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    Definio do problema: a necessidade de umaantropologia da arte

    Alfred Gell*

    *Alfred Gell (1945-1997), antroplogo britnico, lecionou na London School of Economics and Political Science. Publicou os livros

    Metamorphosis of the Cassowaries (1975), The Anthropology of Time (1992) e Wrapping in Images: Tattooing in Polynesia (1993). Art

    and Agency foi finalizado um pouco antes de sua morte.

    Nesse captulo de Art and agency: an anthropological theory, Alfred Gell questiona o carter antropolgico de teorias sobre a arte que reivindicam esse atributo, e apresenta os pressupostos para a formulao de uma teoria que leve em conta efetivamente reas de reflexo da Antropologia.

    antropologia da arte, agncia, teoria antropolgica

    A expresso teoria antropolgica da arte visual provavelmente evoca uma teoria que lide com a produo de arte nas sociedades coloniais e ps-coloniais tipicamente estudadas pe-los antroplogos, mais a chamada arte primitiva agora normalmente denominada arte etnogrfica nos acervos dos museus. A expresso teoria antropolgica da arte seria igual teoria da arte aplicada arte antropolgica. Mas no isso que tenho em mente. A arte das margens coloniais e ps-coloniais, na medida em que arte, pode ser abordada atravs de qualquer uma das teorias da arte existentes, ou de todas elas, at onde essas abordagens so teis. Os crticos, filsofos e estetas vm trabalhando h muito tempo; as teorias da arte constituem um campo vasto e bem estabelecido. Aqueles cuja profisso descrever e compreender a arte de Picasso e Brancusi podem escrever sobre as mscaras af-ricanas enquanto arte, e de fato precisam faz-lo por causa das relaes fundamentais entre arte da frica e a arte ocidental do sculo vinte. No faria sentido desenvolver uma teoria da arte para a nossa prpria arte e uma outra teoria, claramente diferente, para a arte daquelas culturas que por acaso, no passado, estiveram sob o domnio colonialista. Se as teorias da arte ocidentais (estticas) se aplicam nossa arte, ento elas se aplicam arte de todos, e devem ser utilizadas para tal.

    Sally Price (1989) queixa-se com razo da essencializao e a consequente guetificao da chamada arte primitiva. Argumenta ela que essa arte merece ser avaliada pelos espectadores

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  • ocidentais de acordo com os mesmos padres crticos que aplicamos nossa prpria arte. A arte das culturas no-ocidentais no essencialmente diferente da nossa, na medida em que produzida por artistas individuais, talentosos e imaginosos, que merecem o mesmo grau de reconhecimento que os artistas ocidentais, no devendo ser vistos nem como filhos da na-tureza instintivos, exprimindo espontaneamente seus impulsos primitivos, nem tampouco como expoentes subservientes de algum estilo tribal rgido. Como outros autores contem-porneos que escrevem sobre artes etnogrficas (Coote 1992, 1996; Morphy 1994, 1996), Price acredita que cada cultura tem uma esttica especfica, e a tarefa da antropologia da arte definir as caractersticas da esttica inerente de cada cultura, de modo que as contribuies estticas de artistas no-ocidentais especficos possam ser avaliadas corretamente, isto , em relao a suas intenes estticas culturalmente especficas. Eis o credo dessa autora:

    O xis do problema, tal como o vejo, que a apreciao da arte primitiva quase sempre ex-pressa em termos de uma escolha falaciosa: uma opo deixar que o olho esteticamente discriminador seja nosso guia com base em algum conceito de beleza universal jamais definido. A outra mergulhar em - material tribal - para descobrir a funo utilitria ou ritualstica dos objetos em questo. Essas duas rotas so geralmente encaradas como antagnicas e incom-patveis. [...] Eu proporia a possibilidade de uma terceira conceitualizao situada mais ou me-nos entre esses dois extremos. [...] Ela requer a aceitao de dois princpios que ainda no so muito aceitos pelas pessoas cultas nas sociedades ocidentais.

    Um dos princpios que o - olho - at mesmo do especialista mais dotado de talentos naturais no nu, porm enxerga a arte atravs da lente de uma formao cultural ocidental.

    O segundo princpio que muitos primitivos (includos tantos artistas quanto crticos) tambm so dotados de um - olho - discriminador - o qual tambm v atravs de um dispositivo ptico que reflete sua prpria formao cultural.

    No referencial desses dois princpios, a contextualizao antropolgica representa no uma elaborao tediosa de costumes exticos que competem com a verdadeira - experincia est-tica -, e sim um meio de expandir a experincia esttica para alm de nosso prprio campo de viso estreitamente limitado por nossa cultura. Tendo aceito as obras da arte primitiva como merecedoras de representao lado a lado com as obras dos artistas mais reputados das nos-sas prprias sociedades [...] nossa prxima tarefa reconhecer a existncia e a legitimidade dos referenciais estticos dentro dos quais elas foram produzidas. (Price 1989:92-3)

    Esta viso perfeitamente coerente com a relao estreita entre histria da arte e teoria da arte que vigora no Ocidente. H uma analogia bvia entre esttica especfica de uma cultura e esttica especfica de um perodo. Tericos da arte como Baxendall (1972) demonstraram que a recepo da arte de perodos especficos na histria da arte ocidental dependeu do

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    modo com a arte era vista no perodo, e que as maneiras de ver mudam ao longo do tempo. Para apreciar a arte de um perodo especfico, devemos tentar redescobrir a maneira de ver que os artistas desse perodo implicitamente supunham que seu pblico utilizaria para apreciar suas obras. Uma das tarefas do historiador da arte ajudar nesse processo, forne-cendo o contexto histrico. A antropologia da arte, seria razovel concluir, tem um objetivo mais ou menos semelhante, embora seja a maneira de ver de um sistema cultural e no de um perodo histrico que tem de ser elucidado.

    No fao nenhuma objeo s sugestes de Price no que diz respeito a dar mais reconheci-mento arte e aos artistas no-ocidentais. De fato, a nica objeo que uma pessoa bem-intencionada poderia levantar com relao a um determinado programa seria talvez a de al-guns especialistas, os quais tm o prazer reacionrio de imaginar que os produtores da arte primitiva colecionados por eles so selvagens, ainda recentemente moradores das rvores. Esses idiotas podem ser deixados de lado logo de sada.

    No obstante, no acho que a elucidao dos sistemas estticos no-ocidentais constitua uma antropologia da arte. Em primeiro lugar, um tal programa exclusivamente cultural, e no social. A antropologia, do meu ponto de vista, uma disciplina das cincias sociais, e

    no uma das humanidades. Essa distino, reconheo, sutil, porm implica o fato de que a

    antropologia da arte focaliza o contexto social da produo, circulao e recepo da arte, e

    no a avaliao de obras de arte especficas, o que, a meu ver, funo do crtico. Talvez seja

    interessante saber, por exemplo, por que os Yoruba avaliam um entalhe como esteticamente

    superior a outro (R. F. Thompson 1973), mas isso no nos diz muito a respeito do porqu os

    Yoruba fazem entalhes. A presena de um grande nmero de entalhes, entalhadores e crticos

    de entalhes entre os Yoruba num determinado perodo um fato social, cuja explicao no per-

    tence ao domnio da esttica indgena. Do mesmo modo, as nossas preferncias estticas no

    podem por si s dar conta da existncia dos objetos que coletamos em museus e apreciamos

    esteticamente. Os juzos estticos so apenas atos mentais interiores; j os objetos de arte

    so produzidos e entram em circulao no mundo fsico e social exterior. Essa produo e essa

    circulao tm de ser mantidas por certos processos sociais de natureza objetiva, que esto

    ligados a outros processos sociais (troca, poltica, religio, parentesco, etc.). Se no existissem,

    por exemplo, sociedades secretas como a Poro e a Sande na frica Ocidental, no existiriam

    mscaras Poro e Sande. As mscaras Poro e Sande podem ser consideradas e avaliadas do

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    ponto de vista esttico, por ns e pelo pblico de arte indgena, apenas por causa da presena

    de certas instituies sociais nessa regio. Mesmo que reconhecssemos a existncia de algo

    semelhante a uma esttica como trao do sistema ideacional de toda a cultura, estaramos

    longe de possuirmos uma teoria que pudesse dar conta da produo e circulao de objetos

    de arte especficos em meios sociais especficos. De fato, como j argumentei em outro lugar

    (Gell 1995), no estou de modo algum convencido de que toda cultura tem um componente

    de seu sistema ideacional comparvel nossa esttica. Creio que o desejo de ver a arte de

    outras culturas esteticamente nos diz mais a respeito da nossa prpria ideologia e a venerao

    quase religiosa de objetos de arte como talisms estticos, do que a respeito dessas outras

    culturas. O projeto de uma esttica indgena est essencialmente voltado para o refinamento

    e a expanso das sensibilidades estticas do pblico de arte ocidental, fornecendo o contexto

    cultural dentro do qual os objetos de arte no-ocidentais possam ser assimilados s categorias

    da apreciao de arte da esttica ocidental. No h nada de mau nisso, porm est longe de

    ser uma teoria antropolgica da produo e da circulao da arte.

    Se digo isso, por motivos diferentes do fato de que eu possua ideias corretas ou incorretas a respeito da impossibilidade de se usar esttica como um parmetro universal para a de-scrio e comparao de culturas. Mesmo se como supem Price, Coote, Morphy e outros todas as culturas tm uma esttica, os relatos descritivos das estticas de outras culturas no constituiriam uma teoria antropolgica. As teorias que so nitidamente antropolgicas tm certas caractersticas definidoras ausentes nesses relatos de esquemas de avaliao que, qualquer que seja a sua natureza, so apenas de interesse antropolgico por desempen-harem um papel dentro de processos sociais de interao, atravs dos quais so gerados e mantidos. A antropologia do direito, por exemplo, no o estudo de princpios ticos e legais os conceitos de certo e errado que tm as outras pessoas e sim de disputas e sua res-oluo, no decorrer das quais os litigantes costumam apelar para tais princpios. Do mesmo modo, a antropologia da arte no pode ser o estudo dos princpios estticos desta ou daquela cultura, e sim a mobilizao de princpios estticos (ou algo semelhante) no decorrer da inte-rao social. A teoria esttica da arte simplesmente no se assemelha, sob qualquer aspecto importante, a qualquer teoria antropolgica referente a processos sociais. Ela se assemelha, sim, a teorias da arte ocidentais o que precisamente ela , sem dvida, embora no mais

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    Garrafo antropomrficoObjeto utilitrioTlatilco, Mxicoc. 1.200-800 d.c.Bell, J. (2008). Uma nova histria da arte. So Paulo: Martins Fontes.

  • aplicada arte ocidental, e sim a uma arte extica ou popular. Para desenvolver uma teoria da arte nitidamente antropolgica, no basta tomar emprestada uma teoria da arte exis-tente e aplic-la a um novo objeto; necessrio desenvolver uma nova variante das teor-ias antropolgicas existentes e aplic-la arte. No estou tentando ser mais original do que os meus colegas que aplicaram teorias da arte existentes a objetos exticos; estou apenas querendo ser no-original de uma maneira nova. As teorias antropolgicas existentes no dizem respeito arte; elas tratam de assuntos como parentesco, economia de subsistncia, gnero, religio, e coisas semelhantes. Assim, o objetivo criar uma teoria sobre a arte que seja antropolgica porque se assemelha a essas outras teorias que podem tranquilamente ser caracterizadas como antropolgicas. Naturalmente, essa estratgia imitativa depende muito do que se considere ser a antropologia, e de como se veja a diferena entre a antropologia e as disciplinas vizinhas.

    Maria JosNoivinhaEscultura em CermicaOrigem: Serra Branca, BAFotografia: Luciano Vinhosa

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    O que constitui a caracterstica definidora das teorias antropolgicas enquanto classe, e que base tenho eu para afirmar que esquemas de codificao por avaliao esttica no se enquadrariam nessa categoria? A meu ver, na medida em que a antropologia tem um objeto prprio, esse objeto so as relaes sociais relaes entre participantes de sistemas so-ciais de diversos tipos. Reconheo que muitos antroplogos que seguem a tradio de Boas e Kroeber, inclusive Price, consideram que o objeto da antropologia a cultura. O problema dessa formulao que s se descobre o que uma cultura observando-se e registrando-se o comportamento cultural das pessoas em questo num determinado contexto, isto , como elas se relacionam a outros especficos nas interaes sociais. A cultura no tem uma existncia independentemente das suas manifestaes nas interaes sociais; e isso verdade at mesmo quando simplesmente pedimos a algum que nos fale sobre a sua cultura nesse caso, a interao em questo a que se d entre o antroplogo que faz a pergunta e o informante (provavelmente um tanto perplexo).

    O problema do programa da esttica indgena, a meu ver, que ele tende a reificar a res-posta esttica, independentemente do contexto social de suas manifestaes (e que a antro-pologia boasiana de modo geral reifica a cultura). Na medida em que possvel existir uma teoria antropolgica da esttica, uma tal teoria tentaria explicar por que motivo os agentes sociais, em determinados contextos, respondem do modo como respondem a obras de arte especficas. Creio que se pode traar uma distino entre isso e uma outra tarefa, certamente meritria, porm essencialmente no antropolgica: fornecer um contexto para a arte no-ocidental de tal modo que essa arte possa se tornar acessvel a um pblico de arte ocidental. Porm, as respostas do pblico de arte indgena arte indgena no se esgotam de modo al-gum com a enumerao daqueles contextos em que algo semelhante a um esquema avaliador esttico utilizado na apreciao da arte. Tais contextos podem ser raros ou mesmo inexis-tentes, e no entanto o que nos parece arte assim mesmo produzido e entra em circulao.

    Uma abordagem dos objetos de arte que seja puramente cultural, esttica e apreciativa rep-resenta um beco sem sada para a antropologia. O que me interessa no isso, e sim a possi-bilidade de formular uma teoria da arte que se encaixe naturalmente no contexto da antropo-logia, dada a premissa de que as teorias antropolgicas so reconhecveis inicialmente como teorias sobre as relaes sociais, e no como outra coisa qualquer. A maneira mais simples de imaginar isso supor que pudesse existir uma espcie de teoria antropolgica em que as pes-soas ou agentes sociais fossem, em certos contextos, substitudos por objetos de arte.

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    O objeto de arte

    Isso levanta de imediato a questo da definio de objeto de arte, e tambm, alis, de arte. Howard Morphy (1994:648-85), numa anlise recente do problema da definio da arte no contexto antropolgico, examina e rejeita a indefinio institucional (ocidental) de arte, se-gundo a qual arte tudo aquilo que tratado como arte pelos membros do mundo da arte institucionalmente reconhecido (Danto 1964) crticos, marchands, colecionadores, teri-cos, etc. compreensvel: no existe mundo da arte em muitas das sociedades estudadas atualmente por antroplogos, e no entanto essas sociedades produzem obras algumas das quais so reconhecidas como arte pelo nosso mundo da arte. De acordo com a teoria institucional da arte, a maior parte da arte indgena s arte (no sentido que damos pala-vra arte) porque ns assim a consideramos, e no porque as pessoas que a fazem pensam assim. Aceitar a definio de arte dada pelo mundo da arte obriga o antroplogo a impor arte das outras culturas um referencial de carter abertamente metropolitano. At certo ponto, isso inevitvel (a antropologia uma atividade metropolitana, tal como a crtica de arte), mas Morphy, por motivos compreensveis, no est inclinado a aceitar o veredicto do mundo de arte ocidental (que no tem informao antropolgica) quanto definio de arte, alm das fronteiras fsicas do Ocidente. Ele prope, em vez disso, uma definio dualista: os objetos de arte so aqueles que tm propriedades semnticas e/ou estticas, usadas para fins de apre-sentao ou representao (ibid:655), isto , os objetos de arte ou so signos-veculos que transmitem significados, ou so objetos feitos com o fim de provocar uma resposta esttica endossada pela cultura, ou ento as duas coisas ao mesmo tempo.

    A meu ver, essas duas condies para se atribuir o status de objeto de arte so questionveis. J manifestei minha opinio de que impossvel abstrair antropologicamente as proprie-dades estticas dos processos sociais que cercam a concesso do status de objeto de arte em contextos sociais especficos. Assim, por exemplo, acho improvvel que um guer-reiro no campo de batalha sinta um interesse esttico pelo desenho do escudo utilizado por um guerreiro inimigo; no entanto, foi para ser visto por esse guerreiro (e para assust-lo) que o desenho foi posto ali. Se o escudo assemelha-se ao que aparece na folha de rosto desta obra (p.XXIV), inquestionavelmente uma obra de arte do tipo que interessa aos antroplogos, mas suas propriedades estticas (para ns) so totalmente irrelevantes para suas implicaes

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    OsirisTextoisso dava um belo conto do talo Calvino

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    antropolgicas. Antropologicamente, no se trata de um escudo belo, e sim de um escudo que provoca o medo. As incontveis gradaes de respostas sociais/emocionais aos artefatos (terror, desejo, admirao, fascnio, etc.) nos padres da vida social em constante modificao no podem ser abrangidos pela categoria dos sentimentos estticos, nem a ela reduzidos; se tal for feito, a resposta esttica se tornar de tal modo generalizada que perder todo e qualquer significado. O efeito da estetizao da teoria da resposta simplesmente o de igualar as respostas do Outro etnogrfico, na medida do possvel, s nossas. De fato, as re-spostas aos artefatos nunca so de tal modo a destacar, em meio ao espectro de artefatos existentes, aqueles que so abordados de modo esttico e aqueles que no so.

    Tampouco me agrada a ideia de que a obra de arte reconhecvel, em termos genricos, na medida em que participa de um cdigo visual para a comunicao de significados. Rejeito categoricamente a ideia de que qualquer coisa, salvo a prpria linguagem, tem significado na acepo que se quer dar ao termo. A linguagem uma instituio singular (com base bi-olgica). Usando a linguagem, podemos falar sobre objetos e atribuir significados a eles no sentido de encontrar algo a dizer sobre eles, mas os objetos de arte visual no fazem parte da linguagem por esse motivo, e tampouco constituem uma linguagem alternativa. Os obje-tos de arte visual so objetos a respeito dos quais podemos falar, e o fazemos com frequncia mas eles prprios ou no falam, ou ento seus proferimentos em linguagem natural se do num cdigo grafmico. Falamos sobre objetos usando signos, mas os objetos de arte, salvo alguns casos especiais, no so eles prprios signos dotados de significados; e se tm significados, ento fazem parte da lngua (isto , so smbolos grficos), no formando uma lngua visual separada. Vou retornar a essa questo periodicamente, pois minha polmica contra a ideia de uma linguagem da arte tem muitos aspectos diferentes, os quais melhor examinar separadamente. Por ora, contento-me em simplesmente avisar ao leitor que evitei a utilizao do conceito de significado simblico no decorrer de toda a presente obra. Essa minha recusa em discutir arte em termos de smbolos e significados pode causar alguma sur-presa ocasionalmente, j que o domnio da arte e o do simblico so considerados por mui-tos mais ou menos coextensivos. Dou nfase no comunicao simblica, e sim agncia,inteno, causao, resultado e transformao. Encaro a arte como um sistema de ao cujo fim mudar o mundo, e no codificar proposies simblicas a respeito do mundo. A abor-dagem da arte centrada na ao inerentemente mais antropolgica do que a abordagem

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    semitica alternativa, porque se preocupa com o papel prtico de mediao que desempen-

    ham os objetos de arte no processo social, e no com a interpretao dos objetos como se

    eles fossem textos.

    Tendo rejeitado os dois critrios de Morphy para discriminar a classe de objetos de arte para

    os fins da antropologia da arte, resta ainda, naturalmente, o problema de propor um critrio

    para a atribuio do status de objeto de arte. Felizmente, porm, a teoria antropolgica da

    arte no precisa fornecer um critrio para o status de objeto de arte que seja independente

    da prpria teoria. O antroplogo no obrigado a definir o objeto de arte antecipadamente de

    modo a satisfazer os estetas, ou os filsofos, ou os historiadores da arte, ou quem quer que

    seja. A definio do objeto de arte que utilizo no institucional, nem esttica, nem semitica;

    uma definio terica. O objeto de arte o que quer que seja inserido no nicho destinado

    aos objetos de arte no sistema de termos de relaes esboado pela teoria (a ser apresen-

    tada adiante). Nada pode ser decidido antecipadamente a respeito da natureza desse objeto,

    porque a teoria baseia-se na ideia de que a natureza dos objetos de arte uma funo da

    matriz de relaes sociais na qual ela est inserida. No tem uma natureza intrnseca, inde-

    pendente do contexto relacional. A maioria dos objetos de arte que analiso so objetos bem

    conhecidos, que no temos nenhuma dificuldade em identificar como arte; por exemplo,

    a Mona Lisa. Na medida em que reconhecemos uma categoria pr-terica de objetos de

    arte dividida em duas grandes subcategorias de objetos de arte ocidentais e objetos de

    arte indgenas ou etnogrficos minha discusso ser calcada em termos dos membros

    prototpicos dessas categorias, para simplificar. Mas, na verdade, qualquer coisa poderia ser

    tratada como objeto de arte do ponto de vista antropolgico, inclusive pessoas vivas, porque

    a teoria da arte antropolgica (que pode ser definida aproximadamente como as relaes

    sociais na vizinhana de objetos que atuam como mediadores de agncia social) se encaixa

    perfeitamente na antropologia social das pessoas e de seus corpos. Assim, do ponto de vista

    da antropologia da arte, um dolo num templo que se acredita ser o corpo da divindade e um

    mdium que tambm fornea um corpo temporrio divindade so tratados teoricamente no

    mesmo nvel, apesar do primeiro ser um artefato e o segundo, um ser humano.

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    Sociologia da arte

    Acabo de definir de modo provisrio a antropologia da arte como o estudo terico das relaes sociais na vizinhana dos objetos que atuam como mediadores da agncia social, e propus que, para que a antropologia da arte seja especificamente antropolgica, ela tem que partir da ideia de que, sob os aspectos tericos relevantes, os objetos de arte equivalem a pessoas, ou, mais precisamente, a agentes sociais. No haver nenhuma alternativa a essa proposio aparentemente radical? Seria possvel talvez dar um passo atrs diante do abismo, e admitir que, ainda que a teoria antropolgica da arte no seja uma esttica transcultural nem tampouco um ramo da semitica, ainda assim ela pode ser uma sociologia das insti-tuies da arte que no implicaria necessariamente afirmar de modo radical que os objetos de arte equivalem a pessoas. H, de fato, uma florescente sociologia da arte que examina precisamente os parmetros institucionais da produo, recepo e circulao dos objetos de arte. Porm, no por coincidncia que a sociologia da arte (ou seja, das instituies da arte) interessa-se acima de tudo pela arte ocidental ou, no mximo, pela arte de Estados adiantados providos de burocracias, tais como a China, o Japo, etc. No pode existir uma sociologia institucional da arte a menos que existam as instituies relevantes; ou seja, que existam um pblico para a arte, o patrocnio pblico ou privado aos artistas, crticos de arte, museus de arte, academias, escolas de arte, e assim por diante.

    Os autores que trabalham com a sociologia da arte, tais como Berger (1972) e Bourdieu (1968, 1984), estudam as caractersticas institucionais especficas das sociedades de massa, e no a rede de relacionamentos que se formam em torno de obras de arte especficas em contextos interativos especficos. Essa diviso de trabalho caracterstica; a antropologia interessa-se mais pelo contexto imediato das interaes sociais e suas dimenses pessoais, enquanto a sociologia trabalha mais com as instituies. H, claro, uma continuidade entre a perspectiva sociolgica/institucional e a perspectiva antropolgica/relacional. Os antroplogos no podem ignorar as instituies; a antropologia da arte tem de levar em conta a base institucional da produo e circulao de obras de arte, na medida em que tais instituies existam. Porm, mesmo assim podemos afirmar que h muitas sociedades em que as instituies que for-necem o contexto para a produo e circulao da arte no so instituies especializadas em arte, e sim instituies de mbito mais geral; por exemplo, cultos, sistemas de trocas, etc. A

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    antropologia da arte permaneceria para todo o sempre um campo muito pouco desenvolvido se se restringisse produo e circulao de arte institucionalizadas comparveis s que possvel estudar de modo direto no contexto de Estados burocrticos/industriais adiantados.

    Tal como existe, a sociologia da arte est representada na antropologia da arte basica-mente sob a forma de estudos do mercado da arte etnogrfica, como a importante obra recente de Steiner (1994). Morphy (1991), Price (1989), Thomas (1991) e outros escreveram obras muito esclarecedoras a respeito da recepo da arte no-ocidental pelo pblico de arte ocidental; esses estudos, porm, esto voltados para o mundo de arte (institucionalizado) da arte do Ocidente, e tambm para o modo como os povos indgenas respondem recepo da sua produo artstica neste mundo artstico que lhes alheio. Creio que possvel traar uma distino entre essas investigaes da recepo e apropriao da arte no-ocidental e o mbito de uma teoria da arte genuinamente antropolgica, o que no implica de modo algum denegrir tais estudos. preciso perguntar se uma determinada obra de arte foi de fato pro-duzida tendo em mente essa recepo ou apropriao. No mundo contemporneo, boa parte da arte dita etnogrfica na verdade produzida para o mercado da metrpole; neste caso, impossvel lidar com ela de outro modo que no a partir dessas bases especficas. Porm, nem por isso deixa de ser verdade que no passado, e ainda hoje, obras de arte eram e so produzidas para uma circulao muito mais limitada, que no depende de qualquer recepo que elas possam ter do outro lado das diversas fronteiras culturais e institucionais. Esses contextos locais, em que a arte produzida no como funo da existncia de instituies de arte especficas, e sim como subproduto da mediao da vida social e da existncia de in-stituies de tipo mais genrico, justificam afirmar ao menos uma autonomia relativa de uma antropologia da arte que no seja circunscrita pela presena de instituies de qualquer tipo especificamente relacionadas arte.

    Assim, tudo indica que a antropologia da arte pode, ao menos em carter provisrio, ser separada do estudo das instituies da arte ou do mundo artstico. Isso implica a neces-sidade de retomar e reconsiderar a proposio afirmada acima. Dizer que os objetos de arte, para que possam figurar numa teoria da arte antropolgica, tm de ser considerados como pessoas pode parecer uma ideia estranha. Mas essa estranheza s ocorre se no levar-mos em conta que toda a tendncia histrica da antropologia vem em direo a uma radical desfamiliarizao e relativizao do conceito de pessoa. Desde os primrdios da disciplina, a antropologia tem dado uma ateno toda especial a uma srie de problemas que dizem res-peito s relaes claramente estranhas entre pessoas e coisas as quais parecem de algum

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    modo manifestar-se ou atuar como pessoas. Esse tema bsico foi anunciado pela primeira vez por Tylor em Primitive culture (1875) onde, como os leitores certamente lembram, o au-tor discute o animismo (ou seja, a atribuio de vida e sensibilidade a coisas inanimadas, plantas, animais, etc.) como atributo definidor da cultura primitiva, se no da cultura em geral. Frazer retoma esse mesmo tema em seus volumosos estudos da magia simptica e contagiante. Preocupaes idnticas vo aparecer, de modo diverso, na obra de Malinowski e na de Mauss, s que agora relacionadas troca, bem como ao tema clssico da antropologia que a magia, a respeito do qual ambos os autores muito se estenderam.

    A proposio acima, de que a teoria antropolgica da arte a teoria da arte que considera os objetos de arte como pessoas, , espero, imediatamente identificvel como maussiana. Dado que as prestaes ou dons so tratados na teoria da troca de Mauss como (exten-ses de) pessoas, ento claramente faz sentido ver, do mesmo modo, os objetos de arte como pessoas. Alis, talvez no estivssemos indo longe demais se sugerssemos que na medida em que a teoria da troca de Mauss a teoria antropolgica exemplar e prototpica, ento para produzir uma teoria da arte antropolgica teramos de construir uma teoria que se assemelhasse de Mauss, s que dissesse respeito a objetos de arte e no a prestaes. A teoria do parentesco de Lvi-Strauss nada mais do que a de Mauss, em que as presta-es so substitudas por mulheres; a teoria antropolgica que propomos seria a de Mauss em que as prestaes fossem substitudas por objetos de arte. Na verdade, uma teoria assim seria uma caricatura da que me proponho a apresentar, porm fao essa analogia a fim de orientar o leitor quanto s minhas intenes bsicas. O que estou tentando dizer que uma teoria antropolgica a respeito de qualquer tema s antropolgica na medida em que se aproxima, quanto a certos aspectos bsicos, de outras teorias antropolgicas; do contrrio, a palavra antropolgico perderia o significado. Meu objetivo produzir uma teoria da arte antropolgica que tenha afinidades com outras teorias antropolgicas, no apenas a de Mauss, naturalmente, mas diversas outras teorias. Uma das objees bsicas que fao s teorias estticas transculturais e semiticas da arte etnogrfica a de que as afinidades tericas dessas abordagens encontram-se na esttica e na teoria da arte (ocidentais), e no autonomamente dentro da prpria antropologia. possvel que no exista uma teoria da arte, til, que se baseie nas teorias antropolgicas existentes ou que possa ser derivada a partir delas, mas essa questo s pode ser decidida depois que algum realizar o experimento de tentar construir uma teoria da arte genuinamente antropolgica.

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    A silhueta de uma teoria antropolgica

    A posio a que cheguei a de que uma teoria antropolgica da arte uma teoria que tem

    cara de teoria antropolgica, na qual alguns dos relata, cujas relaes so descritas na teo-

    ria, so obras de arte. Mas qual a feio das teorias antropolgicas? Ser mesmo possvel

    apresentar uma silhueta identificadora de uma teoria antropolgica que seja diferente da feitio

    de uma outra teoria qualquer? Talvez no, na medida em que a antropologia uma disciplina

    abrangente, que s se distingue de modo muito ambguo de outras disciplinas tais como a

    sociologia, a histria, a geografia social, a psicologia social e cognitiva, etc. Sou obrigado a

    reconhecer isso. Por outro lado, examinemos o que os antroplogos fazem melhor, do ponto

    de vista das disciplinas vizinhas. A antropologia, para ser franco, considerada boa quando

    se trata de apresentar anlises detalhadas de comportamentos, desempenhos, pronuncia-

    mentos, etc., que sejam aparentemente irracionais. (O chamado problema do meu irmo

    um papagaio verde: Sperber 1985; Hollis 1970.) Como quase todos os comportamentos,

    do ponto de vista de algum, so aparentemente irracionais, tudo indica que o futuro da

    antropologia est garantido. De que modo os antroplogos resolvem os problemas que dizem

    respeito aparente irracionalidade do comportamento humano? O que eles fazem localizar

    ou contextualizar o comportamento no exatamente na cultura (que uma abstrao), e

    sim na dinmica da interao social, a qual pode sem dvida ser condicionada pela cultura,

    mas faz mais sentido ver como um processo ou dialtica real, que se desenrola no tempo. A

    viso antropolgica interpretativa do comportamento social compartilhada, evidentemente,

    com a sociologia e a psicologia social, para no falar em outras disciplinas. A antropologia se

    distingue delas na medida em que apresenta uma certa profundidade de foco, que talvez

    possa ser caracterizado como biogrfico; ou seja, a viso antropolgica dos agentes sociais

    tenta replicar a perspectiva temporal desses agentes sobre eles prprios, enquanto a sociolo-

    gia (histrica) muitas vezes, por assim dizer, suprabiogrfica, enquanto a psicologia social e

    a psicologia cognitiva so infrabiogrficas. Assim, a antropologia tende a focalizar o ato no

    contexto da vida ou, mais precisamente, o estgio da vida do agente. A periodici-

    dade fundamental da antropologia o ciclo vital. Essa perspectiva temporal (fidelidade ao bi-

    ogrfico) determina a proximidade ou o distanciamento do antroplogo em relao ao sujeito;

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    se o antroplogo estuda, por exemplo, a cognio na microescala que tpica de boa parte

    da psicologia cognitiva de laboratrio, perde-se a perspectiva biogrfica e o antroplogo na

    verdade est fazendo apenas psicologia cognitiva; inversamente, se a perspectiva do antrop-

    logo se expande ao ponto de o ritmo do ciclo vital biogrfico no mais delimitar o mbito

    do discurso, ele est fazendo histria ou sociologia.

    Talvez esta definio de antropologia no seja do agrado geral, porm a meu ver ela de fato

    abrange a maior parte dos trabalhos considerados tipicamente antropolgicos. Essa profun-

    didade de foco especificamente biogrfica tem tambm, claro, um correlato espacial; os

    espaos da antropologia so aqueles que so transcorridos por agentes no decorrer de suas

    biografias, sejam estreitos ou, como cada vez mais comum, largos, at mesmo globais.

    Alm disso, ela implica uma certa viso das relaes sociais. Tipicamente, os antroplogos

    encaram os relacionamentos num contexto biogrfico, ou seja, os relacionamentos so vis-

    tos como parte de uma srie biogrfica em que se entra em diferentes fases do ciclo vital. As

    relaes sociolgicas so, por assim dizer, perenes, ou suprabiogrficas, como a relao en-

    tre as classes do capitalismo, ou a relao entre os grupos de status (castas) nas sociedades

    hierrquicas. J as relaes psicolgicas, por outro lado, so infrabiogrficas, muitas vezes

    apenas encontros momentneos, como se d, por exemplo, nos contextos experimentais

    em que se pede que os sujeitos interajam uns com os outros, e com o experimentador,

    de modos que no tm quaisquer precedentes ou consequncias biogrficos. As relaes

    antropolgicas so reais e biograficamente consequentes, e articulam-se com o projeto de

    vida biogrfico do agente.

    Se essas estipulaes esto corretas, ento a silhueta caracterstica de uma teoria antrop-

    olgica est comeando a emergir. As teorias antropolgicas podem-se distinguir na medida

    em que elas tipicamente dizem respeito a relaes sociais; estas, por sua vez, ocupam um

    certo espao biogrfico, no decorrer do qual a cultura recolhida, transformada e passada

    adiante atravs de uma srie de etapas de vida. O estudo dos relacionamentos no decorrer

    do curso da vida (as relaes atravs da qual a cultura se adquire e se reproduz), e dos proje-

    tos de vida que os agentes buscam realizar atravs de suas relaes com os outros, permite

    que os antroplogos realizem sua tarefa intelectual, que a de explicar por que motivo as

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    pessoas se comportam do modo como se comportam, mesmo que esse comportamento parea irracional, ou cruel, ou extraordinariamente santo e desinteressado, conforme o caso. O objetivo da teoria antropolgica dar sentido ao comportamento no contexto das relaes sociais. Assim, o objetivo da teoria da arte antropolgica dar conta da produo e circulao dos objetos de arte como funo desse contexto relacional.

    Originalmente o primeiro captulo, The problem defined: The need for an anthropology of art, do livro Art and agency: an anthropological theory. Oxford, Clarendon Press, 1998.

    Traduo: Paulo Henriques Britto

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    Oxossi Objeto ritualstico(representao de Orix)Escultura em ferroFotografia: Luciano Vinhosa, 2009


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