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  • formao social, histrica e poltica do brasil

    Caderno de Estudos

    prof. arnaldo haas Jnior

    UNIASSELVI2013

    NEAD

    Educao a Distncia

    GRUPO

  • CENTRO UNIVERSITRIOLEONARDO DA VINCI

    Rodovia BR 470, Km 71, n 1.040, Bairro BeneditoCx. P. 191 - 89130-000 - INDAIAL/SCFone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090

    GRUPO

    EDITORA

    Copyright UNIASSELVI 2013

    Elaborao:Prof. Arnaldo Haas Jnior

    Reviso, Diagramao e Produo:Centro Universitrio Leonardo da Vinci - UNIASSELVI

    Ficha catalogrfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

    UNIASSELVI Indaial.

    361.3H112f Haas Jnior, Arnaldo

    Formao social, histrica e poltica do Brasil / Arnaldo Haas Jnior. Indaial : Uniasselvi, 2013. 175 p. : il ISBN 978-85-7830-796-7

    I. Formao social Brasil. 1.Centro Universitrio Leonardo da Vinci. 2. Haas Jnior, Arnaldo.

    www.uniasselvi.com.br

  • FORMAO SOCIAL, HISTRICAE POLTICA DO BRASIL

    apreseNtao

    Caro(a) acadmico(a)!

    A partir desse momento iniciaremos os estudos relativos Formao Social, Histrica e Poltica do Brasil. Por razes que lhe sero apresentadas no incio da primeira unidade deste caderno, associaremos a Formao Social, Histrica e Poltica do Brasil aos delineamentos da Repblica Brasileira. Tomando por referncia eventos ligados ao advento da Repblica e ao processo de afirmao desse regime poltico, nosso olhar ser dirigido compreenso de

    nuances das transformaes polticas, econmicas e sociais ocorridas em nosso pas nas ltimas dcadas do sculo XIX at o incio do sculo XXI.

    Uma vez que no nos dada a possibilidade de recuperao ou resgate de toda a histria, faremos uma reflexo sobre temticas consagradas pela historiografia brasileira

    que podem contribuir com a sua formao como profissional da rea de Servio Social.

    Portanto, esta disciplina aborda a compreenso dos significados mais visveis no apenas de

    questes eminentemente polticas, mas tambm das estreitas e indissociveis ligaes que

    tais questes nutrem em relao a outros aspectos da sociedade brasileira. Nosso objetivo no ser empreender uma anlise detalhada sobre cada um dos eventos citados, pois, dada

    a amplitude do recorte temporal, lanaremos sobre ele apenas um olhar panormico.

    Para que seus estudos possam ser conduzidos de maneira agradvel e para que a

    produo de significados seja efetivada, a diviso deste caderno pedaggico em trs unidades,

    para fins didticos, foi pautada no apenas em uma perspectiva cronolgica, atitude comum

    s narrativas historiogrficas, mas tambm na eleio de conceitos-chave, a partir dos quais

    voc poder ampliar seu entendimento sobre as temticas analisadas.

    Na primeira unidade, O Advento da Repblica no Brasil, voc tomar conhecimento da

    transio da Monarquia Repblica, antecedida pela e em grande medida tributria da abolio

    legal do trabalho escravo ocorrida em 1888, e dos interesses polticos que deram sustentao ao novo regime. Nesta unidade voc tambm ser apresentado a aspectos dos movimentos

    sociais que eclodiram na Primeira Repblica e do processo de articulao ideolgica e prtica

    da luta de classes, decorrente da paulatina emergncia de novos grupos sociais no espao urbano industrial.

    Na segunda unidade, Novos arranjos polticos: da Revoluo de 1930 ao governo de Jango, o vetor do texto ser dado pela constatao da forte influncia exercida por Getlio

    Vargas no quadro poltico brasileiro. Da Revoluo de 1930, passando pela instaurao do Estado Novo, pelas polticas populistas e pelos agitados anos de 1950, voc seguir um itinerrio

    que o conduzir s vsperas da instaurao do regime ditatorial militar, a Repblica Fardada.

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    UNI

    Oi!! Eu sou o UNI, voc j me conhece das outras disciplinas. Estarei com voc ao longo deste caderno. Acompanharei os seus estudos e, sempre que precisar, farei algumas observaes. Desejo a voc excelentes estudos!

    UNI

    A terceira e ltima unidade, Do Regime Militar Res Publica, apresenta, inicialmente, um conjunto de consideraes sobre o perodo de governo militar que vigorou no pas entre 1964 e 1985, e sobre os movimentos sociais que lhe fizeram oposio. A parte final desta unidade

    suscita um estudo sobre o processo de redemocratizao experimentado pela sociedade

    brasileira ao longo da dcada de 1980, assim como sobre polticas de governo e de Estado relativas ao plano econmico e social realizadas durante os anos de 1990 e primeiros anos deste novo sculo.

    Bons estudos!

    prof. arnaldo haas Jnior

  • sUmrio

    UNidade 1: o adVeNto da repblica No brasil ............................................... 1

    tpico 1: a traNsio orQUestrada: coNVeNiNcias do reGime repUblicaNo ................................................................................................................ 31 iNtrodUo ............................................................................................................... 32 os iNteresses e as propostas em eVidNcia ............................................... 4leitUra complemeNtar ............................................................................................ 8resUmo do tpico 1 ................................................................................................. 10aUtoatiVidade ............................................................................................................ 11

    tpico 2: primeira repblica: a repblica das oliGarQUias ............. 131 iNtrodUo ............................................................................................................. 132 QUe repblica? QUe reGime admiNistratiVo? ............................................ 133 repblica das oliGarQUias: a articUlao e os moVimeNtos de coNtestao ............................................................................................................. 16leitUra complemeNtar i ........................................................................................ 22leitUra complemeNtar ii ....................................................................................... 24resUmo do tpico 2 ................................................................................................. 25aUtoatiVidade ........................................................................................................... 26

    tpico 3: trabalhadores Na primeira repblica: coNdies lUta de classes .................................................................................................... 271 iNtrodUo ............................................................................................................. 272 aNtecedeNtes: raZes da iNdstria NacioNal .......................................... 283 a orGaNiZao dos trabalhadores e a lUta de classes ................... 30leitUra complemeNtar .......................................................................................... 33resUmo do tpico 3 ................................................................................................. 35aUtoatiVidade ........................................................................................................... 36aValiao .................................................................................................................... 37

    UNidade 2: NoVos arraNJos polticos: da reVolUo de 1930 ao GoVerNo de JaNGo ............................................................................................... 39

    tpico 1: a reVolUo de 1930: Getlio VarGas No poder ...................... 411 iNtrodUo ............................................................................................................. 412 a dcada de 1920: raZes de Um impasse No NeGociVel ..................... 423 a aliaNa liberal e a reVolUo de 1930 ................................................ 444 primeiros aNos: oposio, coNflitos e o camiNho rUmo ao estado NoVo .............................................................................................................................. 49leitUra complemeNtar .......................................................................................... 55resUmo do tpico 1 ................................................................................................. 59

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    aUtoatiVidade ........................................................................................................... 61

    tpico 2: o estado NoVo e seUs desdobrameNtos .................................... 631 iNtrodUo ............................................................................................................. 632 o plaNo coheN ....................................................................................................... 633 o estado NoVo ....................................................................................................... 65leitUra complemeNtar .......................................................................................... 73resUmo do tpico 2 ................................................................................................. 78aUtoatiVidade ........................................................................................................... 80

    tpico 3: a dcada de 1950: as (im)possibilidades da democracia ....... 811 iNtrodUo ............................................................................................................. 812 a persoNaliZao do poder: o popUlismo ................................................. 823 o GoVerNo dUtra e o retorNo de VarGas .................................................. 834 de KUbitscheK a Joo GoUlart ....................................................................... 90leitUra complemeNtar i ...................................................................................... 100leitUra complemeNtar ii ..................................................................................... 101resUmo do tpico 3 ............................................................................................... 105aUtoatiVidade ......................................................................................................... 108aValiao .................................................................................................................. 109

    UNidade 3: do reGime militar NoVa repblica .......................................... 111tpico 1: iNstaUraNdo a NoVa ordem: os militares No poder .............. 1131 iNtrodUo ............................................................................................................ 1132 o Golpe e os GoVerNos aUtoritrios ......................................................... 1143 os atos iNstitUcioNais e oUtras medidas aUtoritrias ...................... 118leitUra complemeNtar ........................................................................................ 120resUmo do tpico 1 ............................................................................................... 124aUtoatiVidade ......................................................................................................... 125

    tpico 2: o esGotameNto do modelo de deseNVolVimeNto .................. 1271 iNtrodUo ........................................................................................................... 1272 a moderNiZao coNserVadora ................................................................... 1283 o plaNeJameNto ecoNmico .......................................................................... 1294 do milaGre ecoNmico crise fiNal .......................................................... 130leitUra complemeNtar i ...................................................................................... 134leitUra complemeNtar ii ..................................................................................... 135resUmo do tpico 2 ............................................................................................... 140aUtoatiVidade ......................................................................................................... 141

    tpico 3: a mobiliZao popUlar, a traNsio e a NoVa repblica .. 1431 iNtrodUo ........................................................................................................... 1432 a mobiliZao popUlar .................................................................................... 143

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    3 a traNsio ........................................................................................................... 1464 a NoVa repblica ................................................................................................ 147leitUra complemeNtar ........................................................................................ 153resUmo do tpico 3 ............................................................................................... 156aUtoatiVidade ......................................................................................................... 157

    tpico 4: democracia, afiNal, para QUem? .................................................. 1591 iNtrodUo ........................................................................................................... 1592 o reGime poltico ps-ditadUra ................................................................... 1593 os pacotes de estabiliZao ecoNmica ............................................. 1614 o plaNo real e a oNda Neoliberal de fhc ............................................... 163leitUra complemeNtar ........................................................................................ 168resUmo do tpico 4 ............................................................................................... 170aUtoatiVidade ......................................................................................................... 171aValiao .................................................................................................................. 172referNcias ............................................................................................................. 173

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    UNIDADE 1

    O ADVENTO DA REPBLICA NO BRASIL

    OBjETIVOS DE APRENDIzAgEm

    a partir desta unidade voc ser capaz de:

    compreender as circunstncias nas quais o regime poltico republicano foi implantado no Brasil;

    analisar aspectos do conjunto de interesses dos grupos polticos envolvidos na implantao da Repblica, assim como daqueles que surgiram entre os anos de 1889 e 1930;

    refletir sobre alguns aspectos dos movimentos sociais na Primeira Repblica;

    identificar as condies nas quais a luta de classes encontrou projeo no espao urbano industrial na Primeira Repblica.

    tpico 1 a traNsio orQUestrada: coNVeNiNcias do reGime repUblicaNo

    tpico 2 primeira repblica: a repblica das oliGarQUias

    tpico 3 trabalhadores Na primeira repblica: coNdies lUta de classes

    PLANO DE ESTUDOS

    A Unidade 1 est dividida em trs tpicos. Ao final de cada

    um deles, voc ter a oportunidade de fixar seus conhecimentos

    realizando as atividades propostas.

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    a traNsio orQUestrada: coNVeNiNcias do reGime

    repUblicaNo

    1 iNtrodUo

    tpico 1

    Resultado de uma conveno criada na Europa do sculo XIX, momento em que a Histria se constitua como disciplina, ganhava projeo institucional e aspirava cientificidade

    a Histria Contempornea, que haveria tido seu marco inaugural em 1789, ano de importantes eventos polticos e sociais responsveis pela instaurao da Revoluo Francesa. Segundo

    esta conveno, com o perdo da redundncia, seramos contemporneos de uma Histria Contempornea.

    No h como negar que a Revoluo Francesa desencadeou eventos com projees

    maiores do que aquelas restritas ao continente europeu, mas, em se tratando do nosso pas, pensar a existncia de uma Histria Poltica do Brasil Contemporneo uma atitude que

    nos remete a um recorte temporal diferenciado, principalmente porque, do ponto de vista poltico, a Histria Contempornea brasileira ganha maior significado no espectro do regime

    republicano.

    Instaurada em 15 de novembro de 1889, um sculo aps o incio da Revoluo Francesa, a Repblica no significou a materializao de um projeto poltico e administrativo para o pas e

    para sua populao, mas uma via conciliatria para interesses dspares de uma elite poltica que no mais se adequava ao regime monrquico. A confirmao dessa tese pode ser encontrada,

    por exemplo, na falta de respaldo popular ao iderio republicano, situao que s teve par na

    absoluta insipincia da maneira como a carcomida monarquia foi defendida nos dias seguintes proclamao da Repblica. Por outro lado, os rumos que o novo regime tomou at os anos trinta do sculo XX so testemunhos de peso considervel. Seno vejamos.

    UNidade 1

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    2 os iNteresses e as propostas em eVidNcia

    Por maiores que sejam as discrepncias entre os trabalhos de historiografia que

    discorrem sobre a transio da Monarquia Repblica, podemos indicar, sem maiores problemas, a existncia de alguns pontos de convergncias nas explicaes que estes do a

    ler. Em linhas gerais,

    [...] Da mesma forma que para o fim da escravido, em geral, para se explicar a Proclamao da Repblica (15 de novembro de 1889) recorre-se s transfor-maes econmico-sociais por que passaria o pas no final do sculo. Assim, teramos a decadncia das oligarquias tradicionais (leia-se, em especial, a do Vale do Paraba), a imigrao e o definhamento da escravido, fenmenos que levariam ao aprofundamento das relaes capitalistas no campo, o processo de industrializao e a urbanizao. No interior deste ambiente, encontraramos o crescimento dos partidos republicanos, a campanha pelo federalismo frente centralizao monrquica, a penetrao das ideias positivistas no exrcito e o aguamento da chamada Questo Militar. Caberia aos militares o ato de 15 de novembro de 1889 e seriam eles os primeiros presidentes, ficando no poder at 1894. (LINHARES, 1990, p. 187, grifo nosso).

    Individualmente, todas as questes em negrito na citao anterior mereceriam um olhar mais atento e uma anlise especfica. Contudo, interessa-nos aqui entender a contribuio que

    cada uma delas deu ao processo de instaurao da Repblica. Portanto, vamos por partes, comeando pela ltima delas: a Questo Militar.

    Segundo uma expresso bastante conhecida entre os historiadores e cientistas sociais,

    enunciada por Aristides Lobo, o povo teria assistido queda da Monarquia bestializado, atnito, sem saber o que significava. O fato que, embora a existncia de partidos republicanos fosse

    constatada desde 1870, o ato inaugural da Repblica no foi obra de uma articulao poltica entre civis, mas um evento at certo ponto misterioso para os que dele no participaram diretamente, ou seja, para os que no pertenciam ao seleto grupo de militares conspiradores. (DEL PRIORE; VENNCIO, 2003, p. 141).

    Ao longo da segunda metade do sculo XIX, principalmente aps o trmino da Guerra do

    Paraguai (1864-1870), as relaes entre o governo imperial e o exrcito no eram das melhores.

    Nos meios militares havia um profundo ressentimento em relao ao absoluto descaso com que o governo tratava o exrcito. A falta de investimentos, tanto em infraestrutura quanto em

    contingente e treinamento, era uma das razes para o fato de o exrcito brasileiro viver em

    estado precrio. Essa situao, contudo, no impediu a vitria brasileira, em conjunto com a

    Argentina e o Uruguai, na Guerra do Paraguai. Finda a guerra, aqueles que lutaram pelo pas

    passaram a reivindicar com maior veemncia a devida ateno aos seus interesses.

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    FONTE: REPBLICA no Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 7 mar. 2010.

    Associa-se ao descaso outro fato importante. Mesmo diante das condies adversas,

    a partir de 1850 o exrcito brasileiro enfrentava um paulatino processo de profissionalizao.

    No entendimento de Del Priore e Venncio (2003), tal processo, dentre outras consequncias, acarretou uma modificao nos critrios de promoo, ou seja, a progresso na hierarquia

    militar, historicamente acessvel apenas a membros da elite, tornou-se uma prerrogativa do

    mrito individual e possibilitou a projeo de jovens de origem humilde. Uma vez que no exrcito

    era possvel tambm obter acesso educao formal e ao conhecimento cientfico, criaram-se

    as condies para a propagao do iderio cientificista que ganhava forte projeo no sculo

    XIX, principalmente no mundo ocidental.

    Em poucas palavras, possvel dizer que a crena na cincia como promotora do progresso, do desenvolvimento e da civilizao, encontrou no exrcito um terreno frtil para

    germinar. O fruto desse plantio foi a difuso, entre seus membros, do Positivismo, doutrina filosfica concebida por Auguste Comte, cujo lema, a Ordem por base, o Progresso por fim,

    disseminou-se entre toda uma gerao formada na escola militar. No por outro motivo, o lema

    inscrito na bandeira nacional (a Bandeira Republicana), Ordem e Progresso, tributrio do

    iderio positivista.

    Evidentemente, no foi a fora das ideias que guiava o grupo comandado pelo Marechal Deodoro da Fonseca a nica responsvel pela Repblica. Dado o empurro inicial, o carro

    republicano s entrou em movimento devido a uma ampla conjuno de fatores. A abolio do trabalho escravo certamente consta entre eles.

    A assinatura da Lei urea foi o ato final de um processo que se estendeu por mais de

    quarenta anos. Desde 1850, com a assinatura da Lei Eusbio de Queirs, o trfico interatlntico

    de escravos fora proibido (decorrncia das presses sofridas de parte dos ingleses, agentes contentores do trfico entre a frica e a Amrica desde 1845). Durante esta segunda metade do

    FIGURA 1 HOMENAGEM DA REVISTA ILLUSTRADA PROCLAMAO DA REPBLICA

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    sculo ocorreu um prolongamento da escravido at a impossibilidade de sua manuteno. Atos legais, como a criao da Lei do Ventre Livre, sancionada em 1871, e a Lei dos Sexagenrios, em 1885, nada mais representaram do que a protelao do inevitvel, principalmente se

    levarmos em conta que o Brasil foi um dos nicos pases da Amrica a manter a escravido depois de proclamada a independncia poltica em relao sua metrpole.

    A presso contra a manuteno do regime de trabalho escravo desenvolveu-se em vrias

    frentes. revolta cada vez mais incisiva (e perigosa) dos escravos cativos necessrio somar

    a proliferao de clubes abolicionistas, dos quais faziam parte, por exemplo, tanto intelectuais e

    profissionais liberais, quanto membros da elite e ex-escravos. Nestes clubes constavam aqueles

    que defendiam a extino lenta e gradual da escravido (emancipacionistas) e aqueles que

    lutavam por sua extino imediata (abolicionistas). Por outro lado, as prprias necessidades

    internas do capitalismo em desenvolvimento no pas ( importante lembrar que a constituio de um mercado consumidor, com renda prpria, condio de existncia para a manuteno

    do capitalismo) agiram no sentido de fomentar a abolio. Contra essas frentes ficavam os

    escravistas, defensores da existncia do regime de trabalho escravo.

    FONTE: Disponvel em: . Acesso em: 7 mar. 2010.

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    A figura mostra o Senado brasileiro aprovando a lei que aboliu a escravido no pas, em 1888. Uma multido est reunida no andar de cima e ao fundo no trreo assistindo.

    FIGURA 2 LEI QUE ABOLIU A ESCRAVIDO

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    Se a ordem natural dos acontecimentos, supondo que esta exista, apontava o final do

    sculo XIX como o momento do suspiro final da escravido, o ato da Princesa Isabel pode ser

    interpretado como um atropelo dessa ordem. Rompendo com a proposta dos emancipacionistas, a abolio significou para os escravistas [...] uma traio, um confisco de propriedade alheia. A

    reao deste grupo no tardou a acontecer. Um ano aps o 13 de maio, oposio dos militares somou-se agora a de numerosos ex-senhores de escravos. (DEL PRIORE; VENNCIO, 2003,

    p. 258). Conforme nos fala Penna (1999), sem base econmica e poltica capaz de lhe dar sustentao, a Monarquia no resistiu a uma singela parada militar.

    FONTE: Disponvel em: . Acesso em: 7 mar. 2010.

    Do ponto de vista poltico-administrativo, o elemento que mais militava contra a

    Monarquia era o excesso de centralizao do poder. Para que voc tenha uma ideia do peso

    desta questo, importante saber que durante o Segundo Reinado, ou seja, durante o perodo em que Dom Pedro II governou, havia uma interferncia direta do governo na vida poltica das mais diversas regies do pas. Esta postura impossibilitava a livre ao de grupos oligarcas regionais e a sua perpetuao no poder. Por mais opaca que a ideia de Repblica parecesse, havia em seus preceitos a sinalizao para a implantao da descentralizao e do federalismo, sendo estas, inclusive, as principais reivindicaes do movimento republicano originado em 1870. Ou seja, como voc pode notar, contrariando os princpios da Res Publica (palavras de origem latina que significam coisa do povo), a Repblica brasileira, tanto por ocasio da

    sua implantao, quanto em suas primeiras dcadas, apresentou-se como uma interessante

    convenincia s elites nacionais.

    FIGURA 3 PUBLICAO OFICIAL DA LEI UREA

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    De acordo com Penna (1999), a Repblica nasceu de maneira suficientemente pluralista

    para atender de imediato s expectativas de vrios setores do quadro poltico nacional, mas

    no suficientemente capaz de dar abrigo aos interesses da grande massa da populao, que

    continuou margem dos canais efetivos de conduo dos destinos do pas. Em Formao do Brasil contemporneo, Prado Jnior (1999) sugere que desde os tempos do Brasil Colnia criaram-se em nosso pas estruturas de poder cujo sentido de continuidade determinou o nosso

    sentido histrico (pelo menos at a dcada de 1930). A permanncia das oligarquias rurais (a elite agrria) direta ou indiretamente associadas ao poder de mando sustenta este ponto

    de vista. Contudo, h que se considerar que os arranjos polticos necessrios implantao

    da Repblica, dada a multiplicidade de interesses envolvidos, logo demonstrariam o lado frgil

    dessa transio orquestrada. Analisaremos esta questo no Tpico 2.

    leitUra complemeNtar

    Notcias de JorNais sobre a proclamao da repblica

    A partir de hoje, 15 de novembro de 1889, o Brasil entra em nova fase, pois pode-se

    considerar finda a Monarquia, passando a regime francamente democrtico com todas as

    consequncias da Liberdade.

    Foi o exrcito quem operou esta magna transformao; assim como a de 7 de abril de

    31 ele firmou a Monarquia constitucional acabando com o despotismo do Primeiro Imperador,

    hoje proclamou, no meio da maior tranquilidade e com solenidade realmente imponente, que queria outra forma de governo.

    Assim desaparece a nica Monarquia que existia na Amrica e, fazendo votos para

    que o novo regime encaminhe a nossa ptria a seus grandes destinos, esperamos que os

    vencedores saibam legitimar a posse do poder com o selo da moderao, benignidade e justia, impedindo qualquer violncia contra os vencidos e mostrando que a fora bem se concilia com a moderao. Viva o Brasil! Viva a Democracia! Viva a Liberdade! Gazeta da tarde, 15 de novembro de 1889.

    Despertou ontem esta capital no meio de acontecimentos to graves e to imprevistos que as primeiras horas do dia foram de geral surpresa. Rompeu com o dia um movimento militar que, iniciado por alguns corpos do exrcito, generalizou-se rapidamente pela pronta adeso

    de toda a tropa de mar e terra existente na cidade.

    A consequncia imediata desses fatos foi a retirada do ministrio de 7 de junho, presidido pelo Sr. Visconde do Ouro Preto, que teve de ceder intimao feita pelo Sr. Marechal Deodoro da Fonseca que assumiu a direo do movimento militar. exceo do lastimoso caso do Sr.

    Baro do Ladrio, que no querendo obedecer a uma ordem de priso que lhe fora intimada,

    resistiu armado e acabou ferido, nenhum ato de violncia contra a propriedade ou a segurana

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    individual se deu at o momento em que escrevemos estas linhas. [...] Jornal do Commrcio, 16 de novembro de 1889.

    FONTE: Disponvel em: . Acesso em: 8 mar. 2010.

    DICAS!

    Para aprofundamento destes temas, sugiro que voc leia os seguintes livros:CARVALHO, Jos Murilo. A Formao das almas: o imaginrio da Repblica no Brasil. So Paulo: Cia das Letras 1990. Conforme o subttulo d a entender, a obra do historiador Jos Murilo de Carvalho oferece ao leitor preciosas informaes sobre o processo de construo do imaginrio republicano no Brasil, ou seja, sobre a maneira como ideias e smbolos foram mobilizados no intuito de dar sustentao (e promover a aceitao) do iderio republicano em nosso pas. COSTA, Emlia Viotti da. Da Monarquia Repblica: momentos decisivos. 6. ed. So Paulo: Brasiliense, 1994.NOVAIS. Fernando A. (org.). Histria da Vida Privada no Brasil. Repblica: da Belle poque era do rdio. So Paulo: Cia das Letras, 1998.As trs obras discorrem sobre aspectos relativos ao processo de transio da Monarquia Repblica.Alm de: HUBERMAN, Lo. Histria da Riqueza do Homem: do feudalismo ao sculo XXI. 22 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010.

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    resUmo do tpico 1

    Neste tpico voc viu que:

    Nosso estudo sobre a Formao Social, Histrica e Poltica do Brasil toma por base os eventos ligados instaurao e institucionalizao da Repblica Brasileira.

    A Repblica no foi o resultado de um projeto poltico devidamente pensado para o pas e sua populao, mas uma sada conciliatria para os interesses de uma elite nacional.

    O exrcito, responsvel pelo ato formal de Proclamao da Repblica, nutria vrios

    descontentamentos em relao ao governo imperial. Tais descontentamentos, aliados difuso do pensamento positivista nos meios militares, foram responsveis pelo surgimento

    da Questo Militar.

    A abolio do trabalho escravo resultou no ressentimento dos proprietrios de escravos,

    membros de uma oligarquia rural. Esse ressentimento gerou o engrossamento das fileiras

    opositoras da Monarquia.

    O excesso de centralizao do poder por parte do governo imperial ofuscava os interesses

    polticos das oligarquias regionais. As propostas de descentralizao e do federalismo funcionaram como uma sinalizao para os interesses que estas nutriam em relao conquista e manuteno do poder poltico.

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    AUTOAT

    IVIDADE

    1 Partindo de uma anlise dos textos presentes na Leitura Complementar, tea alguns comentrios sobre a maneira como os jornais anunciaram a Proclamao da Repblica. Procure enfocar a reao da populao frente aos acontecimentos do dia 15 de novembro de 1889.

    2 Uma vez que a ideia de ordem e disciplina um dos pilares das prticas militares, voc acha plausvel a afirmao de que o exrcito se considerava a instituio melhor indicada para conduzir os rumos polticos do Brasil aps a Proclamao da Repblica? Justifique sua resposta.

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    primeira repblica: a repblica das oliGarQUias

    1 iNtrodUo

    2 QUe repblica? QUe reGime admiNistratiVo?

    tpico 2

    Conforme voc pde ler na parte final do tpico anterior, embora a implantao da

    Repblica tenha sido um arranjo conveniente, uma possibilidade de aglutinao de interesses dspares, a quantidade de interesses em jogo era muito ampla para que o processo de transio entre o regime monrquico e o republicano fosse tranquilo. Com efeito, nos primeiros anos do

    novo regime, principalmente enquanto os militares permaneceram no poder, o cenrio poltico

    nacional permaneceu bastante agitado.

    A tomada do poder por parte dos civis via eleio que empossou Prudente de Morais, em 1894, abriu as portas para um perodo da histria poltica nacional cuja nomeao a mais variada. Voc j deve ter ouvido falar em Primeira Repblica, ou Repblica Velha, ou

    Repblica Oligrquica, ou, ainda, em Repblica do Caf com Leite. Ao longo deste tpico

    tentaremos explorar um pouco o significado desses conceitos.

    Sobre os primeiros anos do regime republicano, a historiadora Emlia V. da Costa registra que:

    As contradies presentes no movimento de 1889 vieram tona j nos pri-meiros meses da Repblica, quando se tentava organizar o novo regime. As foras que momentaneamente se tinham unido em torno da ideia republicana entraram em choque. Os representantes do setor progressista da lavoura, fazendeiros de caf das reas mais dinmicas e produtivas, elementos ligados incipiente indstria, representantes das profisses liberais e militares nem sempre tinham as mesmas aspiraes e interesses. As divergncias que os dividiam repercutiam no Parlamento e eclodiam em movimentos sediciosos que polarizavam momentaneamente todos os descontentamentos, reunindo

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    desde monarquistas at republicanos insatisfeitos. Rompia-se a frente revolu-cionria. Representantes da oligarquia rural disputavam o poder a elementos do exrcito e da burguesia, embora houvesse burgueses e militares dos dois lados, em funo dos seus interesses e ideais. (COSTA, 1994, p. 276).

    Cabe aqui lembrar que o excesso de centralizao do poder por parte do governo

    monrquico minava suas bases, pois gerava um progressivo descontentamento de parte das

    oligarquias regionais. Como na segunda metade do sculo XIX o carro-chefe da economia

    nacional era a exportao do caf produzido em grandes latifndios, seus proprietrios no

    mais se contentavam com o distanciamento em relao ao poder de mando, de deciso em relao aos rumos do pas. Neste sentido, a federalizao cujo modelo fora tomado dos

    Estados Unidos e sua proposta de ampliao do poder das unidades da federao exerceu

    um apelo muito grande. Esta era a principal bandeira dos partidos republicanos.

    O Partido Republicano (PR) surgiu no incio da dcada de 1870. Em verdade, no h

    como falar na existncia de um partido republicano, pois o PR jamais assumiu uma amplitude

    nacional. Como nos fala Penna (1999), suas bases eram constitudas pelas oligarquias regionais e expressavam seus interesses. Aps a instaurao da Repblica o PR se pulverizou

    em diferentes legendas, cada qual portadora de uma estratgia que visava contemplar as realidades regionais. Contudo, a atomizao do PR no foi suficientemente capaz de ofuscar

    a fora de algumas siglas regionais. A principal delas, PRP, Partido Republicano Paulista, foi uma prova disto.

    O PRP foi fundado em 1872 e em pouco tempo se tornou o partido republicano com maior solidez em sua organizao. Formado basicamente por grandes proprietrios de

    terra desiludidos com a Monarquia, de acordo com Penna (1999), o PRP preservava certa autonomia local, principalmente em relao ao ncleo do Rio de Janeiro. O iderio defendido

    pelos republicanos paulistas procurava identificar seus interesses de classe com os da nao.

    Assumia, portanto, uma identidade liberal-conservadora. Por ocasio da tomada do governo

    das mos dos militares, na eleio de 1894, o PRP marcou presena efetiva. Vejamos como isso aconteceu.

    A agitao poltica no pas aps a instaurao da Repblica se devia, em grande medida, ausncia de um plano de governo claro e capaz de agradar a todas as correntes e interesses associados em 1889. Por ter sido o condutor direto do ato fundante, a parada militar, o exrcito detinha a prerrogativa de indicar o primeiro caminho a ser tomado. Dentro do exrcito

    no havia unanimidade do ponto de vista ideolgico, mas um grupo de positivistas vinculado a Benjamin Constant introduziu no debate poltico brasileiro a ideia de ditadura republicana. Tal perspectiva poltica fez sucesso, sendo tambm partilhada por aqueles que no seguiam os ensinamentos comtianos. (DEL PRIORE; VENNCIO, 2003, p. 268).

    Ainda segundo estes autores, um exemplo desta afirmao pode ser encontrado

    no fato de que em 1891, aproximadamente um ano depois da sua eleio como presidente

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    constitucional, o Marechal Deodoro da Fonseca deu mostra da postura ditatorial, desrespeitando a Constituio (promulgada em 1891, a segunda Constituio brasileira e a primeira republicana) e fechando o Congresso.

    A essas alturas voc j deve ter notado que os interesses das oligarquias regionais,

    principalmente a paulista, no encontraram respaldo na postura dos militares. A centralizao do poder em suas mos fez com que Deodoro sofresse presses as mais diversas, sendo que, devido a uma conspirao militar, acabou renunciando. Em seu lugar o Marechal Floriano Peixoto assume o governo. Este agiu de maneira a dar contornos ainda mais fortes postura

    ditatorial e centralizadora do regime.

    Para alm dos ataques no plano poltico, o governo de Floriano enfrentou duas manifestaes de desagrado que adentraram o plano da ao direta. A primeira, denominada Revolta da Armada (1893-1894), longe de ser uma conspirao antirrepublicana, representou o

    descontentamento de algumas alas das foras armadas em relao aos rumos que o governo da repblica havia tomado. Ao mesmo tempo em que confrontos blicos ligados Revolta da Armada se processavam no Rio do Janeiro, nos estados do Sul do pas eclode a chamada Revoluo Federalista, cujo embate ops grupos dominantes locais em faces leais e inimigas de Floriano Peixoto. (DEL PRIORE; VENNCIO, 2003, p. 268). Um dos palcos desse confronto

    foi a capital de Santa Catarina, poca chamada de Desterro. Aps a vitria do grupo ligado a Floriano (e a consequente execuo de muitos dos lderes oposicionistas), a capital foi

    renomeada: assim surgia florianpolis (a cidade de Floriano).

    A necessidade de apoio ao combate das sublevaes oposicionistas levou Floriano Peixoto a se aproximar da oligarquia regional com maior poder econmico, no Brasil da dcada

    de 1890. O Partido Republicano Paulista, representante desta oligarquia, surge ento como articulador da passagem do governo das mos dos militares para os civis. Assim, em 1894, atravs da eleio de Prudente de Morais, dado o primeiro passo e, em 1898, com Campos Sales, a transio se consolida. Inaugura-se, ento, o que se convencionou denominar poltica

    dos governadores. (DEL PRIORE; VENNCIO, 2003, p. 268). A partir deste momento os rumos da Primeira Repblica ficavam definitivamente traados. O paradoxo da democracia

    excludente, materializado no coronelismo, ganhara corpo e projeo. O pleno domnio das oligarquias deu margem constituio de uma Res Publica de fachada.

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    FONTE: Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2010.

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    A ilustrao mostra uma fortificao passageira, 1894. V-se um canho de 280 mm (nico no Brasil) e soldados do 4 Batalho de Artilharia da Guarda Nacional. Proveniente da srie Revolta da Armada (Museu Nacional).

    3 repblica das oliGarQUias: a articUlao e os moVimeNtos de coNtestao

    Respondendo pelos anseios das oligarquias regionais, o texto da Constituio de 1891

    previa a existncia do federalismo. Embora significasse uma margem grande de autonomia

    para os estados, o federalismo dificultava o fortalecimento do governo republicano central.

    Deve-se a este fato, em grande medida, os problemas enfrentados pelos governos de Deodoro

    e Floriano. A manuteno da Repblica passou a depender de um arranjo de foras capaz de lhe dar sustentao. A resposta a este imperativo foi dada pelo segundo presidente republicano civil, Campos Sales. A questo que

    Tentava-se garantir a reproduo do regime eximindo-o dos traumatismos e crises inerentes aos processos sucessrios em que oposio e situao se revezassem, desregradamente, no poder. A Poltica dos Governadores foi o seu nome e consistiu na aplicao dos seguintes princpios: o reforo da figura presidencial (a despeito da independncia dos poderes) e a solidarizao das maiorias com os Executivos (estaduais e federal). Partindo deste princpio, o mesmo sufrgio que elege as primeiras deve eleger o segundo, reconhecendo-se a legitimidade das maiorias estaduais, comprometendo-se o Governo Federal a no apoiar dissidncias locais. (LINHARES, 1990, p. 230).

    FIGURA 4 FORTIFICAO (REVOLTA DA ARMADA)

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    A caricatura, publicada em 1898, retrata uma animada conversa entre Campos Sales ( direita) e Prudente de Morais. O texto diz: Em famlia. Conversam animadamente sobre Europa, as viagens, as manifestaes, o estado sanitrio, etc. S no tratam de poltica... Muito bem. Campos Sales, paulista, sucedeu Prudente de Morais, tambm paulista, na Presidncia da Repblica.

    FONTE: Disponvel em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Revista_Illustrada_1898.jpg>. Acesso em: 7 mar. 2010.

    A Poltica dos Governadores, articulada em torno dos interesses paulistas e mineiros

    (a preponderncia da elite desses dois estados, So Paulo e Minas Gerais, deu margem ao

    surgimento da chamada Poltica do Caf com Leite); passou a ser, portanto, a base do sistema poltico republicano entre 1898 e 1930.

    ATENO!

    A aluso feita ao leite deve-se ao fato de o Estado de Minas Gerais ser um grande produtor de leite durante a Repblica Velha. Contudo, estudos mais recentes sugerem que a alcunha mais correta seria Repblica do Caf com Caf, pois o principal produto de comercializao mineiro tambm era o caf. A legitimidade desta hiptese pode ser encontrada no interesse que o Partido Republicano Mineiro, cujas aes respondiam pelas aspiraes da elite econmica do estado, manifestava no sentido de instrumentalizar as polticas de valorizao do caf. Mais frente analisaremos esta questo.

    FIGURA 5 CARICATURA PUBLICADA EM REVISTA

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    Para compreender melhor o funcionamento dessa poltica importante que voc entenda duas questes. Em primeiro lugar, ao contrrio do que se poderia supor, a autonomia

    dos estados garantida pela federalizao no significou o total desprendimento em relao

    ao governo central. Crises econmicas gestadas desde a segunda metade do sculo XIX enfraqueceram muitos estados, principalmente os do Nordeste. Essa situao implicava a necessidade de estabelecimento de laos mais fortes com o governo central. Esses laos, por sua vez, eram constitudos via utilizao de um elemento-chave nas engrenagens do poder:

    o lder local, ou coronel.

    Dadas as dimenses continentais do nosso pas e devido s dificuldades ao estabelecimento de contato com a populao do interior, o intermedirio dessa ligao passava

    a ser o coronel (da o surgimento do termo coronelismo). Detentor de uma forte influncia sobre familiares, agregados e subalternos, o coronel recebia carta branca para agir em sua rea de influncia de acordo com interesses prprios. Em troca dessa liberdade, cooptava os

    votos da populao para os candidatos que lhe fossem indicados, do executivo Estadual e

    do federal. O uso da fora passou a ser uma constante, tanto em relao s pessoas simples quanto em relao a adversrios polticos. Milcias armadas eram comuns, principalmente no

    Nordeste, onde os coronis usavam os servios de jagunos.

    So Paulo e Minas Gerais souberam muito bem se aproveitar desse quadro poltico para

    se perpetuarem no poder, promovendo uma alternncia na conduo do Executivo nacional.

    Do ponto de vista econmico, um elemento marcante das polticas governamentais da Primeira Repblica pode ser encontrado nas constantes interferncias voltadas valorizao do caf. J no incio do sculo XX essas medidas se fizeram valer, contudo, tornaram-se absolutamente

    claras a partir da assinatura do Convnio de Taubat, em 1906. Resultado de um acordo entre dirigentes polticos de So Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, o Convnio tinha

    por objetivo a garantia de lucro para os grandes produtores via manuteno do preo. Neste sentido, as oscilaes no mercado internacional eram corrigidas pela compra, estocagem e destruio de partes das safras. A diminuio da oferta resultava no aumento do preo.

    O dinheiro pblico usado para cobrir as perdas dos cafeicultores do Sudeste era motivo de discrdia. Com efeito, a ao das lideranas polticas paulistas e mineiras gerava o descontentamento e a revolta de outras elites regionais. Em verdade, tanto do ponto de vista das cises entre as elites, quanto das manifestaes de segmentos da populao sem poder econmico, durante toda a Repblica Velha houve situaes nas quais o governo republicano sofreu enorme presso. Ao longo da dcada de 1920, principalmente em seus ltimos anos, a poltica dos governadores no mais se sustentou. Criavam-se as condies para uma nova

    etapa da Repblica brasileira. Mas vamos por partes.

    No cenrio das manifestaes populares, o primeiro grande teste imposto ao governo

    republicano ficou por conta da Guerra de Canudos. Segundo Novais (1998), as autoridades

    republicanas foram avisadas da existncia do povoado de Canudos, no serto da Bahia, j em

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    1893 (at ento ele nem constava nos mapas). Sob a liderana de Antnio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antnio Conselheiro, pessoas simples e humildes do serto nordestino montaram uma comunidade na qual vigorava o regime de posse e de trabalho solidrio. Isolados

    em meio do nada, os moradores do Arraial de Belo Monte em hiptese alguma significariam

    perigo Repblica no fosse a maneira como passaram a ser representados. Evidentemente, alguns fatores contriburam para isso.

    Antnio Conselheiro era um lder espiritual. Sua influncia sobre os sertanejos no

    deixava de ser uma pedra no sapato da Igreja. Alm disso, a criao de um reduto populacional

    que oferecia abrigo aos despossudos funcionava como um m para pessoas que at ento viviam sob o mando de coronis locais. Isto significava perda de mo de obra e a possibilidade

    de concorrncia econmica. Aos elementos locais somou-se o fato de Antnio Conselheiro

    professar um vago saudosismo monrquico, o que deu margem para ser acusado de conspirar

    contra a Repblica e de ser, no serto, o brao armado dos restauradores. (DEL PRIORE; VENNCIO, 2003, p. 278). A fragilidade do regime republicano recm-implantado no permitia

    a sobrevivncia de um reduto populacional acusado, mesmo que atravs de sofismas, de ser

    um foco monarquista. Aps algumas derrotas das tropas republicanas enviadas para destruir Belo Monte, isso ficou ainda mais evidente. Canudos precisava ser destrudo. E de fato foi,

    em 1897, totalmente destrudo: no sem antes carem todos seus ltimos defensores sob o fogo do exrcito brasileiro.

    FONTE: Disponvel em: . Acesso em: 12 mar. 2010.

    Exemplos de manifestaes populares que resultaram em confronto com o governo

    republicano podem ser encontrados durante toda a Primeira Repblica. No Tpico 3 desta unidade estudaremos a participao do Movimento Operrio. No momento, alm da Guerra

    de Canudos (1896-1897), podemos indicar a Guerra do Contestado (1912-1915), a Revolta da

    Vacina (1904), a Revolta da Chibata (1910) e o movimento conhecido como Tenentismo, que

    FIGURA 6 MULHERES E CRIANAS, SEGUIDORAS DE ANTNIO CONSELHEIRO, PRESAS DURANTE OS LTIMOS DIAS DA GUERRA

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    deu origem a uma srie de levantes militares durante a dcada de 1920. Dada a natureza do grupo que o compunha e a singularidade de sua proposta, o Tenentismo merece uma anlise

    mais atenta.

    Ao longo da dcada de 1920 o Brasil passou por uma srie de crises econmicas. Em meio a crises, a contestao do poder institudo sempre ganha foras. De acordo com Linhares,

    As rebelies tenentistas da dcada foram o mais cabal exemplo da exploso simultnea de questionamentos de dentro e de fora do pacto poltico, alas-trando-se a rebeldia desse setor intermedirio da oficialidade militar justamente quando, em 1922, as oligarquias do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro uniram-se contra a candidatura do eixo Minas/So Paulo, formando a reao republicana. (1990, p. 253).

    O movimento tenentista teve origem em 1922 e representou uma inflexo na vida poltica

    brasileira. Seus idealizadores, membros da oficialidade militar intermediria, eram portadores

    de um discurso moralizador que previa a purificao das foras armadas e da sociedade como

    um todo. Sua proposta apresentava traos de nacionalismo, centralizao do Estado e ataques frontais oligarquia paulista. O acesso educao formal permitia aos tenentes a construo de um iderio que lhes colocava na condio de porta-vozes das reivindicaes populares.

    Contudo, o carter elitista do tenentismo no comportava uma vinculao mais ntima com as

    classes populares. O ato fundante do Tenentismo ocorreu em 5 de julho de 1922, ocasio em que um levante militar mobilizou jovens oficiais no Rio de Janeiro. A ao ficou conhecida

    como Os dezoito do forte, uma aluso ao fato de terem sido dezoito os militares participantes do levante. Ao marcharem contra as tropas legalistas foram recebidos bala. O fracasso militar no significou fracasso poltico, pois a ofensiva serviu, ao governo civil, como um indcio de

    que mudanas se apresentavam no horizonte.

    FONTE: Disponvel em: . Acesso em: 20 mar. 2010.

    FIGURA 7 REVOLTA DOS 18 DO FORTE DE COPACABANA: TENENTES VO DE ENCONTRO S FORAS LEGALISTAS, NA AVENIDA ATLNTICA

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    A insipincia das manifestaes tenentistas no meio urbano fez com que o movimento ganhasse um novo rumo a partir de 1925, momento em que teve origem a Coluna Prestes (organizada por Luiz Carlos Prestes), uma marcha pelo interior do pas que se estendeu por mais de 24 mil quilmetros: foram 29 meses, 10 estados da federao e uma mdia de 45 quilmetros por dia. (PENNA, 2003, p. 159). Embora a adeso popular no tenha sido a esperada e a Coluna tenha sofrido perseguies constantes por parte das tropas federais (o que resultou na disperso do movimento, em 1927), a iniciativa o movimento tenentista

    como um todo resultou na abertura de um caminho para derrubada do pacto oligrquico So

    Paulo/Minas Gerais.

    Em 1929, em meio a uma grave crise econmica mundial cujo epicentro ocorreu em Nova York, o poder econmico dos cafeicultores foi drasticamente reduzido. Neste mesmo ano, conforme o acordo firmado entre o Partido Republicano Paulista e o Partido Republicano

    Mineiro, o presidente Washington Luiz, paulista, deveria indicar como seu sucessor o mineiro Antnio Carlos, chefe do governo de Minas. Contrariando o pacto, Washington Luiz indica o paulista Jlio Prestes. Esta atitude resultou em uma aproximao entre Minas Gerais, Rio

    Grande do Sul e Paraba. Formava-se a Aliana Liberal, responsvel pela Revoluo de 1930.

    Analisaremos esta questo na segunda unidade desde caderno.

    FONTE: Disponvel em: . Acesso em: 12 mar. 2010.

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    A charge A frmula democrtica, de Storni, foi publicada na Revista Careta, em 29 de agosto de 1929. No alto so representadas as oligarquias paulista e mineira.

    FIGURA 8 A FRMULA DEMOCRTICA, DE STORNI

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    leitUra complemeNtar i

    o brasil de eUclides da cUNha

    Neste ano completa-se o centenrio de morte de Euclides da Cunha (1866-1909), um

    dos mais importantes autores nacionais. Euclides viveu e produziu em um momento em que as ideias deterministas ainda manifestavam seu vigor com base explicativa para a realidade

    brasileira. No livro que o consagrou como um dos maiores intrpretes do Brasil, os sertes (1902), pode ser encontrado, para alm da anlise da Guerra de Canudos, um estudo sobre

    a formao do povo brasileiro e a diversidade geogrfico-climtica do pas. A obra, dividida

    em A Terra, O Homem e A Luta, foi organizada de acordo com a hierarquia das cincias aceita na poca: partindo da noo de que os fundamentos de toda a realidade repousam sobre matria, o relato inicial baseia-se nas cincias inorgnicas (Geografia, Geologia), passando

    depois para as orgnicas (Biologia) e, por fim, para as cincias sociais (Histria, Sociologia).

    Obedecendo a esta sequncia, Euclides comea pelo estudo da infraestrutura geolgica, das variaes do clima e do sistema fluvial, para estender-se flora e, por ltimo, tratar do homem

    e das injunes histricas.

    Por meio dos vetores meio, raa e histria, Euclides ir interpretar os conflitos

    entre o que considerava a rea civilizada, ou seja, o litoral, e o interior do pas, resguardado

    por um isolamento geogrfico e histrico que o teria mantido vinculado ao passado. Segundo

    Euclides, a civilizao avanaria sobre os sertes, impedida pela implacvel fora motriz da

    Histria, as raas fortes esmagando as fracas. (CUNHA, 2003, p. 9). Percebe-se, em sua

    anlise, a confluncia de explicaes histricas e raciais, sobrevivendo os mais aptos em todos

    os terrenos, em uma clara aluso ao darwinismo social.

    Enviado ao cenrio da guerra de Canudos (que durou de novembro de 1896 a outubro

    de 1897) como correspondente do jornal O Estado de So Paulo, Euclides da Cunha, por ser militar e, ademais, comungar com a viso oficial que tratava os sertanejos como revoltosos

    antirrepublicanos, silenciou sobre as atrocidades do massacre. Rev esta posio durante os cinco anos que leva escrevendo os sertes. Reconhece um elemento de messianismo na reao dos sertanejos e condena o exrcito pelos excessos cometidos.

    Euclides esforava-se para compreender como o sertanejo, um mestio, teoricamente

    portador de desequilbrios tpicos do cruzamento de raas (um degenerado, segundo as teorias deterministas), resistiu a tantas investidas do exrcito republicano (quatro batalhas),

    s sendo derrotado diante do poderio das armas de fogo empregadas pela ltima expedio.

    Os combatentes de Canudos pareciam rebelar-se at mesmo como objetos de estudo, para

    contradizer, em relao ao pensamento de Euclides, as teses do determinismo social.

    Ao longo do livro, Euclides alterna a viso do sertanejo como uma sub-raa instvel,

    efmera, retardatria e prxima da extino para a rocha viva da nao. Se o sertanejo

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    corria o risco de desaparecer diante da competio com os imigrantes estrangeiros, era, de maneira contraditria, antes de tudo, forte. Neto de bandeirante paulista (CUNHA, 2003, p. 104), trazendo em si a bravura do incio e a autonomia do branco portugus, quase sem mescla de sangue africano (p. 105), vencendo o meio inspito marcado pela seca e pela caatinga e, principalmente, sendo aquele que teve tempo de fortalecer-se fisicamente enquanto aguardava

    o desenvolvimento moral e civilizacional posterior da regio (p. 117), Euclides representa o sertanejo como estando em compasso de espera, preparando-se para exercer um papel

    importante no futuro da nao.

    Por outro lado, os soldados que lutaram em Canudos, em grande proporo mulatos vindos principalmente do Rio de Janeiro e da Bahia, que, ao final da guerra, degolaram

    barbaramente todos os prisioneiros, mesmo vivendo em contato com a civilizao, na opinio de Euclides no seriam seus legtimos representantes. Ao contrrio, assemelhavam-se a

    seres incapazes de fazer frente complexidade da vida urbana em termos de suas exigncias

    intelectuais e morais. Quem no se lembra da famosa frase do livro os sertes, em que Euclides se refere aos mulatos apontando o raquitismo exaustivo dos raquticos neurastnicos

    do litoral? fraqueza fsica somava uma doena dos nervos: a neurastenia.

    No contraste entre sertanejos e mulatos, embora ambos fossem mestios, Euclides elogia os primeiros e desqualifica os segundos. O fator racial considerado inferior do sertanejo,

    o ndio, no era de todo desprestigiado por Euclides, que acreditava estar diante de uma raa autctone o homo americanus surgida, portanto, na Amrica, desvinculada do Velho Mundo, com um desenvolvimento autnomo. Dono de coragem e resistncia fsica, o ndio teria vencido o meio e criado um modo de vida vigoroso. J o fator racial visto como inferior

    do mulato, o negro, era, para Euclides, irrecupervel: era o homo afer, filho das paragens adustas e brbaras, onde a seleo natural [...] se fez pelo uso intensivo da ferocidade e da

    fora. (CUNHA, 2003, p. 73).

    Euclides foi um homem insatisfeito em relao s suas atividades profissionais. Militar e

    engenheiro de formao, sempre aspirou ser um escritor reconhecido. Depois da publicao de os sertes, tornou-se membro do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro e foi eleito, tambm, para a Academia Brasileira de Letras. Props uma guerra dos cem anos para combater a seca do Nordeste, com a construo de audes, poos artesianos, estradas de ferro e o desvio do Rio So Francisco para irrigar as reas mais atingidas pela estiagem. Tornou pblico seu

    interesse pela Amaznia ao publicar, em 1904, no jornal O Estado de So Paulo, artigos sobre os conflitos entre Peru, Bolvia e Brasil, que via como uma disputa pelo acesso ao oceano no

    Atlntico. A morte prematura, aos 43 anos, por assassinato, aproximou sua histria pessoal

    da tragdia grega que tanto admirou em vida.

    FONTE: TORRES, Lilian de Lucca. O Brasil de Euclides da Cunha. leituras da histria, So Paulo, ano 2, n. 21, p. 60-61, 2009.

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    DICAS!

    leitUra complemeNtar ii

    caNUdos No se reNdeU

    Fechemos este livro.

    Canudos no se rendeu. Exemplo nico em toda a histria, resistiu at ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na preciso integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caram os seus ltimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criana, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.

    Forremo-nos tarefa de descrever os seus ltimos momentos. Nem poderamos faz-lo. Esta pgina, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trgica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos.

    Vimos como quem vinga uma montanha altssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem.

    Ademais, no desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos prprios lares, abraadas aos filhos pequeninos...

    E de que modo comentaramos, com a s fragilidade da palavra humana, o fato singular de no aparecerem mais, desde a manh de 3, os prisioneiros vlidos colhidos na vspera, e entre eles aquele Antnio Beatinho, que se nos entregara, confiante e a quem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa Histria?

    Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5.200,

    cuidadosamente contadas.

    os sertes, Euclides da Cunha. Fragmento do captulo VI O fim da terceira parte, A Luta. FONTE: BIBLIOTECA virtual do estudante brasileiro. Disponvel em: . Acesso em: 24 abr. 2010.

    Para aprofundamento destes temas, sugiro que voc leia o seguinte livro e assista ao filme:Livro: Os Sertes, de Euclides da CunhaFilme: Guerra de Canudos (Brasil 1997, 169 min). Direo de Srgio ResendeO filme Guerra de Canudos uma adaptao cinematogrfica da obra Os Sertes, de Euclides da Cunha. Presente no conflito como enviado especial do jornal O Estado de S. Paulo, o jovem escritor narra com riqueza de detalhes suas impresses sobre o que presenciou no fronte. Vale a pena cruzar as informaes do livro com aquelas apresentadas na verso cinematogrfica. Alm de: HOLANDA, Srgio Buarque de. Histria Geral da civilizao brasileira: O Brasil republicano, economia e cultura. So Paulo: Bertrand do Brasil, 2008.

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    resUmo do tpico 2

    Neste tpico tivemos a oportunidade de conhecer alguns delineamentos da

    Primeira Repblica, Repblica Velha, ou Repblica das Oligarquias. importante voc

    lembrar que:

    Aps a implantao da Repblica, os interesses dos grupos envolvidos em sua articulao entraram em choque. Em um primeiro momento, o governo militar foi alvo de crticas. O que estava em questo era a centralizao versus o federalismo.

    Durante o governo do Marechal Floriano Peixoto ocorreram dois importantes conflitos: a

    Revolta da Armada e a Revoluo Federalista.

    A estabilizao do regime foi alcanada a partir do governo do paulista Campos Sales, momento no qual se implantou no Brasil a Poltica dos Governadores.

    A Poltica dos Governadores consistiu na criao de mecanismos capazes de garantir a

    perpetuao no poder das oligarquias regionais. Estabeleceu-se, ento, uma troca de favores

    entre o governo federal, os governantes dos estados e chefes locais, os coronis.

    Durante a Primeira Repblica ocorreram movimentos sociais de contestao direta ou indireta aos rumos tomados pelo governo republicano. Dentre eles se destacam A Guerra

    de Canudos (1896-1897), a Guerra do Contestado (1912-1915), a Revolta da Vacina (1904),

    a Revolta da Chibata (1910) e o Tenentismo.

    Embora no tenha obtido xito, o Tenentismo abriu as portas para os eventos que resultaram

    na quebra do pacto entre So Paulo e Minas Gerais e na Revoluo de 1930.

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    AUTOAT

    IVIDADE

    1 Descreva, em linhas gerais, os rumos tomados pelo governo republicano at 1930.

    2 Tea alguns comentrios sobre o funcionamento da Poltica dos Governadores.

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    trabalhadores Na primeira repblica: coNdies

    lUta de classes

    1 iNtrodUo

    tpico 3

    O sculo XIX, principalmente em sua segunda metade, foi o momento de afirmao da

    hegemonia do capitalismo. Embora a Revoluo Industrial tenha ocorrido j no sculo XVIII,

    em seus primrdios o processo de industrializao no englobava muitos setores. A partir da dcada de 1870 o sistema de produo capitalista d um salto quantitativo e qualitativo, com

    o advento da chamada Segunda Revoluo Industrial, ou Revoluo Cientfico-Tecnolgica.

    De fato, o desenvolvimento da cincia e a sua aplicao no campo tecnolgico resultaram na proliferao de descobertas e invenes que mudaram a face do mundo conhecido, diminuindo as distncias, aumentando as velocidades, interligando as mais diversas regies do globo terrestre. Para se ter uma ideia, neste perodo surgem os

    [...] veculos automotores, os transatlnticos, os avies, o telgrafo, o telefone, a iluminao eltrica e a ampla gama de utenslios domsticos, a fotografia, o cinema, a radiodifuso, a televiso, os arranha-cus e seus elevadores, as escadas rolantes e os sistemas metrovirios, os parques de diverses eltricas, as rodas-gigantes... (NOVAIS, 1998, p. 9).

    O fato que o mundo at ento conhecido estava deixando de existir ou, na melhor

    das hipteses, estava sendo transformado de tal maneira que as pessoas tinham dificuldades

    para traar uma linha de continuidade entre o passado e o presente. Evidentemente, estas transformaes adentravam tambm o campo das relaes sociais. A vida, principalmente a vida urbana, tornava-se cada vez mais complexa. E, por maiores que fossem as diferenas

    entre a realidade brasileira e aquela relativa Europa e aos Estados Unidos, paulatinamente o Brasil tambm acabou se inserindo neste novo cenrio.

    Em seus desdobramentos, a Revoluo Industrial promoveu uma ntida demarcao de classes sociais. De um lado, segundo Karl Marx, estariam os donos dos meios de produo

    (indstrias, terras), a burguesia; do outro, os detentores da fora de trabalho, o proletariado.

    UNidade 1

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    Este venderia sua fora de trabalho para aquela. No relevo social, as relaes estabelecidas entre estes dois grupos ou classes sociais ditariam os rumos a serem seguidos pelo capitalismo nos sculos seguintes.

    Ainda segundo Marx, uma sociedade dividida em classes, com interesses distintos,

    deve ser pensada do ponto de vista do conflito, da luta, pois interesses dspares se fariam

    valer resultando, inevitavelmente, em um confronto. Com efeito, ao longo do sculo XIX vrios

    foram os embates, principalmente no meio urbano, entre burguesia e proletariado na Europa industrializada. Neste mesmo sculo, no Brasil, a permanncia do regime de trabalho escravo e o incipiente desenvolvimento industrial mantiveram o pas em uma situao bastante peculiar em relao aos acontecimentos no Velho Continente. Seria preciso a atividade industrial ganhar fora e o trabalho livre se institucionalizar para que a luta de classes, nos moldes capitalistas, tomasse corpo em terras brasileiras. Neste tpico nosso objetivo ser analisar este processo.

    2 aNtecedeNtes: raZes da iNdstria NacioNal

    Embora a criao das primeiras indstrias no Brasil tenha ocorrido j no perodo

    monrquico, do ponto de vista econmico sua importncia se define a partir da implantao

    da Repblica. De acordo com Del Priore e Venncio (2003), o processo de industrializao brasileiro difere daquele ocorrido na Europa, principalmente devido ao fato de que aqui no houve um desenvolvimento lento a partir do artesanato e da pequena manufatura, mas um incio caracterizado pela implantao de fbricas modernas. A importao do maquinrio europeu, que

    j contava com um sculo de aperfeioamento, impulsionou nosso desenvolvimento industrial,

    dependente, desde o seu incio, da influncia internacional, principalmente europeia. Levando

    em conta a situao do sistema educacional brasileiro no sculo XIX e incio do sculo XX

    extremamente atrasado , possvel entender por que a criao de tecnologias nacionais era

    algo raro.

    Dada a dependncia da economia brasileira em relao agricultura de exportao,

    durante as duas ltimas dcadas do sculo XIX e at a dcada de 1930, o desenvolvimento industrial nacional se associou iniciativa dos grandes produtores rurais. Em um primeiro momento, Rio de Janeiro e Minas Gerais ocuparam posio de destaque, mas no incio do

    sculo XX foram superados por So Paulo, que, na dcada de 1920, apresentava um estgio

    de desenvolvimento bem superior ao dos seus vizinhos. Nunca demais lembrar que esta situao s foi possvel devido aos investimentos advindos dos lucros dos cafeicultores paulistas no mercado internacional. Para se ter uma ideia, no incio do sculo XX o Estado de So Paulo produzia sozinho mais da metade do caf comercializado no mundo.

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    existncia de excedentes passveis de serem aplicados nas indstrias necessrio

    acrescentar o fato de que algumas regies de So Paulo receberam um afluxo impressionante de

    imigrantes, principalmente depois da abolio do trabalho escravo. Ou seja, So Paulo passou a reunir elementos indispensveis para o desenvolvimento industrial: capitais para investimento,

    mo de obra em abundncia e a possibilidade de criao de um mercado consumidor para nutrir a demanda. Esta situao era mais do que evidente na capital paulista, uma cidade que, em aproximadamente quarenta anos (1872-1914), teve a sua populao ampliada de 23 mil para

    400 mil habitantes. (DEL PRIORE; VENNCIO, 2003, p. 296). Evidentemente, a ntima ligao com o Poder Executivo nacional, respaldada pela Poltica dos Governadores, forneceu ao

    Estado de So Paulo a capacidade de administrar de maneira privilegiada crises econmicas tais como aquelas que atingiam seu principal produto de comercializao, o caf. A manuteno dos lucros gerados pelo caf permitia a manuteno dos investimentos nas indstrias.

    FONTE: Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2010.

    A criao e desenvolvimento de um setor industrial, um dos grandes responsveis pelo

    acelerado processo de ampliao dos centros urbanos, projetou um novo cenrio no campo

    das relaes sociais em nosso pas. Nos centros urbanos, principalmente aqueles da regio Sudeste, trabalhadores submetidos a condies precrias de vida passaram a se organizar e

    a reivindicar seus direitos. Por outro lado, os interesses de classe se faziam valer tambm por parte da burguesia, composta basicamente por empresrios e fazendeiros de caf. Surgiam

    as condies para disseminao do iderio da luta de classes em terras brasileiras.

    FIGURA 9 PANFLETO QUE AGENTES DE PROPAGANDA UTILIZAVAM PARA PROMOVER A IMIGRAO ITALIANA AO BRASIL

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    3 a orGaNiZao dos trabalhadores e a lUta de classes

    No possvel afirmar que o desenvolvimento industrial durante a Primeira Repblica

    tenha sido um privilgio da regio Sudeste. Ocorre que, do ponto de vista da organizao dos trabalhadores em torno do iderio da luta de classes, os eventos relacionados regio Sudeste

    servem como um vetor para se pensar a situao do pas como um todo. Em cidades como So Paulo e Rio de Janeiro, os embates de classe nos fornecem preciosas indicaes.

    Respondendo pelo signo da continuidade, aos trabalhadores urbanos da Repblica Velha foi negada a condio de cidados. Com efeito, durante as primeiras dcadas de governo republicano a postura das elites dirigentes dava margem reproduo de prticas de excluso

    e de explorao que remontavam poca do Brasil Colonial. A abolio do trabalho escravo

    no significou o trmino da explorao dos trabalhadores, apenas a projetou em um novo

    relevo. Diante desta situao, os trabalhadores tiveram que se organizar na luta por direitos. De acordo com Penna,

    A discriminao contra os operrios, desenvolvida pelas classes dirigentes, produziu uma situao de verdadeira segregao geogrfica e sociocultural. Assim, nasceram vilas e bairros operrios, concentrando a vida dos trabalha-dores, isolando-os das proximidades dos centros urbanos onde se instalavam as atividades comerciais e os bairros burgueses.Esse isolamento propiciou maior integrao dos trabalhadores assalariados. No demorou muito e essa aglutinao se revelou profcua na luta travada entre os interesses do capital e do trabalho. (PENNA, 1999, p. 125).

    O fato que a criao desses espaos de sociabilidades, mesmo que em decorrncia de uma poltica de excluso social, trouxe consigo um elemento positivo, pois permitiu aos

    trabalhadores se reconhecerem enquanto membros de uma totalidade submetida opresso. Este reconhecimento logo suscitou aes prticas materializadas em greves e outras iniciativas

    de contestao no prprio ambiente de trabalho. Ampliando o foco necessrio lembrar que as

    manifestaes dos trabalhadores tinham como alvo a luta no apenas contra a explorao do

    trabalho, mas contra toda uma situao mais ampla que impunha aos trabalhadores pssimas condies de vida e gerava um quadro de verdadeira miserabilidade.

    Na verdade, manifestaes populares contra a opresso foram uma constante ao longo da Histria do Brasil. O elemento novo apresentado na Primeira Repblica foi a forma como essas manifestaes se desenvolveram e as concepes ideolgicas que as guiaram. Del Priore e Venncio descrevem da seguinte maneira esta questo:

    Na transio do Imprio para a Repblica, uma nova forma de fazer poltica teve incio no Brasil. Por essa poca comeam a surgir os primeiros defensores de projetos socialistas, organizando partidos, sindicatos e jornais. Tratava-se de fato, de uma mudana radical. Basta lembrarmos que, ao exaltar o trabalhador como principal elemento da sociedade, o movimento operrio brasileiro rompeu

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    com tradies seculares, herdadas da poca escravista, que consideravam as atividades manuais aviltantes e indignas para os cidados inaugurava-se, assim, um novo princpio de exerccio legtimo do poder, que ter influncia at nossos dias. (2003, p. 281).

    Apresentado como uma novidade no Brasil, o projeto socialista j era uma realidade na

    Europa durante a maior parte do sculo XIX. E foi exatamente devido vinda de imigrantes

    europeus para o Brasil, iniciados no iderio socialista e nas lutas pela reforma ou transformao

    radical da sociedade, que se constituram lideranas capazes de dar sustentao luta de classes. Portugueses, espanhis e italianos compunham o grosso do fluxo de imigrantes

    para o Brasil nas primeiras dcadas da Repblica e a base da mo de obra empregada nas indstrias.

    Penna (1999) nos fala que a tradio de luta dos trabalhadores europeus era conhecida desde a poca das internacionais (a AIT, Associao Internacional dos Trabalhadores, fundada em Londres, em 1864, e a Internacional Socialista, criada em Paris, em 1889, so um exemplo

    desta afirmao). Aqui no Brasil a atuao dos imigrantes resultou na criao de partidos

    polticos operrios e na disseminao de uma imprensa voltada divulgao de ideias que

    representavam os interesses do operariado. No plano das reivindicaes mais imediatas, podemos citar a implantao de uma jornada de trabalho de oito horas, o direito ao descanso semanal, a proibio do trabalho infantil e a criao de tribunais de arbitragem para soluo dos conflitos entre patres e empregados.

    importante saber que o movimento operrio no se constituiu como um todo coeso.

    Alm do socialismo, destacou-se no movimento o Anarquismo, principalmente a vertente

    anarco-sindicalista, que durante muito tempo foi a corrente hegemnica no movimento operrio

    organizado. Optando no pela via poltica, como era o caso da corrente socialista, mas pela chamada ao direta, cujo principal elemento era a greve, o anarco-sindicalismo marcou a

    luta dos trabalhadores no Brasil durante duas dcadas. De acordo com Penna (1999), esta tendncia teve uma origem que data da AIT, sendo tributria das ideias de um de seus membros,

    o russo Bakunin. A proliferao do anarco-sindicalismo resultou em uma disputa no seio do

    movimento operrio brasileiro. Esta disputa constituiu uma das fraquezas do movimento. Mais

    frente abordaremos esta questo.

    Os anarco-sindicalistas eram orientados pela teoria que preconizava que o Estado,

    independentemente da classe social que estivesse no poder, era uma instituio repressiva, da a defesa intransigente de sua substituio por associaes espontneas, tais como federaes de comunas ou cooperativas de trabalhadores. (DEL PRIORE; VENNCIO, 2003, p. 283-284).

    Lutavam pelo fim da burguesia, do Estado capitalista e pela instaurao de uma sociedade

    com indivduos livres. At aproximadamente a dcada de 1920 o nmero de greves por eles

    organizadas aumentou significativamente nos centros industriais (resultando, inclusive, em uma

    paralisao geral em So Paulo, no ano de 1917, considerada a primeira greve geral do pas), mas poucas das reivindicaes dos trabalhadores obtiveram xito. Alm disso, o aumento da

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    presso sobre a burguesia industrial no passou impune.

    FONTE: Disponvel em: . Acesso em: 13 mar. 2010.

    J em 1913, com a multiplicao das greves, foi aprovada a Lei Adolfo Gordo, que

    propunha a expulso do pas de operrios estrangeiros envolvidos em atividades do movimento

    operrio. Ciente de que as lideranas do movimento eram compostas, em sua maioria, por

    imigrantes europeus, o governo tinha por objetivo suprimir suas foras ao adotar esta medida. Uma onda de prises e deportaes teve incio e agiu em paralelo ao uso da fora contra manifestantes e seus rgos de divulgaes de ideias, tais como os jornais.

    No bastasse a represso estatal respondendo pelos interesses burgueses , o declnio

    do movimento anarquista foi favorecido pela ciso no movimento operrio. Neste sentido, o ano

    de 1917 tem um significado singular, pois a ecloso da Revoluo Russa resultou na paulatina

    propagao da ideia de elaborao de um projeto poltico mais consistente. Como os anarquistas se negavam a participar do jogo poltico, ou a apoiar os partidos polticos existentes, havia

    uma dificuldade para transformao das reivindicaes dos trabalhadores em leis. Em 1920,

    durante a realizao do II Congresso Operrio Brasileiro, [...] a fora expressiva do exemplo

    sovitico minou as resistncias ideolgicas dessa tendncia e no foram poucos os que se voltaram para uma outra tendncia hegemnica do proletariado mundial. (PENNA, 1999, p. 131). A ciso do movimento anarco-sindicalista acabou resultando na criao, em maro de

    1922, do Partido Comunista do Brasil.

    FIGURA 10 OPERRIOS E ANARQUISTAS MARCHAM PORTANDO BANDEIRAS NEGRAS PELA CIDADE DE SO PAULO NA GRANDE GREVE DE 1917

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    FONTE: Centro de Referncia da Histria Republicana Brasileira. Disponvel em: . Acesso em: 14 mar. 2010.

    UNI

    A figura mostra crianas que reivindicam o direito de comer Chocolates Lacta, em aluso satrica vitoriosa revoluo bolchevique, de 1917, no jornal O Estado de So Paulo.

    Durante a dcada de 1920 o anarco-sindicalismo entrou em acelerado declnio. Por

    outro lado, a atuao dos membros do Partido Comunista do Brasil foi dificultada devido

    decretao oficial da ilegalidade do partido. Como voc pode notar, a burguesia firmou posio

    e criou empecilhos instrumentalizao das reivindicaes do movimento operrio. Esta foi uma

    das faces da resposta que a elite econmica do pas deu luta de classes. Mas, malogrados os esforos, o fato que o movimento operrio na Primeira Repblica foi responsvel pela

    emergncia de uma Questo Social que no mais poderia ser desconsiderada por estas mesmas elites. Os desdobramentos desse fenmeno ganhariam relevo em um novo cenrio

    poltico, criado aps a Revoluo de 1930. Mas este um estudo que desenvolveremos na prxima unidade.

    leitUra complemeNtar

    as coNdies Gerais do trabalhador

    [...] Antes de 1919, os trabalhadores das fbricas txteis mais importantes costumavam

    trabalhar de nove horas e meia a doze horas dirias durante seis ou sete dias na semana.

    E, se necessrio, a jornada diria era aumentada segundo critrios da direo. Na fbrica

    FIGURA 11 VAMOS REPARTIR ESSE CHOCOLATE!

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    Maringela, parte do imprio industrial dos Matarazzo, os operadores homens trabalhavam de 11 a 14 horas por dia. As crianas, de 8 a 12 anos de idade, 12 horas dirias, e algumas em

    turnos noturnos que iam de 5 da tarde s 6 da manh do dia seguinte.

    Um relatrio feito para o Congresso Operrio de 1913 espelhou a situao nas maiores

    fbricas do Rio de Janeiro. Imaginem-se em um lugar onde trabalhem centenas de operrios

    sem sequer uma janela para abrir. Pois isto o que h em quase todas as fbricas. As que

    tm janelas no as abrem por no quererem que seus escravos percam tempo olhando a rua. Homens, mulheres e crianas eram forados a respirar diariamente o ar estagnado e poludo. Tais condies no se restringiam apenas indstria txtil. O Diretor de Sade Pblica de

    So Paulo encontrou, nas fbricas de vidro, empregados que trabalhavam excessivamente

    em locais que no atendiam s mnimas exigncias de sade industrial.

    Foradas a trabalhar por extrema necessidade, as crianas eram as que mais sofriam.

    Um reprter ficou horrorizado ao investigar as condies das crianas nas fbricas do Rio

    de Janeiro. Um amigo radical o havia convencido a fazer um levantamento da situao. Em uma fbrica, viu crianas trabalhando ao lado de adultos de 6 da manh a 6 da tarde, com

    uma hora de intervalo para o caf da manh e uma hora para o almoo. As crianas pareciam esqueletos, eram magras, de bochechas fundas, olhos melanclicos envoltos em sombras escuras... As crianas que trabalhavam em fbricas e oficinas da capital federal esto destinadas

    tuberculose. Tais palavras poderiam parecer um exagero. Entretanto, outro estudo feito nas

    oficinas do governo, onde as condies eram consideravelmente melhores que na indstria

    privada, indicou que a maioria das crianas estava tuberculosa.

    FONTE: Maram, (1979, p. 122-123)

    DICAS!

    Para aprofundamento destes temas, sugiro que voc leia o livro e assista ao documentrio indicado:

    Livro: MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o Movimento Operrio Brasileiro, 1890-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.Filme: Os LibertriosProduo: Lauro Escorel FilhoDireo: Lauro Escorel FilhoBrasil/l976 26 min P&B DocumentrioO filme trata do papel do Anarquismo no incio do movimento operrio em So Paulo. Apresenta fotos, filmes e msicas da poca para descrever as primeiras lutas e formas de organizao dos trabalhadores.Temas abordados: o incio da industrializao em So Paulo; as condies de trabalho; o movimento operrio; a imprensa operria; o papel do Anarquismo na organizao operria e a imigrao italiana. Alm de: LAPA, Jos Roberto do. Os excludos: contribuio histrica da pobreza no Brasil. Campinas: Unicamp, 2008.

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    Neste tpico abordamos as seguintes questes:

    Ao longo dos ltimos anos do sculo XIX e das primeiras dcadas do sculo XX desenvolveu-

    se no Brasil um processo de industrializao, em grande medida vinculado aos investimentos dos grandes cafeicultores.

    A industrializao foi responsvel pelo desenvolvimento urbano e pela delimitao de classes

    sociais especficas, a burguesia industrial e o proletariado.

    Disseminado no Brasil por imigrantes europeus, o iderio da luta de classes, em sua vertente

    socialista e anarquista, obteve receptividade por parte dos trabalhadores urbanos, resultando na ecloso de vrios movimentos que reivindicavam melhores condies de vida para os

    trabalhadores e/ou uma mudana radical da sociedade, via derrubada do capitalismo.

    O iderio da luta de classes tambm ganhou significado na reao que a burguesia nacional,

    frente do Estado, operou contra as manifestaes dos trabalhadores. Prises, deportaes e perseguies das mais diversas naturezas foram as principais armas de combate utilizadas pelos burgueses na luta contra o proletariado.

    Embora distante da totalidade das propostas originais, algumas das reivindicaes dos trabalhadores foram atendidas pelo patronato.

    Alm da represso sistemtica, outro elemento que militou contra o movimento operrio

    organizado foi a ciso criada pela defesa de propostas distintas de ao. O socialismo de inspirao sovitica e o anarco-sindicalismo compuseram a linha de frente das propostas

    dissonantes.

    Duramente combatido durante a dcada de 1920, o movimento operrio teve que esperar

    at a ecloso da Revoluo de 1930 para voltar a por seus interesses na ordem do dia.

    resUmo do tpico 3

  • UNIDADE 1TPICO 336

    FORMAO

    SOCIAL,

    HISTRICA

    E

    POLTICA

    DO

    BRASIL

    AUTOAT

    IVIDADE

    1 Durante os anos de militncia do movimento operrio surgiram vrios jornais com o objetivo de disseminar o iderio anarquista e socialista entre os trabalhadores. Analisando a charge da Figura 11 (Vamos repartir esse chocolate!), explique por que no possvel enquadrar a imagem no conjunto desse material.

    2 Comente, em linhas gerais, os motivos que levaram ao declnio do movimento anarquista.

  • UNIDADE 1 TPICO 3 37

    FORMAO

    SOCIAL,

    HISTRICA

    E

    POLTICA

    DO

    BRASIL

    AVALIA

    O

    Prezado(a) acadmico(a), agora que chegamos ao final

    da Unidade 1, voc dever fazer a Avaliao referente a esta

    unidade.

  • UNIDADE 1TPICO 338

    FORMAO

    SOCIAL,

    HISTRICA

    E

    POLTICA

    DO

    BRASIL

  • FORMAO

    SOCIAL,

    HISTRICA

    E

    POLTICA

    DO

    BRASIL

    UNIDADE 2

    NOVOS ARRANjOS POLTICOS: DA REVOLUO DE 1930 AO gOVERNO DE jANgO

    OBjETIVOS DE APRENDIzAgEm

    Nessa unidade vamos:

    refletir sobre eventos da dcada de 1920 que resultaram na Revoluo de 1930;

    compreender o arranjo de foras que deu sustentao Revoluo de 1930;

    identificar a maneira como o Estado Novo foi pensado e as condies polticas, econmicas e sociais que permitiram sua implantao;

    entender as caractersticas gerais do perodo histrico e os direcionamentos tomados pelo governo durante o Estado Novo;

    compreender algumas faces dos embates polticos e sociais que ganharam relevo no Brasil entre os anos de 1945 e 1964;

    identificar a importncia poltica de Getlio Vargas nos anos ps-1930.

    tpico 1 a reVolUo de 1930: Getlio VarGas No poder

    tpico 2 o estado NoVo e seUs desdobrameNtos

    tpico 3 a dcada de 1950: as (im)possibilidades da democracia

    PLANO DE ESTUDOS

    a Unidade 2 est dividida em trs tpicos. todos apresentam questes direta ou indiretamente ligadas figura poltica de Getlio

    Vargas.

  • FORMAO

    SOCIAL,

    HISTRICA

    E

    POLTICA

    DO

    BRASIL

  • FORMAO

    SOCIAL,

    HISTRICA

    E

    POLTICA

    DO

    BRASIL

    a reVolUo de 1930: Getlio VarGas No poder

    1 iNtrodUo

    tpico 1

    A recuperao integral da experincia vivida, do fato, algo inacessvel para os

    historiadores. A conscincia desta falta resulta em uma atividade que busca, no limite, o mximo

    de aproximao em relao quilo que teria ocorrido. Tal aproximao est sempre vinculada ao

    ponto de vista adotado pelo historigrafo. importante que esta questo fique bem clara, pois

    ela a chave para a compreenso da existncia de discursos que, embora to