrevista procuramos por questões que pudessem deflagrar
o decurso histórico que fez com que o professor chegasse ao ensino público. Essa
abrangência se fez muito importante à medida que, nos depoimentos coletados,
pudemos entremear o contexto sócio-histórico vivido pelo sujeito e seus condicionantes
sociais com o conceito de experiência proposto por Edward Palmer Thompson,
explicitado mais abaixo.
Já nos terceiro e quarto momentos da entrevista, as perguntas foram mais ligadas
às práticas pedagógicas dos professores, sem perder de vista o período abarcado por
esse estudo e as políticas públicas que subsidiaram o ensino na época. Sendo assim,
subdividimos esses momentos em: conhecimento sobre as políticas públicas e questões
sobre a EFE.
É importante pontuarmos que, como nos propõe Thompson (1992), e pode-se
verificar nas entrevistas anexas, interferimos pouco nas entrevistas, pois segundo o
autor, o entrevistador vai à entrevista para aprender. Com isso, volta e meia os
entrevistados rompiam com a estrutura que previamente estabelecemos avançando e
retrocedendo naquilo que lhes era mais importante. Mesmo assim, procuramos ao
máximo nos atermos ao mote da pesquisa, sem perder de vista a subjetividade que
estava sendo exposta dos sujeitos, pois, de acordo com o método que adotamos, a
insistência ou mesmo o silêncio num determinado assunto, podem nos indicar caminhos
para análise e interpretação do material coletado.
A partir dos depoimentos coletados, construímos as categorias de análise de
acordo com o objetivo e o problema de pesquisa investigado. Sendo assim erigimos
quatro categorias:
1- os professores de EF como agentes do processo de educar por meio do
esporte;
2- a prática pedagógica dos professores de EF;
3- a autonomia em relação ao governo;
4- a compreensão dos professores sobre a EF do “passado” e do “presente.
76
A análise dos depoimentos se ancorou no aporte teórico oferecido pelo
historiador britânico marxista Edward Palmer Thompson, especificamente no conceito
de experiência desenvolvido pelo autor em seus estudos sobre A formação da classe
operária inglesa no final do século de XVIII e início do século XIX.
Nos três volumes dessa obra, Thompson analisa o processo de formação da
classe operária inglesa em meio à Revolução Industrial. Para isso, se vale dos costumes,
das tradições, dos modos de vida dos sujeitos, entremeados com o modo de produção
que se erigia na época.
Estudando o contexto social dos trabalhadores ingleses e as tradições que nele
emergem, Thompson compreende que a história dos sujeitos pertencentes àquele
processo não poderia ser contada apenas a partir da Revolução Industrial que se
instaurava, mas deveria estar consubstanciada a fatores que antecediam aquele novo
modo de produção. Fatores ligados diretamente à forma como sujeitos agem e reagem
diante daquilo que lhes é imposto, e como seus condicionantes históricos construídos
durante um longo decurso se fazem presentes, construídos a partir de suas expectativas,
necessidades e interesses, mesmo diante de um modo de produção fabril que buscava
coibir antigos costumes, tradições e modos de vida do povo inglês.
Enveredado por esse caminho, Thompson enriquece a história, fazendo valer as
vozes daqueles sujeitos que, comumente, são tratados como produtos de uma história
contada a partir de um modo de produção capaz de engessar todas as ações humanas.
Tendo como mote de seus estudos as experiências de gente comum, adquiridas a partir
de objetivos comuns e das singularidades dos sujeitos, Thompson coloca-os como
protagonistas de sua história, uma história marcada por conflitos, tensões e negociações,
entre as classes que pertencem.
A partir dessas considerações, Thompson (1981) dá “vida” ao conceito de
experiência, que mais à frente foi esmiuçado em seu debate epistemológico com Louis
Althusser em A miséria da teoria ou um planetário de erros. Nessa obra, Thompson
afirma que: a experiência (...) compreende uma resposta mental e emocional, seja de
um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a
muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento (p. 15). E com base nesse conceito
elaborado, pretendemos explanar, aqui, como os sujeitos não são involuntariamente
produzidos pelas circunstâncias sociais, mas são agentes do processo histórico, por meio
da experiência.
77
Por esse caminho, Thompson (1981) afirma que a experiência surge
espontaneamente no ser social, gerada pela vida material, sob pressão determinante do
modo de produção sobre a consciência dos indivíduos, mas não surge sem pensamento.
Surge porque homens e mulheres são racionais e refletem sobre o que acontece a eles e
a seu mundo. Aqui se instaura o aporte teórico sobre o qual pretendemos ancorar nossas
proposições, o diálogo entre o ser social e a consciência social, ou seja, os
acontecimentos experimentados, tratados, vividos por esses professores na sua relação
pedagógica diária, lançados à consciência social existente, pressionando e, às vezes,
agindo sobre ela.
3.3. A seleção da região de inquérito e dos sujeitos pesquisados
A escolha do regime militar para o nosso estudo não é fortuita. Isso ocorreu já
que comumente se afirma que o governo militar no Brasil (1964 – 1985) marcou a
história recente do país como um período repressivo, cerceador e autoritário. Além
disso, nesse período aconteceram grandes reformas educacionais que afetaram a forma
de conceber a educação e a EF no país, e, mais à frente, contribuiu para ascender nos
nichos acadêmicos fortes críticas sobre os possíveis vieses ideológicos entremeados na
EFE.
Diante dessas reformas e da efetiva obrigatoriedade da EFE em todo território
nacional, a necessidade de profissionais que pudessem atender a demanda das escolas
públicas aumentaria, o que contribuiu para impulsionar a privatização do ensino
superior, além de outros motivos mencionados no capítulo 4.3.
Nos diversos incentivos e nas muitas intenções existentes, os legisladores da
cidade de Jundiaí, localizada entre São Paulo e Campinas, elaboraram um projeto para a
construção de um curso superior de EF em regime de autarquia. As justificativas para
tal intento, advinham justamente do aumento da demanda pós lei n. 5.692/71 e Decreto
n. 69.450/71. Sendo assim em 05 de julho de 1972 foi a promulgada a lei municipal nº
1913, criando a primeira Faculdade de Educação Física de Jundiaí - ESEFJ.
Por esta Faculdade ter sido inaugurada no período compreendido por este
estudo, por se tratar de uma autarquia municipal, e, ainda, por residirmos no município,
nos propusemos a considerar, para efeito dessa pesquisa, os sujeitos que tiveram sua
formação realizada nessa instituição. O fator principal, no entanto, foi consideramos que
uma Faculdade em regime de autarquia municipal, que precisava de um reconhecimento
78
federal para seu funcionamento, seria um bom exemplo de estudo porque,
provavelmente, procuraria seguir as diretrizes que eram oferecidas pelo governo da
época, pelo menos no que diz respeito aos planos curriculares, podendo vir a ser um
aparelho de inculcação ideológica.
Desse modo, apesar de não ser o objetivo principal deste trabalho, analisamos o
currículo formal da ESEFJ a fim de compreendermos como era elaborada a formação
profissional do professor durante a ditadura militar.
Pensamos que essa fonte representou importância quando nos ocupamos de
esmiuçar como os sujeitos entrevistados pensavam, agiam e se lançavam sobre aquilo
que lhes era proposto. Se houve ações carregadas ideologicamente erigidas pelo
governo e pela Faculdade, não podemos dizer que os professores absorveram
inteiramente essas ideologias e as reproduziram na prática pedagógica. Ao invés disso
podemos pensar que eles muitas vezes agiram no seu dia-a-dia, muitas vezes
contrapondo os preconizações legais, isso porque pretendiam “apenas” satisfazer suas
necessidades cotidianas. Além disso, como veremos, muito do que se procurava ensinar
naquele espaço formal de ensino vinha ao encontro de uma demanda que vinha se
construindo muito antes do governo militar, uma demanda ligada ao esporte.
Assim sendo, optamos por entrevistar sujeitos que tiveram sua formação na
ESEFJ, atuaram no ensino público no período e na cidade compreendidos por este
estudo.
A escolha de docentes do ensino público advém do fato da literatura que
comumente aborda tal temática enfatizar que o cerceamento das ações foi mais incisivo
com esse segmento educacional, e da proposta deste estudo em demonstrar como os
sujeitos agiram e reagiram diante daquilo que lhes foi imposto.
O critério de seleção do grupo pesquisado foi qualitativo e baseou-se na
experiência de vida dos sujeitos. Nossa preocupação foi mostrar, diante de uma
legislação promulgada em nível nacional e de uma formação profissional na mesma
esfera educacional, as singularidades dos sujeitos em conceber sua prática pedagógica
diária, num período em que a EFE começava a acontecer efetivamente nas escolas.
Essas singularidades nos ofereceram caminhos para compreender um pouco mais que
entre aquilo que é determinado e aquilo que é executado existe a possibilidade da
deliberação humana.
Portanto, as conclusões tiradas a partir dos seis depoimentos dos professores
entrevistados, não servem como generalizações, tampouco para dizer que a EFE em
79
Jundiaí efetuada por todos os professores formados pela ESEFJ aconteceu de uma
forma e não de outra. Mas servem para mostrar como se efetivou a prática da EFE dos
sujeitos pesquisados formados numa mesma época e contexto.
Para isso começamos nosso processo de coleta com um dos professores mais
antigos da cidade e que foi um dos mentores do curso da ESEFJ. Nas nuances desse
depoimento fomos tomando conhecimento de outros professores que fizeram parte
daquele momento histórico, e a partir daí, fomos contatando os demais sujeitos da nossa
pesquisa.
Dos oito professores que conseguimos identificar e que atenderiam aos critérios
de seleção da amostra, sete se dispuseram a nos contar como foram aqueles anos de
práticas pedagógicas. Contudo, um deles pediu para que seu depoimento não fosse
gravado, nos levando a optar por descartar esse material. Entretanto, as seis entrevistas
que coletamos, expuseram materiais e singularidades suficientes para que realizássemos
nossas análises.
Dos seis entrevistados, (quatro homens e duas mulheres), metade continua
atuando no ensino público do Estado de São Paulo, dois deles na mesma escola desde a
ditadura militar, e estão em vias de se aposentar. Dois são professores já aposentados e
um atua como administrador de um parque do município da cidade, contudo atuou no
ensino público estadual por mais de seis anos durante a ditadura.
Adentrando a vida social desses sujeitos pudemos compreender o quanto suas
experiências culturais, muitas delas ligadas ao fenômeno esportivo, contribuíram para o
seu trato pedagógico cotidiano, e que tais experiências foram estruturadas a partir de
interesses comuns da classe pertencente entremeado com as perspectivas individuais.
O Professor A formado no início da década de 50 atuou como docente no ensino
público até 1989 e continuou sua carreira como professor universitário até 2009. Além
disso, contribuiu efetivamente na criação da Escola Superior de Educação Física de
Jundiaí, (ESEFJ) instituição investigada por este estudo.
Além disso, o professor teve uma formação acadêmica eclética e abrangente
cursando além do curso de Educação Física, pedagogia e também Direito. O gosto pelo
estudo e pela profissão fizeram com que esse sujeito atuasse por quase sessenta anos
como docente das escolas públicas e privadas da região.
Já a Professora B cursou sua educação básica navegando pelo ensino público e
privado, ingressando na faculdade de Educação Física em 1977 muito por conta do seu
apreço pelo esporte.
80
Destacamos ainda a formação abrangente dessa professora, haja vista que além
do curso em Educação Física, cursou ainda pedagogia e história, além de uma pós-
graduação Stricto Sensu em Educação Física.
Todo esse subsídio acadêmico fez com que a professora atuasse como docente
além da EFE, em história num conceituado colégio privado da cidade.
Por fim a professora encerrou sua carreira profissional com diretora de uma
escola estadual, pela qual ela tem muito apreço e acredita que podemos de fato
contribuir para o exercício crítico da cidadania.
A Professora C apesar de ter como grande objetivo cursar uma faculdade de
Psicologia, as questões sociais a enveredaram por outro caminho. Sendo assim, diante
das múltiplas possibilidades que lhes foram ofertadas, a que mais se enquadrou naquilo
que ela gostava de fazer era um curso de Educação Física, justamente também por ter
tido uma vida ligada ao esporte, além da influencia recebida por uma professora de EF
que teve durante sua escolarização.
Essa professora ainda atua como docente no ensino público e tem grande
respeito dos seus colegas de profissão pelos seus trabalhos desenvolvidos com o
handebol escolar, além de ministrar palestras alertando pais e alunos sobre os riscos dos
entorpecentes.
O Professor D foi colega de turma da professora referida acima e a exemplo dela
sua primeira opção não foi o curso em EF. Antes disso o professor cursou por uma ano
a faculdade de Agronomia em Botucatu, contudo por não se identificar com o curso
procurou aquilo que estava mais próxima daquilo que gostava de fazer e permeou sua
vida: o esporte. Desta forma nada mais coerente em buscar aquilo que mais se
aproximava desse fenômeno, ou seja, a faculdade de EF.
O que destoa na vida desse professor é que ele mesmo depois de formado
continuou a trabalhar numa indústria, e apenas se dedicou exclusivamente a docência
após o fechamento desta, precisamente em 1979. Entretanto segundo o professor por
conta da baixa remuneração oferecida pelo Estado essa exclusividade permaneceu por
pouco tempo, haja vista a necessidade de aumentar seus rendimentos.
Esse professor ainda atua na mesma escola em que começou o seu trabalho há
trinta e dois anos atrás e está em vias de se aposentar. Contudo, por ser apaixonado pelo
que faz, voluntariamente tem um grupo de iniciação esportiva fora dos âmbitos formais
de ensino.
81
O Professor E, colega de trabalho do professor referido acima, navegou entre o
ensino público e privado durante sua educação básica, inclusive estudando na escola em
que exerce sua profissão atualmente.
Segundo ele, seu gosto por diferentes esportes fez com que se aproximasse do
curso em EF, além de sua admiração pela parte administrativa do esporte.
Esses fatores contribuíram para que o Professor E acumulasse o cargo de
docente no ensino público do Estado, além de outro, mais ligado a administração
esportiva, no município, ambos ainda exercidos com afinco.
O Professor E a exemplo do Professor D está em vias de se aposentar, depois de
mais de 30 anos de exercício docente.
Por fim temos o Professor F que teve sua formação na escola básica ligada
primeiramente a um colégio religioso e posteriormente a um colégio técnico, onde
adquiriu grande apreço pela área de Desenho mecânico.
A partir disso, o professor nos conta que alguns amigos que havia conquistado
no colégio levantaram a hipótese de eles terminarem o curso técnico e ingressarem num
curso de EF, haja vista que gostavam muito de jogar futebol. Sendo assim, é por esse
caminho que quatro amigos ingressam na Faculdade no ano de 1977, mas apenas dois
chegaram a concluir o curso.
Em 1979, mesmo antes de ter sua formação acadêmica completada, o Professor
F ingressa no ensino público atuando nesse segmento em toda década de oitenta.
Entretanto diante as possibilidades que emergiram, esse professor foi convidado a
ocupar um cargo de destaque na Secretaria de Educação de Jundiaí, ligado ao esporte.
Após o fim de sua gestão esse professor foi remanejado a um trabalho relacionado a
administração de um parque público da cidade, levando-o a mais uma vez procurar a
ESEFJ e ingressar num curso de pós-graduação Latu-Sensu ligado a qualidade de vida.
Atualmente o Professor F por acreditar que uma educação de qualidade pode
mudar o mundo, atua voluntariamente com pessoas da terceira idade em uma escola
estadual da cidade, abarcando práticas corporais ligadas ao bem-estar e a qualidade de
vida.
82
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1. Formação acadêmica em EF na cidade de Jundiaí
Diante da proposta deste estudo em recontar as ações pedagógicas a partir da
visão dos próprios professores que atuaram no período em Jundiaí, acreditamos por bem
fazermos uma contextualização de como era pensada a formação acadêmica em EF na
cidade. Isso se justifica à medida que, com isso, poderemos desvelar os caminhos
trilhados para a formação do professor e, a partir daí, compreender como este mediava
seus conhecimentos histórico culturais com os adquiridos na instituição acadêmica. Para
isso nos ativemos à ESEF de Jundiaí, que iniciou suas atividades em 1974 com a
abertura feita pelo governo federal em prol da privatização do ensino superior.
Com as mudanças legislativo-educacionais em curso desde 1968 e com a
alavancada econômica pela qual atravessava o país, em regime de autarquia municipal,
em 05 de julho de 1972 é promulgada a lei municipal nº 1913, pelo então prefeito
Walmor Barbosa Martins, criando a primeira Faculdade de EF de Jundiaí. Mais tarde, o
curso foi reconhecido pelo Decreto Federal nº 80.213 de 28/08/77.
O professor Vicente Genovez, que atuou como docente na referida faculdade, o
professor Hélio José Maffia e o então prefeito Walmor Barbosa Martins, foram os
mentores do projeto para a criação da ESEF de Jundiaí.
Segundo o projeto de lei nº 2652 encaminhado para a Câmara Municipal e que
mais à frente se tornaria a lei nº1913/72, justificava a criação de uma Faculdade de EF
para a cidade advogando que, com a obrigatoriedade e expansão da EF para todos os
níveis de ensino após o decreto federal n. 705/69, haveria maior demanda para a área,
havendo a necessidade de habilitar os interessados para suprir tal carência.
O mercado de trabalho já era muito favorável aos formados em EF,
absorvendo-os principalmente no magistério específico. A absorção se
tornou muito maior, depois do advento do Decreto-lei 705, de 25 de julho de
1969, que tornou obrigatória a prática de EF em todos os níveis e ramos de
escolarização, com predominância esportiva no ensino superior.
Está o Governo federal, seriamente empenhado em imprimir à personalidade
brasileira, a consciência da necessidade de se preservar o físico, a par do
constante aprimoramento cultural (JUNDIAÍ. Lei Municipal nº1913/72 s/p).
83
O curso se justificava atendendo a um projeto educacional de nível federal, que
tinha a aptidão física como referência para a área. Sendo assim, para que o curso fosse
reconhecido pelo governo federal, teria que estar em consonância com os princípios do
governo ditatorial.
Endossando isso, também podemos ver no projeto de lei seu direcionamento ao
esporte. Já que entre as bases estruturais para a Faculdade são citados espaços que
denotam a preocupação com o esporte:
(...) para a implantação de uma faculdade de EF, há necessidade de um
investimento vultoso, especialmente naquilo que diz respeito às instalações
imóveis. É a praça de esportes necessária, a piscina, as quadras para as
diversas modalidades, um verdadeiro conjunto, enfim, cuja existência
demandaria um dispêndio realmente alto. Mas, Jundiaí conta com tudo isso,
instalações verdadeiramente magníficas e que podem, sem gasto algum,
abrigar os alunos da Faculdade de EF: Praça de Esportes – Dr. Nicolino de
Luca”, Centro Esportivo “José Pedro Raimundo”, Centro Esportivo da Vila
Rami, em construção, e Centro Esportivo da Vila Hortolândia, em fase de
concorrência pública (JUNDIAÍ, Lei municipal nº1913/72 s/p).
Diante dessa citação, percebemos que havia preocupação com as atividades
esportivas que comporiam o currículo da faculdade, entretanto, nota-se que mesmo
antes da criação da instituição o esporte já permeava os espaços públicos da cidade25, o
que nos leva a crer que a curso de EF também vinha ao encontro dos interesses públicos
locais, muito provavelmente fortemente influenciado pelo fenômeno esportivo que
tomava conta do cenário mundial.
A grade curricular que compunha o curso, iniciado em 1974 e que tinha duração
de três anos, era composta das seguintes disciplinas: Anatomia, Atletismo I,
Basquetebol I, Biologia, Estudo de Problemas Brasileiros, Fisiologia, Ginástica I,
Handebol I, História da EF, Psicologia Geral, Volibol no primeiro ano. Atletismo II,
Basquetebol II, Cinesiologia, Didática Geral I, Ginástica II, Handebol II, Judô, Natação
I, Psicologia da Educação, Socorros Urgentes, Volibol II no segundo ano. E, Biometria,
Didática Especial, Didática Geral II, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º 25 Segundo Valente e Almeida Filho [200?], com a publicação, pelo Ministério da Educação e Cultura, do primeiro censo de clubes
esportivos em escala nacional, descobriu-se um elevado índice de associações esportivas em relação à população total. Ou seja:
contaram-se cerca de 40 mil clubes formais (com sede, estatutos, bens, etc.) e foi possível estimar, por projeções, a existência de
aproximadamente 100 mil clubes informais, improvisados e com pequeno número de participantes, para uma população de 90
milhões de habitantes.
84
graus, Ginástica III, Higiene, Natação II, Prática de Ensino (aula), Prática de Ensino
(estágio), Recreação, Rítmica e Sociologia no terceiro.
Se compararmos o currículo da mesma instituição construído após a
promulgação da LDB 9394/96, especificamente no ano de 2002, constatamos que das
43 disciplinas obrigatórias para a conclusão do curso em 4 anos, 9 são estritamente
esportivas, ou seja, aproximadamente 20% do currículo era composto por disciplinas
esportivas, enquanto na composição do currículo de 1974 as disciplinas esportivas
ocuparam, aproximadamente, 32% da grade curricular, ou seja, praticamente 1/3 do
currículo do curso denotava a preocupação em pedagogizar o esporte para, quiçá,
atender a uma demanda que se erigia.
Apesar disso, uma ponderação se faz necessária antes que, precipitadamente,
achemos os culpados para a possível esportivização da EFE. Ora, diante de uma
incipiente área de conhecimento, que buscava legitimação social, qual deveria ser o
conjunto de disciplinas que a sustentaria? As de cunho médico? As de raízes militares?
O esporte que aparecia como uma possibilidade educacional? As disciplinas de caráter
crítico como gostariam alguns intelectuais da área? Talvez um pouco disso tudo tenha
permeado o currículo daquela instituição, não obstante, era o esporte que na época
emergia naquele(s) cenário(s), era o esporte que oferecia a porta de entrada para a EF se
legitimar socialmente, e, como nos adverte Oliveira (2001), alguns professores no seu
cotidiano pedagógico se apropriaram e gostaram disso.
Deixar de enfatizar o fenômeno esportivo na composição da grade curricular nos
pareceria um tanto ousado para o contexto, para não dizer incoerente, se levarmos em
conta que a concepção de mundo corrente na época via no esporte um símbolo da
modernidade e uma ferramenta educacional privilegiada.
Outro ponto sobre o qual vale a pena nos atermos diz respeito à Lei municipal
nº1913/72, onde afirma em seus objetivos que a Faculdade tinha como finalidade
formar pessoal especializado em EF, Recreação e Desporto, além de realizar pesquisas
de caráter educacional, científico e técnico sobre as temáticas, não obstante, como se
explicitou na justificativa da referida Lei, as estruturas destinadas ao curso eram
predominantemente esportivas.
Por mais que os objetivos enfatizassem a formação do caráter científico, à
exceção da presença de uma biblioteca, em nenhum outro momento se fez menção à
construção de laboratórios para a pesquisa ou do estabelecimento de convênios para tal
fim. Entretanto é importante ponderarmos até que ponto, na época, havia clareza a
85
respeito de uma disciplina que historicamente sempre esteve coadunada com um fazer
funcionalista, sem uma reflexão sobre o ato, requerer laboratórios que pudessem
produzir conhecimento científico. Além do mais, se pensarmos que o primeiro curso de
pós-graduação em EF no Brasil iniciou-se em 1977 na Universidade de São Paulo, qual
seria a justificativa de uma instituição que apenas começava as suas atividades e se
situava a menos de 100 km da USP pleitear formar pesquisadores naquela época?
Essa incipiência no que tange a uma mentalidade científica para a área pode ser
confirmada pela fundação da primeira entidade nesse segmento no Brasil, o CBCE
(Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte) em 17 de setembro de 1978, tardiamente
fundado comparado a outras áreas do conhecimento, além de estar sob a égide de um
paradigma biologista. Algo que, como nos elucida Silva (1994), foi refutado alguns
anos depois por outras concepções de pensamento que inflamaram discussões sobre o
que, para quem e como, deveríamos conceber a EF, o que colaborou com a tão
propalada crise de identidade pedagógica para a área.
Sendo assim, talvez, o que ali naquele contexto particular fosse urgente, como
justificam os mentores do curso, fosse formar profissionais que pudessem suprir com as
necessidades que pululavam na sociedade, especificamente naquele momento, o ensino
do esporte, e não pesquisadores. Afinal, não me parece que havia uma mentalidade
cientifica sólida para a EF que pudesse justificar qualquer investimento nesse ramo,
ainda mais em um curso que começava suas atividades.
De acordo com as disciplinas que compunham o currículo, percebemos, também,
que além do esporte ocupar grande parte da grade curricular, as disciplinas da área das
ciências humanas, de cunho crítico, ocupavam uma pequena parte do currículo iniciado
em 1974, o que em princípio já denota alguma preocupação com a formação
humanística das pessoas que, ao menos em teoria, provavelmente eram despolitizadas
quando se considera o contexto sócio-político por qual passava o país. Pode-se
considerar que a ESEF de Jundiaí apresentou uma postura ousada para a época ao
propor a inclusão destas disciplinas naquele contexto, já que, legalmente, disciplinas de
natureza humanística só foram incluídas nas diretrizes oficiais para a composição
curricular na área da EF em 1987 com a publicação do Parecer CFE nº 03/87, no
entanto, fica em suspenso a dúvida do caráter com que a disciplina História foi incluída
no currículo e trabalhada com os alunos já que, se por um lado poderia cumprir um
possível papel de desenvolvimento de senso crítico, por outro, existe a possibilidade
86
dela ter entrado de mãos dadas com E.P.B. e exercido o papel de reforçar a visão oficial
sobre a área.
Dúvidas também pairam sobre os estudos de Psicologia da época, já que podem
ter transmitido conteúdos a respeito do desenvolvimento infantil, portanto, de forma
descontextualizada da sociedade brasileira e sem prestar qualquer contribuição para o
desenvolvimento do senso crítico social dos alunos.
Além disso, devemos considerar o esporte como um fenômeno multifacetado
que pode ser trabalhado pedagogicamente de muitas formas, inclusive pautado nas
teorias críticas que emergiam naquele período, desvelando relações de poder que
imputam a esse fenômeno a condição de panacéia.
Ainda a respeito das disciplinas que compunham o currículo na década de 70,
podemos analisar o conteúdo programático da disciplina de Estudos de Problemas
Brasileiros oferecida no primeiro ano do curso e obrigatória desde a reforma
universitária, comumente rotulada como veiculadora das ideologias estatais não nos
leva a trilhar por esses caminhos. Veja:
*Programa
- o bem-estar do brasileiro e da nação.
` - Política nacional e poder nacional.
- Desenvolvimento integral e Segurança Nacional.
* Elementos básicos da nacionalidade: a terra, o homem e as instituições:
-Aspirações dos brasileiros e interesses nacionais;
-A constituição - bases filosóficas e consequências;
- Os direitos e garantias individuais;
* Objetivos nacionais;
- Fundamentos e fatores psicossociais do Poder Nacional;
-O caráter Nacional.
* As tradições nacionais:
-Valores permanentes e valores transitórios;
-Visão da sociedade brasileira e inter-relação dos aspectos psicossociais, econômicos e
políticos;
- Comportamentos sociais, peculiaridades urbanas e rurais;
-O espírito religioso no complexo cultural brasileiro;
-Constituição dos grupos étnico-formadores, no folclore brasileiro;
-Visão global da cultura brasileira;
-A formação política nacional;
-Deveres e direitos do cidadão;
87
-A representação popular, processo eleitoral;
-A estrutura política, judiciária, administrativa do Brasil;
-Defesa civil e proteção comunitária;
-A economia brasileira, estrutura e funcionamento;
-O desenvolvimento econômico;
-Soberania, integridade e unidades nacionais
(PLANO DE ENSINO DE 1974, s/p)
Pelo caráter abrangente desses conteúdos oferecidos não é possível avaliar em
que medida houve imposição ideológica, aceitação, contestação ou mesmo um
desconhecimento por parte dos professores que ministravam esta disciplina do potencial
ideológico que compõem um currículo.
Todavia ao analisarmos o contexto da época, período que ficou conhecido como
anos de chumbo, com a implantação do Ato Institucional 5, juntamente com a
necessidade de reconhecimento federal do curso, inferimos que os cerceamentos feitos
para um curso em regime de autarquia municipal que estava começando as suas
atividades pairava sobre os alicerces daquela instituição. Além disso, em que medida
podemos afirmar que os cerceamentos foram prerrogativas dos regimes autoritários
vividos no Brasil? O “modelo” de trabalhador exigido pelo mercado trabalho, num
regime democrático consubstanciado com a política neoliberal, não é uma forma
“maquiada” de cerceamento?
Sendo assim, é mais sensato reconhecer que, por mais que estivessem explícitas
certas imposições ideológicas do governo ditatorial incutidas no currículo, e houvesse
cerceamentos feitos com relação ao reconhecimento como curso superior, mesmo assim
na prática pedagógica, aqueles professores universitários poderiam, porque não,
subverter a ordem e empregar as suas experiências adquiridas no contexto vivido
naquele trato pedagógico.
Diante disso não é possível afirmar como efetivamente se deu a formação dos
professores da época pela Escola Superior de EF de Jundiaí sem combinar a análise
documental com os depoimentos de quem viveu a época e o local estudados, entretanto
nos indicam caminhos para refletir como, ao menos em tese, era pensada a formação
daqueles professores.
O esporte, como já enfatizado em leis federais aparecia como conteúdo
hegemônico e as disciplinas críticas, quando não suprimidas, tinham pouco espaço no
currículo formal daquela instituição, isto está evidente. Não obstante não podemos
88
afirmar que ela tenha se abstido em seus objetivos da dinâmica social presente naquele
momento histórico. Tomemos como exemplo os conteúdos oferecidos na disciplina de
Sociologia no terceiro ano:
*Sociologia – conceito;
* Escolas sociológicas;
* Métodos sociológicos;
* Princípios sociológicos;
* O social – causas do social- Durkheim;
* Interação Social;
* Normas e Instituições Sociais;
* Agrupamentos sociais;
* Sociedade urbana e rural;
* “Status” e Papel Social;
* Classes sociais;
* Estratificação social;
* Cultura;
* Assistência social;
* Nível sócio-educativo educacional do operário brasileiro.
(PLANO DE ENSINO, 1974, s/p.)
Bem, como é possível notar, nos conteúdos oferecidos pela disciplina, alguns
conceitos de caráter crítico são abordados, propiciando ao menos em teoria, uma visão
mais abrangente de sociedade, que poderia ir contra as ideologias estatais. A esse
respeito também podemos citar a disciplina de Didática Especial, ministrada pelo
professor João Paulo Subirá Medina26, que no início da década de 80 teceu fortes
críticas sobre como era comumente pensada a EF no período.
Sendo assim, podemos inferir que existe uma possibilidade de terem sido
constituídos espaços de resistência à inculcação ideológica ‘de direita’ durante a
formação do professor daquele período, naquela instituição, mesmo que tenha sido
pensada dentro de uma perspectiva educacional voltada para o ensino do esporte e tendo
26 No início da década de 80, Medina lança um livro Educação Física cuida do corpo e mente que viria a contribuir para o que
comumente se denomina de crise de identidade pedagógica da área. O impacto dessa obra pode ser percebido pelo lançamento de
sua vigésima quinta edição em 2010. Neste ensaio a obra foi revista, ampliada e teve a colaboração de outros autores.
89
como referência a aptidão física. No entanto, a concepção tecnicista também se faz
presente quando se nota pela análise das disciplinas esportivas do currículo que parece
não ter havido uma condução didática no sentido de se buscar compreender o esporte
como patrimônio da cultura corporal, apropriado por diversos setores da sociedade, e
sim, compreender qual a melhor forma de ensinar o esporte. Ou seja, como era corrente
no período não se procurava questionar os porquês de se aprender aqueles conteúdos e
não outros, mas sim qual a maneira mais eficiente de aprendê-los. Exemplo dessa
vertente tecnicista na formação do profissional de EF pode ser identificada nos objetivos
da disciplina de Volibol:
Dar ao futuro professor conhecimento da história, fundamentos, técnicas e
táticas, para que este consiga dominar o essencial para transmitir a seu
futuro educando, a prática desse desporto tanto no campo esportivo quanto
no psico-social (PLANO DE ENSINO, 1974, s/p).
Podemos, ainda, levar em conta que a disciplinas de Psicologia Geral no
primeiro ano trazia uma visão abrangente e eclética das correntes psicológicas, para
mais à frente, no segundo ano, Psicologia da Educação trazer em boa parte dos seus
conteúdos as fases de desenvolvimento do indivíduo, o que nos leva a pensar que a
psicologia vinha ao encontro das necessidades do ensino do esporte eficiente, através
dos degraus de desenvolvimento oferecidos por algumas correntes psicológicas 27.
Essa pequena contextualização que fizemos nos oferece um importante caminho
para efeito de nossa análise no tópico seguinte: um currículo hegemonicamente
esportivo a fim de atender as demandas existentes que tomavam conta do cenário
nacional. Contudo, como se deu essa influência curricular na prática, ou melhor, como
os professores de EF atuaram no seu cotidiano pedagógico, apenas os agentes daquele
processo educacional poderão nos dizer.
Neste próximo capítulo buscaremos explanar os posicionamentos desses
sujeitos.
27 Atualmente no Brasil surgem com força teorias que criticam os conteúdos do currículo e a hegemonia da psicologia na educação
como uma forma de dominação e manutenção do status quo, entretanto não é objetivo deste estudo abordar tal temática. Para saber
mais a esse respeito ver Tomaz Tadeu da Silva (1993) e Ozerina Victor de Oliveira (2006).
90
4.2.- Os professores de EF como agentes do processo de educar por meio do
esporte.
Nesse tópico, nos valeremos do conceito de experiência que, para o historiador
Edwar Palmer Thompson, compreende uma resposta mental e emocional, seja de um
indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a
muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento (THOMPSON, 1981, p.15). Esse
conceito foi elaborado nos estudos de Thompson sobre A formação da classe operária
inglesa no final do século de XVIII e início do século XIX e detalhado em seu debate
epistemológico com Louis Althusser em A miséria da teoria ou um planetário de erros.
Com base nele, pretendemos explanar como os sujeitos não são produtos de
circunstâncias sociais e sim agentes do processo histórico, por meio da experiência.
Por esse caminho, Thompson (1981) afirma que a experiência surge
espontaneamente no ser social, gerada pela vida material, sob pressão determinante do
modo de produção sobre a consciência dos indivíduos, mas não surge sem pensamento.
Surge porque homens e mulheres são racionais e refletem sobre o que acontece a eles e
a seu mundo. Aqui se instaura o aporte teórico sobre o qual pretendemos ancorar nossas
proposições, o diálogo entre o ser social e a consciência social, ou seja, os
acontecimentos experimentados, tratados, vividos por esses professores na sua relação
pedagógica diária, lançados à consciência social existente, pressionando e, às vezes,
agindo sobre ela. Se tivemos de empregar a (difícil) noção de que o ser social determina a
consciência social, como iremos supor que isso se dá? Certamente não
iremos supor que o “ser” está aqui, como uma materialidade grosseira da
qual toda idealidade foi abstraída, e que a “consciência” (como idealidade
abstrata) está ali. Pois não podemos perceber nenhuma forma de ser social
independentemente de seus conceitos e expectativas organizadoras, nem
poderia o ser social reproduzir-se por um único dia sem o pensamento. O
que queremos dizer é que ocorrem mudanças no ser social que dão origem a
experiência modificada; e essa experiência é determinante, no sentido de
que exerce pressões sobre a consciência social existente, propõe novas
questões e proporciona grande parte do material sobre o qual se
desenvolvem os exercícios intelectuais mais elaborados (THOMPSON,1981
p. 181, grifos nossos).
91
Diante disso, cabe-nos agora analisar as histórias narradas pelos professores
entrevistados a fim de identificarmos como foram suas experiências pedagógicas, como
foram tratadas, aprendidas, vividas por pessoas de carne e osso e agitadas em suas
consciências. Portanto não se trata de fazer generalizações, pois, seguindo pelos dizeres
de Thompson (1981), as generalizações são tolas, tolas porque perdem de vista a
experiência dos sujeitos e como estes a tratam na cultura na qual estão inseridos, tolas
porque, nelas, inclui-se uma grande massa indiferenciada, não havendo espaços para
conflitos e contradições.
Sendo assim, veremos que os quatro professores e as duas professoras
entrevistadas, apesar das experiências singulares construídas nas suas vidas social e
cultural, adotaram ações semelhantes em várias situações pedagógicas. Se alguns
tiveram uma formação mais abrangente e eclética, o que oferecia um subsídio teórico
mais profícuo nas suas práticas pedagógicas, tivemos outros que passaram por uma
formação acadêmica mais aligeirada, iniciando suas atividades docentes sem nem ao
menos terem terminado a faculdade de EF. Apesar disso, veremos que todos eles
seguiram pelos mesmos caminhos na concepção de suas práticas pedagógicas
cotidianas.
Alguns, além de professores de EF, foram metalúrgicos, outros burocratas, e
todos sonhadores em busca de satisfazer suas necessidades, expectativas e interesses
formados a partir de uma perspectiva de classe, esta é a síntese dos professores
entrevistados. A vida desses sujeitos foi recheada de particularidades, a maioria delas
impossível de relatar num estudo como este, mas com certeza possíveis de serem
imaginadas devido à incrível possibilidade humana de criar e recriar ações, mesmo que,
de certo modo, estejam determinadas pelo modo de produção vigente. A forma como
esses sujeitos trataram sua experiência em seus diferentes ramos culturais, nos dá a clara
noção de como as ações dos nossos professores não poderiam ser previstas e tampouco
conhecidas a partir da estrita leitura e interpretação de leis e decretos.
Desse modo, temos como base para nossas análises o discurso corrente da
literatura especializada, onde deixa claro que o governo ditatorial pós 64 esportivizou a
EFE, como se, num passe de mágica, o que era tratado pedagogicamente de uma forma,
fosse alterado por meio de leis e decretos carregados ideologicamente com as intenções
do governo e da classe dominante, e começasse a ser tratado de outra, neste caso de
forma esportivizada.
92
Voltando-nos, no entanto, a uma literatura menos influenciada por teorias
marxistas mecanicistas que emergem atualmente (OLIVEIRA 2001, 2002, 2003;
OLIVEIRA E CHAVES JUNIOR, 2009; PINTO; VAGO; FARIA FILHO, 2007),
percebemos o quanto a história é cheia de nuanças, já que o esporte esteve presente com
muita força no cenário nacional muito antes de leis e decretos que o respaldassem, e
consubstanciado com outros fatores, podemos considerar que este atingiu seu ápice
durante o governo militar pós 64, como inferimos no capítulo 3.4.1.
4.2.1. Primeiro fator de análise = O Esporte e a formação profissional em
EF.
O que nos importa, agora, é enfatizar que a via de entrada dos professores de EF
entrevistados neste estudo foi o esporte. Todos os sujeitos foram categóricos em afirmar
que se interessaram por cursar uma Faculdade de EF por entenderem que lá
encontrariam o esporte como um conteúdo privilegiado. Por exemplo:
Professor A
Não procurava ser professor de EF (...) Mas como eu sempre gostei de esporte... Eu comecei a jogar
basquete em 1939, era garotinho, da equipe mirim. Mas era um esporte diferente. Competi em
campeonatos paulistas: natação, no mirim, infantil. Depois joguei futebol na cidade, nos campeonatos da
cidade, nos campeonatos brasileiros[?]. Joguei basquete também, tinha uma equipe de basquete, assim
como jogos... Fiz, inclusive... ‘Tinha’ cavalos de corrida, fui jóquei também...
Professor B
É. Eu queria ser professora de EF, então eu estudava tudo o que tinha relacionado à EF, aos esportes
que ‘tavam’ acontecendo: olimpíadas, futebol, tudo o que ‘tava’ acontecendo eu queria saber. Então eu
seguia tanto livros como jornais.
Professor C
E a minha escola foi muito atuante em Jundiaí, e lá eu entrei em contato com o esporte (...) E tudo que
fazia parte da parte esportiva da escola os meus pais não deixavam participar. Então, por exemplo, a
professora que era a minha [professora] de EF era técnica da categoria mirim do Voleibol de Jundiaí.
Então ela me chamou pra treinar. Como eu treinava no Bolão... E os meus pais não deixaram eu ir.
Professor D
(...) e em [19]75 eu fui fazer EF. Como eu sempre gostava de futebol, de esporte, fui fazer EF.
93
Professor E
(...) Mas nisso daí eu já estava me aproximando muito do esporte, ‘né’? Eu gosto de futsal, gosto um
pouco de voleibol, de atletismo, e o curso de EF começou a aparecer muito. Então, isso me chamou a
atenção.
Professor F
‘Pô’, tem uma tal de faculdade lá que é de EF, que é pra jogar bola” [risos]
‘Né’? Aí, todo mundo achou gozado: “Poxa, mas, como assim jogar bola, ‘né’?” / “Não, é faculdade de
EF, mas tem só esporte, tal...” E a gente era fanático por esporte, a gente jogava bola direto nesse
grupo, ‘né’
Apesar de o esporte ter levado esses professores a se interessarem por cursar
uma faculdade de EF, o caminho trilhado por cada um, se fez distinto; cada um a seu
modo procurou satisfazer suas necessidades individuais, e, para isso, procuraram aquilo
que mais os atendesse na época: o aprofundamento sobre o fenômeno esportivo.
Entretanto, ao ingressar na faculdade, alguns deles viram suas expectativas em
praticar esportes um pouco abaladas pela proposta pedagógica da instituição.
Professor B
(...) Tanto é que, quando eu entrei na faculdade, eu quase fiquei, assim, meio chocada, porque, a
princípio, teve bastante aula teórica, ‘né’?(...)
(...) Eram poucas as aulas práticas, eram mais teóricas. Mas eu tive muitos bons professores(...) Aí,
depois, aquela falta da aula prática, ela ficou suprida porque as aulas teóricas ficaram ‘interessante’.
Professor F
Por exemplo, uma das matérias que deixou a gente, assim, impressionado era anatomia, que anatomia,
era da faculdade de medicina, e a gente mexia nos cadáveres, entendeu? A gente ficou... uma coisa que
ninguém imaginava que ia acontecer, ‘né’? Dentro da EF... o que que tem a EF a ver com cadáver, ‘né’?
E aí, até, a gente levava meio na brincadeira essa disciplina, porque a gente achou que não tinha nada a
ver com a gente. E aí, quando você começa a, realmente, ver a importância, ‘né’? Da anatomia dentro da
EF, e aí a gente começou a ter aula, ‘né’? Lá dentro, mexendo na musculatura, vendo, realmente, o que
era o corpo humano de uma forma maior, ‘né’? Então foi uma experiência marcante, assim, na vida da
gente, lá.
Percebemos aqui como estava arraigado nesses professores que o cursar uma
Faculdade de EF estava diretamente ligado à prática de determinadas atividades
esportivas, e que o currículo da faculdade viria ao encontro de suas expectativas. Por
94
esse prisma, a prática de atividades esportivas poderia ensiná-los a ensinar os conteúdos
propostos.
Sendo assim podemos pensar que o esporte estava entremeado na vida desses
professores muito antes de ingressarem num curso de EF, e estes já carregavam consigo
uma expectativa do que encontrar neste curso, expectativa advinda das experiências
individuais desses professores vivenciadas na vida social e cultural, ligadas ao
fenômeno esportivo.
Consideremos ainda, como parte dessas experiências vividas, as tradições que
estão no cerne da EF, e que foram construídas historicamente por militares, médicos,
entre outros tantos sujeitos, que contribuíram, de alguma forma, para as pré-concepções
sobre o que os professores pensavam sobre o curso.
Diante disso podemos repensar a hipótese de que a ESEFJ, tendo em seu
currículo formal 1/3 de disciplinas esportivas, direcionou o trato pedagógico
esportivizado para os professores entrevistados por nós, a fim de inculcar por meio do
esporte as ideologias estatais. Por mais que consideremos que isso pudesse acontecer
com certa frequencia, acreditamos que o curso veio a satisfazer uma demanda existente
para aprender a ensinar o esporte, criada nas diferentes e múltiplas influências sofridas
pelos sujeitos durante sua vida.
Se houve investidas estatais sobre a ESEFJ, com a intenção de que esta
instituição inculcasse em seus alunos as ideologias da classe dominante por meio do
esporte, e acreditamos que isso possa ter acontecido realmente, não podemos admitir
que o sujeito absorva toda a carga ideológica imposta como um ser passivo e sem força
de reação. Ao contrário, podemos pensar que o esporte só adquiriu tanta notoriedade
social sendo contemplado de forma hegemônica no currículo por nós estudado, por ter
tido a anuência dos sujeitos que com ele se identificavam e uma provável “negociação”
com a classe dominante sobre o que seria de fato legitimado.
Mas com essa vivência e formação acadêmica hegemonicamente esportiva,
quais foram as influências na prática pedagógica posterior à formação acadêmica?
4.2.2. Segundo fator de análise - A prática pedagógica dos professores de EF
na escola.
Tendo sido identificado que esses professores tiveram uma vida permeada pelo
fenômeno esportivo, não obstante nenhum tenha chegado a ser atleta, e que sua
95
formação acadêmica se valeu hegemonicamente do conteúdo esportivo, a prática
pedagógica cotidiana desses professores seguiu por esse caminho: o ensino do esporte.
Entretanto, seguindo pelos dizeres de Thompson (1981), devemos entender
como estrutura (não apenas econômica, mas como os diferentes elementos que
organizados permitem a vida em sociedade) e processo se articulam na história. Se
Thompson concebe que a estrutura determina a ação e a consciência humana, por outro
lado ele também propõe que a história não é predeterminada e que é a ação criativa dos
homens e mulheres que fazem a história, ou seja, que, em última instância, o que
importa ao historiador é entender o processo histórico.
Para nós, o que importa agora é compreender que, mesmo que todos os sujeitos
entrevistados tenham afirmado que o esporte era conteúdo hegemônico, a forma de
ensiná-lo não foi homogênea, ela se deu por meio de vários contextos particulares,
diante de estruturas que lhes eram oferecidas, além dos condicionantes históricos que
sustentavam algumas práticas, ou seja, mesmo com os conhecimentos adquiridos pelo
professores durante sua vida pessoal e profissional, a realidade cotidiana lançava-se
contra ele e este por sua vez, tratava disso em sua consciência e lançava sua experiência
modificada à consciência social.
Para ilustrarmos as proposições acima, tomemos como exemplo o Professor A
que se valia do Método Francês, muito difundido na década de 30.
Professor A
(...) Então, quando você prepara a EF, ela... Esse é o conceito: o conceito bio-psico-‘sócio’ da
EF, dado pelo método francês. O método francês, na minha opinião, foi um método espetacular, embora
criticado... Mas quem critica conhece somente o esquema ‘duma’ aula, mas não conhece a filosofia do
método.
Além disso, este professor valia-se também do método desportivo generalizado,
referência no início da década de 50. Entretanto o que nos chama a atenção no relato das
práticas pedagógicas adotadas é que em nenhum momento mencionou-se a concepção
pedagógica oficial daquele período, o tecnicismo, apesar de ter sido corrente nos
discursos de alguns de outros professores o ensino da técnica esportiva.
Ora, mas se a ditadura impôs de uma forma verticalizada uma nova concepção
educacional que direcionava o trabalho do professor, por que nenhum dos professores
mencionou que a concepção pedagógica oficial era o tecnicismo? Por desconhecerem o
fato de serem “marionetes” do Estado e absorverem toda a carga ideológica que lhes era
96
imposta, ou seja, nem ao menos sabiam o que estavam fazendo e por que faziam? Ou
talvez por que o governo tenha dado assessoria insuficiente a esses professores a ponto
de eles sequer mencionarem um termo tão em voga atualmente que é o tecnicismo? Em
contrapartida se perguntarmos hoje em dia para qualquer professor qual a concepção
pedagógica adotada oficialmente, acreditamos que poucos titubearão nas respostas.
Com isso pretendemos aqui levantar ponderações sobre o real peso e importância da
EFE para aquele governo, e desse governo para com a EFE, assunto que será
aprofundado mais adiante.
Entre os ignorantes e alienados, preferimos pensar que o sujeito, enveredado por
muitos condicionantes históricos, entre eles a forma prática instrumental de conceber a
EF, pensava aquilo que lhe era imposto, negociava, para enfim optar por esse ou por
aquele método. Pois, por mais que a escolha sobre os métodos pairassem a favor da
classe dominante, podemos inferir que essa escolha se deu também pelos costumes,
tradições, enfim, que o Professor A achava pertinente difundir, algumas delas
convergentes com o seu próprio modo de vida.
Ainda sobre a prática pedagógica do Professor A, ele se refere à EF como uma
importante ferramenta no ensino de outras disciplinas. Veja
Professor A
(...) Falava assim: “’Vamo’ brincar, vamos brincar com a matemática. Vamos brincar com a aritmética.
Vamos brincar...” Qual a coisa mais difícil foi encontrada...? O que ‘que’ os alunos não tão
entendendo...?” / “Olha, professor, fração é uma coisa difícil ‘deles’ entenderem...” / “Então vou fazer
uma aula... Hoje eu vou trabalhar com vocês. Nós vamos fazer, então... Aqui eu tenho um grupo
completo. Eu vou dividir: metade pra cá, metade pra lá. Quanto eu tenho aqui? Meio aqui e um meio
aqui. Se eu juntar os dois, fica uma unidade. Se eu dividir esse meio em duas partes, e esse [outro] em
duas partes, quanto ‘vão’ ficar? Vão ficar um, dois, três quartos. Um quarto representa a fração de
vocês. Se juntar todos, quatro quartos é um inteiro. Porque mostrar pro aluno que 2/4 é igual a 4/8 é
esquisito!
Adentrando ao contexto dessa escola o Professor A afirma que a unidade escolar
era experimental e os professores tinham a liberdade de adotar métodos alternativos
para o ensino dos conteúdos aos alunos. Portanto é perfeitamente plausível pensarmos
que o professor adequou os seus interesses, adquiridos e vividos na sua vida pessoal
com as estruturas que lhes eram oferecidas, não impostas de uma forma vertical sem
97
espaço para resistência e contestação, mas sim num diálogo entre o ser social e a
consciência social.
Outro professor afirma que seu método enquadrava-se no que Elenor Kunz
chamou de EF recreacionista, ou seja, os alunos escolhiam o esporte a ser praticado e o
professor limitava-se em, às vezes, apitar os jogos
Professor F
Olha, vou ser sincero pra você, ela foi um meio termo. Alguns momentos, eu achei que era importante
soltar a bola pra eles só, realmente, porque não tinha perspectivas ‘diferente’ disso. Nós não
encontrávamos um caminho, entendeu? Nós buscávamos... Não sei se, até, eu buscava, na época, isso.
Mas chegou alguns momentos que eu, várias vezes, fiz isso; muitas vezes fiz isso. E: “Pessoal, a bola ‘tá’
aqui, ‘vamo’ dividir as turmas aí, tal”. Mas, em contrapartida, nós éramos o destaque da escola. ‘Era’
nós que organizávamos a festa junina, ‘era’ nós que fazíamos ‘toda’ as atividades ligadas à parte
cultural, à parte musical: era a EF que incorporava todo esse trabalho de envolvimento com os jovens.
Então: “Poxa, professor, ah, não gosto de EF...” / “Não? Mas ‘cê’ gosta de teatro? Então nós vamos
começar uma turma de teatro.” A gente começou... Nós ‘tivemo’ um grupo de teatro. ‘Fomo’ fazer
apresentação em Campinas, e tal, entendeu? De quem era isso aí? Da Cultura? Eu encarava como uma
atividade da EF, mesmo não sendo, ‘né’P? Porque não tinha consumo de adrenalina, não tinha nada;
não tinha nada relacionado ao físico deles. Mas ‘a’ nível de relacionamento... Quer dizer, o pessoal do
teatro ia assistir o jogo e o pessoal do jogo ia assistir o teatro: havia uma integração, ‘né’? Então
acontecia muito disso. Que eu fiz isso. Até, não acho – uma avaliação bem crítica, assim –, não acho que
fiz errado. E também não acho que, muitos, fizeram errado de fazer isso, de soltar a bola.
Percebe-se que, a exemplo do Professor A, o Professor F nos dá um importante
caminho a ser seguido, ou seja, ambos justificam o seu trabalho não a partir de um
corpo de conhecimento próprio da área, mas a partir de afazeres na esfera educacional
que lhes conferiam algum status. Nem mesmo o esporte que emergia no cenário
internacional como panacéia social, justificava-se como conteúdo sine qua non. Outras
tarefas, muitas sem qualquer vínculo28 com as práticas da cultura corporal de
movimento, se faziam presentes no cotidiano deste professor
Professor F
(...) no Gandra, quando encerrou as atividades técnicas, eu era professor, e foi desativada a marcenaria.
A marcenaria da escola, que ocupava um galpão que seria um ginásio coberto, vai. Um galpão de
indústria – imagina um galpão de indústria...
28 Não pretendemos aqui, advogar que a festa junina, desfiles cívicos, entre outras atividades sejam de incumbência exclusiva do
professor de EF. Não obstante, estas, ao menos, têm um processo histórico que as justificam dentro da esfera educacional.
98
Sim.
E eu entrei ali e falei assim: “Puxa vida, isso aqui dá uma quadra!” E cheio de rato, de madeira. E meu
time de voleibol era bom, ‘né’? E eu falei: “Puxa vida, o que ‘que’ eu vou fazer aqui?” Ah, cheguei na
diretora, falei: “Diretora, o que nós ‘podemo’ fazer aqui, pra...” / Ela falou: “Eu não tenho a solução” /
Eu falei pra ela: “Eu tenho. Eu vou parar minha aula e eu meus ‘aluno’ ‘vamo’ limpar esse salão. Eu só
preciso que ‘cê’ arrume uma empresa que venha buscar toda essa madeira e troque por algum material,
‘né’? Não dá de graça porque...” Tudo quebrado, coisa estragada, já sem uso, mas que tinha um valor
agregado. E aí ela conseguiu uma olaria que iam usar aquilo pra queimar. E aí a gente fez um acordo: o
cara trazia uma carga de tijolo e levava uma carga de madeira, por exemplo, entendeu? Então muitas
obrinhas lá foram ‘feito’ com tijolo desse espaço, e eu ganhei uma sala, um ginásio coberto – que não
tinha um pé direito alto como um ginásio, ‘né’? Era um pé-direito, sei lá, de quatro metros, que dava
pra... Então, sabe? Conclusão da história: era importante aquele espaço pra mim, porque chovia, eu
quebrava o meu treinamento. Então, mesmo que não fosse pra ter bola, mas ter a parte física, a gente...
P... (palavra inapropriada para transcrição) foi fantástico, a diretora gostou do trabalho. Tanto é que,
depois disso, eu virei meio auxiliar da direção da escola, entendeu? Eu mandava mais que a diretora,
‘né’? Porque há uma carência de... Hoje, eu não sei como é que ‘tá’, mas, na época, faltava muito
dirigente de escola. Subia, ‘né’? Fulana subia pra vice-diretora, e a diretora era indicada. Então
acontecia de você ter pessoas inexperientes na vice-direção da escola. Então a EF era o suporte, era eu
que organizava os eventos, que fazia esse trabalho mais forte, ‘né’? Por ser eu, ‘né’? Por ser eu, homem.
Então assumia algumas coisas... Que não tinha homem na direção de escola, era tudo mulher. Então elas
não tinham a força de trabalho, e eu capturava isso. Então a professora... Nós éramos em dois
professores de EF. Então, a professora Silvia, que trabalhava comigo na época, a gente: “Silvia, toma
conta dos meninos aqui, que eu vou lá ajudar na direção”. Então a gente fazia essa permuta de função,
‘né’? Mais pra colaborar. Por isso que muitas coisas do papel, ‘né’? Porque a gente levava no peito,
‘né’? Desafiava...
A extensão dessa citação justifica-se à medida que enfatiza, em como o
professor tratava suas expectativas individuais de ensinar determinados conteúdos, ao
mesmo tempo em que procurava satisfazer suas necessidades e interesses em busca de
um maior status na escola, ou ainda como lidava com as estruturas físicas e como agia
sobre ela.
Não se trata, portanto de um sujeito passivo, que diante das dificuldades ou
imposições estruturais, se acomoda e conforma-se com aquilo que lhe é oferecido. Por
esse prisma Thompson afirma:
A “experiência” (descobrimos) foi, em última instância, gerada na “vida
material”, foi estruturada em termos de classe, e, consequentemente o “ser
social” determinou a “consciência social”. La Structure ainda domina a
99
experiência, mas dessa perspectiva sua influência determinada é pequena.
As maneiras pelas quais qualquer geração viva, em qualquer
“agora”, ”manipula” a experiência desafiam a previsão e fogem a qualquer
definição estreita de determinação (THOMPSON, 234, grifos nossos).
Diante disso, percebe-se como as estruturas (no sentido macro) determinam até
certo ponto, o que os sujeitos tendem a fazer, como mostramos com o depoimento do
professor citado acima, esses reagem contra essas estruturas e lançam sobre elas suas
expectativas, interesses e necessidades.
No depoimento fica claro como as atividades “fora” do campo de atuação da EF
exercidas no trato pedagógico do professor estavam entremeadas com as tradições que a
área traz em seu cerne. Ou seja, as atividades tinham um cunho biológico, de preparação
do físico, ou seja, práticas preponderantemente corporais. Assim sendo, podemos inferir
o quanto os condicionantes históricos determinavam a prática desse professor, mesmo
que esse as adequasse em consonância com seus interesses.
No que diz respeito aos conteúdos e a forma como eram definidos, o Professor E
teceu algumas considerações que demonstram as peculiaridades do contexto que
pertencia:
‘Quem’ definia ‘era’ as condições da escola. Se nós tínhamos uma quadra polivalente e nós tínhamos a
tabela de basquete e os postes de voleibol, então nós íamos ministrar o voleibol e o basquetebol. Eu dei
aula durante quase dez anos, na escola Rafael Mauro, que era um chão batido. Então ali não dava pra
dar basquete. Primeiro, porque não tinha tabela, ‘né’? Mas o voleibol dava pra dar, porque nós
improvisamos dois postes, e a gente amarrava a rede, lá, pra dar. E dava pra dar o futsal e o handebol.
E, que nem eu falei, o atletismo sempre... a ginástica corporal, sempre. Então [era de acordo com] as
condições da escola. Eu dei aula durante um ano numa escola, João Mendes de Campos, que eu dava
aula num terreno baldio. Quer dizer, ali eu só dava queimada e futebol, não dava pra dar outra coisa,
‘né’? E um pouquinho de handebol, pouca coisa, porque como eles não conheciam, ‘né’? Às vezes, a
gente vai passando, vai tentando. Então, as condições da época, da própria escola que norteavam a
nossa prática.
Como nos afirma o Professor E, as condições de trabalho é que, em boa parte,
definiam o que devia ser trabalhado durante o ano, ou seja, diante das dificuldades
apresentadas nem sempre era possível trabalhar o futebol, handebol, vôlei, basquete,
como era preconizado pelo governo por meio dos campeonatos promovidos. Outras
100
práticas corporais como o atletismo, ginástica corporal e também a queimada eram
comumente de trato pedagógico do professor.
Sendo assim, por mais que consideremos a estrutura como determinante no
planejamento deste professor, que dentro de certos limites impostos por esta, erigiu seu
planejamento pautado também naquilo que julgava relevante ser tratado dentro do
âmbito escolar naquele contexto social. Ele não foi, como nos insinua a literatura
especializada, uma “marionete” controlada por uma estrutura que determinava o seu
trabalho, ao contrário, como podemos notar esse sujeito foi ativo no seu trato
pedagógico. Dentro de alguns limites impostos e as tradições, costumes, valores, modos
de vida, enfim, este professor mediou tais interesses, muitas vezes antagônicos, e foi o
protagonista no seu cotidiano pedagógico. Por mais que consideremos as lamentações
subjacentes no depoimento do professor em não conseguir trabalhar o esporte com suas
regras universais, não podemos considerar o caráter alienante disso. Isso porque o
esporte é um fenômeno multifacetado, e, como evidenciamos no capítulo 3.4.1 ele foi
sendo construído por vários atores sociais, inclusive os menos abastados, e ganhando
legitimidade ao longo de século XX.
Sendo assim, não podemos afirmar que o trato sobre o fenômeno esportivo como
era preconizado pelo governo faria do professor massa de manobra estatal por meio da
provável coloração ideológica imputada ao esporte. Trilhar por esse caminho é
desconsiderar a ação humana na criação e recriação das práticas sociais. Práticas que
são construídas por meio de conflitos e tensões entre as classes, nem sempre claros à luz
da teoria, mas vividos no dia a dia por sujeitos de carne e osso. É colocarmos a
ideologia como uma “teia” que captura a “mosca” e essa, sem força de reação, espera
pelo golpe final de seu predador.
Apesar dessa singularidade do professor citado acima, outros professores
tiveram o handebol, basquete, futebol e vôlei como práticas hegemônicas, oferecidas
bimestralmente, discurso este abundante numa vasta literatura dos anos 80 e 90.
Entretanto, a visão de esporte que esses professores tiveram e a forma de trato
pedagógico com esses conteúdos chocavam-se em alguns pontos, convergiam em
outros, isso porque cada um ao seu modo tratava em sua consciência aquilo que lhe era
oferecido. Se por um lado havia homogeneidades, pelo menos no que tange à seleção de
conteúdos, por outro a visão sobre o fenômeno esportivo e a EF tinha suas
peculiaridades. Veja:
101
Professora C Primeiro bimestre: a gente tinha que trabalhar voleibol. Então tinha lá uma bola ou duas, você tinha que
trabalhar toque por cima, toque por baixo, jogo, primeiro trio, depois... Assim, era isso que você tinha
que trabalhar. Segundo bimestre: basquetebol. Aquela coisa, aquela fila. Entendeu? Uma bola ou duas
bolas, aquela fila...
Olha, eu acho assim, a EFE, ela... eu acho que é preparar essas crianças aí para fazer um bom uso do
seu corpo, das suas horas de lazer, focando bastante respeito, de você ter uma vida salutar, sabe?
Porque, não adianta... Eles todos aqui: eu adoro jogar futebol com todos esses meninos. Daqui a dez
anos, eles não têm na cabeça deles... Dez vão jogar futebol, mas eles não conseguem entender o
benefício. Hoje em dia, você já consegue trabalhar isso com eles, sabe? Com os conteúdos que tem,
mostrando pra eles que isso, a atividade física... A atividade física, ela tem que ser desde que nasceu,
porque é o movimento, o seu movimentar, até ficar velhinha. Então, o que ‘que’ eu vejo: que é esse
respeito, essa... isso tudo tem que ser ensinado dentro da EF: tudo, tudo. Não tem um segundo pra você
deixar de educar, um segundo.
Nota-se como o esporte, apesar de ser trabalhado de forma fragmentada e
justificado pelos aspectos biológicos, não se restringia a estes aspectos. Segundo a
professora, a EF com seus conteúdos esportivos deveria ensinar “tudo”. Mesmo com a
Revista Brasileira de EF e Desportos advogando pelo esporte dentro de uma perspectiva
pragmática pós-75, a professora lançava mão de uma perspectiva que navegava entre as
duas perspectivas, dogmática e pragmática, como notamos acima.
Professor D (...) dividia em bimestre: quatro ‘bimestre’. Basquete, vôlei, handebol e futebol no fim, eu ficava dois
meses trabalhando com modalidade. Porque eu não tinha tênis de mesa, hoje eu tenho. Antigamente eu
não tinha mesa de tênis de mesa. Ginástica: a gente fazia alguma coisinha. Como a gente era só
professor masculino, na época, que eu fazia esses ‘esporte’ com eles... A gente tinha as ‘equipe’ de
competição no famoso campeonato Colegial que existia antigamente. Então eu já sabia, e eu, por vários
anos, eu fiz isso: eu mudava no bimestre a modalidade. Eu podia começar com futebol, com basquete, um
ano, mas sempre naquela linha. E como eu fiquei muito tempo numa escola só, eu já sabia que a gente
começava com o handebol. Sempre na sequência: handebol. Handebol leva o basquete. Depois, no
terceiro bimestre, a gente fazia voleibol, e, por fim, o futebol. Que, no último bimestre, acabava o futebol
virando o voleibol, que eles gostavam muito de voleibol na época, tava começando a crescer o voleibol
no Brasil. Mas era isso que eu fazia, não fazia nada de diferente.
(...) Dividia por bimestre e por modalidade. Então eu doutrinei os alunos lá, eles já sabiam que todo ano
ia ser aquilo. E era muito gostoso, prazeroso. Era feito um exame médico nos meninos, um exame
biométrico – o médico acompanhava, entendeu? O professor fazia o exame biométrico. Hoje não existe
mais nada disso. Se tiver algum ‘poblema’ com o aluno aí, ele cai, ‘cê’ chama o resgate.
102
A respeito da importância da EFE (...) muito importante, [por]que você forma cidadão...
Mais uma vez deflagra-se o professor navegando pelas duas perspectivas,
entretanto faz-se um adendo aos aspectos biológicos que emergiam como sustentáculo
para a área. Para esse professor, submeter os alunos a esses exames médicos validados
pelo paradigma científico hegemônico trazia algum status para a área e,
consequentemente, para o seu trabalho pedagógico.
Professor E Olha, nós fazíamos o nosso planejamento bimestral. E dentro do bimestre era explorado um esporte,
‘né?’ Que nem eu falei: muita Ordem[?] Unida[?], muita performance, corridas, coordenação motora. O
atletismo era bastante trabalhado como a forma globalizada, e a gente trabalhava os esportes bimestrais.
Então o futsal num bimestre, o voleibol outro bimestre. O basquetebol, outro bimestre. O handebol,
outro. Sendo que sempre havia uma flexibilidade: nós estávamos dando o handebol, mas, de vez em
quando, precisava dar o futsal. Nós estávamos jogando o voleibol? Mas, de vez em quando o futsal...
Porque o futsal, o futebol como um todo, ‘né’? Ele é muito requisitado, né? Ele é muito... Ele
monopoliza...
(...) e eu acho que o objetivo maior da EF é trabalhar o aluno como um todo – como um todo, que eu
digo, com uma formação globalizada, e procurando levá-lo a uma coordenação motora mais apurada,
‘né’?
As peculiaridades deste depoimento ficam por conta da ênfase à coordenação
motora, sendo esta um fim para a EFE, que, a nosso ver, contrapõe a uma formação
globalizada. É possível perceber como o professor navega do macro – formação
globalizada - para o micro - coordenação motora -, entremeando os dois conceitos, que,
à primeira vista, são antagônicos.
Contudo, compreendendo o processo social que engendrou a experiência desse
professor, levemos em conta que o modo de produção vigente apregoava valores e
modos de vida que contemplassem a formação da sociedade vislumbrada (formação
globalizada), da mesma forma que a EF tinha alguns condicionamentos construídos
historicamente (habilidades motoras) que antecediam a este modo de produção, ambos
coabitando no mesmo espaço: a escola. O que surgiu desses conflitos, ou seja, o que era
ou não objeto de trabalho da EF, refletiu a prática pedagógica diária desse professor.
103
Professora B (...), por exemplo, dar handebol agora e depois basquete. Podia mudar. E, se por um acaso, eu tinha
estipulado no planejamento: “Vamos lá: handebol, vôlei basquete e atletismo”, se eu quisesse mudar, eu
mudava o meu planejamento. Eu podia mudar, eu podia. Porque, às vezes... Como eu falei pra você: às
vezes, a gente tinha a Inter-Escola, ‘né’? Então eu cheguei a levar, [durante] muito tempo, o pessoal meu
lá pra Louveira, porque eu também dei aula lá em Louveira, ‘né’?
Veja que esta professora, diante das necessidades que emergiam, alterava o seu
planejamento. Isso se contrapõe ao discurso do professor D quando afirma que
“doutrinava” seus alunos com um planejamento inflexível. Além disso, para esta
professora o esporte não se restringia ao gesto técnico
É, porque, veja só, o que ‘cê’... Não ficou dentro só do esporte: esporte, esporte, esporte. Você explicava
um monte de coisa: por quê? Por que ‘que’ você faz isso? O que ‘que’ você tem que fazer? [A]o que
‘que’ o esporte te leva? Então eu sempre brincava assim: “Ó, o esporte te leva ao pensamento, porque
você não fica só naquele quadradinho, ‘né’?”
Professor A É. Eu sempre fiz meus programas levando sempre o aspecto cognitivo, psicomotor e o afetivo. Sempre,
nunca desprezei. Isso, eu acho que o aluno tinha que sair da escola com conhecimento de regras, e ter
conhecimento dos valores e das vantagens que a EF propiciava. Então, eu colocava sempre como
objetivo, ‘né’? Fazer com que o aluno pudesse, sem a observação do professor, exercer a atividade física
de uma maneira prazerosa. Então, quantas e quantas vezes você ‘tá’ numa praia, e: “’Vamo’ jogar um
futebolzinho, ‘vamo’ ‘bater’ um voleibol” E alguém é convidado: “Sabe, ‘cê’ me desculpe, mas eu não
vou”
Quer, mas não vai, não é?
É. E por quê? Não vai porque não sabe, porque não tem aquela habilidade. Então o segundo aspecto é o
aspecto psicomotor, de habilidades. Um é o de conhecimento, que é o cognitivo. O psicomotor, que é as
habilidades. E o afetivo, que é o afetivo, o relacionamento, a maneira de saber e reconhecer. Eu acho
que a EF na escola, principalmente eu encarava assim: a EF é o veículo pra formar cidadãos.
O veículo para a cidadania.
É pra cidadania. O garoto tem que aprender a respeitar a vitória e a derrota, ter como consequência de
uma atividade. E se você prepara... Porque na vida ele vai ter muitas adversidades, não vai ser tudo cor-
de-rosa. Então, ele tem que saber encarar isso, e, pra saber encarar, ele tem que ter aprendido isso.
Muito bem.
104
Não é dando uma medalha pra todos os atletas que participam de uma competição... Não, ‘cê’ tem que
valorizar aqueles que são melhores, mas não desvalorizar aqueles que não chegaram. Porque é muito
mais difícil saber perder do que saber ganhar.
Apesar do Decreto 69.450/71 sublinhar que a EF desperta e desenvolve
qualidades ligadas aos aspectos cognitivo, psicomotor e afetivo, em nenhum momento
há a recomendação dos conceitos adotados, e aqui nos referimos aos conceitos
incomuns que são utilizados pelo professor, ou a possível divisão do programa de
ensino como o professor nos oferece. Podemos pensar que essa divisão, que se tornou
hegemônica após a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais na década de 90,
tenha influenciado as considerações deste professor sobre o ensino da EF no período
abordado por este estudo, tendo em vista que o professor atuou até o ano de 2009 no
ensino superior. Não obstante, este professor atuando numa escola experimental,
poderia, por que não, lançar mão de uma forma incomum para a época na elaboração do
programa de EF, haja vista ainda que o método francês permeou boa parte da atuação
pedagógica deste professor, mesmo depois desse método ter deixado de ser
hegemônico.
Professor F (...) Então, o que a gente fazia? Por exemplo, o futebol de salão, ele sempre terminava o nosso
planejamento anual: se eram quatro bimestres, o futebol de salão era o último, porque era o que eles
mais gostavam. Então, ‘cê’ tem que ter um tempo de adaptação pra isso. Mas chegou uma hora que eles
não queriam mais jogar futebol de salão, eles queriam jogar handebol, ‘né’? Por um estímulo meu, e
porque saía vinte gols, ‘né’? Num jogo que era 20 gols, no futebol de salão saía 1, 2 gols. Então tinha o
agente motivador disso, ‘né’? E o gordinho jogava. O baixinho jogava no handebol. Aquele ruinzinho,
que não tinha coordenação, ele jogava no handebol (...)
Então, o que ‘que’ acontece? Esse planejamento era difícil de fazer, de executar. Não de fazer: fazer era
fácil; fazer no papel era rapidinho. Mas executar era difícil. Voleibol: “Ah, professor, ‘pô’, o voleibol é
coisa de “bicha”, não ‘vamo’ ficar jogando essa p... (palavra inapropriada para transcrição) de vôlei”,
entendeu? / E aí eu falava: “Não, pessoal, são fundamentos diferentes, tem que passar por todas as
etapas”. Então muitas vezes do planejamento, fazia parte inicial da aula com futebol de salão, depois
fazia o voleibol, depois encerrava futebol de salão, pra você poder chegar naquilo. Que é o que eu falei
que eu consegui chegar. E acho que qualquer professor de cada modalidade consegue, ‘né’? Eu fiz com o
handebol(...)
Na citação acima fica claro que este professor tem um apreço grande pelo
handebol, o que fez, como afirmado acima, que ele estimulasse seus alunos à prática
105
desse esporte. Diante de alguns professores que optavam muitas vezes pelo futebol, esse
sujeito adotava com mais ênfase aquilo que julgava ser mais importante e que mais o
conviesse naquele momento.
Ora, mas se levarmos em consideração o professor como um sujeito alienado,
como apregoam algumas correntes de pensamento, incumbido de promover os valores
que interessavam à classe dominante por meio do esporte competitivo, da seleção dos
mais habilidosos, enfim, perguntamo-nos: onde é possível perceber isso no depoimento
citado? Ao que nos parece, fazer os alunos participarem das atividades,
independentemente da habilidade exigida, era o que satisfazia pedagogicamente esse
professor, mesmo que isso fosse de encontro com as preconizações subjacentes do
Estado.
Assim sendo, percebemos nos trechos citados as peculiaridades de cada
concepção de esporte vislumbrada, muitas navegando pelo pragmatismo, outras pelo
dogmatismo. Não se tratava deles optarem, deliberadamente, por se enquadrar nessa ou
naquela concepção, mas, simplesmente, agiam dessa ou daquela forma,
espontaneamente, e um leitor “de fora” é que acabaria por classificá-los como
praticantes de alguma delas. A divisão dos conteúdos por bimestre, aspecto comum
entre os entrevistados, nos dá a noção de que, dentro de certos limites, o professor fazia
aquilo que mais o apetecia, mas também seguia certas normas que eram veiculadas no
contexto vivido. Fato é que, para esses depoentes, a EF se fazia importante dentro da
esfera escolar, e isso se dava por aquilo que o esporte, como conteúdo hegemônico,
poderia trazer em seu cerne: benefícios físicos, morais, cognitivos. Como foi discurso
corrente à época, o esporte era tido como panacéia para todos os reveses sociais. Para
esses professores, o esporte contribuía para a formação do cidadão.
Como já apontamos no corpo deste trabalho, o esporte vinha ganhando
notoriedade social desde o final do século XIX, e ao que nos afirmam os depoentes
citados, foi conteúdo hegemônico no período abordado por este estudo. Apesar disso,
quando questionamos um de nossos sujeitos por que o esporte foi adotado com tanto
afinco ele afirma:
Professor F (...) a EF, na época, precisava de uma sustentação, precisava se valorizar, ter a sua valorização perante
o professor de português, matemática, de química, física... ele tinha... nós tínhamos que ter essa
valorização. E o esporte foi o vilão e foi o beneficiador disso. O vilão por quê? Porque aquele professor
106
que queria encostar o corpo, ele teve a oportunidade dele: soltava a bola na quadra, dividia três times, e
não tinha a parte inicial, a parte [palavra ininteligível] final da aula – não tinha, só tinha a parte inicial,
principal e final da aula, que nós chamávamos de volta a calma, aqueles nossos ‘termo’ da época. Parte
inicial da aula, que era o aquecimento, parte principal da aula, que era formação global, e depois a
gente chamava de parte final da aula, que era o volta a calma (...)
(...) se fortaleceu. Porque aquele profissional que gostava do esporte tratou aquilo como uma coisa
principal da sua profissão: então se aperfeiçoou, fez curso, atualizado, ‘né’? Pra poder ter uma
performance melhor. E, ao mesmo tempo, ela criou essas barreiras, e o professor que queria encostar
achou o caminho, ‘né’? Entendeu?
Isso vem ao encontro do que afirmamos no capítulo 3.4.1, ou seja, o esporte se
fez presente não por uma imposição cultural desenfreada dos países desenvolvidos a fim
de disseminar suas ideologias, mas sim pela necessidade dos professores em legitimar o
seu fazer pedagógico no ambiente escolar.
Talvez pela sua fácil didatização, como apontado por Oliveira (2004), tenha
contribuído efetivamente para os professores se apropriarem do fenômeno esportivo e o
pedagogizassem nos moldes da concepção pedagógica oficial. Por esses e tantos outros
fatores, o esporte, que vinha sendo veiculado como uma possível ferramenta educativa e
como símbolo de modernidade, satisfez os interesses, expectativas e necessidades dos
professores, que por sua vez, procuravam algo para sustentar sua presença como
professores. Os preceitos científicos, boa parte ligados aos aspectos biológicos,
consubstanciados com o ensino do esporte vieram a atender essa necessidade pululante.
Com isso não estamos querendo absolver o Estado de suas intenções para com o
fenômeno esportivo, é claro que havia, como nos adverte Oliveira (2001), uma luta
cultural pertencente ao que seria validado e legitimado ou não dentro do âmbito escolar.
Não obstante esses professores não foram meros coadjuvantes nesse processo, entre as
escolhas que faziam no seu dia-a-dia, eles escolheram o esporte, cada um ao seu modo,
como semelhanças e particularidades apontadas acima.
A esse respeito, Thompson (1981) tece as seguintes considerações
Essa imposição será sempre tentada, com maior ou menor êxito, mas não
pode alcançar nenhum êxito, a menos que exista uma certa ‘congruência’
entre as regras e visão-de-vida impostas e a questão necessária de viver um
determinado modo de produção. Além disso, os valores, tanto quanto as
necessidades materiais, serão sempre um terreno de ‘contradição’, de luta
entre valores e visões-de-vida alternativos. Se dizemos que os valores são
107
aprendidos na experiência vivida e estão sujeitos às suas determinações, não
precisamos, por isso, render-nos a um relativismo moral ou cultural. Nem
precisamos supor alguma barreira intransponível entre valor e razão.
Homens e mulheres discutem sobre valores, escolhem entre valores, e em sua
escolha alegam evidências racionais e interrogam seus próprios valores por
meio racionais. Isso equivale a dizer que essas pessoas são tão determinadas
(e não mais) em seus valores quanto o são em suas ideias e ações, são tão
“sujeitos” (e não mais) de sua própria consciência efetiva e moral quanto de
sua história geral. Conflitos de valor, e escolhas de valor, ocorrem sempre.
Quando uma pessoa se junta ou atravessa um piquete grevista, está fazendo
uma escolha de valores, mesmo que o os termos da escolha e parte daquilo
que a pessoa escolhe sejam social e culturalmente determinados (pg.240,
grifos do autor).
Para esses professores, o ápice da esportivizacão da EFE era algo a ser
contemplado, valorizado, pois o esporte era um conteúdo possível que ganhava
legitimidade social. Contrapondo o discurso daqueles que ficam em seus gabinetes
pesquisando por meio de leis e decretos como foram as práticas pedagógicas daqueles
professores e levantando a tese sobre uma pseudo imposição cultural via esportivização,
nossos depoentes tecem as seguintes considerações a respeito
Professora B Foi. Nossa! Foi muito bom esse período pra eles (...) É, porque, veja só, o que ‘cê’... Não ficou dentro só
do esporte: esporte, esporte, esporte. Você explicava um monte de coisa: por quê? Por que ‘que’ você faz
isso? O que ‘que’ você tem que fazer? [A]o que ‘que’ o esporte te leva? Então eu sempre brincava assim:
“Ó, o esporte te leva ao pensamento, porque você não fica só naquele quadradinho, ‘né’?”
Professora E Isso. Eu acredito que foi bom. Por quê? Eu converso, hoje, com meus ex-alunos, e eles chegam a
comentar que eles ficaram com um legado que foi passado na época. Eles sabem a importância da
atividade física, ele sabe efetuar uma corrida; ele tem noções gerais de vários esportes, ‘né’? Ele sabe
utilizar as horas de lazer sabiamente; ele sabe das coisas nocivas à saúde. E eles comentam, alguns, que
hoje, na escola, nós ‘tamo’ muito longe disso. Então, o que acontece [é] que eu acho que essa
performance que nós trabalhávamos na época, eu acho que ficou um legado aí de bom, porque se eles
tão lembrando disso é porque (...)Deu resultado na época. Porque eu acho que o professor tem
obrigação de passar, ele tem que acrescentar ao conteúdo [para o] que o aluno vem pra escola (...)
108
Além disso, como citamos anteriormente o Professor F também viu aspectos
bastante positivos na esportivização da EFE no período da ditadura militar. Ao que nos
parece, esses professores não foram coagidos a abandonar seus conteúdos, e, a partir da
instauração de uma nova diretriz educacional, começarem a adotar outros,
hegemonicamente esportivos. Seria possível o esporte se tornar um conteúdo
privilegiado nas aulas de EFE sem que para isso não houvesse a anuência dos
professores? Uma investida estatal contra os antigos costumes que permeavam a área
permaneceria sem contestação dos professores? Até que ponto os valores, tradições,
modos de vida, enfim, que são trazidos por aqueles sujeitos podem ser corrompidos por
meio de leis, decretos e de um possível cerceamento, sem resistência? Seguir por essa
esteira é ignorar a presença de um sujeito que pensa e às vezes age perante aquilo que
lhe é oferecido, e que essa ação lança-se diante daquilo que lhe é proposto, emaranha-
se, e segue por caminhos não maquiavelicamente planejados.
Outro ponto que merece destaque no que diz respeito ao trato pedagógico diário
dos professores entrevistados por nós, refere-se à forma de avaliar os alunos. No que
tange à norma legal preconizava-se levar em conta, para efeito de avaliação, a aptidão
física. Apesar disso quando questionamos esses professores sobre a forma de avaliação
que comumente faziam no período, mais uma vez os depoimentos mostraram
semelhanças e rupturas.
Professor A Sim, sim, sim. A avaliação nós fazíamos. No começo de cada ano, sempre – não sei se semestre –
tinha[?] o exame médico biométrico. E no fim do ano também. Então se fazia uma avaliação física dos
alunos. Isso havia, sim. Não havia, como hoje, nota – se não me engano, eles exigem nota, e era dividido
por conceitos.
Professora B Número, número. Depois que passou a ser conceito. Mas era assim, eu dava uma... Porque lembra que
eu tinha dito? Quando chovia, você dava aula em sala de aula, ‘né’? Porque, normalmente, a gente
usava... Como era aqui na Vila Rio Branco, um ficava na quadra da Avenida Rio Branco e o outro ia lá
pro Pedro Raimundo (...) então, um ficava aqui e o outro ficava lá. Ou os dois pra lá – cada um num
lugar, ‘né’? E a gente, além da prática que eles tinham que fazer, ‘né’? A teórica também a gente dava.
Então a avaliação era basicamente a aula prática...?
E teórica.
109
No caso da aula prática, a senhora avaliava a qualidade do jogo? Como era?
É, porque você não pode analisar aquele que tem dificuldade, ‘né’? O que tem dificuldade, ele tem
dificuldade, mas ele deu o máximo que ele pode dar naquele momento.
Professor C (...) eu avaliava era ‘atividades’, participação.
Professor D Olha, ‘cê’... Eu ‘tô’ acostumado, ‘né’? Eu ‘tô’ com... Vai pra 32 anos de Estado. Eu aprendi em
faculdade, com o professor, sempre marcando na caderneta quem fazia – sempre tem aquele que se
sobressai, ‘né’? Então, eu aprendi com um professor chamado Milton, que ele sempre marcava. Um dia
eu perguntei pra ele por que ‘que’ ele fazia aqueles três pontinhos. Ele tinha símbolos. Eu, até hoje eu
faço isso. O símbolo do bom menino, do que não valia nada, o que sabia tudo, o que tinha coordenação
motora, o que não tinha. E ele me explicou o símbolo. Ele falou: “Olha, esse aqui é o seu símbolo”. Eu
tenho os meus até hoje. Eu criei. Não tanto que nem o professor, ‘né’? Porque ele era de faculdade, ele
tinha vários símbolos. Na escola não precisa de tantos. Então tem o pessoal que participa, o pessoal que observa, o pessoal que vem conversar com você, o
pessoal que vem te enganar, entendeu? Vem conversar com você ‘pá’ passar batido, como eles falam.
Mas a avaliação era isso aí. Mas era uma avaliação quase que unânime, porque todos participavam.
Naquele tempo existia ainda a aula: fazia chamada, eles ficavam perfilado, como se fosse um quartel.
Descansar, sentido. Ensinava marcha, entendeu? Aí, tinha a parte de aquecimento, tinha uma parte
principal. Era tudo como eu aprendia na faculdade. Professor E Olha, eu fazia avaliações práticas, ‘tá’? Eu passava noções de regras, ‘né’? Mas nunca fiz uma prova
escrita, ‘né’? Fazia os testes práticos que tinha na época, ‘né’? De flexibilidade...
(...) aptidão física. Puramente, ‘tá’? E fazia alguns testes ‘a’ nível do esporte que nós estamos
desenvolvendo, ‘né’? Então o basquetebol: fazia uma avaliação de bandeja. Não o número de acertos,
mas a prática pedagógica. No voleibol: a manchete, o levantamento, o saque. O arremesso do handebol,
uma defesa do handebol com o pé. Então é uma atividade prática, nós temos uma avaliação prática nesse
sentido. E eu sempre avaliei, também, os alunos por frequência, ‘né’? Já que eles iam e faziam aula
mesmo. Então a atividade contava muito aí, eu acho.
Professor F Não, não tinha avaliação nenhuma.
Diante dessas citações, podemos afirmar como o ato de participar da aula era um
critério importante para avaliação dos alunos em alguns dos depoimentos explicitados.
Podemos inferir que essa semelhança obtida nos depoimentos tenha relação direta com
o tipo de EF preconizada na LDB 5.692/71 e no Decreto 69.450/71, ou seja, tida como
110
atividade, onde a prática se sobrepõe aos estudos teóricos. Sendo atividade, respaldada
pela lei e diante de um longo trajeto histórico de atividades de cunho prático, como
esses professores poderiam avaliar seus alunos sem utilizar o critério da participação,
ainda que essa participação pudesse estar voltada à formação de atitudes? Não estamos
querendo dizer que a lei, enquadrou o professor em um sistema de avaliação que tinha
como referência a prática, ao contrário, pensamos que a lei só veio contemplar uma
demanda que já havia desde os primórdios da EF. Portanto, podemos dizer que essa
semelhança nos depoimentos é fruto de um construto histórico, em que o sujeito se
apropria e lida com isso na sua consciência e contexto que está inserido, lançando mão,
dentro de certos limites, daquilo que mais lhe convém.
É interessante notarmos que havia professores trabalhando em uma mesma
região, formados na mesma instituição e trabalhando no ensino público ministrado pelas
mesmas normas e leis, e que agiam de forma distinta quando avaliavam seus alunos. O
discurso acadêmico que inundou a área advogando por um determinismo econômico,
capaz de suprimir todas as deliberações humanas, torna-se insatisfatório perante a
realidade que emergia. Esses professores trataram a experiência na sua consciência e
cultura das mais complexas maneiras e, em seguida, mas nem sempre, agiam sobre
situações determinadas.
O Professor E, por exemplo, levava em conta os padrões de aptidão física
preconizados na lei para fins de avaliação, já a Professora B adotava como instrumentos
de avaliação as provas teóricas, medida incomum para a época, tendo em vista que as
aulas eram ministradas no contra turno escolar. Adentrando ao contexto social em que
cada professor citado viveu, percebemos que o Professor E teve uma vida ligada ao
esporte de rendimento, fez cursos e pós-graduações ligadas ao esporte, privilegiando a
técnica e o rendimento esportivos. Já a Professora B, além do curso de EF, fez
Pedagogia e História, Mestrado em EF no auxílio à alfabetização. Veja que as distintas
trajetórias acadêmicas desses professores, determinou a forma de avaliação no seu
trabalho, não porque a academia teve um papel exclusivo, mas porque esses sujeitos
lidaram em suas consciências com as situações que surgiam, muitas vezes de forma
distinta, e procuraram nos nichos acadêmicos os meios para que pudessem satisfazer as
suas necessidades. Podemos destacar ainda as condições estruturais nas quais a
Professora B desenvolvia o seu trabalho como determinantes na formulação de
instrumentos de avaliação que passavam distante do que preconizava a lei, ou mesmo, o
que nos afirma a literatura especializada.
111
Outra forma de avaliação que nos chama atenção por suas peculiaridades, se
refere aos instrumentos utilizados pelo Professor D. Segundo ele, os meios de avaliação
que se valia foram ensinados na Faculdade de EF por um professor que ele muito
estimava. Ora, se temos cinco entre seis (um deles foi um dos mentores da instalação do
curso de EF na cidade de Jundiaí) professores entrevistados por nós formados na mesma
instituição, dentro de um período bem próximo de tempo, por que esses outros sujeitos
se valeram de métodos distintos de avaliação?
Bem, podemos pensar esse problema pela concepção de avaliação que foi
discurso comum em praticamente todos os depoimentos coletados, ou seja, a avaliação
como um produto final, que muitas vezes atribuía um conceito que promovia ou não o
aluno. Lembremos que essa concepção foi medida comum nas escolas em todas as
disciplinas e a EF, que acabara de receber um decreto próprio, não ficaria fora das
formas correntes de avaliar o aluno, mesmo a área sendo tida como atividade e não
disciplina. Pensamos que avaliar o aluno nos mesmos moldes de outras disciplinas
poderia conferir algum status de igualdade entre as áreas, o que poderia contribuir para
satisfazer os interesses dos professores da época.
Sendo assim, cada professor lançou mão de formas de avaliação que mais se
adequassem às suas necessidades pessoais levando em conta as características da área,
as tradições e costumes que foram sendo construídas ao longo do decurso histórico da
EF. Por esse prisma, o decreto promulgado, no que tange à avaliação, só veio a vingar
como hegemônico (quatro dos seis professores afinaram seu depoimento com as
preconizações legais) porque levou em conta as tradições, normas, valores, costumes,
enfim, construídos historicamente pelos professores pertencentes à área. Com isso não
queremos dizer que não havia um interesse ideológico na promulgação do decreto, mas
sim que houve um consórcio entre professores e governo para que muito daquilo que
estava na lei pudesse efetivamente ser aplicado na prática pedagógica.
Entretanto, mesmo se considerarmos que uma parte das aspirações dos
professores estavam sendo contempladas pela lei naquele momento histórico, a
legitimidade da área, algo que não poderia ser erigido num “passe de mágica”, precisava
ser construído diante da necessidade que a obrigatoriedade da EF pós-71 exigia. Se
antes, não havia essa necessidade de respaldo social no âmbito escolar, pois de fato a EF
pouco acontecia nas escolas brasileiras, com o decreto 69.450/71 as necessidades que
emergiam para aquela classe de profissionais começaram a ser outras. Se o esporte
consubstanciado com os preceitos científicos foi hegemônico, sustentou a área e satisfez
112
boa parte das aspirações daqueles professores, ainda faltava um corpo de conhecimento
que pudesse equiparar a área com as outras disciplinas e conferir um maior status social
aos professores que ministravam aula de EF. A esse respeito, a Professora B considera:
É, é. Eu trabalhei... Como eu falei pra você, eu tinha trabalhado naquele programa do Profic, então eu
me dei, e trabalhei também... Fiz o mestrado em cima da... a EF auxiliando a alfabetização, porque eu
comecei [a] dar aula só de 1ª a 4ª, com as crianças de 1ª a 4ª , ‘né’?
Aula de EF?
De EF. Então a gente trabalhava muito com... eu trabalhava muito com joguinhos. Então eu me
interessava [pelo] o que o professor ‘tava’ dando na sala de aula, ‘né’? E eu aprofundava na EF, pra
não ficar, assim, muito maçante, ‘né’? Então, por exemplo, quando era português, eu fazia um monte de
letrinhas e jogava no chão, e fazia com que eles formassem frase... ou palavras difíceis, às vezes algumas
palavras difíceis eu ditava e eles tinham que fazer. Aí, eu fazia em grupo, ‘né’? Pra eles fazerem como
uma competição. E, a cada erro, ia sendo eliminado – que é uma coisa que eu não gosto, eliminar
criança, ‘né’? Porque ela fica frustrada. Mas na época foi o que eu fiz.
Percebe-se que, a exemplo dos professores A e F citados anteriormente, a
Professora B também procura por conteúdos que fogem das diretrizes curriculares para
a área. Veja que mesmo diante de um decreto exclusivo promulgado na época e o
esporte que surgia como “grande” possibilidade educacional enaltecido pelos meios de
comunicação, a professora citada acima procurava seu “lugar ao sol” também por outros
meios, não apenas aqueles promulgados pela via estatal - como o esporte dentro de
visão dogmática ou pragmática, como era intencionado pela Revista Brasileira de EF e
Desportos, mas sim por meios que melhor atendessem as suas necessidades. Além
disso, como percebemos, o esporte não se fazia presente em todos os momentos, por
mais que uma vasta literatura insista nisso. Por outro lado sua essência, a competição, se
fazia valer mesmo quando a professora citada acima propõe outros conteúdos.
A esse respeito afirma-se que, como não havia competições planejadas pelo
Estado, os próprios professores tratavam de arrumar meios para que as competições
acontecessem. Veja:
Então, você arrumava o transporte, você levava com seu carro. Às vezes, as ‘criançada’ ia de ônibus,
sabe? Mas você que financiava. Então a gente fazia isso. Eu não me lembro desses jogos que tem agora,
não lembro se a gente tinha naquela época, ‘né’? A gente que fazia esses jogos.
113
Percebe-se que, como a realidade local desta professora lança-se contra o que
comumente nos afirma a literatura, ou seja, o próprio professor e não o Estado que por
meio do esporte procurava impor suas ideologias, planejava as competições escolares a
fim de satisfazer seus interesses.
Por esse prisma cabe-nos questionar : até que ponto as competições escolares,
que invariavelmente aconteciam, eram uma imposição ideológica ou uma demanda
existente, uma demanda de professores a fim de confrontar o seu trabalho com de outros
colegas? A luta pelo mérito, por um lugar de destaque no espaço escolar podia vir com a
conquista de campeonatos, troféus, enfim. E isso atendia a quais interesses? De um
governo militar consubstanciado com a classe dominante a fim de inculcar suas
ideologias, ou do próprio professor que procurava, por seus meios, destacar-se em meio
a uma incipiente área que procurava legitimidade social? E, ainda que consideremos que
os valores e normas das competições estão coadunados com o modo de produção
vigente, e que isso fica latente no depoimento citado, não podemos admitir que o
professor tenha absorvido tal inculcação ideológica sem que para isso tenha havido um
pacto entre os diversos envolvidos. Talvez, mesmo que de forma subjacente, o modo de
produção vigente agradasse a professora, pensamos que isso ocorria, não porque ela
fosse alienada e incapaz de perceber as contradições do sistema, mas porque o
capitalismo e suas ideologias maquiavelicamente planejadas não corromperam em sua
plenitude suas tradições, costumes, modos de vida, que foram construídos ao longo da
história e que fizeram parte da vida e práticas pedagógicas dessa professora.
Sendo assim, naquele momento histórico, a competição escolar pareceu-nos uma
via possível e muito valorizada por vários agentes sociais, justamente porque através
dela contemplaram-se vários interesses.
4.2.3. Terceiro fator de análise - Autonomia em relação ao governo
Como podemos perceber na prática pedagógica dos professores entrevistados
havia semelhanças e divergências de acordo com suas necessidades, expectativas e
interesses e, por isso, algumas dessas práticas se consolidaram no cotidiano escolar.
Contudo, o período abarcado por este estudo é habitualmente conhecido como uma
época em que houve grande cerceamento das ações dos professores e, como a EF
poderia incutir valores da classe dominante pela via esportiva, ela foi tida com grande
apreço e preponderância pelo governo militar pós-64.
114
Diante desse leque de possibilidades nada mais coerente que os professores que
ministravam aulas de EF nas escolas fossem vigiados nas suas ações e direcionados a
fazer aquilo que era de agrado do Estado e da classe dominante. Por esse prisma, era
inconcebível pensar a EFE sem uma atuação direta de vigia, suporte, cerceamento da
parte do governo vigente, pois, afinal de contas, seria através dela que o governo
construiria a sociedade vislumbrada, uma sociedade a fim de manter o status quo. Mas
será que houve realmente esse cerceamento como nos insinua a literatura dos anos 80 e
90, ou será que, dentro de certos limites, os professores agiam como bem queriam
segundo seus interesses?
Diante disso exporemos alguns posicionamentos dos professores entrevistados:
Professor A O Departamento Estadual da EF mantinha os seus delegados em algumas cidades. Então, em Jundiaí
tinha um delegado de EF. E esse delegado visitava as ‘escola’, visitava os professores, dava visto na
caderneta... no diário de classe. Às vezes, orientava alguma coisa, quando tinha alguma para realizar,
então ele procurava.
Apesar da citação do professor vir a confirmar a tese defendida pela literatura
especializada, quando perguntamos ao professor se havia algum suporte teórico que
subsidiasse a prática ele considera:
Nós tínhamos, nós tínhamos liberdade. Acontece o seguinte: não havia, não. Infelizmente, na
rede comum, não havia. O que havia, na verdade, ‘era’ esses campeonatos colegiais, ‘né’?
Isso era comum?
Era comum. Então, o campeonato colegial, as escolas se preparavam para o campeonato
colegial. Tinha basquete, vôlei e atletismo. Então você[?] tinha[?] as[?] temporadas, ‘né’? Fazia
temporadas. E no programa que a gente tinha, a gente colocava o que ia desenvolver naquela
temporada. Não havia, assim, um...
Como seguir não tinha? Não havia uma cartilha: “tem que fazer isso”?
Não, não tinha uma cartilha que era endereçada a todos. Então, às vezes, o aluno saía de uma
escola e ia pra outra, e falava: “Bom, eu não aprendi, isso eu nunca fiz, nunca joguei basquete, não
tenho noção de basquete, não tenho noção de futebol”. Então, realmente a EF é de muita liberdade. E
essa liberdade, pra uns, foi tomada, assim, de maneira espetacular, e, pra outros, foi simplesmente jogar
uma bola e ponto final.
115
Desta forma pensamos em quais seriam as ferramentas de inculcação ideológica
utilizadas pelo Estado a fim de incutir seus valores planejados se nem ao menos oferecia
um material pedagógico que sustentasse a prática pedagógica deste professor? Por mais
que ele afirme que havia delegados em algumas cidades, o que na verdade esses
delegados iriam conferir sendo que não havia nenhum material a ser seguido? A lei em
vigência? A Revista Brasileira de EF e Desportos? Bem em nenhum momento o
professor disse que tinha algo a ser seguido pari passu. Além disso, o professor também
não menciona que foi visitado por algum delegado. Pensamos que se um fato como esse
tivesse ocorrido com este professor e este tivesse se sentido coagido dentro de seu
espaço pedagógico, isso seria pontualmente enaltecido, e como não foi, nos resta
dúvida se isso realmente não aconteceu com ele ou, caso tenha acontecido, parece não
ter tido tanta importância, talvez porque de fato esse professor não tenha sentido sua
autonomia ameaçada pela presença de um delegado.
Ao que nos parece, apenas o ensino do esporte era “cobrado” para atender as
competições escolares, entretanto pensamos que isso não pode se caracterizar como um
cerceamento que impedia todas as ações cotidianas daqueles professores, haja vista que,
entre aquilo que é determinado e aquilo que é apropriado pelo sujeito, existe a
experiência. Além disso, como dissemos no capítulo anterior, a competição não nos
pareceu algo que atendia apenas as necessidades do Estado.
A Professora B também tece algumas considerações sobre esse possível
cerceamento
É, naquela época, para que você, por exemplo... Eu: como eu podia dar aula também de OSPB e
Educação Moral, a gente só podia dar aula desde que o quartel permitisse, ‘né’? Quer dizer, a parte
militarista, principalmente o quartel, ‘né’?, seria aprovada por eles.
Então tinha que ter um aval?
Tinha. ‘Cê’ tinha que... Se você tivesse uma ficha mais ou menos conturbada, você não daria aula de
jeito nenhum.
Então tinha isso?
É, eu não cheguei a pegar isso, mas eu soube, naquela época, que muitos professores... O quartel, o
pessoal aí do exército ia assistir aula.
Isso por conta da ditadura?
116
Por conta da ditadura. E eu não cheguei a pegar isso. Na minha classe nunca chegou a acontecer isso,
mas eu soube de gente [com] que[m] aconteceu.
Mais uma vez vale a pena ressaltar que em nenhum momento da nossa entrevista
a professora mencionou que o fato tinha ocorrido com ela, e sim que ouviu falar dos
acontecidos, o que também pode ser interpretado como ideias que circulam com a
finalidade de exercer controle sobre o comportamento das pessoas, típica ferramenta de
domínio ideológico.
Divergindo do Professor A, a professora afirma que o Estado subsidiava a
prática pedagógica do professor com materiais pedagógicos de cunho teórico:
(...) a gente tinha uma apostila, que eu vou lembrar o apelido que nós demos dele: tijolão (...)Um
calhamaço. Então, ali tinha praticamente todas as disciplinas, e então você seguia mais ou menos aquilo
que ‘tava’ ali.
Apesar disso a professora afirma que esse material tinha um cunho de orientação
e não de “doutrina pedagógica” que deveria ser levado a cabo pelos professores:
Uma orientação. ‘Vamo’ lá: uma orientação. Mas você era mais ou menos livre.
Podemos inferir que a expressão “era mais ou menos livre” é exatamente um
exemplo do que trazemos como hipótese central, ou seja, dentro de certos limites, o
professor teve liberdade para conceber e executar o seu trabalho pedagógico. As
estruturas físicas, as leis que subsidiavam o contexto educacional, as tradições
construídas historicamente, entre outros aspectos, delimitavam até que ponto era
possível agir, ou seja, apesar de tudo, isso não “engessava” a prática pedagógica desses
professores, eles elaboravam em suas consciências aquilo que lhes era oferecido e
lançavam sobre a consciência social existente uma experiência modificada. Esta mesma
professora lançou mão de ferramentas incomuns para a avaliação dos seus alunos.
A esse respeito, Thompson refuta a tese de que a experiência só pode produzir o
mais grosseiro “senso comum” e que está ideologicamente contaminada. Para ele
“a verdade é mais nuançada: a experiência é válida e efetiva, mas dentro de
certos limites: o agricultor ‘conhece’ suas estações, o marinheiro ‘conhece’
seus mares, mas ambos permanecem mistificados em relação à monarquia e
à cosmologia (1981, p.15).
117
Já a Professora C, em nenhum momento fez referência a aspectos do governo
militar quando se refere à autonomia que tinha no seu trabalho pedagógico.
Não, tanto que naquela época não existia coordenadora; não havia isso. Tinha o diretor, ou o diretor e o
vice-diretor. Entendeu? E aí tinha o Plano de Ensino, o Plano de Curso. Você pegava lá, copiava, e fazia
o que você quisesse (...) (...)Tinha um livrão verde lá, que, se ‘cê’ quisesse, ‘cê’ usava, que tinha o conteúdo lá pra você dar,
certo?(...)
Inferimos que o “livrão verde29”, ao qual a professora se refere, é o mesmo
citado anteriormente chamado de “tijolão” e que ambos tinham o caráter de orientação
do trabalho pedagógico. No entanto, para esta professora não havia ninguém que
fiscalizasse o que estava sendo feito no seu dia-a-dia
(...) Antigamente: “Faça o que você quiser”
É?
“... desde que você não encha o saco”.
E problemas?
“Não me traga problemas”.
Percebe-se que, para a realidade desta professora, lhe era conferida liberdade no
seu trabalho desde que ela não perturbasse os gestores da unidade escolar. Ao que se
evidencia, não havia preocupação se a professora seguia o “livrão verde” ou fazia
incitação a sistemas econômicos contrários aos que vigoravam até então, a preocupação
daquela realidade é muito menos conspiratória do que nos foi contado, ali o que era
relevante é se o que era de fato feito atendia as necessidades emergentes, necessidades
que podiam ou não estar consubstanciadas com aquelas requeridas pelo governo militar,
mas com certeza estavam no ideário desta professora.
Destoando sobre os subsídios oferecidos pelo Estado na época o Professor D
afirma
29 No período abordado por este estudo era muito comum chamar o “livrão verde” de “Verdão”. Segundo Martins (1998) o apelido
dado ao guia devia-se muito mais à identificação dele com o governo militar - uma vez que fora feito após a reforma educacional de
1971 - do que pela capa verde que revestia o material impresso. Na prática, o guia curricular para o Estado de São Paulo servia de
norteador para a elaboração dos planejamentos escolares. E como uma das características mais fortes do guia era a definição dos
conteúdos que deveriam ser trabalhados em cada matéria, a maioria dos livros didáticos usados na rede pública espelhavam esse
conteúdo.
118
Isso aí eu não queria falar ‘procê’. Como eu cheguei lá, a moça falou: “Você começa a trabalhar
amanhã”. No outro dia, eu cheguei, me deram uma chave de um quartinho, que era sempre embaixo de
escada – tinha bola, tinha rede, tinha de tudo pra EF; tinha bastante material –, e me deram uma lista de
chamada das ‘classe’ que eu tinha, um horário e as ‘caderneta’. E comecei [a] trabalhar. Trabalhei 28
anos assim, sem nunca ninguém saber o que eu fiz, deixei de fazer.
(...) É que nem eu te falei: eu fiquei 28 ‘ano’ jogado aí, fazendo o que eu queria o que não queria. Eu só
entregava a caderneta no final de ano porque eu entregava, senão, ‘taria’ amontoado aí ‘caderneta’ de
28 anos. Nunca pediram...
(...) Nunca um diretor deu um visto numa caderneta minha.
Para este professor, que atuava numa escola central da cidade, nem ao menos lhe
era oferecida uma orientação, como foi para os outros professores citados acima. Neste
caso, o que havia não era “apenas” uma liberdade conferida, mas um total descaso com
o que deveria ser trabalhado pedagogicamente com os alunos. Desta forma, é difícil
pensar numa disciplina que, por meio da via esportiva, inculcaria na sociedade valores
da classe dominante, tratada com tanto desleixo nessa unidade escolar. Lembremos que
não se trata de um professor que atuou como substituto ou por um curto período de
tempo na escola, ao contrário, há quase trinta anos o professor atua na mesma escola
localizada numa região central da cidade e com admirável estrutura. Ao que parece, a
utilização das aulas de EF como veículo de inculcação ideológica não era vista como
uma ferramenta tão importante ao sistema como tem sido veiculado pela literatura
especializada.
Na mesma esteira de outros professores citados, o Professor E também recebia
um subsídio teórico do Estado que norteava sua prática pedagógica. Segundo ele não
havia uma fiscalização do que era feito e do que não, o que havia era uma orientação da
gestão para algumas atividades de ordem cívica
(...) A direção passava muito... algumas orientações, ‘que’ eu acho que eles recebiam, porque o diretor
sempre foi convocado pras reuniões. Era a nível de Diretoria de Ensino, a nível de São Paulo, ‘né’?
Então vinha muita orientação pra se trabalhar: Ordem Unida, ‘né’? Foi muito sentido, assim. Mas,
supervisionado, nenhum, ‘tá’? Nunca recebi a visita de nenhum membro da Diretoria de Ensino, nada.
Militar... Nenhum.
É interessante notarmos que apesar de haver uma orientação sobre atividades
ligadas diretamente ao exército (a prática da ordem unida, por exemplo), não havia
ninguém que vigiasse se aquilo estava sendo seguido. Desta forma, se o professor
119
trabalhou dentro de uma perspectiva que contemplasse algumas atividades militares, o
fez porque quis consubstanciado com os condicionantes históricos que fundam a área, e
não porque havia algo ou alguém que lhe impusesse o que deveria ser feito. Talvez o
tenha feito pela tradição, pelo fato dos primeiros professores de EF do país terem sido
formados em instituições militares e terem criado uma cultura que associou as práticas
militares à prática da EFE.
Este mesmo professor afirma que não conhecia as leis e decretos que
sustentaram legalmente a EF no período, fato que ocorreu com todos os professores
entrevistados. Entretanto, na sua descrição do planejamento e de sua prática pedagógica,
ele leva em conta essencialmente a aptidão física, que era referência do Planejamento da
EF no Decreto 69.450/71. Voltamos, mais uma vez, a um ponto que estamos dialogando
desde o começo deste trabalho: até que ponto essa nova legislação foi uma investida
ideológica do Estado ou uma reivindicação de algo que já estava acontecendo, mas
precisava (talvez por conta da legitimidade) respaldo da lei? Ou teria sido um pouco das
duas coisas?
Declarado, no entanto, é que este professor sabia o que estava fazendo sem ter
conhecimento das leis, sabia que a aptidão física, a performance, a formação de equipes
para os campeonatos era de sua incumbência e isso não aconteceu por imposição de
uma lei ou de alguém, mas aconteceu porque ao longo de sua trajetória pessoal ele foi
formando conceitos, valores, ideias a partir da classe onde estava inserido e lançando-as
nesse contexto social, consubstanciado com as tradições que constituem a EFE.
O Professor F não se recorda se havia ou não um subsídio que norteasse o seu
trabalho pedagógico, ele o realizava da forma que mais lhe convinha:
Então, o que ‘que’ é o mimeógrafo, ‘né’? Eu lembro, assim... Eu ‘tô’ brincando, mas era mais ou menos
isso. Anualmente, a gente pegava o planejamento anual das atividades do ano anterior, mudava a data e
rodava no mimeógrafo, ‘cê’ entendeu? Porque a direção da escola não tinha competência... Não, não é
competência: não tinha conhecimento pra poder falar desse planejamento, falar: “Pô, isso aqui ‘tá’ uma
porcaria”, entendeu? Então, o que fazia: eu peguei de professor que eu substituí e eu fui renovando, ano
a ano, um planejamento...
(...) Era pra inglês ver. Era um documento que tinha que ser feito, e nós fazíamos, mas não tinha uma
fiscalização...
(...) Não, a diretora rubricava, lá, porque era a parte dela: carimbava e rubricava pra arquivar. Mas não
tinha um acompanhamento na prática, ‘né’? Assim: “Poxa vida, houve uma melhora...” Não, não (...)
120
Como podemos ver, o professor tinha liberdade para fazer o que bem entendia,
não havia uma preocupação com as atividades que eram desenvolvidas em aula, mas
sim com a parte burocrática a ser cumprida, e como não havia fiscalização, o professor
poderia cumprir a parte burocrática de um jeito e a prática pedagógica de outro. Ao que
nos parece, isso foi medida muito comum no período, e provavelmente continua sendo.
É interessante pontuarmos aqui que, quando questionamos o professor sobre um
possível controle do Estado sobre sua prática, ele afirma:
É, não é que havia... Veja só, o controle era repassado... Esse controle era repassado pra direção da
escola, que tinha a visão que a EF era uma coisa não tão importante, ‘tá’ entendendo? Então ela
considerava... a direção da escola considerava muito mais o trabalho de apoio pra direção da escola –
de apoio, de melhoria pra escola. O Desfile de Sete de Setembro, cantar o hino nacional, essas coisas
eram a maior cobrança que ela recebia.
Veja que quando se refere a controle o professor menciona aspectos ligados a
datas cívicas e não à sua prática pedagógica, ao contrário, segundo suas considerações, a
EF não era algo tão importante que merecesse maior atenção. Entretanto, mesmo que
consideremos que, para muitos dos nossos professores, houvesse a “obrigação” de
participar desses eventos patrióticos, havia a anuência de todos os envolvidos na
realização e participação dos eventos. Isso parece indicar que, na época, certa
mentalidade ufanista caracterizava o sentimento de patriotismo dos educadores e que se
manifestava nos eventos cívicos.
Um ponto bastante divergente entre os nossos entrevistados foi em relação aos
cursos que eram ou não oferecidos pelo Estado. Alguns lembram que foram oferecidos
cursos ligados ao rendimento esportivo, outros afirmam que o Estado não oferecia
nenhuma formação, já outros não lembram a respeito. Fato é que a CENP
(Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas), órgão da Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo criada em 1976, promoveu a partir da década de 80 uma
reorganização dos currículos escolares a fim de erigir a construção de uma nova escola.
Para isso, a CENP tinha ainda a incumbência permanente de qualificar e requalificar os
professores. Martins (1998) afirma:
Até meados dos anos 80, a CENP era o órgão da SEE que mantinha o maior
contato com os professores da rede pública estadual de ensino. Esses
121
contatos existiam em função do projeto dos "cursos de capacitação"
desenvolvidos por ela, em convênio com as universidades USP, UNICAMP e
UNESP, visando a capacitação permanente dos professores no ensino de 1°
e 2° graus. A partir de 1987, parte de suas atribuições, principalmente as
referentes à qualificação e requalificação profissional na área educacional,
ficou sob responsabilidade da Fundação para o Desenvolvimento da
Educação (FDE), criada pelo governador Orestes Quércia. As questões
referentes aos currículos, entretanto, continuaram sob responsabilidade da
CENP (MARTINS,1998, s/p).
Pelo que nos afirma a autora, a CENP era responsável por oferecer cursos de
capacitação/aperfeiçoamento para os professores da rede estadual no período
compreendido por este estudo. Mas mesmo que consideremos que os cursos chegaram a
contemplar todos os professores entrevistados e que neles havia a intenção de inculcar
as ideologias estatais, na prática pedagógica, como verificamos, esses professores
faziam aquilo que lhes era possibilitado dentro do que acreditavam que era possível.
Não nos cabe concluir se havia um descaso com a área ou se era conferida uma
liberdade em demasia no contexto pesquisado, fato é que, com esses depoimentos, fica
difícil advogar que a EF tinha um papel preponderante a ponto de ser tida como
sustentáculo ideológico do Estado. Por essa esteira levemos em conta que todos os
professores entrevistados atuaram depois da promulgação da Política Nacional de EF e
Desportos e dos altos investimentos destinados para a área no início dos anos 80, o que
em princípio nos leva a pensar que os objetivos expostos por aquele documento
deveriam ser alcançados. Contudo, isso não foi sentido na prática pedagógica. Para
alguns desses professores, descobrir talentos que pudessem representar o Brasil no
cenário nacional foi um sonho, tolhido por aquilo que o próprio governo oferecia; para
outros existiam aspectos mais importantes trabalhar no cotidiano. Aqui nos cabe pensar
que, talvez um dos motivos que fizeram com que os objetivos e planos pós-75 não se
concretizassem em sua plenitude no cotidiano escolar, tenha sido a ausência de um
pacto entre os diversos interesses ali envolvidos.
Mesmo assim, no que se refere ao ambiente escolar, esses professores foram
enfáticos em dizer que eram valorizados pelos colegas docentes e alunos, além da
comunidade que via a EF como uma disciplina que preparava para a cidadania através,
também, do controle disciplinar. Se considerarmos que, perante os gestores e docentes
de outras disciplinas, os professores de EF eram menos valorizados, para a comunidade,
122
para os alunos, ali naquele ambiente formal de ensino todos eram professores e todos
mereciam ser tratados da mesma forma, por mais que pairasse por ali uma
hierarquização das disciplinas. Como já afirmamos anteriormente, a busca “por um
lugar ao sol” fez com que cada um se valesse de diversas estratégias de legitimação no
seu ambiente de trabalho.
Sendo assim, podemos afirmar que o superficial suporte teórico, a ausência de
alguém que fiscalizasse se o trabalho estava sendo feito segundo interesses estatais, a
falta de uma estrutura física que atendesse as exigências legais (dois metros quadrados
de área por aluno, no ensino primário, e três metros quadrados por aluno, no ensino
secundário e superior), o descaso de alguns gestores perante a área, todos esses são
fatores que refutam a tese daqueles que defendem a EF como protagonista naquela
sociedade que se pretendia construir. Na melhor das hipóteses podemos considerar a
afirmação do Professor D
(...) o Militar gostava muito da EF, ‘né’? Então eles mandavam muito material: o plinto. Tinha tudo isso.
Tinha banco sueco, a gente tinha muito material, muito material (...) Por o Governo ser Militar, naquele
tempo, eles davam muita ênfase, assim, pra EF, ‘né’? Pra saúde, pra qualidade de vida do pessoal do
quartel. E era por aí. Era o que a gente seguiu, isso aí.
Talvez um apreço, como nos afirma o professor, devido aos enraizamentos
históricos da EFE, vez ou outra o governo militar tenha olhado para a EF com maior ou
menor atenção, justamente como os professores fizeram quando ensinavam com mais
afinco o esporte que mais os agradasse. Contudo, não podemos afirmar que isso
aconteceu e muito menos que a EF foi a “menina dos olhos” do governo. Fato é que
essa liberdade conferida, propositalmente ou não, fez com que cada professor atuasse,
dentro de certos limites, atendendo aos seus interesses, expectativas e necessidades.
Para finalizarmos este tópico, vale a pena ressaltarmos algo que nos chamou
bastante atenção entre os depoimentos coletados de dois dos três professores que ainda
atuam como docentes. Vimos o que eles disseram sobre a liberdade que lhes era
conferida na época da ditadura militar, mas vejamos o que eles pensam agora sobre o
que vem sendo “proposto” pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo:
Professor D (...) Hoje é diferente. Hoje existe as ‘cartilha’, Já vem pronto pra você fazer o planejamento anual, tem
bimestral, tem por série, entendeu? Antigamente, não, você fazia por turma: era uma turma I, turma II,
123
turma III, e assim ia. Porque o professor dava aula pros ‘menino’, e a professora, pras ‘menina’. Hoje,
‘cê’ dá aula ‘pá’ classe. Então, se juntava, aí, numa escola de quatro classes, ‘cê’ tinha três ‘aulinha’.
‘Cê’ juntava todos ‘menino’ da 5ª, da 6ª, da 7ª, da 8ª, ‘cê’ atingia – eu não lembro se era 31 ou 35
alunos, ‘cê’ formava uma turma. Então, o professor dava aula pros ‘menino’, e as ‘menina’ dessas
quatro séries, a professora que dava aula. Então era completamente diferente. Quer dizer, ‘as’
professora que trabalhava comigo era assim: era jogada lá, e ‘ocê’ fazia o que ‘cê’ queria. E a gente
procurava fazer o melhor, porque a gente gostava, entendeu? E até que eu fiquei muito contente de ter
trabalhado essa época aí. Mas nunca ninguém falou: “Faz isso” ou “Faça aquilo” ou “Deixa de fazer
isso” (...) Agora, é que nem eu falei: é [em] fim de carreira que eu ‘tô’ sendo cobrado (...)
Agora mais do que antigamente?
Agora mais do que antigamente.
O controle, hoje, é maior?
Maior, em tudo: frequência do professor, o que faz, o que não faz. Caderneta de professor... Essas
‘apostila’ que vieram: gostei muito da do Ensino Fundamental, que é de 5ª a 8ª. Do Ensino Médio, não
gostei, entendeu? Tem coisas boas e coisas ruins que vieram agora. Ruim, assim, ‘né’? Como a gente é
da antiga, eu ‘costumei’ de fazer o que eu queria, não o que se pedia – porque nunca pediram nada,
sempre nós ‘fomo’ jogado. Eu não sei quantas ‘entrevista’ você fez aí com professor da época, eu não sei
se chegaram a falar a mesma coisa, mas comigo aconteceu isso. Ou eu fui o premiado, sei lá o que, de
fazer isso, mas eu acho que algumas ‘professora’ que trabalhou comigo foi assim também. Até elas
vinham perguntar: “Que ‘que’ eu faço?” / Eu falei: “Eu faço isso”. E eles faziam. Só que a gente fazia,
‘né’? Fazia muito mais do que hoje! Muito mais do que hoje.
Veja que o professor faz referência aos seus costumes que não se enquadraram
nas propostas elaboradas pelo governo, e este por sua vez, continuará fazendo aquilo
que sempre fez, não controlado por uma nova legislação, uma proposta mais adequada a
alguns interesses, mas por aquilo que ele, como sujeito com seus condicionantes
históricos, foi construindo ao longo de sua vida. Mais uma citação que vem a confirmar
aquilo que estamos erigindo ao longo deste estudo, ou seja, o professor dentro de certos
limites segue seus interesses, expectativas e necessidades que são concebidos na sua
experiência de classe, na forma como as vivencia, num diálogo entre o ser social e
consciência social.
Professor E O Governo, lógico que vai... ele tenta soluções, não é? Esse Governo atual, ele implantou os livretos que
nós temos que seguir. Então tem o livreto de EF, tem o de português... tem o conteúdo que nós temos que
dar ‘pros’ alunos. Ele é flexível, ‘tá’? Então, eu acho que isso aí é um subsídio a mais pro professor dar.
124
‘A’ nível de trabalho, eu acho que agora a cobrança é um pouquinho maior, porque nós temos a
coordenadora pedagógica. A coordenadora pedagógica tem o grupo de gestores da Diretoria de Ensino,
que faz uma cobrança sobre ela, e ela reflete no professor. Então, em termos de cobrança, eu acho que
agora é maior. O subsídio passado também é maior, só que agora nós temos um “contra” muito grande,
que é o aluno desinteressado. Antigamente nós tínhamos o aluno interessado e o material menor. Mas a
gente conseguia passar mais. E agora nós temos esse subsídio, nós temos a orientação, nós temos a
cobrança, só que o aluno [está] totalmente desinteressado. Hoje eu ouço os professores, os colegas
falarem que a maioria dos alunos ‘ficam’ de costa para o professor, fazendo outras coisas. Quer dizer, o
professor precisa circular, ‘se’ interagir mais com os alunos para tentar uma nova forma de se aprender,
de se passar um conteúdo ‘pros’ alunos.
O senhor falou em cobrança. Foi dito que na época da ditadura não havia essa cobrança, e que hoje
há. O senhor vê isso como positivo ou negativo? Conte-me um pouco sobre isso.
Eu vejo como positivo. Por quê? Eu sempre trabalhei também na entidade privada, e a entidade privada
também te faz essa cobrança. Então eu acho que só... se nós recebermos pelo que nós fazemos, tem que
haver uma cobrança. Então eu acho salutar, mas desde que seja fundamentada; essa cobrança tem que
ser fundamentada, tem que ‘vim’ com diretrizes, com normas, pra gente poder seguir. Então eu não acho
ruim que ela aconteça, ‘né’? Eu acho interessante.
Nos depoimentos citados fica claro que os dois professores conferem ao período,
comumente rotulado como cerceador, repressivo e autoritário, um maior poder de
decisão deles sobre o que deveriam trabalhar pedagogicamente com seus alunos. Como
já mencionado, não havia gestores ou pessoas ligadas ao governo que fiscalizassem o
que era feito, curiosamente o que tem ocorrido na atualidade num regime democrático,
como nos afirma o Professor E.
Diante dessas citações, podemos pensar que atualmente a EF tem muito mais
importância para o governo do que no período da ditadura militar, e que, com esses
subsídios teóricos e didáticos, o cerceamento é muito maior do que outrora. Além disso,
como constatamos, os professores são mais cobrados por aquilo que fazem ou deixam
de fazer, atualmente. Por este prisma, onde estão as especificidades do governo militar
levantadas pela literatura especializada? Não poremos em discussão se essa alavancada
nos projetos educacionais, como um todo, está consubstanciada com a nova ordem
neoliberal. No entanto, diante dessas proposições, podemos pensar que, talvez com uma
roupagem democrática, os professores estejam sob um controle muito mais autoritário e
passando por um momento de luta por aquilo que será validado ou não como uma nova
forma de conceber a EF dentro do ambiente escolar. Se para alguns dos professores
125
entrevistados a nova proposta curricular é aceita de bom grado, para outros ela se choca
com os enraizamentos sócio-culturais destes sujeitos.
Entretanto não nos cabe aqui absolver o governo militar de suas intenções, pois
qual o sistema de governo que não tem intenções próprias para a nova sociedade que
pretende construir? Mas essas intenções, no que tange ao objeto do nosso estudo, não
constituíram uma imposição vertical de grande eficácia, mas uma luta que entremeou
diversos interesses, inclusive, dos professores de EF, e que, por isso, algumas das leis e
diretrizes pedagógicas se efetivaram no cotidiano dos professores, e outras nem sequer
chegaram perto de se concretizar. Ainda assim, havia algo a ser seguido, e esses
professores seguiam, cumpriam as normas que eram estabelecidas, como a entrega por
escrito dos controles de ensino, por exemplo, contudo, isso não significa que levaram
todas as orientações dos guias curriculares a cabo, eles sabiam que dentro de certos
limites podiam agir, além de saber que a prática pedagógica nem sempre estava em
consonância com aquilo que era entregue à direção da escola a título de cumprimento de
obrigações burocráticas.
4.3 A compreensão dos professores sobre a EF do “passado” e do
“presente”
Até agora discorremos sobre um longo trajeto para compreendermos como foi a
atuação dos professores de EFE naquele período, tendo em vista a hipótese central deste
estudo que levou em conta que esta área profissional, composta por diversos atores
sociais, aproximou-se, e ao mesmo tempo, afastou-se da visão estatal. Suas posições
foram determinadas não por forças exclusivas de um governo autoritário, mas também
pela perspectiva individual dos professores e pela mudança de cenário da EFE.
O diálogo entre a hipótese levantada e os depoimentos coletados nos levaram a
pensar e questionar sobre como aqueles professores que viveram naquele período e
atuaram empregando muito daquilo que atendia aos seus interesses, compreenderam o
período sócio-político que estavam vivendo, necessariamente naquilo que se refere à sua
atuação profissional.
Este questionamento emergiu à medida que constatou-se que é corrente no
discurso da literatura especializada descrever o Estado como “perverso” para com os
sujeitos pertencentes à classe social desprivilegiada. No nosso caso, foi comum a
126
literatura tratar os professores como sujeitos passivos e sem força de reação contra as
ações “inflexíveis” deste governo militar.
Contudo, de acordo com que vimos até agora, os professores não foram tão
passivos às investidas estatais, ao contrário, agiram dentro de certos limites e de acordo
com seus interesses consubstanciados aos condicionantes históricos. O Estado por sua
vez não nos pareceu, tão perverso, ao contrário, como ilustramos por meio dos
depoimentos dos entrevistados, muitas de suas ações vinham ao encontro das
necessidades dos professores, o que, obviamente, não o isenta das suas intenções
ideológicas, mas também não permite rotulá-lo como um vilão inexpugnável. No
entanto, mesmo sabendo que esses professores agem e reagem perante aquilo que lhes é
imposto, exporemos agora a visão desses sujeitos no que tange a compreensão que
tinham sobre suas ações pedagógicas naquele momento e quais as impressões que têm
da área atualmente. Com isso, queremos afirmar que, para aquela época, naquele
período de efervescência política e de afirmação de uma incipiente área que começava a
fazer parte dos âmbitos formais de ensino, com as práticas corporais hegemonicamente
esportivas, satisfez as necessidades desses sujeitos. Para eles, aquele momento não foi
turbulento, não perceberam uma crise de identidade pedagógica que abalasse os
alicerces de suas práticas, ao contrário, pelo que nos demonstraram os depoimentos
coletados, a grande maioria sabia muito bem o que estava fazendo, para quem o faziam
e os motivos que os levava a agir dessa maneira. Os “problemas” de cunho ideológico
que muito incomodaram a literatura dos anos 80 e 90, para esses professores, ao que nos
parece, não foram problemas, uma vez que muito pouco ou nada sentidos na prática
pedagógica.
Professora C Eu acho assim: com certeza houve uma modificação muito grande, ‘né’? Hoje em dia a EF é a parte
integrante total do currículo escolar, com os mesmos valores de outras, ‘tá’? O enfoque não é um
enfoque esportivo, não é mais um enfoque esportivo, é um enfoque mesmo de desenvolver as habilidades
dessas crianças, as capacidades dessas crianças. Então eu acho que o crescimento da EF dentro do
Governo do Estado é fantástico (...)
Do caderninho?
É, porque eu acho que é um avanço dentro da EF, eu acho que é um avanço. E esse avanço vai levar a
gente muito longe, sabe? Vai levar. Vai ter um crescimento. Nós vamos preparar melhor esses meninos:
eles entenderem que a EF não é jogar bola, é muito mais, ‘né’? É muito mais.
127
A senhora vê um avanço entre o que era e o que é hoje?
‘Má’ muito grande, muito grande! Eu vejo... Olha, eu não sei se eu ‘tô’... Porque o pessoal... Eu não sei
se é ingenuidade ou é excesso de amor que eu tenho ‘pelo’ aquilo que eu faço, mas eu vejo: essa moçada,
se pegar, pegar firme... ‘Óia’, é ‘pa’ não ganhar dinheiro, mas satisfação vai ganhar muito. Dinheiro
não vai ganhar, mas em amor, em carinho, em atenção, em... Sabe? E o seu respeito, que você tem?
Gente, hoje em dia, o professor, ele senta numa bancada, num conselho participativo... Eu falei: “Mãe, o
aluno apresenta esse problema assim, assim e assim dentro da quadra” / A mãe falou: “É, ele realmente
é assim em casa”. Então, sabe? Hoje em dia é muito importante, é muito importante. Sempre foi, só que
hoje a gente tem esse respaldo.
É importante salientarmos que a visão da professora citada acima, exemplifica o
ponto de vista de quem continua ministrando aulas de EF. Como fica deflagrado, o
subsídio teórico que vem sendo oferecido pelo Estado é algo a ser valorizado e
contemplado, e não tido como um material de cerceamento pedagógico.
Além disso, cabe-nos pontuar que, em nenhum momento, a professora faz
referência ao governo militar como algo a ser rejeitado devido às suas ações. Bem
menos que isso, ela nem sequer cita as ações daquele governo, o que nos leva a
questionar se a “perversidade” do governo realmente foi sentida por esta professora. E
se foi, será que isso não seria um ponto relevante em sua trajetória profissional que
mereceria ser relatado?
Professora B (...) Mas a única coisa que eu acho... Assim, o grande problema de você dar esporte específico
na escola é que só um grupo participa, os outros alunos, eles ficam mais ou menos ali, ‘tá’? Do ladinho.
(...)É. Embora [com] a Marlizinha, e mesmo a Mara também, eu via isso. Ela fazia um rodízio.
Certo? Porque aqui, se você não fizer rodízio, os alunos escapam (...) Não, eu acho que agora... é
melhor!
É melhor?
É melhor, é melhor, porque agora você define o aluno pra [o] que ele quer. Agora é melhor. Eu
acho que agora é bem... muito melhor. Porque naquela época, como você não tinha muito espaço pra
eles irem pra cá e pra lá, nem [tinham] clubes que se fizesse isso... Hoje os clubes ‘arrebanha’ esses
bons alunos. A gente não tinha...
Você tem para onde direcionar...
É, você não tinha esse espaço. Hoje é melhor. Hoje a EF... Nossa! Um bom professor ‘tá’ aí, é
um prato cheio.
128
Tem bastante ferramenta?
Tem, tem. Hoje tem. Porque hoje tem diversos ‘clube’, e os ‘clube’ que estão pegando esses
alunos. Porque, veja... Eu vou voltar a falar da Vila Marlene. Lá nós temos muitos alunos lá que é
futebol, e ‘tá’ aqui no paulista. Tem meninos treinando no São Paulo, lá em São Paulo, no Palmeiras...
Nós temos alunos. Porque o que nós fizemos lá? Um grupo de alunos que gosta de jogar futebol, eles têm
um time. Formado por quem? Por alunos de lá. Hoje eu já tenho alunos que já eram ex-alunos, ‘né’? Já
foram alunos de lá. Mas ‘tão’ com um time. Eu me lembro bem uma primeira vez que apareceu aquela
escola ali na Vila Hortolândia, não sei como é que chama... Bate Bola! Bate Bola, não.
Show Ball.
Show Ball. Isso. Os primeiros tempos, não é? Ele ia nas escolas fazer a divulgação do futebol, e
se pagava uma taxa. Eu me lembro bem a primeira vez que foi a minha filha que pagou, pra eles poderem
jogar. Nós ‘arrumamo’ camiseta. Sabe? A Marli emprestou camiseta do handebol. Então foi... Então hoje
eu acho que é melhor
Fica claro no depoimento da professora que o esporte ainda está muito arraigado
nos conceitos que tem sobre a área. Por mais que ela advogue que hoje em dia a EF está
bem melhor, o faz isso a partir dos esportes, que podem oferecer fora das estruturas
formais de ensino, algum benefício para o aluno. Ora, mas se já dissemos aqui que o
esporte pode ter tido seu ápice durante o governo militar a qual período devemos
atribuir esse legado? Com isso não me parece que os ideários de um Estado “perverso”,
se fossem tão perversos assim e construídos sem a anuência dos professores,
continuariam em voga até o presente momento, como nos afirma a professora.
Professor F
Não, não... É, eu não tenho a vivência... Vivência hoje, ‘né’? O que eu fico muito triste, que eu ouço, não
só do professor de EF, mas de vários professores, é que não tem mais jeito, ‘né’? Que não dá pra
recuperar mais. E eu não acredito nisso, eu acredito no resgate. Talvez de forma diferente, ‘né’?
Diferente disso. Mas alguns princípios são básicos. Quer dizer, o menino que não podia fumar maconha
na década de [19]80, ele continua não podendo fumar maconha agora. Eu não posso achar que fumar a
maconha seja uma coisa tão... um termo tão simplista assim, como hoje ele se caracteriza. Então, as
mudanças, elas estão ligadas... diferenciadas, até – ‘vamo’ falar “diferenciadas” –, daquela época pra
essa, num intervalo chamado qualidade de vida. Hoje nós temos um parâmetro de que a qualidade de
vida ‘tá’ diretamente ligada à educação do físico, ‘né’? Que, na época, nós não tínhamos isso. Na época,
nós não ‘távamos’ preocupados em ter um físico bom pra ter uma vida mais longa...
129
Essa questão da qualidade de vida não emergia[?]?
Não, não tinha nem... Qualidade de vida era você ter um bom emprego, você fazer uma viagem, você...
Não ‘tava’ relacionado a você ter uma boa saúde. E hoje não tá completamente focado nisso. Você não
pode abrir mão, por exemplo, da atividade física mínima. Por exemplo, como é que o professor, hoje,
fala que ele não vai dar um condicionamento físico global? Ele tem que fazer um trabalho, uma coisa
que era... poderia não ser feita aqui. Por exemplo, soltar a bola, na década de [19]80, não era tão ruim
como soltar hoje, entendeu? Hoje não dá. A tecnologia que nós ‘tamo’ vivendo, ‘né’? Com a estatística
da fisiologia do movimento, das paradas cardíacas que acontecem em atletas, você visualiza que,
realmente, a culpa ‘tá’ aqui atrás: o soltar a bola aqui é que tá ocasionando essas situações agora.
Então, falando da metade pra frente, não dá mais pra você ter um professor meia boca hoje. Porque,
‘vamo’ supor, então vou falar, assim, de... daquele equipamento de medir a pressão, a pulsação lá – eu
não sei nem o nome, pra você ver como eu não tenho conhecimento pra isso. Mas o professor que ‘tá’,
hoje, dando aula no Estado tem que saber, é imprescindível saber sobre a pressão arterial, saber sobre a
pulsação média, sobre desnutrição, sobre alimentação balanceada. Hoje o gordinho tem que ser olhado
de uma outra forma. Ele era um empecilho na época, e hoje ele precisa da orientação. É, mudou, mudou
muito... Seja em escola estadual... Eu ‘tô’ falando duma forma global. Mas, visualizando a estadual, você
pode manter, hoje, numa atividade física educacional com um menino gordinho, mas nós, como
educadores, mesmo que você seja gordo, você tem que mostrar pra ele a importância ‘duma’ comida
balanceada, o acompanhamento dele, se ele não ‘tá’ chegando na fase do diabete; tentar orientá-lo para
que ele regularmente faça o exame do diabete; o mal que a diabetes causa pra ele, da hipertensão... Nós
‘temo’ um papel muito maior hoje, ‘né’? (...) A minha visão é assim: eu era muito mais importante na
escola como agente mobilizador do que como uma pessoa ligada à qualidade de vida dele. O meu papel
não era melhorar a qualidade de vida dele, o meu papel era fazer a integração dele com o ambiente
escolar. E hoje eu vejo... Hoje o nosso... ‘Vamo’ fazer assim: um teste de resistência que a gente fazia,
alguma coisa que tinha – isso, na minha época, não sei se hoje ‘chamaria’ esse termo –, a gente fazia os
meninos correr cem metros em tantos minutos, e ‘pápápá’, pra avaliar se o menino tava com
condicionamento físico ou não, na época a gente fazia por fazer, e hoje os resultados impressionam a
gente. Se o menino sentiu falta de ar aqui, é nosso dever encaminhar para o médico.
(...) Então hoje a gente tá muito mais capacitado, qualificado – não sei bem o termo pra isso, mas o
nosso papel é de muito maior responsabilidade do que na época.
Veja que o professor faz referência a uma EF com seus preceitos biológicos,
tanto antes como atualmente. Não obstante, o papel do professor atualmente é visto
como muito mais abrangente do que foi outrora, mesmo que se oriente das mesmas
diretrizes para a área, ou seja, uma EF biológica alicerçada nos princípios científicos.
Entretanto, o que nos chama atenção no depoimento do professor é quando
afirma que a culpa dos reveses de hoje está nas ações pedagógicas que foram
empregadas no período em que atuava como docente na escola. Contudo ele não atribui
isso ao Estado, ao contrário, quando afirma que “soltava a bola” e que, para a época,
130
isso não soava tão ruim quanto acontece hoje, nos indica que essa era uma ação própria,
que satisfazia aos seus interesses e chocava-se com as preconizações legais. Não
obstante isso não absolve o Estado, pois a formação acadêmica reconhecida por este, as
estruturas físicas disponibilizadas para o trato pedagógico, o processo de seleção feito
para a contratação dos profissionais que eram de incumbência do governo, também
contribuíram para este “soltar a bola” mencionado pelo professor. Mesmo assim, o
Estado não planejou isso, ao contrário, pelo que nos conta a literatura especializada, os
propósitos para a EF eram muito mais planificados, passavam muito longe de “soltar a
bola”. Também não queremos condenar o professor por suas ações, como já afirmamos,
ele satisfazia suas necessidades dentro de certos limites, o que queremos é apenas
atribuir o peso necessário a cada ator daquele contexto social.
Contrapondo o discurso dos sujeitos citados até agora, os professores A e D
tecem as seguintes considerações
Professor A É muito difícil, é muito difícil. Nós tivemos um período... Não, acontece o seguinte, eu não posso
‘tá’ opinando muito, porque eu saí... Em [19]89 eu deixei o Estado e fui trabalhar somente nas
faculdades: Faculdade (X) – e, mais teórico – a Faculdade de EF, com prática de ensino e... E conheci a
EF até dois mil e pouco, ‘né’?, anos dois mil, através dos relatos que os alunos tinham quando faziam o
estágio obrigatório. Muita crítica, assim, em relação aos professores, em relação à situação de algumas
escolas, principalmente daquelas escolas de periferia, onde não tem material, onde os alunos não
respeitam as escolas, não respeitam autoridades. Então, realmente eu vi muita crítica em relação ao
funcionamento da EF e das escolas, de um modo geral. Anterior esse tempo, em função, talvez, da
própria obrigatoriedade, da própria... Porque a maioria dos professores usavam um método francês, que
era um método mais rígido, onde exigia mais do aluno. E é difícil, honestamente, fazer uma comparação,
porque se eu pudesse voltar, eu voltaria aí nos moldes que eu trabalhei.
Professor D Aí eu acho que eu peguei um período bom, de tudo: professor, colega, de trabalho, aluno, funcionário.
Por a gente ter que fazer tudo aquilo... Porque você... Eu fiquei tanto tempo fazendo o que eu tinha que
fazer, o que eu aprendi na faculdade com esse professor. Eu sempre tentei passar o melhor, ‘né’? Sempre
me esforçava. Quando tinha dúvida, eu procurava a faculdade (...)
(...) Nós ‘temo’ bastante fruto daquele tempo. Nós ‘temo’ atleta nosso por aí que passou pela mão da
gente. Não foi a gente que lapidou, mas passou, teve uma formação aí. Tem gente que agradece a gente
até hoje, mas era muito melhor do que hoje (...)
(...) É, eu não sei se a gente acostumou de ter autonomia pra fazer aquilo, ‘né’? Pode ser que o pessoal
que tá vindo agora, que pegue isso aqui pra frente, ‘acha beleza’, que vai ficar bom – espero que fique
131
bom, porque tem que melhorar, pior não pode ficar. Mas eu acho que aquele tempo foi muito melhor.
Muito melhor. Ele deixou saudade, mas... Eu não sei te explicar, não sei te explicar se tem alguma coisa
por trás daquilo que fazia acontecer. Quando se fala em Ditadura, não sei se tinha por trás, porque eu
nunca me envolvi com política, nunca procurei saber se tinha alguém por trás fazendo ou se tinha
alguém me observando. Nunca. Nunca fiquei sabendo de nada. Se tinha alguém fazendo por trás, foi bem
feito, porque eu nunca vi nada.
Notamos que ambos se referem ao período do governo militar com saudosismo,
relembrando os aspectos marcantes que ficaram em suas memórias. Para eles, o
cerceamento, a repressão, o autoritarismo nem ao menos foram citados como fatores
acentuados no período. Mais do que isso, para esses sujeitos que viveram suas ações
pedagógicas naquela época, o que foi feito pelo Estado ou que se deixou de fazer
contemplou mais as suas necessidades do que hoje em dia. Para eles, longe de
“perversidade” e dos “problemas” de cunho ideológico levantados pela literatura
especializada, a ditadura militar se fez muito presente pela sua ausência.
Com isso talvez tenhamos que voltar mais e mais vezes ao passado e
compreender um pouco melhor como aqueles professores que trabalharam, por meio de
uma incipiente área que começava a ganhar espaço dentro do âmbito formal de ensino,
satisfaziam suas necessidades como sujeitos. Olhar para trás e encontrar culpados por
isso e por aquilo, e não considerar as continuidades e rupturas que ocorreram naquele
momento histórico, muitas delas com a participação ativa dos professores, é ignorar a
história como um processo, é tê-la como um objeto de estudo inflexível aos ditames da
economia.
As práticas pedagógicas adotadas pelos sujeitos de nossa pesquisa, mais que
uma imposição ideológica, vieram a satisfazer uma demanda existente, uma demanda
que contemplava vários atores sociais, inclusive os professores de EF. Esses sujeitos
não foram peça de uma grande engrenagem que tinha como objetivo inculcar na
sociedade as ideologias do Estado, mas foram a própria engrenagem, com seus ranços e
avanços, mas que, naquele momento histórico, fizeram valer os seus interesses,
expectativas e necessidades. Talvez até com mais esclarecimento do que acontece
atualmente, esses professores sabiam o que faziam ou deixavam de fazer, para quem
faziam e os propósitos deste fazer.
Olhar para o passado e encontrar os problemas que ocorreram, foi e continua
sendo uma prática corrente entre os estudiosos da área. Não desconsiderando a suma
importância desses estudos, pensamos que, para que se possa aprender mais e mais com
132
o passado, devemos mudar o foco de análise e olhar para trás investigando as soluções
encontradas por aqueles sujeitos que fizeram parte da história da EF no Brasil pois,
como vimos, mais do que caracterizar problemas em atuar naquele contexto histórico,
os professores encontraram soluções.
133
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das nossas experiências vividas e duma história contada pela literatura
especializada, que concebe a EF em diferentes momentos como preponderante nos
planos do Estado e da classe dominante na concepção de sociedade vislumbrada, nos
propusemos a investigar as nuances dessa história que comumente ignora os professores
de EF como agentes do processo de construção desta área do conhecimento.
A forma determinista como tal literatura aborda o período em questão,
como se o modo de produção fosse capaz de determinar todas as ações daqueles
indivíduos, enquadrando-os num sistema causa-efeito em que o sujeito pouco pode
controlar dos rumos de seus atos, nos levou a erigir uma hipótese alicerçada na vivencia
pedagógica dos professores, ou seja, a EF, como área profissional, composta por
diversos atores sociais, aproximava-se, e ao mesmo tempo, afastava-se da visão estatal.
Suas posições eram determinadas não por forças exclusivas de um governo autoritário,
mas também pela perspectiva individual dos professores pela mudança de cenário da
EFE.
Tendo a realidade contada pela literatura especializada como contraponto àquilo
que pretendíamos evidenciar, nos propusemos a dialogar com alguns conceitos
atribuídos a EFE no período compreendido por este estudo.
Sendo assim, procuramos mostrar, ao longo desse trabalho, que a esportivização
da área, impulsionada por leis e decretos no período, não é um fenômeno cuja causa
geradora possa ser atribuída exclusivamente ao governo militar, já que o esporte havia
adentrado com força na sociedade bem mesmo antes das políticas do governo em
questão, e, consubstanciado com outros fatores e interesses, acabou se tornando o
conteúdo hegemônico das práticas pedagógicas dos professores. Contudo, essa
esportivização não veio a atender os interesses de um governo que tinha na EF, via
esporte, o cerne das suas investidas ideológicas, mas veio contemplar uma necessidade
dos professores, necessidade emergente naquele período histórico. Mesmo as leis e
decretos promulgados no período, se concretizaram devido à anuência dos professores,
muitas vezes sem que mesmo eles se dessem conta disso. O que os depoimentos nos
pareceram indicar é que ocorreu uma construção histórica que teve os professores no
cerne do processo, ora negociando com uma pseudo-imposição verticalizada do
governo, ora efetivando uma prática pedagógica na qual coincidiam, por diversas
razões, os interesses do governo com os próprios interesses dos professores de EFE.
134
Assim sendo, pelos depoimentos coletados, somos levados a concordar que o
esporte foi o conteúdo hegemônico do período, contudo refutamos a tese de uma
possível imposição cultural, pois como ficou claro, o esporte veio a atender uma classe
de docentes que buscava legitimação profissional dentro do âmbito escolar.
Além disso, a maneira como cada professor tratou de enaltecer ou minimizar o
fenômeno esportivo em suas diferentes facetas, mostrou como cada sujeito, a seu modo,
lida com aquilo que lhe é determinado e age sobre a determinação, dentro de certos
limites. Se alguns professores seguiam o esporte dentro de uma visão que compactuava
com as preconizações legais, outros, diante daquilo que lhes era oferecido, resistiam,
contestavam e lançavam mão de estratégias e métodos incomuns para a época. Isso
acontecia não porque tivessem consciência de que o que faziam estava ou não indo de
encontro com as preconizações legais, pois muitos desconheciam as diretrizes
educacionais oficiais que vigoravam, mas porque agindo como agiam, satisfaziam mais
as suas necessidades, expectativas e interesses, construídas de acordo com suas
experiências vividas no contexto escolar a partir de uma perspectiva de classe.
As práticas pedagógicas desses professores não foram determinadas por um
governo mancomunado com a classe dominante, a fim de manter o status quo, mas
pelas próprias expectativas desses sujeitos, além das estruturas que eram destinadas às
práticas de aula, que como vimos nem sempre atendiam as preconizações legais. Isso
nos levou a outro aspecto: o papel preponderante da EF no período e a liberdade que era
concedida aos professores no governo militar.
Como vimos, a literatura nos conta por meio de leis e decretos como a EFE foi
enveredada a fim de atender os anseios do governo. Contudo essa forma determinista de
contar a história, como se tudo que fosse engendrado pelo Estado fosse levado a cabo
pelos professores, empobrece a história e deixa de levar em conta o processo de luta
pelo que seria ou não validado no âmbito escolar. E, de acordo com o que
demonstramos, os professores foram muito mais ativos nesse processo do que
comumente se conta. Mesmo assim, esse fato não isenta o Estado de suas intenções de
dominação e de controle, e, para tanto, a EFE por meio do potencial esportivo poderia
ter um papel preponderante durante aquele governo. Porém, dentro do contexto cultural
investigado por nós, o Estado autoritário daquele período se fez muito menos presente
do que a literatura dos anos 80 e 90 nos descrevem.
Segundo os depoimentos dos professores entrevistados, havia um total descaso
para com o que estava sendo de trato pedagógico dos professores. A falta de uma infra-
135
estrutura adequada para o trabalho em consonância com as aspirações legais, um
subsídio teórico superficial, a falta de cursos que realmente satisfizessem as
necessidades dos professores, todos esses são indícios de que a EFE tinha muito menos
importância do que comumente se afirma. Notamos que os professores relataram ter a
liberdade para fazer o que queriam, como queriam e com os propósitos ideológicos que
mais os apetecesse, até mesmo contra as políticas estatais, já que nenhum membro do
governo ou mesmo da direção da escolar conferia o que estava sendo feito ou deixava-
se de fazer.
Diante desses argumentos, podemos dizer que os professores tiveram a liberdade
para enveredar pelos caminhos que eles mesmos criaram no período da ditadura militar,
um pouco diferente do que vem acontecendo atualmente num regime de governo dito
democrático.
Para aqueles professores não houve sentimento de repressão, cerceamento e nem
mesmo autoritarismo em suas práticas de aula cotidianas. Pelo contrário, esses
professores se sentiam livres para conceber o que deveria ou não ser feito. Longe de um
papel preponderante, a EF era tida com grande descaso por boa parte daqueles que
compunham o universo escolar e/ou faziam parte dele. Na melhor das hipóteses,
podemos considerar que devido aos enraizamentos históricos, a EF era vista com apreço
pelos militares, contudo afirmar a tese de inculcação ideológica é imputar ao período
uma dimensão para com a área que de fato não houve, dentro do contexto estudado.
Portanto, podemos afirmar que os professores, dentro de certos limites, faziam
aquilo que bem queriam em suas aulas. Longe de serem coagidos a fazer aquilo que o
Estado poderia ter planejado, esses sujeitos lançaram mão de métodos, estratégias,
avaliações, enfim, medidas que naquele contexto poderiam ser realizadas a fim de
satisfazer as suas necessidades. E, como ressaltamos, muitas dessas necessidades
vinham ao encontro da legitimidade que procuravam, ou melhor, a busca por um “lugar
ao sol”.
Por fim, pensamos que nessa volta ao passado, fizemos valer as vozes dos
professores que atuaram naquela época. Mais do que confirmar a hipótese central desse
estudo, a análise a que nos propusemos pôde nos levar a compreender como aqueles
sujeitos, atuando em meio a um regime ditatorial e numa área que buscava consolidação
nos âmbitos formais de ensino, encontraram, mais do que problemas, soluções para
satisfazer suas necessidades. Olhar para trás e encontrar culpados por isso ou aquilo, é
desconsiderar o nuançado processo por legitimação de determinadas práticas, é
136
desconsiderar os professores como seres capazes de fazer opções. Portanto, mesmo
dentro de certos limites, esses professores escolheram, e para aquele momento, suas
preferências mais do que algumas opções oferecidas pelo Estado, foram erigidas por um
sinuoso processo histórico do qual esses sujeitos foram agentes. Sem dúvida, os
professores que fizeram parte deste estudo, fizeram escolhas.
Diante de tais considerações, talvez devêssemos em novos estudos de cunho
histórico, resgatar o passado, não mais apenas com o intuito de denúncia, mas
principalmente, a fim de aprendermos como aqueles indivíduos agiam e reagiam diante
do que lhes era determinado, verificando como fizeram-se satisfeitos com aquilo que
conseguiam. Pensamos que essas soluções encontradas sejam o mote daquilo que
devemos investigar como mais assiduidade, a fim de construirmos diretrizes
educacionais que contemplem as necessidades de todos os atores sociais envolvidos e
possamos, de fato, contribuir para uma verdadeira justiça social por meio da educação.
137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, B. S. O financiamento do esporte olímpico e suas relações com a política
no Brasil. Dissertação de Mestrado, Departamento de Educação Física, Setor de
Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná, 2010. Disponível em:
www.scribd.com/.../ALMEIDA-BS-O-financiamento-do-esporte-olimpico-e-suas-
relacoes-com-a-politica-no-Brasil-Dissertacao-2010. Acesso em: 27 de julho de 2010.
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
ARANHA, M.L.A. História da Educação e da Pedagogia. 3ª ed. São Paulo: Moderna,
2006.
BETTI, M. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.
BRACHT, V. A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo... Capitalista.
Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Campinas, v. 2, n. 7, p. 62-68, 1986.
_____________. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister,
1992.
BRACHT, V.; ALMEIDA, F.Q. A política de esporte escolar no Brasil: a
pseudovalorização da educação física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte.
Campinas, v. 24, nº 3, p. 87-101, 2003.
BRASIL. Lei 5540/68, de 28 de novembro de 1968. Lei da Reforma Universitária.
Disponível em: <http//:www6.senado.gov.br/sicon/ListaReferencias.
action?codigoBase= &codigoDocumento=102346>. Acesso em: 20 de Junho de 2009.
_____________..Decreto-lei n.464, de 11 de Fevereiro de 1969. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5540.htm#art40c. Acesso em: 29 de julho
de 2009.
_____________.. Lei nº 5.692, de 11 de Agosto de 1971. Diretrizes e bases da
Educação Nacional. . Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm. Acesso em 24 de julho de 2009.
_____________.. Decreto Lei nº69.450, de 1 de Novembro de 1971. Diretrizes e Bases
da Educação Nacional.- Educação Física . Disponível em www.cevleis.com.br. Acesso
em: 25 de julho de 2009.
138
_____________..Decreto Federal n. 80.123, de 23 de Agosto de 1977.
Reconhecimento do Curso de Educação Física da Escola Superior de Educação Física
de Jundiaí. DOU n. 162 p. 11154.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura, Departamento de Educação Física e
Desportos, Lei nº 6.251, de 8 de Outubro de 1975. Política nacional de educação física
e desportos/ Plano nacional de educação física e desportos, Brasília, Departamento de
Documentação e Divulgação, 1976. Disponível em: www.cevleis.com.br. Acesso em:
25 de julho de 2009.
_____________..Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução aos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Portal do MEC, 1997. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf. Acesso em: 11 de Maio de 2011.
CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: A história que não se conta.
Campinas- SP: Papirus, 1988.
_____________.. Política educacional e educação física. Campinas-SP: Autores
Associados, 1998.
CBCE – Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Ata de Fundação. Disponível em:
http://www.cbce.org.br/upload/ATA%20DE%20FUNDACAO%20DO%20CBCE.
doc. Acesso em: 22 de Março de 2011.
CHAUÍ, M.S. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Ed.UNESP, 2001.
CODATO, A. N. Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à
democracia. Revista. Sociologia. Política. Curitiba, n.25, nov. 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782005000200008&script=sci_arttext.
Acesso em: 25 de julho de 2009.
CUNHA, J.D. A política educacional da ditadura civil-militar brasileira e a reforma
universitária de 1968: aportes teórico-metodológicos para um estudo de caso sobre a
reestruturação da UFRGS. Comunicação em VI Seminário da Pesquisa Qualitativa,
realizado em 2007, na FURG, em Rio Grande do Sul. Disponível em:
http://www.ceamecim.furg.br/vi_pesquisa/trabalhos/147.doc. Acesso em: 10 de Março
de 2010.
DANTAS Jr, H.S.D. A esportivização da educação física no século do espetáculo:
reflexões historiográficas Revista HISTEDBR On-line Campinas, nº29, p.215-232,
139
mar.2008. Disponível em:
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/29/Art14_29.pdf. Acesso em: 27 de
julho de 2010.
DARIDO, S. C.; RANGEL, I. C. A. Educação Física na escola: implicações para a
prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE JUNDIAÍ. Plano de ensino.
Jundiaí, 1974.
FERREIRA JR, A. ; BITTAR, M. Educação e ideologia tecnocrática na ditadura militar.
Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, nº 76, p. 333-355, set./dez. 2008. Disponível em:
www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 24 de julho de 2009.
_____________. A ditadura militar e a proletarização dos professores. Revista Educ.
Soc. v.27, nº97, Campinas, set./dez. 2006a.
_____________. Jarbas Passarinho, ideologia tecnocrática e ditadura militar. Revista
HISTEDBR On-line, Campinas, nº23, p. 3 –25, set. 2006b. Disponível em :
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art01_23.pdf . Acesso em: 11 de Janeiro de 2010.
FERREIRA, R.C.B.; LUCENA, R.F. O esporte como prática hegemônica na
Educação Física: de onde vem esta história ? Disponível em:
http://www2.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/415RitaClaudia_e_RicardoLucena.
pdf. Acesso em: 26 de julho de 2009.
FICO, C. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira
de. História, vol.24, nº47, p.29-60, 2004.
FREITAG, B. Escola, Estado e Sociedade. 4ª ed. São Paulo: Moraes, 1980.
GERMANO, J.W. Estado militar e Educação no Brasil (1964-1985). 2ª ed. São
Paulo: Cortez, 1994.
GHIRALDELLI JR, P. Educação Física progressista. São Paulo: Loyola, 1988.
_____________. História da Educação Brasileira. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2008.
GÓIS Jr., E.; LOVISOLO, H. Descontinuidades e continuidades do movimento
higienista no Brasil do século XX. Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 25, n. 1, p.
41-54, set. 2003. Acesso em: 30 de julho. Disponível em:
140
http://www.rbceonline.org.br/revista/index.php/RBCE/article/viewArticle/172. Acesso
em: 30 de julho de 2010.
HILSDORF, M.L.S.. História da Educação Brasileira: Leituras. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2003.
JUNDIAÍ. Projeto de lei n. 2652, de 19 de Maio de 1972. Propõe a criação da Escola
Superior de Educação Física de Jundiaí.
_____________.Lei municipal n. 1913, de 05 de Julho de 1972. Criação da Escola
Superior de Educação Física de Jundiaí.
LINHALES. M. A. A trajetória política do esporte no Brasil: interesses envolvidos,
setores excluídos. Dissertação de Mestrado, Programa de pós-graduação em Ciência
Política da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 1996.
MAIA, E.D. O esporte no Brasil depois de 1960. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro
Regional de História ANPUH-RJ 2006. Disponível em:
http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/conferencias/Eline%20Deccache%20
Maia.pdf. Acesso em: 27 de Julho de 2010.
MARTINS, M.C. A CENP e a criação do currículo de História: a descontinuidade de
um projeto educacional. São Paulo, Revista Brasileira de História, vol. 18, nº 36,
1998. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01881998000200003. Acesso em: 10 de Novembro de 2010.
MEDINA. J.P.S. Educação Física cuida do corpo... e “mente: bases para uma
renovação e transformação da educação física, 25ª. ed. Campinas: Papirus, 2010.
MELO, V.A.; NASCIMENTO, R.C. O papel dos militares no desenvolvimento da
formação profissional na educação física brasileira. V Congresso Brasileiro de
História da Educação, 2008. Disponível em
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-
coautorais/eixo05/Rita%20de%20Cassia%20de%20Oliveira%20e%20Silva%20-
%20Texto.pdf. Acesso em: 27 de Julho de 2010.
MENDES, T.H.K.B. A reestruturação do ensino durante a ditadura militar: interlocução
entre o discurso e a prática. VIII Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas:
História, Sociedade e Educação no Brasil, 2009. Disponível em:
141
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/Sy43pX.
doc. Acesso em: 18 de Março de 2010.
NEIRA, M.G.; NUNES, M.L.F. Educação Física, Currículo e Cultura. São Paulo,
Ed. Phorte, 2009.
OFFE, C. Sistema educacional, sistema ocupacional e política da educação;
contribuição à determinação das funções sociais do sistema educacional. Revista
Educação & Sociedade, Campinas: CEDES, ano 11, n. 35, p. 9-59, abr. 1990.
OLIVEIRA, M.A.T. A Revista Brasileira de Educação Física e Desportos (1968-1984)
e a experiência cotidiana de professores da Rede Municipal de Ensino de Curitiba: entre
a adesão e a resistência. Tese de Doutorado, Programa de Pós- Graduação em
Educação: História e Filosofia da Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2001.
________________ Educação Física escolar e ditadura militar no Brasil (1968-1984):
história e historiografia. Rev. Educação e Pesquisa, v.28, nº1, p.51-75, jan-jun 2002.
________________ Políticas públicas para a Educação Física escolar no Brasil durante
a ditadura militar: uma só representação? Revista Perspectiva. Florianópolis,v.21,
nº01, p. 151-178, jan/jun 2003. Disponível em:
www.perspectiva.ufsc.br/perspectiva...01/08_artigo_oliveira.pdf. Acesso em: 26 de
julho de 2009.
___________________ O esporte como conteúdo privilegiado das aulas de Educação
Física nos anos da ditadura militar (1971-1984): O que têm a nos dizer os professores
escolares? III Congresso Brasileiro de História da Educação, 2004. Disponível em
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe3/Documentos/Coord/Eixo4/470.pdf.
Acesso em: 27 de Julho de 2010.
OLIVEIRA, M.A.T.; CHAVES JUNIOR, S.R. Os espaços para a educação física no
ensino secundário paranaense: um estudo comparativo entre os anos finais da ditadura
varguista e os anos da ditadura militar brasileira pós 1964. Curitiba, Educar em
Revista. nº 33, p. 39-56, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/er/n33/04.pdf.
Acesso em: 27 de Julho de 2010.
OLIVEIRA, O.V. Confrontos entre práticas culturais de invisibilidade e de dispersão: a
política de currículo como Fogo de Monturo. Rev. on line Currículo sem Fronteiras,
142
v.6, n.2, pp.114-125, Jul/Dez, 2006. Disponível em:
http://www.curriculosemfronteiras.org/vol6iss2articles/oliveira.pdf. Acessado em 30 de
Novembro de 2010.
PINTO, J.F.; VAGO, T.M.; FARIA FILHO, L.M. Representações de esporte e
educação física na ditadura militar: uma leitura a partir da revista de história em
quadrinhos Dedinho (1969-1974). XV Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte,
2007.: http://www.cbce.org.br/cd/resumos/234.pdf. Acesso em: 25 de Julho de 2009.
PRONI, M.W. Brohm e a organização capitalista do esporte. In: PRONI, M.W.;
LUCENA, R .(orgs.). Esporte: história e sociedade. Campinas, SP: Autores
Associados, 2002.
SÃO PAULO. SEE. Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Educação Física.
2008.
ROMANELLI, O.O. História da Educação no Brasil (1930/1973). 31ª ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2007.
SALM, C. Escola e formação profissional. In: FISCHMANN, R. Universidade, escola
e formação de professores. São Paulo, Brasiliense, 1986.
SANTOS, C.M. Tradições e contradições da pós-graduação no Brasil. Revista Educ.
Soc., Campinas, vol. 24, n. 83, p. 627-641, ago-2003. Disponível em:
<http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 26 de julho de 2009.
SARTI, C.A. O feminismo brasileiro desde os anos 70: revisitando uma trajetória.
Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 12(2): 264, maio-agosto/2004. Disponível
em: www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs...4/abep2010_2108.pdf. Acesso
em: 28 de Julho de 2010.
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 2ª ed. São Paulo:
Ed. Cortez & Ed. Autores Associados, 1982.
____________. Instituições escolares: conceito, história, historiografia e práticas.
Cadernos de História da Educação - nº. 4 - jan./dez. 2005. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/che/article/view/382/363. Acesso em: 25 de julho de
2009.
___________. O legado educacional do regime militar. Caderno CEDES, Campinas,
vol.28, nº76, p. 291-312, Set/Dec, 2008. Disponível em:
143
http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v28n76/a02v2876.pdf. Acesso em: 25 de julho de
2009.
SILVA, S.A.P.S. Educação Física: um fenômeno que se desvela. Rev. Paul. Educ. Fís.
São Paulo, v. 8, n.1, p. 58-68, jan/jun. 1994.
SILVA, S.P. Exclusão e retorno do ensino da Filosofia nas escolas públicas estaduais
mineiras. Educação e Filosofia. v.11, n 21 e 22, p.77-88, jan-jun-jul-dez. 1997.
SILVA, T.T. Desconstruindo o construtivismo pedagógico. Rev. Educação e
Realidade, v.18, n. 2, p. 3-10. julho/dez. 1993.
SOARES et al. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
TEIXEIRA, S. O esporte para todos: “popularização” do lazer e da recreação. Recorde:
Revista de História do Esporte. v. 2, nº 2, dez 2009. Disponível em:
www.sport.ifcs.ufrj.br/recorde/pdf/recordeV2N2_2009_16.pdf. Acesso em: 27 de Julho
de 2010.
THOMPSON, E.P. A miséria da Teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro:
Zahar, 1981.
_____________.. A formação da classe operária inglesa: a maldição de Adão. 2. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988a. Vol. II.
_____________.. A formação da classe operária inglesa: a força dos trabalhadores.
2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989b. Vol. III.
_____________.. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. 3.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997c. Vol. I.
THOMPSON, P. A voz do passado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
TOLEDO, C. N. 1964: O golpe contra as reformas e a democracia. Revista Brasileira
de História, vol.24, nº 47, p.13-28, 2004.
VAGO, T. M. Cultura escolar, cultivo de corpos: educação physica e gymnastica
como práticas constitutivas dos corpos de crianças no ensino público primário de Belo
Horizonte (1906-1920). Bragança Paulista: EDUSF, 2002. Disponível em:
http://www.revistas.ufg.br/index.php/fef/article/view/118. Acesso em: 27 de Julho de
2010.
144
VALENTE, E. F.; ALMEIDA FILHO, J. M. Cronologia Histórico-Geográfica do
Esporte para Todos no Brasil. Fórum Virtual Esporte para Todos, [200?]. Disponível
em:
http://www.sescsp.org.br/forumvirtual/index.cfm?conteudo_id=13&idioma=pt&tipo=2
&order_type=id. Acesso em: 27 de Julho de 2010.
VEIGA, C.G. História da Educação. São Paulo: Ática, 2007.
145
APÊNDICE 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
USJT – Universidade São Judas Tadeu
TÍTULO DA PESQUISA: Educação Física escolar no período da ditadura militar
em Jundiaí (1964-1985)
Eu, _______________________________________________________________ e-
mail,____________________________, Tel.____________________ abaixo assinado,
dou meu consentimento livre e esclarecido para participar como voluntário do referente
projeto de pesquisa, sob a responsabilidade dos pesquisadores Wesley B. Araújo e Prof.
Dr. Edivaldo Góis Jr. (orientador), do curso de Mestrado em Educação Física, do
Programa de Pós-graduação da Universidade São Judas Tadeu.
Assinando este Termo, estou ciente que:
1. O objetivo desta pesquisa é analisar as práticas pedagógicas dos
professores de Educação Física escolar no período da ditadura militar, e através
disso, recontar a história a partir da visão dos professores que atuaram no período;
2. A minha atuação na pesquisa envolve exclusivamente: o preenchimento do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a participação como informante nas
entrevistas com dias e horários previamente combinados entre os interessados;
3. Não haverá prejuízos físicos e morais para minha pessoa, nem gastos de
ordem financeira;
4. Em relação aos riscos proporcionados pela pesquisa, estou ciente que posso
me sentir constrangido ao relatar minhas memórias ao pesquisador;
5. Em relação aos benefícios proporcionados pela pesquisa, estou ciente que ao
término da mesma, poderei ter acesso ao trabalho produzido, possibilitando a mim, num
lugar e tempo determinados, um lugar na história da Educação Física escolar brasileira;
6. Estou livre para não aceitar participar desta pesquisa, assim como estou livre
para interromper a qualquer momento a minha participação no projeto;
146
7. Meus dados pessoais serão mantidos em sigilo e os resultados gerais obtidos
através da pesquisa serão utilizados apenas para alcançar os objetivos do referente
estudo, incluindo a publicação em literatura especializada;
8. Estou ciente que as entrevistas serão interpretadas pelo pesquisador;
10. Se julgar necessário, poderei entrar em contato com o (COEP) Comitê de
Ética e Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu pelo telefone 2799-1732 ou poderei
contactar o responsável pela pesquisa, Profº Wesley Batista Araújo pelo telefone (11)
91400775 ou e-mail: [email protected];
11. Obtive todas as informações necessárias para poder decidir consciente e
livremente sobre minha participação na referida pesquisa;
12. Este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é feito em duas vias,
sendo que uma permanecerá em meu poder e outra com o pesquisador responsável.
São Paulo, ____ de ______________ de 2009.
Assinatura do Voluntário: ________________________________________
_______________________________________
Profº. Wesley Batista Araújo
Aluno do Mestrado em Educação Física da USJT
______________________________________
Prof. Dr. Edivaldo Góis Jr
Orientador da Pesquisa do Curso de Mestrado e
Professor do Programa de Mestrado em Educação Física da USJT
147
APÊNDICE II ROTEIRO DE ENTREVISTAS
CONTEXTO FAMILIAR
1- Como foi o seu processo de escolarização antes de ingressar na faculdade de
Educação Física?
FORMAÇÃO INTELECTUAL E PROFISSIONAL:
1- O que você costuma(va) ler?
2- O que essa leitura contribuiu ou não para a sua formação?
3- Por que você escolheu ser professor (a) de Educação Física escolar?
4- Como e por que chegou ao ensino público?
5- Além da Licenciatura em Educação Física o que mais você fez para contribuir
com a sua formação profissional?
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS
1- Você conhecia as políticas públicas que permeavam a Educação Física escolar no
período?
2- Na escola em que você atuava havia uma diretriz pedagógica que subsidiava o seu
trabalho?
3- Era disponibilizado a você algum tipo de material pedagógico (teórico) no auxilio à
sua prática pedagógica?
4- Você se lembra se o governo oferecia cursos de especialização? Fala-me um pouco
disso.
5 – Havia um controle do governo sobre as suas práticas pedagógicas?
SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA
1- O que é Educação Física escolar?
2- Você acredita que a Educação Física foi (é) importante dentro do âmbito
escolar?
3- Conte um pouco sobre como era a sua prática pedagógica.
4- Fale um pouco sobre a tão propalada esportivização da Educação Física escolar
no período.
5- Quem e como se definiam os conteúdos, as estratégias e as avaliações?
148
6- Como os alunos se manifestavam a respeito da Educação Física na escola?
7- Em relação à Educação Física escolar no período, como ela era vista pela
comunidade escolar?
8- Como você compreende a Educação Física escolar da década de 70 e 80 e a de
hoje em dia?
9- Uma última palavra...
149
ENTREVISTA COM PROFESSOR “A”
Professor, eu vou fazer algumas perguntas para o senhor, a fim de que
conte a mim como foram suas práticas pedagógicas no período abordado por esse
estudo ok.
Tudo bem.
Professor primeiramente eu gostaria que o senhor contasse um pouco sobre
o processo de escolarização antes de entrar na faculdade. Como é que o senhor
escolheu [o curso]? Por que a Educação Física? Foi uma coisa que o senhor disse:
“Ah, eu quero ser professor de Educação Física...” Queria que o senhor contasse
um pouco sobre isso para nós, para iniciarmos o nosso trabalho.
Eu praticamente nunca esperava ser um professor de Educação Física. A ideia
surgiu quando foi criada uma faculdade de Educação Física na cidade [em] que eu
morava, em São Carlos. Foi a segunda faculdade de Educação Física do Estado – tinha
uma de Bauru e foi criada uma em São Carlos. Havia uma – perdão – em Campinas
também. Mas no interior foi [trecho ininteligível] E ali foi... Mas como eu sempre
gostei de esporte... Eu comecei a jogar basquete em 1939, era garotinho, da equipe
mirim. Mas era um esporte diferente. Competi em campeonatos paulistas: natação, no
mirim, infantil. Depois joguei futebol na cidade, nos campeonatos da cidade, nos
campeonatos brasileiros[?]. Joguei basquete também, tinha uma equipe de basquete,
assim como jogos... Fiz, inclusive... ‘Tinha’ cavalos de corrida, fui em jóquei também...
[riso]
Bem eclético... [riso]
Brincava bastante. E tudo isso fez com que eu visse a faculdade como algo
interessante. De início, a gente, procurava na[?] faculdade[?] de Educação Física, o
esporte, na verdade não era bem isso [riso] que eu encontrei. Mas gostei da faculdade.
Embora tenha sido feito somente em dois anos, mas era período integral: de manhã, à
tarde e à noite. [risos] Uma faculdade gostosa, aonde eu me saí relativamente bem. Ali
comecei a desenvolver outros esportes que eu não conhecia, como boxe, como judô,
esgrima.
Tinha esgrima lá na faculdade então?
150
Tinha, sim. Nós tivemos esgrima, tivemos judô, tivemos golfe, tivemos
ginástica olímpica. Em dois anos de curso – mas era um curso bem intenso, bem
intensivo. E isso aí fez com que eu realmente despertasse. Saí da faculdade, já, e fui
convidado pra trabalhar em escolas – à época, lá, escolas ‘particular’. Mas a minha
primeira escola foi uma... Escola de Comércio São Carlos, isso em 1952. Quer dizer,
pouquinho antes: [19]51, perdão. Então vai fazer agora 61 anos que eu comecei nessa
vida aqui. [risos]
[risos] Nossa, sessenta anos de docência. Então o senhor atribui ao esporte
essa...?
Ah, sem dúvida...
...essa entrada...
A entrada foi a visualização de fazer aula. Depois que eu entrei, então... Eu já
pensei em ser técnico de futebol – fui convidado, inclusive, pra ser preparador físico de
equipe em São Paulo, quando eu trabalhei em São Paulo, mas nunca quis tirar o pé do
chão, ‘a’ ‘minha’ negócio era a Educação Física. E a grande vantagem, na época, é
[que] o salário era compensador. Nós ganhávamos tanto quanto ganham[?] juízes[?].
‘Era’ os mesmos direitos que tinham os juízes de[?] direito.
Olha, que maravilha.
Era um salário compensador, então valia a pena a gente fazer, e independente de
se você tivesse fazendo aquilo que realmente você estivesse gostando[?], tá certo? Mas
você nem sempre faz aquilo que gosta. Mas, obrigatoriamente, você tem que gostar de
tudo aquilo que faz. Quando você vai fazer aquilo que gosta... Então, pra gente...
É uma maravilha.
É uma maravilha.
Professor, agora no que diz respeito à sua formação na faculdade: na época,
qual era o cunho das disciplinas? Sobre o que se costumava ler na sua época de
faculdade?
Na época da faculdade a gente estudava bem os métodos, ‘né’? Métodos de
Educação Física, isso ‘cê' estudava bastante. Na parte de Biologia: anatomia, também
151
nós tivemos, assim... [trecho ininteligível] médicos que trabalhavam com a gente,
diferente um pouco da faculdade, do currículo de hoje. Hoje, o currículo, ele é bem
mais, vamos dizer assim, voltado pra formação teórica do que prática, e nós
trabalhávamos mais com teórico-prático. Então a aplicabilidade era total...
Impressionante: nós tínhamos aula de voleibol, era voleibol; aula de futebol, era futebol;
aula de ginástica, [era] ginástica; atletismo, [era] atletismo. Não se estudava história[?]
nem, digamos... A metodologia, sim. Mas, por exemplo, a fisiologia era fisiologia
aplicada à Educação Física – apesar de que, naquela época, nós tínhamos a anatomia
aplicada em Educação Física. Então o Professor, o doutor Perdiguel, por exemplo, ele
mandava... dava aula de anatomia: “Então, ‘vamo’ fazer o seguinte:’Tira a camisa’.
Botava o menino na frente e falava assim: “’Vamo’ ver, ‘vamo’ analisar esse osso
aqui...”. Por exemplo, ‘né’? Na parte de osseologia: “Esse osso aqui, ‘cês’ ‘tão’ vendo?
Que osso é esse? O omoplata”. Naquela época era omoplata; hoje, não, hoje tem... é
escápula, ‘né’?
Escápula.
“Então, se vocês tão vendo esse osso... Olha que beleza esse osso. Esse osso é
um osso triangular, não é? Porque se ele é triangular, ele tem três bordas, certo? Se ele é
chato, ele tem duas faces”. Então nós encontramos na crista da coisa, e ficava dando
aula mostrando... Espetacular! Quer dizer, uma coisa que eu aprendi há sessenta anos
atrás, eu sou capaz de responder agora.
Foi muito significativo, não é?
Nós tivemos aula com o Professor Mauro Soares Teixeira – famoso Mauro
Soares Teixeira, que tem livros editados com o Júlio Mazzei. O Júlio Mazzei é o que foi
preparador físico do Santos muitos anos, foi o preparador do Pelé. E eu fiquei muito
amigo desses dois. O Mauro Soares – dele e do Julio Mazzei. O Julio Mazzei acabou
casando com uma colega nossa, dessa classe. Então eram pessoas, assim, muito
dinâmicas e [que] gostavam da Educação Física. O Mauro fez até a letra e música da
Escola de Educação Física de São Carlos.
Interessante.
E nós vivíamos. Ali era... A Educação Física era uma aula, assim, que elucidava
toda a população.
152
Era grande essa turma, professor?
Nós começamos, eu lembro até hoje, 67 alunos, na primeira turma, no primeiro
ano. Depois, nos anos seguintes, foram sessenta alunos por classe, parece que foram
dois períodos... Depois que eu me formei, eu fiquei em São Carlos por um tempo.
Depois eu me afastei da escola, fui trabalhar ‘noutro’ setor, e em outros lugares, ‘né’?
Não acompanhei mais a evolução da escola. Mas nós começamos com 67 alunos – isso
eu lembro bem. E tinha na nossa turma jogadores de futebol, ‘ficava’ jogadores de
basquete...
Muitos alunos ligados ao esporte, não é?
Todos, todos. A grande maioria foi ligada... Aliás, quem me levou pra dar
Educação Física foi até um jogador de basquete, o Ricardão. Na época, chamava
Ricardão, era o pivô da seleção de São Carlos. “Espanador da lua”, assim. Um metro e
oitenta e dois; um metro e oitenta e quatro. [risos] Era o mais alto do... E não era alto,
‘pô’! E no basquete não tinha pessoas... eram todos baixinhos [risos]. Baixinhos? Tudo
da mediana. Hoje nós encontramos jogadores que têm dois metros e doze. O Leandro,
que foi aluno nosso aqui, parece que tinha dois metros e dezoito, ‘né’?
Eu lembro. Eu lembro, enorme não é?
É. [risos] Eu até dizia, quando montei o coral aqui, ‘de’ que ele cantava no coral
e era baixo. Então eu falava: “Você é o maior baixo do mundo”. ([risos]) “Não tem um
coral que...”
Não tem, com certeza, não. [risos]
E é isso aí. Então tínhamos... Era uma faculdade, assim, gostosa.
Professor, trazendo um pouco mais para a nossa realidade aqui. O senhor
falou que trabalhou no instituto durante muito tempo, como o senhor já disse.
Como é que o senhor escolheu ser professor de educação física escolar? Como é
que o senhor chega nesse ensino público? Fale-me sobre isso.
Ah, acontece o seguinte, o objetivo de todo o professor de educação física
daquela época era entrar no serviço público: dava mais garantia e tinha mais recursos,
porque a escola pública, na época, era a elite. A escola particular não era a elite. A
153
escola particular era, digamos assim, o local que abrigava os alunos que não iam bem na
escola pública. Um ensino mais fraco, e tudo mais...
Ao contrário do que acontece hoje?
Ao contrário. Mas eu não acredito que a escola pública tenha melhorado seu
nível, ou melhor, que a escola privada tenha melhorado. Ela continua no mesmo estado.
Acontece que o [ensino] público desceu tanto que ficou distanciado.
Entendi. Professor, além da licenciatura, da faculdade de Educação Física,
teve algum curso que o senhor tenha feito, alguma outra faculdade? Eu gostaria
que o senhor contasse um pouquinho disso.
Sim. É, dentro da Educação Física nós tínhamos aqueles cursos de
aperfeiçoamento pedagógico que ‘era’ realizados em Santos. Você normalmente trazia
os professores do exterior pra ministrar cursos. Então nós tínhamos cursos [de]
‘praticamente’ de quinze dias, um mês, em Santos – era em Santos, até –, aonde o DEF,
o Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo, organizava. Então dentro
da Educação Física a gente ia buscar... por exemplo, eu aprendi handebol com o
Listello.
Isso em que época, professor?
É, o curso era de...
O senhor já ministrava aula no ensino público nessa época?
Já, já.
E era o Estado que...?
Era o Estado que mantinha esses cursos. Esses cursos eram... chamavam-se
“curso de aperfeiçoamento pedagógico”. E fora da Educação Física, eu fiz: eu fiz,
depois, Direito; fiz magistério; eu fiz Pedagogia... Enfim... “Af” também, a própria
faculdade, ‘né’? Curso Superior, ‘né’? Própria faculdade, ‘né’? Curso Superior.
São várias formações aí...? [riso]
É...
154
Contribuiu muito? [riso]
É, mas nenhuma delas desviou do principal, que é a minha primeira, o pé no
chão: a Educação Física.
Educação Física.
Tive a oportunidade, fui convidado pra trabalhar no Conselho de São Paulo de
Educação, como... Antigamente eles tinham... Não eram fiscais, eram indivíduos
ligados ao Conselho, que visitavam escolas. Não lembro o nome que davam, mas eu fui
convidado pra trabalhar lá, tudo, mas não quis sair do... ensino público.
Não quis desviar o foco?
Não. E fui convidado quando nós estávamos montando a faculdade de Educação
Física em Jundiaí. Que eu comecei a ir constantemente, tinha alguns amigos, inclusive;
tinha um grande amigo, que era conselheiro, que me ajudou bastante na formação da
escola, o Professor Erasmo Nuzzi, que foi, inclusive, secretário... não, coordenador de
Ensino Normal e Industrial do Estado de São Paulo. Ele me levou no Conselho, me
apresentou, então ali eu fiquei conhecendo os conselheiros da época. Que eles
organizaram, inclusive, aqui em Jundiaí, uma reunião do PLENO[?]. Acho que foi a
única vez que eles saíram de São Paulo pra fazer uma... Houve uma festa aqui,
convidamos os conselheiros, e eles fizeram uma reunião do PLENO. PLENO, reunião
do PLENO é quando todos os conselheiros se reúnem numa quarta-feira pra aprovar
aquilo que os membros do conselho tão estudando. Então você faz um pedido, por
exemplo, e esse pedido é entregue no protocolo, e o protocolo vem de acordo o pedido,
eles entregam pra um coordena... pra um conselheiro. Então, o Conselho, tinha o do
Ensino Primário, o Secundário e Superior – primeiro, segundo e terceiro grau. Então, na
reunião do PLENO todos os estudos e os pareceres eram discutidos em plenário, e nós
conseguíamos [trecho ininteligível] Foi... Nós fizemos aqui... Tá certo que não vieram
todos os conselheiros, mas nós tivemos aqui mais ou menos uns doze conselheiros. Não
teve a validade do PLENO de lá, mas eles se reuniram aqui, discutiram aqui.
Vieram.
155
Veio o Professor Paixão, veio o Erasmo Nuzzi, que era o coordenador, veio
esse... o Padre Corbeil, veio o Paixão... Eu não lembro bem que todos esses professores
fossem. Faz quarenta anos...
Isso na década de [19]70?
Setenta, na década de [19]70.
Na década de [19]70, que era mais forte, não é?
Só que, pra montar uma faculdade, era a coisa mais difícil que tem.
Então, eu imagino, porque essa é a parte, talvez, principal aí.
Professor, a gente sabe que na época teve os decretos – e foi, inclusive, um
deles que ajudou [com] que as faculdades abrissem, que inaugurassem mais
faculdades de Educação Física, e em [19]71 que isso começou a acontecer no Brasil,
né? A respeito das políticas públicas – principalmente a partir da 5ª Série, que a
Educação Física começou a ser obrigatória, e isso começou a acontecer
efetivamente a partir de [19]71 –, como é que o senhor via isso lá? Os professores:
eles conheciam as políticas públicas sobre a Educação Física ou sobre a Educação
mesmo, na escola em que o senhor trabalhava? Como é que era essa situação, essa
questão, realmente, dos militares?
É, tem uma coisa, eu não posso dizer em relação às outras escolas. (Sim, sim) A
minha escola era uma escola experimental. E, como experimental, nós tínhamos a
liberdade de fazer um currículo diferenciado. Eu falei há pouco pra você que nós
tínhamos... O aluno ingressava no 1º Ano Primário e ia até a 4ª Série numa sequência
só, não era dividido, não tinha aquela divisão estanque de Primário e Secundário. O
aluno, já na 4ª Série, ele já tinha dois professores.
De classe, mesmo?
De classe. Então, um dava matemática, [o outro] dava português. Não era um
auxiliar, não era um assistente: não, era um professor! E o experimental, aqui, ele
funcionava de uma maneira espetacular, haja vista que o Estado adotou muita coisa do
que nós fizemos aqui, porque, quando terminava o ano, nós mandávamos os relatórios
pro conselho – relatórios, que são calhamaços –, dizendo o que nós ‘távamos’ fazendo e
qual era o resultado. Então, de [19]70... Ou melhor, desde quando eu entrei até a
156
mudança do sistema, quando entrou aquela redistribuição da rede pública, setorização,
todos os alunos, quase todos – eu digo, quase sem exceção nenhuma – saíam do 3º
Colegial para as maiores, melhores faculdades do Brasil sem cursinho. Tivemos alunos
aqui que entraram na Medicina da USP estando no 2º Colegial, e reprovados no 2º
Colegial [riso].
Que coisa!
Então...
Era fortíssimo...
Fortíssimo. Mas essa coisa... Era um ensino onde o aluno praticamente se
interava com a escola. Havia um processo de interação maravilhoso. Então eu não posso
afirmar como era a rede pública de um modo geral. Nós tínhamos... Os nossos
professores, [nos] reuníamos pra dar aula pra 5ª Série, por exemplo. Quinta Série: 5ª
Série, nós vamos tomar o quê? Como ponto de partida era a cidade de Jundiaí. Então, o
professor de português: ia trabalhar, sempre, toda a redação em cima da cidade de
Jundiaí: informação histórica e tudo o mais. O professor de história trabalhava com
história envolvendo a cidade de Jundiaí. O professor de geografia falava envolvendo a
cidade de Jundiaí. O professor de educação física trabalhava... E todo mundo trabalhava
em cima de uma unidade. Você falava: matemática? Tudo bem, ‘vamo’ pôr matemática.
Tudo bem. “Qual é a população de Jundiaí?” Quer dizer, os exemplos citando sempre a
cidade. Eu comecei a dar aula no Primário, nessa época, aqui. Nós saímos[?] de[?] lá[?],
da[?] educação física, no curso Primário.
Isso, teoricamente, não existia no Brasil, não é?
Não, mas, então, o que nós fazíamos? Fazíamos, com os professores...
“Professor, deixe-me...” Falava assim: “’Vamo’ brincar, vamos brincar com a
matemática. Vamos brincar com a aritmética. Vamos brincar...” Qual a coisa mais
difícil foi encontrada...? O que ‘que’ os alunos não tão entendendo...?” / “Olha,
professor, fração é uma coisa difícil ‘deles’ entenderem...” / “Então vou fazer uma
aula... Hoje eu vou trabalhar com vocês. Nós vamos fazer, então... Aqui eu tenho um
grupo completo. Eu vou dividir: metade pra cá, metade pra lá. Quanto eu tenho aqui?
Meio aqui e um meio aqui. Se eu juntar os dois, fica uma unidade. Se eu dividir esse
meio em duas partes, e esse [outro] em duas partes, quanto ‘vão’ ficar? Vão ficar um,
157
dois, três quartos. Um quarto representa a fração de vocês. Se juntar todos, quatro
quartos é um inteiro. Porque mostrar pro aluno que 2/4 é igual a 4/8 é esquisito!
É, é esquisito. [riso]
E é fácil você brincar com eles com isso aí.
Ele vê, não é? Está mais claro.
“Vamos fazer o jogo da matemática! O Jogo da Tabuada! ‘Vamo’ lá, gente! Eu
tenho duas fileiras aqui. Se eu vou fazer uma determinada operação, se o número for
par, vocês, se ‘cês’ tão ‘de’ direita, ‘deve’ correr, bater palma com o outro e voltar. Se
for ímpar, então...” / “Ah, 5 X 5? Vinte e cinco. Vinte e cinco é par ou ímpar?” Então
isso começava a exigir da gente a tabuada do 7, do 8. Porque: “Olha, na próxima aula o
senhor dá a tabuada do 8?”
[risos] É engraçado, não é?
[risos] E os alunos começavam a exigir dos ‘professor’... [risos] “’Má’ que ‘que’
é isso que ‘cê’ tá fazendo? Escreve um livro aí [trecho ininteligível]...” E eu fiquei tão
entusiasmado. Depois, quando eu comecei a dar história na faculdade, eu vi que teve um
padre, François Fénellon, que escreveu um livro que dizia: tudo pode se ensinar através
da brincadeira. O jogo pode ser... Com o jogo você pode ensinar muita coisa, mas não
pode fazer dedicação ao jogo...
Interessante.
Então você começa a trabalhar, a viver a Educação Física. E a coisa mais
gostosa que tem é quando você pode sentir que um aluno começa a querer te imitar. Ele
quer ser seu espelho.
Querer aprender. É muito gostoso ele querer...
E eles... Tinha aluno que se vestia igualzinho à gente. Botava, tocava o apito, e
ia pra escola, no começo do ano...
E, mais tarde, ver esses professores formados em Educação Física, eu acho
que é uma coisa que... [riso]
É, então... Então a gente tem essa vivência maravilhosa.
158
Deixa eu perguntar uma coisa, professor: nas aulas de Educação, o
Governo, ele dava alguma diretriz pedagógica para vocês seguirem? O senhor
falou que vocês tinham essa liberdade de montar o currículo, conte-me a respeito.
Nós tínhamos, nós tínhamos liberdade. Acontece o seguinte: não havia, não.
Infelizmente, na rede comum, não havia. O que havia, na verdade, ‘era’ esses
campeonatos colegiais, ‘né’?
Isso era comum?
Era comum. Então, o campeonato colegial, as escolas se preparavam para o
campeonato colegial. Tinha basquete, vôlei e atletismo. Então você[?] tinha[?] as[?]
temporadas, ‘né’? Fazia temporadas. E no programa que a gente tinha, a gente colocava
o que ia desenvolver naquela temporada. Não havia, assim, um..
Como seguir não tinha? Não havia uma cartilha: “tem que fazer isso”?
Não, não tinha uma cartilha que era endereçada a todos. Então, às vezes, o aluno
saía de uma escola e ia pra outra, e falava: “Bom, eu não aprendi, isso eu nunca fiz,
nunca joguei basquete, não tenho noção de basquete, não tenho noção de futebol”.
Então, realmente a educação física é de muita liberdade. E essa liberdade, pra uns, foi
tomada, assim, de maneira espetacular, e, pra outros, foi simplesmente jogar uma bola e
ponto final.
Mas havia um controle do Governo sobre as suas aulas? Um cerceamento,
alguma coisa assim?
O Departamento Estadual da Educação Física mantinha os seus delegados em
algumas cidades. Então, em Jundiaí tinha um delegado de Educação Física. E esse
delegado visitava as ‘escola’, visitava os professores, dava visto na caderneta... no
diário de classe. Às vezes, orientava alguma coisa, quando tinha alguma para realizar,
então ele procurava.
Ele era especialista em Educação Física?
Era um professor de Educação Física. Geralmente era um professor de Educação
Física. Aqui em Jundiaí foi em 1951... 1963, [19]64. Foi um professor chamado Daniel
Cardoso. E depois veio o Maurício, e aí foi uma... Mas sempre teve, sim. Atualmente...
159
Aqui em Jundiaí tinha um delegado?
Tinha, tinha.
Aqui tinha?
Sim. Quando eu vim pra cá, tinha. E o delegado, quando veio pra cá, era...
chamava-se Daniel Real Cardoso, ele era professor de Educação Física do Divino
Salvador, professor concursado, aprovado em concurso, professor concursado na rede
estadual.
Professor, esse último tema é sobre a Educação Física. Então, são temas
mais contemporâneos, mais de acordo com a vivência que o senhor teve sobre a
área. Então eu gostaria que o senhor explicasse – e eu sei que não é algo simples de
se dizer: para o senhor, o que é, hoje, a educação física escolar e o que foi a
educação física escolar na época em que o senhor atuou? Como o senhor enxerga
essa área?
Bem, eu... ‘Cê’ tá perguntando...
Bem é algo bem abrangente mesmo.
É. Eu sempre fiz meus programas levando sempre o aspecto cognitivo,
psicomotor e o afetivo. Sempre, nunca desprezei. Isso, eu acho que o aluno tinha que
sair da escola com conhecimento de regras, e ter conhecimento dos valores e das
vantagens que a educação física propiciava. Então, eu colocava sempre como objetivo,
‘né’? Fazer com que o aluno pudesse, sem a observação do professor, exercer a
atividade física de uma maneira prazerosa. Então, quantas e quantas vezes você ‘tá’
numa praia, e: “’Vamo’ jogar um futebolzinho, ‘vamo’ ‘bater’ um voleibol” E alguém é
convidado: “Sabe, ‘cê’ me desculpe, mas eu não vou”
Quer, mas não vai, não é?
É. E por quê? Não vai porque não sabe, porque não tem aquela habilidade. Então
o segundo aspecto é o aspecto psicomotor, de habilidades. Um é o de conhecimento,
que é o cognitivo. O psicomotor, que é as habilidades. E o afetivo, que é o afetivo, o
relacionamento, a maneira de saber e reconhecer. Eu acho que a educação física na
160
escola, principalmente eu encarava assim: a educação física é o veículo pra formar
cidadãos.
O veículo para a cidadania.
É pra cidadania. O garoto tem que aprender a respeitar a vitória e a derrota, ter
como conseqüência de uma atividade. E se você prepara... Porque na vida ele vai ter
muitas adversidades, não vai ser tudo cor-de-rosa. Então, ele tem que saber encarar isso,
e, pra saber encarar, ele tem que ter aprendido isso.
Muito bem.
Não é dando uma medalha pra todos os atletas que participam de uma
competição... Não, ‘cê’ tem que valorizar aqueles que são melhores, mas não
desvalorizar aqueles que não chegaram. Porque é muito mais difícil saber perder do que
saber ganhar.
Muito mais.
Então, quando você prepara a Educação Física, ela... Esse é o conceito: o
conceito bio-psico-‘sócio’ da Educação Física, dado pelo método francês. O método
francês, na minha opinião, foi um método espetacular, embora criticado... Mas quem
critica conhece somente o esquema ‘duma’ aula, mas não conhece a filosofia do
método.
E também não foi falar com os professores da época para saber como aquilo
era feito, não é? Normalmente, é a partir dos livros, você faz uma crítica a partir
dos escritos, o que não tem a mesma...
É, não tem o mesmo sentido de elaboração.
Não, não tem, é bem diferente.
Então eu, se eu pudesse voltar no tempo, eu voltaria a ser professor de Educação
Física; passaria por tudo aquilo que eu passei.
Interessante [riso]
161
E fico feliz... Ontem, por exemplo, eu fui ao médico – disse a você, ‘né’? E
encontrei o Pedro. O Pedro é um dos médicos, pediatra: “Ô, professor, tudo bem?” / Aí,
veio o outro, o Gui: “Ô, professor, tudo bem?...” / Os dois médicos trabalhando lá, que
foram meus alunos, ‘né’? E às vezes eu encontro com alunos: “Pô, o senhor lembra? Era
meu professor de ginástica, e tudo mais?”
Nós fazíamos demonstração de ginástica. É coisa de cinema. Não havia luz
negra aqui, eu consegui luz negra. Nuvem: “Essa nuvem. Como é que você faz essa
nuvem?” Nós fomos lá no laboratório e descobrimos que tinha nuvem, essa nuvem
artificial, ela é feita com o gás carbônico numa temperatura de 78 graus abaixo de zero,
que é o chamado gelo seco. Fomos em São Paulo e compramos quinhentos quilos de
gelo seco, pra fazer uma demonstração de ginástica. Quando eu falava demonstração, as
portas se abriam, porque lotava o ginásio pra ver ginástica. Aqui tem uma indústria, a
Astra...
Sim.
...ela fabrica plásticos. Fabricava-se plásticos. Você acredita que a Astra
forneceu caixas de plástico pra ficar em torno de todinho ‘do’ ginásio, na parte do
ginásio? E nós ‘colocamo’ gelo seco, e, com... [risos] Loucura, ‘né’? E, com chuveiros
instalados de quatro em quatro metros, mais ou menos, acionamos, na hora da
apoteose... Então, a apoteose, com luz negra estroboscópica e gelo seco. Aquela nuvem,
e todos os alunos caracterizados com roupas acrílicas, com sinais acrílicos. Era coisa de
cinema. Era tão de cinema, que nós fomos fazer demonstração de ginástica no Jardim
Lupe...
Em vários lugares. [riso]
Em vários lugares.
Que coisa.
Abertura de jogos aqui... Teve jogo de futebol, final Unidos e Palmeiras: o
pessoal veio: “‘Cê’ não quer fazer na abertura do jogo?”...
E os meninos participavam também? Ou era só pras meninas? Tinha
alguma distinção?
162
Não, não! Eram todos os alunos, todos os alunos, não tinha ninguém que ficava
de fora.
Mas mesmo entre eles, não tinha preconceito?
Não, não, não, não, não! Eu lembro bem que tinha um aluno que tinha um
‘poblema’ no braço. Então, os ‘exercício’ que fazia de... Então ele jogava o braço aqui,
fazia, ele[?] quase[?] colocava[?] no meio. Eu tenho alguns jornais da época – eu nem
sei se tem por aqui ou não... Mas era um negócio. O Marcel, que joga basquete....
Sim.
... ele era um atleta que fazia ginástica rítmica, ginástica rícula[?]. Movimento.
Primeira vez que eu fui fazer, falou assim: “Ô, professor, isso é coisa de menina!
Fazer...” ([riso]) Depois que fizeram, eles começaram a procurar. O Marcelo fazia
ginástica disso, e fazia ginástica de solo. Nós usávamos o plinto como parede. E era
feito com luz estroboscópica, então aquela luz dava a impressão de câmara lenta. Aonde
que um professor tinha condições disso? Não tinha. O diretor viu o meu trabalho, falou:
“O senhor tem liberdade de ‘cê’ fazer o que ‘cê’ quiser”. Então, me pediram: “Você
faz?” / “Faço. Desde que você me compre cinco reatores e cinco lâmpadas [palavra
ininteligível]” / “Ah, pode deixar que eu...” Eu fiquei com mais de vinte conjuntos de
luz negra.
Era a escola que comprava esses materiais?
Não, não! A escola não comprava nada, é que eu ganhava.
Ganhava? [riso]
É o que os jovens[?] ‘mandava’. Sabia que eu ia fazer, eles ‘pedia’, eu fazia.
Tem um dentista, aqui, o Airton, que ele foi... Ele era ex-aluno. Então: “O que ‘que’
‘cês’ precisam?” / “Tem isso aqui, eu vou fazer pro senhor”.
[Intervenção de um terceiro – Oi.
Entrevistado a terceiro – Eu vou dar uma saída, ‘cê’ vai querer alguma coisa da
rua?
163
Entrevistado a terceiro – Não.
Terceiro – Não?
Entrevistado a terceiro – Não.]
Então realizamos, uma vez, uma demonstração de ginástica, não no... no ginásio
de esportes, com 480 crianças. Puxa! Quatrocentos e oitenta crianças? Por que 480
crianças? Porque cada turma tinha 24, num múltiplo de 24 chegava a 480. Então, se
fazia a demonstração... Não sei se você chegou a ver a demonstração?
Nunca vi, porque... É engraçado pensar nessas conversas, porque eu tinha
uma outra visão... Por isso que a entrevista, ela é muito significativa, não é?
Porque eu já pensava que fosse uma ginástica de outro jeito, que privilegiava três,
quatro...
Não, não, não! Tinha que ser todo mundo, senão, não sai. ([riso]) A única... O
privilégio havia para alguns garotos na ginástica de solo, porque tinha saltos. O Cealli,
que foi seu professor, ele era um dos mais entusiastas; ele era guia da minha turma; ele
era aluno-guia. Então a gente colocava num tablado aqui na frente o aluno, e aqui tinha
980 alunos – não, perdão: 480... Não. Novecentos e sessenta alunos no campo de
atletismo. E nós fomos copiando, copiando, no ritmo quaternário você terminava os
movimentos. Só ritmo quaternário. Mas deixa eu ver se eu tenho algumas fotos,
algumas coisas aqui. E isso, praticamente era um negócio, um entusiasmo. O que é isso
aqui? Não. Isso daqui é... Não, não é isso aqui. Isso aqui é uma exposição de telas que
eu fiz na... Eu faço telas também. Isso aqui, ó [trecho ininteligível] Deixa eu ver se tem
alguma coisa. São telas, tá vendo? Essa aqui foi [de] uma exposição que eu fiz. Cadê a
[trecho ininteligível] Ah, essa aqui... poucas... Campeonato colegial. Nós fomos
campões colegiais do Estado de São Paulo... Ó, essa aqui [trecho ininteligível], tá
vendo? [trecho ininteligível]
Isso aqui é no ginásio da escola?
Isso é no ginásio da escola.
164
Que coisa! Isso aqui é uma demonstração, professor?
Uma demonstração. Não, aqui eles ‘tão’ fazendo um... fizeram um exercício, e,
“pá”, o fotógrafo bateu a hora que eles ‘tavam’ na exposição. Veja a perfeição que
‘tava’ aí.
Isso aqui é um artigo[?], isso aqui precisa ser publicado! [riso] As pessoas
precisam conhecer isso aqui, professor.
É, quer ver uma coisa? Aqui... Ah, nós também realizamos... Nessa época eu fui
convidado pra ser coordenador do CCES[?], aqui na Sociedade do Esporte. E ali nós
organizamos os chamados Jogos da Primavera. Teve um apoio, também, com a
participação de todos os alunos. Foram muito bons esses jogos aqui, deixa eu ver se tem
mais alguma coisa aqui em relação a... Uma vez eu fui candidato a vice prefeito [risos].
([riso]) Eu tive uma vida bastante ativa aqui, graças a Deus.
Fez bastante coisa?
Fiz bastante coisa. Eu devo ter... ‘Ói’: isso aqui é o diploma do... Tá vendo? Da
época da ESEF, foi...
Em [19]89.
Em [19]89. Foi quando eu ‘tava’... saí. Eu... um monte de fotos e tudo, eu tenho
que organizar isso aqui. Nesse ponto eu sou meio relaxado, eu não organizo nada.
‘Deixa’ eu ver o que tem aqui: ESEF... As demonstrações de ginástica... ‘Deixa’ eu ver
se tem alguma coisa. ‘Deixa’ eu ver se tem. Não. Aqui não é. Nós[?] realizávamos tudo,
‘né’? Maratona... A escola era uma escola super, assim... ‘Ó’, ‘ó’ uma demonstração.
Dá uma espiada. Isso aí é uma apoteose: treinamento e uma apoteose.
Isso aqui é no Bolão, professor?
É. Isso é um treinamento. Olha quantas pessoas que iam assistir o treinamento!
Aqui é a apoteose.
Quem auxiliava o senhor pra fazer esse trabalho? Porque eu imagino que
era muito difícil fazer um trabalho desses sozinho. Tinha alguém, ou não?
Não.
165
Era sozinho?
Sozinho.
Que coisa!
Aí, nós ‘távamos’ formando. Aqui, ‘cê’ tem esse exemplo: a bandeira do Brasil,
‘né’? O mapa do Brasil. E a gente fazia molduras, tudo mais. Agora ‘cê’ imagina isso
daqui, tudo com roupas acrílicas, no escuro, quando eles faziam um movimento,
apresentava as cores brilhando. Então era um... Pouca gente conseguiu ver aula assim,
viu? Infelizmente...
É algo que eu desconhecia. Apesar de eu estar me apropriando da história
da Educação Física agora, de Jundiaí...
Infelizmente! Infelizmente não houve continuação. Olha, eu tenho... [trecho
ininteligível] didáticos, viu? (Incrível!) Tá vendo? Isso aqui, é quase tudo didático:
Psicologia, Pedagogia.
É das várias faculdades aí? [riso]
Várias faculdades. Inclusive, [palavra ininteligível] também a professora
[palavra ininteligível] foi diretora da faculdade de Pedagogia Padre Anchieta. Então vou
perguntar: isso tudo foi feito na época dos militares... Quem critica, é aqueles que foram
vagabundo, não quis fazer.
Porque tinha também, não é? Tinham alguns professores que não se
adequavam ali, não é?
Sim, mas em todo lugar.
Em todo lugar, como tem hoje. Independente do período político...
É, exato. Tem gente que adora o Lula. Eu não gosto, o que vai fazer? Mas não é
por causa disso que eu vou deixar de gostar do meu país e de não respeitar a figura
máxima presente. Eu posso não gostar mesmo, mas eu sou obrigado a respeitar, porque
ele é a...
É o maior, não é?
É.
166
Professor, o senhor já falou bastante sobre isso, mas eu gostaria que o
senhor pontuasse assim. A gente sabe que principalmente antes do decreto de
[19]71, muito se diz que a Educação Física ou não acontecia ou o esporte, talvez,
não tivesse tanta força, e que isso passou a acontecer pós década de 70 com a
legislação. Como o senhor vê essa esportivização? Gostaria de saber se o senhor
acredita que houve essa esportivização da Educação Física, se o senhor enxerga
que era só esporte? Como é que era? Eram só os quatro esportes? Já tinha gente
que fazia outras coisas, mas só para...
É, acontece o seguinte: primeiro que, no início, você, para ser professor de
Educação Física, pra fazer uma faculdade de Educação Física, você não precisava ter o
Segundo Grau Completo, era preciso só o Ginásio. Então a Educação Física, no início,
era tida como um curso “Médio”, não curso Superior. Eu, quando vim pra cá, e quando
comecei a trabalhar em [19]60... Aliás, eu prestei concurso e fui trabalhar em Tupi
Paulista, do Barranca do Rio Panamá. Eu escolhi lá, que era... Na verdade, o seguinte,
deixa eu voltar um pouquinho no tempo. Quando eu prestei concurso pro ingresso, nós
tínhamos... eram oitocentos candidatos disputando seis vagas. Havia poucas vagas,
poucas escolas públicas. E quando eu escolhi... Eu fui aprovado no concurso, entre os
seis, mas não fui o primeiro colocado, porque ‘tinha’ professores que tinham sido
aprovados no ano anterior, no concurso anterior, e que optaram pelo chamado Artigo
Sexto. Então sobraram algumas vagas, e a vaga que eu achei mais interessante foi a [de]
Tupi paulista. Fui pra lá, fiquei seis meses lá. Depois que teve o concurso, a remoção, e
de lá... Fiquei um ano em São Paulo, e de São Paulo eu vim pra cá. Desde o começo,
quando eu ingressei, sempre, na minha opinião, tinha esse objetivo: fazer da educação
física algo diferente, algo que pudesse inteirar o aluno em relação à escola, e graças a
Deus...
Mesmo antes, professor, o esporte era corrente? Acontecia? Fale-me a
respeito.
É, acontecia. Teve aí umas coisas... Resolveram, nessa época, um pouquinho
antes de eu sair, resolveram diminuir o número de aula: ficaram três aulas, depois
passaram pra duas. E o Secretário do Estado mandou o... Ou melhor, o Coordenador do
Estado mandou o Paulo Flamé[?] Buarque, que era, na época, secretário da Educação, ir
ao Japão. E lá no Japão ele percebeu que a Educação Física era um negócio espetacular,
167
que dava ao povo japonês condição de vida melhor. Então veio pra cá e fez um trabalho,
e fez com que o Governo voltasse a atribuir as três aulas semanais para o professor.
Passados dois anos, nós não tivemos bons resultados holísticos, [risos] parece que
voltou...
Voltaram.
[risos]
Às duas?
Às duas, como se a gente pudesse formar atletas em dois anos. E era um
conceito, ‘né’? Por causa que os atletas só podem ser formados na escola.
Tinha esse conceito?
Tinha.
Isso era corrente na escola? Então a educação física, ela também visava
formar...?
Ah, tinha. Era o celeiro, era o celeiro.
Era o celeiro mesmo?
É. Mas, na verdade, até hoje ainda é, porque se você, o aluno, ele começa... os
talentos, você pode descobrir dentro da escola. Agora, você não pode trabalhar com os
talentos exclusivamente, eles têm que ser encaminhados para outros...
Lugares específicos?
Específicos, pra poder haver desenvolvimento. Agora, o básico, você tem que
dar: aquela cultura básica, aquela formação básica. Então eu achava que isso era
fundamental. Na equipe paulista, por exemplo, tinha um... Os meninos jogavam
voleibol, eles foram o sexto colocado no Campeonato Colegial; eram o 5º ou 6º
colocado no Estado, era um negócio maravilhoso. Então: “Mas o senhor vai treinar a
gente?” / “Tudo bem, vou lá fazer uns treinos”. Mas não era isso. Aqui no instituto,
nossa! Todos os anos nós íamos pras finais na região, nós ficamos campeões do Estado:
basquete... No Interior, perdão. E perdemos na final, pro Objetivo de São Paulo. Nós
fomos pro campeonato, ‘onde’ tinham dezesseis equipes... É, dezesseis equipes, sendo
168
que quatorze eram representantes do Objetivo, de diversas cidades do Interior. E só
duas. Mas nós classificamos, pra, [na] final, ir disputar com o Objetivo de São Paulo.
Instituto da Educação Objetivo de São Paulo. Tivemos um problema, porque nosso
melhor jogador foi jogar no Cive[?], né? Era o Mauri. O Mauri foi jogar no Cive[?],
então nós...
Perderam o jogador, não é? [riso]
Perdemos o melhor jogador, mas jogamos contra uma equipe que tinha sido
campeã sul-americana no Campeonato Sul-Americano Juvenil. O Objetivo pegou todos
os alunos que participaram: o Cadum[?], Vilas-Boas... (Nossa... [riso]) Todo o time foi
lá, e jogamos contra eles. Perdemos o jogo, sim, perdemos de... Me lembro até hoje, foi
97 a 93... [risos] Pau a pau!
Nossa, foi um jogo excelente, então!
É! Então, terminou o jogo, todos os alunos foram convidados para ir pra... [risos]
Então, perdemos, o time inteiro. [riso] Mas isso era natural, ‘cê’ tinha que fazer a
base[?] do...
O que viesse, não é?
É. Então eu acho que eu não posso falar pelos outros, eu falo por mim. A minha
formação foi essa. Não tinha... Tive, sim. Em [19]66, 67, eu realizei os Primeiros Jogos
da Primavera, aqui em Jundiaí. Isso foi em [19]67, [19]68. Depois eu saí em [19]69, o
outro professor, parece que foi o Professor Maccia[?] que assumiu. E esses campeonatos
da Primavera, os Primeiros Jogos da Primavera, não sei se você viu no jornal – tava
mostrando no jornal...
Sim, sim.
Todas as escolas participaram em Jundiaí. Mas foi um trabalho feito com os
diretores, eu fui falar com todos os diretores. E, praticamente, nós fizemos isso em uma
semana, e nessa semana as aulas foram suspensas em todas as escolas. A pedido do
Secretário de Educação, mostrando a importância. Então o ginásio dos esportes ficava
lotado, com as escolas torcendo por seus alunos.
169
Bem valorizado.
Puxa vida!
Essa já é uma outra questão, professor. Como o senhor via a valorização da
educação física nessa época? Era valorizada pelos professores? Mesmo pela
comunidade local? Tinha valor?
Olha, quando eu vim pra cá, não tinha. Honestamente, não tinha. Eles achavam
que era mais um que ia dar bola ‘pros’ alunos pra eles ‘jogar’ futebol. E nós
conseguimos mudar um pouco esse conceito. Inclusive, dentro da mesa dos professores,
um professor de educação física era praticamente marginalizado, era comum isso. Mas
eu acho que eu consegui mudar o conceito. Consegui sim. Eu acho que passaram a me
respeitar, e os alunos também, ‘né’?
Que é o que mais importa, na verdade.
É, que é o que mais importa.
Já entrando numa outra questão: como os alunos se manifestavam a
respeito da educação física na escola? Eles participavam?
‘Putz’, eu tinha... Era horrível, até. Horrível, não, perdão. Mas era gratificante.
Nós fizemos uma demonstração de ginástica – para você ter uma ideia – e o diretor – foi
numa quarta-feira – falou assim: “Você pode falar pros seus alunos que eles estão
dispensados até segunda-feira da semana que vem. Você pode ficar em casa, os seus
alunos [podem ficar] em casa” / “Tudo bem”. Nós tínhamos aula aqui às seis horas da
manhã – começava a primeira aula. / “Tá bom”. Na quinta-feira, eu ‘tava’ dormindo,
tocaram a campainha: “O senhor não vai dar aula?” / “Escuta, espera...” / Eu morava em
frente à escola. “Mas o diretor não disse que vocês podiam ficar em casa?” / “Ele disse
que podia ficar em casa. Poder é uma coisa, professor. Mas nós não quisemos ficar em
casa.” [risos]
Nossa senhora! [riso]
[riso] Tá bom? (Meu Deus!) Então eles procuravam a gente. Não tinha dispensa.
Poucos procuravam, somente aqueles que [tivessem] muito problema...
Isso é muito gratificante, não é?
170
Fazia a chamada, chamada ‘cê’... Mas também tem uma coisa... [trecho
ininteligível]... “O senhor pode fazer [trecho ininteligível]?” Nunca tive essa
preocupação. Boletim... Tinha que ter disciplina. Respeito. Isso, sim.
Disciplina e respeito era uma coisa que permeava a aula do senhor?
E os pais vinham cumprimentar a gente e davam toda a liberdade pra gente agir
com as crianças. Só uma vez, um pai veio reclamar. Por quê? Ele disse: “O meu filho
‘tá’ aqui pra estudar, não é pra lavar banheiro” Porque eu fazia o pessoal lavar o
vestiário, não sei o quê. Eu tô[?] abusando[?]?
Falei: “Eu ‘tô’ ensinando [a]o seu filho a cidadania. O seu filho passa a respeitar
aquilo que usa” “Não, não, não... [riso] Como[?] ele[?] acompanhava todos os exames
médicos... Então eu acho que... É saturado essa coisa aqui, porque eu acho que eu não
sou parâmetro pra isso aí.
Mas é que a história é muito diversa, não é? Isso que é que o mais
gratificante...
É, eu não tenho...
Porque se eu pegasse em livros, ia ser um ‘repeteco’, eu ia escrever o que já
escreveram. E isso que é o interessante para a pesquisa, é a gente realmente tentar
contar outra história, porque pegar um apanhado de coisas que já escreveram, ou
pegar as leis, decretos, e fazer um trabalho a partir disso, vão sair as mesmas
coisas, não é?
É, eu acho que leis e decretos, elas não modificam, ‘praticamente’, o indivíduo.
Elas podem modificar o direcionamento que o[?] cara[?] tem[?], mas o educador tem
que ter o tempo dele. Não são leis, não são decretos que ‘vai’ mudar a sua forma de
agir. Se você é íntegro, se você tem conhecimento do que faz não há necessidade de
nenhum direcionamento. ‘Cê’ tem que trabalhar conforme a formação do caráter do
indivíduo. E, às vezes, a gente passa até por situações difíceis.
Eu imagino.
O pai desse general que morreu, ele me procurou um dia e ele falou assim... Que
eu acabei, aqui no Instituto, foi no primeiro ano, eu não sabia que[?] ele[?] era[?]
universitário[?]. Eu dei um pescoção num moleque: “Quero que seu pai venha buscá-lo
171
segunda-feira às duas horas. Não cinco pras duas nem duas e cinco. Duas horas” ([riso])
“Que que seu pai faz?” / Eu disse: “É coronel”. Major, que ele era major. Chamava
Major. Aí, falou, falou: “Esse moleque vai cair do cavalo, ‘né’?” Um homem chegou e
falou assim: “Professor [nome initeligível], tem dois moleques aqui e eles são três
capetas. Se o senhor tiver que descer a mão, pode descer, o senhor tem a minha
autorização” / Capitão militar. Os alunos ficaram sabendo disso, que ele falou na frente
de todo mundo. O respeito que os visitantes faziam... “Não, esse [palavra ininteligível].
Enfrenta”.
Isso também vem da postura que o senhor tinha como professor, não é?
Exato, exato.
Se fosse outra, talvez não houvesse esse respeito por parte da comunidade
local.
Exatamente. Teve um pai que quis se meter em horário, eu falei: “Mas, ‘péra’
um pouquinho, meu horário quem faz...” / “Não, não é em relação ao senhor, é em
relação ao horário de um outro professor que tá aí, que tá causando[?], que não
entra[?]...” / Eu falei: “O outro não me interessa, eu sou... O meu departamento, o meu
trabalho...”. Consegui fazer muita coisa. Aqui, esse instituto... Você conhece a escola
aqui, ‘né’?
Sim.
Esse ginásio que tem aí era um galpãozinho pequeno. Quando foi fazer a planta,
eu sentei lá com a Matilde, com o diretor, e falei: “’Vamo’ mudar essa planta aqui.
‘Vamo’ fazer esse galpão aqui de trinta, trinta e dois, trinta e cinco por vinte e dois,
porque aí fica uma quadra de basquete”. Então nós fizemos lá no projeto. E a altura,
acho que ‘tava’ quatro metros: “’Vamo’ fazer essa altura aí com nove metros, doze
metros, pra uma bola de vôlei.... Aqui, por exemplo, ele disse: “Olha, casa[?]”...
‘Conversamo’ lá, fui a São Paulo, fomo no SESC, lá: levei o projeto, discuti com o
pessoal, construí.
Interessante
‘Vamo’ fazer o campo de futebol... Tem aí, esse campinho de futebol que tem aí.
Resolveram construir. Eu falei: “Tudo bem, ‘má’ ‘vamo’ fazer um campo, então, aqui”.
172
Fui na prefeitura. Eu preciso de uma moto[?] naquela... uma retroescavadora pra nivelar
o terreno lá, porque eu não quero que quando chova ‘empoça’ água no meio”. / “É, ‘má’
não tem jeito, tem que fazer drenagem...” / “Falei: ‘Não, e se a gente fizesse meio metro
a mais no meio?’” Você levava a idéia e como se fosse a idéia dos caras. “Pô, a nossa
idéia” Fizemos o campinho. Aí, eu fui lá no Corpo de Bombeiros... / “‘Vamo’ fazer a
pista em volta? Precisa de duzentos e cinqüenta metros.” / “Cê tem gente aí?” / “Não, eu
arrumo”. Então os bombeiros começaram a sentar tijolo lá. Foi lá o David Morelli.
Peguei raspa de fuligem, de carvão, pra pôr na pista de atletismo. ‘Fizemo’ duzentos e
cinquenta metros num campo de futebol, aí, de sessenta por trinta e cinco. Mini campo.
/ “Ah, não, ‘vamo’ fazer um campo completo” / “Não, ‘vamo’ fazer um campo
pequeno, porque nós ‘fizemo’ perto da...”
É esse mesmo campo que tem aí?
É esse aí. Agora entraram lá, fizeram umas ‘palhaçada’.
Eu trabalhei nessa escola da prefeitura, nessa parte debaixo.
É, esse campinho fui eu que eu fiz. Tinha dois ‘degrau’ na arquibancada, aí tinha
o podium, e eu fiz, aí coloquei os mastros...
Tem. Acho que os mastros tem até hoje.
Quer dizer, aquela estrada fui eu que fiz...
Certo. Professor, mais duas questões ok. O senhor falou de como era o
trabalho do senhor, os conteúdos. Falou que o método desportivo generalizado era
muito comum, e que o senhor gostava, não é? E como é que os alunos eram
avaliados? Havia algum tipo de avaliação? Quais eram as referências?
Sim, sim, sim. A avaliação nós fazíamos. No começo de cada ano, sempre – não
sei se semestre – tinha[?] o exame médico biométrico. E no fim do ano também. Então
se fazia uma avaliação física dos alunos. Isso havia, sim. Não havia, como hoje, nota –
se não me engano, eles exigem nota, e era dividido por conceitos.
Nota, conceitos.
Mas nós, como era um ensino experimental, nós praticamente estávamos
dentro... Ou o indivíduo era bom ou era fraco ou era regular. Mas o conceito nosso era
173
levantado. Então aqueles alunos que não apresentassem (aquelas crianças) uma
evolução satisfatória, aí eu chamava os pais, conversava com os pais e, às vezes, o
médico também avaliava, ‘né’? ‘Poblema’ de fimose, essas coisas. Mas a avaliação era
mais uma avaliação física, e avaliação de habilidades. Então, você, no fim do semestre,
você deveria ser capaz de realizar determinadas coisas – aquele... o psicomotor. Então
você conseguia mudar, praticamente, o comportamento deles através disso.
Era uma forma de avaliar?
Sim, havia uma avaliação: quem conseguia e quem não conseguia... Mas isso
não reprovava, não retinha o aluno.
Entendi. Mas essa escola para a qual o senhor trabalhou, havia reprovação?
Reprovação?
Sim. Ou não havia? Como era isso?
Você diz, no...?
Em todas as disciplinas, no geral.
Ah, sim, sim. Mas era muito difícil. Muito difícil, porque os professores
trabalhavam com conceitos. Havia reprovação, sim. Como eu falei pra você: teve um
aluno que foi reprovado no Segundo Colegial e conseguiu, praticamente, a aprovação na
Faculdade de Medicina da USP. Havia reprovação, mas acontece que nós
trabalhávamos com sistema diferente. O conceito – isso, já nas diversas disciplinas –
era: fraco, regular, bom e ótimo. Se o aluno fosse fraco, mas, se no último, ele
demonstrasse condições de seguir a série seguinte, independente daquilo que ele tinha
realizado, ele podia ser promovido. Se chegasse um ponto onde ele não tem condições
de seguir, ele era retido. Mas a retenção, o pai era consciente. Às vezes ele falava: “Eu
acho melhor segurar meu filho, porque não vai ter condições”
Entendi.
Não havia aquele negócio: “Você precisa promover meu filho!”. Muito pelo
contrário.
Ao contrário do que acontece hoje, não é? [riso]
174
Mas, por quê? Porque era uma escola aberta, ‘né’? Nós tivemos... Então, vou
falar: os militares: os militares, praticamente, eles adoravam isso aqui. Vinham aqui,
[em] toda festividade ‘tavam’ aí. Por quê? Porque era uma escola que dava... que
ajudava, praticamente, na formação cívica do aluno. Cívica também. Nós tínhamos,
todas as semanas, um dia por semana, o hasteamento da bandeira: uma classe vestia,
cantava o hino nacional, via... O hino nacional era cantado e respeitado. Nós tínhamos
um professor, Miele[?], que era um...
Essa questão patriótica era muito forte nessa escola?
Ah, sem dúvida! Mas não era por imposição. Era por algo que estava dentro da
própria escola. Foi uma pena que esse experimental deixasse de existir, ‘né’?
Até [19]89 era experimental ainda, professor?
Sim.
Até [19]89?
Não, não, não, não, não. Experimental foi até [19]78, [19]79. Quando aquele
Secretário, Luís Fernando Martins, assumiu a... Não, perdão. Eu fui em [19]86, no fim
de [19]86... É, no fim da década de [19]70, que passou [trecho ininteligível], então a
escola deixou de receber as lideranças. Ela começou a receber alunos que vinham pra
cá. Antigamente ela era disputada por causa disso. Então, havia uma luta pra conseguir
botar aqui. Inclusive, havia o vestibulinho pro Colegial; nós organizávamos o
vestibulinho pro Colegial.
Isso para quem vinha de outra escola...?
E os daqui também.
Da escola também?
Aqui era ensino da 1ª a 8ª série.
Até aí não tinha nenhum problema?
Não. Mas acontece que quase todos entravam, porque o ensino experimental
dava condições de eles serem praticamente mais bem alfabetizados, e mais bem...
175
Então era mais forte?
Mais forte.
Bom, professor, uma última questão: como o senhor vê a educação física da
década de [19]70, [19]80 e a educação física que o senhor vê hoje – no caso, a
educação física escolar de hoje? O senhor vê alguma diferença entre elas? Ou
alguma desvantagem de lá, alguma vantagem daqui? Gostaria que o senhor fizesse
uma comparação entre os períodos. Eu sei que é algo bem abrangente, mas
gostaria que o senhor procurasse esboçar alguma coisa.
É muito difícil, é muito difícil. Nós tivemos um período... Não, acontece o
seguinte, eu não posso ‘tá’ opinando muito, porque eu saí... Em [19]89 eu deixei o
Estado e fui trabalhar somente nas faculdades: Faculdade Anchieta – e, mais teórico – a
Faculdade de Educação Física, com prática de ensino e... E conheci a Educação Física
até dois mil e pouco, ‘né’?, anos dois mil, através dos relatos que os alunos tinham
quando faziam o estágio obrigatório. Muita crítica, assim, em relação aos professores,
em relação à situação de algumas escolas, principalmente daquelas escolas de periferia,
onde não tem material, onde os alunos não respeitam as escolas, não respeitam
autoridades. Então, realmente eu vi muita crítica em relação ao funcionamento da
educação física e das escolas, de um modo geral. Anterior esse tempo, em função,
talvez, da própria obrigatoriedade, da própria... Porque a maioria dos professores
usavam um método francês, que era um método mais rígido, onde exigia mais do aluno.
E é difícil, honestamente, fazer uma comparação, porque se eu pudesse voltar, eu
voltaria aí nos moldes que eu trabalhei.
E que foi muito significativo na época do senhor, não é?
Foi, foi, foi.
Bom, professor, a entrevista é essa. Não sei se o senhor gostaria de deixar
alguma última palavra, para a gente estar encerrando. Já, de antemão,
agradecendo muito, porque realmente são dados que nós não encontramos nos
livros; são coisas a que se tem acesso só entrevistando, realmente, pessoas que
fizeram parte da Educação Física e que tem uma visão de mundo diferenciada,
como é o caso do senhor, a gente consegue coletar, não é? Então, agradeço, e
gostaria que o senhor deixasse uma última palavra sobre essa educação física que é
176
amada por nós, mas que, com tantos problemas, tantas dificuldades... Pensando na
Educação como um todo: ser educador é muito difícil, não é?
É, ser educador é muito difícil, principalmente nesse mundo que nós vivemos:
um mundo de drogas, um mundo de violência. Mundo aonde o traficante passa a ser
exemplo de alguns jovens, principalmente crianças da periferia, quando se apresentam
bem vestidos, com grandes carros, e tudo mais. E, quando o aluno pergunta ao professor
quanto ele ganha, onde ele mora, entendeu? Ele não tem, assim, o professor como um
ídolo...
Um modelo, não é?
... o professor como um modelo a ser seguido. Mas eu espero ainda que isso
venha sofrer modificações e que possa voltar a ser ‘respeitada’ como deveria ser.se nós
conseguíssemos, nós, professores, ainda, mudar um pouco a nossa forma. Porque você
só pode mudar algo quando você se modifica. Então, a modificação tem que começar
dentro de cada um. Eu espero que isso aconteça por uma necessidade natural das coisas.
E eu espero que eu tenha te[?] dito[?] alguma coisa, entendeu?
Ah, foi muito gratificante, muito bom mesmo. Obrigado professor!
FIM DA ENTREVISTA
177
ENTREVISTA COM PROFESORA “B”
Bom, eu vou fazer algumas perguntas para a senhora, Professora (B). E
essas perguntas são de caráter aberto, a senhora pode se aprofundar ou ser mais
sucinta, e isso vai depender da nossa conversa. Depois eu vou estar transcrevendo
essas entrevistas ok.
Os trechos mais importantes...
Sim, os mais importantes, senão a minha dissertação teria umas mil
páginas... [riso] E essa gravação é muito importante para que eu possa, depois,
analisar a entrevista que nós faremos.
Tudo bem.
Tudo bem, professora?
Tudo bem.
Então, a primeira pergunta: eu gostaria de saber como foi o processo de
escolarização da senhora antes de entrar na faculdade de Educação Física. Conte-
me a respeito.
Bom, eu fiz o primário numa escola de freira, ‘né’? Eu fiz na Escola Paroquial.
Aí, depois eu fiz o Ginásio no Conde do Parnaíba, ‘né’? Não, minto, no Instituto de
Educação. E o Segundo Grau, que é o Ensino Médio, eu fiz no Colégio Rosa.
Em Jundiaí?
Aqui, tudo aqui em Jundiaí, ‘né’? Aí eu parei por um bom tempo, porque eu
tinha um bom emprego, ‘né’? Eu tinha um bom emprego, então eu não precisava
continuar. Mas eu prestei concurso no Estado como escrituraria, e, na minha época, o
delegado de ensino era o Professor Bonilha[?], e ele sempre dizia assim pra mim: “Ô,
“Professora B”, volta a estudar, volta a estudar, porque se um dia tiver concurso você
perde a sua vaga”. Aí, eu voltei, não fiz na primeira turma, não fiz no início do ano, eu
fiz na segunda leva – porque na minha época ‘teve’ dois ‘vestibular’, ‘né’? Teve um em
dezembro e outro foi em janeiro, e eu fiz nesse de janeiro. Tinha umas vagas
remanescentes, e teve o segundo vestibular. Então eu entrei nesse período, no segundo
vestibular.
178
Na faculdade de Educação Física?
Na faculdade de Educação Física, que foi a minha primeira faculdade.
Isso no ano de [19]77?
Isso... Não! No ano de...
Desculpa, [19]75.
No ano de [19]75. [19]75. Eu me formei em [19]77.
A formação foi em [19]77. E nessa época, professora, o que a senhora
costumava ler? Quais eram as expectativas que a senhora tinha com a faculdade de
Educação Física?
É, naquela época...
Porque a gente sempre tem uma expectativa, não é?
É, é... Naquela época eu me aprofundei bastante, viu? Porque aí eu queria ser
professora de Educação Física.
É. Eu queria ser professora de educação física, então eu estudava tudo o que
tinha relacionado à Educação Física, aos esportes que ‘tavam’ acontecendo: olimpíadas,
futebol, tudo o que ‘tava’ acontecendo eu queria saber. Então eu seguia tanto livros
como jornais.
O que levou a senhora a querer estudar foi o esporte? Ou o esporte era o
que mais agradava? Fale-me um pouco sobre.
Era o que mais agradava.
Era o esporte?
É, era o esporte, era o esporte. Tanto é que, quando eu entrei na faculdade, eu
quase fiquei, assim, meio chocada, porque, a princípio, teve bastante aula teórica, ‘né’?
Teórica, é...
...e muito pouco ‘prática’, ‘né’?
179
[riso] Frustra.
Eram poucas as aulas práticas, eram mais teóricas. Mas eu tive muitos bons
professores: Nossa, o professor Vicente, o Renato Nalini, que, hoje, é desembargador, a
Professora Maria Tereza. Eu tive professores excelentes: o Jurandir, o Bisolli, ahn...
quem mais?...
O próprio Afonso, não é?...
O próprio Afonso... Muitos bons professores... A Maria Teresa... a Mara.
Então... Aí, depois, aquela falta da aula prática, ela ficou suprida porque as aulas
teóricas ficaram ‘interessante’.
Entendi.
Então...
E a senhora disse que escolheu ser professora de educação física...
Pelo esporte.
Pelo esporte?
É. A princípio, eu queria ser professora só de voleibol.
E aí o esporte é, então, o que lhe agradava mais, não é? [riso]
É, o voleibol [riso]. É. Depois, pelo fato de eu ter feito [durante] muito tempo
dança, ‘né’? Que eu fui professora... Eu fiz balé, ‘né’? Então eu achava que eu ia ser,
assim, exímia professora de GRD. E, no fim, não fui, ‘né’? Não tinha... não foi feito
isso. Porque eu dei muito pouco tempo aula, ‘né’? Dei muito pouco tempo aula. Porque
logo depois...
A senhora pegou o projeto, não é?
É, é. Eu trabalhei... Como eu falei pra você, eu tinha trabalhado naquele
programa do Profic, então eu me dei, e trabalhei também... Fiz o mestrado em cima da...
a educação física auxiliando a alfabetização, porque eu comecei [a] dar aula só de 1ª a
4ª, com as crianças de 1ª a 4ª , ‘né’?
Aula de educação física?
180
De educação física. Então a gente trabalhava muito com... eu trabalhava muito
com joguinhos. Então eu me interessava [pelo] o que o professor ‘tava’ dando na sala
de aula, ‘né’? E eu aprofundava na Educação Física, pra não ficar, assim, muito
maçante, ‘né’? Então, por exemplo, quando era português, eu fazia um monte de
letrinhas e jogava no chão, e fazia com que eles formassem frase... ou palavras difíceis,
às vezes algumas palavras difíceis eu ditava e eles tinham que fazer. Aí, eu fazia em
grupo, ‘né’? Pra eles fazerem como uma competição. E, a cada erro, ia sendo eliminado
– que é uma coisa que eu não gosto, eliminar criança, ‘né’? Porque ela fica frustrada.
Mas na época foi o que eu fiz.
É, a gente vai aprendendo, mudando algumas concepções... Acho que todos
somos assim, não é?
É. Hoje eu já não faria isso. ([risos]) Não faria, de maneira nenhuma, ‘né’?
Depois a senhora foi fazer um mestrado em Educação Física?
Em Educação Física, fiz lá na Unicamp.
A senhora foi atrás de um mestrado porque percebia uma relação entre a
educação física e alfabetização?
É, porque como eu já ‘tava’ dando aula de 1ª a 4ª, então, pra mim, era o mais
importante. Então eu precisava saber alguma coisa diferente para que não ficasse, assim,
só com bola, só com arco, só com corda, ‘né’? (Entendi) Só com corrida. Então eu
precisava saber alguma coisa... como é que eu tinha que trabalhar com essas crianças
pra que eu pudesse ajudar na sala de aula.
E havia essa parceria?
Havia. Naquela época havia. (Interessante) Não só comigo, mas com os outros
professores que também davam aula – também teve. E o mais interessante... ‘Cê’ vê,
nós brigamos porque foi assim... O que ‘que’ era a Educação Física? Quando eu entrei,
a Educação Física, ela era separada: masculina e feminina. Só que você tem aquele
problema: alguns arrumam atestado, ele é liberado. Alguns tinham problema mesmo:
porque fazia-se o exame médico (eles tinha problema mesmo), então já eram liberados.
Outros, arrumavam atestado de trabalho – porque arrumando um atestado [que
comprovasse] que trabalhasse seis horas, ele era dispensado também. Então, conclusão:
181
uma classe era mista já, já não era mais masculina e feminina; a classe era mista. Então
você tinha que trabalhar com três, quatro classes pra formar uma turma. (Entendi.)
‘Tá’? ‘Cê’ tinha limite – que nem: ‘era’ 35.
Professora, e essas classes mistas eram uma imposição da escola, do
Governo, ou era...?
Não, era o Governo, era o Governo. Porque antes, as ‘classe’ era masculina e
classes ‘feminina’. E depois, não, ela passou a ser mista, pra não ter problema, ‘né’?
Então ficaram classes ‘mista’, como é hoje, ‘né’? As classes são mistas. Então, para que
você formasse uma turma feminina, ‘cê’ precisava de três, quatro ‘classe’.
Então a Educação Física continuava sendo separada aí?
Separada, separada. Era masculina e feminina. Então, para você fazer uma
turma, você tinha problema muito sério. Então, quer dizer, naquela escola, você, no
lugar de ter, por exemplo, nove turmas, você tinha seis. ‘Tá’? Diminuía muito, muito,
por causa disso, ‘né’? Se algumas ‘tivesse’ filho, ou que estudasse à noite, tinha sérios
problemas, que elas eram ‘dispensada’.
Eram dispensadas, não precisavam fazer?
Não precisavam fazer educação física. Então as turmas era o problema. E
quando eu comecei com a educação física para criança, nós, professores, é que tínhamos
brigado pra que essas turmas viessem pra nós. Porque quem dava educação física para o
Primário era a PEB I. Então nós fizemos um movimento – quer dizer, o Estado inteiro –
para que essas aulas viessem pra nós. Mas, ‘cê’ vê, do mesmo modo que nós fizemos
esse movimento para que as aulas viessem para nós, nós ‘mesmo’ não soubemos
trabalhar pra continuar com essas aulas.
É verdade.
Porque, aí, ninguém queria pegar as aulas de educação física de 1ª a 4ª.
Os menores...
‘Cê’ entendeu? Aí nós tivemos um problema muito sério, porque aí não tinha
professor. ([riso]) Certo?
182
Foi um “tiro no próprio pé”? [risos]
É.
Professora, e aí, além da licenciatura em Educação Física, a senhora cursou
outra faculdade?
Educação... Eu tenho História e tenho Pedagogia.
A senhora fez Pedagogia também?
Fiz, fiz. Pedagogia. Porque aí, depois, é aquele negócio, uma outra coisa minha:
não gosto muito de sol.
Ah, ‘tá’. [riso]
E na minha época não tinha quadra coberta.
Não tinha essa “moleza”? [riso]
Era: todas quadras eram ‘descoberta’. Um sol danado. Então eu ficava atrás do
poste. E não gostava do sol. E então...
Então eu falei assim: “Bom eu vou ter que sair daqui, eu vou ter que fazer outra
coisa”. Aí eu fiz a Pedagogia. Aí eu peguei a direção. Primeiro peguei a vice, ‘né’?
Depois direção.
‘Tá’ certo.
E a história, eu dei aula muito em escola particular. E, no final, eu dava aula no
Estado também.
A senhora dava aula no Estado também?
É, é. Tanto que eu me aposentei agora, há dois anos atrás, com História. Embora
eu estivesse na direção... Mas a minha formação era História.
Na época a senhora se formou e, depois, que atuou, quais eram os
conhecimentos nas políticas públicas que subsidiavam, que pautavam a Educação
Física? A senhora já disse que os alunos eram separados, ‘né’? O que mais, conte-
me mais a respeito.
183
Separado.
E que havia uma série de condições para que eles pudessem ou não cursar,
não é isso? Fazer a disciplina...
Isso, a Educação...
E tem mais algum outro fato político que a senhora lembre que acontecia na
época?
É, naquela época, para que você, por exemplo... Eu: como eu podia dar aula
também do SPB e Educação Moral, a gente só podia dar aula desde que o quartel
permitisse, ‘né’? Quer dizer, a parte militarista, principalmente o quartel, ‘né’?, seria
aprovada por eles.
Então tinha que ter um aval?
Tinha. ‘Cê’ tinha que... Se você tivesse uma ficha mais ou menos conturbada,
você não daria aula de jeito nenhum.
Então tinha isso?
É, eu não cheguei a pegar isso, mas eu soube, naquela época, que muitos
professores... O quartel, o pessoal aí do exército ia assistir aula.
Isso por conta da ditadura?
Por conta da ditadura. E eu não cheguei a pegar isso. Na minha classe nunca
chegou a acontecer isso, mas eu soube de gente [com] que[m] aconteceu.
Falando um pouquinho da escola em que a senhora trabalhou: havia algum
plano, uma diretriz pedagógica? Pensando assim: “Professor, siga por esse
caminho, vá por esse caminho”? Ou não? Como funcionava isso? Fale-me a
respeito.
É, geralmente você tinha o subsídio do Estado.
Do Estado?
É, o Estado, ele dava o seu subsídio. Aí você sempre trabalhava com o subsídio
dele. Quando a gente fazia o planejamento, você tinha, assim, em comum com os outros
184
professores. Mas sempre diretoria dava a orientação para o diretor e o diretor, para os
professores.
Então tinha uma orientação?
Ah, tinha, sempre teve.
E material pedagógico? Além do prático, assim? Tinha alguma coisa teórica
que subsidiasse o trabalho, ou não?
Não, não, a gente tinha uma apostila, que eu vou lembrar o apelido que nós
demos dele: tijolão. [risos]
Tijolão?
É. [risos] Era uma apostila que foi dada pra gente, ‘né’? E a gente ia por aquele
tijolão lá, ‘né’? Ele tem um outro nome, mas eu não ‘tô’ lembrada. Mas a gente falava
tijolão, tijolão, e a gente ficava..
Por quê? Ele era grande?
É.
[risos] Era pesado?
Um calhamaço. Então, ali tinha praticamente todas as disciplinas, e então você
seguia mais ou menos aquilo que ‘tava’ ali.
Ah, entendi.
Certo? E, agora, como eu trabalhei no programa do Profic, a gente tinha uma
apostila... Porque logo que eu ingressei... A primeira escola que eu trabalhei, além
dessas que eu falei pra você, que foi depois... Mas anteriormente eu trabalhava no
Profic, no Programa de Formação e Integração da Criança. Essa aí, ela era específica,
porque eram poucas as escolas no Estado que tinham esse programa.
Quem fazia esse programa?
Esse programa era um trabalho entre o Estado e o Município. Entre os dois:
entre o Estado e o Município. Então, ali, a parte da limitaçãozinha do município, ‘né’? E
os professores eram do Estado... Quer dizer, como, mais ou menos, trabalha-se hoje, é
185
mais ou menos da mesma forma naquela época. A gente tinha um convênio, Estado e
Município.
Eram vinculados, não é?
É. Nessa época, o traba... o material didático era muito bom. Hoje existe uma
falha, ‘né’? Hoje é difícil. Embora ‘parece-me’ que agora vem vindo umas verbas
melhor, ‘né’?
É, está sendo apostilado agora, ‘né’?
É.
Estão vindo apostilas, para que talvez elas possam ajudar o professor, não
é?
É, é. Naquela época não era essa... Você tinha... Praticamente você era livre pra
fazer o que você queria, ‘né’? Você era meio livre. ‘Cê’ tinha que seguir mais ou menos
aquilo.
Eles davam uma idéia?
Uma orientação. ‘Vamo’ lá: uma orientação. Mas você era mais ou menos livre.
Então, por exemplo, se eu quisesse trabalhar... E, geralmente, nessa época você
trabalhava as quatro ‘modalidade’, ‘né’? Basquete, vôlei, handebol e...
Futebol de salão?
Não, atletismo.
Atletismo?
Atletismo. Atletismo. Ahn... O futebol, muito pouco. Não se dava... Os meninos
tinham, as meninas, não, ‘né’?
É engraçado, porque até no currículo não tem futebol. A senhora não teve
futebol, não é?
Não, não tive. Não, eu não tive futebol.
Atletismo: tem dois módulos de atletismo, mas de futebol não tem nenhum.
186
É, atletismo nós fizemos, ‘né’? Mas futebol, não. Os meninos só foram ter
futebol acho que no último ano nosso. Acho que no último, com a Alaércio, que hoje
‘tá’ na Prefeitura, ‘né’? Então, os meninos, ‘parece-me’ que ‘teve’ no último ano. As
‘menina’, não; as ‘menina’ não‘teve’.
Interessante, bem interessante.
É, o nosso curso só funcionava à noite, nós não tínhamos aula... só de sábado
que era durante o dia. Inclusive a natação, era no Colégio Divino Salvador, à noite.
Nossa!
Nessa época aqui era horrível o frio! Horrível!
Eu imagino...
[riso]
Professora, então havia uma certa diretriz do Governo, mas havia uma
autonomia também? Fale-me a respeito.
Ah, autonomia, total. Total.
Havia um certo controle estatal?
Não, não. Não.
Não pode se dizer isso?
Não. Não.
Apesar de estarmos, ali, num período permeado pela ditadura, não havia
isso?
Não, não, não. Não tinha, não. Hoje já tem, ‘né’?
Hoje já está mais complicado [riso]...
Hoje já tem, por causa daquela apostila lá, que...
Pode-se dizer que é um outro tipo de cerceamento?
É. Mas na minha época não tinha não.
187
E o Governo oferecia algum curso de especialização, alguma formação?
Não.
Subsidiada pelo Governo, não que o professor tivesse que pagar por isso...
Não, hoje, eu acho que tem muito mais do que antes. A única coisa que eu vou
voltar a repetir é esse programa que a gente tinha alguns cursos em São Paulo, mas só
nesse Profic.
Só no Profic?
Só no Profic. Que eu me lembre, nos outros, não.
Nada?
Não. Nem quando a gente dava aula de 1ª à 4ª?
Nada, nada, nada?
Não, não. Eu não lembro disso. Pode ser até ser que tenha [tido], mas [que] na
minha memória eu não registrei isso ainda.
É, porque cada professor viveu num contexto, não é?
É, eu não lembro. Mas no Profic tinha. Eu fiz diversos cursos em São Paulo,
‘né’? Inclusive na USP.
Aí o Governo é que pagava?
É, é, o Governo é que pagava, é. Você ia com a perua da diretoria. ‘Ia’ todos os
professores, porque nós éramos em cinco, ‘né’? Então iam todos os professores... Aí,
enfim...
Agora, falando bem especificamente sobre a educação física escolar: pra
senhora, o que é educação física escolar?
Olha, pra mim ela é uma das matérias mais ‘importante’ que se possa imaginar.
Eu acho que nós, professores, deveríamos dar mais valor à nossa área porque ela é
extremamente importante. Eu acho assim: aonde o aluno, ele tem um contato mais
direto com o professor? Na educação física. Porque aí ele pode conversar, aí ele traz os
188
seus problemas, você consegue um diálogo bem maior junto com ele, ‘né’? O
relacionamento seu com o aluno é muito grande. As dificuldades que essas crianças
encontram, às vezes, no lar ou mesmo com outros professores, eles levam para o
professor de Educação Física. Ele leva pro professor de Educação Física. Então eles
esperam do professor uma solução. Eu acho que isso é...
Vai além do simples fato de estar ali, não é?
Vai além daquilo que... ‘Cê’ pensa que ele vai só na prática, ‘né’? Não. É mais
no emocional, no sentimental. Eu acho que é muito importante a Educação Física pra
eles. Nossa, pra mim é uma das matérias... Tudo bem que os outros é coisas... Mas [é] a
socialização dentro da Educação Física.
Deixa eu formular duas em uma, já que a senhora aprofundou um
pouquinho: como é que era a prática pedagógica no ano? Como era dividido? A
senhora até disse que havia uma divisão...
Eu faria, eu faria... Eu fazia a divisão. Porque eu achava que a criança, ela teria
que saber qual das modalidades... Porque eu sempre dizia: “Aqui a gente dá o
fundamento, mas, se você quer se especializar, é no CUMP[?], porque a gente não tinha
oportunidade de levar essas crianças para outras coisas. Porque hoje tem os jogos
escolares. Na minha época não tinha esses jogos. A gente fazia entre a escola. Então eu
vou dar um exemplo: eu tinha uma turminha de vôlei muito boa, então eu, por exemplo,
eu jogava com a turma lá do Ana Paes.
A senhora que marcava isso?
A gente que marcava.
Entendi.
Então, você arrumava o transporte, você levava com seu carro. Às vezes, as
‘criançada’ ia de ônibus, sabe? Mas você que financiava. Então a gente fazia isso. Eu
não me lembro desses jogos que tem agora, não lembro se a gente tinha naquela época,
‘né’? A gente que fazia esses jogos.
Era promovido pelo próprio professor?
Pelo próprio professor.
189
Então a prática pedagógica da senhora... Descrevendo um pouquinho da
prática: a senhora falou que os fundamentos eram uma coisa que acontecia?
Acontecia. Isso que você tinha que dar.
Os fundamentos?
Ah, sim. Inclusive, na época de chuva, como as quadras eram ‘descoberta’, a
gente praticamente colocava as regras, aquelas principais, na lousa.
As regras dos esportes?
Dos esportes. O tamanho da quadra, o tamanho da bola, o tamanho da área, o
tamanho não sei do quê... Isso a gente punha na lousa, para que eles viessem a saber
também, que não era, assim, jogado, ‘né’? Porque não pisa, por que pisa... Sabe aquelas
coisa?
Para não ficar sem sentido, não é?
Por que ‘cê’ tem que dar em três minuto, três ‘segundo’. Por que isso? Sabe
aquelas ‘coisa’? Isso a gente dava.
Isso a senhora teve na faculdade com bastante profundidade?
Bastante. Nossa, foi muito, muito bom.
Essas regras?
Nossa... Nós tivemos... Muito. E essas regras, assim, mais sucintas, assim...
Mais, assim... Em contexto[?] bem, assim, levinho[?], pra você poder passar pra aluno.
Pra poder jogar, ‘né’?
É, é.
Regra pra poder jogar, ‘né’?
Isso, isso.
Pra ter o “mínimo” de jogo ali, ‘né’? [riso]
Isso. Isso a gente tinha.
190
E isso foi aprendido na faculdade?
Foi na faculdade. Opa! Aliás, essa parte que eu falo, assim, da divisão foi na aula
da faculdade também. Eles achavam que a gente tinha que dar aula todas as disciplinas,
pra ver ‘o’ qual modalidade que ‘nóis’... que ia seguir depois. Isso eles faziam pra gente.
Professora, muito se fala sobre, a partir da Ditadura Militar, o Governo ter
feito o esporte adentrar de vez nos espaços escolares – e ele acabou tomando conta,
realmente foi um conteúdo hegemônico, como acontece ainda hoje, não é? Ele é o
conteúdo que passa na TV... Enfim, por ter uma grande notoriedade social. E isso,
se diz que foi a partir da Ditadura Militar. Como a senhora vê essa esportivização
da educação física a partir da Ditadura Militar: positiva, negativa...? Houve
realmente? Conte-me um pouquinho sobre.
Positivo, positivo.
A senhora acha que foi importante?
Foi. Nossa! Foi muito bom esse período pra eles.
A senhora acredita, então, que o esporte é uma grande ferramenta
educacional?
É, porque, veja só, o que ‘cê’... Não ficou dentro só do esporte: esporte, esporte,
esporte. Você explicava um monte de coisa: por quê? Por que ‘que’ você faz isso? O
que ‘que’ você tem que fazer? [A]o que ‘que’ o esporte te leva? Então eu sempre
brincava assim: “Ó, o esporte te leva ao pensamento, porque você não fica só naquele
quadradinho, ‘né’?”
Claro, claro.
Então nesse período se fazia muito ‘pá nada’[?], ‘né’? Qualquer festividade,
tinha disparada[?]. Então você tinha que ensinar as ‘criançada’ a marchar...
Isso era comum?
Ah, era. Qualquer atividade, assim, qualquer data cívica você tinha que fazer. E
isso era uma coisa, uma pompa, ‘né’?, dentro do período militar. Era uma coisa que eles
queriam, ‘né’?
191
É, era bastante propalado, não é? [riso]
[riso] É, porque fica bonito, porque aí eles também saíam, ‘né’? Não eram só
nós, mas eles também. Então os desfiles, antigamente, ‘era’, assim, astronômico. Todas
as escolas...
[entrevistada se dirige à terceiro – Solange, põe a Natasha pra lá, porque ela fica
cheirando aqui a gente, vai?]
E então... Precisava a gente ter isso daí, ‘né’? Eles precisavam.
Na época era muito importante...
Era, é. Eles precisavam disso.
E a senhora vê importância nesse período dessas comemorações cívicas
dentro da escola...?
Você quer ver uma coisa que ‘foi-se’ tirado e que eu acho que naquele período
tinha, e ‘foi-se’ tirado... É o hino nacional. Ninguém canta mais o hino nacional.
Ninguém mais sabe nem as cores da bandeira e nem quantas ‘estrela’ tem aquela
bandeira. Ninguém sabe mais que aquela estrelinha que ‘tá’ ali em cima não é o Distrito
Federal, não é o estado do Pará. E ninguém sabe disso, ‘né’? Quantas ‘estrelinha’ tem a
bandeira. Então, e isso era importante. E naquela época a gente... em fileira, tudo
bonitinho. Era meio militar mesmo. Mas eu achei muito importante esse período. Pode
ser que muita gente não tenha gostado, mas ele foi importante nessa época. Porque hoje
as nossas crianças não têm esse ‘brasileirismos’ aqui, total, ‘né’? Não tem. E quando
que nós vamos ter? Quando tem jogos da Copa do Mundo...
E só. Infelizmente talvez, não é?
E olha lá.
E olha lá. [riso]
E olha lá. Certo? Eu acho que foi um período bom, uma pena que tenha
terminado [riso] – embora eu não quero que o [período] militar ‘volta’.
192
É, é que algumas coisas foram positivas. Não adianta a gente jogar tudo no
mesmo saco ali, e falar: “Nada daquilo prestou...”
Não, foi um período muito bom. Eu acho que foi um período muito bom.
Para a Educação Física, que pontos positivos a senhora atribui a esse
período?
Ah, muito bom, porque foi um período que as crianças foram ‘valorizada’. Foi
um período que as crianças, eles tiveram, assim, uma oportunidade maior.
E os professores de Educação Física? A senhora acredita que foram mais
valorizados neste período – por conta do esporte, alguma coisa...?
Ah, sim. Ah, sim. Tanto é que é o que ‘tá’ dando agora, ‘né’? Não foi no nosso
tempo, mas foi o que cresceu agora. Não foi no nosso tempo. Mas nós plantamos para o
pessoal de agora.
Sim.
Certo? E esses profissionais que ‘tão’ aí agora, mesmo a nossa Prefeitura, que
não tinha todo esse empenho grande dentro do esporte, hoje ‘tá’ aí. Então, quer dizer:
quer, queria, quer, não, a nossa geração, esse período militar, esse período aí, deu esse
curso[?] grandão que ‘tá’ aí.
Foi o início?
Opa! Opa!
Professora, e como é que era, as suas aulas diárias... Era bimestral, à época?
É, é bimestral.
Quem definia, e como se definia o que ia ser dado? Também: como, na
época, vocês avaliavam o aluno? Tinha algum tipo de avaliação?
Tinha, sempre teve. Sempre teve avaliação.
E quem definia o que ia ser dado? “Esse bimestre vai ser isso, no outro vai
ser isso...”
Não, isso era a gente.
193
Era o próprio professor? Conte-me a respeito.
É, era o próprio professor. Eu poderia jogar... Por exemplo, dar handebol agora e
depois basquete. Podia mudar. E, se por um acaso, eu tinha estipulado no planejamento:
“Vamos lá: handebol, vôlei basquete e atletismo”, se eu quisesse mudar, eu mudava o
meu planejamento. Eu podia mudar, eu podia. Porque, às vezes... Como eu falei pra
você: às vezes, a gente tinha a Inter-Escola, ‘né’? Então eu cheguei a levar, [durante]
muito tempo, o pessoal meu lá pra Louveira, porque eu também dei aula lá em
Louveira, ‘né’? No tempo do Tadeu, que hoje ‘tá’ nos Estados Unidos com o futebol.
Ele foi o professor da minha época, ‘né’? Ele se formou depois de mim, mas eu
consegui levar ele comigo lá pra Louveira. Então ele foi comigo lá pra Louveira. Então
a gente fazia um intercâmbio entre nós, sempre teve esse intercâmbio. Mesmo o Bissoli:
o Bissoli era daqui do Conde. Ele foi professor daí.
Eu não sabia.
Opa, o Bissoli[?] foi professor do Conde. Opa!
Ele é formado pela ESEF também?
Não, PUC. Ele é pela PUC. Interessante, o Bissoli[?], eu trabalhei junto com ele
no fórum, ‘né’? Nós trabalhamos no fórum. Aí, ele, o Edvar, o Batista foram pra PUC, e
eu continuei no fórum. Aí, depois, a Educação Física veio pra cá... Porque aí eu já era
casada – eu casei muito cedo, ‘né’? Então eu já era casada, eu já tinha a minha filha –
tanto é que eu tenho o apelido na faculdade de mãe.
[riso]
É. Então eu fui bem depois na faculdade. Certo? Eu fui com... ‘meia’ velhinha
já. Tanto é que a minha filha jogava vôlei.
É?
É, minha filha jogava vôlei.
Talvez influência, não é?
É, ‘cê’ vê?
194
Na época que a senhora trabalhava como professora de Educação Física,
como os alunos se manifestavam a respeito dela? Como era?
Ah, gostavam...
Eles gostavam?
Nossa, não falte, porque, senão, você vai ter um... eles crucificavam você no dia
seguinte! [risos]
É? [riso]
Crucificavam. Porque a educação física era aquela aula gostosa. Mesmo ele
tendo... “Vamos lá! Quinze minutos de... Cinco voltas na quadra pra aquecer! ‘Vamo’
lá, ‘vamo’ lá! Aqui! Vai” Eles faziam.
Eles gostavam?
Gostavam! Opa!
Então participavam?
Participavam.
Não ficavam no cantinho?
Não, no cantinho, aquele “INPS” que a gente chamava, ‘né’? ([riso]) Que foi lá
da faculdade também [o termo]. Os “INPS” era quando as meninas estavam muito
doente, ou menstruada, aquelas ‘coisa’ toda, aí elas ficavam ‘encostada’... Mas era
assim – na minha época era assim: tinha que anotar o que ‘tava’ sendo dado.
Os alunos?
Ô! Porque, senão, ele tinha que ter uma participação, ele ficava sentado ali, mas
não ficava conversando lá. Ele ficava na quadra vendo a aula, e ele tinha que anotar:
tanto da aula, não sei que, corrida, patati, patótó. Depois, no final da aula, eu ia e
passava visto.
E como a senhora avaliava esses alunos? Não somente esses, mas todos.
Tinha algum conceito: A, B, C...? Como era?
Tinha, tinha. No início eram nota, nota mesmo.
195
Número?
Número, número. Depois que passou a ser conceito. Mas era assim, eu dava
uma... Porque lembra que eu tinha dito? Quando chovia, você dava aula em sala de aula,
‘né’? Porque, normalmente, a gente usava... Como era aqui na Vila Rio Branco, um
ficava na quadra da Avenida Rio Branco e o outro ia lá pro Pedro Raimundo.
O ginásio ali, ‘né’?
É, lá. Então, um ficava aqui e o outro ficava lá. Ou os dois pra lá – cada um num
lugar, ‘né’? E a gente, além da prática que eles tinham que fazer, ‘né’?, a teórica
também a gente dava.
Então a avaliação era basicamente a aula prática...?
E teórica.
No caso da aula prática, a senhora avaliava a qualidade do jogo? Como
era?
É, porque você não pode analisar aquele que tem dificuldade, ‘né’? O que tem
dificuldade, ele tem dificuldade, mas ele deu o máximo que ele pode dar naquele
momento.
Era a melhoria, então? Se o aluno melhorava com relação ao começo do
ano...?
É, é.
Era assim?
Era.
E a teórica, era como se costuma fazer mesmo?
É, teórica é teórica mesmo.
Teórica é teórica mesmo?
É, teórica mesmo.
196
‘Tá’ certo. E a comunidade, professora? Como ela via a educação física? A
comunidade, que eu digo, o entorno da escola. Como a educação física era vista
pelos pertencentes ao âmbito escolar? Fale um pouco sobre isso por favor.
Olha, eu nunca tive problema. Como eu só fiquei com Educação Física no
Bertola Quaker e aqui, no Cecília, a comunidade aqui da Vila Rio Branco é excelente,
‘né’? Não sei como é que ‘tá’ agora, mas na minha época ela era excelente, excelente
mesmo. Porque tinha...
Apoiavam a senhora?
Nossa... Olha, nós tínhamos uns pais que: “Olha, nós precisamos pintar a
quadra”... Você tinha: no sábado e no domingo, a gente pintava a quadra. “Olha, nós
vamos fazer um mutirão de limpeza na escola”: [era feito] um mutirão de limpeza na
escola. E geralmente era o professor de Educação Física, porque ele ‘que’ tinha, assim,
mais liberdade com os alunos, ‘né’? Então ele que ia. Opa!
Ia na frente?
Opa! O! O professor ia sim. Ô! Os pais também. Aí, depois nós tínhamos um
diretor que fazia churrasco. [risos]
Olha, que beleza!
Ô, meu Deus, o Seu... O Juca. Ô, meu Deus, que beleza! Juca, a Maria Helena,
que foram os meus diretores aqui, ‘né’? Nossa!... Seu Paulo Mongeli. Eram excelentes
diretores que eu tive aqui na Vila Rio Branco.
Nas escolas públicas?
É.
Professora, e como a senhora compreende a Educação Física...? Se a gente
for fazer uma comparação, eu sei que é meio difícil de falar, mas eu gostaria de
algumas palavras a respeito: como ela foi, na década de 1970, 1980, e hoje,
atualmente, no ano de 2010. Dá para fazer uma comparação? Como a senhora via
a Educação Física de lá das décadas de 1970, 1980 e como a senhora vê agora, em
2010?
197
Olha, eu vou falar pela última escola que eu trabalhei: ‘comé’ que eu dava aula
antes e ‘comé’ que eu vejo agora. É aquilo que eu acho que eu já falei no início e não
‘tava’ gravado. Aqui na Vila Rio Branco e na Vila Marlene nós temos dois professores,
um no Benedito Arruda, aquela na Agapeama, que é a Mara, de atletismo, que é
excelente. E aqui na Vila Marlene, a Marlizinha, de handebol, e que é excelente. Mas a
única coisa que eu acho... Assim, o grande problema de você dar esporte específico na
escola é que só um grupo participa, os outros alunos, eles ficam mais ou menos ali, ‘tá’?
Do ladinho.
Acaba excluindo, não é?
É. Embora [com] a Marlizinha, e mesmo a Mara também, eu via isso. Ela fazia
um rodízio. Certo? Porque aqui, se você não fizer rodízio, os alunos escapam. ([riso])
Na Vila Marlene, se você não fizer rodízio, eles escapam. Eles somem dentro da quadra.
Então, era aquele inferno: aprontar eles tudo na quadra, de novo... Porque hoje a quadra
é fechada, e a quadra tem portão. O Almário, já, não; o Almário já é um... O Almário já
tem, já tinha mais domínio, porque ele dava na rua... Uma das ruas lá da escola não tem
muito movimento; ele dava na rua, e os alunos não escapavam.
Atletismo, por exemplo: ele dava na rua?
Na rua. E os alunos não escapavam.
E hoje em dia, como a senhora vê? Uma visão de quem não está mais
atuando, mas...
Sabe?, faz tempo que eu não vejo mais... Aliás, há dois anos, ‘né’? Eu não sei
como é que ‘tá’ agora. Agora eu não sei. Eu, pra mim, acho que ela continua do jeito
que eu tinha visto há dois anos atrás.
Mas pior, melhor...?
Não, eu acho que agora... é melhor!
É melhor?
É melhor, é melhor, porque agora você define o aluno pra [o] que ele quer.
Agora é melhor. Eu acho que agora é bem... muito melhor. Porque naquela época, como
198
você não tinha muito espaço pra eles irem pra cá e pra lá, nem [tinham] clubes que se
fizesse isso... Hoje os clubes ‘arrebanha’ esses bons alunos. A gente não tinha...
Você tem para onde direcionar...
É, você não tinha esse espaço. Hoje é melhor. Hoje a Educação Física... Nossa!
Um bom professor ‘tá’ aí, é um prato cheio.
Tem bastante ferramenta?
Tem, tem. Hoje tem. Porque hoje tem diversos ‘clube’, e os ‘clube’ que estão
pegando esses alunos. Porque, veja... Eu vou voltar a falar da Vila Marlene. Lá nós
temos muitos alunos lá que é futebol, e ‘tá’ aqui no paulista. Tem meninos treinando no
São Paulo, lá em São Paulo, no Palmeiras... Nós temos alunos. Porque o que nós
fizemos lá? Um grupo de alunos que gosta de jogar futebol, eles têm um time. Formado
por quem? Por alunos de lá. Hoje eu já tenho alunos que já eram ex-alunos, ‘né’? Já
foram alunos de lá. Mas ‘tão’ com um time. Eu me lembro bem uma primeira vez que
apareceu aquela escola ali na Vila Hortolândia, não sei como é que chama... Bate Bola!
Bate Bola, não.
Show Ball.
Show Ball. Isso. Os primeiros tempos, não é? Ele ia nas escolas fazer a
divulgação do futebol, e se pagava uma taxa. Eu me lembro bem a primeira vez que foi
a minha filha que pagou, pra eles poderem jogar. Nós ‘arrumamo’ camiseta. Sabe? A
Marli emprestou camiseta do handebol. Então foi... Então hoje eu acho que é melhor.
Tem mais oportunidade?
Muito mais. Muito mais.
Professora, então é isso. Acho que a gente... Eu tentei sintetizar assim. Acho
que foi bem proveitoso mesmo. Não sei se a senhora gostaria de deixar uma última
palavra sobre a Educação Física no geral, sobre a importância...? Apesar de a
senhora já ter enfatizado o quanto ela é importante não só no aspecto motor, ali,
das atividades, não é? Ela é mais abrangente...
199
É... Social, político, econômico. A Educação Física, pra mim, é tudo. É aquilo
que eu falei no início: se eu tivesse que escolher novamente uma faculdade, embora eu
tenha três, eu voltaria a fazer Educação Física.
Voltaria a fazer Educação Física?
Voltaria. Mas aí, eu faria de uma outra forma. Aí eu faria nesse mundo de hoje,
que é onde você vai pegar esse aluno, vai levar só pra aquele esporte, sabe? Hoje eu
faria no que é hoje, não no que é naquela época. Naquela época a gente dava formação.
Hoje, não. Hoje a gente dá coisa completamente diferente. Espero que você tenha...
Acho que foi muito importante. Só mais uma coisinha: isso aqui é uma
curiosidade, ‘né’? Eu gostaria que a senhora comentasse um pouco... Quando a
senhora falou sobre como os alunos se manifestavam a respeito das aulas, a
senhora disse que eles gostavam bastante, não é?
É. [riso]
E o respeito? Havia disciplina?
Muita. Muita. Mas existe hoje também. Eles respeitam bem o professor. Eu acho
que nós não temos, assim, aqueles alunos ‘rebelde’. Eu não sei se é porque eu trabalhei
em uma escola que nunca nós tivemos... Porque eu acho que também ali vem um pouco
de direção, sabe? Um pouco de direção. Eu vou falar nas duas escolas que eu fiquei
mais: o Cecília – [em] que eu comecei, que eu achava espetacular –, e na última que eu
fiquei, na Vila Marlene. A diretora da [escola da] Vila Marlene eu acho, assim, muito
boa, mas nós temos, assim, um grupo de professores preocupado com a formação dessas
‘criança’; preocupados. Então eu vejo, assim, as maratonas de matemática – imagina!
Nós temos aluno de maratona de matemática que ‘tá’ em primeiro lugar. Certo? Nós
fizemos um trabalho dentro do Programa da Água... Eu acho que agora os nossos alunos
respeitam, sim. Se o professor, ele ‘tá’ disposto a dar aula mesmo...
Trabalhar?
... ‘cê’ pode ter certeza que eles ‘respeita’.
Vai ter uma devolutiva boa?
200
Muito boa. Porque eles querem aprender. Porque é a mesma coisa que filho. Se
você deixa, o filho não obedece. Se você é rígido, o filho obedece. Não é assim? O filho
é de acordo... ele dança conforme a música do pai. Se o pai é mole, o filho é... Toma
conta do espaço.
Vai indo, não é? [riso]
É. Mas se o pai tem pulso, o filho vai indo direitinho. A mesma coisa a escola.
Eu acho que a escola não é só professor de Educação Física, a escola é um todo: é
direção, funcionários... Todos ‘comprometido’ com o mesmo problema, que é a
formação de crianças. Porque nós temos que formar essa criança para uma vida melhor.
Eles têm que saber que ele tem que trabalhar.
Quando eu dava aula, principalmente de história, eu lembro, uma vez, um aluno
falou assim pra mim – foi numa escola particular: “A senhora tem que dar porque eu
pago a senhora”. ([riso]) Mas naquele dia, eu tava, acho que, meio azeda, eu falei:
“Olha, meu filho, eu posso te falar uma coisa? Você sabe que você ‘tá’ me pagando de
burro? Porque você ‘tá’ me pagando duas vezes. A primeira vez é o seu pai me paga
com todos os impostos que ele tem que pagar – ele me paga. E a segunda vez é essa.
Então você é que tem que dar satisfação pro seu pai pra ele não ter gastos extras sem
você querer”. Concorda?
Plenamente.
“Uai, você trata de estudar, porque essa é a sua função. ‘Cê’ não faz outra coisa,
é só estudar. Qual é a sua profissão quando você vai tirar um documento? Estudante.
Então você vai estudar. ‘Cê’ não vai falar: ‘Eu sou mecânico’, ‘cê’ vai falar: ‘Eu sou
estudante’. Então ‘cê’ vai estudar”. Não é isso?
É isso.
Então pronto.
Professora, muito obrigado.
De nada.
Nós estamos encerrando aqui a entrevista com a professora “B”, e, já
agradecendo e encerrando aqui a gravação, formalmente.
201
ENTREVISTA COM A PROFESSORA C
Bem, vamos lá, então. Boa tarde, estaremos aqui entrevistando a Professora
(C), que é professora de Educação Física, formada na segunda turma da ESEF[?],
em 1977.
Professora, como eu disse em nosso primeiro contato, essa é uma conversa, que eu
tenho um roteiro de perguntas de caráter aberto, que a gente vai passando. É um
bate-papo mesmo, para eu conhecer um pouquinho sobre a carreira profissional,
principalmente o começo da atuação da senhora, como foi esse período, esse
processo de transição da faculdade, do período militar e do ensino público
também. Então eu gostaria de saber um pouco, antes de entrar na faculdade, como
foi o processo de escolarização da senhora.
Boa tarde. Eu estudava na [nome ininteligível], na escola lá da Vila Progresso. E a
minha escola foi muito atuante em Jundiaí, e lá eu entrei em contato com o esporte.
Porém eu era muito pobre, [minha] família era muito pobre, morava na Vila Arens. E
tudo que fazia parte da parte esportiva da escola os meus pais não deixavam participar.
Então, por exemplo, a professora que era a minha [professora] de Educação Física era
técnica da categoria mirim do Voleibol de Jundiaí. Então ela me chamou pra treinar.
Como eu treinava no Bolão... E os meus pais não deixaram eu ir. Porque naquela época
não era assim, ônibus, ‘né’? Nada disso, era complicado. Depois também teve um
negocio de judô no Bolão e meus pais falaram [que] também não. Nisso eu já ‘tava’ na
6ª série, 7ª série. Aí, o que ‘que’ eu fiz, eu desencanei, eu falei: “Não, eu vou trabalhar”.
E fui trabalhar. Aí, chegando ‘no’ meu trabalho, eu fui estudar à noite e aí eu esqueci,
esqueci a vida de Educação Física. Quando chegou no período do vestibular, eu...
realmente eu queria ser psicóloga, e eu queria trabalhar com essa... com adolescência.
Aí eu passei no vestibular de Psicologia, só que a faculdade era integral. E como aquela
música, ‘né’? Faculdade era integral, era particular, tinha que pagar, e a gente não tinha
dinheiro. Então eu tive que fazer uma escolha, e eu escolhi não sacrificar a vida do meu
pai, da minha mãe, que ‘tavam’ comprando a casinha deles pelo BNH – a gente era
muito pobre mesmo. E aí eu me abdiquei do meu sonho, que seria, naquela época, a
psicologia.
Aí, eu cheguei na... pra fazer vestibular. Fiz psicologia, passei, que seria a primeira
universidade na família. Meu pai chegou pra mim e falou: “Filha, a gente se sacrifica”.
Eu trabalhava em São Paulo, na Rede Ferroviária Federal, meus pais precisavam do
203
dinheiro. Então, pra eu poder estudar eu tinha que largar o serviço. E eu chorei uma
noite inteira e pedi a Deus que me desse um caminho. De manhã eu falei pro meu pai:
“Não, pai, eu não vou fazer Psicologia. Eu não vou fazer, não vou fazer esse sacrifício”.
E fui tocando a vida. Aí fui prestar Unicamp, Assistência Social – não sei nem por que
‘que’ eu pus Assistência Social. Passei. Quando eu fui ver o que era Assistência Social,
eu falei: “Não tem nada a ver comigo”. Também não fui. A ESEF tinha feito o
vestibular dela e tinha vagas remanescentes. Aí tava lá no jornal, ‘né’? Da Educação
Física. Eu falei: “Ah, eu vou lá fazer”. Fiz vestibular, passei em primeiro lugar – no que
tava sobrando as vagas lá. E comecei a fazer a faculdade de Educação Física. E aí eu me
encontrei, porque dentro da faculdade de Educação Física tem a Psicologia, ‘né’? Tem o
trabalho com o adolescente. E daí eu fiz a faculdade, me diverti pra valer, foram três
anos de divertimento e de muito estudo, mas a gente era uma turma, assim, bem... era
uma turma maravilhosa, assim.
Entrevistada se dirige ao aluno – Obrigada.
E aí, lá tinha, assim... Não tinha um curso que tinha, assim, muito...
[Intervenção de terceiro]
Dá licença. Pois não?... É... Vou precisar falar com eles.
Vai lá, vai lá.
Entrevistada se dirige aos alunos – Ô, pessoal! [Interrupção na gravação]
[Áudio 17]
Ok.
Então, o... Posso falar?
Pode.
Então, a clientela da ESEF era uma clientela, assim... não era com dezessete, dezoito
anos, sabe? Era, assim, um pessoal um pouquinho mais velho, tanto que tinha a Maria
204
Inês, que era a nossa companheira de aula. E era um pessoal que trabalhava. Então,
assim, foram três anos, assim, maravilhosos. E como [era] a segunda turma da
faculdade, é tudo muita experiência. Eu queria ’tá’ estudando na ESEF hoje, porque o
que virou a ESEF, ‘né’? Um ponto de referência mesmo, de estudo: essas pós-
‘graduação’, tudo o que eles oferecem, eu queria ‘tá’ lá até hoje. E eu me decepcionei
um pouquinho... Depois que eu me formei, eu me decepcionei muito na hora que teve
escolha de aula, porque eram poucas aulas, e eram, assim... era uma briga de foice.
Então aqueles ‘mesmo’ ‘companheiro’ que ‘era’ tão legal, e chegava na aula, também[?]
era[?] sobrevivência, lei da selva. Porque ‘tinha’ poucas aulas.
Estava começando, não é?
‘Tava’ começando. O trabalho na escola, ele era assim... E eu prefiro hoje. Por quê?
Tem gente que fala assim que eu sou doida, ‘né’? Porque eu falo que eu sou fã do que o
Governo ‘tá’ fazendo em relação à Educação Física. Porque a gente não tinha norte,
‘né’? Tinha lá um caderninho verde lá, que era um currículo que tinha lá, e esse
currículo, você seguia ou não. Se você fosse ser um professor...
Isso, no começo da década de [19]80, é isso?
[19]82... ‘Tá’?
Quando a senhora começou efetivamente, não é?
É. Aí, em [19]86 eu me efetivei. Então, o que acontece? Dependia muito de você. E aí
os bons profissionais trabalhavam direitinho. Os bons profissionais, como sempre, ‘né’?
Em todo lugar, não é? [riso]
Aí, o que ‘que’ aconteceu? Foi assim: cada dia era um aprendizado. Por quê? Você não
aprendia a lidar com isso, como o outro também.
Isso não tinha na faculdade, então?
Não, não tinha, não tinha. A prática, a gente só ia entender mesmo na
convivência, e aí, existia assim: naquela época, o professor de Educação Física, ele era...
Sabe? Nem atenção [a] direção dava muito. Os outros professores... Tinha, assim, uma
megalomania de professor de português e de matemática. E todo professor de educação
física, ele teve que, sabe? Ficar dando murro em ponta de faca pra ter o seu...
205
Se quisesse trabalhar, tinha que ser assim... Para ser valorizado.
E também pra ter o seu valor dentro da própria escola. E como eu sempre gostei muito
dos alunos e a gente sempre teve um relacionamento muito bom, eu consegui o meu
espaço em todas as escolas. Hoje em dia, o que ‘que’ acontece? O Governo dá um norte:
aqueles ‘bendito’ ‘caderninho’ lá, que todo mundo critica os ‘caderninho’. Só que nós
nunca tivemos um material didático. Não tivemos. O Governo, certo ou errado, ele ‘tá’
num caminho que ele vai melhorar, ele vai melhorar. Todo esse conteúdo aí que ‘tá’
sendo dado e que, às vezes, a gente não concorda é coisa muito nova. Daqui a
pouquinho, ele vai chegar num eixo. Mas a gente não tinha nada. Nada, nada, nada. Ou
você pesquisava ou você dava... ou você ficava assim, ‘ó’. Por que ‘que’ hoje eles ‘tão’
aqui? Ontem nós tivemos aula teórica, já. Passei a atividade pra eles, tudo, ‘né’? E hoje
eles tão aqui. A gente brinca, eles escolhem o que tão querendo fazer. Me atrapalhou um
pouquinho em termos de handebol, ‘né’? Porque aquela outra época, ‘né’? Era uma
coisa mais... Até treinamento, mais militar, tal. Então atrapalhou um pouquinho nesses
termos. Mas, em compensação, a Educação Física, hoje, ela não é vista como futebol de
salão.
Eu gosto muito do caminho que o Governo ’tá’ se encaminhando. Pelo norte que ’tá’
dando. Futuramente, vocês, estudiosos da Educação Física, vocês vão usar esse
caderninho, mas vai ter um caderninho. Então, hoje o professor de português, ele recebe
esse material, e o professor de educação física também? E o de inglês também? E o de
artes também? O que falta? Falta, na realidade, o pessoal ter o reconhecimento de que é
uma escola do Estado, de que é uma escola de periferia... Relativamente[?] os jovens...
O que essas crianças fazem [trecho ininteligível]... Família desestruturada em todos os
níveis. E aí, aonde eles mostram o que eles são? Aqui. É uma menina que, daqui a
pouquinho, ‘tá’ dando porrada em todo mundo, porque se deixar... Olha, é esse aqui.
Esse menino nasceu em 1998. Em [19]98.
Olha o tamanho.
‘Óia’ o tamanho. Ele é precoce em todos os níveis, a conversa dele é extremamente
sexual, sabe? Ele se prevalece, ele é, assim, ele ‘tá’... ele deixa de viver uma série de
coisas, ‘né’? Fala uma série de besteiras, [mas] não responde. Mas é um menino que ‘tá’
faltando. Tem que levar no psicólogo, a mãe tem que levar. ‘Tá’ muito aguçado,
hormônio extrapolando, não pode, ‘né’? Vai vivenciar coisas que ele não ‘tá’ na hora de
206
vivenciar. O outro nasceu em [19]98, ali, aquele outro também, mas é o oposto – o
maiorzão lá. Mas é o oposto, sabe? Esse outro grandão. Em tranqüilidade, tal. Só
cresceu demais. Esse, não: esse ’tá’ crescendo em safadeza também. Pulando etapa.
Tá pulando etapa. [riso]
‘Tá’ pulando etapa. Então a [palavra ininteligível] que está sendo formada, a clientela
que pega[?] lá em cima é biqueira. Nós ‘temo’ todo um aluno de 7ª Série, 8ª Série, que...
Tem um de 7ª Série que acabou de sair que ’tá’ internado por causa de droga. [Há um
aluno] Na 8ª Série, de manhã, que trabalha em biqueira. Então, ‘ó’ essa realidade...
Falta.
Falta. Faltando.
Professora, agora falando um pouquinho... A senhora falou que a primeira opção
era a Psicologia, depois foi lá fazer Assistência Social e depois... Educação Física
não é?
O que a senhora costumava ler na formação? Ou antes da formação, e mesmo
depois: qual era leitura que permeava o cotidiano da senhora?
Em termos de estudo, você está falando?
É, de estudo e também fora do estudo. A senhora tinha o hábito de ler, ou isso foi
na Educação Física? E, se foi na Educação Física, como foi? Conte-me um pouco.
Então, veja só, como eu me formei, e quando eu comecei a atuar, eu comecei a atuar em
prefeitura e estado. Então, o que aconteceu? Eu passei a viver uma vida de ser técnica,
porque eu era técnica das categorias menores da Prefeitura de Jundiaí, de handebol.
A senhora consegue dizer que o esporte é que levou a senhora para a Educação
Física? Ou não? Antes a senhora já gostava de esporte? Como é que era? Fale
sobre isso professora.
Gostava, gostava, mas os meus pais não deixaram eu...
Não teve essa oportunidade?
Não tive essa oportunidade. Então eu sempre gostei de esporte. Por que handebol eu
tinha um professor de vôlei – porque a gente teve vôlei na ESEF. E ele foi, assim, ele
207
era, para mim, o símbolo de educador, a postura de educador. Então, pra mim, o esporte,
ele fez, ele faz parte da minha vida, mas sempre focado ao educacional.
Educacional?
Educacional, não é resultado. E, por trabalhar na Prefeitura, então o que aconteceu? Em
termos de qualquer estudo específico dentro da minha área, que viria a ser o quê?
Treinamento... Entendeu? Se eu tinha que ir ver algum vídeo, eu não ia ver de
Educação, mas eu ia ver de esporte...
Pra treinar?
Pra treinar. E, com isso... Por exemplo, eu fiquei mal acostumada, porque hoje em dia é
muito importante, muito importante o estudo dentro da nossa área, ‘né’? Muito
importante. É o que eu falei: eu gostaria muito de estar fazendo ESEF agora, porque eu
seria, assim, uma pessoa mais estudiosa dentro da minha área, e eu não fui não. Eu fui
uma pessoa que me preparei melhor em termos de ser técnica, não em ser educadora. Só
que eu acho que educador não se faz, ele já nasce feito. Então, não tem um momento,
um momento dentro do esporte ou dentro da aula que eu não utilize a parte de educação
mesmo; de educação, que, às vezes, não vem de casa, sabe? Uma situação de eles
pensarem o que hoje eles sabem de bullying – eu[?] já[?] falava[?] isso[?] aqui[?],
entendeu? Da sensibilidade, assim, que eles têm que ter, no respeito de um com ‘po’
outro, no pensar no futuro. E eu falo pros meninos, mais gentileza com as meninas, que
não têm... Tem meninas que se põe em situação de igualdade. Então é o que acho. Eu
falhei, em termos de estudo profissional dentro da área de Educação. Tanto que eu agora
fui estudar pro concurso que teve aí, de... pra ganhar mais, tal, tal. Eu fiquei tão surpresa
com os textos, eu aprendi tantos com os textos! Falei: “Nossa!” Sabe?
[riso] Hã, hã.
Mas não tenho vergonha disso, não. Eu acho que... É o que eu falo pra todo mundo: tem
que crescer.
Claro.
Tem que crescer. Independente... Agora eu vou me aposentar – que daqui uns dois anos
eu me aposento, eu acho que essas crianças precisam de pessoas... Digamos que eles
precisam das pessoas mais velhas, ‘precisa’ das pessoas mais novas, porque é
208
paciência... Me preocupo... Aquilo que eu falei, da falta de preparo... Mas é assim: a
gente não ficava lendo Piaget, os novos, agora, que tem os nomes ‘difícil’, aí, de
estudiosos...
Isso não era uma prática?
Não, não.
E aí, professora, como a senhora chega ao ensino público? Por que e como a
senhora chega a esse ensino público? Fale sobre essa fase da sua carreira
professora.
Então, olha, eu precisava trabalhar. Eu tinha acabado de voltar de um casamento, ‘né’?
Eu me casei, fui morar em Campo Grade, depois fui morar em Cuiabá. Voltei, precisava
trabalhar. Aí, me inscrevi nessa escola, lá na escola Ranieri Mazzili... Essa daí também
vai comigo, ‘ó’, essa pequeninha aí; Amanda[?], essa aqui, ‘ó’. Aí eu precisava dar aula.
Aí eu me inscrevi pra ser professora eventual. E aí eu comecei. E me identifiquei, me
apaixonei: “Ah, ‘ó’, a escola tal ’tá’ precisando de professor”. Não troco, não troco. Não
troco a escola pública. Nunca troquei. Eu gosto mesmo... Aqui, ‘ó’: Joiciane, aquela
menininha que ‘tá’ lá, ‘tá’ indo pegar a bola lá. Aquilo que eu gosto. Não tem
perspectiva nenhuma, nenhuma, nenhuma, nenhuma...
Aquela morena, ali?
É, pequeninha lá.
De manga comprida, azul?
É. Você não faz ideia, não faz ideia do que é a vida dessa menina, sabe? Às vezes vem
fedida. A mãe tem – acho que – oito, dez filhos, cada um de um pai. Vende na rua –
como é que chama? – pano de prato.
Então, mas é isso que eu gosto. Eu gosto da unidade escolar, gosto dessa
criançada, gosto de saber que daqui trinta anos... Eu encontro meninos e meninas, assim
[trecho ininteligível] sinal de vida, alguns até pra [trecho ininteligível], como o outro...
Então, e eu não me interesso por outra coisa, gente.
Foi um público que realmente cativou a senhora, não é? Desde a ...?
209
Não, ‘ó’. Eu dei aula na escola Ranieri Mazzilli, na Vila Esperança; de, Maurino[?]
Ferromito[?] e aqui. Sempre gostei de rabo de foguete.
[risos] Não tem jeito?
Agora, assim, eu ‘tô’ me especializando... agora eu ‘tô’ estudando sobre dependência
química, porque assim que eu me aposentar, eu quero começar a dar palestra pros pais,
sabe? Pros pais, porque os pais, eles estão muito perdidos, eles não sabem como agir,
eles não sabem como detectar e quando detectar e o que fazer. Então eu vou dar palestra
gratuita nas escolas para pais. Não são crianças... Não vou falar de drogas com crianças,
vou falar de drogas pro pai – mostrar a responsabilidade que os pais têm em cima disso,
o que é a dependência química, que doença é essa. Então eu vou me especializar... Por
quê? Porque são os pais que vão... são eles que vão tentar salvar essa geração aí.
Sem dúvida.
Então eu vou... Já ‘tô’ estudando, já tenho uma palestra pronta, sabe? Mas vai ser como
aqui: um bate-papo.
É, tem que ser uma coisa, assim, mais informal, ainda mais com pessoas mais
carentes, não é?
É. Sim, mas a dependência química não é mais carente.
Nós, que temos formação universitária já temos dificuldades para lidar com isso,
imagina as pessoas que não têm formação nenhuma? É complicado.
Olha, há uns dois meses atrás, aqui, à tarde, tinha lança-perfume. E um menino ensinava
o outro como ele cheirar e segurava o outro.
Difícil.
‘Né’? Difícil,difícil, difícil.
Professora, além da Educação Física, depois de ter terminado o curso: a senhora
fez algum outro curso?
Só voltado ao handebol. E os cursos que a Diretoria de Ensino oferecia.
Então a diretoria de ensino oferecia cursos? O Estado?
210
Oferecia alguns cursos, sim.
É?
É, alguns cursos de... Ainda hoje, ‘né’? Oferece. Agora tem muita coisa on-line... tá
melhorando o negócio.
Está melhorando então?
Tá, nossa!
Mas no começo, quando a senhora começou, tinha cursos?
Não, foi só há um tempo atrás que começou.
Professora, bem no comecinho da década... É difícil, porque essa é uma
pergunta que volta muito. Como é um contexto histórico, a gente sempre vai
ter em vista o presente, que é o que a gente tenta modificar, e ele é o...
digamos o resultado de tudo que aconteceu. Mas a senhora teria[?]
conhecimento[?] das políticas públicas do Governo Militar na escola pública
naquele período?
Então, não, não. Agora, sim. Eu não...
Mas na época, ali.
Não... Então, era assim: tudo era de cima pra baixo. Tudo era... E não diferencia muito,
não. As mudanças que tem, também vêm, não é questionado. O que tem de diferente é
[que tem] grupos[?] de estudo.
Hoje?
Hoje, hoje. Tem grupos[?] de estudo. Mas eles não argumentam.
A senhora diz que da mesma forma que era continua sendo?
A diferença: hoje tem mais estudos, então tem pessoas que estudam a Educação Física,
tem a Coordenadoria de Estudo de Normas Pedagógicas, entendeu? Mas também é de
encosto[?].
211
E na escola? Quando a senhora começou, a senhora atuava em que escola?
Ranieri Mazzilli, Jardim Esperança.
E havia ali, nessa escola, algum plano, uma diretriz pedagógica que a orientasse:
“Olha, professor, faça dessa forma, desse jeito”? Fale-me um sobre isso.
Não, tanto que naquela época não existia coordenadora; não havia isso. Tinha o diretor,
ou o diretor e o vice-diretor. Entendeu? E aí tinha o Plano de Ensino, o Plano de Curso.
Você pegava lá, copiava, e fazia o que você quisesse. Hoje, não. Hoje existe
coordenadora pedagógica, existe todo um estudo, ‘né’? De habilidades, de competências
que você tem que... a criança tem que atingir num todo, ‘né’? É dividido por área: não é
só educação artística, português, matemática. Então mudou bastante, mudou bastante.
Mas na época, então, não tinha? O professor recebia um plano e podia seguir esse
plano ou não?
Não. Não tinha cobrança.
Não tinha cobrança?
Imagina... Imagina...
E o material, professora? Tinha algum material prático e/ou teórico na época, para
trabalhar?
Não. Tinha um livrão verde lá, que, se ‘cê’ quisesse, ‘cê’ usava, que tinha o conteúdo lá
pra você dar, certo? Hoje em dia, material de atividade prática... Também é assim: o que
‘que’ ‘tá’ acontecendo: o governo, esse ano, já mandou material – não é o
suficiente,’tá’? Não é o suficiente, mas ‘tá’ vindo. Do mesmo jeito que ‘tá’ vindo
material didático pra gente e ‘pros’ alunos. Hoje, sim. Hoje, tem.
Antigamente não tinha nem um suporte?
Não, não. Nos últimos dez anos é que a coisa foi mexendo, foi melhorando, entendeu?
Nos últimos dez anos e nesses últimos três anos que houve essa reforma de mandar
caderninho de aluno. Você já viu o caderninho de aluno, já?
212
Já. Eu já fui professor do Estado também. Quando iniciou o caderno do professor,
junto com o jornalzinho, eu ainda era professor do Estado. Aí eu trabalhei em
Francisco Morato.
[riso]
É, então.
Senhor amado!
É, por causa do estudo. Aí eu saí, porque como eu dava aula em Francisco Morato
e em Cajamar, aí eu fiquei só com o município. Aí, hoje eu dou aula aqui em
Várzea Paulista.
No Estado?
Na Prefeitura. Eu sou da Prefeitura agora; agora eu exonerei o Estado. Porque eu
também não consegui a remoção, é difícil...
O que você faz lá?
Eu sou professor de Educação Física.
Não, mas lá você... Não do esporte, da...
Da escola: de 1ª a 4ª Série. Eu dou aula pra Educação Infantil.
Tinha a Edileide. Sabe quem é a Edileide, que trabalhava em Várzea? De 1ª a 4ª Série?
Não conheço.
Ela passou no concurso, mas ano passado ela passou em Jundiaí, ela...
Ah, então foi isso. Eu não a conheci. Porque eu comecei em Várzea ano passado, eu
trabalhava no Estado.
É, então vai ver que ela saiu e você entrou no lugar dela.
Exatamente.
A Edileide foi atleta, deu... Uma atleta do... Nossa, fez faculdade na ESEF. Hoje é
funcionária da Prefeitura de Jundiaí e do Governo do Estado. Também ama o Estado.
213
Não larga? [riso]
Não larga.
Eu tinha, assim, bastante problema de locomoção, porque eu não tinha carro na
época, e eu tinha que levantar muito cedo...
Bem, professora a senhora já comentou um pouco a respeito disso, mas eu vou
voltar a perguntar porque é uma coisa fundamental dentro do que a gente está
pesquisando: havia um controle do Governo sobre a sua prática, no dia-a-dia?
Diga-me as suas impressões professora.
Não...
Realmente a senhora fazia o que...
Não, nada. Não tinha isso, nada. O professor fazia o que queria – dentro da escola,
dentro de... Não tinha. Hoje, não, hoje tem. A coordenadora: tem as PCOP’s[?], que são
específicas da... trabalham na Oficina Pedagógica, [e que é] específica da área, que
‘orienta’, [e através de] que[m ] vem material novo, passa as coisas pra gente, passa as
coisas por e-mail, entendeu?
Antigamente não tinha isso, então?
Antigamente: “Faça o que você quiser”
É?
“... desde que você não encha o saco”.
E problemas?
“Não me traga problemas”.
E pra senhora, o que é a Educação Física Escolar? É uma pergunta abrangente,
não é? Mas o que a senhora pensa a respeito?
Olha, eu acho assim, a Educação Física escolar, ela... eu acho que é preparar essas
crianças aí para fazer um bom uso do seu corpo, das suas horas de lazer, focando
bastante respeito, de você ter uma vida salutar, sabe? Porque, não adianta... Eles todos
aqui: eu adoro jogar futebol com todos esses meninos. Daqui a dez anos, eles não têm
214
na cabeça deles... Dez vão jogar futebol, mas eles não conseguem entender o benefício.
Hoje em dia, você já consegue trabalhar isso com eles, sabe? Com os conteúdos que
tem, mostrando pra eles que isso, a atividade física... A atividade física, ela tem que ser
desde que nasceu, porque é o movimento, o seu movimentar, até ficar velhinha. Então, o
que ‘que’ eu vejo: que é esse respeito, essa... isso tudo tem que ser ensinado dentro da
Educação Física: tudo, tudo. Não tem um segundo pra você deixar de educar, um
segundo.
Então a Educação Física está diretamente ligada à Educação, pra senhora? À
Educação como um todo?
À preparação; à preparação dessas crianças pra fazer uso dessa, do seu corpo, ‘né’? Para
economizar movimento, para ele ter uma... Porque hoje em dia a expectativa de vida do
brasileiro é de oitenta anos. De que jeito ele quer chegar aos oitenta anos? Dependente
dos outros? Se ele vai querer ter uma autonomia física, sabe? Então eu vejo que [ela] é
um todo.
Para a senhora ela é importante dentro do âmbito escolar?
Importantíssima. Eu falo que a Educação Física é o sol da escola, por quê? Porque as
crianças, elas não conseguem enxergar o professor [de Educação Física] como enxerga
o professor de português e de matemática. Por quê? Por causa dessa liberdade. E aqui é
o que ele mostra que ele é: as tristezas... Por exemplo, nenhum professor falou na
reunião de pais, que essa menina, a Adriele, tem problema de relacionamento na classe.
Eu falei. Não percebe, não se liga. Eu não sou ligada... Eu sou ligada é no individual. Eu
sei quando eles ‘tão’ bem, eu sei quando eles não ‘tão’. Por exemplo, esse aqui começa
a mudar de comportamento: “O que ‘tá’ acontecendo?” / “Ah, eu vou perguntar”. / E
eles conseguem falar. Porque o fato de a gente sair de lá, nós somos diferentes...
Liberta, não é?
Então o que eu falo hoje dentro de um conselho de escola é ouvido. Aqui é ouvido.
Quando eles estão falando, eu falo: “Ah, é aquele aluno [que é] assim, assim e assim?
Gente, ‘cês’ sabiam o pai dele ’tá’ preso? ‘Cês’ sabiam que ele mudou mesmo de
comportamento porque os pais tão se separando?” / Porque muitas vezes eles vêm aqui
chorar pra mim. “O que ‘cê’ tem?” / “Por que, professora?” / “Porque ‘cê’ não ’tá’
legal, eu ‘tô’ vendo em você que você não tá legal”
215
Entendeu? Então, eu acho assim: eu consegui meu lugar ao sol. E nunca reclamei do
meu salário. Porque não é bom? Eu achar que ele não é bom e eu for trabalhar pelo que
eu ganho, eu largo. Mas a satisfação que a gente tem é inacreditável. Esse menininho
aqui, ‘ó’, ele é um espetáculo! Ele é um espetáculo! Aquela menininha loirinha, lá, ela,
na 5ª Série, ela faltava da aula. Aí eu fui falar com a mãe: “Mãe, por que ‘que’ ela falta
tanto?” / “Ah, não sei, ela fala que ela não quer ir.” / Eu falei: “Mãe, mas a
responsabilidade é sua, mãe, ‘né’? Tem que... Tá na 5ª Série. E na hora que ela tiver na
8ª, o que ela vai fazer, mãe, com você?” Um outro professor não fala. O menininho que
eu peguei, que falaram que ele é que ‘tava’ vendendo lança-perfume aqui, eu cheguei
pra mãe, e eu falei pra mãe: “Mãe, dá uma olhadinha” / Ela falou assim: “Você ‘tá’
julgando o meu filho?” / Eu falei: “Mãe, eu fiz o mesmo erro que você. Meu filho usava
droga e eu olhava só o tamanho dele. Você vai cometer o mesmo erro que eu, mãe?”
Então eu não tenho, assim, freio de... “Ah, não vou falar...” [Não] tenho medo...
Desses[?] problemas...
Não. Eu falo, eu mostro, com muita educação, com muito amor. Porque na hora que eu
deixar de ter amor por aquilo que eu faço, eu tenho que parar.
Tem que parar. Concordo plenamente.
Eu amo o que eu faço. Mesmo durante as ‘briguinha’...
Professora, já que a senhora falou tanto nesse gostar do que faz, no começo,
quando a senhora começou a dar aula, como era a sua prática pedagógica no dia-a-
dia?
Então, ‘né’? Errada. Você quer ver uma coisa? Eu aprendo com meus próprios erros.
Nós...
Todos nós, não é?
Eu fui dar aula, e tinha... [eu era] jovem, ‘né’? Eu fumava na época, cigarro Charme. Aí,
no intervalo de uma aula ‘pa’ outra, eu fui substituir um mês – eu era estudante ainda.
Eu acendia o cigarro lá no Berdran[?], que tem aquela escadaria. Eu acendi o cigarro,
estiquei as ‘perna’ e fumei. Achei que eu tava abafando: “Nossa, professorinha
moderna, fumando! Nossa!” Não passou uma semana... Aí, passou nem duas semanas,
eu peguei ela fumando no banheiro.
216
A sua aluna?
E aí, eu fui falar alguma coisa pra ela. E eu fui aprendendo as posturas certas, as
posturas erradas. Eu fui aprendendo, eu aprendi a dar aula. É lógico que eu errei muito.
Aquela coisa de falar... às vezes, usar palavras na hora errada ainda. Ainda erro. Há dois
anos atrás eu errei com um menino. O menino, ele gostava de se vestir de preto, de
pintar o olho, essas coisas. E ele chegou, e eu, na sala de aula, olhei pra ele, ele tava
com a unha pintada de preto, e eu falei pra ele: “Nossa, que horror, menino! Você com a
unha pintada de preto, já não chega teu olho?” / Ele me pegou fora: “Professora, você
me desrespeitou”. Aí eu falei pra ele... nem me liguei: “Te desrespeitei? Em que
momento que eu te desrespeitei? Fala pra mim” / “Na hora que você fez isso”. / Falei:
“Desculpa. Realmente, eu não devia ter feito isso. É que eu... Eu vou só fazer uma
pergunta pra você: você sabe a tribo em que você ‘tá’ entrando, como é, o que acontece?
Você ‘tá’ ligado nessa turma, preocupado [com o] é que é essa turma, esses amigos?
Primeiro, que você é bonito e você quer ser feio, ‘né’? Eu acho isso um horror, de você
passar [isso]. E, segundo, tem tanta coisa que falam ‘ruim’ dessa turma: vai ‘pá’
cemitério... Falam que tem troca de casais, é homem com homem, ‘muié’ com ‘muié’ e
depois troca tudo. É isso mesmo? Você já viu? / “Não, professora, não é isso. Você ‘tá’
enganada” / “Então ‘tá’ bom. Você me desculpe. Qualquer coisa, você vai me falando
dessa sua turma, mas fica de olho. Fica de olho, porque eu vejo eles bebendo muito, eu
vejo eles com esse ar de tristeza, total...” Mas não errei? Isso aqui há dois anos atrás.
Vai aprendendo, não é?
Vai aprendendo, vai aprendendo.
E na aula, propriamente dita. Além dessas questões morais... Porque isso é pra
vida inteira, não é? Mas a aula da senhora: como era dividida? O que a senhora
trabalhava num semestre ou num ano?
Ah, era assim: primeiro semestre...
Como era o dia-a-dia?
Primeiro bimestre: a gente tinha que trabalhar voleibol. Então tinha lá uma bola ou
duas, você tinha que trabalhar toque por cima, toque por baixo, jogo, primeiro trio,
217
depois... Assim, era isso que você tinha que trabalhar. Segundo bimestre: basquetebol.
Aquela coisa, aquela fila. Entendeu? Uma bola ou duas bolas, aquela fila...
Trabalhava o gesto?
Só.
E era um conteúdo basicamente esportivo? A senhora trabalhava o esporte no
ano?
Só esportivo.
Dividia os esportes?
Sim.
Dividia?
Dividia. Era vôlei, handebol, futsal e basquete.
Eram os quatro?
Eram os quatro.
Trabalhava durante o ano?
É. Ah, é uma pena! Não ‘tá’ aí. Eu tinha um plano de ensino de bem no comecinho da
carreira aqui.
É, não tem mais? [riso]
Eu vou procurar, talvez eu ‘tenho’. E eu tenho – acho que – aqui. E eu vou procurar. Eu
vou te dar.
Seria bem interessante.
Ah, seria bem interessante.
Eu tiro cópia, depois eu te devolvo. [riso]
Não, pode ficar ‘pro’cê’. Eu acho que eu tenho. Eu acho que eu tenho alguma coisa aí.
De como era a prática pedagógica, como...?
218
Não, tinha o plano de ensino, que tinha que entregar.
E isso a senhora entregava? No dia-a-dia era, basicamente, o esporte?
Só o esporte.
E o que a senhora acha do esporte, dessa esportivização? Porque muito se fala que,
a partir da ditadura, por questões econômicas, o esporte tomou conta da Educação
Física. O que a senhora acha dessa...?
Ela era... Ela era...
Isso aconteceu realmente? O esporte fez parte, realmente, das aulas da senhora?
Era só [esporte].
Só esporte?
Só esporte.
Mas foi por alguma imposição do Governo ou nem se tinha essa devida noção? Se
fazia por outros motivos? Às vezes, pela própria formação...? Conte-me a respeito.
Pela formação, pelo que... pelo que a gente tinha de conteúdo, era só isso.
Era o esporte?
Era o esporte. Era isso que a gente aprendia. Não tinha isso aqui que, [como] hoje, eu
não trabalho esporte, mas começo trabalhando com atividades com bola; não tinha.
Não tinha? Era o esporte?
Era o esporte, o esporte. E o esporte, ele é elitista mesmo...
Não tem jeito? [riso]
Não tem jeito. Só os fortes e acabou.
Professora, e quem definia esses conteúdos a serem trabalhados?
O Governo.
O Governo definia?
219
O Governo. O Governo. Tinha um livrão verde assim, ‘ó’, que tinha tudo.
E aí ele mandava para os professores trabalharem?
Mandava.
E aí ele mandava esses conteúdos, que era o conteúdo esportivo, mas ele mandava
as estratégias, como é feito hoje, por exemplo?
Não. O professor, se ele quisesse... Ele era o dono da aula: ele ia dar, se ele queria; se
ele não queria...
E a avaliação? Havia avaliação na época? Vocês avaliavam os alunos?
Não. Não. Eu avaliava era atividades, participação. Hoje em dia, você... É assim, ‘né’?
Estragou muito... A escola, em geral, a escola pública: essa história de progressão
continuada, isso acabou com a escola pública, ‘né’? Porque tudo é fácil, tudo é fácil.
Uma hora vai parar com isso, porque ela é boa no papel, ‘né’? Porque tantas crianças
‘tão’ na escola, ‘né’? Só.
Pra números?
Pra números ela é diferente, mas pra aprendizado...
E o Governo, ele fazia alguma fiscalização sobre as aulas da senhora? O
Governo Militar?
Não. Cara, eu não posso falar pra você se tinha isso. Dentro da minha escola nunca teve.
Nunca teve?
Da minha escola, não.
Era tranqüilo?
Mas, por exemplo, eu tive um primo que foi fazer um exame – aqueles ‘exame’ de
madureza – e escreveu uma redação e foi procurado. No[?] exame[?], entendeu? Então
essas ‘coisa’ tinha muito. Essas coisas, tinha muito. A gente sabia que existia isso aí,
mas dentro da minha prática esportiva, dentro da escola, escola de periferia...
220
E como os alunos se manifestavam dentro das aulas, professora?
Amavam! Sempre amaram.
É?
Sempre amaram! Sempre amaram a aula de educação física. Sempre. É bola, é a
descontração... ‘Perdemo’ muito, ‘né’? Porque eram três aulas, passaram a duas.
‘Perdemo’ muito, veio um conteúdo legal agora, e que precisaria muito ter três aulas,
muito. Que agora que daria pra fazer um trabalho que as faculdades ‘tão’... sabe? O
enfoque do ser humano, da tecnologia, ‘tá’ muito legal. Então tinha que aumentar o
número de aulas de Educação Física. Muito legal.
Professora, e a comunidade? Como ela via a senhora, as suas aulas? Como era
vista a Educação Física naquela comunidade?
Então, como eu sempre trabalhei com esporte...
Hum, hum.
Certo? E através deles eu criei muitas meninas que poderiam ‘tá’ na... Sabe? Tanto na
prostituição como na criminalidade, e, graças ao esporte, elas saíram desse ambiente:
[nome de colégio ininteligível], Ranieri Mazzilli e aqui, eu sempre tive assim... A
comunidade em si gosta muito do meu trabalho – pais... O respeito, entendeu? Gosta
muito, mas por quê? Por causa do esporte[?]. Por causa do esporte[?]. Então aqui, hoje
em dia, essa molecada: tem um grupo já que treina handebol feminino e masculino.
Porque eles querem ir ‘pá’ competição; porque eles querem jogar por Jundiaí; eles
querem ir pros regionais; eles querem se espelhar naquela menina... como é que chama?
Na Patrícia, que deu entrevista ontem na televisão...
Nossa que interessante
Entendeu? A menina que eles tão vendo aqui no bairro. São meninos que ‘tão’ fazendo
teste pra seleção brasileira, pra seleção paulista, entendeu? Então... E o que é isso?
Esporte.
O esporte ajudou a senhora também no convívio com essa comunidade, nessa
relação, é o que me parece?
221
Sim. Tanto que, quando eu falo que eu vou viajar com essas meninas, que eu vou ficar
dez dias fora, Presidente Prudente...
Não tem problema? Que legal.
Por quê? Porque eles sabem. Sabem que a minha linha educacional ‘tá’ em[?] cima[?].
O esporte é um meio, não um fim.
Professora, a senhora já falou isso para mim, mas mais para um caráter de
linearidade mesmo...
Professora, como a senhora compreende a Educação Física das décadas de
[19]70, [19]80, quando a senhora começou, e também a Educação Física de hoje?
Dá para fazer uma comparação? Eu sei que é abrangente, mas como é que a
senhora poderia sintetizar isso para nós?
Eu acho assim: com certeza houve uma modificação muito grande, ‘né’? Hoje em dia a
Educação Física é a parte integrante total do currículo escolar, com os mesmos valores
de outras, ‘tá’? O enfoque não é um enfoque esportivo, não é mais um enfoque
esportivo, é um enfoque mesmo de desenvolver as habilidades dessas crianças, as
capacidades dessas crianças. Então eu acho que o crescimento da Educação Física
dentro do Governo do Estado é fantástico. Eu falo pra todo mundo que, quando eu
morrer, pra eles colocarem um caderninho no meu peito. E eu já incumbi uma
professora de colocar. Eu falei que eu quero... Eu falei que eu quero que todo mundo
que chegar no meu caixão “casque” o bico de dar risada. Mas eu acho bom isso.
Do caderninho?
É, porque eu acho que é um avanço dentro da Educação Física, eu acho que é um
avanço. E esse avanço vai levar a gente muito longe, sabe? Vai levar. Vai ter um
crescimento. Nós vamos preparar melhor esses meninos: eles entenderem que a
Educação Física não é jogar bola, é muito mais, ‘né’? É muito mais.
A senhora vê um avanço entre o que era e o que é hoje?
‘Má’ muito grande, muito grande! Eu vejo... Olha, eu não sei se eu ‘tô’... Porque o
pessoal... Eu não sei se é ingenuidade ou é excesso de amor que eu tenho ‘pelo’ aquilo
que eu faço, mas eu vejo: essa moçada, se pegar, pegar firme... ‘Óia’, é ‘pa’ não ganhar
dinheiro, mas satisfação vai ganhar muito. Dinheiro não vai ganhar, mas em amor, em
222
carinho, em atenção, em... Sabe? E o seu respeito, que você tem? Gente, hoje em dia, o
professor, ele senta numa bancada, num conselho participativo... Eu falei: “Mãe, o aluno
apresenta esse problema assim, assim e assim dentro da quadra” / A mãe falou: “É, ele
realmente é assim em casa”. Então, sabe? Hoje em dia é muito importante, é muito
importante. Sempre foi, só que hoje a gente tem esse respaldo.
Está mais valorizado, a senhora quer dizer?
Muito, muito, muito, muito.
E, para finalizar, eu queria que a senhora deixasse uma última palavra sobre a
Educação Física, essa profissão que a senhora escolheu para trabalhar e pra ter
como ideal de vida, não é?
Então, eu sempre conto uma historinha, e eu vou contar essa historinha porque eu
também, por causa desse meu amor pela Educação Física, a ESEF me chama todo o ano
para pra eu falar com os ‘primeirosanistas’.
Olha, que bacana!
Todo ano eu dou palestra na ESEF. E aí, eu falo assim pra eles, eu conto uma
historinha. Estávamos todos nós no Céu... [Toca um celular] Isso aqui não pode, viu? E
eu não vou atender, que eu não sei quem é. Estávamos todos nós no Céu, e aí chegou lá
São Pedro e falou assim: “Ô, gente, é o seguinte, eu quero que vocês escolham...” Já era
tudo anjinho. “Eu quero que vocês escolham as suas profissões. Quem quer ensinar as
crianças a ler, a escrever, a ser um estudioso? Quem quer?” Aí, levantou a mão lá uma
‘par’ de... / “‘Ó’, vocês vão ser professor de português”. / Aí: “Quem quer ensinar às
crianças os números, as contas...?” Aí levantou [a mão] mais umas ‘par’ lá: “Eu, eu,
eu!” / “Ah, vão ser professor de matemática” / “Quem quer estudar os rios...?” Vai ser
professor de Geografia. / “E quem quer ensinar história?” Professor de história. / Aí, ele
pegou e falou assim: “Quem quer ser feliz?” Eu levantei a mão. Eu! Ele falou: “Então
vai ser professor de Educação Física”
[riso] Muito bom, muito bom professora.
E é isso aí que eu... E é verdade.
Muito bom, muito bom.
223
ENTREVISTA COM PROFESSOR (D)
Bom dia, professor.
Bom dia.
Vamos aí começar um trabalho, um roteiro de entrevista com uma conversa bem
informal, para que nós possamos compreender como foi aquele período de
trabalho do senhor. Então, para começar, eu gostaria de saber como foi o processo
de escolarização do senhor, antes da faculdade de Educação Física.
Todo o processo desde 5ª Série, ‘né’?
Sim, como se desenrolou a fase escolar. Fale sobre esse período da vida do senhor.
Eu tive o melhor estudo possível na época. Eu estudei em década de [19]70, ‘né’? Aí eu
estudei sempre em escola pública, ensino muito bom. Tudo de bom, no meu tempo não
tinha esse Colegial, ‘né’? O Ensino Médio, era... Existia o Científico, o Clássico e o
Normal. E eu fiz Científico. Então, ‘cê’ terminava de fazer a... Ia pra 5ª, ‘né’? Que era o
Ginásio, e a outra parte, que seria o Ensino Médio [de] agora, seria o Científico... Você
escolhia: Científico, Clássico e o Normal. E eu fiz o Científico. E não consegui entrar
em algumas ‘faculdade’ na época, que era o CEFEM[?], CEFEA[?] – ‘cê’ não vai
lembrar dessas ‘coisa’. [riso]
Não. [riso]
Hoje é os FUVEST, VUNESP da vida. Eu fazia o CEFEA[?], que era na parte de
Agronomia. E cheguei a entrar em Agronomia lá em Botucatu, que, hoje, é a Unesp, não
é? E fiz um ano e não era aquilo que eu queria. Parei – isso em Botucatu –, vim pra
Jundiaí, comecei a trabalhar, e em [19]75 eu fui fazer Educação Física. Como eu sempre
gostava de futebol, de esporte, fui fazer Educação Física.
Isso em [19]75?
Setenta e cinco. Me formei em [19]78.
E a partir disso, professor, desse ingresso na faculdade de Educação Física, o que o
senhor, já na faculdade, costumava ler? Havia alguma leitura específica que o
senhor gostava de ler?
225
Olha, eu fui trabalhar em São Paulo, e só vinha à noite pra cá, eu vinha direto pra
faculdade. Dificilmente, nunca fui um bom leitor, nunca li muita coisa, entendeu? Via
alguma coisa que a faculdade pedia, mas sempre em grupo, participando. Mas eu,
particularmente, assim, solo, nunca. Nunca fui de ler muito, não sou... até hoje não sou
de ler.
E por que o senhor escolheu ser professor de educação física? Ou escolheu a
faculdade de Educação Física pra cursar depois de Agronomia?
Olha, por gostar de esporte: jogo futebol até hoje, sempre joguei futebol; joguei futebol
profissional, parei... Naquele tempo não era o que é hoje, ‘né’? Não era rentável.
Sempre gostei e sempre gostei de criança. Então foi o que me levou a fazer Educação
Física. E por Jundiaí ser uma cidade industrial, não tinha ‘muito’ opção. A minha
condição era, por gostar de Educação Física, e a condição de ter a faculdade próxima
aqui, ‘né’? Mas eu não tinha... Se eu não fizesse Educação Física, eu não faria outra.
Sempre gostei de Educação Física.
Então o senhor atribui ao esporte...?
O esporte que me levou a fazer isso.
O esporte que o levou à Educação Física? Principalmente o futebol, no seu caso?
Principalmente o futebol.
E o ensino público? Como ele apareceu na vida do professor? [riso]. Fale um pouco
sobre isso.
Ah, eu saí da faculdade em [19]78, fui fazer especialização naquele tempo, ‘né’? Eu fiz
natação, que gosto bastante, e fiz futebol, fiz na PUC, em [19]79. E eu trabalhava na
VIGORELI, e a firma fechou. Porque não compensava sair da faculdade e ir trabalhar
com ensino público. O salário que eu exercia lá, que eu era comprador, era muito
melhor do que [o de] professor. Só que começou a época difícil: fechando empresas,
falta de serviço, e eu tinha o diploma, eu parti. Um dia, assim, na rua, um amigo meu
que tinha feito faculdade, um amigo comum, passou, falou: “’Ó’, ‘tá’ precisando de
professor em tal escola” Eu fui lá, me apresentei e comecei [a] dar aula.
Já começou. [riso]
226
Era assim, era assim. Faltava professor. Hoje sobra, hoje sai briga, sai até tapa numa
atribuição de aula, porque existe uma escala, tem que contar os ‘ponto’ certinho, ‘né’?
Hoje é tudo muito melhor, assim. Mas eu fui lá, me apresentei pra professora, ela pediu
o diploma, a documentação necessária: “Amanha você começa”.
Então além da licenciatura em Educação Física o senhor procurou uma
especialização em Natação – na PUC, foi isso?
É, porque eu queria trabalhar com natação, mas não consegui em clube nenhum
trabalhar com natação.
Então a natação fazia parte da gama de atividades que o senhor gostava, não é?
Ah, sim. Eu gostava, eu gostava.
Agora, mudando um pouquinho: sobre as políticas públicas da época. Havia
conhecimento das políticas públicas que a Ditadura Militar engendrou pra
Educação Física na época? Havia esse conhecimento por parte dos professores?
Eu?
O senhor, no caso.
Eu, não. Não. A Educação Física, não, porque... Não sei, eu pouco freqüentava a sala de
professor, ‘né’? Então, ‘cê’ tem mais que ter contato com professor de história,
geografia, esse povo que tá envolvido. Educação Física sempre foi separado, sempre foi
abandonado num canto da quadra lá da escola, então eu tinha pouco contato. E
antigamente a Educação Física era o contrário. O menino que estudava de manhã fazia
Educação Física à tarde, e vice-versa. Então eu tinha contato com professores... Como
eu dava aula pro famoso Colegial, eles iam fazer Educação Física à tarde. E à tarde
tinha o [ensino de] 1º à 4ª Série, que era o Fundamental. Então, o meu contato com os
professores era diferente, entendeu? Não tinha o contato com o pessoal que eu tenho
hoje, do Ensino Médio, eu tinha contato com o pessoal do Fundamental. E era as
‘famosa’ Professora p1, ‘né’? Então era diferente. Até o papo nosso. Eu pouco ficava
sabendo das ‘coisa’, porque a gente fazia o horário trocado. Então eu pouco sabia do
que acontecia.
Então, sobre as políticas da Educação Física, não havia esse conhecimento?
227
Não, de minha parte nunca houve.
E na escola que o senhor atuava? Havia uma diretriz pedagógica para subsidiar o
trabalho? Alguma coisa que norteava o trabalho do senhor?
Isso aí eu não queria falar ‘procê’. Como eu cheguei lá, a moça falou: “Você começa a
trabalhar amanhã”. No outro dia, eu cheguei, me deram uma chave de um quartinho,
que era sempre embaixo de escada – tinha bola, tinha rede, tinha de tudo pra educação
física; tinha bastante material –, e me deram uma lista de chamada das ‘classe’ que eu
tinha, um horário e as ‘caderneta’. E comecei [a] trabalhar. Trabalhei 28 anos assim,
sem nunca ninguém saber o que eu fiz, deixei de fazer.
Não havia nada?
Nada, nada.
Então o senhor tinha uma autonomia total para trabalhar, do jeito que...?
Eu não sei se eles não ligavam pra gente ou [se] eles deixavam pra gente. Eu sei que eu
fazia o meu planejamento anual, fazia em cima daquilo que eu achava que tinha que ser
feito, com todos os ‘esporte’ que eu aprendi na faculdade. E fui desenvolvendo, e foi
passando de escola por escola. Tanto é que meu planejamento – acho que – durou uns
dez anos. Eu só trocava o ano. Todo ano tirava cópia, trocava o ano, entregava o mesmo
pra diretora.
Era a mesma coisa?
A mesma coisa. Hoje é diferente. Hoje existe as ‘cartilha’, Já vem pronto pra você fazer
o planejamento anual, tem bimestral, tem por série, entendeu? Antigamente, não, você
fazia por turma: era uma turma I, turma II, turma III, e assim ia. Porque o professor
dava aula pros ‘menino’, e a professora, pras ‘menina’. Hoje, ‘cê’ dá aula ‘pá’ classe.
Então, se juntava, aí, numa escola de quatro classes, ‘cê’ tinha três ‘aulinha’. ‘Cê’
juntava todos ‘menino’ da 5ª, da 6ª, da 7ª, da 8ª, ‘cê’ atingia – eu não lembro se era 31
ou 35 alunos, ‘cê’ formava uma turma. Então, o professor dava aula pros ‘menino’, e as
‘menina’ dessas quatro séries, a professora que dava aula. Então era completamente
diferente. Quer dizer, ‘as’ professora que trabalhava comigo era assim: era jogada lá, e
‘ocê’ fazia o que ‘cê’ queria. E a gente procurava fazer o melhor, porque a gente
228
gostava, entendeu? E até que eu fiquei muito contente de ter trabalhado essa época aí.
Mas nunca ninguém falou: “Faz isso” ou “Faça aquilo” ou “Deixa de fazer isso”.
Não tinha.
Eu, ‘tando’ lá, o pessoal fazendo, só me chamava em época de... na época do sorvete,
festa junina, Sete de Setembro...
Você era chamado?
Aí o professor era lembrado. Caso contrário, ninguém lembrava do professor de
Educação Física.
Que coisa, não é? [riso]
O professor até já falou um pouco sobre, mas só para dar uma maior ênfase: era
disponibilizado algum material pedagógico, de cunho teórico e/ou prático, que o
auxiliasse no dia-a-dia?
Nada, nada. A gente até... Alguma coisa, ‘cê’ tinha que... Na hora, ‘cê’ tinha que bolar
alguma coisa.
Material prático: tinha?
Nada.
Bola, essas coisas?
Esse material, tinha. Ah, didático... Confundi: didático, nada que viesse, assim: um
livro, alguma coisa. Nada.
Mas material prático?
Mandava. O Estado sempre mandou material pra escola, ‘pras’ ‘aula’ de educação
física. A gente tinha rede, tinha corda, tinha massa, tinha os ‘aro’, que era ‘aqueles’
‘bambolê’. Muita bola, pra todos os ‘esporte’.
Isso não faltava?
Isso nunca faltou. Começou faltar agora, por incrível que pareça. Quando melhorou uma
coisa, acabou outra.
229
[risos] Agora tem a parte didática teórica e não tem a parte de material, não é?
Não tem, não tem. Eu tenho uma bola hoje, pra ‘cê’ ter ideia: uma bola de futsal, uma
bola de vôlei, uma de basquete e uma de handebol. Antes eu tinha bastante, bastante.
Corda, eu não tenho, não tenho corda. Corda pra fazer cabo de guerra, corda pra fazer
salto com corda. As ‘massa’: não tem mais ‘pras’ ‘menina’ fazer as ‘ginástica’. Os
colchões: não tem mais. Aqueles colchões de ginástica. Não tem.
Isso, antigamente, tinha?
Antigamente tinha, e bastante. A gente tinha até espaldar. ‘Cê’ lembra o que é espaldar,
‘né’?
Não.
‘A’ que parece uma escada.
Ah, sim, sei.
Parece... Tem um monte de... Parece um cabide, ‘cê’ vai fazendo exercício, pegando[?]
altura, ‘cê’ vai pegando aquilo lá. Tinha espaldar, tinha plinto. Hoje, ‘cê’ fala em plinto,
ninguém sabe o que ‘que’ é. Tinha tudo: tudo, tudo, tudo. Material era muito bom.
Porque aquele tempo... Pelo Militar, o Militar gostava muito da Educação Física, ‘né’?
Então eles mandavam muito material: o plinto. Tinha tudo isso. Tinha banco sueco, a
gente tinha muito material, muito material. E com o tempo foi acabando. Não havia
‘muito’ manutenção, e acabou. Hoje não tem nada disso. Se você perguntar pra um
professor hoje, sei lá se ele aprende na faculdade o que é um banco sueco, um plinto,
um espaldar: acaba nem sabendo o que ‘que’ é isso. Por o Governo ser Militar, naquele
tempo, eles davam muita ênfase, assim, pra Educação Física, ‘né’? Pra saúde, pra
qualidade de vida do pessoal do quartel. E era por aí. Era o que a gente seguiu, isso aí.
Professor, o governo, naquela época, oferecia algum curso de especialização,
alguma formação específica, assim? Conte-me a respeito.
Nenhuma, nenhuma.
Não tinha?
230
É que nem eu te falei: eu fiquei 28 ‘ano’ jogado aí, fazendo o que eu queria o que não
queria. Eu só entregava a caderneta no final de ano porque eu entregava, senão, ‘taria’
amontoado aí ‘caderneta’ de 28 anos. Nunca pediram...
Nada? [riso]
Nunca um diretor deu um visto numa caderneta minha.
Assistir uma aula?
Nem pensar. Sempre mandava chamar. Sempre: “Chama o professor aqui”. Não ia na
quadra. Por quê? Hoje tem quadra coberta, hoje tem quadra coberta, ‘má’ antigamente
era sol. Sol, chuva... Na chuva, logicamente, não tinha: a gente ia pro pátio ou o
professor ficava sentado, lá, conversando. Porque antes as ‘quadra’ era tudo
‘descoberta’, naquele cimento... Hoje tem uma quadra coberta aqui, ‘né’? Só que o
interesse dos ‘aluno’ da época era muito maior do que é hoje, ‘né’?
Era diferente, não é?
Era diferente. Era ‘uniformizado’ as ‘escola’. Era o tempo do Militar – quer queira, quer
não, tem o lado bom e o ruim da coisa. Não existia o que acontece na escola hoje, ‘né’?
O desrespeito com o professor, droga, violência, bebida. Existia um uniforme, ‘cê’ sabia
quem era aluno da escola. Hoje, ‘cê’ entra na escola, ‘cê’ não sabe quem é aluno. Nem
todo mundo vem de uniforme, entendeu? Era muito uniformizado, inclusive na
educação física. Só fazia educação física quem tivesse uniformizado. Isso aí já era uma
coisa que a gente nem cobrava, o aluno já sabia, entendeu? Na quadra, tinha uma
obrigação deles, fazer isso aí. Então nunca me preocupei com uniforme, porque eu
chegava, já tava todo mundo uniformizado.
Já estava tudo certo, não é?
Então não ficava cobrando. Hoje tem que ficar cobrando. Hoje tem gente que vem jogar
descalça, de chinelo, de bota, de tamanco. Complicou, mudou.
E sobre o governo, professor? Havia um controle do Governo sobre as suas
práticas?
Nenhuma, nenhuma. Se houve, [foi] através de direção, mas nunca chegou a mim.
231
Nunca chegou?
Nunca fiquei sabendo. Agora, é que nem eu falei: é [em] fim de carreira que eu ‘tô’
sendo cobrado.
Agora mais do que antigamente?
Agora mais do que antigamente.
O controle, hoje, é maior?
Maior, em tudo: freqüência do professor, o que faz, o que não faz. Caderneta de
professor... Essas ‘apostila’ que vieram: gostei muito da do Ensino Fundamental, que é
de 5ª a 8ª. Do Ensino Médio, não gostei, entendeu? Tem coisas boas e coisas ruins que
vieram agora. Ruim, assim, ‘né’? Como a gente é da antiga, eu ‘costumei’ de fazer o
que eu queria, não o que se pedia – porque nunca pediram nada, sempre nós ‘fomo’
jogado. Eu não sei quantas ‘entrevista’ você fez aí com professor da época, eu não sei se
chegaram a falar a mesma coisa, mas comigo aconteceu isso. Ou eu fui o premiado, sei
lá o que, de fazer isso, mas eu acho que algumas ‘professora’ que trabalhou comigo foi
assim também. Até elas vinham perguntar: “Que ‘que’ eu faço?” / Eu falei: “Eu faço
isso”. E eles faziam. Só que a gente fazia, ‘né’? Fazia muito mais do que hoje! Muito
mais do que hoje.
Professor, sobre a educação física, especificamente: pro senhor, o que é a educação
física escolar?
Hoje?
De uma forma geral mesmo. O que o senhor entende por educação física escolar?
E, já aproveitando o gancho: ela é importante dentro do âmbito escolar?
Importante, sim. Se você consegue segurar o aluno na escola, hoje, que ele venha fazer
alguma coisa... [Por]Que eles detestam as outras matéria, eles adoram a educação física.
Você sabe disso. Quer dizer, não ‘é’ 100%, mas 80%... Tem aluno que vem por causa
da educação física. Por quê? Hoje, eles só gostam de futebol. Se você fizer outra coisa,
eles não fazem. Não fazem. Antigamente, futebol era o que menos tinha, o que menos
aparecia era futebol, [de] esporte de quadra. Mas era importante, muito importante,
[por]que você forma cidadão...
232
Por que será que antigamente não aparecia o futebol?
Eu acho que a mídia, ‘né’? A mídia, hoje, divulgou muito. Antigamente ‘cê’ ouvia falar
muito em basquete, voleibol, handebol. Aí, hoje, o futebol! Não tinha futebol! Incrível!
Hoje, as ‘menina’ querem futebol; os ‘menino’ também. Outras ‘modalidade’, ‘cê’ não
consegue. Mas ela é muito boa, ela é formadora de opinião, de homens, ‘né’? Ela é a
saúde, que, antigamente, sempre foi pregado pelos militares a saúde, do corpo perfeito
do menino. Então, a Educação Física, além de ter a parte... a parte civil, também, ‘né’?
‘Cê’ mostrar o que ‘que’ era o civismo – porque a parte principal do... Tinha Sete de
Setembro, tinha tudo isso. É muito importante a educação física. Não só na parte
esportiva, como na parte física também. Mas hoje eles vêem só a parte de esporte, eles
não fazem outra coisa que não for futebol.
Professor, eu queria saber: naquela época, como era a sua prática pedagógica
diária? O que o senhor trabalhava no dia-a-dia? Com era professor?
Olha, hoje é diferente, porque vem as ‘cartilhinha’ pra gente, mas, antigamente,
‘cê’ tinha que fazer a sua aula, entendeu? Dividia em bimestre: quatro ‘bimestre’.
Basquete, vôlei, handebol e futebol no fim, eu ficava dois meses trabalhando com
modalidade. Porque eu não tinha tênis de mesa, hoje eu tenho. Antigamente eu não
tinha mesa de tênis de mesa. Ginástica: a gente fazia alguma coisinha. Como a gente era
só professor masculino, na época, que eu fazia esses ‘esporte’ com eles... A gente tinha
as ‘equipe’ de competição no famoso campeonato Colegial que existia antigamente.
Então eu já sabia, e eu, por vários anos, eu fiz isso: eu mudava no bimestre a
modalidade. Eu podia começar com futebol, com basquete, um ano, mas sempre
naquela linha. E como eu fiquei muito tempo numa escola só, eu já sabia que a gente
começava com o handebol. Sempre na sequência: handebol. Handebol leva o basquete.
Depois, no terceiro bimestre, a gente fazia voleibol, e, por fim, o futebol. Que, no
último bimestre, acabava o futebol virando o voleibol, que eles gostavam muito de
voleibol na época, tava começando a crescer o voleibol no Brasil. Mas era isso que eu
fazia, não fazia nada de diferente.
Dividia por bimestre?
Dividia por bimestre e por modalidade. Então eu doutrinei os alunos lá, eles já sabiam
que todo ano ia ser aquilo. E era muito gostoso, prazeroso. Era feito um exame médico
nos meninos, um exame biométrico – o médico acompanhava, entendeu? O professor
233
fazia o exame biométrico. Hoje não existe mais nada disso. Se tiver algum ‘poblema’
com o aluno aí, ele cai, ‘cê’ chama o resgate.
Era exigência de quem isso? Da própria escola ou do...?
Da escola, da escola. A escola já era... Eu não sei se era da escola, porque eu nunca
tive... Reunião de Educação Física? Nunca tive. Hoje eu tenho. Tenho os HPTC, tem o
pessoal da... ‘Pá’ cada matéria tem um coordenador de matéria, na diretoria, que faz a
reunião só de Educação Física – é uma professora de Educação Física, assim como o de
Geografia tem o de Geografia. Mas era assim, a gente sabia que não se começava a
educação física sem ter o exame médico e o exame biométrico. Não se começava a aula.
E o aluno que era reprovado no exame por algum motivo, o médico chamava o pai,
explicava o que tinha e ia fazer o tratamento. E sempre foi feito isso. Então, quando eu
entrei, a diretora já falou: “Não se começa...” O primeiro dia que eu...: “Aqui, tudo o
que você vai fazer... Mas não começa sem o exame médico e biométrico. ‘Cê’ tem que
fazer”. Isso aí fazia numa folha separada, que tinha atrás da caderneta, levava pra
diretora, ela assinava, e o médico também. E daí ‘cê’ desenvolvia normalmente. Mas
essa parte era boa, era... a gente acostumou, era uma rotina. Começou o ano, tinha que
fazer, os alunos já procuravam. Hoje não tem isso, e por isso que dá problema em
quadra hoje.
Professor, o senhor fala sobre o esporte, que o que o levou à Educação Física foi o
esporte, e que lá o senhor aprendeu algumas coisas relacionadas ao esporte, e que
mais à frente foi aplicado a sua rotina de aula. Então eu gostaria que o senhor
falasse sobre a esportivização da Educação Física escolar: como é que o senhor vê
o esporte, assim, como o conteúdo privilegiado, ou mesmo um conteúdo único pra
educação física escolar naquela época? Era uma coisa positiva, negativa?
Como é que o senhor analisa essa esportivização? Ou, se o senhor acha que não
houve essa esportivização...? Fale sobre isso professor.
Foi, foi. Na época, era o seguinte... Não sei se eu vou conseguir explicar isso aí... Eles
tinham uma aula de educação física como tinham uma aula de matemática, geografia,
história. Era uma matéria, você era respeitado. Então, ele tinha uma nota, que se dava –
simbólica, mas era. A gente dava pela participação – [por]que todos participavam; hoje,
50% participa. Era muito boa, porque eles ‘tratava’ a educação física como uma
matéria, igual às ‘outra’, diferentemente de hoje. Hoje eles vêm no esporte por quê?
234
Porque eles não têm um clube pra freqüentar. Falta isso pra eles, o poder aquisitivo
deles é menor. Antigamente não existia o monte de centro esportivo que tem numa
cidade como de Jundiaí. Nem todo mundo tinha – por ser, Jundiaí, uma cidade industrial
– condição de ser sócio de um clube. Então eles usavam a educação física para ter um
lazer... tipo de um lazer deles. Só que eles levavam a sério, como se fosse uma matéria
normal, de aula. Hoje, não. Hoje a educação física, pra eles, é uma coisa. Tanto é que
eles perguntam pra mim: “Professor, pra fazer Educação Física tem que fazer o quê? É
só saber esporte?” Eles não sabem que tem uma faculdade. Eles ‘faz’ essas ‘pergunta’
pra gente hoje. Eles acham que o professor de educação física, qualquer um pode pegar:
vem aí, toma conta deles. Eles não ‘sabe’ tudo que foi feito numa faculdade, o que ‘cê’
estudou. Nós não ‘temo’... eles perderam a essência da coisa, ‘vamo’ dizer assim.
Então o senhor acha que essa esportivização dentro da Educação Física foi
positiva?
Na época foi muito.
Nesse sentido?
Foi muito, foi muito. Hoje é que não tá sendo muito não. Hoje eu ‘tô’ meio
decepcionado com a educação física.
E na prática pedagógica, o senhor disse que era o senhor mesmo que definia os
conteúdos, as estratégias. E a avaliação, como acontecia? Como o senhor fazia a
avaliação desses alunos?
Olha, ‘cê’... Eu ‘tô’ acostumado, ‘né’? Eu ‘tô’ com... Vai pra 32 anos de Estado. Eu
aprendi em faculdade, com o professor, sempre marcando na caderneta quem fazia –
sempre tem aquele que se sobressai, ‘né’? Então, eu aprendi com um professor chamado
Milton, que ele sempre marcava. Um dia eu perguntei pra ele por que ‘que’ ele fazia
aqueles três pontinhos. Ele tinha símbolos. Eu, até hoje eu faço isso. O símbolo do bom
menino, do que não valia nada, o que sabia tudo, o que tinha coordenação motora, o que
não tinha. E ele me explicou o símbolo. Ele falou: “Olha, esse aqui é o seu símbolo”. Eu
tenho os meus até hoje. Eu criei. Não tanto que nem o professor, ‘né’? Porque ele era de
faculdade, ele tinha vários símbolos. Na escola não precisa de tantos.
Então tem o pessoal que participa, o pessoal que observa, o pessoal que vem conversar
com você, o pessoal que vem te enganar, entendeu? Vem conversar com você ‘pá’
235
passar batido, como eles falam. Mas a avaliação era isso aí. Mas era uma avaliação
quase que unânime, porque todos participavam. Naquele tempo existia ainda a aula:
fazia chamada, eles ficavam perfilado, como se fosse um quartel. Descansar, sentido.
Ensinava marcha, entendeu? Aí, tinha a parte de aquecimento, tinha uma parte principal.
Era tudo como eu aprendia na faculdade.
O senhor conseguia aplicar isso?
Conseguia aplicar. A hora que acaba a aula, dava aquela volta calma, entendeu? Fazia
uma piadinha, fazia uma brincadeira. Aí, eles ‘dava’ aquele grito de guerra pra ir
embora. Cada classe minha tinha um grito. Tinha uns que falavam besteira, mas tinha o
grito deles. Acabava a aula... É que nem hoje: “Oba!” Nego vai [assistir] começar um
jogo do Brasil: “Brasil!” Tinha o grito de guerra pra acabar a aula. Tudo eu puxei da
faculdade, porque eu tive bons professores; eu aprendi com eles isso daí. E usei muito
isso. Então, se é uma classe que participa, como que eu posso dar uma nota, fazer uma
avaliação diferente de um aluno do outro. Porque é diferente: você tá numa faculdade,
você vai aprender pra você ensinar. Agora, aqui ‘cê’ tem que ensinar o aluno. Só que
tem uns que não tem coordenação. Só que ‘cê’ percebia a vontade dele participar, tudo
que ele queria fazer, ele participava. Só que tem os ‘limitado’, e tem aqueles que era
acima da média. Mas eu procurava agradar todo mundo, sabe? Fazer uma avaliação em
nota, que ‘cê’ ‘tá’ falando, ‘né’? Fazer uma avaliação pra agradar os ‘menino’, porque
todos participavam. Então era muito, muito gratificante. Até hoje eu sou chamado... Os
‘menino’ que são formado em [19]82, foi uma 8ª Série, eles fazem churrasco de vinte
ou trinta ‘ano’, se não me engano, de formado... Vinte ‘ano’ de formado; agora já ‘tá’
com vinte e poucos ano. Teve chão ‘pá’... Até hoje.
Gratificante, não é?
É. Um desses ‘menino’, ele é jornalista, e um dia ele fez uma matéria, eu tenho
guardado em casa, assim: “Minha escola inesquecível e professores chamado Saudade”
E meu nome tá lá. Então eu fiquei muito contente quando eu li o jornal e vi o meu
nome. Não só o meu, como o de vários, ‘né’? E nós ‘fomo’ chamados pra essa turma de
8ª Série: churrasco... Hoje são gerente, são dono de empresa, tem gente que mora fora
do país. Então eles ‘agradece’ muito à gente, que a gente deu uma linha pra eles
seguirem, e uma educação muito boa, em todos os ‘aspecto’, todos os professores. A
236
Educação Física participava muito disso, porque é o que fazia unir toda essa classe. E
hoje não existe mais.
É meio desanimador, hoje?
É, hoje ‘tá’. Hoje nós somos babá. Nós somos babá.
Professor, o senhor chegou a dizer que os alunos se empolgavam. Como eles se
manifestavam a respeito da Educação Física no dia-a-dia? Como esses alunos
faziam? Participavam efetivamente...? Como era a manifestação desses alunos? E,
já aproveitando: como a comunidade via a educação física naquela época?
É que nem eu falei para você, a educação física sempre foi uma matéria importante,
‘né’? O pessoal fala que sem a educação física, sem professor de Educação Física a
escola não anda. É o dito da turma aí, ‘né’? Mas é aquilo que eu falei, era uma matéria
comum, tanto pro aluno como pro pai do aluno. Ele sabia que ele ia de manhã e [que] à
tarde ele tinha que fazer educação física. Porque fazia parte, entendeu? Como o aluno
tem matemática, física, química, biologia, ele tinha educação física. Então fazia parte. O
pai obrigava, ele ‘vim’ fazer.
Responsabilidade?
Responsabilidade. ‘Cê’ fez a palavra certa agora. Eu não consegui usar essa palavra.
Então era isso. Mas além disso – de gostar, ‘né’? – era um sinal ‘dum’ menino saudável,
tudo isso. Fazer um esporte... Naquele tempo o esporte não era, assim... Era contagiante;
sempre foi, o esporte, contagiante. Só que não era gratificante que nem é hoje –
gratificante, em ‘termo’ de dinheiro. Hoje o aluno quer fazer um esporte ‘pá’ ser um
profissional e ganhar dinheiro.
Ganhar dinheiro, ‘né’?
Hoje o pensamento de todo menino é isso aí, jogador futebol. Agora, aquele tempo,
não, não tinha tanto essa mídia em cima. Só aparecia futebol, muito pouco, quando
começou a aparecer as ‘Olimpíada’, quando começou as televisões mostrar ao vivo isso,
‘né’? Mas era normal e era bem aceito, era bem aceito pela família. Era uma obrigação,
uma responsabilidade.
E os professores? Como eles viam a educação física?
237
Os professores de educação física ou os outros?
Não, os que trabalhavam com o senhor... Não só os professores, a comunidade
escolar: os funcionários, de uma forma geral. A direção...? Que visão eles tinham
da educação física?
Ah, eles sempre... Tudo diferente de hoje. Era tudo. É que nem eu falei ‘procê’, tudo era
uma sequência: assim como tinha um professor de educação física, o de geografia era
importante, a merendeira era importante... Um inspetor de aluno era respeitado na
escola – todos eram respeitados. Assim como eu via o trabalho dele bem feito, eles ‘via’
o nosso também, entendeu? Da merendeira, do dono da cantina. Todo o pessoal da
escola era responsável, era. Até o pipoqueiro da frente. Hoje não existe mais essas
‘coisa’. Todo mundo era respeitado e sabia qual era o seu papel. Hoje, não. Hoje
ninguém mais sabe qual é o papel dele. Por isso que o pessoal não tem mais respeito,
porque sempre o aluno tinha respeito por todo esse povo, inclusive inspetor de aluno,
servente. Hoje não tem mais essas ‘coisa’. Então era muito bom, era visto com bons
olhos pela direção. Era até mais fácil a direção trabalhar naquele tempo. A direção era
enérgica, mas até certo ponto. Hoje ela tem que ser muito mais enérgica. Antigamente
‘cê’ não via uma polícia numa escola, ‘cê’ não via uma diretora chamar uma polícia.
Hoje tem escola [que] todo dia tem polícia na porta. Difícil, os tempos mudaram, ‘né’?
Mas...
Professor, traçando um panorama, fazendo uma comparação mesmo – apesar de a
gente já estar fazendo isso desde o início, mas, para dar uma ênfase maior – como
o senhor entende a educação física das décadas de 1970, 1980 e a de hoje? É uma
coisa meio complicada, mas para a gente fazer uma comparação... A educação
física na década de 1970 e 1980 e a educação física de hoje em dia: como o senhor
compreende essas fases?
Bom, década de [19]70... Eu só fiz a faculdade, ‘né’? Eu trabalhei pouco, ‘né’? Eu
comecei mesmo em [19]80. Terminei a faculdade em [19]78, comecei a trabalhar em
[19]80. Aí eu acho que eu peguei um período bom, de tudo: professor, colega, de
trabalho, aluno, funcionário. Por a gente ter que fazer tudo aquilo... Porque você... Eu
fiquei tanto tempo fazendo o que eu tinha que fazer, o que eu aprendi na faculdade com
esse professor. Eu sempre tentei passar o melhor, ‘né’? Sempre me esforçava. Quando
238
tinha dúvida, eu procurava a faculdade, principalmente o Afonso, o Difu– não sei se
você conhece ‘esses’ professor..
Conheço
Sempre eles deram... Até hoje eu converso com ele. E eles ‘fala’: tem bastante fruto... O
professor Alaércio[?]... Nós ‘temo’ bastante fruto daquele tempo. Nós ‘temo’ atleta
nosso por aí que passou pela mão da gente. Não foi a gente que lapidou, mas passou,
teve uma formação aí. Tem gente que agradece a gente até hoje, mas era muito melhor
do que hoje. Hoje, o que eu posso falar ‘procê’? Não tem mais respeito por nada, eles
não têm mais medo de nada, nós ‘viramo’ babá deles. Eles não consideram mais
professor, nada. ‘Tô’ falando aqui da minha realidade, dessa escola, as ‘outra’ eu não
posso dizer. Mas eu sinto isso. Entrei com muita motivação, e, com o passar do tempo,
foi perdendo. Hoje eu ‘tô’ há um ano pra aposentar, bem desmotivado, bem
desmotivado. Não vejo a hora de acabar e passar uma borracha nisso. Vai ficar só na
lembrança as ‘coisa’ ‘boa’, porque as ‘ruim’, não quero mais lembrar.
O senhor considera aquela época – pra Educação Física, principalmente, que é a
área de atuação do senhor – melhor que hoje em dia? Comente suas impressões
professor.
Muito melhor, muito melhor.
Não só com relação aos alunos, mas ao próprio jeito de trabalhar?
É, eu não sei se a gente acostumou de ter autonomia pra fazer aquilo, ‘né’? Pode ser que
o pessoal que tá vindo agora, que pegue isso aqui pra frente, ‘acha beleza, que vai ficar
bom – espero que fique bom, porque tem que melhorar, pior não pode ficar. Mas eu
acho que aquele tempo foi muito melhor. Muito melhor. Ele deixou saudade, mas... Eu
não sei te explicar, não sei te explicar se tem alguma coisa por trás daquilo que fazia
acontecer. Quando se fala em Ditadura, não sei se tinha por trás, porque eu nunca me
envolvi com política, nunca procurei saber se tinha alguém por trás fazendo ou se tinha
alguém me observando. Nunca. Nunca fiquei sabendo de nada. Se tinha alguém fazendo
por trás, foi bem feito, porque eu nunca vi nada.
Ok, professor. Só uma última palavra sobre o trabalho do senhor dentro da
Educação Física e a gente vai encerrando a entrevista. O senhor já está no final de
239
sua carreira, já aposentando – descanso merecido aí. Eu gostaria de uma palavra
sobre o que significa a Educação Física, pro senhor, para a gente encerrar o nossa
entrevista de hoje.
Bom, pra mim tem que ser tudo, ‘né’? Porque [são] 32 anos fazendo isso. Correndo
atrás, fazendo e tentando conseguir... Tive mais alegria do que tristeza com a Educação
Física – em Pitanga, nos campeonatinho que eu participei com essas ‘criançada’. E a
alegria de ver os meninos aí trilhando e ganhando dinheiro no ‘esporte’. Passou pela
gente, quer queria, quer, não. Consegui muita coisa, em termos de aluno: melhorar o ser
humano em todas as partes, inclusive droga. Consegui ajudar muito menino. E isso aí
me satisfaz muito. É as ‘lembrança’ ‘boa’ que eu falei pra você, que o que vai ficar
comigo é isso aí. Pelo menos uns três, quatro eu consegui salvar. E sei que salvei
mesmo, não é só falar. Porque eu tenho contato até hoje. Porque eu cobro deles. Então
isso aí me satisfaz muito, mas... E me deu tudo, ‘né’? Eu tenho minha família, tenho
meu filho na Educação Física. Tudo o que eu tenho, ‘desd’a’ roupa do corpo à minha
caneta, eu consegui tudo com a Educação Física. Eu tenho que gostar, eu só lamento
que ‘tá’ do jeito que tá. Mas, pra mim, foi muito gratificante, o ano todo. Eu acho que
todo professor de educação física... Porque se ‘cê’ não gostar daquilo que você faz, que
‘cê’ está fazendo, eu não ia ficar 32 anos fazendo, ‘né’? É que agora a gente vai
cansando, a idade vai chegando, mas ainda tenho bastante motivação pra isso, não nessa
escola, numa outra que eu ‘tô’, que é... Eu sempre acreditei que professor de educação
física tinha que ser remanejado [a] cada três anos, pra você não criar vínculo, raiz com
essa escola eu. Aqui eu ‘tô’ há 25 anos, não era pra tá tanto tempo.
Nessa escola?
Nessa escola. Na outra escola, eu chego... Que nem, hoje eu tenho aula das 5h às 7h. Eu
chego lá, você não me conhece: parece que eu tenho 25 ‘ano’ de idade. O que eu faço
com aqueles ‘menino’. E é nascido em [19]98, [19]99, é 5ª e 6ª Série. ‘Tô’ preparando
esses ‘menino’ ‘prum’ campeonato que vai ter em novembro.
Aqui em Jundiaí mesmo?
Aqui em Jundiaí. É um campeonato escolar deles. É o Pré-Mirim que chama. E eu tenho
também... Amanhã, sexta-feira, eu tenho a das ‘menina’, que nós também tem uma
turma, a ACD, que chama hoje, as ‘turma’ de treinamento. Nove, oito; nove, nove. É
feminino, é menina. Elas não faltam. Sentam[?], ouve[?]. Então ‘cê’ seleciona, ‘né’?
240
Que essa turma é selecionado quem sabe jogar e quem quer aprender. Então a minha
motivação é muito grande. Porque, hoje, se fosse pra ‘mim’ dar aula das 5 às 7 da noite,
eu não daria. Como é pra eles, eu vou. Eu vou, inclusive, de segunda-feira, fora do meu
horário, trabalhar com eles pra aprimorar mais. Porque eu ‘tô’ em outra escola, são
outros ares, outros alunos... São menos ‘favorecido’ que os daqui dessa escola. Então
tem coisa que te motiva ainda. E como eu trabalho com futsal e com basquete, então eu
tenho aquilo específico, eu não tenho que seguir a cartilha deles, entendeu? Esse ACD é
um projeto... Eu começo no ano fazendo futebol com as ‘menininha’ ou basquete com
os ‘menino’, e vou até o campeonato. Durante o ano ‘tá’ tendo campeonato. Só que eu
sou obrigado a participar, ‘né’? Ela não é uma aula normal, de uma classe: eu pego
meninos de várias ‘classe’ e monto minha equipe.
Por idade, é isso?
É, tudo por idade, tudo faixa etária. E eu monto, e me motiva muito. Isso dá muita
atuação, porque eu tenho sessenta: seis, ponto, zero. Acho que eu ‘tô’ bem ainda, pela
minha idade, e eu chegar lá, e eu achar que eu tenho 25 lá, é [por]que eu ‘tô’ bem, tenho
motivação ainda. Porque já era pra ta andando de bengala, abaixar a guarda e falar:
“Agora seja o que Deus quiser, espera acabar” Pra ‘mim’ chegar lá nesse ponto... E a
diretora falou: “ ‘Cê’ é doido? ‘Cê’ vem de segunda-feira? ‘Cê’ não tem aula” Eu falei:
“Má eu gosto, ‘pô’!”.
Eu gosto deles porque me satisfaz, senão não iria. Eu cheguei a comprar bola, porque a
bola da categoria deles é uma bola menor. E a escola que eu tenho é bola grande. Eu
comprei uma bola e vou lá com eles pra treinar. Então gosto muito da educação física,
me satisfaz, por isso que eu acho que não devia ficar muito tempo um professor numa
escola – pra ‘cê’ não desmotivar eles, porque vai acabando a motivação. E você vai
ficando muito tempo aqui, ‘cê’ acaba se achando um pouco dono das ‘coisa’, ‘né’? E
isso eu não quero, não. Eu quero acabar bem, e vou acabar bem. Porque eu falei
anteriormente aí que eu tava meio desmotivado na aula, mas nessa turma que eu tenho,
na outra escola, tem 25 anos de idade.
Maravilha. Bom, professor... Encerramos aqui a nossa entrevista com o professor
D. Muito obrigado, professor. Foi muito gratificante ouvir aquilo que os
professores da época falam, que é muito diferente do que a gente encontra em
livros – porque é a história vivida, como ela realmente aconteceu. Então eu
241
agradeço o tempo que o senhor disponibilizou a mim. E encerramos aqui a nossa
entrevista.
FIM DA ENTREVISTA
242
ENTREVISTA COM PROFESSOR “E”
Bom dia, professor (E). Vamos começar a nossa entrevista sobre a
Educação Física na época da Ditadura.
Bom, professor, eu gostaria de saber como foi o processo de escolarização
do senhor antes de entrar na faculdade. Como foi a escola mesmo, como foi esse
processo? Conte-me um pouco.
Eu fiz o Ensino Fundamental dividido em duas partes: uma no particular, que é a
Escola das Irmãs, aqui na Vila Arens, anexa ao Colégio Divino Salvador, e depois, a 3ª
Série em diante, eu fui pro público, na escola – inclusive, o Siqueira Moraes, ‘né’ –, a
escola que eu estou hoje. E naquele tempo ela funcionava em frente à Câmara
Municipal [onde se localiza] hoje; era lá no Centro, que a gente chamava. Aí, quando eu
concluí o Ensino Fundamental – repeti o 1º Ano –, aí eu fui para o Paulo Mendes Silva,
que funcionava na antiga Rua da Estação, lá concluí a 5ª Série. Depois ele foi para um
prédio novo aí na Fernando Arens, 6ª Série. E depois, por conveniência dos meus pais,
eu precisei ir trabalhar durante o dia e passei a estudar à noite. Aí eu fui fazer a Escola
Anchieta. Meu irmão já estava estudando na Anchieta. Aí, concluí lá o Fundamental, fiz
o Ensino Médio no Anchieta – eu fiz o técnico em contabilidade. Mas nisso daí eu já
estava me aproximando muito do esporte, ‘né’? Eu gosto de futsal, gosto um pouco de
voleibol, de atletismo, e o curso de Educação Física começou a aparecer muito. Então,
isso me chamou à atenção. Um colega meu, que era formado um ano antes, né? Colegas
de saídas, ‘né’? De equipe – que nós tínhamos uma equipe na época –, [ele] falava
muito da Educação Física. E isso foi me aproximando. Aí, fiz o vestibular, passei e
cursei a faculdade durante quatro anos. Porque eu levei a dependência da 1º para o 2º
ano, de três disciplinas, ‘né’? E levei do 2º para o 3º de uma. E no terceiro não consegui
me livrar dela, que foi Anatomia, e que acabei concluindo um ano depois.
Professor, o que se comumente se lia no curso de Educação Física? E
Mesmo no dia-a-dia, no cotidiano...?
Ah, a gente lia os ‘esporte’, os jornais da época, ‘né’? E a gente se ‘atia’ [ateia]
a, principalmente, na parte esportiva, ‘né’? Na faculdade, alguns livros, ‘né’? Eu fiz um
curso de voleibol em [19]77, depois eu fiz uma... Aquele tempo não era a pós-
graduação, né? Era um curso de especialização esportiva. Então eu fiz um curso de
especialização esportiva em Campinas, depois fiz um outro em Jundiaí; depois, em
243
[19]81, eu voltei a fazer outros, ‘né’? E a gente lia a matéria da época, ‘né’? Que a gente
tinha... não tinha um grande acervo, ‘né’? Mas alguma coisa tinha, então a gente
procurava recorrer a isso.
E isso contribuía pro dia-a-dia? Essas leituras que o senhor fazia?
Contribuía, sim. Porque, o que acontecia? Eu comecei a trabalhar dentro do
Estado, já em [19]77, e havia sempre os planejamentos, como tem agora, ‘né’? Só que
não com tanto material, mas, assim, um material [de] que a gente poderia lançar mão
pra nos orientar na nossas atividades.
E por que o senhor escolheu ser professor de Educação Física? Conte-me a
respeito.
Olha, a gente faz escolha muito cedo, ‘né’? Lógico que tem gente que se casa
com dezoito anos, e tem gente que se casa com quarenta. E tem aquele que não se casa.
Mesma coisa de uma faculdade: tem gente que se forma, não exerce, porque ele
descobriu que, mais tarde, não era aquilo que ele queria. Então, as ‘escolha’ são [feitas]
muito cedo. E, felizmente, eu estava ligado ao esporte da cidade, praticante. Me
envolvia já com uma participação de nível jundiaiense de futsal, ‘a’ nível de auxílio, e
isso aí foi me aproximando da educação física, e eu escolhi porque eu achei que eu ia
me dar bem, ‘né’? Na parte... Eu gosto da administração esportiva. Hoje eu tenho uma
carga bem maior dentro da administração esportiva, não mais como professor, mas
ainda tenho uma carga pequena como professor. Então, isso aí acho que me aproximou,
e eu posso me sentir feliz dentro da minha área. Eu acho que deu pra... Há 33 anos eu
sou formado, ‘né’? E deu pra trilhar um bom caminho aí.
E como e por que o senhor chegou ao ensino público? Fale um pouco sobre
isso.
É que, na época, a gente fazia a Educação Física, e nós tínhamos... o grande
leque era o ensino: ou você iria para o ensino particular ou para o ensino público. Não
tinha o número de academias que tem hoje. Os clubes, a grande maioria não tinha o seu
preparador físico, muito difícil; só os grandes clubes que tinham. Então o campo de
trabalho era restrito às entidades educacionais. Então tinha até algumas entidades
particulares que não tinham professor de educação física regular: ele tinha aquele
professor de educação física que ia dar aula aos sábados ‘prum’ grupo de alunos porque
244
dizia-se na época que não era turma... Nós tínhamos que constituir turma pra ministrar a
Educação Física. Então a administração das escolas ‘faziam’ alguma coisa que não
constituía as várias turmas – cinco, seis turmas –, constituía uma só. Então isso aí
diminuía muito o nosso campo de trabalho. E só tinha quase particularmente quase a
parte educacional.
O ensino público era o grande meio, não é?
Era o grande leque. Pagava-se bem, ‘tá’? Eu comecei a trabalhar no ensino
público em [19]77. Nós ganhávamos bem. Nós, que eu digo, o funcionalismo público,
os professores em si, ‘né’? Então isso aí chamava muito a atenção, entendeu? Pagava-se
bem melhor do que paga o particular hoje. O particular ‘tá’ pagando bem melhor do que
o Estado hoje, mas, naquela época, nós ganhávamos melhor que o particular.
Professor, além da licenciatura em Educação Física, o que o senhor fez
posteriormente pra contribuir com a formação profissional?
Eu sempre tive dois empregos, no mínimo. ([risos]) Tive mais, inclusive, ‘tá’?
[risos]
E eu atuei em clubes da cidade, ‘né’? Atuei por dez anos na Esportiva; quatro
anos no São João; um ano no Grêmio[?] e um ano no Clube de Jundiaí. Então além da
licenciatura eu fiz os cursos técnicos. Então eu tenho o curso técnico de futebol, de
futsal, de natação, de voleibol. Então eu desenvolvia paralelamente às atividades
educacionais na escola essas atividades nos clubes. E dentro do meu emprego público,
dentro da Prefeitura, a Prefeitura sempre disponibilizava oficinas, ‘né’? Pra gente se
especializar nos mais diversos segmentos. Trabalhei uma temporada no SESI também,
um ano e meio. O SESI também fazia capacitações.
Mais direcionado ao esporte?
O SESI, sim. Na parte educacional, a escola. A Prefeitura tinha um pouquinho
de cunho educacional.
No SESI era mais o esporte?
No SESI era mais o esporte. Houve aquele pool da ginástica corporal, em
[19]77, [19]78, ‘né’? E antigamente a mídia não era tão forte assim, então não era tão
245
cobrado. Então começou o SESI, acho que em Santo André, se não me engano, em
[19]73, [19]74, começou a fazer umas turmas de ginástica corporal. E eu cheguei a
trabalhar aqui no SESI em Jundiaí. Pra você ter uma idéia, a [trecho ininteligível]
quando inaugurou, em [19]77, à noite tinha trezentos alunos, toda noite, lá, fazendo
aulas com três ou quatro professores.
Professor, a partir de agora a gente vai falar um pouco sobre as políticas
públicas daquela época. Havia conhecimento da parte do senhor, na época, das
políticas públicas educacionais que permeavam ali a Educação Física no contexto
escolar?
Não, tinha... O conhecimento que a gente tinha mais é pedagógico, ‘né’? Mais
‘a’ nível de planejamento. Mas ‘a’ nível de políticas públicas...
Para a Educação Física escolar?
Não tinha...
E havia alguma diretriz pedagógica? Algo a ser seguido para a Educação
Física, na época?
Era muito baseado em termos de performance, ‘né’? De aptidão física. As aulas
praticamente eram exploradas nesse sentido, ‘né’? E tinham um cunho nem muito
pedagógico e nem muito didático. Era mais a aptidão física em si.
Mas tinha um livro ou alguma coisa para ser seguido?
Não, isso tinha. Isso tinha, um livro. As escolas tinham algumas revistas, que
era... se não me engano, já tinha CENP naquela época e já fornecia... CENP era o
Centro de Estudos e Normas Pedagógicas do Estado. Isso aí já desde, acho que, da
década... final da década de [19]70, acho que já tinha. Então ela emitia alguns anexos
que vinham com as várias disciplinas, ‘né’? Então era baseado naquela lá, pra você
fazer o seu planejamento.
Para a Educação Física não tinha?
Tinha. Isso tinha. Tinha lá uns livrão vermelho que a gente consultava, tá? Tinha
lá Plano de Aula, tinha lá algumas coisas assim.
246
E material pedagógico? Eles disponibilizavam algum material pedagógico –
no sentido teórico e prático? O senhor disse que havia um subsídio no sentido de
uma diretriz. Mas, assim como existe essa apostila hoje, naquela época havia
algum material pedagógico teórico e um prático – se é que a gente pode dizer assim
– que subsidiasse o senhor no dia-a-dia?
Teórico, nenhum. Nós tínhamos alguma coisa pra confecção do planejamento
em si. Depois disso, as aulas eram contra-turno, e a gente recebia os alunos, formava-se
as turmas, e era eminentemente prática, ‘tá’? O que acontecia? A escola tinha oito
classes. Então funcionava oito de manhã e oito à tarde, e a educação física, fora do
período. Às vezes, a escola não tinha nem quadra: fazia numa quadra do Município,
numa quadra de um clube, ou numa praça de jardim. Eu cheguei a ministrar aula em
praça de jardim, ‘né’? Então, o que acontecia, as aulas eram totalmente práticas, e,
quando chovia, no caso, os alunos nem iam, porque eram só prática. Nós não tínhamos
nenhum espaço na escola pra gente levar os alunos na escola pra fazer a parte prática,
tá? Isso foi um bom tempo, ‘né’? Isso aí foi durante uns quinze anos.
Era do mesmo jeito?
Isso, do mesmo jeito. Eu acho que, se não me falha a memória, acho que em
[19]96 que ela passou a fazer parte do currículo. Então a educação física [era] no
mesmo período. Porque antigamente era em contra-turno. Noventa e seis, não, acho que
foi antes. Acho que em noventa e quatro.
É, a lei é a partir de 1996, não é? Agora, antes disso já tivera se iniciado um
movimento para definir a educação física como disciplina, para não tê-la só como
prática...
Isso, é. Uma disciplina, isso.
Não é? Havia um movimento já. Em 1996 é que isso foi regulamentado pela
nova legislação educacional.
É.
Professor, nesse dia-a-dia da prática pedagógica a gente pode dizer que
havia uma autonomia para o senhor trabalhar? Conte-me a respeito.
247
Autonomia, sim. As escolas procuravam disponibilizar os materiais básicos da
educação física, ‘né’? Que são as bolas, ‘né’? E bastões, as cordas. Algumas, com um
pouquinho mais de infra-estrutura, nós chegamos a ter colchonetes, plintos, ‘né’? Mas,
basicamente, a aula era tocada com uma bola, até, ‘né’? Então autonomia total. O
professor tinha muita força na época, né? De qualquer disciplina.
De qualquer disciplina?
De qualquer disciplina. Nós éramos muito valorizados.
Professor, o senhor lembra de o governo estadual oferecer algum curso de
especialização, algo a respeito?
Eu acho que a partir da implantação das oficinas pedagógicas nas Diretorias de
Ensino – [que], se não me engano, foi entre [19]89, [19]90 –, a partir daí que começou a
aparecer.
Alguns cursos?
É, alguns cursos. Por quê? O que aconteceu? O Governo do Estado, ele tem a
CENP... Não, tem a CENP, não. Ele tem a COGESP, que ‘são’ as escolas da Grande
São Paulo. E depois, eles têm – agora me fugiu o nome –, que são de todas as... de todo
o estado, o restante, menos São Paulo. Então nós tínhamos as diretorias de ensino, que
congregavam vários municípios – que a nossa, aqui, ‘é’ oito municípios, ‘né’? Então
cada diretoria começou a criar a sua oficina pedagógica. Criou-se a CENP, ‘né’? E
depois a CENP foi criando, em cada diretoria, as oficinas pedagógicas. Então as
oficinas, no início, tinha dois, três professores, um de cada disciplina, depois foi
ampliando, ‘né’? Não teve professor... Geralmente, no início é português e matemática,
‘né’? Isso nem falta...
Não tem jeito, ‘né’? [riso]
Aí, depois começou a ‘vim’ o de história, o de ciências, educação física, artes.
Então foi contemplado?
Foi contemplado.
Isso, no final da década de [19]80, [19]90...
248
Não, eu acho que fim de [19]90. Mil novecentos e noventa, ‘tá’? Inclusive, eu
cheguei a trabalhar na Oficina Pedagógica de Jundiaí, por um período... Eu trabalhei de
[19]96 a 2000.
Professor, fazendo um recorte, nos atendo até mais ou menos 1985, que foi o
fim da Ditadura Militar: havia um controle do governo sobre a sua prática
pedagógica?
Nenhum.
Alguém que viesse, fiscalizasse? Algum militar, alguma coisa...? O que o
senhor diz a respeito.
Nada, nada.
Havia autonomia para trabalhar?
Autonomia total. A direção passava muito... algumas orientações, ‘que’ eu acho
que eles recebiam, porque o diretor sempre foi convocado pras reuniões. Era a nível de
Diretoria de Ensino, a nível de São Paulo, ‘né’? Então vinha muita orientação pra se
trabalhar: Ordem Unida, ‘né’? Foi muito sentido, assim. Mas, supervisionado, nenhum,
‘tá’? Nunca recebi a visita de nenhum membro da Diretoria de Ensino, nada. Militar...
Nenhum.
Professor, sobre a Educação Física: para o senhor, o que é a Educação
Física escolar?
O que acontece hoje... Eu vejo assim: as informações ‘tão’ muito... tão em tempo
real. Até mais forte, até, que isso. Então o aluno, ele vem pra escola quase que
desinteressado pelo que o professor ta ministrando lá, porque fora da escola, ele tem a
[trecho ininteligível]. Então ele se desinteressa na sala de aula, de ficar com a sua
atenção voltada para o professor. Mas ele fica lá durante cinqüenta minutos. Ou, às
vezes, fica até [durante] uma hora e quarenta, que são duas aulas; às vezes chega isso,
‘né’? Então, na hora da educação física, ele sai para a recreação, porque ele vai fazer
alguma coisa diferente, ele sai daquele... ele tem cinco aulas, ou quatro, lá, e depois tem
uma de educação física. Então, lá na educação física, como, hoje, a grande maioria [das
escolas] tem o espaço coberto...
249
Porque na nossa época, na época que nós ‘tamos’ abordando, ‘né’? De [19]80 a
[19]89, nós não tínhamos, às vezes nem quadra, ‘né’? Mas agora nós temos uma
possibilidade bem maior, e eu acho que o objetivo maior da educação física é trabalhar
o aluno como um todo – como um todo, que eu digo, com uma formação globalizada, e
procurando levá-lo a uma coordenação motora mais apurada, ‘né’? Trabalhar alguns
aspectos de... Hoje a gente sente muita dificuldade na cumplicidade, ‘né’? Porque
antigamente nós não tínhamos tantos muros, nós não tínhamos tantos carros na rua.
Então a gente tinha uma coordenação mais natural. Hoje, não. Hoje, com todos os
problemas que nós temos, os alunos ‘tão’ ficando cada vez mais dentro de casa...
Mais cercados, não é?
Mais cercados, e aí a gente tem que... Antes a gente trabalhava, mas a gente
recebia o aluno... inclusive, bem melhor. A gente só polia um pouco. Hoje, não: hoje
vem mais o bruto pra você tentar trabalhar isso.
E dentro da escola? O senhor acredita que a educação física foi e ainda
continua sendo importante?
Pra mim, ela é a mais importante das disciplinas, ‘né’? Mas eu não vejo isso dos
legisladores internos[?]. Não vejo isso dos diretores. São alguns diretores que acham
realmente, que acreditam que a educação física tem o mesmo valor que tem o português
e a matemática, essas duas disciplinas chaves, ‘né’? Eu acho que ela é... Não digo que
ela seja mais valorizada, mas ela tem um respaldo maior, ela tem um valor maior de
peso. Tanto é que nós somos atividade, ‘né’? Nós [trecho ininteligível], nós somos
atividade. Mas eu acho que mesmo dentro da atividade, não é? O respeito teria que ser
um pouquinho maior.
Comparando a época em que o senhor começou a atuar com a nossa, de
agora: o senhor acha que a valorização é diferente...?
O que acontece é que na época passada o professor era valorizado, independente
se era português, ‘né’? Da disciplina, que eu ‘tô’ falando. E agora, não. Agora, hoje, o
professor não está mais valorizado, não tem mais o respeito dos alunos, dos pais de
alunos, ‘né’? Antigamente era assim: a balança era dez contra e noventa a favor. Hoje
inverteu: hoje é dez a favor e noventa contra, ‘né’? Então, se o aluno vai mal, o pai acha
que o problema é o professor. Não é o problema o aluno. Isso é notório, só conversar
250
com os colegas aí, que [eles] falam. E o que acontece? E a educação física caiu um
pouquinho mais ainda. Então, dos 10%, eu acho que nós estamos com 5%, então –
digamos assim, sabe? Principalmente no ensino público. Eu acho que o particular, ele é
encarado de uma outra forma, ‘né’? O material tem sempre, as condições... Eu acho que
o particular... Nunca trabalhei no particular, também tem isso. Mas eu acho mais
adequado – pelos comentários que a gente tem de colegas, ‘né’?, [que] trabalham.
Professor, no dia-a-dia, na prática pedagógica da época: como se dava essa
prática pedagógica? O que o senhor trabalhava no dia-a-dia de aula? Conte-me a
repeito.
Olha, nós fazíamos o nosso planejamento bimestral. E dentro do bimestre era
explorado um esporte, ‘né?’ Que nem eu falei: muita Ordem[?] Unida[?], muita
performance, corridas, coordenação motora. O atletismo era bastante trabalhado como a
forma globalizada, e a gente trabalhava os esportes bimestrais. Então o futsal num
bimestre, o voleibol outro bimestre. O basquetebol, outro bimestre. O handebol, outro.
Sendo que sempre havia uma flexibilidade: nós estávamos dando o handebol, mas, de
vez em quando, precisava dar o futsal. Nós estávamos jogando o voleibol? Mas, de vez
em quando o futsal... Porque o futsal, o futebol como um todo, ‘né’? Ele é muito
requisitado, né? Ele é muito... Ele monopoliza...
Os alunos pediam futebol naquela época?
Pediam. Não tanto quanto pedem hoje, mas pediam, ‘né’? Mas eles aceitavam
numa boa quando você ministrasse outro esporte, não reclamavam. Nossa, a gente não
tinha rejeição. A turma de 30 alunos, na classe, 29 participavam. Hoje, de três alunos,
nós temos que, às vezes... 50% que participa, não é? E desses 50, 12... ‘Vamo’ supor:
desses 50%,, ‘vamo’ chutar aí, uns 60% querem futebol. E se você oferece uma outra
modalidade, tem alunos que não fazem, mesmo
Diminui ainda mais, não é?
É, mesmo você falando: “Não, depois nós vamos fazer um pouco”. Não, eles não
vão fazer. “Não, não quero”.
O senhor falou que trabalhava um esporte em cada bimestre, não é?
Isso.
251
O que o senhor tem a dizer sobre essa esportivização da educação física?
Qual o panorama que o senhor traça? Houve, não houve, foi bom, não foi? Fale
um pouco sobre isso.
Antigamente nós tínhamos muitas atividades esportivas: a diretoria, em conjunto
com a Prefeitura., nós tínhamos alguns torneios, que ‘era’ ‘chamado’ Torneio da
Primavera... Jogos da Primavera – e ‘tinha’ uns outros jogos que agora me fugiu. Então
a gente se preparava pra esses torneios. Hoje nós temos a Olimpíada Colegial, ‘né’? E
hoje a dificuldade é um pouquinho maior, porque envolve transporte, uma série de
coisas. E, na época, nem tanto, porque era muito mais fácil o deslocamento: não tinha
tanto carro na rua, coisa e tal, e o aluno, você falava pra ele que ia jogar... Só pra ter
uma base, assim: nós íamos jogar no Bispo, o aluno sabia onde ‘que’ era o Bispo, e ou o
pai levava ou ele ia a pé, sabe? Aluno de 5ª a 8ª Série, tranqüilamente. Hoje em dia, o
aluno da 8ª... Uma, que ele fala que não sabe onde ‘era’ o Bispo, e, outra, que ele, às
vezes, fala que não tem condições de ir, alguma coisa assim. Mas eu acho que essa
‘esportividade’ que se deu nas aulas de educação física, isso aí veio ‘a’ nível... Num
nível que nós não podemos dizer federal, né? Porque nós não tínhamos essa orientação
de... federal, mas ‘a’ nível estadual. [Por]Que tinha a Secretaria de Esportes do Estado,
que ela realizava os jogos regionais, jogos abertos. E o grande alimentador dessas
equipes de competição era o aluno do Estado.
Da escola?
Da escola do Estado. Tá? Então, o Ensino Médio ia até os seus 16 anos. E
depois disso ele ia pra seleção da cidade, tinha, geralmente, duas categorias, que era o
juvenil ou... Não, acho que era o infantil e o juvenil, e depois a categoria adulto. Então
saía muito aluno do Ensino Médio pra defender a seleção da cidade. Então, nesse
sentido.
Então essa esportivização da área... Na época, o senhor trabalhava
bimestralmente um esporte, era mais ou menos isso?
Isso.
Para a época, isso foi algo bom, ruim? O que o senhor tem a dizer?
Olha, eu...
252
Com relação ao senhor e aos alunos.
Isso. Eu acredito que foi bom. Por quê? Eu converso, hoje, com meus ex-alunos,
e eles chegam a comentar que eles ficaram com um legado que foi passado na época.
Eles sabem a importância da atividade física, ele sabe efetuar uma corrida; ele tem
noções gerais de vários esportes, ‘né’? Ele sabe utilizar as horas de lazer sabiamente; ele
sabe das coisas nocivas à saúde. E eles comentam, alguns, que hoje, na escola, nós
‘tamo’ muito longe disso. Então, o que acontece [é] que eu acho que essa performance
que nós trabalhávamos na época, eu acho que ficou um legado aí de bom, porque se eles
tão lembrando disso é porque...
Porque deu resultado, não é?
Deu resultado na época. Porque eu acho que o professor tem obrigação de
passar, ele tem que acrescentar ao conteúdo [para o] que o aluno vem pra escola. Agora,
às vezes, o que a gente nota também é que o aluno não quer mais nenhum conteúdo,
‘né’? Ele acha que [com] o que ele tem já ‘tá’ 100%. Então você vai corrigir um aluno
hoje, ‘cê’ arruma briga. ‘Que’ eles acham que o que eles ‘sabe’ já ‘tá’ bom. Diferente da
nossa época, que você corrigia e o aluno falava “obrigado”. Hoje, não, ele... [riso] Além
de você tentar corrigir e não conseguir, eles te mandam tomar no... (palavra
inapropriada) com uma facilidade, assim, enorme, viu? ‘Procê’ ter uma idéia.
Eu imagino.
Não sei se você ‘tá’ longe da prática, ‘né’?...
Não, eu dou aula ainda.
Ah, ‘cê’ dá aula ainda?
Só que eu dou para os pequenininhos, não é? Trabalho na Prefeitura de
Várzea, aqui. Mas eu fui professor do Estado, eu dei aula em Francisco Morato,
então eu sei como é. [riso]
Sabe qual é a realidade, ‘né’? Então é...
Sei, sei. Que é diferente de tudo que a gente lê, muitas vezes, não é? Você
vem para a prática e se depara com uma situação que... É desanimador, não é?
253
É.
Totalmente desanimador. Mas...
Professor, quem e como se definiam os conteúdos com os quais o senhor
trabalhava? Era o senhor mesmo quem fazia? O senhor disse que existia um plano
para que vocês fizessem os planejamentos. Mas esses conteúdos bimestrais, quem
definia isso?
‘Quem’ definia ‘era’ as condições da escola. Se nós tínhamos uma quadra
polivalente e nós tínhamos a tabela de basquete e os postes de voleibol, então nós íamos
ministrar o voleibol e o basquetebol. Eu dei aula durante quase dez anos, na escola
Rafael Mauro, que era um chão batido. Então ali não dava pra dar basquete. Primeiro,
porque não tinha tabela, ‘né’? Mas o voleibol dava pra dar, porque nós improvisamos
dois postes, e a gente amarrava a rede, lá, pra dar. E dava pra dar o futsal e o handebol.
E, que nem eu falei, o atletismo sempre... a ginástica corporal, sempre. Então [era de
acordo com] as condições da escola. Eu dei aula durante um ano numa escola, João
Mendes de Campos, que eu dava aula num terreno baldio. Quer dizer, ali eu só dava
queimada e futebol, não dava pra dar outra coisa, ‘né’? E um pouquinho de handebol,
pouca coisa, porque como eles não conheciam, ‘né’? Às vezes, a gente vai passando, vai
tentando. Então, as condições da época, da própria escola que norteavam a nossa.
E o “como fazer”? Se o senhor propõe o basquete num lugar que é possível
o basquete, a metodologia, o “como fazer”, quem é que propunha, quem
planejava?
Aí, o professor tinha que ir à luta, ‘né’? Eu sempre tive uma biblioteca com
todos os esportes, ‘né’? Eu ‘tava’ sempre consultando os livros: o voleibol, o
basquetebol, o handebol, o atletismo.
Então era o senhor mesmo quem planejava isso?
Isso. Às vezes, na escola, até tinha. Eu cheguei a [trabalhar em] escola de ter um
ou dois exemplares, mas algumas não tinham nada. Então o professor tinha que ter. E o
que facilitava é que... Como eu trabalhei em vários locais, ‘né’? Trabalhava na
Prefeitura, que tinha um certo acervo, trabalhei no SESC, que também tinha outro
acervo... Então isso aí possibilitava ‘d’a’ gente ‘tá’ sempre interagindo com os colegas e
procurando diversificar a aula e sempre alimentando com mais opções, ‘né’?
254
E as avaliações, professor? Havia avaliação nessa época? Se havia, como
eram feitas?
Olha, eu fazia avaliações práticas, ‘tá’? Eu passava noções de regras, ‘né’? Mas
nunca fiz uma prova escrita, ‘né’? Fazia os testes práticos que tinha na época, ‘né’? De
flexibilidade...
Aptidão física.
Aptidão física. Puramente, ‘tá’? E fazia alguns testes ‘a’ nível do esporte que nós
estamos desenvolvendo, ‘né’? Então o basquetebol: fazia uma avaliação de bandeja.
Não o número de acertos, mas a prática pedagógica. No voleibol: a manchete, o
levantamento, o saque. O arremesso do handebol, uma defesa do handebol com o pé.
Então é uma atividade prática, nós temos uma avaliação prática nesse sentido. E eu
sempre avaliei, também, os alunos por freqüência, ‘né’? Já que eles iam e faziam aula
mesmo. Então a atividade contava muito aí, eu acho.
E o senhor atribuía alguma nota?
Deixa eu tentar puxar pela memória aqui.
[riso]
Eu acho que não tinha. Eu desconfio que não. Até essa década, essa parte aí não
tinha. Eu acho que foi, isso aí, depois da implantação, em [19]93, [19]94, que aí que
começou a ter.
Começou a ter?
Ter uma nota aí. O que a gente tinha que passar era a freqüência dos alunos. Se
ele estava ausente ou freqüente.
A chamada sempre houve?
A chamada sempre existiu. Mas a menção não tinha não. Porque nós passamos
já [por] várias épocas de letras, ‘né’?
Números, não é?
Números.
255
Tem de tudo. Letra, número... [risos]
É, tinha o conceito A, B, C e D e tinha um outro tipo de conceito também, que...
Agora me fugiu um pouquinho, mas eu lembro que tinha um outro também, ‘tá’?
E os alunos, professor? Como eles se manifestavam a respeito da Educação
Física, na época?
Olha, eu tinha alunos... que ele era da terceira turma e ele vinha na primeira. Ele
vinha na primeira por quê? Porque às vezes nós estávamos com um número... ‘Vamo’
supor, 29... ‘Vamo’ supor, agora: então, fazia parte de ginástica, de atletismo, e depois
nós íamos fazer o basquete ou o futsal, que era ‘divididos’ em equipes de cinco. Aí,
faltava um. Aí, ele participava, aquele que ‘tava’ de fora. E a participação era muito
grande, muito grande. E a satisfação também. Porque nós tínhamos uma rejeição muito
pequena, muito pequena.
Eles gostavam?
Gostavam, gostavam.
Então, a educação física, para eles, era aparentemente muito boa?
É, porque não tinha tanto o lazer, ‘né’? As opções de lazer eram pequenas, não
é? Eles se restringiam mais a uma quadra, a uma bola, à aula de educação física, ‘né’?
Não tinha essa gama que tem hoje de clubes, com toda essa infra-estrutura, não
tínhamos o SESI[?], os parques, ‘né’? Não tinha o vídeo-game. Era quintal de casa e
escola, aula de educação física.
E os professores, a direção? A comunidade, no geral? Como eles viam a
educação física? Fale um pouco sobre.
Olha, os pais, eu acho que viam com bons olhos, ‘né’? A direção, a grande
maioria. Mesmo aqueles que não davam tanta importância, mas eles viam... eles tinham
um certo, um bom conceito. A grande maioria, eu acho que viam com bons olhos.
E os professores?
Os professores de outras disciplinas, não é?
256
Sim.
O que acontecia é que porque a gente trabalhava no contra-turno, então nós não
tínhamos o HTPC – que hoje nós temos, essa integração, ‘né’? Então às vezes a gente
encontrava com os professores na escolha de aula, em fevereiro, e depois, no final do
ano, no encerramento.
Não tinha muito contato?
É, nós tínhamos contato com os professores das outras salas, ‘né’? Porque
funcionava assim: de 1ª a 4ª, um período, e de 5ª a 8ª, outro período. Então, se eu dava
aula à tarde numa escola é porque o período da manhã funcionava de 5ª à 8ª, e dava aula
à tarde, e vice-versa. Então o contato era pequeno.
Professor, fazendo uma comparação: como o senhor compreende a
educação física escolar do final da década de 1970 e 1980 com a de hoje em dia –
uma vez que o senhor atuou e ainda atua? Dá para estabelecer uma comparação
entre o que era e o que é?
Olha, eu acho que tudo é uma questão de formação. Antigamente o aluno era
diferente, ele era participativo. Qualquer disciplina que você fosse ministrar pra ele –
português, matemática, história, geografia, artes, educação física... E dentro da educação
física, no nosso caso: se fosse ministrar handebol, basquete, voleibol, atletismo, ele
participava e participava com vontade. Hoje... E por que isso aí? Desculpa. Nós
tínhamos uma formação de respeito à família muito grande. Os nossos pais foram
bastante rígidos, então a gente guardava isso daí... E os alunos vinham desses pais, ‘né’?
Agora nós estamos com uns alunos de 15 anos com pais que, alguns, não foram nem
nossos alunos, então foi uma outra formação que veio com a democracia, com a
abertura, com o fim da Ditadura. Os pais foram mais flexíveis. Hoje nós ouvimos de
pais que não conseguem mais ter autonomia sobre o filho, não [conseguem] ter mais
autoridade sobre o filho. E na época nós tínhamos total autoridade sobre os alunos –
imagine, então, de um pai para um aluno: muito maior. Então a grande diferença, eu
acho que está nisso daí, ‘tá’ na família: a família, hoje em dia, ‘tá’ muito longe do filho,
[e], consequentemente, longe da escola. E não ajudam mais o professor na escolaridade
do filho. Hoje, particularmente, a escola é quase que um depósito de criança, ‘né’? O
pai vem, deixa o filho, e, chega no final do ano, nem sabe se o filho passou. O ano
passado eu tive um... recebi um pai, veio pra reunião da filha de 8ª Série, eu era o
257
coordenador da sala: “Mas a sua filha não está comigo” / “Não, está. Ela falou”. O ano
passado ela estava na 7ª e ela tinha repetido de ano. E o pai não ‘tava’ sabendo que ela
tinha repetido de ano. Então eu acho que a grande mudança é, realmente, a família
muito longe, ‘né’? E essa democracia muito aberta, que foi passada, que... E aí, agora,
nós ‘tamos’ colhendo os frutos, e nós ‘temo’ que correr atrás.
E a mudança na educação, ela não ocorre de um dia pra noite, ‘né’? As coisas
estão ficando cada vez piores. Eu acho que nós precisamos rever os nossos conceitos
pra tentar reverter o quadro, mas à longa data – não é pro ano que vem, não é 2012. Eu
acho que é alguma coisa de 2015 pra 2020 pra ter alguma modificação nesse sentido. Eu
acho que o que contribuiu também, muito, pra que se tornasse isso foi a implantação,
pelo Governo do Estado, dessa não repetência. Então, essa promoção automática... O
que acontecia? O professor tinha um trunfo na mão, que era a repetência. Alguns
usavam isso excessivamente, ‘né’? Outros, não. E agora, ele veio, e abriu geral. Então
isso daí eu acho que contribuiu muito. O aluno, vindo na escola, ele passa de ano, não
precisa ter mais os conceitos. E há questão de três anos só que mudou, que agora, na 8ª
Série, ele tem que ter conceito e freqüência, mas até a 8ª Série, ele não precisa ter. Então
o aluno, ele fica sete anos na escola passando automaticamente, não é na 8ª Série que
ele vai estudar. Ele não aprendeu a estudar na 1ª, na 3ª, na 5ª, na 7ª, ele não vai aprender
na 8ª. Então a família tem que ‘tá’ bem perto disso. Então, acho que o Governo precisa
mudar algumas normas... Inclusive, tem um candidato do PT apregoando essa mudança,
‘né’? O fim da repetência. Não é o meu partido, ‘né’? Mas é interessante essa proposta
dele. Eu acho que isso seria um dos caminhos pra gente tentar reverter o quadro, tentar
recuperar um pouquinho a Educação.
Professor, se a gente fizer uma comparação entre a época da Ditadura – que
o senhor falou que tinha autonomia pra trabalhar – e agora: ainda há essa
autonomia? Como é que o Governo de agora trata essa questão especificamente da
Educação Física? A autonomia é a mesma? É menor, é maior? Como o senhor vê,
se a gente fizer uma comparação entre esses dois períodos?
O Governo, lógico que vai... ele tenta soluções, não é? Esse Governo atual, ele
implantou os livretos que nós temos que seguir. Então tem o livreto de educação física,
tem o de português... tem o conteúdo que nós temos que dar ‘pros’ alunos. Ele é
flexível, ‘tá’? Então, eu acho que isso aí é um subsídio a mais pro professor dar. ‘A’
nível de trabalho, eu acho que agora a cobrança é um pouquinho maior, porque nós
258
temos a coordenadora pedagógica. A coordenadora pedagógica tem o grupo de gestores
da Diretoria de Ensino, que faz uma cobrança sobre ela, e ela reflete no professor.
Então, em termos de cobrança, eu acho que agora é maior. O subsídio passado também
é maior, só que agora nós temos um “contra” muito grande, que é o aluno
desinteressado. Antigamente nós tínhamos o aluno interessado e o material menor. Mas
a gente conseguia passar mais. E agora nós temos esse subsídio, nós temos a orientação,
nós temos a cobrança, só que o aluno [está] totalmente desinteressado. Hoje eu ouço os
professores, os colegas falarem que a maioria dos alunos ‘ficam’ de costa para o
professor, fazendo outras coisas. Quer dizer, o professor precisa circular, ‘se’ interagir
mais com os alunos para tentar uma nova forma de se aprender, de se passar um
conteúdo ‘pros’ alunos.
O senhor falou em cobrança. É dito que na época da ditadura não havia
essa cobrança, e que hoje há. O senhor vê isso como positivo ou negativo? Conte-
me um pouco sobre isso.
Eu vejo como positivo. Por quê? Eu sempre trabalhei também na entidade
privada, e a entidade privada também te faz essa cobrança. Então eu acho que só... se
nós recebermos pelo que nós fazemos, tem que haver uma cobrança. Então eu acho
salutar, mas desde que seja fundamentada; essa cobrança tem que ser fundamentada,
tem que ‘vim’ com diretrizes, com normas, pra gente poder seguir. Então eu não acho
ruim que ela aconteça, ‘né’? Eu acho interessante.
Professor, para encerrar a nossa entrevista de hoje, eu gostaria que o
senhor dissesse algumas palavras sobre o panorama da educação física, essa área
que escolhemos pra trabalhar e que nos dá o ganha-pão. Apesar dos pesares, há
coisas que são muito gratificantes nessa área, e que acho que são específicas da
Educação Física. Então eu gostaria que o senhor deixasse as últimas palavras para
nós encerrarmos nossa entrevista de hoje.
Olha, eu acho que o campo da Educação Física abriu muito. Hoje nós temos
várias academias. Hoje, se você vai ‘no’ médico com uma dor de cabeça, ele fala pra
você fazer atividade física. Se você vai lá com uma dor nas ‘costa’, idem. E assim
sucessivamente. A mídia, ela cobra muito – apesar ‘que’ ela enaltece muito a beleza.
Ela não enaltece a saúde do indivíduo, do ser humano, ela enaltece a beleza. Então isso
aí ainda ‘tá’ um pouquinho errado. Mas tudo com o cunho de plástica, de performance,
259
de atividade física, de saúde, ‘né’? Aquele slogan de que o esporte é a saúde, a gente
sabe que o esporte no rendimento não é a saúde nunca, ‘né’? Ele até é quase um crime
pra saúde. Mas eu acho que o legado que fica é muito importante, ‘né’? O espaço entre
o professor e o aluno, principalmente na nossa área, é muito pequeno. Então nós temos
essa facilidade. Nosso aluno, aonde ele te vê na rua, a grande maioria te reconhece, vem
falar um “oi”, te dá um abraço. Quando você... Antigamente era maior ainda, mas
quando você chegava numa classe: “Educação Física”... Os alunos pulavam! Hoje já
não pulam tanto, mas ainda pulam. [riso]
[risos]
É diferente de uma outra disciplina, que eles torcem a orelha, torcem o nariz
quando fala que é outro professor. Quando você falta... Aluno, se falta um professor de
uma outra disciplina, ele não ‘tá’ nem aí, no outro dia, tudo bem. Se você faltar, quando
você chega o aluno vai perguntar: “Por que ‘que’ você faltou?”, “Como que você
faltou?” Então eu acho que essa proximidade com o aluno é muito gratificante. E é bom
também, depois, você ouvir alguns ex-alunos, ‘né’? Às vezes eles são os seus ex-alunos
e são seus atuais colegas, ‘né’? Que: “Puxa, foi muito gratificante os momentos que
passamos, os conhecimentos que adquirimos”, tal. Então isso é o que mais fica na nossa
memória.
Muito obrigado, professor. Encerramos aqui a nossa entrevista com o
professor (E).
FIM DA ENTREVISTA
260
ENTREVISTA COM PROFESSOR F
Fica tranquilo.
Boa tarde. Estamos aqui com o professor Júlio pra iniciar mais uma entrevista que
compreende nosso objeto de estudo, que pretende investigar como foram as
práticas pedagógicas dos professores de educação física durante o Regime Militar.
[...] Um minuto para a presença do professor, por favor. [...]
‘Vamo’ lá.
Tudo bem, professor?
‘Vamo’ lá.
Então, vamos lá. Professor, pra iniciar nosso bate-papo, nosso trabalho de
pesquisa, eu gostaria de saber sobre como foi o processo de escolarização do
senhor. Como foi essa jornada escolar do senhor, antes da faculdade?
É, eu saí ‘dum’ colégio técnico, ‘né’? Fui trabalhar... Eu estudava numa escola de... de
freira, ‘né’? No São José dos Campos, fiz o Segundo Grau lá. E aí vim pra Jundiaí
terminar o Segundo Grau. Fiz o 1º Ano lá, vim fazer o 2º e 3º aqui. Aí, chegou aqui, eu
tive uma dificuldade de carga de disciplinas, então eu só pude ir ‘prum’ colégio técnico.
E aí eu fui ‘po’ Gandra fazer Desenho Mecânico. Daí eu fiquei dois anos lá fazendo
Desenho Mecânico, e aí, no último ano, que surgiu essa oportunidade d’eu ir fazer
Educação Física.
Isso por volta de que ano, professor?
[19]78.
Setenta e oito?
Mil novecentos e setenta e oito.
E a partir disso, então, o senhor ingressou na faculdade de Educação Física?
É, aí, como é que foi a história, ‘né’? Nós estávamos no último ano. Nós éramos um
grupo de cinco, seis amigos, bem ‘próximo’, ‘né’? E aí, todo mundo ficou: “Poxa, o que
‘que’ nós vamos fazer? Nós vamos fazer o 4º Ano técnico?” – que, daí, você saía com o
diploma de técnico...
261
Técnico em quê?
Em Mecânica, em Desenho Mecânico.
Em Desenho Mecânico, ok.
O curso, tinha Desenho Mecânico, Mecânico e tinha mais um outro lá: Nutrição, tal... E
aí a gente começou: “Poxa, por que ‘que’ nós vamos fazer um 4º Ano? Pra que ‘que’
serve um 4º Ano Colegial, ‘né’? O[?] legal[?] é entrar pra faculdade. E aí, nesse bate-
papo, um dos meninos falou assim: “‘Pô, tem uma tal de faculdade lá que é de Educação
Física, que é pra jogar bola”
[risos]
Né? Aí, todo mundo achou gozado: “Poxa, mas, como assim jogar bola, ‘né’?” / “Não, é
faculdade de Educação Física, mas tem só esporte, tal...” E a gente era fanático por
esporte, a gente jogava bola direto nesse grupo, ‘né’? Aí, eu falei: “Ah, então eu vou lá
pegar as informações, depois a gente conversa”. Aí, chegamos lá, nós ficamos sabendo
que havia mais vagas do que inscritos: na época eram 120 vagas e eu fui... O meu
número da inscrição era o número 72. Então os quatro, ‘né’? Os quatro amigos que
estavam fazendo curso técnico, fomos fazer o vestibular de Educação Física, porque a
gente sabia que a gente não podia zerar. Se a gente zerasse, a gente... ‘Né’? Então nós
arriscamos uma única faculdade. Se a gente não entrasse, desse algum problema, nós
retornaríamos pro 4º Ano Técnico, teríamos feito um curso técnico, completo, de 4 anos
– que na época era, assim, muito bom: você conseguia um emprego em empresa, e tal. E
aí nós fizemos... chegamos lá, nós fizemos um vestibular, os quatro entramos, ‘né’?
Nenhum dos quatro tirou zero, não sei o quê. E nós conseguimos a média pra entrar e
nós começamos a faculdade juntos, os quatro. Mas logo no primeiro ano a gente já se
perdeu, ‘né’? Esse vínculo: que aí, um começou a trabalhar num lugar, outro, no outro, e
aí a gente não... Dos quatro, realmente quem se formou foram dois, eu e o Hélvio, que
era um outro amigo da gente... Que a gente se formou em Educação Física. O restante já
abandonou a faculdade porque arrumou um emprego melhor ou já ‘tava’ num emprego
melhor. Então... e aí que começou toda a história, ‘né’? Da Educação Física.
262
E, já dentro dessa faculdade de Educação Física escolhida pelo senhor, o que o
senhor costumava ler? Qual era a leitura que permeava o contexto da faculdade?
Ela contribuiu de alguma forma para a formação acadêmica do senhor?
É, veja só, quando nós... Nós tínhamos essa idéia, realmente, de que nós íamos fazer
esporte, que a gente ia jogar bola o dia inteiro.
Assim como eu, também. [risos]
É, a gente imaginou que era isso, que era a farra do boi, ‘né’? E quando você começa a
ver a grade, ‘né’? Então a gente começou... então a gente começou... Por exemplo, uma
das matérias que deixou a gente, assim, impressionado era anatomia, que anatomia, era
da faculdade de medicina, e a gente mexia nos cadáveres, entendeu? A gente ficou...
uma coisa que ninguém imaginava que ia acontecer, ‘né’? Dentro da Educação Física...
o que que tem a Educação Física a ver com cadáver, ‘né’? E aí, até, a gente levava meio
na brincadeira essa disciplina, porque a gente achou que não tinha nada a ver com a
gente. E aí, quando você começa a, realmente, ver a importância, ‘né’? Da anatomia
dentro da educação física, e aí a gente começou a ter aula, ‘né’? Lá dentro, mexendo na
musculatura, vendo, realmente, o que era o corpo humano de uma forma maior, ‘né’?
Então foi uma experiência marcante, assim, na vida da gente, lá.
Contribuiu, então?
Contribuiu muito, ‘né’? Porque você começa a ter um... uma visão, ‘né’? Do que é jogar
bola, do que é fazer atividade física e, depois, o que é realmente o esporte, ‘né’? Porque
na época a Educação Física realmente ‘tava’ focada em preparar profissionais pras
escolas estaduais e particulares – esse era o foco da ESEF, ‘né’? Quer dizer, esse era o
foco, talvez, da... [talvez] a própria instituição não tivesse essa visão. Mas nós, como
alunos, nós víamos esses campos de trabalho: técnico de modalidade, e escola estadual.
Essa era a visão. A visão de academia, na época, era muito pequena, muito restrita. Os
esportes não formais, como... Eu, por exemplo, fiz um curso de squash, então cheguei
com o squash aqui em Jundiaí, e ninguém sabia o que era o squash, e aí se perdeu no
tempo, ‘né’? Eu fui o primeiro professor de squash de Jundiaí – ninguém jogava, não
sabia nem o que era squash. Eu fui pra São Paulo, me aperfeiçoei no squash, tal,
cheguei, quase, a ter uma academia em Jundiaí, na época, na época de [19]82 mais ou
menos... [19]81. Mas depois não deu certo, tal, e... Acho que o momento não era do
squash, o squash não era um esporte visto da qualidade que é... “Ah, quem não gosta de
263
tênis, joga squash, ‘né’? E não é, são dois esportes completamente ‘diferente’, ‘né’?
Quer dizer, vinte minutos de squash corresponde a três horas de tênis. Quer dizer...
Então, tanto é que, num SPA aqui em Cabreúva[?], eles têm o squash, porque o
consumo de caloria é excelente, ‘né’? Eles forçam[?], porque, realmente, o cara, ao
invés de caminhar 10 km, ele joga vinte minutos de squash, ‘né’? Então tem esse lado.
E aí começou, realmente, uma outra visão de Educação Física, ‘né’?
A partir do momento que o senhor começou a cursar, então...?
Exatamente.
...as leituras que eram exigidas, no próprio curso, contribuíram, então, de certa
forma...?
Sim. E Jundiaí tava no ápice, ‘né’? Na época do basquete feminino, ‘né’? Com Paula,
Hortência. Então Jundiaí[?] era, assim... Diariamente ‘cê’ cruzava com elas no Bolão,
entendeu? Então o esporte de alto rendimento, que a gente chama de alto rendimento, na
época... Mauri, Marcel... Quer dizer, nós tínhamos, assim, uma nata do esporte, além
das modalidades individuais, ‘né’? O atletismo, por exemplo, nosso, era muito forte.
Então realmente a gente tinha essa perspectiva de que haveria um campo de trabalho,
‘né’? Principalmente nas escolas estaduais, que era o maior número de escolas – as
escolas do município eram muito pequenas... pequenas, não, era um número reduzido –
e não tinha Educação Física na grade curricular do Ensino Básico, ‘né’? E hoje tem a
educação do movimento – na época não tinha nada, ‘né’? Então a gente não visualizava
como campo de trabalho, a visualização veio, realmente, nas escolas estaduais, que era,
na época, o ápice, ‘né’? Quer dizer, o professor... Por exemplo, o Professor Hélio
Macia[?] veio de escola estadual, do Vicente Genovês[?] . Aí, depois, Bisolli[?]... Todo
mundo passou: Batista, Bisolli[?], Bagigia[?]. Todos os grandes professores da época,
eles vieram de escola do Estado, ‘né’?
Sim.
Que aí começou a desenvolver um departamento de esportes – não sei se você chegou a
ver isso: a Inspetoria Regional do Esporte.
Não.
264
Então campeonatos: o Estado dividiu os municípios em oito regiões. Eu não lembro se
na época ‘era’ oito, ‘né’? Dividiu em regiões. Então, por exemplo: Jundiaí, Itatiba,
Louveira, Campo Limpo, Várzea é a região 10. Então, pra essa região, tem um inspetor,
tem um... Então o que o Estado fazia? Tirava o professor de Educação Física da quadra
de uma escola e colocava na Inspetoria, e colocava um substituto na... Por exemplo: eu
era efetivo... Não é o meu caso. O Bisolli[?] era efetivo do Conde de Paranaíba. Então o
Bisolli[?] foi pra Inspetoria e o Estado colocou o César, que era o professor que tinha
maior numero de pontos, escolheu, enfim, o seu substituto. Então era assim que
funcionava. Então foi um momento muito forte, que a gente tinha muito local pra fazer
estágio, a gente apitava jogo, a gente acompanhava a recreação... A Prefeitura, nesse
momento, ela era pequena proporcionalmente; hoje o Estado não tem ação nenhuma
mais, ‘né’? Virou uma panelinha de profissionais que a Inspetoria, realmente, não tem
força nenhuma, hoje. Mas, na época, os campeonatos colegiais e...
Não tem comparação mais...
É. Nossa, a gente ia pro Bolão apitar jogo. Então... Bom, foi um dos momentos
especiais aí, realmente, onde a gente participava como professor, depois que eu entrei,
‘né’? Em [19]80, que... final de [19]79 que eu fui pra escola do Estado. Que aí
começou, realmente, a eu ter maior contato com o pessoal da Inspetoria, de jogos,
‘campeonato’ colegiais – foi muito legal, foi uma coisa...
Professor, vou fazer uma pergunta...
‘Cê’ pode perguntar o que ‘cê’ quiser, não tem problema, não.
Não, é que é uma pergunta complexa e simples ao mesmo tempo, não é? Como é
que o senhor escolheu ser professor de Educação Física Escolar?
É, eu não escolhi, aconteceu isso, entendeu? Acho que algumas coisas acontecem na
vida da gente que a gente não tem... não é a gente que escolhe. Depois que você sentiu
que você avalia se aquilo te serve ou não. Então, por exemplo, eu fui técnico da Seleção
de Jundiaí de Handebol: eu não quero isso pra mim ‘má’ nem de graça, ‘né’? Porque
hoje eu tenho uma visão diferenciada daquela época. O que ‘que’ é diferenciada? Por
exemplo, graças a Deus nunca capotou nenhuma perua com os ‘filho’ dos outros sob
minha responsabilidade. Nós nunca tivemos uma briga feia que tivéssemos que dar tapa,
265
‘né’? Aluno seu machucado, atleta ferido em competição. Não que o esporte seja isso.
Mas o professor que tem na sua bagagem a parte pedagógica, a parte educacional, ele,
chega um momento que ele não quer mais competir, entendeu? Não que a competição
não faça parte do nosso dia, a gente vive em competição diariamente, mas a competição
de performance, ela ultrapassa os limites da educação, ultrapassa os limites da índole,
‘né’? ‘Vamo’ falar... Ele ultrapassa os limites, porque você... Quando ‘cê’ agride um
árbitro, você passou dos limites, ‘né’? O caso do Neymar, por exemplo. O que o
Neymar fez, independente de ele ‘tá’ certo, errado, ‘tá’ sob pressão ou não, ficou uma
imagem muito ruim, ‘né’? E o técnico também teve uma imagem ruim quando reagiu,
‘né’? Aquela... aquele bate-boca no campo, que ele saiu, e aparece o técnico xingando
ele, apesar de ele ter sido xingado o capitão da equipe.
Então, quando você ‘tá’ buscando performance, resultado, você perde. Mas é depois de
você vivenciar isso que você decide. Não tem como você falar assim: “Não, eu vou ser
técnico” Não, não nasce na gente ser técnico, nasce a experiência, a oportunidade que
‘cê’ teve de vivenciar. Algumas vezes eu me perguntei: O que ‘que’ eu ‘tô’ fazendo
aqui? Em Pirassununga, por exemplo: eu levei... Nós ‘ficamo’ campeão regional. O
Nelson, o Professor Nelson[?] ficou campeão regional com o time de handebol da
escola. E ele não podia ir. Não lembro, na época, se ele ‘tava’ doente, tal, e a gente
trabalhava tudo junto. E ele falou: “Julio, ‘cê’ precisa levar o time pra Pirassununga...” /
Eu falei: ‘Pô’, Nelson, mas eu vou sozinho pra Pirassununga, com os meninos – tudo
moleque de 16 anos, 17. P... (palavra inapropriada para trascrição) responsabilidade”,
tal, tal, e tal. / “Não, ‘cê’ tem que ir, tal” E eu fui. Foi uma experiência muito boa:
‘ficamo’ vice-campeão estadual, uma coisa fantástica. Mas é uma coisa que eu não
quero mais pra mim. Eu não conseguia dormir de preocupação, se os meninos ‘tavam’
lá, entendeu? Aí, quando eu fui ser secretário de esportes, aí, ‘né’? – passando um
pouco pra frente –, aí que eu tive que mostrar realmente que aquilo lá é...
Então, por exemplo, tinha um menino do atletismo... Só citando... Nós fomos ‘pa’
Sorocaba, Jogos Regionais de Sorocaba – [ou seriam] jogos abertos?... Regionais. E nós
ficamos em uma escola em frente de uma festa junina. E o pessoal do atletismo – os
‘negão’, tudo forte, tal: “Ô, ‘vamo’ lá na festa”. A gente, como dirigente, libera. O atleta
que tem que saber se pode beber ou não, ‘né’? Agora, eu beber um litro e você beber um
copo, os efeitos ‘pode’ ser diferentes. Às vezes ‘cê’ pode ficar pior do que eu, certo? E
aconteceu isso: um menino de 16 anos foi lá e tomou um copo de vinho porque os
outros forçarem ele tomar – isso é coisa de molecada, ‘né’? E aí, o moleque vomitou.
266
Chegou no alojamento e vomitou, pápápá. E eu só sabendo... Daí, nosso enfermeiro foi
lá.na, deu lá um sossega leão pra ele, pápápá, ele dormiu. No outro dia, ele tinha uma
prova: garantido pra Jundiaí duas medalhas de ouro, garantido pelos resultados, ‘né’?
Que ele teria que fazer. Ele não competiu: ele pegou a mala dele e eu mandei ele
embora, entendeu? Então, você, como dirigente... Mudou o meu lado.
Sim.
Eu não podia... Todo mundo ficou sabendo que ele tava bêbado, que ele ficou bêbado –
com um copo de ou com um litro, não faz diferença. Mas eu tive que chegar e falar
assim: “Não. Não vai, não dá. Eu perco as duas medalhas, mas você não compete. Daí,
peguei uma perua, mandei ele de volta com a família dele pra cá. Não sei se isso serviu
como lição pra ele ou não. Mas ele era muito jovem também. Depois eu fiquei um
pouco arrependido, porque ‘cê’ via que não tinha maldade, mas é que, ‘cê’ vai numa
festa junina: vinho quente, vinho quente... Só que, às vezes, um litro, pra mim, não faz
efeito, e pra você, ‘né’?...
Sim.
Mas isso eu aprendi muito, ‘né’? De disciplina, de organização, de preocupação. Uma
vez nós ‘távamos’ num outro município que eu não lembro qual é que era o nome, o
moleque, ele sumiu: arrumou uma namoradinha, e o moleque sumiu.
[riso]
E a gente atrás dele, atrás dele, ‘tátátá. De repente ele surge, lá, dez e meia da noite,
contando prosa: “Porque isso[?] aqui[?], ‘tátátá’” Contando pra todo mundo. E eu só,
como chefe da delegação, ouvindo, ‘né’? Que é Jogos da Juventude [riso]. O moleque
não pode sair do... Sem... Não pode sair. Não comunicou, não comunicou ninguém.
Comunicou os ‘amigo’, que que deram uma segurada, ‘né’? Aí, quando ele chegou, dez
e meia, eu peguei a mala dele, onze ‘hora’ o motorista trouxe ele embora pra Jundiaí.
Ele não acreditou, ‘né’? Ele achou que não era... Entendeu? Mas ou você é ou você não
é, entendeu? Não dá pra ser meio termo, ‘né’?
Você[?] entra[?] com[?] o[?] esporte educacional, não é?
Isso. Se eu não faço isso, no próximo jogo ele também vai sair, ‘né’? Aí ‘cê’ não tem
como, ‘né’?... É que nem aquele parque, eu falo... Sempre[?] fui[?] de[?] lá[?]... Se
267
alguém parar na sombra... Ali é proibido parar. Se o cara parar, o outro vai se ver no
direito de parar também. Então ninguém para, entendeu? Todo mundo é chamado à
atenção se para num lugar proibido. Semana retrasada aconteceu isso. Eu, organizando
um estacionamento, organizando o estacionamento, tal, terminei de organizar... Porque
a gente lota[?] um local e, depois, abre o outro, ‘vamo’ fazendo por etapas. Aí, eu
terminei tudo, diminuí o movimento, daí, eu saio pra dar uma volta no parque, vejo um
lugar que [em] que não era pra ninguém ‘tá’ ali: um Megane na sombra. Ah, já passei o
rádio, já ‘ligamo’... ‘Começamo’ a passar no som interno: “Senhor proprietário,
comparecer urgente ao veículo, comparecer urgente ao veículo” / Aí, vem o cara de
bermudão, tranquilo: “Ah, ‘má’ que que ‘tá’ acontecendo?” / “O que que ‘tá’
acontecendo? Como é que eu explico pra uma comunidade que uma pessoa que tem um
Megane ‘tá’ parado na sombra e que o fusquinha, que ‘tá’ a vinte metros seu, aqui, ‘tá’
no sol? Porque você pode ficar na sombra, num Megane, e um menino que tem um
fusca tem que ficar no sol? O senhor faz favor: tire o seu carro e para no sol igual os
outros. Até aqui é o limite, o senhor ultrapassou vinte metros...”
Ele ‘tava’ perto do estacionamento, mas é que é muito folgado! E aí fica difícil num
parque público você explicar por que ‘que’ um pode, por que ‘que’ outro não pode. É
mesma coisa que nem cachorro. A mulher... outro dia chegou com um cachorro... Ó,
‘ma’ sobrava espaço na mão dela, desse tamanho, daí ela falou assim: “Uai, mas o
senhor não vai me deixar entrar aqui com esse cachorrinho?” / Falei: “Não, o senhor não
vai entrar nem com esse nem com um pit bull, porque não tem diferença entre um pit
bull e um cachorro pequinês. Se a senhora traz um pequinês, por que eu que não posso
trazer um pit bull? Se você vem com uma iguana, por que ‘que’ eu não posso vim com
uma cobra? Então não pode animal nenhum”. Outro dia, a mulher trouxe um canário na
gaiola e pendurou na árvore: tirou o canário, entendeu? Já pensou se um animal silvestre
ataca esse canário, eu vou ter que pagar o canário pra ela? Então não pode. O canário,
deixa na casa dela. Primeiro que o canário tem que ficar solto, não preso.
[riso]
Mas isso acontece no dia-a-dia, quando ‘cê’ ‘tá’ fazendo... Quando ‘cê’ tem que
decidir, ‘cê’ tem que ter uma única linha, senão fica difícil você justificar, ‘né’? Então,
eu, aqui, sou meio chato - até, ‘cê’ já deve ter percebido que eu sou meio chato.
Realmente, pra mim, não tem... Meu irmão, meu pai, não tem ninguém...
268
Não tem privilégios, não é?
Nunca... Não é nem privilégios, é a diferença. Deficiente físico: por que que deficiente
pode parar na sombra? Nós temos vaga pra deficiente. Nós temos três vagas para
deficiente no estacionamento. Não é porque ele é deficiente que ele tem direito de parar
lá na sombra, ele vai parar onde todo mundo para. No sol. Todo mundo para, não não
tem sombra no parque; infelizmente, o parque não tem sombra, assim, suficiente, pra
atender todo mundo. Então não é justo porque o cara tem deficiência que o cara...
Porque ele tem deficiência, ele tem o direito de parar perto da ciclovia, pra facilitar o
acesso dele, de cadeirante, tal, mas ele não tem direito de parar na sombra, ‘né’? Lógico
que, se tiver vaga e tiver sombra, perfeito. Mas não criar uma sombra porque ele é
deficiente.
Uma vez um cara falou assim: “Não, mas eu sou amigo do Benassi”, na época que o
Benassi era prefeito. Eu falei: “O senhor é amigo do Benassi? Então liga pra ele, faça
favor. Se ele deixar o senhor parar aqui, eu deixo” O Benassi é deficiente também, ‘né’?
Na época ele tinha deficiência, hoje ele nem tem mais, que ele colocou lesarovi[?], e ele
já diminuiu a diferença na perna dele. Na época ele usava um salto desse tamanho. Aí,
eu falei: “O senhor liga pra ele. Se ele falar que pode, eu autorizo o senhor” Pergunta se
o cara ligou. Entendeu? Não ligou, porque o Benassi não é louco de fazer isso, porque
ele sabe das ‘responsabilidade’ que ele, como prefeito, tem que ter etc.
Então, essas coisas, talvez você não aprenda na escola e nem na faculdade, mas a sua
vivência vai dando esse norte pra você, ‘né’? Vai te avaliando. Então, entre a
competição e a escola estadual, eu fui pelo caminho da escola estadual. Eu não tinha
uma noção pra ser técnico de seleção. Como a Rita, por exemplo, já caminhou pra um
esquema de competição, ‘né’? Ela já buscou um caminho diferenciado, entendeu? E eu
já busquei um caminho um pouquinho mais voltado, realmente, à parte de educação.
[toca um telefone, entrevistado se afasta] [...]
Agora, eu estudei em escola particular e estudei em escola estadual, ‘né’? Então eu
também fui aluno do Gandra. Então eu... Muitas coisas eu tinha o entendimento, ‘né’?
Das dificuldades, dos porquês das coisas. Então talvez isso tenha me ajudado a fazer a
opção de voltar pro Estado, entendeu? Algumas coisas que eu... Não que eu via errado,
[mas] que eram deixadas de fazer, e que eu acreditava que eu ia fazer, entendeu?
Em que ano foi isso?
269
Década de [19]80.
Como o professor chega nesse ensino público?
Na década de [19]80.
No início da década?
É, eu... Em [19]80, praticamente, foi que eu fui pra escola do Estado.
E como é que foi isso, de ter chegado ao ensino público?
Foi uma surpresa e uma insegurança...
Como o senhor viu a oportunidade?
Foi uma insegurança porque eu ainda ‘tava’ na faculdade, ‘né’? Então eu, em alguns
momentos eu até me questionei, realmente, [sobre] se eu ‘tava’ preparado pra aquilo,
‘né’? Assim, se... a responsabilidade daquilo, porque... Eu não comecei com três
‘aulinha’ no Estado, entendeu? Pra você pegar uma bagagem. Eu já comecei com 43
aulas, que era a carga completa de um professor – da época, ‘né’? Porque agora parece
que reduziu pra 32, ‘né’?
O máximo.
O máximo pra 32, ‘né’? Na minha época parece que era 43. Então era de manhã de
tarde, de manhã e de tarde todos os dias, não tinha descanso. Então muitas coisas eu fui
aprendendo também, ‘né’? A dificuldade de material esportivo naquela época era
muito... Não era difícil... não era a quantidade, era a qualidade, por exemplo. No
Governo Maluf foi o governo que mais mandou material esportivo, ‘né’? Mas foi o que
mandou o pior material esportivo, ‘né’? A bola vinha carimbada: Governo Paulo Maluf.
E eram bolas muito ruins, que não duravam nada, mas... Eu não me recordo bem, mas
eu acho que elas vinham do projeto que eram os presidiários que faziam a bola, então
não tinha uma qualidade, entendeu? Coisa de qualidade. Eu não sei te informar direito,
porque isso eu já não lembro, mas eu lembro que, realmente, não faltava material
básico, ‘né’? O que faltava, realmente, era qualidade. Se usava numa aula, a bola já
‘tava’ num desgaste maior. Mas não era empecilho, entendeu? A gente criou um monte
de coisas, de atividades fora da escola; a gente fazia jogo contra outra escola pra dar
uma mexida. O Gandra tinha uma quadra boa, era descoberta, mas era boa. Então, todo
270
mundo gostava de ‘vim’ jogar contra o Gandra. Então realmente... E eu dava aula de 5ª
a Colegial, entendeu? Eu pegava o menino que ‘tava’ chegando na escola até os alunos
do Ensino Médio, que eu tinha acabado de sair. Então, hoje é uma coisa até gozada, eu
cruzo com eles, entendeu? [riso] tem hora que eu olho na carinha deles: “Ô, professor,
não lembra de mim? Lá do Gandra...”, e tal. Porque eu olho na cara deles, eles têm o
quê? Cinco, seis anos mais que eu, entendeu? E não é que eles ‘tavam’ atrasado, é que a
gente... Eu ‘tava’ muito novo, ‘né’? Eu terminei a minha faculdade com 23, e os ‘cara’
‘tavam’ com 18, 17, ‘tavam’ entrando na faculdade, então era diferença de cinco anos,
‘né’? Então foi uma diferença muito rica, foi uma coisa... Dei sorte, ‘né’? Entre aspas,
assim. De ser escolas centrais, escolas estruturadas, grande. De grande número de
alunos, ‘né’?
Em que escolas o senhor atuou, professor?
João Luís de Campos, Elói de Miranda Chave, Pedro de Oliveira, Gandra, Getúlio
Nogueira de Sá. Deixa eu ver o que mais... Acho que é só. Foram cinco ou seis escolas.
Professor, depois da licenciatura, depois de terminar a faculdade, o que o senhor
fez para contribuir com a sua formação profissional?
Isso foi o maior erro da minha vida, ‘né’? Eu fiquei 25 anos sem entrar de novo numa
sala de aula. Eu voltei em 2008... [Em] 2005? Agora não me recordo... [...] Em 2007.
[Em] 2007 que eu fui fazer uma pós aqui na ESEF, de Qualidade de Vida, e aí que caiu
a ficha mesmo, ‘né’? Que eu levei tanto tempo pra me aperfeiçoar. A gente fazia muitos
cursinhos, assim, de... Tinha um termo, não é capacitação...
Extensão?
Não, não, era... Por exemplo, ‘saía’ as normas novas. Que nem ‘tá’ saindo agora, que
‘cê’ ‘tá’ falando que tem.
Sim.
Então tinha uma capacitação pra isso.
Ah, ‘tá’.
‘Cê’ entendeu? Atualização. Cursos de ‘atualizações’, ‘né’? Como é que chama...?
Planos Curriculares Nacionais, ‘né’? Tem um... ‘Né’? Fugiu. Parâmetros... Não, é...
271
Planos... Eu não lembro... Curriculares Nacionais... Tem umas siglas nisso aí. Que a
gente fazia na oficina pedagógica do Estado. Era um curso...
Era o Estado que subsidiava?
Era. Tudo o Estado, tudo o Estado, é. É, porque, senão, não tinha valor pra você, ‘né’?
Entendeu? Pra aumento de salário, tal, isso tinha que ser coisa que o Estado
homologasse.
Sim, sim.
Então eu fiz muitos cursos. E aí, entrou alguns cursos, assim... Eu fui no Fórum
Nacional de Cardiologia... Ah, eu não sei, eu não lembro. A gente foi em Brasília,
Ribeirão Preto... Aí tem esses ENADE da vida. Não é ENADE que fala?
Sim, sim.
‘Né’? A gente participou também muito disso, mas era muito mais festivo do que sério,
‘né’?
Do que educacional, ‘né’? [risos]
Não, a gente ia lá pra brincar, ‘né’? Eram momentos especiais, porque te davam um
diploma, um certificado, ‘né’? Mas, de conteúdo mesmo, eu não me recordo...
Bem pouco?
Não, não me recordo de nada que eu aprendi nesses cursos. Nada que pudesse falar que
foi relevante. Diferente da pós-graduação, ‘né’? A pós-graduação, realmente... Tem um
professor aí da Unicamp, Agnaldo não sei o quê... Pô, pelo amor de Deus, aquele
homem é uma cabeça pensante, entendeu? Eu saí de lá... Nossa, eu saí de lá babando. O
que o cara falou é... E nós ficamos quatro horas, aula em seguida, e ninguém queria ir
embora de [tanto querer] ir falar com o homem, entendeu? Uma cabeça, o cara viaja!
Fala umas ‘coisa’ que ‘cê’... ‘tá’ no seu dia-a-dia e ‘cê’ não enxerga, ‘né’? Então, as
pós-graduações, eu acho que eu... Os cursos de extensão – ‘vamo’ falar de curso de
extensão, porque a pós, também, é um diploma a mais, só, pra você ter no seu currículo.
A extensão, ‘né?’ Que é o curso propriamente dito. A pós é... Pelo menos foi o que eu
entendi: a pós é o TCC que você faz em cima da especialização, não é? Por isso que eu
não fiz a pós, eu fiz a especialização e depois eu não fiz o TCC, porque eu não consegui
272
chegar no TCC, entendeu? Até por... Sei lá, por inexperiência, por não acreditar – sei lá,
eu não consegui fazer o meu TCC, ‘né’? Não consegui. Não... Parei. Até o Balbino me
encheu o saco: “ ‘Cê’ tem que fazer, tem que fazer...” Eu falei: “Balbino, para! Eu vim
aqui pra aprender, já aprendi. Pronto. Vou passar esse conhecimento pros outros e
acabou, não preciso do diploma. Mas é lógico que eu queria ter o diploma de pós. Mas
eu me senti incapaz de fazer, entendeu? Uma...
Eu comecei [a] fazer sobre a Terceira Idade, pro[?] trabalho, como voluntário. E aí, as
‘exigência’ pra você fazer uma coisa científica, você tem que usar as pessoas. E eu não
consegui fazer isso, entendeu? Eu sou voluntário, eu não posso exigir que ela vá no
Bolão e ande 1600 metros pra ‘mim’ ter um resultado dela. Ela vai... Eu fui com ela no
Bolão: “ ‘Cê’ quer andar duas voltas e andar...? ‘Cê’ quer dar meia volta e volta pelo
mesmo caminho que ‘cê’ veio...?” Entendeu? Porque é uma visão de voluntariado.
Então eu não fiz o TCC em cima disso. E muita gente me ajudou, fico até triste de...
Muita gente queria fazer comigo: “Não, mas eu vou com você”. Até aquele professor,
como é que chama? Da ESEF, aí, o baixinho... Não lembro o nome dele. P... (palavra
inapropriada para transcrição) de educação! A Graciele: Os dois que me ajudaram. P...
(palavra inapropriada para transcrição), gente finíssima. E eles tentando mostrar pra
mim: “É assim, assim...” / “Para. Para, que eu não quero fazer. Eu não quero fazer isso”.
Entendeu? Eu queria me avaliar, eu queria ser avaliado, ‘pelo’ aquilo que eu aprendi, e
não eu ter que trazer uma estatística de uma avaliação que eu fiz com as minhas alunas,
em janeiro e dezembro, novamente, entendeu? Porque a aula que eu sou voluntário é
assim: eu dou aula de costa pra elas, eu não fico de frente pra elas. Eu só faço... Eu faço
aula junto e fico de costa pra elas. Por quê? Porque elas não tem que fazer exatamente
do jeito que eu ‘tô’ fazendo, na quantidade que eu to fazendo. Se eu to fazendo vinte e
elas querem fazer cinqüenta, elas fazem. Se eu to fazendo trinta e elas querem fazer
dois, elas fazem.
Cada uma tem um ritmo?
Então, se eu tiver olhando pra elas, eu to cobrando, ‘né’? Elas vão ficar sem jeito, vão
passar do limite. E não é isso, então, eu faço o primeiro movimento de frente, pra elas
verem a postura, a parte postural, e vou, viro de costa. E vou contando, vou cadenciando
na música, e tal, e oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um: parei, e mudei o
exercício. Viro de frente, faço um novo exercício e volto, ‘tá’ entendendo? Então eu
achei que eu, cobrar um resultado de performance ‘prum’ TCC meu, seria um... Sabe?
273
Umas ‘coisa’ que... E ia me acrescentar no que, ‘né’? [toca um telefone – entrevistado
se afasta para atendê-lo]
Mas isso é coisa minha. A gente já mudou um pouco. ‘Vamo’ voltar pra escola.
Então foi a pós graduação que o senhor fez...?
Depois de 25 anos...
Tá certo. Professor, e sobre as políticas públicas que permeavam a Educação
Física naquele período? O senhor conhecia?
Política pública do quê? Estadual ou municipal?
À época, não é? Da escola estadual. Em 1971, a Educação Física passa a ser
obrigatória por lei, não é?
Certo.
Isso, em âmbito nacional; surge a primeira lei em âmbito nacional – a segunda, na
verdade, mas a primeira a partir da qual a Educação Física realmente é
contemplada com um decreto próprio. O senhor tinha conhecimento sobre as
políticas públicas para a Educação Física, à época?
Não.
Não havia esse...?
Não, não havia essa busca de informação, ‘né’? Quer dizer, porque ela é um campo de
trabalho novo nessa época. Em [19]71 pra [19]79 eram oito anos de implantação...
Enfim... O que a gente observava, realmente, era a... não era a indignação, ‘vamo’ falar
de um termo mais... não tão pejorativo, ‘né’? A discriminação que as outras disciplinas
tinham da Educação Física. Nesses oito anos, você conseguia observar que a Educação
Física é lá, ó! Entendeu? Ela não fazia parte da formação global do aluno. Ela ‘tava’
inserida no currículo, ela ‘tava’ inserida como uma disciplina obrigatória, mas ela...
‘Cê’ não precisava da nota, assim, não é? Você não precisava controlar falta, ‘cê’ não
tinha nenhuma... Como é que eu vou dizer, assim? Não é preocupação... Você não
precisava se preocupar com nada, o seu trabalho era ficar com os alunos duas aulas,
‘né’?
274
Ela se limitava a isso?
Normalmente era isso. Duas aulas num dia e uma no outro, ‘né’? Sempre eram três
horas semanais, no que eu me recordo. Então a turma A e B ‘fazia’ duas e duas e a
Turma C fazia uma. No outro dia, a Turma A e B ‘fazia’ uma, e a turma C fazia duas,
‘né’? Terça e quinta... O meu era bem redondinho, porque era segunda, quarta e sexta,
terça e quinta, entendeu? Então o meu era redondinho mesmo. Tinha um dia que eu
tinha que sair de uma escola e ir pra outra pra completar a carga da outra. Era o mesmo
professor que era efetivo em três escolas, então ele acertou o ‘horarinho’ dele [em] terça
e quinta numa escola, pra não ter que ir e voltar. E na segunda, quarta e sexta, ele tinha
a segunda-feira num lugar; quarta-feira ele rachava no meio e sexta-feira num outro
lugar, ‘né’? Ele dividia pra poder... Até pra ele não ficar se locomovendo, porque na
época não era tão fácil, ‘né’? Ter carro, tal. A gente tinha muito essa dificuldade de
transporte, ‘né’? Não é nem dificuldade, é custo, ‘né’?
Sim, como hoje também, não é? [riso]
Não, hoje é pior ainda, porque você tem escola afastada...
Mas não é tanto... [riso]
Não é afastada. Como é que chama? É afastada, não?
Eles têm umas nomenclaturas...
É, eu não me lembro o nome...
Um termo certo: “de difícil acesso”, não é?
É.
Pro Estado, agora, você recebe um valor – são poucas escolas que têm isso, não é?
São as chamadas áreas de difícil acesso. Aí tem um valor que o Estado paga...
Agregado, tal. É, daí, até que é...
É pouco. Não dá, não. [riso] Se for de carro, não dá.
É, isso aí é...
275
Professor, nas escolas em que o senhor atuava, havia uma diretriz pedagógica que
subsidiasse o trabalho do senhor? Diretriz pedagógica no sentido de um material
teórico pra prática. Havia alguma coisa sobre o que o senhor pudesse dizer: “Ah,
hoje eu tenho isso pra me auxiliar”? Alguma coisa que subsidiasse ou mesmo que
pautasse o trabalho do senhor? Ou é...?
Então, na época que eu comecei, ‘né’? O forte era o mimeógrafo. Você lembra disso,
não?
Sim, sim. Passei por isso. [riso]
Então, o que ‘que’ é o mimeógrafo, ‘né’? Eu lembro, assim... Eu ‘tô’ brincando, mas era
mais ou menos isso. Anualmente, a gente pegava o planejamento anual das atividades
do ano anterior, mudava a data e rodava no mimeógrafo, ‘cê’ entendeu? Porque a
direção da escola não tinha competência... Não, não é competência: não tinha
conhecimento pra poder falar desse planejamento, falar: “Pô, isso aqui ‘tá’ uma
porcaria”, entendeu? Então, o que fazia: eu peguei de professor que eu substituí e eu fui
renovando, ano a ano, um planejamento...
Mas foi algum professor que fez ou já vinha do governo, pronto?
É, eu acho que vinha um norte.
Já vinha um norte pronto?
É, daí você adequava o número das turmas ao número de alunos, a faixa etária de
alunos, você... Mas era babaquice, ‘né’? Assim. Era [riso] voleibol no primeiro
semestre; basquete, no segundo; futebol, no terceiro; e outra coisa no quarto, entendeu?
Sim.
Era pra inglês ver. Era um documento que tinha que ser feito, e nós fazíamos, mas não
tinha uma fiscalização...
Nenhuma?
Não, a diretora rubricava, lá, porque era a parte dela: carimbava e rubricava pra
arquivar. Mas não tinha um acompanhamento na prática, ‘né’? Assim: “Poxa vida,
houve uma melhora...” Não, não. Então, por exemplo, no Gandra, quando encerrou as
276
atividades técnicas, eu era professor, e foi desativada a marcenaria. A marcenaria da
escola, que ocupava um galpão que seria um ginásio coberto, vai. Um galpão de
indústria – imagina um galpão de indústria...
Sim.
E eu entrei ali e falei assim: “Puxa vida, isso aqui dá uma quadra!” E cheio de rato, de
madeira. E meu time de voleibol era bom, ‘né’? E eu falei: “Puxa vida, o que ‘que’ eu
vou fazer aqui?” Ah, cheguei na diretora, falei: “Diretora, o que nós ‘podemo’ fazer
aqui, pra...” / Ela falou: “Eu não tenho a solução” / Eu falei pra ela: “Eu tenho. Eu vou
parar minha aula e eu meus ‘aluno’ ‘vamo’ limpar esse salão. Eu só preciso que ‘cê’
arrume uma empresa que venha buscar toda essa madeira e troque por algum material,
‘né’? Não dá de graça porque...” Tudo quebrado, coisa estragada, já sem uso, mas que
tinha um valor agregado. E aí ela conseguiu uma olaria que iam usar aquilo pra
queimar. E aí a gente fez um acordo: o cara trazia uma carga de tijolo e levava uma
carga de madeira, por exemplo, entendeu? Então muitas obrinhas lá foram ‘feito’ com
tijolo desse espaço, e eu ganhei uma sala, um ginásio coberto – que não tinha um pé
direito alto como um ginásio, ‘né’? Era um pé-direito, sei lá, de quatro metros, que dava
pra...
Então, sabe? Conclusão da história: era importante aquele espaço pra mim, porque
chovia, eu quebrava o meu treinamento. Então, mesmo que não fosse pra ter bola, mas
ter a parte física, a gente... P... (palavra inapropriada para transcrição) foi fantástico, a
diretora gostou do trabalho. Tanto é que, depois disso, eu virei meio auxiliar da direção
da escola, entendeu? Eu mandava mais que a diretora, ‘né’? Porque há uma carência
de... Hoje, eu não sei como é que ‘tá’, mas, na época, faltava muito dirigente de escola.
Subia, ‘né’? Fulana subia pra vice-diretora, e a diretora era indicada. Então acontecia de
você ter pessoas inexperientes na vice-direção da escola. Então a Educação Física era o
suporte, era eu que organizava os eventos, que fazia esse trabalho mais forte, ‘né’? Por
ser eu, ‘né’? Por ser eu, homem. Então assumia algumas coisas... Que não tinha homem
na direção de escola, era tudo mulher. Então elas não tinham a força de trabalho, e eu
capturava isso. Então a professora... Nós éramos em dois professores de Educação
Física. Então, a professora Silvia, que trabalhava comigo na época, a gente: “Silvia,
toma conta dos meninos aqui, que eu vou lá ajudar na direção”. Então a gente fazia essa
permuta de função, ‘né’? Mais pra colaborar. Por isso que muitas coisas do papel, ‘né’?
Porque a gente levava no peito, ‘né’? Desafiava...
277
Iniciativa?
É, senão, não sai, ‘né’?
Professor, e material pedagógico teórico: livro, apostila? O governo dava?
Olha... Que eu me recordo, não.
[Entrevistado parece conversar com terceiro por rádio]
Então, veja só. Que o Estado mandava livros, mandava. Mas nós não tínhamos uma...
Como é que eu ia dizer, assim? A nossa hora-atividade, ‘né’? Não sei se ainda chama
isso, hora-atividade do professor?
Hora-aula.
Hora-aula?
Sim. [riso]
Então, essa hora-atividade nossa, nós fazíamos planejamento da escola, entendeu? Nós
não ‘dava’ ‘muito’ bola pro livro que vinha do Estado. Porque vinha uma coisa pronta
do Estado, ‘né’? Então, o que ‘que’ é que vinha pronto? “Ah, ‘cê’’ tem que fazer isso,
isso e isso” Daí: “Ah, ‘cê’’ tem que incorporar ginástica”. Não tinha lugar pra fazer
ginástica, não tinha colchonete. Então a fazia... em cima do que vinha, a gente
incorporava um projeto nosso, da nossa realidade, ‘né’? Nós, que eu digo, da realidade
individual daquela escola. Por exemplo, a gente nunca teve aula de natação, mas meus
alunos do outro colégio, tal, eles nadavam no rio, entendeu? Eu fazia caminhada com
eles. Daí eles me contaram do riacho que tinha lá embaixo, e aí a gente... pulavam da
corda e caíam dentro do riacho, entendeu? Aí, seu sempre orientando: “Pessoal, ‘cês’
não vêem sozinho aqui, traga um adulto junto, porque não é fundo, não é nada, mas
pode bater a cabeça, pode acontecer um acidente”. E era perto da escola, não era um
negócio muito longe da escola. Então eu vivenciava a realidade da escola: a realidade
era aquela. Pra que ‘que’ eu vou mudar, vou vim com uma coisa pronta do Governo? Se
o que eles gostam é entrar em contato com o mato, com a água natural, ‘né’? Era o rio
límpido, ‘né’? Não tinha poluição na época. Então... E eu, também, morei em sítio
278
durante muito tempo, então eu tinha essa coisa de sítio, de... Então a gente fez muito
esse tipo de trabalho lá, entendeu?
E, dentro disso, professor: havia um controle do governo sobre a sua prática? Ou o
senhor tinha autonomia pra trabalhar?
É, não é que havia... Veja só, o controle era repassado... Esse controle era repassado pra
direção da escola, que tinha a visão que a educação física era uma coisa não tão
importante, ‘tá’ entendendo? Então ela considerava... a direção da escola considerava
muito mais o trabalho de apoio pra direção da escola – de apoio, de melhoria pra escola.
O Desfile de Sete de Setembro, cantar o hino nacional, essas coisas eram a maior
cobrança que ela recebia.
Isso havia, então?
Com a direção da escola.
Com datas cívicas?
É, não conosco. Havia cobrança com a escola, e ela repassava isso pra gente, então, se a
gente cumprisse todos os requisitos, que eram... Então, o Gandra era muito forte, tinha
fanfarra... Mas fanfarras ‘da’ ‘boa’ mesmo. Então a gente tinha um equilíbrio nas
cobranças. Então ela nunca desceu 75 degraus pra assistir uma aula minha, entendeu?
Porque ela sabia... confiava no trabalho que ‘tá’ sendo executado, e eu fazia o equilíbrio
com as ações com a escola, ‘né’?
E dirigentes do governo? Iam assistir aulas do senhor?
Nunca.
Nunca aconteceu?
Eu acho que não era nem de competência, por isso que não acontecia, entendeu? A
competência era a direção da escola. Era a direção da escola que tinha a
responsabilidade de fazer o acompanhamento pedagógico das atividades. Mas como é
que funciona...? No dia-a-dia nosso. Não da escola estadual, no dia-a-dia nosso. Como é
que eu resolvo o problema do parque se eu não fico sabendo? Ou se ele não acontece,
‘né’? Então a diretora virava muito mais curativa do que preventiva. “Ah, o aluno
reclamou que o professor ultrapassou os limites numa atividade física”, então, ela me
279
chamava e questionava, ‘né’? Se houvesse... Nunca ocorreu isso, mas ‘vamo’ supor que
um menino se machucou. Então havia um acompanhamento curativo, não preventivo. O
preventivo, o quê é? É ela ir numa aula minha, normal, assistir e dar a opinião dela.
Porque... Ou até questionar por que eu ‘tô’ fazendo isso, por que eu ‘tô’ fazendo aquilo.
Então não havia esse trabalho de acompanhamento. Não existia, existia muito mais uma
confiança entre as duas partes daqueles profissionais que também mereciam isso, tem
esse outro lado também.
Claro.
Nós tínhamos muitos professores com problemas na escola. O professor era ruim,
entendeu? Eu ‘tô’ falando de outras disciplinas, ‘né’? A Educação Física eram só dois,
mas as outras ‘disciplina’, nós tínhamos ‘muito’ dificuldades com professores da época
– ou por inexperiência, ou por envolvimento político: alguns cabeça de ‘bragre’ que
realmente não tinham nada a ver com aquilo, e, em contrapartida, nós tínhamos a parte
competente, ‘né’? Tirando a educação física, que não tinha importância, nós tínhamos
professores que, na época, eles eram mestres, mas não mestres de... mestres de oficina,
mestre de fundição, mestre de marcenaria, ‘né’? Eles eram ‘considerado’ como mestres
mesmo. Era a nata da cidade, de solda, fundição. O Gandra tinha isso: solda, fundição,
marcenaria, torno, fresa. Era um SENAI, o Gandra era um SENAI de competência,
entendeu? Muitos professores de lá também eram do SENAI. Então nós tínhamos a nata
da cidade. Fundição, por exemplo, era só o Gandra que tinha. Era uma delícia trabalhar
com a fundição, nossa! Os fornos, que derretiam chumbo, ferro! Puxa! Era uma coisa...
Nós fazíamos o canhãozinho, sabe? De ferro. Não sei se ‘cê’ já viu o canhãozinho de
ferro?
Não.
Era o troféu de cada aluno. ‘Cê’ tinha o ano todo pra trabalhar, no final do ano ‘cê’
levava o seu trofeuzinho, que era um canhãozinho de ferro que você torneou, que você
passou na fresa. Era seu, sabe? Uma coisa... Não servia pra nada, era um peso pra papel,
sabe?
[riso]
Mas era uma coisa que você guardava, era seu... Olha, eu joguei o meu fora acho que
faz uns dois, três anos. Realmente, porque eu mudei de casa, realmente não tinha onde
280
pôr, mas era uma coisa que eu guardei com muito carinho, durante muitos anos aí,
muitos anos mesmo. Que era uma coisa muito legal.
Professor, e sobre a educação física? Para o senhor, o que é a educação física
escolar?
Bom, eu dividiria ela em algumas faixas etárias, ‘né’? Quer dizer, você... Não dá pra
pensar em Educação Física de uma forma global, ‘cê’ tem que trabalhar um pouco mais
específica, que seria mudar uma palavrinha na Educação Física, que seria educação do
físico, não da física. É que física é de fisicamente. Então, mas eu falo de educação do
físico, que envolve desde a coordenação motora até a coordenação postural, até a
lateralidade, até o relacionamento, e envolveria uma... Vou chamar de categoria, mas
não seria categoria: ritmo. Então a dança e a música têm que fazer parte da educação do
físico, não é? Que a parte cultural ficou pra educação artística, não é? Então, educação
artística, educação musical.
Então ela fugiu um pouco da gente, mas ela ‘tá’ muito mais próxima da gente do que,
propriamente... Por exemplo, um teatro: ‘tá’ completamente ligado à educação física,
que é a expressão corporal, a expressão do movimento, a expressão de ritmo, ‘né’? ‘Cê’
tem que ter cadência na fala, ‘né’? ‘Tô’ falando de conversar. Então a educação tem que
ser global, do físico. Mas não tem essa visão, infelizmente não tem. Porque a educação
física virou esporte na escola, virou... como é que fala? Quadrilha, ‘né’? Quer uma coisa
mais gostosa e mais voltada a equilíbrio do que a quadrilha? Coordenação motora. Se
‘cê’ não tiver coordenação motora, ‘cê’’ não consegue dançar quadrilha. O povo vai
prum lado ‘cê’’ vai pro outro, ‘né’? Os passos, cadenciados: ‘cê’’ faz a dança, ‘né’? Cê
faz a dança, ‘cê’’ faz o balancê, ‘cê’ faz com uma outra pessoa que tem uma outra
coordenação.
Então, quando eu falo que eu dou aula pra terceira idade lá e [que] eu não olho pra elas
[é] porque eu tenho uma aluninha lá no fundo que tem 78 e tem uma que tem aqui, na
minha frente, com 45, que é a mais nova e a [a outra] a mais velha. Se eu tô olhando pra
essa aqui, eu tô cobrando dela uma coisa, que aquela de 78 dificilmente vai fazer. Então
eu tenho que fugir do olhar, tenho que fugir do olhar. E elas têm que fazer o movimento
que o corpo delas permite. Então nós temos uma baixinha barriguda, nós temos uma
magra. Tem uma moça, uma senhora, parece que ela tem 68 anos: a elasticidade dela é
brincadeira! Entendeu? Porque foi jogadora de voleibol. Então, nossa, os movimentos
de braço que ela faz, secção[?] de perna, extensão de perna, porra! É de uma menina!
281
Tem um repertório motor bom?
Mas foi uma coisa que você vê que foi trabalhado: teve um técnico, teve um objetivo.
Então, falando da Educação Física: hoje nós ‘temo’ que trabalhar vários momentos,
várias faixas etárias com várias atividades, ‘né’? Assim, diferenciadas. Mas a Educação
Física, ela permite uma coisa que nenhuma outra disciplina permite, que é a
proximidade com as pessoas. A liberdade de expressão, a liberdade da fala, ‘né’? Você
manda, ‘cê’ fala um nome feio na quadra não é ruim como falar um nome feio na sala é
uma expressão. A expressão sua, um desabafo, até, às vezes: “Porra, meu!”. Se você
falar “Porra, meu!” numa sala de aula, ‘né’? / “Porra meu, passa a bola!” / Se você falar
assim: “Porra, meu, passa a borracha!”, ah, o professor vai mandar você para fora da
aula. Então um “porra, meu!” na quadra é diferente de um “porra, meu!” na sala de aula.
Então a postura do profissional... Não que você não ‘tem’ que manter a disciplina; não
que você não ‘tem’ que manter a organização, ‘né’? Não que você não tenha que abafar,
apagar os incêndios de relacionamento, ‘né’? Muito acontece isso. Principalmente
quando você ‘tá’ trabalhando com esporte: “Pô, ‘cê’ é um fominha, ‘cê’ não passa a
bola” / Daí, um menino vai pra cima do outro. Então, o que eu fazia: “ ‘Cês’ querem
brigar? ‘Pera’ aí!” / Fazia uma rodinha, ‘né’? Todo mundo senta ao redor deles: “Agora
‘cês’ podem brigar. Só que antes ‘cês’ tem que justificar porque que ‘cês’ não brigando,
‘né’? A partir do momento que ‘cês’ definirem...” Então, veja só, eu ‘tô’ fora da escola
estadual há muito tempo, mas eu... sabe? Eu fico vidrado por essa possibilidade de
voltar pro Estado e buscar soluções, ‘né’? Agora a gente ouve falar muito de reação, de
agressão de professor, tal, eu fico numa dúvida muito grade, entendeu? Em 1996, eu
tive no Projeto da Mangueira lá no Rio de Janeiro. Não sei se ‘cê’ já ouviu falar?
Não.
O Projeto da Mangueira é assim: tem um juiz, lá, que é f... (palavra inapropriada para
transcrição) – um juiz da Infância e da Juventude. Então o menino: pegou ele vendendo
droga? Ele não vai pra nenhum lugar, ele vai Projeto da Mangueira. O que é o Projeto
da Mangueira? É assim: quebrou aquela torneira, quem que ‘tava’ perto? Ah, era o time
de handebol, o time inteiro de handebol que vai arrumar. Ah, picharam o banheiro? Que
horas foi? Às duas horas. Ah, então os ‘menino’ do vôlei: “Todo mundo, pessoal. Tá
aqui o balde, ‘tá’ aqui”. Não interessa quem foi, vai todo mundo limpar, entendeu?
282
Então eles entram num sistema de organização, de disciplina, de orientação, com
psicólogo... É um negócio maior, ‘tô’ só simplificando.
Sim.
Mas aí o coordenador geral falou isso aí pra mim, falou assim: “ Professor, é o seguinte:
aqui a gente só recupera menino que tem índole boa. Quem tem índole ruim, a gente
não consegue recuperar. O juiz manda pra gente sabendo que não vamos conseguir
resolver o problema. Que são os meninos que vão ser os traficantes, sabe? Então ‘vamo’
pôr assim, meia dúzia entrou pro tráfico, ‘né’? Como aviãozinho. Desses seis, um vai
ser líder. Esse líder, você... o Projeto da Mangueira não recupera. E aí, a média de vida é
25 anos. Não tem traficante com 40 anos. Ou eles... o próprio sistema elimina ou a
polícia mata. Então é muito ‘claro’ a visão deles lá. Então, o que ‘tá’ faltando hoje é,
realmente, o professor se envolver um pouco mais e transportar pra realidade dele. Se a
sua escola é perto de uma favela, ‘cê’ tem que entender que o tráfico ‘tá’ lá diariamente,
que o tráfico... Você não é conivente, mas você pode, junto, colocar algumas regras,
‘né’? Que é uma postura ideal do educador: não é ser a favor, nem abaixar a orelha pro
traficante, e também não é contra isso. Porque o traficante ele é um comerciante. Ele
não ‘tá’ mandando ‘cê’ comprar droga, você ‘tá’ indo lá comprar droga, certo? É uma
demanda que existe: se não tivesse gente querendo comprar droga não ‘existia’
traficante.
Não tem por que existir.
Não tem por quê. Então existe porque tem demanda – e, ainda, demanda de gente que
tem dinheiro. Eu sei porque eu moro na frente de um ponto de droga – que não era, é
uma praça, e hoje é um ponto de drogas. Então eu vejo os carros que param lá... Então
ontem eu tive que abordar, porque eu olhei pra caminhonete que ‘tava’ lá, e tinha duas
meninas ‘menor’ de idade. Aí eu fui lá. Eu falei: “Pessoal, o que ‘cês’ tão fazendo
aqui?” / “Não, a gente só parou pra brincar...” / “Então pega a sua caminhonete e vai
embora. Aqui não é lugar de ‘cês’ ficarem, ‘cês’ tão com menor de idade aqui. Aqui é a
frente da minha casa. ‘Cês’ vão na frente da casa de vocês” Entendeu? Porque eu vejo o
tráfico acontecer, e culpo o meu vigilante, porque quando eu mudei lá, não tinha. Então
ele podia ter evitado. Então hoje eu fico controlando, entendeu? Porque se uma menina
for ‘estrupada’ lá, a minha rua que vai ser ‘insegura’... Porque a minha rua é sem saída.
Eu moro na última casa de uma rua. Então vai sair no jornal: “Na Rua Ancelmo[?]
283
Mazolla, aconteceu um ‘estrupo’ de uma menor de idade”. Então, quando é maior, tal,
eu nem... passo reto, que aí é um problema de polícia. Mas quando ‘cê’’ começa a ver
um outro movimento, ‘cê’ começa a se preocupar. Então as escolas estaduais, essas três
fases, que eu acredito que é... É 6º Ano que é, ‘né’? Não é mais 5ª Série, ‘né’?
Agora é de 1º ao 5º, de 6º ao 9º, e depois o Ensino Médio.
Mas falando da realidade nossa de Jundiaí, até o 5º é escola municipal. E depois, pra
frente, é que municipalizou... que é o estadual, ‘né’? Então eu percebo até um equilíbrio
nisso, acho que é uma coisa boa a municipalização. Já acho que ‘tá’ atrasado, já acho
que tinha que municipalizar também do 6º ao 9º, porque é uma faixa etária... Como é
que eu vou dizer, assim? Determinante. É nessa faixa que surge o aviãozinho, não é lá
no Ensino Médio, é nessa faixa, do 6º ao 9º Ano, que é onde o menino tem mais
ociosidade ‘do que fazer’, ‘né?’ A solução é muito fácil: é a ociosidade que cria esse
problema. Por que ‘que’... Como é que chama aquele? Marcelo D2 veio cantar na Festa
de Uva 11h30m da noite? Porque o Marcelo D2 não veio 2h30m da tarde? Isso que eu
pergunto. Perguntei pra o secretário de Cultura isso: “Por que ‘que’ o Marcelo D2 não
vem cantar 2h da tarde? Vai ser o mesmo público. Só que seis ‘hora’ acabou, seis ‘hora’
acabou. Aí, o que ‘que’ vai acontecer comigo? Já tomei, já bebi, já assisti, já vi: vou pra
casa. Porque eu já bebi tudo que tinha que beber, ‘né’? E se é a música que ‘tá’
propiciando isso... Agora, se começa às 11h30m da noite, eu começo beber 7h da noite,
que eu saí de casa. Aí, quando termina o show, meia-noite e meia, não tem ônibus pra
‘mim’ ir embora, ou o dinheiro acabou, porque eu comprei bala, ‘né’? Aí eu volto de a
pé ‘pá’ casa, quebrando orelhão, riscando carro, mijando na casa dos outros. Então por
que Ivete Sangalo não pode cantar 2h da tarde, tem que cantar 9h30m da noite? Eu
queria assistir a Ivete, mas não dá[?] pra[?] ir. Desse jeito, eu vou lá 9h30m noite?
Pisar... gente pisar em cima de mim?
Não dá.
‘Pô’, 2h da tarde. Não, não, entendeu? Então falta a nossa visão disso. Por que ‘que’ nós
não fazemos isso? Por que a juventude não pode ouvir o Marcelo D2? Eu adoro as
‘música’ do Marcelo D2, entendeu? Mas não posso ir num show dele, não tem nada a
ver comigo: é droga, bebida, maconha, sexo, tem tudo, ‘né’? Camisinha pra todo lado.
Então hoje em dia também tem que ter essa visão.
284
Visão ampla, não é?
Mais... Maior. Porque eu fazia isso. Meu pai me levava na Feira da Amizade,
antigamente, ‘né’? Que hoje é a Festa da Uva, mas, antigamente, o bom era a Feira da
Amizade. Meu pai levava a família pra jantar na Feira da Amizade. Jantar: a gente
jantava, comia comida alemã, francesa, tinha de tudo. Hoje ninguém mais vai ‘na’ Festa
da Festa da Uva, porque a molecada começa a chegar na hora da janta. Começa a beber,
começa a mexer com os outros, é briga... Pra assistir o show que vai começar 9h e meia,
que começa 11h e meia. Mas é não é tão fácil, não dá pra inverter esse processo? Das
114h30m às 18h é os shows, todos os shows. Seis horas, se a molecada quiser ficar lá
bebendo, fica, mas começa aí começa a chegar a família, que vai na festa pra jantar, pra
comprar uva, pra ir no parquinho, lá... sei lá como é que chama.
Então falta essa visão nossa, como um todo. Por quê? Eu me baseio muito nisso,
porque minha filha gostava muito de rave. Então fui levar ela na rave. Minha filha tem
21 anos. Com 16 anos, eu ‘tava’ na rave com ela. E não acho nada de errado na rave.
Acho a rave super legal, um negócio super bacana. O erro ‘tá’ na droga, ‘tá’ no excesso
da droga, a madrugada. Pô, eu saí aqui de Jundiaí 9h30m da noite. Nós fomo numa rave
em São Bernardo do Campo. ‘Chegamo’ lá 15 pras onze da noite, na rave. Aí, 2h30 da
manhã, ela veio: “Pai, ‘vamo’ embora” / “Por quê?” / “Ah, só tem coisa pra beber, nós
‘tamo’ com fome, nós não ‘comemo’ nada. Não tem nada pra comer numa rave.”
Entendeu? A minha filha veio falar isso pra mim. E eu tava dormindo no carro. Eu parei
no estacionamento, paguei, e fiquei dormindo dentro do carro, ‘né’? Vi como é que era
o ambiente, tava ela e amiga dela, foram junto comigo. E 2h30m da manhã, elas
queriam ‘vim’ embora, porque ‘tavam’ com fome na rave, porque só tinha bebida, não
tinha comida. Então já ‘tá’ premeditado que é pra dar bebedeira, que é pro cara passar
mal, porque não tem nada pra comer [riso], ‘né’? Quem tem estômago fraco vai passar
mal...
Então essas ‘coisa’ de rave, que passa mal: passa mal. Tudo bem, tirando a coisa da
droga, ‘vamo’ tirar a droga. Mas a bebida, se você bebe e come, bebe e come, quem ‘tá’
acostumado, não sobe, não faz mal, ‘né’? ‘Cê’ não vai tomar um caminhão de pinga.
Mas se tomou um... Como é que eles chamam lá? Jurupinga. ‘Cê’ tomou uma
Jurupinga, depois ‘cê’ comeu um ‘hambúrgue’, o efeito cai 50%. Agora, porra, numa
rave que só tem bebida, só tem bebida – bebida free, lá, que eles falam... ‘Cê’ pode
beber o que ‘cê’ quiser e não tem nada pra comer, nem pra ‘cê’ comprar. Nem pra
comprar tinha! Então falta a visão nossa, de adulto, de homem, de como fazer isso,
285
como mudar esse processo. Por que ‘que’ eu não faço show de rock aqui, 4h da tarde,
‘né’? Eu tenho que buscar essas soluções. Então as faixas etárias tem que ser
‘trabalhada’ de forma diferente, com visão diferente, um trabalho conjunto com
educação artística, educação musical... Educação Musical, educação física e educação
cultural, não, como é que chama? São três ‘educação’ que eles deixam em segundo
plano, ‘né’? Artística, ‘né’? Musical e física: essas três, elas têm que ter um trabalho
integrado. Ah, ‘cês’ podem sentar lá e falar de português e matemática, aqui nós ‘vamo’
falar de atividades. Como interagir, os três professores de áreas... ‘Né’? Que a gente
chama de esportes não formais. Mas de atividades formais numa escola, pra manter a
motivação e, ao mesmo tempo, poder contribuir com os resultados de português e
matemática.
Professor, o senhor acredita que a educação física tem a sua importância dentro da
escola. A partir disso, como o senhor realizava a sua prática pedagógica no dia-a-
dia? São duas perguntas complementares: qual a importância dela? O senhor
pensa que ela tem ou teve importância dentro da escola...?
É, ela é super importante, mas não como físico. Ela não é... Ela é muito maior de
integração do que de... como é que eu vou dizer? De melhora física. O aluno gordinho
vai sair gordinho; o magrinho vai sair magrinho; o baixinho vai sair baixinho; o
grandinho vai sair grandinho. Não tem influência nisso, tem uma melhora muito
pequena no condicionamento físico global. Muito pequena. Por quê? Porque ‘cê’ tem...
Eu não sei como é que ‘tá’ hoje, mas na nossa época era: [um dia tem] duas aulas; [no
outro dia] não tem aula; [no seguinte,] mais uma aula. Quer dizer, então terça-feira,
quinta. Segunda não tem nada, quarta não tem nada, sexta não tem nada, sábado não
tem nada, domingo não tem nada, segunda não tem nada. Volta na terça de novo.
Os intervalos.
Intervalos muito grandes, então você não consegue uma performance. E agora, pior:
nesse dia que tinha duas aulas, choveu, então reduziu a sua intensidade – porque ou
você vira uma... Se você tiver espaço, ‘cê’ faz num lugar coberto, em menor
intensidade. Ou, se você não tem lugar, ‘cê’ põe um filme... ‘Né’? Então, daí ‘cê’ volta:
‘cê’ teve aula quinta, daí não teve sexta, sábado, domingo, segunda, terça, vai ter na
outra quinta de novo. Então, às vezes, chegava intervalo de nove dias, pra você voltar a
ter atividade física. Então, a atividade física ‘tá’ muito mais relacionada a resultado
286
desde que você tenha uma coisa constante. Se você pega um menino que além da
educação física ele ainda treina outra modalidade, a performance dele vai ser maior, vai
ser melhor, ‘né’? Maior e melhor, ‘né’? Então tem essa coisa. Ela é super importante,
mas não fisicamente. Ela é muito mais abrangente: que é de relacionamento, que é de...
Uma coisa que se perdeu no tempo, por exemplo: “Eu estudo no Gandra. Eu estudo no
Instituto”. Hoje não tem mais isso: “Ah, eu estudo lá na escola lá, no Horto Florestal”.
Se perguntar, o menino não sabe nem como chama a escola. E lá a gente tinha orgulho
de usar o uniforme, porque a escola tinha um nome a zelar, tinha uma qualidade de
ensino. Não que não tenha hoje – eu tô generalizando. Tô dizendo que a questão... e
talvez a falta da educação física tenha sido a culpada. Porque quando você vai, por
exemplo, numa maratona de matemática, você não tem... você não leva o nome do
Gandra, é o Julio que vai lá ser campeão da maratona. E [antes] era o time do Gandra
que ganhou, que ficou campeão, entendeu? Então vira uma coisa...
Isso se perdeu?
Se perdeu. Se perdeu, e não é nem por causa de alguma escola. Não tem mais o
Campeonato Colegial... Não tem mais o Campeonato Colegial mesmo, ‘né’? Que a
gente chamava Campeonato Colegial, mas eram todas as idades, ‘né’? Mas o forte, a
disputa era no Colegial, que era... Era o Gandra versus o Instituto. Siqueira... Nossa, o
Siqueira ficou um tempo aí que ninguém ganhava do Siqueira. Conde de Paranaíba: era
Gandra, Instituto, Conde e Siqueira. Aí vinha a Maria de Lourdes [nome ininteligível]
Silveira, que é bairro do Jardim Pacaembu. Aí já ia pra escola de bairro: Ana Paes, Ana
Pinto Duarte Paes, que é na Ponte São João, e Paulo Mendes Silva. Então nós
tínhamos... O bicho-papão era sete, oito escolas que tinha o Ensino Médio, ‘né’? O
Ensino Colegial da época. Esses meninos: “Eu estudo no Paulo Mendes” / “Eu estudo
no Ana Paes.” Mas isso era o esporte que fazia. Foi o esporte que fez essa valorização,
do moleque... O moleque não mudava de escola, ele começava na quinta, ele ia até o
Colegial numa mesma escola. Porque ele era aluno do Gandra. E quando ele ia, mudava
de escola, ele era rejeitado na outra escola. Entendeu? Ele tinha que ser um menino
muito bom de cintura pra poder se enturmar de novo, porque ele já teve competição
contra, entendeu? Então criava essa... Não falo nem ‘rincha’ entre um e outro, criava
uma perspectiva: “Puxa, ano que vem a gente vai ganhar; ano que vem a gente vai
perder” Entendeu?
287
Uma expectativa...?
Uma expectativa, isso. Criava. Que hoje não tem mais. Até tem, ‘né’? Até tem. Quem
faz isso muito bem, hoje – parece que se aposentou também – é o Amario Barbarini, na
escola Gloria Genovese, que é lá na Agapeama. O Amario Barbarini mora do lado, ali
naqueles predinhos na Agapeama, não sei se ‘cê’ conhece.
Eu não conheço.
Então, lá na Agapeama, no bairro da Agapeama, quando você vai pra Várzea, no
baixadão, assim...
Sei.
...do lado esquerdo tem uma escola que chama Glória Genovese, e tem um prédio de
apartamento, onde... o Amario mora ali. Então o Amario conseguiu, durante o tempo de
carreira dele, conseguiu ir pra lá – perto da casa dele... Não, e ele se envolveu com a
escola: ele fazia corrida em volta da escola, ele... Atletismo é o coração dele. Então ele
ainda tem isso. Tanto é que os atletas que despontam no atletismo de Jundiaí saem da
escola dele, ele dá essa esquentada, daí o moleque: Puft! Vai embora, entendeu?
Professor, o senhor falou do esporte, não é? Estamos entrando numa área aí...
Muito se diz que a partir principalmente da Ditadura Militar, o período que é
estudado por nós, houve uma esportivização da Educação Física; que ela teria sido
mesmo esportivizada...
Hum, hum, foi mesmo.
O que o senhor teria a dizer a respeito disso? E aproveitando, já, como é que era a
prática pedagógica do senhor na época?
Então, veja só, por que ‘que’ aconteceu essa esportivização aí, ‘né’? Que esse tema é
novo pra mim, mas até entendi o porquê. Ele... A Educação Física, na época, precisava
de uma sustentação, precisava se valorizar, ter a sua valorização perante o professor de
português, matemática, de química, física... ele tinha... nós tínhamos que ter essa
valorização. E o esporte foi o vilão e foi o beneficiador disso. O vilão por quê? Porque
aquele professor que queria encostar o corpo, ele teve a oportunidade dele: soltava a
bola na quadra, dividia três times, e não tinha a parte inicial, a parte [palavra
ininteligível] final da aula – não tinha, só tinha a parte inicial, principal e final da aula,
288
que nós chamávamos de volta calma, aqueles nossos ‘termo’ da época. Parte inicial da
aula, que era o aquecimento, parte principal da aula, que era formação global, e depois a
gente chamava de parte final da aula, que era o volta calma. Que a gente precisava
baixar a adrenalina dos meninos, porque eles iam voltar pra sala de aula, entendeu? O
moleque não podia chegar lá em cima com a adrenalina no último, tinha que diminuir
essa adrenalina dele, que era o quê? Relaxa, deita aí na quadra, pensa, conta até dez, tal,
pra poder diminuir a adrenalina. Então, isso foram os dois lados: ela conseguiu o
espaço...
Se valorizar.
Se fortaleceu. Porque aquele profissional que gostava do esporte tratou aquilo como
uma coisa principal da sua profissão: então se aperfeiçoou, fez curso, atualizado, ‘né’?
Pra poder ter uma performance melhor. E, ao mesmo tempo, ela criou essas barreiras, e
o professor que queria encostar achou o caminho, ‘né’? Entendeu?
E a prática do senhor, como era na época?
Olha, vou ser sincero pra você, ela foi um meio termo. Alguns momentos, eu achei que
era importante soltar a bola pra eles só, realmente, porque não tinha perspectivas
‘diferente’ disso. Nós não encontrávamos um caminho, entendeu? Nós buscávamos...
Não sei se, até, eu buscava, na época, isso. Mas chegou alguns momentos que eu, várias
vezes, fiz isso; muitas vezes fiz isso. E: “Pessoal, a bola ‘tá’ aqui, ‘vamo’ dividir as
turmas aí, tal”. Mas, em contrapartida, nós éramos o destaque da escola. ‘Era’ nós que
organizávamos a festa junina, ‘era’ nós que fazíamos ‘toda’ as atividades ligadas à parte
cultural, à parte musical: era a Educação Física que incorporava todo esse trabalho de
envolvimento com os jovens. Então: “Poxa, professor, ah, não gosto de Educação
Física...” / “Não? Mas ‘cê’ gosta de teatro? Então nós vamos começar uma turma de
teatro.” A gente começou... Nós ‘tivemo’ um grupo de teatro. ‘Fomo’ fazer
apresentação em Campinas, e tal, entendeu? De quem era isso aí? Da Cultura? Eu
encarava como uma atividade da Educação Física, mesmo não sendo, ‘né’? Porque não
tinha consumo de adrenalina, não tinha nada; não tinha nada relacionado ao físico deles.
Mas ‘a’ nível de relacionamento... Quer dizer, o pessoal do teatro ia assistir o jogo e o
pessoal do jogo ia assistir o teatro: havia uma integração, ‘né’? Então acontecia muito
disso. Que eu fiz isso. Até, não acho – uma avaliação bem crítica, assim –, não acho que
289
fiz errado. E também não acho que, muitos, fizeram errado de fazer isso, de soltar a
bola.
Por exemplo, vamo falar lá de um professor de uma escola... Como é que fala? De uma
escola afastada? Não, não é afastada. Tem um termo. Escola...
Rural?
Isolada... É, rural. ‘Vamo’ falar de escola rural. O que ‘cê’ vai fazer com o menino lá da
escola rural? O que ‘que’ ‘cê’ quer dele na área de Educação Física? Que ele
desenvolva uma atividade física, regular, que vai ser duas e uma; que eles tenham um
bom relacionamento entre eles; que eles ‘seja’... não tenha nenhum problema de saúde;
que eles não se ‘machuque’. Que mais ‘cê’ pode esperar do menino que mora, que ‘tá’
numa região isolada, ‘né’? Não sei se ter uma bola... Ah, uma escola que só tem uma
bola. Como é que você vai imaginar um treinamento? Qual é a sua criatividade pra fazer
alguma coisa mais do que... dividir dois, três pinos e fazer um rachão e interagir, ‘né’?
Então, como eu trabalhei muito com o handebol... O futebol de salão e handebol. Então
eu achava jogar handebol uma coisa maravilhosa pra eles: “Ah, puxa, mas não tinha
regras?” / “Não, não tinha regras. O handebol é solto, é pra isso mesmo. É uma bola na
mão. Você vai pegar, você vai testar[?] a parte muscular das mãos, não é? Que o salão
não propicia isso, tal. Então eu não sei, eu não faço muitas críticas como eu ouço. Eu
ouço muitas críticas de professor que solta a bola, ‘né’? E vira as costas. Nem apitar o
jogo, às vezes, apita, ‘né’? Então isso aí eu fiz muitas vezes isso.
Professor, o senhor disse que entregava um planejamento que era mimeografado, e
que só havia a alteração da data. Mas e no dia-a-dia? Na parte técnica,
burocrática, a gente observa que era obrigatória a entrega desses materiais.
Sim, sim.
Mas no dia-a-dia, quem definia: o que ia dar, o que fazer e como fazer? E as
avaliações? Havia avaliações?
Não, não tinha avaliação nenhuma. O planejamento, ele era até gozado, num bom
sentido. Ele era assim: segundo bimestre, modalidade voleibol. Aí, você discriminava o
que é o voleibol: “O que ‘cê’’ vai fazer no voleibol?” / “Ah, nós vamos trabalhar os
aspectos cognitivos”, ‘né’?” Você usava os termos que, tecnicamente, você sabe que
pegar a bola de voleibol e bater ela no chão, ‘cê’’ ‘tá’ fazendo trabalho cognitivo, de
290
lateralidade, de flexibilidade, de agilidade. Os termos que você ouve, lê em qualquer
livro, ‘né’? Então era uma coisa meio mecanizada. Talvez, até pela influência do
exército.
E quem definia isso?
O próprio professor.
O senhor que definia, então? Essa ordem dos esportes, no caso, e do...?
Exatamente.
...e como ia fazer...?
Dos esportes. Então, o que a gente fazia? Por exemplo, o futebol de salão, ele sempre
terminava o nosso planejamento anual: se eram quatro bimestres, o futebol de salão era
o último, porque era o que eles mais gostavam. Então, ‘cê’ tem que ter um tempo de
adaptação pra isso. Mas chegou uma hora que eles não queriam mais jogar futebol de
salão, eles queriam jogar handebol, ‘né’? Por um estímulo meu, e porque saía vinte
gols, ‘né’? Num jogo que era 20 gols, no futebol de salão saía 1, 2 gols. Então tinha o
agente motivador disso, ‘né’? E o gordinho jogava. O baixinho jogava no handebol.
Aquele ruinzinho, que não tinha coordenação, ele jogava no handebol. Tanto é que, uma
vez, eu quase... coitado do menino. O menino completamente sem coordenação motora,
e eu explicando a marcação, que ele tinha que fazer assim com os braços. E o menino
veio, dando as passadas, ele e pegou e fez assim com o braço e enroscou o pescoço do
menino aqui no braço dele. E ele estragou o braço, porque era a[?] ordem[?]... e ele era
a barreira. Ele fez o que a gente tinha conversado com ele, ‘né’? Um menino
completamente sem coordenação, quase machucou, realmente, o outro, pela... Porque,
normalmente, quando você [palavra ininteligível] o braço, você solta o braço, e ele
trancou o braço, entendeu? Virou uma barreira mesmo. Mas isso, só...
Então, o que ‘que’ acontece? Esse planejamento era difícil de fazer, de executar. Não de
fazer: fazer era fácil; fazer no papel era rapidinho. Mas executar era difícil. Voleibol:
“Ah, professor, ‘pô’, o voleibol é coisa de bicha, não ‘vamo’ ficar jogando essa p...
(palavra inapropriada para transcrição) de vôlei”, entendeu? / E aí eu falava: “Não,
pessoal, são fundamentos diferentes, tem que passar por todas as etapas”. Então muitas
vezes do planejamento, fazia parte inicial da aula com futebol de salão, depois fazia o
voleibol, depois encerrava futebol de salão, pra você poder chegar naquilo. Que é o que
291
eu falei que eu consegui chegar. E acho que qualquer professor de cada modalidade
consegue, ‘né’? Eu fiz com o handebol. O professor Afonso vai fazer com o voleibol. A
professora Rita vai fazer com o handebol. A Marli, com o handebol, entendeu? ‘Cê’
consegue vender o seu peixe pra eles. Num primeiro momento você vai ter dificuldade,
você vai ter que negociar num bom sentido. Mas o planejamento que você punha no
papel, ele era difícil de executar.
E aí o senhor falou que os alunos... Como esses alunos se manifestavam na
educação física dessa época? Como era o trato diário?
Olha, eu vou ser sincero, eu não tinha muita dificuldade com isso, entendeu? Eu nunca
tive esse tipo de dificuldade, porque eu sou... eu me considero um agente motivador,
‘né’? Hoje eu trabalho pro meio-ambiente... Eu me considero muito mais um agente
motivador do que um educador ou do que um pedagogo. Por exemplo, ‘cê’ pergunta pra
mim: “Professor, qual é o pH da água de Jundiaí?” / Eu viro ‘procê’ e falo assim: “Não
sei”, ‘tá’ certo? Mas da onde a água vem? Pra onde ela vai? Qual o curso... qual é o
nível, a classe dela? Que ‘que’ é classe 1 de água, ‘né’? Que ‘que’ é um ciclo biológico?
Que ‘que’ é uma barragem? Que ‘que’ é um extravasor?” / Porque é o que interessa
dessa informação. Que ‘que’ vai adiantar eu falar pra você que o pH é sete, dessa água
aqui, não é? Que adianta eu falar ‘procê’ que aqui tem um milhão e duzentos metros
quadrados de espelho d’água? Um milhão e duzentos mil metros quadrados é o mesmo
tamanho de cinqüenta campos de futebol. Então, por que ‘que’ eu vou falar um milhão e
duzentos metros quadrados se eu posso falar: “Pessoal, essa represa tem o tamanho de
cinqüenta campos de futebol.” Matou. Ele não precisa saber que é duzentos mil metros
quadrados. Ele já conseguiu visualizar cinqüenta campos de futebol. Então é uma visão
que eu tinha como professor de escola estadual. Mostrando pra eles a realidade...
Eles gostavam, então, da aula? Da Educação Física, no geral?
Muito, muito. Não, eu tinha um problema, eu morava a quatro quarteirões da escola.
Então, pô, amanhecia garoando, eu vinha de bicicleta, eu demorava pra chegar na
escola, porque eu não ia dar aula. Tinha um risco de escorregar, ‘né’? Piso descoberto.
Então eles já sabiam que não tinha aula – eles iam na minha casa, eles iam tocar na
minha casa. [entrevistado se dirige a terceiro]
‘Cê’ entendeu? Então, o mais importante... Isso é uma visão minha, pelo amor de Deus.
A maior função do professor de educação física numa escola estadual é ser o agente
292
motivador. É o professor de educação física que tem o poder de ser o agente
mobilizador – tô falando agente mobilizador: “Pessoal, nós ‘vamo’ limpar a escola [
parece bater a mão numa mesa], ‘somo’ nós que ‘vamo’ limpar. Nós ‘vamo’ cuidar da
escola, somos nós”. Ele que tem que fazer essa função. Porque o diretor, ele ‘tá’ lá pra
punir, ele não ‘tá’ lá... Ele ‘tá’ lá pra comandar, mas, quando você comanda, você não é
agente motivador nem mobilizador, você é um cobrador, você que cobra, entendeu?
Então o professor de educação física – eu falo educação física, mas é educação
musical... As educações são os ‘agente’ motivador. Então o professor de educação
física, ele tem um papel muito importante, que é ser um agente de interligação da
direção da escola e a educação do físico. Se ele não tiver esse poder – que isso é nato de
cada um, nasce em cada um – ele não consegue resultado significativo, ele vai ser mais
um professor, entendeu?
Então, por exemplo, chegava no Conselho de Classe – que eu nem sei se tem hoje
Conselho de Classe –, daí: “Porque aquele moleque é zero de matemática, zero de
português”. Aí eu falava: “Não, mas em educação física ele é dez, ele é o melhor
jogador de futebol de salão”. O moleque era craque de bola, mas uma praga na sala de
aula. Aí eu questionava: “Qual a importância desse dez aqui em relação a vocês?” / “Pô,
mas ele enche o saco, ele atrapalha, ele não estuda” / “Mas ele tem o potencial dele.
‘Precisamo’ avaliar isso também” / “Ah, ele é indisciplinado” / “Não ‘tá’ faltando
motivação? Porque lá ele é disciplinado, ele chega antes do horário, ele vai embora
depois do horário. Quer ajudar: colabora, enche bola, carrega o saco”. Entendeu? Agora,
era muito difícil de ele escrever café com acento, ‘né’? [riso de ironia] Entendeu? Fazer
uma regra de três, não: fazer uma fórmula de química... Então, como é que ‘cê’ acha
esse equilíbrio no menino? Realmente como agente mobilizador, como agente
motivador. Que são poucos os professores das outras ‘diciplina’ que têm esse poder. Eu
conheço um professor de matemática que o cara é fantástico, entendeu? Tem[?]
filhos[?] gêmeos[?] ainda. O cara é cabeça pensante, ele... A molecada adorava ele.
Então não é a matemática, não é o português, é o agente mobilizador.
É a pessoa.
A pessoa que ‘tá’ ali. E o professor de educação física, se ele for o agente mobilizador,
ou motivador, ele consegue resultado significativo, ele consegue se impor perante os
outros, mas desde que, também, você... Então, voltando ao Conselho de Classe: teve um
menino japonês que soltou uma bomba dentro do banheiro. E ‘tava’ entrando um
293
menino de 5ª Série na época. E o menino estourou o tímpano dele com a bomba. E eu
fui chamado, porque esse problema era eu que resolvia, ‘pápá’. E todo mundo
escondendo o menino, escondendo o menino. Descobri quem era, levei pra direção da
escola, chamei o Conselho, e propus a votação que era a expulsão da escola, entendeu?
Independente de ele ser meu amigo: a postura foi única. É mudança de escola, não tem
outra coisa. Conclusão da história, conclusão de tudo isso: hoje o menino é dono de uma
floricultura. Ele ‘me’ passa, perto de mim, e me respeita como professor que fui dele,
entendeu? Mas ele sabe que fui eu que votei. Porque ele achou que eu ia segurar isso
dele, ‘né’? Porque era a visão que todo mundo tinha, que a Educação Física fica
acobertando os problemas. Mas aí, no Conselho que você mostra o seu poder, ‘né’?
Porque se eu voto contra a expulsão dele, nossa, todo mundo... “Ah, na hora de você
pedir pra mexer na nota...” ‘Né’? Porque o meu trabalho no Conselho era oportunizar o
menino... Como é que eu vou dizer, assim? Que ele não repetisse direto. A minha briga
era essa. Então, por exemplo, ele ficou de recuperação de três... Não, ele ficou de
quatro, só podia ficar de três. A minha briga lá era mostrar o potencial que ele tinha lá
pra que desse uma oportunidade pra ele ir pro Segundo Turno, ‘né’? Entendeu? Que ele
fosse pra recuperação...
Tivesse uma chance.
...e não reprovar direto, entendeu? Mesmo ele tendo, sabendo das dificuldades. Porque
também é assim: quando a água bate na sua bunda, é que ‘cê’, realmente, acorda, ‘né’?
Então, de repente o menino tinha um potencial de estudar. Foi levando de barriga, foi
levando de barriga... Se ‘cê’ fala: “Não, ficou em três, ‘vamo’ abrir mão aqui...” O
professor de, sei lá, de música, dá nota pra ele, pra ele...” / “Ah, ele não fez esse
trabalho...” / “Dá um trabalho pra ele, pra ele fazer amanhã, e deixa de recuperação”.
Então eu sempre achei que o meu papel no conselho era esse: oportunizar os meninos de
evitar uma reprovação direta. Lógico que ‘cê’ tinha os casos que não tinha jeito, ‘né’?
Se é um caso que ficou em seis, de recuperação, como é que eu ia reverter? Mas eu ia
sempre nos quatro, ‘né’? Podia ficar em três? Então esse quatro, eu brigava lá, pra
poder: “Pô, dá uma oportunidade pra ele. Olha aqui, nunca teve falta em Educação
Física, ‘né’?” Então, a minha... Como é que fala? O meu fichário... Não é fichário, como
é que chamava aquilo? Controle de faltas, sei lá como é que chama aquele negócio...
Diário.
294
Diário de classe, é. Então o meu diário tinha as informações importantes pra isso, ‘né’?
Então o papel da educação física, realmente, é maior do que do físico. Se o professor for
fechado pra isso, esquece, ‘né’? Não consegue resultado significativo.
Professor, essa comunidade de que o senhor fala, os professores valorizavam,
então, a presença da educação... Quer dizer, a gente pode dizer que eles
valorizavam a presença da educação física como um todo? Ou isso se dava
dependendo... pela sua pessoa? Ou a educação física, ela era, de certa forma,
valorizada?
Não, ela era valorizada pelo profissional.
Pelo profissional? Não tinha a ver com a disciplina, então? Com a atividade ou
disciplina?
Não, a educação física era uma atividade descartada, ‘né’? Era descartável. Quem fazia
essas mudanças eram os professores. Que nem, eu ‘tô’ falando de mim, mas, por
exemplo, a Silvia, que trabalhava comigo, ela também é pé de boi pra trabalhar,
entendeu? Apesar que ela, hoje, é diretora de escola, ela se envolveu, ficou o tempo
todo no Estado... Então, a atual Educação Física, ela atinge seus objetivos pelo
profissional, não pela disciplina.
Nessas escolas em que o senhor trabalhava, então, como esses profissionais o viam?
Como era vista a educação física? O senhor pode ver desta forma?
Então, se o profissional não for um agente...
[trecho ininteligível] senhor?
Não, no meu caso?
Sim.
Sim, porque eu fazia questão de ‘tá’ no conselho, eu fazia isso com a minha disciplina,
eu dava valor ‘pá’ minha disciplina ‘pá’ ela ser valorizada, ‘cê’ entendeu?
Entendi.
295
Então, a mesma coisa... Tem um conselho, o professor: “Ah, eu não vou participar, eu
não tenho força nenhuma, entendeu? Então, se eu achar... Eu achava que era importante.
Então, com isso, ela se tornou importante.
Se valorizava?
Se valorizava. Se eu não me valorizar, ninguém vai valorizar. Então a busca, realmente,
do profissional, que hoje a gente chama qualidade, eficiência, eficaz... O professor
eficaz, o professor eficiente, é do professor, não da. Mas isso, eu acho que é em todas as
disciplinas, ‘né’? Por isso que eu sou contra a educação ambiental. Eu acho um absurdo
vim falar sobre... “ ‘Vamo’ criar a cadeira de educação ambiental nas escolas” – isso é
um absurdo. Por quê? Porque eu não posso sair da sala de aula... Eu sou professor de
matemática... Eu sou professor de ambiental: então eu dei aula pra vocês, falei sobre o
meio ambiente, tal. Aí, virei as costas, saí da sala, entra o professor de química. Aí o
professor de química pega uma folha, amassa e joga no chão, ‘né’?
[riso]
A educação ambiental é uma coisa mais ampla. Não falo da educação física, eu falo da
educação ambiental. Todos os professores têm que trabalhar a educação ambiental.
“Então, o que nós ‘vamo’...? / “Ah, ‘vamo’ trabalhar cálculo de química: ‘Pessoal, por
favor, tá aqui, ‘vamo’ utilizar a fórmula tal, tal, tal: um terreno onde tem um declive de
150 metros, aconteceu uma erosão de vinte m2, que comprometeu a qualidade da água
do córrego, que passa com 200 litros por segundo...’ Puxa, eu tô trabalhando o meio
ambiente e a química junto, a física, a matemática. Então, eu citei esse exemplo, mas...
Sim.
Professor de português: “ ‘Vamo’ ver aqui, ó...”
Tudo junto, não é?
Eu fiz um concurso público de educação ambiental... Educação ambiental, não, pro
Ibama... Não sei se era o Ibama... Meu, veio um texto pra mim, em inglês, todinho
falando sobre meio ambiente. Eu parei no meio. Parei, fechei, entreguei e fui embora.
Eu não ‘tô’ preparado pra aquilo, entendeu? Porque o texto era de interpretação de
texto, com um texto em inglês, sobre o tema meio ambiente, sobre o que vai ser daqui
25 anos e o que aconteceu há 25 anos atrás. A mesma coisa que ‘cê’ ‘tá’ fazendo, eles
296
fizeram um link com os 25 anos atrás com os próximos 25 anos. Mas tudo em inglês,
que você tinha que interpretar o que o autor ‘tava’ falando, e ainda... ‘Né’? ‘Então’ isso
é uma loucura. Mas a professora de inglês pode pegar um texto básico de inglês pra
trabalhar sobre o meio ambiente, sobre a preservação da água. Inclusive, dá pra
trabalhar no meio ambiente [com] todas as disciplinas. Então você não precisa ter uma
cadeira de educação ambiental. Já a educação física, ela tem uma outra... como é que eu
vou dizer, assim? Uma outra visão, ela tem que ser constante dentro da escola. A
educação física não pode ser: “Ah, o professor de educação física chegou...”, entendeu?
“ ‘Pô’, o professor de educação física chegou! ‘Vamo’ lá ver se ele precisa pegar
alguma coisa, se ele quer que eu vá adiantando, se ele quer que eu vá abrindo a sala...”
Entendeu? Ele tem que ser o auê! “Chegou o professor de educação física!” Tem que
ser o diferencial. E eu tô falando que eu consegui isso.
Da pessoa, não é? Que é da própria...?
Da pessoa. Não da... É que, não sei, se eu fosse professor de português, talvez eu não
tivesse essa visão...
É uma conjunção de fatores, não é?
É, então não dá ‘pá’ descartar a educação física, é uma junção de vários momentos,
‘né’? Mas eu visualizo, realmente, que a educação física, ela se torna sólida – ‘vamo’
falar sólida, mas não sei se esse é o termo – a partir do momento que o profissional, ele
se junta a esse ideal, vai – ‘vamo’ falar do ideal, mas não é o termo ideal –; ele se junta
nessa busca, entendeu? Da performance.
Professor, o senhor falou de link, então vamos tentar linkar. [riso] Eu sei que é
uma pergunta complicada pra gente tentar fazer de uma forma mais sintética,
resumida, mas como é que o senhor entende a educação física na década de 1970 e
1980, quando o senhor atuou, e a de hoje? Como é que o senhor compreende a
educação física de lá e a de hoje?
Olha, eu vou ser sincero...
Eu sei que é uma pergunta complexa...
Não, não... É, eu não tenho a vivência... Vivência hoje, ‘né’? O que eu fico muito triste,
que eu ouço, não só do professor de educação física, mas de vários professores, é que
297
não tem mais jeito, ‘né’? Que não dá pra recuperar mais. E eu não acredito nisso, eu
acredito no resgate. Talvez de forma diferente, ‘né’? Diferente disso. Mas alguns
princípios são básicos. Quer dizer, o menino que não podia fumar maconha na década
de [19]80, ele continua não podendo fumar maconha agora. Eu não posso achar que
fumar a maconha seja uma coisa tão... um termo tão simplista assim, como hoje ele se
caracteriza. Então, as mudanças, elas estão ligadas... diferenciadas, até – ‘vamo’ falar
“diferenciadas” –, daquela época pra essa, num intervalo chamado qualidade de vida.
Hoje nós temos um parâmetro de que a qualidade de vida ‘tá’ diretamente ligada à
educação do físico, ‘né’? Que, na época, nós não tínhamos isso. Na época, nós não
‘távamos’ preocupados em ter um físico bom pra ter uma vida mais longa...
A visão da época era qual, então?
Não interferia, não interferia; não era importante você fazer uma caminhada...
Essa questão da qualidade de vida não emergia[?]?
Não, não tinha nem... Qualidade de vida era você ter um bom emprego, você fazer uma
viagem, você... Não ‘tava’ relacionado a você ter uma boa saúde. E hoje não tá
completamente focado nisso. Você não pode abrir mão, por exemplo, da atividade física
mínima. Por exemplo, como é que o professor, hoje, fala que ele não vai dar um
condicionamento físico global? Ele tem que fazer um trabalho, uma coisa que era...
poderia não ser feita aqui. Por exemplo, soltar a bola, na década de [19]80, não era tão
ruim como soltar hoje, entendeu? Hoje não dá. A tecnologia que nós ‘tamo’ vivendo,
‘né’? Com a estatística da fisiologia do movimento, das paradas cardíacas que
acontecem em atletas, você visualiza que, realmente, a culpa ‘tá’ aqui atrás: o soltar a
bola aqui é que tá ocasionando essas situações agora. Então, falando da metade pra
frente, não dá mais pra você ter um professor meia boca hoje. Porque, ‘vamo’ supor,
então vou falar, assim, de... daquele equipamento de medir a pressão, a pulsação lá – eu
não sei nem o nome, pra você ver como eu não tenho conhecimento pra isso. Mas o
professor que ‘tá’, hoje, dando aula no Estado tem que saber, é imprescindível saber
sobre a pressão arterial, saber sobre a pulsação média, sobre desnutrição, sobre
alimentação balanceada. Hoje o gordinho tem que ser olhado de uma outra forma. Ele
era um empecilho na época, e hoje ele precisa da orientação. É, mudou, mudou muito...
Seja em escola estadual... Eu ‘tô’ falando duma forma global. Mas, visualizando a
estadual, você pode manter, hoje, numa atividade física educacional com um menino
298
gordinho, mas nós, como educadores, mesmo que você seja gordo, você tem que
mostrar pra ele a importância ‘duma’ comida balanceada, o acompanhamento dele, se
ele não ‘tá’ chegando na fase do diabete; tentar orientá-lo para que ele regularmente
faça o exame do diabete; o mal que a diabetes causa pra ele, da hipertensão... Nós
‘temo’ um papel muito maior hoje, ‘né’? Hoje... Porque a mãe....
Abriu o leque?
É, porque a família ‘tá’ mais distante hoje do que na época. Na época, nós tínhamos
aqui muitas poucas mães que ‘trabalhava’. Nós fazíamos reunião de mães, as mães iam
– de pais, ‘né’? A mãe ia. Hoje não vai mais; hoje ela quer que se f... (palavra
inapropriada para transcrição) o menino, não vai mais na reunião. Mas ela não é
culpada, ‘né’? O sistema é culpado, porque ela tem que trabalhar, ela tem que...
“Meu filho, por favor, vai pra escola, porque eu tenho que trabalhar. Senão, não tem
comida em casa”. Então o parâmetro seria mais ou menos isso, fazendo uma
comparação: hoje nós somos profissionais muito mais importantes na vida do ‘seu’
aluno do que éramos anteriormente. Isso é uma visão minha, ‘né’? Não sei, até, se vai
de encontro com a de outros profissionais, ‘né’? Porque não sei se a Marli pensa da
mesma forma, ‘né’? A minha visão é assim: eu era muito mais importante na escola
como agente mobilizador do que como uma pessoa ligada à qualidade de vida dele. O
meu papel não era melhorar a qualidade de vida dele, o meu papel era fazer a integração
dele com o ambiente escolar. E hoje eu vejo... Hoje o nosso... ‘Vamo’ fazer assim: um
teste de resistência que a gente fazia, alguma coisa que tinha – isso, na minha época,
não sei se hoje ‘chamaria’ esse termo –, a gente fazia os meninos correr cem metros em
tantos minutos, e pápápá, pra avaliar se o menino tava com condicionamento físico ou
não, na época a gente fazia por fazer, e hoje os resultados impressionam a gente. Se o
menino sentiu falta de ar aqui, é nosso dever encaminhar para o médico.
[toca um telefone, entrevistado se afasta pra atender]
Entendeu?
Sim.
Então hoje a gente tá muito mais capacitado, qualificado – não sei bem o termo pra isso,
mas o nosso papel é de muito maior responsabilidade do que na época.
299
Do que antes?
Sabe? Hoje, se você tiver um... Eu não lembro de ter tido nenhum aluno que morreu,
não lembro. Eu tive um aluno que teve um ataque epilético – que, na época, era um
ataque epilético, ‘né’? E eu quase morri pra atender ele. Porque eu ‘tava’ na quadra, e
ele teve o ataque epilético no segundo andar do prédio. E ninguém sabia resolver o
problema, só eu na quadra. E aí, de cima de 75 degraus, a professora gritava: “Julio,
pelo amor de Deus, sobe aqui, rápido”. E eu corri os 75 degraus, depois subi mais
quatro lances de degraus pra chegar. A hora que eu cheguei ‘na’ sala de aula, o menino
já tinha passado o estágio grave, graças a Deus, a língua não enrolou... Quer dizer...
Tiraram as carteiras de perto dele, tal, ele já ‘tava’ voltando, mas foi, assim, um caso
grave que eu lembro... Não digo de acidentes, ‘tô’ falando do dia-a-dia, ‘né?’ Então,
nós, como educadores do físico, a nossa preocupação... pelo menos a minha seria isso,
‘né’? Os testes de resistência são importantes pra você poder saber a pulsação dele, se
passa dos 180, se chega nos 180, se não chega nos 180... ‘Tô’ falando, ‘né’? Não tenho,
hoje, esse conhecimento pra avaliar, mas queda de pressão... Na época acontecia muito
menos que acontece hoje: queda, ‘né’? Aumento de pressão e diminuição de pressão.
Naquela época, acontecia muito mais do que hoje, ‘né’? Quer dizer, se acontecia, não
era premente, hoje acontece com mais freqüência em... Meu filho tem hipertensão,
então... Eu nunca tive hipertensão. Meu pai não teve esse problema comigo, como
aluno. Às vezes, é muito mais no dia-a-dia da gente. Então eu acho que o nosso
trabalho, hoje, é muito mais... de maior importância.
Mais abrangente, não é?
Mais abrangente.
Professor, agradeço a entrevista concedida. Para encerrar nosso trabalho, gostaria
que o senhor deixasse uma última palavra sobre essa profissão que escolhemos pra
exercer, e sobre o que a gente conseguiu... lidar direto com o ser humano... Eu
queria que o senhor desse uma última palavra sobre nossa área, nossa profissão.
Ó, veja só, a Educação Física foi a minha vida. Desde criança eu adorava a educação
física, sempre foi o que eu gostei de fazer, e tive a felicidade de ser um professor de
educação física, nunca que eu imaginei que eu seria. Eu fiz um teste vocacional em
[19]75, onde deu Engenharia Mecânica Automobilística: tem uma faculdade no Brasil,
300
são 20 formandos por ano, período integral, e você já sai empregados nas empresas
automotivas. Então você... Não era uma faculdade que você tinha qualquer dificuldade,
você já saía empregado. E este teste vocacional deu esse resultado. Mas o esporte
sempre veio junto, o esporte sempre teve junto da minha vida. A educação física,
competição de futebol de salão: joguei futebol de salão por Jundiaí. Então teve todo esse
emaranhado. E eu acho que se eu tivesse que escolher uma outra faculdade eu
escolheria de novo a Educação Física, porque eu não tenho nada de... Não construí nada
estruturalmente, ‘né’? Porque nunca foi a minha preocupação com isso. A Educação
Física não me deu uma casa, não me deu um carro, não me deu nada, mas meu deu
oportunidade de transmitir conhecimentos que eu fui adquirindo com o tempo. Então,
hoje, trabalhando com o meio ambiente, eu me sinto duplamente gratificado, ‘né’?
Porque eu até queria ter conhecido o meio-ambiente antes da Educação Física, que
algumas posturas minhas seriam diferenciadas, porque o meio-ambiente te dá um de
qualidade de vida, e, talvez, a minha performance, depois, na área de Educação Física,
tenha sido... Se eu tivesse feito, por exemplo, gestão ambiental em vez de Desenho
Mecânico, eu acho que eu seria um profissional melhor ainda do que eu me considero.
Então... Mas eu nunca fiz isso por ninguém, eu fiz isso por mim, entendeu? A Educação
Física é muito eu. Até, às vezes, eu fico muito preocupado, porque eu faço muitos
projetos que as pessoas falam que é o “projeto do eu”: sou eu que pego, sou eu que vou,
sou eu que levo, sou eu que vou buscar. Que nem lá no Jaú... Então sou eu que vou lá,
eu chego todo dia antes, nunca faltei uma aula, dou aula no feriado; não tenho férias,
não interrompo a aula durante todo ano. ‘Fazem’ quatro anos que eu dou aula, a média
de alunos é 35 alunos. Eu cheguei a ter 55, mas nem eu agüentava, ‘né’? Porque aí
aumenta o ritmo. Cheguei a dar três vezes por semana, e hoje a gente ‘tá’ uma vez só, e
a prefeitura dá as outras duas aulas com elas... Então a Educação Física me deu essa
oportunidade de poder me expressar... Eu sempre fui um cara muito acanhado, ‘né’? Me
libertei, realmente, na Educação Física. Na hora que a professora Elenir falou assim: “
‘Cê’ vai dar aula”, que eu... Chegou na frente desse grupo de escola, de 5ª Série, na
época, foi a primeira turma que eu dei aula, eu falei: “Pessoal, é agora”. E aí você tem
os seus conhecimentos adquiridos, passados pela escola, pelos professores que você
teve, ‘né’? Então, eu tive, por exemplo, um professor disciplinado e organizado como o
Bissoli, e tive um professor alterado, mas de uma competência ímpar, que é o (x), ‘né’?
Quer dizer, tem tantos ‘defeito’ o (x), mas ele tem tantas qualidades que é um equilíbrio
fantástico. E aí ele jogava giz no aluno, entendeu? O aluno ‘tava’ conversando, ele
301
pegava e metia giz da frente pra lá, porque ele, na cabeça dele, o cara tá ali, tem que
ouvir o que tem pra falar, entendeu? [trecho ininteligível] que nesse ponto ele ‘tá’
errado, entendeu? “Poxa, ‘cê’ entrou aqui, c... (palavra inapropriada para transcrição),
‘cê’ não quer ouvir o que eu tenho pra falar?” Entendeu? Tudo bem, que eu acho que ele
abusou de jogar. Ainda bem que foi o giz, pior se fosse o apagador, a cadeira. [risos]
Podia ter sido pior, ‘né’? [risos]
É, podia ter sido pior. Na hora, a gente ficou até meio revoltado com ele, mas o (x) é um
doutor, pô, é um cara é cabeça pensante; é o cara que não devia dar aula nunca, só ficar
pensando, entendeu? Porque nós ‘precisamo’ de gente pra pensar. Nós ‘tamo’ vivendo
num mundo que as soluções vão sair das cabeças ‘pensante’. Como preservar a água
no...? Eu não sei a solução. Eu sei o problema, eu não sei a solução. Mas eu preciso ter
uma cabeça pensando, eu preciso ter um maluco que só pense nisso: “‘Pera’ aí, se eu
tirar a água daqui e eu pôr ali. Se eu tirar a água do mar, eu vou ter esse problema...”
Cabeça pensante. Nós não temos, nós não temos cabeças pensantes. Por isso que essa
faculdade da ESEF tá entrando num campo maravilhoso. Faço minhas críticas, mas tem
um lado da ESEF que é o estudo, que é no 4º Ano ‘cê’ já ter a oportunidade de fazer
uma pós, entendeu? ‘Cê’ termina sua escola, depois de seis meses ‘cê’ já é pós-
graduado. Isso é uma oportunidade ímpar. Eu fiz a minha pós-graduação, 90% da sala
de aula era aluno de 4º Ano, do começo do 4º Ano. Fizeram a pós-graduação comigo.
Terminaram, se formaram, depois de seis meses nós ‘ficamo’ pós-graduado. Então
essa... Por que ‘que’ isso é importante? Porque eles são os responsáveis de buscar
soluções na evolução, na tecnologia. Então esse equilíbrio realmente é o supra-sumo aí,
é o que a gente imagina como a busca da responsabilidade, a busca de performance,
‘né’? E não é performance como a busca de resultado, de ser campeão, entendeu?
Quando ‘cê’ consegue a melhor qualidade de vida de um aluno seu, ou você identifica
um problema grave que ele tenha, você fez o seu papel, ‘né’?
O equilíbrio, então, professor?
É equilíbrio pras duas coisas, é você poder passar o seu conhecimento adquirido numa
faculdade, ‘né’? Numa faculdade formal. Aí a sua experiência de vida. E aí a gente
chega nesse equilíbrio que você fala: como a gente pode atingir esse equilíbrio, o ideal,
‘né’? Não o real, ‘né’? Nós ‘temo’ que trabalhar muito mais no real do que no ideal.
Mas a gente busca o ideal. E depois a gente cai na consciência de que, realmente, se
302
303
trabalha no real, ‘né’? Que algumas coisas ‘cê’ não consegue resolver – que ‘tá’
relacionado a droga, que ‘tá’ relacionado ao que o moleque comeu na casa dele, o que
‘que’ ele ‘tá’ comendo, entendeu? ‘Cê’ pode até tentar ajudar, mas ‘cê’ não consegue
solucionar esse tipo de problema. E nem é bom que você interfira nesse ciclo, ‘né’?
Porque se ele ‘tá’ passando fome, a culpa não é sua. Não é você pegar uma cesta básica
dar pra ele que você vai resolver o problema. É ir mais a fundo, ‘né’? Parte estrutural da
família, falta a família, entra outras coisas por aí.
É mais embaixo, ‘né’?
É mais embaixo, é.
Professor, então é isso. Encerramos por aqui.
Tá bom, Wesley.
Agradecemos muito pela entrevista...
Obrigado você pela oportunidade de eu ‘tá’ falando isso, ‘né’?
FIM DA ENTREVISTA