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  • Dilma Beatriz Rocha JulianoGilberto Alexandre SobrinhoMiriam de Souza Rossini[ORGANIZADORES]

  • Dilma Beatriz Rocha JulianoGilberto Alexandre Sobrinho

    Miriam de Souza Rossini[organizadores]

  • Sebastio Salsio HerdtReitor

    Mauri Luiz HeerdtVice-Reitor e Pr-Reitor de Ensino, Pesquisa e de Extenso

    Mirian Maria de MedeirosSecretria-Geral da Reitoria

    Willian MximoChefe de Gabinete

    Valter Alves Schmitz NetoPr-Reitor de Operaes e Servios Acadmicos

    Luciano Rodrigues MarcelinoPr-Reitor de Desenvolvimento Institucional

    Heitor Wensing JniorDiretor do Campus Universitrio de Tubaro

    Hrcules Nunes de ArajoDiretor do Campus Universitrio da Grande Florianpolis

    Fabiano CerettaDiretor do Campus Universitrio UnisulVirtual

    Ildo Silva da SilvaAssessor de Promoo e Inteligncia Competitiva

    Lester Marcantonio CamargoAssessor Jurdico

    Laudelino J. SardDiretorAlessandra TurnesAssistente Administrativa e financeiraVivian Mara Silva GarciaAssistente EditorialSuzane NienkotterAssistente de Logstica e de VendasEly Simes e Robson Galvani MedeirosAssistentes de MarketingOfficio (officiocom.com.br)EditoraoDilma Beatriz Rocha Juliano e Fbio Jos RauenReviso ortogrfica, gramatical e metodolgica

    T28 Televiso : formas audiovisuais de fico e documentrio / Dilma Beatriz Rocha Juliano, Gilberto Alexandre Sobrinho, Miriam de Souza Rossini (Organizadores). - Palhoa : Ed. Unisul, 2013. 205 p. : il. ; 21 cm. (Coleo Linguagens ; 3) Bibliografia: p. 200-201. ISBN 978-85-8019-060-1 1. Televiso. 2. Comunicao de massa Aspectos sociais. I. Juliano, Dilma Beatriz Rocha, 1960-. II. Alexandre Sobrinho, Gilberto, 1973-. III. Rossini, Miriam de Souza, 1965-. IV. Ttulo.

    CDD (21. ed.) 302.2345Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Universitria da Unisul

  • Programa de Ps-graduao em Cincias da Linguagem

    Universidade do Sul de Santa CatarinaAv. Jos Accio Moreira, 787 Dehon

    88.704-900 Tubaro SClinguagem.unisul.br/paginas/ensino/

    pos/linguagem/base.htm

    Instituto de Artes Universidade Estadual de Campinas

    Cidade Universitria Zeferino VazRua Elis Regina, 50, Baro Geraldo

    13083-970 Campinas SCwww.iar.unicamp.br

    Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Informao

    Faculdade de Biblioteconomia e ComunicaoUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

    Rua Ramiro Barcelos, 2705 90.035-007 Porto Alegre RS

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    Diretoria Socine (2012 2013)Presidente: Maria Dora Genis Mouro, ECA-USP

    Vice-presidente: Anelise Corseuil, UFSCTesoureiro: Maurcio Reinaldo Gonalves, UNISOSecretria: Alessandra Soares Brando, UNISUL

  • Sumrio APRESENTAO 8CINEMA E TELEVISO: PONTE DE MO DUPLA

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    Joo Batista de Andrade, o cinema de interveno e a voz poltica: corpos, dramatizao e encenao do realGilberto Alexandre Sobrinho

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    O Noir nas sries Fora de Controle e EpitafiosLuiza Lusvarghi

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    O Louco dos Viadutos um estudo sobre a encenao Nanci Rodrigues Barbosa

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    Mercado audiovisual gacho: cinema e televiso na perspectiva dos profissionaisMiriam de Souza Rossini Fatimarlei Lunardelli

    60

  • TELEDRAMATURGIA: ENTRE LINGUAGENS ESTTICAS E TRADUES

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    Que Rei Sou Eu?: a exposio das fraturas da modernidade brasileiraDilma Beatriz Rocha Juliano

    75

    A articulao dramtico-narrativa da cano no seriado As cariocas (2010)Andre Checchia Antonietti Claudiney Rodrigues Carrasco

    92

    The game never ends Uma anlise de Endgame, de Beckett e McPhersonGabriela Borges

    110

    Autorreflexividade na sitcom contemporneaMarcel Vieira Barreto Silva

    123

    Grande Serto: Veredas e Capitu Rupturas de paradigmas na fico televisiva brasileiraRenato Luiz Pucci Jr.

    138

    TRANSMDIA: NARRATIVAS ENTRE MEIOS

    156

    Convergncia e a TV social: a narrativa expandida e a Sala VirtualAlexandre Schirmer Kieling

    157

    Por um design padro de televiso e cinema: Globo TV/Globo FilmesFlvia Seligman

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    Lost e a indeterminao de gnero visando manuteno da canonicidade ficcionalGlauco Madeira de Toledo

    184

    As articulaes da narrativa transmdia entre a TV e o CinemaVicente Gosciola

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    OS AUTORES 214TTULOS DA COLEO LINGUAGEM

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  • Dilma Beatriz rocha Juliano, GilBerto alexanDre SoBrinho e miriam De Souza roSSini

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    A P R E S E N T A O

    A TELEVISO PENSADA como meio cultural, informativo, de en-tretenimento marcado histrica e ideologicamente, j obteve reco-nhecimento h muito, na sociedade brasileira. Trata-se de um bem simblico e validada como fato social. No entanto, sua legitimida-de acadmica ainda recente e so tmidas as anlises que a incluem no escopo das manifestaes culturais e artsticas de reconhecimento mais antigo. Esta realidade, possvel afirmar, mais do que apenas brasileira; os estudos sobre a complexidade de produo, os inter-cmbios tcnicos e os hibridismos estticos na televiso tambm so poucos no mbito das pesquisas universitrias internacionais.

    Adorno estava correto ao prevenir que preciso olhar com descon-fiana para a televiso em seu carter educativo e emancipatrio1. A desconfiana daqueles que perguntam, que vo alm da superfcie do objeto, mantm sob debate a dinmica cultural na qual se inse-rem as produes e os arranjos televisivos. Ampliar o modo de ver, estender linhas em vrias direes, permitir o estudo das prticas televisivas em suas inegveis conexes e infinitos cruzamentos, a tarefa do crtico da cultura que percebe o meio imbricado na com-plexa rede do audiovisual contemporneo.

    sob esta demanda crtica que o Seminrio Televiso: formas audio-visuais de fico e documentrio2 traz o Volume III de sua publica-

    1 A referncia especfica ao debate contido em ADORNO. T. Educao e emancipao. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

    2 Coordenam o Seminrio os professores doutores Renato Luiz Pucci Jr, Miriam de Souza Ross-ini e Gilberto Alexandre Sobrinho, membros associados da SOCINE.

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    o, onde podem ser lidas e recolocadas em debate as reflexes de pesquisadores, acadmicos e produtores participantes do Semin-rio, em 2012.

    O Seminrio vem acontecendo, desde 2010, nos Encontros Anuais da SOCINE Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovi-sual , que a par da dinmica cultural estende seus estudos sobre a fico e o documentrio exibidos em TV, reunindo pesquisadores com os mais variados interesses, instituies, regies geogrficas e abordagens tericas.

    Este volume agrega o resultado dos debates desenvolvidos em 2012, mas sem encerrar ou apaziguar as dvidas. A inteno expor traje-trias de pesquisa, marcar lugares sempre provisrios de anli-ses e contribuir para o reposicionamento da discusso sobre a com-plexa produo de fico e de documentrio para a TV.

    Os captulos deste livro esto distribudos em trs sesses que apro-ximam os textos, mas no os contm, uma vez que reconhecida a impossibilidade de fixar classificaes em se tratando dos fluidos objetos da cultura.

    A primeira sesso, Cinema e televiso: ponte de mo dupla, aborda a relao de trocas entre os dois meios audiovisuais. Nos ltimos anos, esses intercmbios tornaram-se mais visveis, sobretudo com a entra-da da Globo Filmes no processo produtivo do cinema. No entanto, preciso registrar que as articulaes polticas e institucionais que po-dem gerar continuidades da produo conjunta e dialogada entre os meios, ainda esteja longe de se firmar. Os textos desta seo partem da anlise de experincias documentais e ficcionais que foram feitos para a televiso por realizadores marcados pelas estticas cinematogrfi-cas, pois foi no cinema que constituram suas trajetrias profissionais. Tambm so tratadas produes ficcionais seriadas feitas por produ-toras independentes, que acabam tencionando os modelos narrativos

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    e estticos tradicionais da televiso. Ainda neste dilogo entre os meios, so discutidas as possibilidades e as dificuldades dessa relao, a partir do ponto de vista de profissionais gachos do audiovisual que vm encontrando na televiso um mercado importante de trabalho.

    Na segunda sesso, Teledramaturgia: entre linguagens estticas e tradues, o foco recai sobre as narrativas seriadas, sejam elas teleno-velas, minissries ou seriados. Inconformados com os gneros ficcio-nais j convencionados em outros tempos, apontam-se os deslizamen-tos estticos que so percebidos nas produes mais recentes. So analisadas narrativas que ora aproximam ora distanciam a teledrama-turgia de outras formas de contar histrias: o teatro, a literatura, a m-sica, e tambm podem indiciar a leitura de contextos histricos e pol-ticos de onde narram. Estes so alguns dos lugares da teledramaturgia. A caixa mgica que, semelhana de outras caixas como as de m-sica marcam o dentro e o fora da fico, em tnue separao.

    Na terceira sesso, Transmdia: narrativas entre meios, so anali-sados os processos de convergncia tecnolgica e de contedo entre a televiso e a internet, e entre a televiso e o cinema. A produo transmiditica prope leituras transversas entre os produtos, de tal modo que diferentes formas de seriao possam ser possveis. O que o produto final no est inscrito em um nico meio, mas nas pos-sibilidades de desdobramentos feitos pelos prprios produtores ou pelos fs no ambiente da internet. Dessa forma, abrem-se novas pos-sibilidades narrativas e estticas. Os textos desta seo analisam as formas como se do essa expanso da narrativa e as tenses de g-nero necessrias para atrair diferentes pblicos. Por fim, trata-se do modo como a televiso, no Brasil, expandiu-se para o cinema, ten-sionando as prticas de produo do nosso cinema.

    Esperamos que todos tenham uma boa leitura!

    Os organizadores.

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    CINEMA E TELEVISO: PONTE DE MO DUPLA

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    Joo Batista de Andrade, o cinema de interveno e a voz poltica: corpos, dramatizao e encenao do real

    Gilberto Alexandre Sobrinho

    O INTERESSE NA OBRA de Joo Batista de Andrade recai sobre sua produo documentria para a televiso brasileira. O meu recorte justifica-se pelas foras de suas imagens no horizonte do moderno documentrio brasileiro. Nesse contexto, sua produo televisiva so-bressaiu, embora se saiba que seu processo criativo atravessa o cine-ma, a televiso e o vdeo, e incorpora fico e documentrio.

    O surgimento de uma esttica: a produo independente e o cinema de interveno

    Os documentrios dirigidos por Joo Batista de Andrade, nos anos 1960 e 1970, possuem a fora potica de um estilo prprio. Neles, destacam-se a cidade de So Paulo, sejam o centro ou a regio me-tropolitana, lugares onde o diretor filma pessoas e acontecimentos. H um interesse contnuo pelo retrato amplo e crtico da realidade que observa, e isso se atualiza por meio de uma imagem que busca a fora potica e poltica da relao com a alteridade. Nesses anos ini-ciais, h uma produo independente que j se destaca no conjunto da produo documentria brasileira e tambm o registro de dois momentos intensos e fecundos no documentrio televisivo, primei-ramente na TV Cultura e, posteriormente, na Rede Globo1.

    1 Durante o intervalo de sua atuao nos programas A Hora da Notcia e Globo Reprter, Joo

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    Para compreenso do surgimento de sua potica, preciso conside-rar tambm a urgncia do cineasta em responder s questes do seu tempo, sobretudo aos desdobramentos do golpe militar na vida so-cial. Alm disso, os procedimentos singulares que executa no filme de no fico so resultados de um modo de criar mediante condi-es de produo prprias, o que inclui no apenas as questes ma-teriais, mas tambm os imperativos dos modos institucionais, j que trabalhou nos quadros da televiso pblica e privada.

    A trajetria cinematogrfica de Joo Batista de Andrade inicia em 1963, na Escola Politcnica, da Universidade de So Paulo, em que compe o Grupo Kuatro, juntamente com Francisco Ramalho Jr., Clvis Bueno e Jos Amrico Viana. Posteriormente, Renato Tapajs juntou-se ao grupo2. Essa fase embrionria foi marcada por uma vi-vncia intensa com o movimento estudantil, a adeso aos ideais co-munistas que os levaram ao Partido Comunista, o gosto pela literatu-ra e pelas discusses intelectuais embasadas em leituras densas e um forte sentimento de justia social que iria repercutir em seus filmes.

    De fato, o grande incio se deu com Liberdade de imprensa (1967), filme patrocinado pelo movimento estudantil (o Jornal Amanh, da UNE, dirigido pelo jornalista Raimundo Pereira, e o Grmio da Fa-culdade de Filosofia, da USP). O documentrio seria lanado nacio-nalmente pela prpria UNE, no famoso Congresso de Ibina, em 1968. No entanto, o cerco dos militares ao Congresso, com prises e apreenso dos materiais nomeados como subversivos, fez com que o filme ficasse interditado para as geraes seguintes. Poucas pessoas viram o filme. Jean-Claude Bernardet (2002) assistiu-o e dedicou

    Batista de Andrade tambm esteve frente do chamado Cinema de Rua, que no ser consid-erado neste texto.

    2 O grupo filma Catadores de Lixo e TPN: Teatro Popular Nacional, filmes no finalizados. No nmero 2 da REBECA Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual h uma entre-vista de Batista concedida a mim, com uma fala sobre o embrio de seu mtodo, numa filma-gem com Renato Tapajs.

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    um artigo em que observa a particularidade de o cineasta alterar a realidade que filmava.

    Liberdade de imprensa alia-se a outros dois importantes documen-trios brasileiros, A opinio pblica, de Arnaldo Jabor (1967), e Vira-mundo, de Geraldo Sarno (1965). Os trs compartilham da necessi-dade de seus diretores oferecerem uma resposta pessoal ao golpe militar de 1964. So documentrios contundentes de uma poca em que alguns realizadores sentiam a vontade de um pronunciamento poltico mais contundente, da lanarem mo de hipteses sobre o quadro poltico-social brasileiro, por via de uma esttica pessoal. O filme de Joo Batista toma como ponto de partida a Lei de Imprensa da poca, que daria incio ao processo de instaurao da censura. Di-ferentemente dos filmes de Jabor e de Sarno, manifestaes do mo-delo sociolgico, Liberdade de imprensa inaugura a dramaturgia de interveno (BERNARDET, 2002). Por meio de um procedimento dialgico e sustentado na chave da mediao intervencionista e compartilhada, Batista vai alm do tema para construir um debate sobre a imprensa brasileira em comparao com a estrangeira, as re-laes de dominao que a informao institucionalizada carrega, o que transborda num quadro ampliado sobre as relaes de poder nos jogos do capital, aqui protagonizado pelo jornalismo impresso, num contexto social de desigualdade acentuada e de cerceamento da liberdade de expresso.

    A partir desse documentrio, define-se uma linha de fora em seu trabalho e que ir marcar seu estilo de realizar documentrios: o en-frentamento com a realidade brasileira mediante a adoo de um mtodo singular, o cinema de interveno em que o realizador e o seu corpo so o elemento central que tensiona os polos do discurso. Desta forma, Joo Batista, desde o incio, inaugura uma estilstica pessoal bastante singular, tratando-se de uma potica marcada pelo tom denso da autoconscincia da linguagem.

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    TV Cultura e o programa A Hora da Notcia

    Aps um intervalo da produo independente de filmes documen-trios, Joo Batista passa a realizar trabalhos para a TV Cultura, no programa A Hora da Notcia, juntamente com Vladimir Herzog e Fernando Pacheco Jordo. de Jordo (1979/1980) a sntese dessa experincia no telejornalismo brasileiro:

    Nossa preocupao foi a de fazer um jornal de informao mesmo, e no com aparncia de informao. Sem a preocupao de dar 30 fatos do dia. Mas com a ideia de selecionar, dentro de critrios que achvamos relevantes, o que supnhamos ser a necessidade de informao do pblico. H quem di-ga que a publicidade a sntese da televiso, que defenda a ideia de que tudo pode ser dito em 20 segundos. Eu acho que em 20 segundos a gente no diz nada. (apud CARVALHO, 1979/1980, p. 40).

    O telejornal durou de 1970 a 1975. Durante sua implementao e desenvolvimento, at 1974, Jos Bonifcio Nogueira esteve frente da direo da Fundao Padre Anchieta, o que garantiu a liberdade de expresso equipe. O resultado foi a feitura de um telejornalismo crtico, investigativo e, justamente por contar com o olhar cinemato-grfico de Joo Batista, tem-se uma aproximao ideia de televiso experimental.

    Nesse momento, desenvolve-se um tipo de relao transformadora entre a imagem e o outro, j que Joo Batista aperfeioa um procedi-mento relativamente simples, no entanto profundamente perturba-dor: interessa-se cada vez mais na imagem e na voz de sujeitos (ho-mens e mulheres) que sempre foram silenciados ou que recebiam um tratamento discursivo tutelado.

    Inaugura-se, assim, no mbito da televiso, o chamado cinema de interveno. Migrantes, realizado e exibido primeiramente em 1972 e transformado em curta-metragem no ano seguinte, um marco dessa abordagem que privilegia procedimentos com o ponto de vis-ta radicalmente oposto ao tratamento dominante da mdia televisi-

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    va, no domnio do telejornalismo. Homens e mulheres eram, ento, ouvidos, e os discursos da autoridade no dominavam os contedos elaborados; o que se buscava, finalmente, era uma articulao de vo-zes que expandiam as leituras sobre os acontecimentos. O exemplo de Migrantes revelador do mtodo3.

    No perodo de 1972 a 1974, Joo Batista realizou dezenas de micro-documentrios (que podem tambm ser chamadas de reportagens) para os programas dirios. Eles duravam de 3 a 7 minutos, sendo que ainda circulam cpias dos seguintes ttulos, alm de Migrantes: Trabalhadores Rurais (1972), nibus (1973) e Pedreira (1973). A partir de 1975, Antonio Guimares Ferri assumiu a direo da Fun-dao, mudando o perfil da gesto. Nesse momento, Jordo foi demi-tido, assumindo em seguida Vladimir Herzog. Este tinha intenes de renovao na programao, mas no pode levar adiante suas pro-postas, pois morreu no mesmo ano durante uma sesso de torturas no DOI-CODI, rgo repressor do regime, em So Paulo.

    Rede Globo: o programa Globo Reprter

    O estudo sobre a participao de Joo Batista de Andrade no Globo Reprter parte integrante de uma pesquisa em que tenho estudado os trabalhos de outros diretores no mesmo programa (SOBRINHO, 2012a; 2012b; 2012c; 2011; 2010). Retomando o texto A televiso e o poder autoritrio, de Santuza Naves Ribeiro e Isaura Botelho (1979/1980), gostaria de apresentar preliminarmente um quadro maior de indagaes e tenses que tem cercado o meu modo de agir diante desse material e do contexto histrico que o envolve:

    3 A equipe recebe na redao queixas de que marginais estariam perturbando a ordem nas ime-diaes do Parque D. Pedro, em So Paulo. Ao chegarem ao local encontram uma famlia de imigrantes nordestinos que estavam vivendo sob um viaduto, devido falta de recursos. Joo Batista direciona o microfone ao pai de famlia e tambm agrega um jovem executivo engrav-atado que observava a reportagem. O resultado a contraposio de vises de mundo desses dois sujeitos sobre a vinda de migrantes para So Paulo.

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    Como se inicia a discusso sobre o papel da televiso brasileira nos anos 70?Um dado inquestionvel e que estar presente em qualquer debate sobre o pro-blema sem dvida nenhuma, o aspecto contraditrio deste papel, pois se por um lado no se pode negar a existncia de iniciativas que se poderiam chamar de progressistas com relao programao, tambm no se pode esquecer e deixar de considerar a funo conservadora que assumiu o veculo, reprodu-zindo o discurso do governo no perodo em que o milagre econmico coexis-tiu com o auge da represso poltica e mesmo nesta fase posterior de readequa-o do poder autoritrio, que estamos vivendo. Mas a anlise do problema, na medida em que se esgota a partir dessa primeira evidncia, corre o risco de tornar-se linear. A especificidade histrica, ao nvel da interao das emissoras com o contexto social, poltico e econmico do pas, invoca a observao de ou-tros ngulos da questo. Seria ingnuo considerar que a realidade de nossa te-leviso se traduz num eterno ponto de encontro com o poder e as classes do-minantes, a menos que a sociedade, no seu conjunto, permanea alijada da di-nmica desse processo de comunicao. (RIBEIRO; BOTELHO, 1980, p. 85).

    Os documentrios dirigidos por Joo Batista, tanto para a TV Cultura quanto para a Rede Globo, incorporam essas contradies. H, desde o programa A Hora da notcia, o estabelecimento de solues que des-centralizam o processo de documentar os acontecimentos, o propsito de dar voz ao outro, em geral s classes populares, e tambm buscar al-ternativas em relao aos modos de representar criativamente os te-mas dos programas. Tudo isso sob forte vigilncia, interdio e censura.

    Na Revista Veja, nas edies publicadas durante a dcada de 1970, em que havia sistematicamente uma coluna sobre crtica de televi-so, encontrei um conjunto de consideraes que refletem bem a complexidade do programa Globo Reprter no que diz respeito s iniciativas inovadoras e conservadoras. Para compreender as din-micas do Globo Reprter, enriquecedor considerar o programa Globo Shell Especial, pois ali se assinalou algumas prticas que fo-ram posteriormente aperfeioadas na constituio da nova progra-mao. interessante voltar a esses textos e observar a existncia de um debate sobre os contedos de no fico da televiso. Vou apon-tar algumas dessas falas, com o interesse de revelar alguns aspectos dessa conjuntura.

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    A primeira matria4 destaca algumas reportagens do programa Globo Shell Especial e enfatiza tambm o aumento nos nmeros do IBOPE, de sua faixa de horrio: domingos, aps as 22 horas. O programa foi planejado pelo departamento de reportagens espe-ciais. A matria salienta o pronunciamento de Moacir Masson, di-retor de tal departamento: J era tempo de a Globo concentrar todos os seus esforos para apresentar uma programao jorna-lstica mais profunda. Uma empresa que se preza tem que ter um departamento de telejornalismo como o nosso, pronto para tudo. A reportagem descreve a dinmica da produo do programa nos seguintes termos:

    Patrocinados pela Shell, os documentrios so feitos com dois meses de ante-cedncia, por uma equipe fixa de oito pessoas, entre produtores e tcnicos. Ca-da filme tem cinquenta minutos de durao e custa uma mdia de 80.000 cru-zeiros. Seus diretores so escolhidos pelo cineasta Paulo Gil Soares (o diretor de criao da srie), geralmente entre os diretores do cinema novo. (p. 72).

    J no contexto da estreia do Globo Reprter, uma matria de 4 de abril de 19735 abre o texto a partir do incremento da participao jornalstica na grade de programao, e Moacir Masson, supervisor do programa, destaca a abordagem aprofundada dos assuntos do novo programa: a oportunidade para aprofundarmos os assuntos importantes que, por uma questo de tempo, no podem ser disse-cados nos telejornais.

    A mesma matria enfatiza os componentes de pesquisa, interpreta-o e linguagem que so enfocados no programa, e na voz de Ar-mando Nogueira, diretor da Central Globo de Jornalismo, oferece-se o complemento sobre o lugar de o Globo Reprter num conjunto de estratgias para aumentar o tempo dedicado ao telejornalismo na grade de programao:

    4 Revista Veja, Edio 202, 19 de julho de 1972, Cinema Novo, coluna Televiso, p. 72.5 Revista Veja, Edio 239, 04 de abril de 1973, Jornal Mensal, coluna Televiso, p. 60.

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    No podemos correr o risco de dar ao pblico apenas uma repetio do que ele j leu nos jornais e revistas, e viu na prpria televiso. Assim, procurare-mos interpretar os fatos com imagens novas e a linguagem dinmica de tele-viso, o que ainda no foi feito. H trs anos, a Globo tinha apenas 12 minutos de telejornal. Hoje tem duas horas, sem contar com os programas mensais. E Globo Reprter vem ampliar o espao reservado ao telejornalismo que, este ano, recebeu uma generosa verba de 25 milhes de cruzeiros e tentar con-quistar todos os pblicos. Hoje um jornal feminino, Globinho dirige-se ao pblico infantil, Jornal Nacional e Jornal Internacional (que a partir de abril tero mais trs edies de 3 minutos, s 18, 20 e 22 horas) do as manchetes do dia, e Globo Shell, um programa mensal, de uma hora de durao, trata ex-clusivamente de um tema escolhido. Agora, com o Globo Reprter, vamos dar uma informao mdia, procurando o meio-termo entre o excesso que satura e o superficial que no satisfaz [...]. Acho que uma iniciativa feliz. E mais uma oportunidade para que a televiso respire informao.6

    Numa crtica assinada por Renato Moraes7 h bastante elogio ao do-cumentrio intitulado O ltimo dia de Lampio, dirigido por Mauri-ce Capovilla, exibido no Globo Reprter Especial, no dia 11 de maro s 20h55min. O crtico descreve os procedimentos levados a cabo pela equipe em que sobressaem os depoimentos de pessoas contem-porneas a Lampio e seu bando, bem como a utilizao de atores para reviverem os acontecimentos que culminaram na morte do l-der do cangao. Assim, Renato Moraes conclui seu texto:

    Conforme admitem seus realizadores, trata-se somente de um filme de teste-munhos. E, principalmente, de um esforo para uma abertura to necessria televiso brasileira, via de regra submetida imutvel balana novela-se-riados. Ou, mesmo no caso do prprio Globo Reprter nacional, presa a uma curiosa parcimnia de abordagens como ocorreu na reportagem sobre o metr de So Paulo. O que se deve esperar, agora, que vereda aberta suce-dam-se outras produes brasileiras de nvel, com maior densidade reflexiva e menor cautela analtica. (1975, p. 64).

    Fugindo do elogio, Guilherme Cunha Pinto8 critica a abordagem su-perficial (algo que parece ser constante, segundo o crtico) do pro-

    6 Idem7 Revista Veja, Edio 341, 19 de maro de 1975, Boa abertura, coluna Televiso, p. 64.8 Revista Veja, Edio 404, 2 de junho de 1976, Furo mundial, coluna Televiso, p. 86-87.

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    grama da srie Globo Reprter Aventura, sobre discos voadores e seres de outros planetas. Exibido s teras-feiras, s 21 horas, esse programa foi dirigido por Walter Lima Junior, com narrao de Sr-gio Chapelin: Assim, ao tratar um assunto no mnimo discutvel com uma superficialidade j perigosamente caracterstica, o Globo Reprter - Aventura, corre o risco de conseguir indesejveis efeitos paralelos. Por exemplo: mais fcil acreditar em disco voador do que no programa. (1976, p.87).

    O mesmo crtico muda de tom ao criticar o documentrio Patroa x Empregada, realizado para o Globo Reprter Documento, dirigido por Alberto Salv, exibido dia 14 de dezembro s 21 horas9:

    Poucas vezes a Globo foi to clara, objetiva e franca na proposta de um pro-grama. Por isso mesmo, Patroa x empregada, Globo Reprter Documento da ltima tera-feira, interrompeu sadiamente o discurso pasteurizado da emissora para uma hora de utilidade: entrou na casa das pessoas para discu-tir problemas reais e palpveis, assumiu posies crticas, concedeu o direito palavra a ambas as partes envolvidas no conflito, sem perder num s mo-mento a dinmica e a preocupao esttica que, exercidas com cuidados quase doentios em outras realizaes, tm sacrificado o contedo de progra-mas de possibilidades to amplas quanto esse.

    Ainda, Guilherme Cunha Pinto ir escrever sobre um dos documen-trios melhores cotejados, nesse conjunto dirigido por cineastas. Trata-se de um texto bastante favorvel Retrato de Classe, dirigido por Gregrio Bacic, para o Globo Reprter Documento, exibido em 13 de dezembro de 1977, s 21 horas10:

    Simplesmente e disparado o melhor programa que passou pela TV brasileira este ano. Por tudo: pelos caminhos que abre, originalidade de idia e execu-o, contedo dramtico dentre de um jornalismo do mais alto nvel, uma brilhante mistura de amargura e ironia na edio e na direo. Sem retoques ou enganos de foco, o retrato miniaturizado em 45 minutos de um grupo de classe mdia paulistana. (1977, p.72).

    9 Revista Veja, Edio 433, 22 de dezembro de 1976, Sala e cozinha, coluna Televiso, p. 70.10 Revista Veja, Edio 485, 21 de dezembro de 1977, Primoroso, coluna Televiso, p. 72-73.

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    E ainda, valorizando a abordagem que privilegia o corpo do real:

    Sem sociologus, purpurina, nem violinos, fez do vdeo um espelho nada mgico de milhes de pessoas. Ao se aprofundar no estudo do destino de um grupo annimo de homens e mulheres, sem resvalar um momento na curio-sidade barata, abriu um filo que merece ser aproveitado na TV a troca do artificialismo do star-system pela crueza do lado de c do vdeo. (1977, p.73).

    Outra crtica bastante favorvel, escrita por Paulo Moreira Leite11, foi referente ao documentrio Caso Norte, dirigido por Joo Batista de Andrade para o Globo Reprter Documento, tera-feira, dia 24 de janeiro de 1978. No texto, a ideia da aderncia ao corpo do real cha-ma a ateno:

    [...] o democrtico microfone de Joo Batista ouve e divulga todas as verses, procura pelos vizinhos, discute com um instrutor da empresa de segurana, quer saber a opinio de um desempregado e de uma dona-de-casa, convoca at as crianas da rua para darem seu testemunho. Nenhum dos depoimen-tos colhidos melhorado ou enfeitado. Os meninos sorriem com dentes ca-riados, as mulheres no agentam de pavor e choram.

    Veremos que o recurso da dramatizao singularizado no docu-mentrio e o crtico destaca o uso da fico a favor do real:

    E surge a reconstituio da cena do crime, feita com a colaborao de artistas amadores, desconhecidos do grande pblico. o momento em que a cmera jornalstica de Joo Batista de Andrade dura, seca, vale-se da fico. Os mo-mentos que precederam e se seguiram ao crime so revividos isoladamente ou, ento, em curiosa simbiose, com os atores discutindo com suas persona-gens os papis que vo representar. Arrumam uma quase invisvel maquila-gem e vestem a roupa mais adequada sempre s claras. A fico no escon-de a realidade, antes permite a sua explicao.

    O Caso Norte e Wilsinho Galilia

    A partir de 1975, Joo Batista esteve frente do ncleo de reporta-gens que, juntamente com a Blimp Filmes, respondia pela programa-o paulista para o Globo Reprter. Desses dois setores de produo,

    11 Revista Veja, Edio 491, 1 de fevereiro de 1978, O grito do norte, coluna Televiso, p. 43.

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    juntamente com o ncleo carioca, saam as decises de pautas, os documentrios e as reportagens prontas.

    Nesse perodo, o processo de criao desenvolvido por Joo Batista, alm de adensar o corpo a corpo com o real, incorpora expedientes de dramatizao na realizao documentria, enriquecendo-se, as-sim, dessa abordagem. Para isso, observamos nos documentrios Caso Norte (1977) e Wilsinho Galilia (1978) procedimentos de dis-tanciamento brechtiniano para a dramatizao de eventos, retirados diretamente das pginas policiais. Do ponto de vista temtico, as re-laes entre violncia e o quadro social apresentados do o tom do processo narrativo. Do ponto de vista da expresso, esses eventos re-cebem um tratamento para alm do bvio e do sensacionalista, con-forme veremos.

    O uso do dispositivo de 16mm com som sincronizado, as equipes re-duzidssimas, a recuperao de um modo de ser de sua bagagem pio-neira na produo independente e os embates com a produo insti-tucionalizada da televiso so expedientes que aparecem e que sero ativados para compreenso do conjunto dos documentrios do dire-tor. A partir desses campos, surge um estilo que se define pela expan-so da corporalidade do real e pelos investimentos da dramatizao que adensam as tenses do encontro da cmera e o contingente.

    O Caso Norte um documentrio de 1977 e trata de um tema dire-tamente extrado do gnero policial presente no rdio e no jornal impresso. O acontecimento explorado na narrativa trata de um cri-me ocorrido em setembro do mesmo ano. Numa briga entre nordes-tinos, num bar de esquina da regio da Barra Funda, centro de So Paulo, um guarda de segurana, Jos Joaquim de Santana, de 26 anos, de Pernambuco, dispara vrias vezes o seu revlver ferindo du-as pessoas e mata uma terceira, Jos Antonio de Moura, o Pelezinho, de 24 anos, do Rio Grande do Norte. Ambos, o jovem morto e o autor dos disparos, tinham vindo tentar a vida em So Paulo.

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    Joo Batista e sua equipe no se interessam pela apresentao do fa-to e ponto final. Esse acontecimento violento torna-se o ponto de partida para uma anlise das condies sociais que teriam levado ao trgico evento. O documentrio, aparentemente feito em clima de reportagem, oferece um panorama de alguns dos antecedentes e das consequncias desse fato na vida das pessoas. H um complexo re-trato de uma realidade social marcada pela pobreza e pela explora-o dos imigrantes que chegam a So Paulo. O assassinato ocorrido no se encerra em si mesmo, desvia do tratamento sensacionalista e espetaculoso com tons de indignao para o alimento da mdia e da curiosidade dos telespectadores. A resposta do diretor justamente o contrrio, acionam-se, com a cmera e um processo de construo dramatrgica, vrios expedientes que estariam no escopo dos dispa-ros e da morte do jovem potiguar.

    Os recursos expressivos mobilizados ganham relevncia para o de-senvolvimento do vocabulrio do diretor que aciona procedimentos inaugurais em sua potica, distanciam-se dos procedimentos comu-mente utilizados em reportagens televisivas dessa natureza e conju-gam-se elementos estticos e polticos que do um tom especial no contexto da programao televisiva.

    Joo Batista vai at a regio onde ocorreram os fatos, registra o tipo de treinamento que um segurana recebe (os seguranas so recru-tados j na Estao da Luz, lugar em que chegam os imigrantes de outros estados), conversa com testemunhas, conhece os cortios on-de essas pessoas moram, visita a esposa de Jos Joaquim, que passa por dificuldades de sobrevivncia, e tambm vai at a priso onde est o autor dos disparos, numa condio precarssima. Joo Batista conjuga um desejo pessoal de justia social com o desenvolvimento de um olhar artstico. Isso domina no documentrio. Ao mesmo tempo em que oferecido um amplo retrato de uma realidade so-cial, o olhar da cmera constri um jogo de encenao sofisticado,

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    em que se conjugam os vrios pontos de vista sobre os acontecimen-tos e uma dramatizao sobre os mesmos. Faz convergir a memria dos fatos e a recriao dos mesmos de maneira tensiva.

    Trata-se da construo em abismo de uma narrativa documentria. Um processo enunciativo que valoriza as vrias verses sobre o acon-tecimento, desencadeando, assim, camadas de significao para uma histria policialesca. Atores e no atores imiscuem-se, como acontece na sequncia inicial, sobre o treinamento de seguranas, em que par-ticipa da aula o ator que encarna o personagem do vigia que efetua o disparo fatal no bar. Outra cena rica de sentidos a da reconstituio da priso do vigia, sendo contatados como atores os mesmos poli-ciais que prenderam Jos Joaquim de Santana. Uma polifonia rica de sentidos e politicamente contundente. At mesmo Gil Gomes, locutor conhecido pela narrao criminal participa do relato expandido. J so meados dos anos 1970 e os procedimentos com a cmera de 16mm e som sincronizado apontam para uma estilstica ousada e amadurecida: h uma intimidade com o dispositivo; da surge uma proposta esttica renovada e bastante afeita com os recursos materiais utilizados. Isso se prolongar no documentrio Wilsinho Galilia.

    Em Wilsinho, h a imerso de Joo Batista e sua equipe nas regies perifricas de So Caetano e imediaes. Novamente, o cineasta in-terroga as pessoas, executa seu corpo a corpo com o real, os recursos de dramatizao distanciada so ativados tambm e, tal como em O caso norte, menos que a reconstituio dos fatos, ou seja, o cerco e assassinato do famoso bandido Wilsinho Galilia, est o interesse em compreender as questes sociais que se relacionam com a crimi-nalidade. O processo de narrao expandido revela, assim, uma crena de que realizar um documentrio sobre um bandido no necessariamente julgar esse sujeito, por mais atrocidades que tenha cometido. Nas imagens do documentrio, est colocada em circula-o uma voz que almeja estabelecer um olhar artstico, sob a crena

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    de que a arte possa expandir nossa viso de mundo e o resultado fi-nal um documentrio que fala do crime, da imigrao, da pobreza, da violncia, relacionando esses campos.

    Em Wilsinho, o recurso da pose na dramatizao chama a ateno. uma estratgia de aproximao do biografado que via na posse e na exibio de bens algo que pudesse compensar suas carncias. A c-mera capta o ator em poses reveladoras de estados psicolgicos, co-mo tambm os momentos de sua ao criminosa. Essa autoexibio obsessiva contrasta com o lugar real em que sua me e seus irmos viviam. Uma pobreza absoluta. Alm disso, o encaminhamento criminalidade marcou a vida da famlia. Novamente, na priso, a c-mera acompanha os seus irmos durante uma visita de sua me. Es-sa imagem, tomada da realidade, cria um contraste rico de sentidos, quando contrapostos com a pose de Wilsinho em seu desejo de ser o outro de classe.

    O recurso de Joo Batista de Andrade de aderir ao real, vasculhan-do-o com sua cmera, enriquece o discurso, que almeja devolver ao telespectador uma viso expandida e crtica dos acontecimentos narrados. Trata-se de uma encenao do real, na medida em que no h apenas um simples registro de lugares, pessoas e objetos, mas, sim, criam-se signos que marcam o olhar da cmera que quer aferir sentidos, diferentemente de julgar o que certo ou errado.

    Tanto em O Caso Norte quanto em Wilsinho Galilia, a dramatizao no atende aos expedientes do docudrama com chave no melodra-ma; os atores desconhecidos do grande pblico transitam em loca-o, discutem seus papis e a filmagem acompanha o processo de construo da cena. Isso, aliado aos procedimentos de encenao do real, d uma dimenso poltica e esttica aos processos narrados.

    Wilsinho Galilia foi censurado e jamais exibido no programa Globo Reprter.

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    O Noir nas sries Fora de Controle e Epitafios

    Luiza Lusvarghi

    A ANLISE DA RELAO entre as sries argentina Epitafios (2004-2010, HBO, Alberto Lecchi e Jorge Nisco) e a brasileira Fora de Controle (2012, Record, Daniel Rezende e Johnny Arajo), e o noir, surgiu a partir de uma anlise sobre a construo da identidade masculina nas sries televisivas policiais latino-americanas produzidas na virada do milnio, e se constitui em parte da pesquisa A fico neopolicial e suas relaes de gnero no audiovisual Brasil e Amrica Latina. O referencial era o ensaio de Krutnik (1991) sobre o protagonista masculino personifican-do o tough guy, heri arquetpico das pelculas policiais americanas si-tuadas entre os anos 30 e 40 que viriam a ser classificadas como noir. O objetivo inicial era estabelecer uma comparao entre esse heri duro, interpretado por gals, como Humphrey Bogart, no cinema, e outros protagonistas masculinos em filmes latino-americanos contemporne-os do gnero, como o Capito Nascimento (Wagner Moura), da fran-quia brasileira Tropa de Elite, nas suas duas sequncias (2007 e 2010), ou o solitrio Benjamin Sposito (Ricardo Darn), de O Segredo dos Teus olhos (El Secreto de sus ojos, 2009, Juan Jos Campanella).

    Epitafios e Fora de Controle so seriados televisivos que, ao lado de pro-dues como Fora-Tarefa (2009-2011, Globo, Jos Alvarenga Jr), 9 MM: So Paulo (2009-2011, Fox, Michael Ruman), A Lei e o Crime (2009, Record, Alexandre Avancini), Mandrake (2005-2012, HBO, Jos Henrique Fonseca), Poliladrn (1995-1997, Canal 13, Jorge Nisco), Her-

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    manos y Detectives (2006, Telefe, Damin Szifron)1, Capadcia (2008-2013, Epigmenio Ibarra), Prfugos (2011-2013, HBO, Pablo Larrin), atualmente em sua segunda temporada, e a recm-lanada Seor Avila (2013-HBO, Fernando Rovzar, Alejandro Lozano, Alfonso Pineda Ulloa), buscam se colocar como uma alternativa s tradicionais narra-tivas do formato telenovela, o mais popular da Amrica Latina. A ideia dessas produes efetivamente se distinguir do formato, assim como ocorreu com os cop shows americanos na dcada de 50, que desafiavam o padro gua-com-acar das sitcoms, emblemtico do american way of life, mostrando o outro lado da Amrica. Os seriados policiais e de ao latino-americanos apostam em personagens mais realistas, um cenrio distante dos folhetins eletrnicos e da frmula fcil da ascenso social por meio do casamento, com finais felizes, e especialmente no ca-so das coprodues entre produtoras locais e canais internacionais co-mo Fox e HBO, lanam mo de recursos narrativos muito semelhantes aos das produes mundiais do gnero para contar suas histrias.

    Para estabelecer uma discusso sobre as relaes entre essas duas produes, classificadas como gnero policial ou de ao, e o noir, um conceito escorregadio (Krutnik, 1991), mencionado por vezes como gnero, subgnero (do policial), estilo, tendncia ou movi-mento, faz-se necessria, entretanto, uma distino. O primeiro um seriado argentino, produzido pela Pol-ka, produtora ligada ao grupo Clarn, em parceria com a HBO e seu brao latino. Sua adeso estilstica ao noir visvel nos tons sombrios e na elaborao dos personagens. J o segundo o primeiro seriado do gnero da emis-sora Record em parceria com uma produtora independente, a Gulla-ne Filmes, que j havia realizado outros trabalhos com a emissora. O seriado A Lei e o Crime (2009-Alexandre Avancini) foi produzido dentro dos padres de teledramaturgia daquela emissora.

    1 A franquia argentina foi produzida em 8 pases, incluindo os EUA. Szifron fez ainda a famosa srie Los Simuladores (2002-2003, Telefe), que teve verses no Chile e Mxico.

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    A classificao de crtica social, denominao comum a produes latino-americanas que abordem conflitos entre a lei e a ordem no continente, independente de modelos narrativos, aos poucos vai sendo substituda nos cadernos especializados e nos blogs por thril-ler policial ou de ao. Parte desta crtica v nestas produes uma tendncia americanizao, expresso citada geralmente como si-nnimo de falta de originalidade, uma vez que at mesmo a literatu-ra do gnero considerada como corpo estranho literatura nacio-nal, em funo dos formatos consagrados pelo cinema e televiso mundiais, sobretudo a partir dos modelos hollywoodianos. Existe, contudo, outra corrente forte que prefere utilizar o termo neopoli-cial, ou ainda negro (de noir), para distinguir justamente a produo latino-americana de ao e policial mais recente do modelo hollywoodiano.

    Uma vez que os ensaios latino-americanos sobre o tema so ainda predominantemente voltados para a literatura, retomar os conceitos dos ensaios de James Naremore (2008) e Frank Krutnik (1991) vai ser essencial para estender a discusso do noir ao audiovisual. No Brasil, especificamente, os filmes claramente policiais sempre foram desprezados pela crtica:

    No toa, diretores de bem-sucedidos filmes policiais como Roberto Farias e Roberto Pires podiam ser considerados os melhores artesos do cinema brasileiro, mas, na viso de grande parte da crtica, no se equiparavam ob-viamente a artistas como Glauber Rocha ou Nelson Pereira dos Santos. (FREIRE, 2010).

    Glauber, cineasta e ensasta, era um admirador do gnero western (REBECHI JR, 2011, p. 339), que foi tema de seu primeiro ensaio, es-crito para a revista Mapa, em 57, particularmente por sua funo pico-dramtica (BRASIL, 2006, p. 3), que pode ser observada em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964). Essa admirao representava parte de sua gerao e de geraes anteriores do cinema nacional,

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    particularmente de ciclos regionais do cinema mudo, como o per-nambucano, o que influenciaria o surgimento de filmes de cangao calcados no modelo americano e na ideia de transformar o canga-ceiro e o homem do serto em um heri nacional. O filme policial seria, por sua vez, o representante legtimo do modelo hollywoodia-no de entretenimento. No entanto, o noir, vertente desta mesma ci-nematografia, vai agregar nos Estados Unidos escritores e diretores de esquerda, como Dashiel Hammet e ligados a uma ideia de crtica social. No Brasil, e, sobretudo, na dcada de 60, a mais importante em termos de construo de uma identidade nacional audiovisual, a intelectualidade elegeu o heri do serto como o contraponto ao ca-pitalismo selvagem e desagregador (RIDENTI, 2005, p. 84) a partir de uma anlise sociopoltica da esquerda do perodo.

    Valorizava-se acima de tudo a vontade de transformao, a ao para mudar a Histria e para construir o homem novo, como propunha Che Guevara, re-cuperando o jovem Marx. Mas o modelo para esse homem novo estava, para-doxalmente, no passado, na idealizao de um autntico homem do povo, com razes rurais, do interior, do corao do Brasil, supostamente no con-taminado pela modernidade urbana capitalista. (RIDENTI, 2005, p. 84).

    O cenrio privilegiado das produes, da mesma forma, o Nordes-te, o serto, ora visto com grandiloquncia em Glauber Rocha, ora como uma realidade marcada pelo silncio, como em Vidas Secas, extrada do romance regionalista e crtico de Graciliano Ramos. O Nordeste do Cinema Novo aparece como um espao homogeneiza-do pela misria, pela seca, pelo cangao e pelo messianismo. (AL-BUQUERQUE JR., 2001, p. 279). No seria o detetive, e, muito me-nos, o investigador da corporao, visto apenas como torturador ou aliado da ditadura, o heri que iria restabelecer a verdade e a justia.

    O noir no cinema americano a traduo existencialista de certo mal-estar de ps-guerra. Os seriados policiais televisivos clssicos modernos cedo optaram pelo modelo que trabalha com noes ni-tidamente definidas de bem e mal, com personagens rgidos, sem

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    vida pessoal, fortemente influenciados pelo estilo semidocumen-tal no cinema, pelos cop shows do rdio e de docudramas produzi-dos pelo governo americano em detrimento da crtica social. As-sim, no difcil entender por que os seriados latino-americanos, e at mesmo os filmes, vo oscilar rumo ao noir quase que como uma tendncia natural.

    O seriado argentino Epitafios foi criado pelos Irmos Slevich, que as-sinam o roteiro da mais nova coproduo da HBO no Mxico, Seor Avila. Seus protagonistas so a dupla de policiais Renzo Mrquez (Julio Chvez) e Marina Segal (Cecilia Roth). Chvez um dos ato-res mais populares da Argentina, protagonista de El Puntero (2011, El Trece, Daniel Barone), thriller poltico de suspense que criou, em diversos momentos, um simulacro televisivo sobre o embate que se trava na Argentina contempornea entre grandes grupos de mdia como o El Clarn e a atual presidente, Cristina Kirschner. (GULLI-NO, 2012, p. 9).

    A trama policial que mescla diversos elementos dos policiais noir, embora aborde conflitos pertinentes vida nas grandes cidades da periferia do capitalismo global, no entanto, evita qualquer meno direta aos dias atuais. Por outro lado, como ocorre em produes do gnero, impiedosa com as instituies sociais e a impossibili-dade do bem triunfar sobre o mal. Mrquez um policial ator-mentado pela dificuldade de cumprir a sua funo dentro da lei. somente na transgresso da lei que ele vai encontrar amparo para suas inquietaes.

    Fora de Controle segue a trilha aberta por Cidade de Deus (2002, Fer-nando Meirelles-Katia Lund), e, mais recentemente, das duas sequ-ncias de Tropa de Elite (2007, e 2010, Jos Padilha), e aposta num realismo cru e em personagens violentos. O delegado Medeiros, vi-vido por Milhem Cortaz, famoso por interpretar o personagem Zero Dois de Tropa de Elite 1 e 2, foi criado por Marclio de Moraes (2006-

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    2007, Vidas Opostas, 2009, A Lei e o Crime), anteriormente roteirista na TV Globo2, autor de literatura e teatro. O Delegado Medeiros de-monstra a maior truculncia para resolver os conflitos para seu per-sonagem, e no hesita em fazer uso de seu charme pessoal para ob-ter informaes. O personagem pode ser comparado ao Capito Nascimento, mas com uma tendncia mais sofisticada e perversa o discurso irnico no deixa dvidas com relao a sua ideia da cor-porao e da justia. O universo no qual Medeiros se move o da classe mdia alta carioca. Num dos episdios, Medeiros manda en-tregar para a senhora da alta sociedade, que denunciou uma tentati-va de assalto, a cabea do infrator.

    O Rio de Janeiro continua lindo, porm sombrio a srie tenta evi-tar a todo custo o clich praia e natureza, e desloca-se da neofavela para as manses de luxo. Os prdios que pontuam a narrativa per-tencem ao centro antigo, e evidenciam toda a hierarquia e estratifi-cao da cidade maravilhosa, a eterna capital do imprio, e sua in-fluncia arquitetnica europeia. A favela no mais a neofavela, mas a do Rio das Unidades de Polcia Pacificadora, as UPPs, buscando um difcil entendimento com as comunidades e uma nova visibili-dade para a cidade que vai abrigar dois eventos internacionais de grande porte Copa e Olmpiadas.

    Na delegacia, os dilogos psicolgicos, os interrogatrios, lembram franquias como CriminalMinds, Law and Order e CSI. Os ambientes so fechados e formais e a resoluo do crime o que importa. En-tretanto, o modelo que pontua a produo americana do gnero, com nfase nos dilogos, e em que os personagens se evidenciam em funo do caso, no chega a ser seguido risca pelo mocinho. Medeiros est longe de ser um modelo de bom comportamento, e

    2 Marclio tem outros investimentos no gnero policial. No ano passado, concluiu roteiro basea-do em seu romance policial homnimo, Crime da Gvea (2012, Andr Warwar), longa que ain-da no possui data de estreia.

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    no hesita em lanar mo de artifcios seduo, pagamento de pro-pina para extrair as informaes das quais necessita. O projeto, in-terrompido no quarto episdio, no permite entrever mais detalhes de sua personalidade, mas a estreia aponta para um seriado em que a vida pessoal e a personalidade do protagonista se tornam elemen-tos fundamentais para a ambientao da trama. Medeiros, assim co-mo Mrquez, tambm no v a possibilidade de exercer a sua funo dentro da lei, mas aparentemente no possui conflitos com isso. Sou um policial brasileiro, ele diz.

    As duas sries possuem ainda muitos pontos em comum. A presen-a da corporao policial como elemento essencial, pontua a narra-tiva. Os policiais so definitivamente pessoas a servio da comuni-dade, e no mais aliados da represso, como no tempo das ditaduras militares. Nas investigaes, eles so protagonistas, e no apenas ele-mentos secundrios, que entram furtivamente pela casa para tentar encontrar possveis suspeitos. Medeiros e Chvez vo enfrentar a suspenso em suas corporaes, por conta de abusos cometidos em nome da lei. Ambas as sries fazem uso de recursos narrativos pre-sentes nas produes do gnero, destacando-se das produes volta-das para a crtica social. A culpa da sociedade, mas o criminoso tem de ser pego. Em seu empenho na busca de justia, os heris vo acabar se identificando com seus algozes, e perdem sua identidade para o lado negro.

    Noir e audiovisual

    O entendimento do gnero policial como uma categoria social (MITTELL, 2004, p. 11) remete inevitavelmente ao modelo america-no, a maior referncia das produes do gnero, tanto para a audin-cia quanto para os produtores do continente, totalmente monopoli-zado pela distribuio das majors, no cinema e na televiso, via cabo. No caso especfico dos pases latino-americanos, h uma varivel

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    em funo das coprodues, atravs de fundos como Ibermedia, e a possibilidade de uma carreira na Europa. O que certamente condi-cionou alguns aspectos da produo de obras como Epitafios, que busca evitar o sotaque portenho, e conta com a incluso de Ceclia Roth, atriz de diversos filmes de Almodvar; ou ainda de O Segredo de seus olhos, filme de Juan Jose Campanella que ganhou o Oscar de melhor produo estrangeira em 2011, e que levou ao relanamento do livro no qual era baseado com novo ttulo no mercado europeu a novela policial La pregunta de sus ojo (2005), de Eduardo Sacheri, se converteu em El Secreto de sus ojos. Uma das denominaes co-muns para esta nova produo nos pases latino-americanos, tanto no cinema quanto na televiso, o termo neopolicial ou negro, deri-vado do conceito de noir, utilizado pela primeira vez por Nino Frank (1946), e discutido aqui sob as perspectivas de James Naremore (2008) e Frank Krutnik (1991).

    Para Naremore, o noir encontra terreno frtil na Amrica Latina. Tu-do indica que mais fcil pensar em um noir ou neonoir distante de um cenrio nova-iorquino.

    A Amrica Latina possui forte tradio de filme noir. Vamos considerar uni-camente dois exemplos que merecem ser enumerados, como Distinto Amaecer (Julio Bracho, Mexico, 1943) e Mulheres e Milhes (Jorge Ilelis, Brasil, 1961), sendo que este ltimo tem muito em comum com The Alphalt Jungle e Rififi. Essas imagens geralmente representam o mundo latino muito mais como uma metrpole sombria do que como um refgio vagamente barroco, agrrio da modernidade, e como resultado, eles indiretamente reve-lam uma mitologia recorrente criada por Hollywood. Dois dos mais recentes exemplos incluem Terra Estrangeira (1995), uma coproduo luso-brasileira dirigida por Walter Salles e Daniela Thomas, e Deep Crimson (1997), um re-make mexicano de The Honeymoon Killers (1970), dirigido por Arturo Rips-tein. (NAREMORE, 2008, p. 232-233).3

    3 Latin America has a strong tradition of film noir: consider, as only two examples of many that could be listed, Julio Brachoss Distinto Amaecer (Mexico, 1943) and Jorge Ileli`s Mulheres e Milhes (Brazil, 1961), the last of which has many things in common with The Alphalt Jungle and Rififi. Such pictures usually represent the Latin world as a dark metropolis rather than a baroque, vaguely pastoral refuge from modernity, and as a result, they indirectly reveal a my-

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    No entanto, fica claro que o noir de Terra Estrangeira (Walter Sal-les, Daniela Thomas, 1996), filme que pertence ao processo de Re-tomada do Cinema Brasileiro, da dcada de 90, o neonoir, uma releitura ps-moderna do gnero, assim como vai ocorrer com ou-tras produes contemporneas do cinema argentino e mexicano, enquanto que o filme de Jorge Ilelis uma produo da dcada de 60, ainda muito presa s convenes do gnero, ofuscada pela im-portncia poltica do Cinema Novo. Para Krutnik (1991), os filmes noir eram dramas policiais que representavam as mazelas da so-ciedade moderna e os conflitos urbanos nas telas, fiis ao cinismo da literatura daquele perodo. O essencial era a presena do perso-nagem masculino no papel de um detetive resolvendo um crime por meio de seus talentos pessoais, de sua persistncia e de suas habilidades fsicas, e no de tcnicas cientficas de deduo. Este detetive, por vezes um ex-policial, sempre solitrio, poderia at de-fender a corporao e as instituies, mas para resolver o crime, ele tinha de romper de alguma forma com ela, quebrar as normas. O crime mais importante dentro deste contexto do que a presen-a de outros elementos.

    Os filmes policiais no Brasil, em seus primrdios, buscavam uma al-ternativa simples para disputar a concorrncia com as sofisticadas produes estrangeiras que j ocupavam de forma predominante o mercado nacional. Foi o que ocorreu em 1908, em filmes como Os Estranguladores ou F em Deus (1908, Antonio Leal), baseados em um crime real ocorrido no Rio, e Tragdia Paulista (1908, Antonio Leal e Jos Labanca), tambm distribudo com o ttulo Noivado de Sangue, e o A Mala Sinistra, a estria do estrangulador Miguel Trade (Gomes, 1980: 43), que deu origem a trs filmes com o mesmo no-

    thology at work in Hollywood. Two of the more effective recent examples include Foreign Land (1995), a Brazilian-Portugueses coproduction directed by Walter Salles and Daniela Thomas, and Deep Crimson (1997), a Mexican remake of The Honeymoon Killers (1970), directed by Arturo Ripstein. (NAREMORE, 2008, p. 232-233).

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    me, o primeiro dirigido por Antonio Leal, o segundo por Marc Fer-rez e o terceiro por Alberto Botelho (GOMES, 1980, p. 44).

    Explorar crimes conhecidos no cinema, alm de rentvel, permitia plateia se espelhar naqueles filmes e se reconhecer ali. Nem todas as produes eram diretamente baseadas na crnica policial, mas a parceria entre imprensa e cinema contribua para o sucesso. A Qua-drilha do Esqueleto (1908, Vasco de Lima, lanada conjuntamente com Os Mistrios do Rio de Janeiro (1917, Coelho Neto e Guido Pa-nela), filme promovido pelo jornal A Noite, e produzido pela Veras, do jornalista Irineu Marinho, era assim descrita: Aventuras policiais altamente sensacionais, que descrevem com grande verdade alguns tipos da nossa malandragem. (FREIRE,2011, p. 160). O carter local da obra acentuado pelas reportagens. A direo dessas pelculas, na verdade, no era muito simples de determinar, uma vez que a prpria funo de diretor poca no era muito definida. Nem sem-pre os filmes hoje considerados como narrativa policial foram iden-tificados com o gnero. A crtica e mesmo a divulgao vai se espe-lhar quase sempre no modelo americano, ou hollywoodiano, como referncia, e a audincia, da mesma forma, tende a reproduzir essa classificao com a qual est familiarizada. Stam (2003, p. 36) adver-te sobre os riscos do hollywoodocentrismo. No possvel avaliar melodrama como uma categoria infensa a diferenas culturais. O melodrama indiano no tem necessariamente a ver como o modelo americano.

    Dos tempos de F em Deus, passando pelo Assalto ao Trem Pagador (1962, Roberto Farias), chegamos a filmes como Cidade de Deus (2002, Fernando Meirelles, Katia Lund), O Invasor (2002, Beto Brant), ou ainda a sequncia Tropa de Elite O Inimigo agora outro (2011, Jos Padilha), que possuem o mrito de conseguir o reconhe-cimento do pblico e crtica local e internacional como um produto de gnero, com tempero local. (LUSVARGHI, 2012, p. 11).

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    Heri ou Vilo

    O policial no imaginrio da fico deveria simbolizar certamente o heri, aquele cujo destino est inevitavelmente associado condio de estabelecer a verdade. Policiais e ladres vo se associar em busca de um bem-estar comum, e tudo se justifica a partir da. Os motivos originais que levam esses personagens a trilhar caminhos alternati-vos lei e ordem apontam para um resgate da cidadania, ainda que sob o manto da violncia e da transgresso.

    A explorao de poucos recursos associada a relacionamentos de risco, quando no abertamente ilegais, traa o itinerrio de obteno do que de-sejado. Intuio psicolgica, astcia no momento de surpreender ao outro em seu prprio jogo, a eleio de interlocutores aparentemente intranscen-dentes, a recuperao de saberes populares que resgatam o ingnuo e a per-cia da soluo com meios escassos so algumas das competncias exigidas para esse novo heri domstico, que se reconhece depositrio dos valores da comunidade a qual representa, na medida em que se envolve em seus mes-mos interesses e compartilha de suas estratgias de ao. Os meios que justi-ficam tais fins exigem o necessrio conhecimento de mundo e de submun-dos para atingir suas metas. (CASTILHO, 2006, p. 5). 4

    O surgimento de seriados policiais com esta abordagem na Argenti-na, Mxico, Brasil e Chile no fortuito, e certamente se inscreve nu-ma tradio da indstria cultural de entretenimento que se desen-volveu a partir da televiso, e no do cinema, por questes histricas. por este caminho que a audincia se reconhece nestes novos poli-ciais. Os bandidos, por sua vez, mesmo quando possuem atos justifi-cveis pelo regime que sistematicamente produz excluso social,

    4 Una explotacin de pequeos recursos as como de involucramientos riesgosos, cuando no abiertamente ilegales, traza el itinerario de obtencin de lo deseado. Intuicin psicolgica, as-tucia al momento de sorprender al otro en su propio juego, eleccin de interlocutores aparen-temente intrascendentes, recuperacin de saberes populares que rescatan el ingenio y la peri-cia de la solucin con escasos medios son algunas de las competencias exigidas para este nue-vo hroe domstico, que se reconoce depositario de los valores de la comunidad a la que repre-senta en tanto se involucra en sus mismos intereses y comparte sus estrategias de accin. Los medios justificados por tal fin exigen el necesario conocimiento de mundo y de submundos para acceder a su meta. (CASTILHO, 2006, p. 5).

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    no merecem perdo. O crime, porm, no est necessariamente dentro da favela, ele permeia toda a sociedade e as relaes de poder.

    No caso de Epitafios, a evidncia do neonoir, ou negro, como prefe-rem os argentinos, era evidente desde a primeira temporada. Epit-fios so frases escritas sobre os tmulos. Apontada como a primeira produo da HBO Latina, Epitafios estreou em 2004 em coproduo com a Pol-Ka. Criada por Marcelo Slavich e Walter Slavich, com di-reo de Alberto Lecchi e Jorge Nisco, a trama gira em torno de um assassino que, aparentemente, deseja vingar a morte de quatro estu-dantes feitos de refns cinco anos atrs em uma escola e brutalmen-te assassinados. As mortes so anunciadas atravs de epitfios pro-duzidos especialmente para essa finalidade e enviados com regula-ridade para Mrquez, o policial que participou da operao frustra-da de resgate dos estudantes e, desiludido, se desliga da funo de policial para se tornar um motorista de txi. Ao longo do processo, Mrquez reassume o posto de policial para desvendar os crimes, en-quanto tenta desesperadamente se livrar do vcio em anfetaminas.

    Na segunda temporada da srie, todo o material de divulgao evi-denciava ainda mais a vocao negra da srie: o lado ilcito da lei era a frase da capa do DVD. A produo da segunda temporada foi anunciada em 2008, com mais 13 episdios. Na nova fase da srie, novamente estrelada por Julio Chvez e Ceclia Roth, um serial kil-ler, interpretado por Leonardo Baraglia (de Plata Quemada, 2000, dirigido por Marcelo Pineyro, outro filme negro, baseado na obra de Ricardo Piglia), que copia crimes clebres, ocorridos no passado, perseguido pela polcia com a ajuda de um homem capaz de prever os nomes das prximas vtimas. Praticamente todos os elementos do noir esto presentes o deslocamento para o passado, certa dra-matizao que beira o expressionismo, o sobrenatural no persona-gem XL (Alejandro Awada) que consegue prever os crimes e uma releitura da femme fatale. O personagem de Roth, a agente Marina,

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    aparentemente combina a loira m baseada na sedutora Phyllis de Barbara Stanwyck em Pacto de Sangue (Double Idemnity, 1944, Billy Wilder), que representava para o noir o canto de sereia da sociedade capitalista (KRUTNIK, 2001), com caractersticas masculinas do de-tetive noir, levadas a um extremismo mrbido e autodestrutivo homossexual viciada em roleta russa e aliada ao submundo que ju-rou combater, sua trajetria trgica, pois no existe uma alternati-va efetiva para ela.

    A reproduo fiel dos crimes feita a partir de fotos forenses em branco e preto, e revela um detalhamento quase profissional. Natu-ralmente, a soluo do enigma vai levar Mrquez a uma nova ruptura com a corporao e a lei para promover a justia, e desta vez nada leva a crer que haver uma volta normalidade. A produ-o, feita com a perspectiva bvia de disputar um espao no mer-cado internacional, rapidamente se tornou cult, beneficiada pela imagem de alta definio, gravao em 16mm, edio de imagem sofisticada e som Dolby.

    A srie Fora de Controle, uma produo cujo desenvolvimento foi prejudicado pelo abandono do projeto pela produo da teledrama-turgia da Record, vai trabalhar com registros diferentes. Ancorada no imenso sucesso de pblico de Tropa de Elite 2, a maior bilheteria da histria do cinema nacional, a obra foi anunciada como um poli-cial tradicional, em histrias voltadas para a soluo do enigma, o whodunit. O personagem principal, o Delegado Medeiros, lana mo da violncia sem os conflitos de Mrquez, com uma aparente frieza e objetividade a truculncia para resolver os conflitos deliberada e faz parte da gnese do personagem, que pode ser comparado ao Capito Nascimento em sua funo social. Medeiros acredita na cor-porao e no restabelecimento da lei e da ordem, mas quase sempre rompendo com as regras impostas pela corporao. A primeira tem-porada teve apenas quatro episdios, e o ltimo termina justamente

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    com a perspectiva de um afastamento do delegado de suas funes, motivado por denncias sobre abuso de poder e mtodos violentos. Medeiros, entretanto, parece firme em seus propsitos, e no deixa de punir os bandidos mesmo quando isso implica na morte de um companheiro que ele admira, como fica claro no primeiro episdio.

    A srie comea com a descoberta de um corpo encontrado pela po-lcia na praia do Diabo, no Arpoador, reduto da classe mdia carioca. Esta vai ser a nica imagem de praia da srie, que prefere se deslocar das manses da Barra para o Centro Antigo, a mesma soluo en-contrada por outro seriado brasileiro, Mandrake (2005-2012, HBO, Jos Henrique Fonseca), baseado na obra de Rubem Fonseca, para explorar uma imagem do lado negro do Rio, sem cair na frmula da neofavela. O personagem de Marcos Palmeira, entretanto, o gal--detetive neonoir, claramente inspirado na filmografia americana do gnero mais recente. J Medeiros, interpretado por Milhem Cortaz, consagrado nas telas do cinema nacional por seus personagens que oscilam entre o assumidamente corrupto Zero Dois (nas duas sequ-ncias de Tropa de Elite) para o ladro de carros Lupa (Nossa vida no cabe num Opala, de 2008, Reinaldo Pinheiro), no faz a audin-cia pensar em gals romnticos. Medeiros a personificao do tou-gh guys dos thrillers americanos, solitrio, duro, e cheio de conflitos com o sistema e com a sociedade de classes. Infelizmente, com a in-terrupo do seriado, que a Record j anunciou retomar repetidas vezes at final de 2012, seu destino incerto. Interpretado de forma madura e consciente por Cortaz, seu personagem assumia contradi-es cada vez mais interessantes, mas sem dvida improvvel que ele no fosse romper com a corporao em algum momento, sob presses polticas que j no consegue compreender, e o eterno clientelismo que rondam as delegacias da Zona Sul.

    O premiado editor de imagens Daniel Rezende (Cidade de Deus, Tropa de Elite, Robocop) estreou nesta srie como diretor junto com

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    Johnny Arajo. Foi sua primeira experincia por trs das cmeras e na televiso. A equipe foi basicamente formada por profissionais do cinema e, desde a divulgao, colocar na televiso uma narrativa de thriller policial calcada nas narrativas do cinema era a ideia defendi-da pela produo e pelo criador, Marclio de Moraes. Descrito, na di-vulgao, como um homem de gosto refinado, que aprecia o bom vinho, msica clssica e as artes plsticas, e, eventualmente, muito violento, o perfil miditico de Medeiros contradita com os novos tempos da polcia das UPPs. Se, por um lado, sua cultura conve-niente, por outro, seus mtodos deveriam estar associados a um passado superado na vida poltica brasileira, na opinio dele, um engodo. As diferenas sociais ainda so enormes. Mulherengo, ele viveu um romance com a investigadora Clarice, sua colega de traba-lho, uma relao mal resolvida que vai colocar em risco a sua vida profissional. Clarice representa a mentalidade mais pura dentro da corporao, que busca o resgate da cidadania, mas acredita em cum-prir as normas. ela quem vai pessoalmente denunciar a seus supe-riores o delegado e seus mtodos, solicitando uma investigao. Apesar do descompasso bvio entre Medeiros e delegados como Ga-ry Senise, do CSI NY, algumas crticas publicadas em jornais ainda insistem em colocar a srie como um produto que segue a cartilha americana, o que seria por si s um demrito. (GIANNINI, 2012).

    Consideraes Finais

    No empenho em solucionar o crime e encontrar a verdade, Mrquez e Medeiros acabam por se tornar marginais ao sistema que defen-dem. A despeito dessa caracterstica, necessrio considerar que os seriados televisivos Epitafios e Fora de Controle, alm da ideia de uma narrativa de gnero espelhada nos thrillers de ao, esto certa-mente mais relacionados com o movimento cinematogrfico que re-cuperou, a partir do final da dcada de 60, os temas e os motivos do

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    filmnoir clssico, geralmente designados por neo-noir. A rigor, ne-nhuma dessas produes se encaixa nas definies originalmente propostas por Nino Frank e publicadas como artigo na revista de ci-nema Lcran Franais com o ttulo Un nouveau genre policier: laventure criminelle, no qual, dissertando elogiosamente sobre os filmes, enunciava pela primeira vez a expresso film noir. (FONTES, 2011, p. 10).

    No entanto, o termo neo-noir surgiu na dcada de 70 para nomear releituras de clssicos noir nas obras de Martin Scorcese (Taxi Dri-ver, 1976), Robert Altman (The Long Goodbye, 1973) e Roman Po-lanski (Chinatown, 1974), englobando tanto fices cientficas quan-to policiais e thrillers de ao. J nos seriados televisivos latino-ame-ricanos, ele refora o papel da corporao em um novo contexto, embora sem deixar de acentuar os inevitveis conflitos entre a busca pela verdade e a estrutura social. A nfase no est propriamente na soluo do crime, mas no desenvolvimento dos personagens e nas motivaes do crime. O inimigo continua a ser outro.

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    O Louco dos Viadutos um estudo sobre a encenao

    Nanci Rodrigues Barbosa

    De repente eu vi que era possvel fazer cinema aqui. O Garrido olhava aquilo e falava: Olha que cinematogrfica esta chuva, esta gua caindo aqui. Uma atitude supersimples de montar o ringue transformou o espao. Eliane Caff.

    ESTE CAPTULO1 se prope a refletir a questo da encenao na minissrie O Louco dos Viadutos, dirigida por Eliane Caff, para o projeto Direes III. Busca-se analisar as bases para a elaborao da proposta esttica e narrativa que conta com a articulao de elemen-tos ficcionais e documentais, com atores e no atores, com ambien-tes urbanos estabelecendo relaes de espao e linguagem, contan-do com suporte digital e uma dinmica de trabalho de equipe.

    O Projeto Direes, desenvolvido pela TV Cultura em parceira com o SESC TV, tem como objetivo promover o debate, a pesquisa e a ex-perimentao de novas linguagens de teledramaturgia. A natureza cultural e pblica das emissoras parceiras permite experimentar com liberdade e ousadia neste campo uma vez que no esto rigida-mente comprometidas com as questes comerciais. A TV Cultura, por sua vez, j possua uma tradio no desenvolvimento da teledra-maturgia desde os anos de 1970, poca em que contou com vrios profissionais como Antonio Abujamra, Antonio Ghigonetto, Walter

    1 Este texto resultado do projeto de pesquisa O impacto do digital na produo audiovisual brasileira: novas estratgias narrativas. O estudo desta obra contou com a colaborao da aluna Lara Baqueta Bione, em atividade de Iniciao Cientfica.

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    Jorge Durst, Cassiano Gabus Mendes e Antunes Filho para desenvol-ver o Teatro 2. Este programa chegou a adaptar quatro histrias por ms e esteve no ar cerca de cinco anos. (FARIA, 2004). Outras expe-rincias de teledramaturgia foram realizadas, inclusive com propos-ta de novela educativa. Nos anos 2000, o projeto Direes se apre-sentou como uma possibilidade de experimentar modos de produ-o e quebrar alguns paradigmas.

    Na primeira fase (2007), o projeto Direes produziu e exibiu o tra-balho de 16 autores de teatro que no possuam nenhuma experin-cia anterior com a televiso. Cada um realizou uma obra de 30 mi-nutos de durao. Na segunda fase (2008), produziu o trabalho de oito diretores, selecionados dentre os integrantes da primeira etapa, que realizaram obras de 60 minutos de durao. Nestas duas etapas, vrios caminhos foram experimentados, desde peas filmadas, dra-maturgias convencionais e tambm rupturas. A terceira etapa, reali-zada em 2009, experimentou o formato de minissries e foram con-vidados trs diretores teatrais: Andr Garolli, Rodolfo Garcia e Mau-cir Camapanholi e trs cineastas com trajetrias de experimentao de linguagem e forte expresso autoral em seus trabalhos cinemato-grficos: Beto Brant, Tat Amaral e Eliane Caff. Cada autor desen-volveu uma narrativa seriada, em quatro episdios, exibidos na TV Cultura, SESC TV e na internet. Todos os autores tiveram liberdade de criao e autonomia para desenvolverem suas ideias e propostas de narrativas e linguagens.

    O Louco dos Viadutos, dirigido por Eliane Caff, teve a participao de Christine Rohrig Paiva e Alvise Camozzi na elaborao do rotei-ro. Camozzi, alm de roteirista, atua como o personagem narrador da estria, Benjamim, e foi tambm o preparador do elenco. Esta formao da equipe indica a preocupao da autora com a busca de articular o processo de criao e realizao com uma proposta con-ceitual e esttica.

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    Eliane Caff cursou Psicologia, estudou cinema na Escola dos Trs Mundos, em Santo Antonio de Los Baos, em Cuba, e quando dirigiu O Louco dos Viadutos, completava 21 anos como realizadora. Com o curta Caligrama, de 1995, j percebemos temticas e inquietudes es-tticas que se aproximam da minissrie realizada em 2009. Em Cali-grama, participam um grupo de moradores de rua e dois atores pro-fissionais que criam conjuntamente situaes imaginrias compon-do um ensaio potico formado por sons, gestos, palavras e objetos revelando o universo simblico dos moradores de rua do centro da cidade de So Paulo. Desde ento, a experincia de trabalhar as dife-rentes realidades sociais, interagindo com os personagens reais, pas-sou a ser estruturante no seu trabalho. A autora realizou trs longas--metragens em parceria com o dramaturgo Luis Alberto de Abreu: Kenoma (1998); Narradores de Jav (2002) e O Sol do meio dia (2009). Em Narradores de Jav, h tambm o envolvimento de moradores da regio que com suas memrias e histrias trazem uma riqueza nar-rativa para o filme e influenciam a proposta esttica. Isso constitui uma forte experincia para a autora, interessada em buscar formas e estratgias narrativas. Para Eliane Caff, esse retorno ao documental inserido na fico uma forma de arejar, buscar outra maneira de narrar, de construir uma dramaturgia que no seja da maneira que se faz convencionalmente. (CAFF, 2010). Ela relata na matria Desas-sossego criativo que agora difcil pensar em um set de filmagem sem a incluso dos territrios onde surgem personagens. Algo como tentar restituir ao cinema aquele carter pico cada vez mais ausente na produo atual. (CAFF, 2012).

    A busca da visibilidade

    Os viadutos, construdos para possibilitar o fluxo na cidade, permi-tem o rpido deslocamento, resultando na percepo do entorno co-mo imagens sem volume, chapadas. (PEIXOTO, 1988, p. 361). Se o

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    entorno sofre o achatamento da paisagem, o que est abaixo no re-cebe a menor ateno por parte deste indivduo metropolitano que est vido por usufruir da possvel velocidade ou que se angustia no trfego carregado. Os viadutos no do conta das demandas do fluxo e os atuais enormes engarrafamentos apontam para o fracasso deste modelo de crescimento baseado no automvel, alm de revelar a enorme precariedade do modelo e ocupao da cidade. justamen-te a reapropriao e a ressignificao do espao a partir de um exer-ccio do olhar que a minissrie prope.

    O Louco dos Viadutos foi desenvolvido a partir de um processo cria-tivo que envolveu as experincias vividas em torno do Projeto Social Garrido Boxe, durante mais de trs anos de convivncia. Em artigo publicado na Folha de So Paulo, Eliane Caff nos fala de sua aproxi-mao com Garrido Boxe.

    A parada dura, a luta indigesta e no tem faca na caveira. Foi a frase de bo-as vindas de Garrido quando nos encontramos na academia de boxe que ele ergueu debaixo do viaduto Alcntara Machado, na Zona Leste de So Paulo. Entrei no espao fisgada pela imagem inusitada do museu de bonecas encar-didas que ornamenta a fachada. Uma estratgia que Garrido usa para cha-mar a ateno dos passantes. E funciona! (CAFF, 2012).

    Nas palavras do prprio Nilson Garrido, que j foi pugilista, feirante, catador de entulho e segurana: Aqui no uma academia: um projeto social, uma fbrica de campees, ou um espao de recicla-gem de seres humanos. So expresses que ele usa vrias vezes ao longo da minissrie para definir e defender o projeto de aulas de bo-xe para pessoas que vivem em situao de risco. O Garrido Boxe sur-giu quando ele comeou a organizar, de forma improvisada, uma academia com materiais e equipamentos doados.

    Alm de trazer o projeto e suas histrias, vividas ou criadas, para as telas, esta produo promove a juno entre atores profissionais e integrantes do projeto social, situaes de roteiro com improviso. A

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    base a relao criativa entre direo e os atores, a interao entre os atores no jogo dramtico e a captao de imagem e som.

    Na proposta esttica e narrativa da minissrie observamos diferen-tes tenses. Fatos e conflitos, desenvolvidos a partir de acontecimen-tos do real, expressam a violncia de um processo de excluso e a lu-ta pelo reconhecimento, pela legitimao e pela visibilidade. Alm destes embates com o externo, O Louco dos Viadutos expe tenses presentes no interior do projeto, mas tambm aponta distintas ma-nifestaes de afeto, companheirismo e solidariedade nas relaes vividas no interior do grupo.

    A proposta narrativa e as relaes entre a fico e o real

    O tempo presente da narrativa o momento da edio das imagens registradas durante a estada do personagem narrador em So Paulo, estratgia que permite conduzir a construo da relao da fico com o real. Benjamin um italiano que viaja pelo pas e que j esteve no Acre, em Tocantins, em Minas Gerais e agora chega a So Paulo. Este personagem se prope a conhecer os locais a partir de um dispositivo que cria para si: ele adquire um mapa da cidade e faz nele um desenho criativo e aleatrio e passa a explorar os locais seguindo o trao do de-senho no papel. Desta forma, se pe a desbravar a cidade, no a partir de um mapa turstico, mas a partir de um trajeto nico, construdo ao acaso. Para sua perambulao por So Paulo, Benjamim desenha um rosto de mulher sobre o emaranhado do traado das ruas paulistanas. Temos nesta imagem uma sntese da proposta da obra: percorrer o traado do humano para descobrir esta cidade. O vigor e a potncia do humano que vive a tenso de estar escondido, mas quer se revelar na cidade, se apresentar, conquistar a visibilidade.

    Vrias imagens da ligao Leste-Oeste da cidade de So Paulo e seu entorno. Planos curtos e cmera instvel evidenciam o deslocamen-to pelo Minhoco, Amaral Gurgel, Praa Roosevelt, interligao e

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    chegada regio do Viaduto Alcntara Machado. Neste trajeto, ob-servamos o olhar do personagem que se volta atento para a diversi-dade de imagens e situaes que presencia: prdios formam uma parede no permitindo olhar para alm deles; construes antigas com aspecto de abandono; movimento de automveis; catadores de papis com suas carroas e animais de estimao. Grafites, murais coloridos, pichaes compem a paisagem.

    A existncia dos viadutos deixa marcas e conduz o nosso olhar, es-tabelecendo sua presena no limite do quadro, na exposio da luz, nas sombras e na escurido sob os viadutos, o claro escuro, a silhueta do personagem dentro do nibus, a luz estourada passan-do pelas frestas, ngulos cavados para a entrada de luz: condio bsica para a existncia da vida/filme. Esta sequncia compe a abertura da minissrie e revela um deslocamento na cidade e a percepo do personagem a partir de fragmentos das imagens e sons. Estes elementos de claro/escuro e de fragmentao cidade/corpos passam a constituir aspectos da minissrie que se apresen-tam em vrios outros momentos.

    Aps percorrer esta regio de nibus, o personagem caminha a p por entre o emaranhado de viadutos, carros, caminhes e alguns poucos transeuntes. Benjamim, ento, se apresenta como o narrador desta histria e indica em off que o que estamos vendo trata-se de um rascunho do relato que est fazendo sobre sua passagem por So Paulo. Ele informa que tem muitos defeitos, mas que uma histria que gostaria de dividir com o mundo inteiro. Em momentos poste-riores vemos imagens em fastforward que reafirmam a ideia de sele-cionar, interagindo com as imagens, a partir das memrias de via-gem. A obra, portanto, se apresenta como um copio, uma edio no finalizada que mantm aberta a possibilidade da mudana, da interveno e chama a ateno para o processo, a construo, a pos-sibilidade da transformao, da alterao. Desta forma, temos um

  • Dilma Beatriz rocha Juliano, GilBerto alexanDre SoBrinho e miriam De Souza roSSini

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    filme que incorpora, na sua proposta narrativa e esttica, uma ex-presso do processo de produo vivenciado e a luta pela transfor-mao do local e dos sujeitos que l frequentam e que buscam um novo espao simblico e de representao na cidade.

    Por outro lado, esta abertura situa a caracterstica do programa a ser visto: uma fico com forte essncia documental. com esta perspec-tiva que adentramos o espao do Garrido Boxe e entramos em contato com os personagens e com as histrias e ficamos imersos no local.

    O personagem narrador Benjamin, vivido pelo tambm roteirista da minissrie, Alvise Camozzi, ator italiano que est no Brasil h pou-cos anos, possibilitou articular a narrativa com o processo de produ-o e nos instiga a uma discusso sobre a cidade, o olhar do estran-geiro e o narrador. A escolha do nome do personagem alude ao fil-sofo Walter Benjamin e suas reflexes sobre a cidade. No saber se orientar numa cidade no significa muito. Perder-se nela, porm, co-mo a gente se perde numa floresta, coisa que se deve aprender. Es-ta afirmao do filsofo Benjamin destacada por Canevacci (1997, p. 13) nos aponta a importncia que ele v na desorientao pessoal para que se possa entrar em contato com as mltiplas possibilidades da cidade. Para Benjamin, os fragmentos observados na cidade per-mitem estabelecer novas relaes e sensibilidades. Desta forma, per-mitir-se vivenciar a cidade no com um roteiro de pontos tursticos preestabelecidos, mas ao acaso, possibilita ao personagem Benjamin vivenciar uma cidade complexa e descobrir facetas no controladas. Este caminho escolhido pela autora expressa uma aproximao com o pensamento de Walter Benjamin. Aproximao que se renova com o encaminhamento dado narrao com foco no valor da troca de experincias, e refora a importncia do vivido. Walter Benjamin observa que quando algum viaja sempre tem alguma coisa para contar, mas que aquele que est no local e conhece as suas histrias e tradies tambm. (BENJAMIN, 1980). O Louco dos Viadutos apro-

  • TELEVISO: FORMAS AUDIOVISUAIS DE FICO E D O CUMENTRIO.

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    xima estes dois elementos: o viajante Benjamin e os protagonistas do projeto social - Ga