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    Frame de Kaamos Trilogy, de Mia Makela

    experincia e fruio nas prticas

    da performance audiovisual ao vivo

    RESUMOO artigo discute os principais aspectos da performance audiovisual ao vivo, entendida como uma experincia efmera

    PALAVRAS-CHAVELive cinema, performance, efmero, experincia

  • IntroduoPerformance audiovisual ao vivo designa um conjunto de prticas

    contemporneas efmeras que tomam forma nas limitaes de um tempo e de um espao definidos. Na tentativa de resolver diferenas entre as prticas que constituem este conjunto e para que se revele o que lhe particular, tenho vindo a desenvolver uma estratgia de aproximao a uma definio estabelecida a partir de duas regras: encontro de denominadores comuns a todas as prticas e desenho de uma estrutura que reflita o seu sentido especfico pela descrio dos seus vrios componentes1. No sentido de desenvolvimento desta definio e da sua estrutura dinmica e processual, este texto descreve o que tem de nico o momento performativo para os que nele participam. Ou seja, como que o efmero, em termos de ligao entre os participantes/audincia, acontece. Para tal, apresentam-se trs condies especficas performance: que acontea num momento (um designado perodo de tempo), pela presena dos atores (performers e audincia) e que traduza um processo baseado na interdisciplinaridade; e duas dinmicas que ligam os atores: experincia (artistas) e fruio (audincia). Reforando a componente interdisciplinar, estas dinmicas so comuns a todas as artes performativas (por exemplo, a dana e o teatro) e resultam da presena,

    1 Os componentes desta estrutura revelam-se em vrios textos publicados anteriormente.

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    no momento de criao, do(s) artista(s) e dos espectadores. Num outro sentido, o de complementaridade, o texto segue o objetivo de auxiliar a construo de um lxico nico performance audiovisual, iniciado com um texto anterior, em colaborao com Patrcia Moran2, ele prprio j um trabalho de continuao de dois trabalhos anteriores de outros autores (Mia Makela e Andrew Bucksbarg3).

    O conjunto das prticas que aqui se define como performance audiovisual ao vivo parte da identificao das caractersticas comuns a cada uma das prticas que constam desse conjunto num sentido contemporneo e histrico, so elas (mas no exclusivamente): Live Cinema, VJ/DJ, Expanded Cinema e Visual Music. Como tal, performance audiovisual ao vivo, um conjunto de prticas artsticas interdisciplinares com pontos de cruzamento comuns; um conjunto de prticas performativas, contextualizado como pertencendo a um outro conjunto, mais abrangente, que tambm compreende as prticas de expresso corporal ou de ao, que implicam a presena de um ou mais artistas e de espectadores; um conjunto que recorre das caractersticas que definem um evento ao vivo, pois embora muitas vezes existam bases de dados e possivelmente uma pauta de composio, tal como um concerto de msica, cada apresentao um momento impossvel de repetir; por ltimo, um conjunto de prticas que so essencialmente constitudas por estmulos sensoriais udio e visual. A partir desta definio generalizada, que identifica os elementos comuns e essnciais a qualquer projeto de arte performativa audiovisual ao vivo, possvel de traar uma espcie de fotografia area da sua geografia, que quando vista em detalhe se apresenta rica em diversidade em cada prtica especfica, em cada trabalho, em cada artista e em cada conjunto de artistas. Desta forma, possvel tanto o estudo de aspetos comuns (e que so muitos) do conjunto como tambm possvel o estudo mais distinto e rigoroso dos aspetos particulares a cada uma das prticas. No sentido inverso, os vrios estudos existentes no contexto de uma prtica especfica, podero portanto tambm trazer informao referente ao conjunto.

    1 Patrcia Moran e Ana Carvalho; Repetio, Continuidade e o Novo: Uma tentativa de lxico de tempo para a performance A/V; in Antnio Costa Valente, Carla Freire et all (Org.), Avanca/Cinema; Avanca: Cine-Clube de Avanca; 2011; p. 351-355.

    Mia Makela; The Practice of Live Cinema. http://www.solu.org/text_PracticeOfLiveCinema.pdf (acessado em 20/05/2012). Andrew Bucsbarg; VJing and Live A/V Practices; in VJTheory.net; 2008. http://www.vjtheory.net/web_texts/text_bucksbarg.htm (acessado em 20/05/2012).

  • As condies da performanceO momento como expresso uma condio do

    conjunto das prticas, a expresso, e a ao criativa do artista. Sobre o VJing, diz Laurent Carlier (mas que pode ser aplicado ao conjunto das prticas), a traduo de uma inteno artstica em atitudes e posies mas no em objetos (de arte), uma forma de fluxos efmeros ao vivo2. O momento uma das trs condies para que a performance acontea. Esta primeira condio, que define a expresso como momento, confere-lhe as caratersticas de tempo e espao (virtal ou fsico), de contexto, e descreve-a como expresso em que a experincia (do artista) coincide com a sua fruio (o seu efeito nos espectadores). Sendo uma condio geral de qualquer prtica performativa, no audiovisual falamos de um momento em que se estabelece uma relao entre artistas e espectadores, construdo com recurso a tecnologias digitais e analgicas, e que , portanto, mediado: o resultado amplificado (sonoro) e projetado (visual). s condicionantes do tempo, espao e contexto, acrescentam-se as das tecnologias.

    Apresentamos a interdisciplinaridade como a segunda condio especfica performance audiovisual ao vivo e raz de toda a complexidade de relaes que constitui cada um dos trabalhos. Se o momento o resultado expressivo de um trabalho original, a interligao, especfica a cada trabalho de diversos conhecimentos e de diversas disciplinas, que confere essa originalidade. Tirando partido do momento e das ferramentas tecnolgicas, a performance audiovisual ao vivo uma arena para onde vrias outras disciplinas convergem e a expandem as suas capacidades de froma a empreender novas possibilidades. No sentido oposto, os componentes do audiovisual: som e imagem,

    Atelier VJing, na Mdiateque Astrolabe, com Laurent Carlier

    4 Laurent Carlier; VJing between Image and Sound; in Cornelia e Holger Lund (Ed.); Audio.Visual On Visual Music and Related Media, Stuttgart: Arnoldshe Art Publishers; 2009; p.163.

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    desenvolvem-se em potencial combinatrio com com outras disciplinas, expandindo em conceitos a performance audiovisual ao vivo. Os projectos resultantes destas interdisciplinaridades ocorrem no cinema, por exemplo, que encontra na performance uma forma de explorar mltiplas narrativas, revelando outros significados para alm dos presentes na edio linear que apresentada nas salas de cinema, como exemplar no trabalho de Peter Grenaway. A diversidade resultante das mltiplas ligaes disciplinares est tambm claramente visvel nas dinmicas geradas entre artistas e especialmente em equipas colaborativas. Renovo o meu interesse (j demonstrado anteriormente em outros textos) em projetos colaborativos onde o dilogo e a ligao de conhecimentos so mais complexos e portanto intensos.

    A terceira condio refora a efemeridade da performance e define-se pela presena dos atores: artistas e espectadores. Estes atores, a partir das suas posies, mais ou menos definidas, geram dinmicas dialogantes prprias atravs de uma multiplicidade de ligaes: entre os artistas, destes atravs da tecnologia com o trabalho (habilidade tcnica e ligao expressiva com a tecnologia), dos artistas com a audincia, da audincia com os artistas, e da audincia com a expresso sonora e imagtica resultante da performance do artistas.

    A performance audiovisual ao vivo, para alm do nome que claramente define os seus resultados sensoriais, expressa-se num momento como expresso artstica nica e efmera, como expresso de interdisciplinaridade e resultante do dilogo entre os atores.

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    As dinmicas dos atoresEmbora qualquer expresso artstica, nas suas mltiplas manifestaes, se oferea

    como momento de experincia ao observador, na arte efmera da performance, a relao entre artista/performer e a sua audincia direta. Estas dinmicas diferem das que acontecem nas expresses artsticas concretizadas em objetos onde a fruio constituda por observao, contemplao e interpretao e est dependente da presena do objeto (ou da representao do objeto) mas (em princpio) no da sua durao. O objeto fixo, estvel. No caso de objetos interativos, a relao da audincia com o objeto (digital ou fsico) implica a sua participao de forma mais complexa, acrescentando-lhe um plano de interao com a obra. A interao estabelece-se atravs de uma srie de regras, cdigos ou protocolos que possibilitam definir em que termos a obra construda e apreendida pelo espectador. A interao algo diferente das dinmicas de que falamos. Estas dinmicas pertencem a uma dimenso de intensidades da performance, que se estabelecem num nvel emocional momentneo, de empatia e que unifica ou afasta. Ao contrrio da arte-objeto, a arte-momento compreende o artista como parte das dinmicas de relao. Enquanto que na arte-objeto os espectadores esto em volta, direcionando a ateno para o espao ocupado pelo objeto, a arte-momento encontra-se em volta, rodeando a audincia. Na arte-momento, as dinmicas esto definidas pelo propsito e pelo perodo de durao. Enquanto que o objeto, como evidncia de expresso artstica e evidncia objetual de si, documento, o momento, pela sua natureza no existe nesta autorepresentao, no permanece como evidncia de expresso artstica. Ambos: momento, espectadores e artistas so portanto posies instveis e efmeras. Esta instabilidade permite dinmicas mais complexas. Dividimos estas dinmicas em experincia e fruio.

    Seja um evento que decorre no contexto de um club ou no espao formal de uma galeria (entre estes as dinmicas da presena so distintas), os espectadores podero no compreender claramente como o resultado gerado, ou seja como os movimentos do(s) artista(s) em palco esto relacionados com o que lhes oferecido a experienciar. Por outro lado, a improvisao e possibilidade do inesperado acontecer gera interrogaes no lado dos artistas. Laurent Carlier diz que a inteno do VJ (e que mais uma vez entendido como comum a todas as prticas) invisvel para a audincia, que a inteno dos msicos invisvel para o VJ e que as intenes

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    da audincia so invisveis para ambos os msicos e o VJ, e que s a performance reveladora das intenes5 (concerteza que Carlier aqui sugere a falta de dilogo que se estabeleceu como comum entre o resultado musical e o resultado visual de um evento num club, mas mesmo neste contexto so frequentes cada vez mais os projetos colaborativos de desenvolvimento de som e imagem em conjunto, sob uma ideia ou conceito unificador, e contudo a colaborao no nega a afirmao aqui descrita). A performance simultneamente abre as portas ao imprevisto e ao inesperado e gradualmente revela o seu desenlace. Todos os atores, sabendo-se parte de um evento (ou texto), so simultneamente autores e leitores desse mesmo texto, como um todo. A formalidade de entrar um espao e momento estabelecido como performativo despoleta as dinmicas das relaes. Este momento , em Carlier, a zona de atualizao do virtual, que constitudo e composto por todos e que todos por sua vez constrem. o que nos faz ser6.

    No livro VJam Theory7, escrito colaborativamente por artistas e tericos, os temas das dinmicas entre os atores (artistas e performers) so abordadas a partir das experincias pessoais. Nele, Marina, um dos participantes como comentador, indica a construo de uma realidade dentro da realidade, como forma de entender as dinmicas entre performers e espectadores: O grau de virtualidade respeitante aos performers e espectadores na leiturado texto. Vrios crticos distinguem: (a) modos de representao imersivos, onde o leitor se esquece de si e do seu corpo, e se perde na narrativa ficcionada. Por exemplo, o cinema clssico; (b) os modos de representao trompe loeil, onde o espao virtual se integra no verdadeiro, e o leitor est presente com o seu corpo e a sua posio de vantagem no espao (por exemplo nos panoramas do sc XVII, realidade virtual, etc). Naturalmente, estes so dois extremos e muitos gradientes so possveis entre eles. Puxando os fios: uma festa no club uma performance teatral, onde os performers e os espectadores (nos papeis que podem ser preenchidos pelos Djs e VJs e tambm pelos clubbers) criam um texto ao vivo, num sentido simblico. Os participantes esto presentes no s como personagens do mundo ficcionado, mas tambm no seu papel real de criadores e leitores desse mundo. Eles atuam o seu papel, ao mesmo tempo que so eles prprios num evento das suas vidas. Eles criam e olham, sonhando, socializando, etc. Esta ambiguidade de espaos da performance a sua caracterstica mais intrigante e fascinante!8

    5 Carlier; 2009; p.169.

    6 Carlier; 2009; p.169.

    7 VJ Theory (ed.); VJam Theory: Collective Writings on Realtime Visual Performance; Falmouth: realtime books; 2008.

    8 Comentrio de Marina; VJam Theory; 2008; p.5..

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    Performance do grupo ingls subtlemob em frente ao Conjunto Nacional (SP), durante o 5 VIVO arte.mov

    (2010): o corpo ao vivo no espao pblico

  • ExperinciaO estado emotivo-expressivo do performer define-se

    como experincia. Na arte expressa atravs de objetos, a experincia acontece numa extenso de espao e tempo que prpria ao artista e que afastada da visibilidade e participao da audincia. Na performance, este estado definido por vezes, em comparao com o estado de transe de um xam. Outras vezes a associao feita com a experincia de sair de si, de ser Outro. A experincia contudo e independentemente das comparaes possveis, descrita como inexplicvel: Fazer uma performance e editar ao vivo algo mesmo difcil de explicar completamente. A satisfao e exausto posterior queles momentos raros quando tudo clica realmente difcil de colocar em palavras: elementar, fluido, livre no tempo (tempo que s vezes pode ser totalmente fora de si e distorcido no momento), assim como uma espcie de circuito psicolgico humano colaborativo e depois termina e tu queres isso de novo e consegues te lembrar s em parte9. Seja qual for a comparao utilizada, a experincia descreve a conscincia do artista de si e do que o envolve enquanto manipula software e hardware, combina ou gera som e imagem, e estabelece relaes com os outros artistas, com a audincia e como reage aos vrios estmulos visuais e sonoros da performance (aos quais pela criao, reage criando). Eu toco com a informao. Ao tocar com esta ao auto-reflexivamente manipular a informao enquanto fao sentir a minha presena (hiperintuitivamente consciente do meu papel como artista plug-in girando os botes da minha prontido para piloto automtico)10.

    A experincia resulta de vrias condicionantes sendo a presena uma das mais evidentes. Aqui, o debate sobre

    9 Comentrio de Hight, VJam Theory; 2008; p.6.

    10 Mark Amerika; META/DATA: A Digital Poetics; Cambridge; Massachusetts: MIT; 2007; p. 52.

    We Slice de World, do Cubo23 (aka Eugenio Tisselli)

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    as decises que o artista toma em relao sua presena corporal, sobre a sua posio em palco e na sua relao com a tela de projeo, sobre os seus movimentos, recorrente e permanece atual. Retomando a referncia ao VJam Theory, os comentrios de Patrcia, Ilan Katin e Cubo23 so concerdantes no que diz respeito s questes da visibilidade, indicndo que esta no deve de ser uma caractstica imposta mas uma deciso que feita de acordo com o contedo e o contexto. A ttulo de exemplo, o duo Incite, com um set-up composto por computadores e manipuladores, coloca-se no centro da prpria projeo. Na tela, entre as imagens projetadas, os movimentos dos artistas so visveis, e desta forma, pelo seu movimento fsico, os espectadores relacionam-se no s com o som e imagem mas directamente com os prprios performers. A imagem um todo comunicante de significados aos quais a audincia reage.

    As possibilidades tecnologias so outra condicionante, igualmente importante, que tanto cria afastamentos como promove uma relao emptica entre os espetadores e os artistas. No momento performativo decorre um encontro entre o corpo e a mquina que ultrapassa o sentido dos dois (humano + mquina) para ser uma s entidade. As tecnologias disponveis ao artista traduzem-se, por relao com os movimentos associados, em maior ou menos visibilidade: cmaras, microfones, infravermelhos, lasers, ultrasons, etc. Estas escolhas tornam a mestria dos instrumentos para performance mais difcil e menos precisa, no entanto a audincia trazida para uma relao de partilha entre o performer e o cran (imagem). A audincia segue uma relao entre artista e resultado, numa narrativa corporal-maquinal. Outra possibilidade repensar as limitaes do artista visual isolado e analisar formas nas quais mltiplos artistas partilhem a produo de imagens. Se isto envolve o gnero de interfaces sensoriais sugeridos acima, a audincia presenteada com muito mais11 .

    11 Comentrio de Noisefold, VJam Theory; 2008; p.9.

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    FruioDo lado da audincia, os estmulos so recebidos e interpretados, resultando

    em reaes que podem ser mais ou menos aparentemente condicionadas e expressas. A fruio, o nome desta reao por parte da audincia, est presente na arte-objeto bem como na arte-momento. Na arte-objeto, a fruio est dependente da presena do objeto ou da sua representao mas (em princpio) no da sua durao. Por outro lado, na arte-momento, a performance ao vivo unificadora do estimulo da expresso artstica e do seu resultado a fruio como resultado do estmulo na audincia. Durante a performance audiovisual partilham-se nveis de conscincia e percepo na produo de experincias de transformao12, para ambos, artistas e audincia. Este termo fruio traduzido do trabalho de Elena Cologni que a descreve desta forma: Na minha prtica, a relao com o espetador investigada a partir da sua posio de fruio. O termo fruio utilizado para significar o verbo de perceber e para se tornar parte do trabalho (a obra finalmente concretizada; a condio de gerar frutos). Tem sido, nos ltimos anos, minha inteno artstica, incorporar a resposta do espectador, de vrias formas e a vrios nveis, incluindo na fase percetual. Neste sentido, a sua presena complementar ao sentido do trabalho. Neste sentido, a fruio uma dinmica essencial performance e que s pode ser preenchida pela audincia. A fruio ocorre no tempo e em fases: audincia e performer no comunicam simultneamente. O performer providencia e a audincia perceciona/recebe e d devolta/alimenta para o evento13.

    A dinmica da fruio, descrita num complexo dilogo com a obra e os seus estmulos sensoriais, com os performers, com o espao, o tempo e o contexto, exige cada vez o olhar atento dos praticantes e pensadores da performance. Os atores que so convidados a assistir a uma performance chamam-se, No livro VJam Theory, de interactores, de audincia e de participantes, numa tentativa de busca de uma definio que compreenda este complexo dilogo onde audincia (udio) limitadora visto que o estmulo afeta vrios sentidos, bem como assistncia (traduzindo esta palavra demasiada passividade). Estas tentativas so indcios tradutores do desejo de um conjunto de designaes que compreendam relaes mais complexas e portanto apropriadas ao que pode ser uma experincia

    12 Carlier; 2009; p.168.

    13 Elena Cologni; FRUITION: percetual time gap as location for knowledge Mnemoninc Present Un-folding; Body, Space & Technology Journal; London: Brunel University; Vol 05. http://people.brunel.ac.uk/bst/vol05/elenacologni.html (acessado em 20/05/2012).

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    audiovisual. Poder-se-ia aqui recorrer de uma referncia sinestesia para um novo termo (a acrescentar), e seria talvez apropriado mas contudo sustentado numa falsa assuno da relao entre som e imagem. A associao entre som e imagem no , por definio, uma relao sinesteta. A fruio em si um ato de interpretao, do contedo ou para alm do contedo, de leitura do que est em volta (para alm da relao de composio entre som e imagem) o espetador faz a pintura, diria Duchamp.

    Os escassos escritos de artista que constituem uma possvel biblioteca da performance audiovisual ao vivo transparecem experincias em primeira mo do sentir de estar em palco e de manipular vdeo e som na construo de um momento, contudo so escassos os exemplos que do voz aos espectadores. Estes so possveis de obter atravs de entrevistas conduzidas depois de eventos e durante festivais14.

    12 Um exemplo das experincias de fruio na plataforma Vimeo podemos encontrar um video que compila os depoimentos de vrios elementos da audinica da performance Zee de Kurt Hentschlger e que foi gravada aquando da sua exibio no festival AND (Abandon Normal Devices), em Liverpool em 2011. https://vimeo.com/28055730 (acessado em 20-05-2012)

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    ConclusoNo texto Retrato do VJ (no original, Portrait of the VJ), a certa altura, Mark

    Amerika situa duas atuaes, em dois locais distintos (reais ou ficcionadas, no importante), e estabelece entre elas relaes que permitem compreender as diferenas entre as audincias, em relao a si como performer e em relao ao trabalho que apresentou: Em Toquio (diz ele) eles vm ter contigo depois da performance, apertam-te a mo e dizem, Obrigado. Acabei de ter uma experincia alfa15. Acrescento, no ser a possibilidade de conseguir uma experincia alfa (ou outra, para si e para a sua audincia), que transcendendo o quotidiano, que compele o artista/performer para o momento? Continua Amerika: O VJ est conscientemente procura de conduzir um evento experimental que criar um estado mental alterado para os que a ele assistem. Da minha perspectiva, a de algum que est a desenvolver o seu prprio estilo como VJ, estas interaes entre artistas-praticantes, o hardware do computador, a fonte de material digital, e a audincia so sempre hiperinprovisacionais e surgem do desejo de mudar o discurso dos mdia por dentro16. As dinmicas da experincia e da fruio esto na essncia da performance como momento irrepetvel porque elas prprias, no individuo, so nicas. Aprofundar o conhecimento destas dinmicas traz superfcie uma riqueza extraordinria do humano e da sua motivao para as expresses artsticas efmeras tecnolgicas, constituindo potencial de atuao como fator de mudana no contexto. Da posio de artista (ser improvvel largar esta posio como autora do texto mas tambm como artista/performer), conhecer as possveis reaes que certos impulsos causam nos espetadores, permite construir um conceito performativo mais consciente e mais atento ao resultado a provocar. Se certo que isto pode ser traduzido em manipulao da audincia, entre outros atributos pouco favorveis, pode igualmente ser traduzido em responsabilidade e potencialidade esttica. Artistas sonoros e visuais tm o poder de trabalhar com o aparente mas tambm com o transparente (invisvel e inaudvel). A utilizao de imagens estroboscpicas, que recorrente no trabalho de artistas como Kurt Hentschlger, exemplar de um resultado que no construdo na projeo mas no crebro de cada elemento da

    15 Amerika; 2007; p. 56.

    16 Amerika; 2007; p. 73.

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    audincia. A responsabilidade , neste caso, traduzida em observar o impacto de tais imagens em grupos de risco.

    Atravs do texto foi minha inteno levantar questes de envolvncia de artistas e audincia no ato criativo-momento. A tentativa tem o valor de organizar uma estrutura de desejos, como um esqueleto ou uma armao: flexvel, adaptvel e evolutiva, que precisa que se acrescente camadas de matria para ganhar forma e construir funo. Os desejos expresso-os eu, como autora, de poder explorar as consecutivas camadas e progressivamente formar um corpo til que estimule as prticas performativas audiovisuais.