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ARTIGO

Perfil do afogamento◗Estatísticas da mortalidade envolvendo o trauma apontam a necessidadede programas de prevenção para toda população brasileira

trauma, diferentemente de ou-tras doenças, ocorre inespera-damente na grande maioria dasO

vezes, o que gera, invariavelmente, umasituação caótica dentro do âmbito fami-liar. Dentre os diferentes tipos de trau-mas o de maior impacto é, sem dúvida,o afogamento. Situações de catástrofefamiliar podem ser observadas quandofamílias inteiras se afogam juntas, pordesconhecimento, ou pela tentativa in-frutífera de salvar uns aos outros. A per-da que ocorre de forma inesperada ésempre um desastre emocional familiar,que ainda se torna pior por se tratarde uma pessoa jovem com uma grandeexpectativa de vida que estava ainda porvir. A sociedade concorda com a afir-mação: “ filhos jamais deveriam mor-rer antes dos pais, pois a dor é insupor-tável”.

De acordo com o autor Park Dietz eoutros, a cada ano, mais de 490 mil (8,4óbitos/100 mil habitantes) pessoas sãovítimas fatais de afogamento em todomundo. Entretanto, estes números sãomuito subestimados, pois muitos casosnão são notificados, principalmente empaíses em desenvolvimento.

Já, segundo o autor Lucian K. DeNi-cola e outros, em crianças de 1 a 4 anoso afogamento é a segunda causa exter-na de morte nos Estados Unidos e Áfri-ca do Sul e a primeira na Austrália. Deacordo com a Organização Mundial daSaúde, na China é a primeira causa nafaixa entre 1 e 14 anos, onde 130 milpessoas morrem afogadas anualmente.

Os afogamentos em água doce sãomais frequentes em crianças, principal-

mente menores de dez anos. Estima-seque existam mais de 4.500 casos demorte por ano só nos Estados Unidos(53% em piscinas), onde 50 mil novaspiscinas são construídas por ano, so-mando-se a 2,2 milhões de piscinas resi-denciais e 2,3 milhões não residenciais.Segundo James P. Orlowski e outros au-tores, nas áreas quentes dos EstadosUnidos, Austrália e África do Sul 70 a90% dos óbitos por afogamento ocor-rem em piscinas de uso familiar. NoBrasil, onde o número de piscinas do-mésticas é infinitamente menor, o afo-gamento em água doce ocorre mais emrios, lagos e represas, perfazendo a me-tade dos casos fatais.

Ironicamente, nos Estados Unidos

90% de todos os casos de afogamentoocorrem a 10m de uma medida de segu-rança instalada, de acordo com LucianK DeNicola e outros autores. Segundoa autora Christine Branche, estimativasindicam que 40 a 45% ocorrem durantea natação, demonstrando desconheci-mento do perigo iminente. Na práticade esportes náuticos os afogamentos sãoresponsáveis por 90% dos óbitos.

BRASILEste trabalho foi elaborado com base

nos dados do SIM (Sistema de Infor-mação em Mortalidade) tabulados noTabwin, Ministério da Saúde, DATA-SUS, em 2010. Em 2007, a populaçãobrasileira atingiu 190 milhões de habi-

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David Szpilman – médico, especialista em afogamento e terapiaintensiva, chefe da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Mu-

nicipal Miguel Couto. É médico da reserva doCorpo de Bombeiros do Estado do Rio de

Janeiro, onde foi chefe do centro de recu-peração de afogados por 12 anos, mem-bro da Câmara Técnica de MedicinaDesportiva do CREMERJ, membro do

Conselho Médico da Federação Internaci-onal de Salvamento Aquático, sócio-fundador, ex-presidente e atual dire-tor médico da Sobrasa (SociedadeBrasileira de Salvamento Aquático)[email protected]

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tantes, dos quais 1 milhão e 47 mil fale-ceu de causas diversas. O trauma (cau-sas externas) foi responsável por 13%de todos os óbitos no Brasil, sendo aprimeira causa na faixa de 5 a 39 anos(131 mil casos) que concentra 60% dasmortes. Quando consideramos todas ascausas nesta faixa de idade, as externasrepresentam 55% dos óbitos (Tabela 1– óbito por faixa etária de 1 a 69 anos).Considerando todas as idades, a morta-lidade do trauma se encontra em tercei-ro lugar, ficando atrás apenas das doen-ças do aparelho circulatório e das neo-plasias.

Como podemos observar na Tabela1, afogamento é a segunda causa de mor-te para idades entre 5 e 9 anos, terceiracausa nas faixas de 1 a 4 anos e 10 a 19anos e quinta causa na faixa de 20 a 29anos.

Em 2007, 7.009 brasileiros (3,7/100mil habitantes) morreram afogados.Dentre estes, 87% por causas não in-tencionais (3,2/100 mil habitantes), sen-do 1,16% relacionado ao uso de barcos,2,2% por causas intencionais (suicídio– 1,41% – e homicídios – 0,8%) e 11%por intenção não determinada.

Analisando as causas primárias de afo-

gamento, 47% dos óbitos ocorreram emáguas naturais que incluem canais, rios,lagos e praias. Os afogamentos em pisci-na perfazem apenas 2% (65% em resi-dências) e os acidentes durante o banho0,26% (72% em residências).

No Gráfico 1, observamos a mortali-dade por afogamento no Brasil nos últi-mos 29 anos (1979-2007) em númerosabsolutos e relativos. Houve uma redu-ção no número de óbitos relativos de1979 a 2007 da ordem de 33%.

As estatísticas de mortes por afoga-mento mostram grande variabilidade en-tre os estados. Observamos em ordemdecrescente no ano de 2007, os cincoestados com os maiores números abso-lutos de óbitos: São Paulo (1.121), MinasGerais (752), Bahia (642), Paraná (416)e o Rio Grande do Sul (372). Quandoanalisamos o número de óbitos pela po-pulação, observamos os estados do A-mapá (8,8), Roraima (7,0), Amazonas(6,6), Acre (6,3) e Alagoas (6,0), comoos de maiores números de óbitos relati-vos (n/100 mil habitantes), mostrandoque quatro dentre os cinco primeiros es-tados com maiores riscos de afogamen-to com morte não são banhados pelomar (Gráfico 2).

REGIÕESComo forma de planejamento estraté-

gico em campanhas de prevenção as re-giões de maiores riscos relativos em afo-gamento com morte em ordem decres-cente são: Norte (5,4/100 mil habitan-tes), Nordeste (4,4), Centro Oeste (3,7),Sul (3,7) e Sudeste (2,9).

Levando-se em consideração o núme-ro de óbitos relativos (n/100 mil habi-tantes) em cada estado, analisamos trêsperíodos distintos, a saber: 1979 a 1988(primeiro período), 1989 a 1998 (segun-do período) e 1999 a 2007(terceiro perío-do). Com estes dados tabulados, verifi-camos a diferença porcentual entre oprimeiro período e o segundo período,entre o segundo e o terceiro período eentre o primeiro e o terceiro período.Para cada período comparado, determi-namos como significativo se esta varia-ção foi maior do que 10% (positivo ounegativo). Nas situações em que o por-centual foi de aumento maior de 10%na mortalidade, atribuímos a cor verme-lha e o sinal negativo e nos casos de re-dução na mortalidade a cor azul, alémde indicar na coluna alterações se hou-ve aumento, redução ou se a mortalida-de se manteve inalterada.

A Tabela 2 mostra todos os valores eos respectivos estados que apresentarammelhora e piora em sua taxa de mortali-dade por afogamento. Quando analisa-mos a média do número de óbitos rela-tivos no Brasil comparando o primeiroperíodo (1979 a 1988) com o último(1999 a 2007) observamos uma reduçãode 40% na mortalidade por afogamen-to. Ao analisarmos estado por estado ve-rificamos que dos 26 analisados (exclu-ído Tocantins por falta de dados no pri-meiro período), 14 mostraram reduçãosignificativa na mortalidade, três mos-traram-se inalterados e nove apresenta-

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ram aumento. Daqueles que mostrarammaiores reduções destacam-se Rio de Ja-neiro (132%), São Paulo (98%), Rondô-nia (90%), Distrito Federal (87%) e Mi-nas Gerais (68%).

Quando consideramos a idade e o se-xo, em média, o homem morre por afo-gamento seis vezes mais do que a mu-lher. Quando menor de um ano, o riscoé igual, entre um e 14 anos é de duas atrês vezes maior, aumentando para setea dez vezes entre 15 e 69 anos e redu-zindo para cinco vezes mais quandomaior de 70 anos.

Quando consideramos o ano de 2007,o maior número de afogamentos ocor-reu entre 10 e 19 anos, como indica aTabela 3.

CONTROLENo mundo, o afogamento é uma en-

demia que precisa ser controlada e istosó irá acontecer mediante a tomada deconsciência dos números alarmantes demortes a cada ano de crianças. Os dadosdo Brasil revelam que os afogamentosocorrem mais em pessoas jovens, do se-xo masculino, por imprudência, má ava-liação do perigo, falta de supervisão e,principalmente, por falta de educaçãopreventiva.

É enganosa a impressão de que ogrande problema está no litoral. De 20anos para cá os guarda-vidas dos Corposde Bombeiros de todo país atuam de for-

Leia bibliografia completa no site

www.revistaemergencia.com.br

Afogamento - Estados do Brasil - 2007Gráfico 2

Dados elaborados com base no DATASUS - Atestados de Óbitos - SIM

População - 176.876.251 habitantes

AC

AL

AP

AM

BA

CE

DF

ES

GO

MA

MT

MS

MG

PA

PB

PR

PE P

IRJ

RN

RS

RO

RR

SC

SP

SE

TO

Estados

02468

10121416

número de óbitos

Absoluto (x100)Relativo (óbitos/100.000 hab)

ma excepcional no litoral e os númerosmostram esta conquista. Houve uma sig-nificativa redução de números de afoga-mentos no litoral o que não correspondenas áreas do interior, onde há muito quefazer. Quando particularizamos qual-quer estado, verificamos que mesmo na-queles com litoral as mortes estão ocor-rendo principalmente no interior.

O que dizer, ainda, sobre este imensoproblema não quantificado que são asenchentes e inundações ocorridas recen-

temente? Temos que aprender a atuarproativamente e não há mais espaço parasermos somente reativos neste cenário.Somos um país entrando para o seletogrupo dos desenvolvidos e esta é umade nossas grandes necessidades atuais.Os resultados na Tabela 2 demonstramque os estados envolvidos em projetosde prevenção apresentaram as maioresconquistas nos anos analisados. Progra-mas de prevenção são a resposta quenecessitamos para reduzir esta catástro-fe diária que é o afogamento no país.Neste sentido o Corpo de Bombeirosdo Distrito Federal junto com a Sobrasaorganizam este ano, de 26 a 30 de outu-bro, o XI Campeonato e X SimpósioBrasileiro de Salvamento Aquático. Nes-te evento, guarda-vidas de todo país sereúnem para disputar provas de salva-mento aquático e discutir as melhoresformas de reduzir o afogamento. Edu-car a população em prevenção é funda-mental e prioritário.

Para saber mais sobre a realidade doafogamento no Brasil e no mundo, indi-camos o livro The Texbook of EmergencyCardiovascular Care and CPR (AHA &ACEP), em especial o capítulo Drowning,páginas 477 a 489 e a biblioteca da So-brasa – www.sobrasa.org.


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