Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Cincias Humanas . ISSN 1981-061X . Ano XII . abr./2017 . n. 23 . v. 1
Gustavo Machado
Sobre a possibilidade de uma revoluo russa nos escritos de
Marx
Gustavo Machado1
Resumo:
No presente artigo pretendemos examinar os ltimos escritos de Marx sobre
a Rssia, com o intuito de avaliar o seu significado em relao a sua
elaborao anterior e, particularmente, se apontam para qualquer ruptura
ou inflexo ante o desenvolvimento conceitual de O capital.
Palavras-chave: Revoluo Russa; Marx; histria.
On the Revolution possibility in Marxs writings
Abstract:
In this article we intend to examine the last writings of Marx on Russia,
aiming at to evaluate its meaning in relation to their previous elaboration
and, particularly, if they point to any rupture or inflexion in relation to the
conceptual development of his main work The capital.
Key words: Russian Revolution; Marx; History.
Em 2017, completam-se 100 anos da Revoluo Russa. Mesmo se tratando de um perodo marcado por tantos processos revolucionrios,
como demonstram os processos de descolonizao da sia e da frica, as
revolues Cubana e Chinesa, bem como os processos revolucionrios
derrotados, indiscutvel, quaisquer que sejam as preferncias tericas do
analista, que a Revoluo Russa no se afigura como um mero momento
dentre outros. Longe disso. O processo iniciado em 1917 colocou sob nova
perspectiva todos os eventos transcorridos desde esta data e alterou de
forma definitiva o destino de todas as demais naes, por trgico que possa
ser considerado o seu desfecho2. Particularmente, no domnio terico, o
pensamento de Karl Marx, at ento considerado apenas mais um dos
1 Mestre em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do Instituto
Latino-Americano de Estudos Socioeconmicos.
2 Como ilustrao do impacto avassalador da Revoluo Russa, basta rememorar que, em
meados de 1921, o III Congresso da Internacional Comunista, criada sob o influxo da
Revoluo Bolchevique, reuniu 605 delegados de 103 organizaes que representavam 52
pases de todos os continentes. Parte expressiva desses partidos j possua dezenas de
milhares de membros (cf. BROU, 2007, pp. 288-99).
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mltiplos captulos da tradio revolucionria do sculo XIX, tal como o foi,
por exemplo, Blanqui e Proudhon, no pde mais ser ignorado.
Ora, como se sabe, em fevereiro de 1848, com a publicao do
Manifesto comunista, Marx apresentara ao mundo uma nova perspectiva
de transformao social, no mais fundada em modelos futuros de uma
sociedade perfeita, em apelos ticos de justia ou nos direitos universais do
homem3, mas nas condies sociais dadas ou, mais precisamente, no
entrelaamento entre o proletariado e o movimento socialista, entre as
necessidades sociais de uma dada classe social, produto genuno do modo
de produo capitalista, e a possibilidade de destruio e superao deste
mesmo modo de produo. Se poucos meses depois da publicao do
Manifesto o levante de junho de 1848 na Frana mostrara que o
proletariado poderia se colocar em luta em funo de seus prprios
interesses, em vez de marchar necessariamente a reboque de outras classes
sociais; se a Comuna de Paris mostrara que este mesmo proletariado
poderia, sob certas circunstncias, depor o poder constitudo; 1917 colocou
prova a efetividade da perspectiva acima aludida: a possibilidade de o
proletariado, por meio de suas organizaes e em funo das contradies
produzidas no seio da prpria sociedade capitalista, destruir as formas de
poder instauradas e colocar o futuro em suas mos. No sem razo, desde a
Revoluo Russa, a obra de Marx passou a ser, como nunca antes, debatida
e divulgada, reivindicada e detratada, em todos os meios e em todos os
espaos.
Paradoxalmente, no entanto, se a Revoluo Russa era vista como a
prova inconteste da efetividade do pensamento de Marx, por outro lado, era
considerada, por muitos, a sua negao, seu ponto frgil. Afinal, sendo a
Rssia um pas atrasado social, poltica e economicamente , o brao
asitico da Europa, o reduto da reao europeia4, como poderia ser
exatamente este pas, em que as condies sociais dadas estariam to pouco
3 A crtica ao socialismo utpico, socialismo dos engenheiros do futuro, perpassa boa parte
da obra de Marx. A ltima seo do Manifesto dedicada especificamente ao tema. A este
respeito, ver Oliveira (1998).
4 Em parte expressiva da obra de Marx existem referncias ao papel reacionrio exercido
pela Rssia desde a Revoluo Francesa. Por exemplo, em 1848, na Nova Gazeta Renana,
Marx escreveu que em qualquer lugar onde o absolutismo e a contrarrevoluo so ativos,
encontramos, de fato, sempre alemes, mas em nenhum lugar mais do que no ponto central
da contrarrevoluo permanente, a diplomacia russa (MARX, 2010, p. 365). Com relao
a esse tema, Marx escreveu uma obra, praticamente ignorada pela totalidade dos
intrpretes, destinada ao exame da diplomacia secreta no sculo XVIII, cujo centro o
papel desempenhado pela Rssia e pelo tsarismo (MARX, 1979). Seu juzo sobre a Rssia
era to severo que um importante bigrafo de Marx como David McLellan chega a afirmar
que ele tinha um dio quase patolgico contra a Rssia (MCLELLAN, 1990, p. 308).
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desenvolvidas em relao prpria forma social capitalista, o ponto de
partida da revoluo socialista?
Com efeito, foi exatamente desse modo que no poucos marxistas
consideraram a questo. Por exemplo, o marxista italiano Antonio Gramsci,
em dezembro de 1917, escreveu um artigo sobre a ento recente Revoluo
Russa, denominado: A revoluo contra O capital. No haveria nada de
estranho nesse ttulo, no fosse o fato de por O capital Gramsci se referir
no forma de organizao social contraposta pela revoluo em curso, mas
obra principal de Marx. A Revoluo de Outubro seria, assim, uma
revoluo contra O capital de Marx, a negao de seu pensamento ou, ao
menos, de algumas teses centrais ali defendidas.
Dizia Gramsci literalmente que a Revoluo dos bolcheviques a
revoluo contra O capital de Marx. O capital de Marx era, na Rssia, o livro
dos burgueses, mais que dos proletrios. Ele continuava, de modo a no
deixar dvidas quanto a sua interpretao: O capital era a demonstrao
crtica da fatal necessidade de que na Rssia se formasse uma burguesia, se
iniciasse uma era capitalista, se instaurasse uma civilizao de tipo
ocidental. Somente ento o proletariado poderia pensar em sua desforra,
em suas reivindicaes de classe, em sua revoluo. E conclua: Os fatos
fizeram explodir os esquemas crticos dentro dos quais a histria da Rssia
deveria se desenvolver segundo os cnones do materialismo histrico
(GRAMSCI, 2004, p. 126).
O que era desconhecido de Gramsci poca que uma indagao
dessa natureza no era estranha ao prprio Marx. Nos ltimos anos de sua
vida, Marx fora questionado diretamente sobre as consequncias de sua
obra principal para o pas dos tsares. No apenas respondeu diretamente
questo como desenvolveu, ao menos em esboo, algumas especificidades
da sociedade russa. Antes, todavia, de melhor examinarmos tais escritos de
Marx, cabe analisar a questo prvia de se em seu pensamento anterior,
particularmente em O capital, poderamos encontrar respaldo para a tese
que nega a possibilidade de uma revoluo socialista na Rssia.
A Revoluo Russa a negao de O capital de Marx?
muito provvel que um dos trechos centrais para justificar a
presente tese se encontre no Prefcio primeira edio de O capital. Nesse
Prefcio, aps sustentar a necessidade do emprego da abstrao para
investigao dos fenmenos sociais, Marx esclarecia que o que pretendia
nessa obra investigar o modo de produo capitalista e suas
correspondentes relaes de produo e de circulao. Ora, como sua
localizao clssica , at o momento, a Inglaterra, ela servia de ilustrao
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principal da exposio terica. No entanto, tratava-se de uma edio alem,
motivo pelo qual Marx advertia que se o leitor alemo virasse as costas
situao da classe trabalhadora inglesa ele seria obrigado a gritar-lhe: A
fbula refere-se a ti (MARX, 2013, p. 78).
A reflexo acima esboada se agua no pargrafo seguinte, quando
Marx, ao comentar sobre as leis imanentes do modo de produo capitalista,
dizia das tendncias que atuam e se impem com frrea necessidade. Mais
ainda. O pas industrialmente mais desenvolvido no faz mais do que
mostrar ao menos desenvolvido a imagem de seu prprio futuro (MARX,
2013, p. 78). O que importa aqui notar que, dessas passagens, extraiu-se a
concluso de uma concepo etapista da histria: todos os pases deveriam
percorrer as mesmas fases de desenvolvimento at que, por fim, estivesse
colocada a possibilidade da superao do modo de produo capitalista, a
passagem para uma etapa superior. Sendo a Inglaterra, naquele momento,
o pas industrialmente mais desenvolvido, segue-se desse raciocnio que
seria em terras britnicas a origem da revoluo socialista ou, ao menos, em
outros pases mais desenvolvidos do Ocidente, como era o caso da Frana.
De fato, no faltam passagens na obra de Marx que atestam a
necessidade de uma revoluo na Inglaterra para o sucesso da revoluo
proletria. Vejamos alguns exemplos. Na Nova Gazeta Renana, jornal
editado por Marx em Colnia no curso das Revolues de 1848-49, podemos
ler: "A Inglaterra domina o mercado mundial. Uma transformao das
relaes econmico-nacionais em todos os pases do continente europeu, no
continente europeu em seu conjunto sem a Inglaterra, uma tempestade
num copo dgua. (MARX, 2010, p. 367) Na mesma direo, em 1850, na
Nova Gazeta Renana Revista, em artigo includo por Engels na edio do
livro As lutas de classes na Frana, vemos uma afirmao no mesmo
sentido: as relaes de produo francesas so condicionadas pelo
comrcio exterior da Frana, por sua posio no mercado mundial e pelos
seus limites; como poderia a Frana romp-los sem uma guerra
revolucionria que atingisse o dspota do mercado mundial, a Inglaterra?
(MARX, 2012, pp. 46-7).
Mesmo aps a primeira edio de O capital, podemos encontrar sem
maiores dificuldades passagens nesse mesmo sentido. Por exemplo, em seus
escritos sobre a Irlanda, datados de fins de 1869 a 1870, Marx explicava que,
pela sua posio na sociedade capitalista de ento, a classe trabalhadora
inglesa constitui desde j o peso mais decisivo para inclinar a balana da
emancipao social em geral (MARX; ENGELS, 1979, p. 189). A
Inglaterra, como metrpole do capital, como potncia que domina at
agora o mercado mundial, no momento o pas mais importante para a
revoluo operria. Alm disso, era o nico pas em que as condies
materiais para esta revoluo se desenvolveram at alcanar um certo grau
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de maturidade (MARX; ENGELS, 1979, p. 214). Muitos trechos anlogos
poderiam ser citados.
No fosse o bastante, vrios autores, como veremos adiante (com o
caso da primeira gerao de marxistas russos), encontram outro momento
da obra de Marx para corroborar a tese de que, para ele, uma revoluo
proletria apenas poderia ser levada a cabo na Inglaterra. Trata-se do
clebre Captulo XXIV de O capital, aquele a respeito da acumulao
originria. Nesse captulo, Marx explicava a gnese histrica do capital, se
no exclusivamente na Inglaterra, ao menos nos principais pases do
Ocidente europeu. Para tal, demonstrava como foi necessrio, para que o
capital viesse luz, um longo processo histrico em que os produtores
diretos foram violentamente expropriados de seus meios de produo e as
instituies feudais, que garantiam minimamente sua sobrevivncia,
dissolvidas. Em uma passagem particularmente interessante para o
problema aqui em anlise, presente na primeira edio francesa, portanto
em uma edio posterior alem, podemos ler: Essa expropriao s se
realizou de maneira radical na Inglaterra: por isso, esse pas desempenhar
o papel principal em nosso esboo. Mas todos os outros pases da Europa
ocidental percorreram o mesmo caminho. (MARX, 2013, p. 788)
Diante desse quadro, a concluso parece ser a de que somente aps
esse longo percurso, que vai da dissoluo das relaes sociais feudais ao
desenvolvimento pleno das relaes sociais capitalistas, poder-se-ia pensar
em uma revoluo proletria, na expropriao dos expropriadores, tal como
ousaram fazer, paradoxalmente, ou para alguns, precipitadamente, o
proletariado russo sob direo do Partido Bolchevique. A emancipao do
proletariado teria como pressuposto um certo grau de maturao das
condies sociais a que, quela altura, apenas a Inglaterra atenderia.
Se , no entanto, absolutamente inquestionvel o juzo de Marx de
que, ao menos para a situao econmico-mundial da poca, uma revoluo
inglesa era uma condio necessria para o sucesso da revoluo socialista
e da emancipao do proletariado, podemos nos perguntar em que medida
os trechos acima citados, e qualquer outro, autorizam-nos a inferir que um
processo revolucionrio deva necessariamente se iniciar pelo seu polo mais
desenvolvido ou, ainda, o que mais grave, que todos os pases devam seguir
o mesmo curso deste. Mesmo a passagem j citada de que o pas
industrialmente mais desenvolvido no faz mais do que mostrar ao menos
desenvolvido a imagem de seu prprio futuro no permite de modo algum
inferir que este pas mais atrasado deva seguir o mesmo caminho e passar
pelas mesmas fases de sucesso que o pas mais desenvolvido.
E realmente! A hiptese de que a revoluo socialista deva
necessariamente comear pela Inglaterra ou, ainda, aquela outra tese a
esta correlata: a de que todos os pases devam passar pelas mesmas etapas
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sociais de desenvolvimento comeam a perder toda sua aparente solidez
to logo examinemos mais de perto o texto de Marx, no lugar da colagem
arbitrria de um sem-nmero de trechos isolados.
Em uma leitura atenta do captulo sobre a acumulao originria,
logo se percebe que, longe de criar qualquer universalizao para l da
histria, de impingir um carter de necessidade ao processo histrico, o
desenvolvimento de cada localidade era preservado em sua originalidade
incontornvel. Mesmo a passagem acima citada, em que se dizia que todos
os outros pases da Europa ocidental percorreram ou esto a percorrer o
mesmo caminho [o da acumulao originria], prosseguia com o seguinte
complemento: ainda que, segundo o meio, ele mude de colorao local, ou
se restrinja a um crculo mais estreito, ou apresente um carter menos
pronunciado, ou siga uma ordem de sucesso diferente (MARX, 2013, p.
788).
Como se nota, a passagem se refere to somente aos pases da Europa
ocidental que, de uma maneira ou de outra, j percorreram ou esto a
percorrer o caminho que conduz ao modo de produo capitalista. Mesmo
nesse caso, Marx esclarecia que, segundo o pas considerado, este processo
se apresentava com distintas tonalidades, amplitude e, ainda, com ordens
de sucesso diversas. Se isto era assim nas situaes j consumadas de
pases da Europa ocidental, o que dizer daqueles que procuram uma teoria
das etapas necessrias inescapveis para toda e qualquer localidade,
independentemente das particularidades internas de seu
desenvolvimento?5
Ora, realmente, tal teoria no poderia encontrar, e no encontra,
qualquer respaldo nos textos de Marx. Diferentemente da teodiceia
hegeliana, em O capital no existe qualquer Absoluto que impulsione a
humanidade rumo ao capitalismo. Se possvel dizer que a Inglaterra
mostra aos demais pases a imagem de seu prprio futuro, pelo fato de o
capital, uma vez originado local e historicamente, pela sua dinmica e
potncia internas, ter a tendncia de estender os seus tentculos a todas as
formas sociais a ele concomitantemente existentes. No entanto, se esta
tendncia interna do capital sempre permanece, nada se pode dizer, a
5 A teoria das etapas necessrias pelas quais passaria toda e qualquer nao foi cristalizada
na III Internacional a partir do ensaio atribudo a Stlin: Materialismo dialtico e
materialismo histrico (STLIN, 1982). Entre ns, essa viso foi mais amplamente
difundida por Nelson Werneck Sodr. Por exemplo, j ao final de sua vida, em uma
conferncia sobre a teoria da histria no Brasil, ele diz: O feudalismo representa avano
em relao ao escravismo, e por isso vem depois, no tempo (...). Acontece, no Brasil (...). Ao
mesmo tempo, as relaes escravistas passam, sem intermediaes atenuadoras como
aconteceu no modelo clssico a relaes de novo tipo, que denominamos feudais.
(SODR, 1980, pp. 141-2)
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priori, a respeito de quando, por que meios ou etapas tal tendncia poderia
se efetivar. Nem mesmo se ir se efetivar.
Mais ainda. A mera origem histrica, em uma dada localidade, de
indivduos expropriados em face de outros com o controle dos meios de
produo no assegura por si s o desenvolvimento do capital. Marx pde
escrever esse captulo no por uma necessidade inscrita no interior do
processo histrico ingls, ou no interior da histria ocidental, mas porque,
no sculo XIX, o capital j se encontrava plenamente desenvolvido nesse
pas, permitindo buscar no passado a sua origem. Nos Grundrisse, j dizia
Marx que, enquanto o capital fraco, ele prprio procura ainda apoiar-se
nas muletas dos modos de produo do passado ou que esto
desaparecendo com o seu surgimento. To logo ele se sente forte, joga as
muletas fora e se movimenta de acordo com as suas prprias leis (MARX,
2011, p. 546). O capital de muletas ainda no se movimenta de acordo com
suas prprias leis e, no sem razo, nos momentos em que a antiga
sociedade se encontra em decadncia, a intencionalidade dos indivduos, a
maior ou menor audcia dos personagens e sujeitos sociais em luta, assim
como acidentes histricos de todo tipo, jogam, sem qualquer dvida, um
importante papel.
Tanto assim que, em nota, acrescentava-se: a Itlia, onde a
produo capitalista se desenvolveu mais cedo, foi tambm o primeiro pas
a manifestar a dissoluo das relaes de servido. (...) Assim, sua
emancipao o transforma imediatamente num proletrio absolutamente
livre, que, no entanto, j encontrava seus novos senhores nas cidades, em
sua maior parte originrios da poca romana. Por que ento no foi a Itlia
a ptria originria do capital? Ora, apesar desse percurso inicial, quando no
sculo XV se deu cabo da supremacia comercial do Norte da Itlia em funo
de uma revoluo no mercado mundial, surgiu um movimento em sentido
contrrio. Os trabalhadores urbanos foram massivamente expulsos para o
campo e l deram um impulso indito pequena agricultura, exercida sob a
forma da horticultura (MARX, 2013, p. 788). Sem dvida, inmeros outros
casos poderiam ser mencionados nessa mesma direo.
Como se v, no se encontra em O capital qualquer respaldo para a
tese etapista e unilinear da histria. Mesmo assim, tal tese j se insinuava
entre certos grupos de marxistas russos nos fins dos anos 1870,
particularmente em um grupo de russos exilados em Genebra, onde se
encontravam, dentre outros, Plekhnov e Axelrod. No h de se
surpreender, ento, que o prprio Marx demonstrasse um certo espanto
ante tais interpretaes e contra elas tenha se manifestado, sem deixar
margem para qualquer ambiguidade.
Referimo-nos carta enviada por Marx redao do jornal russo
Notas Patriticas, na qual contestava o socilogo Nicolai Michailovski. Este
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escrevera um artigo para este mesmo jornal com o intuito de responder s
acusaes do economista liberal Juli Jukovski. Ocorre que nesse artigo
Michailovski sustentava exatamente a tese de que a Rssia deveria percorrer
as mesmas etapas de desenvolvimento que os demais pases da Europa
ocidental. Em sua resposta, Marx disse que Michailovski metamorfoseou
completamente seu esquema histrico da gnese do capitalismo na Europa
ocidental em uma teoria histrico-filosfica do curso geral fatalmente
imposto a todos os povos, independentemente das circunstncias histricas
nas quais eles se encontrem (MARX; ENGELS, 2013, p. 68). A essa
interpretao, que a posteridade transformar em lugar-comum, Marx
respondia: Porm, peo-lhe desculpas. (Sinto-me to honrado quanto
ofendido com isso.) Tomemos um exemplo. Em diferentes
pontos de O capital fiz aluso ao destino que tiveram os plebeus
da antiga Roma. Eles eram originalmente camponeses livres que
cultivavam, cada qual pela prpria conta, suas referidas parcelas.
No decurso da histria romana, acabaram expropriados (...).
Assim sendo, numa bela manh (eis a), de um lado homens
livres, desprovidos de tudo menos de sua fora de trabalho, e de
outro, para explorar o trabalho daqueles, os detentores de todas
riquezas adquiridas. O que aconteceu? Os proletrios romanos
no se converteram em trabalhadores assalariados, mas numa
turba desocupada, ainda mais abjetos do que os assim chamados
brancos pobres dos estados sulistas dos Estados Unidos, e ao
lado deles se desenvolve um modo de produo que no
capitalista, mas escravagista. (MARX; ENGELS, 2013, pp. 68-9)
Continuava ele: acontecimentos de uma analogia que salta aos
olhos, mas que se passam em ambientes histricos diferentes, levando a
resultados totalmente dspares. E conclua, de modo a no deixar margem
para dvidas sobre a impossibilidade de uma teoria histrica universal
perpassada por um elemento de necessidade: Quando se estuda cada uma
dessas evolues parte, comparando-as em seguida, pode-se encontrar
facilmente a chave desse fenmeno. Contudo, jamais se chegar a isso tendo
como chave-mestra uma teoria histrico-filosfica, cuja virtude suprema
consiste em ser supra-histrica. (MARX; ENGELS, 2013, p. 69) O trecho
no poderia ser mais contundente e direto em relao ao problema aqui em
anlise. A chave dos fenmenos pode ser encontrada quando se estuda cada
uma dessas evolues parte, comparando-as em seguida, jamais por meio
de uma teoria histrico-filosfica, jamais por meio de uma teoria supra-
histrica que pretenda informar, de antemo, o curso do processo
histrico.
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Ora, se alguns autores, mesmo nos dias de hoje, como o caso de
Michael Lwy6, sustentam existir em Marx, ao menos em certos momentos
de sua trajetria, uma teoria etapista ou unilinear da histria, no
encontramos qualquer apoio em seus textos, sobretudo em O capital. Na
verdade, desde muito cedo Marx rechaou sem ambiguidades qualquer
teoria histrico-universal. Por exemplo, em texto direcionado ao
economista alemo Friedrich List, datado de 1845, ainda que em uma
linguagem mais abstrata, podemos ler: Sustentar que cada povo passa por este tipo de desenvolvimento
seria uma viso to absurda como pensar que cada povo teria de
seguir o desenvolvimento poltico da Frana ou o
desenvolvimento filosfico da Alemanha. O que as naes
fizeram enquanto naes, fizeram-no para a sociedade humana;
todo o seu valor reside somente em que cada (nao) concretizou
para as outras uma determinao principal (um ponto de vista
principal) dentro das determinaes segundo as quais a
humanidade leva a cabo o seu desenvolvimento. (MARX;
ENGELS, 2013, pp. 68-9)
Em suma, se verdade que Marx sustentou que, para o sucesso da
revoluo proletria, seria necessria uma revoluo em seu elo mais
desenvolvido, j que o socialismo pressupe o desenvolvimento superior
das foras produtivas sociais promovido pelo trabalho assalariado (MARX,
2011, p. 111); se igualmente correto que procurou demonstrar a tendncia
interna do capital e no uma tendncia externa posta pela (H)istria
concebida metafisicamente de se expandir por todo o Globo, dissolvendo
as formas sociais pretritas; jamais procurou deduzir filosoficamente o
desenvolvimento histrico e as etapas necessrias pelas quais deveria passar
toda e qualquer nao; jamais afirmou que a revoluo proletria
principiaria necessariamente pela Inglaterra ou qualquer outro pas.
Tampouco possvel deduzir de seus escritos a impossibilidade de sua
realizao, de incio, em um pas atrasado. No possvel extrair concluso
alguma sobre uma situao particular sem que antes se tenha estudado
cada uma dessas evolues parte, comparando-as em seguida. Somente
uma leitura muito superficial de O capital, como parece ser a de Gramsci,
ao menos no perodo do artigo referido no comeo do presente texto, pde
6 Na apresentao da coletnea que tomamos como base neste artigo, mas tambm
em outros textos anteriores, Michael Lwy sustenta que os escritos de Marx sobre a Rssia
marcam uma ruptura profunda com qualquer interpretao unilinear, evolucionista,
etapista e eurocntrica do materialismo histrico (LWY in MARX; ENGELS, 2013, p.
9). A tese , no mnimo, curiosa, particularmente por tomar como ponto de demarcao
exatamente a carta de 1877 citada acima, em que Marx nega que O capital oferea uma base
minimamente consistente para qualquer teoria unilinear da histria.
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concluir que a Revoluo Russa teria sido uma revoluo contra O capital
de Marx.
Se, no entanto, a Rssia no estava destinada a passar,
necessariamente, pelas mesmas etapas que a Inglaterra, que outras
possibilidades existiriam? justamente no intento de investigar outra
possibilidade no desenvolvimento histrico russo que se inserem os escritos
de Marx originalmente destinados a Vera Zasulitch. o que iremos analisar
no prximo item do presente artigo.
Os ltimos escritos de Marx sobre a Rssia
Antes de adentramos em nosso ltimo tema, os esboos que Marx
escreveu em resposta carta de Vera Zasulitch, essencial situar o contexto
desses escritos. A carta enviada pela revolucionria russa a Marx, datada de
16 de fevereiro de 1881, insere-se no marco das polmicas entre os
narodniki e um grupo de pretensos marxistas russos. Cabe, aqui, uma
pequena nota histrica a este respeito, sem a qual a compreenso desses
escritos fica prejudicada.
At cerca de 1890, portanto, aps a morte de Marx, predominou no
movimento revolucionrio russo um ramo, por assim dizer, agrrio do
socialismo, conhecido como narodnik ou populista7. Seus adeptos
acreditavam que a Rssia evitaria os males da indstria moderna, de tipo
ocidental, ao alcanar uma ordem socialista genuinamente russa, fundada
no primitivo ncleo de explorao comum da terra que ainda existia no pas.
Para eles, era suficiente abolir a servido e a autocracia para fazer emergir,
espontaneamente, a liberdade social e espiritual imanente a esses ncleos.
Tratava-se de um movimento com tintura eslavfila, contraposto
propagao da influncia europeia em seu pas. O certo que,
independentemente dos diferentes matizes entre as abordagens do
problema pelos prprios narodniki, eles tinham em comum o fato de
fundamentar um programa de transformao socialista no pas em suas
peculiaridades histricas, colocando em segundo plano as determinaes
universais que configuram o capital e constituem o fundamento do
programa de transformao social fomentado desde Marx.
7 Importante ressaltar que por socialismo agrrio no nos remetemos, neste caso, a uma
concepo conservadora do socialismo bastante difundida na primeira metade do sculo
XIX, cujo objetivo seria, em contraposio aos males da indstria urbana, retornar a um
passado rural embasado na pequena propriedade. Sobre esta vertente do socialismo, ver
Droz (1972). No presente caso, no se trata nem da propriedade individual, j que a
comuna agrcola russa, como veremos, era uma forma de propriedade coletiva, tampouco
de um retorno ao passado, j que os narodniki se assentavam em uma relao de produo
ainda existente como base para construo de uma sociedade futura.
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Ocorre que, no interior do movimento narodnik, emergiu uma
tendncia diversa, em alguma medida influenciada pela edio russa de O
capital de Marx. Com Plekhnov cabea, este novo movimento previu a
iminente disseminao da indstria tipicamente capitalista na Rssia,
destruindo sua estrutura patriarcal e as primitivas comunas rurais em que
os narodniki queriam fundar seu socialismo. Da a tese de que apenas em
um futuro indeterminado, quando o modo de produo capitalista houvesse
se apoderado da Rssia em extenso e profundidade, poder-se-ia falar em
uma revoluo socialista nesse pas.
nesse contexto que Vera Zasulitch, originalmente pertencente aos
narodniki mas que integrara a organizao marxista russa Emancipao do
Trabalho em 1883, escreveu a Marx que apenas duas solues seriam
possveis para o futuro do movimento socialista em seu pas, indagando a
qual delas Marx daria seu aval. Em uma primeira situao, a comuna rural,
liberada das exigncias desmesuradas do fisco, dos pagamentos aos donos
das terras e da administrao arbitrria, capaz de se desenvolver pela via
socialista. Ou, ento, se, ao contrrio, a comuna est destinada a perecer,
resta ao socialista descobrir em quantas dezenas de anos a terra do
campons russo passar de suas mos para as da burguesia, em quantas
centenas de anos, talvez, o capitalismo atingir na Rssia um
desenvolvimento comparvel ao da Europa ocidental (ZASULITCH in
MARX; ENGELS, 2013, pp. 68-9).
Eis o contexto em que se inserem os ltimos escritos de Marx sobre a
Rssia. Eles tm em vista to somente responder s seguintes perguntas:
qual o futuro da comuna agrcola russa? Est destinada a perecer? Ou, ao
contrrio, est destinada a cumprir um papel de importncia maior no
futuro? Em resposta a essa correspondncia, Marx escreveu quatro esboos,
mas, ao final, apenas uma breve carta foi enviada. O que essencial ter em
vista no presente caso, porm, que todo esse material no visa a analisar a
situao russa em seu conjunto, como fizera Marx, por exemplo, em artigos
sobre ndia, China e Irlanda escritos nos decnios anteriores. No existe
nesses esboos, por exemplo, qualquer anlise sobre o papel histrico e a
situao atual do tsarismo, sobre o desenvolvimento do proletariado russo
nascente, sobre a relao entre este vasto Imprio eslavo e os demais pases
do Ocidente ao Oriente. Equivoca-se, portanto, quem procura encontrar
nesses esboos uma elaborao de conjunto sobre as possibilidades de uma
revoluo futura na Rssia. Apenas um aspecto deste complexo problema
tratado: o papel a ser desempenhado pela comuna agrcola russa no
prximo perodo histrico, particularmente no caso de uma revoluo social
no pas. No poderia ser de outro modo, afinal, nesses esboos e na carta
definitiva enviada a Vera Zasulitch, Marx se dedicava unicamente a
responder pergunta por ela colocada. Isso quer dizer, insistimos, que todo
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o seu contedo no tem em vista responder questo da revoluo russa em
termos globais, mas ao problema do papel a ser desempenhado pela comuna
agrcola na revoluo russa.
Nessa perspectiva, os esboos se vinculam ao problema j tratado no
item anterior. Marx partia da negao de que O capital fornecesse a base
para uma teoria histrico-filosfica do devir de todo e qualquer pas. Nesse
sentido, escreveu que a anlise apresentada nO capital no oferece razes
nem a favor nem contra a vitalidade da comuna rural (MARX; ENGELS,
2013, p. 115). Em vez de recorrer a qualquer teorizao universal, Marx
revelava ter feito um estudo especial (...) dessa questo, para o qual
buscou os materiais em suas fontes originais (MARX; ENGELS, 2013, p.
115). Era necessrio, assim, para responder ao impasse colocado por
Zasulitch, examinar os traos especficos da comuna rural russa. Antes,
porm, cabem alguns comentrios sobre os escritos anteriores de Marx,
quando o tema das comunidades embasadas na apropriao coletiva do solo
j havia sido tratado.
Em fins dos anos de 1850, Marx dedicara grande espao ao estudo
dessas comunidades comunistas primitivas. Em seu livro Contribuio
crtica da economia poltica, explicava que o trabalho comunitrio em sua
forma originria se encontra no limiar da histria de todos os povos
civilizados (MARX, 1971, p. 41) e em nota especificava que um preconceito ridculo, muito generalizado ultimamente,
acreditar que a propriedade coletiva primitiva uma forma
especificamente eslava, ou exclusivamente russa. a forma
primitiva, de que se pode detectar a presena nos romanos,
germanos e celtas, mas de que se encontra ainda na ndia todo
um mostrurio dos vrios modelos, embora em parte no estado
de vestgios (MARX, 1971, p. 67).
Como podemos perceber, tais comunidades so a forma originria
por meio da qual os homens se apropriaram da natureza. Ainda que
marcadas por inumerveis variaes internas, pelo domnio das
determinaes particulares da natureza e da comunidade em face da
universalidade, foi na forma da apropriao coletiva da terra que, por todos
os lados, a espcie humana levou a cabo originariamente sua existncia.
Com mais detalhes, tais comunidades so analisadas em trecho dos
Grundrisse editado com o ttulo: Formas que precedem a produo
capitalista ou simplesmente Formen (MARX, 2011, pp. 397-424). Nesse
texto, Marx explicava que o trao distintivo dessas comunidades a
ausncia de propriedade privada da terra, ou, ainda, a ausncia de mediao
nas relaes entre homem-comunidade-natureza. Ao se vincular
diretamente sua respectiva comunidade e, enquanto membro desta,
terra, o homem se encontra diante de uma dupla unidade imediata: de um
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lado, homem-natureza, de outro, homem-comunidade, pois cada frao de
propriedade no pertence a nenhum membro por si mesmo, mas [apenas]
como membro imediato da comunidade (MARX, 2011, p. 393). A ausncia
de mediaes faz ntidas e transparentes as relaes sociais, j que elas se
mostram como efetivamente so em sua totalidade. No entanto, de outra
parte, a capacidade limitada de domnio do homem sobre as condies
naturais coloca obstculos e limites externos de todos os tipos.
Um limite particularmente importante dessas comunidades
originrias, tendo em vista o seu desenvolvimento, que, enquanto membro
em unidade direta com o agrupamento comunal, o indivduo no se
diferencia dele, relacionando-se com ele como se estivesse preso por um
cordo umbilical. Por isso, pouco espao existe aqui para o desenvolvimento
de sua individualidade. Os indivduos so componentes puramente naturais
ou meros acidentes de uma entidade comunitria substancial e,
diversamente de outras formas sociais que se seguiram, no existe a livre
iniciativa que alarga as possibilidades de um desenvolvimento original de
um membro ante os demais, destacando-os do anonimato comum. Em
suma, nesse estgio originrio, o ser do indivduo o ser da comunidade e o
indivduo enquanto tal algo indeterminado.
Todas as reflexes sobre essas comunidades originrias, existentes
nos Grundrisse, no entanto, tm em mira sempre o modo de produo
capitalista, principalmente porque o sistema da produo fundado na troca
privada, isto , o capitalismo, , em primeiro lugar, a dissoluo histrica
desse comunismo desenvolvido natural e espontaneamente (MARX, 2011,
p. 757). O segredo histrico do modo de produo capitalista corresponde,
assim, ao segredo da dissoluo das comunidades primitivas e por esse
motivo que Marx dedicou a maior parte das Formen anlise desta forma
social em contraposio ao capital. nesse mesmo sentido que se insere o
captulo de O capital destinado a decodificar a acumulao originria. Tal
como nas Formen, o que est em questo nesse captulo compreender a
origem do capital, ao pressupor a completa dissociao entre os produtores
e seus meios de produo. Da mesma maneira que nas Formen no
preocupava a Marx estudar nenhuma forma de organizao social do
passado em si mesma, a questo do captulo da acumulao originria no
o estudo das particularidades da nao inglesa.
Nesse sentido, no est em questo, nos Grundrisse, analisar
nenhuma dessas comunidades assentadas na propriedade coletiva da terra
em suas respectivas particularidades, tal como se faz em uma anlise
historiogrfica ou antropolgica no sentido usual desses termos, mas tom-
las em seu conjunto tendo em vista estudar as especificidades do modo de
produo capitalista. Este aspecto explicitado pelo prprio Marx:
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O que necessita de explicao, ou resultado de um processo
histrico, no a unidade do ser humano vivo e ativo com as
condies naturais, inorgnicas, do seu metabolismo com a
natureza e, em consequncia, a sua apropriao da natureza, mas
a separao entre essas condies inorgnicas da existncia
humana e essa existncia ativa, uma separao que s est posta
por completo na relao entre trabalho assalariado e capital.
(MARX, 2011, p. 398)
Ocorre que, nos esboos da carta a ser enviada a Zasulitch, o que est
em questo exatamente o exame das particularidades da comuna rural
russa, as razes de sua to longa sobrevida, mas, principalmente, as
possibilidades que ela encerrava tendo em vista o futuro. Como se nota,
um grave equvoco metodolgico procurar por rupturas nesses dois
momentos dos escritos de Marx, j que ambos tm em mira aspectos
diametralmente opostos no exame dessas formas sociais. Em um caso, o
enfoque o que h em comum entre as inmeras comunidades originrias
tendo em vista buscar a especificidade do capital, em outro, o cerne o que
distinguia a comuna agrcola russa em uma situao de coexistncia com o
modo de produo capitalista. Esclarecido este aspecto, podemos retomar
os esboos.
De incio, Marx admitiu que, em uma perspectiva histrica, apenas
existe um argumento srio a favor da dissoluo da comuna rural russa: o
fato de ela ter existido, de algum modo, em toda parte na Europa ocidental
e, no entanto, todas estas formas de produo comunal terem sucumbido
totalmente com o progresso social (MARX; ENGELS, 2013, p. 89). Mas,
j aqui emergia uma primeira particularidade de importncia decisiva para
a comuna agrcola russa: era graas contemporaneidade da produo
capitalista que ela pode se apropriar de todas as conquistas positivas e isto
sem passar por suas vicissitudes desagradveis. Afinal, a Rssia no vive
isolada do mundo moderno, tampouco foi vtima de algum conquistador
estrangeiro, como o foram as ndias orientais (MARX; ENGELS, 2013, pp.
89-90).
Ora, claro est que a concomitncia da propriedade coletiva russa
com o moderno modo de produo burgus colocava possibilidades e
cenrios radicalmente novos. No poderia ser de outro modo, afinal, o
capital se caracteriza exatamente por entrecruzar o destino de todos os
povos e naes, por entrelaar, por meio do mercado mundial, o conjunto
dos pases em uma s rede, em uma s unidade. Nada mais absurdo, nesse
contexto, do que conceber o devir dos mais diversos pases como uma srie
de desenvolvimentos contnuos, isolados e justapostos estaticamente um
em relao ao outro. Alm disso, o fato de no ser uma nao conquistada,
como era o caso da ndia (sob dominao direta da Inglaterra), impedia que
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as formas tradicionais de propriedade fossem arbitrariamente dissolvidas
pela interveno poltica direta, externa e consciente de um conquistador.
No , porm, somente isso. A vitalidade da comuna rural russa,
sua existncia, mesmo nos umbrais do sculo XX, apontava para
especificidades em relao s demais formas de propriedade do mesmo tipo
que um dia existiram na Europa e em outros locais do mundo. A primeira
delas, tratada com mais detalhes por Marx nos esboos, dizia respeito ao
fato de que, diferentemente de outras formas de propriedade comunal, a
comuna agrcola russa se desenvolveu de modo a permitir um
desenvolvimento mais alargado do indivduo.
Para esclarecer esse aspecto, Marx indicou certos traos
caractersticos que distinguiam a comuna agrcola [ou seja, a comuna
rural russa] dos tipos mais arcaicos. Com esse objetivo, listou uma srie
de caractersticas tpicas dessas comunidades originrias que existiram
anteriormente comuna agrcola russa. Em primeiro lugar, esto todas
baseadas no parentesco natural de seus membros, sendo uma de suas bases
materiais a casa comum. Motivo pelo qual a produo feita em comum
e apenas se reparte o produto. Nesse contexto, como j assinalamos, o
indivduo aparecia como mera encarnao de sua comunidade, sendo
particular unicamente a apropriao dos produtos destinados ao consumo
imediato. Ora, estando as determinaes individuais to reduzidas nessa
forma de sociedade, resta concluir que este tipo primitivo de produo
cooperativa ou coletiva foi, que fique claro, o resultado da fraqueza do
indivduo isolado e no da socializao dos meios de produo (MARX;
ENGELS, 2013, p. 92).
Em caminho diverso, a comuna agrcola russa rompia com o rgido
vnculo natural de parentesco, tornando-o mais capaz de expandir-se e de
suportar o contato com estrangeiros. A casa e seu complemento (o ptio)
j so propriedade privada do agricultor (MARX; ENGELS, 2013, p. 92).
Este aspecto foi desenvolvido de forma mais detida no terceiro esboo,
explicitando que a comuna agrcola foi o primeiro agrupamento social de
homens livres, no estreitado por laos de sangue (MARX; ENGELS, 2013,
p. 109). Some-se a isso o fato de que, em funo da existncia de uma casa
particular, o usufruto individual combinado com a propriedade comum
(MARX; ENGELS, 2013, p. 110). Mas a especificidade mais importante ,
sem dvida, a seguinte: no obstante a terra arvel continuar como propriedade
comunal, ela passa a ser periodicamente dividida entre os
membros da comuna agrcola, de sorte que cada agricultor
explora por conta prpria os campos que lhe foram designados,
apropriando- se individualmente dos frutos (MARX; ENGELS, 2013, p. 92).
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Como se v, a casa privada, a cultura parceleira da terra arvel e a
apropriao privada dos frutos admitiam um desenvolvimento da
individualidade, incompatvel com as condies das comunidades mais
primitivas (MARX; ENGELS, 2013, p. 92). Agora, o indivduo que
trabalhava dispunha da possibilidade de desenvolver atividades de sua livre
iniciativa, colhendo os frutos de seu esforo individual sem, com isso,
desgarrar-se de sua respectiva entidade comunitria e de todas as garantias
que este vnculo pode lhe propiciar. Eis o segredo da maior vitalidade da
comuna russa, bem como os motivos que lhe permitiam ser combinada com
os progressos tcnicos da moderna indstria capitalista.
Se tais especificidades, em certa medida, explicam os motivos da
vitalidade da comuna agrcola, de modo algum eliminam, no entanto, suas
contradies. A comear por suas contradies internas, as quais Marx
denominava de um dualismo inerente comuna agrcola passvel de,
com o tempo, tornar-se uma fonte de decomposio (MARX; ENGELS,
2013, p. 93). Esse dualismo imanente consistia mais ou menos no seguinte:
se, por um lado, essa configurao especfica possibilitava um maior
desenvolvimento do indivduo, de onde advinha seu vigor, por outro,
possibilitava tambm a gradual acumulao de um patrimnio mobilirio,
abalando a igualdade econmica e social, terminando por trazer luz, no
seio da prpria comuna, um conflito de interesses que acarreta
primeiramente a converso da terra arvel em propriedade privada e, em
seguida, a apropriao privada das florestas, pastagens e terras ociosas etc.,
as quais j haviam se convertido em anexos comunais da propriedade
privada (MARX; ENGELS, 2013, p. 93). Como se nota, essas mesmas
particularidades que permitiam, de algum modo ainda no totalmente
esclarecido, o desenvolvimento da comuna agrcola para uma forma de
organizao social superior sem que, com isso, fosse necessrio passar pelo
longo purgatrio da propriedade privada eram responsveis,
simultaneamente, por engendrar tendncias internas no sentido de sua
dissoluo, no sentido de fazer prevalecer a propriedade privada sobre a
propriedade coletiva.
Para alm dessa contradio interna, existia ainda outro limite que,
nos dizeres de Marx, constitua sua maior fragilidade: Trata-se de seu isolamento, a falta de ligao entre a vida de uma
comuna e a das demais, esse microcosmo localizado que no se
encontra mais em parte alguma como caracterstica imanente
desse tipo, mas que, onde se encontra, fez surgir um despotismo
mais ou menos central, que paira sobre as comunas. (MARX; ENGELS, 2013, p. 95)
Disso se segue que o desenvolvimento da comuna agrcola devesse
seguir o curso predeterminado de sua dissoluo? Segundo Marx, no
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necessariamente. A seguinte disjuntiva se impe: ou o elemento da
propriedade privada implicado nela prevalecer sobre o elemento coletivo
ou este ltimo prevalecer sobre o primeiro (MARX; ENGELS, 2013, p. 93).
Se a primeira alternativa poderia se realizar pelo mero desdobrar das
contradies internas da comuna, pelo contnuo desenvolvimento da
propriedade privada nela j implicada, bem como pela interveno externa;
para a realizao da segunda alternativa, ou seja, para a comuna tornar-se
um ponto de partida direto do sistema econmico para o qual tende a
sociedade moderna, isto , o socialismo, seria necessrio que ela trocasse
de pele sem, com isso, suicidar-se. Ou seja, se apropriar dos frutos com que
a produo capitalista enriqueceu a humanidade sem passar pelo regime
capitalista (MARX; ENGELS, 2013, p. 96).
Como se v, se verdade que Marx se afastou por completo da viso
unilinear e determinista da histria, tal como sustentavam os marxistas
russos, de outra parte, tambm se afastou da concepo eslavfila
caracterstica do movimento narodnik, ao menos em sua faceta mais
conhecida. Ao mesmo tempo em que reconhecia as contradies internas da
comuna agrria, assinalava que nenhum futuro poderia ser conferido a essa
comuna se, de algum modo, ela no se apropriar dos frutos com que a
produo capitalista enriqueceu a humanidade. Somente assim, como
insistia Marx nos sucessivos esboos e mesmo na verso definitiva enviada
a Zasulitch, a comuna poderia se tornar a alavanca da regenerao social
da Rssia (MARX; ENGELS, 2013, p. 115).
Como, no entanto, essa possibilidade poderia ser efetivada? Como
garantir a permanncia da comuna agrcola sob a base das conquistas
materiais da poca capitalista? Ora, se tais escritos de Marx so
fundamentais no esclarecimento das particularidades desta comuna
agrcola, bem como na negao de que um devir inexorvel estava reservado
Rssia, so decepcionantes do ponto de vista da resposta presente
questo. Afinal, no se indicam, de forma determinada, por quais vias essa
emancipao da comuna poderia se comungar com os frutos da produo
capitalista. verdade que Marx tinha conscincia do algo grau de abstrao
e indeterminao de sua elaborao tal como por ns exposta at aqui, tanto
que dizia, em meados do primeiro esboo, ser preciso descer da teoria pura
realidade russa (MARX; ENGELS, 2013, p. 96).
Na sequncia, procurando descer realidade russa, Marx negava,
com exemplos histricos, que os camponeses russos devessem passar pelo
mesmo processo que a Inglaterra. Explicava ele que no seria necessrio
expropri-los diretamente para expuls-los do campo, bastando priv-los
do produto do seu trabalho agrcola para alm de uma determinada
medida (MARX; ENGELS, 2013, p. 96). Descrevia, ento, os mecanismos
fiscais e reformas efetivadas pelo estado russo que estavam a asfixiar cada
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dia mais a comuna agrcola. E complementava: custa dos camponeses, o
estado deu forte impulso aos ramos do sistema capitalista ocidental, no
entanto, sem desenvolver de nenhum modo as capacidades produtivas da
agricultura (MARX; ENGELS, 2013, p. 96). E dizia com todas as letras que
para salvar a comuna russa preciso que haja uma revoluo russa. De
resto, os detentores dos poderes polticos e sociais fazem o melhor que
podem para preparar as massas para essa catstrofe (MARX; ENGELS,
2013, p. 100). Ainda assim, uma vez mais, no era explicitado por que meios,
sobre que base social e poltica essa revoluo poderia ler levada a cabo.
verdade que, com relao ao isolamento das comunas agrcolas,
Marx dizia ser um obstculo muito fcil de eliminar desde que a instncia
governamental fosse substituda por uma assembleia de camponeses
eleitos pelas prprias comunas e servindo de rgo econmico e
administrativo dos seus interesses (MARX; ENGELS, 2013, p. 95). O que
foi reafirmado de forma mais sucinta no segundo esboo. Dizia, ainda, que
os agricultores, mas no exclusivamente a comuna agrcola, uma entre as
vrias formas de propriedade fundiria na Rssia, eram a maior fora
produtiva da Rssia (MARX; ENGELS, 2013, p. 95). No entanto, como
conferir tal poder s comunas? Ou, o que mais importante, como destruir
o estado russo com todas as medidas que, tal como exposto pelo prprio
Marx, estavam a deteriorar cada vez mais essa forma de propriedade? No
segundo esboo, justamente em seu ltimo pargrafo, esta questo era posta
diretamente pelo prprio Marx. Ali ele dizia que, deixando de lado toda a
questo mais ou menos terica, era um fato que a prpria existncia da
comuna estava ameaada por todos os lados. E isso no era tudo. O
interesse dos proprietrios de terras constituir os agricultores mais ou
menos bem situados como classe mdia agrcola e transformar os
camponeses pobres isto , a massa em simples assalariados. E
terminava com a questo fundamental que acima aludimos: E como
resistiria uma comuna moda pelas exaes do estado, pilhada pelo
comrcio, explorada pelos proprietrios de terras, minada em seu interior
pela usura? (MARX; ENGELS, 2013, p. 95). Ora, com essa indagao
termina o segundo esboo, sem qualquer resposta questo posta.
Mais ainda. Nos sucessivos esboos, era justamente esse trecho da
elaborao que, descendo ao terreno mais concreto da realidade russa,
procurava explicitar por que meios seria possvel uma revoluo russa de
modo a permitir a regenerao da comuna agrcola sob as bases materiais
herdadas pela sociedade capitalista que foi paulatinamente se esvanecendo
at que, por fim, no quarto esboo e na carta definitiva a Zasulitch,
desapareceu por completo. Se Marx abria, com toda certeza, a realidade
russa para outras possibilidades que no fosse o lento penar no modo de
produo capitalista, ele no conseguiu encontrar, ao menos no cho da
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realidade russa de sua poca, uma elaborao mais determinada que
permitisse vincular as particularidades russas de ento universalidade da
revoluo socialista. No de se surpreender que, ao final, apenas uma curta
carta tenha sido enviada a Zasulitch, sem que o cerne da questo pudesse
ser satisfatoriamente esclarecido. Afinal, como dissemos e convm repetir,
Marx no conseguira superar o aspecto terico-abstrato de sua elaborao,
no conseguira descer da teoria pura realidade russa, vinculando suas
particularidades a uma finalidade histrico-universal. Em suma, a anlise
de Marx da questo em tela terminava de forma aportica.
Sua concluso mais precisa, mas ainda indeterminada, j que
permanece sem esclarecer em que consistiria uma eventual revoluo russa,
aquela do Prefcio edio russa do Manifesto comunista, datado de
1882, quando anunciava, em relao ao problema aqui tratado que a nica
resposta possvel a seguinte: se a revoluo russa constituir-se no sinal para a revoluo
proletria no Ocidente, de modo que uma complemente a outra,
a atual propriedade comum da terra na Rssia poder servir de
ponto de partida para uma evoluo comunista (MARX;
ENGELS, 2013b, p. 95).
Se os limites assinalados acima so oriundos de uma anlise ainda
insuficiente de Marx ou, ento, so prprios sociedade russa nos ltimos
decnios do sculo XIX esta uma questo que no pretendemos de modo
algum responder neste espao.
Consideraes finais
Como podemos perceber, se verdade que Marx no chegou a uma
concluso determinada sobre os caminhos possveis para uma revoluo
socialista na Rssia de ento, esse fato apenas confirma que ele jamais
elaborou um esquema geral da histria, uma teoria universal que capaz de
indicar todos os caminhos de antemo. Mas isso no tudo. No exame das
particularidades da comuna agrcola russa, de seus limites e
potencialidades, de seu papel na sociedade russa em seu conjunto, no foi
possvel extrair determinaes que permitissem vincular, objetivamente, as
necessidades imediatas do campesinato russo s necessidades histricas do
proletariado. Isto assim ainda que, abstratamente, tenha sido possvel
afirmar que, se combinada a uma revoluo proletria no Ocidente, a
comuna agrcola poderia servir de ponto de partida para uma evoluo
comunista na Rssia.
Fica patente, ento, que O capital de Marx, longe de indicar os
caminhos e descaminhos de qualquer nao, nem sequer garantia, a priori,
que um dado problema social pudesse encontrar nele sua soluo. O exame
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das particularidades nacionais, luz de O capital e no contra ele, uma
tarefa permanente e das mais complexas para qualquer marxista disposto a
buscar os caminhos entre o especificamente nacional e a universalidade da
revoluo socialista, entre as contradies especficas de uma dada nao e
as contradies do modo de produo capitalista.
Ora, apesar da importncia terica inquestionvel desses escritos de
Marx sobre a comuna agrcola russa, hoje sabemos que ela no sobreviveu.
Sua existncia, j bastante deteriorada poca de Marx, deu seus ltimos
suspiros com as reformas de Stolypin sob o tsar Nicolau II. De qualquer
modo, foi negando a tese unilinear da histria de Plekhnov e, ao mesmo
tempo, centrando todos os esforos possveis na correta compreenso das
particularidades nacionais russas, no entanto, sem autonomiz-las, como
faziam os narodniki que os bolcheviques, em outro ambiente histrico,
agora marcado por um potente proletariado urbano, conseguiram depor o
tsarismo e conduzir os trabalhadores e camponeses, e suas organizaes, os
sovietes, ao poder. Nesse sentido, enquanto realizao do projeto histrico
encerrado em O capital a partir das especificidades que cada contexto
sempre impe, a Revoluo Russa de 1917 pode ser considerada, como
nenhuma outra revoluo do sculo XX, a realizao de O capital de Karl
Marx.
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