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5/21/2018 Sem Lugar Para Se Esconder - Glenn Greenwald

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S E M L U G A R

P A R A S E

E S C O N D E R


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Ttulo original: No Place to Hide

Copyright 2014 por Glenn GreenwaldCopyright da traduo 2014 por GMT Editores Ltda.Publicado mediante acordo com a Metropolitan Books,uma diviso da Henry Holt and Company, LLC, Nova York.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser

utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorizaopor escrito dos editores.

TRADUO: Fernanda Abreu

PREPARO DE ORIGINAIS: Tas Monteiro

REVISO: Hermnia Totti e Luis Amrico Costa

DIAGRAMAO: Ana Paula Daudt Brando

CAPA: David Shoemaker

ADAPTAO DA CAPA: Miriam LernerADAPTAO PARA EBOOK: Marcelo Morais

CIP-BRASIL. CATALOGAO NA PUBLICAOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

G831sGreenwald, Glenn,1967-

Sem lugar

para se esconder[recursoeletrnico] /Glenn Greenwald


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FernandaAbreu]; Rio de

Janeiro: Sextante,2014.recurso digitalTraduo de: No

place to hideFormato:

ePub

Requisitos dosistema: AdobeDigital Editions

Modo de

acesso: WorldWide Web

ISBN 978-85-

431-0096-8


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eletrnico)1. Jornalismo.

2. Reportagensinvestigativas. 3.Reportagens ereprteres.

4.Espionagem. 5.Livroseletrnicos. I.

Ttulo.

14-11493CDD: 070.43CDU: 070.4

Todos os direitos reservados, no Brasil, porGMT Editores Ltda.Rua Voluntrios da Ptria, 45 Gr. 1.404Botafogo 22270-000 Rio de Janeiro RJTel.: (21) 2538-4100 Fax: (21) 2286-9244E-mail: [email protected]
http://www.sextante.com.br/mailto:[email protected]


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O governo dos Estados Unidos aperfeioou uma capacidade tecnolgica que nos permite monas mensagens transmitidas pelo ar (...). A qualquer momento, ela pode ser voltada conpopulao, e a capacidade de vigiar tudo conversas telefnicas, telegramas, qualquer coistamanha que nenhum americano teria mais privacidade alguma. No haveria onde se esconder.

Senador Frank Church, presiden

Comit Especial do Senado para Estudar Operaes do Go

Relacionadas a Atividades de Inteligncia,


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Este livro dedicado a todos aqueles que tentaramexpor os sistemas secretos de vigilncia

em massa do governo dos Estados Unidos,e principalmente aos corajosos delatores que arriscaram

a prpria liberdade para faz-lo.


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I N T R O D U O

No outono de 2005, sem muitas expectativas grandiosas, decidi criar um blog sobre polticapoca, eu mal sabia quanto essa deciso acabaria mudando a minha vida. Minha prinmotivao foi uma apreenso crescente em relao s teorias de poder radicais e extremistas adopelo governo dos Estados Unidos aps o 11 de Setembro, e eu esperava que escrever sobre questes fosse me possibilitar um impacto maior do que o proporcionado por minha carreiadvogado especializado em direito constitucional e direitos civis.

Apenas sete semanas depois de lanado o blog, o New York Timessoltou uma bomba: segjornal, em 2001 o governo Bush tinha dado uma ordem secreta NSA a Agncia de Segur

Nacional para espionar as comunicaes eletrnicas dos norte-americanos sem obter os mandexigidos pela legislao criminal vigente. Quando revelada, a espionagem j durava quatro ativera como alvo, no mnimo, muitos milhares de cidados do pas.

O tema era uma convergncia perfeita entre minhas paixes e minha especialidade. O govtentou justificar o programa secreto da NSA evocando exatamente o tipo de teoria extremista de pexecutivo que havia me motivado a comear a escrever: a ideia de que a ameaa do terrorismo ao presidente autoridade praticamente ilimitada para fazer qualquer coisa de modo a garansegurana da nao, inclusive violar a lei. O debate subsequente envolvia questes comprelacionadas ao direito constitucional e interpretao dos estatutos que minha formao jurdicpermitia abordar com conhecimento de causa.

Passei os dois anos seguintes cobrindo todos os aspectos do escndalo da espionagemautorizada da NSA, tanto no meu blog quanto em um livro lanado em 2006, que se tornou um seller. Minha posio era clara: ao ordenar uma vigilncia ilegal, o presidente havia cometido cre deveria ser responsabilizado por eles. No clima poltico cada vez mais opressivo e impregnadpatriotismo fantico do pas, esta se revelou uma posio muito controversa.

Foi esse histrico que, muitos anos mais tarde, levou Edward Snowden a me escolher comprimeiro contato para revelar abusos cometidos pela NSA em escala ainda mais monumenta

disse que acreditava poder conar em mim para entender os perigos da vigilncia em massa sigilo excessivo do Estado, e tambm para no recuar ante presses do governo e de seus maliados na mdia e em outras reas.

O volume impressionante de documentos ultrassecretos que Snowden me transmitiu, bem comfortes emoes dos acontecimentos relacionados sua pessoa, gerou um interesse mundial inditoameaa da vigilncia eletrnica em massa e pelo valor da privacidade na era digital. Os problsubjacentes, porm, j vinham se agravando havia muitos anos, quase sempre em segredo.

A polmica atual em relao NSA tem, sem dvida, muitos aspectos singulares. A tecnolog

hoje possibilita um tipo de vigilncia onipresente, antes restrita aos mais criativos autores de cientca. Alm disso, a venerao dos Estados Unidos pela segurana acima de tudo, iniciada a


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11 de Setembro, criou um ambiente particularmente propcio aos abusos de poder. Graas corde Snowden e relativa facilidade de copiar informaes digitais, temos a possibilidade niobservar em primeira mo os detalhes de como o sistema de vigilncia de fato funciona.

Apesar disso, as questes levantadas pelo caso da NSA remetem, sob muitos aspectos, a divepisdios histricos ocorridos em sculos passados. Na verdade, a oposio invaso da privacpelo governo foi um fator decisivo para a fundao dos prprios Estados Unidos, quando conorte-americanos protestaram contra leis que permitiam aos agentes do governo britnico saq

qualquer casa que quisessem. Os colonos concordavam que fosse legtimo o Estado obter mandespeccos para revistar pessoas quando os indcios estabelecessem uma causa provvel parainfraes. Mas os mandados genricos a prtica de submeter a populao inteira a reindiscriminadas eram fundamentalmente ilegtimos.

A Quarta Emenda constitucional entronizou essa ideia no direito norte-americano. Seus teso claros e sucintos: O direito dos cidados segurana de sua pessoa, de suas casas, dedocumentos e de seus bens contra revistas e conscos no fundamentados no ser violado, e s emitidos mandados mediante causa provvel, sustentados por juramento ou declarao, edescrevam em pormenores o local a ser revistado e as pessoas ou coisas a serem conscadasobjetivo da emenda, acima de tudo, era abolir para sempre no pas o poder do governo de submos cidados a uma vigilncia generalizada e sem suspeita prvia.

O desacordo relacionado vigilncia no sculo XVIII girava em torno de revistas domicilmas, medida que a tecnologia evoluiu, a vigilncia tambm evoluiu. Em meados do sculocom a expanso das ferrovias permitindo uma entrega de correio rpida e barata , a abeilegtima de toda a correspondncia pelo governo britnico provocou um forte escndalo no RUnido. Nas primeiras dcadas do sculo XX, o Escritrio de Investigao dos Estados Unidprecursor do atual FBI utilizava grampos, alm de monitorar correspondncias e usar informa

para controlar quem se opusesse s polticas nacionais.Sejam quais forem as tcnicas envolvidas, a vigilncia em massa apresentou vrias caracter

constantes ao longo da histria. Em primeiro lugar, so sempre os dissidentes e marginalizadpas que suportam o peso maior dessa vigilncia, o que leva aqueles que apoiam o governo, oque so simplesmente apticos, crena equivocada de que esto imunes. E a histria mostra qsimples existncia de um aparato de vigilncia em massa, seja ele usado da forma que for, porj basta para sufocar a dissidncia. Uma populao consciente de estar sendo vigiada logo se obediente e temerosa.

Em meados dos anos 1970, uma investigao da espionagem domstica conduzida pelo FBI chocante descoberta de que a agncia havia rotulado meio milho de cidados norte-americcomo subversivos em potencial e espionava pessoas regularmente com base apenas em suas crpolticas. (A lista de alvos ia de Martin Luther King a John Lennon, do Movimento de LibeFeminina anticomunista Sociedade John Birch.) Mas a praga do abuso da vigilncia est lonser uma exclusividade da histria dos Estados Unidos. Pelo contrrio: ela a tentao universqualquer poder inescrupuloso. E em todos os casos o motivo sempre o mesmo: elimdissidncias e garantir a submisso.

Assim, a vigilncia une governos cujas doutrinas polticas so notavelmente divergentes em o

temas. Na virada para o sculo XX, tanto o Imprio Britnico quanto o Imprio Francs cri


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departamentos especializados em monitoramento para lidar com a ameaa dos movimanticolonialistas. Aps a Segunda Guerra Mundial, o Ministrio da Segurana Estatal da AlemOriental, conhecido como Stasi, tornou-se um sinnimo de intromisso governamental na privada da populao. E h pouco tempo, quando os protestos populares da Primavera ameaaram o controle do poder pelos ditadores, os regimes da Sria, do Egito e da Lbia passarespionar o uso da internet por dissidentes internos.

Investigaes conduzidas pelo canal de notcias Bloomberg e pelo Wall Street Journal mos

que, ao serem ameaadas pelos manifestantes, essas ditaduras literalmente foram s comprasobter dispositivos de vigilncia junto a empresas de tecnologia ocidentais. Na Sria, o regime de Aconvocou funcionrios da empresa de vigilncia italiana Area SpA e lhes disse que precisava raspessoas com urgncia. No Egito, a polcia secreta de Mubarak comprou equipamentos para quea criptograa do Skype e interceptar chamadas de ativistas. E na Lbia, segundo o perijornalistas e rebeldes que entraram em um centro de monitoramento do governo em encontraram uma parede inteira de aparelhos pretos do tamanho de geladeiras da emprevigilncia francesa Amesys. O aparato inspecionava o trfego de internet do principal provlbio, abrindo e-mails, desvendando senhas, bisbilhotando chats e mapeando conexes entre vsuspeitos.

A habilidade para interceptar as comunicaes das pessoas confere imenso poder a quem o fmenos que esse poder seja contido por uma rgida superviso e prestao de contas, quase certamhaver abusos. Esperar que o governo dos Estados Unidos opere uma imensa mquina de vigilem total sigilo, sem ceder s tentaes que isso representa, contraria todos os exemplos histritodos os indcios disponveis sobre a natureza humana.

De fato, antes mesmo das revelaes de Snowden, j estava cando claro que tratar os EsUnidos como um pas de alguma forma excepcional no que tange questo da vigilncia

postura bastante ingnua. Em 2006, em uma audincia no Congresso intitulada A internet na Cferramenta de liberdade ou de supresso?, sucederam-se pronunciamentos condenando emprestecnologia norte-americanas por ajudarem a China a eliminar dissidncias na internet. ChristoSmith, deputado republicano pelo estado de Nova Jersey, que presidiu a audincia, equiparcooperao do Yahoo com a polcia secreta chinesa a entregar Anne Frank aos nazistas. Seu disfoi uma arenga feroz, um espetculo tpico de quando representantes do governo norte-amerdiscorrem sobre um regime no alinhado com os Estados Unidos.

No entanto, nem mesmo quem compareceu audincia pde deixar de notar que ela oc

coincidentemente apenas dois meses depois de o New York Times revelar a vasta operagrampos no autorizados conduzida pela administrao Bush. luz dessas descobertas, denuoutros pases por realizarem a prpria vigilncia domstica perdia todo o sentido. Brad Sherdeputado democrata pela Califrnia, discursou depois de Smith e observou que as emprestecnologia s quais se estava aconselhando resistir ao regime chins tambm deveriam tomar cuicom seu prprio governo. Caso contrrio, armou ele, proftico, embora os chineses possivelmtenham sua privacidade violada de maneira abominvel, pode ser que ns, aqui nos Estados Untambm descubramos que talvez algum futuro presidente, em nome dessas interpretaes mgenricas da Constituio, esteja lendo nossos e-mails, e eu preferiria que isso no acontecesse sem

mandado judicial.


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Nas ltimas dcadas, o temor relacionado ao terrorismo intensicado pelos constantes exaquanto ao risco real vem sendo explorado por lderes norte-americanos para justicar uma agama de polticas extremistas. Isso conduziu a guerras de agresso, a um regime de tortura abrangncia mundial e deteno (at mesmo ao assassinato) de cidados estrangeiros e namericanos sem qualquer acusao. Mas o onipresente e sigiloso sistema de vigilncia indiscrimigerado por esse temor pode muito bem vir a se revelar seu legado mais duradouro. Isso poapesar de todos os paralelos histricos, o escndalo da NSA tem tambm uma dim

genuinamente nova: o papel desempenhado hoje pela internet na vida cotidiana das pessoas.Sobretudo para as geraes mais jovens, a grande rede no um universo isolado, separadqual so realizadas algumas das funes da vida. A internet no apenas nosso correio e ntelefone. Ela a totalidade do nosso mundo, o lugar onde quase tudo acontece. l que se faz amse escolhe livros e lmes, se organiza o ativismo poltico, e l que so criados e armazenaddados mais particulares de cada um. na internet que desenvolvemos e expressamos npersonalidade e individualidade.

Transformar essarede em um sistema de vigilncia em massa tem implicaes muito difdas de quaisquer outros programas semelhantes anteriores do governo. Todos os antigos sistemespionagem eram obrigatoriamente mais limitados e propensos a serem driblados. Permitir qvigilncia crie razes na internet signicaria submeter quase todas as formas de interplanejamento e at mesmo pensamento humanos ao escrutnio do Estado.

Desde que comeou a ser usada de forma ampla, a internet foi vista por muitos como detentoum potencial extraordinrio: o de libertar centenas de milhes de pessoas graas democratizadiscurso poltico e ao nivelamento entre indivduos com diferentes graus de poder. A liberdade na a possibilidade de us-la sem restries institucionais, sem controle social ou estatal, e sonipresena do medo fundamental para que essa promessa se cumpra. Converter a interne

um sistema de vigilncia, portanto, esvazia seu maior potencial. Pior ainda: a transforma emferramenta de represso, e ameaa desencadear a mais extrema e opressiva arma de intruso ej vista na histria humana.

isso que torna as revelaes de Snowden to estarrecedoras e lhes confere uma importncvital. Quando se atreveu a expor a capacidade espantosa de vigilncia da NSA e suas ambiesespantosas ainda, ele deixou bem claro que estamos em uma encruzilhada histrica. Ser que digital vai marcar o incio da liberao individual e da liberdade poltica que s a internet capproporcionar? Ou ela vai criar um sistema de monitoramento e controle onipresentes, que ne

maiores tiranos do passado foram capazes de conceber? Hoje, os dois caminhos so possveis. Snossas aes que iro determinar nosso destino.


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C O N T A T O

Recebi minha primeira comunicao de Edward Snowden no dia 1ode dezembro de 2012, empoca no tivesse a menor ideia de que viesse dele.

O contato foi feito por um e-mail assinado Cincinnatus, em referncia a Lucius QuinCincinnatus, agricultor romano que, no sculo V a.C., foi nomeado ditador da cidade para defendos ataques que sofria. Ele mais lembrado pelo que fez aps derrotar os inimigos da civoluntariamente, abriu mo na mesma hora do poder poltico e voltou vida de agricAclamado como modelo de virtude cvica, Cincinnatus virou um smbolo do uso do poder poem prol do interesse pblico, e do valor de limitar ou mesmo abandonar o poder individual em

do bem maior.O e-mail comeava dizendo: A segurana das comunicaes das pessoas muito impor

para mim, e seu objetivo declarado era me convencer a adotar o padro de criptograa PGP, que Cincinnatus pudesse me transmitir informaes nas quais tinha certeza que eu estaria interesInventado em 1991, o PGP que em ingls signicapretty good privacy , privacidade brazovel foi aprimorado at se tornar uma sosticada ferramenta de proteo para e-moutras formas de contato on-line contra vigilncia e hackers.

Basicamente, o programa envolve cada mensagem em um escudo de proteo formado po

cdigo composto por centenas, ou at milhares, de nmeros aleatrios e letras com distino caixa alta e baixa. As agncias de inteligncia mais avanadas do mundo grupo que sem dinclui a NSA tm sowares de quebra de senhas com capacidade de um bilho de tentativasegundo, mas os cdigos PGP so to compridos e aleatrios que mesmo o mais sosticadosowares precisa de muitos anos para quebr-los. As pessoas que mais temem ter suas comunicmonitoradas, como agentes de inteligncia, espies, ativistas dos direitos humanos e hackers, connesse padro de criptografia para proteger suas mensagens.

No e-mail, Cincinnatus dizia que tinha procurado por toda parte minha chave pblica de um cdigo nico que permite s pessoas receberem e-mails criptografados, mas que no encontrado. Isso o levara a concluir que eu no usava o programa, e ele ento continuou: Issem risco qualquer pessoa que se comunique com o senhor. No estou dizendo que todas ascomunicaes precisam ser criptografadas, mas seria bom pelo menos dar essa opo a quem dentrar em contato com o senhor.

A seguir, Cincinnatus citou o escndalo sexual do general David Petraeus, cujo extraconjugal com a jornalista Paula Broadwell, que ps m sua carreira, foi revelado quinvestigadores descobriram e-mails do Google entre os dois. Se Petraeus tivesse criptografadmensagens antes de envi-las pelo Gmail ou salv-las em sua pasta de rascunhos, escreveu e

investigadores no teriam conseguido l-las. A criptograa importante, e no s para espiadlteros. Instalar um programa de e-mail criptografado, segundo Cincinnatus, uma medid


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segurana crucial para qualquer um que deseje se comunicar com o senhor. Para me motivseguir seu conselho, ele acrescentou: H pessoas por a com quem o senhor adoraria conversarque nunca vo poder entrar em contato a menos que saibam que suas mensagens no poderlidas em trnsito.

Ele ento se ofereceu para me instruir na instalao do programa. Se precisar de alguma apor favor, me avise, ou ento pea auxlio no Twitter. O senhor tem muitos seguidores versadotecnologia dispostos a oferecer assistncia imediata. E assinou assim: Obrigado. C.

Eu j pretendia usar um soware de criptograa havia bastante tempo. Fazia anos que escsobre o WikiLeaks, delatores, o coletivo ativista ciberntico conhecido como Anonymous e assrelacionados, alm de me comunicar de vez em quando com membros do establishment de segurnacional norte-americana. A maioria dessas pessoas se preocupa muito com a segurana decomunicaes e com impedir qualquer monitoramento indesejado. S que o programa complisobretudo para algum como eu, que tinha muito pouca habilidade em programao e informAssim, essa era uma das coisas que eu nunca chegara a fazer.

O e-mail de C. no me levou a agir. Como eu tinha cado conhecido por cobrir histrias restante da imprensa em geral ignorava, era procurado com frequncia por todo tipo de gentoferecendo um grande furo que em geral acabava no sendo nada. Alm disso, sempre trabalhmais reportagens do que consigo administrar, e portanto preciso de algo concreto para me obrilargar o que estou fazendo e correr atrs de uma nova pista. Apesar da vaga aluso a pessoaa com quem eu adoraria conversar, no havia nada sucientemente tentador no e-mail de C. li, mas no respondi.

Trs dias depois, recebi uma nova mensagem dele pedindo-me que conrmasse o recebimentprimeiro e-mail. Dessa vez respondi depressa: Recebi e vou cuidar do assunto. No tenho cPGP e no sei como arranjar um, mas vou tentar encontrar algum para me ajudar.

Mais tarde no mesmo dia, ele me respondeu com um passo a passo claro sobre o sistema uma espcie de manual de criptograa para iniciantes. Ao nal das instrues que conscomplexas e confusas, sobretudo devido minha prpria ignorncia , ressaltou que aquilo era bsico do bsico. Se no conseguir algum para gui-lo na instalao, gerao e utilizaprograma, por favor, me avise. Posso facilitar o contato com pessoas que entendem de criptquase qualquer lugar do mundo.

Esse e-mail terminava com uma assinatura mais reveladora: Criptograficamente, CincinnatApesar das minhas intenes, no pude arrumar tempo para me dedicar criptograa

semanas se passaram, e o fato de eu no conseguir resolver aquilo no me saiu da cabea.aquela pessoa tivesse mesmo uma revelao importante a fazer e eu fosse perd-la s por ter dede instalar um programa de computador? Tirando todo o resto, mesmo que Cincinnatus no nacontas no tivesse nada de interessante a dizer, eu sabia que a criptograa poderia me ser tfuturo.

No dia 28 de janeiro de 2013, mandei-lhe um e-mail dizendo que iria arrumar algum parajudar com a criptografia, e que esperava estar com tudo pronto dali a um ou dois dias.

Ele respondeu no dia seguinte: Que tima notcia! Se precisar de mais alguma ajuda ou surgoutras perguntas, estarei sempre disposio. Queira aceitar meus mais sinceros agradecimentos

seu apoio privacidade nas comunicaes! Cincinnatus.


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Mais uma vez, porm, no tomei nenhuma atitude. Alm de estar envolvido em outras mateu ainda no me convencera de que C. tivesse qualquer coisa interessante a dizer. No fazer nadfoi uma deciso consciente. O que aconteceu foi que, na minha lista sempre comprida demacoisas a fazer, instalar um programa de criptograa a pedido daquele desconhecido nunca se tourgente o bastante para que eu interrompesse outras atividades e me concentrasse nisso.

C. e eu, portanto, nos vimos em um impasse: ele no queria me dizer nada especco sobre tinha, ou mesmo sobre quem era e onde trabalhava, a menos que eu instalasse a criptograa

entanto, sem o atrativo de algum detalhe, atender ao seu pedido e encontrar tempo para isso numa prioridade para mim.Diante da minha inrcia, C. intensicou seus esforos: produziu um vdeo de dez minutos cham

PGP para jornalistas. Usando um soware que gera vozes computadorizadas, o vdeo me ensa instalar o programa, passo a passo, de um modo fcil, que inclua grficos e imagens.

Mesmo assim, continuei sem fazer nada. Nesse momento, como ele me contou mais tarde, C.frustrado. Aqui estou eu, pensou, prestes a arriscar minha liberdade e talvez at minha vida entregar a esse cara milhares de documentos ultrassecretos do mais secreto rgo pblico desta n um vazamento que vai gerar dezenas, se no centenas, de enormes furos jornalsticos, e ele capaz nem de se dar ao trabalho de instalar um programa de criptografia.

Eis quo perto cheguei de ignorar um dos maiores e mais inuentes vazamentos de segurnacional da histria dos Estados Unidos.

A notcia seguinte que tive do assunto veio dez semanas mais tarde. Em 18 de abril, peguei um do Rio de Janeiro, onde moro, at Nova York, onde tinha algumas palestras marcadas sobperigos do sigilo governamental e da violao das liberdades civis em nome da Guerra ao Terro

Ao aterrissar no aeroporto JFK, vi que tinha recebido um e-mail da documentarista Laura Poque dizia: Alguma chance de voc estar nos Estados Unidos nesta prxima semana? Adoraria tumas ideias sobre um assunto, mas seria melhor pessoalmente.

Eu levo a srio qualquer mensagem de Laura Poitras. Uma das pessoas mais focadas, desteme independentes que j conheci, ela fez vrios lmes em circunstncias arriscadssimas, sem enem apoio de qualquer organizao de mdia, com oramentos modestos, munida apenas decmera e da prpria determinao. No auge da pior onda de violncia da Guerra do Iraventurou-se no Tringulo Sunita para lmarMy Country, My Country (Meu pas, meu paretrato inflexvel da vida sob a ocupao norte-americana que tinha sido indicado ao Oscar.

Para seu lme seguinte, e Oath (O juramento), Poitras foi at o Imen, onde passouacompanhando dois iemenitas o guarda-costas de Osama bin Laden e seu motorista. Desde evem trabalhando em um documentrio sobre a vigilncia da NSA. Esses trs lmes, pensados cuma trilogia sobre a conduta norte-americana durante a Guerra ao Terror, tornaram-na umconstante de intimidao por parte das autoridades dos Estados Unidos toda vez que ela entrapas ou saa dele.

Graas a Laura, aprendi uma valiosa lio. Em 2010, quando nos conhecemos, ela j haviadetida em aeroportos mais de trinta vezes pelo Departamento de Segurana Interna ao chegar ao

fora interrogada, ameaada e tivera seu material apreendido, inclusive seu laptop, sua cmera ecadernos de anotaes. Mesmo assim, em todas as ocasies decidira no ir a pblico denuncia


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assdio implacvel por temer que as repercusses tornassem seu trabalho impossvel. Isso maps um interrogatrio particularmente agressivo no aeroporto de Newark. Laura havia chegadseu limite. O fato de eu car calada est fazendo a situao piorar, no melhorar. Ela estava prpara que eu escrevesse a respeito.

A matria que publiquei na revista on-line Salon, com detalhes sobre os constantes interrogataos quais ela fora submetida, atraiu ateno signicativa e produziu declaraes de apoio e dende intimidao. Na vez seguinte em que Laura saiu do pas e retornou de avio aps a publica

texto, no houve interrogatrio e seu material no foi conscado. Ao longo dos meses seguinteno sofreu qualquer assdio. Pela primeira vez em anos, pde viajar livremente.A lio para mim foi clara: os agentes de segurana nacional no gostam de ser exposto

agem de forma abusiva e truculenta quando acreditam estar seguros, escondidos. Descobrimos sigilo a chave do abuso de poder, a fora que o possibilita. O nico antdoto verdadeirotransparncia.

Ao ler o e-mail de Laura no aeroporto, respondi na mesma hora: Na verdade, acabei de chega

Estados Unidos hoje de manh... Onde voc est? Combinamos nos encontrar no dia seguintlobby do Marriott em Yonkers no qual eu estava hospedado, e nos acomodamos no restauranhotel. Por insistncia de Laura, mudamos de mesa duas vezes antes de comear a conversa, pacerteza de que ningum poderia nos escutar. Ela foi bem direta. Disse que tinha um asextremamente importante e delicado a discutir e que a segurana era fundamental.

Como eu estava com meu celular, ela me pediu para tirar a bateria ou ento deix-lo no quParece paranoia, falou, mas o governo consegue ativar celulares e laptops remotamente para los como escutas. Desligar o telefone ou o laptop no impede essa utilizao: apenas a remo

bateria a evita. Eu j tinha escutado a mesma coisa de ativistas defensores da transparnciahackers, mas minha tendncia era considerar aquilo uma cautela excessiva. Dessa vez, porm, ptratar de Laura, levei a srio. Depois de constatar que a bateria do meu celular no saa, leaparelho para o quarto e voltei ao restaurante.

S nesse momento Laura comeou a falar. Tinha recebido uma srie de e-mails annimos dindivduo que parecia honesto e srio. Ele alegava ter acesso a documentos ultrassecreincriminadores sobre a espionagem dos prprios cidados e do resto do mundo conduzidagoverno norte-americano. Estava decidido a fazer vazar o contedo desses documentos, e lhe pespecicamente que trabalhasse comigo na liberao e divulgao desse material. No liguei i

nenhum dos e-mails j esquecidos que recebera de Cincinnatus meses antes. Eles estarmazenados no fundo da minha mente, fora do meu campo de viso.

Laura, ento, tirou da bolsa vrias folhas de papel, parte de dois dos e-mails enviados pelo deannimo, e eu as li ali mesmo, mesa, de cabo a rabo. Eram fascinantes.

O segundo desses e-mails, enviado semanas depois do primeiro, comeava tranquilizanAinda estou aqui. Em relao dvida que mais atormentava Laura quando ele estaria prpara fornecer os documentos , ele dizia: Tudo o que posso responder : em breve.

Depois de instru-la a sempre remover a bateria do celular antes de falar sobre assuntos delic

ou pelo menos a colocar o aparelho no congelador, o que o impediria de funcionar como escutdelator dizia a Laura que ela deveria trabalhar comigo nos tais documentos. E ento chegava ao


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daquilo que considerava sua misso:

O choque desse perodo inicial [aps a primeira revelao] ir proporcionar o apoio necessconstruo de uma internet mais igualitria, mas isso s vai funcionar para o indivduo comua cincia for mais rpida que a legislao.

Ao entender os mecanismos pelos quais nossa privacidade violada, conseguiremos vePor meio de leis universais, poderemos garantir a todos a mesma proteo contra b

indiscriminadas, mas s se a comunidade tecnolgica estiver disposta a encarar essa ameaa comprometer com a implementao de solues mais sosticadas. Por m, precisamos apum princpio segundo o qual a nica forma de os poderosos terem privacidade ser quando edo mesmo tipo compartilhado pelo homem comum: aquela garantida pelas leis da naturezapelas polticas humanas.

Esse cara est falando srio comentei, ao terminar a leitura. No sei explicar por quminha intuio me diz que isso importante, que ele exatamente quem diz ser.

Tambm acho disse Laura. No tenho quase nenhuma dvida.De um ponto de vista sensato e racional, ns dois sabamos que a nossa f na veracidaddelator poderia estar equivocada. No tnhamos a menor ideia de quem estava escrevendo parPoderia ser qualquer um. Ele poderia estar inventando a histria toda. Aquilo podia tambmalgum tipo de compl montado pelo governo para nos enganar e nos fazer colaborar comvazamento criminoso. Ou talvez a mensagem tivesse sido mandada por algum com a intenprejudicar nossa credibilidade transmitindo documentos fraudulentos para publicao.

Debatemos todas essas possibilidades. Sabamos que, em 2008, um relatrio secreto do exnorte-americano havia declarado o WikiLeaks inimigo de Estado e sugerido maneiras de cdanos e a potencial destruio da organizao. O relatrio (vazado, por ironia, pelo prWikiLeaks) discutia a possibilidade de fazer circular documentos falsos. Se o WikiLeaks os publicomo autnticos, sua confiabilidade sofreria um srio revs.

Laura e eu conhecamos todas as armadilhas, mas as ignoramos e resolvemos conar na nintuio. Algo intangvel, mas poderoso, naqueles e-mails nos convenceu de que seu autolegtimo. Ele escrevia por acreditar de fato nos perigos do sigilo e da espionagem generalpraticados pelo governo; reconheci instintivamente sua paixo poltica. Senti uma identicaoaquele correspondente, com sua viso de mundo e com a sensao de urgncia que sem dv

consumia.Ao longo dos ltimos sete anos, movido pela mesma convico, escrevi quase todos os dias

a perigosa tendncia do sigilo de Estado nos Estados Unidos, sobre as teorias de poder execradical, os abusos na deteno e na vigilncia, o militarismo e a violao das liberdades civis. Eum tom especco que une jornalistas, ativistas e meus leitores, todos alarmados na mesma mpor essas tendncias. Seria difcil para algum que no acreditasse naquele alarme e no o sentisverdade, ponderei, reproduzi-lo de forma to exata, com tamanha autenticidade.

Em um dos ltimos trechos dos e-mails que Laura me mostrou, o remetente dizia que e

concluindo os ltimos passos necessrios para nos encaminhar os documentos. Precisava de quatro a seis semanas, e ns deveramos aguardar notcias. Ele nos garantiu que entraria em con


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Trs dias depois, Laura e eu tornamos a nos encontrar, dessa vez em Manhattan, e com outmail do delator annimo nas mos, no qual ele explicava por que estava disposto a arrisprpria liberdade, a enfrentar a alta probabilidade de uma longa sentena de priso para divaqueles documentos. Ento quei ainda mais convencido: nossa fonte estava falando srioentanto, como disse a meu companheiro, David Miranda, durante nosso voo de volta para o Bresolvi tirar aquela histria da cabea.

Pode ser que no acontea. Ele pode mudar de ideia. Pode ser pego.

Dono de uma poderosa intuio, David se mostrou estranhamente seguro. tudo verdade. Ele existe. Isso vai acontecer afirmou. E vai ser uma bomba.

De volta ao Rio, passei trs semanas sem notcias. Quase no pensei na histria da fonte, porqueo que podia fazer era esperar. Ento, em 11 de maio, recebi o e-mail de um especialista em tecnocom quem Laura e eu j havamos trabalhado. Apesar das palavras cifradas, o signicado dmensagem foi claro: Oi, Glenn, estou escrevendo para continuar a lhe ensinar a usar o PGP. tem um endereo de e-mail para onde eu possa enviar uma coisa que o ajude a comear na sem

que vem?Tive certeza de que aquela coisa a que ele se referia era o que eu precisava para come

trabalhar nos documentos do delator. Isso, por sua vez, signicava que Laura tinha sido contpor nosso remetente annimo e recebido o que aguardvamos.

Ento o especialista em tecnologia me mandou uma encomenda pela Federal Express, agenpara ser entregue dali a dois dias. Eu no sabia o que esperar: um programa, os documentos ePassei 48 horas sem conseguir me concentrar em mais nada. No dia marcado para a entporm, nada tinha aparecido at as cinco e meia da tarde. Liguei para a FedEx e fui informado d

a encomenda estava retida na alfndega por motivos desconhecidos. Dois dias se passaDepois, cinco. Em seguida, uma semana inteira. A empresa sempre dizia a mesma coisa: qencomenda estava retida na alfndega por motivos desconhecidos.

Passou-me pela cabea que alguma autoridade do governo americano, brasileiro ou qualquer estivesse por trs daquele atraso por saber alguma coisa, mas me aferrei explicaomais provvel de que aquilo era apenas uma daquelas chateaes burocrticas, uma coincidncia.

quela altura, Laura j no queria mais conversar sobre o assunto por telefone nem pela intde modo que eu no sabia exatamente o que o pacote continha.

Por m, cerca de dez dias aps ter sido expedida, a encomenda me foi entregue pela FRasguei o envelope e encontrei dois pen drives USB acompanhados de um bilhete datilografadoinstrues detalhadas sobre como usar diversos programas de computador destinados a proporcsegurana mxima, alm de vrias frases de acesso a contas de e-mail criptografadas e oprogramas dos quais eu jamais ouvira falar.

No fazia a menor ideia do que signicava tudo aquilo. Nunca tinha ouvido falar naqprogramas especcos, embora conhecesse o termo frases de acesso: basicamente, eram secompridas, formadas de maneira aleatria por letras tanto em caixa alta quanto em caixa ba

sinais de pontuao, com o objetivo de torn-las difceis de decifrar. Como Laura estava relutmuito em falar por telefone ou pela internet, continuei frustrado: enm recebera o que e


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esperando, mas no tinha como saber aonde aquilo iria me levar.Estava prestes a descobrir, com o melhor guia possvel.No dia seguinte chegada da encomenda, na semana de 20 de maio, Laura me disse

precisvamos conversar com urgncia, mas s por chat OTR, um instrumento de criptograpossibilita conversas seguras on-line. Eu j tinha usado o OTR, e consegui instalar, pelo Gooprograma de chat; criei uma conta e adicionei o nome de Laura minha lista de contatosapareceu na hora.

Eu quis saber se teria acesso aos documentos secretos. Eles viriam da fonte, respondeu Lauradela. Ento acrescentou uma informao surpreendente: talvez tivssemos de ir a Hong Konimediato para encontrar nossa fonte.

Fiquei pasmo. O que algum com acesso a documentos ultrassecretos do governo norte-amerestava fazendo em Hong Kong? Tinha imaginado que nossa fonte annima fosse estar em Marou na parte norte da Virgnia. O que Hong Kong tinha a ver com aquilo? claro que eu edisposto a viajar para qualquer lugar; s queria mais informaes sobre por que precisava ir aMas o fato de Laura no poder falar livremente nos forou a adiar essa conversa. Ela me perguse eu estaria disposto a ir at Hong Kong nos prximos dias. Eu queria ter certeza de que avaleria a pena, ou seja, se ela tinha conseguido alguma prova concreta de que aquela fonte eraEla retrucou de forma cifrada: claro que sim, caso contrrio no pediria a voc que fosse a HKong. Imaginei que isso significasse que ela havia recebido alguns documentos srios da fonte.

Mas Laura tambm me falou sobre um problema em potencial. A fonte estava chateada candamento das coisas at ali, sobretudo com um fato novo: o possvel envolvimento do jornaWashington Post. Segundo Laura, era fundamental que eu conversasse diretamente com a fonte,tranquiliz-la e apaziguar suas preocupaes crescentes.

Em menos de uma hora, a prpria fonte me mandou um e-mail.

O remetente era Verax@

I N F O R M A O O M I T I D A . Verax, em latim, signaquele que diz a verdade. A mensagem dizia: Precisamos conversar.

Estou trabalhando em um projeto importante com uma amiga que temos em comucomeava a mensagem, informando-me ser mesmo ele a fonte annima, em uma clara refernseus contatos com Laura.

H pouco tempo, o senhor teve de recusar uma viagem curta para se encontrar comigo. Msenhor precisa estar envolvido diretamente nesta histria, escreveu ele. Existe alguma formconversarmos logo? Sei que o senhor no dispe de muita infraestrutura em termos de segur

mas posso me virar com o que tiver. Ele sugeriu que falssemos pelo OTR, e informou seu nomusurio.No entendi muito bem o que ele quis dizer com recusar uma viagem curta: eu havia expres

certa incompreenso em relao ao fato de ele estar em Hong Kong, mas de forma alguma tinhrecusado a viajar. Atribu isso a uma falha de comunicao e respondi na mesma hora: Eu qfazer o que for possvel para me envolver nisso, escrevi, sugerindo que nos falssemos no meinstante pelo OTR. Adicionei o nome dele minha lista de contatos e aguardei.

Quinze minutos depois, meu computador emitiu um alerta parecido com um sino, mostranda fonte havia se conectado. Um pouco nervoso, cliquei no nome dele e digitei oi. Ele respondeu, peguei conversando diretamente com um indivduo que quela altura, segundo entendi, rev


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diversos documentos secretos sobre programas norte-americanos de vigilncia e queria revelar mais.

J de sada, disse-lhe que meu comprometimento com aquela reportagem era total. Edisposto a fazer o que for preciso para dar essa notcia, escrevi. A fonte cujo nome, locatrabalho, idade e todas as outras caractersticas eu ainda desconhecia perguntou se eu podeencontr-lo em Hong Kong. No perguntei por que ele estava l; no quis dar a impresso detentando lhe arrancar informaes.

De fato, desde o incio decidi que o deixaria tomar a iniciativa. Se ele quisesse que eu soubessque estava em Hong Kong, me diria. Se quisesse que eu soubesse que documentos tinha e planejava me entregar, tambm me diria. Essa postura passiva foi difcil para mim. Comadvogado de contencioso e atual jornalista, estou acostumado a questionar de maneira veemquando quero respostas, e tinha centenas de perguntas que desejava fazer.

No entanto, parti do princpio de que a situao dele era delicada. Fossem quais fossem as ocircunstncias, sabia que aquela pessoa decidira fazer algo que o governo dos Estados Uconsideraria um crime muito srio. Por sua preocupao com a segurana da nossa comunicestava claro que discrio era fundamental. Alm do mais, como eu tinha muito poucas informsobre a pessoa com quem estava conversando como pensava, quais eram suas motivaes etemores , cautela e restrio eram imperativas para mim. Eu no queria afugent-lo. Assim, fome a deixar a informao chegar a mim em vez de tentar agarr-la.

claro que posso ir a Hong Kong, digitei, ainda sem ter a menor ideia de por que ele estavdentre todos os lugares possveis, ou por que desejava que eu fosse encontr-lo.

Passamos duas horas no chat nesse dia. Sua principal preocupao era o que estava aconteccom o que Laura, com o consentimento dele, tinha dito a respeito de alguns documentos da Num jornalista do Washington Post chamado Barton Gellman. Os documentos se referiam

reportagem especca sobre um programa chamado PRISM, que permitia NSA ccomunicaes pessoais das maiores empresas de internet do mundo, entre as quais Facebook, GoYahoo! e Skype. Em vez de publicar a matria de forma rpida e agressiva, o Post convocagrande equipe de advogados, que estava fazendo todo tipo de exigncia e emitindo toda a soralerta severo. Para a fonte, isso mostrava que, diante do que ele considerava uma oportunjornalstica sem precedentes, o peridico estava se deixando levar no pela convico ou determinao, mas pelo medo. Ele tambm estava furioso com o fato de o Post ter envolvidopessoas, e temia que essas conversas pudessem ameaar sua segurana.

No gosto do rumo que isto est tomando, disse-me ele. Eu queria que outra pessoa trabalna reportagem sobre o PRISM, de modo que o senhor pudesse se concentrar no arquivo msobretudo naquele sobre a espionagem domstica em massa, mas agora prero realmente que ssenhor a publicar essa matria. H muito tempo venho lendo o que escreve, e sei que vai ser agree destemido na conduo deste assunto, afirmou.

Estou pronto e animado, escrevi para ele. Vamos decidir agora o que preciso fazer.A primeira coisa da lista vir at Hong Kong, instruiu-me. Ele no parava de bater nessa t

venha a Hong Kong o mais rpido possvel.O outro tpico importante que discutimos nessa primeira conversa pela internet foram os

objetivos. Pelos e-mails que Laura havia me mostrado, eu sabia de sua propenso para revel


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mundo o imenso aparato de espionagem que o governo norte-americano estava montandsegredo. Mas o que ele esperava conseguir?

Quero iniciar um debate mundial sobre privacidade, liberdade na internet e os perigovigilncia estatal, esclareceu ele. No tenho medo do que vai acontecer comigo. J aceitei qminha vida provavelmente vai terminar se eu fizer isso. Estou em paz. Sei que a coisa certa a fa

Ele ento disse algo surpreendente: Quero me identicar como o responsvel por essas revelaAcredito que tenho a obrigao de explicar por que estou agindo assim e o que espero conseguir

me contou que havia preparado um documento que desejava postar na internet quando se revecomo a fonte, um manifesto pr-privacidade e antivigilncia a ser assinado por pessoas do mtodo, para mostrar que o apoio proteo da privacidade era mundial.

Apesar do custo quase certo de se revelar uma longa sentena de priso, no melhor dos casa fonte armou vrias vezes que estava em paz com essas consequncias. Meu nico medo qpessoas vejam esses documentos, deem de ombros e digam: J imaginvamos que isso estiacontecendo, e no estamos nem a. A nica coisa que me preocupa fazer isso a troco de nada.

Duvido muito que isso v acontecer, ponderei, embora no estivesse to convicto disso. Dde tantos anos escrevendo sobre os abusos da NSA, tinha conscincia de que pode ser difcil gerarpreocupao sria em relao vigilncia secreta do governo: invaso de privacidade e abupoder podem ser vistos como abstraes, coisas com as quais difcil fazer as pessoas se importde forma visceral. Alm do mais, a questo da vigilncia invariavelmente complexa, o que diainda mais um envolvimento abrangente da populao.

Mas aquilo parecia diferente. Um vazamento de documentos ultrassecretos atrai a atenmdia. O fato de o alerta vir de algum de dentro do aparato de segurana nacional e no dadvogado da ACLU (Unio Norte-Americana pelas Liberdades Civis) ou de algum outro defdas liberdades civis com certeza lhe conferiria mais importncia ainda.

Nessa noite, conversei com David sobre ir a Hong Kong. Ainda relutava em largar todo otrabalho para voar at o outro lado do mundo ao encontro de algum sobre quem nada sabia sequer o nome , especialmente sem ter nenhuma prova concreta de que ele era mesmo quem ser. Aquilo poderia ser uma total perda de tempo ou ainda uma armadilha, ou algum compl bizarro.

Voc deveria dizer a ele que quer ver alguns documentos primeiro, para saber que elefalando srio e que isso vale a pena para voc sugeriu David.

Como de hbito, segui seu conselho. Ao me logar no OTR na manh seguinte, falei que plan

viajar para Hong Kong dali a poucos dias, mas que primeiro queria ver alguns documentos,entender o tipo de revelao que ele estava disposto a fazer.Para atender ao meu pedido, ele mais uma vez me disse para instalar diversos programas

seguida, passei mais alguns dias on-line enquanto a fonte me guiava pelo passo a passo da instae do uso de cada um deles, incluindo, enm, a criptograa PGP. Sabendo que eu era iniciantdemonstrou grande pacincia, literalmente a ponto de dar instrues do tipo Clique no botoagora d OK, agora passe para a tela seguinte.

Eu no parava de me desculpar por minha falta de conhecimento, por ele ter de gastar horseu tempo me ensinando os aspectos mais bsicos da comunicao segura. No tem prob

nenhum, armou. A maioria dessas coisas difcil de entender mesmo. E eu estou com m


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tempo livre no momento.Quando todos os programas estavam instalados, recebi um arquivo com mais ou meno

documentos. Isso s uma provinha: a ponta do iceberg, explicou ele, de forma provocativa.Descompactei o arquivo, olhei a lista de itens e cliquei em um qualquer. No alto da pgina

letras vermelhas, apareceu um cdigo: TOP SECRET//COMINT/NOFORN/.Isso signicava que o documento tinha sido ocialmente considerado ultrassecreto (top secret)

estava relacionado inteligncia de comunicaes (communications intelligence,COMINT) e q

deveria ser distribudo para cidados estrangeiros, nem mesmo para organizaes internacionaparceiros de coalizo (no foreign nationals, NOFORN). Ali estava, com uma clareza incontesuma comunicao altamente confidencial da NSA, uma das agncias mais sigilosas do governopoderoso do mundo. Nada com aquele grau de importncia jamais tinha vazado da NSA duranseis dcadas de histria da agncia. Eu agora tinha nas mos mais de vinte documentos desse tia pessoa com quem havia passado horas conversando no chat nos ltimos dois dias tinha mumuitos outros para me entregar.

Esse primeiro documento era um manual de treinamento para agentes da NSA destinaensinar aos analistas novas tcnicas de vigilncia. Discorria, em termos genricos, sobre o tipinformao que os analistas podiam solicitar (endereos de e-mail, dados de localizao dnmeros de telefone) e o tipo de dados que receberiam de volta (contedo dos e-mails, metadtelefnicos, logs de chat). Basicamente, eu estava espionando as instrues dos agentes da NSA aanalistas sobre como vigiar seus alvos.

Meu corao disparou. Tive que parar de ler e circular pela casa algumas vezes para absorque acabara de ver e me acalmar o suciente para conseguir me concentrar na leitura dos arquVoltei ao laptop e cliquei de forma aleatria em mais um documento, uma apresentaPowerPoint ultrassecreta intitulada PRISM/US-984XN Overview (overviewsignica viso

Todas as pginas traziam os logotipos de nove das maiores empresas de internet do muincluindo Google, Facebook, Skype e Yahoo!.

O primeiro slide explicava um programa graas ao qual a NSA obtinha o que chamavcoleta direta dos servidores dos seguintes provedores de servio norte-americanos: Microso, YaGoogle, Facebook, Paltalk, AOL, Skype, YouTube, Apple. Um grco indicava as datas nas qcada uma dessas empresas havia entrado no programa.

Mais uma vez, fiquei to empolgado que tive de interromper a leitura.A fonte disse tambm que iria me enviar um arquivo grande que eu no conseguiria acessar

momento certo. Decidi, por ora, deixar passar essas armaes cifradas, embora signicasempre de acordo com minha postura de permitir que ele decidisse quando me passar as informamas tambm por estar to entusiasmado com o que via.

Pela primeira olhada que dei apenas nesses poucos documentos, entendi duas coisas: tinha dHong Kong quanto antes, e precisaria de um respaldo institucional signicativo para dar anotcia. Isso queria dizer envolver o Guardian, o jornal e site de notcias para o qual cometrabalhar como colunista dirio apenas nove meses antes. Eu agora estava prestes a fazembarcar no que j sabia que seria uma reportagem importante e explosiva.

Pelo Skype, liguei para Janine Gibson, editora-chefe britnica da edio norte-american

jornal. Meu acordo com a empresa era que eu tinha independncia editorial completa, ou


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ningum podia editar, nem mesmo revisar, minhas matrias antes da publicao. Eu escrevia textos e os publicava direto na internet. A nica exceo a esse acordo que eu deveria aviquando a matria pudesse ter implicaes jurdicas para o jornal ou apresentar um dijornalstico extraordinrio. Como isso havia acontecido muito poucas vezes nos ltimos nove muma ou duas, no mximo, eu tivera pouqussima interao com os editores do peridico.

Naturalmente, se havia uma reportagem que merecia esse aviso, era aquela. Alm do masabia que precisaria dos recursos e do apoio do jornal.

Janine, estou com um furo incrvel nas mos comecei, sem rodeios. Tenho uma fonteacesso ao que parece ser uma quantidade enorme de documentos ultrassecretos da NSA. Ele jpassou alguns, e so bombsticos. Mas ele diz que tem muitos, muitos outros. O que j me maneu acabei de ver tem algumas informaes bem chocantes sobre...

Como voc me ligou? interrompeu ela. Pelo Skype. No acho que devamos falar sobre isso pelo telefone, e com certeza no pelo Skype diss

com sensatez, e props que eu pegasse um avio para Nova York o mais rpido possvel podermos conversar pessoalmente sobre a reportagem.

Meu plano, que eu comuniquei a Laura, era voar at Nova York, mostrar os documentoGuardian, deix-los empolgados com a reportagem e ento fazer com que me mandassem a HKong. Laura topou me encontrar em Nova York, e de l planejvamos ir juntos para a sia.

No dia seguinte, peguei um voo noturno do Rio de Janeiro para o JFK, e s nove horas da mdo outro dia, sexta-feira, 31 de maio, j tinha feito o check-in no meu hotel em Manhatencontrado Laura. Nossa primeira providncia foi ir a uma loja e comprar um laptop quserviria de air gap, ou brecha de ar: um computador que nunca se conecta internet. muitodifcil submeter a vigilncia um equipamento que no acessa a rede. Para monitorar um air gap

servio de inteligncia como a NSA teria de utilizar mtodos bem mais complexos, tais como acesso fsico mquina e instalar um mecanismo de vigilncia no disco rgido. Manter o compuconsigo em todos os momentos impede esse tipo de invaso. Eu usaria esse laptop novo trabalhar com todo o material que no quisesse que fosse monitorado, como os documentos secda NSA, sem medo de ser detectado.

Enei o computador recm-comprado na mochila e percorri a p com Laura os cinco quartede Manhattan at a redao do Guardian, no Soho.

Gibson estava nossa espera. Ela e eu fomos direto para a sua sala, onde Stuart Millar

subeditor, se juntou a ns. Laura cou esperando do lado de fora: Gibson no a conhecia, e eu qque falssemos vontade. No fazia a menor ideia de como os editores do peridico iriam reagque eu tinha nas mos, se cariam com medo ou empolgados. Nunca havia trabalhado comantes, e com certeza em nada que sequer se aproximasse daquele nvel de gravidade e importnci

Quando abri no laptop os arquivos da fonte, Gibson e Millar se sentaram lado a lado dianuma mesa para l-los, murmurando de vez em quando coisas como Nossa!, Puta que parioutras expresses do gnero. Sentado em um sof e observando-os, vi uma expresso de choqestampar em seus rostos quando comearam a entender a realidade do que eu tinha nas mos. Tvez que terminavam um documento, eu me levantava para abrir o seguinte. Seu espanto s

aumentar.


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Alm dos mais de vinte documentos da NSA, a fonte inclura tambm o manifesto que pretepostar, pedindo assinaturas como demonstrao de solidariedade causa pr-privacidaantivigilncia. O texto era dramtico, severo, o que era de esperar, considerando as escdramticas e severas que ele tinha feito e que iriam influenciar sua vida para sempre. Para mim,sentido algum que houvesse testemunhado a construo obscura de um sistema generalizadvigilncia estatal, sem qualquer superviso ou limite, car seriamente alarmado com o que vcom os perigos que isso representava. claro que o tom dele era exaltado; de to alarmad

tomara a deciso extraordinria de cometer um ato corajoso e extremo. Eu entendia o mdaquele tom, mas quei preocupado com a forma como Gibson e Millar reagiriam leitura do No queria que eles pensassem que estvamos lidando com algum instvel, sobretudo podepois de passar muitas horas conversando com ele, eu sabia que se tratava de um hoexcepcionalmente racional e ponderado.

Meu receio logo se confirmou. Tem gente que vai achar isso maluquice falou Gibson. verdade que algumas pessoas e alguns jornalistas favorveis NSA vo dizer que ele tem

qu de Unabomber concordei. Mas, em ltima instncia, o que importa so os documentosele nem as motivaes que o levaram a nos entregar o material. E qualquer um que faaextremo assim tem opinies extremas. inevitvel.

Alm do manifesto, Snowden tinha escrito uma carta aos jornalistas para quem entregara aacervo de documentos. O texto tentava explicar sua motivao e seus objetivos, e previa comprovavelmente seria demonizado:

Minha nica motivao informar o pblico sobre o que est sendo feito em seu nome e contrO governo dos Estados Unidos, principal membro dos Cinco Olhos compostos, ainda, de R

Unido, Canad, Austrlia e Nova Zelndia , em conspirao com pases clientes, impmundo um sistema de vigilncia secreta e abrangente do qual no h como se esconderprotegem seus sistemas domsticos da superviso da populao por meio da condencialidda mentira, e se resguardam da indignao em caso de vazamento supervalorizando as protlimitadas que decidem conceder aos governados...

Os documentos anexos so genunos e originais, e esto sendo oferecidos para permcompreenso de como funciona o sistema de vigilncia global passivo, a m de que protcontra ele possam ser desenvolvidas. No dia em que escrevo este texto, a inteno deles que t

os novos registros de comunicaes passveis de ser absorvidos e catalogados por esse sissejam guardados por anos, e novos repositrios de dados macios (ou, eufemisticamfalando, repositrios de dados de misses) esto sendo construdos e espalhados pelo musendo o maior deles o novo centro de dados situado em Utah. Embora eu tora para qconscientizao e o debate pblico conduzam a uma reforma, lembrem que as polticashomens mudam com o tempo, e que mesmo a Constituio subvertida quando o apetitepoder exige. Em termos tirados da histria: no vamos mais falar na f nos homens, eimpedir que eles se comportem mal pelas correntes da criptografia.

No mesmo instante, reconheci a ltima frase como um trocadilho referente a uma fala de


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Jefferson de 1798 que com frequncia cito em meus textos: Quando se trata de poder, portantovamos mais falar sobre a conana nos homens, e sim impedir que eles se comportem mal correntes da Constituio.

Depois de reler todos os documentos, inclusive a carta de Snowden, Gibson e Millar cconvencidos.

Basicamente, voc tem que ir a Hong Kong o mais rpido possvel, tipo amanh, cerconcluiu Gibson menos de duas horas aps minha chegada.

O Guardian estava dentro. Minha misso em Nova York fora cumprida. Eu agora sabGibson estava comprometida com uma cobertura agressiva daquela reportagem, pelo menoora. Nessa tarde, Laura e eu entramos em contato com a agncia de viagens do jornal para cheHong Kong o mais depressa possvel. A melhor opo era um voo de dezesseis horas da CPacic que saa do JFK na manh seguinte. No entanto, assim que comeamos a comemorar encontro iminente com a fonte, esbarramos em um obstculo.

No nal do dia, Gibson disse que queria incluir na operao um jornalista veterano do Guachamado Ewen MacAskill, que trabalhava no jornal havia duas dcadas.

Ele um timo jornalista armou. Considerando a magnitude daquilo em que eembarcando, eu sabia que precisaria de outros reprteres do Guardianpara apurar a matriteoria no tinha objees. Eu gostaria que Ewen fosse a Hong Kong com vocs acrescentou el

Eu no conhecia MacAskill. Mais importante ainda: a fonte no o conhecia, e, at onde ele sapenas Laura e eu iramos a Hong Kong. E era provvel que Laura, que sempre planeja tudo meticulosidade, tambm fosse ficar furiosa com essa sbita mudana de planos.

Eu tinha razo. De jeito nenhum. No mesmo exclamou ela. No podemos simplesmente incluir

pessoa na ltima hora. E eu no conheo o cara. Quem verificou os antecedentes dele?

Tentei explicar qual pensava ser a motivao de Gibson. Eu ainda no conhecia nem conavGuardian, no em se tratando de uma reportagem daquela magnitude, e imaginava quesentissem o mesmo em relao a mim. Levando em conta o risco que o jornal estava assumcalculei que sem dvida eles queriam algum que conhecessem muito bem um veterano da emp para lhes informar o que estava acontecendo com a fonte e lhes garantir que aquela reportagemalgo que devessem publicar. Alm do mais, Gibson precisaria de total apoio e aprovao dos eddo jornal em Londres, que me conheciam ainda menos do que ela. Ela com certeza queria inalgum capaz de dar segurana a eles, e Ewen se encaixava perfeio nesse perfil.

No quero nem saber disse Laura. Viajar com uma terceira pessoa, um desconhecido, atrair vigilncia ou afugentar a fonte. Como um meio-termo, ela sugeriu que mandassem alguns dias depois, quando j tivssemos estabelecido contato com a fonte em Hong Kong e cconana. voc quem est dando as cartas. Diga que eles s podem mand-lo quando dermok.

Voltei a Gibson com o que parecia um meio-termo sensato, mas ela parecia decidida: Ewen pode viajar com vocs at Hong Kong, mas no encontrar a fonte at voc e Laura d

o ok.Estava claro que a ida dele a Hong Kong conosco era vital para o Guardian. Gibson precisa

garantias em relao ao que estivesse acontecendo l, e de uma forma de apaziguar quai


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preocupaes de seus superiores em Londres. Mas Laura estava igualmente decidida a irmos sozi Se a fonte estiver nos vigiando no aeroporto e vir essa terceira pessoa inesperada, que ele

conhece, vai surtar e interromper o contato. De jeito nenhum.Como um diplomata do Departamento de Estado fazendo a ponte entre dois adversrio

Oriente Mdio na ftil esperana de conseguir um acordo, voltei a falar com Gibson, que respondmaneira evasiva dando a entender que Ewen viajaria alguns dias depois. Ou talvez tenha sido isseu quis escutar.

De toda forma, a agncia de viagens me avisou, j tarde nessa noite, que a passagem de estava comprada para o dia seguinte, no mesmo voo que ns. E que eles iriam mand-lo avio custasse o que custasse.

Na manh seguinte, no carro a caminho do aeroporto, Laura e eu tivemos nossa primeira e briga. Assim que o automvel se afastou do hotel, dei-lhe a notcia de que no m das contas viajaria conosco, e ela reagiu com um acesso de raiva. Insistiu que eu estava pondo em risoperao toda. No era sensato incluir um desconhecido naquele estgio avanado. Ela no conem algum que no tinha sido aprovado para trabalhar em algo to delicado, e me culpou podeixado o Guardianpr nosso plano em perigo.

Eu no podia dizer a Laura que as suas preocupaes eram infundadas, mas tentei convencque o jornal havia insistido e no tnhamos escolha. Alm disso, Ewen s encontraria a fonte quns deixssemos.

Ela no gostou. Para aplacar sua raiva, eu at sugeri no ir, ideia que ela descartou no minstante. Passamos dez minutos calados, frustrados e furiosos, enquanto o carro cava paradum engarrafamento a caminho do aeroporto.

Eu sabia que Laura estava certa: as coisas no deveriam ter acontecido daquela forma, e romsilncio lhe dizendo isso. Ento propus que ignorssemos Ewen e lhe dssemos um gelo, fazend

conta que ele no estava conosco. No vamos brigar, ns estamos do mesmo lado pedi. Considerando o que est em jogo

no vai ser a ltima vez que as coisas fugiro ao nosso controle.Tentei convenc-la de que deveramos focar em trabalhar juntos para superar os obstculos

pouco tempo, nos acalmamos.Quando chegamos perto do aeroporto, Laura tirou um pen drive da mochila. Adivinhe o que tem aqui falou, com um olhar muito srio. O qu?

Os documentos respondeu ela. Todos.

Quando chegamos ao porto de embarque, Ewen j estava l. Laura e eu fomos cordiais, mas garantindo que ele se sentisse excludo, que soubesse que no teria participao alguma at decidique isso iria acontecer. Ele era o nico alvo de nossa irritao no momento, logo ns o tratcomo uma bagagem extra que tnhamos sido obrigados a levar. Foi injusto, mas eu estava andemais pensando nos tesouros do pen drive de Laura e na importncia do que estvamos fazpara me importar com Ewen.

No carro, Laura tinha me dado uma aula rpida sobre o sistema operacional seguro e avque pretendia dormir no avio. Entregou-me o pen drive e sugeriu que eu comeasse a olh


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documentos. Quando chegssemos a Hong Kong, falou, a fonte iria garantir que eu tivesse aceuma cpia completa.

Assim que a aeronave decolou, peguei meu laptop novo, sem acesso internet, inseri o pen dsegui as instrues de Laura para carregar os arquivos.

Ao longo das dezesseis horas seguintes, apesar de exausto, tudo o que consegui fazer foi ler, teccomentrios febris a cada documento. Muitos dos arquivos eram to fortes e chocantes quanto aprimeira apresentao de PowerPoint sobre o PRISM que eu tinha visto no Rio. Vrios eram p

ainda.Um dos primeiros que li foi uma ordem secreta do tribunal da FISA (Lei de VigilncInteligncia Estrangeira), criado pelo Congresso dos Estados Unidos em 1978, aps o Comit Chrevelar dcadas de grampos abusivos do governo. A ideia por trs de sua formao era que o Epodia seguir praticando a vigilncia eletrnica, mas, para evitar abusos como aquele, precisaautorizao prvia do tribunal. Eu nunca tinha visto uma ordem do tribunal da FISA; quase ningtinha. Trata-se de uma das instituies mais sigilosas do governo. Todos os seus pareceresautomaticamente classicados como ultrassecretos, e s pouqussimas pessoas tm acesso sdecises.

A deciso que li no avio para Hong Kong era fantstica por vrios motivos. Ela ordenVerizon Business que entregasse NSA todos os registros de detalhes de chamadascomunicaes (1) entre os Estados Unidos e pases estrangeiros; e (2) feitas inteiramente dentroEstados Unidos, inclusive chamadas locais. Isso queria dizer que a NSA estava coletando, de fsecreta e indiscriminada, os registros telefnicos de dezenas de milhares de americanos, no mnQuase ningum fazia ideia de que o governo Obama estivesse agindo assim. Agora, com aqdeciso, eu no apenas sabia como tinha a ordem secreta do tribunal para provar.

Alm disso, a ordem especicava que a coleta em massa de registros telefnicos norte-americ

era autorizada pela Seo 215 da Lei Patriota. Essa interpretao radical era particularmchocante, quase mais do que a deciso em si.

O que tornou a Lei Patriota to controversa na poca de sua implementao, aps os ataqu11 de Setembro, foi que a Seo 215 reduzia as exigncias do que o governo precisava para registros prossionais, de causa provvel para relevncia. Ou seja, para conseguir documealtamente delicados e invasivos histricos mdicos, transaes bancrias, registros telefnicoFBI s precisava demonstrar que esses documentos eram relevantes para uma investigacurso.

S que ningum nem mesmo os agressivos membros republicanos da CmaraRepresentantes que redigiram a lei em 2001 ou o mais fervoroso defensor das liberdades civis qhouvesse apresentado sob o vis mais ameaador possvel pensava que a lei fosse autorigoverno a coletar registros sobre todo mundo, de maneira macia e indiscriminada. Maexatamente isso que aquela deciso secreta do tribunal da FISA aberta no meu computador duravoo para Hong Kong fazia: ordenava Verizon que entregasse NSA todos os registros telefnictodos os seus clientes norte-americanos.

Durante dois anos, os senadores democratas Ron Wyden, do Oregon, e Mark Udall, do Mxico, haviam percorrido o pas alertando que os americanos cariam pasmos ao descobr

interpretaes secretas da lei que a administrao Obama estava usando para se imbuir de im


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e desconhecidos poderes de espionagem. No entanto, como essas atividades de espionaginterpretaes secretas eram condenciais, os dois senadores, ambos membros do ComiInteligncia do Senado, no chegaram a revelar ao pblico o que consideravam to ameaapesar do escudo de imunidade jurdica que a Constituio lhes conferia por fazerem partCongresso e que lhes permitia fazer tais revelaes caso o desejassem.

Assim que vi a ordem do tribunal da FISA, entendi que aquilo era pelo menos uma partprogramas de vigilncia abusivos e radicais sobre os quais Wyden e Udall haviam tentado aler

pas.Reconheci na hora o signicado daquela deciso. Mal podia esperar para public-la, certo dsua revelao iria provocar um verdadeiro terremoto que levantaria exigncias de transparnprestao de contas. E esse foi apenas um das centenas de documentos ultrassecretos que li a camde Hong Kong.

Mais uma vez, senti minha opinio mudar em relao ao signicado dos atos da fonte. Istinha acontecido trs vezes: quando vi pela primeira vez os e-mails recebidos por Laura, qucomecei a falar com a fonte, e depois de ler os mais de vinte documentos que ele me mandou pmail. S agora eu sentia que estava realmente comeando a processar a verdadeira magndaquela denncia.

Durante o voo, em vrias ocasies Laura foi at a leira na qual eu estava sentado, que cafrente para uma das divisrias do avio. Assim que a via, eu me levantava de um pulo e cavp no espao entre a poltrona e a divisria, mudo, estupefato, atordoado com o que tnhamomos.

J fazia anos que Laura trabalhava com o tema da vigilncia da NSA, e ela prpriasubmetida vrias vezes aos seus abusos. Eu escrevia sobre a ameaa representada pela vigildomstica irrestrita desde 2006, data de publicao do meu primeiro livro, que chamava a ate

para a ilegalidade e o radicalismo da NSA. Com nosso trabalho, ambos havamos combatgrande muro de condencialidade que protegia a espionagem do governo: como documentar as de uma agncia completamente envolta em mltiplas camadas de sigilo ocial? Naquele momhavamos rompido esse muro. Estvamos de posse, ali, naquele avio, de milhares de documque o Estado havia tentado desesperadamente esconder. Tnhamos indcios que provariam de fincontestvel tudo o que o governo zera para destruir a privacidade dos norte-americanos pessoas mundo afora.

Conforme eu avanava na leitura, dois fatos relacionados quele acervo me chamaram a ate

O primeiro foi sua organizao exemplar: a fonte havia criado incontveis pastas, subpassubsubpastas. Cada documento tinha sido posto no lugar certo. Nunca encontrei sequer um arperdido ou salvo no local errado.

Eu passara muitos anos defendendo o que considero os atos heroicos de Chelsea Manning, sodo exrcito e delatora que, horrorizada com o comportamento de seu governo seus crimes de ge suas mentiras sistemticas , havia arriscado a prpria liberdade ao expor documcondenciais para o mundo pelo WikiLeaks. Mas Manning fora criticada (de forma injuincorreta, na minha opinio) por supostamente expor documentos que no tinha vericado antecontrrio de Daniel Ellsberg. Esse argumento, por menos embasado que fosse (Ellsberg foi um

defensores mais dedicados de Manning, e ela parecia ter ao menos examinado os documentos


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usado com frequncia para solapar a ideia de que as aes de Manning tinham sido heroicas.Estava claro que nada desse tipo poderia ser dito sobre a nossa fonte na NSA. No restava d

de que ele tinha vericado com cuidado todos os documentos que nos passara, compreendidsignicado e em seguida classicado cada um deles dentro de uma estrutura elegantemorganizada.

A outra caracterstica notvel do acervo era a extenso das mentiras do governo que estsendo reveladas, e cujas provas a fonte assinalara com destaque. Ele havia batizado uma

primeiras pastas com o nome BOUNDLESS INFORMANT (NSA mentiu para o Congressopasta continha dezenas de documentos com estatsticas complexas, mantidas pela NSA, relacionao nmero de ligaes e e-mails interceptados pela agncia. Continha tambm provas de que avinha coletando dados de telefonemas e mensagens eletrnicas de milhes de americanos poBOUNDLESS INFORMANT, ou informante sem limites, era o nome do programa destinaquanticar, com exatido matemtica, as atividades dirias de vigilncia da agncia. Um dos mno arquivo mostrava que, durante um perodo de trinta dias que terminou em fevereiro de 2013,unidade da NSA havia coletado mais de trsbilhes de itens apenas nos sistemas de comundentro dos Estados Unidos.

A fonte havia nos fornecido provas claras de que funcionrios da NSA tinham mentido pCongresso, direta e repetidamente, sobre suas atividades. Durante anos, vrios senadores hasolicitado agncia uma estimativa aproximada do nmero de americanos que estavam tendoligaes e seus e-mails interceptados. Os agentes da NSA insistiam que no podiam responder apergunta porque no mantinham nem poderiam manter dados desse tipo: justamente aqueleestavam sendo expostos de forma exaustiva nos documentos do BOUNDLESS INFORMANT.

Mais signicativo ainda, os arquivos junto com o documento da Verizon mostravam qmais importante funcionrio de segurana nacional do governo Obama, James Clapper, diret

inteligncia nacional, mentiu para o Congresso em 12 de maro de 2013 ao responder segpergunta do senador Ron Wyden: A NSA coleta algum tipo de dado relacionado a milhecentenas de milhes de americanos? Clapper retrucou de forma sucinta e desonesta: No.

Em dezesseis horas de leitura quase ininterrupta, consegui dar conta de apenas uma peqporcentagem dos documentos. Quando o avio pousou em Hong Kong, porm, j tinha certeduas coisas. Em primeiro lugar, a fonte era um indivduo muito sosticado e politicamente aqualidades evidenciadas pelo fato de ele reconhecer a importncia da maioria daqueles docume

Era tambm uma pessoa bastante racional: a forma como havia escolhido, analisado e descrimilhares de documentos que eu agora tinha nas mos provava isso. Em segundo lugar, seria mdifcil negar seu status de delator clssico. Se revelar provas de que altos funcionrios da rsegurana nacional mentiram deslavadamente para o Congresso sobre programas de espiondomsticos no configura de modo inegvel uma delao, o que configura?

Eu sabia que quanto mais diculdade o governo e seus aliados tivessem para demonizar a fmais potente seria o efeito de suas revelaes. As duas linhas de ao preferidas para se desacredresponsvel por uma denncia instabilidade psicolgica e ingenuidade no iriam func

naquele caso.Pouco antes do pouso, li um ltimo arquivo. Embora seu ttulo fosse LEIA-ME_PRIMEIRO


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o vi pela primeira vez bem no nalzinho do voo. Tratava-se de outra explicao da fonte sobporqu de ter decidido fazer aquilo e o que esperava que fosse acontecer como resultado de seus attom e o contedo eram semelhantes ao manifesto que eu havia mostrado aos editores do Guardia

Mas esse documento continha fatos vitais ausentes dos outros. Inclua o nome da fonte primeira vez que eu o lia e previses claras sobre o que provavelmente aconteceria com ele dque se identicasse. Em relao aos eventos ocorridos desde o escndalo de 2005 da NSA, o terminava assim:

Muitos iro me maldizer por no ter praticado o relativismo nacional, por no ter desviadolhos dos problemas da [minha] sociedade em direo a males distantes, externos, sobre os no temos autoridade e pelos quais no somos responsveis, mas a cidadania traz consigodever de policiar primeiro o prprio governo antes de tentar corrigir outros. Aqui, hoje, em npas, estamos sujeitos a um governo que s permite uma superviso limitada e que se recprestar contas quando crimes so cometidos. Quando jovens marginalizados cometem pequinfraes, ns, como sociedade, olhamos para o outro lado enquanto eles sofrem consequ

atrozes no maior sistema prisional do mundo, mas quando os provedores de telecomunicmais ricos e poderosos do pas cometem, conscientemente, dezenas de milhes de crimCongresso aprova a primeira lei de nossa nao que proporciona a seus amigos da elite imunidade retroativa total cvel e penal para crimes que teriam merecido as mais losentenas de priso da histria.

Essas empresas tm os melhores advogados do pas em seus quadros, e no enfrentam sa menor das consequncias. Quando revelado que funcionrios no mais alto nvel do pincluindo especicamente o vice-presidente, conduziram pessoalmente esses atos criminosos, deveria acontecer? Se voc acredita que essa investigao deve ser interrompida, que seus resul

devem ser classicados como mais do que ultrassecretos em um compartimento especiInformaes Excepcionalmente Controladas chamado STLW (STELLARWIND), que quaiinvestigaes futuras sejam impedidas segundo o princpio de que obrigar aqueles que abusapoder a prestar contas vai contra os interesses nacionais, que ns devemos olhar para a frno para trs, e em vez de acabar com o programa ilegal voc o expandiria para incluir amais autoridades, ento ser bem-vindo nos sales do poder dos Estados Unidos, pois foi que eles se transformaram, e eu estou divulgando os documentos que provam isso.

Entendo que serei obrigado a responder pelos meus atos, e que a revelao dessas inform

ao pblico assinala o meu m. Ficarei satisfeito se o conluio de leis secretas, perdo desigpoderes executivos ilimitados que governa o mundo que amo for desmascarado, nem que sejum nico instante. Se voc quiser ajudar, faa parte da comunidade open sourcee lute para o esprito do jornalismo vivo e a internet gratuita. Eu estive nos cantos mais sombrios do gove o que eles mais temem a luz.

Edward Joseph Snowden, SSN: I N F O R M A O O M I T I D A

Codinome CIA I N F O R M A O O M I T I D A


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Node Identificao na Agncia: I N F O R M A O O M I T I D A

Ex-Consultor Snior | Agncia de Segurana Nacional dos Estados Unidos, sob procorporativa

Ex-Agente de Campo | Agncia Central de Inteligncia dos Estados Unidos, sob pro

diplomtica

Ex-Palestrante | Agncia de Inteligncia de Defesa dos Estados Unidos, sob proteo corporat


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D E Z D I A S E M H O N G K O N G

Chegamos a Hong Kong na noite de 2 de junho, um domingo. O plano era encontrar Snoimediatamente depois de chegarmos ao hotel, situado no bairro chique de Kowloon. Assim que eno quarto, liguei o computador para ver se ele estava on-line no programa de chat criptografadvnhamos usando. Como acontecia quase sempre, l estava ele, espera.

Depois de trocar algumas gentilezas relacionadas ao voo, passamos logstica do nosso primencontro.

Vocs podem vir ao meu hotel disse ele.Foi minha primeira surpresa: descobrir que ele estava hospedado em um hotel. Ainda no

por que ele se encontrava em Hong Kong, mas quela altura j imaginava que fosse para se escoImaginara-o entocado em algum minsculo apartamento barato, onde pudesse car fora da vque conseguisse custear sem estar recebendo nenhum contracheque regular, e no senconfortavelmente em um hotel, s claras, acrescentando despesas dirias conta.

Mudamos nossos planos e resolvemos que o melhor seria esperar at a manh seguinteencontr-lo. Foi Snowden quem tomou essa deciso, estabelecendo a atmosfera hipercautelosa de um filme de espionagem que iria prevalecer nos dias seguintes.

Vocs estaro mais propensos a chamar ateno se deslocando pela cidade noite explico estranho dois americanos fazendo check-in no hotel noite e saindo logo em seguida. Vamais natural vocs virem de manh.

Snowden estava to preocupado com a vigilncia das autoridades de Hong Kong e da Cquanto com a dos americanos. Tinha muito receio de que fssemos seguidos por agenteinteligncia local. Partindo do princpio de que ele estava profundamente envolvido com agncespionagem norte-americanas e entendia do assunto, acatei sua deciso, embora tenha decepcionado por no nos encontrarmos naquela noite.

Como Hong Kong tem exatamente doze horas frente de Nova York, noite e dia estavam ainvertidos para mim, de modo que mal preguei o olho nessa noite ou em qualquer outro mom

durante a viagem. A culpa foi do fuso horrio apenas em parte: minha empolgao incontrolvel s me permitia cochilar por uma hora e meia, duas no mximo, e esse se tornoupadro de sono durante toda a nossa estadia.

Na manh seguinte, Laura e eu nos encontramos no lobby e entramos em um txi que estnossa espera para ir at o hotel de Snowden. Tinha sido ela quem combinara com ele toddetalhes do encontro, e se mostrou muito relutante em conversar durante o trajeto, pois temia qtaxista pudesse ser alguma espcie de agente de inteligncia disfarado. Eu j no descartava esses temores como paranoia to rpido quanto antes. Apesar das restries, consegui extrair

informaes suficientes para entender o plano.Tnhamos de ir at o terceiro andar do hotel de Snowden, onde cavam as salas de reuni


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escolhera uma sala especca que, na sua opinio, tinha um equilbrio perfeito: era sucientemafastada para desencorajar qualquer trfego humano substancial, como dizia, mas no to reme escondida a ponto de atrairmos ateno ao ficarmos aguardando l.

Laura me disse que, quando chegssemos ao terceiro andar, deveramos perguntar ao primfuncionrio do hotel com quem cruzssemos perto da sala escolhida se havia algum restauaberto. A pergunta sinalizaria a Snowden, que estaria em algum lugar por perto, que no tnhsido seguidos. Uma vez que encontrssemos a sala certa, deveramos esperar em um sof per

um jacar gigante que, como Laura me conrmou, era alguma espcie de objeto decorativoum animal vivo.Tnhamos dois horrios distintos para o encontro: 10h, depois 10h20. Se Snowden no apare

at dois minutos depois do primeiro horrio, deveramos sair da sala, ir para outro lugar e voltsegundo horrio, quando ele ento iria nos encontrar.

Como vamos saber que ele? perguntei a Laura.Ainda no tnhamos quase informao nenhuma sobre aquele homem: nem idade, nem

nem aparncia fsica; nada. Ele vai estar segurando um cubo mgico respondeu ela.Isso me fez rir bem alto: a situao toda me pareceu muito bizarra, extrema e improvvel.

um thriller internacional ambientado em Hong Kong, pensei.Nosso txi nos deixou na entrada do hotel Mira, que, como pude observar, tambm c

Kowloon, bairro altamente comercial cheio de arranha-cus brilhantes e lojas chiques. Ou seja:visibilidade, impossvel. Ao entrar no lobby, quei outra vez bastante impressionado: Snowdenestava hospedado em um hotel qualquer, mas em um estabelecimento enorme e luxuoso, cuja deu sabia que devia custar vrias centenas de dlares. Por que algum que pretendia denunciar a e precisava de grande sigilo iria a Hong Kong se esconder em um hotel cinco estrelas em um

bairros mais visveis da cidade? Mas naquela hora no havia por que car remoendo esse miseu iria encontr-lo dali a poucos minutos, e com certeza teria todas as respostas.

Como muitos prdios em Hong Kong, o hotel Mira parecia uma pequena cidade. Laurapassamos pelo menos quinze minutos vasculhando o labirinto de corredores em busca do combinado. Tivemos de pegar vrios elevadores, atravessar passarelas internas e perguncaminho vrias vezes. Quando pensamos estar perto da sala, vimos um funcionrio do hotel. algum constrangimento, z a pergunta cifrada, e ele nos respondeu com informaes sobdiversas opes de restaurante.

Ao dobrar uma quina, vimos uma porta aberta e um imenso jacar de plstico verde no Como combinado, sentamo-nos no sof perdido no meio daquela sala vazia e esperamos, nervocalados. O pequeno recinto no tinha nenhuma funo aparente e no parecia haver motivoalgum entrar ali, uma vez que s havia o sof e o jacar. Depois de cinco longos minutos senem silncio, ningum apareceu, ento samos, encontramos outra sala ali perto e deixamos pmais quinze minutos.

s 10h20, voltamos e tornamos a ocupar nosso lugar junto ao jacar, no sof, que cava vpara a parede dos fundos da sala e para um grande espelho. Dali a dois minutos, ouvi algum ena sala.

Em vez de me virar depressa para ver quem era, mantive o olhar xo no espelho da pared


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fundos, que mostrou o reexo de um homem andando na nossa direo. S quando ele estpoucos metros do sof foi que me virei.

A primeira coisa que vi foi o cubo mgico embaralhado, que ele girava na mo esquerda. EdSnowden disse oi, mas no nos estendeu a mo, j que o objetivo era fazer com que o encoparecesse ter sido por acaso. Como Laura e ele tinham combinado, ela lhe perguntou sobre a codo hotel e Snowden respondeu que era ruim. Em meio s inmeras reviravoltas surpreendentes histria toda, o momento de nosso primeiro encontro se revelou a maior das surpresas.

Snowden tinha 29 anos na poca, mas parecia no mnimo vrios anos mais jovem. Usavacamiseta branca com dizeres desbotados, cala jeans e culos de nerd chique. Tinha um cavanhralo, mas parecia s ter comeado a se barbear recentemente. Era um rapaz distinto e tinha postura firme como a de um militar, mas era bastante magro e plido, e estava, claro como tns naquele momento , desconado e cauteloso. Parecia um tpico cara meiogeek de 20 e anos, daqueles que trabalham em laboratrios de informtica em campi universitrios.

Na hora, simplesmente no consegui encaixar as peas do quebra-cabea. Sem ter pensadassunto de forma consciente, eu havia suposto, por uma srie de motivos, que Snowden fosse velho, na casa dos 50 ou mesmo dos 60. Em primeiro lugar, como tivera acesso a mdocumentos ultrassecretos, eu tinha imaginado que ocupasse um cargo importante na rsegurana nacional. Alm disso, suas opinies e estratgias eram sempre sosticadas e embasadque me levava a crer se tratar de um veterano da cena poltica. Por m, eu sabia que ele edisposto a jogar fora a prpria vida e provavelmente a passar o resto dela na priso para reveque achava que o mundo deveria saber, portanto imaginei que estivesse no m da carreira. algum tomar uma deciso to extrema e to sacrificante, pensei, devia ter nas costas muitos anoat mesmo dcadas, de profunda desiluso.

Ver que a fonte daquele espantoso acervo de material da NSA era um homem to jovem foi

das experincias mais desconcertantes que j tive. Minha mente comeou a percorrer depressa todpossibilidades: seria aquilo uma espcie de fraude? Ser que eu tinha perdido meu tempo indo outro lado do mundo? Como algum to jovem podia ter acesso ao tipo de informao que tnhvisto? Como aquele rapaz podia ser to entendido e experiente em matria de intelignespionagem quanto a nossa fonte claramente era? Talvez aquele fosse o lho de Snowden, penseento seu assistente ou namorado, que agora iria nos conduzir at ele. Todas as possibilidimaginveis passaram pela minha cabea, e nenhuma delas fez sentido algum.

Bom, venham comigo disse ele, obviamente tenso.

Laura e eu o seguimos. Enquanto caminhvamos, ns trs murmuramos algumas expreincoerentes de boa educao. Eu estava chocado e confuso demais para falar muita coisa, e pudque Laura sentia o mesmo. Snowden parecia muito atento, como procura de algum que puestar nos observando ou de outro sinal qualquer de problema. Assim, ns o seguimos quase o tetodo em silncio.

Sem saber aonde ele estava nos levando, pegamos o elevador, fomos at o dcimo andar edirigimos a seu quarto. Snowden tirou da carteira um carto e abriu a porta.

Bem-vindos falou. Desculpem, est meio bagunado, mas eu praticamente no saio h algumas semanas.

O quarto estava mesmo uma baguna: pratos de comida do servio de quarto consumidos


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metade empilhados sobre a mesa, roupas sujas por todo lado. Snowden liberou uma cadeira disse para sentar. Ento se acomodou na cama. Como o quarto era pequeno, ficamos a menos dmetro e meio de distncia. Nosso dilogo comeou tenso, desajeitado e formal.

Ele foi logo falando em segurana e perguntou se eu tinha um telefone celular. Meu telefofuncionava no Brasil, mas mesmo assim ele insistiu que eu tirasse a bateria ou pusesse o apadentro do congelador do minibar, o que pelo menos abafaria a conversa e a tornaria mais difinterceptar.

Assim como Laura tinha me alertado em abril, Snowden disse que o governo norte-amertem a capacidade de ativar celulares remotamente e convert-los em escutas. Eu sabia quetecnologia existia, mas mesmo assim atribu a preocupao deles a uma quase paranoiarealidade, quem estava equivocado era eu: h anos o governo dos Estados Unidos vem usandottica em investigaes criminais. Em 2006, um juiz federal responsvel por julgar o caso de supmaosos nova-iorquinos decidira que a utilizao pelo FBI dos chamados grampos mvetransformar o prprio celular de uma pessoa em aparelho de escuta por ativao remota era le

Assim que meu telefone foi guardado na segurana do congelador, Snowden tirou os travessda cama e os ps no p da porta.

Para se algum passar no corredor explicou. Pode ser que haja microfones e cmeraquarto, mas o que vamos falar vai acabar na imprensa de qualquer maneira completou, msrio, meio brincando.

Minha capacidade de avaliar tudo aquilo era muito limitada. Eu ainda sabia bem pouco quem era Snowden, para quem ele trabalhava, o que realmente o motivava ou o que ele tinha portanto no podia ter certeza de quais ameaas nos espreitavam, fossem elas de vigilncia oqualquer outro tipo. Minha sensao mais palpvel era a incerteza.

Sem se dar ao trabalho de sentar ou dizer qualquer coisa, e talvez para aliviar a prpria te

Laura comeou a desembalar e instalar sua cmera e o trip. Ento se aproximou para comicrofones em mim e em Snowden.

J tnhamos conversado sobre seu plano de nos lmar enquanto estivssemos em Hong Kanal de contas, ela era documentarista e estava trabalhando em um lme sobre a Inevitavelmente, o que estvamos fazendo iria se tornar uma parte imensa do seu projeto. Eu disso, mas no estava preparado para a gravao comear to cedo. Havia uma endiscrepncia cognitiva entre encontrar em segredo uma fonte que, para o governo dos EsUnidos, havia cometido crimes srios, e filmar tudo.

Laura aprontou o equipamento em questo de minutos. Vou comear a filmar, ento anunciou, como se fosse a coisa mais natural do mundo.A conscincia de que estvamos prestes a ser filmados intensificou ainda mais a tenso no quaJ havia certo constrangimento na interao inicial entre mim e Snowden, mas, assim q

cmera foi ligada, camos ainda mais formais e menos simpticos; nossa postura se retesou e nfala se tornou mais vagarosa. Ao longo dos anos, dei muitas palestras sobre como a vigilncia mo comportamento humano, citando estudos que revelam que, quando observadas, as pessomostram mais reticentes, mais cautelosas em relao ao que dizem, menos livres. Agora eu evendo e sentindo na pele uma vvida ilustrao dessa dinmica.

J que nossas tentativas